HENRIQUE VIII PART|C|PAçAO CONTRARREFORMA

Fim dos lacos

5 FEMININA A reação violenta
reilgtosos para Mulheres que defenderam e o surgimento da
autonomia política o Protestantismo lnquisição
,
I NDICE
6 PRIMORDIOS
O desenvolvimento da lgreja Católica e
os primeiros teóricos contrários às
práticas religiosas
11 NA ÉpOCn
A Reforma Protestante só foi possível
devido às mudanças sociais que
abalaram as estruturas existentes
14 PRINCIPAL PREGADOR
A vida e as ideias do monge excomungado
por contrariar a instituição religiosa
17 AS TESES
0 que Martinho Lutero questionou em
seus escritos sobre as indulgências?
20 REFORMA ANGLICANA
Henrique Vlll, rei da lnglaterra, rompeu com o
Catolicismo e centralizou seu reinado
22 EVOLUçÃO
Posteriormente, d iferentes vertentes
surgiram. Conheça mais sobre elas
25 REAçÃO On TGREJA
A Contrarreforma aplicou medidas violentas
para conter o avanço do Protestantismo
28 MITOS E VERDADES
Descubra o que é real (ou não) sobre a
história da Reforma Protestante
30 REFLEXOS
0s ensinamentos de Lutero inspiraram
personalidades e reverberam até hoje
32 PARTTCTPAçAO FEMTNTNA
A história de Catarina von Bora e outras
mulheres que apoiaram o movimento
34 CULTURA
Obras de arte que abordam o tema a
partir de diferentes perspectivas
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CAPA
PRODUÇÃO GRÁFICA
ANA PAULA I\IALDONADO
E OTÁVIO I\1ATÌIAZZO NETO

IIVIAGEM
FINE ART PHOTOGRAPHìC/
GFTTY IMAGES

evolu
hegando ao terri-
tório de Cesareia
de Filipe, |esus
perguntou a seus
discípulos: 'No di-
zer do povo, quem é o Filho do Homem?'
Responderam: 'Uns dizem que é |oão
Batista; outros, Elias; outros, |eremias
ou um dos profetasi Disse-lhes |esus: 'E
vós quem dizeis que eu sou?lSimão Pe-
dro respondeu: 'Tu és o Cristo, o Filho
de Deus úvoll Jesus então lhe disse: 'Fe-
liz és, Simão, filho de fonas, porque não
foi a carne nem o sangue que te revelou
isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu
te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pe-
dra edificarei a minha Igreja; as portas
do inferno não prevalecerão contra ela.
Eu te darei as chaves do Reino dos céus:
tudo o que ligares naterra seráligado nos
céus, e tudo o que desligares na terra será
desligado nos céus"l E assim, segundo o
Evangelho de Mateus, fez Pedro - apesar
de ter negado conhecer Cristo três vezes
e, posteriormente, no episódio daressur-
reição, ser perdoado.
6 I MOMENÍ)S DA HISToRIA REFoRMA PRoTESTANÌE
Uma religião creseente
De acordo com a história bíblica, Pedro
foi um dospilares do Cristianismo epre-
gou na região de |erusalém e Anüoquia
(atual Türquia). Por meio dos apóstolos
edos primeiros cristãos, a religião se es-
palhou pelo Oriente Médio e se expan-
diu durante toda a Idade Média.
É de conhecimento histórico que, por
não aceitarem o imperador romano
como um ser divino e acreditarem
apenas em fesus, alguns cristãos foram
perseguidos em pequenos períodos da
História. Apesar da ameaça, muitos se
converteram buscando a vida eterna
prometida. Assim, aos poucos, a Igreja
organizou seu clero, formou sua hierar-
quia de bispos e começou a influenciar
províncias, principalmente as locali-
zadas em áreas rurais, pois algumas
funções dos sacerdotes eram cuidar
de doentes e pobres que encontravam.
Constantino foi o imperador romano
responsável por legitimar o Cristianis-
mo, mas sem torná-lo a religião oficial,
apesar de ter financiado a instituição,
x
AO
construído basílicas, concedido pri-
vilégios para o clero e isentar algreja
de impostos. fá seu filho - fuliano, o
Apóstata -, reabriu os templos pagãos,
mas, depois da disputa entre fiéis, fez
com que as práticas se tornassem se-
melhantes às tradiçoes cristãs, pro-
movendo condutas como a caridade
e adotando uma estrutura hierárquica.
Entre 692 e 1303. a Igreja se expan-
diu entre os germânicos e eslavos, in-
fluenciando eventos sociais, culturais
e políticos, mas diversos acontecimen-
tos marcaram seu desenvolvimento e
provocaram rompimentos.
"O surgimento da lgreja Ortodoxa
Oriental, a partir do cisma ocorrido
em 1054, se deu por questões como
o uso de imagens, que não eram acei-
tas pelos orientais, a questão das duas
naturezas de Cristo e como se relacio-
nam, o celibato dos sacerdotes, que
não é requerido como obrigatório
pelos orientais. No entanto, as dis-
putas entre as duas grandes cidades
do Império Romano, Roma e Cons-
 Diferente do que muitas
pessoas imaginam, antes de
Lutero, outros teóricos criticaram
as práticas religiosas

TEXTo E PEseursA Éntcn ncutnn

ENTREVTSTA ÉRtrn Rlrnno
DESIGN ANA PAULA MALDONADO

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tantinopla, foi fundamental para que

ocorresse a divisão. A separação dos
protestantes no século XVI também
tem questões teológicas, como a cen-
tralidade da Bíblia em detrimento do
magistério clerical e da tradição, a sal-
vação apenas pela graça de Deus sem
o concurso humano com boas obras,
a não aceitação do poder do Papa so-
bre toda a cristandade. Porém, há de
se lembrar que nessa época se firma-
rram os chamados'Estados Nacionaisl
que enfatizavam o poder centraliza-
do sobre uma nação, se afastando das
divisões feudais e de senhores locais.
Esse Estado, maior e mais poderoso,
política e economicamente, tinha tam-
bém poder para enfrentar o papado
e lutar contra as remessas de verbas
para o Vaticano. Além do mais, havia
a disputa entre esses Estados e o Sa-
cro Império, reminiscência do antigo
Império Romano, que era um baluarte
na defesa de Roma'l explica Silas Luiz
de Souza, historiador e especialista em
ciências da religião.
I

