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Marcos Arino

Bàbáláwo Ìká Ògúndá

A sociedade Égbé (Ẹgbẹ́) Órun (Ọ̀run)


na religião Yorùbá

A triste sina dos rejeitados

Segunda edição

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Feito em nome de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
Owó lẹ bá fẹ́ẹ́ ní láyé
Ẹni tí ẹ ó maa bí nìyan
Ọmọ lẹ bá fẹ́ẹ́ ní láyé
Ẹni tí ẹ ó maa bí nìyẹn
Àikù lẹ bá fẹ́ẹ́ ní láyé
Ẹni tí ẹ ó maa bí nìyẹn
Ire gbogbo lẹ bá fẹ́ẹ́ ní láyé
Ẹni tí ẹ ó maa bí nìyẹn
Ọrúnmìlà afèdè-fẹ̀yọ̀
Ẹ̀tà-Ìsòdè
Ifá re'lé Olókun
Kò dé mọ́
Ó ní ẹni tí ẹ bá ti rí
Ẹ sá maa pèé ní Bàbá
Se você está em busca de prosperidade na terra
Esta é a pessoa para a qual você deve perguntar
Se você quer filhos
Esta é a pessoa a quem você deve procurar
Se você está em busca de vida longa
Esta é a pessoa a quem você deve perguntar
Órunmilá, ele que fala em diferentes idiomas e línguas
Ela-ìsòdè
Ifá foi para a casa de Olokun
E nunca retornará
Ele diz que qualquer um que você veja
Por favor, procure-o como a um Pai
Sumário
Introdução
Resumo das atualizações desta versão do livro
Mitos sobre egbe ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
As informações de Verger sobre esse tema
As informações de Ayo Salami
As informações de Alex Cuoco
Onde fica de fato a sociedade egbe ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)?
Como é a composição do egbe ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
O que é a sociedade egbé ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
O grupo dos Eré
Os demais espíritos do egbé ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run).
A origem dos Àbíkú
A família que recebe as crianças do egbé ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
O envolvimento dos companheiros do egbe ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
Os problemas que crianças vindas do egbe ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run) sofrem
O que o Bàbáláwo pode fazer para ajudar?
Conclusão
Informações complementares sobre o egbe ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
Erros, mistificações e desentendimentos sobre egbe orun
RESUMO DESTE LIVRO
Introdução
Você vai ler agora um livro poderoso em termos de conteúdo. Faça isso com
responsabilidade.
Este livro representa uma parte da teologia da religião Yoruba. A religião
Yoruba não tem um nome específico, é apenas chamada assim, religião
Yoruba. Esta religião gerou na Nigéria e no novo mundo (américa central e
do sul), tradições religiosas baseadas nela como um todo e em alguns dos
seus cultos em particular, sendo o maior, mais proeminente e mais conhecido,
o culto de Orixá. Orixá é a divindade que representa a manifestação teândrica
de deus junto a humanidade. Eles são a manifestação humanizada de deus
entre nós. Orixá é a representação da analogia entis para o entendimento de
deus.
Como tradições religiosas, derivadas dessa religião, podemos citar, no Brasil,
o Candomblé, o Batuque e o Nagô, em Cuba a Santeria e na Nigéria a RTY,
mas, sem se restringir a essas. Não existe relação de hierarquia entre essas
tradições, são todas tradições de uma mesma religião, cada uma foi formatada
em acordo com a sociedade e culturam que representam.
Depois do culto de Orixá (Òrìṣà), o culto mais conhecido é o de Ifá, cuja
sociedade sacerdotal se ocupa exclusivamente em lidar com o oráculo e
representa apenas uma divindade, que não é um orixá, esta divindade é
Órunmila. Ifá foi o último culto a se espalhar pelo mundo e, diferente do
culto de Orixá (Òrìṣà), em todo mundo é conhecido pelo mesmo nome, culto
de Ifá, mesmo que existam variações.
É neste contexto religioso, da religião Yoruba, que possui vários cultos e
tradições diferentes, que surge a teologia ligada a existência da sociedade
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), que é o tema deste livro.
O conteúdo do livro é baseado no que já podemos chamar de Ifá Brasileiro e
unifica a visão de Ifá, através de versos de Ifá (não são usados Pataki,
cubanos) e através do conhecimento do Candomblé. Existem outros trabalhos
sobre esse tema que trazem a visão do Ifá Nigeriano atual. Este livro não se
baseia nessa visão contemporância desta escola de Ifá e Orixá (Òrìṣà).
Este é um tema bem vertical nesta religião e que sai fora do contexto mais
comum e amplo ligado a orixá. Assim, por ser uma especificidade teológica,
algumas pessoas menos habituadas com as tradições de Orixá, poderão ter
alguma dificuldade de entender tudo o que será dito, mas o livro foi feito para
permitir o amplo entendimento, não é necessário ser um especialista.
A sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é bem conhecida pelo culto de Ifá que
lida com os problemas e consequências ligadas a ela.
A sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é um tema bastante importante devido
a enorme influência em fatos que surgem na vida de crianças, mas que podem
virar cicatrizes ou marcas na vida de adultos, impactando-os enormemente
por causas que poderiam ter sido trabalhadas no seu surgimento e sua
infância.
Como será explicado neste livro, os espíritos da sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) são almas abaladas emocionalmente, rejeitadas e ainda estão em sua
infância emocional. Almas que nasceram e não puderam crescer e evoluir
com o suporte da família e da sociedade humana. Pelas mãos de deus, através
dos Orixá (Òrìṣà) elas renascem, para uma nova vida, sem antes voltar ao
órun (Ọ̀run) para um novo reinício e isso traz para elas um enorme
comprometimento emocional.
Elas não são a face do mal. Elas são apenas vítimas infelizes do seu próprio
destino. É isso que esse livro vai mostrar, recuperando a verdadeira face desta
sociedade que é apresentada por esta religião.
Infelizmente, existe um grande grau de desinformação sobre o mesmo,
devido a falta de estudo teológico sobre o assunto, devido a falta de bom
senso e inteligência, devido a falta de fontes confiáveis e, principalmente
devido ao excesso de mistificação sobre o assunto. A preguiça e a falta de
honestidade levaram a este tema ter sido abandonado e depois prejudicado.
Eu, neste trabalho, levei bem mais de 10 anos para reunir fontes confiáveis e
consistentes, para poder entender esse assunto, em si mesmo e dentro do
contexto geral da religião e, finalmente, também, poder confirmar, através de
conversa com pessoas e da prática de Ifá e do Candomblé, esse conhecimento
teórico.
Eu não estou apresentando um trabalho acadêmico, copiando e compilando
fontes. Esse é um trabalho de campo para recuperar a teologia e a origem da
sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
O entendimento do fenômeno, das causas e origem desta sociedade, reside
nas fontes ruins, que desorienta quem busca o conhecimento. Além da
dificuldade do assunto, somam-se nigerianos sem nenhuma noção do que
falam e que estão inventando bobagens sobre o assunto para poder ganhar
dinheiro dos tolos de plantão.
Existe um critério, importante e que não é observado por muita gente que fala
sobre essa religião, que é a questão da consistência e simplicidade quando
tratamos de teologia. A falta de bom senso.
Não basta apenas conhecermos o assunto, suas práticas, ritos e mitos. Não
basta ler e reproduzir, ler e reptir. Não podemos, em cada tema da religião,
construirmos uma nova base teológica para atender e se ajustar, para aquele
tema, formando uma teia de infinitas possibilidades e, principalmente, infinita
complexidade. O conhecimento proposto, em cada tema, tem que se encaixar
em relação ao restante da religião de forma consistente e harmônica.
Assim para falar dessa religião tem-se, primeiro, que dominar a teologia da
religião, entender o todo, porque cada parte que de aprofunda ou se detalha
tem que ser consistente com esse todo.
Isso gera um grande problema, que é a necessidade de a pessoa, primeiro,
conhecer o todo sobre a teologia desta religião (como em toda religião) para,
depois, poder falar de alguma coisa ou de partes dela em detalhes. Não se
pode adquirir conhecimento em pedaços e falar de cada coisa como se fossem
separadas. Além disso, em todo o tema, é necessário aplicarmos o princípio
da “Lâmina de Occan”.
Devido ao trabalho necessário e complexidade disso, de entender a teologia,
o caminho adotado, por muitos na prática, é o mais simples e mais idiota, a
pessoa se concentra apenas no seu problema, necessidade ou interesse
imediata e é essa a razão pela qual nascem as idiossincrasias e absurdos
teológicos. Isso é uma realidade. O que piora isso é o fato de que não existe,
para a religião Yorùbá, uma obra que a defina, um ou mais livros que reúnam
o conjunto da teologia, cosmologia, cosmogonia e teodicéia para servir de
uma base mínima para ser discutida por todos. Veja, para poder ser, no
mínimo discutida e questionada. O que temos são malucos falando qualquer
coisa que querem ou pensem como se tivessem a autoridade de deus. Temos
antropólogos definindo a religião para os teólogos e não o contrário.
Infelizmente estamos na idade das trevas do conhecimento desta religião.
Quando tratamos de qualquer tema ou subtema dentro desta religião, se não
conseguimos encaixar essa visão particular e contextualizada, de forma
coerente na teologia geral da religião, existe uma grande possibilidade de
estarmos refletindo uma visão errada sobre o mesmo. Infelizmente a base
para evitar isso é a pessoa conhecer a religião como um todo, primeiro, em
vez de ficar se “especializando” em detalhes. Mergulhar em detalhes, é o
caminho para os erros, a pessoa olha uma única coisa e já se acha
especialista. Mas, pode ser pior, ela fica aprendendo em pedaços e fica
“especialista” em partes, mas, cada uma dessas partes não se combina com as
outras. O problema é facilmente resolvido adicionando complexidade, tudo é
complicado, aí, fica fácil de falar.
Mas isso poderia ser evitado facilmente se a pessoa, pelo, menos procurasse
algumas informações adicionais, se pensasse um pouco mais sobre o assunto
antes de fazer coisas e tomar decisões.
Este é o critério adotado nesse livro, ser consistente com o todo da religião.
Se algum erro é cometido, ele é sincero, é feito na busca de acertar e não de
inventar o conhecimento.
Este livro trará uma explicação religiosa, baseado na teologia Yorùbá, de
fenômenos que afetam muito as pessoas individualmente e por consequência
as suas famílias e que são vistos como malefícios, mas, na verdade, são uma
das páginas mais tristes da nossa relação, como pessoas e almas, com a
estrutura metafísica da religião.
Este não é um tema complexo de verdade.
O que é complexo é o emaranhado de explicações fantasiosas e mirabolantes
que tem que sido dadas e as consequências dessas explicações por pessoas
que seja por real ignorância ou por má fé para pessoas buscando justificar
problemas que elas não encontram respostas.
Durante um bom tempo, eu mesmo, baseado nas informações que eu tinha
disponível, passei a considerar o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e principalmente
os Àbíkú, como uma componente do mal teológico desta religião, contudo,
com o tempo, o que se abriu para mim foi o contrário, de verdugos passaram
a serem vítimas do mal (explicar o mal na sua forma teológica não será feito
aqui). Os Àbíkú são almas que temos que lamentar e ajudar, mas, isso,
somente será para os muito fortes, os eleitos.
As famílias não são amaldiçoadas pelos Àbíkú. Os Àbíkú não existem
aleatoriamente para fazerem famílias sofrerem, os espíritos humanos não têm
esse mal intrínseco, é justamente o contrário, os Àbíkú foram espíritos que
morreram na infância e que foram amaldiçoados pelas famílias originais com
a rejeição. Devido a isso elas não retornam ao órun (Ọ̀run), ficam em um
espaço intermediário chamado Ìrònà, onde criam novos laços familiares, com
seus companheiros de mesma sina.
Os Àbíkú não são “demônios” que atormentam as famílias ou maldições que
as perseguem. São o resultado de sentimentos muito humanos, como medo,
decepção, raiva e rejeição. São parte do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), mas, por
não superarem sua rejeição se tornam os Àbíkú. Entendendo assim passamos
a olhar os Àbíkú de uma forma humana e não como um espírito do mal sem
explicação.
As novas famílias, que os recebem, foram eleitas, pelos Orixá (Òrì ṣ à), para
recuperar essas almas e precisam entender essa árdua missão. Quando elas
não entendem ou não tem a capacidade para isso, elas sofrem. Os Àbíkú,
dessa maneira, são o resultado de uma relação bastante humana e são uma
consequência de um mal maior cometido antes contra essas as almas infantis.
E qual a utilidade deste conhecimento? Por que esse tema é relevante?
A razão é muito objetiva. Conhecendo a verdadeira natureza da sociedade
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e a razão da existência dos Àbíkú, as pessoas
poderão identificar potenciais problemas causados em crianças originadas
desta sociedade e com esse conhecimento verdadeiro entendê-las, atuar nos
problemas que a relação com a sociedade traz e solucionar a questão dos
Àbíkú, evitando sofrimento para a criança, para o adulto e para toda a família.
Existem problemas causados por esta origem que abalam as crianças
renascidas e que poderão ser tratados de forma inadequada pela medicina e
pelos pais. Crianças sofreram no seu crescimento e adultos problemáticos
poderão ser gerados.
Não entendam errado, o que estou afirmando é que cuidar de crianças
conhecendo sua origem na sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é superior a
tentar resolver isso com remédios, psicólogos e terapias. Nem todos os
problemas, doenças e anomalias que temos tem origem no nosso corpo e
podem ser tratadas pela medicina. Ignorar o conhecimento do supernatural e
as causas supernaturais para questões da nossa vida não fará que esses
problemas sejam resolvidos. Nem tudo é halopatia, a alma também de
adoece.
É o correto conhecimento do que é uma coisa e outra que traz a solução. O
corpo se cuida nas ciências biomédicas, mas, a alma se cuida na religião.
Desta forma, o trabalho sacerdotal nessa religião, através do Bàbáláwo (que
deve ter esse conhecimento), é o de recuperar essas relações, seja a esperança
ou a confiança da alma que renasce, bem como, o entendimento da família
que o recebe. O trabalho de Ifá tem que ser transformador e não punitivo e
excludente, não tem família a ser protegida e nem espírito a ser punido.
Osamaro Ibie (Ifism the complete work of Órunmila, pág. 48) destaca
acertadamente que, “Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) não resolve nenhum problema
através da confrontação exceto se todas as formas disponíveis de conciliação
falharam. Nós frequentemente procuramos a ajuda das divindades mais
agressivas para fazer o trabalho sujo para nós.”. Essa é a essência de Ifá
buscar o equilíbrio e a conciliação.
Esta é a visão que vou explicar longamente neste texto.
Seguindo o entendimento que tem que ser usado na obtenção do
conhecimento nesta religião, tudo o que tratamos e afirmamos tem que ser
baseado em leitura e interpretação de versos. Nós devemos fazer uma análise
dos versos e mitos, que são metáforas e parábolas, buscando o seu sentido
transcendente e dar um entendimento mais amplo e também mais relativo,
não literal, do que lemos, como é feito em todas as religiões.
Temos, também, que estar atentos, visto que, com o passar do tempo,
histórias podem ter sido alteradas e simplificadas. Temos sempre que buscar
o sentido maior, mas, sempre também, nos basearmos nos versos para isso.
Assim, depois, encaixar isso no contexto teológico mais amplo, buscar um
entendimento que seja baseado no bom senso, no normal e alinhado com a
nossa humanidade.
Não podemos fazer afirmações, dentro de um tema específico da religião que
não sejam suportadas por versos, mitos ou um conhecimento da tradição oral
fortemente estabelecido. Alerto que, usar a tradição oral é bastante
complicado, quando digo tradição oral, me refiro a ritos que são feitos pela
sociedade de forma ampla e que podem ser analisados e entendidos no
contexto que estamos tratando. Ao usar “tradição oral” por ela mesma,
podemos nos basear em histórias inventadas ou distorcidas, essa expressão de
origem de informação já foi bastante usada para disfarçar a falta de
conhecimento real. Alegar o uso da “tradição oral” não pode ser passaporte
livre para criar conhecimento do nada. Outro cuidado diz respeito a
regionalidade. Quando se fala daquela região da África, abrangida hoje pela
Nigéria e Benin, estamos falando de muitas etnias e diferenças culturais, é
uma diversidade grande, apesar de muito próximas geograficamente uma da
outra.
Um bom exemplo de uso da tradição oral, como referência, é mostrado por
Batatunde Lawal no livro Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) Spectacle. O livro é dedicado ao
estudo do espetáculo dos mascarados do culto de Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́), mas, é
impossível falar de Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) sem também falar de Àbíkú e ajé (Àjẹ́).
Lawal, em seu livro, mostra como a sociedade trata na prática estas questões
através do culto de Ìyá Nlá, a mãe terra, divindade que está diretamente
ligado a custo de Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́). Ele descreve os festivais e até rituais, mas,
ao tratar desse tema, não busca os versos e mitos de origem, ele se
desenvolve na tradição oral, visto que seu trabalho é sobre a externalização
desta questão. Isso é o bom uso da tradição oral, é mostrar evidência, hábitos,
crenças, mitos e ritos baseados no que a sociedade faz de fato.
Esse livro é mais formal o focado em sua abordagem, assim, eu vou
inicialmente expor uma base de mitos que fazem parte do conhecimento da
religião e que foram a base inicial para minhas análises e conclusões. Repito,
a partir desses mitos e sempre usando eles junto com minha prática de canpo
eu construí o conhecimento que aqui vou expor.
Antes que pensem que estou querendo complicar tudo, entendam que, para
compreender essa religião, vocês devem de fato ler os versos e as histórias.
Eu posso junto com isso fazer minhas análises e explicações, mas, é
necessário conhecer a fonte da informação que transmitimos ou seremos
apenas especuladores e inventores de maluquices.
Desta maneira, eu reúno a seguir as fontes que achei mais relevante. Elas
devem ser lidas com calma e entendidas porque, depois, tudo o que eu falar
será baseado nelas.
Resumo das atualizações desta versão do
livro
Esta versão traz uma revisão minuciosa de todo o texto e será acompanhada
de uma versão em inglês.
Mitos sobre egbe ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
Não se pode conhecer ou entender essa religião sem se basear pelo conteúdo
dos versos e mitos. Essa literatura oral foi, em parte, recuperada após ser
perdida quase completamente devido ao tsunami que desestabilização a
outrora vibrante sociedade Yorùbá. O escravagismo, o colonialismo e depois
a tomada da sociedade pelas religiões abraâmicas, dispersou e fez
desaparecer a sua religião tradicional. Atualmente, menos de 1% da
população segue a religião tradicional e possivelmente faça isso devido a
exploração econômica do turismo religioso dos praticantes do novo mundo.
Em função disso. a análise desses mitos deve ser feita com cuidado devido às
distorções da transmissão oral e também das alterações feitas para atender a
diversos fins convenientes e econômicos, mas, apesar desse risco, versos de
Ifá e mitos de orixá sempre serão a unidade base para entender a teologia
desta religião.
Qualquer pessoa que fale sobre a religião, que faça análises e apresente
conclusões deve ser justificar através desse corpo literário. Dessa maneira
esse livro também inicia com esse corpo literário.
A relação a seguir não esgota o tema, mas, pincei o que considero relevante
para poder analisar esse assunto. Eu apresento os mitos no sentido de
estabelecer essa documentação do que eu obtive de relevante. A minha
posição sobre o tema em questão será apresentada depois, considerando tudo
o que eu já disse, esses mitos e também minha experiência.

As informações de Verger sobre esse tema


De acordo com Verger, que coletou versos sobre o tema, se uma mulher, em
terra yorùbá, dá à luz uma série de crianças natimortas ou mortas em baixa
idade, a tradição reza que não se trata da vinda ao mundo de várias crianças
diferentes, mas de diversas aparições do mesmo ser (para eles, maléfico),
chamado Àbíkú (aquele que nasce e morre), que se julga vir ao mundo por um
momento para voltar ao país dos mortos, órun (Ọ̀run), v á rias vezes.
A criança, passa assim, seu tempo, a ir e voltar do céu para o mundo sem
jamais permanecer aqui por muito tempo, para grande desespero de seus pais,
desejos de ter os filhos vivos.
Não é apresentado, por Verger, nenhuma explicação sobre isso, causa ou
origem.
Essa crença é contratada também entre os Akan, onde a mãe é chamada
awomawu (ela bota os filhos no mundo para a morte). Os Ibo chamam os
Àbíkú de Ogbanje, os Haussas de Danwabi e os Fanti, Kossamah. Os Àbíkú
são uma intercorrência popular na áfrica ocidental e não um entendimento
isolado.
Encontramos informações a respeito dos Àbíkú em oito itans (histórias) de
Ifá, sistema de adivinhação dos Yorùbá, classificados nos 256 Odù (capítulos
ou sinais de Ifá). Essas histórias mostram que os Àbíkú formam sociedades no
egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), presididas por 2 líderes: Iyàjansà (a mãe-se-bate-e-
corre) para os meninos e Olókó (chefe da reunião) para as meninas, mas, é
Aláwaiyé (Rei de Awaiyé) que os levou ao mundo pela 1ª vez na sua cidade
de Awayié. Lá se encontra a floresta sagrada dos Àbíkú, aonde os pais de
Àbíkú vão fazer oferendas para que eles fiquem no mundo.
Quando eles vêm do céu para a terra, os Àbíkú passam os limites do céu
diante do guardião da porta, Oníbodé órun (Ọ̀run), seus companheiros vão
com ele até o local onde eles se dizem até logo. Os que partem declaram o
tempo que vão ficar no mundo e o que farão. Se prometem a seus
companheiros que não ficarão ausentes, essas crianças apesar de todo os
esforços de seus pais, retornarão, para encontrar seus amigos no céu.
Os Àbíkú podem ficar no mundo por períodos mais ou menos longos. Um
Àbíkú menina chamada "A-morte-os-puniu" declara diante de oníbodé órun
que nada do que os seus pais façam será capaz de retê-la no mundo, nem
presentes nem dinheiro, nem roupas que lhes ofereçam, nem todas as coisas
que eles gostariam de fazer por ela atrairiam os seus olhares nem lhe
agradariam.
Um Àbíkú menino, chamado Ilere, diz que recusará todo alimento e todas as
coisas que lhe queiram dar no mundo. Ele aceitará tudo isto no céu.
Quando Aláwaiyé levou duzentos e oitenta Àbíkú ao mundo pela primeira
vez, cada um deles tinha declarado, ao passar a barreira do céu, o tempo que
ficaria no mundo. Um deles se propunha a voltar ao céu assim que tivesse
visto sua mãe; um outro, esperaria até o dia em que seus pais decidissem que
ele casasse; um outro, que retornaria ao céu, quando seus pais concebessem
um novo filho, um ainda não esperaria mais do que o dia em que começasse a
andar.
Outros prometem à iyàjanjasà, que está chefiando a sua sociedade no céu,
respectivamente, ficar no mundo sete dias, ou até o momento em que
começasse a andar ou quando ele começasse a se arrastar pelo chão, ou
quando começasse a ter dentes ou ficar em pé.
É assim que, nessas quatro histórias, encontramos oferendas que comportam
um tronco de bananeira acompanhado de diversas outras coisas. Um só dos
casos narrados, o terceiro, explica a razão dessas oferendas:
“Um caçador que estava à espreita, no cruzamento dos caminhos dos Àbíkú, escutou
quais eram as promessas feitas por três Àbíkú quanto à época do seu retorno ao céu.”
“Um deles promete que deixará o mundo assim, que o fogo utilizado por sua mãe, para
preparar sua papa de legumes, se apague por falta de combustível. O segundo esperará
que o pano que sua mãe utilizar, para carregá-lo nas costas se rasgue. A terceira
esperará, para morrer, o dia em que seus pais lhe digam que é tempo de ele se casar e
ir morar com seu esposo.”
“O caçador vai visitar as três mães no momento em que elas estão dando à luz a seus
filhos Àbíkú e aconselha à primeira que não deixe se queimar inteiramente a lenha sob
o pote que cozinha os legumes que ela prepara para seu filho; à segunda que não deixe
se rasgar o pano que ela usar para carregar seu filho nas costas, que utilize um pano de
qualidade diferente; ele recomenda, enfim à terceira, de não especificar, quando chegar
a hora, qual será o dia em que sua filha deverá ir para a casa do seu marido.”
As três mães vão então consultar a sorte, Ifá, que lhes recomenda que façam
respectivamente as oferendas de um tronco de bananeira, de uma cabra e de um galo,
impedindo, por meio deste subterfúgio, que os três Àbíkú possam manter seu
compromisso. Porque, se a primeira instala um tronco de bananeira no fogo, destinado
a cozinhar a papa do seu filho, antes que ele se apague, o tronco de bananeira, cheio de
seiva e esponjoso, não pode queimar, e o Àbíkú, vendo uma acha de lenha não
consumido pelo fogo, diz que o momento da sua partida ainda não é chegado. A pele de
cabra oferecida pela Segunda mãe serve para reforçar o pano que ela usa para levar
seu filho nas costas; a criança Àbíkú não vai achar nunca que esse pano se rasgou e
não vai poder manter sua promessa. Não se sabe bem o porque do oferecimento de um
galo, mas a história conta que quando chegou a hora de dizer à filha já uma moça, que
ela deveria ir para casa do seu marido, os pais não lhe disseram nada e a enviaram
bruscamente para a casa dele. Nossos três Àbíkú não podem mais manter a promessa
que fizeram, porque as circunstâncias que devem anunciar sua partida não se
realizaram tais como eles tinham previsto na sua declaração diante de oníbodé órun.
Estes três Àbíkú não vão mais morrer. Eles seguiram um outro caminho. Comentamos
esta história com alguns detalhes porque ilustra bem o mecanismo das oferendas e de
sua função. Não é o seu lado anedolíco (de lenda) que nos interessa aqui, mas a
tentativa de demonstração de que em país Yorùbá, a sorte (destino) pode ser
modificada, numa certa medida, quando certos segredos são conhecidos.
Entre as oferendas que os retêm aqui, na terra, figuram, em primeiro plano, as
plantas litúrgicas. Cinco delas são citadas nestas histórias:

Abíríkolo (crotalaria lachnophera, papilolionacaae)


Agídímagbayin (não identificada)
Ídí (terminalia ivorensis, combretacae)
Ijá àgborin (não identificada)
Lara pupa (ricinus communis - mamona vermelha)
Ainda mais duas plantas são frequentemente utilizadas para reter os Àbíkú e
que não figuram nessas histórias:

Olobutoje ( jatropha curcas, euphorbiaceae)


Òpá eméré ( waltheria americana, sterculiaceae).
A oferta dessas folhas constitui uma espécie de mensagem e é acompanhada
por ofó (encantamentos).
Em país Yorùbá, os pais, para proteger seus filhos Àbíkú e tentar retê-los no
mundo, podem se dedicar a certas práticas, tais como fazer pequenas incisões
nas juntas da criança e aí esfregar atin (um pó preto feito com osum, favas e
folhas litúrgicas para esse fim) ou ainda ligar à cintura da criança um ondè,
talismã feito desse mesmo pó negro, contido num saquinho de couro.
A ação protetora buscada nas folhas, expressa nas fórmulas de encantamento,
é introduzida no corpo da criança por pequenas incisões e fricções, e a parte
do pó preto, contida no saquinho do ondé, representa uma mensagem não
verbal, uma espécie de apoio material e permanente da mensagem dirigida
pelos elementos protetores contra os elementos hostis, sendo essa forma de
expressão menos efêmera do que a palavra.
Em uma outra história, são feitas alusões aos xaorôs, anéis providos de
guizos, usados nos tornozelos pelas crianças Àbíkú, para afastar os
companheiros que tentam vir buscá-los no mundo e lembrar-lhes suas
promessas. De fato, seus companheiros não aceitam assim tão facilmente a
falta de palavra dos Àbíkú, retidos no mundo pelas oferendas, encantamentos
e talismãs preparados pelos pais, de acordo com o conselho dos babalaôs.
Nem sempre essas precauções e oferendas são suficientes para reter as
crianças Àbíkú sobre a terra. Iyájanjàsa é muitas vezes mais forte. Ela não
deixa agir o que as pessoas fazem para os reter e porá tudo a perder o que as
pessoas tiverem preparado.
Contra os Àbíkú não há remédios. Yiájanjàsá os atrairá à força para o céu. Os
corpos dos Àbíkú que morrem assim, são frequentemente mutilados. A fim de
que, dizem, eles percam seus atrativos e seus companheiros no céu não
queiram brincar com eles sobretudo para que o espírito do Àbíkú, maltratado
deste modo, não deseje mais vir ao mundo.
Essas crianças Àbíkú recebem no seu nascimento, nomes particulares. Alguns
desses nomes são acompanhados de saudações tradicionais. Eles podem ser
classificados: quer nomes que estabeleçam sua condição de Àbíkú; quer
nomes que lhes aconselham ou lhe suplicam que permaneçam no mundo;
quer em indicações de que as condições para que o Àbíkú volte não são
favoráveis; quer em promessas de bom tratamento, caso eles fiquem no
mundo. A frequência com que se encontra, em país yorubá, esses nomes em
adultos ou velhinhos que gozam de boa saúde, mostram que muitos Àbíkú
ficam no mundo graças, pensam as almas piedosas, a todas essas precauções,
à ação de Òrúnmìlà, e à intervenção dos babalaôs.
ALGUNS NOMES DADOS AOS Àbíkú
Aiyédùn - a vida é doce
Aiyélagbe - Nós ficamos no mundo
Akúji - O que está morto, desperta
Bánjókó - Senta-se comigo
Dúrójaiyé - Fica para gozar a vida
Dúróoríìke - Fica, tu serás mimada
Èbèlokú - Suplica para que fique
Ilètán - A terra acabou (não há mais terra para enterra-lo)
Kòjékú - Não consinta em morrer
Kòkúmó - não morra mais
Kúmápáyìí - A morte não leva este daqui
Omotúndé - A criança voltou
Tìjúikú - Envergonhado da morte (não deixa a morte te matar)
ITANS de IFÁ
É PRECISO CUIDAR DOS Àbíkú, SENÃO ELES VOLTAM PARA
O CÉU
OFERENDAS PODEM RETER Àbíkú NO MUNDO
SUBTERFUGIOS PARA RETER OS Àbíkú NO MUNDO
MOSETÁN FICA NO MUNDO
OLÓÌKÓ É O CHEFE DA SOCIEDADE DOS Àbíkú
ASEJÉJEJAIYÉ FICA NO MUNDO NA DÉCIMA SEXTA VEZ QUE
ELE VEM
OS Àbíkú CHEGAM PELA PRIMEIRA VEZ EM AWAIYÉ
ÍYÁJANJÀSÁ NÃO DEIXA OS Àbíkú FICAR NO MUNDO
Estes itens completos são descritos numa edição da revista Afro-Ásia, 14 –
1983, sob o título (A SOCIEDADE EGBÉ ÒRUN DOS ÀBÍKÚ, AS
CRIANÇAS NASCEM PARA MORRER VÁRIAS VEZES)
As cerimônias para os Àbíkú parecem ser pouco frequentes entre os yorubás,
a única assistida por Pierre Verger, a cerimônia foi feita pela tanyinnon
encarregada do culto aos deuses protetores de uma família tradicional do
bairro Houéta. Num canto da peça principal, oito estatuetas de madeira com
20 centímetros de altura e eram colocadas sobre uma banqueta de barro.
Todos vestidos de panos da mesma qualidade, mostrando pela uniformidade
de suas vestimentas, pertencer a uma mesma sociedade (egbé). Seis destas
estatuetas representam ábíkús e as outras duas ibeji. As oferendas consistiam
de oká (pasta de inhame) obèlá (espécie de caruru) èkuru (feijão moído e
cozido nas folhas) eran dindi, eja dindin (carne e peixe fritos) que, depois da
prece da tanyionnon e da oferenda de parte desta comida às estatuetas, foram
distribuídas pela assistência. Uma sacerdotisa de Obatalá assistiu à cerimônia
sublinhando as ligações que existem entre o orixá da criação, as pessoas de
corpos mal formados, corcundas, alijados, albinos e aqueles cujo nascimento
é anormal (Àbíkú e ibeji).
Portanto ao contrário que muitos falam, nada tem a ver com a criança que já
nasce "feita" no santo.
Comentários deste autor
Os textos de Verger são bons relatos e ainda são a base de quase toda a
informação que circula de qualidade sobre vários temas desta religião. A
seguir vou mostrar versões melhores. No caso do Verger o engano dele é
quando ele cita que: “Quando eles vêm do céu para a terra, os Àbíkú passam
os limites do céu diante do guardião da porta, oníbodé órun (Ọ̀run) … ”
Conforme vou explicar, minha visão é de que os Àbíkú não vem do órun
(Ọ̀run). Essa ocorrência vinda do órun (Ọ̀run) e passando por Onibode é um
outro tipo de caso, o de almas que nascem com ciclo curto de vida e que vão,
de fato, por destino morrer na infância ou bem jovens, mas, esse tipo de alma
não é um Àbíkú. Não faz nenhum sentido os Àbíkú virem do órun (Ọ̀run).

As informações compiladas por Ayo Salami


O Bàbáláwo Ayo Salami em seu livro “The Man & the Society”, o qual eu
recomendo que seja lido, assim como outras obras do mesmo autor, que tem
volume e qualidade de informação, publicou uma seção sobre os Àbíkú.
Salami abriu minha visão sobre isso e está informação é a que eu entendo ser
a mais coerente. Ele traz confirmações importantes sobre as minhas teses. Ele
adiciona ao tema mais informação do que Verger.
Eu não vou transcrever o texto dele, vou destacar o que ele traz de
informação e o que eu vou listar está desta exata maneira no livro dele.
Salami reconhece que os Àbíkú não residem no órun (Ọ̀run) e desta maneira a
dita sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) também não está no órun (Ọ̀run).
Salami diz que o Àbíkú residem no espaço intermediário chamado de Ìrònà e
é deste espaço que os Àbíkú saem e voltam entre o Àiyé. No Ìrònà eles
formaram uma sociedade de iguais com suas próprias regras. É nesse mesmo
espaço, o Ìrònà que também residem a ajé (Àjẹ́) e os Ajogun.
“Àbíkú são algum tipo de criança travessa que veio originalmente da cidade do Céu para a
cidade da Terra para peregrinar; mas ao invés de voltar para o céu após a vida na Terra, eles
permaneceram no Ìrònà . De lá, eles vêm para a Terra e de volta aos seus caprichos. Eles
formaram uma espécie de camarilha com suas próprias regras e regulamentos, assim como as
das bruxas que também vivem entre o Céu e a Terra. (Salami, The Man & the society, pag. 75)
Estou destacando esse trecho porque, entender que estamos lidando com o
Ìrònà e não com o órun (Ọ̀run), é a chave do que eu vou explicar adiante,
isso, é o que explica tudo.
Ele diz que, hoje em dia, o mito dos Àbíkú se misturou com o próprio
entendimento da medicina moderna, de modo que muitas mortes de crianças
podem, de fato serem atribuídas a doenças e condições ruins de higiene e não
a intercorrência de Àbíkú, contudo, uma coisa não exclui a outra. De fato,
mortalidade infantil não é incomum, mas, o Bàbáláwo tem que ter a
capacidade de distinguir uma coisa da outra, porque não é apenas morrer
criança que determina isso, existem outros elementos.
O grande destaque da sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é de fato os Àbíkú.
Àbíkú é uma palavra que significa “aquele que nasce para morrer”.
A característica de Àbíkú é nascer muito cedo, não necessariamente no parto
e não necessariamente quando bebê ou criança. Um Àbíkú pode sim crescer e
morrer mais velho, tudo depende do acordo que ele fez para o seu retorno.
Assim, a visão, comum, no Candomblé de que pessoas que sofrem aborto ou
crianças que morrem durante o parto, como sendo sinais de Àbíkú é errada.
Abortos e mortes, ainda dentro do útero ou durante o parto, devem ser
associados a atuação de ajé (Àjẹ́) e não de Àbíkú. Um Àbíkú tem que nascer e
para nascer não basta sair do útero, ele precisa respirar e cortar o cordão
umbilical, porque apenas quando é uma vida autônoma, respirando e não
estando mais ligada a mãe é que ele, de fato, ela nasceu. O Candomblé não
percebe o real papel de ajé (Àjẹ́).
Salami afirma que a missão dos Àbíkú é causar sofrimento aos seus pais, mas
a determinação da duração de sua vida e variável. O que é sempre forte é sua
ligação com seu grupo que fica no Ìrònà.
A manutenção de um Àbíkú no Àiyé é bem difícil e não depende de recursos
médicos, isso é trabalho apenas para um Bàbáláwo. Existe um ditado yorùbá
que diz “Àbíkú s ọ olóògùn dèké” que significa, os Àbíkú transformam a
medicina em uma mentira. Não haverá solução para um Àbíkú que quer
morrer.
Salami nos oferece sua versão para o verso do Odù Ọ̀ṣẹ́ Ògúndá, que é
considerado o principal Odù ligado a Àbíkú. Mais uma vez, se quiser
entender a religião tem que ler as histórias.
Eu sublinhei umas passagens que considero importantes desta história.
Um rei em particular cujo título é Oniki na cidade de Ìkilà estava sob o terror de Àbíkú.
Ele tivera muitos filhos do que qualquer pessoa na cidade, mas nenhum deles
sobrevivera. Quase todas as crianças morreram em seu primeiro dia na Terra; aquele
que não morreu no primeiro dia morreu durante sua cerimônia de nomeação. Muitos
morreram quando começaram a falar; a situação era tão ruim que ele consultou
curandeiros. Eles tentaram tudo ao seu alcance, mas foi em vão. Apesar de todas as
mortes, o rei não perdeu as esperanças. Quando a próxima de suas esposas ficou
grávida, ele resolveu consultar Ifa. Ele pediu a Bàbáláwo que viesse e divinasse para
ele. É por causa de Àbíkú que você chamou essa adivinhação, disseram a ele. Sim, ele
respondeu em afirmação, sentando-se ereto na beira de sua cadeira. Então você tem
que oferecer sacrifício a Ògún para que ele te deixasse; é apenas um Àbíkú que vem e
vai, mas desta vez, qualquer um que vier até você não poderá retornar, concluíram os
Bàbáláwo.
A princípio, o rei perguntou cinicamente que conexão havia entre Ògún e Àbíkú;
“- como esses dois estão conectados e qual é a função de um no outro?” Ele se
perguntou.
Mas de alguma forma, ele foi persuadido a oferecer o sacrifício, o que ele fez. Enquanto
isso, na casa de Oniki, havia um caçador itinerante particular que estava peregrinando
com o rei: seu nome era Ọdẹ́bíyìí. Ele chegou por volta de quando o rei pediu a
divinação. Seu método de caça era ir para as florestas profundas, fazendo um
acampamento escondido no topo de uma árvore de onde ele pudesse veja todos os
animais vagando para fazer um bom tiro.
Alguns dias após a oferta dos sacrifícios pelo rei Oniki, Ọdẹ́bíyìí foi para as florestas
profundas como de costume, escondendo-se no topo de uma árvore. Quando estava
prestes a cochilar, ouviu algumas vozes humanas abaixo. Furtivamente, ele estendeu o
pescoço para saber o que estava acontecendo e ver quem estava falando. Ele viu um ser
estranho que parecia uma mulher; ela tinha dezesseis seios e sentou-se em uma esteira
preta que apareceu do nada. As criancinhas ao seu redor começaram a falar uma após
a outra. Um diria que estava indo para a casa de Alárá, o outro diria que estava indo
para a casa de Ajerò, outro para a casa de um rei na antiga cidade de Ìwó. A missão
deles era roubar da respectiva casa para trazer de volta à sua sociedade. Mas um em
particular atraiu a atenção da Ọdẹ́bíyìí; ele o ouviu dizer: Estou indo para a casa de
Oniki. A esposa faria o parto hoje e eu entraria no útero para nascer em troca. Mas eu
não ficaria por muito tempo antes de desejar que meus companheiros viessem para mim
e me levassem de volta. Quando seria a hora? O estranho ser com dezesseis seios
perguntou. Deve ser quando a primeira lenha que vai ser usada para fornecer calor
para a mãe e o bebê queimar até virar cinzas. Mas se eles não permitirem que eu volte
então, como todos vocês sabem que os humanos são cheios de truques que podem
contornar meu objetivo, seria quando eu crescer até minha altura chegar ao topo da
porta inferior; mas se as duas opções falharem, então vocês, meus amigos, devem vir e
me levar de volta por qualquer método disponível para vocês.
Ọdẹ́bíyìí estava dentro do acampamento, observando tudo o que diziam como se
estivessem encenando uma peça. Embora assustado, ele não disse uma palavra, nem fez
qualquer movimento para despertar suas suspeitas. O Ògún a quem o rei ofereceu
sacrifício não os fez perceber que havia alguém ouvindo tudo o que diziam. Logo após a
última de suas deliberações, como um flash que vieram, todos eles desapareceram na
colina de molde atrás da árvore sobre a qual Ọdẹ́bíyìí estava posicionada. Ele demorou
para ver se viria mais alguma, nenhuma veio e já era tarde. Ele furtivamente desceu do
topo e saiu da floresta na ponta dos pés. Alternando caminhada e corrida, ele deixou a
floresta e assim que chegou aos arredores do palácio ouviu gritos de alegria. “- Que
este fique com você”. “- Este não morrerá, ele pagara por todos aqueles que morreram
anteriormente“. Parabéns Káábíèsí!. “- Este é o próximo rei visto que é um menino”.
Os visitantes estavam chegando da esquerda e da direita.
“- Que tipo de coincidência é essa?” Ele se perguntou em voz alta. Ọdẹ́bíyìí entrou e
rapidamente chamou a atenção do rei Oniki. Káábíèsí,
“- posso falar com você por um momento, por favor?”
“- Sobre o quê? “ Perguntou o rei.
Ọdẹ́bíyìí contou sua história ao rei, que ficou surpreso ao ouvir uma história que nunca
tinha ouvido na vida.
De acordo com a sugestão de Ọdẹ́bíyìí, o rei ordenou que incontáveis toras de madeira
fossem fornecidas para a mãe lactante, para que o fogo não se apagasse. Ele também
ordenou que a porta que separava a câmara interna da sala fosse reconstruída para
permitir que um adulto crescido passasse sem que sua cabeça tocasse o topo.
E assim a vida continuou na casa de Oniki; passou o medo de que a criança morresse
no primeiro dia na Terra; a cerimônia de nomeação foi feita sem nenhum obstáculo (ao
contrário das outras crianças que geralmente morrem na cerimônia de nomeação) e a
criança foi chamada de "Mọ́lùmọ”. “- Oh, talvez ele tenha adiado sua morte para
quando pudesse falar”, o rei se perguntou ; apreensivo, mas esperançoso sobre a
criança que não tinha morrido.
À medida que Mọ́lùmọ crescia, o rei percebeu que ele ficaria na porta, na ponta dos
pés, tentando ver se sua cabeça tocava o topo.
“- Então é verdade!” disse o rei para si mesmo.
Ele ordenou que a porta fosse completamente removida. “- Quando não houver porta,
eu quero ver o que sua cabeça tocaria".
Passado o tempo que ele combinou com seus companheiros de seu retorno, os
companheiros resolveram ir pegá-lo sozinhos. E foi assim que eles se reuniram em sua
multidão e se dirigiram para a casa de Oniki.
Ao chegarem ao pátio, no meio da noite, eles irromperam em uma canção patética
dizendo:
Mọ́lùmọ
The child of Oniki
Mọ́lùmọ
I call you again
You are the child of Oniki
Why did we not see you again?
Mọ́lùmọ ouviu a canção e respondeu de dentro da casa:
sou Mọ́lùmọ
O filho de Oniki
Eu sou o próprio Mọ́lùmọ
O filho de Oniki
Eu deveria ter ido antes desta hora
Meus companheiros
Ọdẹ́bíyìí o caçador foi aquele que me impediu
Os companheiros tentaram tudo o que podiam: causar confusão na casa de Oniki na
esperança de causar a morte de seu companheiro, mas o sacrifício que os Bàbáláwo
ofereceram no início neutralizou todos os seus esforços. Quando não conseguiram, eles
partiram para sua residência e não vieram incomodar Mọ́lùmọ para sempre. E então
ele se tornou uma criança sobrevivente de Oniki.

