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Abstract: This paper analyzes, in a comparative way, the stories of Persephone, from
Greek mythology, and Bertha Mason, from the novel "Jane Eyre" (1847) by Charlotte Brontë,
with the aim of comparing their abductions and briefly linking them to complexity of the
female condition over time. Both narratives, despite being distant in time, have as their main
notable parallel the kidnapping of the protagonists due to different reasons that direct them to
subsequent seclusion in inhospitable environments. That way, points of confluence and
contrast must be highlighted in the dialogue between the characters, highlighting the idea that
the stories can reflect, in a certain way, women's struggle for freedom, identity and autonomy
in different cultural and social contexts. In order to fulfill these objectives, we refer to studies
on myth and reality according to Mircea Eliade (1978), as well as, to a lesser extent, to
theoretical reflections on the origin and advances of feminism, as postulated by authors such
as Daflon and Sorj (2021), Sandra Gilbert and Susan Gubar (1979), among others.
Keywords: Persephone, Bertha Mason, Feminine Complexity, Greek Mythology.
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Mestranda em Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: bueno.lb@gmail.com.
1. INTRODUÇÃO
Estudar a importância do mito se faz necessário para a melhor compreensão da história
primordial do homem, uma vez que o mito desempenha um papel multifacetado na vida
humana desde a antiguidade à modernidade, da origem ao contemporâneo, ajudando a moldar
e transmitir valores, explicar o mundo e fornecer uma rica fonte de inspiração e entendimento.
Isso porque o mito está diretamente atrelado a questões culturais, sociais, religiosas, e pode
ser ligado ao âmbito literário de modo a explorar aspectos do pensamento mítico presentes
nas personagens.
Para a melhor compreensão e definição de mito, faz-se necessário que primeiramente
se retorne às origens, ou seja, ao mito primitivo. O mito não possui uma definição engessada,
única, exclusiva. Sua definição é ampla, e segundo Eliade (1978, p. 9), o mito narra como,
graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade
total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: ele relata de que modo algo foi produzido e
começou a ser. Assim, o mito é considerado uma história sagrada e, portanto, uma “história
verdadeira”.
Ao analisar mitos como de Prometeu, Zeus, entre outros, é não apenas viável extrair
suas lições, mas também estabelecer um diálogo e forjar conexões com outras divindades que
estão intrinsecamente entrelaçadas nas narrativas por razões mais profundas. Esses deuses e
deusas desempenharam papéis significativos na evolução da história e contribuíram para
moldar outras narrativas, permitindo-nos acessar os mitos femininos que conquistaram seu
lugar em um espaço historicamente dominado pelo gênero masculino.
De acordo com Agha-Jaffar (2002, p. 15), “um mito só se torna uma entidade que
respira quando o despojamos da sua cobertura superficial e lhe permitimos revelar as suas
muitas camadas de significado e interpretação”. Ou seja, só penetrando nas suas profundezas
ocultas poderemos começar a decifrar as formas como o mito continua a abordar as
preocupações perenes da humanidade.
É neste encalço que pensamos o mito de Hades, o deus do submundo e, portanto,
guardião do lugar que recebia as almas dos mortos. Irmão de Zeus, casou-se com Perséfone
logo após sequestrá-la para o submundo com ele e, assim, tornou-se a deusa grega reinante no
inferno. Entre as narrativas mitológicas gregas mais renomadas e amplamente reconhecidas
que fornecem um insight valioso sobre a natureza humana, em particular sobre o papel da
mulher, destacamos o mito de Perséfone e Hades por encapsular conceitos profundos que
oferecem uma visão substancial sobre a condição feminina.
Ao longo da história, esse mito tem sido analisado sob diversas perspectivas,
interpretações e enfoques, permitindo sua conexão com estudos sobre a experiência feminina
e a busca com as mais diversas intertextualidades. Essas abordagens exploram temas como o
enclausuramento, a renúncia, a marginalização da mulher e até mesmo a rotulagem como
"louca" quando ela não se conformava com as normas sociais estabelecidas.
