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PLUFT, O FANTASMINHA Onde está a herança

Do Capitão Bonança!?
Premiada pela Associação Paulista de Críticos
Teatrais Quando aparecem no palco, devem estar
1 ATO acabando o canto.

PERSONAGENS: SEBASTIÃO

Sebastião Deve ser aqui! Veja no mapa, Julião!


3 marinheiros amigos: Julião
João JULIÃO

Mãe Fantasma Veja você, Sebastião. (Troca o mapa pela vela


Pluft, o fantasminha do Sebastião.)
Gerúndio, tio do Pluft
Perna de Pau, marinheiro pirata SEBASTIÃO
Maribel, menina
É melhor o João ver; João é o encarregado do
mapa. (Troca a garrafa com João e bebe um
“Pluft, o fantasminha” foi levado pela traguinho. Fazem várias vezes este jogo de
primeira vez pelo Tablado, no Rio de Janeiro, trocar.)
em setembro de 1955, com cenário de
Napoleão Moniz Freire, costumes de Kalma JOÃO
Murtinho, sonoplastia de Edelvira de Fred
Amaral e Martha Rosman; cometa, Jean Pierre (Com o mapa) Uma casa perdida na areia
Fortin; caracterizações de Fred Amaral; branca perto de um mar verde... Deve estar
fantasmas de Mário Cláudio da Costa Braga; por perto... Pega na luneta, Julião.
direção de Maria Clara Machado.
Personagens: Carmen Sílvia Murgel, Kalma JULIÃO
Murtinho, Germano Filho, Vânia Velloso
Borges, Emilio de Mattos, Eddy Rezende, (Olhando pelo gargalo da garrafa) Estou
Jogo Augusto e Roberto Cleto. vendo um mar calmo com algumas ondinhas
brancas.

SEBASTIÃO
PRÓLOGO
Então vamos!
O prólogo se passa à frente da cortina. Pela
esquerda surgem os 3 marinheiros amigos, JOÃO
meio bêbedos, cantando. O da frente é
Sebastião, o mais corajoso. Leva um toco de (Desanimado) Já andamos muito! Pobre
vela aceso ou um lampião. Segue-se Julião, Maribel!
segurando uma garrafa. Por fim, João,
segurando um mapa. Deve-se ouvir a canção JULIÃO
antes de avistá-los.
Pobre Maribel!
Ainda era uma criança,
Quando saiu para o mar
A aprender a navegar
O Capitão Bonança! SEBASTIÃO
Depois morreu no mar,
Deixou de navegar.
Pobre Maribel!
Um sótão. A direita uma janela dando para
(Os três se abraçam e sentam-se no chão.) fora de onde se avista o céu. No meio,
encostado à parede do fundo, um baú. Uma
SEBASTIÃO cadeira de balanço. Cabides onde se vêem,
pendurados, velhas roupas e chapéus. Coisas
(Levantando-se) Precisamos salvar a neta do de marinha. Cordas, redes. O retrato velado do
nosso grande capitão Bonança! capitão Bonança. A esquerda, a entrada do
sótão.
JOÃO
Ao abrir o pano, a Senhora Fantasma faz tricô,
(Mesmo) Precisamos achar o tesouro da neta balançando-se na cadeira, que range com
do grande Capitão Bonança! passadamente. Pluft, o fantasminha, brinca
com um barco. Depois larga o barco e pega
JULIÃO uma velha boneca de pano. Observa-a por
algum tempo.
Precisamos pegar o ladrão do tesouro da neta
do grande capitão Bonança! PLUFT

SEBASTIÃO Mamãe!

Viva o grande capitão Bonança! MÃE

TODOS O que é, Pluft?

Vivaaaa! PLUFT

SEBASTIÃO (Sempre com a boneca de pano) Mamãe,


gente existe?
(Para Julião) Vamos!
MÃE
JULIÃO
Claro, Pluft, claro que gente existe.
(Para João) Vamos!
PLUFT
JOÃO
Mamãe, eu tenho tanto medo de gente! (Larga
(Pára alguém imaginário que o segue) a boneca.)
Vamos!
MÃE
(Os três recomeçam a cantar e saem pela
direita, descendo o proscênio.) Bobagem, Pluft.

Fim do prólogo PLUFT

Ontem passou lá embaixo, perto do mar, e eu


vi.

ATO ÚNICO

MÃE
Cenário:

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Viu o que, Pluft? PLUFT

PLUFT Olha, mamãe, olha o que eu descobri! O que é


isto?!
Vi gente, mamãe. Só pode ser. Três.
MÃE
MÃE
Isto tio Gerúndio trouxe do mar. (Pluft fora
E você teve medo? cena continua a descobrir coisas, que vai
jogando em cena: panos, roupas, chapéus
PLUFT etc.)

Muito, mamãe. PLUFT

MÃE Por que tio Gerúndio não trabalha mais no


mar, hem, mamãe?
Você é bobo, Pluft. Gente é que tem medo de
fantasma e não fantasma que tem medo de MÃE
gente.
Porque o mar perdeu a graça para ele...
PLUFT
PLUFT
Mas eu tenho.
(Sempre remexendo, descobre um espartilho
MÃE de mulher) E isto, mamãe, (aparecendo) que é
isso? Ele trouxe isto também do mar? (Coloca
Se seu pai fosse vivo, Pluft, você apanharia o espartilho na cabeça e passeia em volta da
uma surra com esse medo bobo. Qualquer dia mãe.)
destes eu vou te levar ao mundo para vê-los de
perto. MÃE

PLUFT Pluft, chega de remexer tanto nas coisas...

Ao mundo, mamãe?!! PLUFT

MÃE (Larga o espartilho no chão e passeia na cena


à procura do que fazer) Vamos brincar, tá
É ao mundo. Lá embaixo, na cidade... bem? Finge que eu sou gente. (Veste-se de
fraque e de cartola.)
PLUFT
MÃE
(Muito agitado vai até a janela. Pausa) Não,
não, não. Eu não acredito em gente, pronto... (Sem vê-lo) Chega de fazer desordem, meu
filho. Você acaba acordando tio Gerúndio.
MÃE (Ela olha para o baú.)