Comentários deste autor


Eu marquei os seguintes trechos dessa história e vou comentar:
morreram em seu primeiro dia na Terra; aquele que não morreu no primeiro
dia morreu durante sua cerimônia de nomeação. Muitos morreram quando
começaram a falar;
Conforme já disse, a criança precisa morrer para depois nascer. Existem
outras histórias de Àbíkú onde a criança morre no dia do seu casamento.
Desta maneira, não é verdade a crença de Àbíkú morra sempre jovem,
bem como não é verdade que morra no útero.
a situação era tão ruim que ele consultou curandeiros. Eles tentaram tudo ao
seu alcance, mas foi em vão.
Médicos não salvam Àbíkú.
sacrifício a Ògún
De acordo como encontro nos versos de Ifá, diversos inrumolé
(Irúnmọlẹ̀) estão envolvidos na salvação de Àbíkú. Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà), sempre está, mas Ògún e iroko também podem estar
envolvidos assim como Xangô (Ṣàngó).
Estou indo para a casa de Oniki. A esposa faria o parto hoje e eu entraria no
útero para nascer em troca. Mas eu não ficaria por muito tempo antes de
desejar que meus companheiros viessem para mim e me levassem de volta.
Vou abordar isso em outro lugar, mas, de acordo com o que eu encontro
em Ifá a criança enquanto no útero é parte da mulher. O espírito que
habitará o corpo só o faz junto com o Ẹ̀m í .
Os companheiros tentaram tudo o que podiam: causar confusão na casa de
Oniki na esperança de causar a morte de seu companheiro,
Essa é uma característica da atuação do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e que
pode ser observada por qualquer um.
O sacrifício feito pelo Bàbáláwo para impedir a morte dos Àbíkú é conhecido
como Ẹbọ àrúyẹ ìpínhùn – Sacrifício para terminar com a aliança.
Salami diz também que os Àbíkú se reúnem entre si no Àiyé. Eles fazem
reuniões noturnas no pé de uma árvore. Nos versos de Ifá essa árvore é o
Ìrókò. Essas reuniões contam com os espíritos que ficam no Ìrònà como
também com os espíritos dos renascidos. Assim criança Àbíkú renascida,
durante a noite, cairiam sono profundo, ficando imóveis e quase impossível
de acordá-las. Nesses momentos seus espíritos estariam fora do corpo
reunidos com seus amigos do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Ayo Salami inclui mais uma história em seu relato que não se trata de verso e
sim de um relato real, da vida real, o qual vou explicar a seguir bem
resumidamente porque será importante quando eu fizer meus comentários.
Segundo Salami, ele testemunhou isso em 1982. Havia um casal, juntos por 15 anos e com 3
filhos, não eram amadores ou principiantes em criar filhos. Mas, depois do terceiro o problema
começou, a quarta criança, uma menina morreu na cerimônia de nome. Isso acabou com a
festa, mas o pai não queria que o sofrimento durasse até o dia seguinte. Eles justaram as
pessoas fizeram uma cova e enterraram a criança. Logo a seguir ouviram um barulho na terra
e abriram novamente para ver o que havia ocorrido, o corpo havia desparecido.
A mulher ficou grávida de novo e teve outra menina que também morreu na cerimônia de
nome. O pai enterrou a da mesma maneira, mas, infligiu marcas no corpo da criança e cortou
sua mão esquerda.
A mulher novamente ficou grávida, um menino agora e o pai tinha certeza que seria um Àbíkú
e, desta maneira, não preparou nada de especial para a cerimônia de nome que seria no nono
dia de nascimento. A criança nasceu sem a mão esquerda. Os médicos inventaram explicações,
mas a criança morreu 2 anos depois em circunstâncias estranhas. Mais uma vez o pai enterrou
e também tirou seus olhos. Pois bem, a próxima criança nasceu sem a mão e cego, ela morreu
poucos dias depois de nascer. Os pais desistiram de ter mais um filho.
Salami, teoriza, que os Àbíkú atacam as pessoas retirando do útero da mãe a
alma que nasceria, assim eles seriam almas invasoras, substitutas. As almas
que são deslocadas do nascimento pelos Àbíkú vagam como fantasmas pelo
Àiyé e devem ficar no Àiyé até o dia marcado para o se retorno, o dia original
de sua morte.
Eu não concordo totalmente com essa afirmação, mas, de fato, dependendo
do modelo geral que se crie para explicar os Àbíkú, essa seria uma alternativa
possível. Minha objeção a este modelo proposto por Salami é porque
podemos ter uma explicação mais simples, natural e consistente para o
evento. Uma outra alma, invasora, deslocar a alma original e ficar vagando
no Àiyé é um pouco radical. Além do Àbíkú você cria um problema adicional
para esta alma, inocente, que vaga como um fantasma pelo Àiyé. Isso torna os
Àbíkú até piores do que falam.
O que posso dizer é que, o Salami, tem a mesma base de entendimento da
teologia que eu tenho sobre esse tema, mas, na parte em que faltam os versos
e é necessário extrapolar a explicação, a minha análise me fez chegar a uma
opção mais simples.
Salami segue a crença do mal associado aos Àbíkú. Se considerarmos como
ele diz os Àbíkú como um mal que se abate sobre a pessoa temos que
classificar com Àbíkú como um mal teológico.
Nas suas explicações e análises dos versos, ele não estabelece nenhuma
explicação ou causa para a origem dos Àbíkú, ele chega mesmo a citar, como
se fossem um problema ao acaso, ao contar uma história de uma mulher que
se encontra por casualmente com uma criança no mercado e a partir daquele
encontro passou a ser mais uma vítima de Àbíkú.
Isso mostra que falta um tijolo nessa parede, essa tese tem um buraco porque
o assunto não fecha em sí. A origem dos Àbíkú e o propósito disso fica sem
explicação adequada.

As informações compiladas por Alex Cuoco


Alex Cuoco é um brasileiro que foi viver ainda jovem nos EUA. Ele publicou
um livro excelente, chamado “African Narratives of Orishas, Spirits and
Other Deities”. É um equivalente, muito melhorado, ao livro do Prandi,
“Mitologia dos Orixá”, mas o Prandi mistura muito no seu livro, ele inclui
patakis cubanos e isso deturpa muito o que ele mostra porque os cubanos
criaram uma teogonia própria e os pataki são uma péssima fonte.
O livro do Alex Cuoco é bem extenso, são quase 1.000 páginas, mas, contém
bastante texto sobre Orixá (Òrì ṣ à). Neste livro ele tem muitos mitos sobre
Àbíkú e um resumo no final dos textos. É sobre o que ele sintetizou em seu
resumo, a opinião dele, que vou descrever a seguir, visto que é um resumo
dos diversos mitos que estão no livro.
Segundo o Alex, os Àbíkú são um fenômeno comum entre diversos povos da
mesma região. Os yorùbá, Akan, Nùpe, Ìgbò, Hausa e Fante acreditam na
mesma coisa. De fato, existe um compartilhamento de crenças religiosas por
povos desta região que, mesmo sendo de etinias diferentes e tendo cultos
religiosos distintos, possuem muitas crenças em comum, na verdade são bem
próximos um do outro.
Eles acreditam que os espíritos Àbíkú residem em áreas desabitadas, florestas
e áreas arborizadas, principalmente em torno de árvores de Ìrókò. Os Àbíkú
ficam em trânsito entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé permanecendo por pouco
tempo na terra.
Os Àbíkú fazem parte de uma sociedade chamada “Égbe (Ẹgbé) Ará órun
(Ọ̀run) ” que tem meninos e meninas e, cujos garotos, são liderados por uma
deidade chamada Iyàjanjàsá e, as meninas, são chefiadas por uma deidade
chamada Olióìkó. Contudo foi Ọlọ́fin Aláwaiyé aquele que trouxe eles para
dentro do mundo pela primeira vez para a cidade de Awaiyé, em um grupo de
208 Àbíkú. É em Awaiyé que pode ser encontrada a floresta sagrada do Àbíkú
onde os pais dos Àbíkú vão fazer suas oferendas de maneira a manter suas
crianças no mundo. A cidade de fato existe.
Seguindo os textos bases, os Àbíkú vão do órun (Ọ̀run) para o Àiyé e
declaram para Oníbodé suas intenções o tempo que ficaram no mundo
(curto). Eles prometem a seus companheiros retornar independente dos
esforços que seus pais façam para eles ficarem.
Quando o tempo de partida chega seus companheiros vão para o Àiyé para
lembrá-los de suas promessas. No Àiyé os companheiros residirão em áreas
como pântanos, rios, os muros das casas onde moram seus companheiros
renascidos, nos banheiros das casas e nos quintais.
Este tráfego entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé, como ele descreveu, onde os
espíritos podem apenas se dirigir Àiyé, de fato, não é possível assim, desta
maneira. Não podemos, para explicar o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), aceitar que
existe um livre tráfego de espírito e para todo o resto da teologia isso não
existir. Minha afirmação é baseada no restante da teologia, onde existe a
separação física e dimensional entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé.
Lembro que o mito da separação do órun (Ọ̀run) e do Àiyé está acima disso e
esse mito não pode valer, para os Orixá (Òrìṣà) por exemplo e não valer para
o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Isso é uma inconsistência sistêmica nessa
narrativa. Qualquer parte da religião tem que estar alinhado com o todo, não
podemos tratar tudo como se fossem coisas estanques. É nesse sentido que a
tese de Salami do Ìrònà e também minha é o modelo mais adequado.
Observe que a separação do o órun (Ọ̀run) e o Àiyé não é apenas um detalhe
ou narrativa é uma pedra fundamental na religião, trata-se do estabelecimento
do livre-arbítrio. Assim, as pessoas ao abordarem Àbíkú não podem relatar
que espíritos saem do órun (Ọ̀run) para atrapalhar as pessoas no Àiyé, como
se fossem passear na praça no domingo, enquanto que, na teologia normal da
religião existe um exteno protocolo para se sair do órun (Ọ̀run) para o Àiyé.
Mas, continuando, os quintais são os lugares preferidos pelos companheiros,
porque é neste local que os yorùbá enterram as placentas depois que são
colocadas em uma jarra chamada de Isásùn, a qual é coberta com folhas de
palmeira e búzios. É a partir desses lugares que esses emissários chamam
seus companheiros renascidos para voltar para casa ou ficam atormentando
os que decidiram ficar.
O pacto entre os membros do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é bem sério e os Àbíkú
que não renasceram farão de tudo para que ele seja comprido. Existe a
capacidade dos pais, através de Ifá, fazerem a alma do filho de romper com
essa sociedade e a alma pode, assim, se libertar desse ciclo de vidas curtas.
Uma vez feito isso eles nunca mais serão importunados pela sociedade egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Como parte do pacto, o Àbíkú renascido deve compartilhar aquilo que ganha
com seus companheiros, desta forma, uma criança Àbíkú sofrerá de mal-
nutrição, porque, o que come será compartilhado entre seus companheiros.
Os companheiros manterão contato com o renascido continuamente para que
esse não esqueça de sua promessa. Os companheiros surgem em sonhos e
poderão causar acidentes e doenças.
Essas informações são importantes porque isso ocorre de fato na vida real!
Observe que a tese de que os companheiros compartilham dos alimentos
comidos vai ao encontro do modelo do Ìrònà. Os espíritos no Ìrònà precisam
dessa energia transmutada para se manterem ativos em nossa dimensão.
O Ṣ áworo é um recurso usado para afastar os companheiros, trata-se de um
cordão com um guizo amarrado, que é colocado no calcanhar das crianças e
este barulho afasta os Àbíkú. O mesmo é considerado para roupas vermelhas.
Além deste tipo com guizo, o Ṣ áworo pode ter outros modelos. Muito
anteriormente era feito com búzios, depois passou a ser anéis de ferro,
mesmo sem o guizo. Este modelo de apenas um anel de ferro, na verdade
mais de um que fazem barulho quando a criança de move é, possivelmente o
mais tradicional e conhecido.
Um recurso mais desesperado das mães é fazer pequenas incisões na pele da
criança e esfregar pimenta para causar dor ao Àbíkú e eles deixar o corpo da
criança. Existem também folhas específicas para essa finalidade que são
transformadas em pó. Nesse caso é considerado que o espírito Àbíkú reside
no corpo da criança junto com a alma verdadeira e, desta forma, poderia ser
expulso.
Quando uma criança Àbíkú morre é dado um péssimo tratamento para o
corpo. Existem casos no qual ela não é enterrada, sendo deixada na floresta
para apodrecer. Outras é enterrado em florestas distantes da casa dos pais.
Ainda existe o hábito, como descrito no texto do Salami de mutilar o corpo
da criança e a mãe invoca maldições e pragas para aquele Àbíkú, antes de
enterrá-lo. Eles acreditam que o Àbíkú ficará com medo da mãe e não voltará
assim como o corpo mutilado não atrairá mais. Também se acredita que o
corpo do próximo nascido poderá ser pesquisado se tem as mutilações que
foram feitas no anterior, como também descrito no Salami.
A seguir vou transcrever 4 mitos sobre os Àbíkú. Para quem lê pode parecer
aborrecido isso, mas, destaco que para entender essa religião tem que ler os
versos e mitos. Não podem se guiar apenas pelas análises e interpretações
feitas por outros, como eu, porque não vai aprender Ifá de verdade.
1 - Os Àbíkú chegam no mundo, pela primeira vez, em awaiyé
Um dia, Ifá foi consultado em nome de Aláwaiyé, que estava vindo de Órun (Ọ̀run) para o
mundo, e que estava trazendo com ele, duzentos e oitenta Àbíkú para a Terra. O Bàbáláwo
lançou Ifá em seu nome e disse: “Ah! Arbusto pequeno, arbusto pequeno! Escuro, escuridão!
Aqueles que conhecem o trabalho das trevas, não causem problemas para a lua!”
Aláwaiyé, que é o chefe dos Àbíkú no Órun (Ọ̀run), chegou e convocou todos os Àbíkú para se
reunirem para sua jornada. Quando os Àbíkú chegaram à orla do órun (Ọ̀run), cada um
declarou ao Oníbodé, guardião do portão, o tempo que ele ou ela ficariam no mundo.
- Um Àbíkú disse: “Ha! Assim que eu ver minha mãe, eu voltarei!”
- Uma garota disse: “No momento em que meus pais marcarem um dia para meu casamento,
eu voltarei!”
- Outra disse: “Assim que der à luz uma criança, voltarei!”
= Um menino disse: “Assim que eu construir uma cabana, voltarei!”
- Uma menina disse: “Ha! No momento em que meus pais conceberem outro filho, eu
voltarei!”
- Outro menino disse: “Assim que eu começar a andar, voltarei!”
Como os Àbíkú deveriam chegar ao mundo pela primeira vez, Aláwaiyé foi o líder encarregado
de levar todos eles para a cidade de Awaiyé. No entanto, antes de sua chegada, os Àbíkú
traçaram um plano secreto de combinação entre eles para garantir que sempre poderiam
retornar a Órun (Ọ̀run) e voltar à terra, quantas vezes quisessem. Um Àbíkú disse: - “Ha! Após
nossa chegada ao mundo, cada um de nós fará quatro conjuntos de vestimentas vermelhas,
cada uma com uma bandagem e um gorro que valerão quatrocentos búzios.”. Outro disse: -
“Se alguém descobrir nossas proibições quando chegarmos ao mundo ou se alguém descobrir
o nome das roupas que fazemos ou se nossas mães descobrirem nosso segredo sobre as coisas
que combinamos, ficaremos no mundo com eles.” Um menino disse: - “Se nossos pais
descobrirem nossos segredos, ficaremos no mundo quando chegarmos em Awaiyé.”
Quando chegou a hora de Aláwaiyé levar os Àbíkú ao mundo, eles foram pela primeira vez e
então voltaram para Órun (Ọ̀run). Eles foram uma segunda vez e voltaram para Órun (Ọ̀run)
mais uma vez. Eles foram e saíram pela terceira, quarta, quinta e sexta vez. Quando eles
chegaram pela sétima vez, o povo de Awaiyé consultou um Bàbáláwo e disse:
- “Ah, queremos saber o que podemos fazer para que nossos filhos permaneçam no mundo!
Não queremos mais que eles morram!”
O Bàbáláwo lançou Ifá em seu nome e disse: - “Ah, aqueles que dão à luz filhos Àbíkú e
desejam mantê-los, na terra, seguros de que não mais quererão deixar o mundo novamente,
devem oferecer sacrifícios. Cada um de você deve fazer um envoltório da cabeça e um boné no
valor de quatrocentos búzios e também deve comprar tecido de vermelho vivo e fazer uma
roupa para eles ”.
Uma mulher disse: - " Por que devemos fazer isso? "
O Bàbáláwo respondeu: - “Faça isso porque estas são as vestimentas que os Àbíkú
secretamente concordaram em fazer antes de vir ao mundo. Os Àbíkú têm sua própria floresta
sagrada em Awaiyé e é lá é onde você deve oferecer todos os sacrifícios, pendurando-os em
árvores e, quando terminar, você deve realizar uma cerimônia, tocando tambores e dançando
para eles. Certifique-se de preparar pratos de comida èkuru, àkàrà, òlè, àádùn-rèké, ẹ̀pá,
inhame doce, diferentes tipos de vegetais e também ofereça esponjas e sabão.
Um homem disse: -“Faremos, como você diz!”
O Bàbáláwo disse: - "Se você oferecer esses sacrifícios a eles todos os anos, seus filhos Àbíkú
não mais deixarão o mundo. Na próxima vez que eles voltarem, eles vão dançar aqui e lá e
batendo em seus tambores iyá dùndún, vão cantar:
Vamos esfregar nossos corpos com a cor osun para o chefe de nossa sociedade!
Vamos usar nossas roupas de cor vermelha osun!
Vamos usar nossa proteção para a cabeça e gorros no valor de 1.400 búzios!
Vamos esfregar nossos corpos com a cor osun para Aláwaiyé, o chefe de nossa
sociedade!
Uma mulher disse: - “O que vai acontecer, então?”
O Bàbáláwo respondeu: - “Eles continuarão a dançar suas danças e se vocês, seus pais,
realizarem esta cerimônia para eles, nenhum de seus filhos Àbíkú deixará o mundo!”
Desta forma, os primeiros Àbíkú trazidos ao mundo por Aláwaiyé, puderam ficar em Awaiyé,
depois que seus pais descobriram seus segredos. Com a orientação do Bàbáláwo os pais
conseguiram realizar as cerimônias corretas para o Àbíkú.
2 - Mosetán permanece no mundo
Um dia, Olójé Okoso e sua esposa, os pais de uma garota Àbíkú chamada Mosetán,
consultaram um Bàbáláwo porque seus companheiros Àbíkú estavam constantemente
aparecendo em seus sonhos, chamando-a para voltar e se juntar a eles. O Bàbáláwo lançou Ifá
em nome de Mosetán e disse: - “Levante! Levante-se, linda! Levante-se! Ah, você deve oferecer
sacrifícios em nome de Mosetán e para o Àbíkú que ela vê em seus sonhos. Você deve fazer
isso, então, eles não serão capazes de levá-la para fora do mundo. ”
Olójé disse: - “Ah! Que sacrifícios devemos oferecer?”
O Bàbáláwo disse: - “Você deve conseguir um talo de bananeira, uma de suas saias e um galo.
Você deve oferecer esses sacrifícios em nome dela e no caminho da oferenda dos sacrifícios,
você deve reunir folhas de Ifá de agídímagbáyin. Quando terminar de colher as folhas de Ifá,
você deve ir oferecer os sacrifícios: você deve oferecer o talo de bananeira, a saia, o galo e as
folhas de Ifa agídímagbáyin. Depois disso, Mosetán não vai mais morrer nem vai continuar a
ter pesadelos.”
Olójé e sua esposa foram e ofereceram os sacrifícios, exatamente como prescrito. Depois,
voltaram a consultar o Bàbáláwo mais uma vez. O Bàbáláwo lançou Ifa em nome de Mosetán e
recitou uma oração especial:
"Levante-se! Levante-se, linda! Levante-se!
Em nome das crianças que recebem pequenos pedaços de comida na boca,
Oh! Ọlọ́ọ̀run, por favor, feche a porta do Órun (Ọ̀run), para que eles não morram mais!
Sua mão encontrou as folhas de agídímagbáyin,
Oh! Ọlọ́ọ̀run, por favor, feche a porta para Órun (Ọ̀run), para que eles não morram
mais! "
Quando o Bàbáláwo terminou a oração, ele falou para Olójé e sua esposa: - “Assim, Ifá
falou!”. Olójé disse: - “Ah! Não entendemos! O que isso significa para Mosetán?” O
Bàbáláwo disse: “Ifá diz que, Mosetán, a criança, que viu coisas ruins em seus sonhos e que foi
chamada por seus companheiros Àbíkú, não deve se preocupar mais. porque eles não serão
mais capazes de tirá-la do mundo”
Assim, Mosetán deixou de sonhar com seus companheiros Àbíkú, que a chamavam para voltar
a Órun (Ọ̀run) e puderam ficar na terra e viver uma vida pacífica.
3 - Sacrifícios ajudam a manter um Àbíkú no mundo
Um dia, muito tempo atrás, no Órun (Ọ̀run), havia Ilere, um menino Àbíkú, que estava prestes
vir ao mundo para se tornar filho de Obìrin Àbatá, uma mulher do pântano.
Quando ele estava a caminho do mundo, ele chegou à orla de Orun e fez sua declaração para o
guardião Oníbodé do portão, - “Ha! Eu estou indo para o mundo! Quando eu chegar lá, toda a
comida que for dada para mim, eu não comerei. Os únicos alimentos que comerei estarão no
Órun (Ọ̀run). Todas as coisas que desejam me dar, não as aceitarei no mundo. Só aceitarei seus
presentes, no Órun (Ọ̀run) . Quando eu chegar ao mundo, não há nada que me mantenha lá.”
Mais tarde, quando Ilere chegou ao mundo, sua mãe, Obìrin Àbatá, imediatamente consultou
um Bàbáláwo. Ela disse: - “Ah, o que posso fazer para que meu filho Ilere não morra?”. O
Bàbáláwo lançou Ifá em nome de Ilere e disse: - “Ah, Obìrin Àbat, as dificuldades podem
atingir alguém, de repente e a desgraça pode cair sobre alguém, da mesma maneira. Você deve
oferecer sacrifícios, se deseja manter Ilere no mundo”.
Obìrin Àbatá disse: - “Ah! Se eu oferecer sacrifícios, meu filho não morrerá?”
O Bàbáláwo disse: “Sim, os sacrifícios podem manter um Àbíkú no mundo.”
Obìrin Àbatá disse: - “Diga-me, que sacrifícios devo oferecer?”
O Bàbáláwo disse: - “Você deve pegar um vaso novo, preparar todas as coisas que uma boca
pode comer, um pano vermelho, uma tampa de panela, cânhamo de osun, sabão e uma esponja.
Depois de ter todas essas coisas prontas, você deve oferecer eles rio abaixo. É lá que seus
companheiros, que irão chamá-lo para matá-lo, estarão e ficarão.”
Obìrin Àbatá disse: - “Ah! Vou oferecer os sacrifícios então!”
O Bàbáláwo disse: - “Quando você estiver pronta, você deve trazer os sacrifícios a serem
oferecidos no rio onde seus companheiros estarão esperando por ele, mas não o verão
chegar.”.
Obìrin Àbatá disse: - “Ah! O que vai acontecer, então?”
O Bàbáláwo respondeu: "Eles irão para um lugar no pântano onde geralmente se reúnem para
se despedir e lá, eles vão começar a chamá-lo: Ilere, o! Ilere, o!
Eles vão chamar sem parar, então que Ilere os responderá.".
Obìrin Àbata reuniu tudo o que precisava e ofereceu os sacrifícios, conforme prescrito. Depois,
ela consultou o Bàbáláwo mais uma vez. Ela disse: - “Ofereci todos os sacrifícios, como você
prescreveu. Agora, gostaria de saber se terei os resultados esperados.”.
O Bàbáláwo lançou Ifá em nome de Ilere e Obìrin Àbatá e disse: “Dificuldades podem atingir
alguém, de repente e a desgraça pode cair sobre alguém, da mesma maneira! Aqueles que
chamam Ilere têm braços e pés fortes! Eles ouvem e dirão: Ah! Ilere ainda não chegou! Ha!
Ilere não vai voltar! Os pais dele ofereceram sacrifícios e Ilere não vai morrer! ”.
Obìrin Àbatá a disse: - “Ah! Isso é bom, mas por que eles vão ficar aqui tanto tempo?”
O Bàbáláwo disse: “Ah, porque eles pensam que se Ilere é um Àbíkú, ele é a razão para eles
virem ao rio, olhar por cima das paredes e irem para o monte de esterco. Quando os Àbíkú
estão no mundo e eles dizem eles estão com dor de cabeça, os outros companheiros de egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) virão buscá-los. No entanto, para aqueles Àbíkú por quem são oferecidos
sacrifícios, eles nunca mais abandonarão seus pais.”.
4 - Asejéjejaiyé permanece no mundo, na décima sexta vez, que ele
chegou
Um dia, Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) decidiu consultar um Bàbáláwo , em nome de seu filho Àbíkú
Asejéjejaiyé, porque ele havia causado muitos problemas para ele. Foi a décima sexta vez que
ele veio ao mundo para morrer. Ele pegou Asejéjejaiyé e foi ver o Bàbáláwo. Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà) disse: - “Ah! Meu filho, Asejéjejaiyé, veio a este mundo pela décima sexta vez! Esta
criança não deveria ter permissão para ir e vir como quiser!”.
O babalawo consultou os oráculos em nome de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) e Asejéjejaiyé e disse:
"Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), você deve reunir tantas folhas Ìdí quanto possível e, então, você deve
queimar todos eles juntos para produzir um pó preto”.
Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) saiu da cabana do Bàbáláwo juntou todas as folhas de Ìdí que pôde e
queimou-as até virar um pó preto. Depois, voltou para dentro e mostrou o pó ao Bàbáláwo.
O babalawo disse: - “Ah! É muito bom! Agora, você deve pegar uma faca e fazer incisões nas
juntas do corpo de Asejéjejaiyé e em seu rosto. Uma vez feitas as incisões, preencha-as com o
pó preto das folhas de idi.”.
Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) pegou uma faca e começou a fazer as incisões no corpo de Asejéjejaiyé.
Quando ele terminou, ele esfregou o pó preto neles. Em seguida, o Bàbáláwo examinou o corpo
de Asejéjejaiyé e disse: - “Agora, essa criança não saberá mais o caminho, que leva ao egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e nem à morte! Agora, você deve pegar o resto desse pó preto, fazer uma
bolsa de talismã e amarrá-la em volta cintura do seu filho. Depois disso, ele não poderá mais
deixar o mundo. Um caminho para o Órun (Ọ̀run) não será feito para ele.”.
Como as folhas Ìdí foram coletadas naquele dia, o Bàbáláwo começou a recitar um canto:
A folha Ìdí diz que o caminho para Órun (Ọ̀run) está fechado para essa criança!
A folha Ìdí diz que o caminho para Órun (Ọ̀run) está fechado para ele!
Que ele não morra na juventude!
O ija agborrri'teaf não anda pelo caminho que leva a Orun!
MayTre net-die! Que ele não siga o caminho de volta a Orun durante sua juventude!
A folha de ija agborin não segue o caminho que leva a Orun.
Não siga o caminho para Órun (Ọ̀run) durante a sua juventude!
A folha Lárà pupa é o "cânhamo de osun" do Àbíkú,
Uma criança que esfrega seu corpo com a folha de lárà pupa não voltará para Órun
(Ọ̀run).
Quando o babalawo terminou seu canto, Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) disse, - “Eu esfreguei o corpo
do meu filho com a folha de Lárà pupa e quando ele crescer, se tornar um adolescente e pai, ele
não morrerá na juventude!”
O Bàbáláwo disse: - “Muito bem, então!”
Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) disse: - “Nesse momento os encantamentos devem ser pronunciados,
desta maneira: se uma criança é um Àbíkú que vem e vai constantemente, podemos fazer
incisões em seu corpo, enchendo-as com o pó preto das folhas Ìdí.”.
Foi então, que Orunmila descobriu os truques do filho e a partir desse tempo foi capaz
aprisionar Àbíkú no mundo, com a orientação de Odu Òdí Méjì.
Estes 4 textos são bons exemplos de como entendemos e aprendemos através
dos versos. Não tem receitas mágicas já prontas, o Bàbáláwo obtém nos
versos o entendimento do problema e as instruções do que fazer. Além disso,
nem tudo é explícito e detalhado, faltam informações e amarrações. O
Bàbáláwo tem que aprender com o tempo e experiência adicionar o que falta
e é nesse processo que surgem variações e erros. Recomendo fortemente que
tenham e leiam o livro de Alex Cuoco, “African Narratives of Orishas, Spirits
and Other Deities”.
Neste texto, aqui, não vou relacionar as formas de atuar sobre os Àbíkú,
devido a isso não fazer parte do escopo deste trabalho. As indicações do que
fazer são o trabalho do Bàbáláwo e devem ser obtidas através dos versos e
histórias, como as relatadas no livro do Cuoco, é necessário análise
interpretação, junto com consulta oracular.

