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Zero O'Clock - Taekook

Author: MinLena

Published: 2022

Taekook// Taehyung bottom [Concluída] Depois de passar longos anos de sua vida servindo no exército, Kim
Taehyung está finalmente voltando para a Coréia depois de sofrer um acidente que o torna incapaz de lutar na linha
de frente. Ele só não esperava que teria que lidar com a notícia de que a ex-esposa faleceu em um acidente de trem e
a guarda de sua única filha foi deixada para o padrasto da menina na sua ausência. Além de lidar com os efeitos da
guerra e o luto, ele vai precisar aceitar Jeon Jungkook em sua vida e deixar que o homem desconhecido lhe ensine
sobre sua própria filha e, talvez, sobre a própria vida também. [Adaptação, todos os créditos para a autora Penybab] [
Capinha da @KimPunkiss]

Blue & Grey


Bom dia, abelhinhas ♥️
Venho com essa adaptação maravilhosa da Penybab, obrigada por me permitir adaptar♥️♥️♥️ você é um amor
Capinha da kim_punkiss, dêem amor as duas♥️
Espero que gostem, será uma fanfic +18, como sempre faço.
Votem e comentem ♥️♥️
Teremos 15 capítulos nessa belezinha, e esse mês ainda pretendo postar uma one.
Boa leitura e beijos da bunda

❝Os humanos são mesmo animais de arrependimento?


Ou talvez apenas eu seja nascido da solidão❞
(Blue & Grey - BTS)

❁❁❁
Ele tinha desenvolvido uma certa fobia de sons repetitivos, o que tornava aquela espera uma tremenda tortura.

A sala minúscula, com paredes escuras e uma única janela cheia de grades que deixava escapar uma pequena réstia
de sol era sufocante, mas ele não tinha outra alternativa, a não ser ficar ali encarando o relógio de parede que não
tinha o ponteiro das horas.

Um relógio cuja única funcionalidade era emitir aquele tic tac constante e irritante, marcando apenas os segundos e
tornando a experiência cada vez mais angustiante.

A cadeira era desconfortável, ainda mais na situação que ele se encontrava.

O homem girou o ombro devagar, querendo encontrar uma posição confortável, algo que já devia ter desistido. Aquela
tipóia não ajudava em nada, assim como os remédios, ele continuava sentindo como se viga de metal ainda estivesse
cravada em seu ombro.

Ouviu quando a porta se abriu atrás de si e esticou a coluna ao som dos passos que se aproximavam da pequena
mesa surrada de madeira que ficava no meio do cômodo.

O homem, que devia ter mais de cinquenta anos, colocou uma pasta de cor escura diante dele e se sentou na cadeira
disposta a sua frente.

Primeiro-Tenente do 89° batalhão das Forças Armadas, Kim Taehyung.

O adesivo estava gasto e as letras falhadas, sinal que aquele arquivo estava jogado em um canto há um bom tempo.
Fazia muito mais de um ano que ele via aquela pasta.

- Você tem uma escolha, filho. - O capitão Kang Jungyan era um homem experiente, tinha passado por muitas
situações como aquela e sabia exatamente o que dizer para convencer um homem de que o tempo dele na linha de
frente tinha acabado. Mas mesmo ele sabia que Kim Taehyung era um homem difícil e que seria um desafio. - Pode
ficar, se recuperar e conseguir um novo batalhão, ou pode voltar para casa com sua família. Eu posso colocá-lo em
algum cargo bom com o departamento de segurança de Busan. Ou Seul, se você preferir voltar para a capital.

Taehyung encarou a pasta. Ele tinha aquele apito agudo em seu ouvido direito, um som irritante que mais parecia uma
interferência. Aquilo não passava nunca e tornava cada segundo de sua vida mais insuportável.

Ele sabia exatamente o que era aquilo: seu ponto final.

Depois de passar quase dois meses lutando pela própria vida em um hospital improvisado em um depósito antigo no
meio do nada, ele sabia que aquele ferimento que incomodava seu ombro não lhe permitiria manusear uma arma
novamente. Ou arrastar um soldado ferido para uma zona segura. Ele seria um peso morto para qualquer batalhão,
tão inútil quanto aquele maldito relógio sem ponteiro na parede.

Mesmo um homem teimoso e persistente como ele sabia quando chegava ao fim da linha.

Respirou fundo.

- Se eu voltar para casa. - O loiro parecia pensativo, cada palavra sendo escolhida muito lentamente e dita com um
pouco de incerteza. - Não quero alardes. Sem medalhas, sem premiações, sem reconhecimento.

O capitão respirou fundo. Era complicado dizer a Taehyung o que o aguardava quando ele retornasse para a Coréia.
Havia uma linha invisível que dividia a vida profissional do Primeiro-Tenente Kim e a vida pessoal de Kim Taehyung,
como se fossem duas pessoas distintas. Ninguém dentro daquele batalhão tinha cruzado a linha em todos os anos do
homem como soldado.

Sabiam pouco sobre ele.

Era órfão, vinha de Busan, tinha uma esposa e uma filha. Isso até ele receber o pedido de divórcio antes que tivesse a
chance de descobrir o motivo. Então todos imaginavam que voltar para casa não era exatamente um conforto para o
homem que afundou os melhores anos de sua vida em um campo de batalha e perdeu absolutamente qualquer lugar
de conforto que pudesse ter em sua terra natal.

- Podemos deixar o assunto das medalhas de lado por enquanto. Vamos falar sobre esse documento. - O capitão
Kang abriu a pasta e empurrou a folha mais nova na direção dele. Era a única que não estava amarelada e ainda tinha
cheiro de tinta fresca. Taehyung franziu a testa e se inclinou em direção a mesa para ver melhor, fazendo uma careta
de dor ao sentir o ombro repuxar. - Isso foi enviado há cerca de quatro meses, houve problema com o avião que trazia
correspondência, então demoramos a receber.

Taehyung leu acima da folha.

AÇÃO DE GUARDA.

Ele torceu o nariz, confuso. Correu os olhos pelas palavras que estavam ali, leu algo sobre guardião legal e ausência
de pais biológicos, foi suficiente para que ele compreendesse a natureza do documento.

O capitão já tinha dado aquele tipo de notícias inúmeras vezes, mas nunca conseguia encontrar a fórmula correta de
fazer, uma espécie de macete que tornasse mais fácil dizer aquilo. Talvez nunca fosse existir um jeito menos doloroso
de falar sobre a morte.

- Sua ex-esposa estava naquele trem que descarrilou em Xangai há seis meses. Aparentemente estava visitando uma
amiga e houve essa fatalidade... - O homem tomou fôlego. Pela forma como os olhos de Taehyung se escureceram,
ele já tinha compreendido. Não havia motivos para adiar mais. - Song Jiayu faleceu antes que os socorristas
chegassem ao local.

Taehyung passou longos segundos encarando o homem, sem saber ao certo se aquilo tudo era real ou se ele ainda
estava adormecido no hospital. Foi difícil discernir a realidade naquele momento, como se o mundo a sua volta tivesse
se distorcido.

- O quê? - ele sussurrou. Não havia nada além de puro choque em seus olhos.

Taehyung pensou que já tivesse sentido todos os tipos de dores. Tiros, facadas, explosões, queimaduras. Na guerra
não existe nada que um soldado nunca tenha provado depois de um certo tempo. Mas ouvir aquilo foi pior do que tudo
que já tinha o atingido.

- Eu sinto muito, Taehyung - disse o homem.

Song Jiayu não era qualquer mulher, ele dizia isso a absolutamente qualquer pessoa para quem mostrava a foto
surrada e gasta que tinha no bolso. Não era apenas uma frase clichê de qualquer homem apaixonado, era a convicção
de um homem que tinha visto o pior das pessoas desde a infância e que encontrou na garotinha que dançava ballet no
estúdio ao lado do orfanato, uma esperança de que ainda havia algo no mundo pelo que valesse estar vivo.

Foi mais do que seu primeiro amor, mais do que sua primeira amiga ou a garota que olhou para ele como algo além de
um caso perdido. Jiayu era a única coisa que o fazia manter a sanidade quando ele estava prestes a explodir.

Ele nunca pensou que viveria para ouvir aquelas palavras. Estando sempre na linha de frente do combate sangrento,
ele tinha a plena certeza de que alguém bateria à porta dela a qualquer momento para entregar alguma medalha como
recompensa por sua morte honrosa.

Parecia o certo, o justo. Não fazia o menor sentido que fosse ele recebendo aquela notícia.

Pareceu tão frio.

Jiayu, a mulher que significava o mundo para ele, morreu em um acidente de trem em Xangai. Simples assim. O
mundo continuava igual, sua vida sequer teve nenhuma mudança. Havia meses que ela não estava mais ali e ele nem
sabia disso.
Taehyung não conseguiu sentir nada. Ficou amortecido, seus sentidos, seus pensamentos e seus sentimentos. Estava
completamente vazio de qualquer que fosse o tipo de emoção que deveria estar sentindo.

Ele piscou devagar, sentindo os olhos arderem e a garganta se fechar. Não havia sensação pior do que aquela de não
conseguir sentir nada. Seu corpo e seus sentidos sumiram como se sua alma fosse removida do corpo.

E ele ainda estava ali, encarando o olhar de pena do capitão.

- Você precisa de um pouco de água, tenente? - o capitão perguntou. Taehyung negou, engolindo seco.

- Como... - Taehyung tentou falar, mas sua boca estava tão vazia quanto sua mente. Ele sabia que havia muitas
coisas sobre as quais precisava pensar no momento, mas antes que fizesse qualquer menção de sofrer pela perda,
seu peito se apertou lhe lembrando que havia algo que precisava mais de sua atenção do que qualquer outra coisa: -
Minha Mi Sun está...

- O guardião legal na sua ausência está sendo o padrasto dela. - O capitão juntou as mãos sobre a mesa com um
olhar sério e deu dois tapinhas sobre o documento que tinha mostrado a Taehyung. - Foi o pedido da mãe dela.

Taehyung mordeu o lábio com força. O padrasto.

Ele soube por terceiros - Park Jimin, que sempre ligava para lhe atualizar sobre as coisas - que Jiayu estava andando
com "cara com vibe de motoqueiro" depois do divórcio. Seu amigo afirmou com todas as letras que a mulher em
momento algum esteve envolvida com qualquer homem enquanto ainda estava casada com ele, mas Taehyung nunca
acreditou de fato.

Ele mesmo não aguentaria um casamento como o deles. Foi bom nos primeiros anos, com toda aquela alegria e
romance da vida de recém casados, mas desde o momento em que Taehyung se alistou no exército as coisas
começaram a desandar drasticamente.

Um marido que aparece em casa a cada oito meses ou mais não é o que uma mulher quer ou precisa, na verdade,
Jiayu aguentou por tempo demais ao ver dele. Ele jamais guardaria rancor dela por ter se rendido às graças do
primeiro homem que lhe deu um pouco de atenção e esteve presente quando ele estava longe.

Tudo que ele sabia sobre o homem era seu primeiro nome e agora aquele cara que acabou com seu casamento
estava cuidando de sua filha por seis meses e ele sequer sabia disso. Era apavorante pensar sobre como a guerra tira
qualquer noção que uma pessoa possa ter do mundo e do tempo.

- Jeon Jungkook enviou algumas cartas para você durante o tempo em que estava incomunicável, ele tentou fazer
contato com você de todas as formas nos últimos meses, posso pegá-las agora se você quiser - disse o capitão.

Taehyung negou rapidamente.

- Pode se livrar delas, vou falar com ele pessoalmente quando chegar em Busan - o loiro respondeu.

O homem mais velho olhou para ele quase compadecido. Era deplorável. Pelo menos era assim que Taehyung se
sentia naquele momento.

- Há quanto tempo você não vê sua filha? - ele perguntou.

Taehyung se sentia um miserável. Mi Sun tinha seis anos completos e de todos eles, se ele viu três era muito. Ele não
viu seus primeiros passos, não ouviu suas primeiras palavras, não estava lá quando ela foi à escola pela primeira vez.

Era difícil conviver com uma imagem inventada daquela que deveria ter toda sua atenção. Ela o conhecia, ele sabia
disso pois costumava fazer chamadas de vídeo frequentes onde ela lhe contava, gesticulando sem parar, seus feitos
mais honrosos na creche e na escola. Mi Sun o amava, contava a todos os colegas sobre como seu pai era um herói e
ele só conseguia lhe dar migalhas de atenção.

Ele a amava. Daria sua vida por aquela garotinha, mas não a conhecia de fato. Isso o atormentava a noite e agora
mais do que nunca estava vindo para lhe assombrar, porque outro homem estava ocupando seu lugar e ele não podia
fazer nada a respeito disso.

- Pessoalmente há três anos - Kim respondeu, abaixando a cabeça envergonhado. - Por telefone fazem nove meses.

Kang suspirou, observando o homem que mais parecia um fantasma diante de si. Taehyung tinha perdido peso
durante sua estadia no hospital, estava pálido e ainda tinha marcas muito feias e aparentes dos ferimentos. Seu olhar
caído e perdido apenas piorava tudo.

Era tão jovem para estar tão destruído.

- Como seu colega de profissão eu não deveria me meter em sua vida pessoal, mas como um homem que já viu
muitas coisas nesse mundo cruel, eu vou me permitir ser ousado e lhe dar um conselho - Kang disse, atraindo a
atenção dos olhos inexpressivos do tenente. - Eu sei que você está triste, com raiva, desolado e completamente sem
rumo. Você passou por muita coisa nos últimos meses desde o bombardeio até essa notícia, mas não misture as
coisas. Mi Sun perdeu a mãe e viveu sem o pai por um bom tempo, você não deve afastar esse rapaz dela da noite
para o dia. Pense na sua filha e em como ele tem sido a única constante na vida dela nos últimos meses.

- Eu vou dar o meu melhor por ela. - Taehyung passou a mão pelo rosto, exausto. Ele mal conseguia manter os olhos
abertos. - Vai assinar minha dispensa?

- Já assinei - o capitão respondeu, com um sorriso amistoso. Taehyung assentiu, decidindo não questionar o motivo de
o homem ter decidido aquilo antes dele. - Volte para casa, você já cuidou dos outros tempo demais, está na hora de
cuidar de si mesmo. Vou providenciar sua partida o mais rápido possível.

- Obrigado, capitão - Taehyung retrucou. Ele olhou para a janela, podia ver as sombras dos soldados que corriam ali
fora. Seu olhar voltou para a mesa, mais especificamente o telefone fixo que estava sobre ela. - Será que eu posso
fazer uma ligação?

O capitão não disse nada, apenas assentiu e se levantou, depois de virar o telefone na direção do tenente. Ele saiu e
deixou Taehyung sozinho na sala, observando as teclas e se perguntando se deveria fazer aquilo ou não.

A qualidade das ligações feitas daquele tipo de telefone eram horríveis e ele sabia que na maioria das vezes nem
completavam a chamada a longas distâncias.

Mas ele não tinha motivos para não tentar.

Discou o número que sabia de cor e pegou o telefone do gancho.

Ele esperou. O toque era irritante, constante, lhe dando agonia a cada segundo de espera. Seu ombro estava
repuxando por estar tão inclinado para a frente, mas ele não ligou para isso, ainda mais quando, mesmo com uma
qualidade horrorosa, ele ouviu alguém atender a chamada.

- Alô? - A voz do homem que ele nunca tinha visto soou em seus ouvidos como uma fisgada, um arranhão que causou
cócegas. Estava um pouco rouco, ou talvez fosse apenas a interferência da ligação, Taehyung não saberia dizer. O
loiro permaneceu em silêncio, se perguntando o que deveria fazer a seguir. Até o homem do outro lado insistir: - Alô?

Taehyung não conhecia Jungkook. Nunca o tinha visto nem por fotografia e nem pessoalmente, a imagem que criou
em sua mente podia ser totalmente distorcida, já que o loiro preferiu imaginar um homem feio e menor do que ele,
talvez por pura mesquinhez masculina. A voz era jovial, o que o fez pensar sobre a idade dele.

- Tem alguém aí? - Jungkook insistiu, ficando um pouco impaciente.

Taehyung estava prestes a engrossar a voz e se apresentar como Kim Taehyung para amedrontá-lo, mas algo fez
com que ele parasse no mesmo instante. Sua língua se enrolou na boca e ele perdeu totalmente qualquer força que o
motivaria a falar.
- Appa Ggukie! Appa! - a voz era baixa, um pouco enrolada e com pronúncia marcada. Taehyung não se lembrava da
sensação de ouvir aquela palavra tão simples saindo da boca de sua pequena Mi Sun.

A garotinha sempre teve dificuldade com a pronúncia por conta do problema de audição diagnosticado logo nos
primeiros dias de vida. Apesar de utilizar o aparelho auditivo, ainda havia uma dezena de fatores que faziam com que
Mi Sun tivesse seu próprio jeito de se comunicar. E era aquele sotaque único na voz da garotinha que desmanchava
Taehyung por completo.

Appa Ggukie.

Taehyung colocou o telefone no gancho de novo com agilidade e violência. Ele ficou parado ali, paralisado por aquela
sensação de impotência, se sentindo nada além de uma casca vazia.

Ele esfregou os olhos com força, esperando que tivessem lágrimas para serem enxugadas, mas não havia sobrado
nada. Era como estar submerso, sem nada ao redor, sem sons ou sem qualquer coisa à vista. Sufocante e
desesperador.

Jiayu estava morta. Sua filha estava chamando outro homem de pai. E ele estava há quilômetros de distância, se
sentindo um lixo por ter sido o único sobrevivente de um ataque que levou todos os seus companheiros mais queridos.

Taehyung não soube dizer como conseguiu forças para levantar daquela cadeira, ou como conseguiu chegar ao seu
pequeno quartinho improvisado dentro de uma barraca sem se desmanchar em lágrimas.

Talvez ele fosse um pouco apático, talvez fosse imune a qualquer sentimento, ou apenas estivesse perdido demais
para saber o que estava sentindo. Não havia forma de identificar, ele só sabia que estar acordado machucava.

❁❁❁

Demorou para que ele finalmente conseguisse colocar os pés fora do aeroporto e contemplar a movimentação da
cidade. O cheiro no ar era de pipoca doce, vindo da barraquinha que estava na calçada a poucos metros. O sol estava
alto no céu e estava mais quente do que ele esperava.

Casa.

Taehyung conseguia se lembrar da última vez que saiu por aquela porta cerca de dois anos antes. Jiayu e Mi Sun
estavam esperando por ele. Sua garotinha ainda não sabia falar mais que meia dúzia de palavras, mas o abraçou com
força assim que ele se aproximou. Mesmo não o vendo todos os dias, Mi Sun sempre soube reconhecer o pai e fazia
de tudo para mostrar o quanto era querido por ela.

"Appa". A primeira palavra dita por ela, aquela que Taehyung tanto ansiava por ouvir novamente.

Desta vez, no entanto, quem estava lá não eram elas.

Jimin estava recostado no carro estacionado em frente ao aeroporto e o olhou com o maior dos sorrisos assim que
avistou o amigo.

Taehyung sorriu para ele, ainda puxando a mala que continha tudo que ele conseguiu recuperar depois do bombardeio
que destruiu a base militar onde vivia. Seu ombro ainda estava doendo, mas ele se recusava a continuar usando
aquela tipóia, então apenas fazia o possível para não mover o braço mais que o necessário.

Jimin se aproximou dele com rapidez, o puxando da forma mais desajeitada para um abraço apertado. Taehyung
estava acostumado a sentir cheiro de pólvora, terra, sangue e suor misturados, um odor desagradável com o qual já
tinha aprendido a conviver, então foi uma espécie de choque sentir o cheiro de perfume forte que vinha de seu amigo.

Ele não se lembrava que haviam aromas tão bons e reconfortantes.

- Não acredito que você está vivo! - Jimin jamais aprovou a ida de Taehyung para o exército, assim como Jiayu que
basicamente implorou para que ele não fosse. Seu melhor amigo sabia mais sobre ele do que o próprio Taehyung e
havia motivos muito claros pelos quais ele sabia que a guerra podia atingi-lo de formas irreversíveis.

- Eu te disse que ia voltar vivo, você sabe que eu sou um homem de palavra - Kim retrucou. Ele gemeu de dor, por
causa da pressão no ombro e Jimin se afastou com um olhar preocupado. Taehyung moveu a cabeça para lhe dizer
que estava tudo bem. - Tudo certo, foi só uma viga de metal. Rompeu o ligamento e feriu o músculo, estarei novo em
folha em algumas semanas.

Jimin respirou fundo e colocou as mãos nos bolsos. Era uma linha que ele preferia não cruzar. Falar sobre a guerra,
sobre todo aquele horror que seu amigo tinha passado podia ser algo doloroso para Taehyung e ele sabia que a última
coisa que o homem precisava era reviver aqueles momentos falando sobre eles.

- Eu não vou perguntar como foi, deve ter sido um inferno - Jimin falou. Taehyung apenas assentiu, olhando em volta,
o sinal claro e evidente de que não queria tocar no assunto. Park captou o recado e apontou o carro. - Vamos, acho
que temos muito que conversar e você precisa ir para casa.

Ele guardou a mala de Taehyung da forma menos delicada no banco de trás e bateu a porta com força. Tinha pego
emprestado o carro de seu irmão e tinha plena certeza de que estaria morto se algum dia Jin o visse bater a porta
daquele jeito.

- Não quero ir para casa, marquei um encontro com a psicóloga infantil e o padrasto da Mi Sun, precisa me levar até a
escola dela - Taehyung replicou, já entrando no carro.

Jimin fez uma careta ao dar a volta e entrar no lado do motorista.

- Você não acha que deveria esperar um pouco? Acabou de enfrentar um vôo de quase vinte horas depois de quase
ser enterrado vivo - disse Jimin, colocando o cinto de segurança.

- Esperei tempo demais, eu preciso ver a minha filha - Taehyung retrucou, olhando pela janela.

Jimin estava ali em sua ausência e Taehyung sabia que ele foi o maior apoio de Jiayu nos anos antes que ela se
divorciasse e se casasse novamente. Ele sabia muito mais que Taehyung sobre sua própria família e sobre como as
coisas funcionavam enquanto ele lutava na linha de frente.

Jimin fechou as mãos com força em volta do volante, mantendo os olhos na estrada. Ele precisava ser cuidadoso ao
tocar no assunto, já conhecia o temperamento explosivo do amigo e não queria causar uma briga nos primeiros
minutos dele em solo coreano.

- Você vai gostar do Jungkook. - Jimin olhou o loiro de relance, mas não captou reação alguma. - Ele é um cara legal.

- Ele é bonito? - Taehyung perguntou, sequer estava interessado no assunto, parecia mais focado em observar o
movimento na rua.

- É... mais ou menos, não acho nada extraordinário, ele é bem... simples - Jimin fez uma careta. Taehyung o mataria
por mentir, mas ele precisava amenizar a situação para o próprio bem. - Nariz meio grande. Não é grande coisa.

- Ele deve ter ótimas características já que Jiayu se casou com ele. Ela sempre foi bem exigente. - Taehyung tentou
não soar agressivo, mas foi impossível. Jimin respirou tão fundo que quase consumiu todo o ar do ambiente.

- Ela se envolveu com ele só depois de um mês que ocorreu o divórcio legalmente, Jiayu não te traiu, Taehyung. - O
homem de olhos amendoados olhou para ele com seriedade. Taehyung deu de ombros. - Você ficou sabendo da
morte dela recentemente, não foi?

- Bastava um telefonema. - Taehyung foi ríspido. - Se ligassem para a base militar eu teria descoberto há meses que
ela... minha Mi Sun está convivendo com um estranho há seis meses e eu nem imaginava isso.

Ele não deixava de pensar em quão errado aquilo era. Ele não sabia se aquele homem entendia as necessidades de
sua filha, se ele sabia se comunicar por linguagem de sinais, se a levava regularmente às consultas, se sabia a forma
correta de cuidar do aparelho auditivo. Se, no geral, Jungkook era um bom "pai" para sua Mi Sun.

Taehyung não sabia se aquele homem estava cuidando bem de sua garotinha.

- Jungkook não é um estranho, ele se casou legalmente com a Jiayu no ano passado, mas já a conhecia muito antes e
os dois estavam juntos há um bom tempo. Basicamente ele é família da Mi Sun também e ela adora ele - Jimin disse.

Era meio óbvio, mas não deixava de ser algo incômodo para Taehyung saber que havia outro homem na vida de sua
filha. Como ser substituídos aos poucos.

- Vocês vão ser bons amigos, eu sei disso. Só precisa deixar esse seu ciúme de lado, vocês dois perderam a Jiayu e
vocês dois estão passando pelas mesmas coisas, é só questão de tempo até estarem assistindo futebol juntos no sofá
da sala - Jimin completou.

Taehyung olhou para ele de mortal.

- Vocês são amigos? - Uma pergunta arriscada. Jimin tinha que tomar uma decisão rápida, que poderia custar sua
vida. Ele estreitou os olhos e mordeu o lábio, tomando a decisão.

- Saímos para beber de vez em quando. - respondeu ele. Taehyung riu. - Você ainda é meu soulmate, cara. Eu não
troquei você, não se preocupe.

- Aparentemente Jeon Jungkook é um ótimo substituto em todos os sentidos possíveis. - Taehyung apoiou a bochecha
na palma da mão e olhou para a rua.

Ele estava curioso e ansioso por conhecer Jungkook. Finalmente encontra-lo e estar frente a frente com o homem que
tomou seu lugar enquanto ele ia dormir ao som de bombardeios e gemidos de dor de soldados feridos.

Não podia evitar sentir raiva e ciúme daquele homem, não podia inibir o instinto humano de se sentir traído e
substituído. Ele não queria brigar, discutir ou tornar as coisas mais difíceis, chegar já humilhando o tal Jeon e o
expulsando da vida de sua filha.

Sabia que seria difícil, mas ele não podia evitar ou negar o fato de que sua vida agora estava enlaçada com a daquele
estranho e ele não tinha como romper o nó.

Ele tinha um costume que não conseguia deixar. O hábito de tocar os lóbulos das orelhas quando estava nervoso, as
pessoas que o conheciam bem já tinham decorado aquela mania.

Não que fosse tranquilizá-lo, era apenas um pequeno tic nervoso.

Ele estava ali há cerca de cinco minutos, beliscando a própria orelha uma das mãos enquanto encarava a janela. Eles
estavam exatos três minutos atrasados, o que para ele era motivo de pensar em todos os cenários catastróficos
possíveis.

Não era de seu feitio ficar ansioso com as coisas, ele na verdade costumava levar tudo com o máximo de calma
possível, mas a situação era completamente diferente. Como se aquele fosse o momento que mudaria sua vida de
forma drástica e irreversível.

A porta atrás dele se abriu e uma mulher baixa, com cabelos cor de mel colocou a cabeça para fora, com o som das
crianças tagarelando dentro da sala ficando bem mais audível.

- Jeon, poderia me emprestar sua chave do armário? Eu não consigo encontrar a minha em lugar algum. - Sana pediu.

Ele se virou rapidamente, levando a mão até o cós da calça e puxando o molho de chaves para jogar na direção dela,
para em seguida voltar ao seu estado de transe. Nem deveria estar ali, era seu dia de folga, no entanto depois da
ligação da agente social, ele não conseguiu nem mesmo dar uma volta na quadra para espairecer.
Alerta, à espera de alguém que ele nunca tinha conhecido, mas que já estava causando tremedeiras antes mesmo de
cruzar seu olhar com o dele.

Sana sabia muito bem o que estava acontecendo, na verdade todos os professores e coordenadores da escola já
tinham ouvido correr a grande fofoca do momento: o pai biológico de Mi Sun estava voltando e de forma definitiva. O
que implicava em Jungkook tendo que encarar o ex-marido de sua falecida esposa.

E Jungkook estava preso em sua bolha de ansiedade, se sentindo um intruso antes mesmo do retorno do tão temido
Kim Taehyung.

A mulher olhou para dentro da sala e certificou que poderia se ausentar por cinco minutos para confortar seu amigo
sem que as crianças acabassem explodindo a sala ou coisa pior.

Da forma mais delicada possível, ela encostou a porta e se aproximou, tocando o braço dele de forma gentil. Mesmo
com todo o cuidado, Jungkook se assustou com aquilo.

- Você está bem? Parece que está prestes a vomitar - ela disse, com uma careta.

Jungkook pigarreou e sorriu amarelo. Ele não sabia o que responder, estava à beira de uma crise de nervos.

Ele sabia tudo sobre Kim Taehyung. Pelo menos tudo que Jiayu, Mi Sun e Jimin lhe contaram. Não sabia se podia
contar como conhecer realmente. Viu o homem de longe cerca de duas vezes nos primeiros anos que Mi Sun
frequentou a escola e tinha uma vaga lembrança de ter esbarrado nele no corredor durante uma reunião de pais e
mestres.

Jiayu era muito sucinta quando falava do ex-marido, usando vagas menções e normalmente parando de falar logo em
seguida com um olhar entristecido. O olhar de alguém que ainda o amava, mas mantinha para si mesma.

Jungkook nunca se sentiu inteiramente amado por ela, mas isso nunca o incomodou. Era difícil viver sabendo que a
mulher que ele amava com todo seu coração, dividia o próprio entre ele e um homem que parecia um fantasma,
sempre presente apesar de não ser visto nunca.

Ele supunha que fosse por conta de Mi Sun. Kim Taehyung era o pai da filha dela, não havia uma forma de
simplesmente apagar a história deles para sempre e Jeon sempre entendeu e respeitou isso.

Ele se apaixonou por Jiayu e mesmo que precisasse aceitar metade do coração dela, se sentia satisfeito por
preencher um vazio que ela tinha. E Mi Sun foi um brinde.

A garotinha esperta e dócil, sempre foi uma espécie de sol em sua vida. Mesmo nos dias mais cinzentos, ela estava lá
fornecendo calor e luz para ele. Foi ela que o fez suportar aqueles meses infernais.

- Acho que vou precisar que você fique com a minha turma amanhã, acha que consegue cuidar deles? Eu juro que vou
te recompensar - O moreno pediu, coçando a nuca e se sentindo horrível por pedir mais um favor.

Sana sorriu.

- Sem problemas, sei que as coisas podem ficar complicadas para você agora - respondeu a mulher.

- Acha que ele vai tentar tirá-la de mim? - Jeon perguntou, olhando nos olhos da mulher de uma forma tão
desesperada que ela conseguiu sentir a agonia dele percorrendo as próprias veias.

- Não - Sana falou - Acho que vocês dois podem acabar se entendendo, só precisa de um pouco de paciência de
ambos os lados.

❁❁❁

Havia um cheiro doce no ar, provavelmente o perfume das flores de cerejeira que estavam quase tocando as janelas
do corredor. Algumas pétalas se desprendiam com o vento e dançavam sob a luz do sol.
Um cenário bonito.

Beleza.

Foi a primeira vez que a palavra cruzou sua mente em muito tempo, pousando ali e o deixando um tanto surpreso com
a descoberta. Ele não via algo genuinamente belo há muito tempo.

Seu dia a dia normalmente envolvia terra, sangue e morte, não há nada de belo em uma guerra. Nada agradável ou
confortável, então o simples ato de estar andando em um corredor bem arejado, com cheiro de flores e pétalas
dançando no ar junto às cortinas brancas, o fez sentir-se em um sonho.

- Mi Sun está em aula agora, não vamos tirar ela, então podemos esperar que a aula termine dentro de uma hora e
vinte. Enquanto esperamos, você pode falar com o Sr. Jeon - disse Moonbyul, a psicóloga infantil que o guiava. Ela
parou a certa altura no corredor, diante de uma janela grande que dava visão para uma sala ampla.

As crianças ali pareciam alheias à movimentação fora da janela, o que apenas concretizou as suspeitas de Taehyung
de que do lado de dentro elas não conseguiriam ver o que se passava no corredor.

Moonbyul sorriu para ele de forma gentil e gesticulou na direção da janela.

Ele olhou pelo vidro escurecido. Havia uma dezena de criança na sala, todas distraídas com tinta guache e papéis que
já estavam todos coloridos. Mas mesmo com dezenas ali, Kim não demorou a encontrar sua Mi Sun.

Seus olhos foram atraídos para ela de forma direta, sem que ele precisasse vasculhar a sala.

A garotinha enfiada no uniforme escolar, com o cabelo bem preso no alto da cabeça em um rabo de cavalo e a franja
bem aparada. As bochechas estavam mais magras do que ele recordava, ela parecia ter crescido alguns centímetros
e seus olhos estavam totalmente concentrados na pintura que ela estava fazendo.

Ele engoliu seco.

Sua menininha.

Mi Sun tinha os lábios avantajados esticados para a frente em um biquinho, uma mania que tinha quando estava
concentrada.

Taehyung sorriu. Não pensou que ainda fosse capaz disso, não até avistar a única razão para ainda estar vivo, a única
que conseguia fazer seu coração quebrado e estilhaçado continuar batendo.

Moonbyul sorriu. Ela estava acostumada a ver reencontros como aquele e nunca se cansava. Havia algo, como um
dom, que somente os filhos tinham de iluminar o rosto de seus pais em menos de meio segundo.

- Vou chamar o Sr. Jeon - ela falou. Taehyung assentiu, sem deixar de olhar pela janela e a mulher recuou pelo
corredor para deixá-lo sozinho.

Taehyung viu Mi Sun mergulhar o pincel na tinta azul e olhar de forma muito crítica para a pintura. Ele avistou de longe
e identificou que aquilo aparentemente deveria ser uma joaninha.

Mi Sun gostava de cores vibrantes, todas misturadas e de forma chamativa, ela sempre achou que as cores em seus
desenhos pudessem dizer aquilo que sua boca ainda travada não conseguia.

Não tendo a audição em perfeito estado, os demais sentidos se tornavam mais aguçados e mais necessários.

Gestos e principalmente desenhos feitos com giz, tinta ou lápis de cor, sempre foram o jeitinho de Mi Sun dizer o que
sentia sem precisar falar.

Ele amava isso.

Amava cada pedacinho de sua garotinha e sentia seu coração se apertando forte com a vontade de ir até ela naquele
mesmo instante e abraçá-la.

Nada o faria se sentir em casa mais do que aquilo.

Estava tão distraído, tão perdido naquela sensação de conforto, que sequer ouviu os passos ou notou que alguém
tinha se aproximado. Pelo menos não por um bom tempo.

- Ela está com uma obsessão estranha com joaninhas. - Taehyung não se assustou quando ouviu alguém falar ao seu
lado, mas de fato se surpreendeu por não ter notado a presença do rapaz.

Kim o olhou com rapidez, captando o máximo de detalhes que podia sobre a aparência do homem. Roupas escuras,
braço direito inteiro tomado de tatuagens e um rosto jovem.

Ele desviou o olhar em menos de dois segundos para não parecer que estava analisando a figura.

Um garoto. Pelo menos era o que parecia.

Por um instante sua mente começou a trabalhar para encaixar as peças.

- Você pode ver os outros desenhos dela no mural do terceiro piso, é muito boa então todos os desenhos dela vão
parar lá. - O rapaz insistiu. Mesmo que falasse com Taehyung, o que era um fato, pois havia apenas os dois no
corredor, Kim ainda tentava entender o motivo pelo qual a presença dele parecia tão estranha. Não parecia se
encaixar no cenário, parecia agressivo demais.

- Eu posso ir lá depois, preciso falar com uma pessoa antes. - Taehyung ergueu a cabeça e continuou olhando pelo
vidro. Por conta da iluminação, ele conseguia ver, mesmo que de forma apagada, o próprio reflexo e do homem ao
seu lado.

Ele parecia o tipo de cara que com certeza se metia em encrencas com gente barra pesada.

- Eu também - respondeu com voz grave, um pouco aveludada.

Taehyung não queria ser rude, mas ainda não estava exatamente no clima para socializar com adolescentes rebeldes
e solitários.

- Você estuda aqui? Não acha que está meio grandinho para o ensino fundamental? - perguntou o loiro.

O rapaz riu. Taehyung olhou para ele, notando o piercing na sobrancelha e os brincos. Aquele era o tipo de cara que
costumava fazer bullying com ele quando estava no ensino médio, portanto seu preconceito não era totalmente
infundado.

Talvez ele estivesse sendo rude, mas não era como se ele fosse esbarrar no garoto mais de uma vez.

- Eu sou professor - respondeu o moreno, erguendo a cabeça e arqueando uma sobrancelha para cima em sinal de
desafio. Taehyung sentiu as bochechas esquentarem junto com suas orelhas, o constrangimento o dominando por
completo.

Idiota. Ele estava agindo como um idiota.

Óbvio que ele era professor, o que mais um marmanjo daqueles estaria fazendo em uma escola infantil?

Kim olhou para a frente, tentando escapar do olhar desafiador do estranho.

- Me desculpe - pediu o loiro.

- Eu sei, é difícil ver um cara com meu estilo ensinando criancinhas a ler - retrucou o homem, não parecia ofendido
pelo tom de voz.

- Não é isso, é que você parece jovem demais - Taehyung emendou, torcendo para que funcionasse. Ele pressionou
os lábios em uma linha fina, decepcionado consigo mesmo. - Você é professor da Kim Mi Sun?