Vai sim, e acabará com estas bobagens. São PLUFT


histórias demais que o tio Gerúndio conta para
você. (Pluft corre até um canto e apanha um (Pé ante pé, chega por detrás da cadeira da
chapéu de almirante.) mãe e grita) Uuuuh! (A mãe leva um grande
susto e deixa cair as agulhas e o tricô) Eu
sabia! Eu sabia que você também tinha medo

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de gente. Peguei! Peguei! Peguei mamãe com medo...
medo de gente... peguei mamãe com medo de
gente!... MÃE

MÃE (Abrindo o baú) Acorda, Gerúndio. Vem


gente!
(Procurando de gatinhas os óculos e o tricô)
Pluft, você quer apanhar? Como é que eu GERÚNDIO
posso acabar o meu tricô para os fantasminhas
pobres, se você não me deixa trabalhar? (A (Levantando-se, espreguiçando) Uuuuuu! Tô
mãe volta à cadeira bufando e Pluft volta a com um sono!...
janela pensativo.)
PLUFT
PLUFT
De verdade, tio Gerúndio. Gente mesmo. O
Eu não iria nem a pau. mundo todo vem aí!

MÃE GERÚNDIO

Onde, Pluft? (Sonolento) Tô com um sono!... (Fecha a tam-


pa do baú e desaparece, roncando.) (Pluft e a
PLUFT mãe põem-se a escutar. Ouve-se o barulho de
passadas pesadas. Os dois desaparecem.
Trabalhar no mar. Tenho medo de gente e de Ouve-se o canto do marinheiro Perna de
mar também. É muito grande e azul demais... Pau.)
(De repente Pluft se assusta) Oh! (Corre até a
mãe sem voz e torna à janela) Mamãe, olha lá. A menina Maribel, bel, bel!
Iiii... Estão vindo! (Corre e senta-se no colo Tem os olhos cor do céu, céu... céu...
da mãe) Mamãe, mamãe, acode!! eles estão E os cabelos cor de mel... mel... mel...
vindo... vindo do mar... e subindo a praia.
(Pela porta do sótão entra um marinheiro
MÃE meio velho e forte, empurrando uma menina
frágil amarrada pelas mãos e com um lenço
(Desvencilhando-se de Pluft, que continua vermelho passado na boca. O velho
agarrado à sua saia, dirige-se até a janela) marinheiro amarra a menina à cadeira, e tira
Não é possível. Desde que nos mudamos para um mapa da sacola que leva nas costas.)
cá ninguém subiu aqui! (pausa) É verdade. Lá
vêm eles. (Dirige-se rapidamente para um PERNA DE PAU
canto, de onde tira um telefone) Zero-zero-
zero-zero, alô, prima Bolha? (Toda a vez que a É aqui mesmo. Foi aqui que o Capitão
Sra. Fantasma fala ao telefone ouvem-se em Bonança escondeu o tesouro. (Corre até a
resposta barulhos de bolhas d’água, o que é janela) Aqueles três patetas nunca descobrirão
conseguido soprando palavras por um tubo de esta casa. Então eles queriam ser mais
borracha dentro d’água) Sou eu. Olha, uma espertinhos do que o marinheiro Perna de Pau,
surpresa hoje, aqui. Adivinha só. Gente! hem? Queriam salvar a netinha do Capitão,
Ainda não sei. Sim... sim... Telefono, querida. hem? Mas o Capitão Bonança Arco-Íris
Adeus, meu bem, eles estão se aproximando. morreu e quem vai entrar no tesouro sou eu!
Vem, Pluft. Está ouvindo? Sou eu. Então o vovô Bonança
pensou que podia deixar o mapa do tesouro
PLUFT com a netinha e com os três patetas, hem? Ah!
ah! ah! Então o capitão-vovô não sabia que o
(Tremendo) Que medo... que medo... que marinheiro Perna de Pau estava à espreita? Há

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dez anos que eu espero. Estou cansado, (Chegando) Ora, Pluft, quem mandou você
também, ora... Sabem lá o que é esperar 10 aparecer?... assustou a menina...
anos pelo tesouro do navio fantasma?
(Começa a procurar) Aqui está o chapéu do PLUFT
Capitão Bonança! (Põe o chapéu e faz
continência, depois, aos brados, imitando (Agarrando-se à saia da mãe) E agora?
capitão de navio) Levantar velas! Carrega
punhos aos papa-figas! Afrouxar a bujarrona! MÃE
Entra a bombordo, agüenta a guinada! Ah! ah!
ah! Agora o capitão sou eu... (Escurece de (Coloca a menina na cadeira) Agora temos
repente) Que é isto? (Vai à janela) Ainda é que esperar que ela volte do desmaio.
cedo, sol dorminhoco! Que escuro! Oh! eu me Coitadinha! (Saindo) Vou procurar algum
esqueci de trazer a lanterna. Temos que achar remédio para desmaio de gente. Fica aí
o tesouro. (Procurando na sacola) Quem tem tomando conta dela.
uma lanterna? (Para a menina) Você tem?
(Ela faz que não) (Mal humorado) Então PLUFT
preciso ir até a cidade buscar uma lanterna.
Você vai ficar aí presinha na cadeira. Mas não (Segurando a mãe) Eu?!
precisa fazer essa cara de vítima, que o
Capitão Perna de Pau é bonzinho... Ele não vai MÃE
te matar não... ele vai... ele vai casar com
você... Vamos comprar outro navio e vamos (Voltando-se) Você, sim.
navegar... navegar... navegar... (Faz a mímica
de um barqueiro remando) Ninguém te achará PLUFT
nunca! A neta dødo Capitão Bonança vai
navegar com o Capitão Perna de Pau... Vou Mas eu tenho medo de gente, mamãe!
buscar a lanterna e já volto... Navegar...
navegar... navegar... (Dá uma gargalhada e MÃE
sai assobiando a “Menina Maribel”.)
Você tem medo dela?
(A menina começa a chorar baixinho,
desvencilha-se da cadeira, tira a mordaça e PLUFT
corre até a janela.)
Dela... muito não. Mas dele, tenho, sim!...
MARIBEL
MÃE
Socorro! Socorro! Socorro! João! Julião!
Sebastião! meus amigos... me salvem! (De dentro) Ele não volta tão cedo. A cidade é
(Sempre choramingando, Maribel com muito muito longe. (Pluft fica na dúvida, vendo se
medo procura conhecer o sótão, olhando segue a mãe ou não. Por fim, na ponta dos pés
amedrontada para todos os lados; Pluft, que trata de observar a menina com curiosidade e
estava à espreita, aproxima-se devagarinho e medo. Um momento a menina se mexe e Pluft
muito receoso.) sai correndo, quase sem fole go,fôlego,
voltando depois para tornar a observá-la.
PLUFT Pega nos cabelos da menina e sente prazer.)