Comentários sobre os textos


Esses textos originais representam a principal fonte de informação sobre a
sociedade e sobre os Àbíkú. Eles têm que ser lidos com calma e profundidade,
a informação, nesta religião, está contida no seu conteúdo e no seu
significado. Existe, sim, muito espaço para interpretações e extrapolações e
isso, como em todas as religiões e como em toda análise teológica é o que
gera algumas versões diferentes sobre um mesmo tema.
Contudo, não se pode inventar demais. Os mitos, se obtidos de boa fonte e
em versões pouco alteradas são a fonte correta de obter entendimento e
orientações. Quem lê não pode deixar de considerar variações devido a um
mito ser contado e recontado.
A base do trabalho de interpretação é o entendimento da teologia da religião
como um todo, a continuidade e a consistência. É isso que permite ao
Bàbáláwo manter a clareza do que está entendendo. Quando a pessoa não
entende a religião de fato, tudo fica muito pior e surgem versões fantasiosas.
Os textos que eu destaquei são os melhores que eu encontrei para o
entendimento da sociedade, devem ser estudados com calma e bem senso,
eles contêm informações importantes e valiosas, eu sempre volto a esses
textos para rever as situações e obter orientação sobre o que fazer.
Onde fica de fato a sociedade egbe ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)?
Esta é a questão mais importante neste tema e por esta razão inicio a minha
análise com a mesma.
Como pode ser observado, o relato de, Verger, Salami e Cuoco são bastante
similares, porque são baseados nas mesmas histórias. O material do Cuoco é
bem mais detalhado e tem muitas histórias que mostram diferentes aspectos
dos Àbíkú, incluindo a história da cidade de Awaiyé e outros (não mostrados
aqui), que relatam que, em alguns casos, é impossível mesmo para o impedir
o retorno dos Àbíkú. A leitura dos mitos de Cuoco é obrigatória para um
Bàbáláwo.
As histórias dos Àbíkú mostram vários tipos de ocorrência dos casos e de
soluções para eles, mas, elas também deixam claro que nem mesmo o
Bàbáláwo pode resolver todos os casos e que a interferência de Iyàjanjàsá
ou Olóìkó poder impossibilitar esta solução (ver Cuoco). Esse é mais uma
vez, o elemento teológico da imprevisibilidade, o elemento aleatório que
retira da religião a obrigação de ser 100% infalível.
Babatunde Lawal no seu artigo chamado “ayél’ojà; òrunn’ilé – Imaging and
performing yorùbá cosmology”, faz a seguinte citação que vou transcrever:
“.. a tradição oral yorùbá é vaga em relação a topografia da
metade superior da cabaça cosmica (órun (Ọ̀run), ìsálòrun), e
ainda, existe uma crença popular que existem muitos níveis (em
torno de sete) e Olódùmarè ocupa o mais alto deles. Nos níveis
mais abaixo estão, os orixá (Òrìṣà), os seres celestiais (ará órun
(Ọ̀run)), as almas de crianças não nascidas e mortas (egbé òrun),
a alma dos ancestres mortos (okú órun (Ọ̀run)) entre outros.”
As camadas descritas aí, vão ao encontro do que eu conhecia através dos
versos de Ifá e posso ainda adicionar uma camada Ìrònà, bastante
referenciada em Ifá, que seria o limiar entre o Órun (Ọ̀run) e o Àiyé e é o
local das ajé (Àjẹ́). Mas o Ìrònà é parte do Àiyé e não do Órun (Ọ̀run)
Mas, o entendimento de Lawal deixa claro que o assunto é pouco definido,
mas, definitivamente ele reconhece que as crianças do egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) não ficam no órun (Ọ̀run) e sim em um lugar distinto.
Para iniciar a minha análise o ponto fundamental é o entendimento de que
existe um Ìrònà, que este local supernatural, ou espiritual, como se chame, é,
na verdade, um estado intermediário entre o Àiyé e o órun (Ọ̀run).
Salami aborda isso diretamente e também o faz Osamaro Ibie (IFISM The
complete Work of Órunmila, Pag. 20) que igualmente reconhece a existência
de um espaço intermediário onde vivem os Àbíkú e Ajé (Àjẹ́). Ele cita de “…
Tão logo eles atravessam as últimas sete montanhas antes dos limites do órun
(Ọ̀run), eles chegam a uma zona cinzenta entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. Esta
zona cinzenta é chamada de “Hades”, a qual é a zona das “fadas” (Àbíkú)
….”.
O Ìrònà não é um espaço apenas para o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), é onde
também estão localizados as ajé (Àjẹ́) e os Ajogun. Isso significa que os
espíritos que interferem mais diretamente na nossa vida no Àiyé estão
localizados nesse espaço espiritual, ou energético intermediário. No Brasil,
temos a Umbanda lidando com espíritos que não são tratados com
considerados pela religião Yorùbá, esses espíritos da Umbanda também ficam
localizados no Ìrònà.
Isso não quer dizer que todos esses espíritos sejam os mesmos, que eles
colaborem entre si, que sejam a mesma coisa e que façam as coisas juntos ou
cooperem, indica que existe, sim, esse espaço energético, o Ìrònà, que abriga
espíritos que tem o mesmo tipo de atuação junto a nós, ou melhor, podem
atuar junto a nós.
É fantasioso e lunático buscar, para justificar o egbe ( Ẹ gbẹ́) ó run ( Ò ̣run),
um modelo no qual existe o tr â nsito livre de esp í ritos entre o ó run
( Ò ̣run) e o Àiyé . Isso chega a ser aleg ó rico, porque, esse livre tr â nsito,
n ã o encontra espa ç o em nenhuma outra parte da teologia Yorùbá, somente
aqui, na forma como alguns tolos entendem o egbe ( Ẹ gbẹ́) ó run ( Ò ̣run).
Por que tolos? Porque isso é uma invenção para justificar outras teses
malucas deles. Porque a teologia geral mostrar que não existe trânsito entre o
órun (Ọ̀run) e o Àiyé. Porque nossa preparação para renascer inclui a
partipação de olodumare, porque existe um protocolo de entrada e saída e
principalmente de reentrada no órun (Ọ̀run). É um tolo porque a pessoa tem
que ser idiota ou querer se enganar.
Recorrendo ao que está nos versos podemos, podemos, sim, aceitar o evento
de um espírito que vai a Oníbodé e declara que irá para o Àiyé e voltara em
breve, vou tratar deste tipo de espírito de ciclo curto mais adiante, mas,
entender que o Àbíkú, descrito como um espírito livre e sem compromisso,
também faz a mesma coisa e mais, que seus companheiros também, bastam ir
a Oníbodé e falar que vão ao Àiyé, dar uma voltinha, para infernizar ou
acompanhar seu companheiro, sem nenhum compromisso com renascimento
é teologicamente falando, um absurdo.
Toda a teologia e cosmogonia da religião yorùbá indica um outro modelo, o
modelo em que órun (Ọ̀run) e Àiyé estão separados e que o caminho entre
eles é somente através do útero da mulher, do renascimento. Os mitos de Orí
são baseados nesse modelo, assim como o culto de Orixá (Òrìṣà) se baseia
nessa separação e na necessidade de se preparar os Elegùn para serem a
extremidade Àiyé na ponte que receberá o Orixá (Òrìṣà) que está na outra
ponta, no órun (Ọ̀run).
As próprias e poderosas Ajé (Àjẹ́), n ã o ficam no ó run ( Ò ̣run) e nem
tiveram passagem livre para vir ao Àiyé , elas tiveram que vir no est ô mago
de Ó runmila (Ọ̀r ú nm ì l à ), conforme está descrito no Odù osá (Ọ̀s á )
Méjì e aqui ficaram, estão no Ìrònà, elas não têm tráfego entre o órun (Ọ̀run)
e o Àiyé .
Conforme Salami descreve, o Ìrònà é o espaço intermediário, que a pessoa
passa para chegar ao Àiyé e nesse caminho enfrentará como dificuldades os
espíritos do mal e, se não tiver escolhido um bom Orí, chegará prejudicada no
Àiyé.
...Este ponto de entrada no útero da mãe é espiritualmente crítico. Ifá diz entre a cidade do Céu
e da Terra, existem tantos níveis de reinos espirituais que a próxima alma espiritual iria
encontrar. Sua conquista das forças determinaria sua capacidade de chegar à Terra com todos
os bens que desejava (e que lhe foi dado) no mercado de Ojùgbòròmẹkùn. Ifá diz que os
dezesseis Odù principais, representando as forças benevolentes, estão localizados nesses
níveis. Mas também existem as bruxas negras, os feiticeiros, Àbíkú e todas as forças Ajogun. É
aqui que eles ficam à espreita para dar uma olhada no conteúdo de seus desejos. Ifá diz que
essas forças malévolas estão posicionadas de tal forma que antes que alguém entre na Terra,
eles já sabiam onde atacá-lo.
Esta etapa tem muitas consequências para a vida do viajante à cidade da Terra. Suas ações
aqui são críticas para a manifestação das coisas boas que ele desejou como seu destino. Este é
outro lugar para testar seu livre arbítrio, que entrou em vigor logo após ter Ẹ̀mí. Isso também
pode ser denominado como o selo final, após o qual se torna impossível…
...Deste poema, Ifá afirma novamente que qualquer um vindo da cidade do Céu para a Terra
encontraria essas forças negativas e positivas em Ìrònà, o meio do caminho. Estas forças
positivas são para garantir que a jornada para a cidade
da Terra está livre de problemas, garantindo a preservação do destino escolhido pelo homem e
para que o homem seja visto como comprometido com a adoração a Olódùmarè. Eles são o
primeiro conjunto de forças a se encontrarem para que possam preparar o homem para os
problemas à frente com os Ajogun. Mas as forças negativas se certificarão de que as coisas que
o homem escolhe como seu
o destino seja virado para muitos problemas para ele e frustrar ele em sua vida.
A escolha de um bom Orí está ligada a isso, a prosperidade no Àiyé, um bom
Orí que resistiu ao ataque das forças do mal é aquele que vai garantir a pessoa
a facilidade de prosperidade. Isso está, desta forma, tratado por Salami e
também está no Odù Ogbè Ògúndá, conforme transcrito por Wande
Abimbola (Sixteen Great Poems of Ifa).
Osamaro Ibie foi bem direto ao posicionar a separação entre o órun (Ọ̀run) e
o Àiyé:
...há sempre uma tendência de ver o homem estritamente de uma perspectiva biológica. Um
homem e uma mulher acasalam e um filho nasce deles e o novo filho é visto como uma entidade
independente, já vimos que no início da habitação terrestre, os seres humanos viajavam para
este mundo sob a liderança de um ou de outro das divindades, veremos nos próximos capítulos
que a estada de um homem no mundo é apenas uma continuação de suas atividades no céu, já
vimos que antes que o homem viesse a viver no mundo, os habitantes do céu continuaram
viajando seus pés de e para a terra, completaram suas atribuições na terra, e voltaram para o
céu, foi Èşu quem bloqueou a passagem livre entre o céu e a terra e fez do útero feminino o
caminho de passagem entre os dois lugares. Antes, a pelve de todos os animais, como nas
plantas, ficava na testa e não era reconhecida nem respeitada, tanto nos animais quanto nos
seres humanos. A pélvis, que era um organismo vivo no céu, foi para a divinação e foi
aconselhada a fazer um sacrifício com um bode preto para Èşu e assim o fez. Depois disso, Èşu
pediu à fêmea para abrir as pernas e extrair a pélvis de sua testa "e" posicionou-a entre as
pernas. Ele então extraiu uma parte da pele do corpo do bode preto com o qual a pélvis fez o
sacrifício para ele, e Esu usou-o para cobrir a pélvis em sua nova morada entre as pernas
femininas.
Depois disso, Èşu foi para a fronteira do céu e da terra e bloqueou para sempre com escuridão
total. Essa parte do sistema planetário se aproxima do que na mitologia grega é chamado de
Erebus (Ìrònà). Foi Èşu quem o bloqueou permanentemente e ordenou que ao invés de manter
os portões do céu permanentemente ocupados por viajantes vindos da terra para pedir filhos no
céu, a partir de então, qualquer um, animais e humanos, que quisesse ter filhos deveria apelar
para a pélvis, e o útero de todas as mulheres foi feito para simbolizar a escuridão e os
mistérios de Erebus (Ìrònà). O período de gestação que uma fêmea leva para dar à luz um
filhote também se aproxima do tempo que costumava levar para diferentes espécies da família
animal viajarem de e para o céu para ter um filho.
Além disso, no Candomblé, temos um mito conhecido, no formato
orixalizado, que reputa a Oxalá (Òṣàlá) a separação entre o órun (Ọ̀run) e o
Àiyé. O mito a seguir está descrito por Prandi (Mitologia dos Orixás, pag.
514). Lembro que o processo de orixalização fez parte da diáspora em todos
os lugares. As divindades Olódùmarè, Exú (Èṣù), Ori e Órunmila (Ọ̀rúnmìlà),
bem como outros inrumolé (Irúnmọlẹ̀) não foram trazidos e toda a teologia e
cosmogonia foi adaptada e identificada quase que somente por Orixá (Òrìṣà).
Em alguns lugares isso foi muito exagerado e mal feito, como em Cuba, onde
eles criaram uma cosmogonia própria, visto que, lá em Cuba, conceitos muito
básicos da teologia, como Ori e Exú (Èṣù) entre outros, não existiam para
eles (foram introduzidos muito tardiamente, quando eles tiveram mais contato
com Brasil e Nigéria). No Brasil, esse processo de orixalização, também
ocorreu, mas, em menor intensidade e mais focado em Olódùmarè, o deus
supremo, que aqui era tratado como se fosse Oxalá (Òṣàlá), o Orixá (Òrìṣà)
da criação. A reintrodução de Olódùmarè ocorreu a partir da década de 50.
Aqui, no Candomblé, os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) eram conhecidos nas conversas
e narrativas, mas, no dia a dia, o papel deles era atribuído a um Orixá (Òrìṣà).
Essa situação de orixalização começou a ser corrigida a partir da década de
50 do século XX, com o acesso dos sacerdotes às obras de pesquisadores e
antropólogos. Em cuba, esse processo de africanização, teve um efeito muito
grande, uma vez que, eles, são uma pequena ilha, com a comunicação mais
fácil e o conhecimento é controlado por poucas pessoas. Eles inseriram
rapidamente as divindades que faltavam, de uma maneira meio apressada,
fazendo um certo estrago no todo (minha opinião), mas, hoje, isso está mais
ajustado e eles se comportam como se sempre tivesse sido assim. Bem esse é
o estilo cubano de lidar com suas falhas.
O mito a seguir, da separação do órun (Ọ̀run) e do Àiyé , é bem tradicional
no Candombl é .
Obatalá separa o Céu da Terra
No início não havia a proibição de se transitar entre o Céu e a Terr; A separação dos
dois mundos foi fruto de uma transgressão, do rompimento de um trato entre os homens
e Obatalá. Qualquer um podia passar livremente do Orum para o Aiê. Qualquer um
podia ir sem constrangimento do Aiê para o Orum. Certa feita um casal sem filhos
procurou Obatalá implorando que desse a eles o filho tão desejado. Obatalá disse que
não, pois os humanos que no momento fabricava ainda não estavam prontos. Mas o
casal insistiu e insistiu, até que Obatalá se deu por vencido. Sim, daria a criança aos
pais, mas impunha uma condição: o menino deveria viver sempre no Aiê e jamais
cruzar a fronteira do Orum. Sempre viveria na Terra, nunca poderia entrar no Céu. O
casal concordou e foi-se embora. Como prometido, um belo dia nasceu a criança.
Crescia forte e sadio o menino, mas ia ficando mais e mais curioso. Os pais viviam com
medo de que o filho um dia tivesse curiosidade de visitar o Orum. Por isso escondiam
dele a existência do Céu, morando num lugar bem distante de seus limites. Acontece
que o pai tinha uma plantação que avançava para dentro do Orum. Sempre que ia
trabalhar em sua roça, o pai saía dizendo que ia para outro lugar, temeroso de que o
menino o acompanhasse. Mas o menino andava muito desconfiado. Fez um furo no
saco de sementes que o pai levava para a roça e, seguindo a trilha das sementes que
caíam no caminho, conseguiu finalmente chegar ao Céu. Ao entrar no Orum, foi
imediatamente preso pelos soldados de Obatalá. Estava fascinado: tudo ali era
diferente e miraculoso. Queria saber tudo, tudo perguntava. Os soldados o arrastavam
para levá-lo a Obatalá e ele não entendia a razão de sua prisão. Esperneava, gritava,
xingava os soldados. Brigou com os soldados, fez muito barulho, armou um escarcéu.
Com o rebuliço, Obatalá veio saber o que estava acontecendo, reconheceu o menino
que dera para o casal de velhos e ficou furioso com a quebra do tabu. O menino tinha
entrado no Orum! Que atrevimento! Em sua fúria, Obatalá bateu no chão com seu
báculo, ordenando a todos que acabassem com aquela confusão. Fez isso com tanta
raiva que seu opaxorô atravessou os nove espaços do Orum. Quando Obatalá retirou
de volta o báculo, tinha ficado uma rachadura no universo. Dessa rachadura surgiu o
firmamento, separando o Aiê do Orum para sempre. Desde então, os orixás ficaram
residindo no Orum
A seguinte versão deste mito está no excelente livro de José Beniste, Mitos
Yorùbá.
O CONFLITO ENTRE O CÉU E ATERRA
Em tempos primordiais, os dois planos (o céu e a terra) não eram separados entre si —
interligavam-se num ponto denominado Akàsò. Tudo que os visitantes dos dois planos
tinham a fazer era cruzar uma porta fronteiriça comandada pelo Oníbodè, o porteiro do
espaço celestial. O céu era comandado por Àjàlórun ou Olódúmarè, e a terra por
Àjàláiyé ou Onílè. Ambos eram grandes amigos e viviam em constante
confraternização, até que uma grande disputa surgiu entre os dois.
Era costume preservar-se uma grande floresta para abrigar muitos animais. Depois se
fazia uma grande queimada na esperança de encontrar ali os animais que interessavam
a todos. Num desses acontecimentos, a floresta ardeu por muito tempo, mas nenhum
animal saiu dela. Quando estava completamente queimada, Àjàláiyé e Àjàlórun
entraram nela vasculhando as tocas dos animas, mas nada foi encontrado, exceto o
Emò, um pequeno roedor do mato. Começaram a discutir sobre quem ficaria com ele.
Àjàláiyé dizia que era o mais velho e por isso o Emò deveria ser dele. Àjàlórun não
concordou, dizendo que ele é que era o mais velho. A discussão tornou-se violenta, o
que fez Àjàlórun ficar furioso, largando tudo e voltando para o céu, que era a sua
morada, não sem antes dizer que não demoraria muito e todos iriam saber quem era o
mais velho dos dois.
O resultado foi que a chuva deixou de cair e o orvalho deixou de pingar; a colheita
cessou e os rios secaram. As mulheres não mais engravidaram, os doentes se tornaram
inseguros de sua cura, e a fome se alastrou. Quando todo mundo já não tinha mais paz,
resolveu se reunir e sair em busca dos sacerdotes de Ifá para uma consulta a fim de
saber o que fazer.
Realizou-se, então, um grande sacrifício, nele incluindo o Emò, o pivô da crise, como
forma de reconhecimento definitivo da supremacia de Àjàlórun sobre todos os
habitantes da Terra.
Como a oferenda deveria ser levada para o òrun, Esü tomou a iniciativa de fazer soar o
seu gongo, convocando todos os pássaros, demais animais e as pessoas da região,
reunindo-os no palácio de Àjàláiyé. Um dos pássaros escolhidos para a tarefa se de-
parou com a oferenda e, olhando para o céu, recusou a empreitada. Um outro pássaro
surgiu diante de todos, arrebatou a oferenda e alçou vôo, ganhando altura. Não
demorou muito, desistiu, retornando extenuado. Mais outro pássaro foi chamado e se
disse capaz de realizar a tarefa. Não demorou muito e retornou ao sentir as asas
doerem. A seguir foi a vez da águia, que, tomada de fúria, jactou-se de que levaria a
oferenda até o céu em instantes. Todos ficaram esperançosos de que a águia seria bem-
sucedida e começaram a cantar. Não demorou muito, ela retornou dizendo-se cansada.
Um pouco distante, apreciando os acontecimentos, estava Igún, o abutre.
Silenciosamente, ele foi se aproximando e se ofereceu para levar a oferenda. Os sábios,
em princípio, não aceitaram, pois o abutre era visto como uma ave sombria devido a
sua aparência desajeitada, e por isso duvidaram de sua capacidade. Mas não tiveram
outra saída senão concordar, pois todos já haviam tentado e ninguém havia
conseguido.
O abutre começou a ajeitar a oferenda em suas costas e, como sua mãe estava doente
quando ele saiu de casa, perguntou quem poderia ajudá-la enquanto ele conduzia a
oferenda ao céu. Todos os habitantes responderam a uma só voz que cuidariam dela.
Mas, tão logo o abutre desapareceu no espaço, sua mãe morreu, já que ninguém lhe
dera importância.
Quando o abutre chegou ao portão que dava ligação com o céu, bateu repetidamente
na porta. O porteiro perguntou quem era e o abutre se identificou, expondo-lhe a sua
missão. O portão foi aberto e o abutre chegou diante de Àjàlórun, prostrando-se
imediatamente no chão em sinal de profundo respeito. E disse: “Àjàláiyé me enviou
aqui para vos saudar e dizer-lhe que, desde que houve a briga, a Terra ficou
mergulhada em confusão. A chuva deixou de cair e todos estão aflitos com a seca. Pede
também que expresse a sua completa submissão e que vos aceita como seu superior.
Então, Àjàlórum balançou a cabeça repetidamente e deu uma sonora gargalhada.
Levou o abutre para os fundos de seu palácio e mandou que arrancasse três pequenas
cabaças, mas somente aquelas que permanecessem em silêncio, evitando as que
pe¬dissem para ser colhidas. Em seguida, foi instruído para que, quando transpusesse
o portão, quebrasse uma cabaça; quando atingisse o meio do caminho, quebrasse a
segunda cabaça; e quando já estivesse perto do solo quebrasse a terceira cabaça.
E assim tudo foi feito, de forma que, quando o abutre estava se aproximando da Terra,
a chuvarada começou. Chovia tanto que os rios transbordaram e as pessoas se
esconderam dentro de suas casas. O abutre, todo molhado, não conseguiu distinguir as
coisas devido ao aguaceiro. Começou a entrar nas casas dos outros pedindo guarida.
Mas todos lhe negavam, e mais, desfe¬riam-lhe uma pancada na cabeça. De tanto ser
espancado naquele dia, a cabeça do abutre ficou pelada até hoje. Não tendo outra
saída, foi empoleirar-se no alto da árvore de Irókò e cobriu-se com as próprias asas até
o romper do dia.
Antes de raiar o dia, o abutre sentiu fome. Olhou à sua frente e viu um grande corpo
inchado; começou a comê-lo sem saber que era o corpo de sua própria mãe, que não
havia merecido, por parte do povo, um tratamento decente quando morrera, tendo sido
jogada no lixo.
Quando o dia clareou totalmente e os habitantes da Terra avistaram o abutre,
começaram a saudá-lo: “Bem-vindo, bem- vindo...”, mas o abutre foi dizendo que,
antes de saudá-lo, eles deveriam dizer-lhe onde haviam colocado a sua mãe. E
responderam: “Você não havia nem chegado no céu quando sua mãe morreu. E como
não sabíamos onde você queria que ela fosse enterrada, e também porque ela cheirava
muito mal, arrastamos o seu corpo até ali, ao ar livre.” O abutre, chegando até o local
indicado, viu que fora o cadáver de sua mãe que ele havia devorado. E exclamou:
“Então é assim que é a Terra? Pois eu lhes digo, de hoje em diante, a criança que não
tiver provado de as mãe jamais será ítil na terra. E a partir desse dia, os filhos recém-
nascidos passaram a sugar o leite materno
Sem querer ser extensivo e entediante, em Ifá encontramos também alguns
versos descrevendo a mesma coisa, onde Olódùmarè chama de volta os Orixá
(Òrì ṣ à) ao órun (Ọ̀run), n ã o vou transcrevê-los aqui, apenas afirmo a sua
existência, de modo que essa separação não é uma coisa da diáspora ou do
Candomblé é um componente básico da religião.
Desta forma, sigo com o objetivo de que conhecimento e análises têm que ser
baseados em versos e, mais, tem que manter a consistência com a teologia
como um todo, não podemos ter uma teologia em contêineres.
Para aprofundar a questão da divisão dimensional entre o órun (Ọ̀run) e o
Àiyé, bastaria eu teria que mostrar os versos de Ogbè Ògúndá sobre Orí, além
de incluir uma longa descrição do processo do ciclo de nascimento. Não vou
fazer isso nesse momento, peço esta licença e vou apenas explicar isso. Esses
versos estarão em outro livro meu. Sugiro aos leitores, que duvidarem de
minha narrativa a seguir, buscarem essas informações nos próprios versos de
Ifá.
O processo de nascimento no Àiyé é longo e repleto de protocolos. Quando
uma alma no órun (Ọ̀run) decide vir ao Àiyé, ela deverá seguir um protocolo
de preparação para isso que têm como um dos passos importantes, a
entrevista com Olódùmarè, na qual ela obterá de Olódùmarè a permissão para
ir Àiyé e os recursos de axé (àṣẹ) para cumprir seus objetivos de vida. Esta
entrevista é testemunhada por Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) e por Elenini, a
divindade do infortúnio. Após isso, existirão mais algumas etapas no órun
(Ọ̀run), necessárias para ela escolher seu caráter no mercado e seu Orí na casa
de Àjàlá e por fim Oxalá (Òṣàlá) moldará seu corpo.
Tudo isso não será finalizado sem antes esta alma, que renascerá, passar por
Oníbodé o porteiro do órun (Ọ̀run) e obter dele a permissão para sua viagem
ao Àiyé. É ele que determina quem pode sair do órun (Ọ̀run) e, também,
quem e quando você pode retornar ao órun (Ọ̀run) vindo do Àiyé. A data de
retorno fixada para a volta, antecipadamente com Olódùmarè e com Oníbodé
é um elemento básico na religião e almas não podem voltar ao órun (Ọ̀run)
antes da data marcada.Tudo isso está fartamente documentado em versos e
mitos.
A ida para o Àiyé é longa e complicada e o nascimento é apenas através do
útero na Mulher, que como está documentado no Odù osá (Ọ̀sá) Méjì foi
quem recebeu a capacidade de dar passagem entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé de
Olódùmarè. Não existe outra maneira de surgir na dimensão Àiyé, vindo do
órun (Ọ̀run) que não seja por esse processo através do útero.
Considero pacificado o pensamento que o órun (Ọ̀run) e o Àiyé são
instâncias dimensionais diferentes, que não existe tráfego livre entre essas
instâncias, que o tráfego passa pela vontade de Olódùmarè, que, como está
documentado no verso de Ogbè Ògúndá, estabelece um rito de nascimento
que passa por ele (a entrevista de Olódùmarè que está em Ìwòrì Méjì ) e que o
tráfego entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé têm um controlador, uma divindade
Oníbodé, que é subordinada a Olódùmarè.
Não temos relato em versos de divindades indo e vindo ao Àiyé, muito menos
os Orixá (Òrìṣà), que são os ministros de Olódùmarè destacados a cuidar da
humanidade e que poderiam ter esse privilégio. Não tem isso.
A presença dos Orixá (Òrìṣà) ocorre através das pessoas que são preparadas
para isso, por iniciações, feitas para despertar isso, sendo que a essência do
Orixá (Òrìṣà) já existe na pessoa antes do seu nascimento. A pessoa no Àiyé e
o Orixá (Òrìṣà) no órun (Ọ̀run), já são ligados, já existe a cabeceira da ponte,
a iniciação cria a ponte. A iniciação não cria o Orixá (Òrìṣà) na pessoa,
apenas desperta uma energia, uma essência, que a pessoa já veio ao mundo
com ela, a essência do próprio Orixá (Òrìṣà) fazendo parte dela.
Chamo a atenção para isso.
Todo o culto de Orixá (Òrìṣà) é baseado na separação dimensional do órun
(Ọ̀run) e do Àiyé e que o Orixá (Òrìṣà) precisa de um elégùn preparado para
que ela possa se materializar no Àiyé. Não existe livre trânsito, se esse
trânsito de almas entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé existir então temos que jogar
todo o culto de Orixá (Òrìṣà) fora.
Antes de fechar esta conclusão destaco o texto a seguir retirado de Cuoco
(pag. 634) que explica a necessidade de um elégùn.

Elégùn
Um orixá é um elemento puro, uma força da natureza e ase, que é uma energia que só se torna
visível quando o orixá possui os humanos e se torna um deles. A pessoa que o orixá escolheu
possuir é chamada de "elegun", aquela que obteve o privilégio de ser "montada" pelo orixá. Em
Yorubaland, os pais de uma criança recém-nascida geralmente consultam um Bàbáláwo para
determinar o destino da criança. Nesse momento, o orixá-chefe da criança é certificado e ele se
torna um futuro elégùn. Por volta dos sete anos de idade, a criança receberá cuidados espirituais
de um padre guardião, que pertence ao mesmo orixá da criança. Isso é feito para que a criança
viva na atmosfera de seu Orixá (Òrìṣà) designado.
Por meio da possessão, os corpos dos devotos tornam-se veículos que permitem aos orixás
retornar à terra para serem saudados, participarem de ritos cerimoniais, bem como receberem
sacrifícios e serem capacitados a se comunicarem diretamente com aqueles que os evocaram.
Na terra Yorùbá, o termo Iyawoorisa é frequentemente dado a um elégùn, que significa "esposa
do orixá" (Iyawo). Este termo é usado para referir-se a homens e mulheres e não representa uma
ideia de união nem de posse carnal, mas sim de subordinação e dependência. Normalmente é
realizada uma cerimônia de consagração de um novo elégùn. O noviço, deve suportar um longo
ritual de iniciação de seu orixá. Um lugar sagrado especial para a iniciação é estabelecido e o
futuro elégùn deve ir lá alguns dias antes do início das cerimônias, a fim de atender aos
preparativos. O novato então viverá em um local privado que deve ser próximo ao "igbo iku" (a
floresta da morte), que é o local onde as cerimônias acontecerão. Apesar do nome, este local
não é uma floresta real, mas sim um cômodo simples de uma casa ou qualquer outro cômodo
vazio. A permanência do noviço no igbo iku representa a passagem ao Órun (Ọ̀run) infinito,
entre a existência antiga e profana do noviço e a nova que será consagrada ao seu orixá. O
noviço é então submetido a ingerir infusões feitas com folhas e raízes sagradas, que irão
reforçar a ligação entre ele e seu futuro Orixá (Òrìṣà) . Essas infusões, que contêm ase, o poder
do Orixá (Òrìṣà), têm um efeito influente na mente do novato ou contribuir para levá-lo a um
estado de entorpecimento e sugestão, o que o torna um ser dócil, pronto para a iniciação e para
receber seu orixá. Uma vez que o processo de iniciação é concluído, o novato renasce como um
elégùn. Da ai em diante, seus sentidos serão constantemente aprimorados e poderão ser:
avaliados durante os rituais de adoração. Um elégùn é mais vulnerável à possessão de um orixá
durante cerimônias religiosas onde tambores, cantos e danças criam uma atmosfera carregada
de axé (àṣẹ) que permite que o orixá adorado monte em seu corpo. No estado de transe, o
elégùn se torna um orixá e é adorado por outros devotos, que oferecem sacrifícios e o saúdam.
Por sua vez, o evocado Orixá (Òrìṣà) oferece orientação aos devotos através do elégùn.

O culto de Orixá (Òrìṣà), oferece aos associados, crentes, o contato com o


Orixá (Òrìṣà) e com a religiosidade e para isso é necessária a preparação dos
elégùn para que o Orixá (Òrìṣà) se faça presente no Àiyé. Não se trata, esta,
de uma religião contemplativa, mas uma religião de ação e reação, de
circulação de axé (àṣẹ) e neste sentido é o Orixá (Òrìṣà) o ministro de
Olódùmarè é quem traz isso para as pessoas.
Para que a religião possa ser praticada é necessária a presença do Orixá
(Òrìṣà), repito esta não é uma religião de contemplação e de fé cega, não
guiamos nossa vida por proibições e medos, sem Orixá (Òrìṣà) não tem
religião e é necessário o Orixá (Òrìṣà) presente para os vermos e os tocarmos.
Não temos que ficar imaginando um Orixá (Òrìṣà) ele se apresenta. O
supernatural, o divino não é uma fantasia na nossa cabeça.
Para que esta religião ocorra é necessária a presença do Orixá (Òrìṣà) e isso
será feito através da iniciação e da preparação do elégùn, que é a cabeceira da
ponte entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. O elégùn é quem estabelece a ligação com
o Orixá (Òrìṣà) que está no órun (Ọ̀run), atenção, no órun (Ọ̀run) separado do
Àiyé, dimensionalmente distintos. A via que liga o órun (Ọ̀run) e o Àiyé será o
egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e isto veremos mais adiante.
Se o órun (Ọ̀run) e o Àiyé estivessem ligados energeticamente ou
dimensionalmente, então bastaria o Orixá (Òrìṣà) estalar os dedos e aparecer
aqui no Àiyé, nós veríamos uma imagem dele e não de um elégùn montado.
Poderia ainda fazer uma entrada mais dramática, saindo de dentro de uma
garrafa, como uma nuvem de fumaça colorida. Podia inclusive falar com a
gente a partir do órun (Ọ̀run), imagina todo mundo em um terreiro e aquela
voz soando nas nossas cabeças, tipo deus em filmes de Hollywood.
Se não é nada disso que ocorre, então, órun (Ọ̀run) e Àiyé estão separados.
E mais, lembro da existência dos fantasmas, almas que se perdem quando
morrem e ficam vagando pelo Àiyé. Isso jamais ocorreria, as almas estariam o
tempo todo indo e vindo.
Para nossa vinda ao Àiyé, está pacificado, também, que o único caminho é o
útero da mulher. Este é o portal. Um novo corpo é criado no Àiyé,
energeticamente ligado a essa dimensão e o útero é o que faz a passagem do
espírito entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. A questão do útero é extremamente
importante na mulher. No Odù Òfún Méjì está a descrição de que Olódùmarè
deu a Odù a mítica esposa de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) o poder total sobre o axé
(àṣẹ), que é a energia de Olódùmarè. Foi Odù a mulher, que recebe de
Olódùmarè o poder supremo que é representado pela cabaça. Todos os Orixá
(Òrìṣà) da criação, conforme descrito no Odù oxé (Ọ̀ṣẹ́) Òtúwá eram
masculinos, eles tinham a ação, mas, somente Odù foi a mãe, a que recebeu o
poder de gerar vida. Ela traz na mão na sua vinda ao Àiyé a cabaça da criação,
na verdade, o útero dado por Olódùmarè para ela ser a mãe da humanidade.
Esta questão do útero, de Odù de Óba (Ọba) Àiyé e Ìyá Nlá estão explicados
no Odù Òfún Méjì.
O útero é o repositório do axé (àṣẹ) e por isso mesmo a mulher e não o
homem é o elégùn preferencial. Mesmo o Bàbáláwo recebe o seu poder, o
seu axé (àṣẹ), da mulher. A fonte de poder do Bàbáláwo é o Igbá Odù, que é
necessário para ele se tornar um Bàbáláwo. O Igabdu é a representação do
útero da mulher e isso é lhe foi dado pela própria Odù, quando se tornou sua
esposa, conforme verso existente em Òfún Méjì. Sem isso o poder do
Bàbáláwo não se manifesta, é o útero de Odù na cabaça que dá o poder ao
Bàbáláwo.
O Bàbáláwo é um sacerdote que trabalha continuamente com a ligação órun
(Ọ̀run) – Àiyé e seus 2 únicos instrumentos para isso são o ópon Ifá (Ọpọ́n
Ifá) ifá, uma representação do Àiyé e um portal energético para o órun (Ọ̀run)
e o Igbádù.
Digo mais, afirmo que o modelo de um órun (Ọ̀run) e um Àiyé ligados
tornaria impossível a vida no Àiyé. Um dos elementos importantes na vinda
para uma nova vida, conforme descrito por Ibie e por Salami, de maneira um
pouco diferente, mas, com o mesmo significado, como está no Odù Ìrsòsùn
Méjì, é que ao vir para o Àiyé nós perdemos o contato e a lembrança de
memórias, somos um livro em branco, deixamos o órun (Ọ̀run) para trás.
Além disso sem uma separação e isolamento seria impossível o livre arbítrio.
Na religião grega, o mito de perseu mostra o momento da separação do
mundo e a humanidade recebendo o livre arbítrio, com os deuses do Olimpo
deixando de existir e conviver no meio deles. É nesse momento que a
humanidade ganha o livre arbítrio.
Mesmo o nosso Énikeji (Ẹnìkéjì), nossa divindade pessoal, a divindade mais
importante para nós, nosso anjo-da-guarda não tem contato com a gente aqui!
Ele somente se comunica de forma bastante restrita através do oráculo de Ifá.
Sem esse isolamento seria impossível viver uma nova vida, assim como seria
impossível viver se ficarmos sendo continuamente importunados por espíritos
do órun (Ọ̀run) que nos conhecem. Salami descreve a figura da árvore do
esquecimento para estabelecer esse processo de esquecimento.
Qualquer outra religião, verdaeira, no mundo, que prevê o renascimento de
uma alma também tem o mesmo processo de esquecimento e isolamento.
Acreditar não só na comunicação aberta entre o órun (Ọ̀run) e Àiyé bem
como, acreditar que familiares no órun (Ọ̀run), como esposa e filhos
interferem aqui em nosso destino, como dizem alguns Bàbáláwo (Ifayemisi
Elebuibon em Égbe (Ẹgbé) Órun (Ọ̀run) : the comrades of heaven, é um
desses desenganados), é ser desprovido de conhecimento ou de má intenção,
ao querer inventar problemas para as pessoas resolverem.
No meu entendimento esse trafego livre, tendo em sua origem o órun (Ọ̀run)
com o Àiyé, não faz o menor sentido. Além de minha opinião, construída
através de minhas pesquisas e análises, podemos também usar o texto de
Salami descrevendo Ìrònà, o espaço intermediário entre o órun (Ọ̀run) e o
Àiyé, onde residem outros espíritos mais presentes entre nós, como o egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), os Ajogun e as ajé (Àjẹ́). Mesmo Osamaro Ibie também
cita a existência do Ìrònà. A passagem pelo Ìrònà e os problemas que
encontramos nessa passagem, é parte do relato sobre o nascimento que será
feito mais à frente.
Para levar adiante esse modelo dos membros do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)
indo e vindo entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé, em termos de consistência
teológica, teremos que jogar fora tudo o que está explicado na religião para as
demais áreas e colocar o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) em uma bolha com uma
teologia e cosmogonia própria, que só serve para esse tema. Isso não faz o
menor sentido.
Esse relato, desta forma, consta das histórias, mas é bastante discutível e eu
não o aceito nesta forma, deve haver um mal entendimento ou problema de
tradução, isso não bate com o restante da teologia yorùbá. Para atender a esse
modelo de vinda do órun (Ọ̀run) teríamos um modelo com espíritos indo e
vindo livremente entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé e esse relato não existe nem
para os Orixá (Òrìṣà).
Desta forma, para os Òrìṣà (Orixá (Òrìṣà)) e até Énikeji (Ẹnìkéjì), divindades
poderosas e superiores, atuarem no Àiyé, junto a nós, temos essas condições
especiais e regras e para os espíritos comuns não temos? Os Àbíkú ficam em
trânsito aberto?
Conforme está no literalmente nos mitos, um Àbíkú quando nasce pede aos
seus companheiros para irem buscá-lo, caso a família seja bem-sucedida nos
esforços de retê-lo no Àiyé. Para isso seus camaradas saíriam do órun (Ọ̀run)
indo ao Àiyé na sua forma de espíritos. Ainda, pelo que relatei, os camaradas
dele podem, querer vira aqui para atormentá-lo na vida, durante a noite e,
temos ainda, nas histórias o relato de que eles se reúnem entre si, como
espíritos, em florestas.
Isso é o que está nos mitos, não podemos ter dúvidas, mas, se substituirmos,
nesses mesmos mitos, a vinda do órun (Ọ̀run) pela vinda e convivência de
espíritos entre nós, estando eles, o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), no Ìrònà todos
os mitos ficam perfeitos, as coisas passam a se encaixar com o resto.
Não existe sentido nesse relato, literal, como descrito nos mitos. Desta forma,
minha afirmação é que, isso está traduzido ou foi entendido incorretamente.
Os mitos e suas informações são corretas, eu os uso, mas, em sua transcrição
ou reinterpretação um engano foi cometido. Vamos lembrar que, esses mitos,
nunca foram escritos, eles eram transmitidos oralmente até serem
documentados em algum momento da segunda metade do século XX. Todos
os mitos fazem sentido no que dizem, exceto pela suposição de que o egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) seja localizado no órun (Ọ̀run).
Em yorùbá não podemos nos fixar em palavras, isso é diferente nesta língua,
palavras tem muitos significados. Assim se eles não estão no Àiyé, ou seja,
não são Ara Àiyé (corpos, membros no Àiyé) o que sobra é ser Ara órun
(Ọ̀run) eles não têm a expressão Ara Ìrònà e nem seria necessária, o que não é
Àiyé é órun (Ọ̀run).
Encerrando a questão de localização, seja pelas referências, como pela
própria lógica, o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é localizado no Ìrònà um espaço
intermediário entre o Àiyé e o órun (Ọ̀run). Nesse nível energético os
espíritos podem conviver com a gente no Àiyé e influenciar positivamente e
negativamente nossa vida. Outros tipos de espírito podem residir nesse
intermédio, como as ajé (Àjẹ́), os fantasmas e os espíritos que trabalham na
Umbanda, por exemplo.
Dessa maneira, o Ìrònà é, de fato, um espaço energético conhecido e comum
a muitas religiões. Para o nosso caso, aqui, que estamos tratando do egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é o nível energético que permite a comunidade dos
espíritos juvenis conviverem e manterem comunicação, conforme descrito
nos versos.
Não confundir ou associar o Ìrònà ao purgatório católico. A ideia do
purgatório existe na religião yorùbá, é um, ou alguns, dos nove órun (Ọ̀run).
Os espíritos vão para um dos purgatórios depois do julgamento de Olódùmarè
sobre sua vida no Àiyé.
Como é a composição do egbe ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
Uma vez que tratamos da, extremamente importante, questão da localização
do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) no Ìrònà e não no órun (Ọ̀run), o próximo
assunto importante é tratar é o de sua composição e quem faz parte do egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Esses 2 temas, sua localização e sua composição, que estão ligados,
determinam tudo no entendimento do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Os mitos sobre o assunto mostram que o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) está
associado a uma sociedade de almas juvenis (vou explicar a razão de serem
juvenis, mais adiante) que se associam em uma comunidade e na qual os
Àbíkú são uma parte desse grupo, sendo os Àbíkú a sua face mais conhecida
entre nós, mas, o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) não se limita eles. As almas, do
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), são de crianças e jovens que morreram de forma
não natural, ou seja, antes do seu tempo previsto e assim, sua vida foi
interrompida. Em função das razões que levaram a sua morte, as almas, ainda
no estágio juvenil não vão para o órun (Ọ̀run), elas ficam no Ìrònà e, neste
espaço metafísico, se associam formando a sociedade do egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run). Elas permanecem juntas até um renascimento ou por sua volta
definitiva ao órun (Ọ̀run).
Para falar, mais profundamente, de sua composição eu tenho que voltar a
falar de sua localização, porque a composição está diretamente ligada à
localização. Ao localizarmos o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) no Ìrònà nós
trazemos simplicidade, realidade e consistência a esse assunto. Todo os
incidentes que envolvem o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) ficarão fáceis de serem
entendidos e explicados. Deixaremos de ter a necessidade de criar um modelo
mirabolante e intrincado para explicar seus atos e efeitos.
A localização da sociedade no Ìrònà, como já explicado, é a que faz mais
sentido metafísico e ela permite definirmos e restringirmos um escopo de
membros, que podemos explicar, enquanto que, se usarmos a localização no
órun (Ọ̀run) a composição do que é chamado egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) ficará
infinita e indefinida.
A visão, alegórica, de que o grupo de companheiros espirituais é formado no
órun (Ọ̀run) e que esse grupo interfere, a seu bel prazer, na vida dos
renascidos, no mundo natural, cria um escopo ilimitado para sua composição,
visto que, qualquer espírito que está no órun (Ọ̀run) poderia pertencer a essa
turma.
Pior um pouco essa visão cria no órun (Ọ̀run) uma sociedade equivalente a do
mundo natural, com amigos, casais e filhos, como se a vida no órun (Ọ̀run)
fosse equivalente a vida no mundo natural. O problema disso é que essa
estrutura não existe na religião. Não existe qualquer verso que defina isso
assim e não faz sentido esse tipo de equivalência.
Qual será o escopo do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) se esta expressão significar
órun (Ọ̀run) de fato? TUDO, todas as divindades e todos as almas, que não
estão no Àiyé, passam a fazer parte do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Isso não faz
sentido! É como se estivéssemos definindo uma teologia, maluca, paralela,
como vou justificar adiante.
Este modelo ruim, baseado no órun (Ọ̀run), estabelece, literalmente a
possibilidade de o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) ser a sua turma de amigos, tipo os
amigos do futebol, do bar, da escola, etc. A composição seria ilimitada. Se
juntarmos a isso funcionalidade, real, do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) de
interferir na vida do Àiyé, temos uma confusão infinita estabelecida. Essa
visão teológica não explicaria nada para nós no Àiyé, não justificaria
problemas porque criaria uma dimensão muito ampla para a origem de
problemas que afligem os Ara Àiyé. Isso, até certo ponto, seria muito
conveniente para as pessoas, porque tudo o que não está bom na vida dela,
tudo o que ela não consegue realizar porque não se comporta direito ou não
faz as coisas direito, poderia ser associado ao egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). É um
modelo bastante indulgente e também conveniente para os Bàbáláwo ,
Babalorixá (Bàbálórìṣà) e Iyalorixá (ÌyálÒrìṣà), sacerdotes desta religião,
interessados em comercializar soluções mágicas. Eles poderiam inventar um
sem número de causas, artificiais e inexistentes, para justificar problemas e
cobrar por trabalhos que não resolvem nada.
Justamente é o que está ocorrendo.
Vou repetir. A visão da localização do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) no órun
(Ọ̀run) e não no Ìrònà, associada com a visão, que vem junto, de que espíritos
do órun (Ọ̀run) vão livremente para o Àiyé, na forma de espíritos e interferem
na nossa vida aqui, representa uma desordem teológica, é uma maluquice,
que não contribui para ninguém, dentro da religião, que não sejam os
sacerdotes, que usam isso para aumentar bastante o seu comércio religioso de
favores, inventados e de placebos.
A questão da composição, é uma das partes fundamentais desta questão do
entendimento e do tratamento do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), mas, ela é
consequência da localização do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Não adotar a tese
do Ìrònà possibilita um modelo maluco e idiota e, desta forma, é mais uma
das razões pela qual o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) não pode estar ligado
realmente ao órun (Ọ̀run), porque isso afeta a questão da composição do
mesmo, criando uma legião infernal de membros e uma complexidade
indescritível.
Para comprovar esta minha afirmação de complexidade eu vou propor 2
coisas. A primeira é entender o modelo teológico que estou explicando aqui,
que não é autoral, é exclusivamente baseado no que está na religião. A
segunda é indicar que procurem outras fontes, livros e vídeos que tratam
sobre o tema egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) baseado nesse modelo que eu digo ser
o errado, o ligado ao órun (Ọ̀run).

Referências da atualidade
Explorando a segunda opção e tomando como referência a livraria Amazon,
verificaremos que não tem muita gente falando sobre esse tema. Uma parte
um pouco maior fala sobre os Àbíkú, que é o assunto mais popular e
tradicional e, destes, a maior parte na forma de novela, ficção. Em livros
sobre Ifá ou sobre a religião, geralmente são reservadas apenas algumas
páginas, com pouca informação, sendo que, as melhores referências
existentes eu já citei no início do texto. Eu encontrei apenas uma publicação
falando de egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) na Amazon, cujo autor é Ifayemisi
Elebuibon. Na verdade, trata-se de uma autora, Ifayemisi é mulher e bem
nova. Ela não é Bàbáláwo e desta forma falta-lhe prática de oráculo ou
mesmo de Ifá para tratar do tema. Neste livro ela usa, ao extremo, este
contexto órun (Ọ̀run) para desenvolver o assunto, mas, faz uma obra, como
eu previ, alucinada, misturando coisas diferentes da religião e criando figuras
novas. Ele multiplica a existência de divindades ligadas ao egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run), associando divindades regionais diferentes e que realmente existem,
mas não ligadas entre si, como se fossem parte do todo comum, cria novos
nomes para elas e define, da cabeça dela, finalidades de atuação. Lembro que
o estabelecimento de áreas de atuação especializada não faz parte desta
religião. Ela chega ao ponto, absurdo, de dizer que, se temos esposa no órun
(Ọ̀run) esta interferirá em nosso destino no Àiyé, justificando com isso nossa
dificuldade em encontrar a felicidade, devido a atuação e ciúmes desse
espírito. Este livro é um festival de besteiras, mais do que seria normal, e que
tem origem, como eu digo, no entendimento que o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)
está ligado ao órun (Ọ̀run).
Tem que se tomar cuidado com Nigerianos, ética não é uma palavra que se
aplica a eles. Elebuibon é uma família conhecida e eles tem a necessidade de
dar notoriedade aos membros da família, seja pela vaidade ou seja pela
necessidade de estabelecer os membros no mercado de comércio religioso
entre eles e o novo mundo, principalmente os EUA. O mesmo ocorreu com o
Abimbola. Se você não entende isso, fique atento.
No Youtube o panorama não é diferente. Pouca gente consegue escrever, mas
todo mundo sabe falar. A quantidade de pessoas falando sobre o tema se
multiplica e o objetivo disso parece o mesmo. Nos vídeos eles conseguem
definir bem os problemas que os espíritos do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) trazem
para os Ara Àiyé, afinal, isso está na religião, mas eles estabelecem em suas
explicações uma complexidade, e amplitude enormes que permitem uma
oferta ampla de soluções pagas para resolver os problemas. Nos vídeos fica
bem claro a complexidade da explicação quando tratamos de órun (Ọ̀run).
Uma coisa muito comum é a repetição, eles se repetem.
O proplema é que para aceitar essas explicações é necessário, como expliquei
anteriormente, criar uma teologia paralela à religião yorùbá, teologia esse que
endereça muito bem apenas uma coisa, um comércio de iniciações,
assentamentos e trabalhos orientados a resolver os problemas que não
existem.
Se você não conhece os elementos basilares da teologia da religião as
explicações podem parecer razoáveis. Mas, mesmo sem conhecer a teologia
se você tiver alguma inteligência a aplicar bom senso vai perceber que aquilo
não pode fazer sentido.
Essas referências que fiz, do livro e dos vídeos, não tem como foco apenas
criticar os autores em meu benefício, mas elas são necessárias para
comprovar a minha afirmação de que a composição do egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) baseada no órun (Ọ̀run) torna esse tema complexo além do limite.
Quando você entende o que eu estou dizendo e vê essas explicações
complicadas fica bem evidente o que eu quero mostrar, a falta de bom senso e
o excesso de complexidade.
Mas deixando essa visão geral vamos ao conteúdo que interessa.

A sociedade nos versos de Ifá


Para entender a composição do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) os versos de Ifá
ajudam muito mais que os mitos específicos que eu mostrei no início, porque
os versos tratam, em dezenas de lugares, do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), de
forma muito mais comum e prática em relação a nossa vida. Nos versos não
encontraremos, de fato, explicações diretas sobre o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run),
mas, através dos versos percebemos como seus membros afetam a vida das
pessoas e a partir dessa visão de efeitos, o bom observador monta o quebra-
cabeça de sua composição e atuação.
Nesses versos, os membros do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), surgem trazendo
muito mais tormento às pessoas do que apenas o grave caso dos Àbíkú. É
interessante observar que, no Youtube, vi pessoas compreendendo bem a
atuação do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) nas pessoas, mas, elas perdem o fio da
meada da solução quando os localizam no órun (Ọ̀run). Entender a adequada
composição muda a forma de você lidar com o problema e por isso que
compreender bem a teologia é importante.
Em um Odù, Ogbè Ọ̀yẹ̀kú, Ifá diz que a pessoa para quem o signo saiu, é
beneficiada no Àiyé com ajuda dos companheiros do egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run), devido a ter sido um membro importante, no passado, desta
sociedade. Assim, neste Odù, essa pessoa será beneficiada com ajuda e muita
prosperidade, sorte, trazida pelos companheiros do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Observem que seguindo o relato deste Odù, os membros do egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) tem relação ou gratidão com essa pessoa e podem interferir no Àiyé a
seu favor. Ogbè Ọ̀yẹ̀kú não menciona Àbíkú.
Assim como em Ogbè Ọ̀yẹ̀kú, existem muitos outros com histórias que
mostram, pontualmente, a interferência que as pessoas no Àiyé sofrem do
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), nesse caso, a pessoa que consulta Ifá. O que vemos
nas consultas de Ifá é que diversas pessoas são de alguma forma, ainda
adultas assediadas pelo egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), como no grave caso do Odù
oxé (Ọ̀ṣẹ́) irete (Ìrẹ̀tẹ̀) ou como em vários outros casos que passaram por
mim, crianças tem seu desenvolvimento infantil e juvenil prejudicado por
seus companheiros espirituais, sem uma aparente vontade de prejudicá-los e
não eram casos de Àbíkú.
Em Ifá fica claro, para nós Bàbáláwo, que a interação com o egbe (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run) não se restringe ao caso dos Àbíkú. Mas não é esse caso que
você vai encontrar em literatura de antropólogos ou pesquisadores. Nós,
Bàbáláwo, encontra as histórias e os casos reais na prática da vida das
pessoas. O erro que o Bàbáláwo pode cometer, na sua prática, é não ter o
conhecimento correto da teologia envolvida nisso e, desta forma, converter
essa constatação, de que as pessoas são importunadas pelo egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run), em busca de solução disso envolvendo o órun (Ọ̀run) ou, um pouco
pior, usando o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) para justificar problemas que as
pessoas têm na sua vida e que são causadas por ela mesma.
Desta maneira, afastado da teoria dos mitos, os Bàbáláwo encontram os casos
de egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) com muito mais normalidade. Nós encontramos
as pessoas afetadas e a incidência, em gotas, disso no meio dos versos de
Odù. A prática do Bàbáláwo dá a ele a oportunidade de ver a real face da
sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e não a face criativa.
As pessoas que procuram Ifá, todas, tem algum problema para resolver ou
uma frustração, as pessoas não vão a Ifá para bater papo sobre ética e
conduta. É extremamente difícil para essas mesmas pessoas aceitar a análise
do Bàbáláwo sobre sua vida e conduta. É mais difícil, ainda, para essas
pessoas mudarem a forma como elas procedem de modo a corrigir os seus
problemas. Todas elas vão lá querendo que a solução de suas decepções e
dificuldades seja sempre atribuída a uma causa supernatural qualquer, fora do
controle delas e que as exima de seus insucessos. Todas elas querem que a
solução para seus problemas seja apenas um ebó (Ẹbọ), tipo 7 bolas de
farinha de modo a não terem que se auto-avaliar e reconhecer o que devem
mudar para que as coisas melhorem. As pessoas não vão atrás de conselhos e
orientações, elas querem soluções e normalmente soluções que possam
comprar. Para esses casos, de quem busca a culpa nos outros, o egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run) é uma ótima alternativa. Cria causas malucas e principalmente
não associadas a Orixá (Òrìṣà) para explicar os problemas das pessoas.
Como eu falei, no início, existe muita névoa sobre o tema egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run), até mesmo entre os Bàbáláwo e os próprios Yorùbá mais antigos. A
culpa é por ser um tema aberto, não existe, na teologia a explicação de tudo.
Isso deixa esse espaço para a interpretação e análise para fechar os pontos
que faltam e principalmente buscar uma razão para tudo. Muitos tentam
descrever o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) como uma divindade para ser cultuada,
como um Orixá (Òrìṣà). Essas pessoas criam então coisas que são
inimagináveis que o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) como iniciações,
assentamentos e até mesmo Exú (Èṣù) para egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). A coisa
mais ridícula que eu vi foi uma pessoa oferecendo assentamento de Exú para
o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Como eu disse, minha análise é que isso tudo é baseado em mistificação do
tema, não existe, nada, em histórias sobre o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) que
mostre qualquer coisa diferente do que eu já relatei e relatarei aqui.
As pessoas que atribuem esse caráter de divindade ao egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) me geraram inicialmente uma razoável confusão e dúvida. Fui, de
fato, atrás disto buscando em versos, mitos ou textos explicativos, alguma
coisa, consistente, que trouxesse o entendimento sobre o que essas pessoas
insinuavam estava certo. Mas, isso não se confirmou. Não podemos gerar
conhecimento a partir de, apenas, opinião. Opiniões podem ser usadas na
ausência de evidências, mas, se criamos uma afirmação teológica isso tem
que ser confirmado por algum instrumento legítimo de fonte de informação
da religião.