O moreno olhou para ele. Pareceu hesitante e com os grandes olhos de cervo bem abertos, seu olhar abaixou com um
pouco de vergonha e ele estendeu a mão direita na direção do loiro. Taehyung olhou rapidamente a pele coberta de
figuras, traços e desenhos, sem um centímetro de pele aparente por toda a extensão do braço, desde o pulso até a
altura da manga da camiseta e aparentemente ia além daquilo.

- Sou Jeon Jungkook, muito prazer em conhecê-lo, Sr. Kim - disse o moreno.

Taehyung não disse nada.

Era muita coisa para pensar.

A primeira delas foi que ele precisava apertar a mão estendida, isso antes que Jungkook desmaiasse por prender a
respiração por tanto tempo. Foi essa a razão de ter estendido a mão e apertado a dele antes mesmo que sua ficha
caísse.

Jeon Jungkook. Ele finalmente identificou a voz que ouviu no telefone.

Os olhos de Taehyung foram para o rosto do homem.

Park Jimin era um homem morto, Jeon Jungkook era tão bonito que chegava a dar raiva.

- Kim Taehyung - o loiro disse, como se precisasse confirmar para o moreno. Jungkook sorriu de forma amigável,
parecendo disposto a ser gentil o quanto pudesse. Ele soltou a mão de Taehyung depois de alguns segundos e
inclinou a cabeça um pouco.

O silêncio era constrangedor. Não havia o que ser dito, Taehyung percebeu que mesmo que estivesse disfarçando
muito bem na voz e na postura, Jungkook tremia.

Então era aquele homem, com um sorriso de criança, porte de atleta e estilo de um membro de gangue, que tinha lhe
substituído.

Ele engoliu seco com o pensamento. Nutriu uma raiva profunda e muito persistente em seu coração por anos,
pensando sobre como ele nunca seria capaz de perdoar aquele homem por ter tirado sua família.

Jiayu o rejeitou e colocou Jungkook em seu lugar, tão simples quanto trocar uma lâmpada.

Fazia sentido. Era bonito, parecia o tipo de jovem que sabe exatamente a forma de deixar uma mulher satisfeita de
todas as formas possíveis. Aquele charme selvagem deve ter atingido em cheio o coração de Jiayu e como alguém
que estava convivendo com a solidão há muito tempo, ela não hesitou em se entregar.

- Acho que precisamos conversar sobre muitas coisas, Sr. Jeon - Taehyung disse, olhando para o chão. Sua voz
inexpressiva e seu olhar deixando evidente que qualquer ato de camaradagem não estaria sendo bem recebido.

Jungkook tomou fôlego, olhando pela janela e observando a posição do sol. Eles tinham muito tempo até que Mi Sun
estivesse dispensada das aulas.

Ele olhou por cima do ombro do loiro, observando a mulher na ponta do corredor. Sana abriu um de seus sorrisos
orgulhosos e levantou dois polegares em sinal de aprovação. Ele assentiu para ela minimamente. A única que sabia
que ele tinha passado as últimas três noites sem dormir pensando em como seria encarar o pai de Mi Sun.

E ele estava ali agora. Não foi tão terrível quanto esperava.

❁❁❁

Aquela padaria ficava ao lado da escola. Era pequena, tinha cadeiras e mesas dispostas na calçada e os doces eram
os melhores da cidade, ao ver de Jungkook. Era sua preferida, talvez porque fosse a mais acessível.
Estava sentado ali, brincando com as mãos de forma nervosa sobre a mesa, isso até que colocassem a xícara com
café diante dele, assim ele finalmente pode mexer com a xícara sem parecer que estava nervoso.

Taehyung estava mergulhado no mais absoluto silêncio e ele não quis interromper isso.

O homem não era nada diferente das fotografias que Jungkook tinha espalhadas pela casa, onde ele sorria para a
câmera junto a Jiayu e Mi Sun. A diferença era que nas fotos o homem parecia reluzir, um retrato da pura felicidade.

Não era o mesmo Kim Taehyung que estava sentado diante dele.

O homem que estava ali tinha um olhar cansado, parecia estar ali não por vontade própria, mas porque não tinha nada
mais que pudesse fazer. Havia uma cicatriz quase imperceptível na sobrancelha, uma falha que Jungkook notou só
naquele momento.

No geral, ele não parecia agressivo ou algo a temer, parecia apenas inexpressivo.

- Eu espero que tenha tido uma boa viagem - o moreno falou, apenas para quebrar aquele silêncio desconfortável.
Taehyung se sobressaltou, parecendo voltar à realidade naquele momento e perceber que não estava sozinho. Ele
apenas assentiu.

- Foi cansativa, me desculpe se estou parecendo desligado do mundo. - Taehyung não tentou sorrir, não se esforçou
para demonstrar qualquer vontade de fazer amizade com o homem. Não tinha o menor ânimo para isso. No fundo ele
se sentia realmente desligado do mundo, mas não era feito do cansaço.

- Eu entendo se você quiser deixar para conversar outro dia - Jungkook se adiantou, beliscando o adesivo da pequena
tigelinha de açúcar que estava sobre a mesa. Ele tinha medo de olhar nos olhos de Taehyung, podia parecer covardia,
mas sabia que merecia ser odiado pelo loiro e esperava que isso fosse um fato.

- Acho que adiamos demais - Taehyung disse. Ele olhou para a mão de Jungkook, continuava tremendo. Já fazia mais
de meia hora que tinham se conhecido e o rapaz continuava tremendo como se Kim fosse um monstro prestes a
devorá-lo. Taehyung não conseguiu evitar a sensação de soberba ao observar aquilo.

- Recebeu alguma de minhas cartas? Tentei localizar o senhor por meses, ninguém tinha muitas informações a seu
respeito - Jungkook falou, segurando a xícara com as duas mãos. - Não sabiam dizer exatamente sua localização,
então confiei as correspondências a um major com quem falei, ele disse que podia levá-las até o senhor.

- Não me chame de senhor, pode usar "você" ou meu nome. - O loiro torceu o nariz. Jungkook assentiu, ainda
evitando qualquer contato visual. - Na verdade, eu recebi elas somente quando estava me preparando para voltar, não
consegui ler ainda.

O capitão Kang tinha lhe entregado um pequeno molho de cartas. Todas com envelopes diferentes e muitos selos e
carimbos e todos assinados com a caligrafia muito bem desenhada de Jungkook. Ele não chegou a abrir nenhuma
delas, apenas jogou no fundo da mala e jurou que jogaria fora assim que estivesse na Coréia.

- Acho que devemos começar do princípio. - Jungkook levou a xícara até a boca e bebeu um gole do café, sentindo o
calor da bebida queimar sua língua e fazendo uma careta em seguida.

Taehyung riu. Ele não deveria, mas ver o moreno queimando a língua e tentando disfarçar em seguida foi no mínimo
hilário. Jungkook mordeu o lábio e descansou a xícara no pires.

A risada do loiro foi um alívio, por mais que tenha durado meio segundo. Já era um sinal de que Taehyung não estava
o odiando tanto quanto pensava.

- Você está bem? - Taehyung perguntou, pressionando os lábios em uma linha fina. O moreno assentiu.

- Eu esqueci que estava quente - replicou Jungkook, abrindo um sorriso. Taehyung olhou para a xícara fumegante e
em seguida para o sorriso do homem. Jungkook ajeitou a postura e passou a mão pelos cabelos, cada movimento
sendo completamente monitorado pelo Kim. - Eu estou usando o quarto de hóspedes na casa. Só até conseguir outro
lugar para ficar, prometo que é provisório.

- A casa? - Taehyung franziu a testa, até perceber de imediato de que ele falava. - Ah, certo. A casa estava no nome
da Jiayu, agora...

- Está no seu. - Jungkook se adiantou. - Na verdade no nome da Mi Sun, mas como ela é menor de idade a posse do
imóvel fica com o guardião legal até ela atingir a maioridade.

- Você não precisa ir embora, é sua casa também - Taehyung falou, observando a própria xícara. Fazia muito tempo
que ele não bebia café quente e fresco, o cheiro já estava fazendo sua boca salivar. - Podemos deixar as coisas assim
até resolvermos de fato.

- Eu quero pedir uma coisa - Jungkook, depois de muito tempo criando coragem, olhou direto nos olhos de Taehyung.
Ele ainda parecia temeroso, talvez fosse o fato de sua mente projetar todos os seus medos e frustrações dos últimos
meses no rosto daquele homem. - Não me proíba de ver a Mi Sun.

Taehyung não disse nada. O que foi pior do que se tivesse lhe dado um tapa ou coisa do tipo, já que os olhos dele
continuavam apagados e sem expressão. Jungkook não conseguia nem imaginar o que se passava na mente dele e
isso era desesperador, como estar falando com uma parede de gelo.

Ele manteve o olhar firme, sem querer demonstrar fraqueza, até que Taehyung finalmente respirou fundo.

- Você cuidou dela sozinho nos últimos nove meses e eu não seria insensível a ponto de te expulsar da vida dela sem
mais nem menos - disse ele - Acho que nós dois concordamos que ela não precisa perder mais ninguém.

Jiayu.

O assunto que basicamente os dois sabiam que era um terreno perigoso.

Dois corações despedaçados pela mesma mulher, duas almas que tinham uma única motivação para estarem frente a
frente naquela calçada.

Taehyung, o homem que ela amou com todo o coração até seu último suspiro, mas que não a amou suficiente para
escolher ficar com ela.

Jungkook, o homem que amou ela como jamais tinha amado ninguém na vida e em troca, recebeu metade do coração
da mulher.

Talvez eles tivessem visões distorcidas um do outro. Como avistar uma pintura de longe e se aproximar aos poucos,
percebendo que na verdade, o ângulo muda tudo.

Não havia espaço para qualquer amizade, não quando Jiayu tirou tanto deles. Podia ser injusto, podia ser cruel, mas
algumas coisas nem o tempo podia consertar. E a relação deles tinha sido quebrada muito antes que seus caminhos
se cruzassem.

- Ela estava divorciada há quatro meses quando saímos pela primeira vez - Jungkook disse, um olhar sério e quase
suplicando por um perdão que Taehyung não sabia se tinha para oferecer. - Eu nunca ficaria com uma mulher casada,
ainda mais quando tinha uma criança esperando por ela em casa.

Taehyung não acreditava. Ele nunca acreditou.

Qual motivo Jiayu teria para se divorciar dele se já não tivesse alguém esperando?

Talvez fosse isso que alimentasse aquela raiva oculta que ele tinha de Jungkook. Um homem que não tinha o caráter
de respeitar o casamento de alguém não merecia seu respeito ou sua compreensão.

- Tanto faz. - Taehyung olhou para a rua. Jungkook viu a forma como ele travou a mandíbula, observando com
atenção a forma como o punho se fechava sobre a mesa. Jeon respirou fundo e fechou os olhos com força, se
amaldiçoando por ser tão idiota. Ele queria manter uma relação amistosa com o pai de Mi Sun, apenas isso garantiria
que ele não seria afastado da menina, e estava começando muito errado. - Isso não importa mais, não é mesmo?

- Eu não quero que haja mal entendidos entre nós, Mi Sun... - Jungkook fez uma pausa. Era difícil explicar o que a
garotinha de sorriso fácil e olhos atentos significava para ele. Era mais que apenas sua enteada.

Ele viu a garota tímida e reservada que em seu primeiro dia de aula, lhe entregou uma post-it com o desenho muito
bem feito de uma orelha e um xis vermelho feito com giz sobre ela. Jungkook não entendeu o que ela quis dizer até
que visse as anotações da diretora e percebesse que aquela era Kim Mi Sun, a garota com problema auditivo.

Como professor, seu dever era fazê-la se sentir à vontade e ajudá-la a socializar com os colegas de classe e se
dedicou tanto a isso, que se encantou pela menina ao longo do tempo.

Quando se casou com Jiayu, teve a certeza plena em seu coração de que nada no mundo mudaria o fato de que Mi
Sun era sua filha. Mesmo que ele a tenha conhecido quando ela já tinha quatro anos de idade, mesmo que o pai
biológico fosse voltar em algum momento.

Mi Sun era a garotinha, aquela que se aconchegava nele para assistir televisão e que lhe dava um beijo em cada
bochecha e um na testa sempre antes de dormir.

Ele mataria e morreria por ela, o sangue não lhe importava. E Taehyung precisava saber disso.

- Mi Sun é tudo pra mim - Jungkook confessou - Eu sei que você pode me odiar, mas eu amo ela. Só quero que
possamos encontrar uma forma de levar isso sem discussões ou brigas, ela já aguentou muita coisa nos últimos
meses.

- Acho que não temos escolha - Taehyung disse, se inclinando para a frente e olhando para o moreno. Ele não sabia
como faria aquilo, não tinha a menor ideia de como fazer aquele cara se encaixar em sua vida. E Jungkook da mesma
forma, não sabia como se encaixar na vida de Taehyung. - Prometo que vou me esforçar. Só não tente forçar a barra.

Jungkook franziu a testa.

- Eu entendo a escolha da Jiayu, mas não somos amigos. Somos adultos, Jungkook, nós podemos levar isso de forma
madura, mas não pense que eu vou me tornar seu coleguinha de casa que assiste futebol com você enquanto bebe
cerveja - Taehyung disse, puxando a carteira do bolso e buscando o dinheiro que pagaria pelo café do moreno. Ele
ergueu a nota presa entre dois dedos e fixou o olhar em Jeon. - Estamos presos um ao outro e isso é inevitável, mas
você ainda é o cara que foi amante da minha esposa. Eu não vou mentir e dizer a você que está tudo bem. Enquanto
eu estava na linha de frente de uma guerra sem fim você estava rolando nós lençóis com ela e isso não é algo que eu
esteja disposto a simplesmente esquecer.

Jungkook fechou a mão na borda da mesa, pressionando o tablado de madeira entre os dedos com força. Seu olhar já
não era mais tão amistoso quanto antes, jorrava um pouco de raiva e não hesitava em encarar o homem de volta para
evidenciar isso.

- Preciso ver minha filha agora. - Taehyung colocou a nota sobre a mesa e se levantou. Ele podia estar sendo imaturo,
mas não se importava. Ele não conseguia sentir nada, nem remorso, nem raiva, seu interior era um completo oceano
de indiferença.

Era perigoso, obviamente, qualquer pessoa que deixa de sentir as coisas logo começa a perder a vontade de estar
vivo. Ele já tinha perdido há muito tempo, mas havia ainda uma pessoa que o fazia continuar ali, respirando e
tentando, apesar de já estar morto por dentro.

Taehyung saiu dali.

Jungkook ficou sentado, encarando a nota como se seus olhos tivessem poder de queimar o dinheiro. Ele riu. Alto e
muito incrédulo.
Por um momento genuinamente acreditou que as coisas poderiam ser fáceis de Taehyung voltasse para casa, mas
definitivamente ele estava enfiado na pior encrenca de sua vida.

❁❁❁

Taehyung sentiu suas mãos suando, seu coração acelerado e era quase como se fosse desmaiar.

Ele estava parado sozinho na sala vazia. As classes redondas e coloridas tinham folhas empilhadas, lápis, giz e
pincéis perfeitamente organizados em copos coloridos. As paredes cravejadas de desenhos feitos por crianças e
figuras de E.V.A.

Ele estava nervoso e ansioso.

Kim mantinha os olhos fixos na porta e a cada pessoa que via passar pela janelinha de vidro seu coração pulava no
peito.

Até que ele viu a figura de Moonbyul aparecer pelo vidro. Apertou com firmeza as barras da camiseta, querendo
acalmar seu coração quando a porta abriu.

Mi Sun olhou para dentro com certa desconfiança, havia uma dúvida em seu olhar que fez Taehyung perceber que
ninguém tinha lhe dito que ele estava ali.

Então a menina colocou os olhos nele.

Taehyung imaginou todas as reações possíveis, esperando que talvez ela estivesse irritada por ele não ter feito
contato por tanto tempo.

Mas diferente do que pensava, a menina abriu a boca com um sorriso gigante e seus pequenos olhos se iluminaram
em completa euforia, quando ela soltou a mão da psicóloga sem nem pedir permissão e correu para ele.

- Appa! - ela gritou.

Taehyung se abaixou de imediato, sentindo o solavanco quando a garota se jogou em seus braços, envolvendo o
pescoço dele com seus braços curtos e pequenos.

Taehyung a segurou em seus braços e em muito tempo, ele conseguiu finalmente sentir algo. Ele sentiu, no fundo do
peito, que estava em casa. Não a Coréia, não Busan, mas sua filha. Sua Mi Sun, que o apertava com força como se
temesse que ele fosse partir novamente.

Ele fechou os olhos, sentindo o cheiro doce dela, aquele aroma que não mudava independente de quanto tempo
passasse.

- Appa, você voltou para casa. - Mi Sun se afastou de forma repentina, seus olhinhos úmidos olharam os olhos
encharcados do pai. Taehyung não conseguia se conter, não olhando o rostinho perfeito de sua filha tão perto. - Você
vai ter que voltar? Vai ficar aqui por...

Ela respirou fundo, ofegante. A língua enrolou e ela colocou a mão no ouvido, Taehyung percebeu que estava sem o
aparelho, por isso ergueu as duas mãos pequenas, começando a usar a língua de sinais para falar de forma rápida.

"Vai ficar comigo por quanto tempo?" Ela perguntou.

Taehyung sorriu, tocando a ponta do nariz dela antes de responder, usando as mãos.

"Para sempre, minha joaninha"

Ela sorriu entusiasmada, o olhar ainda parecia ter dúvidas sobre o que ele dizia. Como se perguntasse se era
realmente verdade. Ele assentiu e Mi Sun o abraçou de novo.

Taehyung sorriu, afundando o nariz no uniforme dela. Ele olhou por cima do ombro de sua filha, vendo a psicóloga na
porta, ao lado de Jungkook.

O moreno olhava a cena de longe como um observador atento. Taehyung olhou para ele, pensando que talvez tivesse
sido rude demais ao falar com o homem. Jungkook o encarou sem inibição, talvez o olhar de quem declarava que não
tinha medo dele e que suas palavras não o afetaram de forma alguma.

Taehyung aguentaria Jungkook por Mi Sun. E Jungkook suportaria Taehyung por Mi Sun.

E no fim das contas, ela era a única razão pela qual os olhares deles se cruzaram e permaneceram fixos um no outro.

I Need U
Bom dia abelhinhas
Boa leitura ❤️
Votem e comentem

❝Por que eu preciso de você mesmo sabendo que vou me machucar?❞


(

I Need U - BTS)

❁❁❁

Fazia um bom tempo que ele não via aquela casa. A cerca branca cercada e cravejada de botões de rosa prontos para
desabrocharem era sempre a primeira coisa que lhe vinha em mente quando pensava em sua casa.

A casa que ele e Jiayu compraram com muitas economias. Pequena, apenas um andar e um pequeno quintal na
frente onde tinha espaço suficiente para um balanço de pneu e um pequeno jardim. Como nos sonhos de infância
dela.

Estava escurecendo quando o carro estacionou na entrada da garagem.

Taehyung e Jungkook escolheram o silêncio desde o péssimo começo na cafeteria, enquanto Mi Sun parecia não ter
percebido que o clima entre seus pais não era dos mais favoráveis.

A garota estava completamente eufórica e agitada, como se o retorno de Taehyung tivesse colocado uma bateria nova
em folha nela. Mesmo com a fala um pouco enrolada e lenta, ela fazia questão de contar ao appa Tae - que ainda
estava um tanto indignado com o fato de que o termo "appa" agora precisava ser seguido de seu apelido para que
pudesse identificar que o assunto era com ele - tudo que ele tinha perdido de sua vida agitada nos últimos meses.

- Eu mudei de ideia, appa Tae. Não quero mais ser bailarina, agora quero ser astronauta. Appa Ggukie, conte a ele
sobre o telescópio que o senhor me deu no Natal! - Mi Sun disse, desprendendo o cinto com rapidez e agilidade.

Jungkook suspirou, desligando o carro e tirando o próprio cinto de segurança. Taehyung não o olhou nem por meio
segundo desde que entraram no carro e a única vez em que se dirigiu a ele, foi para dizer "tem um motoqueiro vindo
desse lado, espere um pouco" quando estavam no cruzamento.

- Conte você, solzinho - Jungkook sorriu para ela pelo retrovisor. - Seu pai estava com muita saudade de você, então
precisa contar tudo a ele com o máximo de detalhes possível.

Jeon abriu a porta e saltou para fora, Taehyung tirou o cinto e fez o mesmo. Assim que os dois pisaram do lado de
fora, Mi Sun já estava saltitando em volta do loiro.

- Appa Ggukie me comprou um telescópio, dá pra ver a lua bem de pertinho assim. Você sabia que ela é grande,
appa? Ela pode parecer pequena vendo daqui, mas é porque tá bem longe. - Ela segurou a mão dele com suas duas
mãos cheias e gordinhas. Taehyung não conseguia tirar o sorriso do rosto olhando para ela. - Vou mostrar para o
senhor agora mesmo!

Ela parou de forma repentina. Pareceu um pouco surpresa com algo e soltou a mão de Taehyung com rapidez,
correndo em volta do carro na direção do porta malas.

Taehyung a observou de longe. Estava mais alta, mais esperta e cada dia mais bonita. Ele ficava feliz por Mi Sun ter
herdado a beleza de Jiayu, chegava a ser assustador ver como ela se parecia com a mãe quando tinha sua idade. Os
olhos. Os olhos eram indiscutivelmente idênticos aos de Jiayu, tão parecidos que doía olhar para eles.

- Deixa eu ajudar você - Mi Sun pediu a Jungkook. Como se já fosse costume, ele colocou nos braços estendidos
alguns cadernos coloridos que não pareciam pesar mais que algumas gramas, provavelmente apenas para deixá-la se
convencer de que estava realmente ajudando ele. Taehyung a viu voltando com a pilha de cadernos e a própria
mochila nas costas, com um sorriso radiante. - Preciso mostrar o meu quarto! Appa Ggukie pintou ele de azul e agora
quando ligo aquela lanterna que você me deu fica parecendo que tem um céu inteirinho lá dentro.

- Não esqueça de trocar de roupa e colocar o uniforme na lavanderia - Jungkook alertou Mi Sun, fechando o porta
malas com força e um pouco de irritação.

Taehyung apenas decidiu que ia limitar o diálogo entre eles a coisas relacionadas a Mi Sun. Não havia outro assunto
que pudesse surgir entre eles no fim das contas. Apenas dois homens amargurados que tinham um único apego na
vida.

Era fato que os dois ainda não haviam, de fato, entendido que Jiayu não estava mais ali. Eles obviamente sabiam o
que era a morte e o que significava, mas havia um ponto em que suas mentes pareciam acreditar que era a mais pura
mentira.

E talvez fosse essa parte irracional deles que os colocasse como inimigos declarados, algo como dois machos
territoriais brigando por algum título idiota.

Mas na mente da pequena Mi Sun, as coisas eram diferentes. Muito mais simples.

Sua omma tinha virado uma estrelinha, e um dia, ela poderia subir para o céu com ela e ficar lá para sempre enquanto
sua mãe acariciasse seu cabelo, cantando sua música preferida.

E enquanto esse dia não chegasse, ela tinha seus dois appas. E ela precisava cuidar dos dois, por isso armou uma
espécie de planejamento em sua pequena mente esperta, que basicamente consistia em fazer com que seus pais se
tornassem melhores amigos.

Seria fácil.

- Nós podemos assistir um filme hoje? Eu ia ficar muito feliz se pudéssemos assistir um filme - Mi Sun perguntou, com
uma voz manhosa, assim que passou pela porta da frente. Ela tirou os sapatos e empurrou com o pé para ficarem na
posição correta que Jungkook determinava com a maior naturalidade.

Taehyung observava cada movimento dela, como se estivesse estudando a pessoa que sua garotinha tinha se
tornado. Da última vez que tinha a visto pessoalmente, ela tinha só quatro anos.

Dois anos eram muito tempo, foi o que ele percebeu.

- Eu preciso terminar de corrigir as provas de ciências, mas vocês podem assistir depois que você terminar seu dever
de casa - Jungkook falou, deixando os próprios sapatos ao lado dos sapatos de Mi Sun e empurrando os de Taehyung
com certa impaciência para ficarem bem alinhados.
- Eu vou tomar banho e trocar de roupa e depois nós podemos ver a lua, appa Tae. - Ela correu pela casa, mantendo
os cadernos e livros bem firmes nas mãos enquanto cruzava a sala de estar a caminho do corredor.

Taehyung sorriu, ouvindo os passos diminuírem e em seguida a porta do quarto batendo.

- Eu não sei exatamente o que você gosta de comer, mas prometi a Mi Sun que compraria hambúrguer hoje se ela
fosse bem na prova de matemática. - Jungkook não o olhou nem por um segundo, jogou as chaves em uma tigela de
porcelana que ficava na mesinha ao lado da porta e empinou o nariz ao passar por Taehyung em direção ao corredor
que ficava entre a sala e a cozinha.

- Eu vou comer o mesmo que vocês - Taehyung respondeu, analisando o homem e o seguindo na direção da cozinha.

Jungkook definitivamente tinha levado para o lado pessoal a afronta de Taehyung.

Ele estava disposto a ser o cara mais gentil do mundo, mas ter sido acusado de traidor daquela forma na cara dura foi
quase um tapa na cara.

Definitivamente passou meses procurando por Taehyung, falando com dezenas de pessoas, fazendo telefonemas,
escrevendo cartas, apenas porque acreditava que o homem o ajudaria a passar por toda aquela situação com a perda
de Jiayu e estaria com ele na criação de Mi Sun, mas na verdade o tiro saiu pela culatra e agora estava preso a um
babaca arrogante.

O pior ponto da situação, era que ele não conseguia encontrar nenhuma moradia que atendesse suas necessidades e
estivesse dentro do orçamento de um professor.

Demoraria semanas até que encontrasse algo, e enquanto isso durasse, ele estaria preso sob o mesmo teto que
aquele homem desprezível.

- Eu vou sair para buscar o jantar. - Jungkook abriu a geladeira e pegou uma jarra de suco. Buscou um dos copos que
estava no escorredor de louça e o encheu até a metade. Não estava com sede, só queria se livrar de Taehyung, mas
não adiantou já que o homem o seguiu até ali. - Coloque ela para fazer o dever de casa depois do banho e apenas
faça o que ela esperou por dois anos.

Taehyung ficou parado e em silêncio na entrada da cozinha. Jungkook parecia prestes a fazê-lo engolir aquele copo e
em seguida quebrar a jarra em sua cabeça, mas ele fingiu não ver o olhar ameaçador.

- O que ela esperou por dois anos? - perguntou o loiro, colocando as mãos nos bolsos da calça.

- Que você fosse a porra de um pai. - Jungkook retrucou, em seguida virou todo o copo na boca como se fosse álcool
e provavelmente estava querendo que realmente fosse.

Taehyung estreitou os olhos, olhando para o corredor e torcendo para que Mi Sun estivesse com o aparelho auditivo
desligado.

- Eu estava trazendo sustento pra ela, não que você sequer tenha se importado com isso quando... - Taehyung
replicou, entredentes.

- Não, você abandonou as duas! Você deixou a Jiayu para trás com uma criança de dois anos e foi para sabe-se-lá
onde, sendo que você podia ter deixado essa tarefa para homens que não tem família. Então não venha para cima de
mim com qualquer discurso sobre ter sido traído. - Jungkook se aproximou dele com tanta voracidade que Taehyung
genuinamente esperou que fosse levar um soco. - Se você não tivesse deixado um buraco na vida dela, Jiayu não
teria precisado preencher.

Taehyung continuou olhando para ele. Jungkook ergueu uma sobrancelha, o desafiando a retrucar ou abrir a boca
para fazer qualquer reclamação, mas o loiro não disse nada.

Não havia nada a ser dito.


- É ruim quando pisam no seu calo, não é mesmo Taehyung? - Jeon rosnou para ele e saiu.

Taehyung ficou parado ali, ouviu quando a porta da frente bateu com força e quando o motor do carro roncou.

Ele sabia, no fundo, que era o maior culpado do próprio divórcio, que ele era a única razão pela qual agora precisava
dividir sua filha com um completo estranho.

Ele olhou na direção da sala, observando os quadros pendurados nas paredes. Podia ver nitidamente a foto do
casamento de Jungkook e Jiayu, mas não demorou muito para desviar o olhar porque doía.

Doía saber que Jungkook estava certo.

❁❁❁

- Eu definitivamente sou campeão de fazer merda com a própria vida, Sana! - Jungkook não estava feliz. Ele
definitivamente queria que o volante fosse o rosto de Kim Taehyung, assim cada soco que transferia estaria tendo uma
utilidade além de machucar seus dedos. - Onde eu estava com a cabeça pensando que trazer aquele homem de volta
melhoraria minha vida?

- Tem certeza que você não está sendo nem um pouco dramático? - A voz da mulher ecoou nos auto falantes do
carro. Ele riu, uma risada um pouco psicopata, mantendo seus olhos fixos na estrada.

- Ele está me acusando de ter sido amante da Jiayu! Ele definitivamente pensa que ela se divorciou dele por minha
causa! - Ele gritou mais alto. - Isso é a maior baboseira que eu já ouvi em toda a minha vida.

- Tente entender o lado dele, Jun - Sana retrucou, calmamente.

- Eu juro que se não fosse pela Mi Sun eu teria acertado um soco no meio daquela cara perfeita dele. - Jungkook
bufou, apoiando a cabeça na mão enquanto esperava no semáforo.

- Oh, ele é bonito? Acha que ele gostaria de sair com alguma das nossas colegas desesperadas? Porque se eu
precisar ouvir a Lia chorando por estar encalhada mais uma vez eu não respondo por meus atos - Sana replicou,
parecendo estar com a boca cheia de algo.

- Eu sinceramente não acho que qualquer uma delas aguentaria aquele cara! - Jeon bateu os dedos no volante,
impaciente com o sinal. - Aigoo! Vou matar o Jimin! Ele me disse que Taehyung já tinha entendido a situação.

- Talvez ele também tenha pensado isso - Sana rebateu - Olha só, eu não quero tomar partido nenhum, mas acho que
você e o Taehyung precisam encontrar uma espécie de acordo, porque vocês não podem viver em pé de guerra sob o
mesmo teto.

O sinal abriu e ele acelerou.

- Eu vou sair de lá assim que possível. Conseguir algum lugar para ficar, montar um quarto para Mi Sun - Jungkook
disse.

- Tente aguentar por enquanto. Você sabe que a Mi Sun perdeu a mãe, vai ser difícil para ela se acostumar sem você
por perto o tempo todo. - A voz de Sana estava mais distante, o que o levou a crer que ela provavelmente o colocou
no viva voz e começou a andar pela casa.

- Eu não sei se dou conta - Jungkook falou, finalmente entrando no estacionamento do McDonald 's.

- Você deu conta de aguentar a perda da sua esposa, cuidar de uma criança surda sabendo o básico de linguagem de
sinais, trabalhar e cuidar da casa - Sana replicou - Taehyung não é um monstro de sete cabeças. Só um cara
amargurado. Se importa se eu te ligar mais tarde, acho que meu cachorro encontrou o saco de petiscos.

- Nos falamos depois, eu preciso comprar o jantar. Não esqueça de pegar minha turma amanhã, Taehyung e eu
vamos ver o Namjoon - Jungkook passou a mão pelo rosto, sentindo sua cabeça latejando e os olhos pesando.
Ele não dormiu de fato desde que Namjoon ligou para lhe dizer que Kim Taehyung estava voltando, e agora começava
a sentir os efeitos disso.

- Certo, nos falamos depois. Lembre-se que eu acredito no seu potencial, Jun! - Sana falou - SASUKE, SOLTA ISSO
AGO...

Ela desligou.

Jungkook olhou na direção do estabelecimento, as luzes se destacavam na escuridão da noite, começando a ficarem
embaçadas e turvas diante de sua visão. Ele sentiu o calor em suas bochechas e apertou o volante com força,
respirando fundo e querendo conter cada uma daquelas lágrimas.

Seus pais costumavam dizer para ele ser forte, para não se deixar abalar por nada porque não haveria ninguém por
ele quando estivesse na pior. Sempre seria apenas ele por si mesmo.

E ele se sentiu assim durante toda a vida.

Quando Jiayu saiu de casa naquela manhã para pegar o avião até a China, ele ficou apavorado com a ideia de cuidar
de Mi Sun sozinho por duas semanas, no entanto quando o telefone tocou e ele percebeu que era tudo que tinha
sobrado para ela, se sentiu minúsculo e impotente.

Ele não era suficiente para ela. Nem para Jiayu ou para qualquer outra pessoa. Estava acostumado a ser uma espécie
de fita adesiva, algo provisório que servia para manter as coisas no lugar até serem resolvidas de fato.

Estava exausto.

Ele cuidou de Mi Sun, deu tudo de si por ela e não para provar nada a ninguém, mas porque genuinamente amou
aquela garota como sua filha durante os últimos anos.

E agora se encontrava completamente perdido.

Sentia falta de Jiayu, a ponto de seu coração sangrar, sentia falta do sorriso dela todas as manhãs, da voz dela
cantarolando pela casa, os beijos, os toques. Cada pequeno pedacinho daquela mulher que em pouco tempo se
tornou seu mundo inteiro.

Ele já tinha se apaixonado antes, mas Jiayu foi diferente de tudo que conhecia. Chegou rápido e avassalador,
tomando cada parte dele e incendiando. E agora só sobraram cinzas. Um fogo destruidor.

Ele passou as mãos pelos olhos, tentando limpar as lágrimas.

"Não seja fracote, Jungkook, homens não choram". Era o que seu pai diria. "Homens aguentam tudo em silêncio".

Ele pousou a testa contra o volante. Nunca acreditou muito em qualquer coisa além daquilo que podia ver e tocar, mas
ele fechou os olhos, no silêncio do carro.

- Jiayu - sussurrou, mesmo sabendo que sua voz ia apenas se dissipar no vazio. - Se estiver me vendo de algum
lugar, me mande um pouco de esperança. A minha acabou.

❁❁❁

Taehyung nunca pensou que teria que explorar a própria casa para descobrir o que tinha mudado.

Além das paredes todas terem sido pintadas com tons coloridos e vibrantes, havia vasos com plantas espalhados em
todos os cantos, o que ele supôs que fosse coisa de Jungkook, já que Jiayu nunca se interessou por qualquer assunto
relacionado à botânica.

Mas o detalhe que mais lhe chamava a atenção eram os quadros pendurados na parede.

O que ele esperaria de uma mulher que se divorciar e se casa novamente seria que fossem removidas todas as fotos
dele das paredes e prateleiras. No entanto, lá estavam elas.

As fotos de seu casamento simples e modesto, da viagem que fizeram à Grécia, da gravidez de Jiayu, o nascimento
de Mi Sun e seus primeiros anos de vida. Todas as fotos em que ele aparecia estavam cuidadosamente distribuídas
próximas às fotos em que Jungkook ocupava seu lugar.

Pelo que pode observar, o casamento dele e de Jiayu tinha sido igualmente simples e sem exageros, aparentava ter
sido feito no quintal dos fundos da casa de Namjoon, o meio-irmão de Jiayu.

Mi Sun parecia feliz, com aquele sorriso grande e as bochechas bem gordinhas.

Ele sorriu, apesar de tudo.

Olhou para a imagem de Jiayu, vestida de branco e usando uma coroa de flores na cabeça, os olhos fechados
enquanto recebia um beijo de Jungkook na bochecha.

Ela estava cansada quando pediu para se separar dele, Taehyung sabia disso. Não foi exatamente um choque ou uma
surpresa quando o chamaram no escritório do batalhão para pedir que ele assinasse o divórcio.

Uma semana antes ele tinha falado com ela por telefone, aparentemente durante uma madrugada em que Mi Sun
estava doente e Jiayu estava desesperada porque a febre da menina não diminuía.

"- Eu não aguento mais, Taehyung. Você basicamente não existe, é como se fosse um estranho que nos visita de vez
em quando. - Ela lhe disse, enquanto soluçava. - Você prometeu quando nos casamos que ficaria comigo em todas as
situações e tudo que eu recebo de você é dinheiro todo o mês. Não preciso só do dinheiro, eu preciso de você aqui ou
então nosso casamento é só um maldito pedaço de papel."

Depois disso ele perdeu o sinal. Não conseguiu completar a chamada, nunca conseguiu responder e essa foi a última
vez que falou com Jiayu. Depois disso, todas as vezes que ligava para casa era apenas Mi Sun quem atendia, e
sempre dizia que sua mãe estava ocupada demais.

Ele engoliu seco.

Jiayu morreu sem que ele pudesse se desculpar, morreu sem ouvir uma última vez que ele a amava. Arrependimento
que ele levaria pelo resto da vida, junto com as outras dezenas que pesavam em suas costas como fardos.

Ele suspirou.

- Appa - Mi Sun chamou, espiando pela fresta da porta do quarto. Taehyung sorriu para ela assim que viu o pequeno
gesto da mão da menina o chamando para segui-la.

Ele não hesitou, andou pelo extenso corredor e empurrou a porta de leve, olhando para dentro com total atenção
enquanto entrava.

Mi Sun abriu os braços no meio do cômodo, como se esperasse uma reação completamente eufórica. Taehyung não
negaria isso a ela, e fingiu completa surpresa ao avistar a nova decoração.

