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Elementos de Teologia - Teo
Elementos de Teologia - Teo
ELEMENTOS DE TEOLOGIA:
uma abordagem sistemático-pastoral
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Imagem de Capa: Freepik
Revisão: Os Autores
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-5266-0
ISBN Físico 978-65-251-5267-7
DOI 10.24824/978652515267.7
1. Teologia 2. Cristianismo 3. Pastoral I. Silva, Antonio Wardison C., org. II. Pinas, Romildo
Henriques, org. III. Título IV. Série
2023
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 9
Os Organizadores
o ser humano. Para isso, o autor considera a indispensabilidade das mediações cul-
turais e sociológicas da experiência de Deus. A partir da perspectiva cristã, não se
deve dissociar felicidade, realização e experiência ontológica como Transcendência.
Ao homem, como criatura, há sempre a necessidade de se abrir ao Deus Trindade e
acolher a sua fascinante e misteriosa oferta. Diante de tal propositura, o autor debate
a problemática da secularização e alguns desafios para a teologia da revelação no
mundo de hoje.
Já Ney de Souza, com o capítulo Notas sobre a sinodalidade na história e na
Igreja do Brasil, expõe, de forma sintética, o caminho de sinodalidade feito pela
Igreja, realidade que ocorre sobretudo no primeiro milênio. O autor indica alguns
fundamentos bíblicos e que foram base para o caminho da comunidade cristã nos
primeiros séculos. A grande mudança ocorre no segundo milênio quando, no contexto
da escolástica, vai surgindo o princípio de uma Igreja centralizadora e clerical. Expõe,
Antonio de Lisboa Lustosa Lopes e Ari Antônio dos Reis discorrem sobre a
Teologia Pastoral: elementos introdutórios. No desenvolvimento do capítulo, expõem
o sentido teológico da fé no âmbito das relações humanas para a vida pastoral da
Igreja. A teologia pastoral deve caminhar entre duas relevâncias da missão teologal:
fazer a leitura e compreensão da revelação de Deus sob o olhar da fé, e a prática da
evangelização fundada na fé, como anúncio do Reinado de Deus. Teologia e Pastoral
são reflexão e ação, ação e reflexão. Elas partem da leitura da ação de Deus na His-
tória, leitura feita sob o olhar da fé. Ação e fé são duas realidades intercambiáveis no
fazer teológico, pois o Deus que se revela na história o faz mediante a ação daqueles
que se convertem em seus interlocutores, porque atenderam às suas interpelações.
O texto procura integrar teologia, fé e prática pastoral, à luz de experiências daquilo
que tem sido a vivência pastoral da Igreja.
O penúltimo capítulo, Introdução à teologia Catequética: ouvir acolher, expe-
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Os Organizadores
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TEOLOGIA, SABER QUE NASCE DA FÉ
Milena Medeiros e Marques1
Introdução
Teologia, do grego, significa falar de Deus. O termo, embora tenha sido usado
originalmente para qualificar os autores de epopeias das mitologias gregas, como
Homero e Hesíodo,2 difundiu-se no Ocidente como o nome da elaboração intelectual
cristã. Historicamente, tal elaboração desenvolveu-se na comunidade de fé, a partir
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marca distintiva da teologia, ser base de conhecimento que seja reconhecido como
expressão legítima de compreensão da realidade, para além de sua importância como
elemento cultural, num horizonte em que a fé não é pressuposto. Que espécie de
articulação é possível entre o discurso teológico e as demais formas (religiosas ou
não) de compreender a realidade? Para tratar dessa questão, far-se-á, primeiramente,
uma apresentação sobre a condição da fé desde a Modernidade; em seguida, algumas
considerações sobre a relação entre experiência e conhecimento para, enfim, delinear
em que sentido pode-se entender a experiência da fé como elemento fundamental
do discurso teológico.
É necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada,
seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo.
Uma coisa é a substância do “depositum fidei”, isto é, as verdades contidas na
nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes,
contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance.13
marcas do tempo e espaço em que foram elaboradas. A fé, como ato humano, por sua
vez, embora se expresse em linguagem, não se coaduna com ela de forma absoluta. As
representações ou linguagens da fé estão ligadas ao ato de fé como expressão deste,
mas sendo expressão histórica, contingente, mantém sempre uma reserva de sentido
que não pode ser completamente manifestada nem apreendida.
Do ponto de vista teológico-pastoral, há, pelo menos, duas consequências dessa
maneira de entender a fé. A primeira diz que a maneira de comunicar a fé deve corres-
ponder ao próprio conteúdo da mensagem. A pertinente distinção entre a substância
do depósito da fé e suas expressões evita que se confunda a mensagem do Evangelho
com os elementos culturais a que as formulações da fé estão submetidas; também,
são os próprios elementos culturais os meios pelos quais a mensagem é transmitida e,
nesse sentido, adquirem eles importância no processo de transmissão da fé. Ignorar a
coerência entre as formas de dizer a fé e o núcleo da mensagem pode significar um risco
à sua transmissão, como assumiu o Papa Francisco, recentemente, ao dizer que “não é
possível anunciar Deus de uma maneira contrária a Deus”, referindo-se à atuação dos
cristãos no processo de colonização dos povos indígenas no Canadá.15
A segunda consequência da nova maneira de entender a fé, decorrente da atenção
às formas de comunicá-la, refere-se à função do receptor da mensagem no processo
de transmissão da fé. Ao afirmar que se deve buscar formas condizentes com a sen-
sibilidade do homem e mulher modernos, supõe-se que a condição do destinatário é
fator relevante no processo de elaboração das formas de anunciar a fé.
A renovação do falar de Deus, pela qual o Concílio Vaticano II trabalhou com
enfoque na recepção da fé, reflete, de certa maneira, o clima cultural moderno vivido
no Ocidente em seu paradigma antropocêntrico. A mudança na maneira de entender
13 Ibid.
14 THEOBALD, C. As narrativas de Deus numa sociedade pós-metafísica: o Cristianismo como estilo. Cadernos
de Teologia Pública, ano VIII, n. 58, p. 6, 2011.
15 FRANCISCO, Papa. Discurso do Santo Padre no encontro com as populações indígenas e os membros da
comunidade paroquial. Igreja do Sagrado Coração em Edmonton (Canadá), 25 jul. 2022. Disponível em:
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2022/july/documents/20220725-incontroedmonton-
canada.html. Acesso em: 9 ago. 2022.
18
2. Fé e conhecimento
É nesse ponto que se retoma a questão inicial deste texto acerca da relação entre
a fé e o conhecimento: como pode a fé, condição indispensável da teologia, ser base
de conhecimento que seja reconhecido como expressão legítima de compreensão da
realidade, para além de sua importância como elemento cultural, num horizonte que
não tem a fé como pressuposto?
A experiência (do ponto de vista filosófico) constitui uma das maneiras clássicas
de abordar o processo de conhecimento; ela servirá como base para o ser humano
compreender as coisas. Elaborado classicamente por Aristóteles, retomado na Escolás-
tica, sobretudo por Tomás de Aquino, e vigorosa na Modernidade, principalmente por
autores ingleses, o empirismo postula que todo conhecimento advém da experiência
dos sentidos. As sensações capturadas pelos sentidos, processadas pelo aparato mental,
formam, por meio da imaginação, novas imagens e ideias. Atualmente, as ciências
cognitivas têm avançado na compreensão dos processos de funcionamento do cérebro
que impactam na concepção de mente. Os resultados de muitas dessas pesquisam
corroboram o papel que a experiência exerce na aquisição do conhecimento.16
16 Há vasta bibliografia sobre o tema. Ver, por exemplo: LEOTE, R. Processos perceptivos e multissensorialidade:
entendendo a arte multimodal sob conceitos neurocientíficos. In: ARTECIÊNCIAARTE [online]. São Paulo:
UNESP, 2015. p. 23-44. Disponível em: https://books.scielo.org/id/mqfvk/pdf/leote-9788568334652-05.pdf.
Acesso em: 9 ago. 2022.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 19
O experiencial quer dizer uma experiência tomada em sua totalidade pessoal, com
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A partir das distinções propostas pelo autor, é possível afirmar que a experiência
espiritual, no âmbito da qual se situa a fé, é um tipo peculiar de experiência humana
qualificada pela integralidade que confere à pessoa. É na perspectiva da “experiência
experiencial” que é possível falar do conhecimento advindo da fé.
Decorre desse dado, acima mencionado, que o conhecimento que lida com a
realidade da fé, a teologia, possui um estatuto epistemológico peculiar; lida com uma
espécie de saber decorrente de uma experiência que engloba a pessoa por inteiro.
Nesse sentido, está em continuidade com o processo humano de conhecimento
baseado, fundamentalmente, na experiência; ao mesmo tempo, supõe uma dimensão
intangível da realidade. Precisa, pois, equilibrar a inevidência radical da realidade à
qual a fé se refere com o modo humano de conhecer.19
Tomás de Aquino, no contexto cultural teocêntrico da Escolástica, abordou a
questão do conhecimento que o ser humano pode ter de Deus, partindo da experiência
dos sentidos, dentro das concepções de física e mecânica de seu tempo. Propôs, assim,
vias de acesso ao conhecimento da realidade primeira a que se denomina Deus.20
A relevância desse seu ensino consiste, dentre outros fatores, no procedimento ou
17 BARBOTIN, E. Experiência. In: LACOSTE, J-Y. Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Loyola; Paulinas,
2004. p. 705.
18 MOUROUX, J. L’Expérience Chretienne. Paris: Montaigne, 1952. p. 24. Tradução livre.
19 CATÃO, F. Falar de Deus: considerações sobre os fundamentos da reflexão cristã. São Paulo: Paulinas,
2001. p. 47-50.
20 AQUINO, T. Suma Teológica, I, q. 2, a. 3. São Paulo: Loyola, 2001. p. 165-169.
20
21 Tal maneira de conceber a reflexão teológica, classicamente conhecida como intellectus fidei, remete a
Agostinho. CONGAR, Y. Theologie. In: DICTIONAIRE de Theologia Catholique. Paris: Librairie Letouzey et
Ané, 1943. col. 351-353.
22 CATÃO, F. Falar de Deus, p. 19-21.
23 Ibid., p. 19-20.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 21
No excerto acima, Catão completa sua definição de teologia fazendo uma deli-
cada passagem da consideração sobre o aspecto material do labor teológico – o lidar
com as expressões da fé – para a marca característica da teologia, aquilo que define,
em última instância um discurso como efetivamente teológico: o fato de originar-se
no ato de crer. Importante nessa afirmação é a base antropológica do argumento, que
vincula a originalidade da reflexão teológica ao processo humano de conhecimento,
baseado na experiência. O saber obtém consistência a partir da experiência sobre a
qual é elaborado. Do mesmo modo, o discurso sobre Deus recebe seu fundamento
da experiência da fé.
Conclusão
Contemporaneamente, alguns teólogos têm chamado atenção para o surgimento
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24 VILLAMAYOR, S. O Pós-teísmo como superação dialética do teísmo. Cadernos de Teologia Pública, São
Paulo, ano XVIII, v. 19, n. 60, 2022.
25 Essa é a proposta apresentada por Theobald em sua obra Le Christianisme comme style: une manière de
faire de la théologie en postmodernité. Paris: Cerf, 2008.
22
REFERÊNCIAS
AQUINO, T. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001, v. 1.
JOÃO XXIII. Gaudet Mater Ecclesia. Roma, 1907. Disponível em: http://w2.vatican.
va/content/john-xxiii/pt/speeches/1962/documents/hf_j-xxiii_spe_19621011_ope-
ning-council.html. Acesso em: 9 ago. 2022.
PIO IX, Papa. Encíclica Quanta Cura, Roma, 1864. Disponível em: https://w2.vati-
can.va/content/pius-ix/it/documents/encyclica-quanta-cura-8-decembris-1864.html.
Acesso em: 9 ago. 2022.
Introdução
O pensamento de Tomás de Aquino representa o resultado mais completo do
esforço intelectual iniciado no Cristianismo primitivo de estabelecer uma relação entre
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1 Pós-Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP; Doutor e Mestre em
Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Mestrando em Teologia pela PUC-SP.
Graduado em Filosofia e em Teologia. Atualmente, Coordenador do Curso de Teologia do Centro Universitário
Salesiano de São Paulo – UNISAL, Campus Pio XI.
2 COSTA, José Silveira da. Tomás de Aquino: a razão a serviço da fé. São Paulo: Moderna, 1993. p. 38.
3 Ibid., p. 38-39.
4 Ibid., p. 39.
26
5 Ibid., p. 39-40.
6 MONDIN, Battista. Dicionário Enciclopédico do pensamento de Santo Tomás de Aquino. Tradução: André
Luiz Boccato de Almeida et al. São Paulo: Loyola, 2023. p. 649.
7 JOSAPHAT. Carlos. Paradigma teológico de Tomás de Aquino – sabedoria e arte de questionar, verificar,
debater e dialogar: chaves de leitura da suma de teologia. São Paulo: Paulus, 2012. p. 28.
8 MOURA, Odilão. Introdução à suma contra os gentios. In: TOMÁS DE AQUINO. Suma contra os gentios.
Tradução: D. Odilão Moura. Campinas: Ecclesiae, 2017. p. 25-26.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 27
9 Ibid., p. 40.
10 TOMÁS DE AQUINO. Suma contra os gentios, I,1.
28
Para sustentar o ofício do sábio, Tomás recorre não só a Aristóteles, mas tam-
bém a princípios teológicos da realidade, de noções do bem e da ordem do mundo,
assim como à sua concepção de verdade, como bem do intelecto. Neste primeiro
capítulo da Suma, é possível identificarmos cinco conclusões, pois cabe ao sábio
considerar: a) o fim das coisas; b) o fim do universo; c) a verdade das coisas; d) a
verdade primeira; e) a falsidade.11
Vale ressaltar que a finalidade das coisas está sempre pré-fixada desde sempre
pelo seu primeiro autor ou motor. Assim, no plano do cosmos, o intelecto, que é a
potência última das coisas – como acentua Tomás no capítulo acima – estabelece a
verdade como finalidade do ser. O bem, como acima também acentuado, compreen-
de-se como a identificação da coisa com a sua respectiva funcionalidade; pois o ser,
ao realizar-se no seu fim, identifica-se com o bem.12
Em sentido próprio, para o fazer teologia: o teólogo-filósofo é aquele capaz de
11 SOARES, Iago Nicolas de abreu. Os princípios que fundamentam o ofício do sábio segundo Tomás de
Aquino. Logos & Cultura, v. 1, n. 2, p. 132-133, 2021.
12 MELO, Marco César de Souza. A complementaridade entre a filosofia e teologia no pensamento de Tomás
de Aquino. Revista Ideação, n. 40, p. 74-75, jul./dez. 2019.
13 TOMÁS DE AQUINO. Suma contra os gentios, I,2.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 29
14 MELO, Marco César de Souza. A complementaridade entre a filosofia e teologia no pensamento de Tomás
de Aquino, p. 78.
15 Ibid., p. 78-79.
30
razão natural. Contudo, é próprio do conhecer alcançar a substância das coisas, o que
qualifica o conhecimento de algo, pois segundo Aristóteles, conhecer é dizer o que a
coisa é. Assim o intelecto, ao se apropriar da substância, conhece tudo aquilo que per-
tence àquela coisa. Apropriando-se da substância de uma coisa, por sua vez, nenhuma
das realidades inteligíveis desta coisa pode exceder a capacidade da razão humana.
Mas isso não prevalece no conhecimento de Deus, porque o intelecto humano, pela
sua capacidade natural, não pode apropriar-se da substância divina. Ainda mais,
como o conhecimento, na operação do intelecto, é iniciado pelos sentidos, as coisas
não dispostas aos sentidos não podem ser apreendidas pelo intelecto, a não ser que
o conhecimento tenha sido deduzido das coisas sensíveis. E não pode o sensível
permitir ao intelecto o conhecimento da substância de Deus, porque o sensível não
equivale à natureza da causa. Das coisas sensíveis, portanto, o intelecto pode dizer
que Deus é, como também alcançar outros atributos de tal realidade (divina), o que
19 Ibid., I, 5.
20 Ibid., I, 6.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 33
que toda contrariedade a tais princípios impugna a própria sabedoria divina. Logo,
as verdades reveladas por Deus não podem contradizer o conhecimento natural; c)
o que é natural não pode mudar se a natureza permanece. Assim, são inconcebíveis
opiniões contrárias em um só sujeito, o que resulta não ser possível Deus infundir
no homem verdades contrárias ao conhecimento natural. Adverte Tomás que não é
possível o intelecto conhecer quando está diante de razões contrárias, pois isso o
impede de alcançar a verdade. Se essa contrariedade fosse infundida por Deus, não
poderia o homem, então, alcançar a verdade das coisas, visto que essa condição não
pertence a Deus. Portanto, quaisquer razões contrárias às verdades de fé não advêm
dos princípios em si mesmos da natureza humana, isso quer dizer: a verdade da razão
natural não é contrária à verdade da fé cristã.21
Fica claro para Tomás não ser possível sustentar a separação entre as duas
esferas do saber, a teologia e a filosofia. Entre elas há uma íntima cooperação, pois
fé e razão advêm da mesma fonte de verdade, Deus. Tanto uma quanto a outra con-
tradizem ao erro: o que pertence à natureza da razão é verdadeiro, da mesma forma
que é verdadeiro o que é revelado por Deus. E por combaterem o erro, devem (a fé e
a razão) “ser igualmente unânimes no conhecimento da verdade”22 e, por isso, estão
em perfeita harmonia. Podemos afirmar que “a fé é um ato da própria razão ou, pelo
menos, do espírito humano. Do espírito humano super-revelado, a incidir num objeto,
numa verdade inacessível a suas capacidades naturais, irredutíveis a suas próprias
demonstrações e certezas”.23
Em sentido próprio, para o fazer teologia: o conteúdo da fé é extremamente
verdadeiro, porque revelado por Deus e, por isso, evidente em Deus. E não pode a
fé ser contrária à razão, porque provindas de Deus. Tomás aponta então a relação
que tais campos devem exercer, de sintonia, ao saber que a razão, retamente, só pode
auxiliar a fé, a construção teológica. Aqui, podemos apontar uma sutiliza do Aquinate:
se fé e razão não podem contradizer-se, isto significa que a razão pode interpretar e
21 Ibid., I, 7.
22 BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã, p. 451.
23 NICOLAS, Marie-Joseph. Introdução à Suma Teológica, p. 34.
34
compreender o que é dado além dela, ou seja, embora não possa ir além, como a fé,
é capaz de acolher a fé, não sendo esta estranha àquela. Ainda que a fé esteja acima
da razão, não há contrariedade entre elas.
