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a-

edição

Editores
Helenice de Souza Spinosa
,
Silvana Lima Górniak
João Palermo-Neto

Manole
Toxicologia Aplicada à
Medicina Veterinária
Toxicologia Aplicada à
Medicina Veterinária
2ª edição

EDITORES

Helenice de Souza Spinosa


Silvana Lima Górniak
João Palermo-Neto

Manole
Copyright © Editora Manole Ltda., 2020 por meio de contrato com os editores

Editora gestora: Sônia Midori Fujiyoshi


Produção editorial: Rico Editorial

Projeto gráfico: Departamento Editorial da Editora Manole


Diagramação e Ilustrações: Luargraf Serviços Gráficos
Capa: Rubens Lima

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S742t
2. ed.

Spinosa, Helenice de Souza


Toxicologia aplicada à medicina veterinária / Helenice de Souza Spinosa, Silvana
Lima Górniak, João Palermo-Neto. - 2. ed. - Barueri [SP] : Manole, 2020.
512 p.; 27 cm.

Inclui bibliografia e índice


ISBN 9788520458976

1. Toxicologia veterinária. I. Górniak, Silvana Lima. II. Palermo-Neto, João. III.


Título.

19-61310 CDD: 636.08959


CDU: 636.09

Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB- 7 /6644

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Editora Manole
Editores

Helen ice de Souza Spinosa Pós-Graduação em Patologia Experimental e Compa-


rada da FMVZ/USP. Livre-docente p ela FMVZ/USP.
Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Veteri- Professora Titular do Departam ento de Patologia da
nária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/ FMVZ/USP.
USP). Mestre e Doutora em Farmacologia e Fisiologia
pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Livre-do- João Pale rmo-Neto
cente pela FMVZ/USP. Professora Titular do Departa-
mento de Patologia da FMVZ/USP. Médico Veterinário pela Faculdade de Medicina Vete-
r inária e Zootecnia da Un iversidade de São Paulo
Silvana Li ma Górniak (FMVZ/USP). Mestre e Doutor em Farmacologia pela
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de
Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Vete- São Paulo (UNIFESP). Livre-docente pela FMVZ/USP.
r inária e Zootecn ia d a Universid ade de São Paulo Professor Titular Senior do Departamento de Patologia
(FMVZ/USP). Mestre e Doutor a pelo Program a d e da FMVZ/USP.
Colaboradores

Ad riana de Siqueira A ndré Rinaldi Fu kushima


Médica Veterinária pela Universidade Federal do Para- Graduação em Farmácia pela Universidade São Judas
ná, Cam pus Curitiba (UFPR). Mestre e Doutora pelo Tadeu . Mestre p elo Program a de Pós-G raduação em
Programa de Pós-Graduação em Patologia Experimen - Toxicologia e Análises Toxicológicas da Faculdade de
tal e Comparada da Faculdade de Medicina Veterinária Ciên cias Farmacêuticas da Universidade de São Paulo
e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP). (USP) e Doutor pelo Program a de Pós-Graduação em
Graduada em Economia pela Universidade de São Pau- Patologia Experimental e Comparada da Faculdade de
lo (USP). Docente do curso de medicina veterinária da Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP. Pós-
Universidade Cruzeiro do Sul. Sócia-diretora do Labo- -doutorando do Departam ento de Patologia da FMVZ/
ratório CSvet - Patologia, Imunologia e Medicina Ve- USP. Coorden ador de Núcleo Acadêm ico do Centro
terinária Legal Ltda. Universitário das Américas (FAM). Coor den ador de
Pesquisa e Regulação da Faculdade de Ciências da Saú-
A lexand re Coutinho Antonelli de do IGESP.
Médico Veterinário pela Faculdade de Medicina Vete-
rin ária e Zootecn ia d a Un iversid ad e de São Paulo And ré Tadeu Gotardo
(FMVZ/USP). Residên cia em Clín ica e Cirurgia de Médico Veterinário pela Universidade Metodista de São
Grandes Animais no Hospital Veterinário da FMVZ/ Paulo. Mestre e Doutor pelo Programa de Pós-Gradua-
USP. Mestre e Doutor pelo Programa de Pós-Graduação ção em Patologia Experim ental e Comparada da Facul-
em Clínica Veterinária da FMVZ/USP. Professor Asso- dade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universi-
ciado I na Universidade Federal do Vale do São Fran- dade de São Paulo (FMVZ/ U SP ). Atual men t e, é
cisco (UNIVASF). Pós-Doutorando no Centro de Pesquisa em Toxicologia
Veterinária ( CEPTOX) do Departam ento dePatologia
A na Cristina Tasaka da FMVZ/USP.
Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Veteri-
nária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/ A ndréia O liveira Latorre
USP). Mestre e Doutora pelo Program a de Pós-Gradua- Médica veterinária pela Faculdade de Medicina Veteri-
ção em Patologia Experimental e Comparada da FMV- nária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/
Z-USP. Graduada em Direito pela Universidade Paulista USP). Mestre e doutora pelo Programa de Pós-Gradua-
(UNIP). Membro da Com issão de Medicina Veterinária ção em Patologia Experim ental e Comparada da FMVZ/
Legal do Conselh o Regional de Medicina Veterinária do USP. Toxicologista regulatória para Am érica Latina da
Estado de São Paulo (CRMV-SP). Docente do curso de Basf S.A.
m edicina veterinária da Universidade Paulista (UNIP).
VII I Colaboradores

Benito Soto Blanco Enrico Li ppi O rtolani


Médico Veterinário pela Universidade Paulista (UNIP). Médico Veterinário pela Faculdade de Medicina Vete-
Mestre e Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em r inária e Zootecnia da Un iversidade de São Paulo
Patologia Experimental e Comparada da Faculdade de (FMVZ/USP). Mestre em Patologia Clínica pela Uni-
Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São versidade Federal de M inas Gerais (UFMG). D outor
Paulo (FMVZ/USP). Atualmente é Professor Titular do em Parasitologia pela Universidade de São Paulo. Pro-
Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias da Esco- fessor Livre-Docente do Departamento de Clínica Mé-
la de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais dica da FMVZ/USP. Atualm ente, é Professor Titular do
(UFMG). Departamento de Clínica Médica da FMVZ- USP.

Bruna Maria Pereira Coel ho Fábio Kummrow


Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Vete- Graduação em Farmácia e Bioquímica pela Universi-
rin ária e Zootecn ia d a Un iversid ad e de São Paulo dade do Vale do Itajaí. Mestre e Doutor pelo Programa
(FMVZ/USP). Residência em Medicina Veterinária pela de Pós-Graduação em Toxicologia e Análises Toxicoló-
FMVZ/USP. Médica veterinária do Hospital Veterinário gicas da Faculdade de Ciên cias Farmacêutica da Uni-
da FMVZ/USP. versidade de São Paulo (FCF/USP). Atualmente, é do-
cente das unidades curriculares Análises Toxicológicas
Célia Apa recida Paulino e Ecotoxicologia na Universidade Federal de São Paulo
Médica Veterinária pela Universidade Estadual Paulis- (UNIFESP), campus Diadema.
ta (UNESP). Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-
-Graduação em Patologia Experimental e Com parada Greyce Lausa na
da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Bióloga e Médica Veterinária. Mestre em Neurociências
Universidade de São Paulo (FMVZ/USP). Possui expe- pela Un iver sidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
riência em docência e pesquisa na área de farmacologia, Fundadora da Sociedade Brasileira de Profissionais em
toxicologia, neurobiologia e educação. Pesquisa Clínica (SBPPC) e presidente durante o perío-
do de 1999 a 2007. Responsável pelo setor de treina-
Clea Cama rgo mento da Invitare Pesquisa Clínica.
Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Vete-
r inár ia e Zootecn ia d a Universid ade de São Paulo lsis Machado Hueza
(FMVZ/USP) . Doutora pelo Progr ama de Pós-Gr a- Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Vete-
duação em Patologia Experimental e Comparada d a r inária e Zootecnia da Un iversidade de São Pau lo
FMVZ/USP. Atualmente, atua na Zoetis Indústria de (FMVZ/USP). Doutora p elo Progr ama de Pós-Gra-
Produtos Veterinários. duação em Patologia Experimental e Comparada da
FMVZ/USP. Pós-doutorado no Departam ento de Pa-
Cristina de O liveira Massoco Sa ll es-Gomes tologia da FMVZ/USP. Atualmente, é Professora Ad-
Médica Veterinária pela Universidade Paulista (UNIP). junto III da Universidade Federal de São Paulo (UNI-
Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em FESP), Campus Diadema.
Patologia Experimental e Comparada da Faculdade de
Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Jéssica Soares Garcia
Paulo (FMVZ/USP). Atualmente é Professora Livre-Do- Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Veteri-
cente do Departamento de Patologia da FMVZ/USP. nária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/
USP). Residên cia em Clínica Médica da FMVZ/USP.
Dario Abbu d Righi Curso de Especialização em Oncologia de Pequenos Ani-
Médico Veterinário pela Faculdade de Medicina Vete- mais pela Associação Nacional dos Clín icos Veterin ários
r in ária e Zootecn ia d a Un iversid ade de São Paulo de Pequenos Anim ais de São Paulo (ANCLIVEPA-SP).
(FMVZ/USP). Mestre e Doutor pelo Programa de Pós- Mestre e Doutoranda do Programa de Pós-Gr aduação
-Graduação em Patologia Experimental e Comparada em Patologia Experim ental e Comparada da FMVZ/USP.
da FMVZ-USP. Foi membro do Joint Expert Committee
on Food Additives (JECFA) do Codex Alimentarius da João Heckmaier
FAO/OMS (201 1-20 15). Médico Veterinário pela Faculdade de Medicina Vete-
r inária e Zootecnia da Un iversidade de São Paulo
Co laboradores IX

(FMVZ/USP). Possui am pla experiência com equinos. (FMVZ/USP). Mestre pelo programa de Pós-Gradua-
Foi Coordenador Geral do Departamento de Assistên- ção em Ciência Animal e Pastagens da USP e D outo-
cia Veterinária (DAV) do Jockey Club de São Paulo. ra pelo Progr am a d e Pós-Gradu ação em Clínica Ve-
terinária da FMVZ/USP. Tr abalhou com p esquisa e
Jo rge Cam ilo Flório desenvolvim en to na in iciativa p rivada. P rofessor a
Graduação em Farmácia-Bioquímica pela Faculdade de Livre- Docente e, atualm ente, é professora Associada
Ciências Farm acêuticas da Universidade de São Paulo do Departamento de Clín ica Médica da FMVZ/USP.
(FCF/USP). Mestre e Doutor em Farmacologia pela
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Atual- Maria José Moreira Batatinha
mente, é Professor Associado da Faculdade de Medici- Médica Veterinária pela Universidade Federal da Bahia.
na de Jundiaí. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Patologia
Experimental e Com parada pela Universidade de São
Júlia de Carva lho Naka mura Paulo (USP). Doutora em Toxicologia Animal pela Tie-
Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Vete- rartliche Hochschule Han nover. Pós-Doutorado n o
rin ária e Zootecn ia d a Un iversid ad e de São Paulo Laboratório de Micotoxicologia da Universidade Fede-
(FMVZ/USP). Mestranda pelo programa de Pós-Gra- ral de Santa Maria. Atualmente, é Professora Titular do
duação em Patologia Exp erim ental e Com parada da Departamento de Patologia e Clínicas da Escola de Me-
FMVZ/USP. dicina Veterinária da Universidade Federal da Bahia.

Ka ren Cristina Roth Maria Martha Bernardi


Médica Veterinária pela Universidade Estadual Paulis- Graduação em Ciên cias Biológicas pela Universidade
ta Júlio de Mesquita Filho (UNESP - Botucatu). Pós- de São Paulo (USP). Mestre e Doutora em Fisiologia,
-Graduação lato sensu pelo Insper-Certificate in Business área de con centração Farmacologia pelo Instituto de
Administration (CBA). Mestranda p elo p rograma de Ciências Biomédicas da USP. Atualmente, está vincula-
Pós-Graduação Profissional em Agron egócio da Fun - da ao Programa de Pós-Graduação em Odontologia da
dação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente, é Gerente de Universidade Paulista (UNIP).
Assuntos Regulatórios Regional - Canadá, Ásia e Amé-
r ica Latina pela Zoetis/VMRD. Maria Mieko Nakayama Duarte
Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Vete-
Ka rin Argenti Simon r inária e Zootecnia da Un iversidade de São Paulo
Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade (FMVZ/USP). Atua na área de Clínica Médica e Cirúr-
de São Paulo (USP). Doutora em Ciências Biológicas gica na Clínica Veterinária "Dr Kenji Iryo':
(Bioquímica) pela USP. Atualmente, é Professora Ad -
junto II do Departamento de Ciências Biológicas - Cam- Maria Santina Moral
pus Diadem a da Universidade Federal de São Paulo Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Vete-
(UNIFESP). r inária e Zootecnia da Un iversidade de São Paulo
(FMVZ/USP). Responsável pela Clínica Veterinária Dra.
Márcia Mery Kogika Santin a e Veterin ários Associados, esp ecializada em

Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Vete- equinos.
rin ária e Zootecn ia d a Un iversid ad e de São Paulo
(FMVZ/USP). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação Mariana Bo rges Bot ura
em Patologia Experimental e Comp arada e Doutora Médica Veterinária pela Universidade Federal da Bahia.
pelo Programa de Pós-Graduação em Clínica Veteriná- Mestre em Medicina Veterinária Tropical pela Escola
ria, ambos da FMVZ/USP. Professora Livre-Docente do de Medicina Veter in ária da Un iversidade Federal da
Departamento de Clínica Médica e, atualm ente, é Pro- Bahia. Doutora em Biotecn ologia na Universidade Es-
fessora Associada (MS-5) da FMVZ/USP. tadual de Feira de Santan a. Atu alm ente, é Professor a
Titular do D epartam ento de Saúde da Un iversidade
Maria Claudia A raripe Sucupira Estadual de Feira de Santana.
Médica Veterin ária pela Faculdade de Medicin a Ve-
terin ária e Zootecn ia da Universid ad e de São Paulo
X Colaboradores

Mitisue Haraguchi m ente, é P rofessora Associada d o D epartam ento de


Graduação em Farmácia-Bioquímica pela Faculdade de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zoo-
Ciências Farm acêuticas da Universidade de São Paulo tecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP).
(FCF/USP). Mestre e Doutora pelo Instituto de Q uími-
ca da USP. Pesquisadora Científica aposentada do Ins- Terezinha Knõb l
tituto Biológico de São Paulo. Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Vete-
r in ária e Zootecnia da Un iversidade de São Pau lo
Nilson Robert i Benites (FMVZ/USP). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação
Médico Veterinário pela Faculdade de Medicina Vete- em Patologia Experimental e Comparada da FMVZ/
rin ária e Zootecn ia d a Un iversid ad e de São Paulo USP. Doutora p elo program a de Pós-Graduação em
(FMVZ/USP). Mestre e Doutor pelo Program a de Pós- Epidemiologia Experim ental Aplicada às Zoonoses da
-Graduação em Patologia Experimental e Com parada FMVZ/USP. Foi coorden adora do curso de Medicin a
da FMVZ/USP. Professor Livre-Docente da FMVZ/USP. Veterin ária das Faculdades Metrop olitanas Un idas
Atualmente, é Professor Titular do Departam ento de (FMU). Atualmente, é Professora Associada do Depar-
Medicin a Veterinária Preventiva e Saúde An im al da tamento de Patologia da FMVZ/USP.
FMVZ/USP.
Thais Sod ré Li ma
Priscilla Anne Melville Médica Veterinária pela Universidade Estadual de Lon -
Médica Veterinária pela Faculdade de Medicina Vete- drina. Residente n as áreas de Clínica de Equinos e Ci-
rin ária e Zootecn ia d a Un iversid ad e de São Paulo rurgia de Grandes Animais pela Faculdade de Medicina
(FMVZ/USP). Mestre e Doutora em Ciências Biológicas, Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo
área de Microbiologia, pela USP. Técnica de Nível Su- (FMVZ/USP). Mestre e Doutora pelo programa de Pós-
perior do Departam ento de Medicina Veterinária Pre- -Graduação em Cirurgia da FMVZ/USP. Atualm ente,
ventiva e Saúde Animal da FMVZ/USP. exerce fun ção de Diretora Técn ica n o setor de Saúde
An im al na Invitare Pesquisa Clín ica, atu ando como
Raphael Caio Tamborelli Garcia consultora e pesquisadora na área de Pesquisa Clínica
Graduação em Farmácia-Bioquímica pela Faculdade de Veterinária.
Ciências Farm acêuticas da Universidade de São Paulo
(FCF/USP). Mestre e Doutor pelo program a de Pós- Victor Nowosh
-Graduação em Toxicologia e Análises Toxicológicas da Médico Veterinário pela Universidade Federal Flumi-
FCF/USP. Atualmente, é Professor Adjunto de Toxico- n ense (UFF). Participou do Program a de Residên cia
logia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Multidisciplinar em Saúde do Ministério da Educação,
no Hospital Universitário de Medicina Veterinária Pro-
Tânia de Freitas Raso fessor Firmino Mársico Filho da UFF. Mestre pelo Pro-
Médica Veterinária pela Universidade Federal de Minas grama de Pós-Graduação em Clínica Médica e Repro-
Gerais (UFMG). Mestre e Doutora em Medicina Vete- d ução Animal da UFF. Atualmente, é doutor ando do
rinária, na área de Patologia Animal, pela Faculdade de Programa de Pós-Graduação em Patologia Experimen -
Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal (FCAV/ tal e Comparada pela Faculdade de Medicina Veteriná-
UNESP). Foi Presidente da Associação Brasileira de ria e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/
Veterinários de Animais Selvagens (ABRAVAS). Atual- USP).
Sumário

~ , ~ ,
SEÇAO 1: PRINCIPIOS DE TOXICOLOGIA SEÇAO, 2: TOXICOLOGIA CLINICA:
PRINCIPIOS GERAIS
Capítulo 1 Introdução à toxicologia
. , .
ve t e r1nar1a ... . . . .... . . . ...... . ...... . ... .
3
Capítulo 10 Diagnóstico das intoxicações . . 85
Helenice de Souza Spinosa e André Rinaldi Fukushima Helenice de Souza Spinosa e
André Rinaldi Fukushima
Capítulo 2 Toxicocinética ..... . ...... . ... .11
Raphael Caio Tamborelli Garcia, Jorge Camilo F!ório e Capítulo 11 Cond uta de urgência nas
Si/vona Lima Górniak intoxicações .... . ...... . . . ...... . ...... . 93
Bruna Maria Pereira Coelho, Márcia Mery Kogika e
Capítulo 3 Toxicodinâmica .... . ...... . .. . 28 Helenice de Souza Spinosa
Raphae/ Caio Tamborelli Garcia e Jorge Camilo Flório
Capítulo 12 Toxicologia dos
Capítulo 4 Toxicologia e o estresse medicamentos .. . ...... . . . ...... . ...... 109
oxi d ativo .... . . . .... . . . ...... . ...... . ... 37 Cristina de Oliveira Massoco Sa/les-Gomes,
Karin Argenti Simon Jéssica Soares Garcia e Helenice de Souza Spinosa

Capítulo 5 Métodos alte rnativos para a Capítulo 13 Toxicologia dos


ava liação da toxicidade . . ...... . ...... . .. . 46 domissa nitários . . . ...... . . . ...... . ...... 129
Andréia Oliveira Latorre Si/vona Lima Górniak

Capítulo 6 Toxicologia in silico . . ...... . .. .50 Capítulo 14 Zootoxinas . . . . . ...... . ...... 138
André Rinaldi Fukushima /sis Machado Hueza e Maria Mieko Nakayama Duarte

Capítulo 7 Toxicologia in vitro . . . ...... . .. . 55 Capítulo 15 D rogas ilícitas . . ...... . ...... 153
Cristina de Oliveira Massoco Saltes-Gomes Helenice de Souza Spinosa e André Fukushima

Capítulo 8 Ava liação de toxicidade:


~
estudos pré-clínicos . . . . . ...... . ...... . .. .60 SEÇAO 3: PRAGUICIDAS
C!ea Camargo e Karen Roth
Capítulo 16 Considerações gerais sobre os
Capítulo 9 Estudos de seg urança nas praguicidas ..... . ...... . . . ...... . ...... 163
espécies-alvo . . . .... . . . ...... . ...... . ... 75 Helenice de Souza Spinosa
Greyce Lausana e Thais Sodré Lima
XII Sumá rio

Capít ulo 17 Toxicologia dos praguicidas Capít ulo 28 Micotoxinas produzidas


organoclorados e pi ret roides ... . ...... . .. 170 por f ungos endofíticos .... . ...... . ...... 331
Dario Abbud Righi, Maria Martha Bernardi e João Benito Soto Bianca
Palermo-Neto
Capít ulo 29 Gossipol e fatores
Capít ulo 18 Organofosforados e antinutricionais da soj a .... . ...... . ..... 339
carbamatos .. . . . .... . . . ...... . ...... . .. 180 Benito Soto Bianca
Helenice de Souza Spinosa
Capít ulo 30 Intoxicação pela
Capít ulo 19 Herbicidas, fungicidas amônia (ureia) ... . ...... . . . ...... . ...... 347
e acaricidas .. . . . .... . . . ...... . ...... . .. 189 Enrico Lippi Ortolani e Alexandre Coutinho Antonelli
Célia Aparecida Paulino
Capít ulo 31 Toxinas bacterianas ... . ......353
Capít ulo 20 Avicidas e intoxicações por Nilson Roberti Benites, Priscilla Anne Me/vil/e e
praguicidas em aves . . . . ...... . ...... . . 207 Terezinha Knobl
Tânia de Freitas Raso
Capít ulo 32 Intoxicação produzida por
Capít ulo 21 Raticidas . . . . ...... . ...... . .. 215 algas de água doce ..... . . . ...... . ...... 387
Si/vona Lima Górniak /sis Machado Hueza e Si/vona Lima Górniak

Capít ulo 33 Intoxicação por metais . ..... 400


~ ,
SEÇAO 4: PLANTAS TOXICAS lsis Machado Hueza

Capít ulo 22 Considerações gerais Capít ulo 34 Intoxicação por micron ut rient es
sobre as pla ntas tóxicas em medicina e pelo cloreto de sódio .. . . . ...... . ...... 412
vet erinária ... . . . .... . . . ...... . ...... . . .227 Maria C/audia Araripe Sucupira
Si/vona Lima Górniak e Mitsue Haraguchi

~ ,
Capít ulo 23 Pla ntas tóxicas de interesse SEÇAO 6: OUTROS TOPICOS
,
DE INTERESSE
agropecuário . . . . .... . . . ...... . ...... . . 252 EM MEDICINA VETERINARIA
Si/vona Lima Górniak
Capít ulo 35 Mutagênese e
Capít ulo 24 Pla ntas tóxicas ornamentais ..275 carcinogênese .. . ...... . . . ...... . ...... 437
Si/vona Lima Górniak Cristina de Oliveira Massoco Sa/les-Gomes, Ju/ia de
Carvalho Nakamura e Victor Nowosh
Capít ulo 25 Toxicologia das plant as
medicinais e fitoterápicos ...... . ...... . . 283 Capít ulo 36 Toxicologia da reprod ução .. 449
Si/vona Lima Górniak André Tadeu Gotardo

Capít ulo 37 Toxicologia do


~
SEÇAO 5: TOXICOLOGIA DOS ALIMENTOS desenvolvime nto . ...... . . . ...... . ..... 459
Si/vona Lima Górniak e André Tadeu Gotardo
Capít ulo 26 A limentos tóxicos para
animais ...... . . . .... . . . ...... . ...... . ..297 Capít ulo 38 lmunotoxicologia ..... . ...... 477
Helenice de Souza Spinosa e Si/vona Lima Górniak lsis Machado Hueza

Capít ulo 27 Micotoxinas e micotoxicoses .. 304 Capít ulo 39 Ecot oxicologia . ...... . ..... 493
Maria José Moreira Batatinha, Maria Borges Botura e Fobia Kummrow
Si/vona Lima Górniak
Sumá rio XIII

Capít ulo 40 Aná lises de risco de Ca pít ulo 42 Doping e cont role
resíduos de prod utos veteriná ri os • • • • • • • 506 antidopagem .... . . ..... . . . ..... . . .... . 528
João Palermo-Ne to e Si/vona Lima Górniak Maria Santina Moral e João Heckmaier
,,
Capít ulo 41 Toxicolog ia forense . ..... . . . . 518 lndice remissivo . . . ..... . . . ..... . . ..... 535
Ana Cristina Tasaka e Adriana de Siqueira
Apresentação à 1ª Edição

A Toxicologia, como área multidisciplinar do co- ção. Propõe-se, também, auxiliar o profissional na sua
nhecimento, tem experimentado grandes avanços nos lida diária, oferecendo de m aneira simples, sucinta e
dias de hoje. Ela vem ganhando destaque, uma vez que atualizada os assuntos m ais relevantes da toxicologia
. , .
o risco de intoxicação por diferentes agentes aumenta veter1nar1a.
na mesma proporção do desenvolvimento da ciência e Gostaríam os, neste momento, de expressar nossos
da tecnologia, expondo, cada vez mais, os animais aos sinceros agradecimentos aos colaboradores, que em um
efeitos nocivos desses diferentes agentes. esforço generoso aceitaram nosso convite para a elabo-
É nesse contexto que este livro se insere, reunindo ração dos capítulos, e sem os quais n ão seria possível
temas de toxicologia veterinária. Pretende-se, assim , concluir este livro.
atender aos estudantes de Medicina Veterinária, ofe-
recendo informações básicas e essenciais a respeito dos
prin cip ais agentes tóxicos resp onsáveis por quadros Helenice de Souza Spinosa
de intoxicação em animais de companhia e de produ- Silvana Lima Górniak
João Palermo-Neto
Apresentação à 2 ª Edição

Em 2018 completaram -se 10 anos da primeira edi- nica de pequenos animais. A Seção 3 - Praguicidas foi
ção de Toxicologia Aplicada à Medicina Veterinária. E acrescida do capítulo ''Avicidas e intoxicação por pra-
para comem orar esta data, dem os início a construção guicidas em aves", tema de interesse para a medicin a
da 2ª edição. Eis aqui o trabalho e a dedicação de nossos aviária na atualidade. A Seção 5 - Toxicologia dos ali-
colaboradores que ajudaram n a elaboração desta obra. mentos ganhou novos capítulos em função da impor-
O nosso objetivo principal continua sendo contribuir tân cia desse tema. E, finalm ente, a Seção 6 - Outros
para a formação do estudante e trazer conteúdo atuali- tópicos de interesse em medicina veterinária foi atualiza-
zado de Toxicologia Veterin ária aos profissionais ligados da e ampliada para atender as novas demandas da área
à Medicina Veterinária. da toxicologia veterinária.
Nesta edição, vários capítulos novos foram intro- Renovamos nossos agradecimentos aos colabora-
duzidos. A Seção 1 - Princípios de Toxicologia, foi bas- dores que nos auxiliaram imensamente na construção
tante ampliada para atender às demandas da toxicologia deste livro.
moderna, que se m ostra cada vez mais multidisciplinar,
interdisciplinar e multiprofissional. A Seção 2 - Toxico-
logia clínica: princípios gerais foi acrescida do capítulo Helenice de Souza Spinosa
"Drogas ilícitas': tema relevante principalmente na clí- Silvana Lima Górniak
João Palermo-Neto
Seção 1

Princípios de toxicologia
Capítulo 1

Introdução à toxicologia veterinária

Helenice de Souza Spinosa


André Rinaldi Fukushima

~ A história da hu m anidad e m ostra que os sumérios


INTRODUÇAO
- civilização que se d esenvolveu na região sul da Meso-
A toxicologia veterinária desperta grande interesse, potâm ia, entre os r ios Eufrates e Tigre, por volta do IV
em particular, quando associada à intervenção do m éd i- m ilên io a.C. e que possuía escrita feita em tábulas de
co veterinário numa situação de intoxicação de um animal, argila - conh eciam os efeitos da papoula, u m a plan ta
m om en to em que o profissional deve interceder p ronta- da qual se extrai o ópio e que era conhecida como "plan-
m ente para assegurar as funções vitais do anim al, fazer o ta d a alegriá:
diagnóstico e proced er o tratam en to, sem negligen ciar a Ach ad os relativos à antiga civilização chinesa ( cer-
prevenção. Além disso, a toxicologia veterinária se ocupa ca de 3000 a. C.) também m ostram o conhecim ento que
tam bém da preservação da saúde hu m an a ao im pedir tinham sobre as substâncias tóxicas; sabiam que alguns
que resíduos de p rodutos de uso veterinário, de agentes alimentos poderiam aliviar uma d oença, en quanto ou-
empregados na agropecuária ou de agentes tóxicos pre- t ros eram ven enosos e podiam causar a m or te. Nesse
sentes n o m eio ambiente possam atin gir os an im ais de con texto, um dos t rês imperadores lend ários chineses,
produção e, com isso, os produtos de origem animal (car- Shen Nong (2698-2598 a.C.), é considerad o o fundador
ne, leite, ovos, mel), causando danos à saúde dos indivíduos d a agricultu ra, por selecionar as culturas m ais apropria-
que consom em esses alimentos. Acrescente-se, ainda, a das para serem cultivadas com o alimento, e tam bém
contribuição do médico veterinário na p reservação do fund ador da m ed icina chinesa à base d e ervas, ilustran -
m eio ambiente e d os ecossistem as livres de agentes po- d o a importância de se distingu ir aquilo que era tóxico
tencialm ente tóxicos, a fim de garantir a vida e o bem - d aquilo que seria útil para a população.
-estar dos an imais que habitam esse ambiente. O Papiro de Ebers ( 1552 a.C.), docum ento escrito
da antiga civilização egípcia, descreve várias receitas que
ORIGEM DA TOXICOLOGIA mencion am substâncias reconh ecidas com o tóxicas,
reunindo, in clusive, preparações empregadas em séculos
A origem da toxicologia está ligada à p rópria his- anteriores. Os egípcios antigos sen ten ciavam à morte
tória de evolução d a espécie humana. D e fato, o h om em ( eutanásia legal) com sem entes de amêndoas am argas
p rimitivo p recisava distin guir na natureza aquilo que (Amigdalus comunis amara). Essas sem en tes con têm ,
poderia causar dan o à sua saúde daquilo que lhe pod e- d entre outras substâncias, amigd alina e emulsina, que
ria ser útil. Uma plan ta, ao ser ingerida, poderia causar na p resença da água sofre u m d esd obram ento prod u-
um efeito nocivo ao seu organismo ou ser utilizada como zindo açúcar e ácido cian ídrico; este últim o liga-se ao
alimento ou m edicam ento. O conhecimento daquilo íon férrico (Fe3+) n o sistema citocrom o oxid ase mito-
que era tóxico - animais venen osos ou p eçonhentos, con drial, produzind o h ipóxia grave (para maiores de-
extratos d e plantas - foi usado na caça e na pesca, como talh es sobre esse tipo de intoxicação veja o Capítulo 23).
arma d e guerra ou até m esm o p ara elim inar pessoas Os egípcios conheciam tam bém a cicuta, que foi
indesejad as do grupo. Esse conhecimento adquirid o e utilizad a pela civilização grega n a eutan ásia legal; o
passad o adiante cont ribuiu para a evolução h umana e filósofo ateniense Sócrates (469-399 a.C.) foi condena-
da p rópria toxicologia. d o à m orte por in gestão de cicuta, sob a acusação de
4 Toxicologia aplicada à med icina vet erinária

corromper a juven tude por m eio de sua atividade filo- d e se proteger con tra eventuais tentativas de assassina-
sófica e d o ateísmo. O termo cicuta é vulgarm ente em - to. Por isso a origem d o term o mitridatismo, que se re-
pregado para se referir a algum as plantas tóxicas: Conium fere à aquisição de tolerância con tra os efeitos d e vene-
maculatum (cicuta venen osa), que possui a coniína (al- n o s m ediante sua in gestão em d o ses gr adu alm en te
caloide que provoca p aralisia muscu lar semelh ante crescentes (tolerância adquirida).
àquela provocada pelo curare); e Cicuta maculata (ci- Na história da civilização romana há também vários
cuta aquosa), que possui a cicutoxina - estimulante d o relatos sobre o uso d as substâncias tóxicas e, em parti-
sistem a nervoso central, que provoca náuseas, vômitos, cular, envolvend o as ativid ades políticas da época. D es-
diarreia e convulsões. sa forma, n as cortes h avia os provad or es oficiais, n a
O Papiro de Ebers men ciona tam bém o acôn ito ten tativa de evitar-se os atentados, nos quais era m uito
(Aconitum napellus, cujas raízes tuberosas são seme- empregado o arsênio. A m aneira m ais significativa pela
lhantes àquelas d os raban etes) d o qual se obtém a aco- qual o arsênio exerce sua ativid ade tóxica é a combina-
nitina (alcaloid e que estimula e, posteriorm en te, depri- ção reversível com grupos sulfidrilas presentes em mui-
me as musculaturas lisa e esquelética e os nervos centrais tos sistem as en zim áticos, resultando em d epleção dos
e periféricos), e o ópio ( extraído da Papaver somniferum, estoqu es de en ergia, distúrbios m etab ólicos e m o rte
a papoula), u tilizad o com o m ed icam en to (p rodu z se- celular, além de im pedir a u tilização de tiam ina (para
dação e analgesia), mas também pode causar a mor te maiores detalhes sobre essa intoxicação, veja o Capítu-
por depressão respiratória. Esse d ocumento faz menção lo 33). Agripina envenenou Cláudio (imperador rom a-
também aos m etais, como o ch um bo, o cobre e o anti- no entre 41 e 54 d.C.) para torn ar Nero o imperador d e
A •

mon10. Roma (governou entre 54 e 68 d.C.). Nero, por sua vez,


Na civilização grega clássica são encontradas tam- com o aux ílio de Locusta, envenenou Britânico, filho
bém referên cias relativas a várias substân cias tóxicas. n at ural de Cláud io (su cesso r d o tron o). A prim eira
Em particular, a d escrição d a morte d e Sócrates, feita ten tativa fracassou, uma vez que Britânico só adoeceu,
por Platão, causad a pela ingestão de cicuta é um docu- apresentando sintomas d e intoxicação por arsênio (d is-
m en to de interesse não só para a literatura com o para tú rbios gast rointestinais e polineurite). Um provad or
a medicina e a toxicologia. Demóstenes, político e gran- foi chamado com o intuito de evitar u m a segunda in-
de orador grego (384 a 322 a.C.) suicid ou-se ao ingerir toxicação, m as m esmo assim Britân ico foi m orto ao
veneno escond ido no seu instrumen to d e escrita. H ipó- in gerir água contam inad a com arsênio adicion ado à
crates (460 a 377 a.C.), consid erad o o pai d a medicina, sopa muito quen te, que h avia sid o inicialmente prova-
estudand o e pratican d o sua arte, fez men ção a u m a d a pelo provador, porém , antes da adição da água con -
série de venenos; foi o primeiro a descrever princípios tam inada.
ru d imentares de toxicologia, in cluin do formas d e se Du rante a Idade Média (entre 476 e 1456 d.C., m ar-
controlar a absorção de substâncias tóxicas. Dioscórides, cad a pela qu eda d o Império Rom an o e a tom ada de
que viveu n o século I, iniciou várias terapias para tratar Constan tinopla), o emp rego de substâncias tóxicas con -
ind ivíduos intoxicados; foi ele quem sugeriu a prim eira tinuou a oferecer riscos nas atividades políticas, dizen -
classificação de venenos em anim ais, vegetais e minerais, do-se até qu e h ouve u m aprim o ram ento n a "arte d e
pois observou qu e essa classificação quan to à origem envenenar': Figura fam osa d a época foi Lady Toffana,
dos venen os m ostrou-se necessária para facilitar o en - que a pedid o das esposas de n ob res d a realeza ad icio-
tendim ento e desenvolvimento d e terapias. nava arsênio em cosm éticos (água d e Toffan a) e, dessa
M itrid ates VI (132 a 63 a.C.), rei do Pon to (região maneira, elas eliminavam os maridos.
atual ao norte da Turquia), p rovavelm ente foi o primei- Um indivíd uo que con t ribu iu para o d esenvolvi-
ro a realizar experiências toxicológicas. Ele era conhe- mento da toxicologia naquela época foi Moses ben Mai-
cid o por seu car áter am bicioso que o levou a querer m on , ou Maim on ides (1135 a 1204), que n asceu em
am pliar seu território, tor nando-se u m d os principais Córdoba e exerceu as funções d e rabino, m édico e filó-
in imigos do Império Romano. O rei do Pon to, tem endo sofo n o Egito. Ele escreveu Venenos e seus antídotos
ser envenenad o, realizava experimen tos com seus es- ( 1198 ), que é considerado o prim eiro guia de p rimeiros
cravos n a ten tativa d e encont rar antíd otos para os ve- socorros para envenenamentos acidentais ou propositais,
nenos. Diz a len da também que seu temor d e ser enve- bem como para picad as de insetos e cobras e mordidas
n en ado o levou a h abituar seu organ ism o a doses de cães r aivosos. Foi ele quem prim eiro n otou que a
progressivam ente crescentes d e venenos. Diz-se que ele absorção d e toxinas pelo estôm ago pode ser diminuída
ingeria uma m istura de 36 ingred ien tes com o intuito pela ingestão de substân cias com o leite e óleos.
Capítulo 1 • Introdução à toxicologia veterinária 5

O utra famosa en ven en ad ora foi Lu crécia Borgia d estaca-se a d-tubocurarina, qu e foi isolada em 1897 e
(1480 a 1519), qu e serviu de instrum en to da p olítica d e obtida em form a cristalina a partir d e 1935. Atu almen-
seu pai (Papa Alexan dre VI - eleito p or m otivos p olíti- te, é empregada como relaxante m uscular de ação peri-
cos, e não religiosos) e do seu irm ão (César, 1475 a 1507). férica (bloqu ead or n euromuscular), p roduzindo um
D a mesma form a, destacou-se Catarina de Méd ici (15 19 profundo relaxam ent o m u scular e facilitando, assim ,
a 1589), qu e enviava cosm éticos enven enad os com di- tanto a anestesia com o a cirurgia.
ferentes substâncias para a França. C atarina testou coc- O ut ra p lanta já conhecida p elos nativos d as Am é-
ções tóxicas em doentes e m en digos, n otan do a veloci- ricas na época do descobrimento foi o t abaco (Nicotina
dade da respost a tóxica, a eficáci a dos com p o sto s tabacum), cujas folhas secas eram fumadas em cerim ô-
(potência), o grau de respostas em diferentes regiões do n ias religiosas. Essa p lan ta foi levada p ara a Eu ropa,
corp o (especificidade e sítio de ação), os sin ais e sintomas ent rand o pela Espanha e p or Portu gal, sen do introdu-
dem on strad os p elas vítim as. zid a, posteriorm ente, n a Fran ça p or Jean N icot, em bai-
Person agem de destaqu e n a história d a m edicina xador d a Fran ça em Portu gal. Rapidamente, o t ab aco
e tam b ém d a toxicologia foi Philippu s Aureolus Theo- espalhou-se por toda a Europa no século XVI. O prin-
p h r astus Bombastu s von H ohen heim, o Par acelsu s cípio ativo dessa plan t a é a n icotina, qu e serviu para
( 1493 - 1541), qu e dizia: "todas as substân cias são ve- classificar o receptor d a acetilcolin a. O receptor colinér-
n en os, [... ] só a dose diferencia u m ven en o de um re- gico n icotínico é um canal iônico comp osto por cinco
médio': Vale d estacar qu e Paracelsu s apontou a impor- subunidad es proteicas presentes n a mem bran a celular ;
tân cia d a d ose para cau sar a toxicidad e; h oje se sabe esse receptor está localizado princip almente na junção
que, além da d ose, devem ser considerad as tamb ém a neurom uscular, n as sinapses ganglion ares e no sistema
duração e frequência de exp osição, as vias de exposição, nervoso central dos animais. Os insetos também possuem
as propried ad es físico -qu ím icas do agente tóxico e a receptor nicotínicos, o que faz com que a nicotina pos-
suscetibilid ade indiv idual, como com ent ad o ad ian te sa ser usada como inseticida de uso agrícola.
n este capítulo. Foi ele qu em inicialmente ap on tou qu e A toxicolo gia m oderna in iciou-se com Mathieu
a exp erimentação é essencial para a elucid ação dos efei- Orfila ( 1787 a 1853), químico e médico espanh ol que
tos d e substâncias químicas e qu e as p ropried ades tera- viveu na França, n a corte de Luís XVIII, e lecionou na
pêuticas e tóxicas de uma substância estão relacionadas Universid ade de Paris. Foi o primeiro a correlacion ar,
à dose administrad a. Foi d ado, assim, o p rim eiro passo sistem aticamente, as substâncias químicas e os efeitos
p ara o estudo e a con firmação da relação d ose-resposta. b iológicos por elas provocadas após a ingestão. Grande
Os n ativos d o con t inente american o, m u ito antes parte de suas ob servações foi realizad a em cães, n os
da chegad a d e Cristóvão Colomb o, já conheciam plan- qu ais buscava a correspond ente terapêut ica. Criticou e
tas tóxicas das qu ais tiravam proveito para a gu erra e d emonstrou a ineficiên cia de m uitos antídotos e trata-
caça. O cu rare, p or exemplo, era conhecido pelos n ativos mentos recom endados naqu ela ép oca. C onsiderado o
d as flo restas tropicais da Am érica d o Sul, h á muitos p ai da toxicologia foren se moderna, O rfila apontou a
séculos, com o um ven eno extrem am ente p otente, em- necessidade de an álises quím icas para obtenção de pro-
p regado em flech as. O nom e provém de palavras indí- vas legais em intoxicações letais, desenvolvendo m étodos
genas, woorari, woorali, urari, que sign ificam veneno. O p ara a detecção de venen os, alguns utilizados atualmen -
, , . . -
curare e um term o gen er1co para m u it as preparaçoes te, associando a química com a ju risprudência. Junta-
feitas pelos indígenas, que utilizavam várias combin ações mente com outros estu diosos d a ép oca, oficializou a
de plantas, como Strychnos toxifera, S. guianensis, Chon- toxicologia como sendo uma ciên cia distinta, n a qu al
drodendron tomentosum e Sciadotenia toxifera e, até se estudam os venenos, e publicou, em 1815, o primeiro
m esm o, venen o de cobra ou de formiga. A mistura era livro dedicado, inteiramente, ao estu do dos efeitos no-
fervida em água p or cerca de dois dias e, posteriorm en - civos das subst âncias químicas, Traité de Toxicolagie.
te, evaporada para tornar-se uma p asta escu ra e espessa A t oxicologia m o d erna sign ifica m u ito m ais qu e
com um sab or amargo. A potên cia do ven eno era testa- u ma simples exten são d o trabalho d esenv olvido p or
da, contando-se o número de saltos que um sap o dava O rfila e outros pioneiros estud iosos. Grand e ên fase hoje
após ter sid o flechado. As flech as eram con feccionad as é atribuída à exp osição segu ra e ao con t role de efeitos
com curare e arremessad as com zarabatanas feit as d e nocivos d e subst ân cias químicas. D essa for m a, n ovas
b ambus ocos; o animal atingido, geralmente p ássaros e áreas d e estud o são desenvolvidas e delimitadas, favo-
pequ enos m amíferos, m orria dentro de p oucos minutos. recend o u m a melh or compreensão e m aior exploração
D ent re os vários princípios ativos p resentes n o curare, d essa ciência em contínuo crescimento.
6 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

AREAS DA TOXICOLOGIA Em medicin a veterinária, o tema drogas ilícitas,


abordado no Capítulo 15, tem recen tem ente d es-
A toxicologia é u ma área do conhecimento multi- pertado interesse.
disciplinar, interdisciplin ar e multiprofissional. É mul- • Toxicologia de alimentos: área d e aplicação da toxi-
tid isciplinar p orque envolve várias áreas do conheci- cologia que estabelece as condições em que os ali-
men to; é interdisciplinar porque estab elece interações mentos podem ser ingeridos sem causar danos à saú-
com várias áreas do conh ecimento; e é m ultiprofissional de. Su a importância está em assegurar a qualidad e
porqu e p rofissionais de várias áreas contribuem p ara dos alim entos, pela detecção de contamin antes como
seu avanço (Figura 1.1). aflatoxinas, n itrosamin as, praguicidas, antimicrobia-
As áreas tradicionais da toxicologia, com en foque nos e hormônios. Os contaminantes podem ser n a-
maior na espécie humana e tam bém de importância na turalm ente encontrados em alguns alimentos (ácido
medicina veterinária, são: oxálico e cianeto em algumas plantas) ou artificial-
m ente adicionados aos alimentos de forma intencio-
• Toxicologia ambiental: estuda os efeitos n ocivos n o n al (ad itivos, pragu icidas) ou acidental (aflatoxinas).
organism o d ecorrentes d e exp osição a agen tes tó - Alguns produtos de uso veterinário empregados em
xicos presentes n a águ a, no solo e no ar. Esse tema animais de produção, se não obedecido o período de
é abordado com maior ênfase no Capítulo 39. carência, podem deixar resíduos n o alimento (carn e,
• Toxicologia ocupacional: estud a os efeitos nocivos leite, ovos, m el), o qu e impede o consumo desse ali-
decorrentes da exposição a substâncias químicas mento pelo ser hum ano. Nesse contexto, avaliação de
provenientes do ambiente d e trabalh o. A prevenção risco, tema abordad o no Capítulo 40, mostra como
de intoxicações n orm almente é realizada por m o - esse processo fundam en tado em evidência científi-
n itorizações do ambiente de trab alho e d o trabalh a- ca avalia o impacto à saú de humana da utilização d e
dor. Os padrões de segurança são objeto de lei e cha- p rodutos de uso veterinário em an imais produtores
mados de limite de tolerân cia (LT). de alimentos.
• Toxicologia social: estuda as substâncias químicas • Toxicologia medicamentosa: estuda as substân cias
que levam à alteração do humor, do com portamen- químicas usadas em terapêutica; avaliando-se o ris-
to, que provocam disfunções do sistema nervoso cen- co versus ben efício e, em caso de exposição prolon-
tral. Nela são estud adas drogas lícitas (álcool, fu mo gada, faz a monitorização terap êutica e a an álise
e algu ns m edicam entos) e ilícitas (macon ha, cocaí- preventiva que impede o ap arecimento de efeitos
na, crack, ecstasy etc.). Geralmente são substân cias adversos proven ientes do uso do medicamento. Deve
químicas que levam à tolerância e à depen dên cia. ser m encion ado que os estudos de seguran ça n as

Toxicolo gia

Biólogo

Químico Farmacêutico

/ Médico

Multidisciplinar Interdisciplina r M ulti profissional

FIGURA 1.1. Toxicologia: área do conhecimento mult idisciplinar, interdisciplinar e multiprofissional.


Capítulo 1 • Introdução à toxicologia veterinária 7

espécies-alvo, tema abordado n o Capítulo 9, contri- quadro de intoxicação; e o toxicólogo centra sua atenção
bu em p ara evitar a toxicidad e d e m edicamentos. no agente tóxico (Figura 1.2).
Con siderando o ponto d e vista d o toxicólogo, po-
O m édico veterinário n os dias de h oje con t ribu i e d e-se conceituar a toxicologia com o:
participa ativam ente p ara a evolu ção do conhecim ento
dessas diferen tes áreas da toxicologia, torn ando mais • A ciên cia que estu da os efeitos nocivos decorrentes
ampla a avaliação d os efeitos tóxicos, mais precisa a da interação das substân cias químicas com o orga-
iden tificação de agen tes tóxicos e mais eficien te a tera- nism o; este conceito foi ampliado, englobando tam -
pêutica das intoxicações, b em com o contribu i p ara evi- bém os agentes físicos.
t ar a presen ça de resíduos indesejáveis (produtos de uso • O estu do qu alitativo e quantitativo d os efeitos no-
vet erinário, p raguicidas etc.) em pro dutos de origem civos de substâncias químicas e d e agentes físicos,
an imal, salvagu ardando a saúd e humana. Acrescente-se, incluind o alterações estruturais (lesões an atômicas
ain da, que a toxicologia aplicada à medicina veterinária e h istológicas) e de resposta (lesões bioquímicas, fi-
abrange temas como a toxicologia foren se, toxicologia siopatológicas e psíquicas) em um ser vivo ou em
da reprodução, toxicologia d o desenvolvimento, imu- seus descen dentes.
not oxicologia, entre outros, os q u a is são abordados • A ciên cia qu e define os limites de segurança dos
tam bém n essa obra. agentes quím icos e físicos.
• A ciência qu e se ocup a dos agentes tóxicos.
CONCEITOS
Agente tóxico ou toxicante é qu alquer substância
A toxicologia, sendo uma área d o conhecim en to química ou agente físico (radiações X, gama, ultravio-
m ultidisciplinar, in terdisciplin ar e multip rofissional, é leta etc.) qu e ao interagir com o organismo vivo provo-
abord ad a de várias m aneiras. Exemplificando, o farma- ca algum efeito nocivo. Evita-se usar o termo tóxico
cêutico considera a toxicologia como a parte d a farma- como sinônimo de toxicante, pelo fato d e o leigo asso-
cologia que estuda os efeitos colaterais e adversos d os ciá-lo com drogas de abuso.
fármacos; o p atologista se p reocupa com as lesões m a- O termo xenobiótico (ksénos = estranho; bio = vida)
croscópicas e microscópicas qu e ocorrem nos tecid os é empregad o para indicar qu alquer substância estranha
dos an imais em consequência da exposição ao agen te ao organ ismo, qu alitat iva ou qu an titativament e, não
tóxico; o químico dá ênfase aos métodos analíticos para indican do necessariam ente qu e provoca efeito nocivo.
identificar a presença das substâncias nocivas em m a- Quan do o xen obiótico, por alguma razão (por exem plo,
terial biológico; o biólogo-ecólogo consid era a presen ça concentração excessiva ou ausência completa) provoca
de sub st ân cias nocivas interferin d o n as relações dos algum efeito nocivo, ele é considerado tam bém um to-
seres vivos com o am b iente em qu e vivem; o médico xicante ou agente tóxico. Port anto, nem todo xenobió-
. , .
veterinário se interessa pela terap êutica eficiente para o t1co e um tox1cante.

Farmacologia Patologia
(efeitos colaterais e (lesões macro e
adversos de fá rmacos) microscópicas)

Toxicologia
(agente tóxico) Biologia - Ecologia
Química
(seres vivos e
(métodos analíticos) substâncias nocivas no
meio ambiente)
Medicina veteriná ria
(tratamento das
intoxicações)

FIGURA 1.2. Contribuição da toxicologia pa ra as diferentes áreas do con hecimento.


8 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Toxinas são substâncias tóxicas produzidas por poten cial tóxico (extremamente tóxico, altamente tóxico,
seres vivos e, em geral, não são bem d efinidas. A toxi- medianamente tóxico, pouco tóxico). Esse último critério
nologia é a área da toxicologia que estuda as toxinas. As de classificação considera a Globally Harmonized System
toxinas de m aior importân cia em toxicologia podem of Classi.fication and Labeling of Chemicals (G HS - Siste-
ser classificadas em: ma Globalm ente Harmonizado de Classificação e Rotu-
lagem de Produtos Químicos), sendo empregado, por
• Toxinas bacterianas: são produzidas por bactérias exemplo, para classificar os praguicidas. No Brasil, a Agên-
e são classificadas em endotoxinas ou exotoxinas. cia Nacion al de Vigilância Sanitária (Anvisa) também
• Micotoxinas: são produzidas por fungos. adota esse sistema, sendo os praguicidas distribuídos nas
• Fitotoxinas: são produ zidas pelas plantas. classes I, II, III e IV, os quais recebem tarja colorida no
• Zootoxinas: são produzid as pelos animais. É cha- rótulo de acordo com a toxicid ade, respectivamente, ver-
m ada de peçonha se for tran smitida por mord e- melha, amarela, azul e verde (Quadro 1.1).
dura ou ferroada, sendo os animais cham ados de Os termos perigo (harzad) e risco (risk) têm também
peçonhentos, como, por exemplo, as serpentes, os importância em toxicologia. Perigo é a capacidade de
escorpiões e as abelhas. É chamada de veneno se o um agente ( químico, biológico, físico) causar um efeito
animal não possuir um aparelho inoculador, sen- nocivo. Risco é a probabilidade da ocorrência de efeito
do esses chamados d e animais ven enosos, como, nocivo pelo uso, exposição ou manipulação de um agen-
por exemplo, os sapos, cujo ven eno está presente te tóxico sob condições específicas ( condições de expo-
na pele e/ ou nas glând ulas paratoides, bem como sição). A avaliação de risco tem se mostrado u ma im -
nas asas de algumas borboletas e nas cerdas d e al- portante ferramenta para subsidiar processos decisórios,
gumas lagartas. de controle e prevenção da exposição de populações e
in divíduos aos agentes perigosos à saúde que estão pre-
Geralmente, a toxina recebe o nome do gênero ou sentes no meio ambiente por meio de produtos, de pro-
da espécie do ser vivo que a produz, como, por exemplo, cessos p rodutivos ou de resíduos (para detalhes, veja
ricina presente n as sementes da mamona (Ricinus Capítulo 40).
com munis) e melitina presen te n a peçonha da abelha A toxicidade pod e ser conceituada d e várias ma-
(Appis mellifera). Q uando as toxinas são bem caracte- neiras: é a capacidade inerente que a substância quími-
rizad as e sua estrutura química é defin ida, é comum ca possui de provocar um efeito nocivo; é a p roprieda-
denominá-las de acordo com sua estrutura química. de que a substância quím ica possui, em maior ou menor
Os agentes tóxicos podem ser classificados de dife- grau, de provocar efeito nocivo; e é uma m edida relati-
rentes m aneiras, d epend endo do interesse e da necessi- va do risco d e exposição a uma substância tóxica. Por-
dade da situação. Assim, podem ser classificados quanto tanto, a toxicidade depende d as condições de exposição
ao seu órgão-alvo (efeitos nocivos sobre o fígado, rim, (Figura 1.3), que são:
sistema nervoso etc.), seu uso ou local de uso (doméstico,
agrícola, industrial etc.), sua origem (animal, vegetal, mi- • Dose/con cen tração: quanto maior a dose (mg/kg
n eral), seus efeitos nocivos (can cerígeno, mutagênico, de peso vivo) ou a concen tração (mg/L no ar, na
corrosivo etc.), seu estado físico (gás, líquido, sólido), sua água, n o solo) do agente tóxico, m aior a possibili-
estrutura química (aminas arom áticas, h idrocarbonetos dade de acarretar efeito n ocivo num ser vivo.
halogenados etc.), seu mecan ismo bioquímico d e ação • Duração (minutos, horas) e frequência (aguda, crô-
(inibidores d a colinesterase, anticoagulantes etc.) e seu n ica) de exposição: quanto maior é o tempo de

QUADRO 1.1. Classificação toxicológica de praguicidas, considerando o G/obal/y Harmonized System of C/assification and Labeling
of Chemica/s (GHS - Sistema Globalmente Harmon izado de C lassificação e Rotulagem de Produtos Químicos)
Classe Categoria Dose letal 50% para ratos (mg/kg)
Oral Dérmica

la Ext remam ente tóxico (tarja vermelha) <5 < 50


lb Altamente tóxico (tarja amarela) 5-50 50-200
li Moderadamente tóxico (tarj a azul) 50-2.0 0 0 200-2 .000
111 Leve mente tóxico (tarja verde) Acima de 2.000 Acima de 2 .000
Capítulo 1 • Introdução à toxicologia veterinária 9

Condições de exposição

Suscetibilidade
Dose/concentração
individual

Duração e frequência Vias de exposição Propriedades


de exposição físico-químicas

FIGURA 1.3. Condições de exposição que interferem na toxicidade: dose ou concentração, duração e f requência de ex-
posição, vias de exposição, propriedades físico-qu ímicas e suscetibilidade indiv idual.

exposição d o organism o ao toxicante, m aior tam - maior a toxicid ade da substância. Esse parâmetro, embo -
bém é a disponibilid ade química. ra não seja o mais adequad o para avaliar a toxicidade, é
• Via de exposição: em toxicologia, são de maior im- bastante empregado por ser um a m edida objetiva e fácil
portân cia as vias or al, d érmica e inalatória. Um d e ser obtida.
exem plo de variação d a toxicidade em função da A toxicidade pode ser também classificada segundo
via de exposição é a água: por via oral não causa to- a frequên cia de exposição, que pod e ser uma única ex-
xicidade, p or ém por via in t raven osa p ode causar posição ou m últiplas. No Capítulo 8 são apresentados,
hem ólise, levan d o à m o rte d o in d iv íd u o. O utro em detalhes, os estud os de toxicidade aguda, de cu rta
exemplo é o mercúrio m etálico, que não é absorvi- duração, d e dose repetid a e de lon ga duração. Na toxi-
do se ingerido na form a líquid a, sendo totalm en te cidade aguda, os efeitos tóxicos são produzid os por um a
excretad o pelas fezes, porém se o vapor do m ercú- única ou por múltiplas exposições n um cu rto período
rio m etálico for inalado sua totalidad e é absorvida (inferior a um dia) e se m anifestam rapid am ente (ime-
pelos alvéolos p ulmonares, exercendo seus efeitos diatamente ou até alguns poucos dias após a exposição).
tóxicos em seu sítio d e ação. Os estudos de toxicid ad e de d ose repetid a podem en -
• Propriedades físico-químicas: lipossolubilid ad e, es- volver exposições à substân cia-teste por 28, 60 ou 90
tabilidade, constante d e dissociação, pressão de va- dias, os quais, em geral, não envolvem tempo de expo-
por e tamanho d a m olécula são exemplos das vari- sição superior a 10% d o tem po d e vid a do anim al e os
áveis que alteram a d ispon ibilid ad e q uímica do efeitos se manifestam dentro de um período de até alguns
, .
agente tox1co. poucos m eses. Nos estud os de toxid ade de lon ga dura-
• Suscetibilidade individual: espécie, raça, idade, peso ção, em geral, os efeitos tóxicos ocorrem depois d e re-
corporal, características genéticas, p ren hez, estado petidas exposições, que abrangem um período longo de
nutricional são algumas variáveis que influen ciam a tem po (cerca de 80% do tempo de vida do animal).
toxicidade. Os gatos, por exemplo, têm maior dificul- A toxicid ade pode, aind a, ser classificada segundo
dade em eliminar substân cias químicas que preci- a gravidade em : leve, m oderad a e grave. Na toxicidad e
sam conjugar-se com o ácido glicurônico, em fun ção leve, os distúrbios produ zidos são rapidam ente rever-
da deficiência de uma en zima hepática, aumen tan- síveis e desaparecem com o término d a exposição. Na
do o risco de intoxicação. toxicidade m o d erad a, os d istú rbios p roduzidos são
reversíveis e n ão são suficientes p ara provocar d anos
Um a d as m aneiras de se m edir a toxicidade de uma físicos sérios ou prejuízos à saúd e. Na toxicidade gra-
determinada substância química é empregar a DLSO (dose ve ocorrem mudanças irreversíveis no organism o, su-
letal 50%, isto é, a dose que causa a mor te em 50% da ficien temen te severas para produzirem lesões graves
p op ulação exposta ao agente); quan to menor a DLSO, ou morte.
10 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

A intoxicação ou toxicose p ode ser conceituada de harmonização e padronização de terminologia, bem


várias formas: como d e procedimentos e condutas.

• Estad o m órbido causado por um agente tóxico. BIBLIOGRAFIA


• Conjunto de sinais (objetivo, m ensurável) e/ou sin-
tomas (subjetivo, sentido p elo doente) causados pelo 1. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Guia
para elaboração de rótulo e bula de agrotóxicos, afins e preserva-
agente tóxico no organismo animal; este conjunto de tivos de madeira, n . 12, versão 1, de 19 de janeiro de 2018. 47p.
sinais e/ou sintomas evidenciam uma alteração or- 2. DUARTE, D.F. Uma breve história do ópio e dos opioides. Re-
gânica ou quebra da homeostasia ou ainda alteração vista Brasileira de Anestesiologia, v. 55, n.l, p. 135-46, 2005.
3. GALLO, M .A. History and scope of toxicology. ln: Klaassen,
patológica, podendo ou não ser reversível. A habili-
e.D. easarett and Doull's Toxicology. Toe basic science of poi-
dade intrínseca do tecido lesado de se regenerar é que sons. 5. ed. NewYork, McGraw-Hill. 1996. p.3-11.
vai determinar a n atureza reversível ou não da lesão. 4. _ _ _. História e abrangência da toxicologia. ln: KLASSEN,
e.D.; WATKINS III, J. B. Fundamentos em toxicologia de Casarett
• Processo patológico ocasionado por substâncias en-
e Doull. 2.ed. New York: AMGH Editora, 2012, p. 1-4.
dógenas ou exógenas, determinado pelo desequilí- 5. FUKUSHIMA, A.R.; AZEVEDO, F.A. História da Toxicologia.
brio fisiológico, decorrente das alterações bioquími- Parte I - breve panorama brasileiro. Revista Intertox de Toxico -
cas no organismo. A intoxicação exógena é também logia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 1, n. 1, p. 1-32, 2008.
6. HODGSON, E. Introduction to toxicology. ln: HODGSON, E.;
chamada de envenenam ento. LEVI, P.E. A textbook of modern toxicology. Stamford: Apple-
ton&Lange, 1997, p. 1-25.
Foram aqui apresentados os principais con ceitos 7. LAO, L. Medicina tradicional chinesa. ln: JONAS, WB.; LEVIN,
J.S. Tratado de medicina complementar e alternativa. Barueri:
empregados em toxicologia, os quais são usados nos Manole, 2001, p. 221.
demais capítulos desta obra. Outros con ceitos são in- 8. LOPES, K.M.T. Mathieu Orfila: pai da toxicologia forense. Re-
troduzidos à medida que os temas abordados nos demais vinter, v. 10, n . 2, p. 155-7, 2017.
9. [WHO ] WORLD H EALTH ORGANIZATION. The WHO Rec-
capítulo os exijam. Deve ser enfatizado que a toxicologia,
ommended Classification of Pesticides by Hazard and Guidelines
como área de intersecção com outras e como se encon - to Classification, 2009. Disponível em: http://www.who.int/ipcs/
tra em franca exp an são, exige atualização constante, publications/pesticides_hazard_2009.pdf. Acesso em: 18 jul. 2018.
Capítulo 2

Toxicocinética

Raphae l Caio Tamborelli Garcia


Jorge Camilo Flório
Silvana Lima Górniak

~ A Figura 2.1 mostra qu e todas as etapas toxicocin é-


INTRODUÇAO
ticas estão inter-relacion adas e ocorrem sim ultaneamen-
Os efeitos de um agente tóxico no organismo de u m te. Essas etap as são determin an tes p ara que o toxicante
an im al são consequência das suas características toxi- atinj a o sítio de ação em con cen tração ad equad a para
cocinéticas e toxicodin âmicas. O term o toxicocinética d esen cadear um efeito tóxico. No en tanto, para que isso
refere-se aos estu d os quantitativ os d o s processos de ocorra, o toxicante deve atravessar membranas biológicas.
absorção, distribu ição, biotransformação e excreção de Assim , torna-se im p ortante a discussão acerca dos m e-
um organismo vivo exposto a um determinad o agen te canism os envolvid os no transporte dessas substâncias.
tóxico. Em outras palavras, seria o qu e o organismo faz
com um determinado toxicante. Embora os mecan ismos
de ação tóxica sejam geralmen te similares n a m aioria Substância química

dos seres vivos, sabe-se que a intensidade e du ração dos Absorção

efeitos deletérios n ormalmente variam de acordo com Distribuição


Efeito
Excreção Sangue • Tecido alvo
a espécie anim al estud ada e podem , em parte, ser atri- tóxico
• Tecido de estoque
bu íd as aos fatores toxicocinéticos. Portanto, este estudo
aplicad o à m ed icin a veterinária p o de apresen tar d ife-
renças relevantes. Dessa forma, a extrapolação de dados
toxicocinéticos de uma espécie an imal para out ra, ou
mesmo para os seres humanos, pode n ão correspon der Metabólito -©- Metabólito
atóxico -O- bioat ivo
à realidade, levando a resultados totalm ente inesperados.
O efeito tóxico promovid o por um toxicante, em um
FIGURA 2.1. Resumo das etapas toxicocinéticas: absorção,
determ inado animal, basicam en te está relacion ado com
distribuição e eliminação (biotransformação e excreção). Uma
a sua con centração n a biofase, isto é, no sítio d e ação ou substância química tóxica pode ser absorvida, por exemplo,
aind a na proxim id ade dos tecidos. En tretanto, a m ensu- pelo trato gastrointestinal, pele e/ou pulmões, dependendo
ração d essa substância nesses sítios de ação é uma tarefa de suas propriedades físico-químicas. O organismo, feliz-
bastante complicada e m uitas vezes não acessível. Por esse mente, tem a capacidade de biotransformar compostos,
gerando metabólitos atóxicos (processo denominado deto-
m otivo, dá-se preferência pela utilização de m éto d os
xificação), e excretar por meio da urina, fezes, suor e ar ex-
pouco invasivos, com o, por exem plo, a detecção e men-
pirado. Vale ressaltar que os agentes tóxicos podem ser
sur ação do agente tóxico e seus metabólitos em amostras excretados também em sua forma inalterada, ou seja, sem
biológicas como san gue, leite e urina. D essa form a, na que ocorra biotransformação. Algumas substâncias, no en-
maioria das vezes é p ossível assumir que a con centração tanto, podem se tornar mais tóxicas que a orig inal, gerando
plasmática de qualquer agente tóxico apresenta correlação metabólitos bioativos, processo denominado bioativação.
Ainda, quando a taxa de absorção supera a de eliminação,
com as concentrações tecidu ais e estas, por su a vez, com
o agente tóxico pode atingir a concentração adequada no
a biofase. Assim, m ud anças na con cen tração plasm ática sítio-alvo e desencadear um efeito tóxico. Por outro lado, o
refletem alterações na quantidade dessas substâncias n os toxicante também pode se distribuir para tecidos em que ele
tecid os e, consequen tem en te, d os efeitos tóxicos. não exerce nenhum efeito e ficar armazenado.
12 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

MECANISMOS DE TRANSPORTE CELULAR a lipossolubilidad e d ecresce nesta ord em : parationa >


escopolamina > paraquat.
As membr anas celulares apresentam p ropried ades Muitos toxicantes são eletrólitos fracos, ou seja, são
dinâmicas e têm papel fundamental na sinalização celular. ácidos ou bases fracas que se apresentam parcialmente
Elas apresentam uma espessu ra de 7 a 9 nm e são consti- ion izad os em solução aquosa. Dessa form a, o pH do
tuíd as por um a dupla cam ada de fosfolipídios, form ad a meio e a constante de dissociação d a substância quími-
prim ordialmente de fosfatidilcolina e fosfatidiletanolami- ca determinam a razão entre as formas ion izadas e não
na. Os fosfolipídios, por sua vez, são anfifílicos: apresentam ionizadas. As formas não ionizadas dos eletrólitos fracos,
u m a cabeça polar h idrofílica, voltad a p ara fora e para também d enom inadas form as moleculares, são lipos-
dentro das superfícies da m embrana, e uma cauda lipídi- solúveis e permeiam m embranas celulares por difusão
ca contínua e hidrofóbica entre as porções hidrofílicas. A simples. Para determinar a p roporção en t re as formas
bicamad a de lipídios confere à m embrana impermeabili- ionizadas e não ionizadas d e uma molécula em um de-
dade às moléculas p olares e íons, sendo perm eáveis so- term inad o pH , d eve-se utilizar a equação d e Hender-
m en te substân cias apolares, as quais se dissolvem em son -H asselbalch d escrita a seguir.
gordura e permeiam a dupla camada lipídica pelo proces-
[forma protonada]
so de difusão simples, o qual é discutido a seguir. pKa - pH = log- - - - - -- -
[forma nao protonada]
Muitas proteín as, algumas transmembranares, com o
os recep tores de mem b ran a, se inserem na bicamad a, As form as proton adas de um ácido e um a base fra-
permitindo a formação de poros aquosos e canais iôni- ca estão representadas nos equilíbrios químicos a seguir
cos. Em geral, as substân cias p o dem atr avessar essas por HA e BH +, respectivamente, enquanto as formas não
m embranas sem gasto energético (transporte passivo), protonad as correspondem a A· e B, respectivamente.
ou necessitand o de um gasto energético para transpor- Assim , a forma m olecular de cada substância que é ca-
tar o agente tóxico (transporte ativo). p az de p ermear as membran as celulares é: HA para
ácidos fracos e B para bases fracas.
Transporte passivo
HA - A· +H+
No transporte passivo, a membrana biológica fun-
ciona com o uma estrutura inerte e porosa, por onde as O ácido ben zoico, por exem plo, apresen ta um pKa
m oléculas da substân cia química se tran sp õem, sem próximo a 4. Utilizando a equação de Henderson-Hassel-
gasto de energia. Nesse caso, a polarid ade d a m olécula balch e considerand o o pH do meio próxim o a 1, tem-se:
a ser absorvida assum e grande importância.
Na d ifusão simples ou passiva, as m oléculas do solu- _ _ [HA] _ [HA] 3
[HA]
_ [HA] _ 1.000
4 1 - log [A-] • 3 - log [A-] • 10 - [A-] • [A-] - l
to (isto é, do agen te tóxico) se distribuem da região em
que estejam em maior concentração para as regiões onde Nesse caso, há p red omínio d a form a molecular do
estejam em menor concentração, ou seja, ocorrem a favor ácido benzoico (mil vezes maior que sua form a ioniza-
de um gradiente de concentração. Para que esse processo d a, o ben zoato, representad a por A·). Con forme o pH
possa acontecer é necessário que as m oléculas do soluto aumenta, essa relação diminu i, como exemplificado a
sejam apolares e apresen tem peso m olecular compatível seguir em pH p róximo a 7.
com a bicamada lipídica d a m embrana a ser atravessad a.
No entanto, moléculas pequenas e hidrossolúveis conse- 4- 7 = log [HA] • -3 = log [HA] • 10- 3 =
[A- ] [A- ]
guem permear as membranas celulares por meio de poros
aquosos. É o caso do etanol, que, quando administrad o [HA] [HA] 1
- - - • -[A-]
- [A-]
~- --
- 1.000
em roedores por gavagem para estudos comportamentais,
atinge facilmente o sistema nervoso central (SNC). O mesmo ocorre para substâncias com caráter bá-
Para moléculas orgânicas m aiores, é essencial o co- sico. A anilina (pKa=S) en contra-se p raticamen te ioni-
n hecimento d e sua lipossolubilid ade, m ed id o pelo coe- zada em pH = 1, con form e exemplificado a seguir.
ficiente d e partição (P) octanol/água, o qual é expresso
[BH +] [BH +]
em escala logarítmica, ou seja, log P. Quanto maior o log 5 - 1 = log---=-~ • 4 = log ----,,--,=-- • 104
[B] [B]
=
P, m aior a lipossolubilidade d a molécula. Substân cias,
como o paraquat, a escopolam ina e a parationa apresen- [BH+] [BH+] 10.000
---=[=--=B],-- • ---=[=--=B],-- = 1
tam log P de -4,72, 0,30 e 3,47, respectivam ente. Assim,
Ca pítulo 2 • Toxicocinética 13

Nesse exem plo, há cerca de dez mil vezes mais ani- além da variação de resposta terapêutica a um m edica-
lina na forma ionizada quando comparada à sua form a mento, pela diferen ça de efeito desencadeado por um
m olecular. À m edida que o pH aumenta, essa relação agente tóxico entre indivíduos da mesm a espécie. Os
também diminui, com predomínio da form a molecular polimorfismos genéticos são definidos como variações
de substâncias com caráter básico, conform e exem pli- na sequên cia do DNA e que envolvem som ente um a
ficado a seguir em pH próxim o a 7. base nitrogenada em 90% dos casos, podendo criar ou
extinguir sítios de reconhecimento de enzimas de res-
[BH+] [BH+] _
5 - 7 = log [B] ~ -2 = log [B] ~ 10 2 trição. Se essas alterações ocorrerem em sequências não
codificadoras de um determinado gene, na maioria das
[BH+] [BH+] 1
= --,[,........,B]:-- ~ --,[,........,B]:-- = -10-0
vezes não haverá alteração de suas funções. No entanto,
se essas variações ocorrerem em sequências codificado-
É importante ressaltar que o pKa n ão classifica a ras, levará a modificações qualitativas e/ou quantitativas
substância como ácida ou básica, ou seja, um ácido fra- de uma determinada proteína.
co n ão n ecessariamente apresenta um pKa inferior a 7, Entre os principais tipos de transporte mediado por
assim como uma base fraca não possui um pKa acim a carreador citam-se a difusão facilitada e o transporte
. . . , .
de 7. Conceitualmente, pKa se refere ao pH do m eio no ativo, os quais apresentam as seguintes caracteristicas:
qual o eletrólito fraco se apresenta 50% em sua forma são saturáveis, têm especificidade pelos substratos, podem
ionizada e 50% n ão ionizada. ser inibidos ou ativados por hormônios e necessitam ou
Assim, pode-se afirmar que ácidos fracos perm eiam não de energia para sua ocorrência.
mais facilmente uma membrana celular se o pH do meio A difusão facilitada é um tipo de transporte sem
também for ácido, enquanto bases fracas atravessam as gasto de energia, m ediado por carreador no q u al o
membranas mais facilmente se o pH do meio for básico. substrato, isto é, o agente tóxico, se m ove a favor do
Na filtração, o agente tóxico atravessa as membranas gr adiente de con centração. A velocidade da difusão
celulares p elos can ais ( ou poros) nelas existentes, os facilitada é consideravelmente m aior que a da difusão
quais variam em diâmetro nas várias m embranas cor- simples. A glicose é absorvida pelos tecidos utilizando
porais. Esse é um mecanismo comum para transferência esse tip o de transporte. Diversos transportadores re-
de muitas substâncias de baixo peso molecular, hidros- gulam o movimento de substân cias endógenas e exó-
solúveis, polares ou apolares. Quando a água flu i em genas através das m embranas celulares, tais como os
massa p or meio dos can ais aquosos, gera uma força transportadores de soluto (SLC = solute carriers). As
h idrostática ou osmótica que permite a passagem de subfamílias dos SLC in cluem os transportadores OCT
qualquer molécula pequena pela membrana celular. Na (organic cation transporter), OAT (organic anion trans-
m em brana endotelial capilar, os canais são grandes (4 porter), OAT P (organic anion transporters polypeptides)
a 8 nm, dependendo da localização do capilar), ao pas- e PEPT (peptide transporter).
so que no endotélio intestinal e n a maioria das mem- O transporte ativo ocorre quando uma substân cia
branas celulares o diâmetro é de apenas 0,4 nm. A per- é movida por meio de carreadores contra o gradiente
m eabilidade às substâncias químicas através dos canais de concentração, n ecessitan do de energia derivada da
aquosos é im portante na excreção renal, na rem oção de hidrólise de AT P ou de outras ligações ricas em energia.
substância quím icas do líquido cefalorraquidiano e n a Na m aioria dos casos, esse processo exibe alto grau de
passagem de substâncias químicas através da m embra- especificidade estrutural e estereoquímica. Assim, du-
n a sinusoidal hepática. rante o transporte, se duas substâncias com proprieda-
des físico-qu ímicas semelhantes fo rem passíveis do
Transporte med iado por carreado r mesmo transp o rtad or ao mesmo tempo, uma pode
inibir o transporte da outra. O primeiro transportador
Os carreadores são compon entes da membrana ativo, identificado e superexpresso em células tumorais,
celular que têm a capacidade de transportar m oléculas foi a fosfoglicoproteína ou P-glicoproteína (ou simples-
ou íons para dentro (influxo) ou para fora (efluxo) das mente PGP). Também é conhecida com o MDRl (mul-
células. Vale ressaltar que a função desses transportado- tidrug resistance; codificada pelo gene MDRl), uma vez
res n as diversas etapas da toxicocinética tem crescido e que esta proteína confere resistência aos quimioterápi-
é alvo de pesquisa científica. É im p ortante introduzir cos antineoplásicos, como o etoposídeo e a doxorrubi-
tamb ém o con ceito de p olimorfismo genético qu e é cina. Essa proteína pertence a um a fam ília de transpor-
discutido ao lon go deste capítulo e que é responsável, tadores ABC (ATP-binding cassette), a qual funcion a
14 Toxicolog ia aplicada à med icina vet erinária

como uma bomba de efluxo, transportando substâncias Pinocitose e fa gocitose


do meio intracelular para o extracelular. A PGP está
expressa tam bém em diversos tecidos com função ab- Define-se pinocitose e fagocitose os processos de
sortiva (intestino delgado) e excretora (fígado e rins), e transporte especializados, nos quais a mem brana celu-
também em barreiras importantes como a hematoen - lar se invagina em torn o de uma macromolécula ou de
cefálica e placentária (Figura 2.2). Esse transportador várias pequenas m oléculas e as engloba junto com go-
de efluxo limita a absorção de agentes tóxicos por via tículas do m eio extracelular. Em seguida, for m am -se
oral, prom ove a excreção de substân cias pela urina e vesículas intracelulares que se destacam da m embran a,
bile, além de proteger tecidos (por exemplo, encéfalo e sendo a fagocitose relacion ada ao transporte de partí-
feto) de agentes p otencialmente tóxicos. Como a PGP culas sólidas e a pinocitose relacion ada ao tran sporte
exerce funções importantes na absorção, distribuição e de partículas líquidas. Ambos os mecanismos exigem
excreção de agentes tóxicos, ela é retomada no decorrer energia celular para a sua execução e, diferentemente
do capítulo. do transporte ativo, n ão necessitam de transportadores
específicos nas m embranas celulares.

~
ABSORÇAO
A
A absorção de um agente tóxico con siste n a su a
Enterócitos
transferência do local de exposição para a circulação
sistêm ica. Portanto, para que determ inado agente tóxi-
• =PGP co seja absorvido, é necessário que este atravesse as di-
versas membranas biológicas, como o epitélio gastroin -
testinal, endotélio vascular e membranas citoplasmáticas.
As principais vias de exposição em toxicologia são a
B
Hepatócitos oral, a inalatória e a dérmica. Cada uma dessas vias apre-
Células
tubu lares
senta características específicas que perm item ou n ão
renais que um determ inado agente tóxico consiga alcan çar a
corrente sanguínea. Profission ais da área de saúde e
Lúmen intestinal (urina)
p esquisadores qu e trabalham com m odelos anim ais
frequentem ente distinguem entre as vias enteral e pa-
renteral, sendo a primeira relacionada às vias sublingual,
e oral e retal, en quanto a segunda envolve as demais vias:
Capilares ou tecidos feta is
Células intraven osa, intraperitoneal, intramuscular, transdér-
endot eliais Sincitiotrofoblasto
(SNC)
m ica, entre outras. É importante ressaltar que, na via
intravenosa, a administração de uma substân cia é rea-
Capilar sanguíneo lizada diretamente nos vasos sanguíneos, não haven do
Capilar sanguíneo materno o processo de absorção definido anteriormente.

Absorção pelo t rato gastrointestinal


FIGURA 2.2. Expressão e funcionalidade da P-glicopro-
teína (PGP) em diversos tecidos. A PGP é um tra nspo rta- A via oral é a forma mais comum de exposição aos
dor ativo responsável pe lo efl uxo de substâncias, ou seja, agentes tóxicos, tanto para seres humanos quanto para
necessita de AT P para bombea r os agentes tóxicos pa ra
fora d a cé lula. A: ela está expressa na membra na lu min al
os animais. A absorção dos agentes tóxicos pelo trato
dos enterócitos, lim itando a absorção de subst âncias gastrointestinal ocorre geralmente por difusão simples,
admi nistradas por via ora l. B: a PGP está exp ressa também sendo que substâncias lipossolúveis podem se dissolver
na membrana luminal das células tubu la res renais e na nas m embran as das células e se difun dir facilm ente,
membrana canalicu lar dos hepatócitos, promovendo a enquanto as moléculas ion izadas não conseguem aden-
excreção re na l e biliar, respectivamente, de agent es t ó-
trar com facilidade nas células. Dessa maneira, a absor-
x icos. C: ao atingir a circulação sistém ica, a PGP limita a
d istribuição de substâncias quím icas a tecidos como o ção de um agente tóxico depende basicamente das suas
encéfa lo e o feto. propr iedades físico-químicas, como log P, pKa e peso
Fonte: adaptado de Fromm (2004). m olecular, e das características m orfofisiológicas do
Ca pítulo 2 • Toxicocinética 15

t rato gastrointestinal, com o trânsito gástrico e intestinal, Seria fácil con cluir que a capacidade in testinal de
fluxo sanguíneo, área superficial e pH do lúmen. No en- absorção d e substâncias ácidas pelo intestino é baixa.
tanto, ao se considerar as diferentes espécies de anim ais, Entretanto, a absorção é u m processo dinâm ico, ou seja,
esse processo se torna complexo, pois os toxicantes podem o sangue remove o ácido benzoico d o in testin o e, d e
ser modificados por diferenças anatômicas (por exemplo, acordo com a lei d e ação de m assas, o equilíbrio é des-
m onogástricos e poligástricos), no pH, no tamanho e na locado d e modo a manter constante 1% da forma mo-
m icrobiota presen te n os compartimen tos do sistem a lecular d o ácido, disponibilizando-o de forma contínua
digestivo. Entretanto, uma vez que o agente tóxico alcan- para absorção. Ainda, há d e se ressaltar que o intestino
ce o intestino, que apresenta grande área superficial com delgado é revestido por u m epitélio colun ar simples,
capacidade de absorção e é extremamente vascularizado, assen tad o sobre u m a mem brana basal e u m a camad a
esse agente pode ser absorvido com mais facilidade, par- d e tecido subm ucoso que é muito bem perfundida por
ticularm ente, quand o se consideram as espécies mono - u m a extensa rede capilar sanguínea e linfática. Uma
gástricas, haja vista que em p oligástricos há absorção importante adaptação anatôm ica nesse local é a presen -
significativa ao nível do rúm en. A Figu ra 2.3 ilustra duas ça das vilosidad es intestinais, as quais perm item aumen-
situações nas quais o agente tóxico administrado por via tar a área da superfície do intestino delgado ao redor d e
oral mostra curvas de concentração plasmática diferentes 600 vezes mais do que se fosse apenas um tubo reto. No
em função da velocidade d e absorção. estôm ago, embora o revestimento da m ucosa seja sim -
Bases orgân icas fracas encontram-se ionizadas em ples, sem queratina, o que permite a absorção intensa
conteúdo gástrico (pH próximo a 2) e n ão ionizadas na d e agentes tóxicos n esse local, em an imais monogástri-
r egião intestinal (pH mais alcalino), sugerindo qu e a cos deve-se considerar a presença de muco necessário
absorção desses compostos é m aior no intestino quan- para a proteção do epitélio contra a corrosão produzid a
d o comparada com o estôm ago. Por analogia, é d e se p or secreção de ácido clorídrico e d e enzimas, o que
p resumir que ácidos fracos sejam m ais facilmen te ab- pod e comprometer a absorção de substâncias.
sorvid os na região estomacal. No entanto, além d a in- Muitos transportadores estão expressos no trato gas-
terp retação da equ ação de Hen d erson- H asselbalch, trointestinal, pod endo aum entar ou diminuir a absorção
out ros fatores, com o a lei d e ação de massas e aspectos de agentes tóxicos. Diversas proteínas da família dos SLC
morfofisiológicos d o trato gastrointestinal (área super- estão expressas na r egião intestinal, especialm en te na
ficial e fluxo sanguíneo), devem ser levados em con ta. borda d a m embrana apical dos en terócitos, e estão en -
Consid erand o o ácido benzoico (pKa = 4) mencionado volvidas na captação luminal d e substâncias. Em roedo-
anteriorm ente e o pH intestinal p róximo a 6, tem-se 1% res, por exemplo, OATP l AS é o principal transportador
de sua form a molecular (não ionizada) p resen te no in- envolvido na captação de agentes tóxicos. Transportado-
testino, con form e ilustra a equação a seguir. res ativos, como a PGP, MRP (multiresistant drugprotein)
e BCRP (breast cancer resistance protein), também estão
_ [HA] _ [HA] _2 _ [HA] [HA] _ 1
4 - 6 - log [A-] ~ -2 - log [A-] ~ 10 - [A-] ~ [A- ] - lOO presentes e participam essencialm ente do efluxo de subs-
tâncias químicas, diminuindo a sua absorção (Figura 2.4).
Os enterócitos, bem como os hepatócitos, expressam
enzim as (CYP3A4) responsáveis pela biotransformação
100
•••••• •••
•• •• de agentes tóxicos. Dessa forma, a fração do agente tóxico
(ti •• ••
....u
·-'ctl ••• ••• que atinge a circulação sanguín ea após a administração
••
E ••

oral depende não só da quantidade absorvida, mas também
(/) ••
••
-(ti ...J
-
o. :::::, •• d o que foi retirado pelo fígado por m eio da veia porta e
o 10 •
o ••
!(ti E •• biotransformado pelas células do trato gastrointestinal.
V, u ••
... E
(ti

....e:
(1)
u
- ••
••

••

Esse efeito é conh ecid o como eliminação pré-sistêmica
ou efeito de primeira passagem . Vale ressaltar que m eta-
e: ••
o •
u b ólitos excretados pela bile e conjugados ao sulfato ou
1 ácido glicu rônico são passíveis de degradação por sulfa-
o 5 10 15 20 25 30
tases e betaglicuronidases, respectivamente, presentes em
Tempo (h)
m icrorganism os intestinais. Esse fenôm eno é conhecido
FIGURA 2.3. Representação gráfica da curva concentração
como ciclo en tero -hepático, um a vez que restaura a es-
x tempo de agentes tóxicos que apresentam cinética de tru tu ra original do agen te tóxico e o torn a absorvível
primeira ordem (linha pontilhada) e de ordem zero (linha cheia). novam ente, aum entando sua meia-vid a plasmática.
16 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Os pulm ões apresentam uma grande área superficial de


Capilar sa nguíneo contato, uma extensa vascularização e uma barreira fina
que sep ara o ar alveolar da corrente san guínea. Dessa
M M maneira, a absorção de agentes tóxicos é rápida e eficien-
R R
p p te, envolven do principalm ente a difusão passiva.
1 3 Intestino A constituição sanguín ea deve ser levada em conta
também, um a vez que apresenta tanto uma característica
aqu osa (cerca de 75%) qu anto orgânica (lipídios, proteí-
n as e outros componen tes). Assim, a solub ilidade do
o1 agente tóxico n o san gue é mais importante do que sua
~A h idrossolubilidade ou lip ossolubilidade, já que o contato
p 5
entre o ar alveolar e o sangue ocorre em uma fração de
segundo. Como o fluxo sanguíneo é rápido, h á rem oção
(fezes)
contínua de gases e vapores tóxicos do saco alveolar, es-
tab elecendo, assim , um gradiente constante de concen-
FIGURA 2.4. Representação esquemática dos transporta- tração. Para substâncias com alta solubilidade no sangue,
dores de agentes tóxicos presentes no trato gastrointesti- ou seja, que apresentam um coeficiente de partição sangue/
nal. PGP (P-g licoproteína), BCRP (breast cancer resistance ar alveolar (S/A) elevado, a satur ação sanguín ea é mais
protein) e MRP1-3 (multiresistant drug protein) são t rans- lenta e dependente da taxa e profundid ade da respiração.
portadores ativos. OATP1A5 (organic anion transporter
Já para compostos com baixa solubilidad e sanguínea e,
po/ypeptide) está presente no intestino de roedores e pode
agir por difusão facil itada. As formas ovais estão envo lvidas portanto, com baixo S/A, a saturação é rápida e depen-
no efluxo e no influxo de substâncias, respectivamente dente do fluxo sanguíneo. É importante m encionar qu e
(adaptado de Li e Shu, 2014). substâncias hidrossolúveis podem ficar retidas n o muco
do trato respiratório superior, o que constitu i uma situa-
ção favorável, p ois minimiza a absorção de agentes tóxi-
Como a absorção in t estin al envolve o t ran sporte cos. No entanto, alguns compostos podem ser h id rolisa-
passivo para a maioria dos agentes tóxicos, as diferenças dos, gerando substâncias nocivas, tanto para as vias áreas
anatômicas contribuem para as variações interespécies. superiores quanto inferiores.
Macaco e coelho, por exemplo, apresentam pH intestinal Aerossóis e material particulado também podem
próximo a 6,0 e 7,5, respectivamente, contribuin do para atingir o trato respiratório. O tamanho e a composição
uma p roporção diferen te entre espécies ionizadas e não das partículas são importantes, pois determ inam o local
ionizadas de um ácid o ou base orgânica fraca. de deposição e toxicid ad e. Partículas com d iâmetro
Outra característica importan te é a qu ant idad e e a superio r a 1O µm ficam retidas no trato respiratório
composição da m icrobiota gastroin testinal. Muitas vezes, superior e podem ser removidas pelo movimento mu-
o metabolismo bacteriano é n ecessário para a absorção cociliar. Já as que possuem d iâmetro in ferior a 10 µm
de alguns agentes tóxicos. D e fato, sabe-se qu e os rumi- são mais difíceis de serem removidas. O material parti-
nantes são considerados resistentes aos efeitos de muitos culado fino (cerca de 2,5 µm) at inge e se d eposit a nos
toxicantes, como, p or exem p lo, das m icotoxinas (veja alvéolos. Comp onentes solúveis podem atingir a circu -
Capítulo 27) e p resume-se que esse efeito esteja direta- lação sistêmica, enqu anto os insolúveis se sedimentam
mente ligado à capacidade de biodegradação dos micror- nos pulmões, cau sand o p rejuízo de su as funções. O
ganismos, com parado aos animais m onogástricos. Por- material particulad o apresenta composição variável,
tanto, em virtude da grande fonte de enzimas microbianas, contendo subst âncias potencialmen te nocivas, como
• , • A • •

p resentes no trato digestório dos ruminan tes, p ermite met ais toxicos, compostos organicos, gases reativos,
qu e promova a detoxificação de m u itos agentes tóxicos. entre outros. Part ículas com d iâmetro igu al ou inferior
a 1 µm atingem os alvéolos e podem ser absorvidas por
Absorção pulmonar fagocitose por macrófagos alveolares.

A absorção d e toxicantes pelos pulmões tem gran de A bsorção pela pe le


relevân cia toxicológica, uma vez que os animais, bem
como os seres humanos, estão expostos a m uitas substân- A pele é uma barreira biológica importante, pois im-
cias, com o gases tóxicos, vapores e material particulado. pede que m u itas substâncias nocivas atinjam a corrente
Ca pítulo 2 • Toxicocinética 17

sanguínea dos animais. No en tanto, essa b arreira varia mais perfu n didos p elo fluxo sanguíneo e lin fático con-
entre as espécies e, dentro da m esm a esp écie, p ode dife- centram mais, em um p rimeiro momento, um determi-
rir depen d endo d a região de exposição ao toxicante. nado agen te tóxico. Em seguida, há um equilíbrio entre
Existem p elo m enos três fatores princip ais qu e p o- os diversos compartim en tos orgânicos e acúmulo do
dem interferir diretamente n a absorção dos toxicantes toxicante em tecid os nos qu ais ele apresent a alta afini-
pela pele: d ad e, p oden do ser o sítio de ação ou, simplesmente, um
tecido de depósito ou estoqu e d o toxicante. As molécu -
• A esp essura d o estrato córn eo e o fluxo san guíneo las do toxicante encontram -se em equilíb rio entre su a
da derme. Quanto m en or a espessura do estrato cór- forma livre e ligada a um a macromolécula (p or exemplo,
neo, m aior é a absorção de agentes tóxicos lipossolú - proteína plasmática), de m odo que apenas a fração livre
veis p or difusão passiva. A pele é mais espessa, p or é capaz de tran sp or mem bran as (Figura 2.5).
exem plo, na região da linha d o d orso dos an imais
quando comparada com a região abdominal. Consi- Vol ume de distribuição (VD)
derando as diferentes espécies animais, a pele na qual
se observa m aior penetração de um agente tóxico, ou D efine-se VD com o o volum e de líquido n ecessário
seja, men or espessura do estrato córn eo, atingindo a p ara conter a quantid ad e total d o agente tóxico n o orga-
circulação sistêmica, é a seguinte: coelh os > rato > nismo, n a m esm a con centração presente no plasma; ou
cobaias > gatos > cães > suín os > seres hum an os. aind.a, VD representa uma con stante de proporcion ali-
• Os agentes tóxicos devem se difund ir p elas diferen - d ade que relaciona a quantidade total de uma substância
tes cam adas da derme p ara atingir a circulação san- administrada a um organism o com a con centração pre-
guínea por meio dos capilares ven osos e linfáticos. sente no plasm a. Quanto maior o VD (Equação 12 - Qua-
Assim, a vascularização apresentad a pelos seres h u - dro 2. 1), men or é a con cen tração p lasmática do agente
m an os é muito m aior que d os animais dom ésticos,
, . . , -
toxico e, portanto, m aior e a sua penetraçao ou sequestro
um a vez que esse sistem a está ligado à ação term or- p ara os tecidos. Um baixo VD im plica uma alta concen-
regulad ora d a p ele humana. A p rincipal razão para tração plasmática do agente tóxico, possivelmente p ela
as d iferen ças entre as vasculatu ras d érm icas entre o
homem e os animais é qu e o sup rimento sangu íneo
cutâneo sob o pelo está relacion ad o prin cipalmente
à nutrição do folículo piloso e n ão p arece estar au-
m en tado pelo estresse térmico (ou seja, não tem a Plasma Líquido intersticial 1 Nu '
m esma fun ção term orregulad ora que aqu ela verifi-
cada em humanos). De fato, áreas desprovidas de pelo
• • • • • •
em anim ais (com o a orelha do coelho) apresentam ••••
•xe • •.xE.
••• .•xE
••••
•• •• ••
m aior circulação cutânea, tal qual a human a. • • •
• • •
• A qu an tid ade de folículos pilosos tam b ém interfe- • • •
re diretam ente na absorção d e subst âncias. Os se- XE XE XE
res human os têm entre 40 e 70 cabelos/cm 2 n a pele
do t ron co e m embros, en quanto a grand e m aioria
dos outros m am íferos apresent a m uito mais p elos; , _____ _ '- Complexo X E-alvo

por exemplo, os roedores podem apresentar até 4.000 • = proteína


X E = xenobiótico
pelos/cm2 ). Intensidade do
Nu = núcleo
efeito tóxico
• Podem tamb ém ser citados outros fatores qu e inter-
ferem n a absorção de agentes tóxicos, como a quan-
FIGURA 2.5. Representação esquemática da distribuição
tidade de glân dulas sudoríp aras e o metabolismo e a de um xenobiótico (XE). As moléculas do agente tóxico pas-
ligação com toxicantes pelas células da pele. sam do plasma para os espaços ext racel ulares, dispersan-
do-se no líq uido intersticial. Em seguida, devem atravessar
as membranas celu lares (difusão passiva ou transporte es-
DISTRIBUIÇÃO pecial) pa ra alcançar o líquido intracelular e interagir com o
sítio de ação. Para tanto, o xenobiót ico deve estar no seu
A distribu ição é u m processo d e transferência re- estado livre, ou seja, não ligado a proteínas. Vale ressaltar
versível d o agente tóxico da circulação geral para os que a intensidade e a duração do efeito tóxico dependem
diferentes tecidos que constitu em o organism o. Os órgãos da concentração do agente tóxico no sítio-alvo.
18 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

sua alta afi nidade a proteínas plasmáticas, r esultando deles para a forma livre, responsável pelos efeitos tóxicos.
em m enor d istribuição da substância para os tecid os. O É importante men cionar que a albumina plasmática é a
VD não se refere ao volume hídrico biológico real, mas mais im portante proteína plasmática envolvida na liga-
representa a extensão com que ocorre a d istribuição da ção com m edicam entos e agentes tóxicos, porém não é
substância fora do plasma e den tro d e outros tecidos. a única, estando incluída neste grupo a betaglobulina e
Na prática, o VD não pode ser associado a um volume a alfa-1-glicoproteína ácida.
hídrico real no organism o, uma vez que existem toxi- O utros tecidos tamb ém p odem fun cion ar com o
cantes cujos valores são bem superiores aos valores d e estoque de substâncias tóxicas, como é o caso do chum-
líquid o contido no organismo estudado. bo que se acumula em tecido ósseo, mas não desencadeia
A extensão da distribuição de um agente tóxico do efeito tóxico nesse tecido, apenas em tecidos m oles como
sangue para os tecid os depende d as seguintes variáveis: o SNC. A m aioria dos praguicidas organ ofosforados,
com o a m etil parationa e a diazinona, é extrem am ente
• Hidrossolubilidade: compostos hidrossolúveis, como, lipossolúvel e, por isso, se dissolve facilm ente em tecido
por exemplo, o etanol, m ostram pouca disposição adiposo, sen do liber ad a para a corren te sanguínea à
no tecid o adiposo ou no sistema nervoso central e medida que a concentração dessas substâncias diminui.
são d istribuídos por toda a água corpórea. Já alguns xenobióticos exercem efeito tóxico n o local
• Ligação às proteínas plasmáticas: os toxicantes que onde se acumulam, como as tetraciclinas que se incor-
se ligam às proteínas plasmáticas m ostram redução poram à matriz óssea, comprom etendo animais em fase
n a distribuição nos tecidos e são retidos n a circu - d e crescim ento.
lação.
• Ligação às proteínas teciduais: os toxican tes com Barreiras hematoencefál ica e placentária
alta afinidade por proteínas teciduais mostram uma
distribuição m ais extensa. A barreira h ematoen cefálica im pede que muitas
• Lipossolubilidade: os toxicantes lipossolúveis estão substâncias tóxicas atinjam o SNC em d ecorrência d a
concentrados nos tecidos adiposo e do sistema ner- justaposição d as células endoteliais, impedindo a for-
voso central, sen do neste último por causa do alto mação de poros. Apenas substâncias lipossolúveis con-
conteúdo de lipídios, membranas citoplasm áticas e seguem se d ifundir pela m embran a e atingir o tecid o
retículo endoplasm ático d as células. encefálico. No entanto, a presença de transportad ores
ativos, com o a PGP (Figura 2.2C), acaba lim itando o
~

Tecidos de estoque de toxica ntes acesso de muitos toxicantes. E o mecanismo responsável


também pela tolerância ao tratamento de diversas doen -
Con forme discutido anteriorm ente, uma quantida- ças do SNC, como a epilepsia. Muitos medicam entos
de significativa d o agente tóxico absorvido por um or- antiepilépticos são substratos da PGP e a sua superex-
ganismo tende a ligar-se de form a reversível às proteínas pressão n as células en doteliais im pede o acesso d essas
plasmáticas, somente a fração livre do agente tóxico tem substâncias no tecido encefálico, prejudicando a terapia.
a capacid ade de d eixar o plasma para alcançar seu sítio O polim orfism o genético é responsável ainda pelo au-
de ação tóxica. Dessa for ma, p ode-se considerar essa mento da sensibilid ade de alguns animais a d etermina-
ligação com o um reservatório ou tecid o de estoque de d os m edicamen tos, como cães d a raça Collie, que são
um toxicante com alta afinidade às proteínas plasmáticas, sensíveis ao antiparasitário ivermectina. Uma deleção
já que d iminui a quantidade da sua forma livre, respon- na sequ ên cia genética, den ominada mutação MDR-
sável pelo efeito tóxico (Figura 2.5). Um a alteração nos l- nt230 (del4), leva a uma fun cionalidade menor da
n íveis dessas proteínas plasmáticas, com o na hipoalbu- PGP e, portanto, maior acesso da ivermectina no SNC,
minemia secundária à d oença hepática, pod e aumentar mesmo em doses muito reduzid as, causando reações
a fração livre do toxicante que apresenta alta afinidade adversas graves.
, - .
a essas prote1n as em questao e, assim, aumentar a sua Em relação à placenta, deve-se lembrar de que h á
toxicidade. Ainda, a exposição concomitante a dois agen- características distintas d e placen ta entre as diferentes
tes tóxicos com alta porcen tagem d e ligação a proteínas espécies animais, as quais são classificadas conforme a
plasm áticas pode ocasionar aum ento d a atividade ou d a intensidade da penetração dos vilos coriôn icos e d a d is-
toxicidade de um d eles. Isso ocorre porque esses dois solução da mucosa uterina da m ãe. Na placenta den o-
agentes competem com os mesmos sítios d e ligação des- minada epiteliocorial, presente nos ruminantes, suínos
sas proteínas, havendo, portanto, o deslocamento de um e equinos, existem camadas tissulares suficientemente
Capítulo 2 • Toxicocinética 19

espessas para imped ir a passagem d e an ticorpos m ater- metabólitos que são habitualmente mais polares e menos
nos para o feto. Na placenta en doteliocorial, encontra- lipossolúveis d o que a molécula original. É importante
d a em carn ívoros, a p en etração d os v ilos n a mucosa ressaltar que a biotransform ação e a excreção constituem
uterina ocorre juntamente com uma dissolução ampla os p rin cipais m ecan ismos de elimin ação de agen tes
do tecid o. Os primatas e roedores apresen tam a placen- tóxicos do organism o.
ta denom inad a h emocorial, e nesse tipo de placenta há A biotransformação não apenas favorece a excreção
m aior d estruição tissular d a mucosa uterina quan do d a d e u m agente tóxico, como também , frequentem ente,
penetração d os vilos coriônicos, fazend o com que haja resulta na inativação d este. Con tud o, muitos metabóli-
a abertura d e vasos d a m ucosa uterina d e tal m aneira tos aind a apresentam ativid ad e, podendo provocar efei-
que o epitélio coriôn ico mergulha em lagunas de sangue. tos sim ilares ou d iferen tes das m oléculas or iginais, e
Quanto à passagem de agen tes tóxicos, a den om i- pod em tam bém ser responsáveis por importantes efei-
n ad a barreira placen tária se com porta da m esm a m a- tos tóxicos que se seguem à sua exposição. Por exemplo,
neira que a barreira hem atoen cefálica, ou seja, substân - o paracetamol (antitérmico), após sua biotransformação
cias químicas d e baixo peso m olecular e lipossolúveis por en zim as hepáticas, dá origem a um m etabólito al-
atravessam as camad as que separam a mãe d o feto por tamente reativo, que é responsável pelos danos hepáticos
simples difusão, podend o também alcançar o concepto observad os em gatos.
por d ifusão facilitada, transporte ativo ou até pinocito- Os animais terrestres desenvolveram m ecanism os
se. O sincitiotrofoblasto, form ado pela fusão d e células enzim áticos, localizad os no fígado, responsáveis pela
citotrofoblásticas, é a maior barreira difusora e apresen- biotran sformação de compostos lipossolúveis. Essas
ta, ao contrário do termo barreira placentária, um a m aior en zimas m etabolizadoras localizam -se: a) no retículo
permeabilid ade aos toxicantes. Portanto, pode-se supor endoplasm ático liso (d enominad o também d e fração
que, independentemente da espécie animal, muitos agen- microssôm ica) e são responsáveis pelas reações de fase
tes tóxicos pod em passar do san gue materno p ara a I e pela glicuronidação (principal reação de fase II); e
circulação fetal através da placen ta. b) no citosol das células, responsáveis pelas reações de
Por outro lad o, há m ecanismos que podem impedir fase II.
o acesso do agente tóxico ao feto, como diversos trans- Toda substân cia química absorvida pelo trato gas-
portador es d e efluxo (por exem plo, PGP, BCRP) que trointestinal obrigatoriamente vai até o fígado at ravés
estão presentes na bord a apical do sincitiotrofoblasto, d a veia porta, onde é biot ransform ada, para posterior-
protegendo o feto de efeitos tóxicos a diversas substân - mente alcançar o restante do organismo. Esse processo,
cias. Ainda, a placenta possui m uitas enzimas relacio- combinado com a biotranform ação que ocorre na m u-
n ad as à biotransform ação, inativando muitos agentes cosa in testin al, é conhecido com o efeito de primeira
tóxicos E3 preven indo que atinjam o tecid o fetal. D e passagem ou eliminação pré-sistêmica (Figura 2.6). No
maneira geral, substâncias de ação central administradas en tanto, o fígad o não é o ú n ico local onde acontece a
du rante a prenhez facilm en te alcançam o feto. biotransform ação de medicamentos e agentes tóxicos.
Muitos outros órgãos e tecid os possuem en zimas que
~ normalmente biot ransform am substratos endógenos,
BIOTRANSFORMAÇAO
pod end o também biotransform ar substratos exógenos
A biotransformação consiste na transformação quí- com suficiente semelhan ça molecular com seus subs-
mica de substâncias, sejam elas medicamentos ou agen- t ratos endógenos naturais.
tes tóxicos, dentro do organismo vivo, visando favorecer Nos processos de biot ransformação de agentes tó-
sua eliminação. Esse processo permite a form ação d e xicos têm -se d ois tipos de reações: fase I e fase II.

XE administrado Biotransformação Circulação


Absorção Fígado
por via oral pela mucosa intestinal sistêmica

Efeito de p rimeira passagem "ou"


eliminação p ré-sistêmica

FIGURA 2.6. Efeito d e primeira passagem ou eliminação pré-sistémica. Um xenob iótico (XE) administrado por v ia oral é
passível de biotransformação na mucosa intestinal e no fígado antes de atingir a circulação sistémica.
20 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Reações de fa se 1 substrato, baseada n as características estr utu rais d as


substân cias a serem biotransformadas. Entretan to, é
As reações de fase I em geral convertem os agentes frequente que u m a d eterminada isoen zima possa agir
tóxicos o rigin ais em m etab ólitos m ais polares por em substratos diferentes, porém que apresen tem entre
oxid ação, redução ou hidrólise. H á inserção de grupa- si características químicas sim ilares.
m entos qu ím icos, com o sulfid r ilas (-SH), h id roxilas A expressão do CYP450 pode ser afetada pelo po-
(-O H ), am inas (-NH2), éteres (-0-) e ácidos carboxí- limorfismo genético e p or agen tes in du to res. O poli-
licos (-COOH ), que cont ribuem para esse aumento de morfism o genético d eterm ina d iferen tes níveis de ex-
polaridad e. Os m etabólitos resultantes podem ser m ais pressão d e cada isofor m a d a CYP450 en tre diferentes
ativos do que as m oléculas origin ais, m enos ativos ou indivíd uos, m odificando a resposta terapêu tica a u m
inativos, portanto, vale aqui ressaltar que essas reações medicamento ou u m efeito tóxico desen cadeado por
n ão d evem ser den om in adas "detoxificação", haja v is- u ma toxican te. Indivíduos que biot ransform am subs-
ta que em muitos casos os m etab ólicos pod em ser tân cias m ais lentam ente em decorrên cia d e uma muta-
, .
tox1cos. ção genética são classificados como metabolizares lentos
Essas reações acontecem, n orm almen te, n o sistem a ou pobres quando comparados aos indivíduos "norm ais':
microssomal hepático n o interior do retículo en doplas- Isso pode causar um aumento sign ificativo d as concen-
mático liso. A reação mais comum é a oxidação, d a qual trações plasm áticas d e u m toxican te, aumen tan do a
faz parte a hidroxilação, catalisada pelo citocromo P-450 incid ên cia de efeitos tóxicos. De m aneira sem elhante,
( CYP450), exigindo n icotinamida-ad enina-dinucleotí- existem ind ivíduos que são classificados como metabo-
deo-fosfato (NADPH), nicotinamida-adenina-dinucleo- lizadores rápidos, diminuind o a con cen tração plasm á-
tídeo (NADH) e oxigênio m olecular. Também são n e- tica d e uma determ inada substância, levando à subte-
cessárias, p ar a o funcion am ento d esse sistem a, as rapia n o caso de um tratamento com um m edicamen to,
en zimas NADPH citocromo P-450 redutase e a citocro- ou a um efeito nocivo se os metabólitos originados forem
m o P 5 redutase, en zimas estas ligad as à transferên cia mais tóxicos que o composto de origem.
de elétrons para a CYP450. Essa via oxidativa, análoga Agentes indutores são substâncias provenien tes do
à cad eia d e transporte de elétrons que ocorre n a m ito - ambiente e/ ou da dieta, ou aind a d a utilização de alguns
côndria, tem como prin cipal componente uma proteína med icamentos (por exemplo, fenobarbital) por período
hem e (citocromo 450) que catalisa a oxid ação. Essa en - prolon gado, os quais interagem com receptores nuclea-
zima também é d en om inad a d e "oxigenase de função res (por exemplo, receptores de aril hidrocarbonetos -
m ista'' ou aind a "mono -oxigenase': Nesse sistema, a oxi- AhR; receptor constitutiv o d e andr ostan o - CAR) e
dase fin al é design ada citocrom o P-450 porque pod e aumentam a transcrição gênica, incluindo genes ligados
ligar-se ao m on óxido de carbono (CO), fornecendo um à expressão de CYP. Esse processo aum enta a quan tida-
produto com espectro de absorção com um m áxim o de d e d e um a determinad a isoforma da CYP, aumentando
in tensid ade de 450 nm. a biotransform ação de d eterminado agente tóxico, re-
Técn icas que empregam biologia m olecular foram duzindo sua concentração no organ ismo. O uso contínuo
capazes de isolar um grande n ú m ero d e cDNA classifi- d e fen obarbital pod e induzir sua própria biot ransfor-
cados em fam ílias, subfamílias e enzim as in dividuais de mação por aumentar a expressão de CYP3A4, fenôme-
acordo com a sequência de seus am inoácid os. As isoen - no conhecido com tolerância farm acocinética ou m e-
zimas d o CYP450 são identificad as p elas letras CYP tab ólica. D o p onto de vista toxicológico, a in ibição
seguid as de um numeral arábico que design a a família, enzimática tem uma im portância maior, pois pode levar
u m a letra m aiúscula que indica a subfam ília e em se- a u m aum en to rápido e grand e d a concen t ração plas-
guid a um n umeral arábico que id en tifica u m a en zim a mática d e um toxicante, causando efeito toxicológico
individual. Exemplificando tem-se a isoenzima CYP2D6 ou exacerband o o efeito farm acológico. A inibição pode
que oxida opioides em seus respectivos metabólitos, isto envolver diversos m ecan ism os, impossibilitan do a bio-
é, a isoen zima 6 da familia 2 e subfamília D. transformação de um substrato: 1) ligação reversível ou
Utilizando essas técnicas já foram identificadas mais irreversível de uma substância no sítio ativo d a en zima;
de 70 fam ílias de genes que codificam o sistem a CYP450 2) inibição competitiva pelo mesmo sítio en zimático;
em organismos vivos, sen d o que 14 destas são encon - 3) modulação alostérica e mud ança conformacional da
trad os em m amífe ros. Somente as fam ílias u m a três en zim a, alterando sua ação catalítica; 4) d estruição en -
estão envolvidas n a biotransformação de xen obióticos. zim ática; 5) d iminuição de cofatores; 6) redução d a
Essas isoenzimas ou isoform a exibem especificidade ao síntese enzimática por processos inflam atórios, os quais
Ca pítulo 2 • Toxicocinética 21

envolvem a ativação de N F- KB que leva à supressão de catalisad a pela urid ina dinu cleotídeo fosfato transferase
receptores nucleares (AhR, CAR). (UGT ), além da conjugação com sulfato pela sulfotrans-
ferase (SULT). A conjugação com glutationa é o principal
Reações de fase li mecanismo toxicocinético resp onsável pela remoção do
metabólito tóxico originado pela oxidação do paracetamol
As reações de fase II, denomin adas tamb ém reações p ela CYP, a N-acetil-p-benzoquinon a imin a (NAPQI). A
sintéticas ou d e conju gação, envolvem o acoplamen to saturação dessas vias de biotransformação leva à forma-
entre os agentes tóxicos ou seus metabólitos a substratos ção excessiva de NAPQI, que interage com resídu os de
en dógenos, com o ácido glicurônico, radicais sulfatos, sulfidrila d as proteínas do tecido hepático, prin cipal me-
acetatos ou ainda amin oácidos. Essas reações necessitam canismo de toxicidad e do paracetamol (Figura 2.7). Os
de duas enzimas: 1) as sintases, respon sáveis pela síntese felinos, por exemplo, não apresentam reações d e conju -
dos grupamentos polares que são inseridos no toxicante; gação com ácid o glicurôn ico, p odendo a administração
e 2) transferases, enzimas qu e catalisam a transferên cia de p aracetamol ser fatal nesses anim ais. Pelo mesmo
desses grup amentos à substân cia que será biotransfor- motivo (deficiên cia na conjugação com o ácido glicu rô-
m ad a. É im portante m en cion ar qu e as reações d e fase II n ico), os fenóis tamb ém p odem causar toxicidade em
podem ou n ão ser precedidas pelas reações d e fase I. felinos, mesm o em doses m u ito pequenas.
Os p rodutos d as oxid ações originados d a fase I po- Conform e m encionado anteriormente, outro t ip o
dem, na fase II, passar por modificações estruturais mais d e conju gação possível é com a glutationa, qu e exerce
profu n d as que, em geral, inat ivam os agen tes tóxicos p ap el importante na proteção dos h epatócitos e de ou-
quan do estes aind a apresentam atividade, levando fre- tras células contra lesões tóxicas. O produto dessa con-
qu entem ente a um aumento na su a hidrossolubilidade. jugação são normalmente os ácidos mercaptúricos.
A maioria dessas reações é catalisada por enzimas cito- Outras reações de conjugação ocorrem exclusiva-
sólicas, com exceção da conjugação com ácido glicurô- mente no citoplasma, a saber :
nico que ocorre n o retículo en doplasm ático.
Uma das mais importantes reações de fase II é a con- • Conjugação com sulfato: fornece vários derivados
jugação com ácido glicurôn ico. O ácido u ridino-difosfo- sulfatados originários de com postos orgânicos hi-
glicu rônico (UD PGA) é capaz de combinar-se com m o- droxílicos alifáticos e aromáticos, tais como o fenol,
léculas receptoras que podem ser bases ou ácidos fracos, o cloranfenicol e hormôn ios sexu ais. Esse t ip o de
fenóis ou álcoois, formando os glicuronídeos. Essa reação conjugação ocorre em vários estágios e envolve vá-
• •
é a principal via de biotransformação do paracetamol, rias en zimas.

o
HN~
o
HN ~
Paracetamol
o o
0,
so3- ' PAPS
'
!SULTs
HN ~
P450s
N~
I
/
S-glutationa

UDP-G
> 2E1/1A2/3A4 <
GSH OH

o
UGTs Proteína
o /
HN~
O"
o "' HN~

NAPQI
S-cisteína
O"

FIGURA 2.7. Esquema de biotransformação do paracetamol.


GSH = glutationa; NAPQI = N-acetil-p-benzoquinona imina; PAPS = fosfoadenosina-fosfossulfato; SU LTs = su lfotransferases; UGTs = urid i-
na dinucleotídeo fosfato transferases; UDP-G = ácido uridino-difosfog licurônico.
22 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

• Acetilação: catalisada pelas N-acetil-transfer ases ser rem ovido d o organ ism o. Entretanto, d o pon to de
(NATs) e utilizando a acetil-coenzima A (acetil- vista toxicocinético, o toxicante original foi eliminado
-CoA) como cofator, essas reações em geral masca- desde o m om ento que sofreu a primeira biotransforma -
. . , . . , .
ram grupos 1on 1zave1s, como am1nas aromat1cas ção. Assim, é de grande valia nas análises cinéticas d e
(R-NH2) e hidrazinas (R-NH-NH2), diminuindo a um agente tóxico original que a m etodologia emprega-
hidrossolubilidade de um toxicante. Assim como o da separe o composto em estudo d e seus m etabólitos.
CYP450, as NATs estão entre as enzimas m ais po- Quando a toxicidade se deve ao m etabólito, a exposição
limórficas, gerando fenótipos como os acetiladores pode ser avaliada pela medida de um produto formado
lentos e rápidos, pod en do alterar a resposta tera- e en contrado no plasma, n os tecid os ou n a u rina, ou
pêutica do sulfam etoxazol. seja, de um biomarcad or.
• Conjugação com am in oácidos: os principais cofa- A excreção pode ocorrer via líquidos corpóreos ou
tores são a glicina e a glutamina. excretas, como as fezes e a urina, ou mesmo ar expirado;
a proporção de excreção entre essas vias de elim inação
Muitos fatores podem afetar as vias de biotransfor- depende das propriedad es físico -químicas do compos-
mação de agen tes tóxicos, sendo que os fato res mais to a ser excretado.
importan tes são divididos em fatores internos (fisioló- A velocidade de eliminação é limitada por d ois pro-
gicos e patológicos) e externos. Dentre os fatores inter- cessos biológicos, que são:
n os tem-se a espécie anim al, fatores genéticos, sexo,
idade, gravidez e doenças. Den tre os externos tem-se a • A capacidade dos órgãos de eliminar o toxicante da
dieta e o meio ambiente. circulação e removê-lo do organismo pela biotrans-
O conhecimento d as vias preferenciais de biotrans- formação ou excreção.
form ação de um d eterm inado agen te tóxico po de d e- • A extensão com que o agente tóxico permanece na
terminar o sucesso d e um tratam ento d a intoxicação. circulação, estan do dispon ível para elim inação. Se
As diferenças quantitativas interespécies na fase I e um composto quím ico adentra nos tecidos em maior
diferenças qualitativas no metabolismo da fase II são p roporção e somente uma pequena fração da quan -
con hecidas há muito. Assim, como exemplificado ante- tidad e total do toxicante perm anece no sangue e,
riormente, a pequena capacidade de felinos para realizar portanto, disponível para ser elim inado, então, ave-
algu mas glicuron idações, bem com o a deficiên cia de locidade em qu e essa substân cia é tran sferida de
cães para reações de acetilação e o baixo nível d e con- volta d os tecidos para a circulação pode se torn ar a
jugação d e sulfato em porcos, por exemplo, vão acarre- principal variável determinan te d a velo cidade de
tar em diferentes respostas dessas espécies animais aos elim inação.
, .
agen tes tox1cos.
De m odo geral (porém com as devidas exceções), as Excreção renal
substâncias têm menor depuração em carnívoros ( dieta
mais monótona) do que em herbívoros (dieta mais va- A excreção renal constitu i o p rincipal p rocesso d e
riada), com os onívoros ten do p osição interm ediária. excreção de agentes tóxicos, sobretudo os polares ou pou-
Também é considerado que os herbívoros possuem efi- co lipossolúveis em pH fisiológico. Porém , cabe ressaltar
cientes sistemas enzimáticos oxidativos, como os do sis- que fora esses fatores intrínsecos ao agente tóxico, outros
tem a citocromo P450, p roporcionand o uma depur ação fatores podem interferir na sua excreção, como, por exem -
rápida da substância para a sua consequente eliminação. plo, alta ligação com p roteínas plasmáticas (acima de
80% ), que impossibilita ao agente tóxico ligado atravessar
EXCREÇÃO os poros das m embranas do glomérulo.
Alguns agentes tóxicos com capacid ade de penetrar
As substâncias químicas são eliminad as do organis- n o líquido tubular, via filtração glomerular e excreção
mo em sua form a inalterada e/ou na forma de m etabó - tubular proximal, podem apresentar também baixa taxa
litos. Há dois mecanism os principais d e eliminação de de excreção. Esse fato pode ser explicado pela reabsorção
um agente tóxico do organism o: a biotransformação e que eles sofrem na porção distal do néfron. O pH urinário
-
a excreçao. tem características ácid as, oscilando normalmente entre
A biotransform ação elimina a substância química 5 e 7. Substâncias químicas com caraterísticas de ácidos
do organismo, convertendo-a em um metabólito. Este, orgânicos fracos com pKa por volta de 3, como é o caso
por sua vez, pod e ser biotransformad o novamente e/ ou dos salicilatos, quando em pH ácido, como os encontrados
Capítulo 2 • Toxicocinética 23

n a urina de cães e gatos, estão em m aior p roporção n a desses agentes tóxicos com glicuronídeos, sendo que, nes-
forma molecular (d estituíd os de carga) e, portanto, são se último caso, esses compostos podem sofrer hidrólise
facilm ente reabsorvidos em grande quantidade por difu- causada pela betaglicuronidase, sin tetizada pela m icro-
são pelas membranas celulares de volta para o interior do biota intestinal, e tornarem a ser reabsorvid os pelo orga-
organism o. Esse fato fornece dados para tratamentos das nism o. Esse processo, quand o ocorre de form a significa-
intoxicações de animais que sofreram ingestão excessiva tiva, é responsável muitas vezes pelo retardo na excreção
de determ inados medicamentos, pois é por meio da alca- total de determinados agentes tóxicos, que são encontra-
linização da u rin a que ocor re aumen to d a excreção d e dos na urina vários dias após a exposição à última dose.
ácidos orgânicos fracos, com o, por exemplo, o uso d e bi-
carbonato para a eliminação do ácido acetil salicílico (para Excreção pelo leite
detalhes, veja Capítulo 12). Para substâncias com caráter
básico, a acidificação da urina favorece a sua excreção, pois O epitélio secretor da glândula m amária tem carac-
estas estão em sua for m a ion izada e, portan to, n ão são terísticas de uma membrana lipídica e separa o sangue do
reabsorvidas nos túbulos renais. leite. O leite tem pH levemente inferior ao do sangue (apro-
Além d a filtração glomerular e d a reabsorção tubu- ximadamente pH 7,4), variando entre 6,4 e 6,8 em animais
lar, há de ressaltar a secreção tubular ativa. O transpor- sadios. Esse fato resulta em facilitação da excreção d e
te de certas substâncias químicas e seus metabólitos por substâncias químicas de caráter básico pelo leite, pois
carreadores ocorre n o t úb ulo proxim al d o rim com essas substâncias se ionizam, impedindo que transponham
gasto de energia. Esses sistemas podem apresentar, mui- membranas e retornem para a circulação sanguínea.
tas vezes, certa inespecificid ad e, podendo ser responsá- Após a exposição da mãe a um agen te tóxico, n a
veis tanto pela excreção d e substâncias de caráter ácido maioria das vezes, a concentração deste é similar n o
com o as d e caráter básico; no entan to, esses m esmos plasm a e no leite matern o, isso porque o epitélio da
sistemas apresentam saturabilidade. Apenas 10% da dose glândula mam ária, funcion and o à semelhança de uma
administrada de penicilina, por exemplo, passa do san- membrana lipídica, perm ite a passagem, por difusão, de
gue para o filtrad o glom erular, sendo que aproximada- substâncias apolares, o que acarreta muitas vezes em
m ente 90% são excretad as por secreção tub ular ativa, intoxicação dos filhotes lactentes.
por meio d e transportad ores, com o a PGP e a MRP2.
Alguns compostos endógenos, como o ácido úrico, tam- Resíduos
bém são passíveis d esse mecanismo d e excreção e, por
competição, se acumulam no organismo, podendo pre- Uma p reocupação adicional com os animais pro-
cipitar uma crise de gota, quadro esse que pode ocorrer dutores de alim en tos é o potencial efeito adverso que
p rincipalm ente em cães d a raça Dálmata. pode causar no consumidor h umano, se os tecidos co-
mestíveis colh idos de animais expostos con tiverem re-
Excreção biliar síduos prejudiciais de agentes tóxicos. Assim, para todos
esses produtos de origem animal, é necessário o estabe-
Alguns agen tes tóxicos e seus respectivos metabó- lecimento dos denominados limites máximos de resíduos
litos são eliminados pela via hepática por interm édio (LMR) e que se refere aos limites legais de concentrações
da bile. Os fatores que d eterminam essa form a d e excre- perm itid as para evitar danos aos consumidores h uma-
ção in cluem o tam anho e a polaridad e d a m olécula a nos d e com postos tóxicos presen tes n os alim entos. O
ser eliminad a. As m oléculas com peso molecular eleva- período de tempo após a exposição necessária para que
d o, isto é, acima de 300, têm grande probabilidad e de as concentrações em tecidos animais se esgotem a níveis
serem excretad as pela bile. A excreção biliar tem impor- abaixo dessas tolerâncias é referido como o períod o de
tância também na eliminação de substâncias orgânicas carência ou período de retirada. A duração desse perío-
polares que não são reabsorvidas pelo intestino, com o, do está intimamente relacionada às taxas de eliminação
por exemplo, cátions e ânions orgânicos. d os compostos e, portanto, à sua meia-vida, no tecid o
Além disso, deve ser salientado em relação ao ciclo específico d e interesse.
entero-hepático, anteriorm ente já m encionado, que este Assim , por exemplo, no caso da excreção pelo leite,
pode contribuir com o aum ento d a meia-vida de alguns anteriorm ente com entado, h á a possibilidade de que as
agentes tóxicos. Algum as substâncias elim inadas na bile, m icotoxinas, os metais tóxicos, as substâncias lipossolú-
ao alcançarem o intestino, podem ser reabsorvidas. Esse veis, como inseticidas organoclorados, e alguns medica-
fato depende da lipossolubilidade, ou ainda da conjugação mentos, como antimicrobianos, entre outras substâncias,
24 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

possam passar para o leite da vaca e, assim, constitu írem Muitos processos envolvidos em toxicocinética po-
contaminantes desse alimento, podend o, potencialmen - dem ser descritos como reações de primeira ordem com
te, promover toxicidad e indireta no ser human o (veja relação ao substrato (Figura 2.3). Isto é, a velocidad e das
Capítulo 40). reações é proporcional à quantidad e de substrato pre-
sente. Assim, a eliminação é de primeira ordem quand o
ESTUDOS TOXICOCINÉTICOS a velocid ade d a eliminação d o agente tóxico é propor-
cional à qu antidade de substrato presente.
Os estudos toxicocinéticos em pregam várias equ a- No entanto, nas reações de cinética de ordem zero,
ções matemáticas, sendo qu e algumas delas são apre- a eliminação é constan te e independe da concentração
sentadas sucintamen te no Quad ro 2.1. Algu mas delas do agente no organismo (Equ ação 2 - Quadro 2.1). Esse
são com entadas a seguir. processo envolve a interação de um toxicante com uma

QUADRO 2.1. Principais equações util izadas no estudo toxicocinético


Descrição Equações
Reação de primeira ordem Equação 1. dC/dt = kC
dC: velocidade de mudança na concentração
dt: variação do tempo
k: constante
C: concentração

Reação de ordem zero Equação 2. dC/dt = k

Comportamento das reações de primeira ordem Equação 3. C1 = C0 . e -kt

Ou
Equação 4. lnC1 = lnC0 - kt
C1: concentração do agente tóxico no sangue, em um
determinado tempo (t)
C0 : concentração inicial do agente tóxico no sangue no tempo
zero
e: número de Euler ou número neperiano
k: constante

Cálculo da meia-vida (t 112) Equação 5 1112 = 0,693/k


k: s/ope da cu rva
Parâmetros toxicocinéticos independentes de modelagem

Absorção Equação 6. DA = F D0 (1 - e•ka(1-10 l)


DA: quantidade absorvida do agente tóxico
D0 : dose adm inistrada
e: número de Euler ou número neperiano
F: biodispon ibilidade
ka : constante da absorção
t0 : tempo entre o momento da adm inistração do agente tóxico
e o momento em que se inicia o processo de absorção

Biodisponibilidade (F) Equação 7. F = ASC oral x dose lv / ASC lv x dose vo


ASC: área sob a curva
Clearance (CI - constante) Equação 8. CI (mi min•1) = velocidade de eliminação (mcg min•1)
/ concentração plasmática (mcg mL·1)

Parâmetros toxicocinéticos dependentes de modelagem

Via intravenosa Equação 9. C=C0 . e -Kel.t


Após a administração de dose única de um toxicante, em bolus, a C: concentração do agente tóxico no sangue em um
velocidade na qua l o toxicante desaparece do compartimento determinado tempo (t)
central pode ser descrita como um processo de primeira ordem: C0 : concentração inicial do agente tóxico no sangue no tempo
zero, ou seja, a dose administrada
e: número de Euler ou número neperiano
kel: constante de elim inação
A Equação 9 pode ser escrita como:

Equação 10. log C = log C0 - kel . t


(continua)
Capítulo 2 • Toxicocinética 25

QUADRO 2.1. Princi p ais e quações utiliza das n o estud o toxicocinético (continuação)
Descrição Equações
A constante kel é um parâmet ro composto que envolve várias vias Equação 11. t/2 13 = 0,693/ke l
de eliminação (excreção na urina, fezes, b iot ransformação e
sequestro do A T pelos tecidos). Teoricamente, a eliminação nunca é
completa , portanto é mais convenient e medir a me ia-vida de
eliminação (t/2 = + )que pode ser ca lcu lada:

Volume de distribuição (VD) Equação 12. Vd = dose adm inistrada/C0

C/earance (CI) pode ser ca lculado de duas formas: a. utilizando a constante kel e o VD tem-se:

Equação 13. CI = kel-Vd

Ou

b. utilizando o pa râmetro área sob a curva (ASC}, pode se r


ca lcu lada reso lvendo a equação d iferencial:

C0 = CI J 0 C dt = CI-ASC
00
Equação 14.

Ou:

Portanto, da expressão ao lado, quanto ma ior o clearance menor é a Equação 15. CI = C0 /ASC
área sob a curva (ASC).
A ASC é ma is bem estimada no g ráfico linear, e pode ser calculada
pelo método dos trapezoides linea res:
A ASC é expressa em mg h·1

Via oral Equação 16. CI = F C0 .ka.(e•kel(t-toJ - e•ka(1•10>) / VD (ka - kel)


F: biodispon ibilidade
C0 : dose adm inistrada
e: número de Euler ou número neperiano
ka: constante de absorção
kel: constante de eliminação
VD: volume aparent e de dist ribu ição
Na parte termina l da curva, ou seja, quando o t é muito grande,
o termo e•ka(t-ioi torna-se praticamente zero. Então obtém-se:

Equação 17. CI = F.C0 .ka.e•kel(t-toJ / VD (ka-kel)

Ou:

Equação 18. log CI = (log F CofVD) . [ka / (ka - kel}] - (kel.t / 2,3)

A constante ka é ca lcu lada pelo método dos resíduos. Nesse Equação 19. log CI = (log F C0 /V D) . [ka / (ka - kel)] - (ka.t / 2,3)
método, as concentrações encont radas aplicando-se a Equação 16
são subtraídas da Equação 17. A concentração residual ca lcu lada é
então plotada loga rítmicamente versus o tempo.
A reta com slope de - ka/2,3 é dada por:

Modelo com dois compartimentos Equação 20. dCp/ dt = (k12 + kel} Cp - k21 Ct
Cp: é a concent ração do agente tóxico no plasma.
Ct: é a concentração nos tecidos em um tempo t.
A solução desta equação d iferencial fornece a expressão
b iexponencial:

Equação 21 e = Ae -a 1 + Be -~1
Em que os coeficientes A e B são a interceptação dos eixos,
com dimensões de concentração (mcg/ml ), e a e 13 são as
constantes de distribuição e eliminação, respectivamente, que
são expressas em unidades recíprocas de tempo (min-1) e
rep resentam a base do loga ritmo natural.

A soma de A e B fornece a concentração da substância no plasma Equação 22 Vc = Dose(IV) / CºP


imediatamente após a injeção intravenosa (Cºp) e o volume apa rente
do compartimento central (Vc) é estimado pela segu inte expressão:
(continua)
26 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

QUADRO 2.1. Principais equações utilizadas no estudo toxicocinético (continuação)


Descrição Equações

Da mesma forma que no modelo de um compartimento, a meia-v ida Equação 23 t1/2j3 = 0,693/13
de e liminação pode ser calculada por:

O c/earance plasmát ico é um important e parâmetro pa ra medir a Equação 2 4


capacidade de um animal em excreta r e e liminar agentes tóxicos. A
equação para se ca lcu lar o clearance é dada pela expressão:

No modelo de dois compartim entos, o agente tóxico em est udo Equações 25 k 21 = (Al3 + Bcx.) / (A + B)
passa por três processos de desaparecimento: e liminação (kel),
transfe rênc ia do compartimento centra l para o perifé rico (k12) e Equação 26 kel = 13 x ex. / k21
v ice-versa (k 21). As constantes experimentais A, B, ex. e 13 são
utilizadas para ca lcu lar as constantes de velocidade associadas com Equação 27
modelo de dois compartimentos (k12, k 21,kel). A determinação dessas
m icroconstantes permite uma avaliação da contribuição relativa dos
processos de dist ribuição e e liminaçã o , que podem esta r alterados
em estados patológicos, no perfil da concentração versus o tempo
de um agente tóxico .

proteína celular, tais com o enzimas catalisadoras do necessário para que qualquer con centração na curva
m etabolismo ou do transporte ativo, que podem estar decaia por um fator de 2 é uma constante e independe
saturadas em razão da presença de alta concentração do da concentração (Equação 5 - Quadro 2. 1).
, .
agente tox1co. Portanto, a meia-vida (t 112 ) corresponde ao tempo
Consequentemente, colocando-se no gráfico a con- necessário para que uma determinada quantidade ou
centração na base natural logarítmica (lnCt) versus o con centração do toxicante em estudo se reduza à m e-
tempo (t), obtém-se uma reta, com um intercepto em tade no organismo.
ln C 0 e um slope (ou inclinação da reta) de - k. Se fo r
utilizado o log 10, então o intercepto será log 10 C 0 e o slo- Depuração plasmática ou clearance
pe será -k/2,0303 (Figura 2.8).
Depuração ou clearance é o processo pelo qual o
Meia-vida toxicante é removido permanentem ente da circulação,
isto é, por biotransformação e/ ou excreção. Ele é defi-
Na cinética de primeira ordem, a constante de ve- nido como o volume de plasma que é depurado do agen-
locidade k tem unidade de tempo -1, que é difícil de ser te tóxico por unidade de tempo. Pode ser expresso em
visualizada (Equação 4 - Quadro 2.1). Uma importan- termos de volume/tempo (mL/min; L/h) ou de volume/
te propriedade da função expon encial é que o tempo tempo / p eso corporal (mL/min/kg) . A d epuração

A B
100 70
IO IO
u u 60
·-
+-'
'IO
Co ·-'IO
+ -'

E E 50
V)

-IO ...J
-
' V)

-IO ...J
- Co
o. ::::: o. :::::: 40
o o 10 o o
l lt) E l lt) E
V> u V> u 30
~ E ~ E
e:
+-' -
e:
+-' -
Q/ Q/ 20
u u
e: e:
o o 10
u u
1 o
o 5 10 15 20 25 30 o 5 10 15 20 25 30
Te m po (h) Te m po (h)

FIGURA 2.8. Representação g ráfica da curva concent ração versus tempo em escala linear (A) e logarít mica (8), após a
administração intravenosa de um agente tóxico em estudo, assum indo o modelo monocomportamental.
Capítulo 2 • Toxicocinética 27

8. FROMM, M.F. Importance of P-glycoprotein at blood-tissue


plasmática total refere-se à somatória de todos os pro-
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Capítulo 3

Toxicodinâmica

Ra ph ael Ca io Tam bore lli Ga rcia


Jorge Cam ilo Flório

~ cadeia respiratória, impedindo a produção de adenosi-


INTRODUÇAO
na trifosfato (ATP). A diminuição de ATP, por sua vez,
A toxicodinâm ica estuda os mecanismos de ação causa a inibição de processos dependentes de energia,
tóxica pelos quais uma substância química causa a lesão como os transportadores iônicos. Com isso, há alteração
em funções bioquímicas ou fisiológicas de um organ is- na homeostase de cálcio, com consequente aum ento de
mo vivo. O estudo quantitativo, isto é, a relação dose- sua concentração intracelular, o que leva à ativação de
-resposta dos efeitos tóxicos, tam bém é avaliada. enzimas depen dentes desse cátion, como calpaínas e
Os estudos toxicodinâmicos têm primordial impor- caspases, resultando em dano e morte celular. Ainda, a
tân cia para o entendimento dos efeitos deletérios cau- M PP+ parece aumentar a geração de espécies reativas
sados pelos agentes tóxicos, como tam bém fornecem de oxigênio (EROs), levan do ao estresse oxidativo, o
informações sobre a form a mais adequada de tratamen - qual ocorre por causa de um desequilíbrio entre a ca-
to das intoxicações causadas po r esses agentes. Além pacidade antioxidante do organismo e a ger ação de
disso, a correta informação acerca do mecanismo de ação compostos oxidantes (excesso de EROs) (Figura 3. 1).
de um toxicante pode facilitar o diagnóstico do animal
intoxicado. Como exemplo, tem -se a intoxicação de cães CLASSIFICAÇÃO DOS MECANISMOS DE
que utilizaram coleira impregnada com diazinona, um AÇÃO TÓXICA
ectoparasiticida da classe dos organofosforados, que pode
causar a síndrome colinérgica pelo acúm ulo de acetilco- As substâncias químicas, considerando o mecanis-
lina. Isso ocorre porque esses praguicidas se ligam irre- mo de ação tóxica, podem ser classificadas por diferen-
versivelmente às colinesterases, impedindo a degradação tes critérios, sendo o mais comum ente utilizado aquele
de acetilcolina. Um a maneira de m onitorar o paciente que classifica essas substâncias em grupos químicos
até a sua recuperação é verificar a atividade da colines- definidos, como, por exemplo, praguicidas, solventes
ter ase eritrocitária, a qual se en contra diminuída na orgânicos, metais tóxicos etc. Outro tipo de classificação
presença desses toxicantes. utiliza os efeitos bioquímicos causados pelo toxicante,
Ainda, o conhecimento do m ecanismo de ação tó- como, por exemplo, inibidores enzimáticos, agentes
xica de uma substância pode ser uma ferramenta útil metemoglobinizantes, agonistas de receptores colinér-
. , .
n o desenvolvimento de um a condição fisiopatológica g1cos muscar1n1cos etc.
que serve de modelo animal para posterior estudo far- Da mesma forma que é feito na farmacologia, os
macológico. Como exemplo, tem -se a administração de mecanismos de ação tóxica podem também ser classi-
M PT P (1,2,3,6-tetrahidro-1-m etil-4-fenilpiridina) em ficados em inespecíficos e específicos.
roedores, que causa morte de neurônios dopaminérgicos
da região nigroestriatal, mimetizando a doença de Par- Mecanismos inespecíficos de ação tóxica
kinson que acomete o ser humano. A MPTP cruza a
barreira hematoencefálica e é oxidada pela ação da mo- São classificados como m ecanismos inespecíficos
n oaminoxidase B (MAO B) à 1-metil-4-fenilpiridina de ação tóxica todos aqueles nos quais os agentes tóxicos
(MPP+), a qual é capaz de bloquear o complexo Ida são capazes de acarretar lesão em qualquer célula do
Capítulo 3 • Toxicod inâmica 29

Tecidos BHE SNC


periféricos Inibição complexo 1
J-ATP
MPTP - - - - -· • MPTP 1'[Ca2 +]
Ativação de caspases
Apoptose

FIGURA 3.1. Mecanismo de toxicidade da 1,2,3,6-tetrahidro-1-metil-4-fenilpiridina (MPTP). Ao cruzar a barreira hematoen-


cefálica (BHE), a MPTP é convertida à 1-metil-4-feni lpi ridina (M PP+) pela ação da monoaminoxidase B (MAO B). Esse pro-
duto de biotransformação é capaz de inibir enzimas do complexo I da cade ia respiratória, diminuindo a p rodução de ATP
e aumentando a concentração de cálcio intracelular (Ca 2+). Isso leva à ativação de diversas enzimas proteolíticas, como
as caspases, causando a apoptose de neurônios dopaminérgicos da substância negra.
SNC = sistema nervoso centra l.

organismo vivo, como, por exemplo, os ácidos e as bases histopatológica é a de necrose das células, 7 a 1O dias
fortes que atuam indistintamente sobre qualquer órgão após o nascimento) ou encefalopatia causada pela bilir-
ou tecido, causando irritação ou corrosão. rubina ocorre pelo aumento da fração livre desse com-
Essas lesões ocorrem quando as m embranas celu - p osto en dógen o que é cap az de atravessar a barreira
lares entram em contato com os compostos fortemente hem atoencefálica e pode levar à n ecrose n euronal, se-
corrosivos (ácidos), cáusticos (bases) ou que precipitam guida por gliose e desmielinização das áreas afetadas;
proteínas ou lesam lipídios da membran a celular, sendo esse aumento de fração livre pode ser causado por subs-
que as áreas m ais suscetíveis são a pele, os olhos, o tra- tâncias que com petem pelo sítio de ligação da bilirru-
to respirató rio sup erior e a cavidade o ral. As lesões bina n a albumina.
usualmente ocorrem de fo rma rápida sem tem p o de
latência. Exemplos desse tipo de toxicante são os ácidos, Meca nismos específicos de ação tóxica
as bases, os fenóis, os aldeídos, os álcoois, os destilados
de petróleo e alguns sais de m etais tóxicos. Neste grupo, a grande m aioria dos agentes tóxicos
Algumas substâncias químicas alteram a concen - causa lesões a determinados órgãos ou tecidos por agir
tração de íons H+ na biofase aquosa, dissipando o gra- seletivam ente em determinada estrutura orgân ica, não
diente de prótons n a m atriz mitocon drial responsável atuando em outros locais do organismo, sen do que as
pela síntese de ATP. Exemplos de substâncias com essas estruturas afetadas são m acrom oléculas, com o proteí-
propriedades incluem ácidos e produtos de biotransfor- nas com funções de en zimas, moléculas transportado-
m ação com caráter ácido, como os m etabólitos do m e- ras, canais iônicos, receptores, ácidos nucleicos, entre
tan ol e etilen oglicol. outros.
D etergentes e solventes alteram as propriedades
físico -quím icas da fase lipídica das m embran as celula- Enzimas como alvo de toxicantes
res, destruindo o gradiente transm embrana de solutos, Vários toxicantes exercem seu efeito tóxico por meio
essen cial para o funcion amento celular. da interação com enzimas, atuando p rincipalmente
Alguns agentes tóxicos causam efeitos nocivos pela com o inibidor destas. Com o exem plos, podem ser ci-
ocupação de um sítio ou espaço. É o caso, por exemplo, tados os praguicidas carbamatos e organofosforados que
do etilenoglicol e do m etotrexato, que form am comple- inibem a enzima acetilcolinesterase. Esses praguicidas
xos insolúveis que se precipitam nos túbulos ren ais. Já podem produzir dois tipos de inibição: a primeira, pro-
o dióxido de carbono é considerado um asfixiante sim - duzida pelos carbam atos, é de caráter reversível e a se-
ples porque diminui a pressão parcial de oxigênio nos gun da, produzida pelos organofosforados, é de caráter
alvéolos pulm onares, ou seja, reduz a disponibilidade irreversível (p ara detalhes, veja o Capítulo 18). Esse
de oxigênio alveolar, causando asfixia. No m esm o sen - conhecim ento é de fundamental importância, uma vez
tido, o kernicterus (impregnação amarelada dos núcleos que, além do tratam ento com atropina para ambos os
da base do recém-nascido humano, cuja característica casos de intoxicação com esses praguicidas, a ligação
30 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

irreversível com os organofosforados d eve ser rapida- O aten dimento d e urgên cia n a in toxicação por cia-
m ente revertida com o uso d e oximas, como a p ralid o - n eto inclui a administração in traven osa de nitrito de
xim a. Esse procedimento deve ser realizado rapid amen- sódio, um agente meta-hemoglobinizan te, ou seja, oxida
te para que n ão ocorra o processo de envelhecimen to o Fe2+ de parte da hemoglobina Fe3+, e tiossulfato de sódio.
enzim ático, levando a in ativação e p erda definitiva d as O cian eto n ão se liga à h em oglobina n orm al (Fe2+), m as
funções da acetilcolin esterase. É importante mencion ar se liga à meta-hemoglobina (Fe3+), a qual não é fun cional
qu e a pralid oxima não deve ser admin istrad a em casos no transporte de oxigênio, deslocando-o do complexo IV
de intoxicação por carbam atos, uma vez que o an tídoto e desbloqueando, assim, a cadeia respiratória. A produção
n ão atua n a ligação carbam ila (resultado d a ligação de de m eta-hemoglobin a deve ser da ord em d e 20 a 40%
carb amatos com o sítio esterásico da colinesterase) e o para que haja a remoção sign ificativa do cianeto do com-
p rocesso in ibitório reverte esp on tan eamente. plexo IV. No entan to, a administração d e agen tes meta-
O cianeto tam b ém exem plifica esse mecan ism o d e -hemoglobinizantes requer monitorização cuidadosa e,
ação. Essa substân cia química in ibe o sistem a de trans- n o caso d e form ação excessiva, administra-se azul d e
porte de elétron s da en zima citocrom o c oxid ase mito - metileno (discutida adiante n este capítulo). O tiossulfato
con drial, também cham ada de com plexo IV, da cadeia converte o cianeto livre em tiocianato, um a substância de
respiratória celular, acarretando em déficit d e energia baixa toxicid.ade, pela ação da enzima rodanase mitocon-
(veja tamb ém o Capítulo 23). A cadeia respiratória con - d rial. Vale ressaltar que essa reação é m uito lenta.
siste numa sequ ên cia de reações m itocon driais de oxi- A vitam ina B12a (h idroxicobalamina ou h idroxo-
dorredução qu e envolve transportad ores de elétrons, os cobalamin a) é outra altern ativa tamb ém empregada no
quais são responsáveis por tran sferir os elétrons d e um tratam en to da intoxicação p or cian eto. Ela for m a u m
substrato ( oxidad o n esse processo) até o 0 2• O último complexo atóxico, a cianocobalamina, qu e é facilmen te
t ransp ortador é o complexo IV (citocrom o c oxid ase), excretado n a u rin a. Seu efeito é aumen tad o q u an d o
uma h em eproteína, resp onsável p ela transferên cia final associado ao tiossulfato de sódio.
de elétrons ao oxigênio, m ecanism o atrelado à síntese É im p ortan te também para a m edicina veterinária
de ATP. O cian eto apresen ta gran d e afin idade a íon s é o efeito do ácid o mon oflu oracético. Quando in corpo-
férrico (Fe3+), m as n ão ferrosos (Fe2+), ligan do-se rapi- rado à en zima acetil-coen zima A (acetil-CoA), se con -
damente ao íon férrico do complexo IV, imped indo que d ensa com oxaloacetato form and o o fluorocit rato. Este
ele retorne ao estado ferroso, bloqu eand o a cadeia res- últim o inibe a enzima acon itase mitocon drial perten-
p iratória e, consequen tem ente, a síntese d e ATP. Tod as cente ao ciclo dos ácidos tricarboxílicos, interrompendo
as células são afetadas, especialmen te as células d o sis- o ciclo e d iminuin do o consumo de 0 2, levan do à mor-
tem a n ervoso central e do coração, que são m ais susce- te celular (veja também o Cap ítulo 2 1). A Figura 3.2
tíveis. Podem ocorrer arritmias cardíacas e outras alte- ilustra a conversão de fluoroacetato a fluorocitrato. Vale
r ações q u e levam a circu lação deficien te e an óxia men cion ar qu e o agen te tóxico, n esse caso, é o produto
isqu êm ica. A m orte p ode ser decorren te do dan o d e d e biotransform ação. A dose letal oral de fluoroacetato
células do tron co en cefálico, esp ecialmente d o b ulbo, varia entre as espécies: 0,06 a 0,20 mg/kg p ara cães; 0,30
responsável p elo con trole respiratório. a 0,50 mg/kg para gatos; O, 15 a 0,62 mg/kg para bovinos;

o
~ coo-

ºyº- ºY SCoA F -
H
c-coo-
HO 11 •·· ~ coo-

F
/ CH 2 L coo-
Fluoroacetato Fluorocitrat o

FIGURA 3.2. Co nversão do fluo racetato em fluorocitrato. O fluoroacetato se liga à acetil-coenzima A (SCoA), forma ndo
fluoroacetil-CoA que, por sua vez, substitui a SCoA no ciclo dos ácidos t ricarboxílicos. Este interage com a citrato-sintase,
produzindo fluorocitrato, o qual bloqueia competitivamente a aconitase e impede a formação das coenzimas NADH e
FADH2 • Dessa forma, não ocorre a t ransferência de elétrons para a cade ia respi ratória, b loquea ndo a síntese de ATP.
Capítulo 3 • Toxicod inâmica 31

0,25 a 0,50 m g/kg p ara ovin os; e 2,0 a 10,0 m g/kg p ara A exposição ao ch umb o pod e alterar aind a a ativi-
seres h uman os. dade de enzimas an tioxidantes por meio de su a alt a
Outro exem plo a ser citad o como in ibidores en zi- afinidad e aos resíduos de sulfid rilas dessas proteínas.
m áticos são os m etais tóxicos qu e se destacam por sua Estudos em r atos adultos m ostraram que o ch umb o
capacid ade em se ligar aos grup os sulfidrilas existen tes p o d e dim inuir a atividade encefálica d a su peróxido
n os sítios ativos das mais importantes en zim as celulares dismutase (SOD ) e da catalase, en zimas respon sáveis
de diferentes ciclos b io qu ímicos, o qu e leva a lesõ es pela detoxificação do ânion sup eróxid o e do peróxido
celulares imp ortantes, as qu ais são resp on sáveis pelos de hidrogên io, respectivamente. Essas alterações levam
diferentes sinais clínicos en contrados n as intoxicações a um quadro de encefalop atia caracterizado por in sônia,
por ch umbo, m ercúrio, arsênico e cádmio, entre outros déficit cognitivo, vôm ito, convulsões e coma.
(veja tamb ém o Capítulo 33). O ch umbo, por exemplo, O m etilm ercúrio (MeHg), que já foi empregado
inib e a ação d e duas enzim as relacionadas à síntese do como fungicida d e grãos e sem entes, está presen te na
grup o hem e: ácid o gam a-amin olevulínico desidratase natureza, basicam ente, em virtude da biometilação de
e ferr oquelatase (Figu ra 3.3). A in ibição da p rimeira mercúrio inorgân ico p or microrganismos aquáticos. A
enzima leva ao acúmulo de ácido gama-aminolevulíni- in toxicação h uman a e de outros animais ocor re p elo
co (ALA), principal biomarcador d e efeito relacionado consumo de peixes que o b ioacumulam. O MeHg tam -
à intoxicação por chumb o. A fe rroquelatase catalisa a bém interage com resídu os de sulfidrila e aind a leva ao
inserção d e ferro (Fe2+) n o anel de p rotoporfirina p ara estresse oxidativo. Diversas macromoléculas são alvo d a
a form ação do grupamento heme. A in ibição dessa en- neurotoxicidade induzida por esse agente tóxico. Dentre
zima resulta no acúm ulo de protoporfirina IX, a qu al se elas, h á depleção de glutationa reduzida e inativação da
torna o grup o prostético na m olécula de h emoglobina. glutationa peroxidase, prejudican do as defesas antio-
Eritrócitos circulantes com protoporfirina IX se quelam xiod antes.
ao zinco e não ao ferro. A anem ia ocorre em casos acen -
tu ados d e toxicidade ao chumbo. Proteína s transportadoras celulares como alvo d e
t o xicantes
Alguns toxicantes exercem su a ação tóxica interfe-
Succinil Coenzima A+ glicina
rindo com as proteínas transportad oras, resp onsáveis
Ácido õ-aminolevulínico sintetase pelo carream ento de várias substân cias para o interior
, d as células. A cocaín a, por exem plo, inibe a recaptação
Acido õ-aminolevulínico (ALA)
d as catecolaminas p elos terminais sinápt icos ao inibir
Inibição pelo chumbo I Ácido õ-aminolevulínico desidratase seus transportadores p ré-sin ápticos. Os glicosídeos car-
díacos, existen tes em várias plan tas tóxicas, inibem a
Porfobili nogên io
bom b a de sódio-p ot ássio ATPase do músculo cardíaco
Porfobilinogênio desaminase (para d etalhes, veja Capítulo 22).
Uroporfirinogênio Ili sintetase

Uroporfi rinogênio Ili Recepto res como alvo de toxicantes


Os receptores são constitu ídos p or m acrom oléculas
Uroporfirinogênio descarboxilase responsáveis p elo sistem a de comu n icação qu ím ica,
Coproporfirinogên io Ili coordenando a fun ção de diversas células no organ ismo.
Existem casos em qu e os efeitos tóxicos são acarretados
Coproporfirinogênio oxidase por alteração em determ inada função fisiológica decor-
Protoporfirina IX rente da estim ulação excessiva ou do bloqu eio d e recep-
t ores responsáveis pela transmissão de informações
Inibição pelo chumbo 1
A • • , -
Ferroquelatase + Fe 2
• entre os neuron1os ou entre estes e os respectivos orgaos
Heme efetores. A interação de uma m olécula com um receptor
pod e resultar em uma resposta biológica característica
FIGURA 3.3. Mecanismo de ação tóxica do c humbo. Há e, d epen den do dos mecanismos de transdu ção de sin al,
inibição de duas enzimas que participam da síntese do
pod em ser rápidas ou lentas.
g rupamento heme da molécu la de hemog lobina: ácido
gama-aminolevulínico desidratase e ferroquelatase. Essa Existem qu atro famílias de receptores, sen do que os
inibição leva ao acúmulo de ácido gama-aminolevu línico três p rimeiros estão localizados n a membrana celular ;
(ALA) e protoporfirina IX, respectivamente. são eles:
32 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

1. Ion otrópicos ou can ais iôn icos, em que a resposta nam como n eoantígenos. Esses ácidos graxos são car-
é rápida (milissegundos). Os receptores colinérgi- regados pelas células de Langerhans epidér m icas e as
cos nicotín icos e os receptores gabaérgicos são exem- apresentam às células T residentes, as quais produzem
plos dessa classe, perm itindo a entrada de sódio e citocinas, como a interleucina-22 (IL-22), que contribui
cloreto, respectivamente, quando ativados. com a resposta inflam atória.
2. Metabotrópicos ou acoplados à proteína G. A res-
posta, n este caso, é mais lenta. Exemplo desse tipo In ib içã o da produ ção d e adenosina
de ação é o alcaloide atropina que, ao bloquear re- trifosfato (A TP)
ceptores colinérgicos muscarínicos, im pede a ação A síntese de ATP pode ser também importante alvo
do neurotransm issor acetilcolina, tanto no sistem a para atuação de agentes tóxicos. Essa interferência pode
n ervoso central como no autônomo, acarretando, ocorrer por bloqueio do fornecimento de oxigênio aos
quando administrada em doses acim a da farmaco- tecidos em consequên cia da ligação inadequada entre
lógica, efeitos tóxicos que variam de leve a m uito a hemoglobina e o oxigên io, com o, por exemplo, aque-
intenso, podendo evoluir para o óbito (veja Capítu - la encontrada n a form ação da m eta-hemoglobina por
lo 12). agentes m eta-hemoglobinizantes, como os n itritos, ou
3. Receptores acoplados a enzimas, como os recepto- na formação de ciano-hem oglobina pelo íon cianeto.
res para insulina; a resposta é lenta. Alguns agentes tóxicos tam bém diminuem a for-
4. Receptores nucleares, nos quais os agentes tóxicos mação de AT P por interferir com enzimas específicas
form am complexos citoplasm áticos que m igram , da cadeia transportadora de elétrons, como, por exem -
posteriormente, ao núcleo e se ligam a sítios espe- plo, os dinitrofenóis, o fluoracetato de sódio e o cianeto
cíficos do DNA. Há, então, alteração na transcrição (veja Capítulo 21). O AT P é necessário para a manuten-
gênica e n a síntese proteica, processo mais dem o- ção de diversas funções vitais de uma célula, incluindo
rado, que p ode ocorrer de m inutos a h o ras. Um a integridade da m embrana, o funcionamento de bom -
exemplo dessa atuação são os inseticidas organo- bas iôn icas e a síntese proteica. Portanto, a depleção
clorados (veja Capítulo 17), os quais são agonistas significativa de energia, inevitavelmente, leva à perda de
de receptores estrogênicos e p odem causar prejuí- funções celulares. Paralelamente, ocorrem variações no
zos à diferenciação sexual e ao sistema reprodutor potencial oxidativo do meio intracelular, as quais inibem
( desregulador endócrino), depen dendo do estágio tanto a atividade de diversas enzimas, inclusive as rela-
de desenvolvim ento do animal. cion adas à síntese de AT P, quanto dan os estruturais
diretos em organelas e membranas. Assim, a dim inuição
Toxicantes co m atividade catalítica da síntese de ATP e o comprometimento da homeosta-
Algum as vezes, um agente tóxico pode alter ar a se redox são causas comuns que levam à m orte celular
transmissão de um im pulso nervoso n ão por atuação por diversos m ecanism os (veja adiante).
direta n os receptores dos n eurotran sm issores, com o Ao ultrapassar o "ponto de n ão retorno': ou seja, a
citado anteriormente, m as p or atuar em m ecanism os fase irreversível que leva à morte celular, uma sequência
vinculados à propagação de impulso. Como exemplo há de eventos acontece até o desfecho final. A depleção das
a toxina botulínica produzida pelo m icrorganismo Clos- reservas de ATP celular interrompe o aporte energético
tridium botulinum. Essa toxina age com o um a protease, de bombas de cálcio, tanto da m embran a celular quan -
hidrolisan do a fusão de proteínas resp on sáveis pelo to de retículo endoplasm ático, causando aum ento n a
ancoramento das vesículas sinápticas, impedindo a exo- concentração intracelular de cálcio. O influxo de cálcio
citose do neurotransm issor acetilcolina em n eurônios para a mitocôndria diminui o p otencial de membrana
colinérgicos. Esse bloqueio da liberação de acetilcolina mitocondrial, impedindo o funcionamento da enzima
acarreta paralisias de estruturas inervadas pelo sistem a AT P sintase. Ainda, o excesso de cálcio intracelular ati-
nervoso autônom o parassimpático e também promove va diversas enzim as dependentes desse cátion, com o a
paralisia m otor a progressiva que pode evolu ir p ara a óxido nítr ico sintase (NOS) con stitutiva ( en dotelial e
parada respiratória. neuron al), aumentando a produção de óxido nítrico e,
Outro exem plo de toxicante com atividade catalíti- consequentem ente, de EROs e de espécies reativas de
ca é a peçonha da abelha, que possui entre os seus com - nitrogênio (ERNs). Há também a ativação de algum as
ponentes a fosfolipase A2 (veja Capítulo 14). Essa enzi- proteases, as quais convertem a xantina desidrogen ase
m a cliva os fosfolipídios das membranas celulares em em xantina oxidase, aumentando a formação de ânion
ácidos graxos livres e lisofosfolipídios, os quais funcio- superóxido (0 2- . ) e peróxido de hidrogênio (HOOH).
Capítulo 3 • Toxicod inâmica 33

Dessa forma, o au mento da concentração de cálcio in- Esse m ecanism o tóxico acarreta as seguintes lesões
t racelular leva à produção excessiva d e EROs e ERNs. celulares:
Essas espécies reativas pod em tanto inativar as bombas
de cálcio, aumentado ainda mais sua concent ração in- • Alteração da integridade das m embranas celulares,
t racelular, quanto reduzir as reservas de AT P pela ina- inclu indo lesão direta da membrana ou perda de
tivação de diversos complexos d a cadeia respiratória energia metabólica da membran a, o que interfere
(Figura 3.4), levan do, por exemplo, à morte celular por no transporte ativo e, consequen temente, altera a
necrose ou apoptose. regulação do volume celular.
• Acúmulo anormal de componentes celulares como
Produçã o de co mpostos intermed iá rios altame nte lipídios, mucopolissacáridios ou mesm o pigmentos.
reativos como res ponsável pela ação tóxica • Alteração de síntese p roteica.
A biotransformação d e substâncias químicas pode • Lesão do DNA celular, o que acarreta alteração da
ser responsável pela produção de metabólitos altamen - reprodução e d o crescimento celular.
te reativos, os quais têm a capacidad e de se ligar cova-
lentemente aos componentes celulares, acarretand o A p rodução de metabólitos altamente reativos ga-
lesões nas células; esse fenômeno é também conhecido nhou destaque com o estudo dos radicais livres. Defi-
como bioativação. Esta ocorre principalmente no fígado, ne-se radical livre (X·) como uma substância química
produzindo metabólitos in ter mediários eletrofílicos, que apresenta, em sua estrutura, elétrons não pareados
que interagem covalentemente com os sítios nucleofí- ocupan do orbitais atômicos ou moleculares (para deta-
licos das macromoléculas celulares, tais como proteínas, lhes, veja Capítulo 4). Esses compostos têm como ca-
polipeptídios, RNA e DNA. Esse processo pod e ser o racterística a instabilidade quím ica, apresentando m eia-
responsável pelo desenvolvimento de mutagênese, car- -vida que pode variar de milésimos de segundo até alguns
cinogênese ou mesmo necrose celular. Um exemplo minutos. Quan do gerados no in terio r do organ ismo
típico desse processo ocorre com a aflatoxina B, mico- vivo, reagem rapidamente com d iver sos compostos e
toxina produzida pelo Aspergillus flavus. Essa substân- alvos celulares, acarretando dano celular.
cia, após biotr an sformação hepática em m etabólitos Esquematicamen te, pode-se repr esentar r adicais
ativos, como o 2,3-epóxido, acarreta lesão hepática ou livres da seguinte forma:
hepatocarcinoma (veja Capítulo 27).
A ••B • A · + B·

- tATP sintase Diferentemente da formação de íons, na qual se tem :


- -1, potencial de
membrana mitoco ndrial

tATP tca2 +

tca2+-ATPase
Nos seres vivos os rad icais livres são representados
por formas ativadas contendo oxigênio e/ ou nitrogênio:

-tNOS • Anion superóxido (02 - · ).


lnativação de -tXO
co mplexos d a
• Peróxid o de hidrogênio (HOOH ou H 20 2 ).
cadeia respiratória • Radical hidroxila (·OH).
tca2 +-ATPase
• Oxigênio atômico (O·).
• Peroxinitrito (ONOO-).
• Dióxido de nitrogênio (·No 2- ).
t ERO A

t ERN • Anion radicalar carbonato (C0 3- ·) .

O ânion superóxido, o radical hidroxila, o dióxido


FIGURA 3.4. Relação entre d iminuição de ATP, aumento de n itrogênio e o ânion radicalar carbonato são espécies
de cálcio intracelular e prod ução de espécies reativas de reativas; no entanto, o peróxido de hidrogênio, o oxigê-
oxigên io (ERO) e de nitrogênio (ERN), levando a necrose
n io atômico e o peroxinitrito, mesmo não sendo radicais
ou apoptose.
t = aumento; ,l, = d iminuição; NOS = óxido nítrico sint ase; XO = livres em sentido restrito, também participam da toxi-
xantina oxidase. cidade. O peróxido de h idrogênio pode ser convertido
34 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

a radical hid roxila e ânion hidroxila pela reação de Fen - MECANISMOS DE MORTE CELULAR
ton, a qual envolve a oxid ação de um metal, com o ferro
(Fe2 +), cobre (Cu+), m anganês (Mn2 +) e crômio (Cr5+). A morte celular é um processo importante que ocor-
O peroxinitrito, formad o pela reação entre o ânion su - re duran te a embriogên ese, no d esenvolvim ento e dife-
peróxido e o óxido de n it rogênio, ao se conjugar com renciação celular e n a rem oção d e células envelhecidas
dióxido de carbono, origina u m intermed iário extrem a- ou infectadas. Sua ausência implicaria dimensões des-
m en te instável, culm inando com a form ação d e duas proporcion ais de alguns órgãos.
espécies reativas: dióxido de nitrogênio (·N0 2 ) e ânion A morte celular pode ser classificad a com o:
radicalar carbon ato (C03 - · ) .
No o rganism o vivo, os rad icais livres se fo rmam • Aciden tal (Acidental Cell Death): causada por fato-
frequentemente em vários processos bioquímicos, como res físicos (temperatu ra e p ressão extrem os), quí-
na cad eia respiratória, na produção de p rostaglandinas m icos (variações extrem as d e pH) e/ ou m ecânicos
e na fagocitose produzida por leucócitos. En tretanto, (trituração), que ocorre de form a agressiva e não é
a produção dos rad icais liv res nesses pro cessos é re- responsiva a tratamentos farm acológicos ou inter-
duzida, sendo que as células apresentam m ecanismos
- , .
vençoes genet1cas.
para neutralizar a produção dessas entid ades químicas • Regulada (Regulated Cell Death): a qual envolve meca-
altam en te reativas. Entre os mecan ism os de d efesa, nism os moleculares específicos de síntese proteica e
têm -se as enzimas superóxido d ismutase, as catalases vias de sinalização, ambos program ados genetica-
e as peroxidases, além de algu mas substâncias antio- m ente. Esta se inicia com o uma resposta ad aptativa
xid antes, com o o ácido ascórbico, o alfatocoferol, entre para garantir a hom eostase celular e/ou tecidual.
ou tros, qu e t am bém fu n cion am com o aceptores d e
elétrons d essas espécies reativas (para detalhes, veja Assim, a morte celular é o desfecho m ais crítico da
Capítulo 4). ação de um determinado agente tóxico, indubitavelmen-
Quando o organism o vivo fica exposto às substân - te. É im portante enfatizar que existem d iversos tipos d e
cias químicas que aumen tam a quantidad e de radicais morte celular, os quais pod em coexistir em determ inado
livres, depen den d o da magnitu de dessa produção, os tecido, podendo um dar origem a outro, de acordo com
mecanismos de defesa celulares já não são efetivos para a extensão da lesão celular. No en tanto, as células n ão
n eutralizar esses radicais, o que acarreta injúria celular, devem ser consideradas mortas até que a fase irreversível
send o que os três grand es alvos celulares atacados são: seja alcançada, ou seja, o "ponto de não retornó: São apre-
sentadas, a seguir, a necrose, a apoptose e a autofagia.
• Membranas pericelulares e intracelulares (mitocôn -
drias e lisossom os): os fosfolipíd ios das m embranas Necrose
contêm ácidos graxos insaturad os, extremam ente
vulneráveis aos radicais livres, sendo que in icialmen- A necrose é u m tipo de morte celular patológica, ou
te ocorre uma simples desorganização, seguida de al- seja, ocorre quando existem danos n a m em bran a plas-
teração da fluidez e de distúrbios cada vez mais acen - m ática das células devidos a variações celulares extremas,
tuados até chegar à lise completa da membrana. tais como anóxia, isquemia tecidual, intoxicação e reações
• Proteínas celulares: send o as mais sensíveis ao ata- imunológicas. Morfologicam en te, as células n ecróticas
que d e radicais livres as que contêm grupos sulfidri- apresentam aum ento do volume citoplasm ático (onco-
las, nas quais estão incluídas várias enzimas primor- se), in chaço de organ elas e p erda da integrid ad e da
diais para a b ioquím ica celu lar. Estão in clu ídas membrana plasmática, com ext ravasamento do conteú -
também , com o p roteínas sensíveis a essas espécies do intracelular, gerando uma resposta inflamatória com
reativas, as miofibrilas de colágenos e o ácido hialurô- dan o e até morte às células adj acentes. Em bora esse
nico, que são constituintes essenciais d o tecido con- pro cesso de morte esteja associado à m orte acid en tal,
juntivo e cujas alterações originam fenômenos de es- já existem evid ências de que a necrose po d e envolver
cleroses e fibroses. componentes reguladores, sen do den ominad a necrop-
• Ácidos nucleicos: os rad icais livres podem acarretar tose. Bio quim icamente, há produção excessiva de EROs
a desnatu ração do DNA, levando a quebras cromos- e ERNs m itocondriais, com comprometim ento da cadeia
sôm icas com graves consequências para a multipli- d e transporte d e elétrons e aum ento d a permeabilidad e
cação celular, para a transmissão e replicação da men- celular. Há depleção m assiva d e energia, com aumen to
sagem genética e também da síntese proteica. excessivo d e cálcio intracelular (Figura 3.4) e ativação d e
Capítulo 3 • Toxicodinâm ica 35

enzim as catabólicas d ependentes de cálcio (fosfolipases, citoplasma (proteínas ligadas à p53 que, quando clivada,
p roteases e end on ucleases). transloca para o núcleo e aumenta a t ranscrição de ge-
Um a das maneiras de se avaliar a morte celular por nes pró-apoptóticos) no núcleo (cliva a PARP-1 *, res-
n ecrose utilizando cultura celular, além das alterações ponsável por reparações no DNA).
de morfologia, é por m eio da integrid ade da membrana. A via intrínseca é ativada por sinais de estresse ce-
Foi observado que a enzima lactato desidrogenase (LDH ) lular, como aum en to int racelular d e cálcio e d ano em
é rapidam ente liberada para o m eio extracelular em DNA, e regulada por proteínas p ró-apoptóticas, com o
decorrência d a intensa perda da integridade d a mem- Bax, e antiapoptóticas, como Bcl-2. Ela pod e envolver a
bran a celular, torn ando -se u m m arcador imp ortan te ativação d a caspase-9.
desse p rocesso d e m orte celular. Já a via extrínseca é ativada por receptores de mor-
te celular, com o CD95 e TRAIL-Rs**, localizad os na
A popt ose superfície d a célula. A ativação d as caspases-8 e 10 par-
ticipa da via extrínseca. In depen den temente d a via en-
A apoptose apresenta as segu intes características volvida, ambas pod em culminar com a ativação de cas-
morfológicas: retração celular ; con d ensação e fragmen - p ases efetoras ou executoras, como a caspase-3. Há
tação d a cromatina; aum ento da perm eabilidade e di- ainda mecan ismos independen tes d a ativação d e cas-
m inuição d o poten cial da mem b ran a m itocondrial; pases, como o fator indutor d e apoptose (AIF) e a en-
t ranslocação d e resíduos d e fosfatidilserina para o ex- donuclease G (ENDOG), os quais migram para o núcleo
terior da membran a celular, tornando-a reconhecível e m ed eiam a fragmentação do DNA em larga escala.
para d egradação; e fragm entação celular com a forma-
ção d e pequen as unidad es d e con teúdo citoplasmático, A ut ofag ia
con hecidos com o corpos ap optóticos, os quais são fa-
gocitados por m acrófagos. A autofagia é u m p rocesso catabólico importan te
O Quadro 3. 1 resume as principais características pelo qual as células degrad am seus próprios componen-
bioquímicas que diferenciam a n ecrose e a apoptose. tes por m eio de uma m aquinaria lisossomal com a fina-
Existem duas vias principais de sinalização da apop- lidade de garantir fontes energéticas em períodos críticos,
tose: a int rínseca e a extrínseca. Ambas as vias podem como resposta à falta de nutrientes. Ela é responsável pela
envolver a ativação de caspases, que são p roteases que rem oção, seletiva ou não, d e organelas danificadas (por
apresen tam u m resíduo de cisteína, o qual é capaz de exemplo, m itocôndria e retículo end oplasmático), agre-
clivar outras proteínas que apresentam resíduos de ácido gad os proteicos, além d a eliminação de patógenos intra-
, .
aspart1co. celulares. No entanto, além desse mecanismo de sobrevi-
As caspases podem ser divididas em iniciadoras e vência celu lar, sua d esregulação p ode desencadear a
efetoras (ou executaras). As iniciadoras necessitam de morte celular. Incialm ente a célula apresen ta autofagos-
oligomerização para serem ativad as e, n orm alm ente, somos, constituídos por diversos vacúolos autofágicos no
envolvem complexos proteicos como o DISC (death-in- citoplasma, podendo haver dilatação de organelas, como
duced signaling complex) e o apoptossomo. As efetoras a mitocôndria e o retículo endoplasm ático. O complexo
( ou executaras) são ativadas pelas caspases iniciadoras. de Golgi apresenta atividad e au mentada, com intensa
As caspases efetoras clivam proteínas essenciais presen - geração de lisossom os, os quais se fundem com os auto-
tes no citoesqueleto (foldrina, p roteín as quinase), n o fagossomos, originando os autolisossomos. Estes, por sua
vez, d egradam todo o conteúdo formado, caracterizando
QUADRO 3.1. Principais d iferenças b ioquím icas entre apoptose um processo autofágico.
e necrose Há vários agentes tóxicos que podem causar apop-
Parâmetro __ Apoptose Necrose tose e necrose, dependendo do tempo e da intensidad e
Depleção d e ATP Mod erada Massiva d a exposição. Baixos níveis d e exposição (baixas con -
Aumento d a concentração Ord em d e nM Ordem d e µM centrações de um toxican te ou curto períod o de expo-
d e cálcio intracelular (nanomolar) (1.000 nM) sição) po d em levar à apoptose, enquanto altos n íveis
Produção d e EROs/ERNs* Mod erada A lta ( altas concentrações) do m esmo agente tóxico podem
Via das caspase s Necessária Pode não ser causar necrose, indicando que a gravidade d a exposição
. /

nece ssana

De pleção d e glutationa Progre ssiva Rápid a e extensa


* Poly (ADP-ribose) poly merase-1.
*Espécies reativas de oxigênio/espécies reativas de nitrogênio ** TNF-related apoptosis-inducing ligand (TRAIL) receptors.
36 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

2. CUNHA-OLIVEIRA, T.; REGO, A.C.; CARDOSO, S.M.; et al.


é determinante para os processos mencionados. Expe-
Mitochondrial dysfunction and caspase activation in rat corti-
r imentalmente, a exposição a grandes quantidades de cal neurons treated with cocaine or amphetamine. Brain Research,
um agente tóxico ou por período prolongado pode levar v. 1089,n. l,p.44-54,2006.
\ . . . , . 3. FARINA, M.; ASCHNER, M.; ROCHA, J.B.T. Special issue: en-
a necrose por 1ncapac1tar mecanismos apoptot1cos, ou
vironmental chemicals and neurotoxicity oxidative stress in
seja, aumento do núm ero de m itocôn drias afetadas, MeHg-induced neurotoxicity. Toxicology and Applied Pharma-
depleção massiva de ATP e a falha na ativação das cas- cology, v. 256, n. 3, p. 405-17, 2011.
pases ou sua inativação. Foi observado que, se poucas 4. GALLUZZI, L.; BRAVO-SAN PEDRO, J.M.; VITALE, I.; et al.
Essential versus accessory aspects of cell death: recommendations
mitocôndrias forem afetadas, estas são removidas por
of the NCCD 2015. Cell Death Differentiation, v. 22, n. 1, p. 58-73,
autofagia, com sobrevivência celular. No entanto, o pro- 2015.
cesso autofágico pode ser superado pela apoptose se 5. GARCIA, R.C.; DATI, L.M.; FUKUDA, S.; et al. Neurotoxicity
of anhydroecgonine methyl ester, a crack cocaine pyrolysis
mais mitocôndrias forem afetadas. Há liberação de fa-
product. Toxicological Sciences, v. 128, n. 1, p. 223-34, 2012.
tores pró-apoptóticos e consequente ativação de caspa- 6. KROEMER, G.; GALLUZZI, L.; VANDENABEELE, P.; et al.
ses. Quando houver comprometimento de praticamen - Classification of cell death: recommendations of the Nomen-
te todas as mitocôndrias, a depleção de ATP é massiva, clature C ommittee on Cell Death 2009. Cell Death and Differ-
entiation, v. 16, n. 1, p. 3- 11, 2009.
dando origem ao processo necrótico. 7. MCCONKEY, D.J. Biochemical determinants of apoptosis and
Finalizando, fica claro que os conhecimentos da necrosis. Toxicology Letters, v. 99, p. 157-68, 1998.
toxicodinâmica das diferentes substâncias químicas têm 8. NOGUEIRA, V.A.; PEIXOTO, T.C.; FRANÇA, T.N.; et al. Into-
xicação por monofluoroacetato em animais. Pesquisa Veteriná -
importância primordial no tratamento e na prevenção ria Brasileira, v. 31, n. 10, p. 823-38, 2011.
das intoxicações, os quais são abordados nos capítulos 9. NAVA-RUIZ, C; MÉNDEZ-ARMENTA, M.; RÍOS, C. Lead
segu intes. neurotoxicity: effects on brain nitric oxide synthase. Journal of
Molecular Histology, v. 43, n. 5, p. 553-63, 2012.
10. SAEED, S.A.M.; WILKS, M.F.; COUPE, M. Acute diquat poi-
BIBLIOGRAFIA soning with intracerebral bleeding. Postgraduate Medical Jour-
nal, v. 77, p. 329-32, 2001.
1. BOURGEOIS, E.A.; SUBRAMANIAM, S.; CH ENG, T.Y.; et al. 11. WATANABE, Y.; HIMEDA, T.; ARAKI, T. Mechanisms ofMPTP
Bee venom processes human skin lipids for presentation by CD la. toxicity and their implications for therapy of Parkinson's disease.
Journal ofExperimental Medicine, v. 2 12, n. 2, p. 149-63, 2015. Medical Science Monitor, v. 11, n. 1, p. RAl 7-23, 2005.
Capítulo 4

Toxicologia e o estresse oxidativo

Karin Argenti Simon

~ bombardeia a Terra, e a rem oção d e íons de ferro (Fe2+)


INTRODUÇAO
d os ambientes aquosos, formando complexos insolúveis
Nas últim as d écad as, os termos radical livre e es- e não reativos, prevenind o a formação de espécies aind a
t resse oxid ativo têm sido frequen tes na literatu ra cien- mais reativas. Com o tempo, uma nova bioquímica su r-
tífica, muitas vezes relacionados a con d ições fisiológicas giu nos organism os que suportaram os n ovos n íveis de
e patológicas relevan tes para a saúd e humana e an imal. 0 2 atmosférico. En zimas antigas foram sendo substituí-
Ainda assim, o com pleto significado desses term os n o d as por outras mais eficien tes que u tilizavam o 0 2 e,
contexto biológico continua sob in tenso est ud o e os prin cipalmen te, o 0 2 passou a ser o aceptor fin al n as
autores têm atualizado esses conceitos à luz de n ovos cadeias d e t ransporte de elétrons nos sistemas primor-
conhecimentos. d iais de produção d e en ergia, substituindo m oléculas
Neste capítulo abordam-se os conceitos de radicais usadas an ter iormente, com o o N0 2 - e N0 3 - 3 _ Com o
livres e espécies reativas, onde e com o são produzidos aumento da eficiên cia d os sistem as m etabólicos, a p re-
n as células e quais as consequências dessa produção. É sença do 0 2 na atmosfera facilitou a explosão d a vida
apresentado o con ceito de estresse oxidativo em sistemas na Terra, com a possibilid ade da colonização dos espa-
biológicos, incluindo a perspectiva da sinalização redox. ços fora d a água e d o d esenvolvim ento de organ ism os
São abordados alguns m ecanism os específicos da pro - maiores e m ais com plexos.
dução de espécies reativas, com o o funcionamento do No entanto, à m edida que os n íveis de 0 2 subir am
sistem a d o citocromo P450 e outras con dições associa- na atmosfera, os organ ism os passaram a sofrer seus efei-
das, que atuam n o estabelecim ento do estresse oxid ati- tos tóxicos. A oxid ação d e m oléculas essenciais prejudi-
vo em processos toxicológicos. ca a estrutura e o fu ncionamento das células e pode ser
letal. Além disso, a particip ação d o 0 2 em reações de
,..
TOXICIDADE DO OXIGENIO oxid ação pod e levar à form ação de radicais livres e de
outras espécies reativas, aumentando o potencial de dano
Pode-se considerar que o oxigênio m olecular ( 0 2) inicial. Para sobreviver na nova atm osfera e usufruir das
presente n a atmosfera da Terra, atualmente essen cial novas possibilid ades bioquímicas fornecidas pelo 0 2 , a
para os organismos aeróbios, foi fruto de um a contami- pressão evolutiva levou ao desenvolvimento de sistem as
n ação ambiental que começou h á cerca d e 2,2 bilhões d e proteção à ação lesiva e tóxica do 0 2 •
de an os, com o su rgim en to d a fotossíntese em ciano -

bactérias. Ao usar a energia do sol para captar o poder RADICAIS LIVRES E ESPECIES REATIVAS
redutor da água (H2 0) e usar os átom os de hidrogên io
(H +) para impulsionar seu metabolismo, esses organis- Para m elh or en tendimento da ação tóxica do 0 2 e
m os foram paulatinamente liberando o 0 2 não utiliza- os m ecanism os d e defesa que surgiram em resposta a
do n a at mosfera. A elevação d os n íveis de 0 2 trouxe essa toxicidad e, há necessidade de se conhecer os con-
benefícios à vida no planeta, com o a for m ação d a ca- ceitos d e radical livre e de espécie reativa.
mad a de ozônio (0 3) n a estratosfera, que filtra boa par- Radical livre é qualquer espécie química capaz d e
te d a radiação ultravioleta (UV-C), vinda d o sol, que existência independente e que con ten ha u m ou m ais
38 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

elétrons d esemparelhados. Um elétron d esemparelhado d efinição química, o 0 2 em seu estad o basal também é
é aquele que ocupa sozinho um orbital atômico ou mo- um radical livre, pois possui d ois elét rons d esempare-
lecular, de acord o com a d istribuição de elétrons de lhados, cada um localizad o em u m orbital m olecular
Lin us Paulin g. Esse elétron desemparelh ado faz com diferente. No entanto, esses dois elétrons possuem o mes-
que os radicais livres sejam levemente atraídos por cam- mo n úm ero de spin, o que restringe muito sua reativi-
pos m agn éticos (e por isso são chamados de paramag- dade com biomoléculas orgânicas, apesar de reagir pron-
néticos) e podem se tornar altamente reativos, ainda que tam ente com outros radicais livres. Os radicais não são
essa reatividad e possa variar muito en tre os diferen tes necessariamente centrados em oxigênio; em uma m olé-
radicais, dependendo de suas constantes de velocidades cula, o elétron desemparelh ado pode estar localizado no
de reação. Nos textos, os radicais livres são identificados átom o de nitrogênio, carbono, enxofre, en tre outros.
pela presen ça de um ponto sobrescrito n a fórmula do A tendência do elétron desemparelhado de um radi-
átom o ou m olécula (por exem plo, radical ânion supe- cal livre é reagir com outro elétron, de maneira a resta-
róxido: 0 2- · ), mas às vezes isso é om itido, como acon- belecer o par de elétrons no orbital. Quando dois radicais
tece com frequência com o óxido nítrico, representado livres se encon tram , eles pod em ju ntar seus elétrons em
tan to com o NO· ou, simplesm en te, NO. uma nova ligação covalente, em um a reação de recombi-
Radicais livres podem ser formados em reações, nas nação. Ou então, o elétron desemparelhado de uma mo-
quais há ganho ou perda de um elétron, ou em reações lécula pode passar para a outra molécula, restabelecendo
de fissão homolítica de ligações covalentes, comuns em o par, em um a reação chamada d ismutação. No entanto,
processos de fotólise, termólise ou radiólise. Para melhor a maior parte das moléculas disponíveis para essas reações
enten der o p rocesso de form ação d e radicais livres, ob- não são radicais e, n esses casos, out ras reações podem
serve-se o que acontece n a fissão homolítica d a água, ocorrer, geralmente man tend o um elétron d esem pare-
em cont raposição à fissão heterolítica dessa molécula. lhado no produto fin al (Figur a 4.2).
Na fissão heterolítica, com a quebra da ligação covalen-
te entre u m dos átomos de h idrogênio e o átomo de
Polimerizaçã o Abstração
oxigênio, o par de elétrons que compõe essa ligação se RBºn Aº+ RH
desloca para o íon hid róxido (OH-), confer indo uma
R
carga negativa. Nenhum elétron perm anece no íon hi- 1
- e-e~
drogênio (H+) e o p róton solitário confere carga positi- 1 1
~
+
R(OX) + •o R- (re d)
va ao íon. Na fissão hom olítica, o par de elétrons se se- Adiçã o Dismutação

par a, ficand o u m elét ron isolado em cada p ro d uto Rº


form ado, gerand o dois radicais livres (o radical hidro- I \
R I \
R- R
I \
gênio, H· e o radical hidroxila, OH·) (Figura 4. 1). ~ /
I \ Recombinação
I \
Os rad icais livres podem ser átom os (por exemplo, I \
+ x· ~ ~
Cl·), íons de m etais de transição (por exemplo, Fe3+) ou
Substituiçã o Aº s· + e
m oléculas de tamanh os variados. De acord o com a lsomeriza ção Cisã o

FIGURA 4.2. A lgumas reações envolvendo um radica l livre


(R·). As reações indicadas pelas setas tracejadas são reações
Molécula de água unimoleculares, enqua nto as indicadas pelas setas sólidas
são reações que envolvem o radical e mais uma molécula.
H-:-0-:-H
Nas reações de adição e polime rização, o rad ical livre é
adicionado à segunda molécula ou sequência de unidades
moleculares, mantendo um elétron desemparelhado. Nas
reações de abst ração e subst ituição, o radica l liv re abstrai
um elétron de uma segunda molécu la e se completa, ou é
Ionização Radiólise
(fissão heterolítica) (fissão homolítica) adicionado a uma segunda molécula; em ambos os casos
se produz um novo rad ical a partir da molécu la com a qual
o radical inicial reagiu. Reações de isomerização e cisão
do rad ical livre também não eliminam o elét ron desempa-
+ Hº + OHº relhado. Apenas nas reações de recombinação, nas quais
, ,
lon lon Radical Radical dois radica is se ligam em uma nova ligação covalente, e na
Hidrogên io Hidróxido Hidrogên io Hidroxila dismutação, na qual um radical é oxidado enquanto o se-
gundo, que recebe o elétron desemparelhado do primeiro,
FIGURA 4.1. Fissão homolítica e heterolít ica da água. é red uzido, há o em parelhamento final dos elétrons.
Ca pítulo 4 • Toxicologia e o est resse oxidativo 39

Pelo fato de o 0 2 ter dois elétrons desemparelhados


de mesmo núm ero de spin, ao ser reduzido, ele só pode - - ->
• OH º + OH- + Fe3 + Reação de
Fenton
receber um elétron de cada vez. Então, para o 0 2 ser
totalm ente reduzido a H 2 0, ele precisa receber um total - - ->
• 02 +OHº+ OH- Reação de
Haber-Weiss
de quatro elétrons, que são recebidos em quatro etapas
(Figura 4.3). Em cada passo, novas espécies reativas de
FIGURA 4.4. Reações de Fenton e de Haber-Weiss.
oxigênio são geradas.
O radical ânion superóxido ( 0 2 - · ) é o radical livre
QUADRO 4.1. Exemplos d e algumas das principais espécies
formado quando o 0 2 recebe um único elétron (Figura
re ativas d e oxig ê nio (EROs) e de nitrog ê nio (ERNs). O termo
4.3). O 0 2 - · é um radical livre não muito reativo, mas " espécie reativa " inclui tanto rad ica is como não radicais
com papel fundam ental na bioquím ica dos radicais. Espécies reativas de oxigênio (EROs)
Primeiro, ele é gerado em uma série de reações catali-
Radicais livres Não rad icais
sadas por enzimas no metabolismo das células (por '
Anion superóxido (0 2 - •) Peróxido de hidrogênio (H 2 0 2 )
exemplo, NADPH oxidase, xantina oxidase e enzimas
Rad ical hid roxila (OH·) Oxigênio singlete (111g0 2)
do citocrom o P450), pela auto-oxidação de biom olécu- Rad ical pe roxil (R0 2 ·) Ozônio (03 )
/

las (por exemplo, gliceraldeído, FMNH2, FADH 2 , epine- Rad ical alcoxil (RO·) Acido hipoclo roso (HOCI)
Oxigênio sing lete (1~ •0 2)
frina, norepinefrina, L-DOPA, dopamina, tetrahid ro-
biopterina e tióis) e na respiração celular ("vazamento" Espécies reativas de nitrogênio (ERNs)

de elétrons nos complexos I e III da cadeia de transpor- Radicais livres Não rad icais
/

te de elétrons mitocondrial). Segundo, por sua partici- Oxido nítrico (NO·) Peroxinitrito (O Noo-)
pação em reações importantes da química dos radicais,
como as reações de Fenton e de Haber-Weiss (Figura (Figura 4.3). Sua produção é facilitada nas reações en-
4.4), e na r eação com óxido nítr ico (NO·) , levando à volvendo metais de transição (por exemplo, Fe2+ou Cu+),
formação de espécies muito mais reativas que o próprio na reação de Fenton e na reação de Haber-Weiss, a par-
0 2 - · , como será visto a seguir. tir das outras EROs fo rmadas. A Figura 4.4 mostra as
O peróxido de hidrogênio (H20 2) é a forma proto- reações finais desses complexos mecanismos. O OH·
nada do íon 0 22- , formado quando o 0 2 recebe seu se- também pode ser formado na fissão homolítica da água,
gundo elétron (Figura 4.3). O H 20 2 também pode ser induzida por luz UV, radiação ionizante ou ultrassom,
formado enzimaticamente nas células, pela ação da como mostrado na Figura 4.1. Assim que for mado, o
enzima superóxido dismutase, e n o metabolismo de OH· reage rapidamente com biomoléculas próximas,
ácidos graxos que ocorre nos peroxissomos. Essa mo- normalmente por adição, abstração de h id rogênio ou
lécula n ão é um r adical livre, por não apresentar um transferência de elétrons.
elétron desemparelhado. No entanto, ela é ainda mais Uma ERO que pode ou não ser um radical, depen-
reativa que o próprio 0 2 - · e é considerada uma espécie dendo de sua configuração eletrônica, é o oxigênio sin-
reativa de oxigênio (ERO) (Quadro 4.1). Citotóxico em glete (10 2), produzido em reações de fotossensitização,
altas concentrações, o H 20 2 reage pouco com DNA, li- nas quais certas m oléculas absorvem a luz em determi-
pídios e a maioria das proteínas, mas pode inativar al- nado comprim ento de onda, principalmente na faixa do
gumas en zimas diretamente pela oxidação de grupos ultravioleta (UV). Nessas condições, a energia dessas
tiol (- SH) essenciais. Maior dano ocorre quando parti- moléculas aumenta para estados excitados e é eventual-
cipa nas r eações de Fenton e de Haber-Weiss (Figura mente transferida para uma molécula de 0 2 adjacente,
4.4), gerando o altamente reativo radical hidroxila (OH·). gerando o 10 2 • Produzido inicialm ente como um radical
A formação do OH· ocorre na sequência da redução livre, o estado 1I +0 2 rapidamente decai para 1~g02, um
unieletrônica do 0 2 , com a entrada do terceiro elétron estado não radical.

-
1e 1e-+2H+ 1 e- 1 e-+ H+

02 "-• 02-• "-• H202 "-• OH• "-• H20


/

Oxigênio Radical ânion Peróxido de Rad ical Agua


mo lecu lar superóxido hidrogênio hidroxila

FIGURA 4.3. Redução un ie letrôn ica do 0 2 .


40 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

Além das EROs, existem outras espécies reativas oxidativo crônico, no qual a produção de espécies reativas
importantes, baseadas no nitrogênio. É o caso do óxido ou o dan o promovido se mantêm elevados por longos
nítrico (NO·), identificado como fator relaxante do en- períodos de tempo ou perm anentem ente.
dotélio, produzido pela en zima óxido n ítrico sintase O conceito de estresse oxidativo surgiu em uma
(NOS) a partir do aminoácido arginina e de nicotina- época em que os estudos n a área en fatizavam o dan o
mida dinucleotídio fosfato reduzida (NADPH). O NO· causado pelas espécies reativas às biomoléculas, com
possui uma reatividade ainda mais baixa que o 0 2- · , é destaque ao potencial prejuízo às estruturas celulares
capaz de atravessar membranas e pode se difundir entre que poderiam levar essas células ao dano perm anente
organelas e células. Diferentes isoformas da enzima NOS ou à m orte. Nos anos seguintes os estudos m ostraram
estão presentes nos tecidos, com funções distintas: uma outra face para o estresse oxidativo, no qual o es-
tado redox da célula influen cia a regulação de fatores
• Neuronal (nNOS ou NOS l ): originalm ente identi- de transcrição gênica e a sinalização celular.
ficada em tecidos neuron ais, mas também presen - Com os novos conh ecimentos na área, o conceito
te em outros tecidos, como o m usculoesquelético. de estresse oxidativo foi atualizado para "quebra na si-
• Endotelial (eNOS ou N0S3): cuja ação depende de nalização redox e consequente controle e/ ou dano m o-
Ca2+ e de calmodulina, que produz NO· constituti- lecular". Dessa forma, pode-se considerar um estresse
vam ente no endotélio vascular e atua na regulação oxidativo intenso, que prom ove dano às biom oléculas
da pressão sanguínea. em geral, e que aciona sistem as enzimáticos de respos-
• Indutível (iNOS ou N0S2): indepen dente de Ca2+, ta antioxidante, como um processo patológico, do qual
expressa-se prim ariamente em células fagocíticas, a célula pode ou não se recuperar. Esse processo, quan-
mas também em outros tecidos como o fígado e epi- do resulta em dano irreversível, pode levar a célula a
télio do trato respiratório. A iNOS catalisa a gera- injúria, senescência ou morte (necrose). Por outro lado,
ção intensa e localizada de NO·, geralmente em res- um estresse oxidativo de baixa intensidade, marcado
posta a estímulos inflamatórios, como citocinas e por oxidações reversíveis e em moléculas específicas,
endotoxinas. com o proteínas regulatórias ou fatores de tran scrição
• Mitocondrial, ainda sendo estudada a possibilida- (NF-KB, AP-1, p53), e com uma resposta antioxidante
de de haver essa quarta isoform a de NOS. voltada para mecanismos de sinalização celular, com o
a oxidação e redução de glutationa (GSH) e tiorredoxi-
O NO· exerce funções fisiológicas fundamentais na nas, pode estar relacionado a processos fisiológicos de
vasodilatação e na defesa im une do organismo, mas proliferação celular ou à morte celular p rogramada
também participa das reações de produção de outras (apoptose). Um estresse oxidativo moderado pode ser
espécies reativas. Os altos níveis de NO· produzidos pela benéfico, por exemplo, facilitando processos de cicatri-
iNOS facilitam a reação deste com 0 2 - · , fo rmando o zação, ou aumentando a síntese de defesas antioxidantes,
peroxinitrito (ONOO-), uma espécie reativa de nitro- de m aneira a proteger as células de um estresse oxida-
gênio (ERN) com alto poder oxidante, que ainda pode tivo subsequente m ais severo.
gerar outras m oléculas oxidantes e nitrantes.
~ ' ,
OXIDAÇAO E DANO AS BIOMOLECULAS
ESTRESSE OXIDATIVO E SINALIZAÇÃO
REDOX As EROs e ERNs possuem reatividades diferentes
e, portanto, reagem de formas distintas com as biom o-
O conceito de estresse oxidativo foi introduzido pelo léculas. Ainda que seja improvável que o 0 2 - · reaja di-
pesquisador alem ão Helmut Sies, em 1985, e descreve o retamente com lipídios ou DNA, ele pode inativar cer-
estresse oxidativo com o sendo um desbalanço no equi- t as enzim as que conten ham Fe-S o u p rom over a
líbrio entre fatores pró-oxidantes e antioxidantes, em liberação de Fe2+ de p roteín as de estoque. Bem m ais
favor dos primeiros, levando a um potencial de dano. Esse reativo que o 0 2 - ·, seu produto da reação com NO·, o
desbalanço pode apresentar durações e intensidades dis- ONOO- pode levar à inativação direta de enzimas, dano
tintas. A produção aguda de ERO ou ERN pode levar a ao D NA e a peroxidação de lipídios, além de outros
um pico de estresse oxidativo, que com a ação dos sistemas efeitos citotóxicos. Da mesma forma, o H 20 2 , especial-
antioxidantes e de reparo retorna ao equilíbrio após um mente após reações envolvendo metais de transição e
curto período de tempo. Já um desequilíbrio m ais pro- formação de OH · (Figura 4.4), também promove esses
longado pode levar a célula ou o tecido a um estresse danos às biomoléculas.
Ca pítulo 4 • Toxicologia e o estresse oxidativo 41

A peroxid ação d e lipídios é o resultado da oxidação reação em cadeia que m arca a fase de propagação d a
de lipídios poli-insaturados d e m em branas celulares e p eroxidação lipídica. O peróxido lipídico formado é
de organ elas, lipoproteínas e até mesm o de gorduras polar e, portanto, m enos lipossolúvel. Em conjunto, es-
ingeridas pela d ieta, pela ação de radicais livres. ses peróxid os desestruturam as forças hid rofóbicas que
A peroxidação lipídica pod e se divid ir em três fases: mantêm a coesão das membranas lipídicas, provocando
iniciação, propagação e decom posição (Figura 4.5). O dim inuição da fluid ez e aumento da permeabilidad e das
processo se inicia com a adição de um rad ical livre a um m em b ran as, e inativação de com ponentes proteicos
lipídio ou com a abstração d e um átomo d e hidrogênio associad os às membranas, com o enzim as, transporta-
de um grupo metileno (- CH 2 - ) causada por um radical d ores e receptores. Além disso, produtos da decompo-
livr e. Lipídios p oli-insatur ados são m ais propensos à sição desses peróxidos, com o o m alondiald eído (MDA)
peroxid ação lipídica, pois a presença de duplas-ligações e o 4-hidroxinonenal (4-HNE), também podem atacar
em ambos os lados de um carbono adjacente enfraque- e danificar outras biom oléculas, com o proteínas e bases
ce a energia das ligações entre esse carbono e os átomos d o D NA, form ando adutos com grupos - N H 2 e - SH.
de hid rogênio, facilitando sua abstração. A retirada do Hidroperóxid os lipíd icos pod em ser rem ovidos d os
hidrogênio deixa um elétron desemparelhado no lipídio, fosfolipídios de m embranas pela ação da enzima fosfo-
formand o um radical centrad o no carbono, que é ins- lipase A2 como parte do reparo de m embranas.
tável. Esse rad ical se estabiliza por rearranjo m olecular, A reação do MDA com o ácido tiobarbitúrico (T BA)
form ando um dieno conjugado. Em condições aeróbias, forma um aduto (MDA-TBA) que pode ser d etectad o
o radical de carbono tend e a se combinar com 0 2 , for- por m étodos colorim étricos, fluorimétricos e cromato-
mando um radical peroxil (R0 2 ·), que, por sua vez, abs- gráficos, em um a técnica comum ente d en omin ada
trai um átomo de hidrogênio de um carbono nas mesmas TBARS (sigla em inglês para ThioBarbituric Acid Reac-
condições em um ácid o graxo vizinho, form ando um a tive Substances). Apesar de amplam ente usada, essa téc-
nica apresenta uma série d e interferentes, não sendo o
métod o mais sensível ou adequado para a d eterminação
de peroxidação lipíd ica em amostras biológicas. Os iso-
,
Acido graxo prostanos, que resultam da peroxidação de ácidos graxos
po liinsaturado
poli-insaturad os com pelos m enos três duplas-ligações
OH .
e se assemelham estruturalmen te às prostaglandinas,
• têm sido considerad os marcadores m ais confiáveis para
Radical instável a detecção d e peroxidação lip ídica. O utros métodos
centra do em C
incluem a detecção de dienos conjugados, 4-HNE, exa-
lação de etano, entre outros .
.. -------.....
As proteínas podem sofrer ataque direto de radicais

. ' '..
', ....... ___ ___.., __ ..... , ,,
Dieno conjugado livres, como o O H·, e n ão radicais, como o H OCl e o
ONOO-, além de ataques secundários de produtos d a
d egrad ação de peróxidos lipíd icos, reações de glicação
e glicoxidação. Alguns resíd uos de aminoácid os são
Radical pe roxil particularmen te sensíveis ao d an o, com o triptofano,
o H. tirosina e fenilalanina, em virtude da presença de anéis
1
o· aromáticos. O grupo - SH d e resíduos d e m etionina e
cisteína é transformado no radical tiil (- S·) após a abs-
Hidroperóxido
lipídico tração do hidrogênio, facilitando ligações cruzadas en-
o
1 tre proteínas, formação de adutos, S-nitrosilação e S-glu-
OH
tationilação. A oxidação d e proteínas pode ser reversível
FIGURA 4.5. Sequência da peroxidação lipíd ica . 1) Iniciação ou não, e pode gerar grupos carbonila que são usados
pela abstração de um hidrogênio por um radical hidroxila para a detecção de proteínas oxid adas.
(OH º), gerando um radical centrado em ca rbono; 2) Rear- Bases do DNA e RNA são suscetíveis à oxidação por
ranjo molecular, formando um dieno conjugado (círcu lo
EROs, mas a produção de espécies suficientemente rea-
tracejado); 3) Entrada de um 0 2 , formando o radical peroxil;
4) Propagação da peroxidação lipídica, na qual o rad ical tivas precisa acon tecer em proximidade a essas molé-
peroxil abstra i um hidrogênio de um ácido graxo poli-insa- culas. Moléculas como o H 2 0 2, que percorrem maiores
turado viz inho, fo rmando o hidroperóxido lipídico. distâncias den tro e entre as células, podem reagir com
42 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

íon s m etálicos (Fe2 + ou Cu+) que estejam n a proximi- d a catálise. Assim como a SOD, a catalase também faz
dade de moléculas de DNA e promover a oxidação pelo u ma reação d e dismutação na qu al, partindo de duas
mecanismo de Fenton (Figura 4.4). A ativação de endo- moléculas d e H 2 0 2 , u m a m olécula é reduzida a H 2 0
n ucleases depend entes de Ca2 +, cujos níveis pod em es- enquanto a outra é oxid ada a 0 2 (Figura 4.6).
tar elevad os n o estresse oxidativo, também po d e oca- A enzim a glutationa peroxidase (GPx) está p resen-
sionar d anos ao DNA. Vários p rodu tos da oxid ação já te p rincipalm ente em tecid os animais em várias isofor-
foram iden tificados, d epend end o da base m odificad a e mas e tod as contêm selênio (Se) no sítio ativo. Ela atua
d o local d e ação das espécies reativas n a m olécula. A na redução do H 2 0 2 e de peróxidos orgânicos (com o os
base m ais sensível à oxidação é a guanina, e talvez seja produzidos n a peroxidação lipídica) por meio da oxi-
por esse motivo que o aumento da excreção de 8-hidroxi- dação da glutation a (GSH). A GSH é u m tripeptídeo
2'-desoxiguan osina (80H dG) na urina e a d etecção d e (L-gam a-glutamil-L-cisteinil-glicina) que apresenta um
níveis elevados de 8-hidroxiguanina (SOH G) nos tecidos grupo - SH essencial para sua função antioxidante. Para
sejam parâm etros d e oxidação d o DNA usualmen te a atividad e d a GPx, duas m oléculas de GSH na sua for-
encontrados em estudos com agentes carcinogênicos. ma reduzida são oxidadas, formando um a ponte d issul-
O dano oxidativo ao DNA pod e levar a mutações, que- feto en tre os dois grupos -SH, resultand o em uma úni-
bra de fita, parada da replicação e d a d ivisão celular, ca m olécula oxid a d a (GSSG) . A GSSG pod e ser
erros de tradução e parada d a síntese de proteínas, e até novam ente reduzid a a GSH pela ação da enzima gluta-
m orte celular ( apoptose). tion a redutase (GR), que utiliza NAD PH com o coenzi-
ma (Figura 4.6). Em virtude de sua altern ância ent re as
ANTIOXIDANTES fo rm as reduzida (tiol) e oxidad a (dissulfeto), a GSH
funciona como um "tampão red ox" celular, atuando na
Em contrapartida à produção de espécies oxidantes, proteção contra oxidação e ligações cruzadas em grupos
., . .
os organismos desenvolveram mecan ism os an tioxidan - t101s proteicos.
tes para proteção con tra o potencial lesivo d essas espé- A GSH é sintetizad a em todas as células an im ais
cies às biomoléculas. A d efi nição de antioxidante é bas- pela ação d as enzim as gamaglutamilcisteína sintetase e
tante ampla e compreend e qu alqu er substân cia que glutationa sintetase. Além de ser subtst rato da GPx na
atrasa, previne ou rem ove o dano oxidativo a uma m o- recuperação de peróxid os, a GSH atua na recuperação
lécula-alvo. As células dispõem de mecanismos enzim á- do ácido ascórbico oxidado, como cofator da enzima
ticos e não enzimáticos para realizar essa função. d ehidroascorbato redutase. A GSH também atua como
A identificação d a atividad e d a en zim a superóxido cofator da glutationa-S-transferase (GST), uma família
dismutase (SOD ) por McCord e Fridovich em 1969 foi d e enzimas d etoxificantes que prom ove a conjugação
fund amental para o entendim ento da ação dos radicais
livres nos seres vivos, p ois foi a prim eira enzima dire-
tamen te associad a à presença de ERO em organismos
vivos. Essa enzim a catalisa a dismutação do 0 2- · , ou seja,
partindo d e duas m oléculas de 0 2 - · , u ma é reduzida a
H 20 2, en quanto a out ra é oxidada a 0 2 (Figura 4.6). As
diferentes isoform as d a SOD estão p resentes em d ife-
ren tes localizações celulares e variam na composição
dos cofatores que participam da catálise. Assim, a CuZn-
SOD está presente em quase todas as células eucarióti-
cas, principalm en te n o citoplasma, e tem o íon Cu 2 + 2GSH
p resente n o sítio catalítico. A M n SOD, p resente em
bactérias e plantas, está restrita à mitocôn dria em célu -
IGRI
GSSG NADPH + H+
las animais, enquan to a FeSOD está mais presen te em
+
bactérias.
O H 20 2 produzid o pela SOD ou por outros m eca-
n ism os pod e ser removid o enzim aticam ente. A enzim a
FIGURA 4.6 Reações catalisadas pelas principais enzimas
catalase, presente n a m aioria dos seres aeróbios, é um a antioxida ntes: superóxido dismutase (SOO), catalase (CAT),
metaloproteína composta por quatro subunidades con - glutationa peroxidase (GPx) e glutationa redut ase (GR).
tendo um grupo hem e cada, na qual o Fe(III) participa Glutationa reduzida (GSH) e glutationa oxidada (GSSG).
Ca pítulo 4 • Toxicologia e o estresse oxidativo 43

de GSH a compostos eletrofílicos. Normalmente asso- TOXICOLOGIA E ESTRESSE OXIDATIVO


ciada a reações de fase II na biotransformação e excre-
ção de toxinas, algumas isoformas de GST desempenham Os dois tipos de processos, isto é, reações de fase I
papéis reguladores n a sinalização redox mediada por e de fase II, pelos quais pode ocorrer a biotransformação
quinases. Além de estar presente na form a livre, a GSH de compostos exógenos (xenobióticos) aos organismos
pode estar associada a uma série de compostos conten- vivos, possuem relação direta ou indireta com a bioquí-
do grupos - SH nas células, form ando dissulfetos mistos. mica dos radicais livres. As reações de fase I aumentam
Dessa form a, proteínas podem sofrer um processo de a hidrossolubilidade dos agentes tóxicos, adicionando
S-glutationilação, que muitas vezes afeta desfavoravel- grupos polares nas m oléculas, processo realizado pelos
m ente o funcionam ento de enzimas e canais iônicos. citocromos P450 (CYPs) e outras enzimas, como este-
As tiorredoxinas (TRx), bem com o a GSH, consti- rases, m onoamina oxidases e álcool desidrogenases. Nas
tuem um grupo de polipeptídeos de cerca de 12kDa, reações de fase II, os xenobióticos ou os produtos das
encontradas em eucariotos e procariotos, contendo dois reações de fase I são conjugados às moléculas endógenas,
grupos -SH por molécula, que também protegem grupos como a glutationa e o ácido glicurônico, facilitando sua
tióis de p roteínas da oxidação e podem participar da excreção. Nesses processos, é muito comum ocorrer a
redução de H 2 0 2 e peróxidos orgânicos catalisados pelas formação de espécies reativas ou diminuição de antio-
en zimas peroxirredoxinas. As tiorredoxinas oxidadas xidantes, levando ao estresse oxidativo. No entanto, na
nesses processos são novamente reduzidas enzimatica- descrição do mecanism o de toxicidade de um xenobió-
mente pela ação da enzima tiorredoxina redutase. tico, é preciso avaliar com cuidado se a presença de
Muitas moléculas possuem ação antioxidante dire- radicais livres, uma vez detectada, causa dano efetivo.
ta, indepen den temente de reações enzimáticas. Elas Também é preciso esclarecer se o dano é primário ou
podem prevenir o dano oxidativo, agindo como scaven- secundário à injúria, uma vez que os processos oxida-
gers de radicais livres, ou seja, doando elétrons e prótons tivos são facilitados em tecidos previamente danificados,
às moléculas com elétrons desemparelhados. Algumas ainda que por outros mecanismos.
vezes, essas moléculas antioxidantes tornam-se elas A biotransformação de xenobióticos, bem como o
mesmas radicais livres. Norm alm ente esses novos radi- metabolismo de substâncias endógenas de origem lipí-
cais são muito menos reativos que as EROs e ERNs dica como esteróis, ácido araquidônico, eicosanoides e
"neutralizadas", e podem ser recuperados por outr as vitaminas lipossolúveis, ocorre pela ação de CYPs, os
moléculas ou sistemas antioxidantes. quais são encontrados em várias organelas de células
Os antioxidantes não enzimáticos podem ser mo- animais e vegetais, presentes inclusive em bactérias e
léculas endógenas, como a melatonina, a bilirrubina, partículas virais. Os CYPs catalisam um grande núme-
o ácido lipoico, o ácido úrico e a coenzima Q, ou ob- ro de reações complexas, atuando em uma imensa va-
tidos da dieta, como o ácido ascórbico (vitamina C), riedade de substratos. Na presença de um agente redu-
tocoferóis e tocotrienóis (vitam ina E), carotenoides tor, o ferro presente nos CYPs apresenta forte afinidade
(betacaroteno, licopeno ), compostos fen ólicos (flavo- ao monóxido de carbono, gerando um pico de absorção
noides, resveratrol), entre outros. A eficácia de um an- de luz muito característico, na faixa dos 450 nm , origem
tioxidante in vivo depende de uma série de fatores, in- do nome citocromo P450.
cluindo a sua concentração (produção ou absorção), a A ação enzimática mais comum dos CYPs é a de
natureza do dano oxidativo a ser prevenido, as EROs ou mono-oxigenase de função m ista, tornando os subs-
ERNs produzidas e o local dessa produção. Por exemplo, tratos mais h idrossolúveis pela oxidação com 0 2, na
moléculas lipossolúveis, como tocoferóis e coenzima qual um átomo de oxigênio é incorporado ao substra-
Q, atuam no compartimento lipídico, podendo inibir to, enquanto outro é reduzido a água. Para isso, é ne-
a peroxidação lipídica, enqu anto o ácido ascórbico cessária a participação de um agente redutor. No fíga-
h id rossolúvel participa da regeneração de outros an- do, esse agente redutor é o NADPH e os elétrons são
tioxidantes na interface aquosa. Além de agirem dire- disponibilizados pela enzima NADPH-citocromo P450
tamente como scavengers, algumas dessas moléculas, redutase. A reação geral de oxidação de um substrato
como o resveratrol, in ibem a expressão ou atividade S à sua forma oxidada SO pelo sistema CYP segue a
de enzimas pró-oxidantes (por exemplo, NADPH oxi- fó rm ula:
dase, m ieloperoxidase, iNOS) e induzem a expressão
ou atividade de enzimas antioxidantes (SOD, catalase, S + 0 2 + NAD(P)H + H+ + 2e- • SO +
GPx), atuando no balanço redox das células. H 20 + NAD(P)+
44 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

Os CYPs são hemeproteínas, n as quais o ferro do (proveniente de um sistem a de transporte de elétrons


grupo prostético h em e inicialm ente se en contra n o ou da ação de redutases), sendo transform ado em um
estado Fe(l11). Q uando o substrato se liga ao CYP nes- radical, e em seguida tran sfere esse elétron a um 0 2 ,
se centro de ferro, desloca um a molécula de H 20 e, geran do 0 2· - e outras EROs. As EROs form adas dessa
após o recebimento de um elétron ( e-) d o agente re- maneira é que disparam o dan o oxidativo, em vez do
dutor (NADPH ), o ferro passa ao estado Fe(II). O 0 2 radical inicialm ente produzido. Esse é o m odo de ação
então se liga a esse Fe2+, prom ovendo a entrada de m ais do paraquat e outros herbicidas bipiridílicos (veja Ca-
um elétron e a proton ação do grupo Fe(II)- OO- for- pítulo 19) em plantas, bactérias e animais. Em plantas,
m ado, passando a Fe(III)- OOH . A perda de um a se- o paraquat recebe o elétron do fotossistem a I, presente
gun da molécula de H 2 0 e uma nova proton ação gera em cloroplastos. Em animais, a redução do paraquat ao
um intermediário [Fe(IV)=O]•+, que abstrai um hid ro - radical livre PQ•+ pode ser realizada pela NADPH -cito-
gênio do substrato, form ando um radical que pronta- cromo P450 redutase. O prin cipal órgão afetado pelo
m ente reage com o oxigênio ligado ao [Fe(IV) =O ]•+, paraquat em animais e seres human os é justam ente o
p rom oven do, assim , a transferên cia do oxigên io ao pulmão, pois, além de acumular o herbicida por trans-
substrato, e consequente liberação do substrato oxida- porte ativo, apresenta alta pressão parcial de 0 2 , facili-
do. No entan to, em algum as etapas, o 0 2 , ao receb er tando a for mação de 0 2• - a partir dos elétrons prove-
um elétron, pode se desligar do grupo Fe(II) e ser li- nientes do PQ•+. O dano oxidativo gerado dispara outras
b er ado como 0 2- · . Tamb ém a forma p ro ton ada Fe- ações celulares, como aumento do Ca2+intracelular, que,
OOH pode liberar o oxigênio na form a de uma molé- por sua vez, ativa a produção de ERNs e a conversão de
cula de H 2 0 2 • D esse m odo, a ação detoxificante dos xantina desidrogen ase em xantina oxidase, amplifican -
CYPs contribui para a for mação de EROs, podendo do a produção de espécies reativas e o estresse oxidativo.
responder, em parte, pelo estresse oxidativo gerado em As quinonas, como o dicumarol (anticoagulante -
con dições de intoxicação com xenobióticos variados. veja Capítulo 2 1) e a m en adion a (vitamina K3 ), e com -
Também a indução de certas isoformas de CYPs mais postos difenólicos também pr oduzem EROs via ciclo
propensas à liberação de 0 2 •- , em particular a CYP2El , redox. As semiquinonas (SQ·-) podem ser formadas pela
p ode levar a um aum ento no dan o oxidativo causado ação de enzimas com o a NADPH -citocromo P450 re-
durante o processo de detoxificação. dutase, e em seguida reduzir 0 2 a 0 2 · - , ou ainda reduzir
Vale ressaltar que outras funções enzimáticas, como Fe3+ a Fe2 +, estimulando reações de Fenton e a produção
a de peroxidase e de peroxigenase, também são exerci- de OH·. Adicionalmente, algum as semiquinonas podem
das por enzimas CYPs. No caso da função peroxidásica, form ar adutos com os grupos - SH proteicos, danifican -
a hemeproteína reduz e detoxifica hidroperóxidos bio- do essas proteínas, ou serem conjugadas com GSH, pro-
lógicos, como H 2 0 2 , hid roperóxidos lipídicos, hidrope- movendo a depleção de GSH e interferin do na capaci-
róxidos esteroides e hidroperóxidos orgânicos exógenos, dade de defesa antioxidante das células.
uma ação que corrobora os sistem as antioxidantes e de Não é raro um agente tóxico ser transform ado em
reparo da célula. um radical durante as reações de biotran sformação,
Há várias m an eiras p elas quais esp écies reativas especialmente as de fase I, o que não im plica, necessa-
podem estar envolvidas durante os m ecanismos de de- riamente, que o radical formado seja promotor de dano
toxificação de xenobióticos. Por exemplo, o tetracloreto oxidativo. O potencial de dano de qualquer radical livre
de carbono ( CC14) é diretam ente transform ado em um dep ende de sua reatividade com outras biom oléculas
radical livre pelos CYPs. O radical triclorom etil ( CC13·) (lipídios, proteínas, DNA), ou de sua capacidade de ge-
produzido a partir de CC14 é reativo suficiente para ele rar espécies m ais reativas. Altern ativam ente, algun s
m esm o prom over p eroxidação lipídica, bem com o o agentes tóxicos podem estimular a produção de espécies
radical triclorometilperoxil (CC13 0 2·) gerado a partir de reativas indiretamente, interferindo nos processos en-
CC13 • na presença de 0 2 , e são essas as espécies que pro- dógen os de p rodução dessas esp écies. Por exemplo,
m ovem o dano inicial aos tecidos, especialmente o fí- agentes que inibem o funcionamento da cadeia de trans-
gado, na intoxicação com CCL4 • Esse m ecanismo pode porte mitocondrial de elétrons podem aum entar o "va-
ser observado n a ação de outros hid rocarbon etos halo- zam ento" de elétrons para o 0 2 antes da etapa final de
genados, com o o clorofórm io e o bromotriclorometano. redução completa do 0 2 a H 20, que ocorre norm almen-
Outro m ecanism o pelo qual os agentes tóxicos po- te pela atividade da cito crom o c oxidas e (complexo IV).
dem ger ar esp écies reativas lesivas é por m eio de um O vazamento de elétrons antes da etapa final perm ite a
ciclo redox, no qual o agente tóxico recebe um elétron redução unieletrônica do 0 2 , produzindo 0 2 •- .
Capítulo 4 • Toxicologia e o estresse oxidativo 45

Eventos toxicológicos que disparam mecanismos oxidase, promovendo também aumento na excreção de
inflamatórios podem estimular o recrutamento e levar à 80HdG. O m ercúrio, na forma CH 3Hg+ e Hg2 +, também
ativação de macrófagos e neutrófilos em um determina- se liga a grupos - SH e a selenoproteínas, d epletando
do tecido. As células fagocíticas produzem uma grande GSH e inibindo a atividade de enzimas antioxidantes,
quantidade de espécies oxidantes quando ativadas, em como a GPx e tiorredoxina redutase.
associação a um aumento expressivo do consumo de 0 2, Foram aqui abordados alguns exemplos de partici-
chamado de burst respiratório. O complexo NADPH pação do estresse oxidativo em processos toxicológicos.
oxidase dessas células é responsável pela redução do 0 2
a 0 2· - . A ativação da iNOS presente também aumenta a BIBLIOGRAFIA
produção do NO·, e a rápida reação de NO· e 0 2· - eleva
os níveis de ONOO-. O 0 2· - também pode ser dismutado 1. COSTA, E.M.M .B.; OLIVEIRA, V.; PIMENTA, F.C. Citocromos
p450 e biotransformação m icrobiana. Rev Pato[ Tropical, v. 33,
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fazer uma outra forma d e ERO, o ácido h ipocloroso 2. FILOMENI, G.; ROTILIO, G.; CIRIOLO, M.R. Disulfide relays
(HOCl). A atividade NAD(P)H oxidase, com produção and phosphorylative cascades: partners in redox-mediated
singaling pahtways. Cell Death Differ, v. 12, p. 1555-63, 2005.
de 0 2· - , também é encontrada em diversos outros tecidos,
3. HALLIWELL, B.; GUTTERIDGE, J.M.C. Free Radicais in Biol-
e várias isoformas já foram identificadas (NOX 1-5, DUOX ogy & Medicine. 5.ed. Oxford: Oxford University Press, 2015.
1 e 2), porém a natureza da ativação e funcionam ento 4. H E, L.; HE, T.; FARRAR, S.; etc. Antioxidants maintain cellular
redox homeostasis by elimination of reactive oxygen species.
dessas enzimas pode variar de acordo com o tipo celular.
Cell Physiol Biachem, v. 44, p. 532-53, 2017.
O efeito tóxico de m etais tem sido associado à ele- 5. H RYCAY, E.G.; BANDIERA, S.M. Monooxygenase, peroxidase
vação do estresse oxidativo, por m ediar reações sem e- and peroxygenase properties and reaction mechanisms of cy-
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and Biology, v. 851, p. 1-62, 2015.
ção de radicais livres potentes, como OH· e RO· (veja 6. JONES, D.P.; SIES, H . Toe redox code. Antiox. Redox Signal, v.
Capítulo 33). Níquel, cromo, cobalto, vanádio e titânio 23,n. 9, p. 734-46,2015.
podem reagir com H 20 2 para form ar OH·. Íons de chum- 7. KHOUBNASABJAFARI, M .; ANSARIN, K.; JOUYBAN, A.
Critica! review of malondialdehyde analysis in biological sam-
bo (Pb2+) podem reagir com a oxi-hemoglobina, produ-
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no entanto, que a pr odução de esp écies reativas n em idants and antioxidant-related enzymes in protective responses
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- SH na GSH e em proteínas celulares, causando deple- Biol. Med., v. 27, n. 9/10, p. 916-2 1, 1999.
ção de GSH, além de aum entar a produção de radicais 11. _ _ _. Oxidative stress: a concept in redox biology and med-
livres n a mitocôndria e p ela atividade da NAD(P)H icine. Redox Bio, v. 4, p. 180-3, 2015.
Capítulo 5

Métodos alternativos para a


avaliação da toxicidade

A ndreia Oliveira Latorre

~ É den ominado com o método alternativo qualquer


INTRODUÇAO
método que busca melhorar o bem -estar animal com
Os modelos animais são utilizados há mais de 50 base no princípio dos 3Rs (do inglês Replacement, Re-
an os em pesquisas na área de toxicologia com intuito duction, Re.finement), ou seja, que busque a substituição,
de proteger a saúde hum ana e animal quando do desen- a redução e/ ou o refinam ento do uso de animais.
volvimento de novos produtos, sejam estes com a fina- Atualmente, há cerca de 150 protocolos validados pela
lidade de medicamento, produto de uso veterinário, Organization for Economic Co-operation and Development
biomaterial, cosm ético, praguicida, dentre outros. (OECD - Organização para a Cooperação e Desenvol-
O m édico veterinário desempenha papel fun da- vimento Econômico), entre os quais também estão lis-
m ental na interpretação dos dados obtidos a partir de tados protocolos de métodos alternativos, favorecendo
m odelos anim ais, avaliando as características de toxi- sua aceitação internacional como métodos adequados
cocinética e toxicodinâmica da substância química tes- para avaliar a toxicidade de substâncias químicas.
tada para elucidar o modo de ação tóxico e também para No Brasil, desde 20 14, o uso de m étodos alternati-
contribuir na interpretação da relevância desses efeitos vos validados é reconhecido em atividades de pesquisa
para os seres humanos. pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação
As espécies animais mais utilizadas com o modelo Anim al (Concea - Resolução Normativa n. 17, publica-
em toxicologia são: o rato (Rattus norvegicus), o camun - da no Diário Oficial da União n. 126, de 4 de julho de
dongo (Mus musculus), a cobaia (Cavia porcellus), o 20 14) e, desde 20 15, é aceito pela Agência Nacion al de
coelho ( Oryctolagus cuniculus) e o cão ( Canis lupus Vigilância Sanitária (Anvisa - Resolução da Diretoria
familiaris). Em alguns casos outras espécies anim ais são Colegiada n. 35, publicada no Diário Oficial da União
usadas, por exem plo, para simular doenças humanas, n. 151, de 10 de agosto de 20 15).
como é o caso do m acaco rhesus (Macaca mulatta), que
pode se infectar pelo vírus da imun odeficiência símia PRINCÍPIO DOS 3RS EM MÉTODOS
(SIV), e tem sido utilizado com o m odelo nas pesquisas ALTERNATIVOS
que buscam o desenvolvimento da vacina contra o vírus
da imunodeficiência humana (HIV). Como mencionado anteriormente, os métodos al-
É sabido que não h á modelo an im al que permita ternativos são aqueles desenvolvidos com base no prin-
detectar todo e qualquer efeito que possa advir em seres cípio dos 3Rs, ou seja, que tem por objetivo a substitui-
humanos; além disso, é crescente em todo o m undo a ção, a red ução e/ ou o refinam ento do uso de animais.
preocupação pelo bem -estar an im al, o que tem impul- Uma breve descrição dos tipos de protocolos que abran-
sionado diretam ente o aum ento do número de labora- gem cada um dos princípios dos 3Rs é fornecida a seguir.
tórios envolvidos n a pesquisa e no desenvolvimento de Os métodos alternativos que substituem o uso de
métodos não animais ou m étodos alternativos que pos- animais, total ou parcialm ente, são desenvolvidos com
sam predizer toxicidade com maior acurácia do que os base no uso de tecnologias e/ou procedimentos, tais como
m odelos animais. cultura de células pr imárias ou de linhagens celulares
Capítulo 5 • Métodos alternativos para a avaliação d a toxic id ade 47

estabelecidas, uso de tecidos, m odelos matemáticos e animal testing), compreendem, em sua maioria, protoco-
com p utacion ais etc. En tre esses m étodos altern ativos los para avaliar os desfech os toxicológicos agudos, como,
validad os, h á protocolos ex vivo que são realizados em por exem plo, irritação cutânea e ocular, em decorrên cia
tecidos an imais provindos de abatedouro ou em tecidos d a men or complexid ade para d etectar esse tipo de efeito
hum an os descartados em procedimen tos cir úrgicos, tóxico. En tretanto, as pesquisas para o desenvolvimento
protocolos in vitro que são a base de cultivo celular (para d e novos métodos altern ativos são m uito abrangentes e
detalh es, veja Capítulo 7), protocolo in chemico que uti- envolvem também os d esfech os toxicológicos crônicos,
liza peptíd eos sintéticos e p rotocolos in sílica que utili- bem com o os diferentes sistem as, órgãos, tecidos e célu-
zam as ferramentas computacionais (para d etalhes, veja las que podem ser alvos d e toxicidade.
o Capítulo 6). Há vários protocolos d a OECD validados para a
Os métod os altern ativos validad os que reduzem o avaliação de irritação cutân ea (Quadro 5.1) e de irrita-
uso d e animais são o resultado d e constan te pesquisa ção ocular (Quadro 5.2), e tam bém foram publicad os
na revisão dos protocolos de modelos animais, para que d ocumentos de orien tação com abordagem integrad a
seja p ossível garan tir a obtenção de informações rele- d e testes e avaliação (Integrated Approach on Testing and
van tes para a base d o con hecimento, com dad os robus- Assessment - l ata), com o o lata n . 203 (20 14) e lata n .
tos e reprodutíveis a partir d a utilização de m enor nú - 263 (20 17), com o objetivo de esclarecer como integrar
m ero de an im ais por estudo. tod os os d ados já disponíveis d a substân cia química ou
O refin amento do uso d e an imais, por sua vez, é u m produto a ser testad o n a avaliação, e ajudar n a escolha
dos objetivos das pesquisas em bem-estar an imal e tem de qual(is) método(s) altern ativo(s) u tilizar, a fim de
sido alcançado pelo desenvolvim ento de procedimentos garan tir que d ad os robustos sejam obtidos, evitan do a
que minimizam o sofrimento animal e melhoram seu utilização d e coelhos, que é o modelo animal de escolha
bem -estar. Exemplos de refinamento no uso de animais para esse tipo de avaliação.
in cluem d iferen tes aspectos, com o forn ecer ad equada Nos exemplos de métodos alternativos descritos nos
analgesia e an estesia para elimin ar a d or, treinar os ani- Q uadros 5.1 e 5.2, pod e ser observado que h á vários
m ais para cooperarem m inimizando os efeitos d o es- protocolos d esenvolvid os com base no cultivo de linha-
t resse causad o p ela m an ipulação, p rover cond ições gens celulares d e diferentes espécies animais ou na uti-
adequad as d e alojam ento etc. lização d e tecidos anim ais. Consequentem ente, d esta-
ca-se a importân cia do m édico veterin ário tam bém n a
APLICABILIDADE E DESENVOLVIMENTO DE interpretação d os d ados obtidos por meio desses m éto-
MÉTODOS ALTERNATIVOS PARA d os altern ativos; e vai-se além, uma vez que pode con -
AVALIAÇÃO TOXICOLÓGICA tribuir n o desen volvim ento e n a validação de novos
métodos altern ativos.
Os m étodos altern ativos validados pela OECD ou Vale destacar que a OECD disponibiliza a Adverse
em desenvolvimen to e valid ação por outros grupos de Outcome Pathway - Wiki (AOP-Wiki), que é u m a fer-
pesquisas intern acion ais, com o o grupo de pesquisa do ram enta d e uso am igável e cód igo aberto, para promo-
governo n orte-americano N lCEATM (NTP Interagency ver e facilitar a troca de con hecimento entre os pesqui-
Center for the Evaluation ofAlternative Toxicological Me- sad ores d a área de toxicologia, o que tem p romovido
thods, no qual NTP = National Toxicology Program) e o também o d esenvolvim ento d e métodos altern ativos.
grupo de pesquisa da Un ião Europeia EURL-ECVAM Essa ferramenta faz parte de um programa da OECD,
(European Union Reference Laboratory for alternatives to lan çad o em 20 12, para incentivar o d esenvolvimen to

QUADRO 5.1. Guias de testes da OECD de métodos alternativos para avaliar irritação e corrosão cutânea
OECD (n.) Título Características

430 Corrosão dérmica in vitro: te ste de Discos de pel e d e rato (os discos d e pele são retirados de um mesmo rato
resistência elét rica t ranscutânea para rea lizar o teste)

431 Corrosão dérmica in vitro: te ste da Kit comerc ial de epid erme hu mana reconstruída. Ep iSkin"' (modelo pad rão);
epiderme humana reconstruída Ep iDerm™; SkinEthic"' RHE; Ep iCS®

435 Teste de barrei ra d e membrana in vitro Kit com ercia l com membrana artificial semelhante à pel e anima l.
para ava liar corrosão dérmica Corrositex®

439 Teste de irritação cutânea in vitro Kit comercial de ep id erme hu mana reconstruída. Ep iSkin"' (modelo pad rão);
Ep iDerm™; SkinEthic™RHE; LabCyte EPI-MODEL24 SIT
48 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

QUADRO 5.2. Gu ias de t estes da OECD de métodos alt e rnativos pa ra aval iar irrit ação e corrosão ocula r
OECD (n.) Título Características

437 Teste de permeabilidade e opacidade de córnea bovina, Córneas isoladas de o lhos frescos de bovino coletados em
sig la BCOP (do ing lês Bovine Corneal Opacity and abatedou ro
Permeability Test Method)

438 Teste de olho isolado de ga linha, sigla ICE (do inglês O lhos frescos de ga linha coletados em abatedou ro
lsolated Chicken Eye Test Method)
460 Teste de permeação de fluoresceína, sigla FL (do inglês Cu ltura da linhagem celular de cão MDCK (Madin Darby
Fluorescein Leakage Test Method) Canine Kidney) CB997

491 Teste in vitro de curta du ração pa ra danos ocu lares, sigla Cu ltura da linhagem celular de coelho SIRC (Statens
STE (do inglês Short Time Exposure ln Vitro Test Method) Seruminstitut Rabbit Cornea)

492 Epitélio cornea l humano reconstruído Kit comercial de "córnea humana" reconstruída a partir de
cu ltura primá ria de queratinócitos (por exemplo, EpiOcular"')

de Adverse Outcome Pathway (AOP), ou seja, de estru- O conhecim en to d a AOP d e sensibilização cutânea,
turas conceituais que d escrevem, a partir d e um even- ou seja, da sequência de eventos-chave que leva a esse
to molecular inicial, uma cadeia sequencial de eventos efeito adverso, possibilitou o desenvolvimento de vários
causalmente ligados em diferentes níveis d e organiza- métodos alternativos específicos para a detecção d e cad a
ção biológica, que levam a um efeito adverso à saúde um d esses eventos-chave (Quadro 5.3). Apenas para o
ou ao ecossistema. O objetivo d e uma AOP é descrever evento-chave 4 o m étodo alternativo validado é um
a sequência dos eventos-chave e dos eventos associados protocolo in vivo que utiliza como modelo o camun-
que levam do evento molecular inicial ao efeito adver- dongo. Esse protocolo reduziu o número de anim ais por
so (Figura 5. 1). estudo quando comparado aos protocolos que utilizam

Evento
Evento-chave 2 Event o-chave 3 Evento-chave 4
molecular inicia l

Ligação
Produtos Ativação de Ativação e
, . covalente às Ativação d e Sensibilização
qu1m1cos células proliferação
proteínas da queratinócitos cutânea
eletrofílicos d end ríticas de linfócitos T
pele

FIGURA 5 .1. Sequência de eventos-chave q u e leva ao dese nvo lvimento de sensibi lização c utânea.
Fonte: adaptada de lata n. 256 (2016).

QUADRO 5.3. Guias de test es da OECD de mét odos alternativos para ava liar potencial de sensib ilização cutânea
OECD (n.) Título Ca racterísticas

429 Ensaio do linfonodo loca l (Local Lymph Nade Assay - ln vivo em camundongos. Evento-chave 4; ava lia pro liferação
LLNA); marcador radioativo celular com ma rcado r radioativo

442A Ensaio do linfonodo local (Local Lymph Nade Assay - ln vivo em camundongos. Evento-chave 4; ava lia pro liferação
LLNA); marcador bio luminescente celular com ma rcador bio luminescente

442B Ensa io do linfonodo local (Local Lymph Nade Assay - ln vivo em camundongos. Evento-chave 4; ava lia pro liferação
LLNA); marcador incorporação de BrdU celular pe la incorporação de BrdU

442C Sensibilização cutânea in chemico, sigla DPRA (do ln chemico. Evento-chave 1; interação covalente com proteínas
inglês Direct Peptide Reactivity Assay) celulares. O teste é feito utilizando peptídeos sintéticos

442D Sensibilização cutânea in vitro; eventos em ln vitro. Evento-chave 2; resposta de queratinócitos.


queratinócitos KeratinoSens'"

442 E Sensibilização cutânea in vitro; eventos em células ln vitro. Evento-chave 3; ativação de cé lulas dend ríticas.
dendríticas U-SENS'" e h-CLA T
Capítulo 5 • Métodos alternativos para a avaliação da toxicidade 49

6. EURL-ECVAM. European Union Reference Laboratory for alter-


como modelo a cobaia para identificar as substâncias
natives to animal testing. Disponível em: <https:// eurl-ecvam.
quím icas com potencial sensibilizante. jrc.ec.europa.eu>. Acesso em: 11 ago. 2018.
Um a vez conhecidos os eventos-chave 1, 2 e 3, foi 7. IATA N. 203. Guidance Document on an Integrated Approach on
p ossível o desenvolvim ento de m étodos alternativos a Testing and Assessment (IATA) for Skin Corrosion and Irritation.
OECD Series on Testing and Assessment, n. 203, Paris: OECD
partir de protocolos in vitro e in chemico, que, conforme Publishing, 2014. Disponível em: <https:/ /www.oecd-ilibrary.
proposto na lata n. 256 (2016), podem ser utilizados em org/environment/guidance-document-on-an-integrated-appro-
uma abordagem integrada, seguindo uma estratégia de ach-on-testing-and-assessment-iata-for-skin-corrosion-and-ir-
ritation_9789264274693-en>. Acesso em: 11 ago. 2018.
testes; e, com base nos resultados obtidos em dois de três
8. IATA N . 256. Guidance Document on the Reporting of Defined
desses métodos alternativos, é possível identificar as Approaches and Individual Information Sources to be Used within
substâncias quím icas que têm potencial sensibilizante. Integrated Approaches to Testing and Assessment (IATA) for Skin
Atualmente, há cerca de 243 AOPs e 1.800 eventos- Sensitisation. OECD Series on Testing and Assessment, n. 256,
Paris: OECD Publishing, 2016. Disponível em: <https://www.
-chave descritos na base de dados da OECD que são de oecd-ilibrary.org/ environment/guidance-document-on-the-re-
livre acesso pelo portal AOP knowledge base. porting-of-defined-approaches-and-individual-information-
-sources-to-be-used-within-integrated-approaches-to-testing-
-and-assessment-iata-for-skin-sensitisation_9789264279285-en>.
BIBLIOGRAFIA Acesso em: 11 ago. 2018.
9. IATA N. 263. Guidance Document on an Integrated Approach on
1. AOP KNOWLEDGE BASE. OECD database on AOPs and KEs. Testing and Assessment (IATA) for Serious Eye Damage and Eye
Disponível em: <https://aopkb.oecd.org/>. Acesso em: 11 ago. Irritation. O ECD Series on Testing and Assessment, No. 263,
2018. Paris: OECD Publishing, 2017. Disponível em: <http://www.
2. AOP. Adverse Outcome Pathways, Molecular Screening and Tox- oecd.org/officialdocuments/publicdisplaydocumentpdf/?co-
icogenomics. Disponível em: <http://www.oecd.org/chemical- te=ENV/JM/MON0(2017)15&doclanguage=en>. Acesso em:
safety/testing/adverse-outcome-pathways-molecular-screenin- 11 ago. 2018.
g-and-toxicogenomics.htm>. Acesso em: 11 ago. 2018. 10. [NC3Rs] National Centre for the Replacement Refinement &
3. AOP-WIKI. Adverse Outcome Pathways - Wiki. Disponível em: Reduction of Animais in Research. The 3Rs. Disponível em:
<https://aopwiki.org/>. Acesso em: 11 ago. 2018. < https://www.nc3rs.org.uk/the-3rs>. Acesso em: 5 ago. 2018.
4. CHARLES RIVER. Solutions by Industry. Disponível em: <https:// 11. NICEATM. NTP Interagency Center for the Evaluation of Alter-
www.criver.com/industries>. Acesso em: 5 ago. 2018. native Toxicological Methods. Disponível em: <https:/ /ntp.niehs.
5. CHEN ZHIWEI. Monkey models and HIV vaccine research. ln: nih.gov/pubhealth/evalatm/index.html>. Acesso em: 11 ago. 2018.
ZHANG, L.; LEWIN, S. (Eds.) HIV Vaccines and Cure. Advanc- 12. OECD iLibrary. Health Effects. ln: OECD Guidelines for the
es in Experimental Medicine and Biology, v. 1075. Singapore: Testing of Chemicals, Section 4. Disponível em: <https://www.
Springer, 2018, p. 97-124. Disponível em: <https://rd.springer. oecd-ilibrary.org/environment/oecd-guidelines-for-the-testin-
com/chapter/10.1007%2F978-981-13-0484-2_5>. Acesso em: g-of-chemicals-section-4-health -effects_20745788>. Acesso em:
5 ago. 2018. 5 ago. 2018.
Capítulo 6

Toxicologia in sílica

And ré Rinaldi Fukushima

~ ~
INTRODUÇAO CONTRIBU IÇAO DA TOXICOLOGIA /N S/L/CO

Atualm ente, os métodos alternativos para a avalia- Nessa busca de métodos alternativos desponta a
ção da toxicidade vêm ganhando espaço, em virtude do toxicologia computacional ou toxicologia in silico, uma
prin cípio dos "3Rs': ou seja, Replacement, Re.finement área do conhecimento em rápido desenvolvimento, que
and Reduction (substituição, refinam ento e redução) integra inform ações e dados de um a variedade de fon-
(para detalhes, ver Capítulo 5). tes para desenvolver modelos matemáticos baseados no
Nesse sentido, as agências reguladoras internacio- uso do computador para m elh or compreender e prever
n ais têm incentivado o uso de tecnologias computacio- efeitos adversos à saúde causados por diferentes subs-
n ais e modelagem matemática como método alterna- tâncias químicas, como os poluentes ambientais e os
t ivo e como estratégia de dim inuição d os testes que produtos farm acêuticos. A expressão in silico aplica-se
u tilizam an im ais para a avaliação d a toxicidade de ao dado gerado a partir de modelagem computacional
substâncias químicas. ou de tecn ologia da informação, em an alogia às expres-
Nos Estados Unidos, a United States Environmental sões in vitro e in vivo.
Protection Agency (Usepa) tem desenvolvido programas A toxicologia in silico investiga as interações de
de pesquisa e segurança toxicológica, como, por exem - agentes químicos com os organismos biológicos, envol-
plo, o ExpoCast, o ToxCast e o Tox21, os quais são pas- vendo várias áreas do conhecimento, como m edicina,
síveis de integração com testes in vivo com tecnologia medicin a veterin ária, biologia, bioqu ímica, química,
HTS (High-Throughput Screening), bem como a mode- matemática, ciência da computação, engenharia, dentre
lagem computacional, visando à avaliação da segurança. outras, abrangendo estudo da população e do indivíduo,
A Europa também vem incentivando o desenvolvi- bem como a n ível celular e molecular.
mento de métodos alternativos ao emprego de animais, Na atualidade, têm ganhado espaço os métodos
e em alguns casos, como na indústria de cosméticos, foi computacion ais aplicados, por exem plo, no estudo e
até mesmo proibida a realização de testes com animais, planejamento de compostos bioativos, pelo fato de ser
uma vez que existem métodos altern ativos para avalia- um método simples, de baixo custo e que pode fornecer
ção de toxicidade. informações sobre a substância química que está sendo
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitá- estudada. É importante salientar que a modelagem mo-
r ia (Anvisa) tem adotado m edidas de incentivo ao de- lecular (investigação das estruturas e das propriedades
senvolvim ento de métodos alternativos, como o apoio moleculares pelo uso da quím ica computacional, visan -
à criação do Centro Brasileiro de Validação de Métodos do for necer uma representação tridimensional - 3D)
Alternativos (BraCVA), ligado ao Instituto Nacional de não "cria" uma nova m olécula com o uso de softwares,
Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fundação porém pode auxiliar no estudo de novas moléculas e de
Oswaldo Cruz (Fiocruz), e sua efetiva participação na moléculas que já existem . O processo de desenvolvi-
Rede Nacional de Métodos Alternativos (Ren ama). mento de novas moléculas exige o trabalho multidisci-
Capít ulo 6 • Toxicolog ia in si/ico 51

plin ar e interd isciplinar, bem com o a combin ação de QUADRO 6.1. Métod os in si/ico usados para predição de toxi-
diversos métodos experimentais e analíticos. cidade de substâncias químicas e os softwares ou as bases

Os métod os de modelagem m olecular fornecem a de dados empregados

representação, a visualização, a m anipulação e a deter- Mét odo in sílica Descrição Software ou


base de dados
m inação de parâmetros geométricos (como, por exem -
QSAR (Quantitative Utiliza descritores para OECD QSAR
plo, com p rim en to e ân gulo das ligações químicas) e
Structure Activity predizer a toxicidade TopKat
eletrônicos (como, por exemplo, energia dos orbitais de Re!ationships)
, .
qu 1m1ca. Derek Nexus
fronteira, momento d e dipolo, potencial de ionização) - relação estrutura Vega
de uma molécula isolad a, permitind o estudos em ma- - atividade Meteor
quantitativa vlife-QSARpro
cromoléculas e complexos ligantes-receptores.
A lertas estruturais Estruturas quím icas que OECD QSAR
A aplicação da modelagem molecular em estudos
e modelos indicam ou associam a OCES
toxicológicos pode ser realizada de forma direta ou indi- baseados em toxicidade. Derek Nexus
reta. A abordagem direta ocor re quando se con hece a reg ras HazardExpert
Meteor
estrutu ra tridimensional do alvo biológico, permitindo a
Case
construção de modelos estruturais específicos, chamados cat-SAR
de ligan tes, seguind o o conceito de chave-fechadura. A nterpretação
1 Previsão de toxicidade OECD QSAR
abordagem ind ireta é utilizada quando não existem in- desconhecida de um Toxmatch
form ações con formacionais da macrom olécula, sen do produto químico usando Ambit
produtos químicos AmbitDiscovery
utilizados outros parâmetros, como características eletrô-
similares com toxicidade AIM
n icas e parâmetros estéricos, para auxiliar na elucidação conhecida da mesma DSSTox
da relação entre a estrutura química e atividade biológica. categoria química. ChemlDplus
A precisão dos programas de modelagem molecular Modelos Relação entre doses Cebs
é elevada, possibilitando o retrato de entidades químicas; dose-resposta e (ou tempo) e a PubChem
tempo-resposta incidência de um efeito ToxRefDB
os estu dos comp arativos de parâm etros eletrônicos e
biológ ico defin ido WinNonlin
geom étricos obtidos de forma teór ica e experimental Kinetica
sustentam essa afirmação. Portanto, a escolha dos mé- Adapt
tod os depende das propriedades que se d eseja avaliar
quanto à p recisão e capacidade com putacional dispo - por computadores no p rocessam ento das informações,
nível e suficien te para os cálculos. visualização e tratam ento dos resultad os obtidos, utili-
A m odelagem in sílica pode ser baseada em dife - zando modelagens m atemáticas, de m ecânica clássica,
ren tes métodos ou d a combinação destes, como, por d e física quântica, den tre outros.
exemplo, Quantitative Structure-Activity Relationships Há d iversos m étodos de cálculos que pod em ser
[( Q)SARs], formação de categoria, análise de tendência utilizad os na m odelagem m olecular. Esses métodos
e m étodos d e extrapolação, os quais são aplicados em po d em ser clássicos, os quais fazem uso da mecânica
softwares de agências com o a Usepa e a Organisation for molecular e da dinâmica molecular, ou quânticos, como
Economic Co-operation and Development (OECD), bem os métod os ab initio, semiempírico e baseados no fun-
com o a p r odução de ferram en tas computacion ais d e cional de densid ade.
avaliação preditiva da toxicidade, a partir da integração Os cálculos de d inâmica molecular são obtid os pe-
de avanços em informática e bioinformática, estatística, las equações de Newton, as quais simulam o movimen-
quím ica comp utacional, biologia e toxicologia. to por m eio de cálculos de energia poten cial do campo
O Quadro 6. 1 reúne alguns dos prin cipais m étodos de força para o m ovimento, assumindo que cada átomo
in sílica, sua descrição e os softwares ou base de d ados tem o comportamento de partícula.
que são muito úteis para a predição da toxicidade. Esses Os métodos quân ticos obedecem ao conjunto de
software e bases de d ados permitem procurar e relacio- leis d a m ecânica quântica. O cálculo é feito utilizand o
nar informações de toxicidade d e determ inada substân- a equação de Sch rõdinger e permite encontrar a energia
cia química a partir de d ados de testes p révios, tendo das moléculas. Assim, a partir de um conjunto de núcleos
como base o grau d e similarid ade estrutural. e elétrons, se obtém a energia da molécula e a sua função
O Quadro 6.2 m ostra várias fon tes d e dados úteis d e onda. A função de on da fornece informações sobre
em toxicologia in sílica que utilizam m étodos compu- as p ropriedades eletrônicas da molécula.
tacionais para solucionar p roblemas que envolvem as Os cálculos ab initio são baseados na mecânica quân-
diferen tes substâncias químicas. Os cálculos são feitos tica, porém utilizam equações sem aproxim ações, que
52 Toxicologia aplicada à med icina vet erinária

QUADRO 6.2. Fontes d e dados de int eresse em toxicologia in si!ico


Fonte de dados Descrição Link
,
Aers spider E uma ferra menta interativa online pa ra buscar associações estatísticas http://www.chemoprofi ling.org/A ERS/
em sistemas de notificação de eventos adversos, fa rmacoepidem iolog ia e
segurança de medicamentos
,
Cebs E uma base de dados de int eresse para pesquisadores da área de saúde https://cebs.n iehs.n ih.gov/
ambiental. Apresenta dados no contexto da biologia e do delineamento
do estudo, e também permite a integração de dados entre estudos para
nova meta-análise (aplicação de biologia de sist emas à Admet*)
,
Checkmol E um programa utilitá rio que lê arquivos de estrutura molecula r em http://merian.pch.un ivie.
diferentes fo rmatos ac.at/~nhaider/chem inf/cmmm.html
,
Chemaxon E uma empresa de desenvolvimento de software em informática e https://chemica lize.com/welcome
bioinfo rmática que oferece serviços de consu ltoria para pesquisa quím ica
e biológ ica (Admet*)
,
Chemo toais E um repositório que procura fragm entos dos nomes de medicamentos http://bi oinf-appl ied.cha rite.de/
ou cabeçalho do PDB (tipo de arquivo). Fornece informações sobre fragment_ store/
propriedades (carga, hid rofobicidade e preferências de locais de ligação),
rea liza análises estatísticas e pode visualizar o 1D de drogas e compostos
tóxicos, que contêm os fragm entos

DL-DILI Drug-induced Liver /njury (Dili - injúria hepática induzida po r drogas) é a http://www.pkumdl.cn/DILlserver/
ca usa mais frequente de abandono de um medicamento relacionado à Dll lhome.php
segurança. O servidor da web DL-Dili usa métodos deep /earning (DL)
pa ra prever a Dili
,
DrugM int E um servidor que estima quantitativamente a semelhança entre moléculas http://crdd.osdd.net/oscadd/drugmint/

eAdmet Possui uma plataforma que desenvolve modelos computaciona is http://www.eadmet.com/en/ochem.php


delineados para a pred ição de ADMET* de molécu las
,
Effectopedia E uma ferramenta de colaboração e agregação de conhecimento aberta, https://www.effectopedia.org/
projetada para facilita r os esforços interdisciplina res para delinea r AoPs
(Art of Problem Solving)
,
eTOX E uma plataforma úti l para a predição de toxicidade. Foi e laborada a partir http://www.etoxproject.eu/
do compartilhamento de dados toxicológ icos obtidos dent ro das
indústrias farmacêuticas
,
Gusar E um software desenvolvido para criar modelos QSAR/ QSPR (Quantitative http://www.way2drug.com/gusar/
structure activity relationships/Quantitative structure-property relationships) acutoxpred ict. htm 1
com base nos conjuntos de dados apropriados relacionados às estruturas
quím icas e endpoint, em termos quantitativos
,
HExpoChem E um banco de dados integrativo que contém diversos produtos químicos http://www. cbs.dtu .d k/services/
com o objetivo de explorar a exposição e os efeitos desses produtos em HExpoChem-1.0 /
seres humanos

lntSide Um servidor que integra informações quím icas e biológicas para elucidar https://omictools.com/ intside-tool
os mecanismos molecu lares subj acentes aos efeitos colate rais dos
med icamentos
,
Lazar E uma ferramenta para a previsão de atividades tóxicas que emprega http://la zar. in-siIico.de/
relações de estrutura-atividade

LiverTox Pesqu isa de hepatotoxicidade de medicamentos e plantas https:// livertox.n ih .gov/


,
Mcule E um servidor que prevê a druggabilty de um composto. Foi desenvolvido https:// mcu le.com/
com base na d iferença de descritores de molécu las pequenas aprovadas
e experimentais. Esse servido r auxilia no conhecimento das propriedades
druggab/e de uma estrutu ra química
,
MetaSite E um proced imento computacional que prevê as transformações http://www.mold iscovery.com/
metabólicas relacionadas às reações mediadas pela monoxigenase do softwa re/ metasite/
citocromo e da flavina no metabolismo da fase 1
,
Molsoft E uma empresa fornecedora de ferramentas, bancos de dados e serviços http://www.molsoft.com/m prop
de consultoria na área de previsão de estruturas, proteômica estrutura l,
bioinfo rmática , quim ioinformática, visualização e an imação de moléculas
e desenho raciona l de medicamentos
(continua)
Capít ulo 6 • Toxicologia in si/ico 53

QUADRO 6.2. Fontes de d ados de int eresse em toxicolog ia in si!ico (continuação)


Fonte de dados Descrição Link

Myc MycPermCheck é uma ferramenta online para previsão de permeabilidade http://www. mycpermcheck.aksotriffer.
de moléculas de ba ixo peso molecu lar para a membrana do Mycobacterium pharmazie.un i- wuerzburg.de/
tubercu/osis. A base do programa é um modelo de regressão lógica das
propriedades físico-químicas de substâncias permeáveis

Pa DEL Padel-DDPredictor é um software que ca lcu la as prop riedades http://www.yapcwsoft.com/dd/


farmacodinâmicas, farmacocinéticas e toxicológicas dos compostos padelddpredictor/
,
ProTox E um laborató rio v irtua l pa ra a prediçã o de toxicidade de pequenas http://tox.cha rite.de/
molécu las, que emprega modelos que envolvem vários desfechos de
toxicidade
,
Q ED E um servidor que contém info rmações sobre diversas fontes de produtos http://crdd.osdd.net/oscadd/qed/
químicos com o objetivo de explorar o risco à saúde huma na causado
pela exposição aos produtos químicos. São consideradas cinco fontes de
informação: medicamentos, alimentos, cosméticos, produtos químicos
industriais e metabólitos humanos
,
QSAR Toolbox E um software pa ra agrupar produtos químicos em categorias e https://qsartoolbox.org/
preencher lacunas de dados de (eco)toxicidade necessários para a
ava liação de risco de produtos químicos

Test Toxicity Estimation Software Too/ (Test) foi desenvolvido para perm itir aos https://www.epa.gov/chemical-
usuários estimar facilmente a toxicidade de produtos químicos usando o research/toxicity-estimation-software-
método QSAR** tool-test
,
ToxAlerts E um servidor que oferece informações de alertas estrutura is para https://omi ctools. com/taxa lerts-tool
produtos quím icos tóxicos e compostos com potencia is reações
adversas. O banco de dados já contém quase 600 alertas estruturais para
endpoints, como mutagenicidade, carcinogenicidade, sensibilização da
pele, compostos que sofrem ativação metabólica e compostos que
formam metabólitos reativos
,
ToxCast E uma ferra menta computacional que gera dados e modelos preditivos https://www.epa.gov/ chemical-
sobre milhares de produtos químicos de interesse da United States research/toxicity-forecasting
Environmental Protection Agency (EPA)
,
ToxiPred E um servidor para predição da toxicidade aquosa de pequenas crdd.osdd.net/raghava/toxipred
molécu las químicas em Tetrahymena pyriformis
,
Vega-QSAR E uma plataforma pa ra acessar uma série de modelos QSAR pa ra fins http://www.vega-qsar.eu/
regulatórios ou para desenvolver modelos para fins de pesquisa
,
V irtualToxl ab E uma ferra menta para pred ição do potencial tóxico de drogas, produtos http://www.biograf.ch/data/projects/
químicos e produtos natura is OpenV irtualToxl ab.php

*ADMET =absorção, distribuição, metabolismo, excreção e toxicidade; **QSAR =Quantitative Structure Activity Relationships (relação estrutura-atividade
quantitativa).

envolvem o total dos elétrons de um a m olécula. São tamento molecular diante da predição de toxicidade de
m étodos que determinam as constantes fundamentais diferentes substâncias químicas, podendo ser aplicados
de modo independente. Esse método é empregado n os na elucidação do m ecanismo de toxicidade, no enten-
casos de estruturas com pouca ou nenhuma informação dimento das transições eletrônicas e no planejam ento
disponível, sendo capaz de reproduzir dados experimen- de novos e potentes compostos com m esma ação e re-
• A , •

tais sem empregar parametros emp1r1cos. dução da toxicidade.


Cálculos semiempíricos são baseados em mecânica
quântica, os quais utilizam fun ções de onda sobre os ~
CONSIDERAÇOES FINAIS
orbitais de Slater (STO) e de Gaussian (GTO), também
cham ados de fun ções gaussian as prim itivas, pois são Os avanços da toxicologia e dos modelos in sílica
um conjunto de funções que representam um orbital estão tornando o processo de avaliação da toxicidade
m olecular, permitindo a m inimização de en ergia do mais eficiente e de menor custo, considerando a gran de
sistema. quantidade de substân cias quím icas produzid as que
Métodos computacionais de modelagem molecular precisam ser estud ad as, o que representaria um alto
mostram-se muito promissores em estudos de compor- custo e o emprego de muitos animais, algo atualmente
54 Toxicolog ia aplicada à med icina vet eriná ria

12. LEACH, A.R. Molecular modeling: principies and applications.


im praticável. As legislações dos países devem estar aten -
2.ed. Londres: Prentice Hall, 2001.
tas ao princípio dos 3Rs, aos avanços tecnológicos e 13. [NRC - US] NATIONAL RESEARCH COUNCIL. Recognition
científicos, uma vez que esse novo paradigm a pode tra- and alleviation of pain in laboratory animais. National Academies
zer m elhorias nas políticas de segurança para a saúde Press, 2009.
14. [OECD] ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DE-
humana e animal, b em como p ara o m eio am biente, SENVOLVIMENTO ECONÔMICO. OECD principies for the
além de contribuir para o setor produtivo no desenvol- validation, for regulatory purposes, of (Quantitative) Structure-
vimento de novas substâncias químicas. -Activity Relationship mod els. Disponível em: http:/ /www.oecd.
org/ chemicalsafety/ risk-assessment/37849783.pdf. Acesso em:
Essas novas abordagens da toxicologia são válidas,
5 out. 2018.
bem-vindas e definitivas, auxiliam no raciocínio toxi- 15. _ _ _ . OECD Quantitative Structure-Activity Relationships
cológico e exigem cada vez mais o domínio das relações Project [( Q)SARs] . Disponível em: http:/ /www.oecd.org/che-
micalsafety/ risk-assessment/oecdquantitativestructure-activi-
estrutura-atividade, dose-efeito e dose-resposta e de
tyrelationshipsproj ectqsars.htm. Acesso em: 5 out. 2018.
todos os aspectos que envolvem a toxicidade. Elas são 16. OLSSON, T.; OPREA, T.I. Chemininformatics: a tool for deci-
um aprofundamento sistematizado da toxicologia e da sion-makers in drug discovery. Current Opinion in Drug Disco-
integração de diferentes áreas da ciência. very and Development, v. 4, n . 3, p. 308-1 3, 2001 .
17. REISFELD, B.; MAYENO, A.N. What is computational toxico-
logy? Methods in Molecular Biology, v. 929, p. 3-4, 2012.
BIBLIOGRAFIA 18. RITCH IE, T.J.; McLAY, I.M . Should medicinal chemists do
molecular modeling? Drug Discovery Today, v. 17, n. 11-2, 2012.
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Visible spectra of polyphenols: a time-dependent density func - REIRA, D.T.; FACCIONE, M .; et al. (Eds.). Da química medici-
tional theory study. Food Chemistry, v. 131, p. 79-89, 2012. nal à química combinatória e a modelagem molecular: um
2. COHEN, N .C. Guidebook on molecular modeling in drug design. curso prático. Barueri: Manole, 2003, p. 111-39.
San Diego: Academic Press, 1996, p. 361. 20. SANT'ANNA, C.M .R. Glossário de termos usados no planeja-
3. COH EN, N.C.; BLANEY, J.M.; HUMBLET, C.; et al. Molecular mento de fármacos (recomen dações da IUPAC para 1997) .
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nal of Medicinal Chemistry, v. 33, n . 3, p. 883-94, 1990. 21. _ _ _ . Métodos de m odelagem molecular para estudo e pla-
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lio do computador. Disponível em: https://old.iupac.org/p ubli- Virtual de Química, v. 1, n . 1, p. 49-57, 2009.
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1 out. 2018. para análise do risco químico. Revlnter Revista Intertox de To -
5. DHAWAN, A.; KWON, S. ln vitro toxicology. Londres: Academic xicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 47-63, 2011.
Press, 2018. 23 l p. 23. _ _ _ . Toxicologia in silico: fundamentos e aplicações. l.ed.
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tradition. Analytical and Bioanalytical Chemistry, v. 384, p. 57-64, 24. SANTOS, C.E.M.; RODRIGUES, A.S. Toxicologia in silico: con-
2006. texto de aplicação e o m odelo de custo-efetividade nos testes
7. _ _ _ . Toe central role of chemoinformatics. Chemometrics alternativos. Revlnter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Am-
and Intelligent Laboratory Systems, v. 82, p. 200-9, 2006. biental e Sociedade, v. 4, n. 3, p. 92-1 13, 201 1.
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in Lead Discovery. Combinatorial Chemistry & High 1hroughput 66, p. 334-95, 2014.
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9. HÕLTJE, H.-D.; SIPPL, W; ROGNAN, D.; et al. Molecular Mo - V. 27, n. 4, p. 631-9, 2004.

deling: basic principies and applications. 3.ed. Nova York: VCH , 27. [USEPA] UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION
1996. AGENCY. National Center for Computational Toxicology
10. ITAI, A.; MIZUTANI, M .Y.; NISHIBATA, Y.; et al. Computer- (NCCT). Disponível em: https:/ /www.epa.gov/aboutepa/abou-
-assisted new lead design. ln: COHEN, N .C. (Ed.). Guidebook t-national-center-computational-toxicology-ncct. Acesso em: 1
on molecular modelling drug design. San Diego: Academic Press, out. 2018.
1996, p. 100-1. 28. _ _ _ . Next Generation Risk Assessment: Incorporation of
11. [IUPAC] INTERNATIONAL UNION OF PURE AND APPLIED Recen t Advances in M olecular, Computation al, and Systems
CHEMISTRY. IUPAC Glossary of terms used in toxicology. Pure Biology (Final Report). U.S. Environmental Protection Agency,
and Applied Chemistry, v. 79, n. 7, p. 1153-344, 2007. Disponível Washington, DC, EPA/600/R-1 4/004, 2014. D isponível em:
em: http://sis.nlm.nih.gov/enviro/iupacglossary/glossaryi.html. https://cfpub.epa.gov/ ncea/ risk/recordisplay.cfm?deid=286690.
Acesso em: 2 out. 2018. Acesso em: 5 out. 2018.
Capítulo 7

Toxicologia in vitro

Cristina de Olive ira Massoco Salles-Gomes

~ desde que validados e aceitos por órgãos regulamenta-


INTRODUÇAO
dores internacionais.
O avan ço científico e tecnológico aliado à opinião Muitos dos bioensaios in vitro utilizados em toxi-
pública impulsionaram o desenvolvimento e a validação cologia se en contram alicerçados pelo conhecimento
dos métodos alternativos realizados em laboratórios para cientificam ente consagrado decorrente tanto da litera-
o estudo dos efeitos tóxicos de substâncias químicas no tura científica, com o dos estudos conduzidos pela in -
organism o. Com o m étodo alternativo, os ensaios in vitro dústria farmacêutica, que num a fase inicial do processo
(linhagens celulares e/ ou tecidos) se baseiam em estudos de pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos
realizados com células ou suas organelas, com parte de avalia as propriedades biológicas das novas moléculas,
tecidos reconstruídos em sistemas de cultivo celular bi- fazendo uso de testes in vitro, os quais são considerados
dim ensionais ou trid imensionais, os quais buscam m i- parte dos estudos pré-clínicos.
metizar, ao máxim o, um organismo animal ou humano. Apesar dos avan ços e da confian ça adquiridos ao
Essa abordagem celular contribu i para a redução longo dos an os de desenvolvimento e validação dos
do número de anim ais utilizados nos testes de toxicida- ensaios in vitro, não existe um modelo "ideal" que subs-
de in vivo com base no princípio dos três Rs (3Rs) da titua completamente o uso de animais n os estudos de
experimentação animal, elaborados em 1959 pelos in- toxicidade. No entanto, há de se ressaltar a relevância
gleses William Russel e Rex Bu rch. Esse princípio se que os ensaios in vitro têm na segurança dos estudos de
baseia na redução, no refinamento e na substituição (do toxicidade, com o, por exemplo, o teste de micronúcleo,
inglês R eduction, R eplacement, R efinement), os quais que avalia o potencial de agentes genotóxicos por meio
visam m inim izar a quantidade de an imais utilizados da avaliação de indução de anomalias crom ossômicas.
n os estudos, à con d ução m ais adequada dos estudos O desastre dos efeitos teratogên icos da talidomida na
para m inimizar o sofrimento dos animais e ao desen- década de 1950 poderia ter sido evitado se o ensaio do
volvimento dos ensaios in vitro que reproduzam as con - micronúcleo tivesse sido empregado, um a vez que nes-
<lições dos organismos, contribuindo para a diminuição se ensaio é utilizada uma linhagem celular diferente dos
do uso de animais em ensaios para predizer a seguran- roedores. Os ensaios utilizados p ela ciência n aquela
, . . . . .
ça, em especial, nos seres h umanos. Além disso, o uso ep oca se restr1n g1am aos ensaios tn vivo com ratos e
dos modelos in vitro ainda tem como objetivo am pliar camundongos, os quais não foram eficazes no biomo-
a confiança nos resultados obtidos nos modelos animais nitoram ento da teratogenicidade desse m edicamento.
e, também, serve com o uma ferramenta de triagem de
,
doses da droga a ser testada posteriormente em animais HISTORICO
e em moléculas-alvo.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitá- A evolução histórica acerca do uso dos ensaios in
r ia (Anvisa), no âmbito de estudos não clínicos de se- vitro em substituição aos ensaios em animais demons-
gurança, os quais são realizados durante o desenvolvi- tra que a concepção dos 3Rs no final da década de 1950
mento de m edicam entos, recomenda o uso de m étodos foi o movimento precursor, mas foi consolidado a par-
alternativos in vitro em substituição ao modelo animal, tir da década de 1970, n o Reino Unido, com a criação
56 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

d o Fundo para a Substituição de An im ais em Experi- Em 1993 foi realizado o p rimeiro Congresso Mun -
mentos Médicos (Frame - Fund for the Replacement of dial sobre os Testes Alternativos e o Uso d e Anim ais nas
Animais in Medical Experiments), o qual foi responsável Ciências da Vida: Educação, Pesquisa e Testes, em Bal-
pela publicação de documentos esboçand o a substitui- timore nos Estados Unidos.
ção de animais por modelos computadorizados, estudos Em 1997, o govern o fed eral d os Estados Unidos
em culturas de células e uso de organism os inferiores. cria o "Comitê de Coordenação Interagências para Va-
Em 1971, Bruce Am es, da Universid ad e d a Califór- lidação de Métodos Altern ativos" (ICCVAM - lntera-
nia em Berkeley, p ropôs um teste in vitro para mutagê- gency Coordinating Committee on the Validation of Al-
n ese, usando a Salmonella typhimurium e, em 1975, a ternative Methods).
Academia N acion al d e Ciências d os Estad os Unidos Em 1998, o ECVAM aprova os testes 3T 3 NRU PT
p romoveu, naquela época, o maior encon tro cien tífico como alternativa n a avaliação de fototoxicid ade e, para
sobre os testes alternativos. avaliação de corrosão d érm ica, o Episkin e o T ER (re-
A partir de 1983, a Sociedade Escandinava de Toxi- sistência elétrica transepitelial).
cologia Celular criou o cham ado Programa de Avaliação No Brasil, em 2012 é criada pelo Ministério da Ciên-
Multicêntrica de Citotoxicidade ln Vitro (Meic - Multi- cia, Tecnologia e Inovação (MCTI - Portaria n . 49 1) e
center Evaluation ofln Vitro Cytotoxicity) para comparar renovad a até 2020 a Rede Nacional d e Métodos Alter-
os resultados dos métod os in vitro com os métodos rea- nativos (Renama,) a qual é integrada ao Centro Brasilei-
lizad os nos ensaios de toxicidade d e dose agud a oral em ro para Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM),
roed ores (ensaio in vivo). Foi assumido nesse programa cujo início se deu em 2013. O objetivo geral desses órgãos
que: a) o sistem a de cultivo celular in vitro pode ser uti- é estimular a implantação, o desenvolvimento, a valid a-
lizad o com o u m m od elo de toxicidade oral in vivo; e b) ção e a certificação de novos métodos alternativos ao uso
a citotoxicidade basal detectada por esses m o d elos in de anim ais. Existem três laboratórios centrais que cons-
vitro pode ser responsável p or uma grande p roporção tituem o Renama e que representam o Instituto Nacional
dos efeitos tóxicos in vivo. Esse programa reuniu pesqui- d e Con trole de Qualidade em Saúde (INCQS), são eles:
sadores do mundo todo (96 laboratórios) para testarem o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecno-
in vitro 50 substâncias pertencentes a grupos químicos logia (Inmetro ), o Laboratório Nacional de Biociências
diferentes, as quais foram escolhidas com base nos regis- (LNBio) e laboratórios associados.
tros de intoxicação letal, por via oral, em seres h umanos
,
e em roedores. Ao tod o foram utilizados 61 ensaios in ENSAIOS /N VITRO E SEUS PRINCIPIOS
vitro, os quais foram conduzidos utilizando linh agens de
células human as e variadas linh agens d e células de ma- Embor a muitos dos experimentos in vivo ain da
míferos (não humanos). No geral, nesses ensaios tanto a sejam insubstituíveis e o modelo animal aind a seja o
viabilidade celular quanto a proliferação celular foram os mais u tilizado, tan to no âmbito d a pesquisa com o na
parâm etros avaliados, sendo que o tempo de exposição avaliação d a toxicidade de u ma substân cia quím ica,
das células às substâncias variou de 5 m inutos a 6 sema- alguns modelos in vitro se encontram validados ou em
nas, mas a maioria utilizou o períod o de 24 horas. fase final de validação para serem utilizados nos estu-
Em 1986, no Reino Unido, uma nova legislação sobre dos d e toxicidad e, u ma vez que as fun ções celulares
o uso de anim ais substituiu a lei do ano de 1876, e o Con- basais suportam as funções celulares órgãos-específicas.
selho d e M inistros da Comunidade Eu ropeia aprovou Vários estudos apontam para uma correlação positiva
um a diretriz para que os países membros criassem uma ent re os efeitos tóxicos agudos in vivo e a citotoxicida-
legislação que promovesse os 3Rs. Nesse m esmo ano, a de in vitro.
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Eco- Os primeiros testes in vitro foram aqueles relaciona-
nôm ico (OECD - Organization for Economic Co-ope- d os ao estudo da citotoxicidade basal, tendo como obje-
ration and Development) iniciou a discussão sobre mé- tivo a redução do número de animais para a avaliação de
todos altern ativos. toxicidade aguda sistêmica. Além disso, os ensaios in
Em 1991 foi criad o na Eu ropa o Cen tro Eu ropeu de vitro podem ser considerad os com o substituintes total
Validação de Métodos Alternativos (ECVAM - European ou parcial ao uso de animais, e são exemplos disso, res-
Union Reference Laboratory for alternatives to animal pectivam ente, a determinação de potência da insulina
testing). Entre 1992 e 1993, o Frame conduziu uma ava- por métodos químico-físicos (por cromatografia de alta
liação d e cooperação internacion al para selecionar os eficiência) e técnicas que utilizam cultura de células, órgãos
sistem as in vitro capazes de predizer a toxicidade aguda. isolados ou preparações subcelulares (receptores isolados).
Capítulo 7 • Toxicologia in vitro 57

Os ensaios in vitro, na maioria d as vezes, são con- com o Áustria, Bélgica, D inamarca, Finlândia, França,
duzidos an teriormente à condução dos ensaios com Alemanha, Grécia, Irlan da, Itália, Luxemburgo, Países
an imais, visando aperfeiçoar o processo de identificação Baixos, Portugal, Espanha, Suécia e Reino Unido).
da toxicidade, além de reduzir o tempo e os custos em- O comitê d essas agên cias produz protocolos conhe-
pregados em uma avaliação toxicológica. cidos como guias (guidelines), os quais são disponibiliza-
Assim, os ensaios in vitro atendem ao objetivo da d os apenas quando a nova proposta tenha sido avaliad a,
redução e substituição dos ensaios realizados com animais, valid ada e aprovada pelos órgãos competentes e por uma
porém precisam também conferir um a avaliação acura- avaliação independente, ou seja, por instituições que não
da a respeito dos efeitos deletérios de uma d eterminad a estiveram envolvidas durante o processo de pesquisa, de
substância química. Nesse sentido, o estabelecimento da d esenvolvimento e de valid ação do bioensaio. Em linhas
implantação e confiabilidade dos ensaios in vitro em subs- gerais, o processo todo para aprovação e regulamentação
tituição aos testes com uso de animais depend e da ava- d e uma proposta para um determinado ensaio in vitro
liação e da h armonização d os processos d e validação compreen de o período de aproximadamente seis anos.
entre os comitês das agências in ternacionais american a O Quadro 7 .1 apresenta alguns exemplos d e ensaios
e europeia, respectivam ente, a ICCVAM (composta por in vitro validados e aceitos para o estudo d os efeitos
15 agências regulatórias e de pesquisa) e a ECVAM (com- potenciais de determinadas substâncias químicas sobre
posta por representantes de todos os Estados m embros, a saúde h umana e sobre o meio ambiente.