7
>
--
Tempos medievais
fá na Idade Média, os senhores feu-
dais tinham influência sobre bispados.
Ainda foi nessa época em que surgi-
ram as primeiras universidades e or-
dens religiosas, como é o caso de São
Francisco de Assis, São Domingos de
Gusmão e outras.
Após esse período, com a expansão do
Islamismo, üeram as Cruzadas e a ten-
tativa de conquista das terras sagradas.
Aos soldados e homens comuns, o papa
prometia graças especiais, o perdão dos
pecados e a üda eterna. Porém, quem
conquistasse o território também pode-
ria usufruir das riquezas obtidas. Era a
busca pela propriedade, pela expansão
do comércio e pelo perdão divino.
Entre 1095 eI2gl,oito cruzadas oficiais
foram organizadas por países europeus.
Entretanto, novas yertentes religiosas
ganharam força e cientistas/teóricos
começaram a questionar os dizeres bí-
blicos, as pregações religiosas e os inte-
resses morais e econômicos da Igreja.
Diferente do que havia ocorrido séculos
antes, eram os católicos que perseguiam
quem divergia de suas ideias.
Gruzada Albigense
O episódio que dá nome a esse subtítulo
éüsto como um dos mais repressores
de que se tem registro histórico. Esta
cruzada ocorreu na França no século
XII, com o objetivo de perseguir o mo-
vimento cristão do Catarismo etambém
os valdenses, grupo liderado pelo rico
comerciante Pedro Valdo, que havia des-
feito de boa parte de seus bens, pregado
o desapego material pelo território fran-
cês e atraído muitos desfavorecidos eco-
nomicamente deüdo ao seu discurso.
Os dizeres de Valdo - que, posterior-
mente, influenciaram Martinho Lute-
ro - começaram a incomodar a Igreja
apartir do momento em que passou a
questionar o poder dos clérigos, que,
à época, julgavam quem deveria ser
subordinado a Deus ou não, quem
merecia a salvação divina. Por isso, as
confissões passaram a ser praticadas
pelos próprios valdenses, pois acre-
ditavam que os padres agiam mais
preocupados com a riqteza material.
Assim, o papa Inocêncio III organizou
uma cruzada contra os albigenses, os
"hereges" da região de Albi, na França.
E adiúnhe só: quem lutasse conquis-
taria o perdão dos pecados e um lugar
no Paraíso. Dessa maneira, senhores
feudais, nobres e camponeses se orga-
nizaram para um massacre sangrento,
que deixou milhares de mortos.
Mas se engana quem imagina que Pe-
dro Valdo era o único a questionar o
poder da Igreja Católica ou seus ideais.
O Catarismo, por exemplo, concebia a
ideia de dois deuses: um bom e outro
mau, indo contra algreja monoteísta.
Valdo, por suâvez, havia se convertido
após ouvir sobre a vida de Santo Aleixo
e notado que deveria vender tudo o que
tinha, doar aos pobres e, assim, encon-
trar um espaço no céu. "Impressionado
pela vida do santo e pelas palavras do
mestre em teologia, a primeira reação
de Valdo teria sido dispor-se dos bens,
vendendo o que adquirira com usura e
passar aviver de esmolas", escreve Lau-
ra Maria Silva Thomé na monografia
As Heresias e Seus Reflexos Sociais: Pe-
dro Valdo e Os Valdenses (1160-1250).
Por isso, um de seus atos mais notáveis
foi procurar um tradutor que flzesse
uma versão dos evangelhos em lingua-
gem provençal. Estudando essas obras,
desenvolveu a vontade de levar a vida
como pregador e na pobreza. Isso atraiu
uma pequena comunidade, que com-
partilhava tudo o que possuía e cami-
nhava, de dois em dois, parapregaï apa-
lavra diüna segundo sua interpretação.
lâ emII79, Pedro se apresentou no III
Concílio de Latrão para a assembleia e o
papaAlexandre III. O evento havia sido
convocado, segundo Thomé, para"aca-
bar com os restos do cisma, combater as
heresias albigense e valdense, e restabe-
lecer a disciplina eclesiástica que muito
sofrera com o longo cisma'l Os valden-
ses propunham que algreja retornasse
a sua simplicidade e ao culto sem luxo.
MoMENTos ol rrstónn REFoRMA PRoTESTANTE | 9
 Porém, não conquistaram a autoriza-
ção papal parapregr e, descumprindo
o tratado, voltaram a evangelizar, pro,
vocando reações úolentas também na
Itiília, Alemanha e países üzinhos.
'A Cruzada contra os albigenses divi-
diu a nobreza, pois tendo sido convo-
cada após o assassinato de pedro de
Castelnau, legado papal, em 1208, do
qual teria sido mandante o conde de
Toulouse, Raimundo IV que apoiava
os hereges, não teve aceita a convoca-
ção pelo Rei da França, nem por seus
pares, ficando sua execução a cargo dos
pequenos senhores. Esses agem com
grande violência, matando velhos,
mulheres e crianças, o que provoca a
reação do povo do Languedoc. Essas
coisas se estendem até a intervenção de
Luis VIII da França em7226,cessando
completamente somente com o tratado
de Paris em 1229", relata a autora.
Gontrários
Além de Pedro Valdo, outro nome
reformador de destaque foi o inglês
iohn Wycliffe. Ele estudou teologia,
filosofia e legislação canônica na Uni-
versidade de Oxford, e também era
conhecido por ser um defensor dos
interesses nacionais contra as imposi-
ções do papa, além, claro, de apontar
diferenças entre as normas da Igreja e
os ensinamentos originais de Cristo.
Para ele, o Estado deveriapossuirtodas as
propriedades do clero e ser o responsável
pelo seu sustento financeiro, tornando o
rei superior ao papa. Wycliffe ainda cri,
ticava a venda de indulgências e a vida
luxuosa levada por padres e bispos.
Como era de se esperar, suas ideias se
espalharam pelas igrejas londrinas e fi-
zeram sucesso entre os nobres. E, assim
como com os valdenses, foi censura-
do em 1377, quando foi intimado a se
apresentar ao bispo de Londres, episó-
o
z.
o dio em que foi acusado de blasÍêmia e
heresia. Inclusive uma bula havia sido
o
O dos das escrituras devido
expedida pelo papa Gregório XI contra
ê
U o teólogo, porém, por ter apoio na corte
e no parlamento, sequer teve efeito.
= A maior consequência dos escritos de
=
10 I MOMENïOS On UtStónte REFoR|\,4A PROTESTANTE
Wycliffe foi seu livro De officio regis,
que influenciou a reforma da lgreja,na
Inglaterra, sob o governo de Henrique
VIII, tornando a instituição religiosa
subordinada ao Estado. Mesmo assim,
posteriormente, foi declarado herético
em meados de 1415 e teve seus escritos
queimados. Porém, seu legado impac-
tou o tcheco ]an Huss, que fazia forte
oposição à venda de indulgências, à
acumulação de riqueza da Igreja e à
restrição da comunhâo somente aos
membros eclesiásticos.
Apesar de vir de uma família humilde
da Boêmia, onde hoje fica a República
Tcheca, formou-se professor de teolo-
gia em 1398 na Universidade de praga,
tornando-se padre em 1400. Ele era
um estudioso das doutrinas de Wy-
cliffe e pregava a ideia de uma Igreja
pobre, bem como da Bíblia como o
caminho de orientação a ser seguido.
Suas ideias sensibilizaram os nobres
tchecos, pois grande parte das terras
pertenciam aos alemães, assim, as pre-
gações eram uma forma de enfrentar
os germânicos. Devido a esse posi-
cionamento, foi eleito como reitor da
/-\
t*
Universidade de Praga em 1409. Tão
logo, a Igreja Católica passou a criti-
cá-lo e banir as cerimônias religiosas
na cidade enquanto fan estivesse ali.
Em 1414, foi convocado para o Con-
cílio de Constança, que tinha como
objetivo julgar casos de heresia, cujo
crime Huss foi acusado. Apesar de
possuir um salvo-conduto do rei Se-
gismundo de Luxemburgo parâ que
pudesse defender seus ideais, foi preso
por cerca de 70 dias até o seu julga-
mento. Na ocasião, pïopuseram que
renegasse suas ideias, mas ele resistiu.
Assim, no dia 6 de julho de 1415, foi
condenado à morte na fogueira.
Apesar da reação violenta da Igreja Ca-
tólica contraesses reformadores, eles
foram capazes de influenciar Martinho
Lutero anos depois, cujo grande legado
foi dar início
à Reforma Protestante.
CONSUTTORIA
Silas Luiz de Souza, historiador e especialista em
cjências da religião
FONTE
MonogÌafia Ás Heresias e Seus Reflexos Socialsj pedro
Valdo e Os Valdenses (7760-7250), da historiadora Laura
l\4aria Silva Thomé;
BÍblia, l\4ateus (16:13-19).
Popular
John Wycliffe defendia a
ideia de que a Bíblia deve-
ria ser um item pertencente
a todos os cristãos e dispo-
nÍvel na lÍngua nativa dos
povos. Assim, iniciou uma
tradução do livro sagrado
para o inglês, traduzindo o
Novo Testamento, enquanto
seu amigo, Nicholas de He-
reford, se dedicou ao Antigo.
Em 1388, a população teve
acesso à Bíblia neste idio-
ma. Mesmo assim, os mais
pobres continuaram afasta-
aos altos custos para pro-
dução e pela maioria ainda
ser analfabeta.
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A Reforma Protestante confrontou não só a hegemonia religiosa da lgreja

