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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

DANIELA ELIANA BOHN IBER

EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DA ALTERAÇÃO DO NOME CIVIL E O PRINCÍPIO DA


IMUTABILIDADE: A NOVA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS

Francisco Beltrão - PR
2024
DANIELA ELIANA BOHN IBER

EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DA ALTERAÇÃO DO NOME CIVIL E O PRINCÍPIO DA


IMUTABILIDADE: A NOVA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS

Monografia apresentada como pré-


requisito de conclusão do curso de
Bacharelado em Direito, da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná.
Orientadora: Profa. Dra. Melissa Barbieri
de Oliveira.

Francisco Beltrão – PR
2024
DANIELA ELIANA BOHN IBER

EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DA ALTERAÇÃO DO NOME CIVIL E O PRINCÍPIO DA


IMUTABILIDADE: A NOVA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS

Monografia apresentada como requisito


parcial para obtenção do grau de
Bacharel, no Curso de Graduação em
Direito, da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – UNIOESTE, sob
apreciação da seguinte banca
examinadora:

Aprovada em:

_______________________________________________
Dra. Melissa Barbieri de Oliveira (Orientadora)
Professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná

_______________________________________________
NOME
Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná

_______________________________________________
NOME
Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Dedico este trabalho aos meus pais, cujo
apoio se reflete em cada página dele.
AGRADECIMENTOS

Dedico este momento de agradecimento às pessoas que contribuíram para a


realização deste trabalho, como também para a conclusão da minha jornada
acadêmica.
Aos meus pais, Elaine e Darby, meus maiores alicerces. Quando passei a ter
sonhos, vocês não mediram esforços para me apoiar e me ajudar a conquistá-los, e o
sonho que alcanço neste momento, a graduação, é reflexo disso.
Em cada passo dessa jornada, vocês estiveram ao meu lado, incentivando-
me e celebrando cada uma das minhas conquistas, independentemente de sua
magnitude. A grandeza do amor, determinação, apoio e paciência de vocês moldaram
a pessoa que sou hoje e por este motivo, os dedico cada uma das minhas – ainda
pequenas – vitórias.
Ao meu irmão, Leonardo. Apesar de muitas vezes buscar esconder seu lado
sensível e amoroso, você tem sido um apoio fundamental para mim, de maneiras que
talvez nem perceba.
Ter você como irmão, compartilhando todos os momentos, é um presente
imensurável. É através dessa ligação que descobrimos o lado positivo da vida, mesmo
nos momentos mais desafiadores. Cada gesto de apoio e cada momento
compartilhado são tesouros que guardarei para sempre em meu coração.
Aos meus avós, manifesto minha gratidão pelo amor incondicional,
encorajamento e sabedoria que me ofereceram ao longo dos anos. Reconheço o
exemplo inspirador que vocês representam em minha vida. Suas benção foram
fundamentais para que eu chegasse até esse momento.
Ao Rodrigo. Sua crença em mim é uma fonte contínua de inspiração a buscar
o meu melhor a cada dia.
Sou grata pela sua presença constante ao longo desses anos e por todo o
apoio nos momentos de fragilidade. Você foi meu refúgio. Que essa seja apenas uma
das inúmeras conquistas que almejo celebrar junto de ti.
Às minhas amigas, Gabriela, Isadora, Isabele, Rafaella, Emanoela, Maria,
Valéria e Fernandas, que ao longo desses cinco anos, compartilharam comigo cada
momento desta caminhada. Nossa união e apoio mútuo foram fundamentais para
chegarmos até aqui. Das minhas conquistas acadêmicas, ter vocês comigo é a mais
preciosa.
À minha orientadora, Profa. Dra. Melissa, expresso minha profunda gratidão
pelas orientações repletas de sabedoria e paciência, bem como pelo apoio ao longo
de todo o processo de pesquisa. Suas contribuições foram fundamentais para o
desenvolvimento deste trabalho.
À Universidade Estadual do Oeste do Paraná e ao corpo docente pelos
ensinamentos proporcionados, que vão muito além do Direito.
Por fim, agradeço a todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram
para a conclusão deste projeto.
Cada um de vocês desempenhou um papel fundamental nesta jornada.
“A mudança é a lei da vida. E aqueles que
olham apenas para o passado ou para o
presente estão destinados a perder o futuro”.
(John F. Kennedy)
RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo analisar as mudanças decorrentes da


implementação da Lei nº 14.382 de 2022, que alterou a legislação de Registros
Públicos, especialmente no que diz respeito à modificação do nome civil. Além disso,
pretende-se explorar a existência de fundamentos para a aplicação do princípio da
imutabilidade atualmente, visto que historicamente este tem sido o alicerce do instituto
do nome, mas que agora se vê desafiado com a possibilidade de extrajudicialização
do processo. Por meio de uma abordagem hipotético-dedutiva e uma extensa revisão
bibliográfica, legislativa e doutrinária, esta pesquisa se propõe a contribuir para uma
compreensão mais aprofundada desse tema, especialmente considerando a recente
promulgação da legislação em questão. Os resultados obtidos até o momento
sugerem que, apesar das inovações significativas trazidas pela lei, a segurança
jurídica e outros princípios fundamentais do nome civil continuam resguardados. No
entanto, o princípio da imutabilidade, embora não tenha sido extinto, não mais
encontra fundamento para a sua aplicação, pois, atualmente, existem maneiras mais
efetivas para a identificação das pessoas.

Palavras-chave: Nome civil. Princípio da imutabilidade. Registro Civil. Alteração do


nome.
ABSTRACT

The present research aims to analyze the changes resulting from the implementation
of Law No. 14,382 of 2022, which amended the Public Records legislation, especially
regarding the modification of the civil name. Additionally, it intends to explore the
existence of grounds for the application of the immutability principle currently, since
historically this has been the cornerstone of the name institute, but is now challenged
with the possibility of extrajudicialization of the process. Through a hypothetical-
deductive approach and an extensive bibliographic, legislative, and doctrinal review,
this research aims to contribute to a deeper understanding of this topic, especially
considering the recent promulgation of the legislation in question. The results obtained
so far suggest that, despite the significant innovations brought by the law, legal
certainty and other fundamental principles of the civil name remain safeguarded.
However, the principle of immutability, although not abolished, no longer finds a basis
for its application, as there are currently more effective ways to identify individuals.

Keywords: Civil name. Principle of immutability. Civil Registry. Name change.


LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

Art. Artigo
ARPEN Associação dos Registradores de Pessoas Naturais
CC Código Civil
CF Constituição Federal
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CPF Certidão de Pessoa Física
LRP Lei de Registros Públicos
MP Medida Provisória
RCPN Registro Civil de Pessoas Naturais
RG Registro Geral
SERP Sistema Eletrônico dos Registros Públicos
SIRC Sistema Nacional de Informações do Registro Civil
STJ Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O DIREITO AO NOME CIVIL .................... 14
2.1 Dos direitos da personalidade ........................................................................ 14
2.2 Conceito e evolução histórica do nome civil ................................................. 17
2.3 Natureza jurídica e proteção jurídica do nome civil ...................................... 20
2.4 Características do nome civil .......................................................................... 22
2.5 Formas de aquisição e elementos formadores do nome civil ..................... 25
2.6 Princípios norteadores do nome civil ............................................................ 28
2.6.1 Princípio da dignidade da pessoa humana e do nome ..................................... 28
2.6.2 Princípio da publicidade .................................................................................... 30
2.6.3 Princípio da imutabilidade do nome .................................................................. 30
2.7 Possibilidades de alteração do nome anteriores à Lei no 14.382/2022 ....... 32
3 O REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS.................................................... 34
3.1 Aspectos históricos do registro civil ............................................................. 34
3.2 Noções gerais sobre a pessoa natural ........................................................... 36
3.3 Conceito do Registro Civil das Pessoas Naturais ........................................ 38
3.4 Competência atribuições e funcionamento ................................................... 39
3.3.1 A relação do registro civil e o nome da pessoa natural: importância e
procedimento............................................................................................................. 44
3.5 Princípios do registro civil .............................................................................. 47
3.4.1 Princípios finalísticos ........................................................................................ 47
3.4.1.1 Princípio da autenticidade ............................................................................. 47
3.4.1.2 Princípio da publicidade ................................................................................ 48
3.4.1.3 Princípio da segurança jurídica ..................................................................... 48
3.4.2 Princípios regentes das funções do registro civil das pessoas naturais ........... 49
3.4.2.1 Princípio da legalidade .................................................................................. 49
3.4.2.2 Princípio da independência ........................................................................... 49
3.4.2.3 Princípio da imparcialidade ........................................................................... 50
3.4.2.4 Princípio da instância .................................................................................... 50
3.4.2.5 Princípio da conservação .............................................................................. 51
3.4.2.6 Princípio da continuidade .............................................................................. 51
4 A EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DA ALTERAÇÃO DO NOME CIVIL E O PRINCÍPIO
DA IMUTABILIDADE ................................................................................................ 52
4.1 O fenômeno da extrajudicialização .................................................................. 53
4.2 Principais aspectos da Lei no 14.382/2022 no tocando à alteração do nome
civil.............................................................................................................................56
4.3 Princípio da imutabilidade do nome frente à nova legislação: há razão de
persistir?...................................................................................................................60
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 64
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 67
12

INTRODUÇÃO

O nome civil é uma das principais formas de identificação de uma pessoa


perante à sociedade, porém, como bem expresso por Rizzardo (2015), ele também se
revela como um patrimônio muito valoroso pois corresponde à história e a
representação de quem o carrega. Porquanto, foi considerado um direito da
personalidade, protegido pela legislação brasileira através do Código Civil.
Em razão de sua importância, historicamente, foi regido pelo princípio da
imutabilidade, o qual dispunha que o nome civil não deveria sofrer mutações, ou seja,
deveria perdurar o mesmo até o fim da vida.
Com o decorrer dos anos, tanto a doutrina quanto a legislação flexibilizou
gradualmente esse princípio, em resposta às demandas sociais, permitindo a
alteração do nome em circunstâncias específicas. Contudo, é evidente que a evolução
tanto social quanto jurídica é constante, e as flexibilizações até então implementadas
revelaram-se insuficientes para acompanhar plenamente essas mudanças.
Logo, exigiu-se a revisão e adaptação das normas que regiam as relações
pessoais e judiciais no âmbito do registro civil. A fim de suprir tal necessidade, a
recente promulgação da Lei no 14.382/2022 trouxe consigo importantes modificações
na Lei de Registros Públicos (Lei no 6.015/1973) – principal legislação que normatiza
o instituto do nome civil – especialmente no que tange à possibilidade de alteração do
nome.
Com efeito, em razão das inovações proporcionadas pela nova legislação, o
princípio da imutabilidade, que surgiu na busca da manutenção da estabilidade e
segurança jurídica, torna-se alvo de questionamentos acerca de sua relevância e
aplicabilidade nos dias atuais. Ainda mantém sua pertinência? Seu fundamento
permanece válido?
Sendo assim, esta pesquisa propõe-se a analisar as mudanças e
desdobramentos provocados pela Lei no 14.382/2022 no tocante à alteração do nome
civil, inserindo a discussão a respeito da vigência dos princípios norteadores do tema,
principalmente, do princípio da imutabilidade.
Para tanto, no primeiro capítulo deste estudo, será realizada uma análise
conceitual e contextual histórica do nome civil, destacando suas características e
elementos constitutivos a fim de proporcionar uma compreensão mais aprofundada
do tema. Em seguida, será abordado de maneira detalhada o princípio da
13

imutabilidade, foco desta pesquisa, com a exposição de suas motivações e


fundamentações. Ainda, serão discutidos os demais princípios que norteiam o instituto
do nome civil, como o princípio da dignidade do nome, inserido no contexto mais
amplo do princípio da dignidade humana e da publicidade.
No segundo capítulo, a atenção será voltada ao registro civil de pessoas
naturais. Para contextualizá-lo, tratar-se-á brevemente a respeito do conceito de
pessoa natural. Em seguida, será explorado o conceito e a evolução histórica do
registro civil de maneira geral, para posteriormente realizar-se o estudo,
especificamente, sobre registro civil de pessoas naturais, discutindo seu
funcionamento, competências e atribuições. Ao final deste capítulo, fora reservado
espaço para a discussão sobre a relação entre o registro civil e o nome civil,
destacando a sua importância e o seu procedimento.
No terceiro capítulo, superada a contextualização do nome e registro civil
inserida nos capítulos anteriores, discutir-se-á os impactos da extrajudicialização do
nome civil e o princípio da imutabilidade. Para tanto, tratar-se-á o conceito e a
importância do procedimento da extrajudicialização. Em seguida, serão analisadas as
alterações promovidas na legislação de registros públicos e, por fim, discutir-se-á a
vigência princípio da imutabilidade do nome frente à Lei no 14.382/2022 e a possível
prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana.
Ao final, em sede de considerações finais, serão expostas as conclusões
obtidas no decorrer desta pesquisa.
14

2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O DIREITO AO NOME CIVIL

Neste primeiro capítulo, para melhor compreensão da pesquisa – que busca


expor os reflexos da lei no 14.382/2022 em relação ao nome civil – é necessária a
exposição das questões teóricas e conceituais referentes ao instituto do nome civil.
Para tanto, discorrer-se-á acerca do nome como um direito da personalidade,
sua evolução histórica, suas características e elementos que o compõe, bem como os
seus princípios.
Diante das diversas alterações legislativas decorrentes da promulgação da
legislação mencionada, é relevante destacar que a maioria dos artigos da Lei de
Registros Públicos mencionados neste capítulo estão com sua redação anterior. Tal
abordagem busca contextualizar o tema. Ao final da pesquisa, serão apresentadas as
modificações pertinentes, a fim de fornecer uma visão completa das atualizações
legislativas no âmbito dos registros públicos.

2.1 Dos direitos da personalidade

De início, Rizzardo (2015, p. 186) destaca que “o termo personalidade


corresponde à aptidão da pessoa natural em adquirir direitos e de contrair obrigações,
em exercer ou praticar os atos da vida civil, por si ou por outrem”.
Nos ensinamentos de Goffredo Telles Júnior (1972, p. 329)

[...] a personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa.


A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o
ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os
direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da
pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o
que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se
encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens
(apud Diniz, 2023, p. 48).

Assim, convém discorrer acerca dos direitos da personalidade.


Dentre os direitos subjetivos de um indivíduo, é possível fazer uma distinção
clara entre duas categorias, sendo que alguns desses direitos são passíveis de serem
separados da pessoa de seu titular, enquanto outros não o são. Por exemplo, a
propriedade ou uma reivindicação contra um devedor são direitos que podem ser
separados da pessoa do seu titular. Lado outro, existem direitos inerentes à natureza
humana, estando permanentemente ligados a ela, sendo impossível, por exemplo,
15

conceber um indivíduo desprovido do direito à vida, à liberdade física ou intelectual,


ao seu nome, ao seu corpo, à sua imagem e ao que ele considera ser sua honra.
Esses são conhecidos como direitos da personalidade (Rodrigues,1997 apud
Rizzardo, 2015).
Nas palavras de Diniz (2023, p. 48) “os direitos da personalidade são os
direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a
liberdade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria etc.”
A preocupação com o respeito aos direitos da personalidade remonta à
antiguidade e foi fortalecida com a chegada do cristianismo. No entanto, o
reconhecimento deles como uma categoria de direito subjetivo é uma conquista
relativamente recente. Isso foi impulsionado pela influência da Declaração dos Direitos
do Homem de 1789, da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 das
Nações Unidas e da Convenção Europeia de 1950 (Gonçalves, 2022).
Um avanço significativo na proteção dos direitos da personalidade ocorreu
com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual explicitamente menciona
tais direitos no artigo 5º, X, ao dispor que “são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação” (Brasil, 1988).
Nesta toada, Diniz (2023, p. 47) entende que

A importância desses direitos e a posição privilegiada que vem ocupando na


Lei Maior são tão grandes que sua ofensa constitui elemento caracterizador
de dano moral e patrimonial indenizável, provocando uma revolução na
proteção jurídica pelo desenvolvimento de ações de responsabilidade civil e
criminal; do mandado de segurança; do mandado de injunção; do habeas
corpus; do habeas data etc. Com isso reconhece-se nos direitos da
personalidade uma dupla dimensão: a axiológica, pela qual se materializam
os valores fundamentais da pessoa, individual ou socialmente considerada, e
a objetiva, pela qual consistem em direitos assegurados legal e
constitucionalmente, vindo a restringir a atividade dos três poderes, que
deverão protegê-los contra quaisquer abusos, solucionando problemas
graves que possam advir com o progresso tecnológico, p. ex., conciliando a
liberdade individual com a social.

