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Outubro / 2021
Professor autor: Dr. Flávio Henrique Oliveira Silva
Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Depto. Marcon
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
(a) uma vez que o tempo tem sido cumprido, é hora de ‘conversão’;
(b) uma vez que “o reino de Deus está próximo”, é hora de crer no
evangelho.
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(4) o caráter escatológico-apocalíptico da perícope: “o tempo tem sido
cumprido, e o reino de Deus está próximo”. O tempo tem sido cumprido:
como é sabido, o grego possuía duas palavras para ‘tempo’: kronos (que
indica mais o aspecto cronológico do tempo) e kairós (que indica mais
o aspecto cultural ou existencial do tempo). No tocante à palavra aqui
usada, questiona-se se ela se refere a um ‘momento específico’ do tempo
cronológico: uma ‘ocasião especial’, um ‘momento significativo’; ou se se
refere a um período de tempo. Parece-me melhor entender esta sentença
inicial como se referindo ao fim de um período de tempo – a ‘velha era’: na
linguagem apocalíptica judaica – ou a uma fase da história das relações entre
Deus e seu povo. Simultaneamente ao encerramento do tempo ‘passado’, a
nova era messiânica está atuante no tempo cronológico humano.
SAIBA MAIS
O reino de Deus chegou ou está próximo (virá)? O texto bíblico do
evangelista Marcos (1,14-15), narra o início do ministério de Jesus.
De imediato, a mensagem do reino de Deus aparece no centro
de seu discurso. “Depois de João ter sido preso, foi Jesus para
a Galiléia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está
cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede
no evangelho”. Outras traduções aparecem da seguinte forma:
“O tempo está cumprido, e é chegado a vós o reino de Deus...”.
Já na bíblia de estudo interlinear, grego-português (2004, p.129),
cuja tradução parece mais precisa o texto aparece assim: “Está
cumprido o tempo e aproximou-se o reino de Deus...”. Pode-se
recorrer ainda a recursos gramaticais. O verbo aproximar (�γγ�ζω
- �γγικεν - ēngiken) aparece no tempo perfeito, o que indica “o
processo de uma ação e, ao mesmo tempo, a existência real dos
seus resultados” (REGA; BERGMANN, 2004, p.26).
2. Parábolas e Chamado
2.1. Parábolas: Mc 4,10-12
Quando Jesus ficou só, os que estavam ao redor
4,10
A perícope gira ao redor de dois grupos distintos de pessoas: (a) “os que
estavam junto dele com os doze”; e (b) “aos de fora”; e sua significação é
oferecida mediante uma citação do livro de Isaías (6,9-10) (estamos em
um ambiente mental apocalíptico judaico, com sua divisão do mundo em
dois grupos de pessoas). Ao prestarmos atenção, porém, não se trata de
uma questão de facilidade ou dificuldade ‘intelectual’ de interpretação,
mas de uma questão de compromisso com o Messias como caminho
para a compreensão do que ele diz.
Note que não se diz “mas aos de fora Jesus ensinava em parábolas”, e,
sim, “aos de fora tudo ocorre parabolicamente”, ou seja, tudo o que Jesus
faz parece um enigma insolúvel, pois não querem olhar para Jesus como
o Messias, pois sua visão do Messias já estava previamente definida e
Jesus, indo à cruz, não se encaixava nela – por isso até os discípulos
tinham dificuldade de compreender Jesus e, efetivamente, somente após
a ressurreição é que de fato o compreenderam como Messias portador
do Reino de Deus. O contraste, então, tem a ver como o modo de agir de
Deus: é Deus quem dá aos seguidores de Jesus ‘o mistério do Reino de
Deus’ e é o próprio Deus que, aos de fora, faz tudo parecer enigmático.
Tendo dito todas estas coisas apavorantes, Jesus conclui com uma
promessa: “Dizia-lhes ainda: Em verdade vos afirmo que, dos que aqui se
encontram, alguns há que, de maneira nenhuma, provarão a morte até que
tenham visto o reino de Deus ter chegado poderosamente”. A promessa
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de Jesus, no contexto, é simples: dentre os que estão seguindo a Jesus, e
estão sujeitos ao mesmo tipo de morte que Jesus sofrerá, alguns, porém,
sobreviverão e verão a chegada poderosa do Reino.