Católica: a sociedade medieval também estava prestes a passar por mudanças
TEXTO E ENTREVISTAS KARINA ALONSO/COLABORADORA I DESIGN ANA PAULA MALDONADO
 eudos, reinos, nobr eza, campone-
ses e cavaleiros: assim era a socie-
dade no início do século XV. Os
dez séculos da Baixa ldade Média
foram caractettzados pela eco-
nomia rural, o enfraquecimento das práticas
comerciais e pelo grande poder da Igreja Ca-
tólica, além do sistema de produção feudal e da
sociedade dividida em hierarquias. O ambiente
europeu era um prelúdio de que a Idade Média
estava prestes a chegar ao fim.
Economia e submissão
No feudalismo, "predominava uma rígida
hierarquia social baseada em vínculos de de-
pendência", conta Esdras Cordeiro Chavante,
doutorando em História pela universidade Esta-
dual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP).
Os feudos, dados por reis ou outros nobres, eram
aprincipal fonte de riqueza e prestígio social, e
deveriam ser administrados e protegidos pelo
senhor feudal. Cabiam aos senhores feudais ad,
ministrálos e protegêJos, além de dividi-los en-
tre outros nobres, para estabelecer as relações de
suserania, com quem cedia a terra, e vassalagem,
entre os que recebiam o terreno.
De acordo com Esdras, quem trabalhaya den-
tro dessas cidades muradas era chamado de servo
e estava ligado à terra por diversos compromissos
e obrigações, devendo produzir, para si e para o
senhor feudal, e pagar tributos e taxas. Esta estru-
tura, porém, entrou em crise no final do século
XV com o aparecimento de "uma conjugação de
fatores que desestruturou a sociedade europeia,
dentre eles a peste negra e conflitos entre grupos
dominantes e a população em geral", explica. O
aumento das despesas era inversamente propor-
cional aos ganhos da nobreza, que aumentou os
tributos para compensar o ônus.
Uma nova classe social
Segundo Sérgio Luiz Martins, professor de
História do Colégio Marista Arquidiocesano
de São Paulo, na sociedade medieval, as classes
estavam, de alguma forma, envolvidas com o
12 MoMENTos DA HrsróRlA REFoR|\4A PRoTESTANTE
clero. A mudança começa com o surgimento
da burguesia: nova classe social formada por
comerciantes que viviam nas cidades, chama-
das burgos. Por não se encaixarem no modelo
social da época e com o contexto da ampliação
do comércio, manifestam-se novas demandas.
Paralelamente, a burguesia começou a criti-
car à Igreja Católica, principalmente em relação
à condenação do lucro excessivo e a defesa do
preço justo para as transações comerciais. "Os
comerciantes se sentiam inibidos para extrair
a máxima lucratividade nos negócios, pois vi,
viam ameaçados com a pregaçáo do inferno",
explica Luciano Gomes dos Santos, professor
de Antropologia, Cultura Religiosa e SocioÌogia
da Faculdade Padre Arnaldo ]anssen. Por isso,
surge a necessidade de desenvolvervalores reli-
giosos que se adequassem à expansão comercial
eà transição do feudalismo para o capitalismo.
Fim do monopólio
criou a prensa de tipos móveis e facilitou a im-
pressão de livros que, ate então, era uma ativida-
de restrita à Igreja. Sérgio explica que a Bíblia foi
o primeiro livro impresso e, com o aumento da
publicação de outros títulos, houve maior necessi-
dade de aprofundamento de estudos, o que resul-
tou no surgimento de escolas e universidades. A
criação de novas instituições de ensino promoveu
o fim de um monopólio que aindaficavarestrito à
Igreja. Sendo assim, foi possível iniciar a dissemi-
nação de conhecimentos diferentes dos religiosos.
Foi esse contexto que proporcionou movi-
mentos como o Humanismo e o Renascimento
Cultural, conhecidos por criticarem a insti-
tuição católica. De acordo com o professor de
Antropologia, antes era impossível contrariar o
pensamento institucional do clero. A partir de
então, foram difundidos ideais como a noção do
indivíduo, o pensamento especulativo e a repre-
sentação da realidade humana na arte. "Essas
novas ideias impulsionaram a Reforma Protes-
tante na liberdade da interpretação bíblica e de
uma Igreja livre da hierarquia clerical", explica.
 Em busca da salvação
No final da Baixa Idade Média, parte da Eu-
ropa estava em um cenário de destruição pós
guerras, fome e peste negra, o que aumentou o
medo da população. De acordo com Esdras, as
pessoas buscaram respostas na vida religiosa e
espiritual, como a salvação da alma e o conso-
lo diante de tantas tragédias. "Paraalcançar a
salvação, os fiéis deveriam cumprir e praticar
ritos, ordenanças e sacramentos cada vez mais
complexos e mecânicos", explica.
Aqueles que buscaram abrigo na Igreja co-
meçaram a criticar seu foco nas questões po-
líticas e econômicas e a preocupaçào com o
poder, enquanto a assistência espiritual, princi-
palmente dos mais pobres, era deixada de lado.
Outro ponto de discordância era o luxo e a ex-
travagância dos membros do clero, enquanto a
realidade da sociedade beirava à miséria.
U)
zo
o interferências da Igreja. Esta interferência dimi-
C)
ô nuiu com o surgimento de ideais nacionalistas
U
= suía língua, cultura e características próprias.
=
Descentralização
dentro da lgreia
No início do século XV, existiam três papas
rivais dentro da lgreja Católica, em três ci-
dades diferentes: Roma, Avinhão e Pisa.
Durante o chamado "Grande Cisma", cada
papa se considerava legítimo e excomungou
os outros dois rivais.
Enlre 1,41,4 e 1417, João XXlll, o segun-
do papa de Pisa, convocou o Concílio de
Constança, que resultou na deposição dos
outros papas e na eleição de Martinho V
como único no cargo, além de decretar a
supremacia dos concílios e a condenação
de pré-reformadores como John Wycliffe,
Jan Huss e Jerônimo de Praga.
Entre a religião e a política
O contexto político da Baixa Idade Média era
definido pela relação de suserania e vassalagem.
Apesar de o poder ser centralizado, havia uma
relação de fidelidade pelo contrato entre senho-
res feudais e vassalos. Cabia ao suserano dar o
pedaço de terra, proteger militarmente e prestar
assistência política, enquanto o "funcionário"
deveria prestar serviço militar e comparecer ao
tribunal presidido por seu chefe.
Segundo Luciano, o contexto político da
época "era marcado pela influência da Igreja
Católica com sede em Roma, que utilizava o
latim como língua oficial e interferia nos reinos
estrangeiros com seus ensinamentos religiosos
e morais". Sendo assim, havia a ideia de uma
instituição universal que defendia a unidade
do mundo cristão.
Aos poucos, foram surgindo os Estados CONSULTORIAS
Esdras Coldeiro Chavante,
modernos que, segundo Esdras, buscavam a doutorando em História
consolidação da soberania dos reinos, concen- pêlâ Universidade Estadual
Paulista Júlio de l\4esquìta Filho
trando o poder nas mãos do rei em detrimento (UNESP);
Luciano Gomes dos Santos,
dos poderes locais dos senhores feudais e das professor de Antropologia,
Cultura Religiosa e Sociologia
da Facuìdade Padre Arnaldo
Janssen de Belo Horizonte:
dentro dos novos Estados porque cada um pos- Sérgio Luiz MaÍtins, professor
de História do Colégio N4arista
Arquidiocesano de São Paulo.
MoMENTos DA HISTóRIA REFORI\IA PROTESTANTE I 13

o
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indo além, escrevendo os grandes
tados da Reforma: A liberdade do Cris-
tão, O Cativeiro Babilônico da Igreja
de Roma e À Nobreza Cristã da Nação
Alemã -, Lutero foi excomungado.
Apesar de a Igreja Católica perma-
necer como doutrina dominante na
Europa, ela encontrava em territórios
que possuíam maiores conflitos inter-
nos e fragmentação - a exemplo do
germânico - um espaço para novas
ideias. Ao encontrarem no Protestan-
tismo uma forma de abolir o clero da
ordem política e social, alguns mem-
bros da rcaleza europeia passaram a
acompanhar de perto o movimento
reformista, até mesmo se apoderan-
do dessa mensagem religiosa de li-
bertação. Com a ajuda da imprensa
desenvolvida por Gutenberg, Lutero
propagou sua doutrina de separação
do Catolicismo.
t6 I MoMENToS DA HtsróRtA REFoRMA PRoTESTANTE
tra- Elr'l92l, uma assembleia realizada na
cidade de Worms buscou novamente
a retratação do ex-monge, que voltou
a recusar, afirmando que apenas iria
se retratar se proYassem a ele seus
erros por meio dos dizeres da Bíblia.
Dessa forma, foi banido do Sacro Im-
pério Romano-Germânico. Exilado
no Castelo de Wartburgo, sob prote-
ção do príncipe Frederico III, fez sua
mais célebre tradução da Bíblia para
o alemão. Enquanto isso, conventos e
monastérios da região passaram por
certo esvaziamento, muitos daqueles
que deixaram a vida sacerdotal Cató-
lica se tornaram seguidores de Lutero.
Regresso e fim
Por mais que a ideia de libertação da Igre-
ja Católica tenha se espalhado pelo nor-
te da Europa, Lutero notou concepções
mais radicais começando a sobressair. Ele
l'
então decidiu retornar aWittenberg e co-
meçar a pregar suas ideias, por meio dos
S erm o a d e Inv o c av it. Também organizou
um formato de confissão baseado na mis-
sa e comunhão. Enquanto desenvolüa
os aspectos de sua igreja, participou de
fugas de freiras e padres, sendo a mais
marcante a do Convento de Nimbschen,
em 1523, onde conheceu Catarina von
Bora, com a qual casou dois anos depois.
O matrimônio de Martinho com Catari-
na representou o mais profundo aspec-
to do rompimento com o Catolicismo,
permitindo que outros padres e freiras
adeptos da Reforma Protestante se casas-
sem. Da união com von Bora, úeram seis
filhos: |ohannes, Elisabeth, Magdalena,
Martin, Paul e Margaretha. Foi cercado
por eles, por seus discípulos e adoradores,
que Lutero moÍïeu, em 18 de fevereiro de
1546, sendo sepultado na emblemática
igreja do Castelo de Wittenberg.
 O que
Descubra qual
era o conteúdo
e as principais
ideias expostas
dizia
pelo monge
agostiniano em
suas 95 Teses Lutero?