Ainda, o Código Civil dedicou um capítulo especialmente aos direitos da


personalidade (Capítulo II do Livro I do Título I), através do artigo 11 ao 21. Deste
modo, imperioso o tratamento das normas trazidas pela referida legislação.
De início, o artigo 11 elenca características acerca dos direitos
personalíssimos ao dispor que “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos
16

da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício


sofrer limitação voluntária” (Brasil, 2002).
De mais a mais, a proteção a esses direitos encontra-se no caput do artigo 12
e em seu parágrafo único.

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da


personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a
medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em
linha reta, ou colateral até o quarto grau (Brasil, 2002).

Em seguida, os artigos 13, 14 e 15 da mesma legislação fazem menção ao


direito ao próprio corpo.

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio
corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou
contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de
transplante, na forma estabelecida em lei especial.
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita
do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a
qualquer tempo.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica (Brasil, 2002).

Convém mencionar o direito à imagem que tem previsão legal nos artigos 20
e 21 do referido Código.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça


ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão
da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas
para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento
do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer
cessar ato contrário a esta norma (Brasil, 2002).

Finalmente, o nome – foco desta pesquisa – foi elencado como um direito


personalíssimo, conforme preceitua o artigo 16.

Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e
o sobrenome (Brasil, 2002).
17

Assim, por se tratar de um direito inerente à pessoa humana, goza de proteção


jurídica a qual é respaldada pelos artigos 17, 18 e 19 e que será esmiuçada a frente.
Por fim, através da análise dos artigos supracitados, verifica-se a importância
dos elementos que constituem os direitos da personalidade. Eles não apenas
constroem a imagem e definem a identidade de uma pessoa, como também
asseguram a dignidade humana.

2.2 Conceito e evolução histórica do nome civil

Inicialmente, destaca-se a origem da palavra "nome", a qual refere-se ao latim


"nomen", que era empregada para identificar indivíduos, locais, animais, objetos e
outros elementos. Quando empregada para os seres humanos, especificamente das
pessoas físicas, refere-se à identificação da pessoa natural, reconhecida como titular
de direitos (Federici, 2020).
Nas palavras de Stolze e Pamplona (2023, p. 58) “o nome da pessoa natural
é o sinal mais visível de sua individualidade, sendo através dele que a identificamos
no seu âmbito familiar e no meio social”.
De mais a mais, apesar de ter como principal função a identificação de um
indivíduo, ele também se constitui como um patrimônio, um símbolo de valor, além de
levar consigo uma história e a representação de quem o carrega (Rizzardo, 2015).
Assim, passa-se a expor a evolução histórica deste instituto.
Tal como expresso por Venosa (2023, p. 180) “desde o tempo em que o
homem passou a verbalizar seus conceitos e pensamentos, começou a dar
denominação às coisas e a seus semelhantes”.
Ainda, o autor supracitado afirma que desde as antigas civilizações já existia
a figura do nome. Inicialmente, eles dispunham de uma única palavra que o formava,
pois já era suficiente para a identificação. Entretanto, à medida que a civilização
cresceu, passou a existir a necessidade de complementar o nome dos indivíduos para
melhor identificá-los.
Com o fim de distinguir indivíduos que compartilhavam o mesmo nome e,
consequentemente, prevenir confusões, que surgiu a prática de atribuir nomes
compostos, constituídos por dois ou mais elementos, costume que se disseminou a
partir da Idade Média (Rizzardo, 2015). Contudo, Venosa (2023, p. 181) afirma que
“Na Idade Média, o nome duplo surge entre pessoas de alta condição, nos séculos
18

VIII e IX, mas só se torna geral no século XIII”.


Entre os hebraicos, originalmente, costumava-se usar apenas um nome,
como Moisés, Jacó e Ester, por exemplo. No entanto, era uma prática comum
acrescentar um segundo nome ao nome original. Vale ressaltar que até Jesus era
conhecido como “Iesus Nazarenus”, ou seja, Jesus de Nazaré. O segundo nome foi
adicionado de acordo com as convenções da época, muitas vezes fazendo referência
à profissão, local de nascimento ou algum acidente geográfico. Isso ocorreu mesmo
quando não estava diretamente relacionado ao nome do pai, como exemplificado por
nomes como Afonso Henriques (filho de Henrique), João do Porto e Antônio de
Coimbra, entre outros (Venosa, 2023).
No tempo do Império Romano, Rizzardo (2015, p. 238) preleciona

[...] adotou-se um prenome, ou um indicativo da pessoa, acrescentado ao


nome da gens, do tronco antigo, e de um cognome, que era o designativo da
família. Isto quanto aos nobres, que procuravam remontar a origem de
antigas famílias, como ‘Marco Túlio Cícero’ – sendo ‘Marco’ o apelido, Túlio
a ‘gens’, e ‘Cícero’ o cognome da família, segundo rememoram os tratadistas.
Já quem não pertencia à nobreza, vindo da plebe, designava-se através de
apenas um nome.

Posteriormente, expõe

Várias são as origens do segundo nome, que se tornou a marca, o designativo


de família, e que se convencionou chamar de sobrenome. A fonte mais
comum encontra-se na profissão que algum ascendente desempenhava.
Conhecia-se uma pessoa pelo nome, ligado à profissão. Por exemplo,
Marcos, o ferreiro – de onde adveio o nome ‘Ferreira’, sendo que todos os
descendentes, ao invés de se distinguirem pela aposição das palavras ‘filhos
de Marcos, o ferreiro’, passaram a ser identificados com a palavra ‘Ferreira’.
Acresceu-se ao nome, em tempos mais distantes, uma qualidade que
distinguia a pessoa, como ‘Paulo, o forte’, dando o nome ‘Fortes’. E assim
outras palavras – ‘bravo’, ‘valente’, ‘preto’. De origem romana também a
prática que ligava o nome ao do progenitor, utilizando o caso genitivo. Ao
invés de se chamar alguém de ‘Antônio, filho de Marcos’, abreviou-se
expressão ‘filho de Marcos’ na palavra ‘Marques’. Na mesma situação ‘filho
de Henrique’, que se tornou ‘Henriques’ (Rizzardo, 2015, p. 238).

Ao longo dos anos e em virtude do progresso contínuo em nossa sociedade,


o nome tornou-se ainda mais essencial, desempenhando um papel crucial na
identificação de cada indivíduo e também no controle da população. Com a ascensão
das igrejas, os registros de nomes passaram a ser baseados no que constava nas
certificações de batismo, efetivamente tornando-se um "registro" que acompanhava a
vida em sociedade. No entanto, um marco significativo ocorreu em 1874, com a
19

promulgação do primeiro Decreto-lei, de número 5.604, datado de 25 de abril de 1874,


que distribuiu formalmente a regulamentação e a normalização das atividades dos
cartórios de registro civil no Brasil, abrangendo os registros de nascimento, casamento
e óbito (Freitas, 2023).
Posteriormente, houve a edição de Lei no 6.015 de 1973 (Lei de Registros
Públicos) que buscou dispor sobre os registros públicos. Desde então, não somente
o nome passou a ter caráter de obrigatoriedade, como também o seu registro civil. É
o que infere-se do artigo 50 da legislação citada.

Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a
registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos
pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses
para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório
(Brasil, 1973).

Assim, conforme citado anteriormente, com a evolução da sociedade, o nome


passou a ser completo, constituído obrigatoriamente, por um prenome e sobrenome,
além de dispor da faculdade de ter consigo outros elementos chamados secundários.
Posto isso, diante da essencialidade do nome à individualização da pessoa,
criou-se a ideia de que este não poderia ser alterado a fim de que se preservasse a
segurança jurídica e a ordem pública, surgindo assim o princípio da imutabilidade – o
qual será exposto ao final deste primeiro capítulo.
Contudo, no ano de 2018, após anos de luta e discussões judiciais, o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o provimento 73, a fim de orientar o
procedimento de alteração do prenome e gênero de pessoas trans diretamente nos
cartórios de registro civil.
Logo, no ano de 2021, o governo do então Presidente da República Jair
Bolsonaro enviou ao Congresso a Medida provisória n o 1.085 (MP) visando o
aprimoramento do sistema de registro eletrônico dos registros públicos, bem como a
alteração de diversas leis que tratavam de negócios imobiliários, incluindo a Lei de
Registros Públicos. Todavia, nada tratava referente ao nome civil.
Assim, Telmário Mota, à época senador do partido Republicano da Ordem
Social (Pros), do estado de Roraima, com o apoio de entidades como a Associação
dos Registadores de Pessoas Naturais do Brasil (ARPEN Brasil), propôs emenda à
MP objetivando, dentre outras questões, a alteração do artigo 56 e 57 da Lei de
Registros Públicos para que passassem a permitir a possibilidade de alteração do
20

prenome e sobrenome de forma imotivada e diretamente nos cartórios.


Em sede de justificativa, o senador argumentou que com a promulgação da
lei nº 6.015/73, o princípio ligado ao nome era o da imutabilidade, visto que era
considerado o principal elemento identificador da pessoa. No entanto, ao longo dos
anos, essa realidade sofreu mudanças significativas. Não apenas a promulgação da
CF/1988, mas também várias leis e disposições alteraram essa regra, uma vez que a
identificação do cidadão hoje em dia não se mostra mais suficiente apenas pelo nome.
Com efeito, originada da MP, em junho de 2022, entrou em vigor a lei no
14.382, que além das disposições iniciais da referida medida, acatou a emenda
proposta pelo senador Telmário Motta. Destaca-se que referida lei será objeto de
discussão no terceiro capítulo.
Por fim, importa ressaltar que embora nos dias atuais existem outras formas
de identificar um indivíduo, ressalta-se que o nome não perdeu sua importância, pois
segue sendo a principal e mais usual forma de individualização dentro da sociedade.

2.3 Natureza jurídica e proteção jurídica do nome civil

Em razão da importância do nome como forma de individualização, o Código


Civil, através de seu artigo 16, dispôs que “toda pessoa tem direito ao nome, nele
compreendidos o prenome e o sobrenome”. Além disso, a Lei de Registros Públicos
(Lei no 6.015/1973) traz normas e minuciosidades relativas ao nome, as quais serão
elencadas no decorrer do texto.
Assim, por efeito da relevância do nome civil, houve vasta discussão
doutrinária relativa à natureza jurídica do nome.
Segundo Gonçalves (2022), algumas teorias se sobressaíram, sendo elas a)
a da propriedade; b) a da propriedade sui generis; c) a negativista; d) a do sinal
distintivo revelador da personalidade; e e) a do direito da personalidade.
Em que pese alguns doutrinadores buscarem defender a teoria de que o nome é uma
forma de propriedade, sendo portanto, um direito patrimonial, esta não ganhou força
por dispor, a propriedade, de características contrárias às do nome civil, como a
alienabilidade e prescritibilidade, por exemplo.
Acerca das teorias de propriedade, Gonçalves (2022, p. 159) leciona

Essa corrente, contudo, é inaceitável, porque a propriedade é alienável e tem


21

características que não se compatibilizam com o nome: é prescritível e de


caráter patrimonial. O nome, ao contrário, é inalienável, pois ninguém pode
dele dispor, e de natureza extrapatrimonial. Somente poderia prosperar a tese
em relação ao nome comercial, que tem valor pecuniário e é suscetível de
alienação com o fundo de comércio.

Na mesma ótica aduz Gagliano (2014, p.160) “em relação ao nome civil,
porém, é inaceitável tal afirmação, uma vez que o direito ao nome tem natureza
evidentemente extrapatrimonial, haja vista que ninguém pode dispor do próprio nome,
alienando-o ou abandonando à mercê de terceiros” (apud Costa; Pissanti, 2015).
Rizzardo (2015, p. 240) aduz

Aspecto importante também em relação à natureza do nome refere-se a ser


ou não um direito patrimonial. Não é patrimonial no sentido de poder a pessoa
dispor do nome, à semelhança como acontece com os direitos de autor, de
marcas e patentes, de propriedade industrial, e com o nome comercial,
revelando um conteúdo econômico e permitindo a transferência. Embora
protegível o nome da pessoa, e mesmo ensejando uma apreciação
econômica, por ser um atributo pessoal e espiritual, é inalienável e
intransferível.

Nos termos da teoria negativista, o nome não dispõe de elementos suficientes


para constituir um direito e portanto não faz jus à proteção jurídica. Entretanto, esta
teoria é rebatida ao passo que o nome serve, exatamente, para individualizar os
sujeitos, constituindo a personalidade destes, devendo então ser alcançado pelo
sistema de proteção da personalidade (Gonçalves, 2022).
A teoria mais amplamente aceita e que melhor define a natureza jurídica do
nome é aquela que o classifica como um "direito da personalidade", em conjunto com
outros direitos, tais como o direito à vida, à honra e à liberdade (Gonçalves, 2022).
Assim, por se tratar de um direito personalíssimo, faz jus à proteção jurídica.
Deste modo, ainda que não explicitamente, a Constituição Federal, através do artigo
5o, inciso X, prevê a inviolabilidade da honra e da imagem da pessoa, sendo
assegurado o direito a indenização decorrente de sua violação.
Já o Código Civil, de modo específico, dispõe sobre a referida proteção ao
nome através dos seus artigos 17 e 18.

Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em
publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda
quando não haja intenção difamatória.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda
comercial (Brasil, 2002).
22

Necessário destacar que ao pseudônimo – que será conceituado


posteriormente – também é assegurada a proteção jurídica, salvo se utilizado com fins
ilícito, conforme disposto no artigo 19 do Código Civil.

Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que
se dá ao nome (Brasil, 2002).

Assim, exposta a natureza jurídica acerca do nome, bem como sua proteção,
passasse ao estudo de suas características.

2.4 Características do nome civil

Em razão de o direito ao nome configurar-se como um direito subjetivo


complexo – por deter um aspecto público e privado – este vem acompanhado de
características que, em regra, tem caráter de norma, ora positivada, ora não
positivada, decorrentes de sua própria natureza jurídica (Brandelli, 2012).
Nessa perspectiva, Gonçalves (2022, p. 157) expõe que o nome apresenta
dois aspectos, o público e o individual.