QUADRO 7.1. Métodos alternat ivos va lidados q ue fazem uso de ensaios in vitro normatizados e regulamentados para fins de
reg istro de produtos
Método alternativo validado Desfecho de t oxicidade Validação científica dos ensaios Agência regulatória

Teste de fototoxicidade de captação do Fototoxicidade ICCVAM (2008)/JaCVAM (2011) OECD/Guia 129 revisada
corante vermelho neutro (NRU) 3T3 aguda em 2010
Un idade formado ra de colônia- Hematotoxicidade ESAC (2006)
granulócito/macrófago (ensaio de
neutropenia aguda)

Teste de barreira da membrana Corrosão cutânea Relatório do ICCVAM em 1999, OECD/Guia 435 revisada
Corrositex recomendado a agências dos em 2015
EUA em 1999; declaração do
Esac em 2000
Teste com epiderm e humana Corrosão cutânea Relatório do ICCVAM em OECD/Guia 431 revisada
reconst it uída 2002; declaração do Esac em em 2016
EpiSkin™ 1998

Skin Ethic™ Corrosão cutânea Esac em 2006 OECD/Guia 431 revisada


em 2016
epiCS® Corrosão cutânea Esac em 2009 OECD/Guia 431 revisada
em 2016
Teste com epiderme humana recons- Irritação cutânea ESAC em 2007 e 2008 OECD/Guia 439 revisada
tituída - EpiSkin "/ Ep iDerm "/SkinEt hic• em 2015

Método de difusão in vitro Absorção cutânea/ OECD OECD/Guia 428 publicada


penet ração em 2004

Método do t este da lucife rase em Sensibilização cutânea Recomendação da EURL OECD/Guia 442D revisada
ARE-Nrf2 (p. ex., ensa io KeratinoSens •; ECVAM em 2014 em 2018
LuSens)
V ia de efeito adverso (AOP) para Sensibilização cutânea OECD OECD/Guia 168 publicada
sensibilização cutânea em 2012
Teste de ativação de célula humana Sensibilização cutânea EURL ECVAM em 2015 OECD/Guia 442E revisada
(h-CLAT) em 2017
Método de t este de vazamento de Corrosão ocu lar OECD OECD/Guia 460 publicada
fluoresceína (FL) em 2012
Método do teste do epité lio humano Corrosão ocu lar OECD/Guia 492 revisada
reconstit uído semelhante à córnea em 2018
(p. ex., Ep iücu lar", SkinEt hic", LabCyte)
(continua)
58 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

QUADRO 7.1. Mét odos alt ernativos va lidados que fazem uso de ensaios in vitro no rmatizados e regulamentados para fins de
registro de prod utos (continuação)
Método alternativo validado Desfecho de toxicidade Validação científica dos ensaios Agência regulatória

Método de teste da opacidade e Corrosão ocu lar ICCVAM em 2006, OECD/Guia 437 revisada
permeabilidade da córnea de bovino recomendado a agências dos em 2013
EUA em 2007

Método do teste do olho iso lado de Corrosão ocu lar ICCVAM em 2006, OECD/Guia 438 revisada
frango recomendado a agências dos em 2018
EUA em 2007
Método de teste de vazamento de Irritação ocu lar OECD OECD/Guia 460 publicada
fluoresceína em 2012
Método de teste da opacidade e Irritação ocu lar Esac em 2007 OECD/Guia 437 revisada
permeabilidade da có rnea de bovino em 2013
Método do teste do epité lio humano Irritação ocular OECD/Guia 492 revisada
reconst it uído semelhante à córnea em 2018
(p. ex., Epiücu lar", SkinEthic•, LabCyte)

Teste in vitro de m icron úcleo Genotoxicidade/ Esac em 2006 OECD/Guia 487 revisada
mutagenicidade em 2016

Teste de Ames (mutação reversa Genotoxicidade/ OECD OECD/Guia 471 revisada


bacteriana) mutagenicidade em 1997
Teste in vitro de aberração Genotoxicidade/ OECD OECD/Guia 473 revisada
cromossôm ica com mamíferos mutagenicidade em 2016

Teste in vitro de mutação de gene Genotoxicidade/ OECD OECD/Guia 476 revisada


celular com mamíferos mutagenicidade em 2016
Testes in vitro de mutação de gene Genotoxicidade/ OECD O ECD/Guia 490 revisada
celular com mamíferos usando gene mutagen icidade em 2016
contendo tim idina qu inase

Ensaio de transformação celular Carcinogen icidade Recomendação da EU RL O ECD/Guia 214 revisada


ECVAM em 2012 e 2013 em 2015

Ensaio combinado de toxicidade e Carcinogen icidade OECD O ECD/ Gu ia 453 revisada


carcinogenicidade crônicas em 2009
Teste in vitro de ativação de monócito Pirogenicidade Esac (2006)/ICCVAM (2008) Relatório do ICCVAM em
2008; declaração do Esac
em 2006; adotado na
Farmacopeia Europeia em
2009
Teste de lisado de amebócitos do Pirogenicidade Capítu lo geral 85 da
limulus Farmacopeia americana;
capítulo geral 2.6.14 da
Farmacopeia da Europa;
Anexo 14 do ICH

Teste de células-tronco embrionárias Toxicidade reprodutiva Esac (2001)


Ensaio de esteroidogênese H295R Rastreamento de OECD O ECD/ Guia 456 pub licada
desreguladores endócrinos em 2011

Método do receptor de estrogênio Rastreamento de OECD O ECD/ Guia 457 publicada


BG1Luc desreguladores endócrinos em 2012
Ensaio in vitro com hepatócitos de truta Toxicidade aquática OECD O ECD/ Guia 319A publicada
arco-íris criopreservados em 2018

Ensaio in vitro com a fração subcelular Toxicidade aquática OECD O ECD/ Guia 3198 publicada
de fígado de truta arco-íris S9 em 2018

Teste de toxicidade aguda com Toxicidade aquática OECD; recomendação da O ECD/ Guia 236 publicada
embriões de peixe (FET) EURL ECVAM em 2014 em 2013
Esac ECVAM: Comitê Consultivo Científico do Laboratório de Referência da União Europeia para Alternativas à Experimentação Animal; EURL ECVAM:
Laborató rio de Referência da União Europeia para Al ternativas à Experimentação A nimal; ICCVAM US: Comitê lnterinstitucional para Validação de Métodos
Alternativos dos Estados Unidos; JaCVAM: Centro Japonês para Validação de Métodos Alternativos; OECD: Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico; VICH: Cooperação Internacional em Harmonização de Requisitos Técnicos para Registro de Medicamentos Veterinários.
Capítulo 7 • Toxicologia in vitro 59

Cada país, com base na regulam entação, pode con - entre os pesquisadores, os usuários, as agências regu-
siderar a utilidade do método proposto, bem como apli- ladoras e o público.
cá-la p ara uso. Para o registro de n ovas substân cias A ciência de h oje e do futuro deve garantir que o
químicas, esses guias servem para a condução de estudos método in vitro seja suficientemente capaz de indicar, o
que se propõem a predizer os efeitos tóxicos para a es- mais precisam ente possível, as condições de eficácia e
pécie humana, para os animais e para o ambiente. segurança de uma substância química ou produto, des-
Além da questão ética n o uso de animais em testes de que o m étodo esteja bem definido e validado.
toxicológicos, uma vantagem na implantação dos testes
in vitro está no fato de que eventos tóxicos que antes BIBLIOGRAFIA
n ão eram observados em animais, por características
1. BRUNER, L.H .; CARR, G.J.; CHAMBERLAIN, M .; et al. 1996.
intrínsecas da espécie estudada, passaram a ser obser-
Validation of Alternative Methods for Toxicity Testing. Toxicol.
vados em um sistem a celular in vitro. Como exemplo, ln Vitro, v. 10, p. 479-501.
pode ser citada a dermatite de contato causada por ní- 2. CLEMEDSON, C.; EKWALL, B. 1999. Overview of the Final
MEIC Results: I. Toe ln Vitro-In Vivo Evaluation. Toxicol. ln
quel, cuj o ensaio in vitro d em onstrou evidên cias de
Vitro,v.13,p. 1-7.
hipersensibilidade, as quais n ão foram observadas nos 3. [ICCVAM] INTERAGENCY COORDINATING COMMITTEE
ensaios in vivo em roedores. ON THE VALIDATION OF ALTERNATIVE METHODS. 1999.
É importante ressaltar que os ensaios in vitro devem Evaluation of the validation status of toxicological methods:
General Guidelines for Submissions to ICCVAM Validation and
ser conduzidos de acordo com as boas práticas de labo- Regulatory Acceptance of Toxicological Test Methods: A Report
ratório (BPL) e que a m aioria dos bioensaios in vitro of the ad hoc Interagency Coordinating Committee on the
disponíveis ainda apresenta limitações que podem com - Validation of Alternative Methods. NIH Publication 99-4496.
National Institute ofEnvironmental Health Sciences, Research
prometer a confiabilidade e reprodutibilidade dos testes,
Triangle Park, North Carolina. Disponível em: http://iccvam.
como, por exemplo, as variações interlaboratoriais e niehs.nih.gov/docs/guidelines/subguide.htm. Acesso em: 8 set.
intralaboratoriais de com petên cia metabólica nos lotes 2018.
de células e a falta de um fornecimento regular de teci- 4. [NIEHS] NATIONAL INSTITUTE OF ENVIRONMENTAL
HEALTH SCIENCES, 2001. Guidance document on using in vitro
dos, podendo comprometer a disponibilidade de vários data to estimate in vivo starting doses for acute toxicity. NIH Pu-
ensaios baseados em células. blication 01 -4500. NIEHS, Research Triangle Park, North Carolina.
5. [MEIC] NATIONAL TOXICOLOGY PROGRAM. Toe Multi-
~ center Evaluation of ln Vitro Cytotoxicity (MEIC), 2000. Dis-
CONSIDERAÇOES FINAIS ponível em: https:/ /ntp.niehs.nih.gov/iccvam/docs/acutetox_
docs/finalrpt/finappe2-508.pdf. Acesso em: 17 dez. 2018.
Com relação a tudo o que foi exposto, deve-se ter 6. [MCTI] MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INO-
VAÇÃO. Portaria no 491 . Institui a Rede Nacional de Métodos
em mente que a segurança do uso dos métodos in vitro
Alternativos - Renama e sua estrutura no âmbito do Ministério
n os ensaios de toxicidade envolve um processo exten - da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI, que será supervi-
. . , . -
so e cr1ter1oso, uma vez que varias sao as etapas n eces- sionada por um Conselho Diretor. Diário Oficial da União de
3 de julho de 2012. Brasília, DF, 2012.
sárias para sua validação e aceitação, tais como o de-
7. OECD Guidelines for the Testing of Chemicals. ln Vitro Mem-
senvolvimento, a pré-avaliação, a validação, a revisão, a brane Barrier Test Method for Skin Corrosion (435), 19 July
aceitação regulatória e a im plantação. Cada etapa de- 2006. Disponível em: http://iccvam.niehs.nih.gov/SuppDocs/
pende de uma comunicação consistente e apropriada FedDocs/OECD/OECDtg435.pdf. Acesso em: 13 set. 2018.
Capítulo 8

Avaliação de toxicidade:
estudos pré-clínicos

Clea Camargo
Ka ren Cristina Roth

INTRODUÇÃO Há muito tempo, mas especialmente, nos anos mais


recentes, o mu nd o tem acompanhado o quão conectado
A Toxicologia considera que toda substân cia quí- o ser humano está com os animais. Não apenas para pro-
mica é capaz de p roduzir efeito no civo em um sistem a visão de alimentos, trabalho ou companhia; o ser huma-
biológico. Assim, toda substância química pode ser con- no também compartilha diversas doenças com os animais,
sid erad a um agente tóxico, d epen dendo das condições desde a raiva até a gripe aviária que, recentemente, dizimou
de exposição (dose/concen tração; du ração e frequên cia os plantéis d e aves em d iversos países, ao m esm o tempo
de exposição, via d e exposição; propriedades físico-quí- em que fez ad oecer in úmeras pessoas ao red or do mu n-
micas e suscetibilidade individual), como abordado n o do. Dessa forma, cuidar da saúde dos animais é cuidar da
Capítulo 1. Portanto, há necessidade d e se conhecer o(s) saúde d a população humana e do meio ambiente.
efeito(s) tóxico(s) que uma substân cia p od e produzir D ados d e 2017, da Health for Animais (organização
n o organism o an imal e estabelecer as con dições de uso que represen ta o setor de saúde an im al, d a qual fazem
segu ro d essa substân cia para n ão causar dano à saúde parte os fabricantes de p rodutos farmacêuticos veteri-
dos an im ais, d e outros seres vivos e ao m eio ambiente. nários, de vacinas e de outros produtos de saúde animal
Nesse con texto, os ensaios d e toxicidade auxiliam na em todo o mun do), mostraram que, anualmente, o setor
tomada d e decisão sobre a segurança do uso de novos d e saúde an imal investe ao redor de 3 bilhões de dólares
produtos obtidos a partir da síntese de novas moléculas, em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos.
sejam eles m edicam en tos, praguicidas, conservan tes, A Figura 8.1 ilustra o processo para o desenvolvimen-
germ icid as d e água ou d e alimentos etc. to de u ma m olécula nova, p or exemplo, de um futur o
Neste capítulo serão apresen tad os as exigências e
proced imentos relativos ao regist ro d e produtos de uso 10.00 0 moléculas novas
veterinário, no que se refere aos estudos pré-clínicos.
Antes de serem abord ad os os procedimentos em -
1 2 anos 1
p regados nos estudos pré-clín icos, é oportuno explicar
o porquê d a necessid ad e de a indústria de saúde an imal 250 moléculas
Fase de farmacologia
química e d esenvolvimento
, .
fazer estudos empregand o animais. 20 moléculas qu1m1co

O ser h umano com partilha o mundo com bilhões


de animais. Alguns desses bilh ões de animais são criados 5
moléculas

em fazendas, enquanto outros v ivem d entro de casa,


como animais de companhia, ou fazem parte da vasta
1 8 anos 1
enorm id ade de seres de vida selvagem .
A indústria de saúde an imal existe para garantir que nova
Fase de desenvolvimento
e re gistro
todos esses an imais vivam com qualidade e em condições
de expressar todo o seu potencial genético. Mas, por que
FIGURA 8.1. Esquema ilustrativo do processo de pesquisa
a saúde anim al importa? Porque a saúde do ser hum an o
e desenvolvimento de um novo medicamento pela Indústria
está intrinsecamen te conectada com a saúd e e bem-es-
de Saúde Animal.
tar d os an im ais ao redor do mundo. Fonte: adaptada de Hea lth f or Anima is.
Capítulo 8 • Ava liação de toxic idade: estudos pré-c línicos 61

produto d e uso veterinário. A avaliação de toxicidade de testes no processo de desenvolvim ento d e um novo pro-
u m a substância química, atualm ente, é um processo que duto d e uso veterinário, objetivando atender a tod as e
leva ao redor de 10 anos e calcula-se que são gastos apro- quaisquer d iferentes exigências de cad a agência regula-
xim adam ente 100 milhões de dólares, desde o início das tória dos vários países ond e o p roduto irá ser comercia-
pesquisas até a solicitação d o registro. lizado. Isso pode significar que, muitas vezes, é necessá-
Esses produ tos d e uso veterinário são subm etidos rio repetir o m esmo teste em an im ais nos casos em que
a uma extensa série de testes para a avaliação da quali- a agên cia regulatória d e um determinad o país imponha
dade, eficácia e segu ran ça, tan to p ar a o ser h uman o alguma exigência, como, por exemplo, um número es-
( considerando o uso do produto em anim ais produtores pecífico de anim ais por grupo de teste. Essa situação,
de alim en to) como para o próprio anim al d u rante o além de inviável economicamente, d emanda o uso adi-
curso de seu desenvolvimento, até que cheguem ao mer- cional de animais, muitas vezes, desnecessariamente.
cad o. A Figu ra 8.2 ilustra, sucintam ente, as etapas e os Vale ressaltar que a indústria d e saúde an imal é to-
estudos necessários para o d esenvolvim ento e registro talm ente favorável à aplicação de regras rigorosas para
desse p roduto. a avaliação de um novo m edicamento, as quais devem
A autorização para a comercialização, o registro ou ser claras e previsíveis, embasadas em ciência e aplicadas
a licença d e um determ inado produto d e uso veteriná- consisten tem ente e de form a a garantir um ambiente
rio é feita pelo govern o d e cad a país, ou seja, an tes d e regulatório isonôm ico, sustentável e inovad or.
ser colocad o no mercado, o produto d e uso veterinário É por esse m otivo que se busca uma estratégia re-
é avaliado e reavaliado, quanto a sua qualidade, eficácia, gulatória positiva e de abordagem h armon izada entre
segurança e resíduos, por diferentes agências regulatórias, os países. Nesse sen tido, algu ns esforços têm sid o feitos
conforme a política de cad a país. para a harmonização dos requerimen tos regulatórios,
Considerando que cada país tem sua agência regu- com a adoção de diretrizes e gu ias internacionais.
latória e, portanto, usualmente apresentam d iferentes Exemplos desses esforços de harmonização de reque-
exigências para o registro, as empresas d e saúde animal rimentos são as diretrizes elaborad as pelo International
são compelidas a incluir os d iferentes requerimentos e Cooperation on Harmonisation ofTechnical Requirements

8 a 10 anos
Farmacologia Estrutura
, ,
qu1m1ca qu1m1ca

Desenvolvimento Síntese Produção


, ,
qu1m1co qu1m1ca escala
industrial

Desenvolvimento Fórmula Fórmu la Estudo


farmacêutico "provisória" final Estabilidade

Desenvolvimento Análise
,
analítico qu1m1ca
-
Farmacologia Farmacologia geral Fa rmacologia aplicada e
modo de ação

Segu rança Toxicidade Toxic idade Toxicidade c rôn ica, cardinogenicidade,


toXícidade aguda repetida da multigeração, animal-alvo e toxicidade
reprodução ambiental
e genética
Farmacocinética Farmacocinética e desenvolvimento de métodos ana líticos

Resíduos Estudos de depleção de resíduos /


Estudos clínicos Determinação e Estudos de campo
confirmação de -
dose
Reg istros Preparação de Ava liação
dossiê pela agência
regu latória

FIGURA 8.2. Esquema ilustrativo dos estudos requeridos na fase de desenvolv imento e regist ro de um novo medicamen-
to (elipse em ci nza).
62 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

for Registration of Veterinary Medicinal Products (VICH • Dose letal 50% (DLSO) ou dose letal média de uma
- veja adiante) e pelo Codex Alimentarius (veja adiante). substância: expressa o grau de toxicidade aguda de
A adesão das autoridades regulatórias a esses padrões substâncias quím icas. Corresponde à dose que mata
internacionais é muito desejável para uma regulamenta- 50% dos animais d e um lote utilizados nos estudos
ção mais harmonizada e abrangente, que garanta a pro- pré-clínicos.
teção, seja da saúde dos seres hum anos, consumidores de • Efeito adverso: qualquer efeito não intencional de
alimentos de origem animal, ou da saúde dos animais. um medicamento que ocorra em doses normalmen-
Para a melhor compreensão d os fundamentos dos te indicadas, e que esteja relacionado às p ropried a-
estudos pré-clín icos, serão apresentados, a seguir, alguns des farmacológicas do medicamento. Mudança na
conceitos e defi nições, os quais serão empregados neste morfologia, fisiologia, crescimento, desenvolvimen -
capítulo. to, reprodução ou tempo d e vida d e um organismo
vivo, sistema ou (sub)população.
Conceitos • European Medicines Agency (EMA): Agência Euro-
peia de Regulação de Medicamentos.
• Agências ou órgãos regulador es: são agências ou • Estudos de toxicidade: estudos de segurança pré-
órgãos governamentais que exercem o papel de fis- -clínicos conduzidos durante o desenvolvimento de
calização, regulamen tação e controle, como, por um medicamen to de uso veterin ário de natureza
exemplo, o Ministério da Agricultura, Pecuária e farmacêutica ou biofarmacêutica.
Desenvolvimento (Mapa), a Agência de Regulação • Exposição aguda: exposição em curto p razo a um
de Medicam entos e Alimentos dos Estados Unidos m edicam ento de uso veterinário, geralmente con-
da América (Food and Drug Administration - FDA) sistindo em uma única exposição ou dose adminis-
e a Agência Europeia de Regulação de Medicamen - trada por u m período de até 24 horas.
tos (European Medicines Agency - EMA) para re- • FAO: O rganização d as Nações Unid as para a Ali-
gist ro e comercialização de medicamento de uso mentação e a Agricultura.
. , .
veter1nar10. • Fator de segurança (FS) ou Uncertainty Fator (UF -
• Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): fator de incerteza): é um fator que pretende conside-
é uma agência reguladora, vinculada ao Ministério rar a incerteza na extrapolação de d ad os de animais
da Saúde, que tem como função p rimord ial a pro- para o ser humano (variabilidade interespécies), ava-
moção da saúde da população, atuando no contro- riação na sensibilidade entre seres humanos (variabi-
le sanitário de diversos produtos, como medicamen- lidade interindividual), a qualidade dos dados toxico-
tos, alim entos e cosméticos, bem como a fiscalização lógicos disponíveis, ou outras possíveis interferências
de portos, fronteiras e aeroportos. relacionadas aos efeitos da substância no organismo.
• Acute Reference Dose (ARfD): é a maior dose de uma • International Council for Harmonisation ofTechni-
substância quím ica que, se admin istrada agudamen- cal Requirements for Pharmaceuticals for Human
te (24 horas ou menos) e por via oral a uma popula- Use (ICH): Conselho Internacional sobre Harmo-
ção humana (incluindo os indivíduos mais sensíveis) nização de Requisitos Técnicos em Prod utos Far-
não produz risco apreciável de efeito adverso ou tó- macêuticos para Uso Humano.
xico': É geralm ente expressa em mg/kg de peso vivo. • Ingestão D iária Aceitável (IDA) -Acceptable Daily
• Boas Práticas de Laboratório (BPL) - Good Labo- Intake (ADI): é a quantidad e estimad a do medica-
ratory Practice (GLP). m ento veterinário, expressa em m iligrama por qui-
• Codex Alimentarius: é u m program a conjunto da lo de peso corpóreo (mg/kg p.c. - considera-se um
Organização das Nações Unidas para Agricultura e adulto padrão de 60 kg), que pode ser ingerida dia-
Alimentação (FAO) e da Organização Mundial da riam ente, ao longo da vida, sem oferecer risco apre-
Saúd e (OMS), criado em 1963, com o objetivo de ciável à saúde d o ser h u mano (consu m idor).
estabelecer normas inter nacionais na área de ali- • Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Addi-
mentos, incluindo padrões, diretrizes e guias sobre tives (JECFA): Comitê Científico da FAO/OMS so-
boas p ráticas e de avaliação de segurança e eficácia. bre aditivos alimentares.
Seus principais objetivos são proteger a saúde dos • Lowest-observed-adverse-effect-level!lowest-observe-
consumidores e garantir práticas leais de comércio d-effect-level (Loael/Loel): menor nível de dose com
,
entre os pa1ses. observação de efeito adverso/menor nível de dose
com observação de efeito.
Capítulo 8 • Avaliação de toxicidade: estudos pré-clínicos 63

• Mapa: órgão no Brasil responsável pelo registro de • Replacement: deve-se dedicar esforços em buscar
produtos de uso veterinário, dentre outras atribuições. metodologias in vitro.
• No-observed-adverse-effect-level!no-observed-effect-le-
vel (Noael/Noel): Nível de dose sem observação de A partir de então, o princípio dos 3 R's se expandiu,
efeito adverso/nível de dose sem observação de efeito. tendo a adesão global e apoio não só da comunidade
• Organization for Economic Cooperation and Deve- científica, como também das autoridades regulatórias
lopment (OCDE): Organização para Cooperação e ao redor do mundo e da indústria de saúde animal.
Desenvolvimento Econômico, reúne os governos Essas iniciativas geraram várias publicações, como,
de vários países para apoiar o crescimento econô- por exemplo, Directive 2010/63/EU, publicada pela Co-
mico sustentável, impulsionar o emprego, elevar os munidade Europeia em 20 10, e OCDE - Guidance Do-
padrões de vida, manter a estabilidade financeira, cument n. 34 on the Validation & Internacional Accep-
auxiliar o desenvolvimento econômico de outros ta nce of New Updated Test Methods for Hazard
países e contribuir para o comércio mundial. Assessment, publicado em 2005.
• Organização Mundial da Saúde (OMS) - World He-
alth Organization (WHO). Uso de animais em estudos
• Toxicidade: capacidade inerente e potencial do agen- de toxicidade no Brasil
te tóxico de provocar efeitos nocivos em organis-
mos vivos. O efeito tóxico é geralmente proporcio- Em 8 de outubro de 2008, após 13 anos de trami-
nal à concentração do agente tóxico no sítio de ação tação no Congresso Nacional, foi sancionada no Brasil
(tecido-alvo). a Lei n. 11. 794, que estabelece critérios para a criação
• VICH (International Cooperation on Harmonisa- e a utilização de animais em atividades de en sino e
tion of Technical Requirements for Registration of Ve- pesquisa científica em todo território nacional. Propos-
terinary Medicinal Products): é um programa trila- ta inicialmente pelo médico sanitarista e então depu-
teral (Estados Unidos/Comunidade Europeia/Japão) tado federal Sérgio Arouca, ela ficou popularmente
criado em 1996 com o intuito de harmonizar os re- conhecida como "Lei Arouca': Em seis capítulos, a Lei
querimentos técnicos para obtenção de registro de Arouca define quais são as atividades de ensino e pes-
produtos de uso veterinário. quisa científica que envolvem o uso de animais, deter-
mina a criação do Conselho Nacional de Controle de
USO DE ANIMAIS NOS ESTUDOS Experimentação Animal ( Concea) e a constituição de
DE TOXICIDADE Comissões de Ética no Uso de Animais (Ceuas). Além
disso, estabelece regras, lista as condições de criação e
Paralelamente aos esforços de harmonização de o uso dos animais e as penalidades administrativas às
requerimentos regulatórios, o aumento crescente da instituições que transgredirem as suas disposições e
preocupação com o uso de animais em pesquisa cien- seu regulamento.
tífica tem colocado a área de saúde animal no centro Conforme determinado pela Lei Arouca, são con -
dessa discussão global. Como parte dos esforços para sideradas como atividades de pesquisa científica todas
racionalizar o uso de animais em pesquisas, criou-se o aquelas relacionadas com ciência básica, ciência apli-
Princípio dos 3 R's, abreviatura do inglês Reduction, cada, desenvolvimento tecnológico, produção e contro-
Re.finement and Replacement (redução, refinamento e le da qualidade de medicamentos, alimentos, imuno-
substituição), o qual foi proposto pelos cientistas ingle- biológicos, instrumentos ou quaisquer outros testados
• •
ses William Russell e Rex Burch, em 1959, no livro The em an1ma1s.
principie of humane experimental technique. Os capítu- O Concea é um órgão integrante do M inistério da
los 5, 6 e 7 também abordam esse tema. Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC)
Sucintamente, explicando os 3R's: e tem a competência de formular e zelar pelo cumpri-
mento das normas relativas à utilização humanitária de
• Reduction: deve-se dedicar esforços para diminuir animais com finalidade de ensino e pesquisa científica;
o número de animais utilizados nos estudos, evitar credenciar instituições para criação ou utilização de ani-
retestes in vivo, testes em duplicata e triplicata. mais em ensino e pesquisa científica; monitorar e avaliar
• Re.finement: deve-se dedicar esforços na busca de a introdução de técnicas alternativas que substituam a
procedim entos in vivo menos estressantes e/ou do- utilização de animais em ensino e pesquisa; estabelecer
lorosos ou que causem sofrimento. e rever, periodicamente, as normas para uso e cuidados
64 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

• • • • A •
com animais para ensino e pesquisa, em conson an cia minim izar situações consideradas estressantes e de como
com as convenções internacionais d as quais o Brasil seja manter e incrementar o bem -estar animal, além de opor-
signatário; estabelecer e rever, periodicam ente, norm as tunizar uma reflexão sobre a necessidade do uso d e ani-
técnicas para instalação e funcionamento de cen tros de mais para atingir os objetivos d as edificações em que os
criação, de biotérios e de laboratórios de experimentação animais são criados, m antidos ou submetidos aos expe-
animal, bem como sobre as condições de trabalho em tais rim entos, bem com o os equipamen tos necessários para
instalações. Ainda, cabe ao Concea estabelecer e rever, mantê-los com qualidade sanitária e bem-estar. Esse guia
period icamente, norm as para cred enciamen to de insti- também disponibiliza, na form a de capítulos, as diretri-
tuições que criem ou utilizem anim ais para ensino e pes- zes p ara a criação e m anuten ção d e diversas espécies
quisa; m anter o cadastro atualizado dos procedim entos anim ais, o qual pode ser acessado, em e-book, na página
d e ensino e p esquisa realizados ou em andamen to no d o Concea e da Fund ação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
país, bem como dos pesquisadores, a partir de informações Em síntese, uma instituição de ensino ou pesquisa
remetidas pelas Ceuas, entre outras ativid ad es. com animais deverá atender aos requisitos constan tes
A constituição d e Ceuas é condição prévia reque- do Guia Brasileiro de Produção, Manutenção ou Utiliza-
r ida para o credenciamento d as instituições com ativi- ção de Animais para Atividades de Ensino ou Pesquisa
dad es de ensino ou pesquisa com an im ais. Com pete às Cientifica, constituir sua Ceua, cadastrar-se no Concea
Ceuas examinar previamen te os procedimentos de en- antes d e iniciar seus protocolos de ensin o ou pesquisa.
sino e pesquisa a serem realizad os na instituição à qual Uma vez cad astrado no Concea, o centro de ensino
esteja vin culada, para d eterminar sua compatibilidad e ou pesquisa só poderá submeter o anim al às in tervenções
com a legislação aplicável; manter cad astro atualizado recomendadas nos protocolos dos experimentos que cons-
dos procedimentos de ensino e pesquisa realizad os, ou tituem a pesquisa após a aprovação pela respectiva Ceua.
em andamen to, na instituição, enviando cópia ao Con - Ao término do experimento ou, aind a, em qualquer
cea; man ter cad astro dos pesquisadores que realizam d e suas fases, sempre que necessário que um animal seja
procedimen tos d e ensino e pesquisa, enviando cópia ao submetid o à eutanásia, deverão ser obed ecidas às orien-
Concea; exped ir certificados que se fizerem necessários tações pertinentes a cada espécie anim al, conforme as
perante órgãos de financiamento de pesquisa, periódicos diretrizes do Con cea.
científicos ou outros; notificar im ediatamente ao Concea Nesse sentid o, a Resolução Norm ativa n. 37, publi-
e às autoridades sanitárias a ocorrên cia d e qu alquer cada pelo MCTIC em 15 d e fevereiro de 20 18, estabe-
acidente com os anim ais n as instituições cred enciadas, leceu as "Diretrizes da prática de eutanásia'' do Concea,
forn ecendo inform ações que permitam ações san eado- referentes aos procedimentos d e eutanásia realizad os
r as. Dessa fo rm a, a criação ou a utilização d e animais em an imais inclu ídos em atividades de ensin o ou de
para pesquisa ficam restritas, exclusivam ente, às insti- pesquisa científica.
tuições creden ciadas no Con cea. Conforme precon izado pelo Concea, os procedi-
Q ualquer instituição legalmen te estabelecida em mentos de eutanásia d evem garantir o mínimo d e dor
território nacional que crie ou utilize animais para en- ou sofrim en to ao animal, devem ser supervisionad os,
sin o e pesqu isa dever á requerer cred en ciamen to n o mesmo que de fo rm a n ão presencial pelo respon sável
Concea para uso d e animais, d esd e que, previamen te, técnico pela instalação animal. Esse técnico d eve ter o
crie a sua Ceua. título de médico veterinário com registro ativo no Con-
Além disso, a Resolução Norm ativa n . 23, d e 23 d e selho Region al de Medicina Veterinária (CRMV), da
julho d e 20 15, baixou o capítulo Introdução Geral d o Unidad e Fed erativa em que o estabelecimen to esteja
Guia Brasileiro de Produção, Manutenção ou Utilização localizad o, sob Anotação de Responsabilidade Técn ica
de Animais para Atividades de Ensino ou Pesquisa Cien- (ART) no referido Conselho.
tífica d o Con cea. Esse d ocumento, além de considerar A D iretriz do Concea se baseia n o princípio de que
as particularidades e n ecessidades das instituições de a dor só é reconhecida a partir d e um estímulo nocicep-
ensino, laboratórios e instalações an imais, também ofe- tivo, isto é, quando o córtex cerebral e estruturas sub-
rece elem entos para priorizar o bem-estar an im al e m i- corticais forem fun cion ais. Por outro lad o, quando o
n im izar a d or e as consequên cias n egativas da m anipu- an imal se en con tra no estad o de in con sciên cia, n ão
lação d os an imais. O guia apresen ta for m as de com o ocorre a percepção da dor. Dessa form a, o método d e
id entificar e recon hecer evidências de dor e estresse nos eutanásia não é tão crítico quando o animal se apresen-
animais e a potencial relação d estes com a man ipulação tar inconsciente ou anestesiado, desd e que o animal não
animal. Ain da, indica como desenvolver estratégias para restabeleça a consciên cia antes do óbito.
Capítulo 8 • Avaliação de toxicidade: estudos pré-clínicos 65

MODELOS ANIMAIS O conjunto dos estudos toxicológicos é um compo-


nente im portante do processo de desenvolvimento dos
Os seres vivos compartilham propriedades e carac- produtos farmacêuticos requeridos pelas agên cias re-
terísticas. A ideia de "estudar características comuns guladoras, o qual é realizado antes da fase de investiga-
entre as esp écies, a fim de compreender a fu nção das ção clínica, visando: identificar doses e exposições que
espécies" advém, no mínim o, da época da obra Historia causam toxicidade (incluindo relações dose-resposta);
Animalium, de Aristóteles e sustenta o valor da medici- ajudar a definir uma dose inicial apropriada e uma es-
n a comparativa. Descobertas fundam entais acerca da tratégia de escalonam ento de dose para os primeiros
fisiologia e da fisiopatologia vieram de estudos compa- testes na espécie-alvo, bem como a dose máxim a; iden-
rativos utilizando animais. tificar possíveis estratégias de monitoramento de po-
Nesse contexto, esses organismos animais consti- tencial toxicidade na espécie-alvo; e, em alguns casos,
tuem-se em modelos ou substitutos para estudos sobre avaliar a atividade farmacológica.
os seres humanos ou outros animais. Modelos animais À medida que o desenvolvimento do m edicamento
podem ser utilizados para investigar a fisiologia celu- progride, estudos de toxicidade de longo prazo são con -
lar, tecidual d e estruturas e de ó rgãos, e perm item <luzidos, se necessário, com base na indicação clínica e
avaliar a integração de órgãos e sistemas com o orga- na duração do tratamento clínico. Em geral, os dados
nismo ou em uma estrutura similar. Ofertam a possi- gerados a partir desses estudos são decisivos para apro-
bilidade de compreender mecanismos subjacentes a vação e com er cialização do novo produto veterinário
doenças. de origem farmacêutica ou biofarmacêutica.
Na medida em que o conceito de m odelo anim al se Os relatórios dos estudos toxicológicos elaborados
aplica a toda utilização de animais para fins científicos, para submissão às agências reguladoras devem ter as
então, de fo rma geral, os m esm os critérios devem ser seguintes inform ações:
aplicados para a seleção e validação de um m odelo ani-
mal específico. • Propósito ou objetivo do estudo.
Inicialmente, o pesquisador deve definir os objetivos • Identificação, especificação e pureza do material tes-
do projeto e determinar qual o nível do sistem a bioló- te e o número do lote; e a natureza de qualquer impu-
gico que é relevante para a sua condução. Por exemplo, reza potencialmente importante para a toxicologia.
seus estudos envolverão um tipo específico de célula, • Espécie animal utilizada. O Quadro 8. 1 resum e as
tecido, órgão ou a interação de órgãos. Tendo a percep- espécies animais m ais relevantes empregadas n os
ção de qual é o sistem a biológico envolvido, o pesqui- estudos de avaliação de toxicidade.
sador poderá, então, decidir a melh or espécie ou linha- • Níveis de dose e form a de administração (por exem-
gem animal q u e representa mais adequad amente o plo, sonda gástrica, cápsula etc.). Caso houver algu-
sistema biológico a ser investigado. m a precaução associada à dosagem , como solubili-
A opção por um determinado modelo animal deve dade, estabilidade e palatabilidade, esta deve ser
ter fun damento científico e não ser in fluen ciada po r descrita no relatório.
• A •
conven1enc1a ou orçamento. • Veículo utilizado para preparação da substância tes-
te; e se o veículo pode interferir nos achados clínicos.
ESTUDOS DE TOXICIDADE • Sexo e número de animais em cada grupo.
• Informações adicionais ao protocolo de teste pa-
Os estudos de toxicidade são realizados durante a drão, com o a mensuração dos níveis hormonais ou
fase p ré-clín ica do desenvolvimento de um produto a avaliação da toxicocinética etc.
farmacêutico, e têm como objetivo avaliar o perfil de • Descrição de todas as doses administradas, incluin-
segurança e as características farm acocinéticas e toxi- do a "zero" para os grupos-controle; para estudos
cológicas das formulações candidatas. Se bem realizados, via ração incluir valores da concentração em m/kg
podem maximizar as chances de sucesso na fase clínica (se medida) ou equivalente (se baseada em fatores
do desenvolvimento de um produto farm acêutico. de conversão de dose) mg/kg de peso corporal por
As estratégias para o desenvolvimento dos estudos dia para machos e fêmeas; para estudos com uso de
pré-clínicos dos produtos de uso veterinário de nature- água potável, deve incluir os valores em mg/L (mes-
za farmacêutica seguem diretrizes gerais de regulam en - mo que originalm ente os dados sejam em partes por
tação, mas também são elaboradas caso a caso, de acor- milh ão) e os valores iguais (se medidos) ou equiva-
do com as especificidades do m edicamento. lentes (se baseados em fatores de conversão de dose)
66 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

m g/kg por dia dose. Se o estudo apresentar níveis QUADRO 8.1. Algumas espécies e modelos animais* mais
de administração em termos de mg/ animal por dia, comumente utilizados em estudos de segu rança, como parte
da pesq uisa e desenvolvimento de um novo p roduto
esses valores devem ser convertidos para mg/kg de
peso corp or al por dia, usan do os pesos dos ani- Tipo de estudo Espécie - modelo animal

mais. Se o estudo não usou a administração da dose Toxicidade aguda (oral/ Rato e camundongo
dérmica, dose única , irritação,
diariam ente (por exemplo, 5 dias/semana em vez
potencial alergên ico)
de 7 dias/semana), deve-se verificar se os n íveis de
Toxicidade subcrônica e crônica Rato e camundongo
dose indicados são dados apenas para os dias de
Mutagenicidade ln vitro e in vivo (ca mundongo)
dosagem ou calculados ao longo de toda a duração
do estudo. Carcinogenicidade Rato e camundongo

• D uração do estudo (data do início e do térm ino). Toxicidade da reprodução e Rato e coelho
dese nvolvimento
• Caso algun s dos animais tenham de ser tratados/
recuperados durante o estudo, informar o número Toxicidade específica Rato ou camundongo

de animais, duração da dosagem; intervalo entre a Farmacocinética (incluindo o Rato, cão, cam undongo (co mo
dese nvolvimento de parte dos estudos de
prim eira e a última dose e as reações apresentadas,
metodologia) toxicidade)
investigações etc.
Atividade micro biológica ln vitro
• Qualquer mortalidade observada durante o estudo
Farmacologia Rato e cão
deve ser relatada, tanto em anim ais dos grupos trata-
• Outras espécies animais poderão ser empregadas. em substituição aos
dos como aqueles dos grupos de controle, e a in for- modelos convencionais, desde que devidamente justificado.
m ação sobre as causas da mortalidade, se conhecida.
• Descrição dos achados relacionados à substância
teste, se houver, identificando o efeito, sua gravida- Estudo de toxicida de aguda
de ou magnitude.
• Informações relevantes sobre dados h istóricos, se Os estudos de toxicidade aguda são aqueles utiliza-
disponíveis. dos para avaliar a toxicidade produzida por uma subs-
• Qualquer ach ado que seja estatisticamente signifi- tância teste quando esta é adm inistrada em uma ou mais
cante, mas não esteja relacionado com os efeitos ad- doses durante um período não superior a 24 horas, se-
versos ou relevantes para uma avaliação de risco em guido de observação d os anim ais por 14 d ias após a
seres humanos. administração. Esses estudos devem ser conduzidos com
• Q ualquer achado in vivo no início do estudo que no mínimo duas espécies de mamíferos. Propõe-se que
possa ser relevante para o estabelecimento da ARfD, sejam utilizadas duas vias de administração: a preten-
por exemplo, alterações do peso corporal ou efeitos dida para administração (se for oral, recom enda-se por
comportamentais. gavagem ) e um a parenteral; se a administração intrave-
• Qualquer informação relevante para o estudo (por nosa for a pretendida para uso, a utilização de apenas
exemplo, alta morbidade nos grupos-controle). esta via para estudos de toxicidade de dose única é su-
• O(s) autor(es) e a data de elaboração do relatório ficiente. A dose limite a ser testada é de 1.000 m g/kg/
do estudo. dia para roedores e n ão roedores. Em situações em que
essa dose n ão resulte em uma margem de 10 vezes a
Os estudos de toxicidade apresentados neste capí- exposição clínica e a dose clínica exceda 1 g por dia,
tulo foram baseados em documentos de agências regu- deve ser considerada a m enor dose disponível entre 1O
ladoras reconhecidas, como EMA, FDA e Mapa, bem vezes a exposição clínica, 2.000 mg/kg/ dia ou a máxima
como de instituições de interesse na área, como OCDE, dose disponível.
VICH e OMS. Os estudos para a determin ação de DLSO, atualmen-
Os estudos toxicológicos rotineiram ente em prega- te, não são necessários; podem ser utilizados m étodos
dos são: estudo de toxicidade aguda; estudo de toxici- alternativos para a estimativa da dose letal envolvendo
dade de cur to prazo; estu do de toxicidade de lon go um m enor número de an imais, tais como os preconiza-
prazo e carcinogenicidade; gen otoxicidade; e estudo de dos nos guias da OECD.
toxicidade reprodutiva e de desenvolvim ento. Caso du - Deve ser aqui introduzida a importância, em algu-
rante esses estudos de rotina for apontada a necessida- mas situações, do uso da Acute Reference Dose (ARfD).
de de se avaliar determinado(s) órgão(s) ou tecido(s)- O ser humano pode ser exposto durante a sua vida aos
-alvo, esse estudo é classificado como estudo especial. resíduos de medicam entos veterin ários p or m eio do
Capítulo 8 • Avaliação de toxicidade: estudos pré-clínicos 67

con sumo de alimen tos de origem an im al. Em algu ns estud os d e toxicidade d e longo prazo; além d isso, for-
casos, os resíduos de medicamentos veterinários podem necem informações relevantes para a interpretação so-
causar efeitos adversos em seres h uman os após u m a b re toxicidade de longo prazo e carcinogenicidade (por
única in gestão. Um a situação d essa já ocorreu n o pas- exemplo, sinais precoces de toxicidade no rim ou fígad o
sado na Europa, quando houve a intoxicação aguda pelo quando os tumores aparecem nesses órgãos após expo-
clembuterol logo após o consumo de fígado de vitela ou sição prolongada).
carneiro e carne bovina. Nesse caso, a IDA pode não ser É muito importante relatar os achados de estud os
o valor m ais apropriado para quantificar o nível acim a equivalentes. Por exemplo, se certo efeito foi observado
do qu al u ma ú n ica exposição pode p roduzir efeitos em um estudo em ratos de 28 dias, seria esperado que
adversos. Assim , o estabelecim en to da ARfD é m ais tam bém estivesse p resente no estudo de 90 d ias em
apropriado para abordar essa p reocupação. níveis d e d ose semelhantes ou mais baixos.
O guia do Guidance document for the establishment Qualquer achado que for considerado não relevan-
of ARJD for veterinary drug residues in food (JECFA) te para seres hum anos e as suas razões (como, por exem-
foi d esenvolvido com base n a orientação ARfD exis- plo, achados renais em ratos m achos apenas, apoiados
tente e considerando características específicas de me- por investigações d e alfa2u- microglobulina) devem ser
dicamentos veterinários, as quais são diferentes d aque- relatad os. Qualquer d escoberta precoce de possível re-
las de p r aguicidas e d e o u t ras substân cias quím icas levância para uma ARfD, mesm o se em doses acim a do
(por exemplo, efeitos m icrobiológicos e cen ários de Loael, deve ser identificada, juntamente com o tempo e
exposição específicos). São alguns exemplos de situações a men or dose em que foram observados. Quando os
em que o uso da ARfD é m ais apropriado: o produto efeitos são observados após alguns d ias de dosagem , no
de uso veterinário, com o foi d esenvolvido para atu ar entanto, na p rimeira vez que forem observados devem
em mam íferos (espécie-alvo), p od e causar um efeito ser claram ente relatados.
indesejado/adverso p ara o ser hum an o (espécie não Há duas diret rizes V ICH relacionad as a testes de
alvo); o medicamento veterinário é derivado d e u m toxicid ade de d ose repetid a para a avaliação d a segu -
medicamento de uso em humano e, nesses casos, além rança de resíduos de med icamen tos veterinários em
dos dad os de toxicidade de an imais de labor atório, alim entos destinados ao ser humano: VICH GL31 [Stu-
estão disponíveis também informações sobre far m a- dies to Evaluate the Safety of Residues of Veterinary Drugs
cologia e dados clínicos hum an os; há, ain da, m edica- in Human Food: Repeat-Dose (90-Day) Toxicity Testing]
m en tos veterinários derivados de praguicidas e, por- e VICH GL37 [Studies to Evaluate the Safety of Residues
tanto, a A RfD pod e já existir para tais com p ostos e ofVeterinary Drugs in Human Food: Repeat-Dose (Chro-
pod e ser usad a n a avaliação de r isco agud a p ara seu nic) Toxicity Testing] .
uso com o m edicam en to veterinário.
Os prin cipais d eterminantes para d ecidir se é ne- Teste de toxicidade de dose repetida (VICH GL31
cessário ou não estabelecer a ARfD são as avaliações dos e V ICH GL37)
efeitos agudos e crônicos dos medicamentos veterinários, O teste de toxicidade d e dose repetid a é realizad o
considerando parâmetros específicos d e toxicidad e, a para definir: ( 1) efeitos tóxicos com base nas adminis-
farmacologia e a atividade antimicrobiana, esse último t rações repetid as d o composto e/ou seus metabólitos;
n o caso dos antim icrobianos. (2) a incidência e gravid ade do efeito em relação à dose
e/ ou duração d a exposição; ( 3) doses associadas com
Est udo de toxicidade de curta duração respostas tóxicas e biológicas; e (4) a Noael.
O teste de toxicidade exige a avaliação dos efeitos
Os estudos toxicológicos de curta du ração, em que à exposição repetida ao composto parental e/ou m eta-
as substân cias-teste são administradas em dose repeti- bólitos. Tal como acontece com outros testes de toxici-
da, fornecem informações importantes sobre os prin ci- d ade, informações disponíveis sobre o composto d evem
pais efeitos tóxicos d a substância em estudo e sua rela- ser utilizadas na con cepção do teste. Testes de toxicida-
ção dose -resposta. Estudos de toxicid ade de curto d e de dose repetida devem ser realizados em espécies
p razo são frequentemente realizados par a ajudar na sensíveis e/ou apropriadas. Geralmente, o estud o deve
seleção da dose p ara estud os de toxicidad e d e longo ser conduzido empregando-se no mín imo duas espécies
prazo. Em alguns casos, estudos d e toxicidade d e cu rto de mamíferos, in cluindo uma espécie não roedora, em-
p razo podem ajud ar a esclarecer quais são os níveis de bora a seleção d as espécies deva sempre levar em con-
dose com menor impacto para os efeitos observados em sid eração a relevân cia d o composto, farm acocinética,
68 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

farm acodin âm ica, biodisponibilidade d a substân cia efeitos crônicos que não são observados em estudos de
teste, in cluin do sua biotransform ação. curta duração ou que m ostram progressão com a dura-
O estudo deve contemplar números iguais de machos ção da exposição. Os estudos de longo prazo para inves-
e fêm eas (a utilização de apenas um dos sexos deve ser tigar efeitos específicos, com o carcinogenicidade, serão
devidam ente justificada). A via de administração deverá aqui ab ord ados; trata-se do VICH G L28 (Studies to
ser a via de eleição para espécie-alvo e também a via pa- Evaluate the Safety of Residues of Veterinary Drugs in
renteral. As doses utilizadas em estudos de administrações Human Food: Carcinogenicity Testing).
repetidas geralmente são estabelecidas a partir das infor- Os estudos de toxicidade de longa duração devem
mações produzidas em estudos de toxicidade aguda. Ge- indicar a taxa de sobrevivência nos animais após a dose
ralmente, três doses são utilizadas, sendo a m ais alta es- máxima. Devem indicar também se a mortalidade con-
colh ida com a exp ectativa de produzir efeitos tóxicos centrou -se principalm ente nas últimas sem anas does-
observáveis, m as não m orte, n em sofrim ento intenso e tudo e se a sobrevivência foi adequada para avaliar os
respeitan do-se o limite m áxim o de 1.000 mg/kg/dia em vários pontos do estudo. Devem observar se há alguma
roedores e não roedores. Os parâmetros avaliados são: indicação de que os achados ocorreram m ais cedo nos
animais tratados. Essas inform ações podem ser im por-
• Roedores: m ortalidade, sinais clín icos (incluindo tantes para lesões com alta incidên cia e para interpre-
parâmetros comportamentais); variações no peso tação de alguns efeitos de toxicidade de longo prazo. As
corporal e n o consumo de ração e água, patologia observações durante o estudo (por exemplo, m ortalida-
clínica (hem atologia, bioquím ica); duração e rever- de, consum o de ração e água, peso corporal, h em atolo-
sibilidade da toxicidade; investigações anátom o e gia, bioquímica, análise de urina, exam es de oftalmos-
histopatológicas. copia, exames físicos/neurológicos, sinais clín icos, pesos
• Não roedores: mortalidade; sinais clínicos (incluin- dos órgãos, patologia m acroscópica e histopatologia) e
do parâmetros comportamentais); variações no peso qualquer outra inform ação sobre o desenho do estudo
corporal e n o consumo de ração e água; patologia deverão ser fornecidas, m esmo nos achados negativos.
clínica (hematologia, bioquím ica); oftalmologia; du-
ração e reversibilidade da toxicidade; investigações Teste de ca rcinogenicidade (VICH GL28)
anátom o e histopatológicas. A decisão de r ealizar testes de carcinogenicidade
deve levar em con sideração: 1) os resultados de testes
Os dados obtidos durante esse teste podem ser usa- de gen otoxicidade; 2) relações estrutura-atividade; e 3)
dos para estabelecer a Noael/Noel. ach ados n os testes de toxicidade de curto p razo qu e
Embora a diretriz do VICH 31 recom ende a estru- podem ser relevantes n os estudos de toxicidade de lon-
tura de testes de toxicidade de 90 dias para m edicamen - go prazo. Também se deve levar em consideração o m e-
tos de uso veterinário, é importante que o desenho do canism o de toxicidade esp écie-esp ecífico. Q u alqu er
teste perm aneça flexível. Dentro do contexto dessa di- d iferen ça n o metab olism o entre as esp écies de teste,
retriz, os testes devem ser adaptados para estabelecer espécie animal alvo, e os seres humanos deve ser levada
dose-resposta e a Noael para toxicidade após tratamen- em consideração. Os resultados claram ente n egativos
to de 90 dias. da genotoxicidade serão geralmente considerados evi-
Os testes de toxicidade de dose repetida (90 dias) dência suficiente de falta de potencial carcinogênico por
devem ser realizados de acordo com as diretrizes da meio do m ecan ismo de ação gen otóxico. Compostos
OCDE n. 408 «Estudo de toxicidade oral de 90 dias com com provadam ente gen otóxicos, na ausên cia de outros
dose repetida em roedores" e OCDE n . 409 «Estudo de dados, são presumidam ente carcinógenos a seres hu -
toxicidade oral de 90 dias com dose rep etida em n ão manos e não necessitam de estudos de longo prazo de
roedores': Necroscopia m acroscópica e exam e histopa- carcinogenicidade.
tológico devem ser realizados de acordo com as Dire- Os estudos de carcinogenicidade podem, no entan -
trizes da OCDE n . 408 e 409. to, ser necessários se, p or exemplo: 1) o com p osto for
membro de um a classe química conhecida com o carci-
Est udo de toxicidade de longa duração nogênica para o animal ou hom em ; 2) estudos de toxi-
e ca rcinogenicida de cidade de curto e longo prazo disponíveis do composto
identificam lesões potencialmente pré-neoplásicas ou
Os estudos de toxicidade de longa duração e carci- ach ados indicativos de neoplasia; ou 3) os estudos de
n ogenicidade têm como principal objetivo investigar toxicidade sistêm ica in dicam que o composto p ode
Capítulo 8 • Avaliação de toxicidade: estudos pré-clínicos 69

estar associado a efeitos conhecidos associados a m eca- Estudo de genotoxicidade


nism os epigen éticos de carcinogenicidade que são re-
levantes para os seres humanos. Os dados de um númer o apr opriado de testes de
O estudo de carcinogenicidade tem como principal gen o toxicidade in vitro e in vivo podem ser úteis n a
objetivo identificar substân cias que possam causar o elucidação do mecanism o de toxicidade de certos com -
desenvolvim ento potencial de tumores em algum local postos.
por algum m ecanismo. O estudo de carcinogenicidade
deve ser realizado em roedores durante longo prazo ou Teste de genotoxicidade (VICH GL23)
por meio de um estudo de curto e médio prazo em roe- O VICH GL23 (Studies to evaluate the safety of re-
dores in vivo, empregando-se m odelos iniciação/pro- sidues of veterinary drugs in human food: genotoxicity
moção em roedores, ou modelos de carcinogenicidade, testing) é um protocolo in vitro.
usando transgênicos ou roedores neonatais; ou estudo Muitos agentes cancerígenos e/ou mutagênicos têm
em longo prazo de carcinogen icidade em um a segunda um m odo de ação genotóxico. Além disso, substâncias
espécie roedora. O emprego do rato é recom endado na que causam toxicidade reprodutiva e/ ou no desenvolvi-
ausência de dados que elejam outra espécie. mento podem ter um m odo de ação que envolve m eca-
A dosagem recomendada para o estudo deve con - nismos genotóxicos. Os resultados dos testes de genoto-
siderar o perfil de toxicidade, farmacocinética, farm a- xicidade normalmente não afetarão o valor num érico da
codin âm ica, dose máxim a possível, dose lim ite, dose IDA, m as podem in fluenciar a decisão sobre se um a IDA
terapêutica na espécie-alvo, entre outros fatores de acor- pode ser estabelecida ou não.
do com as características da substân cia estudada. O Usualm ente, um a bateria de testes de genotoxicida -
período de observação é de 24 meses em ratos e 18 m e- de é usada para identificar substâncias que têm a capa-
ses em camundongos e h amsters, e um resultado posi- cidade de causar mutações gênicas e alterações crom os-
tivo em qualquer espécie será considerado indicativo sôm icas. Aquelas substâncias qu e são considerad as
de potencial carcinogênico. gen otóxicas são tam bém consideradas carcinógen os
A via de administração para o teste de carcinogeni- potenciais. Aqueles compostos que causam danos gené-
cidade é a oral. Recomenda-se pelo m enos três vezes a ticos nas células germ inativas também têm o potencial
dose, além de um grupo de animais sem o tratamento de causar efeitos reprodutivos e no desenvolvim ento.
(grupo-controle). Os animais devem ser avaliados para A diretriz VICH GL23 recomenda uma bateria pa-
m orbidade ou mortalidade, e especial atenção deve ser drão de testes (BPT) que pode ser usada para avaliação
dada ao desenvolvim ento de tumores: início, localização, da gen otoxicidade dos medicam entos de uso veteriná-
dim ensões, aparência, progressão de cada tum or macros- rio. Na maioria dos casos, os resultados in dicarão, de
copicamente visível ou palpável. Devem ser verificados forma clara, se o material de teste é ou n ão genotóxico.
periodicamente sinais específicos de importância toxico- Contudo, a bateria pad rão de testes n ão é apropriada
lógica, além de peso corporal e consumo de ração/ água. para certas classes de medicamentos. Por exemplo, alguns
A dose alta deve ser ajustada para demonstrar um antimicrobian os podem ser tóxicos para as cepas tes-
efeito tóxico mínimo sem afetar a sobrevida em virtude tadas quan do da avaliação da mutação gen ética em
de outros efeitos que não relacionados à carcinogenici- bactérias. Nesse caso, o VICH aconselha alterações na
dade. A demonstração de um efeito tóxico no estudo de bateria básica de testes necessários para tais m edica-
carcinogenicidade, sem comprometer a sobrevivência mentos. Testes adicionais podem ser n ecessários em
ou homeostase, garante que os animais foram suficien - alguns casos, como, por exemplo, substâncias com po-
tem ente desafiados e for n ece a confiabilidade de um ten ciais efeitos aneugênicos e/ou germinativos.
resultado negativo. D e m an eir a geral, ap en as o com posto parental é
A diretriz da OCDE n. 451 "Estudos de Carcinoge- testado; entretanto, em algum as situações pode ser ne-
nicidade" contém o protocolo de estudo, orientações e cessário testar também um ou m ais m etabólitos. Tais
abordagens para testar produtos químicos para carci- situações ocorrem quando o m etabólito tem estruturas
nogenicidade usando animais experimentais. As infor- que não estão presentes na estrutura molecular do me-
m ações derivadas de um ensaio combinado sobre car- dicamento original. Sais, ésteres, conjugados e resíduos
cin ogen icidade e toxicidade crôn ica (OCDE n . 453 ligados são geralm ente considerados com o tendo pro-
"Estudos Combinados de Toxicidade Crônica/Carcino- priedades genotóxicas sem elhantes às do composto pa-
genicidade") também são aceitáveis. rental, a m enos que o contrário possa ser demonstrado.
70 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

Bateria padrão de testes (BPT) Os testes de aberração crom ossôm ica devem ser
Recomendam-se três baterias de testes como triagem realizados de acordo com a OCDE n. 473. O ensaio
n a avaliação da genotoxicidade dos m edicamentos de in vitro dos micronúcleos de células de m amíferos
uso veterinário de n atureza farmacêutica: (OCDE n . 487) pode ser empregado com o parte da
bateria inicial de testes de genotoxicidade como um
1. Teste para mutação genética em bactérias: para esse substituto do teste de aberração cromossômica des-
teste foi construído um banco de dados m uito ex- crito n o protocolo da OCDE n. 473.
tenso com cepas de Salmonella Typhimurium e Es- Se o teste do linfoma de camundongo for realizado,
cherichia coli. As cepas mais bem validadas são Sal- o protocolo deve estar de acordo com os critérios
monella Typhimurium TA1535, TA 1537 (ou TA97 estabelecidos na OCDE n . 476 e deve incluir o uso
ou TA97a), TA98 e TA 100. Entretanto, essas estir- de controles positivos apropriados (clastógenos).
pes podem n ão detectar alguns mutagênicos oxi- 3. Teste in vivo para danos cromossômicos usando cé-
dantes e agentes de ligação cr uzada. Para cor rigir lulas hematopoiéticas de roedores: esse teste foi adi-
isso, as cepas de Escherichia coli WP2 (pKM l Ol ), cionado a BPTs para fornecer garantia adicional de
W P2uvrA (pKM l Ol ) ou Salmonella Typhimurium que esse procedimento detectará todos os poten-
TA102 devem também ser usadas no teste bacteria- ciais m utagên icos. O VICH estava ciente de que,
no. No entanto, apesar de o teste de mutação do gene para o teste de algum as classes de químicos, algu-
bacterian o ser eficiente n a triagem para detectar mas autoridades govern am entais recom en dam o
compostos com potencial inerente para induzir mu- uso de uma bateria de testes de mutagenicidade que
tações genéticas, não detecta todos os compostos consistem apenas em testes in vitro, sendo necessá-
com potencial mutagênico. Alguns compostos clas- rios testes in vivo apenas se a bateria in vitro apre-
togênicos n ão produzem m utações no teste de Sal- sentar um resultado positivo ou equívoco. Em bora
monella (por exemplo, com postos inorgânicos de o VICH tenha considerado essa abordagem , defi-
arsên ico). niu -se por incluir um teste in vivo n a sua bateria de
Para teste de Am es, as con centrações m áximas re- testes, a fim de alcançar a h armonia com os requi-
com endáveis são de 5 m g/placa, quando não lim i- sitos da ICH para testes de m edicam entos huma-
tado por solubilidade ou citotoxicidade. Compostos nos para genotoxicidade. Tal estudo pode ser o tes-
com difícil solubilização têm sua concentração má- te de avaliação do m icro núcleo ou u m teste de
xim a de exposição limitada à sua solubilidade em avaliação citogen ética. Um ensaio de micronúcleos
veículo compatível com o sistem a testado. de eritrócitos em m amíferos (OCDE n. 474) ou um
O teste de m utagenicidade reversa bacteriana deve teste de aberrações crom ossôm icas da m edula ós-
ser realizado de acordo com protocolo estabelecido sea em m amíferos (OCDE n. 475) pode ser realiza-
n a diretriz da OCDE n. 471. do com o parte da bateria inicial de testes de geno-
2. Teste citogenético para avaliação de danos crom os- toxicidade.
sômicos, ou um teste in vitro de mutação gênica em
células tk do linfom a de camundongo: esse segun- Modificações da Bateria Padrão de Testes (BPT)
do teste deve avaliar o potencial de um produto quí- Para a maioria das substân cias, a BPT é no rmal-
mico produzir danos cromossômicos. Nessa avalia- mente suficiente, m as em alguns casos pode h aver ne-
ção pode-se em pregar um dos três testes relatados cessidade de m odificações n a escolha dos testes ou dos
a seguir: a) teste de aberrações crom ossôm icas in protocolos dos testes individuais realizados. As proprie-
vitro usando análise de metáfase, que detecta clas- dades físico-quím ico de uma substância (por exemplo,
togenicidade e aneugenicidade; b) teste do micro- volatilidade, pH, solubilidade, estabilidade etc.) podem ,
núcleo in vitro em células de mamíferos, que detec- algumas vezes, tornar as condições de teste pad rão ina-
ta a atividade de clastogenicidade e aneugenicidade; dequadas. Medicam entos testados usando baterias de
ou c) teste em células tk de linfoma de camun don - testes alternativos de ensaio de gen otoxicidade serão
go, que, com modificação, pode detectar tanto mu- considerados caso a caso. Um a justificativa científica
tação genética quanto dano cromossômico. Para cé- deve ser dada para não usar a BPT.
1u las d e m amíferos as con cent r ações m áximas Algum as substân cias antimicrobianas são excessi-
recomendáveis são de 1,0 mM ou 0,5 mg/mL, o que vam ente tóxicas para as bactérias e, portanto, difíceis de
for m en or, quando não limitado por solubilidade ser em testadas. Nesse caso, é apropriado realizar um
ou citotoxicidade. teste bacteriano usando concentrações até o limite de
Capítulo 8 • Avaliação de toxicidade: estudos pré-clínicos 71

citotoxicidade e suplem entar o ensaio bacter iano com toxicidade reprodutiva (por exemplo, comprometimen -
um teste in vitro para m utação gen ética em células de to da fertilidade, parto, lactação), toxicidade parental
mam íferos. (geralmente toxicidade sistêmica, como efeitos no peso
Para a detecção de substân cias ativad as ap ós sua corporal ou consumo de ração) e toxicidade de proles
m etabolização, o ensaio in vitro deve ser realizado n a (por exemplo, efeitos n o peso corp or al de filhotes ou
presença e ausência de um sistem a de ativação metabó- viabilidade de filhotes).
lica. O sistem a de ativação metabólica mais comumen- Estudos de toxicidade do desenvolvimento são usa-
te utilizado é a mistura S9 de fígados de roedores trata- dos para avaliar os efeitos no organismo em desenvol-
dos com uma enzima, agente indutor (Aroclor 1254 ou vimento, que podem incluir a morte do organism o em
uma combinação de fenobarbital e betanafitoflavona) . desenvolvimento, anormalidades estruturais, crescimen-
No entanto, outros sistem as podem ser usados. Um ra- to alterado ou deficiências funcion ais. A unidade para
cion al técnico científico deve ser apresentado para jus- comparação estatística em estudos de toxicidade do
tificar a escolha de um sistem a de ativação m etabólico desenvolvimento é a n inhada, n ão o feto individual.
alternativo. Assim, quando são relatadas diferenças estatisticamen -
te significantes nas incidên cias relativas ao número to-
Avaliação do resu lta do dos ensa ios tal de fetos por grupo de dose, deve-se verificar se tais
diferenças também são aparentes quando os resultados
A avaliação do poten cial genotóxico de um com - são expressos por ninhada. Q ualquer efeito que ocorra
posto deve considerar a totalidade dos resultados e re- no primeiro dia ( ou nos prim eiros dias) após a dosagem
conhecer os valores intrínsecos e limitações dos testes deve ser an otado, p ois p odem ser usados como base
in vitro e in vivo. Compostos que apresentam resultados para o estabelecimento de um ARfD. Geralmente, os
"positivos" nos testes supracitados são potencialmente Noaels devem ser identificados para toxicidade m ater-
agentes carcinogênicos e/ou mutagênicos para seres na (geralm ente toxicidade sistêm ica, como efeitos no
hum anos e, portanto, não há possibilidade de empregá- peso corporal ou consumo de ração) e toxicidade em -
-los como medicamento, hum ano ou animal. brionária e fetal (p or exemplo, efeitos n o peso fetal,
Se uma substância apresentar resultado positivo mortalidade fetal, incidência de anomalias esqueléticas
para genotoxicidade in vitro, mas resultado negativo nos e viscerais ou variantes).
testes de genotoxicidade in vivo realizados com m edu -
la óssea, será necessário confirm ar se o composto é ge- Teste de toxicidade na reprodução (VICH GL22)
notóxico ou não com outro teste de genotoxicidade in O VICH GL22 (Safety studies for veterinary drug
vivo, usando um tecido-alvo diferente da medula óssea. residues in human food: reproduction studies) propõe
No caso de outros resultados positivos ou ambíguos na um estudo m ultigeracional.
BPTs, a necessidade de se realizar m ais testes deve ser A abordagem dos testes de toxicidade reprodutiva
decidida caso a caso. e de desenvolvim ento de produtos veterinários difere
Resultados claramente negativos para a genotoxi- em alguns aspectos do que foi adotado pela ICH. A di-
cidade em uma série de testes, incluindo a BPT, geral- retriz da ICH defende uma combinação de três estudos,
mente serão consider ados evidência suficiente de au- nos quais a dosagem se estende por períodos m ais cur-
sência de genotoxicidade. tos, para avaliar fe rtilidade ad ulta e desenvolvimento
embrionário precoce, desenvolvimento pré e pós-natal
Est udo de toxicidade na rep rodução e desenvolvimento embrionário-fetal. Embora tal abor-
e no desenvolvimento dagem seja considerada apropriada para a maioria dos
medicamentos human os, a exposição aos resíduos de
Estudos de toxicidade reprodutiva em multigerações m edicamentos veterinários na alimentação human a
fornecem informações gerais sobre os efeitos da subs- pode ser de longo prazo. Para exposição de longo prazo
tância teste nos ciclos de estro, comportamento de aca- e baixa dose, um estudo que se estende por mais de uma
salamento, concepção, parto, lactação e crescim ento e geração (também denom inado de multigeracional) é
desenvolvimento da prole até a idade de desm ame. Os considerado mais apropriado.
dados devem ser apresentados para cada etapa e geração O estudo de mais de uma geração permite a detec-
separ adam ente (por exemplo, geração dos pais para ção não só de qualquer efeito na reprodução do adulto,
primeira geração, geração dos pais para segunda geração mas também qualquer efeito nas gerações subsequen-
etc.). Normalmente, devem ser identificados Noaels para tes em decorrência da exposição in útero e pós-natal.
72 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Estudos m ultigeracionais po d em tam bém perm itir a a(s) dose(s) em que ocorre(m ) e a(s) dose(s) que n ão
detecção de efeitos reprodutivos da bioacumulação da produz(em ) efeito adverso deverá(ão) ser claramente
substância em estudo. Interferên cias no t rato reprodu- id entificad a( s). Algumas observações pod em requerer
tivo em desenvolv imen to ou bio acu mulação pod em mais estudos para caracterizar completam en te a natu-
m anifestar-se por meio do aum ento d o grau ou gravi- reza da resposta ou da relação d ose-resposta.
dade d os efeitos adversos n as gerações sucessivas. Tradicionalmen te, duas espécies, um roed or e um
Recom enda-se o ensaio em m ultigeração em uma n ão roedor são utilizados para teste d e toxicidade de
única espécie. Usualm en te, a m aioria dos estudos para desenvolvimento. Duas espécies ainda são recomendadas
tod as as classes de produtos químicos são realizados em no teste ICH , segund o a diretriz para testes de toxicidade
ro edores. Estud os em duas ou três gerações têm sido a no desenvolvimento para m edicam entos h umanos.
exigência usual para medicamentos veterinários. Estudos O teste de toxicidade em desenvolvimento inicia-se
de uma geração, em que o tratamento term ina quando a no roedor. Se for observada evidência clara de terato-
primeira geração d e d escenden tes é desm am ada, n ão genicid ade, independen tem ente d a toxicidade materna,
permitem a avaliação do d esempenh o reprodutivo d os uma segunda espécie não seria necessária. Se for obser-
anim ais que foram expostos à substância em estudo no vado um resultado negativo ou duvidoso para teratoge-
período pré-n atal até a p uberdad e. Um estudo d e mais nicidade n o roedor, u m n ovo teste de toxicidad e em
de um a geração é, portan to, consid erado necessário. d esenvolvim en to em u ma segunda espécie, preferen-
O número m ín imo necessário para fornecer resul- cialm ente, de não roedor deve ser conduzido. Na ausên -
tad os claros e interpretáveis na maioria d os casos é d e cia d e teratogenicid ad e no roedor, um teste de toxicida -
duas gerações. Enquanto protocolos d o ensaio em mul- d e no desenvolvim en to em um a segunda espécie seria
tigeração para algu m as classes d e produ tos químicos n ecessário, m esm o se n ão h ouvesse o utros sinais de
exigem uma terceira geração, geralmen te os efeitos que d esenvolvimento de toxicidade no roedor (por exemplo,
são claros na terceira geração também p odem ser ade- feto toxicid ade ou embrioletalid ade).
quad amente detectad os n a segund a geração. Portanto, Se, após a revisão de todos os principais estudos,
recom enda-se qu e seja realizado u m estudo de duas ficar eviden te que a IDA seria baseada em teratogen i-
-
geraçoes. cidade que ocorre no roedor, um estud o d e toxicid ad e
no desenvolvim ento deve ser r ealizad o em outra es-
Teste de toxicidade no desenvolvimento pécie, a fim de d eterminar se a segu nda espécie apre-
(VICH GL32) sen ta m aior sensibilidade para efeitos d esenvolvidos.
Para este teste, p ropõe-se o VICH GL32 (Studies to Portanto, é recomen dável uma ab ord agem em etapas.
Evaluate the Safety of Residues of Veterinary Drugs in O resultad o desse teste inicial indicará a necessid ade
Human Food: Developmental Toxicity Testing). de u m n ovo ensaio n o desen volv imen to de u m a se-
A avaliação do poten cial para toxicidad e no d esen- gun d a espécie.
v olvim en to foi iden tificada como u m a das prin cipais A D iretriz O CD E n . 414 "Estudo d e toxicidad e no
áreas a serem considerad as na avaliação d a seguran ça desenvolvim ento pré-natal" é um m étodo de referência
d e resíduos de m ed icam entos de uso veterinário na ad equado para u m ensaio de toxicidade para m ed ica-
alimen tação humana. mentos de uso veterinário. Essa d iretriz inclui discussão
O objetivo d o teste de toxicidade n o d esenvolv i- d o número d e animais de ensaio, período de adminis-
m ento é detectar qualquer efeito adverso na fêmea grá- t ração, seleção de doses, observações d as m ães, exam e
v ida e n o desenvolv imento do embrião e feto conse- d os fetos e relato dos resultad os.
quente à exposição da fêm ea duran te todo o período de
gestação até o dia anterior ao parto. Tais efeitos adversos Testes adicionais
incluem m aior toxicid ade em relação à observada em
n ão grávidas, m orte embriofetal, crescimento fetal alte- Estes testes são necessários para abordar questões
rad o e m udanças estruturais para o feto. Para os fins d a de segurança, como aquelas baseadas em estrutura, clas-
diretriz VICH GL32, a teratogenicidade é definida como se e mod o d e ação. Alguns exemplos d esses estudos são:
a capacid ad e de produzir uma m ud ança estrutural no
feto considerado prejudicial para o animal, que pode ou • Teste de efeitos n a m icrobiota intestinal h u m an a
n ão ser compatível com a vida. (VICH GL36 - Studies to evaluate the safety of resi-
O desen ho do ensaio d eve ser tal que, se qualquer dues of veterinary drugs in human food: general
efeito adverso sobre o desenvolvimento for detectado, approach to establish a microbiological ADI): é indi-
Capítulo 8 • Ava liação de toxicidade: estudos pré-clínicos 73

cado para compostos com propriedades an tibacte- (alguns m edicamentos veterinários podem ter sido in-
rianas. É n ecessário se obter inform ações para de- vestigados p ara uso como agentes terapêuticos em seres
terminar os efeitos residuais do m edicam ento na human os), notificações de abuso e estu dos voluntários
microbiota intestinal humana. medindo efeitos farmacológicos ou intolerância.
• Teste d e efeito farm acológico: alguns m edicamen-
tos veterinários produzem efeitos farmacológicos BIBLIOGRAFIA
sem resposta tóxica ou com uma dose inferior à ne-
1. BARBOSA, J.; CRUZ, C.; MARTINS, J.; et al. Food poisoning
cessária para induzir toxicidad e. A Noael d eve ser by clenbuterol in Portugal. Food Additives and Contaminants
identificada e levada em consideração na definição 22, p. 563-6, 2005.
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condução de estudos não clínicos de toxicologia e segurança far-
• Teste de imunotoxicidad e: para algum as classes d e macológica necessários ao desenvolvimento de medicamentos,
medicamentos, como, por exemplo, antibióticos be- 2013 . Disponível em: <http://portal.anvisa.gov. br/ docu-
talactâmicos, o potencial da substân cia para indu- ments/33836/2492465/Guia+para+a+Condu%C3%A7%-
C3%A3o+de+Estudos+N%C3%A3o+Cl%C3%ADnicos+de+-
zir uma reação alérgica em indivíduos sensíveis deve
Toxicologia+e+Seguran%C3%A7a+Farmacol%C3%B3gica+Ne-
ser investigado. Teste de imunotoxicidad e pode ser cess%C3%A l rios+ao+Desenvolvimento+de+Medicamentos+-
n ecessário p ara outros m edicamentos veterinários -+ Vers%C3%A3o+ 2/a8cad67c-l 4c8-4722-bf0f-058a3a284f75>.
quando os resultados dos testes indicarem um po- Acesso em: 31 dez. 2018.
3. _ _ _ . Presidência da República. Decreto nº 6.899, de 15 de
tencial risco imunológico. julho de 2009. Dispõe sobre a composição do Conselho Nacio-
• Teste d e n eurotoxicid ade: a evidência de p oten cial nal de Controle de Experimentação Animal - CONCEA, esta-
n eurotóxico pode ser identificada em testes de dose belece as normas para o seu funcionamento e de sua Secretaria-
-Executiva, cria o Cadastro das Instituições de Uso Científico
repetida e pode desen cadear a n ecessidad e de tes- de Animais - CIUCA, mediante a regulamentação da Lei nº
tes adicionais, com o o recomen dado na OCDE nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, que dispõe sobre procedimen-
424 "Estu do d e Neurotoxicid ade em Roedores': tos para o uso científico de animais, e dá outras providências.
Disponível em: <http:/ /www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2009/Decreto/D6899.htm>. Acesso em: 30 dez. 2018.
Estudos especiais 4. _ _ _ . Resolução Normativa nº 37, publicada pelo MCTIC em
15 de fevereiro de 20 18 . Diretriz da prática de eutanásia do
Esses são testes realizados para entend er o modo de CONCEA. Disponível em: <http:/ /www.mctic.gov.br/mctic/
export/sites/institucional/institucional/concea/ arquivos/legis-
ação do medicamento e usados para ajudar na interpre- lacao / resol ucoes _ normativas/Resolucao-Normativa-n -3 7 -Di-
tação ou na avaliação da relevância dos dados obtidos retriz-da-Pratica-de-Eutanasia_site-concea.pdf>. Acesso em: 30
nos testes b ásicos e/ ou adicion ais. Esses estudos são dez. 2018.
5. [EMA] EUROPEAN MEDICINES AGENCY. Guideline on the
projetados para resolver qu estões e p reocupações cien- principles of regulatory acceptance of 3Rs (replacement, reduction,
tíficas específicas, e os protocolos podem variar d e es- refinement) testing approaches - EMA/CHMP/CVMP/JEG-
tu d o para estudo. -3Rs/450091/2012, 15 dez. 2016. Disponível em: <https://www.
ema.europa.eu/documents/scientific-guideline/guideline-prin-
Exemplos de estudos especiais que podem ser in cluí-
ciples-regulatory-acceptance-3rs-replacement-reduction-refine-
dos são os estudos especiais sobre efeitos cardiovascula- ment-testing-approaches_en.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2018.
res, respostas imunes, ligação m acromolecular, m etab ó- 6. [FIOCRUZ) FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Guia Brasileiro
litos ( de importância toxicológica), efeitos hormonais, de Produção, Manutenção ou Utilização de Animais para Ati-
vidades de Ensino ou Pesquisa Científica do CONCEA, 2016.
toxicidade ocular, produtos de fotoisom erização, função Disponível em: <https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/ l 4259>.
da tireoide e efeitos n eurocomp ortamentais. Acesso em: 30 dez. 2018.
7. HEALTH FOR ANIMALS. Disponível em: <https://healthfora-
nimals.org/> . Acesso em: 30 dez. 2018.
Observações em seres humanos 8. [OECD] Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico. OECD Guidelines for the Testing of Chemicals.
As observações em humanos podem ser p articular- Disponível em: <https:/ /www.oecd-ilibrary.org/environment/
oecd-guidelines-for-the-testing-of-chemicals-section-4-health-
m ente úteis para estabelecer valores d e orientação ba-
-effects 20745788>. Acesso em: 30 dez. 2018.
seados na saúde, p ara avaliar a relevância dos resultados 9. _ _ _ . OECD series on testing and assessment. Number 34.
de estudos em animais exp erimentais e para confirmar Guidance document on the validation and international accep-
valores d e orientação baseados n a saú de. Todos os es- tance of newor updated test methods for hazard assessment.
2005. Disponível em: <https:/ /ntp.niehs.nih.gov/iccvam/supp-
tudos que lidam com seres hum anos (exceto aqu eles docs/feddocs/oecd/oecd-gd34.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2018.
resumidos sob aspectos bioquímicos ou efeitos m icro- 10. PULCE, C.; LAMAISON, D.; KECK, G.; et al. Collective human
biológicos) devem ser incluídos nesta seção, incluindo food poisonings by clenbuterol residues in veal liver. Veterinary
and Human Toxicology, v. 33, p. 480-1, 1991.
levantamentos epidemiológicos, experiên cia clínica
74 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

11. SALLERAS, L.; DOMINGUEZ, A.; MATA, E.; et al. Epidemio- purposes. Disponível em: <https:/ /eur-lex.europa.eu/LexUriServ/
logic of an outbreak of clenbuterol poisoning in Catalonia, Spain. LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:276:0033:0079:en:PDF>. Acesso
Public Health Reports, v. 110, p. 338-42, 1995. em: 30 dez. 2018.
12. SOLECKI, R.; DAVIES, L.; DELLARCO, V.; et al. Guidance on 15. VICH Guidelines for Toxicology Studies. Disponível em:< ht-
setting of acute reference dose (ARfD) for pesticides. Food and tps://vichsec.org/guidelines/p harmaceu ticals/p harma -safety/
Chemical Toxicology, v. 43, p. 1569-93, 2005. toxicology.html>. Acesso em: 30 dez. 2018.
13. SPORANO, V.; GRASSO, L.; ESPOSITO, M.; et al. Clenbuterol 16. [WHO] WORLD AND HEALTH ORGANIZATION. Guidan-
residues in non-liver containing meat as a cause of collective ce document for the establishment of Acute Reference Dose
food poisoning. Veterinary and Human Toxicology, v. 40, p. (ARfD) for veterinary drug residues in food - Joint FAO/WHO
141-143, 1998. Expert Committee on Food Additives (JECFA), Geneva - July
14. THE EUROPEAN PARLIAMENT AND THE COUNCIL OF 2016. Disponível em: <https://www.who.int/foodsafety/chem/
THE EUROPEAN UNION. Directive 2010/63/EU of 22 Sep- jecfa/ARfd/en/>. Acesso em: 30 dez. 2018.
tember 201 O on the protection of animais used for scientific
Capítulo 9

Estudos de segurança nas


espécies-alvo

Greyce Lausana
Thais Sodré Lima

~ subm etido ao Mapa devem ser inseridos resultados


INTRODUÇAO
referentes aos estudos laboratoriais, pré-clínicos e clíni-
O b em -estar e a saúde an imal estão d iretamente cos conduzidos com o p roduto em questão. A análise e
relacionados à segurança e à eficácia d os produtos d e a aprovação d o dossiê são realizad as pela Coord enação
uso veterinário. As d iferen tes indústrias com foco na d e Fiscalização de Produtos Veterinários (CPV), divisão
saúde an imal, por meio da manufatura dos mais diver- pertencente ao Departamento de Fiscalização d e Insu-
sos p rodutos, são responsáveis pela manutenção da hi- mos Pecuários (DFIP)/Mapa.
gidez d e rebanhos (asseguran do sua produtiv idad e), De acordo com disposto no Decreto-lei n. 467/ 1969,
bem com o d os an im ais d e estimação. e d epois modificado pelo Decreto-lei n . 12.869/2012,
No Brasil, o papel da indústria veterinária torna-se um p roduto de uso veterinário é definido como
mais evidente se considerados alguns fatores. O país vem
ganhando visibilid ade e importância d iante do mercad o toda substância química, biológica, biotecn ológica ou
ligado à produção de proteína an imal. Como resultad o, preparação manufaturada cuja admin istração seja apli-
o M inistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento cada de forma individual ou coletiva, direta ou m istura-
(Mapa) passou a desempenhar tarefas d e auditoria, vi- da com os alimentos, destinada à prevenção, ao diagnós-
sando à fiscalização sanitária das condições de produção, tico, à cura ou ao tratamento das doenças dos animais,
essen ciais aos processos d e com ercialização interna e inclu indo os aditivos, suprimentos promotores, melho-
extern a. Soma-se a isso o aumento da conscien tização radores da produ ção animal, medicamen tos, vacinas,
d os criadores sobre a importân cia da m an u tenção de antissépticos, desinfetantes de uso ambiental ou equipa-
rebanhos saudáveis por meio de program as sanitários mentos, pesticidas e todos os produtos que, utilizados nos
efetivos e periódicos. Finalm ente, d eve-se citar o fato de animais ou no seu habitat, protejam, restaurem ou mo-
que o país possui a segunda maior população de cães, difiquem suas funções orgânicas e fisiológicas, bem como
gatos e aves canoras e ornam entais em todo o m undo, os produtos destinados ao embelezamento dos animais.
sendo o quarto em população de anim ais de estimação,
potencializando a força do setor econ ôm ico brasileiro. Cabe salientar que de acordo com a Instrução Nor-
Todo esse cen ário acaba por elevar a dem anda pela mativa n. 37/1999, ficam dispensados d e registro junto
eficiência da fiscalização do comércio e do emprego de ao Mapa, nos moldes mencionados anter iormente, os
produtos de uso veterinário desempenhada pelo Mapa. produtos de uso veterinário que não se destinam apre-
D essa forma, para que um produto de uso veterinário venir, diagnosticar ou curar doenças d os an imais, que
obtenha ou renove registro, é mandatória a apresentação não possuam ação sobre agentes patógenos que acome-
de um dossiê d e registro que comprove sua inocuid ade tem os anim ais e que não ofereçam riscos ao meio am-
(segurança), qualidade, eficácia e, em alguns casos, quan- biente, à saúde animal e h umana. São exem plos desse
do há o consumo pelo ser h umano de produtos de ori- tipo de produto aqueles de uso exclusivo para embele-
gem anim al, seus níveis de resíduos em diferentes ma- zamento (sem ação terapêutica concomitante), instru-
trizes (para detalhes, veja Capítulo 40). Nesse dossiê mental cirúrgico, entre outros.
76 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

,
CARACTERISTICAS GERAIS DO ESTUDO d a administração de determinado p roduto d e uso vete-
rinário na(s) espécie(s)-alvo, com intuito de obtenção
Estudos para avaliar a seguran ça e a eficácia de pro- d e seu registro junto ao órgão regulatório.
dutos de uso veterinário devem sempre seguir um pro- O Brasil n ão possui instrução normativa que trata
tocolo de pesquisa, elaborado de forma criteriosa e com de for ma específica esse assunto. Entretan to, existe a
foco no p roduto e na espécie-alvo. Não é possível partir recomendação, por parte da entidade regulatória (Mapa),
de projetos mal delin eados, sem justificativas, desfechos, d e que tais estud os sejam delineados de acordo com o
critérios de inclusão e exclusão, an álises estatísticas, disposto nos guias publicados pela International Coo-
garan tias para o bem-estar animal e as devidas aprova- peration on Harmonisation of Technical Requirements
ções de Comissões de Ética n o Uso de Anim ais ( Ceuas) for Registration ofVeterinary Medicinal Products (VICH).
e demais iten s d efinidos p o r p ad rões metod ológicos Esse p rograma trilateral (Estad os Unidos/Comunid ad e
aceitáveis pela com unidad e científica. Europeia/Japão) foi criado em 1996 com o intuito d e
Compete ao médico veterinário, responsável pela con- harmonizar os requerim entos técnicos para obtenção
dução do projeto, elaborar e manter um prontuário robus- de registro de p ro dutos de uso veterinário. O V ICH
to e o acompanhamento diário dos animais inseridos em d isponibiliza em seu site vários guias destinados à con-
um estudo. Guias locais e internacionais devem ser segui- dução d e estudos de seguran ça com d iversos escopos.
dos, mas o que vale é sempre uma justificativa cientifica- Além disso, agências regulatórias importantes, com o o
m ente aceitável para suportar um protocolo de pesquisa. FDA (United States of Food and Drug Administration) e
Garantir que dad os clínicos e n ão clínicos sejam a EMA (European Medicines Agency) também d ispõem
estud ados e possam servir com o subsídios para justifi- d e guias que discorrem sobre esse tema. O Quadro 9.1
car os diferentes desenhos de um p rotocolo é o m ínim o apresen ta os guias d essas agências regulatórias.
que se espera d e uma empresa que preten de registrar e/ D entre os guias publicados pelo VICH, o Guia Tar-
ou renovar um p roduto. get Animal Safety for Veterinary Pharmaceutical Products
Outro aspecto importante que deve ser salientado (VICH GL43), d irecionado para bovinos, ovinos, capri-
é a garantia d os locais onde o estudo clínico será con - nos, felinos, caninos, suínos, equinos e aves, abord a re-
duzido ( CRO, Contract Research Organization, sigla n a quisitos essen ciais, recom endados para estudos de se-
língua inglesa que denota um a organização que fornece gurança de um produto farm acêutico veterinário a ser
ensaios clínicos e out ros serviços de apoio à pesquisa submetido à instância regulatória. Tal guia visa difu ndir
para indústrias farm acêuticas). Esse sistema deve prever padrões de harm onização internacional de form a a re-
p roced im entos operacionais pad rão, m anuais, fluxos, du zir a n ecessidade de realização de estudos separados,
treinam en tos e programas de educação con tinuada e para contemplar os requerimentos de instâncias regu-
demais itens específicos para a garantia da qualidade de latórias de d iferen tes países e, por conseguinte, reduzir
um estudo. os custos de d esenvolvimento d e produ to e o nú m ero
Sendo assim, para que haja a conform idade nas boas d e animais utilizados.
práticas clínicas veter in árias para a realização de u m Vale ressaltar que esse guia con templa recomenda-
estud o é n ecessário um p rojeto m etod ológica e cienti- ções e que cabe ao investigador principal (m édico ve-
ficamente aceitável e aprovado por um a Ceua, equipe terinário responsável pela condução do p rojeto) e ao
qualificad a e t reinada de forma con tin uada, local para patrocinador (pessoa física ou jurídica, responsável por
a condução do estud o que garanta a rastreabilidade dos garantir os recursos para a condução do projeto) elabo-
dados clínicos e n ão clínicos, acompan ham ento d os rar o delineamento experim en tal d e um estudo d e se-
eventos adversos esperados, não esperados, graves ou guran ça que leve em consid eração a m argem de segu-
n ão, um m édico veterinário capacitad o, fichas clínicas ran ça do produto em in vestigação, dados p révios já
com dados atribuíveis, legíveis, contemporâneos, origi- pu blicad os sobre d ele, questões de bem -estar animal,
n ais, acurados e completos (ALCOA-C). Dessa form a, exigên cias regulatórias d o país no qual se p retend e re-
os resultados dos estudos serão passíveis d e serem acei- gistrar o p roduto, entre outras.
tos pelas autorid ades regulatórias. D en t re os dad os possivelm ente p ublicad os e que
podem ser utilizados como base do delineamen to estão
~ as inform ações relacion adas a farm acocinética, farm a-
LEGISLAÇAO E GUIAS
codinâmica e toxicologia do pro duto não somen te n a
No presente capítulo são abordados os estud os que espécie-alvo, m as também em estudos pré-clínicos (veja
visam à obtenção de informações relativas à segurança
Capít ulo 9 • Estudos de segu rança nas espécies-alvo 77

QUADRO 9 .1 G u ias pa ra e st udos de s egura n ç a na e spé c ie- à expectativa de um efeito, isto é, pod er da sugestão. O
-alvo grupo-controle positivo é o usad o para com paração
FDA com tratam ento convencional - padrão ouro. Quando
CVM GFI #49 - Target Animal Safety and Drug Effectiveness os animais de um grupo-controle negativo não são sub-
Studies for Anti-Microbial Bovine Mastitis Products (Lactating metidos a nenhum tratam ento ou são subm etidos a um
and Non-Lactating Cow Products)
placebo (por exemplo, o d iluente do produto) se espera
CVM GFI # 50 - Target Animal and Human Food Safety, Drug
que não haja nenhuma alteração nos animais desse gru-
Efficacy, Environmental and Manufacturing Studies for Teat
Antiseptic Products po. No grupo-controle positivo os animais recebem um
CVM GFI # 56 - Protocol Development Guideline for Clinica!
tratamen to que é conhecid o por causar um determina-
Effectiveness and Target Animal Safety Triais d o efeito; a inclusão d esse grupo n o experimento per-
CVM GFI #104 - Content and Format of Effectiveness and m ite qu e u m novo tratam en to seja comparad o a esse
Target Animal Safety Technical Sections and Final Study t ratam ento existen te.
Reports for Submission O grupo-controle negativo d eve ser sempre incluí-
CVM GFI #123 - Development of Data Supporting Approva/ of d o nu m delineam en to experimental. Ent retanto, a au-
NSAIDS for Use in Animal
sên cia d esse grup o n um estu d o pode ser justificada
CVM GFI #192 - Anesthetics for Companion Animais
quando sabidam ente a falta de tratam ento subm ete os
CVM GFI #197 - Documenting Statistical Analysis Programs an im ais a u m sofrim en to e/ou d or. Nessa sit uação, a
and Data Files
Ceua n ão aprovará a realização do experimen to, sen do
CVM GFI #21 5 - Target Animal Safety & Effectiveness Protocol
n ecessário empregar u m gru po -con t role positivo, n o
Development & Submission
qual será empregad o o tratam ento convencional e/ ou o
CVM GFI #226 - Target Animal Safety Data Presentation and
Statistical Analysis
uso de um analgésico padrão.
Independentemente d o tipo de con trole empregado
EMA
em um estudo, a randomização, um a poderosa ferramen-
7 A E21a - Local tolerance of intramammary preparations in
cows
ta para a obtenção d e evidências, torna-se m andatória e
possibilita a d istribuição de forma aleatória dos partici-
CVMP/ EWP/117899/2004 - Guideline on efficacy and target
animal safety data requirements for veterinary medicinal pantes n os grupos de estud o. Portanto, tod os os partici-
products intended for minor use or minor species (MUMS)/ pantes têm as mesm as chances d e serem alocad os em
/imited market qualquer um dos grupos, promovendo a imprevisibilida-
CVMP/ EWP/459868/2008 - Demonstration oftarget animal de d a alocação. Já o cegamento (cego, duplo-cego) impe-
safety and efficacy of veterinary medicinal products intended
to use in farmed finfish
d e que um a ou m ais partes envolvidas no estudo conhe-
ça a interven ção que está sendo procedida no indivíduo.
Outra ferramenta, o bloqueio do estudo, pode ser empre-
gada para cont rolar, quan to possível, a distribuição d e
o Capítulo 8) ou aind a d ad os d o p roduto obtid os em fatores de interesse, como lactação, id ade, sexo, d en tre
animais de out ras espécies que n ão a espécie-alvo. outros.
A segurança de produtos com indicação de múltiplas
DELINEAMENTO DO ESTUDO vias de administração pod e ser avaliad a por m eio d a via
de admin istração com maior predisposição ao surgimen-
Para o adequado delineamento de estudos que visam to de efeitos colaterais. Entretan to, a d ecisão de avaliar o
avaliar a segurança de produtos de uso veterinário reco- produto por somente uma via de adm inistração deve ser
menda-se o emprego de ferramentas redutoras de vieses, tomada de forma criteriosa, sem desconsiderar a avaliação
como grupos-controle, random ização e cegamen to. d os efeitos locais da administração d o produto.
O grupo-controle negativo é o usado para compa- Outro fator relevante na concepção do delineamen -
ração que recebe apen as placebo. Por sua vez, placebo to de um estud o de segurança é a avaliação de múltiplas
é a substância ou procedimento in ativo (que não produz d oses d o p roduto, e por um período que exceda a in di-
n en h u m efeito), admin istrado a u m p articip ante ou cação presente na bula. Esse procedimen to pod erá não
gru p o com a finalidade d e comparar o efeito d e u m a ser realizado se as propried ades farmacológicas, toxico-
su bstância química ou interven ção. O efeito placebo lógicas do in sumo farmacêutico ativo (IFA) e o uso
(tem m aior relevância na espécie h u mana) é uma res- proposto do p roduto justificarem o contrário.
posta favorável a uma terapêutica, ind epend entemen te Para a d eterm inação da d ose r ecom en dad a e d as
do fato de esta ser real ou um placebo; pode ser atribuída sobredoses, d eve-se levar em con ta as p ropriedades
78 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

farm acológicas e a toxicidade do IFA. Em linhas gerais, reprodutor, urinário, linfático, além do comportamento.
o VICH G L43 recomen da a inclusão no estudo, além Caso o produto seja de uso parenteral, deve-se observar
de um grupo placebo, de um grupo no qual os an imais a aparência, presença de dor, exsudação ou hipertermia
serão medicados com o maior nível de dose do produ - no local de aplicação. Observações gerais, ainda, devem
to proposto, recomendado na bula (lX), e dois múltiplos ser realizadas sobre a ingestão de alim ento, água, tem -
dessa dose de uso de bula, que na maioria dos casos é peratura corpórea, defecação, m icção e peso.
três vezes (3X) e cinco vezes (SX) a maior dose da bula,
por um período de tempo superior à duração m áxima Testes clínico-pato lógicos
recomendada na bula para a utilização. Em geral, reco-
m en da-se que cada g rup o seja tratad o p or p eríodo Durante os testes, devem ser realizados exam es he-
equivalente a pelo m en os três (3X) vezes a duração de matológicos, incluindo bioquím ica sér ica e urinálise,
tratam ento a ser indicada, até um máxim o de 90 dias. no mínim o no período inicial e final do estudo. Outros
Vale ressaltar n ovamente que o disposto nesse guia é testes podem ser pertinentes na dependência do tipo de
considerado uma recomendação, caben do ao patroci- produto. Tais testes devem ser realizados em todos os
nador e ao investigador estarem informados sobre quais indivíduos, exceto quando o tamanho do grupo exceder
são de fato as exigências requeridas pelo órgão regula- um núm ero de oito indivíduos (a exemplo dos rebanhos);
dor local. nesse último caso, podem ser selecionados animais alea-
De forma geral, os estudos de segurança em an i- toriamente para tais exames. É importante salientar que
m ais-alvo se dão com números reduzidos de an imais sob hipótese alguma deve ser feita a "m isturá' ou um
(oito por tratamento). Aconselha-se a inclusão de machos "pool" das am ostras, a título de reduzir o núm ero de
e fê m eas (50% de cada), a m en os que o prod uto seja exames realizados.
destinado a um sexo apen as. D u rante os estudos de É indicado realizar exam es complem entares adicio-
segurança a utilização de animais saudáveis é esperada. nais em anim ais que apresentem eventos adversos (ou
Além disso, a idade desses animais é um fator impor- em que haja suspeitas para tal) com o intuito de se iden -
tante a se considerar. Caso o produto sob investigação tificar a causa das m anifestações clínicas.
seja destinado a animais jovens, geralmente devem ser
empregados an im ais de menor idade para a qual se so- Necro psia e exames histopatológicos
licita aprovação do produto.
É importante ter em m ente qu e, n esses estu dos, A princípio e desde que n ão h aja estudos prévios
muitas variáveis devem ser observadas, as quais são publicados que suportem tais informações (produto
distintas n a dependência das características do produto novo), é necessário que se realize a coleta de amostra de
e suas indicações. De m an eira geral, qu atro tipos de tecido em todos os animais de todos os grupos envol-
variáveis são considerados n os estudos de m argem de vidos na pesquisa. Naqueles estudos nos quais já seco-
seguran ça: exam es físico e com portam ental, testes clí- nhece, ou há bibliografia sobre o IFA, norm almente se
nico-patológicos, exame necroscópico e histopatológico. realiza a avaliação m icroscópica dos tecidos de todos os
animais do grupo-controle e do grupo de maior dose
Exa mes físico e comportamental do produto testado. Se nos animais pertencentes a esse
último grupo forem encontradas lesões teciduais, deve-
O exame físico detalh ado de todos os animais deve -se proceder ao exam e nos animais do grupo que rece-
ser realizado em diversos p ontos do estudo, por um beu a dose imediatam ente inferior àquela aplicada nos
médico veterinário. Observações a respeito do compor- an im ais desse grupo. Além disso, r ecom en da-se qu e
tamento e estado geral podem ser feitas por técnicos todos os anim ais, exibindo manifestações clínicas sistê-
treinados, sob a supervisão de um m édico veterinário, m icas ou alterações n os exam es clínico-patológicos,
devendo ser registrados os dados, de cada um dos ani- devam passar por esses exam es.
m ais dos grupos, diariamente, sete dias por semana. A Entretanto, o próprio VICH GL43 apresenta a res-
avaliação clínica e a observação do com portam ento salva de q ue, caso h aja ampla m argem de seguran ça
devem ser feitas sem pre n o m esm o horário ou em ho- previamente docum entada para o IFA, o exame de ne-
rários predeterminados. cropsia e h istopatológico podem n ão ser n ecessários
Em linhas gerais, o exame deve ser direcionado aos diante da ausência de alterações nos parâmetros clínicos
sistem as: visual, nervoso central, m usculoesquelético, e resultados de exam es clínico-patológicos realizados
tegumentar, cardiovascular, respiratório, gastrointestin al, no decorrer do estudo.
Ca pítu lo 9 • Estudos de segu rança nas espécies-a lvo 79

,
ESTUDO ESTATISTICO tópica proposta, para examinar a segurança do IFA, caso
haja a probabilid ade de ingestão acid ental após o trata-
Em relação aos aspectos estatísticos, tabelas e textos mento (por exemplo, con tato por lambedura).
descritivos são métodos comuns de sum arização n os
estudos de segurança. Aconselha-se também o uso d e Ava liação em estudos da reprod ução
gráficos, pelos quais padrões de eventos adversos podem
ser descritos. Logicamente, a seleção do mod elo estatís- A avaliação de segurança específica e adicional deve
tico d ependerá da variável a ser analisada, bem com o ser realizad a para p rod utos com indicação de uso em
do tipo de estudo a ser conduzido. Quaisquer que sejam animais em fase reprodutiva. O objetivo de tais estud os
os m étodos escolhidos, as análises estatísticas necessitam é id en tificar possíveis efeitos adversos no desempenho
ser descritas. reprodutivo ou sobre a progên ie dos an im ais. Nesse
delineamento é recomendado incluir animais saudáveis
ESTUDOS DE SEGURANÇA ADICIONAIS (geralm ente oito por sexo) que representem a espécie,
id ade e classe na qual o produto será utilizado. A ava-
Alguns estud os adicionais de segurança podem ser liação dos m achos compreende o em prego de um gru-
necessários para um determinado produto de uso vete- po-controle e de u m grupo tratado com três vezes a dose
r inário, depend end o d as condições d e uso e das carac- do produto. O período de tratamento deve compreender
terísticas desse p roduto. Tais estu dos podem ser com - ao m en os um ciclo de esperm atogênese.
binados com a margem de avaliação de segurança e, em Já na avaliação d os efeitos de u m produto sobre a
anim ais produtores d e alimen tos, estud os de resíduos. ativid ad e reprodutiva de fêmeas, elas devem ser tratadas
É recomend ado que os desen hos de estudos específicos com três vezes a d ose indicada em bula no período que
sejam determinados pela com unicação prévia en t re o antecede a fertilização (a partir da fase folicular), ao lon -
patrocinador do produto e a agência regulad ora. go d a gestação (incluind o fase embrion ária, fetal e pré-
-parto) e no período pós-parto, ao menos até ser possível
Avaliação do loca l da injeção observar d esenvolvimento inicial e função locomotora
d a p rogênie. Essas avaliações pod em ser realizad as em
Ainda, a depender das condições de uso e caracterís- anim ais de laboratório desde que o perfil farm acocinéti-
tica do produto em investigação, alguns estudos de segu- co do p roduto seja comparável ao da espécie-alvo.
rança adicion ais podem ser recom end ad os. A avaliação D e form a mais específica, os estud os de segurança
da segurança no local da injeção deve considerar a m aior reprodutiva no macho devem contemplar a avaliação da
dose recom endad a em bula e o volu me m áxim o a ser espermatogênese, qualidade do sêmen e comportamen-
administrado. A localização e o m omen to da aplicação to sexual. Nas fêm eas avalia-se o ciclo estral, com porta-
devem ser registrados para facilitar a d eterminação d o mento sexual, taxa de concepção e duração da gestação,
tempo de resolução da possível lesão. Nessa m odalidade parto e amamentação. A progênie é avaliada quanto a
de avaliação devem ser observados sinais clínicos relacio- aspectos toxicológicos (incluindo teratogen icidade e
nados com comportamento/locomoção; aparência e sinais fetotoxicidade ), desenvolvim ento fetal, número de filh o-
de edem a e/ou in flamação no local de injeção; avaliação tes, viabilidade, crescimento e saúd e da progênie.
sérica das enzimas creatina quinase e aspartato transami- Em aves, ainda deve ser avaliado o peso d os ovos,
nase; e avaliação macroscópica e histopatológica d o local espessura d a casca, taxa de postu ra, fertilidade dos ovos,
nos casos em que alterações clínicas foram observadas. eclodibilid ade e viabilidad e da progênie.

Avaliação da administ ração tó pica Uso intramamá rio

Para estudos de produtos administrados topicamen - A avaliação da segurança d e produtos in dicados


te, da m esma forma que os demais, são indicados oito para uso intramam ário em anim ais lactantes e não lac-
animais por grupo, avaliando-se a presença de alteração tantes d eve ser realizada em fêmeas liv res de mastite
de comportamento/locomoção e a ocorrência de aumen- clínica ou subclínica. Cad a teto deve receber a dose
to de volum e, dor, calor, eritema ou outros sinais no local máxima pelo período indicado em bula.
de aplicação. Recomenda-se que na avaliação da segurança de um
Recomen da-se, n uma form ulação tópica, o uso d a IFA d estinad o a lactantes haja a inclusão de uma avalia-
administração por via oral da máxima dose da formulação ção objetiva dos efeitos inflamatórios agudos em animais
80 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

em fase inicial até a metade da lactação. Tanto para o grande maioria de bovinos n o Brasil, em con dições tro-
estudo do IFA em animais lactantes como n ão lactantes, picais, e que pod em apresen tar diferenças significativas
prefere-se que seja usado um ún ico grupo, com o desenho na farmacodin âmica e farmacocin ética, poden do, assim,
comp arativo para avaliar a sim ilaridade d e valores do diferir significativam en te nos resultados da avaliação.
período pré e pós-tratamento de cada animal. Geralmen- A coleta dos dados deve ser com animais qu e sejam
te, são empregadas oito fêmeas lactantes, incluindo qu a- represent ativos da faixa etária, raça e gên ero a qu e se
tro qu e estejam na sua p rimeira lact ação. destina o IFA. O estudo deve ser delineado empregando-
Para todos os animais envolvidos n o estud o, o exa- -se um grup o de anim ais-con trole apropriado. Em cada
me físico local, incluindo palpação, deve ser realizado estudo, as observações clínicas devem ser realizadas no
para avaliar a ocorrência de processo inflamatório, p or que se d enomina "m étodo cego': qu e é o estu do no qu al
meio da observação de edema, eritema, dor ou calor. No os indivíduos que administram a substância desconhecem
delin eam en to do estudo em animais lactant es, dados se é o m edicamento (e d oses) ou o placeb o, evitando-se
sobre todas as variáveis relevantes, associadas à irritação assim o viés. As variáveis apropriad as para avaliação p o-
tecidu al e p rodução de leite, devem ser coletados an tes, d em ser baseadas em resultad os de estu d os farmacod i-
durante e p ós-tratamento. Amostras par a contagem nâmicos em animais d e lab oratório ou estud os n as esp é-
quan t itativa d e células somát icas e cultura b acteriana c ies-alvo. Devem ser relatados event os adversos e
devem ser coletadas de cada teto an tes da ord en ha. É determin ação d e causalidade para o evento adverso.
necessário registrar a produ ção d iá ria de leite, a su a
com posição (p or exemplo, gordura, p roteína, lactose e ESTUDOS DE SEGURANÇA PARA ADITIVOS
sólidos não gordurosos) e aparência. Variáveis-ch ave
para avaliação de segurança geralm ente in cluem sinais A European Food Safety Authority publicou em 2011
de irrit ação d a glân d u la mamária, células som áticas um guia para condução d e estud os de segu rança e efi-
elevadas e p rodu ção de leite alte rada. A presen ça d e cácia para aditivos. Da mesma forma qu e o VICH GL43,
células som áticas muito alta ou a elevação prolon gada d irecion ado p a ra p ro dut os farmacêuticos, esse gu ia
de células som áticas após o tratamento, de maneira ge- aborda a imp ort ância d e utilizar n os estud os d e segu-
ral, não é aceit ável, a m enos qu e h aja uma justificativa. rança a espécie e categoria animal para qu al o p roduto
é destin ado. O número de an imais saudáveis utilizados
DADOS DE SEGURANÇA ORIUNDOS DE d eve p ermitir a análise estatística adequ ada, a fim de se
ESTUDOS DE CAMPO estabelecer não somen te a segu rança do produto, como
tam b ém a sua margem de segurança. Nesses estudos os
Os estudos de camp o forn ecem a avaliação d os an imais são avaliad os quan to à presença de alterações
poten ciais efeitos adversos na d ose de u so p retendida clínicas, características de desem pen ho, alterações h e-
em u m número muito maior de animais. Esses estudos matológicas ou bioquímicas. Os casos de óbitos in espe-
são conduzidos normalmente sob con dições represen - r ados devem ser investigad os p or m eio d e exame de
tativas da população-alvo que, se aplicável, incluem n ecropsia e h istopatológico. A d u ração do estu do de
an im ais d oen tes. A inclu são de u m n ú m ero relativa- eficácia para aditivos varia de acordo com a espécie e a
mente grande de anim ais n o estudo aumen ta a possi- c ategoria animal a qu al o produt o se destin a, sen do
bilidade de se d etect ar eventos adversos de frequ ên cia indicada a consult a do Apên dice do referido gu ia téc-
relativamente baixa. nico, que apresenta diversos exemplos direcion ad os a
Em locais onde a ocorrência da doença e a pecu ária estudos a serem con duzidos em suínos, aves, bovinos,
apresentam muitas semelhanças, os dados internacionais ovin os, caprinos, p eixes, coelhos, cavalos, cães e gatos.
podem ser utilizados p ara estudos de campo, desde que É im p ortante mencion ar aind a qu e, a d ep end er do
uma p roporção m ínima de d ados seja gerada den tro d a tipo de p roduto, pod e ser necessária a realização d e
região ond e a aprovação está sendo solicitada. É opor- testes para avaliar o impacto ambiental e sobre a saúd e
tuno lembrar aqui que, em m uit as situações, con side- d o ser hum ano, ao administrar o produto ao anim al. O
rando-se a raça e o clima local, pod em haver m u itas Q u adro 9 .2 apresen ta os princip ais guias internacion ais
diferenças n a resposta. Por exemplo, em b ovinos, deve- qu e inst ruem sobre os cu id ad os esp eciais n o descarte
-se avaliar com precaução o emprego de dados oriundos de produtos d e uso veterin ário, visando-se reduzir o
de estudos realizados com o gado eu rop eu (Bos taurus), impacto ambien tal. Também são apresen t ados guias
em clima frio ou temperado, em detrimento do teste em p ara evit ar a contaminação do ser h uman o qu e adm i-
an imais azebua d os (Bos indicus ), que co rresponde à nistra pro dutos de u so veterinários.
Capítu lo 9 • Estudos de segu rança nas espécies-a lvo 81

DBCA. Disponível em: http:/ /www.mctic.gov.br/mctic/export/


QUADRO 9.2 Guias de avaliação de produtos de uso veteri-
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Effectiveness ond Target Animal Safety Triais
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Linguagem metodológica - parte 2. Acta Ortop Bras, v. 14, n. 2, 514 (New Animal Drug Application), Subpart B (Administra-
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Seção 2
Toxicologia clínica:
. , . .
pr1nc1p10s gerais
Capítulo 10

Diagnóstico das intoxicações

Helenice de Souza Spinosa


André Rinaldi Fukushima

~ certeza é obtida quando foi presenciada a exposição ao


INTRODUÇAO
agente tóxico ou quando são deixados sinais evidentes
O estabelecimento do d iagnóstico exato de uma da intoxicação associados aos sinais clínicos correspon-
intoxicação é um fator fundamental para se obter êxito dentes à sintom atologia observada. Na suspeita, muitas
n o tratamento, p ois conhecida a causa do problema vezes há indícios do agente tóxico, mas há necessidade
(exposição ao agente tóxico) que acomete o animal, é de certificar-se da exposição do animal, de quando ele
possível iniciar o tratamento específico, que possibilita foi exposto e da quantidade aproximada do agente tóxi-
salvar a vida, evitar complicações e acelerar a recupera- co. Há ocasiões, ainda, em que se ignora o agente tóxico
ção, bem com o elaborar o prognóstico mais preciso e e a origem do quadro clínico.
fazer a prevenção, evitando, assim, que outros animais
sejam expostos também ao agente tóxico. MEIOS EMPREGADOS PARA FAZER
Quando o diagnóstico n ão é feito, a intervenção do O DIAGNÓSTICO
m édico veterinário é limitada à aplicação de m edidas
terapêuticas sintomáticas e de m anutenção. Caso a in- O diagnóstico exato de uma intoxicação, como em
toxicação seja inten cional e não for feito o diagnóstico outras enfermidades, é obtido utilizando-se as informa-
exato, não é possível estabelecer o nexo causal e, por- ções provenientes dos seguintes meios:
tanto, as implicações legais relacionadas aos maus-tratos
ou à morte do animal não são levadas adiante, não sen - • Anam nese (história clínica).
do combatido o crime. • Avaliação clínica (exame físico e exam es comple-
Deve ser salientado que o diagnóstico da intoxica- mentares).
ção ainda é um grande desafio para o profissional, pois • Achados post mortem (alterações anatomopatoló-
a resposta à exposição a um agente tóxico é individual. gicas).
D essa m an eira, o m édico veterinário p ode observar • Exame toxicológico (análise química).
manifestações variadas, em diferentes pacientes, expos-
, .
tos ao m esmo agente toxico. Deve ser salientada a importância de se evitar que
A conduta adequada para o diagnóstico da intoxi- o diagnóstico seja baseado nos dados obtidos mediante
cação é semelhante àquela empregada para diagnosticar um único critério, desprezando-se as outras informações
qualquer outra enfermidade, isto é, usando-se o proces- conseguidas com os demais critérios; quanto mais sub-
so de eliminação. Portanto, o diagnóstico toxicológico sídios forem utilizados, m aior a segurança que se tem
é baseado no conhecimento dos critérios pertinentes ao no estabelecim ento do diagn óstico exato. O conjunto
caso, na avaliação quantitativa das amostras apropriadas dessas inform ações per mite conclu ir qual é o agente
realizadas no laboratório e na interpretação racional dos específico responsável pela toxicose ou, pelo m enos, a
resultados obtidos no laboratório, diante das circuns- qual classe ele pertence (por exemplo, praguicida anti-
tân cias associadas ao caso. colinesterásico, rodenticida anticoagulante etc.), auxi-
No diagnóstico da intoxicação, pode-se ter a certeza liando na adoção das medidas terapêuticas mais apro-
(geralmente difícil), a suspeita e o desconhecimento. A priadas para a recuperação do paciente e na escolh a das
86 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

~ • r • • A •
açoes preventivas n ecessar1as para evitar a ocorren c1a m esm a propriedade ou nas vizinhanças, antigos ou
de novos casos de intoxicação. Além disso, o d iagnósti- recentes) e o estad o de saúde d os contactantes.
co toxicológico tem grand e importância em saúde pú- • Dados ambientais: para pequenos animais, se é do-
blica e na proteção ambiental, na m edida em que agen - miciliad o (e, n esse caso, se a casa permite acesso à
tes tóxicos possam ser contaminan tes ambien tais (ar, rua) ou querenciado, fu nção desempenhada (com-
solo e água), comprometendo a qualidad e d e vida e a panh ia ou guard a), se mora em casa ou em estabele-
sobrevivên cia d e diversas espécies, incluind o o homem. cimen to comercial ( oficin as d e automóveis, indús-
Na m edicina forense, o diagnóstico toxicológico é tr ias, fábricas e outr as), se houve utilização de
fund amental para a elucidação d os casos de intoxicação produtos poten cialmente tóxicos no ambiente em
crim inosa, sen do imprescindível a determinação do que vive (por exemplo, praguicidas ou fertilizantes
agente tóxico envolvido por m eio de exame toxicológi- em plantas orn am entais, raticidas etc.) ou se tem
co (análise química) e a documentação dos resultad os acesso a eles (produtos de limpeza, medicações, plan-
pelo laudo toxicológico (ver Capítulo 4 1). tas etc.), se está sendo efetuada reforma no domicí-
lio (contato com materiais de construção, tintas, sol-
A namnese (história clínica) ven tes) ou se houve desinsetização recente, se foi
encontrada no local algum a substância tóxica, como
Como ocorre em d iversas doenças que acom etem o a presença de iscas (agente tóxico concentrado, ge-
animal, a an amnese dos casos d e intoxicação deve ser ralm ente misturado a alimento ou ração). Em alguns
criteriosa, de form a a se obter todas as informações re- casos, o proprietário pode relatar que encontrou, pró-
levantes. Ela é a base para o diagnóstico toxicológico e, ximo ao animal, algum tipo de alimento que não ti-
com o tal, determina se haverá sucesso ou não na iden- n ha o hábito de oferecer ao animal, como pedaços
tificação do agente tóxico, na instituição d a terapia apro- de carne, peixe ou embutidos. Isso é importante, pois
priada e, consequentemente, na recuperação do pacien - muitas vezes se utilizam alim entos acrescidos de al-
te ou na elucidação definitiva de um caso de in toxicação gum agente tóxico com a intenção de intoxicar, cri-
fatal. Algumas vezes o tutor d o animal pode trazer in - m inalmente, animais de companhia.
formações suficientes para o diagnóstico correto, já du- • Para animais de grande porte, são inform ações re-
rante a an am nese, principalmente nos casos em que levantes: descrição d o ambiente em que é criado (se
estava presente no mom ento em que o animal se into- em pastagem, próximos a rios ou lagos), acesso a
xicou . No entanto, n a maioria das vezes, essa situação lixo, presença de plantas invasoras no pasto, acesso
não ocorre, sendo necessário formular questões baseadas a estradas, áreas industriais, uso de produtos ecto-
nos indícios e até mesm o recorrer aos outros membros parasiticid as, uso de novos produtos, form a d e apli-
da família (se for em anim ais de companhia) e/ou tra- cação e utilização de produtos no ambiente.
tador do animal, na busca de informações sobre tod os • Dados da dieta: tipo d e alimentação, mud anças re-
os possíveis agentes tóxicos presen tes no ambiente d o centes na dieta, presença de alimento estragado ou
animal e que podem ter causado o quadro de intoxicação. mofado, fo nte de água bebid a.
A anam nese tradicional é constituída de: identifi- • Sinais clínicos: muitas vezes, os sinais clínicos são as
cação do paciente, queixa principal, história d a doença únicas informações disponíveis para se iniciar a iden-
atual; informações referentes às alterações em diversos tificação d o agen te tóxico. Devem ser d escritos to-
órgãos e sistem as que possam estar relacionados com a dos os sinais apresen tados, o início das manifesta-
queixa principal; história de enferm id ades pregressas; ções, a velocidade e o t empo d e evolução.
e hábitos de vid a do animal. Assim, o m édico veteriná- Geralmente, os sinais apresentados são inespecíficos,
rio, ao atender um animal com suspeita d e intoxicação, comuns a diversos agentes tóxicos e a d oenças in fec-
precisa con siderar, entre as informações que devem ciosas, parasitárias, metabólicas e endócrinas. Em
estar presentes em uma anamnese completa: outros casos, o proprietário relata m orte súbita do
anim al e também dos contactantes, não trazendo ne-
• Histórico de saúde: antecedentes mórbidos, histó- n huma outra infor mação adicional sobre os sinais
rico de vacinações, último exame feito por um m é- clínicos, haven do necessidad e da realização da ne-
dico veterinário, uso de medicações, banhos, pro- cropsia e de análise toxicológica para o esclarecimen-
dutos de uso tópico, ectoparasiticidas, entre outros. to do agente tóxico envolvid o no quadro de intoxi-
É importante também saber das ocorrências de ou- cação. Os odores exalados também podem evidenciar
tros casos de intoxicação com outros animais (na com qual tipo de agente o anim al entrou em conta-
Capítulo 10 • Diagnóstico das intoxicações 87

to: odores aliáceos têm sid o descritos nos casos de além da descrição d e todas as lesões m acroscópicas, há
in toxicação por arsênio, organofosforados, tálio, fós- a possibilidade da coleta de diferentes tecidos para exame
foro e fosfato de zin co; odores cetônicos ocorrem nas h istop atológico e para o exame toxicológico. Por isso, é
toxicoses por salicilatos, acetona, benzeno, tolueno, imp ortante que seja feita por um p atologista experien te,
fenóis, xilen o, cresol e isopropanol; odor formólico que tenha condições d e descrever todas as alterações
nas intoxicações por m etaldeído e od or d e amên do- an atomopatológicas e coletar as amostras dos tecidos d e
as amargas (acre) na intoxicação por cianeto. maneira apropriada. Nos casos de óbito de an imais com
suspeita d e maus-tratos, n egligência, intoxicações exó-
Avaliação clínica (exame físico e exames genas e erros médicos, a necropsia é in dispensável.
complementares) No Capítulo 41 é ab ordada a toxicologia forense,
que tem p or objetivo a busca d a verdade d e um fato
A anamn ese e a avaliação clínica são fundamentais perante a lei, além de identificar e quantificar os efeitos
para subsidiar a conduta do médico veterinário peran- prejudiciais associados à exposição ao agente tóxico, no
te um quadro d e intoxicação, pois na m aioria das vezes seguimento d e solicitações processuais de investigação
e nos casos graves, o paciente deve ser tratado, empiri- criminal, sendo fundamental a realização d o exame
camente, antes de qualquer resultado de exame. O Qu a- toxicológico. As necropsias com fins periciais são apoia-
dro 10.1 mostra um mod elo de ficha empregada para das, esp ecialm ente, no registro e na documentação de
registrar, d e forma padron izad a, as inform ações obtidas lesões, bem como n o exam e toxicológico, nos casos qu e
na anamnese e n a avaliação clín ica. envolvem agentes tóxicos.
Deve ser ressaltado que ap enas o exame físico n ão Para o exam e histopatológico, os órgãos e tecidos
é suficiente para a conclusão diagn óstica, uma vez qu e devem ser cor tados em pequenos fragmen to s r epr e-
é in comum encon t rar alterações patogn omônicas de sentativos e fixados em solu ção de formol a 10%, em
u ma determinada toxicose e, ain da, os sinais produzidos qu antidade equivalente a dez vezes o volume ocupado
em uma mesma espécie não são constantes, variando pela am ostra dent ro do frasco. Para o exame toxicoló-
consideravelmente em cad a indivíduo. gico, os cuidados de coleta e conservação são comen-
Os exames complementares (de laboratório, de ima- tados mais adiante.
gem) solicitados durante a avaliação clín ica d o animal Alguns agentes tóxicos provocam lesões extensas,
podem auxiliar no diagnóstico toxicológico ou forn ecer outros apenas pequenas lesões em algu ns tecidos ou n e-
informações gerais sobre o estado de saúde do paciente, nhum tipo de alteração macro ou microscópica. Frequen-
tendo grande valor em su a avaliação, na adoção de me- tem ente, a ausência dessas lesões é tão imp ortante para a
didas de tratamen to ad icionais, n a exclusão de outras conclusão diagnóstica quanto o achado de lesões extensas,
enfermidades que produ zem sinais semelhantes e tam- podendo também descartar a possibilidade de uma into-
bém para a determinação do p rognóstico. xicação, por m eio do achado d e lesões comp atíveis com
Mu itas vezes n ão é possível realizar os exames com - outros tipos de enfermidades. Algumas vezes as evidências
plem entares nos primeiros instantes do atendimento e circu nstan ciais apon tam p ara a possibilidade de uma
o m édico veterinário adota, então, as m edidas terapêu - intoxicação criminosa, como, por exemplo, no caso de um
ticas emergenciais baseadas apenas na anamnese e no cão de guarda sadio, ativo, alim entando-se normalmente,
exam e físico, p ois o tempo para o envio até o laborató - que é encontrado morto n o dia seguinte, sem qualquer
rio e o recebimento do resultado pod e ser longo o sufi- tipo d e sintoma prévio. A primeira suspeita do proprie-
ciente para comprometer as chances de recuperação do tário recai sobre a possibilidade de intoxicação por aque-
paciente. Alguns desses exames são: hemograma, glice- le vizinho de má índole, que já havia ameaçado seu animal
mia, ureia, creatinina, en zimas h ep áticas, eletrocardio- de estimação, m as a necropsia revela que o animal veio a
gram a, radiografias, testes d e coagulação (como, por óbito em consequência de uma torção gástrica, excluin do
exemplo, tempo d e protrombin a e temp o de t rombo- de maneira definitiva qualqu er tipo de toxicose.
plastina ativada), u rinálise, determ inação dos eletrólitos As lesões macroscópicas qu e ocorrem com umente
séricos (cálcio, potássio, magnésio e sódio) e gasometria. nos casos de intoxicação incluem, entre outras, gastroen-
terite, esteatose hepática, edema e palidez de córtex
Achados post mortem ren al, necrose cardíaca, h idro ou hemotórax, congestão
e hem orragia de d iferentes órgãos e edem a pulmonar.
Nos casos de intoxicação fatal, a necropsia detalhada Pode ser observada flu id ez sanguín ea total nos casos d e
é muito importante para a conclusão do diagnóstico, pois, intoxicação por agentes anticoagulantes.
88 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

QUADRO 10.1. Modelo de ficha pa ra o reg istro de atend imento de animal intoxicado

Data: I I M.V.:
Hora:

Nome do animal: Idade:


Espécie: Sexo:
Raça: Peso:

Nome do t utor:
Endereço:
Te lefone:

Antecedentes mórb idos:

Im unização:

Tipo de ocorrência:

( ) Intoxicação ( ) Exposição ( ) Reação adversa ( ) Outros:

Circunstância:

( ) Acidenta l ( ) Criminosa ( ) Ignorada ( ) Outras:

Agente tóxico:

( ) Conhecido. Qua l? ( ) Desconhecido

Via de exposição:

( ) O ral ( ) Cutânea ( ) Respiratória ( ) Ignorada

Tipo de exposição:

( ) Aguda ( ) Subcrônica ( ) Crônica ( ) Ig norada


Tempo decorrido da exposição:
Duração da exposição:

Informações adicionais (dados sobre o ambiente, medicações ut ilizadas, estado de saúde dos contacta ntes, contato com produtos
tóxicos, p lantas, outros):

Evolução:

( ) Assintomático ( ) Sintomático ( ) Morte Súbita

Sinais clínicos

( ) Sia lorreia ( ) Tremores ( ) Cegueira


( ) Voca lização ( ) Fasciculaçõ es ( ) Dep ressão
( ) Convulsõe s ( ) Do r abdomina l ( ) Disúria
A

( ) Emese ( ) Hemorragia ( ) Disquesia


( ) Diarreia ( ) Excitação ( ) Fraqueza

( ) Outros. Quais?

Exam e físico:
Estado gera l: FC: bpm Hidratação:
( ) bom Temperatura: ºC FR: mpm ( ) normal
( ) regular Mucosas: TPC: s ( ) desidratação: %
( ) mau Pulso:

Exame neurológico:
( ) Normal
( ) Alterado:

Informações adicio nais:

Diagnóstico:

Prognóstico:

( ) Bom ( ) Reservado ( ) Ruim


bpm = batimentos por minuto; FC = frequência cardíaca; FR = frequência respiratóri a; mpm = movimentos por minuto; MV = médico veterinário;
TPC = tempo de preenchimento capilar; s = segundos.
Capítulo 10 • Diagnóstico das intoxicações 89

É importante também analisar os conteúdos estoma- substâncias potencialmente tóxicas, haveria a limitação
cal e intestinal, observando a coloração, se há presença da quantidade de amostra a ser submetida a todos os
de plantas, de corpos estranhos, de comprimidos, de cáp- métodos analíticos disponíveis.
sulas ou indícios da própria presença do agente tóxico. Nos casos em que o exame toxicológico for solici-
Se for um animal de pequeno p orte, todo o conteúdo tado, o médico veterinário deverá apontar sua hipótese
estomacal ou intestinal pode ser remetido ao laboratório diagnóstica. Desse modo, o analista terá condições de
para o exame toxicológico; se for um animal de grande escolher o método mais apropriado para identificar o
porte, uma amostra representativa desse conteúdo deve agente tóxico na amostra biológica, uma vez que existem
ser coletada para essa fin alidade. milhares de substâncias químicas potencialmente tóxi-
cas e os métodos analíticos são específicos para cada
Exame toxicológ ico (análise química) agente ou grupo de agentes tóxicos. Em caso de dúvida,
o laboratório deve ser contatado para orientar que tipo
Esse exame não deve ser considerado indispensável e quantidade de amostra deve ser coletada, qual a form a
para o estabelecimento do diagnóstico da intoxicação, da coleta e conservação da amostra.
pois tem suas lim itações, sendo as principais delas a Alguns casos de intoxicação transformam-se em
impossibilidade de se ter métodos analíticos para iden - litígios, de m odo que o médico veterinário ou o pato-
tificação de todas as substâncias químicas capazes de logista devem estar atentos e sempre que possível rea-
produzir efeitos tóxicos e a quantidade da amostra bio- lizar a coleta de amostras apropriadas e conservá-las
lógica e laboratórios equipados e pessoal treinado para de manei ra adequada (veja adiante). A escolha do
interpretação dos resultados obtidos (escolha do méto- material biológico a ser encaminhado ao laboratório
do analítico, identificação do falso-positivo ou falso-ne- de análise toxicológica depende do agente tóxico, da
gativo etc.). Para minimizar essas limitações, os labora- sua toxicocinética/farmacocinética, do tempo entre a
tórios toxicológicos estab elecem, na sua rotina d e exposição e a coleta do material e do método utilizado
trabalho, os métodos analíticos m ais adequados para a para o exame toxicológico, de modo q ue não há um
identificação dos agentes tóxicos m ais frequentemente espécime que sirva para todas as análises laboratoriais.
associados com quadros de intoxicação. E, ainda, vale O Quadro 10.2 relaciona alguns métodos analíticos
ressaltar, que, hipoteticamente, se houvesse métodos empregados em laboratórios que auxiliam o diagnós-
analíticos disponíveis para identificação de todas as tico toxicológico.

QUADRO 10.2. Métodos analíticos utilizados em laboratórios de análises toxicológ icas


Método analítico Características
Colorimétrico Método simples, de ca ráter qualitativo, de baixa especificidade e sensibilidade,
,
que consiste na determinação
(Spot-tests) de uma substância em função de sua habilidade de absorver a luz visível. E, portanto, um método visual que ,se
baseia na mudança de coloração e/ou na intensidade de cor em função da concentração do agente tóxico. E
uti lizado para a triagem rá pida de alguns agentes tóxicos, como: cianeto, estricn ina, paraquat e fenotiazinas.

Espectrofotometria Método quantitativo, baseado no princípio de que a energia eletromagnética luminosa, ao atravessar uma
solução contendo átomos e moléculas, fa z com que parte dessa rad iação seja absorvida e o restante sej a
tra nsmitido. A rad iação absorvida, por sua vez, depende da quantidade de molécu las presentes (da
concentração da solução) e da estrutura dessas moléculas. Em certas situações esse método tem ba ixa
especificidade e sensibilidade, podendo sofrer ,
interferência pelo uso de azu l de metileno, pela cetoacidose
e pela elevação de bilirrubinas plasmáticas. E utilizado para dosagem de salicilatos, metemoglobina,
ca rboxiemoglobina, barbitúricos e paracetamol.

lm unoensaio Metodologia quantitativa, de especificidade e sensibilidade relativamente moderada, baseada no


reconhecimento do agente tóxico por anticorpos específicos. São exemplos as técnicas de radioimunoensaio
(RIA - Radioimmunoassay) e ELISA (Enzime -liked lmmunosorbent Assay).

Cromatog rafia Constitui um processo de separação de component es de uma mistura por meio da d istribuição destes entre
(conceito) duas fases que estão em íntimo contato. Uma fase permanece estacionária, enquanto a outra se move
através dela; durante a passagem da fase móvel sobre a estacionária, os componentes da mistura são
d istribuídos entre as duas fases, de forma que cada um dos componentes é seletivamente retido pe la fase
estacionária, resultando em migrações d iferencia is desses componentes. A identificação ou determ inação
quantitativa dos componentes de uma amostra só é possível quando os métodos cromatog ráficos são
combinados com técn icas apropriadas de detecção e medida.
(continua)
90 Toxicolog ia aplicada à med icina vet eriná ria

QUADRO 10.2. Métodos ana lít icos utilizados em laboratórios d e an álises toxicológ icas (continuação)
Método analítico Características

Cromatog rafia em Método no qual os componentes de uma mistura são separados por meio da mig ração d iferencial sob re
camada delgada uma camada delgada de adsorvente retido sobre uma superfície plana (gera lmente uma placa de v idro); a
(CCD) identificação da substância é feita usando-se reveladores específicos que produzem manchas ca racterísticas.
,
E um teste qua litativo de média especificidade e ba ixa sensibilidade, de baixo custo e de fácil realização, não
exigindo nenhum tipo de equ ipamento especial. Pode ser ut ilizado na detecção de diversos compostos,
como dicuma rín icos, orga nofosforados e carbamatos.

Cromatog rafia gasosa Método quantitativo, de alta sensibilidade, baseado na separação de gases ou substâncias volat ilizáveis,
(CG) termoestáveis, presentes na amostra. Possui alto custo , necessidade de equ ipamento especial e de pessoal
habilitado para sua execução. Utilizado principalment e na det ecção de agentes voláteis, como eta no l,
metanol e etilenog licol.

Cromatografia líquida Método que emprega pequenas colunas fechadas recheadas de materiais especialmente preparados para
de alta eficiência receber a fase móve l que é eluída em alta pressão. Método utilizado para a sepa ração de substâncias não
(CLA E ou HPLC - voláteis. Possui especificidade e sensibilidade médias.
hight performance
liquid chromatography)

Espectromet ria Técn ica hifeinizada que auxilia na ident ificação (empregado, p ortanto, após a separação da substância
de massa presente numa mat riz) que perm it e obter a massa molecular de quase qualquer substância química. Não é
método usado na rotina, tem alto custo e apresenta alta sensibilidade e especificidade.

COLETA E CONSERVAÇÃO DAS AMOSTRAS plásticos de coleta, frascos plásticos de boca larga) e
.,
PARA O ENVIO AO LABORATORIO DE devidam ente identificados .
., .,
ANALISES TOXICOLOGICAS Essas amostras devem ser remetidas ao laboratório
de an álises toxicológicas acompanhadas de fichas que
Alguns cuidados devem ser tomados com a coleta, a contenham informações relativas ao caso de intoxicação,
conservação e o transporte da amostra a ser submetida a inclusive com suspeita do agente tóxico, para auxiliar
análises toxicológicas, a fim de que a amostra possa che- na seleção do método analítico a ser utilizado no labo-
gar em condições que permitam auxiliar no diagnóstico ratório. O Quadro 10.3 m ostra as in formações m ais
da intoxicação. Esses cuidados são apresentados a seguir. relevantes que devem constar dessas fichas que acom-
panham as amostras remetidas ao laboratório de análi-
Cuida dos gerais ses toxicológicas.
A conservação das amostras é feita única e exclu-
Todo o material qu e entrar em contato com as sivamente pelo frio: resfriadas, se fo rem rapidamente
amostras deve estar r igorosamente limpo (seringas, enviadas ao lab oratório, ou congeladas, caso devam
agulhas, recipientes etc.); há necessidade de estar este- percorrer distâncias maiores; os recipientes contendo
rilizado ap enas o m aterial empregado para a coleta as amostras devem ser colocados em caixas com iso-
direta de amostra do animal vivo. Da mesma forma, as lamento térmico (isopor), para o transporte ao labo-
amostras devem ser mantidas limpas e livres de conta- ratório. O congelamento evita a perda de agentes vo-
minações por sujidades, como pelos e outras influências láteis e previn e a atividade en zim ática ou bacterian a
ambientais. No entanto, não devem ser lavadas em que pode inativar algum as substâncias tóxicas. D eve
razão da possibilidade da remoção de resíduos do agen- ser ressaltado que a utilização de qualquer tipo de
te tóxico. Portanto, m esm o em con dições de campo, con servan te pode inviabilizar o exam e toxicológico,
realizan do uma necropsia ao ar livre para coleta de p ois este pod e in terferir no método an alítico a ser
amostras, devem-se tomar as precauções para não con- empregado no laboratório. Quan do se trata de exame
taminar as amostras. an atomopatológico, os fragmen tos teciduais devem
As amostras coletadas devem ser acondicionadas, ser conser vados em solução d e form ol 10%, como
individualm en te, em recipientes apropriados (tubos citado anteriormente.
Capít ulo 10 • Diagnóstico das intoxicações 91

QUADRO 10.3. Informações relevantes que devem acompan har - Vômito (250 g): útil em todos os casos d e inges-
as amost ras remetidas ao laboratório de aná lises toxicológ icas tão de qu alqu er tipo de agente tóxico.
1. Identificação do animal (espécie, sexo, raça, idade). - Pelos (5 a 10 g): útil nos casos de exposição d ér-
2. Identificação do tutor. mica a praguicidas e a m etais (por exemplo, ex-
3. Sinais clínicos observados (tempo, duração e severidade). posição crônica ao selênio e ao arsênio).
Período de tempo entre a exposição ao agente tóxico e o • Amostras do anim al post mortem:
socorro (quando este é conhecido).
- Fígado (50 a 100 g): principal órgão d e biotrans-
4. Se houve morte súbita, quanto tempo decorreu e ntre o formação e por isso útil quand o d a suspeita d e
últ imo momento em que o ani mal foi visto v ivo e sua morte; . . - , . , .
qual o se u estado de saúde ante rior ao óbito.
1n tox1caçao por var1os agentes tox1cos, como,
por exem plo, metais, praguicidas, alcaloid es, fe-
5. Descrição das lesões anatomopatológicas nos casos de ,. . .
intoxicação fatal. no1s e m1cotox1nas.
6. Descrição do ambiente e m que o ani mal vivia . Estado
- Rins (50 a 100 g): órgão de excreção p ara medi-
clínico dos contactantes. cam entos, drogas ilícitas, alcaloid es, herbicidas,
7. Utilização de substâncias potencialment e tóxicas no algu ns metais, com postos fenólicos e oxalatos.
am bie nte em que vivia (desi nsetização, ad ubação, tintas, - Conteúdo estomacal ( 150 a 500 g ou o qu e for
so lvente e out ros). possível coletar): de grande utilidad e nas expo-
8. História méd ica prévia e tratamentos atuais. sições orais recentes (1 a 6 horas), para todos os
9. Suspeita clínica (possíveis agentes tóxicos envolvidos). agentes tóxicos; deve ser mantido congelado até
Tempo decorrido entre a exposição e a coleta da amostra.
o momento da an álise.
10 . Outras informações que o médico veterinário j ulgar pertinente. - Conteúdo ruminal (150 a 500 g): devem ser co-
letadas amostras de d iferentes localizações ru-
minais e man tê-las congeladas até o momento
Amostras da análise. Deve-se salientar qu e o rúmen pod e
degradar alguns tipos de substâncias tóxicas,
Para a análise toxicológica, é sugerida a coleta de com o n itratos e m icotoxinas, e que a análise
certa quantidad e de cada amostra de interesse, porém, quan t itativa é difícil em virtud e d a grande va-
caso não seja possível, d eve ser coletado tod o m aterial riabilidade de con centrações existentes em m eio
disp onível, e o analista avaliará a viabilid ade da realiza- ao conteúdo rum inal.
ção do exame mediante a quantid ade de material dis- - Tecid o adiposo (50 a 100 g): útil para a detecção
ponível. Usu almente colhem -se os seguintes materiais de agentes lip ossolúveis acumulativos, com o or-
que devem ser conservados única e exclusivamente pelo ganoclorados e dioxinas.
frio: - Encéfalo (inteiro): metade do encéfalo deve ser
congelado e a outra mantida em solução de for-
• Amostras do animal ante mortem: mol a 10%. Útil na detecção de agentes neuro-
- Sangue (5 m L de soro; 10 mL de sangue total): tóxicos, como organoclorad os, anticolinesterá-
. . . , .
útil na detecção da m aioria dos metais, medida s1cos, p1retr1nas e mercur10.
d a ativid ade da colinesterase, praguicidas, dro- • Amostras ambientais:
gas ilícitas, medicamentos e etilenoglicol. Para - Alimen tos (200 a 500 g): devem ser coletadas
análise de m etais é necessária amostra coletada amostras múltiplas misturadas para compor uma
que deve ser colocada em um tubo esp ecial, com única amostra representativa do todo ou pequ e-
baixo teor de m etais pesados. Em alguns casos nas am ostras in dividu ais.
p o d e ser necessária adição d e anticoagulan tes - Forragens (200 a 500 g): devem ser colhidas dire-
no tubo de coleta, como, por exemplo, para a tamente dos cochos e de seus locais de armazen a-
med ida da atividade da colinesterase que n eces- mento. Em relação à silagem , é necessário que esta
sita de h ep arina ( anticoagulante fisiológico). seja mantida congelada para evitar a deterioração.
- Urina (50 m L): pode ser útil na d etecção de al- - Iscas: se possível, toda a isca deve ser coletada e
caloides, metais, eletrólitos, medicamentos e dro- enviad a p ara análise toxicológica; en caminhar
gas ilícitas. também , se houver, o rótu lo do p rod uto ju nto
- Fezes (250 g): útil na detecção de exposição oral da amostra.
recente a drogas ilícitas e outras substâncias tó- - Plantas tóxicas: podem ser en caminhadas para
xicas excretadas p rincipalmente pela bile. a identificação, caso haja possibil idade de
92 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

ingestão pelo an im al ou rebanho. No entanto, é coleta, conservação e remessa de amostra para um labo-
fun dam ental que se realize adequadam ente o ratório idôn eo devem ser tomados, in clusive, se for o
preparo da amostra do vegetal (veja como deve caso, lacrar os recipientes que contenham as amostras
ser o procedim ento do preparo da amostra n o (pode-se improvisar um lacre, colando-se um papel ao
Capítulo 22). nível da jun ção da tam pa com o frasco e solicitar que
- Água (0,5 a 1 1): útil para a detecção de nitratos, testemunhas aponham suas assinaturas). Não devem ser
sulfatos, sólidos totais, metais, algas e praguicidas. em pregadas fitas adesivas que p ossam ser retiradas e
Deve-se permitir que a água corra para limpar os recolocadas. No laboratório de an álises toxicológicas,
encanamentos antes da coleta de amostras de fon- verificam-se as condições de chegada do m aterial rem e-
tes ou tanques de armazenamento. Manter em re- tido e procede-se a análise, empregando-se os m étodos
frigeração até o m om ento da análise. apropriados. O laudo emitido pelo laboratório ajudará
- Solo (1 kg): coletar amostras aleatórias, de dife- no esclarecim ento do caso de intoxicação.
rentes pontos e profundidades.
- Agentes tóxicos com os quais o animal teve BIBLIOGRAFIA
contato: são exemplos praguicidas, pr odutos
químicos, m edicamentos, solventes, drogas ilí- 1. ARNOLD, B.S. Sample submission for toxicological analysis. ln:
GUPTA, R.C. Veterinary toxicology: basic and clinicai principies.
citas e produtos de limpeza, os quais devem ser
2.ed. Londres: Elsevier, 2012, p. 1335-40.
encaminhados ao laboratório para que sejam 2. Dorman, D.C. Diagnosing and treating toxicoses in dogs and
avaliados quais agentes prováveis e se há cor- cats. Veterinary Medicine, p. 273-82, 1997.
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lógicas forenses focado em crimes contra animais. São Paulo:
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Como com entado anteriorm ente, algu mas vezes, Guideline for quality control in forensic-toxicological analyses.
2009. Disponível em: <https://www.gtfch.org/cms/images/stories/
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estar diante de situações que envolvam litígio. Nesses sic-toxicological%20analyses%20%28GTFCh%2020090601 %29.
casos o profissional pode ser chamado para atuar com o pdf>. Acesso em: 12 dez. 2018.
testemunha perita (para detalhes ver Capítulo 41) ou 5. JAIN, A.V.; ARNOLD, B.S. Basic concepts of analytical toxico-
logy. ln: GUPTA, R.C. Veterinary toxicology: basic and clinica[
atender uma das partes envolvidas. Nessa última situa- principies. 2.ed. Londres: Elsevier, 2012, p. 1321-34.
ção, o m édico veterinário atua com o testemunha sobre 6. SALVAGNI, F.A.; SIQUEIRA, A.; MARIA, A.C.B.E.; et al. Pato-
aquilo que viu ou fez e, con sider an d o que um a ação logia veterinária forense: aplicação, aspectos técnicos e relevân-
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judicial pode levar algum tempo para ser resolvida, é ca Veterinária, v. 19, n. 112, p. 58-72, 2014.
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condições de oferecer inform ações fidedignas quando
8. XAVIER, F.G.; RIGHI, D.A.; SPINOSA, H .S. Toxicologia do
for cham ado em juízo, e assim m anter-se com o um ob- praguicida aldicarb ("chumbinho"): aspectos gerais, clínicos e
servador acurado e imparcial. terapêuticos em cães e gatos. Ciência Rural, v. 37, n. 4, p. 1206- 11,
A preservação das evidências é outro cuidado que o 2007a.
9. _ _ _ . Fatal poisoning in dogs and cats - a 6-year report in a
profissional deve ter ao atuar nessas situações que envol- Veterinary Pathology Service. Brazilian Journal of Veterinary
vem litígio. Portanto, todos os cuidados relacionados a Research and Animal Science, v. 44, n. 4, p. 304-9, 2007b.
Capítulo 11

Conduta de urgência nas intoxicações

Bruna Maria Pereira Coelho


Márcia Mery Kogika
Helenice de Souza Spinosa

~ om itido pelo proprietário do animal na an amn ese, o


INTRODUÇAO
que prejudica a abordagem terapêutica. Nesse caso em
As intoxicações são causas frequentes de busca ao particular, ap ós a inalação, a con centração da d roga
atendimento médico veterinário de urgência. A rapidez atinge nível sérico m áximo em pouco tempo e, quando
do aparecimento das m an ifestações clínicas e de sua ingerida, pode ser absorvida mais lentamente, atingindo
intensidade p odem conduzir as medidas terapêutica e um p ico de con centração sérica máxima em 30 a 60
profilática que devem ser tomadas imediatamente para minutos (para detalhes, veja Capítulo 15).
assegurar a sobrevivência do anim al. A seguir, estão comentários acerca dos procedimen-
Em muitas situações o m édico veterin ário assiste tos usuais na conduta de urgência nas intoxicações e com
ao animal que apresenta transtorn os clínicos graves e maior ên fase no atendimento de pequenos animais.
agudos, frequ entem ente sem dispo r de um a história
direta de exposição a um agente tóxico. Para aten der INSTRUÇÕES PRELIMINARES AO
,
corretam ente essas u rgên cias toxicológicas o m édico PROPRIETARIO
veterinário deve obedecer a um a abordagem sistem ati-
zada e padronizada, para se evitar perda de tempo ou o Geralmente, a evolução do quadro clínico da into-
esquecimento de algum passo im portante. Na conduta xicação ocorre de forma agu da, fato q u e desperta a
de urgência propõem -se os seguintes passos: atenção do proprietário, levando-o a procurar im edia-
tam ente a assistência do m édico veterinário, m u itas
• Instituição de um a terapia de emergência para a ma- vezes por m eio de contato telefônico. De fato, nos gran -
nutenção da vida. des centros u rbanos está se torn ando cada vez mais
• Estabelecim ento do diagnóstico clínico para que se com um o contato inicial com casos de intoxicação por
possa realizar um a terapia racion al. meio do telefone ou por aplicativo de mensagem ins-
• Emprego de m edicamentos (antídotos se houver) e tantânea. Nesse m omento, as perguntas e as instruções
recursos adequados. devem ser claras e tran quilas, para que o proprietário
• Determinação da fonte de exposição ao agente tó- possa assimilá-las facilm ente. Essas instruções prelimi-
xico para o estabelecimento de medidas de preven- nares p odem ser m uito importantes para o sucesso e a
ção, instruindo o proprietário sobre os riscos da ex- eficácia das medidas terapêuticas subsequentes.
posição ao agente tóxico e formas de evitar exposições O proprietário, nesse momento, deve ser instruído
futuras. para proteger não só o anim al, com o também as pessoas
em contato com ele. Pode ser recomendado que o animal
Deve ser salientado que o diagnóstico de intoxica- seja mantido aquecido, em lugar tranquilo, evitando-se
ção ainda é um grande desafio para o clínico, p ois as qualquer fenômeno estressante. Às vezes, o uso de fo-
m anifestações clínicas apresentadas podem ser as mais cinheira pode ser necessário, ou mesm o manter o animal
variadas e as informações obtidas na anam nese, pouco em local restrito, isolado de outros animais e/ ou pessoas.
conclusivas. Nas intoxicações por drogas ilícitas, com o, A conversa telefônica ou as mensagens instantâneas
por exem p lo, a m aconha, muitas vezes esse fato é devem ser iniciadas com a tentativa de se assegurar que,
94 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

de fato, trata-se de um quadro de intoxicação. Para isso, o animal encontrar-se deprimido ou inconsciente, uma
deve-se perguntar ao proprietário: vez que há o risco de aspiração dessas substâncias, por
causa da redução ou ausência dos reflexos protetores da
• Presenciou o animal tendo acesso ou o contato com tosse. Se for possível o uso da via oral, o proprietário
o agente tóxico? deve ser orientado a permitir o acesso do animal a água
• Qual o produto? (Se for possível, solicitar a leitura à vontade (favorece a diluição do agente tóxico) ou, em
dos constituintes da fórmula presentes no rótulo). alguns casos, pode-se administrar leite ou clara de ovo
• Qual a via de exposição? (Oral, dérm ica ou inala- ( efeito demulcente/protetor de mucosa).
tória). É imperativo que não se desperdice tempo: o anim al
• Qual a quantidade aproximada do agente tóxico? deve ser levado ao m édico veterinário tão logo quanto
• Qual a manifestação clínica que o animal apresenta? possível, ou o profissional deve ir até o animal. Se a op-
• Há quanto tem po ele a apresenta? ção for trazer o an imal até o médico veterinário, o pro-
• Há outros animais apresentando o m esm o quadro? prietário deve ser instruído a trazer o produto ou ma-
teriais suspeitos e, se for o caso, também o conteúdo do
Esses são alguns exemplos de algum as perguntas vômito. Muitas vezes tempo precioso pode ser poupado,
que devem ser realizadas nesse primeiro contato. aplicando-se medidas terapêuticas apropriadas, quando
Nesse momento inicial, o médico veterinário já pode o agente tóxico é conhecido. O m aterial suspeito, bem
também instruir o proprietário, baseando-se nas infor- como o produto do vômito ( colocado em recipientes
m ações relatadas e pressupondo que o quadro clín ico lim pos - veja os cuidados no Capítulo 10), pode ser
seja de intoxicação, sobre algum as m edidas que podem valioso sob o ponto de vista m édico-legal.
m anter ou m elhorar as con dições clínicas do an im al Em alguns casos de intoxicação grave, é m ais apro-
intoxicado, até que seja possível a avaliação do anim al priado o médico veterinário ir ao en contro do animal
pelo profissional. Assim, se a exposição do anim al ao intoxicado. Por exemplo, se o an imal entrou em contato
agente tóxico foi tópica, o proprietário deve ser instruí- com um agente tóxico convulsivante, o fato de subm eter
do a lavar a pele do anim al com água corrente em abun - o animal ao estresse do transporte pode induzir o apare-
dância. Preferencialmente, a água deve ser fria ou morna cimento de convulsões, agravando o quadro geral.
para evitar a vasodilatação periférica que favorece a ab-
sorção do agente tóxico. Se o agente tóxico for liposso- "
MEDIDAS PRELIMINARES DE URGENCIA
lúvel, deve ser recomendado o banh o empregando-se
sabões neutros (sabão de glicerina, detergente dom ésti- O aspecto mais importante do tratamento de ur-
co, xampu neutro, sabon ete de uso infantil etc.) para gên cia diante de um quadro de intoxicação é a manu-
facilitar a rem oção do agente tóxico, tom ando-se o cui- tenção das funções vitais. Todos os procedimentos que
dado para não esfregar ou m assagear a área, pois pode o médico veterinário p ossui disponíveis para o trata-
ocorrer o aumento da circulação sanguínea local e, con - mento do animal intoxicado, inclusive o uso de antído-
sequentemente, a absorção dérmica do agente tóxico. O to específico, n ão têm qualquer utilidade se o an imal
proprietário tam bém deve ser instruído a proteger-se p erder uma ou todas as fun ções vitais. D essa forma,
quando realizar esse procedimento, usando vestim enta deve-se certificar que as vias aéreas encontram-se de-
protetora impermeável (luvas, aventais, botas etc.). sobstruídas, assegurando-se, assim , a m anutenção da
Algumas vezes, quando o agente tóxico foi ingerido, respiração e da função cardiovascular; se for necessário,
o proprietário acredita, empiricam ente, que deva usar fazer uso da respiração artificial, das técnicas de desfi-
medidas para induzir o vômito. Nessa situação, o m édi- brilação e da massagem cardíaca. Um a vez obtida a es-
co veterinário deve estar atento e, se necessário, deses- tabilização dos sinais vitais, pode-se dar andam ento às
timular tal procedimento, um a vez que há várias con - medidas terapêuticas subsequentes.
traindicações para êmese (veja adiante), além do que Para o bom atendimento das emergências de um
vários dos recursos disponíveis para o leigo para exe- quadro de intoxicação, é necessário dispor de equipa-
cução desse p rocedim en to são ineficazes e, algumas mentos e materiais que variam, evidentemente, da dis-
vezes, até mesm o prejudiciais para o animal. ponibilidade econômica. Recom en da-se que o m édico
Alguns proprietários podem insistir na administra- veterinário tenha, n o m ínim o:
ção de medicamentos, por via oral, a animais intoxicados.
O médico veterinário deve, então, alertar o proprietário • Sondas gástricas de vários tamanhos.
para n ão administrar substân cias por essa via quan do • Sondas en dotraqueais de vários tam anhos.
Capítulo 11 • Conduta de urg ência nas intoxicações 95

• Peras d e b orrach a ou seringas grandes ( em substi- cont ínuo e gratuito p ara a população, tam bém são d e
tuição à b om ba d e sucção). gran de valia, p ois a obten ção de in formações adicion ais
• Instrumental cirú rgico p ara d issecção de veias (para auxilia o clínico quanto ao diagnóstico d e intoxicação.
facilitar o acesso venoso).
• Cateteres int raven osos. ~
MEDIDAS PARA DIFICULTAR A ABSORÇAO
• Sondas uretrais. DO AGENTE TÓXICO
• Seringas de vários tamanhos e agulhas h ip odérmicas.
• Oxigênio a 100%. Dificultar ou impedir a absorção adicional do agen -
• Termômetro. te tóxico é o fator de m aior relevân cia n os qu adros de
• Estetoscópio. in toxicação. Um a vez exposto ao agen te tóxico, quanto
• Monitor eletrocardiográfico. mais rapidamen te ocorrer a interven ção no sen tid o de
• Aparatos para con tenção. prevenir a absorção, m aior será a garantia de sucesso no
• Recipientes para coleta de m aterial (vômito e ex- tratamento do qu adro de intoxicação. A segu ir, estão co-
cretas). mentários sobre as medidas empregadas p ara d ificultar
• D oppler ultrassônico para avaliação d a pressão ar- a absorção do toxicante em fu n ção da via d e exposição.
terial.
• Glicosím etro. Exposição cutânea
• Lactatímetro.
• Oxímetro. Existem várias substâncias qu ímicas que podem ser
• Bom b as de infusão. bem absorvidas pela pele íntegra, sen do essa via de ex-
posição o fator de agravamento d o quadro de intoxica-
Na avaliação inicial do p aciente intoxicado, d evem ção, caso não se im peça a con tinu idad e da absorção do
, .
ser sem pre con siderad as as inform ações em relação a agente tox1co.
esp écie, raça, sexo, idad e, peso, utilização de m edica- O banho é a melh or forma d e retirar ou d iminuir a
, . . . .
m entos prev1os, tratam entos atuais, an1m a1s contactan- concentração do agente tóxico na p ele. Contudo, deve-
tes (sintomáticos e assintomáticos), an im ais exp ostos -se ressaltar qu e o b anho só é recomen dado quando o
ao r isco d e in toxicação, defin ição d as m anifestações quadro clínico d o p acien te estiver estabilizado, um a vez
clínicas, como tam b ém tempo de m anifestação e gravi- que tal procedimento pod e exacerbar colapsos cardio-
dad e d o qu adro clínico, tem po d e exposição ao agen te vasculares e convulsões. É in question ável que cab e ao
tóxico, p ossível dose de exposição ao agen te tóxico, for- médico veterinário fazer uma avaliação quanto aos ris-
m ulação do agente tóxico, via de exp osição, m u danças cos e b en efícios de remover ou não o agente tóxico n es-
dietéticas recentes, acesso à rua (pode ser a origem do se mom ento. As pessoas qu e irão realizar esse proced i-
contato com o agente tóxico), m u dan ças d e com porta- mento d evem ser orien tadas para utilizar vestimentas
m ento, am b iente p eridom icilia r (possíveis riscos d e ad equ adas (luvas, avental, b otas), com o intu ito d e evi-
intoxicação plan ejada por terceiros), relacion amento do ta r p o ssível contam in ação ou con tato com o agente
anim al com out ros morad ores e trab alhadores d a casa tóxico. Tam b ém devem ser p rotegid os olh os, focinho e
etc. a cavidade bucal d o paciente, p ara evitar in alação ou
No exam e físico, d eve-se sempre atentar para odo- ingestão do toxicante durante o b anho.
res e h álitos, presença de úlceras na cavid ade oral, algum Recom end a-se b anho com águ a m orna corrente
m aterial fixado ao pelame, men suração d o d ébito uri- p or p elo m en os 15 minutos. As substân cias oleosas po-
n ário, observação d a cor e asp ecto das fezes, além dos d em ser m ais bem retirad as com o uso de sabão neutro
A • •
parametros v1ta1s. (sab ão d e glicerin a, d etergente doméstico para lavar
Uma vez observada a estabilização clínica d opa- louças, xampu n eutro, sab on ete d e uso infantil etc.). O
ciente, é im p or tan te qu e se estabeleça a defin ição d o p aciente d eve ser muito b em enxagu ado e seco, evitan -
diagn óstico de intoxicação, procu rand o-se d eterminar d o -se o uso de secad ores com tem peratu ra alta, pois a
qu ais seriam as am ostras biológicas a serem en cami- vasodilatação da pele favorece a absorção. Deve-se res-
nhad as ao laboratório de análises toxicológicas, segun - saltar qu e não é recomend ad a a tentativa de neutralizar
do a suspeita clínica, se isso for necessário. Orien tações substân cias ácid as ou alcalinas, p or causa d o risco de
oriund as de centros de intoxicações regionais, vincula- aumentar a gravidade da lesão (reações de neutralização
dos ao Sistema Nacion al de Inform ações Tóxico-farm a- podem produzir calor suficiente p ara d anificar o tecido
co lógi cas (Sin itox), serv iço, geralm ente, de acesso subjacente). Caso o agente tóxico apresente-se sob a
96 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

forma de m ateriais colan tes fixados no pelam e, reco - rapidamente absorvidos no estôm ago. Em alguns casos,
men da-se a tricotomia, ou seja, a retirada do pelame d a h á ocorrên cia de vômito por causa do efeito nocivo do
, . , .
área com prom etida ou m esmo a realização de tosa em agente toxico, porem ocorre apenas o esvaziam ento
área mais extensa ou adjacen te. p arcial do estômago. D eve ser salientado tam b ém que
o vôm ito pode não representar uma opção d e esvazia-
Exposição ocu lar mento gástrico, com o, por exemplo, em equinos e ru-
. - , . . . - .
minantes, que sao especies animais qu e n ao vomitam.
O contato o cular com agentes tóxicos pode provo- Os m étodos usualmente utilizados para imp edir a
car lesões nos olh os. As est rutu ras m ais vulneráveis são absorção do agente tóxico presente n o trato digestório
a conjuntiva e a córnea. Solven tes como álcoois, deter- são: indu ção d a êmese, lavagem gástrica, transformação
gentes e h id rocarbonetos causam lesões superficiais nos d o agente tóxico em um a forma n ão absorvível, uso d e
olhos e as substâncias corrosivas geralmente causam u m catárticos e elimin ação direta do agente tóxico.
dano m aior, poden do levar à cegueira.
Logo após a confirmação da exposição, deve-se ini- Indução da êmese
ciar a lavagem do olho acom etid o, por pelo menos 20 a Há controvérsia em relação à eficácia dessa manobra
30 minutos. A lavagem sempre deve ser feita no sentido na ten tativa de d iminu ir a absorção do agente tóxico,
mediolateral, com a cabeça lateralizada para evitar o p ois os estu dos não dem onstram a melhora significati-
comprometim en to d o out ro olho. Esse p rocedimen to va n a m orbidade ou mortalid ade. Entretanto, é inques-
pode ser iniciado p elo proprietário do an imal no domi- tion ável que a obten ção d e material emético pod e ser
cílio, utilizand o-se águ a limpa ou soro fisiológico. de gr ande valia como amost ra para ser sub metida à
Com o mencionado anteriorm ente, n ão é recomen- análise toxicológica.
dada a ten tativa de neutralizar substâncias ácidas ou al- A d ecisão p ara a in dução do vômito, como parte da
calinas, em razão do risco de aumentar a gravidad e d a terapia do animal intoxicad o, d epende, na m aioria das
lesão. vezes, tanto da experiência do profissional, como também
A avaliação oftalm ológica p osterior é sempre neces- d o agente tóxico ingerid o e do tempo decorrido após a
sária e deve ser feita o mais rápid o p ossível, m as não an- ingestão. D e modo geral, a indução da êmese deve ser
tes da lavagem exaustiva dos olhos. A indicação de colírios feita no m áxim o até uma hora após a ingestão, com ex-
anestésicos pode trazer m aior con forto ao pacien te. ceção das substân cias que retardam o esvaziamento gás-
trico (anticolinérgicos, barbitúricos). Poucos p acien tes
Exposição inalatória ch egam até o atendimento m édico dentro desse períod o
d e evolução, portanto, tem sid o cada vez menos indica-
O animal deve ser mantido longe da fonte que levou d a. D eve ser salientad o tamb ém que a êmese ocorre d e
à intoxicação, removendo-o para um am biente arejado form a mais eficiente quando a cavidad e gástrica está
e com temperatura agradável. Deve-se oferecer oxigênio repleta ou p arcialm ente repleta de sólidos e/ou líquidos.
e sup orte ventilatório ad equado, além de tratar o bron - A êmese é contraindicada nas seguintes situações:
coespasm o e o ed em a pulmonar, se n ecessário.
• In gestão d o agente tóxico h á mais de 60 minutos.
Exposição gastrointestinal • In gestão de substân cias cáusticas (expõe novam en -
te a mucosa d o trato digestório sup erior ao agente
A ingestão acidental ou prop osital de agentes po- tóxico corrosivo).
ten cialmen te tóxicos é resp onsável pela maio ria d as • In gestão de destilados de petróleo, substân cias vo-
intoxicações graves. As med idas para reduzir ou impe- láteis, depressores do sistema nervoso central (SNC)
dir a absorção do agente tóxico ingerid o d eve conside- e agen tes convulsivantes (risco d e levar a aspiração
rar alguns aspectos relevantes, dent re eles a velocidade do conteúd o gástrico).
do esvaziamento gástrico. Dessa for ma, se a ingestão • A nimal inconsciente ou inten samente d eprimido
ocorreu recentemente, uma parte do agente tóxico pode (o emético será pou co efetivo, acrescido do fato de o
estar aind a presente no estôm ago; contudo, em carní- animal n ão apresentar o reflexo protetor da tosse).
voros (cães e gatos), se t ranscorreu mais de u ma h ora • Agente tóxico d e origem desconh ecida.
da ingestão, provavelmente parte do agente tóxico atin -
giu tam bém o intestino. No en tanto, h á alguns agentes O vômito pode ser indu zido pela estimulação de
tóxi cos (por exempl o, o álcoo l) q u e po d e m ser receptores localizados no SNC ou, ain da, estimulando-se
Capítulo 11 • Conduta de urg ência nas intoxicações 97

diretamente a mucosa gástrica ou faríngea. Em medici- ríodo de 20 m inutos após a prim eira admin istração.
n a veterinária, os agentes que podem ser usados para A m ovimen tação do animal, como o ato de cami-
p rovocar o vomito sao:
A • -
nhar logo após a administração d o peróxido de hi-
drogênio, pode auxiliar na indução do vôm ito. Não
• Apom orfina: é um opioide sin tético indicado para deve ser negligenciad a a possibilidade d e aspiração
indução d e vômitos em cães; não é recomendado o da espuma do peróxido de hidrogênio e, com isso, a
seu uso em gatos. Apresenta ação central e pode ser m orte do animal. Consid erando-se que o peróxido
administ rad a por via subcutânea (0,08 mg/kg), in - de hidrogên io é de fácil aquisição e, portanto, dispo-
tramuscular (0,04 a 0,08 mg/kg), intravenosa (0,03 nível e de baixo custo, o seu uso como agente indu-
a 0,04 m g/kg) ou conjuntiva!. A instilação n o saco tor de êm ese pode ser recomendado para o proprie-
conju ntiva! deve ser feita na dose de 0,25 m g/kg de tário como prim eiro p rocedimento de terapia a ser
apomorfina diluíd a em algum as gotas de água; re- realizado n o domicílio. Recentem ente, foi relatado
comenda-se p roceder à lavagem d o olho/mucosa que o peróxido de h idrogênio pode causar lesão ne-
conjuntiva! imediatam ente após o in ício da êm ese, croulcerativa em gatos, sendo por isso a administra-
com a fin alidade de diminuir ou cessar a absorção ção de agentes alfa-2 agon istas ind icad a como pri-
da apomorfina pela mucosa. A êm ese ocorre ime- m eira opção para indução da êmese nessa espécie.
diatam ente após administração intravenosa, perdu - • Xarope de ipeca: é obtido a partir da raiz d a Cepha-
rando por 1 a 2 minutos; por via intram uscular, os elis ipecacuanha, que possui como princípios ativos
vômitos iniciam -se após 5 m inutos. Com o efeito a em etina e a cefalina. O efeito emético ocorre por
colateral, pode ser observada a depressão do SNC, irritação d a mucosa gástrica e por estimulação d o
quadro que pod e ser revertido com a ad ministra- SNC. No passado, o xarope d e ipeca era m uito uti-
ção d e naloxon e, sem, n o entanto, ocorrer inibição lizado, entretanto, atualmente não é m ais indicado
da ação emética. Deve ser salientado que é difícil a por causa da dem ora na indução do vôm ito, além
aquisição de apom orfina e, com isso, sua dispon i- de promover episódios eméticos persistentes e o ris-
bilidad e para o uso do médico veterinário. co d e cardiotoxicidade.
• Agonistas alfa-2-adrenérgicos: xilazina (produtos de • Cloreto de sódio (NaCl): o mecanismo emético do
uso veterin ário: Rompun®, Kensol®, Virbaxyl®) e dex- sal d e cozinha é a estimulação d a faringe. Pode ser
m edetomidina (medicamen to human o, Precedex®; preparad a uma solução morna de cloreto de sódio
produto de uso veterinário, Dexd om itor®) são geral- saturad a ou a colocação direta na faringe de peque-
m ente empregados em medicina veterinária como na porção de sal de cozinha. Em pequenos animais
agente tranquilizante, analgésico e relaxan te museu - não se observa um bom efeito emético e, ainda, pode
lar de ação central. A xilazina induz a êmese em ga- causar intoxicação por sódio, cujas m anifestações
tos n a dose de 0,44 mg/kg, por via intramuscular, clínicas são fraqueza, vômitos, convulsão, taquicar-
dose essa menor que aquela recom endada para ob- dia e edema pulmonar.
tenção de sedação. Como efeitos colaterais d a xilazi- • Outros em éticos: a administração oral de detergen -
na, podem ser observad as bradicardia, sedação e de- te líquido de p H neutro ou de sulfato de cobre (so-
p ressão respir ató ria. A sedação p rovocada pela lução a 1%) e a estimulação faríngea são pouco efi-
xilazina pode ser revertida com a ioimbina, na d ose cientes para a indução do vômito em cães e gatos.
de 0,1 mg/kg, por via intravenosa. A dexmed etomi-
dina pode ser u tilizad a como indutor eficiente de Quand o não há contraindicação para a indução da
êmese em gatos na dose de 7 µg/kg, por via intramus- êmese, dá-se p referência ao uso de eméticos em vez da
cular, ten do como efeito colateral a sedação. Os ago- lavagem gástrica. Isso ocorre porque os eméticos geral-
n istas de receptores alfa-2-ad renérgicos não são efi- mente são mais efetivos para rem oção do conteúdo
cientes para a indução da êmese em cães. estomacal, são mais eficientes para a remoção de quan-
• Peróxido de hidrogênio a 3% (água oxigenada 10 vo- tidades razoáveis de m aterial particulado ou de m uco
lu mes): a administração oral n essa con centração viscoso, são mais fáceis de adm inistrar e estão disponí-
causa o vômito reflexo, por distensão estomacal; con- veis para o uso, inclusive pelo leigo.
centrações m aiores podem induzir quadros eméti-
cos graves. Deve ser administrada na d ose de 1 a 2 Lavagem gástrica
m L/kg, e o vômito ocorre após 1O minutos. A dose Da mesma forma que ocorre com a indução d o vô-
deve ser repetid a caso não ocorra o vômito n o pe- m ito, há também controvérsia sobre a eficácia da lavagem
98 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

gást rica. Há estu dos que m ost raram que a in du ção da o apên dice xifoid e) e, então, a son da d eve ser int rodu-
êmese pode rem over 40 a 60% do agente tóxico ingeri- zida até a m arca previamente plan ejada.
do, sen do m u ito m ais efetiva quando com parad a à la- A lavagem do estômago pode ser realizada com água
, .
vagem gast r1ca. ou solução salina (NaCl 0,9%) m orna, n o volume de 5
Caso seja indicada a "d escon taminação" gástrica e, a 1O m L/kg, sen do o líquido introduzido com discreta
ao m esmo tempo, con traindicada a in du ção de vômito, pressão (com o auxílio d e uma bom ba ou pera de bor-
pode-se recorrer à lavagem gástrica. Esse proced im en- racha) e, a seguir, retirad o (utilizand o a força da gravi-
to é recomen dado também quando a in dução da êmese d ade). Vários desses ciclos devem ser repetidos (15 a 40)
n ão apresen tou su cesso ou n os casos em que, m esm o até recuperar o líquido com o mesm o aspecto daquele
após a indução d o v ôm ito, n ão h ouver a elimin ação que foi introduzid o n o estômago. A extremid ade exter-
adequad a do agen te tóxico. A lavagem gástrica deve ser n a d a son da d eve ser oclu ída antes d e rem o ção p ara
realizad a até, n o m áximo, uma h ora após a in gestão d o evitar a aspiração. O carvão ativad o pode ser utilizado
agen te tóxico, para evitar que este atinja o intestino. A antes e após a lavagem gástrica, bem como junto ao lí-
realização da lavagem gástrica é essen cial se o toxican - quido a ser utilizad o para esse procedimento.
te n ão tem a capacidad e d e se ligar ao carvão ativado
ou, então, se o toxicante for, logo após a ingestão, poten - Transformação do agente tóxico em uma
cialmente fatal; entretanto, n a rotina clínica nem sempre form a não absorvível
esse período pode ser presen ciad o.
São descritas como as principais vantagens da lava- Im pedir a absorção d o agente tóxico que n ão pod e
gem gástrica a rem oção rápida d o con teúdo gástrico, a ser eliminado fisicamente do trato digestório é um pro-
diluição das substân cias cáusticas ingeridas e sua rem o- cedimen to m uito importante no tratam ento da intoxi-
ção p or um tubo esofágico, n ão expondo novamente as cação. Nesse sentido, dispõe-se d e três opções:
mucosas gástrica e esofágica às substân cias cáusticas,
além d e perm itir a administração de carvão ativado. Por • Form ação d e um p recipitado ou com plexo insolú-
outro lad o, as desvantagens são: n ecessidade de an este- vel: em pregam -se substân cias que p od em evitar a
sia geral para a realização d esse proced imento (ressalte- dissolu ção de u m agente tóxico ou form ar u m com-
-se aqui a importância de avaliar o estado de consciência p lexo insolúvel. Por exem plo, pode-se adm in istrar,
d o pacien te); em p rego d a in tubação or otraqueal para por via oral, quelantes como a pen icilamin a (Cupri-
evitar aspiração do conteúdo gástrico; risco de ocorrên - m in e®) e ácid o dimercaptosuccínico (DMSA) n as
eia de traum atismos n o esôfago e estômago (perfuração), in toxicações agu das causad as por ch u mbo, zinco,
quan do da in gestão de substân cias cáusticas; ineficácia cádmio e m ercúrio inorgân ico (veja Capítulo 33).
do proced im ento para a remoção de grand es volumes, Íons cálcio (presentes, por exemplo, no leite) podem
prin cipalmente de partículas sólid.as; e risco d a ocorrên - impedir a absorção d o ácido oxálico presente n o
cia de h ipern atremia ou hiponatrem ia, com o tam bém a trato d igestório, formando oxalato de cálcio que é
propulsão do fluido para o intestino d elgado. insolúvel. O m esm o ocorre com o sulfato de m ag-
Há algumas recomen dações gerais para a realização n ésio ou de sódio administrad o quan do da exposi-
da lavagem gástrica. Assim, como o proced imento deve ção ao chumbo ou sais solúveis d e bário, os quais
ser realizad o em an imal in consciente o u com p lan o form am sais insolúveis d e sulfato d e chumbo e de
anestésico superficial e, ainda, com intubação orotraqueal, sulfato de bário, impedind o, assim, a absorção.
a escolha do anestésico d eve ser cautelosa e d e acordo • Ionização: consiste n a man ipulação do pH do tra-
com o estad o clínico d o anim al. O pacien te d eve per- to digestório para evitar a absorção do agente tóxi-
manecer em decúbito lateral e com a posição d a cabeça co. Sabe-se que as substâncias químicas n a sua for-
em u m plano inferior à projeção do estômago. O calibre m a ionizada têm maior dificuldad e d e atravessar as
do tubo para a lavagem gást rica d eve ser o m aior pos- barreiras celulares. Assim, conh ecen do-se as carac-
sível (d iâm etro da lu z do esôfago) para facilitar a reti- terísticas químicas d o agen te tóxico, pode-se m odi-
rada d o agen te tóxico (exceto quando houver a ingestão ficar o p H d o trato digestório de tal forma que este
de substâncias cáusticas que lesam a parede do esôfago, permita que o agente tóxico perm an eça n a sua for-
poden d o levar à r uptura d o órgão) e n ão obstruir a m a iônica, dificultan d o, assim, sua absorção pela
son da com o alim ento contido n o estôm ago. Antes d e m ucosa gástrica ou intestinal.
iniciar a colocação da son da, d eve ser feita a estimativa • Adsorção: é um processo de captação física das molé-
do comprimen to a ser utilizado (distân cia da n arina até culas do agente tóxico, que, aderidas ao adsorvente,
Capítu lo 11 • Conduta de urgência nas intoxicações 99

n ão são absor vidas pela m ucosa do trato digestó- intestino que p odem levar a obstrução, desidratação e
rio, sendo eliminadas do organism o. De todos os distúrbios h idroeletrolíticos. Se houver a necessidade
adsorventes disponíveis, o mais eficaz contra um a de uso prolongado (interrupção da recirculação ente-
ampla variedade de agentes tóxicos é o carvão ati- ro -hepática nas intoxicações, por exemplo, por digoxina,
vado (Quadro 11.1). antidepressivos, carbam azepina e ivermectina) deve ser
associado a um catártico para evitar a constipação in-
O carvão ativado é obtido a partir da queima con - testinal.
trolada (com baixo teor de oxigên io) de m adeiras de A indicação da associação do carvão ativado com
alta dureza a altas temperaturas (800 a l.000°C), a fim a indução da êm ese tem se m ostrado m ais efetiva nos
de m anter sua estrutura porosa, responsável pela sua casos de ingestão de agentes tóxicos.
grande área oferecida para a adsorção. De fato, a quan- O caulim (silicato de alumínio h idratado) e a pec-
tidade de um gram a de carvão ativado pode oferecer tina apresentam efeito protetor de m ucosa e também
u ma superfície de adsorção de 100 m 2• A eficácia do atuam como adsorvente, embora esse último efeito seja
carvão ativado n ão é reduzida pela variação do pH do bastante inferior àquele do carvão ativado.
trato digestório, permitindo que o m aterial adsorvido
seja eliminado juntam ente com as fezes. Uso de catárticos
O carvão ativado é o adsorvente de eleição quando
se suspeita de uma intoxicação sem que seja conhecido Os m edicam entos m ais utilizados para favorecer a
o agente tóxico específico. elim inação das fezes n os quadros de intoxicação são:
A administração do carvão ativado é realizada por sorbitol, manitol, sulfato de magnésio e sulfato de sódio;
via oral ou via sonda orogástrica, dissolvendo -o em água todos fazem parte do grupo dos catárticos osmóticos.
(1 g em 3 a 5 m L de águ a), sendo indicado para peque- Esses catárticos têm absorção limitada e exercem força
nos anim ais 5 a 50 g e para grandes animais 250 a 500 osmótica na luz intestinal, causando a retenção de líqui-
g. Também pode ser usado nas técnicas para lavagem dos dentro do trato intestinal. O aumento de volum e
gástrica ou de indução do vômito. Em algumas situações intraluminal estimula o reflexo que aumenta a m otili-
pode ser preconizada a adm inistração do carvão ativa- dade intestinal.
do em doses múltiplas (2 a 6 doses) a cada 6 a 8 horas, Catárticos à base de óleos vegetais, de m odo geral,
com atenção quanto à possibilidade de desenvolvim en - não são indicados em situ ações de ingestão de agente
to de h ipern atremia, em particular, em cães. tóxico p orque o efeito catártico demora para ocorrer,
O uso de carvão ativado deve ser limitado a 48 ho- eles dim inuem a eficácia do carvão ativado e podem
ras, por causa do aum ento do risco de complicações com aumentar a absorção de alguns agentes tóxicos lipossolú-
o uso prolongado, como a form ação de concreções no veis, como, por exemplo, os praguicidas organofosforados.

QUADRO 11.1 Alg umas substâncias adsorv idas pelo ca rv ão ativado

Substâncias adsorvidas

Aceto minofeno (paracetamol) Benzodiazepín icos Morfina

Aflatoxinas Dig itálicos Nicotina

Agentes betabloq ueadores Estricn ina Oxalatos

Anfetaminas Etilenoglicol Paraquat

Antidepressivos Fenol Penicilina

Antiepiléticos Fenolfta leina Praguicidas organoclo rados

Anti-hista mínicos Fenotiazínicos Praguicidas organofosfo rados

Aspiri na e outros sa licilatos Fenilbutazona Sulfas

At ropina Furosemida T etraciclinas

Barbitúricos Hexaclorofeno T eofilina

Benzeno lpeca

Substâncias pouco ou não adsorvidas

Á lcalis Cloreto de sódio Etanol e metanol

Caústicos De rivados do pet róleo Ferro e outros metais


100 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

No entanto, o óleo mineral não é absorvid o pelo orga- impedindo que este cause seu efeito tóxico nos tecidos.
n ismo, fato que perm ite que agentes tóxicos lipossolúveis Infelizm en te o núm ero d e antíd otos é muito pequen o
fiquem dissolvid os n o seu interior, impedindo sua ab- perante a grande quantidade de substâncias passíveis
sorção. Portanto, após a administração do óleo m ineral, d e causar efeitos nocivos no organismo animal.
deve ser administrado um catártico osmótico para pro - Um exemplo característico d e an tíd oto usad o em
m over a eliminação m ais rápida de todo conteúdo in- quadros de intoxicação são os quelantes de metais. Con-
testin al, in clusive d o óleo m in eral conten do o agen te tud o, deve-se ter p recaução, pois alguns antídotos mais
tóxico lipossolúvel. específicos por si só causam toxicidad e. Por exemplo,
Os catárticos são indicados nos casos de ingestão em algumas intoxicações crônicas por chum bo, o uso
de agentes com alto grau de toxicidad e e com facilidade d e quelan tes pod e precipitar o quadro de intoxicação
de absorção intestinal, ou en tão quand o for n ecessário agud a decorrente da mobilização rápida d o m etal de
o uso de carvão ativado por alguns dias. As p rincipais seus depósitos no organismo para a circulação sanguí-
complicações são as alterações h idroeletrolítica, disten - nea (para detalhes, veja Capítulo 33).
são abd om inal, vôm itos e h ipermagnesemia (quand o se Recen tem ente, surgiu a em ulsão lipídica para ser
faz uso de sulfato de magnésio em animal com compro- usada como antídoto no tratamento de intoxicações por
metimento renal, levando à fraqueza muscular e depres- anestésicos locais e outras substâncias lipofílicas. Acre-
são d o sistema nervoso cen tral). dita-se que a emulsão lipídica d im inua a con centração
Enema ou clister é um a forma m edicam entosa que plasm ática d as substâncias químicas lipofílicas em d e-
consiste na introdução d e líquido por via retal, poden - corrência do sequestro plasm ático, reduzindo sua d is-
do ser de evacuação ou d e retenção. No caso d a condu- p on ibilidad e, lim itando sua distribu ição cerebral e a
ta d e urgên cia n as intoxicações é empregado o enema ocorrência de m anifestações neurológicas. Os benefícios
de evacuação para favorece r a elim in ação do agente e m ecanism os de ação d a em ulsão lipídica ainda estão
tóxico presen te no intestino. O líquido mais indicado sendo estu dados. A proposta de que a terapia com a
para a realização do enema de evacuação é a água m or- em ulsão lipídica poderia ser efetiva seria pelo fato de as
n a; entretan to, sua eficácia depend e d e o agente tóxico partículas pequen as de gordura apresen tarem grande
aind a estar presente n o intestin o (não ter sido absorvi- capacidade de ligação, tornando-a, então, um a substân-
do) e, em particular, nas últimas porções d o intestino cia lipossolúvel. Os lipídios podem ativar canais de cálcio,
grosso (local de atuação d o enem a). revertend o as intoxicações por agentes bloquead ores d e
canais de cálcio, ou pod em interferir na diminuição no
Eliminação direta transporte de ácidos graxos.
Na grand e m aioria das vezes, quand o o agente tóxi-
Consiste em fazer uso da gastrotomia ou enteroto- co foi absorvido e não há a d isponibilidade d o uso de
m ia para elim inação d o agente tóxico não absorvido. antídotos, procura-se utilizar meios para con trolar os
São raras as situ ações em que é necessária a indicação efeitos nocivos causados pelo agente tóxico no organis-
de cirurgias para a retirad a de agen tes tóxicos do trato mo. Por exemplo, na intoxicação por p raguicid as anti-
gastrintestinal, como, por exemplo, quando da ingestão colinesterásicos (organofosforados e carbamatos), uma
de metais (moedas, porcas de parafusos etc.) ou de gran- d as medidas é o uso da atropina, um bloqueador (anta-
de quantid ade d e substâncias que form am um a m assa gonista) d e receptores colinérgicos muscarínicos, impe-
coalescente (por exemplo, tabletes). Em bora esse pro- d indo, assim, que o excesso d e acetilcolina estimule o
cedimento seja efetivo, deve ser reservad o quando ocor- receptor m uscarínico (para detalhes, veja Capítulo 18).
rerem falhas em outros meios ou proced im entos. A Pode-se também fazer uso d e med icamen tos que
end oscopia gást rica pode ser uma alternativa m ais se- interferem na via de biotransform ação usada pelo agen -
gura para a gastrotom ia em algum as situações. te tóxico. Por exemplo, o 4-metilpirazole é um in ibid or
enzimático (d a álcool-d esidrogen ase) que bloqueia a
MEDIDAS PARA INATIVAR O AGENTE via de biot ransform ação que ativa o agente tóxico, n o
TÓXICO ABSORVIDO OU SEUS EFEITOS caso o etilenoglicol (para detalhes, veja o Capítulo 13).
Pode-se também oferecer um substrato alternativo que
O procedimento ideal para inativar o agen te tóxico bloqueia a via d e biotransform ação, como, por exemplo,
absorvido seria a utilização de antídotos, substân cias o etanol na intoxicação por etilenoglicol (veja o Capí-
quím icas que são capazes d e se ligar ao agen te tóxico tulo 13) ou o acetato n a in toxicação por fluoracetato
q u e se en con t r a dent ro do o rganismo do an imal, (veja o Capítulo 21).
Capítulo 11 • Conduta de urgência nas intoxicações 10 1

MEDIDAS PARA ELIMINAR O AGENTE mioglobinú ria, hemoglobin úria, insuficiên cias ren al e
TÓXICO ABSORVIDO hepática, e acidose m etabólica.
A alcalinização d a ur ina é indicada nos casos d e in-
Os agentes tóxicos são geralm ente eliminados pela via toxicações por ácidos fracos, com o os salicilatos, o etile-
renal, uma vez que o rim é a principal via de eliminação, noglicol, o ácido acético e o fenobarbital. Para a alcalini-
m as também podem ser excretados pela via biliar (sendo zação da urina recomenda-se o uso d e bicarbon ato d e
eliminados pelas fezes) e pela pulmonar. O utras vias de sódio, na dose de 1 a 2 mEq/kg a cada 3 a 4 horas por via
elimin ação têm m enor importância n o t ratamento d as intravenosa, m as deve-se estar atento ao risco de d esen-
intoxicações. A seguir, são apresen tad os procedimentos volvim ento de alcalose metabólica, hipocalemia e hipo-
para favorecer a eliminação do agente tóxico absorvido. cloremia.

Eliminação rena l Técnicas de diálise e hemoperf usão

A elim in ação u rin ária d o agente tóxico p ode ser O termo diálise refere-se ao movim ento de uma subs-
aum entad a pelo uso d e diuréticos ou pela alteração d o tância química através de uma membrana semipermeável.
pH da urina. Para a indicação d esses p rocedim entos é No caso da diálise peritoneal, a grande área da superfície
n ecessário qu e a fu n ção ren al esteja n orm al e que o d o peritôneo funciona eficientem en te com o membrana
animal esteja hidratad o. de troca d e substân cias d ifusíveis de diferen tes pesos
Os diu réticos de escolha são o manitol e a furose- moleculares presentes no sangue, que passam ou alcançam
m id a, pois ambos possuem potente ação diurética. O o líquido de diálise. D essa forma, o agente tóxico em alta
manitol é um diu rético osmótico que em pequenos ani- con centração n o sangu e gradativam en te é t ransferido
mais pode ser administrado na dose de 0,25 a 0,5 mg/kg, para o outro compartimento, ou seja, o líquido de diálise,
por via intraven osa, du rante 30 m inutos. A fu rosemid a que, por sua vez, é elim inado do organism o.
é u m poten te diurético de alça que pod e ser ad minis- Em algu mas situações, esse é o p r ocedim en to de
trado com o bolus (0,5-4,0 mg/kg) ou por infusão con- detoxificação de escolha na clínica de pequenos animais,
tínua (0, 1 m g/kg/hora). principalm ente quando associado a anúria e com quadro
In d ica-se, tam bém , a dop am in a (p ara p equ en os progressivo de piora clínica, m esm o quand o instituído
animais, na d ose de 1 a 3 µg/kg/m in) para atuar n a he- previamen te o tratamento da intoxicação.
m odinâmica renal, aumentand o o fluxo plasm ático re- O proced imen to d e diálise peritoneal envolve a in-
n al. O uso d a dopam ina é con troverso, pois em anim ais fusão d e 1O a 20 m L/kg de um a solução d e d iálise (por
com d isfu nção ren al esse efeito vasodilatador n ão é exemplo, de d extrose 1,5 a 4,25 %) aquecida, no interior
efetivo e suscita-se dúvidas m esm o em condições de d a cavidad e periton eal, aguardando-se 30 a 60 m inutos
função ren al adequada. para a retirada d essa solução. Esse ciclo deve ser repeti-
É importante a m onitorização estreita do paciente, d o por 12 a 24 h oras ou até que a função renal seja res-
pois há riscos de hipervolemia ou hiper-hidratação, no tabelecid a. As p rincipais complicações relatad as são o
caso d e ad ministração d e flu idos, ou d e d esidratação, d esequilíbrio eletrolítico, hipoproteinemia e peritonite.
desequilíbrios eletrolíticos, hipotensão, d éficits d e per- Para que o referido procedimento seja eficiente, há
fusão e alterações na osm olarid ade plasm ática, quando n ecessidade de se con hecer várias características d o
, .
da adm inistração d e d iuréticos. agente tox1co, como:
Muitos agentes tóxicos são ácidos ou bases fracas.
Portanto, modificações do pH da urina podem favorecer • Sua capacidade de difundir-se através de uma mem-
a elim inação d esses agen tes tóxicos, por causa do au- brana a uma velocid ade razoável de deslocamento.
mento d a porção ionizad a do agente tóxico e a redução • Se o agente tóxico está presen te em quantidade sig-
de sua reabsorção nos túbulos renais. nificativa no plasma ou se rapidam ente atinge equi-
A acidificação pod e ser útil para rem oção de bases líbrio com o plasm a.
fracas (anfetaminas, estricnina). O cloreto d e am ônio • Se há correlação dos níveis plasmáticos d o agente
pode ser indicad o como acidificante u rinário, na d ose tóxico e/ou metabólito(s) dialisável(is) com a gra-
de 100 a 200 m g/kg, dividid a quatro vezes ao dia para vidad e d a intoxicação.
cães e d e 20 m g/kg a cad a 12 horas para gatos. Reco -
m en d a-se qu e o u so d os acid ificantes urin ários seja A hemo diálise e a hemoperfusão são técn icas ind i-
feito com cautela em p acientes com r abdomió lise, cadas somente quando o agente tóxico for de baixo peso
10 2 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

m olecular (inferior a 1.500 daltons), baixo volume de resfriamento externo, associadas às técnicas internas de
distribuição e com pouca ligação com as proteínas plas- resfriamento, tais como a lavagem gástrica ou irrigação
m áticas. Para a realização desses procedim entos há ne- do cólon (procedimento semelhante ao enema), com
cessidade de se realizar a anticoagulação sistêmica. O água fria ou m orn a. Se necessário, faz-se uso dos anti-
san gue é retirado do paciente p or m eio de um cateter -inflamatórios esteroidais ou não esteroidais, evitando-
. . , .
de lúmen duplo e bombeado para a "m áquina'' de he- -se os ant1p1ret1cos.
m odiálise/hem operfusão ( essa última possui uma co-
luna que contém um m aterial adsorvente), facilitando Hipoterm ia
a retirada do agente tóxico presente n o sangue e, uma
vez depurado, o sangue retorna ao paciente. Essa técn i- Os agentes tóxicos podem interferir no mecanismo
ca é de alto custo e apresenta riscos aos pacientes, que de produção de calor do organismo, causan do vasodi-
devem ser estreitam ente m onitorizados. latação e hipotensão, diminuindo assim a atividade m e-
A capacidade de rem oção efetiva dos agentes tóxicos tabólica e induzindo ao estado de coma. Temperaturas
p or técnicas extracorporais aumenta se a h emodiálise abaixo de 36,5ºC podem ser observadas em pacientes
for combinada com a h em operfusão com adsorvente. intoxicados e geralmente são acom panhadas de baixo
O carvão ativado é muito utilizado junto às técnicas de nível de consciência. Bradicardia e fibrilação ventricular
hem odiálise e hem operfusão. também podem ser observadas. Recom enda-se a admi-
nistração de oxigênio e de soluções cristaloides (solução
MEDIDAS DE SUPORTE de Ringer ou NaCl 0,9%) para controle da pressão san -
guínea, que só apresenta resposta adequada caso a tem -
As m edidas de suporte são necessárias p ara dar peratura corpórea tam bém estiver controlada. Preco-
continuidade à con duta de urgência nas intoxicações. n iza-se, ain da, associar as técn icas d e aqu ecimento
Em cães e gatos, em particular, são: extern o e intern o (lavagem gástrica e enemas) na de-
pendência das condições clínicas do paciente e também
Hipertermia do ambiente. Deve-se estar atento aos cuidados para se
evitar a hipervolem ia ou h iper-hidratação.
O aumento da temperatura corpórea geralmente é
resultante de atividade m uscular contínua (com o, por Conv ulsões
exem plo, nas convulsões), hipertermia m align a, dimi-
nuição da capacidade de dissipar calor (decorrente da As convulsões frequentes podem ocasionar apn eia,
rigidez ou fraqueza dos músculos respiratórios), altera- hipoventilação, hipóxia, acidose metabólica e aspiração
ções no hipotálamo e aum ento da taxa metabólica. Como pulm on ar. O tratam ento de prim eira escolha par a o
complicações, pode ocasionar o aparecimento de dis- controle da convulsão é o uso dos ben zodiazepínicos,
funções cerebrais perm anentes, desidratação, rabdomió- como, por exemplo, diazepam, na dose de 0,5 a 1,0 mg/
lise, intermação (heatstroke), choque, vasculite, coagu- kg, por via intravenosa, ou de 1 a 4 mg/kg, por via retal.
lação intravascular disseminada e m orte. Sugere-se avaliar também as concentrações séricas de
O tratam ento imediato é indicado quando a tem - glicose, cálcio total e cálcio iônico para verificar a exis-
peratu r a corp oral atin gir valores superiores a 41 °C. tência de alterações importantes relacion adas com as
Preconiza-se a administração de oxigênio, soluções cris- convulsões.
taloides (solução de Ringer ou NaCl 0,9%), por via in-
travenosa, controle das convulsões, banhos com água Insuficiência respiratória: hipóxia
m orna ou corrente e uso de álcool isopropílico embe-
bid o em algodão colocado n os coxins e ab dôm en . É A insuficiência respiratória pode ocorrer em decor-
contrain dicada a realização de imersão ou banho em rência da depressão direta do centro respiratório ou da
água fria ou gelada, pois pode causar vasocon str ição disfun ção dos m úsculos respiratórios, ocasionando a
periférica e, dessa form a, dim inuir a habilidade do or- hipóxia. Esta pode resultar em danos cerebrais, arritmias
gan ism o em dissipar o calor. Todos os procedimentos e parada cardíaca, além do desenvolvimento de acidose
devem ser suspensos quando a temperatura corpórea decorrente da presen ça de alta pressão san gu ínea de
atingir valores de 37,5ºC, evitando-se assim a hipotermia. C02 • Nas situações de intensa h ipóxia podem ocorrer
Nos casos em que forem constatadas tem peraturas dan os cerebrais, arritmias cardíacas, lesões em túbulos
m aiores qu e 40ºC, recom en da-se adotar medidas de renais proxim ais e necrose da mucosa intestinal.
Capítulo 11 • Conduta de urgência nas intoxicações 103

Além disso, o comprom etim ento na disponibilida- vasodilatação ou diminuição do débito cardíaco, poden -
de de oxigênio no organism o pode ocorrer: do evoluir para o ch oque, in suficiência renal aguda,
lesões cerebrais, necrose da mucosa intestinal e morte.
• Pela quantidade in suficiente de oxigên io n o am- A constatação da h ip oten são é baseada n os ach ados
biente, como, por exem plo, nos casos de intoxica- clínicos, nas mensurações das pressões arterial e ven o-
ção por gases inertes, que diminuem a con centra- sa central, na avaliação da frequência cardíaca (geral-
ção de oxigênio. mente apresenta taquicardia reflexa ou, na dependência
• Pelo comprometim ento da absorção de oxigênio pe- do agente tóxico, pode estar acompanhada de bradicar-
los pulmões decorrentes de pn eumonia em decor- dia - no eletrocardiogram a geralmente observa-se as-
rência da aspiração de conteúdo gástrico durante o sociação com arritmias). O tratamento geralm ente está
vômito ou por m eio da inalação de gases irritantes. relacionado com a administração de soluções cristaloi-
• Pelo edem a pulmonar, em consequência da inala- des (solução de Ringer ou NaCl 0,9%) por via intrave-
ção de gases irritantes, sen do o edema do tipo não nosa, associada, quando necessário, ao uso de baixas
cardiogênico, ou ainda em virtude da falência car- doses de medicamentos vasopressores ( dopamina),
diorrespiratória ou intoxicação por medicam entos coloides e soluções hipertôn icas (solução de NaCl 7,5%
que deprimem o miocárdio. na dose de 4 mL/kg).
• Pela inalação de m onóxido de carbon o (m eta-he-
m oglobinem ia). Hipertensão
• Pela intoxicação por cianeto ou sulfito de hidrogê-
nio ou pelo broncoespasmo por lesão de brônquios, A hipertensão (pressão arterial média acim a de 145
efeitos farmacológicos estes causados por agentes mmHg), quando não tratada, pode ocasionar hem orra-
tóxicos ou reações alérgicas. gia intracraniana, insuficiência renal, encefalopatia h i-
pertensiva, h emorragia retiniana ou descolamento de
A seguir estão algumas sugestões de terapias: retina, com o também insuficiência cardíaca congestiva.
Seguem , abaixo, alguns medicamentos indicados para
• No edema cardiogênico: deve-se evitar administra- o controle da hipertensão:
ção excessiva de soluções cristaloides; recomen da-
-se a oxigenioterapia; deve-se indicar diuréticos so- • Furosemida: a dose indicada para os casos de hi-
m ente quando os sinais de hipovolemia, choque e pertensão grave é de 1 a 5 m g/kg, por via intrave-
instabilidade hemodinâmica estiverem ausentes (fu- nosa, a cada 1 ou 4 horas; nos casos de hipertensão
rosemida de 1 a 5 mg/kg a cada 1 ou 4 horas) e de m oderada a dose é de 0,5 a 1,0 mg/kg por via oral,
agentes inotrópicos (dopamina 5 a 20 m g/kg/m in , intramuscular ou subcutânea a cada 8 ou 12 horas.
por via intravenosa; dobutamina cães de 2 a 40 mg/ • Diuréticos tiazídicos: clortiazida na dose de 20 a 40
kg/min e gatos de 2,5 a 15 mg/kg/min). mg/kg a cada 12 horas e hidroclortiazida n a dose
• Na pnemonia por aspiração do conteúdo gástrico: de 2 a 4 mg/kg a cada 12 horas para cães e gatos.
recomen da-se o uso de antimicrobian o som ente • Inibidores da ECA ( en zima conversora da an gio-
quando há evidência de infecção bacteriana; tam - tensina): en alapril n a dose de 0,25 a 0,5 mg/kg a
bém são recomendados os broncodilatadores e ne- cada 12 ou 24 horas; benazepril na dose de 0,25 a
bulização com acetilcisteína. 0,5 mg/kg a cada 12 ou 24 horas para cães e de 0,25
• No broncoespasmo: indica-se oxigenioterapia e uso m g/kg a cada 24 horas para gatos.
de broncodilatadores (beta-2-agonista como a ter- • Bloqueadores de canal de cálcio: anlodipino na dose
butalina, sob a for ma de aerossol ou por via sub - de 0,625 mg por dia para gatos e para os cães a dose
cutânea, para cães e gatos, na dose 0,0 1 m g/kg, por ainda não foi estabelecida.
via subcutânea, a cada 4 horas).
• Tratam ento padrão: fo rnecimento de oxigênio e Rabdomió lise
ventilação assistida.
A lesão muscular ocorre, geralmente, após episódios
Hipotensão prolongados de convulsões, nos casos de hiperatividade
m uscular e hiperterm ia. A mioglobina circulante, libe-
Nos pacientes intoxicados, a hipotensão (pressão ar- rada das células musculares lesadas, quando filtrada
terial média inferior a 60 mmHg) ocorre por hipovolem ia, pelos rins, pode causar n ecrose tubular renal aguda e,
104 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

consequentem ente, insuficiência renal aguda, podendo e escuro e a com administração de diazepam, se neces-
ainda estar associada com hipercalemia, hiperfosfatemia sário. Também deve-se avaliar e tratar a hipoglicemia,
e hipocalcemia. Ainda pode ser observado o aumento hipertermia e desidratação. Sempre deve-se relacionar
da atividade sérica da creatina fosfocinase ( CK) e colo- a m anifestação clínica ao provável agente tóxico.
ração âmbar da urina. Q uanto ao estupor e com a, geralmente é resultante
O tratamento recomendado é a administração de de depressão do sistem a de ativação reticular (Sara),
fluidos (soluções cristaloides) e assegurar a produção decorrente de convulsões, hemorragia intracraniana,
de volume urinário adequado; sedação com ben zodia- depressão respiratória e h ipoglicemia. O tratamento
zepínicos; e alcalinização da urina com bicarbonato de específico está relacionado com a causa de base.
sódio para evitar a precipitação de mioglobina nos tú-
bulos renais, evitando-se assim maior dan o renal. ALGUNS EXAMES COMPLEMENTARES PARA
~
A AVALIAÇAO DO PACIENTE INTOXICADO
Alterações neurológicas
Além dos dados da anamnese e do exam e físico, a
São frequentes os tremores m usculares, ataxia e de- avaliação de alguns exames complementares, como ci-
pressão do sistem a nervoso central. Podem ser observa- tado na introdução deste capítulo, pode auxiliar o mé-
dos também agitação ou hiperatividade, estupor e com a. dico veterinário no diagnóstico provável de intoxicação.
No caso de agitação ou hiper atividade, devem-se A seguir, são apresentados os principais exames com-
avaliar de imediato as vias aéreas e fornecer, na depen- plem entares que podem trazer inform ações adicionais
dência da gravidade do processo, oxigênio. Além disso, relacionadas com quadros específicos de intoxicação e
recomenda-se manter o paciente em um ambiente calmo no Q uadro 11.2, as principais m anifestações clínicas.

QUADRO 11.2 Principais man ifestações clínicas observadas nos diferentes sistemas segundo o agente tóxico
Sistema Agente tóxico Manifestação clínica
,
Sistema tegumentar e Acidas e álcalis Queimadu ra.
ocular Detergentes Irritação, que mose, hiperem ia e ceratite
Sistema nervoso Acetam inofeno Coma
A mitraz Ataxia, depressão ou sedação, coma e convu lsões
Anti-inflamatório não Coma e convulsões
esteroidal
Aspirina Fraqueza muscular, ataxia e convulsões
Cafeína Hiperexcitabilidade, tremores e convulsões

Chocolate (teobrom ina) Ansiedade, excitação, t re mores, convulsões e coma


Chumbo Convulsões, demência , histeria, head pressing, movimentos mastigatórios
compulsivos, vocalização, anda r em círculos, tremores muscu lares,
polineuropatia (na intoxicação crônica), cegueira aparente e midríase
Enema com composição à Disfunção neuromuscular, ataxia, tetania e convulsões.
base de fosfato de sód io
Estricnina Ansiedade, contrações musculares tetânicas, convulsões induzidas por
qua lquer estímulo
Fenóis Ataxia, fasciculações muscu lares e inconsciência
Ferro Depressão do sistema nervoso centra l em fases ta rdias

lvermectina Em gatos: ataxia, vocalização, desorientação, demência, tremores musculares,


cegueira aparente, andar e m círculos, head pressing, coma e midríase
Em cães: ataxia, comportamento anorma l, desorientação, hiperestesia,
hiperatividade, head pressing, movimentos de pedala r, inqu ietação, rigidez e
t remores muscula res e midríase
Naftalina Convulsões
Organofosforado e carbamato Convulsões, ataxia, ansiedade, depressão do sistema nervoso central,
ag ressividade, fasciculações e fraqueza muscular, pa ralisia, lacrimejamento
. .
excessivo e m1ose
(continua)
Capítulo 11 • Conduta de urg ência nas intoxicações 105

QUADRO 11.2 Principais manifestações clínicas observadas nos diferentes sistemas segundo o agente tóxico (continuação)
Sistema Agente tóxico Manifestação clínica

Sistema nervoso Piretrina e piretro ides Tremores muscu lares e ataxia


Rodenticida à base de Cont rações muscu lares, convulsões e estupor
vitamina D
Sistema digestório Acetam inofeno Vôm ito e sintomas inespecíficos compatíveis com hepatite
,
Acidas e álcalis Irritação da mucosa oral, salivação, úlceras orais, hematemese, disfag ia,
perfuração esofág ica e peritonite

Amitraz Vôm ito, hipomotilidade gast rointestinal


Anti-inflamatório não Do r abdominal, melena, hematoquesia, hematemese, periton ite e
esteroidal hepatopatia
Aspirina Vôm ito, hematemese, anorexia e sintomas compatíveis com hepatite
Chumbo Anorexia, vômito, constipação e dor abdom ina l
Cresol Vôm ito, diarreia e salivação

Detegentes Vôm ito, diarreia, dor abdomina l; hiperemia de mucosas (irritação de


mucosas), icterícia, ptia lismo e d isfagia
Enema com composição à Ra ram ente vômito e diarreia sangu inolenta
base de fosfato de sód io
Fenóis Salivação profusa, anorexia e êmese
Ferro Vôm ito com ou sem presença de sangue, diarreia com ou sem presença de
sangue e falência hepática aguda
lvermectina Em cães pode causar vômito
Naftalina Vômitos com odor característico e quadro clínico de hepatite após 3 a 5 dias
Organofosforado e carbamato Diarreia, vômitos e salivação
Piretrina e piretro ides Vômito e anorexia

Rodenticida à base de Anorexia, vômito, constipação, hematemese e hematoq uesia


vitamina D
Rodenticidas (antagonistas da Anorexia, melena e hematemese
vitamina K)
Sistema respiratório Acetam inofeno Cianose e dispneia
,
Acidas e álcalis Dispneia (decorrente de pneumotórax ou pleu rite)

Anti-inflamatório não Hipoventilação e apneia


esteroidal
Aspirina Taqu ipneia e edema pulmonar (raro)
Cafeína Taqu ipneia
Detergentes Edema de laringe

Estricnina Apneia
Fenóis _______ Taqu ipneia (esti mulação do centro respiratório) seguida de depressão
lvermectina Dispneia, cianose e edema pulmonar
Organofosforado e carbamato Dispneia, tosse (secreção brônquica e/ou broncoconstriçao), depressão
resp iratória e insuficiência respiratória
Piretrina e piretro ides Dispneia e broncoespasmo

Rodenticidas (antagonistas da Tosse e dispneia (hemotórax)


v itamina K)

Sistema Amitraz Bradicardia e hipotensão


cardiovascular
Cafeína Taqu icardia e arritm ias
Chocolate (teobromina) Hipertensão, brad i ou taqu icardia, arrit mias e respiração ofegante

Cresol Hipotensão e arritm ia


(continua)
106 Toxicologia aplicada à med icina vet erinária

QUADRO 11.2 Pri ncipais manifestações clínicas observadas nos diferentes sistemas segundo o agente tóxico (continuação)
Sistema Age nte tóxico Manifestação clínica

Sistema Enema com composição à Taqu icardia, pulso fraco e arritm ia


cardiovascular base de fosfato de sód io

lvermectina Bradicardia ou taquica rdia

Naftalina Taqu icardia

Organofosforado e carbamato Bradicardia

Sistema Anti-inflamatórios não Anem ia


hematopoiético esteroidais

Aspirina Anem ia (hipoplasia medu lar, corpúscu los de He inz em gatos)

Cresol Anem ia (hemolítica e meta-hemog lobinem ia)

Detergentes Anem ia (hemoglobinemia)

Naftalina Anem ia (meta-hemoglobinemia, co rpúscu los de Heinz, hemólise)

Raticidas antagonistas da Anem ia (d iátese hemorrágica)


v itamina K

Sistema urinário Amitraz Poliúria

Anti-inflamatórios não O ligúria


esteroidais

Chocolate (teobrom ina) Inconti nência uriná ria

Detergentes Hemoglobinúria e o ligúria

Fenóis Colúria

Ferro O ligúria
Naftalina Hemoglobinúria

Organofosforadose Inconti nência uriná ria


ca rbamatos

Rodenticidas antagon istas da Hemat úria


v itamina K

Rodenticidas a base de Poliúria, polidipsia e sintomas compatíveis com síndrome urêm ica
vitamina D

lnespecífico Acetam inofeno Depressão, hipotermia, edema facial e fraqueza


,
Acidas e álcalis Dor, choque, sepses e colapso

Amitraz Hipote rmia

Anti-inflamatórios não Letargia, taquipneia (alcalose respiratória compensatória à acidose)


esteroidais

Aspirina Depressão, leta rgia, hipertermia ou hipoterm ia (man ifestação tardia)

Enema com composição à Letargia, desid ratação e hipoterm ia


base de fosfato de sód io
Fenóis Mucosas de colo ração escura e choque
Ferro Choque, taqu ipneia (alca lose respirató ria compensatória à acidose) e
sonolência

lvermectina Depressão, hipertermia, fraqueza, ptialismo, choque e hipotermia

Organofosforados e Depressão
ca rbamatos

Piret rinas e piret roides Depressão, hipersalivação, hipo ou hiperterm ia

Raticidas antagonistas da Anorexia, depressão, fraqueza, epistaxis, sangram ento gengival e


v itamina K hemoperitônio

Raticidas à base de vitam ina D Letargia, depressão e anorexia


Capítu lo 11 • Conduta de urgência nas intoxicações 107

Hemograma hidratação; proteinú ria e sedimentoscopia para detecção


de lesão ren al; bilirrubinúria e u robilinogenúria para
A hem ocon cen t ração está associada aos casos de avaliação d e lesão hepática. Aind a, a amostra d e urina
desidratação ou p erda excessiva de fluido. An em ia é pod e ser submetida ao exam e toxicológico e assim au-
observada nas intoxicações por chumbo e zin co, além xiliar na iden tificação do agente tóxico.
da intoxicação por anticoagulantes.
Provas de coa gulação
Hemogaso metria
Principalmente na intoxicação por d icu marínicos
D istúrbios do equilíbr io ácido -base (pr essões de avaliam-se os tempos d e protrombina (TP) e de trom-
C02, 0 2, bicarbonato, excesso de base e ânion gap) ge- boplastina parcial ativada (TTPA).
ralm en te estão relacionad os com falên cia hepática ou
renal e intoxicações por aspirina, etilenoglicol e tolueno. Exa me radiog ráfico

Determ inação sé rica de elet rólitos Recomend ad o de acordo com a necessid ade clínica
d o caso, como, por exemplo, para constatação d a pre-
Avaliação principalmente do sódio, potássio, cloro, sença de corpos estranhos radiopacos que conten ham
cálcio e fósfo ro séricos que usualmente acompanham metais (ferro, chumbo e zinco).
intoxicações de etiologia variad a.
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Capítulo 12

Toxicologia dos medicamentos

Cristina de Olive ira Massoco Salles-Gomes


Jéssica Soares Garcia
Helenice de Souza Spinosa

~ observar a existência de uma relação causal entre o uso


INTRODUÇAO
d o m edicamento e a ocorrên cia do problem a.
A toxicologia dos m edicamentos, como m encionado A intoxicação por m edicamentos pode ser: acidental,
no Capítulo 1, estuda as substâncias qu ímicas usadas em causada pelo proprietário do animal ou pelo profissional.
terapêutica (medicamentos, produtos de uso veterinário), A intoxicação acident al ocorre quand o o animal tem
avalian do-se o risco versus o benefício; no caso de exp o- acesso ao m edicamento deixado em local in apropriad o,
sição prolongad a é feita a monitorização terapêutica e a p or descuido do seu p roprietário. A intoxicação p ode
an álise preventiva qu e imp ede o aparecimen to de efeitos ocorrer tamb ém qu an do o p roprietário faz uso de um
adversos provenientes do uso do m ed icam ento. medicamento contraindicado para aquela espécie anim al
Quando se faz a admin istração de um medicamento ou em dose/frequência inadequada, acreditando que está
a um animal, espera-se a obtenção de efeitos terapêuticos, tratan do o seu animal. Pod e ocorrer, aind a, a iatrogenia,
contu do p o d em ocorrer efeitos indesejáveis, os qu ais (do grego iatro = méd ico; gennan = produzir) que são as
podem ser não deletérios (efeitos colaterais) ou deletérios d oen ças ou alterações patológicas causad as por m edica-
(reação adversa ao medicamento - RAM) (Figura 12.1). ção administrada pelo médico veterinário. As intoxicações
Efeito colateral é qualquer efeito n ão intencional de um medicam entosas p odem estar associad as à alta dose do
medicamento, em doses normalm ente utilizadas, relacio- medicamento, à alta toxidade para aquela espécie animal
nad o com su as propriedades farm acológicas. A RAM é ou à idiossincrasia ( característica peculiar d e u m indiví-
definida com o qualqu er resp osta prejud icial ou ind ese- duo, que reponde de maneira inusitada ao medicamento,
jável, não intencional, a um medicamento, que ocorre nas geralmente associada a causas gen éticas) (Figu ra 12.2).
doses usualmen te em pregadas p ara profilaxia, diagnós- Os med icamentos são a principal causa de in toxica-
tico ou terapia de doen ças. No conceito de RAM pode-se ção tanto em seres humanos como em animais. O Sistema

Med icamento

Efeitos desejáveis
Efeitos indesejáveis
(terapêuticos)

'• ' •
Efeitos não deletérios Efeitos deletérios
(efeitos colaterais) (RAM)

FIGURA 12.1. Efeitos de medicamentos.


RAM = reação adversa ao medicamento.
110 To xicologia aplicada à medicina veterinária

intoxicação hum ana e 924 casos (1,6%) em anim ais. Os


Intoxicação por medicamentos dados do Sin itox mostram que os medicamentos ocupam
o primeiro lugar como causa de intoxicação tanto hum a-
n a (36, 1%) como animal (31,7%). Deve ser ressaltado,
'• •
ainda, que, além dos m edicamentos, os produtos veteri-
Causada pelo
Acidental latrogenia nários foram responsáveis por intoxicação humana (793
proprietário
registros - 14ª p osição) e p or in toxicação an im al (82
r----------, r----------------, r----------, registros - 5ª posição). Fica, pois, evid ente a importância
Idiossincrasia
Alta toxicidade que deve ser d ad a à intoxicação m edicamentosa.
A lta dose , . (resposta
para a espec1e As espécies anim ais com umente afetadas pela into-
._ __________ ... inesperada) ...
._ __________
~---------------- .J x icação medicam en tosa são os cães, os gatos e outros
animais de companhia e, em menor frequência, os animais
FIGURA 12.2. Intoxicação por medicamentos: acidental,
d e produ ção. No caso de cães e gatos, isso se deve, prin -
causada pelo prop rietário e iatrogen ia (causada pelo p ro-
fissional). cipalmen te, à facilidade d e aquisição, isto é, a m aioria é
de venda livre, estando disponível no domicílio, e na cren-
ça d o proprietário de qu e pod e tirar o d escon forto do
Nacional de Informações Tóxico-farmacológicas (Sinitox), an imal, desconhecen do os riscos dessa atitude. Os gatos,
cuja principal atribuição é coordenar a coleta, a com pi- em p articular, em virtude d e su as peculiarid ad es fisioló-
lação, a an álise e a d ivulgação d os casos de intoxicação e gicas relacionadas à biotransformação de substân cias
enven en amen to notificados no p aís, tem mostrado que químicas, são mais vulneráveis que outras espécies animais,
os m edicamentos são os prin cipais resp onsáveis por in- em especial quando do uso de alguns medicamentos. No
toxicação humana e animal. No ano de 2016 foram com - Q u ad ro 12.1 estão apresentad os os m ed icamentos con -
putados 59.143 registros, sen do 56.937 (96,3%) casos de train dicad os p ara diferentes espécies animais.

QUADRO 12.1. Medicamentos contrai ndicados ou com alto risco de causar toxicidade nas d ife rentes espécies de anima is
Gatos Coelhos Cães Cavalos

5-fluorou racil A mo xicilina** Diclofenac o A mitraz

Pa racetamol A mo xicilina com ácido clavulâ nico** lbuprofeno Atropina


,
Acido acetilsalicíl ico A mpicilina** Paclitaxel

Azatioprina Cefalosporinas** Paracetamol (Paraceta mo l)

Azul de metile no Clindamicina**

Benzoato de b enz ila Eritromicina**

Brometo de potássio* Estreptomicina**

Cetoc onazol* Lincomicina**

Cisplat ina Oxitetraciclina

Diazepam* Penicilina**

Dipirona* Procaína

Do xi ci clina* T etraciclina

Enrofloxacino* Tiletam ina

Escopolam ina Tilmicosina

Estreptomicina*

Fleet e nema

Fenazopirid ina

Griseofulvina*

Lidocaína/Benzocaína

Pomadas oftálmicas contendo:


neomicina, polim ixina e bacitracina

Sa licilato de bism uto


*Medicamentos não totalmente contraindicados. mas devem ser usados com cautela. **Alto risco de diarreia quando administrado por via oral.
Capítulo 12 • Toxicologia dos medicamentos 111

Deve ser ressaltado que a obtenção de um histórico, 1O mg/kg. Foi relatado que 50% dos gatos intoxicados
realizado por m eio de uma anamnese, pode m uitas ve- apresentaram meta-hemoglobinem ia (MetHba) após 4 h
zes indicar a intoxicação medicam entosa, como, por da ingestão de paracetamol na dose de 120-140 mg/kg.
exemplo, n os casos de administração crônica de anal- A dose oral recom en dada para cães é de 15 mg/kg
gésicos e an ti-inflamató rios em cães com problemas a cada 8 h ou 10 mg/kg a cada 12 h. Cães que receberam
ortopédicos. Uma triagem inicial deve incluir: a obten - doses m aiores do que 460 mg/kg apresentaram MetHba
ção da embalagem da medicação para identificar o prin- e também algumas mortes foram relatadas; doses infe-
cípio ativo; a averiguação se o medicam ento é de curta riores a essa ampliam as chances de recuperação para
ou de lo nga duração; a verificação se o p roprietário essa esp écie animal. Há relato de mor te por falê n cia
induziu a êmese e, em caso afirmativo, qual agente emé- hepática fulm inante em cães após o animal ter recebido
tico foi utilizado; e a estabilização do paciente baseado a dose de 900 mg/kg. Doses m aiores do que 1 g/kg po-
n os sinais observados durante o exam e físico (tem pe- dem induzir cianose e m orte em até 12 h.
ratura corpórea, padrão do pulso e frequências cardía-
ca e respiratória). Toxicocinética
Dentre os prin cipais grupos farmacológicos respon- Após ingestão oral, o pico plasmático do paraceta-
, . . . - . .
save1s por 1ntox1caçao em an1ma1s se encont ram os mol é de 4 h para os gatos e sua absorção se dá rapida-
analgésicos e os anti-inflam atórios, seguidos pelos me- mente no estômago e no intestino delgado. O volume
dicam entos de ação no sistema nervoso central. No de distribuição é alto, uma vez que o parecetamol se liga
presente capítulo é dada maior ênfase a essas classes minimamente às proteínas plasmáticas. A biotransfor-
farmacológicas, acrescida dos antineoplásicos, cujo uso mação ocorre principalmente no fígado e existem três
está em expansão nos últimos anos. vias principais: conjugação glicurônica, conjugação com
sulfato e oxidação mediada pelas enzimas do citocrom o
GRUPOS FARMACOLÓGICOS P450. O destino de 50 a 60% da dose administrada é a
conjugação com ácido glucurônico.
São descritas as inform ações quanto a toxicidade, Em gatos, a habilidade de biotransform ação do pa-
toxicocinética, m ecan ismo de ação, sinais clín icos e racetam ol corresponde a 10% daquela realizada pelos
exam es laboratoriais, diagnóstico e tratam ento para os cães, uma vez que os gatos apresentam uma limitação
grupos farmacológicos que mais frequentemente causam fisiológica decorrente da deficiência de glicuroniltrans-
intoxicação nos animais dom ésticos. ferase. Em decorrência dessa via de biotransformação
deficiente nos gatos, após uma dose oral de 20, 60 e 120
A nal gésico: paracetamol mg/kg somente 1%, 5% e 16%, respectivam ente, sofre
conjugação com ácido glicurôn ico.
O paracetam ol, termo contido na lista das denomi- A sulfatação é m enos importante, sendo que apenas
nações comuns brasileiras (DCB), também é conhecido 1O a 20% da dose adm inistrada é conjugada com sul-
como acetaminofeno (N-acetil-p-am inofenol), apresen- fato, além do que essa via tam bém pode sofrer satura-
ta propriedades analgésica e antipirética, sem atividade ção em razão da lim itação de sulfatos inorgânicos. Em
anti-in flam atória nem anticoagulante expressiva. No virtude da saturação da via de sulfatação, são gerados
Brasil, o medicamento de referência do paracetamol é dois metabólitos reativos, os quais estão envolvidos no
o Tylenol®, em apresentação de comprim idos com 500 mecanism o de toxicidade do paracetam ol. Assim , por
ou 750 mg, de gotas (solução oral de 200 m g/m L) e de meio de vias altern ativas do citocrom o P450 são for-
suspensão oral (32 m g/m L e 100 m g/m L). mados o N -acetil-p -ben zoquinoneimina (NAPQI) e o
para-aminofenol (PAP). O NAPQ I é conjugado com a
Toxicidade glutationa reduzida e transform ado em um m etabólito
Dentre os anim ais dom ésticos, a toxicose por para- in ativo. Em roedores, o PAP pode ser inativado após
cetamol é a mais frequentemente relatada em gatos, em conjugação com glutationa reduzida e acetato; entre-
decorrência de exposição aguda geralm ente induzida pelo tanto, os gatos apresentam ativid ade red uzida par a
proprietário do animal. Os gatos apresentam altíssima N -acetilação e os cães são desprovidos da enzima N-a-
suscetibilidade à intoxicação pelo paracetamol, tanto que cetiltransfer ase, o que os tornam m ais vulner áveis à
é contraindicado para essa espécie animal. A dose tóxica intoxicação ao paracetam ol.
para gatos está entre 50 e 100 mg/kg, contudo sinais de Os metabólitos são excretados pela urin a e a taxa
toxicidade foram observados em gatos com doses de de elim inação varia conforme a dose e a espécie anim al.
112 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

Em cães, para as d oses entre 100 e 200 m g/kg, a meia- tivamente, o que torna as hemácias dos gatos muito m ais
-vida é d e 72 min u tos, enquan to para doses acima d e propensas à reação oxidativa.
500 m g/kg a meia-vida é d e 2 10 m inutos. Em gatos, a Nos cães, preferen cialm ente são observados efeitos
m eia-vid a de eliminação para a dose de 20 mg/kg é de hepatatóxicos, enquanto nos gatos são observados tan -
36 m inutos e para as doses de 60 mg/kg e 120 mg/kg to efeitos hematotóxicos com o h epatotóxicos. Animais
aumenta, respectivamente, para 144 minutos e 288 mi- mais jovens apresen tam imaturidade do sistema d e oxi-
n utos; um fato curioso é que gatos machos apresentam d ação e m aior rapidez n a síntese de glutationa em rela-
m eia-vid a de eliminação m aior d o que fêmeas. ção aos animais m ais velhos e, d essa forma, os filhotes
são m en os suscetíveis à toxicose por paracetamol.
Mecanismo de ação A Figura 12.3 ilustra sucintam en te o m ecan ism o d e
Os efeitos terapêuticos d o paracetamol o correm ação responsável pela toxicidade do paracetamol em cães
por ação n as end op eroxidases e não via in ibição d as e gatos.
cicloxigenases. O órgão-alvo do paracetam ol é o fígado,
por causa do m etabólito ativo NAP Q I, qu e se torna Sina is clínicos e exames labo ratoriais
atóxico quan do conjugado com a glutation a por m eio Os sinais clínicos d ecorren tes da toxicose por pa-
de grupam entos do tipo sulfidril (glutatiação, uma rea- racetamol são aqueles relacionados aos efeitos tóxicos
ção de fase II, isto é, conjugação). Con tudo, após 16 a n as hem ácias e n os h epatócitos. Nos gatos é p ossível
24 h d a exposição ao paracetamol, os estoques hepáti- estimar o tempo d e exposição pelos sin ais e sintomas
cos d e glutation a se encon tr am exaurid os, e o NAPQI apresen tados, sen d o eles: até 2 h , 35% d os gatos apre-
em excesso in terage pr incipalm ente com resíduos d e sentam anorexia e êmese, 24% pod em apresentar sia-
cisteína e lisina das p roteínas m itocrondriais hepáticas, lorreia e 18%, diarreia; até 3 h, 76% ap resentam depres-
formand o adutos, os quais causam diminuição da res- são d o sistem a nervoso central; e com 4 h da exposição
piração m ito condrial e estresse oxidativo. O estresse pod e ser observad a a MetH ba.
oxid ativo mitocondrial leva a alterações estru turais de Relatos em gatos in dicam que, na dose d e 60 mg/kg
proteínas e DNA com abertu ra de poros d e t ransição d e paracetam ol, 2 1,7% d a h emoglobina foi convertida
de permeabilidade da membrana m itocondrial, os quais em meta-hemoglobina e 45,5% com a dose de 120 m g/
levam à rup tu ra d a m em brana externa, resultand o n a kg. Cian ose evidente ao exame clín ico pod e ser obser-
r edução d a respiração m itocondrial. Além d isso, em vada com 30% de MetHba. Hemólise, anemia, icterícia
v irtude d a liberação d e p roteínas envolv idas na frag- e san gue com coloração mar rom -escuro p o d em ser
m entação do DNA e na ativação de fatores pró-apop - observados em até 48 h após a exposição. É com u m a
tóticos ocorre, respectivamente, a m orte celular por descrição de edem a de patas e da face. A causa de óbito
n ecrose e por apoptose. geralmente ocorre por MetHba. A falência hepática pode
Outro metabólito reativo formado é o PAP, que atua ocorrer n os gatos, sen d o m ais com u m n os m achos a
causan do efeitos hem atotóxicos, uma vez que a gluta- ocorrência de necrose hepática.
tion a exaurida nas hem ácias favorece a formação de Em cães, os sinais clínicos são observados com 36 h
hemoglobina oxidada, ou seja, a meta-hemoglobina, que d a exposição oral e incluem náusea, êm ese, dor abdo-
é a forma que não transporta oxigên io. A m eta-hem o - minal, anorexia e depressão em d ecorrência dos efeitos
globina p ode ser revertid a à hem oglobina por m eio da hepatotóxicos; taquicardia e taquipneia também têm
conversão via meta-hemoglobina redutase, sendo que sido relatadas. A MetHba normalm ente ocorre com 12 h
os gatos são mais suscetíveis ao efeito hematotóxico em após a ingestão, mas pode ser observad a até com 48 h .
relação aos cães, u ma vez que apresentam a atividad e Estudos experimentais m ostraram que doses superiores
redutase m eta-hemoglobina m enor. a 500 mg/kg induziram aum ento em 50% nos níveis d e
Por meio do processo oxidativo em excesso, pod em meta-hem oglobina e alto risco d e morte, uma vez que
ser observados em um esfregaço sanguíneo os corpús- 25% dos cães vieram a óbito. Falên cia hepática fulmi-
culos de H einz nas hemácias (precipitação da hemoglo - nante p ode ocorrer com três doses totalizan do mais de
bina), os quais acabam dim in uindo a vida ú til dessas 1.000 mg/kg, em um período de 24 h .
células, culminand o em hem ólise e an emia. Esse pro- Quando o san gue d os an imais susp eitos d a into-
cesso oxid ativo aumenta quanto m aior for o n úmero de xicação com paracetamol é exposto ao ar, a cor deste
grupos sulfidrilas na hemoglobina, e os gatos apresentam se torna marrom e pode ser u m ind icador d a intensi-
oito grupos, en quanto as ou tras espécies an imais do- d ade da MetH ba, a qual é m ais com umente observada
m ésticas e o homem apresen tam quatro e dois, respec- em gatos. Cor púsculos d e H einz pod em ocorrer com
Capítulo 12 • Toxicologia dos medicamentos 113

Paracetamol
,
Acido glicu rônico Su lfatação Oxidação
(cão: 40-60%; gato: 10%) (10-20%) (citocromo P450)

Metabólito atóxico Metabólitos tóxicos

N-acetil-p-benzoquinoneimina Para-aminofeno
(NAPQI) (PAP)

Glutationa + + Glutationa

Metabólito atóxico Metabólito atóxico


• •
N EC ROSE H EPÁT ICA META-HEMO BLO BINA

Glutationa +

- --
1
'

Hemoglobina

FIGURA 12.3. Mecanismo de ação responsáve l pela toxicidade do paracetamol em cães e gatos. Note que quando há
redução dos níveis de glutationa surgem os efeitos tóxicos (para detalhes, veja o texto).

três dias da intoxicação e relatos indicam a ocorrência disponíveis para uso ambulatorial a N -acetilcisteína, a
de 12% nos gatos. Hiperbilirrubin emia tem sido ob- S-adenosil L-metionina (SAMe) e o sulfato de sódio. O
servad a em cães e gatos com h emólise, após 48 h d a mais utilizado é a N-acetilcisteína, que é capaz de redu-
ingestão de paracetamol, e evidên cia de regen eração zir em até 50% a meia-vida plasmática do paracetamol,
pode ser observada em cães em um período de dois a pois funciona como uma fonte de grupos sulfidrilas que
11 dias. No exame para avaliar o perfil hepático, pode são usados nas reações de fase II e como precursor da
ser verificado aum ento de alanima am inotransferase glutationa. Esse tratam ento é m ais eficiente até 8 h da
(ALT), fosfatase alcalina (ALP), ureia, creatinina e crea- exposição, contudo o tratamento em até 24 h pode re-
tinina quin ase (CK). São sinais de dano hepático mui- duzir o óbito por disfunção hepática. O tratamento deve
to grave quando são observados aumento do tem p o iniciar com a dose de 140 m g/kg N -acetilcisteína, por
de protrombina e de tromboplastina parcial e diminui- via intravenosa (0,7 mL/kg da apresentação em solução
ção da albumina. injetável a 20%) ou por via oral na dose de 70 mg/kg a
cada 6 h por um período de 48 h.
Diag nóstico e tratamento Estudos recentes realizados com a N -acetilcisteína
O diagnóstico da toxicose por paracetamol é basea- amida, um derivado da N -acetilcisteína, apontam resul-
do n o relato do proprietário sobre a administração do tados mais prom issores quanto ao restabelecimento das
paracetam ol e da observação dos sinais clínicos ante- reservas de glutationa por sua maior biodisponibilidade.
riormente descritos. Até 1 h da ingestão, os procedimen- Em relação ao SAMe, existem protocolos que indi-
tos de descontaminação gástrica, por meio do emprego cam para gatos a dose de 180 mg/kg, por via oral, a cada
de eméticos e de carvão ativado, podem auxiliar n a 12 h por 3 dias e 90 mg/kg, por via oral, a cada 12 h por
prevenção da absorção; entre 1 e 6 h, o uso de catárticos, 14 dias; seus efeitos auxiliam apenas na manutenção do
como, por exemplo, o sorbitol, pode reduzir a absorção hematócrito e na dim inuição dos corpúsculos de Heinz.
intestinal do paracetamol. Para cães a dose recomendada de SAMe é de 40 mg/kg,
A terapia m edicamentosa deve ser iniciada o mais por via oral, na primeira dose, e 20 mg/kg diariamente
rápido possível quando da suspeita da toxicose por pa- por um período de 7 a 9 dias.
racetam ol, a qual se baseia em substâncias como fonte O sulfato de sódio é recomendado n a dose de 50
de sulfato, as quais se ligam aos metabólitos ativos e que mg/kg, por via intravenosa (solução de 1,6%) a cada 4 h,
aumentem a fonte de glutationa. D entre esses, estão por até 6 aplicações.
114 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Podem ser usados, aind a, o ácid o ascórbico e o azul existem poucos estudos acerca dos seus efeitos para essa
de metileno para auxiliar na redução da MetHba, mesmo espécie an imal. Num desses estudos foi relatad o que a
que estes atuem de maneira mais lenta do que os demais. d ose de 200 m g/kg pod e causar falência renal e d oses
O ácid o ascórbico pode ser usado na dose d e 30 mg/kg, acim a d e 600 mg/kg causaram óbito d os animais.
p or via oral, a cada 6 h por 6 a 7 aplicações. O azul d e
m etileno pode induzir anemia hemolítica em gatos. Toxicocinética
Mais recen tem en te, foi verificado que o uso de le- A absorção dos Aines ocorre no estômago, um a vez
flunomida pod e ser utilizad o nos casos de intoxicação que a m aioria apresen ta pKª men or que 4,5 e algu ma
p or paracetam ol, uma vez que inibe a fosforilação da absorção pode ocorrer no intestino delgad o. Geralmen -
via de sinalização (Janus quinase) na form ação dos pe- te os Aines têm baixo volume de distribuição, pois apre-
roxinit ritos, imped indo a n ecrose hepática. sentam alta ligação à albumina. Em geral, o pico plas-
As terapias d e suporte e sintom ática devem ser ins- mático dos Aines ocorre com 3 h após a ingestão oral.
tituídas, prin cipalmente o suporte hematológico, por meio A biodispon ibilidad e do ib uprofeno e n aproxeno em
de transfusão sanguínea e adm inistração d e oxigênio. cães é, respectivamente, de 60 a 80% e de 68 a 100%. Em
cavalos a biodispon ibilid ade do n aproxeno é de 50% e
A nti-inflamatórios não esteroidais (A INEs) em suínos p róximo a 100%. Várias diferenças interes-
pécies existem com relação à farm acocinética dos Aines.
Os Aines são utilizados com o uma ferram en ta far- Por exem plo, alguns deles, com o o ácid o salicílico e o
macológica para o manejo da inflam ação e, consequen- carp rofen o, são biotransform ad os via glicuron ização,
temente, da d or. A toxicose por Aines pode ser causada
- . , . ' .
portanto, gatos sao mais suscetiveis a toxicose por esses
p o r u ma d o se simples ou pequenas doses múltiplas medicam entos, en quan to o m eloxicam e o piroxicam ,
desses m edicam en tos. que são biotransformados via oxidação, não apresentam
Existem aproximadamente m ais d e 30 grupos d ife- esse p roblema para essa espécie animal.
ren tes d e Aines n o m ercad o. Os Aines são classificados D e modo geral, a biotransformação d os Aines ocor-
com b ase na estrutu ra do ácid o carboxílico, o s quais re principalmen te no fígado via citocromo P-450. A eli-
incluem os derivados d o ácido salicílico, derivados do m inação varia conforme o grupo d os Aines e da espécie
ácid o acético, os fenamatos ou derivados d o ácido an - animal, m as em geral animais com até seis sem an as de
t ranílico e p ropiôn ico, bem com o os d o ácido en ólico. idade e geriátricos apresentam biotransform ação desses
O m ecanism o de ação é similar entre os grupos, contu - medicamentos mais lenta. A excreção é primordialmen -
do a farmacocinética e a toxicidade pode variar entre as te u rinária e aumentada em pH alcalin o. A excreção
espécies animais, e essas características são abord adas biliar é importan te para o ibuprofeno, o n aproxeno, a

a seguir. ind ometacina, o piroxicam , o flunixino meglumina, o
ácid o m eclofen âmico, o diclofen aco e o carp rofen o em
Toxicidade cães, os quais passam pelo ciclo êntero-hepático.
Gatos são m ais suscetíveis à toxicose pelos salicila- A m eia-vid a d os Aines pode variar bastante en tre
tos, en quanto os cães são m ais sensíveis ao ibuprofen o as espécies an im ais. Por exemplo, é de 2,5 a 6 h para o
e n aproxeno. Portanto, deve-se evitar extrapolação n o ibup rofen o nos cães e gatos, de 35 a 74 h, respectiva-
que diz respeito à d ose terapêutica entre uma espécie e mente, para o naproxeno em cães da raça beagle e sem
out ra. Além disso, variações individuais, com o a idade raça d efinida. A concen tração ter apêutica plasm ática
do an im al, a capacidade de excreção, a fu n ção hepática, recom endad a em seres hum anos é d e 100 a 150 µg/mL,
a fun ção cardíaca e as d oen ças p ré-existentes p odem que p ode ser letal em cavalos, send o a con cen tração
p redispor aos efeitos tóxicos d os Aines. plasmática recomendada para essa espécie animal de 1O
Doses de ibuprofeno maiores do que 5 mg/kg podem a 30 µg/mL. A meia-vida de fenilbutazon a para cavalos,
estar associad as aos efeitos tóxicos em cães, os quais ruminantes e suínos é, respectivamente, 5 a 8, 37 e 4 h. Os
podem ser observados na form a d e lesões gástricas com u rubus são, particularmente, sensíveis aos efeitos tóxicos
ou sem sinais clínicos. Foram relatados efeitos tóxicos dos Aines, especialm ente ao diclofenaco e ao cetoprofeno,
em doses únicas de 50 a 125 mg/kg; perfuração gástrica causando falên cia renal.
foi observada após a dose acum ulativa de 11Omg/kg de
ibuprofen o por um perío do de 48 h. Lesão renal aguda Mecan ismo de ação
p ode ocorrer após d oses de 175 a 250 mg/kg. Em bora De modo geral, os Aines agem inibindo as en zimas
os gatos sejam suscetíveis à toxicose por ib up r ofen o, ciclo-oxigenases (COXs), as quais são encontradas em
Capítulo 12 • Toxicologia dos medicamentos 115

todas as células, exceto nas hem ácias, e em decorrência A maioria das toxicoses pelos Aines é causad a por
dessa inibição observa-se a diminuição na síntese dos aqueles que in ibem preferencialmente a COX- 1, uma
eicosanoides, com o as p rostaglandinas (PG) e o t rom - vez são mais baratos e n ão n ecessitam da p rescrição
boxano, substâncias essen ciais na sinalização d o pro-
. , . -
veter1nar1a para a compra, o que n ao ocorre com os
cesso inflamatório. Especificamente, a PGI2 e a PGE2 são Aines inibidores d e COX-2, os quais são mais caros e
responsáveis pela d or em razão da liberação d e bradi- necessitam da p rescrição para aquisição no com ércio.
cinina e h istamina (Figura 12.4). Além disso, a PGI2 atua Além da inibição d as COXs, alguns an ti-inflamatórios
inibindo a agregação plaquetária e a PGE2 age em diver- agem inibin d o a v ia d a lipo-oxigenase (Figura 12.4),
sos p rocessos fisiológicos e patológicos, tais como pro- com redução da p rodução d os leucotrienos, com o é o
teção da m ucosa gástrica, fluxo sanguíneo renal, entre caso do flunixino meglumina.
out ros (Figura 12.4).
Os Aines agem inibin do competitivamente u m sítio Sina is clínicos e exames labo ratoriais
ativo das COXs, enquanto o ácido salicílico atua inibin- Os efeitos mais comun s decorrentes d a toxicose
do ir reversivelmente as COXs das plaquetas (Figu ra por Aines estão relacionados aos efeitos gastrointestinais,
12.4). As COXs apresentam três isoform as, a COX- 1, a ren ais e hepáticos, e, para alguns, d istúrbio de coagu -
COX-2 e a COX-3, sendo que essa última foi descrita lação. A ulceração d a m ucosa gástrica ocorre pela ini-
em cérebro d e cães e é estru turalmen te semelhante a bição na síntese de PGE2 e pela dimin uição na produ-
COX-1. A m aioria d os efeitos adversos d os Aines é d e- ção de substân cias que protegem a mucosa gástr ica,
corrente d e suas ações sobre a COX- 1; essa é uma enzi- como o bicarbonato e o muco. São observados episódios
ma constitutiva expressa em nível basal na maioria d os d e êm ese, diarreia, dor abdom inal e m elena. An imais
tecidos e é responsável por diversas fun ções p rotetoras com p erfuração da m ucosa gast rointestinal podem
e fisiológicas do organ ism o. Já a COX-2 é uma enzima apresen tar abdom e d isten did o, d or abdominal, d esi-
indu zível expressa principalmente na resposta à infla- d ratação e h ip ertermia. Em cavalos, efeitos n o trato
m ação (tem expressão basal em alguns tecid os) e, por intestinal podem levar a uma enteropatia com h ipopro-
causa disso, buscou -se obter Ain es com ação seletiva teinem ia e consequen te ed em a secun dário p ela d imi-
sobre essa enzima. n u ição da pressão o n cótica. Choque e en dotoxem ia

Trauma
(mecânico, químico, térmico)
Membrana
celu lar i ii j
Fosfolipase A 2

,
Acido araquidônico

Aines ciclo-oxigenases lipo-oxigenases


(Cox)
r--------------------- , Leucotrienos
: Plaqueta :
~
1
Tromboxano .__. Cox-1
1 • :

:1 ______________________
•Agregação plaquetária :1 •Aumento de leucócitos
-Fagocitose
Prostaglandinas Prostaglandinas ~Fibrinogênese
constitutivas induzíveis


•Proteção da mucosa do trato d igestório '
•Processo inflamatório
(.J-HC1 e tmuco) vasodilatação
•Proteção do rim à agressão hipotensora quimiotaxia

Histamina, bradicinina . . dor

FIGURA 12.4. Mecanismo de ação dos anti-inflamatórios não esteroidais (Aines), indicando a inibição da via das c iclo-
-oxigenases (COXs) e consequente bloqueio da síntese de prostaglandinas, o que prejudica os processos fisio lógicos
regulados por elas. O flunixino meglumina atua também na via da lipo-oxigenase, reduzindo a síntese de leucotrienos.
116 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

são d escritos em cavalos com perfuração d o trato gas- Os anim ais intoxicados d evem perm an ecer m onitori-
t rointestin al ap ós uso de Aines em altas doses. zados qu anto ao grau d e hid ratação, equilíb rio acido-
Com o ocorre inibição d a sín tese de P GE 2 a nível básico, glicose sanguín ea, creatinina, ureia, temperatu ra
renal, são observad os sinais decorrentes de distú rbio de corpórea e pressão arterial. A in dicação de fluidoterapia
regulação osmótica com insuficiên cia renal, letargia e com solução fisiológica a 0,9% ou solução salina a 0,45%
óbito. Em gatos foi descrito nefropatia após administra- acrescida d e dextrose a 2,5% em anim ais h ip oglicêmi-
ção d e meloxicam e exposição acidental ao flurbiprofe- cos administrada a uma taxa de 120 m L/kg/ dia favore-
no. Maior atenção ao estado de hidratação deve ser dada ce a evolução d os animais intoxicad os. Alcalin ização
ao p rescrever Aines para gatos com afecção ren al pré- d a urin a p ode ser útil para aumentar a elimin ação do
-existente. Os an imais p odem apresentar poliúria, poli- ibuprofeno e do n aproxen o, sen do ind icado o p H entre
dipsia, desidratação, u lceração da m u cosa oral e en ce- 7,5 e 8.
falopatia u rêm ica. Sin ais h ep atotóxicos graves não são A an emia deve ser avaliada e se n ecessário realiza-
comuns na toxicose p or Aines; con tu do, existem relatos -se transfusão sanguín ea. O uso de protetores d e m u co-
de cães com reações idiossincráticas ao carprofen o e ao sa, tais com o o misoprostol (an álogo sintético da PGE 1)
n aproxen o. e o sucralfato, bem com o os an tiácid os (h idróxid o de
Com relação aos exames lab oratoriais, hipoalbumi- alu m ínio, h idróxido de magnésio) e os inibidores da
n emia tem sid o descrita em animais com úlcera n o tra- bom ba H +/K+ AT Pase ( om eprazol) pod em auxiliar a
to gastroin testin al e 25% d os cães com úlcera gastro- recuperação d a m u cosa gástrica. O uso de misoprostol
duod en al apresentam anemia hipocrômica microcítica. em cadelas gestantes é contrain dicado, por ser abortivo.
O teste de sangue oculto n as fezes n ão é um teste con- A taxa d e recup eração d e cães intoxicad os com Ai-
fiável porque p od e ser n egativo qu an do o n ível d a p er- nes d ep en de d a cronicidad e, d ose e sin ais clín icos. Em
da de sangu e for m u ito baixo e falso-positivo no caso de geral, a recuperação leva de 2 a 9 dias e o anim al deve
o animal ter consumid o carn e verm elh a em até 72 h d o ser m antido h ospitalizad o.
exam e. Aum ento leve e transitório das enzimas h epáti-
cas alanima aminot ran sferase (ALT), aspartato amino- Salicilatos
transferase (AST) e fosfatase alcalin a (ALP), b em com o
da bilirrubin a, pode ser observado. Aum ento de u reia A toxicose p o r salicilatos é muito frequente n os
no sangue total, n o soro ou no plasm a ind ica nefropatia, animais domésticos, prin cip alm ente em cães e gatos,
assim com o é com um observar aumento san guíneo de seja por dose ú nica ou repetidas. O ácido salicílico (As-
fósforo, cálcio e potássio. pir in a®, AAS®, Bu ferin ®, Melh ora!®, Doril®) é u m dos
principais represen tantes d esse grupo; possui atividad e
Diagnóstico e tratamento an algésica, antitérmica e an ti-in flamatória. Algum as
O d iagn óstico é baseado no h istórico e em sinais p om adas podem con ter até 15% de salicilatos, além d e
clínicos. Apesar da necessidade d e anestesia e d opa- outros m edicamentos m uito comumen te utilizad os em
cien te estar estabilizad o, o exam e d e endoscopia gás- seres hum anos, como, por exem plo, comprimidos con-
trica é o mais sensível para a d etecção de úlcera gás- ten do salicilato de bismuto (indicado cont ra azia e m á
t rica. A d escontinuid ad e de adm in istração do A in e d igestão) e o metilsalicilato presente em p omadas indi-
deve ser im ediata e a lavagem gástrica p ode ser reali- cadas para o alívio de dores m usculares.
zada em an im ais an estesiad os que in geriram grande
qu antidade do Ain e, mas que não dem on st ram sinais Toxicidade
de perfuração gástr ica. É in dicada a administração de D entre os animais dom ésticos, os gatos são os mais
carvão ativado, b em com o su a administração rep etida suscetíveis à intoxicação p or Aspirina®, uma vez que a
para dim inuir a reabsorção intestinal causada pelo ciclo principal via d e biotransform ação d esse m edicam en to
entero -hepático. A administração de catárticos, como é a conju gação com ácid o glicurôn ico, qu e é deficiente
o sorbitol, e do carvão ativado aumenta a taxa d e elimi- em gatos. A d ose terapêutica p ara essa esp écie an imal
n ação dos Ain es. varia de 1O a 20 m g/kg a cada 48 h , enquanto para cães
A infusão p or via intraven osa de soluções de em ul- a dose é d e 10 a 25 mg/kg a cada 12 h . Foi relatad o que
são lipíd ica p ara tratar a toxicose p or ibuprofen o (doses a ad m in istração d e 25 mg/kg a cad a 8 h por até três
superiores a 1.800 mg/kg) e n aproxen o ( 60 a 200 m g/ sem anas em cães n ão causou efeitos adversos graves.
kg) em cães aumenta a taxa d e eliminação e dim inui o Gatos com doen ça renal ou h ep ática e os animais
tem po d e recuperação e acarreta p oucas com plicações. idosos são mais suscetíveis à toxicose p or salicilatos.
Capítu lo 12 • Toxicologia dos medica mentos 117

Ruminantes, com o os bovinos e cabras, são m ais resis- p eritonite e evolui para convulsões, coma e óbito. A
tentes à intoxicação por via oral por salicilatos, enquan - lesão ren al não é u m achad o comu m na toxicose por
to em cavalos foi d escrito aumento no tem po de san- salicilatos, a não ser que seja secundária à hipotensão
gramento ap ós a d ose única de 20 mg/kg. Em gatos, e à rabdom iólise em d ecorrência d e vários episód ios
administrações diárias de Aspirina®entre 100 e 11Omg/ convulsivos, os quais são atribuídos à hipoven tilação,
kg levam a óbito em sete dias. acidose e hipoglicem ia.

Toxicocinética Diagn óstico e tratame nto


Os salicilatos são rapidamente absorvidos n o estô- Achad os laboratoriais d e anim ais intoxicad os por
m ago e duodeno de cães e gatos, por serem lipofílicos salicilatos incluem anormalidades eletrolíticas, tais como
em p H ácido. A biodisponibilid ade dos salicilatos pode acidose metabólica e aumento do anion gap (hiato aniô-
variar conforme a formulação encontrada no mercado; nio ou intervalo aniônico é a diferença entre os cátions
por exemplo, Aspirina®tamponad a é mais solúvel e me- presen tes no sangue - sódio - e os ânions - bicarbona-
nos ionizada; portanto, sua absorção ocorre mais lenta- to e clor o), bem com o h ipernatrem ia e h ip ocalem ia.
m ente e causa men or irr itação gástrica, em relação à Também pod em ser observad os aumento no tempo de
form a não tam pon ada. A ligação às proteínas plasm á- coagulação, anemia e aum en to d as enzim as avaliad as
ticas é de 45% em cães e a ingestão de alimentos gordu- no perfil hepático. Em gatos pode ser observada a su-
rosos pode dim inuir a biodisponibilid ade dos salicilatos pressão m edular e hipertermia.
em cerca de 30%. Nos casos em que a ingestão do salicilato ocorreu
No trato gastrointestinal, fígado e hemácias, os sa- d en tro de um períod o d e 1 a 2 h, é indicado o uso d e
licilatos são rapidam ente hid rolisados por esterases e em éticos, carvão ativado e catárticos osmóticos. A in-
essas en zimas são m enos eficientes em filhotes. Os sali- dução da d iurese alcalina forçada com a administração
cilatos tam bém d ependem d a conjugação com ácido d e bicarbonato é recomendada n a toxicose por salicila-
glicurôn ico e glicin ação p ara serem eliminados; p or tos, uma vez que esse p rocedimento aumenta a quanti-
causa disso, o tem po de eliminação é m aior nos gatos. d ade d e salicilato ionizad o no sangue, favorecend o sua
Em gatos a m eia-vid a de eliminação dos salicilatos excreção renal. É recomendad a a m onitorização, bem
é de 22 a 27 h quando adm inistrad os na dose de 5 a 12 como a correção do equilíbrio ácid o-base. Deve ser
mg/kg, e para doses maiores, com o, por exemplo, de 25 evitado o uso de agentes antitérmicos; como alternativa
mg/kg, a m eia-vida d e eliminação é d e 44,6 h. Em cães, para a hipertermia, pod e-se fazer uso do resfriamento
equinos e bovinos, a m eia-vida é de, respectivam ente, corpóreo por m eio de m étodos físicos, como o uso de
8 h, 1 h e 30 minutos. compressas e banho frios. Benzodiazepínicos (diazepam)
pod em ser utilizados para o controle d as convulsões.
Mecanismo de ação
D iferentem ente dos outros Aines que inibem com- Antineoplásicos
petitivam en te as cicloxigen ases (COXs), os salicilatos
inibem perm an entem ente essas en zim as, acetilan do o A qu im ioterapia é uma m odalidade terap êutica
resíduo de serin a e, con sequentemente, d imin uem a muito utilizada na área de on cologia veterinária. Con-
síntese de prostaglandinas. As plaquetas (Figura 12.4) siderando que os m edicamentos utilizados na quimio-
são as células mais afetad as pelos salicilatos, uma vez terapia apresen tam baixo índice terapêutico, é frequen-
que n ão sintetizam COXs, sendo, então, observad as te o aparecimento d e reação adversa ao m edicamento
coagulopatias na toxicose por salicilatos. (RAM).
As RAMs podem ser p revenid as ou m inimizad as
Sina is clínicos e exames laboratoriais pelo acom pan ham ento clínico criterioso realizado du-
Náusea, êmese com ou sem a presença de sangue e rante a terapia. Atualmente, têm sid o empregados crité-
a perfuração da mucosa gástrica podem ocorrer d entro rios para avaliar o grau d e in tensidad e d as RAMs em
de 24 a 96 h após a ingestão de salicilatos; são observa- cães e gatos, em função d o sistem a orgânico acometid o,
dos também d iarreia (melena) e d ores abdom inais, o que cont ribui para direcionar o tratam ento e o nível
letargia e fraqueza. A administração crônica d e salici- d e urgên cia com que d evem ser t ratad os.
latos pode promover o aparecimento de úlceras gástri- No Quadro 12.2 são apresentados os principais an-
cas. A taquipneia é decorrente d a acidose metabólica e tineoplásicos utilizados em medicin a veterinária e as
é acom pan h ada de d esidratação, icterícia, sinais de RAMs associad as ao seu uso.
118 Toxicologia aplicada à med icina vet erinária

QUADRO 12.2. Principais antineoplásicos utilizados em medicina veteriná ria e as su as reações adversas (RAM - reação adversa
ao med icame nt o)

Antineoplásico Re ação adversa ao medicamento (RAM)

Antimetabólitos

• Metotrexato A lterações hematológ icas: leucopenia, anemia e trombocitopenia


A lterações TGI: estomatite, náuseas, êmese, diarreia, hematoquezia e hematêmese
A lterações neurológicas: depressão e ataxia
Outros: nefrotoxicidade (precipitação do agente nos túbulos rena is e necrose tubular), alterações cutâneas
(alopecia e descolo ração), febre, hepatotoxicidade (em humanos)
Incompatibilidade com outras medicações: A ines, p irim etam ina, trimetoprim e sulfas

• 5 -fluorou racil Toxicoses após ingestão oral acidental ou após uso tópico em cães
A lterações hematológ icas: leucopenia leve e trombocitopenia
A lterações TGI: sialorreia, êmese, hematêmese, dia rreia e hematoquezia
Outros: alterações neurológ icas (letargia, dispneia, arritm ias, desorientação). Ataxia cerebelar e convulsões
~
em caes
Contraind icado uso em gatos (neurotoxicidade fata l)
Incompatibilidade com outras medicações: metotrexato, vimb lastina, d iazepam, doxorrubicina, citarabina e
substâncias ácidas (penicilina, polivitam inicos, insu lina e t etraciclina)

• Citarabina A lterações hematológ icas: mielossupressão


A lterações TGI: anorexia, náusea e êmese
Outros: alterações cutâneas (t romboflebite, alopecia e fotossensib ilidade), neurológ icas (convulsão,
sonolência, paresia e neuropatia periférica)
Incompatibilidade com outras medicações: 5-fluorouracil, metotrexato e metilpredn isolona

• Gencitabina A lterações hematológ icas, gastrointest inais, dermatológ icas e rena is leves

A lquilantes

• Ciclofosfamida A lterações hematológ icas: mielossupressão intensa


A lterações TGI: náusea , êmese e estomatite ocasional
A lterações reprodut ivas: esterilidade
Outros: cistit e hemorrágica estéril (pela ação do metabólito acroleína), hepatotoxicidade e alopecia
Incompatibilidade com outras medicações: barbitúricos, alopurinol, hidrato de cloral e diluentes contendo
álcool benzíl ico

• Clorambucil A lterações hematológ icas: mie lossupressão leve


A lterações TGI: náusea e êmese
Outros: alterações neurológicas (toxicidade cerebe lar em altas doses), hepatotoxicidade, hipersensibilidade e
infertilidade

• Melfalano A lterações hematológ icas: mielossupressão


Alterações TGI: pouco frequente, anorexia, náusea, êmese e dia rreia
Outros: alterações dermatológicas (alopecia, urticária e dermatite), fibrose pulmonar em humanos

• Carmustina A lterações hematológ icas: mielossupressão tardia


A lterações TGI: náusea e êmese intensas
Outros: alterações dermatológicas (alopecia e hiperpigmentação), alterações respiratórias (fibrose pulmonar
em humanos tratados cron icamente), hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, alterações neurológicas (ataxia e
neurite óptica)

• Lomustina A lterações hematológ icas: mielossupressão intensa


A lterações TGI: náusea, êmese
Outros: hepatotoxicidade (pode ser grave e p rogressiva), nefrotoxicidade, feb re idiopática

• Dacarbazina A lterações hematológ icas: mielossupressão


A lterações TGI: anorexia, náusea, êmese, diarreia
Outros: alterações dermatológicas (alopecia, hiperpigmentação e foliculite), hepatotoxicidade
Incompatibilidade com outras medicações: succinato sód ico de hidrocortisona e d iluentes contendo álcool
benzílico ou parabenzílico

• Cisplati na A lterações hematológ icas: mielossupressão moderada


A lterações TGI: náusea intensa, êmese e hematoquezia
Outros: nefrotoxicidade intensa em cães (degeneração e necrose tubular), neurotoxicidade (neuropatia
peri férica , ataxia, perda de sensib ilidade cutânea, ototoxicidade e neurite ópt ica), hipersensib ilidade
(anafi laxia em cães),
Contraind icado uso em gatos (alte rações respiratórias graves, com dispneia, edema pulmonar agudo e
irreversível com óbito)
(continua)
Capítulo 12 • Toxicologia dos medicamentos 119

QUADRO 12.2. Principais antineoplásicos utilizados em medicina veteriná ria e as suas reações adversas (RAM - reação adversa
ao medicamento) (continuação)

Antineoplásico Reação adversa ao medicamento (RAM)

• Carbop latina Alterações hematológicas: mie lossupressão


A lterações TGI: náusea , êmese e diarreia
Outros: nefrotoxicidade (reduzir a dose em pacientes com alterações renais), hepatotoxicidade e
hipersensib ilidade (erupção cutânea e urticá ria)

A lcaloides da vinca

• Vincristina A lterações hematológicas: mielossupressão leve


A lterações TGI: anorexia, hematoquezia , constipação em gatos
Outros: t rombocitose, neuropatia periférica após uso p ro longado (gatos mais sensíveis) e alterações cutâneas
(necrose por extravasamento durante a aplicação)
Incompatibilidade com outras medicações: doxorrubicina, hepa rina e furosemida
*Em casos de extravasamento: ret irar o conteúdo residual; infiltrar na área solução salina ou bicarbonato de
sódio 8,4%; pode ser aplicado, na reg ião, hialuronidase ou dexametasona ou uso tópico de DMSO;
compressas mornas

• Vimblastina A lterações hematológicas: mielossupressão moderada


A lterações TGI: náusea , êmese e anorexia
Outros: alterações cutâneas (necrose por extravasamento durante a aplicação), neurotoxicidade (a lterações
iguais as da vincristina, porém mais raras)
*Em casos de extravasamento: retirar o conteúdo residual; infiltrar na área solução salina ou bicarbonato de
sódio 8,4%; pode ser aplicado, na reg ião, hialuronidase ou dexametasona ou uso tópico de DMSO;
compressas mornas

Antib ióticos

• Actinomicina-D A lterações hematológicas: mielossupressão moderada


(dactinom icina) A lterações TGI: náusea , êmese e diarreia
Outros: alterações cutâneas (alopecia e hiperp igm entação)

• Bleom icina A lterações hematológicas: mielossupressão leve


A lterações TGI: náusea , êmese e diarreia
Outros: alterações resp iratórias (feb re e fibrose pu lmonar) e hipersensibilidade (alergia e anafilaxia)
Incompatibilidade com outras medicações: am inofilina, ácido ascórbico, cefazolina, cefa lot ina, heparina,
pen icilina , metotrexato, mitomicina, hid rocortisona, diazepam e te rbutalina
• Doxorrubicina A lterações hematológicas: mielossupressão moderada
A lterações TGI: anorexia, náusea, êmese e d iarreia
Outros: cardiotoxicidade em cães (aguda se adm inist rada de forma rápida e crôn ica com uso p rolongado),
hipersensib ilidade (anafilaxia), nefrotoxicidade em gatos e alterações cutâneas (necrose por extravasamento
durante a aplicação)
Incompatibilidade com outras medicações: heparina
*Em casos de extravasamento: retirar o conteúdo residual; aplica r na reg ião dexametasona; uso tópico de
DMSO e compressas geladas

• Mitoxantrona Alterações hematológicas: mie lossupressão intensa


A lterações TGI: anorexia, náusea, êmese e d iarreia
Outros: alterações dermatológicas (alopecia e urticá ria), cardiotoxicidade (em humanos) e hepatoxicidade
Incompatibilidade com outras medicações: heparina

Enz im as

• L-asparag inase A lterações hematológicas: mielossupressão, coagu lopatia


A lterações TGI: anorexia, náusea e êmese
Outros: hipersensibilidade (pode ocorrer 30 minutos após a administração), hepatotoxicidade, pancreat ite e
hiperglicem ia (estes últimos mais raros)
Aines: anti-inflamatórios não esteroidais; TGI: trato gastrointestinal.
120 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

TOXICOSES MEDICAMENTOSAS E SISTEMAS que devem ser consideradas para o diagnóstico diferen -
ORGÂNICOS ACOMETIDOS cial quando da intoxicação por medicamentos.

No Quadro 12.3 são apresentados os prin cipais MEDICAMENTOS COMUMENTE


grupos farmacológicos associados às intoxicações em EMPREGADOS EM QUADROS DE
medicin a veterin ária e as respectivas m an ifestações INTOXICAÇÃO EM CÃES E GATOS
clínicas d e acordo com o sistema acom etido e trata-
m ento proposto. No Quadro 12.5 são apresentados os medicamentos
No Quadro 12.4 são apresentadas m anifestações comumente empregados em quadros de intoxicação em
clínicas de acordo com o sistem a orgânico acometido, cães e gatos.

QUADRO 12.3. Med ica mentos e manifestações c línicas da intoxicação de acordo com o sistema acomet ido e o trat amento
ind icado

Med icamento Manifestações clínicas da intoxicação de Tratamento


acordo com o sistema acometido

A ines TGI: apatia, anorexia, êmese, hematêmese, Medidas de suporte/descontaminação do


• Diclofenaco melena, hematoquezia, dor abdominal, úlcera TGI, suporte gástrico e rena l
,
• Acido aceti lsalicílico gástrica e duodenal
• lbuprofeno Outros: insuficiência renal aguda
• Cetoprofeno (oligúria e azotem ia}, lesão hepática, *Medicação: N-acetilcisteína, ácido
• Carprofeno meta-hemoglobinemia, hemólise e anemia ascórbico, cimetid ina,
• Etodolaco azu l de metileno (somente em cães; não
• Paracetamol* usar em gatos)
Expectorantes reflexos TGI: ná usea e êmese Medidas de suporte/descontaminação do
• Iodeto de potássio Outros: hipotireo idismo (uso p ro longado TGI e suporte gástrico
• lpeca iodeto de potássio)
• Gua ifenesina

Descongestio nantes nasais im idazólicos TGI: ná usea e êmese Medidas de suporte/descontaminação do


• Tetraidrazolina Sistema cardiovascular: hipotensão e TGI e suporte gástrico
• Nafazolina b radicardia Atropina e ioimbina
• Oximetazolina SNC: sedação e fraqueza

Descongestionantes nasais sist émicos SNC: ag itação, vocalização, convu lsão e Medidas de suporte/descontaminação do
• Efedrina midríase TGI e suporte gástrico
• Pseudoefedrina TGI: hiporexia , náusea e êmese
Outros: fasciculações, hipertermia, retenção
uriná ria e hiperglicemia

Anti-histamínicos SNC: ataxia, convulsão, desorientação e Medidas de suporte/descontaminação do


• Difenidramina midríase TGI e tratamento sintomático
• Hidroxizina Sistema cardiovascu lar: taqu icardia, arritmias, (antiarrítm icos e anticonvulsivantes)
• Prometazina hipertensão ou hipotensão
• Loratadina

Broncod ilatadores agonistas SNC: hiperatividade Medidas de suporte/descontaminação do


ad renérgicos Sistema card iovascu lar: taqu icardia, TGI, suporte gástrico e tratamento
• Sa lbutamol taqu ipneia e arrit mia sintam ático (ant iarrítm icos)
• Clembuterol TGI: êmese
• Terbutalina

Broncod ilatadores SNC: excitação e convu lsão Medidas de suporte/descontaminação do


• Metilxantinas Sistema card iovascu lar: taqu icardia e arritm ia TGI, suporte gástrico e tratamento
• Teofilina TGI: êmese e d iarreia sintomático (ant iarrítmicos e
Outros: tremores musculares e acidose a nticonvulsivantes)
metabólica

Broncodilatadores anticolinérg icos SNC: leta rgia e mid ríase Medidas de suporte e tratamento
• Atropina Sistema card iovascu lar: taqu icardia sintomático
• Glicopirrolato
• lp rat rópio
(continua)
Capítulo 12 • Toxicologia dos medicamentos 121

QUADRO 12.3. Med icament os e manifest ações c línicas da intoxicação de acordo com o sistema acomet ido e o tratamento
ind icad o (continuação)
Medicamento Manifestações clínicas da intoxicação de Tratamento
acordo com o sistema acometido
Digitá licos TGI: anorexia, êmese e diarreia Medidas de suporte/descontaminação do
• Digoxina SNC: letarg ia e convu lsão TGI, suporte gástrico e
• Digitoxina Sistema cardiovascular: arritmia tratamento sintomático (a ntiarrítmicos e
a nticonvulsivantes)

Dobutamina e dopam ina TGI: ná usea e êmese Medidas de suporte, suporte gástrico a
Sistema cardiovascular: tratamento sintomático (antiarrítmicos)
taqu icardia, hipertensão e arritm ias

Vasodilatadores TGI: ná usea , êmese e diarreia Medidas de suporte/descontaminação do


• Nitrog licerina Sistema cardiovascular: hipotensão e TGI, suporte gástrico e
• Hidralazina taqu icardia rena l
• Prazosina
• Inib idores ECA

Antiarrítmicos SNC: convulsões Medidas de suporte/tratamento


Classe 1: bloqueadores dos canais de Outros: meta-hemoglobinemia sintomático (anticonvulsivantes)
sódio * toxic idade ma ior em gatos
• IA: proca inamida, quinid ina,
d isopiram ida
• 1B: lidocaína, fen itoína, toca inamida,
mexiletina, aprindina
• IC: flecainida, lorcainida, encainam ida

Antiarrítmicos SNC: depressão Medidas de suporte/descontaminação do


Classe li: betabloqueadores Sistema cardiovascu lar: brad icardia, arritm ias TGI, suporte gástrico e tratamento
• Propanolol e hipotensão sintomático (atropina - b radicard ia)
• Oxip renol TGI: êmese e d iarreia
• Metoprolol Outros: hipoglicem ia
• Timolol
• Pindolol

Antiarrítmicos Sistema card iovascu lar: bradicardia e Medidas de suporte/descontaminação do


Classe Ili: hipotensão TGI, suporte gástrico e tratamento
• Amioda rona Outros: hipot ireoidismo pela am iodarona sintomático
• Bretílio
• Sota lol
• Acecainida

Antiarrítmicos Classe Ili: b loqueadores Sistema card iovascu lar: hipotensão, Medidas de suporte/descontaminação do
dos canais de cálcio: b radicard ia ou taqu icardia reflexa e edema TGI e tratamento sintomático (controle
• Verapamil pu lmonar eletrocardiográfico, monitorização da
• An lodip ina Outros: hiperglicemia e acidose metabólica pressão arterial e glicemia)
• Felodipina
• lsradip ina
• Diltiazem
• Nimod ipina
• Nifedip ina

Antidepressivos tricíclicos SNC: ataxia, letargia e convulsão Medidas de suporte/descontaminação do


• Amitriptilina Sistema card iovascu lar: hipotensão, TGI, suporte gástrico e
• Clomipramina taquicardia, arritm ia e d ispne ia tratamento sintomático (ant iarrítmicos e
• Nortriptilina TGI: êmese a nticonvu lsivantes)
• Maprotilina
• lmipram ina

Benzodiazepínicos SNC: ataxia, letargia e depressão respiratória Medidas de suporte/descontaminação do


• A lprazolam Sistema card iovascular: b radicard ia e TGI e flumazen il
• Clonazepam hipotensão
• Diazepam
• Lorazepam
• Midazolam
• Estazolam
(continua)
122 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

QUADRO 12.3. Med icament os e manifest ações c línicas da intoxicação de acordo com o sistema acomet ido e o tratamento
ind icado (continuação)
Medicamento Manifestações clínicas da intoxicação de Tratamento
acordo com o sistema acometido
Barbitúricos SNC: ataxia, leta rgia, nistagmo, depressão Med idas de suporte/descontaminação do
• Tiopenta l respiratória e hipoterm ia TGI, tratamento sintomático e uso de
• Pentobarbita l Sistema cardiovascular: b icarbonato de sódio
• Fenoba rbital hipotensão

Brometo de potássio SNC: ataxia, sedação e hiporreflexia Medidas de suporte/descontaminação do


TGI: ná usea e êmese TGI, tratamento sintomático

Agentes serotoninérgicos SNC e siste ma ca rdiovascular: ataxia, Medidas de suporte/descontaminação do


Inibido res da rece ptação de serotonina vocalização, convu lsão, tremores, hipertermia, TGI, t ratamento sintomát ico
• Sertra lina sialorreia, taquicard ia e hiperreflexia (anticonvulsivantes) e ciproeptadina
• Pa roxetina (síndrome serotoninérgica)
• Fluoxetina
• Fluvoxam ina

Inibidores da monoaminoxidase Idem Idem


• Selegilina

Anfetam ina e derivados SNC: hiperatividade e convu lsão Medidas de suporte/descontaminação do


• Femproporex Alterações neuromuscu lares: fa sciculação e TGI, t ratamento sintomático e suporte
• Dexfenfluraina rigidez muscular para alterações neurológicas
• Anfepramona Sistema cardiovascu lar: taqu ipenia,
• Metilfenidato taqu icardia, hipertensão e arritm ia
TGI: êmese e d iarreia
Outros: hipoglicem ia e acidose metabólica

Antimicrobianos: sulfas Aguda: sialorreia, diarreia, excitação, ataxia, Medidas de suporte, b ica rbonato de sódio
fraqueza muscular e nefrotoxicidade aguda e controle da coagulopatia (vitam ina K1)
Crônica: crista lúria, coagulopatia e anem ia
a plástica
Reações idiossincráticas ou de
hipersensibilidade: ceratoconjutivite seca,
urticá ria, hepatopatia, anemia hemolítica e
hipotireoid ismo
*insuficiência renal em gatos

Antimicrobianos: quinolonas SNC: convulsões Medidas de suporte e tratamento


• Enrofloxacino TGI: ná usea , êmese e diarreia sintomático
• Cip rofloxacino Outros: danos hepáticos, artropatias em
• Orbifloxacino anima is jovens e degeneração de retina em
• Ma rbofloxacino gatos
Antimicrobianos: penicilinas Outros: reações de hipersensib ilidade e Medidas de suporte e tratamento
anem ia hemolítica imunomediada (mucosas sintomático
hipocoradas, icte rícia, colúria e
esplenomega lia)

Antimicrobianos: am inoglicosídeos Outros: nefrotoxicidade (azote mia, êmese, Medidas de suporte e tratamento
anorexia}, ototoxicidade (perda definitiva da sintomático
audição) e bloqueio neuromuscular
*gatos mais sensíveis a ototoxicidade e
neutotoxicidade (ataxia e alterações posturais)
(continua)
Capítulo 12 • Toxicologia dos medicamentos 123

QUADRO 12.3. Med icament os e manifest ações c lín icas da intoxicação de acordo com o sistema acomet ido e o tratamento
ind icad o (continuação)
Med icamento Manifestações clínicas da intoxicação de Tratamento
acordo com o sistema acometido
Antimicrobianos: tetraciclinas Outros: insuficiência renal aguda (azotem ia, Medidas de suporte e tratamento
êmese e anorexia), dano hepático, hipoplasia sintomático
de esma lte dentário (uso durante a gestação
e/ou filh otes)
• Antimicrobianos: macrolídeos e TGI: gastroenterite de intensidade variável Medidas de suporte e tratamento
lincosaminas *mais sensíveis: equinos, coelhos, hamsters, sintomático
cobaias e ruminantes

Antimicrobianos: SNC: ataxia e depressão Medidas de suporte e tratamento


• Griseofu lvina TGI: anorexia, êmese e diarreia sintomático
Outros: alterações hematológicas (anemia,
leucopenia e trombocitopen ia)
*gatos fi lhot es mais sensíveis
*não deve ser administrado em gestantes

Antimicrobianos: Outros: dano hepático e mielossupressão Medidas de suporte e tratamento


• Cloranfen icol *gatos mais sensíveis sintomático
* não deve ser adm inistrado em gestantes

Antimicrobianos: TGI: anorexia e diarreia Medidas de suporte e tratamento


• lonóforos SNC: depressão e fraqueza sintomático
Outros: distúrbios locomotores e insuficiência
cardíaca
*equinos e perus mais sensíveis

Avermectinas e milbem icinas: SNC: ataxia, vocalização, agressividade, Medidas de suporte/descontaminação do


• lvermectina convu lsões, cegueira TGI, t ratamento sintomático e suporte
• Abamectina Sistema cardiovascu lar: b radicardias, edema para alterações neurológicas; emu lsão
• Doramectina pu lmona r, d ispneia, taquicard ia lipídica int ravenosa (ELI)
• Eprinomectina *raças de cães mais sensíveis à
• Selamectina neurotoxicidade: O/d Eng/ish Sheepdog,
• Milbem icina Pastor Australiano, Border Co/lie, Pastor de
• Moxidectina Shetland e Co//ie
Amitraz SNC: ataxia e depressão Medidas de suporte/descontaminação do
TGI: êmese, diarreia, dor abdomina l e TGI, t ratamento sintomát ico
hipomotilidade intestinal *exposição tópica: lavar com água morna
Sistema card iovascu lar: b radicardia e e sabão
hipotensão
Outros: prurido e eritema
*Contraindicado em diabéticos
(hiperglicemiante) e em equinos (redução da
motilidade intestina l)

Enemas à base de fosfato de sódio TGI: êmese e hematoquezia Medidas de suporte e tratamento
SNC: ataxia e convu lsão sintomático
Sistema card iovascu lar: taquicardia e arritm ia
*contraindicado em gatos e cães pequenos
ECA: enzima conversora de angiotensina; SNC: sistema nervoso central; TGI: trato gastrointestinal.
124 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

QUADRO 12.4. Manifestações clínicas de acordo com o sistema orgân ico acometido, que devem ser consideradas para o d iag-
nóstico diferencial quando da intoxicação por med icamentos
Manifestações clínicas de Diagnóstico diferencial
acordo com os sistemas
afetados

A lte rações relacionadas ao • Trauma cranioencefá lico


sistema nervoso central • Meningite
(excitação e convu lsões) • Hidrocefalia
• Neoplasia intracran iana
• Shunt portossistêm ico
• Doenças infecciosas (raiva, cinomose, PIF, Fel V, vírus da panleucopenia felina)
• A lterações metabólicas (hipocalcem ia, hipe rcalcemia, hipoglicemia e urem ia)
• Policitemia vera
• Endotoxemia, choque séptico
• Deficiência de tiamina em gatos
• Outras intoxicações: estricnina, metaldeído, micotoxinas termogên icas, o rganofosforado/
carbamato, piret rinas/piret róides, organoclorado, choco late, fosfato de zinco, brometa lina,
chumbo, metron idazol, nicotina, planta Brunfe/sia sp., maconha, etilenog licol, metanol/etanol e
propilenoglicol
A lt erações musculares, • Botu lismo
fraqueza, paresia e paralisia • Tromboembolismo aórtico
• Anem ia intensa
• Hipocalem ia intensa
• Tétano
• Hipovolemia intensa
• Doenças medulares degenerat ivas
• Outras intoxicações: picada de aranha viúva negra, herbicidas fenóxidos, metronidazol,
brometalina, envenenamento por cobra coral e óleo de melaleuca
• Anticoccidiostáticos ionóforos (equinos)

Cegueira aguda • Descolamento de retina


• Glaucoma
• Trauma
• Catarata aguda
• A lterações no nervo óptico
• Outras intoxicações: chumbo e intoxicação po r sal

Insuficiência rena l aguda • Infiltração renal neop lásica (linfoma)


• Tromboembolismo rena l
• Doenças infecciosas (pielonefrite, leptospirose, PIF}
• Estágio final da doença renal crôn ica
• Fa lência renal isquêmica (hipotensão, trauma, choq ue séptico, anafilaxia, insuficiência cardíaca
congestiva)
• Am iloidose
• Hipercalcem ia
• Reações transfusionais
• Mioglobinúria, hemog lobinúria
• Outras intoxicações: eti lenoglicol, planta Lilium sp. (lírio}, raticida colecalciferol e outros aná logos
da vitamina D3 (ca lcitriol, ca lcipotriene}, uva, toxicose por zinco, melam ina e ácido cia núrico

Dano hepático agudo • Lipidose hepática (felinos)


• Neoplasia hepática
• Hepat ite infecciosa (leptospirose, hepatite infecciosa can ina, herpesvírus canino, colang iohepatite,
abscesso hepático, histoplasmose, coccidioidomicose, babesiose, toxoplasmose, PIF)
• Pancreatite aguda
• Septicem ia, endotoxemia
• lnt ermação
• Congestão passiva crônica (secundário a cardiopatias)
• Outras intoxicações: cogumelo tipo amanita, alga azu l esverdeada Microcystis sp., ferro, cobre,
planta Cycas sp., aflatoxicose e xilito l
(continua)
Capítulo 12 • Toxicologia dos medicamentos 125

QUADRO 12.4. Manif estações clínicas de acordo com o sist ema orgân ico acomet ido, q u e devem ser consideradas para o d iag-
n óstico d iferencial q u ando da int oxicação por med icamentos (continuação)

Manifestações clínicas de Diagnóstico diferencial


acordo com os sistemas
afetados
/ N

Ulceras e lesoes orais agudas • Estomatite urêmica


• Doença periodontal
• Trauma (corpo estranho, osso)
• Mastigação de cabo elétrico (queimadura)
• Lúpus eritematoso sistêmico
• Doenças infecciosas (infecção em felinos por calicivírus, Fel V, herpesvírus felino, noca rd iose,
estomatite ulcerativa necrotizante, fusobacterium)
• Outras intoxicações: ingestão de substâncias ácidas e alcalinas; detergentes catiôn icos, bateria
alca lina, alvejantes e componentes fenólicos

Anemia • Trauma
Meta-hemoglobinemia aguda, • Anem ia hemolítica imunomed iada
anem ia oxidativa, hemólise ou • Trombocitopenia
perda de sangue • Doença renal crônica
• Doenças infecciosas (erliqu iose, Fel V, babesiose, micoplasmose felina)
• Doença hepática grave
• Coagulação intravascular disseminada
• Distúrbios de coagulação
• Outras intoxicações: fenazopiridina , naftalina, cebola, alho, zinco, ferro, rodenticidas
anticoagu lantes, cobre, d l-metion ina e envenenamento por cascavel

A lt erações card iovascu lares • Trauma


• Dilatação vólvulo gástrico
• Anemia grave
• Hipocalem ia grave
• Acidose
• Hipóxia
• Doença cardíaca primária (ca rd iom iopatia, doença valvar crônica, alte rações cardíacas congênitas,
dirofi lariose, cardiomegalia e insuficiência cardíaca congestiva)
• Outras intoxicações: planta Digita/is sp./Convallaria majalis/Nerium o leander/Rhododendrom sp.
(azálea) e bufotoxinas

Edema pulmonar • Cardiogên ico


• Não cardiogên ico (convulsão, t rauma craniano, choque e létrico)
• Doença hepática
• Doença renal
• Afogamento
• Choque (imunomediado, anafilático, trauma, reação t ransfusional)
• Neoplasia
• Outras intoxicações: herbicida paraquat, dest ilados de pet róleo, fosfato de zinco, inalação de
f umaça e organofosfo rado/ carbamato

Sinais gast rointestina is (vômito, • Doenças infecciosas (cinomose, panleucopenia felina, parvovirose, coronavirus can ino, hepatite
diarreia, dor abdomina l, infecciosa can ina, leptospirose, sa lmonelose)
sia lorreia) • Parasitose
• Troca recent e de dieta/imprudência alimentar
• Ingestão de corpo estranho
• Dilatação-vólvulo gástrica
• Doença hepática/doença rena l
• A lterações metabólicas (cetoacidose d iabética, hipoadrenocorticismo)
• Doença inflamatória intestinal
• Outras intoxicações: herbicidas arsenicais, ferro, planta Ricinus communis, toxicose por chocolate,
ingestão de fertilizante, oxalato de cálcio insolúvel em plantas (Oieffenbachia sp./Philodendron sp.),
endotoxinas/enterotoxinas, óxido de zinco e fosfato de zinco.
PIF: peritonite infecciosa felina; FelV: vírus da leucemia felina.
126 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

QUADRO 12.5. Medicamentos comumente empregados em quadros de intoxicação em cães e gatos


Medicamento Dose Observações

Cães Gatos
Ad renalina Anafi laxia 2,5 a 5 µg/kg IV ou 50 Idem A dose de adrenalina a ser administrada
(epinefrina) µg/kg endotraquea lm ente endotraquea lmente pode ser diluída em solução
Parada cardíaca 10-20 µg/kg IV, fisiológica antes do uso
ou 100-200 µg/kg
endotraquealmente

Atenolol 6,25 a 12,5 mg/kg a cada 12-24h 6,25-12,5 mg/gato a cada Usar com cuidado em animais portadores de
VO ou 0,25-1 mg/kg a cada 12-24h 12-24h VO distúrbios respiratórios e de condução cardíaca
vo
Atipamezole 0 ,32 mg/kg (an imais de pequeno Idem Pode provocar excitação logo após a reversão.
porte 4 kg) Pode provocar redução t ransitória da pressão
0 ,23 mg/kg (an imais de porte arterial após a adm inist ração. Não administre em
médio 11 kg); 0,14 mg/kg (animais an imais destinados ao consumo humano
de grande porte 4 5 kg)

Atropina 0,02 mg/kg a 0,04 mg/kg a cada Idem Uso contraindicado em pacientes com glaucoma,
6 -Bh IV, IM, se gastroparesia e taquicardia. Não ad icionar em
soluções alca linas. A atropina antagon iza os
efeitos de qua lquer medicamento colinérgico

Carvão ativado 1-4 g/kg VO Idem Não absorvido sistemicamente

Cim etidina 10 mg/kg a cada 6-Bh IV, IM, VO Idem Efeitos adversos podem ser observados quando
Insuficiência renal 2,5-5 mg/kg a há redução na taxa de filtração glomerular. Inibe
cada 12 VO, IV enzimas hepáticas (pode haver aumento da
concentração de outras substâncias
adm inistradas concom itantemente). Aumenta o
pH estomaca l (pode prejudicar a absorção ora l
de outros medicamentos)

Ciproeptadina 0,5-1,1 mg/kg a cada 8 -12h VO 2 mg/gato a cada 12-24h Pode causar polifagia e ganho de peso. Em
vo alguns gatos provoca hiperatividade
Clorpromazina 0,5 mg/kg a cada 6 -Bh IM, se 0 ,2-0,4 mg/kg a cada 6-Bh Uso com cautela em animais com distúrbios
IM, se convulsivos e suscetíve is à hipertensão. Evite o
uso em equinos

Diazepam 0,5 mg/kg IV ou 1 mg/kg por via Idem Não usar em anima is intoxicados com
retal ive rmectina. Uso com cautela nas terap ias
crônicas em gatos
Pode ocorrer excitação paradoxal em cães e
hepatite necrótica fatal em gatos

Dobutamina 5-20 µg/kg/min infusão IV 2 µg/kg/min infusão IV Não adicionar em soluções alca linas
Não administrar em an imais recebendo terapia
com inibidores da MAO. Não infundir em equipas
contendo heparina, cefalosporinas ou penicilinas

Dopam ina 0,5-2 µg/kg/min (vasodilatação, Idem Não ad icionar em soluções alcalinas
receptor D1) 2-10 µg/kg/m in
(estimulação cardíaca, recepto res
131) > 10 µkg/m in (vasoconst rição)
Famotidina 0 ,1-0,2 mg/kg a cada 12h VO, IV, 0,2-0,2 5 mg/kg a cada 12h Efeitos adversos podem ser observados quando
IM, se IM, se, VO, IV (lentamente) há redução na taxa de filtração glomerular

Fenoba rb ital 2-8 mg/kg a cada 12h VO 2-4 mg/kg a cada 12h VO Pode ocorrer o desenvolvimento de hepatopatia
Status epileticus 10-20 mg/kg IV Status epileticus 10 - 20 em terapias crôn icas ou após a administ ração em
lento mg/kg IV lento altas doses. Pode alterar a concentração de
outros medicamentos administrados
concom itantemente

Fisostigmina 0 ,02 mg/kg a cada 12h IV Idem Não usar em anima is com obstrução uriná ria ou
intestinal, asma, arrit mias cardíacas, pneumon ia e
broncoconst rição
(continua)
Capítulo 12 • Toxicologia dos medicamentos 127

QUADRO 12.5. M edicamentos comu m ente e m pregados em q u ad ros de intoxicação em cães e gat os (continuação)
Medicamento Dose Observações

Cães Gat os
Flum azenil 0 ,2 mg/anima l IV lento (repeti r a Idem Contraindicado em pacient es com histórico de
administ ração se necessário - convulsões, arrit mias, na terapia com
retorno da depressão respiratória) antidepressivos tricíclicos e outros
medicamentos que reduzem o lim iar convulsivo

Fu rosemida 2-6 mg/kg a cada 8-12h VO, IV, IM, 1-4 mg/kg a cada 8-24h O uso de am inog licosídeos aumenta o risco de
se VO, IV, IM, se nefrotoxicidade e ototoxicidade e, com a
anfotericina B, de hepatotoxicidade

Gluconato de 75-500 mg IV lento Idem Pode ca usar lesão tecidua l caso haja
cá lcio 10% extravasamento durante a aplicação

loimbina 0,11 mg/kg IV lentamente Idem Podem ocorrer convu lsões e tremores após a
0,25-0,5 mg/kg SC ou IM adm inistração de altas doses. Durante o
tratamento, monitorar rit mo e frequência cardíaca

Lidocaína Antiarrítm ico: 2-4 mg/kg IV em A ntiarrítm ico: 0,1-0,4 mg/kg Usar a lidocaína com mu ito cuidado em gatos
bo/us (lentamente); 25-75 µg/kg/ IV em bolus (lentamente) e por causa do maior risco da ocorrência de
min infusão IV; 6 mg/kg a cada aumentar para 0,25-0,75 neurotoxicidade (tremores, espasmos e
1,5h IM mg/kg se não houver convulsões). Se possível, utilizar o propano! ou
resposta; 10-20 µg/kg/min atenolo l ou procainam ida nessa espécie
infusão IV
Manitol Diurético: 1 g/kg da solução 5 - Idem Uso caute loso na suspeita de hemorragia
25% IV intracraniana. Não administrar em an imais
Glaucoma/edema do SNC: 0 ,25-2 desidratados
g/kg da solução 15-25% IV durante Monitora r eletrólitos
pelo menos 30-60 minutos

Metoclopram ida 0,2-0,5 mg/kg a cada 6-8h IV , IM, Idem Uso caute loso em pacientes epilét icos ou com
vo doenças gastrointestinais obstrutivas

Metoprolol 5-50 mg/cão (0,5-1 mg/kg) a cada 2-15 mg/gato a cada 8h Uso caut eloso em animais propensos a
8h VO vo broncoconst rição e naqueles que recebem
tratamento com digoxina

Misoprostol 2,5 µg/kg a cada 12h VO Indeterminada Não ut ilizar durante a gestação

Omeprazol 0,5-1 mg/kg a cada 24h VO, IV 1 mg/kg a cada 24h VO, IV
Proca inamida 10-30 mg/kg a cada 6h VO (dose 3-8 mg/kg a cada 6-8h IM Pode ter efeitos pró-arrítm icos. Usar com cautela
máxima 40 mg/kg); 8-20 mg/kg IV ou VO; infusão contínua : em anima is que estejam recebendo d igoxina,
ou IM; infusão contínua: dose de dose de ataque 1-2 mg/kg pois pode potencializar as arrit mias
ataque 10 mg/kg segu ida po r 20 IV lento segu ida po r 10-20
µg/kg/m in IV (pode ser aumentada µg/kg/min IV
para 25-50 µg/kg/min para
arritmias refratárias)

Prometazina 0,2-0,4 mg/kg a cada 6-8h IV, IM, Idem


VO (dose máxima 1 mg/kg)

Propranolo l 20-60 µg/kg durante 5-10 minutos 0,4-1,2 mg/kg (2,5-5 mg/ Não adm inistrar em animais com baixa reserva
IV (titular a dose at é surgir efeito) gato) a cada 8h VO cardíaca, brad icardia ou comprometim ento da
0,2-1 mg/kg a cada 8h VO (titular a f unção sistólica. Usar com caute la em an imais
dose até surgir efeito) com problemas respiratórios. Gatos com
hipertireoidismo podem ter menor depuração do
med icamento e ma io r risco de toxicidade

Ran it idina 2 mg/kg a cada 8h VO 3,5 mg/kg a cada 12h VO Efeitos colatera is são vistos em pacientes com
dim inuição da taxa de fi ltração glomerular

Sucra lfato 0,5-1 g a cada 8-12h VO 0,2 5 g a cada 8-12h VO Pode dim inu ir a absorção de outros
med icamentos administ rados por via oral.
Adm inist ra r os out ros medicamentos no mín imo
30 minutos antes do sucra lfato

Vitam ina K1 1 mg/kg a cada 24 h VO, IM, se Idem No caso de intoxicação por raticidas, ajustar a
(fitomenadiona) dose e o tempo de tratamento de acordo com o
tipo de agente envolvido
Evite adm inist rar por v ia intravenosa (risco de
reação anafilá tica)
128 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

15. MCGILL, M.R.; JAESCHKE, H. Metabolism and disposition of


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Capítulo 13

Toxicologia dos domissanitários

Silvana Lima Górniak

~ diagnóstico d a intoxicação e, consequentemente, d ando-


INTRODUÇAO
-se início imediato ao tratamento adequado.
Os produtos d om issan itários são aqueles de uso Neste capítulo são abordados os produtos que mais
dom éstico ou peridomiciliar que são aplicados em ob- frequentem ente têm sid o associados às intoxicações n a
jetos ou superfícies com a finalidade d e m anter as con- clínica d e pequenos anim ais, em bora sejam vários os
dições sanitárias adequadas. Deve ser salien tado que as agen tes domissanitários passíveis de causar intoxicação
intoxicações causadas por esses produtos dependem d a nos anim ais de com panh ia.
disponibilid ade de uso d oméstico, bem como do nível
socioecon ômico e de costumes regionais. Um a d as cau- ~
SABOES, DETERGENTES E
sas comuns de intoxicação por esses produtos é o fato INCORPORADORES
de estarem em local de fácil acesso aos anim ais ou, ain -
da, o hábito de reaproveitar embalagens usando-as, por Os sabões e d etergentes estão en tre os ingredien tes
exemplo, como comed ouro ou bebedouro d e animais. mais frequentemente encontrados nos produtos d om is-
Muitos pro dutos dom issanitários são form ulados sanitários que causam intoxicações em anim ais. Essas
com o misturas d e várias substâncias químicas. Assim, substâncias podem ser en contrad as em sabões e deter-
quando o médico veterinário se depara com o problema, gentes de uso doméstico, xampus, limpadores em spray,
este d eve determinar qual(is) o(s) ingrediente(s) conti- produtos para lavar pratos e de lavanderia em geral.
do n o produto que seria(m ) o(s) principal(is) respon - O sabão, tecn icam en te, é um sal de ácido gr axo,
sável(is) pelo quadro de intoxicação. produzido pela ação de um álcali sobre ácidos graxos e
Para isso recom enda-se que o méd ico veterinário gorduras naturais ou sobre ácidos graxos deles obtidos;
solicite ao proprietário do animal a embalagem do pro- é um agente surfactante, isto é, reduz a tensão superficial
duto, tend o à sua disposição o nom e com ercial, rótulo da água. A Figura 13.1 mostra a fórmula geral dos sabões.
contendo todos os ingredientes d e sua formulação e as Q u anto aos detergentes, o principal ingrediente
respectivas concen trações. Além disso, d eve-se estim ar orgânico é um surfactante, o qual usualmen te é obtido
a quantid ade do produto que entrou em con tato com o do petróleo, m as pode também ser adquirido de outros
anim al, além d e obter inform ações sobre a via de expo- materiais orgân icos com o, por exemplo, açúcares. O
sição (oral, dérmica ou inalató ria), a progressão d os surfactante é adicion ado aos agentes alcalinos (fosfatos,
sinais clínicos e a resposta a algum a tentativa d e trata- silicatos e carbonatos). Conform e a natureza do surfac-
m ento que, eventualmen te, o proprietário tenha feito. tante, os detergentes podem ser divididos em três grupos:
Geralmente, o prim eiro contato com o proprietário não iônicos, aniônicos e catiôn icos. Os n ão iônicos n ão
do anim al intoxicado por produtos d omissanitários se
faz por meio do telefone (veja no Capítulo 10 as instruções
__ cH 2......___ - - CH 2......___ .--cH 2 CH - e~º
desse procedimento). Caso seja recomendado ao proprie- H3 C CH 2 CH 2 --........_CH - 2 1
2
tário trazer o animal até a presença do m édico veteriná- o- Na+
rio, este deve ser instruíd o a trazer consigo a embalagem
ou a amostra d o produto suspeito, facilitand o, assim, o FIGURA 13.1. Fórmula estrutural dos sabões.
130 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

têm im portân cia toxicológica e, portanto, não são co- coloração cinza, às vezes visível a olh o nu ) qu e n ão p os-
m entados n este capítulo. su i efeito su rfactante. Portanto, para qu e n ão h aja are-
Os detergen tes aniônicos são com p ostos químicos, dução da eficácia dos sabões e detergentes, são usados
caracterizad os por um m eio lipofílico, geralm ente uma compostos inorgânicos, os quais acrescentados ao pro-
estrutura alquil ou alquil-aril, em um m eio hidrofílico duto comercial facilitam a ativid ade dos agen tes surfac-
polar, qu e possui carga negativa. Os princip ais represen - tantes. Essas sub stân cias são ch amadas d e incorpora-
tantes são o alquil sulfato de sódio, alqu il sódio sulfonato, dores (ou builders), que agem quelan do ou removen do
lau ril sulfato de sód io e o sulfosu ccin ato de sódio dioctil. esses íons responsáveis pela dureza da água. O principal
Os grup os m ais import an tes, n o que se refere aos agente desse grup o é o t ripolifosfato.
detergentes dom issanitários catiôn icos, são aqueles com - A segu ir, são apresen tados os p rincip ais riscos to-
postos d erivados do alquil ou aril d o cloreto d e am ôn ia. xicológicos, os sin ais clínicos, b em com o o tratamen to
São exemplos o cloreto de b enzetôn eo e o cloreto de b en- d a intoxicação por esses agentes.
zalcôn eo. D eve ser salientado qu e muitas vezes as emba-
lagen s d os p rodutos comerciais ap on tam apen as a p re- Sabonetes
sen ça de "d erivado am ôn io quatern ário': Os detergen tes
catiôn icos são geralmente en contrados em germicid as e Os sabonetes são um t ip o especial d e sab ão d est i-
desinfetan tes. A Figura 13.2 m ostra exemplos de estru - nado à lim p eza corporal; p ossuem sub st âncias correto-
tu ras químicas d e d etergentes an iôn ico e catiônico. ras do p H e usualmen te são acrescid as fragrân cias. São
C om o surfact antes, os sabões e os d etergen tes d i- considerados de b aixa toxicidade, pois têm seu p H pró-
m inuem a tensão sup erficial da água, permitin do um e- ximo do n eutro; n o entanto, há grande possibilid ade d e
decer mais eficientem ente as sup erfícies e emulsificar ingestão pelos an im ais, já que as essências contidas nes-
os óleos e as gorduras. Assim , tan to os sab ões quanto os se produto estimulam o consumo.
detergen tes têm como característica uma estrutura qu í-
m ica n a qu al u m a cadeia lon ga (grup os C H 2 ) lembra Sinais clínicos: em consequên cia da ingestão de sabo-
m oléculas de óleos e gordu ras e, p ort anto, ten de a se netes, verificam-se vômitos e diarreia bran da.
dissolver n elas; por outro lado, a parte iôn ica (por exem -
plo, a d o sabão é a porção C02 Na+ da m olécula) ten de Tratamento: consiste n o uso de demulcentes (protetores
a dissolver-se n a água. de m u cosa) e diluentes, como águ a ou leite. É aconselha-
Em algumas condições, os sabões e detergentes po- d a a h idratação do animal, por via oral, n a ocorrên cia de
dem não ter eficácia: isso acontece quan do a água é rica d iarreia e vômitos, p ara evitar distúrbios eletrolíticos.
em íons Ca2 + e Mg2 + (denom in a-se de "água dura''). Nes-
sa situação, a porção negativa d a m olécula do sabão ou Sabão em ped ra
d o d etergen te aniôn ico se u n e a esses íon s positivos,
p roduzind o u m a substân cia insolúvel (precipit ado d e Os efeitos tóxico s dependem m u ito d a su a com-
p osição; caso o sabão seja m u ito alcalino, p ode causar
corrosão tecidu al. Se houver ingestão, p ode-se observar
H3C - - (CH )11
2 o d istú rbios digestivos bem m ais acen tuados que aque-
les p rod uzidos pelos sabon etes, p rin cipalm en te se fo-
Lauri l-sulfato de sód io
rem causados por sab ões caseiros, já que estes são b em
m ais cáu st ico s q u e aqu eles com e rciais ( o p H pode
ch egar a 13).
CH3

Sinais clínicos: são principalmen te vôm itos e diarreia


em consequ ência da ingestão.