Haviam planetas pendurados no teto por pequenos fios de barbante, estrelas que provavelmente brilhavam no escuro
e as paredes estavam pintadas em um tom de azul petróleo que parecia cintilar.

Ele não podia mentir que estava de tirar o fôlego.

Haviam pisca piscas nas cortinas da porta que dava acesso a varanda e na cabeceira da cama, basicamente tudo ali
parecia ter sido feito para que Mi Sun se lembrasse das estrelas a cada minuto naquele quarto.

- Appa Ggukie arrumou tudo como eu pedi, é bem fácil conseguir as coisas com ele, você só precisa fazer assim. - Mi
Sun fez um beicinho e piscou os olhos repetidas vezes com as duas mãos juntas. - E ele responde: "tudo bem, tudo
bem, solzinho, appa vai fazer pra você". Só não funciona quando eu peço para deixar o dever de casa para o outro
dia.

Ela se jogou sentada na cama, sacudindo os pezinhos com meias coloridas de joaninha e sorrindo para ele.

Taehyung continuou analisando o quarto. A prateleira que tinha muito mais livros do que ele lembrava, afinal Mi Sun
nem sabia ler quando ele esteve em casa a última vez. Brinquedos todos em uma caixa no canto do quarto, cartazes
com curiosidades sobre os planetas e alguns detalhando fenômenos astrológicos que provavelmente nunca tinha
ouvido falar.

- Você vai mesmo ficar comigo pra sempre agora, appa? Comigo e com o appa Ggukie? - Mi Sun perguntou, atraindo
a atenção dele de imediato. Taehyung olhou para sua filha. Os cabelos úmidos e bem escovados, a postura bem reta
e os olhos cheios de esperança.

Ele se aproximou dela, sentou na cama ao lado da menina e respirou fundo, tentando organizar seus pensamentos.

- Eu não vou mais voltar para o exército. Vou ficar aqui e conseguir um emprego normal, vou ficar perto de você -
disse Taehyung, beliscando a ponta do nariz dela.

- Posso pedir um favor? - Mi Sun lhe olhou nos olhos. - Não deixe o appa Ggukie ir embora como você foi.

Taehyung não pensou que houvesse um pedaço nele que ainda pudesse quebrar. Pensou que tudo dentro de si já era
um amontoado de cacos, mas ouvir a tristeza na voz de sua filha só o fez perceber o quanto ele era um miserável.

Talvez fosse remorso por ter sido tão estupido com Jungkook, mas ele não conseguia resistir a aqueles olhinhos
pidões de sua filha.

- Ele me disse que vai achar outro lugar para morar para não incomodar você. Eu sei que você não vai se incomodar
com ele aqui, appa Tae. - Mi Sun olhou os próprios pés e soltou um suspiro pesado.

- Você gosta muito dele? - Taehyung perguntou, empurrando o cabelo dela para trás da orelha e o prendendo atrás do
encaixe de silicone do aparelho auditivo.

- Ele é meu appa também. E ele é bom com matemática, sempre me ajuda - Mi Sun falou - A comida dele é muito boa.
E ele canta pra mim como omma fazia.

Taehyung engoliu seco.

- Eu também sinto falta dela - ele sussurrou.

- Olhe para o céu, omma olha a gente de lá. Ela ia querer que você e appa Ggukie cuidassem de mim juntos - Mi Sun
replicou.

Taehyung pegou a mão dela. Macia e cheirando a rosas, levando perto da boca e deixando um beijo demorado antes
de colocar a palma pequena contra sua bochecha.

- E nós vamos. - ele disse.

- Eu senti sua falta - Mi Sun pousou a cabeça contra o braço dele e fechou os olhos.

Ela não conseguia entender como o próprio coraçãozinho funcionava. Mesmo depois de tanto tempo longe dele,
Taehyung ainda ocupava um espaço enorme no peito da menina. Por outro lado, havia Jungkook que ocupava um
pedaço do mesmo tamanho. E sua omma que mesmo não estando mais ali sempre estaria no seu coração.

Como podia haver tanto espaço lá dentro?

- Eu também senti a sua - Taehyung beijou o topo da cabeça dela.

Eles foram interrompidos por uma batida na porta. Suave, três batidinhas sincronizadas que fizeram Mi Sun erguer a
cabeça com um sorriso grande.
- Pode entrar - ela gritou. Jungkook colocou apenas a cabeça para dentro do quarto, um sorriso grande no rosto ao
olhar para a menina.

- Vamos logo, você quer deixar a comida esfriar? - o moreno disse, empurrando bem a porta e se apoiando no batente
com os braços cruzados.

Mi Sun levantou rapidamente, esquecendo de esperar pelos dois e passando por Jungkook com rapidez.

Taehyung olhou para ele assim que ela sumiu de vista. E mais uma vez estavam entregues a aquele silêncio
constrangedor e torturante. Ele pensou, pensou muito sobre algo que pudesse falar para quebrar aquele momento,
mas nada lhe vinha em mente. Jungkook parecia estar na mesma situação.

O loiro suspirou.

- Você fez um bom trabalho com o quarto dela - disse Taehyung.

- Foi difícil colocar glitter na tinta - Jungkook respondeu, sem esboçar nenhuma gota de cortesia. Ele encarou o chão,
deixando Taehyung observar seu olhar caído. Ele tentou demonstrar mais raiva do que tristeza para o loiro, mas
estava sendo um fracasso nisso também.

Taehyung levantou da cama e caminhou pelo quarto. Ele não parecia ter muita certeza do que estava fazendo, mas
parou diante do moreno e estendeu a mão aberta, de forma tão repentina que Jungkook ficou olhando para ela sem
reação.

- Jiayu não está mais aqui. Mas nós estamos. Independente do que tenha acontecido já passou, precisamos seguir em
frente pela Mi Sun - Kim disse, com um olhar fixo nas reações do moreno. Jungkook continuou encarando a mão
estendida, não parecendo muito preocupado em retribuir.

- Não importa o que você diga ou pense, Mi Sun também é minha filha. - Jeon pegou a mão dele, erguendo o olhar
para o homem em um tom de ameaça. - Estou disposto a fazer qualquer coisa por ela, mas não pense que vou ficar
tolerando suas arrogâncias.

- Acho que temos um limite estabelecido. Você segue sua vida, eu sigo a minha. Cuidamos da Mi Sun juntos e não
precisamos falar sobre o assunto - Taehyung retrucou, apertando com força a mão de Jungkook.

- Sem ofensas e sem insinuações? - Jeon apertou a mão dele com ainda mais força, Taehyung retribuiu pressionando
ainda mais.

- Da minha parte, dou minha palavra que não vou pisar no seu calo. - O loiro já estava começando a sentir dor nos
ossos da mão, mas não deixou transparecer.

- E eu não vou pisar no seu. - Jungkook não queria deixar que Taehyung notasse que seus dedos estavam doloridos.

- Ótimo - Kim disse.

- Perfeito - Jungkook retrucou.

- Appas! - Mi Sun gritou da cozinha. - Vocês não vem?

- Estou indo - eles gritaram em uníssono.

Jungkook foi o primeiro a soltar a mão de Taehyung, que em seguida puxou a sua própria. Os dois seguiram pelo
corredor, movendo os dedos na tentativa de fazer o sangue circular novamente.

Era inevitável e um pouco deprimente, talvez o universo gostasse de pregar peças e tivesse um ótimo senso de
humor, mas colocar aqueles dois juntos para serem uma família ia além do que qualquer pessoa poderia imaginar.

Eles precisavam um do outro. Mi Sun precisava deles.


E se os três precisavam uns dos outros, Mi Sun faria o possível para mantê-los unidos. Pois quando os dois se
sentaram na mesa para jantar, olhando para ela com sorrisos radiantes no rosto enquanto ela falava sobre seu dia, a
garotinha conseguiu sentir aquele pedacinho quebrado de seu coração voltando para o lugar.

Ela queria que fosse assim todos os dias. E pediria, como fazia em todas as noites, para que sua mãe a ajudasse com
isso direto do céu.

Jungkook tinha o mesmo sonho há semanas.

Não era exatamente um sonho, mais parecia uma cena repetitiva em sua mente, algo que ele definitivamente
detestava. Sempre estava sentado na varanda dos fundos, naquele balanço. Acima dele, uma galáxia inteira, milhares
e milhares de estrelas cravejando o céu.

Ele conseguia ouvir o som do piano ao fundo, aquela mesma música constante, e então ele ficava ali, preso por sabe-
se-lá quanto tempo, esperando por uma estrela cadente.

Às vezes pareciam horas, em outros momentos, pareciam anos em uma noite eterna, esperando que aquele feixe de
luz cortasse o céu rapidamente e ele pudesse fazer seu pedido.

E quando ela passava, rápida e cintilante, rasgando aquele céu iluminado, Jungkook nunca sabia o que pedir. Ele
travava, a agonia o consumia por não conseguir fazer seu desejo, por perder a chance de fazer exatamente aquilo
pelo que aguardou tanto.

E era quando ele acordava.

Algumas vezes no meio da madrugada, outras percebendo que recém tinha se deitado e algumas vezes, como
naquela vez em específico, já era manhã e o som do despertador estava alto em seus ouvidos.

Ele bufou, se erguendo e deslizando o botão na tela do celular para desativar o alarme, em seguida enterrou de novo
a cabeça no travesseiro com frustração.

O quarto já estava iluminado pela luz da manhã que escapava pelas cortinas e ele sabia exatamente o que tinha que
fazer, mas estava exausto apesar de o dia nem ter começado.

De forma rápida e ágil, sua mente lhe trouxe a memória. Kim Taehyung. Ele estava ali, dormindo no quarto do outro
lado do corredor. Não era mais um fantasma distante, um estranho que ele jamais tinha visto. Era real, palpável e
completamente frustrante.

Com muito desânimo e um total de zero vontade de fazer qualquer coisa, ele se levantou da cama. O quarto de
hóspedes da casa era pouco menor do que o quarto principal, mas conseguiu acolher bem todos os seus pertences.

Ele olhou para o espelho grande pendurado na porta, podia ver seu reflexo e respirou fundo, passando a mão de
forma automática pelo braço tatuado enquanto encarava a si mesmo, esperando que repentinamente a vontade de
viver aquele dia surgisse.

Ele pensou em fingir que estava doente, mas Taehyung não daria conta do dia de Mi Sun sozinho. Aquele idiota
sequer deveria saber o cronograma dela.

Pensando unicamente nisso, ele buscou uma camiseta que estava muito bem dobrada sobre uma cadeira e a vestiu.
Ele tomaria um banho longo e demorado, depois de preparar e servir o café da manhã de Mi Sun, separar as roupas
para ela ir ao Instituto, checar as baterias do aparelho auditivo, garantir que tinha água suficiente no carburador do
carro e... ele estava esquecendo de alguma coisa, mas o que seria?

Jungkook se arrastou para fora do quarto, andando pelo corredor com os ombros caídos. Precisava acordar Mi Sun,
mas só faria isso quando o café da manhã estivesse pronto.
Mas parou no meio do caminho. Havia cheiro de canela, café e baunilha no ar, algo que com toda a certeza não era
costumeiro. Ele fungou, certificando que não estava ficando louco e seu estômago roncou.

Ele esfregou os olhos e continuou andando, sentindo o carpete em seus pés até chegar ao piso frio da cozinha. Ele
piscou algumas vezes, olhando para a mesa pequena e redonda que tinha apenas três cadeiras.

Suco, café, um bolo fumegando e aquilo eram panquecas?

- Você quer café? - Taehyung perguntou, o fazendo olhar em sua direção. Kim estava recostado contra o balcão, já
pronto para qualquer que fosse o compromisso que poderia ter naquela manhã, com uma xícara na mão e o jornal
dobrado na outra.

- Você foi na padaria? - Jungkook retrucou, perdendo um pouco do equilíbrio ao dar um passo em falso na direção da
mesa.

Taehyung franziu a testa e olhou para ele com uma sobrancelha erguida. Jungkook olhou a pilha de louça limpa e
constatou que provavelmente ele tinha se ofendido por ser subestimado.

- Você acordou que horas, exatamente? - Jeon andou até o balcão onde Taehyung estava, puxando a porta do
armário pensando em como queria que ela batesse na cabeça do homem para ele poder dizer "sinto muito", mas a
maldita porta passou por cima da cabeça dele sem nem encostar.

Nan meico.

Jeon pegou uma xícara cor de laranja que fazia alusão a uma cenoura e em seguida a encheu com o café fresco que
estava na cafeteira.

- Cinco e vinte - Taehyung disse, tranquilamente, fazendo uma careta para o jornal após provavelmente ler alguma
notícia estranha. Jungkook arregalou os olhos e se sentou em uma das cadeiras. O loiro nem precisou olhá-lo para
saber que ele estava provavelmente horrorizado com aquilo. - É a força do hábito, no meu batalhão ninguém passava
de cinco e meia na cama.

Jungkook levou a xícara perto do nariz e fungou.

- Acha que eu tentaria te envenenar? - Taehyung estreitou os olhos na direção dele, o desafiando a responder "sim".

Jeon olhou para ele e pousou a xícara de forma lenta para pegar um dos pedaços de bolo perfeitamente cortado em
quadradinhos.

- Não é um medo totalmente infundado - replicou o moreno, mordendo o bolo em seguida. Taehyung riu, parecendo se
controlar para não dizer um palavrão. Ele levou a xícara até a boca e bebeu um gole longo de café fumegante, antes
de voltar a ler o jornal.

- De nós dois, eu sou o que tem mais motivos para desconfiar de você - Kim disse, com os olhos fixos na notícia sobre
um jogador namorar alguma atriz que ele estava tentando se lembrar onde já tinha visto.

Jungkook riu com escárnio.

- Ah, claro! - Ele bebeu o café e em seguida suspirou alto, se colocando de pé novamente. - Esqueci de acordar a Mi
Sun.

- Ela já está de pé, pelo que falou você passou um dever de matemática que é impossível de se resolver e ela precisa
entregar hoje. - Taehyung colocou a xícara sobre o balcão para desdobrar o jornal e virar a página.

Jungkook se sentou de novo, um pouco emburrado. Era tarefa dele acordar a garota, sempre tinha sido ele quem
chegava de forma sorrateira e lhe dava beijinhos sutis na bochecha até ela rir e se dar por vencida.

- Você vem com a gente hoje? - Jungkook perguntou, se dedicando a comer o bolo com o máximo de violência
possível. Ele quis que fosse horrível, mas o maldito tinha uma mão boa para aquilo.

Taehyung olhou para ele por alguns segundos. Ele não queria bancar o desinformado, mas não tinha como saber
exatamente onde eles iriam. Era sexta-feira, Mi Sun teria aula a tarde toda, mas o que costumava ocupar suas
manhãs além de pintar e assistir desenho animado?

- Claro - disse Taehyung, decidindo concordar apenas para não ter que perguntar.

- Você não sabe onde nós vamos, não é? - Jungkook abriu um sorrisinho orgulhoso.

- Não faço ideia - Taehyung respondeu, fingindo que não se abalou com aquela alfinetada em seu ego.

Não foi Jungkook quem trouxe a resposta para Taehyung, mas a pequena figura radiante e saltitante que entrou na
cozinha, usando uma calça jeans, um tênis amarelo e uma camiseta preta com a logo de uma banda de rock que
Taehyung definitivamente não conhecia.

- Eu não consegui encontrar as minhas partituras, appa Ggukie! Yoongi vai ficar uma fera! - Mi Sun falou.

Taehyung franziu a testa.

- Aulas de piano - Jeon disse, respondendo a pergunta silenciosa de Taehyung. Em seguida olhou para Mi Sun,
fazendo uma careta para o cabelo desajustado da garota. - Estão todas na estante da sala, depois vamos prender
esse cabelo.

Ela assentiu e saiu novamente, correndo pela porta.

Taehyung a acompanhou com o olhar.

- Aulas de piano? Ela consegue...

- Ajuda ela. Trocou o aparelho no fim do ano passado e ela ainda está se ajustando, a música ajuda a distinguir os
sons - Jungkook o interrompeu. - E ela toca muito bem.

Mi Sun voltou até a cozinha, puxando uma das cadeiras com um sorriso grande para os dois antes de se sentar e
olhar para os pedaços de bolo com os olhos brilhando.

- Vocês não vão acreditar no sonho fant... fan.. fants... - Ela parou e pensou na sonoridade da palavra. Costumava
mapeá-la mentalmente, sílaba por sílaba, para encontrar a forma certa como ela devia ser pronunciada e se comportar
em sua língua. - fantástico que eu tive.

- Como foi, joaninha? - Taehyung perguntou, antes que Jungkook pudesse abrir a boca para fazer isso. O moreno
virou a jarra de suco no copo dela, enchendo até a metade.

- Eu sonhei que estávamos na praia, então eu mergulhei na água, e quando abri os olhos era como se estivesse
nadando no céu! - Ela pegou uma das fatias de bolo, ignorando de forma proposital quando Jungkook empurrou um
prato com um sanduíche feito em direção a ela. - Eram muitas estrelinhas, elas se mexiam quando eu nadava nelas e
os peixinhos todos pareciam com planetas, coloridos e lindos!

Ela suspirou, abaixando a cabeça e olhando o copo.

- Acho que era a casa da omma. Se ela mora em um lugar tão bonito acho que não deve se sentir sozinha. - A
garotinha pegou o copo entre as mãos.

- De ter sido muito bom mesmo - Jungkook sorriu, esticando a mão para apertar a bochecha dela. - Mas coma o
sanduíche ou vai ter dor de barriga.

- Eu vou levar para comer lá se tiver fome, appa - Mi Sun respondeu, se virando para Taehyung e batendo com a
mãozinha gorda na cadeira vazia ao seu lado. - Sente aqui, appa Tae.
Taehyung não queria, por pura birra, pois a cadeira vaga estava entre Jungkook e Mi Sun. Mas se sentou mesmo que
não fosse comer nada. Ele observou Mi Sun. A franja pinicando os olhos, precisando ser aparada, a forma como ela
fechava os olhos se deliciando com o bolo.

O loiro sorriu orgulhoso. Levantou assim que o sol nasceu, dirigiu até o mercado e preparou o bolo preferido dela. Ele
só queria ter o prazer de ver aquele sorriso adorável e saber que foi o causador dele.

- Pensei que você odiasse usar calças - Taehyung comentou, vendo como sua filha em dois anos passou de
princesinha do papai para emo prodígio.

- É mais confortável - Mi Sun respondeu. Ela olhou para Taehyung e em seguida para Jungkook. - Já que estamos
todos juntinhos...

- Sem chance, você não vai ganhar um celular até seus dez anos - Jungkook cortou. Taehyung olhou a forma como o
sorriso dela se desmanchava em menos de um segundo. - Você só tem seis anos, tudo que você possa precisar em
um celular pode encontrar no meu.

Mi Sun deslizou na cadeira, com um suspiro derrotado.

Jungkook voltou a comer tranquilamente.

Ele tinha um medo, um medo que se tornava mais crescente a cada dia, ainda mais agora que Taehyung estava ali.
Uma única frase: "você não é meu pai". Ele viu em filmes, leu em livros e já sabia que a maioria dos padrastos ouvia
aquilo pelo menos uma vez na vida.

Mi Sun só tinha seis anos, mas conforme via ela crescer, ele temia o dia que ela tivesse consciência de que ele, de
fato, não era seu pai. O moreno já sentia aquilo doer antes mesmo que esse dia chegasse, sabia que o partiria em mil
pedaços.

- Appa Ggukie! - Mi Sun se inclinou para a frente e abanou a mão diante dos olhos dele, o fazendo estremecer e voltar
a realidade. A garota gargalhou e colocou a mão na barriga. - Você estava dormindo com os olhos abertos como o
Appa Tae?

- Aigoo, só estava pensando - Jeon bebeu o restante do café que estava na xícara e olhou para ela com uma
piscadela. - Você sabe que horas é a sua aula?

Ela franziu a testa, por um instante a voz dele estava distante demais e ela piscou algumas vezes tentando discernir.
Era raro, mas acontecia, de seu aparelho falhar. Ela normalmente não dizia a Jungkook, pois ele passava a noite em
claro mexendo naquela coisa com as ferramentas que tinha comprado exatamente para essa função e ela não gostava
de vê-lo bocejando pelos cantos na escola por sua causa.

De forma sutil, ou era o que ela pensava, a garota bateu com o indicador no aparelho e o ouviu emitir um ruído
irritante.

- Ele perguntou se você sabe que horas é a sua aula - Taehyung falou, ao mesmo tempo que usava as mãos para
fazer os sinais, apenas para garantir que ela entenderia.

- Oh. - Ela assentiu. - Às oito.

Jungkook fez uma nota mental de furtar o aparelho dela para descobrir qual o problema da vez quando a garota
estivesse dormindo.

❁❁❁

Taehyung lembrava do Instituto Jong e muito bem.

Logo nos primeiros meses de vida de Mi Sun, quando Jiayu e ele estavam apavorados e desesperados com o fato de
que sua filha não podia ouvir nada além de ruídos muito altos e muito próximos, uma amiga de Jiayu lhe aconselhou a
procurar por aquele lugar.

Era um prédio relativamente pequeno na beira de uma rua movimentada no centro de Busan, mantido e financiado por
magnatas e banqueiros que queriam se sentir bem consigo mesmos por usar uma parcela de seu dinheiro abundante
para o bem, o local se tornou como uma segunda casa para Mi Sun.

Estar perto de pessoas que enfrentavam os mesmos desafios que ela no dia a dia tornava mais fácil de entender e se
adaptar com os próprios limites.

E Taehyung, como qualquer pessoa que fica muito tempo longe, sentia falta de algumas pessoas que ele esperava
encontrar ao passar pela porta de entrada.

- Vejam quem chegou! - A recepcionista, uma mulher com traços latinos e um sorriso reconfortante saiu de trás do
balcão de recepção e veio em direção a eles.

- Mercedez, esse é o meu outro pai! - Mi Sun se adiantou com um grito empolgado, puxando Taehyung pela mão e
acenando para a mulher com as folhas que trazia na outra mão. Jungkook seguia os dois, com as mãos no bolso e um
olhar fixo em Mi Sun.

A mulher se aproximou. Ela era nova ali, Taehyung constatou, não se lembrava do rosto jovem da mulher estrangeira.
Ela se curvou brevemente em um cumprimento e já olhou para Mi Sun.

- É mesmo, mi rayito de sol? - Mercedez se abaixou diante dela. - E como você está?

- Appa Tae não tem namorada, você pode namorar com ele se quiser. - A garotinha despejou sem mais nem menos.

Mercedez arregalou os olhos, Taehyung rapidamente cobriu a boca de Mi Sun com a mão e a puxou para trás.
Jungkook prendeu o riso. Pelo menos não estava sozinho naquilo, sua filha tinha uma certa obsessão por bancar o
cupido nas horas mais inoportunas. Jamais esqueceria de quando ela tentou juntar Yoongi e Hoseok sem mais nem
menos durante o almoço.

- E você é nova demais para ficar falando sobre namoro - Taehyung riu, por não saber exatamente como reagir a
aquilo. Jungkook tentou segurar, mas sua risada escapou e Taehyung lhe dirigiu um olhar um tanto ameaçador que o
fez formar uma linha com os lábios.

Mi Sun puxou a mão do pai para longe de sua boca com um suspiro decepcionado. Por qual motivo ninguém nunca
seguia seus conselhos?

- É bom não ser mais o único com um cupido a tiracolo, não é mesmo JK? - Mercedez sorriu cúmplice para ele ao se
levantar. O moreno deu de ombros e ela apenas piscou para Taehyung, que pela cor vermelha em suas bochechas,
estava provavelmente muito envergonhado. - Muito prazer, Sr. Kim. Sou Mercedez Diaz.

Taehyung assentiu para ela com um sorriso gentil.

- Vamos logo antes que Yoongi desça para gritar com todo mundo por atrasar a sessão de fofocas dele - Jungkook
disse, chutando levemente o tornozelo de Taehyung e apontando em direção ao elevador. - Até mais, Mercedez.

Foi como ser arrancado de um poço de constrangimento, ele rapidamente apoiou as mãos debaixo dos braços de Mi
Sun e a suspendeu no ar, andando rapidamente atrás do moreno em direção ao elevador.

Ele colocou a garota no chão logo em seguida e a empurrou de forma sutil para o elevador, enquanto Jungkook
manteve a porta aberta. Assim que estavam dentro do espaço apertado, observando os números mudarem no sensor
de LED acima da porta, Taehyung quis dar uma bronca em Mi Sun, mas não faria aquilo na frente de Jungkook para
bancar o pai carrasco.

- Você não achou a Mercedez bonita, appa? - Mi Sun ergueu a cabeça completamente para olhar nos olhos do pai em
questão.
Jungkook mais uma vez pressionou os lábios um contra o outro, prendendo a risada.

- Ela é muito bonita, mas você não pode sair falando esse tipo de coisa. - Taehyung ralhou.

- Você não quer uma namorada? - Mi Sun perguntou.

- Não, eu não quero. - Taehyung foi bem enfatico, olhando para o painel do elevador e dando o assunto por encerrado.
Mas Mi Sun não parecia determinada a desistir.

- E um namorado? - Ela ergueu uma sobrancelha. Jungkook riu e disfarçou com uma tosse. Taehyung quis aproveitar
a proximidade para pisar no pé dele com força, mas decidiu apenas ignorar.

- Eu também não quero um namorado - Taehyung respondeu, juntando toda a paciência e dignidade que lhe
restavam.

- É uma pena, appa Ggukie também gosta namorar meninos - a menina disse, soprando a franja para longe dos olhos
com a maior naturalidade. Taehyung não falou nada, Jungkook percebeu que seu nome tinha sido mencionado e
franziu a testa tentando entender o contexto. - Seria legal se...

A porta do elevador abriu, e como num passe de mágica, Mi Sun esqueceu completamente a história de encontrar
pares para seus pais, abrindo um sorriso radiante e correndo para fora na direção do homem que estava parado no
meio da sala ampla.

- Yoongi! - ela gritou, já pegando impulso e saltando porque sabia que ele a seguraria. Como sempre fazia, ele a girou
no ar uma vez e já colocou a menina no chão, ignorando por completo os dois adultos que a seguiram para fora do
elevador.

- Daqui mais uns dias eu não vou mais conseguir te erguer assim, você não acha que está crescendo rápido demais,
tampinha? - O homem colocou a mão nas costas com uma careta pela dor repentina que o atingiu.

- Você só tem medo que eu fique mais grande que você - Mi Sun replicou.

- Maior. - Taehyung corrigiu rapidamente.

- Maior que você - Mi Sun repetiu.

Yoongi olhou para o loiro e sorriu, deslizando os dedos entre os cabelos de Mi Sun.

- E não é que você voltou vivo mesmo, seu filho da puta? - Yoon falou.

- Olha a boca, Yoongi! - Jungkook e Taehyung repreenderam em um uníssono que quase pareceu ensaiado. Os dois
se olharam de relance, com desprezo e voltaram a atenção ao professor de música.

- Mi Sun sabe que eu não sou exemplo e o que eu digo ela não pode repetir, não é? - Yoongi olhou para a menina e
piscou, apoiando as mãos nos ombros dela.

- Eu disse palavrão no mês passado e appa Ggukie me deixou sem ver televisão por duas semanas inteirinhas. - Ela
suspirou tristemente, se abanando com as folhas que tinha em mãos.

- Precisamos começar a aula logo, você trouxe as partituras que eu pedi para estudar? - perguntou Yoongi, a virando
na direção da porta da sala de música. Ele olhou para Taehyung e Jungkook. - Eu não sou de abraçar, mas é bom ver
você vivo, Taehyung. Tente sobreviver a viver com o Jungkook agora.

- Muito engraçado, Yoongi - Jungkook retrucou.

Yoongi sorriu, guiando Mi Sun para dentro da sala onde haviam mais duas professoras e cerca de quinze alunos.
Taehyung olhou para dentro de relance, avistando crianças e adultos com instrumentos e imaginando como eles
conseguiam se concentrar no seu próprio com tanto barulho.
Jungkook se aproximou de um sofá grande que ficava perto da extensa janela de vidro com visão para o prédio da
frente. Taehyung permaneceu de pé, com os braços cruzados e olhar fixo na porta.

- A sala tem revestimento acústico, você não vai ouvir nada - Jungkook falou, folheando uma revista qualquer que
tinha encontrado sobre a mesa de vidro.

Taehyung olhou para ele, sentado pacificamente como se abrigasse toda a paz de espírito do mundo. A calma dele
irritava o loiro.

- Posso fazer uma pergunta? - Taehyung pediu.

- Não. - Jungkook nem desviou o olhar da revista.

Ele ouviu passos e viu o homem se sentar no sofá que estava em frente a ele.

- Ela falava sobre mim? - Taehyung disparou, ignorando a resposta do moreno. Jungkook o olhou sobre a revista,
olhos grandes e brilhantes que lembravam os de Mi Sun. Ele não precisou de uma especificação para saber
exatamente quem era "ela" a quem Taehyung se referia.

Ele sentiu aquele embrulho no estômago, a vontade imensa de apenas correr para longe e se esconder.

- Jiayu não falava sobre você mais que o necessário. - Jeon foi curto e grosso, voltando os olhos para a revista,
esperando que Taehyung compreendesse que ele não queria falar da esposa falecida. Taehyung ficou calado.
Jungkook suspirou de forma irritada, virando a página com fúria. - Você é o pai da filha dela, esperava que ela fosse
simplesmente te apagar da memória como deletar uma foto que não quer mais?

- Não é disso que estou falando - Taehyung insistiu.

Jungkook fechou a revista com força e se inclinou para a frente. Em um dia, Taehyung já tinha decorado o olhar
irritado dele, semicerrando um pouco os olhos e os abrindo de novo em seguida.

- Você quer saber se a Jiayu te odiava? - Jungkook ergueu as duas sobrancelhas e abriu um sorriso que exibia os
dentes de forma ameaçadora. - Ela amava você. Eu não sei bem o que leva uma pessoa a amar alguém como você,
mas ela amava.

Taehyung nem piscou, apoiando os cotovelos nos joelhos e juntando as duas mãos no meio das pernas.

- Eu não sei exatamente o que você quer, Taehyung. Se é diminuir seu remorso por ter sido um tremendo idiota
negligente nos últimos quatro anos ou só fazer com que eu me sinta um intruso, mas... - Jungkook já estava batendo
com o dedo indicador sobre a mesinha de vidro que os separava, com tanta agressividade que ela chegava a tremer.

- Eu só queria saber se ela chegou a me perdoar antes de... você sabe - Taehyung interrompeu, erguendo o tom e em
seguida olhando em volta para certificar que estavam sozinhos ali. - Quer saber? Esquece isso.

Taehyung se levantou.

- Eu vou ir encontrar o Namjoon - o loiro disse.

Jungkook o deixou ir. Ele se reclinou para trás no sofá, não disse uma palavra a Taehyung sobre o fato de que ele
também iria encontrar Namjoon e que as chaves do carro estavam em seu bolso.

Ele olhou pelo vidro da janela, apenas esperando. Taehyung saiu do Instituto e parou na calçada olhando para o
Range Rover com as mãos na cintura. O loiro provavelmente estava despejando uma dezena de palavrões antes de
simplesmente se virar e voltar para dentro do prédio.

Jungkook abriu um sorrisinho satisfeito e se aconchegou novamente no sofá, abrindo a revista e esperando.

- Toma essa, seu babaca! - Ele murmurou para si mesmo.


Não demorou muito para que a porta do elevador abrisse novamente e Taehyung passasse por ela, pisando firme e
bufando de raiva ao parar no meio daquela sala ampla e cruzar os braços com indignação.

- Pode, por favor, me emprestar as malditas chaves do carro? - Kim pediu.

Jungkook fechou a revista calmamente e a colocou sobre a mesa, em seguida se colocou de pé e enfiou as duas
mãos nos bolsos, se aproximando de Taehyung e tentando esconder seu sorriso de provocação.

O loiro parecia estar pensando sobre todas as formas possíveis de matá-lo naquele mesmo instante, Jungkook
imaginou que a imagem dele voando por aquela janela era a que mais se repetia já mente de Taehyung.

- Você não devia agir de forma tão impulsiva, Taehyung - Jeon falou, esbarrando no ombro dele de propósito a
caminho do elevador. - Talvez se parasse para pensar antes de dizer ou fazer alguma coisa, pouparia tempo e
energia.

Taehyung manteve as mãos bem fechadas em punho. Ele esperou até o último momento antes de decidir apenas
seguir Jungkook e lhe dar o restante do dia de silêncio como forma de protesto.

❁❁❁

Kim Namjoon, advogado, bem sucedido e muito paciente. Ele era meio-irmão de Jiayu, sendo fruto do relacionamento
de sua mãe com um colega de faculdade que ele nunca conheceu, enquanto sua irmã foi fruto do casamento da
mulher com seu padrasto.

Ele não tinha muitas pretensões, gostava de uma vida simples e sem problemas e por conta disso, se envolver nos
dramas de seus ex-cunhados era a última coisa que ele queria.

No entanto, ali estava ele, sentado em uma mesa daquela cafeteria, entre os dois homens que olhavam um para o
outro frente a frente como se planejassem um homicídio.

Ele pigarreou.

- Então - Nam bateu na mesa para atrair a atenção dos dois. - A Mi Sun está bem?

- Está na aula de piano - Jungkook respondeu.

Taehyung puxou um dos guardanapos de papel e começou a dobrar, apenas para se distrair. Uma garçonete se
aproximou e deixou uma xícara de café para Jungkook e dois copos de água, um para Taehyung e um para Namjoon.

- Você vai morrer de arritmia se continuar bebendo café como se fosse água - Taehyung provocou o moreno, sem nem
ao menos erguer os olhos para ele.

- Isso foi um conselho ou um desejo? - Jungkook replicou, com sarcasmo.

Namjoon respirou fundo, se perguntando por qual razão ele ainda tentava ajeitar as bagunças de Jiayu mesmo quando
ela não estava mais ali.

- Fica aberto a interpretação - Taehyung retrucou.

- Vocês dois já leram o que eu mandei por email? - Namjoon decidiu intervir antes que houvesse agressão física.

- Sim - eles responderam.

Jungkook fez uma careta e em seguida olhou para Namjoon.

- Quer dizer que legalmente eu não tenho direito a nenhum tipo de guarda definitiva? - Jungkook perguntou.

- A guarda definitiva é direito apenas do pai e da mãe. Você foi nomeado guardião legal dela por conta do testamento
da Jiayu e também do seu casamento com ela, mas enquanto Taehyung estiver vivo e aqui, somente ele tem o poder
absoluto sobre a guarda da Mi Sun. - Namjoon endireitou a postura. Era visível como Jeon parecia estar desolado com
aquela notícia. - Mas você pode entrar com um pedido de adoção legal.

Taehyung franziu a testa.

- Como assim? - o loiro perguntou.

- Na minha opinião é o mais justo. Vocês dois tecnicamente tem quase o mesmo tempo de convívio com a Mi Sun, o
que deixa ambos no páreo na questão afetiva, ela chama os dois de "pai", então é mais fácil oficializar isso - Namjoon
disse - Se Jungkook fizer um pedido e você consentir, ele pode ser adicionado como pai nos registros da Mi Sun. Isso
garantiria a ele os mesmos direitos que você tem.

- Ela pode ter dois pais e uma mãe? Legalmente falando, nos documentos - Jungkook perguntou.

Namjoon assentiu.

Jungkook pegou a xícara entre as mãos, mantendo o olhar preso nas mãos de Taehyung, que continuava dobrando
aquele guardanapo.

- É um pouco demorado e burocrático, eu não vou mentir, mas deixaria os dois satisfeitos. - Kim suspirou e cruzou os
braços, decidindo que já tinha jogado lenha na fogueira e agora só assistiria ela queimar.

Taehyung engoliu seco. Jungkook permaneceu observando. Depois de longos segundos imersos no mais absoluto
silêncio, Namjoon percebeu que nenhum dos dois estava com muita vontade de discutir o assunto.

Ele pensou em como Jiayu amou aqueles dois idiotas. Sua querida irmã, a mulher que definitivamente tinha sido sua
melhor amiga desde sempre, tinha um gosto estranho para homens.

Taehyung, o órfão encrenqueiro com senso de heroísmo afiado e problemas em se relacionar com as pessoas e
Jungkook, o professor sensível e inseguro que se sentia solitário o tempo todo.

Os dois eram uma bagunça, mas ela de certa forma conseguiu encontrar algo neles que a fez não apenas se
apaixonar, mas desejar consertar. E ela bem que tentou, mas no fim, acabou causando ainda mais confusão neles.

- Vocês dois perderam a Jiayu e eu sei que isso é um inferno. - Namjoon disse, fazendo com que os dois o olhassem
automaticamente. - Mas agora vocês dois são tudo que a Mi Sun tem. Então deviam parar de agir como machos
territoriais e começar a agir como pais.

Jungkook engoliu seu orgulho junto com a saliva, talvez por desespero e talvez por puro medo, olhou para Taehyung
como se sua vida dependesse daquilo.

- Você...

- Eu assino. - Taehyung o interrompeu, soltando sua dobradura sobre a mesa. Um cisne feito de guardanapo. O loiro
ergueu a cabeça e o olhou, cruzando os braços. - Você pode mover a ação, vou dar meu consentimento.