FONTE
LivÌeto Ás 95 Teses de Martinho
Lutero: Controvérsia em torno
da questão das lndulgências,
organÌzaÇão, tradução e
introdução de Dimas de
Almeida.
18 | MoMENToS DA HtsróRlA REFoRMA PRoTESTANTE
dia 31 de outubro de l5l7 é
usualmente lembrado pela
publicaçáo das 95 Teses pre-
gadas por Martinho Lutero
na porta da Igreja do Castelo
de Wittenberg na Alemanha. No entanto, da-
dos históricos revelam que o intuito do monge
agostiniano não era dividir os religiosos, mas
iniciar um debate sobre a cobrança de indul-
gências e os rumos da Igreja Católica (hie-
rarquizaçâo e democratização das escrituras)
- e é justamente isso que seus escritos mais
famosos abordam!
Posição contÍáÍia
Lutero era receoso quanto à possibilida-
de de que as indulgências pudessem retirar
o carâter sincero da penitência e do perdão.
"Um tal receio aumentou quando, precisa-
mente nesse ano de 15L7, substituiu o pároco
de Wittenberg: nessa sua tarefa constatava, na
prâtica do ofício da confissão, o modo com
os penitentes - pouco motivados a fazerem
sinceramente penitência - se apresentavam no
confessionário, munidos de uma indulgência
que tinham comprado em Jüterborg, próxi-
mo de Wittenberg, onde o dominicano Tetzel,
subcomissionário na venda das indulgências,
opeïaya", revela o texto do livreto As 95 Teses
de Martinho Lutero: Controvérsia em torno da
questão das Indulgências.
O monge desejava que os cristãos alcanças-
sem o verdadeiro arrependimento, pensando
não ser possível substitui-lo pelo pagamento
das indulgências, pois, assim, seriam vítimas
de uma falsa segurança sobre seu futuro.
As teses
Lutero iniciou seu texto fazendo referência a
uma passagem do Evangelho de Mateus: "Desde
então começou |esus a pregar e a dizer: Arrepen-
dei-vos porque é chegado o reino dos céus" (4:17).
Assim, explica que Cristo desejou que toda avida
dos fiéis fosse sinônimo de penitência, mas não
a sacramental a partir da confissão e satisfação.
Para o monge, tratava-se algo interno, do próprio
conflito do cristão com o pecado.
. Da quinta a sétima tese, ele destaca que o
papa só poderia libertar as pessoas de puniçóes
criadas por ele mesmo ou pelos cânones, e não
da real culpa do pecado. Além disso, somente
deveriam ser atribuídas aos vivos e destaca: "De
um modo ignorante e injusto agem os sacerdo-
tes que aos moribundos aplicam penitências
canônicas tendo em vista o purgatório"'
Nas teses seguintes, escreveu sobre a con-
cepção que os cristãos têm de céu, inferno e
purgatório. Para ele, não foi provado por ne-
nhuma razáo ou escritura que as almas dos
falecidos estavam seguras após o pagamento
da indulgência. Por isso, considerava que a
maior parte da população era enganada com
a promessa da remissão total. Somente Deus
teria poder para perdoá-los.
'A todo e qualquer cristão verdadeiro é con-
cedido, como dom de Deus, o participar em
todos os benefícios de Cristo e da Igreja, mesmo
sem cartas de indulgências". Assim, não seria
necessário pagar umvalor monetário para ad-
quirir o que era ofertado pelas divindades.
Iá na metade do texto, alertou para que exis-
tisse prudência na pregação de indulgências
apostólicas. Isso porque, em sua opinião, o
hábito faria com que povo pensasse que elas
seriam preferíveis às outras obras de caridade,
tornando o arrependimento mais difícil.
Posteriormente, abordou o papel do papa,
afirmando que, se o sumo sacerdote conhe-
cesse o que foi pregado em seu nome, "prefe-
riria a basílica de S. Pedro reduzida a cinzas a
vê-la edificada com a pele, a carne e os ossos
das suas ovelhas". E reforça a ideia de que o
verdadeiro tesouro da igreja é o Evangelho.
Lutero finalizou seu texto dizendo que era pre-
ciso estimular os cristãos a empenharem-se no
discipulado de Cristo e a alimentar a confiança
deentrar no céu "mais por nurnerosas tribulações
do que por uma ilusória segurânça dapaz".
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MoMENToS DA HIsTóRn REFORMA PROTESIANIÊ I 19

