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Nietzsche
São Paulo – 2006
No 21ISSN 1413-7755
Apoio:
“O valor de um caracol”
ou “O nobre nietzschiano:
um elogio a Cálicles?” 29
Wilson Antonio Frezzatti Jr.
Kierkegaard, um leitor de
Nietzsche avant la lettre 47
Alvaro L.M. Valls
Heidegger e Nietzsche:
o conflito entre arte e verdade 63
Clademir Luís Araldi
Nietzsche e Heidegger:
a arte como vontade
ou fundada na origem? 77
Marco Aurélio Werle
Nietzsche e a ironia em música
Nietzsche
e a ironia em música
Vladimir Safatle*
A autonomia da forma
Teatralidade e décadence
ter uma percepção à frente dos outros homens: o que deve ter efei-
to de verdade não pode ser verdadeiro [o que aparece como
organicidade funcional das obras não pode ser posto sem aspas]
(...) A música de Wagner nunca é verdadeira. – Mas é tida como
verdadeira, e tudo está em ordem” (WA/CW § 8).
O problema está aí, na última frase. Se estivéssemos diante de
uma forma que põe a totalidade de seus momentos como aparência
que se afirma enquanto aparência, como fluxo contínuo de aparên-
cias e máscaras, então teríamos uma obra capaz de se afirmar como
potência de criação e destruição que Nietzsche compreende como
estetização de uma aliança com a vida enquanto jogo contínuo de
forças5. Esta forma capaz de não se perder no interior da literalidade
e de pôr processos sintéticos de construção sem naturalizá-los será
encontrado por Nietzsche quando se deparar com uma forma musi-
cal baseada na estetização da ironia. É neste sentido que devemos
compreender a afirmação: “se nós que nos curamos [de Wagner]
precisamos de uma arte, é de uma arte totalmente diferente – uma
arte zombeteira, leve, fugaz, serena como os deuses, de um artifício
divino” (idem, Epílogo).
Do absoluto à ironia
uma risada de ouro. Risada que indica aqueles capazes de rir “de
maneira nova e sobre-humana – e à custa de todas as coisas sérias”
(idem, § 294).
Lembremos ainda como Nietzsche chega a compreender a mar-
cha da modernidade a partir de uma certa “ironização” dos modos
de vida na qual o filósofo vê mais um sintoma, para além da auto-
nomia crescente das particularidades e da teatralidade, do que ele
chama de décadence européia. “Ironização” deve ser compreendi-
da aqui como esta forma dos sujeitos transformarem-se em atores
que encenam seus próprios papéis sociais sem vincularem-se real-
mente a eles, instaurando, com isto, um jogo de máscaras sem ori-
ginal. Neste sentido, talvez não haja texto mais ilustrativo do que o
aforismo 223 de Para além de bem e mal: “Somos a primeira época
estudiosa em matéria de ‘fantasias’, quero dizer morais, artigos de
fé, gostos artísticos e religiões, preparada, como nenhuma época
anterior, para o Carnaval de grande estilo, para a mais espiritual
gargalhada e exuberância momesca, para a altura transcendental
da suprema folia e derrisão aristofânica do mundo. Talvez descu-
bramos precisamente aqui o domínio da nossa invenção, este domí-
nio em que também nós ainda podemos ser originais, como
parodistas da história universal e bufões do Senhor, quem sabe.
Talvez, se nada do presente existir no futuro, justamente a nossa
risada tenha futuro” (idem, § 223). Paródia da história universal,
bufonaria transcendental da suprema folia capaz de destruir toda
forma fixa que Nietzsche encontrará estetizada, enfim, em uma opéra
comique de Bizet: Carmen.
Deixemos de lado uma certa interpretação extramusical que ten-
de a centrar o interesse nietzschiano pela ópera na caracterização
de Carmen e de sua conduta no amor como exemplo de ação afir-
mativa animada pelo amor fati (SICA 21). Embora tal interpretação
tenha força, é em outro contexto que devemos compreender o que
está em jogo na guinada, operada por Nietzsche, de Wagner a Bizet.
notas
1
Este mapa de um momento importante da reflexão filosófi-
ca sobre o fato musical já foi fornecido, de maneira deta-
lhada, por Dahlhaus em livros como A idéia da música
absoluta e Estética musical.