Oh! PLUFT

(A menina ao ver Pluft desmaia.) Gente é engraçado!... (Continua a observá-la


até que a menina torna a mexer-se) Mamãe!
MÃE

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MÃE PLUFT

(De dentro) Que é, Pluft? (Radiante) Mas gente é uma gracinha,


mamãe...
PLUFT
MÃE
Você está aí?
(De dentro) Nem sempre, meu filho, nem
MÃE sempre...

Estou. (Pluft se aproxima e cutuca a menina. Esta


torna a se mexer um pouco... Pluft se assusta
PLUFT menos. Maribel torna a ver Pluft, se assusta,
mas se levanta e fita Pluft, espantada. Os dois
(Aliviado) Ah!... (A menina torna a mexer-se) ficam, um em frente do outro, guardando
Mamãe; quem sabe a gente pega isto aí e joga certa distância, em atitude de mútua
lá na noite e depois fechamos bem a porta e contemplação. Silenciosos, com a respiração
botamos o baú de tio Gerúndio, com tio presa, ficam assim por algum tempo.)
Gerúndio e tudo dentro, bem em frente da
porta para o marinheiro não voltar, e ficamos MARIBEL
aqui, nós sozinhos, só fantasmas e gente não...
(Tensa) Como é que você se chama?
MÃE
PLUFT
(De dentro) Pluft, quem te ensinou a ser ruim
assim? Foi o tio Gerúndio? (Tenso) Pluft. E você?

PLUFT MARIBEL

(Sempre olhando a menina em atitude de Eu sou Maribel.


defesa) Não é ruindade não, mamãe. É medo!
PLUFT
MÃE
Você é gente, não é?
(De dentro) Se seu pai fosse vivo! Que
fantasma corajoso ele era. (Aparecendo só de MARIBEL
rosto e tornando a desaparecer) Você quer
mesmo jogar esta menina fora pela janela, Sou. E você?
Pluft?
PLUFT
PLUFT
Eu sou fantasma.
Acho que não quero não. Mas ela podia bem ir
logo embora. (Rodeia a menina, muito aflito) MARIBEL
Você não acha, mamãe? (Pluft levanta a
cabeça da menina) Ooooooooh! Fantasma, mesmo?

MÃE PLUFT

(De dentro) O que é, Pluft? É. Fantasma mesmo. Mamãe também é


fantasma.

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MARIBEL
PLUFT
(Relaxando) Engraçado, de você eu não tenho
medo!... Meu pai era fantasma da Ópera.

PLUFT MARIBEL

(Idem) Nem eu de você. Engraçado... Fantasma da Ópera?


PLUFT
MÃE
É. Trabalhava num teatro grande!... Agora ele
(De dentro) Pluft! morreu. Virou papel celofane. (Em tom
confidencial) Mamãe não gosta que se fale
PLUFT nisto não. Ela fica muito triste, coitada.
Quando papai morreu...
É minha mãe. Com licença. Que é, mamãe?
MARIBEL
MÃE
Virou papel celofane?
(De dentro) Com quem é que você está
falando? PLUFT

PLUFT É. Quando papai virou papel celofane, a


família teve que deixar o teatro e vir morar
Com Maribel. aqui com tio Gerúndio.

MÃE MARIBEL

Com quem? Quem é tio Gerúndio?

PLUFT PLUFT

(Gabando-se) Ora mamãe, com gente... (Puxando-a para o baú) Tio Gerúndio dorme
(Aproximando-se mais da menina com ar de aqui dentro. Ele era fantasma de navio. (Os
velha amizade) Com Maribel. dois se sentam no baú.)

MÃE MARIBEL

Ah! Então ela já acordou? Fantasma de navio?

MARIBEL PLUFT

Mas sua mãe também é fantasma? É. Dum navio fantasma. Ele trabalhava à
beça...
PLUFT
MARIBEL
Claro, ora! (Ofendido) Você queria que ela
fosse peixe? Será que era o navio de meu avô, o Capitão
Bonança Arco-Íris?
MARIBEL
PLUFT
E seu pai?

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É isto mesmo. Ele é meu tio. O fantasma do enxugar os olhinhos dela.
navio de seu avô era meu tio.
PLUFT
MARIBEL
(Sai e torna a voltar) Para pegar o choro dela?
Que coincidência, hem?
MÃE
PLUFT
É. (A mãe fantasma passa a mão na cabeça da
Que coincidência: seu avô e meu tio menina, que se assusta ao vê-la) Ah! Tinha
trabalharem no mesmo navio! (Os dois ficam me esquecido. (Formaliza-se toda para se
rindo por alguns momentos, contentes com a apresentar. Põe na cabeça um chapéu fora de
descoberta mútua. Maribel cutuca o moda) Sou a mãe de Pluft. (cumprimentos)
fantasminha e acha graça de ele ser diferente Aceita um pastel de vento? (Sai)
dela.)
PLUFT
MARIBEL
(Chegando com um pano) Toma para você
(Lembrando-se) Oh! (Vai até a janela) O pegar seu choro.
Perna de Pau vai voltar, meu Deus do Céu. Ele
quer roubar o tesouro do meu avô e vai me (Dona Fantasma volta com uma bandeja
levar para o mar... cheia de pastéis imaginários que oferece ao
mesmo tempo que come.)
PLUFT
MARIBEL
(Imitando a mímica do marinheiro) Navegar...
Muito obrigada, senhora Fantasma, a senhora
Navegar... Navegar... não é? é muito gentil. Mas estou tão nervosa, que
nem posso comer. Tenho medo do marinheiro
MARIBEL Perna de Pau. Ele quer roubar o tesouro do
vovô Bonança e me levar para o mar. E meus
(Começando a chorar) Não... não... não... (Cai amigos, João, Julião e Sebastião, que vinham
sentada à beira da janela.) para me salvar, desapareceram... (Desanda a
chorar.)
PLUFT
(Dona Fantasma, muito comovida, mas
Que lindo! Que lindo! Que lindo!... Mamãe, sempre mastigando, vai saindo meneando a
mamãe... acode aqui... a menina está cabeça, mas é interrompida por Gerúndio.)
derramando o mar todo pelos olhos!...
GERÚNDIO
MÃE
(Levantando a tampa do baú) Pastel! (Senhora
(De dentro) Ela está chorando, meu filho. Fantasma chega até ele e oferece. Gerúndio
faz que tira uns três e torna a entrar no baú,
PLUFT sempre com sono. Senhora Fantasma sai.)

Que lindo é chorar, mamãe... Também quero! MARIBEL

MÃE Deliciosos os seus pastéis de vento, dona


Fantama!
(De dentro) Fantasma não chora, Pluft. Senão
derrete. (Chegando) Vá buscar um pano para MÃE

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(Aparecendo só de rosto) Não tem de quê. MARIBEL

MARIBEL É. Já vou, antes que volte o Perna de Pau.