Tratamento: é im p ortante qu e n ão se coíba d elibera-


d am ente a diarreia, pois est a pode favorecer a elimina-
Brometo de dimetil-eti l-hexadeci l-amônio
ção d o agen te tóxico. No entanto, o vôm it o d eve ser
FIGURA 13.2. Fórmula estrutural de um detergente aniô- inibido, principalmente se for devido a sab ões confeccio -
nico (la uril-sulfato de sód io) e de um detergente catiônico nad os em casa, um a vez qu e a êmese expõe n ovamen te
(brometo de dimetil-etil-hexadeci l-amônio). a mucosa d o trato digestivo sup erior ao agen te tóxico.
Capítu lo 13 • Toxicologia dos dom issan itários 131

Nessa situação, recomenda-se a lavagem gástrica, to- dade sistêm ica pod e também ocorrer pela absorção
m ando-se os devidos cuid ados para que a cân ula não d esses d etergentes através d a pele lesad a.
perfure a parede dos tecidos fragilizados pela ação
corrosiva do agente tóxico. É importante ainda lembrar Sinais clínicos: os sinais de toxicidade sistêmica incluem
que n ão d evem ser u tilizados m edicam entos à base d e salivação profusa, vômito com frequente aparecimento
carbonatos, com o p rotetores de m ucosa, para aliviar a de hematem ese, fraqueza muscular ou fasciculação,
irritação gást r ica, u m a vez qu e estes podem fo rmar depressão e convulsões. Pode ocorrer choque se os sinais
dióxido de carbono ( C0 2 ), que distende o reservatório clínicos p rogredirem. Esses sinais são bastan te seme-
gástr ico, pod en do levar, assim, à perfuração da muco- lhantes àqueles apresentados quando da intoxicação por
, .
sa gastr1ca. praguicidas organofosforados e carbamatos, sendo, por-
Deve-se proceder à hidratação parenteral, prefe- tanto, importante realizar o diagnóstico d iferen cial.
rencialmente por via intravenosa (IV), p rincipalmen- Os principais sinais da toxicidade tópica p rodu zida
te se houver gran de perda de líquid os por vômitos e por detergentes catiônicos são de perda de pelo, ulcera-
diarreia. Recomenda-se também o uso de antimicro - ção e processos inflam atórios na pele. As alterações
bianos, se houver perfuração e consequente peritonite. oculares podem variar de ligeiro desconforto até úlcera
Aconselha-se, ain da, administrar leite ou água, objeti- d e córnea.
vando-se diluir o agente tóxico no trato gastrointesti-
n al. O uso de sucralfato para auxiliar a restauração da Tratamento: n a toxicose sistêmica produzid a pelo de-
mucosa gástrica lesada tem se mostrado de gr ande tergente catiônico, não se indica êmese ( decorrente da
valor nessa intoxicação. exp osição adicional da m u cosa à ação corrosiva do
agente tóxico) ou lavagem gástrica (risco da cânula
Detergentes an iônicos causar a ru ptura d e órgãos fragilizados pela corrosão
tecidual), principalmente se a concentração do detergen-
A pele parece ser uma boa barreira aos detergentes te for igual ou superior a 7 ,5%, ou se o animal se apre-
aniônicos. No entanto, essas substâncias, quand o inge- sentar deprimido ou em estado convulsivo. Recomen-
ridas, são muito bem absorvidas no trato gastrointestinal. da-se o uso de clara de ovo e carvão ativad o (2 g/kg)
como adsorventes e, 30 m inutos após esse procedim en -
Sinais clínicos: a maioria dos d etergentes aniônicos tem to, a adm inistração de catártico. Se o animal manifestar
r isco toxicológico d e leve a moderado. Os anim ais in- convulsão deve-se administrar anticonvulsivantes como
toxicados com essas substâncias apresentam sintoma- os benzodiazepínicos.
tologia bastan te parecida àquela verificada em animais É importante avaliar a corrosão de mucosas do tra-
intoxicados por sabões em ped ra comerciais. No entan- to gastrointestinal, que é bastante comum nesse quadro
to, aqueles d etergen tes aniôn icos usados em m áquinas de intoxicação, sen do necessário, nesse caso, utilizar
de lavar louças são considerados mais tóxicos pela sua corticosteroides (no estado de choque) e antimicrobia-
grand e alcalin idad e ( o pH pode ch egar a 11,5); esse nos (periton ite).
efeito cáustico propicia o aparecimento de sinais clínicos Na toxicose tópica recomenda-se o banho com água
mais graves, semelhantes àqueles produzidos pelos sabões e sabão neutro. A m ucosa ocular deve ser lavada com
em pedra caseiros. A toxicose tópica ocorre, de man ei- solução salina isotônica por 20 a 30 minutos. Se houver
ra geral, somente quando há exposição frequente a esses o aparecimento de úlceras córneas, estas devem ser tra-
produtos. No entanto, os efeitos são geralmen te de irri- tad as, avaliando-se a evolução por 3 a 5 dias.
tação leve ou mod erad a.
Incorporadores
Tratamento: é o mesm o ind icado quand o d a intoxica-
ção por sabões em pedra. Os incorporadores são empregados para aumentar
a eficiência d os detergentes, como, por exemplo, o t ri-
Detergentes catiônicos polifosfato d e sódio.

Estes detergentes são considerados de alta a extrema Sinais clínicos: as soluções de tripolifosfatos são alca-
toxicidad e. A injúria produzid a por essas substâncias lin as; portanto, podem promover irritação nas mucosas.
pode ser tanto local como sistêm ica. Se ingeridos, são Quando ingeridas, podem acarretar distúrbios gastroin-
rapidamente absorvidos. Deve-se ressaltar que a toxici- testinais, tais com o vômitos e diar reia. Se absorvidas
132 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

em qu antid ad es mod er ad as ou elevadas p r omovem salivação abundante, ataxia e fraqueza nos estágios iniciais.
tetania e h ipocalcemia, já qu e os tripolifosfatos quelam Com a progressão d a intoxicação verificam-se trem ores,
o cálcio. arritm ias card íacas, meta-hemoglobin em ia, convulsão e
coma. Os compostos fenólicos possuem um efeito esti-
Tratamento: n essa intoxicação, o tratamento específico mulante do centro respiratório, semelhante aos salicilatos,
é a administração de glu conato de cálcio a 10%. Para os p or isso produ zem , inicialm ente, alcalose m etab ólica,
distúrbios do trato gastrointestinal, deve-se administrar seguida de acidose metabólica. Esse último efeito está
dem ulcen tes, an tiesp asm ódicos e corticosteroides. relacionado à n atureza acíclica d os fen óis e associado à
alteração n o m etabolism o de carboidratos.
DESINFETANTES E ANTISSÉPTICOS
Tratamento: se a toxicose ocorrer p or exposição tópica,
Fenol e creso l deve-se utilizar um agente para diluir e remover os com-
p ostos fenólicos, sen do in dicado o uso de polietileno-
O fenol, tam b ém cham ado de ácido fênico ou car- glicol ou glicerol. Segu e-se a esse tratamento a lavagem
b ólico, é um álcool arom ático, derivado d o carvão. Um com u m d etergente, acompanhad o d e grande qu anti-
grand e n úmero d e derivad os do fen ol é usado com d e- d ade de águ a.
sinfetantes, antissépticos, cáusticos germicidas e preser- Pela gravidad e e m agnitud e das consequên cias ad -
vativos. Os com postos fenólicos são form ulados com o vin d as d a exposição oral aos com postos fen ólicos, o
se segue: 3 a 8% d e clorofen óis, 2 a 10% de fen ilfen óis, p roprietário do animal d eve já ser orientado por con-
10 a 20% de sabões e detergentes, 1 a 2% d e glicerin a e tato telefônico a utilizar dem ulcentes, como o leite ou
1 a 20% de álcool e glicol. clara de ovo, antes mesmo de o animal ser levado à clí-
Entre as mistu ras fenólicas aind a m uito usadas na n ica veterinária. É n ecessário avalia r a gr avidad e d o
desin fecção domiciliar d estaca-se a creolin a, qu e é a d ano n a orofaringe antes de se tentar realizar a lavagem
m istura d e 15% de cresóis, 46% d e h idrocarbonetos e gástrica. Se h ouver extensa lesão (o que frequen temen -
sabões. te ocorre) d eve-se cont raindicar a lavagem gástrica e a
Os d erivados fenólicos d esn aturam e precipitam as indu ção de vômitos. Nesse caso, deve-se administrar o
p roteínas celulares. D essa forma, em contato com pele carvão ativad o e a solução catártica salina. Para o t rata-
e m ucosas, p rom ovem inicialmente lesões corrosivas e, mento da meta-h em oglobinemia utiliza-se azul d e me-
em seguida, an estesia p or d estru ição das terminações tileno, na dose de 1,5 mg/kg para gatos e 4,0 mg/kg p ara
n ervosas. Os com p ostos fenólicos são rapid amente ab - cães, p or via IV, len tamente, u ma única dose. Pod e-se
sorvidos por ingestão, inalação ou contato d érmico. A também utilizar o ácido ascórbico (20 mg/kg, tanto para
absorção através d e soluções de continuidade da pele e cães como gatos); no entanto, pode não haver a reversão
mucosas, ou até mesmo nos tecidos íntegros, é tão gran - d a m eta-hemoglobinem ia se esta for severa.
de com o p or via digestiva. Sugere-se o uso d e N -acetilcisteína para prevenir o
Os comp ostos fenólicos são b iotransformados n o d ano h epático e ren al; tanto para cães como para gatos
fígado e excr etad os como glicuronídeos e, em menor recomenda-se a administração, por via oral (VO) ou IV,
extensão, com o conjugados sulfatos, n a u rina. Os gatos, d e 140 m g/kg e, a segu ir, 50 mg/kg a cada 4 horas, até
por p ossuírem lim itada atividad e da enzima glicuron il com p letar um total d e 15 doses.
t ransferase, têm m aior sensibilidad e aos efeitos tóxicos
p roduzidos pelos compostos fenólicos. Fo rma ldeído
A toxicose p roduzid a por fen óis e derivados é con -
sid erad a em ergência m édica. A exposição dérm ica aos O formaldeído (oximetilen o, aldeído fórmico, me-
compostos fen ólicos pode resultar na formação de áreas tanal) é um gás, geralmente encontrado com o solução
de necrose d e coagulação, acompanhada de dor intensa. comercial ao redor de 40% em peso, ch amado de formal
A exposição ocular pod e produ zir um dan o consid erá- ou formalina. É usado como solução d esinfetante, an -
vel na córn ea. A ingestão desses compostos usualmente tisséptica, fixador de cab elos ou flu id o p ara emb alsama-
leva à grave corrosão dos tecidos da porção sup erior do mento.
t rato gastrointestinal. O fo rmaldeíd o reage quim icam ente com várias
substâncias celulares, portanto, tem um grand e impac-
Sinais clínicos: as prin cipais alterações observadas quan- to em suas funções, levando, de m aneira geral, à m or-
d o h á ingestão dos comp ostos fen ólicos são vôm itos, te celular.
Ca pítu lo 13 • Toxicologia dos dom issan itários 133

Os vapores do formaldeído são m uito irritantes para u sualm en te torn am-se san guinolentos, distúrbios cir-
os olhos e mucosa respiratória. A in alação p ode acarretar culatórios, com hipotensão e choque. Os seres humanos
em ed ema ou esp asm o de laringe, bron quite obstrutiva relatam dor intensa na boca, esôfago e estômago.
e, ocasionalmente, edema pulmonar. Se ingerido, promo-
ve corrosão da mucosa digestiva, evoluin do rapidam en- Tratamento: quan d o d a ingestão de produtos à base d e
te para a necrose d e coagu lação. A exposição cutân ea h ipoclorito, admin istra-se leite ou águ a, para promover a
produz derm atites e lesões de hip ersensibilidade. d iluição do agente tóxico. Recomen da-se tamb ém o uso
de dem ulcentes, com o o sucralfato e, se disponível, a ad-
Sinais clínicos: as principais manifestações tóxicas quan- min istração de solução de tiossulfato de sódio (também
do há ingestão p or form ald eíd o são vômitos e diarreia, ch amado de hipossulfi.to d e sódio; age inativand o o íon
colapso, coma e m o rte, q u e ocorre por insuficiên cia cloro). D a mesma maneira que o preconizado, quando da
circulatória. Em seres hum anos, é relatad a dor ab domi- in gestão de substâncias corrosivas, a lavagem gástrica e a
n al intensa e im ed iata e a perda da consciência. produção de vômito só devem ser realizadas se não houver
corrosão pronunciada da mucosa do trato gastrointestinal.
Tratamento: par a tratar a in gestão, recom enda-se a É totalmente desaconselhad o o uso de antídotos ácidos,
administração de d em ulcentes, carvão ativado e, prefe- p ois pode haver aumento d a formação de ácido hipoclo-
rencialm ente, água de am ôn ia (solução contendo 1% de roso e, dessa maneira, piorar o qu adro da intoxicação.
carbon ato de amôn io e 2% d e b icarbon ato de sódio),
/

qu e transform a o formaldeído em m etenam ina. Se p os- Acido bórico


sível (isto é, se não h ouver corrosão intensa de mucosas),
remover por lavagem gástrica ou êmese. Caso não sejam O ácido bórico (H 3 B0 3 ) é um composto b ranco,
ind icados esses p rocedimentos, d eve-se fazer uso d e p ouco solúvel em água, muito u tilizado an tigamente
catártico salino. com o antisséptico caseiro (água boricada), particular-
mente n o tratamento de afecções d a pele e dos olhos. O
Hipocloritos ácido b órico também é utilizad o como inseticida, para
o controle de baratas, pulgas e, principalmente, form igas,
Um grande número de produtos de limpeza contém e como fungicida de vegetais, em frutas e árvores. Tam-
vários tipos de compostos de h ipoclorito, principalm en - bém é utilizad o como preservativo de alimentos e para
te o de sód io. Os h ipocloritos são também utilizados em fazer o p ó de talco fluir mais livremen te.
antissépticos m edicinais caseiros, dos q u ais os m ais A ab sorção do ácido bórico ocorre facilm ente atra-
conhecid os são o líquido de D akin (solução conten do vés da pele lesad a; n o entanto, a absorção dessa subs-
0,5 a 0,6% de hipoclorito de sódio) e a águ a d e Lab ara- tância pela pele íntegra é desprezível. Se ingerido, o
que (solução conten do 4 a 6% d e hipoclorito de sódio ácido b órico é rápid a e prontamente absorvido d o trato
associado a cloreto e hidróxid o de sódio). gastrointestinal.
Os produtos comerciais, utilizados com finalidade A distribuição ocorre em todos os tecidos, sen do o
desinfetante, normalmente contêm , n a sua formulação, ácido bórico livremente solúvel em líquidos orgânicos;
o hipoclorito d e sódio (ao redor d e 6%), sal e um agen - no entanto, as maiores concent rações são atingidas n o
te alcalino, com o o hidróxido ou carbamato d e sódio. sistema n ervoso central (SNC), fígado e, principalm en -
O principal efeito lesivo produzid o pelos d esin fe- te, n os rins, por onde é eliminado, na sua grande maio-
tan tes à base de hipoclorito é a corrosão da p ele e m u - ria, de maneira inalterada.
cosas, con sequente a um mecanismo duplo: a ação oxi- O m ecanismo de ação tóxico exato do ácido bórico
dante do cloro e a ação dos agentes alcalin os. As soluções aind a não é conhecido, mas sabe-se que tem considerá-
mais ácidas são mais p erigosas, pois liberam cloro livre vel efeito citotóxico para todas as células.
e ácido hip ocloroso, sendo esse últim o pouco ionizável,
poden do p enetrar profund amente n as mucosas. Sinais clínicos: a qu an tid ade de ácido bórico ingerido,
Portanto, pelo baixo pH estom acal, a m ucosa gás- bem como a idade e o estado de saúde d o animal ex-
t rica é aquela mais sensível aos efeitos tóxicos produzi- p osto, determina a gravidade do qu adro. Nesse sentido,
dos pelos hipocloritos. sabe-se que animais mais joven s ou id osos são aqu eles
mais sen síveis à intoxicação por essa substância.
Sinais clínicos: a in gestão d e compostos con ten do Se houve uma única exposição aguda (que geralmen-
hipoclorito p roduz d isfagia, sialorreia e vômitos, que te ocorre por ingestão, mas também pode ocorrer por
134 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

absorção cutânea através da pele lesada), observa-se sa- Os efeitos antissépticos d a água oxigenada d evem-
livação profu sa, vôm itos d e coloração azul-esverdead a, -se à p ropriedad e oxidante. Não são observadas altera-
que usualmente evolui para hematemese, diarreia e letar- ções tóxicas sistêmicas p rovocadas por esse p roduto,
gia. Os seres human os relatam dor ab dominal intensa. uma vez que se decompõe n o t rato gastrointestinal.
Se houver ingestão de altas con cen trações de ácid o
b órico, pode-se tam bém verificar ataxia, trem o res e Sinais clínicos: Por causa de sua ação oxidante, a in gestão
convulsões, oligúria e an úria con sequ ente à n efrose d e águ a oxigen ada p ode determinar irritação de mucosa
tubular. Alterações h epáticas são raram ente verificad as. do trato digestivo, acarretando sialorreia, disfagia, vôm i-
As convulsões podem ser seguidas por acidose m eta- tos e diarreia. Em seres humanos, são relatad as, ainda,
b ólica, coma e morte. dores abd om inais. O contato com a m ucosa ocular pode
Nas intoxicações crônicas, ocorridas tanto p or in- produzir d esde conjuntivite até úlceras de córnea.
gestão como p or ab sorção cutân ea ou de m u cosas lesa-
das, são observadas alopecia, anorexia, perda de peso e Tratamento: é apenas sin tom ático; deve-se coibir o
diarr eia pou co inten sa. Em algun s casos, p o de h aver vômito e, a seguir, utilizar protetores de m u cosa. Se hou-
também o com prom etimento ren al, verifican do-se oli- ver ulcerações de córnea, utilizar medicamentos que
, . , .
guria e anur1a. auxiliem na reepitelização (pomadas à base d e vitamina
Estud os exp erimentais m ostraram qu e o ácido b ó - A e aminoácidos).
r ico prom ove, em ratos, queda de crescimen to e dege-
neração testicular; em galinh as, verificou-se que o ácido lodo
b órico p roduz teratogênese.
O iodo en contra-se amplamente distribu ído n a n a-
Tratamento: com o p rimeira p rovidência, e em d ecor- tureza, ocorrend o principalmente n a forma de iod etos
rência da gravidade d essa in toxicação, recom enda-se e iodatos. O io d o é solúvel em álcool e muito p ouco
in duzir ao vôm ito. A lavagem gást rica tam bém é indi- solúvel em água.
cada, no entanto, deve-se atentar para as con dições n e- A tin tu ra d e iod o é uma solu ção de álcool a 50%,
cessárias p ara qu e esse procedimento possa ser realiza- contend o 2% de iodo e 2% d e iodeto de sódio. Há, ain-
do (ver Capítulo 11). Não se recomen da a utilização de da, u ma solução m ais forte de iodo, con ten do 5% de
carvão ativado nessa in toxicação, por causa da baixa iodo e 10% de iodeto de potássio em água. Os iod óforos
adsorção do ácid o b órico. (p or exemplo, iodofor e iodo-povidona) são o resultado
Se o quadro gastrointestinal já estiver in stalado, d a associação de iodo com detergentes, agentes umede-
deve-se realizar o tratamento de suporte, procedendo-se cedores e solubilizantes.
à fluidoterapia e ao controle d os vôm itos. O uso de pro- O iodo e seus derivad os são bastan te em p regados
tetores de mucosa é in dicado após o controle da êmese. com o antissépticos, usualmente na antissepsia d a pele,
Para o controle d a falên cia ren al, d eve-se u tilizar p elo seu am plo espectro de ação; age diretamente sobre
NaCl 0,9%, p or via IV, p or 48 horas, ou até que os n íveis as células, precipitan do proteín as.
de creatinina e u reia voltem ao norm al. Recomend a-se,
aind a, o uso de bicarbonato de sódio se o animal apre- Sinais clínicos: se ingerido, em decorrência d a su a ação
sentar acidose. Para o tratamento de convulsões, deve-se corrosiva, o iodo determina o aparecimento de m anchas
utilizar ben zodiazepínicos. de coloração marrom n a mucosa bu cal. As principais
Se a exposição for dérmica ou ocular recomenda-se alterações observadas são vômitos acentuados ( estes po-
lavagem abund ante, com águ a, nas áreas atingidas. D e- dem apresentar-se azulados se houver substâncias amilá-
ve-se avaliar o risco de infecção secun dária, devendo-se ceas no conteúdo estomacal), podendo levar à pneumonia
in dicar, nesse caso, o uso de antimicrobian os. aspirativa; aumento da frequ ência de defecação, sen do
que as fezes se apresen tam líquidas; sede e anúria. Em
/

Agua oxigenada casos graves, pode haver alterações do SNC, como delírio
e torpor. A morte ocorre em u remia. O uso de soluções
A água oxigenada, ou p eróxido de oxigênio (H 20 2), d e iodo m uito con centrad as sobre a p ele pod e acarretar
é um antisséptico dom iciliar usado em solu ção a 3%, que o aparecimento de lesões vesiculosas, bolh as e crostas.
libera 1Ovolumes d e oxigênio. É também u sad a como
alvejante de cab elos, sendo empregadas p ara tal fin alida- Tratamento: qu ando de ingestão de soluções de iod o,
de soluções bem mais concentradas (de 20 a 30 volum es). recomen da-se a administração de solu ção de amido,
Ca pítu lo 13 • Toxicologia dos dom issan itários 135

feita adicion ando-se 15 g (uma colher das d e sopa) d e


Etileno glicol
amido de milho, ou farinha de trigo, em m eio litro d e
,
água. Pod e-se prom over a catarse com 30 g d e sulfato Alcool desidrogenase
de sódio e 15 g de amid o de milho em 250 m L de água.
Ap ós cessarem os vôm itos, recomen d a-se o uso de Glicoaldeído
demulcentes. D eve-se também proced er à correção dos
distúrbios eletrolíticas.

,
Acido glicólico
Etilenog licol

O etilen oglicol é u m líquido, sem cor ou od or, d e


sabor adocicad o, usad o principalmente como anticon-
,
gelante (por exemplo, com o líquid os de arrefecim ento Acido glioxílico

de motores e ad itivos para radiadores), compondo 95%


,
da solução. Pode-se encont rar também o etilenoglicol Acido oxálico Glicina + ácido benzoico
(em con centrações bem m enores), em solu ções para
p reservação de embriões, xampus, cosm éticos e tintas.
,
O etilenoglicol representa uma das m aiores causas Oxalato de cálcio Acido hipúrico

de intoxicação em an imais de companhia, e isso se deve,


principalmen te, ao seu sabor adocicad o, bastante agra- FIGURA 13.3. V ia de b iot ransformacão do etil e nog lico l
dável. A d ose letal mínima de etilenoglicol para cães é no fígado.

de 6,6 mL/kg e para gatos de 1,5 mL/kg.


A absorção do etilenoglicol é bastante rápida a par- po d e não observar as fases iniciais d a in toxicação no
tir do t rato gastrointestinal, após a ingestão e também an imal, n otan do a toxicose apenas quando ele já estiver
a partir dos pulm ões, se inalado. apresentando a falência renal.
A biotransformação, que ocorre n o tecid o hepático, O estágio I se in icia entre 1 e 3 horas após a ingestão
inicia-se dentro de 2 a 4 h oras da exposição, sendo com - do etilenoglicol, e po d e durar até 12 horas. O an imal
pletamente b io transfo rmado en tre 24 e 48 h oras. O pode apresentar mod erad a depressão, poliúria, polidip-
etilenoglicol é biotransformado em glicoald eído, pela sia e alterações nervosas, particularmente, ataxia e andar
ação da enzim a álcool desidrogenase; subsequentemen - cambaleante (aparência de embriaguez). Em geral, os
te, é t ransformad o em ácido glicólico, um m etabólito cães apresentam comportam ento agressivo.
primário, responsável pela acidose metabólica observa- O estágio II aparece, aproximadamente, entre 4 e 12
da nessa intoxicação. O glicoaldeído é, posteriormen te, h oras após a ingestão d o etilenoglicol e se caracteriza
biot ransformad o em ácido glioxílico, o qual, p or sua por taquipneia, hipotermia, miose e d epressão p rofun-
vez, é t ransform ad o em ácido oxálico, glicina e ácido d a. Os vômitos podem aind a estar presentes.
fórm ico. A maioria do ácido oxálico é elim inad a pela Pode-se também verificar nessa fase edema cerebral,
u rin a. Entretanto, grande parte se combina com o cálcio, d eposição de cristais d e oxalato d e cálcio nas pared es
formando o oxalato de cálcio e cristais de ácid o h ipú- de pequen os vasos san guíneos n o cérebro causan d o
rico, os quais podem se d epositar n os túbulos renais. A toxicid ad e no SNC. Arritmias cardíacas significativas
Figura 13.3 ilust ra os caminhos d a biotran sformação pod em ocorrer durante esse período.
do etilenoglicol. Além disso, pode haver edema pulmonar, pneumo-
nia, insuficiência cardíaca congestiva e choque circula-
Sinais clínicos: o etilen oglicol é um irritante da m uco- tório durante a fase II.
sa gástrica. Portanto, n orm alm ente, as prim eiras altera- O estágio III é caracterizad o pela falência renal. A
ções após a ingestão dessa substância são náuseas, vô- lesão nos rins é devida à formação de cristais d e oxala-
mitos, segu ido de hem at emese. Cólicas têm si d o to d e cálcio nos túbulos renais, os quais geralmente se
associadas à ingestão de etilen oglicol em hum anos. desenvolvem entre 24 e 72 horas após a exposição. A
Didaticamen te, os sinais clínicos produ zidos pela d ecaída subsequente da função renal e da oligúria exa-
ingestão de etilenoglicol são d ivid id os em três fases. No cerbam a acidose metabólica.
en tanto, deve-se lembrar que essas fases po d em estar Os sinais clínicos resultantes da urem ia são de le-
sobrep ostas; além d isso, muitas vezes o proprietário targia, vôm itos, u lcer ação o r al, con vulsões, coma e
136 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

morte, qu e ocorre normalmente 3 dias após a in gestão mal em hiportem ia, desidratad o ou em oligú ria/ anúria.
d o etilen oglicol. Além d isso, é importan te considerar que animais sob
t ratam ento com etanol n ecessitam d e intenso mon ito-
Tratamento: b asicamente, a terapia d essa intoxicação ramen to, prin cipalm ente se estão apresentan do depres-
deve focar três objetivos p rincipais: 1) prevenir a absor- são cardiovascular e/ ou respiratória, hipotermia, desi-
ção, aumentar a excreção e impedir a b iotransformação dratação e distúrbios eletrolíticos.
~

do etilenoglicol; 2) deve-se corrigir a acidose m etab ó - E n ecessário que se corrija a acidose, norm almente
lica e m anter a taxa de filtração glomerular; e 3) estab e- grave nessa intoxicação, devend o -se empregar o bicar-
lecer uma terapia adjunta de suporte. bonato de sódio, o qual d eve ser adm inistrado im edia-
Com relação à prevenção da absorção do etilen o - tamen te, por via IV, n a con cen t ração d e 1 mEq /kg e,
glicol, é im portan te lembrar que ele é rapidamen te ab- p osteriorm ente, adicionar 3 m Eq/kg aos fluid os de ad -
sorvido no trato gastrointestin al e, assim, a indução d o ministração IV
vômito, o uso de carvão ativado e a lavagem gástrica têm Pode-se obter o restabelecimen to de uma taxa d e
valor ap en as em exposições m uito recentes. Ain da, com filtração glom erular ren al qu ase n o rmal p elo uso de
relação ao uso d e carvão ativado, vale lem b rar que este diuréticos p or via IV, com o o manitol e/ou vasopresso-
pode n ão ser de gran de valor n o tratamento, já que é res, como a dopamina. É frequentemente o método mais
n ecessária u ma grande qu antid ade de carvão ativado eficaz de correção d a acidose e outros distúrbios eletro-
para adsorver um a pequena quantidade de etilen oglicol. líticos associados à intoxicação pelo etilen oglicol.
O mais importan te p r oced im ento n o tratamento O uso d e corticoesteroides é b astante útil se houver
dessa intoxicação é impedir qu e o etilen oglicol seja bio- edema pulmonar. Para o t ratamento da h ip ocalcem ia,
transformado p ela enzima álcool desid rogen ase, send o recom enda-se ad m inistrar 0,25 mL/kg d e boroglu co-
usad o para esse objetivo o etan ol ( álcool etílico, etanol nato, em solução a 10%, diariam en te.
farm acêutico). O etan ol compete p elo sítio ativo d a en- A admin istração de cloridrato de tiamina promove
zim a, sendo que este tem afinidad e muito m aior pelo a t ran sform ação do etilen oglicol para hom oisocitrato
álcool desidrogen ase que o etilen oglicol. No en tan to, d esidrogenase, e a administração d e vitamin a B6 (piri-
esse tratam ento tem real valor qu an do é institu ído até d oxina) p rom ove o metab olism o do etilen oglicol a gli-
12 horas após a ingestão d o etilen oglicol. Out ro fator cina e, depois, em ácido hipúrico. Portanto, o em prego
que d eve ser considerad o qu and o do estab elecim ento dessas vitam inas do com p lexo B p o de ser de gran de
desse tratamento é a ocorrên cia de d epressão d o SNC, valor com o suporte no tratamento.
poden do levar ao comprometimento do centro respira- As convulsões, se presen tes, devem ser controladas
tório, e ainda o aum en to d a diu rese (p ela inib ição do com ben zodiazepínicos ou b arbitúricos.
horm ôn io antidiurético ), que já é observad o tam b ém
,
n a prim eira fase d a in toxicação pelo etilenoglicol. DESTILADOS DE PETROLEO
O regime de tratamen to p rop osto p ara cães e gatos
é de 5,5 mL/ kg de etanol a 20%, por v ia IV, a cada 4 D estilad os do p etróleo são m istu ras qu ímicas com -
horas, p or cinco vezes consecutivas e, posteriormente, plexas, e inclu em os hidrocarb onetos arom áticos, como
a cada 6 h oras, por quatro vezes, para m anter a con cen - o b en zen o, os cicloalcanos e os hidrocarb onetos alifáti-
tração de etanol entre 50 a 100 mg/dl. Uma dose menor, cos, como a tereben tin a, a qual é tamb ém obtida d e
de 1,3 m L/kg de solu ção de etanol a 30% dad a como plantas. Os d estilados d e pet róleo são encon trados n a
bolus (apresenta r isco de ocorrên cia d a supressão da gasolina, solventes e pintu ras. Agentes com maior vola-
respiração), seguida da infusão IV contínua de 0,42 m L/ tilidade, como o éter de p etróleo ou a gasolina, são aque-
kg/h ora duran te 48 h oras, tem se mostrado efetiva n a les com maior p robabilid ade d e causar a toxicose; por-
p reven ção d o m etabolismo do etilen oglicol. tan to, a toxicidade dessas substân cias é inversamen te
Se não houver d ispon ibilidade do etan ol farmacêu- proporcion al à su a viscosidad e.
tico, p odem-se empregar b ebidas alcóolicas ( cach aça, Em b ora a intoxicação por via oral por destilados de
vod ca e uísqu e), as qu ais são administrad as por son da p etróleo envolva três sistemas ( o trato gastrointestin al,
nasogástrica. A dose recomend ad a p ara esses destilados o SNC e o respiratório) é a ocorrên cia de pneum onia
é de 1,9 a 2,4 m L/kg, com a dose d e m anuten ção de 0,4 p or aspiração o quad ro poten cialmente letal.
a 0,5 m L/kg, a cada 4 horas. A exp osição d érmica a esses p rodutos pode levar a
Embora o tratam en to com etan ol seja de grand e dermatite grave e necrose, provavelmente em decorrência
valor, nunca se deve administrar essa substân cia ao ani- d a dissolução d e lípides e injúr ia da m embran a celular.
Capítu lo 13 • Toxicologia dos domissa nitários 137

Os destilados do petróleo são também irritantes oculares, na melhora do quadro respiratório. Deve-se admin istrar
podendo produzir conju n tiv ite, edema de p álpebra e benzodiazepín icos ou barbitúricos se houver convulsão.
blefaroespasm o.
BIBLIOGRAFIA
Sinais clínicos: as alterações respiratórias produzidas
pela pneumonia por aspiração manifestam-se rapida- 1. ANDRADE-FILHO, A.; eAMPOLINA, D.; DIAS, M.B. Toxico-
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feito, já que a administração, por exemplo, de carvão ati-
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vado, pode piorar o quadro de vômito, acarretando, por- 11. VOLMER, P.A.; MEERDINK, G.L. Diagnostic toxicology for
tanto, maior perigo de desenvolver a pneumonia por aspi- the small animal practioner. Veterinary clinics of North America
ração. O uso de corticosteroides tem se mostrado benéfico - small animal practice, v. 32, p. 357 -65, 2002.
Capítulo 14

Zootoxinas

lsis Machado Hueza


Maria Mieko Nakayama Duarte

~ De fato, o Brasil vem experimentando uma grande


INTRODUÇAO
atividade rural e expansão das áreas agrícolas e de pas-
Toxinas, como discutido no Capítulo 1, são subs- tagens em diversas regiões do país, o que faz com que
tâncias tóxicas produzidas por seres vivos. As toxinas animais silvestres acabem fugindo dessas regiões e bus-
de maior importân cia em toxicologia podem ser de can do outras áreas para habitarem e procurarem ali-
classificadas em : toxinas bacterianas (produzidas por mentos. Ainda, nos grandes centros urbanos, principal-
bactérias - Capítulo 31); micotoxinas (produzidas por mente em regiões de vulnerabilidade social, a presença
fungos - Capítulos 27 e 28); fitotoxinas (produzidas de esgoto não encanado e entulhos propicia a prolife-
pelas plantas - Capítulos 23 e 24); e zootoxinas, as quais ração de baratas e outros insetos, e, consequentem ente,
são produzidas pelos animais. de seus predadores naturais, os escorpiões. Assim , se-
Há dois tipos de zootoxinas: a peçonha e o veneno. gundo o Ministério da Saúde, entre os anos de 2003 e
A peçonha é produzida e armazen ada em glândulas 2009 houve um aumento de quase 33% dos acidentes
especializadas e é transmitida à vítima por meio de mor- em seres humanos com animais peçonhentos n o país,
dedura ou ferroada. Assim , são animais peçonhentos as com 45.721 acidentes provocados por escorpiões, segui-
serpentes, os aracnídeos, as abelh as, entre outros, os dos pelas serpentes com 22. 763 ocorrências, e acidentes
quais possuem mecanism os apropriados para a inocu - com aranhas e lagartas com 18.687 e 3.387 notificações,
lação da peçonha na vítim a, com o dentes m odificados, respectivamente (Tabela 14. 1 e 14.2).
quelíceras e ferrões. Em anos anteriores a 1985, não havia estudos epi-
Os animais venenosos não possuem um aparelho dem iológicos sobre as casuísticas de acidentes com ani-
inoculador, o veneno está entrem eado em seu tecido m ais peçonhentos para as diferentes regiões do p aís,
, - . .
ou em orgaos, os quais prom ovem a toxicose na vitima
, .
situação essa que m udou a partir de 1986, em virtude
ao serem ingeridos, pression ados ou m esm o por con - da obrigatoriedade exigida pelo Ministério da Saúde das
tato, com o, por exem plo, o peixe baiacu (também co- notificações pelos profission ais da saúde. Ainda, os aci-
nhecido como peixe-balão da ordem dos Tetraodonti- dentes por esses animais, particularmente as serpentes
f o r me s), q ue possui em seus t ecid os a p otent e e cobras, foram incluídos pela O rganização Mundial da
neurotoxina denominada tetrodotoxina; os sapos, cujo Saúde (OMS) n a lista das doenças tropicais negligen-
venen o está presente na pele e/ ou nas glândulas para- ciadas que, na maioria dos casos, acometem populações
toides; ou ainda por contato com lagartas venen osas, pobres que vivem em áreas rurais. Em agosto de 201 O,
com o as do gênero Lonomia. o agravo foi incluído na Lista de Notificação de Com -
Os acidentes com animais peçonhentos e venenosos pulsória (LNC) do Brasil, publicada na Portaria n. 2.472,
têm aum entado nos últim os anos. Curiosam ente, tais de 31 de agosto de 20 10 (ratificada na Portaria n . 104,
acidentes não se confinam aos ambientes r urais, mas de 25 de janeiro de 201 1). Essa importância se dá pelo
estão ocorren do também em regiões peridomiciliares alto número de notificações registradas no Sistem a de
de gran des centros urbanos. As razões para tais ocor- Inform ação de Agravos de Notificação (Sinan), sendo
rências se devem a alguns fatores intrínsecos à urbani- acidentes por animais peçonhentos e venenosos um dos
zação e às atividades agrícolas. agravos mais notificados. Contudo, diferentemente das
Capít ulo 14 • Zootoxinas 139

TABELA 14.1. Acident es escorpiônicos, e m seres humanos, not ificados no Brasil entre 2 003 e 2009
Região 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Norte 1.380 1.603 1.917 2.047 2.013 2.110 2.485
Nordeste 10.478 13.132 16.143 19.063 19.415 18.161 21.238
Centro-Oeste 873 1.245 1.366 1.355 1.134 1.451 1.850

Sudeste 11.276 13.546 15.836 14.418 13.884 16.138 19.184

Sul 479 540 677 768 985 996 964

Tota l no país 24.486 30.066 35.939 37.651 37.431 38.856 45.721


Fonte: Ministério da Saúde (2009}.

TABELA 14.2. Acidentes ofídicos, em seres humanos, notificados no Brasi l entre 2003 e 2009
Região 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Norte 7.029 7.564 8.643 8.528 8.065 7.846 6.977
Nordeste 6.573 6.206 6.753 6.963 6.899 6.727 6.612

Centro-Oeste 721 2.695 2.880 2.717 2.357 2.739 2.259

Sudeste 7.534 8.238 7.545 7.716 6.685 6 .791 4.785

Sul 2.826 2.762 2.680 2.882 3.072 2 .749 2.130


Tota l no país 26.683 27.465 28.501 28.806 27.078 26.852 22.763
Fonte: Ministério da Saúde (2009}.

ocor rências de acidentes em seres humanos, pouco se • Opistóglifas: possuem um ou mais pares de dentes
sabe da casuística de casos em anim ais domésticos, um a in oculadores de peçonha na região posterior das
vez que tais notificações n ão são compulsórias. m axilas, dificultando a inoculação da peçonha.
• Proteróglifas: os dentes inoculadores se localizam
,
ACIDENTES OFIDICOS na parte anterior da m axila; porém, anatomicamen -
te desfavorável p ara inoculação efetiva du rante o
Os acidentes ofídicos são de ocorrência m undial. bote, m as, ainda assim, de alta periculosidade.
Acredita-se que exista no mundo cerca de 3.000 espécies • Solenóglifas: os dentes inoculadores são m aiores e
diferentes de serpentes e cobras distribuídas em três além de se en contrarem n a região anterior da ma-
fam ílias prin cipais, Colubridae, Elapidae e Viperidae; xila, se pronunciam para frente para melhor efeti-
porém, apenas cerca de 400 são consideradas peçonhen - vidade do ataque. É o grupo de m aior periculosida-
tas. O Brasil p ossui 256 esp écies de serpentes, sen do de, tanto para seres humanos, cães, gatos e animais
apenas 62 delas de importância clínica para seres hum a- que pastejam.
n os e animais, sendo que destas, 32 são do gênero Bo-
throps (jararaca, jararacuçu, urutu -cruzeira, boip eva, Um aspecto que cham a a atenção em relação aos
caiçaca e cotiaras), 6 do gênero Crotalus (cascavel, ma- acidentes com serpentes está relacionado ao período do
racá, boicinunga, boiquira), 22 do gênero Micrurus (co- ano. No Brasil, pela característica tropical, os acidentes
r al, coral-verdadeira) e finalmente 2 do gênero Lachesis ofídicos ten dem a se concentrar m ais nas ép ocas de
(pico-de-jaca, surucucu, surucutinga, m alha-de-fogo) . calor, entre os meses de novembro a maio (primavera e
Essas serpentes podem ser classificadas de acordo verão), período quente em que animais pecilotérm icos
com o tipo de dentição que possuem: se en contram em m aior atividade e, coincidentemente,
por ser o período de chuvas em grande parte do país,
• Áglifas: todos os dentes são iguais e m aciços, geral- quando h á a maior presen ça do hom em no campo para
mente as mordidas são dolorosas e podem se infec- plantio e manejo de animais (Figura 14.1).
cion ar pela flora bucal patogên ica, e as de maiores No Brasil, como já com entado, h á pou cos dados
dimensões m atam por sufocamento da vítim a (ji- estatísticos acerca de acidentes ofídicos em animais
boias e sucuris). domésticos; contudo, os pecuaristas relatam perdas em
140 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

região de pescoço e face. Em anim ais de pastejo, os aci-


Nº de casos
3.000 den tes ocor rem em membros e na região d a face d os
2.500
an im ais. Apesar de causar alta m orbidade, a letalid ade
em seres h umanos tratados alcan ça 0,3%.
2.000

1.500
Composição da peçonha
1.000
A peçonha de tod as as serpentes, no geral, é cons-
500 tituíd a de um a mistu ra complexa d e vários com postos
OJ MMJSNJMMJ SNJMMJ SNJMMJSN
orgân icos e inorgânicos. A das serp entes do gênero Bo-
meses thops possui aminoácidos livres, carboidratos, am inas
biogên icas, peptídeos e proteínas, sen do essas últimas
FIGURA 14.1. Period icidade de acidentes ofídicos no Bra- as principais componentes da peçonha, perfazen do até
sil ao longo dos meses. 95% d o peso seco da peçonha. D en t re essas p roteínas,
Fonte: FUNASA (2001).
m uitas possuem atividad e en zim ática d e im portância
n o d esenvolvimento da morbidade do acid ente ofíd ico.
D en tre as p rincipais proteínas com atividad e enzi-
decorrência de acidentes ofídicos em suas propriedades. mática destacam-se:
O óbito de bovinos e equinos não parece ser de relevân-
cia econômica, como ocorre, por exemplo, com as per- • Hialu ron idases, as quais d esempenham atividad e
das p rovocad as por plantas tóxicas. Contud o, vale res- lítica sobre o ácido hialu rônico d o colágeno.
saltar q u e a m orbidade/mortalid ade po r acid en te • Proteases, botropasina (metaloproteína ácida) com
ofídico está relacionada ao peso corp óreo e à quantida- ativid ade lítica sobre a caseína, a hemotoxina que
de de peçonha inoculada; assim, para animais de gran - promove lise eritrocitária e aind a fosfolipases e es-
de porte, com peso d e cerca de 400 kg, há a morbidade, terases com sabida atividad e pró-inflam atória.
porém nem sempre acompanhada da mortalid ad e. Ain- • En zim as pró-trom bóticas qu e p odem p rom over
da, deve ser consid erado que, em an imais de produção, quatro situações diferen tes, dependend o da espécie
é necessário realizar o diagn óstico diferencial d a m orte de Bothrops: 1) conversão da protrombina em trom-
por acid entes ofídicos com outras enferm idades, com o bina na p resença d o fator V d a coagulação (ativa-
clostridiose, distúrbios n eurom uscalares, intoxicações ção indireta); 2) sem a presença d esse fator d e coa-
por plantas e outras neuropatias tóxicas. gulação (ação direta); 3) indução da conversão d o
fator X em sua forma ativa; 4) atividad e tipo t rom -
Acidente botró pico bina com a conver são d o fibrin ogên io em fib rin a
(botrojararacina, botrombina e jararagina C). To-
Serpentes solenóglifas do gênero Bothrops pertencem dos esses m ecanismos levam à coagulação dissemi-
à família Vipiridae, send o as p rincipais espécies: B. al- nada e esgotam en to d os fatores de coagulação sis-
ternatus (urutu ), en contrada do Rio Grande d o Sul até têmico, o que resulta em p rocessos hemorrágicos.
o sul de Minas Gerais; B. atrox (jararaca do Am azonas), • Metaloprotein ases ácid as e m etaloen dopeptidases
d a região do Am azonas; B. jararacuçu, B. jararaca, as (por exemplo, HFl , H F2 e HF3) com atividad e líti-
m ais com uns da região Sudeste e também en cont rad as ca sobre colágeno, p rincipalmen te aquele presente
n o Paran á e Santa Catarin a; B. moojeni (caiçaca) e B. nas membranas basais d os tecidos, inclusive dos en-
neuwiedi (jararaca pin tada), que habitam a região central dotélios (endoteliotóxicas), permitindo, assim, maior
e todo o Brasil, com exceção d a região am azônica. absorção e d istribuição sistêmica d a peçonha, favo-
Essas serpentes são as prin cipais protagon istas d os recend o também p rocessos hemorrágicos.
acidentes ofídico s do Brasil. São d e com portamento
agressivo e d e m aior importância epidemiológica, pois Morbidade
perfazem entre 85 e 90% dos casos de aciden tes em Com o conhecimento prévio dos componentes bioa-
seres h umanos com serpentes n o país. Em seres h um a- tivos presen tes na peçon ha da Bothrops, é possível fazer
nos, os locais de mordedura são pés, tornozelos, pernas, uma d escrição d a sequência d e even tos que ocorre no
mãos e antebraço. No entanto, como algumas jararacas organ ismo an im al após a agressão pela serpente. Pela
possuem o hábito d e subir em árvores e arbustos para presen ça de p roteases n o local d a agressão, dá-se início
caçar pássaros e seus ovos, tam bém po d em atacar em a u ma intensa atividade lítica tecid ual agravad a p ela
Capít ulo 14 • Zootoxinas 141

presença de enzim as pró-inflam atórias que prom ovem , Exames e achados laboratoriais
n o local, os cinco sin ais card eais da inflam ação, com Assim que for diagnosticado o acidente botrópico,
edema intenso, o qual pode comprimir vasos sanguíneos deve-se proceder a realização dos seguin tes exames
adjacentes e compressão de feixes nervosos, que con fe- laboratoriais: hemograma completo com contagem de
rem, em conjunto, hipóxia tecidual e necrose, com mais plaquetas, ativid ade d e protrombina, tempo de coagu-
inflamação e m uita d or local. lação (TC), temp o de tromboplastin a parcial (PTT ),
Ainda, a ação lítica da peçon ha sobre o colágeno função renal (ureia e creatinina) e urina tipo I. Os prin-
perm ite qu e os seus con stit uintes tóxicos gan hem a cipais achados laboratoriais em an imais acidentados
circulação sanguínea e prom ovam efeitos sistêm icos, com a Bothrops são: redução no núm ero de eritrócitos
p rincipalmente aqueles relacionad os a fato res d e coa- d ecorrente da perda sanguínea, leucocitose com d esvio
gulação, que resultam em coagulação intravascular d is- à esquerda (in flam ação), plaquetopen ia (coagulação
seminad a (CID), cujos trombos gerados pod em provo- disseminad a), aumento no tempo d e protrombina e do
car isqu emia d e out ros órgãos, inclusive podendo PT T, alteração na função renal, a qual pode vir acom-
ocasionar nefropatia. Porém, há relatos de que a peçonha panhada de proteinúria, glicosúria e hematú ria, eviden -
prom ove nefrotoxicid ade de forma direta ao prom over cian do a lesão renal que pode evoluir para IRA.
n ecrose t ub ular e en dotelial, levan d o à insuficiência
renal agud a (IRA). Tratamento
A ação de enzim as tipo trombina presentes na peço- O tratamento com soro específico é o mais indicado;
n ha d a Bothrops e o esgotamento d os fatores de coagula- no entanto, com o em muitas das vezes o agente agressor
ção têm como prin cipal consequência, além da formação não é identificad o, o soro polivalente antibotrópico-cro-
dos trombos, a indução d e p rocessos hemorrágicos m a- tálico (SABC) é considerado com o tratamento efetivo. O
n ifestados por equimoses, epistaxes e gengivorragias. menor tempo decorrid o entre o acid ente ofíd ico e a ins-
O utro ponto que d eve ser ressaltado na patogenia tauração da terapêutica pode ser determinante para o
do acid ente botrópico está n a liberação maciça de m e- sucesso do tratamento e m enor morbidade.
tabólitos do ácid o araquid ônico e liberação d e TNF-al- É necessário aplicar soro antiofídico em quantidade
fa, o qual promove hipotensão que po d e ser agravada suficiente para neutralizar 100 mg de peçon ha botrópi-
pela hemorragia decorren te da CID (hipovolemia), ca. Com o existe a padron ização no SABC d e 2 m g/mL
pod en do resultar em choque e morte do anim al, caso d e soro antibotrópico e 1 mg/mL de soro anticrotálico,
n ão seja tratado. a quan tidade a ser empregad a, independentem ente do
tamanho do animal, é de 50 m L. A via de aplicação deve
Sina is clínicos ser preferencialmente a int ravenosa lenta, diluída em
A vítima pode apresentar-se prostrada e an oréxica. solução fisiológica ou glicosada a 5%. Na depen dên cia
Muitas vezes, os ferimentos no local da inoculação não d a gravidade e da responsivid ad e ao tratamento, podem
são facilmente observados por causa d os pelos e isso ser n ecessárias mais aplicações.
pode levar ao atraso na identificação d o acidente pelo Os cuidados complementares são o uso de analgési-
proprietário e busca do socorro veterinário. A palpação cos adequados à espécie acometida; antibioticoterapia em
do local acom etido é bastante dolorosa. virtude de processos infecciosos que possam ocorrer no
Os sinais clín icos provocados por acid entes com a local d a agressão; e quando da ocorrência de sínd rome
Bothrops in cluem inflamação local in ten sa e dan o ao compartimental decorrente do edema excessivo, realiza-
epitélio vascular, hem orragia local e, em casos graves, ção de fasciotomia ou traqueostomia para d esobstrução
hem orragias sistêmicas com epistaxes e gengivorragia. d as vias aéreas por compressão e debridamento de áreas
An im ais hemorrágicos que apresentam tempo d e coa- necrosadas. Porém, esses últimos procedimentos d evem
gulação (TC) elevado são considerados de alta gravida- ser realizados com m uito critério, já que esses animais
de. Em aciden tes na região d a cabeça, m u ito comuns apresentam coagulopatias e tend ência a hemorragias.
den tre os anim ais dom ésticos, com o aqueles que paste-
j am, o edem a exacerbad o pod e d enotar gravidade, pois Acidente crotá lico
pode promover dificuldade respiratória e evoluir para
necrose, com necessidad e futura de correção cirúrgica As cascavéis são serpentes solen óglifas do gênero
ou, em casos de m embros inferiores ou úberes, a neces- Crotalus, com fosseta loreal, pertencentes à família Vi-
sid ade de amputação. No entanto, apesar de apresentar peridae e sub-família Crotalidae. Possuem com o p rin-
alto grau de morbidade, a taxa d e letalidad e é baixa. cipal característica a p r esença d e um guizo form ad o
142 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

por resqu ícios d as m udas de pele na extrem idad e da A peçonha ainda possui como constituinte polipep-
caud a. Diferentem en te d a Bothrops, que está d ispersa tídico a crotamina, que possui uma ampla variedad e de
em diferentes regiões de m atas da Am érica do Sul, as efeitos biológicos, como a fácil penetração em diferentes
cascavéis se distribuem por todas as Américas, apreciam tipos celulares e citotoxicidade sobre linhagens celulares
regiões secas ou semiárid as, com terrenos roch osos e tumorais; e, como constituinte tóxico d a peçonha cro-
as regiões de cerr ad o tamb ém são habitat p ara essas tálica, atuação em canais de sódio e ação despolarizan-
serpen tes. Habitam d esd e o sudoeste do Canadá até a te de fibras musculares, levando a contração e paralisia
região central d a A rgentina. São seis as subesp écies d a musculatu ra esquelética. Ainda, sugere-se que possui
encontradas no Brasil: C. durissus terrificus, C. durissus ativid ade miotóxica juntamente com a crotoxina, indu-
marajoensis, C. durissus ruruima, C. durissus cascavella, zind o necrose de fib ras m usculares esqueléticas, carac-
C. durissus collilineatus e C. durissus trigonicus. terizada por dilatação do retículo sarcoplasmático, per-
As cascavéis, além dessa denomin ação, tamb ém d a de fu nção e morte celular necrótica.
podem receber os seguintes n omes vulgares, dependen - O utros constituintes d a peçonha d a Crotalus são a
do d a região onde se en contram: boicininga, maracam - giroxina, que possui ação tóxica sobre o labirinto e há
boia, m aracá, entre outras. Têm com o características também relatos d e promover atividade en zimática d o
serem m ais tím idas qu e as jararacas; p o rém , d e bote tipo t rombina, e a convulxina, que prom ove alterações
veloz e, ainda, quan do se sentem ameaçadas, se en rolam neurológicas que levam à perda de equilíbrio (labirinto),
em posição de ataque e agitam o guizo da extremid ade além d e alterações visuais e convulsões.
da cauda de form a a alertar sua presen ça.
Apesar de a m aioria dos acid entes ofídicos ser de- Morbidade
corrente de agressões por serpentes do gênero Bothrops, O início e a intensidade dos sinais clínicos nos ani-
os acid entes com as cascavéis são de maior preocupação mais domésticos dependem d a quantidade d e peçonha
e mortalidade. Os acidentes com cascavéis perfazem de injetada e da espécie an im al acometida. Porém, no geral,
7 a 10% dos acidentes ofídicos notificados no país; porém, os sinais clínicos se iniciam entre 3 a 6 h da agressão.
há regiões em que esse número chega a 30% dos casos. Pesquisas têm verificado que, com d oses semelhan tes
Possuem o maior coeficiente de letalidad e entre indiví- (1 mg/kg), equin os são mais sensíveis à toxicose, segui-
duos tratados, com valores próximos a 2%. d os por ruminantes (bovinos, ovinos e caprinos) e, se-
quencialmente, por ordem decrescente de toxicidad e,
Composição da peçonha canídeos, lagom orfos, suínos e felinos.
Noventa por cento do peso seco da peçonha da Cro- Uma das p rimeiras m anifestações clínicas observa-
talus é con stituído p or p roteínas, sendo m uitas delas das está relacionada à ação colinérgica da crotoxina, que,
com atividade enzim ática, como fosfolipase A2, bem ao inibir a liberação da acetilcolina na sinapse d as jun-
como esterases, colagenases, endopeptidases e outras ções neuromusculares, promove paralisia flácida, p rin-
enzimas p roteolícas; ainda são encontrados carboidra- cipalmente na região d a face, manifestada por ptose
tos e componentes inorgânicos, como alguns íons (Mg+2, p alpebral, que pode ser bilateral ou n ão, flacidez da
Ca+2 , Cu+2 ) que funcionam com o cofatores en zim áticos m usculatura da face, inclusive para m an ter a boca fe-
das p róprias enzim as constituintes d a peçonha. chada, caracterizand o a denominada fácies miastênica.
A principal toxina que perfaz 50% das p roteínas d a Em seres hum an os é relatada pelos pacientes a ocorrên -
peçon ha é um complexo m olar d en om inado de com- eia de visão turva e d iplodia. Em casos graves, pode ser
plexo crotoxina, que é constituído por duas frações na observada fraqueza muscular e dificuld ade em respirar,
p roporção d e 1:1, uma ácida também conhecida com o em decorrên cia de paralisia da musculatura respiratória
crotapotina ou crotoxina A, a qual sozinha n ão possui (diafragm a e músculos intercostais).
atividad e en zim ática e u m a fração básica, denom ina- Na dependência da gravid ade da toxicose, em torno
da crotoxina B, que possui atividade hidrolítica seme- d e 12 h após o acidente, é possível observar o surgimen -
lhante à fosfolipase A2. No entanto, o com plexo cro- to d e urina cor vermelh o-escura e o animal ressente-se
toxin a como u m todo p ossui atividad e neu rotóxica d e movim entar-se por mialgia; tais efeitos são decor-
que imped e a liberação pré-sináptica de acetilcolina rentes da ação conjunta da crotoxin a e da crotamina
pelas terminações n ervosas colinérgicas. Aind a, a cro- sobre a musculatu ra esquelética, além do desenvolvi-
toxina possui importante efeito miotóxico sobre fibras mento da rabdomiólise e d a liberação para a circulação
do tipo I, provocando degeneração d e organelas celu - da mioglobina. Lembran do que a mioglobina p ossui
lares e rabdomiólise. atividade tóxica sob re os rins, sua presença maciça na
Capít ulo 14 • Zootoxinas 143

circulação pode levar ao desenvolvim ento da insuficiên- utilizada é aquela que pode n eutralizar 50 mg de peço-
cia renal aguda (IRA), que é a m aior preocupação clí- nha, independentem ente do tamanho do anim al, sempre
n ica dos acidentes crotálicos e a principal causa dos p or via intravenosa. A evolução clín ica do paciente,
óbitos. Apesar da presença de proteínas tipo trom bina, quanto à n eurotoxicidade e nefrotoxicidade, m ostrará
a ocorrência de coagulação sistêmica e quadros hem or- a n ecessidade de rep etição da dose, a qual deve ser a
rágicos são pouco evidenciados. metade da dose inicial.
A m onitorização do TC e da color ação da u rin a
Sinais clín icos deve ser avaliada a cada 6 h . O uso de diurético (m a-
O desenvolvim ento dos sinais clínicos depende da nitol 20%) e fluidoterapia (solução fisiológica ou ringer)
gravidade do acidente e esses estão relacionados à ati- também deve ser instaurado até a n orm alização do
vidade anticolinérgica, com presença de fácies m iastê- fluxo e da coloração da ur ina e, caso não ocorra me-
nica que pode apresentar-se discreta ou muito evidente, lhora do quad ro ren al, sugere-se o uso de diu réticos
evoluindo para dificuldade respiratória em casos graves. de alça.
Em casos classificados como moderados e graves, a ocor- Para animais carnívoros e também seres hum anos,
rência de mioglobinúria com evolução para oligúria e é comum proceder o antagonism o disposicional com a
anúr ia, bem com o relutân cia em m ovimentar-se em alcalinização da urina pelo uso de bicarbonato de sódio,
razão de mialgia, também pode se desenvolver. Em alguns com o intuito de diminuir a deposição tubular da m io-
casos, também pode ser observado aumento n o TC. globina. Além da terapia sintom ática, é recomendado o
uso de analgésicos específicos para cada espécie ou mes-
Exames e achados laboratoriais mo de opioides para minimizar o desconforto decor-
Com a identificação do agressor e a confirm ação do rente da mialgia.
acidente crotálico, deve-se proceder ao exame de sangue
e investigação da atividade coagulante ( atividade pro - Acidente laq uético
trombina e TPP), realização da bioquímica sérica para
função h epática e ren al, com pesquisa de eletrólitos, Mesmo n a espécie humana, os acidentes com ser-
creatinina quinase (CK); gasometria, eletrocardiograma pentes do gên ero Lachesis são muito raros de ocorrer e
e urina tipo I. isso também se aplica aos acidentes em anim ais domés-
Nos parâmetros sanguíneos é possível observar leu- ticos. O gênero Lachesis, m esm o sendo com posto por
cocitose com desvio à esquerda e aum ento do TC. Em serp entes de tamanh o avantajado (até 3 metros de com-
virtude da ocorrência da lesão muscular, é com um en- primento) e, consequentem ente, com m aior capacidade
contrar aumento da fosfatase alcalina, lactato desidro - de armazen amento de peçonha e ainda maior amplitu-
gen ase (LDH) e aspartato aminotransferase (AST). Por de do bote, promove raros acidentes, pois as serpentes
causa de prejuízos renais decorrentes da deposição de possuem hábitos noturnos e se encontram em regiões
m ioglobulina, podem ser encontradas hipercalem ia e de florestas densas e m atas fechadas, com o aquelas que
h ipocalcem ia com aumento de creatinin a e ureia. Em habitam a região norte do país, principalmente na bacia
algum as situações, observadas em humanos, as alterações do Amazonas, na mata Atlântica e na zona da mata, que
n a onda ST do eletrocardiogram a podem denotar car- se estende desde o norte do Rio de Janeiro até a região
diotoxicidade. É comum a ocorrên cia de urina de cor do Nordeste do Brasil. As serpentes do gênero Lachesis
verm elh o-escura decorrente da m ioglobulinúria, a qual têm com o particularidade possuírem apenas uma espé-
n a evolução positiva do quadro tóxico reto rna a sua cie, a L. muta e quatro subspécies, a L. m. melanocepha-
coloração n ormal. Vale ressaltar que em animais como la e a L. m. stenophryis presente na Costa Rica e Panamá,
bovinos e equinos, que possuem urina alcalina, é raro e a L. m. rhombeata e L. m. muta presentes n o Brasil,
observar alterações renais causadas por mioglobulinú - sendo mais conhecidas com o surucucu.
r ia, h aja vista que o pH elevado dessa urina diminui a
deposição tubular da mioglobina. Composição da peçonha
As características quanto às atividades proteolíticas,
Tratamento inflam atórias, necróticas, acompanhadas de efeito coa-
O tratamento com soro anticrotálico (SAC) é o mais gulante dissem inado e processo hem orrágico são m ui-
indicado e específico para a terapêutica; porém, em caso to sem elhantes àquelas observadas nos acidentes botró-
de desconhecim ento do agressor, o uso do soro poliva- picos, porém, ainda acr escentadas de sintomatologia
lente SABC também pode ser considerado. A dose a ser nervosa de característica vagal.
144 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

A peçonha das surucucus possui várias proteínas Sina is clínicos


com atividade enzimática, como fosfolipases A2 (Lm- Os sin ais e sintom as desenvolvidos por an im ais
TX-I) com potente ação in ibitória sobre plaquetas e acidentados com serpentes do gênero Lachesis apresen-
atividade anticoagulante. Sugere-se que essa en zim a tam m u itas sem elhan ças àqueles observados nos aci-
p ossua efeito m iotóxico significativo e ainda envolvi- dentes botrópicos, porém acrescidos de sinais clínicos
mento nas manifestações de neurotoxicidade da peçonha. de tônus vagal, como hipotensão arterial, bradicardia,
Possui ainda serinoproteases com atividade m uito se- sudorese, aumento do peristaltismo gástrico e relaxa-
melhante à giroxina presente na peçonha das cascavéis mento de esfíncteres, com manifestações de cólica ab-
e ainda caracterizadas por p ossuírem ação catalítica dom inal, vôm itos e diarreia.
sobre resíduos reativos de ser ina. Seu principal efeito
está no envolvimento de desordens coagulativas, são Exames e tratamento
ativadoras da proteína C e, consequentemente, ocorre a Os exames laboratoriais complementares são seme-
inibição dos fatores V e V III e d as vias intrín secas e lhantes àqueles aplicados para o acidente botrópico, com
comuns da cascata de coagulação. testes de coagulação sanguín ea, hemograma, funções
Ain da são encontradas n a peçonha das surucucus, hepáticas e ren ais, e a gasometria arterial.
m etaloproteinases dependentes de z n +2 (LHF-I e LH- O tratamento é feito com soro antilaquético ou soro
F-II) que contribuem para o processo hemorrágico - por polivalente antibotrópicolaquético na dose que neutra-
essa razão são denom inadas hem orraginas -, e m aior lize 250 a 400 mg de peçonha. As manifestações graves
absorção da peçon ha, um a vez que lesion am célu las colin érgicas ( estim u lação vagal) devem ser tratad as
endoteliais e contribuem para a ocorrên cia da m ione- sintomaticamente e com uso de sulfato de atropina.
crose, dermonecrose e formação de bolhas. E ainda
oligopeptídeos potenciadores da bradicinina com ação Acidente elapídico
in ibitória sobre a metabolização da bradicin in a e prin-
cipalmente sobre a conversão da angiotensina I em II Acidentes elapídicos são aqueles promovidos p or
e finamente cinin ogenases, que atuam sobre cininogê- serpentes do gênero Micrurus, vulgarmente chamadas de
nio liberando peptídeos vasoativos, como a bradicini- cobras-corais, ibiboca ou boicorá. São da família Elapidae,
n a e as calicreínas participantes da queda da pressão de porte pequeno a médio, podendo ter de 30 cm até 1,20
arterial. m etro. São mun d ialm ente en contradas, haven do n o
Brasil 18 espécies. As mais amplamente encontradas no
Morbidade Brasil são a M. corallinus, encontrada nas regiões sul e
Logo após o acidente, na dependência da quanti- sudeste; a M. frontalis, nas regiões sul e sudeste e ainda
dade de peçonha injetada, o surgimento imediato de na região centro-oeste; e a M. lemniscatus, encontrada na
dor e edem a já se faz n otar. O processo inflamatório região centro-oeste, nordeste e norte do país. Os padrões
exacerbado surge já nas primeiras horas após o aciden- de cores dessas serpentes são bastante variados; são cons-
te; e com o desenvolvimento do edem a e ação proteo- tituídos de anéis coloridos em torno do corp o nas cores
lítica, surgem focos n ecróticos no local do acidente e a preta, vermelha e branca e/ou amarela, que dependendo
possível evolução para a sín drome com partim ental. da espécie se dispõem das mais diferentes formas.
Pela ação das substâncias anticoagulantes presentes na Os acidentes p or essas serpentes são raros, pois
peçon ha, é comum a observação de h em or ragia n o p or ser em serp entes proteróglifas muitas vezes n ão
local da agressão, equimoses no membro afetado e em obtêm sucesso para inocular a peçonha no animal. Po-
casos mais graves, epistaxes e gengivorragias. Assim, rém, apesar de raros os acidentes, quando ocorrem, são
n ota-se que a morbidade é m uito semelhante àqu ela sempre de urgência médica, pois sua peçonha é de alta
observada no acidente botrópico, porém a hipotensão toxicidade.
acom panhada de bradicard ia, su dorese e alter ações
gástricas é de grande preocupação, um a vez que a li- Composição da peçonha
beração m assiva de am inas vasoativas, o efeito vagal e Todas as espécies de cor ais-verdadeiras possuem
ain da a inibição da conversão da an gioten sin a I em peçonhas com atividade neurotóxica. Existem dois tipos
angiotensin a II podem levar a vítim a a desenvolver de neurotoxinas presentes n a peçonha desses animais
uma h ipotensão bastante preocupante, que se não tra- que, mesm o atuando em alvos diferentes das vias co-
tada de for m a adequada pode levar o animal a óbito linérgicas, promovem efeito mórbido semelhante, a pa-
por choque. ralisia flácida.
Capít ulo 14 • Zootoxinas 145

A neurotoxina pré-sináptica (NTX pré-sináptica) é "


ACIDENTES ESCORPIONICOS
encontrada apenas na peçonha das serpentes da espécie
M. corallinus. Possui peso m olecular de 12 a 60 kDa e Os escorpiões, apesar de serem animais tímidos e
atividade fosfolipásica. Essa n eurotoxina interfere no de hábitos noturnos, são os principais responsáveis pelo
influxo de Ca+2 para o inter ior da terminação axonal aumento nos índices de acidentes com animais peço-
colinérgica (pré-sináptico) das junções neuromuscula- nhentos no Brasil. Segundo o Ministério de Saúde, entre
res, impedin do q ue ocorr a a m igração das vesículas 2003 e 2009, ou seja, em seis anos, houve um aumento
contendo acetilcolina e sua liberação na fenda sináptica; de 87% nos casos de acidentes escorpiônicos no Brasil,
n ão h á, assim, neurotransm issor para a promoção da com 45.721 notificações em 2009. Em 2013, as notifica-
contração m uscular. ções som aram 79.481 .
Já as M. fronta/is e M . lemniscatus possuem neuro- Apesar de acidentes escorpiônicos serem raros em
toxinas pós-sinápticas (NTXs pós-sinápticas). Essas são medicina veterinária, são bastante comuns em seres
de baixo peso molecular (:::::l4kDa) e possuem atividade humanos, cuja gravidade do acidente está relacionada
antagonista competitiva colinérgica n a fenda sináptica aos extrem os etários e na relação peso corpóreo/quan-
da junção neuromuscular, bloqueando receptores nico- tidade de peçonha injetada, uma vez que esses animais
tínicos pós-sinápticos e, consequentemente, levando ao causam acidentes ao serem pressionados e, como forma
desenvolvimento da paralisia flácida. de defesa, desferem várias ferroadas na vítima. Segundo
o Ministério da Saúde, esse aum ento que vem ocorren-
Sina is clínicos do no núm ero de notificações em seres humanos se deve
Os sinais clínicos são observados logo nos prim ei- ao desequilíbrio ecológico e também à falta de sanea-
ros m inutos da agressão pela serpente, pois a absorção mento básico próximo às residências nas periferias de
da peçonha ocorre rapidamente. A ação das neurotoxi- grandes centros urbanos, o que atrai insetos - as prin-
nas, ambas pré e pós-sinápticas, leva à paralisia aguda cipais presas dos escorpiões - e, principalmente, grande
do tipo miastênica, que caminha no sentido crânio-cau- presença de entulho, o que proporciona a esses animais,
dal, com ocorrência de ptose palpebral, dificuldade de ambiente perfeito para se alojarem.
deglutição, flacidez e paralisia da musculatura da face, As principais espécies de escorpiões de importância
de músculos orofaríngeos, intercostais e diafragmático, médica pertencem à fam ília Buthidae, gênero Tityus: T.
resultando em dificuldade respiratória, que se não tra- serrulatus, T. bahiensis, T. stigmurus, T. trivitatus, T. cam-
tada pode levar o animal à morte. bridgei e T. metuendus. Porém, a espécie T. serrulatus,
também conhecida popularmente como escorpião ama-
Exames e tratamento relo, é a de m aior importância no Brasil, já que possui
Não há exames clínicos específicos a serem realizados. ampla distribuição no país, que, em parte, é decorrente
A gasometria arterial pode ser de valia para a avaliação da partenogênese que essa espécie apresenta. O T. bah-
do grau de oxigenação sanguínea e possível acidose me- iensis, o escorpião marrom, e o T. stigmurus também são
tabólica, uma vez que há comprometim ento respiratório. responsáveis por vários casos de acidentes no país.
Em relação ao tratamento específico, vale ressaltar
que, apesar de o soro antielapídico ser a melhor opção, Peçonha e sinais clín icos
é bastante dificultosa sua obtenção para o uso veteriná- A peçonha dos escorpiões do gênero Tityus é com-
r io. Deve-se instituir terapia de suporte com o uso cri- posta por uma m istura complexa de proteínas básicas,
terioso da neostigm ina (agente anticolinesterásico) que aminoácidos e sais com atividades farmacológicas he-
impede que a acetilcolina, presente na fenda sináptica, terogêneas, como, por exemplo, a presença de enzimas
seja degradada e, assim , aumenta sua con centração e, pró-inflamatórias, como fosfolipases e hialuronidases,
consequentem ente, gera m aior competição para a liga- fração tóxica essa denominada de tityustoxina. Ainda,
ção aos receptores nicotínicos pós-sinápticos da junção apesar de haver diferenças na constituição da peçonha
n euromuscular. A fisostigmina n ão é indicada para o entre as espécies desse mesmo gênero, todas possuem
tratam ento, porque atravessa a barreira hematoencefá- neurotoxinas, as quais podem atuar de forma seletiva
lica, podendo desencadear efeitos centrais. O tratamen- sobre canais de potássio, cloreto e cálcio. No entanto, a
to com o anticolinesterásico deve ser monitorado e caso sua ação sobre os canais de sódio das membranas exci-
ocorra exacerbação de efeitos colinérgicos, deve-se fazer táveis é a que traz maior preocupação médica, uma vez
uso de sulfato de atropina, inclusive pode ser adminis- que essa ação promove a despolarização das membranas
trada antes da neostigmina. excitáveis e, con sequentemente, liberação maciça de
146 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

n eurotransm issores pós-gan glionares, com o catecola- u m bloquead or alfa- 1-adrenérgico pós-sináptico, que
minas e acetilcolina, e consequente estimulação simpá- resulta em vasodilatação.
tica e parassimpática, levan do ao d esenvolvimento de
,
sintom atologia complexa. ARANEISMO
Assim , os sinais resultantes nos animais acidentados
são caracterizados por dor no local da agressão, sintomas As aranhas, cerca de 40.000 espécies, são encontra-
m uscarínicos, com aumento de secreções, hipermotili- das em p r aticamen te tod o o mundo, com exceção de
dad e gástrica, êm ese e diarreia, acompanhados por al- áreas com cobertura permanentes d e gelo, com o a An-
terações cen trais, com o tremores musculares com mio- tártica. Perten cem ao filo dos Arthropoda, subfilo Che-
clonias, desorientação, agitação, prostração e convulsões. licerata, classe Arachnida, ordem Araneae. As aranhas
Há cardiotoxicidad e caracterizad a por ação direta das habitam os mais diversificados habitats, regiões árid as,
toxinas sobre o tecido cardíaco, com indução de maior florestas úmidas, inclusive a água. Os principais gêneros
influxo de Ca+2 para o cardiom iócito, levando ao in o- d e aranha responsáveis em causar lesões de importância
tropism o e cr on otropism o positivo com alter ação da médica segundo a OMS são a Phoneutria (aran ha-ar-
con t ratibilidad e cardíaca, o que pode gerar, d e forma madeira, aranha-das-banan as), a Loxosceles (aranha-
som atória aos efeitos das catecolaminas liberadas, ar- -m arrom ), a Lactrodectus (viúva-negra) e a Atrax (ara-
ritmias e extr assístoles, taquicardias e alterações n os n ha- teia-d e-funil), sen do essa última en con trad a n a
traçad os Te ST do tipo isquêmicas. Além disso, a h iper- Austrália.
tensão arterial, som ada aos efeitos cardíacos, pode levar Em med icina veterinária, à semelhança dos aciden-
ao desenvolvimento de ed ema agudo de pulmão, a prin - tes escorpiôn icos, os acidentes com aranhas são raros e
cipal causa mortis d o acidente com escorpiões. estes ocorrem ent re os m eses de abril e m aio, períod o
d e acasalamento. Por outro lado, em seres humanos, só
Exames e tratamento em 20 11 foram n otificados 26.143 casos envolvendo
No hem ogram a é com u m se encontrar leucocito- aranhas em um total de 136.000 notificações de aciden-
se com neut rofilia e é sugerida a realização d a bioquí- tes p o r anim ais peçonhentos, segu ndo o Sistema d e
mica sérica para investigação de creatina-quinase (CK), Informação de Agravos de Notificação do Ministério da
creatina-quinase m iocárd ica (CK-M B), lactato-d esi- Saúd e (Sinan/MS). Geralmente, o acidente com aranhas
drogenase (LDH) e aspartato aminotrasferase (AST ), não causa óbito, mas depen dend o d a gravid ade, pode
que, se au m entados, pod em ser indicativos de cardio- prom over m orbidad e severa e trazer sequelas im por-
toxicidad e. A amilasem ia é um achad o em quad r os tantes à vítim a. Mais uma vez, a gravidade é proporcio-
moderados e graves. A realização do eletrocardiograma nal ao peso corpóreo/quantid ade de peçonha injetada,
se faz n ecessária para o acom panh am en to do qu adro causando, na maioria das vezes, alterações locais e rara -
• A •
evolu tivo e tomad as d e decisões. Uma característica mente s1stem1cas.
d o aciden te escorpiônico está relacion ada com a dor
intensa, e o tratam ento é instaurado conforme evolução Acidentes com Ph oneutria
do quadro. Nos casos leves, com manifestação doloro -
sa e o corrên cia d e vôm itos e agitação, ger almen te o Essas aranhas possuem comportam en to bastante
t ratamento é sintomático, tanto em pacientes hum anos agressivo, podendo inclusive saltar sobre quem as amea-
com o em an imais d omésticos. Nos casos que variam ça, colocando-se em posição de ataque, apoiando-se nos
de m oderad o a grave, o tratam en to para an im ais do- dois pares de patas posteriores, e erguendo as anteriores,
m ésticos d eve ser sintom ático, uma vez qu e o t rata- exibind o suas p resas na ten tativa de picar ou "armando
mento específico com soroterapia antiescorpiônica não o bote", daí a origem de seu nome "armadeirà: Possuem
é acessível ao médico veterinário. Nos casos graves com dimensões razoáveis, com 3 cm d e corpo e envergadu-
manifestação parassimpática acentuad a e as alterações ra entre patas de até 15 cm. São de hábitos n otu rn os,
cardíacas evid entes, com b radicard ia e diminuição do não fazem teias, m as buscam reen trâncias d e pared es,
débito card íaco com bloqueio AV, o uso d e atropin a buracos, entre plantas e suas frutas. Quando d entro de
0,0 1 a 0,02 m g/kg tem sido preconizado. Para os qua- d omicílios, podem se abrigar n o interior d e sapatos e
dros hipertensivos, com ou sem edema pulmonar, pode botas, fruteiras, send o as agressões em seres h umanos
ser p reconizado o uso de nifedipina (bloqueador d os geralmente decorren tes do contato acidental da vítima
can ais de Ca+2), 0,5 m g/kg sublingual (d ose emprega- com a aranha em seu abrigo. Em seres humanos, os prin-
da em seres humanos) ou também o uso d e prazosina, cipais locais das agressões ocorrem em extremidad es de
Capít ulo 14 • Zootoxinas 147

m embros, en quanto em anim ais dom ésticos ocor rem vendo a ruptura das plaquetas. Consequente à cascata
n a região da face. de seu efeito proteolítico, a peçonh a acaba desencadean-
do a ativação do sistema complem ento e, consequente-
Peçonha e morbidade mente, a migração d e neutrófilos. A atividade lítica
A peçonha da Phoneutria é constituída de frações dessas enzimas e ainda as atividades citotóxicas de leu-
n eurotóxicas (PhT x l , PhTx2 e PhTx3), que atuam , de cócitos ativados pelo complem ento sobre tecidos adja-
forma geral, n a ativação dos canais de Na+, induzindo centes à lesão, com liberação de quimiocinas e indução
a despolarização de fibras n ervosas, e terminações neu- da agregação plaquetária, promovem isquemia local que
romusculares e autonômicas. Promovem cardiotoxici- resulta em n ecrose seca, característica da peçonha lo-
dade ao in du zirem a liberação de catecolam in as em xoscélica. Apesar de componentes líticos, o acidente não
decorrência da interferência nos canais de Na+, promo- promove, no m omento da picada, dor local. Esse sinto-
vendo cronotropism o e inotropismo positivos, que pode ma surge após 12 horas da picada, evoluindo para ede-
evoluir para taquicardias e arritmias. ma, eritema e dermonecrose, que n a dependência do
grau de gravidade pode ocorrer dentro de 4 a 5 dias. A
Sina is clínicos e tratamento h emólise intravascular pode promover lesão tubular
Os sinais clínicos resultantes do acidente iniciam -se renal decorrente da hem oglobulinemia e evolução para
de form a rápida com man ifestação de dor local, edem a insuficiência renal aguda (IRA). Estudos realizados com
e eritem a n o local da picada. Geralmente, os acidentes a peçonha evidenciaram que esta, ao alcançar a corren-
são leves e caracterizados apen as por dor que pode ser te sanguín ea, pode levar à formação de tromb os em
tratada com analgésicos. Caso h aja evolução para sin- vênulas de órgãos nobres, como pulmões, fígado e rins.
tomatologia gástrica, com êmese e sialorreia, podendo
ocorrer o priapism o, alterações cardiovasculares, com Sina is clínicos e tratamento
hipertensão e taquicardia, que pode evoluir para edem a Noventa e oito por cento dos casos de acidente com
pulm onar agudo, o paciente deve ser tratado sintoma- Loxosceles em seres hum anos evoluem para a forma cutâ-
ticam ente, uma vez que o soro específico antiaracnídio nea da manifestação da toxicose. Como dito anterior-
não é acessível ao m édico veterinário. mente, com ocorrência de edema e eritema que pode
evoluir, após 8 a 12 h, para formação de uma "placa mar-
Acidentes com Loxosceles móreá' caracterizada por área eritematosa que se expan -
de e apresenta, como particularidade, m esclas pálidas ao
São aranhas de cor marrom, daí seu nome popular, redor do tecido eritematoso. Entre 36 e 48 h do acidente,
de dimensões pequen as, medindo entre 1 e 3 cm de é possível se observar no local da inserção das presas a
comprim ento e que se encontram principalmente nas presença de conteúdo sero-hemorrágico e início do pro-
regiões sul e sudeste do Brasil. São aranhas de hábitos cesso necrótico, que avança pelo espaço circunvizinho,
noturnos encontradas em terrenos não m uito úm idos com o princípio do processo cicatricial ocorrendo ao
e nem muito secos, escondendo-se entre plantas, fendas, redor dos 7 dias após o acidente, que dependerá da ex-
sob entulhos, junto às árvores e suas folhas e flores. Ha- tensão da lesão e presença ou não de infecções secundá-
bitam tam bém terrenos peridom iciliares e intradomi- rias para se efetivar. Em virtude da percepção sempre
ciliares, como cantos de armários e gaveteiros, e causam tardia do acidente, uma vez que não há manifestação de
o acidente quando são pressionadas acidentalmente pela dor, raras são as vezes em que o uso de soro específico
vítim a ao manipular utensílios ou vestimentas onde elas antiloxoscélico, disponível apenas para uso humano, se
se encontravam abrigadas. mostra efetivo em prevenir a evolução do quadro necró-
tico. Assim, a terapia sintom ática é sempre instaurada
Peçonha e morbidade no sentido de promover analgesia e antissepsia local.
A peçonha da Loxosceles possui peptídeos e proteínas Ainda, é importante lembrar que alguns pacientes
com atividade enzim ática de ação lítica sobre proteínas, podem apresentar a sintomatologia cutân eo-visceral,
eritrócitos e, ainda, com ação coagulante, resultando, no que, além de promover os efeitos locais já descritos,
local da picada, derm onecrose e, eventualmente, pode evolui para oligúria e anúria (IRA), icterícia e alterações
ocorrer hemólise intravascular, sendo um a das enzimas indicativas de hem ólise. Nesses casos, considerados os
responsáveis por essa atividade a esfingolielinase-D, a mais graves do loxoscelismo, recomenda-se, além do
qual atua sobre as esfingomielinas das membranas plas- uso de anti-inflamatórios esteroid.ais, a hidratação paren-
máticas endoteliais, dos eritrócitos e, também, promo- teral com correção de possíveis distúrbios eletrolíticos.
148 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

ACIDENTES POR ABELHAS Sina is clínicos


Os sinais clínicos desenvolvidos pelos anim ais pi-
Nos idos de 1950 fo ram trazidas para o Brasil abe- cados por abelha depen dem de alguns fatores, como a
lhas (Apis mellifera L.) originárias da África, numa ten- quantid ad e d e ferroadas recebid as e predisposição ge-
tativa de prom over u m p r ogram a d e melhoram en to nética do animal. Vale ressaltar que cães geralmente são
genético n o país, em específico em Camaquã, Rio Cla- os que m ais se acidentam com esses insetos, pelo próprio
ro, São Paulo. Essas abelhas, apesar de mais agressivas, com p ortamen to curioso e latid os constantes que pro-
produziam muito mais mel do que as abelh as europeias, vocam o ataque das ab elhas, segu idos p o r equídeos,
que foram aqui introduzid as entre 1840 e 1850. Porém , prin cipalmen te aqueles que são m an tidos p resos por
h ouve u m acidente n o apiário onde as rainh as dessas cordas para pastejar e não têm com o fugir durante um
abelhas estavam em quaren ten a e ocorreu a enxam ea- ataque. O utro d ado interessante é que animais d e pela-
ção de 26 colmeias. A partir d aí, houve a dispersão d as gem clara (branca) recebem menos ferroadas que animais
r ainhas pelo território brasileiro e a hibridização com d e pelagem escura.
aquelas eu ropeias já residentes n o país, gerando as abe- Em r elação à quan tidade d e ferr oadas, quando o
lhas africanizadas, que, apesar de p roduzirem mais m el, an im al recebe u m a ou p oucas ferroad as, geralmen te
também trouxeram a preocupação com as ocorrências observa-se, n o local da agressão, dor e ed ema d ecorren -
de enxames e ataques a seres h umanos e an im ais, cau- te de processo inflamatório local. Porém , caso o anim al
sando sérias sequelas e m ortes. Atualm ente, essas abe- tenha predisposição gen ética ao desenv olvimen to de
lhas africanizadas estão dispersas em tod o o continen - alergias ou hipersensibilidades, u m a ú nica ferroad a é
te am ericano, e apesar d os esforços de apicultores em capaz d e levá-lo a desenvolver um a reação de hipersen-
p romover cru zamentos na tentativa d e selecionar abe- sibilidade do tipo I, tam bém conhecida como reação
lhas m ais d óceis, os acid en tes ainda ocorrem por toda tipo anafilática, tend o que ser subm etido com u rgência
a Am érica. à interven ção veterinária para reverter o quadro de cho-
que an afilático imunomediado. No en tan to, os quadros
Peçonha de maio r preocupação são aqu eles em qu e ocorrem
A peçonha das abelhas africanizadas é constituída múltiplas ferroadas, levand o o an im al a d esenvolver d e
por uma m istu ra com plexa de en zimas, lipídios ami- imediato agitação, vômitos, hipotensão, fraqueza mus-
noácid os, carboidratos e peptídeos, com o a apamina e cular, taquicardia, taquip neia, arritm ias cardíacas, m ial-
a m elitina. A m elitina é um peptíd eo que perfaz entre gia, n istagm o, convulsões e com a. A for m a aguda da
40 e 60% do peso seco da peçon ha da abelha e p ossui sintom atologia po d e evoluir para óbito decorren te d a
várias atividades biológicas e tóxicas, com o prom otora cardiotoxicidade e ed ema agud o de pulm ão. De form a
de bloqueio neuromuscular, paralisia respiratória e ati- tardia, o quadro pode evoluir para lesão ren al (insufi-
vid ade lítica sobre as m embranas celulares. ciên cia ren al aguda - IRA) causada por hem atúria e
A apam ina (2% do peso seco d a peçonha) é u ma hemoglobinúria, presen ça d e equim oses e hem atom as,
im portan te neurotoxina d e ação m otora (medula espi- rabdom iólise, coagulação in travascular d issem inada
n hal) que interfere na perm eabilid ade iônica das m em - (CID) e coagulopatias.
branas celulares, diminuindo o influxo de potássio, com
consequen te redução do tônus inibitório e, consequen - Exames e tratamento
tem ente, maior propensão ao desenvolvimento de qua- Nos achados laboratoriais é possível verificar a ocor-
dros excitatórios, como espasm os musculares, hiperati- rência d e dim in uição n o hem atócrito com p resença d e
vid ade e convulsões. soro averm elh ado causada por hem ólise intravascular.
A peçonha possui aminas vasoativas, como a h is- No h em ogram a, verifica-se leucocitose com neutrofilia
tam in a e um p eptíd eo MCD (fator degran ulador de com d esvio à esquerda e ainda a presença de eosinófilos.
m astócitos), que prom ovem ação direta sobre os m as- Na urina tipo I é possível verificar a presença de proteinú-
tócitos, levando à sua degranulação e liberação de m ais ria, bilirrubinúria, hematú ria e a p resença de leucócitos.
am in as vasoativas. E, finalm ente, dentre os com postos Ap esar d e est udos estarem sen do realizados n o
presentes na peçon ha da abelha, também são encon - sentid o de desenvolver u m soro antiapílico, ainda não
tradas as en zim as hialu ron idases e fosfolipases A2 com h á tratam en to esp ecífico; p ortanto, o t ratam ento é
. , .
alta atividad e pró-inflamatória e, ainda, u m peptídeo s1n tom at1co.
com propried ades cardiotóxicas que causa arrit mas Vale ressaltar que uma das pr imeiras m edid as ne-
cardíacas. cessárias é p roced er com a retirad a do ferrão. Porém ,
Capít ulo 14 • Zootoxinas 149

quando a abelha insere o ferrão n a vítim a, esse se d es- vegetação e as m anifestações clínicas da exposição po-
taca do abdôm en d a abelha, juntam ente com a glân du- d em ser locais ou sistêmicas.
la p rodutora d a peçonha, a qual con tinua a cont rair-se
e inoculando a peçonha, mesmo depois que a abelha já Veneno, morbidade e tratamento
saiu d o con tato com a pele. Estudos têm evid enciado Estudos têm mostrado que a toxina presente n as
que a raspagem do ferrão tem melhores resultad os clí- lagartas do gên ero Lonomia promove intensa ação fi-
nicos que sua retirada com pinça, uma vez que a pressão brinolítica pela ação d e uma enzima denominad a lono-
da pinça sobre a glândula p resa ao ferrão pod e p rom o - fibrase e, consequentemente, eventos de coagulação
ver maior inoculação da peçonha. intravascular disseminada e quadros hemorrágicos de-
O tratamento deve ser de suporte emergencial, com correntes do esgotamento do fibrinogênio. Estudos com
fluidoter apia e oxigen oterapia. Uso d e adrenalina 0,01 a Lonomia achelous revelaram que essa espécie possui
mg/kg via subcutânea. Benzodiazepínicos para a agitação também uma toxina com atividade u roquinase-like,
e possível ocorrência de quadros convulsivos. Prometa- fator Xa-like e ativad ora d e plasminogên io.
zin a ou out ros anti-histamínicos pod em ser utilizad os A manifestação clínica depend e do grau de exposi-
para minim izar os efeitos alergênicos da peçonha. Alguns ção, podendo ser leve, com alterações locais dolorosas
estudos têm m ostrado que o uso d e corticoides po d e (queimação), presença de prurid o e eritema, pod en do
auxiliar na hipotensão periférica decorrente da liberação form ar ou não bolhas. Em casos de m aior extensão do
m assiva de TNF-alfa após a d egranulação m astocitária, contato, além das m an ifestações locais, os pacientes
com o uso de hidrocortisona n a dose de 60 mg/kg. hu m an os relatam mal-estar com presen ça de cefaleia,
náuseas e dores abominais, que evolui, nos casos graves,
ANIMAIS VENENOSOS para manifestações hem orrágicas com gengivorragias,
• A •
equim oses espontaneas ou por traumas, ep1staxe, e po-
A nimais ven en osos são aqueles que p ossuem as d em ocorrer h ematúria, hematêmese e hem optise, que
toxin as en t remead as em seu tecido ou no in terior d e pode levar a u m qu adro de insuficiência ren al aguda
glândulas, porém sem aparelho inoculador; causam o (IRA), que é a principal complicação por acidentes com
acidente quand o são ingeridos, p ressionados ou apenas Lonomia.
o contato físico é suficiente para a liberação d as toxinas. Em anim ais domésticos, o tratamento indicado para
No Brasil, existem algu mas esp écies de an fíbios e d e o acidente com a lagarta é sintomático. Já para a espécie
lagartas que p rom ovem uma série de aciden tes em ani- humana, o Ministério da Saúde preconiza seguir o pro-
m ais dom ésticos. tocolo com a administração d o soro antilonômico (SA-
Lon), depend end o da gravidade d a exposição:
Erucismo
• Leve: para man ifestação dolorosa local, proced er
O termo erucism o é utilizado para caracterizar os higienização d o lo cal, uso de com pressas frias ou
casos de acidentes ocasionados por lagartas, também geladas, analgesia ou anestesia local e uso de anti-
conhecid as popularm ente com o tatu ranas, m andrová, -histamínicos em d ecorrên cia de prurido.
sauí, ruga, lagarta-de-fogo, entre outros nomes. A lagar- • Moderado: diagnosticado o acid ente e o surgimen-
ta é a forma larval de borboletas e mariposas ( ordem to de distúrbio na coagulação, alterações n o tempo
Lepidoptera). São gêneros d e importância m édica em de coagulação (TC), presença de sangramentos (gen-
seres humanos e animais domésticos, p rincipalmente givorragia), empregar cinco ampolas d e soro espe-
aqueles de companhia, a lagarta do gênero Lonomia. cífico antilonômico (SALon).
As lagartas do gênero Lonomia são caracterizadas • Grave: em complicações decorrentes d as alterações
por serem de coloração marrom-esverdeada, com listras de coagulação, alterações no TC, com sangramentos
longitudinais d e tom m arrom-escuro e amarelo-ocre, em vísceras (sinais clínicos), utiliza-se SALon, 10 am-
com cabeça de cor âmbar e espinhos ramificados e pon - polas e tratamento sintomático e de suporte para evi-
tiagudos no formato d e "pinheirinhos': Com o forma de tar a evolução para insuficiência renal agud a (IRA).
p roteção, elas ten dem a se manter unid as, agregad as, o
que facilita a exposição d a vítima ao veneno presen te Acidentes com anfíbios
sem suas cerdas. São m uito comuns n a região sul e su -
deste do Brasil. Os acidentes tendem a ocorrer em pe- Dentre os anfíbios, vários são sabidamente venenosos,
ríod os quentes e ú m idos, quand o há abun dân cia d e tend o sid o inclusive utilizados aqui na Am érica d o Sul
150 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

para envenenar flechas por ín dios sul-americanos, como A prim eira m edida em ergencial é lavar a boca do
a rã-venenosa-granulada ( Oophaga granulifera, que n a cão por 5 a 1O min u tos para dim inuir a absorção d as
verdad e é um sapo) e outros sapos do gênero Phylloba- toxinas. D eve ser feita a avaliação da temperatura e dos
tes, que são caracterizados por cores fortes e por estarem sinais cardíacos com mon itoração p o r ECG. A lguns
em m atas tropicais e ú midas. autores p recon izam o uso d e atropina para diminuir a
Os sapos d o gênero Rhinella (anteriorm ente d eno- sialorreia, enquanto outros acreditam que a produção
minado Bufo) são de preocupação m éd ico -veterinária e d e saliva auxilia na retirada das toxinas da mucosa b u-
entre eles R. marinus, R. typhonius, R. ictericus e R. alva- cal. No entan to, o tratam ento p ara a m an uten ção do
rius. Essas espécies estão d istribuíd as por tod o o conti- r itmo card íaco é imp rescin d ível com p ropran olol ou
nente americano, não somente na América Latina, sendo verapam il, ten do sido esse último utilizado com bastan -
o R. marinus e o R. alvarius en contrad os tam bém n os te sucesso em cães, porém é contraindicad o em gatos.
Estados Unid os, onde causam acidentes em cães e gatos, Em casos em que o animal m an ifesta m uita dor, é pos-
principalmente os p rimeiros, com o aqui n o Brasil. sível realizar a anestesia; em casos de convulsões, o uso
Os acid entes ocorrem pelo fato de cães serem p re- de barbitúricos é recom endad o, o que p ode inclusive
dad ores naturais de sapos; e ao abocanharem o animal facilitar o m anejo para intubação orotraqueal em casos
este expele a toxina p resente nas glândulas paratoides, graves de intoxicação.
que poderá causar efeitos tóxicos locais ou sistêmicos, O prognóstico da intoxicação d epende d o grau de
caso haja a ingestão e o grau de absorção da toxina. gravidade, porém anim ais não tratados apresentam 100%
d e letalidad e.
Veneno e morbidade
Sapos do gênero Rhinella secretam pela pele ou ar- Acidentes com Pe rreyia fl avipes
mazenam em suas glân dulas paratoides bilaterais loca-
lizad as atrás dos olhos u m a m istu ra complexa conten do Na região sul d o país, a presença de uma larva cha-
am inas biogênicas: adrenalina, n oradrenalina, bufote- mada popularmente de "bicho-mata-porcos': "bich o-da-
ninas e hid robufoteninas, bufotioninas e, ainda, deriva- -chuva'' ou "carestia'', da ordem Hymenoptera, família
dos esteroides, com o bufodien ólide e a bufotoxina. Os Pergidae, gên ero Perreyia, em esp ecífico a esp écie P.
derivad os esteroides se caracterizam p or possu írem flavipes, vem ocasionando intoxicações espontâneas em
m ecan ismo d e ação sem elh ante aos d igitálicos, p ois bovinos, ovin os, suínos e também em coelhos, cuja ma-
inibem a bomba d e sódio e potássio das fibras cardíacas, nifestação é a hepatotoxicidade aguda, que pode levar
fazendo com que h aj a um aumento intracelular de Ca+2 , à m orte.
aumento do in otropism o, porém levando à bradicardia. A Perreyia é um tipo de vespa que põe seus ovos
Mas o problem a m aior d esses d erivad os esteroides está sobre a vegetação em d ecomposição, cujas larvas m e-
n a sua ação na con dução do nod o sinoatrial, com ocor- d ind o 1 mm eclodem no período de m arço. Nos perío-
rência de disparos ectópicos que podem levar a contra- d os d o último estágio larval, podem alcan çar 17 a 22
ções ventriculares prem aturas e evolução para fibrilação mm, e são fáceis de encontrar entre os m eses de m aio a
ventricular. Esses efeitos, acrescid os da ação das aminas setembro, pois são de coloração preta, com aspecto bri-
biogên icas, levam o animal a d esenvolver sintomas sim - lhante e se man têm agregadas, send o ingerid as aciden -
patomiméticos, como taquicardia, aumento da pressão talmente por animais de pastejo, ou devoradas por outros
arterial e broncodilatação. pred adores, causan do intoxicações que se con cen t ram
nesse períod o do ano.
Sina is clín icos e tratamento As m anifestações clínicas apresentadas por bovinos
Os primeiros sinais observados em cães acidentados caracterizam -se por d epressão, p r ostração, icterícia,
com sapos do gênero Rhinella são ganid os e vocalização, d ecúbito lateral com m ioclonia e coma. Relatos apon -
e ainda comportam ento de esfregar as patas na boca e tam que a morte pod e ocorrer até d ois d ias ap ós o
nos olhos. Ocorre sialorreia e palidez d a mucosa oral. O início da sin tomatologia. Na necropsia é possível ave-
animal apresen ta dificuldade respiratória e para se m an - r iguar alterações hepáticas d e caráter agud o. Po rém ,
ter em estação; os sinais pod em evoluir para convulsões, apesar de vários surtos e estudos em diferentes espécies
aumento de temperatu ra e colapso cardíaco com edema animais, pouco se sabe d a(s) toxina(s) presente(s) nes-
agudo d e pulmão e m orte, caso n ão sejam tratados. sas larvas.
Capítu lo 14 • Zootoxinas 151

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Capítulo 15

Drogas ilícitas

Helenice de Souza Spinosa


André Rinaldi Fukushima

~ na como de intoxicação animal, coletados pelo Sinitox


INTRODUÇAO
de 2014 a 2016. É possível notar que os casos registrados
A exposição d e animais às drogas ilícitas não é fre- d e intoxicação h uman a são muito maiores que aqueles
quen te n a clín ica veterinária, porém ela ocorre e, n a d e intoxicação anim al, sugerindo que há um a subnoti-
m aioria das vezes, está relacionada ao atendimento em ficação de casos d e intoxicação anim al. Con tud o, deve
situações de emergência. Geralmente, o proprietário do ser ressaltado que, m esm o com essa p rovável subnoti-
animal reluta em admitir que o animal entrou em con - ficação, há o registro de intoxicação por drogas de abu-
• •
tato com drogas ilícitas. Por esse m otivo, o m édico ve- so em an1ma1s.
terinário d eve estar atento a esse fato e saber reconhecer A intoxicação acid en tal ou intencional por drogas
os efeitos das drogas ilícitas m ais comuns, os sinais clí- ilícitas é mais frequ ente em an im ais d e companhia,
nicos e os tratam entos preconizad os nessas situações. sendo os cães m ais suscetíveis e, ocasion alm en te, os
As informações sobre intoxicações d e animais por gatos e os pássaros. Em animais d e grande porte, a ex-
drogas ilícitas são escassas em todo o mund o. No Brasil, posição às drogas ilícitas tem maior relevância em ca-
os casos de intoxicação por diferentes agentes tóxicos, valos atletas envolvendo o d oping, tem a abord ad o n o
e entre eles as drogas d e abuso, são registrados n o Sis- Capítulo 42. Em outras espécies de animais de grande
tem a Nacional de Inform ações Tóxico-Farm acológicas porte, os relatos são bastante escassos. Um d esses rela-
(Sinitox), o qual tem como p rincipal atribuição coorde- tos envolveu a m orte de quatro bovinos no sul d o Bra-
n ar a coleta, a compilação, a an álise e a divulgação d os sil, os quais ingeriram aciden talmente folhas secas de
casos de intoxicação e envenenamento notificad os n o maconha confundid as com feno.
país. Os registros são realizados pelos Centros de Infor- As drogas ilícitas m ais frequentemente relacionadas
mação e Assistência Toxicológica, localizados em vários com in toxicação aciden tal ou in ten cional de an imais
estados brasileiros. Esse sistema d ivulga anualmente os são aquelas também mais usad as pelo ser hum ano. Os
casos d e intoxicação h umana, de intoxicação animal e relatórios da The United Nations Office on Drugs and
de solicitação de informação. Crime (UNOD C) têm mostrad o que a droga ilícita mais
A Tabela 15.1 mostra o total de casos registrados e consumid a mundialm ente pelo ser humano é a m aconha
aqueles de drogas de abuso, tanto de intoxicação hum a- (cerca d e 192 m ilhões de p essoas, no ano de 20 16); é

TABELA 15.1. Total de casos reg istrados e de d rogas de abuso, tanto de intoxicação humana como de intoxicação animal, cole-
tados pelo Sinitox nos anos de 2014 a 2016
Ano
Intoxicação
2014 2015 2016
Humana Total 88.836 90.774 56 .937

Drogas de abuso 3 .344 (3 ,76%) 3 .653 (4 ,24%) 2 .745 (4 ,82)

Ani mal Total 1.611 1. 668 924

Drogas de abuso 9 (0 ,56%) 4 (0 ,24%) 2 (0 ,22%)


154 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

apontado também o uso de outras drogas como opioides Toxicocinética


e opiáceos, anfetaminas e outros estimulantes, além de
cocaína. Em medicina veterinária, os relatos da litera- A absorção de anfetaminas através do sistem a gas-
tura indicam que os responsáveis por intoxicação com trointestinal é geralmente rápida, embora possa ser mais
m aior frequên cia em cães e gatos são a maconha, a co- lenta com produtos de liberação sustentada. As concen -
caína (crack) e o LSD; as anfetam inas ap arecem com trações plasmáticas máximas de anfetamina ocorrem 1
menor frequência. a 3 h após a ingestão, exceto quando da ingestão de um
produto de liberação sustentada.
ANFETAMINAS As anfetaminas são altam ente lipossolúveis e atra-
vessam rapidamente a barreira hematoen cefálica; atin-
O term o anfetam in a refere-se especificam ente à gem também os rins, fígado e pulmões, não se deposi-
alfametilfeniletilam in a e n o plural é usado p ara des- tando n o tecido adiposo.
crever um grupo de compostos relacionados que pos- A biotransformação é hepática, sendo as duas prin -
suem atividade estim ulante do sistem a nervoso cen - cipais vias a hidroxilação e a desaminação. Os produtos
tral (metilfenidato; 2,5-dimetoxi-4-bromoanfetamina desam inados podem ser oxidados e conjugados com a
ou "DOB"; 2,5- dimetoxi-4-m etilam p het am in e ou glicina. São produzidos metabólitos ativos.
"DOM" etc.) e/ou alu cin ógen as (por exem plo, 3,4 A anfetam ina e os seus metabólitos são excretados
metilenodioximetanfetamina - M DMA - ou "êxtase", principalmente na urina e m uito p ouco na bile. Cerca
(C
ecstasy .
")
de 8% da dose de sulfato de an fetam in a é excretada
Em medicina veterinária as anfetaminas não têm inalterada na urina em suínos e 30% em cães. A taxa de
uso terapêutico e em medicina humana são empregadas excreção é significativamente aumentada pelo declínio
para controlar o apetite em pacientes obesos (anorexí- do pH da urina. A anfetamina é quase totalmente eli-
genos), para tratar narcolepsia, depressão e transtorn o minada em cerca de 6 h em cães com um pH urinário
do déficit de atenção com h iperatividade (TDAH) em m édio de 7,5 e em 3,3 h se o pH ur inário estiver em

crianças. torno de 6,0 .
As anfetam inas no comércio ilegal são ch amadas
de "rebite" pelos motoristas que precisam dirigir duran- Mecanismo de ação
te várias h or as seguidas sem descan so, e conh ecidas
como "bolinhá' por estudantes que querem passar noi- Os efeitos centrais e periféricos das anfetaminas
tes inteiras estudando. O êxtase é usado em festas rave, são devidos a ações diretas em receptores alfa e beta-
clubes e boates. -adren érgicos, ao aumento da liberação de catecola-
min as, particularmente da n orepinefr in a, à inibição
Fontes de exposição da monoamina oxidase (MAO) e à inibição da recap-
tação de catecolaminas. As anfetaminas também pro-
Em animais de com panh ia, o risco de exp osição movem a liberação de serotonina e dopamina, e atuam
m ais provável é a ingestão acidental de p rescrição de diretam ente nos receptores de dopamina.
anfetamin as usadas p elos proprietários dos an im ais, O M DMA, em particular, aum enta a liberação de
bem como a exposição dos animais às drogas ilegais. O neurotransmissores, incluindo serotonina, dopamina e
doping ilegal é um possível risco de exposição para equi- norepinefrina, bem como inibe a MAO. Os efeitos alu-
nos atletas. cinógenos têm sido atribuídos à liberação de serotonina
e a inibição de sua recaptação. O MDMA liga-se dire-
Toxicidade tam ente a algun s receptores, com o os receptores da
serotonina do tipo 2 (5-HT 2), receptores alfa2 -adrenér-
Foi relatado que 1O m g/kg de anfetamina, por via gicos, receptores muscarínicos M 1 e receptores de his-
intraven osa, leva cães ao óbito dentro de 3 h . A dose tamina H 1, com menor afin idade pelos receptores 5-HT1,
letal 50% (DL50) oral, em cães, de sulfato de anfetamina de dopamina, alfa 1 e beta-adrenérgicos.
é de 20 a 27 mg/kg e p ar a a met an fetamin a d e 9 a A utilização das anfetaminas no tratamento da obe-
100 m g/kg. sidade se deve à redução do consumo de alim entos,
A DL50 oral do MDMA em r atos está entre 160 e atuando n o centro da fom e localizado no h ipotálam o
325 mg/kg. Em cães, a dose de 15 m g/kg, por via oral, lateral, provavelm ente promovendo aum ento da libera-
causou sinais clínicos graves e até óbito. ção de norepinefrin a e/ ou dopamina.
Capítulo 15 • Drogas ilícitas 155

Sinais clínicos de água fria ou toalhas úmidas, ou a lavagem gástrica


com água fria. No entanto, a resposta de tremores au-
Os sinais clínicos com uns de intoxicação por anfe- menta a temperatura corporal.
taminas em animais são midríase, h iper atividade, in - As arritmias cardíacas no paciente com sobredo-
qu ietação, trem o res e convulsões, comp ortamentos se de anfetamina geralmente se resolvem com o tra-
estereotip ados r epetitivos e, ocasion almente, ataxia e tam ento dos sintomas do sistema nervoso centr al. O
depressão. Pode ocorrer hiperterm ia secundária às con- uso de betabloqueadores pode levar a vasoconstrição
vulsões e à vasoconstrição periférica. Foram relatadas mediada por receptores alfa-adrenérgicos e espasmos
também taquicardia e contrações ventriculares prema- da ar téria coron ária. A lidocaín a, procainamida ou
turas, h ipertensão ou ocasionalmente hipotensão. amiodarona têm sido recomendadas para tratar arrit-
Em cães que vieram a óbito por sobredose (overdose) m ias ventriculares.
de anfetaminas foram descritas coagulação intravascular A acidificação urinária com ácido ascórbico ou clo-
dissem inada secundária à hiperterm ia e à insuficiência reto de amônio aumenta a excreção de anfetam in as, mas
respiratória, bem como hemorragias cerebrovasculares não deve ser realizada na presença de acidose ou rab-
em decorrência de hipertensão, hipoglicem ia, acidose domiólise ou se o equilíbrio ácido-base não puder ser
láctica e insuficiência cardíaca. Nos exames de bioquími- monitorado. O tratamento para acidose e rabdomiólise
ca sérica, além de acidose láctica e hipoglicemia, são ob- envolve diurese e alcalinização do fluido.
servadas hipercalemia, hiperfosfatem ia e enzim as hepá- O suporte respiratório é por vezes necessário.
ticas elevadas, como alanin a transaminase, fosfatase
alcalina e aspartato transaminase. A rabdomiólise pode MACONHA
causar insuficiência renal, que é evidenciada pelo aumen -
to da creatina quinase e pela mioglobinúria. A m aconha é o nome dado no Brasil à Cannabis
Em cavalos que receberam baixas doses de anfeta- sativa, uma planta herbácea nativa da Ásia Central e
min as foram observados aum ento n a frequên cia car- Meridional, amplamente cultivada em várias partes do
díaca durante o repouso e o exercício, aumento da pres- mundo, sendo conhecida como hashishi ou haxixe, bangh,
são arterial, bloqueio atrioventricular de segundo grau ganja, diamba, marijuana, marihiana.
e contrações ventriculares prematuras. Essa planta é conhecida a mais de 5.000 anos, sendo
usada para fins recreativos, medicin ais e também em
Tratamento rituais religiosos. A posse, o uso ou a venda da maconha
começou a se tornar ilegal no início do século XX em
O prognóstico para os animais que ingeriram anfe- diversos países ocidentais. Ultimamente, no início do
taminas depende da dose, do tempo entre a exposição e século XXI, alguns países começaram a liberar o uso da
o início do tratamento e da gravidade dos sinais clínicos. maconha sob certas circunstâncias e pesquisas recentes
A descontaminação gastrointestinal é indicada den - têm reconhecido os efeitos ben éficos da maconha ou
t ro do período de até 2 h após a ingestão. O carvão dos princípios ativos extraídos dela como estimulante
ativado e o uso de catártico podem contribuir para a do apetite, para a redução ou abolição de náuseas e vô-
redução da absorção das anfetaminas. mitos produzidos por antineoplásicos e efeito anticon-
Os animais devem ser cuidadosamente monitorados vulsivante em alguns casos de epilepsia refratária.
quanto aos sintom as neurológicos, hipertermia, arritmias
cardíacas ou insuficiência respiratória. Os exam es bio- Fontes de exposição
químicos basais devem ser realizados para monitorar a
hipoglicemia, anormalidades eletrolíticas, acidose lác- A maconha consiste nos caules, folh as e flores secos
tica, m ioglobinúria, danos hepáticos e renais. da Cannabis sativa, os quais são picados. Esse material
A estimulação externa deve ser mantida mínim a para é consumido pelo ser human o por in alação ( cigarros
ajudar na prevenção da atividade convulsiva. O diazepam artesanais, cachimbos etc.) ou por via oral ( chás, biscoi-
pode, paradoxalmente, exacerbar os sinais clínicos das tos etc.). Em animais, a exposição geralmente é por in-
anfetaminas, por isso é contraindicado. A clopromazina gestão do m aterial fornecido ilicitamente pelo proprie-
e o haloperidol são indicados pelo fato de bloquearem tário do animal e, menos frequentemente, pela exposição
receptores alfa-ad renérgicos e dopaminérgicos. à fumaça do cigarro elaborado com a planta.
A hipertermia pode ser tratada pelo uso de fluidos Deve ser salientado que, com a liberação do uso da
intravenosos frios, bolsas de gelo, ventiladores, banhos maconha em certas circunstâncias em algumas localidades
156 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

dos Estados Unidos, recentemente, relatou-se aumento nervoso central, localizado em terminais nervosos pré-
concomitante n o número de casos de intoxicação de sinápticos e é responsável pela m aioria dos efeitos n eu-
cães por essa planta ou seus derivados, atendidos nas rocomportamentais dos canabinoides. O receptor CB2
emergências de hospitais veterinários. está presente em órgãos e tecidos periféricos.
Os prin cipais agonistas endógen os de receptores
Toxicidade CBl e CB2 são os derivados do ácido araquidônico. A
etanolamina araquidonoil foi o primeiro en docan abi-
O principal constituinte da maconh a é o delta-9-te- noide descoberto e chamado de an andamida (em sâns-
traid rocanabinol (THC). Além do THC, a m aconha crito ananda significa felicidade, prazer). Posteriormen -
possui mais de 60 can abinoides, como, por exem plo, o te, outros en d ocanabin oid es fo r am identificad os:
canabidiol e o canabinol. A quantidade de THC na plan- glicerol 2-araquidonoil (2-AG), dopamina N-araquido-
ta pode variar, depen dendo do solo, clima, estação do noil (NADA), éter glicerol 2-araquidonoil (n oladina) e
ano, época de colh eita, tempo decorrido entre a colhei- etanolam ina 0 -araquidonoil (virodamina). Os endoca-
ta e o uso, dentre outros fatores. Em geral, a m aconha nabin oides podem se acoplar a outros receptores além
possu i cerca de 4,5% de THC; n o México existe um a do CB 1 e do CB2, com o, por exem plo, ao receptor po-
variação genética da maconha (sinsemilla, sem sem en - tencial transitório de van iloide tipo- 1 (TRPVl - deno-
tes) que pode ter entre 7,5 e 24% de THC. minado anteriorm ente de receptor de capsaicina).
A dose letal m ínima oral de THC em cães foi des- Os en docanabinoides são neurotransm issores atí-
crita como sendo superior a 3 g/kg, que é cerca de 1.000 picos, pois a transm issão das infor mações é feita dos
vezes superior à dose que produz alterações comporta- term inais pós-sinápticos para os pré-sinápticos (form a
mentais no cão, indicando ampla margem de segurança. retrógrada), além de serem sintetizados sob demanda e
não serem arm azen ados em vesículas. A síntese ocorre
Toxicocinética nos neurônios pós-sinápticos após o influxo de cálcio e
subsequente ativação das fosfolipases, que convertem
A absorção por via oral do THC é variável tanto n o os fosfolipídeos em en docanabinoides. Estes atingem a
ser humano com o nos cães, sendo que alimentos gor- fe nda sináptica e se acoplam aos receptores CB 1 pré-
durosos podem aum entar su a absorção; o início dos -sinápticos. Assim , por meio de um a rede complexa de
efeitos ocorre entre 30 e 60 minutos. Por via in alatória, processos de sin alização intracelular, a ativação dos
os efeitos do THC iniciam -se entre 6 e 12 minutos. receptores CB 1 resulta n a dim inuição no in fluxo de
Em seres humanos, a ligação às proteínas séricas do cálcio n os terminais axônicos, prom oven do a diminui-
THC varia entre 97 e 99%, e o pico plasm ático ocorre ção da liber ação do neurotran smissor. A ativação do
entre 2 e 3 horas. receptor CB2, que está presente principalmente em cé-
O THC é bastante lipossolúvel, distribuindo-se n o lulas do sistem a imun itário, parece mediar efeitos imu-
tecido adiposo, fígado, sistema nervoso central e rins. A nossupressores.
biotransformação do THC é h epática e ocorre rapida-
m ente; 10 a 15% do THC e seus metabólitos são elim i- Sinais cl ínicos
n ados pelo rim e o restante é elim inado pelas fezes por
m eio da bile. A meia-vida inicial do T HC é curta, em Os sinais clínicos da intoxicação por m aconha n o
razão de sua lipossolubilidade, porém , como pode se cão são sem elhantes àqueles descritos no ser humano.
depositar n o tecido adiposo, sua meia-vida biológica é Os sinais atribuídos à ação no sistem a nervoso central
de 2 h e de seus m etabólitos é de 35 h . são: depressão, ataxia, midríase, desorientação, distúrbios
comportam entais, hiperestesia e recumbên cia; é menos
Mecanismo de ação frequente a ocorrência de estupor, trem or e convulsão.
A exposição por via oral pode causar leve irritação do
O THC atua no sistem a endocanabinoide, que foi trato gastrointestinal e vômito. A hipotermia pode ser
descoberto no final do século XX. Esse sistem a é cons- também observada em cães intoxicados por m aconha
tituído pelos receptores canabinoides (CBl e CB2), pe- e é menos comum a ocorrência de hipertermia, bradi-
los agonistas endógen os, pelas enzim as envolvidas no cardia, vocalização e o comer com pulsivo.
seu m etabolismo e pelo transportador de membrana. Em bovinos, os sinais clínicos têm início 20 h após
Os receptores CB1 e CB2 são receptores acoplados a ingestão da planta seca, sen do observados trem or
à proteína G. O receptor CBl está presente n o sistema muscular, sialorreia e mid ríase. Os animais apresentam
Capítulo 15 • Drogas ilícitas 157

relutância para mover-se e incoorden ação m otora. Foi Fo nte de exposição


relatado que de cinco bovinos intoxicados, quatro mor-
reram em um período de 3 dias e um se recuperou sem A cocaína é a segunda droga ilícita m ais usada pelo
t ratamen to; esses animais já estavam debilitados pela ser humano no Brasil (a primeira é a m aconha), por esse
escassez de alimento. motivo não é surpresa que também seja responsável por
Em equinos foi d escrita intoxicação pela ingestão intoxicação em animais. Os relatos de intoxicação pela
da planta fresca, sendo observad os dispneia, tremores, cocaín a são mais comun s em cães, inclusive em cães
hipoterm ia, sialorreia, sudorese, recumbência e morte farejad ores d a polícia. Já foi citad o caso de intoxicação
dent ro de 30 m inutos. por cocaína em gato, bem como em cavalos atletas, para
melhorar o seu desempenho.
Tratamento
Toxicidade
O tratamento é principalmente sintomático e de ma-
n utenção. Considerand o que é larga a m argem d e segu- As folhas secas de Erytroxylon coca possuem peque-
rança dos canabinoides, raram ente ocorre o óbito do na quan tidade de cocaína, cerca de 0,52%. A pasta de
anim al. Se o animal ingeriu grande quantid ade de maco- cocaína pode conter muitas impurezas, possuindo entre
nha, a d escontamin ação do trato gastroin testinal se faz 20 e 85% d e sulfato de cocaína. O refino da pasta origi-
necessária para reduzir a absorção do agente tóxico. Se o na a cocaína em pó, que está na forma de cloridrato de
anim al m ostrar sinais d e depressão do sistema nervoso cocaína, cuja pureza varia entre 30 e 90%.
central, a indução da êmese é contraindicada, porém O crack pode ser obtido d a pasta de coca ou do
recomenda-se o uso de carvão ativado e de catárticos para clorid rato de cocaína, enquanto a merla pode ser obtida
impedir a absorção digestiva e o ciclo êntero-hepático do a partir d as folhas d e coca ou da pasta de coca. Tanto o
agen te tóxico, o que reduz a duração dos sinais clínicos. crack como a m erla podem con ter muitas impurezas.
Geralmente, o prognóstico é muito bom, dependen- A D L50 de cocaína para o cão, por via intravenosa,
do da d ose e d a via de exposição. A recuperação do varia en t re 3 e 13 mg/kg. Em gatos foi relatada a d ose
animal ocorre entre 24 e 72 h, se a planta é ingerid a, e letal mín ima de aproximad amente 7,5 m g/kg por via
de algumas poucas horas, se inalada a fumaça d o cigar- intravenosa e d e 16 mg/kg por via subcutânea.
ro soprada no animal.
Toxocinética
COCAÍNA E CRACK
A cocaína é bastante lipossolúvel, sendo rapidamen-
A cocaína é um alcaloide encontrad o nas folhas d e te absorvida por todas as mucosas, com o a nasal, da
u m a planta arbustiva cham ad a Erytroxylon coca, vul- cavidade oral, do trato gastrointestinal e a alveolar. Cer-
garmente chamada de coca ou epadu; esse últim o nome ca de 20% da dose ingerida é absorvida.
é d ado pelos índ ios brasileiros. Essa planta é n ativa d os Dependendo d a via de uso da cocaína, há diferenças
And es, na América do Sul; as folhas são mascadas pelos na velocidade de absorção, intensidade e duração dos efei-
povos an dinos para ajudar a suportar as tem peratu ras tos. Na espécie humana, o crack e a merla, como são fum a-
baixas e respirar melhor n as grand es altitud es da cor- dos, são absorvidos por via pulmonar. Como o pulm ão é
dilheira dos Andes. O consumo das folhas é feito também um órgão intensamente vascularizado e com grande su-
n a forma de chá nos países em que a prática é permiti- perfície, a absorção da cocaína é muito rápida, ganhando
da, como no Peru. imediatamente a circulação cerebral. Em 1Oa 15 segundos,
A m aceração das folhas da coca, mistu rad a a deter- os primeiros efeitos centrais já são observados, enquanto
minados p rodutos químicos, p roduz uma pasta d e na- os efeitos decorrentes da aspiração do pó (absorção pela
tureza alcalina denomin ada pasta de cocaína. O refino mucosa nasal) acontecem após 10 a 15 minutos e a admi-
dessa pasta origina a cocaína em pó ( cloridrato d e co- nistração por via intravenosa, cerca de 3 a 5 minutos.
caína), apr esen tação mais conhecida em n osso meio, A duração d os efeitos d o crack inalado também é
sendo cheirada ou injetada, por ser h id rossolúvel. O muito rápid a; em m édia, duram em torno de 5 minutos,
crack e a m erla (mela, mel ou m elado) são a cocaína em enquanto após injetar ou cheirar a cocaína, em torno de
sua fo rma de base livre, os quais são fu mados. Ambas 20 a 45 minutos, respectivamen te.
apareceram no Brasil a partir de meados dos anos de A cocaína é hidrolisada pelas esterases plasmáticas,
1980 e perm anecem até os dias de hoje. forman do metabólitos hidrossolúveis, como a benzoi-
158 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

lecgon ina e a ecgonina metil éster ; en zimas hepáticas O tratam ento d a in toxicação é sintom ático e d e su-
também participam da biotransform ação d a cocaína. porte, os quais in cluem m anutenção d a temperatura cor-
Até 20% d a cocaína pod e ser eliminad a d e forma poral (temperatu ra ambiente, banhos e fluid os frios), do
inalterada pela urina. Os metabólitos da cocaína também equilíbrio acid obásico e eletrolítico, bem como monito-
são eliminados pela urina, quer na form a conjugad a ou ramento da função cardíaca e respiratória. O controle das
n ão conjugada. convulsões pod e ser feito com o uso de diazepam.

Meca nismo de ação LSD

A cocaína au menta a liberação das catecolam inas O LSD (dietilamida do ácido lisérgico) é uma dro-
(dop amina, n orepinefrina e epinefrina) e bloqueia a ga alucin ógena, semissintética, derivada do ácido lisér-
r eceptação d e dopam ina, norepinefrina e seroton ina, gico. Esse últim o é u m a substância natural produzid a
aumentando a con centração d esses neurotransmissores pelo fungo Claviceps purpúrea, que parasita o centeio
n a fend a sináptica. (esporão d o cen teio). O LSD foi sintetizado, em 1938,
A norepin efrina do tálamo está envolvida com o por Albert H ofmann, u m químico de produtos natu rais
apetite, a tem peratura corporal e o sono. d a Sandoz A.G. Pharmaceutical Compan y (Basileia,
A cocaína tem efeito direto no miocárdio, no qual Suíça), que aciden talmen te descobriu os efeitos da d ro-
bloqueia os canais de sódio, causand o d istú rbios d a ga sobre si próprio, em 1943, ao en t rar em con tato di-
con dução cardíaca. A cocaína aum enta a concentração reto com a droga. D urante a década d e 1950, o LSD foi
de cálcio d entro do miócito, pode p romover despolari- introduzid o na comun id ade m édica com o u ma ferra-
zação durante o intervalo d iastólico e fibrilação ventri- m en ta exp erimental para in duzir estados p sicóticos
, . . .
cular. A dem an da de oxigênio pelo coração está aumen- tem porar1os e, posteriormente, em tratam entos ps1co-
tad a e pod e h aver constrição d os vasos coron arianos, terapêuticos. No fin al d a década de 1960, as p essoas
causand o o infarto. com eçaram a usar o LSD para fins recreativos e espiri-
tuais, levando à form ação d e um "movimen to psicodé-
Sinais clín icos lico" durante os protestos estu d antis in ternacion ais
d aquela época. Embora a partir de mead os dos anos d e
A cocaín a possui u m potente efeito psicoestim u- 1960 o LSD tenha se tor nado u ma droga ilegal, o seu
lante. Em cães p rodu z h iperexcitabilidad e, trem o res uso tem se mantido até os dias de hoje.
m usculares, convulsões, mid ríase bilateral, sialor reia,
ataxia, taquicardia, hipertermia, h ipertensão e êm ese. Fo ntes de exposição
Em cavalos, após a administração intraven osa d e
pequena dose de cocaína, foi descrito aumento do esta- Geralmente, a intoxicação por LSD é acidental, quan-
do de alerta, irritabilidade, tremor muscular, vocalização d o o animal (usualmen te o cão) tem acesso à droga do
e comportamen to estereotipado. seu proprietário, ingerindo os micropontos ou papéis
impregnados com a droga.
Tratamento
Toxicidade
A descon tam inação d o trato gastrin testinal pode
ser feita em cães que ingeriram a cocaína, porém esse Em seres humanos não foi relatada morte por over-
procedimento deve ser feito n um curto espaço de tem - dose d e LSD, mesm o quando foi usada acid entalmente
po ap ós a ingestão porque essa d roga é rapidam en te em d ose m uito alta (foi confundida com cocaína), ten -
absorvid a. A indução da êm ese pod e precipitar a ocor- d o sid o descrito estado com atoso, h ipertermia, vôm itos,
rência de convulsões. A lavagem gástrica pode ser útil san gram ento gástrico leve e p roblemas respiratórios.
se o animal ingeriu grand e quantidade d e cocaína. A D L50 em animais varia com a espécie, sendo o
Cães farejad ores podem se intoxicar ao morder a coelho a espécie m ais sensível, com DL50 de 0,3 m g/
cocaína embalad a, aspirando o pó ou ingerindo a droga kg por via intravenosa. A DL50 d e ratos foi de 16,5 mg/
em balada. A remo ção da cocaín a em balada d o trato kg, por via in t raven osa, e d e camundon gos foi de 46 a
gastrintestinal, por en doscopia ou cirurgicamente, d eve 60 mg/kg, por via intravenosa. Esses animais apresen-
ser feita com cuidad o para não romper o envoltório ou taram paralisia e insuficiência respiratória. Em macacos
causar obstrução. (Macaca mulatta) que receberam u m a dose alta de LSD
Capítu lo 15 • Drogas ilícitas 159

(1 m g/kg, p or via intraven osa) n ão foi observado ne- descritos agitação, andar compulsivo, incapacidade de
nhum efeito som ático duradouro. reconhecer o proprietário e tentativa de saltar da m esa
de aten dimento da clín ica sem demonstrar medo da
Toxocinética altura; no exame físico constataram -se estado m ental
de alerta, taquicardia, taquipneia, m id ríase, andar com -
Em seres hum anos, o LSD é rapidamente absorvido pulsivo e ataxia.
após a ingestão. O pico de concentração plasmática ocor-
re em 6 h e aproximadamente 80% do LSD encontra-se Tratamento
ligado às proteínas. A biotransformação é hepática, for-
m ando um metabólito in ativo. A via de elimin ação prin- Não h á relato de m or te causada p ela intoxicação
cipal é fecal (80%), com meia-vida de eliminação de 2 a por LSD. O tratam ento da intoxicação é sintom ático e
5 h. Os efeitos podem persistir por 12 h . de suporte. Com o a d roga é rapidamente absorvida e os
efeitos são autolimitantes, não se torna necessária a des-
Meca nismo de ação contaminação do trato gastrointestinal. O animal deve
ser m antido em ambiente tranquilo, escuro e com esti-
O LSD é estruturalmente similar ao neurotransmis- mulação sensorial m ínima. A administração de diazepam
sor serotonina (5-hid roxitriptamina - 5-HT ). Com o os pode ser feita se houver agitação grave.
dem ais alucinógenos indólicos, acredita-se que o LSD
atua principalmente com o antagonista de receptores da BIBLIOGRAFIA
serotonina. A atuação em receptores 5-HTzA parece ser
r esponsável pelos efeitos alucin ógenos do LSD; esses 1. BARFIELD, D .M.; PEGRUM, S.A.; SNOW, D.; et al. Pupillary
receptores estão localizados em células piram idais do dilation, tachycardia and abnormal behaviour in a young cat.
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5. DEVANE, WA.; DYSARZ, F.A.; JOHNSON, M .R.; et al. Deter-
em sítios 5-HT 1A pós-sinápticos. O LSD tem alta afini- mination and characterization of a cannabinoid receptor in rat
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receptores 5-HT 2c, 5-HT5A, 5-HT6 e 5-HT7 foram des- 7. FONSECA, B.M.; COSTA, M.A.; ALMADA, M.; et al. O sistema
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Já foi relatado também que o LSD causa aumento da tica Portuguesa, v. 2, n . 2, p. 97-104, 2013.
8. GIOVANELLI, D.F.; GIOVANELLI, O.B.; ALBERTON, L.R.; et
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cias_psicotropicas_para_educadores_ e_profissionais_ da_saude/
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Seção 3
Praguicidas
Capítulo 16

Considerações gerais sobre


os praguicidas

Helenice de Souza Spinosa

~ p ara reduzir a densidade de frutos ou in ibidores de


INTRODUÇAO
germ inação, e substân cias aplicadas a culturas antes e
Nos capítulos 16 a 21 são abordados tem as referen- depois d a colheita para p roteger o pro duto contra a
tes à toxicologia dos praguicidas. Para padron izar os d eterioração durante a estocagem e o transporte. São
termos empregad os nesses capítulos, alguns conceitos excluídos desse conceito os fertilizan tes, n utrien tes de
são apresentad os a seguir. origem vegetal ou animais, aditivos alimentares e m e-
Praga (d o latim plaga) refere-se a tudo aquilo que dicam en tos de uso veterinário.
ataca, lesa o u transmite enfermidad e às plantas, aos A legislação brasileira refere-se aos praguicidas como
animais e ao homem, como, por exemplo, ervas daninhas, agrotóxicos (Lei Federal n. 7.802, d e julho d e 1989),
fungos, insetos, carrapatos, aracnídeos, roedores ou qual- con ceituand o-os com o:
quer outra form a de vida vegetal ou animal consid era-
da danosa à saúde e ao bem -estar do hom em, à lavou ra, os produtos e os agentes de processos físicos, químicos
à pecuária e seus produtos e m atérias-prim as alim en- ou biológicos destinados ao uso nos setores de produção,
tares. Já o term o praguicida (a term inação latina cida no armazenamen to e no beneficiamento de produtos
significa matar) refere-se a u ma substân cia quím ica, agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas
natu ral ou sintética, em pregada para m atar, repelir ou ou implantadas, cuja finalidade seja alterar a composição
m itigar as p ragas. da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação dano-
O term o pesticida é usado inad equadamente (an- sa de seres vivos considerados nocivos.
glicismo) como sinônim o d e p raguicida em função do
termo inglês pesticide, em que pest significa, em verná- Atualmente, está send o d iscutido no legislativo bra-
culo, praga. No entanto, o termo em português peste (do sileiro um projeto de lei (PL do Senado n . 6.299/2002)
latim pestis, m eio de destruição, m orte, flagelo) corres- que t rata da revisão d a legislação brasileira de agrotó-
pond e a plague em inglês. xicos, visan do modernizar os termos e procedimentos
O Cod ex Alim en tarius - p rogram a conjunto da vigentes, com o objetivo de m elhorar a eficiên cia do
Organ ização d as Nações Unid as para Agricultu ra e Ali- registro d esses p rodutos; esse p rojeto p ropõe a substi-
m en tação (FAO) e da Organ ização Mun d ial da Saúd e tuição do term o agrotóxico por pesticida.
(OMS), criado em 1963 - con ceitua praguicida (pesti- Vários outros termos são também usad os como
cide) com o qualquer substân cia destinada a preven ir, sinônimo d e praguicida, como, por exemplo, defensivo
destruir, atrair, repelir ou combater qualquer praga, in - agrícola, defensivo agropecuário, produto fitossan itário,
cluindo as espécies indesejáveis de plantas ou de anim ais, agroquímico, biocida, dentre outros. O term o d efensivo
durante a produção, armazenamento, transporte, distri- é mais emp regad o pela indústria produtora dessas subs-
buição e elaboração de alimentos, produtos agrícolas ou tân cias químicas, enquanto os ambientalistas p referem
ração animal, ou que possa ser adm inistrada aos animais o termo agrotóxico, ressaltando a polêmica que existe
para combater ectoparasitas. O term o inclui as substân- no uso d esses termos.
cias d estinadas à utilização como regulad ores de cres- Há, ain da, denominações com conotação m ais res-
cimento para plantas, desfolhantes, dessecantes, agentes trita, referindo-se à atuação específica sobre determina-
164 To xicolog ia aplicada à medicina veterinária

da praga (Quad ro 16. 1). Entretanto, essa conotação não


exclui a possibilidade de que determinado praguicida 1 AT I Aves de ra pina
seja útil também para o controle de outro tipo de praga.
Entre os con ceitos envolvendo os praguicid as e a
/
1 AT I Peixes grandes
ecotoxicologia (veja o Capítulo 39), encontram-se os
termos bioacumulação e biomagnificação . A bioacu-
1
/
AT I Peixes pe quenos
mulação refere-se à transferência de determinada subs-
tân cia química (por exemplo, um praguicida) presente /
n o m eio ambiente (ar, água, solo) para um organismo 1 AT I Zooplâncton

vivo, n o qual as concentrações observadas são muito


superiores às do meio. A bioacum ulação pode levar à 1
/
AT I Aut ótrofos
biomagn ificação, que é definida com o o aumento da
concentração de uma substância química (por exemplo, 1 AT I Água
/
o praguicida) nos tecidos dos organismos à medida que
se encontra em um nível trófico superior. A Figura 16. 1 FIGURA 16.1. Esquema ilustrativo da b ioacumulação do
ilustra esses fenôm enos. agente tóxico (AT) ao longo da cadeia al imentar, mostrando
Geralm ente, o praguicida (ingrediente ativo) preci- que a concentração do AT aumenta à medida que se eleva
sa ser acrescido de alguns elementos inertes ( como óleo, o nível trófico, evidenciando o fenômeno de biomagnificação.

água, solventes, aditivos ou adjuvantes) para que possa

QUADRO 16.1. De n o min aç ão d o praguicida e m fun ç ão do estar comercialmente d isp on ível sob a fo rma de um
organ ism o -alvo produto eficiente e seguro. Essa m istur a é con hecida
Organismos-alvo Denominação do p ragu icida como formulação, na qual o princípio ativo encontra-se
Animais verteb rados na concentração ideal para a sua manipulação, aplicação
• Aves, pombos • Avicidas, columbicidas e transporte. A escolha da melhor form ulação depende
• Morcegos • Vampiricidas
da praga que se deseja combater e da sua suscetibilida-
de, da fase-alvo do ciclo de vida da praga, da forma de
• Peixes • Piscicidas, ictiotóxicos
aplicação, dos equipamentos de aplicação envolvidos,
• Roedores, ratos e • Rodent icidas, raticidas,
camundongos muricidas
da relação custo/benefício, da avaliação de risco para os
ser es hum an os e para os anim ais e do impacto desse
Animais inverteb rados
, produto sobre o meio ambiente.
• Aca ros • Acaricidas
O rótulo e a bula do p roduto devem obedecer à
• Carrapatos • Carrapaticidas
----- legislação vigente, que prevê a necessidade da indicação
• Cup ins • Cupinicidas
da concentração do ingrediente e do tipo de formulação.
• Escorp iões • Escorpionicidas Assim , logo após o nome comercial do produto, deve
• Formigas, saúvas • Fo rmicidas ser indicada a proporção, em porcentagem , do ingre-
• Insetos (adultos, larvas, • Inseticidas (adulticidas, diente ativo, segu ida das iniciais que indicam o tipo de
ovos) larvicidas, ovicidas) form ulação (por exemplo, CE para con centrado emul-
• Lesmas • Lesmicidas sionável, E para emulsão, OS para pó solúvel etc.). Exem -
• Moluscos • Moluscicidas plifican do: Diazinon 600 CE, significa que esse produto
• Nematoides • Nemat icidas com ercial contém 600 g de princípio ativo por litro de
• Pio lhos • Piolhicidas con centrado emulsionável (600 g/L).
• Pulgas • Pulguicidas
No Brasil, para a comercialização de um praguicida
(quer para uso agrícola, domissan itário ou uso em saú-
Plantas
de pública), há necessidade do registro, o qual é avalia-
• Ervas da ninhas, p lantas • Herbicidas, d esfolhantes,
invasoras d e ssecantes do por três órgãos: o Ministério da Agricultura, Pecuá-
O ut ros seres vivos
r ia e Ab astecim ento (Map a), a Agên cia Nacion al de
Vigilância Sanitária (Anvisa), vinculada ao M inistério
• A lgas • A lg icidas
da Saúde, e o In stituto Brasileiro do Meio Am biente
• Bactérias • Bactericidas
(lham a), vinculado ao M inistério do Meio Ambiente.
• Fungo s • Fung icidas
Cada órgão realiza a análise correspondente à sua área,
Capítulo 16 • Consideraçõe s g erais sobre o s prag uicidas 165

com o d efinido n o Decreto n. 4074/2002, que regula- do adquiriu hábitos sedentários, cuidando da agricultura,
menta a Lei Federal n. 7.802/1989. Cabe ao Mapa avaliar da pecuária e de seu próprio dom icílio. Há registros des-
a eficiência agronômica, à Anvisa, o impacto sobre a sa prática desde a época da An tiguidade, como no Papiro
saúde humana e ao Ibam a, o impacto am bient al. O re- de Ebers, m anuscrito da antiga civilização egípcia escrito
gistro final é con cedid o pelo Mapa somente se os dem ais por volta de 1500 a.C., no qual foram documentadas in-
órgãos derem parecer favorável. formações sobre plantas tóxicas, metais e preparações
A Anvisa faz a avaliação toxicológica d o praguicida indicadas para repelir do domicílio pulgas e outras pragas.
para o qual a empresa está pleitean do registro, com base Nos docum entos da antiga civilização grega, também
nos diversos estudos apresent ad os no dossiê do produ - h á referên cias ao uso de sub stâncias para con trolar as
to, inclusive n a formulação. Con cluído esse processo, é pragas. Na Odisseia, o poema épico de Homero, escrito
emitido o informe de avaliação toxicológica com a clas- por volta d e 1000 a.C., mencion a-se o uso do enxofre
sificação toxicológica do produto. para o controle de p ragas "da casa e da corté: Antes d e
A classificação toxicológica dos pragu icidas empre- 1000 a. C, o enxofre foi também usado como fumegante
gada pela Anvisa considera o Globally Harmonized System pelos ch in eses e, por volta de 900 a.C., o arsênio foi em -
of Classification and Labeling of Chemicals (GHS - Siste- pregado para o controle de insetos da horta ou do pomar.
ma Globalmente Harm onizad o d e Classificação e Rotu- Na antiga civilização romana, há outros relatos do
lagem de Produtos Químicos). Assim, os praguicidas são uso de praguicidas. Plínio, o Velho, qu e viveu entre 23 e
distribuídos n as classes I, II, III e IV, sendo considerados, 79 d.C. e autor d a obra História Natural, compost a por
respectivamente, extremam ente tóxico, altamente tóxico, 37 livros, relaciona vários casos sobre o u so de pragui-
median amente tóxico e pouco tóxico; esses, por su a vez, cidas nos três a quatro séculos anteriores. Ainda nessa
devem receber tarjas coloridas nos rótulos, de acordo com civilização, faz-se referência ao uso d e algumas plantas
a toxicidade: vermelh a, amarela, azul e verde, respectiva- como raticidas: Veratrum album e Veratrum nigrum.
mente. O projeto de lei (PL n. 6.299/2002) em discussão Essas espécies p roduzem efeitos semelh antes ao acôni-
no legislativo brasileiro p revê a distribuição dos pragui- to, planta que p romove estimulação seguida de depres-
cid as em cinco categorias. O Q u adro 16.2 mostra a clas- são do miocárd io, dos músculos lisos, dos músculos
sificação toxicológica para os praguicid as vigente atual- esqueléticos, do sistema nervoso cent ral e de ner vos
mente e a proposta em d iscussão. perifé ricos. Outro exemplo de p lant a u tilizada como
O Mapa possui um banco d e informações on-line rodenticida, no século XVII, é a Strychnos nux-vomica,
• A • •
(Agrofit) sobre os produtos registrados no Brasil, permi- cuJas sementes contem estr1cn1na.
tindo a consulta por ingrediente ativo e produtos formu - Q u ando os espanh óis aportaram no Novo Mu ndo,
lados, facilitando a pesquisa dos produtos para o controle ao redor do ano d e 1500, observaram que o pó das se-
de pragas na agricultura do país (http://agrofit.agricultura. mentes da "sabadilhà' (gênero Sabatina) era usado pelos
gov.br/agrofit_cons/principal_ agrofit_ cons. Acesso em: 21 nativos como inseticida. Hoje, sabe-se qu e essa planta
ago. 2019). possui alcaloides veratrínicos semelhantes aos presentes
nas plantas do gênero Veratrum.
,
HISTORICO A nicotina, obtida das espécies de Nicotiana, planta
origin ária das Américas, foi empregada pela p rimeira
Desd e os tempos mais remotos, o h omem tem se vez como inseticida no fim do século XVII, na França,
preocupado em controlar as pragas, particularmente quan- sob a forma de lavagem de fumo.

QUADRO 16.2. C lassificação toxicológ ica dos p ragu icidas, conside rando o G!obally Harmonized System of C!assification and
Labeling of Chemica!s (GHS - Sistema Globa lmente Harmonizado de Classificação e Rotu lagem de Produt os Quím icos}, segundo
a legislação vigente e a proposta do Proj eto de Lei n. 6.299/ 2002 e m tramitação no legislativo

Classe at ual Classe proposta Toxicidade Cor da tarja

1 Ext remamente tóxico vermelha

2 A lta mente tóxico vermelha

li 3 Mo deradament e tóxic o amarela

111 4 Pouco tóxico azul

5 Improvável causar dano agudo azul

IV Não classificado Não classificado verde


166 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Outros exemplos de plantas com atividade inseti- BHC), por Faraday, em 1825. O seu isômero gama (lin-
cida são a Derris spp, Lonchocarpus spp ("timbós"), Te- dano) é responsável pelo seu poderoso efeito inseticida.
phrosia spp e Mundulea spp; todas essas plantas possuem Outros inseticidas organoclorados foram obtidos, em
rotenona, usada pela p rimeira vez como inseticida em particular, entre 1939 e 1948, como aldrin , d ieldrin,
1848, na Malásia. A Chrysanthemum spp, da qual foram endrin, clordano, entre outros.
obtidas as piretrinas, foi usada na região do Cáucaso e No entanto, a ascensão dos praguicidas organoclo-
norte do Irã como inseticida, a partir do século XVII. rados, promovida pela sua representativa importância
Na Índia, a Azadirachta indica A. Juss., conhecida como no con trole dos vetores tran smissores de doenças ao
"n eem", possui o princípio ativo azadiractina, também homem, foi mantida até a década de 1950. Estima-se
com propriedades inseticidas. que a utilização desses compostos tenha salvado 50
Em 1669, no Mundo Ocidental, há o relato de iscas milhões de pessoas e evitado cerca de um bilhão de
preparadas com a mistura d e arsênio e m el com a fina- novos casos de doenças.
lidade de exterminar formigas. Em 1959, Hayes publicou um extenso artigo sobre
Na França, preparados com cobre foram emprega- a "Farmacologia e Toxicologia do DDT", com 685 refe-
dos no final do século XIX para combater fungos das rências. Logo após, em 1962, Rachel Carson publicou o
videiras da região de Bordeaux (mistura de Bordeaux: livro Primavera Silenciosa, no qual denunciou as con-
cal hidratada e sulfeto de cobre). Entre o final do sécu- sequências da contaminação ambiental, dando ênfase à
lo XIX e início do século XX, em d iversas localidades, bioacumulação do DDT (por ela considerado como o
vários outros compostos com enxofre, cobre e arsênio "elixir da morte") e seus efeitos na reprodução de aves.
também foram empregados no controle de pragas da Evidências apontavam para o acúmulo dos organoclo-
agricultura. rados n a cadeia alimen tar de todo o ecossistem a (em
Até o início do século XX ainda p redominavam os decorrência de sua grande persistência ambiental e alta
praguicidas de origem vegetal ou compostos inorgâni- lipossolubilidade), além dos seus possíveis efeitos on-
A • A • A •

cos ( compostos à base de bário, boro, flúor, antimônio, cogen1cos, mutagen1cos e teratogen1cos.
tálio, chu mbo, cádmio, mercúrio, arsênio, enxofre e os O DDT, que até 1970 era considerado o agente pa-
óleos minerais). A partir de então, a toxicologia desen- drão para o controle de insetos, por sua persistência
volveu-se rapidamente. ambiental, bioacumulação, biomagnificação e aum ento
Na década de 1930, inicia-se a moderna era dos da resistência dos in setos, foi banido da Suíça nesse
praguicidas orgânicos ( aqueles que possuem o átomo mesmo ano e dos Estados Unidos em 1973. No Brasil,
de carbono em sua fórmula) sintetizados no laboratório. em 2 de setembro de 1985, o Ministério da Agricultura
O primeiro praguicida orgânico sintético empregado baixou a Portaria n. 329 proibindo em todo o território
foi o inseticida organoclorado DDT [2,2,bis(p-cloro- nacional a com ercialização, o uso e a distribuição de
fenil) 1,1,1-tricloetano] . alguns p raguicidas à base de organoclorados. O uso
Embora o DDT tenha sido sintetizado em 1874 pelo destes ficou limitado ao governo federal, em campanhas
alemão Othm ar Zeidler, foi Paul Müller (entomologista de saúde pública de combate a vetores d e agentes etio-
suíço), em 1939, quem o redescobriu quando procu rava lógicos de moléstias e em situações em ergenciais liga-
um praguicida para o controle de traças. O DDT mostrou das ao aparecimento de pragas, a critério da Secretaria
ser também efetivo contra outros insetos. Pela impor- Nacional d e D efesa Agropecuária, do Ministério da
tância da sua d escoberta e posterior aplicação no com- Agricultura. Essa portaria faz, porém, duas ressalvas:
bate aos vetores e hospedeiros intermediários de diver- admite o uso de iscas formicidas à base d e aldrin e do-
sas doenças que acometem o homem (inicialmente, a decacloro e o uso de cupinicidas à base de aldrin para
malária e, posteriormente, a dengue, a filariose, a febre o emprego em florestamento e reflorestamento. Atual-
amarela, a doença de Chagas, a leishmaniose, a esquis- mente, o único organoclorado registrado no Mapa é o
tossomose etc.), Paul Müller ganhou o prêmio Nobel de endosulfam , classificado como acaricida/formicida/
Medicina em 1948. Esse praguicida foi tão amplamente inseticida para culturas de algodão, café e soja.
utilizado que o vocábulo "dedetizar" foi criado e acabou Paralelam ente ao emprego dos organoclorados, os
se tornando um sinônimo do controle d e pragas em organofosforados foram usados também como inseti-
determinadas situações. cidas. Foi Clermont, em 1854, quem primeiro relatou a
Vale ressaltar que o DDT não foi o primeiro inseti- obtenção de um agente desse grupo, o TEPP (tetraetil
cida organoclorado a ser sintetizado, e, sim , o HCH pirofosfato ), embor a n ão tivesse atividade inseticida.
(h exaclorocicloexano, antigamente conh ecido como Pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial,
Capítulo 16 • Considerações gerais sobre os prag uicidas 167

quando a nicotina se tornou escassa na Alemanha, am - A busca de praguicidas de amplo espectro de ação,
pliou-se o interesse na obtenção de agentes que a pu- seletivos e de baixa toxicidade para organismos não alvo
dessem substituir como praguicida na agricultura. Foi é grande, mas poucas novas moléculas têm sido lançadas
, .
então que Willy Lande, da Universidade de Berlim, em no comercio.
1932, sintetizou alguns com p ostos com ligação P-F e Ao longo de todos esses anos, vêm aumentando os
observou que apresentavam toxicidade. Entretanto, com embates entre as indústrias químicas produtoras dos
a eminência do início da guerra, Lande partiu da Ale- pragu icidas, os ativistas do meio ambiente e os consu-
manha, abandonando seus estudos. Em seguida, Gerhard midores. De fato, é reconhecida a necessidade do em -
Schrader, químico da I.G. Farbenindustrie (atual Bayer), prego desses compostos, sempre com a preocupação de
retom ou o estudo dos organ ofosforados e sin tetizou se utilizar os recursos naturais necessários com o míni-
cerca de 7.000 deles até o final da guerra. Em 1944, ob- m o de impacto p ossível. Assim , de man eir a sempre
teve o paration, um organofosforado ainda muito utili- ponderada, os benefícios fornecidos pelo controle efi-
zado na agricultura como inseticida/ acaricida até os dias ciente das pragas podem ser aproveitados, lembrando-
de hoje. Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos e Ingla- -se sempre que o uso indiscriminado e inadequado dos
terra, McCombie e Saunders também estavam estudan - pragu icidas nunca se tornará uma prática justificável.
do esses praguicidas e, em 1946, anunciaram a obtenção
do D FP ( diisopropil-fluorofosfato). O USO DE PRAGUICIDAS
Sabe-se também que, du rante a Segun da Grande
Guerra, alguns organofosforados, como o sarin, soman Como com entado anterior mente, o emprego dos
e tabun, foram estudados visando à potencial aplicação praguicidas trouxe grandes benefícios para a produção
como arm as químicas, ao mesmo tempo que diversos de alimentos e para a saúde humana e animal, desde o
outros compostos for am pesquisados e mantidos em início de sua utilização pela hum anidade. Tanto que,
segredo, como o MCPA (ácido 4-cloro-2-metilfenoxia- ainda hoje, n ão é possível proibir a utilização desses
cético) e o 2,4-D (ácido 2,4-diclorofenoxiacético). agentes sem comprometer a produção de alimentos de
Os carbamatos compõem outro grupo de pragui- origem animal e vegetal e o controle de vetores respon-
cidas introduzido no comércio no fin al da década de sáveis por doenças em seres humanos e em an im ais. O
1940 e início de 1950. O primeiro a ser amplam ente uso de praguicidas envolve o conceito de "Saúde Únicá'
utilizado foi o carbaril, em 1953, nos Estados Unidos. (One Health) , que traduz a un ião indissociável entre
Atualmente, os praguicidas piretroides, desenvol- saúde humana, animal e ambiental.
vidos nos anos de 1970, são muito utilizados como in - O uso frequente de praguicidas pode acarretar a
seticidas. Eles são derivados sintéticos das m oléculas ocorrência de resistência, que é um fenômen o bioló-
originalm ente isoladas das flores de Chrysanthemum gico responsável pela in eficiência de um praguicida,
cinerariaefolium, cujas estruturas foram elucidas entre mesm o quando este é utilizado em níveis adequados.
1910 e 1924. Quando uma praga se torna resistente, ela sobrevive à
As formamidinas como praguicidas aparecem na ação do princíp io ativo e é capaz de se multiplicar e
década de 1960, com destaque p ara o am itraz, que é persistir no ambiente. O aparecimento desse fenômeno
registrado n o Mapa como acaricida/inseticida para cul- pode ser decorrente da utilização inadequada das for-
turas de citros e maçãs e também como produto de uso mulações e, por isso, é fundamental a leitura criteriosa
veterinário para o controle de ectoparasitos ( ácaros, das informações do fabricante e tam bém o respeito às
pulgas). normas de segurança, utilização e comercialização des-
Na década de 1980, como praguicidas, surgem as ses produtos.
lactonas macrocíclicas, com as avermectinas, as mil- O amplo uso dos praguicidas, além da possibilida-
bemicin as e as espin osinas, empregadas tanto para o de de acarretar a bioacum ulação e a biomagnificação
controle de pragas agrícolas, como endectocidas de uso ocasionando dan os à saúde do m eio am biente, pode
. , .
veter1nar10. também deixar resíduos em produtos de origem vegetal
No final da década de 1980 surgem os inseticidas e animal, os quais quando consumidos pelo ser humano
da família dos fenilpirazóis, como o fipron il, que foi podem prejudicar sua saúde. Para evitar que isso ocor-
introduzido no comércio em 1993 usado para o contro- ra, o Mapa e a Anvisa fazem o monitoram ento desses
le de pragas de solo e de folhas em uma variedade de resíduos, o estabelecimento dos limites máximos de
cultura, bem como em fo rmulações contra pulgas e resíduos (LMR) de praguicidas e a avaliação de r isco
carrapatos para animais dom ésticos. (para detalhes, veja o Capítulo 40).
168 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Os praguicidas têm sido associados também à ocor- • Acaricidas: clordimeform.


rên cia de intoxicações, as qu ais podem ser acidentais e • Raticidas: anticoagu lantes e out ros.
intencionais. Conhecer com o os p raguicidas podem ser
classificados por d iferen tes critério s p o de auxiliar n o Intoxicação por prag uicidas
entend im ento d o qu adro de intoxicação.
Seria d esejável que o praguicida exercesse seu efei-
Classificação to tóxico exclusivamente sobre o organism o-alvo (praga),
porém isso n ão ocorre, poden do atingir a microbiota do
Os praguicid as podem ser classificados segundo solo e a v ida selvagem ( aqu ática e terrestre; vegetal e
, . . , . .
var1os cr1ter1os, tais com o: anim al), além de animais domésticos e os próprios seres
humanos.
• Modo de ação: contato (absorção pelo tegumen to Por isso, os praguicidas despertam gran de interes-
do organism o-alvo em b orrifações residuais ou es- se dentro da tox ico lo gia. A ampla u tilização desses
paciais), ingestão (ingerid o pelo organismo-alvo) e compostos n a agricultura, na indústria e em ambiente
fumigante (lançado n a form a de vapor, atinge o or- doméstico tem resultado na ocorrência d e intoxicações
ganism o-alvo pela via respiratória). em human os e animais, principalm ente em países em
• Persistência: consideran do a meia-vid a (tempo ne - desenvolvimento.
cessário, ap ós aplicad o, para qu e tenha sua eficácia No Br asil, os casos de in toxicação p or diferentes
redu zid a à metade) tem-se: curta (90 dias), m édia agentes tóxicos, entre eles os praguicidas, são registrados
(9 1 a 180 dias) e lon ga (superior a 180 dias). n uma b ase de dados qu e foi criada p or u ma parceria
• Deslocamen to no meio ambiente du rante a meia- entre o Min istério da Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz
-vid a: pequ eno (até 20 cm ), médio (2 1 a 60 cm) e (Fiocru z). Essa base d e dad os é o Sistema Nacional de
gran de (superior a 60 cm ). Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), que tem
• D uração do efeito d o t ratam ento: efeito resid u al como prin cipal atribuição coordenar a coleta, a compi-
(permanece no local de aplicação, em dose letal para lação, a análise e a divulgação dos casos de intoxicação
u m organism o-alvo p or u m tempo prolongado, isto e envenenam ento notificad os no país. Os registros são
é, algumas sem anas ou m eses) e efeito instantân eo realizados pelos centros de in formação e assistência
(knockdown - logo que aplicad o, o efeito é imedia- toxicológica, localizad os em vários estados brasileiros.
to sobre o organism o-alvo). A partir de 1985, esse sistem a passou a d ivulgar anual-
• Finalidade de uso: considera o organismo-alvo, como mente os casos de intoxicação h umana, de intoxicação
mostra o Q u adro 16.1. an im al e de solicitação de informação.
• Toxicidade: é baseada no in grediente ativo da form u - A última informação divulgada pelo Sinitox mostra
lação, consideran do a dose letal 50% (DL50) oral e qu e, n o ano 20 16, foram com putados 59.143 registros,
dérmica, bem como a concen tração inalatória letal sendo 56.937 (96,3%) casos de intoxicação humana e 924
50% (CL50) para ratos. A partir desses dados, os pra- ( 1,6%) em an imais. Esses dados refletem que h á u ma
guicidas são classificados con forme mostrado n o subestimação do n ú m ero real de casos de intoxicação
Qu ad ro 16.2. an imal, de m odo semelhan te ao que ocorre em outros
,
pa1ses.
Sob o ponto de vista da toxicologia veterinária, tem Baseado n esses dados do Sinitox, os medicamentos
maior im p ortância a classificação que considera a fina- são os principais responsáveis por intoxicação h umana
lidade d e utilização asso ciada à estrutura qu ímica do (36, 1%), enquanto os praguicidas de uso agrícola ocupam
praguicida. Esse é o critério usado n os capítulos subse- a 7ª posição (3,9%) e os d e uso dom éstico a 11 ª posição
quen tes. Assim, tem-se: (2%). Nos casos registrad os d e in toxicação animal, a
principal causa de intoxicação também são os m edica-
• Inseticidas: organoclorados, piretrinas e piretróides, mentos (3 1,7%), enqu anto os p raguicidas de uso agrí-
organofosforad os e carb amatos. cola ocup am a 8ª posição (3,8%) e os de uso dom éstico
• Herbicidas: bipiridílos (paraquat), derivados do áci- ocupam a 2ª p osição (15,7%). Quando se considera os
do fenoxiacético (2,4-D) etc. óbitos humanos, a 1ª posição é ocupada pelos praguici-
• Fu ngicidas: ditiocarbam atos (man eb), ftalimídicos das de uso agrícola (4, 1% de letalidade) e os m edica-
(captan) etc. mentos estão n a 2ª posição (0,2% d e letalidade).
Capítulo 16 • Considerações gera is sobre os praguicidas 169

A.; CAMPOLINA, D.; DIAS, M .B. Toxicologia na prática clínica.


Assim, fica evidente que tanto os praguicidas como
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os medicamentos são importantes causas de intoxicação 10. CODEX ALIMENTARIUS. Food and Agriculture Organization
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Capítulo 17

Toxicologia dos praguicidas


organoclorados e piretroides

Dario Ab bud Righ i


Maria Martha Berna rdi
João Palermo-Neto

INTRODUÇAO ORGANOCLORADOS
Historicam ente, os prim eiros praguicidas a surgir Histó rico
foram os organoclorados. D escobertos no final do sé-
culo XIX, foram utilizados com o praguicidas somente Em 1874, Othmar Zeidler sintetizou um composto
ap ós a descoberta de sua ação sobre insetos e pragas, orgân ico, o diclorodieniltricloroetano ou DDT, cujas
por Paul Muller, em 1939. Após a Segun da Guerra Mun- propriedades inseticidas foram descobertas apenas em
dial o uso desses compostos difundiu-se pelo m undo. 1939 por Paul Müller. Em 1948, em fun ção da im por-
Entretanto, em decorrência da baixíssima degradabili- tância dessa descoberta e da sua posterior aplicação no
dade no meio ambiente e da alta lipossolubilidade que combate a mosquitos transmissores de doenças, Müller
apresentam, os praguicidas organoclor ados adentram recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina. Antes
facilmente nas membranas lipoproteicas dos organismos do final da Segunda Guerra Mundial, o DDT foi utili-
vivos e produzem, consequentem ente, efeitos tóxicos e zado pela primeira vez, com finalidade m édica em uma
am bientais extremam ente preocupantes. Esses efeitos epidemia de tifo n a Itália, quando foi aplicado direta-
resultaram na atual proibição de seu uso em pratica - mente nos soldados para o controle de piolhos. Relata-
m ente todo o mundo. -se que por ocasião da II Guerra morriam mais soldados
As piretrinas vieram , então, como alternativa aos em função de doenças transmitidas por insetos do que
problem as toxicológicos desencadeados pelos pragui- em decorrência dos combates propriamente ditos. Após
cidas disp on íveis. Na ver dade, esses praguicidas têm o sucesso desse uso clínico, intensificou-se a produção
baixa estabilidade no meio ambiente, sendo facilmente e o uso de novos compostos organoclorados com ativi-
degradados em presença de luz e calor. dade inseticida, fato que representou um impacto posi-
As piretrinas são com postos naturais derivados de tivo quer na produção m undial de alim entos quer na
inflorescên cias secas do Chrysanthemum (m ais com u - solução de problemas de saúde pública. O DDT foi tido
m ente do C. cinerariefolium) . Os piretroides fo ram durante muito tempo com o sendo um praguicida ideal,
sinteticam ente desenvolvidos a partir das piretrin as, visto que tinha baixo custo, alta eficiência e, aparente-
com a principal finalidade de se obter moléculas com mente, baixa toxicidade para o ser humano.
os m esmos efeitos contra pragas, p orém com m aior Embora os organoclorados sejam praguicidas efe-
estabilidade e com idêntica ausência de efeitos indese- tivos que apresentem baixa volatilidade, alta estabilida-
jáveis para o meio ambiente e para os organismos even- de química, alta solubilidade lipídica, baixa taxa de bio-
tualmente expostos a eles. transformação e de degradação, seu uso foi proibido na
Os praguicidas organoclorados têm mecanismos de década de 1970 nos Estados Unidos, Canadá, Austrália
ação muito semelhantes aos dos piretroides. Por causa e na Com un idade Europeia. Na verdade, sua alta per-
dessas semelhanças e, com fin alidade didática, esses dois sistência no meio ambiente e sua capacidade de bioa-
grupos de praguicidas são abordados conjuntamente cum ulação e biom agnificação em diversos elos de cadeias
n este capítulo. alimentares dem andaram por essa m edida.
Ca pítulo 17 • Toxico logia dos praguicidas o rganoclorados e piretro ides 171

No Brasil, os organoclorados foram proibidos por Ca racterísticas


m eio da Lei n . 7.802, d e julho de 1989. Mesmo assim,
alguns organoclorad os, como, por exemplo, o DDT, ain- Os p raguicidas organoclorados têm alta estabilida-
da são fabricados em alguns países, mantendo-se o ciclo d e, baixa h id rosolubilidade e alta lipossolubilidade, sen-
de contaminação dos recursos naturais nos locais em d o relativam en te inertes perante ácid os e bases. Sob a
que são usad os. Portanto, o estud o d os organoclorad os ação da lu z solar, formam com postos com estabilidade
p rincipalmen te n o que d iz respeito à contam inação sim ilar ou maior que o com posto original. Tod as essas
ambiental e efeitos tóxicos que produzem em lon go características, aliad as ao fato d e serem pouco biod e-
p razo continuam sendo objeto de grande relevância. gradáveis, tornam esse grupo d e praguicid as importan-
tes contaminantes ambientais, send o, dessa forma, en-
Est rutura química contrados durante muitos anos, em ambientes aquáticos
e terrestres. Além d isso, por serem altamente lipossolú-
Tom ando -se com o base sua estrutura química, os veis, os organoclorad os acum ulam-se no tecid o adipo-
organ oclo rad os podem ser classificados em (Figur a so d e animais, em proporção crescente à medida que se
17. 1): avança para o topo da cadeia alim entar, o que recebe o
nom e de biom agnificação biológica, fenôm eno conhe-
• Derivad os clorados d o etan o ou compostos difenil cido pelo papel deletério que tem sobre aves, peixes e
alifáticos: DDT (diclorodifeniltricloroetano), me- mam íferos (veja adiante).
toxicloro, pertano, cloroben zilato e d icofol.
• Ciclod ien os: clordano (toxicloro, octacloro), aldrin Fo ntes de exposição
( octaleno), dieldrin, heptacloro, end osulfan o (tio-
dan ) e endrin. A exposição aos praguicidas organoclorados ocorre
• Cicloexan os: h exaclorocicloexan o (HCH an tiga- principalmente d e maneira indireta, por meio da con-
m ente den om inado BHC), lindan o (gam a-HCH), taminação ambiental e/ou de alim entos, pelo uso inde-
mirex ( dodecacloro) e toxafeno (can fen o clorado, vido de formulações de fabricação clandestina. A expo-
canfecloro). sição direta é muito rara tendo em vista sua p roibição

De riv ados clora das do etano

CI CI
CI ., J,... CI CI CI

'.;::: '.;::: 1/' 1/'


1
/4- /4- ........ ~ ~ /
CI
DDT
CI o Metoxic lo ro
o

Ciclodie nos
CI CI
CI CI CI CI
1-CI 1-CI
,:::: ,::::
·' CI ·' CI
/; /;
CI o CI CI
CI CI

A ldrin Dieldrin Heptacloro

Ciclo exanos
CI
CH3
CI CI Cln '>.,i-___,,
' CH3
..,,
11
CI CI
CH2
CI
HCH ou BHC Toxaf eno

FIGURA 17.1. Estrutura química de alg uns organoclorados. Derivados clorados do eta no (DDT e metoxicloro), ciclodienos
(a ldrin, d ie ldrin e heptacloro) e cicloexanos (HCH - hexaclorocicloexano, anteriormente denominado BHC, e toxafeno).
172 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

n a m aioria dos países, m as, quando acontece, é decor- Mecanismo de ação tóxica
rência de manipulação inapropriada em atividades ocu-
pacionais, ingestão acidental, utilização incorreta ou, até Os organoclorados atuam sobre os insetos do mes-
mesmo, quando usado com finalidade autodestrutiva ou mo modo como atuam sobre os animais superiores, isto
• •
cr1m1nosa. é, são considerados estimulantes gerais e difusos do
sistema n ervoso central (SNC) e periférico.
Absorção, biotra nsform ação, dist ribuição e Têm sido descritos pelo m en os quatro p ossíveis
armazenamento mecanismos por meio dos quais o DDT e outros orga-
noclorados desse grupo produzem este efeito: 1) afetan -
Os organ oclor ados são absorvid os por via oral, do a perm eabilidade das m embranas aos íons potássio
respiratória e dérmica, distribuindo-se por todo o or- (K+); 2) dificultando o fechamento dos canais de sódio
ganismo e depositando-se no tecido adiposo. Aplicados (Na+); 3) inibindo as en zim as sódio-potássio (Na+/K+)
n a forma de solução oleosa ou emulsão, os organoclo- e cálcio-magn ésio (Ca2+/Mg2+) ATPase dependentes; e
r ados p odem ser absorvidos pelas m ucosas e pele ín- 4) inibin do as ações da calm odulina n o transporte de
tegra. Uma vez absorvidos, a biotransformação ocorre íons cálcio, o que é essencial para a liberação dos n eu-
lentamente, em parte, pela complexidade de sua estru - rotransm issores. Em conjunto, esses mecanismos redu-
tura química e, em parte, por sua lipossolubilidade e zem a taxa de repolarização da membran a n euronal e,
capacidade de armazenam ento. dessa forma, aumentam a sensibilidade do neurônio a
A biotransformação do DDT em mam íferos é lenta pequenos estímulos, um a vez que facilitam a despola-
e extensa, sen do seus metabólitos o DDE (1,1-dicloro- rização neuronal.
-2,2-bis(p-clorofenil) etileno), o DDD (1,1-dicloro-2,2- Os organoclorados do grupo dos ciclodienos e dos
bis(p-clorofenil) etan o) e o DDA (2,2 di-(4-clorofenil) cicloexanos atuam preferencialmente como antagonis-
acético). tas competitivos de receptores do ácido gama-am ino-
Os ciclodienos são biotransformados por enzimas b utírico (GABA) p resentes n o SNC de in setos e de
m icrossomais em correspondentes epóxidos, os quais vertebrados. Dessa forma, impedem os efeitos do GABA
são igualmente ou mais tóxicos qu e os produtos ori- n a captação dos íon s cloro pelo n eu rôn io. Esse fato
ginais. Os epóxidos, por sua vez, passam por biotrans- resulta em um a repolarização parcial do n eurônio e,
formação hepática transforman do-se em substâncias por consequência, em um estado de excitação incon-
m ais h id r ofílicas, que são excretadas pela u rin a e trolada. Tam bém inibem as en zimas sódio-potássio e
pelas fezes. cálcio-magn ésio AT Pase depen dentes, as q uais são
Os praguicidas do grupo do cicloexano também são imp ortantes par a o tran sp orte do cálcio através d a
biotransformados por enzimas hepáticas, formando uma membran a; essa inibição resulta no acúmulo de cálcio
variedade de produtos fenólicos excretáveis. livre n o m eio in tracelular, facilitan do a lib eração de
Conform e mencionado anteriormente, os organo- neurotransmissores estocados nas vesículas sinápticas
clorados apresentam n atureza lipossolúvel e, por isso, com subsequente despolarização neuron al e propaga-
permanecem armazenados por longo tem po n o tecido ção do estím ulo nervoso.
adiposo e/ou em órgãos que contenham alto teor lipí-
dico, como fígado, rins e tecido nervoso. Sinais de intoxicação
A maior parte desses compostos e/ou metabólitos
é excretada pela via biliar para o intestino. Pode haver Dependendo do tempo de exposição, os organoclo-
recaptação de parte deles da luz intestinal para a cir- rados podem causar toxicidade agud a, subagud a ou
culação sistêm ica, sen do n ovamente excretado p ela crônica. As m anifestações clínicas apresentadas pelos
bile e fazendo, assim, o ciclo êntero-hepático. Em fun - anim ais intoxicados variam de acordo com a estrutura
ção desse fato e do arm azenam ento, a taxa de elim i- química, o mecanismo de ação do composto, a dose e a
nação dos organoclorados pelos animais a ele expostos via de exposição.
é extremamente baixa - em b ovin os, por exemplo, a A intoxicação aguda pelos derivados clor ados do
m eia-vida do DDT foi estim ada como sen do de até etan o ou compostos d ifen il alifáticos (com o o D DT)
335 d ias. Nesse sent ido, o leite an im al e o hu m an o caracter iza-se pela presença de sinais de parestesia da
pod em ser u m a via im portante d e excreção p ar a o língua, lábios e face, o que diminui ou impede a ingestão
DDT, HCH e eldrin e, em pequenas prop orções, para de alimentos, principalm ente pelos animais que utilizam
o toxafeno e o m etoxicloro. a língua como ferramenta de apreensão, como os bovinos.
Ca pítulo 17 • Toxico logia dos praguicidas o rganoclorados e piretro ides 173

Produ zem , ainda, aumen to d e susceptibilidad e a estí- d iazepínicos (com o o d iazepam) ou barbitú ricos (como
m ulos externos (luz, toque, sons), irritabilid ade, ataxia, o fen obarbital) por via int ravenosa lenta. Em casos de
and ar anormal, t rem ores e convulsões tônico-clôn icas. suspeita de intoxicação agud a p or organoclorados é
Sinais d e intoxicação crônica por organoclorad os desse relevante que se proceda à descontaminação do pacien -
grupo incluem perda de peso, anorexia, anemia, tremo- te intoxicado agudamente, o que pode ser feito por meio
res, fraqueza muscular, mudanças no padrão do traçado d e ( 1) banho com água corren te e sabão abu ndante, se
eletroencefalográfico (EEG) e hiperexcitabilidade. Dados a suspeita for d e contaminação dérmica, e (2) lavagem
de necroscopia revelaram alterações morfológicas he- gástrica para eliminar o praguicida, caso se suspeite d e
páticas e presen ça de tumores. Produ zem , também, al- in gestão aciden tal ou criminosa; nesse último caso, po-
terações imu nes e no sistem a reprodutor. Nesse últim o de-se usar carvão ativado para reduzir a absorção do
caso, são considerados desregulad ores en dócrin os por praguicida. A indução d e vômito é totalmente contraio -
competirem com o estradiol pelos receptores de estró - clicad a na presença d e convulsões. O uso de diuréticos
gen o localizados no útero. mostrou -se ú til n os casos de intoxicação agud a por
Por atuar principalm ente no SNC, os sinais d e in- favorecer a eliminação d os agentes. O bicarbonato de
toxicação aguda produzid os pelos ciclodienos e cicloe- sód io a 3% já foi usado com sucesso p ar a aceler ar a
xanos incluem : vôm ito, hiperexcitabilid ad e, h iper-refle- elim inação dos praguicidas organoclorados, em especial
xia e convulsões generalizadas. Quanto à in toxicação nos an im ais que apresen tam urina ácid a.
crônica, esses praguicidas produzem sinais e sintomas
ligados ao sistem a nervoso como: h iperexcitabilidade, Meio ambiente e biomag nificação
mioclonia, irritabilidade, perda de consciência e mudan- na cadeia alimentar
ças no padrão do traçado do EEG. Experim entalmen te,
m ost rou-se que anim ais de labor atór io cronicam ente A persistên cia dos organoclorados no meio ambien-
intoxicados p or derivad os ciclodien os apresentaram te é muito grand e. Mostrou-se contam inação da água e
redução d e fertilid ade, aumento d a mortalidad e de fi- d o solo algumas décadas após sua aplicação. De fato, na
lh otes e p resença de an omalias fetais; exam es histopa- d écada d e 1980 encon traram-se concentrações relativa-
tológicos de anim ais assim intoxicados mostraram pre- mente altas d e aldrin e de dieldrin (até 200 e 100 ppb,
sença de lesões hepáticas. respectivamente) em sedimentos recolhidos do fundo
de dois lagos no estado do Colorado, nos Estados Unidos.
Diag nóstico Nessa região, o aldrin e o dieldrin tin ham sido sintetiza-
d os e armazen ad os de 1955 a 1974.
O diagnóstico clín ico da intoxicação por organ o - No Brasil, os inseticidas organoclorados m ostram
clorados é feito por meio de anamnese e d e exame clí- dist ribuição ambiental muito variável, tend o sido rela-
n ico, isto é, pela avaliação d os sinais decorren tes da tada ocorrência em m ananciais dos estados de São Pau-
intoxicação. Pod e ser feita, ainda, análise laboratorial lo e de Goiás na décad a de 2000.
para investigação da presença e da quan tid ade do pra- Como já salien tado, os organoclorad os podem se
guicida n o organismo d os anim ais intoxicad os. D eve biom agnificar na cadeia alimentar. A p rimeira evid ên-
ser feito diagn óstico diferencial, considerand o-se a pos- cia d e biomagn ificação n a vida selvagem foi feita por
sibilidade de intoxicações por piretroid es, organ ofosfo- Rachel Carlsson em seu livro Silent Spring; essa autora
rados, metaldeído, estricnina, n icotina, ou, ainda, d e relacionou a mortalid ade elevad a de and orinhas à pre-
presença de enfer m idades do sistem a nervoso, como sença de DDT em minhocas. Esse praguicida havia sido
pseudorraiva (d oença de Aujeszky) e meningite. D eve- em p regado (um litro de inseticida para cada 50.000
-se atentar que intoxicações crônicas por organoclorados metros cúbicos d e água) em 1954, n a região do lago
produzem alterações endócrinas, reprodutivas e im unes, Clear, n os Estados Un idos. Meses dep o is, d u ran te o
devendo essa possibilid ad e ser considerad a na presença inverno, aves (mergulh ões q ue m igravam para esse
dessas condições. local no invern o, atraídos pela gran de qu an tidade de
p eixes) começaram a morrer. Examinados os tecidos
Tratamento das intoxicações adiposos de várias aves mortas, foi encon trado DDT na
proporção de até 1.600 ppm, enquanto na água do lago
O tratamento d eve ser sintomático, adotando-se as a proporção era de 0,02 ppm. Verificou-se, nessa ocasião,
m edidas de suporte que se fizerem necessárias. Assim, que o plâncton continha cerca de 0,5 ppm do praguicida,
em casos de convulsões pod em-se administrar benzo- ou seja, 25 vezes a concentração encontrada na água. Fo-
174 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

ram, ainda, examinados peixes herbívoros encontrand o- O aumento con stante da dem and a p or p iretrinas a
se uma taxa de 40 a 300 ppm, enqu anto os peixes carn í- p artir da década de 1970 excedeu em m u ito a produção
voros apresentavam uma taxa maior (2.500 ppm). D essa m un d ial. Esse fato, associado à necessidade de obtenção
an álise, con clu iu-se qu e o DDT h avia sid o tran sp ortad o d e produtos m ais est áveis, mais persistentes, m ais sele-
do p lân cton p ara os p eixes pequ en os, acumulando -se tivos e com men or toxicid ade para aves e m amíferos,
nestes e, em segu ida, em outros peixes m aiores que deles forçou os pesquisadores a buscar por análogos sintéticos:
se alim entam até atin gir e se concentrar no organismo de os piretroides. Por essas razões, o emprego de piretroides
aves, nas quais afetou a perpetuação das espécies. De fato, p opularizou-se em todo o m undo, send o am plamente
os organ oclorad os p od em modificar a textura d a casca u sados na atu alid ade como ectoparasiticid as em m edi-
. . , .
dos ovos de aves que se quebram durante o ato de chocar. c1na veter1nar1a.
Acredita-se que tenh a sido essa a ameaça à continuidade Assim como ocorreu com outras classes de pragui-
das espécies de aves que in spirou o título do livro de Carl- cidas que os anteced eram , a eficiên cia dos piretroides
sson : um a primavera sem aves, sem pios, silenciosa. tem sido com prom etid a pelo desenvolvimento d e re-
sistência paralela ou cruzada p or p arte de alguns inver-
PIRETROIDES tebr ad os, como, por exemplo, Haematobia irritans
(m osca-dos-chifres) e Rhipicephalus microplus (carra-
Os p r agu icid as do grupo d os p iretroides foram p ato). Dessa forma, tem sido prop osta a associação dos
introduzidos n o mercad o em 1980 e em ap en as dois piretroides com butóxido de piperonila (uma substân-
an os já representavam 30% do total de inseticidas u ti- cia qu ím ica cap az de in ibir as en zim as resp onsáveis
lizados n o mundo. São derivados de um inseticida bo- p ela degrad ação dos piretroides, o qu e p otencializa seu
tânico m u it o an tigo, o piret ru m , con stituído de u m a efeito praguicid a) p ara contornar a b aixa eficácia que
m istu ra de seis ésteres (duas p iretrin as, duas cin erin as ap resen tam as p r agas a eles resiste ntes. Por idêntica
e duas jasmolinas) extraídos d e in flo rescências secas razão, algun s praguicidas d o grupo dos organ ofosfora-
do Chrysanthemum (mais com umen te do C. cinerarie- d os têm sido tam b ém associad os aos piretroides.
folium). Com a fin alidade d e obten ção de moléculas Cab e ressaltar qu e a Organização Mundial da Saú-
que apresen t assem idên ticos efeitos contra pragas, p o - d e (OMS) recomen dou o uso d e telas m osquiteiras im-
rém com estabilidad e um p ouco maior, desenvolveram- pregn ad as com piretroides e butóxido de p ip eronila em
se, posteriormente, os piretroides a partir das piretrinas. locais on de o vetor da m alária é resistente aos piretroi-
Os piretroid es apresentam com o vantagens sobre d es. Idên tico procedimento pode ser usado n a preven -
os outros p raguicid as ditos "clássicos" ( organ oclorad os, ção de outras epidem ias t ran sm itidas por m osqu itos
organ ofosforados e carbamatos): alta seletividade praga/ com o febre amarela, den gue, zica e chicungunha.
m amífero, grand e eficácia, baixa fotoest abilidade, alt a
biodegradabilidade e men ores efeitos adversos sobre o Estrutura química
meio ambiente e/ ou sobre os organismos a eles expostos.
Os piret roides podem ser d ivid id os d id aticamen-
Histórico te em duas classes, toman do-se como b ase a existên cia
d e diferenças estr u turais e de ação n eu rofisiológica e
Ap esar de ser consid erada um a n ova classe de inse- toxicológica. Estruturalmen te, os piretroides d o tip o I,
ticidas, acredita-se que as piretrinas tenham sido desco- como aletrin a, tetrametrin a, p ermetrin a, resmet rina e
b ertas p elos chineses n o primeiro século depois de Cris- fen otr in a n ão contêm um compon en te alfacian o na
to. Os prim eiros relatos escritos do uso de preparações de su a estrutura, enqu anto os d o tip o II, como a cialotri-
piretrinas rem ontam à prim eira m etade d o século XIX. na, a delt am etrina, a flu m etr ina, a cife n otrin a, o fen-
Na verdade, esses praguicidas naturais for am sempre valerato e a ciperm etrina contêm esse componente
utilizados pelo ser hum an o, em diferentes épocas e locais (Figura 17.2).
do mund o. Entretanto, seu uso aumentou de form a con - Sab e-se que a presen ça ou ausên cia d o compon en -
siderável após a proibição do emprego dos organoclorados te alfaciano d etermin a o tipo d e sín drome n eurotóxica,
e o ap arecimento dos primeiros relatos de efeitos tóxicos observad a em m am íferos e insetos intoxicados por esses
decorrentes do uso de carbamatos e de organofosforados. in seticidas. De fato, os piretroides d o tipo I cau sam a
Estima-se que a produção m un dial dos piretroides tenha ch amada sín drome T (tremores), e os do tip o II causam
sido de aproximad amente 20 ton elad as em 1965. aquela den om inada de sínd rom e CS ( coreoatetose e
salivação), as qu ais são descritas adiante.
Ca pít ulo 17 • Toxico logia dos praguicidas o rganoclorados e piretro ides 175

CI

CIA o

Tipo 1: Permetrina

CI 1/' 1/' Br 1/' 1/'

~ ~ ~ ~
CIA (º o Br
A (º o
o 11 o 11
N N
Tipo li: Cipermetrina Tipo li: Deltamet rina

FIGURA 17.2. Estrutura química de piretroides do tipo 1(permetrina) e do t ipo li (cipermetrina e deltametrina - o círculo
indica a presença do componente alfaciano).

Usos Resíduos de piretroides em tecidos e produtos pro-


venientes de an im ais de produção tratados com eles
Os piretroides do tipo I são utilizados comum en- também podem ser fontes de contaminação. Nesse caso,
te como inseticidas em ambientes d omésticos, sob a a estrita observância ao período de carên cia do produ-
forma de spray, sen do os do tipo II em p regados em to de uso veterinário à base de piretroide garante a se-
medicin a veter in ária como ectop arasiticidas, isto é, gurança dos consumidores de alimentos provenientes
para combater e controlar ácaros, carrapatos, moscas, de animais tratados com piretroides.
pulgas e piolhos. O uso dessas moléculas incorporadas
em xampus vem aumentando consideravelmente em Absorção, biotransformação e distribuição
fun ção do rápido efeito knockdown ("quedá ') que têm
sobre pulgas e carrapatos. Os piretroides são substâncias lip ofílicas rapida-
No mercado brasileiro existem dezenas de produtos mente absorvidas por via oral, dérmica ou respiratória.
à base de in seticidas piretroides de uso em medicina Por exemplo, em relação ao fenvarelato, observou-se,
veterinária; são produtos contendo alfam etrina, alfaci- após 30 minutos da administração oral, a presen ça do
perm etrina, cipermetrina, cialotrina, ciflutrina, delta- piretroide no soro de animais tratados, sendo que o pico
m etrina, fenvalerato, flumetrina, p ermetrina, dentre máxim o de concentração plasmática foi alcançado após
outros. Esses produtos, formulados para administração duas horas.
pour on ou por aspersão/ spray em animais de produção O sistema microssomal da monoxigenase está inti-
e, até mesmo, como sabon etes, xam pus ou outros pro- mamente envolvido com a detoxificação dos piretroides
dutos de higiene para cães e gatos, podem conter um ou em mamíferos, peixes e principalmente em insetos. A
m ais piretroides ou, como acontece n a maioria das ve- im portância desse mecanismo de detoxificação é de-
zes, associados com inseticidas organofosforados (clor- monstrada, por meio do uso associado com o butóxido
fenvinfós, clorpirifós, cum afós, diasinon a, diclorvós, de piperon ila (um inibidor da mon oxigenase) em pre-
etion a, fen ition a, triclorfon), carbam atos ( carbarila, parados tóxicos para moscas e outros insetos; essa subs-
propoxur) ou, ainda, com outros princípios ativos, como tância química aumenta a potência dos piretroides em
piripropoxifeno, m etopren o ou im idacloprida. 1O a 300 vezes.
Os piretroides, como são ésteres, passam por de-
Fonte de exposição gradação hepática por meio de enzimas da fração mi-
crossomal, com o, por exemplo, as carboxiesterases. A
A exposição aos praguicidas piretroides pode ocorrer im portân cia da hidrólise dos ésteres com o via de de-
de forma direta via manipulação incorreta do praguicida, toxificação dos p iretroides reside n a observação de
de ingestão acidental ou, até mesmo, pelo uso de manei- serem eles potencializados por praguicidas do grupo
ra criminosa; pode também ocorrer de maneira indireta, dos organ ofosforados e carb am atos, qu e in ibem as
por meio da contaminação do meio ambiente. esterases.
176 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

Em geral, os piretroides são m u ito pouco tóxicos observad a na intoxicação por piretroides do tipo II (co-
para mamíferos e aves, m as são altamente tóxicos para reoatetose e salivação) (veja adiante).
peixes e invertebrados aquáticos. A principal r azão é Além desses m ecan ismos de ação, foram aind a re-
que a biotransform ação e a eliminação dos piret roides latad as possíveis interações d os piretroides com canais
são significativam ente mais lentos nesses an imais aquá- de cálcio voltagem dep en dentes que m o dulam u ma
ticos do que em mamíferos e aves. série de eventos celulares com o: liberação d e n euro-
Sabe-se que os metabólitos dos piretroides são con- transmissores, ajustes m etabólicos, proliferação celular
jugados com a glicina ou com ácid o glicu rôn ico ou sul- e con tração m uscular. Mostrou-se, em especial, que os
fatos, sendo excretad os pela urin a. Esses m etabólitos piretroides inibem en zim as cálcio-m agn ésio ATPase
podem , ainda, em baixíssimas porções, serem excretados depen dentes, aumen tand o os níveis de cálcio intracelu-
por m eio das fezes. lar e, consequentem ente, causando aumento na liberação
d e neurotransm issores e d espolarização pós-sináptica.
Mecanismo de ação tóxica Finalmen te, observou -se experimentalmente que o
uso prévio d o diazepam (que se liga à subunidade alfa
A toxicidade o ral agu da d os piretroides é m u ito do receptor GABAA) aumen tou a latência para o apare-
baixa para m am íferos e aves (por exem plo, a dose letal cimen to d e efeitos neuron ais d e piret roid es d o tipo II
50% - DLSO - quando testados por via oral e diluídos ( deltametrina e fenvalerato) e não produziu quaisquer
em óleo d e milho em cobaias, é superior a 5.000 mg/kg efeitos em an imais expostos aos piretroides d o tipo I
de peso vivo). (perm et rina e aletrina). Esses ach ados sugerem que os
Nos insetos expostos a esses praguicid as observam- piretroid es tipo II atuem com o antagon istas d e recep-
-se h iperativid ade, incoordenação e dificuld ad e d e mo- tores ben zodiazepínicos, o que foi confirm ad o, poste-
vimentos associada à hipersecreção, tremores, convulsão riormente, por m eio de um radioligante dos canais de
e, finalmente, por efeito knockdown ( queda). cloro do receptor GABA marcado radiativam ente ([35S]
Vários mecanism os de ação foram p ropostos para TBPS).
os piretroides em mam íferos e aves. Alguns autores afir-
m am que eles atuam predom inantem en te sobre a per- Sinais de intoxicação
m eabilidad e iôn ica, em particular, sobre os canais de
sódio das memb ranas d as células nervosas. No entanto, As m anifestações clínicas apresentadas pelos indi-
existem diferenças im portantes a serem considerad as víduos in toxicados d epend em da estrutura química d o
entre os mecanism os de ação d e piretroid es d o tipo I e piretroide (tipo I ou tipo II), d o m ecanismo d e ação do
do tipo II, uma vez que os sintom as decorren tes da in - composto, da dose, da via de exposição e, ainda, d a es-
toxicação dependem dessas ações. pécie an im al considerada.
Os piretroides do tipo I (perm etrina, aletrina) pro- Ratos intoxicados experimen tal e agud amente p or
duzem disparos neuron ais repetitivos em d ecorrên cia 23 tipos diferentes de piretroides apresentaram sinais
do aumento d o pós-poten cial positivo. Mais especifica- clínicos distintos, em especial quando se comparavam
m en te, eles aum en tam a frequên cia d e abertu ras dos os piretroides do tipo I ou do tipo II. Os piretroid es do
canais de sód io, acarretando maior fluxo desse íon para tip o I p roduziram u ma sín d rom e qu e foi d esignad a
dentro d o neurônio. Essa situação é observada em várias com o d o tipo T (trem or), en quanto aqueles do tipo II
regiões do sistema n ervoso, tan to em fibras n ervosas causaram uma síndrome que foi d esignad a de CS (co-
m otoras e sensor1a1s, como em 1ntern euron1os e term1 -
• • • A • •
reotetose e salivação).
nações nervosas; em seu conjunto, elas explicam os sinais Sabe-se, hoje, que a síndrom e T inicia-se pela pre-
e sintom as observados em animais intoxicados. sen ça de alterações compo rtamen tais e au m ento d e
Os piretroides do tipo II (cipermetrina, deltametrina, sensibilid ade aos estímulos externos, seguida do apare-
fenvalerato, flum etrina) produ zem diminuição n a am - cim ento de um trem or fino que se torna m ais grave até
plitude d o poten cial de ação e, depen den d o d a dose d o que os animais fiquem p rostrados e com trem ores ge-
praguicida, blo queio total d a ativ id ade n euron al em neralizados por todo o corpo. Observa-se também , e na
virtude da despolarização da membrana. Eles, portanto, vigên cia da in toxicação por piretroides do tipo I, au-
prolongam o tempo d e abertura d os canais de sód io. men to d a temperatura corporal, possivelm en te ocasio-
Esses efeitos sobre neurônios sensoriais e term inações nado pela excessiva atividad e muscular associada aos
n ervosas pré-sin ápticas explicam a sin tomatologia tremores. Após administração de altas doses de piretroi-
Ca pítulo 17 • Toxico logia dos praguicidas o rganoclorados e piretro ides 177

des do tipo I, os animais m orrem em prostração duran - grup o d e praguicidas e da observação dos sinais decor-
te e/ou após inten sos tremores e even tuais convulsões. rentes d a intoxicação. Os valores h em atológicos e bio-
Quanto à síndrome CS em ratos e em outros animais, qu ím icos de an imais in toxicados por p iretroides são
é caracterizada in icialm ente pelo aparecimento d o com - normais, exceto em casos que envolvam respostas ge-
portamen to "de escavar ou de fazer tocas': seguid o p or neralizadas ao estresse da ocorrência (por exemplo,
p rofusa salivação, trem ores generalizados e grosseiros, neutrofilia e hiperglicemia).
locom oção an orm al, envolvendo rigidez do t rem p os- O diagn óstico diferencial deve ser feito consideran-
terior. Esse tremor grosseiro pode progredir até coreoa- d o-se intoxicações por organoclorados, organ ofosfora-
tetose e convulsões clônicas que são poten cializadas p or dos, carbam atos, m etaldeído, estricnina, n icotina ou
estímulo sonoro. Sinais análogos tamb ém foram obser- enfermidades do SNC, como m eningite.
vad os em camund ongos. Para alguns autores, os sinais Emb or a os p iretroides sejam de d ifícil detecção
clínicos produzidos p elos piretroid es tipo II estão dire- an alítica em tecidos, pode-se fazer a análise química de
tamente relacionados com a ação d esse praguicida no tecido hepático para investigar a presença e a quantida-
SNC. d e do praguicida em qu estão.
É im p ortante salientar que os sinais clínicos de in -
toxicação observados em animais domésticos, para am- Tratamento das intoxicações
b os os tip os d e piretroides (I e II), são normalmente
muito semelh antes, inclu indo: salivação e vômito, hipe- O tratam en to a ser instit u ído é sintom ático e d e
rexcitabilidade, tremores e convulsões, d ispn eia, fraque- sup orte. Nesse sentido, a con duta emergencial de des-
za, p rostação e m orte. Os sinais clínicos pod em evoluir con tam inação do paciente intoxicad o agudamente é
para morte em decorrên cia de parad a cardiorrespirató- muito im p ortante e varia de acordo com a via de exp o-
ria ou para recuperação, o que geralmente ocorre dentro sição do p raguicida: ( 1) se por via dérmica, banh o com
de 24 a 72 h oras. água corrente e sab ão abundante auxilia na eliminação
Mostrou -se que gatos são m uito sensíveis, em par- d os resíduos dos p iretroides; e (2) se por ingestão, nos
ticular, à p ermetrin a, sen do esse um tipo de intoxicação casos em que não se observa convulsões, pode-se pro-
muito comum nessa espécie anim al. A maioria dos casos ceder à lavagem gástrica com carvão ativad o p ara eli-
de intoxicação dos gatos ocorre ap ós aplicação do pro- minar o praguicida que não foi ainda absorvido; um
duto d estin ado para uso em cães, seja por contato com catártico salino pode ser também eficaz, principalmen -
os animais t ratados, seja pelo ato de lamb er os p elos; te na fase precoce de intoxicação. Em casos de convulsão
pode ocorrer, tam bém, em decorrência do uso indevido recomenda-se ad m in istrar lentam ente u m benzo dia-
por parte d e proprietários d esavisados. Acredita-se que zepínico (com o o d iazepam) por via intravenosa; esse
essa in toxicação seja decorrente d a incapacidade que t ratamento pod e ser repetido caso necessário.
ap resentam os m icrossomos hepáticos dos gatos para
h idrolizar e conjugar a permetrina. Mais especificamen - Meio ambiente
te, tem sido p roposto que os gatos apresentam algum
tipo de deficiên cia na en zima glicu ronil tran sfer ase, Em decorrên cia de su a baixa toxicidade observa-se,
essencial p ara essa detoxificação. na atualid ade, um crescente d escu id o quando da apli-
A intoxicação de gatos por permetrina caracteriza-se cação ou da preparação d e produtos que não sejam de
pela presença de trem ores, fasciculações musculares, so- "pronto uso" e que con templem os piretroides em sua
bressaltos, hipersalivação, mid ríase, pirexia e, em casos formulação. Esses descuid os têm resultado em intoxi-
mais graves, convulsões e coma. Além de descontamin a- cações tanto humanas (intoxicação ocupacional ou aci-
ção d érm ica com águ a morna, tem sido prop osto, com o d ental) com o animais.
tratamento paliativo, o uso d e anti-convulsivantes com o A p resen ça de resíduos de p iretroides em níveis
os benzod iazepínicos ou fenobarbital ou, ain da, de rela- maio res que os permitidos em alim entos de o rigem
xantes musculares de ação central como o metocarbamol. animal é rara, uma vez que eles são rapidamente b io-
transform ados e excretad os.
Diag nóstico Entretanto, cab e aqui ressaltar qu e a utilização in-
discriminada desses praguicidas cont ribu i para a con-
O diagnóstico clínico d a intoxicação por p iretroides tam in ação de ambientes aquáticos e intoxicação de
é difícil e normalmente depen de de u ma anamn ese bem p eixes, os quais são mais sensíveis aos efeitos tóxicos
feita, n a qual há relatos d e possível exp osição a esse d os piretroides.
178 Toxicolog ia aplicada à med icina vet eriná ria

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Capítulo 17 • Toxico logia dos praguicidas organoclorados e piretroides 179

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Capítulo 18

Organofosforados e carbamatos

Helenice de Souza Spinosa

~ pida hidrólise no meio ambiente e em meios biológicos.


INTRODUÇAO
O primeiro a ser sintetizado foi o tetraetil-pirofosfato
Há muito tempo o hom em tem se preocupado em (TEPP), em 1854, e o prim eiro utilizado na agricultura
controlar as pragas, particularm ente quando adquiriu com o inseticida foi a paration a, em 1944. Em seguida,
hábitos sedentários, cuidando da agricultura, da pecuá- outros organofosforados com maior estabilidade e me-
r ia e de seu próprio dom icílio. E, m ais recentem ente, nor toxicidade, como a fention a e a m alationa, foram
com o desenvolvimento da agricultura e da pecuária sendo sintetizados. Eles possuem na sua estrutura a li-
intensivas, ampliou -se a n ecessidade de tornar m ais gação P = S ( thion) ou P = O (oxon). A forma thion não
eficiente esse controle. Assim , ao longo do tempo, diver- é in ibid or a da en zima acetilcolin ester ase, até que n o
sos princípios ativos for am , in icialmente, obtidos da fígado seja bioativada para a forma oxon. A Figura 18.1
n atureza e, posteriorm ente, por síntese laboratorial, a mostra a estrutura química básica dos organofosforados.
fim de se conseguir praguicidas mais eficientes (alta Os carbamatos fo ram primeiram ente obtidos a
toxicidade para a praga) e menos tóxicos para os orga- partir do alcaloide extraído da semente da planta Phy-
nismos não alvo. sostigma venenosum, conhecida como fava de Calabar
Dentre os praguicidas sintéticos, tem-se os organo- o u feijão-de-pr ova, que era utilizada em r ituais p or
fosforados e os carbamatos, que são agentes anticolines- tribos africanas do leste da África. Em 1840, a sem en-
terásicos, isto é, inibem a enzim a acetilcolinesterase, a te foi levada para a Inglaterra, inician do-se as prim ei-
qual é responsável pela degradação do neurotransm issor ras investigações sobre suas propriedades farmacoló-
acetilcolina. Esses praguicidas são m undialmente utili- gicas e, em 1864, foi isolado um alcaloide p u ro,
zados desde do século XX, principalmente a partir de denominado fisostigmina, por Jobst e Hesse. Em 1877,
1970, quando se iniciou o declínio do uso dos pragui- a fisostigmina foi utilizada, pela primeira vez, na tera-
cidas organoclorados. Vários organofosforados foram p êutica, para o tratamento do glau com a. Posterior-
sintetizados na época da Segun da Guer ra Mundial, e mente, em 1931, Aeschlim ann e Reinert investigaram
algun s deles, com a fin alidade de serem empregados sistematicamente uma série de «fenil-ésteres" substi-
como armas químicas («gases dos nervos': como o tabun tutos de ácidos alquilcarbâmicos.
e o sarin ), em razão de sua alta toxicidade para o ser O primeiro praguicida derivado do ácido carbâmi-
humano (ver Capítulo 16). co foi sintetizado em 1930 e possuía propriedades fun-
Esses praguicidas são empregados principalmente gicidas. A partir da metade dos anos 1950, ampliou-se
como inseticidas (agrícolas, domésticos e de uso vete- o interesse por inseticidas com atividade anticolineste-
rinário), além de possuírem ação acaricida, nematicida, rásica e baixa toxicidade para mamíferos, levando à
fungicida e herbicida em diversas pragas de culturas síntese de vários aril-ésteres do ácido metilcarbâmico,
agrícolas (como algodão, cereais, fruticultura e em plan- elaborados a partir de alterações químicas da fisostig-
tas ornamentais). min a. O primeiro in seticida carbamato amplamente
Os organofosforados são derivados dos ácidos fos- utilizado foi o carbaril, em 1953, n os Estados Unidos.
fórico, ditiofosfórico e tiofosfórico. Entre suas proprie- O grupo dos carbamatos (Figura 18. 1) é formado
dades químicas estão a alta lipossolubilidade e sua rá- por derivados do ácido N-metil-carbâmico e dos ácidos
Capítulo 18 • Organofosforados e carbamatos 181

organofosforados são indicados também contra endo-


parasitas, como, por exem plo, o triclorfom.
O Quadro 18.1 m ostra os organ ofosforados e car-
o
11 bamatos, tanto de uso veterinário como de uso agríco-
R - O - C - NH - CH3 la, comercializados atualmente no Brasil.
Os levantamentos estatísticos nacion ais e interna-
O = oxon· S = thion cionais dos casos de intoxicação em seres humanos e
'
X e Y = alquil, am ido ou alcoxi
Z = ari l, alqui l ou alcoxi
em animais m ostram que os praguicidas organ ofosfo-
r ados e carbam atos estão entre os principais agentes
tóxicos relacion ados a exposições agudas, que levam a
Organofosfo rado Ca rbamato
letalidade, tanto em situações acidentais ou criminosas,
além de tentativas de suicídio em seres humanos. Exis-
FIGURA 18.1. Est rutura qu ímica básica dos praguicidas
tem alguns fatores que podem explicar esta casuística,
o rganofosforados e carbamatos.
dentre eles, sua ampla utilização, a alta toxicidade de
alguns desses compostos, o uso incorreto e a facilidade
tiocarbamatos e ditiocarbamatos, sendo que esses últim os de acesso a essas substâncias (ambos apresentam pro-
não são inibidores das colinesterases, são pouco solúveis dutos registrados para uso agrícola, veterinário ou do-
em água, têm baixa pressão de vapor e são muito solúveis méstico), mesmo aquelas de uso restrito a um a deter-
em aceton a e m etanol. Entre os derivados do ácido N- m inada fi nalidade, como, por exem plo, empregar um
m etil-carbâmico, in cluem -se os m etil-carbamatos (al- pragu icida de uso agrícola, com o raticida.
dicarbe e carbaril), os carbam atos fenil-substitu ídos
(p rop oxu r) e os carbamatos cíclicos ( carbofu ran o) . TOXICOCINÉTICA
Apen as o prim eiro grupo apresenta m arcante atividade
anticolinesterásica. Os organofosforados e os carbamatos, pelo fato de
O aldicarbe, em particular, foi registrado n o Brasil serem lipossolúveis, são rapidamente absorvidos pela
como um praguicida de uso agrícola. Em virtude de seu pele (prin cipalmente quando há lesão ou quando a tem-
uso ilícito como raticida e por possuir dose letal 50% peratura ambiente está alta), pelos tratos respiratório e
(DLSO) m u ito baixa (DLSO oral em r atos de 0,6 a 1,0 gastrintestinal. D istribuem -se p or todos os ó rgãos e
mg/kg), foi responsável por intoxicações fatais em seres tecidos, sendo que alguns deles podem atravessar a bar-
humanos e em animais, tanto acidentais com o crimi- reira hematoencefálica e placentária. A biotransform a-
n osas. Em fun ção disso, o M in istér io da Agricultura, ção é hepática por meio de diferentes reações, envolven -
Pecuária e Abastecimento (Mapa) suspendeu seu regis- do, p or exem plo, o citocrom o P-450. São eliminados
tro em 2012, restrin gindo o acesso ao produto, com principalmente pelas vias urinária e fecal. Alguns desses
consequente redução dos casos de intoxicação. praguicidas podem ser eliminados também pelo leite.
Não existem evidências de bioacumulação.
usos ~
MECANISMO DE AÇAO
Os organofosforados e carbamatos são amplam en -
te utilizados com o inseticidas. Esses com postos substi- Tanto os o rgan ofosforados como os carbamatos
tuíram os praguicidas organ oclorados usados com essa exercem sua toxicidade principal por m eio da inibição
finalidade, pelo fato de n ão serem persistentes no meio da atividade da acetilcolinesterase, enzim a presente nas
ambiente, não se acumularem no tecido adiposo e, por- sinapses colinérgicas, resultando no acúmulo do neu-
tanto, não sofrerem o fenôm eno de bioacumulação nem rotran smissor acetilcolina e, consequentemente, esti-
de biom agn ificação. mulação excessiva dos receptores colinérgicos nicotíni-
, .
No Mapa, há o registro de organofosforados de uso cos e m uscar1n1cos.
agrícola indicados como acaricida, cupinicida, insetici- A acetilcolinester ase possui dois sítios ativos, um
da, formicida e nem aticida, enquanto os carbamatos são aniônico e outro esterásico (Figura 18.2). A acetilcolina
indicados principalmente como acaricida e inseticida. se liga a ambos os sítios da enzima e rapidam ente ocor-
Em relação aos produtos de uso veterinário regis- re a hidrólise desse neurotransmissor, form ando colina
trados no Mapa, os organofosforados e carbamatos são e acetato. A enzima, então, se encontra apta novamente
indicados principalmente como ectoparisiticidas e alguns para hidrolisar outra m olécula de acetilcolina.
18 2 Toxicologia aplicada à med ic ina vet e rinária

QUADRO 18.1. Praguicidas organofosforados e carbamatos, t anto de uso veterinário como de uso ag rícola, comercializados no Brasil.
Uso vete rinário (parasiticidas)

O rganofosforados
Clo rfenvinfós Carrapatic ida e Sarnicida UCB®; Fluron Gold pou r o n® (com c ipermetrina e fluazuron); Flytion 40 BR® (com
(supona) cipe rmetrina); Fusion CL 50® (com cipe rmetrina e fluazu ron); Gado Limpo® (com diclorvós); Mata Bicheira Biovet
aerosol® (com d ic lorvós).
Clo rpirifós Aciendel Plus® (comc ipermet rina); Aspersin® (com cipermetrina); Carbeson® (com diclorfós); Ca rrapaticida
saponificada Cha rmdog®; Cic lorfos® (com cipermetrina); Cic lorvet pour-on® (com cipermetrina); Colosso
Avicu lt ura® (com cipe rmetrina); Colosso FC30® (com fention e c ipermetrina); Comba Pour on® (com
cipe rmetrina); Couro Limpo Pour o n® (com c ipermetrina e citrone la; Ectobat 80® (com diclorvós); Ecto fó s® (com
diclorvós); Expert® (com diazinon); Lepecid BR spray®; M3Ecto® (com cipe rmetrina); Máximo Pour-on Biovet®
(com c iperm etrina); Potenty® (com etio na e c ipermet rina); Texvet Max® (com c ipermet rina).

Coumafós Asunto l® - sabonete; Larvex® (com p ropoxur); Neguvo n + Asuntol p lus® (com triclorfon); Tanidil®; Tan itop IGR®
(com p ropoxur).
D iazinona Brinco mosquicida à base de d iazinon®; Brinco mosqu ic ida na mosca®; Carrapaticida Duprat®; Defender
Francodex®; Diazinon Allvet EW®; Diazitrin Plus® (com cipermetrina); Expert® (com c lorp irifós); Madaldrin 400
PM®; Mata Biche ira Biovet aerosol® (com c lorvinfós); Matabicheira Champion®; Neocidol B 40®; Optim izer -
brinco insetic ida®; Pikzio n 400 PM®; Preventef®; Pulgoff cole ira antipu lgas e carrapatos®; Top Tag®
D ic lo rfentio na Matab iche iras Cooper Líqu ido®; Solução Anti-pulga Ducão®.
D ic lorvós (DDVP) Alatox® (com cipermetrina); Bactrovet Prata AM ® (com c ipermetrina); Bernex®; Bertac® (com tricorfon); Carbeson® (com
clo rpirifós); DDVP-Cis Nortox® (com cipermetrina); Ectobat 80® (com clo rpirifós); Ectofarma® (com cipermetrina);
Ectofós® (com clo rpirifós); Ectomax Pour on L.A.® (com fenitrotiona); Flytick Plus® (com cipermetrina); Gado Limpo®
(comclo rpirifós); Good Dog Coleira Antipulgas®; Kobra Matabiche ira spray® (com cipermetrina); Pradocid®; Valléecid
spray®; Vaponex®.
Etiona Potenty® (com c lo rpirifós e cipe rmetrina).

Fent io na Colosso FC30® (com c lo rpirifós e c ipermetrina); Tiguvon spot-on®.


Fenitrotio na Cidental líqu ido®; Ectomax pou r on L.A.® (com d ic lorvós); Facthal®.

Triclorfom Bertac® (com diclorvós); Controlle r BRN Pour-on® (com cipermetrina); Equifen Plus® (com febendazol); Lontal Pour
(metrifonato) on®; Metrinate Pour-on® (com cipermetrina); Mu lti-Pour on® (comcipermetrina; Neguvon + Asunto l Plus® (com
coumafós); Newberne Ca rrapato!® (com cipermetrina); Triclo rsil®; Unguento Friezol®; Unguento Reforçado lbasa®.

Carbamatos
Carbaril Farmaril®; Larvic ida Pó Nortox® (com cipe rmetrina); Pulgoff Banho Seco®; Talco Inseticida Toy®; Ta lfon top®;
Tan ic id - ectopa rasit ic ida® (com c ipermetrina).
Metom il Vetomil®.

Propoxur Bolfo®; Cole ira T ea 327®; Kiltix Cole ira®; Larvex® (comcoumafós); Leevre (comdeltrametrina); PikPulga®; Propoxur
1%; Shampoo Toy Antipulgas®; Tanitop IGR® (com coumafós).
Uso ag rícola

O rganofosforados
Acefato Acefato Fersol 750 SP®; Faith SD 750 SP®; Magnific; Orthene 750 BR®; Rape i; Take 750 SP®; Trishul 750 SP®;
U rge 750 SP®
Clo rpirifós Catcher 480 EC®; Ciclone 48 EC®; Clorpirifos Sabe ra 480 EC®; Lorsban 480 BR®

D imetoato D imetoato 500 EC®; Nortox; Perfekthio n®


Fenam ifós Nemacur EC®

Fenitrotio na Pirephos EC®; Sumifog 70®; Sum ig ran 500 EC®


Fostiazato Cierto 100 GR®

Ma lationa Ma lathio n Prentiss®; Ma lathion 1000 EC®; Ma lat hion 440 EW®

Metidatio na Suprathion 4 00 EC®


Pirimifós Actellic 500 EC®; Graolin 500 EC®

Profenofós Curyom 550 EC® (com lufenurom); Polytrin 400/40 CE® (com cipe rmetrina)
T ebup irinfós Arriba GR®

Terbufós Counter 150 G®

Carbamatos
Carbofurano Carboran Fe rsol 3 50 SC®; Furacarb 100 GR®; Furada n 100 G®; Ra lzer 50 GR®
Metom il Bazuka 216 SL®; Brilhante BR®; Chiave 215 SL®; Met homex 215 SL®
Capítulo 18 • O rganofosforados e ca rba matos 183

Os organofofosforados se ligam no sítio esterásico A butirilcolinesterase é também chamada de pseu-


da en zima, por m eio d e um a ligação covalente (Figura docolinesterase, colinesterase inespecífica, plasmática ou
18.2). A acetilcolinesterase fosforilada é relativam en te sér ica. Ela hidrolisa vários outros ésteres, en t re eles a
estável, inativando a enzim a por um período prolongado. acetilcolina. Essa enzima é encontrada no plasma, fígado,
É por isso que os organofosforados são considerad os pâncreas, mucosa intestinal e substância branca do sis-
inibidores irreversíveis d a acetilcolinesterase. Algu ns tema nervoso cen tral. Os gatos apresentam a butirilco-
organofosforados podem promover o "envelhecimento' linesterase também n os eritrócitos. Sua síntese ocorre
da en zim a fosforilad a, em decorrência d a perda de gru- no hepatócito, e sua renovação se dá em 7 a 60 dias.
pamentos alquila, o que impede a regeneração da enzima. A esterase neuropática-alvo, também chamad a es-
Os carbam atos prom ovem a carbamilação da ace- terase n eu rotóxica, é en contrad a principalmente no
tilcolinesterase; são chamados de inibidores reversíveis, tecid o nervoso, cuja fosfo rilação parece estar intima-
uma vez que sofrem h idrólise entre 12 e 48 h oras, libe- mente relacionad a à ação neurotóxica tardia de alguns
rand o a en zima. organ ofosforados nos nervos periféricos; esse efeito é
Além d a acetilcolinesterase, os carbamatos e os or- independente da inibição d a colinesterase. A esterase
ganofosforados podem inibir também outras colineste- n eu ropática-alvo pode ser tamb ém en contrada em
rases, com o a b utirilcolinesterase e a esterase neuropá- lin fócitos periféricos, n o fígado, em plaquetas, en tre
tica-alvo. out ros tecid os.
A acetilcolinesterase também é chamad a de coli-
nesterase verd ad eira, específica ou eritrocitária. Ela SINAIS CLÍNICOS DA INTOXICAÇÃO
possui afinidade específica pela acetilcolina e está p re-
sente no tecido nervoso, na junção neuromuscular e na O quadro de intox icação por organofosforados e
superfície da membrana de glóbulos verm elh os d e ma- carbam atos é muito sim ilar entre si e com os dem ais
m íferos (não em aves). É sintetizad a durante a erit ro- agentes an ticolinesterásicos. Esse quadro é consequên -
poiese e renovad a a cada 60 a 90 dias. cia do acúmulo d e acetilcolina n os locais o n de esse

Hidrólise da acetilcolina pela acetilcoli nesterase

acetilcolinesterase acetilcolinesterase
Sít io aniônico Sítio esterásico
~ . -
Sítio aniônico Sítio esterásico
~ . -
senna senn a
.........., (-) '--------' 1 .........., (-) '--------' 1
.. .. OH
OH o
Atração eletrostát ica 11
o / N+\-CH 2 - CH 2 - OH -o - C - CH 3 - OH +
11

I
N+ -
\
eH 2
- CH -
2
o-e- CH
3
CH 3 CH3 Coli na Acetato
CH 3
CH 3 CH 3
CH 3 Acetilcoli na

Inibição da enzima pela ligação no sítio esterásico

acetilcolinesterase
Sítio aniônico Sítio esterásico
~ serina-
1
........., (-) '--------'
OH
1

Y-P-X
11
o
O rganofosforado

FIGURA 18.2. Hidrólise da aceti lcolina pe la aceti lcolinesterase e inibição dessa enzima pelo organofosforado. Note que
a acetilcolina se liga nos sítios aniônico e esterásico da enzima e rap idamente ocorre a hidrólise, form ando colina e ace-
tato. O org anofofosforado se liga apenas no sítio esterás ico da enzima, por meio de uma ligação cova lente estável, ini-
b indo a enzima.
184 Toxicolog ia aplicada à med icina vet erinária

n eurotran smissor é liberado no organismo. A Figura preen de os sin ais clínicos r esultan tes d a estimulação
18.3 m ostra, esqu em aticam en te, a distribuição d os re- excessiva dos receptores m uscarínicos d o sistem a n er-
ceptores muscarín icos e nicotínicos, nos quais a acetil- voso autônomo parassimpático (broncoconstrição, m io-
colina atu a como n eurotran sm issor e acumula-se n a se, sialorreia, náuseas, vômito, expectoração, sudorese,
presen ça de anticolin esterásicos. Assim, n ota-se que os in con tinên cia u rinária, cólicas abdom in ais, diarreia,
receptores colin érgicos nicotín icos estão p resen tes n os bradicardia); os resultantes da estim ulação e subsequen-
gân glios do sistem a nervoso autôn om o p arassimpático te b loqueio dos recepto res n icotín icos, in clu indo os
e simpático, na ad ren al, n a jun ção n eu rom uscular e n o gân glios das d ivisões simpática e par assimpática do
sistem a n ervoso cen tral. Já os receptores colinérgicos sistem a n ervoso autôn om o e junções n eurom usculares
m uscarín icos estão presentes jun to aos órgãos efetores (taquicardia, hip ertensão, fasciculação, t remores, fra-
do sistem a n ervoso autôn omo parassim p ático e n o sis- qu eza m uscular e/ou paralisia flácida), e os resultan tes
tema n ervoso central. d os efeitos no sistem a nervoso central (ansied ade, agi-
Geralm ente, a toxicose agu da por carbamatos tende tação, tontura, ataxia, p rostração, confusão mental, p er-
a ser de m en or duração e gravidade, o qu e p ode ser d a de m emória, labilidade emocion al, fraqueza gen era-
explicado p elo fato de qu e a ligação n ão covalente en tre lizad a , d ep ressão do centr o r esp ir a tó r io, cian ose,
o carb am ato e a acetilcolinesterase é espontan eam en te convulsões e coma), além de m an ifestações cardíacas
reversível in vivo, com regen eração d a en zim a após a (arritmias, anormalid ades eletrocardiográficas, d efeitos
descarbamilação, levan do à curta duração da sintoma- d e condu ção e alterações da pressão arterial) e hipoter-
tologia após o início do qu adro. Além disso, ensaios in mia ligeira a m oderada.
vitro m ostraram qu e a m eia-vida de in ibição d a acetil- Nos casos graves, ap ós a exposição a altas d oses, a
colin esterase p elos carbamatos é de 30 a 40 m in utos. morte pode ocorrer em decorrên cia d a p arad a respira-
Contud o, essas características que su gerem relativa se- tória. Em pacientes humanos pode ocorrer m id ríase nos
gu rança em relação aos organofosforados n ão impedem casos de intoxicação grave e/ ou de longa duração, mos-
a ocorrên cia de intoxicações graves e fatais, envolvendo t ran do que a ausência de m iose, sinal comum da into-
principalmente algu n s compostos como o aldicarbe, xicação p or anticolinesterásicos, n ão exclui a possibili-
cujo registro n o Mapa foi suspenso em 20 12. d ade de exposição grave a esses agentes.
A intoxicação p or agentes anticolinesterásicos p ode Em cães e gatos, a intoxicação por praguicidas an-
ser caracterizada por t rês síndromes bem d efin id as: a ticolinesterásicos evolu i progressivam ente, iniciando-se
crise colinérgica aguda, a síndrome intermed iária e a com um quadro de agitação (m ovimentação compulsi-
polin europatia tardia. va com ou sem interação com o m eio ambiente), evo-
luindo para hipoexcitabilidade (estado de prostração e
Crise co linérg ica ag uda apatia, m esmo perante estímulos extern os) ou hip erex-
citabilidade (estad o geral de excitação excessiva, inclu -
A sintomatologia clássica da intoxicação por anti- sive diante de estímulos extern os). É comum a ocorrên-
colin esterásicos é b em conh ecida desde a década de cia de sialorreia, observada em m aior intensidade nos
1940 e foi primeiramente d escrita p or DuBois. Ela com- gatos, e trem ores m usculares; segu e-se a miose, micção
frequente, diarreia, brad icardia, dor abdomin al e êmese.
A ocorrência de bradicardia é m ais comum, mas pode
SNA SNA Junção h aver taqu icardia pela liberação de catecolamin as pelas
par assimpático simpático Ad renal neuromuscular SNC
adrenais. Em casos graves, observa-se cianose e dispn eia,
NM
em virtud e d o acúm ulo de secreções respiratórias e de
b ron coconstrição, além d e depressão acen tuad a do sis-
N tema n ervoso central. A m orte advém da hip óxia resul-
tante d as alterações respiratórias (paralisia d a muscu-
Músculo
latu r a respirató ria, aumento das secreções do trato
( Órgão efetor () resp ir atório, b ron cocon strição e in ibição do cen t ro
respiratório) e da b radicard ia.
A ocorrên cia de acidose metabólica foi observad a
FIGURA 18.3. Distribuiçã o dos receptores coliné rg icos
em vários casos d e intoxicação grave por organ ofosfo-
nicotínicos (N) e muscarínicos (M), nos quais a acet ilcolina
atua como neurotransmissor. rados e carbamatos em seres humanos, além de alterações
SNA = siste ma nervoso autônomo; SNC = sistema nervoso central. no tem po de protrombin a e dos fatores de coagulação
Capítulo 18 • Organofosforados e carbamatos 185

(aumen to ou dim inuição), embora raramen te esses úl- Polineuropatia tardia


timos achad os apresen tem importância clínica.
Nos casos de sensibilid ade abd ominal, é importan- A polineuropatia tard ia, também chamada de neu-
te a d eterminação d as en zim as pan creáticas amilase e ropatia sensitivomotora, neurop atia perifé rica tard ia
lipase, em virtude d o risco de p ancreatite agud a. Há ou sín d rom e neurotóxica tard ia, ocorre cerca de 1 a 3
diversos relatos da ocorrência de pancreatite tóxica em sem an as após a exposição aos p raguicidas anticolines-
seres h umanos associad a com a intoxicação aguda por terásicos, principalmente aos organ ofosforad os (m i-
organofosforad os e carbamatos, fazendo com que a do- pafós, leptofós, m etamidofós, merfós, triclorfom, clor-
sagem d as en zim as pancreáticas seja importante n esses pirifós e acefato). Em seres h u m an os são descritos
casos. for migam en to e queim ação d os ded os que p r ogride
A pancreatite agud a pode ser resultante do aum en- para todo o membro superior, seguido por fraqueza e
to da p ressão do dueto pancreático e da secreção exó- ataxia, com pouca alteração d a sensibilidade cutânea.
crina pancreática causad os pela estimulação colinérgi- Os casos mais graves p od em progredir para p aralisia
ca. Em crian ças intoxicadas gr avemen te po r esses completa, dificuldade respiratória e m orte.
compostos, foi observada a ocorrência de hiperglicem ia, Essas alteraçõ es estão relacion ad as à in ibição da
p rovavelmente secundária a esse tipo de pancreatite. en zima esterase n europática-alvo, an ter iormen te co-
Em seres hum anos, a exposição a altas concentrações n hecida como "esterase neurotóxica': que promove uma
desses p raguicidas, prin cipalmente após tentativas d e axoniopatia d istal com degeneração nervosa proxim al
suicídio, tem sido relacionada à presença de n eurotoxi- progressiva. A recuperação pode ser lenta (sem anas a
cid ade, que pode persistir p or vários meses após a ex- meses) e incompleta. Portanto, é essencial o t ratamento
p o sição e q ue envolve a manifestação d e d isfu n ções d e suporte e, quando for p ossível, a fisioterapia.
n eu rocomportamentais, cognitivas e n eu romusculares.
Entre essas alterações, incluem-se prejuízos importantes TRATAMENTO DA INTOXICAÇÃO
n a capacidade de apren d izad o e mem ória, d isfu n ção
autonômica (sin tom as gastrin testinais, cardiovasculares), O rápid o reconhecimento d a intoxicação e seu tra-
intolerância a vários m edicam entos, desordens d epres - tamen to adequado são essen ciais para o progn óstico
sivas, surtos vegetativos cerebrais, amnésia leve ou m o - favorável n o caso d e intoxicação por organofosforados
derada e sinais de dem ên cia. e carbamatos. No caso de agentes extremamente tóxicos,
A prim eira evidên cia desse tipo d e sín d rome foi o socorr o precoce do animal é fundam en tal p ara au-
feita em 1963, por Spiegelberg, após a avaliação de tra- men tar as suas ch ances de sob revida, p rincipalmen te
balhadores envolvid os na p rodução e m anip ulação de nos casos de intoxicação crim inosa de cães e gatos, quan-
gases dos nervos na Alem anha, durante a Segunda Guer- d o grandes quantid ades do p raguicida são geralmente
ra Mundial. adicionad as em iscas palatáveis ( carnes, peixes e embu-
tidos). Nesse caso, o ponto crítico do atendimento emer-
Síndrome intermediária gen cial é a descon taminação gástrica, realizad a p refe-
rencialmente pela lavagem gástrica.
Essa sín drome, descrita pela prim eira vez por m é- O tratam ento inclui m edidas gerais e específicas.
d icos do Sri Lan ka em 1987, ocorre em 20 a 50% das Após exposição d érmica, a pele d eve ser lavad a com
intoxicações com organofosforad os. Ela é caracterizad a sabão e água em abun dân cia e, n os animais d e pelos
p or paralisia da musculatura proximal d os mem bros, lon gos, a tosa pod e ser aconselh ável.
da m usculatura flexora do pescoço e d a m usculatura Nos casos de ingestão, recomend a-se a lavagem gás-
respiratória que ocorr e 24 a 96 hor as após a crise co- trica até 2 horas após a exposição, bem com o a admin is-
linérgica aguda. Nessa fase, n ão há correlação da sinto - tração d e carvão ativado. O xarope d e ipeca po d e ser
m atologia com a atividade d a colinesterase. A fisiopa- utilizad o para induzir êm ese em pacientes conscientes e
tologia d essa síndrome ainda não está bem esclarecida alertas, embora alguns autores contraindiquem a indução
e, em seres human os, a recuperação pode d emorar de 5 d e êm ese pela possibilid ade d e ocorrência p osterior d e
a 20 dias, com a instituição de terapia apropriad a, que, depressão do sistem a nervoso central e convulsões. Con -
usualmente, inclui suporte ventilatório. tribui para a contraindicação o fato de que alguns desses
A síndrom e interm ediária não foi descrita em in- praguicidas são formulad os juntam ente com solventes
toxicações por carbamatos em seres human os, m as ex- orgân icos, cujos vapores, quando inalados ou aspirados,
perimen talmente em ratos. podem causar pneumon ite química.
186 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

A terapia com carvão ativado d eve ser m antida por ção da atropina não afeta os sinais clín icos nicotínicos,
pelo m enos 12 h oras nas intoxicações causadas por car- como os t remor es m uscul ares e as fasciculações, que
bamatos e por 48 h oras nas in toxicações por organ ofos- pod em persistir por m ais de 24 horas, dependendo do
forados, pois estes podem sofrer o ciclo êntero -hepático. tipo do composto e da gravidade d a exposição.
Nos casos de exposição inalatória, o paciente deve Nos casos em que houver d ispneia grave, a oxige-
ser im ediatam en te retir ado do local d e exposição, e noterapia deve ser realizada a fim de p rover a demanda
os sin ais d e d ific uldade respiratória d evem ser rever- aumentada de oxigênio exigid a pelo miocárdio na ocor-
tidos. Se h ou ve contato ocular, os olhos d evem ser rên cia d e taquicard ia. A d ose d a atropina d eve ser re-
lavados ab undantem en te com águ a m orna por, p elo duzida ou sua adm in istração descontinuada se houver
m en os, 15 m in utos. o desenvolvimento de taquicardia, estase gastrintestinal,
Com o medida específica, em prega-se o sulfato d e alterações de comportam ento ou hiperterm ia.
atropina em doses suficientes para o controle dos sinais O uso dos reativad ores d a acetilcolinesterase, como
muscarínicos. Portanto, recomenda-se a administração as oxim as, no tratam ento d a intoxicação por organofos-
do sulfato de atropina na dose de 0,2 a 0,5 mg/kg, sen do forados é amplamente aceito, m as essas substâncias não
que um quarto da dose deve ser adm inistrad a pela via d evem ser utilizadas nas intoxicações por carbam atos,
int ravenosa e o restan te pela via subcu tânea ou int ra- já que esses form am um complexo en zima-p raguicida
muscular. Recomenda-se a utilização d a men or d ose reversível espontaneamente. Além d isso, diversos estu-
efetiva possível, dad a a possibilid ade de que sejam ne- d os e experiên cias clínicas m ostraram que h á o agrava-
cessárias várias repetições. Nesse caso, preconiza-se a men to do quadro clínico da intoxicação por carbamato
admin istração da metade da dose inicial. A terapia con - quando se administram as oximas, contribuindo para a
tinuad a com atropina deverá ser efetuad a com cautela con traindicação de seu uso.
em animais ruminantes por causa da possibilidade d e A oxima possui um N+ que é atraído pelo sítio an iô-
ocorrer atonia r uminai. nico da acetilcolinesterase (Figura 18.4). Ao se ligar no
Como marcador clínico mais seguro da efetiva atro- sítio an iônico da en zima, a oxima é capaz de fragilizar
pin ização pod e ser considerada a redução da sialorreia a ligação d o organ ofosforado com o sítio esterásico,
e do alívio das alterações respiratórias (ausência de disp- fazendo com que este se ligue à oxima e ambos aban -
neia e d e secreções respiratórias), já qu e o d iâm etro d on am os sítios ativos, reativand o essa en zim a.
pupilar n ão é um in d icador confiável em gatos e em As oxim as d evem ser utilizad as o mais precocemen-
alguns cães. te possível, pois se ocorrer o «envelhecimento da enzima:
O sulfato de atropina não interfere n a ligação pra- elas são incapazes de reativar a acetilcolisterase. Nos
guicida -enzim a, mas bloqueia o efeito d a acetilcolina casos moderados e graves, como, por exemplo, quan do
nos terminais n ervosos muscarín icos (a atropina é um h ouver d epressão d o sistem a nervoso cen tral, é r eco-
antagon ista de receptores muscarínicos). A administra- mendado o uso de oxim as.

acetilcoli nesterase acetilcoli nesterase


Sítio aniônico Sítio esterásico Sítio aniônico Sítio esterásico
serina serina
1
1
OH OH
1
H 7C3 0 - P - OC 3 H 7
I \
o- F
DFP
C=N - 0 - P - OCH +HF
C=N-OH
1 / ~ 3 7
1
H H OC3 H 7 O

Pralidoxina

FIGURA 18.4. Acetilcolinesterase fosforilada pelo organofosforado diisopropil flúor fosfato (DFP) e reativação enzimática
pela pra lidoxima. Note que a pral idoxima (N+) é atraída para ligar-se ao sítio aniônico da enzima. Ao se ligar neste sítio, a
oxima é capaz de fragilizar a ligação do organofosforado com o sítio esterásico, fazendo com que este se ligue à oxima e
ambos abandonem os sítios ativos, reativando a enzima.
Capítulo 18 • Organofosforados e carbamatos 187

A oxim a disp on ível n o Brasil é a pralidoxima ou mente sugestivo d e intoxicação por determinado tipo d e
2-PAM (Contrath ion®). A dose preconizada d a pralido- praguicida. Por isso, a importância d e ser realizad a sem -
xim a é de 15 a 40 mg/kg em pequen os an im ais e de 25 pre a n ecrópsia e a coleta d e m aterial para avaliação mi-
a 50 m g/kg em grandes animais, devendo ser admin is- croscópica e, quan do possível, o exame toxicológico.
t rada por via intravenosa ou intramuscular.
No caso d e ocorrerem convulsões, pode ser feito o MEDIDAS PREVENTIVAS
uso d e ben zodiazepínicos, como o diazepam , na d ose
de 0,5 a 1,0 m g/kg, pela via in travenosa. In dependentem en te d a circunstância em que a in-
O uso con com itante de succinilcolina, tranquilizan - toxicação ocorreu, a orientação para o tutor do an im al
tes fenotiazín icos e outros m edicam entos que po d em é fund am ental para a prevenção de novos casos. Além
causar d epressão respiratória, além d e p rocaína, com - d isso, se há a exposição de um an imal a determ inad o
postos com m agnésio, an estésicos inalatórios, agentes praguicida, amplia-se o risco d e o ser humano tornar-se
bloqueadores neuromusculares, antibióticos aminogli- também uma vítima de intoxicação.
cosíd eos, clind amicina, lin comicina, polimixinas A e B, Se a exposição foi aciden tal e o agen te era de uso
colistina e teofilina é con traindicado n as toxicoses por d om iciliar, deve ser salien tada a necessidade de se uti-
agen tes an ticolinesterásicos. lizar o produto em locais onde não haja nenhum anim al,
Quanto ao t ratam ento da síndrom e interm ediária além d os cuidados na m anipulação e armazen am en to
e d a polineuropatia tardia, o tratam en to é sintomático d o p raguicida, que devem ser m antidos sempre fora do
e de m an uten ção. acesso de animais e crianças.
Para impedir a ocorrência de novos casos, todo o
,
DIAGNOSTICO ambien te deve ser avaliado quanto à presença de pragui-
cidas; e m edid as de descontam inação devem ser realiza-
O diagnóstico d a in toxicação por essa classe de p ra- d as, como, por exemplo, lavagem d o local, troca d a água
guicidas inclui o h istórico d e exposição ao agente, a sin - e comida dos animais e, ainda, se for o caso, rem oção do
tom atologia característica de toxicose por an ticolineste- solo con tamin ado ou afastamento dos animais d o local
rásicos e as alterações post mortem. A suspeita pod e ser suspeito. Com o m ed id a imp ortante d e saúde pública, o
confirm ad a por meio da med id a d a atividad e d as coli- leite dos an imais intoxicad os não d eve ser consumido, a
nesterases e do exame toxicológico de amostras biológi- não ser que a avaliação de resíduos tenha sido negativa
cas (principalmente do conteúdo estomacal ou rum inal) para a presen ça d o agente suspeito. A utilização de pra-
ou das iscas utilizadas n as intoxicações in ten cionais. guicidas an ticolinesterásicos de uso veterinário deve ser
Para a avaliação da atividade da colinesterase podem evitada por um período d e 4 a 6 sem anas.
ser utilizad as am ostras d e sangue e, n o caso d e óbito, Nas intoxicações intencionais, os praguicidas geral-
tecido cerebral. A redução em mais de 50% d a atividade mente utilizados são aqueles de uso restrito ou proibido,
da en zim a é altam ente sugestiva d a exposição a an tico- pela alta toxicid ade d e alguns deles para mamíferos e a
linesterásicos, embora essa taxa depen da da espécie do rapid ez de seu m odo d e ação, o que os tornam bastan te
an im al intoxicad o. Por isso, para que seja possível de- pop ulares para fi nalid ades crim inosas ou, n o caso de
termin ar a porcen tagem de inibição e sab er se esta é ser es human os, para tentativas d e suicídio. Tal fato é
compatível com a exposição ao praguicida, é necessário aind a m ais agravado pelo fato de que, em muitos casos,
con hecer os p arâm etros n ormais d e ativ idade d essas ocorre adulteração do produto antes de sua com ercia-
en zim as na espécie analisada. Além disso, é importante lização, podendo ser misturado a grafite, milho m oído,
lem b rar que, n o caso de alguns carbamatos, a r ápida farinha de trigo, areia ou mesmo serem feitas associações
dissociação da acetilcolinesterase pode torn ar difícil a d e vários praguicidas (por exemplo, organofosforados,
confirm ação da intoxicação por m eio dessa análise. carbamatos, anticoagulantes e/ou fluoracetato de sódio),
As alterações post mortem m acroscópicas e micros- agravan do o quadro clínico, dificultando o tratamen to
cópicas (exame histopatológico) encontradas na toxico- médico e, consequen tem ente, redu zind o as chances d e
se por organofosforados ou carbamatos geralm ente são sobrevivên cia do animal intoxicad o.
inespecíficas, representadas principalm en te por con ges- Muitas vezes esses produtos são usados erroneamente
tão em d iversos órgãos e edema pulm onar, d e intensid a- como praguicidas domésticos, pois são vendidos por preços
des variadas. A hem orragia também pode estar presente. baixos, colocando todos em perigo de exposição acidental.
Apesar de essas alterações n ão serem patognom ônicas, Assim, cabe também ao médico veterinário divulgar a gra-
em alguns casos, o conjun to d elas torna o quadro alta- vidade desse problem a e educar o tutor do anim al quanto
188 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

18. LEON, S.F.E.; PADILLA, A.G.; GAMBO, A.N.; et al. Multiple


aos riscos envolvidos nessa prática. Além disso, a notificação
sistemic organ failure, intermediate syndrome, congenital myas-
desses casos permite obter informações mais fidedignas da thenic syndrome and anticholinesterase treatment: the linkage
realidade e, a partir daí, torna-se possível investir em pro- is puzzling. Clinica! Toxicology, v. 34, n. 2, p. 245-6, 1996.
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Capítulo 19

Herbicidas, fungicidas
e acaricidas

Célia Apa recida Pau lino

~ an imal e humana. Contudo, esses compostos estão cada


INTRODUÇAO
vez mais incorporados ao nosso m eio ambiente com o
Produtos herbicidas, fu ngicidas e acaricidas são u m todo, trazendo con sequ ên cias inevitáveis para a
praguicidas capazes de combater e/ou controlar, respec- saúde de todos os seres vivos, com impactos m uitas
tivamente, ervas ou plantas dan inhas, fungos e ácaros vezes relevantes para todas as cadeias alimentares. Ain-
que podem comprom eter a produ tivid ad e na agricul- da, seu uso contínuo tem produzido resistência progres-
tura/agropecuária, bem como interferir n a saúd e e no siva de certas pragas, levan do à necessidad e do uso d e
bem-estar an im al e h uman o. quantidad es cad a vez m aiores ou do desenvolvim ento
Muitos d esses praguicid as começaram a ser desen- de substân cias mais poten tes, aumentand o os riscos
volvidos por síntese química n a d écada de 1930, m as, toxicológicos e os custos para a produção agropecuária.
com o rápido desenvolvimento da agropecuária, hou-
ve a necessidade crescente de compostos cad a vez mais USOS, FONTES DE EXPOSIÇÃO E IMPACTO
eficientes para o controle dessas p ragas. Com seu uso AMBIENTAL
cada vez mais frequen te e in ten so, au men tou a preo-
cupação com o r isco de intoxicações animais e h uma- Os praguicid as são amplamente utilizad os nos am-
nas, o impacto sobre o meio ambiente, ou mesm o, com bien tes rurais, u rbanos e d om ésticos, e os riscos asso-
os seus resíduos em subprod utos de origem animal e/ ciad os a esses usos variam depen dendo d a toxicidade
ou vegetal. d o composto, da form a e local de utilização, do grau e
Ressalte -se que o au m en to d a p op ulação an imal tempo de exposição d os d ifere ntes organ ismo s e d e
para fins de produção (bovinos, caprinos, suínos, ovinos possíveis interações com outros produtos quím icos.
etc.), bem como da população de an im ais criad os para Na agropecuária, a despeito da sua importância para
fins de compan hia e/ou d e esporte (cães, gatos, equinos a p rodução de alimentos d e origem vegetal e animal, o
etc.), tem levad o ao aparecimento de pragas difíceis de uso intenso d esses produtos, e por vezes até ind iscrimi-
serem cont rolad as, seja pelas condições climáticas d e nado, tem sido motivo de amplas discussões técnicas,
países t ropicais, com o o Brasil, seja p elo surgim en to científicas, políticas e de saúde, em razão do seu poten-
cad a vez m aior de p ragas resisten tes aos produtos d e cial de risco para a saúde e o meio ambiente.
uso rotineiro. A utilização de herbicidas apresen tou rápido cres-
Algumas d essas pragas como certos fu ngos e ácaros cim ento nas últimas duas décad as d o século XX, em
podem causar p rejuízos à saúde e ao bem-estar an im al parte pelo desenvolvimento das monocultu ras agríco-
e human o, u ma vez que algun s deles p articipam da las, para p rod ução d e alimentos ou para produção de
t ransm issão d e in ú meras d oen ças animais, incluindo pastagens, e pela m ecanização d as práticas agropecuá-
certas d o enças zoon óticas, com rep ercussões para a rias, como a substituição d a cham ada capin a m ecânica
saúde h uman a. (por m eio d e enxad a) pela capina quím ica (por meio de
Por tudo isso, os praguicidas são destacad os com o herbicid as).
um grupo de substân cias químicas de importância in- Ain da, outras possibilid ades d e uso d os herbicidas
discutível para a agropecuária e para a saúd e pública têm con tribuíd o para esse crescim ento, tais como: para
190 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

a rem oção de folhagens (como agentes d esfolhantes) e Os acaricidas d e uso estritam ente veterinário (n a
plan tas aquáticas, a sua utilização em áreas d e desmata- form a de produto de uso veterinário) podem ser pulve-
m ento, em margens d e córregos ou rios, ao lon go d e rizados diretam ente sobre a pele d os animais, ou apli-
rodovias, áreas in dustriais, de recreação e d e linhas d e cados n a forma líquida (com o a formulação pour on ou
transmissão de energia elétrica, em acostam ento d e ro- spot on ), ou também na forma de banhos ( especialmen -
dovias, linhas férreas, can ais d e ir rigação, valas, linhas te para os animais de companhia, com o cães e gatos, ou
de cerca, jardins, parques e praças p ú blicas, terrenos an im ais d e produção d e pequen o ou méd io porte) e
baldios etc. Em m uitos desses usos, há outra finalid ade chuveiros ou banheiros (principalmente para os an imais
igualm ente importante para os herbicidas, que é a des- d e pro dução de grande porte, com o os bovinos). A sua
truição de ambien tes propícios para o d esenvolvimen to absorção dérm ica é a forma mais importante d e expo-
de outras pragas, além do mato, como as larvas de inse- sição e p o d e trazer riscos, sobret ud o, em fu n ção d a
tos, os insetos adultos e os roedores, que são importantes temperatura e umidad e ambien tes, ou ainda, se h ouver
do ponto de vista de saúde pública, dentre outros anim ais, lesão d a pele do anim al ou pela possibilid ade d o an imal
como os peçonhentos (serpen tes, escorpiões, aranhas se lamber ou ingerir tais compostos dur ante o tratamen -
. , .
etc.), que pod em causar aciden tes an imais e humanos. to por via top1ca.
Do pon to de vista ambiental, destaca-se que o im- Para os animais em geral, as vias oral e respiratória
pacto dos herbicidas n os ambientes aquáticos, seja pela d e absorção são m ais importantes com relação aos her-
aplicação direta para cont role d e plantas aquáticas ou bicidas, fungicidas e acaricid as de uso essencialmen te
pela contaminação indireta após aplicação em out ros agrícola, u ma vez que os an im ais podem con su mir,
ambientes, tem sido alvo de pesquisas e m onitoram en - diretam ente, alimen tos (com o pastagens) ou água (de
to d os seus efeitos sobre a qualidad e da água d os ma- rios, riach os ou aguad as) contaminados por esses com-
n anciais e d os sed imentos em caixas d'água, bem como postos, ou ingerir ração (não com ercial) preparad a com
sobre o comprometimento d a fauna e flora depen dentes grãos ou restos d e cult uras agrícolas que apresentam
dessas fon tes d e água. De fato, m uitos herbicidas têm resíduos d esses compostos, ou até, de form a inesperada,
sido pesquisados e detectados em d iferentes mananciais lamber restos de embalagens aband onados em terrenos
brasileiros, pr incip alm ente pela aplicação d esses pra- baldios ou m esm o no campo.
guicidas em cultu ras agrícolas, pastagens ou em corpos Embora em m enor p roporção, também há que se
híd ricos para controle de plan tas aquáticas, ou m esm o, con tar com a absorção d érm ica quando d a exposição
pela contaminação d ireta d a água n o processo d e lava- dos animais à pulverização d ireta de d iferen tes culturas
gem de equipam entos e embalagens após sua utilização. agrícolas, in cluindo as pastagens, os depósitos de grãos,
Da m esma form a, a rápida evolução da agricultura a pulverização aérea (p or m eio d a aviação agrícola),
para fins de produção d e m ais alimentos tam bém tem além do uso urban o para cont role de certas zoonoses,
p ropiciad o aumento n o uso de fungicidas, importante ent re outras finalidades.
grupo de praguicid a para a conservação, principalmen- Com relação à solubilidad e, os compostos m ais li-
te de grãos (m ilho, arroz, feijão, soja etc.), - que são possolúveis são os que requerem m ais esforço do orga-
u tilizados direta ou indiretam ente para consu m o h u- n ismo para sua biotransform ação e posterior elimin ação.
m ano e anim al. A conservação d os grãos pelo uso d e D essa forma, quanto mais lipossolúvel for o agente tó-
fungicid as faz com que os órgãos governam entais pos- x ico, m aio r sua ch an ce d e sofrer bioacu m ulação em
sam geren ciar os p reços d esses produtos agrícolas para certos tecid os. No caso de animais de produção, muitos
consu mo intern o e extern o, exigindo, assim, a m anu- d esses tecid os poderão ser utilizados, no fu tu ro, com o
tenção d e estoques em arm azéns graneleiros. fonte d e alimentos para consumo human o e/ou an im al
Por sua vez, os acaricidas podem n ão só colaborar e, com isso, conter resíduos de produtos quím icos, que
para o fomento da produção agrícola, como também da pod em trazer consequên cias para a saúde pública.
p rodução animal, uma vez que os ácaros pod em afetar No que diz respeito à eliminação, o leite é uma das
a saúde e o bem -estar animal, requeren do, frequen te- prin cipais fon tes in natura de resíduos tóxicos de h er-
mente, aplicações diretas sobre a pele dos an im ais, sejam bicidas, fungicidas e acaricidas e esse alimento de origem
eles para produção, para com panhia ou m esm o p ara animal pod e ser consumido tanto pela população hu-
esporte. O con trole de ácaros, em geral, com auxílio d e mana quanto animal.
produtos acaricidas também pode reduzir a transmissão Por todos esses aspectos toxicocinéticos associados
de doenças zoonóticas (ou zoon oses), com repercussões à toxico d inâm ica desses compostos, é obrigatório o
im portan tes para a saúde pública. cumprimento d o ch amad o período de carência ou
Capítulo 19 • Herbicidas, fungicidas e acaricidas 191

intervalo de segurança (intervalo entre a últim a apli- d egrad ação por organismos, lixiviação, erosão), das ca-
cação d o comp osto e a colheita ou comercialização d os racterísticas ambientais (temperatu ra, conteúdo de ma-
vegetais ou dos subprod utos d e origem animal) p ara téria orgânica, acidez, umidade) e d as características do
to dos os praguicid as, com o objetivo de reduzir as con- composto (como a su a taxa de degrad ação). Nesse sen-
centrações residuais d esses com p ostos n o organ ism o tid o, estud os de toxicidade e de impacto ambiental dos
anim al até níveis considerad os toxicologicamen te acei- praguicidas, em geral, são muito importantes p a ra a
táveis e sem risco p ara os consumid ores em geral. previsão d os seus efeitos sobre a saúd e e o ecossistema.
O impacto ambiental provocado p elos herbicidas, Apesar d e tud o isso, ainda há muitas lacu nas no
fungicid as e acaricidas pod e ser ain da mais am plo, pela conhecimento sobre o m ecanismo de ação e o quadro
contaminação direta ou indireta do solo, da água e do tóxico produzid o pelos dife rentes agentes h erbicidas,
ar, que também p ode afetar a saúde e a sobrevivência de fungicidas e acaricid as em animais, quando se compara
an imais silvestres, bem como a saúd e de outros anim ais, com outros tipos de praguicid as, em particular os inse-
como pássaros, ab elh as, peixes e out ros seres vivos d e ticidas. Por essa razão, m u itas das in form ações descritas
toda cad eia alimentar. Além disso, os resídu os d e her- neste capítulo referem-se à ação e aos efeitos tóxicos dos
bicid as, fu n gicidas e acaricid as u tilizados em culturas principais compostos dos grupos mais conhecid os de
vegetais e/ou em animais (no caso dos acaricidas) p odem h erb icidas, fu ngicidas e acaricidas no o rganism o de
estar presen tes em tod o meio ambien te, in clu indo as mamíferos em geral, incluin do, m u itas vezes, o homem.
coleções de água, os organismos aqu áticos, os m icror-
gan ism os d e solo e os alimentos em ger al ( de origem CLASSIFICAÇÃO GERAL
animal e vegetal), e são fontes importantes d e exposição
animal e h u mana (Figura 19. 1). A p ersistên cia d esses Existem diferentes formas de classificar os herbicidas,
comp ostos n o meio ambiente depende da eficiência dos fungicidas e acaricid as, e todas normalmente estão rela-
processos físicos e b iológicos ( evaporação, absorção/ cionadas com a classificação química desses com p ostos.