E para conhecer a verdade da fé, como discutido no capítulo VIII, a razão
humana ordena-se a ela, à fé, em busca de encontrar semelhanças verdadeiras, ainda
que sejam insuficientes para que a pretendida verdade seja, de fato, compreendida ou
demonstrada ou, ainda, conhecida em si mesma. Contudo, é necessário que a mente
humana se exercite no conhecimento dessas razões, desde que se afaste da presunção
de querer compreender ou demonstrar essas verdades.24
Em sentido próprio, para o fazer teologia: por mais fraca ou limitada que seja, a
razão (filosofia) pode oferecer à teologia o seu contributo: de suporte à compreensão
das verdades de fé, mas sem a pretensão de compreender de maneira demonstrativa
ou enquanto conhecida em si mesma. A Teologia, nesse sentido, não despreza a
ou, ainda mais, aderindo ao mecanicismo, de rigidez dos processos internos naturais,
recusando qualquer interferência divina. Diferentemente, atribuirá à natureza o seu
lugar no conjunto do universo e, por conseguinte, a negação de qualquer influência
incessante dos astros no ser humano, o que revelaria uma afronta àquele que ocupa
lugar central na criação de Deus.27
Em sentido próprio, para o fazer teologia: a teologia, portanto, tem a tarefa de
conhecer Deus, a verdade suprema, que está acima de todos os esforços da razão. Con-
tudo, não abnega a razão, mas dela se fortalece para conhecer os mistérios de Deus.
Como já afirmando, não pode haver contradição entre essas duas fontes de verdade.
Ainda, a teologia estará assegurada por sua autoridade máxima, a Sagrada Escritura.
27 Ibid., p. 452-453.
28 NICOLAS, Marie-Joseph. Introdução à Suma Teológica. In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. v. 1.
Tradução: Aldo Vannucchi et al. São Paulo: Loyola, 2001. p. 28.
29 JOSAPHAT, Carlos. Paradigma teológico de Tomás de Aquino, p. 27.
30 LARANGE. La síntesis tomista. Tradução: Eugenio S. Melo. Buenos Aires: Desclée, de Brouwer, 1946. p. 35.
36
segura e verdadeira. E a filosofia trata de todos os entes, até mesmo de Deus. Contudo
na Carta a Timóteo se diz que a Escritura, de inspiração divina, é útil para ensinar,
corrigir, refutar, educar. Ora, a Escritura não pertence à ciência filosófica, esta de
caráter da razão. Portanto, se faz necessária uma ciência além daquelas filosóficas.
Pois era necessária para a salvação do homem uma doutrina fundada na revelação
divina, até mesmo porque ele está ordenado para Deus e esta verdade ultrapassa o a
compreensão da razão natural e, por isso, deve compreender aquele que é seu prin-
cípio e fim. Então a necessidade, para a salvação do homem, de uma compreensão
que ultrapasse a sua razão, comunicada por revelação divina, acolhida na fé.31
Nesta questão, Tomás entende o termo “ciência” na perspectiva aristotélica,
quer dizer, “o grau mais perfeito do conhecimento humano, o que conhece a essência
de uma coisa como princípio explicativo desta coisa e de todas as propriedades das
quais dá conta a experiência”.32 A demonstração científica poderá se dar quando, a
31 TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. v. 1. Tradução: Aldo Vannucchi et al. São Paulo: Loyola, 2001. I,
q. 1, a. 1.
32 GEFFRÉ, Claude. Teologia como ciência. In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. v. 1. Tradução: Aldo
Vannucchi et al. São Paulo: Loyola, 2001. p. 128.
33 Ibid., p. 130.
34 TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica, I, q. 1, a. 2.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 37
ciência arquitetônica, mas sim subalterna: seu guia é a sabedoria divina, e é de fato
uma participação nela”.35 Mas o fato de ser subalterna não vê seu valor rebaixar-se,
mas desenvolver-se, visto ser a ciência da qual depende a ciência de Deus e dos
bem-aventurados. Por isso, ao proceder da revelação, deve a teologia ser considerada
superior à filosofia. Para o Aquinate, “a ‘sagrada doutrina’ é uma imitação e como
uma marca em nós da ciência do próprio Deus”.36
E graças ao recurso da “subalternação” das ciências, Tomás consegue dar caráter
científico à teologia, na perspectiva de Aristóteles e sem transformar-se em ciência
autônoma, separada da fé. Portanto, como ciência subalterna a teologia parte de prin-
cípios não evidentes, isto é, da fé. Mesmo assim, adquire o status de ciência, “pois
seus princípios são cognoscíveis com evidência na ciência superior, a de Deus e dos
bem-aventurados”.37 A teologia recebe seus princípios da ciência de Deus, da fé. É,
então, a teologia “uma imitação deficiente da ciência de Deus”.38
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da moral, que é uma ciência prática. Tais argumentos dizem ser a Teologia uma
ciência prática. Não obstante, qualquer ciência prática está referida a obras a serem
praticadas pelo homem, mas a Teologia trata em primeiro lugar de Deus, tendo o
homem como obra maior. E isso vem constatar não ser a Teologia uma ciência prática,
mas, sobretudo, especulativa. Ainda, na filosofia, umas ciências são práticas; outras,
especulativas; a Teologia compreende essas duas perspectivas. Porém, a Teologia
é mais especulativa do que prática porque se refere mais às coisas divinas que aos
atos humanos. E isso se explica pelo fato de os atos, por eles, ordenarem o homem
ao pleno conhecimento de Deus, que consiste na bem-aventurança eterna.42
Esta questão já era objeto de discussão por vários teólogos. Dentre eles, aqueles
da Ordem franciscana (como Boaventura) e aqueles da Ordem dominicana (como
Alberto Magno). Os primeiros acentuavam ser a teologia um saber eminentemente
prático, direcionada para a caridade; os segundos, um saber profundamente especula-
razão de Deus ou de algo que a Ele se refere como a seu princípio ou ao seu fim”.48
E conclui: ainda que não possamos dizer quem Ele “é”, podemos dizer dos efeitos
que ele produz na ordem da natureza ou da graça; tudo aquilo que esta ciência trata
está referido e compreendido em Deus.
No artigo 8, Tomás investiga se a teologia se vale de argumentos. E isso parece
insustentável: os argumentos são fracos e, por isso, rejeitados quando se busca a fé;
caso se valesse de argumentos, seriam com base na autoridade e na razão: o primeiro
não é digno de ciência e se compreende como o mais fraco de todos; o segundo,
corrompe o status de ciência. Contudo, exorta Paulo, na Carta a Tito, que os fiéis se
assegurem do ensinamento seguro, segundo a sã doutrina; ela será capaz de refutar
os adversários. Por isso, deve a doutrina sagrada disputar com aquele que nega seus
princípios, valendo-se então da argumentação. Ora, a teologia não utiliza a argu-
mentação para demonstrar seus princípios, mas parte deles para manifestar outras
verdades (da ressurreição de Cristo para a ressurreição dos homens). E assim Tomás
conclui: ainda que argumentos sejam impróprios para explicar a fé, podem, com base
nos artigos da fé, evidenciar outras verdades; as ciências sagradas apropriam-se de
argumentos de autoridade porque vêm da revelação. Tais argumentos são os mais
elevados e eficazes; porém, recorre aos argumentos da razão não para provar a fé,
mas para explicar alguns pontos da sabedoria divina.49
A necessidade da filosofia para a teologia é legitimada e assegurada por Tomás,
como é possível observar em todas as suas obras. “Trata-se, aliás, de uma con-
sequência lógica do seu modo de conceber as relações entre fé e razão, segundo
o princípio da harmonia, que prevê uma colaboração recíproca entre essas duas
fontes de verdade”.50
4. Fontes da Teologia
Para Tomás de Aquino, a fonte primaz da teologia é a Sagrada Escritura,64 e isso
se evidencia em sua especulação teológica: os dados da fé, os princípios e a verdade
fundamental são derivados da Revelação, quer dizer, do texto sagrado. Não somente
é o único livro do teólogo, mas sua autoridade segura, da qual pode argumentar com
necessidade. Assim, nenhuma outra fonte pode lhe oferecer tamanha autoridade:
“se o argumento de autoridade fundado na razão é o mais fraco de todos, o que está
fundado sobre a revelação divina é o mais eficaz de todos”.65 Por isso, cabe ao teó-
logo ater-se estritamente às Escrituras, não podendo, como sublinha Tomás na Suma
Teológica – livro I, questão 36, artigo 2, “atribuir a Deus o que não se encontra na
Sagrada Escritura, nem por palavras, nem pelo sentido”.66
Na questão 39, artigo 2, o Santo Angélico reafirma esta máxima: “nada se deve
afirmar de Deus que não esteja expresso pela autoridade da Sagrada Escritura”.67 Por
isso, tal deve ser a regra áurea para o teólogo:68 “primeiro, que a verdade da Escritura se
mantenha inconteste. Segundo, como a Escritura divina pode ser interpretada de várias
maneiras, ninguém deve aderir a uma das interpretações, se constatasse por razões certas
Conclusão
Para Tomás de Aquino, a Teologia é uma ciência, alicerçada na revelação divina.
Visa, estritamente, conhecer Deus e tudo o que dele procede. Para tal, reveste-se de
profundo rigor e sistematicidade em seu procedimento investigativo. Constitui-se de
um objeto próprio, Deus; de um fim último, acessar a natureza divina; de um método,
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REFERÊNCIAS
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã – Desde
as origens até Nicolau de Cusa. Tradução: Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 2007.
COSTA, José Silveira da. Tomás de Aquino: a razão a serviço da fé. São Paulo:
Moderna, 1993.
GEFFRÉ, Claude. Teologia como ciência. In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica.
v. 1. Tradução: Aldo Vannucchi et al. São Paulo: Loyola, 2001.
Introdução
O presente capítulo faz uma breve reflexão filosófico-teológica da relação entre
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história e teologia da revelação, quer dizer, da revelação como história. Para isso,
faz-se necessário recorrer aos conceitos de história, de consciência e de fé; e, no
uso de tais conceitos, buscar integrar a revelação de Deus na experiência concreta
da vida humana, considerando, necessariamente, as bases ontológico-existenciais
como espaço privilegiado do manifestar divino. Sem as características culturais de
historicidade e da antropologia teológica, certamente a revelação de Deus seria algo
deslocado, deixando de ter o valor fundamental e absoluto para o ser humano como
criatura inserida neste mundo.
Mesmo com todos os limites previstos no contexto da recepção histórica da
revelação, todavia, aquilo que o aforismo hegeliano coloca no prefácio da obra Prin-
cípios da Filosofia do direito,2 indicando a razão como a “rosa na cruz do presente”,
diferentemente, aqui, à luz da tradição mais religiosa que filosófica, pode-se alterar
a máxima de Hegel, pois a rosa das rosas nos sofrimentos da humanidade, a “reve-
lação”, torna-se rosa perene para a fé cristã, desabrochada por definitivo no mistério
pascal de Cristo como revelação plena de Deus e como superação da morte e da cruz
do presente. Jesus Cristo insere o ser humano num lugar onde a razão por si mesma
não consegue levá-lo. Citamos Hegel, não por acaso, pois foi o grande filósofo da
história, contudo, inebriado pelos encantos da razão, acabou preso nas tramas de
tal razão, dando sua contribuição, embora confundindo o Absoluto com a plena
realização da razão.
Diferente do viés filosófico grego, a tradição bíblica vai entender a vida como
experiência efetiva com o Deus único e verdadeiro. Javé é aquele que participa da his-
tória do povo, sofre com ele e o socorre em seus dramas e sofrimentos. Então, torna-se
obrigatório, mesmo que de forma sumária, recorrer à história contida na Sagrada Escri-
tura, sobretudo a vida de Jesus Cristo como dado definitivo e encarnado da revelação de
Deus. Certamente, a contribuição da razão histórica se faz necessária para reconstituir
o caminho da consciência do homem bíblico; diferente disso, os dados contidos na
Escritura tornar-se-iam anacrônicos e sem nenhuma utilidade para o tempo presente.
1 Doutor em Teologia pela PUC-Rio; Professor de teologia sistemática na Faculdade de teologia do Centro
Universitário Salesiano de São Paulo, UNISAL, Campus Pio XI.
2 HEGEL, G. W. F. Princípios da Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. XXXVIII.
46
Basicamente nosso estudo pode ser definido por três momentos: um primeiro,
quando procuraremos formular o conceito de história, historicidade e fé à luz da
razão moderna; um segundo momento, em que confrontaremos o tema da revelação
de Deus na história à luz da tradição teológico-bíblica, olhando, sobretudo, a revela-
ção em Jesus Cristo; um terceiro momento, como conclusão, no qual sinalizaremos
para alguns desafios históricos do mundo de hoje e a fragilidade das mediações para
a experiência de fé. Tais fragilidades ocasionam todo tipo de incredulidade ou de
práticas religiosas puramente subjetivas. Elas, nas muitas vezes, estão forjadas no
sonho de um progresso puramente secular que substitui as ideias de providência e
revelação da tradição cristã.3 Finalmente, há de se perguntar: como conciliar história
e revelação à luz da secularização intensa do mundo de hoje? Haveria lugar para a
fé, para a religião? De algum modo são questões que nosso estudo procura refletir
mesmo que de modo limitado.
3 LÖWITH, Karl. Meaning in History. Chicago; London: The University of Chicago Press, 1949. p. 10.
4 HENRIQUE, C. de Lima Vaz. Ontologia e história. São Paulo: Loyola, 2001. p. 168.
5 LÖWITH, K. Weltgeschichte und Heilsgeschehen. Die theologischen Voraussetzungen der
Geschichtsphilosophie. Stuttgart; Weimar: Verlag J. B. Metzler, 2004. p. 16.
6 FORTE, Bruno. Teologia da história. Ensaio sobre a Revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus,
1995. p. 11. Para os estoicos, a repetição do ciclo cósmico incluía a repetição da história humana no seu
conjunto. Com a repetição do ato cosmogônico, o tempo concreto é projetado para o tempo mítico, in illo
tempore; a realidade é adquirida em virtude da repetição ou participação. O esforço de superação de tal
imaginário será demonstrado em Platão, elevando tal visão mítica à condição de filosofia, buscando assim
responder às questões inerentes ao sentido da “cruz do tempo” e da história.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 47
17 LÖWITH. Weltgeschichte und Heilsgeschehen, p. 118. O autor comenta que os gregos foram mais humildes,
pois não estavam preocupados em buscar o sentido final da história; contentavam-se em contemplar as
maravilhas do cosmo, explica-se assim a teoria do eterno retorno.
18 VAZ. Ontologia e história, p. 180ss.
19 LÖWITH. Weltgeschichte und Heilsgeschehen, p. 13.
20 Ibid., p. 67. A diferença entre Agostinho e Hegel consiste em que este vai enquadrar a religião cristã na
perspectiva especulativa, racional. A tarefa da história é que a religião apareça como razão humana.
21 Ibid., p. 41.
22 VAZ. Ontologia e história, p. 166.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 49
mica que pode melhor ser compreendida à luz do olhar da tradição judaico-cristã;
tal perspectiva supera certo fechamento histórico da estrutura cíclica do mundo da
antiguidade grega.28
O conceito de historicidade está relacionado ao historicismo; obviamente,
adquire um sentido mais complexo a partir do movimento história-consciência,
sobretudo no existencialismo. Sua finalidade se concentra na verdade da história,
contrapondo ao anseio de busca do ideal metafísico.29 Não obstante, ele exprime
também o movimento da história e suas implicações efetivas na vida e na cons-
ciência do ser humano. É a pessoa que faz e sofre os resultados da própria história;
também ela, relê a história no seu conjunto de significados; atualizando-a para o
presente. Já no sentido existencialista, em Heidegger, sobretudo a historicidade, de
uma parte, busca-se superar o relativismo historicista; assim, procura esforça-se, de
outra parte, em vista de conduzir a reflexão sobre o homem ou o aprofundamento
da subjetividade para além do naturalismo positivista.30 Como entendeu Blondel, ou
o homem se fecha definitivamente na sua condição de finitude ou, ao contrário, se
abre arriscadamente ao infinito.31
23 Ibid., p. 166.
24 PANNENBERG. Anthropologie in theologischer Perspektive, p. 478. O teólogo luterano entende que Heidegger
concebeu a historicidade do homem como uma constante de sua estrutura existencial que precede a toda
experiência histórica concreta.
25 Ibid., p. 488.
26 LÖWITH, K. Significato e fine della storia I presupposti teologici della filosofia della storia. Milano: Il Saggiatore
S.P.A., 2010, p. 17s. Sem entrar nos pormenores dos debates, sobretudo no contexto moderno, “primeira
natureza” quer significar o mundo posto como tal diante do homem. Ela representa todas as coisas intocadas
na sua forma de ser. Aquilo que seria cunhado como mundo natural. Ao dizer que a história contrapõe a
tal realidade, então a filosofia vai falar de uma “segunda natureza”; essa segunda, nada mais seria que a
intervenção racional do ser humano diante das realidades, é a cultura como tal.
27 LÖVITH. Weltgeschichte und Heilsgeschehen, p. 15.
28 ABBAGNANO. Dicionário de Filosofia, p. 503.
29 PINAS, Romildo Henriques. A salvação para todos. São Paulo: Loyola, 2018. p. 126.
30 VAZ. Ontologia e história, p. 185.
31 FRIES. Heirich. Teología Fundamental. Barcelona: Herder, 1987. p. 281.
50
32 TAYLOR, Charles. Uma era secular. São Leopoldo: Unisinos, 2008. p. 41ss.
33 LÖWITH, Karl. El Hombre em el centro de la historia. Barcelona: Herder, 1998. p. 253.
34 FRIES. Teología Fundamental, p. 269.
35 PANNENBERG, Wolfhart. Grundfragen systematischer Theologie. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht,
1967. p. 22.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 51
inserida na dinâmica da vida, fato que ocorre mesmo quando a pessoa se encontra
situada no tempo e no espaço. Na verdade, a pessoa é solidária com o passado histó-
rico de sua existência, e, ao mesmo tempo, dele se liberta e se projeta livremente na
direção do futuro como transcendência e mistério. Futuro esse já realizado na pessoa
de Jesus Cristo como plenificador da história do homem. O sentido de historicidade
quer, de certa maneira, se opor ao conceito de historicismo; almeja compreendê-lo
numa perspectiva dinâmica, de modo que ao reconhecer os fatos e eventos aconte-
cidos no passado, a história se encarrega de atualizá-los no seu viés transcendental.
Naturalmente, quando esses eventos são eventos religiosos, então essa atualização
projeta tais acontecimentos para o um futuro escatológico, absoluto.