Se meus amigos João, Julião e Sebastião não


chegam, o Perna de Pau vai me levar para o PLUFT
mar...
Espera! (Pára e respira fundo) Pronto! Tomei
PLUFT coragem. Mamãe, mamãe... Eu vou. Eu vou ao
mundo procurar os amigos de Maribel. (Entra
Mas onde estão seus amigos? a mãe.)

MARIBEL MÃE

Não sei. Na certa estão me procurando aí pela (Numa efusão de alegria) Meu Filho!
praia... (Abraçam-se) Se seu pai fosse vivo, ficaria
orgulhoso de você. (Sai rápida.)
PLUFT
PLUFT
Quem sabe, tio Gerúndio pode dar um jeito?
Ele é tão sabido. Vou fingindo de gente. Vem me ajudar,
Maribel. (Põe a cartola e o fraque que estão
MARIBEL pendurados no cabide, ajudado por Maribel.)

Será que ele ajuda a me livrar do Perna de MÃE


Pau?
(Chegando com uma malinha) Toma aqui, uns
PLUFT pastéis de vento para vocês comerem no
caminho. (Ajeita o filho) Cuidado com sol
Vamos perguntar. (Abre a tampa e chama) Tio para não te derreteres...
Gerúndio! Tio Gerúndio! (Desanimado) Está
roncando de sono. (Gerúndio tenta se levantar Procura o vento sudoeste, que é o mais
mas apenas se ajeita melhor para continuar a agradável. Trata de ser um fantasminha
dormir) Não adianta; ele agora só gosta de decente, sim? Só prega susto naqueles que
dormir e de pastel de vento... merecerem. Se encontrares algum outro
fantasma assustando alguém, procura outra
MARIBEL gente para assustar. Há trabalho para todos. E
volta um fantasma de verdade. Tenho certeza
(Saindo) Então tenho que fugir depressa. que vais gostar do mundo. Abre bem o olho
para veres as coisas bonitas que existem por aí
PLUFT e cuida bem da menina.

Sozinha nesta praia branca?! PLUFT

MARIBEL (De mão dada com Maribel) Sim, mamãe...


sim... adeus! (Toma a bênção da mãe) Vamos,
É. Maribel, vamos procurar seus amigos.

PLUFT MARIBEL

Neste escuro preto?! Adeus, senhora Fantasma. Voltaremos para

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procurar o tesouro. Nunca vi família mais
simpática, muito obrigada... Ah! (Tira a mordaça da menina) Você ainda
está acordada, minha bela? Pois agora
PLUFT podemos procurar a noite toda... Trouxe três
velas... De manhãzinha sairemos para
Vamos, Maribel... Iiiiii! Está me nascendo navegar... navegar... navegar... (Olhando para
urnauma coragem! o encosto da cadeira) Que é isto? O laço
afrouxou? (Deixa o castiçal e começa a
MÃE apertar o laço. Pluft, nas pontas dos pés,
apaga a vela e corre de novo para o seu
(Correndo ao telefone) Zero, zero, zero, zero, lugar; a cena escurece) Oh! O vento apagou a
alô! Prima Bolha querida, imagine que o meu vela. (Tira uma caixa de fósforos do bolso e
Pluft resolveu ir!!! Sim, Sim... Tal pai, tal torna a acender a vela) Vamos começar a
Pluft! Que coragem, busca. (Ilumina uma velha espada que está
bem, prima Bolha? que coragem!... que pendurada na parede) Ah! Cá está a espada
coragem... do Capitão Bonança! Agora é minha. (Pega a
espada, baixa o castiçal e simula uma luta de
(Na disparada entram Pluft e Maribel.) esgrima, depois, satisfeito, coloca a espada na
cintura. Torna a segurar o castiçal e, sempre
PLUFT procurando, dirige-se para o lugar onde está
Pluft [atrás da cortina.J)cortina.])
(Ajoelhando-se aos pés da mãe e agarrando-
se à sua saia) Lá vem ele, mamãe, lá vem MARIBEL
ele... Que medo! que medo! que medo!...
Ai!
MÃE
PERNA DE PAU
(Desiludida) Pluft!...
(Virando-se para ela) Que é? (Pluft aproveita
PLUFT o momento e torna a apagar a vela) Apagou
de novo! O que foi, hem, menina?
Mas ele é enorme, mamãe!
MARIBEL
MARIBEL
(Disfarçando) Estou com medo...
(Pondo a mordaça e sentando-se, na cadeira)
Depressa, para ele não desconfiar... (Pluft e a PERNA DE PAU
mãe ajudam com grande aflição a amarrar a
menina enquanto já se ouve o canto do Perna Medo? Perto do Capitão Perna de Pau?
de Pau.) (Risada) Ah! ah! ah! Foi vento (Acende de
novo) Nem vento pode com o Capitão Perna
PERNA DE PAU de Pau. Pergunta ao mar, se eu tinha medo de
vento. (Lá fora o vento começa a soprar) O
vento é que tem medo de mim. (Ouve-se uma
A menina Maribel... bel... bel... grande trovoada com ventos fortes. É o vento
Tem os olhos cor do céu... céu... céu... protestando. Perna de Pau estremece e corre
E os cabelos cor de mel... mel... mel... para a janela para se desculpar) Eu estava
brincando... eu estava brincando. (O vento
(Pluft e a mãe desaparecem. O marinheiro cessa. Perna de Pau dirige-se ao baú do tio
entra com um castiçal.) Gerúndio) Ah! Aqui está o baú do velho
Bonança. Onde é o lugar de guardar tesouros?
PERNA DE PAU (Demonstrando muita lógica) Lugar de

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guardar tesouros é baú, ora! (Começa a abrir puxando Maribel.)
o baú, e quando aproxima a vela, Maribel
grita de novo.) PLUFT

MARIBEL Coitadinha... Coitadinha... Coitadinha... Lá vai


ela puxadinha por aquele bruto... Seu cara de
Ai! gente! Ela está tão branquinha que até parece
fantasminha... Que gracinha! (Dando socos no
PERNA DE PAU ar com muita energia) Vou pegar aquele
bruto, dar um soco nele... Mamãe, precisamos
O que foi, hem, menina? (Quando ele se vira salvar a menina!
para Maribel, Gerúndio se levanta e sopra a
vela) De novo! Raios me partam! Sacripanta! MÃE
Com um marinheiro honesto não se brinca!
(Entrando) Se ao menos pudéssemos saber
PLUFT onde está o tesouro!