HERBICIDAS
FUNGICIDAS
ACARICIDAS

Aplicação/Uso

Consumo Humano e Animal


Solo Culturas Vegetais Alimentos
(exposição)

,
Agua - Organismos Aquáticos

Consumo Humano e
Animal (exposição)

FIGURA 19.1. Exposição humana e animal a resíduos de herbicidas, fungicidas e acaricidas presentes na água, nos ali-
mentos e em organismos aquáticos.
19 2 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Larin i ( 1997) classificou os h erbicid as como: com - p ose subgrupos ain d a n ão apresentam dados com -
postos quatern ários de amônio, fenoxiácidos, com pos- pletos e tot almente esclar ecid os a respeito d as su as
tos d erivados d a ureia, compostos triazínicos, dinitro - resp ectivas ações tóxicas e, consequentem ente, d o
fen ó i s e pent aclorofe n ol. E os fu n g icid as, como: quadro tóxico qu e desen cadeiam , do p ossível trata-
ditiocarbam atos, organomercuriais e organofosforad os. men to n o caso de intoxicações e d as formas de diag-
Em 1999, o autor reclassificou os herbicidas e fungicidas
, .
nost1co e preven çao.
-
em diversos subgrup os e indicou os principais acarici- Em função das diferen tes classificações aqui apre-
das, os qu ais tam b ém podem apresentar ação inseticid a sen tad as e d a d iversidade de compostos herb icidas,
e fun gicid a. fun gicidas e acaricidas, são abordados n este capítulo
Um a das classificações m ais com plet as foi realiza- apen as aqu eles mais com u m en te utilizados em n osso
da p or Osweiler ( 1998), d ividin d o os herbicidas em m eio e toxi cologicam ente mais import an tes p a ra os
inorgânicos (muitos d eles estão banidos ou pratica- anim ais, sobretu do os de produção, conforme descrição
m ente em desu so) e orgân icos sin téticos ( os m ais uti - resumida n o Q u ad ro 19 .1. É im portante destacar qu e
lizados atualmente), como: bipirid ilas, dinitroanilinas, muitos desses comp ostos p odem apresentar m ais de
fenóxis, triazinas e out ros. O au tor t am bém citou di- uma propriedade, em especial os herbicidas e fungicidas,
fe rentes t ipos de fun gicid as, sen do os mais comumen- que possuem outras tantas fin alidades, ou mesmo certos
te usad os: dit iocarb amatos, benzimidazóis, ftalimid as, acaricid as, qu e tamb ém podem ter p ropried ades inse-
cobre e enxofre, clorotalon il e d inocap, d ent re outros. ticidas e fu n gicidas.
E, ainda, classificou os acaricidas ju n tamente com os
in seticidas, n ão fazen do distinção entre esses dois gru- HERBICIDAS
pos d e praguicidas.
Do ponto de vista agronômico, os herbicidas podem Bipiridílios ou Dipi ridíl ios (Paraq uat e Diquat)
ser classificad os como: herbicidas p ré-plantios, quan do
aplicad os n o solo antes do plantio das sem entes ou d as Toxicocinética
m udas; h erb icidas p ré-em ergen tes, quando aplicad os D e todos os h erbicid as, o paraqu at tem cau sado
n o solo antes da vegetação d aninh a ap arecer ; e herbici- maior número de intoxicações humanas graves, muitas
das pós-em ergentes, qu and o aplicad os no solo ou nas delas fatais, sobretud o por acidentes dur ante a exp osição
folhas após a germin ação d as sementes ou das mudas ocupacional, ou m esm o pelas tentativas de suicídio. Pela
p lantad as. Com relação à su a ação sobre o vegetal, os sua extrem a toxicid ade, este h erbicid a também repre-
herbicidas p odem ser classificados com o: herb icidas senta alto r isco p a ra os an imais em geral, t an to p elo
seletivos, que atuam seletivamen te sobre algum as esp é- contato direto com o pela exp osição indireta a tal com -
cies vegetais; h erbicid as de con tato, qu e atuam quan do p osto.
em cont ato com as folhagen s d o veget al; e h erbicidas A absorção oral, dérm ica e respiratória dos herbi-
por translocação, que atu am após sua absorção por meio cidas b ipiridílios é pequen a, m as a presença d e solven -
do solo ou d as folh agen s. tes e outras substâncias que facilitam sua absorção pod e
Ain da, sob o p onto de vista agronômico, os fungi- elevar o r isco toxicológico. No caso do p araqu at, sua
cidas, que p od em ter fu n ção p rotetora e curativa, são toxicidad e é predom in an tem en te pulmon ar, local de
classificados com o: fungicidas foliares, qu ando aplicados maior acumulação em comparação com outros tecidos.
n as p artes aéreas das plantas, produzindo uma b arreira Su a eliminação ren al é exten sa e, em estu dos exp er i-
protetora contra os fu ngos; fungicidas de solo, que n or- mentais, o paraquat foi detectado na urin a mesmo após
m almente agem sobre os fun gos pela liberação deva- 2 1 dias d a exposição oral a esse herbicida.
pores ou por via sistêmica; e fun gicidas de revestimen - Todavia, em com paração com outros herbicidas, o
to, qu an do utilizad os p rincipalmente sobre os grãos de p araqu at tem efeito residual pequ en o, pode ser degra-
cereais, para fins de estocagem. d ado com m ais facilid ade em contato com o solo e seu
Dessa forma, pela complexidade do tema aqu i abor- p eríodo de carência é relativamente m en or. Assim, p ara
dad o e a dificuldade de se obter um a classificação unâ- minimizar o risco toxicológico é importante evitar-se o
nime desses com postos, n ão são abordadas n este capí- con tato d ireto d os an im ais com esse com p osto.
tulo as respectivas estrutu ras qu ím icas de cad a grup o e
subgrup o dos p raguicidas aqui apresen t ad os. Toxicodinâmica
Além d isso, do p on t o d e vista toxicológico, m u i - Há descrição de vários possíveis mecanism os de
tos comp ostos representantes de cad a u m desses gru - ação p ara os herbicidas bipiridílios. En tretanto, o m ais
Ca pítulo 19 • Herbicidas, fungicidas e acaricidas 193

QUADRO 19.1. Principa is g rupos de h erbicidas, f ungicidas e acaricidas ma is utilizados e de importância toxicológ ica pa ra os animais

HERBICIDAS FUNGICIDAS ACARICIDAS

BI PIRIDÍLIOS (ou DI PIRID ÍLIOS) D ITIOCARBAMATOS FO RMAMIDINAS


• Paraquat • Maneb • Am it raz
• Diquat • Zineb
• Mancozeb

D ERIVAD OS DO ÁCIDO FEN OXIACÉTICO FTALIM ÍDICOS


• 2,4-D • Captan AVERMECTINAS
• 2,4,5-T • Captafol

CLOROFEN Ó IS IM IDAZÓLICOS
• Pentaclorofenol • Tiabendazol CLORDIMEFORM
• Benom il

D IN ITROFENÓIS CLOROFEN Ó IS
• Dinoseb CLOROTA LONIL • Pentaclorofenol
• Dinocap

D IN ITROBENZENAMÍNICOS DINITROFEN ÓIS


• Triflura lina COBRE • Dinoseb
• Dinocap

TRIAZÍNICOS
• Atrazina
ENXOFRE O RGANOFOSFORADOS
• Sim azina
• Cianaz ina

D ERIVAD OS DA UREIA CLOROFEN Ó IS


• Diuron • Pentaclorofenol
CARBAMATOS
• Tebutiuron
• Linuron

D ERIVAD OS DA GLICINA D INITROFEN Ó IS


• Glifosato • Dinoseb PIRETROIDES
• Dinocap

AMINOPIRIDÍNICOS
DERIVADOS MERCURIAIS ORGÂN ICOS
• Piclora m (norma lmente associado ao 2,4-D)

ACETANILÍDICOS
• A laclor AVERMECTINAS
• Acetaclo r

D ERIVAD OS MERCU RIAIS ORGÂNICOS

importante d eles é sua capacidade de aumen tar a pro- Sinais clínicos da intoxicação
dução de radicais livres de oxigênio (radicais superóxi- Nas intoxicações pelos herbicidas bipiridílios podem
do e peróxido de h idrogênio) nos pulmões, on de esse ser observados: náuseas, vômitos, diarreia com fezes fé-
herbicid a atinge alta concentração. Esses rad icais livres tidas, dores abdominais, disfagia, ulceração e necrose da
p roduzem excessiva peroxid ação lipídica (lipoperoxi- cavidade bucal e esôfago (principalmente se a exposição
dação) nas células pulmon ares, que perdem a integri- for por via oral), dispneia, estertores pulmonares, ed ema
dade das suas m embranas, resultand o em d egeneração, pulmon ar, h ipóxia, cianose, hem orragia progressiva e,
necrose e morte celular. Esse processo leva à substituição com frequência, morte por insuficiência respiratória, que
das áreas do tecido pulmonar lesado por áreas de tecido geralmente ocorre ao redor de 1 a 4 semanas após expo-
conjuntivo, ou seja, ocorre fibrose pulmon ar, que pode sição intensa. Pode haver fibrose pulm onar se o organis-
se instalar a partir do 10° dia d e exposição. A excessiva mo sobreviver à fase agud a da intoxicação. Esse quadro
lipoperoxidação também promove depleção do peptídeo pode vir acom panhad o de insuficiência renal e circula-
glutationa (GSH ), especialmente n o fígado, no qual esse tória, com uremia, oligúria, proteinúria e hematúria, além
peptídeo aparece em maior concentração. A glutation a de insuficiência hepática e icterícia. Pode haver irritação
está envolvid a em várias reações biológicas d o organ is- d a pele, com dermatite (eritem a, bolhas e ed ema) e de-
mo, incluindo aquelas relacionadas com a metabolização formação, descoloração e queda de unhas (e cascos), além
de substân cias en dógenas e/ ou a biotransformação de de irritação e até queimaduras oculares, principalmente
substâncias exógen as. se a exposição foi tópica, isto é, envolvendo a pele e as
194 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

mucosas. Também podem ocorrer sinais clínicos gastrin - Estudos experimentais envolvendo a exposição oral
testinais e relacionados ao sistema nervoso central. de bovin os a diferentes doses do herbicida 2,4-D m os-
Há relato de cães intoxicados qu e apresentar am traram que as alterações nos achados clínicos e nas do-
in icialm ente vôm ito e inap etên cia, letargia, m ucosas sagens de parâm etros bioquímicos coincidiram com os
congestionadas, taquicardia leve, desid ratação, estoma- níveis séricos elevados desse h erbicida na circulação
tite ulcerativa e taquipneia leve. Houve piora clínica ao desses anim ais. Tais resultados foram dose dependentes
longo de 1 a 6 dias, com sinais de taquipneia, dispneia e desapareceram com o tempo, quan do esses níveis sé-
e hipoxem ia progressivas. Como não houve resposta aos ricos do herbicida alcançaram um valor mínimo. Tais
tratamentos realizados, e em razão do prognóstico gra- dados coincidem com outros descritos n a literatura,
ve da intoxicação, os cães foram submetidos à eutanásia. revelando pouco efeito cumulativo do 2,4-D nos tecidos
anim ais, m esmo após exposição oral repetida a doses
Achados de necropsia abaixo da dose oral tóxica.
Na n ecropsia podem ser detectados, de form a bas-
tante característica: congestão, hem orragia, edem a e Toxicodinâ mica
áreas de fibrose pulmonar. Se a exp osição for p or via O mecanism o de ação dos h erbicidas derivados do
or al, p odem ser observadas ulcerações e n ecrose n a ácido fenoxiacético ainda não foi completamente elu -
cavidade oral e faringe, além de hem orragias n a m uco- cidado. Existem diferentes mecanismos de ação propos-
sa estom acal (ou ruminal). tos, incluindo o dano dose-dependente das m embranas
Os principais achados da necropsia de cães intoxi- celulares, o desacoplamento da fosforilação oxidativa,
cados acidentalmente foram : lesões ulcerativas severas com o consequência do ou após o dan o da m em bran a
na língua, pulmões escurecidos e com hemorragia, con- celular, e a interrupção do m etabolism o da acetilcoen -
gestão visceral moderada, esplenomegalia, hidrotórax e zim a-A (acetil-CoA) com interferên cia nas vias m eta-
hidropericárdio com líquido serosanguinolento e lesões bólicas celulares.
de irritação gastrintestinal. Microscopicamente, fo ram
observados: congestão capilar alveolar, edema e colapso Sinais clínicos da intoxicação
com distensão dos duetos alveolares e bronquíolos ter- Nas intoxicações por esses h erbicidas é comum
minais (pulmões com aparência atípica de favo de m el), ocorrer a alteração no m etabolism o de carboidratos e
necrose das células epiteliais bronquiolares com desca- na função m uscular esquelética, causando um quadro
m ação no lúmen , fibrose alveolar e hiperplasia das cé- diabetiform e transitório, m iopatia e neuropatia perifé-
lulas epiteliais bronquiolares. rica. Além disso, podem ser observados anorexia, náuseas,
vômitos, disfagia, redução da motilidade gastrintestinal
/

Deriva dos do A cido Fenoxiacético ( ou até aton ia r um inal), ir ritação da pele e m u cosas,
(2,4-D e 2,4,5-T) d iabetes tran sitório (às vezes), depressão do sistema
nervoso central, fraqueza muscular principalmente dos
Toxicocinética membros posteriores, letargia, apatia progressiva, pare-
O 2,4-D (ácido 2,4-diclorofenoxiacético) é um dos sia, rigidez m uscular, ataxia e claudicação.
herbicidas m ais utilizados em nosso meio e no mundo Um dos m aiores riscos toxicológicos associados aos
todo, in clusive em p astagen s e, em certas situações, derivados do ácido fenoxiacético é a possibilidade de
pode ser mistur ado a fertilizantes par a controlar o apresentarem certas impurezas de fabricação (ou con -
crescim ento de ervas daninhas ao red or de determ i- taminantes) cham adas de dioxinas, que são substâncias
n adas culturas agrícolas. extrem amente tóxicas para o organism o e que podem
A intoxicação por h erbicidas der ivados do ácido causar grande contaminação ambiental. Esses contami-
fen oxiacético pode ocor rer, sobretudo, p ela in gestão nantes podem aparecer durante o processo de produção
direta ou indireta (via oral), pois as demais vias de ex- industrial do composto, se a tem peratura do processo
posição são m en os im portantes para os animais. de síntese não for rigidam ente controlada.
Em comparação com o 2,4-D, o h erbicida 2,4,5-T Um dos fatos h istóricos sobre esse assunto rem on -
(ácid o 2,4,5-triclorofen oxiacético) representa m aio r ta à Guerra do Vietn ã, quan do a utilização do chamado
r isco de intoxicação, já que é m uito m ais lipossolúvel e "agente laranjà ' (um a mistura contendo 2,4-D e 2,4,5-T
sua meia-vida plasmática é cerca de três vezes m aior, contaminada com a 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxi-
em função da sua m aior reabsorção renal e consequen - na ou TCDD) levou à descoberta da grave toxicidade
te m enor eliminação urinária. desse tipo de impureza (DLSO oral aguda para ratos ao
Capítulo 19 • Herbicidas, fungicidas e acaricidas 195

redor de 25-50 µg/kg), da sua alta estabilidade n o orga- r isco mais elevado, pela imaturidade d e tod os os sis-
n ismo (meia-vida biológica de cerca de 24 dias) e n o tem as fisi ológicos envolvidos n o n eurodesenvolvi-
meio ambiente, e da sua baixa degradabilidade micro- men to.
biológica (m eia-vida n o solo ao redor d e um ano). A taxa de absorção da dioxina não é conh ecida, mas
Estud os experimen tais em an im ais dem onstraram essa impureza pode se acum ular no tecido adiposo por
que a TCDD altera o sistem a hem atopoiético, variando um p eríodo de an os, com meia-vida d e aproximada-
de acordo com a dose e a espécie animal envolvida. Pode mente 7 anos n esse tecido. Ressalte-se que a dioxin a
ocorrer principalmente leucocitose, linfopen ia e trombo- pode ser elim inada pelo leite materno, elevando bastan -
citopen ia moderadas, além d e redução d a celularid ade te o risco de contaminação d os animais lactentes e até
da medula óssea. Tod avia, em seres humanos expostos a d a população hu mana consumidora d esse alimento d e
essa impureza, esses achados não são cientificamen te origem an im al.
. ,
consistentes ate o mom ento. Todos os dan os tóxicos fizeram aumentar o rigor e
Em diferen tes espécies an im ais foram detectados a importância d o controle de qualidad e após a fabrica-
efeitos embriotóxicos e fetotóxicos causad os p rin cipal- ção desse grupo de herbicidas, no sentido de evitar pos-
m en te pela contam in ação com a dioxina, e, também, síveis contaminações pelas dioxinas. Os estudos mostram
estudos experim entais em animais dem onstraram seu que o herbicida 2,4,5-T é o mais frequentem ente incri-
potencial imun otóxico, m u tagênico, em briotóxico, te- minad o nessa contaminação, quan do se compara com
ratogênico e carcinogên ico. Nesse sentido, essa impu re- o 2,4-D.
za é classificada como u m dos mais importantes agentes Também é descrito que os herbicidas derivados d o
desreguladores en dócrinos de origem ambiental e, por- ácido fenoxiacético, em especial o 2,4-D (mais utilizad o
tanto, capaz de p rodu zir alterações reprodutivas e do em pastagens), podem aumentar a toxicidade de algumas
desenvolvimento em várias espécies anim ais. plantas no campo, o conteúdo de nitritos de plantas que
Os desreguladores endócrinos são substâncias já apresentam tal característica ou ainda a palatabilid a-
exógenas que alteram uma ou várias fu n ções do sistema d e de certas plantas tóxicas pouco palatáveis. Tais fatos
end ócrino e produzem, consequen tem ente, efeitos ad- com plicam a questão do uso de herbicidas na agrope-
versos sobre a saúde num organ ismo in tacto, n a sua cuária e exigem maior rigor com relação ao período d e
descendência, ou nas subpopulações. O mecanism o carência de cada composto desse grupo.
dessa ação desreguladora é em gran de parte ainda d es-
con hecido, m as parece ser m ediado pela ligação a sis- Clorofenóis (pentaclorofe nol)
temas en zim áticos, ou a receptores nucleares o u d e
membrana, esteroides e não esteroid es, incluindo neu- Toxicocinética
rotransm issores. O pentaclorofenol (ou pen taclorofenato de sódio),
É d escrito que as d ioxinas atuam com o desregula- conhecido popularmente com o "pó da china: tem sido
dores endócrinos por seu efeito antagonista dos estro- utilizado com o conservante ou preservante d e madeira,
gênios, sendo capazes d e p roduzir t ranstornos repro- além de apresentar propried ades herbicida, fu ngicida,
d utivos graves e alterações do desenvolv imento em acaricid a, inseticid a, moluscicida e algicida, m uitas das
várias espécies anim ais, além da sua carcinogenicid ade. quais não são usuais em função da acentuada toxicid a-
A dioxin a também pode causar d an os reprodutivos, d e desse composto.
neurológicos e lesões dérmicas, como hiperplasia e h i- O risco de intoxicação pelo pentaclorofenol é gran-
perqueratose do epitélio folicular ( quadro tópico sem e- d e, uma vez que sua absorção pelas vias oral, dérmica e
lhante à chamada d ermatite acneiforme ou eczem atosa, respiratória é muito rápid a e sua meia-vida é de cerca
com u m ente observada em seres h umanos expostos à de 20 dias - embora seja muito influenciada pelo pH
tal im pureza). u rinário, sen do que o p H alcalino favorece sua elimina-
É extremamen te difícil a avaliação d as reais con - ção renal (por exemplo, em bovinos, sua meia-vida pode
sequências à saúde anim al e humana da exposição aos ser de 2 d ias).
agentes desreguladores endócrinos. Porém, atualmen-
te, con sid era-se que são substâncias deter min antes Toxicodinâ mica
para muitas doenças, ou então, são amplificad oras d as O mecanismo d e ação tóxica mais aceito par a o
suas man ifestações. Os organism os m ais jovens são p entaclorofenol é o r ápido desacoplamento da fos-
con siderados os mais críticos, u m a vez que a exposi- forilação oxidativa nas m itocôn drias de m uitos teci-
ção muito precoce aos desreguladores endócrinos traz dos, p rovocando um au mento do metabolismo basal.
196 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

Isso justifica, prin cipalmente, o aum ento de tempe- Dinit rofenóis (Dinose b)
ratura corpor al, o colapso e a morte em caso d e in-
toxicação grave ( d e for m a m uito sem elh an te aos Toxicocinética
h erbicid as din itrofenóis, que são abordados a seguir). Os herbicid as d in itrofen óis são praticam ente in -
O órgão-alvo princip al da toxicidade do pentacloro- solúveis em água e solúveis n a m aioria d os solven tes
fe n ol é o fígado, m as tam b ém p ode afetar o s r in s e a o rgân ico s. A absor ção desses compo stos p elas vias
m edula óssea. oral e respiratória é mais importante que pela via dér-
mica. A sua elimin ação renal é bastan te lenta, poden -
Sinais clínicos da intoxicação d o ser detectados n a circulação du rante um período
Nas intoxicações pelos herbicidas clorofenóis podem m uito lon go.
ser obser vados an orexia, n áuseas, vômitos, perd a d e
peso, aumento da tem peratu ra corporal, sede intensa, Toxicodinâmica
sudorese excessiva, desidratação, dor abdominal, dispneia, O mecanismo d e ação tóxica m ais provável para os
taqu icardia e taquipn eia e, n os casos m ais graves, in - herbicid as dinit rofenóis é o rápid o d esacoplam en to da
quietação, convulsões, colapso e morte, acom panhada fosforilação oxid ativa, com aum en to d o m etabolism o
de uma temperatura corporal bastante elevada. No fí- basal. Nesse caso, ocorre aumento do consumo de oxi-
gad o, p od em ocorrer alterações d o n ível das en zimas gênio e dim inuição d a formação de AT P (trifosfato de
citocrom o P450 e outras en zimas hepáticas, do glicogê- ad enosina), com consequen te aum ento da temperatu ra
nio, alterações do peso e aparên cia do fígado, além de corporal (hipertermia), como reflexo da perda d e en er-
h iperplasia, fibrose, vacuolização, d egeneração e necro - gia, o que pod e levar ao colapso e até à m orte ( de modo
se h epáticas. muito semelhante ao pentaclorofen ol).
A expo sição m ais prolongada ao pen taclorofenol
pode causar irritação da pele e m ucosas, e u m quadro Sinais clínicos da intoxicação
sem elh ante ao da d erm atite acneiform e ou eczem a - Nas intoxicações por herbicidas dinitrofenóis podem
tosa observad a em seres h umanos expostos à im pu- ocorrer náuseas, vômitos, cólicas abdominais, irritação
reza dioxina. d a pele, aparecim ento de cor amarelad a na pele, na u ri-
Como outros compostos, o pentaclorofenol também na e na esclerótica, aumento da temperatura corporal,
p od e apresentar vários tipos d e imp urezas ( ou con ta- sud orese intensa, d esidratação, fraqueza, respiração rá-
m inantes), tais com o: dibenzodioxinas, dibenzofuranos, pida e profu n da, agitação, tremores musculares, convul-
difen il clorados e d iidrox ibifen is clorad as. D en tre as sões, inconsciên cia, alterações hepáticas e renais, colap -
diben zodioxinas, a TCDD é a m ais importante e a que so e m o rte p or in suficiên cia cardio rrespiratória ( em
causa m aior impacto sobre o organism o e o m eio am - casos agud os graves, a m orte p od e ocorrer em 24 a 48
biente (com o já d escrito para os herbicidas derivad os h oras após a exposição).
do ácid o fen oxiacético).
Há relatos de estu d os experimentais em roed ores Dinitrobenzenamínicos (t rifluralina)
mostrand o que o pen taclorofen ol p rovoca efeitos tera-
togênicos e fetotóxicos, embora existam cont rovérsias, Toxicocinética
u ma vez que esses efeitos parecem estar d iretamen te Esses h erbicid as são praticam ente insolúveis em
ligados à dose envolvid a na exposição a esse herbicida. água e solúveis na m aioria dos solventes orgânicos. A
Os estudos de carcin ogên ese em ratos associaram a trifluralina, em particular, é um herbicida pouco absor-
exposição ao pen taclorofenol com o aparecimen to d e vido p elas vias o ral e d érmica em mamífero s, sen do
m esoteliomas; p or ém , o m ecanism o envolvido n essa eliminad a pelas fezes em grande prop orção após in ges-
alteração necessita de m elhor compreensão. tão direta ou indireta; dessa form a, a toxicidad e aguda
p ara m am íferos é relativam en te baixa. Entretanto, o
Achados de necropsia maior risco está na p resen ça de solven tes utilizados na
Na necropsia de animais intoxicad os por esse com - formulação desses herbicidas, o que pode aum entar sua
posto e que vieram a óbito, n or malmen te po d em ser absorção, sobretudo pela via dérmica e, com isso, elevar
ob servadas, e d e form a característica, a presen ça d e a toxicidad e.
sangu e com aspecto espumoso nas n arinas, boca e tra- Os h erbicidas dinitrobenzenamínicos são bastante
queia, além d e rigidez cadavérica m u ito m ais r ápida, estáveis durante o seu armazenam en to e apresenta ca-
quando comparad a à de anim ais n ão intoxicados. pacid ade m oderada d e persistên cia no solo.
Capítulo 19 • Herbicidas, fungicidas e acaricidas 197

Toxicod inâmica Toxicodinâ mica


O m ecanismo de ação da trifluralina envolve a in- O mecanismo de ação tóxica dos herbicidas t riazí-
dução de meta-hemoglobinemia, ou seja, esse herbicida nicos ainda não foi devidam ente esclarecido.
é capaz de desen cadear a formação in ten sa ( além do Em est ud os exp erimentais com ratos, a atrazina
normal) de m eta-hemoglobina no organismo, que é uma revelou-se um agente desregulador endócrino e foi ca-
forma de hem oglobina na qual o íon ferroso (Fe2 +) da paz d e produzir adenocarcinomas mamários. Esse her-
molécula heme foi oxidado a íon férrico (Fe3+), ficand o bicida parece agir no sistem a nervoso central reduzindo
assim incapaz de carrear oxigênio. Esse p rocesso resul- a liberação de gon adotrofinas h ipotalâmicas e, con se-
ta em anemia funcional, que restringe a oxigenação dos quentemente, diminuindo a taxa d e hormônio luteini-
tecidos e resulta em hipóxia celular. zante (LH) e d e prolactina, o que interrompe o ciclo
ovarian o e leva à m anutenção da fase de estro, com u ma
Sinais clínicos da intoxicação maior exposição do tecid o m amário ao estrógeno (esse
Nas intoxicações pela trifluralina, podem ser obser- efeito parece ser d epend ente da espécie animal envol-
vadas principalmente an orexia e alterações hem atoló- vida na exposição).
gicas, como anem ia, leucopenia, meta-hem oglobinemia Contudo, resultados obtidos com trabalhad o res
e, n os casos m ais graves, aplasia medular. Com o au- expostos aos herbicid as triazínicos, principalm ente a
m ento d a concen tração d e m eta-hem oglobina, pod em atrazina, mostraram que os dados obtidos até o momen-
su rgir taquicardia, h ipertensão arterial, dispneia, náuseas, to não são suficientes para sua comprovação como subs-
vômitos e d or abdominal. Nos casos m ais graves, pode tâncias carcinógenas para a espécie humana.
haver agitação, convulsões, arritmia cardíaca, cianose, Ainda, estudos experimentais realizados em camun-
choque, coma e até m orte. d ongos revelaram que a exposição oral à simazina in-
Além disso, a triflu ralina pode apresentar traços da duziu imu nossupressão nesses animais, embora o m e-
impureza nitrosamina, uma substân cia sabidam en te canism o exato dessa alteração ainda não tenha sido
mutagên ica e carcinogên ica, o que reforça a necessidade completamente elucidado.
de um rígid o controle d e qualidad e na p rodução desse
herbicida. Essa impureza também é classificada como um Sinais clínicos da intoxicação
agente desregulador endócrino e, portanto, capaz de pro- O quad ro tóxico d esenvolvido pelos animais ex-
duzir alterações na reprodução e n o desenvolvimento. postos aos herbicidas t riazínicos não é muito caracte-
rístico, mas podem ser observados: anorexia, sialorreia,
Triazínicos (atrazina, simazina, cianazina) estimulação do sistem a nervoso central, trem ores mus-
culares, fraqueza m uscular, ataxia, apatia, decúbito e
Toxicoci nética alteração nas funções hepática e renal ( em u m quadro
Esses herbicidas são bastan te utilizados em nosso agudo). D erm atite e t rombocitopenia foram relatad as
m eio, até mesmo n o cont role d e plantas daninhas em em quadro clínico mais crônico. Ocasionalmente, pode
coleções d e água e pod em causar impactos mais rele- correr d iarreia.
vantes sobre o m eio aquático, com o já citado anterior-
mente n este capítulo. Tais compostos são absorvidos Derivados da ureia (d iuron, tebutiuron,
pelas vias oral, d érmica e respiratória, m as apresentam linuron)
baixa toxicidade aguda, quando comparad a com a d e
out ros herbicidas. Toxicocinética
Os herbicid as triazínicos são classificados com o pré- Esses herbicidas tam bém são muito utilizados no
-emergentes, e, em especial, a atrazin a não tem boa ad- meio veterinário e podem ser associados a outros, como
sorção (retenção) no solo, o que facilita a sua mobilização, o paraquat e o glifosato, o que m odifica bastan te a sua
con taminando especialmente o meio aquático. Nesse toxicidade aguda, que normalmen te é baixa, quando
sentido, a atrazina tem sido apontad a como o herbicida comparad a a d e outros herbicid as.
do grupo d os triazín icos com maior n úmero de relatos Os herbicid as d erivados da ureia são facilmente ab-
como con taminante de água n o mund o. Apesar da sua sorvidos pelas vias oral e respiratória, mas pouco absor-
menor solubilidade em água, alguns herbicidas t riazín i- vidos pela via dérm ica. São moderadamente persistentes
cos, como a simazina, podem frequentem ente deixar no meio ambiente, e sua decomposição gera subprodutos
resíduos n esse m eio, poden do elevar o risco de conta- d erivad os da anilina. Esses compostos são indutores do
m inação dos animais quando d a ingestão d essa água. sistema citocromo P450 e de outros sistemas enzim áticos,
198 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

responsáveis pela biotransformação de inúm eros outros para os peixes. Provavelm ente seu efeito tóxico, mesmo
, .
agentes qurm1cos. que pequeno, seja muito m ais pelo componente surfac-
tante bioativo (polioxietilenam ina) da sua form ulação
T oxicod inâ mica e, ain da assim, é considerado um h erbicida de am pla
O m ecanismo de ação tóxica dos herbicidas deri- margem de segurança, incluindo a sua fo rmulação co-
vados da ureia ainda não foi totalmente elucidado. mercial.
N o h om em , a biotran sformação h epática desses
herbicidas pode levar à produção de subprodutos deri- Sinais clínicos da intoxicação
vados da hidroxicloroanilina, agentes capazes de causar Os sin ais observados em um a intoxicação leve
m eta-h em oglobinem ia (como aco ntece com outros p elo glifosato são in específicos, tais com o: n áuseas,
herbicidas). É bem possível que esse processo também vôm itos, diarreia, anorexia, fraqueza muscular e le-
• •
ocorra em an1ma1s. targia, p oden do ter em an im ais um a duração de 2 a
24 horas. O produto form ulado p ode in duzir derma-
Sinais clínicos da intoxicação tite de contato e ir ritação ocular e da mucosa gastrin -
O quadro clínico das intoxicações pelos herbicidas testinal. Em uma intoxicação mais grave, os sinais são
derivados da ureia é muito vago, poden do surgir an o- m ais intensos e podem ser representados prin cipal-
rexia, depressão e ataxia. Na ocorrência de m eta-hemo- mente por hipotensão, choque vascular, convulsões,
globinemia, os sinais clínicos são semelhantes àqueles com a e m orte.
descritos anteriorm ente para a trifluralina. Na intoxicação do ser humano por glifosato, obser-
O maior risco desses herbicidas é a possibilidade da vou -se alteração no eletrocardiogram a (ECG), caracte-
presença da impureza 3,4-dicloroanilina, agente com rizada por prolongam ento do intervalo QTc e arritmias
ação m eta-h em oglobinizante. Pode ocorrer, aind a, a cardíacas, as quais podem ser a causa de óbito. Efeitos
contaminação (durante o seu processo de síntese) por semelhantes, ou seja, alterações eletrofisiológicas car-
im purezas derivadas de benzen o, as quais são estrutu - díacas, bloqueio da condução elétrica no coração e ar-
ralmente sem elh antes à dioxina TCDD, cujo risco toxi- ritmias fo ram relatados em ratos e coelhos.
cológico já foi com entado anteriorm ente. Foi bem estabelecida a relação dose-efeito na expo-
sição ao glifosato em seres humanos e parece que o sur-
De riva dos da g licina (g lifosato) factante polioxietilenamina está diretamente envolvido
nessa relação.
Toxicoci nética
O glifosato é um dos herbicidas mais utilizados em Aminopi ridínicos (picloram)
n osso meio. Seu efeito residual é m uito curto, o que o
classifica com o um herbicida ecologicam ente seguro, Toxicocinética
p ois esse com posto é degradado rapidamente quando O picloram é um h erbicida bastante utilizado em
em contato com o solo. cultu ras agrícolas, em pastagens e n a m anuten ção das
A absorção do glifosato pelas vias oral, dérmica e áreas de extensão das ferrovias e das linhas de alta ten -
respiratória é pequen a, sendo elim inado de fo rma in- -
sao.
tacta e em maior quantidade pelas fezes, após a ingestão É u m composto qu im icamente com p atível com
direta ou indireta. Seu poder de bioacumulação é míni- vários outros herbicidas e, portanto, é n ormalmente
mo e, nos solos, pode ser degradado em cerca de 90 dias. form ulado em mistura com outros herbicidas, com o é
Estudos exper im entais em anim ais indicam que esse o caso da m istura com o 2,4-D (m uito com um no Bra-
herbicida n ão gera subprodutos tóxicos, com o outros sil) e com diuron, tebutiuron, atrazina, simazina e outros.
compostos citados neste capítulo. O herbicida picloram é facilm ente absorvido pela
via or al e m u ito pouco absor vido pela via dérmica; a
Toxicod inâmica elim inação ren al é rápida e total em cerca de 48 horas.
O mecanismo de ação do herbicida glifosato ainda A m aior parte do que foi absorvido pela via oral é eli-
n ão é con clusivo, mas acredita-se que esteja relaciona- minada pela via renal e pouco pelas fezes.
do ao desacoplamento da fosforilação oxidativa mito-
con drial. Toxicodinâ mica
A toxicidade do glifosato é considerada baixa para os O mecanismo de ação tóxica do picloram ainda não
animais mamíferos (incluindo o ser humano) e, também, está devidam ente esclarecido.
Capítulo 19 • Herbicidas, fungicidas e acaricidas 199

Sinais clínicos da intoxicação Derivados mercuriais orgânicos


A toxicid ade desses herbicid as é muito baixa para
os m am íferos, m as, ainda assim, podem ser observad as Toxicocinética
anorexia, debilidade, depressão, ataxia e prostração. Vale Os herbicid as mercu riais são compostos lipossolú-
lembrar que n orm alm ente o picloram está associado ao veis e, por isso, são bem absorvid os pelas vias oral, dér-
herbicid a 2,4-D, o que pode aumentar a toxicidad e da m ica e respiratória, além de apresentarem alto poder de
formulação com ercial e os animais passarem a apresen- acu m ulação n o organism o (e n o meio ambien te). São
tar outros tipos d e sinais tóxicos. capazes de atravessar a barreira placentária, acumulan-
Em estud os experimentais envolvend o a admin is- do-se n o cérebro fe tal, e p o dem ser elimin ad os pelo
t ração oral d a mistura de 2,4-D e picloram para ratos, leite m atern o. Sua m eia-vida é d e cerca d e 70 dias, po-
n ão foi claram ente demonstrada a possível toxicid ad e den do variar b astante de acordo com o composto, a
para o desenvolvimento animal (redução d o peso fetal exposição e o organism o exposto.
e aumento das anorm alid ades fetais) observada em es-
tudos prévios realizados em cam undongos. Toxicodinâmica
O m ecanism o d e ação d esses herbicidas se deve à
Acetan ilídicos (a lac lor, acetaclor) ligação covalente do mercúrio com grupam entos sulfi-
d rilas de en zim as, a qual interfere no metabolism o e na
Toxicocinética fun ção celular. Há tam bém relato de que o mercúrio
Os herbicidas acetan ilídicos são rapidam ente ab - pode elevar os níveis séricos de catecolaminas (adrena-
sorvi dos pelas v ias o r al e d érm ica e sua toxicidade lina, noradrenalina e dopamina). Outros detalhes sobre
varia bastante d e acord o com o composto pertencente os com postos mer curiais podem ser en contrad os no
a este grupo. A biotransform ação ocorre de form a rá- Capítulo 33.
pid a nas primeiras 1O horas e só se com pleta n o p e-
ríodo de 5 a 16 dias. A eliminação ocorre em parte pela Sinais clínicos da intoxicação
u rin a ( cerca de 40 a 50%) e tam bém pelas fezes, m as O alvo prin cipal d a ação dos herbicidas m ercuriais
essa característica pode variar em função de cada com- orgânicos é o sistema nervoso central (especialm en te o
posto do grupo. córtex e o cerebelo). Por isso, na intoxicação, podem ser
observados cegueira, tremores musculares, parestesia,
Toxicod inâmica ataxia, convulsões e d ermatite.
O mecanism o de ação tóxica desses compostos ain- Embora estejam citad os neste capítulo, o uso desses
da não foi totalmente elucidado. compostos como praguicidas ( com função herbicida e
fungicid a) está proibido em nosso país, seja pela sua alta
Sinais clínicos da intoxicação toxicid ade, seja pelo seu alto poder cumulativo no m eio
A toxicidade aguda dos herbicidas acetan ilídicos ambiente, p rodu zindo con tamin ação e alto risco d e
é baixa, mas pode apresen tar im purezas, tais com o a d esequilíbrio ambiental. O mercúrio tam bém é classi-
3,4-d icloroan ilina, u m contamin ante capaz de p ro- ficad o como um agente desregulador endócrino e, por-
duzir meta-hem oglobin em ia (sinais clín icos já refe- tanto, capaz d e produzir alterações na reprodução e no
ridos neste capítulo) e d epressão d o sistem a nervoso d esenvolvimento em animais.
cen t ral. Além d isso, essa impureza pode dar origem
a contamin an tes d erivad os d e ben zen o que, por su a FUNGICIDAS
vez, são estruturalmente semelhantes à dioxina T CDD
( citada an teriormen te). Ditioca rbamatos (ma neb, zineb, mancoze b)
O alaclor é considerad o um agen te d esregulador
end ócrino e, portanto, capaz de produzir alterações n a Toxicocinética
repro dução e n o desenv olvim ento em an im ais. Esse Os fungicid as ditiocarbamatos pod em ser absorvi-
com posto tam bém é classificado com o um provável d os pelas vias oral, dérm ica e respiratória, sendo elimi-
carcinógeno, já que, em estudo experimental, promoveu nados em grande p roporção pelas fezes. São compostos
o aparecimento de tumores n o estômago, na tireoid e e muito pouco solúveis em água e solúveis em solventes
n os pulmões, o que reforça a necessid ade de maior cui- orgânicos. São relativamente estáveis em condições nor-
dad o n o uso desse composto. mais d e armazenamento. En tretanto, sobretudo na p re-
200 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

sen ça de oxigên io e umidade, p odem se decomp or e Ressalte-se que outras doenças n eurodegenerativas
formar impurezas, dentre elas a etileno-tioureia (ETU), têm sido igualmente associadas à contam in ação p or
com um a meia-vida no solo e nos vegetais ao redor de praguicidas em seres humanos, com o o alto risco para
7 dias. Todavia, a m eia-vida dos ditiocarbam atos n o a doença de Alzheim er. Entretanto, esses dados requerem
ambiente varia de 30 a 60 dias, o que favorece a recon - estudos complementares de toxicidade crônica que com-
taminação dos produtos vegetais com a impureza ET U. provem a relação causal com a doença, excluindo outras
variáveis, como a susceptibilidade genética dos organis-
Toxicod inâmica mos, entre outras.
O m ecanism o de ação desses fungicidas ainda não Além disso, dentre os efeitos mais tardios provoca-
está totalmente elucidado. N o entanto, sua toxicidade dos p or alguns ditiocarbam atos, estão a redução do
aguda é relativamente baixa quando comparada com a crescim ento e da m atu ridade de espermatozoides e a
de outros fungicidas. embriotoxicidade. Tam bém foi descrita, em seres hu-
Um dos grandes riscos da exposição a esses fungi- manos, a ocorrên cia de abortos provocados pela expo-
cidas (especialmente o maneb e o zineb) decorre da sua sição ao m ancozeb.
degradação no meio ambiente e no organismo de m a- Um dos efeitos crônicos mais críticos desencadeados
míferos em um subproduto: a etilen o-tioureia (ETU), pela impureza ETU é a hiperplasia de tireoide, que evo-
sabidamente mutagênica, teratogênica e carcinogênica, lui para tumor nessa glândula, além de produzir tumor
além do seu p otente efeito antitireoide (interr om pe a pulm onar e anom alias congênitas. Essa im pureza tem
função tireoideana e induz câncer de tireoide). m eia-vida de aproxim adam ente 7 dias n o solo e em
Há descrição também da possibilidade dos ditiocar- produtos vegetais, e sua elim inação pela urina dos ani-
bamatos, em geral, conterem a impureza nitrosamina, de mais expostos é alta nas primeiras 60 horas, decrescen -
forma sem elhante a alguns herbicidas. A nitrosamina é do progressivam ente até 3 sem an as.
também classificada com o um dos agentes desregulado-
res endócrinos e, portanto, capaz de produzir alterações Ftalimídicos (ca ptan, captafol)
n a reprodução e no desenvolvimento em animais.
Toxicocinética
Sinais clínicos da intoxicação Os fungicidas ftalimídicos são bem absorvidos pela
Na intoxicação por fungicidas ditiocarbam atos, po- via oral, e n o caso do captan há eliminação pela urina
dem ser observadas anorexia, diarreia aquosa, derm a- (cerca de 50%) e pelas fezes (cerca de 20%) nas primei-
tite, rinite, conjuntivite, faringite, bronquite, excitação ras 24 horas ap ós exposição or al. Tais fungicidas são
seguida de depressão, diminuição do tônus m uscular, pouco solúveis em água e solúveis em solventes orgâni-
ataxia, convulsões e disfunções hepática e renal. cos. Apresentam poder residual relativamente pequeno
Os fungicidas ditiocarbamatos apresentam grande e que pode du rar apenas alguns dias, na dependência
potencial neurotóxico em altas doses. Em seres hum anos, de cada composto do grupo.
foi descrita um a possível relação entre a exposição crô-
nica ao m aneb e o aparecimento de sintom as da doença Toxicodinâ mica
de Parkinson (com disfunções cognitivas e psicomotoras), O mecanism o de ação tóxica desse grupo de fun-
provavelmente pela neurodegen eração dopaminérgica gicidas n ão está com pletamente estabelecido. Entre-
in duzida por inibição da função m itocon drial causada tanto, su a toxicidade agu da é relativamente baixa,
p or esse fungicida, alteração essa reproduzida experi- quando comparada com a de outros grupos de fungi-
m entalmente em ratos e camun dongos. cidas.
Contudo, outros praguicidas já foram associados
com disfu n ções e doen ças n eu rológicas, p rin cipal- Sinais clínicos da intoxicação
m ente os inseticidas organofosforados, carbamatos e Dentre os sinais da intoxicação aguda pelos fungi-
organ oclorados, além de certos fu m igantes, qu e são cidas ftalim ídicos, podem ser citadas: anorexia, respira-
apontados como capazes de aumentar o r isco de de- ção rápida, depressão, ascite e gastrenterite.
senvolvim ento da doença de Parkinson . Nesse senti- Há também relatos do potencial imunotóxico, m u-
do, são descritos na literatura casos dessa doença em tagênico, teratogênico e carcinogênico desses fungicidas.
indivíduos expostos aos inseticidas organofosforados, Estudos experimentais realizados com o captan revela-
aos herbicidas glifos ato, paraqu at e diquat e aos fun - ram sua capacidade de induzir tumores gastrintestinais
gicidas m an eb e outros ditiocarbamatos. em camundongos e pólipos no estôm ago de ratos.
Capítulo 19 • Herbicidas, fungicidas e acaricidas 201

Os riscos d o uso d os fun gicidas ftalim ídicos são ovinos, com diferen tes idades, por ingestão d e bagaço
controversos, em especial porque suas est ruturas quí- d e uva tratad o com fungicid a à base de cobre, os quais
micas são sem elhantes à da talid om ida, mund ialmen te apresentaram sinais clín icos de hemoglobinúria e apatia,
reconhecida pelo seu alto potencial teratogên ico. e com achad os anatomopatológicos compatíveis com
lesões p rincipalmente no fígad o e nos r ins; foram de-
lmidazó licos (tia bendazo l, beno mil) tectados altos níveis d e cobre em fragm entos de fígado
e a troca d a dieta interrom peu o problem a na criação.
Toxicoci nética
Os fungicidas imidazólicos são pouco ou lentamen- Enxofre
te absorvidos pelas vias oral e d érmica. A principal via A toxicidade aguda do enxofre é m uito baixa, m as
de eliminação é a renal (quase 90%), sendo quase que podem ocorrer gastrenterite, cólicas, irritação de pele e
completa em 72 horas. As fezes represen tam cerca d e prurid o em casos de intoxicações graves.
10% da elim inação total. A m aior parte do que foi ab-
sorvido é eliminad a pela urina em cerca d e 24 horas e, Clorota lon il
em especial, o ben omil é pouco absorvido pelo organis- A toxicid ad e aguda do clorotalonil é m uito baixa,
mo animal. mas podem ocorrer anorexia e perda de massa corporal.
Na necropsia pod e ser observad o aum ento d o peso do
Toxicod inâmica fígado, rins e tireoide.
O mecanismo de ação d esses fungicidas não é con -
clusivo. Entretanto, sua toxicidad e agud a é baixa quan- Clorofenóis e dinitrofenóis
do comparada com a de out ros grupos de fungicid as. Já fo ram referidos anteriormente p o r possuírem
também atividade herbicida.
Sinais clínicos da intoxicação
Em animais intoxicad os pelo tiabendazol podem Derivados me rcuri ais o rgâ nicos
ocorrer anorexia, sialorreia, fraqueza muscular, depres- Já fo ram referidos anteriormente p o r possuírem
são e, em casos m ais severos, dispneia e ataxia. também atividade herbicida.
Nas intoxicações m ais graves pelo ben omil pod em
ser observadas disfunção hepática e cirrose. Há descri- Averm ectinas
ção de que o benomil seja teratogênico e, em estudos de Embora também sejam considerad as úteis no con-
toxicid ade crôn ica, foi capaz d e causar alterações testi- trole dos fungos, esses compostos são d escritos no gru-
culares, com atrofia d os túbulos sem iníferos e oclusão po dos acaricidas, nos quais apresentam utilização mais
dos dutos eferentes. Esse composto tam bém é classifi- importante.
cad o como um im portante agente desregulador en dó-
cr ino e, por tan to, capaz de p roduzir alterações na re- ACARICIDAS
p rodução e n o desenvolvimen to em animais.
Fo rmamidinas (amitraz)
Out ros fungicidas
Toxicocinética
Cobre O amit raz é um acaricid a utilizado para o con t ro-
É o mais an tigo fu ngicida em uso regular n o m o- le de ectopar asitas em an im ais, além do uso como
m ento, sen do sua toxicid ade aguda considerada muito inseticida. É u m comp osto m o d erad am ente solúvel
baixa. Em casos d e in toxicações graves, pod e causar em águ a e bastante s olúvel em solven tes or gân icos,
diarreia, desid ratação e prost ração. Tod avia, há relato sendo facilm ente absorvido pelas vias oral, d érmica e
de que os fungicid as que contêm cobre são mais tóxicos respiratória. Su a biotransformação é relativam ente
para organismos não alvos que qualquer outro fungici- rápid a e a elimin ação ocorre em cerca d e 4 dias; a
da mais m odern o, e sua persistência n o solo é d escrita excreção ren al é mais exten sa ( ao redor de 80%) que
como danosa para o meio ambiente. Apesar disso, vários a fecal (cerca d e 10%). Não há relatos de contaminação
casos d e intoxicação de ovin os (animais mais sensíveis) ambiental pelo amitraz, nem de resíduos em alim entos
por cobre têm sido relatados, por ingestão d e rações e/ de or igem an imal, p ela r ápid a transformação desse
ou sal mineral contendo altos níveis de cobre. Também composto tanto no meio ambiente como no organism o
foram d escritos casos fatais por intoxicação crônica d e d os an im ais.
202 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

Toxicod inâmica Outras averm ectinas são igualm ente importantes com o
O mecanismo de ação do amitraz envolve a inibição acaricidas em animais, tais como: abam ectina, dora-
da enzima monoamino oxidase (MAO), responsável pela m ectin a, m ilbem icin a, moxidectin a , selam ectin a e
m etabolização das m onoaminas cerebrais, e tam bém a eprinom ectina.
estimulação de receptores alfa-2-adrenérgicos (ação ago- São compostos pouco solúveis em água e solúveis
nista alfa-2 adrenérgica). Entretanto, outras ações também em solventes orgân icos. São pouco absorvidos pela via
são sugeridas p ara esse acaricida, como o bloqueio da oral e quase n ão absorvidos pela via dérmica; todavia,
síntese de prostaglandinas E2 e a atividade anestésica local. para facilitar sua absorção, são acrescidos solventes or-
A toxicidade do am itraz é m oderada, mas o sub - gânicos às suas formulações comerciais. Pelo seu caráter
produto da sua biotransformação, a N -3,5-dimetilfenil- lipofílico, as aver m ectinas podem ser bioacumuladas
-N -metilformamida, apresenta toxicidade muitas vezes nos tecidos, pr incipalmente h epático e adip oso. Esses
m aior que a do composto propriamente dito, podendo comp ostos são eliminados em maior proporção pelas
levar ao colapso cardiovascular e à parada respiratória fezes e muito pouco pela urina e pelo leite.
em casos clínicos m ais graves. Contudo, deve ser ressaltado que as características
toxicocinéticas das averm ectinas podem variar na de-
Sinais clínicos da intoxicação pen dência da espécie animal envolvida e da via de ex-
Na intoxicação aguda, o amitraz pode causar de- . -
pos1çao.
pressão do sistem a nervoso central, levan do o animal a
um estado de letargia associada com períodos de hipe- Toxicodinâ mica
rexcitabilidade; parece que esse efeito depressor ou es- Os estudos indicam que o mecanism o de ação das
timulante central está relacionado com a dose e as es- averm ectin as em m am ífe ros envolve o au mento da
pécies anim ais exp ostas a esse composto. Também transmissão gabaérgica no sistema nervoso central e no
ocorre hipotensão, bradicardia, hipotermia, hiperglice- sistem a neuromuscular, o que leva à repolarização neu -
mia e, em algumas espécies an im ais, alterações no ba- ronal e consequente inibição da transmissão n ervosa.
lanço hídrico (com hem oconcentração ). Em alguns an imais essa ação se restringe ao sistema
Outros sinais da intoxicação podem ser observados, neuromotor, uma vez que pode haver um a proteção do
como ataxia, midríase, secreção nasal, trem ores muscu- sistema nervoso central exercida pela barreira h em a-
lares, irritação ocular, dispneia e, nos casos mais graves, toencefálica.
cianose e com a. Também pode haver redução da ativi-
dade da musculatura lisa, sobretudo do trato digestório. Sinais clínicos da intoxicação
O uso do amitraz em gatos e em equinos é contrain- Todas as averm ectinas possuem ampla margem de
dicado, pela m aio r sen sibilidade desses anim ais aos segurança para os animais, com exceção dos gatos e dos
efeitos desse acaricida. Em equinos, pode ocorrer cólica cães das raças Collie e Sheepdogs, que p odem se into-
grave, além de depressão central e ataxia. Estudo expe- xicar m ais facilm ente com a iverm ectina e a milbemi-
r imental realizado em cavalos m ostrou que o amitraz cina, que desencadeiam um quadro neurotóxico carac-
foi capaz de induzir efeito sedativo potente e de longa terizado p o r sialorreia, vôm itos, letargia, trem ores
du ração, quando comparado à xilazina, um agon ista musculares, ataxia, m idríase, convulsões, depressão e, às
alfa-2 adrenérgico, comum ente utilizado como agente vezes, morte. O mecanism o dessa neurotoxicidade pa-
, , . . .
pre-anestes1co em an 1m a1s. rece estar relacion ado com a maior perm eabilidade da
barreira hem atoencefálica n esses anim ais.
Avermectinas Em geral, a toxicidade das avermectin as para os
demais animais é relativam ente baixa e, quando ocorre
Toxicoci nética intoxicação, pode ocorrer ataxia e, eventualmente, nos
As averm ectinas são lactonas m acrocíclicas desta- casos muito graves, morte por depressão respiratória.
cadas pelas su as propriedades acaricida e in seticida,
além de fungicida e bactericida. São utilizadas em m e- Clordimeform
dicin a veterinária com o ectoparasiticida e endoparasi-
ticida, razão pela qual estão m ais detalhadam ente cita- Toxicocinética
das n o Capítulo 12. O clordim eform é um acaricida facilm ente absor-
A m ais conh ecida das avermectin as é a ivermec- vido pelas vias oral, dérmica e respiratória, e sua elimi-
tina, que possui amplo espectro de ação antiparasitária. nação é completa durante o período de 24 horas.
Capítulo 19 • Herbicidas, fungicidas e acaricidas 203

Toxicod inâmica tos, p ois muitos d os sinais d essas intoxicações pod em


O mecanismo de ação tóxica desse composto aind a ser con fundidos com aqu eles r elacionad os a doen ças
n ão é conhecido. infecciosas, parasitárias, ou m esm o com intoxicações
p or outros tip os de agentes tóxicos, prejudican do ou
Sinais clínicos da intoxicação limitand o, assim, o diagnóstico e o tratamen to dos ani-
Na intoxicação, p od em ser observados sinais in di- mais in toxicados por herbicidas, fungicidas ou acaricidas.
cativos d e estimu lação do sistem a n ervoso cen tral, re- Com relação ao diagn óstico lab oratorial, que nor-
p resentad o s p o r agitação, h iper- reflexia e t rem o res malm ente deve ser rápido e simples, na prática, tem
m usculares, que aum entam de inten sidade com o d e- contribuído pouco p ara o t ratamento d as intoxicações
correr do tempo. p or esses praguicidas, v isto que, a terapia inicial nos
qu adros tóxicos deve ser in iciada rapidamente, os re-
Out ros aca ricidas sultados dos exames toxicológicos nem sem pre influen-
ciam nessa terapia e, muitas vezes, p odem até ser qu es-
. , .
Clo rofenóis e d initrofenó is t1on ave1s.
Esses com p ostos já foram referidos anteriorm ente, De tod a forma, para se alcançar um diagnóstico cor-
pois tamb ém p ossu em atividades h erbicida e fungicida. reto e preciso é necessário consid erar, inicialm en te, qu e
toda doença inexplicável pode ser um caso de intoxicação
Piretroides, o rga nofosforados e ca rbamatos e, ademais, é necessário acumular dados clín icos, circuns-
Esses grup os d e praguicidas tam bém apresen tam tan ciais e analíticos, antes de se chegar a u m a decisão
propried ades inseticidas e, p or isso, estão apresentados final a respeito d o caso clínico tóxico em qu estão.
de form a m ais detalhad a n os Capítulos 17 e 18. Um dos aspectos relevantes a serem considerados
no diagnóstico é o fato de que nenhum caso d e intoxi-
Outras substâncias cação pode ser explicado até que a fonte do agente tó-
Estudos experim entais têm apon tado a possibili- xico seja d escoberta, m esm o que o diagn óstico tenha
dad e d o con trole ecológico de carrapatos com o uso sid o comprovado por an álises qu ímicas d o m aterial
de r ep elentes ou acaricidas d e origem vegetal, entre proven ien te d e an imais in toxicados e/ ou mortos por
outras m edidas d e controle biológico ou p r áticas d e agentes praguicid as.
manejo integrad o d e pragas, com o objetivo d e reduzir O utro ponto a ser d estacado é que a gravidad e clí-
o risco toxicológico e o impacto ambiental pelo uso de n ica dos casos de intoxicações por h erbicidas, fun gicidas
, .
agen tes qu1m1cos. e acaricidas pode não ser devida esp ecificam en te a um
Vários produ tos d e origem vegetal têm sido alvos d eterm in ad o composto, m as a diferentes compon en tes
de investigação p ara o possível controle d e carrapatos, d as formulações com erciais, que, m uitas vezes, elevam
com destaque para: citronela (Cymbopogon nardus) , nim o risco toxicológico e com plicam os sin ais clín icos das
(Azadirachta indica), an d irob a ( Carapa guianensis ), intoxicações (como alguns tipos d e solven tes orgân icos
fum o (Nicotiana tabacum), capim -limão (Cymbopogon e surfactantes, en t re outros). Sobre esse asp ecto, é im-
citratus) e eucalipto (Eucalyptus spp. e Corymbia). Con- p ortante enfatizar que os p rodutos com erciais são mis-
t u do, o uso d essas substân cias, ap esar d e p rom issor, tu ras ou preparações con tendo u m ou mais prin cíp io
ain da é um desafio e demanda mais estudos, sobretudo ativo, e outros componen tes, como: solventes, aditivos,
os d e viabilidad e dessas práticas n as criações animais. coadjuvantes, impurezas e outros, que p od em ser tão ou
mais tóxicos qu e o p rincípio ativo princip al.
, ~ Além disso, tam b ém deve ser considerada a possi-
DIAGNOSTICO DAS INTOXICAÇOES POR
HERBICIDAS, FUNGICIDAS E ACARICIDAS bilidade da presença de im pu rezas químicas, sobretudo
em certos grup os de h erbicidas e fungicid as. Tais subs-
A toxicologia dos herbicidas, fu ngicidas e acaricid as tâncias são frequentemente m ais tóxicas que o compos-
em anim ais ainda carece de mais estudos e novos co - to principal d a formulação, e n ão existem an álises lab o -
n hecimentos a resp eito do m ecanismo d e ação e da fi- ratoriais ro tineir as p a ra su a detecção, entre outros
siopatologia dos quadros tóxicos que podem desencadear, aspectos, o que d ificulta a sua investigação diante de
a exem plo de outros tipos d e praguicid as, com o os in - casos clínicos de intoxicações an im ais.
seticidas. Assim , o d iagn óstico d e intoxicações p or pragui-
Essa carência de d ados leva à m aior d ificuldad e n o cid as, em geral, in clu in do os herbicidas, fu n gicidas e
diagn óstico clínico das intoxicações p or esses compos- acaricidas, é um p rocedimento complexo, on eroso e
204 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

requer, quase sempre, o apoio de um lab oratório toxi- • Uso de substâncias adsorventes, como o carvão ati-
cológico de qualidade, bem equ ipado e com p essoal vado administrado na form a de suspensão aquosa
especializado e devidam ente trein ado para execução por via oral, após ( ou não) a êmese ou lavagem gás-
das diferentes técnicas analíticas a serem empregadas trica.
para cada grupo de pr aguicidas. Todas essas caracte-
r ísticas nor malmente inviabilizam o diagnóstico labo- Q uando a exp osição aos praguicidas for p ela via
r atorial das intoxicações por praguicidas em animais dérm ica ou pelo contato com a mucosa ocular, faz-se
e tornam ainda mais desafiadora a clínica das intoxi- necessária a rápida lavagem da pele e mucosa com água
cações anim ais por esses produtos. corrente e, se n ecessário, a tricotomia do anim al, para
auxiliar na descontaminação da pele.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO DAS No caso de exposição pela via respiratória, é funda-
~ mental retirar o animal do local de ocorrên cia da con -
INTOXICAÇOES POR HERBICIDAS,
FUNGICIDAS E ACARICIDAS taminação, para facilitar a oxigenação e evitar a inalação
do praguicida. De m odo geral, é im portante, também,
Da m esma fo rma que o diagnóstico, o tratamento m anter as vias aéreas desobstruídas e, se n ecessário,
medicamentoso específico das intoxicações animais por utilizar oxigenioterapia, exceto nos casos de intoxicação
herbicidas, fungicidas e acaricidas é restrito, pois n ão pelos h erbicidas bipiridílios (paraquat e diquat), para
existem antagonistas específicos para cada com p osto os quais a oxigen ação está contraindicada, uma vez que
herbicida, fungicida ou acaricida. o oxigên io pode agravar o quadro tóxico.
D iante d e u m qu adro de in toxicação aguda p or Todas as medidas indicadas nos casos de exposição
qualquer um desses compostos, a conduta terapêutica oral, dérmica e r espiratória r equerem u rgên cia para
passa por avaliação inicial rápida das con dições clíni- que os procedim entos aqui in dicados alcan cem a efi-
cas do animal, no sentido de identificar e corrigir r is- cácia desejada.
co iminente à vida. Para isso, é importante a interven - Outras m edidas para tratam ento geral das intoxi-
ção clínica de urgência para desobstrução de vias aéreas, cações podem ser associadas às demais condutas tera-
reversão de parada respiratória ou cardiorrespiratória, p êuticas, m edicamentosas ou n ão, de acordo com o
contenção de hemorragias e correção de déficits neu- praguicida, o quadro tóxico e o animal envolvido. Algu-
rológicos, concom itantem ente à realização das m edi- mas m edidas relevantes são aqui citadas:
das de d escontam inação p ara lim itar a exp osição e
r eduzir a absor ção do agente tóxico (p ara detalhes, • Correção de distúrbios hidroeletrolíticos com flui-
veja Capítulo 11 ). doterapia, especialm ente quando da ocorrência de
Em geral, quan do é possível intervir numa intoxi- vômitos, diarreia, insuficiên cia h epática e renal, ou
cação anim al, o tratamento sintomático é a medida mais mesmo em casos de choque.
efetiva para se tentar evitar a morte do anim al. • Tratamento de vômitos prolongados com antiemé-
Além do tratamento sintomático, e dentro dos prin- ticos (como metoclopramida ou domperidona).
cípios gerais do tratamento das intoxicações, podem ser • Tratamento de gastrites ou úlceras gástricas com
utilizados algun s procedim entos par a m inim izar ou anti-histamínicos do tipo H2 (como cimetidina ou
impedir a absorção, a partir da exposição oral a esses r an itidin a), ou inibidores de bomba d e p róton s
praguicidas, tais como: (como omeprazol ou pantoprazol).
• Tratamento de diarreia prolongada com antidiar-
• Lavagem gástrica (ou ruminal) com água, soro fi- reicos (como loperamida).
siológico ou com água contendo carvão ativado; • Tratamento de convulsões com benzodiazepínicos,
esse procedimento deve ser precedido da intubação barbitúricos ou outros anticonvulsivantes.
endotraqueal do animal intoxicado, para evitar a as- • Tratamento da insuficiência renal aguda grave com
piração do conteúdo gástrico. hemodiálise ou diálise peritoneal (nem sempre mui-
• Indução de êmese com o uso, por exemplo, do xa- to fáceis e práticas de serem realizadas em animais).
rope de ipeca, sendo que esse procedimento é con- • Estimulação da diu rese com diuréticos (como fu-
traindicado nos casos de incon sciên cia ou com a, rosemida ou m anitol), apesar de ser uma conduta
de convu lsões e de in gestão de substân cias irri- de eficácia limitada e de alto risco em certos casos.
tantes (por exem plo, ingestão de h erbicidas bipi- • Utilização de laxantes (como sulfato de m agnésio
r idílios). ou manitol), para facilitar a eliminação fecal.
Capítulo 19 • Herbicidas, fungicidas e acaricidas 205

• Mudança do pH urinário com administração de bi- animal e vegetal em níveis residuais acim a daqueles
carbonato de sódio para a alcalinização da urina ou permitidos pela legislação.
de cloreto de am ôn ia para acidificação da ur ina.
Esse procedim ento facilita a elim inação ren al de BIBLIOGRAFIA
agentes tóxicos de caráter ácido ou básico, respec-
tivamente. Todavia, essa cond uta é r elativamente 1. ALVES, WV.; LORENZETTI, E.R.; GONÇALVES, F.C. Utiliza-
ção de acaricidas a base de plantas no controle de Rhipicephalus
perigosa e depende da espécie anim al envolvida e (boophilus) microplus: uma contribuição para a produção e
do seu respectivo pH urinário. desenvolvimento sustentável. Revista Brasileira de Agropecuária
• Correção das arritmias cardíacas com uso de me- Sustentável, v. 2, n . 2, p. 14-25, 2012.
2. ANDRADE FILHO, A.; CAMPOS, L.C. Herbicidas. ln: ANDRA-
dicam entos antiarrítmicos, escolhidos n a depen-
DE FILHO, A.; CAMPOLINA, D.; DIAS, M.B. (Eds.). Toxicolo-
dên cia do tipo de arritmia instalada. gia na prática clínica. Belo Horizonte: Folium, 2001, p. 179-86.
• Emprego de métodos físicos para dim inuir a tem- 3. ANDRADE FILHO, A.; CHARNIZON, D. Paraquat. ln: AN-
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peratura corporal, tais como bolsas de gelo, com -
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As condutas terapêuticas medicamentosas (ou não) damage induced by paraquat toxicity. Experimental and Toxi-
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indicadas para tratamento das intoxicações animais por 5. BENELLI, G.; PAVELA, R.; CANALE, A.; MEHLHORN, H. Tick
praguicidas devem seguir aquelas descritas na farm a- repellents and acaricides of botanical origin: a green road map
cologia veterinária clássica. to control tick-borne diseases? Parasitology Research, v. 115, n.
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Com relação a algun s com postos em p articular, 6. BERNARD, B.K.; GORDON, E.B. An evaluation of the common
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como acontece, por exem plo, n as intoxicações graves
e desenvolvimento de crianças e adolescentes. Revista Portugue-
por paraquat, exigindo condutas urgentes para redução sa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, v. 10, n. 2, p. 186-
da absorção gastrintestinal, aumento da diurese para 92, 2015.
10. CEQUINEL, J.C.; RODRIGO, L.C.P. (Orgs.). Intoxicações agudas
facilitar a eliminação e o uso de intensa terapia antioxi-
por agrotóxicos: atendimento inicial do paciente intoxicado. Pa-
dante (por exemplo, com vitam ina C), para evitar danos raná: Secretaria Estadual da Saúde, 2018. 120p.
oxidativos graves provocados por esse composto. 11. CHOI, S.M.; YOO, S.D.; LEE, B.M. Toxicological characteristics
Ademais, existe muita carência de dados estatísticos of endocrine-disrupting chemicals: developmental toxicity,
carcinogenicity, and mutagenicity. Journal ofToxicological and
sobre intoxicações an imais no Br asil, sobretudo com Environmental Health, Part B, v. 7, p. 1-32, 2004.
relação aos compostos herbicidas, fungicidas e acarici- 12. D IAS, M .B.; PEREIRA, H.C. Metemoglobinizantes. ln: AN-
das, de uso essencialmente agropecuário. Essa carência DRADE FILHO, A.; CAMPOLINA, D.; DIAS, M.B. (Eds.).
Toxicologia na prática clínica. Belo Horizonte: Folium, 2001, p.
pode ser resultado de falhas ou deficiências no diagnós- 215-8.
tico clínico e/ou laboratorial dessas intoxicações, e/ou 13. DUNCAN, J.M. Breeding to tackle blight without copper or
até reflexo da subnotificação de casos clínicos. Diante GM. Nature, v. 425, p. 15, 2003.
14. GARRY, V.F.; HARKINS, M .; LYUBIMOV, A.; et al. Reproduc-
disso, há m uita dificuldade de sugestão e/ou de adoção
tive outcomes in the women of the red river valley of the north.
de medidas preventivas e de controle das intoxicações I. lhe spouses of pesticide applicators: pregnancy loss, age at
por herbicidas, fungicidas e acaricidas. menarche, and exposures to pesticides. Journal of Toxicology
Não obstante, existem inúmeras medidas de segu- and Environmental Health, Part A, v. 65, p. 769-86, 2002.
15. GREENLEE, A.R.; ELLIS, T.M.; BERG, R.L. Low-dose agroche-
rança que são padronizadas e indicadas para todos os micals and lawn-care pesticides induce developmental toxicity
praguicidas e que, se adotadas também para os herbici- in murine preimplantation embryos. Environmental Health
das, fungicidas e acaricidas, podem minimizar o r isco Perspectives, v. 112, n. 6, p. 703-9, 2004.
16. GRESS, S.; LEMOINE, S.; SÉRALINI, G.E.; et al. Glyphosate-ba-
de intoxicações animais (e humanas), de contaminação
sed herbicides potently affect cardiovascular system in mammals:
am biental e de contaminação de alimentos de origens
206 Toxicolog ia aplicada à med icina vet eriná ria

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Capítulo 20

Avicidas e intoxicações
por praguicidas em aves

Tânia de Freitas Raso

~ No Brasil, segundo o banco de informações on-line


INTRODUÇAO
do Sistem a de Agrotóxicos Fitossanitários (Agrofit) do
Avicidas são quaisquer substân cias quím icas que M inistér io da Agricultura, Pecuária e Abastecim ento
podem ser utilizadas para m atar aves. São em pregadas (Mapa), não há produto avicida registrado para uso no
em situações nas quais as aves são consideradas pragas país. Apesar disso, eventualmente algumas espécies de
urbanas ou agrícolas. Em geral são de ação r ápida e a aves silvestres são in toxicadas intencion alm ente p or
via de exposição pode ser oral, por contato ou inalação. serem consideradas pragas. Em outras situações, a in-
A m aioria dos avicidas tem ação sobre o sistem a n er- toxicação ocorre acidentalm ente por descuido com o
voso central, outros sobre o sistem a gastrointestinal ou uso de produtos perigosos ou pelo desconhecim ento
renal. Há ainda aqueles quimioesterilizantes, que afetam sobre a dosagem adequada, tempo de carência e cuida-
a eclodibilidade dos embriões. Contudo, independente dos adicion ais. Há também uma grande utilização de
do produto, os avicidas são pouco utilizados, visto que produtos de origem ilegal no país.
os métodos de controle físico são menos impactantes No Brasil, a Lei fede ral n . 9.605, de 12 de fevereiro
para a população e para o meio ambiente, além de apre- de 1998, dos Crim es Ambientais, especifica no art. 32
sentarem m elhores resultados em longo prazo no con - que praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais
trole de populações de aves consideradas pragas. é crime com pena de detenção e multa. Ainda, a recen -
Em alguns países o uso de avicidas é permitido, te Resolução n. 1.236, de 26 de outubro de 20 18, do
em outros, proibido. Nos Estados Unidos três produtos Con selh o Feder al de Medicina Veterin ária, defin e e
são registrados n a Agên cia de Pro teção Ambiental caracteriza crueldade, abuso e maus-tratos contra ani-
(Environmental Protection Agency- EPA) para uso em mais vertebrados. Essa resolução, em seu art. 5°, con-
aves consider adas pragas urbanas, desde que os riscos sidera m aus-tratos executar m edidas de depopulação
sejam mitigados de acordo com as recomendações de uso por métodos não aprovados pelos órgãos oficiais. Sen-
feitas pelo órgão. Portanto, são de uso restrito ao Serviço do assim, a intoxicação intencional é considerada cri-
de Inspeção de Saúde Anim al e Vegetal (Aphis) do De- me no Brasil, uma vez que os anim ais expostos inten-
partamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). cionalm ente às substâncias tóxicas são vítimas de um
Na Eur op a, h á um número restrito de produtos método cruel de m orte.
avicidas registrados por causa da legislação que proíbe No presente capítulo são abordados os produtos
ou limita a utilização de m étodos de controle de aves. avicidas de uso permitido em alguns países, bem com o
Essa legislação visa proteger não apenas a vida selvagem os praguicidas que produzem intoxicações criminosas
que não é alvo da intoxicação, com o também a saúde ou acidentais em aves selvagens.
pública. Fran ça e Reino Unido têm apenas um produ -
to registrado para uso como avicida. Alemanha, Áustria, USO DE AVICIDAS EM AVES DE VIDA LIVRE
Dinamarca e Finlândia não perm item a utilização de
produto biacida para controle populacional de aves. Apesar de toda a rejeição pública, produtos avicidas
Itália e Suécia permitem o uso de avicidas, embora não são utilizados de forma legal ou ilegal para o controle
seja de uso regular. de aves de vida livre consideradas pragas agrícolas ou
208 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

urbanas em alguns países. Nesse contexto, os principais clínicos em seres h umanos expostos, tais como náusea,
avicid as com erciais são a 4 -aminopiridina (Avitrol·), o fraqueza, dispneia, t remores e convulsões. A exposição
cloridrato de 3-cloro-p-tolu idina (DRC- 1339·, Starlici- dérmica pode resultar em in toxicação sistêmica. O diag-
deº) e a alfacloralose (C8 H 11 Cl30 6 ). Eventualmente, algun s nóstico desse t ipo de intoxicação, in depen dente da es-
organ ofosforados tam b ém são usad os como avicidas. p écie, está b aseado no h istó rico de exposição, sinais
clínicos, alterações patológicas e detecção d a substância
4-a minopi ridina (4-AP) no conteú do gást rico ou n os tecid os.
O 4-AP não é a solução d efinitiva para um proble-
A 4-amin opiridin a (4-AP), uma das mais conhecidas ma com aves, não produzin do bons resultados qu ando
e altamente tóxica, é utilizada apenas em algumas cidades utilizado de forma isolada, sendo, assim, cru el e ineficaz.
dos Estados Unidos para o controle de populações de aves Em 20 14, o aerop or to de Houston usou inten cion al-
con sideradas pragas locais, como corvos, melros, estorn i- mente o produto para elimin ar aves da área, o que ch o-
n hos europeus e pombos. É encontrada em du as form u- cou os fu ncionários ao se d epararem com centen as de
lações: em grãos, contendo grãos não tratados misturados aves mortas espalhadas p elo terren o do aeroporto. Ou-
a iscas tóxicas (toxicidade Classe III), e em pó con centra- tro exemplo dessa situação ocorreu em uma região com
do (toxicidade Classe I). Segu nd o a bula do fabrican te, o enorme con cent ração de produ ção de girassol n os Es-
objetivo do produto é repelir as aves, um a vez que o indi- tados Unidos e, por consegu inte, u m a alta incidência de
víduo que o ingere apresen ta voo errático, vocalização d epredação do girassol p elo melro-preto, Passeriforme
alterada, h iperatividade e alterações n eurológicas, tais da família Icteridae. Inúmeros agentes químicos e físicos
como tremores e convulsões violentas, assustando, assim, têm sido utilizad os há d écadas na região, inclu indo o
o bando do local. As aves mostram os sinais clínicos entre 4-AP, contu do, não foram eficazes em virtude da dinâ-
5 e 15 m inutos após a exposição, com sinais graves por 30 mica da p opulação dos melros, a mobilidade das aves e
a 60 m inutos. A dose letal 50% (DLSO) oral aguda varia a antipatia pública quanto às ações de controle.
entre 1,4 e 8,1 mg/kg en tre as diversas espécies de aves.
A 4-aminopiridina apresenta efeito inibidor de des- Cloridrato de 3-cloro-p-toluidina
sensibilização de receptores n icotínicos d a placa termi-
n al e promove gran de au mento de acetilcolin a. Esse O cloridrato d e 3-cloro-p -toluidina e su as versões
aumento é resultan te de du as ações distintas na mem - 3-cloro-4-metilanilina, 3-cloro-4-metilb enzen amina e
brana das term inações n ervosas: a inibição dos canais 2-cloro-4-amin otolueno é outro avicid a de uso nos Es-
de potássio, que produz aumento n a duração do poten- tad os Unid os, sen do a p rimeira versão a mais conheci-
cial de ação, e o maior in fluxo de íon s cálcio par a as da. O avicida comercial com esse prin cípio ativo foi
terminações nervosas m otoras durante a despolarização desenvolvido para matar o estornin ho-comum europ eu,
da mem bran a. O fabricante d o p roduto afirm a que ele Passeriforme da família Sturn idae.
n ão causa dor à ave, sen do apen as u m repelen te. Por Apesar de seu mecanism o d e ação não ser conhe-
outro lado, os sinais clínicos evid enciam que h á sofri- cido, acredita-se que o local de ação seja n os r ins, pois
m ento p ara as aves, que podem se machucar ao colid ir induz a morte lenta p or falência renal e n ecrose. A DLSO
com edificações durante u m voo descoord en ad o ou oral agu da é de 3,8 mg/kg para a espécie. O efeito do
durante um episódio convulsivo. É importante ressaltar produto parece ser cumulativo. Estu dos demonstraram
qu e as aves afugentadas n essas circunstâncias retornam que a DLSO para estorninh os foi de 4,7 ppm du rante 30
rapidamente ao local e mantêm o potencial reprodutivo. dias, m as apenas de 1,0 ppm qu ando alim entados por
Em altas doses o 4-AP é letal para as aves-alvo, sen- 90 dias. É im portante notar que outras esp écies de aves
d o igualmen te perigoso para outras espécies de aves, granívoras são igualmente susceptíveis a esse avicida.
m amíferos e p eixes. Aves carnívoras ou pequenos p re-
dadores podem se intoxicar secundariamente após se A lfa cloralose
alimentarem de aves contam inad as com esse p roduto.
Em m am íferos o 4-AP causa convulsões epileptiformes. O alfacloralose é registrad o p ara uso na Nova Ze-
A American Society for the Prevention of Cruelty to Ani- lân dia e Tasmân ia, embora seu uso seja altam ente regu-
mais (ASPCA), em Nova York, identificou 29 casos de lado neste último. É um produto de con den sação de
in toxicação de pequenos animais pelo avicida, sendo hidrato d e cloral e glicose, sendo utilizado como ratici-
86% cães e 10% felinos, com cinco pacien tes sobrevi- d a e avicida. O pó é misturado diretamente com a isca
ventes após tratamento. Ainda, o 4-AP pode causar sinais ou ad erido aos grãos que são fornecidos às aves.
Capítulo 20 • Avicidas e intoxicações por praguicidas em aves 209

É um agente depressor d o sistem a n ervoso central ~


INTOXICAÇOES ACIDENTAIS EM AVES
(sedativo, anestésico) que induz inicialmente um estado DE VIDA LIVRE
de dissociação, com u m nível superficial d e anestesia
por u m período p rolongad o. A cloralose exerce ações As aves selvagens representam um d os grupos de
semelhantes aos barbituratos na transmissão sináptica animais mais frequentemente im pactados por acidentes
em neurônios d o encéfalo, inclu indo efeitos potentes toxicológicos em tod o o mundo. Diversos agentes estão
nos receptores inibitórios do ácido gama-aminobutíri- envolvid os n as intoxicações em aves de vid a livre, des-
co tipo A (GabaA). Os sinais clínicos apresentados são tacan do-se os organoclorados, principalmente no pas-
ataxia, prostração, redução d a frequên cia cardíaca, re- sado quan do era permitido seu uso em vários países, os
dução d a frequên cia respiratória, com consequente hi- an ticolinesterásicos (organofosforados, carbamatos), os
potermia e óbito. A D150 para aves aquáticas varia d e raticidas an ticoagulan tes e, mais recentemente, os neo-
30 a 60 mg/kg, en quanto em gatos e cães é d e cerca d e nicotin oid es.
500 m g/kg. Acidentes ambientais com agentes quím icos como
os praguicidas usad os na agricultura são tão d an osos
O rganofosforados para as espécies em vida livre quanto à intoxicação agu-
da fatal causad a por um avicida específico. As aves, mes-
O organofosforado fen tiona é a formulação de avi- m o não sen d o o organ ism o-alvo, são afetad as de forma
cid a usad a na África d o Sul para con t rolar ten tilh ões- secundária por estarem no ambiente pulverizado, in ge-
-d e-bico-vermelho (Quelea quelea). Os ten tilh ões têm rindo grãos, frutas, verduras ou água contaminados ou,
suas colôn ias de reprodução e áreas de repouso ao lon- no caso das aves carnívoras, em decorrência da ingestão
go das margens de rios pulverizadas ou atingid as com de p resas contaminadas. O im pacto será dependen te da
explosões do produto. Em 2013, um estudo laboratorial dieta e posição t rófica d a espécie d e ave n a cad eia ali-
realizado com am ost ras d e cam po estim ou em 47 d ias men tar. Alguns casos são m ais difíceis d e serem iden ti-
a meia-vida do produto, entretanto, após o uso dos sprays, ficad os pela cronicidade resultan te de exposição recor-
a fentiona persistiu no solo por até 188 dias, in dicand o ren te. Aplicação de um único agen te tóxico, com o um
lixiviação e representando uma séria ameaça à saúde de praguicida, terá sua persistência baseada na m eia-vida
todo o ambien te local. do produto e, desse modo, em áreas de intensa produção
Com auxílio de outros países, a partir de 2016 alter- agrícola, as aves podem ser expostas ao produto de for-
,
nativas para o uso da fentiona têm sido pesquisadas para ma continua.
o controle d os tentilhões na África. Até o m om en to, a No Brasil, os casos de intoxicação em aves são ra-
alternativa avicida encon trad a é outro organofosforado, ram en te diagnosticados, sendo provavelmen te negli-
o cianofós. O produto não é registrado n os Estados Un i- gen ciad os, pois não há descrição do nú m ero de ocor-
dos ou na União Eu ropeia, contudo, é um avicid a regis- rências. Os riscos de intoxicação fatal a que as aves estão
trado na África do Sul. Tem sido utilizado n o controle de susceptíveis d epen dem de vários fatores, ressaltando a
tentilh ões em diversos países african os, apresentando espécie, n ich o ecológico e a substância tóxica.
toxicid ade ligeiramente inferior à fentiona para os tenti-
lh ões (cianofós D1 50 3 mg/kg; fentiona D1 50 6-10 m g/ Orga noclorados
Kg). Infelizm ente, aparenta ser tão d anoso quanto a fen -
tiona. Sua principal desvantagem é em relação ao m aior Nas décadas de 1950 e 1960 o uso d e inseticidas
tempo para ocasion ar o óbito da ave, o que resulta em organoclorados afetou severam ente populações d e
maior quantidad e de intoxicação secund ária de organ is- diversas espécies de aves ao redor do mun do, resultan -
mos n ão alvo. O m ecan ismo de ação tóxico dos organ o- d o em even tos com elevad a m or talidade de aves p or
fosforados está descrito em d etalhes no Capítulo 18. in toxicação agu da. Os organ oclorad os estim ulam ou
Esses casos dem onstram que m edidas de cont roles deprim em o sistem a nervoso central das aves, causando
de aves d evem ser realizadas d e form a contínua e m o- ataxia, tremores, p rostração, convulsões e óbito, n ão
nitorada, com o auxílio de métodos diversos e estratégias sendo observadas lesões macroscópicas específicas. Efei-
bem d efinidas para mitigar o impacto das populações tos subletais do organoclorado DDE, um metabólito do
aviárias em determinado local, minimizar o sofrimento DDT, foram r esponsáveis por afetar a reprodução de
das aves-alvo, bem como m inimizar o im pacto d essas aves adultas, causand o adelgaçamento da casca do ovo,
m edid as para as espécies não alvo, para o ser humano d iminuindo a eclodibilid ade dos ovos e a sobrevivência
e para o m eio ambiente. d os ninhegos (ver tam bém o Capítulo 17).
210 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Aves de rapina (águias, gaviões, corujas, abutres) são Raticidas anticoa gulantes
predadores que estão n o topo da cadeia alimentar, re- e fosforeto de zinco
presentando um importante papel com o sentinelas da
saúde do ecossistem a on de estão inserid as. Pelo seu Os raticidas anticoagulantes estão também entre as
hábito alimentar, os rapinantes são susceptíveis à bio- causas mais frequentes de intoxicação acidental em aves.
m agnificação de substân cias n ocivas e con sequ ente São amplam ente utilizados na Am érica do Norte e Aus-
intoxicação secundária. No passado, populações silves- trália para controlar infestações de roedores. No entan -
tres do falcão-peregrino (Palco peregrinus) e da águia- to, podem causar mortalidade direta ou efeitos não letais
-am ericana (Haliaeetus leucocephalus) foram severa- quan do ingeridos de forma secundária pelas aves de
m ente afetadas p ela b io acumulação de pragu icidas rapina, principalmente pelas espécies que tem preferên -
organoclorados n a Am érica do Norte. Algumas popu - eia alim entar p or roedor es. Nos Estados Unidos, em
lações de aves apresentaram declínio grande o suficien - 20 18, raticidas anticoagulantes fo ram detectados em
te para colocar espécies n a lista de ameaçadas de extin - 33% das amostras de fígado obtidas de carcaças de co-
ção. D esde en tão, diversas o r den s de aves fo r am e ruj as de vida livre. Os com ponentes m ais comum ente
continuam sen do impactadas indiretam ente por pra- detectados foram brodifacum , cumacloro e bromadio-
guicidas, com o aves das ordens Charadriiformes, Grui- lon a, sendo o primeiro detectado em 88% das aves po-
form es, Passeriform es, Columbiform es, Coraciform es, sitivas para os raticidas.
Falconiform es, entre outras. Recentemente, um estudo r ealizado n a Austrália
Assim, poluentes persistentes, com o os compostos demonstrou que 72,6% das corujas en contradas m ori-
organoclorados, têm se destacado com o uma causa do bundas ou m ortas apresentavam resíduos de raticidas
declínio de aves predadoras em todo o mundo. Em 20 18, anticoagulantes. Em 38,4% das amostras de fígado foram
diversos estudos foram realizados em diferentes países detectados múltiplos raticidas e a análise espacial cor-
avaliando o acúm ulo e a persistência de contam inantes relacionou a exposição com áreas periurbanas.
cloradas. Na Espanha, uma an álise das con centrações As p esquisas ressaltam ainda qu e os raticidas de
de poluentes clorada s demonstrou elevados n íveis des- segunda geração são altamente persistentes e apresentam
sas substâncias nos tecidos adiposos de gaivotas, sendo grande potencial para causar intoxicação secundária em
algun s com postos d etectados em cerca de 66% d as aves predadoras.
amostras. Estudos similares foram realizados na Coreia, Por m ais de um a década nos Estados Unidos várias
Turquia, Canadá, Estados Unidos e Peru, avaliando-se espécies de gansos morreram em consequência de in-
tecidos, sangue, ovos, pen as, bem com o o sucesso re- toxicação acidental com o raticida fosforeto de zinco
produtivo das aves afetadas. Na Ín dia, surpreen dente- (Zn3 P 2 ). A substância pode ser absorvida pela pele, por
m ente, a produção de DDT ainda está em curso, colo- in gestão ou p o r inalação. As aves eram en contradas
cando o p a ís en t re os m a iores n o co n s u m o d e mortas próximas à margem da águ a, ocasion almente
praguicidas e representando um a séria ameaça ao am- apresentavam sinais clínicos neurológicos prévios, como
biente e às populações silvestres. Na África do Sul, tam- a incapacidade de elevar ou controlar a cabeça. Nesse
bém em 20 18, um estudo com adultos e filhotes de um a caso, a orientação correta aos fazendeiros e o r eforço
espécie de gavião en dêmica ameaçada de extinção de- nas regulamentações auxiliaram na redução da m orta-
m onstrou a presença de componentes organoclorados lidade das aves desde 2009.
em 79 (PCB) e 84% (DDT) das 11 3 amostras de sangue
an alisadas. Neonicotinoides
Esses dados reforçam a necessidade urgente de es-
tudos de biom onitoramento e avaliação da saúde am - Derivados da n icotina, os neonicotin oides repre-
biental e da vida selvagem. Ainda, a incorreta destinação sentam a ameaça mais recente às aves. Utilizados como
das embalagens dos praguicidas fazem com que estas inseticidas, os n eon icotinoides m ais comuns são a im i-
também perm aneçam como fonte de contaminação no daloprida, tiametoxam e clotiam idina.
am biente por longos anos. É im portante n otar que no Seu uso inicial como praguicida ocorreu n a década
Brasil a ausência de aplicação das boas práticas no uso de 1990, entretanto, a p artir de 2004 diversos países
de praguicidas, eviden ciada pela falta de qualificação e intensificaram os estudos e ficou evidente sua correlação
t rein am ento p ara o uso dos p rodutos n a dosagem e com o desaparecim ento de colônias de abelhas na Fran -
descarte adequados, constitui um grave problem a de ça e Alemanha. Assim, em 2013, a Comunidade Europeia,
saúde pública. por meio da European Food Safety Authority, e outros
Capítulo 20 • Avicidas e intoxicações por praguicidas em aves 211

países realizaram u ma análise com m ais de 1.500 arti- d em cau sar. Um exem p lo de intoxicação n ão let al re-
gos cien tíficos e, en tão, p roibiram o uso de alguns dos centem ente avaliado é o efeito n egativo n a atividad e
comp ostos em razão d o r isco in aceitavelm ente alto migratória das aves. Em um estu do experimen tal, p ar-
para as abelhas. Nesse mesmo an o a American Bird d ais-d e-coroa-bran ca (Zonotrichia leucophrys) rece-
Conservancy publicou uma revisão de 200 estu dos sobre beram im idacloprida e foram testados em ensaios de
os n eon icot inoides solicit an d o a proibição do seu u so orien tação m igratória, p ós-exp osição e du rante a re-
n o tratam ento de sem entes em d ecorrên cia de su a to- cup eração. As aves apresent aram redução significativa
xicidade para as aves, invertebrados aqu áticos e outros nos d epósitos d e gordura e m assa corporal e n ão con-
an imais selvagens. Desde 2017, os neonicotin oides estão seguiram se orientar cor retam en te, alterand o, assim, o
em revisão n o Can ad á com propost a de proib ição de fluxo m igratório d a esp écie, con sequ entem ente, afe-
uso da imidacloprid a no p aís. Nos Estados Unidos, os tando sua capacid ade reprodutiva. Foi avaliado tamb ém
regulamen tos sobre o uso d a imid acloprida estão atual- o clorpirifós (organofosforado ), que p rejudicou sign i-
m ente em revisão. ficativam ente a or ien tação d as aves na ativid ade mi-
No Brasil, os neonicotin oides são de uso permitido, gratória. A inibição d a colin esterase n o cérebro p ode
n o entan to, o relatório da Agên cia Nacion al de Vigilân- comprom eter as h abilidad es cognitivas tanto qu an to
cia Sanitária (Anvisa) de 2016, com b ase n o Programa a orien tação migratória e o tem p o de voo nas esp écies
., .
de Análise de Resíduos de Agrotóxicos, demonstrou que av1ar1as.
traços d esses comp ostos estiveram entre os m ais encon- Outro estu do recente realizado na H oland a revelou
t rad os n os alimen tos, com n íveis irregulares da sub s- uma redução anual de até 3,5% na população de algum as
tância em cerca de 14% das am ostras. Ainda, foi detec- espécies de Passeriformes relacion ada às altas con cen-
t ada a p resen ça do com p osto em gên eros alimen tícios t rações de im idacloprida. Os efeitos indiretos incluem
para os quais o u so da substân cia n ão é autorizad o. a elim inação dos insetos com o recurso aliment ar, afe-
Assim, os neonicotinoides, con hecidos por cau sa- t an do os índices reprodu tivos das aves. Os neonicot i-
rem qued a acentu ada n as populações de ab elhas, estão noides são pragu icidas sistêmicos, sendo absorvidos por
agor a envolvidos em m or talidad es de aves. En tre os tod as as p artes d a planta, afetan do n ão apen as as esp é-
m ais tóxicos p ara as aves estão a imidacloprid a e ace- cies d e aves in setívor as ou gran ívoras, m as causan d o
tam iprida (de lª geração) e a tiacloprid a (2ª geração). efeitos em cascata em todo o ecossistema.
Um estudo no Canadá, em 2018, avaliou a exposição Não existe u m pragu icida d e uso complet am ente
de ab elhas, flores, pólen e também d e beija-flores aos segu ro. M u it os dos in ciden tes observad os em aves e
p rincipais inseticidas n eonicot inoides, d etectando di- outras espécies, inclusive seres humanos, são resultantes
ferentes componentes e con centrações n as d iversas do mau uso do produto, invariavelmente, p or negligên -
amostras p esquisadas. Aind a n o Canadá, p erus de vid a cia e uso incorreto das inst ruções d os fabricantes.
livre foram avaliad os, e resíduos neonicotinoid es foram
detectados em 22,5% das aves. INTOXICAÇÕES INTENCIONAIS CRIMINOSAS
Na África do Sul, a intoxicação p or imidacloprida EM AVES DE VIDA LIVRE
foi relatad a recentem en te em frangolins (fam ília Ph a-
sian id ae). As aves apresentaram incoordenação motora Os carbamatos ( aldicarbe, carbaril, carb ofu ran o,
e caíram duran te o vo o, e à n ecrop sia apresen taram metomil, m etiocarb e) são amplam ente utilizad os n o
congestão e hem orragia. Essa esp écie é granívora e se Brasil para o controle d e p ragas agrícolas, com o inseti-
intoxicou pela ingestão de sem entes de cevada tratadas cida e nem aticid a. D esd e 2012, o Mapa can celou ore-
com o imid acloprida. gistro d o produto de uso agrícola conten do aldicarb e,
Outro estud o realizado na Europa avaliou o impac- que era comercializado, clandestinamente, n a forma d e
to dos n eonicotin oides em uma espécie de gavião m i- grân ulos en egrecid os, popularm ente conh ecidos como
gratória, sendo detectados resíduos em todas as am ostras "ch umbinh o" (para detalhes, ver Capítulo 18).
de sangue de adultos e filhotes, b em como n as amostras Entre os carb amatos, o carbofurano é o m ais utili-
de ninho testadas. Houve uma correlação d os resídu os zad o com o inseticida n ematicida e acaricida em algu ns
n as aves com a d ist r ib u ição esp acial d os camp os de p aíses d o mundo , a maioria do te rceiro mun do. Em
plan tação de semen tes ond e os p rodutos são utilizados. virtude do seu mecanismo de ação (anticolin esterásico),
Estu dos sobre a in toxicação letal ou n ão letal de promove uma intoxicação agud a que geralmente leva à
n eonicotin oides em aves ain da são incip ien tes, contu- morte, seja por ingestão, inalação ou contato. O carbo-
do, dem on stram o am p lo e perigoso imp acto qu e po- furan o, de u so p roibido em m ais de 25 países, esteve
212 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

en tre os praguicidas m ais frequentem en te envolvidos causas, particularm ente, aqueles agentes infecciosos que
em intoxicações acidentais em aves ao redor do m u.n do, podem causar m ortalidade em m assa. Frequentem ente,
sen do responsável por m ortalidad e de aves aquáticas, a determ inação do(s) elemen to(s) químico(s) é dificul-
como d iversas espécies de patos, gansos, gaivotas e Pas- tada pela falta d e evidência clínica, ausência de informa-
seriform es. ções d e base, coleta inadequada das amostras para aná-
Apesar das restrições de uso, a mortalid ade d a avi- lise laboratorial e custos dos exames de diagnóstico.
fauna continua, u m a vez que o carbofu ran o é u m dos O diagn óstico e a divulgação de d ados epidemioló-
m ais utilizados de form a proposital e ilegal para into- gicos de casos de intoxicação acidental ou criminosa em
xicar pássaros e outros animais. No Brasil, é d e uso co- aves silvestres são fun dam entais para o conhecim en to
mum e, eventualmente, observam-se episód ios isolados e para a busca de soluções que tenham menor im pacto
de mortalidad e de aves decorren tes do uso inten cional à biod iversidad e e à saúd e humana. Infelizm en te, estu-
ilegal. Em 20 13, u m a intoxicação criminosa afetando 31 d os sobre os im pactos dos praguicidas d e uso agrícola
Passeriformes foi relatada em u ma escola n o Espírito no Brasil são ainda incipientes, m as devem ser estim u -
Santo. As análises d o conteúd o gást rico, fígad os e rins lados de fo rm a prioritária. Atividades d e vigilân cia to-
das aves revelaram intoxicação por carbam ato. No mes- xicológica coordenadas serão essenciais para avaliar a
m o períod o, em São Paulo, uma intoxicação criminosa real situação n o país.
foi letal para d ezenas d e pom bos que viviam em u ma A intoxicação de aves não é a solução para redu zir
praça pública. O exam e necroscópico revelou conteúdo populações de aves consid eradas inconvenientes para o
alimen tar utilizado como isca con tam in ado, além de ser hum an o, sen do praticam ente impossível evitar o
con gestão e hemorragia sistêm icos. Am ostras do con - impacto dos avicidas para as espécies não alvos da ação.
teúd o gástrico das aves testadas n o Laboratório de D iag- O uso d e avicid as é um tem a polêmico em todo o mun -
n óstico Toxicológico (Ladtox) da Faculdade d e Medi- do, entretanto, é importan te ressaltar que existem alter-
cina Veterinária e Zootecnia da Universidad e d e São n ativas hum an itárias e mais eficazes em lon go prazo
Paulo (FMVZ-USP) foram positivas para carbamato. para evitar o seu uso, tais como uso de barreiras físicas,
Poucos são os relatos científicos de intoxicações cri- ved ação d e espaços, uso de objetos e sons repelen tes,
minosas n o país. Isso se d eve à dificuldade d e obten ção m anejo d e resíduos orgân icos, limpeza d os locais infes-
de material adequado para análise laboratorial, bem como tados, rem oção de locais de nid ificação, cap t ura por
o elevado custo d os exam es comp robatórios. No entan - arm ad ilhas, en tre outros.
to, é possível observar na internet dezenas de relatos de
mortalidade de aves de vida livre em diversos estados do BIBLIOGRAFIA
país, sendo vários altamente in d icativos de intoxicações,
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exam es diagnósticos. 6. BISH OP, C.A.; MORAN, A.J.; TOSHACK, M.C.; et al. Hummin-
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Em muitos casos, a mortalidade d e aves d e pequeno
nophosphate insecticides in the Fraser Valley, British Columbia,
porte, como os Passeriformes, pode passar desapercebida. Canada. Environ Toxicol Chem, v. 37, n. 8, p. 2 143-52.
Logo, a obtenção d o diagnóstico con clusivo do agen te 7. BOMBARDI, L.M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e
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tóxico resp onsável pela m ortalidade d as aves em vida
296p.
livre pode ser um gran de desafio. Além disso, é essencial 8. BOTHA, C.J.; DU PLESSIS, E.C.; COETSER, H.; et al. Analyti-
realizar um diagn óstico diferen cial em relação a outras cal confirmation of imidadoprid poisoning in granivorous Cape
Capítulo 20 • Avicidas e intoxicações por praguicidas em aves 213

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Capítulo 21

Raticidas

Silvana Lima Górniak

~ destes os sujam, fazendo com que se tornem impró-


INTRODUÇAO
prios para o consumo. Podem tamb ém se tornar
Desde os tempos m ais rem otos já há d escrições de carnívoros, atacando, por exemplo, os pinteiros.
que os roedores, isto é, ratos e camundongos, conviviam Nas cidades: a Organização Mundial de Saúde (OMS)
com o homem . Estes roedores são denominad os sinan - estima que cada rato produza um prejuízo d e 1Odó-
t rópicos, ou seja, aqueles animais que têm convivência lares/ano. Assim , partindo-se desse dado e tomando-
indesejável com o ser humano. -se um levantamento de que em grand es m etrópo-
Comparativamente aos insetos, o combate d os roe- les como São Paulo, com uma população ao redor de
dores é bem mais difícil, pois além desses últimos tam- 17 milhões, existam três roedores por habitante, cal-
bém poderem desenvolver resistência aos p raguicidas, culand o-se que, anualmen te, nessa cid ade haja u m
os roed ores têm a capacidade d e "aprender': por exem- p rejuízo aproximado de 500 milhões d e d ólares.
plo, que uma isca pode causar a morte; portanto, esses Nas cid ades, os roedores podem promover danos es-
an im ais podem passar a evitá-la, m esmo que esta seja truturais em m ateriais, em razão do h ábito d e roer.
veiculada a um alimento bastante atrativo. Calcula-se que cerca de 25% d os incênd ios são pro-
O grande interesse no combate aos roedores se deve, vocados por ratos. Também, no armazenamento e na
basicamente, aos p rejuízos econômicos e ao potencial estocagem de alimentos, há uma considerável perda.
r isco que esses an im ais têm de transmitir d oenças ao Nesse sentido, calcula-se que o rato consuma, em mé-
ser h uman o e/ ou animais d om ésticos: dia, 10% de seu peso por dia. Além disso, deve-se con-
siderar a contaminação dos alimen tos com fezes e
• Perdas econômicas produzidas por roedores: po- urina, fazen do-se que sejam cond enadas tonelad as
dem ocorrer tan to n o campo com o nas cid ades. de alimentos, pois se estima que por meio da conta-
No campo: os prejuízos econômicos podem ocor- minação das excretas dos roedores perca-se cinco ve-
rer já n as plantações, pois esses roedores d estroem zes mais alimento do que estes consumiriam.
sementes recém-plan tadas e atacam os cereais, tan - • Transmissão d e doenças: a OMS estim a em 200 o
to n a espigagem como depois de colhidos e arma- número d e doen ças transmitid as por roedores, en -
zen ad os. Estima-se que 1/5 d a produção mund ial tre as quais d estacam-se a leptospiorse, o tifo, a pes-
de cereais seja perdida por causa d essa praga. te bubônica, a febre da mordida do rato, a salm one-
Consideran do-se a pecuária, os roed ores infestam lose, as sarnas e m icoses e a hantavirose. Os ratos
quase tod as as propriedad es que criam animais em urinam, aproxim adamente, quaren ta vezes por dia,
regim e de confinam ento. O melhor exemplo são as portanto, pod em form ar vários focos de propaga-
granjas d e aves e suínos, ond e a perda pod e ocor- ção d e doenças.
rer n ão só por com partilharem da ração dos ani-
,
m ais de criação, mas também por consum irem o CARACTERISTICAS GERAIS DOS ROEDORES
produto d e com ercialização. Assim, por exem plo,
em granjas de poedeiras, podem fazer dos ovos par- Os roedores de maior importância para o combate
te de sua refeição diária e quando não se alimentam são os ratos d a espécie Rattus rattus, conhecid a como
216 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

rato preto ou rato de telhado e, principalmente, o Rattus raticid as são preparações destinadas ao combate a ratos,
norvergicus, con hecid o como ratazan a e, tamb ém, os camundon gos e outros roedores, em domicílios, em bar-
cam und on gos (Mus musculus). cações, recintos e lugares de uso público, con tendo subs-
Esses an im ais têm as segu intes características: o tâncias ativas, isoladas ou em associação, que não oferecem
tempo médio de vida do rato preto é de um ano e meio, risco à vida ou à saúde do h omem e dos animais úteis d e
enqu anto as ratazan as podem viver d ois anos. Os ca- sangue quente, quand o aplicados em con form idade com
m undon gos vivem , aproxim adamente, um ano. O n ú - as recom en dações con tid as em sua apresentação.
mero de filh otes, por gestação, de ratos está entre 7 e 12, Segundo a legislação br asileira, atualmente to d os
en qu an t o as fêm eas de camundon gos parem de 3 a 8. os r aticid as d evem obrigatoriamen te estar registrad os
Assim, con siderando -se qu e o temp o de gestação d e na Gerên cia Geral de Saneantes (GGSAN), vinculada à
ratas é d e 21 d ias, p ode-se estimar que uma fêmea p ode Anvisa. Assim, n enh u m raticida p o d e ser produ zido,
originar, aproximadamente, 120 filhotes por ano. com ercializad o e/ ou ut ilizad o em território brasileiro
Outra característica interessante é qu e camundon - sem estar registrado e lib erad o por esse órgão oficial.
gos formam casais p erm anentes, p ortanto, se h ouver a A inda, seguind o -se essa legislação, existem du as
morte de um d eles, o seu parceiro não se reproduz mais. classes d e raticidas, a de "uso profission al", da qu al so-
Por outro lad o, com os ratos isso não ocorre. Uma outra men te profission ais d o ram o (ou seja, técnicos que per-
d ifere n ça entre o com p or t am en to d e camundon gos e ten çam a órgãos públicos ou em p resas aplicadoras de
, . . -
r atos e que enqu an to os pr1m e1ros sao extrem am ente produtos san itários) têm acesso; e os raticid as de "u so
curiosos em explorar qualquer objeto n ovo colocado no livre': o qual qualqu er ind ivídu o pode adqu irir. No Bra-
território (n eofilia), os r atos são m u itos desconfiad os sil, os rodenticidas, qu er sejam d e uso livre, qu er sejam
(n eofobia). aqu eles manipulados por profissionais, são som ente os
Por ocasião do d esmam e, os filhotes já passaram d o t ip o an t icoagulan te d e efeito crônico . Essa d ecisão
por d iversas exp eriên cias de aprendizado, especialmen - se b aseia b asicamente, em três pontos:
te com relação ao alimento. Assim, se a fêm ea evita cer-
tos alimentos, certamente os filh otes também os evitarão; • N as intoxicações acidentais (h omem e an imais n ão
assim, p or exemplo, se a mãe evita uma isca, certamen - alvo) d eve h aver tem po h ábil p ara o trat am ento,
te seu s filhotes tam bém a evitará. portanto, descartam-se aqueles rodenticid as d e efei-
Em relação aos sentidos, os roedores enxergam m al, to agu do.
n ão d istingu em cor. Por outro lado, o olfato, au d ição, • Necessidade d e qu e o raticida tenha u m an t ídoto
t ato e equilíb rio são extremam en te desenvolvid os. esp ecífico p ara se realizar o t ratam en to de m anei-
Quanto aos seu s h ábitos alimentares, os ratos e ca- ra adequad a.
mundon gos são on ívoros. Preferem os cereais, esp ecial- • Por razões h u m an it árias, o rod enticida n ão deve
m ente grãos quebrados. Suas preferên cias alimentares causar m orte violenta n os an im ais-alvo.
são bastante variadas e, p or essa razão, parece n ão exis-
t ir isca universalm ente aceita. Em certas situações há a Embora seja permitido som ente o uso dos anticoa-
necessidade de se produzir isca especialmente p ara uma gulantes com o ingredien te ativo n as formulações rati-
determinad a situação. cid as, têm sido relatados vários casos de intoxicação, no
Particularm en te, entre os ratos h á uma hierarquia h om em e n os animais d om ésticos/selvagen s, por subs-
a ser seguida; n esse sen tid o, os d ominantes ocupam os tân cias de uso proibido n o Brasil. Assim, neste capítulo
m elh ores sítios e territórios, enqu an to os dom inad os são apresentadas tanto as características das intoxicações
somen te se alim entam qu and o n ão houver dominantes com rodenticidas anticoagulantes como aquelas p rodu -
presentes. Por ou t ro lad o, em situ ações em qu e su rge zid as por rod enticid as de uso ilegal, como o mon ofluo-
u m n ovo tip o d e aliment o n o território (por exem plo, racetato d e sódio (composto 1080), alfa-n aftil-t ioureia
uma isca raticida), o dominante n ão a ingere sem qu e o (ANT U), estricnina, tálio e b rom etalina.
rato dominado a tenha feito p reviam ente. Mais recentemente, tem sido descrito o aumento no
núm ero de casos de intoxicação, tanto no homem como
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE RATICIDAS nos animais, provocados por um praguicid a empregado
na agricultura e qu e ilegalm ente é usado como raticid a:
Os raticidas, também denom in ados de rodenticidas, o aldicarb (con h ecid o com o "chum b inho"), este é u m
são considerados sanean tes dom issan itários. Segun do a praguicid a do grupo dos anticolinesterásicos que é abor-
Agên cia Nacion al de Vigilân cia Sanitária (Anvisa), os d ado em detalhes no C apítulo 18.
Capítulo 21 • Raticidas 217

RATICIDAS DE USO LEGAL se refere à intoxicação acidental. Por outro lado, têm
como desvantagens a necessidade de os roedores te-
A nticoag ulantes rem de ingerir as iscas em um intervalo de até dois
dias, além de ser necessário semp re renovar as iscas.
As for mas d e apresentação d este tipo de r aticida • D ose única: esses rodenticid as têm basicamente as
podem ser: m esm as estruturas quím icas dos cum arín icos ou
idantiônicos, contud o algum as partes da molécula
• Pós d e contato: são d e uso exclusivamente profis- foram alteradas, p rocurando-se aumentar a toxici-
sional. É um raticid a form ulado com pó finíssimo dad e. São os p rincipais representantes deste grupo:
para ser polvilhado nas passagens dos roedores, pois o brod ifacum , a bromadiolona e a d ifaciona. A van-
essa substância se ad ere a pele e pelos; como os ro- tagem desses produtos é, basicam ente, a redução
ed ores têm o hábito d e se limpar, acabam lamben - dos custos relacionados à mão de obra e d a própria
do esse raticida e ingerindo-o. isca. Por outro lado, apresentam as desvantagens de
• Iscas: podem ser simples, blocos (parafinados ou re- serem mais tóxicos e h á u m p razo m aior para que
sinados), gran ulad os e pellets. A isca é a p rincipal as mortes ocorram .
form a de apresentação d os raticid as anticoagulan -
tes e d eve ter como característica a capacidade d e Os rodenticidas anticoagulantes são bem absorvidos
atrair o roedor, tanto pelo olfato como pelo palad ar. por via oral. Após sua absorção têm alta porcentagem
Deve ser tão atraente que o roedor d eixa de ingerir d e ligação com proteínas plasm áticas (aproximadamen -
o que está habituado, trocan do-o pelo rodenticid a. te 95%). A m eia-vid a varia grandem en te, depend endo
Deve ser salientado que o roedor não gosta de mas- d a espécie anim al; no entanto, de maneira geral, consi-
tigar pós ou farinhas; o ideal é confeccionar uma dera-se que a d uração d o warfarin seja, aproxim ada-
isca com cereais quebrados. A coloração da isca não mente, d e 14 d ias, enquan to aqueles roden ticidas de
importa, já que não distinguem cores. segunda geração têm duração ao redor de 30 dias.
• Prem ix: são usad os em situações quando a oferta
de alimento é tão grande e de tão boa qualid ade que Mecanismo de ação: visand o facilitar o enten dimen to
dificilmente o rato vai deixar de ingerir esse alimen - d o m ecanism o de ação desses raticid as, é descrito sucin-
to para ingerir as iscas. Essa situação ocorre, por tamente, a seguir, o processo da coagulação sanguínea. A
exemplo, em granjas d e aves e suínos, onde o pre- coagulação é a passagem d o sangu e do estado líquido
mix é mistu rad o às rações balancead as, colocando- para o estado gel, como resultado da transformação d e
-se essa m istura próxima às tocas dos ratos. uma p roteín a solúvel, o fibrinogênio, para uma proteína
insolúvel, a fibrina. Para que haja a passagem de fibrino-
Não são permitidas formulações líquidas, em pasta, gênio para fibrina é necessária a form ação da trombina.
pós solúveis, pós molháveis e iscas em pó. Por sua vez, a trombina (fator II) e os fatores VII, IX e X
Os rod en ticidas anticoagulan tes podem pertencer (todos os quatro são proenzimas diferentes sintetizadas
a dois gran des grupos: os derivad os d a cumarína (cha- no fígado) apresentam várias características em comum,
mados de cumarínicos ou "warfarínicos") e os derivados sendo por essa razão denominado d e "complexo pró-
da id antion a. Atualmen te, os mais amplam ente utiliza- -trombínico': A característica mais específica é a p resen-
dos são aqueles derivad os da cumarina. ça de radicais carboxiglutâmicos na extremidade amina-
Esses compostos p o dem, ainda, ser divididos em da das cadeias peptídicas, sendo que estas se formam por
rodenticid as de primeira (dose múltipla) ou de segunda fixação de um segundo grupo carboxílico sobre os ácidos
geração (dose única): glutâmicos da cadeia peptídica ao nível do hepatócito,
sob a influência da vitamina K. Os raticidas anticoagu-
• Dose m últipla: tanto os raticidas cum arínicos com o lantes competem com a vitamina K pelas enzim as epó-
os idantiôn icos são de p rimeira geração. Os princi- xi-redutase e vitamina K redutase; a primeira é respon-
pais representantes deste grupo são: dicumarol, war- sável pela reativação da vitamina K. Deve ser salientado
farina, pindona, clorfaciona e valone. Têm como van- que a in ibição da epóxido-redutase tem m aior importân-
tagem o fato de o roed or n ão associar a m orte com cia no quadro d a intoxicação, uma vez que a vitam ina K
a ingestão da isca; portanto, não há a ocorrência d o proven ien te da alimentação (fonte exógena) n ão é sufi-
chamado "m edo das iscas': Além disso, a dose é bas- ciente para rever esse quadro. A Figura 21.1 ilustra o me-
tante baixa, tornan do-os bem m ais segur os no que canism o de inibição do rod en ticida anticoagulante.
218 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Fatores ativados progride rapidam ente, portanto, é necessário tom ar


Fatores precursores da coagulação
da coagulação inativos (fatores li, VII, IX e X) medidas mais agressivas para manter o anim al vivo. São
prioridades corrigir a hipovolemia, a coagulopatia e a
disfunção do órgão afetado (geralmente o pulmão).
A síntese dos fatores de coagulação leva, aproxi-
Vitamina K1 Vitamina K1 2,3 epóxido madamen te, 12h , por tanto, é necessário prevenir as
(ativa) (inativa)
consequências da perda elevada de sangue, pr incipal-
\
Vitamina K1
in ibe ...
•·................Rodenticida .... inibe
• •••• •• •• mente n aqueles animais gravemen te afetados. Nessa
anticoagulante ····• Epóxido
redutase
redutase situação deve-se realizar inicialmente a administração
intravenosa (IV) de fluidos e transfusão de sangue ou
V itamina K1 quinona plasm a; no entanto, se for realizar a transfusão sanguí-

Fonte exógena
de vitamina K
nea deve-se ter alguns cuidados, com o, por exemplo,
não ultrapassar 20 mL/kg para evitar o risco de se cau -
sar h ipervolemia.
FIGURA 21.1. Mecanismo de ação dos raticidas anticoagu- O tratamento específico consiste n a administração
lantes.
da vitam ina K 1, na dose inicial de 2,5 a 5,0 m g/kg por
via subcutânea (SC). A m anutenção deve ser feita por
Sinais clínicos: as alterações produzidas por essa toxico- via oral, na dose de 2,5 a 5,0 mg/kg, a cada 8 ou 12 horas.
se podem variar muito, conforme o volume e o local da A duração do tratamento depende do tipo de raticida
perda sanguínea. O sinal clínico mais frequente é o súbi- anticoagulante que produziu a intoxicação. Assim , se for
to aparecimento de depressão, palidez, dispneia, tosse e o de dose m últipla, deve-se administrar a vitamina K 1
hem atomas. Podem ser observados hematemese, epista- por cinco a sete dias e, por outro lado, se o rodenticida
xis, fezes m elênicas, ataxia, paresia, convulsão e morte for aquele de dose única, é necessário prolongar o tra-
súbita. A presença de petéquias e equimoses na pele e tamento por 2 1 a 28 dias. Se n ão se conhece o tipo de
m ucosas n ão é comum nessa intoxicação. Um dado de raticida anticoagulante utilizado (dose única ou múlti-
gran de auxílio na anamnese é o relato do proprietário plo), deve-se realizar o tratamento com a vitamina K 1
sobre a coloração azul ou rosa das fezes, e isso se deve ao por dez dias, depois aguardar 36h e realizar o teste do
corante utilizado nos raticidas, o qual não é digerível. tempo de protrombina; se este estiver dentro da norma-
lidade, pode-se suspen der o tratamento. No entanto, se
Diagnóstico: o diagn óstico in icial é frequentemente ainda se constatar um tempo de protrombina elevado,
, , . . .
difícil se feito somente por meio da observação dos sinais e necessario repetir o tratam ento por mais uma semana
clínicos, já que outras patologias, como doenças hepá- e, novam ente, fazer a avaliação do tempo de protrom -
ticas, trombocitopenia e síndrome da má observação de bina até que se verifique que este esteja dentro do tem-
vitamina K podem apresentar a mesm a sintomatologia. po normal. É importante atentar ao fato de que a admi-
O tempo de protrombina é o teste considerado de es- nistração da vitamina K 1 não deve ser feita por via IV,
colha para esse diagnóstico. Pode-se também faze r o mesmo naqueles anim ais em estado adiantado de into-
teste do tempo de tromboplastina parcial ativado. Além xicação, pois a administração por esta via pode desen-
desses, a radiografia e a to racocen tese p odem ser de cadear anafilaxia, além do que a administração por via
grande auxílio diagnóstico. IV não acelera o processo de síntese dos fatores de coa-
A análise química, pós-morte, é feita pesquisando- gulação. D eve-se também evitar a adm in istração de
-se a presença do anticoagulante no fígado. A am ostra vitamina K 1 por via intramuscular (IM), porque os pa-
desse órgão deve ser colhida e congelada para o envio cientes têm grande possibilidade de desenvolver dolo-
para análise laboratorial. rosos hem atom as.
É importante também realizar alguns procedimen -
Tratamento: a terapia depende, basicamente, do tempo tos ger ais, tais com o usar tran quilizantes ( em geral
decorrido entre a ingestão e o atendimento clínico, da benzodiazepínicos), visando impedir que o animal se
intensidade dos sinais clínicos e do tipo do produto (de movimente muito e, com isso, propiciar traumatism os.
dose m últipla ou única). Como a vitamin a K 1 é lipossolúvel, o acréscimo na
Se a exposição ocorreu em um período inferior a dieta de um pouco m ais de gordura ajuda bastante na
24h, o uso de em éticos, carvão ativado e catártico é in - absorção dessa vitam in a. O uso de agulhas d e fi no
dicado. Mas se h á sinais de hemorragia, a intoxicação calibre também é recom endado.
Capítulo 21 • Raticidas 219

Deve-se evitar o uso de corticosteroides, pois esse TABELA 21.1. Va lores da dose letal 50% (DL50 ), do ácido mo-
anti-inflam atório esteroidal pode interferir com o tra- nofluoracético, em algumas espécies animais e no ser humano
(va lor estimado), por v ia o ral
tam ento com a vitamina K. Deve-se evitar também o
uso de anti-inflam atórios não esteroid ais, bem com o o Espécies D L50 (mg/kg)

emprego de m edicam entos tais com o clo ran fen icol, Ho mem 0 ,7-2 ,0
sulfas, trimetoprim , m etronidazol, neomicina e cimeti- Suíno 1,0
d in a, pois p odem aum entar a toxicidad e, bem com o Cão 0 ,06
prolongar a ativid ade dos rodenticidas an ticoagulan tes. Gato 0 ,2

Camundongo 5,0 -10 ,0


RATICIDAS DE USO ILEGAL Rato 5,0

/ Equino 1,0
Acido monoflu oracético (tam bém chamado Bovinos ad ulto s 0 ,39
de fl uo racetato ou co mposto 1080)

O fluoracetato tem ocorrência natural em algumas


plantas tóxicas como a planta sul-africana Dichapetalum Mecanismo de ação: o ácido m onofluoracético, ao aden-
cymosum ou aquelas encontrad as na Austrália pertecen - trar à célula, reage com a acetil coenzima A (acetil CoA),
tes ao gênero Gastrolobium e Oxylobium. No Brasil, esse na presença de adenosina-5 ' -trifosfato (ATP), para for-
princípio ativo está presente em uma das principais plan- m ar fluo ro acetil CoA, que, p or sua vez, reage com o
tas tóxicas, a Palicourea marcgravii (ver Capítulo 23). oxalacetato e a água, form ando o fluorcitrato. Este últi-
Essa substância química foi sintetizad a nos Estados mo é o responsável pela inibição d a en zima aconitase,
Unid os, nos anos de 1940, tend o com o principal obje- que é responsável pela oxid ação d o ácido cítrico, resul-
tivo proteger o exército contra o ataque dos roed ores; tando em bloqueio do ciclo dos ácid os tricarboxílicos
com o não tem odor e nem sabor podia ser adicionada (ciclo de Krebs), com consequente depleção d e energia,
a qualquer tipo de isca, tendo grande vantagem em re- acúm ulo de citrato e lactato e queda do pH sanguíneo.
lação aos outros raticidas. O citrato acumulad o se combina com o cálcio, levando
No Brasil, seu uso foi introduzid o em 1965. No en- à h ipocalcemia. Com o o efeito tóxico não é produzido
tan to, por causa d o grand e número de acidentes fatais, diretamen te pelo ácid o mon ofluoracético, e sim pela
foi retirada do m ercado em 1980, sendo, então, permi- form ação d e um metabólito (o fluorcitrato), essa into-
tid o o seu emprego apenas em cam panhas p úblicas. xicação é denom inad a de "síntese letal': A representação
Mesm o com essa limitação, ainda ocorriam vários aci- do processo de formação do fluorcitrato e o consequen -
dentes fatais e em 1982 foi totalm ente proibida a su a te bloqueio do ciclo dos ácidos tricarboxílicos são mos-
produção, importação, formulação e a com ercialização trad os n a Figura 2 1.2.
em todo o território nacional. Embora haja essa proibi-
ção, ainda hoje vêm sendo descritos casos de intoxicação,
,
tanto no homem como em animais d om ésticos e silves- Glicose Acidos graxos

tres, produzidos por esse rodenticida. Em outros países, i i Fluoracet ato


com o os Estados Unid os e a Austrália, essa substância
é ainda utilizada em alguns estad os, na forma de colares
Piruvato
Acetil CoA •• ••• ••• ••••• .. •
~

T
de proteção na criação (por exemplo, contra coiotes), Oxa lacetato • Fluoracet il CoA
••••••••
•• ••••••
particularm ente em ovinos e caprinos.
A toxicidade do ácido monofluoracético varia gran-
/
L-malato
Citrato •

T
demente entre as diferentes espécies animais, porém, de Aco9 if ase ~-····· .... 1 FIuorcitrato
(
1

m aneira geral, os vertebrados d e sangue frio são menos


sensíveis aos efeitos tóxicos quand o comparados àque- Fumarato
Cisaconitato
les anim ais de sangue quente. A Tabela 2 1.1 apresenta \ Succinato I
a D L50 d essa substância em algumas espécies animais. lsocitrato
O ácido monofluoracético é rapidamente absorvido
pelo trato gastrintestin al, pele lesad a e mucosas; p or "' a -oxoglutarato /

outro lad o, muito pouco pode ser absorvid o através d a FIGURA 21.2. Mecanismo de ação do ácido monofluora-
pele íntegra. cético.
220 To xicologia aplicada à medicina veterinária

Sinais clínicos: as manifestações clínicas podem apa- A estricnina é relativamente estável, podendo per-
recer dentro de 30 m inutos até 2,Sh ap ós a ingestão, sistir no alimento ou no ambiente por um período re-
dependendo da dose ingerida, do conteúdo gástrico e lativamente longo.
da espécie animal. Há uma grande variação na sintoma- Após a ingestão, esse agente tóxico é rapidamente
tologia apresentada pelas diferentes espécies anim ais. absorvido do trato gastrintestinal, sendo amplamente
Assim, de maneira geral, os herbívoros mostram falên - distribuído pelos tecidos; portanto, diminutas quanti-
eia cardíaca, enquanto os carnívoros apresentam distúr- dades da estricn ina podem ser detectadas n o sangue. A
bios nervosos e do trato gastrintestinal. Cães e outros absorção desse alcaloide pode também ocorrer na m u-
carnívoros apresentam ansiedade, h iperatividade, alu - cosa nasal e por exposição dérm ica. Ele sofre biotrans-
cinações e finalmente convulsões do tipo tôn ico-clôni- formação no fígado, sendo prontamente excretado pelos
ca; os distúrbios do trato gastrintestinal se traduzem por rins. A meia-vida de eliminação da estricnina é de 10h.
vômitos, aumento da salivação e da defecação. De m aneira geral, a estricnin a é altam ente tóxica
Em ruminantes e outros herbívoros, as alterações para os animais dom ésticos, con form e mostra a Tabela
cardíacas predominam, observando-se marcada arritmia, 21.2. A intoxicação secundária, por ingestão de roedores
pulso fraco e rápido e, na fase terminal, fibrilação. No que ingeriram a estricnin a, pode ocorrer, send o essa
estágio mais avançado da intoxicação os anim ais apre- form a de intoxicação mais relatada em cães.
sentam trem ores e, p osteriormente, convulsões n ão
m uito intensas. Mecanismo de ação: a estricnina p ossui estrutura se-
melhante à da glicin a, principal n eurotransm issor da
Diagnóstico: é feito baseando-se nas alterações clínicas, medula espinhal. D essa form a, a estricn in a bloqueia
alterações na patologia clínica, que incluem hiperglice- com petitivamente os receptores pós-sinápticos da gli-
mia (os níveis de glicose podem estar aumentados em cin a, no n eurônio motor da medula ventral, reduzindo
até duas vezes mais), aumento dos níveis séricos de ci- a ligação da glicina com seus receptores e desen cadean -
trato, hipocalcemia e acidose. A análise química se faz do excitação da medula espinal e tron co cerebral.
pesquisando-se a presença do agente nas iscas, no vô-
mito ou no conteúdo estomacal, usando-se, para tal, a Sinais clínicos: as alterações clínicas produzidas por
técnica do eletrodo específico de íon fluoreto. essa intoxicação ocorrem, geralmente, de 1O m inutos
Tratam ento: n ão há antídoto para o ácido m ono - a 2h após a in gestão da isca. Os sin ais iniciais são de
fluoracético; assim, o tratamento (sintom ático) geral- ansiedade, aumento da frequência respiratória e inten -
m ente é malsucedido, mesm o porqu e muitas vezes o sa sialor reia. A seguir, os animais p od em apr esentar
an imal pode vir a óbito r apidamente, em menos de 1 ataxia, espasm os da m usculatura, que se iniciam , ge-
hora após a ingestão do agente tóxico. ralm ente, pelos músculos da face, se dissem inando para
Há descrição na literatura de sucesso no tratamen- a musculatura dos membros, seguindo-se as convulsões
to da intoxicação pelo ácido monofluoracético em cães tôn ico-clôn ica e opistóton o. À m edid a q u e o cu rso
utilizando-se acetamida a 10% associado a 5% de dex- clínico progride, as convulsões torn am -se menos fre-
trose. Essa solução deve ser administrada, por via IV, quen tes. A síndrom e, se n ão tratada, leva o anim al a
n a dose de 7 a 1O m L/kg em um período de 30 minu- óbito dentro de 1 a 2h. Durante as convulsões, ocor re
tos e depois administra-se a cada 4 h , por 24 ou 48 h . dilatação da pupila e cianose. É frequente se verificar
Outro protocolo utilizad o com su cesso, tam bém em o músculo do pescoço arqueado e trisma de mandíbu -
cães, é aquele n o qual se adm in istra, in icialm ente, o la. Qualquer estímulo externo (toque, som , luz) exa-
pentobarbital sódico num a dose suficiente para pro- cerba a sintomatologia. A morte do animal ocor re por
duzir leve anestesia; a seguir, administra-se, por via IV,
um a solução a 8,4% de bicarbonato de sódio em solu- TABELA 21.2. Valores da dose letal 50% (DL50) da estricn ina,
ção salina, na dose de 300 m g/kg, por um período de em algumas espécies de animais domésticas, por via oral
15 a 30 m inutos. Espécies D L50 (mg/kg)

Suíno 0,5
Est ricnina Cão 0,75
Gato 2,0
A estricnina é um alcaloide extraído de um a planta,
Rato 3,0
a Strychnos nux vomica. Esse alcaloide é usado como
Equino 0,5
rodenticida desde o século XVI na Alem anha.
Capítulo 21 • Raticidas 221

parada respiratória, p elo comprom etim ento do mús- também o fluxo de potássio através da membrana celu-
culo diafr agm ático. lar. Além disso, promove alteração na síntese do hem e
e n a produção de proteínas.
Diagnóstico: é feito associando-se os sinais da intoxica-
ção e a análise química, pesqu isando-se a presença de Sinais clínicos: quando da intoxicação aguda, as alte-
estricnin a nas amostras biológicas ou iscas. São vários os rações são caracterizadas por distúrbios gastrintestinais,
m étodos an alíticos utilizados para a detecção de estric- os quais vão se man ifestar entre 3 e 4h após a exposição
nina, como, por exemplo, a crom atografia em cam ada ao agente tóxico. Os animais apresentam dor abdominal,
delgada (CCD), a crom atografia líquida de alta perfo r- anorexia e diarreias sanguinolentas. O sistem a nervoso
m ance (HPLC) e a crom atografia a gás associado ao es- central também é afetado, no entanto, as alterações nes-
pectrômetro de m assa. Alguns órgãos, com o o fígado e o se sistem a vão ser observadas de 12 a 24h a após a in-
rim, podem ser colhidos para a análise química, no en- gestão, sendo observado desorientação, delírio, letargia,
tanto, o m elhor m aterial é o conteúdo gástrico. A estric- sonolência, ataxia e convulsões. É também relatada al-
nina pode também ser detectada em soro, plasma e urina. teração do sistema nervoso autônomo; assim, os animais
podem apresentar taquicardia, hipertensão arterial, sa-
Tratamento: a principal preocupação do m édico vete- livação e sudorese. Alguns dos sinais podem aparecer
r inário quando se depara com esse tipo de intoxicação alguns dias após as alterações iniciais e entre esses estão
é o controle do quadro convulsivo. Assim, pode-se uti- constipação, polineurite e a alopecia.
lizar, em cães e gatos, para essa fin alidade, a guaifenesi- Na intoxicação crônica, o sistema nervoso e o diges-
n a (110 m g/kg, por via IV), o diazepam (2,5 a 20,0 mg, tivo são ligeiram ente afetados. A pele se apresenta seca
por via IV ou oral), o pentobarbital sódico ou, ainda, o e escamosa e há perda de pelos bastante pronunciada.
m etocarbamol (22 a 55 m g/kg, por via IV). Pode ser
usado o bicarbonato de sódio caso o animal apresente Diagnóstico: é feito pelos sin ais clínicos, avaliação da
acidose. É altam ente recomendável que os anim ais in- função hepática e exam e de urina, que podem se apre-
toxicados com a estricnina sejam deixados em um local sentar alterados nessa intoxicação. A detecção do tálio
com pouca luminosidade e silencioso. pode ser feita n a urina, nos pelos e n o sangue, n o en-
tanto, não são utilizados rotineiramente.
Sulfat o d e t álio
Tratamento: se a ingestão do tálio foi recente, devem
O tálio é um metal pesado que se apresenta n a ta- ser utilizados em éticos ou lavagem gástrica e a admi-
bela periódica dos elementos químicos entre o mercúrio nistração de carvão ativado em doses seriadas para di-
e o chumbo. Foi descoberto em 1861 e foi usado duran - minuir a absorção dessa substância.
te anos com a fin alidade de tratar doen ças infecciosas Se já houver manifestação clínica, pode-se tentar
e, posteriormente, foi empregado até mesm o como agen- utilizar a difeniltiocarbazona (ditiazona), a qual se mos-
te depilatório. trou eficaz em animais de laboratório, porém h á escas-
O tálio é rapidamente absorvido pelo trato gastrin- sez de dados sobre sua eficácia em animais dom ésticos
testinal, respiratório e pele. Essa substância se distribui e n o hom em . O azul da Prússia impede a circulação
de m aneira uniform e no organism o, concentrando-se, êntero-hepática sendo, portanto, muito útil. Não se acon-
principalmente nos rins, fígado, músculo, baço e pulm ão. selh a o uso do cloreto de potássio com o quelante, pois
Atravessa a barreira hematoencefálica. Sua principal via pode promover aumento dos n íveis sanguíneos de tálio
de excreção é a urinária, sendo também excretado pelas e, consequentem ente, da toxicidade.
fezes. O tálio pode se acumular no organism o, assim, a Pode-se utilizar os benzodiazepínicos para o con-
exposição a pequen as doses, em períodos prolongados, trole do quadro convulsivo.
pode produzir a toxicose.
A lfa-n aft i 1-t iou reia
Mecanismo de ação: o m ecanismo de ação do tálio é
semelhante àquele do chumbo e arsênio (Capítulo 33 ); A alfa-nafitil-tioureia (ANTU) é bem absorvida por
liga-se aos grupos sulfidrila, principalmente n as mito- vias cutânea, respiratória e digestiva.
côndrias, interferindo em reações de fosfo rilação oxi- Os roedores, particularm ente os ratos, são muito
dativa, impedindo a respiração celular e, consequente- sensíveis à ANT U. A toxicidade da ANTU varia em
m ente, a produção de energia pela célula. O tálio inibe virtu de de algun s fato res, entre os principais está a
222 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

espécie animal, sen do cães e gatos os mais sen síveis aos Mecanismo de ação: a brom etalina parece en trar nas
efeitos tóxicos, enquan to os ruminantes são bastante células, interferindo com a fosforilação oxidativa (há o
resistentes. O tam anh o da partícula do ANTU tamb ém d esacoplamen to), reduzindo drasticam ente, dessa m a-
influen cia a toxicidade: quanto m aior a partícula, maior neira, a produ ção de energia celular, o que é crítico,
a toxicidade; já a repleção gástrica m inora os efeitos p rincipalmente p ara o fu ncion amen to dos n eurôn ios.
tóxicos e, considerando-se a idad e, os animais id osos Assim, como resultado, o ATP celu lar e tecidual está
são aqueles mais sensíveis. diminuído e as b omb as do can al iônico sódio-potássio
são afetadas. Esse processo leva a desequ ilíbrios elet ro-
Mecanismo de ação: o ANTU causa aumento da permea- líticos, bem como à mud ança de fluido para áreas m ie-
bilidade dos capilares pulmonares, levando ao edema pul- linizadas do cérebro e da medula espinal. A peroxidação
m onar; o an imal se «afogá' em seus próprios fluidos. lipídica cerebral tam bém pod e ocorrer, o que dan ifica
organelas e membranas celulares. Uma reação em cadeia
Sinais clínicos: as alterações observadas são de dispneia, d e dano celular progressivo e irreversível e n ecrose pode
cianose, edema pulm onar e aum ento da secreção brôn - então se desenvolver.

qu1ca.
Sinais clínicos: o tempo para o aparecimento dos sinais
D iagnóstico: deve-se fazer o diagn óstico basean do-se d a intoxicação está relacionado à quantid ade de bro-
n a an amnese e n os sinais clínicos, procurando-se dife- metalina ingerida. Assim, em d oses elevad as desse ra-
renciar da intoxicação por organofosforados e carb am a- ticida, as alterações já podem se manifestar ao red or de
tos. A an álise química tem limitações, deven do ser rea- 4h; por outro lado, em doses men ores, essas alterações
lizad a até 24 h após a ingestão de quantidades p odem ser verificadas depois de até sete dias d a inges-
relativam ente gran des de ANTU. tão da brometalina.
As alterações clínicas produzidas pela brometalina
Tratamento: n ão há an tíd oto específico; o tratamento são normalmente dose-dependente e pode-se diferenciar
é sintomático e de suporte. O com prometimen to pul- essa toxicose em duas síndromes. Assim, as alterações
m onar grave exige a intubação end otraqu eal e suporte apresentadas por an imais que consu miram elevadas
ven tilatório mecânico. Alguns estudos mostram que o con cen trações d o rat icida manifestam-se n a d enomi-
uso de compostos que possuem grupos sulfidrilas di- nada «síndrom e convulsivá', que se caracteriza por tre-
minui a mortalidade. mores m u sculares intensos, hiperexcitabilidade, hip e-
restesi a, convulsão focal m otora o u generalizada,
Brometalina vocalização e hipertermia. Quando há exposição a bai-
xas doses de brometalina, o animal apresenta um quadro
Embora de uso proibido n o Brasil, a brometalina denominado de «síndrome paralíticá: que é a forma mais
vem sendo amplamente usad a em outros países, com o, comum de intoxicação por esse rodenticid a, observan-
por exemplo, nos Estados Un idos, visando controlar do-se ataxia e paresia do trem p osterior, sendo qu e a
aqueles ratos resistentes à varfarin a. As formulações p aralisia ocorre dias depois das alterações iniciais. Além
encontradas são, geralm ente, em pellets ou na form a de disso, p ode-se observar, ainda, depressão do sistem a
barras, na con centração d e 0,01 %. nervoso central, que pode evolu ir para o semicom a.
Após a ingestão da b romelin a, a absorção ocorre Pod e-se verificar p iora d o quadro clínico até duas se-
rapidamente, com pico de concentração alcançado apro- manas após a in gestão d a brometalin a.
ximadamente em 4h. A brometalina é biotransformada,
n o fígado, pelas oxidases de fun ção mista ao um meta- Diagnóstico: no animal vivo o diagn óstico é feito utili-
bólito mais tóxico, a demetil-brometalina. Tan to abro- zando-se os dados de anamnese e sin ais clínicos, uma vez
metalina quan to o seu metabólito são amplamente d is- que não é possível a detecção da brometalina em amostras
tribuídos pelo organismo, inclusive atingindo o sistema de sangue e urina. Muitas vezes o proprietário desconhe-
n ervoso central. A brom etalina é altamente lip ofílica, ce o contato do an imal com as iscas d e brom etalina, no
sen do o tecido ad iposo e o cérebro os locais d e m aior entanto, uma b oa indicação na an amnese é o relato de
concentração d esse raticida. A excreção se faz de ma- observação de fezes de coloração normalmente verde.
n eira bastan te lenta, sendo su a meia-vida ao redor d e Em an imais qu e vieram a óbito, a detecção de brometa-
seis d ias. A eliminação p ela bile é a prin cipal via de ex- lina pode ser feita em amostras de rins, fígado, gordura e
creção da brom etalina. cérebro, utilizando-se para tal a cromatografia gasosa.
Capítulo 21 • Raticidas 223

Tratamento: o uso de em éticos deve ser realizado em d e cálcio e fósforo do tecid o ósseo para o plasma e au-
até 2 h d a ingestão d a b rom etalina e imed iatam en te a mentam a reabsorção tubular de cálcio. A elevação pro-
seguir utiliza-se o carvão ativado. Não há antídoto es- longada de cálcio e fósforo sérico pode levar à minera-
pecífico para essa intoxicação; portan to, o tratamento é lização dos tecidos; se tal efeito ocorrer nos rins poderá
sintom ático, u tilizando-se o man itol (250 mg/kg, por haver o desenvolvimen to de insuficiência ren al agu da.
via IV, a cad a 6h) e a d exam etazona (2 mg/kg p or via Outro desd obramento dessa intoxicação é a dim inuição
IV, a cad a 6h ), na tentativa d e se cont rolar o edem a ce- do funcionamento d o trato gastrintestinal, músculo
rebral. Pode-se também utilizar o diazepam ( 1 a 2 m g/ esquelético e cardíaco, dos vasos sanguíneos e dos liga-
kg, por via IV) ou o fen obarbital (5 a 15 mg/kg, por via mentos, em decorrên cia da mineralização.
IV), na tentativa de se controlar as convulsões.
Em situações nas quais os animais já manifestam o Sinais clínicos: os efeitos da in toxicação ger almente
quad ro de intoxicação, é difícil haver sucesso n o trata- ocorrem d entro de 12 a 36h após a ingestão d o colical-
m ento, especialmente se o paciente está m anifestan do ciferol. Os sinais mais comuns da intoxicação incluem
claram ente a alteração no SNC; ent retanto, se a sinto - vômitos, an orexia, d epressão, poliúria e p olidipsia. A
matologia for m ais b rand a, com a manifestação apenas insuficiência renal aguda pod e se desenvolver dentro d e
com depressão e ataxia, alguns animais podem se recu- 24 a 72h . Se o animal sobreviver aos sinais clínicos in i-
perar totalm ente em um período d e 2 a 4 semanas. ciais, é muito frequente verificar os efeitos relacionados
à mineralização de seus tecidos e órgãos, os quais per-
COLICALCIFEROL (VITAMINA D) sistem por lon go prazo

Embora o colicalcifer ol (vitam ina D ), da m esm a Diagnóstico: normalmente o diagnóstico da intoxicação


m aneira que o ácido monofluoracético e a brometalina, é feito por m eio d o histórico da ingestão d a isca, asso-
tenha também seu uso, com o rodenticida, p roibido n o ciad a à sintom atologia clínica apresentada pelo animal.
Brasil, esse composto vem sendo usado em vários países, É com um o proprietário relatar a p resença da isca nas
inclusive nos Estados Un id os, o que p ropicia que h aja fezes.
o t ráfico d o colicalciferol e, con sequentemen te, o uso Os testes laboratoriais para a confirm ação d o diag-
ilegal em nosso país. nóstico incluem níveis séricos d e fósforo, cálcio (total e
ionizado), nitrogênio u reico no san gue (BUN) e creati-
Mecanismo de ação : Para se compreen der melho r o nina sérica. Um exame de u rina pode mostrar isostenú-
m ecanismo pelo qual ocorre a intoxicação pelo colical- r ia ( alteração da fu n ção ren al, in dicando a perda da
ciferol, brevem en te será comentado sobre a for mação capacid ade d e concentração renal, acarretando em eli-
dessa vitamina e suas funções fisiológicas. A vitamina D 3 minação de urina com densidades baixas). Em casos de
é necessária no organismo e é adquirida pelos mamíferos ingestão aguda de colicalciferol, normalmente a elevação
com o parte da dieta, ou por exposição dérmica aos raios d o fósforo sérica é a primeira alteração laboratorial a
ultravioleta (UV). No fígado, o colicalciferol é biotrans- ser verificada (7 a 8 mg/dL), a qual é seguida pelo au-
form ado em calcifed iol (também conhecid o com o cal- mento de cálcio sérico (13 a 20 m g/dL). A radiografia
cidiol, 25-h idróxi-colecalciferol ou 25-hid róxi-vitamina ou a ultrassonografia podem ajud ar no diagnóstico da
D). Portanto, uma gran de ingestão d e colicalciferol irá mineralização d os tecidos m oles em animais sintom á-
levar d iretamen te a um significante aumento d e calcife- ticos. Embora seja possível a realização da detecção de
diol, o qual é então biotransformado nos rins, forman do calcitriol e outros análogos da vitamina D 3, estes não
um com posto d enom in ado de calcitriol (1,25 dihidro- são sim ples de serem realizad os e são caros.
colicalciferol, vitam ina D 3 ), que é o metabólito ativo. O d iagnóstico post-mortem é n ormalmen te mais
Quando há o aum ento das con centrações sanguíneas de d ifícil. Basicamen te, o diagnóstico é realizado por meio
calcitriol, verifica-se um mecanismo de feedback negati- d os achados de necropsia e de histopatologia. À avalia-
vo, ou seja, há a in ter rupção d a produção de calcit riol ção macroscópica, pode ser observada ulceração gástri-
pelos rins; entretanto, esse processo d e feedback não ca e hemorragia, os rins se apresen tam com aparência
ocorre na produção de calcifediol, que continua a ser normal ou com aspecto manchad o. Os pulmões podem
p roduzido e, embora n ão seja tão ativo quan to o 1,25 estar hem orrágicos e ed em atosos. À histopatologia, é
di-hidrocolicalciferol, leva aos efeitos clínicos tóxicos. possível se verificar m ineralização d e tecido m ole n o
Os m etabólitos do colicalciferol atuam aumentand o coração, rins, trato gastrintestinal, músculo esquelético,
a absorção intestinal de cálcio, estimulam a transferên cia ligamentos e tend ões.
224 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

Tratamento: se o animal foi exposto n as últimas 4h, medicamento. Se não houver a disponibilidade do pami-
deve-se administrar em ético; se ocorreu em um perío- droato dissódico. Outra opção é a calcitonina, m as é me-
do superior a 4h, adm in istrar-se carvão ativad o se o nos eficaz; além disso, apresen ta meia-vid a muito curta
animal não estiver apresentando êm ese. É importante (2 a 4 h) e deve ser administrad a p or via intram uscular,
consid er ar que o colicalcife rol apresenta recirculação várias vezes ao dia, durante várias semanas. O mecanismo
êntero-hepática; assim , é necessário realizar doses repe- d a calcitonina se faz por m eio da redução d a atividade e
tidas de carvão ativado. Pode-se empregar a colestira- formação d e osteoclastos, promoven do uma rápid a di-
m ina (medicamento empregado para redução dos níveis min uição dos níveis séricos d e cálcio.
séricos elevad os d e colesterol em pacientes com hiper-
colesterolemia), com o um tr atamen to adjuvan te, em BIBLIOGRAFIA
cães, n a dose d e 0,3 a 1 g/kg por via oral, três vezes ao
1. BRADBERRY, S.; VALE, A. Warfarin and anticoagulant roden-
dia durante qu atro d ias. Isso pod e ser ad m in istrado
ticides. Medicine, v. 40, p. 164, 201 1.
entre d oses d e carvão ativad o (p or exem plo, carvão 2. CARVALHO-NETO, C. Manual prático da biologia e controle
ativado, em segu ida dar colestiram ina em 4h, repetir o dos roedores. São Paulo: Ciba-Geigy, 1982. 61p.
3. CHENOWETH, M .B. Monofluoracetic acid and related com -
carvão em 8h, em seguida, dar colestiram ina em 4h ).
pounds. Pharmacological Review, v.l , p. 383-424, 1949.
D iariamente, por quatro dias, d eve-se realizar a avalia- 4. DORMAN, D.C. Toxicology of selected pesticides, drugs, and
ção d os n íveis séricos de cálcio total, cálcio ionizado, chemicals. Anticoagulant, cholecalciferol, and bromethalin-ba-
fósforo e ureia; se na última avaliação esses níveis esti- sed rodenticidas. Veterinary Clinics of North America - Small
Animal Practice, v. 20, p. 339-94, 1990.
verem norm ais, não há mais necessidade d e tratamento. 5. DE CLEMENTI, C.; SOBCZAK, B.R. Common rodenticide
Em animais que apresentam os sinais da intoxicação, toxicoses in small animals. Veterinary Clinics of North America
deve-se instituir o tratamento visan do corrigir a hiper- - Small Animal Practice, v. 42, p. 349-60, 2012
6. DORMAN, D.C.; SIMON, J.; HARLIN, K.A.; et al. Diagnosis of
calcem ia. Muitas vezes esses animais apresentam vômi-
bromethalin toxicosis in the dog. Journal of Veterinary Diagnos-
tos e anorexia; portanto, deve-se reidratá-los e proceder tic Investigation, v. 2, p. 123-8, 1990.
à diurese. Inicialm ente, a diurese é com cloreto de sódio 7. EASON, C . Sodium m onofluoracetate (1080) risk assessment
and risk communication. Toxicology, v. 181-2, p. 523-30, 2002.
a 0,9% (os íons de sód io aum en tam a excreção de cálcio
8. EGEKEZE, J.O.; OEHEME, F.W Sodium monofluoracetate
reduzindo a reabsorção tubular de cálcio e aum entando (SMFA, compound 1080): a literature review. Veterinary and
a calciurese). Posteriorm ente, empregam-se diuréticos Human Toxicology, v. 2 1, p. 41 1-6, 1979.
de alça; a furosemida aumenta a excreção renal de cálcio, 9. GREENE, R.; MEATHERALL, R. Dermal exposure to strych-
nine. Journal of Analytical Toxicology, v. 25, n. 5, p. 344-7, 2001.
diminuindo a reabsorção de sód io e cloreto através da 10. KING, N .; TRAN, M .H . Long-Acting Anticoagulant Rodenti-
alça d e Henle. Pode-se também empregar corticoides; cide (Superwarfarin) Poisoning: A Review of Its Historical De-
a predinisona auxilia n a supressão d a reabsorção óssea, velopment, Epidemiology, and Clinical Management. Transfus
Med Rev, v. 29, p. 250-8, 2015.
também reduz a absorção d e cálcio pelos in testinos e
11. MULKEY, J.P.; OHEME, F.W A review of thallium toxicity.
aum enta a excreção urinária d e cálcio, reduzind o a ab- Veterinary and Human Toxicology, v. 35, p. 445-53, 1993.
sorção pelos túbulos distais. Se o pacien te estiver acidó- 12. MURPHY, M . Rodenticides. Veterinary Clinics of North Ameri-
tico, o bicarbon ato de sódio pode d iminuir os níveis de ca - Small animal practice, v. 32, p. 469-84, 2002.
13. PRESCOTT, C.V.; BUCKLE, A.P. Blood-clotting response tests
cálcio, à medida que os íons cálcio se ligam às proteínas for resistance to diphacinone and chlorophacinone in the Norway
plasmáticas e ao bicarbonato. rat (Rattus norvegicus) . Crop Protection, v. 19, p. 291-6, 2000.
Pacientes que são severam en te afetados pela intoxi- 14. PETTERINO, C.; PAOLO, B. Toxicology of various anticoagulant
rodencides in animals. Veterinary and Human Toxicology, v. 43,
cação, ou cujos níveis de cálcio continuam a aumentar p. 353-9, 2001.
apesar da terapia, necessitarão de tratamento mais agres- 15. REN, P.; STARK, P.Y.; JOHSNON, R.L. Mechanism of anticoa-
sivo. O m edicamen to preferido para uso é o pam idroato gulants. Journal of Pharmacology and Experimental Therapeu-
tics, v. 201, p. 541 -6, 1977.
dissódico, que é um bisfosfonato, cujo mecanismo de ação
16. SHEAFOR, S.; COUTO, C.G. Clinical approach to a dog with
é a inibição da reabsorção óssea. Esse medicamento deve anticoagulant rodenticida poisoning. Veterinary Medicine, p.
ser administrado lentamen te, por via IV, em cloreto d e 466-71, 1999.
sódio a 0,9%. O pamidroato dissódico pode inibir a reab- 17. TALCOTT, P.A.; DORMAN, D.C. Pesticide exposures in com-
panion animals. Veterinary Medicine, p. 167 -81, 1999.
sorção óssea por um longo período, m as em alguns casos 18. WILSON, J.R. Thallotoxicosis. Journal of American Veterinary
os animais necessitarão receber um a segun da infusão d o Medical Association, v. 139, p. 116, 1961.
Seção 4
Pia ntas tóxicas
Capítulo 22

Considerações gerais sobre as plantas


tóxicas em medicina veterinária

Silvana Lima Górniak


Mitsue Haraguchi

~ d enominad as de m etabólitos secu ndários ou aleloquí-


INTRODUÇAO
micos, a qu al é derivad a da p alavra grega alello, que
Segundo Stahl (1888) "o m undo animal que cerca significa relação recíproca.
as plantas influencia profu ndam ente n ão somente a Os aleloquímicos, com o os alcaloid es, terp en oid es,
morfologia, mas tam bém sua qu ímica': De fato, quando glicosídeos cianogênicos, entre outros, são definidos como
u m a planta é atacada por um pred ador, por exemplo, compostos qu ímicos, sintetizados por um organ ism o, e
um inseto, esta não pode correr nem se defend er fisica- que podem afetar um outro organ ismo, tanto estimulan-
m ente. Assim, as plan tas têm d esenvolvido m an eiras d o como inibind o. D essa forma, além do m etabolism o
sutis para proteger-se. Um outro estudioso desse assun- prim ário, responsável pela produção de celulose, lignina,
to, Rhoad es ( 1973) sugere que existem t rês maneiras proteína e outras substâncias, que realizam fun ções vitais
pelas quais as p lantas podem se d efen der, as quais são d a planta, há o m etabolismo secundário, gerando esses
apresentadas a seguir: compostos que não participam dos processos metabóli-
cos básicos d o vegetal; en tretan to, reconhece-se uma
• Tolerância: essa forma de defesa permite que estru- série de diferentes fu n ções desses com postos. D essa ma-
turas menos n obres sejam atacad as. A tolerân cia neira, os aleloquím icos podem beneficiar tanto a planta
ocorre quand o o ataque às plantas é de pequen a in- quanto o an imal, com o o néctar das flores, que atrai os
tensidade. insetos e aves que vão polinizá-las; por sua vez o vegetal
• Escap e: n essa man eira, a p lanta lança estratégias lhes oferece o alimento.
para escapar temporariamente ao ataqu e; por exem - No entanto, a produção dos metabólitos secundários
plo, o vegetal se cam ufla ou varia o tem po de apa- pelos vegetais pode ter como finalidade o combate, sen-
recimento d e est ruturas atacadas, prin cipalmen te do os insetos, por ser seus principais predadores, o prin -
brotos e frutos. cipal alvo. De fato, embora os insetos h erbívoros ocupem
• Defesa: nessa forma, a planta d esenvolve m étodos destacada posição na natureza, já que em uma escala de
capazes de deter, repelir ou interferir no desenvol- biom assa comparativa a biomassa total de insetos nas
vimento ou n a reprodução d e predadores. As bar- florestas tropicais é, aproximadamente, sete vezes maior
reiras mecân icas são capazes d e prom over a inibi- que a dos vertebrados. Isso representa um alto potencial
ção contra o ataque dos an imais, como os espinhos para produzir impacto severo nas diferentes espécies de
de roseiras e cactos, folhagens fibrosas ou cober- planta para satisfazer su as necessid ades n u tricion ais;
, . . .
tas por resin as e pelos glandulares de algumas plan- porem , estrma-se que esses an1ma1s consumam somen -
tas. Outros vegetais desenvolvem a produção de te 10% do ecossistem a natural e apen as 13% das plantas
substâncias que agem como redutores de digestibi- cultivadas. Acrescenta-se, ainda, o fato de que, embora
lid ade, como a celulose, pectina, ligninas, cutinas, os insetos sejam os m aiores pred adores de p lantas, so-
tan inos. mente 9 entre 29 ordens de insetos existentes usam os
vegetais como fonte alimentar. Ressalta-se, também, que
A defesa dos vegetais pod e, ainda, ocorrer de ma- aqueles insetos que se alim entam de plantas são os m ais
neira mais eficaz pela produção de substâncias químicas, evoluídos. Assim, pode-se inferir que as plantas devam
228 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

mesmo possuir u m mecanismo de defesa inerente que têm menor "bateria" en zimática capaz de promover a
pode provê-la d e resistência pelos insetos. detoxificação, se comparados aos ovinos e caprinos, que
Portanto, apesar d e existirem inúmeras discussões se alimentam basicamente de plantas arbustivas, as quais
entre os vários grupos de pesquisadores que vêm estu- possuem maior quantidade de metabólitos secundários,
dando sobre a p resença desses metabólitos secundários ou seja, d e toxinas. Assim, nesse processo coevolutivo,
em vegetais, há evidências claras de que os aleloquími- essas últimas espécies animais tiveram que d esenvolver
cos p roduzidos pelas plantas têm, no que se refere à mecanismos de defesa, pois, d e out ra m aneira, seriam
defesa, a finalidade de combater fungos, bactérias e vírus, extintos.
outras plantas que competem por luz, água e nutrientes
e, também, seus p rincipais predadores, que são os inse- IMPORTÂNCIA DO ESTUDO SOBRE
tos, sendo, portanto, a intoxicação, observada no verte- PLANTAS TÓXICAS
brado herbívoro, acidental.
Considerando-se os herbívoros vertebrados, estes Considerações sobre o prejuízo econôm ico
, .
possuem alimen tação muito menos seletiva, ou seja, na pecuar1a
comem indistintamente a planta toda, bem como várias
espécies de vegetais no pasto, além de possuírem menor As plantas tóxicas no Brasil têm sido problem a des-
população, menor fecundidade e longa duração de ges- de os mais remotos tempos da colonização, quando da
tação, quando comparado aos insetos. Além disso, foram introdução das primeiras cabeças d e gado pelos portu-
removidos d e seu habitat, consequentemente, diminuí- gueses. Embora seja um problema reconhecido de longa
ram -se as oportunidades para desenvolver mecanismos d ata e apesar de toda a evolução no setor agropecuário
adaptativos d e detoxificação. Assim, por todos esses brasileiro, pouco se sabe sobre os p rejuízos advindos
motivos, pod e-se supor que os vertebrados mamíferos desse tipo de intoxicação. Essa situação se deve, en t re
estão muito mais expostos à intoxicação por esses ale- outros fatores, à d iversidad e do problema, pois existem
loquímicos, que a partir de agora serão d en ominados d iferentes plantas envolvidas, uma grande varied ad e d e
de toxinas. efeitos tóxicos e a variação na m orbidad e e mortalid ade
Entretanto, deve-se considerar que os vertebrad os de ano a ano. No entanto, um estudo feito nos Estados
superiores vêm , timidamente, procuran do contor nar Unidos, em 1992, um país que possui muito menos plan-
essa situação. Por exemplo, veados possuem uma pro- tas tóxicas catalogadas e tendo uma pecuária muito mais
teína salivar que se liga a taninos, essa mesma proteína controlada que a brasileira, ou seja, basicamente exten-
é, também , encontrada em caprinos, mas não em bovi- siva, calcula-se que são perdidos anualmente, 340 milhões
n os ou ovinos. Um outro exemplo de mecanismos d e de dólares, considerando-se apenas 17 estados do meio-
detoxificação é o verificado em rum inantes da Austrália, -oeste americano. No Brasil, são muito poucos os dados
os quais são intoxicados pela m imosina, uma toxina sobre esse assunto, sendo esses raros levantamentos fei-
encontrad a na planta Leucaena leucocephala, enquanto tos particularmente em bovinos, os quais as plantas tó-
que animais das mesmas espécies só qu e criados na xicas são responsáveis pela terceira principal causa de
Ind onésia ou Havaí não apresentam sinais de toxicida- mortalidade, ficando apenas atrás da raiva e do botulis-
de. Isso se deve à presença d e microrganism os, particu- mo, secund ário à deficiên cia d e fósforo. Deve-se levar
larmente uma bactéria já bem caracterizada, denomi- em con ta que, no Brasil, ao redor de 5% da população
nada Synergistes jonesii, que degradam a m imosina, no bovina (que se estima ser d e aproximadamente 226 mi-
rúmen de ruminantes na Indonésia e no Havaí. lhões de cabeças, conforme levantamentos de 2017)
Uma outra e principal maneira pela qual os animais morre por diferentes causas. Considerando-se os estudos
superiores podem livrar-se da toxicidade de um a deter- realizados por alguns labor atórios de diagnóstico de
m inada planta é aquela que se faz por meio da sua bio- alguns estados brasileiros, que estimam que 10 a 14%
transformação no fígado. Nos hepatócitos, o citocromo dessas m ortes se devam à intoxicação por plantas, então
P-450 tem uma vasta especificidade por substratos (ver pode-se estimar que haja a m orte de, aproximadamente,
Capítulo 2), permitind o que o animal possa detoxificar 1,5 milh ão de bovinos/ano pela intoxicação por plantas.
várias toxinas d e plantas. Em razão da indução e trans-
m issão genética, a seleção natural relativa à resistência Tipos de perdas econômicas por plantas
às toxinas de plantas é observada. Exemplificando, de
maneira geral, os bovinos e os equinos, que são animais A morte de animais de produção por plantas, espe-
que se alimentam basicamente de gramíneas forrageiras, cialmente aquelas que matam agudamente, é a que vem
Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as plantas tóxicas em medicina veterinária 229

recebendo m aior atenção em relação a outros tipos de plantas que contêm alcaloides pirrolizidínicos (Senecio
per da. Esse interesse está relacion ado ao fato de que, brasiliensis, Crotalaria sp. etc.) ou a Leucaena leucoce-
n ormalm ente, a ocorrên cia de m ortes é muito m ais phala.
dram ática, acom eten do vários animais; neste caso há a Além desses tipos de perdas diretas, deve-se, tam-
sensação de maior perda. bém, computar os prejuízos advindos de perdas indire-
No entanto, deve-se considerar que, como são vários tas, como a suplem entação de ração, gastos com m edi-
. , . .
os anim ais mortos, naquele determ inado local, fica mais cam entos, custos veter1nar1os, maneJo etc.
fácil a associação de ingestão de um determinado vege-
tal e o óbito. Um exemplo de planta que produz esse tipo Impactos na sa úde humana
de intoxicação no Brasil é a Palicourea marcgravii, ou
plantas que contêm glicosídeos cian ogênicos (p. ex., A possibilidade de intoxicação indireta, por m eio
Manihot sp.). de consumo de produtos de origem animal por toxinas,
Por outro lado, quando as m ortes ocorrem de m a- vem sendo avaliada desde que se verificou, em meados
n eira esporádica, em an imais que vêm adoecendo ao do século passado, que uma toxina produzida por fun -
longo do tem po, o contrário se verifica; ou seja, pouca gos do gênero Aspergillus, denominada de aflatoxina M 1
atenção é dada a essa intoxicação. Esse fato ocorre por (veja no Capítulo 27), p odia ser excretada pelo leite,
causa de alguns fatores, tais como: o pequeno número causan do, indiretam ente, a intoxicação no ser humano.
de m ortes, em um dado momento, p arece ser pouco Com relação às toxinas de plantas, estudos n orte-
importante; a mortalidade de animais em um determi- -am ericanos m ostram que a intoxicação do ser hum a-
n ado período parece que já está "computada" n os pre- no, por esse meio, pode também ocorrer; sendo encon -
juízos da criação anim al e, talvez, principalmente com o trados, p articularmente n o leite, substân cias tóxicas
o an imal já vem adoecen do ao lon go de um período com o um glicosídeo, den omin ado de ptaquilosídeo,
longo, é muito difícil se associar a ingestão de uma de- contido na Pteridium aquilinum, os glucosinolatos da
terminada planta, sendo, muitas vezes, realizado o diag- Brassica sp., os alcaloides piperidínicos da Conium ma-
nóstico errado. São exemplos de plantas que intoxicam culatum e os alcaloides pirrolizidínicos do Senecio ja-
com essas características a Pteridium aqulinum, a Cro- cobea ou Crotalaria sp., entre outros. Portanto, a pre-
talaria sp. e o Senecio braziliensis. sença dessas substân cias no leite representa potencial
Outro tipo de perda devido a plantas tóxicas e, sem risco de intoxicação aos indivíduos consumidores des-
dúvidas, aquele que m ais causa prejuízos na pecuária é se alimento, particularm ente as crianças. Deve-se ain-
quando há perdas na performance. Nesse caso, o animal da considerar que o animal neonato pode se intoxicar
vai apresentan do queda de ren dimento, com o a perda dessa man eir a, acarretan do, também, em prejuízos
de peso ou diminuição n a produção de leite, ovos etc. econômicos (p. ex, promovendo a morte ou outros efei-
Caracteristicamente, o animal vai m ostran do a queda tos, com o queda n a taxa de crescimento ou maior sus-
n a performan ce, m as, de maneira geral, não há m orte ceptibilidade às infecções).
diretam ente relacion ada a essa intoxicação. A m aioria Com relação aos alcaloides pirrolizid ínicos, são
das plantas tóxicas existentes n o Brasil se en caixa nesse toxinas que ocorrem em m ais de seis mil plantas cata-
grupo, tais com o a Lantana camara, a Senna occidenta- logadas, e por isso são con sider adas as toxin as m ais
lis e a Ipomoea carnea. amplamente distribuídas, podendo afetar a vida selva-
Ainda, com relação às perdas, devem ser conside- gem, a produção animal e os h umanos. Por isso vêm
radas aquelas que promovem alterações n a reprodução. sendo tem a de grande preocupação pelo Codex Alimen-
Esse tipo de intoxicação tem sido m uito pouco estuda- tarius, que é um program a conjunto da O rganização
do no Brasil, por outro lado, nos Estados Unidos existem das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
várias pesquisas e levantamentos m ostran do os efeitos (FAO) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), com
indesejáveis produzidos por plantas com o o lupinus sp., o objetivo de estabelecer norm as intern acion ais para
Veratrum sp. e Conium sp., as quais podem acarretar em segurança do consumo de alimento (para maiores de-
abor tamento, repetição de ciclo estral e teratogênese. talhes sobre o Codex Alimentarius, ver Capítulo 40),
Alguns estudos realizados no Brasil mostram que a Tri- criou um grupo de trabalh o, preocupado em avaliar o
folium subterraneum possui ação estrogên ica, enquanto potencial r isco à saúde human a, causado pela ingestão
que a Strypnodendrom obovatum e a Ateleia glazioviana dessas toxinas. Está em fase final de elaboração a pro-
prom ovem abortam entos. Existem, ainda, aquelas plan - posta de um código de práticas para controle de plan-
tas que podem promover efeitos teratogênicos, como as tas contendo essas toxinas, bem como a prevenção e a
230 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

redução d a contaminação dos alcaloides pirrolizidínicos Alcaloides


nos alimentos humanos e em ração de animais. Os alcaloides são, em particular, de origem vegetal,
sendo estimado a sua ocorrência ao redor de 15 a 20%
Classificação das toxinas de plantas em plantas vasculares. São moléculas orgânicas que con-
segundo a estrutura química têm átom o de n itrogênio no anel heterocíclico, além de
carbono e hidrogênio, send o formados a partir dos ami-
As toxinas naturais ou princípios ativos tóxicos são noácidos (ácido aspártico, ornitina, lisina, fenilalanina,
metabólitos secundários sintetizados a partir de meta- tirosin a, triptofano, histidina). Em geral, os alcaloides
bólitos primários por diferentes caminhos biossintéticos possuem átomo de oxigênio em sua estrutura química e
(via acetato, via chiquimato, via mevalonato) do meta- encontram-se em estado cristalino, incolor, inodoro e não
bolismo celular conform e está esquematizado na Figu - volátil. Por outro lado, na ausência de oxigênio, os alca-
ra 22.1. Elas estão classificad as de acord o com n úcleo loides mostram-se em estado líquido, volátil e odorífero
químico principal d a m olécula d e on de se originaram. (coniina, nicotina) e alguns com porcentagem pequena

Clorofi la + C02 + luz

Fotossínt ese

Carboidratos

Ciclo das pentases Glicólise

,
Acido fosfoenolpirúvico

'
, ,
Acido chiquímico Acido pirúvico


'
, Aminoácidos
Acido gálico
aromáticos
- Alcaloides Acetil coenzima A

'

-
Taninos hidrolisáveis Am inoácidos alifáticos - Ciclo do ácido cítrico

,
Acido cinâmico Malonil coenzima A

Antraquinonas ,
Fenilpropanoides Flavonoides Acido mevalônico
Taninos condensados

• •

Cumarinas Compostos Terpenos


fenólicos Esteroides

FIGURA 22.1. Ciclo biossintético dos metabólitos secundários.


Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as plantas tóxicas em medicina veteriná ria 231

de oxigênio e baixo peso molecular aparecem no estado fe nilalanina. Os exem plos m ais conhecidos são nico-
líquido ou cristalino. Esses compostos são insolúveis ou tina, de elevada toxicidade, e an abasin a encontrados
pouco solúveis em água, porém seus sais form ados com nas folhas Nicotiana spp. e N. glauca, respectivamente
ácidos m ostram -se norm alm ente hidrossolúveis. Os al- (Figura 22.2).
caloides norm alm ente são solúveis em éter, clorofórmio
ou outro solvente relativam ente não polar. O átom o de Alcaloides pirrolizidínicos
nitrogênio, defin ido pela função química amina, confere Os alcaloides pirrolizidínicos apresentam o núcleo
as propriedades químicas próprias dos alcaloides, além bicíclico com n itrogên io terciário, tipo pirrolizidina
de possibilitar a formação de sais por meio da combina- em sua estrutura (Figura 22.3), sendo originados a par-
ção com ácidos minerais indicando sua propriedade bá- tir de duas unidades do aminoácido ornitina. São co-
sica. Outra característica impor tante dos alcaloides é a nh ecidos ao redor de 150 compostos com estrutu ras
ocorrência de precipitação em decorrência da formação qu ímicas definidas, dentre eles, os hepatotóxicos ca-
de sais duplos com os compostos de mercúrio, platina e racterizam -se pela presen ça da ligação dupla 1,2 no
outros metais pesados como os reagentes gerais com o de an el e com esterificação do grupo CH2 0H n a cadeia
Dragen dorff (iodeto duplo de bism uto e potássio), de lateral. Em geral, a toxicidade aguda está relacion ada
Mayer (iodeto duplo de mercúrio e potássio), de Son- com presença ou ausência da ciclização dos diésteres.
n enschein (ácido fosfom olíbdico) e com ácido pícrico, Assim , os diésteres cíclicos, tais como retrorsina, são
que dão condições para identificação, isolamento, puri- mais tóxicos d o que os d iésteres não cíclicos, com
ficação e dosagem dessas substân cias. toxicidade intermediária, e os m on oésteres são pelo
Os alcaloides são norm alm ente classificados de menos tóxicos. As principais plantas tóxicas contendo
acordo com estrutura química básica da qual eles deri- alcaloides pirrolizidínicos são encontradas nas folhas
vam , com o está apresentada a seguir. e sem entes de algum as espécies dos gêneros Senecio e
Crotalaria, respectivam ente ( Q uadro 22.1).
Alcaloides piperidínicos
Os alcaloides piperidínicos apresentam núcleo pi- Alcaloides indólicos
peridina proveniente do aminoácido lisina. Os principais São conhecidos cerca de dois mil alcaloides indóli-
alcaloides de im portân cia em plantas tóxicas são rici- cos cuja estrutura básica contém o an el indólico deri-
nina, coniin a e anabasina encontrados, respectivamente, vado do aminoácido triptofano. Grande número destes
n as sem entes de m amona (Ricinus communis, Euphor-
biaceae), frutos de cicuta (Conium maculatum, Apiaceae)
e n as folhas de tabaco (Nicotiana glauca, Solan aceae) HO CH3 OH CH3

(Figura 22.2). 7 1
CH3
o

Alcaloides piridínicos 6 2
o o
o
N
Os alcaloides piridínicos possuem n a sua estrutura 5 3
química o núcleo da piridina, proveniente do aminoácido Pirrolizidina \
N

Monocrotalina

N R
::::,.__ CH3 H,
H, CH3
::::,.__
N 7H :::-.....
N
1

CH3 o CH3 CH3


o
H
Piridina Piperidina Nicotina H CH3 o
o o o
o o
OCH3

CN
\ \
/✓
7H N
N
::::,.__
CH3 N o
~ 1 N
Senecionina R - CH3
H CH3 lntegerrimina
Coniina
Anabasina Retrorsina R - CH20 H
Ricinina

FIGURA 22.2. Principa is alcaloides piridín icos e piperidí- FIGURA 22.3. Principais alcaloides pirrolizidínicos em plan-
nicos em plantas tóxicas. tas tóxicas.
232 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

QUADRO 22.1. Principais plantas tóxicas brasi lei ras contendo alca loides pi rrolizidínicos
Família Nome científico Princípio(s) tóxico(s) Nome popular
Compositae Senecio braziliensis Retrorsina, senecionina e int egerrim ina Flo r-das-almas, maria-mole, vassoura-
-------------------------- -mole
S.selloi Retrorsina

S. cisplatinus Retrorsina

S.oxyphyl/us Retrorsina
S.heterotrichius lntege rrimina

Legum inosae Crotalaria spectabilis Monocrotalina , espectabilina e retusina Gu izo-de-cascavel, feijão-de-g uizo,
choca lho-de-cobra
C. retusa

é constituído de alcaloides indólicos monoterpênicos e importante, a suainsonina, apresenta propriedade hi-


n o restante, em menor núm ero e com estruturas diver- drossolúvel. Ocorrem frequentem ente nos gêneros As-
sificadas, estão concentrados os de elevada toxicidade. tragalus e Oxytropsis, nos Estados Unidos e Austrália.
Dentre esses podem ser citados os seguintes compostos: No Brasil, a suainsonina é en contrada nas folhas das
estricnina isolada da noz-vômica (Strychnos nux-vomi- espécies Ipomoea carnea (sin. I..fistulosa, Convolvulaceae)
ca, Loganiaceae); fisostigm ina de sementes da fava de e Sida carpinifolia (Malvaceae) (Figura 22.6).
Calabar (Physostigma venenosum, Fabaceae) (Figura
22.4); e alcaloides do espor ão-do-centeio produzidos
pelos fungo Claviceps purpurea, cujas estruturas quími-
cas e suas propriedades biológicas são apresentadas no
Capítulo 27.

Alcaloides isoquinolínicos
lsoquinolina
Os alcaloides dessa classe, apesar de apresentarem HO o OH

estrutura química complexa tendo núcleo isoquinolíni- Morfi na


co, são derivados do aminoácido fenilalanina ou tirosi-
n a. Os r epresentantes mais im p ortantes são morfin a, OCH3 2C1-
(CH3)2 o
isolada do ópio (látex produzido pela incisão dos frutos
1

capsulados im aturos de Papaver somniferum, Papavera- ~ N


OH
+
ceae), e tubocurarina, obtida das folhas e caules de cura-
re ( Chondendron tomentosum, Menisperm aceae), cujas +
/;>--o-< /; N- '
estruturas estão apresentadas na Figura 22.5. /"'-
Cloreto de tubocurarina
Alcaloides indolizidínicos
Os alcaloides in dolizidín icos são derivad os do FIGURA 22.5. Est rut uras do núcleo isoquinolina, morfina
am inoácid o lisina, cujo representante tóxico m ais e clo reto de tubocurarina .

N
CH3

o
li
7
H
CH3NHCO N
1
N
1
N

CH3 CH3
lndol
o o
Fisostigm ina
Estricnina

FIGURA 22.4. Principa is alcaloides indólicos em pla ntas tóxicas.


Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as plantas tóxicas em medicina veteriná ria 233

ou ornitina, e N-metilpiperidina, proveniente da con-


OH OH densação de duas moléculas de ácido acético ativado
8a
ao núcleo pirrolidina. Representam -se usualmente com o
7 um derivado do ciclo-heptano com um grupo N-metil
2 OH
6
entre os carbonos 1 e 5 (Figura 22.7). Frequentemente,
N N
5 os alcaloides tropânicos são hid rossolúveis. Aproxim a-
lndolizidina Suainsoni na damente quarenta alcaloides tropânicos são conhecidos
sendo distribuídos principalmente na família Solanaceae
e em menor número n as fam ílias Erythroxylaceae e
FIGURA 22.6. Estruturas químicas do núcleo indolizidina
e da suainsonina.
Convolvulaceae. No Q uadro 22.2 são apresentadas as
pr incipais plantas contendo alcaloides tropânicos.

Alcaloides tropânicos Alcaloides esteroidais


Os alcaloides tropânicos apresentam estrutura com Os alcaloides dessa classe apresentam esqu eleto
núcleo bicíclico constituído pela fusão dos núcleos pirro- esteroidal com 27 carbonos, frequentem ente em forma
lidina, biossintetizado a partir do aminoácido arginina de glicosídeos. Eles são derivados biogeneticamente do

CH3
CH3
H 1
1
1 N
N N

O CH20H
Pirrolid ina N-Metilp iperid ina
11 1
o- c--cH
CH3 H
1 1
N N OH OH
\____.:~1- 72 Atro pina
Hiosciamina

OH
5 4
3
CH3
Calistegina B 1
OH N
Tropano
o

o o CH20H
CH3
1 11 1
11
N COCH30H
o e CH
o
11
o e
/;
Cocaína Escopolamina

FIGURA 22.7. Estruturas dos núcleos pi rrolidina, N-metilpiperid ina e t ropânico além de alca loides tropânicos em plantas
tóxicas.

QUADRO 22.2. Principais plantas tóxicas bras ileiras contendo alcaloides tropânicos
Nome científico Família Nome popular Princípio(s) tóxico(s)

A tropa bel/adona Solanacea Beladona Atropina , escopolamina e hiosciam ina


Oatura suaveo/ens Solanacea Estramônio, figueira-do-inferno, Hiosciam ina, atropina e escopolam ina
figueira-brava , t ro mbeteira

Hyoscyamus niger Solanacea Meimend ro Hiosciam ina e escopolam ina


Erythroxylon coca Eryt hroxylaceae Coca Cocaína
234 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

m etabolismo de acetato ativado via isopentenilpirofos- h id rossolúvel e solúvel tam bém em solventes com o
fato com formação de colesterol e p osterior adição do álcool, clorofórmio e éter, é extraída do gênero Ephedra
átomo de nitrogênio nas etapas avançadas da biossín- (Gn etaceae) (Figura 22. 9).
tese. Encontram-se somente n as famílias Solanaceae e
Liliaceae, particularmente em abun dância nos gêneros Glicosíd icos
Solanum, Lycopersicum e Cestrum. Os alcaloides m ais Glicosídeos ou heterosídeos são substâncias que por
representativos dentro das plantas tóxicas são en con- hidrólise quím ica ou enzimática resultam duas porções:
trados nas batatas verdes ( Solanum tuberosum) como uma porção constituída de um ou m ais açúcares, oses
solan ina e na espécie de Veratrum californicum como ou osídica (carboidratos), e outra porção de compostos
veratramina (Figu ra 22. 8). de natureza diferente n ão osídica denominada aglicona
ou genina. Nos vegetais, a aglicona é liberada frequen -
Alcaloides amínicos temente por ação enzimática quando a planta sofre al-
Nessa classe de alcaloides, o nitrogênio não perten- guma agressão física como ação de mastigar, congelar
ce a um heterocíclico, porém localiza-se em uma cadeia ou pisotear. Classificam -se de acordo com a base da
lateral acíclica. Muitos são derivados de triptamina, que, estrutur a e/ou propried ade da aglicon a. O bserva-se
p or sua vez, são biossintetizados do aminoácido feni- pouca homogen eidade nas propriedades dos heterosí-
lalanina ou tirosina. A mescalina, primeiro alucinóge- deos, em con sequ ên cia da sua estrutura variada, em
n o conh ecido, isolada d o cacto peyote (Lophophora particular, determinada pela porção aglicôn ica da mo-
williamsii, Cactaceae). A efedrina, alcaloide cristalino, lécula, em b or a tam bém se m an ifeste a n atureza e o

21 22 24 26 N

18 20 23 25

12 27 HO
19 11 13 17 16
14 15
1 HO Veratramina
2 10 8
3 5~
4 7
HO Colesterol
6

N
OPP

_ Glicose _
Ramanose 0
1 4 2
Sola nina
1
lsopentenil pirofosfato Galactose

FIGURA 22.8. Estruturas do isopentenilpirofosfato, colesterol, veratramina e solan ina.

OH
CH30
NH2
CH3
N NH2
CH30
1
H NHCH3
OCH3

Triptamina Mesca lina Efed rina

FIGURA 22.9. Principais alcaloides amínicos em plantas tóxicas.


Ca pítulo 22 • Co nsiderações gerais so bre as plantas tóxicas em medicina veterinária 235

comprimento da cadeia de carboidratos. Geralmente, Muitas das plantas empregadas como fonte de ali-
os glicosídeos são moléculas cristalinas, incolores, ino- mento para animais domésticos apresentam glicosídeos
doras e de sabor amargo. Além disso, apresentam eleva- cianogênicos, conforme apresentado na Figura 22.10 e
da polaridade, justificando, dessa forma, suas solubili- no Quadro 22.3.
dades n a água e nos álcoois diluídos, e insolúveis nos Os glicosídeos dessa classe são solúveis em água e
solventes apolares (éter, clorofórmio, éter de petróleo). álcool, porém insolúveis em solventes apolares. O mé-
As propriedades químicas e toxicológicas estão na de- todo rápido na identificação desses glicosídeos é basea-
pendência da parte aglicônica das moléculas. do numa reação do ácido cianídrico, resultante da hi-
drólise. Esse método é d enominado "P ro cesso de
Cianogênicos identificação rápida (Reação de Guignard), para ácido
Os glicosídeos cianogênicos ocorrem em mais de cianídricó', descrito, a seguir:
2.050 espécies de plantas superiores, distribuídos por
m eio de 11 O diferentes famílias. Todavia, ao redor de • Dissolver l g de ácido pícrico em 100 mL de água
duas dezenas são conhecidos e na sua grande maioria destilada e adicion ar 1O g de carbonato de sódio
derivados dos aminoácidos proteicos fenilalanina, ti- cristalizado. Tiras de papel de filtro com 1 cm de
rosina, leucina, isoleucina e valina. Quando as plantas largura são mergulhadas no reagente e secas à tem-
são mastigadas, congeladas, secas ou esmagadas, as peratura ambiente. As tiras de papel, assim prepa-
en zimas e os glicosídeos conseguem ser liberados de radas, podem ser conservadas em frascos bem ar-
seus compartimentos das células e reagir causando a rolhados por quatro meses.
cianogênese (hidrólise enzimática) e, portanto, forman- • Em um tubo de ensaio, colocar pelo m enos 2 g de
do ácido cianídrico (HCN) ou ácido prússico, compos- planta esmagada ou moída, adicionar umas gotas
to termolábil e volátil. de éter ou clorofórmio e, em seguida, vedar com

Linamarina Lotaustralina Durrina

Glicose o C ==== N Glicose o C ==== N Glicose o


H3C CH3 CH3CH2 CH3 H

HO

Glicose Glicose o C ==== N Glicose o C ==== N


H H
1/ 1/
Amigda lina Prunasina

FIGURA 22.10. Principais glicosídeos cianogênicos em plantas tóxicas.

QUADRO 22.3. Principais plantas tóxicas brasileiras contendo glicosídeos cianogên icos
Nome científico Família Nome popular Princípio(s) tóxico(s)

Manihot esculenta Euphorbiacea e Mandioc a-brava Linamarina e lotaustralina

Prunus sphaerocarpa Rosaceae Pesseg ueiro-bravo Prunasina e am idalina

Sorghum vu/gare Poac eae So rgo Durrina

Holocalyx glaziovii Legumi nosae Alecrim-de-campina Prunasina

Piptadenia macrocarpa Legumi nosae Angico-preto A inda não identificado

P. veridiflora
236 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

u m a rolh a d a qual se susp ende u ma t ira de p ap el sofra, sem elhante à situação que ocorrem com os glico-
mergulhada no reagente de m od o que fique livre no sídeos ciangênicos.
interior d o tub o d e ensaio. O aquecim ento do tubo Esses comp ostos sob h id rólise enzim ática produzem
de ensaio em b anho-m aria favorece a hidrólise en - uma porção osídica e outra porção aglicônica, instável,
zimática e, p ortan to, o result ado do teste torn a-se d o tipo íon sulfato, que por rearranjo espontâneo pro-
rápido. d u zem isotiocian ato, nitr ila, tiocian ato ou comp osto
• Na presença do ácido cianídrico, libertad o por hi- similar, responsáveis pela ação tóxica.
drólise enzimática em virtude da destruição das su as Outro produto de importân cia é tioxazolidona cha-
células veget ais, o p apel cora-se p elo reagen te em mada goitrin a proveniente do glucosinolato progoitrina
laranja, p assan d o para vermelho-escuro. Q u and o a (Figura 22.11 ). Tan to os glicosíd eos como os p rodutos
concent ração do ácido cianíd rico for elevada, a co- d e degradação hidrolítica apresentam odor marcan te e
loração ocorre dentro d e alguns minutos, revelada sabor pungente.
pela cor vermelh a ad quirid a p elo papel (ácido iso-
purpúrico ). Na ausência da coloração verm elh a ap ós Cardiotóxicos
4 h oras, significa qu e o result ado foi n egativo. Os glicosíd eos cardiotóxicos também conhecidos
p or glicosídeos cardioativos, cardíacos ou cardiotônicos,
Tiog/icosídeos ou glucosinolatos são constitu ídos d e porção osídica e uma porção genina
Glucosin olatos e a en zima chamad a glu cosinolase, d e natureza esteroid al conten do esqueleto de 27 carbo-
t ioglucosidase ou mirosinase estão presentes nas plan - nos em u m sistema tetracíclico e com an el lactônico
tas tais com o nabo (Brassica napus), repolh o (Brassica (lactona-alfa, b et ainsaturad a) n a posição C- 17. Pod em
oleracea var.capitata) e mostarda (Brassica Alba), p rin- ser classificados em dois tip os conforme a estrutura d o
cipalmente da família das crucíferas, as quais são usadas anel lactônico: cardenolídeos contendo cinco m embros,
com o alim en to n ut ricion al. frequ ente no reino vegetal, e bufadienolídeos, com seis
São conhecidos cerca de 100 glucosin olatos naturais. membros, encontrad os em men or número n o reino
Eles reagem entre si qu ando liberados dos seus compar- vegetal e mais n o rein o animal, com o em algum as es-
tim entos celulares p or algu ma agressão que a plan ta p écies d e anfíb io do gênero Bufos (Figura 22. 12).

,.,...-:::: N - O- S03 X Mirosinase


R - C :::;.,-- ...--O - S03X
R-N=C
'---- S - Glicose pH = 6-7 . . . . ____ s - Glicose

Mirosinase
pH =3 4
I \
R=C =N R- N=c=s R- S - C=N
Nitrila lsotiocianato Tiocianato

+ Glicose

Tioxazolidona (Goitrina)

CH2 - N~
N - o- S03X ---c=s
CH2 = e- CH2 - e -1/ Mirosinase
CH2
1

= C-OH
1 '---- S - Glicose
OH

Progoitrina

FIGURA 22.11. Reação enzimática de g lucosinolatos e progoitrina.


Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as plantas tóxicas em medicina veteriná ria 237

Os glicosídeos cardiotóxicos são geralmente hidros- rofosfato e alilpirofosfato (grupo C 5). A junção de dois
solúveis e ligeiramente solúveis em etanol e clorofórm io. grupos C 5 forma mon oterpen os ( C 10); três grupos C 5 ,
A polarid ade da m olécula está na dependência da pre- sesquiterpenos (C 15) ; quatro grupos C5, diterpenos (C 20) ;
sença ou ausência de hidroxilas suplementares na porção seis grupos C 5, triterpenos (C30) ; e esteroid es (C27) , con-
da genina, que determina o grau de lipofilicidade e a sua forme apresenta a Figura 22.13. Esses compostos podem
farmacocinética. Os principais representantes dessa clas- ser encon trados na natureza nas formas livre ou glicosí-
se encontram-se nas folhas da d ed aleira (Digitalis pur- dica. São conhecidos cerca de 1.000 monoterpenos, 3.000
púrea, Scrophulariaceae), na espirradeira (Nerium olean- sesquiterpenos, 2.000 diterpenos e, por fim, 4.000 triter-
der, Apocyn aceae) e chap éu d e nap oleão ( Thevetia penos, esteroides e saponinas, dos quais somente alguns
peruviana, Apocynaceae) produzind o os seguintes prin- sesquiterpenos, diterpenos, triterpenos, esteroides e sa-
cípios tóxicos, respectivamente: digitoxina, oleandrina e poninas apresentam importân cia em plantas tóxicas.
tevetina A (Figura 22. 12).
Esteroidais ou triterpênicos (sap oninas)
Esteroidais terpênicos, triterpênicos, diterpênicos e Os glicosídeos esteroidais ou triterpênicos, d enomi-
sesquiterpênicos nad os saponin as, são moléculas de elevad a polaridade,
Os esteroides e os com postos terpênicos são subs- com peso molecular elevado (600 a 2.000 daltons) e pos-
tân cias d e n at ureza alifática, n ormalm en te ap olares, suem porção hidrofílica (açúcares) e porção lipofílica
derivad os biogen eticamente do m etabolismo de aceta- (esteroide ou triterpeno). Frequentemente encontram-se
to ativado via mevalonato para form ar isopentenilpi- nas plantas como m isturas complexas cujos constituin tes

o o o o
21
21 D 24
23
18 20 18
22 1
~ 23
1
1
20
17
1
17 22
12 1
19 11 13 D 16 1
1 13 D 16
e 14 15
1
1
1
14 15
1
1 9 1
2 10 B 8 1
A OH Cardenolídeo
1
1 Bufadieno lídeo
3 5 1
4 7 o o
6

''
' ', Anel lactôni co
''
''

OH

digitoxose - digitoxose - digit oxose - O

Genina esteroidal
Porçã o osídica
Digitoxina

o o

o o
OCCH3
16 11
o
o
OH 11
HC
oleandrose - O

Oleandrina
OH

glicose - glicose - tevetose - O

Tevetina A

FIGURA 22.12. Principais g licosídeos ca rd ioativos em plantas tóxicas.


238 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Acetil CoA OH
CH3 COSCoA 1

+ ---• • HOCH2 - CH2 - c-cH2 -coo-


CH3COCH2COSC0A 1

Acetoacetil CoA CH3


Mevalonato

PPOCH2 - CH2 - C = CH2


1

CH3

lsopenten ilpirofosfato CH sPP

Monoterpenos C10 • Geran ilpirofosfato C10PP -• - -

CsPP
CH3 - C = CH - CH20PP
1

Sesqu iterpenos C1s -• -- Farnecilp irofosfato C1sPP CH3


Dimetilalilp irofosfato CsPP
C1sPP

Esqualeno C3o
Geran ilpirofosfato C20PP

i / ~
Diterpenos C20 Est eroides C27 Trite rpenos C3o

FIGURA 22.13. Biossíntese de compostos terpênicos.

químicos diferenciam-se apenas levemente n a por ção As saponinas esteroidais são formadas de esqueleto
osídica ou na estrutura da aglicona (Figura 22.14). de 27 carbonos d isp osto em u m sistema tetracíclico
As saponinas podem ser classificadas de acordo com esteroidal; e as saponinas triterpênicas, de esqueleto d e
o núcleo d a aglicona em dois tipos: saponina esteroidal 30 carbonos de natureza terpênica pentacíclica, como
e sap on ina triterp ên ica, sendo essa ú ltim a de ampla as saponinas triterpênicas medicosíd eos C e I da alfafa
distribuição na natureza. (Medicago sativa, com atividade antinutricional) (Fi-
gura 22.20).
Em solução aquosa, caracterizam-se por reduzir a
tensão superficial d a água, atuando como detergen te e
em ulsifican te, form ando espumas permanen tes e abun-
,. ,. o dantes. Em geral, apresentam propriedade hidrossolúvel,
e
--.. . ._ OR
atuam sobre as membranas d as células sanguíneas (ação
hemolítica) e células das brânquias dos peixes (ação ic-
tiotóxica), além de complexar com esteroides (precipita-
ção com colesterol).
HO

OH Medicosíd eo C R= H Oiterpênicos
OH Glicosíd eos diterp ênicos são compostos que sob
HO ,----o O
clivagem enzimática fornecem uma porção com unidades
OH 1 Medicosídeo I R= OH
d e oses e outra de genin a de natureza d iterpênica. Os
OH
diterpenos são formados d e 20 carbonos derivad os de
OH OH
terpenos (Figura 22. 13), alifáticos e solúveis em solven -
FIGURA 22.14. Estruturas das saponinas triterpênicas me- tes apolares. O carboxiatractilosídeo (Fig. 22. 15) é um
d icosídeos C e I de alfafa. exemplo de agente tóxico dessa classe isolad o no estado
Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as plantas tóxicas em medicina veteriná ria 239

Calcinogênicos
CH2
CH20H
Glicosídeos calcinogênicos são compostos hidros-
CH3
>- o solúveis que por clivagem enzimática prod uzem uma
H03So unidad e de glicose e outra unidad e de genina, de natu-
reza lipossolúvel, principalmente 1,25-dihidroxicolecal-
H03So o C02H
ciferol (l ,25(0H ) 2 D 3 ), forma ativa d e vitamina D 3 em
C02H
animais superiores (Figura 20.17). São derivados bio-
CH3 o gen eticam ente d o metabolism o d e acetato via isopen -
CH3 Carboxiatractilosídeo tenilpirofosfato com form ação do esqueleto esteroidal
e posterior transformações enzimáticas. Tanto o glico-
FIGURA 22.15. Estrutura do carboxiatractilosídeo. síd eo l,25(0H) 2 D 3 denominad o calcitriol como a sua
form a livre são distribuídos nas folhas de algum as es-
pécies de solanáceas, tais como na espichadeira Solanum
germinativo d as sem en tes de uma er va d aninh a Xan- malacoxylum (sin. Solanum glaucophyllum), Nierember-
thium spp., da família Asteraceae. gia veitchii e Cestrum diurnum.

Sesquiterpênicos Cumarín icos e furanocuma rinas


Glicosídeos sesquiterpênicos são compostos que sob As cumarin as são lactonas d o ácido orto-hidroxi-
clivagem en zim ática apresentam um a p o r ção com cinâmico, sendo o representante mais simples a cumarina
unidades de oses e outra de genina representada por ses-
quiterpeno. Os sesquiterpenos são compostos que possuem
15 carbonos de natureza alifática em seu esqueleto, como 25
26

foi apresentado n a Figura 22. 13. O representan te m ais 20 23


OH
importante dessa classe é o ptaquilosídeo, glicosídeo car- OH 27
cinogênico encontrado nos brotos de samambaia (Pteri-
1
dium aquilinum). O ptaquilosídeo e sua aglicona ptaqui-
3
losina são compostos instáveis em condições ácidas e
Glicose -o
básicas. Em solução aquosa transform a em pro duto d e
Glicosídeo do 1,25 - dihidroxicolecalciferol
natureza aromática denominada pterosin a B. Em solução
alcalina fraca, é convertido em composto dienona, que é FIGURA 22.17. Estrutura do g licosídeo do 1,25-dihidroxico-
a forma ativad a de ptaquilosídeo (Figura 22.16). lecalcifero l.

14
CH3 OH O
13 CH3 OH O

12L..._-1/'" pH =8
10

11
CH3
7
6::::::-..._
5
>-CH3
7\ Glicose
CH3
>-CH3

º'\ Dienona
Glicose
+
Ptaquilosídeo NH3 • 2C1 -

H20
COOH
H+ OH-
Metionina

CH3
+ 2C1-
NH3
HO CH3

> - CH3 COOH

>--CH3
CH3

Pterosina B CH3

S- alquilmetionina

FIGURA 22.16. Fo rmação dos metabólitos do ptaquilosídeo.


240 To xicolog ia aplicada à medicina veterinária

(Figur a 22.18). Em virtude d a estrutu ra química, muitas da família Apiaceae (Figura 22.19), são os prin cipais
vezes são sensíveis a ácidos e bases. A adição de um exemplos dessa classe em plantas tóxicas.
grupamento prenila no anel benzênico de uma 7-hidro-
xi-cum arina conduz à formação d e furanocumarinas Com postos fen ó licos
(Figura 22. 19). Podem ser encon tradas em estado livre Essa classe de compostos, tais com o flavonoides,
ou glicosiladas. isoflavonoides, taninos, gossipol e quinonas, apresentam
, . . ,. , .
O trevo-d e-cheiro-amarelo (Melilotus officinalis), o em sua estrutura quimica um ou mais aneis aromaticos
trevo-d e-cheiro-bran co (Melilotus alba) e o trevo-azedo com um ou m ais substituintes hidroxílicos.
(Melilotus indicus), todos da fam ília Fabaceae e usad os
com o pastagem , adubo, forragem e silagem , são d e in- F/avonoides e isoflavonoides
teresse com o plantas tóxicas por possuírem glicosídeo Os flavon oid es são compostos de natureza fe nólica
melilotosídeo, que sob certas condições d e fermentação, que ocorrem em form a livre ou glicosilados. Possuem
o glicosíd eo transform a-se em dicumarol, produto que 15 átom os de carbono em seu núcleo fundamental, de
interfere no m ecanismo da coagulação sanguínea, con - natureza arom ática, na maior parte em forma tricíclica,
<luzindo a p rocessos h em orr ágicos quand o ingerido formad o d e três unid ades de acetato e um a unidad e de
pelo animal oralmente (Figura 22.18). ácido cinâmico proveniente via chiquimato (Fig. 22.20).
As furanocum arinas, como a maioria das cum arinas, Os derivados flavonoídicos apresentam grupo fenila
são substâncias que absorvem fortemente energia na ligad o ao carbon o 2 do anel C, geralmente oxigenado e
região do ultravioleta e, portanto, altamente reativas sob glicosilado. Por outro lado, os derivados isoflavonoídicos
a incidên cia d e lu z. Os p rin cípios ativos xantotoxin a mostram grupo fenila ligado ao carbono 3 do an el C,
(8-metoxi-psoralen o), bergapteno, imperatorina e iso- com substituinte em forma de hidroxila (-OH), m eto-
pimpinelina, isolados dos frutos da planta Ammi majus x ila ( -OCH 3 ) e metilenodioxila ( -OCH20 -), além de

CH = cH - e- OH Glicosidase
)lo

o
O - (glicose) n

Cuma rina
Melilotosídeo

OH
/ OH
CH2

o
Dicuma ro l

FIGURA 22.18. Metabolismo da formação do dicumarol a partir do glicosídeo melilotosídeo.

R1
Psoral eno
R1 = R2 = H
Xantotoxina
R1 = H R2 = OCH3
Bergapteno
R1 = OCH 3 R2 = H
o o o lsopi mpi neli na
R1 = R2 = OCH3
lmperatorina
R2 R1 = H R2 = OCH2C H C(CH3) 2

FIGURA 22.19. Principa is furanocumarínicos em Ammi majus.


Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as plantas tóxicas em medicina veteriná ria 241

2 ~ 4 8

8 1
B 7 ~ ?C 1 2
A 1

~ ?C ,,,,,;;:, 5 8a 1

7 : 3 2
A 8a : 2 6 ....._,,,,,;;:,,.,, 4a 4
6
~
1
1 3
,,,,,;;:, 4a '3 5 1
6 4 B
5
o 4
6~
o 5
Flavonoides lsoflavonoides

FIGURA 22.20. Núcleos dos flavono ides e isoflavonoides.

poucos representantes glicosídicos. Os isoflavonas gli- de formar em água complexos insolúveis com alcaloides,
cosídicos caracterizam-se geralmente por serem solúveis gelatina e outras proteínas. São classificad os d e acordo
em água e álcool, m as insolúveis em solventes orgânicos com sua estrutura química em taninos h idrolisáveis e
enquanto as genin as são pouco h idrossolúveis e mais taninos condensados ou proantocianidinas.
lipossolúveis.
As isoflavonas são distribuídas quase exclusivamente Hidrolisáveis
na família Fabaceae, send o o trevo (Trifolium subterra- Os tanin os hidrolisáveis podem ser hidrolisados por
neum) uma d as principais plantas tóxicas com ativida- ácidos ou enzimas, tais como tanase. São formados de
de estrogên ica em razão d a presença do isoflavonoide várias moléculas de ácidos fenólicos, como ácid o gálico,
form on onetina e seus p rodutos de m etabolisno no rú- que são unidos por ligações ésteres a uma m olécula d e
m en , d aid zeina e equol, quando in ger ida pelos rumi- glicose cujas m oléculas são estáveis à temperatura am -
nantes (Figura 22.2 1). biente (Figu ra 22.22). Os compostos vescalagina, casta-
lagina, estaquiurina e casuarinina são o s p r incípios
Taninos tóxicos isolad os das folh as de sipaúba ou vaqueta (Thi-
Tan inos são substân cias fen ólicas, hidrossolúveis, loa glaucocarpa, Combretaceae), planta frequentem en-
com peso m olecular entre 500 e 5.000 daltons, capazes te encontrada na região nordeste d o Brasil.

4 OCH3 OH
o 2 ,:1/ o
5
~ Rúmen
6 ~
4 31 )lo
6
7 ,✓,::, 2
HO 8
o HO o
Formononetina Daidzeína

Rú men

OH

HO o
Equol

FIGURA 22.21. Metabolismo do isoflavonoide formono netina no rúmen.


242 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

HO
o
11 ,
HO - C- OH Acido gálico
/;
HO

OH OH OH OH OH

HO
HO OH OH
/; \ /; o
o HO ~ OH
o o 6

o o HO
o
o OH
6 4 2 R1 o 2 R1
3 1
R2 HO o
o 1 o R2

o o OH
OH o
o HO
OH
HO OH IÍ
/; HO OH
OH OH
HO OH
OH OH
OH

Castalagina R1 = H R2 = H Estaquiurina R1 = H R2 = OH

Vescalagina R1 = H R2 = OH Casuarin ina R1 = OH R2 = H

FIGURA 22.22. Estrutu ra do ácido gálico e taninos hidrolisáve is de Thiloa glaucocarpa.

Condensados com íon s metálicos (ferro, mangan ês, van ádio, cobre,
Os taninos condensados ou proantocianidinas, ao alumínio, cálcio, entre outros) e com outras macrom o-
contrário de taninos hidrolisáveis, n ão são prontam en - léculas, tais como proteínas e polissacarídeos. Diante
te hidrolisados em moléculas mais simples e não contêm dessas propriedades, as plantas contendo taninos con -
glicose. Eles são formados pela condensação de unida- densados, quan do são ingeridos pelos animais, causam
des de flavan-3-ol (núcleo de catequina) principalmen- adstringência. Além disso, eles podem agir com o anti-
te por m eio das posições 4 e 8, dan do form a oligômera diarreico e ser empregado com o antídoto em intoxica-
ou polim érica. Os oligômeros (solúveis) são constituídos ção com m etais p esados, alcaloides e glicosídeos. O
de duas a cin co ou seis un idades de catequ in as e os representante mais simples é procianidina, frequente
poliméricos (insolúveis), com m ais de seis unidades de em plantas comestíveis causando atividade antinutri-
catequinas. Eles se caracterizam por formar complexos cional (Figura 22.23).

OH

HO o
R1 OH

R2 OH
-;;:, 4 OH
2 4
1 OH
HO o ~6
HO 8
~8
2 R3
~
o OH
6
3
~5
OH ~
OH
OH 1
OH
Flavan-3-ol R1 = R2 = R3 = H ' OH Procianidina

FIGURA 22.23. Estruturas do flavan-3-ol e procianidina.


Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as plantas tóxicas em medicina veteriná ria 243

Gossipol o o
o
Gossipol é um pigm ento d e n atureza fen ólica, de-
~8 1 ~8 9
rivado de produto de estresse d e sesquiterpen os, encon- 7 7

~5 ~5
trado n as glân dulas pigmentadas dos botões florais e 10

sementes do algodoeiro ( Gossypium spp.) (Figura 22.24). o o o


É quim icamente reativa em razão da presença de grupos 1,4 - benzoquinona
(p-benzoquinona)
1,4 - naftoquinona 9,10 - antraquinona

hidroxílicos e aldeídicos, assim, reage rapid am ente com


várias substân cias, in cluind o minerais e aminoácid os. OH O OH

Sendo assim , caracteriza-se pela capacid ad e de ligar a


p roteína, p rincipalmente, a lisina, arginina e cisteína,
HO
forman do gossipol ligado. Também o grup o fe n ólico
pod e form ar ponte de hid rogênio ou ser oxidado a qui- HO

n onas que reagem com proteínas. Sob o pon to de vista


toxicológico, o gossipol ligad o, d e n atureza insolúvel, é OH O OH o
inativo, porém reduz o valor biológico da p roteína.
Hipericina Diantrona

Ouinonas
FIGURA 22.25. Estruturas de hipericina e dos derivados
As quinonas são originárias de produtos de oxidação de quinonas.
de fenóis. Caracterizam-se pela presença de dois grupos
carbonílicos que form am sistema conjugado com pelo
m en os duas duplas ligações C-C. São en contrados em antranóis (diantronas) nas sementes de fedegoso (Sen-
forma livre ou glicosilados em plantas superiores. Podem na occidentalis, Caesalpiniaceae).
ser classificados conform e o esqueleto do anel arom á-
tico: benzoquinon a, naftoquinona e antraquinon a (Fi- Compostos terpên icos
gura 22.25). Geralmente, apresentam -se cristalinas de Os compostos ter pên icos são biossintetisados via
cor amarela a vermelha, com alta reatividade e agente mevalonato formando unidade isopentenilpirofosfato,
oxidante forte. Essas p ropriedades permitem que as composto com 5 carbonos (C5 PP). A ligação d e duas,
quinonas tenham capacid ade d e interagirem com siste- três, quatro e seis unidades de C 5PP forma os m onoter-
ma redox ou de transferência d e elétrons em ambientes pen os, sesquiterpenos, diterpenos e triterpenos, respec-
biológicos. Na classe das an traquin on as ocorre u m a tivamente, conforme ilustra a Figura 20. 13. Os sesqui-
inter-relação entre as formas oxidadas e reduzidas, sen- terpen os, diterpenos e triterpenos são os representantes
do que em plantas, inicialm ente, originam derivados d e interesse em plantas tóxicas.
redu zidos em forma glicosídica e poster iorm ente em
form a oxidada, sendo essa m ais estável. Os glicosídeos Sesquiterpenos
apresen tam baixa lipossolubilidade, portan to men or Sesquiterpenos são compostos contendo 15 carbonos
absorção que as correspond en tes antraquinonas livres. (C 15), de natu reza alifática, volátil, insolúvel em água e
Dentre as plantas tóxicas, pode ser citada a ocorrência faz parte d os óleos essenciais. O ácido isocupréssico,
de derivado n aftodiant rona, a h ipericina, nas folhas de isolad o d e con ífera Pinus cubensis e P. ponderosa, da
erva-de-são-joão (Hipericum perforatum) e derivado de família Pinaceae, é a substância mais importante dessa
classe que apresenta atividade abortiva (Figura 22.26).

Lactona sesquiterpênica
O~ / H O~ / H
OH OH Lactonas sesquiterpênicas são terpen oid es com 15
8
7
1 1 8
7
carbonos (C 15 ) possuind o anel lactônico em sua estru-
HO OH

HO
6
o o 5
3 CH3 CH3 3
o o 5
6
OH
tu ra química (Figura 22.27). Usualmente lactonas ses-
q u iterp ênicas estão concentrad as em glândulas das
folhas, inflorescên cias, brácteas e flores. Em estad o puro,
CH3 CH3 CH3 CH3 esses compostos são cristalinos, não voláteis, incolores,
Gossipol relativamen te estáveis e usualmente de polaridade in-
term ediária. Historicam ente, são conhecidos como in -
FIGURA 22.24. Estrutura do gossipol. tensamente amargos e altamen te irritantes à membrana
244 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

29 30
16
12
11 13
20 19
14
22 o- R
1 9
8
CH20H 12 ~ 18
2 10 11 13 17
15 25
3 5 7 CH2H
26 14 28
1 9 16
2 10 8 15
27
19 18 CH2H 3 5 7
o 4 6
,
Acido isocupréssico 23 24
o CH3
11 1 __,,,..- H
FIGURA 22.26. Estrutura do ácido isocupréssico.
Lantadeno A R= - c - c = c ..______ CH3

da mucosa do nariz, olhos e garganta. Apesar de quase


o CH3
11 1 __,,,..- CH3
1.000 compostos n aturais identificados, somente ao Lantadeno B R= - c - c = c ..______ CH3
redor de nove foram registrados como causador de to-
xicidade aguda em mamíferos. Q uando administrado FIGURA 22.28. Principais triterpenos de Lantana camara.
por via oral, é possível que ocorra alguma degradação
da lactona no trato digestivo, então diminuindo a mag-
nitude da toxicidade. Himenovina, o maior agente tó- encontrada na planta erva-do-rato (Palicourea marcgra-
xico de Hymenoxy odorata, e helenalina, de Helenium vii, Rubiaceae), uma das plantas mais tóxicas e conside-
autumnale, são representantes dessa classe que mostrou rada a principal causadora de mortes em bovinos por
ação tóxica para mamíferos nos Estados Unidos. Essas plantas no Brasil (Figura 22.29).
plantas são d e importância econômica p ois quando Outros compostos contendo átomo de flúor na cadeia
servem de alimento para o gado, o leite produzido pode de carbono com números pares são tóxicos também,
apresentar sabor amargo e não palatável. entretanto, aqueles que tem números ímpares de carbonos
perdem a toxicidade. Esse fato pode ser explicado sobre
Triterpenos a base no metabolismo da beta-oxidação (Figura 22.29).
Triterp enos são compostos constituídos de 30
carbonos, de natureza alifática e lipossolúvel. Os repre- Oxalatos solúveis
sentantes principais dessa classe são lantadeno-A e lan - Ácido oxálico, produto hidrossolúvel, é um agente
tadeno-B isolados nas folh as de Lantana camara, da quelante que liga-se efetivamente ao cálcio formando
família Verbenaceae (Figura 22.28). oxalato de cálcio, produto insolúvel (Figura 22.30). Es-
ses produtos são frequentemente encontrados nas pas-
Outras classes tagens de Setaria sphacelata (Poaceae), Oxalis spp. (Oxa-
Organof!uorado (monof!uoroacetato) lidaceae) e Panicum maximum (Poaceae).
Monofluoroacetato é derivado do acetato ativado,
altamente h id rossolúvel, toxina altamente p otente

CH3 CH3 Ácido monofluoroacético

HO ✓f'º
F-CH2 -CH 2 - C

n = ímpar
'--oH
o ✓f'º
F-CH2 - (CH2) n - C - oxidação
o O H3C o '--oH n = par
OH OH CH2
CH2

Himenovina Helena li na

FIGURA 22.27. Principais lactonas sesquiterpênicas em FIGURA 22.29. Estrutura do ácido monofluoroacético e o
p lantas tóxicas. metabolismo de compostos fluo rados orgânicos.
Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as plantas tóxicas em medicina veteriná ria 245

QUADRO 22.4. Principais aminoácidos tóxicos e m plantas


O /OH
~/
o~ ___--o Nome científico* Princípio(s) tóxico(s)
c c
Leucaena leucocephala Mimosina
Ca Astraga/us bisu/catus Selenocistationa
,

~c~ / e ----------- /
Lathyrus spp. Acido 2-am ino-3oxa lilam inopropa-
01/' OH nó ico (13-0DAP)
o 1/"' o
lndigofera spicata lndospicina
,
Acido oxálico Oxa lato de cálcio • Todas essas p lantas pertencem à família Leguminosae.

FIGURA 22.30. Estrut uras do ácido oxálico e do oxalato


de c á lcio. Figura 22.32. Em geral, cadeias m oleculares d e 70 ou
mais aminoácidos (p eso m olecular superiores a 7.500
d alton s) são denominadas proteínas (Figu ra 22.33). Es-
Am inoácidos e proteínas sas são solúveis em águ a e p odem se d esn aturar induzi-
Aminoácidos d as por quaisqu er condições qu e interrom pam as forças
Os amin oácid os têm na sua estrutura geral o grup o estabilizantes, tais como sais, solventes orgânicos, deter-
am in o e o radical R que estão ligados ao alfa (b eta, gama gentes, pH extrem o, aquecimento e congelamento. Entre
ou d elta) d o átom o de carbon o depois do grup o carbo- algum as proteín as com ação tóxica podem ser citadas as
. , . . . . .
xílico (Figura 20.3 1). Há mais de 600 am in oácid os co- seguintes proteinas: enzim a tiamin ase e ricina en contra-
n hecidos dos quais vinte deles ocorrem em m oléculas d as em samambaia (Pteridium aquilinum) e n a mam ona
de p roteín as (tipo alfa-amin oácidos) , den omin ad os (Ricinus communis, Euphorbiacee), respectivamente.
aminoácidos proteicos, e alguns outros apresen tam to -
xicidade para animais domésticos. A mimo sina, estru - Nitrato e n itritos
turalm ente similar à tirosina, en contrada na legumino- Nitratos, send o nitrato de potássio (KN0 3) o m ais
sa tropical Leucena leucocephala, e outros aminoácid os com um deles, são relativamente não tóxicos, entretanto,
n ão proteicos conten do toxicidade estão apresentados têm im portância em caso de intoxicação em an im ais
n o Quadro 22.4 e na Figura 22.31. por serem convertid os para nit ritos, produto que tem
cap acidad e de t ransform ar h em oglobina em metemo-
Proteínas globina. O exemplo mais con hecid o d e planta t óxica
Os aminoácid os são ligados entre si form an do liga- conten do altos teores de n itrato é a gram ínea Brachiaria
ção peptídica conforme apresen ta a reação química d a radicans.

o
OH o
o COOH
H N
1 N N H
R- C- COOH OH NH2
1 1
1 CH2 - C- COOH
NH2 betaODAP
1

Aminoácido NH2
Mimosina

NH2
NH
HO Se COOH
COOH
H2N
o NH2
NH2
lndospicina Selenocistationa

FIGURA 22.31. Estrutura gera l do aminoácido e a lgu ns am inoácidos tóxicos de p lantas.


246 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

H o H o H o H
1 11 1 11 1 11 1
H- N-e - e - OH H - N- e - e - OH • NH2 - e - e- N- e - eooH
1 1 1 1 1 1
R H R R H R

FIGURA 20.32. Formação da ligação peptídica.

H O H o H o H
1 11 1 11 1 11 1
H2 N ......... e - e- N- e- e- N- e- e- N- e········ eooH
1 1 1 1 1 1 1
R H R H R H R

FIGURA 22.33. Estrutura geral de proteínas.

CLASSIFICAÇÃO ,DAS PLANTAS SEGUNDO manifestações no quadro clínico e anatomopatológico


SEUS EFEITOS TOXICOS mostrado pelo animal, também será adotada m ais uma
divisão, classificando-se aquelas plantas qu e têm im-
Muito se tem pensado, objetivando classificar as portância na criação animal (veja Capítulo 23), quando,
plantas tóxicas da maneir a m ais didática. Tendo em então, será ainda considerado a consequência final des-
vista isso, alguns propõem a divisão regional, na qual sa intoxicação.
a classificação desses vegetais está vin culada às suas Nessa classificação, esses vegetais serão classifica-
presenças em determinadas regiões dos países, ou mes- dos, tom ando-se os seguintes critérios: plantas causa-
mo de suas distribuições n os diferentes países. Essa doras de morte, podendo essa ser ain da dividida em
divisão pode ser bastante útil em países, como os euro- aguda ou crônica; plantas que causam queda na per-
peus, on de existem poucas plantas que representam formance e, ainda, plantas que causam alterações re-
. ' . - . .
perigo as cr1açoes an1ma1s. produtivas. O Quadro 22.5* mostra as principais plan-
Há, ainda, propostas para dividirem as plantas con- tas tóxicas do Brasil de interesse agropecuário e suas
forme o critério botânico ou de acordo com as toxinas respectivas classificações.
que estas contêm. No entanto, essa divisão é de pouco Com relação às plantas tóxicas ornamentais (ver
valor para o veterinário, pois, considerando-se o crité- Capítulo 24), ou seja, aquelas que representam riscos de
r io botânico, dentro de uma mesma família há plantas causar intoxicação em animais de companhia, como são
que servem de alimentos e aquelas que causam toxici- comparativamente poucas em relação àquelas de inte-
dade; além disso, há necessidade de que se conheça bem resse agropecuário, essas serão divididas somente levan-
as características botânicas de um determinado vegetal; do-se em consideração o efeito produzido por elas, como
portanto, seria de pouca p r aticidade par a o médico apresentado no Q uadro 22.6
. , .
veter1nar10.
Quanto à classificação adotando-se como parâme- FATORES QUE ALTERAM A TOXICIDADE
tro a toxina existente na planta, a utilização desse crité-
r io é, ainda, mais difícil, haja vista o desconhecimento Fatores re laciona dos aos an imais
de princípios ativos tóxicos da grande maioria de plan-
tas tóxicas, principalmente no Brasil. Como qualquer outro xenobiótico, as toxinas de
Uma outra classificação é aquela na qual se consi- plantas promovem , segundo alguns fatores relacionados
dera o sítio de ação e/ou o efeito. Essa é a prin cipal
classificação usada pelo médico veterin ário e será a
* Neste Quadro são apresentadas as alterações produzidas pelas plantas,
empregada neste capítulo. No entanto, com o uma mes-
tomando-se como base a espécie bovina. As peculiaridades da intoxica-
ma planta poderá produzir alterações em diferentes ção nas diferentes espécies animais de interesse agropecuário vão ser
ó r gãos e tecidos e, consequentemente, d ife r ent es abordadas no Capítulo 23.
Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as p lantas tóxicas em medicina veteriná ria 247

QUADRO 22.5. Principa is plantas tóxicas d e interesse na QUADRO 22.6. Principais plantas tóxicas o rnamentais
criação an imal Plantas Efeito
Tipos de plantas Sítio de ação e/ou efeito
Amaryl!is sp.
Mortalidade aguda Gastroenterite b randa
Aza!ea sp.
• Bacharis coridifo/ia Trato gastrintest inal
Euphorbia pu/cherrima
• Palicourea marcgravii Anóxia histotóxica
Abrus precatorius
• Plantas cianogênicas Anóxia histotóxica AI/amando cathartica
• Ricinus comunis (folhas) Neurotoxicidade
/ris sp.
Mortalidade crônica
Jathropa curcas
• Amaranthus sp. Nefrotoxicidade
Narcisus sp.
Gastroenterite severa
• Ate/eia glazioviana Ca rd iotóxica
Rhododendrum
• Cestrum /aevigatum Hepatotoxicidade
Ricinus comunis
• Crotalaria sp. Hepatotoxicidade, nefrotoxicidade,
Tulipa sp.
pneumotoxicidade
Alocasia sp.
• Dimorphandra mo/lis Nefrotoxicidade
Oieffenbachia picta
• Pteridium aquilinum Depressão da medu la ósse a,
.
ca rc1 '
nogene se Monstera sp. Estomatite e g lossite

• Senecio braziliensis Hepatotoxicidade Philodendrum sp.

• Sessea braziliensis Hepatotoxicidade Zantedeschia aethiopica

• Tetrapterys sp. Ca rd iotóxica Atropa be /ladona

• Thiloa glaucocarpa Ne frotoxicidade Cannabis sativa

Alteração na performance Datura sp.

• Brachiaria decumbens Fotossensib lização hepatógena Hyociamus niger


A lterações de comportamento
• Brachiaria radicans Anemia hemolít ica Nicotiana tabacum

• lpomoea asarifo/ia Neu rotoxicidade So!anum nigrum

• lpomoea carnea Neu rotoxicidade Digita/is purpurea

• Lantana camara Fotossensib lização hepatógena Nerium o/eander A lterações ca rdíacas

• Leucaena Efe ito bociogênico, alopecia, Thevetia peruviana


/eucocepha/a alterações reprodut ivas

• Prosopis julif!ora Neu rotoxicidade


podem prom over substanciais variações de respostas
• Senna occidentalis Miotoxicidade, hepatotoxicidade de toxicidade.
• Solanum fastigiatum Neu rotoxicidade Nesse sentido, p or exemplo, os poligástricos, por
• Solanum malacoxylum Efe ito ca lcinogênico possu írem r ú m en e, p or isso, p roduzirem gr an d es
Alterações reprodutivas qu antidades de vitamina B1, n ão sofrem os efeitos de
• Stryphnodendrum Abortamentos deficiên cia de tiamina quando da ingestão prolongada
obovatum de Pteridium aquilinum, que encerra entre seus prin-
, . . , . . .
• Tetrapterys sp. Abortamentos cipios ativos toxicos um a tiamin ase; n o entanto, o
• Trifolium sp. Ação estrogênica consumo dessa planta pelos m on ogástricos pode levar
• Ate/eia glazioviana Abortamentos
a quadros clínicos, característicos da deficiên cia dessa
vitam in a.
Além disso, considerando-se a espécie anim al, um
ao indivíduo, maior ou menor efeito tóxico (para deta- importante determinante da toxicidade é a biotransfor-
lhes, ver Capítulo 1). A seguir, serão apresentados alguns mação das toxinas, ou seja, diferenças n a atividade en -
desses fatores. zimática do fígado, tanto na fase I quanto n a fase II (ver
Capítulo 2).
Espécie an ima l Dessa forma, tomando-se como exemplo a suscepti-
É o prin cip al fator a ser considerado, quando se bilidade dos alcaloides pirrolizidín icos, sabe-se que bo-
. . , - . , .
vinos, equinos, aves e suinos sao muito sensiveis aos seus
analisa a diferen ça de resposta a um determ inado to-
xicante. Nesse caso, diferenças na anatomia e fisiologia efeitos tóxicos; por outro lado, ovinos, caprinos e coelhos
248 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

são bastante resistentes. Essas diferenças n a toxicidade Animais doentes são mais susceptíveis à intoxicação
estão diretamente relacionadas à biotransform ação e à que aqueles sadios, isso se deve tanto pela queda na re-
excreção desses alcaloides pelos animais. sistência do animal com o pelo fato de que essas toxinas
podem atuar em órgão já comprometidos pela doença.
Raça
Anim ais de raças puras, criados em condições de Exercício físico
alim entação controlada, são mais sensíveis à intoxicação Algum as plantas, tais com o aqu elas qu e causam
por plantas que aqueles m ais rústicos, criados no cam - morte súbita (como a Palicourea marcgravii), têm seus
po. Essa diferença de susceptibilidade parece estar rela- efeitos m anifestados mais precocem ente naqueles ani-
cion ada com a menor capacidade dos animais de raças mais submetidos à m aior movimentação.
m ais puras, a detoxificar os xen obióticos, já que vêm
sendo expostos à alimentação mais controlada. Sexo
Tem significante im portância quan do se an alisam
Dieta os efeitos daquelas plantas com ação estrogênica (como
Algum as dietas podem retardar ou potencializar os o Trifolium sp.); além disso, considerando-se a biotrans-
efeitos das toxinas. Por exemplo, dietas ricas em amido formação hepática, sabe-se que machos biotransformam
o u carboidr atos têm efeito p r o teto r nos casos de com m aior eficiên cia as diferentes substâncias, por isso,
intoxicação por plantas cianogênicas, pois retardam a em grande parte das intoxicações por plantas esses são
sua liberação. Toxin as ionizáveis em meio ácido são mais mais resistentes, por outro lado, no caso da biotransfor-
rapidamente absorvidas em dietas cujo pH é ácido; por mação dos alcaloides pirrolizidínicos, com o h á a pro-
outro lado, dietas alcalin as em p H ácido prom ovem d ução de um metabólito tóxico, os m achos são m ais
, . . . -
m enor eficiência na absorção dessas toxinas ionizáveis. sensiveis a essa intoxicaçao.
Esse m esmo tipo de raciocínio se aplica às substâncias
ionizáveis em m eio alcalino. Fatores re lacionados às plantas

Tolerância metabólica A composição das toxinas na planta é influenciada


Nesse caso, deve-se considerar a indução de enzimas por fatores genéticos, ontogênicos (estágios de cresci-
participantes do m etabolism o n or m al do anim al. Por m ento) e p elo m eio am biente, p oden do variar tanto
exemplo, animais que ingerem pequen as quantidades qualitativa com o quantitativam ente. A seguir são abor-
de plantas cianogênicas, como a Manihot esculenta (man- dados com mais detalhes esses fatores, sendo acom pa-
dioca), por um período prolongado, induzem à síntese nhados de alguns exemplos de plantas tóxicas.
de uma enzim a denominada rodanase, a qual promove
a sua biotran sformação em um a substân cia atóxica, Va riação genética
den ominada tio cianato, a qual é excretada; consequen - Sabe-se que nem todas as variedades da espécie de
. . . . '
tem ente, esses an imais torn am -se m ais resistentes a lantana (Lantana camara) induzem quadros de intoxi-
intoxicação cianídrica. cação por fotossensibilização em animais ruminantes,
isso pode ser explicado pela presença ou ausên cia dos
. , . .
Tolerância imunológ ica pr1ncipios ativos.
Anim ais já expostos a determin adas toxinas (em
geral proteínas) podem desenvolver a produção de an - Fase de crescimento
ticorp os, os quais, por su a vez, atuariam contra essa As plantas tóxicas podem acumular um teor eleva-
toxina. Com o exemplo, cita-se a sem ente da Abrus pre- do de princípios ativos conform e a sua fase de cresci-
catorius, a qual p ossui um m aterial proteico, den omi- mento. Os brotos dos sorgos (Sorghum spp.), samambaia
n ado de ricina, que induz à imunidade. (Pteridum aquilinum) e Thiloa glaucocarpa contém maior
toxicidade do que a planta adulta. Por outro lado, o m io-
Idade e cond ições de saúde -m io (Baccharis coridifolia) é mais tóxico na fase de
A grande maioria das toxinas produz efeitos tóxicos floração e o Senecio spp. na fase de crescim ento.
mais graves em animais mais jovens ou mais idosos. Isso
ocorre p orqu e an im ais n os extrem os d a faixa etária Pa rtes do vegetal
apresentam menor capacidade para detoxificar toxinas Os princípios tóxicos podem estar contidos em todas
(para m aiores detalhes, ver Capítulo 2). as partes da planta, porém alguns deles frequentemente
Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as plantas tóxicas em medicina veterinária 249

estão con cen trad os em m aior quantidade em determ i- nitratos nas plan tas nas p rimeiras fases do crescimento
n ados locais. Em geral, em compar ação com ou tras e, assim, quan do os anim ais inger irem n íveis tóxicos
partes das plantas, sem entes possuem m aior toxicidade d esse prin cípio podem indu zir alterações.
do que as folhas p elo elevad o teor de prin cípio ativ o
com o n o fedegoso ( Senna occidentalis) e n o canudo Distribu ição geog ráfica
(Ipomoea carnea), justificado pela preservação da espé- Dentro da m esm a espécie de planta, dependendo
cie n a natureza. O ut ras plan tas p rodu zem princípios d a região geográfica, alguns tipos de princípios ativos
tóxicos d iferen tes em locais distintos e, portanto, ocor- são frequentem ente encontrad os ou estão ausentes. O
rem d istú rbios d iferen tes quan d o são in geridas pelos gênero Astragalus apresenta frequentemente nitrocom -
animais. Nesse caso, pod e ser citada a in gestão d e se- postos: ácido 3-nitropropiônico (ANP) e glicosídeo do
m entes d e m amona (Ricinus communis), que induz in- 3-nitropropan ol (GNP). As espécies de Ast ragalus en-
toxicação gástrica, e as suas folhas, intoxicação nervosa. con tradas na Europa, Ásia e América do Sul norm al-
mente são p rodutoras d e ANP. Por outro lado espécies
Agressão mecânica d e Astragalus d a América do Norte p roduzem , de m a-
Em ger al, as plantas qu e apresentam compostos neira geral, o GNP.
cianogênicos ou glucosinolatos, quando são triturados,
d essecados ou outra agressão m ecânica q ue altera o Coleta de material pa ra identificação botân ica
sistema celular, podem perder a toxicidade com o trans- Um dos meios que auxiliam consideravelmente no
correr do tem po em decorrên cia da volatilização d os diagnóstico de intoxicação por plantas é a sua id entifi-
. , . , .
p r1nc1p1os toxicos. cação botân ica. Esse dado será fun damental não só para
se fechar o diagnóstico presu ntivo, quando se suspeita
Variação sazonal de uma planta em uma determinada situação, mas tam-
Os princípios tóxicos pod em variar conforme as bém , e prin cipalmente, auxiliará no seu recon hecim ento,
estações do an o, dessa forma, causando maior toxicid a- para que se evite futuras intoxicações causadas por ela.
de qu an do ingerida p elos anim ais. In toxicações com N o entanto, algumas normas d evem ser seguidas,
glicosídeos cianogênicos são mais prováveis que ocorram para que o botân ico possa realizar corretamente a iden -
n a primavera ou início do verão quan d o o conteúd o de tificação d o vegetal. Nesse p rocesso, são levadas em
HCN está mais elevado. consideração tan to as características m orfológicas d a
parte aérea da planta, bem como a m orfologia de suas
Fertilização flores, frutos e sementes. Ressalte-se que, para algu ns
Os terren os recém fertilizados com adubos à base vegetais, o reconhecimento de uma determinad a espé-
de nitrato de potássio e nitrato de amônia, p róximos à cie só é obtido por meio d e peculiaridades n a inflores-
p resença de pastos, pod em indu zir ao acú mulo d e n i- cência ou conformação das sementes, e a ausência dessas
tratos e n itritos em vegetais. Estes, quando são ingerid os partes no material colh ido inviabiliza a sua identificação.
pelos animais, conform e o teor do n itrato, podem de- Assim, com o regra geral deve-se procu rar seguir os
sencadear quadro de intoxicação. seguintes p rocedimentos:

Tipos de solo • Evitar a coleta desse m aterial em d ias chuvosos e


Os solos com algumas características como tempe- durante as manhãs, quando as plantas estão cober-
ratura, acidez, deficiências de fósforos, de enxofre ou de tas de orvalh o e, portanto, muito úmidas.
molibdên io favorecem a absorção de nitratos pelas plan- • Colher, no caso de plantas de pequeno porte, toda
tas. Por exem plo, em épocas de estiagem , os n íveis d e a planta, inclusive a raiz.
n itrato estão elevad os n o solo e são absorvidos pelas • Colher, pelo menos, três exemplares de cada plan ta.
plan tas com a ocorrên cia das primeiras chuvas. D essa
forma, com a ingestão d essas plan tas con tendo teores Os ramos devem ter de 20 a 30 cm de comprimen-
altos de n itratos pode con duzir casos de intoxicação em to, com flores e folhas, se possível, frutos. Se na ocasião
• •
anrma1s. d a coleta não houver flores, d eve-se mandar o m aterial
com frutos e vice-versa; portanto, o material nun ca deve
Uso de herbicidas ser estéril, isto é, sem flores e frutos.
O emprego de herbicidas como ácido fen oxiacético Após a coleta, o material deve ser colocado em folhas
(2-4D e derivad os) pod e favorecer m aior d eposição de de jornal e borrifado com álcool comum e prensado. Esse
250 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

procedimento consiste na colocação de cada amostra BIBLIOGRAFIA


do vegetal entre as folhas de jornal (uma ou duas folhas
inteiras, dobradas ao m eio), alternadas com folhas de 1. ALETOR, V.A. Allelochemicals in plnat foods an feedingstuffs:
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papelão ondulado. O conjunto ( que pode conter várias animal production. Veterinary and Human Toxicology, v. 35, p.
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será, a seguir, colocado entre duas prensas de madeira 2. BELL, E.A. Nonprotein amino acids of plants: significance in
medicine, nutrition, and agriculture. Journal of Agricultura! and
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tra a elaboração dessa prensa. 3. BICUDO, P.L. Principais plantas tóxicas de interesse veterinário.
Como a confecção desse material se faz mais ade- ln: Curso de toxicologia animal. Porto Alegre, 1987. Brasília,
MEC/ ABEAS, s.d.
quadamente quando há secagem rápida, pode-se utilizar
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algumas fontes artificias de calor, tais como fogareiro plants. 2.ed. Illinois: Interstate Publishers, Inc., 1998, p. 479.
de querosene ou gás, estufas de lâmpadas ou resistências. 5. EVANS, WC. Trease and Evans Pharmacognosy. 14.ed. Londres:
Na falta desses recursos, as prensas poder ão ser coloca- WB Saunders Company Ltd.,1996. 612p.
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das no sol, em local ventilado. Nessa última situação, 2, 1994,p. 143-56.
recomenda-se que se substitua os jornais diariamente, 7. _ _ _, G. Secondary and terciary metabolites as plant toxin.
até que o material fique completam ente seco. Toxicon, v. 36, n. 11, 1998, p. 1707- 19.
8. HARAGUCHI, M . Plantas tóxicas de interesse na pecuária.
Após a secagem completa do vegetal, este poderá
Biológico, v. 65, n . 1/2, p. 37-9, jan./dez., 2003.
ficar entre folhas de jornal, devendo sempre estar acom- 9. ITAKURA, Y. HABERMEHL, G.; MEBS, D. Tanins occurring in
panhado de um rótulo, no qual deverá haver as seguin - the toxic Brazilian plant Thiloa glaucocarpa. Toxicon, v. 25, n .
12, 1987, p. 1291 - 1300.
tes informações: local da coleta (município, localidade);
10. IVIE, G.W; WITZEL, D.A. Sesquiterpene lactones: structure,
descrição do local da coleta (m ata, pasto, capoeira, bre- biological action, and toxicological significance. ln: KEELER,
jo etc.); dados sobre a planta, como o porte (árvore, R.F.; TU, A. (Eds.). Handbook of Natural Toxins. v.l Plant and
arbusto, cipó), tamanho, flores (cor e forma), frutos Fungai Toxins. New York: Marcel Dekker, 1983, p. 544-78.
11. KEELER, R. F. N aturally occurring teratogens from plants. ln:
(forma, tamanho, cor), e data da coleta. Como informa- KEELER, Richard F.; TU, A. (Eds.). Handbook ofNatural Toxins.
ções complem entares pode-se informar o(s) nome(s) v.l Plant and Fungai Toxins. New York: Marcel Dekker, 1983,
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1983, p.1 18-46. RHOADES, D.F. Evolution of plant chemical
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de planta: a) co leta da amo stra da planta; b) colocaçã o da
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am ostra em fo lhas de pape l (jornal); c) p rensa do material New York: Marcel Dekker, 1983, p. 43-83.
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Capítulo 22 • Considerações gerais sobre as plantas tóxicas em medicina veterinária 2 51

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Capítulo 23

Plantas tóxicas de interesse


. /

agropecuar10

Silvana Lima Górn iak

~ Segundo D obereiner (2000), é necessário desmistificar


INTRODUÇAO
muitas dessas crenças, como as que se seguem:
Foi Steyn, em 1933, quem primeiro conceituou plan-
tas tóxicas do ponto de vista agropecuário. Esse pesqui- • ''A ingestão de quantid ades m ínimas de plantas cau-
sador, em seu livro intitulad o The toxicology ofplants in sa a morte do animal': D e m an eira geral, é n ecessá-
South Africa, p ropôs a seguinte definição: "Uma planta rio que o animal ingira quantidades relativam ente
tóxica ao anim al é aquela que quando ingerida natural- grandes de plantas e, na maioria d as vezes, durante
m ente, por u m perío d o curto o u p rolon gado, causa alguns dias para que h aja o desenvolvimento da in-
efeitos nocivos à sua saúde ou m esmo a sua morte". toxicação. Não seria a ingestão de algumas poucas
Portanto, para que u ma determin ada planta seja consi- folhas de um vegetal que promoveria esse efeito.
derada de interesse para a criação an imal, não apenas é • "O instinto d os anim ais o p rotegeria contra a into-
n ecessário que esta con tenha as toxinas, mas tam bém xicação d e plantas': A palatabilidad e a uma d eter-
que sua toxicid ade seja verificad a experimentalmente. m inad a planta é o que, principalmente, determ ina
É imprescindível q ue esta comprovação seja feita na o seu consumo. D essa form a, é provável que o ho-
espécie animal em questão; portanto, a confirmação d e m em do cam po, erron eam ente, associe a rejeição a
toxicid ade para uma d ada espécie animal não poderá um a determin ada planta tóxica pelo animal ao ins-
ser ext rapolada para out ra, já que, como apresentado tinto deste que o afastaria da planta. No entanto, sa-
n o capítulo anterior, h á diferenças espécie-específicas be-se que, em condições d e escassez de pasto, não
quanto aos efeitos tóxicos. h aven do plantas m ais palatáveis, o anim al irá in ge-
Na experimentação, é necessário que a administra- rir aquelas disponíveis, dentre estas, poderiam es-
, .
ção sempre se faça pela via oral, pois é a via natural de tar as tox1cas.
intoxicação por plantas, sendo também im portante que • ''As plantas sempre causam distúrb ios digestivos':
o vegetal seja recém-colhido, uma vez que o armazen a- D as várias plantas tóxicas existentes no Brasil, ape-
mento, em alguns casos, poderá promover a inativação n as u ma única, de grande importân cia para animais
da toxina. D eve-se considerar, ainda, que mesmo que d e criação, a Bacharis coridifolia, tem seus efeitos
exista a toxin a na plan ta e, experim en talmen te haja a tóxicos diretamente n o t rato gastrointestinal.
intoxicação em um a espécie animal, ain da assim esses • ''A presença d e látex indica a toxicidade d a plantá'.
fatos n ão habilitam esse vegetal para ser incluído n o rol É crendice n o Brasil que aquelas plantas lactescen-
de plantas tóxicas. É n ecessário que, em con dições na- tes, ou seja, que contêm látex (vulgarm ente deno-
tu rais (ou seja, quando há ingestão espontânea da plan- m inad o de "leité') são tóxicas. No en tanto, daque-
ta), os an imais tenham desenvolvido a sintomatologia las m ais d e 130 plantas consideradas com o tóxicas
da intoxicação. para a pecuária n o nosso país, apenas a Piptadenia
Um outro fato que deve ser considerado, com relação macrocarpa é lactescente e pode causar toxicid ade
• •
ao estudo de plantas tóxicas n o Brasil, refere-se às inú - aos an1ma1s.
meras crendices sobre elas, que são d isseminad as entre • "Os efeitos produzidos pelas plantas aparecem qua-
os criadores e, até mesmo, entre os médicos veterinários. se que imed iatam ente após a ingestãó: De maneira
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuá rio 253

geral, as plantas tóxicas p rodu zem seus efeitos tó- Das vár ias causas que p odem levar o anim al a
xicos d epois d e exposição p rolon gad a, sendo que con su mir a p lan ta tóxica, a fome é a p rin cip al delas.
os sinais se manifestam após vários dias d o início Outros fatores que devem ser considerados n a an am-
da sua ingestão. No en tanto, existem algum as plan- nese são: o "vício': situação n a qual os animais podem
tas que causam a m orte aguda (veja no Capítulo 22, d esenvolver um gosto especial por plantas; a perversão
Quadro 22. 1), m as até m esmo estas têm , de m anei- d o ap etite, quan d o o an imal torn a-se pou co seletivo
ra geral, um período de latência para o desen cad e- ao alimento (por exem plo, quan do ocorre a deficiên cia
amen to d os efeitos de, pelo m enos, algumas h oras, de fósforo); e a adaptação, situação na qual an im ais
com o ocorre com as p lan tas cianogên icas ou com trazidos d e regiões d istan tes e in tro duzidos sem um
a Palicourea marcgravii. p eríodo p révio d e adaptação em novas regiões são
vítimas mais frequentes desse tipo de intoxicação. De-
Diag nóstico de intoxicação por plantas vem -se, ainda, con siderar os t ratos com a lavoura:
n esse caso, a falta de limpeza periódica d os p astos
De man eira ger al há, n o meio r u ral, u ma grand e favorece a concentração de plantas tóxicas, o que, con-
tendência de se considerar as plantas tóxicas como aque- sequentemente, acarreta aumento d o risco de ingestão
las causad oras de doenças e/ ou m ortalid ade, das quais d estas pelos animais.
n ão se consegue fechar o diagn óstico. Isso se d eve, ba- A avaliação do quadro clínico e as alterações ana-
sicam en te, ao fato d e existirem várias plantas tóxicas, tom opatológicas são primordiais. No entanto, como já
que podem produzir d iversas sintomatologias, as quais, com entad o anteriormen te, esses dad os, quand o an ali-
de m aneira geral, se confundem com aquelas que podem sados isoladam en te, n ão fecham o diagnóstico, já que
ser d evido a patologias de origem infecciosas, n utricio- os sinais clín icos e as alterações morfológicas po d em
nais ou mesmo tóxicas de outra origem, que não plantas. ser comuns a diversas d oen ças.
Acrescente-se, ainda, o desconhecimento sobre as plan- A inspeção d as pastagens objetivando-se verificar
, .
tas tox1cas. se houve, efetivam ente, o consumo d e um a p lanta tóxi-
Também, d eve-se consid erar que, mesm o na into - ca que se suspeita é uma m edida de grande valor, pois
xicação por u ma p lanta tóxica, é fu ndamen tal deter- a simples presen ça de uma d eterminad a planta tóxica
m inar qual plan ta seria, pois apenas o diagnóstico d e no pasto n ão é motivo para que se feche diagn óstico d e
in toxicação de plantas n ão o ferece n en h um au xílio intoxicação. É necessário verificar se, d e fato, o animal
para que se evite esse tipo de acidente em situações a ingeriu (observand o vestígio de mordedura deixados
futuras. nas plantas d a pastagem) e em que quantidade o an imal
• •
Além d isso, deve ser d esmistificado o con ceito d e a 1nger1u.
que ao se coletar o conteúdo estomacal do an imal mor- A identificação botânica tem também grand e rele-
to, ou m esmo a planta suspeita na pastagem e enviá-la vân cia, pois po r m eio desse p rocedim ento o médico
para u m laboratório, pod e-se, facilm en te, chegar ao veterinário pod e dirim ir a dúvid a se aquela planta sus-
diagn óstico do tal vegetal tóxico pela análise química. peita é tóxica e provocou a patologia e/ ou a morte dos
Portanto, para que o m édico veterinário realize o animais. Os passos para a coleta correta de amostras d e
diagnóstico correto é n ecessário que este reúna o maior planta para a id entificação botânica foram apresentados
n úmero d e dados possíveis, com o já citado no Capítulo no Capítulo 22.
10. A seguir, estão descritos, suscintam en te, os passos
que auxiliam, em particular, o diagn óstico d a intoxica- Classificação das plantas tóxicas de
ção por plantas. A sequên cia se inicia pela história clí- interesse ag ropecuário
nica (an am nese). Nessa fase, é necessário realizar u m
cr iterioso questionário, levand o-se em consideração Atualmente, no Brasil, são catalogad as m ais de 130
que, geralmente, o indivíduo que fornece as informações plantas tóxicas de interesse agropecuário. Neste capítu-
pode ter o seu "diagn óstico" e, por m eio de suas respos- lo são apresentadas aquelas m ais importantes, tom an-
tas, induzir a erros na interpretação dos achad os. Vale do-se como parâmetros para a escolha a sua distribu ição
também lembrar que o informante conhece a planta por pelo território nacional e os prováveis prejuízos econ ô-
u m de seus n omes vulgares; embora esse dado seja de m icos advind os da intoxicação. As plantas tóxicas foram
pouco valor, já que existem vários n omes vulgares para dividid as segu ndo os dois parâmetros apresentad os n o
uma m esma planta tóxica (ou, ao contrário, um nom e Quadro 22. 1 (Capítulo 22), segundo o tipo d e efeito e
vulgar para den ominar diversas plan tas tóxicas). o quadro clínico e anatomopatológico.
254 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

PLANTAS QUE CAUSAM MORTALIDADE altura. Cresce bem em beira d e mat as em capoeiras e
AGUDA p astos recém -formados. Essa planta ocorre sem pre em
terra firme, n unca em regiões d e várzea, isto é, não se
Palicourea marcgravii desenvolve em locais alagados.
As folhas e os frut os d a P. marcgravii são tóxicos,
A Figura 23.1 ilustra a P. marcgravii. sendo que o dessecamento não p rom ove inativação ou
aten uação d e sua t oxicidad e. Os casos de intoxicação
Nomes vulgares: cafezinho, café-bravo, erva-d e-r ato, n atur a l com a P. marcgravii t êm sid o descr itos em
roxinha, vick. bovinos. No entanto, experim entalmente, ovin os e ca-
A Palicourea marcgravii perten ce ao grupo de plan - prin os tamb ém são bastante sensíveis. Os equin os pa-
tas que causam a m orte súbita. Além dela existem outras, recem ser resistentes à intoxicação por essa planta.
como a Palicourea juruana, Palicourea grandiflora, Ar-
rabidae bilabiata e a Arrabidae japurensis, no ent anto, Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação : o ácido
elas são de interesse regional, n ão sendo difu n did as em m onofluor acético é o princípio ativo tóxico presente
todo o país. Portanto, são abordados aqui apenas os aspec- na P. marcgravii. Essa subst ância é rapidam ente absor-
tos relativos à Palicourea marcgravii. vida no t rato gastroin testin al, se distribuindo ampla-
mente em qu alquer tecido corpóreo, inclusive sistema
Características gerais: a P. marcgravii é a prin cipal nervoso central. O ácid o m onoflu oracético é conside-
planta tóxica do Brasil, isso se d eve, b asicamente, a três rado como não tóxico, send o o fluorcitrato (seu produ -
fato res. O primeiro é a sua ampla d istrib uição geográ- to do m etabolismo) o respon sável pela toxicidade. As-
fica, já que essa plan ta se d istribui em quase todo o sim , ao adentrar a célula, o ácido m on ofluor acético
país. O segun do é a boa palatabilidade: ao contrário in terfe re no ciclo d e kr ebs, sendo o p rim eiro p asso a
do que n ormalmente ocorre com outros vegetais tóxi- sua união com a acetil coen zima A, origin an do u m
cos, o fator fom e n ão é a principal cau sa d a procura da composto denominado de flu oracetil CoA, o qual, em
p lanta pelo animal, p ois, n esse caso, a ingestão ocorre segu ida, combin a-se com o oxalacetat o, fo rmando o
mesm o que h aja fo rrageira em quant idad e abu ndante fluorcitrato. O fluorcitrato se liga, então, com a en zima
no pasto. O terceiro fator é qu e a P. marcgravii possui aconitase, resultan do em uma parada drástica d o ciclo
alta toxicidade, diferin do, portanto, das características dos ácid os tricarboxílicos, e, consequentemente, produ -
de out ras plantas tóxicas, já qu e ao contrário da maio - zin do depleção en ergética.
r ia, o consum o de uma pequen a qu an tid ade d a plan t a A inibição da en zima acon itase interfere com a res-
(depen dend o da região e d as con dições de crescimen- piração celular e o metabolismo de carboidratos, gor-
to, ao r edor de 0,4 g/kg de planta verde) já pod erá duras e proteínas. O citrato que se acumula (já qu e não
acarretar m ort e. está sen do utilizado n o ciclo de Krebs) liga-se ao cálcio
A P. marcgravii tem crescimento exuberante em sérico e, além disso, causa acidose metab ólica. No Ca-
locais som breados, onde p ode alcançar até 4 m etros de pítulo 21, é m ostrado um esqu ema que ilu stra o m eca-
nism o d e inibição do ciclo de Krebs pelo ácid o m ono-
fluoracético (ver Figura 2 1.2).

Sinais clínicos: em bovinos, a sintom atologia da into-


xicação se inicia em p oucas horas após ser completada
a ingestão d a d o se let al, sendo a evolução de caráter
superagu do. A sintomatologia apresentada p or esse
quadro de "síndrome de morte súbit a'' se tradu z por
relutância em andar, urinar frequ ente e em pouca quan-
tidade, pulso ven oso positivo, desequilíbrio, instabilida-
de, t rem ores m usculares, o animal cai - normalmente
em decúbito estern o-abdominal e lateral - taquipn eia,
movimentos de pedalagem , cab eça em opistótono, m u -
gid os constantes e convulsão do tip o tônico-clôn ica, que
pod e ser uma única e fatal, ou várias, levando, invaria-
FIGURA 23.1. Palicourea marcgravii. velmente, à morte.
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuário 255

Por causa da rapidez do desenvolvimento dos sin- Características gerais: tod as as plantas produzem cia-
tomas d e in toxicação e morte, d eve-se realizar d iag- neto, tornando-o ubíquo nos vegetais, embora essa subs-
n óstico diferencial da intoxicação pela P. marcgravii tância apareça em quan tidades diminutas na maioria
com out ras plantas que causam mor te súbita, como das plantas. As plantas cianogênicas, portanto, são
aquelas cianogênicas. Também, por alterações no equi- aquelas nas quais são encontrados altos níveis de cianeto.
líbrio do metabolism o de minerais (por exemplo, defi- Para considerar uma planta como pertencente ao grupo
ciência de cálcio e fósforo), que, da mesma maneira que d aquelas cian ogênicas, é necessário que con ten ha, n o
ocor re com esta plan ta, podem acar retar em mortes mínimo, 10 m g d e HCN por kg de planta fresca. Entre
superagudas. as plantas desse grupo, algumas são u tilizadas como
alimen tação anim al, com o a Manihot esculenta, o Sor-
Achados de necropsia e histopatologia: os achados de ghum sp. e o Cynodon sp. Nesse caso, a intoxicação ocor-
necropsia são d e pouco valo r, já que não se verifica, re, em geral, em razão dos erros de manejo. No entanto,
macroscopicamente, qualquer alteração no animal. outras plantas, tais como a Piptadenia macrocarpa, Ho-
Igualmente, as alterações histopatológicas não contri- localyx glaziovii e Prunus sphaerocarpa não têm serventia
buem para o diagnóstico, sendo encontrado, em alguns na alimentação, deven do, portanto, ser evitada a sua
casos, a degeneração hidrópico-vacuolar, nas células dos presença nas pastagens.
túbulos contornados distais do rim . Como essa alteração Como já apresentado no Capítulo 22, o cianeto con-
ao nível renal não está presente em todos os casos de tido nessas plantas está ligad o aos glicosídios. Essa li-
intoxicação, a sua ausência não permite descartar a in- gação é quebr ada por ação d e enzimas existentes na
toxicação pela P. marcgravii. própria planta ou d e microrganismos provenien tes do
t rato gastrointestinal dos animais. Na planta íntegra, a
Tratamento e controle: a acetamida, uma substância ruptu r a dessa ligação não ocorre, já q ue as enzim as
doadora de acetado, poderia, teoricamente, ser efetiva responsáveis por essa quebra estão separadas dos glico-
no tratamento da intoxicação por P. marcgravii; no en- sídios cianogênicos. No entanto, quan do a integridade
tanto, experim entos com bovinos revelaram que a ace- celular se p erde, há o con tato das enzimas com o seu
tamida não tem valor terapêutico quando os sinais clí- substrato (ou seja, o glicosídio), acarretando, consequen-
n icos já estão evidentes. tem ente, a liberação do cianeto livre.
A melhor maneira de se evitar mortes por intoxi-
cação por P. marcgravii é imped indo o consu mo d a beta-glicosidase
Glicosídio - - - = - - - - - - - - - - 1• Açúcar + aglicona
planta pelo animal, já que, com o comentado anterior- • A
c1an ogen1co

mente, uma pequena quantid ade de planta já desenca-


deia a intoxicação e a morte. Dessa form a, é necessário . hidroxinitrila-liase
A g11cona - - - - - - --. HCN + aldeído
se reconhecer essa planta e procurar erradicá-la da pro-
ou cetona
priedade. Tal tarefa torna-se difícil quando a P. marc-
gravii não apresenta flores, nesse caso: deve-se espremer Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação na toxici-
as folhas d a planta entre os dedos, procurando sen tir o dade aguda: após a liberação do cianeto íon CN-, este íon
cheiro de salicilato de metila (Vick Vaporub®), auxilian- é rapidamente absorvid o pelo trato gastrointestinal (se
do, assim, na sua id entificação. houver inalação, também pelos pulm ões). Uma vez ab-
sorvido o cianeto é ampla e prontamente distribuído por
Plantas cianogênicas todo organismo. A maior parte do cianeto (aproximada-
mente 80%) é transform ad o em tiocianato, reação que é
Nesse grupo, destacam-se as seguintes plantas com catalisada pela enzima rodanase (tiossulfato sulfurtrans-
os respectivos nomes vulgares: ferase), necessitando de tiossulfato como fonte de enxofre.
Pequen a parte d o cianeto absorvido sofre conjugação
• Manihot esculenta: man dioca-brava. com cisteína, form ando 2-imino-4-tiazolina-carboxílico
• Sorghum sp.: sorgo. e 2-aminotiazolina-4-carboxilico e com hidroxicobala-
• Cynodon sp.: capim tifton . m ina (vitamina B12), form ando cianocobalamina; ainda,
• Holocalyx glaziovii: alecrim -de-campina. há formação de ácido fórmico, em diminuta quantidade.
• Piptadenia macrocarpa: angico-preto. Além dessas reações, o cianeto irá, em uma pequena par-
• Prunus sphaerocarpa: pessegueiro-bravo. te, ser elimin ado, de m aneira íntegra, pelos pulm ões.
256 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

O mecanismo de ação do cianeto se faz pela inibição possibilidade de essa substância produzir m uita m eta-
de en zimas qu e possuem m etais, p articularmente o -hemoglobina, o que acarretaria um quadro de cianose.
ferro. O fer ro tr ivalente (Fe3 +) da en zim a citocromo- Pode-se fazer a prevenção de intoxicação de plantas
-oxidase reage com o cianeto, fo rm an do o com plexo cianogênicas destinadas à alimentação animal, realizan-
citocromo-oxidase-CN. Manten do -se o ferro na form a do-se o "teste do picrato: Nesse teste, prepara-se o papel
trivalente, paralisa-se o sistema de transporte de elétrons reagente, em bebendo -se tiras de pap el-filtro em um a
da cadeia respiratória, produzindo, assim, a hipóxia e solução composta de 5 g de carbonato de sódio com 0,5 g
anóxia citotóxica. A maior concentração de citocrom o- de ácido pícrico, em 100 m L de água. A seguir, deixa-se
-oxidase está nos tecidos que apresentam elevado m e- a tira de papel secar. O teste é feito com um a am ostra do
tabolism o oxidativo, como o sistem a n ervoso central e vegetal que se deseja examinar, sendo introduzida em um
a musculatura cardíaca. A toxicidade aguda ocorre pequeno frasco (de 30 a 50 m L), fixando-se a tira de pa-
qu an do a qu antidade de cian eto ab sorvido excede a pel anteriormente preparada na borda (não deixando que
concentração mínima necessária para inibir a atividade a fita toque a amostra) e vendando-se o frasco. A seguir,
da enzim a citocrom o-oxidase e é superior àquela su- aquecendo-o a 30 a 35°C por 5 minutos. Se essa tira de
port ada pelas enzimas de detoxificação. papel, que anteriorm ente se apresentava amarelada, tor-
nar-se vermelho-tijolo, isso indica grande quantidade de
Sinais clínicos: os principais sintom as da intoxicação cianeto na amostra. Nesse caso, será necessário realizar
aguda por plantas cianogênicas são sialorreia, paresia, procedimentos, tais como amassar ou secar a planta para
espasm os m usculares generalizados e convulsões do prom over a liberação do cian eto, diminuindo, assim, a
t ipo tôn ico-clôn ica. As m embran as se apresentam , quantidade de glicosídio cianogênico.
inicialmente, verm elho-vivas, depois cian óticas. Com Deve-se ter aten ção especial para os animais que
relação ao quad r o respir atório, o an imal apresenta nunca ingeriram plantas cianogênicas na alim entação,
polipneia e d ispn eia, p od en do evolu ir par a par ada pois aqueles que já o fizeram podem desenvolver a to-
respiratória. Quan do a concentração de cian eto absor- lerância, pois há a indução da enzima rodanase. Dessa
vido é elevada, a mor te ocorre alguns minutos após o maneira, quanto maior o tempo de exposição anterior
início da sintomatologia. ao cianeto, m aior será a tolerância.

Necropsia e histopatologia: a necropsia, em geral, não Toxicidade crônica produzida por p lantas
. " .
revela alterações significantes. Em alguns casos, quando c1anogen 1cas
a evolução do quadro é muito rápida, pode-se verificar A intoxicação crônica pelo cian eto já vem sen do
o sangue venoso de coloração vermelho-vivo (sangue descrita h á vários an os. Esse tipo d e intoxicação se
altamente oxigenado). O abomaso e os intestinos tam - caracteriza por exposições prolongadas, a baixos níveis
bém podem apresentar-se congestos, com presença de de cianeto, que, em exposições esporádicas não prom o-
petéquias. Nos animais que foram a óbito recente ( es- vem tal sintom atologia clínica. Em humanos, foi com -
tando, nesse caso, o conteúdo ruminal fresco) pode-se provada a respon sabilidade da exp osição crônica ao
n otar o odor característico de cian eto, conhecido como cianeto na etiologia de diversos distúrbios neurológicos,
odor de am ên doas am argas. O estudo histopatológico como a neuropatia atáxica tropical, o konzo a ambiopia
n essa intoxicação não tem valor. pelo tabaco, neurite retrolobular e atrofia ótica de Leber.
O utra doença que vem sen do associada à ingestão
Tratamento e controle: quando feito a tempo, o trata- crôn ica de cian eto é o bócio. Nesse caso, o princip al
mento é muito eficiente, sendo realizado pela associação produto de biotransform ação do cianeto, o tiocianato,
de nitrito de sódio (150 m g/m L) com o tiossulfato de é uma substân cia reconhecidamente bociogênica, uma
sódio (200mg/mL). Para cada 45 kg de animal se admi- vez que compete com o iodo na proteína transportado-
nistra 1 m L de nitrito de sódio com 3 m L de tiossulfato ra desse íon , presente n a glândula tireoide. Essa com -
de sódio. A base dessa terapia consiste no seguinte: tios- petição promove a diminuição da captação do iodo e,
sulfato se com bina com o cianeto livre p ara formar o consequentem ente, inibe a produ ção dos h or mônios
tiocianato, enquanto o nitrito induz à form ação de m eta- tireoidian os. Sabe-se que os h or môn ios tireoidean os
-h em oglobin a, que tem alta afin idade pelo cian eto, agem no metabolism o energético, no crescimento e na
deslocando-o da citocrom o-oxidase. A ad ministração diferenciação celular, e em processos metabólicos celu-
de tiocianato pode ser repetida posteriormente, em bo- lares. Portanto, todas essas funções ficam comprom eti-
ra não deva ser feita com o n itrito, um a vez que há a das quando há um qu adro de h ipotireoidism o. Além
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuá rio 257

disso, alterações n o fígado, rins e pâncreas vêm sen do (por exemplo, o óleo de m am on a lubrificante). Aqui é
descritas com o causa de exposição crônica ao cianeto. abordado o efeito neurotóxico d a planta, causad o pelas
Observações d e campo com algumas espécies an i- folhas, sendo esse efeito descrito, em condições naturais,
mais (equinos, bovin os e ovinos) m antidos em pastagens apenas em bovinos. Já as sementes da R. communis cau-
de Sorghum sp. têm sido associadas a u ma p atologia sam distúrbios gastrointestinais (os quais estão descritos
den ominada d e cistite e ataxia enzoótica, caracterizada d etalhadamente no Capítulo 24).
pela presença de degeneração walleriana da substân cia A condição para que se desen cad eie a intoxicação
branca d a m edula espinal e d e degeneração de pedún- pela R. communis é, basicamente, a fome. D eve-se con -
culos cerebrais e cerebelares. siderar que a planta apresenta m aiores relatos de into-
xicação n o períod o d a seca.
Ricinus communis
Princípio ativo e mecanismo de ação: o princípio ati-
A Figura 23.2 ilustra a R. communis. vo tóxico contido nas folhas da R. communis e que pro-
duz as alterações nervosas, provavelmente, é um alca-
Nomes vulgares: mam on a, carrapateira. loi de, a r icinin a. Contudo, n ão se sab e como esse
alcaloide prom ove seus efeitos neurotóxicos.
Características gerais: essa planta tem ampla distribui-
ção no território nacional, ocorrendo de maneira natu - Sinais clínicos: os sintomas d a intoxicação aparecem
ral em solos férteis, ricos em m aterial orgânico, embo- por volta d e cinco horas após a ingestão da planta, ten-
ra a R. communis p ossa tam bém ser cultivad a e seus d o evolução bastante rápida, podend o ocorrer o óbito
subprodutos serem utilizad os para diversas finalidades em u m período de até quatro h oras após o estabeleci-
mento do quadro.
Os sin ais são bastan te sem elhantes à in toxicação
por organ ofosforados ou carbamatos (ver Capítulo 18),
com o, por exemplo, t remores m usculares, sialorreia e
erutação excessiva.

Necropsia e histopatologia: n ão são en contradas alte-


rações, tanto na necropsia com o n a histopatologia.

Tratamento e profilaxia: não se conhece o tratamento


para essa intoxicação. Q uanto à profilaxia, deve -se evi-
tar que os an im ais consu mam essa plan ta, sobretudo
quan do estão fam in tos, o que p ermite a in gestão de
elevadas quantid ades das folhas, levando-os à morte.

Bacharis coridifolia

Nome vulgar: m io-mio.

Características gerais: em bora a Bacharis coridifolia


seja uma d as plantas mais importantes e comuns no sul
d o Brasil, particularm en te n o Rio Gran de do Sul, essa
planta não é amplamente difu ndida no restante do país,
sen d o encontrada somente na região e no sul do estado
d e São Paulo.
As partes tóxicas dessa planta são as flores, as folhas,
as sementes, os talos e até mesm o a raiz. Um a caracterís-
tica importante relativa à toxicidade da B.coridifolia refe-
re-se à sua grande toxicidade durante o período de flora-
FIGURA 23.2. Ricinus communis. ção, que ocorre, n o r malmente, a p artir d e março.
258 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

D urante a brotação (de maneira geral, no mês de outubro administrar, por via oral, um a m istura de cal apagada
a novembro), a toxicidade da B. coridifolia pode ser até e carvão (100 g de cada).
quase dez vezes menor que aquela apresentada na floração. O controle dessa intoxicação p ode ser feito pelo
A condição para qu e haja a intoxicação por essa cuidado ao se introduzir anim ais provenientes de regiões
planta ocorre de m aneira peculiar, pois os animais que livres dessa planta em pastagens com B. coridifolia. Em -
se intoxicam por B. coridifolia são aqueles que não tiveram piricamente, alguns criadores procedem ao processo
ainda contato com a planta anteriorm ente, ou seja, são denominado de "fumigação" que consiste na defumação
animais recém-ch egados aos p astos onde a planta é dessa planta, obrigando os animais a inalarem a fuma-
n ativa. É interessante verificar que animais criados em ça proven iente da sua queim a.
regiões onde existe a B. coridifolia, m esmo em situações
de pastagem escassa, com fom e, não a ingerem. PLANTAS QUE CAUSAM MORTALIDADE
, ~ ~

APOS EXPOSIÇAO CRONICA


Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: os prin -
cípios ativos tóxicos da B.coridifolia são os tricotecenos Nesse grupo, estão plantas que causam a morte dos
macro cíclicos, sendo a roridin a A e a roridina B os prin - animais após o aparecimento, por um período relativa-
cipais desses tricotecen os tóxicos presentes na planta. m ente longo, de sin ais de adoecimento. De maneir a
Na verdade, essas substâncias são produzidas por um geral, esses sinais refletem-se na queda de produção e
fungo, o Myrothecium verrucaria, e não pelo vegetal. em agrecimento.
Esse fungo se aloja nas raízes da B. coridifolia, produ-
zindo os tricotecenos macrocíclicos, que são capazes de Pteridium aquilinum
serem absorvidos e acumulados pela planta.
O mecanismo de ação tóxico dos tricotecenos ocor- A Figura 23.3 ilustra a P. aquilinum.
re por suas ações cáusticas, causando necrose n as célu-
las epiteliais do trato gastrointestinal. Nomes vulgares: sam ambaia, sam ambaia-do-campo.

Sinais clínicos: os principais sinais que os animais apre- Características gerais: a P. aquilinum é uma planta
sentam nessa intoxicação são de anorexia, timpanism o, bastante primitiva, tendo ampla distribuição geográfica
instabilidade do trem posterior (pode estar associada a por todo o mundo. Portanto, é uma planta cosmopolita,
trem ores da m usculatura) e aparecimento de exudato não sendo encontrada apen as em regiões desérticas e
catarral nos olhos e narinas. Há uma característica ir- polares.
r itação e sinais de desconforto; as fezes apresentam-se É uma planta r izomatosa, q ue pode ch egar até a
ressequidas. A evolução da intoxicação por B. coridifo- 180 cm de comprim ento. É um a pteridófita, reprod u-
lia é sempre aguda nos casos em que o êxito é letal. A zindo-se, assim, por esporos. A sam ambaia cresce, pre-
morte pode o correr aproximadam ente, entre 4 e 40 ferencialm ente, em solos ácidos e arenosos de capoeir as,
horas do início dos sintom as. matas ciliares, solos abandonados (por exem plo, plan -

Achados de necropsia e histopatologia: os achados de


necropsia m ais frequ entes, in dep en dente da espécie
anim al, são de congestão da mucosa e edem a da parede
do rúm en e do retículo, congestão e petéquias na m u -
cosa do abom aso e do intestin o d elgado. O fígado
apresenta-se de coloração mais clara que o normal.
Quanto aos achados histopatológicos, eles caracte-
rizam -se por necrose do epitélio, congestão e edema da
m ucosa do rúmen e do retículo; con gestão do baço e
edema dos espaços de Disse no fígado. Em grande par-
te dos casos, pode-se, ainda, encontrar necrose do teci-
do linfoide, com exceção do timo.

Tratamento e controle: n ão existe um t ratamento


eficaz para esse t ipo de intoxicação. Pode-se tentar FIGURA 23.3. Pteridium aquilinum.
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuá rio 259

tações abandon adas), campos e pastagens velh as e bei- Com relação ao m ecan ism o de ação da tiaminase,
ras d e m atas e d e estrad as. Um a car acterística do P. essa enzima quebra a tiamina (ou vitamin a B 1), inati-
aquilinum é m anifestar exuberân cia no crescimento em vando -a. A tiamania é u m cofator em reações d e d es-
ambientes on de há pouca competição. Seus esporos são carboxilação, como a conversão do piruvato a acetil-
facilmen te tran sportados, em razão d e dim inutas di- -CoaA e a oxidação de alfacetoglutarato a su ccinil-CoA,
mensões, podendo estabelecer novas colôn ias, uma para portanto, a sua in ibição compromete o metabolismo de
cad a esporo, a distân cias relativam ente lon gas. gorduras, carboidratos e proteínas.
Um dos prin cipais fato res que pode interferir n a Quanto ao ptaqu ilosídeo, trata-se de um composto
toxicid ad e d a sam ambaia refere-se às suas partes que instável em solução aquosa na presença de ácido-base ou
foram ingeridas, pois os brotos e plantas aind a imatu ras calor, d egradando -se muito rapidamente em pterosina B
são mais tóxicos que aqueles totalmente d esenvolvidos. e D - (+) glicose. Uma característica importante é que em
Os rizom as não possuem o p rincípio ativo tóxico mais condições alcalin as, o ptaquilosídeo pode dar origem a
im portante. um conjugad o d en omin ado d ienona. Pesquisadores ja-
A P. aquilinum não é uma planta palatável, sen do o pon eses verificaram que o anel ciclopropil d a dienon a se
principal fator, ou cond ição que leva os an im ais a se abre e promove o aparecim ento de uma terminação livre
intoxicarem , a fom e. No entan to, há relatos de que em (OH) que interage preferen cialm ente com um átom o d e
períod o pós-estiagem, quando os pastos estão abund an - n itrogên io da base adenina do DNA, sendo essa substân-
tes, é comum observar que an imais continuam a prefe- cia aquela considerada, atualm ente, o verdadeiro compo-
rir a P. aquilinum (no campo, se costuma dizer que os nente tóxico. A dienon a é capaz de associar-se qu imica-
animais ficam "viciados" pela planta). Além d isso, acre- mente com uma infinid ade de proteínas com terminais
d ita-se que a baixa ingestão de fibr as faz com que os amino expostos, como o DNA, já que o p taqu ilosídeo
• • • •
anrma1s as 1ng1ram. atravessa a membran a celular e n u clear d as células. No
Em con dições naturais, as espécies animais domés- núcleo causa uma alteração permanente e irreparável em
ticas sensíveis à intoxicação por P. aquilinum são, em d etermin ad os gen es. Estes gen es são os que codificam a
ordem decrescente, a bovina, a equina, a ovina e a suín a. ativação de out ros gen es ou têm função reguladora d e
Deve-se consid erar que os b rotos d e P. aquilinum outros processos bioquímicos, como o gene p53 (regula-
são também consumidos por humanos, como salad a ou dor da apoptose e da supressão de tumores). Desse modo,
cozidos, p rin cipalmente n o Japão. Po r causa do seu a dienona p ropicia a form ação e multip licação d e u m
efeito carcinogên ico, o em prego d os brotos dessa plan- tecido afuncion al e canceroso.
ta deve ser abolido.
Sinais clínicos: os sin ais da intoxicação pela P. aquilinum
Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: os p rin - variam conforme a espécie an imal (m on ogástricos e po-
cipais com postos tóxicos presentes na P. aquilinum são ligástricos) e o tempo de in gestão da planta. A seguir, são
a tiamin ase (responsável por d istúrbios n eurológicos apresentados detalhadamente os quadros de intoxicação.
observad os somen te em m on ogástricos) e o p taquilo-
sídeo (glicosídio n orsesqu iterpênico, que possui ativi- Alteraçõ es neurológicas: os efeitos pr o duzidos pela
dade carcinogênica, mutagên ica e clastogênica). Alguns tiaminase são observados, como men cionad o anterior-
estudos experimentais em camundongos vêm m ostrando mente, em mon ogástricos (poligástricos apresen tam
que os efeitos imunossupressores da p lanta são produ- gran de p rodução de tiamina pelos microrganism os do
zidos pelo ptaquilosídeo, o qual prom ove a redu ção da rúmen ), send o a espécie equina a mais sensível a esses
citotoxicidade d e células natural killer (células NK) e a efeitos. O quadro clínico se in icia com discreta incoor-
resposta imune celular do tipo tardia (DT H). Verificou- d enação motora e evolui para an dar in certo e trôpego,
-se, aind a, que h ouve a preven ção desses efeitos quan do membros assumem posições anorm ais, dorso curvado,
co-administrou -se a esses animais o selênio. trem ores m usculares e son olên cia. Pode ocorrer a mor-
Deve-se salientar que é possível detectar esse p rin- te, precedida por espasmos clônicos e opistótono. Com o
cípio ativo tóxico no leite de vacas que consomem a P. con sequên cia da deficiên cia d e tiamina, cujos níveis
aquilinum e, portanto, deve-se considerar a intoxicação, séricos ficam baixos, a con cen t ração sangu ínea de pi-
ain da, com o uma preocupação na saúde pública. D essa ruvato é m arcadamente elevada. O diagn óstico diferen -
planta isolou-se, também , um glicosídio cian ogênico, a cial d eve ser feito com a raiva, a encefalomielite e com
pru nasin a, em quan tidade suficiente para p roduzir a a leucoen cefalomalácia equina (ver Capítulo 27), e com
intoxicação. uma outra plan ta que também apresenta a tiaminase, a
260 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Equisetum arvense (que possui o nom e vulgar de cava- mesenquim al, algumas vezes com severa anaplasia. Nor-
linha) que, por esse m otivo, apresenta síndrome idên- malmente verifica-se, tam bém , um a reação linfocítica
tica a essa descrita pela sam ambaia. severa n esse tecido.
Em ru m inantes, particular mente em bovin os, a Na n ecropsia, daqueles animais que apresentam o
intoxicação pela sam ambaia pode ser dividida em três carcinom a no trato digestivo superior, verificam-se for-
tipos: a diátese hemorrágica, a hem atúria en zoótica e mações neoplásicas de coloração am arelo-acinzentada,
os carcinomas do trato digestivo superior. infiltradas, n orm almente, n a base da língua, esôfago,
cárdia e rúmen . A histopatologia revela carcinoma epi-
Diátese hemorrágica: nesse quadro, costuma-se dizer dermoide (carcinoma escamoso), com grande formação
que a P. aquilinum apresenta um efeito radiomim ético de queratina.
(sem elhante ao efeito produzido pelo elemento químico
rádio. Não se sabe se o ptaquilosídeo é responsável por Tratamento e controle: não há tratam ento conhecido
essa form a de intoxicação. Os sin ais aparecem ao redor para nenhuma dessas formas de intoxicação produzida
de 3 a 8 semanas de ingestão da planta, sendo caracteri- pela P. aquilinum em rum inantes. A remoção dos animais
zados por hem orragias na pele e m ucosas, e sangram en - dos pastos invadidos pela planta não reverte nem altera
tos pelos orifícios naturais; em alguns casos, ocorre diar- o curso dessa afecção, sendo, portanto, aconselhado o
reia com coágulos de sangue. O exame de sangue revela abate do animal, tão logo seja diagnosticada um a dessas
o tempo de coagulação retardado, trombocitopenia, neu- form as de intoxicação.
tropenia, relativa linfocitopenia e anemia. A identificação e a erradicação da planta no pasto
é a melhor m aneira de se controlar a intoxicação. Pode-
Hematúria enzoótica: esse quadro tem aparecim ento se diminuir ou banir a presença da P. aquilinum no pas-
insidioso e acomete bovinos sem pre com m ais de dois to, por meio da calagem, já que a planta tem predileção
anos de idade. Ocorre em áreas esp ecíficas on de h á por solos ácidos.
exposição continuada ao P. aquilinum. Os animais apre-
sentam caracteristicamente a hem atúria interm itente; "'
PLANTAS QUE CONTEM ALCALOIDES
também anemia e perda de peso. O curso dessa doença PIRROLIZIDÍNICOS
dura diversos anos.
As plantas de interesse agropecuário que têm alca-
Carcinomas do trato digestório superior: tem-se su- loides pirrolizidínicos são a Crotalaria sp. (guizo-de-
gerido que há um a interação entre o papiloma vírus e -cascavel, xique-xique) (Figura 23.4) e Senecio braziliensis
o ptaquilosídeo da P. aquilinum para produzir esse qua- (flor-das-almas, flor de defunto).
dro. Dessa forma, a planta atuaria prom oven do a de-
pressão da resposta imun ológica do an im al ao vírus
p rodutor desse tumor. Esse tip o de intoxicação pela
planta ocorre em bovinos acima de cinco anos de idade . -. . ....._
e caracteriza-se por formações tumorais no trato diges- -.,·

tivo, com nódulos de diferentes tam anhos, que causam -·,. ...

obstrução mecânica. A manifestação clínica se traduz •


-' -
por tosse, regurgitamento, timpanismo, diarreia e acen - . • .' .
tuada perda de peso.
--
'

Necropsia e histopatologia: com relação aos animais que


apresentam o quadro de diátese h emorrágica, a histo-
patologia tem grande valor. Nessa avaliação verifica-se
a rarefação do tecido hematopoiético da medula óssea.
Nos animais acometidos pela hematúria enzoótica,
verifica-se na necropsia formações nodulares na bexiga,
que podem variar em tamanho, medindo desde a cabe-
ça de um alfinete até do taman ho de um a couve-flor,
tomando toda a bexiga. Na histopatologia, esse tecido
revela um p rocesso neoplásico de origem epitelial e FIGURA 23.4. Crotalaria sp.
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuário 261

Características gerais: os alcaloides pirrolizidínicos são camente, a intoxicação dos animais ocorre quand o há
compostos encon t rados em várias fam ílias de plan tas, escassez d e alimento. Ocasionalmente, também pod em
com o Compositae (Senecio sp.) e Leguminosae ( Crota- ocorrer surtos de intoxicação em decorrência de silagens
laria sp.). No entan to, até o m omento, não se sabe exa- con taminadas com a planta.
tam ente a função dessas substâncias na fisiologia desses As plan tas d o gên ero Crotalaria são amplam ente
vegetais. Vários são os tipos dos alcaloid es pirrolizidí- utilizad as como adubação verde, d estinadas à recupe-
n icos e u m a m esma plan ta po d e possuir u m ou mais ração de solos empobrecidos. Além disso, no Brasil, essa
deles. A S. braziliensis contém a retrorsina, senecionina leguminosa é en contrada am plamen te distribuída em
e a interregim ina; en q uanto a Crotalaria sp. con tém várias regiões com o planta nativa, sendo usada m uitas
m onocrotalin a (principal alcaloid e), espectabilina e a vezes com o forrageira para o gado.
retusina. A C. spectabilis, em particular, contém as maio-
res quantid ades d e m onocrotalina, sendo, portan to, a Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação : os prin-
espécie m ais tóxica. As estruturas químicas desses alca- cípios ativos tóxicos são os alcaloid es pirrolizidínicos.
loides são apresentadas n o Capítulo 22 (Figura 22.3). Uma vez n o organism o, esses compostos podem se dis-
Nos seres h u m an os, a intoxicação por alcaloides t ribuir por vários tecidos ou serem convertid os a m e-
pirrolizidínicos pode ocorrer pela in gestão de uma in- tabólitos (tóxicos ou não), no fígad o, especialmente na
fusão de plantas do gênero Crotalaria, em um prepara- região centrolobular. As p rincipais vias d e biotransfor-
do denominado de bush tea, muito popular na Jam aica. mação desses com postos nos anim ais são: a detoxifi-
Uma outra m aneira d e in toxicação é o consu m o, na cação p or meio da reação de h idrólise p or esterases
form a d e chás, de Symphytum officinalle, popularmen- h epáticas, fornece ndo uma base e u m ácido bastante
te conhecido n o Brasil com o confrei, e utilizad o com hidrossolúveis e não tóxicos, e N -oxidação d os ésteres,
finalidades medicinais. Sabe-se que as folhas d essa plan- catalizada por oxid ases de fu nção mista. Nessa reação
ta contêm, pelo menos, oito tipos d e alcaloides pirroli- haverá a form ação de N -oxid os hidrossolúveis, favore-
zidínicos. A intoxicação por alcaloides pirrolizidínicos, cen do sua excreção renal. Os alcaloides pirrolizidínicos
em humanos, pode ocorrer também ind iretamente, por podem aind a sofrer ativação pelas oxid ases de fu nção
exemplo, pelo consumo de m el feito do néctar de plan- mista, formando m etabólitos tóxicos d enominad os pir-
tas que contêm esses compostos, ou, aind a, pelo consu- róis ( ou d erivados di-hidropirrolizidínicos). Os pirróis
mo de leite d e vacas que ingeriram plantas contendo os são compostos altamente reativos e agen tes alquilantes,
alcaloid es pirrolizid ínicos. Portanto, essas plantas têm podendo, portanto, ligarem-se ao DNA, RNA e proteínas,
grande importância na saúde pública. Na criação animal, causando efeitos tóxicos ao n ível hepático, tais como
as intoxicações por plantas que contêm alcaloid es pir- edema, necrose centrolobular, megalocitose, proliferação
rolizidínicos vêm sendo descritas em bovin os e equinos. dos duetos biliares, oclusão e perda da função hepática.
A S. braziliensis é uma planta invasora de pastagens. A Figu ra 23.5 mostra o processo de biotransformação
Não é uma planta palatável; d essa forma, caracteristi- hepática dos alcaloides pirrolizidínicos.

RCCO OCOR

1
RCCO OCOR o
glutatlona et c.
OCOR

RCCO excreção
)
renal
alcaloide
pirrolizidínico

DNA, RNA ou protalnaa


OC OR

= =);> toxicidade

FIGURA 23.5. Esquema da biotransformação hepática dos alcaloides pi rrolizidínicos e produção de metabólito tóxico.
262 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Além de danos hepáticos, a monocrotalina, alcaloi- de macrófagos, alveolite fibrosante difusa com membra-
de pirrolizidínico en contrado n a Crotalaria sp., atinge nas hialinas, congestão, epitelização alveolar e vasculite.
a corrente circulatória, podendo chegar nos pulm ões e Além disso, a monocrotalina pode promover, ao nível
causar um quad ro denominado síndrome vascular pul- renal, glomerulonefrite e lesões tubulares.
monar, caracterizada por vasculite proliferativa, hiper-
tensão pumonar e cor pulmonale. Esse alcaloide pode Tratamento e controle: existem, experim entalmente,
também ch egar aos rins e lá prom over glom erulonefri- tentativas para o controle da intoxicação por alcaloides
te e lesões tubulares. pirrolizidínicos pelos animais, alterando-se o processo
Alguns estudos têm também m ostrado efeitos imu- d e biotransform ação dos alcaloides pirrolizidín icos.
n otóxicos da m on ocrotalina, prom ovendo imunossu- Para tanto, tenta-se o uso de amin oácidos de form a a
pressão em linfócitos T e B. No entanto, até o m om en- suprir os radicais sulfid rila para a conjugação com os
to n ão se sabe por qual m ecanismo de ação ocorre essa pirróis. O uso de cisteína vem sendo utilizado com esse
disfunção n o sistema imun e; p or outro lado, esses efei- objetivo.
tos foram observados em doses bem menores que aque-
las necessárias para produzir alteração no fígado, pul- Cestrum axillare e Sessea braziliensis
- e rins.
m oes .
A C. axillare, anteriorm ente con hecida com o C.
Sinais clínicos: nos anim ais intoxicados pelo S. brazilien- laevigatum (dama-da-noite, coerana) é um arbusto ou
sis, os sinais traduzem o com prometimento da função árvore pequena, enquanto a S. braziliensis (peroba-d'água,
hepática. Dessa form a, com o há decréscim o de secreção canela-de-veado) é uma árvore de porte médio. Ambas
de bile, observa-se aum ento dos níveis de bilirrubina, são encontradas em várias regiões do Brasil, particular-
promovendo a icterícia. Além disso, verifica-se fotossen - mente n o Sudeste.
sibilização, ascite, edem a de tecidos do trato gastrointes- A intoxicação por essas plantas ocorre quando da
tinal, depressão e comportamento anorm al. Em equinos, ingestão dos brotos após o corte dos troncos nas limpe-
as alterações neurológicas são bem m arcadas, o animal zas de pasto ou m esm o desm atam ento para form ação
apresenta cegu eira e caracteristicam ente pressionam a de pastos novos. No caso da S. braziliensis a intoxicação
cabeça contra objetos sólidos. Essa alteração neurológica tam bém ocorre p elo con sum o de frutos e das folhas
é conhecida com o encefalopatia hepática e norm almen- murchas após o corte das árvores.
te aparece em estágios fin ais da intoxicação. Até o m om ento n ão se sabe qual(is) ser ia(m ) o(s)
As enzimas que devem ser pesquisadas incluem a princípio(s) ativo(s) tóxico(s) presente(s) na S. brazi-
gam aglutam il transferase (gama-GT ), fosfatase alcalina liensis. No entanto, com relação a C. axillare, um estudo
e glutamato desidrogen ase. O ut ra con sequ ên cia da recente apontou serem os compostos carboxiatractilo-
intoxicação por alcaloides pirrolizidínicos é a anemia; sídeos responsáveis pela toxicidade. No entanto, até o
portanto sugere-se realizar também o h emogram a. m omento, não foi proposto o mecanismo pelo(s) qual(is)
Nos animais intoxicados pela Crotalaria sp., verifi- ocorreria a toxicidade. Ambas as plantas produzem um
ca-se, além dessas alterações descritas anteriormente, quadro de hepatotoxicidade muito sem elhante àqueles
sintom as de com prometimento do trato respiratório, produzidos pelos alcaloides pirrolizidínicos.
com o dispneia. A profilaxia se faz pela erradicação dessas plantas
no pasto.
Achados de necropsia e histopatologia: na n ecropsia
p ode ser eviden ciado o au mento de con sistên cia do Thiloa glaucocarpa
fígado, ascite, edema do m esentério e das paredes do
abomaso e, ainda, icterícia. Nomes vulgares: sipaúba, vagueta.
A histopatologia revela necrose hepática periacinar,
m egalocitose hepatocelular, fibrose hepática, edem a de Características gerais: a T. glaucocarpa cresce particu-
hepatócitos, cariom egalia e proliferação dos duetos bi- larmente n as regiões de caatin ga. A intoxicação pela
liares. Nos an im ais expostos à m onocrotalin a, além planta, que popularm ente é conhecida como "mal da
dessas alter ações, p odem ser eviden ciados, ao n ível ram a murcha': "popa inchada'' ou "venta seca'' foi des-
pulm onar, edem a e hem orragias de intensidade média crita som ente em bovinos.
a m oderada, megalocitose do tipo II das células do epi- A intoxicação ocorre, em surtos, n orm almente no
télio alveolar, intumescim ento do alvéolo pela presença com eço da estação chuvosa. Os an imais começam a
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuá rio 263

apresen tar as alterações en t re o 10° e o 25° dia após a todo o túbulo. Nas alças d e H enle pode h aver degene-
p rimeira chuva. Parece que esse fato ocorre porque os ração gordurosa.
bovinos ingeririam gran de quantid ade da T. glaucocar-
pa, que é uma plan ta que brota m ais rapidamente, com - Tratamento e profilaxia: não se conhece nenhum t ra-
parativam en te às outras, n os d ias imediatamente após tam ento para essa intoxicação. A profilaxia consiste em
as chuvas. A incidência dessa afecção varia muito de ano reconhecer a T. glaucocarpa no pasto e retirar o gad o de
a ano e está d iretam ente relacionada à man eira como áreas cuja planta esteja p resente, na época do início d as
se iniciam as chuvas. chuvas.

Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: até o A maranthus sp.


m omento, não foram iden tificad os os princípios ativos
tóxicos d a T. glaucocarpa, portanto, n ão se sabe qual o Nome popular: caruru.
m ecanismo d e ação.
Características gerais: o Amaranthus sp. é um arbusto.
Sinais e sintomas: a m an ifestação clínica m ais carac- Existem várias espécies d esse gên ero no Brasil, particu-
terística são os edemas subcutâneos, particularm ente larmente tendo sido descritas intoxicações com A. reflexus,
n a parte posterior da coxa (de on de vem a denomin a- A. hybridus e A. spinosus. A planta é amplamente distri-
ção popular de "popa inchadá'), também períneo, região buída no Brasil, sendo seu habitat os solos férteis, em ter-
supr am am ária, região do p rep úcio e escroto, parte renos baldios ou lavouras anuais. Os surtos de intoxicação
inferior do abdôm en, pod end o se esten der até a região pelo Amaranthus sp. está associado à escassez de alim en-
inferior da barbela. Em alguns casos de intoxicação, os to, já tendo sido descrita para suínos, ovinos e bovinos.
animais apresentam significantes alterações d igestivas,
com an orexia, parada d a ruminação e as fezes resse - Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: acredi-
quidas ("venta seca''), recobertas por m uco. Em fases ta-se que sejam os oxalatos, p resentes em concentrações
posteriores da doen ça, as fezes tornam-se de consistên- elevadas na planta, os responsáveis pela intoxicação; no
cia pastosa, ainda com m uco e, algumas vezes, raiad as entanto, são necessários m ais estud os fitoquímicos.
de san gue. Os bovin os apresentam , ain da, emagreci-
mento progressivo, depressão, pelo áspero e polidipsia. Sinais e sintomas: os principais sintomas de intoxicação
A u r ina apresen ta-se d e coloração n ormal, mas n or- pela planta aparecem d e duas a quatro semanas da sua
malmente se verifica polaciúria. O índice d e letalidade ingestão continuad a, send o observados depressão (os
nessa intoxicação é bastante elevado, aproximadamen- animais perm anecem em d ecúbito por períod os pro-
te 80%. longad os), anorexia, corrimento san guinolen to pelas
O exame laboratorial pod e revelar au m en to n os narinas e, em alguns casos, d iarreia. Pode haver ema-
n íveis séricos d e ureia, creatinina e bilirrubina. Presen - grecimento significativo e polidipsia, sobretud o naque-
ça de albumina, sais biliares e cilindros na urina. les casos m ais crôn icos. Pod e-se verificar tam bém, em
algu ns casos, ed em as. D a m esm a m aneira que ocor re
Necropsia e histopatologia: os achados d e necropsia com a T.glaucocarpa, o ín dice d e letalid ad e também é
se traduzem por edemas subcutâneos, derrames serosas alto nessa intoxicação.
n as cavid ades abd ominal e torácica, n o saco pericárdi-
co e ed em as no m esen tério. Os rins ap resentam-se de Necropsia e histopatologia: basicamen te, verifica-se
coloração pálid a com a p resen ça d e pontos verm elhos na necropsia petéquias no tecido subcutâneo e serosas,
n a superfície de corte. Hem orragias nas serosas n o epi presença d e líquido seroso nas cavidades abdominal e
e end ocárdio, n as mucosas d a t raqueia, abomaso e do torácica e con gestão d a mucosa do abom aso, edema
intestino delgad o e grosso. Algumas vezes, podem-se perirrenal. Podem ser verificados, em alguns casos des-
encontrar n a m ucosa d as narinas, faringe, laringe, tra- sa intoxicação, ed ema de mesentério, ascite h idrotórax
quéia e esôfago extensas áreas de necrose recobertas por e hidropericárid o. Na histopatologia, a lesão m ais im -
fibrina e ulcerações. portante é a nefrose tubular tóxica.
As alter ações h istopatológicas m ais sign ifican tes
nessa afecção são encontradas nos rins, que apresentam Tratamento e profilaxia: não se conhece nenhum trata-
n efrose tubular tóxica. As células epiteliais necróticas mento para essa intoxicação. A profilaxia é baseada no
se transformam em uma m assa eosinófila, preenchendo roçam ento daquelas áreas invadid as por Amaranthus sp.
264 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Dimorphandra mol/is aumento de líquido nas cavidades torácica e abdom inal,


edema do mesentério, h em orragias petequ iais n a su-
A Figura 23.6 ilustra a D. mollis. perfície dos rins. A histopatologia revela, como achado
mais importante, a necrose de coagulação nos túbulos
Nome vulgar: faveira. contorn ados proximais.

Características gerais: a faveira é uma árvor e de pe- Tratamento e profilaxia: não há tratamento conhecido
queno a médio porte, utilizada nas pastagens para som- para essa intoxicação. A profilaxia se baseia em impedir
breamento. É encontrada nas regiões Sudeste e Centro- o acesso de bovinos em pastos com gran de quantidade
-Oeste, ten do como habitat o cerrado. Os relatos de de favas da D. mollis.
intoxicação até o momento são em bovinos e, norm al-
m ente, ocorrem quan do h á escassez de pastagem e as A te/eia g/azioviana
favas da D. mollis caem ao ch ão, quan do, então, são
avidam ente consumidas pelos animais. A introdução Nomes vulgares: timbó, cinamomo-bravo e Maria-preta.
de an imais em pastagens on de há grande quantidade
das favas dessa planta caídas ao ch ão tamb ém pode Características gerais: A. glazioviana é uma árvore
desencadear a intoxicação. en contrada principalmente na região Sudeste do Brasil.
A intoxicação por essa planta foi descrita apenas em
Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: até o bovinos. O consumo da planta ocorre no final do outo-
momento, não se sabe qual(is) o(s) princípio(s) ativo(s) no, início do inverno, ten do boa palatabilidade.
tóxico(s) da faveira, consequentemente, não se sabe qual
seria o mecanism o de ação. Principio ativo tóxico e mecanismo de ação: n ão se
conhece o(s) princípio(s) ativo(s) tóxico(s) da planta e,
Sinais clínicos: geralm ente, os sintom as aparecem a consequentemente, seu mecan ismo de ação.
partir do segun do dia de consumo da planta e são ca-
racterizados por anorexia, emagrecimento progressivo, Sinais clínicos: nessa intoxicação, são caracterizados
decúbitos con stantes, fezes de consistên cia pastosa a três quadros clínicos. No primeiro, o animal se apresen -
semilíquida com muco e estrias de sangue. Alguns ani- ta caracteristicam ente letárgico, sendo que em alguns
m ais apresentam edemas subcutân eos, particularm en- se verifica edema, particularmente na barbela. Alguns
te n o abdôm en . A avaliação do sangue revela aumento dos anim ais que adoeceram p odem se recuperar; n o
de ureia e aspartato transam inase. O exam e de urina entanto, em outros há recorrência, observada entre dois
pode mostrar a presença de cilindros h ialinos, albumi- e três meses após a recuperação, com acentuado edema
n a e glicose. de barbela. Geralmente, o êxito, nesse caso, é letal. No
outro quadro de intoxicação, já h á, logo de in ício, o
Necropsia e histopatologia: na necropsia, os ach ados aparecim ento acentuado de barbela e cansaço (perce-
m ais fr equentes são de edema n o tecido subcutâneo, be-se claramente que esses animais doentes n ão conse-
guem acompanhar o resto do rebanho). No terceiro tipo
de intoxicação pela A. glazioviana, verifica-se a m orte
súbita, sem qualquer sinal anterior de adoecim ento do
an im al. É relatada tam bém um a frequên cia bastante
elevada de abortamentos de animais gestantes que con-
sumiram essa planta.

Necropsia e histopatologia: as pr in cipais alterações


observadas na necroscopia são no coração, no qual se
observam áreas pálidas ao corte do miocárdio, particu-
larmente próximo às coronárias. Naqueles bovinos que
apresentam edema n a barbela, pode-se tam bém verifi-
car edemas subcutân eos do h idrotórax, ascite, edema
de mesentério e congestão hepática, que, ao corte, apre-
FIGURA 23.6. Dimorphandra mal/is. senta-se com aspecto de noz-moscada.
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuá rio 265

Na histopatologia, as alterações são principalmen- Tratamento e profilaxia: não há tratamento conhecido


te observadas no miocárdio, caracterizadas p or tume- para essa intoxicação. A profilaxia se baseia em impedir
fação e necrose de fibras cardíacas, sendo também fre- o acesso de bovinos em pastos com grande quantidade
quente o ap arecimento de vacuolizações. Pode haver da planta.
fibrose cardíaca, bem como infiltrado de m acrófagos
m ultifocal. PLANTAS QUE CAUSAM ALTERAÇÃO NO
DESEMPENHO
Tratamento e profilaxia: não h á nenhum tratam ento
conhecido para essa intoxicação. A profilaxia se baseia As plantas desse grup o causam intoxicações que,
em im pedir o acesso de bovinos em pastos com A. gla- caracteristicamente, promovem queda na eficiência pro-
zioviana. A erradicação da planta na propriedade é bas- dutiva dos animais. Em geral, as alterações se arrastam
tante difícil, já que o corte das árvores favorece a brota- por meses, ou até m esm o por anos. Geralmente, não há
ção pelas suas raízes gemíferas, tornan do as folhas de alterações clínicas significantes e/ou patognom ônicas,
m ais fácil acesso aos bovinos. tornando o diagnóstico dessa intoxicação bastante difícil.
Em bora possam ocorrer m ortes, inclusive aguda, por
Tetrapterys sp. plantas pertencentes a esse grupo, isso é observado, em
form a de surtos, de m aneira muito esporádica.
Nomes vulgares: cipó-ruão, cipó-preto, cipó-ferro ou
cipó-verm elho. Solanum malacoxylon

Características gerais: Tetrapterys sp. é um cipó típico Nome vulgar: espichadeira.


principalmente da região Sudeste do Brasil. As principais
espécies são T. acutifolia e T. multiglandulosa. Em con- Características gerais: S. malacoxylon é um arbusto,
dições naturais, a intoxicação por essa planta só foi des- tendo gran de ocorrência no pantan al mato-grossense
crita n a espécie bovin a. Os animais ingerem a planta e, também, no Rio Grande do Sul. A intoxicação ocorre
n orm almente na época de seca, quando há brotação. com maior intensidade quando há a ingestão das folhas
caducas, isto é, quando estas começam a cair no início
Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: não se do verão até o final do outono. O consumo da S. mala-
conhece o(s) princípio(s) ativo(s) tóxico(s) da planta e, coxylon se faz quando as folhas desta se m isturam às
consequentemente, seu m ecanism o de ação. plantas nativas, provavelmente por n ão ser um a planta
palatável. O princípio ativo tóxico da planta pode per-
Sinais clínico s: as alterações observadas nos an imais sistir por muitos meses, mesmo com o dessecam ento da
ocor rem de um a a quatro sem anas após o in ício da folha.
ingestão da Tetrapterys sp., sendo elas: dificuldade de
locomoção, cansaço, fraqueza, anorexia, tremores mus- Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: o princí-
culares e dispneia branda. Pode-se eviden ciar a pre- pio ativo tóxico da S. malacoxylon é o 1,25 di-hidroxi-
sen ça de edem a, principalmente na região da barb ela. colicalciferol ou l,25(0H)2D3 (vitamina D3), a qual se
Na auscultação do coração, verificam-se arr itm ias. O en contra conjugada a um glicosídio de composição
índice de letalidade é elevado. Da mesm a maneira que ainda não determinada. Portanto, a calcinose ocorre por
ocorre com a A. glazioviana, verificam-se com bastan- excesso de consumo de vitamina D3 pelo animal.
te frequência abortamentos nas dife rentes fases da O mecanismo de ação da vitamina D3 se faz quan-
gestação. do esse hormônio adentra as células do intestino, ligan-
do-se a receptores específicos na crom atina nuclear, na
Necropsia e histopatologia: as lesões mais significantes qual estimula a expressão gênica, levando ao aumento
são observadas no coração, encontrando-se áreas claras, da síntese de proteínas depen dentes de vitamina D, tais
bastante nítidas, ocupando boa parte do miocárdio, que como as calcium bound protein (CaBP ou calbidina),
n o rmalm ente encontra -se em con sistên cia rígida. O específicas de células intestinais. Assim, a capacidade
tecido hepático n ormalmente tam bém está alterado, de absorção de cálcio n o intestino está diretam ente re-
verifican do-se ao corte o aspecto de noz-moscada. Po- lacionada à quantidade de calbidina presente.
dem-se também observar edemas e derram es n as cavi- Uma outra função do l,25(0H)2D 3 é a mobilização
dades pré-form adas. do cálcio ósseo, por meio da absorção óssea, ativando,
266 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

assim, a proliferação osteoclástica. A vitamina D3 esti- Nomes vulgares: fedegoso, mata-pasto, mamangá, sene,
mula também a absorção de fosfato. Portanto, essa in- cigarreira, lava-pratos.
toxicação ocorrerá em decorrência da excessiva absor-
ção d e cálcio e também fósforo, acar r et ando na Características gerais: a S. occidentalis é um arbusto
calcificação m etastática, em decorrência da deposição que pode ser en contrado em quase todo o Brasil, em
de sais de cálcio em tecidos moles, tais como fibras mus- pastagens e culturas de cereais, como o milho, o sorgo,
culares de artérias, miocárdio, tendões, musculatura lisa o trigo e a soja. A intoxicação pode ocorrer por m eio
da parede estomacal e intestinal, rins e pulmões. da ingestão da planta toda, como ocorre em bovin os.
Porém, a forma mais comum de intoxicação se faz pela
Sinais clínicos: as manifestações clínicas aparecem em forma indireta, quando as sementes da S. occidentalis
decorrência da redução drástica no peso, cifose, distúr- não são separadas dos grãos dos cereais. Portanto, essa
bios de locomoção e depravação de apetite. Como os afecção ocorre também em criações animais confinadas,
animais não conseguem flexionar o carpo, associado ao como na avicultura. Embora a semente da S. occidenta-
em agrecimento, estes têm um aspecto de terem aumen- lis seja a principal causadora de intoxicações m ais seve-
tado de tamanho, "espichados"; portanto, essa doença é ras, outras partes dessa planta, como as folhas, caules e
também conhecida como "espichamentó'. Com a evo- vagens são consideradas tóxicas.
lução da doença os animais n ão con seguem mais se
levantar, perm anecendo em decúbito constante. A aus- Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: o princí-
cultação do coração revela arritmias. A avaliação san- pio ativo tóxico é a diantrona, uma antraquinona. Pro-
guínea revela n íveis elevados de cálcio e fósforo. põe-se que essa substân cia promova alterações mito-
condriais, produzindo edema e alterações na estrutura
Necropsia e histopatologia: a avaliação, tanto nane- interna dessa organela.
cropsia quanto n a histopatologia, revela calcificação da
aorta e artérias maiores, do endocárdio, incluindo-se as Sinais clínicos: os principais sintomas dessa intoxicação
válvulas, medular da renal e tendões. Nos pulmões a se traduzem por abatimento, tremores musculares, diar-
calcificação é associada ao enfisema. O tecido ósseo se reia, principalmente em ruminantes, mioglobinúria e
apresenta compacto e pesado (osteopetrose). incoordenação motora. Na intoxicação com doses baixas
da S. occidentalis, as únicas alterações que podem ser
Tratamento: não há tratamento para essa afecção. Pro- ver ificadas seriam a diminuição no ganho de peso e a
filaticamente recomenda-se a erradicação da planta nas queda na produção. Foram encontradas alterações bem
pastagens. consistentes no sistema imune de aves e ratos intoxicados
experimentalmente com as sementes da planta, em doses
Senna occidentalis bem inferiores àquelas que causaram alterações físicas.
Foram também verificados efeitos teratogênicos, na pro-
A Figura 23. 7 ilustra a S. occidentalis. le de ratas e cabras tratadas experimentalmente, com as
sementes de S. occidentalis durante a gestação.

Achados de necropsia e histopatologia: os principais


achados de necropsia, nas diferentes espécies animais,
são as degenerações do músculo esquelético e cardíaco.
Além disso, pode-se também verificar alterações no
fígado, músculo e sistema n ervoso central.
A histopatologia revela, ao nível da musculatura
esquelética, atrofia e edema intersticial. No miocárdio
verifica-se degeneração vacuolar, com desorganização
da estrutura m uscular. O tecido hepático mostra dege-
neração vacuolar de hepatócitos próximos à veia hepá-
tica terminal. No rim, observa-se vacuolização do epi-
télio dos túbulos contorcidos; enquanto que no sistema
nervoso central, pode haver o aparecimento de vacuo-
FIGURA 23.7. Senna occidentalis. lizações axonais.
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuá rio 267

Tratamento e profilaxia: não há tratam ento para essa veria a produção de sapogeninas, a partir das saponinas,
intoxicação. Profilaticam ente, é fun d amental q ue se e essas prom overiam , então, a hepatotoxicidade.
err adique essa planta antes de proceder à colheita dos

cereais. Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: como
dito anteriormente, a teoria ainda m ais aceita atualmen -
Brachiaria decumbens te defen de que o princípio ativo tóxico prin cipal é a
esporodesmina, produzida pelo fungo P. chartarum, que
Nome vulgar: braquiaria. produziria a denominada fotossensibilização hepatóge-
na. É também proposto que ambas as toxinas (esporo-
Características gerais: a B. decumbens foi introduzida desm in a e as saponinas esteroidas litogênicas) poderiam
pela prim eira vez n o Brasil em 1952 p elo instituto de atu ar sinergicam ente, causando, assim, a toxicidade.
Pesquisas Experimentais Agropecuárias do Norte e seu Deve-se salientar que a esporodesmina pode passar pelo
plantio era feito por estolhos. Essa limitação de plantio leite, promovendo a fotossensibilização também no
foi contornada a partir de 1972 p ela im portação, da anim al lactante.
Austrália, de sem entes de alto poder germinativo. A B. A fotossensibilização h epatógena ocorre quando a
decumbens é uma espécie que se adaptou bem, em vir- disfun ção hepática ou a obstrução biliar prejudicam a
tude da tolerân cia a solos de baixa fertilidade e ácidos, excreção normal da filoeritrina pela bile. A filoeritrina
facilidade em estabelecer-se, crescim ento rápido e alta é um agente fotodinâmico derivado da clorofila existen -
produtividade. A aceitação por parte dos pecuaristas foi te nos vegetais ingeridos e biodegradada pela ação da
tal, que não só nas regiões dos cerrados, m as também flora do trato gastrointestinal dos herbívoros. É normal-
em outras regiões do Brasil Central, encontram-se m ais mente excretada com a bile, de modo análogo à bilirru-
de 30 milhões de hectares plantados un icamente com bina. No entanto, quando há a disfunção hepatocelular
essa gram ínea. De m odo geral, pode atribuir-se o cres- ou a obstrução biliar, impede-se que h aja a excreção
cente papel que o gênero vem assumindo, nas regiões normal da fi.loeritrina, prom ovendo o acúmulo de ele-
pecuárias, às seguintes características: são gramíneas de vados níveis dessa substância no sangue e nos tecidos.
alta produção de m atéria seca; adaptaram-se bem a As moléculas da filoeritrina absorvem energia lu-
dife rentes tipos de solos; n ão apresentam problem as minosa, em um com primento específico de on da, pas-
limitantes de doen ças e seu crescimento é bem distri- sando para um estado de alta energia. As moléculas
buído dur ante a m aior parte do an o. excitadas, geralmente na presença de oxigênio, passam
Apesar das grandes vantagens de se utilizar a B. por um a série de reações na derme. Assim, a ação fotos-
decumbens com o forrageira, a ocorrên cia da fotossen - sensibilizante da fi.loeritrina deve-se a reações fotoquí-
sibilização hepatógena (ou secundária, já que a fotos- micas, com form ação de radicais livres, promovendo a
sensibilização ocorre por, prim ariam ente, lesão hepáti- peroxidação de lipídios e o desarranjo das estruturas
ca) tem sido verificada, em reban h os de animais que celulares, resultando em liberação de enzim as hidrolí-
consomem essa planta, em diversas partes do m undo. ticas e mediadoras do processo inflam atório, acarretan -
Essa doença ocorre, naturalm ente, em ruminantes do- do, então, em dermatite necrótico-purulenta. Dessa
m ésticos (ovinos, caprinos, bovinos e bubalinos) e em maneira, para que haja o desencadeamento dessa pato-
equídeos. logia, são necessários dois fatores: a radiação solar di-
Com relação ao princípio ativo tóxico, há ainda con- reta e a pele despigm entada e/ ou pouco espessa.
trovérsia. Assim, é proposto que a toxicidade promovi-
da pela B. decumbens seria decorrente da presen ça de Sinais clínicos: a esporodesminotoxicose pode mani-
um fungo, o Phytomyces chartarum, encontrado nessa festar-se clinicamente de quatro formas:
gramínea. Dessa maneira, o P. chartarum seria o produ-
tor de uma toxina, denom inada esporodesm ina ( e por • Subclínica: não existem sintomas clínicos, somente
isso a doença é também conhecida como esporodesmi- perda de peso (de 1 a 2 kg/dia), em bovinos. Em va-
n atoxicose), que causa distúrbios no m etabolism o he- cas, verifica-se também acentuada queda na produ-
pático e derm atite. Por outro lado, há ainda uma outra ção leiteira. A bioquím ica sanguínea revela níveis sé-
corrente de pesquisadores que atribuem às saponinas ricos altos de GGT e AST. Esse quadro representa
esteroides (saponinas esteroidais litogênicas), produzi- grande perda no desempenh o da pecuária nacional.
das pela B. decumebens. Nesse sentido, alguns pesqui- • Crônica moderada: os sintomas instalam-se de for-
sadores sugerem que o m etabolismo ruminal promo- m a gradativa, com lesões cutâneas pouco intensas
268 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

e sem m anifestação clínica d e icterícia. Há evolu- No entanto, pode-se controlar essa intoxicação por
ção espontânea para cura de 8 a 30 dias. Os níveis meio do diagnóstico precoce e da retirada do an imal
séricos de AST e GGT são elevados. A perda de peso das pastagens "perigosas". Diz-se que a pastagem está
é acentuada. perigosa quando há alta umidad e relativa do ar e tem -
• Crônica grave: também tem início e evolução de peratura. Pode-se avaliar o potencial perigo desse pasto
forma gradativa; no entanto, verifica-se o apareci- ao realizar-se a contagem do número de esporos na
mento de icterícia, aproximadamente 3 semanas câmara hematimétrica. Nesse método, coleta-se uma
após o início da derm atite, que persiste por longo certa quantidade de folhas da forrageira e coloca-se em
período (ao redor de três meses). As alterações cutâ- um recipiente contendo dez vezes mais água (por exem -
neas são observadas na região das orelhas, focinho plo, se forem coletados 1O gramas das folhas, acrescen-
e a pele da região caudal do úbere nas vacas e a pele ta-se 100 mL de água). Homogeniza-se bem e coleta-se
dos testículos em mach os. Portanto, as áreas da der- 2 m L dessa m istura, colocando-se em uma câmara he-
me mais sujeitas às lesões são aquelas com menor matim étrica. Cada esporo representa 5.000 esporos por
espessura e pouca cobertura de pelos, com pouca grama da forrageira; se houver 40 esporos (descontar
ou totalmente desprovidas de pigmentação. Os ní- os esporos velhos) na contagem final em um dos lados
veis séricos de AST e GGT estão elevados. A perda dessa câm ara, devem -se retirar os anim ais do pasto, ou,
de peso é bastante significante, calculando-se que altern ativamente, proceder ao corte da B.decumbens.
no transcorrer dessa afecção o animal perca, apro- Evita-se, assim, que as folhas grandes cresçam e se en-
ximadam ente, 30% do peso. rolem, propiciando condições ideais de temperatura e
• Aguda: é de mais difícil ocorrência e caracteriza-se u midade para a p roliferação do fungo.
por lesões cutâneas superficiais e ausência de icte-
rícia, possivelmente pelo óbito ocorrer antes da ins- Lantana camara
talação d a estase biliar. A morte é fulm inante, dois
a cinco d ias após o início dos sintomas, lembrando A Figura 23.8 ilustra a L. camara.
um quadro de choque. Dois fatores d evem ser con -
siderados nesses casos: a predisposição individual Nomes vulgares: chumbin h o, amendoim-de-grilo.
e a variação de toxicidade entre as diferentes cepas
do fungo. Características gerais: existem muitas variedades de L.
camara, que variam na cor das flores, no habitat e em
algumas características morfológicas. São plantas cos-
Achados de necropsia e histopatologia: o aum ento de mopolitas, sendo que no Brasil podem ser encontradas
volume d o fígado e do r im são os p rin cipais achados em todas as regiões. A intoxicação ocorre pela ingestão
macroscópicos. O fígado apresenta padrão lobular e contínua e prolongada da planta. O dessecamento não
consistência friável. No exame microscópico do fígado acarreta perda da toxidez da L. camara.
é observada necrose de hepatócitos e d o epitélio biliar;
obstrução de pequenos duetos; presença d e cristais ou
fendas aciculares d entro, ou em torn o dos duetos bilia-
res. Os mesmos cristais são vistos dentro dos hepatóci-
tos sinusoides e macrófagos e/ou células de Kupfer.
Observam-se, tam bém, fibroplasia e h iperplasia dos
duetos biliares. No rim foi observada presença d e cris-
tais n os túbulos renais, atrofia tubular, m ineralização
da medula e glomerulonefrite proliferativa; n ecrose e
dilatação d os túbulos renais com presença de material
. , . .
p rote1naceo no seu 1nter1or.