Como ficou patente, sobretudo na primeira parte do século XX, a teologia da
história permite à fé cristã corrigir o rigor cético da teologia existencial de R. Bult-
mann e Gogarten, ao entenderem que a história se resolve na simples historicidade
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36 Ibid., p. 22.
37 PANNENBERG, Wolfhart. Offenbarung als Geschichte. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1965. p. 91.
38 GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 2002. p. 256.
39 VAZ. Ontologia e história, p. 196.
52
Quando se olha para o ser humano como um ser religioso, pode-se dizer que o
sentido da revelação é caracterizado pela autocompreensão de toda religião como de
valor divino. Barth havia entendido isso quando atestou que a revelação é a “palavra de
Deus” pronunciada na história humana.45 Uma síntese textualmente encantadora como
dinâmica histórica da revelação de Deus está belamente esculpida como que um florão
no portal de entrada para a Carta aos Hebreus; nela estampa o caminho histórico da
autocomunicação de Deus ao longo dos tempos: “muitas vezes e de modos diversos
falou Deus, outrora, aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos,
falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo
qual fez os séculos” (Hb. 1,1-2). Esta frase demarca na história da humanidade o valor
progressivo da revelação de Deus e o sentido histórico de sua plenitude na pessoa de
Jesus Cristo, Verbo encarnado. Então, mesmo que brevemente, cabe neste momento
do estudo colocar alguns elementos da história da salvação como traços constitutivos
da experiência de Israel e das comunidades cristãs, essas últimas fundadas em torno
da pessoa de Jesus Cristo como plenitude da revelação de Deus.
40 SCHILLEBEECKX, Edward. História humana revelação de Deus. São Paulo: Paulus, 2003. p. 33ss.
41 VAZ. Ontologia e história, p. 175.
42 PANNENBERG. Offenbarung als Geschichte, p. 497-498.
43 PANNENBERG, Wolfhart. Uma historia de la filosofía desde la idea de Dios. Salamanca: Sìgueme,
2001. p. 222.
44 VAZ. Ontologia e história, p. 185.
45 QUEIRUGA, Torres Andrés. A revelação de Deus na realização humana. São Paulo: Paulus, 1995. p. 20.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 53
e da tomada da terra como marcos da justiça de Javé55 (Ex. 19, 4-6). A opção pela
monarquia, exigência feita ao último Juiz, Samuel, se aos olhos políticos poderia
indicar que Israel estava progredindo como Nação, aos olhos da fé na revelação, tal
ato indica uma apostasia, pois somente Javé deveria ser realmente Rei. Não obstante
o dilema, Deus aceita o pedido do povo, mas que o rei seja uma mediação de justiça
e santidade. De algum modo, isso será retratado na figura do rei Davi. Contudo a
monarquia fracassou pois, o povo foi infiel, os reis falharam na sua submissão ao
Senhor; doravante, aquilo que Davi representava, a unidade do povo, com sua morte
e com os conflitos sucessivos, vai desaguar na divisão do reino do Sul e do Norte,
bem como na deportação do povo para a Babilônia.
O profetismo teve papel decisivo para desenvolver em Israel uma consciência
messiânica contida primordialmente na palavra como instrumento da autocomunica-
ção divina. É relevante recordar que o profeta era identificado com a “boca de Deus”.
Todo verdadeiro profeta fala em nome de Deus.56 O tema da revelação mediante a
“palavra de Deus”, no Primeiro Testamento, pode ser expresso em três aspectos bem
definidos: a iniciativa do Senhor; a resposta humana; o efeito da palavra sobre a
vida e a história do povo.57 A linguagem profética e apocalíptica vai prenunciar o dia
de Javé, prevendo uma época messiânica, tempo em que Deus mandará o Messias
libertador, o Justo, o Príncipe da paz (Is. 7,1-25; 9,1-6; 11,1-16); ele será um Bom
Pastor (Ez. 34,23-31) ou será ainda identificado com os que sofrem; será humilde
e agirá em favor dos fracos; será o Redentor do mundo (Is. 42, 1-9.18-25). Dentro
da moldura profética houve espaço para formular o sentido revelador de Deus na
pessoa de Jesus Cristo. Para a tradição neotestamentária, Jesus é a verdade de Javé,
que se fez carne, tornando-se o Messias de Deus, o Libertador. Abstendo-se de
considerar a visão progressiva da revelação em Israel, se tornaria incompreensível
o mistério de Deus revelado em Jesus de Nazaré. Deus é conhecido primeiro por
sua manifestação no cosmo. Depois, se revela por suas sucessivas intervenções na
55 Ibid., p. 305.
56 FORTE, Bruno. Teologia da História. Ensaio sobre a Revelação, início e a consumação. São Paulo: Paulus,
1995. p. 127.
57 Ibid., 127.
56
história. Cada uma dessas revelações, ultrapassando aquela que veio antes, não a
destrói, por sua vez, a assume.58
Não obstante todas as contradições, a literatura veterotestamentária, tanto as
grandes fontes Javista, Eloísta, Deuteronomista ou Sacerdotal, quanto textos profé-
ticos ou sapienciais vão identificar, ao longo de séculos, que na base da constituição
da nação de Israel está a ação de Deus. Javé é um Deus permanentemente atuante
na vida do povo, fato que acontece desde o chamamento de Abraão, dos grandes
patriarcas, da libertação da escravidão no Egito por meio de Moisés. Os textos do
Pentateuco evidenciam a fidelidade de Javé e a renovação contínua de sua promessa.
Se a promessa fracassa, não é da parte de Javé, mas consequência da infidelidade do
povo.59 A história de Israel é constituída pela tradição relacional entre Javé e o povo.
Trata-se de um drama permanente e não pouco conflituoso, pois o povo é inclinado à
idolatria e à infidelidade. Esse dado contrapõe-se ao sentido de exclusividade exigido
58 DANIÉLOU, Jean. Sôbre o mistério da história. A esfera e a cruz. São Paulo: Herder, 1964. p. 127.
59 BÖTTIGHEIMER. Manual de Teologia Fundamental. A racionalidade da questão de Deus e da revelação, p.
199s; FRIES. Teología Fundamental, p. 304-306. É significativo observar que o clima vivido no Egito colocava
em xeque a relação de Israel com Javé. O Deus dos pais tornava-se fraco diante do poder régio. O evento
de libertação torna-se um marco para Israel, pois Deus mostra sua justiça e poder por meio de Moisés. A
saída do Egito torna-se um marco etiológico para as futuras gerações conforme a história ulterior. As crises
que vão surgir em Canaã, o dilema diante dos deuses estranhos, tudo isso reflete a vulnerabilidade da fé e
a necessidade de resgatar os fundamentos da tradição dos pais.
60 FISICHELLA, Rino. Introdução à Teologia Fundamental. São Paulo: Loyola, 2000. p. 71.
61 FRIES. Teología Fundamental, p. 304.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 57
um ocultar, pois sempre vai supor a fé; Deus nunca vai se mostrar frente a frente,
mas de costas (Ex. 33,23) ou por suas mediações, Moisés, Elias, Jesus.67
Ainda cabe considerar, já que faz parte do processo revelatório, a perspectiva de
futuridade. Pois o passado e o presente estão em vista do futuro de Deus. Conforme
o profetismo, a marcha em direção ao futuro demarca o destino da promessa de Deus
feita a Israel. Todos os acontecimentos, por maiores que pareçam ser, apontam para
o acontecimento pleno e definitivo do agir de Deus como cumprimento, plenitude e
realização de seu reinado.68 Não pretendemos desenvolver no presente estudo, mas
a perspectiva de futuro está amplamente delineada tanto no profetismo quanto na
literatura apocalíptica. Essas literaturas vão abrir horizonte para a esperança judaica
do Messias como o enviado de Deus. A esperança messiânica torna-se mais nítida,
sobretudo, nos últimos dois séculos que antecedem a Encarnação do Verbo.
Finalmente, há de se perguntar: como Israel chegou à noção de uma história
Deus, outrora, falou muitas vezes e de várias maneiras, mas nestes dias, que são
os últimos, falou por meio de seu Filho (Hb. 1,1s).
O kerigma primitivo dos cristãos teve como motus central a profissão de fé
em Jesus Cristo como revelação salvífica e plena de Deus. Esse dado perfaz todo o
Segundo Testamento. Sua confirmação busca assentar nos fundamentos da tradição
veterotestamentária, sobretudo a profética e apocalíptica. Por isso, os textos cristãos
terão de recordar a tradição da espera messiânica. É neste diapasão que se enqua-
dram os textos paulinos ou os Evangelhos para explicarem a fé na pessoa de Jesus
de Nazaré como plenitude do evento progressivo da revelação de Deus. Jesus, com
sua missão, seus ensinamentos, curas e fidelidade ao Pai, revela a verdade perfeita
como Palavra vinda de Deus. O projeto do reino é o ápice de tudo aquilo que os
antigos já esperavam; daí entender porque muito cedo Jesus receberá todos os títulos
messiânicos da tradição veterotestamentária: Messias, Salvador, Filho do Homem etc.
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A verdade de Jesus como Cristo foi confirmada para as comunidades cristãs com sua
morte de cruz e ressurreição. Pela ressurreição Deus se revela como verdade cabal
na pessoa de seu Filho amado; por isso ele será professado como o Cristo, Ungido
de Deus. Aquilo que era esperado como futuro na perspectiva profético-apocalíptica
agora tornou-se realidade visível e presente.
O Segundo Testamento diz que é no destino de Jesus Cristo onde encontramos
um fim definitivo e já antecipado para a automanifestação de Deus. Instante em que
a soberania de Javé entra concretamente na história humana: “Agora meus olhos
viram a salvação” (Lc. 2,30). Não por acaso, Paulo aos Gálatas alude à plenitude
dos tempos, pois no tempo presente, continuação dos tempos de outrora da Antiga
Aliança, Deus fala por meio de seu Filho. Na sua vida, morte e ressurreição, a história
chega ao seu Pleroma.72 Todo homem, de agora em diante, sabe o que lhe espera
no futuro. Jesus situa nossa realidade vital à luz da decisão última, Ele nos justifica
definitivamente pela autorrevelação de Deus na história.73 A manifestação histórica
(Encarnação), revelação por mediação humana, confronta a tradição judaico-cristã
com a mentalidade gnóstica que via uma revelação direta de Deus ao mundo.74 No
mesmo diapasão do Primeiro Testamento, a fé dos primeiros cristãos é uma fé demar-
cada pela história; ela resulta da experiência com Jesus Ressuscitado.75
Na Palavra feita pessoa, realiza-se de maneira perfeita o dabar do Primeiro
Testamento, pois Jesus Cristo não somente fala as palavras de Deus, comunicando a
verdade do reino do Pai; ele mesmo provém de Deus como Filho, como Verbo eter-
no.76 Por isso, os Evangelhos estão recheados de expressões que objetivam desvelar
a intimidade de Jesus e sua autoridade como alguém que veio de Deus e, por isso, o
revela por excelência. “ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o
Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt. 11,27). A manifes-
tação de Jesus como profeta singular, os seus feitos, milagres e prodígios, sobretudo
o culminar de sua vida com a cruz e ressurreição, tornam-se chave de interpretação
para todo o desenrolar dos tempos, desde a protologia até ao éschaton. Vários textos
neotestamentários vão usar expressões como “‘nova criação”, “nova aliança” etc. Ao
ler a passagem de Isaías na sinagoga de Nazaré, Jesus certifica que aquela profecia
havia se tornado realidade: “hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem
da Escritura” (Lc. 4,18s. 21).77 Ao fazer tal afirmação, Jesus mostra que para seus
seguidores, diferente do que era vivido na tradição antiga, Deus não é mais o Deus
da promessa, mas da realização no agora da história.78 Os vaticínios messiânicos em
favor dos pobres e sofredores tornaram-se realidade em Jesus de Nazaré. Por sua
vez, cabe observar, embora já tendo presente a plenitude da revelação de Deus em
77 Ibid., p. 134.
78 FIRES. Teología Fundamental, p. 323.
79 Ibid., p. 326.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 61
fé e razão, entre revelação natural e sobrenatural, contudo não foi resolvido a contento.
Na verdade, perdura até nossos dias uma cultura que se tornou obstáculo para admitir
um sentido transcendente para a história, sentido que responda pelo fim último da
realidade; trata-se de uma cultura fechada, imanente.80
Charles Taylor usa a expressão “estruturas de mundo fechadas” para indicar
o novo modo do ser humano lidar com as realidades que o circunda. Isso possibi-
lita levantar questionamentos sobre verdades que até então eram intocáveis, como
exemplo os “transcendentais”.81 Na verdade, todo arcabouço moderno que Taylor
demarca a partir de 1500 vai-se aprofundando progressivamente até chegar a uma
sociedade fortemente marcada pela secularização, pela autonomia da razão, pela
crítica à cristandade e o fechamento diante do sagrado, sobretudo nos moldes pro-
postos pela fé cristã do modelo de cristandade. O contexto histórico hodierno deu
total autonomia ao ser humano; com isso, não cabem mais mediações que dificul-
tem o acesso direto às realidades. Mesmo quando a pessoa professa uma fé, o faz
fora da ortodoxia das instituições, não tendo que aceitar os dogmas e preceitos.82 A
autossuficiência da razão gerou grande ceticismo perante temas como revelação, fé e
transcendência. Desde o século XVII que o pensamento ocidental inicia a trajetória
de esvaziamento da metafísica; esse ocorrido atingiu frontalmente os dados da fé
na revelação, pois esses são de cunho sobrenatural, não podem estar estritamente
fechados à história e à razão.
O modo de a razão moderna abordar as realidades produziu agudo esvaziamento
do sentido integral do saber humano. A epistemologia clássica procurou construir
o conhecimento das realidades à luz dos fundamentos racionais e ontológicos, fun-
damentos pautados pela ideia de perfeição, de absoluto e de mistério. A inversão
do modelo clássico com a reviravolta epistemológica kantiana resultou no apogeu
reducionista da razão instrumental que não concedia mais espaço para o mistério e
para a ontologia no sentido integrador do ser como tal. Tal cenário fecha as portas
80 FRANÇA, Mario Miranda. Vislumbres de Deus. São Paulo: Paulinas, 2019. p. 31.
81 TAYLOR. Uma era Secular, p. 655s.
82 Ibid., p. 603.
62
83 MOINGT, Joseph. Deus que vem ao homem. Do luto à relação de Deus. v. I. São Paulo: Loyola, 2010. p. 83.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 63
Conclusão
A título de conclusão vamos sinalizar três pontos que podem ajudar a pensar a
crise contemporânea diante do conteúdo da revelação e da história humana. Certa-
mente, haveria muitos outros pontos, contudo aqui não é possível elencá-los.
a) O homem é ser de razão, mas também dotado de espiritualidade (fé). Ele
sempre buscou um sentido transcendente para sua vida. A pessoa almeja a totalidade
de sentido, pois o termo “Deus” insere a criatura numa realidade maior, garantindo
a pergunta pelo sentido fundamental e último da história.86 A crise antropológica
ocorreu a partir do momento em que a pessoa inebriada pela beleza da razão se
esqueceu que era também criatura dotada de uma espiritualidade, de um existencial
que não de contrapunha a Deus, mas o guiava para Ele. O racionalismo resultou no
desequilíbrio entre fé e razão, pois seguindo um instinto prometeico, a criatura quis
assumir o lugar de Deus ou negá-lo racionalmente.
As consequências da dissociação antropológica estabelecida pela razão
moderna, como se sabe, resultam evidentemente numa mudança radical na forma
do ser humano se relacionar com o mistério. Para o pensamento clássico, pela
“fé racional” o homem recebe a revelação como dom e graça, pois essa, mesmo
pressupondo o antropológico e o natural, resulta da livre autocomunicação gra-
tuita de Deus.87 A modernidade, sobretudo as teorias deístas, querem colocar a
revelação dentro da moldura racionalista, resultando, assim, num reducionismo
da fé aos limites da pura razão. Trata-se de um neopelagianismo sofisticado e que
não consegue integrar o mistério da revelação à história unitária do ser humano
84 RAHNER, Karl. Grundkurs des Glaubens. Freiburg, Basel, Wien: Herder, 2008. p. 51s.
85 João Paulo II. Carta Encíclica Fides et Ratio: sobre as relações entre fé e razão. São Paulo: Paulinas,
1998. n. 1-6.
86 FRANÇA. Vislumbres de Deus, p. 63s.
87 FISICHELLA. Introdução à Teologia Fundamental, p. 70s.
64
REFERÊNCIAS
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MOINGT, Joseph. Deus que vem ao homem. Do luto à relação de Deus. v. I. São
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POUSSEUR, Robert; TEISSIER, Jacques. Gli interventi di Dio nella storia degli
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RAHNER, Karl. Grundkurs des Glaubens. Freiburg, Basel, Wien: Herder, 2008.
Introdução
Dizer algo sobre a acolhida da revelação divina como condição para a realização
humana tem sido uma prática de teólogos da contemporaneidade, em cuja percepção
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desta tese já se deram conta. Dito de outra forma, compreendemos que todos os
seres humanos procuram, naturalmente, ser felizes; do ponto de vista teológico, essa
felicidade se efetiva melhor na medida em que o humano acolhe a oferta que Deus
mesmo disponibiliza a ele. Ressaltamos que a resposta ou acolhida da oferta divina
é inerente à própria existência da criatura em processo de contínuo crescimento na
sua genuína humanidade. Em vista disto, compreendemos que a realização humana
se dá mais fortemente na medida em que acontece a efetivação dessa felicidade.
O presente capítulo tem como fio condutor o seguinte questionamento: a “rea-
lização humana” tem relação com a “busca de sentido na vida” ou a vida postula um
sentido que a transcenda? Deus tem relação com a questão de sentido e de realização
humana? Se tem, então, por que ainda é visto como hostil a uma vida de gozo e
felicidade? Cristo é um mestre do sentido ou a revelação e a encarnação mesmas do
sentido que, consciente ou inconscientemente, todos buscamos?
Partimos destas questões com a seguinte tese: a partir da perspectiva cristã, enten-
demos que a tão almejada felicidade ou realização, a que todo ser humano busca, se efeti-
vará na máxima medida em que o humano captar a genuína ontologia do Transcendente,
isto é, do Deus Trindade e acolher a sua fascinante e misteriosa oferta. Para embasarmos
este pensamento, refletiremos sobre a busca primária do ser humano contemporâneo e
sobre o aprofundamento no sinuoso processo de acolhida da revelação divina.