Saiba mais
sobre a
dinastia Tudor
e seu legado
re lgrao
e polítrca
com a Reforma
Anglicana
contexto das reformas religio-
sas foi repleto de problemas
econômicos, sociais e políticos,
e não faltaram motivos para
surgirem disputas de poder en-
tre monarcas ea lgreja Católica. Henrique VIII,
rei da Inglaterra, foi responsável por uma das
principais rupturas com o Catolicismo e apro-
veitou o momento para centralizar seu reinado.
Uma nova dinastia
Inglaterra, final do século XV. Para colocar
fim na Guerra das Duas Rosas e na disputa
pelo trono inglês, Henrique VII, da Casa Lan-
caster, casa-se com Isabel de York e formam a
Casa Tudor. A1guns meses depois, nasce Ar-
tur, primogênito do casal.
Ainda na infância, o Príncipe de Gales teve
o casamento planejado com Catarina de Ara-
gão, princesa da Espanha, para fortalecer o
20 I MOMENToS DA HISTÓRÁ REFoRMA PRoTESÏANIE
o Ox
poder de sua família e a aliança anglo-espa-
nhola contra a França. A união foi celebrada
em 1501, mas não foi consumada porque Ca-
tarina ficou viúva meses depois.
Coube então ao sucessor do trono, Henri-
que VIII, consolidar o poder de sua dinastia.
Alegando que o casamento do irmão não tinha
sido consumado, o novo rei conseguiu aapro-
vação da Igreja Católica para se casar com a
princesa espanhola.
Questão dinástica
O primogênito de Henrique nasceu em
1511, mas morreu logo depois. Catarina pas-
sou por outras gestações, mas apenas a filha
Maria sobreviveu à infância. Henrique, po-
rém, precisava ter um filho homem para evitar
que o poder inglês passasse para as mãos de
Carlos V então rei da Espanha, Imperador do
Sacro Império e sobrinho de Catarina.
 TEXTO E ENTREVTSTAS KARTNA ALONSO/COLABORADORA I DESTGN ANA PAULA N4ALDONADO
Ao ver seu poder ameaçado, o rei acusou
sua esposa de negar-lhe o desejo de ter um fi-
lho homem e passou a ter um relacionamento
extraconjugal com a dama de companhia de
Catarina, Ana Bolena. Outra medida foi pedir
para que o papa Clemente VII anulasse seu
casamento, alegando que a rainha poderia ter
consumado seu casamento anterior.
O papa, porém, encontrava-se em uma
situação difícil: se aceitasse a anulação, sig-
nificaria virar as costas para a Espanha, que
estava auxiliando a Igreja contra os avanços de
Lutero no Sacro Império Romano-Germânico.
Diante do dilema, Clemente VII optou por
negar o pedido do rei inglês
Dupla motivação
Inglaterra e Roma já enfrentavam problemas
políticos desde a Guerra dos Cem Anos, encer-
rada em 1453. Durante o Cisma do Ocidente e a
crise católica, os detentores de poder nalgreja
estavam mais alinhados aos franceses, além de
terem sérias críticas relacionadas às atitudes do
clero desde o final do século XV. Os questiona-
mentos não eram restritos apenas à doutrina da
igreja Católica: incluíam também os costumes
luxuosos dos eclesiásticos durante a crise eco-
nômica na sociedade inglesa.
Segundo Esdras Chavante, doutorando em
História pela Universidade Estadual Paulista
|úlio de Mesquita Filho (UNESP), por muito
tempo acreditou-se que Henrique VIII pediu
a anulação do casamento apenas Por conta dos
problemas nas gestações de Catarina. Atual-
mente, porém, há umavertente que aponta seu
desejo prévio em romper com a Igreja Católica
e ampliar seus poderes políticos e religiosos.
A negativa do papa seria um pretexto para
colocar seu plano em prática.
lnicio do absolutismo
Ao ter seu pedido negado, Henrique VIII
anulou seu casamento por conta própria e des-
posou Ana Bolena, sendo, em seguida, exco-
mungado pelo papa. O rei, então, apresentou
para o parlamento o Ato de Supremacia, em
1534, colocando em prática a ruptura entre
a monarquia inglesa e a Igreja Católica. Se-
gundo o documento, o rei decidira sobre as
questões religiosas e seria o responsável por
nomear os cargos eclesiásticos, limitando a
influência da instituiçáo sobre as questões do
governo britânico.
Outra medida adotada foi o confisco dos
bens da lgreja, entre eles as terras em que fi-
cavam os mosteiros. Os lotes foram vendidos
para nobres, comerciantes e fazendeiros ligados
ao comércio e às atividades econômicas. Não
houve, porém, mudanças em relação ao culto, o
que fortalece o argumento de a reforma ter sido
r ealizada p ar a centr alizar o p o der do s ob erano.
A consolidação do Anglicanismo como religião
só veio anos depois, no reinado de Elizabeth I.
Desdobramentos
De acordo com Esdras Chavante, os con-
flitos entre católicos e protestantes só foram
resolvidos décadas depois, com a chamadaPaz
de Vestefalia em 1648. O documentou encer-
rou o período da reforma religiosa e delimitou
as fronteiras políticas e religiosas.
A maior consequência do período, porém,
foi a aplicação do direito baseado em recipro-
cidades e tratados regulatórios entre os Esta-
dos, deixando de lado as questões religiosas e
priorizando o reconhecimento da soberania.
O reflexo foi o regime de tolerância responsá-
vel por acabar com anos de combates religio-
sos, aplicado ainda no século XXI.
Herdeiros
Apesar de Henrique Vlll acusar Catarina de
Aragão de não lhe dar um filho homem, a
questão também aconteceu em seus outros
casamentos. Após a condenação de Ana
Bolena, sua segunda esposa, à forca por
traição extraconjugal, o rei se casou mais
CONSULTORIAS
Esdras Cordeiro Chavante,
quatro vezes, mas só teve um herdeiro mas- doutorando em História
pela Universidade Estadual
culino em sua terceira união. Paulista Júlio de lvlesquita Filho
(UNESP),
MoMENÌos DA HlsróRta REFoRtvlA pnorrsrnrut I 21
Galvino
Após a derrota e o fi.m da vida do pre-
cursor do Protestantismo na Suíça,
alguns cantões se mantiveram fiéis à
doutrina de Zuínglio, como Berna,
Zuriqte e Basileia. Jânaregiáo de Ge-
nebra, em 1536, chegava um doutor
em Direito que acabou perseguido na
França por ser a voz do movimento
protestante - ou huguenote - por lá.
foão Calvino redigiu a obra Institui-
ções da Religião Cristã no mesmo ano,
apresentando as bases para o que ficou
conhecido como Calúnismo.
Com o auxflio de Guilherme Farel, um
pregador protestante fervoroso que
persuadiu Calvino a ficar em Gene-
bra - e mesmo a retornar, após ter sido
banido por tentar expulsar suíços que
não fossem favoráveis à sua doutrina
-, o francês levou o cantão genebrino
a ser o principal centro protestante da
Europa. Muito disso por conta da rigi-
dez na implementação de suas ideias,
difundidas em um governo teocrático.
Entre as várias reformas realizadas por
Calvino estavam a abolição da música
instrumental nas missas, a retirada de
útrais e imagens das igrejas e até mes-
mo o fim das comemorações da Páscoa
e do Natal.
Entre os princípios calvinistas, está o
de que Deus é soberano e os escolhidos
para a salvação já são predestinados a
isso. O trabalho também évalorizado,
sendo assim um gatilho para a apro-
ximação dessa doutrinâ com o princí-
pio capitalista, que ganhava espaço na
Alemanha, Inglaterra, França e outros
países do norte da Europa. Foi assim
que os ideais de Calvino se difundiram
pelo continente, contando com a ajuda
de outros líderes religiosos.
Países Baixos
Orientada pelo Calvinismo, a Igreja
Reformadora Holandesa surgiu em
1570, embora o cenário na região já
fosse favorável a reformadores desde o
século XIV com a Casa de Habsburgo
no poder. Assim, as ideias de Zuínglio
também foram implantadas ao sul do
território, entre a população de língua
francesa, antes da doutrina calvinista
se tornar base religiosa para Guilherme
de Orange declarara independência da
Holanda, em 1581, enquanto Bélgica e
Luxemburgo permaneceram católicas.
Outro reformador de forte influência
no Protestantismo dos Países Baixos
foi o polonês foão Laski (ou |an Laski,
no idioma original), sacerdote refor-
mador que organizou igrejas protes-
tantes na Inglaterra, na região da Frí-
sia (norte da Holanda) e criou a Igreja
Calvinista na Polônia. Ele também foi
influenciado porZuínglio e Erasmo de
Roterdã, sendo um importante nome
na segunda geração da Reforma.
Oposição
A primeira ideia contrária ao Calvi-
nismo dentro da Reforma Protestan-
te na Holanda foi organizada pelo
teólogo Jacó Armínio, no início do
século XVll. Pelo Arminianismo, o
homem seria capaz de procurar a
salvação divina, sendo que Deus
não era o autor do pecado nem o
homem autômato, enquanto Calvino
defendia que o homem era tão cor-
rompido que somente a graça divina
predestinava os escolhidos à salva-
ção. Apesar da morte de Armínio em
1609, seus seguidores buscaram
realizar as reformas dentro da dou-
trina calvinista, mas foram persegui-
dos até 1625. Anos depois, exerceu
influência sobre uma ala da lgreja
Anglicana e também sobre o mo-
vimento metodista no século XVlll.
Escócia
As ideias de Calvino atravessaram o
Mar do Norte e penetraram na Ilha da
Grã-Bretanha. Mais ao norte, em terri-
tório escocês, os barões e a classe mé-
dia urbana juntaram ao reformador
se
calvinista fohn Knox para derrubar os
líderes da Igreja Católica, desafiando a
coroa (Escócia e Inglaterra ainda eram
reinos separados). Além de seguidor
das ideias do teólogo francês, com o
qual teve contato em sua estadia em
Genebra, Knox foi discípulo de Geor-
ge Wishart, introdutor da doutrina
zuingliana em território escocês, que
foi morto queimado em 1546.
Orientado por Knox, em 1560, o Par-
lamento da Escócia adotou princípios
do Presbiterianismo e derrubaram o