Tratamento e controle: como os animais apresentam


sintom atologia clínica, aproximadamente duas semanas
após o início da ingestão, as lesões ao nível hepático já
estão bem determinad as, assim, não há tratamento efi-
caz para essa intoxicação. FIGURA 23.8. Lantana camara.
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuá rio 269

Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: os princí- Nomes vulgares: can ud o, m anjoran a, algodão-bravo,
pios ativos tóxicos da L. camara são triterp en os, os lan- capa-bode.
tadenos A e B, send o o lan tad en o A aproxim ad amen te
três vezes mais tóxico que o lantadeno B. Esses triterpenos Características gerais: a 1. carnea, an teriorm ente co-
promovem lesão, p rimariamente, ao nível do fígado, le- nhecid a com o 1. .fistulosa, é uma planta arbustiva, com
vando à colestase in tra-hepática, resultan te d a in ibição ampla distribuição geográfica. É encontrada, p rincipal-
da saída d a secreção biliar para den tro d os canalículos. mente, na região Nordeste d o p aís, on de é uma d as
Essa alteração acarreta saíd a d a filoeritrina para a cor- poucas plantas que se conserva verde durante o período
rente circulatória, p roduzindo aquelas reações químicas da seca; portanto, a in toxicação produzida por essa plan-
já descritas na intoxicação pela B. decumbens, culminan- ta n ormalmente ocorre em períodos em que há escassez
do, assim , em dermatite necrótico purulenta. de forrageira. Seu habitat é nas margens dos rios e lagoas
ou em regiões inu ndáveis que ficam cobertas d e água
Sinais clínicos: as p rincipais alterações observad as são d u rante parte d o an o. Em condições n atu rais, foram
de fotossensibilização, icterícia, desid ratação, estase d escritas intoxicações em bovinos, ovinos e, principal-
ruminal e insuficiência renal na fase terminal, em casos mente, caprin os.
graves dessa intoxicação.
Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação : foram
Necropsia e histopatologia: as prin cipais alterações detectados os prin cípios ativos tóxicos suainsonina, um
observadas à necropsia são as lesões cutâneas e a icte- alcaloid e indolizidínico e os alcaloides nortropânicos:
r ícia generalizada. Na histopatologia verifica-se, ao n í- as calisteginas Bl, B2, B3 e C l . A swainsonina é o p rin-
vel d o fígado, prolife r ação d as células epiteliais d os cipal princípio ativo tóxico da 1. carnea, cujo mecanismo
duetos biliares, em alguns locais verifica-se focos de d e ação está na in ibição d a enzima alfamanosid ase li-
n ecrose de hepatócitos. Nos r ins, pod em-se obser var sossom al, que resulta no acúm ulo de oligossacarídeos
alterações degenerativas e necrose dos túbulos contor- não m etabolizados no interior de lisossomos. Esse pro-
n ados p roximais. cesso permite que haja a fo rmação de vacúolos nas
células, promoven do a perd a d e fu nção celular e, no
Tratamento e profilaxia: não existe t ratamento eficaz últim o estágio, morte celular. Além d essa alteração, a
para essa intoxicação. Q uanto à profilaxia, d eve-se im- swainsonina também inibe a monosidase II, a qual está
pedir que os an imais sejam soltos em locais on de há envolvida com o processo de formação de glicoproteínas,
grande quantidad e d a L. camara, sobretudo quand o há sen do que essa alteração faz com que h aja d isfunção na
escassez d e pastagem. adesão celular de m oléculas, h orm ônios circulantes e
vários receptores d e m embrana. Com relação a caliste-
lpomoea carnea ginas, poucas são as informações disponíveis sobre a
ativid ade biológica desses alcaloides nortropânicos, sa-
A Figura 23.9 ilust ra a 1. carnea. ben d o-se apenas que são potentes inibidores d a betagli-
cosid ase afetand o a alfaglicosid ase, com o a alfa e beta-
galactosidase. Portanto, acred ita-se que a presen ça
d esses alcaloides pod erá produzir uma exacerbação da
inibição p roduzida pela swainsonina.

Sinais clínicos: a evolução dessa intoxicação é crônica


e resulta em em agrecimento p rogressivo, trem ores dos
mem b ros pélvicos, incoordenação motora e ataxia. A
retirad a da planta permite com que haja a remissão d os
sintom as. Estudos em roedores e ruminantes m ost ram
que a 1. carnea, quando ingerida pela fêmea gestan te,
produz efeitos teratogênicos.

Necropsia e histoapatologia: não são observadas alte-


rações macroscópicas. Porém, na microscopia, verifica-
FIGURA 23.9. /pomoea carnea. -se a característica vacuolização, particularmen te em
270 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

n eurônios d o sistem a n ervoso central e tamb ém em Sinais e sintomas: a evolução d essa intoxicação se es-
células d o fígad o, do pâncreas, da tireoid e e dos rins. tende p or vários m eses e se caracteriza p or crises epi-
lep tifor m es, que ocorr em p r in cipalmente quan do os
Tratamento e profilaxia: não há tratamento para essa animais são estimulados. Essa alteração é caracterizada
intoxicação. No en tanto, com o diagnóstico e a retirad a p or n istagm o, rigidez d o s m úsculos e pesco ço e dos
da planta, h á recuperação dos an imais em alguns dias. membros anteriores, extensão da cabeça, perda d o equi-
Como essa in toxicação o corre quando há escassez d e líbrio e queda. Quando em marcha, os an im ais mostram
pastagem, é importante, duran te esse períod o, proceder h ipermetria, e os mais severam en te acometid os pela
à retirad a da 1. carnea do pasto. intoxicação perd em bastante peso e em estágios fin ais
ficam em decúbito perm an en te. Ao con t rário do que
Solanum fastigiatum acon tece na intoxicação pela 1. carnea, a retirada da S.
f astigiatum não prom ove a recuperação d os animais.
A Figura 23.10 ilustra a S. fastigiatum.
Necropsia e histopatologia: na n ecropsia não são evi-
Nome vulgar: jurubeba. d enciadas lesões; por outro lad o, na h istopatologia são
obser vados, ao nível do cereb el o, vacu o lização,
Características gerais: a S. fastigiatum é en contrada d egen eração e desaparecimento das células d e Purkin -
principalmente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Essa jie, e a presen ça bastante significan te de esferoides axo-
intoxicação foi descrita apen as em b ovinos. nais na camad a granular d a substância branca.
Parece que não há condições especiais para que essa
plan ta seja ingerida, ou seja, n ão é n ecessário o fator Tratamento e profilaxia: n ão h á t ratamento para essa
fom e para que os animais a ingiram . No en tanto, para intoxicação. A profilaxia consiste em impedir o acesso
que h aja o d esencad eam en to d a d oen ça, é n ecessário d e bovin os em pastagens com alta con centração de S.
que os animais ingiram quantidades relativamen te ele- fastigiatum, prin cipalm en te se houver m enor disponi-
vadas d a S. fastigiatum; portanto, essa intoxicação tam- bilid ade de forrageira.
b ém oco rre n o perío d o de seca, quando h á carên cia
alimen tar. lpomoea asarifolia

Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: até o Nomes vulgares: salsa, batatarana.
mom ento, não se iden tificou o prin cípio ativo tóxico da
S. f astigiatum. Tem sido especulado que essa substância Características gerais: a 1. asarifolia é uma planta her-
seria u m inibid or en zimático, provavelm ente atu ando bácea, e pode ser encontrada em várias partes do Brasil,
no m etabolism o d e um glicolipídio, assim promoveria, prin cip almente n a região Nordeste. A intoxicação n a-
como a swainsonina presente na 1. carnea, a vacuoliza- tu ral pela plan ta já foi d escrita em caprinos, ovinos e
ção de células d o sistema nervoso cen tral. bovin os. Durante o período em que há abu ndante quan-
tidade d e forrageira, os an im ais n ão a in gerem , p ois
parece que a plan ta é p ouco palatável; n o en tan to, d a
mesm a man eira que ocorre com a 1. carnea, na escassez
d e pastagem, há o consu mo dessa planta e os casos de
intoxicação aparecem. Em bovinos, a ingestão da 1. car-
nea d u ran te apenas u m ú nico d ia já é suficiente para
promover o aparecimen to dos sintomas d e intoxicação.

Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: até o mo-


mento, não foi (foram ) identificado(s) o(s) princípio(s)
ativo(s) tóxico (s) d essa plan ta, portanto, n ão se sab e
com o essa(s) substân cia(s) atuaria(m ). Tem sid o p ro-
posto que o princípio ativo tóxico seria uma lectina.

Sinais clínicos: os sinais da in toxicação são semp re d e


FIGURA 23.10. So/anum fastigiatum. ordem nervosa e se traduzem , de m aneira geral, por so-
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuá rio 271

nolência, tremores musculares, principalm ente da cabeça Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: um ami-
e do pescoço, incoordenação, hipermetria. Normalmente, noácido n ão proteico, a mimosina, é o princípio ativo
n ão é n ecessária a estim ulação do an im al par a qu e tóxico da L. leucocephala. A mimosina ocorre em maior
apresente esses sintomas, embora, caso seja movimentado, con centração n a p onta dos brotos, quando há cresci-
há o agravamento da sintomatologia. Em caprinos, a reti- mento ativo da planta, b em com o nas favas novas e
rada da planta não promove a remissão dos sintom as. sem entes.
A mim osina promove um efeito depilatório, atuan-
Necropsia e histopatologia: tanto n a necropsia quanto do na fase de crescim ento do pelo (fase anagênea). Esse
n a h istopatologia, não são observadas alterações signi- efeito é principalmente observado em monogástricos.
ficantes. A L. leucocephala produz tam bém qu eda no de-
sempenho e retardo no crescimento, sendo que se pro -
Tratamento e profilaxia: não há tratam ento para essa põe que esse efeito se deva ao antagonism o da mimo-
intoxicação. A profilaxia consiste em im pedir o acesso sina com a tirosina, inibindo a síntese proteica ao nível
de bovinos em pastagens com alta con centração de J. hepático.
asarifolia, principalmente se houver m enor dispon ibi- Em r uminantes, a m im osina, ao nível do rúm en, é
lidade de forrageira. transformada em um m etabólito den om in ado de 3,4
d i-h idroxipiridina (3,4 DHP). Embora em con dições
Leucaena /eucocephala naturais o bócio tenha sido descrito em rum inantes, estu-
dos recentes em ratos mostram que a mimosina também
A Figura 23.11 ilustra a L. leucocephala. produz bócio nesses animais. Portanto pode-se sugerir
que, da m esm a m aneira que a flora ruminai transform a
Nomes vulgares: leucena. o princípio ativo em 3,4 DHP, a flora do intestino de mo-
nogástricos realiza o mesm o papel.
Características gerais: a L. leucocephala é um arbusto O 3,4 DHP in ter fere n a ligação do iodo com os
or iundo da América Central e hoje é amplamente di- h ormôn ios tireoideanos, promovendo o bócio. Vale
fundido nas regiões tropicais e subtropicais. Essa plan- ressaltar que o efeito bociogênico n ão está relaciona-
ta é bastante p alatável, com algum as car acterísticas d o à absorção do iodo, por tanto n ão adianta suple-
desejáveis na alim entação animal, como boa digestibi- men tar com esse elemento. Essa alteração tem uma
lidade e altam ente nutritiva. No entanto, em razão dos característica interessante, existem países como a Aus-
relatos de efeitos tóxicos, tanto em r um inantes com o trália em que ocorrem cotidian am ente casos de into-
em mon ogástricos, sobretudo quando m inistrada em xicação com a L. leucocephala; por outro lado, outros
elevadas quantidades, tem-se limitado seu uso na cria- locais, com o a Indonésia, não há relatos de intoxicação
ção anim al. Portanto, se houver o consumo excessivo por essa planta, embora seja abundantem ente encon-
da L. leucocephala, as alterações aparecerão em 100% trada n as pastagens. Esse fato propiciou um a pesqui-
do rebanho, entre um a dois m eses de consumo. sa em que se verificou que naqu eles locais em que os
p oligástricos possu em uma bactéria, denom inada de
Synergistes jonesii, a intoxicação não ocorre, justamen -
te porqu e esse m icrorganismo consegu e degradar o
3,4 DHP.

A ingestão de elevados níveis de L. leucocephala na die-


ta tem sido também associada a reabsorção fetal, tera-
togênese e abortos, no entanto, não se sabe quais seriam
os m ecanism os envolvidos nesses efeitos.

Sinais clínicos: os principais sinais dessa intoxicação


são alopecia, anorexia e salivação. Em rum inantes, po-
de-se observar tireoide aumentada e o exame de sangue
revela níveis baixos de tiroxina. Recém -nascidos e ani-
mais lactantes p odem tam bém apresentar os efeitos
FIGURA 23.11. Leucaena leucocepha/a. bociogênicos.
272 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

Necropsia e histopatologia: as únicas observações, lu n tária d e abrir e fechar a boca com relaxamento d a
tanto na necropsia quanto na patologia, são as alterações mandíbula, atonia ruminal e disfagia. Pode-se verificar,
verificadas ao n ível da tireoide. em alguns anim ais, sialorreia constante. Há dificuldade
d e os animais ingerirem os alimen tos e, por isso, have-
Tratamento e profilaxia: não há tratamento; com rela- rá emagrecimento progressivo, sendo que podem perder
ção à profilaxia, recom end a-se n ão fornecer exclusiva- até 50% de seu peso.
m en te a leucena. Na Austrália (país onde há alta inci-
dência d e intoxicação por L. leucocephala), dietas com Necropsia e histopatologia: tanto na necropsia quanto
m enos de 30% de leucena são tidas como seguras para na histopatologia, verifica-se emaciação e atrofia m us-
ru m inantes. No en tanto, a administração d e até 40% cular severa d os músculos temporais e masseter. A his-
dessa plan ta p or, no máiximo, quatro meses, permite topatologia indica, ainda, espongiose e gliose do sistem a
u m a engord a rápid a, sem aparecim ento d os sinais d e nervoso central. Em caprinos, pode-se verificar também
intoxicação. lesões no núcleo trigêm eo.

Prosops julifora Tratamento e profilaxia: n ão há t ratamento para essa


intoxicação. A profilaxia consiste em realizar o diagnós-
Nomes vulgares: algaroba, algarobeira. tico o mais precoce possível, alteran do rapidamen te a
alimentação, p rocurando diminuir o quanto possível a
Características gerais: a P. julifora é uma árvore cujas quan tid ade de P. julifora na dieta.
favas são u m a im portante fonte d e alimen tação para
os anim ais de criação no n ordeste brasileiro, p articu- ~
PLANTAS QUE PRODUZEM ALTERAÇOES
larm en te na região sem i-árid a, a qual foi int rod uzida REPRODUTIVAS
a partir de sementes oriun das do Peru. Por outro lado, a
partir da década de 1990, foram relatados surtos em A importân cia do impacto d as fitotoxinas na repro -
diferentes estados do Nordeste. A planta é bastante pa- dução vem send o estud ada em d iversos países, princi-
latável e, caracteristicamente, a intoxicação se desenvolve palmente n os Estados Unidos e Austrália, onde já foram
somente quand o há o oferecimento exclusivo das favas id entificad as dezenas de plan tas que produ zem efeitos
de P. julifora. Portanto, essa doença não ocorrerá quando como queda da eficiência reprodutiva, tanto em machos
out ros alim entos são oferecidos ju n tos com a plan ta. quanto em fêm eas, além de abortamentos e efeitos te-
Essa intoxicação já foi descrita em bovinos e caprinos, ratogênicos. No entanto, no Brasil, o estud o de plantas
m as parece que os bovinos apresentam maior sensibi- que prom ovam efeitos tóxicos na esfera reprodutiva é
lidade à intoxicação. bastante in cipiente. A seguir, é m encionado apen as um
pequeno grup o d essas plantas, que são divididas con-
Princípio ativo tóxico e mecanismo de ação: até o forme seu efeito tóxico: as de ação estrogên icas e aque-
momento não se sabe qual(is) é(são) e como atuaria(m) las com ação abortiva.
o(s) princípio(s) ativo(s) tóxico(s) presente(s) na plan-
ta. Foram identificados alguns alcaloides piperidínicos Plantas com ação estrogênica
n as favas da P. juliflora, n o entanto, ain da não se pode-
ria afirmar se esses alcaloides teriam algum papel nessa A p rincipal representante d esse grupo de plantas é
intoxicação. Especula-se, ainda, que a ingestão prolon- a Trifolium subterraneum, cujo n ome vulgar é trevo
gada d a algorobeira resultaria em uma dieta totalmen- subterrâneo. Essa planta tem grand e importân cia por-
te desbalanceada, assim , prom ovendo os sintomas. Por- que tem ampla distribu ição no país, além d e alto po-
tanto, propõe-se que não haveria princípios ativos tóxicos ten cial estrogênico, poden do conter acima de 5% de
associados com essa afecção. isoflavon as, que é o principal fitoestrógeno encontrado
nesse gênero. A ingestão de T. pratense (trevo vermelh o)
Sinais e sintomas: a d o ença é con h ecida como cara também vem sen do associad a à p rodução de distúrbios
torta e se m anifesta somente depois de um longo período reprodutivos.
de ingestão de P. juliflora, em alta con cen tração ou caso As alterações estrogênicas ocorrem, em geral, quando
os animais sejam alimentados exclusivam ente com essas a alim entação consiste, basicamente, por um tempo rela-
favas. Os animais apresentam inclinação lateral da ca- tivamente prolongado de T. subterraneum. Vale ressaltar
beça com trem ores musculares, movimentação invo - que o efeito estrogên ico é bastante pronunciado quando
Capítulo 23 • Plantas tóxicas de interesse agropecuá rio 273

2. BARROS, C.S.L.; PILATI, C.; ANDUJAR, M.B.; et al. Intoxica-


a planta se apresenta verde, no entanto, o dessecamento e
ção por Cassia occidentalis (Leg Caesalpinoideae) em bovinos.
a fenação prom ovem a inativação do fitoestrógeno. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 1O, p. 47 -58, 1991.
Alguns fatores devem ser considerados, com relação 3. BICUDO, P.L. Curso de toxicologia animal. Módulo I: Principais
ao maior efeito fitoestrógeno do T. subterraneum. Sabe- plantas tóxicas de interesse veterinário. 1987. Curso de Especiali-
zação por tutoria à distância (Ciências Agrárias nos Trópicos
-se, por exemplo, que quando esse vegetal é infectado Brasileiros). MEC-Abeas, Universidade Federal de Viçosa, Viço-
por alguns tipos de fungo ( como a Pseudopeziza trifolii) sa.
há um aumento bastante significante na con centração 4. CALDAS, S. A.; PEIXOTO, T.C. 1; NOGUEIRA, V.A.; FRANÇA,
T.N.1; TOKARNIA, C.H; PEIXOTO, P.V. Aborto em bovinos
das isoflavonas. Sabe-se também que solos deficientes devido à intoxicação por Tetrapterys acutifolia (Malpighia-
em fósforo promovem o aum ento de fitoestrógeno n a ceae). Pesquisa. Veterinária. Brasileira, v.31, n.9, 2011.
planta. 5. CHEEKE, P.R. Natural toxicants in feeds forages and poisonous
plants. Illinois: Interestate Publishers, 1998. 479p.
Os fitoestrógenos possuem certas similaridades es- 6. ___. Toxicity and metabolism of pyrrolizidine alkaloids.
truturais com o 17-betaestradiol, e provavelmente por Journal of Animal Science, v. 66, p. 2343-2350, 1988.
isso permite interagir com os receptores nucleares para 7. COLEGATE, S.M.; DORLING, P.R. Plant-associated toxins:
compostos estrogênicos, em órgãos-alvo e, assim , desen - agricultura[, photochemical and ecological aspects. Oxon: CAB
International, 1994. 581p.
cadean do m ecanism os dependentes de estrógen o. Por- 8. DE BALOGH, K.I.M.; DIMANDE, A.P.; VAN DER LUGT, J.J.;
tanto, as consequências dessa ingestão continuada de et al. A lysosomal storage disease induced by Ipomoea carnea in
plantas com ação estrogênicas, em fêmeas, são a redução goats in Mozambique. Journal of Veterinary Diagnostic Investi-
gation, v. 11, p. 266-73, 1999.
da taxa de ovulação, provavelm ente pela liberação dim i- 9. FAGLIARI, J.J.; PASSIPIERI, M.; OLIVEIRA, J.A. Sintomas de
nuída de LH, bem com o a redução das taxas de concep- fotossensibilização em bezerros alimentados com leite materno.
ção pela contínua contratilidade uterina, pela presença Arquivos Brasileiros de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 35,
p. 479-84, 1983.
desses fitoestrógenos. Além disso, pode também h aver 10. FRANZOLIN NETO, R.; VELLOSO, L. Aspectos tóxicos da
prolapso e m orfologia anormal da vagina, ciclos estrogê- Leucaena leucocephala (Lam.) de Wit. Comunicações Científicas
n icos irregulares ou anestro total, nin fomania, descarga da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universi-
dade de São Paulo, v. 11, p. 37-47, 1987.
de muco cervical e espessamento do tecido uterino. Nos 11. GAVA, A.; BARROS, C.S.L.; PILATI, C.; et al. Intoxicação por
m achos castrados pode-se verificar ginecom astia. Ateleia glazioviana, (Leg. Papilionoideae) em bovinos. Pesquisa
A reversão dos sintomas p ode ser obtida em um Veterinária Brasileira, v. 21, p. 49-59, 2001.
12. GÓRNIAK, S.L.; DAGLI, M.L.Z.; MAIORCA, P.C.; et al. Evalua-
tem po relativam ente rápido. Portanto, é fundam ental
tion in rabbits of the fetal effects of maternal ingestion of Solanum
que se faça o mais rapidamente possível o diagn óstico malacoxylon. Veterinary Research Communications, v. 23, p.
e a retirada dos anim ais do pasto com grande quanti- 307-16, 1999.
13. GOTARDO, A.T; PFISTER, J.A; FERREIRA M.B.; GÓRNIAK,
dade dessa planta. Com o profilaxia, deve-se evitar a
S.L. Effects of prepartum ingestion of Ipomoea carnea on pos-
administração de plantas com alto teor estrogênico como tpartum maternal and neonate behavior in goats. Birth Defects
alimentação predominante ou única. Research Part B: Developmental and Reproductive Toxicology,
v.92, p. 131-138, 2011.
14. GOTARDO, A.T; SHUMAHER, B.H.; PFISTER, J.A; TRALDI,
Plantas abortivas A.S.; MAIORKA, P.C.; SPINOSA, H.S. GÓRNIAK, S.L. Toe Use
of Ultrasonography to Study Teratogenicity in Ruminants:
No Brasil, as principais representantes desse grupo Evaluation of Ipomoea carnea in Goats. Birth Defects Research
Part B: Developmental and Reproductive Toxicology, v. 95, p.289-
são Ateleia glazioviana, Tetrapterys sp. e Stryphnodendron 295, 2012.
obovatum. As duas primeiras plantas já foram men cio- 15. GÓRNIAK, S.L.; PALERMO-NETO, J.; SPINOSA, H. Effects of
n adas n este m esm o capítulo, pois além de alter ações acetamide on experimentally induced Palicourea Marcgravii (St
Hill) poisoning in rats. Veterínary and Human Toxicololgy, v. 36,
reprodutivas, tanto A. glazioviana quanto Tetrapterys p. 101-2, 1994.
sp., causam alterações cardíacas. 16. HAFEZ, E.S.E.; HAFEZ, B. Fatores farmacotoxicológicos e re-
Embora as alterações abortivas tenham sido verifi- produção ln: _ __ . Reprodução animal, 7.ed. Barueri: Mano-
le, 2004, p. 333-41.
cadas, tanto ao nível de campo quanto experimental-
17. HARAGUCHI, M.; GÓRNIAK, S.L.; CALORE, E.E.; et al. Mus-
m ente, até o mom ento não é possível propor o meca- cle degeneration in chickens caused by Senna occidentalis seeds.
nism o de ação abortivo dessas três plantas. Avían Pathology, v. 27, p. 346-51, 1998.
18. HIRONO, I.; AIXO, S.; YAMAJI, T.; et al. Carcinogenicity in rats
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274 Toxicolog ia aplicada à med icina vet eriná ria

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Capítulo 24

Plantas tóxicas ornamentais

Silvana Lima Górniak

~ para se entreter, podem vir a ingerir plantas que es-


INTRODUÇAO
tão à sua volta.
A intoxicação por plantas ornamentais tem impor- • Mudanças à sua volta: são duas as situações que po-
tância n a clínica de animais de companhia, pois, sem dem ser enten didas por mudan ças à sua volta. A
dúvidas, esse tipo de intoxicação é menos frequente que primeira se refere a alterações físicas no ambiente
a incidência de doenças infecciosas. No entanto, com o do animal; por exemplo, novos objetos, como plan-
os sinais clínicos da intoxicação não são patognomônicos tas são colocadas no seu espaço, ou quando os pro-
e, muitas vezes, se confundem com alterações produzi- prietários viajam para um n ovo local, com novos
das por doenças infecciosas, parasitárias ou por outro objetos. Essa "novidade" propicia a curiosidade e a
tipo de intoxicação, o m édico veterinário pode encontrar investigação pelo animal. Uma outra situação na
m aior dificuldade no seu diagnóstico. qual se entende por mudanças à volta do animal, é
Portanto, o diagnóstico de intoxicação por plantas quando este, que é o centro das atenções da famí-
raramente pode ser feito apenas pelos sinais apresenta- lia, perde essa condição, por exemplo, com a chega-
dos e, como regra geral, é necessário que essas alterações da de um bebê. Nessa nova situação, o animal se
clínicas venham acom panhadas do histórico de expo- sente negligenciado e, nessas circunstâncias, pode
sição à planta para que se possa fechar o diagnóstico. desenvolver a perversão do apetite (pica).
Existem algum as situações que predispõem o animal
a ingerir a planta tóxica e, consequentemente, a intoxi- Na m edicina humana, h á relatos frequentes de pe-
cação. São elas: diatras sobre a intoxicação em crianças, particularmen-
te em idade pré-escolar. Os animais de companhia estão,
• Idade: cães e gatos jovens são, por natureza, curio- de maneira geral, expostos às mesmas substâncias tóxi-
sos, e essa exploração se faz por m eio da boca. Por cas que as crianças; portanto, embora ainda não haja no
exemplo, a irritação da gengiva causada pela erup- Brasil um centro de controle de intoxicação que relate
ção da nova dentição pode levar o animal a mor- especificamente intoxicações ocorridas em animais,
discar diferentes objetos e, assim , ingerir algumas pode-se supor que os agentes tóxicos, nesse caso as plan-
substâncias tóxicas, como as plantas. Nesse senti- tas, que promovem patologias em humanos (como dito,
do, se os proprietários possuem uma grande diver- particularm ente em crianças), são basicamente os m es-
sidade de vegetais em sua residência e também pos- mos que causam toxicidade nos animais de companhia.
suem filhotes, não é necessário banir essas plantas; A seguir são apresentadas as principais plantas tó-
n o entanto, estes devem ser orientados sobre essa xicas ornamentais*, responsáveis por intoxicações em
particularidade dos anim ais jovens, impedindo que seres humanos e, muito provavelmente, em animais de
eles tenham acesso às plantas. companhia.
• Fastio: tanto animais jovens como adultos podem
sofrer de fastio. Os cães, em particular, têm esse pro-
* As plantas tóxicas apresentadas neste capítulo são aquelas, em geral,
blema quando n ão possuem área livre suficiente. contidas na lista apresentada pelo Sistema Nacional de Informação Tó-
Portanto, se esses animais não tiverem atividades xico-Farmacológico (Sinitox).
276 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

PLANTAS QUE AFETAM O SISTEMA Características gerais: apesar de a sintomatologia des-


GASTROENTÉRICO sa in toxicação n ão ser severa, sabe-se qu e p equen as
quantidad es dessas plantas já pod em causar intoxicação.
Estas plantas podem ser subdivididas em dois grupos: Assim , por exemplo, a ingestão correspondente a 0,2%
aquelas que causam sintomatologia mais branda, ou seja, do p eso corpo r al do an im al de Azalea sp . j á p o d e
embora possam promover sinais de intoxicação, elas não d esencadear a sintom atolgia.
põem em risco a vida do an im al; e plantas que causam Quan to aos princípios ativos tóxicos, con hece-se
sintom atologia com quadros graves, isto é, pod em levar apenas aqueles con tidos em plan tas da família Erica-
o an imal a óbito se não for pron tamente aten d ido. ceae: u m glicosídeo d en om in ado an d rom etotoxin a
(graian otoxina).
Plantas que ca usam sintomatologia mais
branda Sinais clínicos: as alterações aparecem d en tro de, apro-
ximadam ente, seis h oras após a ingestão d a planta e são
São elas a Azalea sp. (Figura 24. 1) e Rhododendrum caracterizadas por anorexia, sialorreia, deglutições re-
sp. (família Ericaceae); Tulipa sp. (fam ília Liliaceae); petidas, d epressão, fácies de n áusea e vôm itos. As alte-
Narcisus sp., Amarylis sp. e !ris sp. (família Amaryllida- rações gastroentéricas podem levar à cólica com tenesmo.
ceae); e Euphorbia pulcherrima (família Euphorbiaceae) Há aum ento da frequência d e defecação, no entan to as
(Figura 24.2). fezes não têm a consistência alterada.
Nos an im ais in toxicados com plantas da família Eri-
cacea, pode haver, associados aos efeitos gastroin testinais,
alterações nervosas, como tonturas, fraqueza, parestesias.
Além disso, também pod e-se verificar h ipotensão. Esse
quadro é bem caracterizado em h umanos, que ingerem
o den om inado "mel da loucurá' (em inglês, mad honey).
Esse m el é produzid o por abelh as que retir am o néctar
d e plantas, como o Rhod odendrum e a Azalea.
Com relação ao m ecan ismo d e ação, as graianoto-
xin as interferem n a t ransm issão d o poten cial d e ação
por bloqueio de canais de sódio dependentes de voltagem
n a m em bran a citoplasm ática. A molécula liga-se ao
can al de sódio do lado citoplasm ático, alteran do a sua
con form ação, o que imped e a sua inativação.

Tratamento: não há um t ratam ento esp ecífico para a


FIGURA 24.1. Azalea sp. intoxicação por plantas d esse grupo. Deve-se realizar o
tratam en to sintom ático, especialm en te, procuran d o
corrigir os p rováveis distúrbios eletrolíticos. Em casos
graves de intoxicação por plan tas d a família Ericacea,
po d e-se recorrer à administração d e aropina, 0,5 m g,
uma ou duas vezes.

Plantas que ca usam sintomatologia mais


grave

As principais representantes d este grupo são Abrus


precatorius (olh o de cabra, olho de pombo, jequiriti) e
Ricinus communis (mamona, carrapateira). /atropa cur-
cas (pinhão-paraguaio, pinhão-de-purga, figo-do-infer-
no, purgante-d e-cavalo) tam bém está catalogado n esse
grupo, entretanto o m ecan ism o d e ação é diferente dos
FIGURA 24.2. Euphorbia pulcherrima. d ois an teriores.
Capítulo 24 • Plantas tóxicas ornamentais 277

Abrus precatorius e Ricinus communis Sinais clínicos: é necessário um período laten te para o
Características gerais: ambas as plantas possuem lec- aparecimento dos efeitos, de cerca d e 24 horas após a
tinas, isto é, p roteínas com alta afinidade por m oléculas ingestão dessas fitotoxinas. Nas fases iniciais, observa-se
de açucares. A lectina encontrada na A . precatorius é a d epressão m od erada e característica elevação da tem -
abrina, en quan to na R. communis é a ricina. A abrina é peratura corpórea. Os animais apresentam -se com sede
b em mais p oten te que a ricina; assim, estim a-se qu e e evidência de cólica. Com a evolução d a intoxicação,
menos que o conteúdo d e apenas uma sem ente é capaz verificam-se vômitos e u ma profusa diarreia catarral
de pr oduzir a m orte em u m ser h umano adulto e cal- hem orrágica. Na fase term inal, podem ser observadas,
cula-se que 1 kg d e abrina pode m atar aproxim ad amen- em algum as situações, convulsões.
te 3,5 milhões de pessoas. A abrin a é considerada a m ais
poten te fitotoxina que se conhece. A Figura 24.3 apre- Tratamento: não há tratam en to específico para essas
senta a estrutu ra esquem ática d essas proteínas. intoxicações. O tratam ento de suporte e sintomático é
Essas lectinas são encontradas som ente n as semen - o indicado. Se for feito o diagnóstico rapidamente e após
tes dessas plantas (vale r essaltar que nas folhas d a R. algumas poucas horas da ingestão d a plan ta, é indicado
communis, o princípio ativo é um alcaloide, que produz o uso d e carvão ativad o e catártico.
alterações nervosas, com o descrito n o Capítulo 23). Se já houver a manifestação d e gast roen terite, de-
Para que h aja a liberação das lectinas é n ecessário ve-se utilizar protetores gástricos (por exemplo, pectina,
que essas sem entes sejam mastigadas. Uma vez liberadas, sucralfato). Além disso, é fundamental que se corrija o
essas fitotoxinas são pobremente absorvidas n o trato distúrbio eletrolítico, utilizando-se soluções balanceadas
gastrointestinal, contud o se ligam às células d a parede de eletrólitos. Como podem ser observadas convulsões,
intestinal. Essas lectinas são compostas por duas cad eias pr incipalmen te em animais que se intoxicaram com a
de glicoproteínas: a cad eia A e a cadeia B. Esta última ricina, deve-se administrar, nessa situação, benzodia-
, . . .
se liga à galactose de m embrana p resen te na superfície zepinicos, por via intravenosa.
celular, permitindo, assim, a end ocitose da toxina. Um a
vez d entro da célula, algum as lectinas são transportadas Jatropha cu rcas
para os lisossom os ou então levad as de volta à superfí- Características gerais: as sementes também são as par-
cie celular; nesses locais essas fitotoxinas não produzem tes mais tóxicas d essa plan ta. Suspeita-se que a J. curcas
danos. tenha como um dos princípios ativos tóxicos as lectinas.
Algumas das moléculas de lectin a, en tretan to, são No entanto, parece que além dessa glicoproteína (cu r-
t ranslo cad as d o citosol, atin gindo o retículo end oplas- sina), a planta possui também com o princípios tóxicos
m ático; nesse local, a cadeia A retira um resíduo d e ad e- um complexo resinoso, alcaloides e glicosídeos. O com -
n ina d a porção 28 S d o RNAm, inibindo, dessa maneira, plexo resino -lipoide seria aquele responsável pela pro-
a síntese proteica e, consequentem ente, levando à m orte dução d e d erm atite p roduzid a pela planta; enquanto os
celular. A ricina, além disso, causa distúrbio na homeos- glicosídeos e alcaloides, encontrados na casca da semente,
tase do sistem a cardiovascular, prom ovend o um d ecrés- teriam ação d epressora sobre os sistem as respir atório e
cimo d a captação do cálcio no retículo sarcoplasm ático. cardiovascular e ação estimulante sobre a musculatura

Abrina Ricina

cadeia A
(PM = 30.000) (PM = 32.000)
~~

s s
1 1
s cadeia B s

(PM = 35.000) (PM = 34.000)

FIGURA 24.3. Representação esquemática da estrutu ra da abrina e da rici na.


278 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

gastrointestinal. As semen tes possuem também gran de


quantidad e de óleo purgativo (ao red or de 40%).

Sinais clínicos: em seres h um an os, os efeitos tóxicos


aparecem quan do do consumo d e 3 ou m ais sem en tes
da J. curcas. As principais alterações são observadas no
trato gastroin testin al, cerca de 1 hora após a ingestão
das sementes.
Os an imais manifestam dor abd ominal, sendo que
os seres humanos relatam também uma sensação de quei-
mação na garganta; seguem-se náuseas, vômitos e diarreia
aquosa profusa. Em intoxicações severas, esses sin ais
progridem até gastroen ter ite hem orr ágica e profun d a
desidratação. Pode haver alterações cardíacas e do sistema
nervoso central. Há, ainda, relatos de que os anim ais apre-
sentam espasm o d e musculatura esquelética.

Tratamento: o tratam ento p ara essa in toxicação é o FIGURA 24.5. Philodendrum sp.
m esm o que aquele indicado nos casos de intoxicação
por sementes d e A. precatorius e R. comunis.

PLANTAS QUE CAUSAM ESTOMATITE E


GLOSSITE

Várias são as plantas da família Araceae que produ-


zem sintom atologia tóxica sem elhante, entre estas d es-
tacam-se a Dieffenbachia picta (com igo-ninguém -pode)
(Figura 24.4), Philodendrum sp. (filoden d ro) (Figura
24.5), Alocasia sp. (orelh a-de-elefan te), Monstera sp.
(dragão-fedoren to) (Figura 24.6) e Zantedeschia aethio-
pica (copo-d e-leite, caládio). Dentre essas plantas, a D.
picta é a m ais tóxica.

FIGURA 24.6. Monstera sp.

Características gerais: m u ita con fusão ocorre com


relação ao princípio ativo tóxico dessas plantas. Antiga-
mente, acreditava-se tratar do oxalato d e cálcio. Entre-
tanto, verificou-se que não seria este o principal promo-
tor de estomatite/glossite; o oxalato apenas aumen ta ou
potencializa a ação de um outro princípio ativo. Poste-
riormente, sugeriu-se uma substância proteica que pro-
moveria a liberação de histamina d os m astócitos, sendo
FIGURA 24.4 . Dieffenbachia picta. esta trocada mais recentemente por um lipídio.
Capítulo 24 • Plantas tóxicas ornamentais 279

Sinais clínicos: os sinais dessa intoxicação são alarman - Os primeiros sinais são de náusea e salivação, acom -
tes e, frequentemente, n ecessitam d e uma resposta ime- panhados de vôm itos e diarreia. A sintom atologia n ervo-
diata por p arte d o m édico veterin ário. Pou cos m inutos sa tradu z-se por tremores, fasciculações, and ar cam b a-
após o animal morder o m aterial vegetal h á sinais claros leante, fraqueza e p rostração. A n icot in a promove,
de d or e irritação. O animal m anifesta meneios de ca- in icialmente, estimulação e, posteriormente, a depressão
b eça indo procurar águ a, visan do, dessa man eira, aliviar d o gân glio auton ômico. Por tan to, os sinais iniciais são
a dor. H á salivação profusa, edem a intenso da m u cosa d e estim ulação e depois d epressão. As alterações cardía-
da faringe e cordas vocais. Por esse p rocesso inflamató- cas e respiratórias são observad as du ran te o curso d a
rio exuberante o animal apresenta dispn eia severa e, em intoxicação; a m orte ocorre, de m aneira geral, por insu -
casos m ais graves, p od e h aver obstrução com pleta d e ficiên cia respiratória, con sequ ente à p aralisia m uscular
faringe. (p arad a respiratória secun dária).

Tratamento: o tratamento consiste, basicam ente, no uso Tratamento: nos estágios iniciais da intoxicação, isto é,
de anti-histamínicos H l. Não se deve usar, em nenhum a na fase de estimulação, p ode-se administrar bloqueador
h ipótese, em éticos. Recomen da-se, ain da, o u so d e de- ganglion ar do tipo não despolarizante (por exemplo, me-
mulcentes, como, por exemplo, leite e hidróxido de alu - camilamin a). Se o animal já estiver d eprimido, d eve-se
mínio. O u so de p rotetores de m u cosa, com o o su cral- proceder à entubação endotraqueal, com pressão positiva.
fato também é indicado. Se o an imal man ifesta r dor,
recomen da-se a adm inistração d e h ipnoan algésicos, Dat ura suaveolens
com o o butorfan ol (em cães e gatos: O, 1 m g/kg por via
intraven osa ou 0,4 mg/kg p or v ias intram uscular ou Todas as espécies de Datura (Figura 24.7) são tóxi-
sub cutân ea). cas; no ent anto, aqu elas normalmen te utilizadas como
ornamentais são D. stramonium, D. metaloides, D. arbo-
PLANTAS QUE ATUAM NO SISTEMA rea e D. suaveolens (trom beteira, saia branca, cartuch ei-
NERVOSO CENTRAL ra), sendo esta últim a esp écie a mais comumente en-
con trada no Brasil.
Nicot ia na tabacum
Características gerais: os princípios ativos presentes nas
A in toxicação pelas folh as de N. tabacum (tabaco, plantas do gênero Datura são os alcaloides tropânicos -
fu m o) p o d e ocorre r em an imais de comp anhia. No atropina (ou hiosciamina) e escopolamina (ou h ioscin a).
entanto, a intoxicação desses animais pelo tab aco ocor- As folhas podem conter até 0,7% em alcaloides tropâni-
re principalmente qu an do estes ingerem cigarros, ch a- cos. No entanto, são n as sem entes que esses alcaloid es se
r utos, cigarrilhas etc. encontram em muito m aior concentração, podendo atin -
gir a concentração de 2,8%, sen do, por isso, m u itas vezes
Caracterísiticas gerais: a intoxicação por essa p lanta usadas ilicitamente p ara produzir efeitos alucin ógen os.
prom ove, p or m eio de seu princípio ativo, a n icotina, a
estim ulação d o sistema colin érgico. Um cigarro pod e
con ter de 20 a 30 mg d e nicotin a, enquanto os charutos
podem conter até 120 m g d esse alcaloide. Portanto, po-
de-se supor que a intoxicação resultan te da in gestão de
charutos é bem m ais grave. Pa ra se te r uma ideia d a
potên cia da n icotina, a ingestão de qu ant idades dimi-
n u t as de nicotina (ao red or de 4 m g) pode promover
sin ais de alteração n ervosa em seres h u manos n ão ta -
b agistas, calcula-se que 60 mg d o alcaloide p ode pro-
m over a m orte desse in divíduo.

Sinais clínicos: os sinais podem se desenvolver rapida-


m ente (ao red o r d e 15 m inutos após a in gestão); da
m esm a m an eira, a morte p od e ocorrer em pou cos m i-
n utos ap ós o início d os sinais ou d em orar dias. FIGURA 24.7. Datura sp.
280 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Sinais clínicos: as alterações podem ocorrer minutos Sinais clínicos: as alterações clínicas mais significantes
após a ingestão da planta, ou podem dem or ar horas. (especialm ente quan do houver superdosagem) incluem
Inicialmente, o animal apresenta sede intensa e distúr- depressão, alucinações visuais e alterações na percepção
bios de visão, pela m idríase inten sa provocada p elos sensorial. Os animais geralm ente apresentam nervosis-
alcaloides tropânicos. Pode-se observar também secu- mo e hiperexcitabilidade. No entanto, n o cão, o sinal
ra da pele e das mucosas, m em branas com coloração clínico mais consistente é a depressão. Pode-se verificar
avermelhada, aum ento da tem peratura corpórea e ir- ainda, nessa espécie anim al, midríase e nistagmo, ême-
regularidades car díacas (em geral, taqu icardia) . As se, salivação, ataxia, tremores musculares e hipertermia.
alterações centrais observadas são de delírio e hiperir-
r itabilidade. Pode haver convulsões violentas, progre - Tratamento: n ão h á tratamento esp ecífico para essa
din do até o com a. intoxicação. Se a m aconha tiver sido ingerida, deve-se
tentar retirá-la do trato gastrointestinal. Podem-se uti-
Tratamento: visando sobrepor os efeitos antagonistas lizar estim ulantes centrais, como o doxapram, se houver
colinérgicos produzido pelos alcaloides tropânicos, po- depressão severa do sistem a nervoso central. Geralmen-
dem ser utilizados m edicamentos parassimpatom im é- te o an imal se apresenta anoréxico por vários dias, nes-
ticos, como a neostigmina. No entanto, esse tratamento ses casos recom enda-se fluidoterapia de suporte.
deve ser reservado apenas para animais com sintoma-
tologia grave. A hipertermia deve ser tratada com m e- PLANTAS COM AÇÃO NO CORAÇÃO
didas físicas, como bolsas de gelo e compressas úmidas,
pois os an algésicos são ineficazes nessa situação. Neste grupo de plantas ornamentais tóxicas, desta-
cam-se a Nerium oleander (espirradeira) (Figura 24.8),
Cann abis sativa Thevetia peruviana (chapéu-de-napoleão) (Figura 24.9 ),
Digitalis purpurea (dedaleira) e Asclepias curassavica
Embora a C. sativa (maconha, marijuan a, h axixe) (oficial-de-sala) (Figura 24.10).
não seja utilizada como planta ornamental, mesmo por-
que seu cultivo é ilegal (já que é considerada uma dro -
ga de abuso), ela está incluída n este capítulo porque é
comumente relatada a intoxicação pela maconha em
animais de companhia. No Capítulo 15 (Drogas ilícitas)
são apresentados também dados a respeito da intoxica-
ção por m aconha em outras espécies animais.
Nos Estados Unidos, uma pesquisa mostrou que é
hábito entre os consumidores de m aconha, particular-
mente os adolescentes, estim ular seus an imais de com-
panh ia a partilharem desse h ábito, fazendo com que
in alem a fumaça produzida pela queima desse vegetal.
Mais recentemente, com a legalização do uso da maco-
nha em alguns estados daquele país, há um crescimen-
to muito significante de casos de intoxicações em animais
de com panhia, principalmente cães, com a maconha.

Características gerais: o princípio ativo da m aconha é


o tetraid rocanabinol (THC), substância que tem , com o
principal ação farmacológica, a depressão do sistema
n ervoso central e a alteração do comportamento.
A concentração de T HC n a planta varia de m an ei-
ra significante, pois existem variáveis como temperatu -
ra, altitude, tipo de solo, variedade e m aturidade da
planta, que são determinantes para a m aior ou m en or
quantidade desse princípio ativo. A m aior concentração
do THC é en contrada n a planta fêm ea, na floração. FIGURA 24.8. Nerium oleander.
Capítu lo 24 • Plantas tóxicas ornamentais 281

ingestão de água contam inada com flores ou folhas des-


sas plantas. Esses vegetais também são utilizados em
ten tativas de homicídio ou suicídio. D e m aneira geral,
a intoxicação por essas plan tas é bastante grave, exigin-
d o a internação d o animal.

• Sinais clínicos: os sinais da intoxicação podem aparecer


.. •

• •
d entro d e algu mas hor as após a ingestão, o que muitas
•• t' •
1I •• vezes dificulta o diagnóstico. Os prim eiros sinais carac-
'.....
' K- ,>' ,,..,
, • •

• \
. . 1' ,
, terizam-se por náusea e vômitos. A diarreia com tenesmo
. ' ,~
r.•.· .l ".. •
•• •• é u ma car acterística comum observada nos an im ais
• ,f

·• ~
.. ·, .
·
'
intoxicados. Geralmente, o proprietário leva o animal ao
• médico veterinário para tratar os sinais observados ao
FIGURA 24.9. Thevetia peruviana. nível do trato gastroin testin al, mas as alterações m ais
consistentes e potencialm ente letais são aquelas verifica-
d as no coração. O pulso pod e-se apresentar rápid o e fra-
co ou lento e forte, dependendo do estágio da intoxicação.
À auscultação pode-se verificar vários tipos de bloqueios
cardíacos, taquicard ia, brad icardia e, nos estágios termi-
nais, fibrilações atriais e ventriculares. A respiração está
aum entada, tanto na frequência quanto na profundidade.
Há anóxia e, nesse contexto, as extrem id ades ap resen -
tam-se frequentemente frias e a tem peratura corpórea
pode baixar. Nos estágios terminais pode haver convulsões.
Na intoxicação produzida pela N. oleander ger al-
men te observa-se também um quadro de gastroenteri-
te catarral e/ ou hem orrágica.

Tratamento: como mencionado anteriormente, em geral,


FIGURA 24.10. Asclepia curassavica. essas plantas que contêm os glicosídeos cardioativos pro-
movem in toxicação grave mesmo com a ingestão de um a
pequena quantidade; assim, é fund amental que se retire
Características gerais: embora essas plantas pertençam tod o o m aterial vegetal do estômago do animal, evitando
a diferentes famílias, elas têm em comum a m esm a na- que m ais princípio ativo seja absorvido.
tureza química d os princípios ativos tóxicos: os glicosí- O tratamento consiste em administração d e cloreto
deos card iativos. Vale ressaltar que até hoje a D. purpu- de potássio, na taxa de 1O m Eq/h , por via intravenosa.
rea é cultivada, visan d o-se extrair de su as folh as os Deve-se monitorizar o quadro cardíaco pelo eletrocar-
glicosídeos card io ativo s, digitoxina e d igoxin a, com diograma. Pode-se tentar o uso de procainamida, na dose
aplicações clínicas importantes, com o na insuficiência d e 100 a 500 mg/animal, por via in travenosa, no entanto
cardíaca congestiva. a chance de sucesso é pequena. Além disso, deve-se man-
Sabe-se que a oleand rin a presen te n a N. oleander ter o balanço eletrolítico, depletado pelo vômito e diarreia.
tem ação bastante sem elhante à d igoxina. No entanto,
seu efeito é m ais persistente, send o, portanto, m ais tó- BIBLIOGRAFIA
xica. Com relação à Thevetia peruviana, foram detecta-
dos cinco tipos d e glicosídeos cardioativos: tevetina A 1. ARENA, J.M. Pretty poisonous plants. Veterinary and Human
e B, tevetoxina, peruvosídeo, ruvosídeo e neriifolia. No Toxicology, v. 2 1, p. 108-11, 1979.
2. BURROWS, G.E. Poisonous plant teaching in colleges of vete-
entanto, são escassos os dados relativos às suas toxici- rinar y medicine in the United States. Veterinary and Human
dad es; sabe-se apenas que as tevetinas A e B parecem Toxicology, v. 24, p. 424-6, 1982.
3. FOWLER, M.E. Plant poisoning in small animal companion.
ser as mais ativas e de efeitos sem elhantes à d igoxin a.
Saint Louis: Ralston Purina Company, 1980. Sl p.
To d as as p artes dessas plantas são tóxicas, send o 4. HANNA, G. Plant poisoning in canines and felines. Veterinary
relatados casos de intoxicação graves simplesmente pela and Human Toxicology, v. 28, p. 38-40, 1986.
282 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

5. JANSEN S.A; KLEEREKOOPER I; HOFMAN Z.L; KAPPEN 8. OLSNES, S.; KOZLOV, J. Ricin. Toxicon, v. 39, p. 1723-8, 2001.
I.F; STARY-WEINZINGER A; VAN DER H EYDEN M.A. Graya- 9. OLSNES, S.; KARIN, R.; PIHL, A. Mechanism of action of the
notoxin poisoning: 'mad honey disease' and beyond. Cardiovas- toxic lectins abrin and ricin. Nature, v. 249, p.627-3 1, 1974.
cular Toxicology, v. 12, p. 208-215, 2012. 10. SCHVARTSMAN, S. Plantas venenosas e animais peçonhentos.
6. KINIGHT, M .W; DORMAN, D.C. Selected poisonous plant São Paulo: Sarvier, 1992. 288p.
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7. LAD EIRA, A.M .; ANDRADE, S.O.; SAWAYA, P. Studies on mental pela Dieffenbachiapicta Schott. 1995. 109p. Dissertação
Dieffenbachia picta Schott: Toxic effects in guinea pigs. Toxico- (Mestrado em Medicina Veterinária) - Faculdade de Medicina
logy and Applied Pharmacology, v. 34, p.363-73, 1975. Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
Capítulo 25

Toxicologia das plantas


medicinais e fitoterápicos

Silvana Lima Górniak

~ Além disso, surgiu um fen ôm eno a partir d o final


INTRODUÇAO
do século XX, no qual se verifica que mais e mais pessoas
A utilização de plantas com fins m edicinais se con - vêm p rocu rando utilizar plantas m edicinais e os fitote-
funde com a p rópria evolução da h u manidad e. Nesse rápicos como um a forma de tratamento. Assim, avalia-se
sentido, sabe-se que o uso de plantas medicinais é a mais que 80% da população m und ial emprega essas substân-
antiga forma de cuidado com a saúde pela human idade. cias como form a de tratam ento inicial. Com relação ao
A primeira citação de utilização de plantas com finali- Brasil, um a estimativa apresentada pela Associação Bra-
dad e m édica foi realizad a pelos Sumérios, ao red or de sileira d e Indústrias de Fitoterápicos (Abifito ) assinala
4000 a.C., quand o se descreveu o em prego d a papoula um crescim en to nesse setor ao redor d e 15% ao ano.
(Papaver sonniferum) para o alívio da dor. Além disso, O ut ro fator relacionado, e talvez a principal causa
vários são os relatos descritos em diferen tes obras d o para esse expressivo aumen to d o consu m o d e plantas
mun do antigo, com o o liv ro d e Pen Tsao Ch in g , na medicinais e fitoterápicos, é a forte cren ça p op ular de
Ch in a (2700 a.C.), em p apiros egípcios (1500 a.C.) e que os fitoterápicos não causam efeitos colaterais inde-
ainda na própria Bíblia escrita pelos H ebreus, n a qual sejáveis, sen do, assim , m ais "seguros ou confiáveis': Ain-
encontram-se m ilhares de citações sobre o emprego de d a, com relação à confian ça da população no uso m e-
plantas medicinais e preparações à base d e ervas. dicinal desses produtos, out ro ponto a ser considerado
Assim , ao lon go d e tod a a história da humanidad e, é a cer teza de que medicam entos, ditos n aturais, têm
as pessoas coletavam plan tas silvestres e as cultivavam efeito benéfico n o tratamento de determinad as doenças
próximo delas com a intenção de manter ou restabelecer n as quais a m edicina alop ática conven cion al n ão se
a saúd e, combater infecções e até com finalidad e repro - mostrou eficaz; esse fato é particularm en te verificad o
dutiva, entre outros usos. A ligação entre plantas e m e- para aquelas enfermidades crônicas ou incuráveis, como
dicina atravessa a história, sendo observado em todas câncer e d iabetes, ou afecções d e evolução aguda, tratá-
• •
as civilizações. Portanto, ap esar d e haver u m gran de veis em casa, com o gripe.
avanço na m edicina m oderna nas últimas d écad as, as Em b or a aparentem ente h aja várias van tagens no
plan tas repr esen tam ainda u m a gran de contr ib uição uso de plantas m ed icin ais e de fitoterápicos, sabe-se,
para a saúd e h um ana. D e fato, a O rgan ização Mun dial atualmente, por meio de diversos estudos que evidenciam
d e Saúde ( OMS) d ivulgou u ma p esqu isa n o final do explicitamente que estas podem causar reações adversas
século passado, n a qual aponta que d e 65 a 80% d a po- e intoxicações, pod endo levar até à m orte. Deve-se ter
pulação dos países em desenvolvimento depen diam das em men te que as plan tas medicinais e fitoterápicos po-
plantas como ún ica form a de acesso aos cuidados bási- d em estar associad os a riscos diretos à saúde. Seus cons-
cos de saúd e, h aja vista q ue a grande m aioria desses tituintes bioativos são capazes de produzir os m esmos
produtos tem um valor muito m enor, senão sem custo, tipos de reações adversas que aqueles p roduzid os por
quando comparado aos medicam entos convencionais. medicamen tos sintéticos, um a vez que os receptores no
Atualm en te, calcula-se que 25% da terapia empregada organ ismo human o não diferenciam se a molécula vem
n a medicina m o d erna é derivada, d ireta ou indireta- d o reino vegetal ou do laboratório; da m esm a m an eira,
m ente, d e plan tas. a farm acocinética/toxicocinética d e u m princípio ativo
284 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

de um vegetal não terá um cam inho diferente d e u m a • Ad ição intencional de medicamentos, ou seja, adul-
substância química sintetizad a n o laboratório. teração d o produto, particularmen te aqueles d eno-
Basicam en te, os efeitos ind esejáveis e intoxicações minados de p reparações herbais chinesas, nas quais
advin dos da exposição aos vegetais medicinais se devem há a mistura com m edicamentos. No Brasil, várias
p rincipalm en te aos seguintes fatores: foram as apreensões de p rodutos herbais adultera-
dos, sendo inúmeros os exemplos, entre eles citam -
• As plantas m edicinais e os fitoterápicos são comu - -se: preparações para tratamen to de artrose/artrite,
m ente u m a m istu ra d e vários constitu intes e, n a nas quais já foram encontrad os corticoides com o a
grand e maioria das vezes, os princípios ativos n ão p rednisolona e a dexametazona. Para tratamento de
são conhecid os. dor, detectaram -se p reparações herbais associadas
• Muitas espécies de plantas pod em ser confund id as ao paracetam ol e out ros anti-inflamatórios não es-
pela sem elhança física; portanto, ocorre erro na iden- teroidais. Para a p rodução de relaxam ento muscu-
tificação de determ inado vegetal com fin alidade me- lar, preparações n as quais foi adicion ad o o d iaze-
dicinal. Assim , essas plan tas pod em en cerrar prin- pam, u m tranquilizante menor, sujeito a con trole
cípios ativos completamente distintos, alguns d eles especial, o qual não poderia ser comercializado li-
m uito tóxicos. Adicion alm ente a esse p roblema, há vremen te. O utros med icam entos que vêm sendo
a falta d e padronização d o nome d a plan ta e, com encontrados em adulterações de plantas medicinais
isso, permitirá várias man eiras para se referir a um são: efedrina, clorfeniramina, teofilina, metiltestos-
determinado fitoterápico ou plan ta medicinal, tal terona, fenilbutazona, diclofen aco, ind om etacina,
com o a den ominação popular e, nesse caso, várias en tre outros. Deve-se consid erar que a adulteração
plantas (que pode compreender aquelas medicin ais, em m edicina veterinária poderá ter consequências
bem como as tóxicas) podem ter esse mesmo nome m ais graves que em seres humanos, pois muitos dos
em com u m . Outro fator que contribui para o erro m edicamentos adicionados às preparações herbais
n a escolha d a planta é quando ela é de origem es- ilicitamente, como o paracetamol, podem ser extre-
trangeira, p ropiciand o haver erro na tradução. D e- m amen te tóxicos para felinos, bem como o d iclofe-
ve-se acrescentar que, particularm ente no Brasil, as naco, para felinos e cães.
plantas medicinais da flora n ativa são consu mid as • Pode h aver contam inação ambiental de produtos.
com pouca ou nenhuma comprovação de suas p ro- Nesse sentido, existem vários estudos, em diferentes
priedades farm acológicas propagad as por usuários países, inclusive no Brasil, m ostrand o que as prepa-
ou comerciantes. As pesquisas no Brasil para a ava- rações herbais p od em estar n ão intencion almente
liação do uso segur o de plantas m edicinais e fitote- contaminadas. Pela importância da contaminação de
rápicos são aind a incipien tes; acrescen te-se a isso a preparações herbais, este tópico é abordado com maio-
falta de fiscalização por órgãos oficiais em feiras li- res d etalhes, posteriorm en te, neste mesm o capítulo.
vres, mercados públicos e lojas de produtos naturais. • Outra forma bastan te comum d e intoxicação com
• O material proveniente dos vegetais é quím ica e na- preparações herbais é a interação de plantas medici-
tur almente variável, havendo norm almente diferen - nais e fitoterápicos com m edicamentos conven cio-
ça na concentração das substâncias químicas (prin - nais, haja vista que essa interação pode prom over al-
cípios ativos) em variedades e cultivares de u m a terações da farmacocinética e/ou farmacodinâmica
m esma espécie de plan ta. Além disso, deve-se pon- dos medicamentos ( esse assunto também é retoma-
derar que se considerando um a mesm a varied ad e do, com m aiores detalh es, adiante, neste mesmo ca-
de uma determ inada plan ta, esta pode apresen tar pítulo). Essa interação muitas vezes tem a anuência
grande variação na concentração dos princípios con- do médico ou médico veterin ário, por também acre-
tidos em virtude d e local, solo, clima, entre outros d itar qu e n ão há m aiores problem as ou, então, a
tan tos fatores ambien tais. De fato, há uma im ensa ocultação d a inform ação pelo proprietário do an i-
variação na concentração d e p rincípios ativos em mal de estar adm inistrando, por conta própria, plan-
cond ições de cultivo com alterações na temperatu- tas m edicinais ou fitoterápicos.
ra, exposição à luz, teor hídrico, id ade e fase d e co-
leta, bem com o as partes da plan ta coletada. Portanto, pelo aqui exposto, pod e-se afirm ar que o
• Os m étodos d e colheita, secagem , arm azenamento, fato de que algu m a coisa é natural, n ão sign ifica, de
transporte e processamento podem alterar comple- maneira alguma, ser considerad a atóxica e mais eficaz
tamente as características da planta/fitoterápico. que os m ed icamentos trad icionais. Deve-se atentar que
Capítulo 25 • Toxicolog ia das plantas medicinais e fitoteráp icos 285

os ingredientes ativos de plantas são substâncias quími- movimentação de prin cípios ativos no interior do or-
cas similares (e muitas vezes as mesm as) àquelas encon- ganism o vivo (ou seja, a farmacocinética) e ação dessas
t rad as em m edicamentos elab or ados p ela indústria substâncias químicas no organismo (a farmacodinâmi-
farm acêutica; portanto, são p assíveis de causar efeitos ca). Portanto, da mesma m an eira que ocorre com os
tóxicos, m u itas vezes graves, e até mesm o a m orte. É medicam entos tradicionais, os princípios ativos conti-
fundamental saber que o potencial tóxico de uma plan - dos nas preparações herbais podem ser bastante segu-
ta medicinal ou fitoterápico não depende de sua origem ros quando adm inistrados para um a determ inada es-
vegetal, m as, sim, de suas características farmacológicas pécie (por exemplo, no ser hum ano); entretanto, esses
e dos níveis de seus constituintes bioativos. mesmos prin cípios podem causar efeitos tóxicos mui-
Outro ponto que deve ser considerado com relação to graves e m esm o a morte quando consumido por um
à toxicidade de preparações de plantas e fitoterápicos animal de outra espécie. Assim, quando do emprego de
refere-se à exposição dessas substân cias por gestantes fitoterápicos e plantas medicinais nas diferentes espécies
e por lactantes. Em gestantes, m uitos princípios ativos an im ais, d eve-se con siderar não somente os efeitos
podem prom over efeitos embriotóxicos e teratogênicos, indesejáveis que podem advir de alguns fatores gerais,
e em lactantes muitas das substâncias contidas na plan- como já comentado anteriormente, mas também devem
ta p odem ser veiculadas p elo leite, poden do causar ser analisadas as características da farmacocin ética/
grande risco à saúde do lactente. Ainda, devem ser con - toxicocinética, bem como da farmacodinâmica/toxico-
sideradas as administrações de preparações herbais a dinâm ica inerente a cada espécie anim al.
n eonatos e idosos. A maior possibilidade de toxicidade Acrescente-se ainda como mais um motivo que deve
por produtos herbais nesses grupos justamente se deve preocupar o clínico veterinário n o momento da pres-
ao fato de se acreditar que, como são produtos naturais crição de uma preparação herbal o fato de que são mui-
e, consequentem ente, desprovidos de toxicidade, apre- to poucos os dados disponíveis n a literatura referentes
sentam maior seguran ça p ara se ad m in istrar n esses à segurança e incompatibilidade de uso e eficácia (m es-
indivíduos. mo considerando-se apenas cães e gatos), da imensa
Além disso, deve-se ponderar que esses produtos maioria de preparações herbais disponíveis no comércio
são, n a grande m aioria das vezes, empregados com o p ara as diferentes espécies animais. O objetivo deste
autom edicação e con sumidos usualmente de man eira capítulo não é o de "demonizar" o uso de medicamentos
crônica, nesse caso, fica difícil associar o consumo pro- herbais na clín ica veterinária, m as, sim , o de fazer um
longado de uma determ inada p reparação herbal aos alerta e esclarecer sobre os riscos de se empregar pre-
efeitos tóxicos, tais com o efeitos mutagênicos, teratogê- parações herbais.
nicos e carcinogenicidade.

,
RISCOS DE TOXICIDADE
,
DE ALGUMAS
USOS DE FITOTERAPICOS E PLANTAS PLANTAS E FITOTERAPICOS COMUMENTE
MEDICINAIS EM MEDICINA VETERINÁRIA USADOS

O uso de preparações herbais nos animais, do mesmo Como são inúm eras as plantas medicinais e fitote-
m odo que ocorre em seres humanos, vem crescendo de rápicos empregados, não seria possível apresentar neste
m aneira vertiginosa, particularmente n aqueles animais capítulo uma ampla cobertura sobre a grande maioria
de companhia. A adesão do uso dessas preparações pe- dessas preparações herbais com finalidades medicinais,
los seres humanos, como dito anteriorm ente neste ca- assim, o objetivo principal é o de chamar a atenção sobre
pítulo, identifica como principais causas as sociais, as o potencial risco de intoxicação ou, quando não houver
econômicas e as filosóficas (por um a vida mais "natural"). dados disponíveis, a sinalização da inexistência de estu-
Por outro lado, com relação ao uso em an im ais, são dos de segurança para um a determinada planta ou des-
inexistentes os levantam entos que buscam encontrar os sas p reparações (por exemplo, falta de in formações
motivos pelos quais os proprietários dos anim ais fazem sobre a avaliação de toxicidade quando do uso n a ges-
tal escolha; entretanto, é muito provável que estes devam tação). Portanto, aqui são apenas relacion ados alguns
ser exatam ente os mesm os. poucos exemplos, dentro de um a quantidade abundan-
O principal e m ais preocupante entrave que o clí- te de plantas medicinais e fitoterápicos que vêm sendo
n ico veterin ário en contra diante da solicitação dos usados no Brasil, pelo fato de que os critérios que servi-
proprietários para a prescrição de plantas m edicinais ram de base para a escolha foram os dados mais consis-
e fitoter ápicos para os seus an im ais é a d iferen ça n a tentes en contrados na literatura referente à toxicidade
286 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

(fund amentalmente, em seres humanos), associando-se d emonstrar seguran ça. São incipien tes e incon clusivos
ao amplo uso n o país. os estudos disponíveis com relação ao uso da equinácea
Muitas das plantas usadas com finalidades medicinais na gestação e lactação, portanto, recom end a-se que essa
são também catalogadas com o plantas tóxicas, m uitas planta não seja em pregad a nessas con dições.
delas ornam en tais, como, por exemplo, Datura sp. (saia-
-branca, trombeteira) e a Symphtytum officinale (confrei); Hypericum perforatum (erva-de-são-joão)
assim, norm alm ente os casos d e intoxicação são descri-
tos principalmente em crianças e anim ais de companh ia. A erva-de-são-joão é uma planta h erbácea, n ativa
Há também vegetais empregados como m edicinais, mas d a Europa e Ásia, e vem sendo empregada popularmen -
que são encontrados em pastagens, poden do causar in- te como medicinal h á muito tempo, desde a Grécia an -
toxicação em animais de produção, tais como a Equisetum tiga, como "calmante dos nervos" e para tratar disfunções
arvense (cavalinha) e Senna sp. (sene). As características nervosas. Além disso, a planta também é empregad a no
e toxicidade dessas plan tas são apresen tadas com maio - tratamento de cortes e queimadur as. Em seres humanos,
res detalh es n os Capítulos 23 e 24. o emprego da erva-de-são -joão é, sobretud o , para o
Também, d eve-se considerar que os efeitos tóxicos t ratam ento d e depressão, de leve à m od erad a.
descritos, a segu ir, são extraídos principalm en te de es- A preparação herbal m ais amplamente emp regada
tud os em seres h umanos, exceto quan d o foram en con - é um extrato no qual existem no mínimo dez compos-
trados dados científicos referentes à avaliação realizad a tos. Portanto, vários metabólitos biologicamente ativos
em alguma espécie animal, haja vista que, com o já aqui têm sido isolados d o extrato do H. perforatum, incluin-
com entado, m u ito p oucos estu dos são en contrad os do antraquin on as/n afto d iantron as (prin cipalm en te
quanto aos efeitos tóxicos (e mesmo benéficos) das pre- hipericina e pseudo-h ipericina), derivad os de floroglu-
parações herbais m edicinais em an im ais. cinol (hiperforina e ad-h iperforina), flavonoid es (como
rutina, quercetina, quercitrina, isoquercitrina, luteolina
Echinacea purpurea (equinácea) miricetina e canferol), biflavonas (I3,II8-biapigenina e
am entoflavon a), xan tonas e óleos voláteis; além d a p re-
A planta é originária do leste e centro da América do sença d e algu ns am inoácidos, vitam ina C, cumarinas,
Norte, sendo a mais estudada das várias espécies de Echi- tan in os e caroten oides. O efeito an tidep ressivo se faz
nacea conhecidas. Essa planta vem sendo empregada para prin cipalmente pela presença de hiperforina e hiperici-
o tratamento de gripes e resfriados; é também emprega- na, embora venha sido sugerido que outros compostos
da para o tratamen to de lesões na pele, em queimadu ras como os flavon oides possuam efeito sinérgico.
e em picadas de insetos e cobras. Em cães, além do uso D iversos estud os em seres humanos mostram que
como imunoestimulan te, preparações contendo equiná- a H. perforatum, quando empregada em doses recomen -
cea também têm sido empregadas para o tratamento d a d ad as, se apresen ta com o bastante segura, entretanto,
síndrom e de m á-absorção e parasitoses en téricas. Essas em d oses elevad as e/ou uso crônico, tem sid o d escrita
propried ad es medicinais descritas para a equinácea são fotossensibilização. O ut ros efeitos relatados com o uso
imputadas em virtud e de suas ações im unomodulatórias prin cipalmen te prolon gado d a erva-de-são-joão são d e
e an ti-inflamatórias. São vários os diferentes grupos de irritação gastrintestinal, reações alérgicas e inquietação,
princípios ativos aos quais se atribui seus efeitos m edici- n o entanto, esses efeitos têm incidência muito pequena.
n ais: derivados do ácido cafeico, alcam idas, m elaninas, Quanto à avaliação de toxicid ad e dessa planta, os dados
polissacaríd eos, lipopolissacarídeos e lipoproteín as. são muito limitados no que se refere à toxicidade aguda,
Com relação à toxicid ad e, vários estudos m ostram toxicidade reprodutiva (incluind o gestação e lactação),
que a planta, empregada na d osagem e forma corretas, é administração p rolongada e carcinogenicid ade.
bastan te segura, sen do que estudos com animais de la-
boratório mostraram que a planta ap resenta baixa toxi- Larrea tridentata (chapa rral)
cid ad e; ent retanto, em seres humanos foram d escritas
graves reações alérgicas. Além disso, as p reparações à A planta é originária da Am érica d o N orte, a partir
base de equinácea são contraindicadas em pacientes com do deser to de Son oran , n o México, até os estad os d o
doenças sistêmicas p rogressivas, como tuberculose, leu - oeste dos Estados Un id os. A plan ta vem send o empre-
cernia, distúrbios do colágeno, esclerose múltipla e outras gada para o tratamen to de várias afecções, prin cipal-
doenças autoimunes, justamente por seus efeitos n o sis- men te em infecções do trato respiratório superior, reu-
tem a im une, não havendo estudos clínicos que p ossam matism o, artrite, infertilidad e, diabetes, pedra no rim e
Capítulo 25 • Toxicologia das plantas medicinais e fitoterápicos 287

na vesícula biliar, mordida de cobra e cânceres. É também "síndrome do abu so d o ginsen g': no qual os pacientes
atribuído efeito antienvelhecim en to. O compon ente apresentam h iperatividade, erupções cutâneas e diarreia
at ivo, ao qu al se at ribui os efeitos benéficos, é o ácido matinal. Além disso, vêm também sendo descritos in-
n ordi-hidroguaiarético. A esse m esm o prin cípio ativo sônia, taquiarritmias, sangramentos vaginais, m astalgia
vêm sendo também imputados os efeitos tóxicos, entre- (esses d ois últim os efeitos atribuídos à ação estrogênica
tanto, mais estu dos são necessários para melh or se con - do ginseng) e cefaleia. Outro fato que deve ser conside-
clu ir sobre a toxicidade d o chaparral. rad o em relação ao ginsen g é que, como é um p roduto
Em seres human os, foram descritos diversos casos, relativamente caro, é m uito comum se observar adulte-
associan do-se o con sum o, usualm en te prolon gado da ração ou a sub stituição por outros p rodutos d e menor
planta (ao redor d e d ois m eses; n o entan to, foram d es- custo, os quais podem causar efeitos tóxicos diversos.
critos casos d e intoxicação após o con sumo entre três a
52 sem an as), e a hep atotoxicid ad e. Em b ora a maioria Piper methysticum (kava kava)
dos casos evolu a para a reversão da toxicid ade, h á tam -
b ém várias descrições nas qu ais se relata a evolução para A kava kava é um arbusto p erene, nativo de algum as
a cirrose h ep ática, in clusive requerend o t ran splante de ilhas d o Pacífico Sul. Esse n ome p opular "kava" deriva
fígad o. d a p alavra p olinésia "awà' que significa am argo, referin -
d o-se ao sab or d a planta quan do ingerida na forma de
Panax ginseng (ginseng) chá pelos nativos, os quais a empregavam em cerimoniais
religiosos. A p lant a tem seu emprego com finalidade
Existem ap roxim ad amente 13 espécies de ginsen g medicinal para o tratamento de ansiedade e depressão,
id entificadas, sendo a mais comumente empregad a com já q u e a essa plant a se atribuem os efeit os sed ativos,
fin alidade terapêutica o Panax ginseng (conhecido como ansiolíticos e também anestésicos, relaxante muscular
ginseng chinês, gin seng corean o ou sim plesmente gin - e anticonvulsivante. A kava kava é também usada em
seng). Vale ainda ressaltar que com relação à nom encla- d esord ens d o trato gênito-urin ário, n o t ratamento d a
tura, esta pod e cau sar m uita confu são se apen as levar gonorreia, sífilis e cistite. A b ioativid ade d o extrato d a
em consideração a denomin ação de "ginseng': haja vista kava kava é at ribuída à p resença d e lactonas, ou "kava-
que além das outras 12 espécies de Panax, existem outras lact on as" ( tamb ém conhecidas como "kavapironas").
preparações herb ais, de espécies completamente diferen - São várias as kavalactonas isoladas da planta, t ais como
tes, com o Eleutherococcus senticosus (ginseng siberiano) iangonin a, d esmetoxiiangonin a, kavaína, d ihidrokavaí-
e Pfaffia paniculate (ginseng brasileiro), os quais pod em na, metisticina e di-hidrom etisticina.
apresentar composições químicas com pletam ente d ife- Em seres humanos, são vários os relatos, associan-
rentes. O Panax ginseng é uma planta arbustiva, peren e, do-se o consumo d a p lant a com toxicidade hepática,
oriunda de algumas regiões da Chin a e Coreia. A coleta in clusive h epatotoxicidade fulm inante. Em algum as
para fins medicin ais ocorre a partir do sexto ano de vid a situações, foi necessário o t ran splante de fígad o e em
da planta. O ginseng é uma das plan tas com fin alidades out ras relataram-se m ortes. O uso prolongado de kava
m ed icinais m ais estu dadas e conh ecidas n a atu alidad e. kava também está associado ao aparecimento d e desco-
Existem vários componentes químicos iden tificados n a loração, descamação e secu ra da pele e vermelhidão dos
raiz do ginsen g, que é a p arte da planta empregada p ara olh os. O u so d a p lant a na gestação e lactação é total-
fi n alidade medicinal. Os principais compon entes são: mente con traindicado.
saponin as triterpênicas (principal constitu inte qu ímico, Ainda muito pou co se conhece sobre a toxicidade
sen do d en omin ados de "ginsenosíd eos), p oliacetilenos, e o(s) possível(is) prin cíp io(os) ativo(s) responsáveis;
sesqu iterpenos, polissacarídeos, peptidoglicanos, ácidos entretanto, em razão dos inúmeros e bem docum entados
graxos, carboidratos e com postos fenólicos. estud os reportados na literatura, p rincip almente relati-
A principal utilização do ginseng é para diminuição vo aos graves efeitos no fígad o, a distribuição e com er-
do estresse e melhora da atividade física e mental. Ain da, cialização d a kava kava foi imp ed id a em p aíses como
é em p regado com o estimulante do t rato respiratório e Canadá, n a Comun idad e Europeia e na Austrália.
gastrin testinal, b em como n o tratamento de úlceras e
com o agen te que p ropicia a diminuição do colesterol. Ruta graveo lens (a rruda)
Embora o consumo da planta tenha se mostrado bas-
tante segur o, em seres h u manos o con sum o em d oses A arru da é um arbusto perene, com um odor desa-
elevadas pode promover um efeito tóxico denominado de gradável característico; a planta é nativa do sudoeste da
288 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Europa, m as foi introduzida também n o sul europeu e, flavonoides (n aringenina, lilina, campferol, vecen ina-1,
atualmente, é cultivada em todo o mundo. tricina 7 -0 -D glicopiranosídeo, saponaretina, isovitexi-
O emprego da planta com finalidade medicinal é na, isorientina, orientina, vitexina, luteolina e querceti-
evidenciado desde os tempos pré-históricos, e até h oje n a); sap on in as (fenugrina, foenugracin a, glicosídeo,
vem sendo am plam ente empregada em todo o m undo yam ogenina, trigonoesídeos, sm ilagenina, gitogenina,
para o tratamento de am enorreia e dism enorreia, como sarsasapogenina, yucagenina, hederagina, diosgenina,
anti-hemorrágica (n a insuficiência ven osa), anti-infla- tigonerina, n eotigogen ina. Além desses constituintes
m atória e antiespasmódica (n as afecções reumáticas e ativos, também são incluídos outros com postos, como
osteoarticulares). É também utilizada em algumas afec- vitamina A, ácido fólico, ácido ascórbico, tiamina, ribo-
ções dermatológicas, com o a psoríase, e em m edicina flavina, biotina, ácido nicotínico e gom a.
veterinária vem sendo empregada em ectoparasitoses. O principal e m ais preocupante efeito da planta é a
Q uando administrada oralm ente, se faz sob forma de teratogenicidade, com vários estudos em seres humanos
infusão e são utilizadas as partes aéreas da planta (folha e animais bem documentados sobre esses efeitos. Assim ,
e flo res). Os prin cípios ativos en contrados n a planta o sistema n ervoso central em desenvolvimento parece
pertencem a quatro classes m aiores de substâncias: os ser particularm ente sensível aos efeitos tóxicos do feno
alcaloides da quinolina (graveolina), furoquinolina (dic- grego, sendo associado, em vários países, o consumo da
tamina y- fagarina), piranoquinolina (rutalinío) e acri- planta com o nascim ento de crianças com hidrocefalia,
dona (furacridona); os cum arínicos como a cumarina, anencefalia e espinha bífida. Estudos experim entais em
dicum arinas e furan ocumarinas, piran ocumarinas e os anim ais de laboratório revelam que a planta causa ini-
compostos cumarino-naftoquinona; os flavonoides (ru- bição da proliferação de células na medula óssea e pa-
tin a e rutosídeo); e os óleos essen ciais (2-n on an on e, rada de crescimento fetal. O utros efeitos tóxicos atri-
2-nonilacetato, 2-undecil acetado). buídos ao consumo da planta são alergias, diarreia, dor
Os principais efeitos tóxicos descritos para a R. gra- abdo m in al e flatulên cia. O u so p rolongado do fen o
veolens são em fêmeas gestantes, e se referem aos efeitos grego tem sido associado à alteração de glicose sanguí-
embriotóxicos, verificando-se abortos e teratogenicida- nea (hipoglicem ia), sendo por esse motivo contraindi-
de. Além disso, têm sido associados também hemorragias, cado o uso dessa planta em fêm eas lactantes.
inflamações epidérmicas, vômitos, gastroenterites, sono-
lên cia e convulsões. CONTAMINANTES

Trigane/la foenum-graecum (feno g rego) Adicion almente aos problem as de toxicidade cau-
sados por princípios ativos presentes n a própria planta,
O feno grego é um a das mais antigas plantas medi- ou seja, um efeito direto, outra preocupação suplem en-
cin ais que se tem conhecimento. A planta é nativa do tar e relevante quan do da prescrição de plantas m edi-
oeste europeu e parte da Ásia, entretanto, atualm ente é cin ais o u fitoterápicos são as contaminações desses
cultivada em quase todo o mundo em r azão de suas produtos, que podem acarretar em poten ciais riscos de
propriedades m edicinais e também pelo seu uso como intoxicação; portanto, mesmo aquelas plantas medicinais,
condimento. as quais foram amplam ente estudadas e não se encon -
Ao feno grego são atribuídas várias finalidades m e- trando qualquer princípio ativo que possa levar à toxi-
dicinais; dessa m aneira, a planta vem sendo empregada cidade, estas podem ainda assim representar um grande
(particularmente as sem entes e folhas) com o galacto- risco, pois podem estar carreando substâncias altam en-
goga, ou seja, para aumentar a produção de leite da mu- te nocivas à saúde. Portanto, aditivamente às intoxicações
lher lactante. Além disso, é em pregada como carmina- diretamente relacionadas às preparações herbais que
tiva, dem u lcente, esto m áqu ico (isto é, favo rece a p odem levar à intoxicação, já comentadas n o in ício
digestão gástrica), laxante, expectorante, hipocoleroste- deste capítulo (por exemplo, o emprego de plantas clas-
rêmico, hepatoprotetor, antidiabetogênico, antipirético, sificadas erroneamente e o desconhecim ento sobre sua
anti-inflam atório, antibacteriano e antifúngico. composição química), outros r iscos pela presença de
Os constituintes biologicam ente ativos isolados do outros agentes tóxicos no produto vegetal podem ocor-
feno grego são: alcaloides (trigonelina, colina e carpaína); rer durante o cultivo, no armazenamento, no transpor-
amin oácidos (lisina, h istidin a, 4-did roxi-isoleucina, te e na com ercialização, representando um risco com -
triptofano, tirosin a, cistina e arginin a); cumarín icos plem entar quando do consumo de um produto herbal
(metil-cumarin a, trigocum arina, trimetil cumarina); medicinal.
Capítulo 25 • Toxicolog ia das plantas medicinais e fitoteráp icos 289

Vale lem b rar qu e no Brasil a Agên cia Nacion al de ser toxigênicos, p roduzindo as d enominad as micotoxi-
Vigilân cia Sanitária (Anvisa) h avia estabelecido que os n as. Entre as m icot oxin as de maior im port ân cia, em
fabricantes de fitoterápicos teriam até o início do ano de termos d e contamin ações herbais n o mundo destacam -
2018 para apresentar a análise de resíduos de praguicidas -se as aflatoxin as e a ocratoxin a A. De fato, os vários
e micotoxin as (ocratoxinas, fum on isinas e tricotecen os) estudos realizados no Brasil verificaram que os prin cipais
p ara os seus produtos (com relação à an álise de aflatoxi- microrganism os p resentes nas prep arações herb ais são
n as, estes já são exigidos por essa Agên cia como p arte do os fungos, com porcentagem de até 77% de contamina-
relatório d e controle de qu alid ad e de fitoterápicos). En- ção fúngica, e den tre os fungos há predomin ante inci-
tretanto, a Anvisa suspendeu, por temp o indeterminado, dên cia de Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus,
a exigência de apresentação pelas empresas dos resultados agentes que produ zem micotoxin as com ações hepato-
, . A • • A • A •

das análises relativas aos níveis de resíduos de praguicidas t ox1cas, mutagen 1cas, carc1nogen1cas e teratogen 1cas
(incluin d o-se os m etais p esados) e micotoxinas em suas (para detalhes sobre fungos toxigênicos e efeitos tóxicos,
preparações h erbais, h aja vista que esses testes são de ver Capítulo 27). Além d e fungos, levantamentos n acio-
difícil im plantação e p ossu em custos elevados. n ais e intern acion ais t amb ém mostra ram incidên cia
A seguir, são apresentados os contaminan tes m ais relativamente alta d as b actérias Staphylococcus aureus,
relevan tes que p odem estar presen tes em preparações algum as cepas de Escherichia coli, Salmonella sp., Shi-
de plantas m edicin ais e em fitoterápicos. gella sp ., Bacillus cereus e Pseudomonas aeruginosa.

Microrganismos Metais pesados

A contaminação por microrganismos nas prep ara- A con t aminação p or metais pesados nas p lant as
ções h erbais pod e ocorrer n a plantação, n o transporte medicinais represen t a, atualmente, um a d as princip ais
e, p r in cipalmen te, n a armazen agem. São diversos os preocupações, tan to pelo fato d os vários levantamen tos
estu dos em diferen tes p aíses qu e mostram que as plan - apontarem frequen temente a presen ça n as preparações
tas m edicinais apresentam alta carga m icrobiana, com h erb ais, quan to pela potencial toxicidade d essas subs-
m icrorgan ism os proven ientes do solo e presentes n a t âncias. D entre os m etais pesados m ais citad os na lite-
superfície dos vegetais, ou decorrentes de más condições ratura estão o mercúrio, o chumbo, o arsênio e o cádmio.
de m anipulação e arm azen amen to. A toxicidade dessas sub st ân cias está d etalhad amen te
Os microrganismos p od em contaminar os vegetais d escrita no Capítulo 33.
durante as etap as pré e p ós-colheita. Na pré-colheita, os A contam inação de vegetais com os metais pesados
princip ais focos de con taminação são o solo, os adubos p od e ser acidental; p articularm ente no Brasil, algum as
n ão comp ostad os de form a adequada, a água de irriga- cond ições propiciam p ara que ela ocorra. Por exemplo,
ção con t aminada, a poeira, os insetos, os an imais do - o local de colheita n em sem pre é criterioso, est and o as
mésticos e silvestres e a m an ipulação hum ana. As fontes plantações localizadas em b eiras d e estrad as, exp ostas
de contaminação p ós-colheita são: manipulação huma- con stantem ente a particulad os poluídos, oriun dos dos
n a, limp eza inadequad a ou insuficiente de equipamen- can os de d escarga dos veículos autom otores, torn ando
tos de colheita, embalagen s de transporte sujas e conta- as plantas inadequadas para o uso medicin al. Plantações
m in adas, an imais, insetos, poeira, águ a d e lavagem qu e ocorrem próximas a áreas d e min eração t am b ém
contam inada, veículos de transp orte e contaminação de p odem conter altos n íveis de m etais pesados. O utro fato
equip amentos utilizad os n os p rocessamen tos p ós-co- que contribu i para a presença d e elevados n íveis de m e-
lh eita, secagem e arm azen am ento realizad os de form a t ais de man eira acid ental em preparações herbais n o
in ad equ ada sem qu alqu er tipo de higien e. O utro gran- Brasil é o descaso com a qu alidad e d o solo e d a águ a.
de p roblema d e contaminação microbian a é duran te o Acrescente-se que o uso de fertilizantes e praguicidas,
processo de comercialização. Diversos estudos realizados sem os d evidos cuidad os, p ode cont ribuir p ara a p re-
n o Brasil mostraram que plantas medicinais com ercia- sença d e n íveis elevad os d e m etais pesados no meio
lizadas p or raizeiros encont ravam-se m uito próximas a am biente e, consequentem ente, nas p lantas.
fontes de con t aminação com o p oeira e esgoto. Ain da, O utra m an eira de serem encontrados m etais pesa-
gran de p arte desses p rodutos para a ven da já se encon- dos em plantas medicin ais e fitoterápicos é por m eio da
t ravam mofados. cont aminação proposit al. Nesse sentido, representa
Particularm ente, com relação aos microrganismos, grand e risco p ara a população aqu eles fitoterápicos im-
destacam-se a contaminação por fungos, os quais podem p ort ados de p aíses asiáticos, uma vez que as formulações
290 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

contêm vários metais pesados em concentrações que, ~


INTERAÇAO COM MEDICAMENTOS
m uitas vezes, ultrapassam os valores seguros para con - CONVENCIONAIS
sum o. Estudos oriundos da Ín dia mostraram que as
form ulações aiurvédicas, quase que n a sua totalidade, Outro grande fator complicador relativo à crença
excederam consideravelmente os limites legais de con- de que as preparações de origem vegetal n ão causam
centrações de metais pesados. Entre os principais metais toxicidade à saúde é a associação dessas substâncias de
pesados en contrados nas form ulações aiuvérdicas ci- origem vegetal com medicamentos tradicionais. Assim,
tam-se cobre, estanho, chumbo, mercúrio, ferro, prata e como vem sendo reiteradamente dito ao lon go deste
zinco. Da mesma m aneira, numerosos casos de intoxi- capítulo, as plantas medicinais e os fitoterápicos são
cação por metais pesados associados ao uso da medici- constituídos por misturas complexas de vários compos-
n a tradicional chinesa têm sido publicados nos últimos tos químicos que podem ser responsáveis por diversas
anos, sendo o chumbo um dos principais responsáveis ações, com o efeitos antagônicos e/ ou sinérgicos com
por intoxicações. Outros metais pesados, como mercú- outros medicamentos. Portanto, deve-se estar conscien -
rio, arsên io, cádmio, cobre e tálio também têm sido en- te de que numerosas interações medicamentosas podem
contrad os em fitoterápicos da medicin a tradicion al ocorrer em caso de uso de produtos de origem vegetal
chinesa. con comitantem ente com outros medicamentos e, de
Estudos apontaram que os riscos de contaminação maneira geral, com ações completamente imprevisíveis,
com metais pesados em formulações contendo extratos o que pode levar a sérios danos ao paciente, com o com-
de plantas medicinais orientais têm aumentado expres- prom etimento da recuperação da saúde.
sivamente com a possibilidade de aquisição de medica- As interações entre os medicamentos convencionais
m entos via intern et. e produtos herbais podem causar efeitos farmacológicos
ou toxicológicos, podendo ser classificadas em dois gru-
Praguicidas e fumigantes pos: interações fármaco/toxicodinâmicas, que levam à
ampliação ou redução do efeito esperado do medica-
Da mesma man eira que os praguicidas são ampla- mento em virtude de sinergism o ou antagonismo, res-
m ente em pregados em diversas plantações para a pro- pectivamente; e interações fármaco/toxicocinéticas, que
dução de alimentos, visan do ao controle de pragas, ve- produzem alterações nos parâmetros que descrevem os
rifica-se qu e esse uso tam bém está se amplian do n o processos de absorção e disponibilidade do medicamen-
cultivo de plantas medicinais, em particular, em plan- to n o organismo, gerando perfis de con centração plas-
tações destin adas a produção de fitoterápicos. Estudos m ática da substân cia or igin al e/ ou seus m etab ólitos
em todo o mundo vêm mostran do a ocorrência relati- alterados, que podem resultar em efeitos farmacológicos
vamente com um desse tipo de contaminação em pre- ampliados ou reduzidos.
parações herbais. As interações farmacocinéticas entre o produto her-
Entre os praguicidas relatados na literatura estão os bal e o m edicamento convencional podem ocorrer nos
organoclorados, cujo uso está proibido em todo o mun- processos de absorção, distribuição, metabolismo e ex-
do h á várias décadas; são ain da encontrados resíduos ereção. Interações no processo de absorção podem cau -
em plantas medicinais, inclusive no Brasil. Os organo- sar a redução ou aumento da quantidade de substância
fosforados tam bém têm sido encontrados em prepara- ativa absorvida, ou da velocidade de absorção, resultan -
ções herbais. Os efeitos tóxicos desses praguicidas são do na diminuição ou aumento da intensidade do efeito
descritos, respectivamente, nos Capítulos 17 e 18. farmacológico verificado. Os compostos fitoquím icos
As preparações herbais podem ficar m uitas vezes também podem interagir com transportadores de pro-
estocadas até a su a comercialização e, nessa situação, teínas ATP-depen dentes, como a glicoproteína-P intes-
para impedir a contaminação microbiana e repelir in - tinal e outras proteínas que facilitam o efluxo do medi-
setos, se faz uso de fumigantes. Há alguns estudos que camento, alterando sua biodisponibilidade. No entanto,
relataram a presença de resíduos de fumigantes em pre- considerando-se o aspecto farmacocinético, a interação
parações herbais, os quais podem causar sérios quadros entre os prin cípios ativos herbais e aqueles do medica-
de intoxicação, bem descritos em seres humanos. Entre mento convencional de relato m ais comum na literatu-
esses agentes fum igantes citam-se o óxido de etileno, a ra refere-se à alteração n a biotransformação do medi-
fosfina e o brometo de m etila. Deve ser salientado que camento convencional, um a vez que os vários princípios
n ão há dados que possam auxiliar na determinação de ativos presentes n a planta p odem causar in dução ou
níveis seguros dessas substâncias em produtos herbais. inibição das enzim as responsáveis pelo metabolismo
Capítulo 25 • Toxicolog ia das plantas medicinais e fitoterápicos 291

oxidativo pertencente ao citrocromo P450 (CYP), prin- rando a diversidade de efeitos bem documentados das
cipal sistema utilizado para eliminação de substâncias interações da erva-de-são-joão (Hypericum perforatum)
químicas do organismo (para detalhes sobre biotrans- com diversos medicamentos, estes são apresentados no
formação e eliminação, ver Capítulo 2). Quadro 25.2. Vale reiterar a lembrança de que os dados
Como resultado tanto da interação no aspecto far- apresentados nesses quadros foram obtidos, principal-
m acodinâmico quanto do farmacocinético, podem-se mente, a partir de estudos realizados em seres humanos
observar a exacerbação dos efeitos farm acológicos do e/ ou animais de laboratório, sendo praticamente in e-
medicamento tradicional e o surgimento de efeitos ad- xistentes as informações de interações medicamentosas
versos normalm ente não man ifestados quando este é em animais domésticos. Portanto, deve-se considerar
administrado isoladam ente. que os efeitos n os an im ais dom ésticos p odem ser de
No Quadro 25. 1 são apresentadas as mais comuns maior ou menor intensidade que aqueles descritos para
associações entre plantas medicinais e fitoterápicos que os seres humanos, ou ainda que essas interações possam
podem causar efeitos adversos, os quais já foram bem apresentar outras reações adversas que não estão aqui
documentados na literatura. Em particular, conside- descritas.

QUADRO 25.1. Principa is plantas medic inais empregadas no Brasil e suas interações com medicamentos convencionais que
possam resultar em efeit os adversos

Nome científico Principais finalidades de uso Interação com medicamentos e efeitos adversos
(nome popular)

Allium sativum L. Coadjuvante no tratamento de Anticoagu lantes orais (p.ex. varfarina): aumento do tempo de
(a lho) hiperlipedem ia e hipertensão sangramento
arterial leve; auxilia na prevenção
Hipoglicemiantes (p.ex. insu lina e glipizida): diminuição excessiva dos
da aterosclerose
níveis de açúcar no sangue (hipoglicem ia)

Cynara scolymus Colerética, hepatoprotetor, Diuréticos como os de alça (furosemida) e os tiazidicos (clorta lidona,
(alcachofra) tratamento de hiperlipidem ia, hidroclorotiazida, indapam ida) poderão dim inuir d rasticamente o volume
promoção de diurese, diabet es, sanguíneo, levando a uma queda da pressão arterial por hipovolemia, e
hipertensão, tratamento de úlcera como oco rre também a perda de potássio, há a possibilidade de ocorrer
a hipocalemia

Echinacea purpurea lmunoestimulante Esteroides anabolizantes, metotrexato, cetoconazol e amiodarona,


(equinácea) aumento do risco de hepatotoxicidade. O uso contínuo, pois, poderá
causar danos hepáticos

Não ser administrada em doenças como tuberculose, esclerose múltipla,


síndrome da imunodeficiência adquirida, infecções oportunistas em
síndrome da imunodeficiência adquirida e doenças autoimunes
,
Ginkgo biloba L. Vertigens e zumbidos (tinidos) Acido acetilsalicílico, varfarina, hepa rina, clopidogrel, ibuprofeno,
(ginkgo biloba) resultantes de d istúrbios naproxeno ou outros medicamentos que promovem o aumento do tempo
circu latórios gerais e d ist úrbios de coagulação: riscos de sangramentos
circu latórios periféricos e
Anticonvulsivantes (p.ex.fenitoína): d iminuição da ação
insuficiência vascular cerebral,
demência, asma, degeneração Antidep ressivos (p.ex. inibido res da monoam ino oxidase), intensifica a
macu lar, deficiência cognitiva, ação farm acológica desses medicamentos e, também, dos efeitos
disfunção sexual induzida por colatera is como cefaleia, tremores e surtos maníacos
antidepressivos
Vasodilatadores (n ifedipina): aumento dos níveis plasmát icos

Matricaria recutita Antiespasmódico, anti-inflamatório Anticoagu lantes (p.ex varfarina): aumento do tempo de sangramento
(camomila) tópico, distúrbios digestivos e
insônia leve Barbitúricos (p.ex. fenobarbita l) e outros sedativos: intensifica ou prolonga
a ação depressora do sistema nervoso central

Reduz a absorção de ferro ingerido


,
Panax ginseng Estado de fadiga física e mental, Acido acetilsa licílico, varfarina, hepa rina, clopidogrel, ibuprofeno,
(ginseng) adaptógeno naproxeno ou outros medicamentos que promovem o aumento do tempo
de coagulação

Estrogênios: aumento da atividade estrogênica

Hipoglicemiantes (p.ex. insulina): hipoglicem ia


(continua)
292 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

QUADRO 25.1. Principa is plantas medicinais empregadas no Brasi l e suas interações co m medicamentos convencionais que
possam resultar em efeitos adversos (continuação)
N ome cie ntífico Principais finalidade s de uso Interação com medicamentos e efeitos adversos
(nome popular)

Piper methysticum Ansiedade, insôn ia, tensão Benzodia zepín icos (p.ex. diazepam) e barbitúricos (p.ex. fenoba rbital):
(kava kava) nervosa e ag itação potenciação de ação, podendo levar a estado sem icomatoso

Agon istas dopam inérgicos (p.ex. levodopa): inibição do efeito, pois


antagon iza o efeito da dopam ina

Rhamnus purshiana Const ipação Diuréticos tiazídicos: excessiva perda de potássio, resultando em quad ro
(cáscara sagrada) de hipocalemia

Glicosídeos cardiotônicos: promove desequ ilíbio de e letró litos, com


potencialização de efeitos

Senna sp. Laxativo Glicosídeos cardiotônicos: potencializa efeito, em deco rrência da perda
(sene) de potássio

Diuréticos tiazídicos ou adrenocorticosteróides: exacerbação de


distúrbios elet rolít icas

Zingiber officinale Profilaxia de náuseas causada Antiácidos (p.ex. sucra lfato, ranitid ina ou lansoprazol): há evidências de
Rose. (gengibre) por movimento (cinetose) e que estimu lam a produção de ácido clorídrico estomacal, portanto, inibe o
,,. . ,, .
pos-c1rurg1cas efeito dos antiácidos
,
Acido acetilsa licílico, varfarina, hepa rina, clopidogrel, ibuprofeno,
naproxeno ou outros medicamentos que promovem o aumento do tempo
de coagulação: sangramento estomaca l

Med icamentos para o coração (p.ex. betabloqueadores e digoxina):


alteração da cont ração cardíaca

QUADRO 25.2. Efeitos adversos resultantes da interação ent re a erva-de-são-joão (Hypericum perforatum) e medicamentos
convenciona is
Medicamentos Efeitos adversos Mecanismo de ação

Sistema nervoso central


Am inotriptilina Redução dos níveis plasmáticos do medicamento e seu Indução da CYP3A4
principal metabólito ativo

Midazolam Redução dos níveis plasmáticos Indução da CYP3A4

Nefazodona Síndrome serotoninérgica: tremores, mioclonia, Efeito ad it ivo à inibição de recaptação de serotonina
alteração da consciência, irritabilidade pelos neurônios

Nortriptilina Redução de ma is da metade dos níveis plasmáticos Indução da CYP3A4

Paroxetina Aumento dos efe itos sedativos e hipnóticos (fraqueza, Efeitos combinados de medicamentos inibindo a
fadiga, movimentos letárgicos recaptação de neurot ransm issores

Quazepam Redução dos níveis plasmáticos Indução da CYP3A4

Sertralina Síndrome serotoninérgica Mesmo mecanismo que a paroxetina

Sistema imune

Ciclosporina Queda dos níveis plasmáticos, rej eição aos transpla ntes Indução da CYP3A4

Tacrolimus Queda dos níveis plasmáticos, rej eição aos transpla ntes Indução da CYP3A4

Sistema cardiovascular e sangue

Digoxina Queda dos níveis plasmáticos Indução da glicoproteína-P intestinal, promovendo


excreção da digoxina

Nifedipina Queda dos níveis plasmáticos Indução da CYP3A4

Sinvastatina Queda dos níveis plasmáticos, aumento dos níveis de Indução da CYP3A4
colesterol sanguíneo

Va rfarina Queda dos níveis plasmáticos, dim inuição do efeito Indução CYP1A2, inibição da absorção intestinal
anticoagulante

Sistema respiratório
Teofilina Queda dos níveis plasmáticos Indução da CYP1A2
Capítulo 25 • Toxicolog ia das plantas medicinais e fitoteráp icos 293

20. FUKUMASU, H .; LATORRE, A.O .; BRACCI N .; et al. Fitote-


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Seção 5
Toxicologia dos alimentos
Capítulo 26

Alimentos tóxicos para animais

Helenice de Souza Spinosa


Silvana Lima Górn iak

INTRODUÇÃO As espécies domesticadas comumente envolvidas em


toxicoses são: Allium cepa (cebola), Allium porrum (alho -
Há algun s alimen tos consumidos p elos seres huma- -poró), Allium sativum (alho) e Allium schoenoprasum
n os que p o d em causar intoxicações em animais, u ma (cebolinha). Essas plan tas contêm componentes tóxicos
vez que há d iferen ças n a toxicodinâmica e, p rincipal- que podem causar dano aos eritrócitos e provocar anemia
mente, na toxicocin ética, particularmente n os processos h em olítica, acompan h ad a pela form ação d e corp úsculo
de biotransformação que ocorrem no fígado e em outros de Heinz em eritrócitos em cães e gatos, bem como tam-
tecidos en t re as várias espécies animais, acrescidos da bém em bovinos, búfalos, ovelh as e equ inos.
sensibilidade individu al. Além disso, deve ser salientado
que alimentos poten cialm en te tóxicos p ara os an im ais Fo nte de exposição
estão d isp oníveis n o seu ambiente e em quantidade
passível de causar toxicose, sendo essas situações comuns Considerando que as plantas do gênero Allium estão
qu ando há uma proximid ade de convívio en tre os seres presentes na culinária d o ser h umano, há o risco d e os
hum an os e os an im ais, com o frequ entem ente acon tece animais terem fácil acesso a elas. No caso de cães e gatos,
n os dias d e hoje. os animais podem se intoxicar ao ingerir sobras da ali-
D ent re os animais de companhia, os cães são mais mentação human a, contendo, p or exemplo, ceb ola cru a,
suscetíveis qu e os gatos à intoxicação por alim en tos, cozid a ou d esidratada (sop a d e cebola). Em equ inos e
u m a vez que esses últimos são mais seletivos e exigentes ruminantes a intoxicação ocorre quand o esses animais
quanto aos hábitos alimen tares. invad em lavou ras ou quan d o têm acesso a locais on de
Os alimen tos que m ais causam intoxicação em cães existem essas p lantas.
são: chocolate, café, m acad âmia, alimentos que conte-
nham xilitol, cebola, alh o, uva e p assas. Toxicidade
Em gatos, os alimentos m ais com u n s na causa d e
toxicose são: cebola, alho, ch ocolate, uva e passas. Vários fatores estão implicados n a ampla variação na
A segu ir são apresentados os alimentos mais comu- suscetib ilidade das esp écies animais à toxicose causada
men te associados a quadros d e intoxicação em animais, p or essas plantas, incluindo diferenças na estrutura da
em particular, cães e gatos. h emoglobin a e nos sistem as enzim áticos protetores.
Relata-se que alterações hematológicas clinicam en -
ALHO E CEBOLA te imp ortan tes são observad as em gatos que consomem
5 g/kg de cebola e em cães qu e ingerem de 15 a 30 g/kg.
O alh o e a cebola pertencem à fam ília Alliaceae, que A in toxicação p or ceb ola tem sido observada em
possu i 15 gêneros e cerca d e 800 esp écies. O gên ero an im ais qu e ingeriram esses alimentos em qu antid ade
Allium apresenta várias espécies silvestres e d om estica- superior a 0,5% de seu p eso corp óreo. Uma quantid ad e
das, as quais já eram conh ecidas pelos p ovos d a Antigui- relativamen te alta (600 a 800 g) em uma única refeição
dade, que as usavam para fins culinários e etn om edici- ou dividida em alguns dias pode causar danos em eri-
n ais, além de outras esp écies con sideradas atualm ente t rócitos e levar à an emia h emolítica, acompanhada d a

invasoras. form ação de corpúsculo d e Heinz n essas células .
298 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

O cozim ento ou a d eterioração dessas plantas não crônica. A condição agud a é caracterizada por m eta-he-
redu zem o seu poten cial de toxicid ade. moglobinemia grave, que causa cianose e morte. A con-
Os seres human os estão en t re as espécies mais re- d ição um pouco mais crônica é decorrente de anemia
sistentes à toxicose causada por essas plantas. Por outro hemolítica com formação de corpúsculos de H einz.
lado, observou-se maior suscetibilidade de certos grupos Os animais que ingerem grande quantidade da plan-
étnicos à intoxicação em razão d a deficiência genética ta de uma única vez desenvolvem meta-hemoglobinemia,
de glicose-6-fosfato d esidrogenase ( G6PD). tornando-se apáticos, hipotérmicos e cianóticos. Animais
que não morrem ou que ingerem pequenas quantid ades
Mecanismo de ação da planta por vários dias d esen cadeiam um quadro he-
molítico, tornando-se também apáticos e apresentando
As espécies de Allium contêm uma ampla variedade mucosas hipocorad as, m eta-hemoglobinúria, taquicar-
de compostos, sulfóxidos e sulfetos alifáticos, e seus me- d ia, taquipneia, d ificuldade para respirar e letargia.
tabólitos, os quais são responsáveis pelos odores, sabores A an emia hemolítica causada pela ingestão de ce-
e efeitos farm acológicos dessas plantas. O alilpropil dis- bola foi relatada em bovin os, ovinos, equin os, cães e
sulfeto tem sido consid erado o principal constituinte do gatos.
óleo d e cebola responsável pelo dan o oxid ativo dos eri-
trócitos, enquanto a alicina contém alil dissulfeto, com - Tratamento
posto sem elhante que está presente n o óleo d e alho.
Esses princípios ativos são oxid an tes que transformam Não há um tratam ento específico; devem ser reali-
a hemoglobina em m eta-hemoglobina. zad os os tratamen tos sin tomático e d e sup orte. Se a
Acredita-se que o alilpropil d issulfeto ou o alil dis- ingestão da planta for recente, pode-se fazer a descon -
sulfeto reduzam a atividade d a glicose-6-fosfato d esi- tam inação do trato gastroin testinal. No caso da p resen-
drogenase (G6PD) dos erit rócitos, interferindo na re- ça da anemia hemolítica, podem ser necessários a t rans-
generação da glutationa reduzida, necessária para evitar fusão de sangue, a fluidoterapia para evitar a lesão renal
a desnaturação oxidativa da hem oglobina. A hem oglo- em decorrência da hemoglobinúria, a oxigen ioterapia e
bina desnaturada precipita-se na superfície dos erit ró- o uso de antioxidantes, como a N-acetilcisteína, a vita-
citos, form ando o corpúsculo d e Heinz, e desencadeia mina E e o ácido ascórbico.
a hemólise extravascular e intravascular.
, ,
O quadro de anemia é d ecorrente d a p resença do CHOCOLATE, CAFE E CHA
corpúsculo de Heinz, que é reconh ecido pelo sistema
fagocítico mon on uclear, e os erit rócitos passam a ser O chocolate, o café e o chá são alimen tos ricos em
retirados d a circulação, principalmente pelo baço e fí- metilxantinas, bem como o guaraná e as bebidas à base
gad o, fenômen o chamado d e hemólise ext ravascular. de cola. As metilxantinas m ais abund antes são a cafeína,
Ocorre também opsonização do corpúsculo d e Heinz a teofilina e a teobromina.
pela imu n oglobulina G (IgG) e com plem ento, porém O chocolate é obtido a partir das sementes do cacau
de m aneira pouco eficiente, poden do causar a ruptura (Theobroma cacao ), que possui cerca de 1 a 2% d e teo-
de algun s eritrócitos n a circulação, resp on sável pela brom in a e 0,05 a 0,3% de cafeín a. O café é obtido a
hemólise intravascular e a m eta-hemoglobinúria. partir d as sementes da Coffea arábica, cujo teor de ca-
Os gatos são m ais p ropensos à oxidação eritrocitá- feína varia entre 1 e 2,5% e de 0, 1 a 0,2% de teobromina.
ria, por sua hem oglobina possuir oito grupos sulfid rila, O chá de folhas d a erva-mate (Ilex paraguaiensis) tem
em vez de dois grupos, como em outros mamíferos; além cerca de 1 a 2,2 % d e cafeína e traços d e teobromina e
disso, o baço d os gatos é menos eficiente em reter os teofilina; o chá-preto ( Camellia sinensis) possui teofili-
eritrócitos danificados presentes n o sangue que nas na e cafeína. As sem entes do guaraná (Paullinia cupana)
demais esp écies anim ais. Por isso, os gatos são mais possuem cerca de 3 a 5% de cafeína, enquanto a noz-
susceptíveis à intoxicação por esses alim entos. -de-cola ( Cola nítida) p ossui cerca d e 1,5 a 2,5% de
cafeína e t raços d e teobromina.
Sinais clínicos As principais p ropriedades farmacológicas das me-
tilxantinas são estimulação do sistema nervoso cen tral,
A intoxicação espontânea por cebola está associada relaxamento d a musculatu ra lisa (p r incipalmente a
a duas m anifestações clínicas que têm início en tre 1 e b rônquica) e prom oção da d iurese.
2 dias após a ingestão: um a aguda e outra um pouco mais O quadro de toxicose é d escrito em cães e gatos.
Ca pítulo 26 • Alimentos tóxicos para animais 2 99

Fonte de exposição Sinais cl ínicos

Os efeitos tóxicos dependem do teor de m etilxan- São descritos vôm ito, hematêmese, poliúria, hipe-
tinas presentes n o alim ento: por exemplo, o chocolate ratividade, ataxia, taquicardia e vocalização. Nos casos
ao leite p ossui menor teor de cacau q ue o ch ocolate graves observa-se rigidez muscular, taquipneia, hiper-
meio-am argo e, consequentemente, é menos tóxico. Vale termia, convulsões, arritm ias cardíacas e m orte. Foi
salientar que as m etilxantinas podem estar p resentes relatado que qu an do o ch ocolate p ossui alto teor de
também em m edicam entos, os quais devem ser m anti- gordura pode ser observada a ocorrência de pancreati-
. . , .
dos fora do alcance dos animais. te em anrma1s suscet1ve1s.

Toxicidade Tratamento

As m etilxantinas são absorvidas no trato gastroin- Não há um tratamento específico; devem ser reali-
testinal e são biotransform adas no fígado por m eio de zados os tratamentos sintomático e de suporte. Se a in -
reações de conjugação. Os cães são mais sensíveis à in- gestão da planta for recente, pode-se fazer a descontami-
toxicação p or metilxantin as p o r apresentarem lenta nação do trato gastrointestinal e o uso de adsor vente
elim inação em comparação às outras espécies anim ais com o o carvão ativado. Se houver êmese após a descon -
(m eia-vida plasmática de cerca de 17 h). taminação gástrica, deve-se fazer uso de antiem éticos.
A dose letal 50% (DL50) oral de cafeína para cães é Nos casos de arritm ias cardíacas, é indicado metoprolol
de 140 mg/kg, sendo que a dose letal pode variar de 11 O nas taquiarritm ias, atropina nas bradiarritmias e lido-
a 200 mg/kg. A DL50 oral de cafeína para gatos é de 80 caína n as taquiarritmias ventriculares refratárias. Para
a 150 m g/kg, porém a intoxicação é m enos frequente, o controle de tremores e/ou convulsões leves, indica-se
provavelmente pelo fato de os gatos possuírem hábitos m etocarbam ol ou d iazep am; n o caso de convulsões
alimentares m ais seletivos. graves é indicado o uso de barbitúricos. Deve-se atentar
A DL50 oral de teobrom in a para cães é de 250 a para o controle da temperatura e correção do desequi-
500 m g/kg, sendo que a dose letal pode variar de 100 a líbrio ácido-base.
250 mg/kg. Con siderando que 100 g de ch ocolate ao
leite pode conter cerca de 150 a 200 mg de teobromina, ABACATE
justifica-se o motivo pelo qual é com um a toxicose de
cães por chocolate. A DL50 o ral de teobromina para O abacate é o fruto do abacateiro (Persia americana),
gatos é de 200 m g/kg. uma árvore da fam ília da Lauraceae, originária da Amé-
rica tropical (México e dem ais países da Am érica Cen -
Meca nismo de ação tral, bem com o da América do Sul) e hoje cultivada em
várias regiões tropicais e subtropicais. A palavra "aba-
As metilxantinas são inibidores competitivos de re- cate" tem origem asteca que significa testículo, em fun -
ceptores de adenosina, que causam estimulação do siste- ção do form ato dos frutos, os quais podem ser ovoides
ma nervoso central, diurese e taquicardia. Sugere-se ain - ou piriformes. Avocado é o termo em inglês para aba-
da que as metilxantin as alteram o transporte de cálcio cate, e aguacate e palta em espanhol.
intracelular, resultando em aumento da contratilidade
muscular esquelética e cardíaca. Além disso, podem pro- Fo nte de exposição e toxicidade
m over inibição competitiva da fosfodiesterase nucleotí-
dio-cíclica, enzima que catalisa a conversão de 3'5' -ade- O abacate foi descrito como potencialmente tóxico
n osin a monofosfat o cíclico (AMPc) a aden osin a para várias espécies animais, como bovinos, caprinos,
m onofosfato (5'-AMP). Essa inibição resulta no aumen - ovinos, equinos, cães, gatos, coelh os, pássaros e peixes.
to da con centração de 3'5'-AMPc, que estimula um a Os fr utos, sementes e folhas de certas variedades de
proteinaquinase, e esta, por sua vez, fosforila (inibindo) abacateiros podem desencadear a toxicidade. As doses
um a enzima denominada quinase da cadeia leve da mio- letais são desconhecidas e os efeitos tóxicos podem va-
sina, a qual prom ove a contração da musculatura lisa. riar dependendo da espécie animal.
300 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

"
Mecanismo de ação MACADAMIA

O mecanism o de ação ainda é desconhecido, mas A noz de m acadâmia é obtida de árvores das espé-
acredita -se que a p ersina [(Z,Z)- l - (acetiloxi) -2-hi- cies Macadamia integrifolia e M. tetraphylla. As nozes
d roxi- 12, 15-h en eicosadien o-4-on e], u m a fito toxina com ercializadas são m uito populares com o petiscos e
fu n gicida e com atividade cit otóxica p resen te n os ingredientes de biscoitos e doces. Os relatos de intoxi-
frutos e nas folhas do abacateiro seja responsável pela cação por essas nozes são descritos som ente em cães.
toxicidade.
Mecanismo de ação
Sinais clín icos
O mecanism o de toxicidade ainda é desconhecido,
Os sinais clínicos observados são irritação do trato e pode estar relacionado a algum componente das nozes,
gastrointestinal, êmese, diarreia, desconforto respirató- contaminantes do processo, alguma micotoxina ou ou-
rio, congestão, acúmulo de líquido no pericárdio e mor- tras causas n ão determinadas. Certos estudos mostram
te. As aves parecem ser m ais sen síveis à toxicose e os que a intoxicação n os cães ocorre já a partir de 2,4 g/kg
sinais são taquicardia, dano ao tecido miocárdico, res- de nozes.
piração ofegante, plumagem desalinhada, agitação, fra-
queza e apatia. Altas doses podem causar uma sínd rome Sinais cl ínicos
respiratória aguda (asfixia), com m orte em aproxim a-
dam ente 12 a 24 h após a ingestão. Os sinais clínicos geralmente se torn am aparentes
Em coelhas e em ratas lactantes foram observadas entre 6 e 24 h após a ingestão. Inicialm ente os cães m a-
m astite n ão in fecciosa e agalaxia após o consum o de nifestam fraqueza e depressão, seguido de vômitos, ata-
folhas ou cascas da planta. Em coelhos, foram relatados xia e tremores. A hiperterm ia pode ou não estar presen-
ocorrên cia de arritmia cardíaca, edem a subm andibular te. A macadâmia pode ser identificada no vômito e fezes.
e m orte após o consumo de folhas. De m aneira geral, os sinais da intoxicação se revertem
Em vacas, éguas e cabras foi observada m astite não até 48 h do início da sintom atologia.
in fecciosa e agalaxia após consum o de folhas ou cascas É im p or tante diferen ciar a intoxicação de m aca-
da planta. Esse quadro é associado com necrose de coa- dâm ia por agentes h ipotensivos e p or etilen oglicol,
gulação exten sa do epitélio secretório acinar, edem a bem com o por doen ças infecciosas, com o as enterites
• •
intersticial e h emorragia. v1ra1s.
Em ovinos e caprinos, bem como em cães que ad -
quiriram o hábito de com er abacate, foi diagnosticada Tratamento
um a síndrom e de insuficiên cia cardíaca, sendo obser-
vada n ecrose de fibras m iocárdicas. Não há um tratamento específico. A administração
Em cães fo ram descritos dispneia, abaulam ento de carvão ativado (2 g/kg, por via oral) com uma solu-
abdominal, ascite, anasarca, efusão pleural e pericárdica ção catártica, com o o sorbitol a 70% (3 m L/kg por via
com edem a pulm o nar, bem com o irr itação do trato oral), pode auxiliar na rapidez da passagem das nozes
gastrointestin al, com vôm ito e diarreia, em até 24 h após de m acadâmia pelo trato gastrointestinal, impedindo a
a ingestão dos frutos. Além disso, a ingestão de alta quan- absorção.
tidade de abacate pode levar à pancreatite, pelo fato de
o fruto ser rico em gordura. UVAS E PASSAS

Tratamento Os relatos de intoxicação de cães por uvas ( Vi tis sp.)


e p assas têm aum entado n os últimos an os, inclusive
O tratam ento da intoxicação por abacate é sinto- casos fatais de cães com insuficiência renal que consu-
mático, sendo indicado, dependendo do quadro clínico, m iram os frutos entre 10 e 57 g/kg de peso corpóreo.
o uso de diuréticos, m edicações antiarrítmicas, entre Há relatos inclusive de intoxicação de cães que consu-
outros m edicamentos. Os anti-inflam atórios não este- miram uvas e/ ou passas cozidas presentes em bolos de
roidais e os analgésicos são recomendados para anim ais frutas e em outros produtos de panificação, bem com o
com processo inflamatório na glândula m amária. do resíduo da uva após a prensagem (bagaço).
Ca pítulo 26 • Alimentos tóxicos para animais 301

Mecanismo de açã o XILITOL

O m ecanismo de ação ainda é desconh ecid o, sendo Xilitol é u m adoçante encontrad o em muitas frutas,
p ropostas várias h ipóteses com o: intolerân cia d e cães vegetais e cogumelos, p orém, em quantidad es inferiores
aos taninos presentes n a fruta; contaminação dos frutos a 900 mg/ 100 g; é empregad o como edulcorante (subs-
por micotoxinas, p raguicidas ou m etais pesados; sobre- tância orgânica, n ão glicídica, capaz d e conferir sabor
carga de açúcar, levan do os animais ao ch oqu e; reações d oce aos alim en tos) em diversos p rodutos industriali-
id iossin cráticas por d iferen ças na b ateria en zimática do zad os, como b alas, gomas de mascar, confeitos, comp o-
animal; e excesso d e vitamina D. tas, caramelos, ch ocolates, geleias, pud ins, entre outros,
Emb ora exista um a relação entre o aumento d a to - em decor rên cia do sabor ad ocicado com b aixo valor
xicidade com o aumento d a ingestão de uvas, h á grande en ergético. O xilitol tam b ém pode ser ad quirido como
variabil id ade n a tolerân cia d os cães a essa fr uta, que um pó granulad o p ara uso culinário. Por su a ativid ade
independe d o sexo, d a idade ou da r aça, uma vez qu e antib acterian a e palatabilidad e, o xilitol é em pregad o
algun s cães vão a óbito após ingestão de p ouca qu an ti- aind a em produtos m édicos e o d ontológicos de uso
dad e d e uva, e outros p erm an eceram assintom áticos, human o.
m esmo ap ós in gerir grande quantid ade ( cerca d e 1 kg
da fruta). Fo nte de exposição

Sinais clín icos O cão é a espécie animal mais suscetível à intoxica-


ção por xilitol, um a vez que aprecia o sabor doce - di-
Os sinais clín icos geralmente se torn am aparen tes ferentemen te do gato, que é muito pou co sen sível ao
entre 6 e 24 h após a ingestão. Os p rimeiros sin ais são sabor d oce. O xilitol é em p regad o como ad oçante em
êm ese, d iarreia, an orexia, d or ab dominal, fraqueza, de- diversos produtos industrializados, aos quais o cão pode
sidratação, tremores muscu lares e letargia. Os frutos ter fácil acesso.
podem estar presentes no conteúdo de vôm ito, das fezes
ou da lavagem gástrica. Pod e ser observado tamb ém Toxicidad e
polidipsia. A insuficiência ren al (oligú ria ou an ú ria) se
desenvolve entre 24 e 72 h d epois da exposição. Uma Há algu ns relatos de cães intoxicados por xilitol e
vez instalad a a an úria, a m aioria d os cães vai a óbito. em um d eles o animal da raça Labrador Retriever d e 9
A u rinálise pode revelar proteinú ria, glicosúria, he- meses de idade ingeriu cerca de 100 unidades de gomas
m atú ria microscópica e, raram ente, cristalúria. de m ascar sem açúcar, contendo 70% de xilitol, cuja dose
tóxica calculada é d e cerca d e 3 g/kg. A d ose tóxica des-
Trat amento crita em cães é entre 0,15 e 16 g/kg, sendo qu e a dose
superior 0,5 g/kg é consid erada poten cialmente capaz
Não há um tratamento esp ecífico, e como a morta- d e causar hepatotoxicid ade.
lidade fica em to rno de 50 a 70%, o an im al deve ser A ingestão de p rodutos conten do xilitol pod e pro-
m an tido sob cuidad os intensivos. O tratamen to é sin- vocar uma rápida hipoglicemia desencadeada pela lib e-
tom ático e de suporte. Se a ingestão d os frutos for re- ração de insulina em cães, p od end o levar à m orte. Por
cente, p o d e-se fazer a descon tamin ação d o t rato gas- out ro lado, em seres human os o xilitol n ão provoca al-
t rointest in al e o uso d e adsorven te, como o carvão terações dos níveis de insulin a ou d e glicose san guínea.
ativad o. Se h ouver êmese após a descontamin ação gás-
trica, deve-se fazer uso d e antiem éticos. Den tre as p rin- Meca nismo de ação
cipais recom end ações terap êuticas está a fluid oterapia
in traven osa inten sa nas primeiras 48 h , a fim de reid ra- O mecanism o de toxicid ad e do xilitol aind a é des-
tar e m anter a função ren al, em particular, n os animais conhecido. Sabe-se qu e a ingestão d e xilitol p elos cães
que apresen tarem êmese e/ou diarreia esp ontân ea n as resulta em uma grave crise hip oglicêmica pela grande
p rimeiras 12 h após a ingestão d as uvas e/ ou p assas. O liberação de insulina p elo p âncreas. Em seres humanos,
m onitoram ento da função ren al e do b alanço eletrolí- a in gestão de x ilitol n ão causa qu aisqu er alter ações
tico deve ser feito duran te a flu idoterap ia n as primeiras significativas nos n íveis de insulin a e n em n a glicose
, .
72 h após ingestão d a fruta. ser1ca.
302 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

2. ASLANI, M.R.; MOHRI, é .M.; MOVASSAGHI, é.A.R. Heinz body


Sinais clínicos anaemia associated with onion (Allium cepa) toxicosis in a flock
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mores, convulsões e coma em 30 minutos após a inges- questions in veterinary toxicology. Journal of Small Animal
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Neste capítulo foram apresentados os alimentos dei género Persea (Lauraceae) en Venezuela. Hoehnea, v. 39, n .
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toxicação foram relatados após ingestão d e alguns and death in cattle. The Canadian Veterinary Journal, v. 18, p.
358-60, 1977.
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dentre outros. Portanto, os proprietários de animais in cats. Journal of the American Veterinary Medical Association,
devem ser alertados sobre o p erigo da toxicose cau- V. 207, p. 1405, 1995.

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Capítulo 26 • Alimentos tóxicos pa ra animais 303

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Toxins including Tropical Diseases, v. 17, n. 1, p. 4-11, 2011.
Capítulo 27

Micotoxinas e micotoxicoses

Maria José Moreira Batatinha


Mariana Borges Botu ra
Silvana Lima Górniak

~ datem desde a antiguidade, o estudo das micotoxinas


INTRODUÇAO
só passou a ser intensificado a partir de 1960, quando
Micotoxinas são m etabólitos secundários produzi- uma enfermidade conhecida como «doença X dos perus"
dos p or fungos toxigênicos, principalmente pertencen - ocasionou a morte de milhares de aves n a Inglaterra, e
tes aos gêneros Aspergillus, Penicillium, Fusarium, Cla- a causa foi atribuída à presença de aflatoxinas produzi-
viceps e Alternaria. O term o é origin ário das palavras das pelo fungo Aspergillus flavus. A partir desse episódio,
grega mykes e latina toxicum, que significam respecti- o estudo dessas toxin as recebeu m aior importân cia
vam ente fungo e toxina. científica, quando verificou-se que as aflatoxinas eram
Diversos fatores podem influenciar o crescim ento p otentes agentes hepatocarcinogên icos, encontrados
de fungos e a consequente produção de m icotoxinas em como contaminantes naturais de alimentos e rações.
alim entos, especialmente a umidade e a tem peratura Atualm ente, são relatadas mais de 400 m icotoxinas,
ambiental, condições da integridade dos grãos, teor de mas som ente algumas, incluindo aflatoxinas, fumon isi-
umidade e atividade de águ a do substrato. A atividade nas, ocratoxinas, tricotecen os (deoxinivalenol-D ON,
da água (Aw, do inglês activity of water) é um parâmetro Toxina T-2, Toxina HT-2), patulina e zearalenona, são
que m ede a disponibilidade de água de um determina- mais frequentem ente encontradas n a agricultura e em
do alimento e corresponde à umidade relativa de equi- alimentos em geral ou destacadas como relevantes sobre
líbrio no qu al o alimento n ão perde n em ganha água o p onto de vista econômico e de segurança alim entar.
para o ambiente. Esse parâmetro perm ite determ in ar a Os principais efeitos adversos das m icotoxicoses na
capacidade de conservação e propagação microbian a saúde animal são variáveis com a toxina envolvida. São
no alimento, e varia entre O e 1. exemplos o carcinoma hepatocelular, associado às afla-
Diversos cultivos vegetais, incluindo produtos com- toxinas; hiperestrogenismo em mamíferos, especialm en-
modities com o cereais, castanhas, fr utas fo rragens e te em suínos expostos à zearalenon a; a nefropatia indu-
produtos derivados, são frequentemente contaminados zida por ocratoxinas; a leucoencefalomalácia em equinos;
p or esses compostos, os quais tam bém podem ser en - e o edema pulm onar em suínos expostos a fumonisinas,
contrados em produtos de origem an imal, como carn e, as q uais tam bém têm sid o im plicadas com o fator de
leite e ovos de animais que consumiram alimento con - risco para câncer esofágico em seres humanos. De for-
tam inado por essas toxinas. Estim a-se que aproxima- ma geral, as micotoxinas são conhecidas p or causarem
damente 25% dos cultivos vegetais no m undo estejam alterações no sistema imune, principalmente em decor-
contaminados por m icotoxinas, resultan do em perdas rência de alterações n a síntese proteica.
econômicas de bilhões de dólares. Essas perdas são re- Nos últim os anos, relatos sobre a contaminação de
fletidas não somente em redução da safra, m as também produtos agrícolas utilizados nos processos de produção
em receitas comerciais e efeitos adversos à saúde anim al de alimentos destinados a animais de com panh ia vêm
e human a. crescendo, e acarretan do riscos à saúde desses animais,
A enferm idade causada pela ingestão de alimento incluindo surtos de micotoxicoses.
contaminado por essas toxinas é denominada micoto- Resultados de estudos epidemiológicos utilizando
xicose. Em bora registros de surtos de m icotoxicoses b io m arcado res em p opulações hum an as exp ostas à
Capítulo 27 • Micotoxinas e micotoxicoses 305

alimentos contaminad os com micotoxinas, particular- sensíveis, e ferram en tas que analisem as múltiplas
. . , .
m ente aflatoxinas, tam bém têm crescido consideravel- toxinas em um a matriz unica.
m ente na última década, sugerind o m aior atenção dos • A coocorrência d e m icotoxinas livres e n a sua for-
órgãos competentes aos efeitos deletérios dessas toxinas m a modificada "micotoxinas ocultas ou m ascara-
para os seres humanos. O d esenvolvimento de biom ar- das". Estas ú ltim as pod em ser produ zidas p elos
cadores tem facilitado a m ensuração d a exposição in- fu ngos toxigên icos, pela planta in fectada, com o
d ividu al às aflatoxinas e a sua relação com os efeitos m ecanism o de defesa à infecção fúngica ou serem
adversos, contribuindo com os estudos epidemiológicas formad as d u rante o processam ento de alimen tos
de populações expostas. a partir de matérias-primas con taminadas, e não
O diagn óstico das micotoxicoses nos animais e n o são d etectadas por métodos tradicion ais de an áli-
ser h uman o, especialmente em casos d e exposição por se. Em alguns casos, nos quais a sua concentração
períodos prolon gad os, ainda é dificultad o por fatores excede o n ível d a forma livre em alimentos pro-
que incluem : cessad os, poderá haver dificuldade na correlação
do resultado de análise das m icotoxinas no alimen-
• A inespecificidade do quadro clínico das micotoxi- to e o grau de toxicidade no animal acom etido pela
coses em animais, especialmente na sua form a su - m icotoxicose, u m a vez que as micotoxinas m odi-
baguda ou crônica. Por causa de alterações de algu - ficadas pod em estar presentes, sem, no entanto, te-
m as m icotoxinas sobre o sistema imunológico pode rem sido detectad as.
ocorrer aumento na suscetibilidade a diversas en- • Novas micotoxinas têm sido detectadas, no entan-
fermidad es oportun istas. to, os seus efeitos biológicos ain da não estão bem
• A coocorrência de micotoxinas. D uas ou m ais mi- definid os.
cotoxin as podem ser encontrad as em u m mesmo
alimen to, aum entando os n íveis totais de micotoxi- Não há tratamento específico para as micotoxicoses.
n as p resen tes, implicando n egativam en te sobre a Além d o tratamen to de supor te recom en da-se a sus-
saúde humana e anim al. pensão do alimento contaminado e introdução de nova
• As interações ent re as diferen tes micotoxinas têm dieta. É de fundam ental importância que a enfermid a-
sido pouco estudadas. Além disso, n ão há conheci- d e seja o mais rapidamente diagnosticad a, para que os
m ento sobre as diferenças ent re os efeitos da toxi- m étodos de controle possam ser rapidamente instituídos.
na produzid a em condições ambientais e a d e labo- Embora já tenham sid o identificadas mais de 400
, .
ratorio. m icotoxin as, a m icotoxicose correspondente a cada uma
• A ocorrência das m icotoxinas é sazonal e diferen - dessas toxinas ainda não foi caracterizada, em sua gran-
ciada geogr aficamen te, o que d ificulta o plan eja- d e maioria; portan to, neste capítulo são apresen tad as
m ento d e um programa d e pesquisa. apenas as p rincipais e mais estudad as micotoxicoses d e
• O importante princípio toxicológico relativo à "dose interesse em m edicina veterinária.
X resposta'' tem sido difícil de ser aplicado às m ico-
toxicoses. Isso decorre basicamente das suas formas AFLATOXINAS
de ocorrência, frequentem ente crônica, e d a possí-
vel in teração com outras micotoxinas; fato res n u- Aflatoxinas são metabólitos tóxicos produzidos por
tricionais e de m anejo também devem ser consid e- fungos d o gênero Aspergillus. As espécies de Aspergillus
rad os. aflatoxigênicos encontram-se inseridas em t rês seções
• A amostragem pod e interferir no resultado da aná- d enominadas Flavi, Ochraceorosei e Nidulantes, sendo
lise d o alim ento para a presen ça de m icotoxin as, que as principais espécies p rodutoras, A. flavus, A. pa-
u m a vez que a d istrib uição d essas toxin as n o ali- rasiticus e A. nomius. A. pseudotamarii, A. bombycis, A.
m ento é irregular. ochraceoroseus, A. tamarii e Emericella astellata, também
• Métod os econômicos e factíveis para a detecção de produzem essas toxinas em alimentos, m as são pouco
diferentes m icotoxinas têm sido pesquisad os e de- abu ndan tes n a natu reza e m enos fr equentemente en-
senvolvidos, n o en tanto, alguns problemas com o contradas na agricultu ra. Outras espécies d e Aspergillus
risco de reações cruzad as com outros compon en- toxigênicos en contram -se descritas no Quadro 27.1. Os
tes químicos presentes nas rações e outros d esafios A. parasiticus e A. nomius são produtores d e aflatoxinas
ainda são encontrados. As tendências futuras se con- d a série B e G, enquanto os A. flavus e A. pseudotamarii
cent ram no desenvolvimento de ensaios rápidos e produzem a série B. Esp ecialmente os A. flavus e A.
306 Toxicologia aplicada à med ic ina vet erinária

QUADRO 27.1. Espé c ies d e A spergillus ide ntifica das como produto ras de aflatoxina s
Espécieª Local de ocorrência Micotoxinasb

A. bombycis (F) Japão, Indonésia AFB,AFG,KA

A. f/avus (F) Ubíquo AFB1, A FB2, KA, CPA, outros

A. nomius (F) Estados Unidos, Tailândia, América do Sul AFB, A FG, KA, outros

A. parasiticus (F) Ubíquo AFB,AFG,KA,outros


,
A. parvisc/erotigenus (F) Africa AFB,AFG, CPA, KA

A. minisc/erotigenes (F) Estados Unidos, Áf rica, Austrá lia, América do Sul AFB, A FG, KA, CPA, outros
A. arachidicola (F) América do Sul AFB, A FG, KA, CPA, outros
A. pseudotamarii (F) Japão, América do Su l AFB1, KA CPA
,
A. ochraceoroseus (O) Africa AFB1, A FB2, ST, out ros
,
A. rambel/ii (O) Africa AFB1, A FB2, ST, out ros
,
E. astellata (N) America do Sul AFB1, ST, outros
E. olivico/a (N) Sul da Europa AFB1, ST, outros
E. venezue/ensis (N) América do Sul AFB1, ST, outros
• F = Flavi; O = Ochraceorosei; N = Nidulantes.
b AFB= aflatoxina B; AFG= aflatoxina G; KA = ácido kójico; CPA= ácido ciclopiazônico; ST = esterigmatocistina.

parasiticus infectam um a variedade de grãos e cereais sion ou a morte de milhares de aves (perus) e a causa foi
no campo, durante a colheita, estocagem, transporte e atribuída à presença dessas toxinas no farelo de amendoim
processamento. Produtos commodities como m ilho, proveniente do Brasil. A partir desse episódio, os estudos
amen doim, p istache, castanh a-do-Brasil e coco são al- das micotoxinas foram in tensificados e receb eram maior
tamente suscetíveis à contamin ação p or aflatoxinas, m as importância científica, qu ando se verificou qu e as afia-
m uitos outros, com o aveia, cevad a, arroz, soja e sorgo, toxinas eram p oten tes agen tes h ep atocarcinogênicos,
tamb ém podem ser contam in ados, emb ora em men or encontrados como contamin antes natu rais de alimentos
frequ ência. Essas toxin as também podem estar presen - e rações. Essas micotoxinas têm sido as mais investigadas
tes em produtos de origem animal como leite, carne e e apresentam -se como fonte de r isco para a saúde hu-
derivados, causando riscos à saúde pública. Em 2008, man a e anim al, em virtude d e suas ações tóxicas como
essas toxin as foram in cluídas n o Sistem a Rápido de hepatotoxicidade, teratogenicidade e imunotoxicidade,
Alerta para Alimentos e Rações (RASFF - Rapid Alert além d e causarem grandes perdas econ ômicas.
System for Food and Feed) da União Europeia, em função A biossíntese de aflatoxinas por fu ngos toxigênicos
dos seus efeitos deletérios. requ er condições de umidade relativa do ar superior a
O term o aflatoxinas origin a-se do fato de essas to- 80% e tem peratu ra ent re 13 e 42ºC, embor a 25 a 37ºC
xin as terem sido primeiram ente identificadas como sejam consideradas temperaturas ótimas para a produ -
metabólitos do Aspergillus flavus. Destacam-se como as ção d essas toxinas. Percentuais d e umidad e acima de
mais importantes as micotoxinas p resentes em alimen- 12% em grãos d e cer eais arm azenados, e 8 a 9% para
tos d estinados ao ser humano e an imais, particularmen - sementes oleaginosas, acrescido de Aw no mínimo de
te em países em desenvolvimento. Relatos sugerem que 0,85, favorecem o crescimento desses fu ngos. Estes ge-
as aflatoxicoses em animais domésticos estejam sendo ralmente ocorrem em regiões de clima tropicais e sub -
subidentificad as e que os efeitos a curto e longo p razo t ropicais, e embora as aflatoxinas possam entrar na
sobre a saúde hum an a tam bém sejam subestim ados. cad eia alim entar de regiões com temperaturas modera-
Afere-se que quatro a cin co bilh ões de pessoas no m un- das, por meio da importação de m atéria-prima alimen -
do estejam cron icamente expostas ao risco d a exposição tar, como grãos e subp rodutos exportados de regiões
A • • . , .
cronica a essas toxin as. mais suscetiveis.
A ingestão de produtos contaminad os por essas to-
xinas p ode resultar em um quadro d e intoxicação co- Propriedades físico-quím icas
nhecido como aflatoxicose. O p rimeiro relato dessa
toxicose, como men cion ad o anteriormen te, foi descrito As aflatoxin as (AF) são com postos heterocíclicos
em 1960 na Inglaterra, onde uma enfermidade conheci- derivados de d ifuranocumarin a com an el pentanona
da como "d oença X dos perus" ( Turkey X disease) oca- (AFB1, AFB2, AFB2 ª, AFM 1, AFM 2, AFM2 ª e aflatoxicol)
Capítulo 27 • M icotoxinas e micotoxicoses 307

e anel 6-lacton a (AFG 1 e AFG 2 ). As AFB 1, AFB2 , AFG 1 castan has assadas e out ros produtos. As principais ca-
e AFG 2 estão primariam ente relacionadas à contamina- racterísticas físico-químicas das aflatoxinas encontram -
ção de alimen tos e os resultad os de análise química são -se n o Q uadro 27.2.
expressos em valores in divid uais e p ela som a dessas
quatro toxinas. D iferenciam -se cromatograficam ente Toxicocinética e toxicodinâmica
em sér ie B, com fluorescê n cia azul (do inglês blue), e
série G com fluorescên cia verde (do inglês green), quan- As aflatoxinas são lipossolúveis e, por isso, facilmen-
do submetidas à rad iação ultravioleta de comprimento te absorvidas por d ifusão passiva no t rato gast rointes-
de ond a lon go. tinal. Distribuem -se aos diferentes órgãos, com o m ús-
Já foram identificad as m ais de 20 aflatoxinas, sen d o culos, rins, tecido adiposo e, principalmente, fígado, no
as B1, B2, G 1 e G 2 as mais frequentem ente encontradas em qual as m aiores con centrações pod em ser encontrad as.
produtos agrícolas. A m aioria dessas toxinas resulta do O fígado é o principal órgão de biotransformação dessas
m etabolism o fúngico, entretanto, algumas são produtos toxin as, embor a esse processo tam bém possa ocorrer
da biotransformação hepática, com o aflatoxicol, AFB2a, em outros órgãos, como rins e trato gastroin testin al.
AFM 1, AFM 2 , AFP 1 e AFQ 1• As AFM 1 e AFM 2 são geral- An im ais m ais jovens absorvem essas toxinas de form a
mente excretadas n o leite de an imais expostos a aflatoxi- mais eficiente.
nas, em bora fun gos aflatoxigênicos tam bém p ossam A biotransformação hepática das aflatoxinas é me-
p roduzir esses compostos. As estruturas químicas d as d iada p rincipalmente por enzimas m icro ssomais da
principais aflatoxinas são apresentad as na Figu ra 27.1. superfam ília d o citocromo P450 (CYP). As p rincipais
Essas m oléculas apresen tam baixo peso m olecular reações de fase Ida biotransform ação d a AFB1 são epo-
e são solúveis em solventes de polaridade in termediária, xidação, redução, h idroxilação e 0-d esm etilação, que
como clorofórmio, m etanol e d imetilsulfóxido. São re- resultam na formação de moléculas mais hidrossolúveis.
sistentes a elevad as temperatu ras, como ocorre nos pro- Essas reações levam à formação de compostos altam en -
cessos de cozimento e extrusão, implicando sérios pro- te tóxicos, como o AFB 1-8,9-epóxido e AFM 1, ou relati-
blemas de contaminação de alimentos processados, como vamente pouco tóxicos, como AFP 1, AFQ 1 e AFB2 ª (Fi-
gura 27.2). A variedade no tipo de enzim as que catalisam
as reações de bioativação e d etoxificação nos animais é
um importante fato r para as d iferenças de suscetibili-
o o o d ade entre espécies.
A AFB 1 é um pró-cancerígen o, cuj a ativação por
o o o o meio d a reação d e epoxidação resulta na formação d o
composto eletrofílico reativo AFB1 -exo-8,9-epóxido, que
Aflatoxina 81 Aflatoxina G1
reage com ácidos nucleicos e p roteínas. A in teração
o o o desse metabólito com o DNA envolve a intercalação do
ep óxido entre os pares de bases, facilitan do a rápida
form ação de aduto com N7 da base guanina, o 8,9-dii-
o o o o
Aflatoxina 82 Aflatoxina G2 QUADRO 27.2. Características físico-quím icas das principais
aflatoxi nas
o OH
o Aflatoxina Fórmula Massa Temperat ura Emissão de
OH , .
qu1m1ca molecular de fusão fluorescência
(ºC) (nm) e cor*
,✓,;;"
o o o o OCH3 B, C,7H120 6 312 269 425 - azul

Aflatoxina M1 Aflatoxina M2 B2 C,7H140 6 314 286-289 425 - azul


lf G, C17H 12 0 7 328 244-246 450 - verde
o o
G2 C17H 140 7 330 237-240 450 - verde

M, C17H 12 0 7 328 299 425


HO O o OH O o - azul-vio leta

293 425 - vio leta


Aflatoxina 82a Aflatoxina G2a
230-234 425

FIGURA 27.1. Estrutura química das principais aflatoxinas. *Sob luz ultravioleta.
308 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

'U"1)
Sistema enzimático Sistema v D
Microssomal hepático AFLATOXINA 81 Red utase
(Citocromo P450)
1
1
Citoplasmático Afl atoxico l
hJ 1
1
Q» Q.»
~----------------- . ----,
1
1
1

Epoxidação Hidratação Hidroxilação 0-Desmet ilacão 1


1

~
s(J,

AFB,- exo-
s(J, s(J, s(J, s(J,
..
1

Glut ation a -S-transferase AFB2a AFM1 AFQ1 AFP1 CARNE


, E
8,9-epóxido 1 )
Conjugação 1 1 VISCE RAS
• :
Glutationa ,.
Ligação
.
1
1

covalente Inibição

AFB, 8,9 Epóxido com ácidos de 1
Leite 1
Excreção
nucleicos (DNA) enzimas na urina
Glutationa e b ile •

-0. -0. -0.


CARCINOGENESE
A
- ,
DIMINUIÇAO DA SINTESE PROTEICA
ovos
Detoxificação MUTAGÊNESE
A
lmunossupressão, inibição dos fatores
TERATOGENESE li e VII da coagulação sanguínea

FIGURA 27.2. Biotransformação da aflatoxina 8 1 (pa ra detalhes, veja o texto).

dro-8-(N7-guanil)-9-hidroxiaflatoxina (AFB1-N7-Gua). d o com AFB1 revelaram que a AFM 1 também pod e ser
Esse aduto é relativamente resistente aos p rocessos d e form ada n o rúm en por ação da microflora ruminal.
r eparo d o DNA, resultando em efeitos mutagênicos e Apesar d e a AFM 1 ser men os tóxica que a AFB 1,
carcinogênicos. A con centração do aduto na urina pod e também apresen ta propriedades genotóxicas e carci-
ser empregad a com o biomarcador d e exposição a AFB1• nogên icas. Essa m icotoxina apresen ta estr u tu ra quí-
A toxicidade aguda d as aflatoxinas tem sido rela- m ica an áloga ao seu precu rsor (AFB 1), sugerin do se-
cionada com a h idrólise d a AFB1 e da AFB1 8,9-epóxido, melhanças n a biotransform ação de ambas as toxinas.
que originam, respectivamen te, a aflatoxina B2ª (AFB2ª) A formação d o AFM 1-epóxid o tem sido relacion ad a
e a aflatoxina B 1 8,9 d iidro -8,9diidroxi (AFB 1-diol). Es- aos seus efeitos m utagênicos; en tretanto, estudos com
ses m etabólitos pod em interagir com grupos amin o microssomos hepáticos hum anos e d e ratos d em ons-
p rimário de proteínas, p rodu zindo bases de Schiff, re- t ram lim itada capacidad e de catalisação desse tipo de
sultand o na redução da síntese de proteínas e ativid ades reação nessas espécies. O AFM 1 -epóxido parece n ão
enzimáticas. A interferência na síntese de RNA e pro- ser essen cial p ara o desenvolvimen to d os efeitos tóxi-
teínas pode ser u m d os m ecanismos d os efeitos imu- cos agudos d a AFM 1, u m a vez que a atividade citotó-
n ossupressores da AFB 1• xica in vitro dessa toxina pode ocorrer independente-
O utro m etabólito da A FB 1 é o aflatoxicol (AFL), men te d a su a bioativação en zimática.
originado d a reação de redução mediada pelo sistem a Nas reações d e fase II, os metabólitos da AFB 1 são
redutase citoplasmático NADPH-d epend ente. Embora conjugad os com moléculas n ucleofílicas (glutation a,
esse composto apresente menor toxicid ade, atua com o ácido glicu rônico, sulfatos), facilitando a excreção. A
reservatório da AFB1, em razão d a sua característica de conjugação d a A FB 1 -8,9-epóxido com a glutation a é
reversibilidad e d essa reação, prolon gando a exposição considerad a com o a mais importante via de detoxifica-
aos efeitos tóxicos da aflatoxina. Resultados de pesqui- ção. A resistên cia de camundongos aos efeitos carcino-
sas m ais recen tes sugerem que o aflatoxicol n ão d eve gênicos das aflatoxinas tem sido relacionad a à sua m aior
ser considerado como um produto de detoxificação d a atividade catalítica en zimática d a glutation a-S-transfe-
- , . , .
A FB 1, u m a vez q u e também vem sen do asso ciado à rase, em comparaçao com o utras esp ec1es sens1ve1s,
~ A
açao mu tagen1ca.

com o ratos. No ser humano, essa atividad e en zimática
As reações d e h idroxilação resultam n a for m ação é baixa, sugerindo menor capacid ade d e detoxificação
de compostos m ais hidrossolúveis com o as aflatoxinas d esse metabólito.
M 1 (AFM 1) e Q 1 (AFQ 1), enquanto a reação d e 0-des- As aflatoxinas pod em ser excretadas n o leite, ovos,
m etilação p roduz a aflatoxina P 1 (AFP 1). Resultad os de sêm en e bile, m as prin cipalm ente pelas vias fecal e u ri-
estudos em bovin os tratad os com alimen to con tam ina - n ária. A taxa d e excreção da A FM 1 n o leite de vacas
Capítulo 27 • Micotoxinas e micotoxicoses 309

varia ent re 0,3 e 6,2%. A excreção de níveis constantes d eiras. Os ruminantes se mostram mais resistentes aos
da A FM 1 no leite ocorre ap ós 3 a 6 d ias de ingestão efeitos tóxicos das m icotoxinas quando comparados aos
con tínua de AFB 1, enquan to a AFM 1 não é d etectada animais monogástricos, sendo esse fato atribuído à de-
após 2 a 4 dias da retirada d o alimen to contaminad o. toxificação dessas toxinas pela microbiota ruminal. Os
A form ação d e compostos hidrossolúveis du rante valores de d ose letal 50% (DLSO) de aflatoxin as para
a biotransform ação d a AFB 1 contribui para sua rápida algum as espécies anim ais são d escritos no Quadro 27.3.
excreção d o organismo. Em aves, a maior quan tidad e A aflatoxicose é causada pela ingestão de aflatoxinas,
de AFB 1 ingerida é excretada dentro de 48 h, sen do que as quais podem provocar uma variedad e de ações tóxi-
a parte retida é encontrada principalm ente n o fígado. cas em diversas espécies animais, incluind o animais d e
produção e d e companhia, aves e seres h umanos. D en-
Toxicidade t re os efeitos tóxicos dessas micotoxinas, d estacam -se
hepatotoxicidade, imunossupressão, carcinogenicidade,
A AFB 1 é considerada com o a mais tóxica, seguida mutagenicidade e efeitos teratogênicos. Em decorrência
de AFM 1, AFG 1, AFB2 e AFG 2 • D e acordo com os crité- d a ação imunossupressora, a resposta imune induzida
r ios de avaliação da carcinogenicid ade de agentes quí- por vacinas em animais d omésticos pod e ser reduzida.
micos para animais de experimentação e seres humanos Out ras alterações sobre a esfera reprodutiva e de p ro-
estabelecidos pela Agência Internacional para Pesquisa dução, como redução no crescimento e eficiência repro-
em Câncer (Iarc - In ternational Agency for Research dutiva, também podem ser observadas.
on Cancer), a A FB 1 foi classificada no grupo 1 com o A manifestação clínica pode ocorrer de forma aguda
carcinogênico para o ser humano. No entanto, evidências ou crônica e, geralmente, caracteriza-se por alta m orbi-
sobre a ocorrência de carcinogenicidade em animais dade e baixa letalidade. O quadro clínico está diretamen -
experimentais e no ser h umano com as aflatoxinas, in- te relacion ado ao grau de con tam inação e quantidade
cluindo as AFB1, AFG 1 e AFM 1, também têm sugerido in gerida do alimento, duração da exposição, idade e
a classificação destas no grupo 1. A AFM 1 é o maior estado nutricional d o animal.
metabólito carcinogênico encontrado no leite de anim ais Sinais e sintomas d a intoxicação aguda em mamí-
e mulheres expostas à AFB1, constituindo fonte de risco, feros incluem letargia, inapetência, ataxia, pelos ásperos,
especialmente para lactentes. palidez, icterícia e coagulopatia. Alterações d e parâme-
A toxicid ade crônica é a forma mais comum da afia- tros clínicos, hematológicos e bioquímicos também são
toxicose e é causad a pela ingestão d e quantidades relati- observadas. Há aumento da atividade de enzim as hepá-
vamente pequenas de aflatoxinas por período prolonga- ticas no soro, incluindo gama glutamil transferase (GGT),
do; está mais relacionada aos efeitos imunossupressor e aspartato aminotransferase (AST), fosfatase alcalina
carcinogênico. Surtos de in toxicação aguda em decorrên- (FA), sorbitol desidrogenase (SDH) e ornitina carbamil
cia da ingestão de alimento contaminado com aflatoxinas transferase (OCT), embora as GGT, AST e SDH corres-
são pouco frequentes, especialmente em seres humanos, pondem àquelas que se encontram m ais elevadas. O
embora já tenham sido descritos tanto em animais como tempo de p rotrombina pode estar aum entado, com pre-
no ser humano, com níveis variados de mortalidade e em sença de hemorragias. As alter ações n os parâmetros
diversos países, incluindo Índia, Quênia, Romênia, Sérvia, hematológicos geralmente são decorren tes da hemo-
Croácia, Turquia e Brasil. Geralmente, tal ocorrência está concentração e perda de sangue.
ligada à presença d e alimento contaminado com altas Na exposição crônica podem ser observados, dentre
concentrações dessas toxinas. outros, anorexia, icterícia, redução da eficiência alimen-
A toxicidade das aflatoxinas é variável com a espé- tar, do crescimento e d a p rodução de leite. A redução
cie animal, idad e, sexo, estado nutr icional, tempo de no crescimento é relacionada com a alteração no meta-
exposição e quan tidade de toxinas ingerida, sen do os bolismo das proteínas e carboid ratos. Diferenças na
animais m ais jovens, mais suscetíveis. As diferenças de sensibilidad e aos efeitos tóxicos d as aflatoxinas são no
suscetibilidade às aflatoxinas entre as diversas espécies entanto, observadas nas diferentes espécies animais.
animais estão relacionadas às variações na toxicociné-
tica, especialmente d istrib uição, biot ransformação e Aves
elim inação dessas toxinas no organismo dessas espécies. Patos e perus jovens são m uito sensíveis à ação tó-
Perus, patos, truta arco-íris e suínos são m ais sensíveis. xica das aflatoxinas, enquan to codornas apresentam
Frangos d e corte são mais resistentes em comparação a sensibilidade intermediária e frangos se mostram mais
essas espécies, mas são m ais sensíveis que galinhas poe- resistentes.
310 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

QUADRO 27.3. Valores de dose letal 50% (DL50) de aflatoxinas em várias espécies anima is
Aflatoxinas Espécie animal Sexo Idade ou peso Vias de administração DL50 (mg/kg)

AFB1 Pato M 1 dia Ora l 0 ,37


AFB1 Pato M/F 1 dia Ora l 0 ,33-0,36

AFB1 Rato M/F 1 dia Ora l 1,0


AFB1 Rato M 21 dias Ora l 5,5
AFB1 Rato F 21 dias Ora l 7,4

AFB1 Rato M 100 g Ora l 6 ,0


AFB1 Rato F 150 g Ora l 17,9
AFB1 Rato fisher M/ F 0-4 dias IP 1,1-1,36

AFB1 Rato fisher M/ F 70 dias IP 0,75-1,3

AFB1 Rato fisher M/ F 12 dias IP 12-15

AFB1 Rato fisher M/ F 21 dias IP 8,0


AFB1 Rato fisher M/ F 42 d ias IP 4,0-5,0

AFB1 Camundongo (CFW Swiss) M 30 dias IP >150,0


AFB1 Camundongo (CFW Swiss) M 58 dias IP 40,0

AFB1 Camundongo (CFW Swiss) M 100 d ias IP 12,0


AFB1 Hamster M 30 dias Ora l 10,2
AFB1 Cão M/ F Adulto* IP 1,0
AFB1 Cão M/ F Adulto* Ora l 0,5-1 ,0

AFB1 Gato M/ F Adulto* Ora l 0 ,55

AFB1 Truta M/F 9 meses IP 0 ,81


AFB1 Coelho M/ F 3 meses Ora l ou IP 0 ,30
AFB1 Porcos M Lactante* Ora l 0,62
AFB1 Porquinho-da-índ ia M 250 g IP 1,4
AFB1 Ovino M 2 anos Ora l 2,0

AFB1 Macaco M 2 anos Ora l 2,2


AFB1 Macaco F 38-44 meses Ora l 7,8
AFB1 Pinto (-) (-) Ora l 6 ,5-16,5

AFG1 Pato M/ F 1 dia Ora l 0 ,79

AFG 2 Pato M/F 1 dia Ora l 172,5


AFM 1 Pato M/ F 1 dia Ora l 16,6
(-) = Não determinados; F =fêmeas; IP =intraperitoneal; M = machos.

A intoxicação aguda caracteriza-se por sinais clíni- podem estar relacionadas com a redução da absorção
cos como anorexia, icterícia e hemorragias. A ingestão de nutrientes e consequente redução do ganho de peso
de aflatoxinas por períodos prolongados pode resultar em animais intoxicados.
em anorexia, redução do consumo e conversão alimen - As alterações hematológicas e bioquímicas são re-
tar, redução do crescimento e peso corporal, diminuição fletidas pela redução do número de eritrócitos e hemo-
de ganho de peso, palidez de m ucosas, crista, barbela e globina, aumento da atividade das enzimas AST, ALT,
patas, redução na m assa de penas, queda na produção FA, GGT, ácido úrico e creatinina, e pela redução dos
de ovos e hemorragia generalizada. As lesões anatomo- níveis séricos de proteína total, albumina e globulina.
patológicas mais significativas incluem aum ento do peso Dentre os efeitos imunossupressores, destacam -se
do fígado e rins, coloração amarelo pálido do fígado, aplasia do timo e da bursa de Fabricius, redução do nú-
que se apresenta com áreas de degeneração ou necrose, mero e da atividade das células T e supressão da ativida-
hiperplasia de dueto biliar e áreas de congestão m ulti- de fagocitária. Em consequência das alterações no sis-
focal nos rins. Lesões nas m icrovilosidades intestinais tema imune, pode ocorrer aumento na suscetibilidade a
Capítulo 27 • Micotoxinas e micotoxicoses 311

diversas enferm id ades e redu ção d a resposta im u n e à Estud o sugerindo a possível associação en tre a pre-
vacin ação. Correlação entre su rtos de N ewcastler e sença de aflatoxina em rações comercializadas para cães
rações de aves contaminad as com aflatoxinas tem sido e a in cidên cia d e cân cer d e mama em an im ais fêmeas
observada. apon ta para o risco d a exposição crônica às aflatoxinas.
O diagn óstico diferencial deve ser realizad o com a
Cães e gatos intoxicação por cobre e algu ns m edicam entos anticon -
Cães e gatos são m u ito sensíveis à ação d as aflato- vulsivantes que causam lesões sem elhantes às observa-
xinas. A maior suscetibilid ade de cães a essas toxinas d as n a aflatoxicose, leptospirose, parvovirose e rod en -
está relacion ada à sua baixa con cent ração de glu tatio- ticidas anticoagulantes.
n a-S-transferase n os hepatócitos, prin cipal enzima d e-
toxificante das aflatoxin as. Su ín os
Aumen to no núm ero de regist ro sobre contamina- Os sin ais clínicos da aflatoxicose agud a em suínos
ção por aflatoxinas em alimentos destin ados a cães tem são in iciados em aproxim adamente seis h or as após a
sido observado nos últim os anos, embora a aflatoxicose in gestão do alim ento contam inad o e caracterizam-se
n essa espécie aind a seja pouco relatada. p or grave depressão, que evolu i rapidamente p ar a o
A aflatoxicose em cães foi primeiramente descrita, óbito ou apresentam curso m ais lento, com a p resença
em 1952, como "hepatite X" e, em 1955, foi reproduzida d e an orexia, apatia, inapetên cia, sangue nas fezes, tre-
experimentalm ente. O curso dessa toxicose pode ocor- mores m usculares, incoordenação motora e temperatu -
rer d e forma agu da, subaguda ou crônica, emb or a a ra elevada, podendo ocorrer o óbito entre 12 e 24 h. Nos
toxicidad e aguda e subagu da seja mais frequen te. Os casos subagud os, a evolu ção é m ais len ta, poden do-se
sin ais e sin tomas clínicos po d em ocorrer semanas ou observar anorexia, letargia e depressão, icterícia e perda
meses após o início da exposição a alimentos contami- progressiva de peso e cerd as eriçad as.
n ad os. Em alguns an imais, o óbito pod e ocorrer em O quadro crôn ico caracteriza-se p or redução no
poucos dias, m as geralmente a toxicose pode se prolon - gan h o d e peso e conversão alimentar, inapetência, icte-
gar por até duas sem an as. Inicialmente ocorre anorexia, rícia e às vezes d iarreia. Nos estágios finais podem ser
fraqueza, obnubilação, vôm itos e diarreia; em seguid a, observados sinais de ataxia e convulsões. Fotossensibi-
os cães podem apresentar icterícia, melena, hem atêm e- lização, caracterizada pela dermatite necrótica com áreas
, . .
se, petequ1as e ep1staxe. d e hiperqueratose em decorrência das lesões hepáticas,
A con centração total de aflatoxinas n o alim ento pod e ocorrer.
ingerid o e que está relacion ad a com a aflatoxicose em A aflatoxicose subclín ica é a for ma que está m ais
cães é 60 ppb. A análise bioquímica do soro pode revelar relacionada ao baixo desempenh o produtivo e ocorrên -
aum ento dos níveis de bilir rubina total e da atividade de eia de enfermid ades, em decorrên cia d a ação imunos-
en zimas hepáticas, com o ALT, AST e GGT. O tem po de supressora das aflatoxinas, resultando em grand es pre-
protrombina e o de tromboplastin a parcial ativada tam - juízos econômicos. Resultados de est udos recentes
bém se encon tram aumentados em d ecorrência da re- sugerem que a exposição de suín os fêm eas à aflatoxina
dução n a síntese dos fatores de coagulação, en quanto as B 1 pode provocar alterações n a m aturação de oocistos.
con centrações de albumina sérica, proteína C, antitrom - D en tre as alter ações b ioquímicas, destacam-se au-
bin a III e colesterol estão reduzid as. mento do tempo de protrombin a e atividade de ALT, AST,
As p rincipais alterações anatomopatológicas carac- GGT, OCT, FA e redu ção do n ível de proteínas plasmá-
terizam-se por icterícia, hepatomegalia com lipólise, ticas. Redução no número de leucócitos, n íveis de hema-
hemorragia gastrointestinal e petéquias m ultifocais. As tócrito e h em oglobina também pod em ser observados.
alterações histológicas m ais importantes são en contra- Os achad os de n ecropsia mais significativos estão
das n o fígad o, e são variáveis em fun ção d a extensão relacionad os à p resença de icterícia, líqu ido am arelado
do curso da intoxicação. In cluem degen eração gordu- nas cavidad es abdominal e pericárdica, fígado de colo-
rosa dos h epatócitos, n ecrose cent rolobular, fibrose e ração am arelo-alaranjado, com áreas de h emor ragias
nódulos regen erativos, estase biliar, h iperplasia e pro- p etequeais e edema da vesícula biliar. Os p rincipais
liferação dos duetos biliares. Out ras lesões, como h e- achad os h istológicos são observad os n o fígad o e con-
morragias multifocais nos rins, n efrose e necrose dos sistem, dentre outros, de tum efação e degeneração mo-
túbulos renais proximais, en docardite, edema pulm onar derada difusa de hepatócitos e con gestão moderada.
e hemorragias do trato gastrointestinal e pulmões, tam - Ocorre aind a necrose de h epatócitos, proliferação de
bém pod em ser verificadas. duetos b iliares e colestase.
312 Toxicolog ia aplicada à med icina veteriná ria

Ruminantes efeitos n egativos sobre a imun idade e eficiência p ro-


Os ruminantes são m enos sensíveis que os animais du tiva também são importan tes nos casos d e aflatoxi-
m onogástricos à ação das m icotoxin as, e isso d ecorre cose subclínica.
da ação d a microbiota rum inal sobre essas toxinas, pro-
duzindo com postos menos tóxicos como o aflatoxicol. Equi nos
No entanto, em virtude da con dição de manejo alimen- A ocorrên cia de surtos de aflatoxicose em equinos
tar em pastagen s ou sistem a d e con fi n amento, esses é pouco frequente. Assim com o em outras espécies, os
an im ais são frequentemen te exp ostos a essas toxin as maiores efeitos d eletérios ocorrem n o fígado. Con cen -
por m eio de alimen to contam in ado. A aflatoxicose é t rações de 500 a 1.000 p pb de aflatoxinas n a d ieta têm
associada à quantidade de toxina que não foi degrad ad a sido associad as à indução de alterações clínicas e lesões
pela m icrobiota ruminal. hepáticas. À n ecropsia po d em ser observados fígado
Relatos dessa toxicose em caprin os e ovinos são com color ação amarelo-amarronzado, com n ecrose
escassos. Em bora ovinos se m ostrem resisten tes, altas centrolobular, proliferação do dueto biliar, icterícia, he-
concen t rações (2.000 p pb ) estão associadas à redução morragia, exsudatos traqueais, palidez dos r ins e urina
do ganho d e peso. d e coloração m arrom .
Anim ais joven s são mais sensíveis e, em bovinos,
essa intoxicação é m ais comum em bezerros e gado de Peixes
leite. Su rtos de intoxicação aguda são pouco frequentes, O prim eiro relato de aflatoxicose em peixes ocorreu
e só ocorrem quando h á ingestão de altas d oses da to- após um surto que atingiu trutas arco-íris cultivadas em
xina (0,02 a 0,08 mg de AFB1 por quilo de peso corporal/ Idaho, Estados Unidos, no qual os animais apresentavam
dia). Os anim ais podem apresentar an orexia, d epressão, hepatocarcinomas e hepatom egalia, sendo a causa as-
icterícia, fotodermatite, edema subm andibular e diarreia, sociada à sem ente de algodão contaminada p or aflato-
às vezes sanguinolenta; sintomas nervosos associados a xina e u tilizad a como com ponente d a ração. Esse fato
encefalopatia hepática e aborto também podem ocorrer. contribuiu para o reconhecimento das aflatoxinas como
Geralmente, a aflatoxicose se apresenta de forma crô- • A
agente carc1nogen1co.

n ica ou subaguda, após exposição às aflatoxinas por várias Os efeitos dessas toxin as em p eixes tam bém são
semanas ou meses. A inespecificidade de sinais e sintomas variáveis em função da sua concentração n o alimen to,
contribui para a dificuldad e de diagn óstico, um a vez que duração da exposição e suscetibilid ad e d a espécie, den -
ocorre aumento da suscetibilid ade a enfermidades infec- t re as quais a t ruta arco-íris apresenta m aior sensibili-
ciosas e redução da eficiên cia produtiva. Essa forma sub- dade. Na aflatoxicose aguda pode haver morte súbita
clínica é mais frequentemente observada e caracteriza-se sem a m anifestação de sintom as ou caracterizar-se pela
por emagrecimento, redução na produção de leite e ganho inclusão de sinais e sintom as, com o lentid ão de movi-
de peso, depressão imun ológica, aumen to da frequência mentos e perda do equilíbrio, anemia, palidez das guel-
de diarreia, doen ças respiratórias e m astite. ras, redução n o valor de hematócrito, edema, hem orra-
Aumento da atividade enzim ática de FA e GGT são gias, alterações n o m etabolismo de n u trien tes, lesões
bon s indicadores d as lesões h epáticas causadas p elas hepáticas, opacid ade ocular que pod e evoluir para ce-
aflatoxinas. gu eira, icterícia, anorexia, convulsões e óbito.
As principais lesões macroscópicas incluem altera- A form a subaguda caracteriza-se pela presença de
ções na coloração, tamanho e consistência do fígad o e lesões hepáticas mais graves, icterícia, sinais de alterações
dilatação d a vesícula biliar. Pode ocorrer edema do me- no processo d e coagulação san guínea, anemia, redução
sentério e da parede do abomaso e, em casos agud os, há d a conversão alimentar e resposta imunológica, além
p resen ça de ascite, hid rotórax, icterícia e sangram ento d e lesões ren ais.
do tecido subcutâneo, músculos esqueléticos, linfonodos, A intoxicação crônica apresenta-se de forma subclinica,
pericárdio e trato gastrointestinal. D entre as alterações o que dificulta o diagnóstico. No entanto, os principais sinais
h istológicas, destacam-se fibrose periportal, proliferação clín icos estão relacionados às lesões hepáticas e incluem
de células do dueto biliar, m egalocitose e vacuolização redução do ganho de peso, aumento da suscetibilidade a
ou necrose de hepatócitos. doen ças infecciosas, necrose e desenvolvim ento de tumor
O d iagnóstico d ife ren cial deve ser realizado com n o fígado e outros órgãos. Podem ain da ser observados
as intoxicaçõ es p or plantas h epatotóx icas, esp ecial- lentidão dos movimentos, ascite e emagrecimento, opacida-
m en te aquelas que contêm alcaloides pirrolizidínicos. de ocular, exoftalmia, aumento da atividade enzimática de
Outras enferm idad es q ue também possam p roduzir ALT, AST e FA e redução de proteínas plasmáticas.
Capítulo 27 • Micotoxinas e micotoxicoses 313

Diag nóstico eliminar ou diminuir essa contaminação. Diversos mé-


todos físicos, quím icos e biológicos de descontaminação
O diagnóstico da aflatoxicose é realizado por meio têm sido p ropostos, no entanto, sua aplicação em larga
da história e sintomatologia clínica, achados anátomo- escala é limitad a, em decorrência de problemas de se-
-histopatológicos e análise laboratorial para a determi- gurança alimentar e ambiental, perda da qualid ade n u-
nação de aflatoxinas no alimento suspeito. Na interpre- tricional, baixa eficácia e custo do p rocedimen to. Den-
tação desses resultados, é impo rtante avaliar se a tre esses métodos incluem-se: m étodos físicos, m étodos
am ostra analisada foi coletada corretam ente, uma vez químicos e m étodos biológicos.
que a dist rib uição d as m icotoxinas é irregular no ali-
mento, e se este correspond e àquele consumid o duran - Métodos fís icos
te períodos prévios (semanas ou m eses), principalmen- • Separação de grãos que apresentam alterações na
te em casos de exposição por períod os prolongados ao superfície, como d escoloração, fluorescência, d ife-
alimento contaminado. A determinação de aflatoxinas renças de densidade ou a presença de mofos.
e seus m etabólitos no fígado também pod e contribuir • Ext ração de aflatoxinas em semen tes oleaginosas,
para a confirmação do diagnóstico. utilizando-se solventes, como hexano-metanol, me-
Os métodos d e análise química quantitativa d essas tanol-água, acetonit rila-água, acetona-água e iso-
toxinas em alim entos e tecidos biológicos incluem: mé- propanol. As limitações dessa técnica incluem o alto
todos cromatográficos ( cromatografia em camad a del- custo do emp rego em larga escala em razão do des-
gada - CCD; crom atografia líquida d e alta eficiência - carte dos resíduos tóxicos e inadequação para con-
Clae - com d etector de fluorescência e espectrom etria sumo humano.
de massas - MS); ensaios im u noenzimáticos (Elisa - • Inativação térmica, incluindo aquecim ento (237 a
Enzyme Linked Immuno-Sorbent Assay); colunas de 306ºC), extrusão, micro-ondas e irradiação (gama,
imunoafin idad e com leitura por fluorimetria; e elet ro- UV, raio X e feixe d e elétrons). A eficiên cia desses
forese capilar. métodos pod e variar em fun ção de fato res como
temperatura, tem po d e exposição, nível d e conta-
Tratamento e prevenção minação, composição e um idade do substrato.
• Adsorventes (aditivos antimicotoxinas). Esses pro-
O tratamen to da aflatoxicose é sintomático e de dutos se ligam às aflatoxinas, impedin d o sua ab-
suporte, incluindo h idratação e correção do equilíbrio sorção n o t rato gastrointestinal, sendo excretados
elet rolítico, suplementação com vitam inas do comple- nas fezes. Os p rincipais adsorventes utilizados para
xo B, vitamin a K, d extrose e protetores hepáticos. A aflatoxinas são os aluminossilicatos, alu minossili-
remoção do alimento suspeito d e con tam inação d eve catos cálcicos e sódicos hidratad os (HSCAS), ben-
ser realizada o mais b reve possível e uma dieta rica em tonita, argilas e zeólitas. Nos últimos anos tem se
p roteína de boa qualidade deve ser implem entada. observad o maior crescimen to de pesquisas u tili-
Medidas preventivas relacionadas ao impedimento da zando aditivos orgânicos oriundos do Saccharomy-
• •
contaminação do alimen to podem ser ad otadas, como ces cerevisiae.
m anter o controle das condições que favorecem o cresci-
m ento de fungos e consequente produção de aflatoxinas, Métodos químicos
um a vez que a após a sua produção, dificilmente essas to- • Agentes hidrolíticos (ácid os, bases e aldeídos), ozô-
xinas podem ser completamente degradadas. São incluídas nio, peróxid o de hidrogênio e amônia. O ozônio e
nessas medidas a adoção de boas práticas agrícolas, antes, a am ônia são mais eficientes n a degradação da to-
durante e após a colheita de grãos, controle da temperatu- xina, apresentam m enor custo e facilidade de ope-
ra e umidade dos locais de armazenamento e teor de umi- ração, p odendo, no en tanto, causar poluição am-
dade do alim ento. Da mesma forma, a contaminação de biental e impactos negativos no alimen to.
forragens ensiladas pode ser minimizad a com medidas
preventivas ao crescim ento fúngico antes e depois da en- Métodos biológ icos
silagem. O monitoramento periódico da qualidade dos • Microrganismos e/ou suas enzimas, como leveduras,
alimentos (grãos, rações etc.) para a presença de aflatoxinas fungos filam en tosos, bactérias e algas. Atuam por
também é útil com o m edida preventiva da aflatoxicose. m eio de competição por nutrientes, interações e an-
Quando os p rodutos alimentícios já estão contam i- tibiose. Bactérias ácido-láticas (BAL) têm sido inves-
nados por aflatoxinas, podem-se empregar medidas para tigadas, apresentand o resultados promissores quan-
314 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

to à capacidad e de rem oção de aflatoxin as em Legislação sobre a presença no alimento


alimentos por meio de mecanismos relacionados com
adsorção e degradação por fermen tação. Extratos e Ali mentos para consumo anima l
óleos de plan tas para o con trole fúngico e inativação A legislação br asileira estabelecia o nível m áximo
de aflatoxinas também têm sido objeto de pesquisas. de 50 µg/kg de aflatoxinas (B1+B2 +G 1+G 2 ) para qualquer
matéria-prim a a ser utilizada diretamente ou como com-
Resíduos p on ente p ara rações destin ad as ao con sumo an im al
(Portaria n . 07 de 09/11/1988 do Ministério da Agricul-
Resíduos de aflatoxinas, principalmente AFM 1, po- tura). Essa portaria foi revogada pela Instrução Norma-
dem ocorrer em produtos de origem anim al. Os alimen - tiva de 2009 d o Min istério da Agricultura Pecuária e
tos de m aior r isco à saú de pública são o leite e seus Abastecim ento (Map a), n a qual foram estabelecidos
derivad os, fígado e rim. apen as os padrões m ínimos das matérias-primas em-
pregadas na alimentação animal, sem , no entanto, definir
Leite os limites para as m icotoxinas. Em 2006, o Mapa criou
Resíduos d e AFM 1 pod em ser encon trad os no leite o Grupo de Trabalh o sobre Micotoxinas, que recom en-
de diferentes espécies animais, como vaca, ovelha, cabra, d ou os limites m áximos tolerad os (LMT ) para m icoto-
búfala e no leite humano. Existe uma relação linear entre xinas em ração animal. Baseado nessa recom endação, o
a concen tração de AFM 1 no leite e a taxa de ingestão de limite para aflatoxinas foi reduzido para 20 µg/kg.
AFB1 pelo animal lactante. Entretanto, a taxa de transmis- A r egulamen tação da Un ião Eu ropeia d os n íveis
são pode variar entre espécies e anim ais da mesma espé- máximos d e AFB 1 em alim entos para animais determi-
cie, período da lactação, horário da ordenha e estação do na valores diferenciad os a depend er d a espécie, varian-
ano. Maiores níveis de contaminação são observados du- d o entre 5 a 20 µg/kg (Quadro 27.4).
rante o inverno, quando há um maior consumo de ração.
A AFM 1 é relativamen te term oestável e n ão pod e Ali mentos para consumo huma no
ser com pletamen te inativad a por diferentes p rocessa- A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
men tos d o leite, como pasteurização, esterilização, con- por m eio da Resolução RDC n . 007/2011, estabelece os
gelamento e preparação de vários produtos lácteos. Essa LMT para aflatoxinas em diferentes alimen tos destina-
toxin a tem sido detectada em diversos derivados lácteos, d os ao consumo h uman o. Essa resolução represen tou
incluindo m an teiga, iogurte e queijos. Apresenta alta um avanço na legislação n acional n o con trole d e mico-
afinidade pela proteína d o leite, principalm ente caseína toxinas em alimen tos, no en tanto, ainda são observadas
e, portan to, sua con cen t ração no queijo é geralmen te diferenças d os valores de LMT em relação à União Eu-
m aior em relação ao leite. ropeia, a exemplo do leite, para o qual o valor determi-
nad o n o Brasil (0,5 µg/kg) é d ez vezes superior ao d a
Ca rne e ovo União Europeia (0,05 µg/kg).
As aflatoxinas geralmente são encontrad as no fíga-
do, rins e em partes comestíveis do trato gastrointestinal FUMONISINAS
e, geralmen te, não se acumulam n a gordura corporal.
Em aves, resíduos d e AFB 1 têm sido detectados em fí- As fumonisinas são um grupo de micotoxinas pro-
gado, músculos, m oela, rins e ovos, observan do maior duzid as por fungos dos gêneros Fusarium e Alternaria,
contaminação n o fígado. principalmente Fusarium verticillioides e F. proliferatum.
Maiores níveis dessas toxinas nesses tecidos são en- O fungo Aspergillus niger tam bém tem sid o associad o
con trados em animais m ais jovens, possivelmen te em com a p rodução de fumonisinas B2 e B4 •
decorrência do p rocesso d e biotransform ação mais efi- As fum onisinas foram isoladas e caracterizadas em
ciente com o aum ento da idade. O período de eliminação 1988, sendo considerad as agente causal da leucoence-
das aflatoxinas após a retirada d a alimentação contam i- falomalácia em equinos, ed em a pulmonar em suínos,
nada ocorre em aproximadamente quatro dias. A taxa de neoplasias em ratos e relacion ad as epidemiologicamen-
t ransferência de AFB 1 do alimento contaminad o para te ao câncer esofágico em seres humanos.
ovos é d e 5.000:1. Metabólitos dessa toxin a, como AFM 1, Os fungos d o gênero Fusarium apresen tam ampla
AFB2ª e aflatoxicol, também são detectados em ovos. Em d istribu ição n o m u ndo e são contam in an tes n aturais
bovinos, resíduos de AFB1 e AFM 1 também são identifi- de cereais, principalmente de m ilho e seus subprodutos,
cados no fígado, rins, músculo, coração, pulmão e rúmen. sen do também encontrados em arroz, sorgo, cevad a,
Capítulo 27 • Micotoxinas e micotoxicoses 315

QUADRO 27.4. Regulamentação e recomendação da União Europeia para as aflatoxinas fumonisinas, ocratoxinas, deoxinivalenol,
zearalenona, toxina T-2 e toxina HT-2 em produt os dest inados à alimentação animal (al imento com u midade de 12%)

M icotoxinas A limento/espécie Nível máximo Nível máximo


permitido (mg/kg) aceit ável (mg/kg)

Mat érias-primas de alimentos 0,02


A lim entos complementares e comp letos para animais com 0,01
exceção de:

• A limentos pa ra bovinos leiteiros e vitelos, ovinos leiteiros e 0,005


cordeiros, caprinos leiteiros e cabritos, leitões e aves j ovens.

• A limentos pa ra bovinos, ovinos, caprinos, suínos e aves. 0,02


Fumonisinas Mat érias-primas de alimentos: milho e seus produtos 60
(FB, + FB2)b
A lim entos completos e complementares para:

• Cavalos e outros equídeos, suínos, coelhos e an imais de 5


companhia.

• Peixes. 10

• Cordeiro, cabrito, bezerro(< 4 meses}, aves de c riação. 20


• Ruminantes (adu lto). 50
Ocratoxinasb Mat érias-primas de alimentos: cereais e seus produtos 0,25
A lim entos completos e complementares para:

• Suínos. 0,05

• Aves. 0,1
Deoxinivalenolb Mat érias-primas de alimentos:

• Cerea is e seus produtos (exceto subprodutos de milho). 8


• Subprodutos de milho. 12
A lim entos completos e complementares com exceção de: 5

• A limentos completos e complementares pa ra suínos. 0,9


• A limentos completos e complementares pa ra bovinos 2
(< 4 meses}, cordeiro, cabrito .
Zearalenonab Mat érias-primas de alimentos:

• Cerea is e seus produtos (exceto subprodutos de milho). 2

• Subprodutos de milho. 3
A lim entos completos e complementares para:

• Leitões e marrãs (porcas jovens). 0,1


• Porcas e suínos de engorda. 0,25
• Bezerros, bovinos leiteiros, ovelhas (incluindo cordeiro, cabras 0,5
e cabritos).

T-2 e TH-2c Cerea is para alimentação e matérias-primas de alimentos:

• Produtos de moagem de aveia. 2

• Outros produtos de cereais. 0,5


• Ingredientes de alimentos (exceto alimentos destinados a gatos). 0,25
ªEuropean Commission (2011); bEuropean Commission (2006); <European Commission (2013}.

aveia, trigo e silagens. A temperatu ra ótima para a bios- Propriedades físico-q uím icas
sín tese dessas toxinas encont ra-se en tre 20 e 30ºC (F.
verticillioides) e 15 e 26ºC (F. proliferatum), enquanto As fumonisinas são m oléculas estruturalmente rela-
os valores de ativid ade d e águ a ideais são de 0,97 a cionad as, constituídas por uma longa cadeia de hidrocar-
0,98. Assim com o a m aioria dos fungos, necessita d e bonetos hidroxilados ligados a ácido tricarbalílico, radicais
umidad e relativa do ar superior a 80% para a produção metil e amino, sendo o grupamento amino impor tante
das toxinas. para suas atividades biológicas. Até o mom en to já foram
316 Toxicolog ia aplicada à medicina veterinária

caracterizados 28 tipos de fumonisinas, divididas em qua- veiculada no leite d e vacas; contudo, por sua baixa bio-
tro grupos: A, B, C e P. A série B é mais comumente encon- disponibilidade, raram ente pode ser detectada no leite,
t rad a n a n atureza, send o a FB 1 a m ais frequentem ente representando baixo r isco à saúd e h u mana. O percen -
detectada em alim entos, representando 70 a 80% da con- t ual de transferência da FB 1 para o leite p ode variar
centração total de fumonisinas, seguida pela FB2 (15 a 25%) ent re zero e 0,05%.
e a FB3 (3 a 8%). As fumonisinas apresentam similaridade Os efeitos tóxicos das fumonisin as têm sido associa-
estrutural com a esfinganina e esfingosina, que são inter- d os com a sua capacidad e d e interferir no metabolismo
m ediários da biossíntese de esfingolipídios (Figura 27.3). d os esfingolipídios. Essas moléculas d e lipídios são en -
Essas m icotoxinas são compostos altamente polares, con t rad as nas membranas celulares e desempenham
solúveis em água, metanol ou água-acetonitrila, e insolúveis importante papel em sistem as vitais para o funciona-
em solventes orgânicos, apresentando a FB1 peso molecu- mento d as células, com o na manutenção da integrid ad e
lar de 721,84 g/mol. Não possuem nenhum cromóforo de celular, na regulação de receptores d e crescim ento celu-
fácil detecção analítica e são estáveis ao aquecimento. lar, no processo d e apoptose e de diferenciação celular.
As fum onisinas inibem de forma competitiva a en-
Toxicocinét ica e toxicod inâm ica zim a N-acetiltransferase (ceram id a sintetase), por sua
similaridad e com percussores dos esfingolipídios ( es-
As fumonisinas apresentam baixa taxa de absorção finganina e esfingosin a). A N-acetiltransferase catalisa
por via gastrointestinal e são rapidam en te excretadas, a reação de acetilação da esfinganina na via biossintéti-
principalmente pelas fezes e, em menor quantidade, na ca dos esfingolipídios e atua n a conversão da esfingosi-
u rina. A FB 1 é eliminada pela bile e, ap esar da b aixa na para ceramida (Figura 27.4). A consequência dessa
absorção, pode sofrer reabsorção êntero-hepática e se alteração metabólica reflete em um aumento nos níveis
acumular no fígado e rins. de esfinganina e às vezes de esfingosin a, associado a uma
Em bovinos, a FB1 também apresenta reduzida ab- dim inuição de esfingolipídios complexos n o soro e te-
sorção no trato gastrointestinal e baixa taxa de biode- cidos de animais.
gradação rum inal e hepática. Nessa espécie, a distribui-
ção e excreção da FB1 ocorrem rapidamente, não sendo Toxicidade
carreada extensivamente par a os tecidos, podendo
permanecer n o plasma até 120 min utos após a admi- As fum onisinas podem causar efeitos tóxicos em
nistração oral. Pod e atravessar a barreira mam ária e ser diferen tes espécies animais, principalmente em equi-

O COOH

COOH
R1 R2

CH3 Fumosina 8 1: R1 =OH, R2 = OH, R3 =OH


Fumo sina 8 2 : R1 =OH, R2 =O H, R3 = H
Fumo sina 8 3 : R1 = H, R2 =OH, R3 = OH
CH3 O CH3 NH2
Fumosina 8 4 : R1 = H, R2 =OH, R3 =H

o
HOOC COOH

OH

CH30H
Esfingosina

NH 2

OH

CH30H
Esfingosina

NH 2

FIGURA 27.3. Estrutura química das principa is fumon isinas e dos precursores dos esfingolipídeos (esfingosina e esfinganina).
Capítulo 27 • Micotoxinas e micotoxicoses 317

Palmito( CoA + Serina

3-cetoesfinganina
+ 3 -cetoesfinganina redutase

Esfinganina
1, Via bloqueada pelas fumonisinas CoA

N-acetiltransferase
Diidroceramida

+
Ceramida •
N-acetiltransferase

---- Esfingosina

/ \ Acetil CoA CoA

Esfingomielina Glicoesfingomielipídeos

Turnover (membrana celular)

FIGURA 27.4. Mecanismo de ação da fumonisina 8 1.

nos e suínos, sendo a FBI referida como a m ais tóxica. Equinos


Segundo a Iarc, essa toxina foi classificada no grupo Os equin os são mais sensíveis aos efeitos tóxicos
toxicológico 2B referen te a substâncias p ossivelm en - das fu monisinas, e o pr incipal órgão-alvo nessa espé-
te carcinogênicas para o ser humano. A FBI causa cie é o sistema n ervoso central, entret anto p odem
cân cer h ep ático em ratos, atuand o n as fases de ini- ainda ocorrer alter ações hepáticas e card íacas. As
ciação e promoção do câncer. Os mecanism os p ro- fumo n isinas p rovocam um quadro de leucoencefalo-
postos da ação carcin ogênica da FB I são promoção malácia equin a (Leme) caracterizad o p or anorexia,
de danos oxidativos, alter ações no metabolismo de fraqueza, incapacidad e de deglu tição, ataxia, h iperex-
lipídios, in terferência n a integrid ade d a membran a citabilidad e, cegueira, paralisia dos membros poste-
celular e na atividade dos fatores regulad ores do cres- r iores, andar em círculos, d esorientação e pressão d a
cimento celular. cabeça contra objetos, evoluindo para decúbito lateral,
Em seres h umanos, o elevado consumo d e alimen- convulsões tônico-clônicas e mor te. Essa sínd rom e
tos contam inados com fumonisinas tem sido associado apresen ta alta taxa de mortalidad e e o animal geral-
com alta ocorrên cia de câncer esofágico e alterações na men te vem a óbito após evolução clín ica de 4 a 72 h.
form ação do tubo neural de embriões. Em ratos, a ex- Quadros d e m orte súbita sem sin ais clín icos prévios
posição à FBI no início da gestação também pode resul- tamb ém podem ocorrer. A pr incipal lesão macroscó-
tar em defeitos no tubo neural de fetos. Seu m ecan ism o pica evidenciada no exam e post-mortem é a necrose
de teratogênese está relacionado com interferência no liqu efativa da substância branca cerebral, car acteri-
t ransporte d e folato em virtude d a inibição da síntese zad a por descoloração am arelada, cavitação e amole-
de esfingolipídios. cimento d o tecid o. À microscopia, os principais acha-
Doses mínimas tóxicas para in duzir toxicose foram d os são n ecrose com influxo d e macrófagos ( células
determinadas em d iferentes espécies animais. Em fran - Gitter), ed em a e hemorragia.
gos, 75 mg de FBI/kg de alimento já pode induzir into- As principais alterações hepáticas causadas p elas
xicação, enquanto quantidades acima de 1Omg/kg e de fumonisinas são icterícia, aumento da bilirrubina sérica
5 mg/kg d e alimento são tóxicas, respectivamente, para e ativid ade d e en zimas hepáticas (AST, SDH e GGT).
suínos e equin os. Ruminantes são m enos sensíveis aos Alterações h em atológicas não esp ecíficas, incluindo
efeitos adversos da FBI, possivelm ente pelas diferenças aumento na concentração de hemoglobina, volume ce-
no mecanism o d e ação nesses animais, uma vez que é lular e hem atócrito, também podem ser encontrad as. À
pouco degradada pela microbiota ruminai. macroscopia, o fígado ap resen ta-se geralm en te firm e,
Os sinais clínicos e achados anatomopatológicos da d e tamanho reduzido com acentuação d o pad rão lobu-
intoxicação são variáveis, dependendo da espécie animal lar. Microscopicamente, podem ser verificadas necrose
acom etid a. centrolobular e fibrose periportal.
318 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Efeitos cardiotóxicos observad os em quadro clín ico


experimental de Lem e caracterizam -se por redução da Consumo de Inibição da esfi ngosina t esfingosina
Fumonisina N-acetiltransferase (tecidos)
frequência cardíaca, contratilidade ventricular e da pres-
são do pulso arterial, além do aum en to d a resistên cia
vascular sistêmica.
Inibição dos canais
J, contratilidade no retículo de ca•2 tipo L no
do miocárdio sarcoplasmát ico miocárdio
Suínos
Em suínos, a intoxicação por fumo n isin as induz
a uma sín drom e específica d enom inada edem a pul- Falha do ventrículo Edema
esquerdo pulmonar
m on ar suín o (EPS). Essa sín drom e ger almente é de-
corren te d a in gestão d e altas d oses de fumon isin as
por cu rtos períod os, e os sinais clín icos in cluem ina- FIGURA 27.5. Mecanismo de toxicidade proposto para a
petência ou anorexia, letargia, p elos arrepiados, sali- indução do edema pu lmonar em suínos.
vação espu mosa, cianose na pele e mucosas, dispneia,
aumen to da freq uên cia respiratória com respiração em aumento de proteínas, colesterol, atividade d as en-
superficial, ofegante e estertor ú mido, ataxia dos mem- zimas ALT, LDH, GGT e taxa de esfinganina/esfingosina,
bros posteriores, decúbito lateral e morte. Os anim ais além do aum ento de peso do fígado. As lesões histopato-
geralm en te vêm a óbito pou cas h or as após o início lógicas consistem em n ecrose hepática, hiperplasia d o
das alter ações respiratórias. d u eto biliar e hiperplasia h epatocelular moderad a e
Toxicidade hepática pode ocorrer em d ose m enor difusa.
à necessária para causar edem a pulmonar. Pode-se ob- Os ruminantes são mais resisten tes aos efeitos das
servar alterações bioquímicas caracterizadas pelo au - fumonisinas em comparação aos equinos e suínos. En-
mento dos níveis séricos de colesterol e bilirrubina, e da tretanto, alterações hepáticas e renais têm sido descritas
atividad e d as enzimas AST, ALT, gam a glutamil trans- em bovin os e pequenos rum inantes expostos a altas con -
peptid ase (GGTP), FA e arginase. centrações d e fumonisinas. Os sinais clínicos da intoxi-
Os principais achados d e necropsia são hidrotórax cação nessas espécies, geralmente restringem-se a anorexia,
e pronunciado ed em a pulm onar. As lesões microscópi- d iarreia e letargia. A bioquímica sérica revela alterações
cas incluem ed em a d os tecidos conectivo perivascular, na atividade de AST, GGT, lactato desidrogenase (LDH),
interlobular e peribron quiolar, e alargamento dos septos SDH, FA, bilirrubina total e colesterol. Os principais dis-
alveolares com fluid o do edema. Alterações na morfo- tú rbios renais relatados nesses an imais são alterações na
logia intestinal, com redução da altura d as vilosidades d ensid ade u rinária, concentração de proteína e taxa d e
e alterações hepáticas caracterizad as por necrose hepa- creatinina. Na análise m icroscópica do fígado pod em ser
tocelular, desorgan ização nos cord ões d e hepatócitos, observadas ap optose, cariomegalia e prolife ração das
apoptose e aum ento da prolife ração celular também células do epitélio do dueto biliar. As lesões renais são
podem ser evid enciadas. sugestivas d e nefrose tubular, com a presença de células
A form ação d o edema pulmonar é atribuíd a a uma apoptóticas e m itóticas. Os n íveis de esfinganina e esfin-
falha no ventrículo esquerdo d o coração, causada pelo gosina podem estar alterados em diversos órgãos, sendo
aumento das con centrações plasmática e m iocárdica de as m aiores alterações observad as no fígad o e rins.
esfinganina e esfingosina. Esta atua como segun do men- Em peixes, as fu m on isinas causam redução do peso
sageiro intracelular que inibe os canais de cálcio tipo L e crescimento, alterações hem atológicas e neu rológicas.
em células miocárdicas. Com aumento da esfingosina, A sensibilidade d esses anim ais aos efeitos dessas m i-
ocorre diminuição dos níveis de Ca+2 no retículo sarco- cotoxinas d epende da espécie, peso, idade e tempo de
plasmático e, consequentemente, redução da cont rati- . -
expos1çao.
lidade card íaca. Esse efeito resulta em insu ficiência
ven tricular esquerda e edema pulmonar (Figura 27.5). Dia gnóstico

Outras espécies O d iagnóstico da intoxicação por fumonisinas ba-


Os efeitos tóxicos das fumonisinas em fran gos e seia-se na observação dos sinais clínicos e alterações
patos caracterizam-se por redução do ganho d e peso e anátom o-histopatológicas associado com a pesquisa
consumo de ração, diarreia e hepatotoxicidad e. Podem d essas toxinas no alimen to. Geralmente, o histórico da
ser observadas alterações na bioquím ica sérica, refletidas introdução de uma nova fonte de alim ento está associa-
Capítulo 27 • Micotoxinas e micotoxicoses 319

do ao quadro de in toxicação. Nos casos de Leme, a iden - toxicose observada em marrãs. Uma associação entre o
tificação d e lesões d e m alácia n a substância branca do consu mo de m ilh o m ofado e a tu mefação da vulva foi
en céfalo é d e gran de u tilidade. O diagnóstico clínico reportada na ocasião. No entanto, somente décadas m ais
d iferencial com a raiva, en cefalomielite viral equin a e tarde é que se verificou que o fungo responsável por essa
outras en fermidad es neur ológicas d eve ser realizado. afecção é o Fusarium roseum (antigam ente conhecid o
Os p rincipais métod os utilizad os para d etecção de com o F. graminearum ), que produz uma micotoxin a, a
fumonisinas em alim entos são cromatografia líquida de zearalenona, uma lactona ácido resorcíclica, fenólica, que,
alta eficiência (Clae) e métodos de im unoensaio (Elisa). posteriormente, se verificou que além do F. graminearum,
Geralmente, a d etecção de fumonisin as em alimentos pode também ser produzida por outras várias espécies do
em n íveis d e 1O p pm (equino) e 50 ppm (suíno) é su- gênero Fusarium, como F. culmorum, F. cerealis, F. equise-
gestiva de intoxicação. ti e F. semitectum. Esses fungos crescem em plantações em
Um importante biomarcador d e exposição a fumo- zonas de clima temperado. A indução de enzimas respon-
nisinas é a determinação do nível d e esfinganina/esfin - sáveis pela produção da zearalenona ocorre em tempera-
gosina no soro e tecid os d e an im ais. N o entanto, esse tu ras b aixas (12°C a 14°C), h avendo um ótim o para a
tipo d e an álise não se encon t ra disponível na m aioria produção em 20 a 25°C, e um idade do substrato acima de
dos laboratórios d e diagnóstico. 23%, com um ótimo para a produção em torno de 45%.
A zearalenona se acumula em grãos, principalm en-
Tratamento e prevenção te n a pré-colheita, m as também na pós-colheita, sobre-
tudo quando não há condições adequadas de estocagem.
Não existe tratam ento específico para a intoxicação Após ter sido produzida, a zearalenona é bastante estável
por fumonisinas. Deve-se afastar os anim ais acometid os du rante tanto o p rocesso de estocagem e m oagem como
da fonte alimentar suspeita o m ais breve possível, e ini- no processamento e cozimento. Por essas características,
ciar o tratamento sintomático e de suporte. essa m icotoxina pode ser encontrada em pães, alimentos
O prognóstico dessa intoxicação em equinos e suínos infantis, cerveja e outros tantos p rodutos acabados.
é ruim, porém a identificação e remoção do alimento con- O nome zearalenona ( também con h ecido como
taminado podem prevenir o su rgimento de novos casos. toxina F-2) d eriva dos seguintes termos: "Zeá' de Zea
Os métodos p ropostos para a d escontaminação de mays (milho, o p rincipal cereal hospedeiro do fungo),
alimentos com fum onisinas são semelhantes àqueles já "ral" corresponden te às iniciais da língua inglesa para
d escritos para aflatoxinas, no entanto, nenhum desses d enominar lactona ácida resorcíclica (resorcyclic acid
métodos têm se m ostrado eficientes para essa micotoxina. lactone), "en" referente à dupla ligação no C -1 e C-2, e
"oná' em virtude da molécula de ceton a no C-6 (Figu ra
Legislação so bre a presença no al imento 27.6). Além d o milho, a zearalenona pode também ser
detectad a n o trigo, n o sorgo, na cevad a, na aveia, no
No Brasil não há legislação para a p resença de fu- arroz e outros grãos.
monisinas em produtos destinados a alim entação animal.
A recomen dação d a União Europeia para fumonisinas Toxicocinética e toxicodinâmica
em alimen tos d estinad os aos animais está d escrita no
Q uadro 27.4. Vários estudos mostram que há rápida e extensa ab-
Os LMT estabelecidos pela Anvisa para a presença sorção de zearalenona no trato gastrointestinal, entretanto,
de fumonisinas em alimentos destinados ao consumo
humano en cont ram-se disponíveis na Resolução RDC
n. 007/2011. O nível de ingestão diária máxima tolerável OH

p rovisória para fumonisinas (FB 1, FB2 e FB3 - isoladas


ou em associação) é de 2 µg/kg/ d ia, a qual foi determi- o
nada pelo Joint FAO/WHO Expert Committee on Food
Additives (JECFA/FAO /WHO)
HO

ZEARALENONA
o
A micotoxicose estrogênica em suínos foi prim eira-
m ente relatada nos Estados Unidos, em 1927, sendo essa FIGURA 27.6. Estrutura química da zeara lenona.
320 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

a biodispon ibilidade por via oral varia muito entre espé- en quan to o m etabólito betazearalen ol possui baixa ati-
cies. Assim, em suínos a biodisponibilidad e da zearale- vidade estrogênica. A form ação desses m etabólitos in -
nona é ao redor de 80 a 85%, enquanto em frangos e em fluen cia diretamente na sensibilid ad e espécie-específica
ratos é ao redor de 10%, e essa variação está relacionad a na intoxicação pela zearalen ona. Além d isso, a glicuro-
ao extenso m etabolismo pré-sistêmico. A zearalen ona se nid ação (ligação com o ácido glicurônico), como inati-
distribu iu em vários tecidos com o rins, fígad o, tecid o va à zearalen ona, também contribui para a sensibilida-
adiposo, bem com o em tecidos alvo da ação estrogênica, d e da espécie an im al à intoxicação a essa m icotoxina.
como útero, folículos ovarian os e testículos. Comparativamente com outras espécies, a suína, tendo
São p ropostas basicam ente duas vias d e biot ran s- maior capacidad e d e produzir alfazearalenol, associada
form ação para a zearalen on a: a h idroxilação, resultando à baixa capacidad e de glicuronidação, é a m ais sensível
n a form ação de alfazearalen ol e betazearalenol, sen do aos efeitos tóxicos dessa micotoxina.
esse processo catalizado pela 3alfa- e 3beta-hidroxi-es-
teroide desidrogenases; ou a conjugação da zearalenona Su ínos
e seus m etabólitos reduzid os (alfazearalen ol e betazea- Os suín os d e tod as as idad es pod em ser afetad os,
ralenol) com o ácido glicurônico, catalizado pela uridi- no entanto, porcas na fase pré-púbere (marrãs) são mui-
n a difosfato glicuron il transferase (UDPGT). H á u ma to mais sensíveis. A zearalenon a p rodu z hiperest roge-
rota de biot ransform ação m ais cu rta, a qual envolve o nism o, o qual é caracterizad o por tumefação d a vulva
citocromo P450, que por m eio de oxid ação produ z um (in chaço causado pelo ed em a) e m etaplasia escam osa
m etabólito alifático e arom ático da zearalen ona. d a cérvix e d a vagina, send o observad a aind a a presen -
A zearalen ona e seus metabólitos sofrem o ciclo ça de exu dato catarral saindo pela vulva. Tem sido tam-
ên tero-hepático, o que leva ao aum ento de sua meia- bém reportado espessamento uterino em razão do ede-
-vida plasmática e, consequentemente, ao prolongamen- ma e da p roliferação celular, e hipertrofia de tod as as
to d e seu efeito estrogênico. Em suínos, o ciclo ên tero- camadas uterinas. Relata-se, ainda, d esenvolv imen to
-hepático da zearalen on a é con siderável, o que pod e precoce d e m am a, com galactorreia, e prolapso d e va-
contribuir com a m aior suscetibilidade dessa espécie a gina e do reto (respectivamente, 30% e de 5 a 10% dos
essa intoxicação. animais afetados). Em porcas adultas, verifica-se infer-
A principal via de excreção também varia entre espé- tilidade, anest ro e ninfom an ia. Nessas fêm eas exibindo
cies. Assim, em ratos é principalmente pelas fezes, enquan- ninfom ania, verifica-se que os ovários estão atróficos e
to em suínos essa se faz pela urina. Em vacas lactantes, o inexistên cia de corpo lúteo e folículos terciários, o que
principal composto excretado na urina é a betazearalen o- indica at resia folicular. O consumo da toxina por ges-
na, enquanto em suín os são a zearalen ona e a alfazearale- tantes pode produ zir altas taxas d e abortos, m ortalida-
nona as principais substân cias excretadas. A zearalenona d e n eonatal e redução sign ificante do tamanho d a pro-
e seus metabólitos podem também ser excretad os n o le. Têm si d o ain da r elata das malfo r m ações com o
leite, em baixas quantidades (ao redor de 1%) . artrogripose e paresia de trem posterior dos filhotes,
A zearalenona pod e atravessar a m embrana celular bem como pseudoprenhez. A manifestação d a intoxi-
e ligar-se aos receptores citosólicos d o l 7betaestradiol cação é de t rês a seis dias após a ingestão da ração m o-
(E2), formando, assim, o complexo ZEA-E2R. Esse com- fad a e desaparece rapidamen te d epois d a rem o ção d a
plexo é, então, transferido para o núcleo da célula, ligan- ração contaminada. No entanto, a mortalidade é alta em
do-se aos receptores nucleares E2 específicos, ativando d ecorrência de efeitos secundários, tais com o o apare-
o gen e responsável pela síntese do RNAm. Esses efeitos cimento d e cistite, uremia e septicemia.
mimetizando o estrogênio promovem ativid ade anabó- Em mach os a zearalenona pode induzir feminiliza-
lica e interferem na reprodução. ção, qued a d a libido, decréscim o de espermatogênese,
d o peso testicular e d a con cen t ração de testosteron a.
Toxicidade
Rum ina ntes
Os efeitos p rodu zid os p o r essa m icotoxin a são Bovin os e ovin os são m uito men os sen síveis qu e
aqueles da exposição excessiva ao estradiol. Além disso, suín os aos efeitos do estrogen ism o produ zid os p ela
a zearalenona age tam bém n o h ipotálamo e n a pitui- zearalenona. Norm almente, essa toxicose aparece em
tária d e m aneira semelhante ao estrogênio. O metabó - animais mais jovens; assim, verificou -se que bezerros
lito alfazear alen ol p r om ove o au mento d a p otên cia in gerindo d e 5 a 7 4 ppm d e zearalenon a n o alimen to
estrogênica (até quatro vezes maior que a zearalen ona), já produzem os sin ais do h iperestrogen ism o, que se
Capítulo 27 • Micotoxinas e micotoxicoses 321

m anifestam principalm ente por desenvolvimento pre- Os LMT estabelecidos pela Anvisa para a presen-
coce do úbere e queda da fertilidade. ça de zearalenon a em alimentos prontos p ara o con-
sumo humano encontram-se disponíveis na Resolução
Equ inos RDC n . 007/20 11. Assim, essas con centrações variam
A toxicose por zearalenona é raramente descrita em de 20 µ g/kg (para alimentos à base de cereais para
equinos; entretanto, recente estudo in vitro mostrou que alimentação infantil) até 600 µg/kg (farelo de arroz).
essa micotoxina pode ter um importante papel nos dis-
túrbios reprodutivos nessa espécie animal. TRICOTECENOS

Diag nóstico Os tricotecenos são um grande grupo de substâncias


sesquiterpenoides, as quais são caracterizadas por um anel
O diagnóstico dessa toxicose está baseado princi- 12-13 tetracíclico. São aproximadamente 170 tricotecenos
palmente n a sintom atologia clínica, p ela observação, já identificados, sen do divididos em quatro grupos, de
sobretudo nas m arrãs, de alterações e edem a da vulva. acordo com as características químicas, de A até D. En-
À n ecropsia, são observadas alterações características tretanto, os mais importantes em term os de intoxicação
de hiperestrogenismo. Esses achados consistem em al- para o ser humano e os animais são os grupos A, no qual
teração do peso do ovário, com decr éscimo de corpo estão incluídas as toxinas T-2 e HT-2 e o diacetoxiscirpe-
lúteo, edem a e vaginite de fêmeas; em machos ocorre nol (DAS), e aqueles que compõem o grupo B, do qual
atrofia testicular. Assim, a pesquisa da toxina no alimen- fazem parte o 4-deoxinivalenol (DON), também conhe-
to é fundamental. cido como vomitotoxina, e o nivalenol (NIV) (Figura 27.7).
Os tricotecenos são, de maneira geral, compostos
. , .
Tratamento e prevenção m uito estave1s, tanto no armazenamento e moagem
quanto no processamento e cozimento do alimento, não
Não há tratamento específico. Há completa recupe- sendo degradados por altas temperatura.
ração dos animais após a retirada do alim ento contam i- Os tricotecenos dos grupos A e B são produzidos
n ado com a micotoxina. Dependendo da extensão do principalmente por várias espécies de Fusarium, m as
p rolapso vagin al e retal, é n ecessária a realização de também por algumas espécies de Trichoderma. Assim,
cirurgia para a reparação da área prolapsada. em relação às toxinas T-2 e HT-2, os fungos produtores
são F. sporotrichioides, F. langsethiae, F. acuminatum e F.
Legislação so bre a presença no al imento poae. Os prin cipais produtores de DON são F. grami-
nearum, F. culmorum e F. cerealis. Todos esses fungos
No Brasil não h á legislação para zearalen on a em são de solo e representam importantes patógenos de
produtos destinados à alim entação anim al. A recomen - plantas que crescem nas plantações. Os principais cereais
dação da União Europeia para zearalenona em alimen - contaminados por fungos produtores de tricotecen os
tos para anim ais está descrita no Quadro 27.4. são trigo, cevada, aveia e milho.

H H H
1/'
! O "1----···· OH
CH3

º.--º}l_)
_,..,..,__ ':,t-···º
_ ..-
T"------1,,,._ Jl
O CH3
CH3
H3C O
Toxina T-2 Diacetoxisci rpenol (DAS)

H
. H
1 o "1---_., / ..OH H

"'\i?º
...-- o ❖,,···
"'"' OH

o -- HO /
CH20H CH3 HO HO
OH
4-deoxinivalenol (DON) Nivalenol

FIGURA 27.7. Estrutura química de alguns tricotecenos.


322 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

A produção d essas toxin as está relacionad a a grãos interagir com grupos sulfidrílicos. Além disso, a ativi-
colh idos tard iamente ou aqueles que perm anecem no d ade dessas micotoxinas pode também eventualmente
campo durante o inverno. Os fungos do gênero Fusarium promover níveis danosos de estresse oxidativo, por meio
produzem essas toxinas em temperaturas baixas (O a 15°C). d a geração de radicais livres.
Vários surtos de micotoxicoses causad os por trico-
tecenos foram descritos, como a aleucia tóxica alimen- Sinais cl ínicos
tar (ATA) ocor rida em seres h umanos, na Rússia, du-
rante a segun da guerra mund ial. Os cereais cobertos por Os efeitos produzidos pelos tricotecenos são bas-
espessa cam ada de gelo fo ram infestados pelos fungos tante amplos, envolvendo um grande espectro de desor-
F. sporotrichoides e F. poae, os quais originaram m eta- d ens clínicas. No entanto, os efeitos comuns às d iferen-
bólitos tóxicos, produzindo a ATA, cujos efeitos iniciais tes espécies animais são: n áusea, vôm itos e recusa d o
consistiram em inflamação das mucosas, oral e gastroin- alimento, sendo mais observados quando da intoxicação
testinal, evoluindo para um quadro de alteração sanguí- por DON, que embora não seja tão tóxico quanto outros
nea com dimin uição do número de leucócitos, alterações tricotecenos, com o toxina T-2 ou HT-2, é um d os m ais
da medula óssea e petéquias na pele. Além d isso, foram comuns contaminantes dos cereais no mundo. Os suínos
também observad os distúrbios do sistema nervoso cen- são particularmente sensíveis à intoxicação por DON,
tral e autônomo. send o que nessa espécie animal, além d os sinais descri-
A esse gru po d e substân cias atrib ui-se também o tos, pod e haver também neurotoxicid ade, a qual causa
seu em pr ego n a "guerr a quím icá', com o pro dutor de a síndrom e anorexígena.
hemorragias difusas e lesões disseminadas que levam A toxina T-2, em suínos, também causa decréscimo
os ind ivíduos rapidamente à morte. Assim, sabe-se que de consumo de alimento e queda no ganho de peso, bem
n a década de 1970 o Afeganistão e outros países foram como o aparecimento de lesões orais. O utro efeito bem
bombardeados pela denominad a chuva amarela, a qual d escrito para suínos é a imunossupressão. Em bovinos
se tratava d e tricotecenos. de leite, a T -2 causa qued a n a produção de leite, gas-
troenterite e sangramento intestinal e, em alguns casos,
Toxicocinét ica e toxicod inâm ica morte. Também tem sido descrito efeito imunossupres-
sor da toxina T-2 nessa espécie an im al.
Essas m icotoxinas são m oléculas pequenas e anfi- A aplicação direta d a toxina T-2 na pele causa infla-
páticas ( ou seja, apresentam uma região solúvel em meio mação, hemorragia subepidérmica e necrose. O mecanis-
aquoso e um a outra insolúvel em água, no entanto, são mo pelo qual os tricotecenos causam a epitélio-necrose
solúveis em lipídios). Assim, os tricotecenos são rapida- não está ainda totalm ente elucidado; sugere-se que essas
m ente absorvidos pelo tegumento, bem com o pelo sis- toxinas possam aumentar a p erm eabilidad e capilar ou
tem a gastrointestinal, perm itindo a dissem inação em romper mastócitos e, consequentemente, liberar histamina
tecid os que apresen tam rápid a proliferação. De manei- e serotonina, levando à alteração na integridade vascular.
ra geral, essas toxinas são rapidamente biotransformadas Os tricotecenos podem também causar alterações
e excretadas como m etabólicos p ela bile e ur in a, n o hematológicas, que incluem diátese hemorrágica, qued a
períod o de d ois a três dias após a ingestão. d a hem atopoiese, resultando em leucopenia e eritrope-
Em relação ao mecanismo de ação dos tricotecenos, nia, e tromb ocitopen ia. Acr edita-se que esses efeitos
já está bem estabelecido que essas m icotoxinas atuam sejam em virtude da ação inibitória d os tr icotecen os
inibindo a síntese proteica de células eucarióticas, por sobre a síntese proteica. Tam bém, têm sido descritas
se ligarem à subunid ad e 60S do ribossomo, interagindo alterações nervosas, que incluem ataxia, com prom eti-
com a enzima peptidiltransferase. Essa interação leva a mento do reflexo de endireitamento e convulsões.
vários graus de inibição da formação d e peptíd ios, sen- A inten sidade desses efeitos tóxicos pro duzidos
do essa diferença n a eficácia da ligação d epen dente da pelos tricotecenos é bastan te variável entre as espécies
estrut ura qu ímica específica do tricoteceno. O efeito animais, send o que animais jovens são muito mais sen -
fin al da interação com a en zim a é a inibição d o início síveis a esses efeitos do que os adultos.
da form ação, bem com o do alongamen to do polipeptí-
d io, em bora, dependen do d o tr icotecen o, esse p ode Dia gnóstico
tam bém comprom eter a finalização d o p olipeptídio.
Mais recentem ente, estudos vêm m ostrando que os tri- Recomen da-se com o procedimento para o estabe-
cotecen os podem tam bém inibir a sín tese p roteica e lecimento do diagnóstico de in toxicação por tricotecenos,
Capítulo 27 • Micotoxinas e micotoxicoses 323

os m éto dos analíticos para a detecção desses compostos portante fungo produtor de OTA é o A. ochraceus. Essa
nos alim entos. Em alguns países, como nos Estados Uni- micotoxina é um contam inan te natural de alimen tos d e
dos, há kits d e imunoensaio (RIA e Elisa) para detecção animais d e criação em tod o o m und o. A preocupação
e quan tificação de D ON e toxina T-2. O uso d e croma- com a toxicidade d a OTA não se refere som ente à san i-
tografia a gás e líquida é indicado para detecção de níveis dade d esses animais, m as tam bém p elo fato de haver
bastante baixos dessas m icotoxinas. risco de exposição humana, indiretamente a essa toxina,
por ingestão de produtos de origem animal, já que há
Prevenção vários relatos da presença da OTA no leite e em deriva-
dos lácteos e outros produtos, como carne. Uma ad icio-
De maneira geral, os tricotecen os são bastante es- nal preocupação com a intoxicação pela OTA se refere
táveis tanto no meio ambiente como quando submetidos ao fato de que, até o momento, não há m eios para pre-
ao processam ento de alimentos. Portanto, é de funda- dizer e evitar a p resença da m icotoxina nos alimen tos.
m ental im p ortância qu e se evite a colheita de cereais São várias as fontes de contamin ação p ela OTA,
tardiamente, sobretudo nos períodos d o ano em que a como, por exemplo, a maioria dos cereais, grãos e outros
temperatu ra se apresen ta baixa. derivados de alimentos. Dentre os cereais, a m icotoxina
é encon trada principalm en te no milh o, cevada e trigo.
Legislação so bre a presença no alimento No Brasil, um estudo apontou que a maior fonte de OTA
é o milh o, os grãos para p ro dução de cerveja e os ali-
No Brasil não há legislação para D ON e toxina T-2 mentos p rontos para consumo.
em produtos destinad os a alimen tação animal. A reco - O perfil toxicológico da OTA inclui nefrotoxicid a-
m end ação d a Un ião Europeia para os tricotecen os em d e, hepatotoxicid ade, teratogen icidad e e imunotoxici-
alimen tos para animais está d escrita no Q uadro 27.4. d ad e. Algu ns estudos most raram que essa toxina p ro-
Os LMT estabelecid os pela Anvisa para a presença duziu efeito carcinogênico em anim ais de laboratório e,
de D ON em alimentos prontos para o consumo h uma- por isso, a OTA é classificada pelo Iarc com o carcino-
n o en contram -se disp on íveis n a Resolução RD C n. gênica do grupo 2B.
007/20 11, send o que as con cen trações de DON permi-
tidas variam de 750 (para arroz beneficiad o e d erivados) Toxicocinética e toxicodinâmica
até 2.000 µg/kg (como, por exemplo, para trigo integral
e grão de cevad a). A OTA é absorvid a por difusão passiva n o trato
gastrointestinal. A absorção estomacal é maior por cau -
OCRATOXINAS sa da acid ez desse compartim ento. O alimento também
influencia na absorção dessa m icotoxina. Nesse sentid o,
As ocratoxin as são uma fam ília de isocumarin as em herbívoros, a OTA é m ais bem absorvida quando a
derivadas d o am in oácid o fenilalan ina. Atualmen te, já alimentação é m aior em con cen trad os, p or causa da
foram id entificad os nove tipos d e ocratoxina, n o en tan - redução do p H estomacal, do que em alimento volumo-
to, somente a ocratoxina A (OTA) é produzida sob con - so, como as forrageiras.
dições naturais (Figura 27.8). Em razão da alta afinidad e da OTA pela albumin a,
A OTA foi isolada inicialmente do Aspergillus ochra- após a absorção, essa toxina liga-se a essas proteín as,
ceus (ou A. alutaceus), d e onde originou-se seu nome. contribuin do, assim , p ara o p ro lon gam ento da sua
Posterior m ente, essa m icotoxina foi isolada d e ou tras meia-vida sérica. A correlação positiva en tre a su a li-
várias espécies de Aspergillus e Penicillium. O m ais im- gação com a p roteín a plasmática proporciona u m a
grande d iferença entre a m eia-vid a de elim inação n as
d iversas esp écies animais. Nesse sentido, en tre as es-
C02H o OH o
pécies d e anim ais d e produção, os suínos são os m ais
sensíveis à toxicid ade da OTA, justam ente p ela acu-
N o
1
mulação n os tecidos, em d ecor rên cia d e sua lo n ga
H meia-vida. D e m aneira geral, verifica-se que aves pa-
CH3 recem eliminar OTA m ais rapid amente do que mamí-
CI
feros; assim, com parando -se frangos e suínos, verifi-
ca-se qu e n essa últim a esp écie animal a meia-vida
FIGURA 27.8. Estrutura química da ocratoxina A (OTA). sérica é até 30 vezes m aior que a de frangos.
324 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

A biotransformação da OTA é realizada principal- com o na produção da fosfoen olpiruvato-carboxi-


m ente no fígado, m as também ocorre nos rins e intes- quinase. Além disso, a OTA penetra na m itocôndria
tin o, sen do sua principal via de biotran sformação a e muito provavelmente liga-se às proteínas envol-
hidrólise, formando como principal metabólito a OTAa, vidas na m anutenção da fosfo rilação oxidativa da
tanto em seres humanos e an im ais, com o também por m embrana, sendo que esse efeito seria por meio da
m icrorganism os. Como consequência da hidrólise, ocor- interferência do transporte do fosfato e pela inibi-
r e a p erda da m olécula de fe nilalan ina, o que torn a a ção do transporte de elétrons.
OTAa, bem como seus outros m etabólitos, menos tóxi- • Estudos recentes sugerem que a O TA induz o es-
ca. A eliminação, tanto da OTA com o de seus metabó- tresse oxidativo, resultando na produção excessiva
litos, faz-se principalm ente pelas fezes e urina. de radicais livres. Assim, muitos autores evidencia-
Pela capacidade de protozoários ruminais prom o- ram claram ente o aumento da produção de espé-
verem a degradação da OTA a OTAa, os ruminantes cies reativas de oxigên io (EROs) (veja detalhes so-
são menos suscetíveis aos efeitos tóxicos produzidos por bre a produção de EROs no Capítulo 4).
essa micotoxina, um a vez que esse processo ao n ível • Vários experimentos sugerem que a OTA tem efei-
rum inal perm ite que a grande parte absorvida seja de tos genotóxicos. Após a bioativação, produtos ele-
m etabólitos, que, com o já com entado, apresentam m e- trofílicos são formados a partir da toxina, que pode
nor atividade tóxica. Entretanto, deve-se considerar que se ligar covalentemente ao DNA causando muta-
vacas, n o período de transição que compreende o final ções e subsequente formação de tum ores m alignos.
da gestação e in ício de lactação, são particularmente • Muitos estudos têm comprovado que a OTA pode
suscetíveis à intoxicação pela OTA, em decorrên cia da causar m orte celular apoptótica e necrótica. Mes-
dramática alteração m etabólica que ocorre nesse perío- mo em concentração nan omolar, marcadores de
do. Fora do período de transição, as vacas podem tam - apoptose puderam ser observados, como, por exem-
bém se tornar vulneráveis à toxicidade da micotoxina, plo, fragmentação de DNA, condensação da croma-
em virtude de alterações na com posição do alimento. tina e aumento da atividade da caspase-3. A expres-
Assim, a alta porcentagem de proteína no con centrado são alter ada d e diferentes genes p ode ser u m a
adm inistrado às vacas modifica a capacidade de clivagem causa potencial de apoptose; foram observadas al-
da OTA pela m icrobiota ruminal, levan do à absorção terações transcricionais acentuadas de m uitos ge-
de grande quantidade dessa micotoxina, inclusive resul- nes que estão envolvidos n a r esposta ao dan o n o
tan do em excreção de OTA no leite. D NA e na apoptose (por exemplo, GADD153,
O modo de ação da OTA ainda não está claramen- GADD45, clusterina e p53).
te elucidado e parece ser bastante complexo. Têm sido • Embor a vários p esquisadores considerem qu e a
propostos alguns mecanism os de toxicidade: OTA seja um agente não mutagênico, sem efeito di-
reto sobre o DNA, é um agente carcinogênico, sen-
• Inibição da síntese proteica. Inicialmente, havia sido do que esse efeito é explicado pelo fato de essa m i-
levantada a hipótese de que esse efeito seria em de- cotoxina causar rupturas de mitose e instabilidade
corrên cia da inibição da atividade da fen ilalanina cromossômica. Nas células renais humanas, foi ob-
RNA-t sintetase. Entretanto, vários estudos subse- servado o bloqueio da transição m etáfase/ an áfase,
. , . ,
quentes mostram que a estrutu ra 1socumar1n1ca e form ações mitóticas aberrantes e células gigantes.
mais importante nessa interação que a m olécula de A desorganização do sistema m icrotubular e a ini-
fenilalanina. Além disso, propõe-se ainda que a OTA bição das enzim as h istona acetil transferase (HAT)
pode influenciar a transcrição de várias proteínas, também foram verificados. Como as HATs são res-
resultando em um efeito intracelular específico. p onsáveis pela regulação da expressão gên ica, n o
• A OTA apresenta um alto efeito negativo na gera- reparo do DNA e no controle do ciclo celular, sua
ção de energia celular (ATP). A disfunção m itocon- inibição pode levar à ruptura da mitose, prolifera-
drial é um sinal precoce de toxicidade, resultando, ção celular e instabilidade genética.
com o um todo, n o decréscimo da síntese proteica. • A OTA induz à parada no ciclo celular. Nesse sen -
Parece que algumas enzimas-chave para a glicone- tido, vários estudos evidenciam os efeitos negativos
ogênese, com o a fosfoen olpiruvato-carboxiquina- da OTA no ciclo celular em células renais e fibro-
se, mostram -se bastante comprom etidas em sua ati- blastos pulmonares. A parada seletiva da fase G2 foi
vidade na p resença dessa m icotoxina. Tem sido observada em células epiteliais gástricas tratadas
prop osto que a O TA tan to inter fere n a atividade com OTA.
Capítulo 27 • Micotoxinas e micotoxicoses 325

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Capítulo 28

Micotoxinas produzidas
por fungos endofíticos

Ben ito Soto Bianca

~
INTRODUÇAO ERGO TISMO

Fungos endofíticos são aqueles que desenvolvem Claviceps purpurea (Fr.) Tul., fungo ascomiceto da
todo seu ciclo biológico no espaço intercelular de tecidos classe Sordariomycetes, ordem Hypocreales, form a es-
vegetais. D esse m odo, ocorre um relacion amento sim- cleródios que lembram o esporão do galo nas sem entes
biótico entre a planta e o fungo. A planta fo rnece nu- de suas plantas hospedeiras, sendo denominados ergot,
trientes e proteção ao fungo, enquanto as m icotoxinas term o francês para esporão. Dessa form a, o quadro de
produzidas protegem o vegetal contra herbívoros, prin - intoxicação pelas toxinas do C. purpurea é conhecido
cipalmente contra insetos. com o ergotism o.
Neste capítulo, são abordadas as micotoxicoses cau- O ergotism o esteve envolvido em m uitos fatos da
sadas por Claviceps purpurea, Claviceps paspali e Diplo- h istó ria da humanidade, sen do os m ais significantes
dia maydis. Apesar de apresentarem parte de seu ciclo apresentados aqui.
no solo, as micotoxicoses produzidas por esses fungos H á cerca de 2.500 an os, o centeio in fectado p elo
estão aqui classificadas como micotoxinas produzidas ergot era utilizado medicinalmente para o controle da
pelos fungos endofíticos. hem orragia no pós-parto, sendo, dessa forma, conheci-
Um fungo semelhante ao C. purpurea, den omina- do como "erva obstétricá: Durante a Idade Média, entre
do Claviceps africana, infecta o sorgo, especialmente os séculos XI e XVI, ocorreram epidem ias de ergotism o
o Sorghum bicolor, e está presente em diversos países, que afligiram centen as de m ilhares de pessoas na Fran -
in clu in d o o Brasil. A in gestão dos escleródios de C. ça. Essa micotoxicose era causada pela ingestão de pães
africana pode causar intoxicação de bovinos e suínos, fabricados com farinha de centeio contaminado pelo C.
car acterizad a por d rástica redução ou m esmo inter - purpurea, e era caracterizada por vasoconstrição peri-
rupção n a p rodu ção leitei ra e aversão ao alim ento férica intensamente dolorosa, responsável por gangrena
contaminado. Essa intoxicação ainda não foi descrita seca das extremidades e distúrbios nervosos.
n o Brasil. Naquela época, o ergotismo er a conhecido como
Foram identificados, entre os anos de 20 1O e 2014 Fogo de Santo Antôn io, pois as p essoas afetadas qu e
n o estado de Santa Catarina, surtos de uma for ma de seguiam em romaria para o santuário de Santo Antôn io
ergotism o em bovinos atribuída ao consumo da pasta- de Pádu a, localizado em uma r egião da Itália on de o
gem de capim-m ourão [Sporobolus indicus (L.) R.Br.], ergot não se desenvolve, frequentemente se recuperavam
que apresentava grande quantidade de inflorescências durante a viagem. Essa recuperação era considerada um
com coloração enegrecida. Essas inflorescências estavam milagre atribuído a Santo Antônio de Pádua.
contaminadas pelo fungo Bipolaris sp., p ossivelmente Também durante a Idade Média, diversos relatos de
da espécie B. australis; a doença foi reproduzida expe- feitiçaria provavelm ente foram resultado de alucinações
rimentalmente com a administração das inflorescências prom ovidas pelo ergot, sendo o episódio m ais famoso
contaminadas. Os sinais clínicos observados nos bovinos o ocorrido em Avalon. No m esmo sentido, há relatos
intoxicados in cluíram hipertermia, diarreia e gangrena sugerindo que a exaltação apresentada por camponeses
de extremidades. que culminaram com a Revolução Fran cesa se devia a
332 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

alucinações e delírios indu zidos por alcaloid es d o ergot d ias, o C. purpurea form a conídias na superfície do ová-
presentes em pão produzido com cen teio contam inado. rio e libera um líquido sem elhante ao mel. Finalmente,
Atualmente, alcaloid es produzidos pelo C. purpurea os escleródios madu ros são formados e substituem a
e, prin cipalm ente, variações sin téticas são utilizad os semente. Assim como ocorre com a maioria d os fungos,
terapeuticam ente. Os usos in cluem o con t role d e h e- elevações da umid ade e da tem peratura também favo-
m orragias no parto, a supressão d a lactação e o t rata - recem o crescimen to do fungo.
mento da doença de Parkinson. Outro desses alcaloides
é a d ietilam ida d o ácido lisérgico (LSD), im portante Princípios tóxicos
. , .
agen te ps1cotrop1co.
Cerca de 600 espécies de plantas foram identificadas Os escleród ios de C. purpurea apresentam pelo m e-
como hospedeiras do fungo C. purpurea em todo o mun- nos cem diferen tes substâncias químicas, especialm en-
do, entre os quais estão os pequenos grãos como o cen- te aminas, aminoácidos, glicosídeos, pigm entos, enzimas
teio, a cevada, o trigo e a aveia, além d e diversas espécies e ácidos graxos. No entanto, as substâncias responsáveis
de gram íneas. pela toxicid ad e do ergot são alcaloid es conhecid os ge-
No Br asil, as esp écies de gramíneas iden tificad as nericamente como ergoalcaloides ou alcaloides d o ergot,
como hosped eiras do fu ngo são Chaetotropis chilensis com estrutura quím ica tetracíclica d erivada do in dol
Kunth, Holcus lanatus L. (capim-lanudo), Festuca spp., d enominad a ergolina.
Lolium multiflorum Lam. (azevém), Poa pratensis L. Já foram identificados mais de 40 alcaloides do ergot,
(gram a-azul) e Setaria geniculata Lam. (setaria). divid idos em três grupos: derivados d o ácido lisérgico,
Ao infectar a planta, o C. purpurea fo rma, n as se- d erivados da clavina e os alcaloides peptídicos. Os prin -
m entes, um escleródio de coloração negra ou marrom - cipais d erivad os do ácido lisérgico são a ergotamina, a
-escura, d e consistência dura e tamanho m aior que as ergonovina (também conhecida como ergom etrin a) e
sem entes. No solo, os escleródios pod em persistir por a ergotoxina ( que, por sua vez, é composta pela asso-
alguns meses. Em cond ições de temperatu ra e umidade ciação dos alcaloides ergo cornina, ergocristina e ergo-
ad equ ad as, são liberadas ascosporas, qu e promovem criptina). A est rutu ra quím ica de algu ns alcaloides d o
invasão do ovário e d o estigma d a planta. Em algu ns ergot está ap resentada na Figu ra 28.1. A concen t ração

A 8 0~ ,.,.- NH ~
1 OH
CH3

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e D
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H ,,,,,.

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CH3 CH3
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CH3
H CH3

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FIGURA 28.1. Estrutura química dos alcaloides do ergot: A) ergotamina; B) ergonovina; C) ergocornina; D) ergocristina;
E) ergocriptina.
Capítulo 28 • Micotoxinas produzidas por fungos endofíticos 333

de alcaloides n os escleródios varia de O a 1,2% do p eso dos membros posterio res. As espécies n atu ralmente
seco, o que claram en te influen cia em su a toxicidade. afetadas são a b ovin a e a ovina. In icialm ente, os an imais
afetad os apresentam claudicações, associadas ao ed em a
Toxicocinética e mecan ismo de ação e à h iperemia da p ele d o rodete coron ário, d a quarteia
e do boleto. Além disso, vacas leiteiras também apresen-
A absorção d os alcaloides do ergot p or via or al é tam diminuição n a produção de leite.
rápida. A ação d a ergom etrina sob re o útero inicia-se Após cerca d e dez dias de exposição a esses agentes,
em 4 a 8 m inutos, enquanto a duração d esse efeito é de a claudicação apresenta-se menos severa, provavelm en -
3 a 6 h . A b iotransform ação é hepática, promovida p or te em d ecorrên cia d a perda da sensibilidad e d as patas.
enzimas do citocromo P450. Foram detectados resíduos Posteriormente, a pele torn a-se gan gren osa e com ra-
de ergoalcaloides n a gordu ra da carn e d e bovinos ex - ch aduras, sen do que, em alguns casos, verifica-se a pre-
postos a essa substân cia. No entanto, não h á p assagem sen ça de exsud ato, que pode ser purulento, e sep aração
dos ergoalcaloides pelo leite de vacas. d a m uralh a, especialmente n a região d os talões. Com a
Os alcaloides do ergot são agonistas parciais d e re- evolução do quad ro, é form ad a uma linha en tre o rod e-
ceptores alfa 1-adrenérgicos, mas não promovem inibição te coronário e o terço distal do boleto, permitindo vi-
dos receptores beta-adren érgicos. A ergotam in a e a er- sualizar as regiões normais e n ecrosad as d a pele.
gometrina tamb ém são agonistas p arciais d e receptores Em alguns casos, há gangrena na extremidade de cau-
serotoninérgicos. Além disso, a ergom etrina também é da, orelhas e tetos. Em intoxicações mais graves, pode ha-
agonista p arcial de receptores dop am in érgicos. ver ruptura de tendões e perda do casco. É possível obser-
Os alcaloides d o ergot prom ovem con tração d os var, em algumas situações, a p ele com n ecrose, que se
m ú sculos lisos dos vasos sangu ín eos, gerada pela ação assem elha às lesões causadas pela fotossensibilização. Em
sobre os receptores alfa-adrenérgicos d a musculatura frangos e galinhas, pode haver gangren a da crista. O esta-
uterina e influxo de íons cálcio, provavelmente por aber- do geral dos animais afetados n orm almente é pouco pre-
tura dos can ais d esse íon . A vasocon strição é responsá- judicad o; n o entanto, em alguns casos, pode h aver infla-
vel p elo aumento d a pressão sanguín ea, além d e isque- mação e sangramento intestinais, e constipação ou diarreia.

mia e gangrena. A h istopatologia da pele e do tecid o subcutân eo
Os alcaloides do ergot tamb ém prom ovem ação oci- nesses animais revela n ecrose de coagulação com infil-
tócica, sendo a ergometrina considerada a respon sável tração por macrófagos e n eutrófilos. Tam bém pode es-
por essa ação. D esse m od o, a ergometrin a, também por tar p resente p roliferação de tecido de granulação n o
ação em receptores alfa-adrenérgicos, estim ula a contra- tecido sub cutâneo. A tú nica muscular arterial na derm e
ção do m iométrio, produzin d o aumento do tônus ute- en contra-se au mentada, o qu e tam bém pod e ocor rer
rino ou da força das contrações. No entanto, os alcaloides nos pulmões, nos rins, no intestino delgado, no baço, n o
do ergot parecem não afetar o peristaltismo intestinal. miocárdio e n o cérebro.
Out ra ação d essas m icotoxin as ocorre n o eixo hi-
p otalâmico -h ip ofisário, redu zindo a con cen t ração d e Redução do crescimento e queda na produção
prolactina circulante. Dessa forma, a hipoprolacten emia, Animais joven s, em fase de crescimento, p o d em
com consequente queda n a produ ção leiteira, é normal- apresentar diminuição n o consumo de alimentos e n o
m ente associad a à intoxicação por alcaloides d o ergot. ganh o de peso ou, até mesm o, perda de peso. Além d is-
so, em galinhas poedeiras, a qu antidade e qualidade dos
Sinais clín icos ovos é d esfavoravelmen te afetada. As lesões h istopato-
lógicas ap ontadas como responsáveis por esse efeito são
As alterações produzidas pelos alcaloides do ergot nas inflam ação, hem orragias e, às vezes, necrose n o t rato
diferentes espécies an im ais podem m an ifestar-se por di- gastrointestin al. Como consequ ência d essas lesões gas-
ferentes qu adros clín icos, tais como a form a gan grenosa, trointestinais, é possível verificar, em alguns casos, diar-
a redução do crescimento e qued a na produção, a síndro- reia even tualmente sanguinolenta.
m e distérm ica, a forma reprodutiva e a form a n ervosa.
Síndrome distérmica
Forma gang renosa Ocorre após a ingestão d os escleródios p or du as
Causada pela constrição de arteríolas, ocorre p re- sem anas a três meses. É caracterizad a por aum ento da
domin antemen te no inverno, e é caracterizad a pela for- temperatu ra corpórea (entre 40 e 42ºC, mas pode chegar
m ação de gangrena seca nas extrem idades, geralmente a 43ºC). Em razão de uma acentu ada dispneia, alguns
334 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

animais mantêm a boca aberta e a língua exteriorizada. hiper metria, cegueira aparente, opistótomo, tremores
O utras man ifestações que podem estar presentes são m usculares, paralisia do trem posterior e decúbito. É
salivação, pelos alongados sem brilho, redução no con - erroneamente denominada forma convulsiva, já que não
sum o de alimentos, aumento do consum o de água e há realmente convulsões, pois os animais não perdem
• A •
poliúria. Normalmente, os animais afetados procuram a consc1enc1a.
por sombras ou perman ecem dentro da águ a, objeti-
vando aliviar a sensação térm ica. A produção leiteira e Dia gnóstico
o ganho de peso estão diminuídos. Os sinais clínicos
tor nam-se mais evidentes qu ando a temperatura am- O diagn óstico p ode ser re alizad o p or m eio da
biente está mais elevada, podendo haver mortes quando associação dos sin ais observados com os ach ados da
a temperatura ambiente estiver superior a 30ºC. Apesar patologia. Além disso, tem grande valor a observação
das manifestações clínicas, geralmente n ão são encon - da p resença dos escleródios d e C. purpurea n o ali-
tradas lesões macro ou microscópicas nos bovinos afe- mento. O número de escleródios é diretam ente pro-
tados, mas já foi descrita a ocorrência de enfisema pul- p orcional à con centração de alcaloides do ergot n os
monar e hipertrofia da musculatura bronquiolar. Ainda, grãos, exceto quan do a concentração dos alcaloides é
alguns animais podem apresentar, con comitantemente, baixa (inferior a 350 µg/kg). Entretanto, a visualização
sinais brandos da form a gangrenosa. Cessando o con - desses escleródios pode ser dificultada quan do o ali-
sumo do alimento contaminado, pode haver com pleta mento é constituído de grãos moídos ou ração. Nessas
recuperação clínica em duas a três semanas. situações, pode-se tentar a observação m icroscópica
dos escleródios, a detecção química dos alcaloides do
Forma reprodutiva ergot (por meio de cromatografia em camada delgada,
Podem ocorrer abortamentos, particularmente in - cromatografia em fase gasosa, espectrometria de mas-
duzidos pelo alcaloide ergonovina, pois este possui sig- sa) ou a adm in istração do alim en to a an im ais de la-
nificante potência uterotrópica. Outros efeitos atribuídos boratório.
ao ergot incluem agalactia, morte embrionária e anestro. Nos casos em que se manifesta a forma gangrenosa,
Os distúrbios na reprodução são as únicas consequências deve-se fazer o diagnóstico diferencial com outras cau-
verificadas na intoxicação pelos alcaloides do ergot em sas de claudicação, como, por exemplo, a intoxicação
equinos. No entanto, essa forma também pode ser ob- pelo fungo Ramaria flavo -brunnescens e a pododerma-
servada em suínos, bovinos, ovinos e caprinos. tite infecciosa.
Em equinos, as fêm eas prenhes liberam prem atu -
ramente o corioalantoide, e a placenta apresenta-se mais Controle e prevenção
espessa, engrossada e fibrosa, sendo necessário realizar
o rompimento manual. Também pode haver prolonga- Infelizmente, n ão há tratamento específico para o
mento da gestação, distocias, menor dilatação e redução ergotismo. Os animais afetados devem ser retirados da
n a intensidade das contrações e acentuada fraqueza da exp osição aos escleródios de C. purpurea, e deve ser
égua após o parto. Os filhotes geralmente nascem fracos, iniciado o tratamento sintom ático. Em diversos casos,
e a redução na produção leiteira contribui para a eleva- especialmente da forma gangrenosa, é necessária a ad-
da mortalidade dos neon atos. m inistração de antim icrobiano para controle de infeção
Em cabras prenhes, a adm inistração experimental bacteriana secundária.
promoveu morte fetal e abortamentos. Os efeitos obser- Em alguns bovinos, a form a gangrenosa pode per-
vados n os fetos provavelm ente decorrer am de lesão sistir por mais de um ano após o término da exposição
placentária prom ovida por dano endotelial em arterío- ou, até mesmo, ser irreversível. Portanto, para os casos
las term in ais, bloqueando a circulação sanguínea dos graves, recomenda-se o abate. A recuperação clínica da
cotilédon es uterinos. síndrom e distérm ica dos bovinos é lenta, sendo que os
sinais podem ser percebidos m esmo depois de seis se-
Forma nervosa man as após a retirada do alimento contaminado com
A forma nervosa é rara em an im ais, m as já foi des- essas toxinas. No entanto, os sinais clínicos da forma
crita em bovinos, carnívoros, equinos e ovinos; n o en - nervosa dos bovinos regridem logo após o término da
tanto, é questionado se o C. purpura realm ente promo- exposição. Em relação aos efeitos reprodutivos obser-
veria esse tipo de intoxicação. É car acterizada p or vados em equinos, estes têm sua frequência dim inuída
fasciculações, incoordenação motora, hiperexcitabilidade, quando é cessada a exposição ao C. purpurea. Quanto
Capítulo 28 • Micotoxinas produzidas por fungos endofíticos 335

aos efeitos n a lactação, esta se reinicia ger alm ente de


cinco a sete dias após a rem oção do ergot da dieta.
Para a prevenção, diversas m edidas são recom en- o
dadas, entre elas está a análise dos grãos antes de forne- ~
o
cê-los a anim ais para se avaliar a presença de escleródios OH
de ergot. Foi estabelecido com o lim ite m áximo, sem
manifestação de sintom atologia de intoxicação, 300 mg
de escleródios p or kg de ração para machos e fêm eas
não prenhas. No entanto, alimentos destinados às fêmeas FIGURA 28.2. Estrutu ra química do paspalitremo A.
gestantes devem ser isentos de escleródio.
Procurando evitar o desenvolvimento do ergot n os cinza-amarelada ou m arrom , denominada escleródio.
alim entos, o plantio de gramíneas forrageiras suscetíveis Entretanto, a etapa sexuada do ciclo biológico ocorre
deve ser feito com sementes isentas de C. purpurea, e no solo.
deve-se alternar o plantio destas com outras espécies No Brasil, a intoxicação tem sido descrita exclusi-
n ão suscetíveis por, pelo m enos, um ano. Além disso, é vamente na região Sul, n os estados do Rio Gran de do
necessário proceder à limpeza da área ao redor das plan- Sul e Santa Catarina. A frequência dessa intoxicação
tações ou pastagens, limitando, assim, a disseminação apresent a sazon alidade, com m aio r frequ ên cia n os
do fungo. Recomen da-se, ainda, o plantio de plantas meses de abr il e maio, época da sementação de Paspa-
suscetíveis apenas em áreas livres de azevém . No caso lum . Também se verificou que há aum ento na quanti-
de plantações de trigo em áreas com elevada concentra- dade de surtos em anos em que há períodos de estiagem
ção de azevém , podem-se utilizar herbicidas seletivos, no outon o.
com o o diclofope metílico. É importante salientar que
o uso de h erbicidas deve ser racion al, pois quando ina- Princípios tóxicos e meca nismo de ação
dequadam ente em pregado pode aumentar a suscetibi-
lidade das plantas ao C. purpurea. Os princípios responsáveis pela intoxicação por C.
No caso de pastagens ou de plantações de gramíneas paspali são micotoxinas trem orgên icas de estrutura
para fe n ação ou ensilagem , o pastoreio ou a colh eita semelhante à dos peritrenos, denominadas paspalitremos
devem ser realizados antes de as plantas formarem se- (A e B; Figura 28.2) e 3-hidroxi-3-m etilbuten il paspa-
m entes. No entanto, o uso de fungicidas para o contro- lan in a. Paspalitrem os (A e C) também são produzidos
le direto de C. purpurea não é viável. Com o podem ser por outro fungo endofítico, Phomopsis sp., que se de-
produzidos anticorpos contra os ergoalcaloides, é pos- senvolve n a casca de Cavendishia pubens, planta pre-
sível que n o futuro sejam desenvolvidos tratamentos sente n a Colôm bia. Entre outros alcaloides, tam bém
im unológicos visando im pedir o ergotism o. estão presentes n os escleródios de C. paspali o ácido
lisérgico e o alfa-hidroxietilam ida-ácido lisérgico, m as
INTOXICAÇÃO POR CLAVICEPS PASPALI provavelmente não estão envolvidos n a toxicidade des-
se fungo. Assim como ocorre com o ergot, o clim a úmi-
O fungo Claviceps paspali (Stev. et Hall) (ascomice- do e quente favorece a produção dessas micotoxinas.
to da classe Sordariomycetes, ordem Hypocreales) in- Com relação ao mecanismo de ação, as m icotoxinas
fecta diversas espécies de gramíneas do gênero Paspalum, trem orgênicas produzem inibição dos receptores do
incluindo P. dilatatum Poir. (capim-melador, capim -m i- am in oácido in ibitório ácido gam a-am in obutírico
m oso, sanduva), P. notatum Flüggé (grama-forquilha, (GABA) do tipo A (receptores GABAA). Entretanto, a
gram a-batatais) e P. vaginatum Sw. (grama-boiadeira). região do receptor onde ocorre a ligação dessa toxina
O ciclo biológico do C. paspali apresenta duas etapas, ainda é desconhecida.
uma assexuada e outra sexu ada. A primeira etapa ocor-
re no Paspalum, quando os ovários das flores são infec- Sinais cl ínicos
tados por ascosporas desse fungo, os quais formam um
núcleo com conidióforos contendo pequen os conídeos. A única espécie afetada naturalmente n o Brasil é a
Nessa fase, é produzido um líquido de aparência sem e- bovina, mas a intoxicação p elo C. paspali em outros
lhante à do mel. Em seguida, esse núcleo torn a-se um a países também já foi descrita em ovinos, equinos e buba-
m assa dura, rugosa e pálida, apresentan do tamanho de linos. São afetados an im ais de todas as idades e catego-
três a quatro vezes o da semente da planta, de coloração rias produtivas. A morbidade é variável (de 1 a 50%),
336 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

en quanto a m ortalidad e é caracteristicamente b aixa cam ada granular e n a substân cia branca cerebelares.
(inferior a 10%). Também já foi descrita degen eração neuronal n o cór-
As alterações clínicas em bovinos podem ser obser- tex cerebral.
vadas 24 h após a ad ministração oral de 3,0 a 4,0 g de
escleródios p or kg de peso vivo. Já a ingestão de 1,0 a Dia gnóstico
2,0 g/kg/dia promove sinais após três a seis dias do iní-
cio da exposição. Os ovinos são m ais resistentes que os O diagnóstico é obtido pelos achados clínicos e pa-
bovinos, sendo necessárias doses duas a três vezes maio- tológicos associados à exposição a Paspalum spp. infec-
res para a ocorrência de manifestações clínicas. tado por C. paspali. Além disso, a administração a ca-
A evolução da intoxicação é subaguda. De acordo mundongos do alimento suspeito suspenso em solução
com a dose diária, os sinais clínicos podem manifestar- salina pode auxiliar no diagnóstico.
-se desde 48 h até vários dias após o início da exposição. Os sinais dessa intoxicação são sem elhantes àqueles
Além disso, a dose única elevada p ode prom over sinais produzidos por outras toxinas tremorgênicas, oriundas
de intoxicação, podendo persistir por vários dias. de plantas (por exem plo, Cynodon dactylon, Ipomoea
Essa intoxicação é clinicam ente caracterizada como asariflora, Lolium perenne, Phalaris angusta) e fungos
doença tremorgênica, na qual os animais apresentam (Aspergillus e Penicillium), com os quais se deve fazer o
hiperexcitabilidade e tremores musculares, principal- diagnóstico diferencial. Também se deve fazer diagnós-
mente no pescoço e nas extremidades. Os animais per- tico diferencial com hipomagnesem ia e com intoxicação
m anecem em atitude de alerta, com as orelh as eretas. pela planta Solanum fastigiatum var. fastigiatum (juru-
Também podem ser observados ataxia e dismetria com beba), que causam doença de armazenamento lisossomal;
hiperm etria, opistótono e convulsões. Os sinais podem outras plantas que causam essa doença, como Ipomoea
ser sutis ou , até mesm o, ausentes quan do os an imais carnea e Sida carpinifolia, não são im portantes na região
estão em repouso, m as tornam-se exacerbados ou evi- Sul do país.
dentes quando são movim entados. Pode haver quedas Na Argentina e no Chile, ocorre uma micotoxico-
em diversas posições: com os membros estendidos, sen- se em equin os, con hecida com o "m al seco", causada
tados sobre os m em bros poster iores ou em decúbito p ela fes tuca argen tin a (Festuca argentina) infectada
lateral. Quando o gado é reunido, é possível observar por Acremonium chlamydosporioides. Trata-se de um
que os anim ais afetados caem pelo caminho. Os bovinos distúrbio neurotóxico invariavelmente fatal com m a-
tornam a levantar-se alguns m inutos após a queda, mas n ifes tações clín icas sem elh an tes àquelas produzidas
ainda apresentam tremores e ataxia. pelo C. purpurea.
Os bovinos afetados não apresentam anorexia. Para
m anter o equ ilíbrio en quanto pastejam , p rocu r am Controle e prevenção
m an ter-se em posição de cavalete, com os membros
rígidos e afastados. Tamb ém podem ser observadas Não há tratam ento eficaz para esse tipo de intoxi-
perdas de p eso (apesar de se alim entarem), salivação cação. Entretanto, os animais recuperam-se rapidamen -
excessiva e, às vezes, diarreia. A m or te pode ocorrer te quando retirados da exposição ao C. paspali; geral-
n os anim ais em decúb ito p er man ente com o con se- m ente em até 15 dias h á ausên cia dos sinais clínicos.
quên cia à tetania constante, interferindo na respiração Entretanto, em casos graves, os sinais clínicos p odem
p o r afetar a musculatura respir atória. An imais qu e p ersistir p o r até três sem anas. D esse m odo, deve-se
caírem dentro da água podem afogar-se. A m orte tam- transferir os animais das pastagens de Paspalum conta-
b ém p ode ocorrer em decorrên cia de traumatism os m in adas par a locais livres do C. paspali, evitan do-se
acarretados pelas quedas. colocá-los em locais on de o terreno seja irregular, por
causa dos riscos de queda.
Achados patológicos A principal m edida possível para se prevenir esse
tipo de intoxicação é a minimização da frutificação do
O único achado constante na necropsia é o aumen- Paspalum spp. nas pastagens, objetivo esse que pode ser
to de volume do líquido cefalorraqu idiano. Também alcançado por meio de pastoreio intensivo ou por roça-
já foram encon tradas hemor ragias subdurais na me- gem, especialmente nos meses de fevereiro e março. O P.
dula espinhal, p ossivelm ente causad as pelas quedas. dilatatum deve ser cortado para uma altura m áxim a de
Na histopatologia, p odem ser observadas degeneração 40 cm , en quanto as demais espécies para apenas 20 cm .
de células de Purkinje e presença de balões axonais na Mesmo assim, esse procedimento pode não ser eficiente
Capítu lo 28 • Micotoxinas produzidas por fungos endofíticos 337

para espécies como P. notatum, já que é possível que esse Alguns casos de ingestão S. maydis por períodos pro-
capim frutifique com altura inferior a 20 cm . longados revelaram espongiose laminar subcortical no
Ain da com o medida de preven ção, a redução n a cérebro e cerebelo, quadro conhecid o como status spon-
lotação das pastagens durante os perío d os em que o giosis, uma form a clínica ainda não relatad a no Brasil.
Paspalum esteja com sementes pode reduzir a in cidên - A S. maydis é respon sável por fetotoxicidade em
cia d e in toxicações, pela diminuição d o consumo de bovin os e ovinos, caracterizada por p arto de filhotes
sementes pelos animais, que p referem ingerir as folhas natimortos ou fracos que sobrevivem por pouco tempo.
da plan ta. Tanto os fetos quanto os filhotes apresentam status spon-
giosis, ind ependentem ente de a m ãe apresentar ou não
DIPLODIOSE sinais de toxicidade.
A admin istração experimental de cult u ras de S.
Stenocarpella maydis (Berk.) B. Sutton, anteriormen - maydis a m acacos Cercopithecus aethiops p roduziu des-
te Diplodia maydis, é um fun go ascomiceto, d a classe mielinização axonal, atrofia, degeneração e necrose de
Doth id eomycetes, ordem D oth ideales, comumente en- fib ras musculares e hepatite. Portanto, supõe-se que o
volvido na putrefação do milho. Inicialmente, esse fungo ser human o também possa ser suscetível à intoxicação
infecta a base d a espiga, form and o um a espessa m assa por toxinas de D. maydis.
de micélios. Com a maturação do m ilho, são produzidos O d iagnóstico é obtido pelo conjunto das manifes-
corpos de frutificação ou picnídios, d e coloração negra tações clínicas, dos achad os histopatológicos, dos dados
e tam anho igual ao da cabeça de um alfinete, permane- epidemiológicos e da alimen tação dos an imais com
cendo nessa forma em resíd uos de m ilho po r todo o restos de lavouras d e milh o infectados por S. maydis. É
inverno. Posteriormen te, as conídias são liberadas d os recom en dável a realização da reprodução experimental
picn ídios e d isseminadas pelo ar ou por insetos. A into- da diplodiose com cepas de S. maydis d a p ropriedade
xicação ocorre quand o há o acesso dos anim ais a restos afetada. O d iagnóstico diferencial deve ser feito com
de plantações d e milh o nas quais se encontram espigas outras intoxicações tremorgên icas produzidas pelas
infectadas pelo fungo durante períodos d o ano em que toxinas d e Aspergillus spp. Claviceps paspali, Cynodon
há m aior precipitação pluviométrica. dactylon e Phalaris spp.
Apesar d e a S. maydis ser encontrada em qualquer Os animais intoxicados d evem ser retirados ime-
local ond e existam plantações de m ilho, os casos de d iatamente d o contato com os restos d o milho infec-
diplodiose ocorrem principalmente na África do Sul, tado com S. maydis. Apesar de a d ip lo id iose causar
m as foram d escritos alguns casos n o Brasil (todos n o elevada m ortalidade, o p rogn óstico é favo rável se os
estado do Rio Grand e do Sul) e na Austrália. A ausência anim ais deixarem de ingerir o alim ento contaminado
de d iplodiose nos m u itos países onde a S. maydis se logo após a manifestação dos primeiros sinais clínicos.
desenvolve se deve, possivelmente, a diferenças gen éti- A recuperação ocorre em sete a dez dias após o térmi-
cas en tre as cepas, além de variações n as condições cli- no d a exposição.
r • A •

mat1cas e agronom 1cas. A prevenção d a diplodiose é feita por meio d a ava-


Com relação ao prin cípio tóxico, foi isolado de S. liação diária dos animais que forem m antid os nos restos
maydis um composto denominado d iplodiotoxina. En- de plantações de m ilh o. Também pode ser feita a inspe-
t retanto, não se sabe ao certo se essa substância é real- ção das espigas, que apresentam mofo branco entre os
mente a responsável pela micotoxicose. grãos nas contaminações graves.
A espécie bovina é a principal afetada, mas a diplo-
diose também ocorre em ovinos e caprinos. Os primei- BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 29

Gossipol e fatores
antinutricionais da soja

Ben ito Soto Bianca

~ em 1899, e seu nome foi concebid o pela associação en-


INTRODUÇAO
tre o nome científico do gênero do algod ão (Gossypium)
A soja ( Glycine max) é a principal fonte de proteínas com a terminação "ol" oriunda d e fenol (Figura 29. 1).
para a alimentação animal, representando cerca de 63% Há pelo m enos outros 15 compostos fenólicos nas
da produção m undial de farelos proteicos. Isso se d eve glândulas de pigm ento d o algodão, mas tais compostos
ao fato de os grãos d e soja apresentarem um con teúdo são de pouca importância toxicológica, pois estão pre-
de até 49% d e proteína total, além d e serem ricos em sen tes em concentrações muito inferiores àquelas apre-
quase todos os aminoácid os essenciais e possuírem até sentadas pelo gossipol.
22% de óleo. No entanto, pelo fato do caroço d e algodão Na d écada de 1950 houve uma drástica redução na
(Gossypium spp.) e seus subprodutos apresentarem me- taxa de natalid ade humana em diversas áreas rurais da
nor custo que a soja, sendo bastante acessível em regiões China, nas quais a população consumia óleo de algod ão
produtoras, este vem sen do empregado como substitu - (rico em gossipol) em sua dieta como substituto da soja.
to à fonte de proteínas n a ração animal. Esse fato permitiu a associação entre o consumo de óleo
En tretan to, am bos os cereais apresentam, em sua d e algodão e a ocorrência de infertilid ade m asculina.
com p osição, substâncias com potencial tóxico. Nesse Nesse sentido, o gossipol já foi utilizado experimen-
sentid o, sabe-se que os inibidores d a protease (inibido - talmente como medicamento anticoncepcional mascu-
res da tripsina Kunitz e Bowman-Birk) e a lecitina (aglu- lino, e novos experimentos vêm send o con duzidos, es-
tinina) são encontrad os n a soja; enquanto o gossipol e p ecialm ente n a China, procur and o desenvolver um
os ácid os graxos ciclopropenoid es podem estar presen- med icamento anticoncepcional que, além de eficaz, seja
tes no algodão. com ercialmente viável.
Os grãos de soja tam bém apresentam substân cias Com o o gossipol altera a color ação e a qualidade
bociogênicas, antivitaminas, saponinas, fitoestrógenos, do óleo d e sementes d e algodão, os processamentos
fatores de flatulência, lisinoalanina, alergênicos e fitato.

~
TOXINAS DO ALGODAO

Além do gossipol, as sementes d e algod ão apresen - OH


tam dois ácidos graxos ciclopropenoides (AGCs) com º~
potencial tóxico: o ácido estercúlico e o ácido malválico. HO
OH
~
Gossipo l o
HO
O gossipol, um pigmento fenólico de coloração ama-
rela, é produzido pelas glândulas de pigm ento encon -
tradas nas raízes, nos talos, nas folhas e nas sementes do
algodoeiro. Essa substância foi isolada pela primeira vez FIGURA 29.1. Estrutura química do gossipol.
340 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

industriais para a obtenção desse óleo procu ram manter d e gossipol variando de 1,5 a 3,5 mg/m L. Níveis de até
essa toxina nas sementes. Um a form a d e obtê-la é por 5,0 m g/m L são considerados seguros.
m eio d o processamento térmico, faze n do o gossip ol No rúmen, a atividade m icrobiana conjuga parte do
ligar-se a am in oácidos con stit uin tes de proteínas do gossipol livre a aminoácidos. Como já mencionado an-
algod ão, especialm en te à lisina. teriormente, ao contrário da forma livre, o gossipol con-
O grupamen to form il d a molécula d o gossipol se jugado é considerado fisiologicam ente inativo, embora
liga aos grupam entos amin o epsilon d a lisina e d a ar- haja indícios d e que possa ser transform ado para a for-
ginina, reação con hecid a com o browing ou reação d e ma livre n o t rato intestinal.
Maillard. Pode haver também ligação d o gossipol com Após ser absorvido, h á acúm ulo d o gossipol no fí-
o grupam ento tiol da cisteína. Essa ligação é de grande gado e n os rins. A p rincipal form a de excreção d o gos-
importância, pois o gossipol conjugado n ão apresen ta sipol é pela bile após a conjugação com glicu ron ídeos e
significância toxicológica, sen d o considerad o fisiologi- sulfatos, sendo eliminado juntam ente com as fezes. Em
cam en te inativo, enquanto o gossipol livre, não conju - menor quantidad e, o gossipol também pod e ser excre-
gado, é ativo, pod end o prom over os efeitos tóxicos. tado pela urina e pelo ar expirado. No en tanto, parece
O con teúdo de gossipol livre n as sem entes íntegras não h aver passagem significante do gossipol pelo leite.
de algodão varia d e 0,02 a 6,64%. No en tan to, esse con- O gossipol é um composto altamente reativo, que se
teúdo pod e ser bem men or (até 0,6%) quando é feita a liga rapid amente a diferen tes substâncias, incluind o mi-
extração d o óleo por solven tes. Já nos p rocessos m ecâ- n erais e amin o ácidos. En tre os min erais com os quais
nicos de extração envolven d o p ressão e tratamen to tér- pode ocorrer a ligação, o principal é o ferro, dando origem
mico, h á um a redução ainda m aior d o gossipol (cerca ao complexo gossipol-ferro. Assim, a taxa de absorção do
de 0,06%). Além disso, quando se realiza a extrusão ou gossipol é inversamente proporcional à concen tração do
expan são antes da extração por solven tes, tam bém é ferro na dieta. Como o ferro presente nesse complexo não
possível p rodu zir farelos com baixas con cen trações d e é fisiologicamente disponível, d esenvolve-se uma defi-
gossipol livre (0,06%). ciência desse m etal, afetando principalmente a hem ato-
Vários são os fatores que influenciam a concentração poiese. Além disso, a formação desse complexo na gem a
do gossipol na planta; entre os prin cipais estão as con d i- de ovos estocados determina a form ação de color ação
ções climáticas, h avendo correlação positiva com a taxa esverdead a nessa gem a, uma característica que acarreta
de precipitação pluviom étrica e negativa com a tempe- repulsa do produto pelos consumidores.
r atura. O utro fator conhecid o é a variação en tre as es- Além disso, o gossipol é u m agen te oxidante qu e
pécies d e algodão, send o que a Gossypium barbadense induz a form ação d e espécies reativas do oxigên io que
apresenta maiores con cent rações d o que a Gossypium causam efeito citotóxico.
hirsutum. No entanto, o armazenamento do algodão tem
pouca influên cia sobre o conteúd o de gossipol. Sina is clínicos
A intoxicação natural pelo gossipol ocorre em de-
Ca racterísticas físico-químicas corrência da ingestão prolongada, uma vez que os níveis
A fórmula química geral d o gossipol é C 30 H 30Ü 8 , d essa substân cia no algo dão n ão se elevam suficiente-
com peso m olecular de 518,6 daltons e fórmula quími- men te para promover intoxicação agu da. D essa forma,
ca estrutu ral (2,2' -binaftaleno )-8,8' -dicarboxaldehído- os efeitos d o gossipol são cumulativos, e pod em su rgir
- 1,1:6,6:7,7' -hexahidroxi-5,5' -diisopropol-3,3' -dimetil. abruptamen te após um período variável d e ingestão.
Há duas fo rmas isoméricas nas quais o gossipol pod e N os casos clínicos d e intoxicação, o efeito cardio-
ser encontrado: positivo e negativo. O isômero negativo tóxico é considerad o o mais n ocivo, m as tam bém h á
é consid erad o o m ais tóxico. Foi constatado que há va- importante efeito hepatotóxico. Os sinais clínicos m ais
riação na p roporção en t re essas duas formas n as d ife- observados são dificuldade respiratória, fraqueza, apatia,
ren tes variedades de algodoeiro, sen d o essa variação an orexia e redu ção no gan h o ou perd a d e peso, com
determinad a geneticamente. morte após alguns dias por falência cardíaca.
O exam e patológico pode revelar n ecrose hepática
Toxicocinética e mecanismo de ação cen t robular, degeneração renal e card íaca, bem com o
A absorção do gossipol livre por rum inantes depen - edema em diversos tecid os. Pod e haver degeneração e
de da capacidade de by-pass rumenal do alim ento inge- atrofia do epitélio folicular d as tireoid es.
rido. Observou -se que vacas leiteir as alimen tad as com O utro importante efeito é a redução n a fertilid ade
15% de farelo de algodão apresentaram níveis plasmáticos de machos e fêm eas. Também é possível observar anemia
Capítulo 29 • Gossipol e fatores anti nutricionais da soja 3 41

decorrente da formação do complexo entre o ferro e o Em bezerros, as principais alterações são ascite,
gossipol e do aumento da fragilidade eritrocitária. edema visceral, necrose aguda de hepatócitos centrolo-
Por haver diferenças entre espécies na sintomato- bulares e lesões cardiovasculares e renais. A ingestão de
logia da intoxicação, esta ser á melhor considerada se- 800 ppm de gossipol pode ser letal para os bezerros.
paradamente de acordo com a espécie afetada. Foi observada m aior incidência de pneum onia e
mastite em bovinos e ovinos alimentados com algodão,
Aves por causa do efeito imun ossupressor do gossipol, au-
O consumo de algodão por aves é responsável por mentan do a susceptibilidade a infecções secundárias.
dispneia, fraqueza e anorexia, qu e são sinais clínicos Nessas mesm as espécies, a produção de anticorpos con -
r esultantes da insuficiên cia cardíaca. Aves poedeiras tra Brucella após a inoculação de cepa lisa atenuada de
podem ter redução na produção e no peso dos ovos; a Brucella abortus foi afetada negativam ente pelo consu-
completa interrupção da postura foi observada em ga- mo do algodão. O efeito imunossupressor do gossipol é
lin has que recebiam 0,1 % de gossipol livre n a d ieta. caracterizado pela redução na quantidade dos linfócitos
Com o comentado anteriormente, a gem a dos ovos es- nos órgãos linfoides, em virtude da inibição da prolife-
tocados torna-se esverdeada. Além disso, há redução na ração e da indução da apoptose dessas células.
taxa de eclosão dos ovos incubados, com menor nasci-
mento de pintos viáveis. Efeitos na reproduçã o
Em m achos, independentemente da espécie animal,
Suínos o gossipol inibe a espermatogênese, reduzindo a con-
Clinicamente, os suínos apresentam dispneia, tosse, centração, motilidade e viabilidade dos espermatozoides
insuficiência cardíaca, intolerância ao exercício, anorexia e aumentando a frequência de defeitos espermáticos.
e redução no ganho de peso. Os achados post-mortem Esses efeitos resultam da ação direta do gossipol, que
incluem acúmulo de fluidos nas cavidades corpóreas, prom ove danos às mitocôndrias na cauda dos esperma-
edem a e congestão h epática, pulmonar e esplênica, di- tozoides e nas células germinativas, mas não ocorre
latação e hipertrofia cardíaca com degeneração das fibras nenhuma inter ferência no DNA espermático. Apesar
m usculares. Também foi verificado em suínos alimen - desse efeito, n ão há alteração nos níveis de testosterona
tados com farelo de algodão o aumento da consistência nem na morfologia testicular, e o efeito é reversível.
da gordura da carcaça, mas esse efeito é produzido pelos Nas fêmeas, a exposição ao gossipol é responsável
ácidos graxos ciclopropen oides. por atresia dos folículos ovarianos em todas as fases do
desenvolvimento, incluindo os folículos primordiais.
Ruminantes Também são afetadas a expansão das células do cumu-
Os ruminantes adultos apresentam menor sensibi- lus e a m aturação nuclear. Assim, o gossipol prejudica a
lidade ao gossipol do que os jovens por haver ligação maturação folicular e, consequentemente, a fe rtilidade.
dessa substância com proteínas no fluido rum inal. Des- O utro efeito atribuído ao gossipol é a irregularidade no
se m odo, os ruminantes joven s são bastante sensíveis ciclo estral, em razão da interferência na atividade este-
aos efeitos do gossipol. Nos adultos, a ingestão de gos- roidogênica das células ovarianas. Há, aind a, perda
sipol em quantidades superiores à capacidade de deto- embrionária por meio da embrioletalidade direta e do
xificação ruminal permite a absorção de gossipol livre. impedimento da implantação.
Vacas intoxicadas apresentam taquipneia e anemia
com aumento da fragilidade er itrocitária e hemoglo- Dia gn óstico
binúria. Ocasionalmente, ocorrem mortes. Os achados O diagnóstico é difícil toman do com o parâm etro
patológicos incluem edema pulmonar, presença de lí- apenas os sinais clínicos, pois vários dos sinais apre-
quido am arelado n as cavidades torácica e peritoneal, sentados são semelhantes aos promovidos por doenças
gastroenterite, necrose hepática centrolobular e fibras tóxicas, nutricionais, in fecciosas ou parasitárias. O
cardíacas h ipertróficas e degeneradas. hemograma pode ser útil nos casos em que há anem ia
Por serem da raça m ais sensível à intoxicação pelo microcítica, hipocrômica e aumento no tempo de coa-
cobre, vacas da raça Jersey apresentam maior sensibili- gulação. Além disso, pode h aver h em oglobinú ria e
dade à deficiência de cobre quando são alimentadas com aumento na fragilidade capilar. O tempo de protrom-
farelo de algodão, provavelmente p o r causa da lesão bina pode apresentar-se prolongado em coelhos e suí-
hepática (a injúria no fígado afetaria o armazenamento n os. Também em su ínos, o aumento n as atividades
do cobre no organismo). séricas de alanina aminotransferase (ALT) e aspartato
342 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

amin o tran sfer ase (AST) auxilia o d iagn óstico dessa in cluindo Aspergillus niger, Aspergillus oryzae, Candida
intoxicação, por ser indicativo d e lesão hepática. tropicalis, Geotrichum candidum e Saccharomyces cere-
visiae. A presen ça desses fungos n o alim ento ap ós o
Prevenção processamento parece n ão oferecer riscos aos animais
A administração de dieta con ten do algod ão é segu- que os consum am. Também exp erimentalmente, as ra-
ra qu an d o os níveis de gossipol livre n a dieta n ão são diações gam a e por feixe d e elétrons foram cap azes de
superiores a 20 ppm para alim entação de galinhas poe- eliminar grande proporção da forma livre nos alimentos.
deiras e leitões, 60 ppm p ara coelhos e suínos, 100 ppm A produção do gossip ol pelas glân dulas de pigmen -
para bezerros e frangos de corte e 500 ppm para bovin os, to está relacion ada à resistên cia d a p lanta con tra o ata-
caprin os e ovinos. A ingestão diária de gossipol por va- q u e d e insetos. Dessa fo rma, v aried ad es de algodão
cas de raças leiteiras adultas não deve ser superior a 24 isentas dessas glândulas apresentam m aior susceptibi-
g. No entanto, os b ovinos d e corte adultos pod em rece- lidade à predação por insetos. Um a vez qu e o algod ão
b er, d e forma segu ra, suplementação proteica exclusiva- é plantado objetivan do a produção de fibras, e a extração
m ente com farelo d e algod ão, p ois o volume total con - do óleo é um subproduto, o uso d o farelo d e algodão na
sumido não é tão elevad o quanto p ara raças leiteiras. alimentação animal é uma terceira form a de aproveita-
Os processos m ais utilizad os para d iminu ir a quan - mento comercial da p lanta, send o, por isso, a m enos
tidade d e gossipol livre nos alimentos são o tratamento im portante. Portan to, as varied ades d e algodão despro-
térmico e a ext r usão, que promovem a fo rmação d a vidas das glândulas d e pigm ento não apresentam gran-
form a conjugada. A peletização tamb ém pode reduzir d e importân cia agronômica.
o con teúd o d e gossipol livre em sem en tes ou n os pro- Um a possibilid ad e futura p ara p reven ção d a into-
dutos de algodão, mas essa redução depende das condi- xicação está no desenvolvimento de uma variedade que
ções em que ela ocorre (calor, mistura etc.). O aumen to possua glândulas em toda a planta, exceto n as sementes,
da quantid ade d e proteínas n a dieta tam bém prom ove sendo capaz de manter seu poder inseticid a, p orém sem
efeito protetor, especialmente em r ações peletizadas. d eixar níveis residuais significantes no farelo a ser uti-
Essa proteção ocorre por ligação das p roteín as com o lizado na alimentação anim al.
composto livre, mas há ind ícios de qu e o gossipol p ossa
/

ser parcialmente lib erad o d o conju gad o durante a d i- Acidas graxos cicloprope noides
gestão do alim ento. Além disso, recom en d a-se a suple-
m entação da dieta com lisin a, visando à reposição d a As sementes de algodão apresentam dois ácidos
su a perda causad a pela conjugação. graxos ciclopropenoides (AGCs): o ácid o estercúlico e
Para reduzir os níveis de gossipol no alimento, po- o ácido malválico. Esses ácidos estão presentes n os lipí-
de-se suplementar a dieta com sulfato férrico, que se liga dios das sementes, send o en contrados em níveis d e 1 a
a grupamentos reativos dessa substância. Recomen da-se 2% no óleo cru d e algodão e níveis residu ais no farelo.
a suplem entação n a prop orção de 1 m ol de ferr o para O ácido estercúlico p ossu i maior atividade biológica
cada m ol de gossipol. Quan do se realiza essa suplemen- que o ácido malválico.
tação, os níveis m áximos toleráveis d e gossipol livre n a A m aioria das espécies é cap az de promover a des-
dieta p odem aumentar de 100 p pm para 400 ppm para saturação de alguns ácidos graxos, como a conversão do
suínos e aves d e corte, e de 50 p ara 150 ppm, para aves ácido esteárico em linoleico. Os AGCs r eduzem essa
de postura. d essaturação por m eio da inib ição da ativid ade d a en-
Outros nutrientes que reduzem a toxicid ade do gos- zim a delta9 -dessatu rase, resultand o em m aior concen-
sipol são o selênio e a vitamina E. Ovinos suplementados tração de ácidos graxos saturados n o tecido adiposo.
com 1 mg d e selenito por dia apresentaram men or in- Dessa form a, em suín os alimentados com farelo d e al-
terferência do gossipol n a qualidade d o sêmen em com - god ão , foi verificado o aum en to da con sistên cia da
paração com os animais que não receberam o selenito. gordura d a carcaça, com elevação d a tem peratu ra de
Da m esma forma, tou ros alimentados com farelo d e fusão d essa gordu ra. Em rumin antes, não há interferên -
algod ão suplementados d iariamente com 4.000 U I d e eia n a composição lipídica d a carcaça, m as foi observa-
vitamina E apresentaram melhor qu alid ade do sêmen d o qu e o leite de vacas apresen ta m aior teor de ácido
do qu e os não suplemen tad os. esteárico e menor de ácid o linoleico.
Experimentalmente foi verificad o que os níveis d e A formação de fosfolipídios de membranas também
gossip ol livre n os subprodutos d o algodão pod em ser pode ser reduzida p ela inibição da dessaturação d e áci-
r edu zidos pela ação de algu mas esp écies de fun gos, d os graxos p rom ovida por AGC qu e se incorp oraram
Capít ulo 29 • Gossipol e fatores ant inutricionais da soja 343

às m embranas. Em coelhos, p romovem-se h ipercoles- cinco inibidores relacion ados ao Bowman -Birk, deno-
terolem ia e aterosclerose. minados de PI-I a PI-V. Esses tipos de inibidores possuem
O retard o n a maturid ad e sexu al e a in fer til id ad e ação sobre a tripsina e a quimotripsin a em dois diferentes
fo ram associados à ingestão d e AGC. Nesse sen tido, sítios de ligação. Compar ativamente, o inibidor de
verificou -se que o ácido estercúlico inibe a conversão Bowm an-Birk é m ais poten te que o de Kunitz.
de pregn enolona em progesteron a no corpo lúteo. Além As espécies animais mais afetadas são as n ão rumi-
disso, alguns trabalhos têm revelado que esses ácidos nantes, especialmente as aves e os suínos. Nessas espécies,
graxos sao agen tes co-oncogen1cos e possuem capaci-
- A • •
os inibidores das p roteases prom ovem redu ção n o cres-
dade d e in ibir oxidases de função m ista. cimento, enfraquecimento de pelos ou penas e distúrbios
d igestivos. Em aves, há hipertrofia e aumento n a secre-
TOXINAS DA SOJA ção pancreática, provavelmente em decorrência de au-
men to na taxa de produ ção d e enzim as, uma vez que o
As substân cias com poten cial tóxico en con t radas pân creas é sensível a estímulos para aumento na sínte-
na soja são os in ibidores da protease e a lecitina. Os grãos se e secreção de tripsina.
de soja tam bém apresentam alérgen os, fitato e outras Com a redução n a quantidade d e tripsina livre em
substâncias. razão da ligação com os in ibidores, produz-se uma con -
sequente redução n a inib ição da secr eção d e en zim as
Inibidores das proteases pancreáticas produ zida pela p rópria t ripsina, de forma
que há aumento dessa secreção. Sendo assim, ocorre
A capacid ade de extratos d e soja em inibir as pro- h ipertrofia e h iperplasia do pân creas, com h ipersecreção
teases é conhecida desde 1938. Os inibidores d as pro- d as en zimas, compensan do a porção perdida com a li-
teases são importantes fatores responsáveis pela limita- gação aos inibidores. Esse efeito permite que n ão haja
ção do uso da soja crua para a alimen tação h uman a e o comprometimento da digestão das proteínas. En tre-
animal. Eles também são frequentemente den ominados tanto, há aum ento nos requerimentos dietéticos de ami-
inibid ores d a tripsin a, embora essa den omin ação seja noácidos sulfurados, acarretando a sua deficiência. Além
inadequad a. Pod em inibir, além d a tripsin a, a quim o- disso, há também aumento nos níveis séricos de insuli-
tripsina, a elastase e diversas outras enzimas que contêm n a, p ossivelmen te um efeito indireto da estimulação
, .
a serina com o local ativo. Esses in ibidores não são afe- pan creat1ca.
tados pelas secr eções gástricas, permitindo atingir os Em suínos, cães e bezerros, a redução no crescimen-
intestinos sem serem inativados. Dessa form a, sua ação to deve-se à menor digestão das proteínas dietéticas.
tóxica ocorre por m eio do bloqueio da digestão de p ro - Foi verificado experimentalmen te em ratos que a
teínas n o t rato gastrointestinal. Nas plantas, os inibido- ingestão prolongada de in ibidores das proteases da soja
res das p roteases parecem atuar como defesa contra também produz, além de h ipertrofia e hiperplasia, nódu-
bactérias e insetos, pois poderiam inibir as suas p rotea- los hiperplásticos e aden omas no pâncreas. Entretanto,
ses, além de regularem proteases endógen as das plantas. essas lesões não ocorrem em camundongos e hamsters.
Existem pelo m en os cinco inibidores das proteases, Apesar de apresentarem ação carcinogênica poten -
sendo os principais o inibidor de Kunitz e o de Bowm an- cial, os in ibidores d a tripsina, especialm ente o in ibidor
-Birk. O inibidor de Kunitz, descoberto em 1945, é for- de Bowman-Birk, provavelmente possuem efeito supres-
mado p or u ma molécula com peso d e 21,5 k D a, 181 sor d o câncer. Além disso, outros compostos p resentes
aminoácidos e duas pontes de dissulfeto. Possui ativi- na soja, os fitoestrógen os isoflavonas, também apresen -
dade específica para a tripsina, à qual se liga na propor-
- . ,
tam açao ant1cancer1gena.
ção m olecular de 1: 1, em reação forte e quase instantâ- Os inibidores das p roteases podem ser destruídos
nea. A ligação da t ripsina ao inibidor de Kunitz parece pelo tratamento com calor e umidade - m ais d e 95% da
ser semelhante à que ocorre com as proteínas digeridas ativid ade d esses inibidores é destruída a l OOºC por 15
pela enzima. No sítio ativo da tripsina, várias pontes não minu tos. Para uso n a alimentação d e animais d e pro-
covalen tes são formadas, gerand o um com plexo ligante du ção, a extrusão d a soja crua é a técnica mais ad equa-
irreversível, interferindo na digestibilidade das proteín as. da para a inativação dos inibidores. A n ecessidade des-
O inibidor de Bowm an-Birk, parcialm ente purifi- sa in ativação pode ser an alisada pelo teste da u rease,
cado em 1944, constitui-se de um a cadeia polipeptídica uma vez que essa enzima tam bém está p resente n a soja
sim ples de 7 1 amin oácidos com peso molecular de 6 crua, sendo inativada pelo mesm o tratamento térmico
a 1O k Da e sete pontes d e d issulfeto. São conh ecidos que o utilizado para os inibidores das p roteases.
344 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

Nesse teste, à amostra de soja são adicionados ureia dissacaridases e proteases, alterações degenerativas em
e um indicador de pH. Quando se forma am ônia, que é fígado e rins, e interferência na absorção de ferro e lipí-
observada pelo aumento do pH , p ode-se concluir que dios dos alimentos.
essa amostra contém urease, indicando que os inibido- O tratam ento térmico tam bém é útil p ara q ue a
res das proteases provavelmente também estão presen- lecitina seja destruída n os grãos de soja. A lecitina da
tes. Apesar do efeito protetor, é importante lembrar que soja é inativada pelo calor úmido, mas é resistente ao
o calor necessário para a destruição dos inibidores tam - calor seco. Portanto, a extrusão é o m elhor tratamento
bém desnatura proteínas. para a soja crua, destruindo essa proteína e também os
Há variedades de soja isentas do inibidor de Kunitz. inibidores das proteases.
Entretanto, estas também podem afetar o crescim ento Há variedades de soja com menor concentração de
animal quando não sofrem o tratam ento térmico, já que lecitina (1.000 a 10.000 vezes inferior) que a maioria das
elas contêm o inibidor de Bowman-Birk, além de outros variedades frequentemente empregadas, mas que também
fatores antinutricion ais. O utro fator que deve ser con - são capazes de, quando cruas, reduzir o ganho de peso
siderado é que essas variedades são m ais susceptíveis e a taxa de eficiência proteica, comparadas às variedades
ao ataque de insetos, p ois, com o já m en cion ado ante- comuns que sofreram o tratamento térm ico para sua
riormente, esses inibidores promovem proteção contra inativação. Desse modo, mesm o as variedades com m e-
a predação. Desse modo, o uso de variedades de soja nor teor de lecitina também necessitam sofrer o trata-
isentas do inibidor de Kunitz não seria viável economi- mento térmico para desn aturação da lecitina de soja.
cam ente. Além disso, seria necessária a realização do A determinação dos níveis de lecitina n a soja pode
tratam ento térmico de qualquer m an eira. ser realizada p or meio de diversas técnicas, sendo as
principais a hem aglutinação, a aglutinação em látex e o
Lecitina de soj a ensaio imunen zimático (Elisa).