1 Doutor em Teologia Pastoral pela UPS-Roma. Mestre em Teologia pela UPS-Roma, com especialização em
Pastoral Juvenil. Bacharel em Teologia pelo ITESP, Bacharel em Filosofia pela PUC-Campinas. Sacerdote
e religioso Estigmatino. Foi Assessor Provincial da Pastoral Juvenil e Conselheiro Provincial e responsável
pelo Setor Pastoral. Membro da Secretaria Geral no Sínodo para a Amazônia.
2 Pós-Doutorado em Filosofia (UFPR); Pós-Doutorado em Educação (PUC-Campinas); Doutor em Teologia
Sistemática (PUCRJ). Doutorando em Filosofia (UFPR). Mestre em Educação (PUC-Campinas). Professor
da Faculdade de Teologia da PUC-SP.
70
8 MIRANDA, Mario de França. Igreja e Sociedade. São Paulo: Paulinas, 2009. p. 110.
9 QUEIRUGA, Andrés T. Recuperar a Criação. Por uma religião humanizadora. São Paulo: Paulus, 2011. p. 78.
72
12 QUEIRUGA, Andrés T. Repensar a revelação. A revelação divina na realização humana. São Paulo: Paulinas,
2010. p. 210.
13 QUEIRUGA, Andrés T. Recuperar a Criação. Por uma religião humanizadora. São Paulo: Paulus, 2011. p. 211.
14 RAHNER, Karl. Antropologia teologica. In: SACRAMENTUM MUNDI. Barcelona: Herder, 1974. p. 282.
74
referente questão é uma exigência humana, posto que, para Rahner, graças à sua natureza
espiritual o ser humano é capaz de Deus e é essencialmente aberto ao Infinito, a Deus.
Sendo aberto à vida, o caminho da realização não é a morte, mas a doação.
Assim, podemos compreender a realidade humana a partir da revelação divina,
principalmente aquela em Jesus de Nazaré. Ele é o grande sinal da aliança divina
com a humanidade. A verdadeira consistência da criatura, portanto, está então na sua
existência, ou seja, na sua capacidade de estar fora (ex-sistere), de abrir-se ao Outro
e de hospedá-lo em si. Nisso tudo, a consciência tem sua função relevante, já que é
exatamente isso que nos distingue dos demais seres criados. Temos consciência de nós
mesmos e de nossa condição e não só isso; temos a imaginação que nos impulsiona
à frente, à vida, à felicidade. A luta para fugir do sofrimento e da tristeza, a luta por
se afastar da morte traz em si uma grande verdade: somos seres criados para a vida
realizada, feliz. Ressaltamos que é a partir desse horizonte que o ser humano avança
Nesse sentido, estão embutidas posturas na liturgia, como: o uso de véus, comunhões
de joelhos e na boca, que representam mais uma mentalidade de “pureza” adquirida
pelo esforço pessoal do que a mentalidade de participar do sacrifício eucarístico
como um “dom” da Páscoa do Senhor. Tratam-se de certas práticas de piedade que,
na verdade, trazem para a vivência religiosa as mesmas vaidades dos pecados capi-
tais. Muitos “penduricalhos” acabam por atrapalhar uma espiritualidade encarnada,
simples e acolhedora, ou seja, a espiritualidade que segue os passos do modo de
rezar de Jesus de Nazaré que tanto os evangelhos nos fazem ver. Jesus não preci-
sava de malabarismos e nem de muitos palavreados. Ele, pelo seu modo de falar e
agir, conduzia os seus discípulos ao mistério mesmo de Deus “quem me vê, vê o
Pai” (Jo. 14,1-14). Ele não seduzia as atenções para si, com atitude de vaidades e
nem de exibicionismos pueris. Tanto é verdade que, tudo leva a crer que até quando
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alguns discípulos tinham alguma resistência às suas atitudes e revelavam uma certa
infantilidade, Ele era certeiro para deixar que seguissem suas vidas em um caminho
diferente do seu caminho: “querem ir embora também?” Ao que Pedro responde: “a
quem iremos Senhor, só tu tens palavras de vida eterna” (Jo. 6,60-69).
Jesus, dada a sua exigência, fez com que o povo, de seu tempo, seguisse-o
com fervor. E os discípulos o seguiram com mais consciência para assim combater
qualquer atitude de espiritualidade descarnada a partir da acolhida das exigências de
Jesus. Ao refletir sobre essa realidade indagamos: o que entendemos por espirituali-
dade desencarnada e sentimentalista? Deste modo é possível entender que:
15 QUEIRUGA, Andrés T. Recuperar a Criação. Por uma religião humanizadora. São Paulo: Paulus, 2011. p. 79.
76
Conclusão
Neste capítulo, partimos do entendimento de que a tão almejada felicidade ou
realização humana se efetivará na máxima medida quando captar a genuína ontologia
do Transcendente, isto é, do Deus Trindade. Mas captar o ser divino presente na vida
humana é um desafio que pode e deve ser encarado por todos. O seguimento a Jesus,
mesmo que de diferentes formas, não é enquadrado previamente em explicações, pro-
grama, meta, ideal. Quando Jesus chamava alguém, simplesmente dizia: “segue-me”
(Lc. 9,59). O chamado, no entanto, não é para sair de suas atividades e seguir um modelo
religioso; mais do que isso, é para ressignificar o que se está vivendo e, a partir disso,
orientar todas as ações para uma vida condizente com a vida humana.
Portanto, a busca de felicidade do ser humano está contemplada na revelação
divina, que quer para todos uma vida em abundância. Corresponder a esta revelação
é a grande chave para a realização humana. Não significa, no entanto, vida fácil,
vida alegre o tempo todo, mas vida digna, vida plena. Movido pela revelação divina,
foge-se, então, da ideia de perfeição religiosa e busca-se a inteireza do ser na exis-
tência, ou seja, busca-se o estar por inteiro naquilo em que está inserido e no que
se está vivendo. Essas categorias de “perfeição” e “inteireza”, embora não tenham
aparecido no decorrer da reflexão, representam a distinção necessária para alcançar
a realização humana na cotidianidade da vida.
Uma espiritualidade encarnada, ou seja, com o compromisso pela justiça e pela
vida, estará em consonância com o ensinamento de Jesus: “para que todos os povos
tenham vida” (Jo. 10,10). Este é o fundamento da existência humana, que, superando
a ideia de uma fé como simples aceitação de doutrinas, ou apenas como uma opção
ética, leva o humano ao grau mais alto da sua condição, ou seja, na sua configuração
com a “imagem, conforme a semelhança de Deus” (cf. Gn. 1,26). Somente nesta
consonância, impregnada de sentido de fé que se faz doação é que o ser humano,
no processo constante de acolhida da revelação divina, poderá experimentar a sua
maior realização existencial.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 77
REFERÊNCIAS
BECK, Ulrik, Il Dio personale. La nascita della religiosità secolare. Laterza:
Bari, 2009.
Introdução
O presente capítulo apresenta, inicialmente, um panorama dos primórdios da Igreja
e a temática da sinodalidade; a partir daí, adentra com tal reflexão no contexto do Concílio
Vaticano II (1962-1965) e discorre sobre seus desdobramentos na Igreja do Brasil.
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1. Primórdios da sinodalidade
A primeira experiência, de cunho sinodal, começou no “concílio de Jerusalém”,
ano 49 (cf. At. 15,6-29). Apóstolos e presbíteros reuniram-se com a comunidade para
discutir sobre Antioquia; a decisão, provinda desta reunião, foi comunicada por meio
de uma carta (At. 15, 22). Em vários outros relatos é possível constatar diversas for-
mas de colegialidade, de assembleias reunidas para tratar e resolver assuntos locais,
tendo a participação dos diferentes membros da comunidade (cf. At. 1,14; 6,1-6;
14,27; 1Cor. 5,3,13; 7,17; 11,34; 16,1; Ef. 2, 25-29; Mt. 18,15-17). Tito recebeu o
encargo de completar a formação da comunidade, constituindo, em cada cidade, um
1 Pós-Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Doutor em História
Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Docente e Pesquisados no Programa de
Estudos Pós-Graduados em Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Líder do
Grupo de Pesquisa Religião e Política no Brasil Contemporâneo (PUC SP/CNPq).
2 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, n. 65. Disponível
em: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20180302_sinodalita_po.
html. Acesso em: 20 mar. 2022.
3 Ibid., n. 67.
4 AAS. Acta Apostolicae Sedis 107 (2015), 1139. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/aas/
documents/2015/acta-novembre2015.pdf. Acesso em: 21 jan. 2022.
5 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, n. 7.
80
O fato é que “a Reforma tridentina não admitia nenhum diálogo com o povo
[...]. O resultado foi uma distinção radical entre um povo puramente passivo e um
clero que tinha todos os poderes”.10 O fosso entre clero e laicato se aprofunda; assim,
a Igreja se distancia da sua origem e, por consequência, do estilo sinodal. Além
disso, Trento oficializa disciplinarmente a fundação dos seminários, modelando uma
tipologia de clérigo. De certa maneira, ocorre o prolongamento até a atualidade, com
uma urgência de transformação do modelo.11
entre bispos se tornou uma das questões essenciais para o Concílio Vaticano II.
Provinda de diferentes caminhos científicos – estudos patrísticos sobre eclesiologia,
pesquisas litúrgicas sobre a consagração dos bispos, estudos históricos a respeito
da historia conciliorum e o impulso ecumênico a revisitar a atitude em relação
ao papel do Romano Pontífice – todos marcaram uma mudança na percepção do
tema e de sua centralidade.12
16 SANTOS, B. B. dos. O projeto eclesiológico do Vaticano II. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 12
-n. 48, p. 11, jul./set. 2004.
17 Cf. WOLFF, E. Comunhão, p. 162, 164.
18 KASPER, W. A Igreja católica – Essência, realidade, missão. São Leopoldo: Unisinos, 2012. p. 343.
19 LOPES, Geraldo. Lumen Gentium: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2011. p. 17.
20 SCHILLEBEECKX, E. La Chiesa l’uomo moderno e il Vaticano II. Roma: Edizione Paoline, 1966. p. 159.
21 CIPOLINI, P. C. A identidade da Igreja na América Latina. São Paulo: Loyola, 1987. p. 48.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 83
pneumática; de uma eclesiologia voltada para si mesma para uma eclesiologia vol-
tada para a sociedade contemporânea; de uma eclesiologia societária e corporativa
para uma eclesiologia comunial e colegial; de uma eclesiologia dogmatizada para
uma eclesiologia cristocêntrica; de uma eclesiologia clericalizada e hierarquizada
para uma Igreja de todo o Povo de Deus. Desse modo, o Vaticano II recuperou a
eclesiologia de comunhão dos primeiros séculos da Igreja. É uma Igreja que almeja
deixar-se guiar novamente pelo Espírito Santo, e qualquer modo de uniformidade é
contrário ao Espírito.
5. Francisco e a sinodalidade
O processo sinodal guiado pelo Papa Francisco é verdadeiramente o que se
entende na história por processo: fase preparatória, celebrativa e atuativa.28 O Papa
Graças também ao Sínodo dos Bispos, aparecerá cada vez mais claro que, na Igreja
de Cristo, vigora uma profunda comunhão quer entre os Pastores e os fiéis, pois
cada ministro ordenado é um batizado entre os batizados, constituído por Deus
para pastorear o seu Rebanho, quer entre os Bispos e o Romano Pontífice, pois o
Papa é um Bispo entre os Bispos, chamado simultaneamente – como Sucessor do
apóstolo Pedro – a guiar a Igreja de Roma que preside no amor a todas as Igrejas.33
40 SALES, E. A Igreja na América Latina e a promoção humana. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis,
v. 28, fasc. 3, p. 65, 1968.
41 SALES, E. Uma experiência pastoral em região subdesenvolvida do Nordeste brasileiro. Revista da
Conferência dos Religiosos do Brasil 10, p. 129-136, 1964.
42 TEIXEIRA, F. L. C. A gênese das ceb’s no Brasil. São Paulo: Paulinas, 1988. p. 67-71.
43 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, 106d. Disponível
em: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20180302_sinodalita_po.
html. Acesso em: 20 mar. 2022.
44 Ibid., 116.
88
iniciativas ecumênicas como o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos). É evidente que este
é um “empenho prioritário e critério de toda a ação social do povo de Deus o imperativo
de escutar o grito dos pobres e aquele da terra...”.45 Neste processo histórico, a próxima
etapa das CEBs foi a organização dos Encontros Intereclesiais.
No final dos anos 40, a Igreja no Brasil vivia uma profunda descentralização,
justamente no momento em que o país caminhava para uma centralização.
É neste contexto que o padre Helder Câmara procura unir os bispos numa Con-
ferência episcopal. A fundação da CNBB acontece no Rio de Janeiro, no palácio
São Joaquim (14/10/1952),tendo como 1º Presidente Dom Carlos Carmelo de Vas-
concellos Motta (cardeal arcebispo de São Paulo) e Secretário Geral, D. Helder
Pessoa Câmara (bispo auxiliar no Rio de Janeiro).47 No ano de 1954 foi criada
45 Ibid., 119.
46 PAPA FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. São Paulo: Paulinas, 2013. n. 126; COMISSÃO
TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A sinodalidade na vida e na missão da Igrejan. 73. Disponível em: https://
www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20180302_sinodalita_po. html.
Acesso em: 20 mar. 2022.
47 BARROS, R. C. Gênese 3 consolidação da CNBB no contexto de uma Igreja em plena renovação. In:
INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (org.). Presença pública da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulinas,
2003. p. 26-31.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 89
Planos Bienais (a partir de 1971); a partir de 1974, das Diretrizes Gerais da Ação
Pastoral que, significativamente, desde 1995, muda o nome para Diretrizes Gerais
da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil.
A CNBB – com suas Campanhas (Fraternidade e Evangelização), 12 Comissões
Episcopais de Pastoral para promover a pastoral orgânica, 23 Pastorais Nacionais,
articulando a ação pastoral da Igreja no Brasil, 16 Organismos que representam as
diversas categorias do povo de Deus (a título de exemplo,CNLB, Conselho Nacional
do Laicato do Brasil; CIMI-Conselho Indigenista Missionário, lutando pelo direito
dos Povos Indígenas e a CPT- Comissão Pastoral da Terra com as Romarias da Terra,
posteriormente Terra e Água), 5 Entidades parceiras e vinculadas à Conferência e
18 Regionais – pôde, muitas vezes, vivenciar a sinodalidade da Igreja no Brasil. As
Assembleias dos Regionais, das Províncias, das Dioceses e Prelazias e tantas outras
atividades ligadas a estas, constituem um inerente ardor de uma ação conjunta, um
desejo e ato de caminhar juntos. Eis um sinal de sinodalidade, mesmo com sinais
pontuais de pensamentos e práticas diversos.
A Igreja do Brasil participou e participa ativamente da sinodalidade latino-
americana e caribenha, como, por exemplo, as Conferências Gerais do Episcopado
em Medellín (1968), Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007).
E recentemente, 2014, na organização da REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica).49
As entidades fundadoras da REPAM são: Conselho Episcopal Latino-Americano
(CELAM), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Secretariado da
América Latina e Caribe da Caritas (SELACC), Conferência Latino-Americana e
Caribenha de Religiosos e Religiosas (CLAR).
Conclusão
Enquanto o clericalismo mantiver acento primordial pela “porta central”, a
sinodalidade não “sai correndo”, mas é expulsa pela “janela”. Para que a sinodalidade
48 FREITAS, M. C. Uma opção renovadora. A Igreja no Brasil e o planejamento pastoral, estudo genético-
interpretativo. São Paulo: Loyola, 1997. p. 95-136.
49 Outras informações em: https://repam.org.br/?page_id=868 e https://repam.org.br/. Acesso em: 5 set. 2022.
90
Uma Igreja sinodal é como estandarte erguido entre as nações (cf. Is 11, 12)
num mundo que, apesar de invocar participação, solidariedade e transparência
na administração dos assuntos públicos, frequentemente entrega o destino de
populações inteiras nas mãos gananciosas de grupos restritos de poder. Como
Igreja que caminha junta com os homens, compartilhando as dificuldades da
história, cultivamos o sonho de que a redescoberta da dignidade inviolável dos
povos e da função de serviço da autoridade poderá ajudar também a sociedade
civil a edificar-se na justiça e na fraternidade, gerando um mundo mais belo e mais
digno do homem para as gerações que hão de vir depois de nós.54
50 PAULO VI. Presbyterorum Ordonis: sobre o mistério e a vida dos sacerdotes, n. 15. Disponível em: https://
www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decree_19651207_presbyterorum-
ordinis_po.html. Acesso em: 22 mar. 2022.
51 PAULO VI. Apostolicam Actuositatem: sobre o apostolado dos leigos, n. 2. Disponível em: https://www.
vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decree_19651118_apostolicam-
actuositatem_po.html. Acesso em: 26 mar. 2022.
52 LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II, em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Loyola, 2005. p. 182.
53 PAPA FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 16.
54 PAPA FRANCISCO. Discurso comemorativo dos 50 anos do Sínodo, 2015. Disponível em: https://www.vatican.
va/content/francesco/pt/speeches/2015/october/documents/papa-francesco_20151017_50-anniversario-
sinodo.html. Acesso em: 21 dez. 2021.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 91
REFERÊNCIAS
AAS. Acta Apostolicae Sedis 107 (2015) 1139. Disponível em: http://www.vatican.
va/archive/aas/documents/2015/acta-novembre2015.pdf. Acesso em: 21 jan. 2022.
ESTRADA, J. A. Para compreender como surgiu a Igreja. São Paulo: Paulinas, 2005.
LOPES, Geraldo. Lumen Gentium: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2011.
HTTPS://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_constitutions/documents/papa-
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dez. 2021.
HTTPS://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/october/documents/
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HTTPS://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_06-
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PAPA FRANCISCO CV. Christus Vivit. Para os jovens e para todo o povo de Deus.
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PAPA FRANCISCO CV. Fratelli tutti (FT). Todos irmãos, sobre a fraternidade e a
amizade social. São Paulo: Loyola, 2020.
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PAPA FRANCISCO CV. Vamos sonhar juntos. O caminho para um futuro melhor.
Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.
PAULO VI. PAULO VI. Apostolicam Actuositatem: sobre o apostolado dos leigos, n.
2. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/
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26 mar. 2022.
PAPA FRANCISCO CV. Presbyterorum Ordonis: sobre o mistério e a vida dos sacer-
dotes, n. 15. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vati-
can_council/documents/vat-ii_decree_19651207_presbyterorum-ordinis_po.html
Acesso em: 22 mar. 2022.
Introdução
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1 Missionário Redentorista, presbítero. Mestre em Sagrada Liturgia pelo Pontifício Instituto Litúrgico de Roma,
Ateneo Sant’Anselmo. Doutorando em Teologia pelo Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUC-SP.