Divindades associadas a crianças


O Bàbáláwo Fálàdé, por exemplo, cita a existência desta sociedade, difusa ou
pouco definida, de amigos, o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), como uma divindade
que nos ajudaria e que, a pessoa ligada a eles, teria até um nome, seria um
elegbe, um lider que é protegido por eles.
Essa visão de divindade associada ao egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é fantasiosa. O
que está nos versos e nos mitos é que é uma sociedade de espíritos comuns,
gente que morreu na infância e que se reúnem e habitam um lugar isolado das
demais, esse lugar é o Ìrònà, o espaço intermediário entre o Àiyé e o órun
(Ọ̀run). Os mitos descrevem a existência de um líder entre eles, um líder para
os meninos e um líder para as meninas, mas nomes em yorùbá podem ser
apenas cargos e os nomes associados a esses líderes são característicos de
cargos.
Iyajanjàsá é o nome da mulher que é lider dos garotos e Olóìkó é o líder das
meninas. Esses nomes são cargos, isso significa que alguém ocupa esse papel
de líder, de cuidador, algum espírito mais velho. É isso que está referenciado
no Odù Ogbè Ọ̀yẹ̀kú. Mesmo nos mitos descritos por Cuoco, existe um (8-
Olóìkó goes into the world) que relata que o próprio Olóìkó decide em
determinado momento renascer. Seus pais consultam um Bàbáláwo fazendo
os ebó (ẹbọ) para que ele fique no mundo. Em função disso Olóìkó não é
capaz de morrer e voltar para o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e acaba ficando no
Àiyé vivendo com a nova família. Desta forma, usando nossa capacidade de
interpretar, temos que concluir que Olóìkó não é o nome de uma divindade e
sim um cargo que um dos espíritos do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) assume para
ser guardião dos demais. Em consultas eu conheci uma Iyajanjàsá que havia
renascido.
A necessidade de ter um líder ou de um cuidador é explicada com alguns
argumentos bem simples. O primeiro é que é natural que, em um grupo, um
ou alguns exerçam a função de liderar. Vamos lembrar que esses espíritos
estão no Ìrònà, eles morreram e não foram para o órun (Ọ̀run), ficaram nesse
espaço intermediário e desta maneira sendo eles, ainda, espíritos infantis será
natural um espírito assumir o papel de líder e cuidador. O espaço Ìrònà está
longe de ser uma região tranquila do supernatural, o Ìrònà é uma designação
genérica para o espaço energético intermediário entre o Àiyé e o órun (Ọ̀run)
e que além da sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) também serve de
localização para outros espíritos e forças maléficas. Como Salami e Ibie
descrevem, as ajé (Àjẹ́) estão nesse espaço e os Ajogun. Por ilação podemos
concluir que os espíritos perdidos que a Umbanda acolhe, bem como os
próprios guias de Umbanda estarão nesse mesmo espaço visto que as regras
do supernatural tem que ser as mesmas para tudo e para poderem interferir na
nossa vida, como a Umbanda preconiza e prática, não poderão estar no órun
(Ọ̀run) e sim no Ìrònà.
Os yorùbá tem muitas divindades e todas são regionais, existem muito poucas
divindades gerais, aceitas por todos (como Xangô (Ṣàngó), Oxalá (Òṣàlá),
Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) e Exú (Èṣù)), a maior parte é regionalizada. Isso faz
com que um mesmo tipo de divindade ou manifestação, ocorra com nomes
diferentes dependendo do local, mas, isso não faz elas serem divindades
diferentes. Se ainda lembrarem, eu citei isso quando falei dos nomes de
Olódùmarè. Os pesquisadores europeus acharam que haviam vários deuses
entre os yorùbá, mas o que eles não perceberam é que eram nomes diferentes
para um mesmo deus.
A diversidade de divindades, seja a mesma com muitos nomes ou sejam
várias, não faz diferença nesta religião. A quantidade de divindades não é
relevante. Existem divindades que são orientadas para cuidar de crianças, as
crianças são muito importantes para os yorùbá e proteger o seu crescimento é
uma preocupação importante. Dessa forma é natural que existam divindades
orientadas a elas.
Ibéjì é uma dessas divindades, ela está ligada aos gêmeos, que são um tema
especial nesta religião. Regionalmente encontraremos muitas divindades
associadas a crianças: Ẹgbẹ́, Ẹgbẹ́run, Arágbó, Ẹgbẹ́ Ọ̀gbà, Koóri, Kónkóto,
Dàda e Elérìkò. Não tem relevância falar sobre cada uma delas ou sua origem
para nós da diáspora. Aqui, nesse tema, elas estão sendo mencionadas porque
são divindades do órun (Ọ̀run), não são espíritos que fazem parte do egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). São divindades que se recorre para proteger as crianças,
seu nascimento e desenvolvimento.
Em Ibadan, existe uma divindade chamada Elérìkò, uma divindade feminina,
ambivalente, ligada a esses espíritos. Ela ajuda ou atrapalha, traz doenças
para unir os Aràgbó. Elérìkò é imprevisível. Quando aplacada dá filhos e
brinca com as crianças na luz do dia. Quando desagradada assedia crianças
no seu sono, aflige com doenças, as mata e leva suas almas para o egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Existem outros nomes que são sinônimos da mesma coisa. Arágbó – Espírito
de crianças, seres das florestas; Ẹgbẹ́ ou Ẹgbẹ́run – Vivem na água ou
madeira; Elére – Donos as imagens de madeira; são nomes diferentes para a
mesma coisa, para designar os membros do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), não são
nomes de divindades diferentes ou de espíritos especiais do egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run).
Na cidade de Ọ̀wọ não tem Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) mas tem um festival de
mascarados chamados Àghòbí (aquilo que olha para dar nascimento a
crianças). O objetivo dos dançarinos mascarados, sejam homens ou mulheres
jovens, é torna o homem viril, a mulher fértil e as crianças saudáveis e bem
nascidas. Àghòbí é o nome dos mascarados e não uma divindade.
Existe ainda um tipo de Egúngún chamado Egúngún Ọlọmọyọyọ, que é um
espírito ancestral de pequenas crianças. Desta maneira Ọlọmọyọyọ, não faz
parte do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), faz parte do órun (Ọ̀run) é um Egúngún.
Existem outros nomes específicos como Èkìnẹ̀, Èlekìnẹ̀, Ọmọlókun ou
mọlókun que é o nome que se dá as crianças nascidas pela interferência do
Orixá (Òrìṣà) Olóòkun. Inclusive existe uma designação geral para os Orixá
(Òrìṣà) que interferem no nascimento de crianças.
Essa lista de nomes é bastante ampla, no final eu faço uma coletânea disso. O
objetivo de eu citar isso aqui é para acabar com a confusão causada por
usarem esses nomes para mostrar complexidade e diversidade do egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run). Sim, eu já vi vários Babalorixá (Bàbálórìṣà) e Bàbáláwo citando
esses nomes como se fossem uma diversidade do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e
com isso querendo mostrar conhecimento e complexidade.
As pessoas usam esses sinônimos, essas equivalências e essas regionalidades
para inventar divindades e adicionar complexidade. O caso da Ifayemisi
Elebuibon foi esse, para poder enriquecer sua narrativa ele misturou esse
monte de divindade regional como se fosse uma coisa unificada atribuindo
importância inexistente a algumas delas. Quando você não têm muito o que
falar, complicar sempre é a melhor alternativa.

Uma sociedade de almas comuns


Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é simples, é uma sociedade ou grupo que reúne
espírito de crianças mortas. Não é uma divindade do órun (Ọ̀run). A
composição do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é simples usar esses nomes que se
referem a coisas diferentes e de regiões diferentes, juntando isso tudo como
se fosse um conjunto único e exclusivo é uma manifestação de
desconhecimento ou de vontade em confundir.
Uma vez que não são uma divindade e não estão no órun (Ọ̀run), não existe
sentido em pessoas ignorantes ou não honestas, venderem iniciações para
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Não cabe uma pessoa ser iniciada para egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run). Se você não está ligado a eles (vou explicar isso adiante) não faz
sentido se ligar. Se já está ligado não necessita de iniciação. A iniciação é um
processo litúrgico para despertar poderes e capacidades não cabe fazer isso
para estabelecer uma ligação com o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Igualmente não
cabem para eles um assentamento, assentamento ou Igbà é um objeto
litúrgico para ligar o Àiyé ao órun (Ọ̀run), não existe razão para ter esse
objeto para ligar o Àiyé ao Ìrònà, esses espaços já estão ligados, o Ìrònà é
parte do Àiyé. O Ìrònà não é o mundo físico mas o Àiyé compreende o mundo
físico e o supernatural que acompanha o mundo físico.
O que encontramos nos mitos é que egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) são esses
espíritos que podem ou não se tornar um Àbíkú e que vivem junto, tem fortes
laços de amizade. Os mitos direcionam egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) como sendo
uma reunião de possíveis Àbíkú ou que já foram ou se tornarão. Eles se
tornam um Àbíkú quando renascem, isso é óbvio, afinal o nome Àbíkú
significa aquele que nasce para morrer. Assim, um Àbíkú é alguém que nasce
e respira. Apesar de todos sermos, em teoria, Àbíkú porque nascemos para
morrer, os Àbíkú são as almas de ciclo curto de vida e nós, pessoas comuns,
somos de ciclo longo de vida. Conforme vou teorizar, à frente, é importante
ressaltar essa questão de ciclo curto e longo, mais do que vocês podem
imagina agora.
Entretanto, o que mais me incomodou neste tema de egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)
e Àbíkú não foram esses aspectos que já citei, o mais problemático, foi
sempre, não haver nenhuma explicação teológica para isso. Não havia causa
ou razão. Nos cabia dizer que o que era, dizer como resolver, mas, jamais, ter
qualquer tipo de informação sobre a razão.
Antes de iniciar minha explicação completa quero transcrever aqui um
pequeno trecho que está no livro do Cuoco, que como disse, recomendo
muito ser lido. Esse trecho é a semente do meu entendimento e que vai de
encontro (contra) o que muitos africanos e Bàbáláwo Nigerianos (yorùbá,
como o Salami) pensam sobre os Àbíkú.
“Ao contrário do que muitos autores escreveram sobre o personagem Àbíkú, insisto em
afirmar que eles ”não" são seres malévolos cuja única missão é causar sofrimento a
seus pais e familiares. Acredito que sejam seres de luta, que em puro estado de
inocência passando de um reino para outro - em suas constantes mortes e
renascimentos - carregando dentro de si o peso da morte Iku). Sua verdadeira
inocência reside no fato de que são seres, que estão divididos à força entre o desejo de
ficar na terra com suas famílias e o desejo de estar com seus espíritos companheiros em
Orun, bem como a obrigação que têm de cumprir suas promessas de retornar à sua
Sociedade Egbe Ara Orun, independentemente dos esforços de seus pais para mantê-los
no mundo.”
A seguir vou relatar o meu entendimento sobre os egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e
Àbíkú, de forma bastante ampla. O conhecimento que vou descrever foi
reunido em anos de pesquisa em diversos autores. Vou dar muita informação
e buscarei justificar tudo aquilo que eu disser.
Eu vou evitar aquelas longas abordagens acadêmicas (não sou acadêmico)
com extensos relatos para somente no fim apresentar suas conclusões. Vou
iniciar por eles e depois dar as explicações.
O que é a sociedade egbé ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
A esta altura de sua leitura já dei muitas explicações do que é a sociedade e
principalmente do que não é a sociedade, assim, vou bem direto ao ponto,
sem mais rodeios.
Esta sociedade é composta de almas que, originalmente, saíram do órun
(Ọ̀run) para nascerem no Àiyé, mas, que devido a um problema no curso de
sua vida perdem o retorno para o órun (Ọ̀run) e vão para o Ìrònà. Esse grupo
de espíritos, mais do que apenas camaradas, formam laços familiares entre
eles que substituíram os laços familiares normais deles, que foram perdidos
com a morte e a ida para o Ìrònà e desta forma eles são extremamente unidos.
Unidos pela solidariedade.
A sociedade fica localizada no Ìrònà um o espaço entre o órun (Ọ̀run) e o
mundo físico (natural) que é uma parte do Àiyé. O Àiyé é um conceito mais
amplo ele inclui o mundo natural, onde moramos como renascidos e também
um espaço supernatural que envolve esse mundo físico. Esse espaço
supernatural é habitado por vários outros seres supernaturais como as ajé
(Àjẹ́). Assim existe um espaço supernatural que interage diretamente com o
mundo natural e existe um outro espaço supernatural superior, o órun (Ọ̀run),
que é dimensionalmente separado e onde ficam as divindades superiores,
como os Orixá e para onde vamos quando renascemos.
Estarem localizados nesse espaço intermediário coloca a sociedade dentro da
capacidade de ter influência sobre os seres vivos sem terem renascidos.
Assim, eles podem existir no Àiyé e interferir na vida das pessoas, como é
descrito nos mitos, através de sonhos, pesadelos, acidentes e comunicação. A
interferência deles é muito mais direta e intensa do que os Orixá que ficam
localizados no órun (Ọ̀run). Nisso reside o enorme potencial de causarem
problemas.
Se fossem localizados no órun (Ọ̀run) essa atuação seria impossível devido
ao distanciamento dimensional do Àiyé e do órun (Ọ̀run). Igualmente justifica
a necessidade deles se “alimentarem”, como descrito nos mitos, são espíritos
em nossa dimensão e precisam de energia transmutada.
É de fato uma sociedade de almas e não necessariamente são todos Àbíkú.
Elas estão ali, vivendo ou perdidas entre os dois mundos, Àiyé e órun (Ọ̀run).
O egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) não são os fantasmas, almas que se perdem e
ficam vagando no Àiyé. Os egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) se unem, formam uma
família e são protegidos pelos Orixá (Òrìṣà). A participação dos Orixá (Òrìṣà)
junto a sociedade é muito importante. Fazem parte desse grupo os muito
conhecidos no Candomblé, grupo dos Eré, crianças que se manifestam nos
Elegùn após a incorporação dos Orixá (Òrìṣà) e sobre as quais falarei mais a
diante.
Enquanto frequentei Candomblé tive muito contato com os Eré e haviam
duas coisas bem comuns. Eram espíritos de crianças, elas viviam juntas, os
Eré, no que eles citavam ser uma “floresta” e todas tinham morrido ainda
crianças, sendo que poucas gostavam de comentar as causas. Era evidente
que elas mantinham seus traumas e suas memórias da vida que tiveram e, não
perder a memória, é mais um fator que permite afirmar que estão localizadas
no Ìrònà e não no órun (Ọ̀run). Vou tratar disso a seguir.
Temos assim uma coincidência grande demais para ignorarmos. Temos um
grupo de almas infantis que são chamados de egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e
ficam, como afirmo, localizados no Ìrònà e não no órun (Ọ̀run), formando
uma sociedade com vínculos fraternais fortes e de onde saem os Àbíkú,
segundo os mitos elas vivem em uma floresta. Temos de outro lado os Eré
crianças que atuam junto, através dos Orixá (Òrìṣà), que também não estão
no órun (Ọ̀run) porque preservam o seu aspecto infantil, memória da vida
recente e que também, por seus relatos, vivem juntas em grupo, em uma
floresta. E mais, ambos os grupos atuam no Àiyé, podendo interferir
diretamente na nossa vida no Àiyé. Muita coincidência para serem coisas
distintas.
O grupo dos Eré
Um dos tipos de espíritos nomeados e que ficam nessa sociedade são os Eré.
Eles sãpo um sub-grupo. Certamente você não vai ver essa citação em outras
fontes de nigerianos visto que, Eré, é uma denominação que usamos no
Candomblé, mas, como esse livro é ajustado ao Brasil, ao conhecimento que
temos na tradição afro-brasileira. Aqui no Brasil, no Candomblé eles são
existentes, são presentes e importantes.
Para os tolos que acham que a verdadeira referência nesta religião são os
nigerianos e a Religião Tradional Yoruba, eu vou dedicar algumas
explicações simples.
1) No Candomblé nós recebemos essa religião diretamente de africanos
maduros. Isso ocorreu após o fim da escravidão, em meados do século
XIX, que foi quando a tradição religiosa do Candomblé se organizou
em seu formato de prática.
Nosso conhecimento da religião não veio de crianças e muitos menos
de escravizados novos que pouco conheciam ou podiam se lembrar da
religião.
Nossa religião não veio de conhecimentos cheios de buracos.
Houve uma formatação completa, com adaptação regional.
Assim nossa religião foi formada através de contato direto com pessoas
Yoruba que tinham real conhecimento. Não inventamos nada e não
precisamos de nenhuma reafricanização.
2) A YTR é uma tradição religiosa como o Candomblé é. Não existe
hierarquia. Uma tradição religiosa é um melhoramento da religião para
a prática em determinada sociedade e cultura e inclui os valores da
sociedade e uma história de formação. A YTR é uma tradição da
Nigéria, o Candomblé é uma tradição do Brasil. A Religião está acima
delas, igualmente acima e essas 2 tradições religiosas foram criadas
baseadas na mesma religião.
3) O conhecimento da religião na Nigéria foi perdido pela escravidão e
pela colonização. A Nigéria é um país 50% cristão e 50% mulçumano.
A religião tradicional foi abandonada e, atualmente é seguida por
menos de 1% da população, é um traço na estatística.
O cenário no novo mundo é muito superior a isso. De fato, essa religião
só existe porque foi para o novo mundo, se dependesse dos Nigerianos
teria acabado. Essa questão de superioridade da RTY é inexistente.
4) Neste contexto o fato de a YTR não saber de algo que o Candomblé
sabe ou faz, a) é natural; b) o problema é da YTR. Nem todos os pontos
da religião são dominados pelo Candomblé, mas, o que o Candomblé
faz ou conhece ele tem muita propriedade para isso.
Continuando, o Eré é um espírito presente seja no Candomblé Ketu (ou
Nago) e no Candomblé Jeje e tem muita importância nos dois em relação a
nossa ligação com Orixá (Òrìṣà).
O Eré não é uma unanimidade em todas as casas em relação à sua atividade,
tem casas cujo responsável não gosta deles e eles não se manifestam
longamente (não ficam presente por longo período de tempo), mas, apesar
disso, é impossível ter Orixá (Òrìṣà) sem Eré. No candomblé do grupo
religioso Yorùbá, sua existência é de entendimento pacíficado.
Tem casas que aceitam os Eré abertamente, fazem assentamentos, Igbá,
como os de Orixá (Òrìṣà), são parte do culto, são reverenciados, participam
do dia a dia do terreiro e são alimentados de duas maneiras, comem comida
real quando incorporados e recebem oferendas. As oferendas, de fato, são
aplicáveis aos Eré, mas, por outro lado, não existe o menor sentido em monta
um Igbá. Isso é um erro teológico e litúrgico é uma mania do Candomblé.
O Eré vem com o Orixá (Òrìṣà) mas, não é um espírito do órun (Ọ̀run). Duas
ou três características marcam bem a diferença. Os Eré se comunicam
abertamente, falam pelos cotovelos e tem um domínio completo da
incorporação no Elegùn, muito superior à do Orixá (Òrìṣà). Os Eré, enquanto
incorporados, comem quantidades, às vezes, absurdas de comida, comem
qualquer tipo de comida, inclusive carne, mas, não são chegados a doces,
preferem frutas. Podem ficar muitas horas incorporados no Elegùn e
assumem até tarefas comuns da manutenção da casa. No meu período de
Candomblé os Eré além de brincarem com as pessoas, darem “consultas”,
podiam lavar e arrumar coisas, faziam tarefas bem comuns.
Quando falavam com as pessoas eles davam informações, contavam coisas da
vida delas como se fossem guias de Umbanda. O nível de informação de um
Eré sobre uma pessoa era muito grande. Eles falavam do passado e falavam
da vida cotidiana da pessoa, contando coisas recentes que tinham visto a
pessoa fazer. Mostravam claramente que estavam presentes no Àiyé junto às
pessoas.
Tinha muita gente que fazia questão de procurar os Eré para conversar, para
saber coisas, como se fossem “consultas”. Mas, os Eré nem sempre estavam
dispostos a falar, eles regulavam as informações que davam e para quem
falavam, mas, eram terríveis, porque falavam coisas, às vezes, que deixavam,
as pessoas envergonhadas, Eré não tinha muito controle, ele falava o que
queria.
As pessoas pediam coisas para os Eré, pediam interferência deles em
assuntos delas e, se tinha uma coisa certa de ocorrer, era pedir algo a um Eré,
se eles estivessem dispostos a fazer e ajudar.
O nível de controle sobre a incorporação por longas horas (muita
estabilidade), o fato deles terem falecidos crianças e terem memória sobre
isso e o alto nível de consciência sobre o que ocorre no Àiyé, com capacidade
de interferir, coloca esse grupo de espíritos, evidentemente, como sendo
localizados no Ìrònà, não poderiam ser espíritos do órun (Ọ̀run), senão teriam
a mesma dificuldade dos Orixá (Òrìṣà) para estarem presentes do Àiyé.
Uma característica importante de um Eré é o fato de eles virem junto com
Orixá (Òrìṣà). O Eré além do domínio sobre o que ocorre no Àiyé se
comporta exatamente como um mensageiro do Orixá (Òrìṣà). Através do Eré
podemos saber o que o Orixá (Òrìṣà) quer que façamos ou não façamos e eles
falam com a gente em nome do Orixá (Òrìṣà) como se fosse o próprio,
lembrando que Orixá (Òrìṣà), no Candomblé yorùbá (ketu) não fala com
ninguém. Assim os Eré são a forma de nos comunicarmos com eles de forma
direta, sem a necessidade de um oráculo.
Os Eré demonstravam muito respeito na sua relação com os Orixá (Òrìṣà)
que representam. Pelas palavras dos Eré e da forma como eles falam sobre
esta relação, não restava a menor dúvida a qualquer pessoa de que, os Orixá
(Òrìṣà) existem como divindade e são divindades diferentes dos Eré, não são
a mesma coisa. Eles não deixam a menor dúvida que estão ali representando
um Orixá (Òrìṣà) e que este Orixá (Òrìṣà) é quem comanda o que eles podem
fazer ou não e podem falar ou não. Lidei com muitos Eré em casas diferentes
e a forma como eles tratavam e relatavam essa relação era a mesma. Assim
ou estamos lidando com o mesmo constructo transcendente ou, tudo, tinha
que ser muito, mas, muito bem combinado, o que seria impossível.
Essa ligação Eré-Orixá (Òrìṣà) é muito importante no entendimento do
relevante papel deles. Os Orixá (Òrìṣà) estão localizados no órun (Ọ̀run) um
outro nível dimensional e distinto do Àiyé. Para a presença deles no órun
(Ọ̀run) e necessária a preparação de uma pessoa para os receberem, o Elegùn.
Essa pessoa é necessária devido à necessidade de atuação no Àiyé, de
trazerem axé (àṣẹ) e de manipularem essa energia. Para a interferência na
dimensão Àiyé é necessário estar presente no Àiyé.
Este também é um entendimento pacificado, se os Orixá (Òrìṣà) não
precisassem dos Elegùn para atuarem, primeiro teríamos que mudar o mito da
separação do órun (Ọ̀run) e do Àiyé. Em segundo teríamos que mudar todo o
Candomblé e demais tradições afro-brasileiras que são baseadas na
preparação de um Elegùn para ser a extremidade da ponte entre o órun (Ọ̀run)
e o Àiyé que receberá o Orixá (Òrìṣà).
A nossa vinda, como pessoa humana, ao Àiyé se realiza através do útero
feminino, o grande repositório de axé (àṣẹ) e um dos símbolos máximos a
mais respeitados da religião. É através do útero que o nosso corpo físico é
construído e com esse corpo físico podemos nos materializar no Àiyé. É no
útero, com a matéria formada pelos elementos do Àiyé, desta dimensão física
e energética que nosso espírito deixa o órun (Ọ̀run) e se integra ao corpo o
Ara.
A passagem órun (Ọ̀run)-Àiyé não é apenas um estalar de dedos, poderia ser
assim simples, mas, não é, temos que surgir no Àiyé em forma natural para
poder ter os poderes dos Orixá (Òrìṣà), os poderes de deus e interferir através
da magia, do axé (àṣẹ). Não estou falando novidades, já tratei disso antes,
mas essa revisão aqui é necessária.
A este corpo físico se conecta o corpo místico, nossa alma e espírito e junto a
eles temos o axé (àṣẹ) de Olódùmarè, a centelha fundamental de vida. Temos
nosso Orí e com esse conjunto, temos a estrutura supernatural que cerca
nossa existência material. Dentro desse corpo místico que chamamos de Orí
está a ligação com o nosso Orixá (Òrìṣà) e é isso o outro lado da ponte
dimensional. De um lado temos o Orixá (Òrìṣà) no órun (Ọ̀run) e do outro
nós, com sua essência e o axé (àṣẹ) de Olódùmarè.
As coisas não são por acaso. No caso de Orixá (Òrìṣà), uma divindade, a
estrutura é bem complexa. Cada Elegùn (médium), como explicado pela
teologia, nasce com a essência do seu Orixá (Òrìṣà). A religião diz que a
gente vem para o mundo, o Àiyé, com vários elementos místicos. O nome
Orí, para muitos, resume isso tudo, mas, não podemos deixar de entender,
também, as partes. Mais a frente vou tratar de Orí. Aqui, nesse momento
temos que lembrar que o Orixá (Òrìṣà) é uma ligação especial de todos nós e
esse tipo de estrutura e ligação é muito diferente da estrutura dos médiuns
que trabalham com incorporação na Umbanda.
O trabalho de incorporação com Orixá (Òrìṣà) e com guias de Umbanda são
muito diferentes, isso é relatado pelos próprios médiuns.
Essa energia mística que temos é como uma semente de mostarda, ínfima e
isso vai desabrochar de forma natural ou não, permitindo termos ativa a outra
cabeceira da ponte que liga o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. Potencialmente todos
temos isso, mas precisamos que esse corpo místico floresça para que ele seja
uma cabeceira firma e possibilite a conexão com o Orixá (Òrìṣà).
Para florescer isso podemos ter 2 processos. O primeiro é o natural, as
pessoas podem desenvolver isso, naturalmente, e desbrochar essa conexão. O
segundo são as iniciações um processo místico e supernatural que faz com
que a nossa semente de mostarda se desenvolva permitindo a conexão com o
Orixá (Òrìṣà).
Muitas pessoas com o passar do tempo, frequentando terreiros, participando
de Xirês e liturgias conseguem com que essa semente de mostarda se
desenvolva e assim permitem a presença dos Orixá (Òrìṣà) através delas, se
tornam Elegùn. Sim não existe o mito de que somente a iniciação pode
possibilitar a incorporação, esse é um dogma tolo e idiota, que não se
confirma através do dia a dia. Sabemos que diversas pessoas desenvolvem
essa conexão sem terem feito a iniciação. Apesar de ser repetido que para
receber Orixá (Òrìṣà) você tem que se iniciar e que não se trabalha com Orixá
(Òrìṣà) sem iniciação, a vida real não é assim. Não podemos ter um dogma
que não se sustenta, seria apenas uma mentira.
A iniciação é um processo de magia supernatural que acelera o processo de
preparação do Elegùn e o coloca pleno. A semente de mostarda cresce e vira
uma árvore através da magia e de nossa interferência litúrgica. Mas a mesma
magia pode atuar de forma branda e gradual na pessoa e permitir que essa
semente de mostarda se desenvolva por si mesma. É isso que a gente vê na
prática.
Lembro a todos que o deus católico, quando quis interferir na humanidade ele
não fez um estalar dos dedos e todo mundo mudou a forma de pensar e agir.
Ele se manifestou através de Jesus. Jesus nasceu homem, ungido pelo espírito
santo, com os poderes de deus, mas com nossa humanidade e, essa forma
teândrica, foi a que permitiu deus mudar todo o rumo da humanidade,
gradualmente e lentamente.
Esse processo teândrico, de Jesus, é o mesmo que os Elegùn passam. As
dificuldades são as mesmas, os Orixá (Òrìṣà) estão para os Elegùn assim
como deus estava para jesus, isso pode parecer arrogante, mas, só para os
católicos, para nós o que interessa é entender o processo e esse é o mesmo.
Mas, até o momento, temos as 2 cabeceiras desta ponte. De um lado demos o
Elegùn, já preparado e de outo, o Orixá (Òrìṣà), um no Àiyé e o outro no órun
(Ọ̀run). Precisamos agora da ligação, a via que liga uma cabeceira a outra.
Essa via é o papel dos Eré, são eles que pavimentam essa via. Como são
espíritos que estão no meio do caminho, são espíritos, mas, estão no Ìrònà e
desta maneira se movimentam pelo Àiyé, os Orixá (Òrìṣà) usam os Eré para
se manifestarem no Àiyé. É, literalmente, através dos Eré que a energia, que o
espírito dos Orixá (Òrìṣà) encontra o caminho, a via para surgir no Àiyé
estando eles no órun (Ọ̀run).
É por essa razão que o Eré faz parte do transe do Orixá (Òrìṣà) no Elegùn. O
Eré não é a manifestação infantil do Òrìṣà (Orixá (Òrìṣà)) como era dito no
Candomblé, buscando-se, através disso, uma explicação simples para uma
situação complexa. O Eré é uma manifestação infantil, sempre, porque é de
fato um espírito infantil, mas, sua função no Candomblé é suportar é o
transporte do Orixá (Òrìṣà) para o Àiyé.
Nas casas que permitem os Eré, este fica no Elegùn depois que o Orixá
(Òrìṣà) vai embora. O Orixá (Òrìṣà) se desconecta deixando então apenas o
Eré.
As pessoas que, no Candomblé, que lidam com os Orixá (Òrìṣà) e participam
do processo de iniciação sabem que a presença do Eré é uma constante. O
Eré está lá antes e depois, não se faz nada com Orixá (Òrìṣà) sem a presença
do Eré.
Tenho até uma história bem curiosa, em uma casa estava sendo feita a saída
de Orixá (Òrìṣà) de um Elegùn, a festa final, do nome e desta maneira no
roncó o Eré estava o tempo todo lá esperando sua hora de sair no salão. Para
variar as pessoas de Candomblé não tem muito compromisso com hora, eles
acham que todo mundo está lá para esperar mesmo. Em determinado
momento o Babalorixá (Bàbálórìṣà) entrou no Roncó e encontrou
determinada situação, surpreendendo o Eré, no roncó, fazendo uma coisa que
não podia ou devia, ele, imediatamente, brigou com o Eré e esse, assustado,
sumiu. Contudo, quando a pessoa foi fazer a saída, as pessoas chamavam o
Orixá (Òrìṣà) para tomar conta do Elegùn e assim poder fazer a saída no
salão, como manda a tradição, e este não vinha de jeito nenhum, eles não
sabiam mais o que fazer. O Babalorixá (Bàbálórìṣà) teve então que levar o
Elegùn para o roncó e chamar, com muito custo, o Eré lá para desfazer a
confusão e se desculpar. Só depois disso a cerimônia pode continuar, com o
Orixá (Òrìṣà) tomando o Elegùn. Desta forma, sem Eré não tem Orixá
(Òrìṣà).
Eu não represento religião Jeje e tenho um conhecimento prático bem restrito,
de modo que nunca me coloco para falar sobre esta religião e suas tradições
religiosas no Brasil. Contudo conheço a figura do “maluco” e a semana do
“sujo”. O Bàbáláwo Valney Ogbè Otuwà, que tem origem no Jeje, confirmou
esse processo e sua similaridade com o caso do Eré. No jeje antecedendo o
processo de feitura de Vodun, existe o aparecimento do “maluco”, que nada
mais é que uma criança, um Eré, que incorpora no elégùn e passa uma
semana nesse processo. Certamente (minha ilação) um membro do egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). O maluco passa o que se chama a semana do “sujo” que
termina com o Grá e o encontro com a Doné, uma encenação típica africana,
como um festival. A criança é o precursor do Vodun, ele vem antes e através
dele é que o Vodun se manifestará em frente a Doné. Desta maneira mesmo
no Jeje temos a mesma figura.
Tem gente que não entende essa construção de Orixá (Òrìṣà) e as liturgias
que diz que o Orixá (Òrìṣà) é uma energia muito grande e não poderia se
manifestar em ninguém. Essas pessoas falam isso para negar essa
incorporação de Orixá (Òrìṣà). Aqui no Brasil tem dois grupos que repetem
essa ladainha. O primeiro é o dos umbandistas. Para eles o Orixá (Òrìṣà) é
um caboclo e não um Orixá (Òrìṣà), pela razão que acabei de falar. Claro,
eles não entendem nada de Orixá (Òrìṣà). Eles não sabem o que é um Òrìṣà
(Orixá (Òrìṣà)), como é um Orixá (Òrìṣà) e ainda devem achar que os Orixá
(Òrìṣà) são os elementos da natureza. O outro grupo que ouvi repetindo isso
são os cubanos, da santeria. A razão dos cubanos é a mesma dos
Umbandistas, aliás a Santeria é tipo uma Umbanda.
A Santeria entende que quem incorpora é um “morto” e não o Orixá (Òrìṣà).
O Morto, seria um mesmo da santeria que já morreu e o iniciado é orientado
a cultuar esse “morto” para poder incorporar o Orixá (Òrìṣà). Veja, eles
entendem Orixá (Òrìṣà) igual a Umbanda. Eu não trato ou discuto sobre
Orixá (Òrìṣà) com pessoas da Santeria. Se esse pessoal entendesse Orixá
(Òrì ṣ à) eles não falavam essas besteiras.
Dessa maneira fica entendido o papel dos Eré no culto de Orixá (Òrìṣà),
através de minhas explicações. Alerto que isso o que falei é baseado em
experiência, foram as situações que convivi no Candomblé que me levaram a
estabelecer esse modelo dos Eré. Não sei se todo mundo pensa assim, eu
penso e junto experiência e teologia, isso que descrevi e analisei faz todo o
sentido para mim. Faça sua avaliação.
Não posso também deixar de incluir nesse capítulo a referência as “Beijadas”
de Umbanda. Beijadas são as crianças de Umbanda, espíritos infantis que
incorporam nos médiuns e tem sempre um comportamente “terrível”. Elas
brincam muito, gostam de doces, refrigerante, mas, também trabalham
espiritualmente. São apenas mais difícieis de controlar.
O comportamento das Beijadas é muito diferente dos Eré, tão diferente que
você facilmente distingue-os pelo comportamento. Os Eré são mais calmos,
mas comportados e tem preferências de comidas diferentes. Parecem, de fato,
dois grupos totalmente distintos. Contudo, a prática com esses grupos mostra
que compartilham uma mesma origem, tantos os Eré como as Beijadas, ficam
no Ìrònà, são espíritos do mesmo tipo e desta maneira também são parte do
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Como os nigerianos gostam de fazer, podemos
dizer que são tipos de egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) diferentes. Algo os distingue,
talvez a ligação com o Orixá.
Os Eré se comportam de forma muito contida e sempre deixam claro que
estão ali sob a ordem e guarda de um Orixá, o representando e sendo vigiados
por ele. É evidente a ligação entre os Eré e os Orixá (Òrìṣà).
Os Beijadas estão ali por eles mesmos, no máximo existe um guia de
Umbanda, um Preto-velho ou um Caboclo, incorporado, que “toma conta” do
comportamento deles. É possível que a ligação com o Orixá seja esse
diferencial, mas, beijadas são parte do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), sem dúvida.
Os demais espíritos do egbé ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run).
É acreditar demais em coincidências imaginarmos que os Eré não façam
parte do mesmo grupo dos egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), assim, temos que aplicar
a lâmina de Occam (conceito filosófico) e entender que o mais simples e
lógico é o correto e, desta forma, os Eré certamente pertencem ao mesmo
grupo de espíritos que ficam no Ìrònà e também formam o egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run).
Os Eré são, assim, uma parte deste grupo. Nós no Candomblé usamos a
denominação Eré para os espíritos que são usados pelos Orixá (Òrìṣà),
escolhidos por eles, para servir de ponte entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. Os
Àbíkú também saem do mesmo grupo do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), assim, é
natural entendermos que, temos mais espíritos disponíveis no egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run) do que somente os cobertos por essas 2 classificações, bem
como, não é correto supor que todos os espíritos do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)
sejam Eré ou se transformem em Àbíkú.

Crianças trazidas por Orixá (Òrìṣà)


Para dar mais informação e complexidade a essa questão vou adicionar um
terceiro tipo de classificação que também pode ser usada para os espíritos do
egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), e desta vez um tipo muito importante que vai
fechar o entendimento desta questão, que são as crianças trazidas para o
nascimento pelos Orixá (Òrìṣà).
Como eu disse no início, entender o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) não foi fácil,
ninguém tem isso pronto. Eu tive que juntar peças desse quebra-cabeça e,
para isso, juntei informações de Bàbáláwo em livros, coisas que li em versos,
minha experiência no Candomblé, minha experiência em ifá e um trabalho de
campo, junto a esses espíritos.
Em ifá existem 2 cerimônias de nascimento, uma chamada Ikọsẹwaye e a
outra chamada Imorí. A primeira tem a finalidade de determinar o Odù de
nascimento de uma criança recém-nascida, só pode ser feita até o oitavo dia
de nascimento. A segunda realizada até o terceiro mês, apenas, é usada para
estabilizar o espírito no corpo, determinar a origem familiar e o Orixá (Òrìṣà)
de nascença. Ambas são muito importantes para qualquer nascido e devem
ser feitas.
Na cerimônia de Imorí existem 3 origens familiares para um espírito
renascido. Ele pode ter vindo da linhagem paterna, da linhagem materna ou
vindo de Orixá (Òrìṣà). Essa terceira via é a mais importante nessa nossa
conversa aqui, Ifá me mostrou que existem espíritos que podem ser inseridos
nas famílias trazidos por Orixá (Òrìṣà).
O que seria isso?
Antes de explicar, mais uma nota de atenção. Esse texto é muito denso, são
muitas informações. Junto com a questão da localização, da composição esta
questão da origem do nascimento através de Orixá (Òrìṣà) é determinando
para entender o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Eu só consegui evoluir nesse
assunto quando em Ifá aprendi isso e quando estudei as cerimônias de
nascimento. Sem entender essa origem de Orixá (Òrìṣà) de fato a pessoa não
vai entender o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Continuando, uma das situações que eu entendia para esta origem de Orixá
(Òrìṣà), era a de pessoas que após retornarem ao órun (Ọ̀run), tiveram uma
avaliação ruim da vida por Olódùmarè, o julgamento final e por seus atos
feitos na vida, tiveram alguma punição. Este é o julgamento de deus sobre
nossa vida, um elemento importante nessa religião porque traz consequência
e responsabilidade para o que fazemos. É uma das características que destaca
a religião yorùbá de outros cultos africanos mais simples.
Uma das penalizações que esses espíritos podem ter é ficarem isolados por
algum tempo em um dos 9 órun (Ọ̀run) e serem deslocados de sua linhagem
familiar. Passam a ser espíritos solitários. Em algum momento eles terão nova
chance de se integrar a uma linhagem familiar, diferente da sua e, desta
maneira, nascerão em uma nova família.
Atenção, os 9 órun (Ọ̀run) que a religião define são parte do órun (Ọ̀run),
estão localizados no órun (Ọ̀run) e não são partes do Ìrònà. O Ìrònà não é um
desses 9 órun (Ọ̀run).
Ao ser isolado em um dos órun (Ọ̀run) de punição, o espírito sofrerá e pode
até mesmo ser designado para renascer, por exemplo, como um animal, como
parte desse sofrimento. Mas, sem dúvida, perder seus laços familiares é o pior
castigo para os yorùbá, uma sociedade muito familiar.
Sabendo disso eu supunha que esses espíritos vindos de Orixá (Òrìṣà)
tivessem essa origem. Seriam espíritos que foram punidos, perdendo sua
linhagem familiar e precisam renascer em outra família. Para que isso possa
ocorrer o Orixá (Òrìṣà) o traz para uma nova família.
Essa versão é verdadeira, mas não é a única verdade. Outros tipos de espíritos
podem vir a ser integrados a uma nova família pelas mãos de um Orixá
(Òrìṣà), mas não são essas almas punidas, são as crianças perdidas e
rejeitadas pelos pais. Esse é um caso muito triste.