2
Podemos ainda lembrar de como esta temática da música
absoluta é reaproveitada no interior de uma crítica da
reificação: “A música contém algo que escapa à civiliza-
ção, algo que não se submete totalmente à ratio reificada
(vergegenständlichenden); enquanto que as artes plásticas,
que se vinculam a coisas (Dinge) determinadas, ao mundo
objetivo (gegenständliche) da práxis, mostram-se aparentadas
ao espírito do progresso tecnológico” (ADORNO 3, p. 175).
3
Como nos lembra Liébert : “Adepto não assumido da músi-
ca absoluta, Nietzsche continuava, no fundo, impregnado
pela metafísica romântica” (LIÉBERT 11).
4
Por outro lado, sempre é bom lembrar que “nas obras co-
rais de Bach – e antes dele, devemos citar a famosa
lamentação de Dido, em Dido e Enéas, de Purcell – o cro-
matismo é especialmente reservado à expressão do trágico
e do doloroso; ele se reveste de um caráter dramático”
(BOULEZ 5, p. 258).
5
Não deixa de ser extremamente sintomático encontrar tal
crítica à “teatralização” da forma estética mais à frente,
em um teórico-chave para o modernismo como Michael
Fried. Para Fried, o valor estético na modernidade é fun-
damentalmente vinculado à possibilidade de a obra servir
de palco para a posição do processo de clarificação pro-
gressiva dos mecanismos de produção do sentido. Lem-
bremos, por exemplo, do sentido de sua afirmação de que
“o teatro é a negação da arte” (FRIED 7, p. 125). O teatro
aqui não é o teatro brechtiano que transforma a cena em
referências bibliográficas
“O valor de um caracol”
ou “O nobre nietzschiano:
um elogio a Cálicles?”
Wilson Antonio Frezzatti Jr. *
*
Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), professor dos
Cursos de Filosofia e Mestrado em Filosofia da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE).
(cf. 472d), tem que admitir com Sócrates que cometer uma injusti-
ça é um grande mal, mas que pior ainda é não expiar uma injustiça
cometida (cf. 479e). Cálicles, o adversário mais feroz e agressivo,
revolta-se contra a conclusão do filósofo ateniense, isto é, contra a
afirmação que, se a oratória serve apenas para evitar a expiação,
ela está associada a todo vício da alma (injustiça, ignorância, covar-
dia, entre outras). Se Sócrates tiver razão, a humanidade anda às
avessas (cf. 481c).
É neste ponto que incide nosso tema, a concepção do tipo
nobre de Nietzsche, pois Cálicles, ao tentar refutar Sócrates, apre-
senta como antagônicos os modos de vida do aristocrata e do escra-
vo (cf. 482c – 508e). Após acusar o dialético de ser orador e de ter
enganado Górgias e Polo, Cálicles aponta uma contradição no dis-
curso de seu adversário: Sócrates confunde os âmbitos da natureza
e da lei humana. Na natureza, o pior é sofrer uma injustiça enquan-
to que, para a justiça humana, o pior é cometer uma injustiça. Ain-
da mais: sofrer injustiça é algo próprio dos fracos e escravos, e a lei
é produto da união de homens fracos, ou seja, uma necessidade de
proteção da maioria. Em termos nietzschianos poderíamos dizer,
como o próprio Nietzsche faz, que a gregariedade dos homens, o
rebanho, ocorre devido a uma necessidade de conservação daque-
les que não podem ou não conseguem expandir sua potência. De
forma semelhante, para Cálicles, os fracos buscam proteção na lei.