Membro do Grupo de Pesquisa Teologia Litúrgica e Inteligência Senciente. Professor no Centro Universitário
Salesiano de São Paulo. Campus Pio XI e no Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP), na área
de teologia sacramental e introdução à liturgia. Secretário-executivo da Associação dos Liturgistas do Brasil.
2 VELASCO, R. A Igreja de Jesus: Processo histórico da Consciência Eclesial. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 53-54.
96
se deu sob a orientação dos apóstolos que, com fidelidade criativa, buscaram, por meio
do testemunho, ações e gestos continuar a missão de Jesus. O livro dos Atos dos Após-
tolos é rico em diversas passagens que apontam a criatividade apostólica. É interessante
anotar que a ministerialidade da Igreja, nas suas primeiras horas, foi engendrada em
meio a uma situação de perseguição. As iniciativas empreendidas por imperadores,
que tentavam fazer calar a voz dos primeiros discípulos de Jesus, dão origem a uma
ministerialidade, sinal de oposição contundente aos que achavam possível a decadência
do grupo dos discípulos do “Caminho”, como eram conhecidos.
Da estrutura deixada pelo Jesus histórico dos 12 apóstolos, dos quais podemos
colher alguns testemunhos dos evangelhos sinóticos4, do Evangelho de João5, dos Atos
dos Apóstolos6, da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios7 e no Livro do Apocalipse8,
aparecerá a diaconia, os diáconos. Estes serão os colaboradores diretos dos apóstolos,
na koinonia de atendimento aos pobres, órfãos, viúvas e os estrangeiros das primeiras
comunidades. Dos testemunhos bíblicos, colhemos que os sete primeiros diáconos rece-
beram a imposição das mãos (gesto herdado do judaísmo) com tarefa de possibilitarem
aos apóstolos um tempo maior de serviço à pregação do Evangelho de Cristo. O gesto da
imposição das mãos, desde o início da Igreja, será utilizado pela comunidade cristã como
um sinal de transmissão de um ministério, por meio da invocação do Espírito Santo.9
Um dos principais serviços exercidos por aqueles que recebiam a imposição
das mãos era o da pregação da Palavra. O ministério da pregação ou anúncio do
Senhor exercia uma dupla tarefa essencial: em primeiro lugar, consistia num modo
de fazer o Cristo Ressuscitado conhecido e de perpetuar os seus ensinamentos; em
segundo lugar, num método eficaz de exortação das comunidades eclesiais primi-
tivas, com o intuito de mantê-las unidas, mas também conscientes do propósito de
3 AZEVEDO, C. P. Onde estamos nós? Uma reflexão histórico-teológica sobre os ministérios na Igreja. In:
SOUZA, N. (org.). Teologia em Diálogo: Os desafios da reflexão teológica na atualidade. Aparecida: Santuário,
2011. p. 380.
4 Nos Evangelhos Sinóticos, encontraremos diversas passagens em que os 12 apóstolos serão recordados
como fiéis colaboradores do próprio ministério de Jesus Cristo. Em Mateus encontraremos 9 referências:
10,1; 10,2; 10,5; 11,1; 19,28; 20, 17; 26,14; 26,20, 26,47; em Marcos, 11 referências: 3,14; 3,16; 4,10; 6,7;
8,19; 9,35; 10,32; 11,11; 14,10; 14,17; 14,43; em Lucas, 7 referências: 6,13; 8,2; 9,1; 9,12; 18,3; 22,3; 22,47.
5 No livro de João, os 12 apóstolos serão recordados por quatro vezes: 6,67; 6,70.
6 No livro dos Atos dos Apóstolos, encontraremos apenas uma única referência: 6,2.
7 O Apóstolo dos gentios, recordando as manifestações de Jesus após a sua ressurreição, recorda que
apareceu a Céfas e depois aos doze: 15,5.
8 No livro do Apocalipse de São João, encontraremos uma menção aos apóstolos: 21,14.
9 FERRARO, G. Ordem/ordenação. In: SARTORE, D.; TRIACCA, A. M. (org.). Dicionário de Liturgia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 828-829.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 97
Além de Pedro e dos Onze, a comunidade cristã não recebeu nenhum ministério
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10 BISCONTIN. C. Pregar a Palavra: A ciência e a arte da pregação. Brasília: CNBB, 2015. p. 32.
11 WEIZENMANN, M. Os Ministérios na Igreja. Teologia em Questão, Taubaté, ano XVI, jul./dez. 2017. p. 15.
12 COSTA, A. D. Os ministérios no Novo Testamento. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, ano VII, p. 64,
abr./jun. 1999.
98
Todos os esforços da Igreja, que tem por fim dilatar o Reino de Deus e comunicar
a salvação dada a nós no Mistério Pascal de Cristo, são feitos através dos ministé-
rios. Eles constituem a força da Igreja e é através deles que ela realiza sua missão
e vocação: instaurar o Reino de Deus.13
13 MAZZOCHINI, L. No ministério de Cristo: os ministérios da Igreja. Teologia em Questão, Taubaté, ano VII,
p. 40, jul./dez. 2017.
14 AZEVEDO, C. P. Onde estamos nós, p. 388.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 99
num período que, imbuída do Espírito, a Igreja gera uma ministerialidade a serviço
não só da pregação, mas também do registro dos princípios básicos para se viver
com coerência evangélica os valores cristãos. “O passar dos tempos foi forjando uma
fé mais sistematizada e estruturas comunitárias organizadas”.17 As novas estruturas
eclesiais vão requerendo novos ministérios, por isso é preciso pensar a teologia que
os sustentam e os ritos conferidos aos membros das comunidades.
No século II da era cristã, as comunidades começam a conviver com o fenômeno
das heresias, que colocava em xeque a unidade entre os seus membros. Inácio, na
Carta aos Efésios, assevera:
De fato, existem algumas pessoas que dolosamente costumam levar o nome (de
cristãos), mas agem de modo diferente indigno de Deus; é preciso que eviteis
essas pessoas como se fossem feras selvagens. Com efeito, são cães raivosos que
mordem sorrateiramente. Atentos a eles, pois suas mordidas são difíceis de curar.
Existe apenas um médico, carnal e espiritual, gerado, Deus feito carne, Filho de
Maria e Filho de Deus, vida verdadeira na morte, vida primeiro passível e agora
impassível, Jesus Cristo nosso Senhor.18
Tal situação, diante de uma Igreja em crescente evolução, pedirá pela sistemati-
zação da fé e também pelo surgimento de estruturas capazes de manter a unidade entre
aqueles que pelo batismo tornavam-se membros destas comunidades. Recordamos que
neste tempo estas comunidades eram autônomas, por isso elas detinham a liberdade
de criar ministérios, segundo as suas necessidades, sem transmiti-los por meio da
imposição das mãos sobre o escolhido. “A práxis da Igreja será, pois no seguimento
de Jesus, o serviço à humanidade, à realização humana, a que o ser humano assuma
seu poder, sua liberdade, seja autor”.19
15 Ibid., p. 390.
16 MAZZOCHINI, L. No ministério de Cristo, p. 43.
17 AZEVEDO, C. P. Onde estamos nós, p. 390.
18 INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos Efésios. In: Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995. p. 84.
19 TABORDA, F. A Igreja e seus ministros: Uma teologia do ministério ordenado. São Paulo: Paulus, 2011. p. 55.
100
20 Na Tradição Apostólica de Hipólito de Roma, de 2-13 encontramos uma lista de alguns dos muitos ministérios
existentes na Igreja de Roma. O documento não fala apenas do significado dos ministérios, mas como se
dá a sua transmissão.
21 DIDACHÉ: dottrina dei dodici apostoli. Cinisello Balsamo: San Paolo, 1999.
22 AZEVEDO, C. P. Onde estamos nós, p. 391.
23 IPPOLITO DI ROMA. La Tradizione Apostolica. Milano: Paoline, 2010. p. 71-75.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 101
30 Ibid., p. 191-196.
31 VERNARD, M. O Concílio Lateranense V e o Tridentino. In: ALBERIGO, G. (org.). História dos Concílios
Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 2011. p. 340-347.
32 SEBOUÉ, B. Não tenham medo! Os ministérios na Igreja de hoje. São Paulo: Paulus, 1998. p. 68-73.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 103
A definição da Igreja como “povo de Deus aponta para uma nova eclesiologia que
conclama a participação de todos os batizados nas decisões da vida eclesial. Todos os
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ministérios são chamados a edificar um novo jeito de ser Igreja. Por isso, é ‘o Espírito
que conduz e vivifica, sustenta e acompanha o seu incansável e atribulado esforço de
dar novas formas a seu indefectível ser, tirando de seu tesouro coisas novas e velhas’”.36
Partindo do princípio de que todos os cristãos devem assumir um serviço, como
resposta ao compromisso batismal, fica claro que toda ministerialidade eclesial tem
um fundamento teológico, com suas raízes nas Sagradas Escrituras, na Tradição e
no Magistério da Igreja. Pensar uma Igreja toda ministerial é despertar todo o povo
de Deus para a consciência de que, no seio da comunidade cristã, cada membro é
chamado a uma vocação própria. A pluralidade de ministérios na Igreja é o retrato de
uma comunidade expressão da Trindade, fundamento da nossa fé batismal.37
Ao resgatar e discorrer sobre a riqueza ministerial, o Concílio Vaticano II recu-
pera a força dinâmica da Igreja como povo sacerdotal, comunidade a serviço do
anúncio do Evangelho. Por isso, é fruto do Vaticano II a busca por uma esmerada
formação de toda a comunidade cristã. A superação do binômio clero e leigos só se
torna possível a partir do desenvolvimento de uma nova mentalidade eclesial, que
nasce do resgate das origens históricas e teológicas dos ministérios na Igreja.
Como já apontamos, os ministérios surgem segundo as necessidades das comuni-
dades. O Concílio Vaticano II, em sua busca de diálogo com o mundo contemporâneo,
colocou como um dos princípios do novo que se apresentava à Igreja, a necessidade de
voltar às fontes da fé cristã. O retorno às fontes não significou a reprodução de ações
anacrônicas, de repetição dos mesmos gestos das comunidades primitivas, mas criativa
tentativa de repensar a sua ação missionária, à luz da ação destas comunidades, em um
mundo que exigia das comunidades eclesiais abertura e diálogo, no serviço do anúncio
e edificação do Reino de Deus. “As Igrejas do Novo Testamento, sobretudo as paulinas,
testemunham a exuberância de carismas, serviços e ministérios”.38
33 PAPA PAULO VI. Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. São Paulo: Paulus, 2007. n. 48.
34 VELASCO, R. A Igreja de Jesus: Processo histórico da Consciência Eclesial. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 244.
35 ALMEIDA, A. J. Teologia dos ministérios não ordenados na América Latina. São Paulo: Loyola, 1989. p. 30.
36 Ibid., p. 30.
37 Ibid., p. 11-13.
38 Ibid., p. 15.
104
39 Ibid., p. 21.
40 Lumen Gentium, n. 18-19.
41 Ibid., n. 20-27.
42 Ibid., n. 28.
43 Ibid., n. 29.
44 Ibid., n. 30.
45 ALMEIDA, A. J. Novos ministérios, p. 26.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 105
nas periferias reais e existenciais, no cuidado para com o cosmo e na busca pela
fraternidade universal.
Fazer-se presente entre as periferias reais e existenciais é uma resposta contun-
dente de uma Igreja que reconhece a raiz da sua ministerialidade: Jesus. Aquele que
envia os seus discípulos, como podemos ler nas entrelinhas dos Evangelhos, para
visitar todos os povos e promover a libertação da pessoa, na sua totalidade. Aqui
estamos diante de uma Igreja que, por meio dos seus ministérios, se faz hospital
de campanha, isto é, se coloca à disposição para curar os corações ultrajados pelas
forças contrárias ao Evangelho. “A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita,
onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e encorajados a viverem
segundo a vida boa do Evangelho”.47
No cuidado do cosmo, a ministerialidade da Igreja coloca-se a serviço do sur-
gimento de uma nova mentalidade universal, que desperta nas pessoas, à luz da fé,
a responsabilidade para com a casa comum. Cuidar do cosmo torna-se um ato de
consciência: um dos elementos essenciais do ser cristão encontra-se no proteger e
promover a vida nas suas mais diversas instâncias na casa comum.48
Buscando a solidificação da fraternidade universal, nos encontramos diante de
um projeto que nos lança na conquista de um amanhã capaz de promover relações de
fraternidade. Pois o ser humano não foi criado e nem muito menos lançado no mundo
para viver sozinho. É na experiência comunitária e nas relações intersubjetivas que
ele se desenvolve como pessoa e ser religioso. Desse modo, viver a ministerialidade
na promoção da fraternidade universal desperta a pessoa para Cristo, aquele que nos
convida a sermos um só corpo, a vivermos num só Espírito e a sermos uma única
família, em Deus.49
A vivência da ministerialidade em uma Igreja em saída clama de nós atitu-
des audaciosas, capacidade de leitura dos sinais dos tempos, disponibilidade para
46 FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelli Gaudium sobre o anúncio do evangelho no mundo atual.
Brasília: Edições CNBB, 2013. n. 49.
47 Ibid., n. 114.
48 FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Sì: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus; Loyola,
2015. n. 13.
49 Id. Carta Encíclica Fratelli Tutti: sobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo: Paulinas, 2021. n. 55.
106
enfrentar o novo, como apelo do Espírito. Eis aqui os desafios, se desejamos ser
uma Igreja toda ela ministerial e, ao mesmo tempo, sinodal.
Conclusão
Uma das mais belas riquezas da Igreja é a sua capacidade de se reinventar em
sua missão, à luz do Espírito. Em todos os tempos, quando olhamos a história da
ministerialidade eclesial, constatamos avanços e retrocessos, momentos significativos
de abertura e de fechamento em si mesma. Todavia, assistimos hoje uma revaloriza-
ção e um resgate da teologia dos ministérios, acompanhado de um novo pensamento
eclesiológico que encontra no termo “povo de Deus” a sua síntese mais plena. Um
ministério na Igreja não dá um status para a pessoa que o recebe, mas a faz servidora,
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, A. J. Novos ministérios: A necessidade de um salto à frente. São Paulo:
Paulinas, 2013.
DIDACHÉ: dottrina dei dodici apostoli. Cinisello Balsamo: San Paolo, 1999.
Introdução
A presente reflexão apresentará uma distinção, em forma analítica, entre ética
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cristã e teologia moral, a partir de uma perspectiva histórica e sistemática. Com isso,
tem o objetivo de lançar luzes sobre o sentido da consciência e da decisão, essenciais no
agir humano cristão. Sabe-se que hoje há uma busca desenfreada por sentido em todas
as esferas da vida humana. As várias crises que assolam a existência são geradoras de
uma necessária procura por ressignificar o que é o essencial na decisão.
Deste modo, a questão ética ocupa um espaço de grandeza e sentido. Incluso
a esta, a da consciência e os imperativos sobre o agir também voltam à centralidade
neste momento de confusões em torno da realização do humano. Não seria exagero
dizer que de uma cultura estética, estamos retornando ao coração da ética, onde a
pessoa é chamada a recriar seu modo de ver a existência. É dentro desta perspec-
tiva que a teologia também pode oferecer um horizonte de sentido, quando supera
certos tipos de olhares reducionistas, fundamentalistas e fanáticos. Cabe, portanto,
ao teólogo “moralista” entrar nesta discussão e propor respostas menos simplistas
às interpelações contemporâneas que, de um certo modo, aceitam ainda uma visão
humanista de religião aberta à personalização.
Nesse horizonte, o presente capítulo se propõe a inquirir, teologicamente, a partir
da indagação ética fundamental, sobre o papel da consciência no agir do cristão. Por
isso, questiona-se, inicialmente, a diferença entre uma narrativa centrada numa dis-
tinção entre “moral” e “ética” de inspiração cristã. A tradição cristã tem algo ainda a
dizer no cenário pós-moderno de redução do ético à consciência? Posteriormente, será
resgatado o que se entende por consciência na tradição teológico-cristã e seu impera-
tivo decisional. Enfim, será refletido o significado de uma linguagem ético-teológica
na atual cultura pós-moderna centrada no sujeito em busca de ressignificar sua própria
existência. Este triplo caminho pretende resgatar elementos da tradição a serem revistos
e que necessitam estar em diálogo com o saber atual.
1 Pós-Doutor em Teologia (PUC-PR); Doutor em Teologia Moral (Lateranense de Roma – Afonsiana); Mestre
em Teologia (PUC-SP); Especialista em Educação Sexual (UNISAL); Bacharel em Teologia (EDT/Angelicum);
Licenciatura em Ciências Sociais; Psicanalista; Professor no UNISAL, Campus Pio XI, e na PUC-SP.
110
Destes dois sentidos, provém o de estudo reflexivo dos costumes. Já a palavra moral,
tradução latina de “ética”, advém das expressões mos (no plural “mores”) – modos
ou costumes – e exprime o que é relativo aos comportamentos.5
Dessa forma, moral diz, em latim, exatamente a mesma coisa que ethos, em
grego. São duas palavras perfeitamente semelhantes, mesmo tendo sido forjadas a
partir de raízes diferentes. Moral é a tradução, no latim clássico, do que os gregos
chamavam de ética. Na época moderna, considerou-se com frequência que o termo
“moral” pudesse estar reservado ao tipo de normas e valores herdados do passado e
da tradição ou então da religião. “Moral” especializou-se mais ou menos no sentido
daquilo que é “transmitido”, como código de comportamentos e juízos já constituídos,
mais ou menos cristalizados. A moral parece constituir, a partir disso, um conjunto fixo
e acabado de normas e regras. Já o termo ética, hoje, é empregado principalmente para
os campos em que as normas e regras de comportamento estão por ser construídas,
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5 DROIT, Roger-Pol. Ética. Uma primeira conversa. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 13-17.
6 VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 20. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 24.
7 CORTINA, Adela; MARTÍNEZ, Emilio. Ética. São Paulo: Loyola, 2005. p. 21.
8 DEMMER, Klaus. Introdução à teologia moral. São Paulo: Loyola, 1999. p. 11.
9 LIBANIO, João Batista. Igreja contemporânea. Encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, 2000.
p. 70-73. (Coleção CES).
112
10 BASTIANEL, Sergio. Autonomia e Teonomia. In: COMPAGNONI, Francesco; PIANA, Giannino; PRIVITERA,
Salvatore. Dicionário de Teologia Moral. São Paulo: Paulus, 1997. p. 66.
11 ALMEIDA, André Luiz Boccato de. A pluralidade hermenêutica como indicativo ético-crítico no horizonte
da moral fundamental. In: MILLEN, Maria Inês de Castro; ZACHARIAS, Ronaldo (org.). Fundamentalismo.