“Deus! Que grito! A noite – seu silêncio e sua tranquilidade – foi rasgada
por um som selvagem, agudo e estridente que atravessou Thornfield Hall de
ponta a ponta. Minha pulsação cessou, meu coração se imobilizou, meu
braço esticado paralisou. O grito morreu e não soou outra vez. Sem dúvida,
qualquer que fosse o ser que tivesse proferido aquele guincho temível não
poderia tão cedo repeti-lo: nem o condor de asas mais largas nos Andes
poderia, duas vezes seguidas, emitir um tal grito da nuvem que oculta seu
ninho. A criatura que proferiu tal som precisaria descansar antes de repetir o
esforço” (Brontë), 2023, p. 266).
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Responde ao latim como infernum, compreendendo a passagem e o mundo em que residem
as almas perdidas dos mortos, intimamente relacionado ao adjetivo inferus, no sentido de
inferior.
“Em meio a tudo isso, eu precisava, além de observar, ouvir os movimentos
da fera ou demônio no covil do outro lado. No entanto, desde a visita do Sr.
Rochester, ela parecia estar enfeitiçada. A noite toda, ouvi apenas três sons
em três longos intervalos – um passo que fez o piso ranger, uma
movimentação momentânea do rosnado canino, e um grunhido humano
grave. Então esses meus próprios pensamentos me ocuparam. Que crime era
esse que vivia encarnado naquela mansão isolada e não podia ser nem
expulso, nem subjugado pelo seu próprio proprietário? Que mistério era esse
que irrompia, ora em fogo e ora em sangue, nas horas mais mortas da noite?
Que criatura era essa que se mascarava sob o rosto e forma de uma mulher
comum, mas proferia a voz ora de um demônio escarnecedor, ora de uma
ave de rapina à procura de carniça?” (Brontë, 2023, p. 271, grifo nosso).
Por outro lado, segundo Daflon e Sorj (p. 130, 2021), o movimento para frente e para
trás entre os níveis de realidade (a realidade conceitual e a realidade material da opressão,
ambas realidades sociais), é feito por meio da linguagem. Ou seja, a “destruição” da imagem
de Bertha é implicada principalmente à forma como se é referida dentro do espaço em que
está presa sob a apropriação de seu marido, não havendo, assim, espaço sequer para sua
autodefesa.
Bertha Antoinette Mason é a primeira esposa de Edward Rochester. Ela é descrita no
romance como de origem caribenha, bonita, mas mentalmente instável. Rochester a conheceu
na Jamaica e casou-se com ela por razões financeiras, sem compreender sua doença ou ter
sido previamente informado sobre sua patologia. Por esse motivo, Bertha é mantida escondida
em Thornfield Hall e cuidada por uma enfermeira. Sua presença impacta Jane Eyre, a
protagonista, que descobre o segredo de Rochester – pois ele não é desimpedido, mas casado
–, já estando envolvida sentimentalmente com ele.
A descrição caribenha de Bertha comunica que suas características físicas mais se
aproximam das de uma mulher negra do que branca, e segundo Daflon e Sorj (p. 77, 2021),
embora não seja anunciada de forma explícita, não passa despercebida a falta de
reconhecimento pelo trabalho e impacto das mulheres de cor da América. A relação de poder
que Rochester detém sob Bertha é baseada nas questões matrimoniais da época que o
obrigavam a zelar por sua esposa e ela, enquanto mulher, se abnegar aos desejos de seu
marido; um poder arbitrário, que mesmo com tão amplas diferenças – e por muito saberem
um do outro, vivem cada qual em uma metade diferente do globo dentro de uma Thornfield
dividida.
A história de Perséfone começa com o nascimento de Core, filha de Zeus e Deméter,
que mais tarde se tornaria Perséfone. Deméter, a deusa da agricultura, ensinava os mortais a
plantar e colher com a ajuda de sua filha. Core gostava de passear e colher flores, mas um dia,
enquanto colhia uma flor de Narciso, foi raptada por Hades, o deus do submundo. Isso causou
desespero a Deméter. Zeus sugeriu que o casamento de Core com Hades não era prejudicial,
mas Deméter se recusou a aceitar a situação e chorou incessantemente, afetando a agricultura.
Zeus enviou Hermes para comunicar a Hades que Core deveria ser libertada, contanto que ela
não comesse nada no submundo. No entanto, Core comeu uma romã, simbolizando a relação
sexual, tornando-se Perséfone, ligada permanentemente a Hades e mergulhando no
inconsciente, colocando, definitivamente, Hades em seu poder.