A filosofia, afirma ainda o discípulo de Górgias, seria a responsável
pela confusão, pois os filósofos não teriam noções adequadas nem
de Estado, nem da linguagem, nem dos prazeres e das paixões hu-
manas, nem, enfim, da vida. Segundo ainda Cálicles, o uso da filo-
sofia deveria restringir-se à adolescência, não sendo ela adequada
para um homem adulto e livre, isto é, a filosofia não prestaria para
a política. O orador ainda “profetiza”: “se Sócrates fosse acusado
de algum crime, não saberia escapar da morte”. Guardados os de-
vidos contextos e conceitos, não poderíamos aproximar as críticas
Após mais uma discussão, esta para saber como nos defen-
der de praticar e de não sofrer injustiças, e mais uma insistência de
Cálicles que a oratória é a arte sumamente bela e que é pior sofrer
uma injustiça do que cometê-la (cf. 509d-522d), Sócrates lança mão
de um mito para mostrar que é preferível a morte do que cometer
uma injustiça: o maior dos males é chegar ao Hades com a alma
carregada de iniqüidades (cf. 523a-527e). Ao fim, a reafirmação
que o homem não deve parecer ser bom, mas ser bom, e que isso
significa a felicidade na vida e na morte. A razão e não o prazer dos
sentidos nos indica esse caminho. Portanto, é o ideal de Cálicles
que não vale um caracol (cf. 527e), pois aquilo que ele indicou ser
próprio de um homem livre apenas ilude, não produzindo a verda-
de que coincide com a felicidade.
Aparentemente, a oposição de Cálicles entre o forte, capaz
de prescindir da maioria e obter a satisfação de seus desejos e pai-
xões, e o fraco ou escravo, incapaz de seguir seus desejos e depen-
dente da proteção da justiça humana, é semelhante à oposição
nietzschiana entre os tipos nobre e escravo. Em Crepúsculo dos ído-
los, “O problema de Sócrates” § 4, Nietzsche considera a equação
“Razão = Virtude = Felicidade” como a idiossincrasia mais bizar-
ra da doença de Sócrates, do seu cansaço vital, de sua anarquia de
impulsos. Essa equiparação é contrária aos mais fortes instintos gre-
gos, cuja equação mais própria seria a seguinte: “Virtude = Ins-
tinto = Inconsciência radical”1; portanto, mais próxima dos argu-
mentos de Cálicles. Entretanto, apesar de as características do
escravo de Cálicles coincidirem com as do tipo escravo nietzschiano,
nem todas as características do nobre de Cálicles estão presentes
no tipo nobre nietzschiano. Há entre eles uma diferença fundamen-
tal, que faz com que o primeiro se aproxime do organismo deca-
dente, ou seja, do tipo Sócrates. Queremos mostrar que o desenfre-
ado, aquele que corre atrás de todo e qualquer prazer não equivale
ao tipo nobre do filósofo alemão. Além disso, queremos indicar que,
notas
1
Essa equação encontra-se numa variante do texto publica-
do apontada em nota da edição Colli-Montinari das obras
de Nietzsche. O manuscrito Mp XVI 4 acrescenta, entre
parênteses, ao final do § 4: “A equação mais antiga seria a
seguinte: Virtude = Instinto = Inconsciência radical” (Colli
e Montinari 1, p. 119).
2
Em trabalho anterior, mostramos a importância da hierar-
quia para a noção nietzschiana de luta (cf. Frezzatti 2, pp.
77-80).
3
“Toda elevação [Erhöhung] do tipo ‘homem’ foi até agora
obra de uma sociedade aristocrática – e assim será sem-
pre: porque é uma sociedade que acredita numa longa es-
cala de hierarquia e de diferença de valor entre os homens
e que, em certo sentido, necessita da escravatura” (JGB/
BM § 257).
4
A diferença é o próprio motor da luta entre as forças que
constituem o próprio mundo (cf. Frezzatti 2, pp. 78-79).