Lecitinas são proteín as que se ligam a m oléculas A lérgenos


que contêm carboidratos, h avendo elevada especifici-
dade de cada lecitina p or determinado tipo de carboi- As p ro teín as d e estocagem da soja, glicin in a e
drato. Por haver interação com locais de ligação m últi- betaconglicinina n ão são digeridas e podem ser absor-
plos de recepto res glicoconjugados, esp ecíficos n a vidas pela mucosa intestinal de animais jovens. Essas
superfície da m embran a celu lar de eritrócitos, u m a proteín as possuem efeitos antigênicos, propiciando,
capacidade característica das lecitinas é a de prom over assim, o desencadeamento de reação im une. A exposição
hemaglutinação, por isso também são conhecidas como ocorre por meio do uso da soja com o substituto do lei-
aglutininas ou hem aglutininas. te e com o ração para animais na fase de desm ame.
A lecitina de soja é uma glicoproteína tetram érica Nas placas de Peyer, a glicinina e a betaconglicinina
com peso molecular de cerca de 120 kDa. Possui afini- desen cadeiam a prod ução das imunoglobulinas IgA e
dade pela N-acetilgalactosam in a, pelos glicosídeos e IgM, promovendo processo inflamatório com lesões nas
pelos oligossacarídeos, n os quais esse carboidrato se vilosidades e m icrovilosidades do epitélio intestinal.
apresenta como uma unidade term inal não reduzida. Dessa form a, há atrofia das vilosidades e hiperplasia das
Ao ligar-se a carboidratos específicos na superfície criptas de Lieberkühn. O animal apresenta redução na
epitelial do intestino, principalm ente duodeno e jejuno, absorção de nutrientes, aum ento do peristaltismo intes-
a lecitina de soja prom ove destruição e atrofia das mi- tinal, infecção por microrganism os oportunistas e diar-
crovilosidades e diminuição da viabilidade das células reia. O crescim ento é prejudicado e, em alguns casos,
epiteliais. Além disso, há hiperplasia das células da crip- pode haver m orte.
ta de Lieberkühn. Nesse processo, parece haver acúmu- Os alérgen os não são degradados p elo processa-
lo de poliaminas, principalmente esperm idina, estimu - mento térmico utilizado para a inativação dos inibido-
lando a proliferação celular. res das proteases e da lecitina de soja. Podem ser extraí-
Parte da lecitina ingerida é absorvida, chegando à dos com solução aquosa de etanol quente ou inativados
circulação sanguínea e estimulando a produção de an - p elo tratam ento alcalin o com h idróxido de sódio ou
ticorpos antilecitina. Há aum ento no tamanho do pân - ácido. A melhor m edida de prevenção, no entanto, está
creas, provavelm ente por acúm ulo de esperm idina e/ no desenvolvimento de tolerância imun e, obtida pela
ou outras poliaminas. Outros efeitos incluem a redução admin istração de grande quantidade de soja, como o
n os n íveis séricos de insulina, in ibição intestinal de uso de ração conten do 15 a 22% de farelo de soja.
Capít ulo 29 • Gossipol e fatores ant inutricionais da soja 345

Fitato na atividade da vitam ina A. A lipoxidase é desnatura-


da pelo tratamento térm ico, a 80ºC.
Responsável pela redução na biodispon ibilidade de
alguns m inerais da dieta, o fitato é um composto cíclico, Rafinose e estaquiose
inositol, conten do seis grupamentos fosfatos. Trata-se Os fatores de flatulência são oligossacarídeos (po-
de uma forma de estoque do fósforo nas sementes, sen - límeros de carboidratos de cadeia curta) rafinose e es-
do que esse elemento corresponde entre 40 e 60% do taquiose. Por não serem digeridas pelas enzimas pan -
peso da molécula do fitato. No entanto, o fósforo dessa creáticas, a rafinose e a estaquiose passam pelo intestino
molécula está p ouco dispon ível como nutriente para delgado e chegam ao intestino grosso, onde são utilizadas
aves e suínos. O fitato está presente nos grãos e na maio- pelas bactérias em processos fermentativos com forma-
ria dos produtos derivados da soja, na concentração de ção de gases. Em seres hum anos, os gases prod uzidos
1 a 1,5% de matéria seca. geram flatos, náuseas e d iarreia. Em suínos e aves, o
Essa substância atrai para si minerais bi e trivalen- efeito promovido pelos oligossacarídeos é a redução nos
tes, tais com o o cálcio, o magnésio, o zinco e o fe rro, níveis de energia digestíveis na dieta.
formando compostos pouco solúveis e de baixa absor-
ção pelo intestino. Também interage, de forma inespe- Proteínas tóxicas
cífica, com resíduos alcalinos de proteínas. Foi obser- Foram identificadas três proteínas tóxicas nos grãos
vado que o fitato promove inibição in vitro de diversas de soja, denominadas soyatoxina, G. max-toxina (Gm-TX)
enzimas digestivas como a pepsina, a tripsina e a alfa- e toxina da soja (SBTX). As duas primeiras são proteí-
am ilase. Assim, o fitato afeta o metabolismo mineral e nas de cadeia única de 21 e 28 kDa, respectivamente,
o crescimento de esp écies mon ogástricas. Por outro enquanto a última apresenta du as cadeias ligadas por
lado, os ruminantes são pouco sensíveis, pois a micro- ponte de dissulfeto, com massa de 44 kDa. As três pro-
biota ruminal sintetiza a enzima fitase, que inativa esse teínas apresentam ação inseticida, e a SBTX também
composto. possui atividade antifúngica. A adm in istração intra-
O fitato é relativamente estável ao tratamento tér- peritoneal de cada uma das toxinas em camundongos
mico. O controle do pH, da concentração de cloreto de promoveu bradicardia, dispneia severa, convulsões
sódio e da temperatura durante a extrusão auxiliam na tônico-clônicas e morte. No entanto, uma única admi-
redução de seus n íveis na soja. A hidrólise pode ser nistração oral de doses até 15 vezes maiores que aque-
obtida por meio da adição da enzima fitase, que pode las letais, quando administradas por via intraperitoneal,
ser obtida a partir do filtrado de cultura de Aspergillus demonstr am não serem letais. Desse modo, as três
.ficcum e do farelo de trigo. A fitase isolada está dispo- proteínas tóxicas não devem apresentar significância
nível comercialmen te para ser ad icionad a à ração toxicológica.
contendo soja. Com a destruição do fitato pela fitase,
há aumento na disponibilidade dos m inerais da dieta Lisinoa lanina
para aves e suínos, melhorando, assim, o desempenho A lisinoalanina (N-epsilon-(DL-2-amino-2-carbo-
produtivo. xietil)-L-lisina) pode ser ger ada na soja tratada para
extração de proteínas. Sob condições alcalinas, é forma-
Outros compost os presentes na soj a do um resíduo dehidroalanil a partir da cisteína e/ ou
serina, que se liga a um grupamento amino-epsilon da
lisina. Com a conversão da lisina a lisinoalanin a, h á
Lipoxidase redução na digestibilidade proteica, bem como na bio-
O efeito antivitam ínico pr esente na soja é dado disponibilidade da lisina. Além disso, foi verificado em
pela redução na atividade da vitamina A. Esse efeito é ratos que a lisinoalanina causa lesão renal, a nefrocito-
p rom ovido pela enzima lipoxidase - esta catalisa a megalia, provavelmente por causa da sua ligação com
reação de oxidação de lipídios que contêm cis-cis-1,- íons cobre presentes nas células epiteliais dos túbulos
4-pentadien o, com formação de h idrop eróxidos. A contornados proximais.
consequente oxidação e rancificação da gordura resul- Apesar desses dados, a importância toxicológica e
ta no sabor característico de produtos derivados da nutricional dessa substância ainda não está bem deter-
soja. Pela ação da lipoxidase, há destruição de carote- m inada, tornando necessária a condução de experimen-
n o e xantofilas no alim ento, o que resulta em redução tos que visem esclarecer seus efeitos, especialmente os
346 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

11. GUMBMANN, M .R.; DUGAN, G.M.; SPANGLER, WL.; et al.


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Capítulo 30

Intoxicação pela amônia (ureia)

En rico Lippi Ortolani


Alexandre Coutinho Antonelli

~ Entre os com postos de NNP, a ureia é sem dúvid a


INTRODUÇAO
a mais empregada na alimentação animal, por ser cerca
A ingestão d e altas quan tidades de u reia dietética de sete vezes mais barata por tonelada de nitrogênio que
por rum inantes, adaptados ou não a esse nutriente, pode as fontes de p roteína vegetal e apresen ta alta dispon ibi-
gerar elevados teores d e amôn ia no r ú men . Ao serem lidad e, já que é um subproduto do petróleo. Estima-se
absorvidas, elas provocarão graves transtornos nervosos, h oje que cerca de 60 milh ões de ruminantes brasileiros,
caracterizados pelo surgimento de tremores musculares n a maioria bovinos, con su mam an ualmente cerca de
e quadro convulsivo. Tais transtornos frequen tem ente 300 m il ton elad as por ano, em fo rma de sal m iner al
levam os an imais à m orte, m as podem ser d evid amen - protein ad o, cana-de-açúcar/ureia, melaço/u reia e em
te tratad os com administração d e ácidos fracos, fluido -
- .,
raçoes Jª prontas.
terapia e diurético. Embora o uso da ureia possa ser economicamente
Embora muitos autores denominem o quadro como muito vantajoso e, na maioria das vezes, segu ro, poderão
intoxicação pela ureia, na realid ade o agen te causal é a ocorrer graves transtornos, que culminam em surtos de
amônia, produto interm ediário da hidrólise da u reia n o in toxicação superaguda, caso esse composto não seja
r úmen. Ela é rapidamente absorvida e penetra p rinci- adequadamente utilizado. Esses surtos ocorrem ocasio-
palm en te n as células nervosas, ger an do, assim , u m a nalmente e, na maior parte d esses casos, mais de 30%
complexa sintom atologia nervosa. d os animais d o rebanho são severamente acom etidos.
Q uando de seu surgimento, o quadro é drástico, rápido
FONTE DE EXPOSIÇÃO e na maioria d as vezes fatal, levando ruminantes à mor-
te em cerca de 60 minutos após a ingestão d a ureia. O
Proteína é um nutriente essencial para os ruminan - coeficiente d e letalidade pode ser bem elevado, acima
tes, sendo importante tan to para o hosp edeiro como d e 50%, levan do o criador a perd as econ ômicas subs-
para a microbiota ruminal. As gram íneas tropicais con- tan ciais. Estima-se que anualm ente m ais de 6.500 ru-
têm menores concentrações de proteína bruta que aque- minantes sejam acometidos por essa intoxicação supe-
las de áreas temperadas, em especial n o período seco, raguda n o Brasil.
quando se torna o p rincipal fator limitante para a pro -
dutividad e d e ruminantes. METABOLISMO DA UREIA E COMPOSTOS
Para superar esse d éficit, recom enda-se uma suple- AMONIACAIS
mentação d ietética com fon tes ricas em p roteína de
origem vegetal, tais como os farelos d e soja, de algodão, Normalm ente, a ureia ingerida na dieta é hidrolisada
glúten de milho etc. Contudo, em razão d o alto preço n o rúmen em d ois compostos amoniacais - amôn io
desses alimentos d esde a década de 1950, tem sid o re- (NH4+) e amônia (NH3 ) - num a reação catalisad a pela
comen dad a a substituição parcial deles por fon tes de enzima urease, sintetizada pelos microrganismos ruminais.
n itrogên io não proteico (NNP), tal com o a u reia e o A velocidade da reação será mais rápida quanto maior
biureto e compostos am oniacais. for a quan tidade d e urease p resente n o meio e quan to
348 To xicologia aplicada à medicina veterinária

o
11 u rease
e
NH2 NH2 + H20 C02 + 2 NH3
.
amon 1a
.

- 2 H+ + 2 H+

2 NH4
.
amon 10
.

FIGURA 30.1. Hidrólise da ureia e formação de compostos amoniacais.

m ais alto for o pH do fluido ruminal. Quanto m enor for formada no rúmen e sua absorção. Na maioria dos casos
o teor de proteína bruta na dieta prévia à ingestão de ureia de intoxicação, o pH do fluido ruminal é igual ou supe-
dietética, m aior será a quantidade de urease produzida r ior a 7 ,4, m as fo ram descritos casos de intoxicação
pelos m icrorganismos. Por isso, recomenda-se que rumi- q uando o p H é tão b aixo como 6,9, prin cipalmente
nantes não acostumados à ureia e que recebam uma die- quando os teores de amônia no rúm en estão muito altos.
ta pobre em proteína sejam adaptados gradativamente a Normalmente, após ser absorvida, cerca de 90% da
ela. Alguns tipos de feijões, a soja e, em menor grau, o seu am ônia é convertida em ureia no interior dos hepató-
farelo, contêm urease, não sendo recomendados oferecê- citos, n o cham ado "ciclo da ureiá' ou ciclo de Krebs-
-los em alta quantidade com a ureia. -Henseleit. Segundo estimativas, a amônia é 40 vezes
Em bora o pH ideal de atu ação da urease se situe menos tóxica que a ureia. Para cada m ol de ureia pro-
entre 8, 17 e 8,35, a hidrólise da ureia também acontece duzido, são gastos três m oles de ATP, forn ecidos pelo
rapidamente e dentro da primeira hora de ingestão se ciclo de Krebs, um mol de aspartato e um de gás carbô-
o pH rum inal for superior a 7,0. Dessa forma, condições nico. Participam do ciclo da ureia os seguintes aminoá-
rum inais que possibilitam um alto pH (dieta pobre em cidos: citrulina, aspartato, arginino-succinato, arginina
energia e r ica em forragem ou tampon ada com bicar- e ornitina. Embora não haja gasto nem de citrulina, nem
bonato) proporcionarão uma maior rapidez da hidró- arginina e de ornitina durante a conversão de am ônia
lise da ureia, p redispondo ao surgimento d o quadro em ureia, sabe-se que a terapia com esses am inoácidos
tóxico, caso sejam ingeridas altas quantidades de ureia. durante um quadro de intoxicação por amônia aumen-
Normalm ente, a maioria da ureia é transfor mada ta significativam ente a produção de ureia, em especial
n o rúm en em am ônio. Além disso, quanto m ais alto for a arginina, que é um cofator desse ciclo da ureia.
o p H do fluido rum in al, m aior será a quantidade de O ciclo da ureia é m enos eficiente em ruminantes
am ônia form ada, aum entan do o risco de intoxicação. que recebem dietas pobres em proteína bruta e/ou em
Em bora a diferença estrutural entre amônia e amônio NNP. De acordo com o aum ento desses compostos na
seja pequena (apenas um simples próton a mais no amô- dieta, ocorre, concomitantemente, uma m aior atividade
n io ), as propriedades químicas desses compostos são desse ciclo. Por isso a necessidade de se adaptar grada-
muito diferentes. Enquanto a am ônia é um gás, com um tivamente os animais às crescentes quantidades de ureia,
pH ligeiram ente alcalino, conferindo-lhe um caráter a fim de diminuir o risco de intoxicação. Anim ais com
lipossolúvel e pouco ou nada aproveitada pelos micror- grave insuficiência hepática podem sucumbir após do-
ganism os ruminais, o am ôn io é um sal, com pH ácido ses aparentem ente norm ais de ureia na dieta.
que o torna h id rossolúvel, sen do muito aproveitado Um a pequena quantidade de am ônia pode ser eli-
pelos m icrorganismos. Sem elhante a outras bases fracas m in ada p elos rin s, através dos túbulos contornados
e p or ser lipossolúvel, apen as a am ônia pode ser alta- proximais. Essa excreção é m aior quanto m en or for o
m ente absorvida pela parede rum inal. pH urin ário ou maior a quantidade de glutamina, já que
Em con dições normais, pequenas quantidades de a amônia se liga a esse aminoácido para ser eliminada
am ônia são absorvidas n as prim eiras duas horas após pelos túbulos renais.
a ingestão de alim entos. Quanto mais alto for o p H do Foi demonstrado que existe um a variabilidade mar-
fluido rum in al, maio r ser á a q u antidad e de am ô n ia cante na capacidade individual de excretar amônia pela
Capítulo 30 • Intoxicação pela amônia (ureia) 349

urina no d ecorrer de uma hiperam oniem ia. Isso torn a Em bora a adaptação favoreça m uito o grau d e resis-
alguns bovinos m ais resisten tes, send o eles capazes d e tên cia de r umin antes à intoxicação por amônia, descre-
suport ar qu antid ades até seis vezes m aiores de am ôn ia veu-se um su rto de intoxicação em cabras d evidam en te
. . . , .
que an1m a1s mais suscept1ve1s. adaptad as q u e receb eram inadvertidam en te uma dose
4,2 vezes m aior qu e a usu al d e ureia m isturad a à ração
USO DE UREIA NA DIETA com ercial, p or erro d e m istura desse nutrien te n a ração.
Pelo fato de a ureia ser altamente h igroscópica, exis-
Os compêndios de nutrição recomendam que a ureia t em relatos d e campo r eferentes à intoxicação após a
seja utilizada na dieta de ruminantes em quantidades que ingestão de água, proveniente da chuva, retida em cochos
n ão excedam 1,3% do total de m atéria seca oferecida, 3% d e sal mineral d escob ertos contend o ureia.
do con centrado, 1,5% da matéria seca da forragem ou até
50% da m istu ra m ineral. A u reia pode ser suplem en tada PATOGENIA
até 46,5% da proteín a total da dieta. Via de regra, a quan -
tidade de ureia total oferecida na dieta não deve ultrapas- Q u ando a q u ant idad e d e am ônia absorvida ultra-
sar 0,22 g u reia/kg de peso vivo por dia. p assar muito a capacidad e do ciclo da u reia e da excre-
Conforme já comentad o, r umin antes que nu n ca in- ção ren al, p ode advir a in toxicação sup eragu da. Em
geriram ureia devem ser adaptados a esse nutriente. De- decor rência da sua característica lipossolúvel, a amônia
ve-se oferecer, portanto, na primeira sem ana, 1/3 da quan- tem uma grand e capacid ade de m igrar p ara o interior
t idade to t al; n a segu n da sem ana 2/3; e n o in ício d a das células, em especial do sistem a nervoso central (SNC)
terceira semana atin ge-se a m eta proposta. Recom enda-se e em m en or grau do periférico. D urante a intoxicação,
que os anim ais já adaptados e que d eixarem de consum ir os teores de am ôn ia obtidos n o sangue colhid o através
u reia por pelo m enos 30 dias sejam adaptados n ovamen - d a carótida são sempre 50% m en ores q u e aq u eles obti-
te seguind o esse m esm o esquema, diferentem en te da su - d os a partir d a jugular, indicando uma en orm e reten ção
gestão tradicional que a partir de três dias de privação de dessa substância no SNC. No interior das células, a amô-
u reia d eva se prover n ovo períod o d e ad aptação. n ia inibe, inicialmen te, a atividad e d o ciclo de Krebs,
d iminuindo drasticamen te a geração d e en ergia. Essa
FATORES DETERMINANTES NA queda na produção de energia estimula a glicólise anaeró-
~ b ica, com prod ução d e enormes quan tid ad es d e ácid o
INTOXICAÇAO
láctico, geran do um grave quad ro d e acid ose metabóli-
• A •

Várias condições n utricion ais e d e m an ejo pod em ca s1stem1ca.


provocar o surgimen to d e intoxicação superaguda p ela No SNC, além d a m enor geração de energia, o ex-
amônia em ruminantes. A m ais comum delas é o ofere- cesso d e amônia promove uma desestabilização da pas-
cimento de altas d oses de ureia dietética para animais sagem do estímulo nervoso pelas sinapses, alteran do a
pou co ou n ada adaptados e criados d e m aneira exten - síntese e a liberação de vários n eurotran sm issores, e,
siva, princip almente quan do a dose oferecida ultrapas- t am bém, a ativida d e da bom ba sódio-pot ássio-ATP.
sar em d uas a t rês vezes aq u ela recom endad a. Algun s Essas mudan ças são responsáveis pela gên ese d e grande
animais n ão ad apt ad os que receb am a d ose total cor- p arte do qu adro sintom ático, iniciando-se p ela mud an -
resp ond ente ao fim do período d e ad aptação (0,22 g d e ça de com port am ento e de at itude e evoluind o p ara
ureia/kg de p eso vivo) de uma só vez p odem mor rer ou tremores musculares, dificuldad e d e locom oção, episó-
ter u ma in t oxicação de grau m ediano o u moderado, dios convulsivos etc.
recuperan do-se sem qu aisquer t ratam entos. A h ip eramoniemia interfere, ainda, n o m etab olism o
Emb ora a ureia n ão seja m uito palatável, algumas da glicose, levando a uma m arcante hiperglicemia (eleva-
situações p odem favorecer a sua alta ingestão, p or exem- ção de até cinco vezes, du rante a intoxicação), decorrente
plo, qu ando ela é m istur ada ao sal min eral contendo clo- de um a m aior liberação de glucagon, estimulador da gli-
reto de sódio. A n imais carentes em sódio podem in gerir coneogênese, além de reduzir a atividade da insulina.
até 1Ovezes mais dessa mistura que o normal nos primei-
ros d ois dias de oferecim ento d esse suplemento. São ci- QUADRO CLÍNICO DA INTOXICAÇÃO
tados t am bém surtos de intoxicação quando a u reia é
m isturada unicamen te a concentrad os energéticos alta- O d esenvolvimento d os sinais clínicos está intima-
mente palatáveis. Não é recom end.a do, também, oferecer mente ligado com a concentração de am ôn ia n o sangu e,
altas doses de u reia p ara an imais fam intos. p odendo surgir entre 15 e 90 m inutos ap ós a ingestão
350 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

,
da u reia; além disso, p ode ser m ais rápido n os animais ACHADOS NECROSCOPICOS
que tenh am oligúria ou anúria, postergan d o-se n os que
exib em p oliú ria. No prelú dio do quadro, os an imais Na n ecropsia, p ode ser d etectad o u m forte odor
apresentam inquietude, irritabilidade e hipersensibili- amoniacal ao ser aberto o rúm en, assim com o presen ça
dad e ao toque e ao som . Em seguida, exibem pequen as d e ed ema e d e congestão pulmonar. Em alguns casos,
fasciculações verificad as em grupo s musculares d os há presença de fluido rum inal na traqueia e nos pulm ões,
m em b ros anteriores e posteriores. A partir d esse mo- hidrotórax, estase ven osa gen eralizad a e rum enite. No
men to, torn am -se presentes os problemas de posicion a- exame microscópico podem ser constatadas a p resença
mento e de locomoção, iniciand o-se por tentativas feitas d e degen erações n euron ais, alterações espon giosas dos
pelo anim al de apoiar seu corpo em obstáculos, tais como neurópilos e congestão e hem orragia d a pia mater, ede-
cercas, m uros etc. Logo em seguida, os animais apresen- ma p ulmonar grave, bron quite e n efrose tubular.
tam um quad ro característico de hiperextensão e enri-
,
jecimen to dos m embros anteriores, assumin d o tem po- PATOLOGIA CLINICA
rariam ente uma posição semelh ante a um cavalete.
Ain da em estação, d ois terços dos an im ais acom e- Por causa dos altos teores de amônia, o p H d o flui-
tidos exibem u m a n otória m idríase. Nesse m om ento, d o ru minal terá caráter alcalino, atingindo na m aioria
caso sejam estim u lad os a se locomoverem m ostrarão dos casos valores igu ais ou superiores a 7,4. Como a
uma m arch a dificultosa e vacilante, que se segue a um amônia é volátil, recomen da-se o imediato congelamen-
decúbito inicialm ente estern al e finalm ente lateral. Os to da amostra de fluido rumin al para posterior an álise
m ovim en tos de rúmen d im inuem tanto em núm ero laboratorial, a fim de se obter o diagnóstico d efin itivo.
com o em grau de tonicidade, culmin an do n a aton ia. Sem elh antem ente ao aco rrid o com o rúm en , os
Depen den do das circunstân cias prévias de alimentação, teores de amônia elevam -se no plasma de 40 mM/L para
pode-se constatar m eteorismo gasoso rumin al de grau cerca de 1.900 m M/L, quand o do surgimen to d os epi-
m o d er ado ou médio. O u tro sintoma frequentemen te sódios convulsivos. O san gue deve ser coletad o ten do o
constatad o é a sialorreia, d ecorrente da paralisia farin- ED TA com o an ticoagulante e, semelh ante ao fluido
giana. Em cerca d e metad e d as reses, p odem ser cons- ruminal, o plasma deve ser congelado até análise.
tatadas m ucosas congestas e elimin ação d e fezes m ais Com o o diagn óstico d efinitivo é realizado com a
amolecid as que o norm al, sen do que episódios diarrei- d eterminação d e altos valores d e am ônia n o fluid o ru-
cos ocorrem em casos m uito esporádicos. m in al ou p lasma, tal an álise é n ecessária. Con tu do, a
Após o d ecúbito lateral, instala-se u m qu adro de determin ação d e am ôn ia é complexa e d isp en d iosa,
depressão geral, acom panhado sem pre por nistagmo p odendo ser feita com precisão com kit labor atorial,
horizontal, o que reflete uma disfun ção n o sistem a ves- pouco disponível n o m ercado, ou com uso de eletrodo
tibular e no cerebelo. íon -específico. Para contornar essa dificuldad e, foi rea-
A taquicardia e o surgimento de d iferentes graus de lizad a uma avaliação preliminar que com parou a aná-
desidratação são frequen temen te d etectados antes d o lise de amônia em fluido ruminal de animais intoxicados,
início dos episódios convulsivos. Em um terço dos ani- pelo método en zim ático e outro m étodo semiquan tita-
mais podem ser encontrados quadros de edema pulmo- tivo, empregan do um kit d e baix o custo e dispon ível
n ar, dispn eia e aum ento d e frequência respiratória. para an álise d e am ônia em água d e aquário (Am ônia
O quad ro culm in a n o su rgimento d e várias crises Tóxica- Labcon Test ®). Esse últim o é com posto d e d ois
convulsivas tôn ico-clôn icas (três a dez), com du ração reativos separados, que adicion ad os ao fluido a ser an a-
de 30 a 60 segundos, interespaçad os por pequenos pe- lisado forn ece o resultad o em 5 m inutos. O coeficiente
r íodos de latên cia d e 30 segundos a cinco minutos. As d e correlação entre os d ois testes foi alto (r = 0,95) até
convulsões são caracter izadas p or enrijecimento d os a concentração d e 3.500 m M/L, poden do ser in dicado
m embros anteriores, posteriores e da m usculatu ra cer- para d iagn óstico n o campo.
vical, aparecimento d e nistagm o e parada respiratória. Se, por um lado, ocorre alcalose rumin al, por outro
D epois dessas convulsões, ocorre queda n a tem peratu- se d esenvolve um quad ro de acidose metabólica no san-
ra retal e, em alguns an im ais, desenvolve-se quadro de gue. H á queda do p H (7,4 para 7, 1) e dos teores de bi-
arrit m ia cardíaca, em con sequência d a h ipercalemia. carbon ato (25 para 13 mM/L) decorrente de um gran de
Após o térm ino dos episódios convulsivos, há uma acen - increm ento na produção d e lactato, equivalente a m ais
tuada d epressão n o estado geral, seguid a por estupor e de 1Ovezes os teores n orm ais desse metabólito no plas-
m orte decorrente da parad a cardiorrespiratória. ma (1,1 para m ais d e 13 mM/L). Para contrabalan çar a
Capítulo 30 • Intoxicação pela amônia (ureia) 351

acid ose sistêmica, existe m aior eliminação d e gás car- d iretamente no rúmen, pois caso sejam veiculadas pela
bôn ico, refletindo em uma qued a da pC0 2 san guínea. via oral, corre-se o risco de provocar uma pneumonia
Em razão da desidratação, existe um aum ento con - por aspiração decorrente da impossibilidad e d e deglu-
comitante nos valores n o hematócrito, poden do atingir tição que acompanha a paralisia d a faringe.
até 50%. Tanto a glicemia com o os teores d e ureia são Uma alter n ativa a esse tratam en to é a retirad a de
bastante elevados no decorrer d a intoxicação. todo o conteúdo ruminal, após ruminotomia, um a prá-
tica de difícil execução, p rincipalmente quan do muitos
,
DIAGNOSTICO an im ais são acom etidos de uma só vez.
Recen temen te, foi constatado que an imais mais re-
O diagn óstico deve ser realizad o pelo h istórico de sistentes à intoxicação eram aqueles que urinavam mais
erros no manejo n utricional, ou seja, pelo oferecimento no d ecorrer do quadro tóxico e que, quanto mais uri-
súbito de alta quantidade de ureia dietética, no reconhe- navam, m ais excretavam am ônia pela urina. Observou-
cim en to dos sintomas clínicos manifestados durante o -se, aind a, que a intoxicação era mais grave nos animais
quadro (em especial o surgimen to d e t rem ores muscu- desid ratados e com edema pulmonar, e que estes urina -
lares e episódios convulsivos), p ela detecção d e altos vam m enos. Para cor r igir o volume plasmático e au-
teores de amônia tanto n o fluido ruminal como no plas- mentar o fluxo ren al e a produção de u rina u tiliza-se,
m a e, ainda, pelo valor elevado d o p H ruminal. concomitantemente, fluidoterapia intravenosa, iniciada
Deve ser considerado o diagnóstico diferencial prin - com solução salin a h ipertônica (a 7,5%, 5 m L/kg de peso
cip almen te com a intoxicação por organofosforad os. corp óreo), infu n d ida em alta velocidade, seguida de
Nesse quadro, é sempre relatado o histórico de aspersão, solução salina isotônica (30 m L/kg de peso corpóreo)
inalação ou ingestão de qualquer composto con ten d o aplicada em velocidad e normal, e de diurético d e alça
esse p rincípio ativo. Embora existam alguns sinais clí- d e Henle ( 1 a 2 m g/kg de furosemid a, por via intrave-
nicos em com u m, com o salivação excessiva, t rem ores n osa). Este último retira os flu idos sequestrados n os
m usculares e dificuldade de locom oção, a intoxicação pulmões e aum enta a eliminação d e urina. Esse trata-
por organofosforado induz respostas parassimpatom i- mento pode ser potencializado se for infundido no rú-
m éticas (contração p upilar, lacrim ejam ento e dispneia men 4 L de água, com uso de son da esofágica. Ainda,
acompanhada de gemido), as quais não são en contradas pode-se associar a esse tratamento o uso de aminoácidos
n a intoxicação por amônia. Na verdad e, a eficiência do d o ciclo da ureia (arginina, ornitina e cit rulina), utili-
t ratam en to por sulfato de atropina só ocorre n os casos zan do-se, como base de cálculo, 0,75 mg de arginina/kg,
de intoxicação por organ ofosforados. por via int raven osa. Em bora esses aminoácidos sejam
eficien tes, o custo é alto e só devem ser usados em ani-
TRATAMENTO mais d e alto valor zootécnico.

O tratamen to usual mais conhecido d a intoxicação PREVENÇÃO


por u reia ou por amôn ia é a ad min istração d e 3 a 5 L
de ácidos fracos, com o o ácido acético (solução a 5%) O ponto-chave da prevenção é o controle do mane-
ou o vinagre. No caso d e pequenos ruminantes, utiliza- jo dietético, em especial duran te os p rimeiros dias de
-se 0,5 a 1 L dessas soluções. A finalidad e d o uso d esses oferecimento da ureia para um rebanh o. Portanto, deve
ácidos é diminuir o pH do fluido rumin al e, dessa forma, ser seguida à risca a quantidade de ureia oferecid a du-
reduzir a absorção de amôn ia, tran sformand o-a em rante o período de adaptação, de acordo com a descrição
A •

amon10. anterior.
Q uando esse tratamento é realizad o n o início do Os animais mais predispostos à intoxicação são aque-
quadro, aos primeiros tremores musculares, a cura acon- les advindos de sistem as extensivos e que são introduzi-
tece em 80% d os casos. No entanto, quando essa terapia d os subitamente em regim es intensivos d e alimentação
é realizad a como u m único tratamen to em fases m ais contendo ureia. Esses anim ais geralmente ingeriram, até
avançad as da intoxicação (convulsão), a m orte é emi- então, quantidades insuficientes de proteína, implicando
n en te, pois u ma quantid ad e expressiva de am ôn ia ru- uma baixa atividade do ciclo da ureia e, muitas vezes, são
minal já foi previamente absorvida. Mesm o assim , re- caren tes em m acro e microelem en tos, em especial de
comen da-se o p r otocolo d e tratam ento, ou seja, a sódio. Dessa forma, deve-se evitar o oferecimento de ureia
adm inistração desses ácid os. Entretanto, essa admin is- na primeira sem ana, suplementando-se, nesse períod o,
t ração d eve ser feita com sonda esofágica ou aplicada quantid ad es adequadas d e cloreto de sódio, água e uma
352 Toxicolog ia aplicada à med icina vet eriná ria

3. FRO SLIE, A. Feed-related urea poisoning in ruminants. Folia


dieta rica em proteína vegetal (12 a 14%) e não muito alta
Veterinaria Latina, Milão, v. 7, n. 1, p. 17-37, 1977.
em energia, adaptando-se, assim, o animal gradativamen- 4. HALIBURTON, J.C.; M ORGAN, S.E. Nonprotein nitrogen-in-
te à alimentação mais intensiva. duced ammonia toxicosis and ammoniated feed toxicity syn-
A fim d e manter o p H do fluid o rumin al sempre drome. The Veterinary Clinics of North America. Food Animal
Practice, Filadélfia, v. 5, n. 2, p. 237-49, 1989.
abaixo de 6,9, é recomen dável o oferecimen to d e ureia 5. KITAMURA, S.S. Intoxicação por amônia em bovinos e ratos: o
em dietas que contenham quantidades suficientes de desempenho renal na desintoxicação e o emprego de tratamentos
carboidratos solúveis p rovenien tes d e grãos, farelos e alternativos. 2002. 92f. Dissertação (Mestrado em Clínica Vete-
rinária) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Uni-
m elaço. versidade de São Paulo, São Paulo.
Quando a ureia for adicionada ao sal mineral, esse 6. KITAMURA, S.S.; ORTO LANI, E.L.; ANTONELLI, A.C. Into-
suplem ento d eve ser ofertado continuamente, evitan- xicação por amônia em bovinos causada pela ingestão de ureia
dietética: conceitos básicos e novas descobertas. Revista de Edu-
do-se longos p eríodos d e privação (mais de 15 dias).
cação Continuada do CRMV-SP, São Paulo, v. 5, n . 3, p. 292-8,
Esse fato implicará um consumo exagerado da mistura, 2002.
aumentando o risco de intoxicação. Sugere-se que cochos 7. KITAMURA, S.S.; O RTO LANI, E.L.; MORI, C.S.; et al.: Treat-
de sal mineral conten do ureia sejam d evidamen te co- ments of ammonia intoxication in rats with urea cycle amino
acids, furosemide and fluids. Veterinary and Human Toxicology,
bertos para evitar que a água da chuva se acumule. Manhattan, v. 45, n . 2, p. 65-7, 2003.
Quando a ureia for adicion ad a à dieta, deve-se op- 8. KITAMURA, S.S.; ANTONELLI, A.C.; MARUTA, C.A.; et al. A
tar p ela m istura na ração total, ou apenas na forragem , model for ammonia poisoning in cattle. Veterinary and Human
Toxicology, Manhattan, v. 45, n. 5, p. 274-7, 2003.
ou no sal mineral, os quais são consumidos m ais lenta-
9. _ _ _ . Avaliação laboratorial do uso de solução salina hiper-
mente. Deve-se evitar o uso da ureia adicionada apenas tônica e isotônica e de furosemida no tratamento de intoxicação
em concen trad os energéticos, os quais são ingeridos por amônia em bovinos. Ciência Rural, Santa Maria, v. 40, n. 8,
p. 1779-85, 2010.
m ais avidamen te, em um curto espaço de tempo.
10. KOPCHA, M. Nutritional and metabolic diseases involving the
Com o a ureia necessita ser suplem entada com fon- nervous system. The Veterinary Clinics ofNorth America. Food
te adicional de enxofre ( 1 parte de enxofre/ 1O partes de Animal Practice, Filadélfia, v. 3, n. 1, p. 119-35, 1987.
nitrogênio) na forma de sulfato de sódio ou flor-de-en- 1 1. ORTOLANI, E.L.; MARCONDES, M .C. Treatment of ammonia
intoxication in rats through the use of aminoacids from the urea
xofre, para aumentar a eficiência de síntese proteica cycle. Veterinary and Human Toxicology, Manhattan, v. 37, n. 3,
pelos microrganismos ruminais, recomen da-se a adição p. 2 17 -20, 1995.
de sulfato d e sódio. Essa substância, por ser m en os pa- 12. ORTOLANI, E.L.; MORI, C.S.; RODRIGUES FILHO, J.A. Am-
monia toxicity from urea in a Brazilian dairy goat flock. Veteri-
latável, retard a a ingestão da ureia dim inuindo o risco
nary and Human Toxicology, Manhattan, v. 42, n. 2, p. 87-9, 2000.
de intoxicação. 13. ORTOLANI, E.L.; et al. Diuresis alleviates ammonia poisoning
Existem no m ercado vário s prod utos à bas e de in cattle through ammonium excretion in the urine. ln: WORLD
BUIATRICS CONGRESS, 22., 2002, Hanover. Anais... Hanover,
ureia extrusada com amido ou outros carboidratos
2002, ref. 23 7.
solúveis. Alega-se que essa ureia é liberad a e hidrolisa- 14. ORTOLANI, E.L. Induction and evaluation of ammonia poiso-
da mais len tamente no rúmen , o que tornaria mais n ing in ruminants. l n: CONGRESS O F INTERNATIONAL
controlada a captação do am ônia pelos m icrorgan ismos SOCIETY OF ANIMAL CLINICAL BIOCHEMISTRY, 11., 2004,
Valdívia. Anais... Valdivia, 2004, p. 79-84.
ruminais, diminuindo, assim , o risco de intoxicação. No 15. PARKINS, J.J.; HEMINGWAY, R.G.; BROWN, N.A. The incre-
entan to, quando a ureia gran ulad a é in gerida em altas asing susceptibility of sheep to dietary urea toxicity associated
doses (0,5 g/kg d e p eso vivo), ela provoca, d e forma with progressive tiver dysfunction. Research in Veterinary Scien-
ce, Londres, v. 14, n. 1, p. 130-2, 1973.
idên tica, um grave quadro d e intoxicação.
16. SANTOS, N .V.M. Eficiência da desintoxicação de amônia em
bovinos adaptados ou não com ureia dietética e submetidos a
BIBLIOGRAFIA diferentes períodos de privação. 2005. 134f. Tese (Doutorado em
Clínica Veterinária). Faculdade de Medicina Veterinária e Zoo-
1. ANTONELLI, A.C. Administração de doses padrão e alta de ureia tecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
extrusada ou granulada em bovinos: uma análise clínica-toxico- 17. VISEK, W J. Some aspects of ammonia toxicity in animals cells.
lógica e laboratorial. 2003. 147f. Dissertação (Mestrado em Clí- Journal of Dairy Science, Champaign, v. 51, n. 2, p. 286-95, 1968.
nica Veterinária) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zoo- 18. _ _ _ . Ammonia: Its effects on biological systems, metabolic
tecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo. hormones, and reproduction. Journal of Dairy Science, Cham-
2. BARTLEY, E.; DAVIDOVICH , A.D.; BARR, G.W; et al. Ammo- paign, v. 67, n . 3, p. 481-98, 1984.
nia toxicity in cattle. I. Rumen and blood changes associated 19. WORD, J.D.; MARTIN, L.C.; WILLIAMS, E.I.; et al. Urea toxi-
with toxicity and treatments methods. Journal of Animal Scien- city studies in the bovine. Journal ofAnimal Science, Champaign,
ce, Champaign, v. 43, n. 4, p. 835-4 1, 1976. v.29,n. 5,p. 786-91, 1969.
Capítulo 31

Toxinas bacterianas

Nilson Roberti Benites


Priscilla Anne Melv ille
Terezinha Knõbl

~ to ao longo de 2 mil an os. Referên cias sobre o cóler a


INTRODUÇAO
foram feitas n os primórdios da medicina ch inesa.
A ocorrên cia d e uma doença causada por um a bac- Hipócrates (460-379 a.C.), o pai da Medicina, des-
téria está intimam en te associada à sua capacid ad e d e creveu em detalhes os sintom as d o tétano:
utilizar d ifer en tes estratégias, também d enom inadas
O mestre de um grande navio esmagou o dedo in-
fatores de virulência, capazes de protegê-las da respos-
dicador de sua mão direita com a âncora. Após sete dias,
ta imune e de permitir que ultrapassem as barreiras das
uma descarga um tanto fétida apareceu; então problemas
mucosas, se disseminem e se multipliquem n o organis-
com sua língua - ele queixou-se de não poder falar cor-
mo do h ospedeiro. São inúmeros esses fatores, acionados
retamente - suas mandíbulas ficaram cerradas, ao mes-
de acordo com as n ecessid ades bacterianas perante os
mo tempo, seus dentes travaram; então apareceram
desafios ante os quais se deparam no organ ismo. Bac-
sintomas em seu pescoço; no terceiro dia apareceu opis-
térias apresentam uma incrível diversidade de mecanis-
tótono e transpiração. Após seis dias do diagnóstico ele
mos que lhes permitem de form a orquestrad a lutar com
morreu.
vistas a sobrevivência e perpetuação. As toxinas consti-
tuem alguns desses im pressionantes m ecanismos. A descoberta-ch ave que levou à ideia de toxinas
A primeira prova de que as bactérias realm ente cau - veio de uma doença den ominad a difteria. Ela acomete
savam doença foi obtida por Robert Koch (1843-1910), crianças e o sin toma p rincipal é a fo rmação de uma
m édico alem ão que demonstrou que uma doença in fec- pseudomembrana ao longo d a faringe, poden do esten-
ciosa específica (carbún culo hemático) era causada por der-se a laringe e traqueia, levand o a u m q uadro d e
um microrganism o específico (Bacillus anthracis), que in suficiência respiratória por obstru ção alta e, caso a
podia ser cultivado e isolado em um meio artificial. Em vítima sobreviva, ocorre falência múltipla dos órgãos.
1889, Shibasaburo Kitasato observou que o caldo d e cul- A bactéria responsável pela doen ça foi descoberta
tivo de Clostridium tetani, sem a presença do m icrorga- por Friedrich Loefller, o qual não tinha certeza se esta-
n ismo, causava o tétano. Em 1890, Knud Helge Faber va n o caminho certo, ten do em vista que o microrga-
demon strou que os efeitos p atológicos observados n a nism o era encontrado som ente na faringe de crianças
doença eram resultantes da ação da toxina tetânica, ten- que haviam m or rido, em bora os danos associados à
do em vista seu isolamento em sobrenadantes da cultura d oen ça estivessem p resentes em todo organismo.
de Clostridium tetani. Em determinadas d oenças infec- Émile Roux e Alexandre-John -Émile Yersin sugeri-
ciosas, portanto, existiriam outros fatores - com o as to- ram que a razão pela qual todo o organismo se m ostra-
xinas - e não somente a presença do m icrorganismo, que va acometido era outra: a bactéria, localizada na faringe,
contribuiriam para o desencadeamento dos sinais clínicos. liberava u m "poten te veneno" que podia disseminar-se
A h istória das toxinas tem início há muito tempo, por tod os os tecidos. O termo toxina foi utilizad o pela
m esmo que a maior parte d as descobertas acerca d esse primeira vez por esses d ois pesquisad ores, em sua p u-
assun to tenha ocorrido nos últimos 150 anos. Embora blicação sobre a produção de fatores tóxicos solúveis
o conceito de toxina não tenha surgido até o fin al d o presentes em sobrenadantes d e culturas de Corynebac-
século XIX, ele se baseou n o acúmulo de conhecimen - terium diphteriae.
354 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Os m otivos pelos quais um a b actéria produz to- Toxinas bacterianas são definidas como substâncias
xinas, muitas delas extremamente potentes, ainda não solúveis que alteram o metabolism o normal das células
estão devidamente esclarecidos, da mesma fo rma que do hospedeiro produzindo efeitos deletérios neste. Cons-
não se conhece exatamente o porquê de algum as bac- tituem a principal característica de algumas doenças de
térias serem capazes de prod uzir substâncias antibac- natureza infecciosa, sendo responsáveis por seus prin-
terianas. A produção de um a toxina pode desempenhar cipais sinais clínicos. Portanto, o conhecimento do modo
algum p apel n a adaptação de um a bactéria a um de- de ação das toxinas auxilia na com preensão da fisiopa-
terminado nich o, m as n ão é essen cial à viabilidade tologia das doenças infecciosas.
do m icrorganismo. Mais de 350 diferentes toxinas bacterianas já foram
A m aior parte das bactérias toxinogênicas, isto é, identificadas. Muitas delas são totalm ente responsáveis
capazes de produzir toxinas, vive livremente na nature- pelo padrão dos sinais clínicos (por exem plo, a toxina
za e também em associação com seres humanos e anim ais botulínica n o botulism o), mas a m aioria consiste em
sem produ zir toxin as e cau sar q ualq uer p rejuízo ao componentes em um espectro de fatores de virulência
hospedeiro. Para a com preensão de tal fenômeno, de- que uma b actéria utiliza para causar um a doença. Os
ve-se considerar que os m icrorganismos fazem parte da principais sinais clínicos associados às doenças causadas
n atureza e admitir que, primitivam ente, vegetavam na por Bacillus anthracis (carbúnculo hemático), Clostridium
matéria em putrefação. Após terem penetrado no animal botulinum (botulism o), Clostridium tetani (tétan o) e
por m eio do ar inspirado ou da águ a ingerida, ou com Escherichia coli enterotoxigênica (enterite), entre outras,
os alimentos, adaptaram -se à vida n o interior de um estão relacionados, fundam entalm ente, com as ativida-
hospedeiro. des das toxinas produzidas por esses m icrorganism os.
Alguns desses microrganismos mantêm-se nas no- As toxinas p odem ser classificadas de diferentes
vas condições sem molestar o hospedeiro, e outros levam maneiras: quanto à estrutura química; ao padrão de li-
sua vida parasitária, tam bém sem prejudicá-lo. O hos- beração (endotoxina, exotoxina); ao alvo celular/tecidual
pedeiro se adapta aos microrganism os por m eio de sua (por exemplo, enterotoxinas, neurotoxinas, leucotoxinas,
homeostasia, embora estes, em virtude de certas condi- hem olisinas etc.); ao mecanism o de ação (atuação na
ções ambientais que alteram a capacidade de adaptação, membrana celular; causadoras de danos à m em brana;
possam ser causa de m oléstia. Alguns outros microrga- atuação intracelular); e aos efeitos biológicos principais
nismos não de adaptam à vida parasitária, de modo que, (por exemplo, dermonecróticas, produtoras de edema,
se pen etram em um organ ismo refratário ou imun e, hemolíticas, produtoras de diarreia etc.). O Quadro 31.1
desintegram -se em pouco tempo. No entanto, se o or- mostra exemplos de toxinas bacterianas de interesse em
ganism o for predisposto, as bactérias multiplicam -se e medicina veterinária.
provocam alterações m ais ou menos graves, muitas das Com relação à estrutura química, existem dois tipos
quais podem estar associadas à produção de toxinas. de toxinas: proteín as e lipopolissacarídeos (LPS). As
Quando um patógeno bacteriano adentra um tecido toxinas de natureza proteica são produzidas por bacté-
corporal, depara-se inicialmente com as células do sis- rias, sendo excretadas por estas n o meio circundante,
tema fagocitário do hospedeiro. Se estas tiverem êxito ou então liberadas na lise celular, e são denominadas
em destruir o invasor, os danos ao hospedeiro são pe- exotoxinas. Por sua vez, os lipopolissacarídeos (LPS)
quenos. Entretanto, se o patógeno conseguir superar as são compon entes da m em brana externa de bactérias
defesas a ele impostas, o m icrorganismo poderá lesar Gram -negativas e, por serem componentes da estrutu-
as células de três formas básicas: causando lesão direta às ra celular que são liberados quando da lise bacteriana,
células vizinhas ao local de invasão; produzindo toxinas são denominados endotoxinas.
que atu am de diferentes form as, lesando as células ou
alterando o metabolismo destas; e in duzindo reações de EXOTOXINAS
hipersensibilidade.
Muitos patógenos bacterianos sintetizam toxinas As exotoxinas são produzidas por uma grande va-
que atuam como fatores de virulência primários, m eca- riedade de bactérias Gram-positivas e Gram -negativas.
nism o pelo qual muitas bactérias produzem doença. As Algumas bactérias produzem uma ún ica toxina, en-
toxinas bacter ian as têm sido incrim inadas como os quanto outras produzem diversas. Em algum as espécies
fatores de virulência m ais importantes para uma gran- bacterianas, a maioria das cepas produz a m esma exo-
de variedade de bactérias, desde o m om ento em que a toxina, mas em outras espécies, somente uma parcela
toxina diftérica foi isolada por Roux e Yersin, em 1888. das cepas é capaz de produzir uma exotoxina específica.
QUADRO 31 .1. Toxinas bact erianas de interesse em medicina veterinária
Toxina Microrganismo Estrutura A lvo/receptor Mecanismo de ação Efeito

Toxinas que atuam na membrana celular

Enterotoxinas termoestáveis Escherichia co/i AB Guan ilato ciclase Ativa a guan ilato ciclase Aumento do GMPc; secreção de
-STa enterotoxigên ica (Etec) fluidos e eletrólitos

Enterotoxinas termoestáveis Escherichia coli AB Guan ilato ciclase Ativa a guan ilato ciclase; abertura de Secreção de fluidos e eletró litos
- STb enterotoxigên ica (Etec) ca nais de cá lcio na membrana

Ent erotoxinas termoestáveis Escherichia coli AB Guan ilato ciclase Ativa a guan ilato ciclase Aumento do GMPc; secreção de
(East-1) enteroagregativa (Eaec) flu idos e eletrólitos

Enterotoxina CPE Clostridium perfringens Claudinas Formação de poros na membrana Secreção de flu idos e eletrólitos

Enterotoxinas (SE) Staphy/ococcus aureus Proteínas de classe li do MHC Superantígeno Aumento da produção de
citocinas; vôm ito, diarreia

Toxina eritrogên ica (SPE) Streptococcus pyogenes Receptores em linfócitos T e Superantígeno Aumento da produção de citocinas
prote ínas da classe li do MHC em
células apresentadoras de an tígenos

Toxinas que causam danos à membrana celular


Pneumolisina (PLO) Streptococcus Colesterol Formação de poros na membrana Morte celular
pneumon,ae
Su ilisina Streptococcus suis Formação de poros na membrana Morte celular

Estre ptolisina O (SLO) Streptococcus pyogenes Colesterol Formação de poros na membrana Morte celular
-
Pio lisina Trueperella pyogenes Formação de poros na membrana Morte celular

Listerio lisina O (LLO) Listeria monocytogenes Colesterol Formação de poros na membrana Morte celular
-
Perfringolisina O (PFO ou C/ostridium perfringens Colesterol Formação de poros na membrana Morte celular
toxina theta)

Sordelisina Clostridium sordelli Colesterol Formação de poros na membrana Morte celular

Toxina emética (cereolisina O) Bacillus cereus Colesterol Formação de poros na membrana Morte celular
()
Toxina alfa (hemolisina) Staphy/ococcus aureus Formação de poros na membrana Morte celular (l)
"O
;::;.'
Toxina gama (leucocid ina) Staphy/ococcus aureus Formação de poros na membrana Lise de leucócitos e
o
w
.....
Aerolisina Aeromonas Glicoforina Formação d e poros na membrana Morte celular

Toxina alfa Clostridium septicum Formação de po ros na membrana Morte celular •

Toxina alfa Clostridium chauvoei Formação de poros na membrana Morte celular 2i


X
=i
(l)
Antígeno protetor (PA) Bacil/us anthracis ANTXR1 ou ANTXR2 Formação de poros na membrana Morte celular (/)

O"
(l)
HBL Bacil/us cereus Formação de poros na membrana Morte celular n
CytK ro
....,
(l)
=i
(continuo) (l)
(/)

w
u,
u,
w
c.n
O)

--l
o
X
QUADRO 31 .1. Toxinas bacteri anas de interesse em medi cin a veterin ári a (continuação) n
o
o
Toxina Microrganismo Estrutura Alvo/receptor Mecanismo de ação Efeito (O
QJ
QJ
HlyA Escherichia co/i Fo rmação de poros na mem brana Hemolisina "O
uro patogênica (Upec) n
QJ
Q.
QJ
LtxA Actinobacillus Formação de poros na membrana Morte celular QJ,

actinomycetemcomitans 3
<D
Q.
Apx Actinobacillus Formação de poros na membrana Mo rte celular n
pleu ropneumoniae :::J
QJ

PvxA Proteus vu/garis Fo rmação de poros na membrana Mo rte celular iõ


,-+
<D
...,
HpmA Proteus mirabilis Fo rmação de poros na membrana Mo rte celular :::J
QJ,
...,
QJ
LktA Mannheimia haemolytica CD18 Formação de poros na membrana Morte celular

Toxina alfa Clostridium perfringens Fosfoli píd ios da membrana celular Fosfoli pase e Mo rte celular

Toxina beta Staphylococcus aureus Fosfoli píd ios da membrana celular Fosfoli pase e Mo rte celular

PI-PLC e PC-PLC Listeria monocytogenes Fosfoli píd ios da membrana celular Fosfoli pase C Mo rte celular

ExoU Pseudomonas aeruginosa Fosfoli pase A2 Morte celular

Toxinas com ação intracelular

ADP-ribos il-transferases
LT Escherichia coli AB Proteínas G Aumento de AMPc; alteração da Secreção de fluidos e eletró litos
e nterotoxigênica (Etec) permeabilidade da membrana

Stn Salmonella Au mento de AM Pc Secreção de fl uidos e eletró litos

ExoA e ExoS Pseudomonas aeruginosa Proteína G o u fa to r de alo ngamento li Bloqu eio da síntese proteica Mo rte celular
(EF-2)

Toxina C2 Clostridium botulinum AB Actina Despoli merização da actina A lteração na morfologia celular

Toxina C3 Clostridium botulinum Proteína Rho Despoli merização da actina A lteração na morfologia celular

CJT Campylobacter Jejuni Ga ng lios ídeo GM1 Au mento de AMPc; alteração da Secreção de fl uidos e eletró litos
permeabilidade da membrana

N-g licosidases

Stx1 e Stx2 Escherichia co/i êntero- AB Glicolipíd io Gb3 Bloqu eio da síntese proteica Mo rte celular
hemorrágica (E HEC)

Glicosi1-tra nsfe rases


Toxina hemorrág ica (TcsH) e Clostridium sordelli Proteína Ras Glicosil-transferase Ruptura da estrutura celular
toxina letal (Tcsl)

Toxina alfa C/ostridium novyi Proteína Rho Glicosil-transferase Ru ptura da estrutura celular
(continua)
QUADRO 31.1. Toxinas bacterianas de interesse em medicina veterinária (continuação)
Toxina Microrganismo Estrutura Alvo/receptor Mecanismo de ação Efeito

Deamidases

CNF1 e CNF2 Escherichia coli Prot eína Rho Deamidase Alteração da morfologia celular e
nec rotóxica (NTEC) mu ltinu cleação das células

Toxina d ermon ecrót ica DNT Bordetella bronchiseptica Prot eínas Rho Dea midase Alteração da morfologia celular e
mu ltinu cleação das células

PMT Pasteurella multocida AB Gq Ativa proteína quinase C e proteínas Alteração da morfologia celular
Rho

Proteases

Tetanos pasmina (TeNT) Clostridium tetani AB Vamp Clivag em da Vamp com bloqu eio Inibição da li beração d e GABA
da exocitose e g licina qu e res ulta em paralisia
es pást ica

Toxina botulín ica Bo NT Clostridium botulinum AB Snare Clivagem de proteínas Snare com Bloq ue io da li b eração de
bloq ueio da exocitose acetilcolina q ue res ulta em
pa ralisia flácida

Fato r letal (LF) Bacillus anthracis MAPKK1/MAPK K2 Prot ease Aum ento da p ermea bilidade
capilar; aum ento da li beração d e
interleucina 1

Spate (Pet) Escherichia co/i Indução da d eg radação de Alteração da morfologia celular


enteroag regativa (Eaec) es pectrina

Aden ilciclase
()
(l)
Fator ed ema (EF) Bacillus anthracis AB ATP Ade nilc iclase Aumento d e AMPc; edema "O
;::;.'
e
CyaA Bordetella bronchiseptica ATP Ad enilc iclase Aum ento d e AMPc o
w
.....
ExoY Pseudomonas aeruginosa ATP Ad enilc iclase Aum ento d e AMPc

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U"I
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358 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

As exotoxinas variam consideravelm ente em suas ações O grau d e neutralização do sítio enzimático pod e
e suas células-alvo. Algumas atuam em d etermin ado depender da d istância dele até o local antigên ico n a
tipo celular, enquanto outras pod em atuar sobre várias molécula. Pelo fato d e a toxina ser totalmente neutrali-
células distintas. zada in vivo, isso sugere que outros fatores do hospedei-
As diferentes denom inações atribuídas às diversas ro devam estar interferindo no p rocesso d e defesa.
exotoxinas refletem essa d iversidade - as exotoxin as Q uand o as exotoxinas sofrem inativação por subs-
cujas células-alvo são diferentes tipos celulares são de- tâncias químicas como formaldeíd o e iodo, perdem seus
nominad as citotoxinas, e as exotoxinas cujas células-al- efeitos tóxicos, mas retêm suas propriedades antigênicas.
vo são tip os celulares específicos são designadas pelo As exotoxinas modificadas dessa forma são den omina-
n om e d a célula ou órgão acom etido, por exemplo, en - das toxoides, que podem ser utilizados para imunização
terotoxinas, neurotoxinas, leucotoxinas, hemolisin as etc. "artificial" contra doenças causadas por patógenos cujo
As exotoxinas tam bém podem ser den om in ad as de fator primário de virulên cia bacteriana seja a p rodução
acord o com as espécies bacterian as que as p roduzem , d e toxinas, como é o caso do tétano.
ou pela doença à qual estão associadas (por exemplo, Determinadas toxinas são produzidas pelas bactérias
toxina tetân ica - p roduzida po r Clostridium tetani e em fase de crescim ento, enquanto outras são sintetizadas
responsável pelos sinais clínicos d o tétano; toxina bo- durante a fase estacionária. As bactérias que apresentam
tulínica - p roduzida por Clostridium botulinum e res- capacidade de espor ular, como as espécies do gên ero
ponsável pelos sinais clínicos do botulismo etc.). Pod em Clostridium, podem liberar toxin as durante o processo
também ser denom in adas d e acordo com suas ativida- de form ação dos esporos. No interior das células bacte-
des, como a lecitinase, uma das toxinas produzid as por rianas ocorre form ação do esporo, e estas, ao sofrerem
Clostridium perfringens. Algumas toxinas podem rece- lise, liberam p roteínas citoplasm áticas, en tre as quais as
ber m ais de uma denominação, como é o caso da própria toxinas que poderiam estar ali presentes.
lecitinase, também denominada toxina alfa. Algumas toxinas podem destruir as células do hos-
As toxinas ocupam uma posição ambivalente para pedeiro por meio de diferentes m ecanism os, ao passo
os microrgan ism os que as produzem , sen do que, ao que ou tras interfe rem em atividad es celulares fun da-
mesmo tempo em que parecem não ser essencialmente mentais, o que em última instância beneficiará a própria
necessárias para o crescim ento do microrgan ismo, po- bactéria.
dem ser essen ciais para a sua sobrevivência e dissemi- Uma vez liberad a p ela bactéria, a toxina liga-se a
n ação em d eterminadas condições. receptores específicos na superfície da célula-alvo. Uma
Os genes que codificam para as toxinas localizam-se vez ligadas a esses receptores, as toxinas pod em exercer
frequentem ente em plasm íd eos ou bacteriófagos lisogê- sua ação diretamente na membrana da célula-alvo, como
nicos. A localização dos genes responsáveis pela produção é o caso d as toxinas d os tipos I (toxinas que atuam n a
de toxinas em m oléculas de DNA extracromossômicas membrana celular) e II (toxinas que causam d anos à
perm ite que a capacidad e de produzir toxinas seja trans- mem b rana celular). Entretanto, as toxinas d o tip o III
m itida por m ecanismos de conjugação e transdução, as (toxinas com ação intracelular) são internalisadas, em
bactérias não toxinogênicas, bem como torna as bactérias geral por meio de mecanismo d e en docitose m ediad o
produtoras suscetíveis a perder essa característica. Esses por receptores, adentrando o citoplasma e exercendo sua
fenômenos podem desempenhar um im portante papel ação. Algumas toxinas intracelulares são int roduzid as
na determinação do potencial patogênico de uma bactéria. d iretamente do citoplasm a bacteriano para o citoplasma
As exotoxinas são solúveis nos fluid os corporais, o d a célula-alvo por meio d e um aparato de secreção pro-
que lhes permite fácil difusão pelo organismo do hos- teica especializado.
ped eiro. Elas atuam destruindo d eterminadas células ou Os três principais m ecanismos d e ação das exoto-
in ibindo certas funções m etabólicas. Essas toxinas são xinas estão ilustrados na Figura 31.1.
altam ente an tigênicas, sendo que o organism o produz
an ticorpos esp ecíficos denom inad os antitoxin as, que Toxinas do tipo 1
fornecem imunidade às exotoxinas. Entretanto, em con - (toxinas que atuam na membrana ce lular)
<lições in vitro, as antitoxinas podem não inibir total-
mente a atividade enzimática d a toxina, o que leva a crer Esse grupo de toxinas atua na membrana da célula-
que o determinante antigênico desta possa estar locali- -alvo, embora seus efeitos sejam detectados em seu in-
zado em out ro sítio, que n ão na porção ativa (enzimá- terior. Elas interferem com os mecanism os de sinaliza-
tica) d a molécula proteica. ção da célula hospedeira, por ativação não apropriad a
Capítulo 31 • Toxinas bacte rianas 359

Tipo li
Tipo 1 Toxinas que causam
Toxinas que atuam danos à membrana
Tipo Ili
na membrana Toxinas de ação
STa, 5 Tb, EAST-1 intracelu lar

Ação enzimática:
Proteases
\ Formadoras

•l Fosfoli pases
de poro:
Citolisinas
Perfringolisina O
Listeriolisina O
t GMPc
t C a2•

Núcleo Complexo
de Golg i
\
@ TeNT
BoNT
Retículo
endoplasmático ºº
LT
ExoA @ ---

FIGURA 31.1. Principa is mecanismos de ação das exot oxinas na cé lula do hospedeiro.

de receptores celulares. Essas toxin as atuam p or m eio funções m etabólicas da célula, resultan do em secreção
da ligação aos receptores de superfície celular. Tais re- de água e eletrólitos por ela. A STb está associada prin-
ceptores normalm ente recebem mensagens e transm item cipalmente a Etecs isoladas de suínos, e atua no sentido
sinais para a célula, regulando alguma função celular de promover a abertura de canais de cálcio na membra -
(p or exemplo, comun icando -a para que cresça ou se na celular.
difer en cie em um tipo particular de célula). Quando Os superantígenos são tipos não usuais de exotoxinas,
mimetizam uma m olécula normal que se liga à super- sendo con stituídos p or proteínas que interagem com
fície celular, essas toxinas "enganam" a célula induzindo- células do sistem a imun e, ligando-se diretam ente a re-
-a n o sentido de agir de m odo n ão apropriado. Como ceptores em linfócitos T e a proteínas da classe II do com-
exemplos desse grupo tem -se a família das toxinas ter- plexo principal de histocompatibilidade (MHC - Major
, . ,
m oestave1s e os superant1gen os. Histocompatibility Complex) em células apresentadoras
Diversas cepas de Escherichia coli produzem ente- de antígenos (CAAs), forman do uma p onte entre esses
rotoxinas que podem ser divididas em dois grupos com tipos celulares. Normalmente, as CAAs processam os
base na estabilidade ao calor. Dessa forma, o calor des- antígenos proteicos, clivando-os a peptídeos e expondo
trói a atividade de enterotoxinas termolábeis (LT), as um dos peptídeos resultantes em um complexo com as
quais atuam intracelularm ente, ao passo que as entero- proteínas de classe II do MHC na superfície da CAA.
toxinas termo estáveis (ST) retêm atividade tóxica após Os superantígenos não são processados por diges-
aquecimento a 1OOºC durante 30 m inutos. tão proteolítica dentro das CAAs, m as ligam-se dire-
Todas as toxinas ST constituem pequenos peptídeos, tamente às proteínas de classe II do MHC. Eles também
sendo que STa e STb, expressas por cepas de E. coli en- se ligam quase que indiscriminadam ente aos recepto-
terotoxigênicas (Etec), atuam em diferentes receptores res em linfócitos T e, dessa fo rma, unem CAAs e lin-
n a membrana celular e possuem m ecanismos de ação fócitos. Porém, com o não são "preparados" pelas CAAs,
distintos. E. coli enteroagregativa (EAEC) produz um essa união é indiscrim inada, formando m uitos pares
terceiro tipo de enterotoxina, EAST-1, a qual também de CAAs-lin fócitos T. Com o consequência, muitos
pode ser expressa por outras cepas de E. coli, incluindo linfócitos são simultaneam ente estimulados, ocorren-
Stec (E. coli prod utor a de toxina Sh iga), Etec e Ep ec do elevada produção de citocinas, incluindo interleu-
(E. coli enteropatogênica), sendo que atua de m odo si- cinas (principalmente IL-2) e fator de necrose tumoral
milar à STa. (T NF- Tumor Necrosis Factor), o que resulta na ocor-
As STas ligam-se e ativam a guan ilato ciclase asso- rência de ch oque grave.
ciada à membrana citoplasmática, o que resulta em um São exemplos de m icrorganism os capazes de secre-
aumento da guanosina-mon ofosfato cíclica (GMPc) tar superantígenos: Streptococcus pyogenes (produz exo-
intracelular, o que, por sua vez, determ ina alterações nas toxin as pirogênicas estreptocócicas, como SPEs, bem
360 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

como produz o fator mitogênico) e Staphylococcus aureus • Listeriolisina O produzida por Listeria monocyto-
(produz a toxina eritrogênica, enterotoxinas e a toxina genes.
da síndrom e do choque tóxico ou TSST). • Perfringolisina O (toxina theta) produzida por Clos-
tridium perfringens.
Toxinas do tipo li (toxinas que causam danos • Cereolisina O produzida por Bacillus cereus.
à membrana celular)
Pode-se citar, ainda, um terceiro grupo de toxinas
Diferentes toxinas podem causar danos à membra- que possuem h abilidade de formar canais na mem-
n a celular, alterando sua permeabilidade por meio da brana, sendo que todos os membros desse grupo apre-
formação de canais ou poros, ou então destru indo-a sentam a mesma repetição de aminoácido n a porção
através de ação enzimática (atuando como fosfolipases C-terminal, sendo denominadas toxinas RTX (repeat in
ou proteases). toxin). As toxinas desse grupo são representadas por
As toxinas form adoras de canais podem ser capazes hemolisinas ou leucotoxinas, tais como:
de se inserirem na membrana celular-alvo para formar
um canal, o qual permite o influxo e o efluxo de peque- • HlyA produzida por Escherichia coli.
nas moléculas e íons e a ruptura do potencial elétrico da • LtxA (leucotoxina) produzida por Actinobacillus ac-
membrana, levando à morte da célula em decorrência tinomycetemcomitans.
da lise por osmose. Esse mecanismo de ação é caracte- • Apx (hemolisina, leucotoxina) produzida por Acti-
rístico das seguintes toxinas: nobacillus pleuropneumoniae.
• LktA (leucotoxina) produzida por Mannheimia ha-
• Toxina alfa ou alfa-hemolisina (promove a lise de emolytica.
eritrócitos, monócitos e células endoteliais), toxina • PvxA (hemolisina) produzida por Proteus vulgaris.
gama ou gama-hemolisina e leucotoxina (promo-
vem alise de leucócitos), produzidas por Staphylo- Conforme mencionado anteriormente, as toxinas
coccus aureus. do tipo II podem causar danos à membran a celular
• Aerolisina produzida por Aeromonas hydrophila. por meio da formação de canais ou poros ou da ação
• Toxina alfa produzida por Clostridium septicum. enzimática (fosfolipases e proteases). Diversos pató-
• Antígeno protetor (PA), toxina produzida por Ba- genos Gram-positivos e Gram-negativos são capazes
cillus anthracis. Esse microrganismo produz duas ou- de produzir fosfolipase C, a qual atua sobre os fosfo-
tras toxinas, fator letal (LF - Lethal Factor) e fator ede- lipídios na membrana da célula, resultando em sua
ma (EF -Edema Factor), toxinas de ação intracelular, lise. Como exemplos, pode-se citar a toxina alfa de
mas que requerem um componente para ligação ao Clostridium perfringens, hemolisina beta de Staphylo-
receptor na m embrana, bem como para internaliza- coccus aureus e a fosfolipase de Listeria monocytogenes.
ção na célula. Esse componente é denominado antí- Por sua vez, muitas bactérias podem secretar protea-
geno protetor (PA - Protective Antigen) e, após a li- ses que podem causar danos à membrana, como é o
gação ao receptor na célula-alvo, forma um canal caso de Porphyromonas gengivalis, patógeno que atua
n esta, que permite a passagem das toxinas EF e LF no p eriodonto.
para o citoplasma celular onde exercem seus efeitos.
Toxinas do tipo Ili
Existe outro grupo de toxinas produzidas por bacté- (toxinas com ação intracelular)
rias Gram-positivas, as quais apresentam sim ilaridade
com relação às características antigênicas e sequência de São exotoxinas cuja ação manifesta-se no interior
aminoácidos. Essas toxinas ligam-se especificam ente ao da célula-alvo. Essas toxin as possuem uma estrutura
colesterol nas membranas celulares e se inserem nestas, constituída por uma porção de ligação à célula e outra
o que resulta na formação de poros e, consequentemen- que representa o componente que possui atividade tó-
te, morte celular. São exemplos de toxinas desse grupo: xica, sendo designadas toxinas AB. Em algumas toxinas
do tipo AB, as funções de ligação à membrana celular e
• Pneumolisina produzida por Streptococcus pneu- à atividade enzimática são exercidas por uma única

monzae. cadeia polipeptídica, como é o caso da exotoxina A
• Estreptolisina O produzida por Streptococcus pyo- (ExoA) de Pseudomonas aeruginosa. Contudo, em outras
genes. são exercidas por duas cadeias diferentes. Essas cadeias
Ca pítulo 31 • Toxinas bacterianas 361

são denominadas A, que se refere a "ativa'', e B, que se Evidên cias sugerem que, após a endocitose d e di-
refere à ligação ( binding). versas toxinas AB, elas sejam transportadas pelo com -
O tipo m ais simples d e toxina AB é constituído por plexo d e Golgi até o retículo endoplasmático, no qual
um ú n ico polipeptíd eo, que possui uma fração d e liga- causam alterações nas vias de d egradação d as proteínas,
ção e outra en zimática, am bas ligadas por uma ponte para que possam adentrar o citoplasma das células-alvo.
dissulfeto. Um tipo mais complexo de toxina AB possui Outros estudos sugerem que ocorra a acid ificação n o
uma fração de ligação B composta de múltiplas subu- interior do vacúolo endocítico, o que estim ula alterações
n idades, sendo a fração A u m polipep tídeo separado estruturais nas porções A e B. Essas alterações facilitam
que se mantém ligado ao restante da toxina por pontes a internalização da fração A.
dissulfeto. Tanto no tipo m ais sim ples como n o mais A passagem d a fração A para o citoplasma da célu-
complexo de toxina AB, as pontes dissulfeto são clivadas la hospedeira é um p rocesso complexo ainda não devi-
qu ando a fração A ad en tra o citoplasm a da célula do damen te esclarecido, podend o também ocorrer at ravés
h ospedeiro. Em ambos os casos, a fração B liga-se a um de u m can al transmem bran a for mado pela fração B.
receptor específico (proteínas, glicoproteínas ou glico- Após a entrada da fração A no citoplasm a, esta se torna
lipídios) na mem brana celular (Figura 31.2). en zimaticamen te ativa e exerce seu efeito tóxico.
O arranjo estru tu ral das subun idad es A e B pode As diversas toxinas do tipo III podem apresen tar
ser observad o de várias man eiras: A + B indica que a diferentes atividad es enzimáticas, podendo atuar como
toxina é sintetizada e secretada como duas subunidades ADP-ribosil-transferases, N-glicosid ases, glicosil-trans-
proteicas separad as que interagem na superfície da cé- ferases, deamidases, proteases e adenilciclases.
lula h ospedeira; A-B ou A-SB in dica que as subun id ades As toxinas que atuam como ADP-ribosil-transferases
A e B são sintetizadas separadam ente, mas são unidas catalisam a transferência do grupo adenosin a-difosfato
por pontes não covalentes durante a secreção e ligação da coenzim a NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo)
ao seu alvo; e A/B denota uma toxina sintetizada como para as proteínas-alvo na célula do hospedeiro, o que pro-
u m único polipeptíd eo, dividido em duas porções que move inativação de tais proteínas ou perm ite que elas se
pod em ser separad as enzimaticam ente. comportem de maneira anormal. O efeito d a ADP-ribo-
Após a ligação ao receptor, a fração A é internali- silação na célula do hospedeiro depende de qual proteína
zada (processo denominado translocação) e ad entra o foi ribosilada. Como exem plos dessas toxinas, tem-se:
citoplasma celular, sen do que, em alguns casos, a toxina toxina termolábil (LT) de Escherichia coli enterotoxigêni-
AB ligada sofre en docitose antes da intern alização da ca (Etec), exotoxina A (ExoA) de Pseudomonas aerugino-
fração A. sa, toxina do Vibrio cholerae, entre outras.
As toxinas que atuam com o N -glicosidases promo-
vem o bloqueio d a síntese proteica, o que resulta na
Tipo simples Tipo complexo
de toxina de toxina morte celular. Essas toxinas apresentam múltiplos efei-
AB AB
tos, sejam eles neurotóxicos, citotóxicos e enterotóxicos.
Como exemplos d e toxinas que atuam dessa maneira,
tem -se: toxinas Shiga de Shigella dysenteriae e E. coli
e produtora de toxina Shiga (Stec).
A toxina Shiga de Stec foi originalmente denomi-
nada toxina Shiga-like ou toxina Vero, por causa do seu
efeito citotóxico em células Vero. Estudos utilizan do
neutralização por anticorpos permitiram a distinção de
Porção
A dois tipos de toxinas Shiga de Stec: Stxl e Stx2.
e e As glicosil-transferases catalisam a glicosilação de
p roteínas G, o que r esulta n a inativação de p roteínas
Rho, d esorganizando os filamentos de actina e p rejudi-
cand o as fu nções celulares relacionadas ao citoesquele-
to da actina, bem como sinalizações celulares mediadas
Porção por Rho-GTPases. As p rincipais consequências consis-
B
tem em alteração na forma da célula, perda de junções
FIGURA 31.2. Rep resentação esquemática de estruturas intracelulares e aumento de permeabilidade na barreira
de dois tipos de toxinas AB. en dotelial. Com o exemplos de toxinas que atuam d essa
362 Toxicolog ia aplicada à medicina vet erinária

forma têm-se as toxinas h emorrágica (TcsH) e letal secreção que requer contato direto entre essas células,
(TcsL) produzidas por Clostridium sordelli. processo esse que pode fornecer proteção contra degra-
A ação das deamidases resulta na alteração da con - dação ou inativação. Bactérias que produzem tais toxi-
formação celular e multinucleação das células. São exem- nas incluem os gêneros Escherichia, Salmonella, Pseu-
plos de deamidases as toxinas produzidas por E. coli domonas e Shigella.
n ecrotoxigênica (NTEC), ou fatores necrotizantes cito-
tóxicos, CNFl (Cytotoxic Necrotising Factor) e CNF2. ENDOTOXINAS
As toxinas que atuam como proteases são exempli-
ficadas pelas neurotoxinas de Clostridium tetani e Clos- A endotoxina é um complexo lipopolissacarídeo
tridium botulinum. São toxinas que apresentam estru - (LPS) presente na membrana externa de bactérias Gram-
tura e mecanismo de ação si milar, sen do as mais -negativas (Figura 31 .3), que desem penha importante
potentes que se tem conhecimento. Existe uma única papel nas doenças causadas por esses microrganismos.
n eurotoxina tetânica (TeNT) e oito sorotipos de toxin a Em baixas con centrações, a endotoxina desencadeia
botulínica (BoNT ), nomeadas de A a H. reações como febre, ativação do complemento pela via
O tétano está associado com infecções em feridas, altern ativa, ativação de macrófagos e estimulação dos
enquanto o botulismo frequentemente resulta da inges- linfócitos B. Em concentrações mais altas, provoca o
tão de toxina pré-formada presente em alimentos ou choque e até a morte.
superfícies contaminadas. A função da membrana externa da bactéria Gram-
As proteínas-alvo dessas toxinas estão envolvidas -negativa é atuar como uma barreira de permeabilidade.
na ligação e fusão das vesículas sinápticas às membranas A membrana externa é impermeável a grandes molé-
plasmáticas pré-sinápticas. culas e compostos hidrofóbicos do ambiente. A en do-
Outro exemplo de toxina que age como protease é o toxina está localizada na face extern a da membrana,
fator letal (LF) do carbúnculo hemático (produzida por onde m edeia o contato com o ambiente.
Bacillus anthracis), que cliva e inativa enzim as de vias que O LPS é essencial para o funcionamento da m em-
regulam, dentre outros processos, a proliferação celular. brana externa e, com o componente estrutural da célula,
Existem ainda as toxinas que estimulam a atividade pode desempenhar diversos papéis na patogên ese das
da adenilciclase, o que resulta em um aumento dos níveis infecções por bactérias Gram-negativas. O LPS é uma
de adenosina 5'-monofosfato cíclico (AMPc) intracelu- barreira permeável somente a moléculas hid rofílicas, de
lar, ao qual m u itas funções fisiológicas são sen síveis. baixo peso m olecular (isso previne, por exemplo, a pe-
Como exemplo desse grupo, tem-se o fator de edema netração de sais biliares e outras m oléculas tóxicas do
(EF) produzido por Bacillus anthracis. trato gastrointestinal). Também é uma barreira à lisozima
Há um grupo de toxinas do tipo III que são trans- e diversos agentes antim icrobianos, impede a destruição
portadas diretamente do citoplasma bacteriano para o das células bacterianas pelos componentes do soro e
citoplasm a da célula-alvo por m eio de um aparato de células fagocitárias, e desempenha um importante papel

Pol issacarídeo
~ - externo

• ~ Polissaca rídeo
• • .--- centra l

Membrana 1 1 11 1 11 Porinas
externa 11 11 11

,--~- Fosfoli pídeo


Lipoproteína
Pa rede celula r

Peri plasma
--7--- Mu reína
(peptideoglicano)
0@0
11 Proteína da
11 11
Membrana ~~~~- membrana
citoplasmática
11 11 11
@00

FIGURA 31.3. Estrut ura da parede cel ul ar e membrana exte rna de bactérias Gram-negativas.
Ca pítulo 31 • Toxinas bacterianas 363

como estrutura de superfície nas interações do patóge- senta algumas dife ren ças n a estrutura, quando consi-
n o com as células fagocitárias. C om o exemplo, o LPS derados gên eros diferentes.
pode estar envolvido n a aderência (colonização) ou n a O antígen o O, ou antígeno somático, con siste em
resistência à fagocitose, fenômenos que podem deter- uma cadeia longa de carboidratos com aproximadamen-
minar o curso e o desfecho de uma infecção. te 40 açúcares ligados ao polissacarídeo do cerne. Possui
O lipopolissacarídeo bacteriano é constituído por subunidades de oligossacarídeos repetidos, constituídas
três partes: um glicofosfolipídio, denominado lipídio A; de três a cinco açúcares. Esses carboidratos recobrem a
uma região central (cerne) de açúcares, etanolamina e superfície bacteriana e repelem compostos hidrofóbicos.
fosfato; e o antígeno O, um a longa cadeia lateral de açú- O principal determ in ante antigênico reside nessa porção
cares. O LPS é uma m olécula com peso molecular de da molécula do LPS. Ocorre grande variação n a com -
aproxim adamente 10 kDa, variável quanto à estrutura posição dos açúcares inter e intraespécies, o que contri-
quím ica inter e intraespécies bacterianas. A Figura 31.4 bui para a variabilidade antigênica.
mostra a arquitetura usual do LPS. A toxicidade está associada ao lipídio A, ao passo
O lipídio A fixa o LPS na camada externa da m em- que a imunogenicidade está associada aos componentes
bran a. Trata-se de um glicolipídio composto por dissa- polissacarídicos.
carídeos, os quais se encontram ligados a ácidos graxos A toxicidade do lipídío A reside primariamente em
de cadeias cur tas (geralmente em núm ero de seis ou sua capacidade de ativar o sistema com plemento e es-
sete) e grupamentos fosfato. Essa estrutura constitui-se timular a liberação de proteínas, com o as citocinas. O
altamente conservada nas bactérias Gram -n egativas. O complemento direciona o ataque dos fagócitos, enquan-
lipídio A é a porção tóxica, hidrofóbica do LPS e, pelo to as citocinas são moléculas sinalizadoras que medeiam
fato de estar inserido na membrana extern a, provavel- o desenvolvim ento da resposta imune. A perda do an-
m ente exerce seus efeitos somente quando a bactéria tígeno O resulta em perda da virulência, sugerindo que
sofre lise ou é liberada a partir de células em multipli- essa porção seja importante durante a interação hospe-
cação, sob forma solúvel. deiro-parasita, na qual o antígeno O poderia estar as-
O cerne consiste em pequen as cadeias de carboi- sociado à aderência do microrganismo a determinados
dratos, b asicam ente as mesm as par a a m aior ia d as tecidos, conferir resistên cia aos fagócitos ou proteger
bactérias Gram -negativas, e inclui dois açúcares carac- contra reações a anticorp os e com plemento.
terísticos: o ácid o 2-ceto-3-desoxioctan oico e a hep- Em condições in vivo, as bactérias Gram-negativas
tose. C om pou cas variações, essa região é comum a provavelmente liberam quantidades mínimas de endo-
todos os membros de um gênero bacteriano, mas apre- toxinas durante o crescimento - pequenas quantidades
de LPS podem ser liberadas sob a form a solúvel, prin-
cipalmente por culturas jovens. Entretanto, para a maio-
ria das bactérias o LPS permanece associado à parede
Antígeno O celular até a lise bacteriana.
Polissacarídeos
A biossíntese de LPS é sequencial; assim, os açúca-
res do cerne são adicionados sequencialmente ao lipídio
A p or ad ições sucessivas e o antígeno somático O é
Polissacarídeo
do cerne acrescentado p or último.
Quando comparadas às exotoxin as, pode-se afirmar
que as endotoxinas são m enos específicas em seu me-
canism o de ação, termoestáveis (a fer vura por 30 mi-
N N nutos não as desestabiliza), não p odem ser convertidas
em toxoides, dentre outras características. O Quadro
Lipídio A
3 1.2 mostra as características de exotoxinas e endoto-
,
Acidos xinas bacterianas.
graxos
As en dotoxinas são tóxicas para a maioria dos m a-
míferos, sendo que todas produzem os mesmos efeitos
biológicos n o hospedeiro. A in oculação de bactérias
Gram-negativas vivas ou mortas, ou LPS purificado em
FIGURA 31.4. Estrutu ra do lipopolissacarídeo (LPS) p re- animais, pode desencadear diversas reações inespecífi-
se nte na membrana externa d e bactérias Gram-negativas. cas, como: febre, alterações nas contagens de leucócitos
364 To xicologia aplicada à medicina veterinária

QUADRO 31.2. Características de exotoxinas e endotoxinas O LPS também estimula a diferenciação e multipli-
bacterianas cação de lin fócitos B e a secreção de imunoglobulinas,
Propriedade Endotoxina Exotoxina principalmente IgG e IgM.
Nat ureza q uímica Lipopolissaca rídeo Proteína O choque en dotóxico manifesta-se na for ma de
Q uem p ro duz Bactérias Bactérias grave queda na pressão arterial, hipotensão e coagulação
Gram-negativas Gram-negat ivas e intravascular disseminada.
Gra m-positivas
A ativação do processo inflamatório pode determi-
Relação co m a Parte da membrana Extrace lular nar tanto a morte bacteriana quanto das células do ani-
célula b acteriana externa
m al, provocando grave destruição tecidual e graves sinais
Estrutura e Simi lares indepen- Distintas de
clínicos sistêmicos.
reatividade dentemente da acordo com a
espécie bacteriana espécie bacteriana
d e origem d e origem TOXINAS PRODUZIDAS POR
Sensibilidade ao Não Geralmente sim MICRORGANISMOS ,DE INTERESSE EM
calor e a produto s
, . MEDICINA VETERINARIA
qu1m1cos

Antigênico Sim Sim São apresentadas, a seguir, as toxinas produzidas


Form a toxo ide Não Sim por m icrorganismos de maior interesse em medicina
. , .
Pot ência Rei ativem ente Relativam ente alta veter1nar1a.
baixa (> 100 ug) (1 ug)
Especificidade Baixa A lta
Toxinas prod uzidas por Escherichia coli
Atividade enzimática Não Geralmente sim

Pirogenicidade Sim Oca siona lmente Escherichia coli é u m b astonete Gram -n egativo
pertencente à família das enterobactérias. E. coli pode
ser con siderado com o um dos microrgan ism os m ais
no sangue, coagulação intravascular disseminada, hipo- im portantes da fam ília Enterobacteriaceae, sendo um
tensão, choque e morte. A morte pode ocorrer conforme agente norm almente encontrado na m icrobiota enté-
a dose e via de administração, bem como espécie animal rica animal e humana. Algumas linhagens, no entanto,
(a suscetibilidade perante as en dotoxinas varia de acor- são comprovadamente patogênicas para o hom em e/ou
• •
do com a espécie an im al). an1m a1s.
Acredita-se que o LPS liber ado na corrente san - No ser humano, o m icrorganismo tem sido associa-
guínea se ligue inicialm ente a certas proteínas plasmá- do a graves distúrbios gastrointestinais (diarreia, disen-
ticas denominadas proteínas de ligação ao LPS (LBPs). teria), além de infecções extraintestin ais, com referência
Uma vez ocorrida a ligação, esse complexo (LBP-LPS) especial às infecções urinárias, meningites do recém-
inter age com receptores CD 14 em mon ócitos e ma- nascido, síndrom e u rêmico-hem olítica, infecções no
crófagos e outros tipos de receptores em células endo- rim e bexiga, sepses, pneumonias e meningites. E. coli é
teliais. A interação de mon ócitos e m acrófagos com o responsável por aproximadamente 40 a 50% da casuís-
LPS pode desencadear: tica de sepses causadas por microrganism os Gram-ne-
gativos no ser humano.
• Produção de citocinas, incluindo interleucin as, fa- Nos an imais, E. coli tem sido relacionada a uma
tor de n ecrose tumoral e fator de ativação de pla- grande variedade de manifestações clínicas, incluindo
quetas. Estes, por sua vez, estimulam a produção de diarreia, mastite, endometrite, cistite, nefrite, artrite,
prostaglandin as e leucotrienos, ambos potentes me- abortam ento, osteom ielite, endocardite, pn eumonia,
diadores da inflamação. conjuntivite, sepse, entre outras. E. coli, quase que inva-
• Ativação da cascata do com plemento (C3a e CSa) riavelmente, pode ser isolada de material fecal de animais
que induz a liberação de histamin a, o que resulta com e sem diarreia. Dessa forma, a ocorrência das dife-
em aum ento da permeabilidade capilar, bem como rentes manifestações clínicas das colibaciloses depende
prom ove quimiotaxia e acúmulo de neutrófilos. da presença de fatores de virulência, que determinam o
• Ativação da cascata de coagulação, que resulta na grau de patogenicidade do agente.
deposição de coágulos nos vasos sanguíneos peri- Alguns desses fatores de virulência, com o as endo-
féricos, privando diversas áreas do organismo de toxinas, são componentes intrínsecos da estrutura bac-
suprim ento sanguíneo adequado. terian a. O utros, porém , constituem diferentes tipos de
Capítulo 31 • Toxinas bacte rianas 365

exotoxinas (enterotoxin as, verotoxin as, hemolisin as, Cepas isoladas de seres hum anos e suínos demons-
fator n ecrosan te citotóxico ), bem como propried ades traram ser capazes de produzir toxin as LTs (LTI em
que perm item a multiplicação em m eio com restrição seres hum an os e LT II em seres human os e su ín os),
de ferro ou a m ultirresistência aos antimicrobianos. enquan to E. coli produ toras d e toxinas ST foram iso-
Nos últimos anos, as linhagens de E. coli, responsá- lad as de d iversas esp écies an imais (STa em bovin os,
veis principalmente por distúrbios entéricos, têm sido suín os, caprinos, ovinos e seres human os; STb em suí-
classificadas como enterotoxigênicas (Etec), enteropa- nos). Ambos os tipos de toxinas são capazes de induzir
togên icas (Ep ec), produto ras de toxina Sh iga (Stec), alterações m etabólicas nas células da mucosa intestinal,
enteroinvasoras (Eiec), enteroagregativas (EAEC) e de que resultam na h ipersecreção de fluid os e eletrólitos
aderência d ifusa (D aec), e subdividid as, fundamental- para o lú men intestin al.
m ente, pela capacidad e de produção de toxin as e/ ou Existem dois tipos de enterotoxinas LT, LT-1 e LT-11,
invasão celular. sendo a prim eira p ro duzid a por amostras de Etec asso-
As Etecs con stituem u m a d as m ais im p ortan tes ciadas ao ser humano e LT-II isoladas d e animais e ali-
causas de diarreia em seres human os e animais, parti- mentos. Ambas são quim icam ente relacionadas à toxi-
cularm ente bovinos e suínos. Embora as Etecs estejam na do Vibrio cholerae. As exotoxin as LT-1 e LT-II
associadas com diarreia aquosa branda, recentes surtos apr esen tam a mesm a estru tu ra e mecanism o de ação
têm m ostrado sintomatologia m ais intensa. Tendo em (Figura 31 .5). Consistem de uma subunidade A e cinco
v ista que as bactérias aderem d e m aneira superficial, subunidades B, ambas atuand o no sen tid o d e elevar os
m as não penetram n o epitélio in testin al, as fezes não níveis intracelulares de AMPc.
apresen tam leucócitos, sangue ou muco. Uma vez es- Após ser liberada na mucosa in testinal, a LT fixa-se
tab elecida a ligação aos enterócitos, a bactéria p roduz no receptor GM1 na membrana citoplasmática, por m eio
a toxina term olábil (heat-labile - LT) ou a term oestá- d e suas subunidad es B, seguind o-se a en trada da subu-
vel (heat-stable - ST ) ou ambas, causando a d iarreia. nid ade A na célula por m eio de m ecanismo de endoci-
A toxina term olábil é inativada a 60°C por 30 m inutos, tose. No interior da célula, as vesículas endocíticas são
ao passo que a termoestável m an tém sua atividad e a t ransportadas via complexo de Golgi, quando, então,
100°C por 30 minu tos. ocorre separação d as subunidades A (28 kDa) e B (11 ,5
O grupo d as Etecs é constituído por cepas com ca- kDa cada uma d as cinco subunid ades). No retículo en-
pacidade de p rodução de enterotoxinas LT (termolábil) d oplasm ático a fração A é clivada em d uas outras su-
e ST (term oestável). Algumas das am ostras d e Etec são bunidades A 1 e A 2 • A subunidad e A 1 (ap resenta ativida-
capazes de produzir LT e ST, enquanto outras produzem de de A D P-rib osil transferase) é tran slo cada para o
som en te u m dos tipos de toxin as. As toxinas LTs são citoplasm a onde catalisa a ADP- ribosilação da subuni-
antigên icas, enquan to as STs n ão são. d ade alfa da proteína Gs, a qual controla a atividad e da

Células d as
microvilosidades

Na•

Vesícula
-+1
- >--< 'r:i===::j

Pro~
t e-ina~Gs
ADP-ribolisação Q
l cr
HC03"
lv1~1 ª 1 --------- ~

Células das
l / ATP
criptas
intestinais
(3 m Adenilciclase
ADP-Ribose "" AMPc
l
t AMPc - - Q uinase

FIGURA 31.5. Representação do mecanismo de ação da enterotoxina LT de Escherichia co/i.


366 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

aden ilciclase, que, por sua vez, transforma o ATP ( ad e- As exotoxinas LT-I e STa são codificadas por gen es
n osina 5' -t rifosfato) em AMPc. Como resultado ocorre presentes em plasmídeos. A demonstração d e STa pode
a ativação da proteína quinase AMPc-dependen te e a ser feita pela inoculação de sobrenadantes de culturas
fosforilação dos canais de cloro. d as bactérias em camundon gos recém -nascidos (Teste
A subunidad e alfa constitui u ma GTPase, que, ao de D ean), e p or pesquisa de genes que cod ificam as
transformar GTP (guan osin a 5' -trifosfato) em G D P toxinas STa e LT-I.
(guanosina 5' -difosfato) deixa de ativar a ad enilciclase O grupo das Eiecs (E. coli enteroinvasoras) apresen -
e, uma vez que sofre ribosilação, perde sua capacidad e ta a capacidade de invad ir e d isseminar-se para as célu-
de atuar como GT Pase. Com o con sequ ên cia, ocorre las adjacentes da mucosa do cólon onde se p roliferam,
ativação permanente d a aden ilciclase, o que leva à pro- levan do à m orte celular. Estudos dem on straram qu e
dução d e AMPc em gran de qu an tidade, alterando o algumas cepas de E. coli produzem baixos níveis de u ma
m etabolism o celular n o sen tido de prom over m en or tox ina semelhan te à toxin a Shiga e também parecem
absorção d e sódio pelas células das microvilosidades e produzir um a enterotoxina denom inad a Eiet, codifica-
m aior excreção d e cloro e bicarbonato pelas células das d a por gen es cromossôm icos.
criptas intestin ais. O resultad o fin al é o acúmulo de Em bora E. coli enteropatogênica (Epec) seja consi-
fluido e eletrólitos n o lúmen intestinal e diarreia. d erad a um dos principais agen tes implicad os n a ocor-
A LT-I pod e ser dem onstrada utilizand o-se cultura rência de d iarreia no ser humano (os sinais clínicos são
de tecid os, testes imun ológicos (Elisa, precipitação em graves, prolon gados, com diarreia n ão h em o rrágica,
gel, aglutinação de hemácias, entre outros) ou ainda pelo vômitos e febre em crianças e jovens), a sua importância
teste de alça intestinal ligad a de coelho. na ocorrên cia de doença em animais ainda não foi com-
As exotoxinas STa ( ou ST-I) e STb (ou ST-II) são pletamente esclarecida, e não existem evidências d e que
peptídeo s de 5 kD a. A toxin a STa se fixa à guan ilato p ossam produzir toxin as. A diarreia associada a esse
ciclase (presente na célula intestinal), ativando-a. Ocor- patotipo ocorre em razão da perda de vilosidades intes-
re, então, aumento n a produção de GMPc n o citoplas- tinais, causada p elo processo d e aderên cia ín tim a d a
m a, o que altera o fluxo d e eletrólitos n o intestin o (a bactéria aos enterócitos, que resulta em u m a lesão em
absorção d e sódio é in ib ida e a secreção d e clo r o é pedestal conhecida com o AE (attaching and effacing).
estim ulad a), com con sequen te ocorrência de diarreia E. coli produtoras de toxina Shiga (Stec) estão asso-
(Figu ra 31 .6). ciadas a quadros de colite hem orrágica e síndrom e he-
A STb está associad a prin cipalmente a Etecs isola- molítica urêmica (HUS) no ser hu m ano, e raramente
das de suínos e, em con t raste com STa e EAST- 1, atua causam d oen ça em bovinos ou ovinos, os quais são re-
n o sen tid o de prom over a abertura de canais de cálcio servatórios d o agente. Um subtipo imp ortante de Stec
n a membran a celular. Isso resulta n o aumento d e cálcio é a E. coli ên tero-hem orrágica (EHEC), que é capaz de
in tracelular, o qual ativa as fosfolipases A 2 e C, as quais, causar a lesão AE e expressar as citotoxinas Stxl e Stx2.
p or sua vez, elevam os níveis de prostaglan dina E 2, le- O sorotipo de EHEC 0157:H? é particularmente
vando à secreção de fluid os e eletrólitos. importan te na ocorrên cia d e su r tos de toxin fecções

Células das
microvilosidad es

Na•

GT P GMPc

- - Células das
criptas
tGMPc intestinais

!
Quinase

FIGURA 31.6. Rep resentação do mecanismo de ação da e nterotoxina STa de Escherichia coli.
Ca pítulo 31 • Toxinas bacterianas 367

alimentares associadas aos alimentos de origem animal, o complexo de Golgi e o retículo endoplasmático, quan -
prin cipalmente carn e b ovina. Na década de 1980, os do então a toxina é fragmentada, liberando sua porção
surtos de EHEC 0 157:H7 ficaram conhecidos como A l para o citoplasm a. A subunidade A l apresenta ati-
"doença do hambúrguer': Na atualidade são reconheci- vidade de N -glicosidase, e interage com a subunidade
dos mais de 200 sorotipos de Stec associados aos quadros 60S do ribossomo onde se liga a um resíduo de adenina
de diarreia e síndrom e hem olítica urêm ica em seres da fração 28S. Como resultado, ocorre inibição da sín-
humanos, m uitos deles com reservatórios an im ais. tese proteica e m orte celular (Figura 3 1.7).
As Stecs pro duzem duas citotoxin as Stx l (Shiga Algumas cepas de Stec possuem fatores tóxicos adi-
toxin 1) ou VT-I (verotoxin a) e Stx2 ou VT-II. Essas cionais, tais com o a êntero-hem olisina citolítica plas-
toxinas são codificadas por bacteriófagos lisogênicos e midial (Eh rx), a toxina citoletal distensora ( CDT), a
atuam sob re células Vero e HeLa. A Stxl p ossui alta subtilase (SubAB), a serino protease plasmideal (EspP)
hom ologia com a toxina produzida por Shigella dysen- e a proteína catalase-peroxidase (KatP).
teriae, en quanto a Stx2 apresenta m enos de 60% de si- O diagn óstico das in fecções p o r Stec é realizado
milaridade com a sequência de aminoácidos de Stxl e pela dosagem das toxinas em cultura de tecidos (células
uma variabilidade biológica e antigênica maior. Vero ou HeLa), sondas genéticas ou PCR (Polymerase
Até o m omento for am descritas três variantes de Chain Reaction). A PCR e o sequenciam ento de DNA
Stxl (Stxla, Stxlc e Stxld) e sete variantes da toxina Stx2 são úteis para avaliar a presença desses determinantes
(Stx2a, Stx2b, Stx2c, Stx2d, Stx2e, Stx2f, Stx2g). As va- de virulência, incluindo as toxinas.
riantes dessas toxinas têm relação direta com a gravi- As cepas de E. coli enteroagregativa (Eaec) form am
dade do quad ro (diarreia branda versus diarreia hemor- um padrão agregativo de adesão quando se associam
r ágica e síndrom e urêmica hem olítica), e em algumas com as células HEp-2 e HeLa, com o se fossem tijolos
circunstâncias têm relação epidemiológica com deter- empilhados. Estão associadas a quad ros de diarreia per-
minados hospedeiros, como é o caso da Stx2f, associada sistente, chegando a durar de 7 a 14 dias. Assim com o
aos isolados Stec de pomb os u rb anos e a Stx2e, que para as cepas de Epec e Eiec, não está devidam ente es-
causa a doença do edema em suínos. clarecida a importân cia desses m icrorgan ism os nas
As Stxl e Stx2 são constituídas por uma subunida- infecções n os animais. Em seres humanos, é considera-
de A e cinco subunidades B e são capazes de in ibir a do um patógen o emergente e os surtos têm sido rela-
síntese proteica na célula. As subunidades B ligam -se ao cion ados com a capacidade do agente de colon izar o
glicolipídio Gb3 presente na membrana celular e aden - epitélio intestinal, formar um biofilme in vivo e secretar
tram a célula por um processo de en docitose que ocor- toxin as. Eaecs assemelham-se às Etecs na ligação que
re por m eio de depressões na membran a (coated pits), elas apresentam com as células do intestino delgado, não
as quais são revestidas por uma proteína denominada são invasivas e n ão causam mudan ças histológicas nas
clatrina. As vesículas endocíticas são transportadas até células intestinais onde aderem. A toxina produzida por

Retículo
Complexo de Golgi endoplasmático
....
Eí\====,'?
- - 11 1
-

Ribossomo
!inibição da síntese proteica 1---- 8 ---- @
FIGURA 31.7. Representação do mecanismo de ação da citotoxina Stx de Escherichia coli.
368 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Eaec mais bem caracter izada é a toxina term oestável tem peso molecular de 107 kDa e é citotóxica para cé-
East-1. Seu m odo de ação é semelhante ao da STa de lulas da bexiga urinária e dos rins. Outra Spate impor-
Etec, e promove aumento do GMPc intracelular, cau- tante em sítios extraintestinais é a toxina vacuolizante
sando diarreia osm ótica. (Vat), capaz de induzir a formação de vacúolos em cul-
Eaecs produzem outras toxinas da família das seri- tura de célula HeLa e Vero. Essa toxina é um marcador
noproteases autotransportadoras, denominadas Spate. de virulência importante em E. coli associada a infecções
A toxina Pet ( toxina codificada por plasmídeo) é uma das vias urinárias e E. coli patogênica aviária (Apec).
Spate capaz de induzir a degradação de espectrina, com
alteração na rede de actina e ruptura do citoesqueleto. Toxinas prod uzidas por Salmonella
Outra Spate de Eaec é a Pie (proteína envolvida com a
colonização intestinal). Pie é uma hemaglutinina com O gênero Salmonella é constituído por bastonetes
atividade de mucinase, mas a sua atividade citotóxica Gram-negativos pertencentes à família das enterobac-
ainda não foi comprovada in vivo. A proteína ShET l térias. Podem estar associadas a diferentes doenças em
(enterotoxina de Shigella) causa acúmulo de fluido em seres hum anos, tais como febre tifoide e gastroenterites.
modelo de alça intestinal ligada de coelho, atuando por Nos animais, Salmonella spp. pode estar associada a
meio da sinalização de óxido nítrico e tem comprovada quadros de enterite, abortamento e sepse, podendo aco-
participação na virulência de Eaec. meter bovinos, suínos, ovinos, equinos e aves.
Algumas cepas de Eaec produzem alfa-hemolisina, Os membros desse gênero são capazes de produzir
que promove a formação de p oros na membrana ce- toxinas que atuam como fatores de virulência. Além da
lular, com consequente aumento de cálcio intracelular, presença de endotoxinas, foram descritas três exotoxinas,
p romovendo a fosfo rilação d e m uitas p roteínas da que podem participar da patogênese das doenças asso-
célula-alvo. ciadas a esses m icrorganismos:
E. coli uropatogênica (Upec) é um importante agen-
te etiológico de infecção urinária no ser humano e nos • Enterotoxina (Stn): vários sorotipos de Salmonella
animais, e muitas cepas produzem uma exotoxina que produzem uma enterotoxina (Stn) similar imuno-
é uma hemolisina (HlyA) capaz de formar poros na logicam ente à toxina termolábil de Escherichia coli
membrana celular. e toxina colérica produzida pelo Vibrio cholerae. A
E. coli extraintestinal (ExPEC) podem produzir Stn liga-se às células epiteliais intestinais, onde pro-
fato res necrosantes citotóxicos (CNF l e CNF2), os move o aumento de AMPc intracelular, levando ao
quais possuem a habilidade de alterar a função de pro- acúmulo de eletrólitos e fluidos no lúmen intesti-
teínas celulares. Esse grupo de toxinas é capaz de mo- nal, resultando em diarreia.
dificar e ativar a Rho, que é uma pequena proteína que • Citotoxina: alguns sorotipos de Salmonella produ-
se liga ao GT P e que regula o citoesqueleto da actina. zem uma citotoxina que causa o aumento da per-
CNF 1 e CNF2 são proteínas de aproximadamente 115 meabilidade da célula do epitélio intestinal. A cito-
kDa, sim ilares quan to à sequência de amin oácidos. toxina parece quelar cátions com o Ca2+ e Mg2+, o
CNFs estão associados a quadros de enterites em seres que resulta em alterações estruturais na membrana
human os, suínos e bezerros, bem como a infecções celular, de forma a provocar extravasamento de mo-
extraintestinais em seres humanos, pr incipalmente do léculas por ela, levan do à morte da célula.
t r ato u rinário. Os gen es qu e codificam para CNFl • Fosfolipase A (PLA): é uma enzim a que realiza a
estão localizados no cromossomo, ao passo que CNF2 clivagem de fosfolipídios da membrana celular em
é codificada por plasmídeo. A ação das CNFs consiste ácidos graxos e lisofosfolipídios, em uma reação cál-
n a d eamidação de um resíduo de glutamin a de uma cio-dependente. Sua fun ção na célula não está de-
proteín a Rho para ácido glutâmico, o que resulta na vidamente esclarecida.
formação de uma proteín a Rho incapaz de hidrolisar
o GT P ligado. Consequentemente, formam -se células Toxinas prod uzidas por C/ostridium
multinucleadas e de tamanho aumentado.
Cepas de E. coli extraintestinal (ExPEC) tam bém As espécies q ue comp õem o gênero Clostridium
são produtor as de Spate. A ser in o protease de maior consistem em bastonetes Gram-positivos, anaeróbios
importância nas infecções extraintestinais é a Sat (toxi- e formadores de esporos. Podem ser divididos em dois
na autotransportadora secretada), presente em mais de gr upos: n ão invasivos, q ue colon izam o hosp ed eiro
90% dos isolados de E. coli uropatogênica. Essa proteína de maneira lim itada, ou não o colonizam , in cluindo
Ca pítulo 31 • Toxinas bacterianas 369

C. tetani e C. botulinum; e invasivos, qu e se dissem inam


Sítio de
pelo organismo do hospedeiro a par tir d o ponto ini- Clivagem
cial d a infecção, tendo-se com o exemplos C. perfrin-
gens, C. chauvoei, entre outros.

Toxinas produzidas por C/ostridium tetani


Clostridium tetani é o agente etiológico d o tétano
(do grego teinen, estender), um a doença toxi-infecciosa
s- s
altamen te fat al, caracterizad a por h iperexcitabilidad e
reflexa, contrações musculares tônico-clônicas de grupos HN
musculares ou gen eralizadas, e que geralmente levam o
animal à morte.
A d oença pode ocorrer como resultado da conta-
minação d e ferid as pelos esporos da bactéria presente
no solo. Os esporos se desenvolvem para a forma vege-
tativa quando encontram condições de anaerobiose (p or NH2
exem plo, feridas, queimadu ras etc.) e então se multipli- Hc1
cam e produzem exotoxinas durante a fase estacionária
de crescimento. A forma vegetativa permanece no local Cadeia
leve
de penetração.
O C. tetani pode produzir três t ipos de toxinas: te-
tan ospasmina, tetanolisina e toxin a d e ação periférica Hc2
- A •
nao espasm ogen1ca.
A tetanospasmina (TeNT) é uma n eurotoxina qu e
é responsável p ela m an ifestação dos sinais clínicos da COOH
doença. Essa toxin a e a toxina b otulínica constituem as
toxinas mais potentes que se tem conheciment o. Um Cadeia
pesada
m iligram a ( 1 mg) de TeNT contém 50 a 7 5 m ilhões d e
doses let ais para camu ndongo.
FIGURA 31.8. Representação esquemát ica da estrutura da
A TeNT é sen sível ao pH ácido, termolábil, fotos-
tetanospasmina (TeNT) e da toxina botulínica.
sensível e fracamente absorvida pela mucosa íntegra. É
tóxica para os seres hum anos e vários animais quando
introduzida p or via p arenteral, porém não p or via oral. leve contém o elemento zinco, necessário para a ativi-
É codificada p or plasmídeos. Algumas cep as d e C. teta- d ade de protease zinco-depend ente da toxina.
ni não produzem toxinas, send o in d istinguíveis das O m ecanismo d e ação d a TeNT consiste de qu atro
cepas produtoras em term os d e característ icas fenotí- etapas distin t as: ligação, in ternalização, translocação
. , .
p icas e gen ot1p1cas. pela membrana da célula hospedeira e ação enzim ática.
As várias espécies an im ais apresentam diferen ças A porção amino terminal d a cad eia pesada est á impli-
quanto à suscetibilidade à TeNT: seres humanos, equinos cada na translocação pela membrana, enquanto a porção
e camundongos são os mais sensíveis, ao p asso que aves, carbo xitermin al dessa cadeia pesad a é resp onsável pela
répteis e peixes são refratários. ligação neu ro específica. Por sua vez, a cadeia leve é
A TeNT que é sintet izad a por C. tetani em feridas responsável pela ação catalítica intracelular.
parece não formar com plexos com qualqu er outra p ro- Após a difusão n os flu idos corpóreos a partir do
teína. Ela consiste em cadeias p olip eptídicas de 150 kDa, local on de foi produzida, a TeNT liga-se d e m odo espe-
sintetizad as como polipeptíd eos inativos e, após a lib e- cífico à membrana pré-sináptica da ju nção neuromu s-
ração pela lise bacteriana, a toxina é clivada por diversas cular de neurônios motores.
p roteases teciduais e b acterianas, qu and o, então, duas A natureza química da(s) molécula(s) responsável(s)
cadeias de polipeptídeos ativas de toxin a são geradas: p ela ligação neuro específica de alta afinidade da toxina
u m a cadeia pesada (H - heavy chain, com 100 kDa) e com a m embrana aind a não foi devidamente esclareci-
u m a cad eia leve (L - light chain, com 50 kDa), ambas d a. Acredita-se na participação d e polissialogangliosí-
ligadas por u m a ponte dissulfeto (Figura 31.8). A cadeia deos, presen tes em gran de quantidade n a m embran a
370 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

pré-sináptica, e para os quais as TeNTs teriam afinidade. Acredita-se que a TeNT atua com o protease sobre
Além disso, experim entos indicaram que proteínas pre- proteínas do aparato de neuroexocitose envolvidas na
sentes n a superfície celular poderiam estar envolvidas fusão da vesícula sináptica com a membran a pré-sináp -
com a ligação da toxina. tica, bloqueando-a. A cadeia leve da toxina cliva um dos
O mecanismo de ação da TeNT está apresentado na componentes proteicos da membrana da vesícula sináp-
Figura 3 1.9. A TeNT é internalizada por en docitose tica, a sin aptobrevin a (ou Vamp - Vesicle-Associated
m ediada por receptores, sen do então transportada de Membrane Protein), inibindo a liberação do neurotrans-
m odo r etrógrado n o inter ior do axônio até a medula missor (ácido gama-aminobutírico - GABA - e/ou gli-
espinal. O receptor da TeNT na m embran a é responsá- cina), o que, por sua vez, resulta n a contração muscular
vel pela sua inclusão em uma vesícula que se move de que é observada como paralisia espástica (Figura 31.10).
modo retrógrado no axônio até alcançar o corpo celular A quantidade de toxina que alcança o sistema ner-
n a medula espinal, quando então se funde ao complexo voso central é qu e determ in a a gravidade dos sin ais
de Golgi ou outro compartimento constituído de mem - clínicos. O bloqueio de sinapses inibitórias n a m edula
branas, onde ocorre separação entre a toxina e o recep- espinal prejudica o circuito neuron al, que assegura o
tor. A TeNT sai do complexo de Golgi ou compartimen- equilíbrio das contrações musculares voluntárias, resul-
to de m em branas, no interior de um a vesícula que se tando, assim, em paralisia espástica característica do
m ove em direção aos termin ais den d ríticos, quando tétano. A TeNT promove redução n o núm ero de vesí-
então ocorre liberação da toxina na fen da sináptica en - culas capazes de fusão e liberação, mas n ão altera seus
tre o n eurôn io motor e o interneurônio inibitór io da conteúdos de neurotransmissores ou interfere com seu
medula espinal. A TeNT m igra transinapticamente para processo de síntese e estocagem .
os interneurôn ios inibitórios da medula, quando então A ligação toxina-receptor de membrana é extrema-
a cadeia leve adentra o citoplasm a dessas células (pos- mente difícil de ser revertida. Os anticorpos neutrali-
sivelmente através de canais fo rmados pela cadeia pe- zantes são ineficazes, uma vez que a toxina esteja ligada.
sada da toxina na membran a celular), onde bloqueia a Além da TeNT, C. tetani pode produzir a tetano-
liberação de n eurotransm issores inibitórios. lisina (h em olisin a), que é cap az de cau sar n ecrose

Rb

-~
VE

TeNT

FIGURA 31.9. Mecanismos de ação da tetanospasmina (TeNT) e toxina botulínica (BoNT). A Te NT liga-se ao receptor Rt
na junção neuromuscular e é internalizada por endocitose mediada por Rt. A vesícula endocítica (VE) contendo TeNT e Rt
é t ransportada de modo retrógrado no interior do axônio. A vesícula se funde ao complexo de Golgi (CG) ou outro com-
pa rtimento constituído de membranas, onde oco rre separação entre TeNT e Rt. A Te NT sai do complexo de Golgi ou
compartimento de membranas, no interior de uma vesícula que se move em direção aos term inais dendríticos, quando
então ocorre liberação da toxina na fenda sináptica entre o neurônio motor e o interneurônio inibitório da medula espinal.
A TeNT migra t ransinapticamente para os interneurônios inibitórios da medula, quando então a cadeia leve deixa a V E e
adentra o citoplasma dessas células (possivelmente através de canais formados pela cadeia pesada da toxina na mem-
b rana celula r). A cade ia leve liga-se à Vesic/e-Associated Membrane Protein (Vamp) presente na membrana da vesícula
sináptica (VS) onde bloqueia a liberação de neurotransmissores inib itórios. A BoNT, por sua vez, liga-se ao receptor Rb na
junção neuromuscular e é internalizada por endocitose mediada por Rb. Na vesícula endocítica (VE) ocorre separação
entre Bo NT e Rb. A cadeia leve de BoNT deixa a VE e adentra o citoplasma do neurônio. A cadeia leve liga-se ao seu
receptor presente na membrana da vesícula sináptica (VS) e/ou na membrana neuronal (Vamp, SNA P-25 ou sintaxina,
dependendo do t ipo de BoNT), bloqueando a liberação de acetilcolina.
Ca pítulo 31 • Toxinas bacterianas 371

~ ~&&&&fb&&&&&~&&&&
TeN T ===== BoNT/B
BoNT/D Membrana da vesícu la sináptica
- - - soNT/F
- - - BoNT/G

e
- - - BoNT/A
- - BoNT/C
N BoNT/ E

BoNT/C

wwewwwwwwe .wfltt wweww,w


&&&&&i&&&&.,......IM&&&&~&&&&&itb
Membrana neuronal e Fenda sináptica

FIGURA 31.10. Localização celu lar das proteínas Vesicle-Associated Membrane Protein (Vamp), SNAP-25 (Synaptosome-
-Associated Protein of 25 KDa) e sintaxina, bem como os locais de clivagem da tetanospasmina (TeNT - neurotoxina
p roduzida pe lo C/ostridium tetan1) e das neurotoxinas produzidas pelo C/ostridium botulinum (BoNTs).

focal e cria condições favoráveis para a multiplicação disso, larvas de moscas, que se desenvolvem em carcaças
dos microrganismos. É hemolítica e letal para animais nas quais a toxina foi p roduzida, pod em carrear toxina
de laboratório quand o administrada intravenosamen- suficiente para causar botulismo em aves que se alimen-
te. Atua por meio d a formação de p oros na m embra- tam delas. Nessas larvas, a toxina pode manter-se está-
n a celular. vel por até nove m eses.
C. tetani pode produzir ainda a toxina de ação pe- Vegetação em d ecomposição (presen te em lagos,
riférica não espasmogênica, cuja ação ainda n ão foi lagoas etc.) propicia ambientes adequados para a p ro-
devidamente esclarecida, m as existem evidências d e que dução da toxina, pois nesses locais bactérias aeróbias
tenha uma ação paralítica periférica. utilizam o oxigênio dissolvido na água, crian do, assim,
condições de anaerobiose, nas quais C. botulinum pod e
Toxinas produzidas por C/ostridium botu!inum d esenvolver-se e p roduzir sua toxina. Não se sabe por
A forma d e ocorrência m ais comum de botulismo quanto tempo a toxina pode permanecer estável na água.
(do latim botulus, salsicha) é a intoxicação causad a pela São conhecidos oito tipos toxinogênicos (A-H) que
ingestão d e neurotoxinas pro duzid as por Clostridium produzem toxinas com características genéticas e anti-
botulinum (BoNTs). Após a ingestão, a toxina atravessa gênicas distintas. Todos os tipos são diferen ciáveis por
a p ared e intestinal e alcan ça a corrente circulató ria, meio de provas sorológicas específicas.
sendo carreada ao sistema n ervoso p eriférico; nesse As BoNTs são codificadas por plasmídeos (BoNTs
local se liga aos receptores d as term inações neuromus- A, B, E, F e G) ou bacteriófagos (BoNTs C e D ). Pouco
culares. A toxin a, então, inibe a liberação de acetilcolina, se sabe sobre as características da toxina H. Outras es-
resultand o em paralisia flácida. pécies de Clostridium ( C. butyricum e C. baratii) também
Alimentos (por exemplo, silagens, cama de frango etc.), pod em produzir BoNTs.
carcaças em decomposição, águas paradas, entre outros Nem todas as cepas de C. botulinum p ro d uzem
podem estar contaminados com esporos de C. botulinum. BoNTs. Esse fato pode ser explicado, pois, por exemplo,
Quando estes são mantidos em condições de anaerobiose, no caso das toxinas C e D, o gene que as codifica é car-
ocorre germinação desses esporos, proliferação das formas reado em um bacteriófago temperado ( ou lisogênicos,
vegetativas e produção da toxina botulínica. isto é, aquele cujo material gen ético é incorporad o ao
A toxina pode ser produzida em carcaças em d e- seu genoma) e, portanto, somente as cepas lisogenizadas
composição (a morte do animal cria condições de anae- pelo fago são produtoras d e toxina.
robiose favoráveis p ar a a germin ação dos esporos e Com base em características fenotípicas, fisiológicas
produção das toxinas), as quais são ingeridas por animais e genotípicas, as am ost ras d e C. botulinum foram clas-
com deficiências nutricionais ou apetite depravado. Além sificadas em quatro grupos distintos: as estirpes do gru-
372 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

p o I produzem neurotoxinas A, B e/ou F; no grupo II, mas é tão ativa quanto aquela quando adm inistrada por
estão aquelas que produzem toxin as B, E ou F; no grupo outra via. Esse fato sugere que os componentes n ão tó-
III, aquelas que produzem toxinas C ou D; e n o IV, as xicos da toxin a progen ito ra auxiliam n a proteção da
toxinas do tipo G. Algumas estirpes podem produzir toxina derivativa contra a acidez gástrica, bem com o
dois tipos de toxinas e outros som ente um . contra as proteases digestivas (pepsina e tripsina). Esses
Em ger al, os tip os A, B, E e F estão associados a componentes também p odem estar envolvidos com o
botulismo em seres hum anos, enquanto C e D causam mediadores da absorção da toxina pela mucosa intesti-
a doença em animais. Bovinos tam bém são suscetíveis nal. As ANTPs se dissociam da BoNT em pHs elevados
às toxinas A, B ou E. O tipo G foi relatado em um único (pH igual ou super ior a 8) e podem associar-se nova-
caso de botulism o em ser humano e o tipo H foi detec- mente de m odo espontâneo quando o pH for reduzido.
tado nas fezes de um a criança com botulismo. A toxina derivativa ativa consiste de duas subuni-
As BoTNs são neurotoxin as muito p otentes (da dades proteicas, uma cadeia pesada (100 kDa) e outra
mesm a forma que o é a TeNT, produzida pelo C. tetani), leve (50 kDa), con ectadas p o r uma ponte dissulfeto,
sendo que 1 m g dessa neurotoxina p ode conter até 120 constituindo uma toxina AB, sim ilar à tetanospasmina
milhões de doses letais para camundongos. Seus efeitos, (Figu ra 31.8). Ela é sintetizada ao final da fase logarít-
quando comparados aos da toxina tetânica, são até sete m ica de crescimento e liberada d urante a lise celular
vezes maiores; m enos de 1 µg do polipeptídeo tóxico é como uma proteín a inativa de 150 kD a. A clivagem
letal para o ser humano. dessa proteína por proteases produzidas pelo m icror-
As BoTNs são inativadas em temperaturas superio- gan ism o, b em com o por proteases gástricas, to rna a
res a 80ºC. toxina ativa. Os diferentes tipos de BoNT possuem alto
As neurotoxinas botulínicas e tetânica constituem grau de sim ilaridade de aminoácidos.
u m a categoria de toxinas bacterian as qu e compar ti- O m ecanismo de ação é constituído de quatro etapas
lh am sem elh anças quan to à estrutura, ativid ade en- distintas, da mesm a forma como observado para a TeNT:
zimática e alvos celulares no sistema nervoso. A com - ligação, internalização, translocação pela membran a da
paração de sequências de nucleotídeos e am inoácidos célula hospedeira e ação enzimática. A porção amino-
de BoNT e TeNT in dica que am bas d erivam d e u m terminal da cadeia pesada está implicada na transloca-
gen e ancestral comum. ção pela m embrana, e acredita-se que ela seja respon -
Além do ser hum ano, outras espécies, como bovinos, sável pela formação de um canal na membrana neuronal,
ovinos, suínos, equinos, aves, m acacos, felinos e cães, são permitindo que a cadeia leve adentre a célula. A porção
suscetíveis à ação letal da toxin a botulínica. Todas as carboxi terminal dessa cadeia pesada é responsável pela
aves, à exceção das pertencentes ao gênero Sarcarhonphus ligação n euro esp ecífica. Por sua vez, a cadeia leve é
sp. (ur ubu), são susceptíveis. Suín os e carn ívoros são responsável pela ação catalítica intracelular, sendo que
relativamente resistentes à sua ação. ela contém zinco, elem ento necessário para a atividade
A BoNT con siste em uma gran de p roteín a (150 de protease zinco-dependente da toxina.
kDa), e existe na natureza sob a form a de complexos de TeNT e BoNT ligam-se à mem brana pré-sináptica
tamanhos variados, constituídos pela própria neuroto- da junção neuromuscular, mas possuem destinos intra-
xin a b otulínica e uma ou mais proteín as n ão tóxicas celulares totalmente distintos: as BoNTs atuam n a jun-
associadas (ANT Ps). Essas ANTPs incluem hemagluti- ção n eu rom u scular, en qu anto a TeNT m igr a p ara o
ninas (HAs), não hem aglutininas não tóxicas (NT NH ) sistem a n ervoso central.
e proteínas denominadas OrfX com funções ainda des- As m anifestações clín icas antagônicas associadas
conhecidas. As TeNTs, por sua vez, não form am com - às ações das BoNTs e TeNT (uma causan do p aralisia
plexos com outras proteínas. Acredita-se que as ANTPs flácida e a outra paralisia espástica, respectivamente)
conferem proteção e estabilidade à toxina quando esta são consequências dos neurôn ios específicos acome-
A

se en contra no estomago. tidos e tipos d e neurotransm issores cujas liber ações


Em con dições naturais ou in vitro, as BoNTs estão são bloqueadas.
associadas às ANTPs p or meio de ligações covalentes, Todos os tipos de BoTN são sensíveis a baixos pHs
fo rmando os complexos botulínicos, cujos tam anh os e proteases do suco gástrico. Para proteger-se durante a
variam de 230 a 900 kDa. O complexo é denominado passagem pelo estômago, as BoTNs são produzidas como
"toxina progen itora': e a toxina propriamente dita é de- complexos com outras proteínas, sendo que os comple-
nominada "toxina derivativa': Essa última é m enos efe- xos que conseguem ultrapassar a barreira do estôm ago
tiva que a progenitora quando administrada oralm ente, dissociam-se quando em presença de pHs mais elevados
Capítulo 31 • Toxinas bacte rianas 373

do intestino, e as BoTNs são absorvidas pelo epitélio estão presentes na m embrana das vesículas sinápticas,
intestinal, adentrando a corrente sanguínea. ao passo que Snap-25 e sintaxin as estão associadas à
A neurotoxicidade resulta de um a sequência de três membrana plasmática. Essas proteínas formam um com-
etapas, n as quais a toxina se liga aos receptores n euro- plexo que perm ite a fusão da m em bran a da vesícula
musculares, é internalizada e, finalm ente, exerce sua ação sináptica à m embrana plasmática, após a qual ocorre a
tóxica (Figura 3 1.9). Os receptores específicos para a liberação do neurotransm issor. Dessa form a, a clivagem
cadeia pesada estão localizados na superfície da mem- de uma proteína Sn are impede a fusão da vesícula e,
brana pré-sináptica dos neurônios m otores, porém sua consequentem ente, a acetilcolina não é liberada na fen-
natureza quím ica ainda não foi devidamente esclarecida. da sináptica (Figura 31.1O).
Da mesm a forma como observado para o tétano, A cadeia leve da toxina cliva um dos componentes
existem hipóteses sugerindo a participação de polissia- da membrana da vesícula sináptica. As BoTNs B, D, F e
logan gliosídeos, presentes em gran de qu antidade n a G clivam a Vamp; as BoT Ns A e E clivam a proteína
membrana pré-sináptica e para os quais as BoTNs teriam Snap-25, e a BoNT C cliva a Snap-25 e a sintaxina. Des-
afinidade. Alguns estudos mostraram que as proteínas sa form a, ocorre inibição da liberação do neurotrans-
da membrana da vesícula sin áptica, denominadas si- missor (acetilcolina), o que resulta na inibição da con -
naptotagminas (SYTs), poderiam ser receptores para as tração muscular, que é observada como paralisia flácida.
BoNTs. As BoNTs A e B poderiam interagir com essas Os locais de clivagem dessas proteínas variam de
proteínas na presença de gangliosídeos. acordo com a toxina envolvida, exceto para BoNT B e
Embora a toxina se ligue rapidamente aos seus re- TeNT, que clivam a Vamp no mesmo local e, dessa for-
ceptores, não produz seus efeitos imediatamente. D u - ma, compartilham o mesm o m ecanismo molecular de
rante o período no qual a toxina está ligada aos recep- ação, embora seus efeitos estejam associados a sin ais
tores, mas ainda sem produzir seus efeitos tóxicos, ela clínicos opostos.
não pode ser neutralizada por antitoxin as, pois a ligação O efeito da toxina está relacionado ao decréscim o de
tem caráter irreversível. Esse período pode ser prolon- acetilcolina liberada pelos impulsos nervosos, tendo em
gado por temperaturas baixas. vista a menor quantidade de vesículas sinápticas liberan-
O mecanismo de internalização da toxina ainda não do seu conteúdo. A p aralisia flácida ocorre quando a
foi devidamente esclarecido, porém acredita-se que deva quantidade de acetilcolina liberada é inferior àquela ne-
ocorrer por endocitose mediada por receptores. As ve- cessária para gerar uma resposta normal do músculo.
sículas conten do BoNT permanecem n a extremidade Q uan do a toxina é injetada por via parenteral, são
da terminação nervosa. A toxina adentra os neurônios necessárias doses muito menores para causar a morte
e, então, ocorre acidificação no inter ior das vesículas do que quan do ela é ingerida.
(endossomos) contendo as toxinas. A partir disso acre- O efeito da toxin a é basicam ente o mesmo n os
dita -se que a região amino terminal da cadeia pesada diferentes animais, caracterizado por paralisia flácida,
forme um canal na membrana dos endossomos, permi- a qual, ao envolver os m úsculos respiratórios, resulta
tindo a tran slocação da cadeia leve para o citoplasma em óbito.
celular. Uma vez n o citoplasma, a cadeia leve exerce sua Há que se referir ainda que linhagens de C. botuli-
atividade catalítica ( constituem endoproteases). num do grupo III são capazes de produzir citotoxinas
O p rin cipal efeito da toxin a ocorre no n ível das C2 e C3, além das neurotoxinas C e D. As citotoxinas
terminações nervosas motoras, nas quais ocorre inter- C2 e C3 são importantes membros da família das ADP-
ferên cia no m ecanism o de liberação da acetilcolina, e -ribosil-transferases.
não com sua síntese ou empacotamento no interior das A toxina C2 é uma toxina AB que possui o m esmo
vesículas. Assim como ocorre com a TeNT, as BoTNs tamanho da toxina botulín ica, bem como as estruturas
impedem a fusão das vesículas sinápticas à m embrana das cadeias leve e pesada semelhantes. Ela aumenta a
plasmática da terminação nervosa (Figura 31.9). permeabilidade vascular, atuando como uma enteroto-
As BoTNs atuam como proteases sobre as proteínas xina clássica (promove a liberação de fluidos da muco-
Snare (soluble N-ethylmaleimide-sensitive factor attach- sa intestin al) e é letal para camun don gos. Não causa
ment protein receptor) do ap arato de neuroexocitose paralisia e n ão é uma neurotoxina. Os principais efeitos
envolvidas na fusão da vesícula sináptica com a mem - da toxina C2 incluem alteração na m orfologia celular
brana pré-sináptica, bloqueando-a. O complexo de pro- ( arredondamento de células), inibição da m igração e
teínas Snare é form ado pela Vamp, Snap-25 (synaptoso- ativação de leucócitos e alteração dos processos de en -
me-associated proteins of25 kDa) e sintaxina. As Vamps docitose e exocitose.
374 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

É possível que a toxina C2 auxilie na dissem inação C. perfringens está classificado em sete tipos (A, B,
da toxin a botulínica no organismo, por meio do aumen- C, D, E, F e G), classificação baseada na produção de
to da perm eabilidade vascular, sendo que não é neces- quatro toxinas letais m aiores, antigenicam ente distintas
sária para a produção dos sintom as do botulismo. Induz e termolábeis: alfa (CPA), beta (CPB), épsilon (ETX) e
lesões hemorrágicas intestinais em aves. Deve-se salien- iota (ITX); e duas toxinas menores, a enterotoxina (CPE)
tar, ainda, que cepas que produzem som ente toxina bo- e a toxina B-like (NetB) das estirpes que causam ente-
tulínica, m as não a toxina C2, produzem todos os sin- rite necrótica em aves. Podem produzir ainda diversas
tomas do botulismo. outras toxinas menores: delta, gama, theta, kappa, lamb-
A toxin a C3 é uma proteín a de 25 kD a, estável a da, mu e nu (Quadro 31 .3).
tratamento com calor e tripsina. Atua como ADP-ri-
b osil-transferases, prom ovendo a inativação da pro- Toxina alfa
teína Rh o, a qual está envolvida no controle da poli- A toxina alfa foi a prim eira toxina bacteriana para a
merização d a actina. Os efeit os de C3 incluem: qual um m ecanismo de ação bioquímico foi reconheci-
despolimerização da actin a, inibição da agregação e do ao nível m olecular, em 1941. Trata-se de um a fosfoli-
adesão de plaquetas e linfócitos, inibição da contração pase C, também denominada folfatidilcolina colinefos-
de m úsculos lisos, alteração dos processos de endoci- fo-hid rolase, e atua preferencialmente nos fosfolipídios
tose e fagocitose. Seu papel no botulismo é ainda m ais esfingomielina, fosfatidilcolina (lecitina), fosfatidiletano-
incerto do que para C2. lamina, fosfatidilserina e glicerofosfatidios. Essa toxina
catalisa a hidrólise do fosfodiéster ligado à posição 3 da
Toxinas produzidas por C/ostridium perfringens molécula de lecitina (presente na m embrana plasmática
O m icrorganismo é amplamente distribuído no solo, das células), produzindo a fosforicolina e o 1,2-diacil-
sendo também encontrado no trato intestinal de seres glicerídeo. A hidrólise da lecitina ativa a proteinaquina-
humanos e animais. As principais doenças associadas a se C, estimulando, assim, a cascata do ácido aracdônico
- . . , .
esse agente sao a enterotoxem 1a, enter1te n ecrot1ca e que induz à produção de mediadores inflamatórios, os
gangrena gasosa. Deve-se mencionar, ainda, a ocorrên- quais desencadeiam todas as manifestações clínicas locais
cia de casos de intoxicação de origem alimentar em e sistêmicas associadas às doenças causadas por C. per-
seres humanos, associadas a esse microrganism o. fringens. A hidrólise dos fosfolipídios da membrana ce-
A multiplicação desses m icrorganismos é acom- lular resulta em lise da célula. A ruptura das m embranas
panhada pela produção de toxin as solúveis que se di- celulares, causada pela toxina, pode explicar a lise dos
fun dem dos locais onde fo ram produzidas, lesando os eritrócitos, a destruição dos tecidos e o edema observados
tecidos circunvizinhos. A ação combinada das diferen - na enfermidade.
tes toxin as p roduzidas promove um inten so edem a O peso molecular dessa toxina varia entre 49 kDa
local, qu e d ific ulta a circulação sanguín ea e reduz a e 53 kDa e possu i u m p o nto iso elétrico de 5,4. As
tensão de oxigênio, o que resulta em um ambiente con dições ótimas para a sua pr odução ocorrem em
ain da mais favorável para a p roliferação bacteriana, meio com pH 7,0 e a 37ºC. A fosfolipase C é um a enzi-
destruindo grande quantidade de tecido atingido, cau- ma termoestável que pode manter 45% de sua ativi-
sando toxemia e morte do animal. dade após aquecimento até 1OOºC por 1O a 15 minutos.

QUADRO 31.3. Tipos de C!ostridium perfringens e toxinas a eles associadas


Toxina
Tipo de C/ostridium
,
perfringens Alfa Beta Epsilon lota CPE NetB Delta Theta Kappa Lambda Mu Nu Eta Gamma

A + + + + + #
B + + + + + + + + + #
e + + + + + + + + #
D + + + + + + + +
E + + + + + + +
F + + # # # # # # # #
G + + # # # # # # # #
+ produzido pelas cepas; - não produzido pelas cepas; # existência não confirm ada.
Ca pítulo 31 • Toxinas bacterianas 375

É antigên ica e pr oduzid a por to das as estirpes de C. o que pode levar à diminuição na liberação de íons cál-
perfringens. O zinco estabiliza a fosfolipase C em pre - cio dos m iócitos, que, por sua vez, causa redução n a
sença de proteases - quando essa enzima é produzida função sistólica e diminuição na contratibilidade. Se essa
pela bactéria ela é inativa, e somente quando se com - redução na função do miocárdio for significante, ocor-
bina com o zinco p ode-se detectar sua atividade enzi- rerá diminuição substancial na potência cardíaca, que
m ática. Cátion s bivalentes e detergentes carregados pode ser responsável pelo choque que é observado nas
p ositivamente ativam a fosfolipase C quando se asso- infecções por C. perfringens.
ciam aos substratos. A fosfolip ase C pode ser inibida Essa toxina desempenha importante papel n as pa-
por fosfatos, citratos, flúo r e p or substân cias que se togêneses das doenças associadas a esse m icrorganism o.
ligam com o cálcio. Ela é produzida n o foco da in fecção e se difunde aos
Entre as principais características biológicas da to- tecidos circunvizinhos.
xina alfa estão: capacidade de causar necrose local na
pele (dermonecrótica) quando inoculada em dose sub- Toxina beta
letal intradermicamente em cobaios ou coelhos; apre- A toxina beta produzida por Clostridium perfringens
senta letalidade para animais de laboratório tais como é constituída por uma cadeia simples de proteína com
camundongos, cobaias e coelhos, quando administrada peso molecular de 28 kD a e ponto isoelétrico de 5,4 a
parenteralmente; capacidade in vitro de hem olisar eri- 5,5. É term olábil, pois perde 75% de sua atividade bio-
trócitos de alguns animais. Essas três características da lógica após 5 m inutos a 50ºC, e é destruída pela tripsina
toxin a alfa atu am em conju nto p ara desen cadear os após 30 m inutos a 37ºC. Essa toxina atua pela form ação
sinais clínicos da doença, porém , eventualmente, podem de poros n a membrana celular.
expressar-se separadam ente m odifican do o grau de A toxina beta purificada apresenta dose letal m íni-
purificação da toxina. ma de 4 m g em cam undongos, ao passo que a inocula-
Pode-se verificar a ação da fosfolipase C pela fo r- ção intradérmica de 2 ng resulta em um efeito derm o-
m ação de um halo opaco em meios de cultivo que con - n ecrótico. Ap ós a ad m in istração d a toxina em alça
ten ham lecitina. A ação da toxina alfa é evidente sob intestinal ligada de cobaia, observa-se hem o rragia e
vários aspectos, tais como a observação de pequen as necrose da m ucosa intestinal e, em coelhos, verifica-se
gotículas de gordura presentes na superfície do tecido paralisia do jejuno e íleo. A administração intravenosa
acom etido, provavelmente resultantes da hidrólise da da toxina causa aum ento da pressão sanguínea.
lecitina presente na membrana celular, com consequen -
te liberação dos lipídios a ela associados. Os "êm bolos Toxina épsilon
gordurosos" encontrados nos pulm ões podem resultar A prototoxina épsilon apresenta peso molecular de
da ação dessa enzim a, bem como ocorre com a destrui- 23-25 kDa, sendo produzida durante a fase logarítmica
ção dos leucócitos, cuja parede celular é facilmente rom- de crescimento bacteriano, aparentem ente no interior
pida pela ação da lecitinase. d a célula, e difundin do-se n o m eio circunvizinh o. A
Os eritrócitos de bovinos e cam un don gos são os prototoxina foi identificada tanto em células vegetativas
m ais suscetíveis à ação h em olítica da toxina alfa. Ocor- quanto em esporos. Acredita-se que há ativação espon-
re hem ólise m oderada em células de coelh os, ovelhas e tânea da prototoxina por enzimas proteolíticas. O pon-
hum anos, enquanto os equinos apresentam eritrócitos to isoelétrico para o principal pico de prototoxina é 8,02,
relativamente resistentes. Eritrócitos de algum as espécies enquanto a toxina épsilon ativada apresenta dois picos
animais, tais com o a ovina, apresentam o fenôm eno da principais com valores de 5,36 e 5,74.
lise do "calor-frió' - as hem ácias n ão se rompem quan- A toxina épsilon n ão é hem olítica, m as é necrosan-
do expostas à toxina a 37ºC, m as o fazem a 4ºC. te quando inoculada intradermicam ente em cobaias e
A toxina alfa é capaz de lisar plaquetas e leucócitos, coelhos, e altam ente letal quan do administrada por via
estim ular a eliminação de h istamina dos m astócitos e parenteral em animais de laboratório, tais como camun-
causar danos às membranas celulares de fibroblastos e dongos, coelhos e cobaias. Apresenta ação de permease
células musculares. A formação de trombos em vênulas, e tripsina e atua n a formação de poros n as m embranas
capilares e arteríolas é uma consequência importante celulares. Causa aumento na perm eabilidade vascular,
da ação da toxina n o início da patogênese da n ecrose, estan do fortem ente implicada n a ocorrência do edem a.
observada na sintomatologia. A contração do íleo pode ser induzida pela toxina
Essa toxina é um a grande inibidora da bomba de épsilon, a qual pode ativar a bomba de sódio, resultando
cálcio do retículo sarcoplasm ático das células cardíacas, na liberação de acetilcolina pelas terminações nervosas
376 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

colinérgicas. Esse fato, consequentemente, aumenta a ficados no grupo G. Essa toxina é codificada pelo gene
disponibilidade de íons cálcio, causando contrações na netB, presente no locus NELocl , em u m gran de plas-
m usculatu ra lisa. mídeo conj ugativo.
D o m esmo modo que a en terotoxina CPB, a toxina
Toxina iota NetB possui um a similaridade parcial com a alfa-hemo-
De maneira semelhante à toxina épsilon , a toxina lisina produ zid a por S. aureus. O m ecan ismo de ação é
iota é ativada para sua forma tóxica por ação de enzim as baseado na p rodução de poros heptam éricos e hid rofí-
p roteolíticas, tais como a t ripsina ou p roteinases. Seu licos na m embrana d as células, com diâmetro aproxi-
º
peso m olecular é de 45 kDa, é termolábil, podendo ser mado de 26 A, com consequente alteração do influxo
inativada entre 53 e 60ºC por 15 m in utos. Apresenta de íons d e Na+, c 1- e Ca2+, resultando em morte celular.
efeito derm onecrótico quando inoculada intrad ermica- A perda de enterócitos em frangos com enterite ne-
men te em cobaias e, po r via intravenosa, é letal p ara crótica tem sido descrita como consequência da destruição
esses an im ais. Atua com o uma ADP-ribosil-transferase, da lâmina própria, matrix extracelular e ju nções intrace-
sendo que os principais efeitos dessa ação incluem alte- lulares. Os receptores específicos de NetB ainda não foram
ração na morfologia celular (arredondamento de células), identificados e a ocorrência da doença nas aves depende
inibição da m igração e ativação de leucócitos e alteração de uma série d e fatores predisponentes, tais como idade,
dos processos de en docitose e exocitose, de maneira quantidade de fibras na dieta, in gestão de farinha de peixe,
similar ao observado para toxina C2 de C. botulinum. presença de parasitas do gênero Eimeria spp., entre outros.

Enterotoxina CPE Toxina delta


A enterotoxina CPE é uma proteína term olábil com A toxina delta é uma hemolisina que apresenta peso
peso molecular d e 34 a 36 kDa e ponto isoelétrico de molecular de 42 kDa e um ponto isoelétrico de 9,1. Atua
4,3. Ela é sintetizada du ran te a esporulação. Pod e ser form ando poros na memb rana celular. Verifica-se imu-
destruída a 60ºC por 5 m in utos. O gene que codifica nogenicidad e em coelhos e é letal para cam u ndon gos.
essa toxina, cpe, pode estar inserido em plasmídeos ou Não se observa efeito necrosante quando inoculada
no cromossom o bacteriano. intradermicam ente em cobaias e promove hemólise d e
A enterotoxina CPE é formad ora de poros na mem - eritrócitos de ovinos, bovinos, caprinos e suínos. Entre-
brana, cujos receptores são moléculas de claudinas. Sua tanto, esse efeito não foi observado nas espécies equina,
ação leva à alteração osmótica, com acúmulo de líquido humana e nem em coelh os.
nas alças intestinais de coelh os, ovinos e roedores. Ocor-
rem efeitos parassim patomiméticos ap ós in oculação Toxina theta
intraven osa em coelh os, cordeiros e cobaias. Esses efei- A toxina theta também é chamad a d e perfri ngoli-
tos incluem: aumento da permeabilidade capilar, vaso- sina O . Trata-se d e u ma h emolisina oxigênio-lábil (é
dilatação dos vasos sanguíneos intestinais e aumento da inativada quando exposta ao ar). Essa toxina é uma ci-
motilidade intestin al. Outros efeitos sistêm icos são d iar- tolisin a que apresenta atividade citolítica em muitos
reia, lacrimejam ento, salivação, secreção nasal, dispneia tipos de células, den tre os quais se podem citar os eri-
e congestão do fígado, pulmões, baço e r ins. trócitos. Ela apresen ta o radical SH, essencial para a sua
O sítio primário onde a CPE parece ser ativa é nas atividade hemolítica. Essa toxina atua pela form ação d e
microvilosidades dos enterócitos, onde se pode observar poros na membrana celular.
descamação da célula acometida com eventual necrose. A toxina theta apresen ta peso m olecular de 59 a 74
A consequência principal da produção de CPE é diarreia, kDa e pon to isoelétrico de 6,5. É uma toxin a termolábil
com dor abdominal, de autorresolução em um período que pode ser destruída a 60ºC por 30 m inutos. Tem ativi-
de um ou dois dias. Mas, em determinadas circu nstân- dade hemolítica ótima a 37ºC, bem como em pH 6,7 a 6,8.
cias, o contato prolongad o de CPE com as células intes- Um a das p rincipais características da toxina theta
tinais pode resultar em absorção da toxina, e ao atingir é a perda irreversível de sua ativid ade biológica em pre-
a circulação sistêmica, com consequente hipopotassemia sença de colesterol. Essa toxina é letal, necrosante, car-
que leva ao óbito d o paciente. diotóxica e pode liberar h istamina de plaquetas, ocasio-
nando aumento da permeabilid ade vascular.
Toxina NetB A toxina theta induz a expressão de fatores ativa-
A toxina NetB relaciona-se com isolados de fran - dores de plaquetas (PAF - platelet activatingfactors) em
gos de corte com qu adro de enterite n ecrótica, classi- células end oteliais e, da mesma forma que a listeriolisi-
Ca pítulo 31 • Toxinas bacterianas 377

na, atua sobre a migração e atividade de polimorfonu- Existem quatro tipos sorológicos de C. novyi (A, B, C
cleares e promove sua ad esão a células endoteliais pela e D - esse último atualmente denominado de C. haemoly-
regulação da expressão de proteínas d e adesão. ticum ), classificados de acordo com o tipo de toxina que
produzem (Quadro 31.4). Foram identificadas as seguin-
Toxina kappa tes toxinas: alfa, beta, gama, delta, épsilon, zeta, eta e theta.
A toxina kappa apresenta peso molecular de apro- A m ais importante toxina produzida pelo C. novyi
ximadamente 80 kDa. É uma proteína termolábil, po- é a toxina alfa. Ela é necrosante e letal. A sua ação está
dendo ser d estruída a 60ºC por 1O minutos e sensível a relacionada a danos no nível do endotélio capilar no
pH igual ou inferior a 4,5. Apresenta atividade de cola- local de invasão do microrganismo, tendo em vista que
genase e gelatinase, catalisando a região n ão polar da causa aumento de permeabilidade vascular com conse-
molécula d e colágeno. É respon sável pelo aspecto gela- quente edema grave. Atua como glicosil-transferase,
tinoso observado no músculo acometido. modificando a proteína Rho. É produzida durante a fase
A toxina kappa é letal quando injetada intraveno- de crescimento do microrganismo. Possui ação citopá-
sam ente em camundongos e causa necrose quando ino- tica, conforme demonstrado em culturas de células (fi-
culada intradermicamente em coelhos. A administração broblastos de galinha, rim de macaco). Promove altera-
parenteral em cobaia resulta em uma intensa destruição ção na conformação da célula (arredondamento celular),
do tecido conjuntivo e severa h emorragia pulmonar. pois cau sa d estruição dos microfilamentos do citoes-
queleto celular. Danos extensos aos músculos e fígado
Toxina mu são evidenciados pelo aumento nos valores plasm áticos
A toxina mu é uma hialuronidase que atua na libe- de certas enzimas intracelulares, como desidrogenase
ração de glicosamina do ácido hialurônico. É termolábil, lática e transaminase oxalacética glutâmica. Essa toxina
podendo ser destruída à temperatura de aproximadamen- pode ser inativada por proteases e agentes oxidantes.
te 50ºC. Mantém a sua atividade no intervalo de pH entre A toxina beta é uma lecitinase. Já a toxina gama é
3,9 e 8,5. Apresenta atividade hemolítica, necrótica e letal, uma fosfolipase C, que promove hidrólise da lecitina
b em como causa aumento de permeabilidade cutânea. com efeitos similares aos da toxina alfa de C. perfringens;
também tem ação h emolítica e necrosante.
Toxina nu A toxina delta é uma hemolisina oxigênio-lábil.
A toxina nu é uma desoxirribonuclease, sendo pro- A toxina épsilon é uma en zima com atividade lipo-
duzida durante a fase logarítmica de crescimento do lítica, cujo efeito ainda não foi devidamente esclarecido.
microrganismo. É termolábil e pode ser inibida por íons A toxina zeta é uma hemolisina pouco caracterizada.
de m etais bivalentes, tais como o zinco e o cobre, bem A toxina eta é uma tropomiosinase, capaz de de-
como por citrato. Apresenta atividade letal, hemolítica gradar a tropomiosina e miosina, podendo desempenhar
e citotóxica, destruindo o núcleo de células polimorfo- um papel n a destruição da musculatura.
nucleares e células musculares. A toxina theta é uma lipase produzida por cepas
de C. novyi tipo B, em quantidades muito p equenas.
Toxinas produzidas por C/ostridium novyi
Esse agente está amplamente distribuído no solo, sen- Toxinas produzidas por Clostridim sordelli
do também encontrado no trato intestinal do ser humano Esse microrganismo está associado a quadros de
e de animais. Entre as doenças a ele associadas estão: gan- gangrena gasosa (bovinos, ovinos, equinos e suínos),
grena gasosa (bovinos, ovinos e suínos), edema maligno enterotoxemia (bovinos e ovinos) e enterite hemorrá-
(ovinos) e hemoglobinúria bacilar (bovinos e suínos). gica (bovinos e ovinos).

QUADRO 31.4. Tipos de C/ostridium novyi e toxinas a eles associadas


Toxina
Tipo de C/ostridium novyi ,
Alfa Beta Gama Delta Epsilon Zeta Eta Theta

A + + + +
B + + + + +
e
D +
+ produzido pelas cepas; - não produzido pelas cepas.
378 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

Produz uma exotoxin a d en om inada sordelisina, 27 kDa e é term olábil. É ativada por clivagem proteo-
uma lecitinase bastante poten te, que pode ser inativad a lítica levan do à form ação de p oros na membrana celu-
a 70ºC du ran te 20 minutos. Essa tox ina é sorologica- lar. É uma toxina letal, h em olítica e n ecrosan te. A ino -
m ente relacionada à toxin a alfa de C. perfringens. Atua culação do componente imunogênico solúvel em animais
por m eio da form ação de poros n a m embrana celular. eleva consideravelmen te o título de anticorpos prote-
Também produz outras duas exotoxin as, com peso tores. A inoculação da toxina alfa, por sua vez, não pro-
molecular en tre 250 e 300 kDa, a toxina letal (LT-lethal voca o m esm o efeito.
toxin) e toxina hemorrágica (HT- hemorrhagic toxin), C. chauvoei pod e p ro duzir também a toxina beta,
ambas atuando com o glicosil-transferases, d e m aneira que é uma d esoxirribonu clease. Geralmen te é produzi-
similar como d escrito para a toxina alfa de C. novyi. d a n a forma ativa. É razoavelm ente resisten te ao calor,
As lesões causadas por C. sordelli são caracterizadas suportand o a exposição a 95ºC durante 10 m inutos sem
por grand es ed emas, sem elh antes às lesões produ zid as perd a apreciável da ativid ade.
por e. novyi. A toxina gama p roduzid a por esse m icrorganismo
é uma hialu ron idase. Já a toxina delta é u ma hemolisina
Toxinas produzidas por C/ostridium septicum oxigênio-lábil, termolábil e inativada pelo colesterol, que
Esse microrgamismo é o principal agen te associado se relacion a sorologicamente com a estreptolisina O, a
ao edem a maligno, considerado o carbúnculo sintomá- toxin a theta de C. perfringens, a tetanolisina e a toxin a
tico falso. Ele p rodu z diferentes toxinas, sen do a alfa a d elta d e C. novyi.
m ais importan te. As diferentes linhagen s d e Clostridium chauvoei
A toxina alfa é secretad a com o u m a protoxin a d e variam significantemente em suas h abilidades para p ro -
46 kDa, que é ativada p or clivagem p roteolítica. Possui duzir essas toxinas.
atividades lecitinolítica, h emolítica, necrosante e letal.
Atu a p o r m eio d a fo rmação de p oros n a mem bran a Toxinas prod uzidas por Bacillus
celular. É oxigênio-estável.
O m icrorgan ismo produz outras toxin as cujas ações Os m icrorganism os do gên ero Bacillus são basto-
con tribuem para a invasão tecidual, como a toxina beta netes Gram-positivos, aeróbios, formado res de espo-
que é uma desoxirr ibon uclease; a toxina gam a, u m a ros, t ípicos h ab itantes da águ a e solo. As b actér ias
h ialu ron id ase; e a toxina d elta, que é h em olítica e n e- d esse gênero apresentam pouco ou n enhum poten cial
crosante e oxigênio -lábil. p atogênico , o corren d o co mumente como contam i-
nan tes. São con siderad os patogênicos som ente B. an-
Toxinas produzidas por C/ostridium chauvoei thracis e B. cereus.
Esse microrgan ismo é o agen te etiológico d o car-
búnculo sintomático. A forma vegetativa d o m icrorga- Toxinas produzidas por Baci//us anthrocis
nismo produz toxin as capazes de induzir n ecrose m us- B. anthracis é o agen te etiológico do carbún culo
cular local e toxemia. h emático, doença tam bém d en omin ada an traz, pústula
A ação das toxin as leva a u m quadro de m iólise malígn a, carbún culo bacteriano e febre esplên ica.
focal que progride com o tem po. O m úsculo afetado O microrganismo apresenta um plasmídeo de 182 kb,
adqu ire coloração verm elh o -escura, apresenta flu ido d enominado pXOl, que carreia os gen es pagA, lef e cya,
sero-sanguin olen to e torna-se crepitan te em virtude os quais codificam para os componentes de um a exoto-
da produ ção de gás. Ocorre destruição d o núcleo das xin a form ada p or três polipeptídeos distintos, relativa-
células musculares, provavelmente causada pela to - men te instáveis: fator edem a (EF) ou fator I (gen e cya),
xin a beta. antígen o protetor (PA) ou fator II (gen e pagA), e fator
As toxin as circulantes e os produtos de degrad ação letal (LF) ou fator III (gene lej).
do tecido acometido levam a um qu adro d e toxem ia Quando considerados isolad am ente, esses fatores
fatal, com alterações d egenerativas no m úsculo cardía- n ão são tóxicos, m as a com b inação de PA e EF causa
, - .
co e orgaos parenqu1matosos. edema no ponto d e inoculação, e a combinação d e PA
As exotoxinas p rodu zid as pelo microrganismo in- e LF causa morte de animais de laboratório. A presença
cluem a toxina alfa, a qual aparentemen te n ão é for- de PA é necessária para a ligação e intern alização de EF
mad a como tal, m as sim como parte de um com ponen- e LF n a célula d o hosped eiro.
te solúvel (peso m olecular de 53 kD a) do qual ela se O antígeno protetor (PA), uma proteína de 83 kDa,
d isso cia espon tan eamen te. Possui peso molecular d e liga-se a receptores na superfície celular d en omin ados
Capítulo 31 • Toxinas bacte rianas 379

ANTXRl (anthrax toxin receptor 1 ou TEM8 - tumor qual pode se m anifestar sob a forma de duas síndromes
endothelium marker-8) o u ANTXR2 (anthrax toxin distintas: a emética, com per íodo de incubação curto
receptor 2). Nesse m om ento, o PA sofre clivagem por (1-5 horas), caracterizada pela ocorrência de vôm itos e
proteases, as quais removem um fragmento de 20 kDa associada ao con sumo de alimentos (principalmente
(PA20) da porção amino terminal, deixando outro de 63 arroz), n os quais a toxina estaria pré-form ada; e adiar-
kDa (PA63 ) ligado ao receptor. O PA63 forma um an el reica, com período de incubação longo (8-16 horas),
com forma de heptâmero que se liga ao fator de edema caracterizada pela ocorrência de diarreia e associada ao
(EF) ou ao fator letal (LF). O complexo (PA63 -LF ou consumo de diferentes tipos de alim entos (carnes, leite,
PA63 -EF) sofre endocitose - é possível que PA63 form e entre outros), sendo que a toxina é produzida no intes-
um can al na m embran a permitindo a entrada do fator tino do hospedeiro.
letal ou do fator edema. Um a vez no interior da célula, Nos quadros de intoxicação alim entar, se observam
a acidificação do en dossom o resulta em alteração na dois tipos de eventos: a síndrome em ética e a diarreia.
conform ação da molécula de PA, levando à inserção do A fo rma emética está relacio nada com a toxina
heptâmero n a m em b ran a en d ossom al. Q uan do isso emética, tam bém denom in ada cereolisina. Ela é ter-
ocorre, EF ou LF p odem atravessar a membrana do moestável, resistente a pH e proteólise, não antigênica,
endossomo e adentrar o citoplasm a celular, onde exer- com p eso molecular de aproximadamente 5 kD a. O
cem seus efeitos tóxicos. mecanism o de ação ainda não foi devidamente esclare-
O fator edema (EF) ou toxina edemaciante (EdTx) cido, mas dem onstrou -se qu e ela causa estim ulação
possui 89 kDa e constitui-se em uma adenilciclase ina- vagal aferente por m eio da ligação ao receptor da sero-
tiva que pode ser ativada por calmodulina e cálcio, pre- tonina do tipo 3 (5-HT3 ).
sentes n as células hospedeiras. Q uando ativada, pode Três toxinas estão associadas ao tipo diarreico: he-
elevar os níveis de AMPc, resultando em perda de flui- m olisina BL (HBL), enterotoxina não hemolítica (Nhe)
do e eletrólitos. Essa toxina apresenta importante papel e citotoxina K (CytK).
im unom odulatório, sen do que prejudica as defesas do A HBL é uma hem olisina com ação de enterotoxi-
hospedeiro por m eio de uma série de m ecanism os ca- na, constituída por três proteínas (B, L1 e L2 ), com ativi-
pazes de inibir a fagocitose. Tem também participação dade dermonecrótica e capaz de aumentar a permeabi-
n a ocorrência de danos vasculares. lidade vascu lar. Ela form a poros nas m embr an as
O fator letal (LF) ou toxina letal (LeTx) possui 90 celulares, sendo que cada componente (B, L1 e L2) se liga
kDa, sendo uma proteinase zinco-dependente (metalo- de forma independente e irreversível aos seus receptores.
protease), cuja ação resulta em alterações na transmissão A Nhe é hom óloga à HBL e, provavelmente, possui
de sinais pela célula. O LF cliva a porção amino term in al atividades biológicas similares às de H BL; desempenha
das proteínas quinases ativadas 1 e 2 (MAPKKl e MA- um papel, ainda não esclarecido, na síndrom e diarreica.
PKK2). Essa clivagem inativa MAPKKl e inibe a via de A CytK é um a proteína de 34 kDa altam ente cito-
transdução de sinal de MAPK. Essa toxina determina o tóxica, que não tem efeito sinérgico com outras proteí-
aumento da liberação de interleucina l (ILl) de macró- n as secretad as. Tem atividade hemolítica e p ossui a
fagos e promove lise desse tipo celular. Há evidên cias capacidade de form ar poros nas bicamadas lipídicas das
de que LF altere a integridade da m em brana celular e células, sendo também altam ente tóxica para as células
aum ente a perm eabilidade vascular. epiteliais do intestino humano. Essas propriedades su-
A ação conjunta dos fatores I, II e III da toxina de- gerem que essa citotoxina seja resp onsável p or casos
sencadeia uma série de reações no organism o que cul- severos de enterite necrótica.
m inam no óbito. Ocorre aum ento da perm eabilidade
vascular, destruição de fagócitos, hipóxia tecidual e ne- Toxinas prod uzidas por Staphylococcus
crose celular, cujos sin ais clín icos são representados
principalmente por edemas e hem orragias generalizados. As espécies do gênero Staphylococcus con stituem
Deve ser ressaltado que a ação isolada desses fatores não cocos Gram -positivos, an aeróbios facultativos e que
se reflete em efeitos patogênicos. tendem a form ar agrupamentos sem elhantes a cachos
de uva. Podem estar associados a diferentes doenças em
Toxinas prod uzidas por Baci//us cereus diversas espécies animais, tais com o: abscessos, condi-
Esse agente p ode causar in fecções op ortun istas, ções supu rativas, mastites, dermatites, endom etrites,
abortam entos, conjuntivite e m astite bovina. Também conjuntivites, entre outras. Esses m icrorganismos pro-
é responsável por quadros de intoxicação alimentar, a duzem uma série de toxinas: hem olisinas, leucocidinas,
380 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

enterotoxinas, esfoliatina e toxina da síndrome d o cho- resulta na liberação de grande quantidad e d e citocinas
que tóxico 1. O significad o de muitas d elas na patogê- que acabam desencadeando o quadro d o choque.
nese das doenças aind a não foi totalmente esclarecido. A toxina esfoliativa (ET), tamb ém cham ada d e
Existem quatro hemolisinas produzidas por esse m i- esfoliatina ou epidermolisina, é p roduzida por algum as
crorganismo, sendo denominadas toxinas alfa, beta, del- cepas de S. aureus. Trata-se d e uma protease que atua
ta e gama. São antigênicas e bioquim icamente d istintas. sobre um a p roteína presente na superfície de células da
A toxina alfa atua por meio d a form ação de poros epiderme, a desmogleína 1 (Dsg-1), a qual é responsável
na membrana celular, o que perm ite o influxo e o efluxo por manter a adesão intercelular. A clivagem dessa pro-
de moléculas pequenas e íons que levam à morte das teína resulta na separação d os queratinócitos, cujo efei-
células. É letal para coelhos após inoculação intraveno- to é a d escamação da pele. Causa descolamento de pele,
sa e necrosante após injeção intradérmica. Está associa- fenômeno característico d a síndrome da pele escaldada
da, entre outras enfermidades, à mastite gangrenosa em ou d oen ça de Ritter em seres h u m anos. A esfoliatin a
bovinos. É citolítica para diversos tipos celulares, in- Exh é responsável pela epidermite exu dativa dos leitões
cluind o monócitos humanos, linfócitos, eritrócitos, pla- causada por S. hyicus.
quetas e células endoteliais. A síndrome do choque tóxico pode ocorrer em mu-
A toxina beta é uma esfingomielinase C, codificada lheres que utilizam tam pões absorven tes vaginais em
por um bacteriófago lisogênico. período menst rual, havend o estreita relação en tre essa
A toxina delta promove a lise de células d e várias con dição e a presença de S. aureus na vagina. A toxina
espécies. Atua sobre neutrófilos e monócitos interferin- da síndrome do choque tóxico 1 (TSST-1) atua como
do na resposta inflam atória. É u m pequeno peptídeo u m superan tígeno. A toxina foi detectad a em estirpes
produzido pela maioria das lin h agen s d e S. aureus e d e S. aureus isoladas d e bovinos, mas sua ação não foi
também por S. epidermidis. esclarecida.
A toxina gama apresenta atividade h emolítica e
estimula a degran ulação de células fagocitárias. Essa Toxinas prod uzidas por Pasteurella e
toxina p ossui a capacidade de degranular neutrófilos Mannheimia
(por isso, são também d enominadas de leucotoxina ou
leucocid ina) e macrófagos de coelh os, bovinos e hum a- Pasteurella spp. e Mannheimia haemolytica são co-
nos. Acredita-se que ela alter a a permeabilidade da co-bastonetes ou bastonetes Gram-negativos, anaeróbios
membrana celular d e neutrófilos e macrófagos, promo- facultativos. São diversas as espécies que podem estar
vend o saíd a de K+ e entrada d e Ca2+, levand o à d estrui- implicadas n as doenças em an im ais, principalmente
ção dessas células. quadros respiratórios, podendo-se citar Pasteurella mul-
O microrgan ismo pode produ zir gran de varieda- tocida (causa pneumonia em bovinos, suínos e ovinos;
de de enterotoxinas (SEs), sen do que os tipos A, B, C l , rinite atrófica em suínos; m astite em bovinos e ovinos;
C2, C3, D, E, G e H são os tipos m ais estudados. São sepse em bovinos e bubalinos), Mannheimia haemoly-
imu nologicamente distintos, m as apresentam sequên- tica (pneumonia e mastite em ruminantes), Pasteurella
cias d e aminoácidos e estrutura similares. As SEs são aerogenes (abortam ento em suínos), Pasteurella caballi
codificad as pelos genes ent e estão p resentes em mui- (pn eumonia em equinos), entre outras.
tas estirpes de S. aureus e S. intermedius. Os genes entA As espécies do gênero Pasteurella possuem a end o-
e entB são carreados em b acteriófagos e o utros são toxina (LPS). Os sorotipos A e D de Pasteurella multo-
carreados em plasm íd eos. Estão associadas a quadros cida p roduzem um a toxina mitogênica do tipo AB, de-
de intoxicação alim en tar em seres h u manos, quadros nominada dermonecrotoxina (também conhecida como
esses p rovocados pela in gestão d e toxinas p ré-form a- PMT - Pasteurella multocida toxin, toxina dermonecró -
das no alim ento con taminad o por Staphylococcus. No tica, proteína ToxA ou toxina osteolítica), que possui
estômago, as toxin as estimulam as term in ações do uma h om ologia significativa com os fatores necrotizan -
nervo vago, que controlam o reflexo d o vôm ito e tam- tes citotóxicos (CNF l, CNF2 e CNF3) de Escherichia
bém causam dor abdom in al. coli, d e Yersinia pseudotuberculosis (CNFy) e com a to-
As enterotoxinas estafilocócicas atuam como supe- xina dermonecrótica produzida por Bordetella sp. (DNT).
rantígenos, proteínas que induzem a associação entre o A PMT é uma exotoxina term olábil, de 146 kDa.
complexo principal d e h istocompatibilidade nas células A PMT ativa uma m olécula sinalizad ora ligada à
apresentadoras de antígenos e receptores de células T, membran a, d en omin ad a Gq, resultand o na ativação
associação essa que norm almente não ocorreria. A ação da p roteína q uin ase C, bem como ativa a família de
Ca pítulo 31 • Toxinas bacterianas 381

p roteínas sinalizad oras Rho (GTPase), ambas as ações (LT) de Escherichia coli. A CJT se liga a um receptor na
r esultand o em alterações na conform ação celular. A célula (gangliosídeo GM l ), adentra-a e, por m eio de
PM T é altamente tóxica par a animais, possui fo rte r ibosilação do A DP, eleva os n íveis in tracelulares d e
efeito mitogênico em diferen tes tipos celulares. É letal AMPc. Há con sequente alteração n o fluxo d e íons e
para camu n don gos após inoculação intraperitoneal e aumen to de secreção de fluidos, causando a diarreia. As
causa lesões d ermon ecróticas em camundon gos e co- enterotoxin as têm sido verificadas em C. jejuni e, em
baias inoculadas int raderm icam ente. menor grau, em C. coli. Enterotoxinas tam bém fo ram
A PMT tem a habilid ade de alterar a m orfogênese d emonst radas poucas vezes em outras espécies do gê-
de um tecido ou órgão. Em casos de r in ite atrófica, a nero, como C. lari e C. hyointestinalis.
ação d as toxinas dá-se nos ossos turbinados nasais, onde A existência de seis diferentes citotoxinas ( CYTON
ocorre au men to d o número de osteoclastos e d egene- ou CTON) produzidas por espécies de Campylobacter foi
ração dos osteoblastos, células essas responsáveis pela proposta: uma citotoxina de 70 kDa, sensível à tripsina e
form ação do tecido ósseo. A PMT p revine a fo rm ação term olábil, ativa sobre células HeLa, CH O e outras, mas
de tecido ósseo por meio da interferên cia com a dife - inativa sobre células Vero; uma citotoxina ativa em células
renciação norm al das células precursoras em osteoblas- Vero e HeLa; CDT (cytolethal distending toxin), que cau-
tos m adu ros qu e com põem esse tecido ( as p roteín as sa aumento no nível de AMPc e distensão celular, seguidos
Rho estão envolvidas nesses efeitos). de morte celular; uma citotoxina neutralizad a por antito-
Mannheimia haemolytica produz um a leucotoxina xina Stx; um a citotoxina com atividade hemolítica; e um a
importante na patogên ese da doença causada por esse hepatotoxina (produzida por algum as cepas de C. jejuni).
microrganismo. A leucotoxina (LktA) é uma exotoxina A incidência de produção de citotoxinas em C. je-
de 104 kDa, que, quando em alta concentração, possui juni é m aior que para C. coli. A produção de citotoxinas
efeitos citotóxicos sob re leucócitos e, quando em baixa também foi d escrita em C. lari e C. fetus.
concentração, ativa-os. É secretad a no espaço extracelu- A relevância das enterotoxinas e o significad o clí-
lar, onde se liga à integrina beta-2 (CD18) na membrana nico d as citotoxinas ainda não fo ram devidamente es-
de neutrófilos, causando lise, necrose celular, inflamação clarecid os, m as en ten de-se que am bos desempenham
aguda e lesões pulm onares características de pneumonia. um papel na patogênese das doenças causadas por esses
• •
A LktA po d e atuar sobre as proteínas d o MHC II m1crorgan1sm os.
n a superfície d e m acr ófagos, afetando sua habilidad e
em apresentar antígenos. A ativação de macrófagos re- Toxinas prod uzidas por Pseudomonas
sulta na liberação de citocinas e estimulação de leucó-
citos polimorfonucleares, levand o à liberação de peró- O gên ero Pseudomonas é comp osto por d iversas
x id o de h id rogên io, posterio rmente con vertid o em espécies, sen do P. aeruginosa a de m aior importância na
r adicais h id roxila, que acabam por destruir a célula e medicina veterinária, estando associad a a quadros de
p rom over formação de ed ema e acúmulo de fibrina. A infecção d o trato urinário e respiratório, infecções ute-
LktA atua pela formação de poros na membrana celular. rinas, mastites, pneum onias, enterites, dermatites, otites,
artrites, entre outras. São bastonetes Gram-negativos,
Toxinas produzidas por Campylobacter aeróbios estritos.
As esp écies do gêner o possuem a endotoxina
Os m embros do gên ero Campylobacter são basto- (LPS) . As estirpes de P. aeruginosa podem produzir
netes encurvados, Gram -negativos e m icroaerófilos. C. d iferen tes exotoxinas que po d em participar d a pato-
jejuni e C. coli são importan tes causas de gastroenterites gên ese da d oen ça.
em seres hu m anos e an imais, e têm sid o encontrad os A exotoxina A (ExoA) consiste em uma ADP-ribo-
em amostras de fezes de cães e gatos apresentan do diar- sil-transferase, que atua sobre proteínas G ou fator de
reia. C. fetus venerealis e C. fetus fetus são os principais alon gam ento EF-2 d a célula do hospedeiro, sendo que
responsáveis por doen ças do trato reprodutivo em ani- inativa EF-2, bloqueia a síntese p roteica e causa a m or-
mais, estando associados a abortamentos e infertilidade te celular. Tem atividade necrosante no local de coloni-
em bovinos e ovinos. As espécies do gênero possuem a zação bacteriana. As cepas não produtoras de ExoA são
end otoxina (LPS). menos virulentas.
C. jejuni produz uma enterotoxina (CJT - Campy- A exoenzima S (ExoS) apresenta ação similar à exo-
lobacter jejuni toxin) similar imunologicamente e em toxina A, ten do atividad e de A DP-ribosil-transferase e
ação à toxina do Vibrio cholerae e à toxina term olábil GTPase para diversas p roteínas.
382 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Existe ain da a exoenzima U (ExoU), que consiste facultativos. São sete as espécies que constituem o gê-
em uma fosfolipase A2 (PLA2) que rompe a m embrana nero, sendo que L. monocytogenes e L. ivanovii são im-
celular. Já a exoenzima Y (Exo Y) é um a adenilciclase, a portantes patógenos em medicina veterinária. L. mono-
qual aumenta os níveis intracelulares de AMPc, sendo cytogenes está associada a quadros de sepse n eonatal
também citotóxica. (ovinos e bovinos), meningoencefalite (bovinos, ovinos
Apresenta ainda as hemolisinas qu e são toxinas e caprinos), abortam entos (bovinos e ovinos), mastite e
fo rmador as de poros nas m em b ran as das células do ceratoconjuntivite em bovinos. L. ivanovii pode causar
hospedeiro. abortam entos em ovinos e bovinos.
L. monocytogenes é um patógeno intracelular facul-
Toxinas prod uzidas por Streptococcus tativo, sobrevivendo e proliferando no interior de célu-
las fagocitárias, enterócitos, entre outros tipos celulares.
Streptococcus spp. são cocos Gram-posit ivos que Pode produzir uma exotoxina denominada listeriolisi-
ocorrem em cadeias. Esses m icrorgan ismos p odem na O (LLO), uma hemolisina que se assemelh a à estrep-
est ar associad os a infecções d o t r ato respiratório, tolisina O. Essa toxina, além de atuar fo rmando poros
linfadenites, sepses, mastites, infecções do trato geni- na m embrana da célula hospedeira, auxilia na sobrevi-
tourinário, entre outras. Podem produzir exotoxinas, vência do m icrorganismo no interior da célula por m eio
importantes n a patogênese das d oen ças a eles asso- da lise do endossamo, o que permite a saída do patóge-
ciadas. no para o citoplasma após ter sido fagocitado. Essa to-
A estreptolisina O (SLO) é um a hemolisina, oxigê- xina também estimula a adesão de polim orfonucleares
n io-lábil, capaz de lisar eritrócitos, leucócitos e plaque- em células endoteliais infectadas, por meio da regulação
tas. Ela é produzida por S. pyogenes, S. canis, S. equi subsp. da expressão de proteínas de adesão. L. monocytogenes
equi e S. dysgalactiae subsp. equisimilis. produz duas outras hem olisinas, a fosfolipase C fosfa-
A estreptolisina S (SLS) também é uma hemolisina, tidilinositol-específica (PI-PLC) e fosfolipase C fosfa-
oxigênio-estável, que forma poros na membrana celular. tidilcolina-específica (PC-PLC), toxinas que rompem
É produzida por S. pyogenes, S. canis e S. dysgalactiae os lipídios (fosfatidilinositol e fosfatidilcolina, respecti-
subsp. equisimilis, S. equi subsp. equi e S. equi subsp. vamente) da membrana celular.
zooepidemicus. L. ivanovii produz um a exotoxina denominada iva-
A pneumolisina (PLO) é uma hem olisina produ - nolisina, que consiste em uma hem olisina sem elhante
zida por S. pneumoniae e semelhante à estreptolisina O. à listeriolosin a O, sendo capaz de formar poros na mem -
Atua fo rmando p oros na membran a da célula, o que brana celular.
acaba por destruí-la. Pode estimular a produção de ci-
tocinas e inibir a proliferação de linfócitos, bem com o Toxinas prod uzidas por Aeromonas
pode reduzir a atividade bactericida de neutrófilos e
ativar o sistema complemento. São bastonetes Gram-n egativos, an aeróbios facul-
S. pyogenes podem produzir exotoxinas pirogênicas tativos. A. hydrofila e A. salmonicida são importantes
ou toxinas eritrogênicas, também conhecidas com o patógenos para peixes. Estão associadas às gastroente-
Streptococcal pyogenes exotoxins (SPEs). Essas toxinas rites, infecções cutâneas, sepses, entre outras. As espécies
alteram a perm eabilidade dos capilares, levando à for- do gênero possuem a endotoxin a (LPS). Aeromonas spp.
m ação de eritema característico da escarlatina. Atuam produzem toxinas que podem ser consideradas fatores
,
com o superant1genos. de virulência em potencial.
S. suis é o agente etiológico da encefalite dos leitões. A aerolisina é uma citotoxina (beta-hem olisina)
Produz a toxina suilisina, uma proteína com atividade produzida por espécies de Aeromonas, com exceção de
de h em olisina, capaz de formar poros na mem brana A. caviae e A. schubertii. Possui atividades hem olíticas,
celular, atuando sobre diferentes tipos celulares (macró- enterotóxicas e citotóxicas. Atua por meio da formação
fagos, neutrófilos, entre outros). Ela interfere com o de poros na membrana celular, quebrando a barreira de
processo de fagocitose. permeabilidade da célula. Produz necrose tecidual evi-
dencian do sua ação citolítica.
Toxinas prod uzidas por Listeria A RTXA (repeat in toxin A) é um membro da fa-
m ília de proteínas que são produzidas por diversas bac-
O gênero Listeria é constituído por coco-bastonetes térias Gram -n egativas, como Aeromonas e Vi brio cho-
ou bastonetes Gram-positivos, aeróbios ou anaeróbios lerae; tem como função a indução de arredondamento
Ca pítulo 31 • Toxinas bacterianas 383

da célula e apoptose, pois catalisa reações que culm inam 10 e 14) pro duzem ApxII; os sorotipos 2, 4, 6, 8 e 15
n a ruptu ra do citoesqu eleto da actina das células d o produzem ApxIII; todos produzem ApxIV in vitro. Já A.
h ospedeiro. suis produ z Apxl e ApxII.
A. equuli (causa sepse, enterite, artrite e nefrite em
Toxinas produzidas por Plesiomonas pot ros, bem como artrite, abortamento e endocardite
em suínos) produz uma toxina similar denominada Aqx.
São bastonetes Gram- negativos, anaeróbios facul- Embora A. lignieresii (causa lesões gran ulom atosas em
tativos. Estão associadas a quadros d e gastroenterites bovinos, suínos e ovinos) con tenha o gene cod ificador
em peixes e seres humanos. As espécies do gênero pos- d e Apx, não expressa a toxina.
suem a en dotoxina (LPS). Em baixas concentrações as pleurotoxinas interferem
Plesiomonas shiguelloides produ zem uma enteroto- com as funções de m acrófagos e neutrófilos estimulan-
xina citoxóxica e letal den ominada LCE. Essa toxina d o a degranulação e, em altas con centrações, são citolí-
causa alterações morfológicas e intracelulares caracte- ticas para esses tipos celulares, bem como para células
r izadas por arredondam ento celular e retração do con- epiteliais alveolares e eritrócitos. Possuem habilidade
teúdo citoplasm ático. É termolábil, tem 50 kDa e atua para formar poros na m embrana da célula hospedeira.
sobre células HEp-2 e Vero. Causa acúmulo d e flu ido A. actinomycetemcomitans (atualmente denomina-
hemorrágico na alça intestinal de coelh o, indicando uma d o Aggregatibacter actinomycetemcomitans), microrga-
forte ação enterotoxigênica dessa p roteína. nismo associado a quadros d e epididimite em ovinos,
pode p roduzir a toxina LtxA, que tem ativid ade de leu-
Toxinas prod uzidas por Moraxella cotoxina e possui habilid ad e d e form ar canais na m em -
b rana celular.
As bactérias d o gênero Moraxella são baston etes
Gram-negativos, aeróbios estritos. A espécie d e impor- Toxinas produzidas por Trueperella pyogenes
tância em m edicina veterinária é Moraxella bovis, agen -
te etiológico da ceratoconj u n tivite infecciosa bovina. Trata-se de um bastonete Gram-p ositivo que p ode
Além de possuir endotoxinas (LPS), esse microrganismo causar processos supu rativos com form ação de absces-
pode p roduzir exotoxinas com o a citotoxina (citolisina/ sos ou granulomas em glândula mam ária, pulmão, tra-
hemolisina), do grupo das toxinas RTX (repeat in toxin), to repr odutivo, cérebro, entre outras localizações em
a qual atua na formação de poros na membrana celular b ovinos, ovinos, caprinos, cães, equinos e suínos.
levand o à lise. Essa toxina p rom ove lise d e células epi- Esse m icrorganismo pode p roduzir a piolisina
teliais da cór n ea, resultando n a form ação d e úlceras. (PLO), uma exotoxina que apresenta 57,9 kDa, é hemo-
Promove tam bém a lise de neut rófilos e, consequente- lítica e atua form and o poros na m embrana celular.
m ente, a perda d e en zimas d egradativas derivadas des-
ses neut rófilos para o estroma da córnea. Toxinas prod uzidas por Corynebacterium
pseudotubercu/osis
Toxinas prod uzidas por A ctinobacillus
São bastonetes Gram -positivos em forma de clava,
São bastonetes ou coco-bastonetes Gram-negativos, que tendem a form ar arranjos em paliçadas. Estão asso-
sendo que as diferentes espécies estão associadas a pro- ciados a quad ros de lin faden ite caseosa em ovinos e ca-
cessos piogranulom atosos (bovinos, ovinos e suínos), prinos. Possuem habilid ad e para produção d e uma exo-
artrites (potros, suínos e coelh os), sepse (suínos), entre toxina que atua como fosfolipase D (PLD), a qual
out ros. Apresen tam a en d otoxinas (LPS). promove a lise de eritrócitos de bovinos e ovinos e células
A. pleuropneumoniae (causa pleu ropneumonia gra- endoteliais. Ela inibe a toxina beta de Staphylococcus aureus
ve em suínos) e A. suis (causa sepse, pneumonia e artri- e a toxina alfa de Clostridium perfringens, e potencializa
te em suínos) p od em p rodu zir toxinas que pertencem a atividade hemolítica dos fatores (fosfolipase C e coles-
à família RTX, d enominad as pleurotoxinas (Apx), que terol oxidase) de Rhodococcus equi. Produz dermo necro-
apresentam ação citotóxica e hemolítica. São d escritos se em células endoteliais, o que contribui para a passagem
quatro tipos de pleurotoxinas: Apxl (a m ais potente de do m icrorgan ismo da derme aos pequenos vasos sanguí-
todas), ApxII, ApxIII e ApxIV neos e linfáticos. Adem ais, PLD é considerada uma exo-
Os sorotipos 1, 5, 9, 10, 11 e 14 de A. pleuropneumo- toxina citotóxica para leucócitos, pois, em infecção expe-
niae produzem Apxl.; todos os sorotipos (à exceção de rimental, promove a destruição de macrófagos caprinos.
384 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Toxinas prod uzidas por Bordetella <luz uma toxina termolábil, d e 11O kDa, com caracterís-
ticas similares às proteínas do grupo RTX, com ação d e
Esse gênero é constituído por bastonetes ou coco-bas- cito toxina.
tonetes Gram-negativos, aeróbios estritos. Bordetella per-
tussis é o agente da coqueluche humana. A p rincipal es- Toxinas prod uzidas por Brachyspira
pécie em m ed icina veterinária é a B. bronchiseptica,
associada a quad ros d e broncopneumonia e rinite atró- Nesse gênero, com posto por bactérias Gram-nega-
fica em suínos (essa infecção pode ou não estar associada tivas, com formato espiralado (espiroquetas), assumem
à Pasteurella multocida), traqueobronquite in fecciosa em importância em medicin a veterinária a Brachyspira hyo-
cães, en tre outras d oenças respiratórias em diversas es- dysenteriae, associada à disen teria suína e a B. pilosicoli,
pécies animais. Além de apresentarem endotoxinas (LPS), agente da colite espiroquetal em suínos, cães e pássaros.
podem produzir exotoxinas. Apresentam a endotoxina na parede celular.
B. avium é a espécie mais comumente relacion ada B. hyodysenteriae produz uma exotoxina, a beta-he-
aos quadros respiratórios em galinhas e perus comerciais. molisina, que é físico-quimicam en te similar à estrep-
Recentemente, u m a estirpe de B. avium denom inada tolisina S. É oxigênio-estável, termolábil e sensível à
N h1 2 10 foi d escrita em um surto d e mortalidade em digestão por p roteases e lipases. Atua na form ação de
psitacídeos (Nymphicus hollandicus), com manifestações poros na membrana celular. Estudos ind icaram que essa
clínicas de sín drome d a mandíbula travada. Embora as toxina afeta a integridade das células epiteliais de mo-
cepas tenham sido caracterizadas como toxigênicas, o nocam adas e promove danos às células epiteliais.
tipo de toxin a associado ao quadro não foi caracterizado.
B. bronchiseptica pro duz a toxina d erm onecrótica Toxinas prod uzidas por Leptospira
(DNT), que possui homologia com a CNFl (cytotoxic
necrotizingfactor-1) de Escherichia coli. É termolábil e São espiroquetas associad as à leptospirose, doença
produz dermonecrose quando in oculada in trad erm ica- que pode manifestar-se de formas variadas nas diferen-
mente em vários animais, incluindo cobaias, camundongos tes espécies animais. A endotoxina está presente na pa-
e coelhos. É letal para camund ongos quando inoculad a rede celular. Alguns sorotipos também podem produzir
intravenosamente. Em cultura de células estimula a sín te- exotoxinas, tais como as hemolisinas com ação de fos-
se de proteínas e DNA, e inibe a divisão celular, o que re- folipases, que atuam em eritrócitos e outras membranas
sulta n a formação de células m ultinucleadas. A toxina celulares contendo fosfolipídios, levand o à citólise.
prom ove m odificação e ativação de proteínas Rho que se Leptospira interrogans sorovar Pom ona p roduz uma
ligam ao GTP. Essas modificações levam à ativação dessas esfingomielinase C (SphH) com atividade hemolítica,
proteínas, com consequente ativação de várias vias de si- que atua por meio da form ação d e poros na membrana
nalização. Ela produz intensos efeitos vasoconstritores. É celular, mas seu papel na patogênese não está esclarecido.
a toxina envolvida na rinite atrófica dos suínos, tendo em
vista que causa alterações degenerativas nos osteoblastos. Toxinas prod uzidas por Proteus
B. bronchiseptica produz também a toxina CyaA,
proteína de 200 kD a, bifuncion al (ativid ades de ad enil- São bastonetes Gram -negativos d a fam ília Entero-
ciclase e hem olisina), que causa aumento do AMPc e, bacteriaceae, send o um patógen o oportunista e poden-
assim, inibe as respostas oxid ativas d as células fagoci- do estar associado a quadros de infecção urinária, otites,
tárias, a invasividad e, a quimiotaxia, a fagocitose e a enterites, entre outros. Além da presença de endotoxinas,
ap optose, bem como a atividad e d as células natural Proteus spp. podem produzir citotoxinas com o as he-
killer. Produz ainda a citotoxina traqueal que causa molisinas (HpmA em P. mirabilis), p roteínas que pos-
destruição do epitélio ciliar da traqueia. suem habilidade d e form ar canais na m embrana. Essas
toxinas lisam eritrócitos e outros tipos celulares. Hemo-
Toxinas prod uzidas por Haemophilus lisinas homólogas a HpmA for am iden tificad as em P.
vulgaris e denominadas PvxA.
São pequenos bastonetes Gram -negativos associados Proteus mirabilis é capaz de produzir também uma
a quadros de meningites, infecções respiratórias, sepses, toxina, a MARTX, que apresenta semelhanças com as
infecções genitais, artrites, en tre outras. proteínas d a família RTX, mas difere quan to à estrutu ra
Além da presença d e endotoxinas (LPS), H. para- molecular. A atividade biológica e a função dessas gran-
gallinarum (causa a coriza infecciosa em galin has) p ro- des proteínas aind a não foram devid amente esclarecidas.
Capítulo 31 • Toxinas bacterianas 385

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Capítulo 32

Intoxicação produzida por


algas de água doce

lsis Machado Hueza


Silvana Lima Górniak

~ acessórios faz com que se desenvolvam muito rapida-


INTRODUÇAO
mente em condições de alta luminosidade, temperaturas
Cianobactérias, também conhecidas popularm ente elevadas da água (15 a 30ºC) e abundância de nutrien -
como algas azuis, são organismos procariontes fotos- tes, formando as florações. Outros fatores que contribuem
sintéticos, bactérias gram-negativas, de reprodução asse- para o rápido crescim ento desses organism os são o pH,
xuada por fissão binária ou fissão m últipla, mundial- que preferencialm ente deve estar entre 6,0 e 9,0, con di-
mente distribuídos em h abitats iluminad os e com ções atmosféricas estáveis e ausência de vento e chuva.
umidade adequada, como águas salobras de mangues e Sob essas circunstân cias, as florações apresentam -se
estuários, rios, lagos ou fontes termais, inclusive habitats como grandes m assas superficiais de cor verde intensa,
, . . .
aquaticos mais extrem os, com temperaturas superiores facilm ente detectáveis visualmente.
a 50ºC, ou n as geleiras da Antártida; em lagos de pH A atividade hum ana tem modificado de form a bas-
extrem amente alcalino e até m esm o em fragmentos tante negativa o ambiente aquático, seja em decorrência
vulcânicos. das atividades qu e causam o assoreamento de rios e
Acredita-se que as cian obactérias tenham se origi- lagos, seja pela atividade agrícola com uso indiscrimi-
n ado há 3,5 bilhões de anos, já que foram encontrados nado de fertilizantes químicos e orgânicos e principal-
n a Austrália nanofósseis sedimentados em rochas for- mente pelo descarte de esgoto não tratado em mananciais
madas nesse período por atividades de microrganismos e outros corpos d'água, prom ovendo o fenôm eno deno-
em am bientes aquáticos denominados estrom atólitos. minado eutrofização. A eutrofização é o processo pelo
E, de fato, são organ ism os vivos que necessitavam de qual corp os d'água p assam a adquirir altos n íveis de
precursores básicos para seu sucesso como espécie, como nutrientes com o fosfato e nitrato, perm itindo que um
água, dióxido de carbono e luz, já que a fotossíntese é a grande volume de plantas aquáticas, entre elas as ciano-
responsável pela geração de energia para seu metabo- bactérias, se proliferem exageradam ente, ultrapassando
lismo. Alguns pesquisadores sugerem que as cianobac- a capacidade do am biente aquático de dispersar esse
térias foram os primeiros organismos vivos a produzirem volume de biomassa, levando a uma redução da taxa de
m atéria orgânica e liberarem oxigên io para o ambiente oxigênio dissolvido, alteração nas concentrações iônicas
prim itivo. Assim, dos tempos mais remotos até os atuais, normais, m ortandade de peixes e perda de biodiversi-
esses m icrorganismos são constituintes com uns do fi- dade. Dá-se a essa atividade proliferativa de cianobac-
toplâncton em ambientes aquáticos, sejam eles corpos térias o nom e de floração.
d'água doce continentais, sejam m arinhos. As cian obactérias têm n ecessidades m etabólicas
muito simples, entretanto, o desenvolvimento de flora-
BIOLOGIA E ECOLOGIA ções dep ende do aporte de determ inados nutrientes,
com o os sais de fosfato e de n itrato. Assim , polu ição
As cianobactérias ocorrem em águas com as m ais humana - por exemplo, esgotos domésticos e industriais - ,
diversas composições orgânicas e graus de salinidade bem como dejetos de anim ais, em razão de, por exemplo,
que variam entre águas doces e hipersalinas. O fato de sobrepastoreio, aquecimento da tem peratura, queim a
possuírem clorofila-a e pigm entos fotossintetizantes de material vegetal, adubação das áreas próxim as aos
388 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

corpos d'água, entre outros tantos fatores, con tribuem rica (EUA), ond e foram verificad as florações de Micro-
para a form ação da floração. cystis nos rios Ohio e Potomac, afetand o entre 5 e 8 m il
O problema da exposição direta às toxinas de algas pessoas que ingeriram de suas águas. Porém, somente
ocorre principalmente no verão e início do outono, uma na segunda metad e do século XX esses relatos torna-
vez que h á um a tendência desses compostos se acumu- ram -se m ais frequentes. A partir d e 1980 houve um
larem em tecidos de invertebrados (por exemplo, cama- grande aumento no número de pesquisas relacionadas
rões e caracóis) e peixes. às cianotoxinas e isso deve-se basicamente a dois fatores:
As cianobactérias sintetizam numerosas substâncias o primeiro seria por causa sensível - aumento do n ú-
bioativas e cerca de 30 gên eros são sabidamente pro- mero de florações, consequência direta da progressiva
dutoras d e compostos, denom inados de cianotoxinas, eutrofização d e m uitos corpos d'água, em tod o o mun -
grupo quimicam en te heterogêneo os quais são, na sua d o; o segundo fator estaria relacionad o à crescen te dis-
maioria, metabólitos secund ários que, de maneira geral, ponibilidad e de técnicas analíticas para a iden tificação
são encontrad os intracelularmen te (n o citoplasma) e d as diferentes classes de cian otoxinas.
que são liberados para o meio extracelular normalmen - As cianotoxinas, substâncias com efeito tóxico agudo,
te quando as cian obactérias entram em sen escência e foram protagonistas de num erosos casos de intoxicação
sofrem lise, muito comum nas florações. Por outro lado, e de morte em seres humanos e também de anim ais, sen-
deve-se considerar que algum as cian obactérias vivas do um dos episódios m ais marcantes aquele ocorrido no
liberam naturalmente significante quantidade de toxinas Brasil, e d e repercussão m und ial, na cidade de Caruaru
,
n a agua. (PE), em 1996, quando m ais de 100 pacien tes de hemo-
As cianotoxinas são tóxicas para a maioria dos or- d iálise foram in toxicados (d esses, 65 vieram a óbito) em
ganismos eucarióticos, incluindo algas e plantas. Acre- decorrência da contamin ação das águas empregadas pela
dita-se que quase tod as, senão todas, as cianobactérias unid ade de hem odiálise d o Instituto de D oenças Ren ais
produzem toxinas. Até o m om ento, n ão se sabe exata- por m icrocistin as. Mais recen tem en te, foi noticiad a a
mente qual seria o papel desses metabólitos secundários; morte de vários pescadores, no Chile, vítimas da ingestão
supõe-se que as cian otoxinas apresentariam com o be- d e pescado e bivalves contaminados com saxitoxin as.
nefício o quorum sensing, (processo pelo qual os micror- Em relação aos an imais, como d ito anteriorm ente,
ganism os regulam a densid ad e populacional por m eio há citações de intoxicações produzid as por cianotoxinas
da sinalização química), detenção d e pastejo, potencial d esd e o século XIX. Os relatos de m ortes na criação ani-
van tagem competitiva n o meio aquático, por meio da mal p or exposição às cianobactérias vêm, d esd e en tão,
alelopatia (d ano produzido em outro organism o, causa- sendo descritos em tod os os continen tes habitados do
do pela liberação no meio ambiente de m etabólitos tó- planeta, envolvend o ruminantes, suínos, equinos, aves,
xicos). A produção d e cian otoxinas p o d eria também peixes confinados e até mesmo abelhas. De maneira geral,
estar relacionada à melhora na regulação intracelular de consider a-se potencialmente de risco para os animais
fosfatos ou à concen tração d e outros eletrólitos. duran te a floração, particularmente quando as florações
d a superfície dos corpos de água são levad as pelo vento,
TOXICIDADE acum ulando-se no local de acesso à água. Outra m aneira
de ocorrer a in toxicação é quan do há inundações e o
Os mais antigos registros de episódios de intoxicação material oriund o das florações con taminam os pastos.
de animais por algas de água doce, ou cianotoxinas, da- Em relação à intoxicação por cianotoxinas em an i-
tam do século XIX: eram casos isolad os, ocorridos em mais de compan hia, normalm ente esta tem sido repor-
diversas regiões do mundo, principalm ente naquelas de tada em cães. Citam -se intoxicações nesses animais após
clim a quente e temperado. Coube ao periódico inglês a ingestão d e sedim entos d a escória de cianobactérias
Nature, em 1878, publicar o prim eiro artigo sobre o as- que se acumularam em balneários. O utras intoxicações
sunto, apresentan do as observações d e George Fran cis relatad as em cães referem -se à ingestão d e água conta-
sobre a morte rápida de cavalos, cães, porcos e carneiros m inada com cian otoxinas, ou lam ben do, seja direta-
após a ingestão de Nodularia spumigera, uma cianobac- men te o material da floração, ou, indiretamente, aquele
téria que proliferava intensamente no lago Alexandrina, retido em seu pelam e, após o contato com águas con-
n a cidad e de Adelaide, n a Austrália. ten do floração.
Nos anos seguintes, d e m odo descontínuo, outras Também vem sen do associad a à m orte de animais
publicações descreveram inciden tes semelhantes, por selvagens em decorrência da exposição às cianobactérias
exemplo, aquele ocorrido nos Estados Un idos da Amé- em floração. Tem sid o d escrita a intoxicação em vários
Ca pítulo 32 • Intoxicação produz ida por algas de água doce 389

tip os de ver tebrad os, en tre peixes, aves e m am íferos. Hepatotoxinas


En tre esses animais, os peixes e as aves aquáticas apre-
sentam particularm ente alto r isco de intoxicação por As h epatotoxinas, m icrocistina e nodularina são
cianobactérias. Eventos de mortalidade em massa desses peptídeos cíclicos p roduzidos por d iferen tes gêneros d e
animais por exposição às cianotoxinas vêm send o d es- cianobactérias pelo mundo (Quadro 32.1). Existem cer-
critos na m aioria dos continentes. ca de 90 variantes da microcistina e já foram identifica-
das seis variantes de nodularina. Além desses compostos
Classes de toxinas cíclicos, o alcaloide guanidínico cilindrospermopsina
também possui atividad e hepatotóxica, porém com m e-
As cianotoxinas enquadram-se em quat ro classes canismo de ação distinto dos p rimeiros.
químicas distintas: peptídeos cíclicos, alcaloides, ami-
noácidos e lipopolissacarídeos (LPS). Segund o sua ação Microcistinas
tóxica, podem ainda ser subdivididas de maneira ampla A prim eira microcistina foi iden tificada a partir d e
em : hepatotoxinas neurotoxinas, citotoxinas e derma- uma cultu ra da Mycrocystis aeruginosa em 1959. Sua es-
totoxinas, as quais vêm causan do mortandad e princi- trutura peptídica básica é constituída por sete aminoáci-
palm en te de p eixes, m as tam bém de outras espécies dos cíclicos de n omen clatura ciclo(-D -alanina 1-X2-D -
animais, incluindo o ser hum ano, que en tram em con- -MeAsp3-Z4-Adda5 - D-glutam ato6 -Mdha7 ), sendo cinco
tato com a água con tamin ad a com essas toxin as. São am inoácidos p raticam en te invariáveis (D -MeAsp: eri-
con siderad as de m aior importân cia toxicológica as tro-~-m etilaspártico e Adda: ácido 3-amino-9-metoxi-
hepatotoxinas e as n eurotoxinas. -2,6,8-trimetil-10-fenildeca-4(E),6(E)-dienoico e Mdha:
As citotoxinas, classe de alcaloides formad a pelas ácido 2-metilamino-2-dehidrobutírico) e 2 L-am inoá-
cilindrospem opsinas, possuem ativid ade nefro, cardio, cidos variáveis X e Z (2 e 4) - Figura 32. 1.
gastro e pneumotóxica, enquanto que as d ermatotoxinas Na n omenclatura usual d essas toxinas, acrescenta-
são constituídas por LPS, componentes da parede celular -se à palavra microcistina um sufixo formado por duas
das cianotoxinas; portanto, todas as cianotoxinas possuem letras maiúsculas, que indicam as in iciais dos nomes dos
potencialmente as derm atotoxinas, form ando complexos am inoácidos das posições 2 e 4. Assim, na microcisti-
com p roteínas e fosfolipídeos, semelhante àqueles d as na- LA esses dois ácid os são respectivam ente a Leucina
enterobactérias gram-negativas (para detalhes sobre essas e a Alanina; n a m icrocistina-LR, a leucina e a arginina;
toxinas bacterianas, ver Capítulo 30); entretan to, de m a- e na microcistina-YR, a tiro sina ( Tyrosine) e a arginina.
neira geral, o LPS de cianobactérias são m enores que as Com relação à toxicidade, a presença do aminoáci-
enterobactérias. As d erm atotoxinas são capazes d e in- d o Adda é essencial para a interação dessa cianotoxina
duzir processos inflamatórios agudos levando a quadros com as enzimas fosfatases 1 e 2A. Além disso, o aminoá-
de irritação na pele, olhos e garganta. As hepatotoxinas cido Mdh a presente na microcistina liga-se covalente-
incluem os peptídeos cíclicos microcistinas e nodulari- mente à cisteína d as fosfatases, estabilizando o complexo
nas, já as neu rotoxinas são alcaloides agrupados em três formado, perm itindo dessa form a a efetivid ade da ação
classes segundo seu m odo de ação: as saxitoxinas - blo- inibitória sobre essas enzimas. A inibição dessas fosfata-
queadoras dos canais d e sód io d as células nervosas, a ses resulta em aum ento da fosforilação de proteínas ce-
anatoxina-A-S (salivation) que inibe a atividade d a ace- lulares, levando à d esorganização do citoesqueleto, pe-
tilcolinesterase e a anatoxina-a, que possui efeito sem e- roxidação lipíd ica, perda da integrid ade d e membrana,
lhan te ao d a acetilcolina; e finalm ente, o aminoácido fragmen tação do DNA, com ocorrência d e apoptoses e
betametilaminoalanin a (BMAA), de efeito cumulativo, também necrose, sendo o órgão -alvo principal de tal
descoberto recen tem ente. efeito tóxico o fígado, com m anifestação hemorrágica
As cian otoxinas são sintetizad as por d iversos gêne- intra-hepática decorrente d a necrose que pod em levar
ros de cianobactérias. O Quadro 32.1 apresen ta as p rin- o indivíduo a óbito por choque hipovolêmico.
cipais cianobactérias, suas toxinas, mecanismos de ação As m icrocistinas podem causar intoxicações agudas
e a p rincipal sintomatolo gia quando da intoxicação ou crônicas e, dependendo da dose ingerida, a morte do
aguda. animal pode ocorrer em horas ou d ias. Em estudos de
No Brasil, os gêneros de cianobactérias mais preva- toxicidade aguda, a DL50 por via oral em camundongos
lentes são: Cylindrospermopsis; Microsystis; Planktothrix; é de 10,9 mg/kg. No quadro clínico apresentado por ani-
Aphanizomenon; Oscillatoria; Anabaena; Dolichospermum mais de experim en tação são observadas prostração, ere-
e Raphidiopsis. ção de pelos, anorexia, dor abdominal, diarreia e m orte.
390 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

QUADRO 32.1. Principais gêne ros de cian obactérias, suas toxinas, mecan ismos de ação tóxica e sintomatolog ia na intoxicação
aguda.
Gênero mais comum de Toxina e toxicidade Sistema Mecanismo de ação Principal sintomatologia
cianobactéria produtora primariamente (intoxicação aguda)
da cianotoxina afetado

Anabaena, Anabaenopsis, Microcist ina Fígado Inibidora das enzimas A norexia, prostração, vômitos,
Hapa!osiphon, Lyngbya, fosfatases 1 e 2A dos dor abdomina l, diarreia, choque
Mycrocystis, Nostoc, hepatócitos hipovolêm ico e hemorragia
Oscillatoria e Planktothrix int ra-hepática

Nodularia Nodula rina Fígado Inibidora das enzimas A norexia, prostração, vôm itos,
fosfatases 1 e 2A dos dor abdomina l, diarreia, choque
hepatócitos hipovolêm ico e hemorragia
intra-hepática

Aphanizomenon, Cilindrospermopsina Fígado Inibidora de síntese Necrose hepática, nefrotoxicidade,


Cy/indrospermopsis, prote ica Cardiotoxicidade, pneumotoxicidade,
Raphidiopsis e Umezakia lesões na mucosa estomaca l
Anabaena, Anatoxina-a Sistema Liga-se ao recepto r Para lisia muscular progressiva,
Aphanizomenon, nervoso da acetilco lina respiração abdominal e ofegante,
Planktothrix e Raphidiopsis pós-sináptico convu lsões, morte por parada
respiratória

Anabaena Anatoxina-a(s) Sistema At ividade Para lisia progressiva, debilidade


nervoso anticolinesterásica muscular, dispneia, sia lorreia,
convu lsões, morte por parada
respiratória

Anabaena, Saxitoxina (PSPs) Sistema Liga-se aos canais de Paralisia muscu lar progressiva,
Aphanizomenon, nervoso sód io das membranas debilidade muscu lar, respiração
Cy/indrospermopsis, axona 1s abdominal e ofegante, morte por
Planktothrix e Lyngya parada respiratória

Microcystis, Anacystis, Lipopolissacarídeos Pele Indução de processo Dermatites, febre, tontura, fadiga,
Oscillatorium, Schizothrix, inflamatório e resposta gastroente rite
Anabaena do tipo lgE

Lingbya Lingibiatoxinas Pele Desconhecido Irritação da pele e olhos, problemas


respiratórios

Lyngbya, Schizothrix, Aplisiatoxina Pele Desconhecido Irritação da pele, asma


Oscil!atorium

®
COOH

NH
NH
o
RG)
H H o
Ç)Me s 3HC
s -H H
® '

H
H H3 C H
H COOH
o G)

FIGURA 32.1. Estrut ura gen érica das microcistinas.


Ca pítulo 32 • Intoxicação produz ida por algas de água doce 391

Nodu larina An atoxi na-a


As nodularinas são p entapeptídeos cíclicos, estru - A an atoxin a-a (2-acetil-9-azabiciclo[4.2.l ]non -2
turalmente semelhantes às microcistinas, com m assas en e) foi a prim eira cian otoxin a a ser definida funcio-
m oleculares em torno de 800 D a. São r epresentadas nalmente, e quimicamente isolada em 1972, em respos-
pela fó rmula geral ciclo (D -MeAsp 1-Z2 -Adda 3-D-glu- ta aos estudos investigativos que buscavam determinar
tamato4-Mdhb5) (Figura 32.2). As seis únicas variantes a causa da ocorrên cia da mortandade de rebanhos de
de nodularina conhecidas são produzidas pelo gênero b ovinos que ingeriram as águas do lago Saskatch ewan,
Nodularia. A nomenclatura adotada para as nodularinas em Ontario, Can adá, no início dos anos de 1960. Trata-
é idêntica àquela utilizada para as microcistinas, sendo -se de uma am ina secun dária com 165 Da, cuja nomen -
o único aminoácido variável Z indicado p or sua letra clatura deriva da Anabaena flos-aquae, a prim eira cia-
inicial. n obactéria n a qual verificou-se a síntese dessa toxina
A nodularina apresenta o m esm o m ecanism o de (Figura 32.3). Essa cian otoxina possui um h om ólogo,
ação tóxico descrito para as m icrocistinas, já que também de m enor potên cia, denominado de homoanatoxina-a
possu i o amin oácido Ad da, que irá interagir com as (Figura 32.4), um derivado m etilado natural, com peso
enzim as fosfatases 1 e 2A (Figura 32.2). molecular de 179 Da, produzido por Oscillatoria formo-
sa. Suas propriedades físico-quím icas e seu mecanismo
Ne urot oxinas de ação são semelhantes aos da anatoxina-a. Entretanto,
é um agente bloqueador muscular menos p otente do
As neurotoxicoses cianobacterian as são causadas que seu an álogo.
por alcaloides per ten centes a três classes alcaloídicas Há relatos em animais dom ésticos, como cães em
distintas, cujos componentes são as anatoxinas-a, a ana- diferentes países, com o Nova Zelândia e EUA, que se
toxina-a(s) e as saxitoxinas [toxinas da classe das PSP intoxicaram agudamente com a anatoxina-a e seu h o-
(Paralitic Shel.fish Poison)]. C ad a u m a dessas classes m ólogo. Os sin tomas agu dos da in toxicação são
apresenta m odo de ação distinto. Não h á sistema de basicamente de dificuldade de se m anter em estação,
n om en clatu ra para as n eur otoxinas, sen do estas, n a vômitos, fasciculações musculares, dispneia e convulsões.
m aioria das vezes, den ominadas segundo o gên ero de A morte é por parada respiratória, que pode ocorrer em
cianobactéria que as produz. m inutos após o in ício dos sintom as a pou cas h oras.

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H CH3
® o ~
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OOH CH3
CH3 ,
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H -
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H
H CH3 CH3 H XN
o z COOH
@ o G) H

FIGURA 32.2. Estrutura da nodularina.

o CH3 o CH2CH3
+ 10 + 1 O1 1
NH2 NH2
1 2~ 1 2~
8 3 8 3
6 5 6 5
7 4 7 4

FIGURA 32.3. Estrutura da anatoxina-a. FIGURA 32.4. Estrutura da homoanatoxina-a.


392 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Animais selvagens também n ão estão isentos da morte síntese reportada para as seguintes espécies: A. flos-aquae,
p rovocad a por an atoxina-a, com o a que o correu n o A. lemmermanni, A. spiroides e A. crassa.
Quênia, no lago alcalin o Bogoria em 1999, onde cerca de Vários foram os casos suspeitos d e intoxicação no
30.000 flamingos m orreram com sinais clínicos n euro- mundo por essas cianotoxinas, sendo alguns confirmados,
lógicos. Suspeita-se que tal m ortandade tenha ocorrido como aquele que ocorreu próxim o ao lago Richmond,
pela grande presença de cianobactérias e de cianotoxinas, na D akota do Sul, EUA, ond e nove cães m orreram após
e, dentre elas, a anatoxina-a, que também foi encontrada a ingestão da água daquele lago.
no con teúd o estomacal e fecal d essas aves. Os sinais clínicos apresentad os por anim ais intoxi-
Quanto ao mecanism o de ação tóxico, a anatoxina- cados com essa cianotoxin a dão um bom indicativo d e
-a é um isômero ótico d a nicotina e, consequentem ente, seu m ecanism o d e ação, os quais são m uito sem elhantes
possui afinidade de ligação a receptores nicotínicos neu- àqueles d e an imais intoxicados com organofosforados e
ronais alfa-4 beta-2 e alfa-4 presen tes no sistema nervo- carbamatos e outros anticolinesterásicos, a saber: tremo-
so central e a receptores n icotínicos nAchR d a junção res e fasciculações musculares, vômito, sialorreia profusa,
n eu romuscular, agindo, po rém , com m aior potên cia convulsões e morte. De fato, a anatoxina-a(s) é um inibi-
agonista sobre esses últimos. Apesar d a similaridade ao d or irreversível da Ach E, logo, n ão somente sinais nico-
sítio de ligação e d a afinidad e pelos receptores pós-si- tín icos serão observados em an imais intoxicados, como
n ápticos nicotínicos, a acetilcolinesterase (AchE) é in- sinais muscarínicos, i.e., aumento das secreções, contrações
capaz de degradar a anatoxina-a, propiciando uma maior gástricas, relaxam ento d e esfín cters, e pela presença de
bio d ispon ibilidade d essa toxin a n a fenda sin áptica e intensa sialorreia apresen tad a p or roed ores expostos à
consequen tem ente bloqueio neurom uscular n ão an ta- toxina, foi acrescentado ao nom e anatoxina-a o "s" para
gonista sobre esse receptor. Por esse m otivo, diz-se que diferenciá-la daquela primeira. A DL50 d a anatoxina-a(s)
a anatoxina-a é um agente bloqueador neurom uscular em camundongos, via intraperiotoneal, é de 20 mg/kg.
despolarizan te pós-sináptico com estim ulação in icial Em casos de intoxicação, há autores que preconizam
persistente, in duzindo assim a abert ura de can ais d e o uso de atropina, sem p re com o cuidado de não p ro-
sódio e potássio e hiperestimulação muscular, que leva m over a atropinização do paciente; porém , não há rela-
à fadiga e à paralisia m uscular. Os sinais clínicos de in - tos de casos tratados em animais dom ésticos e reversão
toxicação m ostram u m a progressão d e fasciculação dos quad ros clínicos, mas há estudos experimen tais em
muscular, decréscimo de movim entos de membros, disp- que a dose d e 50 m g/kg apenas acresceu p oucas horas
n eia, cianose, convulsão e morte, send o esta decorrente d e vida a ratos intoxicados.
de parada respiratória secundária à paralisia d a muscu-
latura respiratória, diafragma e m úsculos intercostais. Saxitoxina (Toxinas PSP)
Dentre as neurotoxinas, as saxitoxinas e seus 26 aná-
Anatoxina-a(s) logos, que em conjunto são d enominado s de Paralytic
É um éster-fosfato natural raro do alcaloide da classe Shell.fish Poisoning (PSP) ou, ainda, toxinas paralisantes,
gu an id ín ica (fosfato d e metil N-hidroxiguan idina), são as únicas produzidas p or organismos de espécies
send o estruturalmente diferente d a anatoxina-a (Figu - d istin tas qu e h abitam d iferentes sistem as aqu áticos:
r a 32.5). Apresen ta m assa m olecular d e 252 Da, é h i- dinoflagelados eucarióticos presentes em sistem as m a-
d rossolúvel, bio degradável, estável em água em m eio rinhos (Alexandrium spp., Gymnodinum catenatum e
ácido e instável em meio básico. É produzid a apenas por Pyrodinium bahamense) e cinco gên eros d e cianobac-
cianobactérias d o gên ero Anabaen a, já tend o sid o sua térias de sistem as d e água doce (Q uadro 32.1), e, in te-
ressante salientar, com vias d e biossín tese sem elhante.
Elas p ossuem em comum a característica de serem al-
caloides carbam atos, poden do ser n ão sulfatados, m o-
n ossulfatad os ou d issulfatados. Existem tam bém os
derivados decarbamoil, que pod em ap resen tar-se sulfa-
tad os ou n ão (Figura 32.6).
A saxitoxina é de alta toxicidade, sendo inclusive o
único produto natural de origem m arinh a classificad o
como agente d e guerra quím ica d e padrão I pela Con-
venção de Armas Químicas de 1993. D e fato, as florações
FIGURA 32.5. Estrutura da anatoxina-a(s). d esses organism os são respon sáveis pela mortandad e
Ca pítulo 32 • Intoxicação produz ida por algas de água doce 393

por exemplo, é possível realizar a indução da êm ese, ou


mesmo fazer uso de carvão ativado, o qual atuará por
16 tod o o trato gastrointestinal.
H H
N \ Citotoxina
R1N 1 6 7 \
5 \
1
,2 8 /\ __ _+NH 2
'
,, ,, ' , 3
4 9 // 15 Cilind rospermopsina
13 ,, N/
+ N A cilindrospermopsina tem em ergid o com o u m a
H 2N+ H
---·oH
14 d as mais im portantes toxinas de água d oce n o mundo.
'' Rs
De fato, a crescente e global ocorrência de proliferação
'' maciça e p rolongada de cianobactérias p rodu toras de
R2 R3
cilindrosp ermopsina em água doce representa uma
ameaça p oten cial à saúde hum ana, d os animais, bem
FIGURA 32.6. Estrutura geral das toxinas Paralytic Shellfish com o d e tod o o ecossistema.
Poisoning (PSP). Cilin drospermopsin a é um alcaloide constituído por
uma u nidade gu anidínica t ricíclica combinada com a
hidroximetilur acila (Figura 32.7), p rodu zido por várias
de um grande n ú m ero de peixes e também d e outros cianobactérias filamentosas (veja Quadro 32.1). Seu peso
animais. Além disso, pelo fato de os organism os produ - molecular é de 415 Daltons e apresenta-se com o um só-
tores d as saxitoxinas fazerem parte do fitoplâncton ma- lido incolor, solúvel em água e soluções fracamente ácidas.
r inho, estes ent ram na cad eia alim en tar de mariscos e O extrato bruto algal decompõe-se rapidamen te (meia-
outros bivalves, os quais são imunes aos efeitos tóxicos, -vida de 1,5 h ) sob luz solar, entretanto a substância pura
porém bioacumulam essa toxina em gran des con cen- d issolvid a em água deionizada p raticamen te não se de-
t rações, poden do p romover em predadores e também compõe sob as mesmas cond ições. A 50°C, a meia-vida
n os seres humanos que apreciam frutos-d o-m ar a into- d a cilind rospermopsina é de 1O sem anas; não é afetada
xicação, daí a nomen clatura PSP. Anualm ente milhares por mudan ças de pH e resiste à fervura por 15 m inutos;
de casos de intoxicação em h u man os são rep ortados, d egrada-se lentamente no escuro e sob luz artificial.
com estimativa de morte de cerca de 15% dos indivíduos A cildrospermopsina possui com o mecanism o de
afetados. Acredita-se que 1,1% dos casos de intoxicação ação tóxico principal a inibição d a síntese proteica du-
alimentar são decorrentes d a exposição a essas toxinas, rante a t radução ribossomal, impedind o que ocorra a
e daquelas intoxicações ocasion ad as por con sumo d e elongação da proteína. Estudos têm evidenciado que essa
p rodutos marinhos os d ados chegam a 7,4%. cianotoxina ainda sofre bioativação após biotransforma-
O mecanism o de ação pelo qual essas toxinas PSP ção pelo sistem a do citocromo P450, cujo metabólito
atuam está na sua forte ligação aos canais d e sódio vol- gerad o promove morte celular e por isso a cilind rosper-
tagem d epen dentes, impedindo assim na sua abertura mopsina também é classificad a como citotóxica. Assim,
para troca iônica, consequentemente levando à paralisia a ação conjun ta d a cilindrospermopsina e d e seu meta-
m uscular. bólito tóxico promove necrose hepática, podendo também
Os sintomas d a intoxicação e a morte são d epen- ocasionar toxicidade renal, cardíaca, pulmonar, bem
dentes da quantidade de saxitoxina ingerida, e pod em como alterações na mucosa gástrica. Além disso, estudos
ocorrer dentro de 2 a 24 h oras, podendo ser leve, com recentes têm mostrado que a cilindrospermopsina pode
ocorrência d e náuseas, vômitos, debilidad e muscular e
parestesia d as extremidades inferiores e n os casos mo-
derados a severo, ocorrência de paralisia muscular facial, OH
H H
reflexos ausentes, pupilas não reativas, distonia profun-
da, parada respiratória com parada cardiorrespiratória. o
Para as intoxicações com PSP, não há t ratamento
específico, por ém, vale ressaltar que a instauração d e NH NH
respiração artificial é primordial para o sucesso tera - Me i +

pêutico, além d e tratamento sintomático. Caso a inges- H NH o


tão tenha ocorrido recentemen te e tenha sid o possível
relacionar a sintomatologia com a ingestão de moluscos, FIGURA 32.7. Estrutura da molécula da cilindrospermopsina.
394 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

promover genotoxicidad e, teratogenicidade e, p ossivel- d os olhos, u rticária e, caso ingerido, p o d e prom over
m ente, carcinogenicid ade. gastro en ter ites e reações locais imu n om ediadas sobre
mucosas promovendo ed ema e irritação local.
De rm at ot oxinas
Outras cianot oxinas
Reações d ermatológicas, com o irritação da pele e
reações im unes locais, têm sido relatad as em humanos BMAA
após contato com águas com presença de cianobactérias. O BMAA é um aminoácido n ão proteico sintetiza-
Com o dito an teriormen te, n ão som ente m etabólitos d o por praticamente todos os gêneros d e cianobactérias
secund ários p roduzidos por cianobactérias podem pro- m arinhas e de águas continentais. Existe um a controvér-
mover efeitos tóxicos, como também toxinas endógenas sia entre diferentes linhas de pesquisa acerca da hipótese
d esses m icrorganism os, como os lip opolissacarídeos d e que a exposição ao BMAA poderia desempen har um
(LPS), os quais são com ponentes d a parede celular d e papel im portante em várias con dições neurod egen era-
todas as cian obactérias gram- negativas, inclu indo as tivas, como na doença de Alzheimer. Essa hipótese su r-
cianobactérias; são substâncias anfifílicas, cujas m olécu- giu quando pesquisad ores estud aram índios de uma ilh a
las são form adas por cad eias de carboidratos (norm al- no Pacífico, os chamorros, cuja d ieta estava baseada em
m ente hexases), d e comprimento variável e de lipídeos u m a planta que incorp orava o BMAA p roduzido p or
(ácidos graxos d e cadeias C 14 a C 18, Figura 32.8), o que cianobactérias simbiontes de suas raízes e, ainda, o con-
determina a existência d e m uitas variantes estruturais. sum o de m orcegos que também faziam uso dessa planta
Esses compostos pod em ser lançados no meio aquático, para se alimentar, e muitos desses indivíduos desenvolviam
principalmente quan do ocorrem as florações e a lise de uma dem ência muito particular em seu fenótipo (escle-
cianobactérias senescen tes com a liberação p or m eio rose lateral amiotrófica e parkinsonism o) e esses estu-
dessa m olécula. O LPS é um agen te pirogênico e pró-in- diosos verificaram que no SN C d esses indivíduos havia
flam atório, u m a vez que encontra receptores em m acró - uma grande concentração do BMAA e, conscientemen -
fagos e também é capaz de ativar linfócitos, desencadean - te, esse mesm o am inoácido não p roteico também fora
do uma resposta inflamatória que pode ser somente local, en contrado em pacientes canadenses, ou seja, que nun-
como tam bém, na p redisposição do indivíduo, a ocor- ca tiveram contato com tal plan ta e que haviam m orri-
rências m ais p reocupantes. Porém , no geral, as m anifes- d o com Alzheimer. Vários são os trabalh os que tentam
tações são locais, com eritem a e lesão tecidual, irritação relacion ar a ação do BMAA n o d esenvolvim en to d e

o
o . . .,__.. . ~~º\\ / o oi .,,.,,--o- NH2
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FIGURA 32.8. Est rutura de lipopolissacarídeos.


Ca pítulo 32 • Intoxicação produz ida por algas de água doce 395

doen ças neurodegen erativas e tantos outros trabalhos Esses métodos detectam as cianobactérias que pro-
refutam tal h ipótese, um a vez que, utilizando novas d uzem toxinas em vez das cianotoxin as diretamente.
m etodologias não conseguiram identificar tal aminoá- Com o desenvolvimento de métodos para detecção e
cido em pacientes com Alzheim er. caracterização de ácidos nucleicos, por exemplo, a rea-
ção em cadeia da polim erase (polymerase chain reaction,
Aphysiatoxina e análogos PCR), PCR em tempo real, microarray e outras novas
abordagens (como a bioinformática), o campo de mo-
Aphysiatoxin a e an álogos relacionados, como as nitoramento ambiental, especialmente em florações de
oscilatoxinas e as nhatranginas, são bislactonas fenólicas cianobactérias, estão em amplo desenvolvimento.
isoladas de diferentes espécies de cianobactérias mari-
nhas, incluindo Lyngbya majuscula, Schizothrix calcíco- Métodos biológicos
la e Oscillatoria nigro-viridis. Essas cianotoxinas possuem
como particularidade a capacidade de ativar proteína C Os bioensaios e os testes de toxicidade fornecem
quinase levando ao desenvolvimento de tumor e ação uma triagem simples e rápida de amostras com base nos
irritante sobre a pele, olhos e ao trato gastroinstestinal. efeitos tóxicos biológicos gerais. O Quadro 32.2 apre-
senta os principais métodos biológicos para a detecção
~ de cianotoxinas.
DETECÇAO DE CIANOTOXINAS

Com o m elhor conhecimento sobre as cianobacté- Bioensaio em camundongos


r ias e o consequente aumento da preocupação com os
r iscos apresentados por suas toxinas, tanto para o ser Nos bioensaios realizados em camundongos, o ma-
humano como para os anim ais, tem sido propostos cada terial, o qual m uitas vezes é o extrato bruto, é adminis-
vez m ais métodos para a detecção e a quantificação das trado via injeção peritoneal. Esse bioensaio é conside-
cianotoxinas, os quais variam desde ensaios biológicos rado o teste padrão para estabelecimento de D L50 ,
de screening (ou seja, métodos de rastreamento, reco- avaliação dos efeitos das cianotoxinas e da toxicidade
nhecimento ou varredura), até as m ais sofisticadas téc- de florações e de culturas de cianobactérias.
n icas analíticas. No entanto, vale ressaltar que até o São empregados camundongos machos (linhagem
momento não há um m étodo único que seria aceitável Swiss Albino) com peso variando de 20 a 25 g. Para
para a determinação abrangente de todas as variantes obtenção do extrato algal, n as florações, a coleta das
de cianotoxinas. Alguns dos m étodos têm a capacidade algas é realizada com rede planctônica ou frasco apro-
de detectar a presença de cianotoxinas diretam ente nas priado; o material coletado pode ser concentrado por
amostras de água, enquanto outros só podem detectar filtração em membranas de fibra de vidro tipo GF/C ou
indiretamente sua presença, identificando as cianobac- centrifugado a 3.000 rpm , durante 30 minutos; o resíduo
térias potencialmente tóxicas. retido no filtro ou obtido por centrifugação deve ser
Na rotina, a detecção dessas toxinas pode ser feita pesado e ressuspenso em solução fisiológica e submeti-
basicam ente pelos métodos biológicos ou bioquímicos, do ao ultrassom para rompimento das células (lise). A
no qual é realizado o screening ou a quantificação, e para sonicação pode ser substituída por uma sequência de
tal usam-se os ensaios em camun don gos, de enzima congelamentos e descongelamentos. O volume de solu-
imunoen saio (Enzyme-Linked ImmunoSorbent Assay ção a ser empregado depende do peso do resíduo e deve
- Elisa) e o de inibição de proteína fosfatase. Os outros obedecer à relação de 1O mL de líquido para 1 g de
são os m étodos físico-químicos. material "seco': O sobrenadante ou o filtrado são des-
Recentemente, vêm sendo desenvolvidos métodos cartados. Para a obtenção de resultados mais precisos,
m oleculares, os quais mostram um a grande prom essa, com relação ao peso seco do material a ser testado, subs-
uma vez que se apresentam simples, específicos, sensíveis titui-se atualmente a centrifugação da massa algal por
e econômicos para a detecção e quantificação de ciano- sua liofilização.
toxinas a partir de diferentes amostras ambientais. Esses O volume a ser administrado no camundongo não
métodos de detecção baseados em DNA tornaram-se deve ultrapassar 1 mL, administrando-se o extrato algal
populares em decorrência de sua especificidade potencial, por via ip. Os sinais clínicos e a letalidade dos animais
sensibilidade e velocidade. Verifica-se que o número de são observados no período de 24 horas. Em caso de
publicações usando métodos moleculares para detectar suspeita de intoxicação por cilindrospermopsina, esse
cianobactérias tóxicas está aumentando rapidamente. período deve ser estendido para 7 dias.
396 Toxicolog ia aplicada à med icina vet eriná ria

QUADRO 32.2. Processos de t rata mento d e cianotoxinas e a eficácia relativa d o tratamento


Tratamentos Eficácia relativa

Remoção intracelular de cianotoxinas (células intactas)


Oxidação Ev ita-se a pré-oxidação, porque esse processo frequentement e causa lise da cianobactéria,
acarretando liberação de cianotoxinas na água. Se é necessário o processo de oxidação por
outros objetivos, consid ere emprega r doses ba ixas de um agente oxidante que tem pouca
possibilidade de ca usar lise d e cé lulas (por exemplo , perma nganato de potássio). Se for
necessá rio emp regar altas doses desses agentes, deve-se opta r por doses bast ante elevadas
pa ra garantir que não somente haj a lise de cé lulas, mas também que ocorra a destruição tota l das
toxinas presentes

Coagu lação/ sedimentação/ Efica z pa ra a remoção de toxinas intracelulares quando as células acumuladas no lodo são isoladas
filtração da planta e o lodo não é devolvido ao fornecimento após a separação
Membranas Dados do estudo são escassos; presume-se que as membranas seriam eficazes pa ra a remoção de
cianotoxinas intracelulares
Flotação Processos de flotação, como flutuação de ar dissolv ido (DAF), são efica zes para remoção de
cianotoxinas intracelulares, j á que muitas das cianobactérias fo rmadoras de toxinas são flutuantes
Remoção extracelular de cianotoxinas

Membranas Depende do material, da distribuição do tamanho dos poros da membrana e da qualidade da água.
A nanofiltração é gera lmente eficaz na remoção de microcistina extracelular. A fi ltração por osmose
inversa é geralmente aplicável pa ra remoção de microcistina extracelular e cilind rospe rmopsina. A
lise cel ular é altamente provável. Mais pesquisas são necessá rias para caracterizar o desempen ho
Permanganato de potássio Efica z pa ra promover a oxidação de microcistinas e anatoxinas; entretanto, ma is estudos são
necessá rios para ava liar o efeito em cilind rospermopsina
Ozona Bastante eficaz para causar a oxidação de microcistina extracel ular, anatoxina-a e
cilindrospermopsina

Cloraminas Não é efica z


Dióxido de clo ro Não é eficaz na concentração empregada no tratamento da água de bebida
Cloração Efica z pa ra oxidar cianotoxinas extracelulares; entretanto, é necessário que o pH esteja aba ixo de 8;
é inefica z para anatoxina-a
Radiação UV Efica z na degradação de microcistina e cilindrospermopsina, mas em doses extremamente altas, o
que a to rna impraticável

Carvão ativado Carvão ativado em pó: a eficácia va ria g randemente, considera ndo-se o tipo de ca rvão e tamanho
do poro. Os carvões ativados à base de madeira são gera lmente os mais efica zes na adsorção de
microcistina. O carvão não é tão efica z na adsorção de saxitoxina ou compostos que tenham sabor
e odor. Doses superiores a 20 mg/L podem ser necessárias para a remoção completa da toxina.
Carvão ativado granular: efica z pa ra microcistina, mas não tão efica z para anatoxina-a e
cilindrospermopsinas

O bioensaio apresen ta com o vantagens facilidade concentrações de amostras, as quais são diluídas no meio
de execução, baixo custo, respostas rápidas e a possibi- de crescimento do camarão, em placas de microtitulação
lidade de diferen ciar h epatotoxinas de n euro toxin as, de 96 well. Após 18h a 25ºC, a toxicidade é expressa com o
por sim ples observação d a sintom atologia apresen tad a a concen tração da am ostra que causou 50% d e m ort a-
pelos animais intoxicados. Suas d esvan tagens são a im- lidade (DL50) . No en tanto, d eve-se considerar que d a
possibilidade d e d etectar quantidades mínimas d e to - m esma m aneira que ocorre com camundongos, tal com o
xinas, especialmen te se dissolvidas na água e de d istin- n o bioensaio com ratos, o en saio de salm our a n ão é
guir en tre homólogos dessas substân cias. Além d isso, esp ecífico para microcistinas e pod e ser fo rtemente
em muitos países, por razões éticas, há restrições ao uso influenciad o pelos efeitos d a m atriz d e am ostras.
de animais em bioensaios, especialmente para determi-
n ações de D L50 • ELISA
Por causa d essas desvantagens, tem sid o proposto
o emprego de invertebrados, sendo o cam arão marinho Amplamente utilizado com o m étod o de screening,
(Artemia salina) o principal sujeito empregad o. Nesse o Elisa foi desenvolvido para a detecção de microcistinas
ensaio, as larvas d o cam arão são expostas às diferentes e provou ser um método muito sensível. Esse ensaio,
Ca pítulo 32 • Intoxicação produz ida por algas de água doce 397

que pode ser tanto monoclonal, específico para certo Métodos físico-químicos
tipo de variante da m olécula, ou policlonal, o qual re-
conhece vários tipos de moléculas, é extremamente útil Os métodos químicos usados para determinação de
como varredura quantitativa, com limites de detecção cianotoxinas é principalmente baseado em cromatogra-
em torno de 0,1 µg/L. Por outro lado, o Elisa é susceptível fia líquida de alta eficiência (High Performance Liquid
a interferências; p or exemplo, apresenta reatividade Chromatography - HPLC), combinada com um detector
cruzada com as m icrocistinas RR, YR e LA, nodularinas ultravioleta (UV), de fluorescência. Por outro lado, iden-
e produtos de degradação dessas substâncias, o que o tificações baseadas em UV isoladamente não são sufi-
limita para uso de análises quantitativas. É bastante uti- cientes, por causa da possibilidade de presença de outros
lizado em amostras ambientais e é um ótimo método de compostos com espectro de absorbância similar, por-
varredura, pois detecta pequenas concentrações de mi- tanto, há perda de sensibilidade.
crocistinas. Atualmente, há disponível no comércio kits Q uando há a necessidade da confirmação e identi-
para quantificação de outras toxinas, com o nodularina, ficação da cianotoxina analisada, um método mais avan-
cilind rospermopsina, saxitoxina e BMAA. O Elisa pode çado e sofisticado como o HPLC acoplado à espectro-
ser feito tanto com amostras frescas quanto com amos- metria de massas ( mass spectrometry - MS) pode ser
tras preservadas, permitindo a detecção seja de toxinas empregado. Esse método provê a m elhor solução para
no meio extra ou intracelular, liberadas no sobrenadan - identificação, pois usa com o ferramenta de detecção,
te, garantindo, assim, tanto a flexibilidade quanto a re- além da prévia separação pela cromatografia a líquido,
dução de custos. a identificação dos íons gerados pela fragmentação das
moléculas, produzindo dessa maneira um espectro de
Ensaio de inibição de proteínas fosfatases massas. Portanto, esse método perm ite a separação e
identificação simultânea de compostos.
Esse teste foi desenvolvido para a detecção e quan -
tificação de microcistinas e nodularinas. Baseia-se no CONTROLE
mecanismo de ação dessas cianotoxin as, que é a inibição
das porções serina/treonina das proteínas fosfatases 1 Na remoção das toxinas produzidas pelas cianobac-
e 2A, cuja consequência direta é a hiperfosforilação térias infelizmente não se emprega nenhum dos méto-
intracelular. dos convencionais de tratam ento de água, com o flocu-
A extensão da in ibição dessas enzimas está direta- lação, sedimentação, filtração em areia e cloração.
mente relacionada ao efeito hepatotóxico dessas ciano- Um a vez que a cianobactéria e/ ou suas cianotoxinas
toxinas. O princípio do método é a utilização de subs- são detectadas na superfície da água do sistema de
trato com 32P radiomarcado. Existem pelo menos duas suprimento de água, há várias possib ilidades par a
variações dos ensaios de inibição: ensaios colorimétricos remover ou inativá-las; entretanto, algumas opções de
e fluo rescentes. Esses ensaios usam substratos como tratamento são efetivas para algum as cianotoxinas, m as
p-nitrofenil fosfato e podem ser utilizados em associa- não para outras, portanto, para a efetiva ação, é neces-
ção com imunoensaios, como o Elisa, o que torna a sário que o operador tenha pleno conhecimento das
determinação altamente sensível e específica. características da cianobactéria que domina a floração,
Embora seja um método bastante eficiente, esse bem como as propriedades de suas toxinas, ou seja, se
ensaio não distingue co-ocorrência de variantes de mi- são intra ou extraceluares, para que possa realizar o
crocistinas e também n ão distingue m icrocistinas e processo de tratamento adequado. Por exemplo, proces-
nodularinas. Além disso, na análise da água contendo a sos de tratamento da água nos quais são usados per-
floração, pode haver interferências com compostos des- manganato de potássio e cloro podem proporcionar a
conhecidos, o que possibilita levar a uma sub ou supe- liberação dessas toxinas na água, fazendo com que haja
restimativa da concentração da toxina. um perigo potencial de atingir o ser humano e os animais
Outra desvantagem é o custo, a meia-vida curta do por meio dos reservatórios de água.
isótopo 32P (aproxim adamente 14 dias). Deve ser con - O Quadro 32.3 apresenta um resumo das várias
siderado ainda que as proteínas não estão comercial- técnicas de tratamento da água para a rem oção de cia-
mente disponíveis e requerem procedimentos razoavel- notoxinas e suas respectivas eficácias, propostas pela
mente sofisticados para sua preparação, além do alto Agência Americana de Proteção Ambiental ( United
custo associado. States Environmental Protection Agency - EPA).
398 Toxicolog ia aplicada à med icina veterinária

QUADRO 32.3. Principais métodos biológicos para detecção de cianotoxinas, limites de detecção e suas restrições
Metodologia Limit e de detecção Restrições do ensaio

Bioensa io com camundongo DL50ª: 25- 150 µg/kg lnespecífico, qua litativo e reque r licença animal

Bioensa io com camarão marinho DL50:5- 10 mg/L Variação interlabo ratorial de resultados. O ensa io é afetado por
interferentes na amostra. ln específico

Ensa io de inibição de proteínas 0 ,3 µg/L lnespecífica. O ensa io é afetado por interferentes na amostra
fosfatases (detecção colorimétrica)

Ensa io de inibição de proteínas 0 ,1 µg/L ln específica


fosfatases (detecção fluorimétrica)

Elisa (anticorpos policlona is) 0 ,2 µg/ L Difícil manter a fonte reproduzível; caro

Elisa (anticorpos monoclonais) 0 ,06 µg/L Trabalho intensivo e potencial de reatividade cruzada
ª dose necessária para matar 50% dos camundongos.

13. DEVLIN, J.P.; EDWARDS, O.E.; GORHAM, P.R.; et al. Anato-


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Capítulo 32 • Intoxicação produz ida por algas de água doce 399

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Capítulo 33

Intoxicação por metais

lsis Machado Hueza

~ p ro dutos fin ais d eles obtidos, algun s metais pesados


INTRODUÇAO
como o chumbo, o mercúrio e o arsênio vêm represen -
Nos dicionários, o term o m etal é em p regado p ara tando um grande problema de n atu reza prática e ligado
design ar os elem entos qu ímicos eletrop ositivos qu e, em à gestão ambiental de seu uso. De fato, os d ejetos indus-
geral, são sólidos, brilh antes, bons condutores d e calor t riais contendo esses com postos são m u itas vezes lan -
e de eletricidade; quim icamente, são elementos situ ados çados no m eio ambien te na forma sólida ou líquida ou
à direita e ao centro d a tabela periódica, cujas caracte- de cinzas e vapores, contamin and o o solo, o ar e/ ou os
• •
r ísticas b aseiam -se na estrutura eletrôn ica do com pos- man anc1a1s.
to. Por m eio d e ligações m etálicas qu e ocorrem entre Uma das car acterísticas ligadas à toxicidade dos
átomos de um mesm o elemento, formam -se estruturas metais pesados é a alta reatividad e que p ossu em por
cristalinas que têm sido de grande valia para o hom em . outros grupamentos químicos; esse fato pode interferir
De fato, a utilização dos m etais rem on ta aos tempos na su a lipossolubilidade e, con sequ entem ente, su a ab -
mais primitivos d a história humana, caracterizan do até sorção e distribuição n os organismos d os seres vivos.
mesm o a evolu ção do homem , visto que seu uso como Assim, por exemplo, o m ercúrio - na su a forma orgâ-
utensílios domésticos, adornos e peças artísticas, indu - nica, de m etilmercúrio - possu i alta lipossolubilidade,
mentárias de combate, fabricação de armas, dentre tan- send o total e p ron tamente absorvido a partir d o t rato
tos outros artigos marcam a t ran sição do período n eo- gastroin testin al (T GI), enquanto qu e a absorção dos
lítico (da pedra) para a era dos metais. diferen tes sais d e mercúrio - form a inorgân ica - por
Os elementos m etálicos são altamente reativos com essa mesma via é parcial, variando em torno de 2 a 10%.
out ras moléculas doad oras de elét ron s. São, assim, en- A mais relevan te fon te d e exposição d os animais
contrados na natureza na forma orgânica, ligados a m o- e d o ser h u m an o aos m etais pesados é a in gestão de
léculas que apresentam p elo menos um átom o de car- águ a e de alimentos contam inados. No caso dos seres
b ono ou, n a forma inorgân ica, ligados a iodetos, sulfetos h umanos, a contaminação decorre muitas vezes da
e outros sais; m ais raramente, podem ser en contrados, atividade profission al, uma realidad e preocupante ob -
ainda, em seu estado elementar ou m etálico. Por essas servada, por exemplo, na m ineração, em garimpas de
características qu ímicas não é de se estranhar o adven- bateia e em outras atividades in dust riais que utilizam
to da mineralurgia, ciência da aplicação d os m inerais, esses elementos.
esp ecialmente dos m etais, na indúst ria. Como con se- Atu almente, tem sido rara a ocorrência de toxicida-
quên cia, os metais têm sid o amplam ente utilizad os na de aguda por metais em medicina veterinária. Os casos
confecção da m ais variada gam a d e p rodutos, tais como de intoxicação relatad os na literatura estavam mais re-
t intas, baterias secas e b aterias automot ivas, p rodução lacionad os à presença d e m etais p esados em produtos
de cloro e d e soda, de an tifúngicos, d e p raguicidas, d e veterinários, por exemplo, aditivos alimentares arsenicais,
conservantes de madeira e, d entre tan tos outros, até medicamentos mercu riais, carrapaticidas; o uso de fu n -
mesm o, de fármacos. gicidas à base de m ercúrio em grãos destinados à fabri-
Embora a aplicabilidade dos metais n a indústria cação d e r ações tam bém foi relacionado à ocorrên cia
seja benéfica em vários aspectos que são inerentes aos de intoxicações em animais, por ém , por causa d o
Capítu lo 33 • Intoxicação por metais 401

aparecimen to d e prin cípios ativos mais seguros e que CHUMBO


p rom ovem os mesm os efeitos. O uso de produtos con-
tendo m etais pesad os foi progressivamen te banido da O chumbo é o metal mais antigo utilizad o pelo h o-
med icina veterinária. Por outro lado, a toxicidad e crôni- mem. Existem documentos que relatam a sua utilização
ca, ou seja, a exposição d os animais de criação a doses na produção de moed as e outros artefatos pelos egípcios
baixas de m etais pesados, por períod o d e tempo p ro - d esde 5000 a.C. A intoxicação crônica provocad a pela
longad o, pode resultar em perda significativa d os índi- exposição ao chumbo é denominada satu rn ism o. Esse
ces zootécn icos, to rnan d o -se ain da u m problema d e termo origina-se da cren ça rom an a d e que o d eus Sa-
saúde pública. De fato, por esses m etais terem baixa taxa t u rno (Cron os entre os gregos), par a a confecção de
de excr eção e capacidade d e acumularem-se no orga- vários artigos, presen teou o h om em com o chumbo, o
nism o d os animais, os produtos d erivados de anim ais qual, entre os séculos V a.C. e III d .C., foi am plam ente
de produção a eles expostos podem conter m etais em u tilizado para os m ais diversos fins, com o construção
índices acima daqueles perm itidos por lei. d e aquedutos, utensílios domésticos, fund ição de moe-
Por outro lado, é importante salientar que em termos d as, e o m ais bizarro: o uso d o acetato d e ch u m bo na
de biomassa, o sistema terrestre para a d issem inação de produção vin ícola para conferir sabor ad ocicado a essa
m etais pesad os p resen tes no m eio ambiente d entro da bebid a. Acredita-se que esse fato seja o responsável pelo
cad eia alimentar é pequen o quand o comparado à bio - com portamento m en talmente doentio e pela in fertili-
m assa aquática, na qual tod o d ejeto ao alcan çar leitos d ade de alguns elementos d a aristocracia romana, entre
de rios, estuários e o mar permite qu e o conteúdo d e eles Nero e Calígula.
contam inan tes alcan ce difer en tes e m ais abundantes O chumbo continuou sendo utilizado nos séculos
níveis tróficos, tornando o que no futuro poderá ser u ma subsequentes, e nos tempos modernos foi muito empre-
importan te fonte de p roteín a an im al, peixes e outros gado na p rodução d e tintas (sais de chumbo), na fabri-
frutos do m ar, com o fo nte potencial de contaminação cação d e vidro, em esm altes vítreos e na vulcanização
por m etais pesad os em decorrência d o fen ômen o de da bo rracha (monóxido de chumbo), adicion ado n a
bioacumulação e biomagn ificação. form a de tetraetilchum bo à gasolina - o qual foi banido
na década de 1980 - , e, aind a hoje, utilizado para a in-
BIOACUMULAÇÃO E BIOMAGNIFICAÇÃO dustrialização de baterias auto motivas (dióxido de chum-
bo), soldas, ligas metálicas e em muitas outras atividades
A bioacumulação e a biomagnificação são fen ôm e- industriais.
n os distintos, porém altamen te correlacionados. O pri- O chumbo é classificado como um metal pesado d e
m eiro fenôm eno é aquele em que um ser vivo absorve, número atômico 82, d e coloração acinzen tada, extre-
seja d e form a d ireta por m eio do solo, sedim en tos ou mamen te maleável, cuja simbologia química - Pb - de-
água (plantas) ou de forma indireta, por m eio da inges- riva d o latim Plumbium. Na natureza ele pode ser en-
tão de alimentos, substân cias químicas com particula- contrado ligado a outros m etais, com o cobre, zinco,
r idades que permitem sua acum ulação n o organism o. prata, entre out ros; porém, a sua form a m ais abund an -
Por exemplo, substân cias altam ente lipossolúveis, com temen te encon trada na natureza é de galenas de sulfeto
peso molecular elevad o, altamente estáveis dentro d o de chumbo (PbS). Em razão do seu baixo ponto de fusão
organismo, seja em virtude d e ligações covalentes com e alta maleabilidade, foi um dos primeiros metais a serem
m oléculas orgânicas, seja pela baixa biotransform ação man ipulados pelo homem e, consequentemente, um dos
e excreção d esse composto, o que permite qu e ele se mais antigos compostos tóxicos conhecidos.
acu mule n o organism o e n o m esm o n ível trófico d a Em m ed icina veterinária, houve um tempo em que
cad eia alimentar. não era rara a ocor rên cia d e exposição d e anim ais ao
A biomagnificação, também conhecid a como mag- chumbo, principalmente entre os anos de 1960 e 1980,
n ificação trófica, é o fenôm en o pelo qual o composto p ela presença d esse m etal em vários produtos como
absorvido em um determ in ado n ível t rófico se disse- com ed ouros, bebedouros, tubulações d e água, tinta de
mina por outros níveis da cad eia alimentar, promoven- pared es, munição, m assa de vidraceiro, peso de pesca e
do, assim , acú m ulo do com posto em organ ismos que até em p rodutos farmacêuticos. En tre 1985 e 1989, o
se encontram nos níveis mais altos dessa cadeia, ou seja, National Animal Poison Control Center dos Estad os
os p red ad ores e também o ser hu m ano serão aqueles Unidos da América registrou a participação do chumbo
. . - .
organ ismo que mais con cen t rarao tais com postos to -
,
com 0,5% dos relatos de in toxicação em animais de

xicos. companhia, e esses relatos vêm d iminuin do d e form a
402 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

significativa em decorrência da substituição do chumbo en contra-se nos eritrócitos, ligado prin cip alm ente à
n a elabor ação de d iferentes produtos por comp ostos hem oglobina. O segundo principal tecido de deposição
, .
atox1cos. desse metal pesado é o ósseo, pois compete com o cálcio;
Os animais d e produção são mais suscetíveis à ex- assim, o chumbo pode se d epositar tan to na zona t ra-
posição d o chumbo, particularmente ruminantes. Bo- becular qu an to na cortical do tecido ósseo, podendo
vinos com deficiências nutricionais, principalm ente de permanecer n essa última zona por até 20 anos (em h u-
fósforo, pod em apresentar perversão d e apetite, vindo man os). O chumbo d epositado nos ossos pode vir a ser
a mastigar objetos com altos teores de chumbo. Antiga- uma fonte de exposição interna no indivíduo, pois mes-
m en te era com u m a ocorrência de intoxicação aguda mo após ter havido a excreção desse m etal, presente no
em virtude d o hábito dos animais em lamber as paredes sangue e em outros tecidos m oles - SNC, rins e fígado - ,
pintad as com tinta à base de carbonato de chumbo d as o chumbo pode ser mobilizado dos ossos, na dependên-
baias. Aind a hoje há relatos de m orte aguda d e animais cia de certos fatores, como dim in uição dos n íveis séricos
de produção que são colocados para pastejo em p ro- de cálcio, prenhez e até m esmo osteoporose, quando
priedades on de anteriormente funcionavam fábricas de ocorre a reabsorção óssea e, consequentemente, a redis-
baterias ou indústrias de tintas, ou ain d a em áreas con- t ribuição do chu mbo acu m ulad o n o esqueleto para o
taminadas próximas a essas propried ades. Vale ressaltar sangue, levando à reagud ização d a intoxicação.
que, tanto em animais de companh ia quanto em an im ais O chumbo consegue passar a barreira hematoence-
de produção a in toxicação é geralmente man ifestad a fálica de forma muito m ais eficaz em indivíduos jovens
pela sua fo rm a aguda, send o difícil d e se observar sua que em indivíduos adultos, bem como atravessar a pla-
form a crônica. centa, portanto, pode p rom over teratogênese.
A prin cipal via d e excreção do chumbo pod e ocor-
Toxicocinética rer pelas fezes e também por via urinária. Existe, também,
a excreção por outros fluid os orgânicos, o que é d e im -
O chumbo pode ser absorvid o p or todas as v ias, portância na saúde pública, pois vacas leiteiras expostas
sendo que pela via respiratór ia a absorção de vapores ao chumbo podem excretar esse m etal pelo leite, con-
desse m etal é quase que imediata. taminando o consumid or final: o homem.
A absorção pela via oral, a principal via de exposição
para anim ais, depen de da solubilid ade do sal de chum - Toxicod inâm ica
bo ingerido, d estarte, o chu m bo m etálico, bem como
sua forma sulfídica, é pouco absorvido; por outro lado, A característica química dos íons de chumbo (Pb+2)
apesar da absorção de chumbo ser baixa (1 a 2%), esse faz com que este se ligue de forma estável a grupamen -
metal, n a form a d os sais d e acetato, de fosfato e d e óxi- tos tiólicos presen tes em várias m oléculas orgânicas,
do de carbonato, é mais facilmente absorvid o pelo TGI. como a glutationa, vindo a depletar assim essa impor-
Deve-se lembrar que animais m ais jovens, pela particu- tante p roteína antioxidante, e enzimas d epen den tes d e
larid ade dos enterócitos na fase de desenvolvimento - à zinco (Zn+2 ), magnésio (Mg+2 ), ferro (Fe+2 ) e de cálcio
semelhança do que é observado na espécie humana - , ( Ca+2), os quais são substituídos pelo chum bo, o que
absorvem maiores quantidades d e chum bo que indiví- resulta n a in ativação de vários sistemas en zimáticos
duos adultos. D eficiên cias nutricionais também podem essen ciais para a homeostase orgânica, tais como o áci-
p rom over o aumen to n a taxa de absorção d o chumbo do gama-aminolevulênico desidrogenase (ALA- D ),
n o TGI, por exem plo, a d eficiência de cálcio na dieta, enzima envolvida na síntese do heme, cuja inibição pro-
que faz com que não ocorra competição entre esse ele- move aumento da coproporfiria urinária e aum ento da
mento e o chumbo para a absorção, e assim aumente a protoporfiria erit rocitária e, consequentem en te, o d e-
absorção do m etal. A absorção cutânea tem pouca im- senvolvim ento de anemia n ormocrômica e normocíti-
portância, por outro lad o, projéteis bélicos d epositados ca. Além d isso, a ação do ch u m bo sob re as hemácias
nos tecidos moles solubilizam-se e passam a ser absor- prom ove a inibição de en zimas nucleotíd icas, levando
vidos e p rontam ente d istrib u ídos p ara o organism o ao d esenvolvimento de reticulócitos. A competição exis-
animal. tente entre o chumbo e o cálcio leva também a alterações
Após absorvido, o chumbo se distribui pelos tecidos em sistem as n os quais há mecanismos celulares depen-
orgânicos, sen do os eritrócitos as células de eleição para den tes d o cálcio, como canais de cálcio voltagem -de-
a deposição desse metal no organ ismo; nesse sentido, pen dente. No SNC, o chumbo interfere com a transmis-
calcula-se qu e cerca d e 90% do ch umbo absorvi do são nervosa d ependente de acetilcolina, noradrenalina,
Capítu lo 33 • Intoxicação por metais 403

dopamina, ácido gama-aminobutírico (GABA) e gluta- Em ovinos cronicamente expostos, é comum observar a
m ato. A ligação do chum bo a proteínas celulares pode paralisia de membros posteriores e, na análise sanguínea
interferir n a fosfo rilação oxid ativa m itocon d rial. O de animais adultos, observa-se a presença de reticulóci-
chumbo ainda interfere na en zima Na+K+-ATPase e tos, an em ia n ormocrômica e norm ocítica e, também ,
também na bom ba de Na/Ca. maior suscetibilidade a processos infecciosos decorren-
tes da imunossupressão que o chumbo promove.
Sinais e sintomas
Achados anátomo-pato lógicos
Intoxicação aguda
A sintomatologia m anifestada pelos anim ais intoxi- N o exam e n ecroscópico do SNC, de animais agu-
cados é principalmente de origem nervosa (encefalopatia) damente afetados, é p ossível observar edema, achata-
e gástrica. Bovinos apresentam sinais nervosos, caracte- mento dos giros cerebrais, congestão, petéquias e des-
rizados por dificuldade de se m anter em estação, hipe- coloração amarelada na região cortical do cérebro. Sobre
restasia, cegueira parcial ou total, nistagm o, opstótomo, o TGI, em ruminantes, ainda é possível localizar peda-
comportamento agressivo e convulsões recorrentes, que ços de chumbo n o retículo. Em m onogástricos e aves
podem levar o animal à m orte. Podem ser observados, p odem ser observadas lesões ulcerativas na mucosa
, .
também , salivação excessiva, ranger de dentes, atonia gastr1ca.
ruminal e constipação, que evolui para diarreia enegre- O exame m icroscópico do SNC revela a presença de
cida e fétida. A morte dos animais pode ser decorrente necrose neuron al, degeneração de células de Purkinje,
das convulsões ou dos acidentes, em decorrência da ce- proliferação astrocitária, desmielinização de nervos pe-
gueira desenvolvida. Os sintom as desenvolvidos pelos riféricos, presença de corpúsculos de inclusão em células
suínos são m uito sem elhantes àqueles observados em renais, hepáticas e também no baço. Verifica-se, ainda,
ruminantes. nefrose, com presença de necrose de epitélio tubular.
Em equinos, são observadas alterações respiratórias
em virtude da paralisia do nervo laríngeo recorrente, que Dia gnóstico e diagnóstico diferencial
pode desencadear regurgitamento e sufocação, bem como
a pneumonia aspirativa; ocorre, também , anorexia, dor A realização da anamnese detalhada, com o histó-
abdom inal, paralisia de membros pélvicos e torácicos, rico da evolução de sintom atologia desenvolvida pelos
depressão nervosa, convulsões e morte do animal. an imais, aliada às fontes de exposição de chum bo n a
Em animais de companhia, a sintom atologia ner- propriedade, pode in d icar a toxicose por esse metal
vosa é caracterizada p or alterações com portam entais, pesado. O exame laboratorial mais indicado para o diag-
apatia, ataxia, n istagm o, opstótom o, convulsões e em nóstico de intoxicação por chumbo é a sua detecção nas
alguns casos pode ocorrer cegueira. As alterações pro- fezes, urina, leite e, principalmente, no sangue, o qual
duzidas no TGI são vômitos, anorexia, dor abdominal deve ser heparinizado para o envio ao laboratório. O u-
e diarreia. Em gatos, ainda é relatada a ocorrência de tro método diagnóstico empregado é a avaliação da
poliúria/polidpsia, megaesôfago e também disfagia. Em con centração do ácido gama-aminovulênico na urina,
aves são observados anemia, problemas intestinais com o qual é o substrato da enzima ALA-D. No exam e ra-
recusa de alim ento e consequente queda de peso, para- diológico, a detecção das "linhas de chumbo" nas m etá-
lisia, ataxia e sinais neurológicos. fises de ossos longos dos anim ais intoxicados pode ser
uma ferramenta adicional para a conclusão do diagnós-
Intoxicação crônica tico de intoxicação pelo chumbo.
Com o men cion ado anteriormente, em m edicin a O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras
veterin ária é rara a ocorrência de intoxicação crônica etiologias que levem ao desenvolvim ento de sintoma-
dos animais domésticos. Atualm ente, a exposição crôni- tologia nervosa, com o a encefalomalácia, acetonem ia,
ca desses animais, quando ocorre, é pela ingestão de água h ipovitamin ose A, tétan o, intoxicação p or arsên io,
contaminada p or indústrias que utilizam o chumb o e mercúrio e in gestão de pastagem contaminada por
n ão fazem o tratam ento adequado de seus dejetos. A micotoxinas produzidas pelo Claviceps paspali e raiva
sintom atologia observada nesses animais cronicamen- (em ruminantes). Em equinos, é necessário se fazer o
te expostos é a inibição n o crescim ento de bezerros. diagnóstico diferencial para afecções pulmonares, por
Além disso, esse tipo de exposição pode promover altera- exemplo, edem a p ulmonar. Em p equ enos animais,
ções comportamentais, como isolamento e agressividade. deve-se diferenciar a intoxicação por chumbo de raiva,
404 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

d eficiências nutricionais que causem alterações ner- barômetros e, p rincipalmente, para a mineração e ga-
vosas, raiva e, ain da, em cães, a cinom ose. rimpo do ouro. Outras form as inorgânicas d e mercúrio
podem ser encont rad as n a indústria, por exemplo, os
Preve nção e controle sais: cloreto d e m ercúrio (HgC12 ), altamente corrosivo
e tóxico, o sulfeto de mercúrio ou cinábrio (HgS), utili-
Impedir que os animais tenham contato com pro- zados na produção de tintas e d e baterias. O mercúrio
dutos que contenham chumbo, como alguns já citad os pod e, também, ser encon trado na forma de compostos
an teriormente, evitar alocar anim ais de produção em organomercuriais, tais como o m etilmercúrio, dimetil-
terrenos on de funcionavam an tigas indústrias produ- mercúrio, entre out ros; estes foram e ainda são muito
toras ou de reciclagem de baterias automotivas ou área utilizados como catalisadores para p rodução industrial
p róxim as a essas instalações. Além disso, para animais de ácido acético, acetoaldeíd o, cloro e sod a; utilizado no
de produção, deve-se provid enciar um balanço nutricio- t ratam ento indust rial de alguns tipos de tecid os, como
n al adequado, prin cipalmente no que diz resp eito à o feltro; na taxidermia; compostos organ omercu riais
suplementação m ineral para evitar o desenvolvimento foram aind a usados para a fabricação d e alguns m edi-
da perversão do apetite d e ingestão de metais presentes camentos, como antissépticos, contraceptivos e diuré-
na pastagem. ticos. Esse uso ligado à p rodução de medicam entos foi
banido no Brasil apenas em 200 1.
MERCÚRIO
Toxicocinética
No final do m ês de ab ril d e 1956, em vilarejos si-
t uados ao redor da baía de M in amata, Japão, muitos O tipo de mer cúrio ao qu al o animal foi exposto
gatos começaram a apresentar distúrbios neurológicos tem grande relevância na absorção. Assim, o mercúrio
caracterizados por tremores musculares, ataxia, altera- metálico, quan do in gerido, é muito pouco absorvido
ções comportamentais, auditivas e visuais, convulsões pelo TGI (taxa de absorção menor que 1%). Por out ro
e morte. Na época, acreditou-se tratar de uma doen ça lado, esse mer cúrio de baixíssimo pon to de ebulição
de etiologia infecciosa. Quando, porém , vários habitan- (356,9°C) é utilizado por garimpeiros para o isolam en-
tes desses vilarejos começaram a apresentar a mesma to do ouro, o qual se dá por m eio da formação do am ál-
sintom atologia dos felinos, buscou-se investigar m ais gama resultante da ligação do ouro com o mercúrio.
p rofun dam ente a causa do que acabou sendo d enomi- Esse amálgama é posteriorm ente submetido ao aqueci-
nado de "doença de M in am ata". C oncluiu-se, pouco m en to, o que perm ite a evaporação do mercúrio e o
tempo depois, que a verdadeira etiologia das ocorrências isolamen to do ouro. Esse vapor, se inalado, é p ronta-
estava ligada à contaminação das águas da baía d e Mi- mente absorvido nos alvéolos pulmonares. A absorção
namata por um metal, o metilmercúrio, oriundo de uma cutân ea do mercúrio metálico tam bém p ode ocorrer
indústria p rodutora de acetoaldeído. quando em seu estad o d e vapor, porém em m enor grau,
Essa ocorrên cia foi registrada como uma das maio- e a absorção do mercúrio líquid o através da pele íntegra
res catástrofes mun d iais com m etais pesados, tanto para é desprezível.
o meio ambiente - já que somente em 1990 os níveis de Por possuir baixa lipossolubilidade, a taxa de absor-
mercúrio p resentes nas águas e nos animais m arin hos ção dos sais de mercúrio (inorgânicos) pelo T GI é rela-
que n ela habitam foram tidos como aceitáveis -, com o, tivamente baixa, variando de 2 a 10%. Assim como ocor-
e principalmente, para a espécie humana. De fato, além re com o mercúrio m etálico, esses sais, se inalados, são
de cen ten as de mortes e d e inúm eros relatos de ocor- absorvid os p rontamente pela via pulmonar. Acredita-se
rência de outras sequelas decorrentes da exposição ao que a absorção dos sais de mercúrio através da pele é
mercúrio, muitos indivíduos expostos na vida intraute- d esprezível.
rina desenvolveram efeitos teratogên icos e neurológicos Os compostos organom ercuriais são altamen te li-
graves, muitas vezes incompatíveis com a vida. possolúveis, dessa form a, são p rontamente absorvidos
O mercúrio é um m etal pesad o, de n úmero atômi- (>80%), tanto pela via oral, p ulmonar, com o cutânea.
co 80, de aspecto argênteo, cuja simbologia química - Hg A distribuição do mercúrio pelo organismo anim al,
- é derivada do latim hydrargyrum, ou seja, p rata líqui- após sua absorção, está est reitamente relacion ada à
da. Pela característica líquida que o m ercúrio possui em lipossolubilidade dos diferentes compostos que o con -
seu estad o elementar ou metálico (Hgº), esse m etal tem têm . Assim, aqueles mais lipossolúveis, tais como os
sido utilizado para a fabricação de term ômetros ou de compostos organ omercu riais, são t ransportados pelos
Capítu lo 33 • Intoxicação por metais 405

eritrócitos ou por proteín as plasmáticas. As formas mer- glutationa, sendo excretada por meio da bile. Ressalte-se
curiais com menor lipossolubilidade, como os mercúrios que o metilm ercúrio, um a vez no TGI, pode ser n ova-
inorgânicos, concentram -se m ais no plasma. mente absorvido, percorren do o chamado ciclo ente-
A passagem dos com postos organ omercuriais de rohepático, responsável por tornar a meia-vida do me-
alta lipossolubilidade do sangue para o sistema nervo- tal n o organismo animal ainda mais longa.
so central (SNC) é muito rápida; portanto, esse órgão
é um dos locais em que se en contram maiores concen- Toxicod inâmica
trações de mercúrio naqueles animais expostos. O mer-
cúrio metálico, uma vez no SNC, pode oxidar e ligar-se Com o já mencion ado anteriorm ente, o mercúrio
prontamente às proteínas teciduais e depositar-se nesse possui alta reatividade com outras m oléculas; dentre
sistema (Hgº ® Hg+2). O utro tecido de eleição para a estas, destacam-se, nos sistemas orgânicos, alguns gru-
deposição do mercúrio é o renal, fato que ocorre prin- pam entos m oleculares como as sulfidrilas, que estão
cipalmente para os compostos mercuriais inorgânicos presentes em várias proteín as, inclusive enzim as que
presentes n a form a iônica divalente (Hg+2 ), pois é por têm relevante participação em diversas reações bioquí-
m eio d a excreção ren al que esse tipo d e m ercúrio é m icas. O metilmercúrio é neurotóxico e promove ao
elim in ado do organism o. A deposição desse metal pe- nível central, destruição de microtúbulos, lesão mito-
sado pode também ocorrer em vários outros tecidos, condrial, peroxidação lipídica e acúmulo de moléculas
por exem plo, nos pelos e cabelos, sendo esses tecidos neurotóxicas. Outros grupamentos reativos ao mercú-
im portantes para avaliação dos níveis de exposição ao r io in cluem: amidas, amin as, carb oxilas, fosfo rilas e
, .
mercur10. nucleotídeos como timina e uracila. Ligando-se a esses
Além de serem transportados e de se depositarem grupamentos endógenos, o mercúrio interfere profun-
por todo organism o animal, os com postos mercuriais damente com atividades biológicas de grande impor-
possuem outra característica que indepen de da forma tância orgânica. Assim, não é de se estranhar a variabi-
em que se encontram: trata-se da capacidade que têm lidade dos sistem as-alvo da toxicidade do mercúrio,
de atravessar a barreira placentária, distribuindo-se por bem como aquela ligada aos sintomas decorrentes da
todo o organismo fetal, em especial pelo SNC, fígado e exposição dos animais aos diferentes tipos de compos-
rins. Nenhum traço de contam inação mercurial amnió- tos mercuriais.
tica foi relatado até o mom ento. Esse fato sugere que a
excreção do mercúrio seja inexistente na vida fetal, sen- Si nais e sintomas
do, assim , altamente tóxico para o feto, promovendo
efeitos teratogênicos que se manifestam, em geral, sobre Intoxicação aguda
oSNC. Como já comentado, a ocorrência de intoxicações
As reações envolvidas na biotransformação do mer- agudas por compostos mercuriais é rara nos dias atuais,
cúrio, tanto nos anim ais quanto no hom em, envolvem excetuando-se aquelas que acom etem seres humanos
oxirredução (Hgº ~ Hg+2 ), promovida por enzimas do que se expõem a esse metal em fun ção de seu trabalho,
sistema catalase-hidrogênio peroxidase e conversão do como acontece, p or exemplo, com os garimpeiros. A
m ercúrio orgânico em mercúrio divalente (Hg+2 ), por sintomatologia desenvolvida por esses indivíduos é de
meio do rompimento da ligação carbono-mercúrio, em caráter respiratório; inicia-se com dispneia, tosse seca
um a reação ainda não totalmente elucidada. Vale res- e febre, podendo evoluir para pneumonite intersticial,
saltar que muitas bactérias aquáticas possuem a capa- atelectasia, bronquiolite necrosante, hemorragia pulmo-
cidade de metilar o mercúrio inorgânico, o qual está n ar com epistaxe e edema pulm on ar. Esses sintomas
presente na água e em sedim entos de rios localizados podem ser acompanhados de alterações digestivas ines-
próximos a fontes poluidoras, contamin ando, assim, pecíficas, com o vômitos e diarreias; nos casos em que
algas e peixes com mercúrio orgân ico, magnificando-se persistir a exposição, podem surgir alterações visuais e
destarte o problem a pela exposição sucessiva dos elos neurológicas, com aparecimento de tremores de mem -
da cadeia alimentar. bros, tremores de olhos, boca e língua, que vão progre-
A excreção do mercúrio se dá tanto pela via ren al dindo para todo o corpo no decorrer da continuidade
quanto pela biliar; a fo rma iônica d ivalente (Hg+2 ) é . - ao mercur10.
a' expos1çao , .

excretada mais facilmente pela urina; n o entanto, essa Em m edicin a veterin ária, o m ercúrio elem entar
fo rma divalente tam bém pode, assim como o metil- pode ser ingerido por animais de companhia quando o
m ercúrio n ão biotransformado, complexar-se com a proprietário, por desconhecimento da prática veterinária,
406 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

introduz termômetros na cavidade bucal desses animais Estudos realizados com bovinos e com frangos de
que acabam mor dendo-os, ingerindo, dessa forma, o corte têm evidenciado que a exposição a baixas concen -
metal; porém, nessa situação e como já descrito, o m er- trações de organomercuriais na água de bebida pode
cúrio elementar ingerido quase não é absorvido, deven- levar os animais a apresentar alterações no sistema imu-
do ser a deglutição do vidro o foco de maior atenção do nológico, resultando esse fato em uma suscetibilidade
m édico veterinário. m aior deles a patógenos oportunistas. Como consequên-
Outra forma de intoxicação aguda por mercúrio cia, ocor rem perdas econ ômicas significativas para o
pode ser decorrente da ingestão acidental de sais desse agronegócio, visto que, entre outras, há perda no ganho
m etal, presentes em pilhas e baterias, ou em fontes se- de peso, na produção e até m esmo aumento da m orta-
m elhantes; esse tipo de intoxicação acom ete principal- lidade dos animais. Deve-se salientar ainda que a expo-
m ente anim ais de com pan h ia jovens, em virtude do sição de poedeiras com erciais ao m ercúrio pode levar
comportam ento curioso e brincalhão que apresentam . à queda na postura. Evidentemente, essa exposição apre-
Essa ingestão pode resultar, inicialmente, em alterações senta um problema sério de saúde pública, já que ali-
gastrointestin ais decorrentes da ação corrosiva que esses mentos provenientes de an imais expostos podem apre-
compostos exercem sobre os tecidos orgânicos, princi- sentar o mercúrio em níveis residuais elevados; n esse
palmente sobre as mucosas. São sintomas dessa ocor- contexto, deve-se ressaltar que ovos con centram esse
rência: salivação excessiva, náusea, hematemese, abdô- metal, principalmente, na clara.
m en agudo, d iarreia sanguin olen ta e disenteria com
perda abundante de líquidos, o que pode evoluir para Achados anátomo-pato lógicos
choque hipovolêm ico. Na fase de excreção dos íons di-
valentes de m ercúrio pelos rins, pode ocorrer insufi- A n ecropsia de anim ais intoxicados, por via oral,
ciên cia renal aguda, em decorrên cia d e n ecrose das com cloreto de m ercúrio ou com outro tipo de sal de
células epiteliais dos túbulos contornados proximais, mercúrio que tenha caráter, revela a presença de exten-
fato que pode evoluir para insuficiência renal crônica. sas áreas de necrose nas mucosas esofágica e gástrica.
A n ecropsia de animais cronicam ente intoxicados
Intoxicação crô nica com compostos organom ercuriais não revela alterações
O principal foco de atenção ligado à ocorrência de macroscópicas dign as de nota; a m icroscopia óptica de
toxicose por mercúrio em animais dom ésticos - prin- luz, no entanto, pode revelar a presença de degeneração
cipalm ente em animais de produção - deve ser dirigido n euronal e axon al de n ervos p eriféricos. Nos rins, a
à intoxicação crônica. De fato, a ingestão de pequenas avaliação microscópica revela n ecrose das células
concentrações diárias de m ercúrio, por tempo prolon - epiteliais dos túbulos contornados proxim ais.
gado, pode p rom over alterações im portantes nesses Em fetos abortados ou neonatos de fêmeas expostas
anim ais que se m anifestam em diferentes órgãos. Nesse ao mercúrio durante a gestação, a necropsia pode reve-
sentido, os com postos o rgan omercuriais são os que lar a presença de alterações macroscópicas significativas
conferem m aior preocupação, já que animais, como os no SNC, como aumento do tam anho dos ventrículos e
de produção, podem ser exp ostos a eles por m eio da do cerebelo; à m icroscopia óptica, pode ser evidenciada
água de bebida oriunda de fonte de água contam inada, hipoplasia da cam ada granular cerebelar.
ou ainda pela ingestão de grãos ou forrageiras contami-
n ados por fungicidas ou outros herbicidas m ercuriais Dia gnóstico e diagnóstico diferencial
de uso ilegal.
Os principais sintomas que aparecem após exposi- O diagnóstico da intoxicação por compostos m er-
ção crônica ao mercúrio estão ligados às m odificações curiais baseia-se no histórico e na observação da evolução
no SNC; assim, ataxia e trem ores de cabeça são os pri- dos sintomas, da presença de fontes contaminantes pró-
meiros sintomas a serem observados. Ocorrem, também, ximas à água de bebida, tipo de m anejo empregado no
perda auditiva e visual, alterações comp ortamentais, pasto e qualidade dos grãos e das forrageiras oferecidos
com o irritabilidade ou depressão, podendo h aver até aos an imais de produção. As exigências nos dias de hoje
mesm o quadros convulsivos. Na evolução da intoxicação de certificados de qualidade e de rastreabilidade tendem
crônica por esse metal ocorre, geralm ente, com prome- a m inimizar as contam in ações que ocorrem por m eio
timento da função renal que se inicia pelo aparecim en - dos alimentos fornecidos aos anim ais. Exam es comple-
to de proteinúria, podendo evoluir para a insuficiência mentares de laboratório podem ser requeridos para de-
renal crônica. terminar a p resen ça de mercúrio n o san gue e/ ou na
Capítu lo 33 • Intoxicação por metais 407

urin a; nesses casos, a amostra de san gue d eve estar h e- utilizado para os m ais diversos fins, como na produção
parinizada, evitando-se a hemólise, e a u rina deve ser de vid ros e cerâmicas, con servantes de m adeira, e na
coletada d a forma mais estéril possível, já que algum as composição de m uitas ligas metálicas.
bactérias podem reduzir compostos mercu riais em mer- O arsênio, cuja simbologia química é As ( do grego
cú rio elementar, que pode se volatilizar em temperatur a arsenikon), possui n úm ero atômico 33, e é en con trado
am biente. Assim, d eve-se tomar sempre o cuidado n o em três formas alotrópicas com colorações: cin za (forma
sentido de manter essas amostras sob refrigeração (4ºC). alfa), a mais estável, negro (forma beta) e amarelo (forma
O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras gama). Diferentemente dos outros metais descritos neste
doenças que prom ovam, nos animais domésticos, alte- capítulo, o arsênio é um m etaloid e ou semimetal, p ois
rações no SNC, sejam elas de origem infecciosa, nutri- possui atividad es químicas de não metais e propriedades
cional e tóxicas que levem ao desenvolvim en to de sin- físicas de metais. O arsênio pode ser encontrado na forma
tomatologia nervosa. orgânica - m en os tóxica - com o o ácido arsenílico e na
forma inorgânica - muito tóxica - com o o trióxido arsê-
Prevenção e controle n io, arsen ito de sódio, tricloreto de arsênio, entre outros.
Em med icina veterinária vários foram os compostos
Para evitar a exposição d e animais de compan h ia arsen icais utilizados, com o pr aguicidas ( arseniato de
ao mercúrio, deve-se impedir o contato destes com lâm - chum bo), como suplem ento nutricional para bovinos e
pad as fluorescentes, termôm etros, pilhas, bater ias ou com o p rom oto res de crescimento n a avicultu ra, e, à
outros m ateriais qu e contenh am o m ercúrio em sua semelhança do que ocorria na terapêutica hum ana, como
composição. Para anim ais de produção, deve-se evitar componente de fármacos para as mais diversas afecções.
o uso d e herbicidas e/ou de fungicid as mercu riais, prin- Atualm ente, as principais fontes de exposição de animais
cipalmente em forrageiras e grãos. Caso os grãos ad qui- d omésticos estão relacionadas à veiculação d e altos n í-
ridos na propried ade tenham sid o tratados com esses veis de arsênio por água de bebid a ou ingestão de pas-
compostos, utilizá-los apenas para cultivo e jamais para tagens acid entalmen te contam in adas p o r p ro dutos
alimentação animal ou h umana. químicos contendo esse metaloide.
Caso existam indústrias nas proximid ad es da pro-
pried ad e que utilizem compostos mercuriais com o m a- Toxicocinética
téria-prima para a fabricação de seus p rodutos, deve-se
fazer um levan tamen to periódico da gestão ambiental A principal via d e absorção d o arsênio é por m eio
por elas adotad a; recom en da-se fazer também o moni- d o T GI, em que cerca de 80% do arsênio ganha a eco-
toramento frequente dos níveis de mercúrio presentes na nomia animal. A absorção por via cutânea também pode
água d e bebid a que é oferecida aos an imais da p roprie- ocorrer quando há uso tópico d e compostos arsenicais
dade, principalmen te se m anan ciais se encontrarem em inorgânicos. Nos an imais d om ésticos não é comum a
terreno localizad o abaixo dessas instalações industriais. absorção por via respiratória, com o pod e ocorrer em
human os em atividad es p rofissionais.
"'
ARSENIO Após absorvido, o arsên io inorgânico é biotransfor-
mado, principalm ente no fígado por metilação, em com-
O arsênio já é conhecido pelo h omem desde tempos postos men os tóxicos, o monom etil arsênio e o dimetil
remotos. Os gregos o con heciam p r in cipalmente na arsênio, os quais são prontamente excretados, princi-
form a d e sulfeto de arsênio (As2S3 ) e o denominavam palmente pela via u rinária, podendo haver também, em
de arsenikon, que significa pigm ento dour ad o; suas pro- menor quantidad e, excreção pela bile, e outros fluidos
priedades biológicas já eram mencionadas por D ioscó- corporais, como o leite. Na intoxicação crônica, o arsê-
rides, m édico grego do século I d.C. Em 130 d.C, outro nio pod e acum ular-se em alguns tecidos m oles com o
m éd ico grego, Claud ius Galen o, passou a utilizar esse fígado, rins, pulm ões, SNC e também sobre as muscu-
composto como m edicamento no tratamento de algum as latu ras esquelética e cardíaca.
afecções, com o em dispn eias, tosses e tam bém com o
parasiticidas. No século XIX, utilizou-se o m edicamen- Toxicod inâm ica
to d enom inad o Solução d e Fowler (arsênio a 1%) para
os m ais d iversos tratamentos, como leucemia, psoríase O mecan ismo d e ação tóxica do arsênio está rela-
e out ras d ermatites, estomatites, sífilis, e também era cionad o, principalmente, com os compostos arsenicais
p rescrito como biotônico. Industrialmente, o arsênio é trivalen tes, en quanto que compostos pentavalentes têm
408 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

menor toxicidade. As principais m acrom oléculas afeta- mucosas gástricas e, em alguns casos, hepatom egalia. A
das pelo arsên io trivalente são aquelas proteínas enzimas histopatologia mostra, principalmente, lesões axonais com
sulfidrílicas, tais como a piruvato d esidrogenase, cuja d esmielinização d e nervos periféricos e p roliferação de
in ibição compromete a formação da acetilcoen zima A células de Schwann. Na intoxicação crônica, poucas são
e, consequentemente, d iminuição na produção d o ATP, as lesões macroscópicas dignas de nota, e pode ser obser-
n o ciclo d o ácido cítrico. vad a a presença de ascite e esteatose hepática, enquanto
O arsên io pentavalente compete com o fosfato em que a m icroscopia de luz pod e relevar necrose centrolo-
várias reações químicas, entre elas na fosforilação oxi- bular e cirrose hepática, alterações histológicas em nervos
dativa, a qual é d esacoplad a para form ação de ADP-ar- periféricos (degeneração walleriana), vasculite, depressão
senato em detrimen to da p rodução de ATP. d a m edula óssea, entre outras alterações inespecíficas.
Além desses efeitos, o arsênio também pode promo-
ver o estresse oxid ativo e a liberação de espécies reativas Dia gnóstico e dia gnóstico diferencial
de oxigênio, altamente tóxicas, prin cipalmente sobre o
DNA, o que pode resultar em lesões irreversíveis e o de- O h istórico e a evolução dos sintomas da intoxicação
senvolvimento de neoplasias, efeito este muito observado são muitas vezes inconclusivos em virtud e da inespecifi-
na espécie human a, sobretud o em indivíduos residentes cid ade da sintomatologia d os animais. Para auxiliar no
n a Índia e em Bangladesh, países cujas águas de len çóis d iagnóstico é possível d etectar a presença de arsên io no
freáticos possuem altos níveis de arsên io. sangue, na u rina e também nos pelos dos animais expos-
tos. Em decorrência d a sintomatologia d a intoxicação,
Sinais e sintomas tan to aguda quanto crôn ica, ser m uito variad a n a sua
m an ifestação clínica, é necessário fazer o diagnóstico
Intoxicação aguda d iferen cial com doenças que promovam tais efeitos.
O diagn óstico clín ico é d e difícil realização, pois os
sintom as obser vados n os an imais intoxicados não são Prevenção e controle
característicos. A ingestão de compostos arsen icais pode
prom over o desenvolvimento de irritação e ulceração de Nos dias atuais tem sido rara a utilização de com-
mucosas, com presença de vesiculações e edemas. É mui- postos arsenicais para a p rodução de m edicam entos d e
to comum de se observar em an imais agudam en te into- uso veterinário, porém, apesar d e ilegal, alguns raticidas
xicados vôm itos (com exceção d o s r u min antes e dos à base de arsênio ainda são produzidos. D eve-se, por-
equinos), diarreia sanguin olenta, desidratação, dor abdo- tanto, fazer uso desses p rodutos e, principalmente, aler-
m inal, anorexia (com consequen te perda de peso) arrit- tar as autorid ades com petentes quan to à sua vend a.
mias cardíacas, neuropatia periférica, alterações nervosas Propr iedades próximas a indústrias que u tilizam
e convulsões. No exame de sangue de animais intoxicados arsênio na p rodução d evem fazer u m m onitoram ento
pode-se verificar a ocorrência de anemia n ormocrômica d a qualid ade da água presente nos lençóis freáticos da
e norm ocítica e leucopen ia. Em bovin os, a bioquímica p ropried ad e, bem como nas águas d e r ios e lagos que
sérica revela h ipoglicem ia e h ipocalemia. A m orte ocor- passem perto d essas indústrias e que são fonte d e água
re, geralm ente, em decorrência de choque h ipovolêmico. e bebida para anim ais de produção.