Crianças que perdem sua vida por descuido


Uma das partes do protocolo de nascimento é que, antes de vir ao Àiyé, nós
determinamos o tempo que ficaremos aqui. Isso é escolhido por nós e
declarado nos portões do órun (Ọ̀run) à Oníbodé, mas, antes disso já o
fizemos a deus, Olódùmarè. Desta maneira ficaremos no Àiyé o tempo que,
nós mesmos, escolhemos. Se morremos de forma natural, nossa volta ao órun
(Ọ̀run) ocorre como esperado. Se morremos de um acidente ou incidente não
previsto também ocorrerá, mas, se nos suicidarmos ou intencionalmente nos
arriscarmos e provocarmos nossa morte, somos designados a ficar no Àiyé até
o dia marcado para o retorno.
Esse mecanismo parece estranho e esquisito, mas é assim mesmo que é
descrito. É uma metáfora ou um mecanismo metafísico estranho, sim é, mas
diz diretamente para as pessoas darem valor as suas vidas porque se tratarem
a vida com desprezo poderão ter uma consequência indesejada, bastante
ruim. A religião yorùbá valoriza muito a vida.
Observem bem, se o modelo teológico e transcendente mostrasse que
podemos renascer muitas vezes, que a vida no Àiyé é temporária e nossa casa
é no órun (Ọ̀run) e estivéssemos livre para fazer o que quiser na vida, sem
consequências e sem penalidades, o Àiyé seria na verdade um inferno com as
pessoas podendo cometer quaisquer tipos de atos e indignidades.
É o julgamento de Olódùmarè que faz toda a diferença nisso, podemos
renascer, vamos esquecer tudo do órun (Ọ̀run), nossa vida no Àiyé será um
livro em branco que vamos ter o prazer, a alegria e aventura de escrever, mas
essa é uma jornada com responsabilidades e consequências.
Nesse processo temos elementos importantes: o estabelecimento de objetivos
para a vida e do prazo de vida e, mais do que tudo, o esquecimento de nossa
origem anterior. É isso que nos fixa na necessidade de desenvolvermos o Ìwà
e nos esforçarmos em nossa vida, caso contrário todo mundo que achasse que
a vida estava chata se mataria para voltar e começar de novo a construção
teológica não ficaria em pé. Essa “matrix” seria muito instável.
Se inserirmos nesse modelo as crianças que morrem nessa condição, como se
tivessem procurado a morte, sido desleixadas com a vida, teremos mais um
tipo de espírito, desta vez um espírito ainda na sua condição infantil, mas que
ficará destinado a ficar no Ìrònà, até o fim do período que definiu com
Olódùmarè. Muitos podem questionar que os espíritos não são infantis, que
todo espírito é adulto, creio que isso é uma visão (idiota) que o espiritismo
kardecista traz, mas, isso não é uma verdade. Se fosse assim, não teríamos
crianças, nunca, teríamos adultos em corpos de crianças, fingindo serem
crianças e não é isso o que ocorre. Não somos espíritos que fingem ser
crianças. Os espíritos vêm para o Àiyé totalmente desprovidos de
conhecimento de vidas anteriores e nascem, sim, como crianças, tendo que
evoluir e construir no Àiyé a sua personalidade e caráter, estando sujeitos
neste processo a todo tipo de infortúnio. Somente quando voltarem ao órun
(Ọ̀run) vão recuperar a consciência anterior.
A chave disso tudo é a chamada árvore do esquecimento, sem ela a vida no
Àiyé seria impossível no modelo atual. O que existe, sim, é o esquecimento
do espírito de tudo o que ele sabia para poder construir tudo de novo. O
modelo de um espírito no Àiyé esquecer de tudo para poder viver uma vida
nova, realmente nova, está presente em todas as religiões.
Sem esse esquecimento, esse desligamento de nossa consciência perene, não
poderíamos escrever a cada vida um novo capítulo nosso livro, não teríamos
o prazer com as descobertas, com os novos prazeres, com as emoções, com o
conhecimento e claro com as pessoas e a relação entre elas.
É claro que esse processo, como tudo, não é 100% e, imagino, que alguns
espíritos nascem com parte do conhecimento anterior. Esses são os casos
raros de prodígios, crianças que nascem sabendo de tudo ou avançadas em
áreas de conhecimento que é impossível para uma criança normal, seja
motora como intelectual.
Desta maneira se os espíritos morrem em sua fase infantil serão crianças, sim.
Essas crianças são incorporadas ao egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e terão que ficar
no Ìrònà com seus pares do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) até o dia do seu retorno.
Esse é o dogma da religião.
As crianças que tem morte natural, acidentes, doenças retornarão para o órun
(Ọ̀run) onde serão recebidas por seus familiares e se prepararão, caso queiram
e tenham a oportunidade para um novo renascimento.

Crianças de ciclo curto


Nesse conjunto cabe alertar para um outro tipo especial, as crianças de ciclo
curto de vida. Não são Àbíkú, mas, são espíritos que escolheram ter um ciclo
curto de vida, são aquelas que são acometidas de doenças graves na infância
ou juventude ou algum momento da vida, mas, que não se tornaram adultos
ou envelhecerão até o fim de sua existência natural. Não posso afirmar que
todas os que morrem jovens de doenças raras ou graves, como o câncer sejam
os espíritos de ciclo curto, não tenho elementos para afirmar isso. Mas, tenho
elementos baseados em minha experiência como Bàbáláwo para afirmar que,
as crianças de ciclo curto existem. Morrerão crianças ou jovens, mas,
morrerão de forma planejada, aquela doença não foi apenas o acaso, elas
trouxeram de nascença intencionalmente. A incidência disso é significativa
em relação a essas crianças com doenças graves na infância.
Eu lidei com esse tipo de caso como Bàbáláwo , tive 2 casos práticos que me
levaram a aprender sobre isso. O primeiro uma jovem adolescente com
câncer. Través de Ifá mudamos o destino e o dia da morte e ela se recuperou
quase totalmente da doença através do tratamento médico, mas, o tratamento
médico jamais teria tido efeito sem Ifá. Contudo, destino é destino e o câncer
voltou do nada devido a, ela mesma, ter entrado em uma situação de
negacionismo de sua doença, contra a indicação e o cuidado de todos. Ela fez
de tudo para aquilo voltar.
Nessa segunda vez não houve tempo para nova recuperação e no processo de
análise eu aprendi sobre esta situação, almas que vêm para a vida para um
ciclo curto. É claro que a falta de conhecimento disso à época não me
permitiram tomar as melhores medidas corretivas para essa situação e foi
impossível salvar a menina.
Um segundo caso me veio, esse ainda não finalizado, mesma coisa, uma
crinça, desta vez, bem mais nova, câncer repetino e violento. Desta feita,
mais uma vez mudamos o destino e o dia da morte, mas, agora entendo o
caso, novas ações terão que ser feitas para mudar o destino de nascimento.
Espero ter sucesso no novo caso.
Repito, nem todos que morrem jovens são esse caso de ciclo curto, o
nascimento e o corpo têm, sim, um elemento de aleatoriedade que pode
determinar genes de doenças e o nosso próprio ambiente pode levar a isso.
O Bàbáláwo tem que ter a capacidade de entender e diferenciar todos esses
casos. Cada caso tem um tratamento diferente e reverter a situação de pessoas
de ciclo curto exige um grande esforço tão complicado ou PIOR do que os
Àbíkú.

Os rejeitados pelos pais


Um último tipo de espírito e também o mais importante e que na minha
visão constitui o corpo principal do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), é um tipo
importante e muito triste, será o das crianças que foram rejeitadas pelos pais e
morreram em função disso. Incluem-se nesse lamentável grupo, crianças
mortas pelos pais, crianças que sofrem agressões paternas e maternas (de toda
a natureza) e morrem devido a isso, crianças que se matam devido a essa
rejeição e as famosas crianças abortadas.
Nessa infeliz categoria ficarão os espíritos que devido a rejeição que sofrerão,
no Àiyé, se perdem de sua linhagem e não voltam para o órun (Ọ̀run), ficam
no Ìrònà. Como eu disse os espíritos que morrem de forma natural ou sem
culpa, normalmente serão resgatados pela família voltando para o órun
(Ọ̀run). Mas, as vítimas de rejeição se perderão nesse retorno. Se ela é
rejeitada pela família ficará no Àiyé, no Ìrònà até o dia de seu retorno final,
que foi programado com Oníbodé.
O egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é então formado em sua maioria no Ìrònà por
esse infeliz grupo de espíritos. Os Eré fazem parte deste grupo de espíritos
perdidos, por sua culpa ou por rejeição, como um subgrupo, mas eu achei
importante destacá-los.
O que os Orixá (Òrìṣà) fazem é, numa demonstração de que Orixá (Òrìṣà) é
amor e que deus é amor, usar esses espíritos, como os Eré, para que eles
tenham propósito e finalidade e em determinado momento, que varia de
acordo com a situação que levou para lá cada um deles, os Orixá (Òrìṣà) vão
nesse grupo e escolhem um deles para renascer e, assim, voltar a uma
linhagem familiar e apagar essa história ruim.
Por isso que no Imorí, cerimônia de Ifá feita entre o nascimento e o terceiro
mês de nascido, podemos ter 3 origens, a família do pai, a família da mãe e
trazido por Orixá (Òrìṣà).
Ninguém deve ficar frustrado porque a criança que recebeu não faz parte de
sua linhagem, pelo contrário, essa pessoa está tendo a oportunidade de ouro
de fazer a sua caridade para deus e receber nos seus braços um espírito
maltratado e rejeitado. É uma missão importante e difícil.
A origem dos Àbíkú
Neste ponto já podemos, finalmente, abordar a trágica origem dos Àbíkú.
Sem as informações anteriores, que acabei de detalhar, isso ficaria muito
complicado, confuso e incompleto. Para entender os Àbíkú você tem que
entender o contexto todo uma vez que eles são uma consequência.
O que ocorre é que, como explicado, esses espíritos infantis que compõem o
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) perdem o vínculo com suas famílias devido a
rejeição e guardam, fortemente, a memória do sofrimento e da rejeição. Uma
das coisas que os espíritos que estão no Ìrònà não passam é pela árvore do
esquecimento, porque a árvore do esquecimento surge quando os espíritos
vão do órun (Ọ̀run) para o Àiyé. Mas os espíritos que vão do Àiyé para o
Ìrònà não passam por ela. Assim no Ìrònà eles vão se lembrar do que
sofreram na sua vida e da rejeição pela qual passaram que os deixou no
Ìrònà.
O esquecimento das vidas anteriores e o nascimento com suas lembranças
limpas é uma das coisas maravilhosas do nascimento, que possibilita a você
viver de fato uma nova vida. Sem isso você traria para cada vida as dores ou
rancores das vidas anteriores e isso o impediria de buscar novos caminhos.
Eu já vi isso em algumas religiões orientais, esse conceito do esquecimento.
Nesse ponto, abro um parêntese para falar dos kardecistas que creem que
carregamos o “karma” para as vidas seguintes. Esse conceito é rejeitado por
mim. É um absurdo teológico que influencia muito mal as pessoas que
acreditam nisso. Isso é viver olhando o retrovisor e trazer para cada nova vida
os problemas e erros das anteriores, seja porque eles são lembrados ou porque
se paga por eles, mudando o destino desta vida. Esse conceito é estúpido.
Fecha o parêntese.
Para os yorùbá, segundo Salami, Ifá nos ensina que cada pessoa toca na
árvore chamada Igi igbàgbé ou a árvore da perda da memória. Isso é
explicado no Odù Ìròsùn Méjì. Tocar na árvore é uma metáfora claro, os
yorùbá gostam muito de árvores. Os chineses, por sua vez, têm uma deusa
chamada Meng Po, que é uma divindade feminina cuja tarefa consiste em
preparar as almas para entrem no ciclo da reencarnação. Tendo purgado-as de
todo conhecimento prévio, o espírito é enviado para renascer em uma nova
vida. A poção de Meng Po é feita de ervas do mundo humano e é conhecida
como “os cinco sabores do esquecimento”: doce, amargo, azedo, ácido e
salgado. Quem for reencarnar, deverá beber a poção, que produzirá na pessoa
amnésia instantânea, apagando toda lembrança de vidas passadas. Diz-se que
a poção de Meng Po pode apagar a memória dos acontecimentos passados e é
por isto que as pessoas vêm a este mundo sem nenhuma lembrança de suas
vidas anteriores no mundo humano.
Devemos entender que, às vezes, nem toda a memória é apagada, pode ficar
uma memória residual e isso explica os gênios infantis, crianças que nascem
com habilidades extremas. A mesma mitologia chinesa da deusa Meng Po,
também prevê essa situação.
Mas, voltando para Ifá, a árvore de Igi igbàgbé é que permite o renascimento
com as páginas do livro da vida em branco, possibilitando que a gente
escreva a cada vida um novo livro sem carregar remorsos, ressentimentos,
erros e raivas do passado.,
Os espíritos do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), que estão no Ìrònà não passam por
isso e desta forma eles guardam com eles, no seu espírito, essa memória da
vida anterior enquanto estão no Ìrònà.
No Ìrònà, com a convivência com os seus companheiros de Ìrònà, de estadia,
eles desenvolvem novos laços familiares dentro do, que chamamos, egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Como eles perderam as famílias, foram rejeitados e
machucados, seus companheiros de egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) se tornam sua
nova família. Essa nova família será de amigos, companheiros, camaradas,
justamente o conceito que é extensivamente traduzido para o egbe (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run). Só que não são os camaradas do órun (Ọ̀run), não são nossos
amigos que deixamos no órun (Ọ̀run), são os amigos que temos ou deixamos
no Ìrònà.
Esses companheiros, todos, compartilham do mesmo sentimento de rejeição,
da mesma violência que sofreram pela rejeição e eles criarão nessa nova
convivência um vínculo muito especial de amor, compreensão e proteção.
Mas, eles não podem ficar o resto de sua existência no Ìrònà, merecem uma
nova chance e o Ìrònà é um espaço e período temporário. Eles não estão,
realmente, abandonados no Ìrònà. Os Orixá (Òrìṣà) estão com eles. Quando
um Orixá (Òrìṣà) decide que é hora de um deles renascer, haverá, por vezes,
um conflito interno em alguns deles com essa definição de renascimento,
porque, alguns desses espíritos, podem não querem voltar a essa vida no Àiyé,
principalmente os que guardam a memória dos maiores sofrimentos e perdas.
Eles guardam esse sofrimento, não querem de novo passar por isso e querem
se manter na segurança de sua nova família os seus, bons, camaradas no egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) até voltarem para o órun (Ọ̀run).
Isso não ocorre com todos do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), uma parte apenas
desenvolve essa reação e são esses que se transformam nos Àbíkú. Apesar
dos Orixá (Òrìṣà) os designarem para renascer, eles farão de tudo para voltar
para os seus amigos no Ìrònà, e é nesse ponto que os mitos que eu mencionei
que estão na religião Yorùbá.
Os mitos do Salami e do Cuoco (mais completo) detalham o comportamento
dos Àbíkú que são este tipo especial de espíritos.
Desta maneira, fecho essa explicação, sem delongas, porque entendo que já
está mais do que claro a nova proposta para os Àbíkú. O que estou fazendo
aqui é estabelecer um modelo simples e mais amplo, mais factível, mais
natrual, mais compreensível e mais útil, que é mais facilmente aplicável e
mais relacionado com nós mesmos e que cobre toda uma série de
intercorrência de nascimento. Se você pensar sobre o que leu, com calma,
observará que o meu modelo teológico explica o Ìrònà, explica o nascimento
das crianças trazidas por Orixá (Òrìṣà) indetificadas pelo oráculo de Ifá e
explica o comportamento humano dos Àbíkú. Nesse modelo eu saio dos
dogmas e das explicações bizarras e malucas, eu aplico a Lâmina de Occam
(princípio filosófico de simplicidade) e cubro todas as situações através de
reações humanas normais. Tenho certeza que qualquer um aqui entendeu
perfeitamente as razões que transformam um espírito em um Àbíkú.
Em relação ao aborto existe uma longa discussão no Candomblé sobre se
realizar o aborto é um gatilho para nascimento de Àbíkú. As pessoas com
pouco conhecimento alegavam isso, mas, que conhece de fato o tema e o dia
a dia dos acontecimentos sabem que não existe um gatilho automático, que
existem casos onde o aborto gera o Àbíkú e outros que não.
A minha proposta teológica acomoda isso perfeitamente desta maneira, com
essa incerteza de que em alguns casos pode ocorrer e outros não, tudo
depende da situação como ocorreu.
O Àbíkú não se trata de ódio a família que o recebe, não se trata de punição,
se trata de medo ou rejeição. Medo de renascer e passar por tudo de novo, o
sofrimento que não foi esquecido ou de rejeição, por não querer voltar a
quem já o rejeitou.
Podemos inclusive ter o caso de um Àbíkú que retorne à própria família que o
rejeitou e por essa razão, por guardar esse rancor de sofrimento, de
ressentimento ele se recuse a renascer trazendo para aquela família tanto
sofrimento.
Em Ifá temos um enorme repertório de casos para justificar isso.
Encontramos mães que rejeitaram a gravidez de forma agressiva, que
praguejaram o filho, tentaram o aborto várias vezes com sofrimentos,
abortaram várias vezes e um bom número de casos que justificam o
ressentimento.
Esses são os sentimentos que norteiam o comportamento dos Àbíkú.
Comportamentos humanos e previsíveis.
Àbíkú são vítimas.
A família que recebe as crianças do egbé ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
A família que está recebendo a criança vindo pelo Orixá (Òrìṣà) do egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), tem a missão divina de manter esse espírito,
anteriormente maltratado, no Àiyé, trazendo-o para a sua linhagem familiar.
Toda as crianças vindas de Orixá (Òrìṣà), que estavam no Ìrònà vão requerer
muita atenção das famílias que as recebem e esse é a minha principal
mensagem aqui.
Não quero tratar apenas dos Àbíkú e muito menos tratar eles como um mal
teológico. Os Àbíkú são vítimas. Quero tratar aqui de todas os espíritos que
vão para o Ìrònà e voltam a renascer.
Ao receber uma criança vinda de Orixá (Òrìṣà), a família tratará sempre de
um egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Saber essa situação com antecedência facilita
muito o trabalho que deve ser feito e o oráculo de Ifá oferece às famílias essa
possibilidade. Alerto que as religiões não são estanques, o que existe é um
único deus e um único supernatural. Cada religião encontrou um
entendimento, desigual e uma forma própria (associada a cultura onde a
religião foi criada) de explicar isso para as pessoas. Não conhecer a
existência de uma determinada situação, porque não teve essa fonte de
informação, não nos imuniza de tratar as situações. Assim sendo, qualquer
pessoa na face da terra, nos bilhões de habitantes, poderá passar por essa
situação. Como eu disse, fica mais fácil quando a gente reconhece a situação.
Os Àbíkú exigem uma atenção muito especial, porque eles vão ter que nascer
mas eles querem morrer para voltar ao Ìrònà. Manter um Àbíkú não será
somente através de carinho, amor e atenção, será também através do
supernatural, através de Ifá. Mas junto com isso, com a atuação através do
supernatural, esse espírito também tem que se sentir amado, desejado e
querido, para que ele mude de idéia e seus companheiros do egbe (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run) o deixem em paz. A presença da criança tem que ser importante
para aquela família que terá que se esforçar muito mais para manter o Àbíkú
no Àiyé. Não será apenas um processo de magia, também será a própria
família desejando isso.
O Salami é um Bàbáláwo de família tradicional entre os yorùbá, ele diz
aquilo que a família dele ensina. O relato que ele fez da criança Àbíkú, no
qual os pais mutilavam a criança para marcar o Àbíkú e, a cada renascimento,
o tratavam de forma pior, reflete bem o pensamento e entendimento da maior
parte dos yorùbá sobre o tema. Eles perderam o conhecimento da religião e
da teologia, eles fazem uma religião baseada no que os antropólogos
escrevem nos livros. Só que a religião deles é densa demais e complexa
demais para eles procederem assim. Eles lá, na terra deles, estão preocupados
em fazer ebó (ẹbọ) para os estrangeiros.
O relato dele, Salami, que eu citei, não envolveu, de fato, um Bàbáláwo , ele
relatou o que a família fazia a respeito da situação, ele contou uma história,
mas, de nenhuma maneira, em seu relato, ele mostrou, crítica, alternativa ou
qualquer outro ponto de vista sobre o mesmo assunto. Me pareceu que, para
ele, é aquilo mesmo. O Cuoco, por sua vez, mostrou os mitos, mas, comenta
sua opinião, que eu destaquei, que os Àbíkú não são o mal. É isso, essa
religião precisa de abordagem religiosa, inteligente e com bom senso.
Os Àbíkú são assim, de fato, um caso agudo que precisa ser tratado com amor
pela família e com ajuda de um Bàbáláwo. Senão será difícil mantê-los. Eles
são casos extremos.
Mas, a maior parte dos casos de crianças vindas do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run),
é de não Àbíkú e para eles eu volto agora a minha atenção.
Receber um egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), uma criança de Orixá (Òrìṣà), requer
muitos cuidados. Informo que essas pessoas que recebem uma criança de
Orixá (Òrìṣà) é porque foram pedir a Orixá (Òrìṣà) para ter um filho.
Um dos casos mais comuns que aparecem para os Bàbáláwo são as mulheres
que querem ter filhos e não conseguem. Isso é um caso comum em nossa
sociedade, existem causas que as vezes a medicina explica e outras que não
tem nenhuma explicação decente. A medicina não tem esse compromisso de
ser assertiva, mais do que crer nas religiões tradicionais, hoje em dia, crer na
medicina é outra religião. Você tem que acreditar em todo o tipo de
imprecisão e ainda achar que é ciência.
Mesmo os casais que recorrem a inseminação artificial, podem ter dificuldade
nesse processo de fertilidade. Esta religião explica aos Bàbáláwo que existem
motivos ligados ao supernatural, como maldições, feitiços, pragas-de-barriga
e também pessoas que vieram ao mundo para não ter filhos. Fez parte da sua
preparação, dos seus objetivos, por exemplo, não ser pai ou mãe. Assim,
nesses casos, mesmo que agora queiram vai existir uma causa superveniente
que os impede e, para mudar isso, esse destino ou essa maldição, alguma
coisa terá que ser feita em termo de magia e através de Orixá (Òrìṣà), porque
essas são condições que foram criadas aqui no Àiyé.
Falo isso com essa certeza porque eu já lidei com muitos desses casos, assim
como lidei com vários casos de egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e Àbíkú. Eu não
falo aqui porque eu li isso em algum livro de antropólogo, é o contrário,
minha prática, meu destino (meu signo de iniciação) como Bàbáláwo me
levou a ter esta experiência e sou eu que estou aqui descrevendo o
conhecimento e experiência que adquiri.
No processo de reversão dessas situações de não gravidez, podemos
encontrar uma causa simples, como uma coisa do corpo ou uma negatividade,
feitiço, maldição ou atuação de ajé (Àjẹ́) que serão removidas com o trabalho
do Bàbáláwo no seu ópon Ifá (Ọpọ́n Ifá). Mas podemos também ter essa
origem mais complicada, que veio do próprio órun (Ọ̀run) e não foi gerado
no Àiyé. Tudo que vem do órun (Ọ̀run) é complicado, tudo o que vem do
próprio Àiyé é mais simples.
Para esses casos mais complicados não bastam os ebós e sacrifícios, a pessoa
tem que estar complemente comprometida com esta mudança e realizar
cerimônias especiais, encenações, não apenas ebós. Usamos liturgias
tradicionais da sociedade yorùbá, envolvendo Orixá (Òrìṣà), especiais para
isso. Liturgias serão feitas para “encenar” essa decisão e essa mudança de
resolução de modo que aquilo que veio do órun (Ọ̀run) possa ser modificado,
junto com a profunda manifestação do desejo da pessoa, vindo de sua alma e
com a imprescindível interveniência de um Orixá (Òrìṣà). Um dos rituais para
isso é chamado de Ìgbàjá.
Na religião yorùbá temos toda uma categoria de Orixá (Òrìṣà) que são
comprometidos com esse trabalho de trazer os filhos e lidar com o egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). São os Orixá (Òrìṣà) Ọlọ́mọwẹ́wẹ́. Não é apenas um
Orixá (Òrìṣà), são vários que entram nesse grupo. O culto de Gélede
(Gẹ̀lẹ̀dẹ́), tão cercado de mistério aqui no Brasil, apenas por
desconhecimento, é orientado para isso, para dar filhos as mulheres e mantê-
los vivos. O culto Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) está diretamente ligado ao egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run). A ligação do culto de Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) com ajé (Àjẹ́) é apenas
porque ajé (Àjẹ́) é uma das principais causas de esterilidade feminina, de não
fertilidade e cabe ao culto de Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́), a Ìyá Nlá, aplacar essa causa.
A interferência do Orixá (Òrìṣà) para essas questões de fertilidade que vêm
do órun (Ọ̀run), os motivos “O ti órun (Ọ̀run) wá (Otọ́runwá)”, é essencial.
Para atender ao pedido de ter filho, o Orixá (Òrìṣà) vai ao Ìrònà e traz uma
dessas crianças, desses espíritos em sua natureza infantil ainda, para
renascerem nessas famílias que pedem para eles. Assim a pessoa pede o filho
ao Orixá (Òrìṣà), o Orixá (Òrìṣà) vai atender, mas, vai buscar uma criança do
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
As crianças selecionadas poderão ser uma que se transforme em um Àbíkú ou
não, não importa, uma vez que o Orixá (Òrìṣà) defina cabe a família recebê-
lo. Lidar com o caso de Àbíkú será uma missão da família e existem outros
Orixá (Òrìṣà) específicos para lidar com essa situação. Eu não acredito que
uma família não lide com um caso de Àbíkú sem algum motivo relevante para
isso. Um caso típico de Àbíkú, poderá ser o de mães que, por exemplo
abortaram, como uma forma de rejeição à criança que ia nascer e o Orixá
(Òrìṣà) traz essa mesma criança para a mãe.
Veja, o fato de ter abortado não implica em Àbíkú e muito menos traz o
chamado “carrego de Àbíkú” para a família. Eu sempre entendi isso dessa
forma e mantenho esse pensamento, esse modelo proposto por mim acomoda
tranquilamente esta situação. Abortos naturais ou acidentais não são motivos
de rejeição, eles simplesmente ocorrem. Pode ser que o espírito que ia nascer
volte ao órun (Ọ̀run) ou fique no próprio Ìrònà aguardando a próxima
oportunidade de renascer.
Nem todo aborto provocado também gerará esse sentimento de rejeição.
Como eu expliquei não é automático a rejeição, quem se sente rejeitado é o
espírito que ia nascer e as circunstâncias que levaram ao aborto, como mal-
formação, doenças congênitas ou mesmo estupros, podem gerar no espírito
que ia nascer a compreensão das razões e ele então aguardará a sua nova
oportunidade.
No modelo que eu estou explicando o Àbíkú é causado pelo próprio espírito
ele se transforma no tipo Àbíkú porque isso, essa rejeição a nascer e a vontade
de querer ficar com seus companheiros surge nele. Inicialmente no Ìrònà ele
pode não ter esse tipo de opção, mas, com o passar do tempo, por exemplo
isso pode nascer nele. Vamos dizer que uma mulher aborte porque quis,
algum motivo, o espírito fica no Ìrònà e com o passar do tempo, talvez anos
esperando o renascimento que não vêm ele passe a rejeitar o renascimento. O
que estou dizendo é que, sim, não temos uma regra, temos uma situação
aleatória, probabilística na qual poderá ou não haver a ocorrência do Àbíkú.
Não estou forçando nenhuma explicação, o que estou dizendo é uma coisa
natural. Desta forma passamos a suporte nesse modelo o mundo real, no qual
a ocorrência de Àbíkú é aleatória e não segue nenhuma regra, por mais que as
pessoas tentem simplificar isso. É de fato complexo e por isso mesmo as
pessoas não entendem. Veja, é complexo porque se busca as causas erradas.
Como eu citei, aplicando a Lâmina de Occan, simplificamos tudo e obtemos
a melhor explicação para esta situação.
A família que recebe o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) deve entender que isso
ocorreu, como eu resumi até aqui:

Devido a uma troca. Eles não poderiam ter filhos e tiveram que
recorrer a Orixá (Òrìṣà) para mudar isso e, assim, recebem uma
criança da sociedade para trazerem de volta a vida.
Como uma missão, sua bondade e dedicação vão fazê-las receber
umas dessas crianças perdidas e a trazerem de volta a uma linha
familiar.
O caso Àbíkú é mais extremo e vai merecer mais cuidado porque a criança, na
sociedade, se transforma em um Àbíkú e eles devem entender a causa disso.
Não deve ser descartado o próprio envolvimento da família nesse motivo,
assim trata-se de algo que, ambos, a criança Àbíkú e a família terão que
resolver juntos.
Orixá (Òrìṣà) não pune ninguém, quer sempre o bem de todos.
A influência dos companheiros do egbe ( Ẹ gbẹ́) órun (Ọ̀run)
Vamos então deixar de lado a exclusividade de Àbíkú no tema e vamos tratar
de forma ampla de um caso muito mais comum entre as pessoas.
Por estarem localizado no Ìrònà os espíritos das crianças do egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) tem acesso ao Àiyé e estão presentes entre a gente, eles têm essa
facilidade de acesso. Dessa maneira, quando um de seus companheiros
renasce pode haver a manutenção do contato entre eles, do renascido e das
crianças do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Isso não é sempre, depende do nível de
ligação entre eles lá, é claro.
Assim, para os Àbíkú, esses espíritos poderão participar do processo de
retorno deles ao Ìrònà. Eu não creio que eles serão responsáveis por matá-lo,
matar é uma coisa muito séria, mas podem levar a criança a acidentes por
distração, por exemplo. Não são raros relatos de crianças que tem amigos
invisíveis, que brincam sozinhas, falam sozinhas e veem o que a gente não
vê.
Como explicado, as crianças vindas de Orixá (Òrìṣà) poderão sofrer com a
presença de seus companheiros do Ìrònà, seja para brincar com ela ou para
cobrar delas o seu retorno. Os mitos do Cuoco mostram bastante esta
ocorrência. Todos temos que entender que, uma vez que elas vieram do Ìrònà
e que os demais espíritos que conheceram no Ìrònà tem acesso ao Àiyé, a
presença desses espíritos poderá ser sentida pela criança e até mesmo pela
família.
Mas esse contato entre nascidos e o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) tem que ser
monitorado, porque situações não tão favoráveis podem ocorrer. Temos que
lembrar que esse contato é inconsciente, ocorre a noite e a criança não se
lembra deles e se de dia não tem a consciência disso. Quando a pessoa cresce,
eles se afastam, mas, antes disso podem deixar o adulto em uma posição
ruim.
A minha opinião, como Bàbáláwo é que é o problema mais sério que envolve
de forma geral crianças vindas da sociedade. Esse vínculo tem que ser
quebrado para que o renascido possa ter uma vida normal. Manter esse
vínculo sempre traz problemas. É risível, na minha opinião, a intenção do
Bàbáláwo que indica iniciações para egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Se isso fosse
sério, em vez de um placebo, somente seria aplicado se o objetivo for o de
desgraçar a vida da pessoa. O que salvam as pessoas é que essas liturgias
malucas como iniciar para egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e fazer assentamento
para egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e assentar Exú (Èṣù) para egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) é apenas placebo.
Essas coisas oferecidas como solução por pessoas e casas ignorantes ou mal-
intencionadas, não tem sentido na religião. Para aceitar isso, assentamentos e
iniciações a esta sociedade, temos, primeiro, que deixar de lado nossa
inteligência e depois jogar fora toda a teologia conhecida da religião Yoruba.
Para não ficar registrado apenas minhas palavras ruins sobre esse assunto,
vou fazer como tenho feito aqui, vou explicar minha posição de modo que
cada um, com informações de qualidade possa também fazer seu próprio
juízo.
O egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é uma sociedade e não uma ligação espiritual.
Não somos ligados espiritualmente a nenhum espírito do egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) e se nós somos ligados a ele é porque, como espíritos, já participamos
dessa sociedade. Essa característica de ligação fraternal é descrita nos mitos e
faz sentido com a interpretação e análise que eu fiz sobre os mesmos e já
expus aqui.
Essa característica de ligação fraterna de desenvolve devido a serem espíritos
que já haviam nascido e não voltaram ao órun (Ọ̀run). Elas ficam com a
consciência da vida que iniciaram. A relação que os membros da sociedade
desenvolvem com os seus membros renascido está toda dentro do contexto do
Àiyé e não existe necessidade de nenhuma liturgia especial para a relação
dentro do Àiyé, porque todos já estamos dentro do contexto do Àiyé.
A iniciação, por sua vez, é um ato litúrgico para despertar e intensificar a
nossa ligação com uma divindade do órun (Ọ̀run). É uma liturgia individual.
Nós no Aiye, nos submetemos a um ato litúrgico porque queremos
estabelecer, estabilizar ou amplificar uma ligação entre nós, Ara Àiyé, com
uma divindade no órun (Ọ̀run). Assim a iniciação desperta a presença desta
divindade junto a nós ou cria um vínculo que necessitamos. A necessidade
disso, de acordo com o que instrui a religião é devido a meu ver a 2 fatores. O
primeiro é a separação energética entre órun (Ọ̀run) e Àiyé. Todos têm que ter
sempre isso em mente, órun (Ọ̀run) e Àiyé são separados, muito separados,
não existe trânsito.
Observe o caso católico, na visão deles, deus simplesmente não apareceu no
Àiyé. Ele teve que criar uma manifestação teândrica dele, através do Cristo,
que teve que nascer pelo útero de uma mulher, crescer para depois poder falar
e atuar. Se fosse simples bastaria ele estalar os dedos e sair de dentro de uma
garrafa com uma fumacinha cor de rosa e aparecer para todos. Mas não foi
assim que ocorreu, como está, também nesta religião ele teve nascer de um
útero para existe física e energeticamente aqui.
Mesmo no antigo testamento, deus não aparecia para multidões, ele sempre
se “comunicava” através de 1 pessoa, um escolhido e essa pessoa é que se
expressava em nome dele.
Vocês têm que fica atento a essas coisas, é nessas descrições que estão as
informações simples que precisam ser reunidas, compiladas e analisadas para
comporem as explicações teológicas. Eu gosto de dar esse exemplo da
religião católica porque é um ótimo exemplo para reforçar tudo o que nós
explicamos na teologia de Ifá, serve para comprovar tudo o que afirmamos
aqui.
Eles entendem deus como o todo poderoso, onisciente e onipresente que sabe
de tudo e interfere em tudo ao mesmo tempo e que basta qualquer pessoa
pedir que será atendido. Mas isso é apenas discurso a prática deles não é nada
disso. Nós aqui falamos que deus não é nada disso, ele é a divindade
suprema, mas não é onipresente e nem onisciente para todos. Sua presença se
manifesta através de uma complexa estrutura de divindades e recorremos a
ele quando precisamos através de um oráculo e recebemos ajudar através de
liturgias e de suas divindades.
O deus católico não estala o dedo para fazer as coisas acontecerem, basta ler
a bíblia deles e você vai conhecer a história como os judeus a contaram.
Assim nesta religião, conforme instruído, iniciações são feitas para
estebelecer a ponte órun (Ọ̀run) e Àiyé conforme eu já expliquei
anteriormente aqui.
Outro aspecto diz respeito a questão extremamente importante do livre
arbítrio. Pessoas não são tomadas expontâneamente, tem que haver por parte
delas a opção por se submeteram a isso, elas têm que optarem por isso. Nós
não somos objetos de carne que podemos ser usados a bel prazer por deus ou
por suas manifestações através de divindades. Esse não é o formato dessa
vida. Temos que optar por nossos caminhos, certos ou errados.
Isso não se aplica ao Egbe Orun. Uma iniciação é como uma ponte, de um
lado estamos nós e do outro está a divindade. No caso do egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run)não existe o outro lado da ponte, visto que o outro lado seria nós
mesmo como espírito, não podemos nos ligar a nós mesmos. Também não
existe iniciação para nos ligar a uma comunidade, uma sociedade.
Outra razão é que iniciações são pontes entre o Àiyé e o Orun. O egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run) está localizado no Irona, eles não estão no Orun, não é necessária
a iniciação para nos ligarmos a espíritos do Irona, esta, por exemplo, é a
razão de a Umbada não ter iniciações. Tudo o que está no Àiyé não necessita
de nada para se ligar entre eles, estamos no mesmo nível energético, nós
pessoas e os espíritos estamos sem impedimentos para interagir.
Alguns neste momento podem questionar essa minha afirmação sobre a
Umbanda não ter iniciação, visto que têm pessoas que fazem coisas como
“camarinhas”. Não perdendo muito tempo com isso, afirmo que isso é uma
bobagem completa, Umbanda não tem iniciações, mas, isso não impede que
as pessoas façam e inventem coisas.
Explicado isso, afirmo que se tratam de bobagens completas iniciações para a
sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Isso não faz nenhum sentido. Primeiro
porque participar dela não é privilégio ou escolha, é uma associação comum,
a pessoa morre e seu espírito fica no Àiyé, no Ìrònà. Esse espírito
basicamente se reuniu com outros e essa sociedade é ocasional e temporária,
esses espíritos retornarão ao órun (Ọ̀run) ou renasceram para outra vida.
Segundo porque quando essa ligação permanece isso trata-se de um problema
para ser resolvido. Os renascidos quando são importunados pelos espíritos
que estão no egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) terão problemas, isso é uma
interferência no sentido do livre arbítrio. Mas, porque ocorre então? Por que
como esses espíritos e nós, renascidos estamos no Àiyé e não têm como
impedir isso. O impedimento da interferência não é uma regra divina, é uma
construção, a separação entre órun (Ọ̀run) e Àiyé é que nos permite desfrutar
do livre arbítrio, não é porque deus, manda não interferirem com a gente.
Vocês têm que ter percepção das coisas como uma construção como uma
arquitetura que liga componentes e desta forma estebelece as regras e
consequências. Não podem acreditar que existe a mão de deus em tudo o que
ocorre e que ele esteja preocupado e vigiando o que ocorre com todo mundo
aqui no Àiyé. Isso é uma visão muito infantil.
Existem espíritos bons e ruins no Àiyé. Esses espíritos podem, se tiverem
capacidade energética e motivação, interferir em nossa vida pelo simples fato
que eles já estão no Àiyé. Demônios estão por aqui no Àiyé e causam muitos
problemas, as religiões, que são criações de deus, também se destinam a
combater e controlar essas forças ruins. Assim, deus o todo poderoso, não
pode apenas estalar os dedos e fazer os demônios desaparecerem, nós mesmo
que temos que fazer isso com as instruções que ele nos mandar através da
religião.
Assim nossa independência e nosso arbítrio existe não somente pela vontade
ou ordem de deus e sim através da construção que deus deu ao nosso
universo e contexto, mas, essa construção tem falhas ou permite a
intercorrência de eventos e falhas que terão que ser resolvidas por nós
mesmos.
O que está no Àiyé está no nosso contexto e vamos ter que nos virar. A
separação do órun (Ọ̀run) e Àiyé é o que nos permitiu a nossa independência
e tudo o mais que temos aqui, mas, ficamos com os 2 lados da moeda. Essa
compreensão metafísica tem que ser desenvolvida e as pessoas abandonarem
modelos simples e ingênuos que não levam a nada. Desculpem esse choque
de realidade.
As pessoas que estão ligadas ao egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é porque já
participaram dele e desta maneira já tiveram essa ligação. Mas não é uma
ligação que deva ser mantida, isso foi ocasional. É justamente essa ligação
afetiva com o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) que nos traz problemas e que
precisamos desfazer, mas, não existe processo mágico para desfazer isso, o
que fazemos é convencer o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) a deixar em paz a
pessoa.
Assim quando alguém fala em fazer iniciação para egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)
estamos tratando com um idiota que não entendeu nada.
Igualmente não faz sentido fazer assentamentos, muito menos Exú (Èṣù),
como eu já vi gente anunciando. O assentamento de Exú (Èṣù) é uma coisa
sofisticada e está ligado ao princípio de ligação do Àiyé com o órun (Ọ̀run),
transporte de Axé e do conceito de Orixá (Òrìṣà) como essência e de Exu
como o movimento. Isso está explicado, para quem quer entender, no livro Os
Nago e a Morte, de Juana Elbein. Se a pessoa não entende o sentido dessa
ligação Exú (Èṣù)-Orixá ou Exú (Èṣù) com a gente, então, fica falando essa
bobagem de assentar Exu para egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Esse é apenas um livro sobre a sociedade e apesar de eu ter dito que toda a
teologia tem que se ligar não posso detalhar toda a teologia aqui. Assim a
relação Exú (Èṣù)-Orixá que nos leva a fazer o assentamento de um Exú
(Èṣù) para os iniciados em Orixá (Òrìṣà) é tratada com propriedade no livro
da Juana.
Basicamente, posso explicar que Orixá (Òrìṣà) está localizado no órun (Ọ̀run)
e é considerado um princípio estático uma energia potencial. Exú (Èṣù) é uma
divindade muito especial diferente ele é o princípo do axé, é ele que
transporta o axé é o que faz as coisas ocorrerem, é o princípio da ação. É
também a única divindade que tem trânsito órun (Ọ̀run) e Àiyé. Eu afirmo
isso porque é o que está nos versos de Ifá, não estou criando teologia aqui. Os
versos descrevem Exú (Èṣù) como sendo o transportador do axé, aquele
quem leva as oferendas o único que tem acesso direto a Olódùmarè.
No contexto de separação entre o órun (Ọ̀run) e Àiyé é Exú (Èṣù) que
viabiliza a atuação da religião, de forma geral e por isso é um princípio
neutro em relação ao bem e ao mal. A necessidade de Exú (Èṣù) é devido a
ação de transmitir o axé do Orixá (Òrìṣà) a se transformar a energia potencial
do orixá em energia cinética, energia viva.
Assim, no Candombé, que entende dessas coisas, existe o assentamento do
Exú (Èṣù) junto ao Orixá (Òrìṣà) para estabelecer o equilíbrio e amplificação
deste princípio e ligação, é esse assentamento que aumenta a força espiritual
do iniciado.
Contudo a sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) já está localizada no Àiyé e
não existe aplicabilidade do princípio de assentamento de Exú (Èṣù) para essa
situação. Isso não é aplicável e quem sugere ou faz isso quer apenas roubar
dinheiro das pessoas.
Ambas as questões, iniciação para egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), assentamento de
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e assentamento de Exú (Èṣù) para egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) estão ligados a mesma coisa, a ignorância na teologia da religião, a
pessoa desconhece o que está falando, ela não entende com o que está
lidando. Basicamente é isso a pessoa não sabe de nada.
A ligação entre os renascidos e a sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) ela deve
ser desfeita, jamais incentivada. Todos já devem entender minha posição de
absoluta solidariedade com os espíritos que estão neste contexto de ter ficado
no Àiyé, terem ser perdido ou rejeitados, mas, isso não muda a necessidade de
uma vez renascido a pessoa se desligar desse grupo.
Familiares no órun (Ọ̀run) nos
prejudicando?
Existe, atualmente, uma corrente de desinformação que relaciona a nós, que
estamos vivendo nossas vidas, autônomas, no Àiyé problemas causados por
familiares que deixamos no órun (Ọ̀run). Eu vou tocar nesse assunto mais
adiante, mas, na sequência dessa explicação didática que estou fazendo,
preciso abordar de forma direta e teológica sobre isso.
Essa corrente de ignorância teológica diz que quando vamos para o Àiyé,
deixamos no órun (Ọ̀run), uma esposa ou esposo que fica saudoso e
ciumento, filhos e amigos. Todos esses viventes no órun (Ọ̀run) seriam os
responsáveis por trazerem problemas, infortúnios e infelicidade a nossa vida
e, desta maneira, problemas que todos temos seriam, assim, causados por
eles.
Uma esposa ou esposo deixado no órun (Ọ̀run) seria responsável por impedir
que você tivesse um bom casamento na sua vida ou que sempre fosse infeliz
nos relacionamentos amorosos. A razão disso seria que eles teriam ciúmes de
você.
Um amigo ou sei lá o que impediria que você tivesse prosperidade na sua
vida, fazendo com que tudo desse errado e a razão seria para você desistir de
viver ou coisa assim. Já via explicações como credores que você deixou no
órun (Ọ̀run) e tiram todo o seu dinheiro.
São várias explicações estapafúrdias, mas todas tem a mesma coisa em
comum:

Você tem problemas na vida que o incomodam e você não


consegue superar
Eles têm uma explicação fácil que tira de sua vida toda a
responsabilidade atribundo a um espírito no órun (Ọ̀run),
colocando assim a solução fora dos seus esforços e você sendo
inocente nos problemas o definitivamente incapaz de resolvê-los.
Eles oferecem uma solução mágica e que basta você pagar com
ela.
Sempre é um espírito do órun (Ọ̀run) refletindo o mesmo tipo de
vida e relações que você tem na sua vida, sendo assim muito fácil
de você entender o problema, não precisa nada ser analisado.
De fato, é irresistível você deixar de acreditar. Tudo é muito fácil, basta
acreditar nessa besteira, pagar e ter todo os seus problemas resolvidos. Isso
tudo é uma besteira enorme e vou explicar porque é.
Em primeiro lugar desconsidere o modelo que eu expliquei até aqui do que
seja a sociedade, vamos analisar os argumentos dessas pessoas baseados na
proposta delas e na teologia da própria religião.
Não existe nos versos de Ifá e em nenhum mito nenhuma descrição do que
seja a vida no órun (Ọ̀run). Nada na religião detalha em como é a exitência no
órun (Ọ̀run), os versos e histórias iniciam com a decisão da pessoa renascer e
os preparativos que fazem. A única referência que existe são os familiares. O
modelo que eles propõem de que você tenha uma vida no órun (Ọ̀run) com
esposa e filhos é uma alucinação, uma invenção, isso não existe. Nada na
religião remete diretamente ou colateralmente a ter esse tipo de conclusão e
análise. Qualquer pessoa que estabeleça como seja a vida no órun (Ọ̀run) está
apenas criando isso do nada.
A teologia deixa muito claro que a decisão de vir para o Àiyé é tomada por
você e é precidida de planejamento. Você decide viver no Àiyé se propõe a
metas, objetivos e duração de vida e resolve isso com deus. Você recebe um
orixá para se proteger e um anjo da guarda pessoal. É pacificado que vivemos
no Àiyé porque gostamos da vida aqui, não há dúvida nesta religião que as
pessoas vêm para o Àiyé para serem felizes e porque querem. As pessoas vêm
para viver em família aqui.
Se o órun (Ọ̀run) fosse exatamente como o Àiyé qual seria o sentido de
renascermos, de decidirmos por nossa vontade vir para cá. Porque
abandonaríamos uma vida confortável ou bem realizada por uma aventura
humana no Àiyé, sujeitos a todo o tipo de dificuldade?
O modelo deles não se explica, porque abandonaríamos uma esposa no órun
(Ọ̀run)? Por que essa esposa teria saudades ou ciúmes? isso é como se você
tivesse vindo para cá escondido ou contra a sua própria vontade. Mas não é
isso o que está descrito na religião. Até existe o caso de pessoas que nascem
sem terem se planejado e preparado, sim, isso existe e trata-se de uma opção
dessas pessoas que vivem sem motivação, sem metas, como turistas no
mundo, não se comprometem com nada e vivem no estilo, deixa a vida me
levar. Contudo mesmo nesses casos trata-se de uma opção delas.
Por fim, onde estaria nossa autonomia, nosso livre arbítrio se houvessem
expíritos no órun (Ọ̀run) conseguindo, de lá, nos incomodar e atrapalhar? Isso
reflete o modelo de relação órun (Ọ̀run)-Àiyé de antes da separação das 2
dimensões, parece o modelo que a religião grega descrevia antes de Perseu, o
semi-deus que junto com os homens acabou com o domínio dos deuses.
Na teologia geral da religião nós não temos nem deus e nem os Orixá (Òrìṣà)
conseguindo interferir diretamente em nossa vida. Precisamos de um oráculo,
precisamos de liturgias, precisamos de merecimento e tempo. Mas, essas
pessoas querem acreditar que parentes nossos no órun (Ọ̀run) podem, como
quiserem tornar nossa vida miserável, fazendo o mal e passando por todo esse
complexo relacionamento órun (Ọ̀run)-Àiyé?
Tudo isso é, desta forma uma tremenda bobagem.
Os problemas que crianças vindas do egbe ( Ẹ gbẹ́) órun
(Ọ̀run) sofrem
Existem alguns indicadores importantes de que a criança é assediada pelos
companheiros do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Mesmo não sendo Àbíkú, como
expliquei isso pode ter consequências ruins.
Os indicadores disso são:

Desmaios frequentes
Ausência de atenção
Hiperatividade
Sonambulismo
Desmaios
Falar dormindo
Um outro indicador muito importante é quando a criança come muito e não
engorda. Isso significa que seus companheiros estão se alimentando do que
ela come, assim apesar do volume ela não ganha peso. Desnutrição é um sinal
de egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) muito presente e até de Àbíkú.
Doenças que acometem sucessivamente a criança, podem estar associadas ao
chamado dos amigos do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) para ele retornar.
As crianças que sofrem doenças psicológicas ou tidas como neurológicas,
como deficit que atenção, dificuldades de aprender na escola, hiperatividade
ou dislexia, por exemplo podem ser crianças que são perturbadas por egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Crianças com dificuldade na escola, que brincam horas
sozinhas, com sonos agitados ou pesadelos, igualmente. Crianças que fazem
xixi na cama mesmo depois de terem passado muito da idade para isso
também são casos.
Crianças que se machucam muito, que sofrem acidentes com frequência,
sérios ou não podem ter sido ligadas a essa sociedade. Crianças que perdem
a atenção e ficam fitando para o nada também estão ligadas a esta sociedade.
Este último é um indicador importante, crianças que se isolam que são
solitárias e calada, parecem ter um mundo seu ou não seu importar muito
com o mundo onde estão.
Atualmente, toda vez que crianças, na tenra infância, mostram esses desvios
eu recomendo que antes de gastar horas em psicólogos ou usar remédios sem
fim, que se verifique se não é um caso de pertubação por egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run). Já vi casos no presente e do passado com essa situação. Em uma
consulta vi um adulto que tinha esse vínculo e isso atrapalhou demais a
infância dele e depois sua vida e o desenvolvimento dele como adulto,
prejudicando bastante a sua vida e carreira.
Existem vários graus de intensidade em relação ao reflexo dos espíritos da
sociedade afestando a vida das crianças, não é uma coisa simples e padrão.
Requer observação, e várias consultas para ser endereçado.
Cabe ao Bàbáláwo, com ética e seriedade avaliar se existe relação com o
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e se ele tem algo a ajudar. Se não tem, deixe a
situação com a medicina. Mas, o que se ganha é evitar crianças frustradas e
medicadas na infância.
O egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) se afasta, normalmente, quando a pessoa cresce,
mas, já pode ter deixado no adulto prejuízos que não serão mais recuperados.
Esse é o maior problema. O grande problema não é apenas quando ela é
crianção e sim o problema que causará para o adulto.
Eu sugiro muito que se gaste o tempo e ebós que forem necessários para
identificar se os problemas sejam devido a sociedade e seus espíritos. Procure
várias pessoas se necessário, busque encontrar alguém honesto e que conheça
o problema. Mesmo para essa pessoa nada será fácil.
Este livro é para explicar o que é esse problema, porque, conhecendo o real
problema e suas verdadeiras faces você e o Bàbáláwo poderão tomar as
melhores medidas e decisões. Claro que não é bom dar nascimento a um
Àbíkú, mas, entender eles, os seus motivos é o caminho mais fácil para que
isso para de ocorrer e que ele viva. Se o Orixá (Òrìṣà) escolheu você para
ajuda-lo seja por que você é uma boa pessoa ou família ou porque você pode
ter sido responsável pela formação do Àbíkú você deve encarar isso de forma
séria e buscar cumprir a missão.
Como eu já expliquei, gestações interrompidas e abortos não estão dentro do
domínio dos Àbíkú, esse problema pertence a ajé (Àjẹ́). O útero pertence a ajé
(Àjẹ́) o sangue está ligado a ajé (Àjẹ́). Abortos e doenças pre-partos não são
causados por Àbíkú e sim por a ajé (Àjẹ́). Para ser um problema de Àbíkú a
criança precisa nascer, respirar, ter vida. O culto que tem o objetivo de
resolver os problemas de gestação e de evitar a mortalidade infantil é o culto
de Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) que está ligado a divindade Ìyá Nlá, esse culto não foi
trazido para o Brasil e nem a qualquer outro lugar no novo mundo. Na
ausência dele temos que resolver as coisas como podemos, com os recursos
que temos e Ifá é um recurso importante desde que baseado na teologia real e
não em maluquices.
Apesar de eu dizer que os abortos estão ligados a atuação de ajé (Àjẹ́), é
importante colocar que estou me referindo a abortos naturais, independente
da quantidade você têm um problema com ajé (Àjẹ́). Abortos provocados por
mulheres, por outro lado, podem, sim, gerar Àbíkú. A razão de gerar é que o
espírito poderá ficar no Ìrònà ao invés de retornar ao órun (Ọ̀run) se
transformando em “fantasmas”. Se eles ficam pelo Ìrònà é porque foram
rejeitados pela família e nesse caso poderão ser Àbíkú.
Assim a realização de abortos provocados deve ser muito cuidadosa. Isso não
gera Àbíkú ou automaticamente relega o espírito para ficar no Ìrònà.
Dependendo do motivo esse espírito poderá voltar ao órun (Ọ̀run) e aguardar
uma próxima oportunidade, sendo acolhido pelos parentes do órun (Ọ̀run)
para essa volta ou no caso de rejeição poderão não ter o amparo dos parentes
do órun (Ọ̀run) e ficarão no Àiyé, especificamente no Ìrònà pertencendo a
sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), como já expliquei.
Os casos mais graves de rejeição, os maiores traumas poderão, então, gerar os
Àbíkú que poderão ser uma sombra na própria pessoa que os gerou ou seja
que os rejeitou gravemente.
Além dos casos de abortos temos os fratricídios e outras maldades praticadas
por pais contra filhos.
Nesse capítulo não estou voltando a esse tema, estou apenas relembrando isso
que já foi extensivamento dito. Faço isso para lembrar a todos o que esse
trauma no espírito pode causar para esse espírito renascido e também a
relação fraternal que, nesse caso, pode sim sofre com ciúmes e saudades
pelos demais membros da sociedade que ainda não renasceram e estão no
Ìrònà vendo seu companheiro viver uma nova vida.
Pode ocorrer é que o espírito do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) decide ficar no
Àiyé, mas, pode ser que os seus companheiros pensem o contrário e fiquem o
perturbando. Imagine um espírito Àbíkú, ainda no Ìrònà, com todo o seu
complexo de rejeição, com sua mágia e raiva, direcionando esforços para
aquele companheiro renascido retorne a eles no Ìrònà?
Assim, a presença do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é algo para ser evitada na vida
dos nascidos. Não existe NENHUMA razão para essa ligação ser mantida.
Como eu disse podem ter casos, raros, em que ajudem, mas, eu não
recomendo que eles sejam mantidos junto a crianças em crescimento. O egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é um grupo bem difícil de ser controlado, bastante
indisciplinado e pouco controlado. Recorrer a ele é um risco grande. Temos
de entender que eles não são egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), e muito menos estão
no órun (Ọ̀run), estão egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e estão no Ìrònà
temporariamente.
Mas atenção. Nada de assentamentos, iniciações e feitiços malucos. A
questão de pertubação das crianças deve ser tratada com conhecimento e
inteligência. Estamos lidando com um caso humano e uma solução
igualmente humana.
Os problemas que adultos sofrem
Adultos sofrem problemas com a sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) de
forma colateral. Sou radicalmente contra equiparar os problemas com
crianças com os de adultos. Como expliquei, antes, justificar o problema de
adultos atribuindo a sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é apenas uma forma
de ganhar dinheiro fácil das pessoas. Claro que além de má fé pode ser
também ignorância de quem afirma isso.
A sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) se afasta gradualmente da pessoa à
medida em que ela cresce e se torna adulto. É uma síndrome de peter-pan ao
contrário, você fica adulto então se desligará da sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) porque os vínculos com eles deixaram de existir, eles reconhecem que
você se torna um espirito adulto.
Mas, apesar disso, sim, adultos ainda podem sofrer consequências da sua
relação anterior com esta sociedade. O caminho normal é eles se afastarem,
mas, sempre poderemos ter o caso de adultos com algum vínculo e, também,
de adultos com as sequelas do passado.
Adultos podem sofrer física e psicilogicamente reflexos devido a uso de
remédios na sua infância. Tratar de problemas não existentes com drogas para
a mente, remédios tarja-preta ou tratamentos contínuos e longos trarão para
aquele adulto sequelas.
Outro aspecto psicológico é a insegurança que os adultos sofreram por algum
atraso em sua infância, na sua educação formal e na relação com outras
crianças. Ser um diferente é um problema e é piorado quando os pais não
compreendem a criança que sofre o assédio do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Essas coisas influenciam a formação da personalidade da pessoa e adultos
complexados, inibidos, medrosos e todo o tipo de consequência pode ser
esperado.
Outro aspecto que as vezes se reflete é a continuidade do vínculo. Esse não é
o caso mais comum, certamente como os trapaceiros tentarão fazer você
acreditar, mas pode, sim ocorrer. Adultos podem permanecer com o
comportamente isolado, fechado, com seu pensamento longe, sem criar
vínculos muito fortes com as demais pessoas. Pessoas que sonham muito, ou
que sonham sempre podem ser esse caso, elas acabam criando o seu mundo
pessoal. Isso não se caracteriza por um distúrbio como esquizofrenia, mas,
um mundo suave uma ligação forte com esse mundo é algo que pode se
desenvolver.
O vínculo continuado não tem a finalidade de trazer o mal a vida da pessoa, a
sociedade egbé ( Ẹ gbẹ́) ó run ( Ò ̣run) não se diverte prejudicandp adultos,
mas, o vinculo vai desfocácolo de sua vida, de suas dificuldade e desafios.
Temos que lembrar que podemos ter espíritos no egbé ( Ẹ gbẹ́) ó run ( Ò ̣run)
que possam ter ficados muitos anos alí, tantos quanto a pessoa cresceu.
O déficite de atenção ou o desvio de atenção é algo comum nesse tipo de
pessoa. Também será a pessoa que se sente oprimida pela sociedade ou que
não encontra o seu próprio lugar nela e tem muita necessidade de auto-
afirmação. Isso são consequências da ação da maldade humana em sua
formação, as pessoas tendem a não compreender ou aceitar as pessoas que
são assediadas pela sociedade em seu crescimento. As pessoas esperam
encontrar pessoas muito iguais e seus próprios medos de relações diferentes
as levam a se proteger pela agressividade contra pessoas diferentes. O
resultado disso são adultos que desenvolverão uma relação ruim com o
restante da sociedade porque não esperará boas reações delas.
Por outro lado, serão pessoas independentes, que se resolvem sozinhas e que
não esperam nada de outras pessoas. Pessas que se bastam. Essas pessoas
serão muito independentes da sociedade e da própria família.
Nesse aspecto de ligação com a família tenho dois opostos para relatar. O
primeiro e mais positivo é que crianças que nasceram vindo do egbe (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run) e trazidas por Orixá (Òrìṣà) tenderam a serem muito mais
carentes e ligadas na família. Elas valorizarão a relação familiar e serão muito
carentes por atenção e afeto, vão querer compensar tudo aquilo que sofreram
antes.
O outro lado é quando não se ligam muito, estão no mundo para tocar a sua
vida e não conseguirão se ligar a essa família. Certamente é o caso das
crianças que tinha fortes vínculos com a sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run),
que aceitaram seu novo nascimento, mas que não estão ligadas a esta
linhagem familiar. Pode ser até o caso daqueles que saíram da sua linhagem
familiar como castigo.
Tratar os problemas com adultos é muito mais complexo do que tratar dos
problemas com crianças. É muito mais sério e complexo do que ficar dizendo
que sua esposa no órun (Ọ̀run) o está prejudicando por saudade o ciúme.
O que o Bàbáláwo pode fazer para ajudar?
Não é a finalidade deste livro ser um grimório de soluções, aqui o objetivo é
falar da religião, mas, vou dar algumas indicações.
Primeiro quero deixar claro que a expectativa de que realizar oferendas de
comidinhas e objetos é um caminho para resolver problemas é uma ilusão
boba. Não acredite que oferecer “comidinhas” vai solucionar situações sérias
e graves. A solução de problemas passar por recorrer ao oráculo com o seu
pleito e pedir a intervenção de um Orixá (Òrìṣà) para a situação. Não será o
Babalorixá (Bàbálórìṣà), a Iyalorixá (ÌyálÒrìṣà) ou o Bàbáláwo oferecendo
umas comidinhas em algum lugar que os problemas serão resolvidos.
A solução dos problemas com egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) passa por quebrar o
vínculo com a sociedade para que o renascido, a criança possa seguir o seu
desenvolvimento. É isso que é feito. Assentar, iniciar ou montar Exú (Èṣù)
são idiotices completas, caça-níqueis.
As indicações das liturgias são encontradas nos próprios mitos sobre egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e Àbíkú ou nos versos de Ifá. Além disso verger tem
alguns Òfó que ele documentou em seu livro sobre folhas Yorùbá. As
liturgias, envolvem principalmente a sociedade e não a pessoa em sí.
As liturgias mais efetivas passam pelo envolvimento de um Orixá (Òrìṣà) na
questão, orixás como Xangô (Ṣàngó) e principalmente Ìrókò. Somente os
Orixá (Òrìṣà) pode ajudar a quebrar esse vínculo. Existem rituais que são
feitos em rios.
O culto Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) a Ìyá Nlá é especializado nessa questão, mas, ele
não foi trazido para o Brasil, aliás nenhum lugar da diáspora de forma que é
necessário obter rituais equivalentes.
Além de Orixá (Òrìṣà) Egúngún pode também ser um caminho para proteger
do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). O motivo é a ligação desta questão com a linha
familiar, o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e o Àbíkú é acima de tudo um assunto de
família.
Pode ainda ser necessário manter uma oferenda anual por vários anos para o
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) de modo a mantê-los longe.
A grande questão é que para lidar com o isso o sacerdote, seja o Bàbáláwo , o
Babalorixá (Bàbálórìṣà) ou a Iyalorixá (ÌyálÒrìṣà) terão que se aprofundar e
entender os motivos, os rituais e as liturgias, isso não se trata apenas de fazer
ebó (ẹbọ), eles não resolvem, trata-se de entender as questões para poder
mediar uma solução com o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Não se trata de recorrer a soluções de magia ou agressivas. Trata-se de amor
e carinho, acima de tudo, de convencer essa alma a desejar viver no Àiyé e de
acomodar as expectativas dos seus companheiros.
O primeiro passo que o Bàbáláwo pode dar é na cerimônia de Imorí, que é
feita após o nascimento. Nessa cerimônia é feito a estabilização da alma no
Àiyé e isso pode ser um passo definitivo para resolver os problemas com esta
sociedade.
Eu não posso aqui dar todas as fórmulas, o que estou afirmando é que, sim
existem soluções que o Bàbáláwo ou pessoa com conhecimento poderá atuar,
mas, que isso terá que ser algo bastante pensado e planejado e, acima de tudo,
contar com o amor de todos os envolvidos.
Um caso bem complicado é o das almas de ciclo curto, aquelas que não são
Àbíkú e nascem para morrer cedo, sendo acometidas por doenças graves na
infância e juventude, como câncer, a indicação, além do convencimento
daquela pessoa para continuar viva é um processo iniciático de verdade, não
falo dessas iniciações placebo feitas por estrangeiros, estou me referindo a
iniciações mesmo, feituras, seja para que o orixá domine essa relação seja
para a alma passar pela cerimônia de renascimento que faz parte da iniciação.
Eu sou a última pessoa a indicar iniciações, mas, esse é um caso onde uma
iniciação ou feitura são parte da solução, porque promovem um novo
nascimento no qual a pessoa poderá mudar o seu destino por sua própria
opção. Esta é a chave do processo, a liturgia de morte e renascimento que
caracteriza as iniciações de verdade. É nesse momento que aquele espírito por
escolher um novo destino na sua vida. A alma de ciclo curto precisa
liturgicamente renascer para nessa nova vida decidor ficar e assim mudar o
destino que combinou com Olodumare e Onibode.
Para bebes os yorùbá adotam o uso de tornozeleiras de proteção. Esse
instrumento deve ser usado e os versos que eu relacionei no livro tem várias
indicações importantes além de liturgias que são feitas em rios, como já
expliquei antes. Por que o rio porque o rio é a metáfora da vida, a vida que
inicia e continua, a vida que se renova e até a vida que termina quando a água
fica parada.
Para os adultos o trabalho do Bàbáláwo será muito mais complicado. Ele
primeiro deve identificar a situação do adulto e a existência de ligação com a
sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) que ainda o esteja atrasando ou desviando
sua atenção. Esse vínculo terá que ser quebrado.
Se o vínculo não existe então o Bàbáláwo deverá entender a origem dos
problemas que o adulto tem hoje e através do seu Ifá, buscar Odù a Odù a
correção dos desvios buscando retornar a pessoa a seu rumo e seu destino.
Um Imorí tardio pode ser necessário ou mesmo Borí. Mais uma vez, sou o
último a achar que Borí é uma liturgia para ser feita por Bàbáláwo, mas
existem casos e casos e esse é um bom caso.
Cuidar de um adulto será sempre muito, mas muito mais complicado do que
uma criança, porém, a grande diferenã é o foco. Saber a origem da pessoa na
sociedade permitirá ao Bàbáláwo buscar as melhores medidas corretivas para
os problemas entender a origem deles. Mas, nunca será fazendo
assentamentos e exú para egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Conclusão
Depois deste extenso texto, pouca coisa resta a falar. O maior desafio aqui é
aceitar o modelo teológico que é o resultado de minhas pesquisas,
experiência e análises. Esse modelo não muda muito o que se fala hoje sobre
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), mas o pouco que muda, transforma tudo o que se
pensa. Uma mudança pequena com grande impacto.
Ele parte de 3 pilares: A localização no Ìrònà, a composição do egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run) com os espíritos infantis mortos em condições não normais e a
questão da origem do nascimento através de Orixá (Òrìṣà). Claro que tem
muito mais detalhes e informações, mas tudo deriva em sua base dessas 3
coisas.
A partir desta base é possível desmontar o modelo furado e que precisa de
uma enorme complexidade para ficar de pé. Como eu sugiro, aplique a
lâmina de Occam nos dois modelos e o que ficará é certamente a minha
proposta.
Certeza de tudo? Não sei, sempre há espaço para o mistério, tentamos
entender as mesagens de deus para nós, mas, sempre podemos aprender mais.
O mais importante é que eu não inventei isso, diferente do outro modelo
maluco que existe por aí, o que proponho é baseado nos mitos, nos versos e
na teologia e cosmogonia como um todo, como um conjunto coeso e
consistente.
Por fim eu lembro que o modelo que eu proponho suporta toda a prática e
todos os bons conhecimentos que se têm sobre o tema sem necessidade de
fazer qualquer tipo de malabarismo.
Mais ainda, as indicações e recomendações práticas que devem ser tomadas
baseadas no modelo que estou propondo são muito mais objetivas, simples e
conduzem a uma solução direta e simples dos problemas que desafiam os
Bàbáláwo em relação ao egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Mesmo os sacerdotes do
culto de Orixá (Òrìṣà) serão mais efetivos se adotarem essa linha de
pensamento mais fácil de entender, de explicar e de atuar.
Essa proposta é assim ninguém tem nada a perder, apenas a ganhar. Aliás,
quem tem a perder é quem vende iniciações para egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run),
assentamentos para egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e ebós votados para motivos
criativos.
Informações complementares sobre o egbe ( Ẹ gbẹ́) órun
(Ọ̀run)
Vou agora dar uma série de informações que coletei ao longo dos anos,
espero que sejam úteis. Elas não mudam nada do que eu já falei sobre esse
grupo e fenômeno, mas, dentro da religião são informações importantes.

O conceito de egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) existe entre os Yorùbá, os