3. Sujeitos do Reino
3.1. As crianças e o Reino: Mc10,13-16
Então, lhe trouxeram algumas crianças para que as
10,13
SAIBA MAIS
... sobre as crianças no contexto da época:
Que diferença há, se é que há, entre ‘receber’ o reino e ‘entrar’ no reino?
O reino é dom, é dádiva, como tal deve ser recebido e, na medida em
que a natureza do reino é vir, assim como se o ‘recebe’ nele se entra.
Receber e entrar não representam os polos passivo e ativo da relação
humana com o reino de Deus, mas, se quisermos fazer uma distinção
desse tipo, os polos temporal e espacial = receber (o tempo do Reino)
e entrar (no espaço do Reino). A recepção do reino de Deus deve ser
vista como uma atividade, envolvendo a decisão de acolher e hospedar
o rei que está chegando, aceitando a sua soberania e preparando a casa
adequadamente para sua estadia. A entrada no reino de Deus também
é ‘ativa’, só que ao invés de agir como hospedeiro, a pessoa que entra
no reino age como hóspede, que recebe a hospitalidade do outro como
dádiva e bênção.
Vista sob este ângulo, a chave para entender a perícope está no dito do
verso 27: “Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque
para Deus tudo é possível”. A questão não está no lado do ser humano
– seu status econômico, social, religioso, cultural, etc. A dificuldade está
no lado do próprio reino de Deus, cuja lógica é radicalmente distinta da
lógica que rege o ‘reino dos seres humanos’ e torna impossível a um ser
humano conquistar a salvação.
Temos uma perícope marcada por ironia e por inversões: o rico procura
Jesus entusiasmadamente, mas sai de sua presença indignado; ele
chama Jesus de ‘bom’, mas Jesus recusa o qualificativo, afirmando que
só Deus é bom (mas Jesus é Deus...); Jesus responde à pergunta sobre
a vida eterna como se fosse um escriba, e não como o pregador do reino
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de Deus; esta é a única passagem em Marcos na qual se diz que Jesus
‘amou’ uma pessoa e é exatamente essa pessoa que rejeita o ensino e o
amor de Jesus. Jesus afirma que é difícil entrar no reino de Deus, de fato,
que é impossível para um ser humano (com posses?) entrar no reino,
mas, no final das contas, para Deus tudo é possível; o discípulos ficam
assombrados e estupefatos com a explicação de Jesus, mas Pedro,
imediatamente após a fala de Jesus sobre a impossibilidade de entrar no
reino, imediatamente se qualifica, juntamente com os demais discípulos,
como alguém que abriu mão de tudo para entrar no reino; ao que Jesus
responde ironicamente com a promessa de recompensa e perseguição.
A perícope encerra com um dito de Jesus sobre a inversão final – ‘muitos
primeiros serão últimos, últimos serão primeiros’.
4. Lei e Esperança
4.1. A Lei e o Reino: Mc 12,28-34
12,28
Chegando um dos escribas, tendo ouvido a
discussão entre eles e vendo como Jesus havia
respondido bem, perguntou-lhe: ‘Qual é o primeiro
de todos os mandamentos’? 29 Jesus respondeu: ‘O
primeiro é: Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o
único Senhor! 30 Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de
todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu
entendimento e de toda a tua força. 31 O segundo é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro
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mandamento maior do que estes’. 32 Disse-lhe o escriba:
‘Muito bem, Mestre, e com verdade disseste que ele é
o único, e não há outro senão ele, 33 e que amar a Deus
de todo o coração e de todo o entendimento e de toda
a força, e amar ao próximo como a si mesmo excede
a todos os holocaustos e sacrifícios’. 34 Vendo Jesus
que ele havia respondido sabiamente, declarou-lhe:
‘Não estás longe do reino de Deus’. E já ninguém mais
ousava interrogá-lo.