Obrigado, tio Gerúndio. PLUFT

Só tio Gerúndio sabe.


PERNA DE PAU
MÃE
Quem falou aí? (Corre para onde está Pluft.)
Que é que adianta ele saber? Só quer dormir.
GERÚNDIO
PLUFT
(Erguendo-se do baú) Não amola não, sim?
(Torna a deitar-se. Quando Gerúndio fala, Xisto também sabe.
Perna de Pau olha para o lado do baú e Pluft
torna a apagar a vela.) MÃE

PERNA DE PAU É mesmo.

(Correndo de um lado para outro PLUFT


amedrontadíssimo) Quem está aí? Quem está
aí? Não tenho medo de ninguém, estão (Para o público) Xisto é meu primo, fantasma
ouvindo? (Pluft e tio Gerúndio começam a rir de avião. (Chamando) Xisto! Xisto! (Olham
acompanhados de outras gargalhadas de fora para cima. Ouve-se barulho de avião se
de cena) Quem é que está rindo de mim? aproximando.)
Quem é que está rindo de mim, já disse.
(Pausa. Cessa o riso) Acho que estou ficando MÃE
doido... Voltarei quando o sol nascer. Quero
ver quem pode apagar o sol. O sol ninguém (Sempre olhando para cima) Xisto, você sabe
apaga, estão ouvindo? Vamos, menina, onde está o tesouro do falecido capitão
amanhã bem cedo voltaremos. (Desamarra Bonança?... O quê? (barulhos de bolhas) Fale
Maribel com muita pressa e nervosismo) mais alto, ou então, desce!
Quero ver quem pode apagar a luz do sol... O
sol ninguém apaga, nem vento, nem... (saindo) PLUFT
fantasmas!
Ele fica enjoado quando desce. O quê? Ele
(Gerúndio levanta e dá uma enorme está falando em fantasmês. Pode falar
gargalhada. Perna de Pau sai assustadíssimo português, Xisto, todo o mundo aqui é amigo.

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(À platéia) Ele é muito desconfiado. Está de Sebastião.)
dizendo que quem sabe onde está o tesouro é a
prima Bolha. É bem capaz. Prima Bolha JOÃO
trabalha na polícia secretíssima...
(Com o mapa) Uma casa perdida na areia
MÃE branca perto de um mar verde...Deve estar
perto. ..verde... Deve estar perto... Pega a
(Que durante a conversa de Pluft com a luneta, Julião!
platéia ficou conversando com Xisto em
fantasmês) Obrigada, Xisto, vou telefonar já, JULIÃO
já, para prima Bolha. (Corre ao telefone) Zero,
zero, zero, zero. Alô! Quer fazer o favor de Estou vendo um mar calmo com alguma
chamar dona Bolha de Sabão. Alô? Prima espuminha branca...
Bolha, querida, antes de mais nada quero
avisar que amanhã é a reunião das senhoras SEBASTIÃO
fantasmas para incentivar o intercâmbio
cultural entre gente e fantasma. (Barulhos de Então vamos!
bolhas muito agitadas.)
JOÃO
PLUFT
(Desanimado) Já andamos muito... Pobre
(Que está aflitíssimo) Anda, mamãe. Não Maribel! Maribel é a neta...
temos tempo a perder. Deixa de falar difícil e
entra logo no assunto. (Um relógio bate três SEBASTIÃO
horas) Três horas da manhã! Está vendo?
Coitadinha da Maribel... Não agüento mais. Pobre Maribel! Pobre da netinha do grande
Vou sozinho ao mundo salvar minha amiga... capitão Bonança!
(Trepa na janela e fica parado, a olhar,
enquanto a mãe fala rapidamente fantasmês JULIÃO
no telefone. Ouve-se bem longe a canção do
Bonança) Mais gente, mamãe! (Corre pela Precisamos salvar a neta do nosso grande
cena agitado) Os três amigos da Maribel. Só capitão Bonança!
pode ser... Que animação!

MÃE JOÃO

(Agitadíssima) Visitas! Pastéis! Pastéis! (Sai.) (Tremendo de medo) Precisamos achar o


tesouro da neta do grande capitão Bonança!
PLUFT
SEBASTIÃO
Que medo, que coragem... Nem sei. (Sai.)
Viva o grande capitão Bonança!
(A canção aumenta e surgem como no prólogo
os três marinheiros.) TODOS

SEBASTIÃO Vivaaaaaaaa!

Deve ser aqui! Veja no mapa, Julião! SEBASTIÃO

JULIÃO (Para Julião) Vamos!

Veja você, Sebastião. (Troca o mapa pela vela

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JULIÃO PLUFT

(Para João) Vamos! (Sem ser percebido pelos marinheiros que


continuam observando o mapa) É aqui... é
JOÃO aqui... são eles... são eles, mamãe... os amigos
de Maribel!... Agora eles podem salvar
(Com voz fraquinha para alguém imaginário) Maribel!
Vamos!
MÃE
(Os três recomeçam a cantar entrando na
cena muito desconfiados. Procuram um (Atravessando a cena, afobada) Preciso contar
pouco; João com muito medo, vai saindo até tudo à prima Bolha... (Desaparece.)
aparecer de novo na “avant-scène”.)
PLUFT
SEBASTIÃO
Mamãe! Estou com medo! (Segue a mãe) Eles
Deve ser aqui mesmo. Veja no mapa, João. não vão me pegar, não?
(Não o encontrando, sai a procurá-lo e vai
pegá-lo fugindo) João! MÃE

JOÃO (De fora) Claro que não, filhinho. Estes são


amigos.
Pronto, Sebastião! (Faz continência.)
(Pluft volta e espera, solenemente sentado no
SEBASTIÃO E JULIÃO meio da cena.)

Um por todos e todos por um, vamos!... SEBASTIÃO

(Levantando-se) Vamos! (Meio amedrontados


JOÃO e cantarolando a canção do Bonança para
criarem coragem, eles tornam a entrar em
Vamos! (João tenta fugir de novo, mas é cena; um por um, ao darem com Pluft, levam
agarrado por Sebastião.) um bruto susto e se agarram em fila indiana
rodeando o fantasminha.)
JULIÃO
SEBASTIÃO
Pobre Maribel! Temos que ajudar os nossos
amigos! Você está vendo, João?

JOÃO JOÃO

Temos? Você está vendo, Julião?