5
“A ‘imortalidade’ concedida a cada Pedro e Paulo foi até
agora o maior, o mais maldoso atentado contra a humani-
referências bibliográficas
Kierkegaard, um leitor de
Nietzsche avant la lettre*
Alvaro L.M. Valls**
*
Palestra proferida no XIX Encontros Nietzsche – Colóquio Pensar contra
Nietzsche, na USP, no dia 23 de agosto de 2005.
**
Professor de Filosofia da Univ. do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos-RS).
rente. Ao que é mau para com ele, não oferece resistência nem por pa-
lavras nem no coração. (...) Uma nova conduta, não uma nova fé...
(AC/AC § 33)8.
São Paulo era funcionário? Não. Tinha algum meio de vida? Não.
Ganhava muito dinheiro? Não. Era casado e com filhos? Não. Mas então
São Paulo não era um homem sério! (Pap. VIII A 206).
***
notas
1
Holzwege. Frankfurt am Main: Klostermann, 1950, p. 230.
2
Ver Löwith, K. Von Hegel Zu Nietzsche. Der Revolutionäre
Bruch Im 19. Jahrhundert, Hamburg: F. Meiner, 9. Auflage,
1986.
3
De resto, no que toca a esta comparação entre os autores,
sentimo-nos confirmados pelo teólogo francês François
Bousquet, que escreve: “Il ne faut pas abuser de ce genre de
rapprochement, mais dans toute l’oeuvre de Kierkegaard, c’est
peut-être ici, plus encore que dans L’Instant, que se fait
entendre un ton nietzschéen, même si l’attaque contre la
chrétienté procède d’un tout autre esprit, de l’Evangile lui-
même. La vigueur du discours, la flamboyance du langage,
la force de l’apostrophe, laissent rêver de ce qu’aurait pu être
la rencontre des deux hommes, s’ils eussent été contemporains.
De la même manière que l’ont a pu présenter Kierkegaard
comme le plus hégélien des anti-hégéliens, ne pourrait-on
17
AC/AC, p. 76 – “Folglich muß man den Menschen
unglücklich machen – dies war zu jeder Zeit die Logik des
Priesters. (...) er soll leiden... Und er soll so leiden, daß er
jederzeit den Priester nötig hat. – Weg mit den Ärzten. Man
hat einen Heiland nötig” (Bd. II, S. 1214).
18
AC/AC, p. 77. – “Es scheint, wenn anders ich mich nicht
verhört habe, daß es unter Christen eine Art Kriterium der
Wahrheit gibt, das man den “Beweis der Kraft” nennt. “Der
Glaube macht selig: also ist er wahr.” Man dürfte hier
zunächst einwenden, daß gerade das Seligmachen nicht
bewiesen, sondern nur versprochen ist: (...) man soll selig
werden, weil man glaubt... Aber daß tatsächlich eintritt, was
der Priester dem Gläubigen für das jeder Kontrolle
unzugängliche “Jenseits” verspricht, womit bewiese sich das?
Der angebliche “Beweis der Kraft” ist also im Grunde wieder
nur ein Glaube daran, daß die Wirkung nicht ausbleibt,
welche man sich vom Glauben verspricht.” (Bd. II, S. 1215)
19
Lidelsernes Evangelium. Christelige Taler af S. Kierkegaard,
1º discurso: Hvad der ligger i, og hvad Glædeligt der ligger
i den Tanke at følge Christum efter, in SAMLEDE VÆRKER,
OPBYGGELIGE TALER I FORSKJELLIG AAND, Bind 11,
p. 213. Referências nas traduções: alemã, GW 18, op.
cit., S.240f.; francesa, OC 13, p. 224; americana, KW
XV, p. 228.
20
“mig synes den maate blive til, alene af Medlidenhed med et
saadant Menneske (...)” Id. p. 213.
21
“Beviset for, at denne Salighed er til, er ganske herligt f¢rt
af Paulus; thi derom kan aldeles ingen Tvivl være, at han,
uden den, havde været den Elendigste af Alle” Id., p. 213.