O aspecto público decorre do fato de o Estado ter interesse em que as


pessoas sejam perfeita e corretamente identificadas na sociedade pelo nome,
e, por essa razão, disciplina o seu uso na Lei dos Registros Públicos (Lei n.
6.015/73), proibindo a alteração do prenome, salvo exceções expressamente
admitidas (art. 58) e o registro de prenomes suscetíveis de expor ao ridículo
os seus portadores (art. 55, parágrafo único). O aspecto individual consiste
no direito ao nome, no poder reconhecido ao seu possuidor de por ele
designar-se e de reprimir abusos cometidos por terceiros. [...] Esse direito
abrange o de usá-lo e de defendê-lo contra usurpação, como no caso de
direito autoral, e contra exposição ao ridículo. O uso desses direitos é
protegido mediante ações, que podem ser propostas independentemente da
ocorrência de dano material, bastando que haja interesse moral.

De igual modo, Diniz (2023, p. 80) afirma

O aspecto público do direito ao nome decorre do fato de estar ligado ao


registro da pessoa natural (Lei n. 6.015/73, arts. 54, n. 4, e 55, com a redação
da Lei n. 14.382/2022), pelo qual o Estado traça princípios disciplinares do
seu exercício, determinando a imutabilidade do prenome (Lei n. 6.015, art.
58), salvo exceções expressamente admitidas, e desde que as suas
modificações sejam precedidas de justificação e autorização de juiz togado
(Lei n. 6.015/73, arts. 56, 57 (com alteração da Lei n. 12.100/2009 e da Lei n.
13.382/2022) e 58)373. E o aspecto individual manifesta-se na autorização
que tem o indivíduo de usá-lo, fazendo-se chamar por ele, e de defendê-lo de
quem o usurpar, reprimindo abusos cometidos por terceiros, que, em
publicação ou representação, o exponham ao desprezo público ou ao ridículo
23

mesmo que não tenham intenção difamatória (CC, art. 17).

Além disso, Brandelli (2012) assevera que o direito ao nome possui algumas
características, quais sejam, a obrigatoriedade, inalienabilidade, incessibilidade,
intransmissibilidade a herdeiros, inexpropriabilidade, inestimabilidade pecuniária,
irrenunciabilidade e imutabilidade.
A obrigatoriedade, para Pliner (1989) “tem dois sentidos: a obrigatoriedade de
ter um nome e a obrigatoriedade de usar o nome que se tem” (apud Brandelli, 2012,
p.64).
Tal característica resta evidente através da lei no 6.015 de 1973. É o que
infere-se do artigo 50, caput cumulado com o artigo 54, 4o.

Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a
registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos
pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses
para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório.
[...]
Art. 54. O assento do nascimento deverá conter:
[...]
4º) o nome e o prenome, que forem postos à criança; (Brasil, 1973).

A inalienabilidade refere-se à impossibilidade de se transmitir o nome à outra


pessoa, seja à título oneroso ou gratuito. Conforme mencionado por Brandelli (2012,
p. 67)

Tal impossibilidade de alienação decorre da própria natureza do instituto, não


requerendo qualquer norma expressa neste sentido, o que, aliás, inexiste em
nosso ordenamento jurídico positivo. Todavia, embora não haja nenhum
dispositivo legal proibindo expressamente a alienação do direito ao nome, ou
do próprio nome, há norma legal vedando a alienação dos direitos da
personalidade, e, como vimos, o direito ao nome integra os chamados direitos
da personalidade. [...] Se permitida fosse a alienação do nome, com a
consequente alienação da identidade, posto que o nome vazio não é objeto
de direito, criar-se-ia um caos fático diante da impossibilidade de identificação
dos membros da sociedade, bem como um caos jurídico diante da facilidade
com que as pessoas poderiam se furtar do cumprimento de obrigações.

Já no tocante à incessibilidade, destaca-se que “na alienação, o sujeito se


despojaria da própria identidade (o que é impossível), para que outrem a revestisse;
ao passo que na cessão, o titular, conservando a identidade que lhe diria respeito,
apenas a emprestaria a outrem” (França, 1964, p.183, apud Brandelli, 2012, p.68).
Deste modo, a alienabilidade e cessibilidade não se confundem, ainda que ambas
sejam vedadas.
24

O nome é intransmissível aos herdeiros, por se tratar de um direito


personalíssimo. Tal vedação resta expressa no artigo 11 do Código Civil que dispõe
“[..] os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o
seu exercício sofrer limitação voluntária” (Brasil, 2002), ou seja, o nome não poderá
ser transmitido através da sucessão, tampouco disposto em testamento.
Quanto ao seu valor, tem-se que este é inestimável, não sendo possível
mensurá-lo em dinheiro. Não há como atribuir um valor de mercado, por ser
considerado coisa fora do comércio, como também não há a possibilidade de
estipular-se um valor abstrato. Todavia, a sua inestimabilidade pecuniária não impede
que uma afronta a ele não importe em uma indenização para fins de reparação
(Brandelli, 2012).
A irrenunciabilidade do nome é determinada pelo artigo 11 do Código Civil,
conforme supracitado. Esta, surge em decorrência da obrigatoriedade e da
imutabilidade, ou seja, não pode, o titular do nome, proceder com a extinção da sua
identidade (Possar, 2021). A impossibilidade de renúncia possui razões de ordem
pública e privada.
Para Brandelli (2012, p. 73)

Sob o ângulo privado, não é possível que o indivíduo se dispa da sua


identidade assumindo outra. Sob o público, há o interesse estatal na
manutenção do signo identificador de seus integrantes; há uma imposição de
ordem pública, fruto das necessidades existenciais de identificação.

A imutabilidade refere-se à vedação à alteração do nome. Tal característica


encontrava respaldo no artigo 55 da Lei no 6.015/1973 que determina que “o prenome
será definitivo” (Brasil, 1973).
Como mencionado por Venosa (2023, p. 188) “a regra de imutabilidade do
prenome visa garantir a permanência daquele com que a pessoa se tornou conhecida
no meio social”.
Embora estes últimos, irrenunciabilidade e imutabilidade, tenham sido,
historicamente, elencados como características do nome, atualmente, são passíveis
de questionamentos, como será visto no decorrer da pesquisa.
Ademais, consoante às palavras de França (1964, p. 181) “o nome não se
perde pelo desuso e não se adquire em virtude de posse” (apud Brandelli, 2012, p.
76). Ou seja, não recai sobre o nome o instituto da prescrição, seja ela extintiva ou
25

aquisitiva, por ser este ser considerado um direito da personalidade. Assim, o nome é
considerado imprescritível, uma vez que existe um interesse público em assegurar
que os nomes não se percam ao longo do tempo, garantindo assim sua capacidade
de identificação individual. É somente por meio do nome correto que a plenitude da
personalidade pode ser alcançada (Brandelli, 2012).
Ainda há que se falar do caráter exclusivo do nome civil. Brandelli (2012, p.
81) preleciona

O nome somente tem valor e proteção jurídica como manifestação de uma


identidade, como elemento identificador integrante de determinada persona-
lidade, ligada a determinada pessoa. O nome está́ , conforme já vimos,
jungido a determinada personalidade, e, assim sendo, é direito ínsito de
determinada pessoa, que o exerce com exclusão de todas as demais
pessoas.

Nem mesmo a homonímia – que significa palavras iguais em sua forma,


escrita ou sonora – é capaz de afastar a exclusividade do nome, pois esta
característica não implica que duas pessoas não possam compartilhar nomes
idênticos, mas sim que cada nome singularmente identifica uma personalidade única
(Brandelli, 2012).

2.5 Formas de aquisição e elementos formadores do nome civil

Preceitua o artigo 16 do Código Civil que “toda pessoa tem direito ao nome,
nele compreendidos o prenome e o sobrenome” (Brasil, 2002), na mesma toada o
artigo 55, caput, da Lei no 6.015 de 1973 elenca o direito ao nome, constituído pelo
prenome e sobrenome.

Art. 55. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e
o sobrenome, observado que ao prenome serão acrescidos os sobrenomes
dos genitores ou de seus ascendentes, em qualquer ordem e, na hipótese de
acréscimo de sobrenome de ascendente que não conste das certidões
apresentadas, deverão ser apresentadas as certidões necessárias para
comprovar a linha ascendente (Brasil, 1973).

Nesse sentido, Diniz (2023, p. 80) pontua que

Em regra, dois são os elementos constitutivos do nome: o prenome, próprio


da pessoa, e o patronímico, nome de família ou sobrenome, comum a todos
os que pertencem a uma certa família (CC, art. 16) e, às vezes, tem-se o
agnome, sinal distintivo que se acrescenta ao nome completo (filho, júnior,
26

neto, sobrinho) para diferenciar parentes que tenham o mesmo nome, não
sendo usual, no Brasil, a utilização de ordinais para distinguir membros da
mesma família, p. ex.: Marcos Ribeiro Segundo, embora haja alguns
exemplos desse uso entre nós.

Temos que o prenome refere-se àquele que é escolhido para a pessoa – seja
pelos genitores, no momento do nascimento, ou posteriormente, através da alteração
– lhe servindo como forma de individualização.
Veja-se que o prenome pode ser escolhido livremente pelos genitores, desde
que este não seja capaz de expor a criança ao ridículo. Referida vedação é dada pelo
artigo 55, §1o da LRP ao dispor

§1o O oficial de registro civil não registrará prenomes suscetíveis de expor ao


ridículo os seus portadores, observado que, quando os genitores não se
conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso à
decisão do juiz competente, independentemente da cobrança de quaisquer
emolumentos (Brasil, 1973).

Conforme os ensinamentos de Rizzardo (2015), o prenome poderá ser


simples quando formado por uma única palavra e composto quando por mais de uma.
De outro lado, segundo Gonçalves (2022, p. 162) “o sobrenome é o
característico de sua família, transmissível por sucessão”, ou seja, este elemento não
é passível de escolha, vez que, enquanto o prenome individualiza o indivíduo, o
sobrenome indicará a sua procedência, suas origens.
Com isso, infere-se que, nas palavras de Rizzardo (2015, p. 241) “do mero
nascimento decorre o sobrenome, bastando o ato declaratório do registro civil”. Igual
é o entendimento de Diniz (2023) ao afirmar que os apelidos de família são adquiridos
ipso iure, – ou seja, por força do direito – sendo que o seu registro tem caráter
puramente declaratório.
Entretanto, cumpre destacar que o sobrenome também poderá ser adquirido
posteriormente, diante da celebração de casamento ou declaração de união estável,
ficando reservado aos cônjuges/companheiros adotarem o sobrenome um do outro.
O Código civil elenca o direito a acrescer o sobrenome diante do casamento,
através do seu artigo 1.565, §1o.

Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a


condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da
família.
§ 1 o Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome
do outro (Brasil, 2002).
27

Ainda que referido artigo disponha especificamente sobre a possibilidade de


acrescimento do sobrenome diante da celebração de casamento, destaca-se que o
Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial no 1.206.656-
GO, no ano de 2012, entendeu ser aplicável o disposto no artigo supracitado, de forma
analógica, também aos companheiros quando do reconhecimento judicial de união
estável.
Entretanto, conforme citado anteriormente, no ano de 2022, a lei no 14.382
trouxe alterações à lei no 6.015/1973, as quais possibilitaram a inclusão posterior de
sobrenome em diversos casos que serão explicitados em tópico específicos sobre os
reflexos da referida legislação.
De mais a mais, eventualmente, tem-se a figura do agnome que caracteriza-
se como um sinal distintivo acrescentado ao nome completo, a fim de distinguir
pessoas de uma mesma família que disponham do mesmo nome (Diniz, 2023). Sendo
exemplos de agnome os termos “Filho”, “Neto” e “Júnior”. Embora não esteja presente
na lei, constitui o nome completo e deverá fazer parte do registro civil.
Podendo ser caracterizados como elementos substitutivos encontram-se o
apelido, o nome vocatório e o pseudônimo. Eles não agregam o nome, mas os
substituem em determinadas situações, não excluindo-o.
O apelido, também denominado epíteto ou alcunha, refere-se a uma
designação usada para substituir o nome de alguém, surgindo, geralmente, a partir de
particularidades do ofício, das características pessoais ou aspectos da vida de um
indivíduo (Brandelli, 2012).
Cumpre destacar há a possibilidade de substituição do prenome pelo apelido
ou o seu acréscimo quando este for público e notório, conforme determinado pelo
artigo 57, caput, da LRP.
Conforme expresso por Venosa (2023, p. 183) “Há apelidos que se agregam
de tal maneira à personalidade da pessoa, quando não jocosos, que podem ser
acrescentados, sob determinadas condições, ao nome”. Como grande exemplo,
elenca-se a apresentadora Xuxa, que incorporou ao seu nome o apelido, tornando-se
Maria da Graça Xuxa Meneghel.
De outro lado, entende-se por nome vocatório uma forma simplificada do
nome completo. Seria, nas palavras de Brandelli (2012, p. 99), “a redução de alguns
vocábulos do nome, simplificando-o para designar o seu titular de maneira menos
28

formal”.
Já o pseudônimo é um nome fictício utilizado para designar um sujeito em um
determinado ramo, como por exemplo, na literatura.
Brandelli (2012, p. 100) expõe

Etimologicamente significa falso nome, todavia, falso nome não é, uma vez
que este tem por finalidade esconder a verdadeira identidade de seu usuá-
rio, normalmente para fins ilícitos, e muitas vezes em atuação que abrange a
generalidade das relações sociais, ao passo que, no pseudônimo, o indivíduo
não pretende ocultar-se, muito menos praticar algum ato ilícito.
Busca-se com o pseudônimo manter a sua verdadeira personalidade, mas
mantendo a salvo a sua verdadeira identidade, tão somente em relação a
algu- ma fatia específica das relações sociais (com fins sempre lícitos) de seu
titular (como a literatura, por exemplo), consistindo em verdadeira proteção
parcial e especial da personalidade.

De mais a mais, como expresso por Venosa (2023) ao lado dos elementos
essenciais, encontram-se aqueles considerados como secundários. Estes, embora
não ocupem espaço na legislação, estão presente no nome de incontáveis indivíduos.
Para o referido autor, são considerados secundários os títulos honoríficos ou
nobiliárquicos, que são aqueles apostos antes do prenome, como por exemplo
“conde” e “comendador”; os títulos eclesiásticos como “padre” e “bispo”, que não
interessam ao meio jurídico; os títulos qualitativos de identidade oficial como
“senador”, “juiz” e “prefeito”; e títulos acadêmicos como “mestre” e “doutor”.

2.6 Princípios norteadores do nome civil

É cediço que os princípios desempenham papel fundamental perante o direito,


visto que estes servem como diretrizes para a criação, interpretação e aplicação das
normas jurídicas.
Nesse sentido, temos que os princípios norteadores do nome são os
princípios da dignidade da pessoa humana e do nome, da publicidade e da
imutabilidade do nome.
Embora o último reste questionado em razão das alterações promovidas na
Lei no 6.015 de 1973 – razão pela qual é objeto principal da presente pesquisa –
imperioso conceituá-lo, assim como os demais.

2.6.1 Princípio da dignidade da pessoa humana e do nome


29

A dignidade da pessoa humana é assegurada pelo artigo 1 o, III, da


Constituição Federal ao dispor

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana (Brasil, 1988).

De modo geral, Moraes (2023, p.18) conceitua a dignidade ao expor

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta


singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida
e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve
assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas
limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem
menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto
seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade.