SEBASTIÃO JULIÃO

(Com certo medo também) Então, vamos Sebastião?


primeiro estudar o mapa. (Sentam-se no
proscênio e estudam o mapa. João, que SEBASTIÃO
segura o lampião, está tremendo de medo)
Uma casa velha perdida na areia branca, perto Você está vendo, Julião?
do mar verde...
JULIÃO

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JOÃO
Você está vendo, Sebastião?
(De fora) Uiiiiiii!
SEBASTIÃO
SEBASTIÃO
Estou.
(Chamando) João!
JULIÃO
JOÃO
Estou.
Pronto, Sebastião!...
JOÃO
SEBASTIÃO
Estou.
(Correndo com Julião para a janela, joga uma
OS TRÊS corda e os dois fazem a mímica de puxar
João) Precisamos salvar a neta do nosso
Um fantasma! grande capitão Bonança!

SEBASTIÃO

Deve ser sonho. (Esfrega os olhos) JULIÃO

Precisamos achar o tesouro da neta do grande


capitão Bonança!
JULIÃO
JOÃO
Deve ser sonho. (Mesmo)
(João voz fraca ao longe) Precisamos pegar o
JOÃO ladrão do tesouro da neta do grande capitão
Bonança! (Entra pela janela como se fosse
Deve ser sonho. (Mesmo) puxado pela corda) Precisamos mesmo?

PLUFT SEBASTIÃO

Uuuuuuu! (Os três dão um berro e saem Viva o grande capitão Bonança!
correndo, cada qual para um lado, sendo que
João desaparece pelo nela;pela janela; Pluft JULIÃO
olha para eles com desprezo e sai com muita
dignidade) Viva o grande capitão Bonança!

PLUFT JOÃO

(Saindo) Medrosos! Viva o grande capitão Bonança!

SEBASTIÃO GERÚNDIO

(Voltando com cautela e olhando para o lugar (Abrindo o baú) Vivooooooo! (Os três, que
onde estava Pluft) Ué! Desapareceu! Era estavam em lugares diferentes, correm e se
sonho mesmo. (Julião também observa o abraçam no meio da cena.)
ambiente e concorda com Sebastião.)
SEBASTIÃO

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Arranjou cada amigo!...
Você ouviu?
PLUFT
JULIÃO
(Observando Julião, que começa a acordar)
Você ouviu? Este também está vindo!. Marinheiro...
Marinheiro...
JOÃO
JULIÃO
(Tremendo e querendo fugir) Ouvi, sim...
Vamos embora! (Esfregando os olhos sem ver Pluft) Hem?
Hem? (Começa a levantar-se, apoiando-se em
SEBASTIÃO Pluft) Precisamos salvar a neta do nosso
amigo o capitão Bonança!
(Segurando-o) Não! Precisamos salvar a neta
do grande capitão Bonança! PLUFT

Precisamos sim. E eu posso ajudar,


(Os três começam a caminhar olhando o marinheiro. Também sou amigo de Maribel,
ambiente e murmurando como para se sabe? O Perna de Pau esteve aqui e...
convencerem: “Precisamos salvar a neta do
grande capitão Bonança...” Aos poucos JULIÃO
recomeçam a cantarolar a canção do capitão,
e formando uma fila indiana, põem-se a (Que ficou estatelado, afasta-se de um salto,
marchar como soldados. dos. Pluft aparece e não acreditando no que vê) Meu Deusinho do
começa a marchar atrás deles, divertindo-se à céu! Bebi tanto que já estou vendo coisas na
grande. Todos param de marchar e marcam minha frente... Bem que minha mãe dizia que
passo em fila. Pluft continua a marchar e um homem não deve beber demais... Juro que
esbarra no último. João, que olha para trás, estou vendo coisas. Oh! vejo monstrinhos à
leva um grande susto e desmaia. Pluft puxa o minha frente... Sebastião! Sebastiãozinho!
outro que também leva um susto e desmaia, e Estou vendo monstrinhos, fantasmas...
por fim faz o mesmo com o terceiro, assombração...
Sebastião, que também desmaia.)
PLUFT
PLUFT
Marinheiro bobo, sem educação! Monstrinho é
Oh! mamãe, os marinheiros se você, seu cara de gente! Vou contar à mamãe
desmancharam... que você chamou de monstrinho. (Sai.)

(João, quando volta a si, dá com Pluft JULIÃO


observando-o; começa a tremer e sai
correndo, mas dá com a mãe que vem (Procurando acordar Sebastião) Estou
entrando e torna a desmaiar.) ouvindo coisas Sebastião... Coisas...

MÃE SEBASTIÃO

Que gente mais medrosa, meu Deus! Uns Quem está vendo coisas aí? Oh! Acho que
homens deste tamanho com medo de um bebemos demais...
fantasminha. No meu tempo de teatro conheci
muita gente mais corajosa do que estes aí... (A JULIÃO
senhora Fantasma atravessa o palco pulando
os desmaiados) Coitadinha da Maribel. Esta casa é mal assombrada...

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sem fala, tenta avisar Sebastião por meio de
SEBASTIÃO gestos e de urros, apontando freneticamente
para o baú.)
Mas foi aqui que o capitão Bonança escondeu
o tesouro... Precisamos salvar Maribel... - SEBASTIÃO
Vamos esperar o Perna de Pau.
O que é que há com você, homem? Perdeu a
JULIÃO voz? Está sem fala. (Sacode Julião) No baú?
Nunca vi homem mais medroso do que você.
(Continua a procurar) Juro que vi. Eu sim é que sou um bocado corajoso e...
(Abre o baú.)
SEBASTIÃO
GERÚNDIO
De novo?
(Tornando a se levantar) Parem de me
JULIÃO amolar!

Um monstrinho à minha frente, falando (Mesmo logojogo de perder a fala. Acordam


coisas... Deve ser a bebida... (Enxuga a testa, João e tentam explicar. João não entende
sentando-se no baú. Sebastião tenta acordar nada e começa a rir das caras e dos gestos
João.) dos companheiros. Depois se aproxima
também do baú, sempre rindo, e, antes de
SEBASTIÃO poder levantar a tampa, surge Gerúndio, meio
caceteado.)
Acorda, João. Precisamos salvar a neta do
capitão Bonança. GERÚNDIO

Será possível! (Torna a fechar a tampa.)

JULIÃO

Precisamos mesmo, Sebastião? JOÃO

SEBASTIÃO Uiiiiiii!

Claro, Julião; ele era o nosso capitão! (Os três, sem fala, saem correndo, procurando
gritar.)
(Julião dá mostras de que está sentindo
qualquer coisa no baú. O baú começa a se OS TRÊS
mexer.)
Socorro! Socorro! Socorro!
JULIÃO
PLUFT
Ui... Ui... Ui... (Levantando-se) O que é que
há neste baú? (O baú se abre e aparece (Entrando com a mãe) Eles me chamaram de
Gerúndio.) monstrinho, mamãe...