Desafios à ética teológica. Aparecida: Santuário, 2017. p. 164.
12 AUER, Alfons. Morale autonoma e fede cristiana. Torino: San Pablo, 1991. p. 38-55.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 113
que têm uma consciência diferente da própria. Relacionar ética, moral, consciên-
cia e seguimento de Jesus tornou-se uma preocupação de primeira mão dos ditos
“moralistas cristãos”.
Na tradição teológica ocidental, a consciência era compreendida, num tempo
não muito longínquo, num contexto geral da manualística pré-conciliar, fundamen-
tada sobre os argumentos da lei natural ante a Sagrada Escritura. Era embasada mais
na razão que à luz da Revelação, referindo-se à obrigação moral dos preceitos do
Decálogo que ao duplo mandamento do amor.14 A superação de uma moral estrita-
mente apoiada na natureza humana em vista de uma moral fundada na revelação
cristã constitui a estrutura hermenêutica na qual se coloca o ensino conciliar sobre
a consciência.15
Os Padres Conciliares veem a consciência como o lugar hermenêutico privile-
giado em que se revela o projeto de Deus com o homem, o sacrário mais íntimo do
indivíduo, seu centro mais oculto, do qual brotam todas as decisões morais indivi-
duais.16 Pressupõe-se, portanto, tacitamente, que no homem há uma imediata e vívida
consciência de Deus, uma espécie de contemplação espiritual que supera todo tipo
de experiência empírica. Na consciência são captados, com uma certeza infalível,
os primeiros princípios da moral, subtraídos à discrição do homem e reconhecidos
como algo que o próprio Deus estabeleceu.17
Esta opção do Concílio não é casual, mas é o resultado dos trabalhos teológi-
cos preliminares utilizados na época por uma teologia moral conforme a Sagrada
13 VIDAL, Marciano. Nova moral fundamental. O lar teológico da ética. São Paulo; Aparecida: Paulinas, Santuário,
2003. p. 479-480.
14 FUMAGALLI, Aristide. L’eco dello Spirito. Teologia della coscienza morale. Brescia: Queriniana, 2012. p.
275. (Biblioteca di Teologia Contemporânea, 158).
15 CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto sobre a formação sacerdotal Optatam Totius. São Paulo:
Paulinas, 1998. n. 16.
16 CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo
contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 1998. n. 16.
17 CAPONE, Domenico. La teologia della coscienza morale nel Concilio e dopo il Concilio. Studia Moralia 24
(1986). p. 221-249; CLÉMENCE, J. Le mystère de la conscience à la lumière de Vatican II. Nouvelle Revue
Théologique 94 (1972). p. 65-94.
114
Escritura. Somente com esta última foi possível evidenciar que o conceito de cons-
ciência (syneidesis) surge, em um primeiro momento, apenas na literatura sapiencial,
proveniente do pensamento helenístico (Sb. 17,10).
Nos escritos precedentes do Antigo Testamento aparece a palavra “coração”
(leb), que representa aquela interioridade que leva o piedoso israelita ao confronto
com o juízo verdadeiro de Deus sobre suas obras (Gn. 3,7-11; 4, 10-12; Dt. 30,14;
Jr 31,31). No fundo, estes textos exprimem uma verdade ainda a ser desdobrada: a
dignidade do homem consiste em ser julgado por Deus e em viver em harmonia com
a própria consciência.
No Novo Testamento a syneidesis ora indica a capacidade de formar um juízo
moral que caracteriza cada homem – crente e não crente –, ora assume também o
significado de um juízo interior ou de um testemunho interior, e a referência a Deus
é pensada ao mesmo tempo de forma implícita ou mesmo explícita (Rm. 14,23;
18 VEREECKE, Louis. Autonomie de la conscience et autorité de la loi. Le Supplément 155 (1985), p. 15-27;
também: KACZYNSKI, E. La coscienza morale nella teologia morale cattolica. Angelicum 68 (1991). p. 65-94.
19 GÓMEZ, Carlos. Consciencia moral. In: CORTINA, Adela (Directora). 10 palabras clave en etica. Navarra:
Verbo Divino, 1994. p. 20.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 115
apoiado por uma ordem objetiva dada pelo Criador, foi progressivamente perturbado
pelas críticas radicais ao sistema, como a realizada por Nietzsche.20
Outras críticas circunstanciais também se impuseram aos poucos, tais como:
acontecimentos históricos ligados ao totalitarismo; a imposição de uma lógica cien-
tificista e positivista em detrimento do sentido religioso; o desenvolvimento da glo-
balização, potencializando as trocas culturais, e, assim, a relação entre culturas; o
influxo do pensamento frágil e o historicismo, que transformaram as certezas de um
tempo em opiniões subjetivas e superadas.21
Compreende-se, deste modo, que não estamos mais em um regime de solidez,
mas de contínua liquidez,22 onde o sujeito é chamado a ser protagonista das suas
decisões. Esta perspectiva foi substituindo lentamente uma anterior, na qual a visão
de mundo regulada por uma ordem intrínseca se traduzia em um paradigma ou
modelo moral caracterizado pela ordem normativa: a harmonia presente no cosmo,
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querida pelo Criador, compreendida pela criatura racional e expressa nas leis morais.
Tratava-se apenas de saber qual norma deveria prevalecer em determinada situação
e adequar o respectivo comportamento.
Assim, tendo refletido sobre o sentido da consciência enquanto indicadora do
agir e da decisão ética, convém abordar a importância de uma perspectiva formadora
no horizonte do desafio da complexidade e na busca pelo sentido. Este caminho exige
um olhar positivo sobre a responsabilidade do sujeito e a abertura aos desafios con-
temporâneos que aos poucos vai se impondo no paradigma em gestação.
20 DEMMER, Klaus. Introdução à teologia moral. São Paulo: Loyola, 1999. p. 34.
21 MAGRO, Fabio. La coscienza individuale di fronte ai conflitti posti dalla situazione odierna della società.
Credere Oggi 33, n. 195, p. 6, mar. 2013.
22 BAUMAN, Zygmunt. Modernità liquida. Roma: Laterza, 2002.
116
23 CORTINA, Adela; MARTÍNEZ, Emilio. Ética. São Paulo: Loyola, 2005. p. 42.
24 Há uma relevante reflexão de caráter filosófico sobre o tema: NODARI, Paulo César; CESCON, Everaldo.
Ética e religião. In: TORRES, João Carlos Brum (org.). Manual de Ética. Questões de ética teórica e aplicada.
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 489-509.
25 ALMEIDA, André Luiz Boccato de. Sonhar a teologia moral ao alcance do povo. In: ANJOS, Márcio Fabri
dos; ZACHARIAS, Ronaldo (org.). Ética entre poder e autoridade. Perspectivas de teologia cristã. Aparecida:
Santuário, 2019. p. 358.
26 Sobre este tema, convém aprofundar: TRENTIN, Giuseppe. Riabilitazione della casuistica in teologia morale?
Il metodo del caso. Credere oggi 33, n. 195, p. 84-114, mar. 2013.
27 PIGHIN, Bruno Fabio. Os fundamentos da moral cristã. Manual de ética teológica. São Paulo: Ave-Maria,
2005. p. 186.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 117
28 DEMMER, Klaus. Introdução à teologia moral. São Paulo: Loyola, 1999. p. 35.
29 MAJORANO, Sabatino. A consciência. Uma visão cristã. Aparecida: Santuário, 2000. p. 129. (Coleção
Moralia 4).
30 VIDAL, Marciano. Progresso moral. In: VIDAL, Marciano. Dez palavras-chave em moral do futuro. São Paulo:
Paulinas, 2003. p. 297-315. (Coleção ética).
31 ALMEIDA, André Luiz Boccato de; FERREIRA, Lúcia Eliza; MELO, Aloisio. A formação da consciência em
uma cultura de “sujeitos bolhas” cristãos. Uma análise ético-teológica propositiva a partir da moral social
do Papa Francisco. Encontros Teológicos, v. 36, n. 1, p. 153-172, jan./abr. 2021.
118
Conclusão
A reflexão em torno da ética cristã ou teologia moral apresenta-se hoje na
centralidade do discurso teológico. Ela é tão variada quanto a vida à qual serve; e,
antes de alcançar sua forma atual, percorreu uma história longa e atribulada. Novos
desafios se apresentam, e a complexidade cada vez maior do mundo em que vivemos
repercute sobre a maneira de compreender e de exercitar a teologia moral como
ciência ligada à Igreja. Há um consenso de que a teologia moral necessita do apoio
das outras disciplinas teológicas, sobretudo da dogmática e da teologia fundamental,
porque deve reaprender a pensar os conteúdos morais em relação a Deus, tornan-
do-os compreensíveis e transparentes para os outros homens. Problematizar Deus
é insuficiente se não se propõe uma forma de vivenciar o Deus de Jesus Cristo na
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, André Luiz Boccato de. A pluralidade hermenêutica como indicativo
ético-crítico no horizonte da moral fundamental. In: MILLEN, Maria Inês de Cas-
tro; ZACHARIAS, Ronaldo (org.). Fundamentalismo. Desafios à ética teológica.
Aparecida: Santuário, 2017.
ALMEIDA, André Luiz Boccato de; FERREIRA, Lúcia Eliza; MELO, Aloisio. A
formação da consciência em uma cultura de “sujeitos bolhas” cristãos. Uma análise
ético-teológica propositiva a partir da moral social do Papa Francisco. Encontros
Teológicos, v. 36, n. 1, jan./abr. 2021.
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ALMEIDA, André Luiz Boccato de. Sonhar a teologia moral ao alcance do povo.
In: ANJOS, Márcio Fabri dos; ZACHARIAS, Ronaldo (org.). Ética entre poder e
autoridade. Perspectivas de teologia cristã. Aparecida: Santuário, 2019.
AUER, Alfons. Morale autonoma e fede cristiana. Torino: San Pablo, 1991.
DROIT, Roger-Pol. Ética. Uma primeira conversa. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
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FUMAGALLI, Aristide. L’eco dello Spirito. Teologia della coscienza morale. Brescia:
Queriniana, 2012. (Biblioteca di Teologia Contemporânea, 158).
GÓMEZ, Carlos. Consciencia moral. In: CORTINA, Adela (dir.). 10 palabras clave
en etica. Navarra: Verbo Divino, 1994.
JUNGES, José Roque. Evento Cristo e Ação Humana. Temas fundamentais da ética
teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001. (Coleção Theologia Publica 1).
NODARI, Paulo César; CESCON, Everaldo. Ética e religião. In: TORRES, João
Carlos Brum (org.). Manual de Ética. Questões de ética teórica e aplicada. Petró-
polis: Vozes, 2014.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 20. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
VIDAL, Marciano. Nova moral fundamental. O lar teológico da ética. São Paulo;
Aparecida: Paulinas, Santuário, 2003.
TEOLOGIA PASTORAL:
elementos introdutórios
Antonio de Lisboa Lustosa Lopes1
Ari Antônio dos Reis2
Introdução
Quando se trata de teologia e de pastoral, a práxis se dá no âmbito das relações
humanas, com uma singularidade que é fundamental, a fé. E ela, a fé, é compreen-
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1 Padre da Arquidiocese de São Paulo. Docente de Teologia Prática do UNISAL e PUC-SP. Mestre em Teologia
Prática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (SP) e Doutor em Ciências da
Religião pela Universidade Metodista de São Paulo.
2 Padre da Arquidiocese de Passo Fundo (RS). Docente de Teologia Pastoral em ITEPA Faculdades em Passo
Fundo (RS). Mestre em Teologia Prática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção
(SP). Assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB (2008 – 2015).
122
é apenas a ação de alguém, mas é a ação divina que tem na mediação do crente
correspondente à revelação o seu formato de atividade histórica.
A experiência da fé vivida nas comunidades cristãs tem desafiado a Igreja a
pensar uma forma de preparar quem é chamado a atuar na ação evangelizadora,
razão da teologia pastoral. A reflexão teológica e pastoral conta com a disposição de
pastoralistas em assumir as responsabilidades de pensar a teologia e a pastoral, pois
a disciplina tem um referencial teórico, porém abre-se à construção teórico/prática
dos que a estudam. Ao mesmo tempo em que conhecemos a metodologia e os con-
teúdos de teologia pastoral, enriquecemos a sua estrutura por meio da experiência e
da reflexão que assumimos.
1. Pastoral e evangelização
que resume toda a ação de Jesus, é fazer chegar a Boa Nova que Jesus anuncia, é o
Reinado de Deus e a salvação para toda humanidade.3
Segundo o texto das Diretrizes, evangelizar significa anunciar Jesus e o Reino
por ele proposto, para quem ainda não tem conhecimento deste projeto. A evangeli-
zação tem um primeiro interlocutor, os que não conhecem Jesus. O texto da CNBB
sugere outro interlocutor. Refere-se também aos grupos de batizados que perderam o
sentido vivo da fé, conduzindo a vida que está distante de Cristo e do seu Evangelho.4
Este segundo caminho da evangelização foi reforçado por ocasião da Conferência
de Santo Domingo, que sugere no documento final uma nova evangelização como
novo ardor e novo método.5
Ação pastoral tem como interlocutores as pessoas que já têm um sentido de per-
tença eclesial e estão ligadas à vida comunitária procurando testemunhar a sua fé. A
pastoral é um meio especial de evangelizar. O agente de pastoral é um evangelizador,
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3 CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil (1995-1998). São Paulo: Paulinas, 1995.
n. 7. (Documento 54).
4 Ibid., n. 7.
5 O papa João Paulo II, no discurso de abertura à Conferência de Santo Domingo, menciona a necessidade de
uma nova evangelização, como novo ardor e novo método. SANTO DOMINGO. Conclusões da IV Conferência
do Episcopado Latino-Americano. Discurso de abertura do papa João Paulo II. São Paulo: Paulinas, 1992.
6 XAVIER, D. J. A Dimensão social da fé. In: XAVIER, D. J.; SILVA, M. F. da (org.). Pensar a fé teologicamente.
São Paulo: Paulinas, 2007. p. 237.
7 BRIGHENTI, A. A pastoral dá o que pensar. A inteligência da prática transformadora da fé. São Paulo:
Paulinas, 2006. p. 61.
124
8 LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à Teologia. São Paulo: Loyola, 1996. p. 209.
9 LIMA, Luiz Alves de. A catequese do Vaticano II aos nossos dias. A caminho de uma catequese a serviço
da Iniciação à Vida Cristã. São Paulo: Paulus, 2016. passim.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 125
ofício. Este último autor, citado, também compreende pastoral como uma prática pró-
pria de ministros ordenados. Acentua o pragmatismo e não supõe a teologia pastoral
como espaço de reflexão da missão da Igreja. Este modelo de pensamento implica
em um reducionismo da teologia pastoral, pois não concebe a prática como uma
atividade além da ação dos ministros ordenados e nem vê a mesma ação pastoral
como um espaço de reflexão.
No século XX, o tema teologia pastoral continuou como preocupação dos teó-
logos na tentativa de superar o pragmatismo que implicava no seu empobrecimento,
pois não era concebida como espaço de reflexão da missão da Igreja. O viés clerica-
lista ainda estava muito presente e era algo a ser superado. O desafio de superação do
pragmatismo, de superar a ausência de uma reflexão mais profunda e o clericalismo,
era uma constante. Constantin Noppel, tendo presente esta preocupação, sugere à
teologia pastoral um caminho não somente de aplicação de princípios teológicos,
mas como ensino do governo pastoral e do cuidado da Igreja como Povo de Deus.
Enfoca o papel dos leigos como membros ativos da missão da Igreja, que não se
reduz à tarefa dos pastores, mas de todos os batizados.
Franz Arnold (1898-1969) afirmava que a pastoral tem um objeto próprio emba-
sado na palavra, sacramentos e ação (ação da Igreja). A Igreja é mediadora da ação
divina na vida humana, contudo a primazia é a ação salvífica de Deus. Retoma o
princípio de Constantin Noppel de que a Igreja como congregação dos batizados
compreende todos como responsáveis pela sua ação.
P. A. Liegé (1921-1979) define teologia pastoral como a reflexão sistemática
sobre todo o ministério da Igreja. É a ciência teológica da ação eclesial. Percebe-se
que acentua o caráter científico e reflexivo da teologia pastoral. Afirma também que
é uma ação eclesiológica, de toda a Igreja e não somente dos clérigos. Nesse sentido,
a Igreja assume os ministérios profético, litúrgico e caritativo. Heinz Schuster (1974),
discípulo de Karl Ranher, afirma que a teologia pastoral diz respeito à realização
da Igreja no presente e no futuro. Nesta tarefa conta com a colaboração de todos os
seus membros. Manifesta a preocupação com o planejamento da ação da Igreja e a
preparação dos seus agentes para cumprir esta tarefa.10
11 ALBERIGO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 1995. p. 394.
12 BARROS, P. C. Lumem Gentium, n. 12, o sensus fidelium: uma Igreja à escuta do Povo de Deus a serviço
do mundo. A Igreja, espaço de escuta e discernimento. In: FREITAS, M. C. Teologia e Sociedade: relevância
e funções. São Paulo: Soter/Paulinas, 2006. passim.
13 FORTE, B. A Igreja ícone da Trindade: breve eclesiologia. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005. passim.
14 PAULO VI. Constituição Pastoral Gaudium et Spes: sobre a Igreja no mundo atual. In: DOCUMENTOS DO
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. São Paulo: Paulus, 1997. n. 1.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 127
dade” que vem de Deus (Ex 3,7ss) aquele que toma a defesa dos excluídos.
Esta opção acontece na perspectiva da libertação. O interesse é a causa dos
pobres e a possibilidade real de incluí-los em um mundo justo e solidário,
expressão do Reinado de Deus.
c) A reflexão extrapola o compromisso dos teólogos profissionais. A teologia
parte primeiramente do compromisso com o lugar do pobre, que é o enga-
jamento. Num segundo momento surge a reflexão da prática da Igreja, das
pessoas sob a perspectiva do pobre. Neste caminho, a teologia pastoral
abre-se ao diálogo com as ciências humanas que ajudam a compreender, a
partir de outros olhares, a realidade e a possibilidade da sua transformação
que, para a teologia, acontece na perspectiva do Reinado de Deus.
dos movimentos e no seu raio de atuação que se plasmou, pouco a pouco, a relação
fraternalmente evangélica entre militantes, dirigentes, sacerdotes e bispos, pois os
membros do ministério hierárquico atuavam, antes de tudo, como educadores da fé
e recebiam, dos militantes e dirigentes, intuições de inestimável valor sobre a reali-
dade dos meios em que estavam inseridos.16 E isso provocou alterações no jeito de
pensar a pastoral de parte da Igreja. A criação do CELAM, na América Latina, e da
CNBB, no Brasil, ajudaram a aprofundar as mudanças. Estes fatos serão vistos nas
próximas unidades deste capítulo.