Catolicismo. Aiém disso, estruturaram
algreja da Escócia, também conheci-
da como Kirk. Baseado na Confissão
de Fé, de inspiração calvinista, no Li-
MoMENToS ol r.rrsróRn REFoRMA PRoTESTANTE I 23
 vro da Disciplina e no Liwo da Oração
Comum, e organizado em presbitério,
com sistema representativo similar ao
desenvolüdo em Genebra, o país se tor-
nou o segundo maior reduto protestante
da Europa. No entanto, a figura do rei,
contrária a tal religião, seguiu como um
antagonista ao movimento. Durante o
período, o Rei Jaime VI uniu as coroas
da Inglaterra e Escócia, assim aproxi-
mando o Alglicanismo como religião
oficial. Em 1638, seu sucessor, Carlos
I, obrigou os escoceses a seguirem os
rituais anglicanos dentro da Kirk, mas
encontrou forte oposição. Houve per-
seguição religiosa - tendo muitos pres-
biterianos emigrado para as colônias da
América do Norte.
lnglaterra
Assim como os escoceses) os seguidores
de Calvino em território inglês foram
perseguidos. Muito disso foi causado
pelo surgimento de outra igreja: a An-
glicana. Devido à aproximação do rei
com a burguesia, um forte movimento
de separação da Igreja Católica cresceu
no início do século XVI. Apesar da aju-
da inicial de Henrique VIII em frear o
desenvolúmento protestante, seu desejo
de ter um sucessor homem o fez pro-
curar mais de um casamento, gerando
uma rixa entre ele e o papa Clemente
ViI, pois tal ideia iria contra os princí-
pios da Igreja Romana. Tendo controle
sobre o Parlamento, forçou uma refor-
ma religiosa, criando o Anglicanismo,
onde o rei seria a figura máxima da hie-
rarquia (leia mais na página 20).
Para o desenvolvimento do pensa-
mento teológico da Igreja da Ingla-
terra, Eduardo VI, filho de Henrique
VIII, foi persuadido pelo regente, Du-
a
zo que de Somerset, a separar ainda mais
a religiào inglesa da romana, pois, na
o
o prâtica, havia pouca diferença. Des-
u tacaram-se assim Richard Hooker,
Õ Henry facob desenvolveu o Congre-
Matthew Parker e Thomas Cranmer.
= Vários teólogos auxiliaram a elabo-
=
24 | MoMENToS on xlstónta REFoRMA PRoïESTANTE
ração de um credo, entre os quais o
próprio John Knox. Ainda que o An-
glicanismo tivesse enfim progredido
em uma maior elaboração, um grupo
interno ainda o considerava próximo
demais da doutrina católica. Eram os
puritanos, que seguiam a interpre-
tação de William Ames e William
Perkins dos escritos de foão Calvino.
Mesmo entre os puritanos, ocorreram
divisões. Enquanto seguidores de Tho-
mas Cartwright, professor de Teologia
na Universidade de Cambrigde, bus-
cavam uma aproximação ao Presbite-
rianismo, a ala que adotou as ideias de
gacionalismo Puritano. fá um grupo
que defendia a separação entre lgreja
Reformadores Íadicais
Durante o período da reforma de Lu-
tero, Zuínglio e Calvino, grupos bus-
caram uma mudança mais radical
nos dogmas religiosos. Foram todos
generalizados como anabatistas, mas
a vertente oficial intitulada assim teve
como líderes Georg Blaurock, Conrad
Grebel e Felix Manz. Os anabatistas
pregavam o fim de uma hÌerarquia e
de uma teologia sistematizada, apli-
cada no dia a dia, baseando-se no
Novo Testamento da Bíblia, além de
defender a incompatibilidade entre
Cristianismo e violência. 0 grupo,
assim como os outros chamados ge-
nericamente de anabatistas, sofreu
perseguições - tanto de católicos
como de protestantes -, mas ainda
influenciou denominações religiosas,
tais como os quackers e os batistas,
que reuniram dissidentes ingleses
refugiados na Holanda, liderados por
John Smyth e Thomas Helwys.
eEstado, liderado por Robert Browne,
eram os congregacionais separatistas,
sem relações com a igreja oficial.
Neste cenário de desenvolvimento do
Puritanismo, o Anglicanismo perdeu
sua força após a chegada de Oliver
Cromwell ao poder depois de uma guer-
ra civiÌ. No protetorado do congregacio-
nalista, os presbiterianos também foram
expulsos do Parlamento. Após a morte
do ditador, foi retomado o regime mo-
nárquico e o sistema episcopal também
retornou. Da mesma forma, veio uma
perseguição religiosa que motivou a ida
dos puritanos para a América.
FONTE
Site operamundi.uol"com.br;
Livros O Cristlanismo atrayés dos séculos - uma hístória
da igreja crìstã, de Earle E. Cairns. Vida Nova, 1995;
John Knox - o PatrÌarca do Prest)iteríanÌsmo, de Waldyr
Carvalho Luz. Cultura Cristã. 2001
 Reforma Protestante
rapidamente se
uma ameaça para o católicas alternativas que pudessem
poder estabelecido da
Igreja Católica. Havia
um risco de perder o controle insti-
tuído sobre o continente euroPeu.
Foi apenas quando o papa Paulo III
criou o Concílio de Trento, Porém,
que a Igreja estabeleceu uma estra-
tégia em resposta à criação do Pro-
testantismo. "Era impossível manter
a lgreja no mesmo rumo e esperar
que o Protestantismo não tivesse su-
plantado o Catolicismo. O papa e os
arcebispos precisaram responder com
medidas internas", explica Guilherme
Martins, professor de História.
As acusaçóes feitas por Lutero e outros
líderes protestantes ressoavam por se-
rem verdadeiras: a Igreja Católica apre-
sentava problemas de corrupção dos
bispos e padres, com avenda de indul-
gências e abusos financeiros há muito
tempo em um nível preocupante.
O ConcÍlio de Trento
A primeira medida do concílio foi
uma decisão sobre tentar ou não uma
aproximação das correntes protestan-
tes e tentar reintegrá-las ao Catolicis-
mo, o que foi recusado. Contrariando
as doutrinas "rebeldes'] o grupo de
bispos reafirmou diversos elementos
renegados por eles que eram parte da
Igreja Católica, como o sistema de sa-
cramentos e as ordens religiosas.
A doutrina da transubstanciação, base
do sacramento da eucaristia, foi refor-
çada. A ideia é que o pão e o vinho se
tornam realmente na carne e no san-
gue de Cristo, portando sua divinda-
de. Os protestantes, em sua maioria,
divergiam da ideia, pregando a pre-
sença real da divindade no momento
da eucaristia sem a necessidade de
afirmar a transformação.
26 | MoMENros DA HtsÌóRta REFoR|\4A PRoTESTANTE
"O trabalho do concílio, basicamente,
provou foi o de procurar dentro das tradições
ser usadas para combater a crescente
expansão do Protestantismo e reafir-
mar as bases da Igrejd', conta Guilher-
me. "Foi dado destaque ao catecismo
como forma de fazer o Catolicismo
voltar a se expandir", completa.
Ordens ÍeliEiosas
A resposta ao Protestantismo não veio
apenas dos mandatários da lgreja, mas
também dos devotos, que começaram
a organizar novas ordens para â pro-
pagaçao da palavra católica. Foi nesse
contexto que surgiram grupos como
os monges capuchinhos, o Carmelitas
Descalços e os Barnabitas. Nenhuma
ordem, entretanto, atraiu tanta atenção
einfluenciou tanto os acontecimentos
posteriores quanto os |esuítas.
Todas as ordens monásticas surgi-
das na época tinham em comum
elementos como votos de pobreza
e preocupação para com os menos
afortunados, o que era divergente
do comportamento de acúmulo de
riquezas que algumas fraternidades
mais antigas apresentavam.
Foi a Companhia de |esus, formada
pelos discípulos de São Inácio de
Loyola, que se tornou uma ferramen-
ta mais fortè nas mãos da Igreja Ca-
tólica, até o ponto em que se tornou
perigosa para a o controle da mesma
sobre o Catolicismo.
Com uma organízaçáo com base nas
ordens de cavalaria e outros gru-
pos militares anteriores, os |esuítas
tinham como principal intenção a
propagação do Catolicismo para os
povos ainda não cristianizados da
África, Ásia e Américas. Rapidamente
o grupo ganhou influência e poder
sobre a forma como a política era feita
nas colônias.
 lnquisição
A Igreja contava, antes mesmo da Refor-
ma Protestante, com um aparato de re-
pressão. A Inquisição formada na França
como forma de aterrorizar pessoas que
carregavam ideias religiosas divergentes,
logo passou a atacar mesmo os menores
exemplos de paganismo, como as bruxas.
'A chegada das reformas deram aos in-
quisidores ulna nova oportunidade de
voltar à sua antiga glórial explica Gui-
therme. A tensão política entre protes-
tantes e católicos estourava regularmen-
te na forma de conflitos e até guerras, o
que dava uma chance aos tribunais da
Inquisição para condenar pessoas.
'A Inquisição se espalhou pela Europa
em diferentes formas. Na Espanha e em
Portugal, sua função era principalmente
forçar a conversão de islâmicos e judeus
da Península lbérica, enquanto na Fran-
ça e em outras nações, aperseguição aos
protestantes era mais acentuada, princi-
palmente depois que a lgreja se aliou às
monarquias para a formação da iden,
tidade'l conta o professor de História.
A conexão da Igreja com as identidade
nacional espanhola, portuguesa, fran-
cesa e dos reinos que existiam onde
hoje está aItâliafoi essencial para im-
pedir que o Catolicismo fosse suplan-
tado nessas regiões. Com a morte do
rei Henrique VIII na Inglaterra, sua
filha e primeira herdeira, Maria I, ten-
tou fazer o mesmo no país e ïeverter a
reforma que gerou a Igreja Anglicana,
mas acabou derrotada e condenada
após perseguir de maneira tão violenta
os protestantes, ganhando o apelido
de Maria Saguinária (Bloody Mary).
"No fim, o Protestantismo moldou a
identidade do próprio Catolicismo,
transformando apostura da Igreja dian-
te da corrupção que a assolava, mas ge-
rando também respostas violentas que
se tornaram os grandes pecados come-
tidos peia religião i comenta Guilherme.

