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Letras em dia, Português, 12 .° ano

Artigo de opinião

Lê o artigo de opinião que se segue.

A estupidez da inteligência artificial

É o furor da semana no domínio dos avanços tecnológicos, um programa de inteligência artificial


(IA) que consegue escrever ensaios, notícias, criar histórias ou poesia a partir das sugestões dos
utilizadores. Não é o primeiro programa do género, mas os avanços demonstrados pelo ChatGPT
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deixam antever que muitas tarefas básicas de escrita passarão a ser feitas por máquinas num futuro
não muito distante.
O entusiasmo infantil com que olhamos para estes novos desenvolvimentos de IA não
esconde que, depois do divertimento de experimentar, nos comece a amargar a boca pelas
consequências do seu impacto no futuro. E não se trata apenas de questões éticas ou
10 existenciais à Blade Runner1, imaginando uma qualquer revolta de autómatos angustiados
com a mortalidade. Tem mais que ver com o impacto da máquina no mercado laboral. O
parafuso que Charlie Chaplin apertava em Tempos Modernos ou a mercadoria que um
trabalhador chinês embala em versão autómato em longas jornadas de fastidioso trabalho
podem passar a ser feitas por máquinas, mas o que acontece a esses trabalhadores
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dispensados? São despedidos? Reciclados? Rejeitados? [...]
As aplicações para gerir a nossa vida tornaram-se tão omnipresentes que o setor deverá
valer mais de 100 mil milhões de euros em 2027, escreve o Brussels Times. Com o tempo a
acelerar à frente dos nossos olhos e a quantidade de ofertas que se nos apresentam, o ser
humano do século XXI, incapaz de estar sem fazer nada, recorre à tecnologia para maximizar o
seu horário e fugir à angústia de não conseguir fazer tudo. E mesmo assim queda curto. «A
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gestão do tempo não é a solução, na verdade é parte do problema», escreve o psicólogo
empresarial Tony Crabbe no seu livro Busy: How to Thrive in a World of Too Much, citado pelo
diário belga em língua inglesa. O tempo que as aplicações nos ajudam a poupar, [...] não visa
ajudar-nos a respirar, beber descansado um café, caminhar descalço na relva, fechar os olhos e
não pensar em nada. Na verdade, poupamos tempo numas tarefas para arranjar tempo para
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encaixar outras.
E o mais incrível é que, se calhar por influência dessas aplicações eficientes, tudo se
horizontaliza e na mesma dimensionalidade da nossa agenda de tarefas diárias uma reunião
de trabalho, a compra de nabos na mercearia, a aula de ioga, o encontro com amigos, o filme
na Netflix e o beijo aos pais se equiparam no mesmo nível burocrático-existencial. [...]
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A autoajuda, o empreendedorismo, «o ser capaz de fazer tudo desde que uma pessoa se
esforce», quando transformados em filosofia de vida tornam-se obsessões que podem fazer
mais mal do que bem. E não deixam de ser ferramentas na mão do mercado, um deus ex
machina2 do ateísmo capitalista: nunca descanses, amanhã tenho 15 minutos para ti.
RODRIGUES, António, 2022. «A estupidez da inteligência artificial» Público.
https://www.publico.pt/2022/12/08/mundo/cronica/estupidez-inteligencia-artificial-2030586 [Consult. 2022-12-11]

1. Blade Runner: filme de ficção científica; 2. deus ex machina: (expressão latina) um Deus (que desce) por meio de uma máquina
[aplica-se figuradamente a propósito do desfecho feliz de uma situação trágica pela intervenção inesperada de uma personagem,
como que fazendo descer à cena um ente sobrenatural por meio de um maquinismo].
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Seleciona a opção que, em cada um dos itens, permite obter uma afirmação adequada ao sentido do
texto.

1 No segundo parágrafo, a expressão «entusiasmo infantil» (l. 6)

(A) insinua uma crítica do autor do texto.


(B) comprova que a IA é usada sobretudo para fins recreativos.
(C) exemplifica o caráter lúdico do programa ChatGPT.
(D) fundamenta o argumento usado no parágrafo anterior.

2 Segundo o autor do texto, as consequências do uso da IA


(A) implicam questões existenciais, tais como as que foram desenvolvidas no filme Blade Runner.
(B) envolvem questões éticas do âmbito do mercado de trabalho.
(C) incluem uma reavaliação do preço das aplicações que gerem o nosso tempo.
(D) tornam inaceitável o tempo que despendemos em longas jornadas de trabalho.

3 No terceiro parágrafo, a citação do psicólogo Tony Crabbe


(A) põe em causa os investimentos no programa ChatGPT.
(B) comprova a importância da assistência psicológica nas empresas.
(C) pretende exemplificar as ideias apresentados no parágrafo anterior.
(D) é explicada nas frases seguintes.

4 A seguinte sequência é marcada pela objetividade:


(A) «O entusiasmo infantil com que olhamos para estes novos desenvolvimentos de IA não
esconde que, depois do divertimento de experimentar, nos comece a amargar a boca pelas
consequências do seu impacto no futuro» (ll. 6-8)
(B) «o setor deverá valer mais de 100 mil milhões de euros em 2027» (ll. 15-16)
(C) «E o mais incrível é que, se calhar por influência dessas aplicações eficientes, tudo se
horizontaliza» (ll. 25-26)
(D) «A autoajuda, o empreendedorismo, “o ser capaz de fazer tudo desde que uma pessoa se
esforce”, quando transformados em filosofia de vida tornam-se obsessões que podem fazer
mais mal do que bem.» (ll. 29-31)

5 No contexto em que ocorre, a sequência «nunca descanses, amanhã tenho 15 minutos para ti.» (l.
32) constitui:

(A) um oxímoro. (C) um antítese.


(B) uma ironia. (D) uma metáfora.

6 O contraste presente no título é evidenciado, no texto, através


(A) da recorrente valorização do modo de vida que antecedeu a IA.
(B) das constantes críticas à sociedade de massas, centrada no lucro.
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(C) da exposição das consequências negativas da IA, tais como os dilemas existenciais e os
problemas de saúde mental.
(D) das críticas ao impacto negativo da IA no mercado de trabalho e na forma como é sentido e
gerido o tempo..

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Artigo de opinião, p. 55
1. (A); 2. (B); 3. (D); 4. (B); 5. (B); 6. (D).

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