O itinerário histórico que seguimos aponta uma evolução significativa da teolo-
gia pastoral. Ressaltamos que o ato de pensar a pastoral implica em saber o conteúdo
da evangelização, mas também o jeito, o método, a forma de como isto pode acon-
tecer. A boa vontade, as boas intenções implicam em condições para exercitá-las. O
saber supõe o diálogo e a interação com outros saberes. É o conhecimento que se
16 Ibid., p. 29.
17 BOFF, C. Teoria do Método Teológico. Petrópolis: Vozes, 1999. passim.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 129
a buscar o equilíbrio entre estas duas atividades.19 Com equilíbrio, o diálogo é mais
fecundo. Caso se priorize apenas a pastoral corre-se o risco de relativizar a força e a
importância da teologia como iluminadora da prática. Isto implicará no empobreci-
mento da ação pastoral. Caso se priorize apenas o estudo teológico, isso também rela-
tivizará o compromisso pastoral, o que será prejudicial para o pensar teológico pela
ausência do contato mais efetivo e crítico com a realidade. Estudar teologia implica
não somente em assumir o compromisso com a missão pastoral, como também ter a
capacidade de sustentar o diálogo equilibrado entre estas experiências fundamentais
da vida de estudante. Todo agir pastoral se dá pela e na realidade histórica, a partir
das suas condições sociais, econômicas e culturais.
Trata-se de, como afirma Libânio, duas grandezas distintas, a teologia e a pastoral.
Elas põem-se a serviço da mesma causa: o processo evangelizador. No entanto, no fazer
teológico, ambas as instâncias estão em contínua tensão. Cada uma delas apresenta
natureza própria, disputando com a outra o tempo, o empenho e a energia do teólogo.
18 TABORDA, F. Fé cristã e práxis histórica: sobre a estrutura do conceito de práxis e seu emprego em teologia.
Revista Eclesiástica Brasileira, v. 41, n. 162, p. 61, jun. 1991.
19 LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à Teologia. São Paulo: Loyola, 1996. 202s.
130
Rever a ação pastoral não significa gastar tempo com conversas aleatórias ou
tirocínio infundado de ideias, mas fazer uma reflexão criteriosa à luz da Palavra de
Deus e da teologia, da ação pastoral dos estudantes de teologia. A luz da teoria ilumina
e tira das sombras a prática. É o momento necessário, princípio da práxis, e esta é
dinâmica permanente, fundada nestes dois momentos: teoria e prática.
Como a práxis volta-se para si criticamente; seus dois momentos são passíveis
de transformação. A prática em si, como ponto de partida da reflexão, pode sofrer
intervenções se estiver ameaçada como processo evangelizador e como possibilidade
de construção de conhecimentos. O próprio agente de pastoral, sujeito da prática,
junto com outros sujeitos, em alguns momentos é aconselhado a rever seus posicio-
namentos. Esta postura crítica volta-se também para o momento teórico. Se a teoria
ilumina a prática é também iluminada por esta. O receber luzes significa sugestão
de revisão, transformação na perspectiva de sintonia com o momento prático. A
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tradição da Igreja e que, por sua vez, devem sempre ser atualizados e repensados
a partir dos novos desafios.
Conclusão
Aqui, procurou-se desenvolver os elementos estruturantes da disciplina de
Teologia Pastoral, a saber, o seu ponto de partida, a relação pastoral e evangelização
e a experiência de Jesus Cristo, o Bom Pastor como luz que orienta toda a ação
da Igreja. Teologia e Pastoral são duas experiências fundamentais na vida do ator
eclesial. A dedicação a estas duas atividades, as quais imprimem uma compreensão
de vida cristã diferenciada, é conjugada na reflexão proposta pela disciplina que
se está trabalhando.
REFERÊNCIAS
ALBERIGO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 1995.
CNBB. Plano de Emergência para a Igreja do Brasil. São Paulo: Paulinas, 2004.
(Documento 76).
CNBB. Plano de Pastoral de Conjunto. São Paulo: Paulinas, 2004. (Documento 77).
FUENTES, S.V. Espiritualidade Pastoral. Como superar uma “pastoral sem alma?
São Paulo: Paulinas, 2008.
LIMA, Luiz Alves de. A catequese do Vaticano II aos nossos dias. A caminho de uma
catequese a serviço da Iniciação à Vida Cristã. São Paulo: Paulus, 2016.
Introdução
A Igreja, nos últimos decênios, tem se empenhado na missão de ressignificar o
processo catequético. Observa-se no magistério eclesial e na vida das comunidades de
fé o desejo por uma catequese verdadeiramente mistagógica, diferente de uma catequese
escolar. A catequese na contemporaneidade exige uma teologia própria, uma reflexão
elaborada à luz de seus fundamentos mais elementares, para que as comunidades eclesiais
possam delinear ações pastorais concretas e eficazes: “pode-se dizer, em termos gerais,
que o sistema tradicional da catequese já não funciona, não produz os frutos esperados”.3
Uma teologia catequética deve sempre partir da compreensão cristã da revela-
ção: “a revelação nos encaminha, portanto, a uma catequese que responda aos anseios
humanos e promova uma vida mais gratificante para todos, como estava desde sempre
no desígnio de Deus”.4 Os documentos do Magistério, especialmente após o Concílio
Vaticano II, evidenciam a profunda relação que existe entre catequese e revelação. Sendo
a catequese o ecoar de uma mensagem, o anúncio de um acontecimento que adquire
sua plenitude em Jesus Cristo, ela supõe uma ação de Deus que se revela e abre-se
ao diálogo com o ser humano em sua história. É nesse contexto que toda a teologia
catequética deve se encaminhar para que ela não se reduza a uma discussão pedagógica
ou metodológica que, por tanto tempo, ocupou o centro da catequese. Para além de
novas metodologias e pedagogias que, em seu devido lugar, possuem sua importância
indiscutível, é necessário que os cristãos ampliem sua busca de informações no que se
refere aos fundamentos do ato de catequizar. Faz-se necessário que conheçam aquilo
que os motiva a iniciar novos cristãos no mistério da fé: “é importante lembrar que a
revelação é entendida hoje na Igreja como o diálogo entre Deus e a humanidade, cujo
ponto culminante é a pessoa de Jesus Cristo”.5
É a partir dessa necessidade, cada vez mais urgente na Igreja, que tal reflexão pre-
tende trazer alguns elementos indispensáveis para se formular o esboço de uma teologia
catequética. Toda teologia é catequética, pois ela busca iniciar a pessoa na vida cristã e
colocar o cristão diante da realidade divina do mistério que se revela. No entanto, uma
teologia a respeito do ato de catequizar visa buscar as motivações mais elementares
que colocam homens e mulheres em todo o mundo a anunciar a fé e a transmiti-la por
meio da palavra e do testemunho. As informações que compõem esta reflexão tratam de
alguns pressupostos básicos para que a catequese, oferecida nas comunidades eclesiais,
seja um meio pelo qual o próprio Deus se comunica, se faz compreender, atrai para si
todas as gerações e possibilita uma experiência profundamente pessoal e comunitária
do seu amor salvífico revelado em Jesus Cristo.
A Igreja possui uma longa história. Por quase dois mil anos o anúncio do
evangelho constitui um fato que mudou a história. Toda ação pastoral e toda a refle-
xão nascida da fé em Jesus Cristo, o agir da Igreja e o anúncio do evangelho, são
realidades que trazem consigo anos de história, compreensões, reflexões e visões de
mundo, muitas vezes contraditórias, que marcam a vida cristã ainda hoje. A catequese
está inserida, de modo particular, nesta dinâmica histórica do anúncio do Evangelho
pela Igreja, pois é ela o meio pelo qual se transmite a fé às gerações mais jovens. É
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9 CNBB. Itinerário Catequético. Iniciação à vida cristã – um processo de inspiração catecumenal. Brasília:
Edições CNBB, 2014. p. 17.
10 Ibid., p. 32-36.
11 Ibid., p. 37-40.
12 Ibid., p. 53-54.
13 CNBB. Catequese renovada. São Paulo: Paulinas, 2009. n. 73.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 139
É neste sentido que a catequese como iniciação à vida cristã não constitui uma
novidade no interior da vida da Igreja. Ela é uma recuperação do modo de proceder das
primeiras comunidades cristãs. Porém, ao mesmo tempo que é recuperação, é também
aprofundamento e inovação. Iniciar a vida cristã não significa repetir aquilo que faziam
os primeiros cristãos, mas tomar deles aqueles elementos que são indispensáveis para
que a fé em Jesus Cristo nasça de um contato real e íntimo com sua pessoa e não de
memorização de algumas proposições a respeito dele. Iniciar a vida cristã é fazer da
catequese um processo existencial, um processo que toque todas as dimensões da vida
da pessoa e a insira na dinâmica da salvação. A salvação, compreendida como experiên-
cia pessoal e comunitária do amor de Deus revelado em Jesus Cristo decorre de uma
abertura sensível à comunicação de Deus. Tal comunicação, mais que a proposição de
verdades enunciadas, é o encontro profundo com o mistério. A catequese, que adquire
características de iniciação, torna-se mistagógica. Repleta de sinais, pouco a pouco
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Sabemos que o processo de Iniciação à Vida Cristã requer novas disposições pas-
torais. São necessárias perseverança, docilidade à voz do Espírito, sensibilidade
aos sinais dos tempos, escolhas corajosas e paciência, pois se trata de um novo
paradigma. Foi este o caminho percorrido por evangelizadores como Paulo, os
primeiros cristãos e muitos missionários.14
14 CNBB. Iniciação à vida cristã: itinerário para formar discípulos missionários. Brasília: CNBB, 2017. n. 9.
15 LIMA, L. A. A catequese do Vaticano II aos nossos dias, p. 74.
140
16 MANNUCCI, V. Bíblia Palavra de Deus: Curso de introdução à Sagrada Escritura. São Paulo: Paulinas,
1986. p. 31.
17 PAULO VI. Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje. In: COMPÊNDIO do
Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000. n. 16.
18 Gaudium et Spes, n. 2.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 141
22 SCHILLEBEECKX, E. História humana, revelação de Deus. São Paulo: Paulus, 1994. p. 254-255.
23 LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996. p. 147-160.
24 SCHILLEBEECKX, E. História humana, revelação de Deus, p. 24-27.
25 FORTE, B. Teologia da história: ensaios sobre a revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus,
1995. p. 47-55.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 143
É Deus quem entra na história para torná-la plena, pois a ação de Deus tende
sempre para o bem. Entretanto, o bem não é uma ação que possa ser realizada soli-
tariamente. É da natureza do bem que ele seja sempre uma ação conjunta, pois só é
verdadeiramente um bem aquilo que é realizado na liberdade e em vista da realiza-
ção de todos. É precisamente aqui que a revelação divina expressa seu fundamento.
Deus que se revela e salva não impõe seu desejo à humanidade, mas reconhece o ser
humano como uma pessoa, dotada de liberdade e responsabilidade, capaz de acolher
o chamado divino e responder conscientemente a este chamado, visando a felicidade
almejada. O ser humano não é um destinatário passivo e calado diante do amor de
Deus que se oferta, mas é alguém capacitado pelo próprio Deus para acolher ou
rejeitar a graça que lhe é oferecida.26
A teologia da revelação pós-conciliar enfatiza o ser humano como alguém aberto
ao transcendente em busca do infinito. É mister rememorar que, desde a teologia
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quem ele realmente é e qual seu lugar ao lado de Deus na construção da história da
salvação. Para a catequese, a compreensão da revelação como diálogo no qual o ser
humano tem parte ativa é de fundamental importância. Apenas ao perceber-se como
pessoa aberta ao infinito, aberta a Deus que vem comunicar-se amorosamente com
a humanidade, é que o cristão se torna capaz de assumir a sua fé a partir de uma
experiência radicalmente profunda com Deus. A fé nasce de um processo de aber-
tura ao Outro que se comunica, que amorosamente se doa em favor da humanidade.
Catequizar é reconhecer que aquilo que se comunica não é Deus em si mesmo, mas
são os caminhos que levam o ser humano a realizar uma experiência com Deus, que
é presença viva e atuante na história. A catequese não transmite a revelação como
um conjunto de dados apenas, mas leva o ser humano a abrir-se para os horizontes
de Deus: “o catequista é testemunha da fé e guardião da memória de Deus, experi-
mentando a bondade e a verdade do Evangelho em seu encontro com a pessoa de
olhar mais aguçado para perceber, nos reveses da vida, o agir de Deus, Aquele que
prefere estar ao lado dos sofredores. É no absurdo da história, onde todos os projetos
humanos falham, que a presença de Deus se revela de maneira mais radical.32
Observar esta presença de Deus no absurdo da história implica em responder
a interpelação divina a partir de uma nova perspectiva. Deus não intervém milagro-
samente na história, forçando a liberdade humana a aceitá-lo sob ameaça de alguma
pena. Deus, ao contrário, adentra os meandros obscuros da sociedade para expressar a
distância longínqua que seu amor e sua salvação podem atingir. Jesus, para os cristãos,
é o mais claro exemplo desta presença salvadora de Deus na história que não é acom-
panhada de um poder fundado na força da lei ou da violência, mas sim de um poder
de salvação e liberdade que se dá na proximidade com os mais necessitados, com os
que são crucificados.33 A revelação de Deus, em sua mais alta expressão, a pessoa de
Jesus de Nazaré, é uma revelação surpreendente, não só pelo fato de que em Jesus,
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Deus adentra a história humana como humano, padecendo das mesmas vicissitudes que
todos os homens e mulheres padecem ao longo de suas vidas; mas adentra a história
como um homem pobre que faz do amor e da misericórdia os imperativos de sua ação.
Em Jesus, Deus expressa o seu projeto de plenitude e humanização.
É movido pelo desejo de humanizar a vida que Deus se faz presente na história.
É por meio da parceria humana com Deus que a história se torna marcadamente mais
plena de Deus. Para uma compreensão teológica da catequese, estes elementos são
fundamentais. É necessário a anulação de um discurso que enfatize o poder inter-
ventor de Deus como um poder que prescinde da liberdade e da responsabilidade
humanas. Deus não suplanta a história, mas adentra a história em sua particularidade,
fazendo-se companheiro do ser humano no aqui e agora do tempo. A presença de
Deus não é uma presença atestada apenas no passado das histórias bíblicas, mas é
uma presença sentida, vivida e compreendida na atualidade. O catequista é mais
do que um contador de histórias passadas, ele é um mistagogo, ele é alguém que
leva o catequizando a experimentar a presença de Deus atuando no concreto da
vida: “o catequista, inspirado pela mistagogia, deve oferecer um caminho integral
de iniciação, possibilitando o encontro pessoal com Jesus Cristo e a participação na
vida da comunidade que se encontra, mesmo em sua diversidade, em união para a
celebração litúrgica”.34
A catequese torna-se eficaz quando se compreende como meio pelo qual a
experiência da revelação de Deus continua a acontecer. Deus não cessou de se revelar,
de se fazer presente, de se mostrar como aquele amor que se comunica e dialoga.
Deus é aquela presença que está no reverso do mundo, que está em meio às situa-
ções incompreensíveis com que todos são confrontados. Catequizar é considerar a
existência em sua complexidade e abrir caminhos para que esta existência humana
seja iluminada pela luz da fé. A fé que ilumina e dá sentido ao mundo no qual todos
estão inseridos não é alheia aos conflitos e crises que permeiam este mundo. Não
35 QUEIRUGA, A. T. Repensar a revelação: a revelação divina na realização humana. São Paulo: Paulinas,
2010. p. 32-38.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 147
própria experiência como critério decisivo para compreender aquilo que a linguagem
eclesial lhe oferece. O catequista é uma pessoa experimentada na fé pelo seu próprio
itinerário pessoal e comunitário. Não é um simples transmissor de palavras ou enuncia-
dos, mas alguém que realiza uma profunda experiência de Deus no interior da própria
vida e a compreende no horizonte simbólico da comunidade de fé da qual participa. Ele
transmite aos seus catequizandos as consequências deste encontro com Deus e facilita
para eles o caminho de realização deste encontro. O catequista é um vocacionado: “a
vocação do catequista é semelhante à vocação do profeta. Por isso, torna-se verdadeiro
e incansável anunciador da Palavra e denunciador das injustiças. É o apóstolo a serviço
da vida e da esperança do povo de Deus (cf. Jr. 1, 4-10)”.40
A fé é resultado deste encontro que cada cristão é chamado a realizar. Apenas
a partir deste encontro com Deus revelado é que a fé pode ser considerada em sua
autenticidade. A fé é sempre resposta a uma iniciativa amorosa de Deus que se coloca
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40 CARVALHO, H. R. Ministério do catequista: elementos básicos para a formação. São Paulo: Paulus,
2018. p. 98.
41 SCHILLEBEECKX, E. História humana, revelação de Deus, p. 41.
42 Ibid., p. 44.
150
com a comunidade cristã que se torna evidente a procedência eclesial deste ministério.
Entretanto, a evangelização supõe uma experiência radicalmente profunda de Jesus
Cristo. É ele o centro de toda a evangelização e de toda Igreja.
É a pessoa de Jesus Cristo que torna clara as intenções de Deus. A revelação
de Deus é plenificada na pessoa de Jesus e no seu ministério. Jesus expressa aquilo
que o Pai tem a dizer de maneira definitiva. A compreensão de quem seja Jesus e
como ele expressa a vontade do Pai exige uma contínua reinterpretação do evento de
salvação que nele se encontra. Os catequistas são os facilitadores desta experiência,
pois são eles que inserem paulatinamente as gerações mais jovens no mistério de
Deus revelado em Jesus Cristo. Antes de falar de Jesus, o catequista é chamado a
apresentá-lo como pessoa presente, viva e atuante na Igreja, como aquele que está
diante do catequizando e o interpela em sua profundidade a segui-lo. É este o critério
de eficácia da catequese: o conhecer experiencial de Jesus Cristo como aquele que
Conclusão
O encontro com a pessoa de Jesus Cristo e a experiência de Deus que nele se rea-
liza constitui-se o fundamento inalienável da fé. A autenticidade da fé cristã e sua ação
no interior da história como elemento sacramental e transformador nasce da apurada
consciência de que Jesus Cristo está presente com sua força de salvação e atua ainda
hoje no mundo em prol de um projeto humanizador. Especialmente após o Concílio
Vaticano II, a Igreja compreende-se como aquela que está no mundo para servi-lo. Mas
este serviço não é fruto de uma decisão pessoal ou desejo nascido no coração humano.