Perséfone revela uma dualidade solar e sombria, irradiando luminosidade ao visitar
sua mãe e mergulhando na obscuridade ao retornar ao inferno. Este estudo focalizará
principalmente seu aspecto mais sombrio durante o confinamento, buscando estabelecer uma
relação ambivalente entre o Mito e o Literário em Perséfone e Bertha.
Veremos como tal imersão configura-se como patriarcal a partir do momento em que
há a separação evidente entre o sujeito opressor e o sujeito oprimido, destacando o sequestro e
a separação de uma personagem central e abrindo portas para reflexões que exploram
diferentes órbitas tendo como base a mitologia que, embora pareça remota, está também
diretamente ligada a questões fundamentais de luta por direito e lugar desde a sua origem até
a contemporaneidade, não podendo, assim, ser indiferentemente narrada.
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A ação do romance se passa em momento histórico anterior às Matrimonial Causes do Parlamento
britânico, promulgadas em 1857, que reformam a Lei do Divórcio e retiram os pleitos do âmbito
religioso para restringi-los (assim como o contrato matrimonial) ao foro civil. Até então o divórcio era
questão de deliberação religiosa, feita na Corte dos Arcos sob as leis canônicas da Igreja Anglicana. O
custo da moção era altíssimo, mobilizava as diferentes divisões do complexo direito inglês (dividido
em leis canônicas, comuns e civis) e ficava restrito à elite. (Brontë, 2022, p. 359 – nota de rodapé).
profundamente importante para a autocompreensão tanto de homens, como
de mulheres. Observam que os Mistérios Eleusinos, os mais importantes
ritos associados a estas duas deusas, eram abertos a todos, homens e
mulheres, e que todos os iniciados, independentemente do sexo, adotavam
temporariamente nomes com finais femininos, como se a compreensão
transformada das relações humanas e da morte que os mistérios forneciam,
exigissem uma perspectiva feminina (Downing, 1978, p. 3).
Downing complementa, ainda, que algumas mulheres têm encontrado neste mito,
recursos para a recriação imaginal de uma matrística pré-patriarcal, ou seja, a mulher
centrada. Muitas, concentrando-se no amor de Deméter por Perséfone, vê essencialmente uma
história sobre violação paternal; sobre estupro, incesto, abuso; sobre a intrusão do masculino
nos mistérios das mulheres; sobre a ascensão do patriarcado e a supressão da deusa na
religião.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Agha-Jaffar, Tamara. Demeter and Persephone: Lessons from a Myth. North Carolina:
McFarland & Company, Inc., 2002.
Almeida, Marcos Stulzer. Ecos do Mito de Lilith em Jane Eyre, de Charlotte Brontë. XI
Congresso Internacional da ABRALIC. Tessituras, Interações, Convergências. São Paulo,
2008.
Balieiro, Cristina. O legado das deusas: Caminhos para a busca de uma nova identidade
feminina. 2. ed. São Paulo: Pólen, 2019.
Bhawar, Pradnya. Bertha Mason ‘The Mad Woman in the Attic’: A Subaltern Voice.
International Journal of English Literature and Social Sciences. Savitribai Phule Pune
University, Maharashtra, India: 2021.
Blackford, Holly. The Myth of Persephone in Girls’ Fantasy Literature. New York; London,
Routledge Taylor & Francis Group, 2014.
Daflon, Verônica; Sorj, Bila. Clássicas do pensamento social. [s.l.] Editora Record, 2021.
Downing, Christine. The Long Journey Home. Boston: Shambhala Publications, 1994.
Gilbert, Sandra M, and Susan Gubar. The Madwoman in the Attic: The Woman Writer and the
Nineteenth-Century Literary Imagination. New Haven London, Yale University Press, 1979.
Monfardini, Adriana. O Mito e a Literatura. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos
Literários (Vol. 5). UFSM. 2005.Vernant, Jean Pierre. Mito E Sociedade Na Grécia Antiga.
Rio de Janeiro: Jose Olympio, 2010.
Liu, Ying. The Significance of Bertha Mason in Jane Eyre to the Construction of the Feminist
Theme. Journal of Humanities, Arts and Social Science, 7(3), 504-507., 2023.