GERÚNDIO MÃE

(Muito calmo) Quer fazer o favor de não se Está aí uma coisa que não admito...
sentar em cima de mim? (Torna a abaixar a Confundir-nos com monstrinhos... Há que
tampa com dignidade. Julião, completamente salvar a dignidade da família. Onde estão eles?

16
GERÚNDIO
PLUFT
(Levantando-se) Pastel?! (Desanima e volta a
(Da janela) Foram-se embora. E agora, dormir bocejando.)
mamãe, quem vai salvar a Maribel?
PLUFT
MÃE
Nem pastel adianta mais, meu Deus! Quem
(Andando de um lado para o outro, muito sabe falando na noiva dele? Titio, quem lhe
aflita) Temos que dar um jeito... temos que pede para ajudar a menina é a sua noiva, a
dar um jeito. (Pára e tem urnauma idéia) Vou senhorita Naftalina Vaporosa.
telefonar de novo para a prima Bolha!
(Gerúndio fica de pé, põe a mão no coração,
sorri, mas o sono é mais forte e ele torna a
PLUFT deitar.)

Lá vem o dia nascendo, mamãe. E vem GERÚNDIO


chegando também o Capitão Perna de Pau
com a Maribel. Depressa... Naftalina Vaporosa!

MÃE PLUFT

(No telefone) Bolha querida, sou eu de novo... Tio Gerundinho, será que o seu coração, que
O quê? Sim... Sim... Está bem, então eu fico era tão bom, já está virando teia de aranha?
encarregada dos pastéis de vento?... sei... sei... Tio Gerúndio, estamos querendo salvar a neta
e dos suspiros?... Música? Ah! Eu adoro do seu amigo, o Capitão Bonança Arco-Íris!
música, querida; que ótimo! No tempo do
finado, sabe, fazíamos sempre muito quarteto, GERÚNDIO
muito quinteto, muito sexteto, muito oiteto...
ah! Quem vai cantar é a Aerofagia?!... (Ao ouvir o nome do Capitão Bonança,
Gerúndio dá um salto, saindo do baú) Quem
PLUFT falou no meu amigo, o Capitão Bonança?

(Cada vez mais aflito) Mamãe, lá vêm eles,


deixa de conversa mole... (Para o público) O
defeito de mamãe é falar demais ao telefone. PLUFT

MÃE (Animadíssimo)

Ah! Bolha querida, é para te pedir de novo o O Capitão Perna de Pau quer roubar o tesouro
favor de dizer onde é... alô?! Cortaram a dele.
ligação... Alô? Oh! meu Deus! Precisamos
fazer alguma coisa. (Pausa) Acho que vou GERÚNDIO
fazer pastéis! (Sai.)
Bandido!
PLUFT
PLUFT
Só o tio Gerúndio pode salvar a menina! (Abre
o baú) Tio Gerúndio, se você ajudar a salvar a (No meio da maior aflição, muito contente) O
menina, mamãe disse que faz para você mil perna de Pau vai levar a neta Maribel do
pastéis de vento! Capitão Bonança para o mar... navegar,
navegar, navegar e casar com ela. Ela chorou

17
muito e não quer ir não, mas o tesouro está GERÚNDIO
aqui e ele vem aí agora...
(Levantando-se atraído pelos pastéis) Vento
GERÚNDIO sudoeste (prova um) bem salgadinhos.
Deliciosos! (Ouve-se de novo a clarinada) O
Quem vem aí? batalhão me espera! (Gerúndio vai até a
janela mas ainda volta duas vezes para comer
PLUFT mais pastéis. Depois sai pela janela.)

O Capitão Perna de Pau, titio. MÃE

GERÚNDIO Vamos preparar mais pastéis para o batalhão!


Meu Deus, quanto trabalho!
O Perna de Pau é o pior bandido do mundo.
Conheço muito bem aquele ladrão de PLUFT
sardinhas... roubou todos os peixes do mar
morto e agora quer o tesouro, hem? Pois ele Este tio Gerúndio é o maior!
vai ver... (Tira um apito e começa a apitar
para a janela.) (Ouve-se o canto do Perna de Pau. Pluft e a
mãe desaparecem.)
PLUFT
PERNA DE PAU
Viva o tio Gerúndio! Isto é que é fantasma!
(Entrando com Maribel, depois de acabar o
GERÚNDIO canto) Agora está claro como o dia. Claro,
ora, pois é dia, ora... (Ri de si mesmo.
Xisto! Xisto! (Ouve-se um barulho de avião e Empurra a menina, vai até a janela e canta)
Xisto cai do teto, em marionetes, vestido igual Viva o sol do céu de nossa terra! Vem
a tio Gerúndio, com uma gola de marinheiro surgindo atrás da linda serra! (Parando de
em cima da roupa de fantasma.) cantar bruscamente) Ora, lugar de tesouro é
baú... ah! ah! ah! Está vendo, minha bela, tudo
GERÚNDIO agora está claro... Podemos procurar
tranqüilamente... (Ouve-se a corneta ao longe,
Vamos chamar o primeiro batalhão de chamando os marinheiros do mar; Perna de
marinheiros fantasmas. Temos um servicinho Pau instintivamente se perfila fazendo
para o nosso capitão Bonança. A neta dele está continência) Ora, pensei que estivesse no meu
em perigo... Vamos acabar com a coragem navio! Que é isso? Manobras no mar? (Vai até
daquele ladrão de sardinhas... Marinheiro de a janela e pega uma luneta) Mas não vejo
banheira. Vamos! (Ouve-se ao longe uma nenhum navio ao largo... que vento esquisito
cometacorneta e um tambor chamando os está soprando na praia... (Enquanto ele espia
marinheiros-fantasmas. Xisto torna a subir. pela luneta, Pluft corre e fala qualquer coisa
Gerúndio põe o chapéu do velho Bonança, ao ouvido de Maribel e desaparece deixando
mas neste momento começa a ter sono de novo Maribel muito contente.) Deve haver algum
e deita na beira do palco.) navio pelo porto.. . (pausa) O dia de meu
navio chegará... Vamos ao tesouro. Vamos ao
MÃE baú... Agora vou dar o golpe do baú... (Ri de si
mesmo. Depois abre o baú, tira um
(Chega com uma bandeja e, ao ver Gerúndio travesseiro de matéria plástica e panos, que
querendo voltar a dormir) Não! Toma, vai jogando para trás. Junto com os panos
Gerúndio, feitos agorinha mesmo com o vem uma chave que Pluft apanha rapidamente
melhor vento sudoeste! e entrega-a a Maribel. Maribel, muito aflita,
exibe a chave ao público, enquanto Perna de