Nas palavras de Motta (2021, p. 201) “a dignidade da pessoa humana é


preceito basilar que impõe o reconhecimento de que o valor do indivíduo, enquanto
ser humano, prevalece sobre todos os demais”.
Aproximando o princípio constitucional ao tema da presente pesquisa, importa
rememorar os direitos da personalidade – tratados no início desta capítulo – pois, o
alicerce primordial que os fundamenta e sustenta é o princípio da dignidade da pessoa
humana.
Sabe-se que o nome integra um dos direitos da personalidade, sendo,
portanto, tutelado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, por ser parte
essencial na construção da imagem de uma pessoa.
Em decorrência do referido princípio e objetivando salvaguardar
especificamente o instituto do nome civil, surge a figura do princípio da dignidade do
nome.
Está disposto no §1º do artigo 55 da LRP ao determinar que “O oficial de
registro civil não registrará prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus
portadores [...] ” (Brasil, 1973).
Afinal, para que se assegure o princípio da dignidade da pessoa humana, é
necessário assegurar todos os direitos que são compreendidos por este, ressaltando-
se o direito a um nome digno.
30

2.6.2 Princípio da publicidade

Considerando que o nome civil identifica a pessoa perante terceiros, é


fundamental que este seja público.
No que se refere ao princípio da publicidade, Rizzardo (2015, p. 242) afirma
que

O Registro Público tem duas finalidades básicas: documentar e dar


publicidade ao estado das pessoas e à situação dos bens. Ao mesmo tempo
em que se destina a provar um estado da pessoa, a existência de uma pessoa
jurídica, a propriedade de imóveis, igualmente leva ao público, ou ao
conhecimento de todos tais atos, de modo que a ninguém se justifica a
alegação da falta de ciência.

Tanto é que em caso de alteração do nome, deve-se observar o referido


princípio a fim de possibilitar que terceiros possam ter conhecimento dessa mudança.
Nessa perspectiva, a atual redação do artigo 56, § 2º da Lei de Registros Públicos,
preceitua

Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil,
requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome,
independentemente de decisão judicial, e a alteração será averbada e
publicada em meio eletrônico.
[...]
§ 2º A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o
prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no
Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita
Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados
esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas
(Brasil, 1973).

Assim, o nome só ganhará suas características completas e se torna oponível


a todas as partes através da publicidade registral. Esse procedimento é essencial para
garantir a validade e a proteção do nome perante a sociedade e o sistema legal
(Brandelli, 2012).

2.6.3 Princípio da imutabilidade do nome

O princípio da imutabilidade do nome civil foi positivado com o Decreto 18.542


de 1928, que em seu artigo 72, dispunha que “o prenome será immutavel”.
Posteriormente, restou positivado no artigo 58 da Lei n o 6.015 de 1973 que em sua
redação original determina a definitividade do nome, embora em seu parágrafo único
31

possibilite a substituição do prenome quando este pedido for fundado em coação ou


ameaça decorrente da apuração de um crime.
Historicamente, referido princípio surgiu em razão do interesse social, ao visar
a garantia da segurança jurídica e da ordem pública. Por muito tempo, o nome era a
única forma de identificação de uma pessoa e por essa razão deveria ser sempre o
mesmo.

[...] já que o nome serviria para identificar a pessoa, ele deveria ser sempre o
mesmo, a fim de que não se fizesse confusão e nem houvesse dúvida a
respeito de seu portador. Portanto, em princípio, o nome era imutável,
imutabilidade relativa que fosse, pois a mutabilidade era restrita a poucos
casos. (Faraj e Júnior, 2022)

Não obstante, a possibilidade de livre mudança do nome não vincularia o


indivíduo e, consequentemente, não poderia ser considerado um direito
personalíssimo. Nas palavras de Brandelli (2012, p. 74)

Um nome que pudesse mudar ao sabor da livre vontade do seu titular


desnaturaria a própria razão de ser desse instituto, uma vez que nem
permitiria a sua junção à personalidade da pessoa, por poder ser efêmero,
nem serviria para identificá-la perante a coletividade.

Ainda, o autor supracitado ressalta

Embora o direito positivo pátrio apenas vede expressamente a alteração do


prenome, a regra da imutabilidade aplica-se a todo o nome. A citada regra
abrange tanto o nome de família como o prenome, uma vez que a im-
portância e o interesse da imutabilidade tanto de um como de outro são
equivalentes, pois, embora o nome de família em princípio distinga as famí-
lias, e o prenome identifique os indivíduos dentro das famílias, o certo é que
a designação personativa é formada por esses dois elementos que, em
conjun- to, concorrem para a identificação dos indivíduos.
Qualquer mudança, quer no nome de família, quer no prenome, é sufi- ciente
para acarretar uma possibilidade de confusão que em princípio não pode ser
desejável de um ponto de vista do interesse público, nem ser apropriada de
um ponto de vista da personalidade humana (Brandelli, 2012, p. 75).

Em verdade, a compreensão adequada da imutabilidade do nome reside no


sentido de que ele não pode ser alterado sem uma justificativa jurídica substancial, ou
seja, referido princípio implica que a modificação do nome não pode ser feita de forma
voluntária ou arbitrária. Em ideia, ele representa a necessidade de se abolir a mera
vontade na mudança do nome, que, em princípio, deve permanecer inalterado ao
longo da vida do indivíduo (Brandelli, 2012).
32

Na mesma toada, Gonçalves (2022, p. 164) dispôs

A imutabilidade do prenome é salutar, devendo ser afastada somente em


caso de necessidade comprovada, como nas hipóteses suprarreferidas, e
não simplesmente porque ele não agrada ao seu portador. A facilitação da
mudança pode ser realmente nociva aos interesses sociais.

Embasando seu raciocínio anterior, afirma

O mero desejo pessoal do indivíduo, por si só, isto é, sem qualquer


peculiaridade e sem a demonstração de que cause qualquer tipo de
constrangimento à autora perante a sociedade, não justifica o afastamento
do princípio da imutabilidade do prenome (Gonçalves, 2022, p. 167).

Todavia, anterior a Lei no 14.382/2022, haviam hipóteses que já previam a


possibilidade de alteração do nome, mesmo que através de acionamento judicial e
com motivação fundamentada.
Com isso, seja por disposições legais devidamente fundamentadas pelo
interesse público, seja pelo conflito com o princípio da dignidade da pessoa, sempre
houveram possibilidades de alteração do nome, não podendo o princípio da
imutabilidade ser considerado absoluto.
Recentemente, com o advento da Lei no 14.382 de 2022, houveram alterações
na LRP, de modo que o seu artigo 56 passou a dispor sobre a possibilidade de
alteração do prenome, de forma imotivada e extrajudicial.
Deste modo, levantaram-se questionamentos acerca da vigência do princípio
da imutabilidade, todavia, a discussão será elencada no terceiro capítulo o qual
abordará os efeitos da nova legislação.

2.7 Possibilidades de alteração do nome anteriores à Lei no 14.382/2022

Embora, historicamente, o princípio da imutabilidade tenha regido o direito ao


nome, ao longo dos anos referida norma deixou de ser absoluta. Não somente a
jurisprudência, bem como a legislação percebeu a necessidade de permitir a alteração
em casos específicos a fim de atender às novas demandas sociais e jurídicas.
É relevante destacar que as situações que serão apresentadas têm como
base os dispositivos da LRP anteriores às alterações introduzidas pela lei nº
14.382/2022.
O artigo 56 da LRP permitia que desde que não houvesse prejuízo aos
33

apelidos de família, no primeiro ano após ter atingido a maioridade, o interessado


poderá requerer à alteração do nome (Brasil, 1973).
Em seguida, o artigo 58, caput, da LRP – o qual não foi contemplado por
mudanças com a nova legislação – permite a adoção de apelidos públicos notórios.
Logo, no seu parágrafo único, há a possibilidade de substituição do prenome quando
em fundada coação ou ameaça, em razão de colaboração para a investigação de
crimes (Brasil, 1973).
Ainda, o Código Civil, através do artigo 1.565, §1o preleciona que pelo
casamento “qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu sobrenome o
do outro” (Brasil, 2002), conforme citado anteriormente como forma de aquisição do
nome.
Importa destacar que, com a nova legislação, as possibilidades aqui
apresentadas sofreram alterações, discussão que será realizada no terceiro capítulo.
34

3 O REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS

Buscar-se-á, neste segundo capítulo, discorrer, inicialmente, acerca dos


aspectos históricos do Registro Civil. Em seguida, apresentar noções gerais quanto à
pessoa natural a fim de contextualizar o Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN)
e a sua evolução histórica. Posteriormente, respaldado pela lei no 6.015 de 1973 em
conjunto com a lei no 8.935 de 1994 regulamentada pelo artigo 236 da Constituição
Federal, elencar-se-á o conceito e finalidade do RCPN, sua competência e suas
atribuições.
Ao final será elencado os princípios que regem os objetivos e os serviços dos
cartórios de registros civis.

3.1 Aspectos históricos do registro civil

Os serviços notariais surgiram espontaneamente. Nas sociedades antigas,


percebeu-se a necessidade de os indivíduos planejarem sua vida social econômica
com maior estabilidade e segurança. Além disso, alguns negócios jurídicos, mesmo
que realizados entre particulares, careciam de certa intervenção do poder político a
fim de garantir a eficácia perante terceiros (Loureiro,2017).
Encontra-se vertente nas antigas civilizações como as do Egito e da Grécia,
visto que algumas pessoas desempenhavam a função de registradores. Entretanto,
foi na sociedade romana que os tabeliães foram oficialmente institucionalizados. De
início, esses profissionais atuavam de forma privada, elaborando escrituras e
realizando atividades correlacionadas, até serem oficialmente reconhecidos pelo
Império Romano (Souto; Ferreira; Barboza; Martins, 2021).
Os tabeliães em Roma eram simples escrivães que, no início da Idade Média
(séculos VI a XI), evoluíram para os "protonotários". Esses profissionais eram
indivíduos com entendimento da prática jurídica, dedicados a auxiliar os particulares
na redação de contratos e outros documentos nos quais expressavam suas vontades
(Loureiro, 2017).
Nessa toada, sabe-se que por muitos anos a religião e o Estado foram
vinculados. Assim, diversos reinados passaram a realizar seus registros através da
Igreja Católica (Freitas, 2023).
Lehmkuhl (2017) cita que antes da existência dos cartórios, os únicos
35

registros reconhecidos e considerados válidos para os indivíduos, atestando eventos


de suas vidas, eram os registrados pela Igreja, tais como batismo, matrimônio e
sepultamento.
Porém, com a ocorrência da Revolução Francesa, em 1789, a igreja passou
a perder poderes, de modo que, em algumas partes do mundo, deixou de ser a única
instituição responsável pelos registros (Freitas, 2023).
No Brasil, o processo de desvinculação do registro com a Igreja foi mais
demorado.

Já no Brasil o catolicismo marca o processo de conquista do território


brasileiro, intensificando-se principalmente com a vinda dos jesuítas, em
1549, custodiando dessa maneira os primeiros registros civis do país. [...] até
o ano de 1861, os únicos casamentos com efeitos civis eram aqueles
celebrados pela Igreja Católica. Somente com a promulgação do Decreto
Legislativo brasileiro n. 1.144, de 11 de setembro de 1861, é que o registro
de casamento foi permitido em matrimônios que não fossem realizados pela
Igreja Católica e assim também aceito civilmente (Lehmkuhl, 2017).

Em 1874, foi editado o Decreto no 5.604 de 25 de abril que em seu artigo 1 o


trouxe a seguinte redação “o registro civil comprehende nos seus assentos as
declarações especificadas neste Regulamento, para certificar a existencia de tres
factos: o nascimento, o casamento e a morte” (Brasil, 1874). Logo, no ano de 1888, o
Decreto no 9.886 de 7 de março dispôs da mesma redação em seu artigo 1 o,
reforçando a instituição dos registros civis brasileiros (Brasil, 1888).

Nesse momento todas as crianças nascidas, todos os que casaram e todos os


cidadãos que vieram a óbito, independentemente de sua religião, deveriam ser
registrados. Os escreventes dos registros deixaram de ser os párocos e
passaram a ser os “funcionários do governo (Lehmkuhl, 2017, online).

Em seguida, no ano de 1889, com o advento da proclamação da república,


que a Igreja e o Estado foram oficialmente desvinculados, assumindo, o Brasil, as
características de um país laico (Lehmkuhl, 2017). Assim, conforme determinado pelo
artigo 16 da lei no 8.159 “Os registros civis de arquivos de entidades religiosas
produzidos anteriormente à vigência do Código Civil ficam identificados como de
interesse público e social” (Brasil, 1991).
No ano de 1973, houve um grande avanço para o registro civil brasileiro, dado
que em 31 de dezembro entrou em vigor a lei no 6.015, também conhecida como Lei
de Registros Públicos. Embora, com o passar dos anos referida legislação tenha
36

sofrido diversas alterações, segue sendo a principal fonte de normas jurídicas que
regem os serviços notariais e registrais no país.
Atualmente, o seu artigo 1o determina “Os serviços concernentes aos
Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança
e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei” (Brasil,
1973).
De mais a mais, importa destacar o artigo 236 da Constituição Federal que
dispõe

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado,


por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal
dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a
fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos
relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso
público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique
vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de
seis meses (Constituição Federal, 1988).

Em razão do artigo supracitado, surge a lei no 8.935 de 1994, comumente


chamada de Lei dos Cartórios, que busca sua regulamentação ao dispor sobre
serviços notariais e de registros. De início, evidencia, em seu artigo 1 o, que “serviços
notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a
garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (Brasil,
1994), e ao longo de seus artigos visa a organização desses serviços, em conjunto
com a Lei de Registros Públicos.
Diante da evolução histórica do Registro Civil infere-se o tamanho de sua
importância. Assim, no decorrer deste capítulo abordar-se-á, em especial, tópicos
acerca do Registro Civil de Pessoas Naturais.

3.2 Noções gerais sobre a pessoa natural

É necessária a exposição das noções gerais quanto a pessoa natural a fim de


contextualizar a importância do Registro Civil de Pessoas Naturais que será exposto
no tópico a seguir.
Sendo assim, no âmbito jurídico, o termo "pessoa" abrange não apenas
indivíduos, mas qualquer sujeito de direito ao qual são atribuídos direitos e deveres.
37

Dessa forma, a noção de pessoa engloba tanto o ser humano quanto


entidades organizacionais, como empresas e fundações, consideradas sujeitos de
direito (Souto; Ferreira; Barboza; Martins, 2021). Ou seja, refere-se ao sujeito com a
capacidade de desfrutar de direitos e assumir obrigações, sendo equivalente ao
conceito de "sujeito de direito" (Loureiro, 2017).
Nesse contexto, o artigo 1º do Código Civil estipula que "toda pessoa é apta
a possuir direitos e cumprir deveres na esfera civil".
Posto isso, Loureiro (2017) leciona que existem duas espécies de pessoas: a)
pessoas físicas ou naturais; b) pessoas jurídicas.

A pessoa natural ou física é o indivíduo dotado de consciência e vontade que,


em vez de se esgotar num conjunto de ações/reações com a realidade
exterior, como acontece com os animais, é dotado de livre-arbítrio e capaz de
não só integrar-se ao mundo, como modificá-lo para atingir seus fins próprios.
Por isso, mais do que uma entidade biológica, a pessoa é uma entidade ética,
com seus sonhos, desejos e projetos a realizar.
A pessoa jurídica, por sua vez, não constitui uma realidade social prévia, que
o Direito se limita a verificar e reconhecer, mas entidades que prosseguem
coletivamente interesses humanos. São atores na vida social, ao lado das
pessoas naturais, que existem para satisfazer certas necessidades e
finalidades destas. Atendendo à realidade social, o Direito reconhece esses
atores como centros de imputação de situações jurídicas e, tais como as
pessoas naturais, são capazes de adquirir direitos e contrair obrigações
(Loureiro, 2017, p. 128).