Jungkook abriu a boca e tomou fôlego, mas como se lesse seus pensamentos, Taehyung interveio antes que ele
falasse.

- Dou minha palavra - Kim falou.

Jungkook inclinou a cabeça levemente em um agradecimento. Namjoon olhou de um para outro e por breves
segundos, se permitiu pensar em como Jiayu fazia falta. E em como aqueles dois pareciam perdidos sem ela, apesar
de ele ter o leve pressentimento que conseguiriam se encontrar quanto menos esperassem.
Save Me
❝ Eu quero respirar, eu odeio essa noite
Eu quero acordar, eu odeio esse sonho
Eu estou preso dentro de mim e estou morto❞
(Save Me - BTS)

❁❁❁

Havia um relógio, com números romanos e um desenho de girafa no centro de onde os ponteiros saiam. Ele manteve
os olhos fixos naquele ponteiro que girava sem interrupções, constante, dando a volta completa e marcando os
segundos sem se importar com nada.

E então havia aquele click chato e agoniante quando o ponteiro maior se movia, denunciando que mais um minuto
havia se passado e ele continuava ali, imóvel.

Seus pés não tocavam no chão pela altura da maca e ele definitivamente estava desligado do mundo, fora de órbita.
Mas diferente do que podia parecer, não havia nada em sua mente. Tudo era um completo vazio sem sentido.

Ele continuava sem sentir nada. Nada além da dor chata que ainda pinicava e puxava o músculo ferido em seu ombro.

Ele só voltou a si quando a porta do consultório abriu, revelando a figura do médico que fora recomendado pelo doutor
que tinha feito o possível para garantir que ele fosse ficar inteiro.

- Aqui estão suas receitas, Sr. Kim. - O homem estendeu um papel na direção dele. Taehyung pegou a folha com total
desinteresse e sorriu em agradecimento antes de dobrá-la quatro vezes para que servisse no bolso da calça. - Está se
recuperando bem, mas a fisioterapia não é dispensável no seu caso. Eu sugiro que faça algumas sessões o mais
rápido possível, caso contrário seu músculo pode atrofiar e não conseguir mais manter a força no seu braço.

- E sobre a tremedeira? - Taehyung estendeu a mão, para evidenciar o tremor que estava ali constantemente.

- É apenas efeito colateral. Você feriu o nervo e o músculo, isso não foi superficial. Deve se sentir grato por ainda
conseguir mexer o braço, mas tente não se esforçar muito pelas próximas semanas, tome os remédios no horário
certo e veja um fisioterapeuta - O médico disse.

Taehyung olhou o bordado no bolso do jaleco apenas para refrescar a memória a respeito do nome do homem.

- Dr. Wang - disse o loiro - Teria como me receitar alguns comprimidos para dormir? Tenho tido dificuldade com isso
nos últimos dias.

- Por causa da dor? - O homem sondou.

Taehyung negou.

- É só... insônia mesmo. Sabe como é - Taehyung respondeu.

Dr. Wang respirou fundo, como se estivesse prestes a fazer um discurso gigantesco, mas no fim, apenas soltou o ar.

- Não é minha área, você deveria procurar um psiquiatra, eles são a sua melhor opção para tratar qualquer distúrbio
do sono - o médico replicou - Mas antes disso, tente ver um psicólogo.

- Não preciso de terapia, só preciso de umas três horas a mais de sono - Taehyung retrucou. Ele percebeu que o
homem continuava o olhando como se ele fosse um pobre coitado e resolveu completar: - Ainda estou abalado pelo
fuso horário.

- Acho que fuso horário é o menor dos seus problemas. - O doutor colocou as mãos nos bolsos do jaleco e soltou o
famoso suspiro de "mas eu não vou me meter na sua decisão". - É sua escolha, no entanto terapia não é um sinal de
derrota, Taehyung. Pense nela como uma prova de que você é forte o suficiente para enfrentar o que tem tirado seu
sono.

O loiro apenas assentiu, decidindo não argumentar mais. Ele colocou a mão sobre o próprio ombro. Às vezes tinha a
sensação de que aquela pilastra ainda estava sobre si, com o pedaço cravado em sua carne.

- Tente não fazer muita força ainda, nada de arrastar pesos ou mexer de forma muito bruta, o ligamento ainda não
está totalmente recuperado - Dr. Wang alertou.

- Eu não tenho muito que fazer ultimamente - respondeu Taehyung, com uma risada que parecia mais um lamento. -
Eu apenas existo.

❁❁❁

Jungkook definitivamente odiava estar de mal humor em plena segunda-feira, ainda mais quando teria que aguentar
os alunos da quinta série, mas ele não conseguiu evitar.

Estava cansado.

O fim de semana tinha sido basicamente cruzar com Taehyung pelos cômodos da casa enquanto ambos fingiam que o
outro não passava de um mero fantasma. Eles chegaram a uma espécie de acordo silencioso, algo que basicamente
consistia em inventar desculpas para se afastar quando o outro estivesse perto de Mi Sun.

Começou quando Taehyung estava ajudando ela com o quebra-cabeça que a garota estava tentando montar há
semanas. Jungkook sabia o quanto Mi Sun sentia falta dele, o quanto a menina pedia todas as noites que Jungkook
encontrasse seu outro pai pois ela queria muito abraçar ele e dizer que o amava.

Ele não era totalmente insensível e sabia que aquele era o momento em que deveria deixar Mi Sun desfrutar daquilo
que desejou por tanto tempo. E Taehyung visivelmente precisava disso também.

Por essa razão, passou o resto da tarde trancado no escritório, apenas lendo e assistindo algum programa ruim no
computador, afirmando para Mi Sun quando ela batia na porta, que estava cheio de trabalho.

Mas obviamente, Sana não achava que agir daquela forma fosse a melhor ideia.

- Vocês dois parecem crianças, sinceramente - ela disse, mergulhando o sachê de chá na água fervente que havia na
xícara em suas mãos.

Jungkook continuou apenas olhando as crianças correndo pelo pátio da escola. Hora do recreio, e ele sequer sabia de
onde tiraria forças para dar aula quando o sinal tocasse.

- Eu estou dando espaço. Ele é o pai dela, esteve fora por muito tempo e agora Mi Sun precisa se reconectar com ele.
É tão errado assim eu não interferir? - Jeon perguntou, voltando o olhar para sua amiga.

- Eu não estou falando disso. Estou dizendo que não podem agir como se o outro não existisse, vocês dois moram na
mesma casa e tem uma filha juntos, então supõe-se que no mínimo devam agir como bons colegas. - A mulher piscou
várias vezes, fazendo seu rosto se tornar uma visão adorável. Nem parecia que estava lhe dando uma bronca.

Jungkook bufou e tornou a olhar pela janela.

- Ele deixou bem claro que a última coisa que quer é amizade. - O moreno deslizou os dedos sobre um caderno que
estava sobre o batente da janela e o ajeitou de forma que ficasse alinhado.

- Pense comigo por um minuto, Jun - Sana falou - Você está servindo na guerra, enquanto sua esposa e sua filha
ficaram para trás. Então de repente sua esposa pede o divórcio e meses depois te contam que ela se casou com o
professor da sua filha. Você não acharia suspeito?

- Jiayu não traiu ele - Jungkook retrucou.


- Eu sei que não, mas Taehyung não sabe disso - Sana replicou, com rapidez. - Nenhum de vocês está na pele do
outro para saber o que aconteceu antes que vocês se conhecessem. Jiayu morreu, mas não isenta ela da culpa de ter
colocado vocês dois nessa posição complicada. Então tente, apenas por um momento, ser empático.

- Como vou ser empático quando ele me olha como se eu fosse o cara que arruinou a vida dele? - Ele perguntou,
puxando uma cadeira e se sentando na frente dela.

- Mostre que você não é. - Sana deu de ombros, soprando o chá e cheirando logo em seguida. - Talvez se você não
ficar alfinetando ele de volta todas as vezes que Taehyung te provocar ele comece a mudar a visão que tem sobre
você.

- Não vou comprar flores e ficar puxando o saco dele. - Jungkook ajeitou a pilha de livros que havia sobre a mesa.

- Não estou falando sobre isso, pense em como deve ser a mente de uma pessoa que lidou com a guerra, o divórcio,
dividir a própria filha com um estranho e tenha em mente que ele pode estar passando por tudo isso que você está
passando aí dentro também. Medo, ansiedade, luto, solidão. - Sana juntou as duas mãos, olhando para Jungkook com
ar de quem carregava toda a sabedoria do universo. - Você já ouviu falar de Akai Ito?

- Óbvio que sim - ele retrucou.

- Pense na Mi Sun como o Akai Ito de você e do Taehyung. Independente de quanto vocês queiram se afastar e nunca
mais olhar na cara um do outro, sempre vai ter essa pequena coisinha ligando vocês dois pelo resto da eternidade. -
Sana gesticulou um fio imaginário. - Então não adianta vocês puxarem cada um de um lado, isso não vai romper, vai
só deixar os dois exaustos.

- Eu não sei como me aproximar. Não sei nada sobre ele e ele não sabe nada sobre mim - Jungkook virou o rosto para
um lado e em seguida para o outro até ouvir o som do seu pescoço estalar. - Melhor deixar como está. Não quero
encontrar mais motivos para Taehyung querer me sufocar com o travesseiro enquanto eu durmo.

O sinal tocou. Jungkook encheu as bochechas de ar com frustração, em seguida soltou se colocando de pé e dando
tapinhas na pilha de livros.

- Quando Taehyung vier nos buscar, leve a Mi Sun até ele e diga que tenho um compromisso - Jungkook disse, em
seguida saiu.

Sana respirou fundo e bebeu um gole de seu chá de camomila. Às vezes tinha vontade de abrir a cabeça de Jungkook
e enfiar uma boa dose de juízo lá dentro, mas infelizmente ela precisava tentar aos poucos. Talvez um dia ele
entendesse o que ela estava dizendo.

❁❁❁

O lírio perfeito, com pétalas grandes e no auge de sua beleza, foi pousado de forma delicada sobre o mármore escuro.
No caule da flor, uma pequena fita de cetim vermelho que prendia o anel dourado ali. A aliança que Taehyung
carregou em volta do pescoço, em um cordão enferrujado, durante todos os dias em que esteve naquele campo de
batalha interminável.

O homem colocou as mãos nos bolsos da calça jeans, observando a lápide.

Song Jiayu
15.04.1993 - 09.10.2020

Ele bateu com a ponta do coturno no chão, fazendo uma pedrinha saltar e bater contra o mármore da lápide. Um
suspiro pesado acompanhou, de um homem que não sabia o que dizer.

Ele não conseguia acreditar que Jiayu fosse escutá-lo de qualquer forma. Independente de onde as almas fossem
parar depois da morte, ele não conseguia imaginar que ficassem olhando para os vivos, esperando para ouvir as
palavras que nunca foram ditas enquanto habitavam entre eles.
No entanto, ali estava ele.

- Eu conheci ele. Seu segundo marido - Taehyung falou, baixo suficiente para que não fosse ouvido por qualquer
pessoa que passasse ali eventualmente. - Ele é bonito mesmo, seu bom gosto é indiscutível.

Silêncio. Ele não sabia por qual razão estúpida em algum momento esperou que fosse ouvir uma resposta.

- Ele é um bom cara. Eu acho que Mi Sun ama ele, isso é sinal de que fez uma boa escolha - ele continuou - Eu só
peço perdão por não conseguir sentir a menor afeição ou empatia por ele. Eu sei que você gostaria que fossemos
grandes amigos pelo bem da nossa filha, mas acho que você sabe que eu sou um pouco sensível quando se trata de
confiança e vocês dois traíram a minha, então...

Ele engoliu seco, passando a língua pelos lábios.

- Eu só queria me despedir já que não pude estar no seu funeral. E dizer que vou ficar com a Mi Sun. Sem mais
despedidas ou afastamentos, vou cuidar da nossa filha e ver ela crescer. - Taehyung sorriu, um sorriso frio e forçado. -
Independente de tudo, eu amei você. Acho que sempre amei e sempre vou amar. E eu não te culpo. Eu... eu entendo
suas escolhas, entendo suas decisões. Eu só queria que alguém entendesse as minhas.

❁❁❁

Mi Sun era esperta. Ela se sentia esperta e inteligente. Seus dois pais e sua mãe sempre lhe disseram que acima de
tudo, o que ela sempre precisava manter era a humildade e modéstia, e ela definitivamente tentava não sorrir de
orgulho quando tirava as notas mais altas da turma.

Não por soberba, ou por se achar superior, apenas porque gostava de ver o rosto de todos os colegas que eram
maldosos com ela.

Seu pai Jungkook e sua mãe sempre lhe disseram para nunca revidar qualquer tipo de ato maldoso deles, mas para
contar, que os dois resolveriam isso por ela. Isso foi dito depois de Mi Sun chutar no meio das pernas de Kang Minho.

Depois do ocorrido, ela nunca mais agrediu colega algum, mesmo quando puxavam seus cabelos e falavam coisas
ruins. Ela agradecia por seu dom de apenas conseguir literalmente diminuir o volume do mundo todo.

Um click no aparelho em seu ouvido e eles podiam falar o que quisessem, ela simplesmente não ligava.

A garotinha sentiu um cutucão leve no antebraço e ergueu a cabeça do caderno onde estava tentando desenhar um
par de pulmões como os que a professora colocou no quadro branco.

Lia e Hyunki se sentavam na frente dela. A garota de cabelos acastanhados presos em um rabo de cavalo e o garoto
com um óculos redondo emoldurando seu rosto, eram as únicas almas naquele lugar que Mi Sun reconhecia como
suas almas gêmeas. Os dois eram irmãos. Não gêmeos, adotados, ambos com a mesma idade.

Tinham duas mães.

Ela levou um tempo para se acostumar com aquilo, foi o que a levou a ter uma longa conversa com seu pai Jungkook
sobre a questão. Ela mencionou o fato de também ter dois pais e ele a lembrou de que era diferente. As mães de Lia e
Hyunki tinham o "amor do beijinho na boca".

Jungkook lhe falou muitas coisas. Algo sobre elas terem tido que se casar e adotar legalmente os dois em outro país,
mas ela acabou cochilando e perdeu boa parte da explicação.

Não importava. Eles eram seus amigos e ela amava a comida de suas duas mães.

Hyunki tocou a própria orelha e moveu os lábios, evidenciando cada sílaba para ela poder ler na boca dele o que o
menino dizia: "ligue".

Ela obedeceu. Era sempre uma coisa chata quando ligava novamente o aparelho. Havia um zunido irritante e aos
poucos os sons começavam a se fazer audíveis, e ela começava a discernir e tentar se acostumar de novo com a falta
daquele silêncio.

- O que você trouxe para o lanche hoje? - perguntou Lia, puxando um dos cachos fartos de seu cabelo e o deixando
voltar ao lugar. Mi Sun era fascinada pelo cabelo dela, parecia uma nuvem fofinha de chocolate. Sempre que tinha a
chance ficava brincando com os cachos perfeitos.

- Eu trouxe bolo de laranja, meu appa Tae quem fez - Mi Sun respondeu, olhando na direção da mesa da professora.
Todos pareciam livres para conversar, então ela podia ficar tranquila pois sua voz e a de seus amigos não se
sobressairiam a dos demais.

- Você tem dois papais e nós temos duas mamães. É por isso que somos soulmates - Hyunki sorriu, variando o olhar
entre a irmã e Mi Sun.

- É diferente, oppa - Mi Sun falou, voltando a rabiscar para tentar salvar aquela figura horrorosa que devia ser um
pulmão. - Suas ommas dão beijo na boca, meus appas não.

- Hyunki está achando que seus dois appas são namorados, você não deve ligar para ele, ele só é muito burro - Lia
disse, recebendo um beliscão forte do irmão e lhe mostrando os dentes de forma agressiva. - Aigoo! Vou contar para
omma Lisa!

Hyunki lhe mostrou a língua e Mi Sun revirou os olhos. Haviam dias em que ela era grata por não ter irmãos.

- Você sabe como funciona o anjo das flechas de coração, Mi Sun - Hyunki replicou com seriedade.

- O cupido - Lia o corrigiu.

- Ele vê duas pessoas tristes e solitárias e então ele ataca! - O garoto fechou suas mãos em garras, como se estivesse
contando uma história de terror. Mi Sun sacudiu as sobrancelhas, não muito interessada e Lia apenas observou a
empolgação do irmão, com um pouco de decepção no olhar. - Boom! Uma flecha em cada coração e eles viram
namorados e adotam bebês.

- Não é assim que funciona - Lia empurrou os óculos de Hyunki com o dedo indicador, tentando evitar que eles
escapassem pela ponta do nariz fino do garoto de olhos bem puxadinhos. - Eles precisam ouvir os sinos.

- Ninguém ouve sinos, Lia. Isso é uma besteira - Mi Sun disse, soltando o lápis e olhando para a amiga.

- As pessoas ouvem sinos quando começam a gostar de alguém, omma Lisa me disse isso! - Lia insistiu, empinando o
nariz com total superioridade.

- São anjos, Lia! - Hyunki afirmou com a mesma convicção que alguém defende seu TCC, baseado obviamente, em
todos aqueles livros de contos de fadas que ele lia diariamente.

- O coração que diz. Se ele fica batendo bem rápido, tipo: tum tum tum tum, - Mi Sun fechou a mão em punho e
colocou diante do peito, fazendo movimentos rápida para simular as batidas. - significa que tem amor do beijinho.

- É nojento - disse Lia - Como os adultos conseguem engolir a baba um do outro?

- Acho que é como uma forma de provar que ama alguém. Deixar a pessoa sujar sua boca com a saliva dela, você
deve amar muito alguém para admitir essa nojeira! - Hyunki disse, abrindo bem os olhos com uma expressão enojada.
As garotas fizeram caretas semelhantes.

- Eu ouvi dizer que, - Lia cochichou, mas alto suficiente para que Mi Sun não tivesse dificuldade de ouvir. - os adultos
fazem mais coisas além do beijo na boca, por isso às vezes eles dizem que vão sair para "namorar".

Lia fez aspas com os dedos.

Mi Sun virou a cabeça com curiosidade.


Hyunki ajeitou os óculos, um pouco desconfiado do que a irmã dizia.

- Como o quê? - perguntou ela.

- Eu vi o professor Han beijando a orelha da Srta. Jang, no corredor - Lia sussurrou - Ele disse para ela ir até a casa
dele e conhecer seus brinquedos.

- Então os adultos também têm brinquedos? - Mi Sun abriu a boca.

- Eles provavelmente não querem que a gente saiba porque não querem dividir, eu já procurei para saber se nossas
ommas têm brinquedos escondidos, mas não achei nada. - Lia assentiu, com solenidade, um sinal de que suas
palavras eram a verdade absoluta.

- Oh, deve estar naquela caixa em cima do armário! Será que elas têm algum boneco de ação irado? - Hyunki sorriu
empolgado.

- Acho que eles têm vergonha de admitir que gostam de brincar, por isso não deixam a gente saber. - Mi Sun assentiu,
ainda processando os próprios pensamentos. - Devem pensar que não vamos levar eles a sério.

- Mi Sun, Hyunki e Lia, terminem de copiar a tarefa antes que eu separe os três! - A professora chamou a atenção
deles, de forma tão repentina que eles saltaram, ajeitando a postura. Hyunki e Lia olharam para a frente e Mi Sun
voltou ao seu desenho.

Mas ela estava com a pulga atrás da orelha. Adultos eram criaturas estranhas e ela definitivamente gostava de não
entender eles na maioria das vezes.

❁❁❁

Taehyung estava sentindo uma dor infernal. Os remédios aliviavam, mas era por pouco tempo, logo tanto seu ombro
quanto seu pescoço estavam latejando com aquele repuxo chato.

Ele apertou os dedos nos músculos retorcidos do pescoço, na tentativa de aliviar, no entanto não adiantou muito.

Ele havia buscado Mi Sun na escola, recebido o recado de Sana, uma das professoras e aparentemente amiga de
Jungkook, de que o moreno não viria para casa tão cedo. E ele apenas trouxe sua filha para casa, serviu o jantar,
assistiu televisão com ela e a carregou até o quarto assim que a menina dormiu.

Ele pensou em dormir, já que o máximo de sono que tirou na noite anterior foram duas horas e isso era muito.

Mas a mera ideia de ficar deitado, em silêncio completo encarando o nada, era desesperadora, angustiante. Ele não
podia deixar sua mente vazia, precisava preencher qualquer espaço para que as memórias não voltasse.

Os gritos, os estrondos, o cheiro de sangue, pólvora e fumaça.

Ele sacudiu a cabeça, querendo afastar os pensamentos e ajeitando a postura, voltando a olhar as folhas a sua frente.
Sua visão estava um pouco prejudicada, mas ele ainda conseguia ver bem se apertasse os olhos e trouxesse a folga
mais perto.

Era meia noite em ponto quando a porta da frente se abriu, devagar e sorrateira. Taehyung ouviu os barulhinhos
baixos das dobradiças gastas, o click da porta fechando e o estalo da chave girando na fechadura.

Ele se recostou para trás na cadeira, cruzando um braço sobre o peito e erguendo o outro para colocar a unha do
polegar entre os dentes, encarando as folhas espalhadas na mesa da cozinha.

Ouviu o barulho das chaves sendo colocadas na tigelinha de porcelana, o som de algo sendo colocado no chão e o
que parecia ser Jungkook removendo os sapatos.

Ele estava realmente sendo muito furtivo, o que não fazia muito sentido já que a luz da cozinha estava acesa,
indicando obviamente que alguém estava acordado.

Passos, lentos e abafados dos pés envoltos pelas meias andando em direção ao arco aberto da sala, que ficava de
frente para o arco da cozinha, tendo apenas um corredor separando um cômodo do outro.

Taehyung esperou, e enfim, Jungkook esticou o pescoço antes do restante do corpo, entrando no local com um olhar
cansado. As roupas estavam suadas e os cabelos pretos e cheios, completamente bagunçados. O loiro preferia nem
ocupar seus pensamentos com o que ele poderia estar fazendo fora de casa a aquela hora da noite, nem lhe
importava.

- Você está acordado? - Jungkook perguntou. Taehyung abriu a boca para responder e o Jeon fechou os olhos,
erguendo a mão ao perceber a estupidez da pergunta. - Foi uma pergunta retórica.

- Pode se sentar? - Taehyung apontou a cadeira diante de si.

Jungkook assentiu, puxando a cadeira e se sentando no mesmo instante, olhando com estranheza as folhas
perfeitamente divididas em três pilhas e com uma post-it colorida sobre cada uma delas.

Ele tentou ler, mas estava de ponta cabeça e não queria forçar seu cérebro.

- Estamos morando juntos e eu definitivamente não vejo problemas nisso, portanto acho que seria justo que possamos
fazer isso funcionar. - Taehyung apoiou a mão sobre a primeira pilha, da post-it azul. - Eu fiz as contas, tomei a
liberdade de ver seus últimos contracheques e comparei com o dinheiro que estou recebendo depois do afastamento
militar. Obviamente não seria justo dividir as despesas de igual para igual já que pelos próximos seis meses eu vou
receber o dobro do seu salário.

Jungkook tentou não exibir qualquer expressão diante daquilo. Ficou tentado a pesquisar quanto recebia um soldado
afastado.

- As despesas em comum que são luz, água, internet, gás, alimentação, qualquer manutenção eventual na casa ou no
carro, gasolina e obviamente qualquer coisa relacionada a Mi Sun, vão exigir cerca de 42% do salário de cada um de
nós. Os seus 42% claramente serão menos do que os meus 42%, mas é a divisão mais justa. - Taehyung explicou.
Ele fez uma careta, Jungkook pensou que fosse direcionada a si, mas ao ver o homem mover o pescoço de um lado a
outro pensou que fosse apenas cansaço. - Vocês tem utilizado o dinheiro que eu mandava todos os meses?

- Desde a morte da Jiayu o dinheiro está no banco. Não mexi em nada, você pode tirar se quiser, mas vai ser bem
burocrático já que a conta estava no nome dela - Jungkook falou.

Taehyung apenas assentiu.

- Vamos deixar guardado, para uma emergência. - O loiro pousou a mão sobre a segunda pilha de papéis, menor do
que a anterior, com uma post-it rosa colada no topo. - Eu não vou poder trabalhar com qualquer coisa pelos próximos
meses, então acho justo cuidar das tarefas da casa como louça, roupa suja, limpeza e outras coisas. Mas eu sou
péssimo cozinhando, então você vai cuidar disso.

- E tudo que você fez no café da manhã na sexta? - Jungkook deixou escapar.

- Eu gosto de fazer bolos e doces, fiz curso com um padeiro quando tinha uns dezessete anos - Taehyung explicou,
apoiando a bochecha na palma da mão. Era o tipo de coisa que o acalmava. Era melhor ocupar sua mente com as
medidas de farinha do que com seus pensamentos perturbadores.

- Você precisa encontrar um trabalho? Eu não sei bem como funciona, mas você não está basicamente aposentado
agora? - Jungkook perguntou, cruzando os braços. Taehyung percorreu os desenhos no braço dele, tentando discernir
as figuras e as palavras, mas seus olhos embaçaram e ele esfregou as pálpebras.

- Vou receber uma indenização pelos próximos seis meses, mas não estou aposentado - disse Taehyung - Eu teria
que continuar trabalhando para as Forças Armadas nem que fosse na área administrativa. Eu não quero mais me
envolver com isso, preferi me afastar e tentar outra coisa.

- Você se machucou lá? - Jungkook perguntou, distraído demais com o assunto para perceber que aquilo estava se
tornando o diálogo mais longo que tiveram nos últimos dias.

Taehyung abriu a boca, o 'sim' estava na ponta da língua, mas ele negou com a cabeça. Não precisava da pena de
Jungkook ou que ele se sentisse na obrigação de facilitar as coisas para ele por um mero ferimento. Taehyung podia
lidar com aquilo sozinho.

- Não. Foi só por eu estar no batalhão no dia do bombardeio. - Ele ajeitou a postura e pigarreou, desviando o olhar
para a última pilha. Mentira. Jungkook identificou no mesmo instante, mas decidiu não insistir. Taehyung não parecia
ter se ferido fisicamente, não algo que pudesse ser visto a olho nu, mas alguma parte dele estava machucada. Ele
apoiou os dedos sobre a pilha da post-it amarela. - Mi Sun. Nós podemos nos dividir para levar ela ao Instituto, ajudar
com o dever de casa e brincar com ela. Você vai ter que dar conta das lições de linguagens e artes, eu posso ajudar
ela com matemática e biologia. E acho que precisamos de um acordo.

Jungkook apenas esperou, observando Taehyung suspirar a mover os ombros com uma careta. Ele imaginou o que
Taehyung estava prestes a dizer e já se adiantou.

- Não vou tomar decisão nenhuma a respeito dela sem te consultar. Você é o pai dela, Taehyung. Pense em mim
como um ajudante se preferir, mas qualquer coisa a respeito dela, vou respeitar sua decisão - ele disse. Se Sana
estivesse certa, aquilo faria Taehyung mudar de visão a respeito dele. Não como um rival que queria roubar sua filha,
mas como uma espécie de parceiro na vida dela. - Eu quero que fique claro que a autoridade maior é sua.

Taehyung ficou em silêncio. Ele ia propor, baseado no que Jimin lhe aconselhou, que os dois conversassem e
concordassem mutuamente sobre absolutamente tudo em relação a Mi Sun. Ele não esperou por aquilo e ficou de
certa forma surpreso com a sinceridade do rapaz.

Jungkook ainda tinha um rosto jovem demais, se olhasse muito rápido, Taehyung podia confundi-lo com um garoto de
dezessete anos se não fossem todos os músculos. Era só cinco anos mais jovem que ele, e Taehyung já se olhava no
espelho sentindo como se fosse um velho.

- Vamos conversar juntos sobre qualquer coisa a respeito dela. E por último, - Taehyung se escorou para trás e cruzou
os braços, espelhando a posição do moreno. - não quero que você saia daqui.

Jungkook franziu a testa.

- Óbvio que em algum momento você vai seguir com sua vida, talvez futuramente você se relacione com alguém ou
apenas decida ter sua própria privacidade, não me importo - Kim falou - Mas por enquanto, não se sinta pressionado a
ir embora por pensar que está na minha casa. O imóvel sempre esteve no nome da Jiayu, nós dois fomos casados
com ela e agora isso tudo pertence à nossa filha. Nossa casa, portanto.

Era estranho ouvir Taehyung falar aquilo. Nossa filha. Nossa casa. Definitivamente era engraçado pensar em como
em outra situação aquelas palavras teriam um sentido completamente diferente, mas eles inovaram completamente o
sentido daquilo.

- Fique aqui até sentir que quer ir embora e fazer sua vida como bem quiser. Fique com a gente sem se sentir um
intruso. - Taehyung terminou, completando em seguida com muita rapidez: - Com a Mi Sun. Fique com a Mi Sun.

Jungkook assentiu, olhando as folhas empilhadas.

- Isso são cronogramas? - apontou os papéis.

- Você gosta de coisas organizadas, pelo que eu pude notar - disse Taehyung. Desde que chegou, foi difícil não notar
a forma específica como Jungkook parecia deixar tudo em seu devido lugar. Desde o alinhamento dos sapatos ao lado
da porta até a pilha de tupperwares organizadas nos armários por tamanhos e cores. - Tentei facilitar.
Taehyung, como sempre, tinha aquele tom de voz totalmente calmo e desprovido de qualquer emoção. Jungkook não
sabia dizer se era indiferença, raiva controlada ou simplesmente o fato de que ele não tinha emoção alguma dentro de
si.

Porque quando olhava nos olhos de Taehyung ele não via nada. Nunca pensou que encontraria alguém com olhos tão
vazios e isso o fez pensar sobre como uma guerra pode afetar as pessoas. Ele podia ter perdido amigos queridos,
matado centenas de pessoas e isso com toda a certeza não devia ser fácil.

Jungkook engoliu seco. Estava pronto para iniciar um discurso sobre como sentia muito pelos maus entendidos entre
eles, quando Taehyung se levantou de forma lenta.

- Eu vou me deitar. Tem sobras de uma lasanha que eu comprei na seção de congelados e você só precisa colocar no
microondas. - Kim tamborilou os dedos sobre o tablado da mesa. - Boa noite, Jungkook.

Ele se afastou. Jungkook ouviu seus passos se afastando no corredor e a porta do quarto fechando devagar. Ele
suspirou, puxando a pilha da post-it amarela.

A folha toda rabiscada e marcada com diferentes cores de caneta marca texto mais parecia o caderno de alguns de
seus alunos que se dedicavam a deixar tudo o mais colorido e organizado possível.

Haviam observações destacadas, a letra de Taehyung era horrorosa, mas ele conseguiu entender com facilidade o
que estava escrito. Depois de anos lidando com crianças ele acreditava que conseguia interpretar até letras de
médicos.

No topo da folha, Taehyung anotou seu número de telefone e colocou o próprio nome como se Jungkook precisasse
saber como salvar o contato.

"Só não me ligue nas segundas e quartas, das duas e meia até quatro horas da tarde, escreva mensagem se for
urgente" Jungkook suspirou.

"Vamos fazer compras juntos todos os sábados à tarde, quando os mercados estão quase vazios e podemos fazer
com calma" Taehyung parecia ter uma ideia muito organizada de uma rotina que seria fácil para os dois e como ele
era maluco por organização, sorriu aliviado. Pelo menos Taehyung estava se esforçando, isso o animava a fazer o
mesmo.

Por Mi Sun. Mas também por eles dois.

Ele conseguia sentir o suor escorrendo por seu corpo, o calor o percorrendo por completo, seus músculos queimando
pelos movimentos constantes. Definitivamente ele estava cansado, mas com nem um pouco de vontade de parar.

Ele acertou um chute forte contra o saco de pancadas, voltando com os socos sem se importar se estavam vendo a
forma como ele depositava toda aquela agressividade contra o pobre saco inocente.

Ele parou por um instante, exausto, com sede e esgotado.

Ouviu o suspiro alto do homem que estava recostado contra um dos aparelhos de musculação e nem se importou de
olhar para ele.

- Você está frustrado. - Não foi uma pergunta, mas sim uma afirmação.

- Tente ficar viúvo, receber a guarda da filha da sua esposa e depois ter que morar com o pai da menina, que te odeia,
aí você pode vir com seu papo de psicólogo falar sobre frustração, Jaeyun. - Jungkook fechou os olhos, tentando
controlar a respiração. Seus cabelos estavam molhados e ele sentia que cairia na cama já dormindo naquela noite,
mas pelo menos estava funcionando para aliviar seus pensamentos.

- Pensei que vocês estivessem se acertando - Jaeyun disse, mansamente. E era aquele tom de análise e mansidão
que tirava Jungkook do sério.

- Não. Nós simplesmente não existimos um para o outro. Trocamos no máximo uma meia dúzia de palavras ao longo
do dia e isso é tudo. - Jungkook pegou a garrafa de água, levando até a boca e bebendo todo o conteúdo sem
nenhuma pausa.

- Você disse que ele é inexpressivo - Jaeyun lembrou - E sucinto demais.

O moreno tirou a garrafa vazia da boca e colocou de volta no chão, limpando a boca com o antebraço.

- Apático. Ele é apático. Ele não parece sentir nada, nem se importar com nada, querer nada. - Jeon sacudiu as mãos
no ar para evidenciar sua indignação. - Tudo para Taehyung parece um tremendo tanto faz.

- Você já ouviu falar sobre os efeitos da guerra? - O homem cruzou os braços, o que evidenciava os músculos
expostos pela regata. Jungkook respirou fundo e começou a soltar as faixas dos pulsos. Jaeyun bateu com o dedo
indicador na própria cabeça. - A guerra pode matar um homem aqui dentro.

- Não posso ajudar ele com isso - Jungkook retrucou.

- Você pode. - Jaeyun suspirou. - Poderia dizer para ele ir me ver.

O moreno fez uma careta e olhou para o amigo. Jaeyun era psicólogo, foi de muita valia logo após a perda de Jiayu e
por isso, Jungkook o adotou como amigo e companheiro de boxe. Era bom ter com quem conversar de vez em quando
e melhor ainda quando não precisava pagar por aquilo.

- Se você está pensando em paquerar o pai da minha filha, pode esquecer, Jaeyun. - Jungkook abriu um sorrisinho
acusador. O homem lhe respondeu com um olhar entediado.

- Eu quero ajudar ele. E consequentemente, ajudar você. - O homem ergueu uma sobrancelha. Jungkook riu.

- Não banque o bom samaritano. - Jeon sacudiu o dedo na direção dele. - Mas vou pedir ao Jimin para falar com o
Taehyung sobre terapia. Acho que ele precisa mais do que qualquer outra pessoa. Só é teimoso demais.

- Você conhece ele há uma semana - Jaeyun lembrou.

- É suficiente - o moreno retrucou.

- Não, não é. - Jaeyun o olhou de cima a baixo, com um olhar de superioridade. - Você não conhece ele, conhece a
imagem que sua mente criou dele. "O homem fechado e inexpressivo que te odeia e quer sua morte", ele é como seu
novo bicho-papão.

- Ele só sorriu para mim uma vez e foi porque eu queimei a língua. - Jeon chutou o saco de pancadas com força
moderada, o fazendo sacudir. Em seguida, parecendo finalmente satisfeito por ter esgotado toda sua energia
espancando aquilo, se sentou no chão. - Acho que eu preciso de uma nova abordagem.

- Você precisa parar de tentar se encaixar na vida dele - Jaeyun falou - Quando as pessoas passam tempo demais
sozinhas, qualquer aproximação pode soar como interesse em algo que tenha a oferecer. No seu caso, Taehyung com
certeza acredita que a única razão pela qual você está tentando se aproximar é a Mi Sun.

- Ele não está errado - Jungkook replicou, passando a mão pelos cabelos encharcados de suor e os empurrando para
trás.

- Você está preocupado com o estado dele, caso contrário não teria me feito tantas perguntas sobre sinais de estresse
pós-traumático ou depressão - Jaeyun salientou.

- Isso pode afetar a Mi Sun. Não quero que ela olhe para o pai e pense em como ele parece triste e perdido o tempo
todo - disse Jeon. Ele suspirou. - E eu me sinto culpado.
- Chegamos ao ponto, no fim das contas - Jaeyun sorriu triunfante, como se tivesse esperado todo o diálogo
exatamente por aquela frase.

- Ele ainda pensa que eu fui amante da Jiayu e depois de conversar com a Sana, cheguei a conclusão de que
realmente é uma questão complicada. Ele tem motivos para desconfiar e isso só me faz ter aquela crescente
sensação de que eu sou o intruso. Porque eu sou, no fim das contas. - Jungkook fechou os olhos.

- Tente não pensar em si mesmo como um tapa buracos, quebra galho ou substituto. Veja a si mesmo como um
homem que se casou com uma mulher que já tinha um passado e apenas isso. - Jaeyun cutucou o tornozelo dele com
a ponta do tênis esportivo e piscou assim que Jungkook olhou para si. - Você já ouviu aquele ditado que diz que às
vezes encontramos conforto no que menos esperamos?

- Você acabou de inventar esse ditado, suponho. - Jungkook ergueu uma sobrancelha.

- Tanto faz, o ponto é que você pode ajudar o Taehyung. Basta tentar ver as coisas do ponto de vista dele e ao invés
de ser um obstáculo, tente ser um apoio. - Jaeyun começou a se afastar, olhando por cima do ombro. - E amarre seus
cadarços se não quiser cair no estacionamento como na semana passada.