1. Questões introdutórias
1.1. Como estudar
Nosso tema agora será o conceito de Messias nos escritos paulinos.
Na linguagem mais tradicional da teologia, nosso tema é a cristologia
paulina. Ao estudar o tema do Messias, é importante partir do Novo
Testamento para o Antigo, já que os conceitos do Novo Testamento
são construídos a partir do Antigo e os conceitos do Antigo são relidos
em o Novo Testamento. Embora a Teologia Bíblica tenha seu foco no
significado teológico de temas da própria Escritura, não podemos deixar
de refletir sobre esse significado para os nossos dias e para nossa
própria vida. Por isso, além de estudar o conceito nos tempos bíblicos,
refletiremos sobre como viver messianicamente hoje!
Não custa lembrar você que, ao ler textos paulinos hoje, não temos como
evitar que vinte séculos de história da igreja se coloquem entre nós.
Inevitavelmente, nossa compreensão do texto já é marcada pelo ‘que
sabemos’. Ora, o ideal da teologia bíblica é voltar ao sentido dado pelo
autor do texto. Isso, porém, não quer dizer que a cada vez que lemos os
textos de Paulo temos de começar de novo, como se essa história fosse
meramente uma história de fracassos. Bem o contrário disso! Não é mais
possível voltar à pureza original do texto, como se fôssemos fariseus
rigoristas discutindo as mãos tornadas impuras pelo trabalho com o
texto. De uma forma ou de outra, o que aprendemos ao longo desses
vinte séculos permanece conosco quando lemos os textos que servem
de fonte para a nossa tradição. No caso da cristologia, essa tradição
possui alguns elementos que devem ser trazidos à tona, a fim de que o
mundo de pensamento paulino fique um pouco mais claro para nós.
(1) Cristo, que para nós é um nome próprio, ou, às vezes, um título, era
uma designação de honra nos tempos paulinos, quer fosse usado como
nome, quer como título;
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(2) Cristo, para nós, é identificado como a segunda pessoa da Trindade,
mas nos tempos de Paulo essa identificação conceitual ainda não existia;
Assim, vemos que a noção básica presente no termo Messias está ligada
ao exercício de uma função, divinamente apontada, e que essa função é,
primariamente, a do rei – guerrear as guerras de libertação de seu povo,
em nome de Deus. Entretanto, as Escrituras e a tradição judaica em geral,
possuem abertura suficiente para dar à ideia do Messias uma pluralidade
de aspectos, conforme veremos no decurso desta disciplina.
O uso do termo kyrios por Paulo é bastante amplo. Vejamos apenas dois
exemplos:
Dimensão Político-Identitária
A afirmação de que Jesus é o Senhor destaca a divindade do Messias
Jesus. Ele é o próprio YHWH, o Deus de Israel e de todas as nações.
De modo semelhante, afirma a soberania do Messias sobre todos os
poderes e senhorios da “criação” e mostra que é um senhorio de tipo
diferente do exercido pelos imperadores e pelos donos de escravos, pois
é a soberania do amor libertador divino. Jesus é Senhor porque morre na
cruz pelos inimigos de Deus – não é Senhor porque derrota os inimigos
na batalha. A identidade do Messias Jesus é uma identidade soberana,
do soberano que liberta. Como kyrios, Jesus é o imperador de toda a
criação. Ao invés de César, somente Jesus é kyrios, somente Ele é o
Senhor de todas as pessoas e de todas as coisas. Diferentemente do
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senhorio de César, o senhorio do Messias Jesus não se realiza mediante
a dominação e a morte, mas mediante a libertação e a oferta de vida.