No entanto, mesmo que todos os indivíduos possuam personalidade e sejam


considerados iguais perante a lei, conforme o princípio da igualdade formal
resguardado pela Constituição Federal, o direito os diferencia com base em outros
aspectos pessoais. Veja-se que cada indivíduo apresenta características exclusivas
que o distinguem e o singularizam dentro do contexto do grupo social ao qual
pertence. Entre os atributos mais importantes, destacam-se o nome, o domicílio e o
estado civil. Esses três elementos refletem a sua individualidade e identificação,
desempenhando papéis fundamentais para o interesse público (Loureiro, 2017).
Cada um dos elementos citados acima tem relação com o RCPN.
O nome, como bem exposto no primeiro capítulo, possui o condão de
individualizar a pessoa natural. E, como bem exposto por Gagliardi, Salaroli e Neto
(2017, p. 57) “é o Registro Civil das Pessoas Naturais que dá concreção e efetividade
a esse direito, preservando-o e publicizando-o, para que todos tenham conhecimento
do nome e, assim, respeitem esse direito”.
No que diz respeito ao domicílio, sabe-se que, com vistas ao artigo 70 do
38

Código Civil, é o local onde ela fixa sua residência de maneira permanente. E, através
do artigo 76, parágrafo único, se estabelece que o domicílio do incapaz será o de seu
assistente ou representante. Assim, tendo como exemplo de relação do elemento com
o RCPN, é a certidão expedida por este que identifica o representante do incapaz,
tanto nos casos de incapacidade absoluta devido à menoridade quanto nos casos de
incapacidade relativa, referentes às pessoas sujeitas à curatela (Gagliardi; Salaroli;
Neto, 2017).
Por último, a condição de uma pessoa natural é manifestada através dos
seguintes aspectos: o estado político, relacionado à cidadania e nacionalidade; o
estado individual, abrangendo a idade, sexo e capacidade; e o estado familiar,
concernente ao parentesco e à situação conjugal.
Dada a sua relevância nas interações privadas e sociais, é fundamental que
o estado da pessoa natural seja conhecido por todos, com a devida publicidade, a fim
de garantir segurança e eficácia. Este conhecimento é facilitado pelo Registro Civil
das Pessoas Naturais e suas certidões (Gagliardi; Salaroli; Neto, 2017).
Exposta as considerações acerca da pessoa natural, passa-se ao estudo do
RCPN.

3.3 Conceito do Registro Civil das Pessoas Naturais

À priori, importa destacar que o Registro Civil, no âmbito geral, encontra seu
conceito legal através da lei no 8.935 de 1994, também conhecida como Lei dos
Cartórios, que em seu artigo 1o preceitua que “serviços notariais e de registro são os
de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (Brasil, 1994).
Nas palavras de Gagliardi, Salaroli e Neto (2022, p. 90) “o serviço público
notarial e de registro se destina à segurança jurídica, especialmente dos direitos
individuais, das relações privadas e a das relações sociais.”
Na mesma toada, Loureiro (2017, p. 48) afirma

[...] trata-se do conjunto de normas e princípios que regulam a atividade do


registrador, o órgão do Registro, os procedimentos registrais e os efeitos da
publicidade registral, bem como o estatuto jurídico aplicável a este
profissional do direito.

Dentre as ramificações do registro civil, tem-se o Registro Civil de Pessoas


39

Naturais, que encontra respaldo no artigo 1o, § 1º, I, da Lei no 6.015 de 1973 que
determina

Art. 1º Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela


legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos,
ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei.
§ 1º Os Registros referidos neste artigo são os seguintes:
I - o registro civil de pessoas naturais (Brasil, 1973).

Este deve seguir a regra geral de garantir a publicidade, autenticidade,


segurança e eficácia, porém, especificamente, de atos e fatos da vida, e do estado da
pessoal natural.
Nesse sentido, o RCPN, como sugere seu próprio nome, refere-se à pessoa
física ou natural. Deste modo, ao registrador civil cabe a responsabilidade pelo registro
e pela publicidade de eventos e negócios jurídicos relacionadas à pessoa física,
abrangendo desde o nascimento até a morte. Isso ocorre porque tais eventos e atos
têm impacto não apenas na esfera individual, mas também interesse público (Loureiro,
2022).
Além do exposto, o RCPN ainda é uma fonte de dados que contribuem na
elaboração de políticas públicas nas áreas de saúde, economia, segurança pública e
educação, na orientação do desenvolvimento de programas sociais e aprimoramento
da gestão eficiente dos recursos públicos. Ainda, os dados fornecidos possuem
função estratégica ao passo que não geram ônus ao poder público e possibilitam a
atualização das estatísticas vitais da população (Gagliardi; Salaroli; Neto, 2017).
Com isso, verifica-se que diante das funções desempenhadas pelo Registro
Civil de Pessoas Naturais ele não interessa somente aos cidadãos, como também ao
Estado.

3.4 Competência atribuições e funcionamento

A fim de garantir um entendimento geral quanto ao Registro Civil de Pessoas


Naturais, importa destacarmos a forma como este funciona. Para tal compreensão,
buscar-se-á discorrer quanto a sua competência, as atribuições que lhe cabem e como
ocorre o seu funcionamento.
Deste modo, o registro civil obedece à competência territorial para a sua
atuação, determinada pelo artigo 12 da Lei no 8.935 de 1994.
40

Art. 12. Aos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis


das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas
compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos
registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia
distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das
pessoas naturais às normas que definirem as circunscrições geográficas
(Brasil, 1994).

O estabelecimento da competência territorial para os serviços notariais tem


relevância não somente pela necessidade de evitar a competição entre os serviços de
registros públicos, o que poderia ser potencialmente prejudicial à segurança e certeza
jurídicas, como também em razão do princípio da publicidade. É crucial que todos
saibam onde procurar os documentos legais necessários. Ao conhecerem os locais
específicos onde os registros são realizados de acordo com as regras de
competência, é possível ter a certeza se um ato foi ou não praticado. Isso permite,
inclusive, a emissão de certidões negativas com a presunção de que o ato em questão
não ocorreu (Gagliardi; Salaroli; Neto, 2022).
Importa destacar o entedimento de Loureiro (2017, p. 87) quanto à
competência registral

Na verdade, a territorialidade é uma unidade ou um atributo do poder que a


lei confere ao registrador para a prática de atos de sua atribuição. Diz respeito
à competência e não às normas de sistematização e interpretação do direito
registrai. Em outras palavras, os registradores devem realizar os atos de seu
ofício nos territórios definidos por lei, o que não quer dizer que a publicidade
registrai sofre uma limitação territorial. Pelo contrário, uma vez registrados,
os fatos, atos e direitos produzem efeitos que se irradiam para além dos
limites territoriais que demarcam a atividade da autoridade estatal.

Apresentada a competência de atuação do RCPN, passamos ao estudo acerca


das suas atribuições.
Cabe ao Registro Civil de Pessoas Naturais, a responsabilidade pelos assentos
dos atos e fatos expostos pelos incisos do artigo 29, da Lei no 6.015/1973.

Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais:


I - os nascimentos;
II - os casamentos;
III - os óbitos;
IV - as emancipações;
V - as interdições;
VI - as sentenças declaratórias de ausência;
VII - as opções de nacionalidade;
VIII - as sentenças que deferirem a legitimação adotiva (Brasil, 1973).
41

Ainda, fica responsável pelas averbações dos casos estipulados pelo


parágrafo do mesmo diploma legal.

§ 1º Serão averbados:
a) as sentenças que decidirem a nulidade ou anulação do casamento, o
desquite e o restabelecimento da sociedade conjugal;
b) as sentenças que julgarem ilegítimos os filhos concebidos na constância
do casamento e as que declararem a filiação legítima;
c) os casamentos de que resultar a legitimação de filhos havidos ou
concebidos anteriormente;
d) os atos judiciais ou extrajudiciais de reconhecimento de filhos ilegítimos;
e) as escrituras de adoção e os atos que a dissolverem;
f) as alterações ou abreviaturas de nomes (Brasil, 1973).

Nessa perspectiva, cita Loureiro (2017, p. 147)

Com efeito, no Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais são realizados
quatro tipos de assentos: a) registro; b) transcrição; c) averbação e; c)
anotação. "Registro" e "transcrição'' são os assentos que se referem aos
principais fatos ou atos inerentes à existência da pessoa hunana. A diferença
é que o registro é um extrato das declarações ou títulos a serem inscritos, ou
seja, um assento qne faz menção aos principais dados constantes destas
fontes e que devem ser levados à publicidade. A transcrição nada mais é do
que a reprodução literal da declaração ou do título. No Registro Civil das
Pessoas Naturais apenas são objeto de transcrição os assentos de
nascimento, casamento e óbito realizados no exterior, para que produzam
efeitos no Brasil. Por sua vez, são registrados, além dos nascimentos,
casamentos e óbitos ocorridos no Brasil, também as conversões das uniões
estáveis em casamento, as emancipações, as interdições, as sentenças
declaratórias de ausência e morte presumida, as opções de nacionalidade; e
as sentenças que constituírem vínculo de adoção de menores de 18 anos (as
sentenças de adoção de pessoas maiores são objeto de averbação, de
acordo com o item 122, da Seção IX, Cap. XVII, letra h, das NGCGJ/SP, que
permanece em vígor não obstante a revogação do inciso Ili, do art. 10, do
Código Civil) [...]. As averbações são assentos acessórios, que se referem a
modificações no teor do registro [...].A anotação é a referência feita em
determinadó registro, a um ato posterior da vida civil registrado em outro livro.
Em outras palavras, a anotação é um assento-remissão, isto é, tem a
finalidade de interligar os registros, garantindo uma informação mais atual e
segura sobre o estado da pessoa natural.

Ainda, Gagliardi, Salaroli e Neto (2022, p. 44) elencam um rol de


comunicações a outros órgãos, obrigatórias a todos os Oficiais do país.

• Nascimentos, casamentos e óbitos ocorridos são comunicados ao


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para elaboração de
estatísticas de auxílio às políticas públicas e programas sociais (Lei Federal
n. 6.015/73, artigo 49);
• Registros e Averbações são remetidos ao Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS) em até um dia útil (art. 68 da Lei Federal n. 8.212/91);
• Comunicam-se os óbitos dos cidadãos alistáveis à Justiça Eleitoral
para cancelamento da inscrição do eleitor, zelando-se pela democracia
42

(Código Eleitoral, art. 71, § 3º);


• Dos migrantes (estrangeiros) são comunicados os óbitos à Polícia
Federal, para atualização dos registros no órgão, auxiliando na elaboração
de políticas de segurança e na defesa da soberania do País (Decreto Federal
n. 9.199/17, art. 81);
• Os óbitos dos cidadãos do sexo masculino entre 17 e 45 anos de idade
são comunicados ao Ministério da Defesa a fim de se atualizar o cadastro de
reservistas das forças armadas (Previsões normativas e Lei n. 4.375/64, art.
66, d e parágrafo único, alínea a);
• Os óbitos são comunicados à Receita Federal e à Secretaria de
Segurança Pública da unidade da Federação que tenha emitido a cédula de
identidade (Lei 13.114/15, que inseriu p.u. no art. 80 da Lei 6.015/73);
• Comunicam-se à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) os nascimentos
de indígenas, para que seja realizado o registro administrativo, contribuindo
se para a proteção dos povos nativos e suas culturas.

Destaca-se que com o objetivo de facilitar referidas comunicações, instituiu-


se o Sistema Nacional de Informações do Registro Civil (SIRC), conforme previsto no
artigo 68 da Lei 8.212 de 1991 (modificado pela Lei 13.846/2019) e regulamentado
pelo Decreto 9.929/2019.
Este sistema foi estabelecido com o intuito de capturar, processar, arquivar e
disponibilizar dados referentes aos registros de nascimento, casamento, óbito e
natimorto, os quais são gerados pelas serventias de registro civil das pessoas naturais
(Gagliardi; Salaroli; Neto, 2017).
Ademais, cumpre ressaltar que conforme preceitua o artigo 26 da Lei n o
8.935/94, os serviços atribuídos aos titulares de serviços notariais e de registro
estabelecidos pelo artigo 5o da mesma legislação, não são cumuláveis.

Art. 5º Os titulares de serviços notariais e de registro são os:


I - tabeliães de notas;
II - tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos;
III - tabeliães de protesto de títulos;
IV - oficiais de registro de imóveis;
V - oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas;
VI - oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas;
VII - oficiais de registro de distribuição (Brasil, 1994).

Entretanto, há exceção à norma disposta no artigo 52, senão vejamos

Art. 52 Nas unidades federativas onde já existia lei estadual específica, em


vigor na data de publicação desta lei, são competentes para a lavratura de
instrumentos traslatícios de direitos reais, procurações, reconhecimento de
firmas e autenticação de cópia reprográfica os serviços de Registro Civil das
Pessoas Naturais (Brasil, 1994).

Destacadas as atribuições do RCPN, importa ressaltar os deveres dos


43

registradores, que estão estipulados no artigo 30 da Lei no 8.935/94.

Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:


I - manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia,
guardando-os em locais seguros;
II - atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza;
III - atender prioritariamente as requisições de papéis, documentos,
informações ou providências que lhes forem solicitadas pelas autoridades
judiciárias ou administrativas para a defesa das pessoas jurídicas de direito
público em juízo;
IV - manter em arquivo as leis, regulamentos, resoluções, provimentos,
regimentos, ordens de serviço e quaisquer outros atos que digam respeito à
sua atividade;
V - proceder de forma a dignificar a função exercida, tanto nas atividades
profissionais como na vida privada;
VI - guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza
reservada de que tenham conhecimento em razão do exercício de sua
profissão;
VII - afixar em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de
emolumentos em vigor;
VIII - observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício;
IX - dar recibo dos emolumentos percebidos;
X - observar os prazos legais fixados para a prática dos atos do seu ofício;
XI - fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que
devem praticar;
XII - facilitar, por todos os meios, o acesso à documentação existente às
pessoas legalmente habilitadas;
XIII - encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos
interessados, obedecida a sistemática processual fixada pela legislação
respectiva;
XIV - observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente; e
XV - admitir pagamento dos emolumentos, das custas e das despesas por
meio eletrônico, a critério do usuário, inclusive mediante parcelamento
(Brasil,1994).

Cabe discorrer acerca da responsabilidade civil dos registradores, a qual é


determinada pelo caput do art. 22 da Lei no 8.935/94.

Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por


todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo,
pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que
autorizarem, assegurado o direito de regresso (Brasil, 1994).

Em seguida, o parágrafo único estabelece o prazo de três anos para que


ocorra a prescrição da pretensão de reparação civil.

Parágrafo único. Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil,


contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial (Brasil, 1994).

Infere-se dos dispositivos citados que o legislador buscou estabelecer a


responsabilidade subjetiva para o notário e do registrador. Desta forma, eles são
44

responsáveis apenas em casos de atos ilícitos ou condutas inadequadas realizadas


pessoalmente ou por seus representantes. No caso destes últimos, os notários e
registradores teriam o direito de buscar ressarcimento contra seus representantes
quando estes agissem com dolo ou culpa (Brandão, 2020).
Por fim, diante dos diversos e tão importantes serviços atribuídos aos
Registros Civis de Pessoas Naturais, imperioso tratarmos a respeito da sua forma de
funcionamento.
Estabeleceu-se que este é o único serviço que opera de maneira ininterrupta.
De modo que, registros podem ser formalizados em qualquer dia e horário, inclusive
nos finais de semana, sem que isso resulte em nulidade ou irregularidade nos
assentos (Loureiro, 2017).
Nesse sentido, o art. 4o e seus parágrafos § 1º e § 2º da Lei 8.935/1994 define
a forma de funcionamento, inclusive impõe o sistema de plantão.