Akan, os Nupe, os Ìgbò e os Hausa.
Existem várias divindades infantis na sociedade youruba,
dependendo da região: Ẹgbẹ́, Ẹgbẹ́run, Arágbó, Ibeji, Ẹgbẹ́ Ọ̀gbà,
Koóri, Kónkóto, Dàda e Elérìkò. São nomes genéricos. Elas estão
relacionadas com crianças, mas não estão relacionadas umas com
as outras ou fazem parte de uma teogonia especial, elas são
regionais e se repetem em termos de finalidade de culto. Essas
divindades vão ao encontro de socorrer as pessoas dos problemas
ligados as crianças.
Os Orixá (Òrìṣà) ligados a água são aqueles que se recorre para ter
filhos quando isso não acontece naturalmente. São eles que pegam
os espíritos no egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e desta forma estão
também ligados.
Existe um nome genérico usado para nomear os muitos Orixá
(Òrìṣà) associados a cuidar dos problemas de egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run), este nome é Ọlọ́mọwẹ́wẹ́. É uma designação genérica e
vários Orixá (Òrìṣà) recebem essa denominação ao longo de todo o
território Yoruba.
Os Orixá (Òrìṣà) ligados a água e principalmente Iroko, são
ligados a eles. Iroko é o caminho dos mortos porque os corpos dos
mortos não eram enterrados, eram deixados nas árvores de Iroko.
Os mitos dizem que eles se reúnem nas árvores de Ìrókò. Os
caminhos para desligar um renascido do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run),
normalmente passa por Ìrókò.
Em Ibadan, existe uma divindade chamada Elérìkò, uma divindade
feminina, ambivalente, ligada a esses espíritos. Ela ajuda ou
atrapalha, traz doenças para unir os Aràgbó. Elérìkò é imprevisível.
Quando aplacada dá filhos e brinca com as crianças na luz do dia.
Quando desagradada assedia crianças no seu sono, aflige com
doenças, as mata e leva suas almas para o egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run). Elérìkò é de Ibadan.
Elérìkò é regional. É ambivalente, ajuda ou atrapalha, traz doenças
para unir os Aràgbó. Elérìkò é imprevisível. Para aplaca-lo existem
danças com pessoas usando máscaras de Elérìkò.
Onde não tem Gelede existem outros mascarados, como Ẹgbẹ,
considerada deusa dos Abiku, que toma conta deles. Também é
conhecida como Elérìkò. Ela tem 2 faces:
Quando aplacada, dá filhos e brinca com as crianças à
luz do dia.
Quando desagradada, assedia crianças no seu sono,
aflige com doenás, as mata e leva suas almas para o
Egbe Orun, para uní-los ao Aràgbó.
Elérìkò se confunde com o pode de Àjé e é parte do processo
Yoruba de dar nomes diferentes para as mesmas coisas ou fundir
divindades e misturar seus poderes. Não se pode dar, no caso
Yoruba, muita atenção a nomes e divindades, são muitos nomes e
muitas divindades, tem que se entender os fenômenos e os
processos.
As crianças nascidas pela interferência de Olóòkun são chamadas
de Èkìnẹ̀ ou Ọmọlókun.
O culto Gélede está diretamente ligado a lidar com os problemas
de Abiku. Este culto visa a harmonia social e é muito procurado
por mulheres por socorrer a questões de gravidez, natalidade e
mortalidade infantil. O culto busca resolver as questões fertilidade
e preservarção da vida de crianças e, desta maneira, está
diretamente ligado às questões de egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Existe um ritual que faz parte do festival Gélede que é o de lavar a
criança na primeira água da manhã, de um rio para tirar a doença e
a influência de Abiku da criança. Esse ritual evoca os orixá ligados
a água que são referenciados de acordo com a região, podendo ser
Osun, Yemoja ou outro.
Outro ritual, ligado a Gélede, no qual o casal dança no mercado
usando imagens de madeira do filho que quer ter, para tratar a
infertilidade. Esse ritual é muito poderoso e tem mais detalhes que
não vou explicar aqui, mas permite resolver questões de
infertilidade, contudo, o Orixá buscará para a pessoa uma criança
no grupo dos egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
O rita de fertilidade, para ter filho é chamado de Ìgbàjá que
significa amarrando a faixa da criança. Existe um ritual muito
bonito feito para a fertilidade com isso.
A mulher deve carregar uma boneca de madeira nas costas, usando
Gèlè e Ọ̀já, ela deve dançar para atrair os filhos. Também pode ser
usado chifre de búfalo com osun.
As crianças nascidas em circunstancias anormais. Incluindo rituais
de fertilidade ou depois de apelo a Orixá (Òrìṣà), algumas vezes
são chamadas de crianças espirituais. Isso é uma tradição yorùbá.
Elas devem ser tratadas com música, dança e terem festas anuais
devido ao vínculo com o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Em Aṣípa, as mães de Àbíkú e estéreis amarram o Gèlè e Ọ̀já
(panos usados para prender as crianças ao seu corpo) em árvores
na capela de Ẹwúrù uma divindade local dos espíritos das crianças.
Existem vários nomes para se referenciar aos egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run). Apesar de serem vários nomes eles se referem a mesma
coisa, são o hábito dos yorùbá de terem vários nomes para a
mesma coisa, nomes que podem variar de acordo com a região.
São eles:
Arágbó – Espírito de crianças, seres da floresta
Ẹgbẹ́ ou Ẹgbẹ́run – Vivem na água ou madeira
Elére – Donos as imagens de madeira
A crença popular é que as almas pré-natais e todos os
companheiros invisíveis vivem em árvores nas florestas. O
significado do nome pode mudar nas regiões devido a língua tonal,
mas sempre está ligado às imagens de madeira – Ère.
A proteção mais comum para colocar nas crianças recém-nascidas
para afastar os companheiros do Ìrònà são tornozeleira de metal,
de ferro – Ẹgbà, que não fazem barulho. A tornozeleira é colocada
em ambas as pernas e eles dizem que elas vão ancorar eles no
mundo.
Essas tornozeleiras são as peças mais encontradas em capelas e
egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
O uso de tornozeleiras de metais foi uma evolução do
desenvolvimento da própria sociedade Yorùbá, da sua metalurgia.
As primeiras tornozeleiras, as mais antigas que se tem notícia eram
feitas de búzios e estavam ligadas a Olóòkun, assim como essa
divindade estava ligada a proteção das crianças, lembrando que em
quase todas as regiões Olóòkun é masculino, somente em Ifé é que
é feminino.
As tornozeleiras podem ser: Aro, Ìkù ou Ṣaworo, essas são
musicais e tem ainda o tipo comum que não faz barulho a Ẹ̀gba.
Elas são o principal símbolo das capelas ligadas a Àbìkú, Arágbó e
Ẹgbẹ́run.
O uso das tornozeleiras cria um vínculo de Ògún com a solução
dos problemas de Egbe Orun, devido ao uso do ferro.
Segundo Ifá (Ìwòrì Méjì) o barulho os afasta, assim existe um
outro tipo de tornozeleira: Aro, ìkù ou Ṣaworo. Elas possuem
guizos e devem fazer barulho o tempo todo, também são os
principais adornos nas capelas dedicadas a Àbíkú.
Não é usado instrumento de percussão para egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) porque o barulho os afasta.
A estatuetas de madeira são chamadas de Ere Ibeji, elas trazem
honra e prosperidade aos pais de cuidam dos gêmeos.
Em Ọ̀yọ é usada a palavra Elérèé, que significa aquele que é
encontrado em feijão. Isso é devido ao feijão fradinho ser a comida
preferida deles.
Egúngun também é considerado como adequado para ajudar com
os problemas de Àbíkú. Eles têm um tipo de Eégún chamado
Egúngún Ọlọmọyọyọ, é um espírito ancestral de pequenas
crianças.
Egúngún é também Àghòbí ou Àwòbí, é um mascarado de Ọ̀wọ
usado para perdir virilidade aos homens, fertilidade às mulheres e
que as crianças nasçam bem formadas. Eles usam o Ṣaworo porque
o barulho repele o perigo.
O uso do mascarado Àghòbí é comum e vai ao encontro de
recorrer a Egúngún para resolver os problemas da sociedade. Os
mascarados Àghòbí são usados para pedir crianças bem formadas e
virilidade para os homens.
Àghòbí mostra que o processo de nascimento, a ligação Orun-Aiye
é complexo.
Iyajanjàsá é o nome da mulher que é lider dos garotos no egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Olóìkó é o líder das meninas.
Awaiyé é o nome da floresta sagrada dos Àbíkú, fica na Nigéria,
ela existe de fato e é lugar de peregrinação de pessoas pedindo a
proteção contra os Àbíkú. Esta floresta é o local para onde olofin
Alawiye trouxe os primeiros Àbíkú.
No Àiyé os espíritos do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) ficam no quintal
das casas, assim como em Pântanos e riachos. Os mitos, em
Cuoco, descrevem, pântanos e riachos (principalmente estes) como
sendo o local para se depositar as oferendas para os Àbíkú. Além
disso árvores são usadas porque eles são considerados espíritos das
árvores. O motivo do quintal ser preferido é que as placentas eram
enterradas no quintal das casas, assim os Àbíkú ou oe egbe (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run) se reuniam no local de suas próprias placentas.
Crianças Àbíkú não são enterradas ou são enterradas longe da
família. Os corpos muitas vezes são jogados no mato. Marcas são
feitas nos corpos para reconhecer os Àbíkú se nascerem de novo.
Crianças que nascem com partes da membrana na cabeça, podem
ser Àbíkú, são chamadas de Salàkó ou Tàlàbí.
Crianças que nascem cabeludas também são associadas a egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e ligadas a Dada.
Doenças em crianças muito novas pode estar associado ao
chamado da sociedade.
As folhas usadas para afastar Àbíkú são Ijà àgborín, Lárà Pupa e
Ìdí.
Em ifá existem diversos Ofo pa manter os Àbíkú no Àiyé
quebrando o vínculo dos nascidos com o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Os ritos mais eficientes são os que envolvem Orixá (Òrìṣà) de
proteção.
A restrição de iniciação de Àbíkú no Candomblé é coerente. Se
Àbíkú nasceu para morrer, durante a iniciação é feito o ritual de
morte e renascimento do iniciado. Em função disso Àbíkú não
pode passar por esse ritual de morte visto que poderia morrer de
fato. Desta maneira não se trata apenas de não raspar a cabeça de
um Àbíkú, não se pode é encenar sua morte.
Em Ifá o principal Akọṣẹ para tratar Àbíkú está no Odù oxé (Ọ̀ṣẹ́)
Ògúndá.
Também o Odù Òdí Méjì é usado para prendê-los na terra.
O Ìrònà também é chamado de mercado Tòkútókú, que é para
onde vão os morrem jovem.
No Odù Òsá Méjì o Bàbáláwo Adedoja, tem uma história na qual a
sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) envia Àbíkú para punir a
pessoa.
As placentas eram enterradas no quintal das casas, dentro de um
jarro coberto com folha de dendezeiro e búzios.
Durante a gravidez a mulher com risco de Àbíkú, deve usar roupa
vermelha e guizos. A roupa vermelha na criança repele os
companheiros. Também são feitos pós com folhas especiais para
passar no corpo e em um amuleto colocado no pescoço da criança.
Erros, mistificações e
desentendimentos sobre egbe orun
Encerrado o assunto do livro, com o conteúdo que eu entendo ser relevante e
útil para a religião e as pessoas, não posso terminar sem um comentário
crítico sobre bobagens escandalosas que estão sendo ditas sobre esse tema.
No Candomblé, historicamente o tema Àbíkú sempre foi muito confuso. Era
confusa a identificação de Àbíkú e era mais ou menos confusa a forma como
o Candomblé tratava isso, principalmente se estávamos falando de ritos
iniciáticos. Nós, do Candomblé, sempre reclamamos, entre nós mesmos, que
as pessoas identificavam Àbíkú demais, mas, havia um motivo “torto” para
isso, que os perspicazes sabiam. Era torto, mas não prejudicial.
Lembrando que esse tema Àbíkú é algo que pertence ao Candomblé de
origem Yorùbá, o Candomblé Nago ou Ketu, não sei de fato como é isso no
Candomblé Jeje, nem sei se os Jeje identificam Àbíkú.
O tratamento especial que Àbíkú recebia era o de não raspar o cabelo na
iniciação e, ainda por cima, dar uma forma de tratamento diferenciado às
pessoas que eram consideradas Àbíkú. A pessoa que era Àbíkú acabava
ganhando “privilégios”. O citado motivo “torto”, para a generalização do uso
disso, era bem simples, pessoas em posições mais elevadas na sociedade
começavam a entrar no Candomblé e elas não queriam ter seu cabelo raspado
ou se submeterem aos longos ritos iniciáticos. Desta maneira uma das formas
de o Babalorixá (Bàbálórìṣà) ou Iyalorixá (ÌyálÒrìṣà) “venderem” facilidades
era declarar que a pessoa era Àbíkú, isso facilitava muito a vida dessa pessoa
no Candomblé.
Essa declaração, de Àbíkú, era fácil de fazer, bastava o dirigente declarar isso
em jogo, não tinha nenhuma comprovação adicional e abria uma avenida de
facilidades em relação aos ritos iniciáticos e a própria submissão das pessoas
as hierarquias normais. Assim, por muitos anos, a moda dos Àbíkú, era
apenas um caminho de atender à vaidade das pessoas.
Por longo tempo os Àbíkú se multiplicaram no Candomblé, com um misto de
proteção de pessoas que não passariam pelos ritos tradicionais de iniciação a
erros, mesmos, na identificação de problemas. Associar um problema que
você não conseguia determinar a uma coisa que ninguém conhecia direito, era
uma saída muito comum. Isso foi tão usado com essa finalidade que
desgastou o tema Àbíkú no Candomblé.
Mas esse era um desvio curto, o Candomblé, fora esses casos de fraude,
sempre tratou de forma séria o caso dos Àbíkú, sempre buscou endereçar os
problemas em busca de soluções, na forma como os Babalorixá (Bàbálórìṣà)
e Iyalorixá (ÌyálÒrìṣà) entendiam a teologia. O excesso de identificação não
era sempre algo malicioso, porque o tratamento dado após essa identificação,
mesmo que recheada de falsos positivos, era sempre sério. Você vai encontrar
muitos Babalorixá (Bàbálórìṣà) e Iyalorixá (ÌyálÒrìṣà) falando com bastante
propriedade sobre o tema de Àbíkú.
O principal erro do Candomblé era e ainda é, o de associar Àbíkú à questão
dos abortos, o que não é possível visto que o aborto não é um intercurso de
Àbíkú. Como expliquei. Àbíkú precisa nascer e abortos não são ações de
Àbíkú. Abortos são problemas associados a atuação de Ajé e, infelizmente, o
entendimento de Ajé no Candomblé sempre foi muito deficiente. Ajé era
conhecida apenas devido ao Ipade, mas, essa cerimônia não é feita por todas
as casas e no geral, fora isso, a maior parte desconhece o conceito de mal
teológico nesta religião e em qualquer outra.
Assim, os problemas causados por Ajé sempre foram muito mal
identificados, mal entendidos e mal tratados. Desta maneira, de forma geral,
questões na gravidez eram coisas de Àbíkú e mais ainda os abortos, que eram
considerados como fator gerador de Àbíkú e obra dos Àbíkú.
Em relação a Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), lembro que, por muito tempo, o
entendimento do Candomblé era apenas dos casos de Àbíkú, o Egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run), de foma geral, nunca fez parte da teologia usada aqui, somente
recentemente, com o entendimento mais amplo da religião, é que o tema
Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) veio para o Candomblé, ainda sendo, atualmente,
de domínio restrito. Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é um africanismo muito
recentemente introduzido.
Meu contato com Cubanos me mostrou uma realidade um pouco pior, eles
não sabem mesmo nada a respeito disso tudo, sabem bem menos que o
Candomblé.
Infelizmente o que estamos vendo é que, devido ao desconhecimento prévio,
essa informação entrar mais torta ainda através dessas pessoas ligadas a
tradição africana. Estamos sendo agredidos com a atuação de nigerianos e
brasileireiros ligados a Religião Tradicional Yorùbá, do Ifá deles ou não, com
teses absurdas sobre o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e não posso encerrar este
livro sem alguns comentários ácidos. Os africanos ao invés de focar, como
aqui, apenas em Àbíkú, fizeram a coisa mais ampla e estão considerando o
tema como egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e generalizando isso para todo mundo.
O foco desses africanos e de brasileiros ligados a esse culto africanizado é
apenas um, ganhar dinheiro dos incautos, como é a prática padrão dos
africanos aqui no novo mundo.
A aplicação do tema Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é relativamente fácil, basta
inventar que os problemas que a pessoa tem, na vida, são causados pelo Egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) ou que a pessoa é ligada ao Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). É
algo fácil de fazer e abre muitas oportunidades para vender tratamentos
placebos, assentamentos e iniciações. Temos, sempre, que considerar que as
pessoas que procuram esta religião, como “clientes” querem ter os seus
problemas explicados e associados a uma causa externa, para a qual elas são
apenas vítimas. Todo mundo adora ter seus problemas delegados a um
“diabo” qualquer, contra o qual eles possam pagar um ebó para ser resolvido.
Ninguém quer receber apenas um conselho para ela mudar a vida dela e,
principalmente, as atitudes dela. Isso é ruim porque dá trabalho e exige
“sacrifício” pessoal.
Mas, a solução para isso, é que os africanos estão aí para vender facilidades.
Nada de você se se preocupar. Entretanto, os africanos sofisticaram a coisa.
Não bastava apenas declararem que o problema da pessoa era devido ao Egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e eles passarem um monte de bobagens para eles
fazerem, eles inventaram uma nova teologia para aprofundar os problemas e
fidelizar os clientes, eles tiveram a pachorra de criar a figura da família
espiritual no Orun e da esposa ou esposo do Orun como fonte dos seus
problemas e desgraças.
Eu não sei de fato de onde esses africanos inventaram isso, visto que, seja
porque, historicamente, a minha experiência no tema jamais havia indicado
essa bobagem e muito menos a pesquisa que fiz na literatura séria (que
representa o conhecimento de outras pessoas) sobre o assunto.
Mas, recentemente, descobri, talvez, a origem do problema. Encontrei, na
Amazon, um livro publicado por uma mulher, Ifayemisi Elebuibon no qual
ela descreve essa tese. Coincidentemente, as mesmas coisas que ela fala são
repetidas por Babalawo e pessoas ligadas a tradição africana, exatamente da
mesma forma. É possível que esse livro seja a origem dessa informação nova
e idiota. Pode ser que essa bobagem já esteja sendo usada lá e essa mulher
apenas colocou isso em um livro.
Mas, quem é Ifayemisi Elebuibon? A origem da autora torna minha tese mais
crível. Essa mulher é filha do conhecido Babalawo Ifayemi Elebuibon, o
atual Araba de Osogbo e autor de alguns livros. O livro que ela escreveu é
muito ruim, pequeno e sem conteúdo e qualidade. Juntando ela ser filha do
Ifayemi com o livro totalmente inútil isso se mostra, para mim, apenas como
uma forma de promoção dela no mercado religioso.
Isso já ocorreu antes com Wande Abimbola, esses africanos tem uma vaidade
muito grande. Abimbola, que tem méritos e foi uma pessoa que se tornou
conhecida no mundo, tinha um dos filhos chamado Kola Abimbola, e ele
também fez um esforço para promovê-lo. O Kola não era o filho mais
brilhante de Abimbola, mas era, possivelmente, o que lhe dava mais trabalho.
Segundo me contaram uns amigos na época, Kola, contra a vontade do pai,
que não queria que ele se iniciasse em Ifá, se iniciou no Ifá cubano, (parece
até o mito do filho de Xango em Ogbe Obara) e quando o Abimbola soube
teve que iniciá-lo, correndo, de novo no Yoruba, para consertar isso. Me
parece que o Abimbola queria que ele se encaminha-se na vida universitária o
que acabou, de fato, ocorrendo depois.
Kola, para poder “aparecer” ao mundo deles, publicou um livro sem graça,
chamado “Yoruba Culture: A Philosophical Account”. O livro é uma
bobagem completa, mas não tem nenhum erro, apenas é uma obra boba que
existe para constar que ele publicou um livro, sobre o povo e a religião,
mesmo que sem nenhum conteúdo relevante.
Claro que isso que estou escrevendo é apenas “fofoca”, não tenho evidências
sobre isso, estou repetindo o que eu ouvi, mas era a fofoca da época. A
questão pela qual eu trouxe essa “fofoca” é para ilustrar que esses africanos
tem essa coisa de promover os filhos. Sem dúvida o Ifayemi teve esse
cuidado, visto que a filha é elegun de orixá e, apesar disso, ele a iniciou em
Ifá e deu um nome igual ao dele, vejam a importância dela para ela. Ele é
Ifayemi e ela Ifayemisi, ou seja, o nome dela significa “filha de ifayemi”.
O livro que ela escreveu é muito ruim. Muito pequeno e não tem nenhum
conteúdo relevante. Não é bem feito ou mostra qualquer tipo de pesquisa
séria. O nome é “Egbé órun; The comrades of heaven”. O livro é um festival
de besteiras grosseiras. Devido a origem da autora, não podemos afirmar que
o livro seja dela de fato ou tenha sido escrito por outro e atribuído a ela, tem
muito interesse envolvido nisso para se saber a verdade.
O livro tem muita invenção e mistura diversas divindades citadas aqui, neste
livro, criando uma fictícia teogonia ligado ao Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Como eu mostrei, existem várias divindades associadas a crianças em
diversas regiões Yoruba, devido ao tema criança e saúde da criança ser
importante para eles, assim como, também o é para nós. O tema divindades
ligadas a crianças e seus problemas é bastante amplo e se espalha por
diversas regiões recebendo um tratamento diferente em cada local.
É uma estrutura não consolidada, que relaciona ritos e divindades diferentes
para endereçar os mesmos problemas comuns.
Você não pode juntar isso tudo e criar divindades “gerais” como se fossem
parte de uma mesma teogonia. Eu digo isso porque ela usa e reorganiza
nomes conhecidos e citados aqui, como de referências distintas como sendo
parte de um conjunto inexistente. Eu não vou fazer aqui uma resenha do
livro, apontando as inconsistências e invenções dela (ou de quem de fato
escreveu o livro) porque seria um desperdício de meu tempo. A gente se
transforma em um idiota quando fica comentando sobre idiotas. Mas os
capítulos são uma sucessão de besteiras, como o segundo capítulo, onde ela
cria “tipos malucos” para o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) usando nomes
associados a outros cultos, depois associa egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) a Ori e
destino e por aí vai. Sempre fazendo pretenças associações a versos de Ifá
(inexistentes, de fato).
O problema desse tipo de obra nessa religião é que essa mulher pega,
intencionalmente, um assunto, relativamente virgem, que ninguém aborda e
inventa um monte de coisas e fica assim falando sozinha. Eu imagino que
com o passar do tempo isso pode até virar uma base de referência!
Veja, se outros idiotas passarem a usar o que está no livro e saírem repetindo
para que novos idiotas usem esse conhecimento, daqui a pouco vai ficar
difícil para quem se posiciona contra. Os idiotas não têm qualidades, mas eles
são muitos, basta ver o que está ocorrendo aqui no Brasil.
Essa é uma estratégia, de fato, para você se promover, ou alguém promover
ela, visto que ao sair dos temas dominados e conhecidos e explorar um novo,
usando coisas, nomes e referências conhecidas, reagrupando-as e
reaplicando-as, ela acaba gerando, facilmente, um conhecimento inexistente,
sem ninguém para a contrariar.
A falta de exploração sobre o assunto acaba a deixando sozinha nisso e as
poucas pessoas de lá que sabem sobre o tema, vão ficar na posição delas, sem
se importar, porque isso não afeta um tema importante da religião, não afeta
nada que eles tenham escrito e vira apenas um livro para promover ela junto
aos turistas religiosos do novo mundo. Lembro que a religião tradicional é
praticada por 1% da população da Nigéria, esse assunto não interessa,
literalmente, a ninguém e muito menos vai levar alguém a querer atrapalhar o
Ifayemi Elebiubon com seus turistas religiosos.
Considerando a proporção minúscula da população que seria afetada por
essas informações ruins, seja você apenas um ingênuo ou seja você um idiota
mesmo, não precisa se importar com nada.
O pior do livro e que me levou a escrever esse capítulo nesse livro, é que a
autora inventa uma teologia paralela à religião para poder criar uma tese
absurda que não ajuda em nada as pessoas e pelo contrário, as prejudicam.
Assim não se trata aqui de apenas comentar sobre um livro que eu acho ruim,
com bobagens ou enganos e sim de um material que vai prejudicar as
pessoas, como já está ocorrendo.
O que a autora estabeleceu e os Bàbáláwo da RTY se aproveitaram
rapidamente, foi criar um vínculo ativo entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé, através
da invenção, para nós, de uma família no órun (Ọ̀run). Essa família no órun
(Ọ̀run), composta por sua esposa lá no orun, seria então responsável por sua
infelicidade no Àiyé porque, devido a sua lembrança eles, do órun (Ọ̀run)
atrapalhariam todo o seu desenvolvimento na sua nova vida no Àiyé.
Essa é a única parte do livro que os Babalawo deram atenção, porque o resto
é inútil. Mas essa tese é maravilhosa, ela abre oportunidade para eles
venderem mais ebós, mais iniciações, mais assentamentos.
Vou explicar a seguir porque isso é uma bobagem através de dois caminhos,
o do bom senso e o da teologia.
Mas qual é a tese dela?
Em seu capítulo sétimo, o livro diz que um parceiro espiritual é um
relacionamento amoroso que alguns indivíduos já tinham quando estavam no
Órun (Ọ̀run). Ela diz que pessoas podem ser visitadas em sonhos por sua
esposa ou esposo do Órun (Ọ̀run). Devido a existência desse parceiro no
Orun, as pessoas, em sua vida na terra, podem ter dificuldade em encontrar
uma esposa ou esposo na sua vida e ainda em manter um relacionamento. Se
a pessoa já estava envolvida em uma união no Orun, o parceiro no Orun fara
o que for possível para que ela jamais tenha uma união na sua vida da terra.
Esposas espirituais são possessivas, elas causarão problemas nos seus
relacionamentos na sua vida que o levarão a uma separação. Elas podem
fazer uma pessoa se irritar com seus parceiros de casamento ou namoro. A
pessoa vai ter sempre relacionamentos curtos e o amor por seus parceiros vai,
sempre, logo desaparecer e eles pode ainda passar a odiar seus parceiros de
vida sem nenhuma razão. De outra forma a infertilidade para a mulher será
outro problema. A esposa ciumenta do Orun poderá evitar uma mulher de ter
filhos na vida porque está casada com seu esposo.
A autora diz que você jamais pode separar a pessoa de seu par no Orun e que
você deve então que continuamente fazer sacrifícios para aplacar a ira dela de
modo a que você possa ter uma vida quase normal.
Tenham certeza que nessas poucas linhas eu já descrevi tudo o que está no
livro. É só isso mesmo, poucas palavras, nenhum desenvolvimento de idéias
e muitas segundas intenções.
Eu li isse tudo e junto com a vergonha de estar lendo me veio uma raiva e
depois uma vontade de vomitar. Eu fiquei dividido entre achar que a pessoa
que escreveu é uma idiota ou mal-intencionada. Acabei ficando com a
segunda opção e vou explicar porque. Primeio vamos a explicação do bom
senso, vamos usar nossa razão para analisar o que está descrito.
Como eu sempre digo, religiões são sempre interpretações da nossa vida.
Religiões explicam o mistério, o desconhecido, religiões não explicam a
ciência. Não temos certeza de qual religião está certa, nós apenas temos que
escolher uma e usar essa visão de vida para conduzirmos nossa vida da forma
mais decente possível. Eu fico um pouco na dúvida se posso usar essas
definições de religião com esses africanos, não sei se eles entedem isso ou se
tem isso em mente, eu sempre os vejo apenas como mercadores de ebó, ritos
e liturgias, sem nenhuma preocupação com os elavados princípios de uma
religião.
Aliás, não podemos deixar de lembrar que, na Nigéria, as religiões
massivamente dominantes são a cristã e a mulçumana. Já vi fotos de
nigerianos aqui, que se apresentam como Babalawo, vestidos como
mulçumanos e visitantes meca! Ou seja, para muitos desses que se
apresentam como babalawo, aquilo é uma atividade para ganhar dinheiro,
uma profissão. Não é religião para eles. Não é à toa que tem um monte de
gente que diz que Ifá não é religião, claro, essas pessoas creem e praticam
outra religião, Ifá é o ganha pão deles.
Não vejo como imaginar alguma religião que possa acreditar em um modelo
no qual a gente se casa no céu e vem para a terra viver uma nova vida sem
qualquer razão. Se a pessoa esta casada no céu, porque ela nasceu
novamente? Por que ela nasce sabendo que aqui vai viver uma outra vida e
ter novos parceiros e filhos? Por que ela abandona um par no céu e vem viver
na terra?
Do jeito que essa autora descreve parece até que a pessoa abandonou contra a
vontade a sua parceira no céu, tipo vou la viver uma aventura ou fugiu dela
para vir para a terra, tipo, saiu para comprar cigarro e não voltou. Que outra
razão explicaria você deixar um parceiro ciumento no céu?
Além disso, que modelo de vida é esse no qual o céu e a terra estão ligados e
a esposa, por exemplo, no céu, fica sabendo de tudo o que o seu ex-parceiro,
está fazendo na terra e, mais, pode interferir na vida dele, atrapalhando e
afetando a sua esposa aqui, com coisas graves?
Como será a vida das pessoas na terra se qualquer coisa no céu puder
interferir? A autora falou da esposa ciumenta, mas poderiam ser os filhos
saudosos também. Poderiam ser seus vizinhos no céu, poderiam ser seus
amigos no céu. Poderiam até mesmo ser seus inimigos no céu. Tudo isso, aí,
interferindo na nossa vida.
Apelando ao bom senso e a inteligência, esse modelo que acabei de descrever
não pode ser concebido por ninguém. Ninguém com mais de 3 neurônios
pode imaginar que alguma religião promoveria este tipo de modelo. Isso
jamais funcionaria.
Dessa maneira, apelando para a inteligência, eu digo que essa ideia proposta
neste livro é completamente absurda, ninguém precisa ter a menor
preocupação que isso daria certo em qualquer civilização.
Ainda, usando o bom senso, eu alerto que a descrição da autora, habilmente
atribuiu a esse par no céu a causa de problemas bem comuns que as pessoas
tem em relacionamentos. Ora, seria uma maravilha se esses problemas, bem
comuns, que todas as pessoas tem em suas vidas, que as transtornam
profundamente e que as fazem gastar um monte de esforço querendo ser
felizes em família e em relacionamentos, sejam homens ou mulheres, pudesse
ser resolvido com ebós e oferendas!
Assim temos a segunda linha de pensamento racional que é o da malícia.
Você pega problemas comuns, que as pessoas tem em série, atribui um caisa
supernatural, diz que essa causa é continua, que mesmo que você faça algo
ela vai se repetir e que tem de fazer coisas sempre. O que você tem? Você
tem um amplo escopo para ter mais clientes e eles ficarem mais tempo com
você e, ainda, não poderem cobrar resultado nenhum.
Quando vi os tipos de problemas que ela estava associando a essa esposa no
Orun eu olhei ali o retrato da falta de escrúpulos.
Desta maneira deixamos o campo dos idiotas e entramos o campo dos mal-
caráter. Essa abordagem de Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), com esposa no céu é
um excelente instrumento para vender trabalhos e fidelizar clientes.
Encerrando a parte racional da argumentação, junte a primeira parte com a
segunda. Qual a possibilidade dessa tese de esposa ou esposo no céu serem
sérios? - Nenhuma. Não podemos abandonar a nossa razão para somente
acreditar em explicações absurdas.
Mas, essa tese também pode ser respondida através de teologia.
Incialmente, informo que não existem em versos ou em mitos qualquer tipo
de descrição de como é a vida no Órun (Ọ̀run). A existência no Orun, suas
características, modelo e ambiente não são tratados em Ifá ou mesmo em
qualquer outra parte desta religião. Muito menos existe descrição de como
são as relações interpessoais. A única referência que existe na teologia é que
fazemos parte de uma linhagem familiar e que isso determina a nossa volta ao
Aiye. Assim voltaremos a renascer como membro da mesma linhagem
familiar.
Existem também descrições de ações que fazemos no Orun, principalmente
relacionadas aos passos que temos que fazer antes de renascer. Essas
descrições simplificadas e superficiais do Orun vão ao encontro, apenas, de
ajudar na narrativa de de nossa vida do Aiye.
Projetar uma existência no Orun, especificando que lá nós nos casamos, que
temos esposas ou maridos ciumentos e eventualmente filhos, que temos uma
relação afetiva no Orun igual a do Aiye ou mesmo, que temos sentimentos
iguais aos que vivemos aqui é basicamente um delírio, não apoiado pela
teologia.
Posso dizer que deve ser o contrário, a vida no Aiye tem que trazer um
diferencial, tem que trazer coisas novas como emoções, sentimentos e caráter.
Observem que de acordo com os versos, a gente antes de nascer “escolhe”
essas coisas, como vai ver, que caráter vamos ter, etc.. Nós construímos um
“personagem” para essa vida, nós vestimos o caráter e a personalidade que
nós escolhemos para nós. Por que temos que ir no mercado de Ejigbomekun
para escolher um “caráter”. Se tivéssemos um caráter no Orun, não
deveríamos vir ao Orun com esse nosso mesmo caráter?
Não existe nessa religião o conceito de Karma ou mesmo de evolução
espiritual. Nós renascemos porque nós queremos viver no Aiye, porque é
bom viver aqui. A vida é uma aventura de emoções e prazeres, que só
existem aqui, assim como riscos, alguns físicos e outros mais desafiadores, os
ligados ao caráter.
De acordo com o odu Otuwa Meji, temos sim que associar que a pessoa
depois de viver várias vidas pode atingir um nível de maturidade e caráter
que a diferencia das demais, porém isso determina que ela passa a ter uma
boa vida e receber as bençãos de deus, porque mesmo nas situações mais
difíceis ela age sempre com calma e com gentileza. Dessa maneira a sua
evolução a faz tomar o melhor caminho de obter as boas coisas da vida.
Desta forma se você está no Orun e tem la esposa e família, você jamais será
obrigado a vir para o Aiye. Esse modelo é uma completa barbariedade
teológica, como é uma outra barbariedade, maior ainda, supor que um
espirito no Orun pode interferir na sua vida no Aiye, trazendo infelicidade e
transtornos.
Lembro primeiro que antes de nascemos vamos a Olodumare e pedimos a ele
os nossos objetivos em vida e deus ns concede. De acordo com nossa teologia
não existe ato mais grave do que intererir no destino de outra pessoa. Como
poderia, então, Olodumare permitr que espíritos no Orun atrapalhassem nossa
vida, nosso destino e objetivos? Para os que não sabem uma das mais graves
ofenças que podemos fazer a deus, a Olodumare, é interferir no destino de
outra pessoa, isso é tipo um “pecado” a ser julgado por deus.
Qual seria a utilidade de nosso Enikeji, nosso anjo da guarda, ou Ori como
muitos preferem chamar, se ele permitesse que isso ocorresse com a gente?
Nosso Enikeji está no Orun e poderia interferir contra essa “esposa” no Órun
(Ọ̀run). Onde estariam também nossos ancestres, vendo isso e não fazendo
nada?
Conforme expliquei nesse livro essa ligação é impossível assim como é
impossível esse vínculo familiar. Não existe na teologia yorùbá, em versos ou
mitos qualquer tipo de documentação de como seja nossa vida no órun
(Ọ̀run), não existe descrição de família e esposa no órun (Ọ̀run) que fica com
saudades de nós ou de filhos. A vida no Àiyé é um livro em branco e
escrevemos ele sem qualquer tipo de relacionamento com o órun (Ọ̀run)
porque, caso contrário, seria impossível a pessoa viver uma nova vida. Além
disso qual o sentido de uma convivência familiar no órun (Ọ̀run) e outra no
Àiyé?
De acordo com a teologia o Orun e o Aiye foram separados, não existe
comunicação ou interferência. Os orixá voltaram para o Orun e não tem
contato direto com o Aiye, Para interferir no Aiye você precisa nascer aqui no
Aiye.
Recorrendo diretamente a Ifá, a referência é o Odù Ìròsùn méjì. Esse é o Odù
que se caracteriza pela separação entre nossa memória do Orun e nossa vida
no Aiye. É em Ìròsùn que somos penalizados por Elenini, a divindade do
infortúnio, com o esquecimento de nossa vida no Orun e teremos que viver
no Aiye entre o bem e o mal, entre as forças da direita e as da esquerda e
atraés de nós mesmos, com suporte de Orixá, Ifá e Ori, encontramos o nosso
destino. Todos nascemos com a meta de trazermos a bondade ao mundo, mas
temos que encontrar essa bondade por nós mesmos dentro de nossa
consciência.
Ìròsùn transforma nossa vida em um livro em branco. Quando uso essa
expressão, de que nossa vida é um livro em branco e que nós aqui no Aiye é
que vamos escrever as nossas linhas de vida, faço isso baseado na teologia
que está neste Odù.
Ìròsun é quem traz o fluxo da vida a partir de sua origem em Ogbè. Mas
conduziremos essa vida por nós mesmos, sem poder contar com o que somos
no Orun e sem poder recorrer novamente a Olodumare.
Não tem nenhum sentido teológico o Odù Ìròsùn ter essa mensagem e essa
linda história em verso se não houver para nós a efetiva separação do Orun e
do Aiye. Não existe sentido em termos pares no Orun fazendo “maldades”
contra nossa vida no Aiye. Temos, para isso que jogar o conhecimento e
filosofia que estão nos Odù fora.
É possível que seja isso mesmo que interesse a essas pessoas. Afinal quando
você não quer aceitar Ifá como religião, quando você não quer aceitar a
teologia da religião e quando você não quer aceitar a filosofia e mensagens
que estão nod Odù é porque os valores, a ética, a moral e as boas intenções
não te interessam. O que importa são os feitiços e trabalhos que quer vender
para ganhar sua vida.
O que mais temos no mundo sã feiticeiros travestidos de sacerdotes e isso
ocorre em todas as religiões. Como diz Schopenhauer, se você espera
encontrar o diabo com chifres e rabos no mundo, você vai se decepcionar.
Dessa maneira esse modelo que essa autora descreve e que é usado por vários
babalawo, aqui no Brasil por exemplo, é um festival de besteiras, sem
nenhuma base no bom senso ou mesmo na teologia.
O objetivo desse modelo é simples, criar clientes cativos, enganar pessoas. A
utilidade disso é tirar dinheiro de incautos.
Da mesma forma, não existe sentido em vender iniciações para Egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run). Qual o sentido disso? Se você pertenceu ao Egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run), você não precisa de iniciação nenhuma para estar em contato com
eles, preciso do contrário de ebós para se afastar deles. Se você não é ligado a
Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), que razão teria para se aproximar? Iniciações são
para Orixá, divindades.
Vi um Babalawo anunciando que faz assentamento de Exu para Egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run). De novo, qual o sentido disso??!!
Como já deve ter ficado claro em meu livro, o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é um
desvio que as almas tomam, não é uma situação normal no ciclo de vida.
Qual sentido em fazer iniciações? Qual o sentido de assentar Exú (Èṣù)?
Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) não é Orixá (Òrìṣà) é um espírito que como nós que
ia nascer.
Para alguém falar esse monte de bobagem, tem que primeiro criar uma nova
teologia, paralela a esta religião e, com essa nova teologia, poder explicar
todos esses absurdos, porque a teologia real, desta religião, não permite nada
disso.
As pessoas da RTY passam a oferecer um novo elenco de “soluções” mágicas
para esses problemas que você não tem. Dizem que tem que assentar Exú
(Èṣù) para o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), que tem que se iniciar para o egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e que vai ter que então fazer oferendas para esses seus
“parentes” que ficam no órun (Ọ̀run) atrapalhando sua vida no Àiyé.
Esse modelo teológico não tem nenhum vínculo com nada nessa religião,
absolutamente nada e viola todo o entendimento normal da religião. Mas essa
tese é muito útil porque cria novas origens absurdas de problemas e, mais,
cria o que as pessoas querem que é justificar os seus problemas devido a
causas externas.
O aborto provocado e a religião
Yorùbá
Conclusões
Não existe referência direta ao aborto provocado na religião Yorùbá, mas, o
aborto natural é largamente entendido e tem causas naturais e inclusive
supernaturais bem exploradas pela religião.
Não existe um dogma que determine ser certo ou errado o ato de abortar,
mas, provocar aborto, de forma absoluta, não é considerado um “pecado” por
esta religião, em uma abordagem diferente da religião católica.
Ser certo ou errado nesta religião dependerá das circunstâncias e motivos,
mas, existem consequências para um ato errado que, contudo, podem ser
amenizadas ou resolvidas através da própria religião. Entretanto, o ato do
aborto provocado, por si só, não é um erro ou um "pecado".
Realizar o aborto, em sí, não implica em matar uma pessoa, para a religião,
uma pessoa é um indivíduo depois que ele respira por sua própria conta. O
corpo é um receptáculo em formação e pertence ao corpo da mulher enquanto
sendo formado. O aborto não é um assassinato.
O ato do aborto não condena a vida de ninguém, mas pode trazer
complicações que se refletirão em momentos futuros.
Essas complicações teológicas são um capítulo de um conhecimento bem
triste nesta religião e sobre o qual vou explicar no final.

Introdução – A ética da sociedade e a


religião
A religião não muda o mundo onde vivemos. A religião não muda a vida que
vivemos, não no sentido literal ou prático, ter uma religião não vai fazer
ninguém estar imune a viver, sofrer, ser feliz, amar, se ferir, se decepcionar,
morrer e tudo o mais que faz parte da vida.
Você vai ficar doente, vai precisar de um médico e não de um padre ou
pastor. Ter religião não muda os fatos da vida e a sua realidade.
A religião trabalha com o ser, com sua alma e coração para que ele tenha uma
dimensão estendida de sua existência. Ela traz à pessoa uma forma
complementar de ver a vida, costumamos dizer uma forma maior, porque
coloca a nossa vida em um contexto maior, além da existência individual e
coletiva.
O cientista é a pessoa que lida com a natureza das coisas, ele trabalha para
fazer coisas melhores, é a pessoa que lida em termos melhores objetos,
vivermos melhor com eles.
Um sacerdote não é um cientista e não concorre com ele. Um sacerdote é
voltado para as pessoas, para ajudar a sermos pessoas melhores. Este é o
objetivo da religião, nos fazer pessoas melhores.
Toda a religião estabelece uma forma alternativa de ver o mundo, ou melhor,
vamos usar a expressão: uma forma complementar; porque ela não substitui a
nossa vida comum, a nossa vida em sociedade e suas regras. Ela
complementa isso, trazendo para as pessoas valores que ela deve ter e,
também, buscar que essa pessoa dê o melhor de si para a sua vida pessoal,
família e sociedade.
Essa visão estendida pode em alguns casos colocar a pessoa em posição
antagônica com uma parte da própria sociedade em que vive, por exemplo ao
lidar com questões morais, uma vez que a religião pode estabelecer valores
diferentes para a pessoa ver o mundo do que uma parte da sociedade deseja
estabelecer com consenso.
Leis e regras são isso, um consenso da sociedade para equilibrar suas próprias
relações, trazendo o que chamamos de civilização. Elas são muito
importantes e garantiram uma vida comum em sociedade.
A sociedade pode se adaptar, com o tempo, ao desejo das pessoas e às
mudanças de comportamento e do entendimento do que seja um
comportamento adequado ou tolerável, mas, essas mudanças e o novo
comportamento podem não fazer parte da ética e moral que a religião
(qualquer uma delas) recomenda para as pessoas. Veja não se trata de ser
conservador, trata-se de lidar com valores distintos.
A sociedade é composta de muitas pessoas, todas elas têm seus próprios
objetivos de vida e visão do que seja bom para elas e por conseguinte podem
querer adaptar a sociedade a essa visão pessoal.
As pessoas dizem que as religiões devem se adaptar, e modernizar, mas,
ignoram que elas fazem isso o tempo todo. As pessoas não entendem é que,
modernizar, não significa abrir mão valores atemporais para um bom ser
humano, para uma boa humanidade.
As religiões não são retrógradas. O problema é que pessoas são fracas,
inseguras, incapazes e sem estima. Elas tomam rumos de decisões que não
conseguem sustentar consigo mesmas e recorrem a religião para forçar estas a
justificar aquilo que elas mesmos não tem capacidade de fazer sozinhas.
A religião tem outras prioridades o bem-estar do ser humano esta cima de
vaidades. Como eu disse, a religião está ficada no indivíduo.
Dessa forma, consequentemente, existem muitas zonas de conflito entre a
religião e as pessoas que não tem fé.
Existem inúmeras questões sociais que variam de religião para religião, uma
vez que, as religiões, são diferentes em seu conjunto de valores. Não deve
haver nenhuma surpresa, nisso. Cada religião é criada de acordo com a
sociedade que a originou e dessa forma inclui os valores dessa sociedade. Ao
ser exportada para outra sociedade terá maiores ou menores zonas de conflito
com os valores da sociedade civil que a recebe.
Algumas pessoas entendem que a religião contém a cultura da sociedade que
a gerou e por isso mesmo não aceitam religiões universais.
O que ocorre normalmente em uma religião, é o processo da especialização,
ou seja, da criação de uma nova “tradição religiosa” que é justamente a
adaptação da religião a nova sociedade, cultura e história. Uma nova tradição
religiosa de uma religião existente não é um coisa ruim ou menor, pelo
contrário, é justamente o ajuste da religião aos valores da sociedade local. A
religião original não será melhor que a tradição religiosa, elas estão em
contextos sociais diferentes.
Uma tradição religiosa é uma manifestação maior e melhor. Ruim é querer
usar a religião de uma sociedade em outra sem ajustes.
Isso, que estou comentando, é distinto da formação de uma seita, que é a
formação de uma nova visão teológica de uma mesma religião.
O candomblé, representa essa visão de tradição religiosa de que melhora e
adapta a religião original.
Desta maneira, uma religião evolui e melhora com o tempo, se adaptando a
sociedade, porém existem valores que jamais serão abandonados porque
fazem parte do que a religião entender para a formação de pessoas melhores.
As pessoas poderão viajar em carros voadores ou em mundos virtuais, novos
e melhores objetos, mas as religiões ainda pregarão os mesmos valores
humanos.

A questão social do aborto


A questão do aborto como muitas outras se insere nesse aspecto de conflito
de valores entre religião e sociedade laica.
Por um lado, a sociedade civil, recentemente, entende que, de uma forma
pragmática, é necessário suportar essa prática como um caso de saúde
pública, para preservar a vida das mulheres que decidem abortar. É uma visão
muito pragmática mesmo, porque ela se abstém de avaliar o mérito do ato em
si, busca-se mitigar os riscos de ter mais mortes do que necessário de forma
que ao legalizar a realização de aborto a sociedade está buscando minimizar o
dano.
Outras pessoas, adicionalmente, entendem que não é somente uma questão de
saúde pública e que a decisão de abortar faz parte da liberdade fundamental
da mulher e ela tem que ter essa capacidade de decidir sobre si mesma.
A sociedade civil pode, a qualquer momento discutir o mérito desta questão,
sob o ponto de vista de direitos individuais, direito à vida ou direito de matar,
não importa, a sociedade pode em algum momento querer decidir sobre isso.
Em adição, a iniciativa da sociedade civil deliberar sobre o assunto, as
religiões podem, em todo o seu direito, nesse momento, trazer para as pessoas
que vão decidir, seus valores sobre o tema. É neste momento que a religião
deixa de ser um instrumento pessoal e se torna um instrumento da sociedade
e é nesse tipo de caso que os valores adicionais que a religião traz para as
pessoas podem conflitar com mudanças na ética que a sociedade civil busca.
É incorreto taxar a religião de reacionária e conservadora. A religião é o que
ela é. Seus valores são definidos e sua ética também. A sociedade, ou parte
dela, pode querer mudar sua ética, mas a religião não tem compromisso com
esse movimento. Não se pode obrigar a religião a se adaptar a sociedade ou a
uma parte dela, dessa forma. Valores são valores.
A sociedade laica tem o direito de se manifestar, assim como a sociedade
espiritualizada (religiosa) também tem e, as religiões como um todo, tem toda
propriedade de influenciarem quem as seguem. Não cabe a sociedade laica se
insurgir contra as religiões, cabe a sociedade laica discutir com a sociedade
espiritualizada.
Igualmente não se pode criticar que, pessoas que são influenciadas pelos
valores das religiões, se manifestem defendendo essa posição para elas e para
outras. É assim que a sociedade funciona, os grupos majoritários definem as
regras gerais. Não existe ditadura de minorias.
No caso do aborto todos conhecem a posição da religião cristã em geral, que
se posiciona contra isso e, com sua influência sobre a sociedade, busca evitar
que isso seja uma prática corrente. Como eu defendi, essa á uma prática
coerente e moral.
Enquanto zeladora dos valores, ética e moral da sociedade humana como um
todo, a religião pode entender que, uma posição flexibilizadora, seja nociva a
médio e longo prazo para o conjunto das pessoas e, dessa forma, ela pode se
levantar contra um tema social comum, fazendo isso no melhor entendimento
do seu papel de fazer homens melhores e uma sociedade melhor para ela
mesma.
Mas, a posição mais importante, é o que ela traz para as pessoas que a
seguem, isso sim é relevante, a forma como individualmente cada pessoa
passa a adotar a visão ética e moral de fazer o aborto.

A teologia e a religião Yorùbá


Dito isso vem a questão: Como a religião Yorùbá se posiciona sobre o
assunto? Qual orientação ela traz para as pessoas que a seguem?
Primeiro, isso é importante? - SIM
Como disse na minha longa introdução, esse é o papel da religião, trazer uma
visão estendida para a vida e a sociedade, trazer valores perenes e
importantes para a pessoa e o relacionamento comunal. Uma pessoa religiosa
acredita em sua religião, tem fé no divino e dessa forma busca a orientação
para que possa viver em harmonia e com uma vida útil à sociedade.
Discutir temas teológicos nunca foi a prática do Candomblé. Falta
conhecimento aos sacerdotes, falta um pouco de formação para isso e,
principalmente, falta muita prática e habito para eles, esta nunca foi uma
prioridade em sua formação, que sempre foi muito prática. A partir da década
de 1990, gradualmente a religião por trás do Candomblé passou a se tornar
melhor conhecida na sociedade e com isso, esparsamente, alguns temas
passaram a ser tratados.
Historicamente, observo que a falta de conhecimento da religião nunca foi
obstáculo para os sacerdotes se pronunciarem como tais, o que eles faziam e
ainda fazem, é, quando não tem o que falar baseado em sua religião,
emprestam, quando interessa, os valores e ética de outras religiões, assim, o
catolicismo e a espiritismo sempre foram fontes para sacerdotes de
candomblé, falsamente, se pronunciarem.
Mas isso era sempre de forma conveniente, quando precisam ser iluminados
eles recorriam aos valores dessas religiões, quando não interessavam eles
inventavam coisas convenientes. Assim, o pecado e o comportamento ético
dessas religiões nunca interessaram, nesse momento eles não tem pecados,
porque esses sacerdotes são acima de tudo vendedores de feitiços e favores.
Essa atitude seletiva e idiota fez surgir, com motivo, a posição de que esta é
uma religião sem ética, sem pecado, onde tudo pode. É verdade que esse é o
conceito comum, mas não é verdade que a religião seja assim pelo contrário,
é uma religião repleta de ética.
A chegada no Brasil de Bàbáláwo não mudou muito esse cenário. Era de se
esperar que mudasse uma vez que, Ifá, deveria trazer as bases da religião em
seus versos de Odù . Não estou inventando nada, os próprios sacerdotes
falavam isso, que a teologia estava em Ifá e na tradição oral.
Ledo engano.
Os Bàbáláwo, de origem cubana, não tem nenhum conhecimento teológico,
são bem piores que os nossos babalorixás, eles fazem um Ifá objetivo,
voltado a interpretações pré-estabelecidas e orientado para fazer ebós,
oferendas e distribuir assentamentos e iniciações. É uma prática comercial,
voltada para resolver problemas, baseada em um culto de Orixá bastante
limitado e com uma base de estórias associadas a Odù criadas por eles
mesmos (Pataki). Em nada eles refletem a base da religião e dessa forma não
contribuíram com nada.
Os Bàbáláwo africanos, tem como base os versos de Odù, de fato, e o
conhecimento oral-regional da religião, também de fato, que complementa os
versos, mas, a qualidade humana que vem para o Brasil é muito ruim.
Qualquer pessoa criteriosa pode questionar se são Babalawo de fato e não
muçulmanos fingindo ser Bàbáláwo, como já temos aqui desde a década de
90.
Essas pessoas teriam a seu favor o conhecimento base da religião, contudo,
aliam, pouca capacidade para isso, nenhum interesse por esses temas, uma
fala repleta de dogmas, ganância comercial, mal formação e pouco
entendimento do que seja religião. Eles são piores que os cubanos, porque os
primeiros são o que são, eles não inventam, eles fazem aqui o que fazem em
qualquer lugar. Aos africanos falta honestidade e caráter.
E dai?
E daí que, para tratar desses temas teológicos, a presença de Ifá através de
seus Bàbáláwo não adiantou de nada, em nada melhorou o nosso problema
anterior.
Ficamos, dessa forma, como já fazíamos antes deles, pesquisadores e
antropólogos se debruçam sobre os temas e fazem suas teses. O que mudou
para melhor é que a partir do fim da década de 90, junto com os
antropólogos, que são por demais acadêmicos e por de menos religiosos,
surgem pesquisadores mais ligados a religião que não tem a, teórica, isenção
dos antropólogos, mas, trazem os temas com viés religioso. Tivemos e temos
excelentes pesquisadores e alguns teólogos que incrivelmente acabaram se
convertendo, deixando de lado sua isenção acadêmica.
Hoje em dia estamos muito melhores do que antes. Tem muito mais
informação disponível para todos.
É importante, também, separar o conhecimento teológico, que deve ser
formado pelos versos, sim, mas, principalmente pelo histórico e tradição oral
deste conhecimento. Os versos de Ifá são absolutamente situacionais e
servem apenas para consultas pessoais.
Ifá não é ou tem uma “bíblia”. Cada Odù diz uma coisa para uma situação. É
impossível querer usar as mensagens dos Odù, generalizadamente, como
conhecimento absoluto porque para cada caso a indicação pode ser distinta.
Odù serve a uma consulta específica, apesar de, é claro, existirem o que eu
chamo de versos estruturais, que são os que trazem uma fundamentação
teológica.
Não se pode citar o que um Odù diz sobre algo para justificar alguma posição
porque Odù não serve como uma bíblia que você pode abrir em qualquer
lugar e ler uma passagem com sendo um ensinamento e um posicionamento
da religião. Não podemos fazer como na igreja onde é feita uma leitura de um
trecho da bíblia e o padre faz sua homilia sobre aquele tema. Versos de Odù
não formam uma bíblia, eles não têm essa utilidade.
Os versos de Odù são recomendações para situações diversas, em uma você
deve fazer algo em outra não deve fazer. É isso.
Para se aprofundar na teologia Yorùbá, você tem que se interessar pelas obras
que pesquisam a religião. São livros sobre Ifá, sobre Òrìṣà (Orixá), sobre arte,
sobre cultos, sobre festivais, sobre história e até sobre a religião em si. No
conjunto desse material você coleta as peças que precisa para entender a
teologia e cosmogonia.
É difícil? Sim, mas esse é o caminho.
Apesar de eu ter dito que a re-introdução de Ifá no Brasil não melhorou muito
a religião, é inegável que a presença de Ifá no Brasil trouxe um contexto
adicional à religião, trouxe mais conteúdo. Acima de tudo, trouxe um
conteúdo formal que os Babalorixá (Bàbálórìṣà) não se preocupavam em ter
e, a unificação do conhecimento comum de Ifá através dos Bàbáláwo, limitou
bastante o festival de besteiras que os Babalorixá (Bàbálórìṣà) falavam.
Creio que o espalhamento de Ifá valorizou o conhecimento formal dos nossos
próprios pesquisadores. De certa forma acabou com a autonomia dos
Babalorixá (Bàbálórìṣà) que saiam falando o que queiram sem ter ninguém
para contestar.
É nesse contexto que eu trago aqui o tema do aborto. O que essa religião
transmite sobre isso, que orientação ela dá as pessoas, que conforto pessoal
ela pode oferecer parta quem faceia uma decisão a ser tomada?

A religião Yorùbá e o aborto


Inicio dizendo que o que vou escrever trata-se de resultado de análise minha.
O tema aborto provocado não faz parte de nenhuma história, não pude
encontrar na religião Yorùbá, seja em versos de Odù , seja em mitos orais ou
em análises de pesquisadores, qualquer tipo de referência a prática de aborto
ou similar que pudesse ser usada em uma correlação direta.
O tema aborto provocado, não aparece em nenhuma referência, boa ou ruim,
que possa ser usada para explicar como a religião lida com isso.
Isso me parece natural, duvido que os católicos encontrem qualquer
referência direta a isso, de forma que a posição da igreja é resultado de
análise ou interpretação teológica.
Assim, o que vou traduzir aqui é o meu entendimento dos valores da religião
sobre esse assunto.
A minha análise, que mostra uma visão tolerante por parte da religião, já me
deu bastante trabalho para explicar, porque não é normal às pessoas aceitarem
uma posição diferente da religião cristã, assim se prepare para o diferente.
O que todos precisam saber é que o aborto não é desconhecido da religião
Yorùbá, pelo contrário ele é largamente conhecido e citado.
Abortos ocorrem por causas naturais, doenças, mal formações e deficiências.
A primeira informação importante para todos é que, não existe garantia de
que a vida no Àiyé ( o mundo natural) seja imune a acidentes, incidentes,
doenças e outros males.
Os Ajogun são os as divindades negativas que existem no mundo, são os
espíritos que causam a morte, a doença, a paralisia, a perda, a fome e outras
coisas. Na cosmogonia Yorùbá os espíritos se dividem à esquerda e à direita
e, os Ajogun, são o mal e ficam à esquerda das entidades do bem e são
entidades apenas do mal.
Observe que não existe na religião Yorùbá o conceito do diabo, de lúcifer,
isso é uma criação cristã, não um existe uma divindade que faz oposição a
deus, Olódùmarè, ele é absoluto e tudo é sua criação.
Dessa maneira a vida no Àiyé (no mundo físico, mundo natural), está sujeita a
“chuvas e tempestades”, não existe na religião nenhuma garantia que teremos
o paraíso na nossa vida na terra e muito menos que existe um ser causador do
mal em oposição a deus. Não existe a quem culpar, não existe mundo ou vida
perfeita.
O mal existe no mundo de forma geral, existe desde que foi criado. Não
existe nesta religião o enorme conflito teológico entre o bem e o mal, com
deus representando o bem e o mal a oposição a ele. O mal existe em diversas
formas naturais e supernaturais, por acidentes ou incidentes.
Não temos também grupos viventes especialmente escolhidos, Olódùmarè é
o deus de tudo, da humanidade, dos animais e plantas, tudo é criação dele e é
ele que mantêm tudo funcionando.
O que Deus faz é dar proteção e correção aos problemas e danos que a
humanidade pode sofrer através do mal, criando para nós a proteção dos
Òrìṣà (Orixá), de Egúngún e o Oráculo de Ifá para nos ajudar em nossa vida,
na hora da necessidade.
A vida, acima de tudo, é uma aventura imperfeita e que pode ser vivida mais
de uma vez. Ela é cheia de emoções, alegrias, decepções, sabores e prazeres,
contudo, sujeita a riscos contínuos.
O segundo conceito muito importante, é uma religião reencarnacionista,
vivemos mais de uma vez, o problema em uma vida é compensado por uma
nova vinda ao Àiyé, não existe a preocupação, na visão desta religião, que
cerca uma vida única. Não temos um destino único ou uma única chance de
viver. Esse ponto é importante e vou voltar nele mais à frente.
Não existe também na religião a garantia de que vamos nascer em corpos
perfeitos e saudáveis, pelo contrário, existe uma explicação teológica e
tolerância divina para que nem sempre os nascimentos sejam perfeitos, o
corpo é resultado de um processo de criação sujeito a falhas probabilísticas
(aleatórias), causadas pelas divindades criadoras.
O processo de ganhar um corpo é sujeito a erros que podem dificultar nossa
vida em diversos aspectos. Em alguns deles a religião ajuda a corrigir, em
outros não.
Estes últimos conceitos são importantes, não existe para ninguém a
imunidade a problemas físicos e também ao mal.
Ao lado das causas naturais de aborto, aquelas causadas por mal-formação ou
doenças e que nada tem a ver com causas supernaturais, existem também as
causas supernaturais, geradas em sua maioria pelas ajé (Àjẹ́) e em menor
parte por outros espíritos perdidos no Àiyé.
Os espíritos Àbíkú serão explicados a frente por que estão ligados a este
contexto de aborto, mas, não podem ser vinculados como causa de abortos
provocados por causa supernatural. A razão será bem explicada, mas
entendam, que para ser Àbíkú a pessoa deve primeiro nascer isso e um feto
abortado não nasceu.
As Ajé (Àjẹ́) representam a causas supernatural mais comuns de abortos e,
apesar de trazerem o mal e o infortúnio, também são criações de Olódùmarè,
deus, e não existe nenhum tipo de preocupação de Olódùmarè em cessar sua
existência. O útero é de ajé e o sangue também.
Àbíkú – aquele que nasce para morrer - é um tipo de espírito que faz parte do
grupo maior chamado Egbe Orun (Ẹgbẹ́ Ọ̀run) (a irmandade do Órun). Esses
espíritos infantis são um objeto muito interessante de estudo, muito mais do
que hoje é feito. Esses espíritos infantis vivem em um espaço entre o Órun
(Ọ̀run) (o espaço divino) e o Àiyé ( espaço terrestre, onde vivemos), uma
floresta divina junto com outros espíritos infantis formando uma comunidade
unida, mas, desgarrada das linhagens familiares.
Por mecanismos pouco claros (indefinidos na religião) esses espíritos
escolhem encarnar, viver no Àiyé e, dessa forma, nascem, mas, trazem
consigo vários problemas omo desajustes e distrações, devido a manutenção
da ligação deles com o Egbe Orun (Ẹgbẹ́ Ọ̀run). O mais sério deles é o
espírito Àbíkú, a criança de nasce para morrer logo a seguir, trazendo, dessa
maneira, infelicidade para a família onde eles escolheram nascer.
O carrego de Àbíkú, como dito no Candomblé, está associado a mãe (não à
criança) e traz muita tristeza e sofrimento. O Àbíkú pode morrer logo após o
parto ou pode morrer ainda criança (doença ou acidente), somente através de
Ifá (possivelmente através do merindinlogun também) pode se determinar
essa ocorrência e, em função disso, tentar trabalhar para que isso não ocorra e
evitar que a criança morra. Existem caminhos para se resolver o Àbíkú mas
existem casos que poderão não ter solução.
Outros casos de Egbe Orun (Ẹgbẹ́ Ọ̀run) não estão associados a Àbíkú, mas,
as crianças que nascem desajustadas a vida no Àiyé e, devido a isso,
enfrentarão dificuldades no seu desenvolvimento como pessoa, não no
aspecto físico, mas psicológico e de aprendizado. Quando se tornam adultos
essa ligação com Egbe Orun (Ẹgbẹ́ Ọ̀run) se interrompe, mas, traz para eles
consequências para sua vida normal no Àiyé. Esses casos são os mais
interessantes visto que são os mais numerosos e isso se refletirá cronicamente
na vida adulta dessas pessoas.
Infelizmente, no Candomblé, criou-se o mito que Àbíkú seria o maior
responsável por mortes de criança e abortos. Não é verdade.
Para ser Àbíkú é necessário nascer e, para nascer, deve-se respirar de forma
independente (será explicado à frente). Dessa maneira um aborto não pode
ser atribuído a Àbíkú porque não ocorreu o nascimento, ele não nasceu.
Não encontrei nenhum mito ou referência oral sobre Àbíkú no qual a criança
morresse por aborto, ou seja, antes de nascer. Todas as histórias fazem
referências a ocorrências após o nascimento, dessa maneira, aborto não pode
ser atribuído a Àbíkú.
Ajé (Àjẹ́), é a denominação de um espírito que é traduzido como bruxas ou
feiticeiras. Outros nomes são empregados, como Ìyamí Oṣoronga, Ìyá Nla ou
Odù (a mítica esposa de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà)) mas erradamente.
Ajé (Àjẹ́) são as feiticeiras comuns e Ìyamí Oṣoronga, Ìyá Nla, Odù ou
mesmo Óxum (Ọ̀ṣún) é o nome da líder deste grupo não um sinônimo.
Ajé (Àjẹ́) é um tema extenso com muitas nuances e como Egbe Orun (Ẹgbẹ́
Ọ̀run) merece ser melhor entendido por todos. Infelizmente aqui não será
abordado, recomendo olhar a bibliografia.
Ajé (Àjẹ́) sempre está encolerizada com a humanidade e é um espírito
relativamente maligno, apesar de ser entendido com um espírito neutro, que
pode fazer o mal ou o bem. Este espírito é o maior responsável pelos diversos
problemas e males que afligem as pessoas.
Quem é de Candomblé já deve ter ouvido falar de Ajé (Àjẹ́) ou de Ìyamí
Oṣoronga. O melhor material e mais completo sobre esses espíritos é do
Pierre Verger, existem outras fontes que o complementam, mas foi Pierre
Verger que elaborou o melhor e, apesar de ser antigo, nada surgiu de melhor
depois.
Eu não discorrerei sobre Ajé (Àjẹ́) aqui, não é a finalidade deste texto. O
importante é que entendam que, existe um espírito maligno chamado Ajé
(Àjẹ́) e que é responsável diretamente pela maior parte dos problemas de
aborto natural que as mulheres sofrem. Se uma mulher tem dificuldade de
engravidar, se perde gestações, se perde sangue, se tem problema no aparelho
reprodutivo, entre outros males, é Ajé (Àjẹ́) que pode ser a responsável.
No Candomblé no passado e ainda hoje, existe uma excessiva associação de
abortos e mortes a Àbíkú, mas, isso não é correto. Primeiro porque a criança
precisa nascer para ser Àbíkú. Segundo porque os problemas de aborto são de
Ajé (Àjẹ́).
É Ajé (Àjẹ́) é quem deve ser responsabilizada pela maior parte dos abortos. A
figura de Ajé (Àjẹ́) é regularmente citada, mas não totalmente conhecida pelo
Candomblé.
O Candomblé tem um problema que é conhecer de maneira geral quase todos
os espíritos da religião, mas, vários sem profundidade e dessa maneira não ter
formula ou liturgia para neutralizar os problemas que eles causam.
Não posso deixar de comentar que existem alguns idiotas brasileiros ou
africanos que enganam pessoas vendendo iniciações e assentamentos de Ajé
(Àjẹ́), passando a mensagem de que são senhoras velhas e respeitáveis. Essas
pessoas são levianas.
Minha informação para vocês é que esses espíritos, Ajé (Àjẹ́) e Àbíkú, são
responsabilizados na religião por abortos, morte de fetos e crianças recém-
nascidas. São causas supernaturais de problemas naturais.
Mas, atenção, como já disse, o aborto natural não deve ser unicamente
atribuído a esses espíritos e muito menos, a religião Yorùbá, associa qualquer
fenômeno no mundo natural a interseção de um espírito (como pode ocorrer
em cultos lúdicos).
Ajé (Àjẹ́) é considerada um espírito neutro, que pode fazer o bem ou o mal,
apesar de estar sempre encolerizada contra a humanidade Ajé é uma forma
neutra. Os Àbíkú não são um espírito negativo como os Ajogun, mas podem
trazer a dor e o infortúnio para mulheres e famílias.
Finalizo aqui com esse resumo:
O aborto natural ocorre e é causado por doenças ou deficiências
físicas inerentes à pessoa. Isso é normal, não existe garantia que
tudo seja perfeito na vida no Àiyé e nem nos corpos que temos.
As Ajé (Àjẹ́) são as responsáveis pela maior parte das causas
supernaturais de abortos naturais.
Os Àbíkú não são responsáveis por abortos.
Os Ajogun também são responsáveis por problemas.
Todos esses espíritos, neutros ou do mal, são criações de Olodumare, deus,
que os tolera como parte do Àiyé.
Dessa forma a morte por aborto não é um tema desconhecido da religião,
pelo contrário, mas um aborto pode ocorrer por causas naturais e poder
diversas causas supernaturais.
Neste contexto, no qual a ocorrência de abortos naturais pode ter causas
supernaturais através de divindades existentes na religião, qual a real para um
ser humano de um aborto provocado?