Dimensão Escatológica
O Messias exerce Seu senhorio em completa obediência ao Pai, a quem
entregará o Reino após ter destruído todos os seus inimigos: o pecado, a
carne, Satanás e, por fim, a morte. Que o Senhor seja, ao mesmo tempo,
obediente, nos revela a verdadeira natureza do poder: servir a Deus,
trazendo vida à Sua criação. Que a morte seja o último dos inimigos
a ser destruído pelo Filho nos revela a predileção de Deus pela vida e
vida plena para a Sua criação. O reconhecimento universal de que o
Messias é o Senhor é a razão da esperança cristã. Aguardamos, ansiosa
e alegremente, o glorioso dia em que todo joelho se dobrará e toda língua
confessará que o Messias Jesus é o Senhor. Esse reconhecimento
universal será mais um testemunho do Senhorio do Messias Jesus, que
sendo Deus, esvaziou-se a Si mesmo, e assumiu a natureza humana e a
condição de escravo, obediente até a morte e morte de cruz.
Dimensão Soteriológica
O percurso do senhorio, iniciado na encarnação, possibilita ao escravo
Messias criar as condições para que o mundo criado por Deus possa
experimentar a liberdade nele. O reconhecimento de que uma pessoa se
tornou cristã é medido pela fidelidade ao Messias-Soberano, pela entrega
da sua própria subjetividade e identidade ao único Senhor que possibilita
uma nova vida. A confissão de que o Messias é o Senhor, publicamente
expressa pelo crente através de palavras e obras, é o sinal de sua
conversão e entrada no Reino do Filho amado. Consequentemente, a
espiritualidade cristã tem como cerne, ou núcleo, a entrega de vida ao
Messias, o andar nEle. Ser espiritual significa, basicamente, viver e morrer
para o Messias e como o Messias Jesus – mediante a ação do Espírito
de Deus em nós e através de nós. Sendo Ele o único Senhor podemos
viver em plena e perfeita liberdade.
2. O Messias em Filipenses
2.1. A cidadania messiânica - Fp 1,27-2,4
1,27
Vivei a vossa cidadania, acima de tudo, de modo
digno do evangelho do Messias, para que, ou indo ver-
vos ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros,
que estais firmes em um só espírito, como uma só alma,
competindo juntos em prol da fidelidade do evangelho,
28
e que em nada estais intimidados pelos adversários.
Pois o que é para eles prova evidente de perdição é,
para vós outros, de salvação, e isto da parte de Deus.
29
Porque vos foi concedida a graça de padecerdes pelo
Messias e não somente de crerdes nele, 30 pois tendes
o mesmo combate que vistes em mim e, ainda agora,
ouvis que é o meu.
Esta é uma das passagens mais belas das cartas paulinas em sua
descrição da messianidade de Jesus. Não poderemos discutir todos os
aspectos exegéticos e teológicos da mesma, por isso focaremos aqui
na natureza da messianidade. Aqui é estabelecido um contraste entre
a vida terrena de Jesus e sua vida após a ressurreição. O contraste não
tem a ver com a origem (davídica), mas com o modo em que o Messias-
Deus vem à terra e aqui vive na carne. Vejamos: “antes, a si mesmo se
esvaziou, assumindo a forma de escravo, tornando-se em semelhança
de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou,
tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”. Está pressuposto,
aqui, conforme o verso anterior, que Jesus existia, antes da encarnação,
como Deus – é claro que ainda não temos aqui uma expressão conceitual
clara da “trindade”, mas podemos perceber claramente a pluralidade
interna do modo de ser de YHWH.
Uso propositadamente uma frase paradoxal e ambígua. Não quero, com ela,
dizer que o Pai morreu, mas que Deus foi crucificado (na pessoa ou na forma
do Filho). Uma leitura interessante da kenosis (palavra grega que significa
‘esvaziamento’), em viés filosófico, tem sido feita por Gianni Vattimo.
De acordo com ele, a kenosis representa o despojar de
Deus de todos os atributos que o caracterizavam como
supremo, onipotente, distante e inacessível à razão. Na
kenosis está presente toda noção de distanciamento
do sagrado e de perda de religiosidade. Mas nela está
presente também outra informação importante para a
construção da noção de desecularização vattimiana,
a saber, a historização da salvação. Deus, ao se fazer
homem em Jesus, trouxe a salvação para o contexto
da história. A kenosis, portanto, é a expressão
máxima da secularização de Deus e, por conseguinte,
se torna também, no paradigma de toda forma de
enfraquecimento. (SILVA, Marcos P. N. “Kenosis e
secularização no pensamento de Gianni Vattimo”.