Art. 4º Os serviços notariais e de registro serão prestados, de modo eficiente


e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente,
atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que
ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos.
§ 1º O serviço de registro civil das pessoas naturais será prestado, também,
nos sábados, domingos e feriados pelo sistema de plantão.
§ 2º O atendimento ao público será, no mínimo, de seis horas diárias (Brasil,
1994).

Afirma Loureiro (2017) que também é necessário atentar-se à localização e


acessibilidade do registro. A escolha do local para a instalação do cartório é uma
prerrogativa do notário ou registrador, mas essa decisão deve ser orientada pelos
objetivos estabelecidos na lei. É importante que o local seja de fácil acesso ao público
e que tenha segurança adequada para o armazenamento de livros e documentos,
obedecendo ao inciso I do artigo 30 da Lei no 8.935/94, citado anteriormente.
A serventia deve ser instalada em um local de acesso universal, garantindo
que qualquer cidadão possa usufruir dos serviços oferecidos. Além disso, é
necessário que as instalações sejam adaptadas para proporcionar acesso aos
serviços a pessoas com necessidades especiais.

3.3.1 A relação do registro civil e o nome da pessoa natural: importância e


procedimento
45

De início, sabe-se que o nascimento de uma pessoa gera a necessidade de


um assento deste fato, o qual será realizado através do RCPN, conforme imposto pelo
artigo 52 da LRP.
Para tanto, impõe-se alguns requisitos, dentre os quais, o nome. Evidenciando
o seu caráter obrigatório.

Art. 54. O assento do nascimento deverá conter:


1°) o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, sendo possível
determiná-la, ou aproximada;
2º) o sexo do registrando;
3º) o fato de ser gêmeo, quando assim tiver acontecido;
4º) o nome e o prenome, que forem postos à criança;
5º) a declaração de que nasceu morta, ou morreu no ato ou logo depois do
parto;
6º) a ordem de filiação de outros irmãos do mesmo prenome que existirem ou
tiverem existido;
7º) Os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e
cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos
completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal.
8º) os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos;
9o) os nomes e prenomes, a profissão e a residência das duas testemunhas
do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em
residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde;
10) o número de identificação da Declaração de Nascido Vivo, com controle
do dígito verificador, exceto na hipótese de registro tardio previsto no art. 46
desta Lei; e
11) a naturalidade do registrando (Brasil, 1973).

Cabe destaque aos efeitos do assento de nascimento e do registro do nome,


como bem exposto por Brandelli (2012, p.118)

Interessante ainda notar que o assento de nascimento tem eficácia


declaratória ex tunc. O mesmo não ocorre, entretanto, com o nome. Para
este, o registro tem eficácia constitutiva, ou seja, o nome somente existe para
o direito após o registro.

Assim, somente com a publicidade conferida pelo registro do nome é que este
disporá de suas características jurídicas e do efeito erga omnes, ou seja, é válido
perante todas as pessoas. Entretanto, há exceção à essa regra nos casos em que a
pessoa, não tendo sido registrada, adota um nome e por ele passa a ser conhecida e
identificada no meio social, fato que lhe conferirá o direito àquele nome. Embora a
regra seja de que o registro do nome terá efeito constitutivo, nesta hipótese, possuirá
efeito declaratório (Brandelli, 2012).
46

No que se refere ao nome de família, usualmente chamado de sobrenome,


este também é adquirido com o assento de nascimento, todavia, não é passível de
escolha por se tratar de uma “herança de família”.
Apresentada a importância e os efeitos do registro do nome, passamos às
considerações acerca do procedimento.
Sabe-se que personalidade civil é adquirida com o nascimento com vida,
conforme o art. 2o do CC. Com isso, através do art. 9o, I, da mesma legislação
determina que os nascimentos serão registrados publicamente (Brasil, 2002).
Deste modo, os genitores, em conjunto ou separadamente, procederão o
registro de nascimento do recém-nascido. Sendo que, com base no artigo 50 da LRP,
este deverá ser realizado no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no local de
residência dos genitores, dentro do prazo de 15 dias, estendidos até 3 meses para os
casos em que o lugar de nascimento fique distante do cartório (Brasil, 1973).
Gagliardi, Salaroli e Neto (2022, p. 190) expõe como deverá ocorrer a atuação
do registrador.

Pautado pelos princípios da legalidade e da instância, ao registrador compete


receber a declaração de nascimento, verificar a territorialidade e o prazo do
registro; qualificar o declarante em sua identidade, capacidade e legitimação;
receber a documentação ou declarações cabíveis e qualificá-las; receber as
manifestações de vontade, qualificar as partes e os atos praticados, como a
escolha do nome, o reconhecimento de filho, escolha da naturalidade e a
indicação de suposto pai, revestindo-os da forma legal; verificar a legalidade
de todo o declarado e dos atos praticados, lavrar o assento e registrar o
nascimento; emitir a primeira via da certidão e prestar as informações legais
e normativas.

Existem possibilidades de alteração do nome, o que leva à necessidade de


averbações na certidão de nascimento.
Historicamente, essas hipóteses ocorriam nos casos de alteração do nome no
prazo de um ano da maioridade, acréscimo de sobrenome ao filho menor, alteração
do nome familiar dos pais, através da celebração de casamento, entre outras
situações, tratadas anteriormente.
Nessa perspectiva, o artigo 29, § 1º, f, da LRP elenca

§ 1º Serão averbados:
[...]
f) as alterações ou abreviaturas de nomes (Brasil, 1973).
47

Cita Gagliardi, Salaroli e Neto (2022) que “Somente após a alteração no


registro civil, o nome alterado receberá sua tutela jurídica integral, produzindo plenos
efeitos, podendo ser provado por meio da respectiva certidão.”
Contudo, é sabido que no ano de 2022, entrou em vigência a Lei n o 14.382
que promoveu alterações na legislação registral, a qual possibilitou a alteração do
nome de forma imotivada e diretamente nos cartórios. Porém, como citado
anteriormente, detalhes acerca dessa legislação serão tratados no terceiro capítulo.

3.5 Princípios do registro civil

O sistema jurídico é composto por duas categorias de normas: os princípios e


as regras. No tocante aos princípios jurídicos, estes detêm uma posição
hierarquicamente superior às regras, pois definem a orientação e extensão destas, as
quais não podem confrontá-los sem comprometer a integridade do sistema legal. É
fundamental a coerência entre os princípios e as regras, estabelecendo uma direção
que parte daqueles para estas (Sundfeld, 2012 apud Gagliardi; Salaroli; Neto, 2022).
Para Gagliardi, Salaroli e Neto (2022), os princípios que regem o Registro Civil
das Pessoas Naturais, se dividem em duas espécies, os princípios finalísticos – que
norteiam o objetivo e a finalidade do registro civil em si – e os princípios que informam
a função do RCPN – que guiam o funcionamento prático.
Após breve contextualização acerca dos princípios jurídicos que regem o
Registro Civil, passa-se à exposição destes.

3.4.1 Princípios finalísticos

3.4.1.1 Princípio da autenticidade

O princípio da autenticidade implica que o responsável pelo registro só deve


autorizar o acesso a informações devidamente identificadas, previamente verificadas
quanto à sua autenticidade e legalidade, de modo a garantir, na medida do possível,
sua veracidade (Gagliardi; Salaroli; Neto, 2022).
Nas palavras de Gagliardi; Salaroli e Neto (2022, p. 98)

Os Registros Públicos buscam separar o que é falso do que é autêntico,


dando guarida apenas ao que é autêntico. Para isso, valem-se dos
mecanismos disponíveis para aferir a autenticidade dos documentos que lhes
48

são apresentados, mas este exame é sumário, não se confundindo com uma
perícia.

Nesta toada, a autenticidade confere ao registro e às informações uma


presunção de veracidade e legalidade, proporcionando uma certeza qualificada do
seu conteúdo. Isso viabiliza que os negócios e relações baseados neles estejam
seguramente respaldados no âmbito jurídico (Gagliardi; Salaroli; Neto, 2022).

3.4.1.2 Princípio da publicidade

Como expresso por Gagliardi, Salaroli e Neto (2022, p. 92) “a publicidade é o


que garante eficácia aos atos e fatos levados a registro público, tornando-os
cognoscíveis e oponíveis a qualquer pessoa.”
Entretanto, necessário pontuar que este princípio sofre limitações vez que
diante de informações que por disposição constitucional ou por lei não podem constar
nas certidões, preservando a intimidade e a vida privada (Gagliardi; Salaroli; Neto,
2022).
À exemplo das referidas limitações, destaca-se à vedação à exposição
referente à origem da filiação que, com base no artigo 227, § 6º da Constituição
Federal, dispõe que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação” (Brasil, 1988).

3.4.1.3 Princípio da segurança jurídica

A segurança jurídica deriva do artigo 1º da CF, o qual declara o Brasil como


uma República Federativa, regida pelo Estado Democrático de Direito. Isso implica
que tal segurança deve permear integralmente todo o sistema jurídico do país. Dessa
maneira, a CF assegura a segurança jurídica por meio de diferentes institutos e
sistemas, incluindo os Registros Públicos (Gagliardi; Salaroli; Neto, 2022).
Cumpre ressaltar que a segurança jurídica está vinculada à autenticidade e à
publicidade, ao passo que essas são as bases para que se possa garanti-la.

a) Estaticamente a segurança está na inscrição e preservação dos dados


relativos à pessoa natural e a seu estado, os quais, uma vez inscritos no
registro civil, gozam de certeza jurídica (presunção relativa) e se revestem de
autenticidade, pois passam pela devida qualificação registral. b)
49

Dinamicamente a segurança se manifesta pela publicidade, revestindo de


certeza as relações privadas e sociais, uma vez que a todos os interessados
é possível conhecer o estado da pessoa natural atual, com todas as eventuais
alterações, conforme registrado (Gagliardi; Salaroli; Neto, 2022, p. 91).

De modo geral, a segurança jurídica é fundamental para a administração


eficiente da justiça e para a promoção da igualdade e da cidadania. Assegurar a
integridade e a autenticidade dos registros civis é, portanto, indispensável para o
funcionamento adequado de uma sociedade democrática e para o bem-estar de seus
cidadãos.

3.4.2 Princípios regentes das funções do registro civil das pessoas naturais

3.4.2.1 Princípio da legalidade

Trata-se do princípio constitucional estabelecido pelo artigo 5 o, II, da Carta


Magna que define “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei” (Brasil, 1988).
Nas palavras de Loureiro (2017, p. 546)

Em sentido amplo, entende-se por princípio da legalidade aquele pelo qual


toda ação da Administração e toda decisão dos tribunais deve ser resultado
da aplicação da lei. E a plena vigência do ordenamento jurídico que fica acima
da vontade do agente estatal. Não só os agentes públicos devem se sujeitar
ao princípio da legalidade, mas também os particulares são sujeitos a esse
princípio, diante do dever jurídico de cumprir as obrigações legais e
convencionais.

Para o RCPN, referido princípio diz respeito ao dever de “o registrador deve


submeter à lei todos os documentos e declarações que lhe são apresentados para
que tenham ingresso no registro” (Gagliardi; Salaroli; Neto, 2017).
Ainda, os serviços registrais devem observar o cumprimento das formalidades
e solenidades necessárias à garantia da validade dos documentos e registros. De tal
modo que, para que um documento seja considerado um instrumento público, o
registrador deverá adotar o meio jurídico adequado para atingir os interesses das
partes (Souto; Ferreira; Barboza; Martins, 2021).

3.4.2.2 Princípio da independência


50

Preceitua o artigo 28 da Lei no 8.935/94 que os notários e registradores


desfrutam de independência ao desempenhar suas funções. Assim, têm o direito de
receber emolumentos pelos atos realizados em suas serventias e só poderão perder
a delegação nas hipóteses previstas na legislação (Brasil, 1994).
A independência está intimamente ligada à condição de profissional do Direito,
que exige o conhecimento especializado do registrador. Portanto, ao exercer suas
funções, o registrador não está sujeito a nenhum tipo de condicionamento além
daqueles estabelecidos pelo ordenamento jurídico (Gagliardi; Salaroli; Neto, 2020).
Com a referida característica, visa-se a garantia da neutralidade e
imparcialidade, de modo que com eficiência em seus atos, os registradores possam
assessorar e mediar atos e negócios jurídicos das pessoas interessadas (Souto;
Ferreira; Barboza, 2021).

3.4.2.3 Princípio da imparcialidade

Como citado anteriormente, a imparcialidade é um atributo indispensável na


atuação dos registradores. Estes “devem agir e atuar de maneira equânime entre as
partes, sem privilegiar o interesse de qualquer envolvido” (Souto; Ferreira; Barboza,
2021).
De igual modo afirmam Gagliardi, Salaroli e Neto (2020) que no desempenho
das atribuições, ao qualificar, lavrar e registrar os atos, é essencial que o registrador
não considere seus interesses pessoais, sendo imperioso o atendimento de todos os
envolvidos, incluindo a sociedade e o Estado, de maneira equitativa, e aplicando o
princípio da legalidade.

3.4.2.4 Princípio da instância

O princípio da instância decorre da necessidade de provocação dos atos


registrários, de tal modo que os registradores não podem agir de ofício (Gagliardi;
Salaroli; Neto, 2020).
Encontra respaldo legal através do artigo 13 da LRP dispõe

Art. 13. Salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos do registro


serão praticados:
I - por ordem judicial;
II - a requerimento verbal ou escrito dos interessados;
51

III - a requerimento do Ministério Público, quando a lei autorizar.


§ 1º O reconhecimento de firma nas comunicações ao registro civil pode ser
exigido pelo respectivo oficial.
§ 2° A emancipação concedida por sentença judicial será anotada às
expensas do interessado (Brasil, 1973).

Contudo, há exceções à essa norma que estão previstas no art. 110 da mesma
legislação que dispõe sobre a possibilidade de o oficial de registro proceder, de ofício,
a averbação ou anotação em casos específicos.

3.4.2.5 Princípio da conservação

Infere-se do princípio da conservação que “o registrador tem o dever de


guardar e zelar pelos documentos públicos relativos à sua função” (Gagliardi; Salaroli;
Neto, 2022).
O capítulo V da LRP é dedicado especificamente à conservação. Tanto que o
seu artigo 26 determina que “Os livros e papéis pertencentes ao arquivo do cartório
ali permanecerão indefinidamente” (Brasil, 1973).

3.4.2.6 Princípio da continuidade

Pelo princípio da continuidade, entende-se que “os registros devem ser


perfeitamente encadeados, de forma que não haja vazios ou interrupções na corrente
registrária” (Loureiro, 2017.)
No âmbito do RCPN, leciona Reinaldo Velloso dos Santos (2006, p. 204)

o princípio da continuidade no Registro Civil das Pessoas Naturais não tem o


mesmo alcance que no Registro de Imóveis (...) Não há assim a necessidade
de que a ordem das anotações e averbações acompanhe estritamente a
cronologia dos acontecimentos, mas, tão somente, exista a compatibilidade
de situações assentadas (apud Gagliardi; Salaroli; Neto, 2022, p. 104).