18
Pau descobre o tesouro) Lá está ele! lá está
ele! É meu tesouro... (Tira o cofre com muito A chave. Preciso encontrar a chave...
cuidado, acaricia-o, ninando-o como se fosse (Continua sem ver os marinheiros e
uma criancinha: dorme neném... Coloca-o desaparece de gatinhas.)
sobre um banquinho e tenta abri-lo) A chave!
Deve estar por aqui... (Começa a procurar, vai OS TRÊS
ao baú e descobre uma chave) Achei... achei a
chavinha do meu tesourinho! Era uma vez um (Recuperando do susto) O marinheiro Perna
marinheiro que recebeu um tesouro... (Tenta de Pau!
abrir o cofre com a chave e não consegue)
Não é esta!... Quem viu a chave do cofre?
Quem viu? (Perna de Pau procura a chave de PERNA DE PAU
gatinhas pela cena) Meu tesourinho, espera
um minutinho, sim? Venho já te libertar deste (Voltando) Pelo amor de Deus! Procurem a
cofre. Onde está a chave? Onde está a cha- chave...
ve?... (De gatinhas ele sai de cena sempre
dizendo “Onde está a chave?”) OS TRÊS

PLUFT A chave?!

(Aparecendo) Depressa, Maribel! Venha se PERNA DE PAU


esconder aqui conosco enquanto tio Gerúndio
não volta com os fantasmas do mar. A chave A chave do meu tesourinho.
está conosco, o tesouro está salvo! (Os dois
desaparecem.) OS TRÊS

(Ouve-se a canção do Bonança. Surgem os Oh!


três marinheiros, desta vez armados com
redes de caçar borboletas. Eles entram PERNA DE PAU
tomando ares de grande coragem, mas
cantam a canção com voz trêmula e lenta.) (Já de pé, puxando os três para o proscênio)
Quem achar a chave para mim, eu dou a neta
SEBASTIÃO do Capitão Bonança!

Viva o grande capitão Bonança! OS TRÊS

OS DOIS Bandido! É agora que vamos te pegar, ladrão


de tesouro! Onde é que você prendeu a
(Sem muita convicção) Vivooooo! Maribel? Anda! Fale!

(Os três procuram por todo lado, dando PERNA DE PAU


finalmente com o tesouro.)
(Só então percebendo que está em frente dos
OS TRÊS três)

O tesouro! Uiiiii!... (Os três marinheiros dão grande


surra, com as redes, no Perna de Pau,
(Neste momento volta o Perna de Pau de enquanto se ouve a cometacorneta dos
gatinhas e, sem vê-los, rodeia-os por entre as marinheiros-fantasmas. Os quatro se perfilam.
pernas, deixando os marinheiros estatelados.) Entra Pluft.)

PERNA DE PAU PLUFT

19
É o tio Gerúndio com os marinheiros- GERÚNDIO
fantasmas! (Os quatro começam a tremer. O
Perna de Pau desmaia, enquanto caem do teto O dinheiro está no fundo do mar... Pode ir
vários fantasmas- marionetes fazendo grande buscá-lo, Perna de Pau. (Gerúndio apita.
barulho e confusão em cena. Os três, Ouve-se o toque da corneta) Os fantasmas do
cambaleando, vão desmaiando uns por cima mar vão levá-lo ao tesouro que está enterrado
dos outros. No meio da confusão, Pluft, no fundo do mar... (Os fantasmas tornam a
Maribel, senhora Fantasma e Gerúndio dão descer.)
as mãos aos fantasmas do mar e cantam em
roda: “Eu fui no Tororó beber água não PERNA DE PAU
achei”.)
Não! Não! Não! Fantasmas não!... Fantasmas
não!... (Empurrado pelos fantasmas, Perna de
GERÚNDIO Pau recua até a janela e desaparece. Os
fantasmas se recolhem.)
(Apitando) Fantasmas ao mar!... (Ouve-se o MÃE
tambor e a corneta e os marinheiros-
fantasmas do mar sobem.) (Surgindo com uma bandeja) Esperem!
Esperem! Pastel de vento para todos! Pastel!
GERÚNDIO (Também desaparece pela janela enquanto
ainda se ouve sua voz gritando: Pastel!... Pluft
(Dirigindo-se ao Perna de Pau, que começa a e Maribel olham pela janela. Gerúndio boceja
levantar) Levanta, seu medroso! e volta ao seu baú. No proscênio começam a
despertar os três marinheiros.)
PERNA DE PAU
JOÃO
O fantasma do navio do Capitão Bonança!...
Eu só queria a chave do cofre... (quase Maribel!
chorando.)
MARIBEL
PLUFT
João! (Os dois se abraçam no meio da cena.
A chave está aqui, titio. João torna a recuar e Maribel vê Julião)
Julião!
GERÚNDIO
JULIÃO
Abra o cofre, Pluft.
Maribel! (Julião se afasta, Maribel vê
(Pluft abre o cofre, enquanto Perna de Pau se Sebastião.)
precipita, arreda Pluft e tira do cofre um
retrato, um papel e um rosário.) MARIBEL

PERNA DE PAU Sebastião!

O retrato da neta Maribel! (Joga o retrato em SEBASTIÃO


cima de Maribel, que está ajoelhada perto de
Pluft) Uma receita de peixe assado! (Joga a Maribel! (Mesmo jogo.)
receita) Um rosário! (Faz o sinal da cruz com
muito medo e levanta o rosário, deixando-o (Pluft, muito contente, também se aproxima
cair nas mãos de Pluft. Depois volta com para ser abraçado mas os três se afastam com
avidez ao cofre) E o dinheiro? E o dinheiro? medo.)

20
PLUFT

Ei!!

OS TRÊS
(Medrosos) Ei!

PLUFT
(Depois de uma pausa) Viva gente!

MARIBEL

Viva fantasma!

PLUFT

Viva gente!

TODOS

(Dando as mãos e fazendo uma roda em volta


de Pluft) Viva fantasma!

PLUFT

(No meio da roda) Viva gente!

GERÚNDIO

(Saindo do baú) Viva o grande capitão


Bonança!

TODOS

Vivaaaaaa! (Todos, sentados no chão, batem


palmas, enquanto Gerúndio descobre o
retrato do grande capitão pendurado na
parede, logo acima do baú e coberto por uma
rede.)

FIM

21

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