In: http://pt.scribd.com/doc/79963288/Kenosis-e-
secularizacao-no-pensamento-de-Gianni-Vattimo.)
40 | Bíblia VIII - Teologia do NT | FTSA
Na segunda parte do hino temos a inversão da condição rebaixada do
Messias (vemos aqui o mesmo movimento de Rm 1,3-4, contrastando as
condições terrena e pós-terrena do Messias Jesus). Como consequência
de sua obediência, ele foi exaltado pelo Pai, e recebeu nome acima de
todo nome (para o escravo-nada, sem nome próprio, essa é a forma mais
elevada possível de recompensa), de modo que reassume sua condição
como Senhor de toda a criação – um Senhor diferente dos senhores
deste mundo: um Senhor libertador (Ef 1,20-23; Hb 1,1ss).
3. O Messias em Romanos
3.1. O Messias Rei: Rm 1,1-7 –
1
Paulo, escravo do Messias Jesus, chamado para ser
apóstolo, separado para o evangelho de Deus, 2 o qual
foi por Deus, outrora, prometido por intermédio dos seus
profetas nas Sagradas Escrituras, 3 com respeito a seu
Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de
Davi 4 e foi designado Filho de Deus em poder, segundo
o espírito de santidade, pela ressurreição dos mortos, a
saber, o Messias Jesus, nosso Senhor, 5 por intermédio
de quem viemos a receber graça e apostolado por amor
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do seu nome, para a obediência por fé, entre todos os
gentios, 6 de cujo número sois também vós, chamados
para serdes do Messias Jesus. 7 A todos os amados
de Deus, que estais em Roma, chamados para serdes
santos, graça a vós outros e paz, da parte de Deus,
nosso Pai, e do Senhor Jesus, o Messias.
Quanto à difícil frase incorporativa eis Criston, cf. Rm 16,5 [...] “saudai
meu amado Epêneto, primícias da Ásia eis Cristo”; Fm 6: [...] “de modo
que a comunhão de vossa fé possa ser efetiva no conhecimento de todas
as boas coisas em nós eis Cristo”. Provavelmente a frase se relaciona
1 HENGEL, Martin. “Jesus, the Messiah of Israel”. In: Studies in Early Christology.
Edinburgh: T. & T. Clark, 1995, p. 6.
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com a expressão baptizo eis Criston “batizo para (formar) o Messias”
(Rm 6,3; Gl 3,27); cf. 1Co 1,13.15: [...] “fostes batizados em (eis) nome de
Paulo”; 1Co 10,2 [...] “todos foram batizados em (eis) Moisés”.
“E, assim, para quem está no Messias, nova criação; as coisas antigas já
passaram; eis que se fizeram novas” (v. 17). A linguagem é paralela à da
agência do Messias como primogênito da ressurreição em Cl 1,15ss. Ele
não só é o agente da criação, mas também o da nova criação de Deus.
De fato, o Messias é a própria nova criação, pois estar nele é também
estar nela. A noção judaica de corporeidade solidária faz eco aqui: quem
participa do ser-Messias participa da nova criação-Messias. A estrutura
sintática do verso 17 chama a atenção por causa da ausência de verbo
em relação com a expressão ‘nova criação’.
“Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós” (v. 21). Esta
afirmação é ousada e pode ser interpretada de duas maneiras pelo menos:
(1) o Messias foi feito oferta pelo pecado, à luz do fato de que no hebraico
a mesma palavra se refere tanto ao pecado quanto ao sacrifício que o
expia; ou (2) o Messias foi feito pecado, ou seja, foi colocado na condição
de maldito (pecador), mesmo que não tenha transgredido ou pecado.