Nessa perspectiva, a interpretação deste princípio busca a coesão e


coerência dos atos registrados, de modo a garantir a sua regularidade. À vista disso,
não se deve anotar casamento quando conste anotação de casamento anterior, sem
que haja comunicação de que este se encerrou, por exemplo (Gagliardi; Salaroli; Neto,
2022).
52

4 A EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DA ALTERAÇÃO DO NOME CIVIL E O PRINCÍPIO


DA IMUTABILIDADE

Embora a legislação e a jurisprudência tenham progredido ao longo dos anos,


permitindo a alteração do nome em casos específicos, ainda persistia a discussão
sobre a necessidade de avanços significativos nessa questão a fim de promover maior
garantia ao princípio da dignidade da pessoa humana e do nome.
Entende-se que o nome, junto com outros direitos da personalidade,
desempenha um papel crucial na construção da identidade de um indivíduo, moldando
a maneira como ele se apresenta à sociedade e representando sua principal forma de
individualização.
Nesse contexto, surge a indagação: mas e quando um nome, que não gera
constrangimentos e não se enquadra nas exceções à regra da imutabilidade, além de
ser percebido como um nome comum pela maioria das pessoas, não representa a
identidade do indivíduo ou abriga uma história pessoal triste para quem o carrega?
Qual princípio deveria imperar, o princípio da imutabilidade ou o princípio da dignidade
do nome?
Não havia impedimentos para que o indivíduo recorresse ao judiciário
buscando atender a sua pretensão. No entanto, esse processo costumava ser
moroso, burocrático e custoso, além de exigir a exposição detalhada de todas as
razões que motivavam a busca pela alteração judicial. Muitas vezes, esse
procedimento obrigava a pessoa a revelar inseguranças, razões dolorosas, bem como
reviver situações desconfortáveis buscando a alteração do prenome, sem garantias
de um resultado positivo.
Foi com a evolução proporcionada pela Lei n o 14.382/2022 que Francisco
Egídio Conte morreu para dar vida à Francisco Conte Ficho. Em outubro de 2022, aos
33 anos de idade, nasceu um novo capítulo na história de Francisco, morador de Jaú,
interior de São Paulo.
Para realizar o sonho de modificar o nome, ele recorreu à nova legislação que
tornou o procedimento simples, rápido e mais econômico.
O nome que antes carregava não o representava. Francisco Egídio foi uma
homenagem ao pai chamado Egídio, o qual não acompanhou seu crescimento. Além
disso, somente levava o sobrenome paterno e não o de quem de fato o criou, sua
mãe.
53

Na reportagem publicada pela Agência Senado, Francisco relatou à Westin


(2022)

“— Quem olha de fora pode achar que essa mudança é uma besteira, um
detalhe ou um capricho, mas, para mim, não é — afirma Ficho. — O nome é
a sua identidade e diz quem você é e a qual família você pertence. Esse
nunca foi o meu caso. Eu não me reconhecia naquele nome e naquele
sobrenome. Isso me atormentava.
— É também uma forma de demonstrar agradecimento à minha mãe por todo
o sacrifício que ela fez para me criar. Agora com o sobrenome materno, tenho
a sensação de que faço mais parte da vida dela — continua Ficho, que acaba
de se casar. — E fico feliz por saber que os filhos que espero em breve ter
poderão ganhar o sobrenome dela.”

Este é apenas um dos relatos dentre milhares de pessoas que alteraram seus
nomes, seja por simplesmente não se identificar com eles, seja por eles carregarem
uma história dolorosa.
Desde que a lei federal facilitou a alteração do nome, mais de dez mil
brasileiros ganharam uma nova identidade, o que enfatiza a relevância da nova
legislação, conforme notícia veiculada pelo G1, em 2023.
Portanto, dado o impacto trazido pela nova legislação, é de suma importância
o seu estudo. Deste modo, este capítulo busca promover a compreensão do
fenômeno da extrajudicialização, bem como as principais mudanças trazidas pela Lei
no 14.382/2022.
Por fim, a discussão a respeito da vigência do princípio da imutabilidade –
discutido anteriormente.

4.1 O fenômeno da extrajudicialização

De início, necessário a distinção entre os termos extrajudicialização e


desjudicialização.
Comumente é utilizado o termo "desjudicialização" ao referir-se à demanda,
ação ou procedimento que, anteriormente, só poderia ser resolvido ou conduzido pelo
Poder Judiciário e que, atualmente, possuem maneiras alternativas de resolução sem
a intervenção judicial (Mallmann, 2023).
Entretanto, com o emprego do referido termo pressupõe-se que há uma
eliminação do judiciário, o que não ocorre de fato, pois a criação de medidas
alternativas à judicialização não a exclui (Mallmann, 2023).
54

Deste modo, “extrajudicialização” é a forma correta de nos referirmos à


criação de meios alternativos para a solução de conflitos que podem ser resolvidos na
esfera administrativa.
Assim, a fim de compreendermos o surgimento e importância do fenômeno da
extrajudicialização, é necessário uma breve contextualização do assunto.
O acesso à justiça, assegurado pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso
XXXV, não se limita apenas à possibilidade de o indivíduo de buscar reparação
judicial, de modo que engloba também o direito à efetiva atuação do Estado, visando
desempenhar eficientemente seu papel para assegurar a realização do direito
pleiteado. Todavia, há um excesso de demandas tramitando no Poder Judiciário, o
qual é apontado como a principal razão para a morosidade na resolução dos conflitos,
sendo que muitos dos processos poderiam ser solucionais fora dos tribunais (Chueiri;
Filho; Rodrigues, 2021).
Diante deste cenário, Chueiri, Filho e Rodrigues (2021, online) destacam o
surgimento da extrajudicialização.

É nesse contexto de meios adequados a solução de conflitos que se ingressa


a desjudicialização ou extrajudicialização, um mecanismo alternativo de
solução de conflitos e pacificação social que tem como objetivo dar
maior efetividade e celeridade ao procedimento, realizando-o fora da esfera
judicial.

Alinhado ao tema da presente pesquisa, imperioso destacar o sistema


extrajudicial dos cartórios e serventias, os quais trazem inúmeros benefícios, como
exposto por Chueiri, Filho e Rodrigues (2021, online)

O sistema extrajudicial dos cartórios e serventias tem por objetivo dar


ao procedimento maior simplicidade, porquanto, desse modo, o
procedimento contará com economia de tempo e recursos financeiros,
resultando em maior celeridade, o que beneficiará os interessados. [...]
Seguindo essa linha de raciocínio, tem-se uma gama ampla de atos
que podem ser realizados perante os Cartórios, desde que preenchidos
determinados requisitos referentes a cada procedimento.

Nesse ponto, a Lei no 14.382 de 2022 trouxe inúmeras inovações à LRP,


sendo um dos maiores destaques, a introdução do procedimento da
extrajudicialização no âmbito da alteração do nome civil, disposta no artigo 56 da
referida legislação.
55

Veja-se que antes da referida lei entrar em vigor, a possibilidade de alterar o


nome dependia quase que exclusivamente do judiciário, à vista de que era necessário
ajuizar uma ação, por meio de um advogado, buscando autorização do juízo, o que
tornava o processo moroso e muito mais custoso para quem o suportava, sendo que
se tratava de algo relativamente simples e que acabava por contribuir com o
abarrotamento do judiciário, já que tratava-se de um procedimento de jurisdição
voluntária.
Assim, nas palavras de Lacerda e Faria (2021, p. 15) “O uso da
extrajudicialização de procedimentos processuais tem demonstrado ser eficiente tanto
para a redução de prazos como para a minoração de custos”.
Cabe salientar que esse novo método de alteração do nome proporciona mais
garantia ao princípio da dignidade da pessoa humana e dignidade do nome – tratados
no primeiro capítulo – ao facilitar o acesso ao procedimento, em virtude do seu
barateamento e diminuição da burocracia.
Ainda, o princípio da publicidade segue respeitado, visto que o artigo 56, § 2º
e § 3º possuem métodos capazes de assegurá-lo.
O único princípio que sofreu com as inovações provocadas pela Lei n o
14.382/2022 foi o da imutabilidade do nome, todavia, a discussão será realizada ao
final deste capítulo.
Em última análise, é relevante destacar que a introdução desse novo
procedimento no processo de alteração do nome civil representa não apenas um
aumento significativo da carga de trabalho para os registradores em todo o país, mas
também a inserção de uma dinâmica completamente nova. Este procedimento,
historicamente vinculado ao âmbito judicial, agora se desloca para a esfera
extrajudicial.
É sabido que diversos procedimentos, anteriormente executados
exclusivamente na via judicial, receberam a alternativa de serem realizados
extrajudicialmente, como exemplificado pela Lei nº 11.441 de 2007, que viabilizou,
mediante o preenchimento dos requisitos, a realização de divórcios diretamente nos
cartórios. No entanto, tanto esse procedimento quanto outros que adotaram esse
formato ainda requerem a intervenção de um advogado, ao contrário do novo
procedimento em questão, que dispensa essa necessidade.
Considerando a relevância dessa inovação e a sua recente implementação, a
Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN), reconhecendo a
56

necessidade de orientação para os registradores, lançou uma cartilha com o intuito de


fornecer diretrizes para a correta execução desse novo procedimento, a fim de
promover, principalmente, a garantia da segurança jurídica.
Realizados os apontamentos necessários para a compreensão do
procedimento, adentraremos, a seguir, no estudo acerca das alterações
proporcionadas pela Lei no 14.382/2022.

4.2 Principais aspectos da Lei no 14.382/2022 no tocando à alteração do nome


civil

A Lei no 14.382 de 2022 promoveu intensas mudanças na LRP, dentre tantas,


o procedimento e possibilidades para a alteração de nome civil foi uma das mais
significativas.
Antes da referida lei federal entrar em vigor, somente pessoas cujos nomes
lhe causassem constrangimento, possuíssem erros de grafia ou ainda para pessoas
que fossem vítimas ou testemunhas de crimes ou que quisessem adotar um apelido
notório tinham a possibilidade de passar por um processo menos burocrático dado
que as decisões judiciais costumavam ser positivas nos casos citados (Westin, 2022).
Nas palavras de Westin (2022) “Até então, era necessário contratar advogado,
recorrer aos tribunais, apresentar uma justificativa plausível e aguardar a decisão do
juiz — que poderia, no fim, não autorizar a mudança de nome.”
O caput do artigo 55 da LRP ganhou uma nova redação. Anteriormente,
determinava que “Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará
adiante do prenome escolhido o nome do pai, e na falta, o da mãe, se forem
conhecidos e não o impedir a condição de ilegitimidade, salvo reconhecimento no ato”
e atualmente, dispõe que

Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o


sobrenome, observado que ao prenome serão acrescidos os sobrenomes dos
genitores ou de seus ascendentes, em qualquer ordem e, na hipótese de
acréscimo de sobrenome de ascendente que não conste das certidões
apresentadas, deverão ser apresentadas as certidões necessárias para
comprovar a linha ascendente (Brasil, 1973).

O que anteriormente era parágrafo único se tornou §1º, em decorrência da


inclusão de outros três parágrafos ao dispositivo, conforme elencado a seguir
57

§ 1º O oficial de registro civil não registrará prenomes suscetíveis de expor


ao ridículo os seus portadores, observado que, quando os genitores não se
conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso à
decisão do juiz competente, independentemente da cobrança de quaisquer
emolumentos.
§ 2º Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial de registro
lançará adiante do prenome escolhido ao menos um sobrenome de cada um
dos genitores, na ordem que julgar mais conveniente para evitar
homonímias.
§ 3º O oficial de registro orientará os pais acerca da conveniência de acrescer
sobrenomes, a fim de se evitar prejuízos à pessoa em razão da
homonímia.
§ 4º Em até 15 (quinze) dias após o registro, qualquer dos genitores poderá
apresentar, perante o registro civil onde foi lavrado o assento de nascimento,
oposição fundamentada ao prenome e sobrenomes indicados pelo
declarante, observado que, se houver manifestação consensual dos
genitores, será realizado o procedimento de retificação administrativa do
registro, mas, se não houver consenso, a oposição será encaminhada ao juiz
competente para decisão (Brasil, 2022).

Veja-se que a inclusão do § 4º permite que no prazo de quinze dias, cumprido


os requisitos, poderá ser realizada a retificação do registro de forma administrativa.
Conforme exposto pela ARPEN (2022), essa permissão legislativa visa evitar a
judicialização de situações que são recorrentes.
A mudança que gerou maior repercussão e pode ser considerada uma das
mais inovadoras se deu através do artigo 56 da LRP, que antes da Lei no 14.382/2022,
possuía a seguinte redação

Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil,
poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que
não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será
publicada pela imprensa (Brasil, 1973).

A nova legislação promoveu a alteração do referido artigo de modo que a partir


de sua nova redação qualquer pessoa, atingindo a maioridade, poderia alterar seu
nome imotivadamente e diretamente no registro civil. Segue a atual redação do caput

Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil,
requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome,
independentemente de decisão judicial, e a alteração será averbada e
publicada em meio eletrônico (Brasil, 2022).

Veja-se que a legislação ainda incluiu quatro parágrafos ao artigo que


anteriormente não dispunha nenhum.
58

§ 1º A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial


apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial.
§ 2º A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o
prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no
Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita
Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados
esses que deverão constar expressamente de todas as certidões
solicitadas.
§ 3º Finalizado o procedimento de alteração no assento, o ofício de registro
civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas do
requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do
documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal
Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrônico.
§ 4º Se suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação
quanto à real intenção da pessoa requerente, o oficial de registro civil
fundamentadamente recusará a retificação (Brasil, 2022).

Com a leitura, infere-se que, através destes dispositivos, o legislador buscou


garantir a segurança jurídica diante das novas possibilidades de alteração de nome.
Nessa perspectiva, a ARPEN Brasil (2022) destacou através da sua cartilha
de considerações acerca da Lei no 14.382/2022 que apesar de auto-aplicável, é
aconselhável que o registrador solicite ao requerente a apresentação da
documentação já anteriormente exigida para a alteração de prenome de pessoas
transgênero, conforme o Provimento CNJ nº 73/2018. Isso visa prevenir fraudes e
garantir maior segurança ao processo.
De mais a mais, a redação anterior do artigo 57 da LRP determinava que a
alteração de nome apenas seria possível por sentença judicial e mediante exceção ou
motivação. In verbis

Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e


motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por
sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e
publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110
desta Lei (Brasil, 2022).

Todavia, atualmente, em razão da mudança no procedimento de alteração do


nome, referido artigo passa a dispor a respeito da possibilidade de alteração posterior
do sobrenome e não mais acerca da necessidade de uma decisão judicial. Além disso,
igualmente ao artigo 56, a Lei no 14.382/2022 incluiu diversos parágrafos no
dispositivo.

Art. 57. A alteração posterior de sobrenomes poderá ser requerida


pessoalmente perante o oficial de registro civil, com a apresentação de
certidões e de documentos necessários, e será averbada nos assentos de
59

nascimento e casamento, independentemente de autorização judicial, a fim


de:
I - inclusão de sobrenomes familiares;
II - inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do
casamento;
III - exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade
conjugal, por qualquer de suas causas;
IV - inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações
de filiação, inclusive para os descendentes, cônjuge ou companheiro da
pessoa que teve seu estado alterado.
§ 1º Poderá, também, ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado,
usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade
profissional.
§ 2º Os conviventes em união estável devidamente registrada no registro civil
de pessoas naturais poderão requerer a inclusão de sobrenome de seu
companheiro, a qualquer tempo, bem como alterar seus sobrenomes nas
mesmas hipóteses previstas para as pessoas casadas.
§ 3º-A O retorno ao nome de solteiro ou de solteira do companheiro ou da
companheira será realizado por meio da averbação da extinção de união
estável em seu registro.
§ 4º (Revogado).
§ 5º (Revogado).
§ 6º (Revogado).
§ 7o Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação
ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz
competente determinará que haja a averbação no registro de origem de
menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação
do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação
posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que
deu causa à alteração.
§ 8º O enteado ou a enteada, se houver motivo justificável, poderá requerer
ao oficial de registro civil que, nos registros de nascimento e de casamento,
seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde
que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus sobrenomes
de família (Brasil, 2022).