MOMENToS DA HISTóRIA REFoRI\4A PRoÏESTANTE I 27

 Lutero pÍeglou as 95 Teses na
porta da lgreja de Wittenberg?
Mito. Apesar de você ter lido diversas vezes no
decorrer desta edição sobre esse fato, segun-
do o historiador britânico Peter Marshall, não
existem evidências concretas de que o monge
agostiniano tenha feito isso e nada escreveu so-
bre esse ato nos anos seguintes. Naverdade, em
31 de outubro de 1512 Lutero enviou suas teses
às autoridades eclesiásticas, como amigos do
meio catóÌico e o arcebispo Alberto de Mainz.
Então, é provável que alguns de seus destinatá-
rios tenham sido os responsáveis por mandar
imprimir seu texto e divulgá-lo amplamente.
Martinho eÍa antissemita?
Talvez. A princípio, em1523, ele publica/esas
Nasceu ludeu, em que se afasta do antijudaís-
mo da época. Porém,20 anos depois, em um
novo texto, ressalta o ódio sobre esse povo,
defende a queima de sinagogas, a segregação
e até mesmo a expulsão. No entanto, alguns
historiadores não o consideram como antisse-
mita, pois não enxergam conotação racial em
seus escritos* apesar de usar um tom violento
ao tratar do tema. O que possivelmente o ir-
ritava era não conseguir converter os judeus
e fazê-los acreditar em suas ideias.
Mesmo assim, Lutero se tornou símbolo do na-
cionalismo germânico e seus escritos inspiraram
o progïama nazista nos séculos posteriores. O
episódio da Noite dos Cristais, de 1938, foi jus-
tificada como uma homenagem ao monge.
Lutero eÍa maçom?
Mito. Nada comprova que ele tenha feito par-
te da Maçonaria. O questionamento é comum
porque as pessoas costumavam comparar os
itens de seu selo com o símbolo da Ordem
Rosacruz, já que são semelhantes. Conhecida
também como Rosa de Lutero, significa um
caminho ao coração de Deus. A cruz,ao centro,
a
U lembra a prisão, a condenação e crucificação de
|esus. O vermelho é sinal de sangue, paixão e
=
F amor, e a rosa branca transmite a ideia do amor
F
u
(, de Deus que promoveria a paz na Humanidade.
O Galvinismo defende
o lucro do capitalismo?
Mito. Calvinistas acreditam que Deus predest!
na pessoas para a salvação. Mesmo assim, nada é
garantido e os fìéis devem seguir os princípios de
serem bons cristãos, trabalhar muito e caminhar
orientados pelos valores bíblicos.
A relação com o capitalismo nasceu a partir do
desenvolvimento econômico já que os religiosos
enxergavam o trabalho como umavocação divi-
na e o sucesso posterior, um sinal de predestina-
ção. No entanto, não existem indícios a favor da
avaÍezaou grande busca por lucros. Muito pelo
contrário, Calvino afirmava que a riqueza não
tinha razão se não para ajudar os que necessita-
vam, logo, os frutos colhidos só seriam dignos
se utilizados para auxiliar o próximo.
O termo "protestante" não
foi inventado poÍ Lutero?
Yerdade. A palavra - que significa "decla-
ração pública" ou "protesto" - surgiu como
referência a uma carta de seis príncipes lu-
teranos enviada ao imperador Carlos V. Este
havia anulado a tolerância religiosa concedi-
da aos principados alemães como forma de
reprimir a reforma da Igreja Católica iniciada
por Martinho Lutero. No entanto, o termo só
foi usado posteriormente para caracterizar
os contrários à principal instituição religio-
sa do período. Hoje em dia, também serve
como denominação para os cristãos que não
fazem parte da Igreja Católica, Ortodoxa e
Ortodoxa Oriental.
João Galvino eÍa padre?
Mito. Ele nunca foi ordenado sacerdote, con-
tudo, a confusão se dá porque, após se afastar
da Igreja Católica e começar a criticá-la, pas-
sou a ser convidado para realizar pregações
em igrejas e, assim, ficou reconhecido como
padre. Quando jovem, desenvolveu interesse
pela Teologia e cogitava a possibilidade de se
tornar um sacerdote, mas o pai o convenceu a
estudar Direito. Contudo, o irmão mais velho
de Calvino - Charles - tornou-se padre.
MOMENÌOS DA HISÌORIA REFORI\4A PROTESIANTE I 29
t-

Frutc
Lutero não criou apenas uma
nova religião: seus ensinamentos
inspi ra ra m diversas personalidades
históricas e são visíveis até hoje

TEXTO E ENTREVISTAS
KARt NA ALONSO/COLABORADORA
DESIGN ANA PAULA MALDONADO

o redigir as 95 Têses e enviálas

ao arcebispo Alberto de Mainz,
Lutero talvez não tivesse ideia do
movimento que estava inician-
do. Além de abalar o poder da
até então hegemônica Igreja Católica, sua dou-
trina influenciou mudanças que deram início à
Era Moderna e, atualmente, estão presentes em
diferentes áreas da sociedade, como na educação,
na cidadania e na luta pelos direitos humanos.

Estado laico
Conforme algreja Católica foi perdendo os
poderes ideológico e político, outras institui-
ções se fortaleceram. Com o surgimento dos
Estados, ainda havia um vínculo com o Cato-
licismo como religião, mas os monarcas repre-
U)
U sentavam a autoridade máxima do governo.
Segundo Sérgio Luiz Martins, professor de
F
F
U
História do Colégio Marista Arquidiocesa-
(J
no, é nesse momento histórico que surgem
z
CÍ)
os Estados Nacionais, caracterizados pelo ab-
o
t
co
solutismo. Apesar de os reis absolutistas rei-
vindicarem o direito de governar como algo
(J
U
F
dado por Deus e serem coroados e ungidos
o
=
m
pelo representante do poder máximo da lgreja
co
Católica, a influência da instituição religiosa
U
ô ficou no campo espiritual.

30 I MoMENTos DA HISTóRIA REÉoRMA PRoTESTANTE

)s daRefor
Demoeracia
"O homem da Reforma é um indivíduo do-
tado de uma consciência individual, um ser
autônomo e livre", escreve Raquel Polainas na
monografia A Reforma Protestante e o Pensa-
mento Democrático Americano: A Individuali-
zaçao da Fé e a Emancipaçao do Indivíduo na
Viabilização da Democracia. Foicom esta nova
percepção que um grupo de cristãos reforma-
dos, chamados "peregrinos", desembatcaram
em continente americano, em 1620.
William Bradford, líder da expedição, es-
creveu o Mayflower Compact, estabelecendo
um acordo segundo o qual os colonos con-
cordavam em criar um governo e obedecer
às regras estabelecidas. "Este contrato social
viria mais tarde a ganhar grande expressão, no
âmbito das ideias políticas, nos trabalhos de
Thomas Hobbes e |ohn Locke e é frequente-
mente referido como a primeira Constituição
da América", explica Raquel.
De caráter político, o texto antecipa valores
que viriam a ser encontrados na República
Democrática Americana, além de ter como
objetivo proporcionar a liberdade social, re-
ligiosa e econômica paru a comunidade, nâo
excluindo a possibilidade de punição para
quem não seguisse as leis e os magistrados.
Outro documento importante para as raí-
zes da democracia da América foi escrito por
|ohn Winthrop. No discurso que pregava so-
bre a caridade cristã, o peregrino salienta a
necessidade de criar uma comunidade coesa
e dâvoz ao que viria a ser chamado de sonho
americano. Posteriormente, seus ideais seriam
utilizados por Martin Luther King |r., em sua
famosa manifestação sobre o princípio da to-
lerância inter-racial-
Além deles, muitos outros fizeram o mesmo trajeto, iniciaram a
colonizaçáo dos Estados Unidos e contribuíram para o ideal de demo-
cracia que estava surgindo. Segundo Raquel, estas manifestações ti-
nham "as sementes dos conceitos americanos de igualdade e liberdade,
conceitos que revelam alguma singularidade em contexto americano
e que encontram as suas raízes na doutrina do sacerdócio universal
da Reforma Protestante".
Educação
Com o fim da hegemonia dalgreja Católica sobre a educação e a
impressão de livros, aumenta a procura por conhecimento e por meios
formais de instrução, como escolas e universidades. A mudança se alia
ao racionalismo moderno que, segundo Sérgio Luiz Martins, pregava
a capacidade humana de compreender o mundo e explicá-lo por meio
da racionalidade. No Brasil do século XIX, foram inseridas diversas
instituiçÕes de ensino protestantes, algumas de iniciativas autônomas,
como de Robert e Sara Kalley, e outras mantidas por denominações
estrangeiras, como os batistas, presbiterianos e metodistas. De acordo
com Esdras Cordeiro Chavante, doutorando em História pela Uni-
versidade Estadual Paulista |úlio de Mesquita FiÌho (UNESp), essas
entidades mantinham projetos educacionais em suas estratégias de
consolidação e expansão e ainda hoje possuem forte atuação no mer-
cado educacional.
CONSULTORIAS
Direitos humanos Esdras Cotdeiío Chavante,
doutorando em História
A garantia de uma vida digna a todas as pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de l\4esquita
pessoas também fez parte dos desdobra- Filho (UNESP);
mentos da Reforma Protestante, com a rei- Sórgio Luiz MaÌtins,
professor de História
vindicação e o reconhecimento da liberdade do Colégio Marista
Arquidrocesano, de São
de crenças e cultos nos países europeus, Paulo
no final do século XVl. FONTE
Esdras lembra que mais recentemente, no Monografra A Reforma
Protestante e o Pensamento
século XX, houve relevantes ações de pro- Democráti co Ame ríca no:
A IndívÌdualização da
testantes pela justiça social e direitos hu- FéeaEmancipaçãoclo
lndÌvíduo na Viabilízação da
manos, como Nelson Mandela e Desmond Democracia, da proíessora
ïutu contra o apartheid. Raquel de Abreu Freire
Vargues Polainas.
MoMENToS DA HtsróRta REFoRMA pRorEsrANTE I 31
 Ír@