Intoxicação crô nica OUTROS METAIS


A intoxicação crônica de an im ais de produção ocor-
re, principalm ente, quando estes são expostos à água de Cá dmio
bebid a con taminada. Esses animais apresen tam perda
de peso, anemia, derm atites ( queratose e hiperpigm en- São muito raros os relatos de intoxicação de animais
tação ), arrit m ias, neuropatias periféricas e alterações d e p rodução e d e com pan hia por este metal, diferente-
neurológicas que se m anifestam de diferentes maneiras, men te d o que se observa em hu m anos. No en tan to, o
como isolamento, irritabilidade, depressão, entre outras. cádmio é considerado um dos metais pesados de m aior
toxicid ade para o organism o animal, haja vista sua bai-
Achados anátomo-patológ icos xa taxa de excreção, possuin do, dessa fo rma, efeito
cumulativo. Segundo o National Research Council (NRC,
A n ecrópsia d e an imais agudam en te intoxicados, 1980), o n ível máxim o tolerado desse metal para animais
por via oral, pode revelar a p resença de ulcerações d e d e produção é d e 0,5 ppm .
Ca pítu lo 33 • Intoxicação por metais 409

Uma das fontes de contam inação por cádmio em produção de ovos, bem com o alterações n a qualidade
animais de produção é a suplementação das rações com da albumina, sendo que esse último efeito pode persis-
sulfato de zinco e outras fontes de zinco mal processadas; tir p or m ais de um mês após a retirada da fonte de con-
ain da com o fonte d e contam inação, p odem-se citar taminação com vanádio.
lençóis freáticos contaminados por resíduos industriais
ou por resíduos orgânicos, utilizados na fertilização de TERAPIA QUELANTE
pastos e de lavouras. O m ecanism o tóxico do cád m io
está na sua semelh ança com o zinco e o cobre, podendo, O tratamento de anim ais intoxicados com metais
dessa form a, interferir em sistem as enzimáticos impor- pesados ben eficia-se de uma das características quími-
tantes, bem com o por sua alta afinidade por grupamen- cas que esses com postos p ossuem; qual seja, a alta rea-
tos sulfid rilas, levando à ocor rência de alterações em tividade com outros grupam entos químicos. Esse fato
vários sistem as, com o no TGI, com ocorrência de vô- possibilita a utilização de substân cias que, em contato
mitos, diarreia, dor abdom inal; alterações ren ais, com com os m etais no organismo anim al, prom ovem a for-
glom erulon efr ite, n efrose; com prom etimento ósseo mação de complexos químicos que impedem ou difi-
(interferência com o metabolismo do cálcio) com ocor- cultam a ligação do m ercúrio às m oléculas do organis-
rência de osteomalácia e osteopenia. O cádmio é também m o an imal, levando, ainda, à pronta excreção do m etal.
considerado um composto im unotóxico, conforme des- Tais substâncias são denominadas de agentes quelantes.
crito no Capítulo 26. Porém, vale lembrar que, antes de se proceder o uso
de quelantes, é necessário instaurar a estabilização dos
Cromo sinais vitais, prin cipalm ente quando o animal apresentar
um quadro grave de intoxicação. Assim , pode ser neces-
É u m d os elementos m ais abun dantes da crosta sário instituir, em primeiro lugar, um tratamento sinto-
terrestre, sendo que apenas o crom o trivalente e o he- mático, por exemplo, quando há ocorrência de convul-
xavalente possuem atividade biológica tóxica. O crom o sões, h ipovolemia , entre o utros. Além disso, caso a
é utilizado na m etalurgia, em curtum es, na im pressão exposição tenha ocorrido por via oral, é necessário fazer
e técnicas fotográficas, entre outros. À sem elhança do a descontaminação do TGI o mais rapidamente possível,
cádmio, os relatos de intoxicação natural por esse metal por meio de lavagem gástrica ou do uso de catárticos,
ocorrem , principalmente, em humanos, sendo raros os que aumentam o trânsito intestinal, diminuindo a ab-
casos de intoxicação em anim ais dom ésticos. O m eca- sorção das substân cias ingeridas.
nismo pelo qual o cromo promove a sua ação tóxica está Os agentes quelantes utilizados devem ter caracte-
n o desenvolvimento de reações alérgicas de contato, e rísticas químicas desejáveis para a terapia da toxicose
a ingestão de cromo hexavalente pode levar a nefropa- por metais pesados. Assim , devem ser h idrossolúveis,
tia glom erular e tubular. para m elhor penetrar nos diferentes tecidos, e possuir
baixa afin idade pelos m in erais essenciais. D e modo
Vanádio geral, utilizam -se substân cias que p ossuem r ad icais
químicos com alta afinidade para os m etais pesados -
A prin cipal fonte de contam inação com van ádio como substân cias d oadoras de sulfeto - que podem
está na presença deste nas rochas de onde são extraídos form ar ligações estáveis com cátions, por exemplo, com
os fosfatos (fosfato dicálcio, fosfato tricálcio e outros o Hg+2 • Dentre essas substâncias, cita-se o BAL (British
fosfatos), que são adicionados às rações como m acroele- Anti-Lewis), também denom inado de dim ercaprol. São
m entos essenciais à nutrição animal. O efeito tóxico do tam bém úteis as substâncias que apresentam o grupo
van ádio está n a sua inter ação com enzim as celulares, COO-, isto é, que possuem afinidade pelos m etais alca-
levando à sua inibição, e a persistência do toxicante pode linos e alcalinos terrosos, como é o caso do Ca-EDTA
causar a m orte celular. A forma catiônica desse elemen- ( ácido etilenodiaminotetracético dissódico cálcico).
to pode agir com o um íon divalente, competindo, des- O BAL e seus derivados, como o DMSA (ácido m e-
sa forma, por sítios de ligação, com Ca+2 , M n+2 , z n+2 e so-2,3-dim ercatosuccín ico) ou succimer e tam bém a
Fe+2 • Já o van adato pode com petir com o fosfato em penicilam ina (beta,betadimetilcisteína), são quelantes
vários processos bioquímicos. Os principais sintom as muito utilizados nas intoxicações por mercúrio, chum-
observados em animais de produção são: diminu ição b o e também p or arsênio. O Ca-EDTA é capaz de que-
no ganho de peso e queda dos índices zootécnicos. Em lar vários tipos de m etais, porém tem sido m ais utiliza-
poedeiras comerciais foi observada d im inu ição n a do n as intoxicações p or chumbo.
410 Toxicolog ia aplicada à med ic ina vet e riná ria

QUADRO 33.1. Trat amento das principais intoxicações ocasio n adas por met ais pesad os
M etal Que lante Espécie Posologia Obs.

Arsênio Oimercaprol Todas 6 mg/ kg, IM, (TIO), de 3 a 5 d ias Fazer avaliação rena l, evita r o uso em
(As) (BAL) an imais com comprometimento hepático

Succimer 10 mg/kg, VO, (TIO), durant e 10 d ias Mais eficaz


(OMSA)

Ch umbo Ca-EOTA Cava los e 73 mg/ kg, IM , (8 10 ou TIO), de 3 a 5 d ias.


(Pb) ruminantes Caso ainda persista m os sinais, repetir
por 5 d ias, após 2 d ias de interva lo

Cães 100 mg/ kg/d ia , se, de 2 a 5 d ias. Essa Pode-se fazer suplementação de zinco
dose deve ser d iv id ida em quatro para a liv ia r os efeitos colaterais sobre o
ad ministrações, sendo que a TG I
concentração da solução deve ser de A dose d iária não pode ultrapassar 2 g de
10 mg/m l , em dextrose 5% Ca-EOTA , com risco de nefrotoxic idade

Gatos 27,5 mg/ kg em 15 m l de dextrose, se, Fazer avaliação rena l


(Q IO), du rant e 5 d ias

Oime rcaprol Todas 3 a 6 mg/kg, IM , (T IO ou Q IO), ou 2 a Fazer avaliação rena l, evita r o uso em
(BAL) 5 mg/ kg, IM, a cada 4 horas, por 2 d ias an ima is com comprometimento hepático
e depois a cada 8 horas por 1 d ia

d -pen ic ilam ina Cães 30 a 110 mg/ kg, VO, (Q IO), d urante 7 d ias,
se necessário , repetir após 7 d ias de
intervalo

Gatos 125 mg/anima l, VO, (8 10), durante 5 d ias


Mercúrio Succimer 10 mg/kg, VO, (TIO), por 10 d ias A sup lementação com se lênio e v itamina E
(Hg) (OMSA) Todas auxilia na terapêut ica

d -pen ic ilamina 15 a 50 mg/ kg, VO, durante 7 d ias

9. ENSLEY, S. Metals and minerals: arsenic. ln: PLUMLEE, K.H .


Para os casos de toxicose com mercúrio recomenda- (Ed.). Clinicai Veterinary Toxicology, p. 193-5, 2004.
-se o uso de p enicilamina e, também , de DMSA, que 10. _ _ _ . Metals and minerals: mercury. ln: PLUMLEE, K.H.
aumenta a excreção renal das formas mercuriais inorgâ- (Ed.). Clinicai Veterinary Toxicology, p. 2 10-2 11, 2004.
11. FERRER, A. Intoxicación por metales. ANALES Sis San Navar-
nicas. O Quadro 33.1 mostra a posologia dos principais ra, v. 26 (supl. l ), p. 14 1-53, 2003.
quelantes utilizados nos diferentes animais domésticos. 12. GOCHFELD, M . Cases of mercury exposure, bioavailability,
and absorption. Ecotoxicol. Environ. Saf, v. 56, p.174-9, 2003.
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Capítulo 34

Intoxicação por micronutrientes e


pelo cloreto de sódio

Maria Claud ia Araripe Sucupira

~ outros elementos na dieta dos animais. Merece desta-


INTRODUÇAO
que a im portân cia das qu antidades de enxofre e m o-
Micronutrientes (ou oligoelem entos) são aqueles lib d ênio para os r u min antes, em particular para os
que participam em baixas concentrações na dieta dos ovinos. Quando esses elem entos estão p resentes em
indivíduos. Os representantes dessa categoria são as quantidades menores que o mínimo recomendado para
vitaminas e alguns minerais. Apesar de serem elementos a espécie, isto é, menos que 0,2 mg de molibdênio por
imp ortantes na com posição da dieta dos animais, em quilo de matéria seca da dieta e menos que 0,2 g de
algumas situações podem ser tóxicos. O sódio e o cloro enxofre por 100 g de matéria seca de alimento, os ovi-
são macroelementos essenciais que p odem estar asso- nos podem se intoxicar até mesmo com 10 ppm (par-
ciados com quadros de intoxicação. No presente capí- te por milhão ou mg/kg) de cobre na dieta. A presen -
tulo serão consideradas as intoxicações relativamente ç a de molib dên io e de en xofre, n as quan tidades
m ais frequentes, em m amíferos dom ésticos, causadas necessárias para a espécie, fazem com que, no ambien -
pelos minerais cobre, enxofre, flúor e selênio, bem como te r umin al, ocorra a for mação d e com plexos apenas
pelo cloreto de sódio. com os sulfetos como também a formação dos tiom o-
libdatos (m ono, di, t ri e tetratiom olib datos), que se
COBRE ligam fortemente ao cobre, evitan do que este seja ab-
sorvido. Outros elementos como o ferro e o zinco tam-
O cobre (Cu) é um microelemento essen cial para bém d im inuirão a disponibilidade do cobre p ara o
as espécies domésticas. Em virtude de suas caracterís- an imal, comprom eten do a absorção desse elem ento,
ticas químicas, isto é, da relativa facilidade em se oxidar, prin cip almente por com petição no transportador de
está presente no sítio ativo de mais de 26 metaloenzimas metais divalentes na m ucosa intestinal.
que catalisam reações de oxidorredução. Apesar da sua
essencialidade nutricional, quando há consum o exces- QUADRO 34.1. Q uantidades máximas aceit áve is de cobre na
sivo o quadro de intoxicação pode ser desencadeado. d ieta bala nceada de animais sa udáveis (mg/kg de matéria seca)
A espécie ovina é a mais sensível à intoxicação pelo e qu e não causa m intoxica ção
cobre, m as outras espécies também são passíveis de se Espécie Quantidade de cobre (mg/kg)
intoxicarem. Em ordem crescente de susceptibilidade, Ca mu ndongos 2.000
depois dos ovinos consideram -se cães, gatos, caprinos, Pôneis 800
suínos, bovinos, coelhos e equinos. Os cam undongos e
Cavalos 500
algumas espécies de peixes são os mais tolerantes. Be-
Coelhos 500
zerros são tão susceptíveis quanto caprinos adultos.
Bovinos adu ltos 400
Ain da que h aja recom endação qu anto às quan -
tidades máximas aceitáveis em dietas balanceadas (Qua- Suínos 350
dro 34.1), a qu antidade para desencad ear o qu adro Caprinos e beze rros 125
tóxico pode variar na depen dên cia do comprom eti- Ovinos 15
m ento hep ático e, p r in cipalm ente, da presen ça d e Fonte: adaptado de Ferreira et ai. (200 8).
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo cloreto de sódio 413

A m aior susceptibilidade para intoxicação de rumi- quando o teor d o cobre dietético está mais próximo ou
n antes jovens em relação aos adultos da m esm a espécie abaixo do lim ite mínim o exigido pela espécie em questão.
é decorrente, prin cipalmente, do desenvolvim ento rum i- Na m ucosa intestinal, parte d o cobre se liga à m etalotio-
nal. Boa parte do cobre dietético é precipitad a como sul- neína e outra parte se liga a transportadores específicos
feto de cobre n o rúmen, formand o complexos, indispo- d e íons d ivalentes. O cobre associad o à metalotioneína
nibilizan do-o para a absorção in testinal. Tem-se que o intestinal n ão é transferid o para a serosa, m as perm a-
coeficiente de absorção do cobre para cordeiros lactentes nece na célula intestinal e é perdid o quando d a desca-
é de 0,70 a 0,85, enquan to para ovinos desmamados esse mação dessa célula. Portan to, quanto m ais m etalotio-
coeficien te é m enor que 0,10. Essa diferença de absorção neína h ouver n o enterócito m enor será a absorção de
entre ind ivíduos que têm rúmen funcional e com ativi- cobre. O cobre associad o a t ransportadores específicos
dade microbiana estabelecida é também o que m arca a atravessa a membran a serosa d o enterócito, se liga à
diferença entre os in divíduos ruminantes e m on ogástri- albumina ou à transcupreína, uma macroglobulina trans-
cos. Estes últimos, independentemente da idade, possuem portadora de cobre, para entrar na circulação porta.
absorção de cobre superior a 30%, ficand o mais frequen- Ao chegar ao fígado, o cobre pod e ter três destinos:
temente na faixa dos 70%, dependendo da dieta utilizada.
Além d a d iferença de suscetibilid ad e em relação à • Ser depositad o n os hepatócitos, onde fica estocad o.
idade, também há particularidad es, em indivíduos da • Pode se ligar à proteína t ransportadora d e cobre, à
mesma espécie, quanto às raças. Por exemplo, em ovin os, ceruloplasmina, e ser distribu ído, pela circulação
indivíduos da raça Texel, North Ronaldsay, Ile de France, san guínea, para ser utilizado nos tecidos corporais
Suffolk e Welch são mais sensíveis que os ovin os d as e nas reaçoes organ1cas.
- A •

raças Romn ey Marsh, Cheviot, Corried ale e Ideal; os • Pode se associar à metalotioneína hepática e ser ex-
in d ivíd uos d as raças Santa Inês, Merin o e Scottish cretado pela bile, p rincipal via de eliminação do co-
Blackface são os menos sensíveis, dentre as raças de ovi- bre no organ ism o.
n os. Cães d a raça Bedlington Terrier e West Highlan d
White Terrier são os mais p redispostos à intoxicação Em decorrência d a m enor quantid ade de metalotio-
cúprica, seguidos por indivíduos d as raças D oberman neína hepática disponível nos ovinos, essa espécie é mais
Pinchers, Cocker Spaniel, Labrad or Retriever e Golden sensível à intoxicação cúprica, já que quan do esse ele-
Retriever. Essa m aior sensibilidade dessas raças de cães mento é consum ido em maiores quantidades, se acumu-
está relacionad a a uma característica autossômica reces- la n o hepatócito por não conseguir ser excretad o com a
siva, que é hereditária e que leva ao acú mulo hepático mesma agilidade que o cobre é excretado nas espécies
de cobre durante a vida do animal, fazendo com que a que têm m ais metalotioneína hepática disponível.
doença apareça apenas en tre d ois e seis an os de idad e. O utro fator que pod e facilitar a intoxicação cúprica
A exigên cia de certa quantid ade de cobre por uma é o uso d e substân cias antiprotozoários, como os ionó-
espécie não sign ifica que as rações serão for mulad as foros. A justificativa para esse fato é que os protozoários
para simplesmente atender à essa demanda. Por exemplo, rum inais são importan tes gerad ores d e sulfeto que se
a exigên cia de cobre pelos suínos é menor que 1O ppm associam ao cobre presen te no rúmen e, portanto, re-
(mg/kg de m atéria seca de alim ento), porém, como esse du zem a disponibilid ade do cobre para a absorção nes-
elemento é utilizado como promotor de crescim ento, nos ses anim ais. Assim , ruminantes que recebem ion óforos
leitões é utilizad o em quantidades entre 150 e 200 ppm . ou outra substân cia que tem ação an tiprotozoário terão
Considerando que a retenção de cobre pelo suín o repre- a absorção d e cobre aumentad a e, portanto, necessitarão
senta m enos que 2 mg/kg de peso vivo, isso im plica que d e m enores quan tid ades desse elemen to para m anifes-
boa parte do cobre ingerido pelo suíno é excretada nas tar o quadro tóxico.
fezes, sen do esse material imp or tante fonte d e cobre
para o ambiente, p rincipalm ente se esses d ejetos são Fatores determ inantes
u tilizados com o adubo para pastagens ou culturas, ou
ainda se essas excretas são lançadas em r ios ou lagos Os fatores d eterminantes para a intoxicação cúprica
sem o devido tratam ento. -
sao:
Para se entender a patogenia da intoxicação cúpri-
ca, é importante conhecer o metabolismo desse elemen - • In gestão de alimentos contaminad os, por exemplo,
to. Nesse sentido, consid era-se que a absorção do cobre água armazenada em recipientes d e cob re ou que
ocorre p rincipalmente n o intestino delgado e é m aior passam por t ubulação d e cobre; águ a de piscina
414 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

t r atada com algicida; águ a de p edilúvio; água d e sem causar, inicialm en te, dano ao animal, na chamada
efluentes contaminados com substâncias m olusco- fase p ré-hem olítica. Porém , quando essa quan tidad e d e
cidas; ou m esm o, no caso de animais herbívoros, cobre atingir limiar hepático p róximo ao limite d a es-
consum o d e forragem proven iente de locais que pécie, n o caso d os ovinos cerca de 1.000 e 1.400 pp m ,
permeiam pomares de uva, m açã ou outras frutas som ad o a u m fator est ressante, com o man ipulação/
e/ou culturas que utilizam fun gicidas à base de co- tosquia, mudança brusca de temperatura, restrição de
bre. Também d eve-se consid erar pastos adubados alimento, den tre outros, h á ruptu ra dos hep ató citos,
com d ejetos provenientes d a suinocultura ou m es- com necrose hepática e liberação de grande quantid ad e
mo de cam a de frango, onde se usa o cobre também de cobre livre dos hepatócitos para a corrente sanguínea,
com o prom otor de crescimento. na então conhecida fase hem olítica. O cobre livre leva-
• Causas iatrogên icas tam bém são considerad as fa- rá à grande formação de substâncias reativas de oxigênio
tores d eterm inan tes, portanto, o uso d e anti-hel- que danificarão as membranas dos eritrócitos e causarão
m ín ticos à base d e cobre em dose excessiva; uso a hemólise intravascular. Portan to, até o m om ento d a
de soluções parenterais de cobre para o tratamen to crise h emolítica, o animal está aparen tem en te normal
da carência de cobre; bem com o o uso d e m aiores e saudável, porém , quan d o en tra na fase h em olítica, a
quantidades de cobre para m elh orar a qualidade da doen ça é aguda e se n ão tratad o a tempo, su cu mbe
lã, d o pelo e/ ou para funcion ar com o prom otor de rapidamente, entre d ois e quatro dias. A causa da m orte
crescimento. é d ecorren te tanto d a anemia hem olítica aguda quanto
• Fatores dietéticos indubitavelmente são as causas do quadro hemolítico intenso, como também por insu-
mais frequentes d a intoxicação cúprica nas espécies ficiên cia renal em decorrên cia da presen ça de cobre
de an im ais d e produção, em especial relacionad os livre circulante, hemoglobina e lisossomos, que causarão
ao consum o de d ietas com teores de cobre acima d egeneração e n ecrose dos túbulos contornad os p roxi-
d os recom en dad os para a espécie, associad os ou mais, levando o animal à disfun ção glom erular e insu-
não à m enor participação dietética d e enxofre, mo- ficiência renal.
libdênio, ferro e zinco. O consumo de forragens pro- A form a cumulativa é a m ais frequente e, norm al-
ven ientes de solos com elevad a con centração de co- mente, está relacionada ao consum o de alimentos com
bre também pode determinar a intoxicação cúprica. alto teor do cobre. No caso dos ovinos, observa-se maior
frequên cia em animais m an tid os em m anejo intensivo
Intoxicação cúprica d e produção e que recebem dieta com altos teor es de
con centrados energéticos com alta disponibilidad e do
A intoxicação cúprica pode ocorrer de duas manei- cobre, como farelo d e t rigo, glúten de m ilh o, sorgo etc.
ras: sob a forma aguda ou sob a forma acumulativa. Em Tam bém são frequen tes o s casos d e in toxicação em
ambos os casos a m anifestação clínica ocorre d e form a ovinos que recebem sal mineral formulado para bovinos.
abrupta e intensa. Esses suplementos m inerais para bovinos contêm quan-
D e maneira geral, a forma aguda ocorre pela inges- tid ades de cobre superiores a 800 ppm .
tão de elevad a quantidad e d e cobre, en tre 20 e 100 m g
de cobre por quilo d e peso vivo para ovinos e bezerros, Man ifestações clínicas
e en tre 200 e 800 m g/kg para bovinos adultos, em cur-
to período de tempo, norm almente inferior a 30 d ias. Animais com intoxicação aguda apresentam depres-
Nesse caso, ocorrerão efeitos superagu dos gastrointes- são, letargia, an o rexia, isolamen to do reban h o, sed e
tinais, como a presen ça de úlceras gástricas e intestinais, intensa e desconforto abdominal. Pode h aver desid ra-
hem orr agias e m elen a. Nesse tipo de intoxicação h á tação e diarreia com fezes verde-azuladas e com presen-
m en or com prom etimento paren teral, decorrente da ça de muco. Os rum inantes podem vocalizar e rangerem
baixa absorção e dist ribuição sistêmica do elem ento. os d entes (bruxismo ), d em onstrando a intensidad e d o
A intoxicação acu m ulativa ocor re p elo consumo d esconfor to. A hipoterm ia p od e estar presen te e será
prolongado d e quantid ades elevadas de cobre. Para ovi- maior quanto mais intensa for a desidratação. Pode-se
n os a quantidade é de aproximadam en te 3,5 mg d e co- en contrar ovin o s com taquicard ia e atonia rum in al.
bre por quilo de peso vivo quando o alimento contém Q uan do o animal consegu e sobreviver por período su-
entre 15 e 20 ppm d e cobre na m atéria seca, som ado a p erior a 48 h oras, pod e-se observar ligeira icterícia,
baixos teores de molibdênio. O cobre se acumulará pro- discreta hemoglobin úria, m as n orm almen te m orrem
gressivamente em m aior proporção n o tecido h epático ent re 24 e 48 h oras da ingestão. A salivação e o vômito
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo cloreto de sódio 415

podem estar presen tes - este últim o somente nas espé- apen as apresentar perd a d e peso. De qualquer forma,
cies que têm capacidade d e fazê-lo. esse quadro pod e se estender por semanas ou meses.
Na intoxicação acum ulativa, os ovinos apresentam , É uma doen ça de baixa m orbidade, pois acomete
já na fase pré-hemolítica, apetite seletivo. Essa m anifes- menos de 5% dos animais do rebanho, porém é de elevada
tação ocorre cerca d e um a seman a antes d a crise. In i- letalid ad e, já que mais de 80% d os an im ais não tratad os
cialmente o animal recusa concentrado, depois forragens sucumbem logo na primeira semana da crise hemolítica.
conservadas e, por fim, forragens frescas. No dia anterior As mortes precoces ocorrem tanto pelos problem as
à crise hem olítica, frequentemente apresenta anorexia d ecorren tes d a hem ólise e d os danos hepáticos quan to
e depressão. Porém, os sinais são mais evidentes na fase por lesão renal aguda, porém os animais que sobrevivem
hem olítica, in iciada pela hem oglobinúria m acroscópi- a esse m omento crítico pod em morrer, posteriormente,
ca, quando a urina apresenta elevad a concen tração d e em decorrência da insuficiência renal.
hemoglobina e, portan to, coloração semelhante à do
vinho tinto. Essa hemoglobinúria m acroscópica pod e Dia gnóstico
durar até cinco dias, período em que o an imal norm al-
mente fica apático e prostrado. Há oligúria nos prim eiros O diagnóstico é realizado levand o em consideração
dias. As funções vitais estarão alteradas de acordo com h istórico, exame físico, laboratorial e, quand o pertinen -
a evolução e a intensidade do quadro. Nos primeiros dias te, achados de necropsia. No histórico há evid ências de
há h ipertermia, p rincipalmente decorrente da ent rada fatores predisponentes com o espécie/ raça e idade, m as
súbita de grande quantidad e d e cobre n a circulação principalmente dos fatores d eterminan tes.
sanguínea; o animal apresentará atonia ruminal, taqui- Na intoxicação agud a, além das manifestações clí-
cardia e respiração superficial ( oligopneia). Por volta do n icas, p ouco se pode notar, d iante da inten sidade, de
quarto dia a temperatura retal e a frequên cia respirató- alter ações nas en zimas hep áticas, pois estas não têm
r ia se norm alizam, porém , a frequên cia cardíaca per- suas ativid ad es elevad as nesse cu rto espaço de tempo.
m anece aum en tada até o início d a terceira sem ana. O Porém , se podem n otar elevados teores d e cobre nas
apetite com eça a voltar, seletivamente, a partir do ter- fezes, o que indicaria d ieta com gran des quan tidades
ceiro dia, ten den d o a se norm alizar a partir da segund a d esse elem ento.
sem ana. D u rante a prim eira semana pode ocorrer tam - Para os casos de intoxicação acumulativa, ao exame
b ém d iarreia. Nos quad ros m uito avançad os alguns físico, em ruminantes e equinos, eviden cia-se a hem o-
anim ais podem apresen tar amaurose e opistótono, ma- globinúria e a icterícia. Nos exames laboratoriais de-
nifestações sugestivas d e poliencefalom alácea. vem-se observar algumas variáveis como as en zimas
A evolução d o quad ro pod e ser acompanhada pela hepáticas, hemogram a, ureia e creatinina. Os teores d e
coloração das m ucosas ap arentes. Geralmente, até o cobre sérico podem ser analisados, porém deve-se aten -
segund o dia d a crise hem olítica, as mucosas se apresen- tar para o fato d e que somente após o segundo d ia da
tam amarronzadas em razão da meta-hemoglobinemia; crise hemolítica seus teores se tornam elevados, man -
até oito a d ez dias, as mucosas ficarão am areladas; e, ten do-se acima dos valores d e referência até o final da
- , .
entao, ate a terceira semana, as mucosas se apresentarao - • •
prrme1ra semana.
esbranquiçadas. A partir d a terceira semana as mucosas Nos ovin os, a gama glutamil t ransferase (GGT) é o
com eçam a recuperar a coloração rósea, em virtude d a marcador m ais precoce do acúmulo do cobre hepático,
reversão d o quad ro de anem ia. pois sua atividad e fica aumentada por volta de um m ês
Nos cães, o cobre também se acumula nos lisossomos antes d a crise hemolítica. Apesar d a aspartato t ransa-
hepáticos, pod end o atingir a capacidade de armazena- m inase (AST) também poder ser um marcador precoce,
m en to, que pode chegar a 2.000 ppm, quan do, en tão, sua atividade só aum en ta na seman a anterior à crise
ocorre inflam ação e necrose hepática. Nos cães é pouco hemolítica. Nos cães há pequena elevação na atividad e
provável que ocorra a crise hemolítica. Da mesma forma d a alanina aminotransferase (ALT) e da fosfatase alca-
que ocorre em outras espécies, o acúm ulo hepático do lin a que pode estar presente an tes da man ifestação clí-
cobre é progressivo, sem qualquer manifestação clínica nica do quadro cumulativo. As concentrações de bilir-
perceptível. Os cães jovens apresentam o quadro agudo rub ina, prin cipalmente a ind i r et a , se elevam de
com anorexia, vômito, fraqueza, desidratação, descon - m an eira im portante no início d o quadro, tanto pelo
forto abdominal e morte súbita. Cães adultos po d em quadro hem olítico quanto pelo comprometimento he-
apresentar, além dessas m an ifestações, icterícia, ascite pático, porém, a partir d a prim eira sem ana seus teores
e até mesmo en cefalopatia h epática. Outros podem diminuem grad ativam ente.
416 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

No h em ograma, observa-se red ução do volum e Prognóst ico


globular, em vir tud e da h emólise, que só retorna n o
início da terceira semana após a crise hemolítica. Pode- No caso da intoxicação cúprica acum ulativa, o prog-
-se observar leucocitose, p or n eutrofilia, associad a a nóstico é variável e depen de prin cipalmente do tempo
linfopen ia e eosinopenia durante a fase hemolítica de evolução do quadro, do in ício do tratamento e do
Em cães, apesar de n ão haver aumento de cobre grau de com prom etimento renal. Se o tratam ento for
sérico em qualquer fase da doença, com o progresso da iniciado até o segundo dia da hemoglobinúria macros-
enferm idade, as enzimas hepáticas podem ter suas ati- cópica, quando ainda há form ação de meta-hem oglo-
vidades aumentadas em 15 a 30 vezes, e nas fases críti- bina, o progn óstico é considerado bom ; acima d esse
cas o animal pode apresentar h ipoglicemia e tempo de p eríodo, o progn óstico passa a ser reservado a m au.
protrombina aumentado. O utra m an eira de se estabelecer o prognóstico é p or
À necropsia, nos casos de intoxicação aguda, nota- meio da an álise do teor de ureia sérica. O norm al para
-se importante grau de gastroenterite, bem como colo- a ureia sérica é de até 6,6 mmol/L. Nos casos de intoxi-
ração da mucosa e do conteúdo gastrointestin al ver- cação cumulativa, se o teor da ureia for de até 1Ommol/L
de-azulada. Já nas intoxicações acum ulativas, nota-se o prognóstico é bom ; se estiver entre 1O e 20 mmol/L o
icterícia, fígado au m entado de tam anh o, friável e de prognóstico é reservado; e se o teor de ureia for superior
coloração alaranjada; r ins aumentados de tamanho e a 20 mmol/L o prognóstico é mau. Para os cães o prog-
de coloração escura; baço aumentado. Q u ando a n e- nóstico sempre é mau, pois frequentemente o quadro
cropsia é realizada rapidamente, pode-se notar menor culmina com a morte do animal, a men os que a intoxi-
viscosidade do sangue, que também pode estar escu- cação seja diagnosticada precocemente.
recido. Na análise h istológica, a utilização do ácido
r ubeânico ou da rodanina permite eviden ciar o cobre Tratamento e profi laxia
nos tecidos.
Para confirmação do diagnóstico deve-se realizar O tratamento deve ser iniciado com a suspensão da
a determinação dos teores de cobre n os tecidos corpo- dieta oferecida. Na intoxicação aguda por cobre, deve-se
rais, em esp ecial no tecido hepático e também n o te- reduzir a absorção desse elem ento utilizando, para os
cido ren al, p ode-se ten tar a an álise do cobr e sér ico, ovinos, 150 g de molibdato de sódio misturado a 1,5 g
porém n em sempre este estar á elevado. A an álise d o de sulfato de sódio anidro, por ao menos quatro dias.
teor de cobre no conteú do estomacal é impor tante Pode-se associar 80 g de caulim e pectina (2 g).
especialmente n as suspeitas de intoxicação aguda. A Na intoxicação acumulativa, especialmente em ovi-
an álise do alimento para os teores de cobre e até mes- nos, deve-se utilizar o quelante específico de cobre livre,
mo de seus principais antagonistas, como o molibdênio o tetratiomolibdato (TTM). O T TM se liga tanto ao
e o enxofre poderá confirmar a causa. Na fase h emolí- cobre livre circulante, minimizando a formação dera-
tica, em ovin os, se encontram teores de cobre hepático dicais livres e, consequentemente, o comprometimento
acima de 1.400 ppm e de cobre nos rins acima de 100 renal, como também ao cobre que está armazenado em
ppm. Nos an im ais h ígidos, sem r isco de intoxicação, excesso nos tecidos, como fígado e rins. A dose reco-
esses teores ficam ao redor de 40 a 300 ppm e de 5 a 30 mendada é de 3,4 m g de TTM por quilograma de peso
ppm, respectivam ente. vivo, pela via intravenosa, por quatro dias consecutivos.
Tam bém deve ser feito o d iagn óstico diferencial Alguns autores indicam ainda a utilização da D-peni-
com outras enfermidades. Para a intoxicação aguda, os cilamina, pela via oral, na dose de 1Oa 15 mg/kg, porém
diferenciais devem ser feitos diante de outras enferm i- os resultados são inferiores ao do uso do TTM, além de
dades que causam gastroenterites, e deve-se destacar desencadear efeitos colaterais, por aum entar a excreção
que, n o caso da intoxicação cúprica, o conteúdo diges- urinária de zinco e ter preço m ais elevado. Pode-se as-
tivo e as fezes terão coloração verde-azulada. No caso sociar ao TTM à vitamina E, n a dose de 15 UI/kg de
de intoxicação cum ulativa, deve-se fazer o diferencial peso vivo, porém seu uso deve ser iniciado a partir do
com doen ças que causam quadro hem olítico agudo, terceiro dia de tratamento com o TTM, já que a vitami-
como a babesiose, a h emoglobinúria bacilar, a leptos- na E em ambiente com elevada con centração de subs-
pirose, a intoxicação por nitrato e nitrito ou por plantas tâncias oxidantes, como excesso de cobre livre e de ra-
por meio da sulfóxido S-metilcisteína presente na colza d i cais livr es, p ode se t o r nar pró - oxida n t e. O
e na couve, a hemoglobinúria da parturiente e a intoxi- tratamento suporte com fluido ou transfusão sanguínea
cação por Red Maple (Acer rubrum) nos equinos. deve ser feito de acord o com o com p r om etim ento
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo cloreto de sód io 417

clínico do animal, m as o fundam ental p ara a reversão uma vez que os dem ais com postos podem ser sinteti-
do quadro é tratar a causa. zados a partir da metionina. Os rum inantes conseguem
Em cães, o tratam ento mais recom endado é a utili- obter todos os compostos sulfurados a partir de fontes
zação da D -penicilam in a, porém alguns estudos apon - in orgânicas de enxofre por m eio da síntese pelos m i-
tam para vantagens na utilização do m esmo protocolo crorganism os r uminais. Ressalta-se que para os felinos
utilizado para ovinos com o TTM intravenoso. A reco- a taurin a é também essencial, um a vez que esses animais
m endação é que o tratamento seja repetido a cada três não a sintetizam a partir da m etionina com o os dem ais
a quatro m eses, para evitar o acúmulo de cobre hepáti- mam íferos.
co. Nesses casos também há recomen dação de adequa- Como os tecidos dos animais vertebrados não con -
ção da dieta, buscando fontes de proteína de alta qua- seguem produzir m etionina, tiamina e biotina a partir
lidade, com o carne m agra, queijo e clara de ovo, para de enxofre inorgân ico, n ão existe exigência dietética
reduzir a proteína total dietética, bem com o oferecer estabelecida d o enxofre n a form a ino rgânica para as
fonte de carboidrato de fácil d igestão para reduzir a
, . - . - .
especies nao rum inantes com exceçao aos equinos, em
oferta de gordura. decorrên cia da s íntese d esses compostos n o ceco e
Como medidas de controle, devem -se respeitar os aproveitam ento no cólon . Assim, as exigências de en -
teores de cobre exigidos pela espécie em questão, m an - xofre para os rum in antes e equin os variam de O, 14 a
ter adequados os teor es de proteína, que n o caso dos 0,26%, sen do que a m aior exigên cia está relacion ada à
ovinos devem ser m aiores ou iguais a 13%, utilizar su - maior atividade metabólica do animal. Bovinos de cor-
plem entos m in erais formulados p ara a esp écie. Para te tem exigên cia entre O, 15 e 0,20%; bovin os de leite
ruminantes, m anter a relação cobre:m olibdên io em 4: 1 entre 0,20 e 0,24%; ovinos, entre 0, 14 e 0,26%; e equinos
e a r elação enxofre:molibdênio m en or que 100: 1. No têm exigência de 0, 15%.
caso de cães, ao se identificar indivíduos que possuam Considera-se que os ruminantes sejam as espécies
m ais de 2.000 ppm de cobre na m atéria seca hepática, mais sensíveis à intoxicação por enxofre/sulfato dieté-
ou então que sejam h omozigotos para a doença autos- tico em vir tu de da conversão dessas substân cias em
sôm ica r ecessiva, o controle deve ser feito ou a admi- espécies bioativas de enxofre no rúmen. Tanto as fontes
nistração de TTM em ciclos, isto é, a cada três ou qua- alimentares quanto a água ingerida têm potencial tóxico
tro meses, ou, então, utilizando terapia contínua com semelhante e devem ser consideradas no consum o total
zinco para reduzir a absorção do cobre. diário. Algumas fontes alim entares que podem conter
elevadas concentrações de enxofre às vezes são n egli-
ENXOFRE genciadas e não contabilizadas n o m omento da form u-
lação ou da investigação diante da presen ça de um pro-
O enxofre (S) é um m acroelem ento essen cial aos blem a. Exemplos de in gredientes qu e p odem conter
vertebrados e representa cerca de 0, 15% do peso vivo elevadas concentrações de enxofre são os coprodutos
dos m amíferos. Está presente nos compostos orgânicos de destilaria, como os resíduos dos grãos de milho secos
e inorgân icos em ao menos cinco estados de oxidação: ou úmidos utilizados n a síntese do etanol. Para a pro-
"-2': como sulfeto ou como tióis orgânicos; "o': enxofre dução desse álcool há necessidade de acréscimo de áci-
elem entar; "+2", ácido sulfênico; "+4", sulfito inorgâni- do sulfúrico, que, quando acrescido de m aneira exces-
co e ácidos sulfínicos; e "+6", sulfato inorgânico e ácido siva, pode repr esentar fonte de contam in ação. Nesse
sulfônico. O enxofre presente nos aminoácidos normal- sentido, h á variação impor tante de lote a lote desse
m ente é divalente e está n a form a de tiol orgânico, seu coproduto. O melaço e o farelo de glúten de m ilh o tam -
estado m ais reduzido; e os compostos na form a de sul- bém são alimentos que podem representar importante
fato estão na forma h exavalente, totalmente oxidada. fonte de enxofre.
O enxofre faz parte de m uitas m oléculas orgânicas Apesar de se considerar o teor máximo tolerável de
essenciais no organism o, com o da biotina, da tiamina, enxofre na matéria seca da dieta total 0,4%, tanto para
do sulfato de condroitina, dos mucopolissacarídeos da os ovinos quanto para os bovinos, quantidades de en -
cartilagem , do fibrinogênio, da glutationa, da coenzima xofre de 0,36% podem, em alguns bovinos, desencadear
A, da heparina, entre outros. Também é componente dos efeitos tóxicos, como redução no apetite e menor ganho
amin oácidos sulfur ados como a m etionin a, cisteína, de peso e, então, seria pr udente considerar 0,30% o li-
cistina, homocisteína e taurina. Dos compostos orgâni- mite m ais seguro, principalmente para essa espécie.
cos que possuem enxofre, a tiamina, a biotina e a metio- Ainda há m uito a ser estudado quanto à patogenia
nina são consideradas essenciais para os monogástricos, da intoxicação por enxofre, porém para compreender o
418 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

quadro de tóxico, é importante o enten dimento d o m e- Fatores determinantes


tabolismo desse elemento no rúm en . A m etabolização
do enxofre ocorre tanto por oxidação para sulfato como O que d eterm inará a intoxicação por enxofre será o
por redução para sulfeto. Nesse processo, têm importância excesso desse elem ento no alimento ou na água d e be-
as bactérias assimilatórias, que redu zem o enxofre para bida. H á relatos na literatura d e bovinos que se intoxi-
a síntese de aminoácidos sulfurados; e as bactérias dis- caram por inger irem água com teores de en xofre que
sim ilatórias que utilizam o enxofre com o r eceptor d e variaram de 2.000 a 7.200 ppm, enquanto teores de 0,26%
elétrons e p rodu zem , n esse p rocesso, sulfeto d e hidro- de enxofre no alimento já foram suficientes para intoxicar
gênio (H 2S) com o metabólito final. Assim, qualquer si- bezerros. Ressalta-se que é preciso som ar todas as fon -
tuação que favoreça a p redominância d as bactérias dis- tes com prossibilidad e de con ter en xofre para que se
similatórias aumen tará a produção de H 2S rumina!. consid ere o ap orte total do elemen to n o o rgan ism o
O sulfeto d e h idrogên io p rodu zido poderá seguir an im al, isto é, tanto a água quanto os volumosos, con -
três caminh os: pode ser eructado; ser utilizado na síntese centrad os e o suplemen to mineral.
de proteína microbiana; ou, então, pode ser absorvid o.
Parte d o H 2S eructad o é inalado e absorvido por m eio Intoxicação por enxofre
do epitélio respiratório. Este, somado ao sulfeto absor-
vido pelo rúmen para a circulação sanguínea, tem sido O excesso de enxofre pod e desencadear três tipos de
relacionado como uma d as causas da poliencefalomalá- quadro: intoxicação oral aguda; in toxicação subagud a/
cia (PEM) na intoxicação por enxofre. A inalação p ode crônica direta; e intoxicação subaguda/crônica ind ireta.
ocasionar também lesão no tecido pulm onar, predispon - Essa última ocorre com interferência secundária em outros
do o an imal a infecções virais e bacterianas secundárias, minerais essenciais levando a suas respectivas deficiências.
comp rom etendo o d esempenho p rodutivo do anim al. A intoxicação oral agud a com o enxofre elem entar
O H 2S absorvid o na pared e rumina! para a corren - resulta na formação tanto do sulfeto de hidrogênio como
te san guínea, quando em grand e quantid ad e, in ibe as d e outros m etabólitos. Ocorrem efeitos gástricos e res-
atividades das enzim as anidrase carbôn ica, dopa oxida- piratórios que são relacionados com o decorrentes tanto
se, catalase, peroxidase, desid rogenase e dipeptidase. dos efeitos dos ácid os sulfurosos produzidos no rúmen
Ao inibir essas en zimas, afetará negativamen te o m eta- com o também aos efeitos irritantes do sulfeto de h idro-
bolism o oxidativ o e a produção de AT P oxidase. Em gênio, respectivamente. Ainda não se sabe os mecanismos
razão d as depen d ên cia das células, m as em especial dos exatos para que esses fatos se concretizem, porém, quan -
n eurônios, da produção eficien te de AT P, diante da m e- d o o sulfeto rumina! é inalado em altas con cent rações
nor produção desse composto ocorrerá necrose da subs- (1 .000 a 2.000 m g/L) pod e atuar em mecanismo sem e-
tância cinzenta cerebral. Porém , quando o H 2S é absor- lhante ao d o sulfeto d e hidrogên io exógen o, que causa
vid o em quantid ades m oderadas, após a absorção será paralisia respiratória aguda e morte em poucos m inutos.
oxidado em sulfato no fígado e será distribuído para os O mecan ismo de in toxicação por enxofre subagudo/
fluidos extracelulares. crônico direto tem sido mais bem estud ado e é correla-
Dessa maneira, os sulfetos e os tiomolibdatos ab- cionado com a redução d o sulfato ou outras formas de
sor vidos são considerados os principais m etabólitos enxofre em sulfeto no rúm en. Até o momento acredita-se
tóxicos do enxofre e são bem distribuídos no organismo. que, com o m ecanismo prim ário, ocorra in ibição da cito-
Essas consid erações são feitas pelo fato d e o tiom olib- crom o C oxidase, essencial para a respiração celular. In-
dato poder depletar os estoques teciduais d e cobre e teressante nesse quadro é a relação com a tiamina. Apesar
pelos sulfetos poderem atravessar a barreira hematoen - d e inicialm ente a in toxicação por enxofre ter sido asso-
cefálica, causando efeitos neurológicos. ciada à deficiência de tiamina, quer seja pela inibição da
Nas situ açõ es de ap orte adequado de en xofre, os produção rum ina!, quer seja pela sua destruição rum ina!,
aminoácidos sulfu rados e os sulfatos são extensivamen - foi demonstrado que, na maior parte dos animais acome-
te metabolizad os para produzir compostos de enxofre tidos, suas concen trações sistêmicas estavam d entro da
utilizados n o organism o, e os sulfetos são absorvid os e amplitude considerad a norm al. Porém, o uso de tiam ina
eficien tem ente metabolizad os em sulfato n o fígado, por na presença de p oliencefalomalácia associad a a excesso
m eio do sistema sulfeto oxid ase. A excreção d os com - d e sulfato/enxofre tem suprim ido a doença clínica.
postos conten do enxofre ocorre tanto pela via ren al Efeitos indiretos subagudos/ crônicos do excesso de
quan to pela via biliar, e d ependerá da forma com o o enxofre podem ser observados em rum in antes por causa
enxofre foi ingerido. d a eficiente conversão do enxofre em sulfeto. O sulfeto
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo clo reto de sód io 419

pode form ar sais insolúveis com cobre e zin co, m as pode certamente deve ser confirmado por m eio d e t rês ava-
também reagir com o molibdênio, form ando os tiomo- liações. A primeira é a determinação do gás sulfídrico
libdatos que se ligam eficientem ente ao cobre, in dispo- (H 2 S) ruminal; a segunda é a determinação d os teores
nibilizando-o para o animal. Elevada quantid ad e de en- d e enxofre d a dieta, tanto do alimen to quanto d a água;
xofre nas fo r ragen s, n o sol o e n as águ as tem sid o e a terceira é a análise anátomo patológica do sistem a
associada também à deficiên cia d e selênio nos animais. nervoso central.
A determinação d o H 2S ru m in al é realizada p or
Manifestações clínicas meio d e método semiq uantitativo, que utiliza tub os
colorim étricos e tem como vantagem, além da facilida-
As man ifestações clín icas da intoxicação oral agud a d e, o fato de disponibilizar prontamente os valores do
por enxofre são semelhantes entre as espécies. Os anim ais H 2S r uminal. Há necessidad e da punção ru minal para
apresen tam d escon forto abdom in al/cólica, estase r u - coleta do gás rum inal em sistema relativamente simples.
minal, diarreia fétida, desid ratação, acid ose m etabólica, As leituras são expressas em p pm. Con sid era-se que
taquipneia, decúbito e odor de sulfeto de hidrogên io n o leitu ras de H 2S superiores a 500 ppm são tóxicas para
ar expirado. Também são observados irritação, ed ema bovinos con fin ados. D eve-se con siderar que valores
e hem orragias n o trato gastrointestinal e no trato res- baixos de gás sulfídrico podem ser encontrados mesmo
piratório. As lesões no trato digestório são d ecorrentes em animais intoxicados por enxofre, porém que estejam
da p resença do gás d ióxido de enxofre, que se solubili- em an orexia. A inda n ão se tem o lim ite estabelecido
za nos líquidos presentes nesse compartimento e produz para o H 2S ruminal em ovinos.
gases sulfurosos, os quais levam ao processo das ente- A d eterminação dos teores de enxofre deve ser rea-
r ites. Necrose dos túbulos renais pod e estar presente. lizada tanto n a água com o n as forragen s/volumosos,
Como os animais mon ogástricos são menos suscep- nos con centrados e n a m istu ra m ineral. Apesar de o
tíveis aos quadros agudo e subagud o direto e ind ireto, limite máximo tolerável para o enxofre ser de até 0,4%
quando os efeitos ap arecem , são, na maior parte d as para os ruminantes, para bovinos considera-se que die-
vezes, mínimos. Em suínos que receberam 1.000 mg/L tas que possuem entre 0,3 e 0,4% de enxofre representem
de enxofre n a água d o bebedouro foi observado efeito ameaça para os animais. Portanto, tem-se como regra
catártico de m édia intensidade. geral que as concent rações de enxofre não sejam supe-
Nos ru minantes, a m anifestação clínica d a intoxi- riores a 4.000 ppm nos alim entos e a 1.000 ppm na água.
cação su b aguda por en xofre tem sid o relacionad a à Quanto aos achados anatomopatológicos, não é rara
polioen cefalomalácia (PEM), com lesão necrosante no a ausên cia de alterações m acroscópicas na necropsia.
cérebro. O an im al pod e apresentar ataxia, fraqueza, Portanto, deve-se realizar coleta criteriosa de am ostras
depressão, cegueira, decúbito, pressiona a cabeça contra d o encéfalo para adequado exame neuropatológico. Na
objetos (head pressing), convulsões tônico-clôn icas e PEM por excesso de enxofre, os achados macroscópicos
morte. Alguns an im ais também podem apresentar sinais são semelhantes aos de outras doenças que causam PEM,
mais brandos da PEM. An imais comp rometidos podem como ed ema, herniação do bulbo e do cerebelo no fo-
ap resentar um ou m ais desses sintomas e evoluir para rame magno; achatamento das circunvoluções cerebrais;
o estado comatoso ou, então, ser en contrados mortos. áreas amareladas, amolecidas; fluorescência em lamba-
Porém , tam bém não é raro, n os casos d e PEM por d a de 365 nm, d entre outros. Na h istologia pode-se en-
excesso de en xofre, o animal possuir dan os cerebrais con trar espongiose e necrose neuronal no tálamo, me-
sem apresentar comp rometimento fun cional e, portan - sencéfalo, hip ocampo e núcleos da base. Apesar de as
to, sem manifestar qualquer sinal clínico. lesões m acroscópicas e histológicas ocorrerem p rinci-
Já nos quadros de excesso d e enxofre que interfere palmente no cérebro, podem ser observadas mudanças
com outros minerais essen ciais, em virtude da conver- no rúm en, como conteúdo ruminal escuro, em decor-
são a sulfetos n o rúmen, as m anifestações clínicas são rência de precipitação dos sais de sulfeto.
aquelas relacionadas à deficiência desses minerais e os A associação dessas três análises auxiliará na defini-
monogástricos não apresentam esse tipo de quadro. ção do quadro. Há ainda a possibilidade de incluir exame
d e imagem, por meio da tom ografia com putadorizad a
Diagnóstico e/ou d a ressonância m agnética para visualizar as altera-
ções do córtex cerebral, mas esses ainda são exames con-
O diagn óstico para a intoxicação por enxofre é rea- siderados de custo elevado e nem sempre factível para
lizad o pelo histórico, pelas manifestações clínicas, m as anim ais de grande porte e que estão distantes dos centros
420 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

de diagnósticos. Com o exame de imagem, observar-se-á provavelmente é decorrente da dificuldade em se repro-


algumas das alterações cerebrais, que ocorrem tam bém duzir ambiente suficientemen te livre d e flúor para que a
em outras doen ças que levam a PEM. vida e/ou saúde do indivíduo seja comprometida.
Em razão de outras en fermidad es desencad earem O flúor é um dos elementos m ais eletronegativos e
quad ro clínico semelhante ao desenvolvido por an imais reativos da tabela periódica e pod e formar compostos
comprometidos pela intoxicação por enxofre, há neces- com todos os elementos, exceto com o hélio, com o neon
sidade d e se realizar o diagn óstico d iferen cial, p rinci- e com o argônio. Na forma elementar, apresenta-se como
palm en te em r elação à PEM. Então, deve-se excluir a gás amarelo-esverdeado altamente tóxico, com um odor
PEM por deficiên cia simples de tiamina, por in toxicação característico e considerad o pungente. Por causa de sua
por cloreto de sódio associad a à restrição hídrica, into - reatividade, n a n atureza está presen te como compostos
xicação p or ch umbo; ingestão d e m elaço ou d e plantas orgânicos ou inorgân icos, principalmente, sob a form a
ricas em tiaminases; e infecção por herpesvírus bovino d e fluoretos. Estes são considerados bem distribuíd os
5 (BoHV-5). Também deve ser feito o diagnóstico dife- no m eio ambiente, pois são liberad os n aturalmente em
rencial para doenças que causam sinais clínicos relacio - d ecorrên cia do intemperism o, que leva à desintegração
nados ao comprometimento encefálico, como a listerio- e à d ecom posição das rochas, bem como por aerossóis

se e a raiva. m arin hos e em issões vulcânicas. Assim, o flúo r está
naturalmente presente, em pequenas quan tid ad es, em
Prognóstico tod os os alimentos e fon tes de água e, portanto, os ani-
mais o consomem continuam ente ao longo da sua vida.
O p rognóstico varia de caso a caso, p orém, de m a- Não há recom end ação mínim a d e flúor na alimen-
neira geral, é considerado reservado e depende d o início tação an im al, porém, p or pesquisas terem relacion ado
d os sin ais clínicos, do grau de com prometimen to do à p r esen ça d o flú or com a redução na p r evalência de
sistema nervoso central e d a resposta ao t ratam ento de cáries dentárias em seres humanos, recom en da-se que
suporte. seja acrescentado na água potável, na proporção de 1 mg
d e flúor por litro de água ( ou 1 ppm ).
Tratamento e profilaxia Os fluoretos inorgânicos são frequentemente usados
na fabricação d e gran de variedad e d e matérias-primas
Não há tratam ento específico para a PEM decor- ou p rodutos acabados, como aço, vidro, cerâmica, tijo-
rente de intoxicação por enxofre, m as o tratamento é lo, adesivos, fertilizan tes fosfatad os, r em ovedores de
iniciado com a retirad a d a fonte d e con tamin ação e a ferrugem, fluoretação d e água potável etc. e, dessa m a-
pronta administração de tiamina, 1O a 20 mg/kg de peso n eira, são considerados fon tes de contam inação am -
vivo por dia, pela via intram uscular, a cada 4 a 6 horas, biental em razão dos resíduos de produção com poten-
durante três dias; e dexametasona, na dose de 0,2 mg/kg cial de serem liberad os no processo.
de peso vivo, via intraven osa, uma vez ao dia, por três O teor máximo tolerável d e flú or para fr an gos de
dias. Associa-se tratam ento suporte, com a administra- corte é d e 200 m g por quilo de m atéria seca (200 ppm )
ção de fluidos e elet rólitos, quand o n ecessário. d a dieta, en quanto para os m amíferos dom ésticos varia
Como med ida de controle recom end a-se mon itorar entre 20 e 50 ppm . Essa variação depend e da idade, do
os teores de enxofre d a água e dos ingredien tes da die- tempo de exposição e do estado nutricional dos animais;
ta para identificar, antes da sua utilização na alimentação os anim ais m ais jovens, com maior tempo de exposição
do anim al, os reais teores de enxofre que serão ofertados. e pior estado n u tricional são m ais sensíveis. Consid e-
Também d eve ser evitada a mudança brusca d e d ieta e ra-se para vacas d e leite adultas o limite d e 40 ppm de
a privação de água. flúor, enquanto para b ovinos de corte adultos o limite
é d e 50 ppm; m as, para bovinos de corte em fase d e
,
FLUOR termin ação, aceita-se com o lim ite 100 p p m de flúor.
Ovin os criad os para a produção d e lã têm como lim ite
O flúor (F) é u m microelem ento essencial. Su a 60 ppm de flúor, porém , para cordeiros em terminação,
p resen ça fo i identificada n o tecido ósseo em 1905, o limite é d e 150 mg de F por quilo de m atéria seca da
porém, apesar d e sua essencialid ade ser reconhecida, d ieta. Dessa form a, dentro de u m a mesm a espécie, con-
estudos de d eficiência com esse elemento foram inca- sidera-se que os animais longevos, como o gado de lei-
pazes de d em onstrar o quadro d e carência em anim ais. te ou ovinos para a produção de lã ou m at rizes, sejam
A ausên cia de m anifestação do quadro clínico m uito mais susceptíveis por ficarem m ais tem po expostos ao
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo cloreto de sódio 421

flúor du rante a vida e, portanto, foi estabelecid o m enor lipídios na dieta são os principais fatores que reduzem
limite de tolerân cia para essas categorias animais, em a absorção d o flúor. O trato respiratório é considerado
relação a esse elem ento. via d e absorção na presença de gás flúor ou de fluoreto
An imais em fase de crescimen to são m ais suscep- particulado, proven ientes das emissões industriais ou de
tíveis à intoxicação por flúor. Foi observado experimen- vulcões. Nesses casos, depen dendo d a solubilidade e do
talm ente que o consumo diário de 0,5 a 1,7 mg de fluo- tamanho da partícula, a absorção poderá ser imediata
reto de sódio por quilo de peso corpóreo produziu lesões ou gradual.
dentárias em bezerros, apesar de não afetar o bem-estar Após a absorção para a circulação sanguínea, o flúor
geral d esses an imais. D ose duas vezes m aiores do que ou será excretado via renal ou será depositado em teci-
essa consumida por bovin os adultos não acarretou qual- do calcificado. Esse último processo ocorre por meio da
quer efeito negativo. t roca com outros ânios como íon h idroxila, citrato ou
Tam bém se consid era que algu mas espécies sejam carbonato, fazend o com que o flúor entre na estrutura
mais sensíveis à intoxicação por flúor. A m aior frequên - cristalina do osso. No osso, o flúor é in cor p or ado na
eia dos casos d e fluorose é observada n a espécie bovina. h idroxiapatita e form a fluorapatita, que são cristais de
Ovinos são m ais resistentes que bovinos e dificilmen te apatita m aiores, m enos solúveis e mais estáveis. A ab-
são relatados quadros de intoxicação por flúor em equi- sorção do flúor para os ossos e d entes é m aior durante
n os. O consu m o d iário d e 1 m g de flúor por quilo de a fase d e crescimen to rápido, n os estágios in iciais d o
peso corp oral para rum inan tes e para suínos é consid e- d esenvolvim ento do animal. O leite e a saliva possuem
rado seguro, porém o dobro dessa quantidade pode levar teores d e flúor semelhantes aos teores plasm áticos de
ao aparecimento de sinais clínicos apenas n os bovinos, flúor iônico. A excreção do flúor ocorre p rincipalmen-
principalmente n os jovens. Apesar da passagem trans- te pela urina e é influenciada d iretamente pelo pH d es-
placentária do flúor ser considerada muito baixa, já foram se fluído. Por tando, fato res como dieta, u tilização de
identificados casos de fluorose den tária n eonatal em m edicam entos, alterações m etabólica e respirató ria,
bezerros. Também foi verificad o que nas vacas com in - d entre outros, podem interferir na quantidade d e fluo-
toxicação por flúor, em especial a crônica, há m ín im as reto excretado.
quantidades d e flúor no leite e no colostro, inferior ao
teor utilizado na água potável fluoretada (1 m g/L). Fatores determ inantes
A toxicidad e d os compostos fluorados d ependerá
da sua solubilid ade em água, e consid era-se que o fos- O con tato com o elemento flúor, por ingestão, ina-
fato de sódio e o fosfato de rocha sejam os mais solúveis, lação ou até mesm o por meio da pele é que d eterminará
seguidos d a criolita (Na3AlF6 ) natural e sintética, dos a intoxicação. As formas mais frequentes de contato são
fluosilicatos d e cálcio e magnésio e do fluoreto de cálcio. pela ingestão d e mistura mineral ou água com excesso
O flúor é absorvido p rincipalm ente n o estôm ago e de flúor (natural ou con taminada), pelo consum o de
no intestino delgad o. Nas espécies ruminantes, o rú m en solos e de plantas contaminadas pela poluição industrial
também é u m local de absorção. D e man eira ger al, a e pela ingestão d e poeira, com fluoreto, dispersa pelo
absorção d esse elemento é consid erada elevad a, en tre vento, por exem plo, a partir d a indústria d e p rocessa-
75 e 90%, porém essa eficiência depende d a solubilid a- mento de aço e alumínio. D eve-se ressaltar que há mí-
de do composto de flúor e d a presença de outros com - nima absorção direta de flúor do solo pela planta. Assim,
ponentes da dieta. Ambientes ácidos, com o o do estô- fo rragens cultivadas em solos con taminados podem
mago, ou ainda condições que promovam a acidificação conter maiores concentrações de flúor associadas à con -
gástrica aumentam a absorção d o flúor. Ambientes al- taminação com as partículas de fluoreto do solo e não
calin os têm a absorção com p rometida. No in testin o por absorção d a planta. O consum o ou o contato com
delgado, a absorção d o íon flúor ocorre por difusão e é form ulações mais antigas de raticidas, inseticid as e an-
independente do pH. Nos in divíduos que estão em jejum, ti-helmínticos que contenham fluoreto de sódio, fluo-
a absorção da água fluoretada é praticamente 100%. rossilicato de sód io e/ ou fluoroacetato de sódio também
Norm alm ente, os fluoretos solúveis, como o fluoreto de representam risco d e contaminação. Algumas espécies
sódio, são absorvid os na sua totalidad e, enquanto fon- de plantas com o a Gastrolobium spp. também pod em
tes menos solúveis, como o flúor presente na farinha de conter fluoroacetato e devem ser consideradas. Apesar
ossos, que estão na form a de fluorapatita, têm absorção d e não ocorrer em solo brasileiro, poeira e gases prove-
menor que 50%. A p resença de elementos como cálcio, nientes de erupções vulcânicas podem levar à intoxicação
m agnésio, cloreto d e sód io e altas concentrações de aguda por flúor, que é fatal no período imediatamente
422 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

após a erupção, mas também pode contam inar pastagens as manifestações clínicas se in ician do entre 30 e 120
e ocasionar o quadro crônico. m inutos ap ós a exp osição. Atu alm ente, é aceito que
Normalmente, teores de fluoreto considerados com ocorra a inibição enzimática, a formação de complexos
r isco tóxico para os animais não são en contrados em com o cálcio, choque e injúrias específicas em alguns
condições n aturais. Há n ecessidade do fator hum ano órgãos e tecidos na fluorose aguda.
para que ocorra o consumo de grandes quantidades de A ação do flúor na inibição enzimática ocorre prin-
flúor pelos anim ais. As indústrias, por m eio da fumaça, cip almente em algum as metaloen zimas qu e contêm
do vapor e da poeira, podem contaminar pastagens que cobre, m anganês, zinco, níquel e até mesm o ferro, tanto
podem atingir entre 20 e 50 ppm de flúor. Certamente a orgânico como inorgân ico. Ocorre ou pela ligação dire-
poeir a e o d ep ósito de líquidos são a fo r ma mais ta do flúor ao elem ento em questão ou pela ligação do
importante de contaminação. A contaminação por efluen- flúor ao sítio ativo das m etaloen zimas. A inibição da
te é complexa e deve ser considerada a form a química atividade dessas enzimas pode com prom eter processos
do composto fluoretado. As form as m ais frequentes de metabólicos, com o a glicólise e a síntese de proteínas,
efluentes são o ácido fluorídrico e o tetrafloreto de silício, porém o mecanism o molecular que ocorre nesses pro-
ambos tão tóxicos quanto o fluoreto de sódio. cessos ainda n ão foi compreen dido. Acredita-se que
Misturas m inerais contendo fosfato de rocha com o ocorra a formação de ácido fluorídrico no trato gastroin-
fonte alternativa de fósforo represen tam im p o rtante testinal e que, então, ocorra hipocalcemia sistém ica, por
r isco para os anim ais de produção. O fosfato de rocha bloqueio da saída de cálcio ósseo, e que haja diminuição
representa uma fonte de fósforo m enos custosa, porém da atividade da Na/K ATPase e inibição da glicólise.
apresenta quantidade de fluoreto que, em alguns casos, Na intoxicação crônica ocorre a deposição de flúor
pode chegar a 4% do total. nos ossos e/ou nos dentes. Essa deposição ocorre du-
rante a vida dos animais, mas nos dentes só ocorre nos
Intoxicação por flúor estágios de formação desse tecido, quan do os fluoretos
inibem a ação dos am eloblastos e odontoblastos, que
A intoxicação por flúor é conhecida tam bém por param de incorpor ar os minerais. O esmalte dentário
fluorose e pode ocorrer tanto n a form a aguda como n a se torna denso e quebradiço ou então ocorre a sua h i-
form a crônica. A fluorose aguda é m enos frequente e poplasia. O comprom etim ento ósseo pode ocorrer em
tem m aior possibilidade de ocorrer após uso de anti- qualquer fase da vida do animal. Nos ossos, o fluoreto
-helm ínticos ou raticidas que contenh am fluoreto de in corporado n a hidroxiapatita form a a fluorapatita e
sódio, fosfosilicato de sódio ou fluoroacetato de sódio fica n a estrutura cristalina. A deposição varia e é maior
em suas fórmulas. A intoxicação aguda também pode na superfície periostal dos ossos longos em que ocorrem
ocorrer quando houver exposição às cinzas e fumaça de as exostoses. Essas alterações ósseas são referidas como
vulcões, situação improvável de ocorrer no Brasil, porém, fluorose esquelética ou osteofluorose. Dessa for ma, a
passível de ocorrer em outros países da América do Sul, m ineralização defeituosa e irregular da m atriz óssea,
com o n o Chile, na Colômbia e no Equador. associada às atividades ameloblástica, odontoblástica
A fluorose crônica, con siderada a m ais frequente, ou osteoblástica alteradas, resulta em baixa formação
pode ocorrer em todos os continentes do mundo e está do esm alte dentário, exostose, esclerose e osteoporose.
relacionada a riscos naturais ou industriais específicos. Os teores de flúor nos ossos podem aum entar len -
Pode ocorrer p elo con sum o de suplem ento m in eral tam ente, sem causar alterações ósseas perceptíveis, o
contendo fosfato de rocha, ou por pastagens contami- que implica longo período de latência para a manifes-
n adas por vapores industriais, poeiras de fábricas que tação do quadro clínico na fluorose crônica. As lesões
convertem fosfato de rocha em superfosfato, ou ainda ger alm ente têm in ício n os m etatarsos, m an d íbulas,
por efluentes da fundição do alumínio. A ingestão con - metacarpos e costelas, são bilaterais e sim étricas e re-
tínua de água proveniente de poços profundos conta- sultam n o qu adro de clau dicação. Pode-se observar
minados com fluoreto também pode representar uma osteomalácia, osteoporose e fraturas ósseas decorrentes
fonte de exposição. da concom itante m obilização excessiva do cálcio e do
O m ecanismo de toxicidade aguda do flúor é par- fósforo ósseos. Há aum ento da excreção urinária desses
cialm ente compreendido e resulta, sobretudo, da inges- elem entos em conjunto com o flúor. Q uando a capaci-
tão e, em m enor prop orção, da in alação de gr andes dade de deposição de flúor nos ossos e dentes é excedi-
quantidades de fluoretos solúveis, em especial do fluo- da, os teores sanguíneos e urinários de fluoreto se tornam
reto de sódio. O processo ocorre de form a rápida, com aumentados.
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo cloreto de sódio 423

Dos tecid os m oles, o rim é o primeiro órgão a apre- crescimento anorm al dos cascos e exostose. Esta última
sentar comprometimento, mas poderá, em fase posterior, é mais frequen te n os ossos longos. Ressalta-se que as
haver alteração d egen erativa n a medula óssea e n as superfícies articulares permanecem norm ais e a clau di-
glân dulas suprarren ais, bem como n o músculo cardía- cação ocorre em d ecorrên cia d o comprometimento do
co e n o sistem a n ervoso cen t ral. Assim , emb o ra seja p eriósteo e d a invasão de osteofitos nos tendões e liga-
raro, pode h aver an emia grave. mentos. Com a evolu ção do quadro, b ovin os afetados
p od em se locomover de joelhos. Também pode-se ob-
Manifestações cl ínicas servar hiperostose periosteal nas costelas.
Apesar de ser considerado um dos p rimeiros sinais
As m anifestações clínicas d a intoxicação depend e- d a fluorose, o comprometimento dentário norm alm en -
rão da id ade, da espécie anim al, da dose, d a forma e d a te só é notad o após o com prom etim ento d e outros sis-
duração d a exposição ao elemento e ao estado nutricio- temas/tecid os. A fluorose d en tária ocorre de m an eira
n al do an im al. importante qu an do afet a os d entes perman entes, an tes
A intoxicação aguda acarretará em manifestações d a erupção, isto é, na su a form ação. A p rimeira m ani-
clínicas qu e podem ter início dentro de um períod o d e festação dentária é o aparecim ento de man chas pigmen-
duas h oras. A dose fatal de fluoreto de sódio é de 5 a tadas que podem ser amareladas, esverdeadas, amar-
1O m g por quilo d e peso corporal. Ap ós a in gestão d e ron zad as ou pretas. Também p odem aparecer b and as
1 m g/kg de peso corpóreo já pode ser ob servad a m ani- h orizontais ao longo dos dentes e bandas verticais, estas
festação clínica decorren te d o qu adro agudo. Inicial- ocasion almente presentes onde o p igmento é d eposita-
mente observa-se diminu ição das con centrações séricas do nas fissuras do esmalte dentário. Os p ré-m olares são
de cálcio e m agn ésio, e também gastroenterite severa, mais afetados que os dentes incisivos, mas são mais
salivação, in q u ietação, sudorese, an orexia, fraqueza difíceis de serem examinados. Quando a exposição aos
m uscular, rigidez, dispneia, taquicardia ventricular. Os compostos de flúor for limitad a, podem-se encontrar
sinais nervosos são característicos e incluem ataxia, apenas alguns dentes comprometidos, porém as altera-
tremores musculares, fraqueza, olhar assustado, pupilas ções serão bilaterais. As manch as dentárias p od em não
dilatadas, h iperestasia, movimento de m astigação cons- progredir, mas nos casos severos a calcificação compro-
tante, tetania, convulsões clônicas seguid as por depres- metida d o esmalte levará ao aumento d o atrito ou à
são, colap so e morte em poucas horas. Nos ruminantes erosão dos dentes. O d esgaste desigual e maior dos den-
é observad a at on ia rum inal. Nos su ínos observa-se tes pré-m olares comprometerá de m aneira importante
d ispneia, an orexia, vômit os e d ia rreia. Parece qu e o a m astigação e pod erá levar à in fecção dos alvéolos
vômito também serve como mecanismo d e proteção, d entários com aum en to d e sen sibilidade nos den tes e
evitan do que out ros sin ais ocorram, qu an do da elimi- comprometimento da preensão e da mastigação d os
nação do conteúdo estomacal com elevada con centração alimentos. Assim, haverá redução no consum o d e ali-
, A • •

de comp ostos fluor etados. Po de h aver mudan ças em men tos que tera com o con sequenc1a o men or cresci-
out ros órgãos com o no fígad o, n os rin s e n os pulm ões, mento e desenvolvimen to dos indivíduos jovens e até
em virtud e d os efeitos citotóxicos da flu orose aguda. mesm o qu adros de cetose n os adultos.
Na fluorose c rônica serão observad as alterações Apesar de mais raro de se ob servar, cavalos com
dentárias em ru minantes joven s a partir do con sumo fluorose crônica apresentam clau dicação, lesões dent á-
de 14 a 16 m g de flu oreto p or quilo de m atéria seca de rias com abrasão excessiva dos molares e lesões h ipe-
alimento. De maneira geral, rebanh os acometid os por rostóticas dos metatarsos, metacarp os, mandíbulas e
essa intoxicação ap resentam animais inférteis ou sub- costelas.
férteis e com anormalid ades esqueléticas e dentárias.
Há menor consumo de alim ento e men or ingestão de Dia gnóstico
águ a, qu e são acom pan had os por b aixo ganho de p eso
e b aixa produção de leite, provavelmen te refletindo os O d iagn óstico da intoxicação agud a deve ser feito a
problemas dentários que comprom etem o consumo de p artir da an amnese, considerando o histórico de exp o-
alimento. Frequentem en te se observa o esmalte d entá- sição ao flúor, bem como as manifestações clínicas ca-
rio m anch ado e o desgaste d esigual e excessivo nos racterísticas do qu adro. A confir mação é feita diante da
dentes. As anormalidades esqueléticas associadas ao d etermin ação dos teores de fluoreto nas forragens, solo,
aumento da reabsorção e remodelação ósseas levam à água, san gue e urina d os animais afetados, bem com o
clau d icação de importa n te magnitude, pode haver d a an álise dos ossos e d entes de animais n ecropsiados.
424 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

As concentrações norm ais de flúor na dieta d e bo - intoxicad os já foram en contrad as concent rações plas-
vinos d evem estar en t re 20 e 50 p pm. Con cen t rações máticas ent re 0,7 e 1,9 m g/L. Teores urinários de flúor
dietéticas entre 100 e 300 pp m d e flúor podem desen- são considerados normais quando inferiores a 0,5 mg/L,
cad ear o quadro crôn ico. Água com concentrações porém , quando em quan tid ades tóxicas, pod em estar
m aiores que 30 ppm são consideradas tóxicas. entre 14 e 120 m g/L. Como o flúor n ão se acum ula nos
Para o diagnóstico da fluorose crônica, com o é um tecid os m oles, a análise do fígado e dos rins tem papel
quadro que pod e levar muitos m eses para ser deflagra- restrito na fluorose crônica.
d o, além d o h istórico e do conteúd o d e flu oreto n as O cálcio sérico p ode estar baixo ou n orm al e os
fontes de água, alimento e solo, podem-se consid erar as teores de fósforo normalmente estão n orm ais na into-
co nce n t r ações teciduais d e fl úor assoc ia d as às xicação crôn ica por flúor.
manifestações clínicas e, quando pertinente, aos achados Na necropsia de casos agud os, observa-se gastroen -
de necropsia. Ressalta-se que a presença de animais com terite severa e, ao exame histológico, podem-se observar
anormalidad es em esqueleto e den tárias, e apresentan- alterações degenerativas n o epitélio tubular ren al. Nos
d o claud icação, osteoporose, an orexia e redução n a casos crônicos pode-se en con t rar osteoporose; exosto-
produtivid ade devem ser avaliad as para a fluorose crô- ses locais ou disseminad as nas diáfises ósseas; m anchas
nica. Assim , deve-se, além da determinação de flúor nos nos dentes e hipoplasia de dentina nos dentes de animais
tecidos, fazer radiografias e análise histológica para que joven s. Nessa categoria an im al, também p odem ser
se obtenham mais inform ações. observadas as zon as de crescim ento espessad as e as
Pode-se observar alterações radiográficas dos ossos metáfises alargad as, com alguma sem elhança às altera-
con tendo mais d e 4.000 ppm de flúor e, nesses casos, se ções do raquitismo. Norm almen te não se observa alte-
observa d ensid ade aumentad a ou porosid ade anorm al, ração das estruturas intra-articulares. No exam e h isto-
espessam ento e enrugam en to do periósteo, aumento d a lógico, observa-se calcificação irregular e alterada d o
t rabeculação, espessamento d os ossos com pactos e es- osso trabecular neoformado e formação periosteal ativa.
treitamento da porção medular. Observa-se consolidação O d iagn óstico d ife ren cial da intoxicação aguda
óssea incompleta quando d a presença de fraturas espon- d eve ser feito com a in toxicação por m etais pesados;
tâneas de costela. Nesses casos, pode-se utilizar a biópsia micotoxicose nefrótica; e consumo de plan tas tóxicas
de costela para a determinação dos teores d e flúor. (Amaranthus spp., Isotropis spp., Lantana spp.). Para a
Teores de até 1.200 ppm de flú or n o tecid o ósseo intoxicação crônica, deve ser realizado o diferencial com
seco e desengordurado são observad os em animais sa- in toxicação crônica por selênio ( doen ça do músculo
dios. As concentrações d e fluoreto nos ossos e nos den- branco ); d oença articular degenerativa (osteoartrite);
tes podem atin gir quantidades d e 1.500 ppm e 1.000 feb re efêm era em b ovin os; osteodistrofia fib rosa em
ppm , resp ectivam en te, sem qualqu er efeito adverso. cavalos; deficiência n utricional de fósforo; deficiência
Animais que apresentam apen as manchas n os d en tes nutricional de vitam ina D; intoxicação por molibdênio;
• • - A • •
pod em conter 3.000 ppm de flúor nos ossos. Já con cen- 1ntoxicaçao por arsen10; e ergot1sm o.
t rações m aiores que 4.000 ou que fiquem entre 6.000 e
13.000 ppm nos ossos e de 7.500 a 11.000 ppm nos den - Prognóstico
tes estão p resen tes n os casos d e fluorose crônica com
m anifestação clínica importan te em bovin os. A deter- Nos casos agu dos o prognóstico é m au e nos casos
minação de flúor nos ossos deve ser feita, p referencial- crônicos o p rognóstico é reservad o a mau, um a vez que
mente, no metatarso, m etacarpo, costela, ossos pélvicos dificilmente se reverte o d an o causado.
ou, en tão, nos ossos man d ibulares. Esse últim o, n or-
m almente, m ostra as m aiores concen trações. As con- Tratamento e profil axia
cen trações plasmáticas de fluoreto aumentarão de ma-
neira importante apen as quando o tecido ósseo estiver O tratamento d a intoxicação por flúor é essen cial-
saturad o de fluoreto. men te de suporte. Nos casos agud os, a m aior parte dos
De qualquer forma, o resultad o d as m ensurações animais sucu m b e sem que haja temp o de se instit uir
séricas e urinárias d os teores de fluoreto deverá ser in- qualquer tratamento. Nos casos crônicos não há como
terpretado com cau tela, já que h á eliminação rápida e reverter os problem as ósseos e d en tários, porém pode
dependen te d o tempo d e exposição do animal ao ele- haver m elhora dos outros sinais clínicos. D e qualquer
mento. Nos bovinos saudáveis, os teores plasmáticos de maneira, recomenda-se afastar os animais d a fon te de
fluoreto são inferiores a 0,2 mg/L, enquanto em animais con taminação e não se recom en da a administ ração de
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo cloreto de sódio 425

carvão ativado. Pode-se utilizar cálcio, m agnésio ou alu - O selênio elementar é b astante estável, in solúvel e in-
mín io pela via oral, p ara que se associem ao ácido fluo- disponível p ara as plantas. O selenito pode estar p re-
rídrico produzido no estôm ago e m in im izem a absorção sente como selenito de sódio (Na2Se0 3 ), d ióxido d e
do elemento. Nos casos em qu e ocorre a hip ocalcemia selênio (Se0 2 ) e ácido selênio (H 2Se0 3 ) . O selenato
ou a tetania, recomenda-se a ad min ist ração de cálcio forma o selen ato d e sódio (Na2Se04 ), o trióxido de se-
intravenoso. lênio (Se03 ) ou o ácido selênico (H2Se04 ); nesses com -
Para essa en fe r midad e d evem -se con sider a r as p ostos o selênio é solúvel, estável e bastante disponível
m edidas d e controle e preven ção, especialmen te em p ara plantas, quando em solos alcalin os. O estad o de
locais onde se sabe que os teores d e flú or são limítro - oxidação h exavalen te (+6) é considerado a forma m ais
fes par a desen cad ear o p roblem a. Deve-se oferecer tóxica do selênio p ara o meio am biente.
par a an im ais jovens e fêmeas gestantes alim entos e Há mais de 30 selenoproteínas identificad as, m u itas
águ a livres de flúor ou, então, rotacionar os an imais das quais desem penham funções enzim áticas vitais,
, , . . .
en t re as areas segu ras e areas m ais perigosas, em in - com o a tioredoxin a redutase e a iodotironin a deiodina-
tervalos d e três meses. se, envolvidas n a ativação e desativação d os hormônios
Em áreas ond e o consumo de flúor a longo prazo é t iroid eanos; a glutationa peroxidase e a glutationa re-
provável, deve-se forn ecer d ieta com m enos d e 50 ppm duzida, com imp ortante participação no metabolismo
para as vacas leiteiras. O con sumo ad equ ado de cálcio antioxidante e destruição dos radicais livres. Também
e d e fontes de fósforo defluoradas d eve ser garan tido tem sido relacionada a particip ação do selênio nas fun -
para que não haja o arm azen amento ósseo d o flúor. As ções imun e, reprodutiva, nas reações de biotransforma-
fontes de fosfato não devem conter m ais de 2% d e flúor ções h ep áticas e até mesm o em m ecan ismos anticarci-
A •

para o gado d e leite ou para reprodutores, apesar d e se nogen icos.


estabelecer como desejável qu e os fosfatos utilizados n a A exigência de selênio, pela maior parte das espécies,
alimentação an imal tenham men os de 1% de flú or em fica en tre O, 1 e 0,4 mg p o r qu ilo de matéria seca da
. -
su a com posiçao. dieta e é maior para as categorias e espécies an im ais d e
A água d os poços p rofundos e de p oços artesianos maior atividad e metabólica. Ap esar d e serem mais fre-
deve ser analisad a quanto ao seu conteúdo de flúor an- quentes os casos d e carên cia d e selênio, especialm ente
tes d o u so. O teor d e flúor da água pod e ser reduzid o no Brasil, casos de intoxicação podem ocorrer tanto
em 1Ovezes, pela adição de cal, com o acompanhamen - natu ralmente como pelo excesso de selênio via nutrição
to de técnicos esp ecializados. Os sais de alumínio são ou suplem entos injetáveis. Os quadros n aturais estão
as p rincipais substâncias usad as para desintoxicar ali- normalm ente associados à ingestão de plantas selenífe-
mentos e água. Para uso n os anim ais não são indicados, ras, isto é, que acumulam selênio em quan t idades su-
pois são consid erados não p alatáveis e de eficácia ques- p eriores a 100 m g por quilo de matéria seca.
tionável. Esses sais reduzem o acúm ulo de flúor n os A maior parte do selênio con sumid o é absorvid a
ossos em, n o máximo, de 20 a 30%, sendo considerados na primeira porção d o intestino d elgado, n o du od eno,
aten uantes. com menor absorção n o jejuno e no íleo. A absorção no
De maneira geral, recom en da-se a manuten ção dos estômago e no abomaso é consid erad a ou d esprezível
animais em bom plan o nutricional e afastar animais ou inexistente. Aparentemente n ão h á sistema d e regu -
joven s e fêmeas gestantes das águ as ou das forragens lação homeostática para a absorção do selên io, p ois nem
contaminad as. o status de selên io no animal nem o teor de selênio
d ietético afetam a absorção desse elemento. Porém , a
" forma qu ímica, a espécie an im al e os fatores dietéticos
SELENIO
exercem importante in flu ência na absorção d o selênio.
O selênio (Se) é u m m icroelem ento essen cial que Cada form a química d o selênio será absorvida por
pode ser en contrad o em quatro estados de oxidação: mecan ism o específico. O selenito é absorvido p or d ifu -
seleneto (-2), selên io elem en tar (O), selenito ( +4) ou são passiva pela borda em escova do intestino e o sele-
selentato ( +6). O seleneto de hidrogênio (H2Se), à tem- nato é absorvido por meio do cotransporte com o sistema
peratura am biente, está na forma de gás e é m uito tóxi- d e sód io, sistema esse tamb ém utilizad o pelos sulfatos.
co; é um agente redutor e um ácido relativamente forte; Já os selenioaminoácidos, como a selen ometionina e a
os selenetos metilados são os prin cipais compostos de selen ocisteína, são absorvid os por m eio do t ransporte
desintoxicação n o organismo. Em p H fisiológico o selê- ativo de aminoácid os e são m ais b iodisp oníveis que o
nio está também como selen ocisteín a, que é a form a -2. selenito ou o selenato.
426 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

De man eira geral, o selên io orgânico, como selen io- compostos de selênio, em ruminantes a via de excreção
m etion ina, p resentes n o t rigo ou n a levedura enrique- p referencial para o selên io é a fecal, por m eio da b ile,
cida com selênio, tem t axa d e absorção maio r que o qu and o o selênio é ingerido e absorvid o; e a via ren al é
selên io inorgânico para a m aior parte das espécies d e mais im p ortan te qu an do o selênio é administrado pela
an imais; e, d en t re as form as inorgânicas, o selenato é via parenteral. Conforme já ressaltad o, rum in antes jo-
m elhor ab sorvid o que o selenito. Para ru min an tes, as vens, isto é, qu e ainda são pré-r u m inantes, têm a v ia
diferenças entre as fontes de selênio orgânicas e in orgâ- urinária com o via principal para a excreção do selên io.
nicas são menores que p ara mon ogástricos, pois as fon- Q u ando o aporte de selênio é norm al, a via respirató-
tes inorgân icas são parcialm ente in corporadas aos ami- ria tem importância mínima na excreção do selênio. Porém ,
n oácidos n o p rocesso de ferm entação rumin al, sen do quan d o h á con sum o aumentado desse elem en to e os li-
assim tran sform adas em fontes orgânicas. miares de eliminação renal foram maxim izados, a excreção
Os rumin antes possuem m enor absorção de selênio p ela via respiratória, sob a forma dos metabólitos dimetil
que os monogástricos. Os prim eiros têm absorção entre selen eto ou dimetil diselen eto, torna-se im portante.
29 e 50%, enquanto os mon ogástricos apresentam taxa A transferên cia transplacen tária de selên io é con si-
de absorção ent re 45 e 95%. D eve-se ressaltar, p orém , d erad a eficiente duran te a gestação, principalm ente n o
que rum in antes jovens, n a fase de p ré-rumin an te, p os- seu terço fin al. O status de selênio m aterno tem sido posi-
suem absorção de selênio sem elh ante aos m onogástricos. tivamente relacion ado com o status de selên io fetal e do
Assim, a men or absorção do selên io nos rumin antes é recém -n ascid o. H á passagem do selên io pela glândula
atribuíd a à redução, pelos m icrorganismos rum inais, mam ária de m aneira relativamente eficaz, esp ecialm en -
do selênio em formas consideradas não b iodispon íveis, te se o microelem ento estiver n a form a orgânica.
com o o selen eto ( -2) e o selên io element ar (O).
Dentre os fatores d ietéticos, a presença de altos teo- Fatores determ inantes
res d e enxofre, chumbo, fen o de alfafa, glicosídeos cia-
n ogên icos em associação com extremos de cálcio n a A intoxicação p or selên io, embora de baixa frequên -
dieta interferem n egativam en te n a absorção d e selên io cia, é cosmop olita. Pode ocorrer n a forma agu da ou na
, . .
n as esp ec1es rumin antes. forma crôn ica. Normalmente, está asso ciada ao consu -
Depois de absorvido, o selên io se associa a proteínas mo ou à injeção de com p ostos de selênio, tanto n a for-
p lasm áticas e é rapidamen te d istribuído para a maior ma orgânica como n a form a in orgân ica.
parte dos órgãos, prin cipalm ente p or m eio da selenopro- H á gran d e variação d as doses con sideradas tóxicas
teína P. Quan do h á con sumo excessivo de selênio, este para esse elemento e não se sabe bem o motivo para essa
também é transportado associado à albumina. O selênio, d iscrep ân cia. Além da espécie, id ade, estado nutricional
geralmente, é utilizado para a síntese de selenoproteínas, e fase do ciclo reprodutivo, têm fundam ental importân -
in corp orado em proteínas de tecidos ou , en tão, é elimi- eia a dose, a via de administ ração e as interações com
n ad o. Em bora d istribuído para todos os tecidos, n or- out ros elementos da diet a. Ovin os são m ais sen síveis
m almente fica m ais con cen trad o n o rim e n o fígado. qu e b ovin os. D en tro d a m esm a espécie anim ais jovens
De man eira geral o selên io é excret ad o n a u rin a, são mais sen síveis que adultos. O uso de monensina em
por filtração glom erular, e, com menor importância, via conju nto com o selên io aum enta a sen sibilidade do
bile, n as fezes. A form a e a extensão d a elim inação p or an im al em se intoxicar por selên io.
diferentes vias dep en dem d a quantidade de selênio e d a Casos de intoxicação agud a, com ingestão de dose
esp écie animal. Nos m onogástricos a excreção ocorre única de selên io, foram deflagrados em suín os qu e rece-
p redominantem ente pela via u rin ária, independen te- beram 15 m g d e selênio p or quilo de peso corporal; em
m ente da via de exp osição. A excreção urinária ocorre bovinos que con sum iram 9 m g d e selênio por quilo d e
após a formação, p or meio de reações sequen ciais, d os p eso corporal; em ovinos qu e ingeriram 2,2 m g d e selê-
com postos m etilados mon om etilselenid o, dimetilsele- nio p or quilo de peso corporal; e em cavalos que rece-
n eto e trim etilselenid o. Essas reações podem esgotar a beram 1,49 m g de selênio p or qu ilo d e peso corporal.
S-aden osilm etionina disponível, o que lim ita o grau de Apesar da intoxicação por selênio p oder ocorrer em
metilação. Nos ruminantes, as p erdas fecais são impor- solos contendo selên io tão baixo quan to 0,01 ppm, é
tan tes em virtu de da redução e da com p lexação desses mais frequen te em solos selen íferos, isto é, com m ais
com postos n o rúmen , torn an do-os indisp oníveis p ara que 6 ppm d e selên io. Alguns solos chegam a apresentar
a absorção. Nesse sentido, apesar d e haver import ante até 1.200 ppm de selênio. Essas regiões com p astos es-
perda fecal d ecorrente da ausên cia d e ab sorção dos t abelecid os em solos seleníferos represen t am situ ação
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo cloreto de sódio 427

restrita e específica, que pode abranger áreas tão peque- • Excesso d e selênio pela via parenteral ou por erro
nas quanto a de ú nica propriedad e. Normalmente, essas na mistu ra d a ração (iatrogênese).
áreas são de baixos ín dices pluviométricos, inferiores a • Contaminação ambiental, que resulta em exposição
80 mm/ano; com solos alcalinos; e p roven ien tes de ro- a plan tas seleníferas ou águas contaminadas (con-
ch as sedimentares. taminação).
A m aior parte das plantas presentes n os pastos ra-
r amente possui selên io acim a de 100 ppm, m as as espé- Em cada u m a dessas formas d e intoxicação a m ani-
cies seleníferas absorvem o elem en to em quantidad es festação pode ser aguda, subaguda ou crônica. O que
tão grandes que podem chegar a 10.000 ppm. São exem- d efinirá qual o tipo de intoxicação será a exposição diá-
plos dessas plantas a Neptunia amplexicaulis e algum as ria ao elem ento, a id ade do an im al, a espécie e a via de
espécies d e astrágalos, den tre outras. D e m aneira geral, exposição. D entro de uma mesm a espécie, an imais mais
essas plantas crescem, preferen cialm ente, em solos ricos jovens são mais sensíveis que adultos. Quanto à via d e
em selênio e, portan to, são classificadas como indicado- exposição, sob a m esm a form a química, compostos in-
ras. São consideradas de baixa palatabilidade e, por esse jetáveis têm maior potencial tóxico que compostos orais.
m otivo, dificilmente ocasion am o quadro agudo, mas Como previamente m en cionado, o quadro agud o
são capazes de desencad ear a form a crônica d a doen ça, pode ocorrer com a exposição súbita de dose de selên io
isto é, a selenose crôn ica ou d oença alcalina ou, ainda, que pode variar d e 1,49 a m ais d e 20 mg por quilo d e
com o é mundialmente conhecida, alkali disease. peso corporal en t re as espécies. Quanto m aior a solu-
bilid ade do composto, m aior o potencial tóxico, sendo
Intoxicação por se lênio que o selênio elem entar e os selenetos fracam ente solú-
veis são m enos tóxicos que os selenatos solúveis e que
Embora o selên io ten ha sido inicialm ente reconhe- os selenitos e o selênio orgânico.
cido por causar intoxicação n os anim ais, o mecan ism o A dose letal mínima de selênio, isto é, a m enor quan-
exato para esse processo ainda não está completam ente tid ade d e selênio capaz d e induzir a m orte em coelhos,
esclarecido. Há três teorias para explicar a patogenia d a ratos, cães e gatos variou entre 1,5 e 3,0 mg por quilo de
intoxicação por selênio. A prim eira relaciona o excesso peso corporal. Pela varied ade d e fatores que inteferem
de selênio à depleção de substratos in term ediários, o na ocorrência do qu ad ro, n ão h á con senso quanto à
que comprometeria diretamente a atividade das enzimas dose letal 50% (DL50) para selenito oral em rum inantes;
relacionadas a essas atividades. A segunda é em relação há referências entre 1,9 e 8,3 mg/kg e também entre 9 e
à produção de radicais livres d ecorrentes da reação do 20 mg/kg de peso corporal. Porém é indiscutível que o
selênio em excesso com tióis, causando dano tecidual. selênio injetável é mais tóxico para a form a agud a que
E a terceira é a incorporação de com postos de selên io o oral, com a observação d e D L50 d e 0,5 mg de seleni-
no lugar do enxofre, interferin do diretamente na função to de sódio p or qu ilo de peso corpor al em cord eiros.
celular n ormal. Essa últim a é a m ais provável de acon- Para fran gos d e corte, a DL50 para in toxicação agud a
tecer nas lesões que comprom etem pelos e casco nos oral d e selênio foi de 33 m g/kg d e peso corporal.
quadros crônicos de intoxicação por selênio, pois have- A selenose crônica ocorre como resultad o d a inges-
rá perda de pontes dissulfeto responsáveis por m anter tão, por período superior a 30 dias, de forrageiras sele-
a integrid ade estrutural dos tecidos. níferas ou pela alim entação prolongada com selên io
É possível que cada um desses mecanismos propostos in orgânico em dose elevad a. É difícil estabelecer a dose
esteja relacionad o com a form a química do selênio. Foi que leva ao quadro de in toxicação crôn ica, especialmen-
n otad o que os tecidos que n ecessitam de selênio para te em ru m in antes, pois apesar de ter em sido escritos
prevenir doenças associadas à deficiência, como o sistema casos de bezerros que se in toxicaram por r eceber em
im unológico, órgãos d o sistem a reprodutivo e o tecido 0,28 m g d e selenito por quilo d e peso vivo durante 16
m uscular, também ten dem a acu mular m ais selên io sem anas e em novilh os que apresentaram a d oença al-
diante da exposição excessiva desse elemen to. calina ao receberem ou 0,8 mg/kg de peso corporal por
A intoxicação por selênio ocorre por t rês tipos d e dia d e selenito ou 0,28 m g/kg de peso corporal por dia
exposição ao elem ento: d e seleniom etion ina, há estudos que utilizaram 11 ,9 mg
e até 118 mg d e selên io por quilo de peso corporal em
• Consum o d e plan tas que acumularam selênio d e vacas leiteiras adultas, sem observar qualquer efeito, mes-
solos seleníferos (natural). mo após período de 128 dias. Suínos expostos a 8 mg d e
selênio por quilo de matéria seca da dieta desenvolveram
428 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

o quadro crônico. Foram observadas lesões em cavalos a alopecia gen eralizada, tam bém podem desenvolver
que receberam 20 mg de selênio por quilo de matéria sinais neurológicos de paralisia, paraplegia e quadriple-
seca de alimento durante três sem anas. gia, consequentes da poliomielom alácia. Podem -se ob-
servar alterações reprodutivas em várias espécies quan-
Manifestações cl ínicas do o selênio é consumido em excesso. Nesse sentido, o
desempenh o reprodutivo pode ser reduzido sem que
Os sinais clínicos decorrentes da intoxicação aguda estejam presentes outros sinais característicos da doen-
por selênio têm início 6 horas após a ingestão da fonte ça. Em aves de produção a selen ose tem mostrado efei-
de selênio. Se este for administrado pela via intraveno- tos deletérios importantes na reprodução, refletidos na
sa, o início pode ocorrer em 90 minutos. baixa eclodibilidade, deformidade embrionária e em
As m anifestações se iniciam pelo odor de alho, re- morte embrionária.
ferente ao dim etil seleneto eliminado via respiração. Na As alterações anatomopatológicas nos quad ros crô-
sequência observa-se desconfor to respiratório impor- nicos estão relacionadas às lesões no casco e às conse-
tante, inquietação ou letargia, cabeça baixa, orelhas caí- quên cias da anorexia e inanição. Podem ser observadas
das, anorexia, salivação, diarreia aquosa, febre, sudorese, nefrite, cirrose hepática e n ecrose em m iocárdio. Em
taquicardia, bruxism o, postura e m archa anormais, es- razão da possibilidade de problem as neurológicos em
pasmos tetân icos, prostração e m orte. Os cavalos com suínos, pode-se observar malácia bilateral da substância
intoxicação aguda m ostram sinais de comprom etimen- cinzenta inclusive na m edula espinal.
to importante do sistem a nervoso central, com ataxia e
excitação, sudorese, pirexia, taquicardia, dispneia e mor- Dia gnóstico
te em 6 horas. Suínos com comprom etimento leve apre-
sentam ataxia de posteriores, andar na ponta dos cascos, O diagnóstico pode ser feito por meio do histórico/
dificuldade em se levantar, decúbito estern al, trem or e an amn ese, ach ados clínicos, com a determ inação de
até vôm ito. Nos casos extremos os animais podem apre- selênio em alguns tecidos, e achados de necropsia. Tan-
sentar decúbito lateral. A partir dos primeiros sinais, a to na intoxicação aguda como na crônica, uma das pri-
evolução do quadro costuma ser rápida. No exame post meiras alterações que ocorre é a an emia com redução
mortem são observados, m acroscopicam ente e/ou m i- dos teores de hemoglobina. Nesses casos o selênio pode
croscopicamente, congestão sistêm ica, edema pulm onar, também ser detectado n a ur ina, n o leite e n o p elo de
n ecrose do músculo esquelético, necrose miocárdica e anim ais afetados.
petéquias hemorrágicas no m iocárdio. Há possibilidade Os teores n ormais séricos de selên o são de 0, 14 a
da ocorrência da cham ada cegueira cambaleante (blind 0,19 mg/L. Teores de 1,5 m g/L são considerados teores
staggers), que n ormalm ente está presente quando h á elevados de selênio, e as manifestações clín icas são evi-
envolvimento de outros fatores, como intoxicação por dentes quan do estes atin gem limiares de 3 mg/L n o
alcaloides, poliencefalomalácia e até m esm o fom e. sangue e m ais de 4 m g/L n a urina.
Na selen ose crôn ica ocorre depressão, fraqu eza, A con centração de selên io nos pelos também pode
emagrecimento/perda de peso, anemia, pelagem áspe- servir com o diagn óstico. Teores de selên io entre 5 e
ra, alopecia, principalmente na base da cauda, falta de 1O m g por quilo de pelo sugerem problema limítrofe e
vitalidade, crescim ento an ômalo dos cascos, r igidez, teores acima de 1O m g por quilo de pelo, indicam sele-
A •
claudicação, anorexia, diarreia, falência reprodutiva e nose cronica.
m orte. Os p roblem as no casco são observados com Q uanto aos achados de necropsia, nos casos de in-
m aior frequência em bovin os, equinos e suínos e in- toxicação aguda a m aior parte dos achados m acroscó-
cluem aumento da pressão n a região coronária, defor- picos são atribuídos ao com prom etimento cardiovas-
m idades n o casco e/ ou separ ação e descam ação da cular. São encontrados edema e congestão pulmonares,
parede do casco. Deformidades con gênitas do casco petéquias das vísceras torácicas, congestão do fígado,
podem ocorrer em animais recém-nascidos, que podem dos rins e do trato gastrointestinal. Se a intoxicação for
ser acompanhadas de lesões hemor rágicas n a parede p ela via parenteral, pode-se observar hidrotór ax, hi-
proximal e na sola dos cascos. Ovinos não desenvolvem d ropericárdio e ascite. Ao exam e h istológico poucas
alop ecia nem m esm o problemas de casco, porém, as alterações são percebidas se a evolução do quadro for
raças lanadas apresentam m enores taxas de crescimen - rápida, isto é, em período inferior a 24 horas. Alterações
to da lã. Equinos e caprinos podem apresentar alopecia observadas em animais que sobreviveram a esse perío-
generalizada. Os suín os, além de poderem apresentar do incluem derrame seroso nos alvéolos pulmon ares,
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo cloreto de sódio 429

degeneração leve, h ialina ou granular d as fib ras m us- a remoção do selên io, o tratamento para qualquer form a
culares esqueléticas, d egeneração hidrópica nas células d e intoxicação é o d e suporte.
epiteliais tubulares ren ais e degen eração p eriacin ar e Nos casos crôn icos, após a interrupção da exposi-
necrose d os hepatócitos. Pode haver comprom etim en - ção à fonte de selên io, deve-se compreender que, depen-
to dos m iócitos card íacos, com a presença de áreas de d end o do tecido afetado, o tempo de regeneração po-
granulosidade citoplasmática e lise. d erá ser bastante longo.
Animais que sofrem intoxicação subagud a a crôni- O id eal é fazer a prevenção de uma possível expo-
ca podem apresen tar m iopatia esquelética e cardíaca; sição excessiva. Apesar de o teor m áximo tolerável de
defor m idad e dos p és e da p ele; atrofia e dilatação do selênio para todas as espécies ser fixado em 2 mg por
coração; edema pulm onar ; cirrose e at rofia de fígado; quilo de m atéria seca da dieta, para r uminan tes esse
glomerulonefrite; gast roen terite leve; e erosão d as su- valor foi aumentado para 5 mg/kg d e matéria seca d a
perfícies articulares. dieta. Há autores que con sideram esse limite tam bém
Em suínos pod e ser observad a a poliomielom alácia para cavalos. Para suínos assume-se o teor máximo d e
simétrica, com comprom etimento principalmente d os 4 ppm, enquanto para aves de produção foi considerado
corn os ven t rais dos alargam en tos cervical e lombar, e 3 ppm, am bos em relação à matéria seca dietética.
com m enor com prom etimento n os núcleos d o tronco
,
encefálico. O aspecto m icroscópico d a medula espinal CLORETO DE S0D10
afetada incluía a vacuolização do neurópilo e esporadi-
camente d o citoplasm a dos n eurônios. Estão frequen - O sódio (Na) e o clo ro (Cl) são macroelementos
tem ente presen tes nesses casos a crom atólise neuron al, essen ciais e, apesar de serem distintos, são considerados
o inchaço axonal e a proliferação d as células en doteliais. em conjunto/associados ao seu metabolismo, interações,
Para a confirmação do diagnóstico, deve-se enviar, fu nções e exigências estarem relacionados.
para a an álise toxicológica, 50 g d e fígad o, 50 g de rim O excesso d e cloreto já foi associado como fato r
ou 500 g d a ração suspeita. Para a avaliação anátomo- colaborad or para a ocorrência da discondroplasia tibial,
-patológica d eve ser enviado ped aço de músculo esque- porém a maior frequência de p roblemas relacionados
lético fixado em formol, coração, fígado, rim e medula ao excesso do cloro refere-se à sua associação com o
espinal d e região d e aumento de volume cervical e/ ou h idrogênio, nos h ipoclo ritos presentes em produtos
lombar. domissanitários (ver Capítulo 13). Aqui serão abordados
Na selenose crônica em ovinos são encontrados, n o os elementos em conjunto, por se tratar d a p r incipal
fígado e no rim, teores de selênio da ordem de 20 a 30 ppm forma d e aporte d e sódio para os animais via alimenta-
(m g/kg) e, na lã, a concentração desse microelemento ção, na forma de cloreto de sódio.
fica entre 0,6 e 2,3 ppm. Em cavalos intoxicados, os O cloreto de sódio é frequentem ente referido como
teores de selênio nos pelos são superiores a 5 ppm. sal comum , sal de mesa, sal bran co ou simplesmente
O diagn óstico diferencial para a intoxicação agud a sal. A necessidade para esse sal foi recon hecida antes
por selênio deve ser feito com a intoxicação aguda por mesmo de se estabelecer a extensão da exigência para
arsênio, an afilaxia, intoxicação por ionóforos, intoxica- esse composto. A mudança d o tipo de vida d e nôm ade,
ção por tiamulina em suínos e septicemia. Para os casos com dependência d a caça e do extrativismo, para a vida
de intoxicação crônica, o diferencial deve ser feito com sedentária, com a fixação à terra e, portanto, à ativid ade
h ipovitaminose A, com lam in ite e com toxicose por agrícola e criação dos animais, só foi sustentável com a
cloreto de sódio. utilização de suplem entos d e sal. O sal é o único com-
posto mineral que os animais comprovadamente sentem
Prog nóstico desejo específico. É necessário para a saúde dos anim ais
e alguns guias de recomend ação nutricional separam as
O progn óstico para os casos agud os é m au e para recomendações nutricionais para o sódio e para o cloro,
os casos crôn icos é depen dente d o comprometimento porém out ros os consid eram em associação.
sistêmico, mas na maior parte d as vezes é reservado. O cloro e o sódio são respon sáveis por m anter a
pressão osmótica, estão envolvidos no equilíbrio acido-
Tratamento e profilaxia básico e con t rolam o metabolismo da água. O sódio é
o principal cátion e o cloro é o principal ânion do fluido
Para os casos d e in toxicação por selênio, por não extracelular, n o qual estão nas con cent rações de 140 e
haver nenhum m ecanism o de quelação específico para 105 m Eq/L, respectivam ente. D e m aneira bem simpli-
430 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

ficada e objetiva, considera-se que o sódio tenha papel inicial do intestin o delgado p ara criar o gradiente de
fundamental por fornecer o cham ado esqueleto osmó- concentração que im pulsiona o transporte facilitado da
tico que é preen chido por água. Esse esqueleto osm óti- glicose e de amin oácidos provenientes da dieta. Já o clo-
co é m antido pela bomba sódio potássio ATPase (Na+/ reto é secretado n o lúmen do estômago para que haja
K+ATPase) nas membranas celulares, que, por transpor- redução do pH , con dição im p ortante para o início da
te ativo, transporta o sódio para o ambiente extracelular proteólise e até m esm o para a p roteção, via digestão,
e o potássio para o meio intracelular, com gasto en er- contra possível consum o de microrganismos patogênicos.
gético. Esse processo prom ove a captação de glicose e Os íons cloreto são rapidam ente reabsorvidos pelo gas-
leva às diferenças de poten cial de membran a, que in- trointestinal e, quando não forem, poderá ocorrer diar-
fluenciam na captação de outros cátions essenciais para reia osm ótica, com desdobram entos im p ortantes em
a excitabilidade da célula. relação à perfusão tecidual e ao equilíbrio acidobásico.
Pela grande importância do sódio, sua concentração Em virtude da grande importân cia do sódio n o
sérica e osm olaridade são mantidas sob controle fino e organism o anim al, a m aior parte dos an imais terrestres
preciso, por m eio de mecanismos homeostáticos que possui m ecanismo fisiológico eficiente para a conser-
envolvem a sede, h ormônio antidiurético e reabsorção vação do sódio. O ponto in icial para esse processo, como
renal do sódio filtrado. Valores n ormais para o sódio visto anteriorm ente, é a eficiente absorção intestinal do
sérico em animais adultos são de 135 a 150 m Eq/L n os sódio no trato gastrointestinal, que, quando absorvido
suínos; de 132 a 152 m Eq/L nos bovinos; de 141 a 152 em excesso, e com disponibilidade de águ a, é pronta-
m Eq/L nos cães; de 147 a 156 mEq/L nos gatos; e de 132 mente excretado pela via renal, por meio da interação
a 146 m Eq/L nos equinos. de vários h or môn ios. A aldosteron a, con siderad a o
Na dieta dos animais o sal está presente entre 0,5 e prin cipal desses h orm ônios, é secretada pela adren al
1,0% em relação à matéria seca total. Animais de pro - em resposta à redução do teor plasmático de sódio ou
dução norm almente têm livre acesso ao sal branco ou da pressão sanguín ea sistêm ica. Tem por função aumen-
a misturas m inerais suplementares à dieta. Geralm ente, tar a r eten ção de sódio e a excreção de potássio. Já o
as exigências por sal são aumentadas com o aumento peptídeo natriurético atrial, que é secretado pelas célu-
da atividade metabólica, p or exem plo, em fêmeas em las atriais do coração, é liberado pelo aum ento da pres-
lactação; em an im ais subm etidos a esforço ou a exercí- são arterial, e promove o aumento da excreção ren al de
cio físico; e em animais que estão em ambientes quentes, sódio. A vasopressina é secretada pela hipófise quan do
as necessidades de sal são maiores. Todas essas condições a osmolaridade sanguínea está aumentada e estimula a
também aumentam a n ecessidade de água. reabsorção ren al de água para reduzir a concentração
O sal pode ser proven iente d e fontes adicion ais plasmática de sódio. Vários hormônios gastrointestinais,
àquelas dietéticas, como de águ a subterrânea com alto como a gastrina, o peptídeo inibitório gástrico, a secre-
teor de sal; salmoura ou água do mar. A utilização de tina e o peptídeo intestin al vasoativo podem afetar a
soro de leite com o alimento para anim ais representa taxa de secreção de cloreto e de sódio no lúmen intes-
fonte com elevada con centração de sódio. Por ser con - tinal. Como o metabolismo do cloreto está intim amen -
siderado limitador do consumo alimentar, há situações te relacionado ao do sódio, n a maior parte dos casos, os
em qu e se utilizam elevadas con centrações de sal n a fator es qu e estimulam a excreção do sódio ten dem a
dieta, chegando a teores de 13%, para restringir o con- aumentar a excreção do cloro.
sumo de m atéria seca do gado. Apesar dessas situações
representarem risco potencial, se houver disponibilida- Fatores determinantes
de de água de qualidade adequada para o consum o, os
animais norm almente toleram o desafio do excesso de O excessivo consumo de sal, independente da fon -
sal, sem que ocorra o quadro de intoxicação. te, associado à restrição de água doce, isto é, potável, de
Q uanto ao metabolismo do sal, considera-se que qualidade, é o fator que deflagra a intoxicação.
entre 85 e 95% do cloreto de sódio consum ido seja ab- O consumo excessivo de sal ocorre prin cipalmente
sorvido pelo trato gastrointestinal, sendo que a m aior quan do: ( 1) os an im ais são privados de sal por muito
parte da absorção ocorre na porção inicial do intestino tem po ou, então, não são adaptados a alim entos com
delgado. O cloreto de sódio também é reciclado para o elevado teor de sal e, subitamente, são expostos a essa
trato gastrointestinal via células epiteliais das glândulas situ ação, fato que os levará ao consumo excessivo por
salivares, pancreáticas, gástricas, biliares e intestinais. O avidez; (2) os alimentos forem formulados de m an eira
sódio é secretado em grandes quantidades n a porção in adequ ada o u fo rem m isturados in cor retam ente,
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo cloreto de sód io 431

perm itindo m aior concentração de sal; (3) houver admi- resultar em rompimento de capilares e em hemorragias
nistração de sal em excesso para animais de companhia sub ar acn oideas e subdurais. Quando há d esid ratação
com finalidade em ética, prática que deve ser desaconse- intravascular importante, pod e haver um quadro seme-
lhada; (4) houver consumo de produtos contendo sal com lhante à convulsão e a morte do anim al.
m istu ras contendo também sal, dentre outros. Há possi- Com o aumento progressivo dos teores de sódio nas
bilid ade do desenvolvimento d a hipernatrem ia nos cães células cerebrais, haverá in ibição da glicólise e consequen -
submetidos a exercício prolon gado e/ ou que brinquem te dim inuição na disponibilidade de energia para a célu-
no mar. Todas essas situações sempre são agravadas quan- la. Apesar d e o sódio atravessar passivamente a barreira
do há restrição, ou ingestão insuficiente, de água potável. hem atoencefálica, sua saída é dependen te de processo
ativo. Assim, a resposta desse tecido à rápida dim in uição
Intoxicação por sód io do sódio sérico é at rasada e, por gradien te osm ótico,
ocorrerá entrada de água no cérebro ocasionando edema
O consu mo de excessiva quan tidade de sódio, de cerebral com as consequentes manifestações clínicas, fato
forma aguda, para resultar em hipernat remia, é den o - frequen te nos casos agudos de hipernatremia.
minado de toxicose d ireta por sódio, toxicoses iônicas As alter ações n a osmolaridade celular ocor rerão
agudas por sódio ou hipernatremia aguda. Nessas con - tanto n o s casos agudos com o nos casos crônicos de
<lições, os sinais clínicos o correm em 1 a 2 d ias e esse h ipernat rem ia e envolverão o acúmulo d e com p ostos
excesso de sal ingerid o pode também ocasionar efeito organicos osm oticamente ativos, com o a taurina, o m ioi-
A • • • • • •

direto, por ser irritante para as superfícies mucosas oca- nositol, glicerofosforil-colina, glu tamato, glutamina,
sionará anorexia, vômito e/ ou diarreia. betaína e fosfocreatina. As concentrações máxim as des-
A forma mais comum d e hipernatremia ocorre em ses compostos ocorrem em período d e 48 a 72 horas e
decorrência da ingestão restrita de água e é d enomina- eles podem represen tar 60% da alteração da osm olari-
da toxicose indireta por íons d e sódio, toxicose crônica d ade celular. Quand o a hipernatremia é corrigida, esse
por sódio ou hipernatrem ia crônica. Nesse caso, os sin ais mesmo período d e tempo é necessário para que esses
clínicos se d esenvolverão em período de 4 a 7 dias, com compostos voltem aos seus teores basais.
alterações iniciais que podem até passar d espercebidas. Dentre as espécies domésticas, os suínos parecem ser
De maneira geral, o aumento do consumo de sódio os mais sensíveis à intoxicação por cloreto de sódio. Ape-
levará ao aumento d a concentração sérica de sódio. Esse sar de a dose tóxica aguda de cloreto de sódio para suínos
au men to d a osmolarid ade n o fluido extracelular será ser d e 2,2 g p or quilo de peso corp oral, e para equinos,
percebido pelos osmorreceptores localizad os no hipo - ovin os e bovinos adultos a dose tóxica ser d e 6,0 g p or
tálam o e o organism o responderá m anifestando sed e quilo de peso corporal, a toxicidade do sal é influenciada
para p romover a m aior in gestão de água. Paralelamen- tanto pela idade quanto pelo peso corporal do indivíduo.
te a hipófise posterior liberará o hormônio antid iuréti- D oses que m atam suínos de 6,5 a 1Okg de peso corporal
co, que p r oporcion ará a r etenção d e água pelos r ins. têm pouco efeito em suín os d e 16 a 20 kg. Para cães,
Essas respostas ocorrem rapidam ente p ara m anter a apesar de a dose tóxica ser considerada d e 4 g por quilo
osmolaridade dentro dos lim ites de n orm alid ade, m as d e peso corporal, já foram iden tificad as m anifestações
só serão suficientes se houver disponibilidad e de água clínicas com doses m enores. D e qualquer m aneira, con-
para o an im al. sid era-se que cães e gatos toleram, com segu rança, 3,7%
Com a falta d e água e o aum ento progressivo d a de sal n a d ieta total, quan do a água ad equad a p ara
concentração sér ica de sódio, a água se deslocará d o consumo estiver continuam en te disponível.
interstício e do líquid o intracelular para o líquido ex- D entro de uma mesm a espécie, quand o uma cate-
t racelular. O sódio atravessará passivam en te a barreira goria animal aumenta a exigência para a água, essa ca-
hem atoen cefálica, aumentand o sua con centração nesse tegoria torna-se m ais sen sível ao quad ro tóxico pela
fluido para con centrações acima das consid eradas nor- possibilid ade de restrição hídrica. Nesse sentido, fêmeas
m ais, isto é, acim a d a faixa compreendida ent re 135 e em lactação são m ais sensíveis à hipern atremia.
150 mEq/L. Nessa fase, as células cerebrais terão sua
osm olarid ad e intracelular aumentada, o que levará ao Man ifestações clínicas
encolhim ento celular. Não havendo mecanism o de pro-
teção ad equado, esse en colhim en to celular levará ao A ingestão d e excesso d e sal pod e levar à m en o r
encolhimento cerebral que resultará na interrupção do consumo de alimento e à redução d o crescimento, sem
fo r necimento de san gue par a o céreb ro. Isso pod e ou t ras m anifestações clín icas evidentes. Em bovinos,
432 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

essas manifestações foram n otad as em novilhas que N as aves intoxicadas por cloreto de sódio, se obser-
con su m iram água salobra, com 1,75% d e cloreto de va depressão, fraqueza, dispneia e morte súbita. Nos cães
sódio e foi observado que vacas leiteiras que consum iram a ingestão de sal em excesso indu z ao vômito dentro d e
água conten do 1,75% de cloreto de sódio tiveram redu- h oras após a ingest ão, qu e pod e evoluir p ara diarreia,
ção n a produção de leite. tremores musculares e atividade de convulsão. A gravi-
A intoxicação agu da p or sal, com con sumo de ele- d ade dos sinais clínicos foi observada quan do os teores
vadas doses de cloreto de sódio, induzirá ao vômito, séricos de sódio ficaram acim a de 180 m Eq/L.
diarreia com muco n as fezes, dor abdominal e anorexia.
Porém as m anifestações clínicas m ais frequentes ocor- Dia gnóstico
rem de 24 a 48 h oras após a ingestão e inclu em opistó -
. . . ,
tono, n1stagmo, trem ores, cegueira, p ares1a e ate m esmo Além d o h istórico/an am nese e da man ifestação
flexão d os boletos. Po d e o correr secreção n asal e até clín ica, animais com h ipernatrem ia apresen tarão con -
mesmo poliúria. Na evolu ção do qu adro o animal entra centrações séricas de sódio b em acima das consideradas
em decúbito e ocorrem qu adros sem elh antes à convul- normais, isto é, de 135 a 145 m Eq/L para 160/170 m Eq/L
são, com a m orte dos animais com prom etidos em um a 210 m Eq/ L.
perío d o d e 24 h oras ap ós o início das m an ifestações A eosinopenia também é evidente durante esse es-
clínicas. Em su ínos os sin ais incluem fraqu eza, prostra- tágio e o retorn o do n ú m ero d essas célu las a valores
ção, trem ores musculares, convulções clônicas, com a e normais pode ser ind icativo de m elhora. Em bovinos as
m orte, em 48 horas. mesm as m u dan ças p odem ser notad as, com exceção da
Nos quadros subagu dos observad os em bovin os e eosinopenia que n ão é observad a n essa espécie an imal.
ovinos que ingerem água salobra, os animais apresentam As con cent rações de sódio no líquor estarão aumenta-
redução d o ap etite, sede, lacrimejam en to con stante, d as, exced en do as concentrações n orm ais.
princip almen te n os b ezerros, p erda de peso, desidrata- N o exam e pós-m orte de an im ais int oxicados por
ção, h ipotermia, fraqueza e diarreia. Se os anim ais forem sal p od e-se observar irritação gást rica, inclu sive com a
forçados a se exercitar ou à m anipulação intensa, podem p ossibilid de de úlceras e hemorragias. O conteúd o gas-
m anifest ar in coor den ação, convulsões tetânicas com t rointestinal pode estar bastante ressecad o.
espum a na boca e n a n arin a. Nos casos de intoxicação aguda em bovin os, é ob -
Na intoxicação crônica, m ais observada em suínos, servad a con gestão n a m u cosa do om aso e d o abomaso
ocorre falt a de ap etite, os an im ais ficam con stipados, e as fezes são flu idas e escuras. No exam e de an im ais
têm sede, apresentam inquietação e prurid o entre dois qu e sobreviveram por muitos dias se observa h idrop e-
e qu atro dias após a exposição ao sal. Ap ós essas m ani- ricárdio e edem a d e m ú sculos esqueléticos. Gastroen -
festações, uma sín drom e n ervosa ocorre en t re 12 e 24 terite pode ser evidenciada em alguns suínos intoxicados
horas, quand o os suín os m anifestam cegu eira e surdez com grand es d oses d e sal, porém n a intoxicação crôn i-
aparentes, ficam alh eios aos estím ulos do am biente, ca n ão são observadas lesões macroscópicas.
vagam sem d estino (an dar com pulsivo) e pression am a No exame anátom o-p atológico dos casos agudos de
cabeça contra objetos (head pressing). Se os anim ais não hip ernatremia, as lesões n eurológicas são restritas à ex-
se recuper arem n essa fase, há início d as convulsões p ansão do esp aço perivascular n o cérebro. Suínos com
epileptiform es recorren tes em intervalos constan tes de intoxicação crôn ica apresentam, além d a expan são dos
cerca d e sete minutos, acom panhad as de tremores em espaços p erivasculares, característica do edema cerebral
focinho e pescoço. As contrações clônicas dos músculos agudo, meningite com grande n ú mero de eosinófilos,
do pescoço podem estar associad as ao opistóton o qu e que se estendem ao longo dos espaços de Virchow-Robin
evoluirá até qu e o suín o assuma a posição de cão sen - no tecid o cerebral. Os suínos que sobrevivem p or m ais
tado. Na sequência pode ocorrer convulsão clôn ica com tempo p odem apresentar poliencefalom alácea residual.
o an im al em d ecúbito lateral apresentando dispineia e A d etermin ação da quantid ade d e cloreto d e sód io
salivação. O suíno pode morrer por insu ficiên cia respi- nos tecidos, em especial no cérebro pode ser de valor diag-
ratória ou então poderá relaxar e ficar em estado com a- nóstico. Teores de sódio cerebral superiores a 2.000 ppm
toso p or alguns momen tos, voltan d o sem rumo até que são con siderados diagn óstico con clusivo em su ín os e
ocorra o p róxim o episódio. De m an eira geral, o pulso bovinos. Con sidera-se, para os cérebros de bovinos e
e a tem peratura estão den t ro dos lim ites fisiológicos, suínos, teores norm ais d e sódio, n a base úmida, de 1.600
exceto n os animais em convulsão, quando esses p arâ- e 1.800 pp m , respectivam en te, p ara os cérebros b ovin os
,
m etros estarão aument ados. e SU lnOS.
Capítulo 34 • Intoxicação por micronutrientes e pelo clo reto de sódio 433

Assim, para confirmação do d iagnóstico, há neces- Nos casos crônicos, inicialmente deve-se restrin gir
sidad e d e envio d e amostras d e aproximad amen te 50 o acesso à água doce. Essa deve ser ingerid a em peque-
gramas de tecido hepático, músculo esquelético, cérebro, nas quantidades, por ém a in tervalos frequentes. Nos
soro san guíneo, líquido cefaloraquid iano, hum or vítreo casos avan çad os, quand o o animal não conseguir in ge-
ou hum or aquoso, alimento e água para a determ inação rir água, essa deve ser administrad a por tubo estomacal
da con cen tração de sódio. Para o exam e h istológico, ou sonda naso ou orogástrica. Os teores séricos de sódio
deve-se enviar metade do cérebro cortad o sagitalmente nos animais com intoxicação crônica ou naqueles com
e fixado em form alina. quadro de duração d esconhecid a, a hipernatrem ia deve
O diagnóstico d iferencial deve ser feito para as me- ser reduzida a uma taxa não maior que de 0,5 m mol/L/h.
ningoencefalites bacterianas; para o edema in testinal, que A escolha d o fluid o a ser utilizado deve ser baseada na
ocorre em suínos de rápido crescimento; doença do co- h idratação do an im al, conforme recomendação anterior.
ração de amora, mais frequente em suín os mais velh os; Quand o a concentração sérica de sódio for mensurada,
polioencefalomalácia; pseudoraiva; e encefalomielite viral. o déficit híd rico pode ser calculad o a partir da seguinte
fórmula:
Prognóstico
Déficit de água livre (L) = 0,6 x PC x [(concentração
O progn óstico para u m animal com h ipernatremia d e sódio sérica/valor d e referência para a
decorrente de consum o excessivo d e sal e p rivação d e concentração de sód io sérica)- 1]
água com m anifestações clínicas tanto na form a aguda
como na forma crôn ica é de reservado a bom, desde que em que PC = peso corporal em quilogram as (kg)
o tratamento seja feito com cautela. Nas primeiras 24 horas não deve repor mais d o que
50% do déficit d e água livre, send o que o restante deve
Tratamento e profilaxia ser substituído nas próximas 24 a 48 horas subsequentes.
O uso d e diu réticos como a furosemida pode ser
O tratam ento para a intoxicação por sal tanto agu- feito com o objetivo d e p revenir o d esenvolvimento de
da com o crônica inicia-se com a remoção imediata da edema pulm onar durante a fluidoterapia. Os flu idos
fon te de in toxicação com a retirada do acesso ao ali- intravenosos levemente hipertônicos têm sido recomen -
mento e/ou à fonte de água salobra. Após essa medid a, d ados para reduzir a probabilid ade de desenvolvimen-
deve-se corrigir a hipernatremia e a hiperosmolaridade to d e edema cerebral. Os fluidos intravenosos devem
séricas d e acordo com o quadro tóxico. ser form ulados para aproximar a concent ração sérica
O objetivo do t ratamento é restaurar len tamente, d e sódio do animal, ou, então, recomenda-se que o clí-
dur ante u m p eríodo de dois a t rês d ias, o equ ilíbrio nico com ece com uma solução contendo 170 m Eq/L de
norm al de água e eletrólitos. A redução rápid a na con- sódio e que diminua essa concen tração à medida que
centração sérica de sód io aumentará o grad iente osmó- os sinais clínicos sejam revertidos. Caso haja suspeita
tico entre o soro e o cérebro, seguindo o gradiente para d e ed ema cerebral, o uso d e manitol, dexametasona ou
o cérebro, aumentan do a possibilidade de ocorrer ede- d imetil sulfóxido pode ajudar no controle. Também
m a cerebral grave. como tratamento suporte pode-se valer do uso de p ro-
Na intoxicação aguda, se os animais ainda não m a- tetores gastrointestinais.
nifestaram sinal clín ico, deve-se permitir o acesso à água, Se a intoxicação por sal acometer um rebanho com
porém os indivíduos devem ser mon itorad os por vários animais de grande porte, o consumo de água d eve ser
dias. Nos animais com manifestações clínicas, iniciadas limitad o a 0,5% do peso corporal a intervalos de uma
entre 12 e 24 h oras, o objetivo é reduzir a concentração hora, até que a hidratação normal seja estabelecida.
de sódio em 1 mmol/L (ou 1 m Eq/L) a cad a hora. Para Caso um cão tenha ingerido grandes quantidades
tan to, d eve-se escolher para os an im ais h idratados a de sal e ainda n ão tenh a apresentado sinais clín icos,
administração intravenosa de solução d e d extrose a 5% podem ser utilizadas substân cias eméticas. Porém , na
em combinação com diutético de alça na proporção de maioria dos casos a d escoberta é bem posterior à inges-
3,7 mL/ kg/hora para reduzir o sód io sérico em 1 mE- tão excessiva do sal ou da restrição de água, e os animais
q/ L/ h. Nesses an imais, em vez d a dextrose, pode ser afetad os já manifestam o quadro clínico. Nos casos d e
utilizada solução de cloreto de sódio a 0,45%. Se os ani- cães com hipernatremia aguda, pode-se utilizar enemas
mais estiverem hipovolêmicos d eve ser usado ou clore- d e água morn a com 6,6 a 11 mL de água por quilo de
to de sódio a 0,9% ou outra solução cristaloide isotônica. peso corporal, repetid os a cada 1 a 2 h oras.
434 Toxicolog ia aplicada à med icina vet eriná ria

7. HALL, J.O. Sulfur. ln: GUPTA, R.C. Veterinary Toxicoloxy:


Como m edidas de controle, tanto o sal como a águ a
Basic and Clinicai Principies. 3.ed. Lond res: Academic Press,
devem estar disponíveis ad libitum em todos os momentos. 2018, p.483-1.
A água potável para todas as categorias animais n ão deve 8. HAMLEN, H.; CLARK, E.; JANZEN, E. Polioencephalomalacia
conter mais que 0,5% de cloreto de sódio ou de sais totais. in cattle consuming water with elevated sodium sulfate levels:
A herd investigation. The Canadian Veterinary Journal, v. 34,
No tempo frio, o acesso à água deve ser monitorado cons- 1993, p. 153-8.
tan tem ent e, para garantir qu e essa água n ão congele e 9. HARDY, R.M. Hypernatremia. Veterínary Clínics of North Ame-
fique disponível para o an imal. Para suínos as rações n ão rica: Small Animal Practice, v. 19, n . 2, 1989, p. 231-40.
10. HOFF, B.; BOERMANS, H .J.; BAIRD, J.D. Retrospective study
podem conter m ais qu e 1% de sal. A form a como o soro
of toxic metal analyses req uested at a veterinary diagnostic
proveniente da fabricação de queijos é fornecido aos suínos, toxicology laboratory in Ontario ( 1990-1995). Canadian Vete-
n orm almente dificulta a prevenção d a intoxicação por rinary Journal, v. 39, p. 39-43,1998.
11. LONERAGAN, G.H.; GOULD, D.H .; WAGNER, J.; et al. Toe
sódio, a m enos que sejam utilizados soros livres d e sal.
magnitude and patterns of r umina! hydrogen sulfide produc-
tion, blood thiamine concentration, and mean pulmonary
BIBLIOGRAFIA arterial pressure in feedlot steers consuming water of different
sulfate concentrations. The Bovine Practitioner, v. 39, 2005, p.
1. CONSTABLE, P.D.; HINCHCLIFF, K.W; DONE, S.H.; et al. 16-22.
Veterinary Medicine: A textbook of the diseases of cattle, horses, 12. NATIONAL RESEARCH CO UNCIL. Comitte on Animal Nu-
sheep, pigs and goats. 11.ed. St Louis: Elsevier, 2017. 2310p. trition. Mineral Tolerance of Animais. 2.ed. Washington: Natio-
2. CUNHA, P.H .J.; BADIAL, P.R.; CAGNINI, D.Q.; et al. Polioen- na Academy of Science, 2005. 51Op.
cefalomalacia experimental em bovinos induzida por toxicose 13. ORTOLANI, E.L. Intoxicação cúprica acumulativa em ovinos.
por enxofre. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 1, n . 31, 2011, p. ln: CONGRESSO BRASILEIRO DE BUIATRIA, 2003. Anais...
41-52. Salvador: Associação Brasileira de Buiatria, 2003. p. 113-4.
3. ENSLEY, S. Biofuels coproducts tolerance and toxicology for 14. ORTO LANI, E.L.; MACHADO, C.H.; SUCUPIRA, M .C.A.
ruminants. Toe Veterinary Clinics of North America. Food Assessment of some clinica! and laboratory variables for early
Animal Practice, v. 27, 2011, p. 297-303. diagnosis of cumulative copper poisoning in sheep. Veterinary
4. FERREIRA, M.B.; ANTONELLI, A.C.; ORTOLANI, E.L. Into- and Human Toxicology, v. 45, n. 6, 2003, p. 289-93.
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SA, H .S.; GÓRNIAK, S.L.; PALERMO-N ETO, J. Toxicologia chemical alterations in calves with nutritionally induced polio-
Aplicada à Medicina Veterinária. l .ed. São Paulo: Editora Ma- encephalomalacia. American Journal of Veterinary Research, v.
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5. GAUDRÉ, D.; QUINIOU, N . What mineral and vitamin levels 16. SUTTLE, N.F. TheMíneralNutrition ofLivestock. 4.ed. Londres:
to recommend in swine diets? Revista Brasileira de Zootecnia, Cabi, 2010. 579p.
v. 38, p. 190-200, (supl especial), 2009. 17. THORNBURG, L.P. A perspective on copper and liver disease
6. GOULD D.H. Update on sulfur-related polioencephalomalacia. in the dog. Journal of Veterinary Diagnostic Investigation, v. 12,
Toe Veterinary Clinics of North America. Food Animal Practi- 2000, p. 101- 10.
ce, v. 16, n. 3, 2000, p. 481-96.
Seção 6
Outros tópicos de interesse
em medicina veterinária
Capítulo 35

Mutagênese e carcinogênese

Cri stina de Olive ira Massoco Salles-Gomes


Julia de Ca rva lho Nakamu ra
Victor Nowosh

~ A mutagênese é um processo de mutações genéti-


INTRODUÇAO
cas que pode desencadear o câncer e que pode ser ge-
Manter a capacidade de crescim ento e divisão da rado por diversos fatores (genéticos e ambientais), os
m aioria das células até a idade adulta é uma vantagem quais podem interagir de forma variada. Q uando ocor-
habilidosa da m aioria dos organismos vivos e que ga- re uma mutação em célula germinativa, o câncer é cha-
rante a diversidade dos tecidos. Além disso, a organização mado de h ereditário, pois ocorre de um a geração para
dos tecidos biológicos é dotada de plasticidade celular outra (transmissão vertical). Quando não há associação
que favorece a m anutenção da vida. Essa habilidade da com o fator hereditário, o desenvolvimento do cân cer
morfogênese adquirida no processo evolucion ário dos pode ser decorrente do acúmulo de diversas mutações
metazoários tem sido um a vantagem para a manutenção som áticas tecido-específica, as quais, em razão da falha
de um organismo adulto, m esm o diante dos desgastes no sistem a de reparo, p odem se tornar estáveis e serem
frequentes, po r exem plo, no processo cicatricial e n a passadas para as células-filhas.
reposição de células da mucosa intestinal. A com plexi- Pelo m enos nos últim os 50 anos, em especial em
dade gen ômica e a regulação gên ica precisam tornar virtude do desenvolvimento de técnicas m oleculares,
esses processos compatíveis com a vida. Contudo, essa vários progressos foram feitos com relação ao entendi-
auton om ia e versatilidade pode ser preju dicial a u m mento dos processos de m utagên ese e carcinogên ese.
organism o quando as células sofrem um a falha do con- Apesar de os estudos que relacionam a associação dos
trole genôm ico e, consequentem ente, um erro na infor- fatores de r isco ambientais e genéticos no processo da
m ação da sequência gênica pode contribuir para o des- transform ação celular m aligna serem m ais frequentes
co ntrole da autorregulação. Assim , gen es m utados para seres humanos, mais recentem ente alguns estudos
propiciam a perda do controle do crescimento celular, em medicina veterinária descrevem os agentes mutagê-
o que favorece o aparecim ento de um fenótipo anormal nicos e carcinogênicos de exposição anim al.
que não é compatível com os processos fisiológicos e as
estruturas de um organismo. BREVE HISTÓRICO
O termo câncer é utilizado para descrever uma
doen ça m ultifatorial e de m últiplas etapas, decorrente Registros m ilenares sobre a descrição de uma doen-
de um crescimento celular aberrante, e como se dá o seu ça que remete ao diagn óstico de cân cer foram desco-
desenvolvimento é cham ado de carcinogênese. bertos ao longo da história da civilização humana, em
Um carcinógeno é qualquer fator que aumente o esp ecial aqueles descritos n os papiros egípcios e n os
r isco de desenvolvim ento do cân cer, e o conhecim ento livros ayurvédicos d a Ín d ia. Contu do, foi apenas n o
sobre suas propriedades e classificação p ode ajudar n a com eço do século XX que várias publicações seminais
prevenção do câncer. O processo de transformação m a- impulsionaram as investigações sobre os efeitos de subs-
ligna p ode ser de natureza genética, p or exem plo, por tân cias químicas n a gên ese do cân cer, m esm o sem a
m eio de mutações, ou epigenética, que é decorrente de identificação específica d as moléculas causadoras de
um a alteração do padrão de expressão de genes por meio câncer em seus alvos celulares. O que limitou por m ui-
de outros fatores que n ão a mutação. to temp o o avanço nessa área foi o desconhecim ento
438 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

dos mecanismos p elos quais os produtos químicos cau - principal foi sobre a variação na in cidência de certos tipos
sam câncer e as m udanças m oleculares qu e caracterizam de cân cer observad a em d iferentes p artes do m u ndo.
a progressão d o tumor. Nesse evento, por m eio de um estudo epidem iológico, foi
O bservações em seres human os prom overam a re- p ercebido que imigrantes passaram a d esenvolver com
flexão sobre diferen tes fatores d e risco associados ao d e- maior frequ ên cia algun s tip os d e cân cer que an tes n ão
senvolvimen to de algun s tip os de cân cer, em esp ecial eram observados no p aís d e origem . Esse fato levou à
aqueles de risco ocupacional. Em 1775, um médico inglês, hipótese da existência de um risco ambiental, mais do que
sir Percivall Pott, atribu iu a alta in cid ên cia de câncer es- a in fluência de fatores gen éticos. Isso implicou a criação,
crotal entre limpadores de chaminés p or causa do con- em 1965, d a International Agency for Research on Cancer
tato da fuligem do carvão com essa região anatômica. Na (!are - Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer),
Alem anh a, em 1895, Ludwig Rhen descreveu qu e os tra- sediada em Lyon, na França, com o objetivo de promover
b alhadores que m anuseavam cronicam ente p igm entos a investigação global sobre as causas de câncer em seres
foram m ais afetados com cân cer de bexiga. Um a década hum anos. Essa agência atua até hoje de m aneira in terdis-
dep ois da descob erta dos raios X foi observada u m a alta ciplinar e in dependente, reunin do diferentes profissionais
incidên cia de cân cer de p ele n aqu eles indivídu os qu e do m undo todo que produzem documentos, os quais dão
operavam os equ ipamentos de radiografias. Um dos pri- ap oio técnico p ara a avaliação d e risco p ara a saúd e hu-
m eiros relatos n ão ocup acionais ocorreu em 1761 pelo mana, animal e ambiental. Além disso, essa agên cia coor-
médico in glês John Hill, que propôs a hipótese da relação dena um banco com 6 m ilhões de amostras de neoplasias
do rapé de tabaco e o aparecim ento do câncer n asal. proven ien tes de m ais de 600.000 doadores d o m u n do,
No âm bito da experimen tação animal, n o fin al de p erm itindo o aprofun damento n a p esquisa do câncer e,
1800 foram propostas três teorias para o câncer: Virchow consequ entem ente, n a geração de programas d e preven -
p ropôs que o câncer era resultad o de u m a inflamação ção e de estratégias d e cura p ara d iferentes n eoplasias.
crônica; Lobstein e Recamier, e m ais tarde Coh nheim,
propuseram que o cân cer era consequência de um a dis- " ~
ETAPAS DA CARCINOGENESE: INICIAÇAO,
fu n ção d o tecido embrion ário; e outros p esquisadores ~ ~
PROMOÇAO E PROGRESSAO
propuseram que o cân cer era causado por agentes infec-
ciosos. Em 1908, Ellerm ann e Bang publicaram um tra- A carcinogên ese química é um processo m ultifato-
b alho n o qual foi dem on strado qu e o filtrado livre d e r ial qu e d ep en de d o n ível e do temp o d e exposição a
célu la cau sou leu cem ia em galinhas e Rou s, com esse d eterm in ad o carcinógen o e p o d e ser d escrito em t rês
mesm o protocolo, observou sarcoma nessa espécie animal. etap as: iniciação, prom oção e progressão.
Com relação à carcin ogênese qu ímica, os pion eiros A p rimeira etapa, iniciação, é p rovocad a por u m a
n a p esqu isa exper imental foram os pesqu isad ores da t ransform ação no cód igo gen ético de u ma célula, seja
Universidade de Tóquio, Katsusaburo Yamagiwa e Koichi uma m utação gênica p on tu al, m utação crom ossômica
Ich ik awa, qu e em 19 15 in du ziram carcin oma epider- (que afeta m ais de um gen e) ou mutação gen ômica (ca-
moide em coelh os após a ap licação rep etida de alcatrão racterizada p ela alteração do núm ero de cromossom os).
n a p ele do p avilhão auricular dessa esp écie animal. Nos Esse processo, irreversível, torna a célula «iniciada'' ou
Estados Unidos, entre o p eríodo d e 1915 e 1929, foram «pré-n eoplásica':
publicados relatos d o diagn óstico de osteossarcoma de Para qu e a célula pré-n eoplásica possa sofrer expan -
m an díbula d esenvolvido em mulheres joven s que m a- são clonal e tornar-se significativa do ponto de vista bio-
n ipulavam u m isótopo fluo rescente para a pin tu ra d e lógico, o organismo p recisa ser exposto aos chamados
m ostradores d e relógios. promotores. Estes são substâncias, geralmente, n ão mu-
Ap esar de a pergun ta «o que causa câncer?" sem pre t agênicas d e efeito reversível e que, d e algu ma forma,
ter intrigado a m edicin a, o avanço no conh ecim ento acer- oferecem van t agen s à sobrevivên cia e à replicação de
ca do processo de transform ação m aligna ap en as contou célu las iniciadas. Mecan ism os de p rom oção incluem
com estu d os sistem atizados, m ais recentem ente, com a estímulos à proliferação celular, in flamação crôn ica per-
criação d e diferentes en tid ad es govern amen tais respon - sistente, inibição da diferenciação celular e perda do con-
sáveis em elaborar e conduzir estudos in vitro e in vivo trole n orm al d o ciclo celular, conferindo a essas células
p ara avaliar o risco de mutagenicid ade e carcin ogenici- resistên cia aos m ecan ism os de m orte programada.
dade causado p or d iferentes fatores. Em 1950 a Organ i- A terceira etap a, p rogressão, caracteriza-se p ela al-
zação Mundial de Saú de (OMS) organizou um sim pósio teração do comportamento do tumor, que se torn a pro-
que imp ulsionou a investigação n essa área, cujo tema gressivamente m aligno, isto é, cap az de invadir o tecido
Capítulo 35 • Mutagênese e ca rcinogênese 439

localm ente e de provocar metástases. Em bora esteja lipídios e as proteínas, formando ligações covalentes
geralmente associada a m utações adicionais, a fase de cham adas de adutos.
progressão n ão se lim ita a transfor m ações genéticas, Agentes eletrofílicos naturalmente ativos são deno-
uma vez que células do m icroambiente tumoral secretam m inados carcinógen os diretos. Já aqueles que sofrem
fatores de crescim ento e citocinas de ação parácrina, e algum tipo de m etabolização e se tornam eletrofílicos
as próprias células can cerígen as sintetizam fatores de são cham ados de carcinógenos indiretos ou pró -carci-
ação autócrin a, o que altera a expressão gênica dessas nógenos, compondo a m aior parte dos carcinógenos
, .
células neoplásicas, conferindo-lhes fenótipo maligno. genotox1cos.
São exem plos de pró -carcinógenos os hidrocarbo-
CLASSIFICAÇÃO DOS CARCINÓGENOS netos arom áticos p olicíclicos (com o o benzopireno e o
7,12-dimetilben z(a)antraceno - DMBA, presentes em
Historicamente, os carcinógenos químicos foram poluentes ambientais) e as aflatoxinas (sintetizadas pelo
classificados em genotóxicos, capazes de reagir direta- fungo Aspergillus sp.), os quais são subm etidos à ativa-
m ente com o DNA, e não genotóxicos, que atuam por ção pelo citocrom o P450s.
m ecan ism os como ativação de receptores, alterações Outro exemplo é o uretano, um anestésico utilizado
epigenéticas, ligação a proteínas específicas etc. em associação com cetam ina e xilazina em animais de
Embora didática e frequentem ente encontrada nos laboratór io du rante experim entos que investigam ati-
livros de Toxicologia, essa classificação é relativamente vidade neuronal cerebral e da retina.
sim plista e desconsidera o fato de que um a substância Assim , a potência carcinogênica de um agente quí-
pode induzir a carcinogênese de diversas form as se fo - mico está associada à sua reatividade e ao equilíbrio
rem considerados os mecanismos bioquímicos e mole- entre ativação metabólica e reações de inativação. Em
culares envolvidos. seres humanos, sabe-se que a suscetibilidade à carcino-
Assim , a Iarc propôs, em 20 12, a caracterização de gênese é parcialm ente determinada pelos polimorfismos
carcinógenos hum anos de acordo com dez propriedades nos gen es que codificam enzim as envolvidas n a bio-
consideradas fundamentais. A substância carcinogênica transform ação de substâncias exógenas.
deve apresentar, pelo menos, uma dessas características,
as quais são apontadas no Quadro 35.1 e que são comen- Substância genotóxica
tadas a seguir.
Genotoxicidade é defin ida como o conju nto de
Substância eletrofíl ica ou ativada efeitos deletérios ao m aterial genético, que pode ou não
metabo licamente tornando-se eletrofíl ica resultar em transformações mutagênicas, isto é, fixadas
e transm issíveis às células-filhas.
Substân cias eletrofílicas são atraídas e reagem com Os danos ao DNA podem ser resultado da formação
m oléculas ricas em elétrons, com o o DNA, o RNA, os de ad utos, qu ebras da dupla-fita, ligações cruzadas e
alquilação de bases do DNA, desestabilizando a ligação
covalente entre a base e a desoxirribose.
QUADRO 35.1. Características funda m entais de agent es car-
cinogê nicos, segu ndo a lnte rnational Ag ency for Research on Tentativas da maquinaria celular de reparar o dano
Ca ncer {larc) ao DNA podem levar a mutações. Como exemplo, tem -
Ser eletrofílico ou pode r se r ativado metabolica mente a um -se a aflatoxina Bl , um pró-carcinógeno metabolizado
composto eletrofíl ico a composto eletrofílico, que se liga à guanina (G) e for-
Ser genotóxico ma adutos de DNA. Durante a replicação do material
Interferir em mecan ismos de reparo do DNA ou gerar genético, a leitur a da fita contendo o aduto pode ocorrer
instabilidade genôm ica de m aneira errônea e a guanina é substituída p or timi-
Induzir alteraçõ es epigenéticas na (T) na fita recém-sintetizada. Assim, em seres huma-
Induzir estresse oxidativo nos expostos à aflatoxina B1, são encontradas mutações
Induzir inflamação crônica pontuais (substituição de G por T ) n o gen e p53 de cé-
Ser imunossupressor
lulas de carcinom a hepatocelular.
Além de mutações gênicas pontuais, outros tipos de
Modu lar efeitos mediados po r receptores
mutação podem ocorrer como: m utação crom ossômica,
Causar imorta lização das células
na qual as alterações se estendem a múltiplos genes (trans-
Alterar a proliferação, a morte celular ou o suporte de nutrientes
locações, duplicações, deleções, inserções, aberrações
440 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

cromossômicas), e mutação genômica, caracterizada pela Por possuírem um ou mais elétrons não pareados, esses
alteração no número de cromossomos (aneuploidia). radicais livres são extremamente reativos e podem in-
teragir com o DNA, provocando, por exemplo, quebras
Substância que altera mecanismos de da dupla-fita, remoção d e bases nitrogenadas, ligações
re paro do DNA ou causa instabilidade cruzadas en tre D NA e proteínas e t ranslocações cro-
A

genom1ca

mossômicas. D ependendo do local em que os danos ao
DNA ocorrem, pode ocorrer a ativação de oncogenes
Uma vez detectado o dano ao DNA, a célula ativa ou a in ativação de genes supressores de tumor. Além
mecanismos d e reparo específicos, dependendo da in- d isso, ROS e RNS podem induzir modificações estru-
tegridade das bases nitrogenadas e da dupla- h élice. turais em moléculas de RNA, proteínas e lipídios.
Agentes químicos como o form aldeído impedem esses Sabe-se também que o estresse oxidativo é capaz de
mecan ismos em células humanas. Nos últimos anos, em interferir na sinalização celular, seja pela ativação de
v irtude do poten cial mutagênico e carcinogênico do enzim as (por exemplo, a proteína quinase C) ou pela
formaldeído, pesquisadores, sobretudo anatomistas, têm ativação/inativação d e fatores de t r anscrição gênica,
se dedicado ao desenvolvimento de métodos alternati- como NF-kB (Nuclear Factor kappa B) e HIF-1 (Hypo-
vos à formalização d e cadáveres e p eças anatômicas, xia-Inducible Factor 1).
como, por exemplo, a glicerinação.
Quanto à instabilidade genômica, uma das caracte- Substância que induz inflamação crôn ica
rísticas fundamentais do câncer (comumente chamadas
de "Hallmarks of Cancer"), é evidenciada por aberrações No século XIX, Virchow já havia criado hipóteses
cromossômicas, mutações gênicas, instabilidade de mi- acerca da correlação entre câncer e inflamação crônica.
crossatélites (pequenas deleções ou inserções em sequên- Causada por agentes químicos ou infecciosos, a infla-
cias repetitivas, denominadas microssatélites) e apoptose. mação persistente é caracterizada por constante dano,
regeneração e/ou reparação tecidual. Sabe-se que célu-
Substância que induz alterações las inflamatórias e seus produtos (citocinas, quimiocinas)
epigenéticas criam um microambiente que favorece a p romoção e a
progressão d e células iniciadas, cujos mecanismos de
Alterações epigen éticas são aquelas que não de- controle do ciclo celular foram comprometidos. Além
pendem de mudanças na sequência de nucleotídeos, de auxiliar diretamente a proliferação de células in icia-
mas que afetam a expressão gênica e o reparo do DNA. das, o microambiente inflamatório facilita a promoção
Essas alterações ocorrem por: mecanismos como a e a progressão tumorais por indu zir o remodelamento
metilação do DNA; modificação pós- t ranslacional de do est roma e estimular o desenvolvim ento de vasos
histonas (acetilação e metilação), alterando a confor- sanguíneos e linfáticos.
mação da cromatina; e microRNAs (miRNAs), capazes
de controlar os níveis d e certas moléculas d e mRNA Substância imunossupressora
no citoplasma, a eficiência d a tradução desses mRNA
ou ambos. O sistema imune foi primeiramente descrito como
Um exemplo é a nitrosamina denominada 4-(me- u m mecanismo de elim inação d e células tumorais, que
tilnitrosamino)-1-(3-piridil)-l-butanona (também co- serviu d e base para o conceito d e vigilância imunológi-
nhecida como NNK - nicotine-derived nitrosamine ca, elaborado em meados do século XX por Macfarlane
ketone), que é capaz d e induzir metilação de genes su - Burnet. De acordo com esse conceito, o sistema imune
pressores de tu mor, diminuindo a expressão destes. seria capaz de reconhecer e elimin ar tumores em de-
senvolvim ento.
Substância que induz estresse oxidativo O fato de um agente ser imunossupressor é, portan -
to, um mecanismo indireto envolvido na carcinogênese.
O estresse oxidativo consiste no d esequilíbrio entre Células potencialmente neoplásicas que surgiram na-
a produção de espécies reativas d e oxigênio (Reactive t u r almente ou que foram transformadas por outros
Oxygen Species - ROS) e nitrogênio (Reactive Nitrogen carcinógenos podem escapar da vigilância imunológica
Species - RNS), seja pela produção excessiva desses com - (atualmente descrita como "fase de eliminação").
postos (induzida de forma endógena ou exógena), falh a Um exemplo d e agente imunossupressor é a ci-
na detoxificação ou ambas (para detalhes, veja Capítulo 4). closporina, utilizada em medicina veter inária para o
Capítulo 35 • Mutagênese e carcinog ênese 4 41

t ratamento de doenças imun om ediadas, por exemplo, Agente que altera a proliferação, a morte
derm atite atópica e lúpus eritem atoso sistêmico. Outro ce lular ou o suporte de nutrientes
exemplo é a substân cia pró-carcinógena NNK (nicotine-
-derived nitrosamine ketone) encontrada na fumaça d e A proliferação induzida por carcinógenos é resultado
cigarro, capaz d e interferir na ativação de linfócitos ci- d a falha de mecanismos envolvidos em cascatas de sina-
totóxicos e n a form ação de células T d e m em ória. lização e controle do ciclo celular. Exem plifican do, um
agente carcinogên ico pode alterar a estrutur a de um re-
Substância que provoca efeitos med iante ceptor, que se torna ativo constitutivamente, ou então pode
ativação de rece ptores in duzir o aumento d a expressão de um receptor estrutu-
ralm ente normal, o que diminui a quantid ade de ligante
Nesse caso, tanto a ativação de receptores de m em- (por exem plo, o fator de crescimento) necessária para
brana quanto a ativação de receptores nucleares causam, ativar a cascata de sinalização associada a esse receptor.
em última instân cia, mudanças na transcrição gên ica, A sobrevivência d e células transform adas também
p rom ovendo a proliferação e a sobrevivên cia de d eter- depende d e fatores como a resistência à apoptose e o
minadas células. suporte de nutrientes, que pode ser favorecido por agen-
A primeira categoria in clui receptores localizados tes angiogênicos, os quais induzem a formação de novos
na superfície celular e que ativam cascatas de sinalização. vasos san guíneos, e/ ou m utações gênicas que afetam o
Um exemplo já mencionado é o NNK, que, além d e ser metabolism o energético celular.
genotóxico quando ativad o, funciona como agonista de
,
receptores colinérgicos nicotínicos e pode induzir cas- CARCINOGENOS EM MEDICINA
,
catas de sinalização que levam à ativação d e oncogenes VETERINARIA
e expressão de m oléculas d e adesão.
A segun da categoria se refere a receptores intrace- A maioria dos carcinógenos humanos foi identificada
lulares. Quando ativados, esses receptores migram para e caracterizada utilizando-se m od elos animais. Por isso,
o núcleo da célula, onde interagem com fatores de trans- m uitos dos exemplos de carcinógenos abordados n esse
crição e m o dulam a expressão gên ica. Em m edicin a capítulo são referentes à formação de tumores em animais
veterinária, é amplamente conhecid a a influência hor- de laboratório, amplamente estudados. No entanto, convém
m onal (m ediad a por estrógen o e progesterona) no de- ressaltar que an im ais de companh ia, muitas vezes, com -
senvolvimento de tumores de m ama em cad ela. Outro partilham o am biente e hábitos de seus p roprietários,
exem plo é o fenobarbital, comprovad amente capaz d e tornando-os susceptíveis a estímulos potencialmente car-
causar tumores no fígado e tireoide de ratos. cinogênicos, por exemplo, poluição e radiação.
Deve ser ressaltado que alguns estudos m ostraram o
Agente induz imo rta lização das células desenvolvimento de tipos específicos de cânceres em cães,
os quais apresen tam distribuição geográfica sem elhante
Essa categoria está intimam ente ligada à carcin ogê- à dos seres hum anos, por causa da exposição aos mesmos
nese viral. D e forma geral, os mecanismos utilizados por carcinógen os. Esses animais pod em ser considerados,
vírus oncogên icos incluem: presença d e um oncogene consequen tem en te, modelos para estudar aspectos rela-
no genom a viral; integração ao gen om a d o h ospedeiro cion ados ao d esenvolvimen to d e neoplasias em seres
e ativação de oncogenes celulares; expressão d e gen es humanos e também sentinelas para o surgimento de lesões.
do hospedeiro por meio de fatores de transcrição virais; O Q uad ro 35.2 m ostra alguns exem plos d e carci-
expressão de "genes transform adores': que bloqueiam a nógenos de origem n atural e sintética que tanto os seres
função d e p roteín as envolvidas n a regulação do ciclo human os como os anim ais podem estar expostos.
celular; e indução de inflamação crônica. Os tipos d e agen tes com relatos de ação carcinogê-
Em m edicina veterinária, um exem plo im portante nica confirm ada em an imais de companhia e de produ-
de tumor induzido por vírus é o sarcoide equin o, um a ção são d escritos, a seguir, de form a mais detalhada.
n eoformação cutânea localmen te agressiva, porém não
m etastática. Acredita-se que o agen te etiológico seja o Agentes físicos carcinogênicos
vírus papilom a b ovino tipo 1 ou 2. N o Brasil, u m ter-
ceiro tipo de vírus foi associado a casos d e sarcoid e: o Os an imais estão expostos aos mesmos agentes físi-
vírus papilom a bovino tipo 13. cos que podem desencadear cânceres nos seres humanos,
442 To xicologia aplicada à medicina veterinária

QUADRO 35.2. Carcinógenos de origem natu ral e sintética O BPV comumen te induz a formação de lesões h i-
Origem do Exemplo perplásicas benignas em mucosa e pele de gado bovino.
. ,
carc1nogeno A lesão usualm ente regrid e em animais sadios, m as se
Natural • Aflatoxinas (produzidas pelo fungo o an im al n ão apresentar resp osta imun e adequ ad a e
Aspergillus sp.) h ouver exposição a outros agentes carcinogênicos, d en -
• Metais pesados (arsênio, níq uel, cádm io)
• Radiação ion izante
t re os quais o m ais comu m é a in gestão d e plantas d o
gên ero Pteridium, a lesão pode persistir e evoluir para
Sintética • Benzo[a]pireno (hidroca rboneto aromático
(como produto policíclico oriundo d a combustão a m align id ad e. Infecção por cepas específicas de BPV
ou subproduto incompleta d e comb ustíve is fósseis) estão associad as ao desenvolvimento de neoplasias de
indust rial) • Fumaç a d e cigarro que po d e conter a
origem m esen quim al e epitelial em bexiga e trato uri-
nitro sam ina NNK
• Acrilam ida (pode estar pre sente e m nário de bovin os. Além disso, algumas cepas do BPV
frituras) estão associadas ao desenvolvimento do sarcoid e equi-
• Benzeno n o, um tumor fibroblástico agressivo, cuja relação com
• Corantes (aminas aromáticas)
o BPV foi sugerida por sua sem elhança histológica com
Fonte: adaptado de Choudhuri, Chanderbhan e Mattia (2018).
os papilomas bovinos e, posteriormente, confirmada por
biologia m olecular.
h avendo relatos d e casos relacion ad os à exposição d e O FeLV é u m r etrovírus d e extrema importân cia
animais à radiação ultravioleta (UV) e ionizante. para os gatos d omésticos. O vírus é transm itido d e for-
Com o a pelagem é uma barreira natu ral de proteção m a horizontal pela proximidade d os anim ais infectados
à radiação UV nos animais, seu efeito carcin ogênico não aos sadios, podendo se m anifestar pela presença de cé-
é tão p revalente quan to em seres human os. Mas tem lulas atípicas circulantes e n a medula óssea.
importân cia para animais de pele e pelagem clara, p rin- O BVL é u m retrovírus associad o ao desenvolvi-
cipalm ente, em bovinos, equinos e felinos, e em regiões mento de linfom as multicên t ricos e leucemias linfocí-
de pelagem escassa, como orelhas, plano nasal e ao redor ticas em bovinos. Esse vírus infecta p referencialm ente
dos olh os. lin fócitos d o tip o B, levando à alteração de fu n ção e
O carcin oma de células escamosas (CCE) é o tu mor causando u m a expansão policlon al ben igna que pod e
mais associado à rad iação UV em m edicina veterinária. evoluir para a leucem ia. A persistência d essas células
A influência da radiação UV é corroborada pela obser- alteradas em circulação ocorre pela alteração da h o-
vação d e m aior o corrên cia de CCE em bovin os e equi- meostase celular e d as taxas comuns de p roliferação e
n os em regiões com m aior incidência de luz solar, apre- apoptose.
sentando padrão sem elhante ao observado n o cân cer Out ros retrovírus associados aos an imais d e pro-
de pele em hum anos. dução in cluem os retrovírus d o grupo leucose/sarcoma
A exposição à radiação ion izante em an imais é pou- aviário e o vírus da reticuloendoteliose aviária. Foi su-
co comum, m as pod e ocorrer d e forma ocupacional ou gerido que a infecção por esses vírus pode indicar um
em acid entes envolven do m aterial radioativo. Esse tipo r isco ocupacion al im portan te p ara trabalhad ores de
de radiação está correlacionad o à lesão tecidual, apop- açougue e matadouros, um a vez que um risco maior de
tose e modificação d a expressão gênica e proteica. Es- desenvolver câncer de pulm ão foi observado entre esses
tudos con t rolados demonstram que a exposição pro - profissionais e já foram encontrados anticorpos no soro
lon gad a de cães ao nitrato de plutôn io p ode levar ao d e h uman os expostos a esses vírus.
desenvolvim ento d e tum ores no t rato respiratório em
doses menores que aquelas em h umanos. Ca rcinógenos químicos no am biente

Agentes biológ icos ca rcinogênicos Carcin ógenos ambientais são grandes responsáveis
pelo desenvolvim ento de n eoplasias em seres hu m anos
Observa-se frequentemente em animais a associação e também em animais.
entre agen tes virais e o desenvolvimen to d e t um or es A poluição atmosférica é um fator associado a d i-
sólidos ou leucemias. Os principais oncovírus em vete- versas doen ças nas cid ad es mais desenvolvidas, estando
r inária são os papilom avírus, incluind o o vírus d a pa- associada ao aumento de dan os crom ossom ais e lesões
pilom atose bovina (BPV), e os retrovírus, incluindo o d e DNA em células d o trato respiratório. Lesões sem e-
vírus da leucemia felina (FeLV), o vírus da leucose bo - lhantes já foram detectadas em cães viven do em am -
vina (BVL) e d iversos outros que afetam outras espécies. bientes urbanos com grand e poluição atm osférica.
Capítulo 35 • Mutagênese e ca rcinogênese 4 43

O contato dos animais a carcinógenos ambientais a mam a, e favorecer o desenvolvimento de carcinomas.


pode ocorrer pela inalação de partículas, absorção cutâ- Não há con cordância, entretanto, se isso ocorre de for-
nea ou ingestão de resíduos aderidos aos pelos. ma direta, com a transform ação de oncogenes induzida
Apesar de não ser a única fonte, a fum aça do cigar- pela proliferação acelerada, ou de forma indireta, ace-
ro é possivelmente um dos m ais importantes poluentes lerando a proliferação de células já transformadas.
do ar aos quais estão expostos animais de companhia. Os piretroides podem ser absorvidos p ela pele e
As substâncias quím icas presentes na fumaça do cigar- rapidam ente se distribuem por vários tecidos, con cen-
ro são os principais responsáveis pelo desenvolvim ento trando -se esp ecialm ente n o tecido adip oso. Em um
de câncer em boca, faringe, esôfago e pulmões em seres estudo foi detectada a presença de piretroides na gor-
humanos. Animais de companhia, por estarem próximos dura peritumoral de três dentre nove cadelas com ade-
ao estilo de vida de seres human os, também estão ex- n ocarcinoma. Os tumores associados à presen ça de
postos a essas substân cias. piretroides eram todos histologicamente mais agressivos
Muitos agentes carcin ogên icos e mutagên icos já e apresentavam alta p ositividade para receptores de
foram identificados n a fum aça do cigarro, levando sa- estrógen o. Foi sugerid o que o efeito estrogênico dos
bidamente à lesão oxidativa das células, com peroxida- piretroides tenha estim ulado a proliferação das células
ção e danos diretos às fitas de DNA. Animais de com- neoplásicas responsivas a estrógeno.
panh ia são con sid erad os sen t inela p ar a d oen ças O 2,4-D é um herbicida utilizado nos centros urba -
induzidas pela exposição ao cigarro, incluindo câncer. nos para o tratamento de gram ados, sendo classificado
Lesões do DNA foram detectadas nas células da orofa- pela Iarc no grupo 2B, como possível cancerígeno para
ringe de cães expostos cronicam ente à fumaça de cigar- seres humanos, com evidência de atividade imunossu-
ro, e maior risco de câncer em pulm ão é sugerido em pressora e de lesão oxidativa. Apesar da carcinogenici-
animais cujos proprietários são fumantes. dade do 2,4-D não ter sido confirmada em cães, alguns
O benzo(a)pireno (BaP) e as nitrosamin as são exem - estudos observaram um risco aumentado de desenvol-
plos de compostos carcinogênicos importantes presentes vimento de linfom a quando da exposição a herbicidas
na fumaça de cigarro. O BaP no organism o interage com químicos, incluindo o 2,4-D, nessa espécie anim al.
receptores para hidrocarbonetos e com o citocromo P450, O utro agente que já foi associado ao desenvolvi-
alteran do a fun ção de receptores h ormonais, além de m ento de câncer em cães e em seres hum anos é o am ian-
gerar subprodutos capazes de formar adutos no DNA. As to. A exp osição ao am ianto tem caráter ocupacion al
nitrosaminas têm conhecida atividade alquilante do DNA. relacionado à m orada e ao trabalho, e aumenta o r isco
A exposição crônica e intermitente do epitélio res- de desenvolver mesotelioma e carcinoma de pulmão em
piratório de cães ao BaP e às n itrosaminas resultou no seres human os. O mesoteliom a em cães foi associado
desenvolvimento de diferentes tipos de neoplasias n o ao risco de exposição ao am ianto não só pelo caráter
trato respiratório, a partir do oitavo m ês do estudo. A ocupacional dos proprietários, m as também pelo uso
exposição a esses carcinógenos induz alterações mor- de inseticidas na forma de talco, que pode conter essa
fológicas típicas de m alignidade, tais com o cariom ega- substância. A avaliação pós-morte do pulm ão de cães
lia, basofilia citoplasmática, pleom orfism o celular e com mesoteliom a demonstrou a presença de corpúscu-
proeminência de nucléolos. los de amianto e corpúsculos ferruginosos, significati-
Agentes ambientais qu e também apresentam po - vam ente m aior que aquela do grupo-controle, e de for-
ten cial carcinogênico e cujo uso aum entou exponen- ma similar ao relatado em seres humanos.
cialm ente ao longo dos anos são os praguicidas utiliza-
dos p ar a o controle de p ragas u rbanas e rurais, em Ca rcinógenos químicos associados à dieta
especial, os inseticidas piretroides, como a deltam etrina
e a ciperm etrina, e o herbicida ácido 2,4-diclorofenoa- O im pacto da alimentação no desenvolvim ento de
cético (2,4-D). tum ores em seres hum an os é bem estabelecido, m as
Os piretroides são classificados pela Iarc como per- pouco abordado em animais. Estima-se que a exposição
ten centes ao grupo 3, de compostos não classificados de animais a carcinógenos nos alim entos seja cin co
com o carcinógen os em seres humanos. Apesar disso, vezes m aior do que em seres hu m an os, uma vez que
eles são desreguladores en dócrinos, com atividade es- m uitos animais recebem dietas exclusivas de ração que
A •

trogênica e antiprogestágena, podendo levar à quebra contem tais agentes.


da hom eostase hormonal, que, por sua vez, pode indu- Em anim ais a pasto, a ingestão de Pteridium aquili-
zir ao aumento da proliferação celular em tecidos, como num tem grande papel no desenvolvimento de tumores,
444 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

en quanto n aqueles que receb em rações in dustrializadas, ver m elha, como a creatina e os aminoácidos. Seu alt o
a presen ça de carcinógenos se d eve à contamin ação d a p oten cial mut agên ico foi observado em estu dos com
matéria-prim a utilizada, como n o caso das micotoxin as, cobaias, nos qu ais as amin as h eterocíclicas foram asso-
ou pela form ação de subprodutos de seu processamento, ciadas ao desenvolvimento de tum ores m amários, pros-
com o as aminas h eterocíclicas (AHCs). t áticos, gastroin testin a is, hepáticos, en tre outros. Os
Pteridium aquilinum é a ún ica planta que reconhe- seres human os e os anim ais são expostos a qu antidades
cidam ente leva ao cân cer em an imais. Em virtude de p equen as, m as im p ortan tes, d esses carcinógenos, que
su a toxicid ade, a su a ingestão em grandes quantidades p odem ter efeitos acumulados ou sinérgicos com outros
leva à aplasia de m edula, com curso fatal na m aioria dos carcin ógenos d a dieta.
casos, m as a ingestão crônica de quant idad es men ores Um estudo m ostrou a presença de alta concentração
leva a episódios de h em atúria intermitente e tend ência de aminas heterocíclicas na p elagem de cães alimentados
à formação de tum ores (para detalhes, veja Capítulo 23). com ração comercial conten do essas substâncias. O utro
Um a série de agentes imunossupressores, m ut agênicos estud o avaliou o poten cial m ut agênico d e aminas hete-
e carcin ogên icos foram isolados dessa planta, dentre os rocíclicas em d iferentes m a rcas d e ração para cães e
qu ais destacam -se o ptaqu ilosídeo, que leva à alqu ilação gatos, pelo teste de Ames, e resultados p ositivos foram
e form ação de adutos n o D NA, e a qu ercitina, qu e leva observados em 24 de 25 am ostras avaliadas. Houve gran-
a d efeitos n a fita de DNA e rearranjos cromossom ais. de variabilid ade do p oten cial m utagênico, m esmo entre
Em b ovinos, a infecção p elo BPV associada à ingest ão d iferentes lotes da m esm a ração. A ativid ade mutagêni-
de Pteridium está correlacionada à form ação de neopla- ca e a q u antidade d e am inas h etero c íclicas n a ração
sias m alignas em bexiga e t rato gastrointestinal. foram consid eradas comparáveis aos n íveis encontrados
As m icotoxin as são poten ciais contam in an tes d e na d ieta hu m an a e ainda se sup õe que haja influ ên cia
ingredien tes vegetais, princip almente de grãos com o o de outros agentes mutagên icos desconhecidos n a ração.
milho, que são matérias-primas comun s na fabricação Outro estudo em cadelas com tum ores m amários con -
de ração. M u itas m icotoxinas são estudadas em razão seguiu associar o con sumo de rações com carn e verme-
de seu s efeitos tóxicos e m utagênicos, destacan do -se as lha em sua formulação ao risco de desenvolver displasias
aflatoxinas, fumon isin as e zearalen on as (p ara detalh es, e tu m ores, ap on tan do o risco d e m aior con sumo de
veja Capítulo 27). As aflatoxinas são con sideradas os carn e m esmo em diet as caseiras.
m ais potentes carcinógenos de ocorrên cia n atural, oca-
sion an do em lesões, m utações e form ação de adutos n o Ca rcinogênese induzida por medica mentos
D NA, enquant o as fu m onisinas e a zear alen on a são •
e por vacinas
ap on tad as como possíveis agen tes teratogênicos e car-
cinogênicos, associad os a tumores gastroin t estinais e Em alguns casos, a ação de medicam entos n o orga-
m am ários em seres human os. n ism o favorece o desenvolvimento de câncer em p equ e-
Estudos mostram que as rações comerciais apresen - nos an im ais. Isso é observado, principalm en te, no u so
tam pequena quantidade de m icotoxinas, estando dentro de con traceptivos, correlacion ado com o d esenv olvi-
do limite m áximo de tolerân cia estabelecido pela legis- m en to de aden ocarcinoma m am ário n os an imais d e
lação brasileira em d erivados de m ilho p ara con su mo com p anh ia. Outra situação comum é o d esenvolvim en -
hum ano. Apesar disso, a presen ça d as micotoxinas é de- to dos ch am ad os sarcom as d e aplicação relacionados,
tectad a em grande p arte das rações de cães, gatos e aves, principalmente, com vacinação em gatos.
ten d o sido detectad as em até 98,6% das amostras an ali- O desenvolvim ento do tecido m am ário está intima-
sadas, independentem ente da qualidade da ração testada. mente correlacionado ao ciclo dos hormôn ios ovarianos,
Susp eita-se que a exposição crônica e cum ulativa a m úl- estrógeno e p rogesteron a, e sua influên cia se estend e a
tiplas micotoxin as n a alimentação dos anim ais, m esm o diversos quadros fisiológicos e p atológicos. O uso d e
que em pequenas quantidades, esteja correlacionada com con traceptivos afet a o ciclo normal desses h orm ônios
problem as graves de saúde, inclusive ao desenvolvimen - em cad elas e gat as, e seus altos n íveis n o organ ismo
to de tumores. N íveis m ais altos de aflatoxinas Bl, Gl e p od em criar um amb iente propício ao d esenvolvim en -
G2 foram observados n a alimentação de cadelas com to de tumores.
tumores m amários, quando comp arad os aos de um gru - Ambos os h orm ônios estão envolvidos com a pro-
po-con trole sau dável, corroboran do essa susp eita. life ração do tecido m am ário, p or ém observou -se u m
As am inas h eter o cíclicas são pro duzidas a partir p ap el imp ortante d a progesteron a n o desenvolvim ento
do efeito d o aqu ecimen to em compon en tes d a carne de tu m ores m am ários em felin os e do estrógen o em
Capítulo 35 • Mutagênese e carcinog ênese 445

caninos. Várias evidências apon tam p ara a carcinogê- cien tíficos publicados ao dossiê do p roduto': Fica, p ois,
n ese induzid a pelo uso de progestágen os sintéticos em evidente a n ecessidade desse tip o de estudo.
felinos domésticos e de zoológico; n esses últimos há alta Os estu d os, aceitos pelo Mapa, p ara investigar o
correlação de seu uso com o aparecim ento de ad eno- p otencial carcinogên ico de um pro duto d e uso veteri-
carcinomas m am ários expressan do receptores de pro - nário ob ed ecem a guias internacionais, como aqu eles
gesterona em su a sup erfície. Em cães, o uso de proges- publicados pelo International Cooperation on Harmo-
tágen os sin téticos desen cadeia ap en as h iperpl asia nisation of Technical Requirements for Registration of
mamária ou aparecimen to de tumores b en ignos, m as a Veterinary Medicinal Products (Vich), d o qu al fazem
su a associação com estrógen os leva ao ap arecim ento de p arte os Estados Unidos, União Eu ropeia e Jap ão.
n eoplasias m align as; a particip ação d o h orm ôn io do Os guias do Vich que abordam os temas de genoto -
crescimento indu zido pelos progestágenos já foi con si- xicidade e carcin ogenicid ade ( Guideline 23 e Guideline
derada, m as não con firm ada. 28, respectivamen te) têm como objetivo avaliar a segu -
Sarcom as d e aplicação são tu m ores qu e ocorrem ran ça de resíduos d e pro dutos veterinários em alimen -
em felinos e estão frequ en tem ente associados à vaci- tos d estinad os ao consumo h umano e foram b aseados
n ação n essa esp écie, com p revalên cia d e 1 :2.000 a em guias d a Organisation for Economic Co-operation
1:4.000 casos de vacinação. Ent retanto, outros tipos de and Development (OECD ). D essa form a, o fo co desses
in jeções subcutân eas e agen tes físicos, com o fios de guias consiste em investigar, em última instância, o p o-
sut ura e microchips, já foram correlacion ad os ao d e- ten cial carcinogên ico em seres hum an o s, utilizand o
senvolvimento d e sarcom as na pele. Portanto, fica evi- m o delos in vitro (estudos de genotoxicidad e) e in vivo
den te que a com posição das vacin as n ão é o ú n ico (estudos de gen otoxicidade e carcinogênese). Até o mo-
fator determin ante da formação d esses tu m ores. Ap e- m en to, n ão fo ram publicad o s gu ias esp ecíficos para
sar da causa m ultifatorial, a susceptibilidade observa- avaliar o efeito carcinogên ico d e um p roduto n a esp é-
da n essa espécie a lesões oxidativas observad as n a cie-alvo.
in flamação é apon tad a como motivo p rin cipal para a O Quadro 35.3 resu me os princip ais asp ectos do
frequên cia d esses tu mores. gu ia do Vich que aborda o tema de genotoxicidade (Gui-
Sup õ e-se qu e os sarcomas d ecorrentes d e injeções deline 23) e o Q u adro 35.4 ap resen ta o tem a de carci-
estejam relacionados com a inflamação crônica e inten- nogen icidade ( Guideline 28). Convém ressaltar qu e a
sa indu zida por esse p roced im ento. As características necessid ade d e testes adicionais d eve ser avaliada caso
h istológicas d os t umores d emonstram grande qu anti- a caso.
dad e de células inflamatórias n a lesão, o que corrob ora Geralmente, realizam-se en saios com ratos e ca-
com essa hipótese. Além disso, o risco do aparecimento m u n d on gos, m as diante d e justificativa cien tífica, os
de tu m ores au men ta a cad a n ova aplicação. Não está estu dos p oderão ser realizados com apenas uma esp écie
claro o p ap el da comp osição da vacin a n a etiologia do d e roedor. Além disso, segun do a OECD (Test Guideline
sarcoma d e aplicação, porém se suspeita do poten cial 45 1), o uso d e esp écies não ro ed oras poderá ser consi-
dos adjuvantes em gerar inflamação, estimular a d ivisão derado quand o h ouver evidên cias cien tíficas de qu e
de fibroblastos e indu zir a form ação d e rad icais livres essas espécies são mais relevantes p ara predizer o efeito
que lesam o DNA. d o com p osto em seres h umanos.
Comp ostos n ão gen otóxicos n ão são testad os de
REGISTRO,, DE PRODUTOS DE USO form a rotin eira p ara avaliação do poten cial carcinogê-
VETERINARIOS E ESTUDOS DE nico, mas pode-se exigir tal avaliação caso:
CARCINOGENICIDADE
• O composto for m embro d e uma categoria qu ími-
A Portaria n. 74/ 1996, publicad a p elo M inistério d a ca sabid amente cap az de induzir n eoplasias em ani-
Agricultura e do Abastecim ento (Mapa), ab orda os rotei- m ais ou em seres h um anos.
ros para registro de produtos biológicos, farm acêuticos, • Q u ando os estu dos de toxicidade sistêmica identi-
farmoquímicos e de h igiene e/ou emb elezamen to de uso ficarem lesões p oten cialmen te p ré-n eoplásicas ou
veterinário. Nessa Portaria h á o item "Efeitos Biológicos ach ados indicativos d e n eoplasia.
não Desejados" e dentre esses efeitos, o primeiro mencio- • Quand o os estudos de toxicidade sistêm ica in dica-
n ado é o efeito carcinogênico; n esse caso, é preciso "d e- rem que o com posto p ossa estar envolvido em m e-
clarar que o(s) componente(s) ativo(s) não é(são) carci- canismos epigenéticos associad os a carcinogên eses
n ogên ico(s) e, caso existam , devem -se anexar trabalhos relevan tes para os seres h umanos.
446 Toxicologia aplicada à med icina vet erinária

QUADRO 35.3. Bateria pad rão de testes para avaliação de genotoxicidade de produtos de uso veteriná rio, segundo o Vich -
Guide/ine 23 (GL 23 - Studies to Eva/uate the Safety of Residues of Veterinary Drugs in Human Food: Genotoxicity Testing)
Tipo de teste Referências Observações
Teste para ava liação de mutagênese OECD Test Guideline 471 Pa ra antimicrobianos, deve-se utiliza r a concentração máxima do
em bactéria (Salmonel/a typhimurium medicamento que não induz morte das bactérias e deve-se
ou Escherichia co/J) rea lizar um teste de mutagênese em células de mamífero (OECD
Test Guide/ine 476).
Testes in vitro devem ser realizados com e sem um sistema de
ativação metabólica (enzimas hepáticas que simulam a
metabolização do composto).
Avaliação do potencia l do OECD Test Guideline 473 Testes in vitro devem ser realizados com e sem um sistema de
medicamento de produzir efeitos OECD Test Guideline 476 ativação metabólica (enzimas hepáticas que simulam a
deletérios em cromossomos (teste in metabolização do composto).
vitro ou in vivo)

Teste in vivo para ava liação de OECD Test Guideline 474 A inclusão desse ensa io na bateria fundamenta l de testes teve
efeitos em cromossomos, uti lizando OECD Test Guideline 475 como objetivo a harmonização com as recomendações do ICH
células hematopoiéticas de roedores (lnternational Council for Harmonisation of Technical
Requirements for Pharmaceutica/s for Human Use).

QUADRO 35.4. Desenho experimental usualmente adotado em estudos de ca rcinogenicidade de p rodutos de uso veteri nário,
segu ndo o Vich - Guideline 28 (GL 28 - Studies to Evatuate the Safety of Residues of Veterinary Drugs in Human Food: Carci-
nogenicity Testing)
Modelo animal Número mínimo de Duração do Via de administração Número mínimo Parâmetros avaliados
animais por dose estudo de doses
Rato 50 machos e 24 meses Ora l 3 Morbidade, mortalidade, sina is
50 fêmeas específicos de toxicidade e
ava liação post mortem

Camundongo 50 machos e 18 meses Ora l 3 Morbidade, mortalidade, sinais


50 fêmeas específicos de toxicidade e
ava liação post mortem

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Capítulo 36

Toxicologia da reprodução

A ndré Tadeu Gotardo

~ endócrina, tanto in vivo com o in vitro, em diferentes


INTRODUÇAO
espécies anim ais, vertebradas e invertebradas.
Nos últim os anos eviden ciou-se que m uitas subs-
tân cias quím icas presentes n o m eio am biente podem HISTÓRICO
interferir nas ações fisiológicas dos hormônios endóge-
nos. Essas substâncias, por alterarem a hom eostase de A suspeita de que substâncias químicas, contam i-
diferentes hormônios, passaram a ser chamadas de des- nantes ambientais, podem afetar o sistema endócrino
reguladores endócrinos. Estes rompem funções endó- comprometendo a fisiologia reprodutiva não é nova. Na
crinas, substituindo hormônios endógenos, bloqueando década de 1920, pesquisas pioneiras eviden ciaram o
a sua ação natural ou, ainda, aum entando ou diminuin - efeito de substâncias estrogênicas em animais de labo-
do os n íveis de hormôn ios. ratório. Em 1953, estudos já atribuíam atividade estro-
Atualmente, os desreguladores endócrinos são clas- gên ica a alguns p r agu icidas amplamente utilizados
sificados de acordo com a classe de h ormônios cuja naquela época.
função afetam. Nesse sentido, a m aior parte dos desre- Sem dúvidas, os relatos de maior n otoriedade, en-
guladores endócr inos já catalogados são classificados volvendo desreguladores endócrinos e alterações repro-
como esteroidais, que interfe rem principalm ente n a dutivas, foram aqueles relacion ados ao praguicida, or-
atividade de hormônios sexuais, por exemplo, androgê- ganoclorado, o diclorodifeniltricloroetan o (DDT), e a
nios e estrogênios, acarretando em falhas no processo substância estrogênica sintética dietilestilbestrol (DES).
reprodutivo. O DDT foi um inseticida amplamente utilizado em
Diferentes classes de substâncias quím icas, como todo o m udo, entre as décadas de 1940 e 1970, princi-
praguicidas, plastificantes, surfactantes, organometálicos, palmente no combate e na tentativa de erradicação de
hidrocarbonetos poliarom áticos halogenados, entre mosquitos vetores de diferentes doenças, como a ma-
outros, podem ser classificados com o desreguladores lária e o tifo (para detalhes, veja Capítulo 17). Entre-
endócrinos. Grande parte desses poluentes antropogê- tanto, no início da década de 1960, a bióloga marinha
n icos são r esistentes às degradações física, química e Rachel Carson publicou o livro Primavera Silenciosa,
bioqu ím ica, persistindo n o am biente, com atividade no qual a autora evidenciou possíveis efeitos negativos
tóxica, por longo tempo, muitas vezes sofrendo bioacu- resultantes da exposição de animais ao DDT, como
m ulação. O problema reveste-se de m aior importância falhas no processo reprodutivo e o declínio de algumas
se considerarmos que a maioria dos praguicidas utili- populações. Diversas pesquisas subsequentes compro-
zados atu almente possu em atividade desregulad or a varam a persistência do DDT no meio ambiente, bem
endócrina. Essas substâncias, empregadas em larga es- como a sua atividade estrogênica, capaz de gerar graves
cala n o meio agropecuário, contaminam o solo, a água, distúrbios no sistema reprodutor de mam íferos e pás-
as pastagens e, inevitavelmente, os alimentos, tanto des- saros. A partir da obra de Carson, os governos de di-
tin ados à alimentação animal como humana. Nesse versos países adotaram medidas restritivas ao uso de
sentido, alguns herbicidas, inseticidas, acaricidas e fun - praguicidas organoclorados, proibindo o seu emprego
gicidas já most r ar am sua atividade des reguladora e fab ricação, d iante dos riscos de contamin ação do
450 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

ambiente. Além disso, houve um despertar da comuni- células-alvo, as quais estão distantes do local de produ-
dade científica sobre os perigos da contamin ação am - ção e liberação do horm ônio.
biental por substâncias químicas industriais produzidas O controle do sistema endócrino é realizado pelo
para diferentes fins. eixo hipotálamo-hipofisário, que possui como principal
Já o DES foi utilizado com o um potente estrogênio função integrar o sistema nervoso central com o endó-
sintético, com o objetivo de evitar o aborto e estim ular crino. Para tanto, o h ipotálamo recebe sinais n eurais
o crescimento fetal em mulheres gestantes, entre os anos provenientes de outras regiões do encéfalo e os conver-
de 1948 e 1970. Posteriormente, descobriu-se que crian- te em mensageiros químicos que regulam a secreção dos
ças cujas mães fizeram uso desse composto estrogênico, horm ôn ios h ipofisários. Por sua vez, os horm ôn ios h i-
ao atingir a puberdade, apresentavam disfunção no sis- pofisários agem em órgãos en dócrinos localizados fora
tema reprodutivo, redução na fertilidade, gestação anor- do sistema nervoso central.
mal, alterações imunológicas e, em alguns casos, câncer Assim, no que se refere à regulação da síntese dos
vaginal. Atualm ente, sabe-se que uma das fases bastan- hormônios sexuais, o h ipotálamo secreta o horm ônio
te crítica à exposição aos desreguladores endócrinos é lib er ador de go n adotrofinas (GnRH), em pulsos. O
justam ente o período gestacional. Vários estudos suge- GnRH, por sua vez, estimula as células gonadotróficas
rem que substâncias que atuem no sistem a endócrino da aden o-hipófise a sintetizar e secretar o h orm ôn io
podem ser responsáveis por efeitos duradouros no sis- luteinizante (LH) e o ho rmônio folíc ulo estimulante
tema reprodutor após exposição in utero (para detalhes, (FSH). Esses dois horm ôn ios, conhecidos como gon a-
veja Capítulo 37). dotrofinas, têm como órgão-alvo as gôn adas, que pro-
Passados alguns anos, n a década de 1990, a preo- movem a síntese ovariana e testicular de estrogênios e
cupação quanto às consequências da exposição a subs- androgênios, respectivamente. Os efeitos do LH e o do
tâncias com ação n o sistema endócrin o torno u -se FSH são distintos em m achos e fêm eas, porém, em am -
ain da m ais intensa. O aumento do número de anom a- bos, o sistem a é constituído por duas células gonadais
lias reprodutivas, obser vado em difer entes esp écies que determ inam as ações dos horm ôn ios sexuais.
animais, cham ou a aten ção da com unidade cientifica. Os testículos são os responsáveis pela produção de
Desde então, vários estudos vêm m ostrando que po- esperm atozoides e androgênios, os horm ônios sexuais
pulações de peixes, aves, anfíbios, répteis e mamíferos masculinos. A form ação dos espermatozoides é contro-
apresentam alterações na hom eostasia hormonal rela- lada pelo FSH, LH e pela testosteron a, o principal an-
cionad as à exp osição am biental a substâncias d esre- drogênio. Assim, o LH estimula as células de Leydig, no
guladoras endócrinas. testículo, a sintetizar testosterona, que, a seguir, difun -
No Brasil, o prim eiro relato dos efeitos de desregu - de-se para as células de Sertoli adjacentes. O FSH esti-
ladores endócrinos data do início dos anos 2000, quan - mula a síntese da proteín a de ligação de androgênios
do foi observado o desenvolvimento de características (ABP) nas células de Sertoli, estabilizando concentrações
sexuais m asculinas em fêmeas de moluscos em decor- elevadas de testoster on a necessárias para a esperm a-
rência da exposição a compostos orgânicos contendo togênese. Ainda, o FSH estim ula as células de Sertoli a
estanho, no litoral do Rio de Janeiro e em Fortaleza. produzir proteínas n ecessárias para o processo de m a-
turação espermática. A testosteron a também é respon -
ENDOCRINOLOGIA REPRODUTIVA sável pelo desenvolvimento do órgão reprodutor m as-
culino, desde a gestação, além de aumentar a síntese de
Entre os diversos sistem as que compõem o organis- proteínas, especialm ente nos músculos, e contribuir com
m o de qu ase todos os an imais, o en dócr in o é aquele as funções an abólicas.
resp on sável p ela coordenação entre todos os demais. Os ovários são responsáveis por produzir e expelir
Trata-se de um sistema de comun icação que age por o óvulo, após o seu am adurecim ento. Também produ-
m eio de m ensageiros químicos, os horm ônios, que re- zem os hormônios sexuais, regulam a ovulação e o ciclo
gulam importantes funções hom eostáticas e metabólicas, estral, gar antem a m anuten ção d a gestação e são os
incluindo, entre outras, a reprodução, o crescim ento e a responsáveis pelo desenvolvim ento dos órgãos repro-
lactação. Portanto, cada órgão que compõe esse sistema dutivos femininos. O ciclo estral é basicamente contro-
apresenta uma característica fundam ental, que é a de lado por quatro hormônios: o FSH, o LH, os estrogênios
produzir e secretar um determinado tipo de horm ônio, e a progesterona, este último essencial para o desenvol-
que circula nos líquidos corporais, produzindo efeitos vimento do embrião. No ovário, o LH estim ula as cé-
específicos ao se ligar ao seu receptor, localizado n as lulas da teca folicular a sintetizar u m an d rogên io, a
Capítu lo 36 • Toxicolog ia da reprod ução 451

,..
androstenediona. A androstenediona se difunde para as SUBSTANCIAS DESREGULADORAS
células granulosas adjacentes, onde sofre a ação de uma ENDÓCRINAS COM EFEITO NA
en zima aro matase e é convertida em u m composto, REPRODUÇÃO
denominado estroma, o qual, posteriormente, é reduzi-
do a estradiol, sen do o FSH responsável pelo aumento Segund o a Agência de Proteção Ambiental dos Es-
da atividade d essa arom atase. tados Unidos (Environmental Protection Agency - EPA),
Os d iferentes p rocessos fisiológicos h o rm onais desregulador end ócrino é qualquer agente exógeno que
são controlad os por mecanismos de retroalim entação interfere em síntese, secreção, transporte, ligação, ação
(feedback), que são ativados ou d esativados de acord o ou eliminação de horm ônios natu rais do corpo, que são
com os níveis de hormônios encontrados no organism o. responsáveis pela manutenção, reprodução, desenvolvi-
Por exemplo, quando a con centração d e um determi- mento e/ou comportam ento d os organism os.
nado hormônio no organismo é elevada, o caminho para Os desreguladores end ócrinos pod em ser substân -
a sua síntese é, consequentem ente, desativad o. Ao con- cias orgânicas ou inorgân icas, cujo em prego se faz tan -
t r ário, quan d o a co n centração d e u m determin ado to em áreas u rban as com o rurais, e pod em aparecer
horm ôn io é baixa, ocorre ativação da su a síntese e como resíduos ou subprodu tos der ivad os d e usos in-
-
secreçao. dustriais dos mais diversos. Assim, abrangem um a gran-
Os esteroid es sexuais (estrogênios e androgênios) d e variedade de m oléculas com diferen tes estru turas,
p roduzidos pelas gônadas estimulam respostas especí- d ivid id as em dois grandes grupos: hormônios naturais
ficas em células-alvo por m eio d a ligação a proteínas e substâncias sintéticas.
especificas intracelulares e extracelulares, denominadas
receptores d e hormônios esteroides. Os receptores hor- Hormônios nat urais
m on ais possuem elevada sensibilid ade e afinidad e por
hormôn ios específicos p ro duzidos pelo organ ism o. Os hormônios natu rais incluem não só os esteroid es
Assim, concentrações horm onais extremam ente baixas horm on ais e seus derivados, mas também os fitoestro-
A •

são suficien tes para gerar um efeito. O complexo for - gen1os.


m ado pela ligação d o hormôn io ao seu receptor m o -
dula a transcrição gên ica, o rigin an d o u m a resp osta Esteroides sexua is natu rais
específica. Entretanto, esses receptores hormonais tam - São produzidos e excretad os por d iferen tes orga-
bém podem se ligar a outras substâncias quím icas. A nismos an imais em quan tidades variáveis, depend endo
capacid ad e de diferentes moléculas exógenas de se ligar d a id ad e, d o estad o d e saúde, d a dieta ou prenhez. Os
a receptores de androgênio e/ou de estrogênio constitui estrogênios, an d rogênios, progestágenos e derivados
o prin cipal m eio pelo qu al são observados efeitos re- naturais são excretad os, principalmente, pela urina, na
produtivos secundários à exposição aos desregulad ores fo rma in ativa e são conjugados prin cipalm en te com
end ócrinos. Porém, os m ecanism os de ação d os d esre- glicuron ídios ou sulfatos e, em men or proporção, n a
gulad ores end ócrinos não se limitam à ação estimula- form a livre pelas fezes. Uma vez no meio ambiente, as
tória (agonista) ou inibitória (an tagon ista) de recep- form as conjugadas são rapid amente hidrolisadas, d an -
tor es h orm onais, m as t ambém envolvem alter açõ es d o origem às formas livres ativas e m etabólitos. Pode
complexas n a atividade de d iferentes en zimas, q u e haver grande contaminação por esses horm ônios e seus
participam da biossíntese e da m etab olização d e este- metabólitos, tanto em meios urbanos, por m eio de d es-
roid es sexuais, geran do déficits funcionais end ócrinos cargas de esgotos dom ésticos nas águas superficiais, bem
que, in evitavelmente, d esorganizam as funções fisioló - como, principalm ente, na área rural destinad a à agrope-
gicas reprodutivas. cuária, pela contaminação do solo e da água pelos dejetos
Deve-se salientar que o sistem a endócrino m antém d e animais de p rodução.
estreita relação com outros órgãos que não constituem
o seu sistem a. Um exemplo claro é o fígado, que não faz Fitoestrogênios
parte do sistem a endócrino, e sim do sistem a d igestório, São substân cias químicas natu rais, con tid as em di-
mas que atua em conjunto, n a m edida em que mantém feren tes plan tas, qu e p ossuem atividade estrogên ica.
o equilíbrio hormonal por m eio da metabolização dos Esses fitoquímicos som am m ais d e 12.000 substân cias
esteroides sexuais, a fim de perm itir sua excreção. Assim, presen tes nos alimentos d e origem vegetal. Diferente-
alterações em vias metabólicas hepáticas também podem men te dos hormônios sexuais, os fitoestrogênios não
indiretam en te d esorganizar as funções end ócrinas. são substâncias esteroidais, mas sim polifenóis estrutu-
452 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

ralmente difen ólicos. Pertencem, b asicam ente, à fam ília nos (lindano ); os inseticidas organofosforados e carbama-
dos flavon oides e das ligninas. Am bos os tipos de fitoes- tos (diclorvos, clorpirifos, p aration a, d iazinon a, carbaril
t rogênios apresentam ativid ade est rogên ica d a ordem e carbofu ran o); os fun gicidas com o a vinclozolina; os
de 10·2 a 10·3 qu an do com parados ao estrad iol, ou seja, h erbicidas do grup o das triazinas (atrazina, simazina,
a potên cia d e um fitoestrogên io é cerca de 100 a 1.000 linurom e diurom ); e, ainda, praguicidas organometálicos,
vezes m en or que a d e um estrogênio endógen o. Esses com o o tributilestanh o, utilizado com o m oluscicida, al-
com p ostos n aturais são facilm en te biotran sform ados e gicid a, fungicida e inseticid a (Quadro 36.1).
excretados pela urina e fezes, n a forma de glucoron ídios
e sulfatos conju gados, n ão sofrend o bioacum ulação. Substâncias sintéticas utilizadas na indústria e
seus subprodutos
Substâncias sintéticas Essas substâncias são comumente empregadas como
matéria-prima in dustrial, bens de consumo ou subpro-
As substâncias sintéticas são produzidas industrial- dutos d e processos industriais como: ad itivos plásticos,
mente para diferentes fin alidades, sendo subdivididas em: b ifen ilas policloradas, hidrocarbon etos aromáticos p o-
hormôn ios sintéticos, substâncias sintéticas utilizadas n o licíclicos, com p ostos organ om etálicos, alquifenóis, fta-
m eio agropecuário e seus su bprodu tos, e substân cias latos e, ainda, subpro dutos de processos in d ustriais,
sintéticas utilizad as n a indústria e seus subp rodutos. com o as dioxin as e furanos, entre outros.
Ent re as diferen tes substâncias sintéticas d esregu-
Hormônios sintéticos ladoras en dócrinas destaca-se o bisfenol A (BPA), um
São equivalen tes aos h orm ôn ios n aturais, produzi- mon ômero de plásticos, policarbon atos e resin a-epoxi,
dos por in dústrias farmacêuticas, utilizados, por exem - amplamen te emp regado n a fabricação de latas de ali-
plo, em p rogramas de reprodu ção assistida em animais m en tos e bebidas. Sabe-se qu e baixos n íveis d e BPA
de produ ção ou como anticon cepcion ais p or m ulheres. p odem lixiviar das embalagens n as quais ele é utilizado
Assim , como ocorre com os h orm ôn ios n atu rais, as e, dessa man eira, acabam con tam in an do seu conteúdo
principais fontes de con tamin ação d e esteroid es sexu ais e o meio ambiente.
sintéticos estão localizadas n as áreas rurais, destinad as Os h id rocarbonetos a rom áticos p olicíclicos são
à agropecuária, e urbanas, p or meio d a con tamin ação substân cias com atividade estrogên ica e grand e poten -
do solo e d a águ a pelos dejetos. cial de b ioacum ulação, utilizados amplam ente por in -
dústrias petroquímicas e como subproduto da queima
Substâncias sintéticas utilizadas no meio d e gasolin a e óleo diesel.
ag ropecuário e seus subprodutos As b ifen ilas policloradas, que tam bém p ossu em
Dentre essas substâncias, os princip ais representan- atividad e estrogênica, foram amplamen te utilizadas no
tes são os praguicidas, que se torn aram importantes p assad o como fluido d e t ran sferên cia d e calor em ca-
contam inan tes am b ientais em d ecor rên cia d e su a ex- p acitores e transformadores. Em b ora a produ ção desses
tensa utilização em todo o mundo e, atualmente, formam com postos tenha sido banida em 1980, estes ainda são
o m aior grupo d e substâncias classificadas com o desre- en contrad os em instalações antigas e no m eio am bien -
gulad oras endócrinas. Muitos persistem n o meio am - te, em virtude de sua elevada estabilid ade, lip ossolubi-
biente, por longos p eríodos, por causa, principalmen te, lid ad e e p oten cial de bioacum ulação e biom agn ificação.
da su a estabilid ad e qu ímica, baixa solubilidade em águ a Os alquifenóis apresentam um a grande variedad e
e elevada lip ofilicidade, pod en do ser facilmente bioa- de aplicações, como detergentes in dustriais e domésticos,
cu m ulad o s. Resíd u os d e d iferentes p ragu icid as vêm lubrificantes, emulsificantes e podem estar presentes em
sendo encon trad os n o solo, em r eservatórios d e águ a pro dutos de uso p essoal (crem es, m aqu iagem , en tre
superficiais e subterrâneas e n os alim entos. Nessa clas- ou tros). A con tam in ação am bien tal p or esses agentes
se estão incluídos inseticid as, h erbicid as e fu ngicid as, ocorre duran te a sua produ ção e uso. Um a vez n o am -
os quais são m uito utilizados na agricultura, p ecu ária, bien te, os alquifen óis são biod egrad ados, origin an do
aquicultura, bem com o para uso domiciliar. metabólitos altamen te lipofílicos, persistentes e com
- A •
En tre os p ragu icidas sabidamen te d esregulad ores açao estrogen 1ca.
en dócrinos, destacam-se os inseticidas organ oclorados, Dioxin as e fu ranos são exemplos de desreguladores
como os ciclodien os (ald rin , dieldrin , en drin, clordano, endócrinos que n ão são pro du zidos com ercialmen te,
toxafen o, telodrin, isodrin , en dossulfano, h eptacloro e mas, sim, gerados como subproduto não inten cional de
m irex), o DDT e seus derivados, e os hexaclorocicloexa- processos indu striais e d e com bustão d e substân cias e/
Ca pítulo 36 • Toxicologia da reprodução 453

QUADRO 36.1. Efeito de difere ntes substâ nc ias s intét icas ou materiais que con tenham o cloro. Essas substân cias
desregu ladoras e ndócrinas sofrem dispersão atmosférica e, p or serem extrem amen-
Praguicida Efeito desregulador endócrino te persistentes n o m eio ambiente, são en contrad os em
A lacloro Compete com os receptores de d iferentes m atrizes como solo, sed im en tos, ar, água,
estrogên io e progeste rona. A ltera a
. , . .
veget ais e ate mesm o em anrma1s.
biot ransformação de esteroides
O Quad ro 36. 1 apresenta algumas substâncias sin-
Atrazina Antiandrogênico. Estrogênico. Induto r téticas desreguladoras endócrinas, com efeitos já bem
de aromatase. A ltera os níveis de LH e
prolactina d escritos n a literatu ra.
Benomil Indutor de aromatase. Eleva o nível de
estrogên io QUESTÕES IMPORTANTES NA
Captana Antiestrogên ico DESREGULAÇÃO ENDÓCRINA
Carbendazim Indutor de aromatase. Eleva o níve l de REPRODUTIVA
estrogên io
Carbofurano Eleva os níveis de progesterona e Uma série de fatores são fu n dam entais p ara a com -
estradiol. Reduz o nível de preensão com p leta d os m ecan ismos de ação e conse-
testoste rona quên cias d a exposição à desregu ladores endócrinos.
Cipermetrina Estrogên ico Assim, a seguir, são apresen tados alguns con ceitos es-
Ciproconazol Inibidor de aromatase. Reduz o nível tabelecid os nessa área.
de est rogênio. Aumenta o nível de
androgênios
DDT e metabólitos Antiandrogênico. Estrogênico
Hormese
Diazinona Estrogên ico
A an álise d e r isco à exp osição aos d esregu ladores
Diurom Antiandrogênico endócrin os durante m uito tempo foi realizada com b ase
Fenvalerato Antagonista de progesterona no conceito de dose-resp osta tradicion al (curva m ono-
Glifosato Inibidor de aromatase. Reduz os níveis tôn ica; Figura 36. 1). Assim, acredit ava-se que o efeito
de est rogênio desregulador en dócrin o estaria diretamente relacion ado
Lindano Reduz os níveis de progesterona à con cen tração da molécula no tecido-alvo de ação, ou
Met iocarbe Antiandrogênico. Estrogênico seja, qu anto maior a d ose, maior o efeito. Dessa form a,
Metoxicloro Estrogên ico pretendia-se estab elecer limites d e segurança p ara a sua
Mirex Estrogên ico utilização sem que houvessem efeitos tóxicos. No entan -
Parationa Inibe hormônios gonadotróficos to, nos diferentes sistemas hormon ais essa lógica simples
algumas vezes não é aplicada. De fato, as resp ostas en -
Procloraz Antiandrogênico. Antiestrogênico
d ócrinas endógen as podem apresentam p adrão bifásico
Trifura lina A ltera o metabolismo de esteroides
hormonais (não m onotônico; Figura 36.1), ou seja, um mesmo hor-
V inclozolina Compete com os receptores de
môn io apresen ta m ais de um efeito d ep en den do do seu
androgênio. A ltera o metabolismo de p adrão d e liberação (alta ou b aixa frequ ên cia) e/ou do
esteroides ho rmonais seu nível sérico. Por exemplo, o GnRH quan do liberado
Substâncias sintéticas Efeito desregulador endócrino p elo hipotálam o em baixa con cent ração e elevada fre-
utilizadas na indústria qu ên cia estimula a h ipófise a produzir e liberar FSH e
e seus subprodutos
LH. Já a liberação de Gn RH hipotalâmica em baixa fre-
A lquifenois Estrogên ico. Compete pela ligação
quência e elevada concentração inibe a produção e libera-
com globu linas ligadoras de
hormôn ios sexuais ção de FSH e estim ula a liberação de grande quan tid ad e
Bifenilas policloradas Estrogên ico. Antiandrogênico de LH . Esse m ecan ism o h orm on al é de fu n d amen tal
importância para o correto desenvolvim ento dos folícu-
Bisfenol A Estrogên ico. A ltera expressão de
g lobulinas ligadoras de hormônios los ovarianos e para qu e ocorra a ovulação.
sexuais A esse padrão de respost a n ão m onotôn ico ou bi-
Dioxinas e f uranos Antiestrogên ico fásico d eu-se o nome d e h orm ese. Esse conceito já era
Ftalatos Antiestrogên ico bem d efinid o para alguns h orm ônios e neurotransmis-
Hid roca rbonetos Estrogên ico sores en d ógenos. Porém com eçou a ser relacionado aos
aromáticos efeitos d os desreguladores endócrin os n a década d e
policíclicos 2000, qu ando se verificou qu e as resp ostas d iante d a
454 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

exp osição aos d iferentes d esregulad o res en d ó crin os Nesse sen tido, mam íferos machos são m ais vuln e-
pode n ão ser depen dente d a dose. Atualm ente, sab e-se ráveis aos efeitos da d esregulação end ócrin a pela natu-
que gran de parte dessas m oléculas n ão apresenta um a reza do desenvolv imen to d e seu sistema reprodutivo.
cu rva dose -resp osta n ão m on otôn ica, ou seja, d oses Nessas espécies o gen e Sry, p resente n o cromossomo Y,
extremamente baixas são capazes de desencadear efeitos d etermin a o d esenvolvimento dos órgãos gen itais mas-
tóxicos semelh antes ou até m ais poten tes do que doses culin os, inclusive dos testículos. Por sua vez, os testículos
elevadas ou , ain da, os efeitos pod em ser exatam en te secretam androgênios qu e d efin em o d esenvolvim ento
op ostos em altas d oses versus b aixas doses. d o fenótipo masculino. Assim , o desenvolvimento fetal
masculino de m amíferos é completamen te depen den te
Exposição a múltiplos agentes da secreção/ exp osição de níveis adequados d e esteroid es
sexuais. A exp osição in utero aos d esreguladores end ó-
Emb ora do ponto de vista experimental seja comu m crinos pode interferir nesse processo, alterando a p ro-
avaliar o efeito de cada m olécu la de forma isolada, a dução e/ ou secreção d e h or m ônios, com prom etendo,
realidad e é qu e n o ambiente elas coexistem e é, portan- asssim , o d esenvolvimento fetal. Estudos em an imais de
to, plausível qu e tenham ação en t re si, p o dend o o seu lab oratório mostraram qu e diferentes substâncias quí-
efeito ser aditivo, sinérgico ou de p otenciação. m icas desreguladoras endócrinas p odem de fato influen-
ciar o desenvolvim ento de órgãos sexu ais m asculinos,
Exposição in útero incluind o testículos, epidídimos e próstatas, levan do à
diminuição d a fertilidade, infertilidade, criptorquidia,
Sabe-se que existem determ in adas fases do d esen- redu ção dos níveis de testosteron a e aum ento de altera-
volvim ento em que h á m aior vulnerabilid ade à ação de ções do t rato reprodutivo, com o cân cer de próstata.
desreguladores end ócrinos. A exposição de um adulto Além disso, durante a gestação e lactação, p eríodos
a um desregulad or en dócrin o pod e ter consequências de grande mobilização de gordura matern a, os d esregu-
m uito d iferentes d a exposição de um feto ou n eonato. ladores endócrinos, d epositad os no tecido ad iposo ma-
O desenvolvimento fetal e neonatal são períodos críticos terno, tendem a ser mobilizados, elevan do os n íveis
de grande susceptibilidade aos desregulad ores en dócri- séricos na circulação matern a e inevitavelmente aumen -
n os. Grand e parte d os danos causados p or essas subs- tand o a exposição fetal.
tân cias ocorr em du ran te o início do desenvolv imeto
fetal e a gametogênese. Normalmente, esses danos levam Efeitos epigenét icos t ransgeracionais
a mecan ismos fisiopatológicos adaptativos qu e compro-
m etem o desenvolvimento, send o as consequên cias da Os d esregulad ores endócrin os podem afetar n ão
exp osição m u itas vezes observada apenas na id ade adul- apen as o indívidu o exp osto, m as, também , a sua prole
ta, princip almente n o qu e d iz resp eito à repro dução. e subsequ entes gerações. A exposição de u ma fêm ea

o
l (O
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ro
NOAEL ::J
E
ro
+-'
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Q/ NOAEL
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w
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o:: o:: Dose


o
t Hermética l (O
U"
·-
.o
·-
e

A Dose B Dose

FIGURA 36.1. Diferentes curvas dose-resposta. (A) Curva com padrão monotônico, na qual quanto maior a dose, maior o
efeito. (8) Curva dose-resposta hormética ou com padrão não monotônico; nesse caso, observa-se uma resposta bifásica,
na qual baixas doses levaram a uma resposta inibitória, enquanto doses elevadas levaram a uma resposta estimulatória.
NOAEL = nível sem efeitos adversos observáveis.
Capítulo 36 • Toxicologia da reprod ução 45 5

gestan te a moléculas desreguladoras endócrinas, duran- que é o hormôn io precursor dos esteroid es, entre eles a
te o período de diferenciação sexual fetal, pode acarretar testosterona e, por isso, esses d esreguladores endócrinos
em alterações epigenéticas nas células germ inativas fetais. são classificad os com o antian drogênicos.
Ou seja, os efeitos podem ser transmitidos não pela mu- O utra enzima fundam en tal para biossíntese de es-
tação gênica, mas sim por meio de modificações nos fa- teroides que é alvo de ação d e diferentes desreguladores
tores que regulam a expressão gênica, como a metilação endócrinos é a arom atase. Essa en zima catalisa a con -
do DNA e a acetilação de h istonas, send o que essas alte- versão de androstenediona em estrona e de testosterona
rações são tran smitidas às futuras gerações levando a em estr adiol, atuan do com o con troladora d a taxa d e
alterações reprodutivas (para detalhes, veja Capítulo 37). biossín tese de estrogênios nos ovários e testículos. A
atividade d essa enzim a é induzida por herbicidas, como
MECANISMO DE AÇÃO DE a propazina, simazina e atrazina, e por aditivos plásticos,
,
DESREGULADORES ENDOCRINOS SOBRE com o o BPA. Como consequência dessa indução obser-
OS ESTEROIDES SEXUAIS va-se aumen to d os n íveis d e estrogênio e d iminuição
dos níveis de testosterona, caracterizando-se, assim, uma
O m ecanismo de ação dos d iferentes desreguladores ação antiandrogênica e estrogênica. Existem também
endócrin os é complexo e ainda em grande parte desco- substân cias que podem inibir a expressão d a enzim a
nhecido. Assim, à luz d os conhecimentos atuais, sabe-se arom atase, acarretando um efeito antiestrogênico, como
que os desreguladores endócrinos podem atuar na função é o caso de alguns fu n gicidas, com o o fenarim ol e o
hormonal esteroide de diferentes formas, rompendo fun- procloraz.
ções reprodutivas, causando infertilidad e, ou, ainda, afe- A 3~-hidroxiesteroid e desidrogenase (3~-HSD) e
tando a diferenciação sexual, com consequente m asculi- 17~-hidroxiesteroide desid rogenase ( 17~-HSD ) são
nização ou feminização. Tais alterações pod em ocorrer enzimas fundamentais para a produção de androgênios
de d iferentes form as, com o indução ou inibição da sín - nas células de Leyd ig testiculares. D iferentes desregula-
tese e/ou m etabolism o, interferência no transporte/liga- d ores endócrinos, tan to sintéticos industriais (perfluo-
ção com receptores, e alteração da transdução d e sinais. roalquil, ftalato, BPA e benzofenona) com o praguicidas
(m etoxicloro, organoestanho e procloraz) agem como
Efeitos na biossíntese e metabo lismo de antian drogênicos, inibindo d iretam ente essas enzimas
esteroides sexuais e, assim, reduzind o a síntese d e testosterona.
Alguns desreguladores endócrinos pod em atuar no
Os desreguladores end ócrinos podem influenciar a nível hepático, induzind o ou inibind o enzimas respon -
biossíntese e o m etabolismo dos esteroides, com o ini- sáveis pela biotransform ação de hormônios esteroides,
bid ores ou ativadores de enzimas, ou alterando a expres- levando à alteração dos níveis séricos de diferentes hor-
são enzimática. A biossíntese d os esteroides sexuais e mônios. O D DT e seus análogos, por exemplo, são po-
seus derivados ocorre principalmente nas gônodas (tes- ten tes in dutores da atividade das mono-oxigen ases
tículos e ovários). Em bora haja diferen tes horm ônios microssomais hepáticas, que atuam na biotransformação
esteroides, todos possuem síntese sem elhan te nos está- de diferentes esteroides. Outro grup o de isoenzimas
gios iniciais, e têm como precursor comum o colesterol. responsáveis pela metabolização hepática d e esteroides
O pr im eiro passo para biossíntese é a conversão do são as sulfotransferases, cuja ação é inibid a por ftalatos
colesterol em pregn en olon a, uma reação que ocorre e com postos fenólicos cloradas.
dentro da mitocôn dria. Assim, o transporte do coleste-
rol através das membran as mitocôn driais é um a etapa Efeitos no tra nsporte de esteroides sexuais
lim itante da esteroidogên ese e d epen den te d a síntese e
função d a proteína regulad ora aguda esteroidogênica, Após serem sintetizados, os horm ônios são trans-
cuja expressão pode ser afetada por praguicidas sabid a- portados até o local de ação pela corrente sanguínea. A
mente desreguladores endócrinos, com o já comentado. maio r parte d os esteroides p er manece n a circulação,
No interior da mitocôndria, o colesterol é convertido ligados à globulina ligadora de hormônios sexu ais este-
em pregnenolona, em uma reação de hidroxilação, cata- roid ais (SHBG), sendo apen as a fração livre disponível
lisada pela enzima d esmolase, cuj a atividade também para a ação nos receptores. Dessa fo rma, a ligação re-
pode ser inibid a por praguicidas, com o o dimetoato, o versível às globulinas influen cia con sideravelmente a
glifosato e o metoxiclor. A inibição dessa enzim a inevita- d isponibilidad e d e hormônios esteroides livres e biolo-
velm ente leva à dim inuição d os níveis de pregnenolona, gicam en te ativos. Assim, m oléculas que interfiram na
456 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

concentração de SHBG, ou m esm o a ligação de diferen- intracelulares que envolvem interações entre proteínas
tes ligantes não esteroides a essas globulinas, p odem e fatores nucleares (cham ados de coativadores ou cor-
alterar consideravelmente a concentração livre de este- repressores ). Tais eventos são determinantes para are-
r oides en dógen os e, por tanto, biologicamente ativos. gulação, estimulação ou inibição da expressão de genes
Além disso, a ligação de desreguladores endócr inos a responsáveis por respostas específicas. Esse é o m eca-
SHGB faz com que estes sejam distribuídos e cheguem nismo genômico clássico envolvido com a transdução
até tecidos-alvos. Nesse sentido, sabe-se que alguns plas- de sinais. Os desreguladores en dócrinos podem inter-
tificantes com o ftalatos, alquifenois e o BPA competem ferir nas etapas desse processo de transdução de sinais
com os ligantes naturais de SHBG, com o di-hidrotes- de diferentes form as. Por exem plo, o praguicida orga-
tosteron a, testosterona e estradiol, alterando a homeos- noclorado lindano reduz a quantidade de um fosfolipí-
tase dos esteroides e, consequentemente, o equilíbrio dio presente n a membrana plasm ática, o qual é funda-
androgênio-estrogênio. mental para síntese de proteínas sinalizadoras, com o,
por exemplo, o fosfatidilinositol. A redução dessa m o-
Ligação com receptores esteroides lécula inevitavelmente com prom ete a ativação da pro-
teína quinase C, levan do ao bloqueio da transdução de
• •
A ação dos desreguladores endócrinos pode ocorrer s1na1s.
simplesm ente pela ligação com receptores esteroidais
intracelulares ou de m em brana; com o resultado dessa MEIOS DE EXPOSIÇÃO AOS
ligação podem ser desen cadeadas basicam ente duas DESREGULADORES ENDÓCRINOS
respostas distintas. A molécula desreguladora endócri-
n a pode se ligar ao receptor ativan do-o, mimetizando a Um a gr ande variedade de substân cias é lançada
ação do esteroide endógen o (ação agon ista). Por outro diariam ente no m eio am biente, das quais muitas são
lado, alguns desreguladores en dócrinos se ligam aos sabidam ente desreguladoras endócrinas. Vários desses
receptores sem ativá-los, bloqueando a ligação e ação poluentes antropogênicos são persistentes, lipofílicos e
dos hormônios naturais, prejudicando sua resposta nor- têm baixa pressão de vapor, o que facilita a dispersão e
m al (ação antagonista). difusão ambiental. Assim, esses contaminantes ambien -
Inúm eros desreguladores endócrinos competem tais perm an ecem disponíveis para absorção e bioacu-
com o estradiol pelos receptores de estrogênio, enquan - mulação por longos períodos em virtude de sua elevada
to outros competem com a testosteron a e di-hidrotes- resistência à degradação física, química e bioquímica.
tosterona pelos receptores de androgênio. Dessa forma, Os animais dom ésticos são expostos aos desregu-
é possível que essas substâncias exerçam efeitos de fe- ladores en dócrinos basicamente de duas formas. A pri-
minização ou m asculinização sobre o sistem a endócri- meira, por meio do contato direto no meio ambiente ou
n o. As substân cias estrogên icas, ou seja, agon istas de local de criação. A segunda, e principal, é pela ingestão
receptores de estrogênio produzem efeitos de feminiza- de águ a ou alim entos contam in ados. Nesse sentido,
ção, são exemplos, o DDT, o m etoxicloro e o BPA. Já as estima-se que m ais de 90% dos desreguladores endó-
substân cias an d rogênicas, agon istas de receptores de crinos são absorvidos por via digestiva e tendem a se
androgênio, produzem efeitos de m asculinização. Ainda, acum ular no tecido adiposo em maior ou menor inten-
as substâncias antiandrogênicas inibem a ação biológi- sidade dependendo da sua lipossolubilidade.
ca dos androgênios, ligando-se e, con sequentem ente,
inativando os receptores de androgênios presentes n os Exposição em cães e gatos
tecidos-alvo; são exemplos de substâncias antiandrogê-
nicas, o fungicida vinclozolina e o praguicida DDT. Já Os efeitos dos desreguladores endócrinos em animais
as substâncias antiestrogên icas inibem a ação biológica de companhia, como cães e gatos, foram muito pouco
dos estrogênios ligan do-se e, consequentem ente, inati- avaliados até o m om ento. Sabe-se que esses an im ais
vando os receptores de estrogênios presentes nos teci- com partilham o m esmo ambiente dom éstico dos pro-
dos-alvo; são exemplos, as dioxinas e os ftalatos. prietários e podem , dessa forma, estar expostos a níveis
semelhantes de substâncias desreguladoras endócrinas.
A lteração da tra nsd ução de sinais Assim , estudos propõem que cães e gatos sejam utiliza-
dos com o sentinela para exposição humana, já que esses
A ligação dos horm ôn ios esteroides com seus re- animais de companhia podem apresentar efeitos tóxicos
ceptores específicos desencadeia uma série de eventos sem elhante àqueles produzidos n os seres human os.
Capítulo 36 • Toxicolog ia da reprodução 457

Por exemplo, tumores no trato reprodutivo associado à d e bovin os e que os desreguladores en dócrinos se acu-
exposição a elevad as concentrações de bifen ilas policlo- mulam n os tecidos de herbívoros que pastejam em áreas
rad as foram observados tanto nos cães e gatos como n o contaminadas. Da m esma form a, em suín os, a exposição
ser h umano. a desregulad ores endócrinos como BPA e ftalatos pode
Além da exposição ambiental que animais de com- alterar os níveis de estrogênio e, consequentemente, levar
panh ia compartilh am com seus p roprietários, a com id a a transtornos reprodutivos em fêmeas.
também pod e ser u m a via de exposição bastante impor- Ainda, deve-se salientar que a exposição de an imais
tante. Nesse sentido, níveis elevados d e fitoestrogênios d e p rodução aos desreguladores endócrinos também é
e BPA foram identificados n a alimentação destinada a d e grande importância em saúde pública, uma vez que
animais de compan h ia. Porém, são escassas as inform a- os produtos de origem an imal podem veicular tais agen-
ções d os efeitos adversos dessas substâncias em cães e tes tóxicos. Nesse sentido, diversos trabalh os detectaram
gatos. Ainda, deve se considerar que brinquedos de plás- a presença de resíduos de p raguicid as, desreguladores
tico para animais d e companhia podem conter aditivos endócrin os (DDT, lindano, aldrin, dieldrin, endosulfano ),
desreguladores endócrinos, representando um a impor- em leite, carne, ovos e seus d erivad os.
tante via de exposição.
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Capítulo 37

Toxicologia do desenvolvimento

A ndré Tadeu Gotardo


Silvana Lima Górn iak

~ conceito foi transmitid o para as civilizações grega e ro-


INTRODUÇAO
mana. Assim, a palavra latina monstrum deriva de mons-
Pod e-se d efinir a toxicologia do d esenvolvim ento trare (mostrar) ou monere (avisar). Nesse sentido, acre-
como o estudo dos efeitos nocivos causados por agentes d itava-se que tais crianças poderiam prever o futuro.
tóxicos (am b ientais ou m edicamentosos etc.) em um Já para Hipócrates (460 a 377 a.C.) e Aristóteles (384
con cepto em desenvolvimento. a 322 a.C.), o desenvolvimento anorm al teria origem a
O termo toxicologia do desenvolvimento está sen- partir de causas físicas, tais como t rauma uterin o ou
do em p regado há, relativamente, pou co tempo; n o pressão, ou seja, uma concepção bem mais racion al do
. , . . . ,
entanto, tem suas r aízes r elacionadas à teratologia, que as teorias puramente m1st1cas que ex1st1am n a epo-
termo utilizado antigamente para denomin ar alterações ca. Mas mesm o assim Aristóteles compartilh ava da opi-
de ordem estrutural no concepto. Etim ologicamen te, n ião geral de que as impressões maternas e emoções
a teratologia refere-se ao estudo d e m onstros ( origi- poderiam influen ciar no desenvolvimento e, portanto,
n ad a da palavra grega tera tos, que d esign a monstro). recomendava que as gestantes olhassem fixamente, du-
Portanto, por um lon go período d e tem po, seu campo rante várias h oras do dia, para uma lin da estátua, assim,
de investigação restringiu-se apenas às alterações mor- acreditava que o filho iria nascer igualmente belo.
fológicas, em particular, aquelas que envolviam o sis- Séculos e séculos se p assar am, e algu ns tratad os
tem a esquelético. foram escritos n a tentativa de fornecer explicações n a-
No entanto, estudos realizad os no século XIX m os- turais para a ocorrên cia das malformações; no entanto,
t raram claramente que out ros sistemas do organ ismo a maioria dessas eram absurdas e n ão se descartavam
também poderiam ser comprometidos quando uma as causas sobrenaturais.
injú ria ocorre du rante o d esenvolvimento fetal. Conse- Foi somente n o século XIX que se iniciou a terato-
quentemente, o term o teratologia passou a ser utilizado logia experim ental, a partir dos estudos realizados por
como sin ônimo d a toxicologia d o desenvolvimento; n o Étienn e G. Sain t-H ilaire (1772-1844), pois foi aquele
entan to, hoje abran ge não só as anormalidad es morfo- que p rimeiro aplicou os prin cípios embriológicos para
lógicas, mas também avalia as manifestações n o retardo o estudo do desenvolv imen to anormal, h oje também
do crescim ento, as alterações funcion ais, comportamen- d enominado dismorfogênese. Esse pesqu isador verifi-
tais e/ ou morte d a prole. cou que submeter ovos a diferentes condições experi-
É interessante ressaltar que a teratologia, como ciên- mentais (físicas ou químicas) promovia o aparecimen-
cia d escritiva, antecede a linguagem escrita. Assim, po- to d e vários tipos de malfor mações. Graças a esses
dem-se citar os ach ados de pinturas egípcias, datadas de estudos do início d o século passado já estava bem esta-
m ais de 5.000 anos a.C., as quais retratavam indivídu os belecida a relação entre as perturbações ambientais e as
por tad ores d e fenda palatin a e acondroplasia. O povo alterações no desenvolvimento de aves, répteis, peixes e
babilôn ico acreditava que o futu ro era p redito pelas es- anfíbios. No entanto, embora houvesse uma farta lite-
trelas e o n ascim ento de crian ças anormais seria o refle- ratura, demonstran do, inequivocamente, os efeitos de
xo das constelações estrelares e, dessa maneira, previam tem peratura, m icrorganismos, toxin as e outras substân -
o fu tu ro, já que indicavam a posição das estrelas. Esse cias quím icas no desenvolvimento de malformações em
460 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

não mamíferos, pouco se avaliava o efeito desses agen- dera-se, ainda, que uma substância química pode p ro-
tes no desenvolvimento de mam íferos, já que se acredi- duzir efeitos similares em diferentes espécies animais;
tava serem esses animais resistentes às malformações, no entan to, essas alterações vão variar n a frequên cia.
pois se julgava estar os conceptos dos mam íferos em u m Além disso, uma substância que produz uma determi-
ambiente totalmente p rotegido da injúria produzida nada alteração em uma espécie anim al pode acarretar
pelos diversos agentes. alterações completamente diferentes em outra, ou outras
, . . .
Foi então que Hale, em 1935, relatou, pela primeira espec1es an1m a1s.
vez, o aparecimento d e malformações em mamíferos.
Nesses estudos conduzidos pelo pesquisador, verificou- A suscetibilidade à teratogênese varia com o
-se que porcas t ratadas com ração deficiente em vita- estágio do desenvo lvimento e o tempo de
mina A pariam proles que apresentavam fenda palatina exposição ao agente tóxico
e anoftalmia. A seguir, em 1940, Warkany et al. mostra-
ram que a deficiên cia nutricional, bem como outros Comparando-se com os indivíduos adultos, os or-
fatores ambientais, também pod eria afetar o d esenvol- ganismos em d esenvolvim ento sofrem rápidas e com-
vimento fetal. plexas m udanças dentro de u m período relativamente
Apesar d e vários pesquisadores, em diferentes par- curto de tempo; con sequentemen te, a suscetibilidade
tes do mundo, relacionarem os defeitos no desenvolvi- do concepto ao insulto químico varia dram aticamente
mento fetal com os fatores extrínsecos, pouco foi o im- dentro d e u m estreito espaço de tempo.
pacto dessas descober t as na p r ática m édica. Fo i O p rim eiro estágio no desenvolvim ento é a game-
som ente em 1961, quando se associou a ingestão de togênese. Esse processo se refere à formação d as células
talid omida, um medicamento utilizad o como sed ativo germinativas, ao óvulo e ao espermatozoide. Esses ga-
por mulheres grávid as, e o aparecimento d e severas metas se fundem, d u rante o processo de fe rtilização,
alter ações no feto, é que a toxicologia do desenvolvi- para form ar o zigoto. Sabe-se que os genomas materno
mento tom ou grande impulso. Deve-se ressaltar que a e paterno não são equivalentes, no que se refere à con-
talid omida foi introduzida em 1956 e a sua retirada do tribuição do genoma do zigoto. O processo d o denomi-
mercado ocorreu apenas em 1961, ou seja, essa substân- nado imprinting ocorre durante a gametogênese, con-
cia foi utilizada por mais d e cinco anos, resultando em ferin d o a certos genes alelos a expressão diferen cial,
mais de 7.000 crianças com m alformações par a que dependendo se são de origem materna ou paterna. Sa-
fossem reconhecidos os efeitos em b riotóxicos desse be-se que o processo d e imprinting é suscetível a certos
medicamento. agentes tóxicos. Por exemplo, a exposição a moléculas
desreguladoras endócrinas durante o imprinting pode
,
PRINCIPIOS DA TOXICOLOGIA DO resultar em alterações no padrão de metilação de genes
DESENVOLVIMENTO específicos que afetam o fenótipo ou levam a déficits
reprodutivos muitas vezes de form a transgeracional, ou
Os princípios básicos da teratologia foram propos- seja, essa alteração pode se perpetuar por várias gerações
tos por Wilson, em 1973, e, embora muitos progressos de descend entes.
tenham ocorrido nessa área, ainda hoje esses princípios Após a fertilização, o em brião segue pelo ovidu to
básicos são mantidos e considerados em todos os textos até o útero para que ocorra a implantação. Esse período
de toxicologia do desenvolvimento. São apresentados, a é cham ado de pré-implantação e é marcado por au-
. . . , .
seguir, esses seis princ1p1os. mento d o número de células embrionárias e pela for-
mação da blastocele, dan do origem ao blastocisto. O
A suscetibilida de à teratogênese depende blastocisto, por sua vez, é formad o pelo embrioblasto,
do genótipo do concepto que dará origem ao embrião p ropriamente dito, e pelo
trofoblasto, que originará membranas extraembrionárias
Nem todas as espécies anim ais são igualmente sus- e estruturas d e suporte (por exemplo, a placenta). O
cetíveis ou sensíveis ao efeito tóxico de uma dada subs- embrião, d urante a pré-im plantação, é relativamente
tân cia química. A variabilidade inter e intraespécies indiferenciado e possui grande potencial de crescimen-
pode se manifestar d e várias maneiras. Nesse sentido, to restaurativo. Assim, a toxicidade durante esse perío-
deve-se con siderar que uma substância que atua cau- do n ormalmen te resulta em alteração no crescimento
sando malform ação em uma espécie pode ter pouco ou ou morte ( esta última em virtude da falha no processo
nenhum efeito d eletério em uma out ra espécie. Consi- de implantação), não send o, de maneira geral, verifica-
Capítulo 37 • Toxicologia do desenvo lvimento 461

das m alformações n essa fase. Por exem plo, a exp osição -célula e rem odelagem tissular. Na organ ogên ese, fase
aos agentes D DT, à n icotina e ao metil-sulfonil m etano na qu al o concepto está altam ente su scetível ao apare-
(MSM), durante a pré-im plantação, leva à alteração d o cimento d e m alform ações, h á períodos de pico de su s-
peso corp oral e/ ou cerebral e a m orte. cetibilid ade para cada estrutura formad a.
No entan to, há exceções, qu ando agentes t óxicos A h istogên ese, a mat u ração fu ncion al e o cresci-
podem causar m alformações após exposição durante a mento são os processos m aiores que ocorrem duran te
pré-implantação. Acred ita-se qu e p or causa das rápidas o período fetal. O início d essa fase n ão sign ifica que
mitoses qu e ocorrem nesse p eríodo, subst âncias exóge- tod os os órgãos estão completamen te formados, e, sim,
n as que afetam a síntese e/ ou a integridade d o D NA ou qu e to dos eles pod em ser recon hecidos. Assim, nessa
a form ação dos microtúbulos são, particularmen te, pe- fase verifica-se o d esenvolvimen t o d os órgãos, objeti-
r igosas para o em brião em d esenvolvimento. Assim, a vand o-se obter a su a fun cionalidad e antes d o nascimen-
exposição ao óxido de etilen o e a tri-etilen o-melamin a, to, seja estrutural (por exemplo, sinaptogênese) ou bio-
poucas h oras após a fertilização, pod e produzir m alfor- quím ica (por exemplo, indução de en zimas tecidu ais
m ação fetal; porém , ain da n ão se sabe os m ecanism os específicas). A exp osição a teratógen os n essa fase n or-
pelos quais ocorre esse efeito. O utro exemplo é a admi- malm en te resulta em efeitos no crescimento e n a ma-
nist ração a cam undongos de m etilnit rosourea en tre os tu ração funcional. Ent re os d efeitos mais prováveis de
dias 2,5 e 4,5 de gestação, qu e result a em malformação serem observad os est ão as an omalias d o sistema n er-
d o tub o n eural e fen da palatin a. D a mesma forma, o voso central, órgãos reprodutivos e sistema imun e. Nes-
acetato de ciproteron a e o acetato de m edroxiprogeste- se sentid o, o d efeito observad o seria de, por exemplo,
ron a podem p roduzir m alformações qu and o adminis- d istúrbios com port amentais, m ent ais, déficit m otor,
t rados n o segun do dia d e gestação. qued a d e fertilidad e e im unodeficiência ou aparecimen-
Ainda, duran te a pré-im plan tação, o endométrio to de d oen ças autoimunes. Há, ain da, a p ossibilidade d e
sofre alterações bioquím icas, controladas principalmen - ocorrên cia de m orte se essas alterações forem vitais ao
te p ela p rogesterona e pelo estrógen o, que o prep aram desenvolvimento fetal. Podem ocorrer alterações estru -
para a implantação do embrião. Em um p eríodo de até turais durante o período fetal, no entanto, essas alterações
24 h após a ação desses hormônios, ocorre o p ico de result am geralmen te em d efor mações (ruptura d e es-
r eceptividade do ú tero ao b lastocist o, in dep enden te- truturas previam ente n orm ais) e não m alform ações. A
m ente da espécie anim al consid erada. Portanto, subs- Figura 37. 1 ilustra os estágios do d esenvolvimento ani-
tân cias qu ím icas que alt eram esses hormônios, bem mal e a Tab ela 37.1 m ostra os p rincipais eventos ocor-
com o substân cias que alterem diretam ente a cont rati- rid os na em briogênese n as prin cipais esp écies animais
lidade u terina e, consequentem en te, a moviment ação d om ésticas, de lab oratório e no ser hu m an o.
do blastocisto, pod em in terferir n a im plan t ação. Essa
interferência n a implantação resulta qu ase sem pre em Os teratóge nos atuam de maneira específica
embrioletalid ade. (mecan ismos de teratogenicidade) em
Após a im plantação, o em brião p assa p or um pro- cé lulas e tecidos em desenvolvimento
cesso, denom in ado de gastrulação, que é a form ação dos
folhetos em brionários: o ectoderma, o m esoderm a e o Um a substân cia teratógen a (isto é, que indu z mal-
end oderm a. D urante a gastrulação, as células m igram form ações) exer ce seus efeitos celula res p or m eio de
para uma estrutura denominada de linha p rimitiva. No mecanism o d e ação específico. Esses efeitos celulares,
local ond e essa linha surge, tem-se a extrem idade caud al p or su a vez, irão resultar em desenvolvimen to anorm al
e n o polo oposto, a cefálica. Existem vários toxicantes do órgão ou sistema específico. Wilson, em 1977, propôs
que podem prom over malform ações de olh os, cérebro os seguintes m ecanism os p oten ciais de ação p ara o te-
e face, durante o períod o de gastrulação. ratógen o: mutação, quebra crom ossômica, alteração na
A formação da placa n eu ral é o m arco para a carac- mitose, alteração n a integridad e ou fu nção d os ácidos
terização da organogênese, período no qual rudimentos nucleicos, dim inuição do suprim ento de precursores ou
da maioria das estruturas corpóreas são estabelecid os. subst ratos, alteração das características da membran a,
Assim , em todas as espécies animais, a organogênese é d esbalan ço osm olar e in ibição en zimática.
o período entre a diferenciação d as camadas d e célula Exist e u m delicad o b alanço en tre a proliferação
e a formação dos d en om inad os "órgãos m a iores': As celu lar, a diferen ciação celu lar e a apoptose (isto é, a
rápidas alterações qu e ocorrem nesse período requerem morte celular programada) no d esenvolvimento fetal, e
proliferação celular, m igração celular, interação célula- a alteração d essa relação pode prom over perturbações
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TABELA 37.1. Tempo de ocorrência (em dias) de algumas etapas do desenvolvimento em algumas espécies mamíferas
Eventos Camundongo Rato Coelho Gato Cão Macaco Bovino Equino Ovino/Caprino Suíno Homem
Blástula 2-3 3-4 2-3 6-8 8-10 5-7 5-7 3-8 3-4 3-4 4-6
Implantação 5-6 5-6 6-7 12-4 13-14 8-10 11-13 - 10 -14 10-12 6-7
Linha primitiva 7-8 8-9 6-7 13-4 14-16 18-20 14-18 14-5 13-14 11-12 16-18
1°5 som itos 7-8 9-10 7-8 13-14 14-16 20-22 18-20 15-17 15-15 13-15 20-21
1° arco branqu ial 8-9 10-11 10 -11 14-15 - 21-23 22-24 20-21 17-18 15-17 20
1°s batimentos ca rdíacos 9-10 10-11 10-11 21-22 23-25 23-26 21-24 22-25 18-20 19-24 22
Botões membros superio res 10-11 11-12 10-11 17-18 21-22 27-28 24-25 26-28 21-22 16-18 25-26
Botões membros anteriores 10-11 11-12 10 -11 18-19 21-22 28-29 26-28 28-30 22-23 18-20 31-32
- - - - - - - -
Fechamento do pa lato 15-16 16-17 19-20 31-32 30-35 49-50 54-56 46-48 35-38 34-36 56-58
Diferenciação da gen itália externa 16-17 19-20 21-25 - 33-35 38-46 56-60 43-45 41-43 36-55 90
Nascimento 20-21 21-22 31-334 60-65 60-65 165-170 280-340 330-340 145-155 11 2-11 6 267
Ca pítulo 37 • Toxicologia do d esenvo lvimento 463

Ga metogênese Ga metogênese
(óvu lo) (espermatozoide)

Pe ríodo de pré-implantação

Malformação e embrioletalidade

Pe ríodo de implantação

Malformação Período d e organogênese

Pe ríodo fetal
Defeitos estruturais -----.i
• histogênese
(anomalias) e funcionais • maturação funcional
• crescimento

FIGURA 37.1. Estágios do desenvolvimento do co ncepto, indicando os pe ríodos de maior possib ilidade de ocorrência
das alterações.

no ciclo celular. A seguir, são apresentados alguns exem- também , p or colágeno. Essas substân cias inter a-
plos da ruptura dessa relação: gem com as integrinas, perm itin do o movimento
ou a adesão entre os tecidos, em um plan o dire-
• Interferência na apoptose: a morte celular progra- cional. Portanto, níveis adequados, por exem plo,
mada ou apoptose refere-se a um tipo específico de de ácido h ialurôn ico, durante os estágios iniciais
m orte celular, sob controle genético no em brião, da morfogênese perm item a migração celular e o
que é de fundamental importância para a morfogê- aumento da fluidez da matriz. Durante a diferen-
nese normal. A apoptose é necessária para a remo- ciação, os níveis de ácido hialurônico decaem após
delação de órgãos e tecidos, para o correto desen- o aumento da agregação celular; nesse período há
volvim ento neural e para degeneração de estruturas o aum ento da pr odução de condroitin a -sulfato.
primitivas. Assim, qualquer interferência nesse me- Substâncias como a brom odeoxieuridina in ibem
canismo de morte celular program ada pode resul- a produ ção de condroitina-sulfato, prom ovendo
tar em m alformação. Um exem plo de teratógeno defeitos nos membros e fenda palatina. A perda de
que interfere com a apoptose é a talidomida. Essa adesão pode também promover deformidades; por
substân cia química induz apoptose durante o de- exemplo, a cortisona, um anti- in flam atório este-
senvolvimento embrionário dos mem bros, resul- roidal, bloqueia a síntese de glicosam inoglicanos
tando no que se denomina foco melia. e colágeno, o que acarreta ausência de fusão entre
• Taxa de proliferação reduzida: a redução na pro- os tecidos, resultan do, en tre outros defeitos, em
liferação dos tecidos p ode ocorr er, por exem plo, fen da palatin a.
quando a dose do teratógeno fo r menor que aque-
la necessária para prom over a citotoxicidade. Nes- Os m icrotúbulos e m icrofilamentos são componen -
se caso, se for possível a regeneração, somente ocor- tes celulares essenciais na contração celular e substâncias
re retardo no crescimento de um determinado órgão. com o a colchicina e a vincristina, que causam ruptura
• Impedimen to da movimentação morfogenética: destes, podem promover teratogênese. O cálcio é um
a migração celular pode ser impedida pelo decrés- elemento essen cial para a função microtubular e dos
cimo de m obilidade celular. Assim , a alteração da m icrofilamentos; portanto, o tratamento com EDTA,
qualidade e quantidade da m atriz extracelular al- um quelante de cálcio, reduz o movimento de células,
tera a qualidade da adesão entre as células em vir- sendo já verificado, experimentalmente, o desenvolvi-
tude da alteração de moléculas responsáveis pela mento de malformações cardíacas.
adesão celular. A matriz celu lar é composta por
ácido hialurônico, condroitina, condroitina-sulfa- • Alteração no pH intracelular: a concentração do íon
to, heparan o-sulfato, querta-sulfato e heparina e, H+em células em desenvolvimento tem se mostrado
464 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

imp o rtante para o desenvolv imen to d os tecidos, n ese é o p eríodo mais sen sível p ara qu e ocorram as
uma vez que se verificou qu e o p H intracelular malformações, enquanto os defeitos estruturais (ou seja,
baixo é fund amen tal p ara vários processos celu - as an om alias) ou os defeitos funcionais provocados pela
lares, com o a proliferação, a comunicação in tra- injúria ocorrem n o períod o fetal (Figura 37. 1).
celular, as atividades enzimáticas e a polim eriza- Embora m alformações e anomalias sejam considera-
ção proteica do citoesqueleto. d as os principais critérios para avaliação de teratogenici-
• Redução da biossíntese de componentes essen- dade (veja adiante), já que são os mais óbvios e mais facil-
ciais: a alteração na biossíntese do DNA, RNA, pro- men te evid en ciáveis, d eve-se ressaltar que as desordens
teínas e fontes de energia (ATP e NAD/NAPH) pode funcionais podem ser incapacitantes, o que, para a criação
produzir profun d as alterações n o crescimento e de- animal, pode represen tar muitas vezes prejuízos m uito
senvolvim ento normais. maiores que aqueles produzidos, por exemplo, por m al-
formações, pois nessa última situação a fonte do teratóge-
A exposição do feto ao teratóge no depende no pode persistir por longo tempo, já que é dificilmente
de suas propriedades físico-q uímicas reconhecido. Nesse sentido, uma das grandes preocupações
da teratologia, atualmente, é procurar desenvolver proto-
Até antes da tragédia da talidomid a, com o citado na colos que possam detectar alterações m ais sutis.
Introdução, acreditava-se que a barreira placentária pro-
tegia completam ente o feto de substâncias a que a m ãe As manifestações do desvio do
estava sendo exposta. N o entanto, atualm ente, estud an- desenvo lvimento estão relacionadas à dose
do-se mais sobre o papel da placenta, observou-se que esta do age nte tóxico
é u m a m em b rana lipídica, que p ermite a p assagem de
substâncias de maneira bidirecional, ent re o com parti- Um a das principais características de um teratóge-
m ento fetal e o m atern o. Embora existam diferenças sig- no é que seus efeitos devem ser dose-depend entes; por-
nificantes nos tipos de placenta, considerando-se as várias tanto, aumentan do -se a dose deve-se verificar aumento
espécies animais, essas d iferen ças parecem não exercer d a toxicidade. Assim, o feto pode apresen tar desde ne-
papel preponderante na passagem através da placenta das nhum efeito até o mais grave, que é a morte (efeito letal).
diferen tes substâncias químicas. Assim, a m aior impor- A dose-depen dência dos efeitos tóxicos no concepto é
tância nesse aspecto reside na possibilidade de a substân- uma importante diferença entre a teratogênese e a car-
cia ser transportada pela placenta chegan do até o feto. cinogênse/mutagênese. Nesses últimos, as anormalid a-
A passagem d a m aioria dos toxican tes pela placen ta d es estruturais advêm da alteração de uma célula indi-
provavelmente ocorre por difusão passiva simples e a taxa vidualmente, da qual as outras derivaram. Por outro
pela qual ocorre esse p rocesso está relacion ad a a suas lado, na teratogên ese há a n ecessid ad e de que haja in-
propriedades físico-quím icas. Portanto, a taxa de trans- jú ria em um determinado núm ero d e células, ou, então,
ferência d a substân cia para o feto é proporcional à cons- que a regeneração celular seja p rejudicada, indicando,
tan te de difusão d essa determinada substância ao gra - d essa m an eira, que h á um lim iar de d ose-efeito.
cliente de con centração entre o plasma m aterno e o fetal, É importante frisar que o toxican te d eve prod uzir
à área da troca e ao inverso d a espessu ra da membrana. seus efeitos embriotóxicos dentro de uma variação e em
Além disso, deve-se considerar: a lipossolubilidade, o peso d oses que não sejam tóxicas para a mãe, pois se houver
m olecular, a ligação proteica (particularmen te com a toxicidade m atern a a dism orfogênese pod e ser em de-
albumina), o grau de ion ização e as enzimas placentárias corrên cia d o efeito primário tóxico materno, o que não
que realizam biotransform ação d o toxicante. é consid erad o teratogenicidad e.

As manifestações da alteração do EFEITOS TÓXICOS NA PLACENTA


desenvolvimento são: morte fetal,
malformação, retardo no crescimento e A placen ta é um órgão m ultifacetado e, apesar d a
défi cits f uncionais grande variabilidade entre as diferentes espécies no que
se refere à sua estrutu ra, em todas as espécies esse órgão
Essas alterações estão relacion ad as ao períod o do possui várias funções vitais ao feto, a saber: transporte
desenvolvimento. Dessa m aneira, se, por exemplo, h ou- d e substâncias (por exemplo, am inoácidos, glicose, áci-
ver injú ria n a fase d e p ré-implantação, n orm alm ente d os graxos livres e triglicérides, íons, metais, vitaminas
ocorre a morte do embrião. Por outro lado, a organogê- etc.) e excreção de substâncias (com o o dióxido d e car-
Ca pítulo 37 • Toxicologia do d esenvo lvimento 465

bon o, a u reia e a bilirrubina). A placenta tem também en tan to, deve-se considerar qu e a biotran sformação,
papel fund amen tal n a produção d e estrógen os, proges- depen dendo da natu reza do toxicante, po d e tam bém
teron a e h orm ônios polipeptídicos (prolactina, hormô - acarretar dan o ao concepto. Assim, algumas substâncias
nio do crescimento e lactógen o placentário). podem m anifestar seus efeitos teratogênicos por m eio
A placen ta tem tam bém importan te papel n a bio- d e seus metabólitos, como, por exemplo, o benzopireno,
transformação de substâncias. De fato, vários estudos vêm que, ao sofrer biotransform ação, forma um m etabólito
mostrando que a placenta é capaz de realizar reações de in ter m ediário epóxido altamente reativo e, portan to,
oxidação, redução, conjugação e hidroxilação. As reações mais tóxico do que o próprio ben zopireno.
de oxidação envolvem primariamente as enzimas oxida- O tecid o placentário é composto em parte por cé-
ses d e fun ção mista (citocrom o P-450). As en zim as en- lulas trofoblásticas fetais e em parte por tecido materno.
volvidas n a redução u tilizam NAD PH (n icotinam ida D essa forma, os genes ligad os ao cromossom o X ou Y
aden ina dinucleotídeo fosfato reduzido) e NADH (nico- fetais são d eterminan tes n o desenvolvimento e na fun-
tinamida adenin a dinucleotídeo reduzido) como doado - ção placentária. De forma geral, a placenta de fetos fêmea
res de elétrons. As enzim as MAO (monoamino oxid.ase), apr esenta u m a expr essão gên ica m aior p ara algu mas
COMT (catecol-0 -metil-transferase), sulfatase, bem como enzimas fun d am entais para o metabolism o placentário.
aquelas que promovem a desmetilação oxidativa também Acredita-se que essas diferenças ligadas ao sexo sejam
têm sido id entificadas na placenta. Por tan to, qualquer resp on sáveis pela m aior suscetibilidad e de machos a
substância que p rom ova alteração nesse órgão pod e in- insultos p ré-natais, com o estresse, infecção materna e
diretam en te, mas d e maneira significante, d esenvolver exposição a agen tes tóxicos que causam d éficits m eta-
teratogenicid ad e. bólicos, cognitivos e comportam en tais.
A seguir são apresentados alguns dos m ecanism os
placentotóxicos que podem prom over d ism orfogênese. A lterações morfológicas na placenta

Transporte de todos os nutrientes, oxigênio São bastante escassos os dad os en contrados n a li-
e os prod utos de eliminação teratura referentes à associação de alterações m orfoló-
gicas na placenta e à teratogen icidade. No entanto, pode-
O cádmio e o zinco interferem com o transporte de se sup or que, em v irtude de a placenta possuir várias
aminoácidos. A dim inuição na oferta de zin co, por exem- fun ções, o com prom etim en to destas p ode prom over
plo, redu z a dispon ibilid ad e d a en zima zinco-d epen- sérias consequên cias para o con cepto. Uma substância
den te, timidina-quinase, acarretan do queda significan- que tem se mostrado placentotóxica é a clorpromazina,
te do con teúd o d e DNA. Além do cádmio e do zin co, um m edicamento do grupo dos tranquilizantes maiores,
um outro m etal que vem send o relacion ado à alteração usad o em medicina veterinária na contenção química
, .
n o transporte de n utrientes é o mercúrio. e n a pre-an estes1a.
Um a vez que a passagem d e n ut rientes, oxigên io e
produtos de elim in ação é feita pela ju nção umbílico-pla- A lteração da função endócrina da placenta
cen tária, toxicantes que afetam o leito vascular umbíli- induzida por agentes tóxicos
co-placen tário podem alterar o desenvolvimento fetal.
Nesse sentid o, substâncias como serotonina, adrenalina, A placen ta é u m importante órgão endócrino que
h istamina e hiponoanalgésicos, as quais p rom ovem a pode sintetizar u m a série de horm ônios, como gona-
vasoconstrição, alteran do o fluxo sanguíneo placentário, dotro fin a coriôn ica, p r ogesteron a e estrogên io, qu e
podem p rom over d ismorfogênese. d esempenham papéis importantes na implantação, na
man utenção d a gestação e n o d esenvolvim en to em -
Biotra nsformação de substâncias na placenta brionário/fetal. Estu dos m ostraram que algu ns toxi-
cantes, como os desreguladores endócrinos (veja sobre
Existem algumas possibilidades de destino para as esse assu nto a seguir), pod em interferi r n a secreção
substân cias quím icas que atravessam a placen ta: ser e/ o u biotran sformação de hormôn ios placentários,
excretada e não sofrer biotransformação; interagir e resultan do em alteração n o desenvolvimen to fe tal,
comprom eter a função placen tária; passar diretamente morte fetal e aborto. Um trabalho recen te m ostra que
para o feto; e ser biotransformada. Tan to o comprom e- o t riclosan , u m agente bacteriostático, é capaz d e re-
timento da função da placenta como a interação dire- d u zir os n íveis de esteroides sexu ais circulantes em
tamen te n o feto represen tam grande risco para este; n o ratas gestan tes. Tal efeito d eve-se à m aior expressão
466 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

de enzimas placentárias que biotransform am esteroi- mente aquelas substân cias que têm maior importân cia
des e pode afetar o crescimento e o desenvolvimento em medicina veterin ária. Porém, deve-se salientar que
fetal. D a m esm a form a, o brom odiclorom etan o, um essas alterações, n a maior ia das vezes verificadas em
agente desinfetante, é capaz de promover drástica que- an im ais de laboratório, n ão n ecessariam ente p odem
da na produção de gon adotrofin a coriônica em cultu - promover teratogênese nos an imais domésticos. Assim,
ra de células tr ofo blásticas humanas. Também tem deve ser ressaltado que a extrapolação de estudos de
sido verificado qu e o cádmio produz d ecréscimo d a teratogenicidade dos diferentes toxicantes de uma es-
síntese de progesterona por m eio da in ibição de vias pécie animal para outra não deve ser feita. De fato, es-
esteroidogên icas placentárias. tudos comparando-se os dados obtidos em animais de
laboratório mostram n ormalm ente como regra, e n ão
PRINCIPAIS TERATÓGENOS DE como exceção, grandes diferenças nas respostas.
A ✓

IMPORTANCIA EM MEDICINA VETERINARIA


Med icamentos
Levantamentos epidemiológicos realizados em seres
humanos revelam que o índice de sucesso da gestação Após a catástrofe, ocorrida na década de 1960 pelo
é surpreen dentemente bastante baixo e, ainda, calcula- uso de talidom ida p or gestantes, h ouve uma grande
-se que menos de 50% das m ulh eres geram filhos com- preocupação n o sentido de se avaliar a segurança do
pletamente normais. Os motivos pelos quais esses insu- uso de medicamentos prescritos a gestantes. Assim, pro-
cessos ocorrem são ainda muito p ou co conh ecidos. tocolos de avaliação de teratogenicidade foram propos-
Alguns autores relatam que 65% das causas são ainda tos (veja adiante), visando avaliar os riscos do uso de
com pletam ente desconhecid as, de 15 a 25% são p or medicamentos na gestação de mulheres.
causas genéticas e aproxim adamente 10% por outros O Quadro 37.1 mostra o potencial teratogên ico e
motivos, como condição materna, in fecções etc. Portan - embriotóxico já descrito na literatura para alguns me-
to, m uito pouco se sabe sobre a participação de subs- dicamentos, fato que deve alertar o m édico veterinário
tân cias teratógenas n esses índices. sobre os possíveis efeitos tóxicos n o feto de anim ais de
Em medicina veterinária, não existe, até o momento, companhia e de produção.
esse tipo de estatística, em nenhuma espécie animal. No
entanto, pode-se supor que, da mesma maneira que ocor- Plantas tóxicas
re em seres humanos, os índices relativos à quantidade
de proles com pletamente normais devam ser tam bém O estu do d os efeitos nocivos causados por plan -
baixos, considerando-se as diferentes espécies animais. tas na criação animal tem grande importância, como
A seguir, são relacion ados os principais agentes já descrito n os Capítulos 22 e 23. Con tu do, estudos
tóxicos que estão associados à teratogênese, particular- relativos aos possíveis efeitos das toxinas dos vegetais

QUADRO 37.1. Principais medicamentos usados em medicina veterin ária com potencial te ratogênico e embriotóxico
Medicamento Efeito observado Espécie animal na qual se observou a alteração
,
• Acido aceti l salicílico A lterações esque léticas e craniofaciais Cão, gato, coelho, ha mster, macaco Rhesus

• Antibacterianos
Rifampicina Malformação do SNC, espinha bífida, fenda palatina Rato, camundongo, coelho
Cloranfen icol Morte feta l, ma lformação de costela Rato
Estreptom icina Surdez congênita Rato
Sulfas Embriotoxicidade Camundongo, rato, coelho
T et raciclinas Malformações esqueléticas, alterações da dentição Rato, homem

• Anticonvu lsivantes
Benzodiazepínicos Fenda palatina, malformações faciais Ratos, humanos
Difenil-hida ntoína Microcefa lia, anormalidades craniofaciais, hipoplasia Homem , rato, camundongo
e anoma lias cardíacas
,
Acido valproico Alterações no SNC Homem , camundongo

• Antifúng icos
Cetoconazol Embriotoxicidade Rato, camundongo
Griseofu lvina Malformações de cé rebro, crâ nio, olhos, coração, Gato
palato, vértebras
(continua)
Capít ulo 37 • Toxicologia do desenvolvimento 467

QUADRO 37.1. Principais med icamentos usados em medicina veterinária com potencial teratogênico e embriotóxico (continuação)
Medicamento Efeito observado Espécie animal na qual se observou a alteração
• Anti-helmínticos
Cambendazol Efeitos teratogênicos em vários órgãos e tecidos e Rato, ovino
embriotoxicidade
Mebendazol Efeitos teratogênicos em vários órgãos e tecidos e Rato
embriotoxicidade
Parbendazol Efeitos teratogênicos em vários órgãos e tecidos e Rato, hamster, bovino, ovino
embriotoxicidade
• Corticoide
Triamcinolona Fenda palatina; em macaco também malformações Coelho, rato, macaco
craniofacia is
Dexametazona Fenda palatina, defeitos no crân io e membros Coelho

• Hormônios
Dietilestilbestrol Embriotoxicidade, criptorquid ismo Camundongo
Progestágenos Mascu linização (hipertrofia de clitóris) Coelho, cão

• Vitam ina A Alterações craniofaciais, alterações cardíacas Rato, camundongo, coelho, gato

no concepto são, em particular no Brasil, muito es- gênitas em animais de produção. Esses dados foram
cassos. O Quadro 37.2 apresenta algumas plantas obtidos por meio de intoxicação experimental, em ani-
tóxicas com efeitos sabidamente teratogênicos e as mais de laboratório, portanto, também n ão é possível
respectivas espécies animais nas quais foram realiza- afirmar que esses praguicidas possam causar dismorfo-
dos esses estudos. gênese nos animais domésticos.

Praguicidas Metais

Essa categoria inclui um grande número de com- Os m etais estão presentes no meio ambiente,
postos que são atualmente utilizados, objetivando-se ocorrendo em várias concentrações no ar, camadas
controlar ou destruir as pragas (ver Capítulos 16 a 21). de rochas, solo, água e material biológico (para deta-
Uma vez que a ocorrência de resistências dos insetos e lhes, ver Capítulo 33). Além disso, os metais são tam-
de outras pragas a essas substâncias químicas é uma bém liberados no meio ambiente por indústrias. A
realidade, sempre vem sendo introduzido um número cada ano, milhões de toneladas de metais são produ-
crescente de novos praguicidas no mercado. zidos a partir de minas e, subsequ entemente, redis-
O Quadro 37.3 apresenta alguns desses agentes que tribuídos na biosfera. A exposição aos metais vem
potencialmente podem promover malformações con- sendo associada a uma grande variedade de efeitos

QUADRO 37.2. Plantas que causam efeitos teratogên icos


Planta Fitotoxina Efeito Espécie animal
Veratrum californicum Je rvina, ciclopam ida Defeitos facia is, alterações bovino
esqueléticas e defeitos na traqueia
Lupinus spp. Anagina e amondendrina Alterações no esqueleto, fenda palatina bovino

Conium moeu/atum Coniina, gamaconiceína Alterações esqueléticas bovino


Oxytrops sericea, Astragalus lentiginosus, Suainsonina Alterações esqueléticas, alterações bovino, caprino,
A. pubentisimisus, lpomoea carnea craniofaciais, malformações cardíacas ovino
,
Nicotiana sp. Anabasina Alterações esqueléticas, fenda palatina SUlnO

Plantas acumuladoras de selên io Selênio Deformidade de cascos bovino

Pinus ponderoso Desconhecido Baixo peso ao nascimento bovino

So/anum malacoxy/on 1,25 d iidroxicolicalciferol Ca lcificação de tecidos moles rato, caprino


(vitam ina D3 )
,
Gossypium spp. Gossipol Redução da formação de blastocistos, SUlnO
reta rdo de crescimento do embrião
468 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

QUADRO 37.3. Prag uicidas que causam efeitos teratógeno


Praguicida Efeito Anima l testado

• Fungicidas
Pentaclo ro-nitrobenzeno Agenesia rena l Camundongo
Ditiocarbamato Fe nda palatina, ma lformações esqueléticas e de tubo neural Rato

Etilenotiourea Hidrocefalia e malformações do sistema nervoso central Rato

• Herbicidas
ácido 2,4,5 tricloro- Fe nda palatina, ma lformação cardíaca e rena l Camundongo, rato e hamste r
fenoxiacético (2,4,5-T)
ácido 4-cloro-metil-
fenoxiacético (MCPA)

• Inseticidas
Fentiona Ma lformação de dígitos, vértebras e fenda pa latina Camundongo
Clorpirifós Ma lformação esquelética e fenda palatina Rato
Triclorfom Ma lformações esqueléticas Rato
• Produto de degradação de f ungicidas à base de etilenobisditioca rbamato.

tóxicos, sendo qu e m uitos d esses efeitos referem-se vel à exposição a substâncias com atividade hormonal
a m alformações em m am íferos. ou an ti-hormonal. Tais substân cias são chamadas de
O Quadro 37.4 apresen ta os principais efeitos tera- desreguladores endócrinos e são defin idas como agen -
togênicos, p roduzidos por algun s metais, em animais tes exógen os que interferem na produção, liberação,
de laboratório. transporte, metabolismo, ligação, ação ou eliminação
de hormônios naturais, responsáveis pela manutenção
,
DESREGULADORES ENDOCRINOS d a hom eostase e pela regulação dos processos de de-
senvolvimento.
Da m esma m an eira que ocorre com os efeitos na Na atualidade, diversas substâncias são consideradas
reprodução (ver Capítulo 36), uma das prin cipais preo- d esreguladoras endócrinas, tais como praguicid as, plas-
cupações que envolvem a toxicologia do desenvolvi- tificantes, fitoestrogênios, surfactantes, hidrocarbonetos
mento é a exposição a substân cias exógenas que podem aromáticos policíclicos, organometálicos, ent re outros.
interagir com o sistema endócrino. Sab e-se que os Basicamente, essas moléculas atuam d e três formas dis-
hormônios têm papel fundamental no desenvolvimen- tintas: ligando-se aos receptores hormonais, podendo
to e na diferenciação d e diferentes tecidos. Portanto, desempenhar atividade agon ista ou antagonista; alteran-
o organism o em desenvolvimento é bastante vulnerá- do a síntese, a secreção e a biotransform ação de hormô-

QUADRO 37.4. Metais com potencial t e ratógeno para mamíferos


Metal Efeito Animal testado

• A rsênico
A rsenato Exencefa lia, malformação dos o lh os, agenesia rena l, Rato, hamster
agenesia de gônadas
A rsenito Exencefalia, micrognatia, defeitos de cauda e ma lformações Camundongo, hamster
esquelét icas

• Cadmium Ma lfo rmações no sistema nervoso centra l, pulmões, olhos, Rato, hamster, camundongo
testícu los e palato; reta rdo no crescimento fetal e morte fetal

• Chumbo (acetato de chumbo) Hidrocefalia e hemorragia no SNC, defeitos de cauda , Rato, hamster, camundongo
anomalias esqueléticas

• Mercúrio (metil-mercúrio) Fenda palatina, ma lformações ósseas Rato, hamster, camundongo

• Urânio Retardo no crescimento feta l, fenda palatina e anoma lias Camundongo


esquelét icas

• Níquel Retardo no crescimento feta l, retardo na ossificação, acefa lia, Hamster


anquilose e anomalias esqueléticas

• Vanádio Micrognatia, fenda pa latina, anoma lias esqueléticas e Hamster, cam undongo
embrio leta lidade
Capítulo 37 • Toxicologia do desenvo lvimento 469

nios endógenos; e alterando a eixo hipotalâmico hipofi- plicad as estavelmente du rante as d ivisões celulares, mas
sário, comprometendo a liberação de horm ônios tróficos. que n ão m odificam as sequên cias de nucleotídeos e,
Os riscos da exposição aos desreguladores endócri- dessa form a, alteram o fenótipo sem mudar o genótipo.
n os com atividade estrogênica du ran te o desenvolvi- A m etilação do DNA constitui u m dos mais estáveis
m ento são bem caracterizad os, sen do o padrão d e res- fenôm enos epigenéticos conhecidos e coordena a heran-
posta sem elhante en tre as d iferen tes moléculas. Com o ça epigenética ent re as gerações. A metilação envolve a
se sabe, o estrogênio possui diferentes funções no orga- adição de um grupo m etil a regiões específicas do DNA
n ismo e as suas respostas são d ependentes d o tipo d e (ricas em CpGs) com o objetivo d e regular a expressão
r eceptor estimulado, d o tecido-alvo e d os níveis e d a gênica. Assim, a metilação d o DNA é determ inante para
frequência de exposição. De forma geral, a exposição in a regulação d e uma ampla gama de p rocessos biológicos
utero às moléculas desreguladoras en dócrinas estrogê- em mamífe ros, como o desenvolvimento em brionário
nicas resulta em m alformações estruturais e/ou funcio- norm al, a inativação do crom ossomo X e a regulação do
n ais do t rato reprodutivo em machos e fêm eas, que n a imprinting genômico. Atualmente, sabe-se que o padrão
m aioria das vezes são observad as du rante o desenvol- d e metilação do DNA pod e sofrer influência d e alguns
vimento puberal. O dietilestilbest rol (DES), uma subs- fatores ambientais (com o, por exemplo, d ieta, estresse e
A • , . - A• r
tanc1a qu 1m1ca com p o tente açao estrogen1ca, e u m substâncias químicas), acarretando em diferentes fenóti-
desregulador endócrino característico, com seus efeitos pos com o cânceres, infertilidade e síndrom es genéticas.
n ocivos duran te o d esenvolvimento bem conh ecid os. Os padrões d e m etilação do genom a d e células so-
Por exem plo, camund ongas expostas ao DES, in utero, máticas diferenciadas são estáveis e hered itários. Entre-
apresen tam alterações est ruturais no ovidu to, útero e tanto, nos m amíferos, existem dois períod os do desen-
cérvix, in fertilidade e cân cer de vagina. Da m esm a for- volvi mento em q u e os padr ões de m etilação são
m a, mach os, expostos in utero, apresentam alterações reprogram ados, dando or igem a células com amplos
reprodutivas importantes como infertilidade, alterações potenciais de d esenvolvim ento. O p rimeiro m omen to é
espermáticas, cripto rquidism o e h ipospádia. Outros durante os estágios iniciais do d esenvolvimento (gas-
exem plos d e teratógenos com ação estrogênica ou an - t rulação) e o segun d o duran te a form ação das células
tiestrogênica são os praguicidas, com o o DDT, e produ- germ inativas (gametogênese).
tos químicos industriais, como o m etoxicloro, dioxinas; O pr imeiro ciclo d e reprogramação ocorre no pe-
também medicamentos com ação antiestrogênica, como ríodo pré-implantação e estabelece a metilação do DNA
o tamoxifeno e o clomifeno. para o desenvolvimento de células som áticas fetais. Essa
Os desreguladores endócrinos antiandrogênicos tam- reprogramação epigenética é basead a no m aterial gené-
bém representam risco para organismos em desenvolvi- tico transferido do óvulo e do espermatozoide. Alterações
mento; porém, nesse caso normalm ente as malformações epigen éticas n esse mom en to r esultam em defeitos de
são restritas a m achos e incluem hipospádia, redução do desenvolvim ento ou m or te em brionária. Acredita-se
peso dos testículos e de glândulas acessórias, infertilida- que algumas alterações tipicam ente observadas em ani-
de e alterações espermáticas. São exemplos de antiandro- mais clon ados, com o alterações no desenvolvimento
gênios que afetam o desenvolvimento alguns medica- placentário e/ou fetal e m orte perinatal, sejam fruto d e
m entos com o a flutamida e a finasterida, e praguicid as, alterações epigenéticas que ocorrem n esse mom ento,
como o vinclozolin e alguns metabólitos do DDT. em virtude de influências ambientais e das biotecnolo-
Aind a, existem desreguladores endócrinos que tam- gias de reprodução empregadas.
bém pod em atuar em vias horm onais tireoidianas, du - A reprogram ação de linhagens germ inativas ocor-
rante o desenvolvimento, levando a déficits estruturais e re durante o d esenvolvimento gonad al. As células ger-
fun cionais. Nesse sentido, as bifenilas policlorad as, um m inativas primordiais, ao colonizar a crista gonadal, são
contaminante ambiental, reduzem os níveis de hormônios desmetiladas e, dur ante o p erío d o de d etermin ação
tireoidianos levan do a retard o do crescim en to, déficits sexual passam por uma remetilação sexo específica, a
cognitivos, atraso na abertura d os olh os, hiperatividade qual resulta na form ação d os gam etas. Essa p ropried a-
e d efeitos auditivos em roedores expostos in utero. de ú.n ica d as células germ inativas de sofrer uma desm e-
tilação seguid a de uma rem etilação, durante a d etermi-
Alterações epigenét icas nação sexual na gôn ad a em desenvolvimento, a torn a
vulnerável à ação epigen ética d e agentes am bientais,
O term o epigenética refere-se às m odificações mo- com o os desreguladores en dócrin os. Dessa forma, o
leculares que são introduzidas nos cromossom os e re- período crítico de exposição d as células germinativas é
470 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

durante a diferenciação sexual do feto e o fenótipo pode Esses protocolos de avaliação são empregados por
ser transmitido, de forma hered itária e transgeracional, várias agências regulatórias no mundo todo; no entan-
por m eio dessas células germ inativas. to, existem variações en tre os diferentes p r otocolos.
Estudos mostram que a exposição de ratas p renhes Além disso, em razão de alguns fatores com o experiên-
a praguicidas desreguladores end ócrin os, com o o fun - cia prévia, aumento do conhecimento relativo à biolo-
gicida vinclozolin e o inseticida metoxicloro, resulta em gia do desenvolvimento, quantidad e imensa de p rodu-
alterações esperm áticas e d iminuição de fertilidade em tos que devem ser avaliad os e custos dos testes, têm
machos nas gerações Fl e subsequen tes. Tais alterações sido introdu zidas mudanças frequen tes n esses proto-
reprodutivas resultam da alteração d o padrão de meti- colos d e avaliação.
lação d e genes específicos d as células germinativas, sen - D e maneira geral, as principais agências qu e re-
do esse fenótipo observado em mais de 90% dos machos gulam en tam esses p rotocolos de ter atogen icidad e,
nas diferen tes gerações observad as. Outros desregula- como o FDA (segm ento II) e a O rganisation for Eco-
dores cuja exposição in utero é relacionad a a alterações nomic Cooperation an d Developmen t (OECD - pro-
epigenéticas transgeracion ais são o bisfen ol A, o D DT, tocolo n. 414), p ropõem que a administração da subs-
a perm etrina, os ftalatos e as dioxinas. tância química a ser testada d eva abr anger desde a
im plantação ( ou acasalam ento) até tod a a organogê-
~ nese ou parto. Indica-se o uso d e 24 fêmeas por grupo
TESTES DE AVALIAÇAO DE RISCO
e, no mín imo, três diferentes doses da substância quí-
Os testes de avaliação d e risco voltad os para a tera- m ica, mais u m grupo d e fêmeas n ão expostas à subs-
togenicidade podem ser in vivo e in vitro. tância (grupo-controle).