Jungkook olhou para os próprios tênis, com os cadarços sujos e soltos. Ele suspirou.

Lhe correu um pensamento breve de que talvez devesse se ausentar por uns dias, pegar aquelas tão esperadas
folgas que a escola estava lhe devendo e dirigir até a pequena casa onde seus pais moravam no interior, mas logo
pensou que talvez não fosse uma boa ideia.

Eles aprenderam a aceitar e respeitar suas decisões, mas nunca foram grandes apoiadores delas. Desde sua
sexualidade, até a escolha da profissão e seu casamento com Jiayu, foram motivo de um grande desentendimento
entre ele e seus pais.

Ir até lá e pedir conselhos sobre como lidar com o ex-marido da "esposa problemática e cheia de bagagem" só
acarretaria em longos discursos que evidenciariam quão decepcionante ele era quando se tratava de fazer escolhas.

E ele não precisava de ajuda para saber que tinha um dom nato para se meter em problemas dos quais não sabia
como sair.

❁❁❁

- Appa! - Mi Sun o chamou, pelo que deveria ser quinta vez só nos últimos dez minutos. Taehyung piscou com força,
desviando a atenção do relógio e olhando para a garota. - Você acha que se eu não entregar o dever o appa Ggukie
vai ficar muito zangado?

- Eu acho que você não vai ficar sem fazer sua lição de casa só porque seu pai é o professor. - Taehyung apoiou a
bochecha na palma da mão e focou toda sua atenção na filha. - E não pense que vou te defender nisso.

Ela suspirou pesadamente, soltando o lápis e apoiando os braços sobre a mesa. Taehyung passou os dedos entre as
madeixas do cabelo acastanhado dela e empurrou uma mecha para trás da orelha.

- Você sentiu saudade de mim? - Mi Sun perguntou. Ela já tinha feito aquela pergunta. Todos os dias desde que ele
pisou na Coréia.

- Óbvio que sim, você é minha filha. Você é tudo que mais importa pra mim, e quando eu estava longe eu pensava em
você todos os dias - ele respondeu, usando quase o mesmo discurso de todos os outros dias.

- Você sabe de uma coisa, appa, eu não acho que você esteja feliz. - Mi Sun desviou o olhar, pegando o lápis para
rabiscar uma florzinha na parte superior da folha, provavelmente apenas para evitar olhar nos olhos dele.

Ele ficou em silêncio. Ele estava feliz. Óbvio que estava feliz, ele não poderia se sentir mais feliz em qualquer lugar do
mundo que não fosse ao lado de sua menininha. Ela era seu mundo inteiro, cada pedaço de seu coração pertencia
unicamente a ela.

Mas talvez ele não estivesse conseguindo demonstrar da melhor forma.

- Por que você acha isso? - Taehyung perguntou, num sussurro surpreso.

- Você não sorri de verdade. - Mi Sun terminou a flor e começou a desenhar um sol. - Seus olhos estão tão tristinhos o
tempo todo. Eu só estou pensando que você pode não ter gostado de voltar pra cá.

- Ei! - O loiro cutucou o queixo dela, fazendo a garotinha erguer a cabeça e olhá-lo nos olhos na mesma hora.
Taehyung engoliu seco. Ele pensou que fosse bom em esconder, que sempre tinha sido ótimo com aquele jogo de
manter seus pensamentos para si, agora percebia que talvez fosse óbvio demais. - Eu estou infinitamente feliz de
poder ficar com você, joaninha. Nunca pense o contrário, eu amo você, certo? Eu amo mais do que qualquer coisa
nesse mundo inteiro.

Ele fez uma pausa, olhando os grandes olhos castanhos. A forma como a luz refletia na íris clara, aqueles olhos que
vinham de Jiayu. Ele sorriu, apertando a bochechinha cheia de Mi Sun entre seus dedos.

- Seu appa só está um pouco cansado. Eu ainda preciso me acostumar com as coisas por aqui e isso é tudo. Eu
prometo que vou fazer o possível para que você veja que eu amo estar com você - ele completou.

Mi Sun sorriu e segurou a mão dele com as suas duas, beijando o dorso com seus lábios gordinhos.

- Você sabe o que te deixaria feliz? Uma noite de jogos! Como a gente fazia com a mamãe! - Mi Sun se ergueu na
cadeira com empolgação, ficando de joelhos sobre a mesma a apoiando as duas mãos na mesa. - Appa Ggukie ama
jogar banco imobiliário! Podemos brincar depois que eu terminar aqui, appa?

Taehyung passou a língua pelos lábios, ponderando. Ele tinha falado com Jungkook naquela mesma manhã, foi uma
discussão um tanto acirrada sobre qual era a melhor marca de arroz, o que pensando agora, parecia muito estúpido e
infantil.

Mas a verdade era que tudo entre eles virava discussão, portanto qualquer diálogo com mais de cinco palavras estava
fora de questão.

- Jungkook ainda não chegou em casa e pode chegar bem tarde. Mas podemos jogar juntos assim que você terminar
isso, pode ser? - Taehyung disse.

Como se estivesse esperando para jogar seus argumentos por terra naquele exato momento, Taehyung ouviu aquele
conhecido som do motor do carro. Mi Sun não ouviu, pela forma como continuou olhando para ele com um beicinho
triste.

Mas não demorou para o som alto da porta da frente sendo aberta reverberar pela casa. Mais que rapidamente o rosto
dela se iluminou.

- Ele chegou! - Mi Sun saltou da cadeira, correndo na direção da sala. Taehyung respirou fundo, ouvindo a voz de Mi
Sun ao longe, bem como a risada de Jungkook. - Appa! Que bom que você voltou para casa, agora podemos deixar o
appa Tae feliz juntos!

Jungkook pigarreou, Taehyung se manteve onde estava, sentado na cozinha, com o olhar pousado nos cadernos e
livros de Mi Sun espalhados pela mesa.

- Não me abrace ainda, eu estou todo suado. Vou tomar um banho e depois vou encher você de beijos - Jeon falou.

- Appa Tae prometeu que vamos jogar banco imobiliário juntinhos se eu terminar meu dever de casa - Mi Sun passou
novamente pela porta da cozinha, saltitando de alegria até a mesa.

Jungkook entrou logo em seguida, sacudindo a cabeça em um cumprimento silencioso, que Taehyung respondeu
fechando devagar os olhos e inclinando a cabeça levemente.
- Você podia fazer aquele doce que eu gosto tanto, appa Tae! - Ela pegou o lápis na mão, voltando a atenção para os
cadernos com total determinação.

- Posso sim - Taehyung respondeu.

- Eu vou tomar um banho e depois vou dormir, vocês podem...

- Não! - Mi Sun gritou, tão alto que o próprio ouvido doeu com a interferência de um som tão alto no aparelho, mas ela
sequer ligou para aquilo e apenas se levantou novamente, correndo até Jungkook e o puxando pela mão até o
corredor.

Taehyung definitivamente percebeu naquele momento, que a discrição de Mi Sun, vinha inteiramente dele.

Jungkook se deixou ser arrastado e se abaixou assim que a menina o puxou, para cochichar em seu ouvido enquanto
olhava direto nos olhos de Taehyung.

- Appa Tae está triste. Você disse que sempre que uma pessoa está triste nós precisamos fazer ela ficar feliz com
brincadeiras. - Ela sussurrou. Ao seu ver, pelo menos. Taehyung ouviu cada palavra e Jungkook sentiu cócegas no
ouvido devido ao volume que a garotinha falou perto de sua orelha.

- Não acho que seu pai vai ficar feliz se eu massacrar ele naquele jogo, solzinho - Jungkook respondeu, em um
volume em que sabia que Mi Sun ouviria e Taehyung também.

E com uma única frase, Jeon Jungkook conseguiu ressuscitar o instinto competitivo de Kim Taehyung.

- Seu pai está com medo que eu acabe com ele - Taehyung replicou, no mesmo tom de voz.

Jungkook olhou por cima do ombro, os olhos semicerrados de alguém que o queria morto. Ele levantou uma
sobrancelha, um desafio silencioso.

E Mi Sun sorriu satisfeita, sem que nenhum dos dois notasse.

❁❁❁

Mi Sun percebeu, tardiamente, que aquele jogo estava um pouco acirrado e que ela definitivamente não estava na
competição. Mas diferente do esperado, ao invés de ficar chateada ou zangada por ver seus pais basicamente
esquecendo que ela estava brincando também, ela achou melhor observar aquele estranho espetáculo.

- Nã-nã-nã-ni-nã-não! - Taehyung apontou o dedo com o olhar de um tigre prestes a devorar sua presa indefesa, ou no
caso, apenas entrar em confronto com outro tigre de olhar igualmente feroz. - São seis casas, não sete, pode voltar
uma!

- Sete cai aqui! - Jungkook bateu com a pequena pecinha azul no quadrado marcado no tabuleiro.

- Como deixam você ensinar as crianças se não sabe nem contar até seis, seu... - Taehyung mordeu o lábio, olhando
com o canto dos olhos para Mi Sun e se lembrando que não podia usar a palavra que queria. - Trapaceiro!

Mi Sun riu alto, cobrindo a boca logo em seguida.

- Você que não está sabendo contar, se eu estava ali! - Jungkook subiu o tom, colocando o indicador sobre o local
marcado e começando a contar em seguida, pulando de casa em casa. - Um, dois, três, quatro, cinco... oh, é mesmo,
seis é aqui.

Taehyung revirou os olhos, cruzando os braços e observando como Jungkook deslizava sua peça para a casa
anterior. O loiro ergueu a cabeça ao máximo e o olhou com superioridade quando Jungkook lhe mostrou os dentes de
forma agressiva.

- Pode pagar o aluguel - Taehyung disse, estendendo a mão com a palma aberta. - São 23.000 wons.
- Não mesmo, seu folgado! São 13.000! - Jungkook voltou para trás, se sentando sobre os calcanhares e apontando
para Taehyung, começando a gaguejar com total indignação. - Você só tem uma casa!

- Isso é um hotel, seu cego! - Taehyung apontou a pecinha.

- Você não tinha dinheiro para um hotel, estava falido até tirar todo meu dinheiro na Estação Ferroviária! Nem venha
com trapaças, é isso que quer ensinar a Mi Sun? - Jeon estreitou os olhos.

Mi Sun olhou para Taehyung. O loiro parecia prestes a voar na garganta de Jeon, e a garota, que acreditava que
aquilo era simplesmente a melhor diversão, estava ansiosa por isso. Ela pegou o copo de suco que estava ao seu lado
onde estava sentada, sobre o tapete da sala, e colocou o canudo na boca, mal fazendo movimentos bruscos para não
acabar com aquilo.

Aquilo era sinal de que eles estavam se tornando amigos, certo? Era assim que ela costumava brincar com Hyunki e
Lia, e ela os amava com todo o coração. Então aquilo era o sinal de que seus pais estavam finalmente começando a
brincar um com o outro.

Será que appa Ggukie convidaria appa Tae para conhecer seus brinquedos?

- Vou deixar você pagar 13.000 só porque não preciso da sua esmola - Taehyung resmungou.

Jungkook pegou as notas minúsculas que pareciam pequenos confetes de papel em suas mãos e começou a contar,
minuciosamente. Depois de juntar o dinheiro, ele contou mais uma vez apenas para garantir, e colocou na palma da
mão de Taehyung com um tapa estalado.

Depois de longos segundos, olhando o moreno nos olhos e decidindo se valia a pena partir para agressão física,
Taehyung piscou voltando à realidade e virou para Mi Sun com um sorriso.

- Pode jogar os dados, joaninha - falou ele.

Ela pegou os dados que estavam nas mãos de Jungkook e ficou de joelhos, jogando os dados sobre o tabuleiro.

Os dois sorriram quando ela moveu a própria pecinha verde, contando silenciosamente até cair em uma casa.

- É sua, appa Ggukie. - Ela suspirou pesadamente, olhando as últimas notas que lhe sobravam com um bocejo. - Acho
que eu perdi.

- Não se preocupe, solzinho, você vai ganhar de nós dois na próxima. - Jungkook bagunçou os cabelos dela. - Acho
que está na hora de dormir, certo? Você tem aula de piano amanhã.

- Mas é tão bom brincar com vocês dois. - Mi Sun esfregou os olhos. - Prometem que vamos brincar juntos de novo
amanhã?

- Podemos ver isso, mas agora vá se preparar para dormir - Taehyung disse e se esticou para beijar a testa dela. - Eu
preciso te colocar na cama?

- Eu consigo ir sozinha, já estou grandinha para isso. - A garotinha se levantou e se aproximou de Taehyung,
colocando os braços em volta do pescoço dele e desfrutando do abraço apertado do pai antes de se afastar. Ela
segurou o rosto dele, beijando suas duas bochechas, a testa e em seguida a ponta do nariz.

Taehyung sorriu com o gesto.

Aquele hábito ela não tinha antes da última vez que ele partiu. Foi algo bom de descobrir, uma curiosidade que ele
tinha adorado conhecer. Ela sorriu.

- Amo você, appa Tae! Sonhe com anjinhos cantando no seu ouvido - Mi Sun falou.

Taehyung continuou acompanhando ela com o olhar quando a menina se aproximou de Jungkook e fez a mesma
coisa. Um beijo em cada bochecha, um na testa e outro na ponta do nariz. Em seguida ela sorriu da mesma forma.

- Amo você, appa Ggukie! - ela disse - Sonhe com sinos bonitos e borboletas.

Taehyung franziu a testa, cruzando as pernas e olhando com atenção enquanto ela se afastava em direção ao
corredor.

- Ela tem esse hábito de ficar escolhendo os sonhos para as pessoas - Jungkook respondeu a pergunta silenciosa que
estava estampada no rosto de Kim. Taehyung olhou para ele de imediato, o moreno pegou a caneca que estava ao
seu lado no chão e bebeu um gole longo. - Ela começou com isso depois que... perdeu a mãe.

Taehyung engoliu seco. Como sempre acontecia quando Mi Sun deixava o cômodo, os dois ficaram submersos
naquele silêncio desconfortável e alto demais. Os ouvidos de Taehyung captaram novamente o som do relógio.

Aquele tic tac constante.

O tempo passando por ele.

Aquele estalo irritante permaneceu ali, até a voz de Jungkook abafa-lo.

- Eu tive um pesadelo uma noite e ela acordou - Jungkook explicou - Desde então, Mi Sun diz que vai escolher os
meus sonhos para que eu não tenha mais sonhos ruins.

- E funciona? - Taehyung deixou escapar, mesmo que não se importasse.

Jungkook olhou para ele.

- Ela me disse para sonhar com as estrelas - Jungkook respondeu - Eu sonho com elas todas as noites.

Ele não acrescentou quão horrível era, quão agoniante e perturbador era permanecer preso naquele sonho
interminável. Taehyung não precisava saber de suas fraquezas.

- A coisa dos beijos... - Taehyung tocou rapidamente as bochechas, a testa e o próprio nariz para exemplificar.

Jungkook sorriu e abaixou a cabeça. Taehyung esperou, vendo o sorriso dele se alargando no rosto. Em alguns
momentos Jungkook parecia inocente e puro, como ele jamais foi e jamais seria. Taehyung invejava aquilo, invejava
ele.

- Era uma coisa que minha mãe fazia comigo quando eu era menino - Jungkook disse, coçando a nuca - Ensinei a ela
e Mi Sun pegou o costume.

Taehyung assentiu.

Silêncio, mais uma vez, dando espaço ao som do relógio.

- Bom, já que eu ganhei o jogo... - Jeon começou, fazendo menção de se levantar, Taehyung olhou para ele de forma
tão rápida e feroz, que o moreno sentiu um arrepio percorrer a espinha e se sentou novamente antes mesmo que ele
pudesse dizer uma palavra.

- Ganhou uma ova! Mi Sun perdeu, mas eu ainda tenho mais patrimônio que você! - Taehyung rosnou.

- Que droga! Olha só se formos contar - Jungkook falou - Eu vou ter mais dinheiro que você!

- Me dê isso aqui que eu vou contar! - Taehyung retrucou.

Jungkook lhe alcançou o dinheiro e os cartões das propriedades adquiridas e ficou observando, conforme Taehyung
contava o dinheiro, movendo os lábios em um sussurro silencioso enquanto fazia as contas.

Ele percebeu que Mi Sun era na verdade, uma pequena cópia de Taehyung, e isso fez com que ele tomasse um
choque de realidade. A forma como Taehyung esticava os lábios cheinhos enquanto estava concentrado, a forma
como unia as sobrancelhas com irritação. Tudo. Tudo em Mi Sun lembrava ele.

Jungkook passou a língua pelos lábios, virando levemente a cabeça para observar com mais atenção, buscando mais
detalhes, isso antes que Taehyung erguesse a cabeça devagar, praguejando e fazendo com que ele se assustasse.

- Merda! - Taehyung falou alto.

- Porra, não faz isso! - Jungkook colocou a mão no peito.

- Deu empate! Quais as chances? - O loiro bufou, soltando as notas no tapete com um suspiro cansado.

- Fala sério! - Jeon resmungou.

- Eu estou falando sério, é exatamente a mesma coisa, nem um centavo a mais ou a menos! - Taehyung fechou a mão
em punho, irritado.

Jungkook voltou a se sentar, pegando os dados e sacudindo na palma da mão.

- Vamos mais uma rodada, pra desempatar - o moreno disse.

Taehyung apenas concordou porque não deixaria ele ganhar.

❁❁❁

- Só desiste e vai dormir - Taehyung disse, observando a forma como os olhos de Jungkook estavam quase fechados.
Ele mesmo já estava sentindo o sono chegando com força, mas a maior questão ali era seu ombro, que estava
doendo tanto que ele sequer conseguia se mover sem gemer.

Por sorte, o moreno estava tão exausto que nem notava.

Jeon negou, depois de bocejar.

- Nem morto - retrucou ele.

- Eu tenho 10.000 wons a mais que você, se continuar com essa cisma de "mais uma rodada" nenhum de nós vai
dormir e temos que levar a Mi Sun na aula amanhã. - Taehyung esticou as costas, sentindo o músculo repuxar em seu
ombro e respirando fundo em seguida, mordendo a língua para evitar que qualquer som saísse de sua boca.

- Eu não estou cansado, mas você pode desistir se quiser. - Jungkook fechou levemente os olhos, apenas para
descansá-los por um segundo.

- Se eu desistir, terei vencido de qualquer forma - Kim replicou - Você é competitivo pra cacete.

- Não fala palavrão - Jungkook repreendeu, apoiando o cotovelo no próprio joelho e a cabeça na palma da mão.

- Ela está dormindo - Taehyung lembrou - E 'cacete' nem é palavrão.

- Claro, quer que a nossa filha saia falando 'cacete' por aí? Acho que você não ia gostar. - O moreno bocejou mais
uma vez, Taehyung espelhou seu gesto de forma quase imediata.

- Não diga 'nossa filha', fica estranho - Taehyung disse, se virando e deitando no chão apenas para se esticar.

- Foi mal. - Jungkook o imitou e se deitou no chão.

- Vai pra cama. - Taehyung olhou o teto, sentindo seus olhos pesarem. - Você deve ter cansado do que quer que
estivesse fazendo antes de vir pra casa.

- Está me perguntando implicitamente o que eu estava fazendo antes de vir pra casa? - Jungkook sorriu, o
provocando.
- Não me importo com o que você faz - Taehyung sussurrou, perdendo o controle sobre a própria voz que já começava
a ficar distante.

- Eu só fui encontrar um amigo - Jeon respondeu mesmo assim.

Amigo. Taehyung se lembrou de Mi Sun ter mencionado algo sobre Jungkook também gostar de meninos. Ele não era
estúpido, sabia exatamente o que era bissexualidade e como era comum, então não foi exatamente um choque.

- Ele não podia pelo menos ter te deixado usar o chuveiro dele pra se limpar, só essa semana eu limpei o banco do
motorista três vezes por causa do seu suor impregnado - Taehyung disse.

Jungkook não estava raciocinando direito, sua mente estava distante.

- Nós temos que pagar para usar os chuveiros, e eu sou mão de vaca - o moreno respondeu.

Taehyung franziu a testa.

- Que tipo de motel é esse? - ele perguntou, horrorizado.

Jungkook abriu os olhos subitamente, voltando a si com uma abrupta dose de entendimento.

- É uma academia e não é esse tipo de amigo, porra! É isso que você pensa de mim? - Ele olhou para o lado,
esperando encontrar o olhar de desprezo do loiro, mas tudo que viu foi Taehyung deitado, as mãos delicadamente
pousadas sobre o peito e os olhos fechados, mais parecendo a Branca de Neve. Era uma decepção que ele não
tivesse uma maçã envenenada entalada na garganta. - Ele é psicólogo.

- Se vendendo por terapia grátis, Jeon? - Taehyung provocou, um leve sorriso perverso brincando nos lábios porque
ele sabia que aquilo mexeria com o moreno.

Jungkook resolveu não dar o que ele queria, apenas fechou os olhos novamente e ficou na mesma posição que o
loiro.

- Na verdade ele estava bem interessado em conhecer você, me senti tentado a passar seu número - ele retrucou.

Taehyung fez uma careta, mas nem abriu os olhos.

- Não, obrigado, não jogo nesse time - replicou o loiro - Nada contra quem gosta, eu não sou preconceituoso antes que
você queira usar contra mim. Mas eu, especificamente, não gosto dessa fruta, se é que me entende.

- Já entendi - Jeon disse, rindo da forma como Taehyung se enrolou na explicação.

- Mas você gosta, certo? - o loiro sussurrava, ele não sentia tanto sono há dias.

- Está interessado? - Jungkook provocou.

Taehyung bufou.

- Vá se foder - retrucou Kim.

Jungkook riu.

- Sim. - O moreno percebeu que fazia um bom tempo que ele não mencionava aquele fato.

Seus últimos três relacionamentos tinham sido com mulheres e ele se lembrou de como tinha se irritado com alguns
amigos que tinham feito piadas dizendo que ele tinha sido convertido em heterossexual ou que tinha deixado de ser
confuso e finalmente decidido do que gostava.

- Você disse sim para o "vá se foder" ou para a pergunta? - Taehyung questionou.

- Vai dormir, Taehyung. - Foi a resposta de Jungkook. Apenas porque seus olhos pesaram demais e ele não
conseguiu mais vencer o sono.

Taehyung obedeceu, não porque foi Jungkook que deu a ordem, mas porque a voz irritante do moreno finalmente
acalmou seus pensamentos e aquele tic tac constante, e a mente cansada de Taehyung conseguiu descansar.

❁❁❁

Passos lentos e sorrateiros cruzaram o corredor. Mi Sun acordou de forma automática quando viu o sol clarear as
cortinas e percebeu que ninguém apareceu em seu quarto para acordá-la.

Depois de checar as horas e perceber que estava quase atrasada para a aula, ela decidiu se aventurar e descobrir o
motivo pelo qual nenhum de seus dois pais estava a apressando para se arrumar no horário.

E descobriu quando entrou na sala de estar.

O tabuleiro ainda estava da mesma forma, posto entre eles enquanto Taehyung se mantinha com as costas grudadas
no carpete e as mãos fechadas em torno das notas de dinheiro falso.

Jungkook estava deitado de lado, com o rosto apoiado sobre o próprio braço e segurando firme os dados na mão
fechada.

Mi Sun uniu os lábios em uma linha fina para impedir a risada de escapar. Ela cobriu a boca com a mão e continuou
olhando os dois. Não sabia que horas eles tinham caído no sono, mas não pode deixar de se sentir satisfeita.

Se eles brincaram juntos até tarde era porque estavam se tornando amigos. Se eles fossem amigos então ficariam
juntos e Mi Sun teria seu desejo realizado. Teria seus dois appas sem precisar escolher entre eles.

Notas finais: Na vida eu sou a Mi Sun, querendo o taekook juntinho na fic.

Jamais Vu
❝Estou bem, mas não estou bem
Eu disse pra mim mesmo que estou acostumado com isso
Mas estou machucado como se fosse a primeira vez❞
(Jamais Vu - BTS)

❁❁❁

Ele já tinha se acostumado com a rotina, o que era um ponto positivo naquela existência monótona e vazia. Nem eram
duas da tarde e já tinha terminado de lavar a roupa suja, reorganizado o próprio armário - constatando que precisava
fazer compras urgentemente - e assistido dois episódios de um sitcom enquanto dobrava as camisetas de Mi Sun.

Manter a mente e as mãos ocupadas tornava mais fácil expulsar aqueles pensamentos invasivos que o levavam
novamente a aquela falta de ar horrorosa.

A presença de Jimin o ajudou quando suas tarefas acabaram, e ele apenas desejava que seu amigo ficasse até que
Jungkook e Mi Sun voltassem para casa.

Estar sozinho era como se afundar em uma água densa e escura, onde sua única companhia era a mente cheia e
perturbada. Seus pensamentos altos, suas memórias mais dolorosas.

- Essa camiseta não é sua. - Jimin mencionou o fato enquanto girava a minúscula colher na xícara de chá, com muita
tranquilidade.
- Eu percebi que boa parte das roupas que eu tinha antes de ir para o exército não me servem mais - Taehyung
respondeu, puxando com irritação a larga camiseta preta com o rosto enorme do Pernalonga. Ele definitivamente se
questionou sobre a idade de Jungkook quando percebeu que absolutamente todas as suas camisetas remetiam algum
desenho animado dos anos 90. - As únicas que me servem estão na secadora.

- Se já estão dividindo as roupas é sinal que as coisas estão melhorando - Ji replicou, com uma faísca de esperança
na voz.

Na ausência de Taehyung, ele aprendeu a gostar da companhia de Jungkook. Não tinha motivos para se sentir mal
por ter mais de um amigo, mas no fundo, havia aquele pequeno peso na consciência, pois ele conhecia Taehyung e
sabia exatamente sobre seu instinto estranho e completamente insistente de sentir que estava sendo substituído o
tempo todo.

- Ainda é complicado - disse Kim, colocando a mão sobre o ombro em um ato que já estava se tornando rotineiro. -
Mas não discutimos há uns seis dias, isso é quase uma semana.

- Você está fazendo fisioterapia? - Ji perguntou.

- Todas as segundas e quartas-feiras. - Taehyung assentiu. - Veio aqui para monitorar minha adaptação ao mundo
real?

- Eu vim contar uma fofoca também. - Jimin sorriu por trás da xícara. Taehyung revirou os olhos, mas se inclinou mais
para a frente como se fosse algo secreto, apesar de os dois estarem sozinhos. - Minha irmã está namorando. E vai se
casar.

- Jennie? - Taehyung arregalou os olhos. - Jennie vai se casar? Ela que fez uma redação de cinco páginas falando
sobre como casamento era uma mera comemoração capitalista que incentiva as pessoas a se submeterem a um
relacionamento onde um documento determina que você é propriedade de alguém? Essa mesma Jennie?

- Ela aparentemente conheceu uma garota na faculdade e mudou de ideia, o mundo gira e você finalmente vai poder
esfregar isso na cara dela! - Ji falou e em seguida assentiu com os olhos bem abertos. - Isso mesmo, uma garota!
Jennie saiu do armário e anunciou o casamento no mesmo dia.

- O Jin deve estar tendo uma crise de nervos. - Taehyung fez uma careta, colocando os dois pés sobre a cadeira e
apoiando os braços nos joelhos.

Ji estalou a língua.

- Só uma queda brusca de pressão, mas ele ficou bem - respondeu.

- Eu pensei que ele não fosse do tipo conservador. - O loiro puxou uma das post-its que estava jogada sobre a mesa e
começou a dobrar.

- Ele não é, só que quando Jennie fez aquela redação ele jurou pelo túmulo dos nossos pais que se um dia ela
resolvesse se casar, ia pagar a festa inteira. - Jimin riu consigo mesmo e sacudiu a cabeça. - Agora Jennie vai precisar
sair do país para se casar e ele provavelmente já está sentindo o impacto na conta bancária.

- Vocês são donos de mais da metade de Busan, não fique agindo como se fosse grande coisa. - Taehyung sorriu.
Estava ansioso por encontrar Jennie, abraçá-la e começar seu discurso de vingança por ela ter dito a ele que estava
jogando sua vida fora quando decidiu se casar.

- Para o Jin cada centavo é grande coisa. - Jimin empurrou os cabelos para trás, pensando em passar no cabeleireiro
mais tarde para aparar as mechas que já estavam longas demais.

Taehyung terminou de dobrar, colocando o Tsuru sobre a pilha de cadernos no canto da mesa e ficou olhando a
dobradura. Ele suspirou e mais uma vez, seus pensamentos deslizaram para as memórias. O pássaro de papel que
era a única boa lembrança de sua infância.

- Taehyung - Ji chamou, em voz alta, o trazendo de volta ao presente. Taehyung piscou com força e olhou para o
amigo, que estava mais uma vez com aquele olhar de profunda preocupação, de quem estava prestes a começar um
sermão. - Acho que você devia falar com alguém.

- Estou falando com você, não estou? Mesmo que sejam poucas palavras, eu falo com Jungkook. Mi Sun. Vocês são
pessoas e são mais que suficientes. - Ele sorriu, esperando que fosse convincente suficiente para Jimin.

- Você sabe do que eu estou falando - seu amigo insistiu - Jiayu, Jungkook, a guerra, o bombardeio. Você não falou
sobre isso e eu conheço você, vai acabar explodindo e isso vai ser bem pior.

- Não tenho nada sobre o que falar. Eu deixei a guerra, o bombardeio passou, Jiayu morreu e Jungkook está aqui. É
simples. - Taehyung respirou fundo.

- Não é tão simples. - Jimin entendeu, pelo olhar de Taehyung e por sua cara fechada que era o momento de encerrar
o assunto e se calou.

Em alguns momentos ele sentia raiva, não de Taehyung em si, mas daquilo em que havia se tornado. Aquela pessoa
que parecia apenas uma casca vazia, que agia como se nada o chateasse ou importasse de fato. Os únicos
momentos em que viu qualquer fagulha de sentimento por trás daqueles olhos escurecidos, era quando falava sobre
Mi Sun ou sobre Jungkook. Obviamente repleto de amor ao falar da filha e com aquela chama raivosa ao se referir ao
colega de casa.

Ele olhou o relógio de parede e se levantou, deixando a xícara sobre a mesa ainda cheia pela metade.

- Droga, esqueci que prometi encontrar o Jin no apartamento da Jennie - Ji puxou o casaco que estava pendurado
delicadamente na cadeira.

Taehyung se levantou, ajeitando da melhor forma possível a camiseta larga e disposto a acompanhá-lo.

- Tente marcar um jantar, pode ser aqui mesmo - Taehyung disse, abraçando o próprio corpo e seguindo seu amigo
até a saída da frente. - Vai fazer um mês que voltei e ainda não vi Jennie ou o Jin.

- Eu te ligo, prometo que vou convencer os dois, isso se todos sobrevivermos ao primeiro jantar com a noiva da
Jennie. - Ji o abraçou de forma apressada e desajeitada e abriu a porta da frente, já colocando o casaco
completamente desajustado. - Me ligue se precisar de qualquer coisa e pense sobre a terapia.

Taehyung sorriu e acenou para ele, enquanto seu amigo cruzava o jardim e entrava no carro estacionado diante da
calçada. E apenas observou Ji se afastando e quando o viu sumir de vista, voltou para dentro e bateu a porta.

O loiro parou na sala, olhando em volta. Tudo estava limpo, organizado e em seu mais perfeito lugar. Vazio. Estava
tudo tão vazio e imóvel que era sufocante.

Demorou pouco mais de um segundo, para ele ouvir o relógio.

Engoliu seco e tentou respirar fundo, mas o ar parecia insuficiente, não passava até seus pulmões. Como quando
haviam toneladas de escombros sobre ele, quando tudo que ele conseguia ouvir era aquele mesmo som.

Sentiu uma fisgada no ombro.

Tic tac.

Tic tac.

Ele tinha contado. Haviam cerca de sete relógios de ponteiro espalhados pela casa e ele sabia a posição de cada um
deles, ele sabia onde estavam e era como se seus ouvidos conseguissem ouvir até o mais distante que estava no
quarto de Mi Sun.
Taehyung sentiu seu cérebro sacudindo na cabeça, a pulsação acelerada.

Ele ergueu os olhos. O relógio pendurado acima do sofá do canto. O ponteiro paralisado, sem um movimento sequer.
Aquele estava estragado pelo que Mi Sun havia comentado.

Mas havia outro por perto.

Na cozinha.

Seus pés se moveram por algum milagre, ele estava sufocando, não conseguia respirar e sentia que só conseguiria
quando calasse aquele som constante e irritante.

Taehyung entrou na cozinha, ofegante.

Ele olhou em volta e avistou a maldita peça, acima da mesa. Precisou subir na cadeira para conseguir alcançar, mas
puxou o relógio com tanta força que ouviu o som do encaixe de plástico quebrando.

Ele não se importou.

Desceu da cadeira cambaleando e virou o relógio, encontrando o lacre do local onde estavam as pilhas.

Suas mãos tremiam, ele não conseguia encontrar o encaixe, os dedos tateando desesperados em busca de uma
forma de abrir. O som parecia mais alto que nunca, se tornando insuportável, seus olhos começavam a ficar
embaçados e a falta de ar se tornava desesperadora.

Ele praguejou alto, olhando em volta, sem encontrar nada que o ajudasse a abrir.

Seus olhos pousaram na gaveta de cima e sua mente o lembrou das facas.

Ele abriu um sorriso breve com a ideia, cambaleando até o local e puxando a gaveta com toda a força, de forma que a
mesma se desprendeu e caiu no chão, com o som estrondoso de todos os talheres se espalhando pela cozinha.

Seus olhos caíram em uma das facas e ele a pegou com rapidez, voltando até a mesa e empurrando a faca contra as
fendas da tampa. Ele estava fora de si, empunhando com tanta força que simplesmente não conseguia pensar em
tomar cuidado.

E só se deu conta de que não era uma boa ideia, quando a faca escapou da fenda do relógio e atingiu o dorso de sua
mão com precisão.

Taehyung paralisou ao sentir o metal rasgando a pele, aquela dor aguda que ele já conhecia muito bem e que no
fundo não fez muito efeito. Ele olhou o corte, lentamente sendo tomado pelo tom vermelho escarlate, manchando a
pele e se acumulando a ponto de pingar sobre a mesa e no chão.

E ele não se moveu.

Não conseguia.

O som do relógio ainda estava em seus ouvidos, ele conseguiu sentir o cheiro do sangue e foi como se sua mente o
projetadas novamente para o meio daqueles escombros.

Taehyung continuou segurando a faca com força, tremendo e encarando a mão, estático.

Até ser arrancado daquele estado a força.

- Porra, Taehyung! - Jungkook gritou, tão alto e tão perto que fez com que o loiro estremecesse e soltasse a faca, que
tilintou no chão.

O olhar de Jungkook estava inquieto, sem saber ao certo em que se focar no meio daquilo tudo, se na bagunça
espalhada no chão da cozinha, a faca ou a mão de Taehyung sangrando.
Quando Jungkook lhe olhou nos olhos, Taehyung piscou depois de muito tempo com os olhos abertos, sentindo algo
quente pingar em sua bochecha e chegando a se assustar com aquilo.

- Você ficou louco? - Jeon puxou a mão dele com força, um movimento que gerou uma dor pior ainda no ombro e fez
Taehyung se encolher com uma careta.

Jungkook pensou que aquilo vinha da dor no corte e olhou o rosto dele com medo de ter sido bruto no aperto,
aliviando a pressão e murmurando um "perdão" logo em seguida.

- Que droga! O que você estava fazendo? - Jeon sentiu o sangue sujando as próprias mãos.

Taehyung finalmente pareceu ter caído em si e olhou atrás dele, em busca de algum par de olhos assustados, em
busca do olhar preocupado e apavorado de sua filha.

- Mi Sun... - Taehyung sussurrou com dificuldade, sentindo a voz falhar na garganta.

- Está na casa da Lisa e da Rosé, tínhamos combinado de deixar ela dormir lá hoje, esqueceu? - Jungkook chutou a
faca para baixo da mesa e olhou o relógio. A parte do encaixe de plástico estava completamente picotada, com os
arranhões da faca.

- Pode tirar as pilhas, por favor? - Taehyung disse, com mansidão. O moreno uniu as sobrancelhas com desespero e
olhou o rosto dele. Uma gota solitária estava manchando a bochecha, uma lágrima rebelde que se desprendeu. Os
olhos atordoados, parecendo completamente cheios de desespero e pavor estavam fixos no pobre relógio maltratado.

Mesmo sem entender, Jungkook abriu a tampa com uma facilidade invejável e puxou uma das pilhas, fazendo cessar
o som.

Sem esperar mais nada, o moreno segurou da forma mais leve possível o pulso de Taehyung e o arrastou consigo.
Kim sequer ligou para aquilo, se deixou ser levado sem nem notar para onde até que estivesse dentro do quarto de
Jungkook.

Jeon não disse nada, o puxou até o banheiro pequeno e empurrou Taehyung até que ele se sentasse sobre a tampa
da privada. Abriu o pequeno armário e puxou uma caixa de lá, deixando alguns frascos caírem na pia e sem parecer
ligar para isso.