Neste ponto, é preciso lembrar que no mundo antigo não havia separação
entre questões sócio-políticas e questões religiosas – posição comumente
adotada pela mentalidade ocidental moderna. A fé e as práticas religiosas
não estavam alienadas das demais áreas da vida, antes, lançavam luz
sobre elas. Saldarini (2005, p.17) explica que no Império “a religião achava-
se incrustada na estrutura política e social da comunidade. [...] Assim, o
envolvimento com a religião é, em si mesmo, compromisso político e social
no sentido amplo de tais termos”. Esse detalhe nos indica, conforme já
mencionei na unidade anterior, que a perseguição que sofriam os cristãos
SAIBA MAIS
Tessalônica era a capital da Macedônia, e aí residia o governador
romano. A cidade gozava de autonomia administrativa e tinha seus
magistrados próprios. Era centro comercial importante, concentrando
grande população e abrigando, como em toda grande cidade, a
mistura de culturas e opções religiosas. A colônia judaica devia ser
numerosa, visto que possuía até uma sinagoga. A sinagoga era ponto
de partida da ação evangelizadora. [...] O que Paulo pregava? [no
texto de Atos 17, 1-15] Lucas é muito sucinto: o Messias dos judeus
devia morrer e ressuscitar; Jesus é esse Messias. Ora, Messias em
grego Cristo, soava como “príncipe” ou “rei”, e Senhor, em grego
Kyrios, soava como “imperador”. [...] Os judeus, certamente, reagem
negativamente. [...] Qual o teor da acusação? Transtorno social e
subversão política. [...] Em outras palavras, o título Messias-Rei é
posto em confronto com a autoridade romana, e a prática cristã é
vista como sublevação da ordem social.
Fonte: STORNIOLO, Ivo. Como ler Os Atos dos Apóstolos: o Caminho do evangelho.
2. Ed. São Paulo: Paulus, 2008, pp.146-147.
(4) “Lançou uma missão não somente para curar os efeitos debilitantes da
violência militar romana e da exploração econômica, mas também para
revitalizar e reconstruir o espírito cultural e a vitalidade comunitária do povo”.
Fiel a sua vocação, essa igreja, nas palavras de Ferreira (1991, pp.11-25),
“questionava as estruturas de poder da época” e assumia uma postura
de resistência não-violenta, mas de valores. Por esta razão, conforme
o autor, “começava a ser, aos olhos dos dominantes, uma organização
de cunho subversivo”. Nas palavras de Ferreira: “A perseguição aos
tessalonicenses aconteceu porque a pequenina Igreja que surgia estava
subvertendo o esquema reacionário e opressivo do Império romano”.
Em contrapartida, para os romanos, permitir qualquer contestação seria
relativizar o próprio poder. O Império (e seus aliados), então, fazia questão
de tornar evidente sua autoridade, respondendo através de medidas que
intensificavam a perseguição.
SAIBA MAIS
Fortificar e Exortar
O trabalho dos três evangelistas não era só de ajudar a comunidade
a nascer na fé, mas também de sustenta-la firmemente para se
tornar madura. A maturidade é “testada” nas provas. Aqui, no
caso, a ekklesia tem sofrido duras adversidades. Corria o risco
de ser esmagada pelas forças repressoras de Tessalônica ou do
império romano. No perigo para a fé engajada desta comunidade
perseguida, aparece a “Palavra” que fortifica e exorta. É Timóteo, o
colaborador de Deus, o portador. Ele é enviado a Tessalônica para
ajudar os novos cristãos a serem fortes nas “tribulações” (thlipsis)
por causa do evangelho. Esta palavra “thlipsis”, que é utilizada nas
cartas paulinas mais que em todo o Novo Testamento, é a força
cristã de vida. [...] A thlipsis (tribulação, perseguição) aconteceu
porque o sistema opressivo do império estava sendo subvertido.
Fonte: FERREIRA, Joel Antônio. Primeira Epístola aos
Tessalonicenses: a Igreja surge como esperança dos oprimidos.
Petrópolis: Vozes, 1991, p.30.