22
No Post-Scriptum Final Não-científico às Migalhas Filosófi-
cas, de 1846, o pseudônimo Climacus rejeita todos os ar-
gumentos históricos e especulativos que pretendam provar
a verdade do cristianismo. E em 1847 As Obras Do Amor
referências bibliográficas
Heidegger e Nietzsche:
o conflito entre arte e verdade*
Clademir Luís Araldi **
*
Palestra proferida no XIX Encontros Nietzsche – Colóquio Pensar contra
Nietzsche, na USP, no dia 23 de agosto de 2005.
**
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pelotas.
1. O platonismo invertido
Sobre a relação entre arte e verdade tornei-me sério desde muito cedo:
e ainda agora fico com um sagrado pavor diante dessa discordância.
Meu primeiro livro foi dedicado a ela; o Nascimento da tragédia crê na
arte, tendo como pano de fundo uma outra crença: que não é possível
viver com a verdade, que a vontade de verdade já é um sintoma de
degeneração... (XIII, 16[40] – 7).
2. Aparência e realidade
A verdade é feia: “nós temos a arte”, com isso não perecemos da ver-
dade (XIII, 16[40]).
Escudo da necessidade!
Astro supremo do ser!
– que nenhum desejo atinge,
que nenhum não macula,
eterno sim do ser, eternamente serei teu sim:
pois eu te amo, oh eternidade! (DD/DD, “Glória e eternidade”, §4).
feito, nem belo, nem nobre, e não quer tornar-se nada disso, nem sequer
se esforça no sentido de imitar o homem! E nem é atingido por nenhum
de nossos juízos estéticos e morais! (FW/GC § 109)
... ai da fatal curiosidade que através de uma fresta foi capaz de sair
uma vez do cubículo da consciência e olhar para baixo, e agora pres-
sentiu que sobre o implacável, o ávido, o insaciável, o assassino, repou-
sa o homem, na indiferença de seu não-saber, e como que pendente em
sonhos sobre o dorso de um tigre (WL/VM § 1).
notas
1
Nos escritos desse período, Nietzsche compreende o Uno-
Primordial como o “verdadeiramente existente”, “o abis-
mo do ser verdadeiro”, “o coração da natureza”, “o ser
em si”, de modo muito semelhante à terminologia
schopenhaueriana. Cf. também VII, 7[174], VII, 7[152] e
VII, 7[165].
2
Acerca dessa compreensão de “verdade”, confira GT/NT
§3 e DW/VD. A visão dionisíaca do mundo, §3.
3
Acerca desse sentido da tragédia e da cisão entre homem e
natureza na filosofia nietzschiana, confira Löwith 3, p. 148-
149 e Haar 1, p. 272 ss.
4
É bem ilustrativa a afirmação contida num póstumo do iní-
cio – verão de 1888: “Não é digno de um filósofo dizer: o
bom e o belo são uma coisa só: caso se acrescente a isso
‘também o verdadeiro’, então deve-se bater nele” (XIII,
16(40) – 6).
referências bibliográficas
Nietzsche e Heidegger:
a arte como vontade
ou fundada na origem?*
Marco Aurélio Werle **
*
Palestra proferida no XIX Encontros Nietzsche – Colóquio Pensar contra
Nietzsche, na USP, no dia 23 de agosto de 2005.
**
Professor do Departamento de Filosofia da USP.
Abstract: This paper aims to make some remarks about the theme art in
Nietzsche’s work, in accord with the reading of Heidegger in the first essay
of his work Nietzsche, entitled “Will to power as art”. The problem here
is: how can art be a privileged and anti-Platonic realm of will, if it was
dominated and imprisoned by Western aesthetics? That is, thinking with
and against Nietzsche, in his “philosophy” Heidegger also looks for a
positive relation with art. In order to do that, he asks the origin of art from
a point of view external to that of categories of aesthetics, all of them, in
his vision, contaminated by the ontical discourse of Western metaphysics.
Keywords: art – will – Heidegger – metaphysics
notas
1
Além dos dois volumes sobre Nietzsche, vale destacar os
textos: “A expressão de Nietzsche: Deus está morto” (1936-
1940) (In: Caminhos da floresta), “Quem é o Zaratustra de
Nietzsche” (1953) e “O que significa pensar?” (1954) (In:
Ensaios e conferências).