Ele pegou uma quantia absurda de gaze e molhou um punhado.

O loiro observou, como Jungkook limpou o excesso de sangue que agora tinha as marcas das digitais dele em volta de
seu pulso. Nenhum deles disse nada, não havia som nenhum além do som da torneira sendo aberta quando Jungkook
limpava a gaze para retirar o excesso de sangue.

- Não vai precisar de pontos, por sorte não foi tão fundo - Jungkook disse de repente, as próprias mãos ainda estavam
manchadas com o sangue de Taehyung. Ele ergueu a cabeça, esperando encontrar Taehyung encarando o nada,
imerso naquele mundo para onde ia todas as vezes que ficava em silêncio.

Mas os olhos tristes e escuros estavam fixos nele.

Jungkook então, parou para pensar sobre o que podia ter acontecido. Tinha que haver um motivo, uma explicação por
trás daquele acidente tão repentino e sem sentido.

- O que aconteceu, Taehyung? - Não foi uma exigência, apenas uma pergunta muito objetiva e que deveria ser
respondida.

Taehyung engoliu seco.

Ele pensou que fosse ouvir a frase de sempre, aquela que Taehyung repetia pelo menos umas quinze vezes por dia:
não é da sua conta.
Estava se preparando para rebater.

- Quando a bomba atingiu o meu pelotão, - A voz dele era baixa, rouca e quase inexistente. - eu fiquei preso entre uma
pilastra e o chão. Foi por pouco que não fui completamente esmagado como os outros.

Ele engoliu seco, fechando os olhos e provavelmente buscando forças para terminar. Não porque queria falar sobre
aquilo, não porque precisava desabafar, mas pelo infeliz pensamento de achar que devia uma explicação a Jungkook
pelo que ele presenciou.

- Tinha um relógio. Não sei dizer exatamente onde, mas estava muito perto do meu ouvido e era tudo que eu
conseguia ouvir. - Taehyung olhou a própria mão, presa entre as duas mãos de Jungkook, com uma gaze sendo
pressionada de forma gentil contra o corte. - Eu fiquei preso lá por quinze horas, até que alguém conseguisse me
encontrar. Se tivessem demorado um pouco mais eu nem teria sobrevivido.

Jungkook pousou os joelhos contra o piso frio do banheiro, depois de cansar as pernas por ficar abaixado tanto tempo.

- Cada segundo que passava eu estava ouvindo. Cada maldito segundo, minuto e hora em que eu só conseguia
implorar a qualquer um capaz de me ouvir que eu sobrevivesse para voltar para casa. - Taehyung abaixou o olhar e
sorriu de forma amarga. - Eu não sei se sobrevivi de verdade.

Jungkook não respondeu. Ele ficou sua atenção em fazer um curativo, envolver todo o corte de forma confortável e
que ficasse coberto depois de limpar tudo com soro e garantir que estava higienizado.

Passou-se um bom tempo.

Ele fez com calma, aproveitando o silêncio para organizar os pensamentos.

- Você deveria buscar ajuda - o moreno disse, enrolando a mão de Taehyung com a faixa. Kim não respondeu e ele
resolveu completar: - de um psicólogo.

- Foi só um acidente, não vai se repetir - Taehyung replicou.

- Pode acontecer coisa pior. Não brinque com esse tipo de coisa, Taehyung, não é algo banal, não é fraqueza. Sua
mente está doente e você precisa cuidar disso antes que se torne irreversível! - Jungkook falava com firmeza, apesar
de sua mão trabalhar com delicadeza. - Não quero que algo pior aconteça.

- Mi Sun não viu, eu disse que não vai se repetir - o loiro retrucou.

- Não estou falando dela, estou falando de você! - Jungkook olhou para ele, com um tom de repreensão. - Esqueça ela
por um segundo. Pense em si mesmo, como pretende cuidar da sua filha se nem se importa em cuidar do próprio bem
estar?

- Não tem nada a ver - Taehyung resmungou.

- Tem tudo a ver! - Jungkook soltou a mão dele depois de terminar, permanecendo de joelhos no chão e olhando para
ele. - Eu entendo que você me odeie e queira distância, mas eu estou aqui agora e vou continuar, você querendo ou
não. E estando aqui a última coisa que eu quero é ter que chegar em casa e ver você machucado por teimosia.

Taehyung não disse nada.

- Apenas prometa que vai tentar - Jungkook pediu.

Taehyung olhou a própria mão enfaixada. Estava latejando, mas a dor não era tão intensa. Olhando daquele ângulo,
ele percebeu quão desesperador tinha sido. Ele não conseguiu pensar em nada, sequer parou para raciocinar que se
tivesse usado a unha, teria conseguido abrir a tampa e retirar as pilhas do relógio muito mais rápido.

Mas sua mente ficou vazia.


Perigosamente vazia.

E ele odiava admitir, mas Jungkook tinha razão.

- Eu vou procurar alguém amanhã. - Taehyung assentiu, passando a mão livre no rosto. - Dou minha palavra.

Jungkook se levantou do chão. As mãos ainda estavam sujas de sangue que já estava ficando seco contra a pele.

- Tente deitar um pouco, eu vou... - O moreno se calou ao perceber que não tinha a menor noção do que ia fazer. Sua
cabeça ficou tão atordoada que ele não conseguiu pensar em uma tarefa específica. - Vou fazer alguma coisa.

Ele saiu. Taehyung continuou ali sentado, observando pela porta do banheiro enquanto Jungkook atravessava o
quarto. O moreno estava quase na porta quando parou, parecendo lembrar de algo e voltou alguns passos até a mesa
de cabeceira.

Pegou o pequeno relógio redondinho e colorido e tirou as pilhas, abrindo a gaveta e o jogando lá dentro sem
delicadeza.

❁❁❁

Mi Sun amava a casa de seus amigos por um motivo bem simples e muito convincente: havia mais mulheres do que
homens e isso podia ser muito divertido em alguns momentos.

Claro que se alguém perguntasse, ela escolheria seus dois pais sem nem precisar pensar sobre o assunto.

Mas ela simplesmente não resistia a tentação de estar com alguém que entendia o terrível fardo de ser mulher.

- Sério? Ele nem pagou seu lanche? - Rosé sempre se mostrava muito entusiasmada e interessada no que ela dizia, o
que a tornava sua preferida, mesmo que ainda amasse Lisa com todo o coração.

- Ele disse que queria namorar comigo, mas eu disse que ele precisava aprender a amarrar os cadarços primeiro. - Mi
Sun mantinha seus olhos de águia fixos nas mãos ágeis e na forma precisa com que Rose passava o esmalte azul em
suas unhas minúsculas. - Você não acha que ficaria estranho se meu namorado precisasse pedir para mim amarrar os
cadarços dele?

- Você tem razão, seria frustrante - Rosé respondeu, com um sorriso no canto dos lábios.

- Diga a omma o que ele quis fazer, Mi Sun! Diga a ela! - Lia incentivou a amiga, ainda brincando de sacudir o
pequeno potinho com estrelinhas para vê-las se movendo de um lado a outro no frasco transparente.

- Ele quis me beijar! - Mi Sun sussurrou, horrorizada. - Na minha boca! Se meu appa visse, eu ficaria de castigo por
anos!

Rosé abriu bem os olhos e olhou para as duas, com espanto, as duas pequenas cabeças se movendo para cima e
para baixo confirmando o que ela tinha acabado de ouvir.

Era divertido. Hilário na verdade, ouvir aquelas duas pequenas criaturas conversando com ela como se fossem adultas
cheias de assuntos importantíssimos para tratar. Rosé nunca se cansava.

- Céus, isso é ultrajante! - A mulher jogou os cabelos de um tom loiro acobreado por cima do ombro. - E o que você
fez?

- Eu disse que era nova demais para isso. Não quero bebês, muito obrigada! - Mi Sun ergueu o nariz com muita
pompa.

- Você sabia, omma? Que quando os meninos nos beijam nós temos bebês na barriga? - Lia perguntou, com os olhos
bem abertos.

- Por isso, acho que seria prudente se manterem longe deles até os trinta anos. Das garotas também. - Lisa adentrou
a sala de jantar, que tinha se tornado um pequeno salão de beleza, com uma tigela de pipocas nas mãos, enquanto
Hyunki veio logo em seguida segurando uma tigela menor. - Mi Sun, seu pai pediu para você gravar uma mensagem
de boa noite para o seu outro pai.

Mi Sun franziu a testa.

- Especifique, Lisa! - Rosé repreendeu, dedicando o máximo de atenção possível para a unha quase inexistente do
dedo mindinho.

- Jungkook pediu para você enviar uma mensagem para o Taehyung. Já que não chegou a ir para casa, pode pegar o
celular da omma Rosé para ela, Hyunki? - Lisa disse em alto e bom tom. Ela olhou para a esposa com aquele típico
arquear de sobrancelha que significava "me encontre na cozinha". Rosé franziu a testa, mas fechou o esmalte e
colocou sobre a mesa no mesmo instante.

- Guardem isso e vão para a sala que já vamos assistir o filme - Rosé disse para as crianças, que já estavam
ocupadas tagarelando entre si.

Ao passar pela porta da cozinha, seguindo a esposa, Rosé cruzou os braços com seu olhar típico de "que desgraça
aconteceu agora?". Seus pelos da nuca chegavam a ficar eriçados só se imaginar todos os cenários possíveis.

Havia sido aquele mesmo olhar no rosto de Lisa quando Jungkook ligou para pedir que elas mantivessem Mi Sun ali
até o fim do dia seguinte porque Jiayu tinha morrido naquele acidente de trem.

- Jungkook me ligou - Lisa sussurrou - Aparentemente o Taehyung passou mal, ele pediu para levarmos a Mi Sun na
aula amanhã e deixar ela em casa depois. Jungkook não vai trabalhar porque vai ficar em casa com o Taehyung.

- O que aconteceu com ele? - Rosé perguntou.

- Jungkook estava nervoso, estou preocupada - Lisa espiou pela porta da cozinha, as crianças gargalhadas na sala e
provavelmente estavam distraídas o suficiente para ela não ter que se preocupar. - Pensei em dirigir até lá para ver o
que aconteceu.

- Se fosse algo grave, Jungkook teria dito, você aparecer lá pode acabar tornando as coisas mais alarmantes do que
devem ser - Rosé protestou - Amanhã nós conversamos com ele quando formos deixar a Mi Sun em casa.

A morena se apoiou no balcão.

- Quer saber o que ele disse? - ela disse - "Eu acho que Taehyung não me odeia, odeia a si mesmo e isso é bem pior
do que a primeira opção".

❁❁❁

- Appa, você precisa dormir bem. Coma aquele bombom que eu guardei, eu não vou me zangar, mas dívida com appa
Ggukie! - A voz serena e um pouco contida soou como música para seus ouvidos. - Prometo que amanhã vou te dar
beijos em dobro para compensar os que não pude dar hoje. Ou peça ao appa Ggukie para dar por mim! E... oh,
esqueci o que ia dizer...

Taehyung sorriu para o celular.

- Sonhe com o cupido! - Uma voz ecoou longínqua e distante, um grito apressado.

- Hyunki! Fique quieto! - Mi Sun retrucou para o garoto. - Sonhe com aquele mar de estrelas bonitas, appa Tae! Boa
noite!

O áudio findou, Taehyung colocou o celular de Jungkook de lado e se encolheu mais na cama. Ele definitivamente se
sentia melhor. Sua mão ainda doía de forma moderada, mas ele se sentia mais calmo.

Não tinha ouvido mais um relógio sequer e acreditava que conseguiria dormir devido a exaustão.
Eram coisas boas.

Ele olhou na direção da porta assim que viu Jungkook passar por ela com o suporte de madeira que equilibrava duas
tigelas fumegantes. O cheiro delicioso pairou no ar e o fez salivar.

- Eu acho que nenhum estômago vai aguentar qualquer coisa forte, então fiz uma sopa. - O moreno explicou,
colocando o suporte sobre a cama diante de Taehyung, que continuou com as pernas cruzadas, os olhos fixos na
tigela tentadora.

- Obrigado - Taehyung disse, pegando a colher na mão.

Jungkook pegou a própria tigela nas mãos, com uma careta ao sentir o calor. Taehyung o olhou de imediato e bateu
na plataforma de madeira.

- Deixe aqui, vai queimar os dedos - repreendeu. Jungkook obedeceu apenas porque seus dedos estavam clamando
por socorro.

- Eu vou deixar você aqui e ir comer no meu quarto, só preciso esperar esfriar um pouco - Jeon disse, se sentando na
beirada da cama.

Taehyung enfiou uma colher cheia na boca. Foi o paraíso. Não sabia ao certo dizer se era sua fome ou se aquela era
a melhor sopa que já tinha provado na vida, mas estava definitivamente no céu com aquilo.

- Você gostou? - Jungkook perguntou.

- Está aceitável - Taehyung respondeu, colocando mais na boca.

Jungkook revirou os olhos, mas sorriu.

Taehyung o olhou por um momento. Seus olhos vasculhando as mãos dele e percebendo que não havia mais
qualquer sinal de seu sangue. Ele se deixou observar com atenção as tatuagens que subiam pelo braço dele,
desenhos aleatórios, dizeres aleatórios e figuras aleatórias.

Mesmo sendo uma completa bagunça, era um padrão bonito.

Jungkook percebeu o olhar dele e passou a mão pelo braço, constrangido. Ele não sabia exatamente o que se
passava na mente de Taehyung por ver tudo aquilo em sua pele. Sabia que a Coréia ainda era um tanto fechada para
esse tipo de coisa e definitivamente Taehyung parecia ser um cara das antigas.

- O que está escrito aqui? - O loiro apontou com a colher a escrita cruzada. Ele voltou a comer, despreocupado. - Eu
costumava faltar as aulas de inglês.

Jungkook tentou não ficar surpreso com o fato de que de todos aqueles desenhos chamativos, as letras de outro
idioma fossem lhe chamar mais atenção.

- "Prefiro estar morto do que viver sem paixão" - Jeon respondeu, passando o dedo pelas linhas.

Taehyung respirou fundo. Pensou por alguns segundos sobre o que aquilo podia significar, de uma forma mais
profunda e filosófica, mas sua mente era fraca quando se tratava de buscar significados nas coisas.

Então ele apenas assentiu.

- Profundo - respondeu.

Jungkook ficou em silêncio, decidindo comer já que Taehyung não parecia ter repudiado sua presença ainda.

Kim ficou em silêncio por um bom tempo. Ele tentou ouvir alguma coisa, mas o único som que havia eram as colheres
batendo na porcelana da tigela.
E seus pensamentos.

Ele olhou para o moreno.

- Você ainda pensa muito nela? - perguntou Taehyung.

Jungkook parou com a colher a caminho da boca.

Jiayu.

Ele pensava, pelo menos nos primeiros meses, de forma incessante, dolorosa e doentia. Não havia um minuto do dia
sequer, sem que ele sentisse cada célula de seu corpo doer com a falta dela.

Ele a amava e doía, doía porque além de partir, ele sabia que ela não tinha o amado da mesma forma. Não com a
mesma intensidade, não com a mesma paixão com que ele a adorava.

Pois o coração dela pertencia a Taehyung. Sempre foi assim e seria pelo resto da eternidade.

Então com o tempo, aqueles pensamentos que ocupavam seu dia todo se tornaram menos frequentes. Já começava a
ter intervalos maiores entre suas crises de choro.

Aos poucos, Jiayu se tornou uma boa lembrança ao invés de ser um pensamento torturante.

Então ele pensava nela, obviamente. Mas era menos do que antes.

- Sim - respondeu - Não tanto, mas obviamente eu penso nela.

- Você ainda a ama? - Taehyung perguntou.

- Amamos os vivos, Taehyung. E amamos as memórias daqueles que partiram - Jeon soltou a colher na tigela. - Amar
aqueles que não estão mais aqui é como condenar o coração a uma dor eterna.

- Podemos amar quem já partiu - Kim discordou.

- Querendo ou não, o ser humano é uma criatura do presente. Não conseguimos amar quem ainda não conhecemos e
não podemos amar quem já não temos - Jungkook disse - Nosso coração foi feito para se agarrar ao que temos, e o
que eu tenho da Jiayu são memórias. Lindas memórias e eu amo ela, amo cada imagem que tenho aqui dentro. Mas
não posso deixar que ela se torne uma corrente que vai me manter no passado. E isso também serve para você.

Taehyung voltou sua atenção à tigela. Ele entendia o que Jungkook queria dizer, mas não concordava. Talvez o
moreno ainda fosse jovem e ingênuo, talvez jamais fosse entender o que se passava com Taehyung.

Tudo que Taehyung amou na vida, com exceção de Mi Sun, estava no passado. Perdido em memórias distantes e ele
pensou que, se deixasse Jiayu para trás, não sobraria nada para amar.

Ele ainda a amava, e acreditava que aquele tipo de amor era algo que só acontecia uma vez na vida. Ele tinha tido o
seu, então não havia sobrado ninguém para ele no mundo, ninguém que fosse fazê-lo sentir daquela forma de novo.

Taehyung sequer se lembrava da sensação daquele tipo de amor, as coisa que seu eu mais jovem sentiu quando se
apaixonou por Song Jiayu e já nem saberia reconhecer aquilo se batesse novamente na porta de seu coração.

Por isso ele preferia manter a porta bem trancada.

- Toc toc. - Jungkook bateu na madeira do suporte e sorriu quando viu Taehyung pular de susto ao ouvir sua voz
depois de tanto tempo em silêncio. O pavor que inundou os olhos do loiro foi engraçado. - Terra chamando Kim
Taehyung, sua comida vai esfriar se você só ficar olhando para ela.

Taehyung não disse nada, só voltou a comer. Jungkook o observou, como um adulto que fica monitorando para ver se
a criança está comendo todos os legumes. Taehyung estava ali há pouco tempo, mas já tinha recuperado parte do
peso perdido e era reconfortante ver que seu corpo estava ganhando forma novamente. Mesmo assim, a camiseta
ainda ficava enorme nele.

Jeon sorriu.

Talvez Sana e Jaeyun tivessem razão. Talvez ele pudesse ajudar Taehyung. E talvez ele quisesse isso.

Pela forma desesperada que a batida constante e baixa ecoou na madeira da porta, a mulher soube antes mesmo de
abrir de quem se tratava. Ela pensou em apenas ignorar e voltar ao que estava fazendo, que consistia em assistir
vídeos de crianças de treze anos jogando Fortnite até cair no sono, mas sabia que seria uma péssima amiga se
fizesse isso e sua consciência falou mais alto.

Mas ela não era obrigada a exibir um sorriso para o homem que estava lhe perturbando às duas da madrugada. Por
isso apenas o olhou da forma mais mortal possível, segurando a coleira do Golden Retriever enquanto ele latia
loucamente.

- Deu merda, Sana! Uma merda muito grande! - Foram as primeiras palavras de Jimin. Ele não ligou se ela o estava
encarando como se ele tivesse matado seu cachorrinho de estimação, a primeira coisa que seu olhar captou foi a
camiseta de uma de suas bandas preferidas. Ele apontou com um olhar desconfiado. - Eu tinha uma camiseta igual a
essa.

O cão o cheirou, já diminuindo seus latidos e sacudindo o rabo na esperança de receber um afago.

- Bela escolha de palavras, você tinha - Sana retrucou, se apoiando no batente da porta e o olhando dos pés à
cabeça. - Você sabe que horas são?

- É, eu tentei falar com o Taehyung e o Jungkook, mas nenhum deles atendeu o telefone e o portão estava trancado.
Não queria que os vizinhos me confundissem com um ladrão pulando a cerca, o que faz de você a minha única amiga
disponível - disse ele, já passando pela porta e entrando no apartamento pequeno da professora. Sana era do tipo de
pessoa que lhe dava agonia na forma como de organização, ou melhor dizendo, a falta dela.

Ele fez uma careta para a pilha de roupas dentro de um cesto no canto do sofá. Pareciam ter vindo da lavanderia, mas
ele não entendia como alguém conseguia não simplesmente dobrar e guardar.

O cão, o seguiu pela casa até desistir de tentar chamar a atenção e decidir que voltar a dormir era sua melhor
alternativa, por isso se direcionou de até a grande cama azul personalizada com desenhos de ossinhos.

Sana respirou fundo, juntando paciência do fundo da alma e fechando a porta, depois de olhar no corredor e garantir
que ninguém tinha visto ele entrar.

Havia uma coisa que a fazia ela revirar os olhos apenas de pensar: o fato de seus vizinhos espalharem por todos os
lugares que ela era uma vadia pelo simples fato de a grande maioria de seus amigos serem homens.

Ter homens entrando e saindo de seu apartamento, segundo a Sra. Kim do apartamento dezoito, a desqualificava
totalmente como funcionária da rede de ensino infantil.

E absolutamente ninguém se importava em saber que todos os homens que iam até ali queria apenas chorar em suas
almofadas.

- Você vai dizer o que aconteceu ou eu vou ter que usar meus poderes de clarividência para descobrir? - falou Sana,
se sentando no sofá oposto ao que Jimin se sentou. Ele respirou fundo, olhando com total reprovação para o cesto de
roupas ao seu lado. Ela estalou a língua. - É roupa limpa, só fiquei com preguiça de dobrar.

Ele tomou fôlego, pegando uma camiseta da pilha e apoiando sobre as pernas para dobrar de seu jeito perfeccionista.

- Fizemos um jantar hoje para conhecer a noiva da Jennie. - Ele mantinha total controle sobre o tom de voz, para não
transparecer seu desespero. - Estava tudo indo bem. Jin cozinhou, eu trouxe vinho, era para ser um perfeito momento
em família.

- Ontem. - Sana corrigiu, raspando o esmalte gasto das unhas. Jimin olhou para ela em reprovação por ter sido
interrompido. - Já passou da meia noite, então já é outro dia.

- Para mim o dia começa só depois que eu durmo e acordo, então pode me deixar terminar? - O homem ergueu a
sobrancelha, colocando a camiseta de lado e pegando outra. Sana apontou para ele, indicando que deveria continuar.
- Até que Jennie chegou com a noiva dela...

A pausa dramática. Sana já estava acostumada com ela, mas não deixava de se irritar quando Jimin parava na
metade e esperava que ela olhasse em seus olhos para dizer a parte impactante.

- A noiva da minha irmã é a Jisoo - ele disse.

Sana arregalou os olhos de forma gradativa. Sua boca se abriu da forma mais perfeita e ela não conseguiu encontrar
palavras. Até assentiu, garantindo que ela não tinha ouvido errado.

- Então a noiva da sua irmã mais nova... - Sana ergueu uma mão aberta como se estivesse criando um mapa mental. -
É a sua ex que sumiu do mapa e nunca nem te mandou a merda?

Ji assentiu.

- E o que você fez? Digo, deve ter ficado o maior climão! - Ela se arrastou no sofá até a ponta que ficava mais perto de
onde Ji estava, com muito interesse no resto da fofoca.

- Eu vi ela entrando pela porta e corri para o banheiro. Depois eu pulei a janela e mandei uma mensagem pro Jin
dizendo que me senti mal e precisei ir embora - respondeu ele, pegando um cropped na cesta de roupas e tentando
descobrir como dobrar aquilo. Sana provavelmente enrolava e jogava dentro do armário.

- Você pulou a janela do banheiro? Mas o Jin mora no décimo andar! - Sana arregalou os olhos.

- Eu me joguei na varanda do vizinho debaixo, o que foi difícil de explicar, mas no fim deu tudo certo e eu não acabei
preso por invasão domiciliar e também não tive uma morte dolorosa - respondeu ele.

- Você não pode simplesmente fugir para sempre, ela vai se casar com a sua irmã. - A mulher se deitou de bruços no
sofá, apoiando os braços e a cabeça no braço do móvel e olhando direto para ele.

- Eu sei - resmungou Ji.

- Cara, você tá bem fudido. - disse Sana.

- Obrigado pelo apoio, Sana - Ji disse, entredentes.

❁❁❁

Kim Taehyung. Seu nome não foi uma escolha especial, não tinha sido algo decidido por uma mãe ansiosa por ter o
bebê em seus braços. Ele perguntou-se durante muito tempo quem tinha escolhido seu nome.

Quem olhou a criança pequena e sozinha e decidiu que Taehyung combinava com ele. Se escolheram seu nome por
alguma razão específica ou se havia sido um jogo de sorte, algo decidido apenas pela necessidade de lhe dar uma
identidade.

Ele pensou sobre isso por um tempo. Como qualquer criança no lugar onde ele cresceu, as perguntas sobre família
biológica eram muito frequentes e ele não podia evitar se questionar sobre sua progenitora.

E ele preferia nunca ter descoberto as circunstâncias de seu nascimento. Talvez sua existência seria menos
insuportável.
Ele pressionou o botão, fazendo com que o vidro do carro descesse até a altura que considerou suficiente. A brisa
fresca da manhã bateu em seu rosto e ele continuou com seus olhos fixos nas coisas que passavam diante deles com
velocidade. Um borrão.

- Você vai gostar do Jaeyun. Ele é um bom profissional e é um cara legal, conversar com ele vai ser fácil. - Jungkook
quebrou o silêncio que reinava entre eles desde a noite anterior. Falar sobre Jiayu foi como erguer novamente aquela
muralha de gelo que os dois pensaram que estavam conseguindo atravessar.

Taehyung o olhou de relance. O óculos de sol refletindo a luz forte que o sol alto já mandava sobre o mundo. Mais
uma vez, Taehyung olhou em direção ao braço dele. Não lhe causava desconforto a pele tatuada, mas fascínio.

Em um país onde tatuagens eram algo um tanto mal visto, ver alguém com coragem de exibi-las de forma tão natural
parecia ousadia demais.

O loiro sempre esteve em sua zona de conforto. Preso em um pequeno quadrado perfeito onde as coisas eram fáceis.

Homem hétero, pai, soldado. Um homem comum, simples e que não precisava lidar com as opiniões das pessoas pelo
simples fato de que ele não chamava a atenção de ninguém. Era monótono e sem graça.

Já aquele moleque, parecia ir contra absolutamente tudo que a sociedade considerava normal e monótono.
Tatuagens, piercings, "jogar nos dois times" e dar aulas para crianças era basicamente a receita para o infarto de uma
família conservadora.

- Você não vai se atrasar? - Kim perguntou, desviando o olhar e encarando o carro vermelho que estava diante deles,
devagar suficiente para atrasá-los, mas Jungkook não parecia fazer questão de ultrapassá-lo.

- Vou faltar hoje. - Jeon se inclinou para a frente, mordendo o lábio e analisando a pista para descobrir se podia ou não
ultrapassar.

Taehyung franziu a testa.

- Você pode simplesmente faltar? - O loiro abriu o porta luvas, apenas para se distrair. Não encontrou muita coisa,
nada interessante na verdade. Envelopes de contas de luz e água, um CD, que o fez questionar que tipo de pessoa
em pleno século XXI ainda usava CD.

Um batom. Da marca favorita de Jiayu.

Ele engoliu seco, tentando ignorar aquela pecinha insignificante. Em seguida estendeu a mão enfaixada para revirar o
que tinha ali, em busca de algo que pudesse lhe interessar.

- Não, na verdade. - Jungkook olhou pelo espelho retrovisor e decidiu ultrapassar, o que Taehyung comemorou
mentalmente como uma grande vitória. - Mas eu sou o melhor professor daquela escola, eles não vão me demitir por
faltar um dia.

- Você pode me deixar no ponto de ônibus, eu consigo encontrar o endereço do consultório sozinho e assim você não
se prejudica - Taehyung replicou, encontrando um uma folha de caderno dobrada e puxando para ver o que era.

Jungkook negou.

- Preciso estabelecer algumas regras com Jaeyun antes de você se tornar paciente dele - o moreno disse.

- Como o quê? - Taehyung tocou toda sua concentração no que encontrou dentro da folha com linhas cor de rosa. O
desenho era muito bom, se considerasse a idade de Mi Sun, mas havia algo nela que fazia com que suas pequenas
mãos conseguissem ser boas com qualquer coisa. Piano, desenhos, origami.

Ele sorriu.

- Como ele não tentar levar isso para o lado não profissional - Jungkook torceu o nariz em uma careta, fazendo a
curva. - Não que ele seja um tarado que fica assediando os pacientes, mas ele é um cara bem carismático, ele flerta
até com uma porta. É natural.

Taehyung desviou o olhar da folha de papel e olhou para Jungkook.

- Ele já flertou com você? - perguntou o loiro, voltando a tentar entender as formas do desenho de Mi Sun.

- Já. - Jungkook parou no semáforo. - Ele ainda flerta de vez em quando, mas eu finjo que não noto.

- Ele é bonito? - Taehyung questionou.

- Por que você quer saber? - Jungkook o olhou, de cima abaixo, uma análise minuciosa das expressões, concluindo
que Taehyung não estava nem um pouco focado no diálogo e sim no desenho. Kim deu de ombros, indiferente.

Taehyung dobrou o papel cuidadosamente e colocou de volta no porta luvas, puxando o CD por mera curiosidade,
para ler os títulos das músicas listadas no verso.

- Se ele faz o seu tipo você não tem motivos para ficar rejeitando o cara. Não foi você quem fez todo aquele discurso
sobre seguir em frente e amar os vivos? - Taehyung franziu a testa, coçando a têmpora com o dedo indicador,
concentrado e tentando se lembrar da melodia daquelas músicas.

Jungkook riu. Era definitivamente surpreendente a forma como absolutamente qualquer coisa que ele dissesse voltaria
para lhe assombrar nos lábios de Taehyung, e sempre de uma forma totalmente natural.

- Ele não faz o meu tipo. Não tente dar uma de Mi Sun, já me basta ela querendo me arrumar alguém. - Jeon entrou no
estacionamento, o carro desceu para o subsolo do prédio antes que Taehyung pudesse ver de fato onde estava.

Quando desligou o motor, Jungkook não se moveu. Taehyung também não fez menção alguma de sair dali, o que foi
um pouco estranho. Os dois permaneceram calados, olhando a parede de concreto diante de seus olhos.

Podiam ouvir o som das engrenagens do elevador ao longe, ecoando no estacionamento quase vazio.

Taehyung uniu os lábios em uma linha fina, lutando com as palavras que sua mente queria levar até a língua.

- Obrigado. - Seu sussurro foi baixo, mas convicto. Ele nunca teve problema com "obrigado", "me desculpe" e "eu
estava errado". Se sentia orgulhoso de conseguir admitir quando dizia ou fazia algo errado e jamais deixaria de
agradecer se alguém lhe fizesse bem, independente de quem fosse. Jungkook o olhou, um pouco confuso. - Por ter
feito aquilo ontem. Você não tinha obrigação de cuidar do meu ferimento ou cozinhar pra mim, mas fez mesmo assim,
então, obrigado.

Jungkook voltou a encarar a parede. Ele ajeitou a postura no banco e soltou o volante para apoiar as mãos nas
próprias coxas.

- Tem uma brincadeira que eu costumo fazer com os meus alunos quando tem alguma desavença entre eles - disse o
moreno, com um sorriso sapeca brincando nos lábios. Taehyung captou no mesmo instante que aquilo não o
agradaria nem um pouco.

- Está nos comparando com crianças de seis anos? - Taehyung ergueu uma sobrancelha. Jungkook apenas o ignorou.

- Todos os dias você anota algo bom que eu tenha feito ou dito e eu faço o mesmo - disse o moreno. Taehyung fez
uma careta. - Não faz essa cara, pode nos ajudar a melhorar nossa convivência. Só tenta.

Taehyung encheu as bochechas de ar e soltou logo em seguida. Jogou a cabeça de um lado para outro, ponderando a
ideia. Parecia idiota, mas olhando de relance o sorriso ansioso de Jungkook, sentiu que seria um monstro se negasse.

- Tá bom - respondeu, com relutância. - Mas não crie muita expectativa.

Dito isso, Taehyung abriu a porta e desceu do carro. Jungkook sorriu satisfeito e o seguiu.
❁❁❁

Ele nunca tinha feito terapia, portanto se tornava um pouco difícil saber ao certo o que devia fazer ou dizer, o que o
levou a ficar um bom tempo em completo silêncio, enquanto o psicólogo parecia analisar cada movimento seu.

Taehyung olhou com um pouco de vergonha para o relógio desligado que estava sobre a pequena mesa que havia
entre eles.

Jungkook tinha passado cerca de cinco minutos conversando sozinho com Jaeyun antes que ele entrasse, o que ele
começava a pensar que talvez tivesse sido apenas uma inspeção para se livrar de qualquer coisa que pudesse emitir
um som repetitivo semelhante ao relógio.

O loiro suspirou e assentiu, com um sorriso amarelo, batendo a mão no próprio joelho.

- Você sente desconforto com sons repetitivos, Taehyung? - Jaeyun perguntou. Uma pergunta retórica, Taehyung
supôs. Jungkook com certeza tinha lhe informado sobre o incidente da noite anterior. Kim assentiu devagar. - Quer
falar sobre isso?

Taehyung negou. Nem sabia qual instinto insano o levou a contar aquilo a Jungkook na noite anterior, mas ele
definitivamente não queria falar sobre aquilo com ninguém. Pelo menos não ainda.

Jaeyun assentiu.

- Então por que não se apresenta? Podemos nos conhecer melhor para você se sentir mais confortável. Não pense
nisso como uma consulta médica, pense como uma descarga de tudo que está te deixando confuso aqui dentro. - O
homem bateu com a caneta na lateral da própria cabeça para enfatizar, fazendo um click que colocou para fora a
ponta esférica da caneta e a abaixando em direção ao bloco de notas. - Pode falar sobre o que quiser.

- Eu só estou aqui porque o Jungkook pediu. - Taehyung pressionou os lábios assim que a frase deixou sua boca.

- Acha que deve algo a ele? Ou você se sentiu culpado pelo que ele presenciou? - Jaeyun indagou.

- A segunda opção - disse o loiro - E eu tenho medo que aconteça de novo quando Mi Sun estiver em casa.

Jaeyun assentiu.

- Você está tentando isso porque quer melhorar ou é pela Mi Sun? - perguntou o doutor.

Taehyung olhou as próprias mãos. Uma delas ainda estava enfaixada, ainda latejava por baixo daquele curativo. A dor
o lembrando do corte que por sorte foi algo superficial. Preferia nem pensar no que poderia ter acontecido se
Jungkook não estivesse lá.

- Pela Mi Sun. - Taehyung confessou. - É só por ela que eu não implorei para morrer naquele bombardeio.

Era difícil admitir aquele tipo de coisa. Ele não era um suicida, apenas acreditava que sua existência não fazia a menor
diferença. Exceto para ela. Seu pequeno raio de sol, a única criatura em todo o universo que fazia valer a pena toda
aquela dor.

Taehyung não deveria ter nascido. Ele sabia disso. Mas aconteceu, no fim das contas. Ele estava ali e aquele era seu
propósito. Ele precisava existir para que Mi Sun existisse e isso era tudo.

E era infernal conviver com aquele sentimento.

- Acha que não merece viver ou isso é um fardo? - Jaeyun perguntou.

Taehyung olhou as próprias mãos, inquieto. Precisava se ocupar com algo ou acabaria surtando.

- A segunda opção de novo - respondeu ele. Não queria estar ali, falar sobre aquilo era torturante e o fazia ficar a beira
de loucura, mas ele tinha prometido a Jungkook que tentaria e que se esforçaria para fazer funcionar. E Taehyung era
um homem de palavra. - Minha ex-esposa, que acho que você já sabe, também foi esposa do Jungkook... ela era
minha zona de conforto. Como um refúgio. Aquele tipo de pessoa que me conhecia e a quem eu não tinha medo de
me mostrar por inteiro.

Ele engoliu seco. Terapia era horrível. Ele mordeu o lábio, se perguntando se havia um limite para o que podia dizer
sem ser encaminhado para a psiquiatria.

- Eu só soube da morte dela depois de nove meses. Ninguém foi capaz de levar a notícia para mim e eu não acredito
que tenham se importado em tentar. - Taehyung se inclinou para a frente, puxando um pequeno enfeite que estava na
mesa, um pássaro de metal pesado e muito bem esculpido, virando entre os dedos de um lado a outro apenas para se
manter ocupado. - Ela ainda me assombra a noite. Jiayu foi meu único amor e eu entreguei tudo que tinha a ela. Não
sobrou nada pra mim mesmo.

Jaeyun assentiu, pensativo.

- Você nunca se apaixonou por outra pessoa? Antes ou depois dela? - Jaeyun perguntou.

Taehyung negou.

- Antes dela eu não sabia o que era amor - respondeu o loiro - E depois eu não acho que consiga reaprender.

Taehyung virou a cabeça de um lado a outro, tentando achar a melhor forma de se expressar.

- Eu não sei quem eu sou sem ela. - Ele deu de ombros.

- Kim Taehyung já existia antes de Song Jiayu. E continua existindo depois da partida dela - o psicólogo replicou.

- Não. - Taehyung negou com veemência. - Jiayu me moldou. Eu sei o que você vai dizer sobre isso, dependência
emocional faz mal e é realmente uma droga. Mas é muito mais fácil falar sobre se livrar dela do que de fato fazer isso.

Taehyung olhou o pássaro de chumbo.

- Você sente raiva dela? - Jaeyun perguntou. Taehyung olhou para ele.

Ele ficou quieto.