Referente à alteração posterior de sobrenomes, a ARPEN Brasil (2022)


afirmou “Importante consignar que, diferentemente da alteração de prenome, a
legislação não impôs a regra de publicação em meio eletrônico para as alterações de
sobrenome, sendo, portanto, dispensada”.
Ainda, insta salientar que o artigo 58 permaneceu com sua redação original,
a qual, anteriormente, já dispunha uma possibilidade de alteração do nome, ao afirmar
que “O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos
públicos notórios” (Brasil, 1973).
Por fim, diante das expressivas mudanças na legislação acerca do nome civil,
paira uma discussão o princípio da imutabilidade – trabalhado no primeiro capítulo –
que por muito tempo regeu tal instituto.
60

4.3 Princípio da imutabilidade do nome frente à nova legislação: há razão de


persistir?

As alterações introduzidas pela Lei nº 14.382 de 2022 na LRP certamente


suscitaram diversas interrogações em várias esferas. No entanto, a simplificação e
extrajudicialização do processo de modificação do nome civil propiciada pela nova
legislação confrontam diretamente o princípio da imutabilidade do nome. Diante desse
cenário, é válido questionar se tal princípio ainda persiste e se sua existência é
justificável nos dias atuais.
Reiterando-se o tratado no primeiro capítulo, o princípio da imutabilidade do
nome civil visa garantir a estabilidade e segurança jurídica, prevenindo prejuízos na
diferenciação das pessoas. Ele objetiva impedir alterações para obtenção de
vantagens ou isenção de responsabilidades (Fenelon, 2022).
Desde 1928 a regra da imutabilidade vigora no ordenamento jurídico
brasileiro. O Decreto no 18.542/28 conferiu ao direito ao nome tal característica, ao
estabelecer, através do artigo 72 que “o prenome será immutavel” (Brasil, 1928), não
dispondo de qualquer exceção.
Posteriormente, por ser um direito indisponível e irrenunciável, a LRP
manteve, de início, a regra ao nome civil. Através de seu artigo 58 que, em sua
redação original, dispunha “o prenome será definitivo” (Brasil, 1973).
Todavia, “ao longo dos anos, gradualmente a legislação brasileira, mormente
o Código Civil e as Leis 9.708/1998 e 14.382/2022, relativizou a regra anteriormente
estabelecida na Lei de Registros Públicos” (Batista, 2022, p.3).
Veja-se que o próprio artigo 58, inicialmente, instituiu uma regra rígida e no
ano de 1998, quando foi promulgada a Lei nº 9.708, passou a relativizá-la. O referido
dispositivo, em seu caput, passou a possibilitar a substituição do prenome por apelidos
notórios (Brasil, 1998).
No ano subsequente, a Lei nº 9.807/1999 promoveu a alteração do parágrafo
único do mencionado artigo. Antes da modificação, o dispositivo não permitia a
substituição do prenome por apelidos que fossem proibidos pela legislação e após
passou a dispor que "A substituição do prenome será ainda admitida em razão de
fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por
determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público" (Brasil,
61

1999). Essa é apenas uma das possibilidades de alteração do nome encontradas na


legislação.
Quanto à flexibilização provocada pela jurisprudência do STJ, Batista (2022,
p.4) afirma

Essa flexibilização se justifica, conforme consignado no julgamento do REsp


1.412.260/SP (BRASIL, 2014), pelo próprio papel que o nome desempenha
na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa, concretizando
materialmente o princípio da dignidade5 da pessoa humana. Tanto é assim
que, apenas à guisa de ilustração, podemos citar, por exemplo, as seguintes
modalidades de alterações no nome: (a) inclusão do patronímico de
companheiro (REsp 1.206.656/GO, relatora: ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma, DJe de 11/12/2012); (b) acréscimo do patronímico materno
(REsp 1.256.074/MG, relator: ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe
de 28/8/2012); (c) substituição do patronímico do pai pelo do padrasto (Ag
989.812/SP, decisão monocrática, rela-tor: ministro Fernando Gonçalves, DJe
de 7/3/2008; (d) inclusão do patronímico do padrasto (REsp 538.187/RJ,
relatora Nancy Andrigui, Terceira Turma, DJe de 2/12/2004; (e) alteração da
ordem dos apelidos de família (REsp 1.323.677/MA, relatora: ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, DJe de 15/2/2013; (f) inclusão do nome de solteira
da genitora, adotado após o divórcio (REsp 1.041.751, relator: ministro Sidnei
Beneti, Terceira Turma, DJe de 3/9/2009) (BRASIL, 2012a, 2012b, 2008,
2005, 2013, 2009b).

Além disso, ainda há alteração do nome em outros casos específicos, como


em razão de prenome ridículo, tradução de nome estrangeiro, homonímia,
reconhecimento ou negatório de paternidade, proteção de vítimas e testemunhas de
crimes e em casos de adoção (Faraj; Júnior, 2022).
Contudo, embora houvesse a flexibilização em algumas situações, ainda se
tratava de um processo burocrático, vez que, via de regra, deveriam ser processados
em juízo além de requerer uma justificação plausível (Faraj; Júnior, 2022).
Com efeito, percebe-se que, mesmo que munida de uma grande burocracia,
a atenção voltada para a adequação do nome civil de um indivíduo ao princípio da
dignidade humana e a ponderação do princípio da imutabilidade do nome é anterior à
promulgação da Lei nº 14.382/2022. Nesse contexto, Brasílio e Marques (2021)
ressaltam esse aspecto, evidenciando a importância dessa harmonização para a
garantia dos direitos fundamentais.

Os direitos da personalidade estão resguardados no art. 5º, caput (direito à


vida; direito à liberdade); V (direito à honra e direito à imagem); X (direitos à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem), da Magna Carta; com esses
direitos resguardados, o cidadão de direito pode usufruir da proteção
necessária para estar inserido em sociedade. Essa proteção tem a sua
efetividade declarada com o registro civil. A Lei nº 6.015/73 – Lei de Registros
62

Públicos – versa sobre o registro da pessoa natural. O nome é um dos direitos


da personalidade, presente no registro de nascimento, cabe a ele a
individualização do sujeito, devendo ser confortável para quem o porta.
Entretanto, alguns nomes são sinônimos de mal-estar e é responsabilidade
do judiciário atender cada caso na sua excepcionalidade. É evidente que
entre pais e filhos existe um elo de afetividade (liame afetivo); quando
rompido pode ocasionar extensas sequelas psicológicas que comprometem
o desenvolvimento saudável do filho. O sobrenome é um elo forte entre
ascendentes e descendentes. É direito personalíssimo, assim, como o
prenome ambos oriundos dos direitos da personalidade. Ademais, os direitos
da personalidade têm por basilar o macroprincípio constitucional da
Dignidade da Pessoa Humana que é a base do sujeito possuidor de direitos
e deveres. A construção da personalidade que cada indivíduo tem o direito de
fazer de si mesmo se sobrepõe à lei e causa na doutrina contemporânea uma
urgência para acompanhar as mudanças que o direito brasileiro sofre todos
os dias, para que ocorra uma apreciação do pedido sem julgamentos
pessoais, prevalecendo a segurança jurídica (Brasílio; Marques, 2021 apud
Batista, 2022, p. 78).

Superada a breve contextualização de alguns aspectos que relativizaram o


princípio da imutabilidade ao longo dos anos, passamos a discorrer a respeito do
cenário após a promulgação da Lei no 14.382/2022.
Conforme mencionado anteriormente, a recente legislação introduziu a
extrajudicialização do processo de alteração de nome, permitindo que tal
procedimento seja conduzido diretamente no RCPN. Além disso, agora é possível que
qualquer indivíduo, ao atingir a maioridade, solicite a mudança de seu prenome sem
a necessidade de apresentar motivos específicos (Brasil, 2022).
A nova lei também contempla a possibilidade de modificar o sobrenome em
casos específicos, elencados nos incisos e parágrafos do artigo 57, discutidos
anteriormente, conforme exposto no tópico anterior (Brasil, 2022).
Assim sendo, veja-se que “a ausência de motivação da alteração voluntária
do nome não foi estendida a todas as hipóteses contempladas na potestade de seu
titular e interessado, restringindo-se às hipóteses taxativas” (Batista, 2022, p.7).
Com o avanço da sociedade, o princípio da imutabilidade do nome, que já
havia perdido sua rigidez ao longo do tempo, agora encontra-se ainda mais mitigado,
podendo se falar até mesmo em sua abolição, uma vez que sua obrigatoriedade não
se justifica mais. Com o decorrer dos anos, as razões que outrora motivavam a sua
aplicação foram supridas por outras medidas. A segurança jurídica, por exemplo, pode
ser assegurada por meio do Registro Geral (RG) e da Certidão de Pessoa Física
(CPF), e não, necessariamente pelo nome civil. Não bastasse, a nova legislação
incorporou dispositivos que visam prevenir alterações de má-fé, como já discutido
anteriormente.
63

Atualmente, o processo de identificação de indivíduos evoluiu


consideravelmente. Além dos tradicionais CPF e RG, hoje em dia, utilizam-se diversas
outras formas de identificação, como através de dados biométricos, reconhecimento
facial, análise de DNA e até mesmo por meios digitais. Isso significa que o nome civil,
que outrora era o principal fator de identificação, principalmente para o controle do
Estado, já não é mais suficiente.
Deste modo, é possível inferir que o legislador reconheceu a necessidade de
adaptar as regras existentes para atender a novas demandas sociais e jurídicas, ao
conferir maior dinamismo a um aspecto antes considerado imutável.
Isso reflete em um respeito maior ao princípio da dignidade do nome e, por
conseguinte, da pessoa humana, os quais frequentemente eram negligenciados em
razão da incidência do princípio da imutabilidade do nome.
64

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa buscou investigar as mudanças proporcionadas pela Lei


no 14.382 de 2022 e os seus reflexos frente ao princípio da imutabilidade, com enfoque
na discussão a respeito das razões – ou falta delas – para a manutenção do referido
princípio nos dias atuais.
Vê-se que a promulgação da referida legislação, que viabilizou a alteração de
nomes, diretamente nos registros civis, trouxe uma significativa evolução no cenário
jurídico brasileiro. A nova legislação, ao oferecer uma alternativa mais acessível e ágil
para o procedimento, colocou a principal característica do nome, a imutabilidade, à
prova.
No decorrer da pesquisa, ficou evidente que o instituto jurídico do nome civil
é um elemento essencial na construção da identidade pessoal, representando um
traço de valor inestimável. Com efeito, ele se enquadra nos direitos da personalidade,
que são protegidos pelo direito civil brasileiro.
Em consequência disso, constatou-se que a sua natureza jurídica é
fundamentada na teoria da personalidade, pela qual entende-se o nome como um
direito da personalidade da pessoa natural.
Quando analisamos sua trajetória histórica, observou-se que as civilizações
antigas já reconheciam a importância da nomenclatura para a organização de pessoas
e coisas. À medida que as sociedades evoluíam em todas as regiões do mundo, o
conceito de nome foi se desenvolvendo e incorporando diferentes características e
elementos.
De mais a mais, vimos que o nome civil é regido por três princípios principais:
o princípio da dignidade do nome, que decorre do princípio da dignidade da pessoa
humana, o princípio da publicidade e o princípio da imutabilidade.
Como ponto principal desta pesquisa, fora observado que a característica da
imutabilidade foi atribuída ao nome com o fim de preservar a segurança e estabilidade
nas relações sociais e judiciais. De modo que, a maioria da doutrina, entendia que o
nome deveria permanecer o mesmo durante toda a vida.
Em relação ao registro, um ponto crucial para o instituto do nome foram os
Decretos nº 5.604 de 1874 e no 9.886 de 1888, que trouxeram as primeiras
regulamentações dos registros civis no país, abrangendo, inclusive, o nome civil. Além
disso, a promulgação da Lei nº 6.015 de 1973 foi outro marco de suma importância,
65

pois consolidou e estabeleceu as normas para o funcionamento dos registros públicos


brasileiros, tornando-se a principal legislação nessa área desde então.
Com efeito, por meio do estudo realizado no segundo capítulo sobre o registro
civil, tornou-se evidente a importância desses registros para a organização da
sociedade. Eles desempenham um papel fundamental na garantia da autenticidade,
segurança e eficácia dos atos e fatos jurídicos, além de garantir sua publicidade,
sendo de responsabilidade dos registradores a garantia destes, independente das
circunstâncias.
A respeito do Registro Civil de Pessoas Naturais, aferiu-se que este é o
responsável pelos assentos de nascimento, casamento e óbito. Deste modo, lhe cabe
a atribuição de registro dos nomes civis. Portanto, o RCPN emergiu como entidade de
maior relevância para a presente pesquisa.
Restou evidente que o funcionamento do referido registro é baseado por
normas específicas, sendo norteados por diversos princípios registrais, os quais foram
assegurados mesmo após às alterações introduzidas pela Lei nº 14.382/2022,
concernentes ao direito ao nome.
Através de investigações doutrinárias e legislativas, no terceiro capítulo, fora
possível verificar que o procedimento de extrajudicialização de alteração do nome,
promoveu maior garantia ao princípio da dignidade da pessoa humana, ao facilitar o
acesso ao procedimento de maneira menos burocrática e menos custosa.
Além disso, constatou-se que esse novo método, apesar de sobrecarregar os
registradores, tender a diminuir a carga do judiciário que tem altos índices de
demandas que poderiam ser resolvidos na esfera administrativa.
No que tange ao princípio da imutabilidade do nome, é inegável que este tem
sido submetido a uma série de transformações, buscando adaptar-se às demandas
em constante evolução da sociedade.
Com a introdução de um processo simplificado para a alteração de nomes,
surgiu a reflexão que embasou o presente estudo: será que este princípio ainda possui
relevância nos dias de hoje?
Ao observar a trajetória histórica, é possível constatar uma gradual
flexibilização desse princípio, tendo como ápice a promulgação da Lei nº 14.382/2022.
A nova legislação não apenas proporciona um marco na legislação civil e registral,
mas também sinaliza um novo olhar para a relação da dignidade da pessoa humana
com o nome civil.
66

O legislador, pareceu reconhecer a importância da identidade pessoal e o


valor que o nome tem na construção da personalidade. Com isso, é possível alterar
nomes de forma direta nos cartórios, uma inovação que ressoa com as histórias de
inúmeros indivíduos que carregam nomes que não os representam plenamente.
Portanto, diante das evoluções doutrinárias e legislativas a respeito do
assunto, conclui-se com a presente pesquisa que, o princípio da imutabilidade do
nome civil não foi extinto, mesmo porque não há como se revogar um princípio, porém
não encontra motivos que embasem a sua manutenção nos dias de hoje uma vez que
a identificação do cidadão somente pelo nome já não se mostra suficiente.
67

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acordo com a autorização do art. 2º do Decreto n. 3.316, de 11 de junho do 1887.
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