Estudo in vivo Espécies an ima is usadas na ava liação da


teratogen icidade
Após a tragédia produzida pela talidomida, procu- O teste d e teratogenicid ade pad rão (segmento II)
rou-se imediatamente obterem-se protocolos de avaliação usa um a espécie d e roedor, comumente o rato, e outra
de risco em relação aos possíveis efeitos teratogên icos de d e não roedor, que normalm ente é o coelh o. A seguir,
substâncias químicas (particularmente os medicamentos). são apresentadas as p rincipais espécies animais usadas
Um a das primeiras agências n ormativas a abord ar nos testes de avaliação de toxicidade do desenvolvim en -
esse assunto foi a Food and Drug Adm in istration (FDA), to e algumas características desejáveis nesses anim ais.
vinculad a ao Departamento d e Saúde dos Estados Uni- No entan to, d eve ser salientad o que não existe u ma es-
dos. Essa agên cia considera três segm entos para propó- pécie animal "perfeita" para se realizar essa avaliação.
sitos d e avaliação dos d iferen tes agen tes. Essa divisão Cada espécie anim al escolh ida tem vantagens e desvan -
auxilia na interpretação dos dados e ajuda na identifi- tagen s, sen do importante que o avaliador conheça as
cação dos estágios n os quais um d eterminado toxican- características da espécie animal com a qual está traba-
te pode atuar. lhand o e use esse conhecimento ao se fazer a ext rapo-
O segmento I é aquele que cobre o período de pré- lação d os dad os dessa d eterm inada espécie anim al d e
-acasalamento, que, em roedores, é de dez semanas para laboratório para a outra (usualm ente o ser humano).
os mach os ( abran ge um ciclo esperm ático com pleto) e
duas seman as p ara fêm eas (ab ran ge p elo menos três • Roedores: em virtude de uma série de vantagens,
ciclos estrais) até a implantação. como tamanho pequeno, gestação curta, grande nú-
O segmento II ( avaliação da teratogenicidad e) é mero d e filhotes por ninhada, facilidade de cruza-
aquele no qual se avalia o efeito da substân cia quím ica mento e custo, fazem com que estes sejam os ani-
da implantação até o final da organogênese. mais de escolh a par a o uso em p r otocolos d e
O segmento III compreende a avaliação do final da avaliação da teratogenicidade. Tanto camundon gos
gestação até o desenvolvimento pós-natal. como ratos podem ser usados, mas com o os ratos
Neste capítulo são abordados apenas aspectos refe- possuem tam anho m aior, facilitan do a avaliação
rentes ao segmento II. morfológica, são estes os escolhidos para a execu-
Várias combinações desses estudos são aceitas, por- ção de tais testes. Os hamsters podem , eventualm en-
tanto, para se avaliar uma determinada substância pode- te, ser utilizados.
-se combinar estudos do segm ento I e II, ou segmentos Embora sejam várias as vantagens de se utilizar
II e III. roed ores, deve-se lembrar, no en tan to, que esses
Ca pítulo 37 • Toxicologia do d esenvo lvimento 471

animais possuem a placenta com saco vitelino para • Primatas não humanos: em razão das grandes se-
. - - , .
a nutr1çao, estrutura esta nao presente em espec1es m elhanças do metabolismo, estrutura placentária e
n ão roedoras. Outro fato que tam bém d eve ser fisiologia reprodutiva entre o ser humano e os pri-
considerado é que, se for necessária a avaliação da m atas não humanos, seria essa, sem dúvida, a espé-
ad m in istração pré-n atal em determ in ados siste- cie de escolh a para avaliação de risco de teratogeni-
m as (particularm ente o sistema nervoso central), cidade das substâncias. No entanto, principalmente
deve-se lem brar que em ratos a m aturação ocorre por causa do custo, mas também do longo tempo de
em um p eríodo posterior àquele de outras espé- gestação e preceitos éticos, descarta-se a possibilida-
cies anim ais (principalmente o ser humano) . de de serem essas espécies animais aquelas de esco-
Em relação às características desejáveis para a es- lh a para testes de teratogenicidade em larga escala.
colha de ratos, usualmente são usados ratos das li- • Aves: o uso de ovo embrionado de galinha tem como
nhagens Wistar ou Sprague-Dawley. Preferen cial- principal vantagem a fácil e rápida avaliação duran -
m ente, deve-se usar a m esma linhagem de ratos te o período de desenvolvimento do embrião. Por
que foi utilizada quando de outros testes de toxi- outro lado, no sen so estrito, o ovo de galinha não
cidade. Os animais devem ser jovens, porém adul- pode ser considerado uma avaliação in vivo, já que
tos, devendo estar em período reprodutivo e as fê- o ovo não possui interação com a farmacocinética
m eas devem ser virgen s. A idade e a m aturidade m aterna. Além disso, há diferenças significantes en -
sexual variam conform e a linhagem escolhida, no tre a embriogênese de aves e mamíferos que, sem
entanto, de m aneira geral, os ratos deverão ter mais dúvidas, devem promover diferenças de respostas
do que 12 seman as de idade. Um estudo conduzi- na avaliação de teratogenicidade.
do adequadamente deverá ter um índice de pre- • Caprinos: a principal preocupação na avaliação de
nhez acima de 90%, n aquelas r atas perten centes risco do impacto das diferentes substâncias quím i-
ao grupo-controle. cas n o desenvolvimento é que haja a extrapolação
• Coelhos: é a espécie animal não roedora de esco- correta dos dados obtidos. Nesse sentido, um dos
lha para testes de teratogenicidade. A predileção por m aiores desafios para as agências de regulamenta-
esse lagom orfo se deve ao seu porte, tamanho da ção é, a partir dos dados obtidos em ratos, extrapo-
ninhada e curto tempo de gestação. Usualmente são lá-los para os seres humanos. Seguindo-se esse mes-
empregados coelhos da linhagem Nova Zelândia m o raciocínio, deve-se supor que a extrapolação de
para a realização desses estudos, sendo que a idade, dados de uma espécie m onogástrica, com o ratos,
tanto de machos com o de fêm eas deve ser superior para u m a outra esp écie r um in ante deve ser feita
a 5 m eses no início da avaliação. com maior precaução, já que o rúmen é, sabidamen-
• Suínos: existem diversas vantagens para se empre- te, um local que desempenha importante papel na
gar a espécie suína nesses estudos, entre as quais po- farmacocinética e m etabolismo dos diferentes xe-
de-se destacar as várias semelhanças anatômicas, fi- nobióticos. Por exem plo, o anti-helmíntico alben-
siológicas e metabólicas com o ser hum ano; além dazol causa embriotoxicidade somente em r umi-
. , ,
disso, apresenta alta fecun didade, grande núm ero n ant es, pois o comp ost o te r atoge n o e o seu
de filhotes por prole (de 10 a 12); ciclo estral curto m etabólito, um derivado sulfóxido, o qual é gerado
(o estro ocor re a cada 21 dias); pr ecocidade para exclusivamente por poligástricos.
maturação sexual (ao redor de 7 m eses); e gestação Por outro lado, sabe-se que a mortalidade pré-na-
relativamente curta (aproximadamente 114 dias). tal e o n ascimento de fetos teratogênicos são um a
Outra grande vantagem é a baixa incidência de te- das m ais importantes causas de perdas econômicas
ratogênese sem causa aparente (men or do que 1%). na criação anim al. Assim sendo, e objetivando-se
• Furões: é também um animal que pode ser usado avaliar os possíveis efeitos teratogênicos das dife-
nesses protocolos de avaliação de teratogenicidade, rentes substâncias químicas (m edicamentos, toxi-
em decorrência de seu tamanho, facilidade de alo- nas e contaminantes ambientais, entre outros), foi
jamento e de cruzam ento. Entretanto, em virtu de proposto, e têm sido realizados estudos no sentido
da característica de a fêmea possuir apenas um úni- de se estabelecer um protocolo de avaliação de te-
co ciclo estral por ano, dificulta muito a realização ratogenicidade especificamente para ruminantes,
de acasalamento; além disso, são muito pouco dis- utilizando-se caprinos como modelo animal.
poníveis os estudos de farm acocinética utilizando- • Zebrafish (Danio rerio): esse animal, também co-
-se esse animal. nhecido com o "peixe paulistinhá: tem conquistado
472 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

cada vez m ais espaço nos laboratórios com o mode- fetos para a avaliação. Em algumas situações, quando o
lo complementar de experimentação animal. Nes- aum ento na dose da substân cia não fo r acompanhado
se sentido, essa espécie animal apresenta caracterís- de aum ento nos n íveis sanguíneos ou teciduais dessa
ticas interessantes que justificam sua utilização em substância, a farmacocinética pode ser utilizada para a
estudos de toxicologia do desenvolvimento, como, escolha da dose.
por exemplo, grande homologia aos vertebrados su- A m enor dose a ser utilizada não deve apresentar
periores em seu desenvolvimento, anatomia, fisio - qualquer efeito tóxico. Para medicam entos, a m en or
logia e comportamento, com o seu desenvolvim en - dose é usualmente selecion ada a p artir de estudos clí-
to n o rmal bem docum entad o. Produzem pr ole nicos. A dose intermediária é, de maneira geral, esco-
numerosa (200 a 300 ovos a cada 3 dias), desenvol- lhida em uma escala logarítmica situada entre a m aior
vem-se rápido (entre 48 e 72 h evoluem do estado e a men or dose, sendo desejável que induza alguns m í-
de ovo para larva e se tornam adultos aos 3 meses nimos efeitos tóxicos observáveis.
de vida), com baixo custo de produção e m anuten- A escolha das doses a serem utilizadas nos estudos
ção. Além disso, o desenvolvimento em brionário de ter atogenicidade é usualmente feita a partir de um
ocorre em ambiente externo, permitin do que os tes- "estudo-piloto", utilizando-se poucos animais (3 a 5),
tes de toxicidade sejam realizados em placas de 96 com várias doses diferentes (usualm ente 5 doses distin-
poços. Os embriões em desenvolvimento são trans- tas), procu rando-se identificar a toxicidade materna
parentes, possibilitan do fácil visualização óssea e com o mínimo de perda em brion ária e/ou fetal. Para a
visceral. Pelo seu curto ciclo de vida (aproxim ada- escolha da maior dose a ser utilizada nesse estudo pode-
mente 3 anos), estudos que envolvam diferentes pe- se tomar como parâmetro a DL10 ( dose que é letal a 10%
ríodos do desenvolvimento p odem ser realizados dos animais), ad m inistrando-se pelo mesmo período
com rapidez. Tais facilidades fizeram com que dife- que aquele quando do estudo definitivo da avaliação da
rentes agências regulam entadoras, com o a OECD, teratogenicidade.
a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Uni-
dos (Usep a) e a Agên cia de Medicina Europeia Via e frequência de administração
(EMA) propusessem ensaios de toxicologia do de- A via de administração obrigatoriam ente deve ser
senvolvim ento com essa espécie. a m esma pela qual o indivíd uo está naturalmente ex-
posto ao toxicante. Outras vias de administração podem
Escolha das doses ser utilizadas se for com provado que os efeitos sistêmi-
Um dos maiores problemas enfrentados pelas agên- cos são os m esm os que aqueles quando ad m inistrado
cias de regulamentação para propor guias para testes de pela via de exposição usual. A administração oral por
toxicidade é a determ inação das doses que devem ser meio de gavagem é a m aneira usual de administração
utilizadas n esses protocolos. Usualmente, é necessário nos protocolos de avaliação de teratogen icidade.
que se tenha um gran de conhecimento dos efeitos tó- De m aneira geral, os protocolos para avaliação de
xicos da determinada substân cia n o anim al adulto. teratogenicidade utilizam uma única administração por
De maneira geral, as agências norm ativas preconi- dia; no entanto, se a substân cia química a ser avaliada
zam que devam ser usadas três doses: uma que produza possui meia-vida muito curta, pode-se administrá-la de
efeitos tóxicos maternos, outra que não promova nenhum duas a três vezes ao dia. Além disso, deve-se considerar
sinal de toxicidade n as mães e um a terceira, interm e- que algum as substâncias quím icas possuem efeito acu-
diária entre essas. Em relação à dose tóxica, os efeitos m ulativo, sendo que, nesse caso, p ode-se dim inuir a
tóxicos esperados são de queda no ganho de peso ou no frequência de administração; ao contrário, outras subs-
con sum o de ração. A m ortalidade dos animais desse tâncias p odem, por exemplo, causar tolerância farma-
grupo deve ser baixa (menor do que 10%). São aceitos cológica, devendo-se, nessa situação, aumentar a fre-
também parâmetros bioquímicos, peso de ór gãos ou quên cia da exp osição. Os h orários de adm inistração
avaliação histológica dos diferentes tecidos, que possam devem ser próximos, durante todos os dias da realização
com provar o efeito tóxico da substância. No entanto, do estudo.
deve-se considerar que as agências norm ativas podem
recusar o estudo se não houver dados óbvios que com- Pa râmetros a serem ava liados nos testes de
provem o efeito tóxico. Essa dose m ais alta n ão deve teratogen icidade
também provocar elevada taxa de abortam entos ou Os parâmetros que são avaliados nos testes de tera-
morte fetal, para que se tenha um número adequado de togenicidade são:
Capítulo 37 • Toxicologia do desenvo lvimento 473

• Observação geral: diariam ente devem ser verifica- "clareamentó' com KOH-alizarina) e a outra metade dos
dos sinais clínicos de toxicidad e. Dentre os princi- fetos é utilizada para a avaliação d e anomalias viscerais.
pais sinais a serem observados têm-se perda de pelo,
sialorreia, alterações comportam en tais, t rem ores e Estud os in vitro
alteração respiratória, além de m ortalidad e, abor-
tamentos ou partos p rem atu ros. Os testes para avaliação de teratogenicidade in vitro
• Peso corpóreo e consumo de ração: depend en do são u tilizados fundamentalm en te como screening, ou
do protocolo a ser seguido, a pesagem pode ser re- seja, como avaliação inicial d o potencial teratogênico
alizad a diariam ente, duas vezes por sem ana ou se- d e um a determ inada substância.
manalm ente. Usualmente, se faz a pesagem, em ro - As vantagens da avaliação in vitro são principalmente
edores, nos seguintes dias de p renhez: O, 6, 9, 12, 18 a dim inuição d os custos, a r apidez e a dim inu ição d o
e 20. D e m aneira geral, a avaliação do consumo de uso de animais de laboratório para a realização de testes
ração (e tam bém algumas vezes consumo de água) pilotos in iciais. Por outro lado, deve-se considerar que
se faz n esses m esmos dias de pesagem . esses testes n ão substituem , em n en huma h ipótese, a
• Cesariana: a cesariana é realizad a no 20° dia na rata avaliação in vivo. Isso se deve sobretudo aos seguin tes
e no 29° dia n a coelh a, quando o útero é, então, re- fatores: impossibilid ade d e avaliação d e uma determi-
tirad o, pesado e, posteriorm ente, aberto. O núm e- nad a resposta, não h á com o se avaliar a farm acocinéti-
ro e a posição de fetos vivos e mortos são registra- ca e a aplicação dos resultados para uma determ inad a
dos. D eve-se também verificar as reabsorções fetais espécie (em geral, o ser hum ano). Portanto, esses estudos
(iniciais e tardias que são identificadas conforme as servem como parâm etros iniciais para avaliação d a pos-
características do feto). As placentas devem ser pe- sível teratogenicid ade de um a determinad a substân cia
sadas e examinad as. O núm ero d e corpos lúteos é e, também , com o ferram enta para se estud ar os m eca-
também registrado. D eve-se realizar n ecropsia nes- nism os de ação da dism orfogênese.
sas fêmeas, aten tando-se especialmente a possíveis Os estud os in vitro são aqueles nos quais são utili-
alterações n os órgãos reprodutivos. zados células e tecidos de mamíferos m antidos em m eio
• Avaliação fetal: os fetos coletad os devem ser id en- d e cultura, com o exemplificado a seguir.
tificad os individualmen te, registrando-se de qual
n in hada é proven iente e qual a posição em que foi Cu ltura de células embrioná rias
encon t rado no útero. A seguir, d eve-se proceder à É utilizad a para determinar a toxicidade p ré-n atal.
sexagem , avaliação do peso e do comprimento (do A falta de especifid ad e d esse teste faz com que ele seja
início do crânio ao in ício da cauda). Cada animal utilizado ap en as como pre-screening, d eter m in an do
deve ser observado individualmente, procuran do- aqueles com p ostos com elevada toxidez. Esse estudo
se qualquer an orm alidad e. Se fo r constatada algu- não responde adequadamente a indagações relativas aos
m a anormalidad e, esta deve ser diferen ciad a em possíveis efeitos teratogên icos.
malformação , que é definid a como anomalias es-
trutu rais qu e alteram a conformidade corpórea, Cu ltura de órgãos
comp rometendo ou interferindo com a função do Cultu ras de tecidos com o palato, pulm ões, rins e
organismo ou que são, de man eira geral, incom- pân creas vêm sen do utilizad as para se avaliar possíveis
patíveis com a vida, ou variações no desenvolvi- alterações quando d o uso d e uma d eter m inada subs-
mento, que se en tend e com o alterações estrutu- tância. Com o esses tecidos são rem ovid os do embrião
r ais an atômicas, qu e n ão têm sign ificante efeito durante a organogênese, esse protocolo n ão serve para
biológico na saúde d o anim al ou n a conform ação a detecção de teratógenos em estágios in iciais d a orga-
corpórea, represen tan do, assim , u m pequen o des - nogênese. A grande van tagem d a utilização desse estu-
vio do norm al. do está na capacidade d e se avaliar os efeitos de u m a
d eterm inad a substân cia nos parâm et ros de crescim en -
Após os fetos terem sid o examinados, deve-se pro- to do órgão, taxa de diferenciação dos tecidos e alteração
ceder à eutanásia, a qual usualm ente é realizada por meio tem po -dependente n a morfologia.
de dióxido de carbono, evitando-se asfixia ou im ersão em
líquidos. Nos estud os com roed ores, m etade da nin hada Cu ltura de embrião
é p reparada para a realização do exam e esquelético (fi- Esse estudo tem com o desvantagem o pequeno in -
xada com etan ol e, a seguir, p rocede-se ao denominado tervalo d e tem po d isponível para a avaliação, já que a
474 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

n ecrose se desenvolve rapidam ente. Assim, o tempo de Como já considerado neste capítulo, não existe u ma
sobrevida d o em brião está en tre 24 e 48 h . Por outro espécie animal que preencha tais características, e o rato,
lado, esse teste oferece o maior potencial para uso como por ap resentar vários requisitos desejáveis, pr incipal-
adjuvante dos protocolos de teratogenicid ade in vivo. men te o baixo custo, é a espécie animal de escolh a para
os protocolos d e avaliação d e teratogenicidad e. Por ou-
Cultura de células e tecidos de não mamíferos t ro lado, d eve-se incen tivar a pesquisa relativa ao uso
Dent re as culturas de células e tecidos d e n ão m a- de outras espécies an imais que possam melhor traduzir
míferos, a que vem sendo bastante empregada e repor- os potenciais riscos d a exposição de mulheres gestantes
tada na literatu ra é a do embrião de uma espécie de sapo, às diferentes substâncias quím icas.
Xenopus, d enominado Fetax (fetal embryo teratogenesis En tre algu m as espécies que po d eriam ser usadas
assay xenopus). Esse teste consiste na avaliação d a ocor- para tais estudos citam-se as cobaias, que, embora apre-
rência de mortalid ade, malformação ou retardo no cres- sentem períod o de gestação três vezes superior ao dos
cimen to d e u m a cultura de em brião de sapo, em u m ratos, além de p role pequen a (2 a 4 fetos), possuem si-
períod o de 96 h. Esse teste vem sendo usado com o ava- m ilaridades com o ser humano, sobretudo n o que se
liação inicial (pre-screening), principalmente de conta- refere ao balanço horm on al.
minan tes am bien tais. Outra espécie anim al que potencialmente teria gran-
d es possibilidades para ser utilizada nos testes de tera-
PERSPECTIVAS FUTURAS SOBRE togenicid ade é a suína, já que possui várias semelhanças
O ESTUDO DA TERATOGENICIDADE E anatômicas, fisiológicas e m etabólicas com o ser huma-
PROPOSTAS PARA MELHORIA DOS no. As van tagens da utilização d essa espécie seriam o
~ gr an de n úmero de filhotes por prole (10 a 11); ciclo
PROTOCOLOS DE AVALIAÇAO
estral curto (o estro ocorre a cad a 2 1 dias); p recocid ad e
Muita con trovérsia existe atualmente no que se re- para a maturação sexual da fêmea (ao redor de 7 meses);
fere à adequação e à validação dos m étod os p ropostos a gestação relativamente curta (ao red or de 114 dias).
pelas diferen tes agên cias responsáveis pela regulam en - Além d isso, a incidência d e teratogênese é bastante bai-
tação d os protocolos de avaliação d e teratogenicid ade. xa nessa espécie (m enor que 1%). Aind a, se comparado
Assim, em b or a algumas mod ificações venham sendo com o cão, h á a gr an de vantagem de n ão haver u m a
feitas nesses protocolos, basicamente até hoje são usados relação afetiva tão grand e com o hom em .
m odelos de m ais d e 50 anos atrás, sendo que esses m o -
delos for am d iretam en te influen ciados p ela tragédia Tipo de ava liação
ocorrid a com a talidom ida, que, sem dúvidas, teve um
papel fu n damental para o desenvolvimento d a terato- Os atuais protocolos d e avaliação d e teratogenici-
logia. No entanto, a simples observação de malformações d ad e apenas indicam os possíveis efeitos tóxicos mais
e/ ou anomalias som ente não t raduz, em h ipótese ne- óbvios, que são a m orte, a alteração no desenvolvimen-
nhum a, o risco de teratogên ese de um a dada substância to e as alterações estruturais (m alformações/anomalias).
química. São, principalmente, dois os pontos que devem Portan to, alterações m ais sutis, m as não men os im por-
ser reavaliad os, quando se consid eram os atuais proto- tantes, são descartadas da avaliação da teratogenicidade.
colos utilizad os: espécie animal e tipo de avaliação. Por outro lad o, têm sido gran de p reocupação d as
agên cias regulatórias o estabelecimen to e a incorpo-
Espécie animal ração de proto colos de neurotoxicidad e, im u n otoxi-
cologia d o desenvolvim en to e avaliação d e desregula-
O mod elo animal id eal para a realização dos p ro- dores endócrinos. Para tais avaliações, é necessário que
tocolos d e teratogen icid ade seria aquele qu e d everia proles sejam man tidas vivas até a puberdade, para que
possu ir características farmacocinéticas semelhan tes sejam aplicados os d iferentes testes n esses an im ais.
ao do ser hu m ano. Além d isso, a placen ta e o feto d e- Essas avaliações têm , ainda, uma outra grande vantagem
veriam ap resentar gr an des sem elh an ças com o ser adicion al, que é de se pod er avaliar alterações m orfo-
hum an o n o qu e d iz resp eito à su a morfologia, b em lógicas também n os filh otes m aiores, já que esse tipo
com o nas características metabólicas. Ainda, seria de- d e avaliação nos fetos é bastan te comp rom etido, pois
sejável que a espécie animal fosse de fácil reprodução, n essa fase n ão h á o completo desenvolvim en to d os
p role grande, curto perío do de gestação e baixo custo d iferentes órgãos e sistem as, tornand o p r aticam ente
para criação e m anuten ção. im possível a avaliação histopatológica.
Capítu lo 37 • Toxicologia do desenvo lvimento 475

20. GOTARDO, A.T.; PFISTER, J.A.; RASPANTINI, P.C.F.; et al.


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20, p. 267-71, 2005.
Capítulo 38

lmunotoxicologia

lsis Machado Hueza

~ Essas substân cias podem, tamb ém, agir como estimu-


INTRODUÇAO
lantes do sistema imune (im unoestimulantes), atuan do
A imunotoxicologia pode ser definida com o send o t an t o d e forma d iret a sobre as célu las desse sistem a,
a ciên cia que estu da os efeitos adversos de agentes físi- fazendo até mesmo com qu e estas se ativem de form a
cos e qu ím icos sobre o sistema imun ológico. Emb ora incontrolada, ou de forma indireta, induzindo alterações
seja u ma disciplina r ecente, algu ns estudos pion eiros confor m acion ais em p roteínas p róprias, tornando-as
realizados ent re o final d o século XIX e início do sécu- diferentes daquelas cham adas p róprias e, portanto, n ão
lo XX já eviden ciavam a relevân cia do estu do dos efei- mais reconhecid as pelo sistema im unológico, resultan -
tos deleté rios de algu ns solventes orgân icos, com o o d o no desenvolvim ento de u m a resposta imune ao novo
álcool e o éter, sob re a resposta imune de an im ais d e epítopo formado (autoimunidad e).
laboratório a in fecções experiment ais. São basicamente du as as principais con sequências
Foi som en te nos anos de 1960, com a introdu ção associadas à ocorrência da imun ossupressão; uma delas
maciça d e quimioterápicos para o tratamento de câncer estaria relacion ad a à m aior suscetibilidade do in divíduo
e de agentes farmacológicos de p otente ação imunossu- a p rocessos infecciosos, inclusive aqueles de fácil reso-
p ressora em pregados em transplantados ren ais que os lução pelo sistema imu ne. A outra form a estaria asso-
efeit os colater ais dessas subst ân cias sobre o sistema ciad a à m aior ocorrên cia d e processos n eoplásicos,
imune d os pacientes passaram a ser observad os com sendo os linfomas e as leucemias os mais frequ entes em
m aior preocupação pelos p rofission ais de saúde. Tais p acientes t ratados com medicamen tos imu nossupres-
efeitos resultavam em maior suscetibilidade a processos sores utilizados em terapias con tra rejeição de tr ans-
infecciosos por patógen os oportun istas, maior ocorrên - plantes ou em terapias de doenças autoimunes.
eia de lin fomas e, também, por aumen to acen tuado da A exemplo das síndrom es de im u no d eficiências
frequên cia de n eoplasias sólid as induzidas por víru s. con gên itas, xen obióticos imu n ossup ressores podem
Assim, a partir d e 1970, estudos mais aprofundados promover comp rometimento de determin ados compar-
passaram a ser desenvolvid os n ão apenas com as subs- tim entos do sistema imune, com o alterações n a respos-
tân cias já citadas, m as tam bém com outros com postos t a imune celular, torn ando o indivíduo mais su scetível
químicos passíveis ou sob susp eita d e p rom over ação a processos virais, tais como surtos de herpes vírus, e há
tóxica sobre o sistem a imunológico, tais como a ciclo- também que destacar n essas circunstâncias o desenvol-
fosfamid a (quimioterápico), o dietilestilbestrol (anabo - vimen to de tumores, como será abordado mais adiante.
lizante estrogênico ), o hexaclorobenzeno (praguicid a), Alterações no desenvolvimento d a resposta imune
plantas tóxicas e medicinais, metais pesados, entre m ui- hu moral, por outro lado, pod em levar ao comprom eti-
tos outros compostos d e grande importância em medi- mento de esqu emas de vacinação e a uma m aior susce-
. . , .
c1n a veter1n ar1a. tibilidade a processos infecciosos por Staphylococcus spp.,
Os xenobióticos podem atuar sobre o sistem a imu - Streptococcus spp., Escherichia coli, Pseudomonas spp.,
n e de diferen tes formas; u ma delas seria p or m eio da entre outras b actérias op ortunistas e, também, fu ngos e
depleção de seus componentes celulares e/ou moleculares, outros parasitas, como a candidíase e a asperigilose, m ui-
acarretando subsequ en tem ente n a imunossupressão. to comuns d e serem observad as na avicultura quando
478 To xicologia aplicada à medicina veterinária

da ocorrência de im unossupressão no plantel. Pode haver, QUADRO 38.1. Xenobióticos com potencial pa ra ind u zir
ainda, comprometimento da resposta imun e in ata, tanto doenças autoim unes

no que diz respeito aos seus componentes celulares, quan- Doença autoimune Med icamentos Outros
to aos compon entes moleculares, com o o sistem a com - xenobióticos

plemento e as citocinas, levando, muitas vezes, à incap a- Lupus erite matoso Betabloqueadores Clordane
sistêm ico (SLE) (ateno lol,
cidade de macrófagos fagocitarem partículas antigênicas,
practo lo l,
b em como comprom eter su as fu nções com o célu las pro panolol)
apresentadoras de antígen o e de outras atividades ligad as Captopril Clorpirifos
ao desenvolvimen to da resposta im une ad qu irid a. Cimetidina Formaldeido
Atu almen te, a relação d o uso d e quim ioterápicos
Clorpromazina Tálio
imun ossupressores com o desenvolvim ento de cânceres
Penicilamina
secun dários - não relacion ados ao câncer prim ário tra-
Proca inamida
tado por esses medicamentos - tem sido aceita por vá-
rios p esquisadores e profissionais de saúde, os qu ais têm Anemia hemolítica Penicilina Asbestos

observad o que, em humanos, cerca de 1% dos pacientes Sulfas

t ratad os com esses agen tes d esenvolvem , aproximad a- Tro mbocito penia Sais de ouro
,
m ente, 1O anos após o tratam en to, algum tip o de neo- Acido salicílico
plasia secun dária. Nesse sentido, poder-se-ia responsa- Rifampina
b ilizar os efeitos d ire tos dos quimi oter áp i cos, q u e
m uitas vezes atuam especificam ente sobre o DNA das
células, como os indutores das neoplasias desenvolvidas. Uma breve revisão sobre a fisiologia do sistema imu-
Por outro lado, indivíduos tratados com medicam entos n e e suas p rincipais alterações é apresen tad a a seguir,
imunossupressores, sem nenhum histórico de n eoplasia, buscando uma m elhor compreensão dos mecanismos de
tais como transplantad os ren ais ou p ortad ores d e au- ação tóxica dos diferentes xenobióticos sobre esse sistema.
toim unidade, apresentam maior p redisposição ao de-
senvolvimen to de n eoplasias, como, por exemplo, d e SISTEMA IMUNE
carcinom as de células escam osas, as quais são cerca de
250 vezes m ais frequ entes n esses p acientes d o qu e na As princip ais funções do sistema im une são prote-
população geral, ou d e cânceres de pele e linfomas do ger o organismo anim al con tra a invasão de patógenos
tip o n ão Hodgkin. e out ros an tígen os exógen os e, tamb ém , reconh ecer e
Outro efeito p roduzido por algun s xenobióticos d estruir células n eoplásicas por meio de respostas efe-
sobre o sistema im u n e é a imun oestimulação. Nessa toras celulares ou humorais finamente orquestradas por
situação os efeitos adversos m ais com uns de serem ob- diferentes mediadores quím icos. Assim , n ão é de se es-
servad os, tan to em seres h umanos como n os animais tranhar qu e um xen obiótico que interfira nessa orqu es-
domésticos, são as reações imunoalérgicas ou d e h ip er- tração, seja "depletan do" células imun ocompetentes ou
sensibilidade, que podem surgir em virtude da exp osição interferind o com a síntese desses m ediad ores, venha a
a determinados m ed icamentos (os quais p erfazem 30% promover um desequilíbrio d o sistem a imune e, conse-
dos efeitos adversos dos medicamentos), ou a p oluentes, quentemente, na facilitação do aparecimento de doenças.
ou ap ós o contato ou ingestão de determinad as plantas, D e fato, estas são, geralmente, caracterizadas p ela p erda
ou até mesm o após a in gestão de alim entos de origem d a capacidad e d o reconhecim ento d o que é p róprio e
animal ou aditivos, entre tantos outros fatores. As reações do qu e n ão é próprio, ou da m aio r suscetibilidade a
de h ipersensibilid ad es serão abran gid as com detalhes agentes infecciosos, neoplasias, autoimun idade e reações
m ais adiante, neste mesm o capítulo. d e hip ersen sibilidad e.
Ain da com o consequ ência d a exposição aos xen o- Para o perfeito funcionamento desse sistema, existem
bióticos imunoestimulantes, os efeitos imunotóxicos de du as form as distin tas de resp osta imun e qu e, ap esar d e
diferentes substâncias e as d oen ças autoimun es com e- serem diferentes, estão in tim amente relacionadas. Assim,
çaram a d espertar o interesse d e im unotoxicologistas, a resposta imune in esp ecífica ou inata, tamb ém denomi-
já que há n a literatura alguns m edicam entos associados nad a como a p rimeira linha de defesa do organismo, é
n a pro du ção d essas d oen ças. Alguns medicam entos e aquela que qu ando ativada promove um a resp osta efeto-
outras substâncias relacionadas à autoim un idade podem ra con tra um d etermin ado patógeno d e form a sem pre
ser vistos n o Q u adro 38.1. id êntica (p or isso a den ominação de inespecífica). Já o
Ca pítu lo 38 • lmunotoxicologia 479

outro tipo de resposta imune, denominado resposta imu- d os linfócitos B e T, atua, p rincipalmente, sobre células
n e ad quirida ou adaptativa, é caracterizad o pelo desen- tu m orais e células infectad as por p artículas virais de
volvim ento da memória imunológica perante um desafio form a in específica, n ão adquirin do m emória em u m
imune, ou seja, em um segundo con tato com o antígeno, segund o desafio pelo mesm o antígeno.
o sistem a im une ad quirido respon de de form a mais rá- Q uando ocorre uma lesão tecidual ou existe a pre-
pida, específica e eficiente, pois "aprendeu" com o primei- sença de um patógeno n o interstício, substâncias libe-
ro con tato. rad as pelas células lesionadas, ou pelo próprio patógeno,
prom ovem alterações n as células endoteliais das vên u-
Im unidade inata las region ais ao foco lesion al fazendo com que vários
even tos vasculares o corram, inclusive a expressão de
Além das células efetoras, por exemplo, macrófagos moléculas na superfície do en dotélio. Essas m oléculas
e neutrófilos, e das substâncias por elas produzidas com perm item que PMNs na circulação consigam "parar': se
o objetivo de destruir patógenos, o sistem a imu ne ines- ativar e atravessar o en dotélio em direção à lesão. Uma
pecífico também é constituído por barreiras físicas que vez no interstício, essas células têm como fu n ção fago-
. ,
im ped em a entrada e a adesão de m icrorganism os in- citar os patogenos p resen tes.
vasores, tais como a pele, o muco produzido por algumas Q uan do essas células n ão são capazes de debelar a
mucosas, o trato ciliado d o sistema respiratório e as presença do patógeno, os monócitos saem da circulação
barreiras químicas como o ácido clorídrico estom acal, sanguínea, diferenciando-se nos tecidos em m acrófagos,
a lisosima presen te nas lágrim as, as proteínas do siste- que possuem capacidad e fagocítica m uito m aior que a
ma complemento, outras tantas substâncias p roduzidas dos PMNs, e ainda liberam citocinas denominad as p ró -
por células n ão p er ten centes d iretamente ao sistem a -inflamatórias (IL-1, IL-6 e T NF-alfa (tumor necrosis
im u nológico. factor), que atuam d e form a parácrina e autócrina, com
Os compon entes celulares do sistema imune inato o objetivo de aumentar a ativid ade efetora dessas célu-
são originários de linhagens celulares totipotentes dis- las; esses m acrófagos pod em , ainda, levar às células do
tintas (Figura 38. 1), sendo as principais células originá- sistem a im une ad quirido, epítopos da partícula antigê-
r ias d o sistema mieloid e, tais como os basófilos, os eo- nica (patógen o) ligados ao M H C-II (class II major his-
sinófilos, os neutrófilos (polimorfonucleares - PMN), e tocompatibility complex), para serem apresentados aos
os m onócitos/macrófagos. Apesar de ser originário da componentes linfoides do sistema imune ad quirido, por
linh agem linfoide, o linfócito natural killer (NK), que isso são d enominadas de células apresentadoras de an -
n ão compartilh a de características semelhantes àquelas tígeno o u A P C (antigen-presenting cells) . Assim , a

Linfócitos 8
Célu la progenitora
li nfoide

~ - Timo ---+ Linfócitos T

Célu la tronco
Linfócitos NK

. .. .
•, •
•'•... • !-
~•·.,
•••

Eritrócitos Basófilos Neutrófilos

Célula progenitora
mieloide

-
,.,
Plaquetas Eosinófilos Monócitos

FIGURA 38.1. Origem das diferentes células sanguíneas a partir de células-t ronco presentes na medula óssea .
480 Toxicolog ia aplicada à medicina veteriná ria

resposta imune inata funcion a como mediadora na ati- imun e celu lar, en qu anto que as pr in cipais citocin as
vação da resposta imune adquirida. produzidas por linfócitos Th2 são: IL-4, IL-5 e IL-1O,
Vale lembrar, ainda, que existem proteínas de suma responsáveis na ativação da resposta imune humoral.
impo rtân cia para a defesa do organ ismo. O sistem a Os linfócitos B perfazem de 1O a 20% dos linfócitos
complemento é constituído por cerca de 30 proteínas circulantes; apresentam em sua superfície, além do CD20,
que são ativadas em cascata; ou seja, a ativação do pri- receptores antigênicos denominados de receptores de
meiro componente dispara a ativação dos componentes células B (B cell receptors - BCR), que nada mais são do
subsequentes, à semelhança da cascata de coagulação que as próprias imun oglobulin as de super fície. Essas
sanguínea. O sistema complem ento pode ser ativado de células, quando ativadas, proliferam-se e diferenciam -se
duas maneiras: as denom inadas via clássica e a via al- em células produtoras de anticorpos, os den ominados
ternativa de ativação. A pr imeira é m ediada por anti- plasm ócitos.
corpos já ligados aos m icrorgan ismos invasores; n a via O reconhecimento antigênico ocorre, normalmente,
alternativa, apenas a presen ça do antígen o promove a por meio de células especializadas nessa função, que são
ativação do sistema. Ambas as vias, no entanto, levarão as APCs, tanto os macrófagos quanto as células dendrí-
à polimerização dos componentes finais da cascata so- ticas, lembrando que os linfócitos B também possuem a
bre a parede bacteriana do microrganism o invasor, per- capacidade de processar partículas antigênicas solúveis
mitindo a perfuração da m embran a celular desse pató- e de apresentar os peptídeos dessas partículas ligadas ao
geno e a sua subsequente m orte. contexto do M HC-II a linfócitos, principalm ente o lin-
fócito Th, que m ontará, dessa forma, a resposta celular
Imunidade adquirida ou a humoral. Porém, não são apenas as APCs que podem
apresentar antígenos aos linfócitos. Todas as células nu-
Didaticam ente, pode-se dizer que o sistem a imune cleadas possuem em sua membrana plasm ática o MH-
adquirido é ativado quando os componentes da respos- C-I que, quando uma partícula viral ou uma m utação
ta im une in ata não foram suficientes para destruir ou gênica induz a síntese de proteínas não próprias ou mu-
isolar o antígeno invasor. Essa ativação, no entanto, pode tadas, estas passam a ser ligadas ao MHC-I , permitindo
ocorrer concomitantem ente. que o sistema imune - especificamente linfócitos T CDS+
As d u as p rincipais características da imunidade ou seja, linfócito T citotóxico - reconheça essa célula
adquirida são: a especificidade pelo antígeno invasor e com o portadora de um a infecção viral ou cân cer; são
a m em ória imunológica, ou seja, a resposta adquirida essas as células responsáveis em promover a denom ina-
será m uito mais rápida, esp ecífica e eficaz contra um da vigilância imunológica ou immune surveillance.
determinado antígeno, se este já fora exposto anterior-
m ente a esse sistem a. Reações de hipersensi bi lidade
Os lin fócitos são as principais células do sistema
imune adquirido (excetuando-se os linfócitos NK). Cer- As reações de hipersensibilidade são classificadas
ca de 70% dos linfócitos circulantes no sangue são de- como reações do tipo I, II, III e IV; porém, todas elas
nom inados de linfócitos T; essas células são, ainda, sub- necessitam de uma exposição prévia ao antígeno (sen -
divid idas de acordo com algumas molécu las de sibilização) para que, somente em uma segunda expo-
superfície que essas expõem em sua m embran a, deno- sição ao mesmo antígeno ocorram tais reações alérgicas.
minadas de cluster of differentiation (CD). Assim, todos O Quadro 38.2 m ostra de fo rma resum ida as caracte-
os linfócitos T apresentam em sua superfície o CD3 e rísticas das reações de hipersensibilidade.
possuem, ainda, outras m oléculas específicas que per-
m item separá-los em dois subtip os de lin fócitos T, a Reações de hiperse nsibil idade tipo 1
m olécula CD4, encontrada n os linfócitos T auxiliares Após a fase de sensibilização a um determinado
ou T helpers (Th) e a m olécula CDS para os linfócitos antígeno, que pode ocorrer por contato com a pele, mu-
den omin ados T citotóxicos (CDS+). Os linfócitos Th cosas, ou mesm o por via intradérm ica, os epítopos des-
(CD4+) ainda podem ser diferenciados em Thl e Th2 ses antígen os são apresentados por APCs à linfócitos
de acordo com o repertório de citocinas que produzem Th2 que passam a produzir as citocin as IL-4 e IL-5;
quando ativados. Nesse sentido, os Thl produzem prin- estas, por sua vez, estim ulam linfócitos B a se diferen -
cipalmente as citocin as: interleucin a 2 (IL-2), interfe- ciarem em plasm ócitos produtores de imunoglobulinas
ron -gama (IFN -gama), tumor necrosisfactor beta (TN- E (IgE) específicas àqueles epítopos apresentados, vale
F-beta), responsáveis por ativar e am plificar a resposta ressaltar, n esse momento, que há indivíduos que têm
Ca pít ulo 38 • lmunotoxicologia 481

QUADRO 38.2. Ca racterísticas das reações de hipersensibi- de m embranas celulares, m as a antígen os solúveis na
lidade circulação, o que resulta na form ação de imunocomple-
Reação de Principal característica xos (an tígen os-anticorpos) que se depositam nos vasos
hipersensibilidade sanguíneos e culminam na ativação do sistem a comple-
Ti po 1 Reação anafilática dep endente da men to e, consequentemente, em um pro cesso inflama-
ligação do antígeno à lg E presente na
tório local.
superfície dos mastócitos

Ti po li Reação de hipersensibilidade
dependente de anticorpos (lgM ou lgG)
Reações de hipersensibil idade tipo IV
Ti po Ili Reação de hipersensibilidade
Também conhecida com o hipersensibilidade tardia
dependente da formação de ou D T H (delayed-type hipersensitivity), esta é a ú nica
imu nocomplexos reação alérgica mediada por lin fócitos T. Estes, após um a
Tipo IV Reação de hipersensibilidade tardia sensibilização primária e u m segundo con tato, geral-
mediada por resposta celular m en te tópico com o an tígeno, p rom ovem no local o
desenvolvimento de um tumor resultante da liberação
m aior p ropensão a desenvolver esse tipo de imunoglo- de IL-2 e INF-gama e da presença de infiltrado celular
bulina que o restante da população (variação individual). na derm e e epid erme e, consequentem ente, a sua lesão
Um a vez na circulação, as IgE p rod uzidas en cont ram inflam atória ( derm atites de contato).
receptores em m astócitos e basófilos e ligam-se a essas
células. Quando ocorre um a segun da exposição do in- Autoimu nida de
divíduo a esse mesmo antígeno, ele se liga às IgE presen -
tes na superfície dos mastócitos e basófilos, promovendo Uma d as principais características do sistema imu-
a degranulação dessas células com consequente liberação ne é d e ser capaz de discriminar o que é próprio do que
de mediad ores inflamatórios, tais como as aminas va - não é próprio. Porém, em algum as situações ocorre falha
soativas (histamina e serotonina) e agentes quimiotáticos; na tolerância ao que é próprio e o sistema imunológico
são também liberados ou produzidos mediadores secun - monta uma resposta de alto poder destrutivo contra o
dários, com o leucotrienos, prostaglandinas, citocinas. próprio o rganismo; esse fe n ômen o, j á descrito p o r
Todos esses agentes têm potente ação farmacológica Ehrlich no início dos anos de 1900, foi d enom inado por
sobre diferentes sistemas orgânicos, levando o in divíduo ele como horror autotoxicus, sendo hoje conhecido com o
a desenvolver u m a anafilaxia local ou, em casos mais doença autoimune.
graves, a um choque anafilático sistêmico. O m ecanism o pelo qual as células linfoides toleram
epítopos p róprios está intrínseco ao processo de m a-
Rea ções de hipe rsensibilidade tipo li tu ração das linhagens linfoides. No timo, é feita a se-
Essa reação é também mediada por Igs; porém , as leção de linfócitos T e na medula óssea a seleção de
Igs envolvidas são dos tipos IgM ou IgG, as quais se ligam linfócitos B.
a epítopos presentes na superfície das células, os quais No timo, linfócitos T imatu ros (tim ócitos) que li-
podem ser in trínsecos a elas, por exemplo, quando ocor- gam -se com alta afinidade a MH Cs próprios são indu-
re alterações con form acionais em m oléculas proteicas zidos à morte por apoptose; fen ôm eno esse denomina-
induzidas por medicamentos ou nas transfusões sanguí- do de seleção n egativa, enquanto que a seleção positiva
n eas ou, ainda, quand o ocorre a ligação de moléculas está relacionada às células que por terem pouca reativi-
exógenas de baixo peso molecular (haptenos). Um exem - dade com MHCs próprios, isto é, por serem não reativas
plo clássico de reações d e hipersensibilidad e tip o II é ao próprio, são liberadas para a circulação para povoa-
aquela mediada pela penicilina, de baixo peso molecular, rem órgãos linfoides secund ários.
e que pod e se ligar a p roteínas presentes nos eritrócitos, O mecanismo de seleção de linfócitos B autorreativos
fo rmand o u m novo com plexo p roteico que pode ser processa-se ainda na medula óssea, quando essas células
agora reconhecido pelo sistema imune como não próprio, ainda imaturas começam a expressar o BCR (IgM de mem -
e consequentemente à destruição dessas células, o que é brana). Quando a IgM de m embrana reconhece autoan-
denominad o d e anemia hemolítica im u nomediada. tígenos essas células são impedidas de prosseguir na sua
diferen ciação e experimen tam um n ovo rearranj o da
Rea ções de hipe rsensibilidade do tipo Ili cadeia leve da molécula do BCR; assim, se não mais reco-
Também são m ediad as p o r IgM ou IgG; porém , nhecerem autoantígenos, serão liberadas para prosseguir
nesse caso os antígen os não mais se ligam a proteínas na sua diferenciação e maturação. Quando maduras, essas
482 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

células perd em a capacidade de rearranjar a molécula de d e anticorpos está relacion ad o à ação supressora d esse
BCR e, se ainda assim continuarem a reconhecer autoan- hormôn io sobre linfócitos Treg. Vale lembrar que o es-
tígenos, são induzidas à morte por apoptose. trógeno possui, de fato, ação negativa sobre o timo e os
Apesar da seleção negativa de linfócitos autorreativos tim ócitos, já que, tan to em fêm eas gonadectom izad as
ser altamente eficaz, por exemplo: cerca de 95% dos timó- quanto em fêmeas gestantes, ocorre um aumento no peso
citos que chegam ao timo entram em apoptose por re- relativo desse órgão, bem com o na sua celularidade.
conhecerem MHCs próprios, algumas células conseguem D en t re os xenobióticos com atividad e estrogênica
escapar dessa seleção negativa e povoar órgãos linfoides d e interesse veterinário, destaca-se o estrógeno sem is-
secundários; nesses locais, diferen tes mecanism os são sintético não esteroidal: dietilstilbestrol (DES).
deflagrad os para que essas células não se ativem , isto é, O D ES foi extensivam ente usad o para d iferentes
para m antê-las em u m estad o de an ergia, indução da fin s n a terapêutica h u m ana, tais como contracep tivo
morte apoptótica ou aind a supressão da ativação d essas pós-coito, no tratamento d e sintomas da m enopausa e
células por linfócitos T regulatórios (Treg), que por meio d e carcinom as prostáticos. Em m ed icina veterinária, o
de citocinas, tais como IL- 10, TGF-beta (transforming DES era empregado com o p romotor de crescimento d e
growth factor-beta), promovem a supressão d essas célu- efeito anabolizante em bovinos. Porém, em decorrência
las autorreativas. Q uanto aos linfócitos B, alguns m eca- d e complicações terapêuticas observad as, como d esen -
n ismos são sem elhantes àqueles já citados, porém , lin- volvimento d e neoplasias em humanos, essa substância
fócitos B aind a possuem com o m ecanism o de indução foi banida para o uso terapêutico n essa espécie e proi-
de tolerância o bloqueio da ativação e da en trad a dessas bida para utilização na pecuária. Além d a ativid ade ge-
células nos folículos dos órgãos linfoid es secundários, n otóxica que esse com posto possui, já que ele se liga
local onde ocorre a resposta imune dessas células. covalen tem ente ao DNA, acredita-se que um outro me-
Tan to os animais quanto o ser human o possuem canismo responsável no desenvolvim ento de neoplasias
alto poten cial para desenvolver d oenças autoimunes, esteja relacion ado à d iminuição da atividade de linfó -
seja por p redisposição genética, seja por fatores exóge- citos T, já q ue baixas doses (0,2 a 8 mg/kg), dur ante
nos. Esses fatores contribuem para que ocorram falhas cinco dias, foram suficientes para reduzir o n úmero de
no processo de seleção negativa ou no equilíbrio que os linfócitos T p resen tes no tim o, bem com o nas bainhas
organism os possuem de manter as células autorreativas periarteriolares do baço, em camundongos. Observou-
em seu estado de anergia, ou com ativid ade suprimida. -se, ainda, d imin uição da atividad e d e linfócitos N K,
Dentre esses fatores, que podem ser decorrentes de lesões fato provavelm ente relacion ado à maior p rodução de
teciduais, infecções bacterianas ou virais, citam-se os prostaglandinas envolvidas nas vias de ativação da ci-
xenobióticos que, n a dep en dên cia d o mecan ismo de clooxigen ase, já que o uso de anti-inflam atórios n ão
ação, podem p romover a d esestabilização do sistem a esteroidais, com o a aspirina e a indom etacina, previne
imune e a autoim unid ade. o efeito deletério do DES sobre os linfócitos NK.
Outros hormôn ios esteroidais de im portância imu -
PRINCIPAIS COMPOSTOS IMUNOTÓXICOS notóxica, quando utilizado como agente farmacológico
ou em neoplasias ad ren ocorticais, são os glicocorticoi-
Hormônios des, que serão analisados detalh ad am ente, m ais adiante,
jun tamente com os agentes farmacológicos que apre-
A suspeita de que o estrógeno possui atividade im u- sentam atividade imun otóxica.
n om odulatória surgiu em virtude de frequentes ocor-
rên cias d e doenças autoimunes, com o o lupus eritema- Metais pesados
toso sistêmico (systemic lupus erythematosus -SLE) e
artrite reumatoide, em pacien tes hum an os por tad ores Metais pesados são elem entos químicos utilizad os
da sínd rome de Klinefelter. Essa doença é caracterizada para os m ais diferen tes fins n a indústr ia m etalúrgica,
pelo metabolism o an orm al do estrógen o, levando esse química e farmacêutica, e muitas vezes seus d ejetos são
fato a u m consequente aum ento n os níveis desse hor- lançad os no meio ambien te sem nen hum tipo d e trata-
mônio na circulação. Essas doenças autoim u nes são ca- mento, o que provoca a con taminação d o ar, d o solo, da
racterizadas por aumento na produção de autoanticorpos água, dos alimentos e, consequentemente, dos seres vivos.
e sup ressão das respostas imunes celulares. D e fato, ob- Os metais pesad os promovem, em geral, im unossu-
servou-se que o estrógeno encontra receptores citoplas- pressão que se m an ifesta pela maior suscetibilidade d os
máticos em linfócitos T, e que um aumento na produção indivíduos expostos a infecções por m icrorganism os e a
Ca pítu lo 38 • lmunotoxicologia 483

, • • A • , •

processos neoplásicos. Porém, quando em baixas concen- que tanto o m ercur10 1norgan 1co quanto o m ercur10
trações podem prom over efeito imunoestimulante, com orgânico - principalmente o m etilmercúrio - promovam
m anifestação de reações de hipersensibilidade e também imunossupressão em an imais de laboratório, com di-
de autoimunidade, como será discutido adiante. minuição na produção de anticorpos, m aior suscetibi-
O m ecanismo imunotóxico dos metais pesados ain - lidade a p rocessos infecciosos virais, d im inu ição da
da não está totalm ente esclarecido. Porém, há indícios atividade proliferativa de linfócitos T e, também , efeito
de que as metalotioninas, proteínas que funcionam como imun ossupressor sobre linfócitos NK.
cofatores e que auxiliam os processos de detoxificação Observou-se em aves aqu áticas, especificamente
de m etais pesados no organism o, desempenhem papel garças expostas ao m ercúrio em lagos contam in ados
impor tante no efeito imunossupressor desses m etais por derivados de petróleo, depleção de células da linha-
sobre as células linfoides. Adicionalmente, muitos dos gem linfoide da m edula óssea, atrofia de bursa de Fa-
mecan ism os tóxicos, descritos para esses metais no Ca- bricius e do timo. O m ercúrio tam bém é r esp on sável
pítulo 33, também envolvem o sistem a imune, como, por prom over glomerulonefrite, tanto em seres humanos
por exemplo, as alterações em proteínas da super fície quanto em animais expostos a esse metal, fato resultan-
celular q ue p odem levar ao desenvolvim ento de au- te da form ação de imunocom plexos que acabam se de-
toimunidade e, ainda, às reações de hipersensibilidade. positando no glomérulo e que, por ativarem o sistem a
complem ento e os n eutrófilos, culminam n o apareci-
Chumbo mento de uma reação de hipersensibilidade do tipo III.
O principal efeito imunotóxico observado em indi- H á relatos, ainda, de que em indivíduos predispostos
víduos expostos ao chum bo está relacionado à maior possa haver produção excessiva de IgE e maior proba-
suscetibilidade que apresentam aos processos infeccio- bilidade de ocorrência de choques anafiláticos.
sos de origem bacteriana. Em crianças expostas ao chum -
bo, observou -se maior ocorrência de diarreia provoca- Cá dmio
da por contágio n atural por Shigella enterites e, em Vários são os tipos de compostos com cádm io que
adultos, m aior suscetibilidade a desenvolver resfriados possuem atividade imunom oduladora. Há, no entanto,
e gripes. Em estudos realizados com frangos de corte discrepâncias quanto às propriedades imunossupresso-
expostos ao chumbo n a dieta e infectados experim en- ras e im unoestimulantes desse m etal. Observa-se, em
talmente com Salmonella gallinarum, observou-se que geral, que o cádmio prom ove, nos animais e nos seres
os macrófagos dessas aves eram incapazes de fagocitar humanos expostos, m aior susceptibilidade a processos
essa bactér ia por alter ações provocadas p elo chumbo infecciosos e virais, diminuição da produção de anti-
nos fosfolípideos de membrana dessas células e, conse- corpos e comprometimento da atividade efetora e apre-
quentemente, à fragilidade e perda da integridade do sentadora antigênica de m acrófagos. Além dessas célu-
envelope citoplasm ático, o que prejudica as atividades las, linfócitos NK apresentam-se suprimidos nesse tipo
efetoras dessas células em destruir patógenos solúveis, de intoxicação. Por outro lado, há relatos de que a res-
bem como a apresentação de antígenos, e, dessa form a, posta imune celular, em especial a atividade de linfóci-
a imun idade adquir ida, o que pode vir a resultar em tos T citotóxicos (CD S+), en contra-se aumentada em
deficiência nas respostas imunes humoral e celular, como anim ais de laboratório tratados com o cádmio.
observado em outros estudos com mam ífer os. Nesse
contexto, já foi relatado que anim ais expostos ao chum- Prag uicidas
bo apresentam menor título de anticorpos, bem com o
maior ocorrência de doenças infecciosas. Por outro lado, Assim como os metais pesados, o uso de praguicidas
a desestabilização da m embrana plasmática dos macró- tem sido responsabilizado por contaminação ambiental
fagos leva à produção de prostaglan dinas, as quais pro- e, também, pela contaminação do homem e dos animais,
m ovem efeito supressor sobre os linfócitos NK, poden- acarretando em problemas im u nológicos. Esse fato é
do resultar, dessa for ma, n a m aior suscetibilidade do verdadeiro, principalmente, para os compostos que apre-
in divíduo às neoplasias; porém, nenhum estudo ainda sentam alto risco toxicológico, alta persistência no m eio
foi realizado para comprovar essa suposição. ambiente e ação cum ulativa n a cadeia alimentar, como,
por exemplo, os organoclorados, clordane, diclorodife-
Mercúrio niltricloroetano (DDT), aldrin, dield rin, entre outros.
A intoxicação por este m etal apresenta efeitos dis- Porém, além dos organoclorados, outros praguicidas,
crepantes sobre o sistem a im un ológico. Há relatos de como os organofosforados e os carbamatos, de potente
484 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

ação tóxica quando utilizados d e form a in adequada, são que mulheres exp ostas ao ald icarb, por meio da águ a d e
capazes de promover alterações n o sistem a imun e, fato bebida, apresen taram diminuição d e linfócitos T CD4+;
comprovado por meio de estu dos realizados em animais p orém, intoxicações experimentais, com camundongos,
de laboratório; no entanto, há pou cos relatos de efeitos não evid en ciaram qualqu er poten cial imun otóxico.
imunotóxicos p ara esses com p ostos em an imais d omés-
ticos e, em especial, n o ser h uman o; exceção seja feita, Pi ret ro ides
no entanto, para os relatos de dermatites de contato em Alguns piretroid es são capazes de interferir n a res-
indivídu os que p ulverizavam esses p raguicidas sem o p osta imune inespecífica. Recentemente, mostrou -se que
uso de indum entária ad equ ada. a cialotrin a diminui a atividade fagocítica de macrófagos
e de neutrófilos, bem como n o « burst oxid ativo" d essas
Organoclorados células. Esse efeito foi tomado em um primeiro momen -
Dent re os praguicid as, o DDT tem sido o mais es- to, como ind ireto à ação desse com p osto sobre áreas es-
tu dado do p onto d e vista toxicológico; p orém , pou cos p ecíficas do sistema n ervoso central, com o aumento da
estudos têm sido realizad os com esses praguicid as ten - atividade do eixo h ipotálamo-hipófise-adren al (H HA) e,
do o sistem a imun ológico com o foco d e atenção. Dos consequen tem en te, dos n íveis d e glicocorticoides circu -
estudos realizad os com esse com posto, d irecion ou -se lantes, que têm efeitos p oten tes sobre o sistem a im un e.
apenas a resposta im u ne humoral, observando-se dimi- No entanto, mostrou-se posteriorm ente qu e esse pire-
nuição n a produção de anticorpos, tanto em an imais de troide tem efeitos, tamb ém, in vitro, m u ito provavelm en-
lab oratório quan to em frangos d e corte exp ostos a eles, te por interferir com a atividade de can ais iônicos pre-
sen do assim necessário realizar outros testes d e im u no- sentes na m em brana dessas células. Porém, n ão se pod e
toxicid ad e para avaliar os d ifer entes comp artimentos excluir, de form a alguma, as ações indiretas da ativação
do sistem a imune. desse eixo neuronal nas alterações sobre o sistema im une.

Organofosforados
Outros contaminantes ambientais
D en tre esses com postos, os m ais estud ad os e ao
m esmo temp o os m ais u tilizados no meio r ural são a Além dos contaminantes ambientais já citados, outros
m alation a e o p aration a; estes, tanto em b aixas quanto comp ostos utilizados na indústria possu em atividade
em altas con cen trações, prom ovem em anim ais de la- im un otóxica, como os h id rocarbon etos arom áticos ha-
b oratório diminuição da resposta imu ne h umoral. No logenad os (HAHs), dentre os quais destacam-se, os bife-
entanto, deve-se ressaltar que esse efeito pode ser resul- n is policlorados (PCBs), os bifenis polibromados (PBBs)
tan te d o estresse induzid o p elo efeito colinérgico que e as dibezodioxinas p olicloradas - sen do o 2,3,7,8-tetra-
esses compostos promovem . Por outro lad o, vários es- clorodibenzo-p-dioxina (TCDD) um dos compostos mais
tu dos têm d emonstrado qu e organofosforad os p romo- tóxicos conhecid os -, os h exaclorob enzen os e os h id ro-
vem efeitos imunotóxicos diretos em d iferentes esp écies carbon etos aromáticos p olicíclicos (PAHs).
de peixes. Ainda, ensaios realizados in vitro com fosfo- Com exceção dos HAHs, pouco se sabe a resp eito
rados evid enciaram diminuição na linfoproliferação e d o m ecanismo de ação imun otóxico d esses com p ostos,
n a atividade citotóxica d e linfócitos C D S+; d e fato, em sen do ain da n ecessário a r ealização d e estu d os mais
estudos com faisões intoxicados com malation , foram aprofu n dad os p ara o melh or en ten dim en to dos efeitos
relatadas imp ortantes alterações no tecido linfoid e, com observados em seres human os e em animais de labora-
, .
diminuição do peso relativo de bursa de Fabricius e do tor10 expostos a esses com postos.
timo. Sobre a resp osta imun e inata, observaram -se al- O mecanism o de ação imun otóxico d os HAHs está
terações da ativid ad e de m acrófagos, com diminuição relacion ado à su a capacidad e de ligar-se a um receptor
do « burst oxidativo" e, consequ en temente, men or pro- citoplasm ático d en om in ado Ah- R (aryl hydrocarbon
dução de esp écies reativas do oxigênio, com o o p eróxi- receptor), o qual, d epois de ativad o pela ligação, forma
do de hidrogênio e óxido nítrico. um complexo qu e m igra para o núcleo e, consequente-
mente, m edeia a expressão gên ica d e síntese p roteica.
Ca rbamatos Um dos produtos resultantes dessa síntese proteica é a
Assim como os organ ofosforados, esses compostos orn itin a descarboxilase, qu e está envolvida nas funções
são in ibidores da acetilcolinester ase e vêm causan do celulares de sín tese d e DNA e n a translocação e trans-
entre os imun otoxicologistas grandes debates acerca de du ção proteica das células. Esses fatos têm sido extensi-
seus efeitos sobre a im unidad e. D e fato, h á r elatos de vam ente estudados, utilizando-se o TCDD como agente
Capítu lo 38 • lmunotoxicologia 485

im unotóxico. Uma variação alélica da expressão do locus Dioxinas


gênico para Ah, parece determinar uma m aior susceti- Essas substâncias podem ser liberadas para o meio
bilidade dos indivíduos aos HAHs. ambiente em decorrên cia de processos industrias que
utilizam fen óis cloradas, ou outros cloradas com o m a-
Bifen is pol ibromados téria-prima para fabricação de diferentes produtos, tais
No ano de 1973, no Michigan, os compostos Fire- como os herbicidas: o ácido 2,4,5-triclorofenoxiacético
master BP-6 e FF-1, utilizados para diminuir o potencial (2,4,5-T) e o ácido 2,4-diclorofenoxiacético (2,4-D),
inflamável de vários materiais, inclusive da m adeira, foi tam bém conh ecido como agente laranja. As dioxinas
veiculado acidentalmente com o nutriente ao gado lei- tam bém podem ser resultantes da com bustão incom-
teiro, vindo a contaminar os anim ais e a população que pleta de combustíveis fósseis de origem autom obilística
consum iu os produtos derivados desses an imais. Há e industrial e, ainda, da incineração de lixo urbano. Den-
relatos de qu e essa população apresentou alterações tre as dioxinas, a de m aior ação tóxica e mais estudada
imunológicas, dentre as quais, diminuição dos lin fócitos com o composto imunotóxico é o TCDD.
circulantes, dim inu ição da atividade proliferativa de Relatou-se em 197 1 a contam inação do solo com o
linfócitos a mitógenos. Relatou-se, também , 15 anos após TCDD de uma grande área residencial em Times Beach,
o incidente, um a m aior incidência do desenvolvimento Missouri, fato que resultou na contam inação da popu-
de tumores sólidos, quan do comparada com uma po- lação local. Os indivíduos dessa região apresentaram
pulação normal. Porém , tais efeitos não foram conclu - alterações importantes nos parâmetros imun ológicos,
sivos a resp eito desse acidente, o que n ão descarta a p or exem plo, diminuição da resposta imun e celular.
n ecessidade de realizarem -se m ais estudos visando a O utra exposição acidental de seres humanos ao TCDD
im unotoxicidade desses com postos. ocorreu em 1976, em Seveso, Itália; porém, as avaliações
realizadas naquele momento visando a parâmetros imu-
Bifen is pol iclorados nológicos não revelaram quaisquer alterações; n o en -
Dois gran des acidentes com PCBs foram relatados tanto, após seis anos do ocorrido, avaliou-se o aumento
com seres humanos. O primeiro deles ocorreu em 1968, da ativação do sistema complemento que foi relacionado
n o Japão; lá, m ais de 1.800 pessoas foram expostas ao a erupções cutân eas purulentas e tam bém aumento de
composto Aroclor, ao ingerirem óleo de arroz contami- linfócitos T e B circulantes.
n ado por esse agente. Na época denominou -se a sinto- Por outro lado, estudos em an im ais de laboratório,
matologia de doença de Yusho (óleo de arroz, em japonês). principalmente roedores, mostraram que o TCDD pro-
O segundo relato de contaminação acidental com deri- move maior suscetibilidade a doenças infecciosas e tu-
vados do PCB ocorreu em 1979, em Taiwan , e também morais, comprometimento da resposta imune humoral
foi veiculado pelo óleo de arroz, tendo recebido o nome e celular - com atrofia de tim o e dim inuição nos linfó-
de Yu-Cheng (doença do óleo de arroz, em chinês). Na citos T circulantes. Contudo, não só sobre os linfócitos T
verdade, o efeito tóxico observado nesses indivíduos foi se observou efeito tóxico do TCDD, mas também sobre
con sequên cia da ação do diben zofurano policlorado, as células epiteliais do timo, prom oven do, assim, com -
resultante da degradação do PCB pela cocção do óleo. prom etim ento no am adurecim ento dessas células, e
Os indivíduos expostos a esse composto passaram a apre- depleção destas, com consequente diminuição do peso
sentar m aior suscetibilidade a bronquites infecciosas e a relativo desse órgão linfoide. Observou -se, ainda, em
outras afecções do trato respiratório superior. Após três anim ais adultos, dim inuição na atividade citotóxica de
an os da exposição, essa população ainda apresentava linfócitos CDS+, e supressão da resposta humoral. Por
diminuição na quantidade de linfócitos e de anticorp os outro lado, relatou -se aumento da atividade pró-infla-
circulantes. Quatorze anos após a exposição, indivíduos matória, uma vez que foi observado aumento n a pro-
expostos ao PCB, provenientes de Taiwan , ainda apre- dução das citocinas IL-1 e TNF.
sentavam m enor quantidade de linfócitos T circulantes.
Estudos com esse composto têm sido extensivamen- Micotoxinas
te realizados como m odelos de imun otoxicidade e, de
fato, tem sido relatada a ocorrência de im unossupressão No início dos anos de 1950, relatou-se a ocorrência
e maior suscetibilidade de animais de laboratório a in- de várias mortes de porcos selvagens que invadiram uma
fecções experimentais. Foi, ain da, observada nessa situa- cultura de m ilho em um a fazenda localizada no sudeste
ção atrofia de órgãos linfoides primários e secundários dos Estados Un idos. Em decorrência desse fato, veteri-
com consequente diminuição de linfócitos circulantes. nários e micologistas uniram -se para tentar determ inar
486 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

a causa da mortand ade d esses anim ais, já que o milho com o o T -2, o h idroxitricotecen o (H T-2), o nivalenol
dessa p ropriedad e se encon t rava m ofado; observaram (NIV) e o d eoxin ivalen ol, também conhecido com o
qu e a presen ça d o fu n go Aspergillus flavus n o m ilh o vomitoxina (D ON); porém, a micotoxin a de m aior im-
poderia estar envolvid a com a sintom atologia e m orte p ortân cia imunotoxicológica é a T-2.
dos an imais. Todavia, foi somente em 1960, com a mor- Dentre os animais domésticos, os suínos são os mais
te d e m ilh ares de p erus na Inglaterra, pela ingestão de susceptíveis aos efeitos tóxicos e imunotóxicos dos tri-
torta de amendoim contaminad a com esse mesmo fun - cotecen os; assim, em relação a esse último efeito, foram
go, foi que os pesquisadores passaram a investigar m ais relatadas dimin u ição da p rodução d e anticorpos, dimi-
profu nd am ente a real causa da mortalidade. Foi qu an do n u ição de leu cócitos periféricos, d epleção de células
isolaram um m etab ólito secun dário do A. flavus, den o - linfoides e diminuição n o p eso relativo de órgãos lin -
minado d e aflatoxina. D esd e então, o estudo d as mico- foides, com o timo e b aço. Em fran gos de corte intoxi-
toxinas e d as micotoxicoses associadas cresceram subs- cados com o T-2 relatou -se aumen to da m ortalidade
tan cialm ente (para mais detalhes, ver Capítulo 25), d as aves ap ós in oculação de diferentes cepas d e Salmo-
in clusive n o con texto da imunotoxicologia. nella spp.; p orém, n ão h ouve alterações, quer na respos-
Várias são as micotoxinas de interesse veterinário; ta h u m oral qu an do do desafio com Pasteurella multo-
porém, as m ais estu dad as e sabid am ente imunotóxicas cida, quer n a contagem d ifer e n ci al d e l e u cócitos
aos an im ais d om ésticos são a aflatoxin a (AFB1) e o tri- p eriféricos. Em b ovin os intoxicados, foram observadas
coteceno T-2, qu e acarretam perdas econ ômicas sign i- alterações na atividad e de n eutrófilos e diminu ição na
ficativas na pecuária, consequentes d a imunossupressão ativid ade proliferativa de lin fócitos.
desen cadead a e d o aumen to da suscetibilidade dos ani-
. ,
m ais aos p atogenos. Plantas tóxicas

Aflatoxina Em medicina veterinária, o estudo de plantas tóxi-


Das micotoxinas p rodu zidas p elo fu ngo A. flavus, cas é de extrema importân cia, p rincipalmen te p ara ani-
aqu ela que apresenta m aior importância toxicológica é m ais de pro d u ção, com o abord ado n a seção 4 e seus
a AFB1• Vários são os relatos do efeito imunossupressor respectivos capítulos. Porém, m uito p ouco se sab e d o
para esse metabólito do fungo sobre animais de p rodu- efeito d essas plan tas sobre o sistem a im u nológico d os
ção, prin cip alm ente bovin os, os quais mostram-se m ais an im ais, já que existem p oucos estu dos direcionad os a
susceptíveis a p rocessos infecciosos, com o observad o esse ramo da toxicologia. Nesse sentido, p ode-se sup or
em vacas leiteiras intoxicadas com a AFB 1, as quais apre- que alterações n a produ ção d e an ticorp os levariam à
sentam maior ocorrência de mastite e, consequentemen- quebra de esquemas vacin ais de rebanhos, p o den do
te, produzem leite com maior número de bactérias totais. pro duzir imun ossup ressão e, até mesm o, a m orte de
Estudos realizados com linfócitos p eriféricos de b ovinos an im ais intoxicad os p or diferentes plantas.
intoxicados com AFB 1 evidenciaram que ocorre dimi-
nuição na atividade proliferativa de linfócitos T. D e fato, lpomoea carnea
outros estudos realizados em diferentes espécies anim ais, Tamb ém con h ecid a com os nomes vu lgares d e
como em frangos de cortes, mostraram os mesm os efei- man joran a, capa-bod e, algodão-bravo, entre outros.
tos imunossupressores sobre células T, e aind a d iminu i- Essa p lanta encont ra-se distribuída em tod o o territó-
ção na p rodução de anticorpos e alterações n a atividade rio n acion al; pelo fato de manter-se verd e e florida du -
fagocítica e bactericida de heterófilos. Esses efeitos im u- rante todas as estações d o an o, torn a-se uma fo n te de
n ossup ressor es tam bém for am d escritos em suín os e m atéria verde p ara os animais de produção em p eríodos
perus. Estud os em animais d e laboratório corroboram d e estiagem . H á relatos a cam p o de qu e an im ais into-
com essas pesqu isas realizadas em animais de produção, xicados com essa planta torn am-se m ais suscetíveis a
sen do qu e em todos eles foram observados diminuição pneu monias e a doen ças de casco; p orém, estu dos em
da ativid ade p roliferativa de linfócitos, d iminuição n a an imais de lab oratório evid enciaram que tanto a plan-
p rodu ção de an ticorpos e com prom etimento de lin fó- ta qu anto seu principal princípio ativo tóxico, o alca-
citos T n o DTH. loide suainson ina, prom ovem efeito pró-inflam atório
sobre m acrófagos, podendo esse fator levar à exacer-
Tricotecenos bação de doen ças já p resentes n os animais. Ap arente-
São m icotoxin as p ro duzidas por fungos d o gên ero mente, o mecanism o p elo qu al a suainsonina promove
Fusarium. São conh ecidos vários tipos de tricotecenos, tal efeito envolve a inib ição da enzim a m an osidase II
Capítu lo 38 • lmunotoxicologia 487

do Complexo de Golgi; essa enzim a é responsável em de medula óssea, levando os animais a apresentarem de-
glicosilar proteínas recém-sintetizadas, alterando, dessa pleção das células brancas e de trombócitos circulantes,
forma, essas macrom oléculas, com consequente com - manifestada pelos anim ais com o m aior suscetibilidade a
p rom etim ento d e suas fun ções com o receptores d e processos infecciosos e hemorragias. A forma crônica da
membrana, proteínas citoplasmáticas, imunoglobulinas intoxicação é caracterizada pela ocorrência de processos
e outras glicoproteínas. neoplásicos, tanto ao nível da vesícula urinária quanto ao
nível do trato digestivo superior, processos esses den o-
Crotalaria spp. m inados vulgarmente de hematúria enzoótica e caragua-
Plantas desse gênero, que são vulgarmente denomi- tá, respectivamente. No entanto, o m ecanismo de ação
nadas de xique-xique ou guizo-de-cascavel, são encon- pelo qual o princípio ativo da planta, um ptaquilosídeo,
tradas em todas as regiões do Brasil e possuem , como prom ove o desenvolvim ento das neoplasias é pouco co-
princípio ativo tóxico, o alcaloide pirrolizidínico mo- nhecido, porém , a depleção de células totipotentes na
nocrotalina. Este, após ser biotransformado n o fígado, medula óssea dos animais intoxicados pode estar com -
ativa-se na m olécula pirrol, que, por ser extrem amente prometendo células das linhagens m ieloide e linfoide,
eletrofílica, acaba se ligando às proteínas e também ao vindo a prejudicar a denominada vigilância imunológica,
DNA das células, causando n os an im ais intoxicados descrita anteriorm ente.
hepato e nefrotoxicidade. Os animais intoxicados por
essa planta também sofrem alterações pulmonares de- Med icamentos
correntes da inflam ação intersticial, caracterizada por
infiltrado monocítico/neutrofílico e lesão en dotelial, Dentre os compostos com poten cial imunotóxico,
porém, o m ecanismo de ação pelo qual o pirrol prom o- os agentes farm acológicos são aqueles mais frequente-
ve tal atividade n o pulm ão ainda é pouco conhecido. mente citados como causadores de ação imunossupres-
Em um estudo recentemente realizado em animais de sora ou im un omodulatória, tanto no hom em quanto
laboratório tratados com a m onocrotalina, foi observa- nos animais domésticos. Dentre os efeitos imunotóxicos
do que estes, antes de desenvolverem qualquer sintom a- que os m edicamentos podem prom over, o m ais com u-
tologia da toxicose e sem serem submetidos a qualquer mente relatado é o desenvolvimento de reações de hi-
desafio imunológico, apresentam aumento da atividade persensibilidade.
de macrófagos medida por maior produção de espécies As m oléculas de diferentes agentes farmacológicos
reativas de oxigênio que podem ser responsabilizados são, em geral, de baixo peso m olecular e, port anto, in-
pela lesão endotelial presente nos animais intoxicados capazes de deflagrar uma resposta imunológica; porém,
com essa planta. quando essas moléculas se ligam a proteínas plasmáticas
ou a proteínas celulares (haptenos), passam a ser reco-
Senna occidental is nhecidas pelo sistema imunológico com o não próprias,
Esta planta, também conhecida com o fedegoso ou nesses casos, passam a ser imunogênicas. Um exemplo
cafezin ho, costuma crescer em solos cultivados com clássico dessa ocorrência é o observado com a penicili-
m ilh o e sorgo; quando ocorre a colheita m ecânica des- na, um antibiótico betalactâm ico, responsável em pro-
ses grãos, as sementes da S. occidentalis também são mover, som ente nos Estados Unidos da Am érica, 75%
coletadas, vindo assim a contaminar os grãos. Estudos das m ortes em seres hum anos decorrentes de choque
de toxicologia experimental m ostraram que a contami- anafilático promovidas por m edicam entos.
nação de grãos, por sementes de S. occidentalis na ração Porém, não somente reações de hipersensibilidade
de frangos de corte, ocasionou nestes lesão na bursa de podem ser desencadeadas por medicam entos, algumas
Fabricius e depleção de linfócitos B nesse órgão linfoide; substâncias químicas podem levar ao desenvolvimento
porém, ainda é desconhecido o mecanismo por meio de autoimun idade ou à imun ossupressão severa, que
do qual o princípio ativo tóxico dessa planta, um a an - torna os pacientes mais suscetíveis a processos infeccio-
traquinon a, prom ove tal efeito. sos, e também mais propensos ao desenvolvimento de
neoplasias.
Pterid ium aqu ilinum Diferentemente dos outros compostos imunotóxicos
Também conhecida com o samambaia-do-campo, é já citados, os quais foram apresentados isoladam ente,
um a planta cosmopolita que promove n os animais de os m edicam entos aqui apresentados serão abrangidos
produção dois tipos de toxicose: a forma aguda, denom i- conform e a atividade que promovem , ou seja, im unos-
nada de ação radiomimética, caracterizada por depressão supressão ou imunoestim ulação.
488 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Medicamentos imunossupressores como anti-inflamatórios e podem prom over efeitos


Existe uma variedade de m edicamentos qu e atu am farmacológicos em outras células além das do sistem a
sobre o sistema imunológico do paciente com o objeti- im u n e, esses agentes foram sintetizados especificamen -
vo de suprimir a resposta im une, com o nas inflam ações te para a p reven ção de rejeições de órgãos t ransplanta-
agudas, como asma, b ron quite, artrite e n as crônicas, dos e também para tratamento d e autoim u nidades,
com o artrose, entre outras. Aind a, prescrevem -se esses agindo especificamente sobre linfócitos. O mecan ismo
medicamentos para tratam ento de doen ças autoimunes, im unossupressor desses agentes está relacionado à liga-
e também para a preven ção da rejeição aos transplantes ção d estes à p roteínas citoplasm áticas denomin ad as
de órgãos. Dent re esses m edicamentos existem , ainda, imun ofilinas (ciclofilina e a p roteína FK506), com for-
aqueles que são utilizados no t ratamento d e cânceres, mação d e um com plexo proteico que se liga a calcineu -
pois in ibem, d e forma in específica, a proliferação de r ina, in ib indo a desfosforilação Ca+2 -dep en dente do
células. fator nuclear de linfócitos T ativad os (NFAT); im p ede-
Entre aqueles agentes im u nossupressores, os mais -se, assim, que este migre p ara o n úcleo para promover
largamente utilizados, tanto n a medicina humana quan - a tr anscr ição gênica d a IL-2, de outras citocin as e de
to na m edicina veterinária, são os glicocorticoides, por fatores de crescimento e de diferen ciação celular. A ci-
exemplo, a h id rocortison a, a predin isolona, a dexamen- closporina promove, também, aumento na expressão de
tason a, entre outros. Os glicocorticoides são substân cias TGF-beta (transforming growth factor beta), um poten-
lip ossolúveis que atravessam facilmente a membrana te inibid or da p roliferação de linfócitos T m ediada por
celular e se ligam a receptores nucleares, d e diferentes IL-2.
células, vindo a p rom over m aior ou m en or expressão Ainda podem ser citados como medicamentos imu-
gênica de determinadas proteínas. Esses m edicamentos nossupressores aqu eles que são classificad os com o an-
são utilizados, principalmente, como anti-inflamatórios, tiproliferativos ou agentes alquilantes, os quais se ligam
pois atuam sobre o metabolismo do ácido araquid ôn ico, ao DNA, impedind o a p roliferação celular. Dentre eles,
especificamente sobre a enzima fosfolipase A-2, a qu al citam-se a ciclofosfam ida e os medicamentos classifica-
é inibida d e ser sintetizada p or bloqueio da t ranscrição dos como antimetab ólicos que, p ela sua semelhança
gênica e também pela in dução da síntese d e lip omodu- estrutural com moléculas necessárias para a proliferação
lina l que, p or su a vez, inib e a fosfolipase A-2 já sinteti- celular, por exemplo, o ácido fólico (m etotrexato), pro-
zad a, impedindo assim a p ro dução d os eicosan oides movem inibição da proliferação celular, especificamen-
pró-inflamatórios: prostaglandin as, leucotrienos e trom - te na fase S do ciclo celular. A azatioprin a também pode
b oxanos. Porém, o m ecanismo de ação imunossupressor ser classificada com o an timetab ólica, p ois inib e de for-
dos glicocorticoides está n a inibição de um fator de ma indireta a sín tese d e purinas, atuan do sobre as en-
transcrição envolvido com a ativação de vários genes, o zimas resp onsáveis em sintetizá-las. Esses agen tes são
heterodím ero AP-1, responsável em promover a síntese mais utilizados no tratamento de câncer; porém, existem
de IL-2, do receptor para IL-2 e, tamb ém, da enzim a algum as situações em que se faz uso desses agentes como

cicloxigenase. A in ib ição d a síntese de IL-2 e d e seu 1mun ossupressores.
receptor faz com que ocorra com prom etimento da ati- Esses são alguns exem plos de m edicam entos imu-
vid ade de linfócitos T, dim inuição na produ ção d e an - nossupressores que p odem causar efeitos deletérios em
ticorp os T-dependentes. Sobre linfócitos T, os glicocor- pacientes tratados; densre estes efeitos pode-se citar uma
ticoides podem também induzir a ap optose dessas maior suscetibilidade a processos infecciosos de etiolo-
células p or meio da ativação do fato r de transcrição gia bacterian a, viral ou fún gica, bem com o uma maior
N FkB e do b loqueio d os genes an tiapoptóticos Bcl-2. suscetibilidade a in festações parasitárias. Por outro lado,
Porém, não só as atividades de linfócitos são acometidas outros efeitos também pod em ser observados em indi-
pelos glicocorticoides, out ras células tam bém são afe- víduos tratad os com tais agentes, como a maior ocor-
tadas p ela terapia desses anti-in flamatórios esteroid ais, rên cia de n eoplasias, já citad a anteriormente na parte
por exemplo, os macrófagos, cuja p rodução d e IL- 1 é introdutória deste capítulo.
inibida, e os linfócitos NK, nos qu ais se observa supres-
são d a atividad e citotóxica. Medicamentos imunoestimu lantes
Outros medicamentos im unossupressores utilizados Nesta categoria de agen tes farmacológicos, é d ifícil
na medicina são classificados como inibid ores da calci- especificar aqueles com atividade tóxica sobre o sistem a
n eurina, são eles a ciclosporina e o tacrolimo. Diferen - imun e qu e levem à ocorrência de reações de hipersen-
temente dos glicocorticoides qu e são mais utilizad os sib ilidade e ao desenvolvimento de auto im u nidade.
Capítu lo 38 • lmunotoxicologia 489

Como já citado anteriorm ente, as reações de hipersen - Histolog ia de órgãos linfoides


sibilidad e são os prin cipais efeitos im u n otóxicos que Q uando se faz o estudo h istopatológico d e órgãos
agen tes farmacológicos podem causar. Após a absorção, linfoides, é de rotina avaliar, também, o seu peso, p rin-
esses agentes ligam -se à p roteínas plasmáticas ou celu - cipalm ente do timo, do baço e dos linfonodos escolhidos
lares, passando a p romover o recon hecimen to antigê- para a análise. De fato, a diminuição ou aum ento do peso
nico e a consequente resposta im une. relativo desses órgãos são considerados u m prim eiro
Por outro lado, existem m edicamen tos que podem in dicativo de im unotoxicidade. No entanto, um cuid ado
p romover o d esenvolvimento d e doenças autoimunes, adicional deve ser tom ado antes de qualquer interpreta-
com o m ostrado no Quad ro 38.1. O mecanismo de ação ção de possíveis alterações histológicas: trata-se de ave-
pelo qual tais agentes prom ovem esse efeito é d esconhe- riguar prelim in armente o estado fisiológico dos an im ais,
cid o e há poucas evidências de que a ocorrên cia de imu- como a idade, já que o timo d os mamíferos tend e a in-
n oestimulação, à sem elhança das reações de hipersen - voluir com a m aturidad e; o sexo, pois a ação de hormô-
sibilid ade, seja o m ecanismo pelo qual se d esenvolve a nios sexuais interfere com a população celular d o timo;
autoimunidade. a gestação, já que devido à dim inuição do n ível de estró-
gen o circulan te, ocorre no timo u m recrutam en to de
PROTOCOLOS DE IMUNOTOXICIDADE tim ócitos para repovoar este órgão, aumentando assim
Pelo fato da imunotoxicologia ser um ram o recen - seu tamanh o, peso e celularidade. Cuidado também deve
te d a toxicologia, não é de se estranhar que a regulari- ser tom ad o quan to ao estad o n utricional d os an im ais,
zação dos p rotocolos experimentais, d o sujeito experi- bem com o n o n ível de estresse ao qu al estes estejam
m ental a ser u tilizado (r ato o u camu n d ongo ) e d o expostos, pois essas variáveis p odem levar o an im al a
períod o d e exposição aos xenobióticos ainda esteja se apresentar imu n ossupressão, ind epend ente da ação do
ad aptando p ara que se possa melhor entender a ação composto em estudo.
dessas substâncias nas diferentes respostas e nos com - O estudo histológico de fragmentos represen tativos
ponentes do sistem a im unológico. de órgãos linfoides, como o timo, o baço, a medula óssea,
Em meados d os anos de 1980, várias organizações os linfonodos e as placas de Peyer, pode indicar possíveis
m undiais responsáveis por padronizar e regulam entar efeitos imu n otóxicos de xenobióticos. Assim , por exem -
ensaios de toxicidade para os mais diferentes compostos, plo, podem ser observados pelo patologista, dentre outras
como m edicam entos e praguicidas, propuseram alguns alterações, mudanças na arquitetura normal desses órgãos,
p rotocolos para o estud o d a interação xenobiótico-sis- por exemplo, perd a de d elimitação por trabéculas dos
tem a im une. folículos do tim o, alteração na disposição celular de al-
Assim, em 1982, The Office of Pesticide Programs of gum as populações de células, com o, por exemplo, rare-
the US Environmental Protection Agency (Usepa) - Sub- fação de linfócitos T na bainha periarteriolar do baço,
division M - Pesticide Assessment Guidelines propôs uma presença m aciça d e figu ras apoptóticas no tim o.
série de ensaios biológicos, como mostra o Quadro 36.2, Outra ferram enta utilizada na h istologia é a imu-
que seriam divididos em duas fases d e experimentação, noistoquímica. Nela, utilizam-se anticorpos específicos
sugerind o o uso de camundongos como sujeitos expe- para determinados m arcad ores celulares, o que permite
rimen tais e tratamento destes por 14 dias consecutivos, fazer a fenotipagem da população celular em d etermi-
sen do que a série de experimen tação som ente p rosse- nad o órgão, bem como avaliar se d etermin adas proteí-
guiria para os ensaios da fase 2 se h ouvesse alterações nas estão send o produzidas por linfócitos ou m acrófa-
n os p arâm etros avaliad as n a fase 1. Outras agên cias gos.
passar am, en tão, a increm en tar essa série de en saios
biológicos, visando avaliar tanto o efeito imun ossupres- Ava liação da resposta imune humoral
sor como também o efeito im unoestimulante d e deter-
minada substân cia, propond o o uso d e outras espécies A avaliação isolada dos níveis séricos de imunoglo-
anim ais, de outros períod os de tratam ento e d e outras b ulin as não é ideal para a avaliação im u n o tóxica d e
técnicas laboratoriais m ais sofisticadas para avaliação xenobióticos. Assim , a análise da produção de anticorpos
d os diferentes compon entes do sistem a im unológico; específicos para um determinad o antígen o é o critério
destacam-se, atualmente, ensaios m ais sensíveis como mais indicad o para o estudo da im u n idad e humoral,
o Elispot, m étodo d e Elisa m odificado e mais sensível, pois, dessa forma, é possível se estud ar a funcionalidade
a citom etria de fluxo e o RT-PCR para avaliação d e vá- d esse compartimento d o sistem a imune quando este é
r ios parâmetros da resposta imunológica. d esafiado com apenas uma substância antigênica.
490 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

A avaliação d a imunidad e humoral pode ser feita ação conjun ta d os anticorpos produ zid os por esse lin-
de duas formas; uma delas, é feita por m eio da titulação fócito e do sistema complemento da cobaia (Figura 38.2).
de anticorpos específicos a um determ inante antigên ico, O utro p rotocolo para a avaliação funcional d e lin-
por exemplo, proced er à vacinação dos an imais e depois fócitos B é feito por meio da m ensu ração da atividade
avaliar os n íveis de anticorpos produzidos por eles, uti- proliferativa dessas células quand o estim ulad as com
lizan do a técnica d e Elisa (Enzyme-linked immunoad- um m itógen o, sen do o lipop olissacarídeo (LPS) d e
sorbent assay). A outra forma usa o ensaio denominado Escherichia coli o m ais utilizado para estudo dos linfó-
de plaque-forming cell (PFC), que é a técnica m ais uti- citos de camundon gos, en quan to que o mitógen o de
lizad a e p referida por imunotoxicologistas, pois é mui- eleição para o estud o dos lin fócitos de r atos é o LPS
to sensível para determinar a ação imunossupressora de obtido d e Salmonella typhi.
xenobióticos e validada p ara utilização em qualquer Nesses ensaios de proliferação, a cultura de células
laboratório no mundo. Tal técnica consiste em se imu - é incubad a juntamente com timidina radioativa que, no
nizar os an imais com eritrócitos d e carn eiros e, após 4 mom en to da mitose, liga-se ao DNA dos linfócitos em
dias (resposta p rimária - IgM) ou 7 dias (resposta se- proliferação e pod e ser m ensurada p o r u m ap arelho
cu ndária - IgG), faz-se u m a susp en são contendo os apropr iado para quantificar a radioatividade incorp o-
esplenócitos desses animais, erit rócitos de carneiro e rad a por essas células recém-form adas.
soro de cobaia (sistema complemento). Dessa suspensão,
coloca-se uma amostra em u ma câm ara d en ominad a Ava liação da resposta imune ce lular
Câmara de Cun ningham , formando uma monocam ad a
de células. Após o período d e incubação, é possível ob- Vários protocolos laboratoriais podem ser utilizados
servar-se a presen ça de halos claros na câmara, que nada para avaliar a imunidade celular m ediada por linfócitos
m ais são do que as áreas ao redor dos linfócito B, on de T; porém, n os ensaios que visam avaliar a imunotoxici-
ocorreu a lise dos eritrócitos d e carneiro em função da d ade sobre essas células, sugere-se o uso d e apenas três

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FIGURA 38.2. Ensaio do Plaque-fiorming ce/1 (PFC), para avaliação da produção de anticorpos (lgM). 1) Injeção de solução
de eritrócitos de carneiro por via I.V. li) Quatro dias após, faz-se uma suspensão de esplenócitos. Ili) Prepara-se uma sus-
pensão com eritrócitos de carne iro, esplenócitos e sistema complemento de cobais (C'). IV) Preenche-se a câmara de
Cunningham com a suspenção de células prepa rada e incuba-se por 1 hora a 37ºC. V) Observa-se, sob microscopia de
luz, a presença de células formadoras de placas de lise, células estas que são os linfócitos B p roduto res de anticorpos
específicos antieritrócitos de carneiro.
Capítulo 38 • lmunotoxicologia 491

protocolos, denom inados respectivamente d e ensaio de inata, bem com o para o desenvolvimento das respostas
citotoxicidade d e linfócitos T ( Cytotoxic T Lymphocyte imun es humoral e celular.
assay - CTL), ensaio de resposta de hipersensibilidade A avaliação da ativid ad e fagocítica de macrófagos
tardia (Delayed Type Hypersensitivity reaction - DTH) é muito empregad a no estud o dos possíveis efeitos tó-
e ensaio d e proliferação de linfócitos T diante d e dife- xicos d e xenobióticos sobre essas células; porém, com
. ,
rentes m1togenos. exceção d os ensaios realizad os in vivo, existem várias
Nos ensaios de citotoxicidade de linfócitos T, avalia- limitações nas técnicas de investigação utilizadas para
-se a fun cionalidad e dos lin fócitos T CDS+; para tan to, esse estudo. De fato, a m aioria desses en saios auxilia
essas células são incubadas juntamente com células-alvo apenas nas investigações d e aspectos muito específicos
que expressam MHC-I e que são m arcadas com radioa- d o p rocesso fagocítico. Ainda, pelo fato d esses ensaios
tividade. O contato célula-célula faz com que os linfócitos serem utilizados como ferramentas d e pesquisas básicas
T CDS+ se ativem e passem a liberar sobre a célula-alvo ou fundamentais, não têm sido apropriadamente padro-
as enzim as: granzima B e a perforin a, que prom ovem a nizados e validados para o estudo de imunotóxicos. Nos
destruição d a membrana plasm ática d a célula-alvo e li- ensaios in vivo, avalia-se a capacidad e dos animais em
beração d a rad ioatividade no sobrenadante d a cultura, a promover o clearence d e inóculos intravenosos d e car-
qual pode ser mensurada. Assim , um composto que cau- bono coloid al ou mesmo de Listeria monocytogenes; d e
sa efeitos deletérios sobre esses linfócitos T, fará com que fato, pode-se realizar a con tagem d esses inóculos no
haja men or lise de células-alvo e, consequen tem ente, sangue periférico e, no caso d as bactérias, a contagem
m enor liberação de rad ioativid ad e no sobrenadante. d aquelas que permanecem viáveis no fígad o e n o baço
Os ensaios de DTH têm com o vantagem permitir a d os animais d e inoculad os.
avaliação da resposta imune celular in vivo. Esse ensaio é A atividad e de linfócitos NK pod e ser avaliada por
realizado em três fases d istintas; n a p rimeira fase sensi- meio da cocultu ra destes com células-alvo pré-marcadas
biliza-se os animais com o antígeno, geralmen te com com radioatividad e (células YAC). Alise d as células-al-
eritrócitos de carneiro - podendo ser utilizado, também , vo libera o m aterial rad ioativo para o meio d e cultura,
ovoalbumina, ou outra proteína exógena - , por via sub- podendo ser, assim , mensurado com uso de aparelhagem
cutânea ou via in tradérmica. A segunda fase, que corres- apropriad a. D etalhes sobre essa técnica podem ser ob-
ponde ao período d e reconhecim ento an tigênico, dura servad os no Capítulo 7.
em torno d e sete dias, nessa etapa, os macrófagos ou cé-
lulas d endríticas p rocessam a proteína exógen a e apre- BIBLIOGRAFIA
sentam seus epítopos aos linfócitos Thl (T CD4+), os quais
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492 Toxicolog ia aplicada à medicina vet erinária

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Capítulo 39

Ecotoxicologia

Fábio Kummrow

~ estão associadas às atividades humanas que levam à sua


INTRODUÇAO
liberação n os compartim entos am bientais ou quando
O estudo sistemático dos efeitos tóxicos de substân- essas atividades elevam sua toxicidade e/ ou biodispo-
cias químicas, naturais ou sintéticas, sobre a biota é um nibilidade, aumentan do a exposição ambiental de po-
fenôm eno que foi intensificado a partir do século XX. pulações e comunidades (Figura 39.1).
Particularm ente, a contaminação ambiental por subs- Na exposição am biental, a biota entra em contato
tân cias químicas é a consequência da rápida industria- rotineiramente com os poluentes presentes nos com-
lização ocorrida, da maciça utilização de veículos e de partim entos ambientais e nos alimentos, sem controle
atividades como a agropecuária, silvicultura e mineração, ou apen as com controle lim itado sobre essa exposição.
que possuem elevada demanda por recursos naturais. Assim, em erge a n ecessidade de prever os principais
Aqui cabe definir os termos contaminação e polui- efeitos deletérios que podem ser manifestados após esse
ção que, embora sejam distintos, muitas vezes são em- contato, não somente nos indivíduos, m as também nas
pregados como sinônimos. A contaminação ambiental populações, comunidades, ecossistemas e outras enti-
pode ser definida como a presença de substâncias quí- dades biológicas de níveis organizacionais superiores.
m icas em compartimentos onde naturalm ente não ocor- Nesse contexto, a ecotoxicologia de comunidades foi
reriam ou ainda em concentrações acima daquelas con- definida como o estudo dos efeitos deletérios dos po-
sideradas naturais, enquanto a poluição ambiental é a luentes sobre padrões de abundância de espécies, diver-
contaminação que resulta ou pode resultar em efeitos sidade, composição da com unidade e interações entre
biológicos adversos às com unidades. as diferentes espécies.
Com o objetivo principal de estudar os impactos da Porém , é importante citar que existe certa divergên -
poluição sobre os organismos vivos sur ge a ecotoxico- eia sobre incluir a espécie humana n os estudos ecoto-
logia. Essa ciência, relativamente nova, foi definida ini- xicológicos. Didaticam ente, m uitos autores atribuem à
cialmente como o ramo da toxicologia dedicado ao toxicologia ambiental a m issão de estudar os efeitos
estudo dos efeitos tóxicos causados p elos p oluentes, adversos para o ser human o dos poluentes presentes
naturais ou sintéticos, aos constituintes dos ecossistemas, nos diferentes compartimentos ambientais, enquanto a
com preen den do anim ais (incluindo o ser human o) , ecotoxicologia é a responsável pelo estu do dos efeitos
vegetais e microrganism os em um contexto integrado. nocivos desses m esm os poluentes para todos os outros
Posteriormente, visando cobrir um a perspectiva ecoló- organismos vivos. Nesse contexto, a toxicologia ambien -
gica mais ampla, a ecotoxicologia passou a ser definida tal utiliza dados obtidos em estudos de avaliação toxi-
como a ciência dedicada ao estu do e à prevenção de cológica, empregando diversos organism os relevantes
efeitos adversos das substâncias químicas, oriundas das para inferir sobre possíveis efeitos adversos dos conta-
atividades antrópicas e lançadas nos compartimentos minantes para a espécie hum an a, en quanto a ecotoxi-
ambientais, sobre a estrutura dos ecossistem as, sua fun - cologia utiliza dados obtidos com um núm ero relativa-
ção e biodiversidade. As substâncias químicas de origem m ente restrito de d ife rentes organism os para in ferir
n atural (por exemplo, os metais) continuam a ser de sobre possíveis efeitos deletérios p ara muitas outras
gran de interesse para a ecotoxicologia, qu an do estas esp écies presentes em um deter m inado ecossistema.
494 To xicologia aplicada à med icina vet erinária

Meio ambiente

Fontes de poluição Distribuição a mbiental Efeitos deletérios

Biota excreção das


r -- -------------------- ~ A

substancias e dos seus


p rodutos de b iotranformação
-- -- ... Organismos
Substâncias J,
1 químicas naturais (SqN) e
sintéticas (SqS) / t Absorção
J,
- Processos de t ransformação Distribuição
J,
ambienta l - reações J,
Ext ração (SqN)
abióticas e bióticas Int erações
J, População
J, J,
Síntese (SqS) 1
• Toxicidade Comunidade
J,
Utilização (SqN e SqS) J,
Exposição
J, Ecossistema
Descarte (Sq N e Sq S) _ - Avalia ç ão de riscos

L - - - - - - - - - - - - - - - Medidas regulatórias •• 1----- Gerenciamento de riscos

FIGURA 39.1. Principais componentes abordados nos est udos ecotoxicológicos.


Fonte: adaptada de Wright e Welbourn (2002).

Outra p articularidade é que a toxicologia ambiental tem a aplicação de praguicid as nos campos, o uso em larga
seu foco nos efeitos tóxicos diretos, que são aqu eles que escala de medicamen tos veterinários e o lan çamen to
ocorrem n o p róprio organism o de interesse, n esse caso descon trolad o de d ejetos, tanto n os solos quanto n as
o ser humano. Já a ecotoxicologia consid era, além dos águ as. Assim , o objetivo deste capítulo é o de introduzir
efeitos tóxicos d iretos, os efeitos tóxicos indiretos, qu e os prin cípios, m étodos e aplicações da ecotoxicologia,
são aqueles mediados por u m ou tro com pon ente d o trazen do, com o exemplo, os imp actos ecotoxicológicos
ecossistema, por exemplo, os efeitos n ocivos que p od em d o uso de m edicamentos veterin ários.
ocorrer para uma planta superior se u m pragu icida
elimin ar o seu inseto polinizador. INGRESSO E COMPORTAMENTO
Atu almente, a ecotoxicologia vem se con solidando AMBIENTAL DE CONTAMINANTES
com o uma ciên cia m ultidisciplinar que considera, em E POLUENTES
seus estudos, fatores físicos, quím icos, biológicos e sociais
(quand o in clu ído o b em -estar d a espécie humana). Para Os p roblemas abord ad os pela ecotoxicologia têm
isso, utiliza ferramentas típicas de outras ciências, prin- su as origen s no in gresso ou n a presença d e con tam i-
cipalmente aquelas p rovenientes da ecologia e da toxi- nantes em determin ad os ecossistem as, podend o, assim,
cologia clássica, buscan do um a avaliação de riscos in - causar dan os à biota, dependendo das concentrações
tegrada com foco, tanto n a proteção d a esp écie hum an a presentes, e, portanto, é fun damental o enten dim en to
quanto de outros organismos ecologicamente relevantes. d as fon tes e d o com p ortamen to am biental dessas subs-
Para isso, seus estud os incluem a avaliação do com por- tâncias qu ímicas. As fontes de contaminação e p olu ição
tam ento ambiental: ingresso, d ispersão e transformação p odem ser natu rais ou antropogênicas, e, normalmente,
dos polu en tes presen tes n os diferen tes ecossistemas e são classificadas como p ontuais ou difusas. Como exem -
dos seus efeitos (interação com biota), que incluem ob- plos im portantes de fon tes n atu rais, p odem -se citar
servações que p artem do n ível molecular e p odem che- ativid ades vulcânicas, incên dios florestais não causados
gar até a biosfera. p elo ser humano (por exem plo, iniciado por raios), fe-
Nesse contexto, a criação extensiva de anim ais tam- nômen os com o a m aré vermelha ou o acúmulo de ar-
b ém é resp on sável p or im pactos am b ientais qu e envol- sênio, proven iente de falhas geológicas, nas águ as ou em
vem substân cias quím icas e seus respectivos d an os aos an imais m arinhos. Contud o, as fontes antropogênicas
organism os n ão alvo. En tre as principais preocup ações d e poluição geralmente apresentam m aiores impactos
ecotoxicológicas relacion adas à produção an imal estão am bientais, e, entre essas fontes, m erecem d estaque as
Capítulo 39 • Ecotoxicologia 495

atividades agropecuárias relacionadas não apen as ao A dispersão é o espalhamento dos contaminantes


emprego de substân cias químicas, m as tam bém ao uso a partir do ponto central de origem da contaminação.
e ocupação do solo, ativ idad es u rban as e domésticas Os processos de transferência de massa, como sor-
(inclu ind o o lançamento de esgotos, a utilização de veí- ção, particion amento líquido-líqu ido e volatilização,
cu los e a ger ação de resíduos sólidos), as atividades envolvem a transferência de matéria entre as diferentes
industriais, em virtude da geração de gran des volumes fases em resposta a gradientes de concentração.
de resíduos sólidos, líqu idos e gasosos, a extração e be- As reações de transformação incluem os processos
neficiamento de matérias-primas n aturais e a produção pelos quais as características moleculares e as proprieda-
de energia. des físico-químicas de um con taminante são alteradas,
As fontes pontuais são aquelas qu e podem ser ob- podendo gerar compostos com toxicidade menor, igu al
jetivamente identificad as, por exem plo, os lançam entos ou maior que a da substância original. Os p rocessos de
in dustriais de efluen tes por tub ulações em u m corpo biotransformação envolvem a ação de organismos sobre
d'água ou, ainda, as su as emissões gasosas na atmosfera os contaminantes e, normalmente, são mediados por
via chaminés. Por outro lado, as fontes difusas não podem reações enzimáticas. Os processos de transformação abió-
ser objetivamente iden tificadas como a causa d a p re- tica inclu em as reações de fotólise, h idrólise e reações de
sença de antimicrobianos d e uso humano, veterinário, oxidação/redu ção. A fotólise compreend e as reações de
ou mesmo aqueles empregados n a agricultura, em águas transform ação decorrentes da interação entre os conta-
e sedimentos d e um corpo d'água. Nesses casos, não é min antes e a radiação solar, e ocorrem principalm ente na
fácil identificar com precisão a exata origem desses con- atmosfera e nas camadas superficiais da água e, em menor
taminantes e, geralmente, inúmeras fontes contribu em escala, do solo. Essas reações são fortemente in fluenciadas
para a sua presença. Sua origem pode estar nos dejetos pelos níveis de radiações solares e do espectro de absor-
dos animais em tratamento veterin ário ou na dissolução ção do contaminante. A hidrólise inclui todas as alterações
direta de medicam entos nas águ as onde existe aquicul- d a estrutu ra qu ímica dos contaminantes decorrentes de
tura, no descarte in adequado de produtos farmacêuticos reações d iretas com a águ a e, portanto, ocorrem princi-
ven cidos ou indesejados, n o solo ou n a água e, ainda, palm ente nos ambientes aquáticos. Por fim, as reações de
nos efluentes de indústrias farmacêuticas t ratad os ina- oxidação/redução modificam as estrutu ras quím icas dos
dequad amente. contaminantes por transferência de elétrons do contami-
Após a liber ação de u ma substância qu ímica no nante para um agente oxidante ou a transferência d e elé-
ambiente, inicia-se sua distribuição entre os diferentes trons de um agente redutor para o contaminante. Nessas
compartimentos ambientais (ar, água, solo/ sedimento e reações, a disponibilidade de agentes oxidantes e reduto-
biota). A distribuição de um contaminante e/ou dos seus res é um fator limitante.
p rodutos de t ransformação (gerados por reações abió- O transp orte dos contamin antes entre os diferentes
ticas e bióticas) pod e ser entendid a como as concentra- compartimentos depen de diretamente das suas proprie-
ções e as localizações dos contaminantes ou mistura de dades físico-químicas e das características do meio am -
contamin antes no m eio físico ou nos organism os vivos, b iente. As principais propried ades físico-químicas dos
como, por exemplo, n os fluidos biológicos e nos tecidos. contaminantes envolvidas na sua mobilidade en t re os
Existem diversos p rocessos físicos, químicos e biológi- diferentes com partim entos, in cluindo a b iota, são o seu
cos qu e in fluenciam o destin o final de um contaminan- estad o físico (sólid o, líquido ou gasoso), a polaridade
te em um ecossistema. Os p rocessos gerais que cont ro- (que pode ser expressa pelo coeficiente de partição óleo/
lam o t ransporte e o destino d os con tamin antes são: água - Kow), a pressão de vapor, o tamanho molecular
advecção, dispersão, transferência de massa em interfa- ou d as partículas e a estabilidade química, a qual está
se e reações d e transformação. diretamente relacionada à persistência de um a substân -
A advecção é o mecanism o de t ransporte gerado cia em um determinado meio. Entre as características
pelo fluxo d e um fluido, uma vez que com o seu deslo- ambientais relevantes para a mobilidade dos contami-
camento, os contaminantes (solutos) presentes no flui- nantes estão a temperatu ra, o movimento das massas de
do se movem na direção das linh as de fluxo. Por exem - ar, a direção e a velocidade do fluxo da água, a intensi-
plo, contaminantes h i drossolúveis poderão ser d ade da radiação solar, a umidade, a pressão atm osféri-
transportados pelo fluxo de água por infilt ração ou ca, o teor de matéria orgânica e a concent ração das
escoam ento no solo. Da mesma form a, os contaminan - substâncias químicas de interesse.
tes p resentes na atmosfera poderão ser t ransportad os Assim, a avaliação de como as propriedades fí-
de acordo com a movimentação das m assas de ar. sico-químicas in fluenci am o comportamento dos
496 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

contaminantes é fundamental, tanto para estim ar as grande quantidade de água que passa pelas brânquias
suas con centrações com o para avaliar a sua especia- e, combinada com a alta afinidade de compostos lipo-
ção em u m determ in ad o compartim ento. Essa ava- fílicos pelas m embranas celulares, a passagem para o
liação também é de grande importância para caracteri- compartimento intracelular é facilitada (absorção), per-
zação da exposição dos organismos ao contaminante, mitindo que o equilíbrio seja estabelecido rapidamente.
além do seu potencial de bioacumulação e de biomag-
n ificação. Aqui é n ecessário introduzir os conceitos TESTES ECOTOXICOLÓGICOS (BIOENSAIOS)
d e d ispon ibilidade qu ímica e biod isp on ibilid ad e.
Disponibilidade química é o processo pelo qual uma De maneira geral, a qualidade am biental pode ser
substân cia se torna solúvel ou em fo rma desagregada caracterizada, monitorada e fiscalizada, empregan do-se
no meio on de se en contra, enquanto a biodisponibi- duas estratégias com plementares, a mais com um é ba-
lidade é o processo p elo qual um contam in an te está seada n as análises quím icas para identificação e quan -
disponível p ara ser assim ilado p or u m organ ismo. tificação de contaminantes legislados, que normalmen -
Esse processo não depende apen as das características t e t êm seus imp act os am b ien t ais n egat ivo s bem
do con taminante, m as também da an atom ia e da fi- estabelecidos. Contudo, é importante ressaltar que as
siologia do organ ismo, da via de exposição ao conta- análises químicas por si só n ão retratam os efeitos de-
m in an te e da su a toxicocin ética. letérios das substâncias químicas sobre a biota. A outra
A bioacumulação pode ser definida como transfe- estratégia é o em prego de testes ecotoxicológicos, uma
rên cia dos contam inantes do m eio externo para um vez que somente os sistemas biológicos (organismos ou
organ ism o, n o qual as con centrações observadas são partes deles) podem detectar os efeitos tóxicos dos po-
muito sup er iores àqu elas en contradas n o m eio. Esse luentes e das suas misturas. Os bioensaios são experi-
fen ôm en o é expresso pelo fator de bioacumulação , mentos padronizados que permitem a determinação da
determinado pela razão entre a con centração presente toxicidade de substân cias quím icas ou am ostras am-
n o organismo e a con centração encontrada no meio de bientais, avalian do seu efeito deletério em organismos-
exposição. Embora existam exceções, considera-se que teste. Os testes ecotoxicológicos n ão são cap azes de
substâncias com Log de Kow > 4 apresentam poten cial identificar um determinado poluente presente em uma
de bioacum ulação. Fatores relacionados aos organismos, amostra ambiental; porém, esses testes podem revelar a
como o seu tamanho, capacidade de biotransformação, toxicidade das substân cias quím icas presentes n essa
teor lipídico, depu ração, dieta e presen ça de ligantes amostra e das possíveis interações (aditivas, sinérgicas
esp eciais em tecidos (por exemplo, metolotioneínas), ou antagônicas) que são passíveis de ocorrer entre elas.
podem favorecer a bioacum ulação de determin ados Assim, os testes ecotoxicológicos têm por finalidade
contaminantes. identificar se, e em qual extensão, as substâncias quími-
Quando um contaminante é facilmente absorvido cas, isoladas ou em misturas, são nocivas, e como e onde
e é de difícil excreção, com o n o caso das substân cias se m anifestam seus efeitos.
m uito lipossolúveis, ocorre o seu acúmulo n os tecidos. Portanto, a ecotoxicologia pode fornecer, por meio
Fatores ambientais, com o a tem peratura, pH do m eio, de parâmetros avaliados nos bioensaios, informações
u m idade, salin idade, carbon o orgân ico d issolvido e sobre os efeitos tóxicos agudos e crônicos relacionados
dureza também têm forte influência na bioacum ulação ao somatório dos poluentes presentes em um com par-
dos contaminantes. A biomagnificação é o aumento da timento ambiental. Os efeitos agudos estão relacionados
concentração do contaminante nos tecidos dos organis- a exposições a quantidades relativamente elevadas dos
m os à medida que se encontram em nível trófico supe- poluentes e se manifestam pouco tempo após o início
rior, por exemplo, fitoplâncton < zooplâncton < peixes. do contato. Costumam ser desordens fisiológicas graves,
Esse fenômeno considera a dieta como principal fonte poden do inclusive ocasionar a morte dos organismos.
de ingresso do contam inante n os diferentes n íveis da Já, os efeitos tóxicos crônicos estão relacionados a longos
cadeia alimentar. Assim, os contaminantes acumulados períodos de exposição a quantidades relativamente bai-
são transferidos de um nível trófico para outros pela xas dos poluentes. Esses efeitos costumam afetar a vita-
alimentação, por exemplo, da presa para o predador. lidade das espécies e são os m ais im p ortantes para os
Os testes de bioacum ulação são conduzidos de for- estudos ecotoxicológicos.
m a semelhante àqu eles testes ecotoxicológicos com Historicamente, os estudos ecotoxicológicos foram
organismos aquáticos, considerando o meio como via focad os em n ível de indivíduo p ara estudar as r otas
de exposição e não a dieta. Por exemplo, em peixes, há d e exposição das esp écies aos p oluentes, incluin do,
Capítulo 39 • Ecotoxicologia 497

even tualmen te, a sua acu mulação, e para deter m inar Tanto n os testes ecotoxicológicos agu dos (curta
a n atureza e o grau dos efeitos deletérios relacion ados duração) quan to nos crôn icos ( du ração relativam ente
a esses p olu entes. Assim, grande esforço foi dedicad o ao longa), a exposição dos organ ismos-teste p od e ser feita
desenvolvim ento d e m étodos padron izados e validados p elos meios ond e os testes são conduzidos, por exemplo,
para realização de b ioensaios em laboratório, visando meios d e cultura, águ a, sedim entos e solo ou aind a via
entender esses fenômen os sob condições con t roladas, dieta. A mortalidade, taxa de crescimento e/ ou produção
minimizan do a n íveis aceitáveis possíveis interferências d e biom assa e reprodução são os parâm etros norm al-
e fatores de confusão. Ent re os testes ecotoxicológicos, men te avaliad os n os testes realizados com uma única
dispon íveis e recon hecid os internacion almente, aqueles espécie, por serem considerados ecologicamente rele-
que utilizam uma única espécie de organismos aquáticos vantes. Após tratamentos estatísticos ad equ ados, os re-
ou terrestres aind a são os mais utilizados. Esses testes sultados dos testes agu dos são expressos norm almente
são con duzidos com espécies as qu ais têm uma seleção em con centração letal m édia (CLSO) ou con centração
prévia e validad as com o organismos-teste, e que abran - efetiva m édia (CESO), que são d efin id as como a concen-
gem grande variedade de grupos tróficos e taxonômicos, t ração do toxicante, da amostra ou do seu extrato que
por exem plo, algas, plantas (aqu áticas e terrestres), in- causa mortalid ade ou o efeito avaliado, respectivamen-
vertebrad os (aquáticos, bentôn icos e do solo), p eixes, te, em 50% dos organismos-teste, no tempo de exposição
anfíbios ou pássaros. e nas cond ições p adronizadas. Nos testes crôn icos, os
Um organismo-teste deve ser sensível e ecologicamen- resultados são geralm ente expressos como "concentração
te representativo; as condições d o teste d evem ser o m ais d e efeito não observado" (Ceno), ou seja, a m aior con-
realísticas possíveis e os testes devem ser de fácil realização. cen tração d o toxicante, d a am ostra ou do seu extrato
É desejável também que esses testes sejam economicamen- que n ão causa efeito nocivo estatisticamente sign ifican -
te viáveis e que seus resultados p ossam ser empregados te n os organ ism os-teste, n o tem po de exp osição e n as
em processos d e avaliação d e riscos, visando à p redição con dições do teste. Ou, ainda, com o "con cent ração d e
dos efeitos ambientais dos poluen tes. Em b ora a escolh a efeito observado" (CEO), defin ida como a m enor con-
do organismo-teste seja n ormalmen te direcion ada pela cen tração d o toxicante, d a amostra ou d o seu extrato,
fin alidade do teste ecotoxicológico, alguns critérios gerais qu e causa efeito deletério estatisticam en te significante
se aplicam à seleção das espécies mais adequadas, a saber : nos organism os-teste, no tempo de exposição e nas con-
dições d o teste. Preferen cialm en te, os dad os d e Ceno e
• Sensibilidade: a espécie deve ser capaz d e discrimi- d e CEO são em pregad os n os processos de avaliação de
n ar amostras tóxicas d aquelas não tóxicas. Assim, a risco, p orém os d ados CLSO e CESO tam b ém podem ser
espécie d eve ter sen sibilidade equ ilibrada a u m a utilizados.
vasta gam a de substân cias qu ím icas (orgân icas e Atu almente, os efeitos deletérios dos poluentes vêm
inorgânicas), sendo que esta d eve ser relativamen - cada vez mais sendo estudados nos níveis de populações,
te constante, garantindo, assim, boas rep etibilid a- d e comu n idad es e do ecossistema, utilizando ensaios
des e reprodutibilidades dos resultados. com m últiplas espécies con duzidos em sistemas natu rais
• Conhecim en to abrangente sobre a biologia da espé- ou artificiais simplificados, como o microcosmos, ou em
cie: a reprodução, os hábitos alimentares, a fisiologia gran des comunid ades complexas, tais como o m esocos-
e o comportamento da espécie devem estar bem elu - mos ou estu dos de cam po, qu e p odem ser realizados
cidad os. Esp écies de curto ciclo d e vida e pequ en o tanto em lab o ratório quan to em situações de campo,
porte são as mais adequadas para essa fin alid ad e. naturais ou sim ulad as. Esses ensaios são mais realísticos
• D isponibilidade: espécies disponíveis apen as em que os testes condu zid os com um a única espécie, uma
períodos d etermin ados, em pequena quantidad e e vez qu e avaliam tamb ém as interações entre os diferen-
com reduzida distribu ição geográfica devem ser evi- tes organism os da população em estu do. Os testes em
tadas. Os organismos-teste devem estar facilmen te microcosm os conduzid os n o laboratório são constituí-
disponíveis, tanto em culturas do p róprio laborató- dos de recipien tes (por exemplo, tanques), contend o
rio como para aqu isição de fornecedores confiáveis, amostras d o ecossistem a n atu ral em escala redu zida,
ou, ain da, para serem coletados em campo. in cluindo plantas, invertebrados, peixes, água e sedi-
• Características gen éticas: a composição gen ética e mento. Os mesocosmos têm características semelhantes
a h istória da cultura d evem ser con hecidas. Espé- aos microcosmos, porém, em m aior escala e complexi-
cies com elevada estabilidade gen ética p ossibilitam dad e. Os testes de cam po utilizam d e fato am bien tes
lotes m ais uniform es de organism os-teste. natu rais ou ambientes simulando as con dições naturais.
498 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

A principal motivação para a realização de estudos de ~


AVALIAÇAO DE RISCO AMBIENTAL
campo é a de avaliar o efeito real dos toxicantes n o am-
biente n atural, por exemplo, quando se deseja conhecer A avaliação de risco ambiental é um p ro cesso
os impactos de um novo praguicida sobre espécies n ão científico rigoroso, que busca caracterizar e quantificar
alvo. De m an eira geral, os bioen saios com m últiplas a probabilidade de ocorrên cia de efeitos adversos rele-
espécies requerem parâmetros de avaliação m ais espe- vantes à biota, resultantes da exposição a um p oluente
cíficos. Assim , n os mesocosm os e estudos de cam po, a ou misturas de poluentes. Aqui cabe distinguir os termos
comunidade e o estado do ecossistema são verificados perigo e risco. O perigo de uma substância química são
diretamente por m eio de técnicas sem elhantes àquelas as suas propriedades tóxicas intrínsecas. É a sua capa-
em pregadas na ecologia. As prin cipais características cidade de causar efeitos adversos. En q uanto o risco
dos diferentes testes ecotoxicológicos são resumidas n a pode ser definido como a probabilidade da ocorrência
Figura 39.2. de um efeito adverso em um a determ inada condição
Portanto, independentem ente do tipo de teste eco- de exposição a uma substân cia química (para mais de-
toxicológico em pregado, sua função primordial é a de talhes, veja Capítulo 40). Os efeitos considerados rele-
proteger o meio ambiente e a sociedade. Esses testes são vantes para a ecotoxicologia podem variar desde aque-
desenvolvidos e padronizados para gerar dados repro- les m anifestados n a escala de suborgan ismo até a de
dutíveis, tecn icamente sólidos e cientificamente defen- p aisagem. Esses efeitos devem con sid er ar tam bém
sáveis, que poderão ser empregados individualmente ou muitas espécies, com diversos nichos e filogenias, e, em
em abordagens baseadas no peso das evidências, para uma perspectiva m ais abrangente, devem considerar
tomada de decisões embasadas nos processos de avalia- inclusive entidades ecológicas, por exem plo, as comu-
ções de risco, poden do ainda ser úteis para orientar nidades, compostas por inúmeras espécies que ocupam
programas de monitoram ento ambiental. uma paisagem h eterogênea.

Testes com múltiplas espécies


.
(f)
o Estudos de campo
u
·-0) .
.
'ºo
·-u Mesocosmos
ô
+-' .
o
u
(l> Microcosmos
(f)

2
(f)
(l>
+-'
Testes com uma única espécie
(l>
"O .
-roro
u Testes crôn icos
(f)
w
.
Testes agudos

sobrevivência Reprodução Interações Interações no nível Interações no nível Status


entre espécies de comunidade de ecossistema ecológico
inclu indo aquelas
com fatores abióticos

Estágios do ciclo de vida da espécie e complexidade do sistema

FIGURA 39.2. Classificação dos testes ecotoxicológicos de acordo com sua duração e quantidades de espécies empre-
gadas.
Fonte: adaptada de Land is et ai. (2011).
Capítu lo 39 • Ecotoxicologia 499

Os processos de avaliações de r iscos podem ser re- e englobam o plan ejamento inicial e o escop o que estabe-
t roativos, quando t ratam d e condições existen tes, por lecem a estrutura em torno da qu al o processo se desen -
exem plo, os riscos de um hormônio presente em u m a volverá. Assim , d ever ão ser defin idos n essa etap a os
represa causar dan os à su a biota aquática, ou pred itivas, p arâm et ros de avaliação apropriados, um m odelo con-
qu an do tratam de con dições que ainda inexistem, como ceitu a! e um plan o de análise. Um p arâmetro de avalia-
aqueles riscos associados ao aumento previsto de lan- ção ad equ ado d eve p ossu ir relevân cia ecológica, ser
çamento d e efluentes in dustriais, decorren te d a am plia- sensível ao contaminante de interesse e, se possível, ser
ção de u m em preendim en to, para os organism os pre- con siderado de gran de imp ortân cia para a socied ad e.
sentes no corp o d'água receptor. Em alguns casos, pode O mod elo con ceitua! d eve con ectar o parâm etro d e
ser realizada u m a avaliação d e r isco preditiva para es- avaliação ao contam inante d e interesse. Nesse sentido,
timar as consequ ências fu turas oriu n d as d e uma con - d eve ser cap az de avaliar possíveis vias de exposição,
taminação já existente, com o exemplo, pod e-se citar a efeitos relevantes m anifestados e os receptores ecológi-
estimativa d os riscos associados a um p raguicid a pre- cos de m aior importân cia. A partir do estab elecimento
sente no solo para a vid a aquática, caso essa substância d o m od elo con ceitual, é elab orad a a hip ótese d e riscos,
atinja um corpo d'águ a. que d eve defin ir claramen te os efeitos p ostu lados ou
O processo de avaliação de risco possui quatro com- previstos do contamin ante sobre o parâm etro d e ava-
pon entes b ásicos qu e são a identificação d o p erigo, a liação. Após cuidadoso exam e d a h ipótese de risco, é
avaliação dose-resposta, a avaliação da exposição e, p or possível elab orar um p lano d e análises com p atível com
fim , a caracterização d o risco. Os t rês p rimeiros com - o processo de avaliação de risco p roposto.
p onentes envolvem a geração de d ados, além d a busca, Basicam ente, o plano de análises compreend e a ca-
coleta e análise de informações científicas já d isp oníveis. racterização ecotoxicológica e a caracterização d a ex-
O último componen te tem com o objetivo a integração p osição. Os resultados obtidos n os testes ecotoxicoló -
d e tod os os d ados obtidos n as etapas an ter ior es para gicos fo rnecem d ado s q u e com põem tanto a etap a
caracterizar e quantificar os riscos. Com bases nos riscos avaliação do perigo quanto a etapa de avaliação dose-
iden tificados p od erão ser tom adas d ecisões e m edid as -resposta. A caracterização ecotoxicológica descreve os
para o seu gerenciam ento (Figura 39.3). efeitos provocados por u m poluen te, correlacion am
A etapa de form ulação do p roblem a deve envolver esses efeitos aos p arâm etros avaliad os e estabelecem
tanto aqueles indivíduos respon sáveis p ela avaliação do p adrões de variação dos efeitos observad os em virtud e
risco quanto aqueles que conduzirão o seu gerenciamento, d e variações n as con centrações do poluente. A caracte-

Avaliação de risco ambiental


Etapa de pla nejamento
(part icipação de Formulação do problema
ava liadores e gestores)
1 1
i I - Ava 11a~ao
1 • ~
Etapa de coleta - Avaliação 1
I I do perigo
e geração de da
. ~
expos1çao 1 1 - Avaliação
dados
1 1 dose-
i• I1 resposta
1 •
~ 1,
V
Caracterização do risco

Redução do risco
Gerenciamento do risco t=-- • Geração de mais dados
Risco aceitável

FIGURA 39.3. Componentes básicos do processo de avaliação de risco ambiental.


Fonte: adaptada de Graham et ai. (2013).
50 0 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

r ização da exposição busca descrever um perfil de ex- Além disso, também são resp on sáveis por p rover a
posição no qual deve estar detalh ado de que form a e em saúde e o bem-estar de animais domésticos. Em geral,
que intensidade ocor re o contato entre os organismos os p rin cípios ativos dos medicam entos apresentam
e o poluente de interesse. Deve incluir, sempre que pos- elevada atividade fisiológica e são utilizados principal-
sível, o detalh am ento sobre as fo ntes do poluente, a m ente p ara combater p ar asitas, n a p reven ção e n o
ocorrência de exposição concom itante a outras subs- tratam ento de doen ças in fecciosas, prin cipalm ente
tân cias químicas consideradas relevantes, incluindo os causadas por bactérias e fun gos e, em casos particula-
p rodutos de tran sformação do próprio poluente, os res, com o aditivos zootécn icos m elhor adores do de-
mecanismos de transporte desse poluente, acrescentan - sempenho. Apesar do uso amplamente difun dido des-
do, se for o caso, in for mações sobr e os poten ciais de ses insumos, som ente a partir do início da década de
bioacum ulação e biom agnificação, e definição das vias 1990 os p ossíveis imp actos n egativos da d isp ersão
e do tip o de contato do poluente com as espécies de ambiental dos produtos empregados em medicina ve-
interesse. Assim, o perfil de exposição quantifica a mag- terinária com eçaram a ser investigados.
nitude e o pad rão espacial e temporal de exposição para Foram os avanços na instrumentação analítica e nos
os cenários desenvolvidos durante a etapa de formulação m étodos de determ inação quím ica que p ermitiram
do problem a. Na etapa final de caracterização de risco, verificar a ocorrên cia dos m edicam entos veterinários e
as informações obtidas nas etapas anteriores são reuni- dos seus produtos de biotransform ação e/ ou degradação,
das para determinar probabilidade de um efeito adver- atualmente considerados contaminantes ou poluentes
so ocorrer para as espécies de interesse nas condições de interesse emergente, em inúm eras matrizes ambien-
de exposição estabelecidas. Posteriorm ente, a etapa de tais, por exemplo, em águas superficiais e subterrân eas
gerenciamento do risco pode fornecer altern ativas ade- (em níveis de ng/L a poucas mg/L) e nos solos (em níveis
quadas para a mitigação dos riscos identificados. de ng/kg a mg/kg). Contaminantes de interesse emer-
Entre os produtos m ais im portantes do processo de gente podem ser definidos com o compostos químicos
avaliação e gerenciam ento de riscos estão os critérios e de ocorrên cia natural ou produzidos pelo ser hum ano,
os padrões de qualidade ambiental, respectivam ente. recentemente descobertos, ou suspeitos de estarem pre-
Um critério de qualidade ambiental para um determi- sentes nos compartimentos ambientais, e cuja toxicida-
n ado contaminante é fruto do processo de avaliação de de ou a persistên cia podem afetar negativamente a bio-
r isco e é determinado estritam ente com base nas m e- ta. Não são necessariamente novas substâncias químicas,
lhores informações científicas disponíveis. Esse critério e podem vir ingressando n o meio ambiente h á m uito
é elaborado empregan do -se dados ecotoxicológicos tempo; porém, a preocupação com seus efeitos nocivos
validados e cenários gen éricos de exposição. Por outro foi cogitada apenas recentemente. Nesse contexto, os
lado, um padrão de qualidade ambiental, publicado em medicam entos empregados, tanto na medicina humana
u m a legislação, é estabelecido d ur ante o processo de quanto n a veterinária, se tornaram um a das m ais im-
geren ciamento de riscos; portanto, inclui, além da base portantes classes de contaminantes emergentes e a bus-
científica, a tom ada de decisões, e, assim, p ode ser o ca pelo entendim ento dos seus impactos ambientais vem
p róprio critério, ou pode ser considerada tamb ém a crescendo rapidam ente.
disp onibilidade de m étodos analíticos que permitam a A grande preocupação com possíveis efeitos ecoto-
quantificação do contam in ante em amostras ambientais, xicológicos dos medicam entos presentes no meio am-
de tecnologias de tratamento para a sua eficiente remo- b iente se justifica prin cipalmente p elo fato de esses
ção, fatores políticos, econômicos e sociais, o que pode compostos serem deliberadamente projetados para al-
tornar o padrão mais ou m enos restritivo que o critério terar fun ções fisiológicas específicas, o que provavel-
que lhe deu origem . m ente os to rna biologicam ente ativos também para
espécies não alvo. Além disso, esses compostos apresen-
,
PRODUTOS DE USO VETERINARIO COMO tam certa resistência a processos de biotransform ação,
POLUENTES DE INTERESSE EMERGENTE para que possam exercer os seus efeitos terapêuticos.
No entanto, essa resistência aos processos de transfor-
As in dústrias de m edicam entos veterinários for- mação/degradação também contribui para a sua per-
n ecem um a variada lin ha de pr odutos resp on sáveis sistência ambiental. Assim, nas diferentes m atrizes am-
por m anter a saúde e a p rodutividade d os d iversos bientais, o com portam ento dos medicam entos e suas
rebanhos em todo o m undo, bem com o por assegurar concentrações são determinados por características do
a sanidade e a abun dância do alimento que produzem . próprio ambiente e das propriedades físico-químicas de
Capítulo 39 • Ecotoxicologia 501

cada medicamento, in clu indo h idrossolubilid ade, lipos- produtos veterin ários em aquicultura por meio da in-
solubilidade, volatilidad e, potencial d e sorção e persis- corporação dos prin cípios ativos m edicamentosos nas
tência. Mesmo aquelas substâncias que p ossuem tempos rações ou por su a dissolução d ireta nas águ as, e dispo-
de m eia-vida am bien tais relativam en te curtos podem sição final d e resíduos in dustriais gerados du r ante a
ser continuam ente encontrad as em diferentes com par- produção d os m ed icam entos.
timentos, o que faz com que esses com p o stos sejam A lib eração ambiental de medicamentos veterinários
considerados pseud o-p ersistentes. Tal característica se e dos seus produtos d e biotransformação e/ou degrada-
deve à sua liberação ambiental con tín u a, o que leva à ção, duran te ou após o seu uso terapêutico n a criação
substituição das moléculas degradadas por novas m o- exten siva de an im ais e nas atividad es d e aquicultura é,
léculas dos m edicamentos, acarretan do a m an uten ção sem dúvidas, a p rincipal fonte de contamin ação. As
dos n íveis existen tes desses com p ostos. Assim , a cons- quantidades de medicamentos que efetivamente atin gem
tan te exposição d a biota aos m edicamentos presentes o m eio am bien te estão d iretam ente ligadas à sua d osa-
n o m eio am biente p ode resultar em efeitos ecotoxico- gem nos produtos em pregad os, o m étod o de aplicação
lógicos variados. dos produtos, a espécie anim al tratad a e sua cap acid ade
Um exem plo emblemático de imp acto ecotoxicoló - de biotran sformação. Quan do os medicamentos são
gico causado por um produto de uso veterinário foi o administrados oralmente, ou p or via parenteral, a prin -
declínio da população de abutres ( Gyps bengalensis), cipal rota d e ingresso dessas substâncias, tanto inalte-
ocorrido na Índia, ocasionada pelo d iclofan aco, um rados como biotransformados, no ambiente é a excreção
anti-inflamatório aplicado no gado criado em pastagens. urinária e fecal. Assim, o com portam ento d os m edica-
Entre os anos de 1997 e 2006 esse medicamento foi am - men tos/ metabólitos no esterco e n o ch orume gerado
plamente empregado por médicos veterinários indianos, durante o tratamento das excretas d os animais criados
justam ente por su a p ersistên cia relativam en te elevada em regim e de confinam ento bem com o seus possíveis
no gado. Assim , os abutres, que se alimentaram de car- d anos na biota associada vêm send o amplamente estu-
caças de an im ais tratados com diclofen aco, sofreram d ados. No caso da aplicação tópica dos m edicamentos
intoxicações fatais, em virtude do comprometimen to nos anim ais ou da su a d issolução diretamente n as águas
das funções ren ais, já que são b em mais sen síveis aos onde ocorre aquicultu ra, o ingresso da forma inalterada
efeitos tóxicos p roduzidos por esse anti-inflam atório, e, do p rincípio ativo medicamen toso é p oten cialmente
assim, a p opulação d e abut res entrou em declín io. maior, sen do qu e as reações de degradação/transforma -
ção abióticas ou bióticas ocorrem n os com p artimentos
INGRESSO DOS PRODUTOS DE USO ambientais. Particularmente na aquicultura, os princípios
VETERINÁRIO NOS COMPARTIMENTOS ativos m edicamentosos incorporados na ração podem
AMBIENTAIS ser liberados, tanto nas águas quanto serem depositados
nos sedimentos, quando a ração não é consumida inte-
Norm almente, os produtos farmacêuticos p ara uso gralmente pelos peixes.
veterin ário e hum an o, mesmo aqueles qu e contêm as Tanto as indúst rias farm acêuticas veterinárias pro-
m esmas substân cias, são considerados separad am ente d utoras dos p rincípios ativos quan to aquelas que for-
nos estudos ecotoxicológicos e no p rocesso de avaliação mulam os m edicamen tos propriam en te d itos geram ,
de riscos, p elas d iferen ças n as suas rotas de ingresso n o durante os seus p rocessos, efluentes líquidos, emissões
m eio am b ien te e, consequen tem ente, d e exposição da atm osfé ricas e resíduos sólidos, que podem conter
biota. Enqu an to as fontes de m edicam en tos utilizados reagentes d iversos, solventes, catalisadores, in terme-
no tratamento dos seres humanos ten dem a ser pontuais d iários d e síntese e os p róprios princípios ativos. Até
( como o lan çam ento d e esgoto d oméstico t ratad o em recentemen te, a produção d e medicamentos não era
um corpo d'água), as fontes de produtos d e uso veteri- considerad a u ma im portante fonte de poluição, con -
nário normalmente são d ifusas (por exemplo, aplicação tudo, estudos ecotoxicológicos conduzidos tanto com
de esterco em solos). As potenciais vias de introdução efluen tes b ru tos com efluen tes tratad os revelaram ca-
am b ien tal d os m edicam entos veterin ários são a dep o- sos em qu e elevadas concentrações de diferentes prin-
sição d ireta das excretas (urina e fezes) dos animais nos cípi os ativos med icamen tosos, além de toxicid ade
solos em áreas de pastagens ou em ambientes domésti- agu da e crônica par a o rganismos aquáticos, foram
cos, a disposição em solos agrícolas de esterco p rove- constatadas. Nesse contexto, os eflu en tes líqu id os po-
niente d a criação d e anim ais confinad os (por exemplo, d em ser considerados a prin cipal rota d e origem in -
os dejetos d a suinocultura) com o fertilizan te, o uso de dustrial para o ingresso de produtos d e uso veterinário
502 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

no m eio ambiente. Esses eflu entes são m ajoritariam en- aquicultura. Além disso, alguns anticoccidian os e anti-
te resultantes das operaçõ es d e limpeza do m aquinário microbian os, por exem plo, halquinol e lasalocida, são
em pregad o n as etapas d e síntese, form ulação e emb a- adicion ados à dieta como ad itivos zootécnicos m elho-
lagem dos m ed icamentos. radores do desempenh o. Como exemplos de antimicro-
Os pro dutos veterinários podem estar suj eitos ao bian os de uso veter inário amplamen te utilizados em
descarte em qualquer estágio durante seu ciclo de vid a, vários países estão: oxitetraciclin a, clortetraciclina, te-
principalmente quand o não estão mais sen do utilizados traciclina, sulfadiazina, sulfadimidina, formosulfatiazol,
par a a fin alidade prop osta, ou quan do seu temp o de am oxicilina, penicilina procaína, di-hidroestreptomici-
validade está espirado. Assim, é p ossível supor que, como na, neomicin a, apramicin a, tilosin a, enrofloxacino, tri-
acontece com os medicam entos utilizados n a m edicina metoprim a, tiamulin a, lincom icina e clind am icina. E,
h uman a, uma p roporção de todos os p rodutos veteri- apesar da recon hecida toxicidade de alguns desses an -
n ários, p rescritos ou n ão p rescritos, n ão será usad a e, tim icrobianos p a ra organ ismos n ão alvo, a p r in cipal
portanto, será descartada. Esse descarte p o d e in cluir preocupação relacion ad a a esses contamin antes, mesmo
medicamentos veterin ários d an ificados, obsoletos, ven- quand o presentes em baixas concen trações n o m eio
cidos, b em como recipien tes e embalagen s usados, ob- ambiente, é a in dução de resistên cia bacteriana, qu e pode
jetos perfu rocortan tes con taminados, ap licadores e acarretar prejuízos tan to para a m anu ten ção d a saú de
r oupas de proteção. Se o d escarte n ão for conduzido an im al qu anto da saúde pública p o r comprom eter a
adequ adamente, os princíp ios ativos m edicam en tosos eficácia d o t ratam ento ( em casos extrem os até inviabi-
presen tes n esses m ateriais serão lib erados princip al - lizar o tratam ento) d e d oen ças infecciosas. Além disso,
m ente para os am bientes terrestres e aqu áticos. os antim icrobianos utilizados n o tratamento de animais,
geralmente, n ão são com pletamen te absorvidos ou bio-
ASPECTOS ECOTOXICOLÓGICOS DE tran sform ados, e, assim, cerca de 30 a 90% das quanti-
PRODUTOS DE USO VETERINÁRIO d ad es administradas são excretadas pela urina e p elas
fezes na sua fo rma in alter ad a, e, consequ en temente,
A presen ça de produtos de uso veterinários vem p odem ingressar no m eio ambien te n a sua forma bio-
sen do verificada em águas superficiais e subterrâneas, logicam en te ativa, poden do levar a efeitos in desejados
n o s sedimentos, no esterco d e d iferen tes animais de na biota.
criação e na b iota exposta am bientalm ente a esses con- D o p onto de vista ecotoxicológico, os antim icrobia-
tam inantes de interesse emergente em diferentes países. nos presentes nas excretas dos an imais e que, em muitos
Contudo, inform ações sobre as qu antidades de m edi-
. -
casos, continuam presentes em concentraçoes aprec1ave1s
., .
camentos veterinários, p roduzidos e comercializados, no esterco p roduzid o a partir delas, podem causar p re-
são escassas, e esse é u m d os fatores que torn a d ifícil juízos aos ecossistemas terrestres em virtude de sua apli-
a priorização d os prod utos d e uso veterinário qu e de - cação em larga escala em solos agrícolas, como, p or
verão ser investigad os, mon itorados e, eventualmente, exem plo, efeitos inibitórios p ara o crescimen to de bac-
legislados, por meio d o estab elecimento d e padrões de térias n itrificantes e de cultu ras vegetais de interesse
qu alidad e am bien tal para a sua presen ça em águ as e econômico. Além disso, o transporte desses contamin an-
solos. Além disso, ainda faltam dados ecotoxicológicos tes via infiltração e/ou percolação (atingindo águas sub-
qu e permitam u ma avaliação de r isco realística par a terrâneas e, posteriormente, águas sup erficiais) e escoa-
grande parte d os princípios ativos qu e constituem os mento superficial (atingindo diretamente os m an an ciais
medicamentos veterinários. Certamen te, os princíp ios sup erficiais) nos solos pode levar tam bém à exp osição
ativos p rioritários são aqueles frequentemen te encon - d a biota aquática. Nesse contexto, efeitos deletérios para
trados no ambien te em con cen trações suficien tem en - d iferentes espécies d e organismos aquáticos e terrestres
te altas para causar efeitos d eletérios na b iota. Entre as são esperad os, um a vez que a maior parte dos an timi-
classes terapêuticas qu e vêm receb en do m aior aten ção crobian os atua em alvos biológicos, por exem plo, com -
da com u nidad e cien tífica intern acion al estão os an ti- p onentes de membran as celulares e enzimas, com p arti-
m icrobianos e os an tiparasitários (in clu indo os agen - lhad os por seres h uman os e inúmeras espécies animais
tes coccidiostáticos e coccidicida em pregad os n o com- e vegetais. Vários exemplos de alvos homólogos já foram
b ate a protozoários). id en tificados, e essa ocorrên cia se d eve ao fato d e que
Os an tim icrobian o s são empregad os em gran des determ inados sítios presentes em receptores ou enzim as
quantidad es n o tratam ento e na p revenção d e doenças p odem ser evolutivam en te conservados n as diferen tes
causad as por bactérias, tanto n a pecuária quan to n a espécies. A h omologia observada em sítios de receptores
Capítulo 39 • Ecotoxicologia 503

específicos p ode explicar, por exem plo, a elevad a sen si- h orm ôn ios foram amplamente utilizad os como aditivos
bilidade d e cian ob actérias, algas e plantas (aquáticas e zootécn icos m elhoradores do desempenh o na pecu ária,
terrestres) aos efeitos tóxicos decorrentes do contato com contudo, atu almente seu uso para essa finalid ad e está
antim icrobian os presentes n o m eio on d e esses organis- restrito ou proibido em m uitos países, com o n o Brasil.
mos vivem. A literatu ra científica tamb ém relata inúme- Ap esar d isso, os hormônios também pod em ser utiliza-
ros exemplos de efeitos ecotoxicológicos para organismos d os para sin cron izar o cio, como amplam en te empre-
aquáticos de diferentes níveis tróficos (inclu ind o b acté- gado na p ecuária bovina, e para o tratamen to da hiper-
rias, crustáceos e peixes) e p ara a biota associad a ao es- sexualidade em d iversos tip os an imais de in teresses
terco (como b actérias e insetos). econômico, por exemplo, suínos e equinos. O altrenogest
Os antip arasitários são utilizados n a profilaxia e n o e a p rogeste ron a são os m ais empregados p ara essas
controle de endoparasitas como os protozoários e vermes fin alidad es.
gastrointestinais, bem como pulm on ares, além de ecto- D o ponto de vista ecotoxicológico, a m aior preocu-
p arasitas, com o os ácaros, m oscas, mosquitos, piolh os e p ação está ligada à interferên cia endócrin a causada p or
carrap atos. Algun s produtos utilizados com o antipara- substâncias natu rais, por exemplo os próprios hormônios,
sitários têm seus usos aprovad os tam bém como inseti- ou sintéticas, com o alguns praguicid as, d ecorrente d a
cidas, como, por exem plo, a diazinon a e a deltametrina, capacid ad e dessas substân cias se ligarem a receptores
por isso, a toxicid ade desses produtos p ara organism os esp ecíficos comuns presentes em organismos não alvo,
não alvo costuma ser elevada. Como exemplos de agen- incluindo invertebrados, peixes, répteis, aves e m am í-
tes em pregados com o an tip arasitários em larga escala fe ros. Interferentes endócrinos ( ou d esregulad o res
n a pecuária e na aquicultura podem ser citad os: diazi- endócrinos) p odem ser defin idos como agentes ou m is-
n ona, fipronil, flumetrina, cip erm et rin a, d eltametrina, tu ras d e agen tes exógen os qu e interferem n a sín tese,
amit raz, ivermectina, doramectin a, eprim om ectina, secreção, transporte, recepção, ação ou elim inação dos
pirante!, triclabendazol, fenb endazol e tiabendazol. Exis- h ormôn ios naturais d os organismos, qu e são responsá-
te um a quantidad e relativamen te grande d e d ad os d e veis p ela m anutenção d a homeostase, reprodu ção, de-
toxicidade agu da p ara compostos com o a d iazin on a senvolvimen to e comp ortamen to. A maior p a rte dos
(organ ofosforado), a cip erm etrin a e a d eltametrina (pi- interferentes en dócrinos tem ativid ade estrogên ica, al-
retroides), e, com base nesses dados esse grupo de com- guns têm atividade an drogênica ou an tiandrogênica e
postos pode ser con sid erad o altam ente tóxico p ara or- poucos compostos possuem atividade em outros sistemas,
ganism os aquáticos (incluin do p eixes e crustáceos). O p or exemplo, o da tireoide. Em ger al os interfe rentes
grup o d as avermectinas, como, p or exemplo, a ivermec- en dócrin os agem m imetizan do ou an tagonizan do o
tin a e a abamectina, possui elevada atividad e in seticid a efeito dos hormônios, alterand o o padrão d e síntese e o
e a exp osição a com postos dessa classe p ode levar à metabolism o dos h ormônios, ou ainda modificando os
m orte de in divídu os adultos e larvas, alterações n a ca- níveis d os receptores para os h orm ônios.
pacidad e de alimentação, perturbações n o balanço hí- É consenso que os interferentes endócrinos presen -
drico, redu ção n a taxa de crescimen to, alterações nos tes nos compartimentos ambientais são capazes d e cau-
p rocessos d e d esenvolvim ento (por exem plo, n as fases sar efeitos em o rganismos não alvo, mesm o quando
da m ud a, da m etamorfose e matu ração e emergência de presentes em concentrações extremamente b aixas. Par-
adultos) e alterações reprodutivas (como distúrbios n o ticularm en te n os peixes, os estrogênios exercem várias
acasalamento e n a produção e p ostu ra d e ovos), p oden- funções fisiológicas, sen do algum as das mais importan -
do produzir sérios dan os, tan to aos insetos alvo qu an to tes a síntese de vitelogen ina, a produção de proteín as no
aos não alvo. Esses com p ostos também são reconh eci- envelop e vitelino, a diferenciação gon adal, o desenvol-
damente tóxicos para crustáceos aquáticos. Os efeitos vimento d e características sexu ais secundárias, a secre-
tóxicos in diretos, causados p ela contaminação am bien- ção de gonadotrofina, a síntese de receptores estrogêni-
tal por averm ectin as para pássaros e m orcegos, foram cos, a comunicação b aseada em feromônios, a formação
relatad os e estão associados à d rástica d iminuição n a óssea e a hom eostase do cálcio. Assim, in terferen tes
quantidad e e n a qualidade dos recursos alim en tares endócrin os com atividad e estrogên ica p od em pertu rbar
dessas espécies. todas essas importantes funções fisiológicas. Os níveis
Os hormônios são mensageiros qu ímicos que regu- aum entad os da vitelogenina determ inad os em san gue
lam e influen ciam imp ortantes funções como o d esen- de peixes mach os e juvenis podem ser empregados como
volvimen to corporal, o crescimento, a reprodução e o um b iom arcad or de efeito adequado p ara avaliar a ex-
com p ortamen to. Por causa dessas atividades diferentes p osição a com postos com atividade estrogênica.
504 Toxicolog ia aplicada à med icina vet eriná ria

8. CALDWELL, D.J.; M ERTENS, B.; KAPPLER, K.; et al. Risk-ba-


Por outro lado, é necessário ressaltar que a simples
sed approach to managing active pharmaceutical ingredients in
presença de um princípio ativo m edicam entoso, m esmo manufacturing eflluent. Environmental Toxicology and Chemis-
que apresente elevada toxicidade para organismos aquá- try, V. 35, p. 813-22, 2016.
ticos e terrestres em um compartimento ambiental, não 9. CAPANEMA, L.X.L.; VELASCO, L.O.M.; SOUZA, J.O.B.; et al.
Panorama d a in dústria veterinária. BNDES Setorial, v. 25, p.
implica necessariamen te risco inaceitável. Uma forma 157-174, 2007.
relativamente simples de d eterminar se a concentração 10. CHAPMAN, P.M. Determining when contamination is pollution
atingida por um determinado princípio ativo em uma - Weight of evidencedeterminations for sediments and eflluents.
Environment International, v. 33, p. 492-501, 2007.
matriz ambiental representa riscos à sua biota é a deter- 11 . COSTA, C.R.; OLIVI, P.; BOTTA, C.M.R.; et al. A toxicidade em
minação do quociente de risco (do inglês risk quotient ambientes aquáticos: discussão e métodos de avaliação. Quími-
- RQ). O RQ é obtido pela razão entre as concentrações ca Nova, v. 31, p. 1820-30, 2008.
12. DI GIULIO, R.T.; NEWMAN, M.C. Ecotoxicology. ln: KLAASSEN,
do princípio ativo medicamentoso determinada no com -
C.D. (Ed.). Casarett & Doull 's toxicology: the basic science ofpoi-
partimento ambiental d e interesse (do inglês measured sons. 8.ed. New York: McGraw-Hill Education, 2013, p. 1275-303.
environmental concentration - MEC) e o valor de con- 13. DôRR, F.; GUARATIN I, T.; CARDOZO, K.H .M.; et al. Ecoto-
centração prevista de ausência de efeitos (do inglês pre- xicologia. ln: OGA, S.; CAMARGO, M .M .A.; BATISTUZZO,
J.A.O. (Eds.). Fundamentos de toxicologia. 4.ed. São Paulo: Athe-
dicted no-effect concentrations - PNEC). Preferen cialmen- neu Editora, 2014, p. 135-47.
te, o valor de PN EC deve ser d eterminado utilizando-se 14. FATTA-KASSINO S, D.; M ERIC, S.; NIKOLAOU, A. Pharma-
o m enor valor d e Ceno (obtido para a espécie mais sen - ceutical residues in environmental waters and wastewater: cur-
rent state of knowledge and future research. Analytical and
sível), dividido por fatores de avaliação (do inglês asses-
Bioanalytical Chemistry, v. 399, p. 251-75, 201 1.
sment factors - AF). Normalmente, quando se obtêm 15. FÉRARD J.-F. Ecotoxicology: h istorical overview and perspec-
valores RQ < 1 admite-se a ausên cia de riscos apreciáveis, tives. l n : FÉRARD, J.- F.; BLAISE, C . (Eds.). Encyclopedia of
e quando os valores obtidos são > 1 considera-se que a aquatic ecotoxicology. Dordrecht: Springer, 20 13, p. 377-86.
16. GH ISELLI, G .; JARDIM, WF. Interferentes endócrinos no am-
biota está suj eita a riscos. Outra forma d e avaliar se as biente. Química Nova, v. 30, 2007, p. 695-706.
quantidades do princípio ativo m edicam entoso encon- 17. GODOY, A .A .; KUMMROW, F. What do we know aboutthe
tradas nos compartimentos ambientais representam pro- ecotoxicology of pharmaceutical and person al care product
mixtures? A criticai review. Criticai Reviews in Environmental
blemas para a biota, seria a comparação com padrões Science and Technology, v. 47, p. 1453-96, 2017.
legislados; contudo, com raras exceçõ es, como no caso 18. GRAHAM, M.L.; RENNER, V.E.; BLUKACZ-RICHARDS, E.A.
dos compostos que são autorizados para uso como pra- Ecological Risk Assessment. ln: FÉRARD, J.-F.; BLAISE, C. (Eds.).
Encyclopedia ofaquatic ecotoxicology. Dordrech t: Springer, 2013,
guicidas, ainda não estão disponíveis nas legislações in -
p. 305 -1 5.
ternacionais padrões destinados à proteção da biota para 19. H ORVAT, A .J.M.; PETROVIé, M .; BABié, S.; et al. Analysis,
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Capítu lo 39 • Ecotoxicologia 505

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Capítulo 40

Análises de risco de resíduos


de produtos veterinários

João Palermo-Neto
Silvana Lima Górn iak

~ a população mund ial passou de 3 bilh ões, em 1960, para


INTRODUÇAO
7,6 bilhões, em 20 17. Em 2050, d e acord o com a Orga-
Nenhu m tema é tão empolgan te e t raz tanta con - nização das Nações Un id as (ONU), será de 9,7 bilhões;
t rovérsia como aquele que t rata d a relação en t re o uso até 2100, a população mundial deverá ultrapassar a mar-
de produ tos veterinários, de p raguicidas, de medica- ca de 11 bilhões d e pessoas. Segundo José Graziano da
m entos e d e aditivos zootécnicos com a qualid ade dos Silva, diretor-geral d a O rganização das Nações Un idas
alimentos. Ainda que n ão se p retenda entrar nesse de- para a Alimentação e a Agricultu ra (FAO), cerca de 815
bate, é necessário compreender que a maioria dos con- milh ões de pessoas passaram fome em 2016, con tra 777
sumidores tem a falsa impressão de que "tudo o que é milhões em 20 15. Ain da, segundo ele, a porcentagem de
químico é tóxico e perigoso, e tudo o que é natural/orgâ- pessoas cronicam ente famintas no planeta em 20 16 era
nico é saudável e seguro': A cren ça pouco refletida nessa de 11 % da população mundial, isto é, uma em cada nove
premissa gera a falsa percepção de que o uso de p rodu - pessoas no mun do dorm iu com fome nesse ano de 2016.
tos veterinários é perigoso à saúde h umana, pois acar- Segundo a FAO, em 50 anos a população m undial
reta a p resença de resíduos d e substâncias químicas nos demand ará por 50% a mais de alimentos, dos quais 70%
tecidos e produtos derivados dos an im ais tratados, como d everão advir d e tecnologias que aum entem a produti-
carne, leite e ovos. Por essa razão, muitos consumidores vidade. Dentre essas, destacam-se aquelas que empregam
assumem posições contrárias a esses usos, movidas mui- pro du tos veterinários n os an imais d e p ro dução, seja
to mais pela paixão que pela razão. para preven ir ou controlar pragas e d oenças, para tratar
De fato, Paracelso, reconhecid o como o pai da toxi- os an imais enfermos ou para aumentar a produtivid ade.
cologia, já dizia há m ais de 500 anos: "Todas as substân- E, desd e que feitas de form a racional e de acordo com
cias quím icas são venen osas. Não existe n enhuma que as boas p ráticas de medicação an imal, não há nada de
não o seja. A dose é o que diferencia um reméd io de um errad o com elas; eventuais resíduos de substâncias quí-
veneno': Ou seja, qualquer substância química em exces- micas p resentes n os tecid os provenientes d os animais
so é tóxica, até a água. Em 2007, Jennifer Strange, uma t ratad os são avaliados quanto à sua seguran ça para os
jovem am ericana d e 28 an os, faleceu com sintom as d e consumidores pelas indústrias farmacêuticas veteriná-
h iponatremia severa após ingerir m ais de 6 litros de água rias e, principalm ente, pelo Min istério da Agricultu ra,
em um concu rso que prem iava quem conseguisse beber Pecuária e Abastecimento (Mapa), antes que sejam dis-
m ais água em men or espaço d e tempo. pon ibilizadas no mercado. Cabe também ao Mapa, bem
D istantes d a realidad e d o campo e do agronegócio, com o à Agência Nacional d e Vigilân cia San itária (An-
que represen ta relevante parcela do produto in terno visa), legislar a respeito e m on ito rar a qualidad e dos
bruto (PIB) brasileiro, essas pessoas pregam, em especial, alimentos de origem animal n o tocan te à p resença de
por uma agricultura e pecuária orgânicas. Embora essas resíduos de produtos veterinários. Mapa e Anvisa em-
tecn ologias sejam desejáveis e possíveis - ainda que os basam suas decisões sobre qualidad e de alimentos do
produtos dela d erivados sejam mais caros - ela não será ponto d e vista residual em docum en tos em an ad os d o
suficiente para alimentar a população mun dial. De fato, Codex Alimentarius.
Capítulo 40 • Análises de risco de resíduos de produtos veterinários 507

O CODEX ALIMENTARIUS O conceito de risco


E AS ANÁLISES DE RISCO
Risco é a possibilid ade de perda ou a probabilid ad e
O Codex Alimentarius (d o latim, código de alimen - de ocorrên cia de algum dano. No con texto do Codex
tos) é uma instituição da FAO e da Organização Mundial Alimentarius, risco "é a probabilidad e de ocorrên cia d e
d a Saúde (OM S) que contém d isposições relativas aos um efeito adverso à saúde e à m agnitude desse efeito em
m étod os para análise de risco de resíduos d e produtos decorrência da exposição a um perigó', sendo perigo um
veterinários em alimen tos. São objetivos principais do contaminante (biológico, químico ou físico) presente em
Codex: proteger a saúde dos consumid ores e assegurar um alimento e que possa causar algum tipo de d ano ou
p ráticas equitativas d e m ercado e promover a coorde- d e efeito adverso à saúde da população. No caso, o risco
nação de padrões d e referência relacionad os com a qua- é a possibilidade d e contam inação residual d e alimentos
lidade dos alim en tos. por produtos veterinários de uso em animais de produção.
Cabe aos esp ecialistas d o Codex Alimentarius a Ressalte-se, inicialm ente, que tratand o-se de conta-
p reparação e a divulgação de d ispositivos e recom en- m inação residual de alim entos, não existe risco zero. Ha-
dações em form a d e códigos d e práticas, d iretrizes e verá sem p re algum a substância química p resen te n os
outras m ed idas sim ilares d estin ad as a garan tir suas alim en tos, ainda que eles ten ham sido p rodu zidos de
fi n alidad es. Assim, são exemplos: as recom endações form a orgânica. A questão que se impõe, então, é saber
ligadas às boas p ráticas d e manejo de p rodutos de uso se o resíduo carreia m aior ou m enor p otencial para a
veterinário (formas d e aplicação, posologia etc.), reco- produção de efeitos adversos nos consumidores. No caso,
mendações referentes à am ostragem d e tecidos a serem os p ossíveis efeitos adversos vão depender do tipo d o
an alisados para a presença de resíduos (form a de co- resíduo, d e sua concen tração no alim en to e d a via pela
leta, n ú mero m ínimo d e amostras etc.), n ormas rela- qual ele adentra o organismo; no presente caso, tratando-
cion adas à an álise d e resíd u os p ro p riam en te d itas se da contaminação residual de alimentos, a via é sempre
(padronização de métodos de extração e quantificação oral. Em outras palavras, o risco de contaminação residual
dos resíduos, substâncias quím icas a serem procuradas d e um p roduto de uso veterin ário está relacionad o aos
n os alim en tos etc.) e estabelecim en to de padrões ali- níveis d e ingestão considerados como seguro s desses
m entares d e referên cia, com o d os chamados limites resíduos pela população. Dessa form a, o gerenciamento
m áxim os de resíduos (LMRs) para p rodutos d e uso científico da presença de resíduos de produtos veteriná-
em medicina veterinária e em agronomia (a defin ição rios em alim entação animal requer que se faça um estu-
do LMR está descrita adiante). d o para avaliar o risco que ele representa, ou seja, requer
Três comitês d o Codex Alimentarius cuid am m ais a realização d e uma análise de risco.
diretam en te das questões relacionad as à qualid ade d os
alimentos no tocante à presença d e resíduos d e subs- Componentes de uma análise de risco
tâncias químicas: Codex Committee on Pesticide Residues
( CCPR), Codex Committee on Residues of Veterinary Segund o o Codex Alimentarius, a an álise de risco é
Drugs in Food (CCRVD F) e Codex Committee on Food um processo que consiste em três componentes: avalia-
Additives and Contaminants (CCFAC). To dos esses co- ção do risco, gerenciamento do risco e comunicação
m itês estão envolvid os com a an álise d o sign ificad o do risco. Trata-se de um processo estr uturado e siste-
toxicológico e com o estabelecimen to de valores d e re- mático, que examina os poten ciais efeitos adversos re-
ferência toxicológica para praguicidas, para medicamen- presen tad os por um perigo presente em um alim ento e
tos veterinários e para aditivos alimentares e con tami- o d esenvolvimento de opções para m anejar esse perigo.
n antes em alim entos de origem an imal, vegetal ou D e relevância, inclui, aind a, uma comunicação interati-
p rocessad os, respectivamen te. va ent re tod as as partes envolvidas ou interessad as no
Outras instituições intern acion ais que fazem idên- processo. A Figura 40.1 ilustra essa relação.
ticas análises de risco, estabelecendo pad rões alimen ta-
res e LM Rs p ara ativo s d e uso em agrop ecuária são: AVALIAÇÃO DE RISCO
European Medical Agency (EMA), da União Europeia, e
Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Uni- É o processo científico que analisa os potenciais efei-
dos. O Brasil, os países da Am érica Latina e muitos ou - tos adversos que u m perigo p resente em u m alimen to
tros seguem, preferencialm ente, as deliberações emana- representa para uma população. É comp osto de quatro
das do Codex Alimentarius. partes ou etapas: identificação do perigo, caracterização
508 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

nários em tecidos p rovenientes de animais tratados ou


Aná lise de risco em ovos, leite e mel. Um programa trilateral (composto
por Estados Unidos, Japão e União Europeia), den omi-
nado d e VICH (International Cooperation on Harmoni-
Avaliação Gerenciamento
do risco do risco sation of Technical Requirements for Registration of Ve-
terinary Medicinal Products), visa, desd e 1996, a u m a
harm onização técn ica de exigên cias para o registro d e
Comunicação produtos veterinários em todos os p aíses do mundo.
do risco
Para tal, vêm send o lançados vários protocolos de p ro-
ced imentos. Os protocolos VICH GL 46, 47 48 e 49 são
com um ente seguidos nessa etapa d o estudo.
FIGURA 40.1. Componentes de uma análise de risco.
Cabe destacar que algumas substân cias químicas
não demand am pela realização d e avaliações de risco.
do perigo, caracterização da exposição e caracterização Dentre elas destacam-se: substâncias químicas de origem
do risco. Em que: endógena; componentes normais da dieta hum ana; subs-
tâncias químicas geralmente reconhecidas com o segu-
• Identificação do perigo: é a etapa em que se identifi- ras para o ser humano; substâncias químicas usadas em
ca a capacidade que tem um perigo (agente biológico, um pequen o núm ero de anim ais de produção ou de uso
químico ou físico) de causar efeitos adversos à saúde pouco frequente; substân cias químicas que ten ham ab-
de uma dada população quando presente em um ali- sorção pequen a a partir do trato digestório ou a partir
m ento. No caso em tela, a contaminação residual de de outros locais de aplicação (por exemplo, pele e olhos);
alimentos por produtos veterinários e seus possíveis substân cias químicas que sejam rapid am ente biotrans-
efeitos adversos sobre a saúde dos consumidores. form adas e/ ou excretadas d o organismo dos an imais
• Caracterização do perigo: é a etapa em que se faz a tratados; e outras substân cias químicas desde que a ra-
avaliação qualitativa ou quantitativa da natu reza do zão seja devid amente justificada ao Mapa no mom ento
efeito adverso associado com a ingestão do agen te d a solicitação de registro do produto veterinário. O Re-
biológico, quím ico ou físico presen te em u m ali- gulamento (EEC) n. 2.3 77/90 da União Europeia (Emea/
mento. De modo geral, para agentes químicos, como CVMP/046-00) traz u m a lista de substân cias para as
resíduos de produtos d e uso veterinário, esses efei- quais a EMA consid erou n ão haver necessidade d e fi-
tos adversos são avaliad os por m eio de curvas d o- xação de LMRs e, p or tan to, que n ão d em andam pelo
se-resposta. cálculo do período d e carência.
• Caracterização da exposição: é a avaliação qualita- D e mod o geral, cabe a um país membro d o Codex
tiva ou quantitativa da probabilidad e de ingestão de Alimentarius iden tificar possíveis princípios ativos que
um agente biológico, químico ou físico por meio da demandem por avaliações de risco e solicitar ao CCRVDF
alimentação ou d e outras fontes relevantes. Ou seja, ou ao CCPR a inclusão da molécula na lista de substâncias
a probabilidad e da ingestão pela população de ali- a serem avaliadas pelos especialistas do Joint Expert Com-
m entos de or igem anim al que apresentem con ta- mittee on Food Aditives (JECFA) ou do Joint Meeting on
minação residual por p rodutos veterinários. Praguicide Residues (JMPR), respectivamente.
• Caracterização d o risco: é a estimativa qualitativa
ou quantitativa (incluind o-se possíveis incertezas) Caracterização da exposição e do perigo
da possibilid ade d e ocorrência de um efeito adver-
so à saúde de uma população exposta ao perigo que Um a vez id en tificad o o perigo a ser analisad o (que
foi id entificad o e caracterizad o. No caso, da popu - resíduo traz p reocupação aos consu midores), deve-se
lação h umana (consumidores) à con taminação re- caracterizá-lo do ponto de vista toxicológico, bem como
sidual de alimentos de origem animal por produtos a exposição da população a ele. Segundo norm ativas do
de uso veterinário. Codex, as etap as que, em seu conju n to, permitirão a
caracterização do perigo e de sua exposição devem ser
Identificação do perigo conduzidas tomando-se a Ciência com o pilar básico. A
Figura 40.2 mostra essas etapas.
No con texto do presente capítulo, o perigo é repre- Os estudos de exp osição, tam bém ch am ados d e
sen tado pela p resença d e resíduos d e p rodutos veteri- ADME (absorção, distribuição, metabolismo e excreção),
Capítulo 40 • Aná lises de risco de resíduos de produtos veterinários 509

Identificação do perigo

' '

Caracterização do perigo Caract erização da exposição

' '
' ' '•
Caracterização da Noel
Estudos de farmacocinética Estudos de consumo
e de resíduos humano
'

Caracterização da IDA
'

'• Exposição

Propost a de LMRs

'•

Caract erização do risco

FIGURA 40.2. Etapas de um estudo pa ra avaliação de risco do princípio ativo de um produto de uso em medicina vete-
rinária: caracterização da exposição e do perigo.

analisam aspectos de farm acocinética e d e biodispo - que será avaliad a d o pon to d e vista toxicológico. Nesse
n ibilidad e ( Cm ax, Tmax, ASC, meia v ida etc. - para sentido, como a toxicid ade está ligada à estrut ura quí-
detalhes, ver Capítulo 2) d a substância-teste n as espé- m ica, é ind ispensável que a substância em estudo seja
cies que serão alvo d o tr atamento com o p roduto ve- quimicamen te caracterizada, bem como um a possível
terinário que a contempla em sua formulação, e também relação existente entre sua estrutu ra química e seus efei-
em animais de laboratório. Essa etapa é m uito impor- tos tóxicos. A Figu ra 40.3 m ostra u m esquem a para
tante porque permite a caracterização d o resíduo mar- tom ad a de d ecisões quan do da an álise de prin cípios
cador do estudo, isto é, do resíduo que aparecerá nos ativos d e uso veterinário.
tecid os p rovenientes dos anim ais tratados, e d a relação A caracterização do perigo implica o cálculo dos
entre as quantidades de resíduo total e resíduo m arca- cham ados parâm etros de referência toxicológica: Noel/
dor, ou seja, entre as quantidades de resíduo m arcador Loel, IDA , A RfD e LMRs (veja defin ições a seguir).
que se consegue extrair dos tecidos (m úsculo, fígado, Para isso, torna-se necessário realizar ensaios de to-
r im, pele e/ou gordura) ou produtos (ovos, leite e mel) xicidade que podem ser agrupados em duas categorias:
para análise residual e aquela realmente presen te nos testes delinead os especificamente para avaliar os efei-
tecidos/ p rod utos. tos gerais da substância química em animais de expe-
É relevan te comentar que nem sem pre o r esíduo rim en tação ( agu dos, prolongad os ou sub crôn icos ou
marcad or é o princípio ativo do produto veterinário em ainda subagudos e crôn icos); e testes específicos d e-
estudo; de fato, por ser transformad o (ativado ou inati- lin ead os para avaliar em m aiores detalhes u m tipo
va do) n o organ ism o dos an im ais tratados, p oden do específico de toxicidad e.
também ser um dos ou a soma de todos os metabólitos D esses testes, há que destacar aqueles de genotoxi-
derivad os da biotransform ação d este. Essa informação cidad e e de carcinogênicidade; d e fato, segundo ach a-
é muito importante para a caracterização do perigo, pois m ada cláusula D elaney, atribuída ao senad or n or te-
é necessário con hecer qual resíduo estará presente n os -americano John Kevin Delaney que a incorporou à
alimentos proven ientes d os an imais tratados e que, por- legislação dos Estad os Unidos, "n enhum m ed icamen to
tanto, deverá ser o objeto das avaliações de risco. veterinário a ser usado em animais d e produção pod e-
, . , . . . , , .
A caracterização do perigo inclui inform ações pre- ra ter com o pr1nc1p10 ativo um carc1nogeno-genotox1-
liminares que têm por objetivo conhecer a substân cia co': Esse princípio tem sido seguido pelo Codex Alimen-
510 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Aná lises da estrutura química do ativo, da relação estrutura X atividade e os


dados de farmacocinética (ADME) permitem inferir que a substância ativa é

• •

Convertida em produtos Rapidamente metabolizada Capaz de produzir efeitos


endógenos? a produtos inócuos? t óxicos?

' ' '


O uso do ativo pode resulta r em Realizar os ensaios de
. ~ que cause preocupaçao
expos1çao ~ toxicidade empregando
de segurança para o consumidor? como base os estudos
de exposição
NAO
~ SIM

Aceit ar o uso da Realizar os ensaios de


substância ainda que toxicidade empregando
apresente poucos dados como base os estudos
toxicológicos de exposição

FIGURA 40.3. Abordagem para acessar a necessidade de rea lização de ensaios de toxicidade para ativos presentes em
produtos de uso veterinário.

tarius, pela EMA e por outros organismos internacionais eia mais relevantes são Noel, Loel, ARfD, IDA e LMRs,
envolvidos com avaliações de risco. cujo significado e definições são os seguintes:
O Q uadro 40.1 mostra os principais ensaios de to-
xicidade que são solicitados pelo Codex Alimentarius • Noel (no effect levei dose) ou também chamada No-
para a caracterização do perigo e subsequente determi- ael (no adverse effect levei dose) é a maior con cen-
n ação dos parâm etros de referência toxicológica para tração ou quantidade de uma substância quím ica
princípios ativos de produtos de uso veterinário (para administrada por via oral e derivada de ensaios de
detalhes, ver Capítulo 8). toxicidade que n ão produziu efeitos adversos ou
Cabe ainda comentar que para os antim icrobianos tóxicos n a m ais sen sível das espécies de an im ais
é de fundam ental importân cia a realização de testes testadas; de modo geral, é defin ida em mg/kg de

delineados para avaliar possíveis efeitos de resíduos peso VIVO.
sobre a m icrobiota do trato intestinal humano. De modo • Loel (lowest observed effect levei) também chamada
ger al, esses testes são r ealizados in vitro, nos quais se de Loael (lowest adverse effect levei dose) é a menor
determina a concentração inibitória mínim a (CIM) ou concentração ou quantidade de uma substância quí-
a concentração bactericida mínim a (CBM) das bactérias m ica admin istrada por via oral e derivada de en -
m ais representativas da m icrobiota human a ou, m ais saios de toxicidade que produziu efeitos adversos
modernamente, in vivo, em modelos animais de micro- ou tóxicos em pelo menos uma das espécies de ani-
biota hum an a, isto é, em animais que, ao n ascer, são mais testadas; em geral, é expressa em m g/kg de

inoculados com as bactérias mais representativas da peso VIVO.
microbiota humana e que, portanto, as desenvolveram • ARfD (acute reference dose) é a maior dose de uma
em seu trato digestório. substân cia qu ímica qu e, se admin istrada aguda-
men te (24 hor as ou men os) e por via oral a uma
Pa râmetros de referência toxicológ ica população hum ana (incluindo os indivíduos mais
sensíveis), não produz risco apreciável de efeito ad-
No contexto das avaliações de risco de resíduos de verso ou tóxico. É geralm ente expressa em mg/kg
produtos de uso veterinário, os parâmetros de referên - de peso vivo.
Capítulo 40 • Aná lises d e risco de resíduos de p rodutos vet erinários 511

QUADRO 40.1. Principa is testes solicitados pelo Codex Alimentarius p ara caracterização do perigo de princípios ativos de pro-
dutos veterinários
Tipos de estudo Testes solicitados

Toxicidade geral Mortalidade, observações do estado geral, peso corporal e dados de consumo alimentar, hematologia
clín ica, bioquímica sanguínea, urinálise, necroscopia, peso de órgãos, exa mes histológicos, reversibili-
dade dos sintomas, outros estudos

Toxicidade aguda DL50, DT50, ARfDs


Genotoxicidade Mutação genética em bactérias, mutação genética em células de ma míferos, aberrações cromossô-
micas (incluindo micronúcleos) e aneup loidia em células cu ltivadas de mamíferos, danos ao DNA em
células de mamíferos (usualmente em hepatócitos de ratos), testes in vivo para danos ao DNA (ensa io
cometa}, testes in vivo pa ra lesões cromossomais (incluindo micronúcelos) e testes in vivo para
mutações genét icas

Carcinogen icidade Est udos de mecanismos genotó xicos ou não genotóxicos. De modo ge ral estudos crônicos de 2
anos em ratos e de 18 meses em camundongos, para 3 doses do p ri ncípio at ivo em 50 an ima is de
cada sexo por dose. Conforme p roposto em V ICH GL28

Toxicidade sobre a reprodução Ava liação espermática (número, mobilidade, morfologia, produção espermática}, citologia vagina l
e o desenvolvimento (ciclização), medidas hormonais, evidências de acasa lamento, índ ice de p renhes, peso de órgãos
sexuais (gônadas, útero, epidíd imo etc.), histolog ia dos ó rgãos reprodut ivos, comporta mento sexua l.
Tamanho e viabilidade da p ro le, peso corpora l, razão ent re machos e fê meas, d istância anogenital,
abertura vaginal, descida dos testícu los, comportamento mate rna l. Testes para avaliação da função
neu ro lógica da p ro le

Neurotoxicidade Est udos morfológ icos do sistema nervoso, avaliação neu rocomportamenta l, dados in vitro obt idos
de neurônios cu ltivados, avaliação da inib ição da colinesterase

lmunotoxicidade Histopatolog ia (medula óssea, timo, baço, ó rgãos linfoides etc.), fenoti pia de leucócitos, medidas
f uncionais (imunidade humoral, imunidade mediada po r células, imunidade inata), resistência de
hospedeiros a doenças, ava liações alérgicas em animais e em humanos (dermatities etc.)

Dados p roven ientes de estudos A lergias mediadas por lgE (potencial alergênico, alergia alimentar, pulmona r etc.) e não mediadas por
epidem io lógicos em humanos lgE (doença celíaca etc.}, assim como de doenças não mediadas imunologicamente (metabólicas etc.).
Dados neu ro lógicos ind icativos de neurotoxicidade. dados de bioquímica sanguínea, hematolog ia
clínica ou uriná lises, dados de casuística clín ica, envenenamentos etc.

• IDA (ingestão diária aceitável), tam bém referida e mel) que pode ser ingerida por dia pelo ser h u-
como ADI (acceptable daily intake), é a maior quan- m ano, durante toda a sua vida e que n ão produza
tidade de resíduos de uma substância química que risco apreciável de efeito adverso ou tóxico. D e
pode ser ingerida por dia, durante toda a vida, pelo m odo geral, é expresso em µg/kg de alim ento.
ser humano e que não produz risco apreciável de
efeito adverso ou tóxico. Normalmente expressa em Cá lculo dos va lores de IDA:
µg/kg de peso (para o cálculo, considera-se um a toxicológica e microbio lógica
pessoa pesando 60 kg).
• IDA microbiológica, ou microbiological ADI, é A IDA toxicológica do princípio ativo de um pro-
a maior quantidade de resíduos de uma substân - duto de uso veterinário deriva frequentem ente dos va-
eia quím ica que se ingerida por d ia, durante toda lores de Noel ou Loel obtidos a partir dos estudos de
a vida, pelo ser human o, não produz risco apreci- toxicidade prolongada ou crônica. De fato, espera-se que
ável de efeitos adversos n as bactérias q u e com - os resíduos do produto veterinário sejam ingeridos de
põem a barreira de colonização da m icrobiota in - forma contínua e durante muito tempo pelo ser huma-
testinal humana e que n ão aum enta a população no. No entanto, há casos especiais, com o para os pra-
de bactérias resistentes. Normalmente expressa em guicidas organofosforados (que apresentam efeitos tó-
µg/kg de p eso (para o cálculo, con sidera-se um a xicos agudos) em que ela deriva da ARfD. Nesses casos,
pessoa pesan do 60 kg). parte-se do princípio de que a ingestão de um a quanti-
• LMR (limite m áximo de resíduo), também referi- dade ainda que p equen a de resíduos p roduza algum
do com o MRL (maximal residue leve[), é a m aior efeito adverso n o consumidor.
qu antidade de resíduo de um ativo pr esente em Quan do da der ivação da IDA a partir d a Noel
prod utos derivados de animais ( carne, leite, ovos (Noael) ou Loel (Loael) aplicam-se usualmente fatores
5 12 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

de segur ança da o rdem de 100 vezes p ara garantir a Cálculo dos valores de LMR
segur ança do consum idor. Na realidade, aplicam -se dois
fatores de seguran ça iguais (FS) de m agn itude 10: o Os especialistas do Codex Alimentarius estabelecem
primeiro deles, leva em conta que os valores de Noel/ LM Rs para princípios ativos de produtos veterin ários
Loel derivaram de ensaios realizados com anim ais de após analisarem dados de depleção residual proven ien-
labor atório e propõe que o ser humano seja 10 vezes tes de estudos de campo conduzidos com as espécies-al-
m ais sensível que a m ais sensível das espécies animais vo do tratam ento (bovinos, suínos e/ ou aves) e realiza-
da qu al d erivaram esses valores de referên cia (Noel/ dos segun do os prin cípios das b oas práticas clín icas
Loel); o segundo considera que a distribuição de sensi- (BPC). Como já comentado, os estudos de biotransfor-
bilidad e de seres hum an os aos resíduos de produtos mação (m etabolismo) n as espécies-alvo do tratamento
veterin ários segue uma distribuição norm al ou de Gauss, são o ponto de partida para a determinação dos LMRs,
na qual alguns indivíduos são pelo menos 1Ovezes m ais visto q ue é preciso definir o resídu o m arcado r a ser
sensíveis que outros. A fórmula empregada é a seguinte: analisado nos alimentos/produtos derivados dos anim ais
tratados. A Figura 40.4 sumariza os passos de uma ava-
IDA toxicológ ica =
Noel/Loel liação residual realizada pelo Codex.
FS Os m étodos analíticos empregados quando da rea-
lização das an álises r esiduais para a determinação de
Em que: FS = fator de segurança, geralmente de magn i- LMRs devem ser previamente validados. Os seguintes
tude 100. parâmetros de validação são solicitados: especificidade/
Para os antimicrobianos é n ecessário calcular, tam - seletividade, carry-over, linearidade, precisão, exatidão/
bém , a IDA m icrobiológica. A fórm ula de cálculo é a recuperação, limites de detecção (LO D) e de quantifi-
segu inte: cação (LOQ), robustez e estabilidades (de curta duração,
a ciclos de congelam ento e descongelamento, pós-pro-
CIMSO (mg/kg) x MCC (g) cessam ento e de longa duração). As definições e critérios
IDA microbio lógica= - - - - - - - - -
FA x FS x PC (60 kg) de aceitação desses parâm etros podem ser encontrados
em documentos da FAO/WHO ou na Resolução n. 657/
Em que: CE da União Europeia, n a RE n . 899/Anvisa ou n a IN
CIMSO = concentração inibitória m ínima 50% das bac- n. 24 do Mapa.
térias m ais representativas da microbiota humana De grande relevância, espera-se que: o valor de LOD
MCC = produção fecal humana, estimada em 500g seja pelo menos 2 a 3 vezes m aior que a linha represen-
FA = fração do antimicrobiano disp onível em forma tativa do r uído; que o valor de LOQ seja pelo m enos 2
ativa na p orção superior do trato digestório humano a 3 vezes m aior que o LOD; e que o valor de LOQ pelo
FS = fator de segurança, geralm ente da ordem de 1O m en os 3 a 4 vezes m en o r que os LMRs do ativo em
PC = peso corporal humano (base de cálculo do Codex) estudo.
De m odo geral, o Codex Alimentarius e a EMA re-
Do que foi exposto, depreende-se que para os anti- com en dam LMRs p ara diversos tecidos/produtos de
microbianos são obtidos dois valores diferentes de IDA: origem animal, com o para músculo, fígado, rim, gordu -
a IDA toxicológica e a IDA m icrobiológica. O m enor ra (pele + gordura para aves e suínos), leite, ovos e m el.
valor encontrado é usado para a derivação dos valores Lembra-se, n ovamente, que os valores de LMR são ex-
de LMR para o princípio ativo do produto veterinário. pressos para o resíduo marcador que será usado para a
No caso de em pregar-se a ARfD para a derivação quantificação do princípio ativo do produto nos tecidos
da IDA toxicológica o fator de seguran ça pode ser re- provenientes de animais tratados. Dessa forma, a quan-
duzido para 10, um a vez que ela já foi obtida de estudos tidade residual quantificada em cada tecido/produto
realizados diretamente em seres human os. deverá ser corrigida para a quantidade total de resíduos
Esses fatores de segurança, no entanto, não são rí- em pregan do -se a equ ação resíduo m arcador/resíduo
gidos; podem ser alterados em fun ção da quantidade e total. Assim, por exemplo, ao recomendar LM Rs para a
qualidade dos dados toxicológicos obtidos, das espécies doram ectina ( um endectocida) em tecidos de bovinos,
animais testadas, dos efeitos adversos passíveis de serem os especialistas do Codex Alimentarius consideraram
observados ou de outras variáveis consideradas como que: o resíduo m arcador era a substân cia química pa-
sendo de relevância por parte dos an alistas do JECFA rental, isto é, a própria doram ectina e a porcentagem
ou do JMPR do Codex Alimentarius. entre o resíduo marcador e a quantidade total de resíduos
Capítulo 40 • Análises de risco de resíduos de produtos veterinários 513

Estudos de metabolismo Resíduos a serem


- Resíduo marcador
e distribuição analisados

Estudos de campo
Boas práticas clínicas - LMR
supervisonados

Estudos de consumo
IDA e ARfD
humano

Ingestão< IDA Ingestão > IDA


ou ARfD ou ARfD

Recomendar LMRs Recalcular LMRs

FIGURA 40.4. Roteiro usado quando do estabelecimento de limites máximos de resíduos (LMRs) para o princípio ativo
de um produto de uso veterinário.

era de 55% para o fígado, 80% para a gordura, 70% para GERENCIAMENTO DO RISCO
o m úsculo e 75% para os rins.
Análise da Figura 40.4 mostra que, quando da deter- O m anejo ou gerenciamento do risco, por sua vez,
minação d os LMRs, faz-se a estimativa d a qu antid ade difere totalmente do p rocesso de avaliação. Trata-se da
r esid ual passível d e ingestão d o ativo ( estimated daily escolha de alternativas de m anejo que possam ser usadas
intake) que está presente nos tecidos da chamada "cesta para m inimizar a p robabilidad e d e ocorrência de u m
básica'' [300 g d e m úsculo + 100 g d e fígad o+ 50 g d e perigo (contaminação residual de alimen tos de origem
gordura (bovinos) ou pele/gordura (aves e suínos)+ 100 g animal). Essa escolha po d e cen t rar-se em con clusões
de ovos + 1,5 L de leite]; essa quantidade deve ser m enor provenientes das avaliações de risco, isto é, ser cientifi-
que a IDA ou que a ARfD estipulada para o p rincípio camen te embasada ou derivar de opções d e caráter po-
ativo em estud o. D epreende-se, portanto, que os LMRs lítico, econômico, social, comercial ou advindas de outras
não derivam diretamente da IDA ou da ARfD, isto é, não esferas que, em bora "legitim ad as" pelos gestores, n ão
há uma equação que tenha sid o idealizada para tal; no têm respald o cien tífico.
entanto, espera-se que a quantidade total de resíduos nos Conforme salientado, os especialistas do Codex Ali-
tecidos da cesta básica seja menor que a IDA. mentarius, bem como também aqueles da EMA e d o
D ad os d e referên cia toxicoló gica (IDA e LMRs) FDA, realizam avaliações de risco para os ativos d e pro -
fixad os para p rincípios ativos d e p rodutos veterinários dutos veterinários que podem estar presentes em tecidos
destinados aos animais de produção podem ser encon - provenientes de animais tratad os com p rodutos que os
trados nas páginas web da Anvisa, d o Codex Alimenta- con templem em suas fo rm ulações. Essas an álises, que
rius e d a EMA. A lista positiva de p rodutos perm itid os são cientificamente embasad as, originam os parâm etros
em animais d e produção no Japão também pode ser de d e referência. Cabe, no en tan to, a cad a país ad otar as
u tilidade. No caso da existência de mais d e u m a fonte atitud es referen tes ao m anejo ou gerenciamen to do ris-
para IDA e LMRs tem sido sugerida a adoção da seguin- co decorrente do uso d esses p ro dutos. Nesse sentido,
te sequ ên cia d e escolha: Br asil, Codex Alimentarius, lembra-se novamen te que as atitudes d e geren ciamento
EMA, FDA, Japão, Austrália e Canadá, seguindo-se da- pod em cen trar-se tanto em avaliações de risco con du-
dos de out ros países. zidas segund o princípios cien tíficos com o em decisões
514 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

de caráter político, econômico, social, comercial ou ad- armazenam ento. Nessa etapa do estu do, a observação
vindas de outras esferas. Mais especificam ente, cabe às das boas práticas laboratoriais (BPL) é obrigatória, de-
autoridades governamentais de cada país e, no Brasil, vendo-se em pregar n os estudos de avaliação residual
ao Mapa, legislar sobre esses produtos de forma que seja um método de extração e de quantificação que tenha
possível garantir a sua eficácia e segurança, para os ani- sido validado (veja os critérios de validação comentados
mais tratados e para os consum idores de produtos deles anteriormente). D e m odo geral, busca-se empregar a
derivados. No que diz respeito à segurança dos consu - metodologia analítica que foi usada pelo Codex Alimen-
midores, o gerenciam ento do risco realizado pelo Mapa tarius e/ ou pela EMA para o estabelecim ento dos LMRs
fundamenta-se na determinação do período de carência. do resíduo m arcador do produto em estudo. Caso essa
metodologia não exista, cabe ao laboratório demonstrar
Determ inação do período de carência que o desem penho do m étodo analítico usado atende
aos critérios nacionais e/ ou internacionais de validação.
O período de carência deve assegurar com alto grau Um relatório contendo os dados de validação do m éto-
de confiabilidade aos consumidores que as concentrações do empregado, bem com o aqueles relativos às quanti-
de resíduos n os tecidos de animais tratados com pro- dades residuais m edidas nos tecidos e produtos prove-
dutos veterinários e em produtos veterinários encon - nientes dos animais tratados e abatidos em diferentes
tram -se abaixo dos valores de LMR estabelecidos para m omentos após o tratam ento, deverá ser en caminhado
o(s) princípio(s) ativo(s) desses produtos; ele é calcula- ao responsável pela realização da parte estatística.
do a partir de estudos de depleção de resíduos realizados Deve-se calcular, para cada tecido, o mom ento em
com a formulação m edicam entosa que se pretende co- que 95% dos animais tenham quantidades de resíduos
locar no m ercado. abaixo dos valores de LM R estabelecidos para o ativo
Saliente-se que resultados de estudos de depleção em estudo. A Figura 40.5 exem plifica esse tipo de pro-
de resíduos obtidos n as espécies m ais representativas cedimento. Essa ilustração mostra a depleção do resíduo
(bovinos, aves e suínos) não podem ser generalizados, marcador de um produto veterin ário em m úsculo de
extrapolados ou estendidos entre si. Diferenças exis- bovinos; mais especificamente, a figura m ostra a r eta
tentes entre as espécies no que diz respeito à farm aco- representativa da média aritmética de depleção residual
cinética do(s) princípio(s) ativo(s) representam grandes e o lim ite superior dessa média com dois desvios padrões
variações n os n íveis de resíduos do produto. D essa acim a. Lembra-se que dois desvios padrões acim a e
fo rma, os estu d os d e depleção residual dever ão ser abaixo da média aritm ética contemplam 95% dos indi-
realizados para todas as espécies animais para os quais víduos de um a população. Na figura, o LMR estabeleci-
o produto será recomendado. Esses estudos envolvem do pelo Codex Alimentarius para o resíduo m arcador
três etapas: estudos de campo, estudos an alíticos e es- em estudo foi representado por um a reta paralela ao
tudos estatísticos. eixo das ordenadas (eixo x). Dessa forma, torna-se pos-
Os estu dos de cam po são aqueles em que se faz a sível calcular o período de carência para do ativo nesse
administração do produto veterinário nas espécies-alvo tecido por interpolação gráfica; ele é obtido a partir do
do tratam ento, segun do a posologia r ecom en dada n a cruzamento da reta representativa do LMR com aquela
bula (m aior dose e m aior período de administração re- do lim ite superior da depleção residu al (com 95% de
com endado) e sempre de acordo com as BPC. Nessa confiança); pode-se também empregar a equação da reta
etapa, animais saudáveis, m achos e fêmeas e que n ão para essa determinação. Por certo, existem programas
tenham tido experiência anterior com o ativo em estudo computacion ais desenvolvidos pela EMA e pelo Codex
há pelo menos 60 dias, são separados em grupos, tratados Alimentarius para a realização desses cálculos.
com o produto veterinário e abatidos em diferentes m o- É relevante ter em m ente que devem ser construídas
m entos após a única ou a última administração do pro- várias retas de regressão: uma para cada princípio ativo
duto para coleta de tecidos para a realização de análises do produto veterinário em estudo em cada tecido/pro-
residuais. Os tecidos são cuidadosamente coletados, evi- duto da cesta básica (músculo, fígado, rim, gordura ou
tando-se contaminações cruzadas, colocados em reci- pele+ gordura, leite e ovos). Dessa forma, serão obtidos
pientes que são corretamente identificados e imediata- vários períodos de carência para um m esm o produto;
m ente congelados (-20°C), sen do en cam inhados ao o m aior valor encontrado deve ser usado para definir o
laboratório analítico que fará a segunda etapa do trabalho. período de carência do produto. Exemplificando, se os
O laboratório analítico deverá atestar que recebeu p eríodos de carên cia en contrados para um produto
os tecidos p ara an alisar em con dições adequadas de contendo doramectina como princípio ativo em tecidos
Capítulo 40 • Análises de risco de resíduos de produtos veterinários 515

1.000

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o 1 1 1 1 1 1

20 40 60 80 100 120
Te mpo a pós a exposição (dias)

FIGURA 40.5. Depleção do resíduo marcador de um produto veteriná rio em matriz (músculo) de bovino proven iente de
animais tratados com a maior dose e pelo maior tempo de tratamento previsto na bula. Notar que o período de carência
corresponde à intersecção da reta representativa do LMR (no caso, 10 µg/kg) com o limite superior da reta de regressão
traçada com 95% de confiança (reta pontilhada).

de bovinos foram: 7 dias em músculo, 7 dias em fígado, dondando-se, 1 dia. Portanto, o período de carên cia do
6 dias em rim e 2 dias em pele/ gordu ra, o período de produto veterinário que contempla esse princípio ativo
carência do produto deve ser estabelecido como sendo calculado pelo m étodo altern ativo será de 7 dias.
de 7 dias. Assim, garante-se com 95% de confiança, que Pode-se dar sequência a essas avaliações (por inter-
a quantidade residual de doram ectina presente em te- polação gráfica ou empregando-se o método alternativo),
cidos de bovinos 7 dias após o final de um tratamento calculando-se o valor da ingestão teórica m áxima, isto
com a m aior dose do produto que a contempla como é, da quantidade real de resíduos de doram ectina pre-
princípio ativo em sua formulação, administrado pelo sente nos tecidos da cesta básica (300 g de músculo +
m aior tempo de tratam ento e pela m esm a via de admi- 100 g de fígado+ 50 g de rim + 50 g de pele/gordura) 7
n istração pr evistos n a bula será m enor que os LMRs dias após o tratamento dos bovinos e comparando-se o
estabelecidos pelo Codex Alimentarius para o resíduo dado obtido com a IDA/pessoa estabelecida pelo Codex
m arcador desse ativo, nesses tecidos. Alimentarius para esse ativo. O Quadro 40.2 m ostra esse
É válido com entar que de acordo com n orm as in - cálculo; observe-se que em sua construção adequou-se
tern acion ais somente é possível calcular o período de o valor do resíduo marcador ao resíduo total para, pos-
carência para o princípio ativo de um produto veteri- teriormente, calcular a quantidade real de resíduos pre-
n ário empregan do-se regressão linear quando: existem sentes nos tecidos da cesta básica.
no mínimo três pontos de coleta distintos com no m í- Depreende-se da leitura dos dados do Q uadro 40.2
nimo três animais apresentando concentrações residuais que a quantidade real total de resíduos de doramectina
m ensuráveis e todas as prem issas de homogeneidade presente nos tecidos da cesta básica 7 dias após o final
das variân cias, linearidade da reta de regressão e n or- do tratam ento foi de 27,8 µg; como a IDA estabelecida
m alidade dos erros forem cumpridas. Caso essas pre- pelo Codex Alimentarius para a doram ectina é 0,5 µg/
m issas n ão sejam cumpr idas, deve-se empregar p ara kg ou 30 µg/pessoa pode-se dizer que a quantidade real
esse cálculo o chamado m étodo alternativo. de resíduos en contrada é m enor que a quantidade pas-
Segundo o m étodo alternativo, deve-se escolh er sível de ingestão pelo ser humano/ dia; portanto, o pe-
como base para a determinação do período de carência, r íodo de carência de 7 dias estipulado para o produto
o prim eiro momento de depleção (tempo) em que todos garante a qualidade dos alim entos provenientes de te-
os valores residuais do ativo, isto é, quantificados em cidos de animais tratados com ele.
todos os tecidos, estejam abaixo dos LMRs estabelecidos O Mapa an alisa os dados dos estudos realizados
pelo Codex para esse ativo nesses tecidos. A esse tempo para a determinação do período de carência do( s) prin -
(por exemplo, 6 dias) adiciona-se um período de tempo cípio(s) ativo(s) de um produto veterinário, bem com o
adicional de 1Oa 30% como fator de segurança, que, no aqueles de eficácia e de segurança para as espécies-alvo
caso do exem plo: 10% de seis dias = 0,6 dias ou, arre- do tratam ento no m om ento em que aprova a comercia-
516 To xicologia aplicada à medicina veterinária

QUADRO 40.2. Cálculo da ingestão teórica máxima de resíduos de doramectina a partir de tecidos de bovinos 7 dias após a
remoção de um tratamento com produto veterinário que a contempla em sua formu lação
Resíduo marcador Fator de correção Resíduo total Quantidade de Resíduos
Tecidos (µg/kg) (RM/RT) (µg/kg) alimento (g) consumidos (µg)

Músculo 10 ,0 100/70 14,3 300 4,3


Fígado 70,0 100/ 55 127,3 100 12,7
Rim 30,0 100/75 40,0 50 2,0

Go rdura 140,0 100/ 80 175,0 50 8,8

T otal 27,8

lização desse produto. Dessa m an eira garante a quali- m inistrativas da Secretaria d e Defesa Agrop ecuária
dade dos tecidos e alim entos derivados dos anim ais (SDA/Mapa), em especial do Departamento de Inspeção
tratados e, assim, a saúde dos consumidores. Evidente- de Produtos de Origem Animal (Dipoa), do D eparta-
mente se espera que o produto veterinário aplicado no mento de Fiscalização de Insumos Pecuários (DFIP),
campo siga as BPC de medicação animal, isto é, confor- da Coordenação Geral de Apoio Laboratorial ( CGAL)
m e recom en dação da bula ( ou in strução de uso) do e da Coorden ação Ger al de Inteligên cia e Estratégia
fabricante. O Program a Nacion al de Controle de Resí- (CGIE).
duos em Produtos Cárneos (PNCRC) elaborado p elo As amostras são coletadas pelo Serviço de Inspeção
Mapa garante essa prática ao m onitorar a quantidade Federal (SIF) de lotes de animais e de produtos de uma
de resíduos de produtos veterinários nos pontos de aba- única origem, o que permite a rastreabilidade da pro-
te de animais de produção; a Anvisa faz idêntica análise priedade rural de procedência. Em caso de violação são
em tecidos ou produtos de origem animal coletados nos instaurados subprogramas de investigação que incluem
pontos de venda. a fiscalização da propriedade ru ral de origem do lote
amostrado para identificação das causas da violação,
Prog rama Nacional de Controle de Resíd uos aplicação de eventuais sanções administrativas e con -
em Prod utos Cárneos trole do risco de novas violações. Dessa forma, as pro-
priedades "violadoras" têm seus próximos lotes de ani-
PNCRC/ Anim al é uma ferram enta de geren cia- mais ou de produtos submetidos a um regime especial
m ento do risco adotada pelo Mapa, que tem por obje- de teste, período no qual os produtos obtidos dos lotes
tivo promover a seguran ça residual dos alim entos de am ostrados são retidos p elo serviço oficial até que o
origem anim al produzidos no Brasil. A principal base resultado de análise indique a sua conformidade. Essa
legal do programa é a Instrução Norm ativa SDA n. 42, amostragem especial de lotes de animais ou de produtos
de 20 de dezembro de 1999. No âmbito desse programa de propriedades "violadoras" se mantém até que cinco
são elaborados planos anuais de am ostragem para tes- lotes consecutivos apresentem resultados compatíveis
te de ovos, leite e mel encaminhados para processamen- com a legislação.
to e de animais en cam inhados para abate em estabele-
cimentos sob inspeção federal. Os testes incluem ampla COMUNICAÇÃO DE RISCO
gam a de produtos veterinários autorizados (para as
quais é testado o atendimento dos LMRs); incluem tam- A comunicação de risco deve existir sempre entre
bém praguicidas (agrotóxicos), contaminantes inorgâ- quem faz a avaliação do risco e os respon sáveis pela
n icos, m icotoxinas, d ioxinas e substâncias quím icas gestão do risco. O Codex Alimentarius recomenda que,
proibidas para uso em animais de produção, por exem - ao se escolher as medidas de manejo a serem adotadas
plo, os hormônios an abolizantes. para a gestão de riscos associados a um perigo (conta-
As análises residuais são realizadas nos Laboratórios m inação residual de alimentos de origem animal), se
Nacionais Agropecuários (Lanagros), que são os labo- faça ampla consulta preliminar a todas as partes inte-
ratórios oficiais do Mapa, e em outros laboratórios pú- ressadas no assunto e, em especial, a respeito dos im -
blicos/privados credenciados pelo Mapa (Normas ABNT p actos qu e as medidas de gestão a serem escolhidas
NBR ISO/IEC 17025:2005). possam ter sobre os elos da cadeia de produção.
O planejamento e a execução do PNCRC/Anim al Assim, quando do manejo ou gestão do risco asso-
envolvem ações articuladas de diferentes unidades ad- ciado a uma possível contam inação residual de um ali-
Capítulo 40 • Aná lises de risco de resíduos de produtos veteriná rios 517

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Addictives (JECFA), 2006.
Capítulo 41

Toxicologia forense

Ana Cristina Tasaka


Adriana de Siqueira

~ Médicos veterinários poderão atuar como peritos


INTRODUÇAO
oficiais quando adent ram a corporação d a polícia in-
A toxicologia forense relaciona-se à parte da ciência vestigativa (estadual ou federal) por m eio de concurso
que responde às d emandas d a justiça, que ao analisar público, e como nom ead os/louvados quan do se inscre-
vestígios n a procu ra de substân cias de origem tóxica ver voluntariamente em Fóruns judiciais para tal fim.
possa con tribuir como provas periciais. Na medicina O utra possibilidad e é que o m édico veterinário seja
veterinária é aplicada em casos de suspeita da presen ça contratad o para auxiliar o autor ou o réu, n a função de
de substâncias n ocivas em an imais vivos ou mortos e assistente técnico. Embora não seja figura obrigatória,
em seus p rodutos ou subprodutos. a esse assistente cabe ressaltar, aos olhos do perito e do
Os p rocessos judiciais envolvendo toxicologia ve- juiz, pontos favoráveis à parte que ele representa (autor
terinária podem ser de n atureza cível (quando se dese- ou réu); esse profissional também deverá formular que-
ja ressarcimento por perdas e danos), ou criminal (quan- sitos ao perito, d e form a que ele seja compelido ares-
do se deseja punição por fato crim inoso, d evid am ente p on der-lh e de fo rma favo rável. Em casos jud iciais o
descrito em artigo de lei). Nos d ois casos haverá a n e- assistente técnico deverá acompanhar a coleta de am os-
cessid ade de se produzir laudo/exame toxicológico como tras, se p ossível, qu estion ar o acon d icion am ento e a
p rova técnica, pois sua n ão confecção pod e prejudicar viabilidade da amostra, verificar a quantidade enviad a
a decisão judicial. Q uand o a análise toxicológica é rea- ao laboratório, questionar a técn ica an alítica utilizada,
lizada por perito oficial, p erten cen te aos qu adros d a se foi observad a a cadeia d e custód ia, d entre out ras.
p olícia técnica científica, o documento produzido é O docu mento final produzido pelo perito de con -
denom inado laudo toxicológico; entretanto, caso a fiança do ju iz é den ominad o laudo pericial. Embora
análise seja elaborada por equipe não policial, esse d o- constitua prova importante, o julgador não está obrigado
cumen to é intitulad o exame toxicológico. a aceitá-lo como determin ante para a sentença, pois deve
Ao analisar um caso tecn icamente complexo, o juiz levar em consideração o conjunto das circunstâncias
pode, a seu critério, nomear um especialista médico vete- envolvid as n o litígio. Assim, para ser aceito com o boa
rinário, que o auxiliará não som ente na análise mas tam- fonte de prova, o exame toxicológico deve ser preced ido
bém n a produção de n ovas provas necessárias ao caso. d e cadeia de custódia e acompanhado de tod os os dados
Nesse momento, e até o fim do processo em que atuar, esse possíveis relativos ao vestígio, bem como as circunstâncias
profissional, médico veterinário, será considerado servidor de sua coleta e método de análise, de forma que não venha
p úblico ad hoc (ou seja, será um auxiliar da justiça de a ser contestado pelo autor ou pelo réu.
atuação eventual) que assiste o juiz quando a prova de fato A amostra a ser analisada deve chegar acompanhada
depender de conhecim en to técnico ou científico. d e inform ações ad icionais que auxiliem o toxicologista
Por d eterminação legal, e para não haver prejuízo a entender o contexto no qual o vestígio foi produzid o e
às partes litigan tes, tal perito só poderá atuar caso n ão coletad o. Portan to, é adequad o que os peritos criminais
con figurad as as hip óteses de causas de suspeição ou ou cíveis enviem ao toxicologista quesitos para serem
impedim ento exp ressamente p revistas nos arts. 144 e respondidos, pois estes podem direcionar a análise labo-
145 do Novo Código d e Processo Civil. ratorial ou sua interpretação toxicológica.
Capítulo 41 • Toxicologia forense 519

As questões mais envolvidas em possíveis processos dos e validados para tal tarefa, pois dados analíticos não
judiciais em que m édicos veterinários são cham ados a confiáveis podem n ão apenas ser contestados em juízo,
atuar são aquelas pertinentes às intoxicações de origem mas também levar a consequências legais indevidas para
crim in osa ou acidentais envolvendo animais dom ésticos o réu ou autor da dem an da judicial.
ou silvestres, embora também existam aquelas relacio- Há uma ampla gama de sinais clínicos advindos da
n adas a seguros de vida, as iatrogênicas, além das con - ação de agentes tóxicos, que podem variar desde hem or-
cernentes à contam inação de produtos e subprodutos ragias sem explicação clínica - por exem plo, n o caso
de o rigem anim al. D e forma curiosa, tratan do-se de de contato com raticidas dicumarínicos (para detalhes,
m edicina veterin ária e sua am pla gama de atuação, a ver Capítulo 2 1) - até sialorreia e vômitos, com brad i-
crescente utilização de cães farejadores com o anim ais card ia ou taquicardia, com o norm almente observados
de trabalho n a detecção de substâncias tóxicas em ro- nos casos de intoxicação por agentes anticolinesterásicos
dovias, portos e aeroportos poderia ensejar ao m édico (para detalh es, ver Capítulo 18). Sendo assim , a intoxi-
veterinário a possibilidade de realizar exames toxicoló- cação deve ser sempre considerada na lista de diagnós-
gicos de caráter ocupacional. A questão do doping, pela ticos diferen ciais em casos de emergências clínicas ou
im portân cia e grau de especialização analítica n o âm - no óbito de um ou mais animais. Além disso, devem-se
bito da medicina veterinária equestre, já bastante sedi- considerar também como situações suspeitas aquelas
m entada, é discutida no Capítulo 42. em que são encontradas, por exemplo, iscas de alimen-
A fonte de intoxicação, por sua vez, pode ser a m ais tos com substâncias susp eitas entrem eadas ou óbitos
d iver sa, poden do estar relacion ada ao ar, à água, aos repentinos de an im ais em um determ inado ambiente,
alim entos, aos m edicam entos, aos praguicidas, aos do- com o rebanhos ou cardumes.
missanitários, dentre outros. Esses aspectos são compli- O relato de anamnese pelo proprietário ou respon -
cados quan do se consideram os aspectos interferentes sável é fun dam ental para qu e se saiba sobre a rotin a
por alterações in dividuais de natureza toxicogenética do animal: seu estado de saúde, sua alim entação, even -
ou id iossincrásica. Um fator sugestivo e importante a se tuais recebimentos de m edicamentos e respectiva po-
considerar ao se desconfiar de caso de intoxicação é o sologia, ou até m esm o se há a possibilidade de acesso
adoecimento grave ou a m orte inesperada e repentina a substâncias tóxicas; também se houve algum tipo de
de animal previamente sadio, o que é fato incom um e ameaça motivada por conflitos com familiares ou ou-
que merece diagn óstico diferencial com outras causas tros, que pudessem estar relacionados à intoxicação ou
de m orte súbita. ao óbito do anim al. Sendo assim , qualquer situação em
Estim a-se que qu an do a intoxicação é de or igem que a intoxicação ou m or te de an imal sadio seja re-
criminosa, o perpetrador o faz por m eio de agentes tó- pentina e que tenha ocorrido por motivo desconheci-
xicos clássicos e populares, o que, em geral, reduz o leque do, violento ou suspeito, pode estar vinculada à ocor-
de produtos a serem inicialmente analisados. Já as into- rên cia de intoxicação. Entretanto, para a configuração
xicações acidentais estão relacionadas ao local onde vive de intoxicação, deve-se estab elecer o nexo causal cor-
o animal, que pode ser vitimado por produtos quím icos relacionan do -se a presença da substân cia tóxica com
das m ais diversas origens, aplicados de maneira inten - os sinais clínicos e/ ou com os achados anatomopato-
cion al, como o emprego inadequado de um organ ofos- lógicos.
forado visando ao combate de um parasita, ou aciden -
talmente, como intoxicação por zootoxinas. Pode haver CADEIA DE CUSTÓDIA E COLETA
,,
também a intoxicação acidental do animal por meio do DE VESTIGIOS
ecossistem a contaminado, com o em situações de con -
tam inação ambiental por metais pesados. O exame toxicológico se inicia por meio da crite-
Em estudos toxicológicos forenses, em virtude da riosa coleta de am ostras (m atrizes biológicas) para aná-
ampla gam a de produtos químicos possíveis de envol- lise da substância de interesse (para detalhes, ver Capí-
vimento, há a possibilidade de se necessitar de análises tulo 1O). Entretanto, por conta da existência de d iversas
toxicológicas especiais, a partir de matrizes não comuns, esp écies animais, da n atureza quím ica das dife rentes
com o os proven ientes de larvas, penas, pelos, escamas, substâncias dos métodos analíticos e de suas lim itações,
mel, ovos e quaisquer outros tecidos ou fluidos corpóreos, é sempre necessário realizar a seleção adequada de ma-
bem como diferentes produtos e subprodutos an im ais. trizes (Quadro 41 .1), a coleta, o armazen am ento e o
A dificuldade que se impõe é a de encontrar laboratórios transporte corretos (Quadro 41 .2), bem como verificar
veterinários que possuam aparelhos de an álise calibra- se o laboratório de toxicologia para onde o m aterial será
520 Toxicologia aplicada à med icina vet erinária

QUADRO 41.1. Recomendaçã o pa ra coleta de amost ras na necropsia


Em todas as necropsias Casos em que a causa da morte Casos especiais*
continua incerta

Sangue periférico Amostras de pelos (em cavalos, Humor vítreo


Urina pelo da crina e/ou da cauda) Fluido cerebroespinhal
Vôm ito Bile Pele, gordura subcutânea e amostras de cont role
Sangue cardíaco Fígado Swabs da pele ou membranas mucosas e amost ras de controle
Conteúdo gástrico Pulmão Tecido muscu lar profundo
Cérebro Gordura subcutâ nea
Rins Hematoma (epidural, subdura l)
Líquido pericárd ico
Líquido pleura l
Osso e medula óssea
Espécies entomológicas
Chorume
*Quando o animal está em putrefação, deve-se considerar amostras alternativas, como humor vítreo e chorume.
Fonte: adaptado de Skopp (2010).

QUADRO 41.2. Matrizes para a análise toxicológica de acordo com os analitos suspeitos*
M atriz ______ Armazenamento Ana litos*

Água Emba lagem de vidro Praguicidas, meta is pesados, sais, nitratos, algas

Cérebro Resfriamento; congelamento Praguicidas, sódio, atividade da AChE

Conteúdo gástrico/fezes Congelamento Praguicidas, plantas, micotoxinas, outros toxicantes orgânicos

Fígado Resfriamento; congelamento Praguicidas, medicamentos, metais pesados

Gordura ___ Resfriamento; congelamento Organoclorados, bifenila policlorada

Humor aquoso Resfriamento Potássio, nitratos, magnésio, amônia , praguicidas


-----
Insetos Vivos - frasco de vidro Entomologia forense

Mortos - frasco de vidro Praguicidas, medicamentos, toxicantes orgânicos, metais pesados

Leite Resfriamento Organoclorados, medicamentos, bifen ila policlorada

Local de aplicação Resfriamento Medicamentos

Pe lo** Seco, armazenado em papel Praguicidas, meta is pesados (arsênico), drogas de abuso

Pulmão Resfriado e em recipiente a vácuo Agentes voláteis (A)

Pulmão/baço Resfriamento; congelamento Barbitúricos, paraquat

Ração Seca: armazenado em papel; Praguicidas, meta is pesados, ionóforos, sais, nitratos, micotoxinas,
úmida: congelamento nutrientes, bot ulismo

Rim Resfriamento; congelamento Metais pesados, fluoracetato de sódio, fitotoxinas

Sangue total Resfriamento Praguicidas, inseticidas, atividade da ACh E, metais pesados

Solo Emba lagem de vidro Praguicidas, meta is pesados

Soro Resfriamento Medicamentos, alca loides, eletrólitos


*Considerar que a depender das drogas de abuso, seus princípios ativos e metabólitos, as matri zes de análise variaram de acordo com a substância suspeita.
**Deve-se considerar que a taxa de crescimento/troca de pelagem é variável entre as espécies; em equinos, considerar a pelagem da crina e da cauda.
Fonte: adaptado de Richardson (2000).

enviado preenche os requisitos necessários para realizar meira providên cia, recomenda-se que o local onde a
a análise almejada. prova esteja n ão seja alterado e que antes do manuseio
Para a garantia de origem e de rastreabilidade da e coleta haja devido registro por imagens para ilustrar
prova pericial, a cena de crime onde o vestígio foi de- o laudo. Esse procedimento garante a cadeia de custó-
tectado deve ser preservada por agentes públicos oficiais dia, que é definida como: "o conjunto de todos os pro-
(polícia, perito), que ficarão responsáveis pela guarda, ced imentos utilizados par a manter e documentar a
preservação e destino do m aterial, até que ele seja en- história cronológica do vestígio, para rastrear sua posse
tregue nos laboratórios de an álise. Portanto, com o pri- e manuseio a partir de seu reconhecimento até o des-
Capítulo 41 • Toxicologia forense 521

carte': Caso haja a coleta d e vestígios durante a necrop - A exumação é o ato d e d esen terramen to do cadá-
sia, alguns parâmetros podem ser de utilidade, confor- ver; a p osterio r avaliação necroscóp ica e vestigiais
m e exemplificado no Quadro 41.3. encon trados próximos ao corpo constit uem-se de im-
De posse do vestígio, o toxicologista d eve identificar portante ferram en ta na investigação d e causa mortis.
a am ostra atribuindo -lhe um cód igo e deve fotografá-la Em seres h u manos, é técn ica utilizad a em casos d e
para fins de registro; é necessário produzir form ulário suspeitas de intoxicação por agentes químicos diversos,
com inform ações proven ientes d o tipo d e m atriz e d os d esd e med icam entos até praguicid as. Na investigação
procedimentos laboratoriais detalhados, com a id en ti- d e óbitos d e animais, não é d e praxe realizar a exuma-
ficação d o animal, inform ações clínicas e anatom opa- ção; entretanto, se o animal foi en terrad o ou cremado,
tológicas relevantes, bem como a suspeita de intoxicação sem exame n ecroscópico, esse crim e deixa d e ser in-
de acordo com esses achad os e relatos da anam nese, se vestigad o por falta de exam e toxicológico, mand atório
houver, anexado (Anexo 4 1.1). O material restante d eve ao diagnóstico das intoxicações. Estudos experimentais
ser pesado, registrado em livro e devidam ente armaze- em animais demonstraram ser possível realizar a aná-
n ado para p ossível utilização em caso d e con traprova lise toxicológica para d etecção de pr aguicidas em te-
ou tran sporte, sempre vinculad o ao número d o laudo cidos d e an imais exum ad os, embora as interferências
cor respon den te. Portanto, o fluxo de encam inham ento post mortem sobre as substâncias quím icas d evam ser
deve contemplar a cadeia de custód ia até o fim da emis- con sider adas. Assim , além d as regras para coleta de
são do laudo toxicológico e, mesmo, na m anuten ção de amostras ante e post mortem (ver Capítulo 10), alguns
sobras para eventual con traprova. detalhes importantes devem ser respeitad os na coleta
Caso n ão haja m ais material biológico disponível d e am ostras obtidas em exum ação.
para a realização de contraprova, é possível ten tar rea- É possível ocorrer a d istribuição post mortem d as
lizar a an álise toxicológica a partir de fragm en tos de substâncias e d e seus metabólitos, a depend er d os fatos
tecidos parafinados do animal, caso existam . Também , ocorridos ante mortem (por exemplo, toxicocinética), e
se m ostrou possível realizar testes toxicológicos a partir também das alterações post mortem, haja vista que, a
de am ostras de cadáveres em balsam ad os. Os tecidos d epen der d o lo cal da coleta d a m atriz e de seu estad o
m an tidos em solução de forma l a 10% em diferen tes de conservação, a concentração da substância ou de seus
tempos de fixação também se mostraram úteis para tal metabólitos pod e ser variável, mesm o porque a subs-
fim; entretanto, esses estudos ainda são d e caráter expe- tância e/ou seu(s) metabólitos(s) se difunde(m ) do m eio
r imental e n ecessitam ser valid ados. mais con centrado ao m en os concentrad o. Portanto, é
importante lembrar que o in tervalo post mortem (IPM)
Exa mes toxicológ icos para ca dáver pode alterar a distribuição d as substâncias. Esse proces-
exumado so pode ocorrer den tro d o cor p o, em seus dife rentes
tecidos, do corpo para fora, e de fo ra d o corp o p ara
Após a m orte, um cadáver animal pode ser inuma- dentro, m otivo pelo qual o perito deve analisar também
d o (enterrado), im erso (lançado em águas), crem ado a região no entorno do cadáver em questão.
(incinerado), congelad o ou mesmo deixad o para se d e- Mesm o que nesses casos o cadáver esteja em avan -
compor a céu aberto. Caso tenha sido inumado, o corpo çado estado d e putrefação, é possível fazer a n ecropsia
poderá ser exumado para fins periciais. e colher material para o exame toxicológico. Matrizes

QUADRO 41.3. Achados de nec ropsia indicativos d e intoxicação e q ue auxiliam no enca minhame nto de vestígios pa ra a anál ise
toxicológ ica
Conteúdo
1. Material granu lar azulado, enegrecido ou prat eado em cavidade ora l/ estômago/duodeno: praguicidas anticolinesterásicos.*
2. Material colorido (a zul, verde, rosa) em conteúdo gástrico ou feca l: dicumarínicos.
3. Fragmentos de comprimidos em cavidade oral/estômago - coloração de acordo com a apresentação do med icam ento.
4. Pla ntas que são tóxicas àquela espécie, de acordo com sinais e sintomas apresentados.
Odor
1. De alho : compostos organofosforados, à base de fósforo; arsênio.
2. Adocicado: clorofórm io ou outros hidrocarbonetos halogenados.
3. Frutado/aromático: solventes, etanol.
,
*E sempre importante questionar o proprietári o/responsável pelo animal qual é o tipo de alimento que o animal costuma ingerir, pois não é incomum
encontrar outro tipo de alimento com substâncias tóxicas no estômago.
Fonte: adaptado de Skopp (2010).
522 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

como fígado, h um or vítreo, m úsculo card íaco e esque- tâncias tóxicas suspeitas, por m eio de m étod os ana-
lético, sangue e medula óssea p odem ser utilizadas, por- líticos qualitativos e qu antitativos esp ecíficos.
qu e as substân cias e/ou seus m etab ólitos pod em per- • Exp erim en tais: qu an d o os méto d os an alíticos se
m an ecer viáveis p ara esse fim. m ost ram ineficazes, p odem -se utilizar animais de
A terra é uma m atriz com plexa que pod e e deve ser laboratório p ara testar o m aterial suspeito, e obser-
explorad a n o âmbito d a toxicologia forense. Estudos re- var a evolução dos sin ais e sintom as.
latam a análise de d rogas ilícitas n a terra, bem como seu • Médico -legais: p or m eio de uma análise sistemáti-
padrão d e desintegração, além d e ser possível realizar a ca e racion al, un e os critérios anteriores e os utiliza
análise toxicológica d a terra que recebeu a urina de usuá- para sua an álise, send o os m ais imp ortantes o toxi-
rios de drogas ilícitas. No caso d a análise de praguicidas, cológico e o anatomopatológico. Por essa vertente,
deve-se p esquisar se houve aplicação prévia d estes n o verifica-se que o diagn óstico da intoxicação com fi-
solo, além de possibilidade de lixiviação, o que pode con - n alidad e de investigação m édico-legal é multifato-
taminar a amostra e influir n o resultado fin al da análise. rial, send o a análise toxicológica parte fu n dam en -
No caso de cadáveres em d ecom p osição, é n ecessá- tal, m as n ão ú nica p ara a conclusão da intoxicação.
r io an alisar o m ap eam ento das ilh as d e decomposição,
sobretud o as regiões do solo abaixo e n a lateral d oca- Testes toxico lógicos como provas periciais
dáver. O exame d a terra é utilizado para avaliar o p erfil
de com p ostos orgân icos provenientes do cadáver; en - As provas p ericiais anexadas ao processo destinam -
tretanto, pode ser adaptada à análise de outros compos- se ao conven cimen to do ju iz. Para tanto, os assistentes
tos químicos, com o praguicidas e substân cias lícitas e técn icos d o autor e d o réu deverão form ular qu esitos,
ilícitas, d e acordo com as susp eitas. No caso de solo de d estinados e qu e d everão ser respondid os pelo perito
t ú mulo s de in d ivídu os com morte susp eita, d eve-se méd ico veterinário de confian ça do juiz, e que reforcem
considerar a análise da terra para com plemen tar o exa- a tese defen d ida pela p arte para as qu ais trabalh am.
m e toxicológico. A d ecom posição d e cadáveres gera o Assim, o assisten te técnico d o autor que processa um
que se den omina de n ecrochorume, o que pode con ta- réu por suspeita de ter intox icado seu anim al dever á
minar len çóis freáticos, e que tam b ém pode im por con - form ular quesitos técnicos qu e relacion em o pro du to
sequ ências juríd icas. tóxico aos d an os ao animal; m ais d o que isso, as p rovas
São critérios qu e d irecion am a solicitação d e pes- processu ais d everão v incular o réu ao fato alegad o, a
quisa toxicológica: fim d e d emon strar d e man eira inequív oca que o sus-
p eito é, de fato, o perp etrad o r d o dan o ( de m an eira
• Clínicos: pela análise de sin ais clín icos e a progres- d ireta, ou in direta; d e maneira intencion al ou acidental;
são destes de acordo com o antídoto min istrado. Um com dolo ou culp a). D e m an eira oposta, o assistente
exemplo é a utilização de atropina em casos de sus- técnico do réu d everá question ar, p or m eio da fo rm u -
peita d e intoxicação por anticolinesterásicos. Caso o lação dos quesitos, a técnica em pregad a p ara a análise,
p aciente apresen te melhora clínica e lab oratorial ao a impossibilidade d a substân cia em causar sintomas ou
ser mon itorado pela coleta seriada d e matriz sanguí- d anos apresentados pela quantidad e ou local da eco-
n ea p ara an álise toxicológica, esses resultados levam nomia corpórea an alisada, a qualidad e da amostra e sua
a suspeitar fortemente da cont ribuição dos antico- validad e, se houve a coleta e o arm azen amen to correto,
linesterásicos n o quadro de intoxicação. ou mesm o se houve cadeia de custódia.
• Circunstan ciais: parte d o estu do do local de morte, Resultados toxicológicos positivos devem ser ana-
depoimentos e presença de determ in adas substân- lisad os pelo perito qu anto à m otivação d olosa, culp osa
cias. Na realid ade, poucos são os casos em que é fei- ou acidental, e a com provação de existên cia ou in exis-
ta a perícia em cen as de crimes em que há óbitos de tên cia de relação com a p essoa do réu, visto qu e essa
animais por intoxicação, mas não raro os p roprie- classificação pode influir fortemente na decisão jud icial.
tários fotografam ou levam, junto com o animal, is- Nem sem pre os resultad os lab oratoriais refletem a
cas ou vômito encon trad os n o ambien te. verdade dos fatos, pois pode haver erro técnico. Assim,
• Anatomopatológicos: parte da análise histopatológi- resultados falsos p ositivos durante a an álise de substân -
ca ou m acroscópica, considerando as lesões en con - cias químicas pod em ser decorrentes de con taminação
tradas decorrentes da ação de substâncias tóxicas durante os testes de lab oratório, a etiquetagem incorre-
• Físico-químicos ou toxicológicos: seu p rincípio é o ta da amostra, t ransporte conjunto d e várias am ostras
de isolar e identificar, na matriz examinada, as subs- d iferen tes, recipiente coletor con taminado etc. Testes
Ca pítulo 41 • Toxicologia forense 523

que resultem falso negativo são tão n ocivos quanto os somente em seres humanos, as perícias toxicológicas em
falso positivos, m otivo pelo qual a realização d e n ovo animais n orm almente são realizad as p or laboratórios
teste toxicológico sempre será de interesse para o escla- d e toxicologia universitários, ou em laboratórios gover-
recimento da demanda. Logo, em virtude d a importân- namen tais ligados à área de saúde agropecuária distri-
cia d a p rova pericial para o desfech o da análise p roces- buíd os pelo país. Existem , também, laboratórios parti-
sual, ela pode ser questionada pela parte insatisfeita, que culares que p restam atendimen to para a realização de
tem a prem issa de requerer a realização de contraprova. análises toxicológicas de produtos tóxicos m ais comu-
Por esse m otivo, o descarte d e provas vestigiais pelo mente encontrados em sangue, urina e tecidos de animais.
laboratório deve obed ecer à legislação vigente e, quan do
pertinente, som ente ser realizada m ed iante autorização Sensibilidade e especificidade da técnica
judicial. Nesse caso, o juiz questionará autor e réu quan- laboratorial
to ao desejo d e realização de contraprova; caso as partes É m uito importante que o perito ou assistente téc-
n ão se m anifestem nesse sentido, o material poderá ser nico classifiqu e o exame que em b asou seu lau d o ou
legalmente descartado. A não observação dessas regras parecer quanto à sensibilidade e especificidad e do mé-
poderá caracterizar destruição indevida de prova judicial. todo an alítico utilizad o e consid ere a possibilidade de
Os exames toxicológicos, além de complexos, podem ter havido falso positivo ou falso n egativo. Também ,
ser caros, e devem ser custeados pela parte que solicita a d eve esclarecer se a natureza d a análise é quantitativa,
perícia judicial de caráter cível. Muitos casos de suspeita qualitativa ou ambas. Assim, o laudo pericial dever á
de morte de origem criminosa não têm sido confirmados expor qual o objeto da perícia, indicar qu al a análise
após a análise pericial, que inclusive pode comprovar que técnica ou científica utilizada para confecção d o laudo,
a morte ocorreu por causa diversa, que não a intoxicação. esclarecendo-a e demonstrando ser esta, predominan-
Em processos cíveis, em que se pleiteia perdas e danos, é tem ente, aceita pelos especialistas da área do conheci-
prudente, portanto, a realização de exame anatomopato- mento da qual se originou.
lógico e toxicológico previamente ao in ício de proposição A título de exemplo, nos crimes que envolvem utili-
de demand a judicial. Esses exames podem ser realizados zação ou tráfico de drogas de abuso, por lei, determina-se
por médicos veterinários de instituições públicas ou pri- a realização d e exame p reliminar de constatação. Como
vadas. Entretanto, deve-se considerar que no Brasil são exemplo, tem-se a famosa reação colorimétrica para de-
poucos os laboratórios que realizam análises toxicológi- tecção de cocaína, em que a reação vestigial pode ou não
cas de rotina em m atrizes provenientes de an imais. resultar numa coloração azul. Tal reação colorimétrica
As demand as de caráter crim inal são custeadas pelo positiva tem o cond ão de encaminhar a amostra suspei-
Estad o, pois são analisad as pelos investigad ores da po- ta para um segund o exame, d enominado exame defini-
lícia científica por serem de interesse da coletividade. tivo; este p oderá confirm ar, ou não, a identificação da
Os maus-tratos animais são considerados crimes, assim, cocaína. Esse segundo teste é m uito m ais específico e
o laudo toxicológico positivo que aponte o nexo de cau- confiável que o primeiro, determinando se há ou n ão o
salidade é essen cial para a aplicação da condenação. produto suspeito na amostra. Dessa forma, uma primei-
Como to da cena de crime em que haja vestígio exige ra análise positiva poderá perder sua força probatória
análise de corpo de d elito, tod o m aterial biológico pro- após segunda análise m ais específica, que indique ser o
ven iente d e suposta intoxicação de animal deveria ser vestígio negativo para determinado produto, ou, ao con-
investigado por laboratório de toxicologia. trário, reforçar o achado do exame preliminar.
No Brasil, a investigação crim inal realizada pela Existem métodos analíticos capazes de fornecer
polícia está a cargo d a Secretaria de Segurança Pública resultados específicos e com alta sensibilid ade, d e m a-
(SSP) de cada estado, que se subdivide em Instituto Mé- neira simultânea para múltiplas substâncias, como por
dico Legal (IML) e Instituto d e Criminalística (IC). As meio da espectrometria de m assa; entretanto, nem sem-
análises toxicológicas relacionadas a processos criminais pre são de fácil acesso ou são inviáveis do ponto d e vis-
em seres humanos são realizadas pelo IML e destinam - ta do custo versus benefício.
-se à procu ra de drogas de abuso ou toxicológica de
outra natureza, em tecidos ou vísceras de seres humanos, Resultados toxicológicos
especificamente. O IC, por sua vez, possui laboratório
de química, destinado à b usca d e substân cias químicas Os resultados das análises toxicológicas são deno-
em vestígios que não estejam em vísceras. Portanto, con- m inados de laudos ou exames toxicológicos, a d epender
siderando -se que o IML realiza análises toxicológicas d e quem o emite.
524 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Equivocadam ente, m uitos exames produzid os la- ~ ,,


UTILIZAÇAO PRATICA
boratorialmente para terceiros são emitidos sob a no- DA TOXICOLOGIA FORENSE
menclatura de "laudo"; esse nome d eve designar apenas
documento emitid o pelo perito (perito nom ead o/lou- A título d e exemplificar a utilização d e análises pe-
vad o ou perito oficial), que será anexado aos autos, di- r iciais em anim ais pela justiça b rasileira, o p rocesso
recion ado ao juiz. O perito de juiz é pessoa de sua con - 0017247-24.20 12.8.26.0050 - C-1554/13, de ação pen al
fiança, e manifesta sua convicção pessoal após a análise d e crim es con tra a fauna, foi emblemático, pois contou
d as p rovas apresentad as pelas partes, bem co mo as com a an álise anatom opatológica e toxicológica para a
m anifestações em contrário. Os profissionais da polícia cond enação. Assim, 33 gatos, a m aioria filh otes e quatro
técn ico-científica emitem laud os, p or se tratarem d e cães encon trados em cena de crime sofreram n ecropsia
per itos oficias, con cursados para tal fim. Assim, caso no D epartam ento de Patologia da Faculdad e d e Med i-
haja documen to produ zid o por toxicologista contrata- cina Veterinária d a Un iversidade de São Paulo (FMVZ-
d o por autor ou réu, seja ele de instituição p ública ou -USP), em janeiro de 2012; cada um recebeu um a id en-
privada, ele será consid erad o assistente técnico da par- tifi cação, e deles fo r am col et ados os coágulos
te, e o d ocum ento trazido aos autos por ele será den o- intratorácicos para análise toxicológica. Na sua prática
minado parecer técnico ou m eramente exam e. d e eutanásia, a ré, que não era médica veterinária e que
De posse dos resultados toxicológicos, o profissio - se intitulava p rotetora d e an imais, injetava cetam in a,
n al d everá obser var o d isposto n a Reso lu ção n . um anestésico, n eles; p orém, transpassava importantes
1.138/2016 (Código de Ética Médico Veterinário) que estruturas torácicas, causando ruptura d e vasos e per-
n orm atiza o sigilo das inform ações. Assim, n ão pode- fu ração p ulmonar e cardíaca, causando a m orte cruel
r á p restar a empresas ou seguradoras, qualquer infor- por ch o que h ipovolêmico e tam ponamen to card íaco.
m ação técnica sobre paciente ou clien te sem expressa Em diligên cia pericial foram encontrad os frascos lacra-
au torização d o respon sável legal, exceto n os casos de d os e outros abertos de cetam ina n o local do crim e; na
ato praticado com d olo ou m á-fé por uma d as p artes an álise toxicológica a p artir d as m atrizes biológicas
ou quando houver r isco à saúde pú blica, ao m eio am- obtidas, houve confirmação da presença d a substância,
biente ou por força judicial; facilitar o acesso e conh e- o que configurou o n exo causal. Tal prova pericial per-
cim ento d os p r ontuários, relató rios e dem ais d ocu- mitiu a condenação da ré em 12 an os, seis meses e 14
mentos sujeitos ao sigilo profissional; revelar fatos que d ias em prim eira in stân cia, o q ue ap ós a an álise em
prejud iquem pessoas ou en tidad es sem pre que o co- segunda instância a cond en ação foi m ajorad a para 16
n hecimento adven ha do exercício de sua pro fissão, an os, seis meses e 26 dias.
r essalvados os atos de crueldad e e os que in teressam
ao bem comum, à saúd e pública, ao meio ambiente ou ~
CONSIDERAÇOES FINAIS
que decorram d e determ in ação judicial.
Do ponto de vista processual, o exame toxicológico A investigação laboratorial de substâncias tóxicas
positivo é determinante para que o vestígio seja trans- em tecid os an im ais e sua qualificação e quan tificação
form ado em indício. Entretanto, incumbe ao p erito são determinantes para as decisões judiciais. Assim , deve
m édico veterinário correlacionar, ou não, a substância ser realizada com precisão para que possa embasar ade-
com o evento observado, pois a mera presença do pro- quadamen te o juízo.
duto em um m aterial biológico não p rova, por si só, a Em tais casos suspeitos, a análise clínica e/ ou ana-
ocorrência d e ad m inistração criminosa; daí a impor - tom opatológica, investigação toxicológica e m esmo
tân cia da análise circunstan cial da ocorrên cia e da ob- d eman das judiciais são caras e trabalh osas, o que pod e
servação d a cadeia de custódia. Quand o na função de superar, m uitas vezes, a capacidade financeira e a von -
assistente técnico d o autor ou do réu, o médico veteri- tade que um autor de processo possa vir a possuir. Ain -
n ário cor relacion ará os ach ad os de acor d o com seus d a assim, é recom end ad o que esses exames precedam,
interesses, d esd e que n ão fira a ética profissional. se possível, o início d e processos judicias, tamanha a
É d e total interesse da parte autora ou da parte ré, importância d o laudo judicial na sentença final. D eve-se
que se d eparar com u m primeiro laudo toxicológico que ter em mente que a perda de dem and a judicial traz n ão
lhe seja desfavorável, solicitar a contraprova em material somen te d esconforto emocional, mas também conse-
restante, e será tarefa d o perito correlacionar o resulta- quências m onetárias. O utro fato fundamen tal que d eve
do com os d anos alegad os ou mesm o sua não partici- ser lem b rado é que p or d epender da apresen tação de
pação no evento juríd ico sob análise. p rovas, n em sem p re o ganhad or da causa é quem está
Capítulo 41 • Toxicologia fo rense 525

8. ___. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Códi-


com a razão, e sim, quem m elhor convence o juiz da
go de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17
causa; portanto, é altam ente relevante a obten ção de março 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/cci-
todas as provas possíveis, de maneira criteriosa e minu - vil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 20 fev.
ciosa, sempre procurando garantir a cadeia de custódia. 2019.
9. ___. Código de Processo Penal. decreto lei nº 3.689, de 03
As questões judiciais envolvendo atendimentos clí- de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.
nicos ou de contaminação ambiental costumam consi- br/CC~VIL/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 1 jul. 2018.
derar a análise toxicológica como foco principal. D u - 10. BULCAO, R.; SPINOSA, H.S. Reconhecimento de intoxicações
de natureza intencional. Tratado de Medicina Veterinária Legal,
rante diligên cias, o perito deve solicitar a apresentação
2017.
de documentos que comprovem a compra e a venda de 11 . BUTZBACH, D.M. Toe influence of putrefaction and sample
substâncias químicas, tais como m edicam entos e pra- storage on post-mortem toxicology results. Forensic Science,
Medicine, and Pathology, v. 6, n. 1, p. 35-45, mar. 2010.
guicidas, bem como de outros compostos que possam
12. CARTISER, N.; BÉVALOT, F.; FANTON, L.; et ai. State-of-the-art
ser confrontados com níveis destes nos vestígios periciais. of bone marrow analysis in forensic toxicology: a review. Inter-
Esse fato comprova a legalidade ou ilegalidade de seu national Journal of Legal Medicine, v. 125, n. 2, p. 181-98, mar.
uso, embora, por exemplo, n ão isente de erros de cálcu- 201 1.
13. CASTILHO, V.V. Atuação do perito em medicina veterinária.
lo de dose ou a via de administração inadequada. Tratado de Medicina Veterinária Legal, 2017.
Os m édicos veterinários devem estar devidamente 14. CAZENAVE, S.O.; ITHO, S.F.; LANARO, R.; et al. Aldicarb: uma
capacitados para diagnosticar eventuais intoxicações possibilidade de análise com finalidade forense. Revista Brasi-
leira de Toxicologia, v. 18, p. 105-1 1, 2005.
acidentais ou decorrentes de m aus-tratos em ambiente
15. CHASIN, A.A.A. Parâmetros de confiança analítica e irrefuta-
ambulatorial, a fim de solicitar exames clínicos e toxi- bilidade do laudo pericial em toxicologia Forense. Revista Bra-
cológicos ad equados aos casos clínicos que atender. sileira de Toxicologia, v. 14, n. 1, p. 40-6, 2001.
Também devem b em atuar nos casos judiciais em que 16. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Re-
solução nº 1138, de 16 de dezembro de 2016. Aprova o código
exerçam função de peritos ou assistentes técnicos. de Ética do Médico Veterinário. Brasília: Diário Oficial da União,
Vale também destacar a importância da existência 25/01/2017, Secção 1, p. 107-109. Disponível em: http://portal.
de m ais lab oratórios de toxicologia esp ecializados na cfmv.gov.br/portal/lei/index/id/508. Acesso em: 20 fev. 2019.
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análise de tecidos animais, tanto para análises clínicas NIOR, V.; et al. Exhumation of Wistar rats experimentally ex-
como também aquelas que respondam às dem andas da posed to the carbamate pesticides aldicarb and carbofuran: A
área de análise toxicológica de produtos e subprodutos pathological and toxicological study. Experimental and Toxico -
logic Pathology, v. 68, n. 6, p. 307-14, 2016.
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526 Toxicolog ia aplicada à med icina vet eriná ria

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analysis of formalin -fixed or embalmed tissues: A review. Fo- COMARCA DE SÃO PAULO, FORO CENTRAL CRIMINAL
rensic Science International, v. 233, n. 1-3, p. 312-9, 2013. BARRA FUNDA, 9ª VARA CRIMINAL. Acórdão. Processo n .
40. OGA, S.; CAMARGO, M.M.A.; BATISTUZZO, J.A.O. Funda- 00 17247-24.20 12.8.26.0050 - C - 1554/13. Ré: Dalva Lina da
mentos de Toxicologia. 4.ed. Atheneu: São Paulo, 2014 Silva.
4 1. OLIVEIRA-FILH O, J.C.; CARMO, P.M.; PIEREZAN, F.; et al. 61. UEKUSA, K.; HAYASHIDA, M .; O H NO, Y. Forensic toxicolo-
Intoxicação por organofosforado em bovinos no Rio Grande gical analyses of drugs in tissues in formalin solutions and in
do Sul. Poisoning by organophosphate in cattle in southern fixatives. Forensic Science International, v. 249, p. 165-72, 2015.
Brazil. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 30, n. 10, p. 803-6, 2010. 62. XAVIER, F.G.; RIGHI, D.A.; FLORIO, J.C.; et al. Cromatografia
42. OTIENO, P.O.; LALAH, J.O.; VIRANI, M.; et al. Carbofuran and em camada delgada para o diagnóstico da intoxicação por al-
its toxic metabolites provide forensic evidence for furadan ex- dicarb ("ch umbinhd') em cães e gatos. Arq. Bras. Med. Vet. Zoo-
posure in vultures (Gyps africanus) in Kenya. Bulletin of Envi- tec, v. 59, n . 5, p.1231-5, 2007.
ronmental Contamination and Toxicology, v. 84, p. 536-44, 2010. 63. XAVIER, F.G.; RIGH I, D.A.; SPINOSA, H .S. Toxicologia do
43. PAL, R., MEGHARAJ, M ., KIRKBRIDE, K.P., et al. Biotic and praguicida aldicarb ("chumbinho"): aspectos gerais, clínicos e
abiotic degradation of illicit drugs, their precursor, and by-pro- terapêuticos em cães e gatos. Cienc. Rural, v. 37, n. 4, p. 1206-11,
ducts in soil. Chemosphere, v. 85, n. 6, p. 1002-9, 2011. 2007.
Capítulo 41 • Toxicologia forense 527

ANEXO 1:
nº registro:_ _ __

FORMULÁRIO DE ENTRADA PARA EXAME TOXICOLÓGICO DE ANIMAIS


(Modelo)
Nome, endereço e CN PJ do laboratório
Dados do responsável técnico

1. FICHA DE CUSTÓDIA LABORATORIAL:


Nome do entregador: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
RG/CPF: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Contato (cel. e e-ma il): _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Assinatu ra do entregador: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Nome do recebedor/ coletor: - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Assinatu ra do recebedor/coletor: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
O materia l chegou ao laboratório por meio de custódia j ud icial? Sim ( ) Não ( )
Inquérito Policial: ( ) Não ( ) Sim nº do IP _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Material coletado diretamente no laboratório? _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Sim ( ) Não ( )

2. DADOS DO ANIMAL:
Nome: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Idade: _ _ _ ( ) Desconhecido
Espécie animal { _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _) ( ) Desconhecido
Sexo do anima l: ( ) Macho ( ) Fêmea ( ) Desconhecido

3 . DADOS DA AMOSTRA:
Tipo de tecido:
( ) Conteúdo estomacal ( ) Fígado ( ) Humor vítreo
( ) Pelo* ( ) Sa liva ( ) Sangue ( ) Urina ( ) Outros
*Cor predominante do pelo: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Data, local e hora da coleta:
Método de t ransporte/conservação do material: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

4. CONDIÇÕES DA AMOSTRA
( ) Fresca ( ) Autolisada ( ) Putrefata ( ) De exumação (.... )
( ) Refrige rada ( ) Congelada

5 . FINALIDADE DO EXAME:
( ) Acompanhamento clínico
( ) Forense
( ) Doping
( ) Seguro
( ) Outro (Qua l?) _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

6 . BREVE HISTÓRICO DO CASO E SUSPEITA CLÍNICA:

Local, data
Capítulo 42

Doping e controle antidopagem

Maria Santina Moral


João Heckmaier

~ organism o), associados a pun ições cada vez mais rigo-


INTRODUÇAO
rosas aos infratores.
O termo doping refere-se ao uso ilícito de agentes No Brasil, o term o doping foi utilizado n os m eios
químicos e/ou físicos (por exemplo, terapia p or ondas turfísticos a partir da década de 1940. No país, as asso-
de choque) com o intuito de m odificar o resultado em ciações de criadores de equinos são regulamentadas pelo
atividade esportiva. Esse termo foi empregado pela pri- M inistér io de Agricultura, Pecu ária e Abastecim ento
m eira vez n o final do século XIX refer indo-se a um a (M apa), no que se refere às atividades espor tivas e de
mistura de ópio e n arcóticos usada para cavalos. criação. A Con federação Brasileira de Hipismo (CBH),
O uso de diferentes recursos para aumentar o de- que é filiada à Federação Equestre Intern acion al (FEI),
sempenho de atletas é conhecido desde os jogos olím- regulam enta os esportes equestres, como o salto, o ades-
picos realizados na antiga Grécia. Em m edicina veteri- tram ento, o en duro, as rédeas, entre outros, possuin do
n ária, h á relatos de que n a Roma Antiga, a mistura de cada um deles regulamento próprio. Outras m odalida-
água e mel (hidromel) era administrada aos cavalos para des equestres, com o a baliza, o tambor e o laço, são re-
melhorar o desempenho desses anim ais nas corridas de gulamentadas por associações de criadores das raças e
biga. Além do m el, outras substâncias tam bém foram devem seguir as normas instituídas pelo Mapa. As cor-
utilizadas para melhorar o desempenho de cavalos, como ridas de cavalos são regulam entadas pelo Código Na-
sementes de anis, café, chá, bebidas alcoólicas (champa- cional de C or rida (CNC), e também devem seguir as
nhe, uísque) alcaloides de origem vegetal etc. exigên cias do Mapa.
Por outro lado, a prim eira tentativa para coibir o
doping surgiu em 1666, na Inglaterra, com um regula- CONTROLE ANTIDOPAGEM
m ento que proibiu o uso de substâncias nas cor ridas.
O prim eiro caso positivo de controle antidopagem ocor- O controle antidopagem nos esportes equestres tem
reu em 1903, quando se injetou saliva de cavalo em sapo, as seguintes finalidades principais:
sen do observado efeito estim ulante neste anim al. Pos-
teriormente, empregou-se no controle antidopagem um • Colaborar com a m anutenção da saúde e do bem -
teste biológico, a prova de Straub, na qual o fluido bio- -estar do animal e das pessoas participantes.
lógico do cavalo suspeito era injetado em camundongo, • Preservar a ética e a confiabilidade dos esportes ga-
que respondia com ereção da cauda, indicando o uso rantindo clareza e igualdade de condições entre os
de m orfina. competidores.
O controle antidopagem tem evolu ído bastante e • Garantir o aprimoramento da raça.
continua sendo um desafio estim ulante aos químicos • Dar credibilidade n os jogos de apostas.
analistas, pois o trabalho envolve constante pesquisa e
atualização das técnicas e equipamentos analíticos, como Há o doping positivo e o doping n egativo. O pri-
as m etodologias "ômicas" ( conjunto de técnicas mole- m eiro caso refere-se ao uso de substân cias químicas
culares que auxiliam na compreen são das d ife rentes para m elhorar o desempenho do anim al, com o estimu-
m oléculas biológicas qu e dão fun cion alidades a um lantes e analgésicos adm inistrados antes da corrida. No
Capítulo 42 • Doping e controle antidopagem 529

doping negativo, diminui-se o potencial de desempenho o m omento da suspensão do tratamento do cavalo, a


do anim al, por exemplo, deprimindo o sistema nervoso fim de evitar a detecção da medicação no exame anti-
central e, assim, manipulando financeiram ente o jogo. doping. Portanto, o m édico veterinário deve conhecer
Por outro lado, no salto e no adestram ento, o doping as características farmacocinéticas do m edicamento
n egativo p ode m elhorar a r esposta atlética de animal para estabelecer uma conduta ter apêutica adequada,
excessivam ente nervoso. sem risco para o anim al e evitando o resultado positivo
O diurético furosemida é utilizado em equinos nos no exame antidoping.
casos de hem orragia pulmonar induzida por esforço, o Os medicam entos mais associados ao doping são
que poderia m elhorar o desempenho do animal. Além aqueles que interferem nas funções dos sistem as respi-
disso, esse diurético pode reduzir o peso corporal ( até ratório, cardiovascular e musculoesquelético, seguidos
4%) sem diminuir sua capacidade muscular, bem como dos estimulantes e depressores do sistem a nervoso cen-
pode encobrir o uso de outras substâncias ao diluí-las, tral, os anti-inflamatórios e os analgésicos. Há, ainda, a
m ascarando os resultados do exame antidoping. utilização de medicação tópica que associada ao doping,
É também considerado doping o uso não intencional como a capsaicina (prin cípio ativo encontrado em várias
ou acidental de substâncias químicas, que, por desconhe- pimentas) que, quando administrada por essa via, tem
cimento, podem estar presentes na formulação do m edi- como efeito principal a analgesia de pele, articulações e
camento administrado ao anim al ou em decorrência da músculos. Porém, a capsaicina aplicada sob fricção na
ingestão de alim entos contam inados (veja adiante). pele ou quando esse local sofre um traum a, mesmo que
A pen alidade decorrente do resultado positivo no pequeno, provoca grande efeito doloroso, uma vez que
exame antidoping recai sobre o responsável oficial do estimula os nociceptores (receptores sensoriais que en-
animal, que em cada modalidade varia; por exemplo, na viam o sinal, promovendo a percepção da dor) nas ter-
corrida, o respon sável é o treinado r, já n o salto e n o minações n ervosas. Nessa situação, pode interferir, por
adestramento é o cavaleiro. exemplo, n o desempenho do cavalo de salto quando
aplicada na região do metacarp o; o medo da dor faz com
TERAPIA MEDICAMENTOSA E DOPING que o animal evite o toque do membro no obstáculo.
Anualmente, a FEI atualiza a lista das m edicações
O cavalo atleta pode receber tratam ento empregan- de uso controlado e das substân cias banidas para os
do m eios físicos e químicos antes das competições. No equinos, a qual passa a vigorar no ano subsequente. Para
caso de m eios físicos, há o emprego do aparelho de "on - o ano de 20 19, por exemplo, na categoria de anaboli-
das de choque" (shock wave therapy), que prom ove efei- zantes, foram incluídos na lista das substâncias banidas
to analgésico local. Esse recurso é permitido som ente vários ésteres de esteroides anabolizantes, androsterona
cinco dias antes da primeira inspeção veterinária, que e testosteron a, os quais for am considerados de risco
é o m omento que indica o início do evento, no qual o para o bem-estar do equino e pelo alto p otencial de
m édico veterinário oficial do evento faz a identificação abuso. Por outro lado, na categoria dos an algésicos, a
e a avaliação clínica do cavalo. gabapentin a e o paracetamol foram retirados da lista
Quanto ao uso de medicamentos antes da compe- de substâncias ban idas e passar am p ara o grupo de
tição, o m édico veterinário deve conhecer o per íodo medicações controladas, uma vez que estão sendo em-
de depuração (também ch amado d e período de de- pregadas na prática clínica veterinária para o controle
pleção, ou, em inglês, clearance) do medicamento. Esse da dor. Dentre os antiarrítmicos, a amiodarona e a pro-
período é o intervalo de temp o entre a suspensão da cainam ida passaram também para o grupo de medica-
m edicação até o m omento d a competição, par a que ções controladas, p ois são usadas n o tratamento d e
resíduos da "substân cia proibida'' ou seus metabólitos taquicardia ventricular e fibrilação ventricular. Por ou-
n ão sejam en contrados no material biológico coletado tro lado, foram introduzidos vários bifosfonados (alen-
do cavalo atleta. d ronato, zoledronato) n a categoria substâncias banidas,
O tempo de eliminação total de uma determinada juntam ente com alguns diuréticos (azosemida e epie-
substân cia química é estim ado entre 4 e 5 meias-vidas renona), um a vez que o uso dessas substâncias é consi-
(t½). A meia-vida é o tempo necessário para que a con- derado um risco ao bem -estar anim al. Dentre os seda-
centração plasmática da substância química se reduza tivos, a medetom idina e a alfacasozepina entraram na
pela metade (para detalhes, ver Capítulo 2). O tempo lista dos medicamentos de uso controlado, bem com o
de eliminação também é chamado de t wash out. Essa alguns estimulantes (dopamina, doxapram) usados na
informação é usada pelo médico veterinário para definir prática da anestesia de equinos.
530 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

~ " san guíneos ao redor dos músculos lisos, por meio da


CLASSIFICAÇAO DAS SUBSTANCIAS
QUÍMICAS ENVOLVIDAS NO DOPING ação do óxido nítrico, resultando no aumento do apor-
te de sangue e suprimento de oxigênio nos tecidos.
As substâncias químicas envolvidas no doping po-
dem ser classificadas em substâncias que elevam, d imi- Substâncias quím icas que diminuem o
n uem ou restituem o potencial de desempenh o do ani- potencial de desempe nh o do an imal
mal e, também, su bst âncias quími cas de uso não
intencional ou acidental. A seguir, são apresentados os Essas substâncias deprim em o sistema nervoso cen -
diferentes grupos. tral, produzindo o doping negativo. Nesse grupo tem-se:
os relaxantes musculares de ação central (guaifenesina,
Substâncias químicas que elevam o xilazina, detomidina), os tranquilizantes maiores (ace-
potencial de desem penho do animal p romazina) e os tran quilizan tes menores (ben zodia-
zepín ico). Essas substâncias químicas, em dose terapêu-
Neste grupo encontram-se as substâncias químicas tica, dim inuem a capacidade atlética do animal e têm a
de rápido efeito estimulante e as substâncias quím icas finalidade de prejudicar seu desempenho, geralmente,
administradas terapeuticamente. Assim, tem-se: visan do à m anipulação do jogo, no caso da corrida. Por
Substâncias químicas de rápido efeito estimulan- outro lado, em doses menores, esses medicamentos po-
te: são geralmente administradas antes da corrida. Esses dem auxiliar o desempenho do animal extrem amente
estimulantes do sistema nervoso central podem ter ação excitado, possibilitando competir com maior eficiência
predominante n o córtex cerebral, bulbo ou medula. Os no salto e até no ad estramento.
estimulantes corticais diminuem a sensação de fadiga,
aumentam a atividade motora e levam à excitação; são Substâncias que restituem o potencial de
eles: cafeína, anfetamina, m etanfetamina, metilfenidato desempenho do anima l
e cocaína. Os estimulantes bulhares (analépticos respi-
ratórios) não são seletivos, podendo au mentar a venti- Essas substâncias quím icas restituem o potencial
lação pulmonar e também exercer efeitos estimulantes de desempen ho do animal que foi temporariamente
em outras áreas do sistema nervoso central; são exemplos: afetado por acidente ou por d oença. Pertencem a esse
a teofilina, a niquetamina e o doxapram. Como estimu- grupo: os anti-inflam atórios, os analgésicos, a eritro-
lante medular tem-se a estricnina, substân cia de uso poietina, a furosemida, os anestésicos locais e os agentes
p roscrito no Brasil. neurolíticos.
Nesse grupo de substâncias que aumentam o de-
sempenho em equin os devem ser considerados também • Anti-in flamatórios: estes podem ser esteroidais,
os hipnoanalgésicos (opioides), como a morfina, a co- também denominados de corticoides (dexameta-
deína, o butorfanol e a fentanila. Esses medicamentos, sona), os quais são essencialmente empregados para
quando empregados em doses cerca de 1Ovezes abaixo redução do processo inflamatório; e os não esteroi-
da dose terapêutica (para promoção de analgesia), p ro- dais - Aines (fen ilbutazona, flunixina meglumina).
vocam (ao contrário do que ocorre em humanos e cão, Os corticoides apresentam vários efeitos colaterais,
por exemplo) o aumento da atividade motora nessa como retardo na cicatrização e na regeneração os-
espécie animal. teocartilaginosa; o uso prolongado pode causar
Substâncias químicas administradas terapeutica- imunossupressão. Os Aines reduzem a inflamação
mente: têm com o objetivo fortalecer o animal, como os e a dor, porém podem p rodu zir lesões gastrointes-
esteroides anabolizantes que são empregados no perío- tinais e toxicidade renal. Há ainda alguns Ain es,
do de convalescença, para auxiliar na recuperação do com o a dipirona, que, embora apresentem mínimo
animal acometido de enfermidade debilitante. O utros efeito anti-inflamatório, most ram grande efeito
exemplos são o hormônio liberador de gonadotrofina analgésico.
( Gn RH) e a relaxina. O GnRH é um neuropeptídio, que • Eritropoietina: é u ma glicoproteína sintetizada prin-
é capaz de aumentar a concentração d e testosterona no cipalmente pelo rim , que eleva os n íveis de eritró-
sangue. A relaxina, um horm ônio proteico que perten - citos sanguíneos, incrementand o a t roca de oxigê-
ce à superfamília da insulina, tem sua utilização proibi- n io, resultando, assim, no aumento da resistência ao
da nas competições por au mentar o desempenho atlé- exercício físico. Seu uso indevido pode causar ane-
t ico em razão de su a capacidade de d ilatar os vasos mia grave ou mesmo fatal.
Capítulo 42 • Doping e controle antidopagem 531

• Furosemida: é diurético de alça que, como anterior- recimento de alimentação por último e com balde ex-
mente comentado, em equin os é empregado nos ca- clusivo para o animal tratado e o cuidado na adminis-
sos de hemorragia pulmonar induzida por esforço, tração da ração medicada para evitar espalhá-la para
pode reduzir o peso corporal sem dim inuir a capa- outras baias, por intermédio de calçados, cobertas, bal-
cidade muscular, além de encobrir o uso de outras des e mãos do manipulador.
substâncias ao diluí-las na urina, mascarando os re-
sultados do exame antidoping. Out ras substâncias e procedimentos
• Anestésicos locais e agentes neurolíticos: a lidocaí- envolvidos no doping
n a e a procaína são exemplos de anestésicos locais.
Dentre os agentes neurolíticos, tem -se o álcool etí- Há substâncias que podem m ascarar a análise, di-
lico e o fenol. Os primeiros bloqueiam as estrutu - ficultando a identificação de substâncias ilícitas presen-
r as nervosas responsáveis pela condução do estí- tes na am ostra biológica. São exemplos a furosemida,
mulo doloroso, enquanto os agentes neurolíticos as como anteriorm ente citado, e as formulações contendo
destroem. p olietielen oglicol que p odem interferir na leitu ra da
placa de cromatografia em cam ada delgada ( CCD) e,
Substâncias químicas de uso não intencional assim , m ascarand o a presen ça de outras substân cias
ou acidental presentes n a amostra biológica.
O uso de bicarbon ato de sódio, em grandes doses,
As substâncias químicas de uso não intencion al ou aumenta a capacidade de tamponam ento do sangue e
acidental associadas ao doping são aquelas presentes na dos fluidos extracelulares do tecido muscular, aceleran-
ração do animal ou na medicação; porém, se desconhe- do a remoção dos íons hidrogênio dos músculos, com
ce sua presença. É o caso, por exem plo, de teobromina consequente retardo da sensação de fadiga. O bicarbo-
en contrada em r ações industrializadas, qu e contêm n ato de sódio é fornecido par a o cavalo p or m eio de
torta de cacau como conteúdo de fibras em suas formu- sonda nasogástrica (vulgarmente chamado de milksha-
lações. A isoxsuprina - um agonista dos receptores be- ke), visando melhorar o desempenho do animal, espe-
ta2-adrenérgicos, que produz vasodilatação periférica, cialmente em corridas de longa distância.
primariam ente, apenas n o músculo esquelético, com Além das substâncias químicas, há procedimentos
pouco efeito sobre o fluxo sanguíneo cutâneo - quando considerados ilícitos, como a autotransfusão de sangue,
m istur ada n a ração, na forma de pó, pode tornar-se qu e promove o aum ento artificial da captação, trans-
fonte de contaminação da baia, de cochos e de utensílios, porte e aporte de oxigên io para os tecidos.
detectando-se sua presença p or até 1O sem anas após a À medida que as técnicas de análise dos laborató-
interrupção de tratamento. rios se tornam m ais refin adas, substân cias qu e n ão
Para auxiliar n a distin ção entre a adm in istração eram detectadas no passado passam a ser encontradas
indevida e a ingestão natural, foi definido internacio- em con centrações ínfimas no organismo dos animais.
n almente um limite máximo p erm itido n a urin a e no Com isso, cuidados adicion ais com o m an ejo e a ali-
sangue dos animais para algumas substâncias. É o caso, mentação de an imais de competição se tornaram ne-
por exemplo, da flunixin a meglumina, da fenilbutazo- cessários para evitar a detecção de substân cias inespe-
n a e do n aproxeno. Isso se deveu a um estudo de con - radas no exam e antidoping.
taminação ambiental que avaliou a presença n a serra-
,
gem da cama das baias de animais tratados com esses COLETA DE AMOSTRAS BIOLOGICAS PARA
anti- in flamatórios. O bservou -se que a ur in a deposi- O CONTROLE ANTIDOPAGEM
tada na serr agem da baia do cavalo tratado era cap az
de tornar p ositivo o exame de um cavalo que não re- Os regulamentos das diferentes provas equestres in-
cebeu o medicamento mas que utilizou a mesma cama dicam a coleta de urina e/ou sangue, algumas vezes suabe
da baia. Por isso, recomen da-se que animais de com - de secreções (p. ex., saliva) ou suabe de um local especí-
petição que estejam em tratamento com anti-inflama- fico, dos cavalos competidores ou os pelos desses animais
tórios ou outros medicamentos tenh am a cama troca- para serem submetidos ao exame antidoping.
da diariam ente. O exame antidoping é obrigatório para os cavalos
O utras m edidas preventivas também p odem ser ven cedores; os demais competidores são escolhidos por
adotadas p ara evitar a contam in ação am biental, p or meio de seleção feita em conjunto com juízes, comissão/
exemplo, o isolamento do animal em tratamento, o ofe- delegação veterinária e o responsável pela coleta do ma -
532 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

terial. O exame antidoping pod e ser também feito em


um animal-alvo, caso exista uma indicação específica.
A equipe d o setor d e coleta, composta por m édicos
veterinários e auxiliares reconhecidos oficialmente para
essa tarefa, realiza a coleta das amostras antes e/ou depois
da competição. Cabe ao médico veterinário garantir que
a amostra coletada pertença ao animal indicado, o que é
feito por meio da comparação do animal com sua resenha
gráfica ou pela leitu ra d o m icrochip inserido no cavalo.
A amostra coletad a é d ividida em duas partes: uma
é destinada para análise de prova e a outra para a contra-
prova. Ambas as amostras são devidamente identificadas,
embaladas e lacradas. No caso de se constatar a presença
de substância proibida, é feita a análise da contraprova,
n a p resença dos responsáveis pelo animal, pod endo ser
acompanhados de um perito por eles indicado. O animal
será considerado dopado somente se a análise da contra-
prova confirmar o resultado da p rova.
A Figura 42. 1 ilustra a coleta d e u rina de cavalo e
do material em p regad o para a coleta e a Figu ra 42.2
ilustra um kit de coleta de amostras empregado em even-
to d a FEI.
FIGURA 42.2. Ilustração do kit de coleta de urina e sangue
empregado em eventos da Federação Eq uestre Interna-
ciona l (FE i).

D eve ser salientado que sob o aspecto legal, de se-


gurança e de integridade d a am ostra, a responsabilida-
d e é exclusivam ente do médico veterinário e que nessa
etapa se inicia a cadeia de custódia das amostras que
serão analisadas. Se ocorrerem falhas nesse procedimen-
to, as amostras não poderão ser analisadas. Esses cuida-
d os, por sua vez, têm contin uidade com o armazena-
mento e a conservação da amostra até o laboratório para
a execução d as análises.
O laboratório que recebe a amostra deve estar ca-
pacitado para realização das análises químicas, possuin -
do equipamentos adequados e p essoal t reinado para
execução dos ensaios.
A análise do con t role an tidoping consta, sucinta-
mente, de duas etapas: a triagem e a confirmação da
id entidade da substância. Na triagem o analista busca
d etectar um a anorm alid ade n a am ostra biológica, em-
pregando um m étodo analítico abran gente, sensível,
rápido e de custo acessível. Para a confirmação da iden -
tidade da substância, utilizam-se, sem pre que possível,
técnicas que forneçam informações estruturais da mo-
lécula; fornecem a identificação inequívoca da substân-
cia, p revenindo os resultados falso positivos. O Quadro
FIGURA 42.1. Ilustração da coleta de urina de cavalo e do 42. 1 apresenta algun s conceitos básicos relacion ados
material empregado para a coleta. aos exames an tid oping.
Capítulo 42 • Doping e controle antidopagem 533

QUADRO 42.1 A lg uns conceitos básicos relacion ados ao exa- BIBLIOGRAFIA


me a nt id opi ng

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N
00
/

lndice remissivo

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) 62


Agências ou órgãos reguladores 62
Abacate 299 Agentes tóxicos 14, 16
Abelh as 148 absorção 14
Abrus precatorius 277 Agentes voláteis 90
Absorção Agente tóxico 7, 14
pela pele 16 absorção 14,95
Absorção dos alcaloides do ergot 333 m anifestações clínicas 104
Absorção dos toxicantes pela pele Agropecuária 189
circulação cutânea 17 Agrotóxicos 163
espessura do estrato córneo 17 Água oxigenada 134
fluxo sanguíneo da derme 17 Alaclor 199
folículos pilosos 17 Alcaloides 230
Absorção intestinal 16 Alcaloides amínicos 234
Absorção pelo trato gastrointestinal 14 Alcaloides esteroidais 233
Absorção pulmonar 16 Alcaloides indólicos 231
Ação tóxica Alcaloides indolizidínicos 232
mecanismo 28 Alcaloides isoquinolínicos 232
Mecanismos específicos 29 Alcaloides piperidínicos 23 1
mecanismos inespecíficos 28 Alcaloides piridínicos 231
Ação tóxica do 02 37 Alcaloides pirrolizidínicos 231, 260
Acaricidas 190, 201 Alcaloides tropânicos 233
Ach ados post mortem 85 Aleloquímicos 227
Acidente b otrópico 140 Alfacloralose 208
Acidente elapídico 144 Alfa-naftil-tioureia 221
Acidente laquético 143 Alho e cebola 297
Acidentes com a Bothrops Alimentos para consum o animal
sinais clínicos 141 legislação 314
Acidentes ofídicos 139 Alimentos tóxicos para animais 297
Ácido bórico 133 Alterações neurológicas 104
Ácido monofluoracético 30,219,254 Amaranthus sp. 263
Acute Reference Dose (ARfD) 62 Aminoácidos 245
Aditivos zootécnicos 506 Am ostras 91
Administração tópica 79 ambientais 91
Aerossóis 16 animal ante mortem 9 1
Aflatoxinas 305, 306, 486 animal post mortem 91
biotransformação 308 coleta 90
características físico-químicas 307 conservação 90
estrutura química 307 transporte 90
536 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Analgésico 111 Bioqu ím ica sérica 78


diagnóstico e tratamento 113 Biotransformação 19, 33
m ecan ism o de ação 112 Bloqueadores de can al de cálcio 103
sin ais clínicos e exam es laboratoriais 112 Boas Práticas de Laboratório (BPL) - Good Laboratory
toxicidade 111 Practice (GLP) 62
toxicocin ética 111 Bombas de infusão 95
Anam n ese 85 Brachiaria decumbens 267
an imais de gran de port e 86 Brom etalin a 222
dados ambientais 86 Broncoespasmo 103
dados da dieta 86
histórico de saúde 86 e
sin ais clínicos 86
Cadeia de custódia 520
Anem ia 107 Cádm io 408, 483
Anfetam ina 154
Calcinogênicos 239
Animais de raças puras 248
Cálcio sérico 424
Animais venenosos 149
Cân cer em pequ enos animais 444
Antídotos 100
Cân cer em pulmão 443
Anti-in flamatórios n ão esteroidais ( AINEs) 114
Cannabis sativa 280
diagnóstico e tratamento 116
Caráter reversível 29
m ecan ism o de ação 114 Carbam atos 180,211, 484
sin ais clínicos e exam es laboratoriais 115
Carcinogen icidade 68
toxicidade 114
Carcinógen os 43 7
toxicocin ética 114
classificação 439
Antineoplásicos 117
Carcinógen os de origem natural 442
Antioxidantes 42
Carcinógen os de origem sintética 442
Antioxidantes não enzim áticos 43
Carcinógen os quím icos associados à dieta 443
Anvisa 165
Carcinoma de células escam osas 442
Aparatos para contenção 95
Cardiotóxicos 236
Apoptose 35
Carvão ativado 99
Aranhas 146
admin istração 99
Arsênio 407
Cascavéis 141
Aspergillus flavus 304
Catárticos à base de óleos vegetais 99
Ateleia glazioviana 264 Cateteres intravenosos 95
Aten dimento das em ergências 94 Caulim (silicato de alum ínio h idratado) 99
Atividade cat alítica 32
Células endoteliais 18
Autofagia 35
Cestrum axillare 262
Avaliação clínica 85
Chrysanthemum 170
Avermectinas 202
Chumbo 31,401,483
Avicidas 207 Cianeto 30, 255
Cianob actérias 387
B
Ciano-hem oglobina 32
Bacharis coridifolia 257 Ciclo de Krebs
Banho com água morna 95 mecanismo de inibição 254
Barreiras hematoencefálica e placentária 18 Citocromo P450 43
Bases de dados 51 Citotoxinas 389
Bases de Schiff 308 Clearance 26
Bases orgân icas 15 Clordim eform 202
Bicarb onato de sódio 143 Cloreto de sódio 429
alcalinização da u rina 143 Cloridrato 208
Bifenis polibrom ados 485 Clorofenóis e din itrofenóis 203
Bifenis policlorados 485 Codex Alimentarius 62, 507, 516
Bioacumulação 164, 40 1 Coleta de am ostras na necropsia 520
Bioensaios in vitro 55 Colicalciferol (vit amina D) 223
Biologia m olecular 20 Com issões de Ética no Uso de Animais (Ceu as) 63
Biomagnificação 164,401 Composição das toxinas na planta 248
• Índice rem issivo 537

Compostos fenólicos 240 E


Compostos imunotóxicos 482
Compostos terp ênicos 23 7, 243 Echinacea purpurea (equinácea) 286
Condensados 242 Ecotoxicologia 493
Condições de exposição 8 Edema cardiogênico 103
Congelamento 90 Efeito placebo 77
Conselh o Nacional de Controle de Experim entação Efeitos das toxinas
Animal (Concea) 63 dietas 248
Contam inação ambiental 493 Efeitos tóxicos das plantas
Contam inação ambiental de produtos 284 classificação 246
Contam inantes 288 Eletrocardiograma 107
Controle antidopagem 528 Elim inação direta 100
Convulsões 102 Elim inação renal 1O1
Cromo 409 Êmese 96
Crotalaria spp. 487 Encefalopatia hepática 107
Cultura de células embrionárias 4 73 Endotoxina 362
Cultura de células e tecidos de não mam íferos 4 74 Enema ou clister 100
Cultura de embrião 4 73 Ensaio do Plaque-fiorming cell (PFC) 490
Cultura de órgãos 473 Ensaios in vitro 55
Cumarínicos e furanocumarinas 239 Enterócitos 15
Enxofre 4 17
D Enzima glutationa peroxidase 42
Equação de Henderson -Hasselbalch 12, 15
Dano ao DNA 440 Equipamentos e materiais 94
Dano às biomoléculas 40 Ergotismo 331
Danos cromossomais 442 ERO 42
Datura suaveolens 279 Escorpiões 145
Derivados mercuriais orgân icos 199 Espécies de Allium 298
Dermatotoxin as 389 Esterase neu rotóxica 185
Descontaminação 98 Esteroides 23 7
Desreguladores endócrinos 195, 451 Estetoscópio 95
Destilados de petróleo 136 Estresse oxidativo 37, 40
Determinação sérica de eletrólitos 107 Estudo de gen otoxicidade 69
Determinação sérica de ureia e creatinina 107 Estudo de toxicidade de curta duração 67
Diagn óstico toxicológico 89 Estudos de campo 80
Diátese hem orrágica 107 Estudos de toxicidade 66
Diminuir a concentração do agente tóxico 95 Estudos de toxicidade 62
banho 95 Estudos pré-clínicos 60
Dimorphandra mollis 264 fundamentos 62
Dinitrobenzenam ínicos 196 Estudos toxicocinéticos 24
Dioxinas 194, 485 Etilenoglicol 135
Diplodiose European Medicines Agency (EMA) 62
prevenção 337 Exam e antidoping 533
Diretrizes VICH 67 Exam e de urina 107
Dispneia grave 186 Exam e físico 78
Diterpênicos 238 Exam e radiográfico 107
Ditiocarbamatos (maneb, zineb, mancozeb) 199 Exam es histopatológicos 78, 87
Diu réticos tiazídicos 103 Exam e toxicológico 85, 518
Doenças transm itidas por roedores 215 Excreção 22
Doping 528 Excreção biliar 23
Doppler ultrassôn ico para avaliação da pressão arterial Excreção pelo leite 23
95 Excreção renal 22
Dosagem sérica de glicose 107 Exotoxinas 354
Dose letal 50% (DL50) 62 Exposição aguda 62
Drogas ilícitas 153 Exposição cutânea 95
538 Toxicologia aplicada à medicina veterinária

Exposição gastrointestinal 96 ponto de vista agronômico 192


,
Exposição inalatória 96 pos-emergentes 192
,
Exposição in útero 454 pre-em ergentes 192
Exposição ocular 96 pré-plantios 192
Exumação 521 Herbicidas triazínicos 197
ex vivo 47 Hidrolisáveis 241
Hidrossolubilidade 18
F Hipertensão 103
Hipertermia 102
FAO (Organização das Nações Un idas para a Alimenta-
ção e a Agricultura) 62 Hipocloritos 133
Hipotensão 103
Fastio 275
Hipotermia 102
Fator de segurança 62
Fatores antinutricionais da soja 339 Hormônios 482
Fatores que alteram a toxicidade 246 Hormônios naturais 451
Hormônios sexuais 450
Fenol e cresol 132
Fertilização 249 Hormônios sintéticos 452
Flavonoides e isoflavonoides 240 Hypericum perforatum (erva-de-são-joão) 286
Fontes de dados 52 I
Formaldeído 132
Formam idinas (amitraz) 201 Imidazólicos (tiaben dazol, benomil) 201
Fosforeto de zinco 2 1O Impacto ambiental 191
Ftalimídicos (captan, captafol) 200 Imunotoxicologia 477
Fumaça do cigarro 443 Indução de êmese 204
Fumonisinas 314 contraindicação 97
Fungos endofíticos 33 1 Indústria farmacêutica 55
Furosem ida 103 Influxo de cálcio 32
Ingestão Diária Aceitável (IDA) 62
G Inibidores da ECA 103
Injeção 79
Glicosídeos 235
Inseticidas 181
Glicosídeos cianogênicos
principais plantas tóxicas brasileiras 235 Inseticidas organoclorados 209
Glicosídicos 234 Instrum ental cirúrgico para dissecção de veias 95
Insuficiência respiratória: hipóxia 102
Glicosímetro 95
Gossipol 339 Interação com enzimas 29
características físico-químicas 340 Interação com medicamentos conven cionais 290
interação entre a erva-de-são-joão (Hypericum perfora-
diagnóstico 341
tum) e m edicamentos conven cionais 292
efeitos na reprodução 34 1
estrutura química 339 Interferentes endócrinos 503
Intern ational Council for Harmon isation of Technical
sinais clínicos 340
Requirements for Pharmaceuticals for Human
Grupo-controle negativo 77
Use (ICH) 62
Grupo-controle positivo 77
Grupo dos catárticos osmóticos 99 Intoxicação 10, 93
analgésicos 111
Guidance document for the establishment of ARJD for
anti-inflamatórios 111
veterinary drug residues in food (JECFA) 67
atendimento médico veterinário de urgência 93
H atividade m igratória das aves 2 11
casos de 93
Hemogasom etria 107 centros urbanos 93
Hepatócitos 15 diagnóstico 85, 93
Hepatotoxinas neurotoxinas 389 evolução do quadro clínico 93
Herbicidas 189, 192 fatores determinantes 349
bipiridílios ou dipiridílios (Paraquat e Diquat) fenômeno estressante 93
192 medicamentos de ação no sistema nervoso
inorgânicos 192 central 11 1
A • • , •

organ1cos smtet1cos 192 prevenção 36


,
• lndice rem issivo 539

sinais clínicos 31 Macadâmia 300


sintomatologia clássica 184 Maconh a 155
tratamento 185 Mathieu Orfila 5
Intoxicação aguda por sal 432 McCord e Fridovich 42
Intoxicação com preparações herbais 284 Mecânica quântica 51
Intoxicação cúprica 413 Mecanismos de transporte celular 12
Intoxicação de aves 212 Medicam entos
Intoxicação de plantas efeitos ecotoxicológicos 500
morte de animais 252 Medicam entos comum ente em pregados em quadros de
Intoxicação pela amônia 347 intoxicação em cães e gatos 120
Intoxicação por anfetaminas 155 Medicam entos veterin ários 500
Intoxicação por Claviceps Paspali 335 Medidas de suporte 102
Intoxicação por enxofre 418 Medidas prelim inares de urgên cia 94
intoxicação por flúor 422 Meia-vida 26, 529
Intoxicação por m etais 400 Mercúrio 404, 483
intoxicação por plantas Metabólitos 33
diagnóstico 253 Metabotrópicos 32
Intoxicação por sódio 43 1 Metais
Intoxicação produzida por algas de água doce 387 efeito tóxico 45
Intoxicações acidentais em aves de vida livre 209 Metais com potencial teratógeno para m amíferos 468
Iodo 134 Metais pesados 289,400, 482
Íon cianeto 32 exposição dos anim ais 400
lonotrópicos 32 Metais tóxicos 31
Ipomoea asarifolia 270 Metilmercúrio 31
Ipomoea carnea 269,486 Métodos in silico 51
lsoenzimas 20 Micotoxicoses em animais
CYP450 20 inespecificidade do quadro clínico 305
Micotoxinas 485
J Micotoxinas e m icotoxicoses 304
Microrganism os 289
Jatropha curcas 277
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Com uni-
L cações (MCTIC) 63
Mcirculante 103
Lactatímetro 95 Modelagem m olecular 51
Lactona sesquiterpên ica 243 Modelos animais 14, 46
Lantana camara 268 Moléculas ionizadas 14
Larrea tridentata (chaparral) 286 Monitor eletrocardiográfico 95
Laudo toxicológico 518 Mortalidade da avifauna 212
Lavagem gástrica Morte celular 28, 34
desvantagens 98 acidental (Acidental Cell Death) 34
vantagens 98 regulada (Regulated Cell Death) 34
Lavagem gástrica 97, 204 Mutagênese 43 7
Lecitina de soja 344
Legislação e guias 76 N
Lei Arouca 63
Leucaena leucocephala 228, 271 Natureza alifática 237
Necropsia 78
Ligação às proteínas plasmáticas 18
Necrose 34, 35
Ligação às proteínas teciduais 18
Neonicotinoides 210, 21 1
Linfócitos NK 483
Nicotiana tabacum 279
Linfomas 478
Nitratos 245
Lipossolubilidade 18
Lowest-observed-adverse-effect-level/lowest-observed-ef- Nitrosam ina 197
Níveis de 0 2 37
fect-level (Loael/Loel) 62
No-observed-adverse-effect-level/no-observed-effect-level
M (Noael/Noel) 63, 68
540 Toxicologia aplicada à med icina veterinária

o afetam o sistema gastroentérico 276


alteração no desempenho 265
Ocratoxinas 323 alterações reprodutivas 272
Organization f or Economic Cooperation and Develop- atuam no sistem a n ervoso central 279
ment (OCDE) 63 causam sintomatologia mais bran da 276
Organoclorados 170, 209, 484 estomatite e glossite 278
absorção, biotransformação, distribuição e morte súbita 248
armazenamento 172 sintomatologia mais grave 276
características 171 Plantas abortivas 273
diagnóstico 173 Plantas cian ogênicas
estrutura química 171 toxicidade crônica 256
fontes de exposição 171 Plantas cian ogênicas 255
mecan ismo de ação tóxica 172 Plantas com ação estrogên ica 272
meio ambiente e biomagn ificação n a cadeia Plantas que causam efeitos teratogên icos 467
alimentar 173 Plantas que causam mortalidade
sin ais de intoxicação 172 exposição crônica 258
tratamento das intoxicações 173 Plantas tóxicas 227,486
Organofluorado (monofluoroacetato) 244 classificação 253
Organofosforados 180, 209, 484 impactos na saúde human a 229
Origem da toxicologia 3 interesse agropecuário 252
Outros compostos presentes na soja 345 morte de an imais de produção 228
Oxalatos solúveis 244 tipos de perdas econômicas 228
Oxigên io m olecular 37 Plantas tóxicas orn am entais 275
Oxigên io no organismo 103 Pneumonia por aspiração do conteúdo gástrico 103
Oxímetro 95 Polineuropatia tardia 185
p Poluição atmosférica 442
Ponto de n ão retorno 32
Padrão ouro 77 Praguicida 163, 164
Palicourea marcgravii 254 Praguicidas 290, 483, 506
Panax ginseng (ginseng) 287 Praguicidas e fumigantes 290
Pancreatite aguda 185 Praguicidas que causam efeitos teratógeno 468
Paracetamol 21 Principais plantas m edicinais em pregadas no Brasil 291
Passagem de agentes tóxicos 19 Principais plantas tóxicas
Peçonh a 138, 140 na criação an imal 247
composição 140 ornamentais 247
Peçonh a da ab elha 32 Princípio dos 3 R's 63
Pentaclorofen ol 196 Processos de biotransformação 19
Peras de b orrach a ou seringas grandes 95 Produtos de uso veterinário
Perigo 8 segurança e eficácia 76
Período fetal 461 Produtos dom issanitários 129
Pinocitose e fagocitose 14 Produtos farmacêuticos 501
Piper methysticum (kava kava) 287 Produtos veterinários 502
Piretrinas 170 Prosops julifora 272
Piretroides 174, 484 Proteínas 245
diagnóstico 177 Proteínas com atividade enzimática 140
fonte de exposição 175 Protocolos de imunotoxicidade 489
mecan ismo de ação tóxica 176 Provas de coagulação 107
meio ambiente 177 Pteridium aquilinum 258, 487
sin ais de intoxicação 176 Pteridófita 258
tratamento das intoxicações 177 Pulm ão
usos 175 absorção de toxicantes 16
Placebo 77
Placenta 18, 464 Q
Placenta endoteliocorial 19 Quinonas 243
Plantas
,
• lndice rem issivo 541

R T
Rabdom iólise 103 Tabaco 5
Radical livre 37 Tan inos 241
Raticidas anticoagulantes 21 O, 217 Tan inos hidrolisáveis 241
Reações de Fenton e de Haber-Weiss 39 Tecidos de estoque de toxicantes 18
Receptores acoplados a enzimas 32 Técnicas de diálise e hem operfusão 1O1
Receptores nucleares 32 Terapia quelante 409
Recipientes para coleta de m aterial 95 Teratógenos 461
Redução un ieletrônica do 0 2 39 Termôm etro 95
Resíduos 23 Teste citogenético para avaliação de danos cromossômi-
Resíduos de produtos veterin ários 506 cos 70
Respostas de toxicidade 247 Teste de efeito farmacológico 73
Resultado dos ensaios Teste de efeitos n a m icrobiota intestinal humana 72
avaliação 71 Teste de imunotoxicidade 73
Ricinus communis 257,277 Teste de neurotoxicidade 73
Riscos de toxicidade de algum as plantas e fitoterápicos Teste de teratogenicidade 4 70
285 Teste de toxicidade 67
Roedores 215 Teste in vivo para danos crom ossômicos 70
características gerais 215 Teste para m utação genética 70
hábitos alim entares 216 Testes Codex Alimentarius 511
raticidas 216 Testes de carcinogenicidade 68
legislação brasileira 216 Testes ecotoxicológicos 496
Rótulo e a bula 164 Testes toxicológicos 522
Ruta graveolens (arruda) 287 Tetrapterys sp. 265
Thiloa glaucocarpa 262
s Tioglicosídeos ou glucosinolatos 236
Tipos de solo 249
Sabões e detergentes 129
Tolerância imunológica 248
Salicilatos 116
Tolerância metabólica 248
diagnóstico e tratam ento 117
Toxicantes 7, 29
m ecan ismo de ação 117
Toxicidade 8
sin ais clínicos e exam es laboratoriais 117
Toxicocinética 11, 181
toxicidade 116
Toxicodinâm ica 11, 28
toxicocin ética 117
Toxicologia 3
Salmonella 368
áreas 6
Saponinas 23 7
ambiental 6
Saúde Ún ica (One Health) 167
Selên io 425, 427 de alimentos 6
Senna occidentalis 266, 487 m edicamentosa 6
ocupacion al 6
Sensibilidade abdom inal 185
social 6
Seringas de vários tam anhos e agulhas h ip odérmicas 95
fitoterápicos 283
Serpentes 139
h istória 3
Sesquiterpenos 243
m edicina chinesa 3
Sessea braziliensis 262
plantas m edicinais 283
Sinitox 168
Toxicologia ambiental 493
Softwares 51
Toxicologia da reprodu ção 449
Solanum fastigiatum 270
Toxicologia do desenvolvimento 459
Solanum malacoxylon 265
Toxicologia dos m edicamentos 109
Son das endotraqueais 94
Toxicologia dos raticidas 215
Son das gástricas 94
Toxicologia forense 518
Son das uretrais 95
toxicologia in sílica 50, 52
Substância genotóxica 439
Toxicose 10
Substâncias adsorventes 204
Toxicoses m edicam entosas e sistemas orgânicos acome-
Sulfato de tálio 22 1
tidos 120
542 Toxicologia aplicada à med icina vet erinária

Toxinas 228 Tremores musculares 104


Estrutura geral 393 Tricotecenos 321,486
Toxinas 8 Trifluralina 197
bacterianas 8 Trigonella foenum -graecum (feno grego) 288
fitotoxinas 8 Triterpenos 244
micotoxinas 8 Tumores
peçonh a 8 impacto da alimentação 443
Toxinas bacterianas 353 ingestão de Pteridium aquilinum 443
Toxinas b acterianas em medicina veterinária 355
Toxinas da soja 343 u
Toxinas do algodão 339
Ureia na dieta 349
Toxinas do tipo I 358
Urgências toxicológicas 93
Toxinas do tipo II 360 Urinálise 78
Toxinas do tipo III 360 Uso de animais
Toxinas naturais 230
questão ética 59
Toxinas produzidas por Actinobacillus 383 Uso de animais
Toxinas produzidas por Aeromonas 382 em pesquisa científica 63
Toxinas produzidas por Bacillus 378
estudos de toxicidade 63
Toxinas produzidas por Bacillus anthracis 378
Uso de herbicidas 249
Toxinas produzidas por Bacillus cereus 379 Uso de plantas medicinais em medicina veterinária 285
Toxinas produzidas por Bordetella 384
Usos de fitoterápicos 285
Toxinas produzidas por Brachyspira 384
Uvas e passas 300
Toxinas produzidas por Campylobacter 381
Toxinas produzidas por Clostridium perfringens 374 V
Toxinas produzidas por Clostridium septicum 378
Toxinas produzidas por Corynebacterium pseudotuber- Van ádio 409
culosis 383 Ven eno 138
Toxinas produzidas por Haemophilus 384 Via intrínseca 35
Toxinas produzidas por Leptospira 384 VICH (International Cooperation on Harmonisation of
Toxinas produzidas por Listeria 382 Technical Requirements for Registration of
Toxinas produzidas por m icrorgan ismos 364 Veterinary Medicinal Products) 63
Toxinas produzidas por Moraxella 383 Vírus da leucem ia felina 442
Toxinas produzidas por Pasteurella e Mannheimia 380 Vírus da papilom atose b ovina 442
Toxinas produzidas por Plesiomonas 383 Volume de distribu ição 17
Toxinas produzidas por Proteus 384 Volume de líquido 17
Toxinas produzidas por Pseudomonas 381
Toxinas produzidas por Staphylococcus 379
w
Toxinas produzidas por Streptococcus 382 William Russel 55
Toxinas produzidas por Trueperella pyogenes 383
Toxicologia X
conceito 7
Xenobióticos 7, 478
Transferência de massa 495
Xilitol 301
Transporte mediado por carreador 13
difusão facilitada 13
transporte ativo 13
z
transporte passivo 12 Zearalenona 319
Tratamento com atropin a 29 Zootoxinas 138
Tratamento geral das intoxicações 204

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