A questão dos Gêmeos


Não posso deixar de mencionar aqui que o povo Yorùbá tinha um costume
bastante sério que era a morte de um dos gêmeos no caso do seu nascimento.
O nascimento de gêmeos era considerado um mau agouro, como se fosse uma
maldição e ambos os gêmeos eram mortos.
Havia um ditado que dizia, que se um cavalo desse nascimento a 2 potros de
uam vez seria considerado anormal e qualquer ser humano que fizesse o
mesmo estaria em problemas ( Bàbáláwo Fatoogun, Ile-ifé, Nigéria, 1982). A
lenda dizia que os Yorùbá matavam seus gêmeos recém-nascidos no passado
parcialmente porque eles associavam isso a animais e parcialmente porque
um dos gêmeos fosse um espírito companheiro e, assim sendo, um mau
presságio para a comunidade. O destino de uma mãe de gêmeos, de acordo
com algumas fontes (Abimbola-1982, Talbot-1926, Chappel-1974 e Peel-
2000), variava de uma cidade e a outra. Em algumas ela seria morta junto
com seus filhos, em outras enviadas para o exílio. Existem histórias de alguns
pais de mantêm o nascimento de gêmeos em segredo, matando um deles
antes que os vizinhos descubram.
Esta prática foi interrompida durante o reinado do Aláàfin Àjàká (irmão de
Ṣàngó) ou de Òdùduwá os mitos que explicam como isso foi interrompido
são bastante similares, mudando apenas o personagem Àjàká ou Òdùduwá).
Também é incerta a data que isso foi interrompido, mas ainda era praticado
em algumas regiões da terra Yorùbá no século 19.
Porque estou mencionando isso?
Porque a morte provocada de recém nascidos chegou a ser parte de largo
costume desse povo e neste contexto porque deveríamos supor que o seu
povo e sua religião considerassem graves alguém fazer um aborto
provocado?
Como eu disse no início, tal povo, tal religião.
Essa conclusão pode não ser boa ou automática, mas, vai ao encontro de uma
coisa que vou explicar a frente que é a relatividade das ações. As ações não
são absolutamente erradas na religião (bem ou mal, pecado). Alguma coisa,
matar por exemplo, será bem ou mal dependendo do contexto.
Aliás, não posso também deixar de lembrar que o sacrifício humano era parte
dos costumes do povo.

O nascimento do indivíduo
Existe um ponto importante para ser discutido que é o momento em que o
indivíduo nasce.
De acordo com os valores e o entendimento cristão, que domina a sociedade,
a partir do momento em que existe a concepção o novo indivíduo nasce e fica
no ventre da mãe. Nesse entendimento o novo nascido fica 9 meses dentro
daquela barriga, até nascer.
Não vejo esse como o entendimento da religião Yorùbá para esse processo.
Esse é um dos pontos que a religião conflita com a ciência e com outras
religiões e tenho certeza que é o ponto mais polêmico da minha análise.
Lembro que a religião sempre oferece um entendimento alternativo ou
complementar a ciência e nem sempre conflita com esta, é apenas uma outra
visão, a do processo supernatural.
Indo direto ao ponto do meu entendimento, baseado em fontes esparsas (que
não consigo compilar agora para citar sem transformar esse texto em um
longo e monótono texto) e tradição oral (conversa com outras pessoas sobre
esse tema) é que o espírito que vai nascer não passa toda a gestação dentro do
corpo da mulher, o novo espírito vai para la antes de nascer.
O mito da criação do homem por Oxalá (Òṣàlá), diz que a missão de criar os
corpos humanos foi dada por Olódùmarè a Oxalá (Òṣàlá) e que este é quem
molda o corpo humano a partir do barro fundamental. Esse é um processo
que toma um tempo assim como toma tempo a gestação. Esse processo de
criação pode ter falhas, é reconhecido no mito que Oxalá (Òṣàlá) comete
erros na criação do corpo humano e quem nasce com defeitos físicos passa a
ser diretamente protegido por ele. Os mitos não deixam dúvida que pertence a
Oxalá (Òṣàlá) a tarefa de elaborar o corpo.
Posteriormente, através da interferência da própria pessoa que vai nascer
naquele corpo, junto a uma outra divindade chamada Ajalá, ele obtém a sua
“cabeça exterior”, chamada de Orí òde. Esta é a última etapa de sua
caminhada e é feita imediatamente antes de iniciarem a ida para o Àiyé, em
cujo caminho vão sofrer grande tempestade.
Existe, na religião, a diferenciação da cabeça interior, Orí inú, da cabeça
exterior, Orí òde e do corpo, chamado de Orí Apẹ̀rẹ̀, ou sustentáculo do Ori.
À cabeça é dada a maior importância no indivíduo, é a sua parte mais alta,
mais próxima do Órun (Ọ̀run).
Orí é um conceito amplo e vamos ter que restringir sua abordagem aqui neste
texto. Entendam que o Orí inú, a cabeça, traz o indivíduo em sí, traz as
ferramentas que essa pessoa recebe de Olódùmarè para ter sucesso na vida
que pediu a ele e traz também a ligação com seu Orixá (Òrìṣà) e com sua
linhagem (através do Aporí). Orí inú une o contexto passado com o futuro.
Esta área, Orí e destino, é bem complexa e, até mesmo, confusa da teologia,
mas, sem complicar, posso citar que existem mitos que explicam que as
pessoas antes nasciam sem cabeça e depois ganharam a cabeça, que nasciam
sem face (todas iguais) e depois ganharam a face (ver em Lawal), tudo isso
gradativamente através da intersecção de diversas divindades, explicando
assim, através dessas metáforas, a evolução e os vínculos das pessoas com
essas divindades.
A escolha do Orí inú é uma missão muito importante e deve contar com a
ajuda de outros parentes no Órun (Ọ̀run) (mundo espiritual). Na verdade,
existe pela religião, solidamente documentado em Ifá em na tradição oral, um
importante processo litúrgico que deve ser feito no Órun (Ọ̀run) pela pessoa
que vai nascer novamente. Esse processo é para garantir o seu sucesso na
vida.
A pessoa antes de nascer vai a Olódùmarè, deus, para combinar com ele os
seus objetivos nessa vida, nesta encarnação. É deus que concorda com seus
objetivos e pode adicionar mais alguns (existem 3 tipos de objetivos, ou
destinos, que a pessoa recebe), dando a pessoa os instrumentos divinos para
realizar o que ela se propôs.
Por fim, está muito bem documentado em um mito, que é Olódùmarè o único
que pode dar a vida a uma pessoa. Depois que Oxalá (Òṣàlá) criou o corpo e
ele já passou pela sala de Olódùmarè e recebeu seus destinos e axé (Àṣẹ́), ele
passa em Ajalá e recebe o receptáculo que vai proteger o seu Orí inú, por fim
é Olódùmarè quem dá o sopro divino, o Èémí , que é nossa respiração e com
ele a vida (Émi (Ẹ̀mì)). É o Èémí que mostra que existe a vida - Émi (Ẹ̀mì)
naquele corpo de forma que não existe Émi (Ẹ̀mì) sem Èémí (Idowu –
Olodumare God in yoryba belief – pag. 169).
Essa estrutura é muito consistente e aceita pelos principais estudiosos e
acadêmicos da teologia Yorùbá, Èémí mostra que existe Émi (Ẹ̀mì) no corpo.
Por essa razão a minha afirmação de que o corpo da criança, dentro do corpo
da mãe não tem Èémí e sem Èémí não existe Émi (Ẹ̀mì) que é a vida.
Assim sendo na visão desta religião enquanto dentro da mãe o que alimenta o
corpo é a própria mãe é o seu Èémí e por esta razão a criança dentro da mãe é
uma parte dela e não um indivíduo.
É Olódùmarè nos dá o seu axé (Àṣẹ́), a centelha divina que somente
Olodumare pode dar e que cada um ser vivo tem.
Não posso deixar de mencionar, como parte desta teologia, que existe ainda
uma jornada entre o Órun (Ọ̀run) e o Àiyé que é feita por quem vai nascer e
que a última etapa é passar pelo portão do Órun (Ọ̀run), momento em que
somos interpelados por uma divindade chamada Onibode, o porteiro do Órun
(Ọ̀run) e do Àiyé. Nesse momento nós falamos com Oníbodè como será nossa
vida e quando vamos retornar naturalmente ao Órun (Ọ̀run) (quando
morreremos).
Sem poder aqui explorar esse conjunto muito interessante de mitos que
explicam de forma bastante harmônica e suave a integração da visão
supernatural com a própria visão natural (real) da vida, eu tenho que destacar
que:
É claro o trabalho independente de Oxalá (Òṣàlá) na criação do
corpo.
É cristalino que a cabeça, Orí inú, é uma parte importante do
processo pré-natal no Órun (Ọ̀run) e seu axé (Àṣẹ́) é obtido pela
pessoa junto a Olódùmarè.
Que existe uma jornada entre o Órun (Ọ̀run) e o Àiyé.
Somente Olódùmarè nos dá a vida, através do seu sopro.
Dessa maneira, prestem atenção na minha interpretação e afirmações:
A formação do corpo é um processo separado e sujeito a
falhas, mas o copo é um receptáculo vazio sem o Orí inú
(cabeça interior), sem o Émi (Ẹ̀mì) e sem Èémí, o sopro
de vida de Olódùmarè.
A cabeça interior (a que contêm de fato a essência do indivíduo) é
escolhida à parte da criação do corpo físico e é um, processo
separado e especial.
O processo de escolha dos objetivos de vida (destino) e da sua
capacidade para isso é separado do processo de criar o corpo, na
verdade não tem nenhuma relação.
O indivíduo somente nasce de fato quando recebe o Èémí de
Olódùmarè, o sopro da vida.
O corpo que está sendo gerido vagarosamente ao longo dos 9 meses é apenas
um corpo mesmo. Enquanto gerido no útero não existe individualidade o
corpo vai sendo construído por Oxalá (Òṣàlá) e na verdade é parte do corpo
da mãe.
No fim do processo, com o corpo formado, o indivíduo entra no corpo
formado (fim da jornada) trazendo a sua essência (Orí inú). Quando ele
nasce, recebe o sopro da vida de Olódùmarè e ai passa a ser um indivíduo
independente.
Desta forma, de acordo com essa visão abortar um corpo não formado e não
nascido, no início de gravidez afeta apenas a mãe, não existe indivíduo e nem
vida autônoma.
Quando o recém-nascido respira pela primeira vez, ele se transforma no
indivíduo independente do corpo da mãe.

A ligação do aborto provocado com Àbíkú


Apesar da tese que eu apresento de que o aborto provocado, sob o ponto de
vista teológico não se trata de uma violação ética e de que a criança dentro do
corpo da mãe não é um indivíduo ainda, um ser vivente por ser parte do
corpo da própria mãe e da impossibilidade do corpo da mãe de ter 2 espíritos
e 2 almas, resta a questão das consequências deste ato de realizar um aborto.
As evidências de que de acordo com o modelo metafísico da religião o novo
espírito ainda não está na criança no útero foram apresentadas, alguns podem
ou não concordar, mas, é o que está na religião.
Apesar dessa proposta retirar da mãe a responsabilidade ética por ter feito um
aborto provocado, perante a religião ou perante a deus, não a exime da
principal consequência direta desse ato e que está ligada a formação da
sociedade Egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Reforçando, essa posição de que o ato do aborto afeta apenas a mãe, isso é
uma tradição oral no Candomblé. No Candomblé se associa casos de abortos
posteriores como tendo origem em um aborto inicial, assim, uma mãe que
aborta, pode trazer para si o que se chama de carrego de Àbíkú e passa a ser
assombrada por esses espíritos e isso é marcado pelo evento inicial.
Apesar de eu afirmar, baseado em pesquisas, que os problemas de aborto
naturais são provocados por ajé e não por Àbíkú, sem dúvida a ocorrência de
um aborto provocado, segundo a tradição oral do Candomblé, pode trazer
para a mulher o carrego de Àbíkú.
Repito, nem tudo que é dito ser Àbíkú é Àbíkú, mas eles de fato ocorrem e de
fato podem estar associados a esse tipo de ato. Repito também, as causas de
Àbíkú, em acordo com a teologia conhecida em versos são incertas, a análise
desses versos pode levar a propostas, mas, elas serão baseadas na
interpretação do que está nos versos e na tradição oral. A tradição oral,
aquelas informações que as pessoas passam de umas para as outras indicam
que provocar um aborto é um gatilho.
O meu conhecimento prático desta questão casos que vi indicam de fato esse
temor.
Isso reforça, como eu disse, a afirmação anterior de que fazer o aborto é uma
questão da mãe e não existe crime, junto a religião de que ela será punida por
matar alguém, o que existe junto à religião é que ela impede que alguém que
nasceria, nasça desta vez, é um ato dela e, assim como, as consequências são
dela e não de quem ia nascer.
Não estou afirmando que esse carrego de Àbíkú ocorra sempre, mas pode sim
ocorrer. Amenizo lembrando que quando isso ocorre existem instrumentos na
religião para se lidar com isso.
Neste ponto cabe uma diferenciação importante entre a religião Yorùbá e a
religião cristã.
A religião cristã é baseada em uma dicotomia que divide o mundo entre o
bem e o mal. As coisas são governadas por deus ou pelo diabo. Com este
conceito infantil de mundo e religião, os europeus, conquistaram os povos e
os converteram ao seu pensamento.
Para a religião Yorùbá as coisas não são boas ou más. Tudo é relativamente
positivo ou negativo, dependendo da situação e posição de cada pessoa.
Dessa forma, matar não é necessariamente ruim, depende da situação. Assim
tudo é relativo. Por essa razão não existe o sentido de pecado baseado em
valores absolutos, mas existem leis. Isso não torna a religião simples, pelo
contrário, existem centenas delas de leis e regras que podem ser diferentes
para cada pessoa, lugar ou coisa e que direcionam a éticas das questões.
A grande gravidade ligada ao aborto tem sida a de causar a morte de uma
pessoa e que o feto na verdade já é uma pessoa e o aborto é um assassinato.
Este é o resumo da gravidade que tem sido associada ao ato de abortar, está
se tirando a vida de alguém. Assim, depois de ter passado várias informações
de base vou abordar agora essa gravidade e a ética envolvida.
Relembrando, conforme expliquei, sob o ponto de vista da teologia de Ifá,
não é possível dizer que ao fazer o aborto está se assassinando a vida. Em
acordo com a religião o feto não é uma vida e não possui um espírito. O que
caracteriza isso é que a criança nascida, separadas da mãe, receber o sopro de
vida de Olódùmarè, o Èémí. A partir do Èémí nosso corpo passa a ser o
receptáculo do Émi (Ẹ̀mì), nosso espírito e que dá vida ao corpo. Cuidado
com as palavras e significados, elas são muito similares, mas significam
coisas diferentes, que se complementam.
Assim, a morte, como caracteriza a religião somente ocorre após existir a
vida reconhecida e esta religião somente reconhece a vida após o corpo
gerado ser preenchido pelo Émi (Ẹ̀mì). Essa visão é distinta da religião
católica que adotou sua posição dizendo que o feto já é vida. Quem está
certo? Nunca se sabe ao certo, mas, a posição desta religião eu posso explicar
em detalhes conforme eu fiz, a da religião católica não pode ser explicada, é
resultado de uma manifestação deles dizendo, é isso e ponto final.
Claro que isso é apenas a posição teológica, a sociedade civil se guia por suas
regras e pode compactuar ou não com uma posição teológica. O que estou
tratando aqui não é de leis civis, estou tratando de ética humana baseada em
teologia. A ética humana que veio da religião, seja qual for a religião é
antecedente a ética civil e por toda a história da humanidade serviu para guiar
as pessoas independente do governo civil que as domine. Governos vivis são
mais ou menos ou muito ruins e são criados e extintos de acordo com seu
destino e a vontade das pessoas. A ética que veio da religião sempre foi
perene a orientar e estruturar a sociedade humana. Se somos uma
humanidade devemos isso a ética religiosa e não as leis civis. Cada um pense
nisso e decida o que é mais importante.
Não podemos nos esquecer que de acordo com todas as religiões, a vida no
Àiyé, no mundo natural, essa nossa vida é temporária, aqui não é nossa casa
permanente e nossa alma é perene. Nosso corpo é temporário e vai durar um
tempo qualquer. A alma permanece e as religiões renascimentistas, que são a
maioria, dizem que viveremos várias vezes. Com esse aspecto morrer é
apenas reiniciar o ciclo.
Contudo a estrutura das religiões em geral e dessa em especial, não permitem
que a vida se torne um parque de diversões ou um jogo de vídeo game onde
você morre revive a seu bel prazer. De acordo com a religião, o que importa é
como você vive, o que você faz os seus atos. Nossa obra é a forma como
vivemos e não o que deixamos aqui e isso será pesado junto a deus quando
voltarmos para o nosso espaço permanente no Órun (Ọ̀run).
Nesse sentido matar em sí não é o problema, o problema é o que nos levou a
isso, as razões disso. Usando como referência a religião católica, essa que
caracteriza o aborto como um crime de morte e por isso mesmo um pecado
capital, basta lermos a bíblia, a história dos judeus. Jeová, deus conforme os
judeus, para poder atingir seu objetivo de elevar ou proteger os judeus, matou
aos milhares ou milhões. As pessoas, seres viventes, vidas que ele mesmo
havia criado morriam como moscas em volta dos judeus, seja pelas mãos dele
(?) ou seja pelas mãos dos judeus.
Todo mundo sabe a parte da história passada no Egito, quando milhares de
pessoas morreram com as pragas lançadas contra o povo do Egito. Pessoas
inocentes morreram, crianças morreram para que os judeus fossem libertos.
Não vi deus preocupado com pessoas morrendo, lembrando que todos os
serem viventes são filhos e criação do próprio deus. Posteriormente, os
judeus em seu caminho destroem cidades, derrotam exércitos e matam mais
milhares na ponta da espada. Quando chegaram a Canaã, após mais de 40
anos para fazer um caminho que dura 9 dias de caminhada, deus manda os
judeus matarem todas as pessoas que já habitavam aquelas terras, os
cananeus, sim, ele mandou matar todo mundo, homens, mulheres e crianças.
Mandou matar para os judeus ocuparem o lugar que era deles. Não estou
inventando nada disso, tudo isso esta na bílblia.
Mas, o que quero dizer com isso? Que não observo nos atos desse deus de
amor, segundo os católicos essa enorme preocupação com a vida como seu
fosse algo definitivo e que não pudesse ser perdido. Me parece uma
preocupação muito pequena. Em ifá é a mesma coisa, nos versos existem
várias histórias que terminam com a pessoa que fez o mal ou o errado sendo
punida com a morte.
Repetindo, onde quero chegar? Que a interpretação disso nos leva a
confirmar que de fato a vida é temporária, que viveremos várias vezes, que a
alma é perene que a vida física se renova em ciclos. Assim, volto ao meu
ponto, o que importa são nossos atos, nossas motivações, o que nos levou a
fazer aquilo. É por isso que seremos julgados e condenados onde realmente
importa que é o Órun (Ọ̀run).
Espero que não estejam confusos com essas questões teológicas e essa
discussão sobre vida e morte ou mesmo entendo que sou um defensor de que
matar não é um problema. Não é nada disso, mas refletir sobre as coisas e
buscar a essência nos leva a essas divagações. O que quis mostrar é que não
podemos condenar abortos apenas por serem mortes de seres vivos, como os
católicos se posicionam, na minha opinião eles não pararam para pensar no
assunto. Eles tratam do tema aborto provocado apenas sob esse aspecto
unilateral e, mesmo na religião deles, isso seria motivo para se pensar um
pouco.
O meu ponto, repetindo mais uma vez é, o que importa é razão, a motivação e
a intenção. Mas, este capítulo adiciona o fator mais importante a essa
conversa, independente da ética existe algo que você jamais se livrará que é a
consequência do que faz.
Desta maneira a gravidade ou não do ato de abortar, em relação às
consequências, dependerá das razões e situação e não do ato em si. A mulher
poderá não ter nenhuma consequência com sua decisão ou poderá arrastar
para si o carrego de Àbíkú, tudo depende da situação e motivação, ou seja, o
contexto.
Atenção porque eu tenho comentado sobre esse carrego de Àbíkú, mas, o
mais grave é o que a mulher pode estar fazendo contra o espírito que ia
renascer e é sobre a gravidade disso que vou abordar agora.
Ao abortar, o espírito que saiu do órun (Ọ̀run) não terá mais o corpo para
ocupar e poderá ficar perdido no Àiyé. Isso nem sempe é uma certeza, mas
poderá ocorrer. Esses espíritos, perdidos, que saíram do órun (Ọ̀run) mas não
nasceram, ficam no que chamamos de Ìrònà, um espaço supernatural que faz
parte do Àiyé e que existe junto do mundo natural que nós vivemos.
No Ìrònà esses espíritos se reúnem ou se agregam, no que a religião chama
de sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), que é composta de almas infantis que
se perderam no Àiyé e não retornaram ao órun (Ọ̀run). Esse grupo de
espíritos, mais do que apenas camaradas, formam laços familiares entre eles
que substituem os laços familiares normais que teriam e que foram perdidos
com a sua morte e a ida para o Ìrònà e, desta forma, eles são extremamente
unidos pela fraternidade, unidos pela solidariedade.
Nesse grupo estarão os espíritos que perderam o seu rumo devido ao aborto
mas também outros casos como criança que morreram de acidentes
provocados por elas, mortas pelos pais e outros casos diversos que
caracterizam duas coisas, uma é o não cumprimento do tempo de vida que foi
estabelecido junto a deus devido a ação do próprio espírito, que é o caso dos
suicidas e dos que desperdiçam a vida. O segundo é o caso das crianças que
morreram em situações de rejeição grave, elas são rejeitadas pela família,
onde se enquandram os abortos provocados e os fraticídios, abusos, etc.
Os abortados provocados são vítimas de rejeição familiar. Podem existir
casos de abortos por motivo terapêutico e que podem até ser positivos para o
próprio espírito que ia renascer, evitando este espírito de ficar aprisionado em
um corpo defeituoso. Esse aspecto aqui é bem interessante de ser explorado.
De acordo com esta religião ninguém nasce para ser infeliz, todos nascemos
para ser felizes para realizar coisas. Nesse contexto eu não consigo entender
como natural um espírito optar por nascer em um corpo defeituoso. Algumas
religiões ou seitas acreditam que nascer com problemas é uma opção, eu não
acredito nisso, não no que vejo nesta religião.
Assim abortar uma gestação devido a se saber que a criança nascerá com
defeito ou sequelas não é um ato de egoísmo da mãe ou pai, é um ato de
solidariedade com o espírito que nasceria e que não ficará aprisionado em um
corpo inútil ou prejudicado sendo passível de uma existência infeliz. Nesses
casos fazer o aborto, envolve algum risco, mas é uma misericórdia com esse
espírito que certamente será novamente acolhido no órun (Ọ̀run).
De novo, trata-se de minha avaliação sobre o que eu estudo. É minha análise,
minhas conclusões e minha opinião. Cada um julgue no que acreditar.
Existem causas eticamente aceitáveis, como expliquei, mas, em geral, abortar
um filho é na maior parte das vezes uma rejeição. A gravidade disso poderá
ser relegar esse espírito a ficar no Ìrònà, como um fantasma, esperando o seu
tempo de vida ser atingido para ele poder voltar ao órun (Ọ̀run).
A sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) fica localizada no Ìrònà um o espaço
entre o órun (Ọ̀run) e o mundo físico (natural) que é uma parte do Àiyé. O
Àiyé é um conceito mais amplo ele inclui o mundo natural, onde moramos
como renascidos e também um espaço supernatural que envolve esse mundo
físico. Esse espaço supernatural é habitado por vários outros seres
supernaturais como as ajé (Àjẹ́). Assim existe um espaço supernatural que
interage diretamente com o mundo natural e existe um outro espaço
supernatural superior, o órun (Ọ̀run), que é dimensionalmente separado e
onde ficam as divindades superiores, como os Orixá e para onde vamos
quando renascemos.
Estarem localizados nesse espaço intermediário coloca a sociedade dentro da
capacidade de ter influência sobre os seres vivos sem terem renascidos.
Assim, eles podem existir no Àiyé e interferir na vida das pessoas, como é
descrito nos mitos, através de sonhos, pesadelos, acidentes e comunicação. A
interferência deles é muito mais direta e intensa do que os Orixá que ficam
localizados no órun (Ọ̀run). Nisso reside o enorme potencial de causarem
problemas.
O que ocorre é que, como explicado, esses espíritos infantis que compõem o
egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) perdem o vínculo com suas famílias devido a
rejeição e guardam, fortemente, a memória do sofrimento e da rejeição. Uma
das coisas que os espíritos que estão no Ìrònà não passam é pela árvore do
esquecimento, porque a árvore do esquecimento surge quando os espíritos
vão do órun (Ọ̀run) para o Àiyé. Mas os espíritos que vão do Àiyé para o
Ìrònà não passam por ela. Assim no Ìrònà eles vão se lembrar do que
sofreram na sua vida e da rejeição pela qual passaram que os deixou no
Ìrònà.
Esses companheiros, todos, compartilham do mesmo sentimento de rejeição,
da mesma violência que sofreram pela rejeição e eles criarão nessa nova
convivência um vínculo muito especial de amor, compreensão e proteção.
Mas, eles não podem ficar o resto de sua existência no Ìrònà, merecem uma
nova chance e o Ìrònà é um espaço e período temporário. Eles não estão,
realmente, abandonados no Ìrònà. Os Orixá (Òrìṣà) estão com eles. Quando
um Orixá (Òrìṣà) decide que é hora de um deles renascer, haverá, por vezes,
um conflito interno em alguns deles com essa definição de renascimento,
porque, alguns desses espíritos, podem não querem voltar a essa vida no Àiyé,
principalmente os que guardam a memória dos maiores sofrimentos e perdas.
Eles guardam esse sofrimento, não querem de novo passar por isso e querem
se manter na segurança de sua nova família os seus, bons, camaradas no egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) até voltarem para o órun (Ọ̀run).
Isso não ocorre com todos do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), uma parte apenas
desenvolve essa reação e são esses que se transformam nos Àbíkú. Apesar
dos Orixá (Òrìṣà) os designarem para renascer, eles farão de tudo para voltar
para os seus amigos no Ìrònà.
Os Àbíkú em sua dor, seu medo, seu rancor e em seu sentimento de rejeição,
os faz não aceitarem a nova vida e eles se buscam a morte prematura para
voltar a ficar junto da sua “família” formada pela sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run). Esse processo os transforma em um grande mal para as famílias que
os recebem que sofrem com as gestações e mortes prematuras.
Mas o que nem todos precebem é que existem 2 sofrimentos, o do espírito
que é levado a renascer e o da família que o recebe, ambas as dores são ruins
e ambos sofrem de forma distinta.
Desta forma, provocar aborto pode trazer para quem faz a sombra do Àbíkú.
Isso é uma consequência do seu ato. Não ocorrerá 100% das vezes porque,
Àbíkú é uma ocorrência específica ligada ao trauma que o espírito teve.
Apesar de que depois de um aborto provocado o espírito poder ir ao Ìrònà,
isso não é uma certeza, ele poderá retornar ao órun (Ọ̀run) ou, então, no
Ìrònà, ser encaminhado para um novo nascimento através das mãos dos
Orixá (Òrìṣà).
O espírito virar um Àbíkú é uma possibilidade, uma ocorrência, assim como
seu ato poderá não ter consequências graves para você. Mas, repetindo,
mesmo que provocar o aborto não seja uma violação ética de assassinato, a
consequência de seus atos sempre será sua e isso pode ter consequências para
você. Você poderá não ter que responder por essa morte juno a deus, no
julgamento do pós-vida, mas, poderá sofrer com o Àbíkú.

A benção de filhos
A primeira coisa que qualquer Bàbáláwo poderá dizer sobre o tema do aborto
provocado na religião é que para essa religião, filhos são uma benção.
Sim, isso mesmo, filhos são considerados uma benção divina. Um dos
maiores motivos que leva mulheres a Ifá é a fertilidade, ter filhos.
Isso não é colocação minha, está fartamente documentado em versos e faz
parte de qualquer explicação sobre a sociedade Yorùbá.
Como citei, não encontramos na religião, citações diretas ao aborto
provocado, mas, sabemos que filhos são valorizados demais. Esta é uma
contribuição inegável de Ifá a esta discussão visto que este tipo de
entendimento veio com Ifá não fazia parte do conhecimento do Candomblé.
Os filhos são uma benção equivalente a ter casa, mulher, dinheiro, saúde.
Mas, porque ter filhos é assim tão especial na religião?
Trata-se de 2 coisas, uma questão teológica e outra cultural.
No aspecto cultural temos que lembrar que essa religião tem origem em um
povo rural, fazendeiros. Em sociedades rurais ter filhos era importante para
poder tocar o negócio da família ou a própria subsistência. Além disso os
filhos é quem garantiam o suporte aos pais quando esses envelheciam. Dessa
forma filhos são sempre uma benção nesse tipo de sociedade.
Pelo lado teológico, é uma religião re-encarnacionista e que acredita que a
família permanece unida, seja no Órun (Ọ̀run) como no Àiyé e, assim, as
pessoas re-encarnam, voltam ao Àiyé para uma nova vida, através dos seus
próprios descendentes. Se uma pessoa morre poderá voltar em gerações
seguintes em seus tataranetos.
Com esta filosofia é muito importante que você tenha filhos, vários, para que
possa mais tarde voltar a viver no Àiyé. Se você não deixa descendentes
diretos vai depender de oportunidade em descendentes de parentes.
Esse aspecto deve ser levado em conta antes de decidir pelo ato de abortar.

A visão da vida como um ciclo


Também de acordo com essa filosofia a vida é algo passageiro e um ciclo que
se renova e se repete, uma vida que não deu certo será substituída por outra
vida. Não existe na visão desta religião do fatalismo espírita de que
encarnamos para evoluir, para sofrer e tal.
Olha, não existe essa de religião certa, ninguém sabe, cada religião é, na
verdade, uma proposta de ver a vida e adicionalmente, as mais profundas e
especiais trazem conhecimento de como se comunicar com o divino e usar o
supernatural para te ajudar na vida. Cada pessoa deve escolher com qual
visão de vida se enquadra melhor, ou seja, com qual visão metafórica ele
pretende viver. Isso é o básico da religião.
Estará mais certo aquele que se sentir de fato conectado com o divino,
assistido e respondido em suas dúvidas, anseios e ajudas. No caso da religião
Yorùbá, com o Candomblé e com Ifa, eu posso dar meu testemunho pessoal
de estar 100% atendido. Tenho retorno do divino, tenho resposta e contato. O
divino, deus, não é alguém distante que responde com silêncio às minhas
preces, ele responde com resultado e ações à minha Fé.
Não tenho dessa maneira como dizer que esta religião está errada, pelo
contrário, minha fé e o retorno que tenho dela me fazem dizer que esta
religião está certa. Se ela é uma religião verdadeira que não engana minha fé
com silêncio e crença no inatingível e a perspectiva de que só vou ser feliz
depois que morrer, então tenho que dar continuidade a minha fé e crer nos
dogmas e teologias, mas, principalmente da esperança de vida que ela me dá.
Nesse sentido sou sim compelido a acreditar que vivemos porque gostamos
de viver, vivemos porque a vida é uma aventura, uma experiência
gratificando de emoções, prazeres, realizações e sabores. Acredito que
vivemos e voltamos a viver porque queremos estar aqui, no Àiyé, com nossa
família.
Ao seguir esta fé nesse modelo, a gente entende que a vida é importante, mas
se renova e que morrer é esperar um novo ciclo.
A morte, Ikú, é uma divindade masculina, criação de Olódùmarè e presente
em vários mitos e versos de Odù. Existem muitas histórias importantes com
Ikú, a que gosto mais (apesar de não ter a fonte) é que diz que quando
Olódùmarè deu a Oxalá (Òṣàlá) a missão de criar a humanidade, as pessoas,
Oxalá (Òṣàlá) precisou de barro para fazer o corpo das pessoas. Era
necessária a matéria-prima para fazer os corpos, o barro e Olódùmarè
ofereceu essa função a todos os Orixá (Òrìṣà), mas, quando iam pegar o barro
chorava dolorosamente e nenhum deles teve coragem. Somente Ikú foi quem
teve coragem de pegar barro para Oxalá (Òṣàlá), não ouvindo as lamentações
do barro, mas Ikú ficou encarregado de devolver ao barro a porção que ele
retirava para fazer os corpos. Essa é a razão pela qual é a morte que leva a
vida das pessoas e devolve para o barro e também a razão pela qual os mortos
yorùbá devem ser enterrados.
Dessa maneira, morrer não é um mal, as pessoas morrem por muitos motivos.
Nos versos de Ifá existem mortes como punição por males e erros. A morte
não é uma exceção, é, na verdade, alguma coisa muito natural. Lembro que
existiam sacrifícios humanos, eram raros e especiais, mas, haviam e eles
acabaram com a colonização europeia.
Como já foi citado aqui, os Yorùbá, como muitos povos fizeram sacrifício
humano e já tiveram a cultura de matar os gêmeos devido a ele serem sinal de
mau agouro. Nos versos de Ifá é bastante comum as pessoas serem
condenadas a morte devido a atos errados que praticaram.
Não é uma crítica, mas um povo que tem na morte um ato tão banal e parte
de sua cultura e história não pode ter, na sua religião, no aborto provocado
como um ato errado por si só.
Isso tudo tem a finalidade de concluir que a forma como essa religião vê a
morte é muito distinta da forma como outras religiões a veem. Matar não é o
erro, o problema é o que levou a isso.
Bibliografia recomendada:

Awolalu, J. Omosade - Yorùbá beliefs & sacrificial rites


Magesa, Laurenti – African Religion
Parrinder, Geofrey – West African Religion
Parrinder, Geofrey – african Mythology
Mbiti, John S. - Introdution to African Religion
Mbiti, John S. - African Religions and philosophy
Marins, Luiz L. - Obatala e a criação do mundo Ioruba
Ogunsina Adewuyi, Babatunde Olayinka – Obatala the greatest and oldest
divinity
Lawal, Babatunde – Visions of Yorùbá
Lawal, Babatunde – Gelede spectacle
Drewal, Pemberton, Abiodun – Yorùbá nine centuries of art and thought
Idowu, I. Bolaji – Olodumare God in yorùbá belief
Idowu, I. Bolaji – African traditional religion
Abimbola, Wande – An exposition os Ifa literary corpus
Abimbola, Wande – Sixteen Greats poems of Ifa
Elebuibon, Yemi – Healing power of sacrifice
Peek, Philipe – Twins in african ans diaspota cultures
Chemeche, George – Ibeji the cult of yorùbá twins
Salami, Ayo – Yorùbá theology and tradition – The worship
Cuoco, Alex – African Narratives of Orishas, spiritis abd others dieties
Moura, Marcondes – As senhoras do pássaro da noite
SINOPSE DESTE LIVRO
Este é um livro que explica amplamente, sob o ponto de vista teológico, a
existência do que é chamado de “A Sociedade Egbé (Ẹgbẹ́) Órun (Ọ̀run)”
a qual têm, entre os seus membros, os Àbíkú, os nascidos para morrer.
Entender a sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é um importante caminho
prático desta religião, uma utilidade real da religião para a sociedade,
permitindo-nos cuidar da vida das pessoas quando ainda crianças, para
resolver problemas e salvar a vida desses futuros adultos, não se trata
apenas de um tema teórico ou alegórico.
Dentro desta religião Yoruba, baseado nas informações que circulam,
muitos consideram o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e, principalmente, os
Àbíkú, como um componente do mal teológico desta religião, contudo,
com o tempo, o que se abriu para mim foi o contrário, de verdugos
passaram a serem vítimas do mal humano.
A sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é composta por almas que morreram
ainda crianças, por causas diversas, mas que, nesse processo, sofreram a
rejeição da família onde estavam. São vítimas dos próprios pais, sendo
assim, espíritos que foram “amaldiçoados” pelas famílias originais com a
rejeição. Devido a isso elas não retornam ao órun (Ọ̀run), ficam em um
espaço intermediário chamado Ìrònà, um espaço espiritual entre o mundo
que natural (muitos chamam de astral) que vivemos e o órun (Ọ̀run), o céu
espiritual. Neste espaço, elas criam novos laços familiares com seus
companheiros de mesma sina, fomando então a chamada “sociedade egbé
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)”.
Essas almas são trazidas ao renascimento, para uma nova vida, pelo amor
dos Orixá, porém, elas trazem consigo os traumas da experiência anterior e
a forte relação (familiar) que desenvolveram entre seus iguais da sua
“sociedade”. Esses dois fatores trazem muitos problemas para o
desenvolvimento da criança, como transtornos comportamentais e atraso
no seu desenvolvimento e podem levar tratamentos médicos longos,
remédios fortes e acabarem se tornando adultos problemáticos e
frustrados.
O maior benefício deste livro é ensinar isso, como entender, identificar e
lidar com crianças problemáticas oriundas da sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run), para que seu crescimento seja normal e possam ser melhores
adultos.
Você vai entender que não existe apenas a saída mágica ou melhor, que
não existe uma saída mágica e que esse problema se resolve
principalmente com amor.
Nesse livro você vai ter a oportunidade de mudar o que conhece sobre esse
assunto nesta religião e entender como essas novas informações poderão
ajudar com as crianças de forma geral. O livro foi feito de acordo com a
teologia da religião Yoruba e contêm explicações, análises e versos de Ifá.
Além disso esse livro é um profundo mergulho na teologia desta religião,
você terá a oportunidade de conhecer e se aprofundar em diversos temas.
Todas as explicações e argumentos são feitos baseados no que essa
religião é de verdade.

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