C aflna
o TEXTO E PESQUISA ERICA AGUIAR
DESIGN ANA PAULA MALDONADO

m 1504, Hans von Bora deixou a

filha Catarina, de apenas cinco

von Bota
anos, em um convento beneditino.
Sua esposa havia falecido e ele havia
I

I acabado de se casar com umaviúva

I

que tambémtinha filhos. Assim, levar amenina a

um internato era uma solução prática e econômi-
Nascida na Alemanha, a companheira de Martinho Lutero ca. Catarina, que vinha do campo e também tinha
foi uma figura notável no progresso da Reforma Protestante outros irmãos, dentro de poucos anos, se viu órfã
também do pai e precisou ficar em Brehna, na
Alemanha, onde o convento estava estabelecido.

t
I
lnfância
A esperança era a de que a menina se tornasse
uma madre superior e tivesse uma vida melhor.
No século XVI, ser mulher não era uma tarefa
fácil, pois, fora do internato, estaria sujeita a um
casamento arranjado, à morte recente no parto,
alem de adquirir doenças com mais facilidade.
A
"Tendo acabado de completar dez anos, a
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garotinha deu adeus às suas colegas de escola
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rì e amigas e partiu com estranhos para viver em

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.l'$ um novo lar. Sem dúvida, ela tinha sido infor-
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ô mada de que seu pai tinha arranjado sua reloca-
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É.
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t ção para Marienthron, um conyento cistercien-
u se em Nimbschen. Quando ela chegou, deve ter
a
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o imediatamente percebido que sua qualidade
o de vida tinha decaído muito. O convento era
C)
menor e tinha menos conforto. A moradia, as
ô
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refeições e o conjunto de livros não faziamfren-
= te ao complexo beneditino bem equipado em
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ú; Brehna, que conhecia tão bem", escreve Ruth A.
U
(5
Tucker no livro A primeira-dama da reforma:
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F a extraordinaria vida de Catarina von Bora.
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(9
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No convento, aprendeu latim e música, e
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o também prestou votos como freira. Bora foi
o
J ,1,.,;,:::r
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m
l um dos membros do clero a ter contato com
z .,r,. ,,.f- ï
U as 95 Teses de Lutero, publicadas em 1517. Fo-
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o
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J ram as suas ideias que estimularam ela e outras
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u freiras a arquitetarem uma fuga em 1523, com
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o apoio de religiosos próximos ao teólogo. Pos-

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q, ,ìlll,lfl lll rl uütÌ :$srf. -'1L
teriormente, esses mesmos homens ajudaram a
t buscar pretendentes para as solteiras de modo
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f
Í a "disfarçar" a evasão do convento.

32 I MoMENToS DA HISTÓRIA REFORIVIA PROTESTANTE

 Outras figuras
Margailda de Navarra: ficou conhe-
cida por atuar diretamente na Refor-
ma como escritora e defensora das
doutrinas. Era irmã do rei Francisco
I da França e acolheu em seu reino
o reformador francês João Calvino.
Apoiou a realização das cerimônias
religiosas na língua do país - não mais
o latim - e o fim do celÌbato do clero.
Katherine Zell: ajudou a estabelecer
a Reforma Protestante na comuna de
Estrasburgo, na França. Abrigou refu-
giados de conflitos, tornou-se prega-
dora e escreveu obras questionando
as dualidades teológicas do perÍodo.
Renée de França: filha do rei fran-
cês Luís Xll, também ficou conheci,
da como Renata. lnfluenciada pela
própria tia, recebeu diversos nobres
e escritores em sua residência que
a inclinaram a favor da Reforma Pro-
testante. Seus hábitos irritaram a
lnquisicão e ela foi embora da Pe-
nÍnsula ltálica, deixando as novas
crenÇas religiosas para trás.

Contam os relatos da épocas que Catarina
seapaixonou por um "vigarista" que a abando,
nou posteriormente. E, como já não encontrava
mais pretendentes - diferente das outras freiras
- casou-se como Lutero em1525. Na época, ele
jâhaviasido excomungado, mas mesmo assim,
o casamento da ex-freira com o ex-padre não
era bem visto pela sociedade. Para alguns estu-
diosos, o matrimônio significou uma das mu-
danças importantes na reforma: a liberação do
casamento de líderes religiosos, mas, segundo
guidos por defender as ideias luteranas. Bora
era responsável pelas finanças e participava de
algumas discussões, conforme é possível ver
nos textos de Lutero e seus alunos. Ela não era
uma mulher submissa, mas forte e ousada. Agiu
como fazendeira e fabricante de cerveja em
uma pensão, mesmo com uma família grande
e a responsabilidade de cuidar dos filhos.
Sua rotina cheia de tarefas era mal vista por
pessoas próximas ao marido, já que a preocupação
era considerada um pecado entre os protestantes. FONTE

muitos, não existia amor entre os dois. Livto A primeira-dama da

Catarina faleceu em 1552, seis anos após seu reforma: a extraordinárÌa vída de
marido, depois de deixar Wittenberg diversas Catarina von Bora, de Ruth A.
Tucker (Editora Thomas Nelson
Rotina vezes devido às guerras, doenças e dificuldades Brasil);

funtos, tiveram seis filhos. E a casa dos
dois, em Wittenberg, na Alemanha, também
servia como abrigo a cristãos que eram perse-
financeiras. O final de sua vida não foi fácil, Resenha Uma Mulher e Um
Sobrenorne //ustre: a "PrímeÌra-
desamparada financeiramente, perdeu a tutela Dama" da Reforma, Calarina
Von Bora (Lutero), publicada na
dos filhos, parte de seus bens e chegou a falir. Revista Especialidades.

MoMENïos DA HtsróRtA REFoR|\4A PRoTESTANTË | 33

 Além dos
livros
FITMES
didáticos SERIE LIVRO

A outra The Tudors As Guerras Gamponesas

Ano: 2008
Classificação indicativa: 1-4 anos
A trama do filme gira em torno das
irmás Anne, interpretada por Natalie
Portman, e Mary, vivida por Scarlett
|ohansson. Convencidas de que deve-
riam conquistar o coração do monarca
paratrazer status para a família, partem
para a corte inglesa, onde começam a
disputa. Mary é aprimeira a conquistar
o reiHenry Tudor,representado por Eric
Bana, mas suagtavideznão faz com que
Anne desistade seu objetivo.
Lutero
Ano: 2003
Classificação indicatíva: 14 anos
Interpretado por |oseph Fiennes, Mar-
tim Lutero sofre um acidente e acredita
ter recebido um chamado. Aflito com
as práticas adotadas pela lgreja Católi-
ca, expõe suas 95 teses em um templo
cristão e passa a ser perseguido. Lutero
é pressionado e excomungado do Cato,
Ano:2007 -2OtO Autor: Friedrich Engels
Classificação indicativa: anos 1_8 Editora: Martins Fontes
A série televisiva inspirada na Di- Ano: 1975
nastia Tudor retrata os primeiros Esta obra representa a base para a inter-
anos do tumultuado reinado inglês pretação sobre o materialismo histórico da
de HenriqueVIII, interpretado por Reforma Protestante. O teórico socialista
|onathan Rhys Meyers. A trama é trata sobre conceitos católicos, luteranos e
repleta de paixões, intrigas e dispu- anabatistas, como representações das lutas
tas políticas. de classe presentes na sociedade da época.
DOCUMENTÁRP
Martin Luther: The Idea that Ghanged the World
Ano:2OL7
Classificação indicativa: l-2 anos
O documentário aborda, de forma leve, alguns dos aspectos davida de Martinho
Lutero e os impactos de suas teses, tanto na sociedade da época quanto atualmente.

licismo, mas se recusa a negar seu posi-

cionamento e inicia uma batalha para
pregar seus ideais.

Editora-chefeVivianeCampos EditoraCarolinãFirmíno RedaçãoÉricaAguiareÉrikaAlfaro DesignAnaPaulaMaldonadoEstagiáriosLídiapardini(design) Tratamentodri

imagem Edson lukawa (Editor especial) Colaboradores Fabio Toìedo, Karina Alonso e Rafael Gu'marães (redação) supo.te otávio Mattiazo Neto
{crjaçãte desenvolvimenic
deproduto),AlexandreÀ4artinsdoCarmo(TecnologiaerevisãogÍáfica) lmpressãoGRAFILARGTáfica

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(1 1)

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