2
Cf. F. Würzbach em Nachbericht da edição da Musarion
Verlag, vol.19, p.404.
3
Esse modo de disposição que Nietzsche adota para os te-
mas do livro III lembra em muito os sistemas filosóficos
idealistas (na articulação entre teoria, prática e estética).
Talvez não seja à toa que Heidegger tenha sido levado a
interpretar Nietzsche no horizonte do conceito de vontade
do idealismo alemão.
4
Essa relação entre arte e embriaguez encontra-se também
no centro do Crepúsculo dos ídolos, no item 8 das Incursões
de um extemporâneo, intitulado Para a psicologia do artis-
ta: “Para que haja a arte, para que haja uma ação e uma
visualização estéticas é incontornável uma precondição fi-
siológica: a embriaguez ... nesse estado, tudo se enriquece
a partir de sua própria plenitude: o que se vê, o que se
quer, se vê dilatado, cerrado, forte, sobrecarregado com a
força. O homem que se encontra nesse estado transforma
as coisas até elas refletirem a sua potência: até elas serem
o reflexo de sua perfeição. Este precisar – transformar em
algo perfeito é – arte” (p.70-71).
5
A estética é a forma de saber que na época moderna captu-
ra a beleza, assim como a verdade pertence à lógica (cf.
Kant, Crítica do juízo, trad. port., p.28). Conferir também:
“A conversa com o professor japonês” em A caminho da
linguagem, em que se questiona o termo estética.
6
Neste contexto apenas podemos indicar, mas sem explorar
em detalhes, o ensaio A questão da técnica (In: Vorträge
und Aufsätze), no qual é abordado o modo como a técnica
moderna encaminha para si, enquanto Gestell que explora
e desafia a natureza, toda a essência do produzir, que en-
tre os gregos estava irmanada com a arte. Heidegger suge-
re que a arte, na época moderna, está determinada pela
técnica moderna enquanto deturpação do sentido grego da
téckne. A tarefa a ser levada adiante, juntamente com os
poetas como Hölderlin, Rilke e Trakl, consiste em restituir
à arte moderna seu sentido antigo de téckne enquanto
poiesis.
7
Heidegger nunca negou a grandeza de Nietzsche como pen-
sador; cf., p. ex. A essência do niiilismo, p.220.
8
Nietzsche é sem dúvida um antecipador do modernismo, se
pensarmos com Arthur Danto que a “história do modernis-
mo é a história da purgação, da limpeza generalizada, do
libertar a arte do que quer que lhe fosse acessório” (After
the end of art. Princeton/New Jersey: Princeton University
Press, 1997, p.70).
referências bibliográficas
Edições:
Salvo indicação contrária, as edições utilizadas serão as organizadas
por Giorgio Colli e Mazzino Montinari: Sämtliche Werke. Kritische Stu-
dienausgabe em 15 volumes, Berlim/Munique, Walter de Gruyter & Co./
DTV, 1980 e Sämtliche Briefe. Kritische Studienausgabe em 8 volumes,
Berlim/Munique, Walter de Gruyter & Co./DTV, 1986.
Forma de citação:
Para os textos publicados por Nietzsche, o algarismo arábico indicará
o aforismo; no caso de GM/GM, o algarismo romano anterior ao arábico
remeterá à parte do livro; no caso de Za/ZA, o algarismo romano remete-
rá à parte do livro e a ele se seguirá o título do discurso; no caso de GD/
CI e de EH/EH, o algarismo arábico, que se seguirá ao título do capítulo,
indicará o aforismo.
Para os escritos inéditos inacabados, o algarismo arábico ou romano,
conforme o caso, indicará a parte do texto.
Para os fragmentos póstumos, o algarismo romano indicará o volume
e os arábicos que a ele se seguem, o fragmento póstumo.
Contents
NOTES TO CONTRIBUTORS