SAIBA MAIS
A relação dos missionários com os tessalonicenses retoma força.
Timóteo foi em missão a fim de averiguar, animar e confortar a
Igreja perseguida. Ele retorna trazendo alegres notícias sobre
a fé e a prática perseverante da comunidade. A carta agora
é expressão do entusiasmo, usando até o verbo “evangelizo”
(pregar o Evangelho) – palavra do Novo Testamento, reservada
para anunciar a boa-nova de salvação – expressando a união
dos remetentes com os tessalonicenses e vice-versa. [...] Num
segundo momento, os missionários pedem crescimento e riqueza
no amor aos tessalonicenses. O Senhor pode aumentar este amor,
o qual Timóteo testemunhou, de modo que esta agápe (amor) seja
não só um laço que os une em uma fraternidade comum, mas
também com todos os homens. Se existem falhas na comunidade
(3,10), é no amor que ela deve superar as dificuldades. O amor é,
primeiramente, fraterno (4,9). Isto gera na comunidade comunhão,
unidade, capacidade de organização e resistência contra o mal.
Fonte: FERREIRA, Joel Antônio. Primeira Epístola aos
Tessalonicenses: a Igreja surge como esperança dos oprimidos.
Petrópolis: Vozes, 1991, pp.77-79.
É preciso destacar o uso da palavra “irmão” no texto. Sigo com Ferreira (1991,
p.84-85) que explica que “é na ótica do irmão, da vida comunitária, que os
cristãos precisam agir e viver”, levando-se em conta que no Império romano
as relações estavam marcadas por hierarquias, traduzidas por toda sorte de
violação do mais forte contra o mais fraco. Trilhar caminhos de santidade
significava a reconsideração do outro, olhando-o como um igual. Para o autor:
SAIBA MAIS
A comunidade de Tessalônica foi chamada a “viver de maneira
digna de Deus, que os chama ao seu reino e à sua glória”. É
o “andar” e o “agradar” a Deus. [...] Andara para agradar a Deus,
significa dirigir-se sob o olhar de Deus, para um alvo certo (o próprio
Deus). O “agradar a Deus” completa esta imagem, sugerindo que os
cristãos tessalonicenses, em todo o seu agir, precisam procurar a
face de Deus. Os tessalonicenses receberam “instruções”, ou seja,
as orientações ou as diretrizes, para a sua vida comunitária “em
nome do Senhor Jesus”. [...] A base para a vida comunitária é a
santificação dos tessalonicenses. Já no Antigo Testamento, em Lv
11,44s, Deus disse: “... Vocês serão santos porque eu sou santo”.
É exatamente esta a vontade de Deus”. Deus sendo santo, partilha
sua santidade com os membros do seu povo. Isto que aconteceu no
Antigo Testamento, acontece agora com os cristãos. A santificação
vem de Deus (5,23), de Cristo (3,13), é ação do Espírito Santo (4,8).
Nessa comunhão, é tarefa da ekklesia (4,7) ser santa. É a santidade
que fará a comunidade cristã ser diferente dos outros grupos da
época (4,5.12; 5,6).
Elogios
Desafios
Além dos elogios, essa carta destaca algumas instruções práticas de
Paulo frente aos desafios que enfrentava a Igreja no cotidiano. Vejamos:
(1) Moral Sexual e Matrimonial: 1Ts 4:3-8; (2) Amor Fraterno: 1Ts 4:9-
12; (3) Vida Comunitária: 1Ts 5:12-22. Os desdobramentos da vida
comunitária no texto são:
Referências bibliográficas
BINGEMER, Maria C. L. (org.). Violência e religião: Cristianismo, Islamismo,
Judaísmo: três religiões em confronto e diálogo. Rio de Janeiro: PUC-Rio;
São Paulo: Loyola, 2001.
O tema da seção é que Javé, rei dos reis e deus dos deuses, irá exercer sua
soberania e, mais uma vez, libertar seu povo da dominação estrangeira.