Um bom tempo sem que qualquer coisa passasse em sua mente além das imagens de Jiayu. A mulher que ele
conheceu quando era uma menina, que cresceu com ele, foi seu primeiro e único amor, a mesma que carregou sua
filha no ventre. Song Jiayu, a única pessoa no mundo capaz de amá-lo.

"Eu não sei bem o que leva uma pessoa a amar você, mas ela amava".

Jungkook lhe disse isso. Taehyung jamais diria a ele, jamais confessaria o quanto aquilo doeu, porque no fundo, sabia
que era a verdade. Apenas Jiayu foi capaz disso. E ele se sentia mal por isso.

- Sinto - ele sussurrou, se dando conta de que aquilo era muito injusto. - Eu sinto muita raiva. Dela e de mim mesmo.

❁❁❁

- Não esqueça de pegar o azeite - disse Taehyung, empurrando o carrinho com o peso de seu corpo todo inclinado
sobre o mesmo.

Era um fato que ele odiava fazer compras e aparentemente era algo que tinha em comum com Jungkook. Desde seu
retorno, já era a terceira vez que iam ao mercado juntos e aquilo era sempre um jogo interminável de discussões sobre
qual a melhor opção.

E para ajudar no mal humor de ambos, o mercado estava lotado, como se absolutamente toda a cidade tivesse
decidido fazer comprar exatamente naquele dia e horário.
- Podemos comprar chocolate? - Mi Sun, que estava saltitando alegre com sua mochila em formato de joaninha
pendurada nas costas, não gostava do fato de que não podia simplesmente andar pelos corredores sozinha como uma
mocinha crescida que era.

Jungkook e Taehyung revezavam para segurá-la pela mão enquanto colhiam os itens que estavam na lista
cuidadosamente catalogada. Desviavam de uma pessoa e outra para chegar às prateleiras.

- Vamos ver isso depois - Jungkook disse, soltando a mão dela apenas para apertar o rabo de cavalo e ajustar o laço
azul para que ficasse perfeitamente alinhado.

O moreno se abaixou e pegou o azeite, colocando no carrinho, em seguida voltou a segurar a mão dela com firmeza.

- Appa, me deixe ir sozinha buscar o cereal? Eu prometo que vou me comportar - Mi Sun suplicou, com os olhos
pidões. Jungkook nem se deu ao trabalho de olhar para ela, apenas pegou um pacote de biscoitos.

- É perigoso andar por aí sozinha - Taehyung respondeu, igualmente concentrado na prateleira oposta. Ele estendeu a
mão e segurou a mão livre da menina na sua. Ótimo, ela agora estava duplamente presa. - Vamos todos juntos
depois, joaninha.

Mi Sun bateu com a língua nas bochechas de forma repetitiva. Estava entediada. Aquele tipo de lugar era cansativo se
ela precisasse ficar parada e não pudesse simplesmente andar por aí vendo todas as coisas interessantes que
estavam espalhadas por aí.

Tentou saltar e ficar pendurada com os pés fora do chão segurando a mão de ambos, mas não funcionou já que
nenhum deles estava segurando firme suficiente.

Ela bufou, sacudindo as mãos e tentando se soltar, o que foi inútil.

- Posso ir ver os livros de colorir? - perguntou ela, mais uma tentativa.

- Não. - Foi uma resposta coletiva. Ela olhou para suas duas mãos, sendo seguradas uma por cada um dos dois
homens que não pareciam sequer ter prestado a atenção.

Jungkook estava tentando encontrar naquelas letras pequenas qualquer menção a nozes ou castanhas, o que era
uma tarefa difícil já que sua visão era precária e as letras, microscópicas.

Mi Sun olhou para Taehyung. O loiro estava concentrado em ler a receita atrás da caixinha de leite condensado.
Distraídos, o que era um prato cheio para a mente esperta da garotinha.

Ela sorriu, sapeca, puxando as mãos de seus dois pais lentamente, olhando de forma atenta para um e para outro. Via
os lábios deles se movendo, um sinal claro que estavam lendo as palavras rapidamente e que toda sua concentração
estava ali.

Ela calculou mentalmente a distância. Era curta, então ela só precisava ser rápida.

E definitivamente foi.

Nem mesmo Mi Sun pensava que seu plano funcionaria, isso até ver Jungkook segurar três dedos de Taehyung e
nenhum deles notar a diferença.

Ela pensou que adultos fossem mais espertos.

Sorriu satisfeita, andando de costas e devagar, desviando as pessoas, se embrenhado entre elas e sumindo aos
poucos até estar na ponta do corredor e poder finalmente correr livremente.

- Você morreria mesmo se comesse castanhas ou nozes? - Jungkook murmurou, desinteressado, sem desviar o olhar
das letrinhas miúdas. Estava cansado daquele jogo de ficar cuidando da composição da comida por medo de acabar
matando Taehyung sem querer.
- Eu deveria me preocupar com essa pergunta? - replicou o loiro, estreitando os olhos para a caixinha de leite
condensado. Aquela receita ficaria melhor se ele colocasse suco de limão? Ele podia testar, só precisaria comprar
limões frescos.

Jungkook suspirou, acariciando a mão de "Mi Sun" com o polegar. Taehyung retribuiu a carícia no mesmo instante,
isso até perceber que havia algo errado. Aquela mão era grande demais para ser de Mi Sun.

No mesmo instante Jungkook percebeu que os dedos que estava segurando não eram tão pequenos quanto se
lembrava.

O olhar de ambos se desviou de forma repentina para suas mãos, unidas pelas pontas dos dedos. Nem um sinal da
pequena criatura de macacão azul e rabo de cavalo. Os olhos se arregalaram, e era impossível dizer se foi por
perceberem que estavam de mãos dadas no meio do mercado lotado por sabe-se-lá quanto tempo ou por notarem
que Mi Sun não estava mais ali.

Eles se soltaram de forma automática, como se tivessem recebido choques elétricos e cravaram os olhos um no outro
com o repentino desespero corroendo suas veias.

- Onde ela está? - Taehyung perguntou, olhando em volta. Algumas pessoas que ocupavam parte do corredor,
olharam em sua direção com julgamento quando os dois homens pareceram entrar em uma crise de pânico, olhando
em volta com total desespero. - Porra, Jungkook! Você perdeu a nossa filha?

O público - que eles definitivamente não estavam nem notando - sacudiu a cabeça em reprovação. Com certeza a
grande maioria ali tinha pensamentos do tipo "pobre criança" ou "dois homens cuidando de uma criança sozinhos só
podia dar nisso".

- Eu perdi? Você também devia estar de olho nela! - Jeon replicou, com o mesmo tom urgente e irritado. Ele bateu
com as palmas das mãos nas laterais da cabeça, fechando os olhos momentaneamente para pensar. Em seguida
abriu os olhos com total euforia. - Ela disse que ia ver os livros de colorir!

- Ela também queria ir ver os biscoitos, você vai até os livros e eu vou até os biscoitos! - Taehyung disse.

Ambos correram em direções opostas, passando entre as pessoas de forma apressada, olhando para o chão na
esperança de avistar a mochila de joaninha. Era difícil não sentirem a culpa e o pavor de terem deixado ela escapar
tão facilmente.

Era difícil pensar racionalmente. O lugar era enorme, estava cheio de pessoas e Mi Sun a aquela altura poderia ter
sido sequestrada ou pior. Apenas os piores cenários passavam nas mentes atordoadas, o que apenas os deixou
andando em círculos, correndo com desespero e se esgotando de tanto perguntar às pessoas se tinham visto a
menina com mochila de joaninha.

O loiro virou em um corredor, acabando por esbarrar em alguém que vinha na mesma velocidade. Ele gemeu com a
dor do impacto, mas sequer se importou com isso quando Jungkook o segurou pelos braços para impedir que ele
fosse ao chão.

- Encontrou ela? - Taehyung perguntou alarmado.

- Eu estaria correndo como um maluco se tivesse encontrado? - Jeon retrucou, tão ofegante quanto ele.

- Jeon Jungkook e Kim Taehyung, por favor compareçam à entrada - Os dois ergueram as cabeças de forma
automática, olhando para as caixas de som presas no teto do supermercado com um suspiro de alívio.

Bastou um olhar rápido e uma concordância silenciosa, os dois apertaram o passo, andando apressados em direção a
entrada. Levaram alguns minutos para atravessar as prateleiras intermináveis, sob olhares muito reprovatórios.

Quando dobraram em direção a entrada e avistaram a garotinha sentada sobre o balcão da guarita de segurança,
seus corações se desmancharam de alívio.
Taehyung foi o primeiro a ignorar qualquer dor que estivesse sentindo no ombro para puxar Mi Sun para seu colo,
sentindo ela apertar e devolver o abraço enquanto ele fechava os olhos e respirava fundo.

Ela afastou-se um pouco, apoiando as mãos nos ombros de Taehyung e o olhou nos olhos. Os olhinhos úmidos e
caídos, provavelmente com medo da bronca que sabia que levaria cedo ou tarde.

- Céus! - Jungkook se aproximou, apoiando a mão na cabeça dela e a puxando para lhe dar um beijo na têmpora. -
Onde você estava?

- Ela estava um pouco nervosa - a guarda disse, atraindo a atenção deles. - Me procurou e disse que queria encontrar
os livros de colorir, mas perdeu dos pais. Isso é mais comum do que vocês pensam.

- Obrigado - Taehyung agradeceu.

- Appa - Mi Sun sussurrou baixinho, com o lábio tremendo. - Eu vou ficar de castigo?

- Falamos disso em casa - Taehyung voltou a abraçá-la com força. Jungkook apoiou as duas mãos na cintura e os
observou.

Taehyung olhou para ele, ainda estavam ofegantes e suados de toda aquela corrida. Tudo aquilo devia ter durado
cerca de dez minutos, mas pareceu uma eternidade.

Foi quando aconteceu, pela primeira vez, que os lábios de Taehyung se repuxaram para cima. Não foi uma alucinação
ou qualquer engano, pois estava olhando diretamente para ele e estava sorrindo. Kim Taehyung, com toda sua carga
de rancor e raiva interior, estava sorrindo para ele de forma espontânea e sem qualquer gota de sarcasmo.

❁❁❁

- Mas appa... - Mi Sun sacudiu os pés, as meias coloridas de arco-íris eram suas preferidas, ela chegava a considerá-
las suas meias da sorte, mas não estavam lhe ajudando muito. - Não é tempo demais?

Ela ergueu os olhos pidões para os dois homens que estavam de pé no meio do quarto. Passado todo o susto, eles
não pareciam dispostos a esquecer tudo que aconteceu no mercado.

- Quais eram as regras? - Taehyung ergueu as sobrancelhas para a garota que estava sentada na beira da cama,
daquela forma intimidadora.

- Sempre ficar perto de vocês - ela sussurrou, a contragosto.

- E o que você fez? - Jungkook perguntou.

- Eu me perdi - ela respondeu, abaixando a cabeça envergonhada. - E assustei vocês.

- Você poderia ter se machucado, poderiam ter te levado embora ou coisa pior. Nós ficamos apavorados e isso não
pode se repetir nunca mais, estamos entendidos? - Taehyung cruzou os braços.

Ela bufou, chutando o vento.

- Responda seu pai, Kim Mi Sun! - Jungkook ralhou.

- Sim - ela disse.

- Ótimo, agora vá dormir - o moreno disse, se inclinando e beijando a testa dela. Taehyung fez o mesmo em seguida.

Mi Sun não hesitou em se enfiar debaixo dos cobertores, provavelmente pensando que aquilo era injusto. Duas
semanas inteiras sem poder assistir televisão ou jogar video game era tortura.

Os dois andaram para fora do quarto, olhando por cima do ombro uma última vez antes que Jungkook apagasse a luz
e fechasse a porta.
Os dois pararam no corredor, se inclinando contra a parede frente a frente com suspiros profundos. Silêncio. Os dois
estavam exaustos e definitivamente não tinham o que falar, podiam apenas dar as costas e ir para seus respectivos
quartos, mas ficaram ali por um bom tempo, evitando contato visual ao máximo.

Jungkook pigarreou quando o silêncio começou a se tornar constrangedor.

- Eu preciso ir dormir, tenho que preparar as provas amanhã - disse o moreno, se virando em direção ao seu quarto.

- Boa noite - Taehyung respondeu, tomando o rumo de seu próprio.

Jungkook sorriu brevemente e assentiu.

- Boa noite - replicou Jungkook.

O que foi um pouco estúpido, já que andaram lado a lado até chegarem as portas de seus respectivos quartos, com
um olhar sem jeito e apenas sacudiram a cabeça em direção um ao outro antes de entrarem.

Jungkook fechou a porta e relaxou os ombros. Ele sentia que poderia dormir por quase dois dias, tamanha era a
exaustão.

Rastejou até a cama com total desânimo e se jogou sobre ela de bruços. Ele olhou a mesa de cabeceira, esperando
encontrar as horas em seu novo relógio digital que mostrava os números em uma luz de led roxa.

Bem ali, tapando os dígitos das horas, estava um post-it branco colado. Tinha sido escrito às pressas e ele pensou
que fosse só mais um dos avisos de Taehyung, algo como ele dizendo que precisavam trocar o óleo do carro.

Esticou a mão com indiferença e pegou o pequeno bilhete, deslizando os olhos pelas letras e sentindo um leve
formigamento ao perceber que não se tratava de um aviso, mas sim de Taehyung cumprindo sua parte do acordo que
fizeram pela manhã.

"Você checou os pacotes de tudo que compramos hoje para garantir que não tinha castanhas ou nozes, mesmo eu
tendo te dito que sou alérgico só uma vez. Foi gentil de sua parte lembrar disso"

Ele franziu a testa. Pensou que Taehyung ignoraria sua ideia e que simplesmente se recusaria a agir como "crianças
de seis anos".

Foi de fato uma surpresa receber aquilo.

Ele sorriu para a nota. Taehyung no fundo não era tão canalha quanto ele pensava. Só estava machucado e talvez
muito receoso, e tinha razão para isso. Jungkook queria que ele soubesse, queria que visse que ele não era um rival
ou inimigo. No fim das contas, Jiayu havia partido, mas para eles a vida continuava. Eles precisavam um do outro
mesmo que odiassem admitir.

Ele olhou na direção da porta, como se pudesse ver através dela o homem no outro quarto, se perguntando o que ele
pensaria sobre seu bilhete.

Taehyung, que levou um pouco mais de tempo para encontrar, não conseguiu entender a sensação de amortecimento
que se espalhou por seu corpo ao encontrar o bilhetinho dobrado em sua mesa de cabeceira, sobre o livro que estava
lendo.

Talvez o nome daquele sentimento para a maioria das pessoas fosse nomeado de alegria, ele, no entanto, não sabia
mais reconhecer. Uma espécie de frio na barriga quando leu a frase curta no centro do bilhete:

"Você sorriu para mim".


A Brand New Day
❝Como uma paixão
Eu podia ouvir a voz dentro de mim
Os fragmentos de um futuro nítido que não pode ser tocado
Os braços do sonho de um novo mundo enlaçam❞
(A Brand New Day - BTS)

❁❁❁

A música, além de som, sempre emite vibrações. Essas vibrações sempre foram algo que a deixou confortável,
mesmo em dias que o mundo parecia submerso no silêncio total. Como uma forma de ouvir, sem de fato estar
ouvindo.

O aparelho auditivo, que a ajudava a captar os sons que seus tímpanos eram incapazes de discernir sozinhos, só veio
quando ela tinha seus três anos de idade. Mi Sun lembrava de pouca coisa, mas sua mãe costumava dizer que antes
disso ela encostava o rosto contra o rádio para sentir as vibrações dos sons.

Foi um ato instintivo, que a levou a implorar para aprender música quando viu um piano pela primeira vez.

E ela era, de fato, um prodígio aos olhos do professor, mesmo em dias como aquele, que seu rostinho parecia imerso
na tristeza e no desânimo enquanto seus pequenos dedos gordinhos deslizavam pelas teclas.

Ela errou uma nota, o que fez o som desagradável da desafinação percorrer a sala e suas mãos, pararam sobre as
teclas. Ela suspirou profundamente, os olhos fixos nas partituras, apesar de seus pensamentos estarem muito longe
dali.

- Você está com essa cara de quem está de castigo por quê? - Yoongi perguntou, cutucando as costelas dela antes de
se apoiar no piano e fixar o olhar curioso na menina. Mi Sun suspirou, como sempre fazia, pronta para contar a ele
todas as barbáries e tragédias que rodeavam sua tumultuada vida. Coisas que somente uma mocinha de seis anos
passava e que era terríveis.

- Meu castigo já acabou, mas... - Ela apoiou as duas mãos no banco e jogou a cabeça para trás com desânimo. - É
que eu tenho feito pedidos para minha omma que está no céu, não sei se ela está me escutando.

Yoongi amava crianças, contrariando os pensamentos de absolutamente qualquer pessoa que não o conhecesse.
Todos achavam que por seu jeito fechado, ele era do tipo desalmado que agredia idosos, chutava cachorrinhos e
roubava doces de crianças.

No fundo ele achava que espantava a maioria, mas não se importava muito com isso. Não quando todos os seus
alunos, fossem idosos ou crianças, o adoravam e o tinham como melhor amigo.

Mi Sun em especial, lhe confidenciava tudo. Ela costumava dizer que eles tinham sido irmãos em uma outra vida, e
que tinha plena certeza disso porque alguém lhe contou em um sonho. Podia parecer besteira, mas ele acreditava.

- E o que você pediu, tampinha? - ele perguntou.

- Que meus appas fiquem juntos - ela respondeu, deslizando o dedo indicador sobre a tecla si.

- Você deveria especificar. Talvez ela esteja confusa sobre esse "juntos". - Yoongi colocou uma mexa do cabelo dela
atrás da orelha da menina.

Mi Sun franziu a testa.

- Eu tenho medo que um deles vá embora. Appa Tae sempre vai embora, eu não quero mais que ele vá. - Ela voltou a
tocar, devagar e muito desanimada. - Os adultos são confusos.
Yoongi riu.

A porta da sala de música foi aberta, com aquele som infernal das dobradiças gastas que fez com que ambos
olhassem, esperando que outras crianças fossem entrar ou outro professor, no entanto, quem apareceu com um
sorriso gentil e radiante, foi Jung Hoseok.

O homem ensinava linguagem de sinais, para adultos e crianças, de forma voluntária. Yoongi se esticou, tentando se
desencontrar do piano, o que foi uma tarefa árdua já que o ar tinha escapado dos pulmões e seus coração tinha dado
um salto tão violento que causou um colapso que comprometeu todo seu equilíbrio.

Mi Sun sorriu para Hoseok, lançando um olhar rápido ao professor de piano e em seguida pressionando os lábios para
conter um sorriso antes de voltar a atenção a Hoseok.

O homem sorridente, de cabelos castanhos e levemente bagunçados, olhou para ela e moveu as mãos naquele
código que Yoongi não entendia.

"Seu pai veio te buscar", Hoseok disse a ela, com seus gestos e expressões faciais hipnotizantes.

Mi Sun se virou no banco do piano, para que ficasse mais fácil de ele visualizar sua resposta.

"Já estou indo, só vou me despedir".

Hoseok piscou para ela e sorriu antes de sair e fechar a porta, com um aceno discreto em direção ao pianista, que
respondeu aquele comprimento com um aceno leve da mão.

Bastou a porta fechar para que Mi Sun, sem a menor cerimônia começasse a rir. Aquela risada, que na maioria das
vezes era uma dose de serotonina na vida do homem de cabelos negros, fez com que ele a fuzilasse com seu olhar
mais ameaçador, que na verdade não a intimidou nem um pouco.

- Posso saber qual é a graça, pouca sombra? - ele resmungou.

- Você é um bobo apaixonado - Mi Sun retrucou, unindo as mãos e tentando de um jeito muito verossímil, imitar o
olhar que ela costumava ver com frequência no rosto do pianista. - "Oh, bom dia Jung, eu não te vi aí". "Precisa de
ajuda, Jung?". Ou...

- Fecha a boca, você não devia ficar rindo dos adultos, eu deveria pedir para seus pais te colocarem de castigo de
novo! - ele ameaçou.

Mi Sun fez uma careta e ele sorriu vitorioso.

- Você gosta dele e agora a culpa é minha? - ela cruzou os braços.

Yoongi abriu a boca para retrucar, mas seus argumentos sumiram. Era vergonhoso ser tão óbvio a ponto de uma
criança de seis anos notar quão patético ele era.

- Vou dizer aos seus amigos que você mija nas calças. - Ele estreitou os olhos, com um sorriso ladino. Mi Sun abriu a
boca em um círculo perfeito, completamente derrotada.

- Eu não faço mais isso! - ela protestou.

- Em quem eles vão acreditar? - Yoongi replicou.

Ela ergueu uma sobrancelha. Aquele jogo até era divertido, eles se encaravam por alguns segundos, como uma
competição de quem pisca primeiro e em seguida, Mi Sun sempre acabava cedendo. Mas desta vez, ela não estava
disposta a perder.

- Yoongi oppa, - Ela mudou repentinamente a expressão, como num passe de mágica. Seus olhos se abriram bem,
evidenciando as orbes escuras e brilhantes enquanto sua boquinha cheia e avantajada se inclinava para a frente em
uma expressão completamente fofa. - você gosta dele de verdade?

Yoongi conhecia aquela artimanha, era sempre a mesma coisa. Ele queria bancar o adulto responsável e reservado,
mas sempre acabava desabafando com crianças ou com idosos que na maioria das vezes não conseguiam nem
lembrar seu nome. Pelo menos eles não podiam espalhar fofocas.

- Isso não é assunto pra você, tampinha - ele respondeu.

- Se você me disser se gosta dele, eu te conto de quem eu gosto. - Mi Sun ergueu o dedo mindinho, pronta para selar
o juramento. Yoongi realmente não podia resistir a aquilo, foi quase imediatamente que colocou seu dedo junto ao
minúsculo de Mi Sun, erguendo o polegar para selar a promessa.

Ele olhou em volta, apesar de estarem sozinhos na sala. Se inclinou em direção a ela, pronto para confidenciar seu
segredo talvez não tão secreto.

- Eu meio que gosto dele sim. - Colocou o indicador contra os lábios. - Mas você precisa ficar calada, certo? Ele tem
uma namorada.

Mi Sun suspirou. Aquilo não era justo. Porque o anjinho do amor faria alguém gostar de uma pessoa que já gosta de
outra? Parecia triste e muito dolorido, como um machucado no coração que não se curaria nunca.

Ela não queria que Yoongi sofresse com aquilo. E se fosse um engano do cupido? E se ele tivesse acertado uma
flecha no coração do pianista por acidente?

- Agora diz aí, de quem você gosta. - Ele a cutucou.

Oh, ela tinha esquecido essa parte. Sentiu as bochechas ficarem quentes de vergonha e se encolheu onde estava.
Seu pai lhe ensinou a honrar a palavra, e ela faria isso, mas estava tão constrangida por confessar em voz alta.

- O nome dele é Jihoon. Kang Jihoon e ele é mais velho, já tem oito anos - ela sussurrou - Não pode contar aos meus
appas, eles vão se zangar.

- É segredo nosso. Mas me diz aí... ele também gosta de você? - Ele estava interessado até demais, o que, tinha que
confessar, era um pouco estranho. Um homem com seus trinta anos querendo saber as fofocas do jardim de infância,
chegava a ser engraçado.

- Eu acho que sim, ele me deu um bombom ontem. - Ela bateu nas teclas do piano, evitando olhar para o homem por
puro constrangimento.

Kang Jihoon, era na verdade, a segunda paixão. Ela já tinha sentido aquele formigar diferente, as batidas rapidinhas
no peito antes dele, só que na verdade superou rápido até demais.

Min Yoongi, o professor de piano que hoje era seu grande irmão e melhor amigo, tinha sido na verdade seu primeiro
"crush". Ele era bonito, gentil e apertava a bochecha dela, aquilo lhe dava borboletinhas no estômago.

Mas Yoongi era muito mais velho e ele obviamente não esperaria para se casar com ela. Ela aceitou isso, se
conformou depois de perceber que ela mesma não ia querer se casar com ele, pois quando tivesse idade, ele já seria
um velho enrugado.

Ela não queria um marido velho, esse pensamento foi suficiente para matar sua paixonite pelo professor de piano e
fazer brotar aquela amizade sincera. Ele era seu irmão mais velho de outra vida, e ela amava mais isso do que
qualquer coisa.

Já Jihoon, ele tinha quase sua idade. Oito anos inteiros e um sorriso que a fazia suspirar mais do que qualquer coisa
que tivesse vindo antes dele. Oh, era difícil entender ao certo o que ela esperava.

Mi Sun não pensava em casamento, filhos ou sequer namoro, ela só sabia que queria segurar a mão de Jihoon.
Daquele jeito que os dedos ficassem todos juntinhos. Também queria um beijo na bochecha, que provavelmente a
faria corar violentamente.

Ela sorriu sonhadora ao se lembrar do sorriso dele ao lhe entregar aquele bombom.

- Ei, você devia ir, seus pais vão ficar duas feras se você fizer eles ficarem sozinhos no carro por mais de cinco
minutos - Yoongi disse, apertando a bochecha dela, sua forma de dizer "oi" e "tchau".

Ela se levantou do banco, bateu na saia para desamassar e começou a andar em direção a porta, olhando por cima do
ombro com o repentino pensamento que lhe ocorreu.

E se, na verdade, Yoongi fosse a alma gêmea de Hoseok e a namorada do professor de linguagem de sinais estivesse
enganada? Isso estaria impedindo a pobrezinha de encontrar sua própria alma gêmea e haveria alguém por aí muito
triste e solitário.

E se ela pudesse consertar essa bagunça?

A menina olhou, de forma muito objetiva, para o vaso de flores ao lado da porta. Seus olhos pararam sobre um
girassol, radiante e muito amarelo, algo chamativo e que com certeza era marcante.

- Oppa, posso pegar uma flor? - pediu, com seu tom de voz manhoso.

Como ele nunca lhe negava nada, apenas assentiu, com seu sorriso gentil.

- Fique à vontade, tampinha. Até semana que vem e não esqueça de praticar solfejo - Ele pegou a pilha de partituras
que ela estava usando anteriormente, começando a organizá-la de forma distraída.

Mi Sun se esticou e fechou a mão em volta do caule do girassol. Abriu a porta e correu para fora rapidamente,
querendo escapar antes que Yoongi percebesse suas intenções.

Hoseok estava mexendo no celular, perto do elevador. Ele a acompanharia até a portaria, como sempre fazia e ela
estava ensaiando ansiosa em mente o que ia dizer a ele.

Assim que percebeu sua presença, Hoseok sorriu, olhando com curiosidade para a flor que parecia enorme nas mãos
da menina.

- Estou pronta! - disse ela, com um sorriso largo.

- Você conseguiu aprender a música que queria? - Hoseok perguntou.

- Eu pratiquei, mas ainda falta muito para aprender inteira - respondeu a menina.

Assim como ela, Jung Hoseok tinha uma surdez profunda, que podia, na grande maioria do tempo, ser solucionada
com um aparelho auditivo. O dele, até onde ela sabia, não estava em perfeitas condições, o que acabava
comprometendo a audição em boa parte do tempo.

Ele ouvia bem, de perto, muito perto. Ela sabia disso, porque Hoseok era sua maior inspiração. Ela obviamente se
sentia inspirada por seus pais, que eram seus grandes heróis, mas Hoseok era como ela.

Ele sabia como ela se sentia quando as pessoas falavam baixinho e riam com escárnio por saberem que ela não
ouviria nada, sabia o que era padecer quando a bateria do aparelho acabava onde ela não podia trocar e tinha que
passar horas sem ele.

Jung Hoseok era como ela e ele agia como se não houvesse obstáculos. Ele falava muito bem mesmo sem o aparelho
auditivo, o que ela invejava e estava praticando. Era um desafio enorme falar qualquer coisa sem conseguir distinguir
a sonoridade das palavras ou saber como sua voz estava saindo.

Ela esperou, observando o olhar do homem com o canto do olhar, até que o elevador fizesse metade de seu trajeto
até o térreo. E então estendeu em direção a ele, com um olhar inocente de uma criança que só estava passando um
recado.

- Yoongi mandou para você. - Ela empurrou a flor na direção dele.

Hoseok franziu a testa, segurando a flor de forma instintiva e olhando para ela em seguida sem entender.

- Ele disse que é alegre como você e que seu sorriso é bonito. - Ela olhou para a frente, para a porta espelhada e
observou como se não tivesse interesse nenhum, a reação do homem. Hoseok olhou a flor com um enorme ponto de
interrogação no rosto. Incrédulo ou talvez apenas confuso por uma ação tão repentina.

Ele olhou para a garota com desconfiança.

- Foi ele mesmo quem disse isso? - perguntou.

Mi Sun engoliu seco e assentiu, da forma mais convincente possível. Hoseok riu.

- Lembre-se de dizer ao Yoongi. - Ele ressaltou bem o nome do professor de música, esperando que ela
compreendesse que ele não era assim tão ingênuo. - Que eu agradeço pela gentileza.

- Oh, mas você podia dizer pessoalmente! Ele está lá em cima - Mi Sun sugeriu.

O Jung riu ainda mais alto.

Aquela menina era uma peça rara.

❁❁❁

- E por qual razão você acreditou que se esconder aqui seria uma alternativa melhor do que simplesmente encarar
isso? - Taehyung amava a companhia de seu melhor amigo, mas ter Jimin ali era um prato cheio para que suas
inseguranças viessem à tona.

Ele sabia que Jungkook não diria nada a ninguém sobre sua crise, sabia que não diria nada sobre a terapia ou
qualquer outra coisa que tenha se tornado um segredo profundo entre eles.

Mas Taehyung se sentia como se a qualquer momento aquilo fosse escapar entre seus dedos sem que ele pudesse
evitar.

- Você se lembra da Jisoo, não lembra? - perguntou Jimin.

Taehyung se lembrava, obviamente. A namorada de quem Jimin falava incessantemente pelo telefone quando Kim
conseguia uma rara ligação com ele. Como se o mundo inteiro estivesse à mercê da paixão incontrolável de Park, que
prometia o mundo, o céu e as estrelas a aquela mulher.

No entanto, Jisoo aparentemente não se sentia da mesma forma. O amor foi unilateral, ela gostava dele claramente,
mas não havia amor suficiente para que conseguisse dizer sim para o anel de brilhantes que ele lhe ofereceu em um
jantar romântico no restaurante mais caro de Busan.

Taehyung ouviu a voz dolorida de seu amigo chorando do outro lado, afinal, sua amada Jisoo apenas lhe disse "eu
não posso" e no dia seguinte, ele não a encontrou em lugar algum.

Foi bloqueado nas redes sociais, basicamente excluído da vida dela sem qualquer aviso ou justificativa, sem pelo
menos lhe dar um término digno. Foi devastador de uma forma que mesmo depois de dois anos do ocorrido, Jimin
ainda não tinha se envolvido com qualquer pessoa.

- Eu não vou para minha casa há uns sete dias, eu odeio o fato de que meus irmãos e eu decidimos ser vizinhos de
apartamento. - Jimin respirou fundo. Ele definitivamente parecia horrível.

Taehyung, que estava ocupado com a louça do almoço, tirou o sabão das mãos e se virou, apoiando na pia para olhá-
lo com atenção.
- E onde você tem dormido? - perguntou.

- No sofá da Sana, só que aparentemente ela ia levar alguém lá hoje a tarde e me expulsou - respondeu Tae, pegando
mais um cupcake da bandeja que estava sobre a mesa.

- Quem é Sana? - Taehyung franziu a testa, tentando se lembrar.

- Minha amiga. - A resposta coletiva o fez recordar que Jungkook estava ali. O homem estava tão imóvel e silencioso
nos últimos minutos que foi como um susto para a mente de Taehyung reparar nele novamente. Os olhos de Jeon
estavam completamente voltados para a folha que tinha em mãos. O óculos apoiado na ponta do nariz, os cabelos um
caos completo e um olhar de "o que eu fiz com a minha vida?", apoiando a caneta vermelha entre os dedos e girando
esporadicamente. Taehyung reparou nele por pouco mais de vinte segundos antes de piscar e recordar que estava no
meio de uma conversa.

- Vocês dois têm uma amiga em comum? - o loiro perguntou.

- Dois amigos em comum, se contar você - Jimin replicou, limpando o chantilly do canto da boca com o polegar e
lambendo em seguida.

Jungkook olhou de relance para Taehyung, que fez o mesmo de forma instintiva. Os dois ponderaram o termo por
alguns segundos antes de darem de ombros. Não valia pena perder tempo discutindo um termo para aquela relação
embaraçosa. Não eram exatamente amigos, também não eram rivais ou inimigos. Algo como colegas de casa que
dividem uma filha, mas não havia uma palavra certa para aquilo, certo?

- Sana trabalha comigo na escola e... que diabos é "sistema radiovascular"? - Jungkook arregalou os olhos para a
folha.

- Você já tentou falar com a Jisoo? - Taehyung perguntou. Jimin negou. - É a melhor forma de resolver isso como dois
adultos completamente responsáveis e bem resolvidos. Os dois vão poder seguir em frente sem amarras.

- Eu não quero ser um adulto bem resolvido, quero chorar no banho. - Jimin apoiou a bochecha na palma da mão. Ele
olhou para os dois. Taehyung tinha voltado a lavar a louça e Jungkook parecia questionar a própria existência
enquanto corrigia as provas de seus alunos. Colocou todo seu poder de atuação na expressão mais triste que
conseguiu exibir. - Sabem o que me animaria?

- Não estou interessado. - O coro que ele teve como resposta não era o que esperava. Talvez todos os seus amigos já
tivessem pegado seu jeito.

- Qual é! - Park protestou. - A gente podia sair só hoje. Eu só preciso de uma noitada de bebedeira e música eletrônica
e estarei restaurado. Mas não tem graça sair sozinho.

- Acho que você esquece o fato de que temos uma filha de seis anos, Jimin - Jungkook disse, tirando o olhar
momentaneamente da folha e olhando o amigo. - Só pode levar um de nós, o outro precisa ficar com a Mi Sun.

- Ou ela pode ficar com o Jin! Vocês sabem que ela ama ele. - O homem estava desesperado, porque de fato sair
somente com Sana não era nada divertido. Segurar a bolsa dela enquanto sua amiga agarrava algum desconhecido
no banheiro não estava na sua lista de saídas divertidas para espairecer. - E vocês precisam sair e se divertir. Não
acho que qualquer um de vocês tenha feito algo além de lavar, limpar e cozinhar nos últimos meses. Exceto pelo
Taehyung, claro, que estava atirando em terroristas no Oriente Médio.

Nenhum deles pareceu ligar para seu discurso, mas ele não desistia fácil.

- Eu acho que ninguém aqui vai morrer se a Mi Sun ficar com o Jin por algumas horas enquanto vocês se divertem
como pessoas normais. Parem de agir como dois velhos casados há cinquenta anos que só sabem brigar um com o
outro e esfregar o banheiro! - Jimin bateu na mesa com determinação. - Vocês são dois homens jovens e solteiros e
precisam conhecer pessoas novas e, sabe, fazer o que pessoas jovens e solteiras fazem.
- Não sei exatamente o que você quer dizer com jovem, o Taehyung passou dessa fase... porra! - Jeon praguejou, no
instante que sua frase foi interrompida por uma tupperware cheia de sabão, que se chocou contra sua cabeça e caiu
no chão da cozinha.

Taehyung atravessou o cômodo com o nariz empinado para pegar a vasilha cor de rosa e voltar até a pia.

- Velho é teu avô! - o loiro replicou, voltando a focar sua atenção na louça.

- Eu não disse a palavra 'velho' - Jungkook retrucou, massageando a cabeça.

- Mas pensou - Taehyung disse.

- Você lê meus pensamentos agora? - O moreno cruzou os braços e o olhou, mas Taehyung continuou de costas,
terminando de limpar tudo.

- Você só é bem previsível - replicou Kim.

- Não querendo acabar com a DR de vocês, mas eu acho que todos precisamos nos embebedar - Jimin disse.

- Vocês podem ir, eu fico em casa com a Mi Sun - Taehyung secou as mãos e se virou, olhando em direção a sala de
estar. A garota estava assistindo algo na televisão, um vídeo aleatório de jogos de RPG.

A grande questão não era receio de deixar alguém tomando conta dela para sair, mas sim que ele não se sentia
pronto para voltar ao mundo real.

Tudo já estava sendo sufocante suficiente saindo de casa apenas para ir ao mercado, terapia e fisioterapia. Ele falava
com pessoas, com desconhecidos e ficava constantemente se sentindo deslocado.

Em casa, mesmo com toda aquela troca de farpas e constantes desentendimentos com Jungkook, ele se sentia
confortável. Tinha sua Mi Sun, visitas esporádicas de seus amigos, Wi-Fi e comida.

Não era exatamente um paraíso, mas era uma espécie de conforto que ele não provava há muito tempo, que se
chamava acomodação. Rotina repetitiva e monótona.

Sair daquilo implicava muitas coisas para as quais ele ainda não estava pronto.

- Vamos lá, não desperdice a oportunidade de realizar um sonho de infância, Taehyungie! - Jimin insistiu - E de quebra
você ajuda o seu melhor amigo a superar o fato de que a irmã vai se casar com a ex que partiu o coraçãozinho
precioso dele.