O servir da Igreja é uma obediência humilde ao mandato do Senhor para tornar presente
o amor. É a experiência do amor salvador de Deus que impulsiona os cristãos a serem
presença capaz de renovar a história. Afirma Santo Agostinho: “se antes hesitávamos
em amar o próprio Deus, pelo menos agora não mais hesitamos em retribuir amor
àquele que nos amou primeiro e não poupou seu único Filho, mas o entregou por nós.
Pois não existe maior convite para amar do que ser amado antes”.44
43 Ibid., p. 61-62.
44 AGOSTINHO, Santo. Primeira Catequese aos não cristãos. 2013. p. 77.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 151
do ato de catequizar. A catequese é muito mais do que uma ação pastoral que visa
preparar o cristão para a recepção dos sacramentos. Ela é um itinerário existencial
que acompanha a vida de todos os cristãos até a eternidade. Ela é o meio pelo qual
se realiza uma experiência de Deus radicalmente transformadora e renovadora. Por
meio de uma catequese mistagógica, todas as dimensões do cristão são inseridas
na dinâmica do encontro com Deus e da experiência de salvação que dele decorre.
Ouvir, acolher, experimentar e anunciar a palavra são quatro elementos que nascem
de uma experiência salvadora com Deus na pessoa de Jesus, iluminada pelo Espírito.
O catequista é aquele que está inserido na dinâmica da Trindade. É a partir desta
intimidade com Deus-trindade, revelado na pessoa de Jesus, que o catequista se torna
um anunciador, pois faz ecoar uma mensagem que mais do que palavra é experiência
de amor e de vida.
152
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO. Primeira Catequese aos não cristãos. São Paulo: Paulus, 2013.
CNBB. Iniciação à vida cristã: itinerário para formar discípulos missionários. Bra-
sília: CNBB, 2017.
LIMA, L. A catequese do Vaticano II aos nossos dias. São Paulo: Paulus, 2016.
PAULO VI. Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje.
In: COMPÊNDIO do Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. Petrópolis:
Vozes, 2000.
Introdução
O direito aspira sempre a uma linguagem técnica, a mais possível unívoca e pre-
cisa, porque busca compreender e prever as ações das pessoas. De fato, porque o direito
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1 Salesiano de Dom Bosco, presbítero, Licenciado em Filosofia pelo Centro UNISAL, bacharel em Teologia pelo
Centro UNISAL e pela Pontifícia Universidade Salesiana de Roma, pós-graduado em Educação Sexual pelo
Centro UNISAL, mestre em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Doutorando
em Direito Canônico pela Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo, professor de Direito Canônico
no Centro UNISAL – campus Pio XI, professor de Direito Canônico na Faculdade de Direito Canônico São
Paulo Apóstolo, defensor de vínculo do Tribunal Eclesiástico Arquidiocesano de Aparecida, oficial do Tribunal
Eclesiástico Arquidiocesano de São Paulo, membro da Sociedade Brasileira de Canonistas.
2 VIOLA, F. Lo statuto giuridico della persona in prospettiva storica. In: PANSINI, G. (Ed.). Studi in memoria di
Italo Mancini. Napoli: Scientifiche Italiane, 1992. p. 691; STOLFI, E. La nozione di persona nell’esperienza
giuridica romana. Filosofia Politica, v. 3, n. 23, p. 380, 2007.
3 STOLFI, E. La nozione di persona nell’esperienza giuridica romana, p. 381.
4 ORESTANO, R. Il problema delle persone giuridiche in diritto romano. Roma: G. Giappichelli, 1968. p. 7.
5 VIOLA, F. Lo statuto giuridico della persona in prospettiva storica, p. 621.
156
e fundido com aquele que mais diretamente influenciou a cultura cristã. A cultura
jurídica, como todos os conhecimentos fundamentados na tradição, evoluiu por acu-
mulação e não por substituição.6
1. A antropologia romana
Antes de chegarmos propriamente dito ao conceito e à noção de pessoa no
direito romano, precisamos fazer alguns passos. O primeiro deles é entender qual era
a visão que os romanos antigos tinham do ser humano, a sua antropologia. As fontes
permitem concluir que há uma grande aproximação da mentalidade arcaica de ser
humano entre Grécia e Roma, ao contar com três elementos, um visível e material,
o corpus, e outros dois elementos espirituais ou ao menos de uma matéria mais sutil,
que vem a ser anima e animus.7
6 Ibid., p. 622.
7 ALBA, J. M. R. Desde el derecho romano a la teologia cristiana. Granada: Comares, 2011. p. 39.
8 Ibid., p. 40.
9 Ibid., p. 40.
10 Ibid., p. 40.
11 Ibid., p. 41.
12 Ibid., p. 41.
13 Ibid., p. 42.
14 ORESTANO, R. Il problema delle persone giuridiche in diritto romano, p. 39.
15 ALBA, J. M. R. Desde el derecho romano a la teologia cristiana, p. 44.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 157
grega a Roma a partir do século II a.C. e o fato de que tanto os gregos quanto os
romanos compartilhavam praticamente de uma mesma psicologia, fez com que o
dualismo corpo-alma também influenciasse o pensamento romano.20 Os romanos
entendiam que tanto o animus quanto a anima tinham uma natureza corpórea que
dava origem ao corpo e o movia. O corpo é como um vaso que contém o animus,
que não pode existir fora do corpo. Todavia, esse dualismo tem um limite, pois o
animus está unido ao corpus pela interpenetração dos átomos e nenhum dos dois
pode existir por si mesmo.21 Para Cícero, por exemplo, a identidade subjetiva deriva
da conjunção de ambos os elementos, animus e corpus, no entanto o animus é o
mais importante.22 Assim, há uma valorização maior do animus em relação a anima;
entre animus e corpus há uma interconexão absoluta.23 Isso faz com que os romanos
entendam que exista uma continuidade temporal do corpo, que faz com que exija,
assim, a mediação do tempo para dar lugar a uma verdadeira consciência, ou seja,
consciência de duração, consciência do eu e do tempo.24 O corpo se mostra como
um pressuposto inevitável da vida espiritual: as faculdades do corpo, o movimento,
a sensação, a índole física e vital possibilitam a construção de uma verdadeira vida
interior que deve desprender-se do tempo.25
2. O conceito de homem
Após entendermos a antropologia dos romanos antigos, passamos ao conceito
de homem. O substantivo que, em latim, designa o ser humano em geral é homo e
16 Ibid., p. 48.
17 Ibid., p. 49.
18 Ibid., p. 51.
19 Ibid., p. 58.
20 Ibid., p. 61.
21 Ibid., p. 61.
22 Ibid., p. 62.
23 Ibid., p. 64.
24 Ibid., p. 65.
25 Ibid., p. 65.
158
26 Ibid., p. 19.
27 Ibid., p. 33.
28 Ibid., p. 19.
29 Ibid., p. 20.
30 Ibid., p. 21.
31 Ibid., p. 22.
32 Ibid., p. 22.
33 Ibid., p. 22.
34 Ibid., p. 24.
35 VIOLA, F. Lo statuto giuridico della persona in prospettiva storica, p. 623.
36 ALBA, J. M. R. Desde el derecho romano a la teologia cristiana, p. 25.
37 Ibid., p. 29.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 159
38 Ibid., p. 33.
39 Ibid., p. 33.
40 STOLFI, E. La nozione di persona nell’esperienza giuridica romana, p. 383.
41 ALBA, J. M. R. Desde el derecho romano a la teologia cristiana, p. 33.
42 Ibid., p. 65.
43 ORESTANO, R. Il problema delle persone giuridiche in diritto romano, p. 11.
44 ALBA, J. M. R. Desde el derecho romano a la teologia cristiana, p. 71.
45 Ibid., p. 74.
160
46 Ibid., p. 75.
47 Ibid., p. 75.
48 Ibid., p. 77.
49 Ibid., p. 77.
50 VIOLA, F. Lo statuto giuridico della persona in prospettiva storica, p. 625.
51 ALBA, J. M. R. Desde el derecho romano a la teologia cristiana, p. 80.
52 STOLFI, E. La nozione di persona nell’esperienza giuridica romana, p. 388.
53 ALBA, J. M. R. Desde el derecho romano a la teologia cristiana, p. 81.
54 Ibid., p. 84.
55 Ibid., p. 82.
56 Ibid., p. 88.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 161
que o corpus atua por meio da pessoa de seu representante, era inevitável que se
produzisse um deslocamento do conceito chegando até mesmo corpus ser qualificado
como pessoa, como se pode encontrar, por exemplo, nos textos de Cícero (De officiis
I, 34, 124).59 Assim, o corpus manifestava sua existência na esfera jurídica por meio
de uma vontade própria e este era um dos traços característicos da pessoa. Podemos
entender que houve um processo de personalização dos corpos porque tanto o populus
Romanus quanto os collegium dispunham de uma vontade própria.60
57 Ibid., p. 95.
58 Ibid., p. 99.
59 Ibid., p. 101.
60 Ibid., p. 102.
61 Ibid., p. 126.
62 Ibid., p. 126.
63 Ibid., p. 127.
162
comunicação com o animus e com a anima do defunto.64 Desde o século VII a.C.,
era possível encontrar urnas cinerárias com uma máscara ou cabeça com traços
individuais que demonstravam a existência de espaço para a identidade individual,
pessoal, de cada ser humano.65
A imagem, a figura, não significava só a imagem material, artificial e o concreto.
A máscara de cera do defunto, por exemplo, fazia referência ao próprio animus,
ao elemento espiritual do ser humano.66 Por incapacidade humana de representar
mentalmente uma alma separada do corpo e porque em sua relação com os vivos os
defuntos se manifestam com sua anterior forma ou figura humana, as imagens são
formas de representação dos próprios espíritos.67
Sendo assim, é possível concluir que o conceito e o uso das máscaras funerárias
são consequência de uma tradição muito antiga, com raízes nos princípios fundamen-
tais da antropologia romana e impõem um princípio de forma, fixando imutavelmente
64 Ibid., p. 127.
65 Ibid., p. 127.
66 Ibid., p. 132.
67 Ibid., p. 132.
68 Ibid., p. 151.
69 Ibid., p. 106.
70 Ibid., p. 106.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 163
71 Ibid., p. 109.
72 Ibid., p. 111.
73 Ibid., p. 135.
74 Ibid., p. 111.
75 Ibid., p. 118.
164
6. Phersu e persona
Muitas das práticas que comentamos acima foram recebidas e assumidas pelos
romanos por meio da cultura etrusca ou ao menos influenciadas por ela. É possível
dizer que na época mais antiga a máscara representava os defuntos tanto no âmbito
estritamente funerário quanto nas encenações teatrais, dado que muitas destas ceri-
mônias dramáticas formavam parte do ritual mortuário realizado no dia do sepul-
tamento.76 Uma atenção especial e determinante deve ser dada a uma personagem
mascarada, contemplada nas várias tumbas etruscas datadas do século VI e IV a.C.
Seu nome, Phersu aparece escrito duas vezes: na tumba dos Augures, descoberta
em 1878, e, também, na tumba de Pulcinella e del Gallo, começo do século IV a. C,
todos na cidade de Tarquinia.77
Desde a sua aparição, alguns investigadores defendem a identificação ou deri-
76 Ibid., p. 121.
77 Ibid., p. 121.
78 Ibid., p. 123.
79 Ibid., p. 151.
80 Ibid., p. 151.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 165
81 Ibid., p. 120.
82 Ibid., p. 120.
83 Ibid., p. 144.
84 Ibid., p. 144.
85 Ibid., p. 145.
86 Ibid., p. 145.
87 Ibid., p. 145.
88 Ibid., p. 147.
89 Ibid., p. 161.
166
90 Ibid., p. 162.
91 Ibid., p. 164.
92 Ibid., p. 165.
93 STOLFI, E. La nozione di persona nell’esperienza giuridica romana, p. 385.
94 ALBA, J. M. R. Desde el derecho romano a la teologia cristiana, p. 165.
95 Ibid., p. 165.
96 Ibid., p. 170.
97 Ibid., p. 215.
ELEMENTOS DE TEOLOGIA: uma abordagem sistemático-pastoral 167
Entendendo também que a natureza quase nos deu dois papéis, um é comum a
todos, enquanto todos somos partícipes da razão e daquela superioridade, pela qual
nos distinguimos dos animais; da qual deriva o honesto e o decoro e o qual remonta
o conhecimento do dever; o outro é atribuído a cada um em modo particular [...]
Porém, somam-se àquelas duas personalidades que mencionei acima uma terceira,
que o acaso ou a situação impõe a alguém; existe ainda uma quarta, que acomo-
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damos a nós mesmos por decisão individual (De offiis 1, 30, 107; 1. 32, 115).
Cícero aborda sua divisão das pessoas no contexto da filosofia moral de tra-
dição estoica e tem uma finalidade metafísica, quer dizer, alguns objetivos relacio-
nados com a estrutura do ser pessoal enquanto ser e que, claro, pressupõem uma
visão antropológica.99
A primeira pessoa100 é comum a todos os seres humanos porque todos participam
da razão, ratio ou logos: quod oportet, quod decet. Isso implica uma declaração de
igualdade entre os seres humanos; isto é interessante porque tal conceito está diante
de uma realidade social que vive a realidade institucional da escravidão. Também, ser
participante da razão significa participar igualitariamente da natureza divina; entre
os deuses e os homens se dá uma comunidade de razão. A presença de um elemento
racional na alma dos homens foi sempre um grande argumento para provar que a alma
é imortal. Esse elemento racional, identificado com o divino, tem uma atenção espe-
cial por parte de Cícero. Aqui, temos uma evidente influência da religião tradicional
romana, particularmente do culto aos defuntos, com o pressuposto da imortalidade,
regulado pelo Direito pontifical.
À segunda pessoa101 se atribui cada indivíduo particular: altera autem quae
proprie singulis est tributa. É um dado notável, pois aparece pela primeira vez no
pensamento ético greco-romano um elemento estritamente individual, uma ideia de
que cada homem é tomado de sua individualidade. Cícero utiliza a estrutura antro-
pológica básica fundada na divisão entre corpus e animus. Há um espaço concedido
ao corpo e com ele ao tempo, à memória e à história. O corpo é entendido por Cícero
como um princípio real por meio do qual se constitui cada ser humano na existência.
É sugestivo recordar que a Idade Média debaterá profusamente sobre o problema se
a alma separada do corpo goza ou não da consideração de pessoa.
direito subjetivo senão um dever jurídico. Vale entender que mesmo que exista
um conceito jurídico de persona isso não exclui a utilização do termo em sen-
tido, por exemplo, metafórico pelos juristas romanos, pois ainda não se está fun-
damentado em um sistema estritamente formalizado como uma coisa matemática,
porém não invalida a existência de um conceito jurídico básico que manifesta a sua
força significativa.114
O mundo romano, notavelmente influenciado por seu realismo social de raiz
jurídica, é o mundo dos homens. Neste sentido, a criação do conceito de persona
produz uma separação radical entre o âmbito das coisas, a res, e dos seres humanos.115
Logicamente, a possibilidade de ação livre, pressuposto do ordenamento jurídico,
não separa o homem da natureza, mas alcança no ser humano, entendido como per-
sona, sua maior perfeição. Assim, passados os séculos, a tradição romana clássica
se expressará com suma perfeição nas palavras de Boécio: a pessoa não pode existir
Conclusão
O conceito de pessoa no direito romano percorre toda uma história e um grande
caminho. Do uso das máscaras em rituais arcaicos, das representações teatrais, da
influência estoica e de tantos outros movimentos e influências, o que permanece é
uma referência individualizadora de cada ser humano. Com o transcurso do tempo,
o termo pessoa passou a se referir aos próprios personagens dramáticos e, depois,
aos próprios atores, que, enquanto portadores das máscaras estilizadas, valiam-se da
persona justamente para dar existência representativa aos papéis que interpretavam
na obtenção teatral da realidade.
Nessa cadeia de eventos etimológicos, o termo pessoa findou-se ainda na
antiguidade romana por ser assimilado pelo léxico técnico-jurídico, passando
a designar, de ordinário, os seres que detêm, nos termos do direito positivo, a
que se baseia, por seu turno, na afirmação dogmática da existência de uma essencial
igualdade entre os seres humanos, reconhecidos como titulares de direitos universais
inalienáveis, pelo simples fato de sua humanidade imanente, independentemente
de qualquer prescrição heterônoma do direito positivo para tanto, bem próximo do
conceito romano de persona.
174
REFERÊNCIAS
ALBA, J. M. R. Desde el derecho romano a la teologia cristiana. Granada: Coma-
res, 2011.
C
Consciência 7, 10, 19, 21, 25, 45, 46, 47, 48, 49, 52, 53, 55, 57, 71, 73, 74,
75, 95, 99, 103, 104, 105, 108, 109, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119,
120, 140, 150, 156, 157, 158
Editora CRV - Proibida a impressão e comercialização
E
Elemento cultural 14, 16, 18
Ética 7, 10, 15, 25, 26, 46, 71, 76, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116,
117, 118, 119, 120, 135
J
Jesus cristo 11, 45, 46, 50, 51, 52, 55, 58, 59, 60, 62, 64, 65, 72, 74, 96, 97,
99, 112, 118, 123, 128, 132, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 145, 146, 150
M
Mediação 7, 9, 10, 45, 46, 51, 52, 55, 58, 59, 61, 62, 70, 114, 121, 122,
148, 157
Ministerialidade da igreja 7, 10, 95, 96, 98, 100, 102, 104, 105
Moral 7, 10, 38, 71, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119,
120, 129, 130, 140, 157, 167, 168, 169
N
Noção de pessoa 7, 11, 155, 156, 172
R
Realização humana 7, 9, 52, 53, 57, 58, 67, 69, 71, 72, 73, 74, 76, 77, 99,
146, 153
Revelação divina 7, 9, 11, 30, 36, 37, 41, 42, 43, 45, 46, 50, 52, 53, 54, 57,
58, 59, 60, 62, 63, 64, 67, 69, 71, 72, 73, 74, 76, 77, 121, 129, 131, 139, 141,
142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 153
178
S
Sinodalidade 7, 10, 79, 80, 81, 83, 84, 85, 87, 88, 89, 90, 91, 94, 104
T
Teologia catequética 7, 11, 135, 136, 137, 146, 148, 151
Teologia pastoral 7, 11, 69, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130,
131, 132, 133, 134
V
Vaticano 10, 11, 16, 17, 51, 53, 61, 66, 79, 81, 82, 83, 84, 89, 90, 91, 92, 94,
101, 102, 103, 104, 107, 111, 113, 116, 119, 124, 126, 127, 133, 134, 135,
SOBRE O LIVRO
Tiragem: Não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
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Royal | Supremo 250 g (capa)