Como um deus fiel à sua aliança e promessas, Javé outorgará a Israel
mais uma vez a liberdade e estabelecerá seu povo como o povo mais
importante da terra (cf., especialmente, Isaías 40-55). Esta mensagem
de resistência e esperança é que ressoa no capítulo 7. Por mais terrível e
tremenda que seja a situação, Javé é soberano e justo, e levará a história
em sua correta direção. Devemos cuidar, porém, para não anularmos o
caráter simbólico do texto, nem a perspectiva pactual da ação de Javé,
que nunca age sozinho, transformando a história como que por um passe
de mágica. O poder de Javé é exercido em parceria (aliança) com seu
povo. A fidelidade de Javé demanda a fidelidade de seu povo, de modo
que a história não é o efeito da ação solitária de Deus ou de seus anjos no
céu, mas da ação conjunta de Deus e seu povo na face da terra.
Não é possível ter certeza sobre os detalhes ligados a esta questão, mas
a fé cristã afirma, com certeza, que a pessoa morre uma só vez – não
precisa voltar à vida física para pagar pecados, ou para se aperfeiçoar,
ou para qualquer outra finalidade. Salva pela graça, a pessoa também
não necessita de um período, após a morte, para completar a sua
salvação individual, pois a redenção foi consumada escatologicamente
(experimentada nesta vida, mas sempre em antecipação e esperança)
em Cristo, não existindo dois estágios de ressurreição, ou vida pós-
morte para os salvos. Não conhecemos detalhes, mas a Escritura nos
afirma que a pessoa morta em Cristo está na presença do Senhor, o que
é incomparavelmente melhor do que a vida em pecado, na carne. A forma
dessa comunhão com Deus não pode ser descrita com nossa linguagem,
mas a esperança da vida na presença de Deus pode e deve ser fonte de
consolo e coragem para lidar com a morte física, especialmente com a
morte que ocorre “fora de hora” (se é que existe “hora” para a morte). É
na esperança da ressurreição do corpo, como consequência do triunfo
de Deus, que os cristãos experimentam o luto e a dor pela perda. A dor
da perda não é eliminada, nem diminuída – mas o consolo de Deus nos
faz experimentá-la tomados por uma força maior do que nós mesmos.
(1) ele é irmão, ou seja, é um dos filhos de Deus, uma das pessoas que
encontrou a verdade e a vida na mensagem do Evangelho e se submeteu
ao Senhor Jesus Cristo - por isso, tornou-se membro de uma nova família,
a Igreja, comunidade de irmãos e irmãs - na qual os valores e as posições
ocupadas no mundo perdem sua razão de ser, e todos se tornam um,
“porque Cristo é tudo em todos”! (Gl 3,26-29; Cl 3,9-11). “João não usa o
termo adelphos (irmão, irmã) com frequência, mas quando ele o usa, o
faz nos pontos críticos do livro que indicam uma relação não-hierárquica
de testemunho. Em 6,11 todos são membros da mesma família da fé que
sofre por causa de seu testemunho do senhorio de Deus e de Cristo. Em
12,10, essas mesmas testemunhas-parentes conquistam o dragão com
a força do testemunho. Mesmo anjos, quando servem a Deus, atuam
como co-servos dos crfentes e não como superiores hierárquicos (19,9-
10; 22,8-9)” (BLOUNT, Brian K. Revelation: A Commentary. Louisvlee:
Westminster, 2009, p. 41).
Somente Deus reina, somente a Ele damos nossa lealdade e somente Ele
conduz nossas vidas! Nenhum imperador aceita isto: seja o imperador
romano, seja o imperador dinheiro, seja o imperador consumo, seja o
imperador prazer, seja o imperador poder! Diante da perseguição, da
intimidação, o que faz a comunidade cristã? Resiste, não se amedronta, não
se acovarda. Fica firma. A palavra resistência, também pode ser traduzida
por paciência ou perseverança. É resistência perseverante, e perseverança
resistente. Nos tempos de João, a palavra era usada para se referir aos
soldados que, na hora do combate, não fugiam do campo de batalha!