- Sonho de infância? - Jungkook franziu a testa, intercalando seu olhar entre um e outro à espera que alguém
respondesse sua pergunta.

- Taehyung sempre quis ficar bêbado, mas nunca teve coragem - o amigo explanou, mesmo com os vários sinais
negativos do loiro pedindo desesperadamente seu silêncio.

Jungkook riu. Era irritante. Taehyung achava a risada dele extremamente irritante a ponto de lhe dar arrepios. Todos
os dias pensava que tinha superado aquela implicância, mas novamente ela vinha com tudo para acabar com suas
convicções. Ele estreitou os olhos em direção ao moreno, ponderando se deveria agredir física ou verbalmente.

- Que tipo de pessoa chega aos trinta sem nunca ter ficado bêbado? Isso é basicamente um ritual de passagem para a
vida adulta! - Jungkook olhou para Taehyung, completamente incrédulo com aquela descoberta.

- É realmente decepcionante eu ter sido responsável - Kim ironizou - Eu só tenho uma alta tolerância ao álcool, antes
que ele possa fazer efeito eu já enjoei e desisti de beber. É só por isso que...

- Vou ligar para o Jin - Jungkook declarou, juntando todas as folhas e batendo na mesa para organizar. Ele
definitivamente tinha se cansado e poderia corrigir aquilo no dia seguinte. Olhou para o loiro. - E você tenta achar
alguma roupa que não te deixe parecendo com um Testemunho de Jeová.

Taehyung fez uma careta. O que havia de errado com suas roupas?

❁❁❁

Mi Sun realmente amava quando algo implicava em ter que ficar horas a fio com Jin. Park Seokjin, para a grande
maioria das pessoas parecia apenas um cara rico e sem coração. Ele era rico sim, mas tinha um coração muito bonito
ao ver dela, algo que apenas almas como a dela conseguiam ver.

- Você quer ver a lua pelo meu telescópio? - ela perguntou. O homem manteve, como sempre, a atenção total no
celular e apenas negou com um movimento sutil de negativa.

Jin era o responsável pelos negócios de família e consequentemente, por manter seus dois irmãos mais novos na
linha. O que era um desafio cada vez maior.

A família Park era proprietária de uma boa parte dos imóveis na área nobre de Seul, o que fazia deles a rede
imobiliária mais forte da cidade. E como qualquer rei, sua coroa pesava.

Jennie, a irmã mais nova, sempre foi a mais difícil de manter em rédeas curtas, o que fazia dela seu maior desafio. Ela
não queria se envolver no negócio de vender e comprar imóveis e não se importou nem um pouco com todo o discurso
sobre como seus falecidos pais - que descansassem em paz - se sentiriam desprezados se ela não seguisse seus
passos.

Ela traçava o próprio caminho sem pedir permissão, seu noivado recente era a maior prova disso. Se casar, com uma
mulher ainda por cima, aos vinte e dois anos era o maior ato de rebeldia impensado dela que o irmão mais velho teve
que enfrentar em anos.

Isso o estava esgotando.

- Você nem está me ouvindo, pensei que íamos brincar juntos. Você prometeu que ia jogar videogame comigo. - Mi
Sun cruzou os braços com desânimo.

- Eu vou sim, docinho, só espere eu terminar isso aqui - ele respondeu, deslizando a tela pelo artigo que falava sobre
casamento homoafetivo na Coréia e as razões pelas quais ainda não era legalizado.

Jimin. Havia também esse pequeno detalhe.

Jin sabia. Ele obviamente sabia que Jimin tinha se envolvido com Jisoo, algo que Jennie provavelmente nem sonhava
que tinha acontecido, já que quando seu irmão teve o coração partido estava fazendo intercâmbio na Irlanda.

Ele viu seu irmão se acabar e definhar como nunca antes por aquela mulher e agora precisava agir como se não
soubesse de nada.

Ele apenas torcia para que Jimin estivesse realmente bem com aquilo como dizia. Talvez sair com os amigos fosse um
ótimo remédio, por isso não se opôs a passar algumas horas na companhia da criança mais tagarela que conhecia.

- É verdade que sua irmã vai se casar? - perguntou Mi Sun com curiosidade aflorada.

Ele desviou o olhar do celular para ela e assentiu.

- Acha que ela deixa eu levar as alianças? Eu levei no casamento da minha omma com o appa Ggukie - disse ela - E
eu fiz isso muito bem.

- Você deveria pedir a ela, tenho certeza que a Jennie vai adorar a ideia. - Jin sorriu para ela.

- Eu não estava lá para levar as alianças do casamento da minha omma com appa Tae - Ela fez um beicinho
pensativo. - Mas eu vou levar quando ele se casar de novo.
Jin riu.

- O que te faz pensar que ele vai se casar de novo? - perguntou o homem, bloqueando o celular e deixando na mesa.

- Oh, eu tenho pedido a minha omma. E ela sempre realiza os meus desejos. Sabe o que eu pedi semana passada?
Pedi que ela me ajudasse a lembrar o conteúdo da prova de coreano, e advinha? Eu lembrei de tudinho! Minha nota
foi a maior da turma! - Ela sorriu com pompa, empinando o nariz com muito orgulho.

- Você é uma criança estranha, sabia? A maioria na sua idade ia implorar aos céus para que nenhum de seus pais se
casasse novamente nunca mais - replicou Jin.

Ela negou.

- Não é justo. Todo mundo que ainda mora nesse mundinho aqui merece ter um amorzinho de dar beijinho - Mi Sun
disse, batendo com três dedos no próprio biquinho. - Eu não gosto de ser egoísta, não vou ficar com ciúme se eles
namorarem.

- Nem todos querem isso, algumas pessoas só querem ficar no próprio canto e seguir carreira solo - Jin retrucou.

- Eu acredito que tem um amorzinho pra cada um, oppa. - Ela suspirou sonhadora. - Só que alguns levam mais tempo
pra achar o seu. Mas enquanto eu viver, vou me dedicar a ajudar as pessoas a encontrar mais rápido!

Jin riu. Estava distraído com a conversa, mas ouviu um som suspeito que fez seu sorriso sumir em um segundo. Ele
franziu a testa, focando sua atenção até ouvir aquele ranger irritante que a porta da frente fazia quando era aberta.

Ele olhou em direção a porta entreaberta do quarto de Mi Sun, conseguindo enxergar apenas parte do corredor.

- Fica aqui até eu voltar - ordenou, se levantando do puff onde estava e indo até a porta.

Ele abriu bem lentamente a porta, olhando em direção ao fim do corredor. Podia ver o feixe da luz acesa da sala e não
conseguia discernir mais nada. Parou ali por um instante, apenas ouvindo.

Um estalo, um passo no assoalho gasto.

De imediato, Jin passou pela porta e a puxou até fechar para manter Mi Sun dentro do quarto. Ele foi sorrateiro ao
agarrar a primeira coisa que viu no caminho, que por sinal era um quadro da parede, uma foto que ele sequer reparou
de que era.

Manteve o quadro firme na mão enquanto dava largos passos em direção a sala, tentando ser rápido e silencioso.

Quando estava a cerca de um metro do arco que dava passagem para a sala, uma sombra surgiu diante dele e o
obrigou a reagir. Um gemido alto escapou do intruso ao sentir a dor aguda na cabeça, causada pelo impacto da ponta
do quadro.

Perdeu o equilíbrio e foi ao chão com um barulho alto.

Jin não se deu conta de que o rosto era familiar até ouvir o grito alto da garota atrás de si.

- Tio Nam! - Mi Sun correu na direção dele, e ao ouvir aquilo Jin sentiu até sua alma congelar como se soubesse que
tinha feito uma merda das grandes ao olhar o homem enorme massageando a cabeça.

Visualizou com certo pavor, a mancha vermelha em seus dedos.

Namjoon, ainda um pouco atordoado, olhou primeiro para a sobrinha que estava ajoelhada ao seu lado, o observando
com total preocupação e em seguida ergueu o olhar para a figura pálida.

Park Namjoon, o meio-irmão mais velho de Song Jiayu.

Por alguma ironia do destino ou apenas por mera falta de sorte, os dois nunca tinham se encontrado antes, apesar de
terem uma linha de convivência muito próxima.

Namjoon era advogado, disso ele sabia e mesmo que dois de seus amigos fossem cunhados dele, Jin nunca cruzou
com o famigerado tio de Mi Sun até aquele momento.

E tragicamente, tinha sido um agressor.

- O que diabos... por que... quem é você? - Namjoon parecia definitivamente atordoado, a ponto de não conseguir
escolher qual pergunta fazer, enquanto seus olhos tentavam focar a imagem borrada do homem.

Mi Sun colocou as duas pequenas mãos nas bochechas do tio e virou o rosto dele em sua direção, olhando nos olhos.

- Não siga a luz, tio! Não siga a luz, ela é má! - disse a menina, com um tom sombrio.

Namjoon piscou com força, querendo que seu cérebro voltasse a funcionar depressa.

Ela se virou para Jin.

- Por que você bateu no meu tio? - perguntou ela, exasperada.

Jin tentou responder, mas nada saia de sua boca. Ele olhou na direção de Namjoon, que lhe lançou um olhar exigente
e um pouco intimidador.

- Perguntei quem é você! - exigiu o homem.

- Eu sou Park Seokjin, estou cuidando da Mi Sun e... caramba, você está bem? - Jin soltou o quadro, percebendo
repentinamente que devia fazer algo a respeito já que tinha acabado de quase perfurar o crânio do homem.

Se abaixou rapidamente, o segurando pelo braço e se esforçando para ajudá-lo a se levantar.

- Park Seokjin? Irmão do Jimin? Você é o irmão mais velho do Jimin? - Namjoon teve dificuldade em recuperar o
equilíbrio, mas conseguiu se levantar, enquanto Mi Sun segurava o braço dele.

- Sim - Jin afirmou.

Namjoon olhou os próprios dedos, sujos de sangue. O corte era superficial, mas ainda assim estava doendo.

- Entendi porque o Jimin não bate bem da cabeça, pelo visto é de família - Namjoon riu, com um pouco de desespero.

Jin retorceu o rosto em uma careta nada amistosa.

- Não sou eu que estou invadindo casas à noite! - retrucou Jin - Eu tranquei a porta, como você entrou?

- Eu tenho a chave - Namjoon explicou.

- Você vai precisar de gelo! - Mi Sun gritou, perdendo totalmente a noção sobre a altura da própria voz e se virando em
direção a cozinha com rapidez. Os dois observaram ela abrir a geladeira e em seguida puxar uma cadeira para subir
em cima e alcançar as formas de gelo.

Namjoon olhou o homem ao seu lado dos pés à cabeça. Sempre desconfiou que a família de Jimin tinha alguns
neurônios a menos e ali estava sua confirmação.

- Você poderia estar armado e eu tinha uma criança para proteger. Talvez se tivesse batido na porta como qualquer
pessoa normal, isso não tivesse acontecido - Jin disse, em defesa própria.

Namjoon riu mais uma vez. Inacreditável.

❁❁❁

A música alta e as luzes piscantes, aquela quantia absurda de pessoas estranhas se sacudindo vulgarmente fez com
que Taehyung se arrependesse no exato instante que pisou no interior da boate.

Ele pensou em dar meia volta, mas tinha gasto dinheiro na entrada, então permaneceria ali por pelo menos uma hora
para não ter sido inútil.

Ele suspirou profundamente.

- Vocês sabem as regras ou eu preciso falar? - Jimin disse, quase gritando, para que sua voz se sobressaisse a todo
aquele barulho. Sana, que tinha passado o caminho todo olhando para Taehyung como se ele fosse um pedaço de
carne, já estava começando a se tornar assustadora.

- Existem regras? - Taehyung ergueu uma sobrancelha, seu olhar intercalando entre os três que o acompanhavam.

- Regra número um: todos viemos no mesmo carro, então que ninguém pense em ir embora antes de avisar os outros.
Vocês dois estão me ouvindo? - Jimin disse, olhando com visível ameaça para Jungkook e Taehyung, que assentiram
instintivamente e em sincronia.

- Regra número dois: não leve um desconhecido junto quando formos voltar para casa, isso sempre fica constrangedor
- Sana acrescentou.

- Regra número três: não fiquem com ninguém do nosso grupinho, ninguém tá afim de aturar climão e todos nós
somos obrigados a conviver uns com os outros - Jimin disse.

- Que regra estúpida é essa? - Sana protestou. Taehyung tentou ignorar o olhar que ela lhe lançou antes de terminar a
frase.

- É a porra da regra, Sana, não gostou pede pra sair! - ele replicou. Ela lhe mostrou a língua. - Muito maduro da sua
parte.

- Tem mais alguma coisa? - Jungkook cruzou os braços.

- Ah, não se refiram um ao outro como "o pai da minha filha" ou usem o termo "nossa filha" se forem mencionar a Mi
Sun em algum diálogo. Fica muito aberto a interpretação e vocês não vão pegar ninguém se ficarem falando isso -
Jimin fez uma careta.

- Mas a gente não quer... - Jungkook nem terminou a frase.

- Você quer vir tomar alguma coisa comigo, Taehyung? - Sana sorriu, segurando a mão dele e três as suas de forma
rápida e o olhando nos olhos.

Sana era bonita, ele não podia negar este fato. Os cabelos soltos, a boca manchada de um batom vermelho que
parecia da cor do pecado e um decote um tanto revelador, faziam dela algo atraente e sensual, como a própria
personificação da palavra "luxúria".

No entanto, diferente da maioria dos homens, ele só conseguia pensar em fugir dela ao invés de se jogar de cabeça.

Ele bem que tentou, de forma desesperada, olhar para Jungkook e Jimin em busca de algum auxílio, mas não houve
tempo, já que quando pensou nisso já estava sendo arrastado pela mulher.

Jungkook esticou a mão para segurá-lo, apenas para fazer a pergunta novamente e certificar que ele estava indo por
vontade própria e não apenas porque tinha uma certa dificuldade com a palavra não, mas antes que seus dedos
tocassem o braço do loiro, ele já tinha se afastado. O moreno fez uma careta, observando de longe enquanto sua
amiga o levava em direção ao bar, com aquele típico sorriso predatório.

Jimin se aproximou dele, cruzando os braços um pouco incrédulo.

- Aish, o que foi isso agora? - perguntou ele.


- Você sabe como a Sana é - Jeon respondeu, ainda com aquela careta no rosto, observando atentamente cada
reação de Taehyung. A forma como ele se sentou com timidez no banco e continuou sorrindo para Sana de um jeito
gentil. - Ela gostou dele e vai fazer de tudo para levar o Taehyung por hoje.

- Taehyung não vai se interessar por ela - Jimin torceu o nariz. - Ela não faz o tipo dele.

- Hum... - Jungkook murmurou.

Os dois não se moveram. Deveriam estar se misturando e aproveitando a música e o clima, mas ficaram plantados
como dois idiotas perto da porta, apenas observando seus amigos rindo junto ao bar.

A maioria das pessoas já teve pelo menos dois amores em toda a vida, afinal se apaixonar e se desiludir é algo natural
do ser humano. Criaturas feitas e nascidas para amar e serem amadas, mas no caso dele, nunca foi bem assim.

Só se apaixonou uma única vez, de forma tão devastadora que era difícil pensar que aquilo poderia acontecer
novamente.

Song Jiayu era aluna de ballet da escola que ficava ao lado do orfanato em que ele cresceu. A primeira vez que seus
olhos pousaram sobre a garotinha, ela tinha seus dez anos e ele tinha treze. Não havia nada romântico ainda, apenas
uma admiração genuína e uma gratidão inexplicável por ela lhe cumprimentar todos os dias com aquele sorriso
radiante.

Ela quem se aproximou, determinada a conquistar sua paixão secreta, o garoto bonito que costumava jogar bola ali
onde ela passava rumo a suas aulas.

Taehyung não estava muito acostumado com gentileza e bondade, foi fácil cair por ela quando ela lhe entregou algo
que ele nunca tinha tido até aquele momento: amor.

Crescer encontrando Jiayu todos os dias fez com que a amizade deles, acima de qualquer coisa, se tornasse algo tão
forte que era como se fossem uma única pessoa. Sabiam todos os segredos um do outro, sabiam todos os gostos e
desgostos.

Taehyung se apaixonou, violenta e drasticamente sem nem perceber. Foi algo tão natural que em uma manhã,
enquanto ouvia sua amiga falar sobre como o ensino médio estava sendo torturante, ele apenas percebeu que estava
perdido de amores por ela.

Depois disso, as coisas pareceram fluir naturalmente como um rio. Jiayu o amava também, ele sempre soube disso e
ela jamais fez questão de esconder.

Namoro, casamento, a chegada de Mi Sun. Olhando para trás agora, tudo parecia apenas um sonho bom e perfeito,
algo que ele definitivamente não acreditaria que tivesse sido real se não fosse pela garotinha que vinha lhe acordar
com beijinhos.

Em resumo, Kim Taehyung não se achava capaz de amar alguém daquela forma novamente. Não podia haver alguma
parte nele que fosse capaz de se entregar daquela forma. Jiayu levou tudo que ele tinha.

Por isso era um pouco desesperador, ver a forma como Sana o olhava com aqueles olhos bem maquiados e sorriso
sedutor. Ele não queria ser rude, conversar com ela estava sendo divertido e a professora tinha um carisma natural
que fazia tudo ficar leve.

Mas ele sabia de suas reais intenções e não podia dar a ela nem 1% do que ela desejava.

- Você não vai beber? - Ela perguntou. O que fez Taehyung perceber que tinha se perdido em pensamentos e
esqueceu do que a mulher estava falando segundos antes. Ela apontou o copo que estava sobre o balcão. Ele tinha
pedido a bebida mais barata, apenas para acompanhar Sana que já estava no quinto copo de uma bebida colorida que
quase parecia brilhar no escuro.

- Para ser sincero, eu nem queria estar aqui - disse ele, apoiando os dois braços no balcão e olhando a variedade de
garrafas nas prateleiras do bar, iluminadas por luzes neon que faziam seus olhos arderem.

Sana suspirou.

Ela conhecia aquele olhar, viu ele no rosto de Jungkook por muito tempo depois da morte de Jiayu. Taehyung ainda
estava processando o luto.

- Olha, acho que seria bom você esvaziar a cabeça por algumas horas. - Sana arrastou o banquinho para mais perto,
Taehyung fingiu não notar e ela apoiou a mão no ombro dele. Os olhos dela eram gentis e Taehyung se sentiu
acolhido por um momento. - Não se sinta culpado por se divertir.

- Não é meu tipo de diversão, eu nunca fui um grande fã de boates e bebedeiras. - O loiro fez uma careta, olhando em
direção às pessoas que dançavam ao som da música alta.

Onde estavam Jungkook e Jimin?

- Você quer dançar? - perguntou Sana.

- Eu definitivamente não sei dançar, sinto muito - Taehyung respondeu. Ele olhou na direção dela, se perguntando o
que podia fazer para parecer no mínimo interessado na companhia dela. Ele a queria por perto, afinal Jungkook e
Jimin tinham desaparecido de seu campo de visão e ele não queria ficar sozinho. - Você conheceu a Jisoo?

Sana revirou os olhos, como se Taehyung tivesse acabado de tocar no nome de alguém que ela preferia não lembrar.

- Eu realmente não apoio rivalidade feminina, mas aquela lá... - Sana se apoiou no balcão, parecendo ter esquecido
por completo a tarefa de flertar com Taehyung e decidido que fazer fofoca seria algo bem mais agradável. Ele
agradeceu aos céus por isso. - Ela não gostava de mim. E era recíproco, sabe quando você olha pra alguém e
simplesmente não consegue engolir?

Taehyung ergueu uma sobrancelha. Sana sacudiu a cabeça de um lado a outro e bebeu um grande gole da bebida
como se fosse água.

- Eu não quero tomar partido por ser amiga do Jimin, mas é difícil. Acho que o lance era unilateral. Ele amava pra
cacete, e ela só estava confortável tendo alguém que fazia de tudo por ela. Não estou colocando Jisoo como vilã da
história só porque eu não ia com a cara dela, mas acho que foi meio injusto ela não ter acabado com aquilo antes que
fosse tão longe se não estava interessada a entrar de cabeça como o Jimin - disse ela - É um inferno ver alguém
passando por uma situação assim e não poder fazer nada. Vi isso acontecer com o Jimin e depois o Jungkook. Amor
quando vem só de um lado é um veneno.

O loiro franziu a testa, observando o olhar desolado de Sana. Pela forma como ela falava, parecia que ela tinha
tomado para si a dor de seus amigos, e talvez fosse uma grande verdade. O olhar da mulher era de alguém que via
algo injusto e se sentia impotente por não poder mudar.

E foi quando ele captou o que ela tinha dito.

- Jungkook? - ele repetiu, com as sobrancelhas unidas em confusão.

Sana encarou o copo como se tivesse acabado de fazer uma merda muito grande. Sua mente desligava um pouco
quando ela se empolgava e acabava dizendo o que não devia, um péssimo hábito.

Ela olhou em volta, como se tivesse medo que seus amigos fossem surgir do nada sabendo que estava falando deles,
em seguida se inclinou mais na direção de Taehyung.

- É, você sabe... Jiayu - ela disse, com um olhar atento. Ao mínimo sinal de que Taehyung também considerava o
nome da ex-mulher como um assunto proibido, ela engoliria o resto da bebida e sumiria na multidão. No entanto, ele
parecia ansioso pelo que ela ia dizer. - Ela não amava Jungkook. Todo mundo sabia disso, o próprio Jungkook sabia
disso.

Taehyung piscou devagar, tentando absorver aquilo.

- Jiayu não se casaria com ele se não o amasse - ele replicou - Eu conhecia ela como a palma da minha mão, Jiayu
não teria feito isso com ele.

Sana suspirou.

- Mas ela fez, Taehyung. - Sana ajeitou a postura, juntando as mãos graciosamente sobre o colo e o olhando com um
pouco de pena. - Jungkook se apaixonou de verdade, ele a amava e por isso ele fingiu que não sabia. O que na minha
opinião foi uma falta de amor próprio do caramba.

Sana bebeu o resto da bebida e bateu o copo com força no balcão.

- Acho que no fundo ele tinha esperança que ela fosse retribuir o que ele sentia, mas as coisas não são como em um
conto de fadas. - Sana suspirou, olhando com total desânimo para o copo vazio. - Achei que vocês já tivessem
conversado sobre isso.

- Não falamos da Jiayu - Taehyung disse, procurando Jungkook com o olhar, mas ainda sem conseguir avistá-lo.

- Acho que deveriam. Sabe, é melhor que ficar remoendo as coisas. Desde jeito acho que os dois acabam tendo
visões erradas um sobre o outro. Acho que você e o Jungkook são mais parecidos do que pensam e talvez se
conversassem honestamente conseguiriam ver isso - Sana sorriu gentilmente - E você pode ficar tranquilo, eu não vou
mais flertar com você.

Taehyung abriu a boca, mas não sabia bem o que falar, o que fez com que ele ficasse um tanto patético e
boquiaberto. Ela riu.

- Você não precisa se preocupar, eu te achei um gato, mas se não está interessado em mim eu vou partir pra alguém
que esteja. - Ela apoiou a bochecha na palma da mão, parecia completamente tranquila com a rejeição.

- Você é linda e conversar com você é ótimo, só que... - Taehyung tentou, mas foi interrompido.

- Você ainda não está pronto pra esse tipo de coisa, eu entendo, vá por mim. Na verdade eu acho que é melhor nós
nos tornamos bons amigos apenas, afinal, eu não gosto de nada sério e você parece o tipo de cara que leva tudo a
sério - disse Sana.

Ele franziu a testa.

- Eu sou do tipo que prefere manter as coisas puramente carnais - ela continuou, passando a ponta do dedo indicador
na borda do copo para se distrair. - Não gosto de ficar com a mesma pessoa mais de duas vezes. Você não acaba
gostando de verdade de alguém com quem dormiu só uma vez e nunca mais viu.

- Qual o problema de gostar? - ele perguntou.

Ela deu de ombros.

- É só o que os caras querem, afinal, não é mesmo? É essa a razão pela qual a maioria dos relacionamentos acaba
depois que vem os filhos. A maioria dos homens só quer um corpo para se satisfazer, se eles levam a vida assim, eu
também posso. Eu sei que existem exceções, mas é difícil de encontrar. - Sana olhou para ele, jogando os cabelos por
cima do ombro e abrindo um sorriso que não chegou aos olhos. - Quem sabe o dia que eu encontrar um cara que
consiga falar comigo olhando nos meus olhos ao invés do meu decote eu repense sobre essa coisa de romance.

Ela deu dois tapinhas na coxa dele e em seguida bateu no balcão e se colocou de pé, puxando o vestido justo para
baixo até que ele estivesse perfeito novamente.
- Eu vou te deixar em paz agora e tentar descobrir onde aqueles dois panacas estão. Tente se divertir. - Sana piscou
para ele.

Taehyung sorriu para ela, tentando esconder o seu desespero ao ver a mulher se afastar. Ele sabia como aqueles
lugares funcionavam e agora estava usando todas as rezas que aprendeu na igreja quando criança para pedir aos
céus que ninguém o achasse interessante ao ponto de se aproximar.

- Você conseguiu espantar a Sana? - Ele se virou de forma tão ágil que sentiu o ombro doer levemente, mas nada
muito extraordinário. Jungkook, que estava sentado no banco do seu outro lado, parecia muito tranquilo com o
canudinho colorido enfiado entre os lábios e um olhar um pouco sugestivo em direção ao loiro.

- Há quanto tempo você está sentado aí?! - Kim exclamou.

- Menos de oito segundos. - O moreno colocou o copo já pela metade sobre o balcão e olhou o copo cheio de
Taehyung com uma careta. - Aish, isso não vai te deixar bêbado! Vamos começar com algo leve, mas nem tanto.

Ele olhou em direção a bartender, uma mulher com traços europeus e olhos azuis que pareciam congelar a alma de
quem ousasse encará-los.

- Queremos uma vodka! - Ele piscou para a mulher, de um jeito tão natural que chegou a surpreender o loiro. Ele olhou
para Taehyung, apoiando as duas mãos sobre o balcão assim como ele. - Então, a Sana acabou descobrindo quão
entediante você é?

- Ela na verdade estava muito interessada, se você quer mesmo saber. - Taehyung empinou o nariz, se recusando a
olhar para ele. - Eu só acho que ela percebeu que não estou interessado nesse tipo de coisa.

Taehyung olhou para o Jeon com o canto dos olhos.

- Vocês dois já... - Taehyung esteve com aquela dúvida entalada na garganta o caminho todo. Pela forma como Sana
falava de si mesma e a forma como Tae e Jungkook falavam dela, a mulher definitivamente não poupava ninguém, o
que o levou a pensar muito sobre a coisa que muitas pessoas chamavam de "amigos com benefícios".

- Não. - Jungkook respondeu prontamente, antes que ele terminasse a frase. - Sana e eu realmente nunca foi nada
além de amizade.

- E o Jimin? - O loiro agradeceu com um sorriso quando a bartender deixou um copo baixinho com líquido transparente
onde vários cubos de gelo estavam mergulhados e uma rodela de limão estava presa na beirada do copo. Ele olhou
com uma careta.

- Se você descobrir um dia me conte. Eles já se conheciam antes que eu conhecesse o Jimin, o que me faz acreditar
que sim, mas eles nunca falaram nada e eu não vou ficar perguntando - Jungkook deu de ombros, prendendo o
canudinho entre os lábios novamente. Ele engoliu rapidamente e se inclinou na direção do loiro. - Bebe aí.

- O cheiro é forte. - Taehyung levou mais perto do nariz, quase conseguia sentir o cheiro de álcool puro. - Você disse
que ia começar com algo leve.

- Você definitivamente não sabe nada sobre os drinks que eles servem aqui - Jungkook apontou um grupo de pessoas
que estavam mais afastados. - Eu ainda tenho certa desconfiança com esse tipo de bebida que brilha.

- E você toma essas coisas? - Taehyung perguntou, ainda decidindo se devia beber.

Jungkook sorriu.

- Claro que sim - respondeu.

- Você vem sempre aqui? - Taehyung perguntou, colocando os lábios contra a beirada do copo e permitindo o líquido
molhar a boca apenas para testar.
- Essa foi bem barata, você precisa melhorar suas táticas de conquista - Jungkook provocou.

- Vai se foder, Jeon - retrucou Taehyung. Ele fez uma careta assim que sentiu o gosto amargo em sua língua e afastou
o copo da boca. - Aigoo, isso é horrível!

- Se você beber até o final - O moreno sorriu ladino. - Eu lavo a roupa sozinho por um mês inteiro.

Mesmo com apenas dois meses vivendo sob o mesmo teto, não demorou para ambos decorarem as tarefas mais
odiadas pelo outro. Jungkook tinha um pavor tão grande de lavar a louça que fazia o possível para fugir disso. Já
Taehyung mataria para escapar da roupa suja.

Lavar, passar, dobrar e guardar eram seu pior pesadelo.

Ele estreitou os olhos, com o típico olhar que fazia todas as vezes que era desafiado. Taehyung segurou o copo. A
coisa mais forte que já tinha bebido na vida era vinho e nunca mais que uma taça. Vodka além do cheiro e do sabor
não o agradarem, até onde ele sabia tinha um teor alcoólico suficiente para fazê-lo ver estrelas.

Mas não podia ser tão forte a ponto de lhe tirar a consciência e o domínio próprio.

Prendeu a respiração, como se fosse tomar um remédio amargo e colocou o copo na boca. Não demorou para
terminar de beber até a última gota, deixando apenas os cubos de gelo. Ele sentiu aquilo queimar a garganta e todo o
trajeto que a bebida fez até seu estômago.

Bateu o copo na bancada com força e fechou os olhos, sentindo um arrepio percorrer sua espinha. Isso durou alguns
segundos e Jungkook nem piscou, com um sorriso divertido nos lábios.

Taehyung passou a língua pelos lábios e abriu os olhos umedecidos e olhou para o moreno, com seu ego totalmente
inabalado e um olhar vitorioso apesar de quase ter partido para uma melhor por conta da bebida.

- Foi tão ruim assim? - Jeon perguntou.

- Horrível - Taehyung afirmou.

Jeon riu, olhando a própria bebida. Ele mesmo não era um grande fã de bebidas fortes e puras, talvez tivesse sido
maldade ter feito aquele desafio.

Ele olhou a mulher atrás da bancada.

- Pode trazer uma Pinã colada, por favor - ele pediu.

- Não me traz mais disso, eu só quero um pouco de água - Taehyung resmungou, empurrando o copo para longe.

Jungkook brincou com o canudinho, cutucando um cubo de gelo.

- Essa você vai gostar. Você gosta de coisas doces e não é tão forte - respondeu ele, com indiferença.

- Se ficar aqui comigo ninguém vai vir paquerar você - disse Taehyung. Ele puxou o guardanapo que estava debaixo
do copo vazio e começou a dobrar. Era um hábito muito frequente e curioso, despertava um certo déjà vu, sempre que
Jungkook observava.

O tsuru que ele encontrava diariamente espalhado pelos cômodos da casa aparecia sempre que Taehyung ficava
nervoso, desconfortável ou ansioso. Talvez fosse sua forma de se acalmar, dobrar o papel até ele tomar a forma de
um pássaro.

O moreno suspirou.

- Não quero que ninguém venha me paquerar e suponho que você não queira que ninguém faça o mesmo com você -
Jungkook disse, com seus olhos atentos a cada movimento das mãos do loiro.
Taehyung riu com certo desespero.

- Eu na verdade odeio a ideia de paquerar estranhos - replicou o loiro, com um olhar fixo no guardanapo, seus lábios
como sempre estavam um pouco esticados para a frente, o típico gesto de concentração. - Não conseguiria beijar
alguém com quem eu não tenha o mínimo de convivência.

A bartender colocou a taça torneada grande e cheia até o topo com um conteúdo de tom amarelado, com gelo e um
guarda-chuva em miniatura que o fez se sentir em um bar latino.

Taehyung empurrou o pássaro já terminado de lado. Ele examinou a bebida com curiosidade e como sempre fazia,
cheirou.

- Abacaxi? - perguntou.

Jungkook assentiu.

- Eu prometo que dessa você vai gostar - disse o moreno.

- Não confio em você - Taehyung retrucou, mas mesmo assim, segurou o copo e levou até a boca, apenas
umedecendo os lábios com a bebida gelada e testando o sabor na língua.

Jungkook riu quando os olhos do loiro se abriram mais, com surpresa pelo gosto bom da bebida. Taehyung bebeu o
segundo gole sem medo, e Jungkook o observou com atenção. Parecia estar testando algo completamente novo,
coisa de outro mundo.

Algo que para ele era tão simples e insignificante, era uma experiência nova para Taehyung e isso o fez pensar sobre
muitas coisas.

Ele sabia que Taehyung passou a infância e adolescência em um orfanato, sabia que tinha se casado com Jiayu ainda
muito jovem e que logo em seguida já se alistou para o exército.

Tantas coisas que tinha perdido de provar e o moreno sequer conseguia pensar nos motivos.

O que levou Kim Taehyung a largar tudo para se enfiar no meio da morte e destruição de forma voluntária?

- Não posso beber muito. Um de nós precisa estar sóbrio para dirigir - Taehyung disse, mesmo sem sequer cogitar
parar de beber aquilo.

- A minha bebida não tem álcool, eu vou ficar sóbrio, você não tem que se preocupar - respondeu Jeon. Ele esticou a
mão para pegar o pássaro de papel que Taehyung tinha acabado de fazer e observou as dobraduras delicadas com
um sorriso discreto.

❁❁❁

- Espera, mas tenta entender, tá? - Taehyung pausou seu discurso mais uma vez para soluçar. Jungkook acreditava
que ele estaria totalmente amargo e mal humorado no dia seguinte quando percebesse que tinha passado o limite do
álcool. A voz arrastada e completamente enrolada fez com que Jungkook ficasse ainda mais entretido, quase nem
piscava enquanto Taehyung tentava se expressar de forma falha. - Se eu estiver aqui na Coréia do Sul e você estiver
na Coréia do Norte...

- Hum... - Jungkook murmurou, apenas para que Taehyung tivesse a certeza que ele estava prestando atenção.

- Eu atiro em você - Kim usou os dedos para simbolizar a arma e fechou um dos olhos para encenar tudo,
acrescentando até o barulho do tiro com a boca, um "pow" que Jungkook definitivamente queria ter gravado para a
posteridade. - Eu deveria ser julgado por qual dos dois países? Porque se eu estou aqui e você está aí... não, pera...
se eu estou aqui e você está lá, hipoteticamente falando, eu deveria ir para a cadeia aqui ou lá?

Jungkook riu.
- Você não está me levando a sério, eu cansei - Taehyung se virou no banco, apoiando os braços sobre o balcão e
olhando para a mulher que já tinha lhe trazido cerca de oito bebidas diferentes, todas as que Jungkook lhe dizia para
provar. - Moça eu quero...

- Água - Jungkook interrompeu, com um olhar sério para ela que assentiu para ele em concordância.

Taehyung uniu as sobrancelhas, irritado.

- Não me irrita, pirralho - Kim disse. Ele colocou a mão na testa, para sustentar o peso da cabeça e suspirou. Ele riu
em seguida. Tinha feito isso tantas vezes na última hora que Jungkook chegava a se surpreender. Uma risada que
vinha do fundo da garganta, provocada unicamente pela embriaguez, mas que ainda era algo bom de se ouvir. Mais
um soluço, desta vez mais alto já que veio no meio de uma gargalhada.

Jungkook olhou em volta. Não havia sinal de Sana e Jimin. A mulher havia se aproximado dele uma única vez para lhe
pedir que guardasse o brinco já tinha perdido a tarraxa.

- Você não acha que bebeu demais? - Jungkook perguntou.

- Eu sou adulto, sei quando parar. - Taehyung se esticou, querendo sustentar sua fala, mas não passava muita
confiança. Ele suspirou, se virando completamente no banco, de forma que seus joelhos tocaram os do moreno e ele
se apoiou de lado no balcão.

Os olhos de Taehyung, imersos em um brilho divertido que Jungkook nunca tinha visto, se fixaram nele. Não estava
mais arredio e relutante, não como Taehyung sempre era com ele. Não havia uma gota de mágoa ou daquela velha
rivalidade.

O loiro se inclinou para a frente, sem a menor noção de espaço. Jungkook não quis o assustar e por conta disso não
se moveu, deixando que ele chegasse perto.

Olhou para ele e ergueu uma sobrancelha.

- Você me odeia, Jeon Jungkook? - perguntou o Kim, com aqueles olhos enormes bem diante dos de Jungkook, o
olhando como se pudessem detectar a menor das mentiras.

- Não. - Foi a resposta sincera. Taehyung manteve os olhos quase fechados. - E você me odeia, Kim Taehyung?

O loiro estalou a língua.

- Só quando você me provoca - respondeu ele.

Taehyung pegou um dos vários guarda-chuvinhas coloridos que estavam espalhados pelo balcão e começou a
equilibrar no pássaro de guardanapo que havia feito há pouco tempo. Jungkook apenas observou a forma adorável
como ele sorriu quando conseguiu.

- Eu vou dar meu passarinho com guarda-chuva para você. - O loiro empurrou o dito guardanapo dobrado em direção
ao moreno com um sorrisinho. - É a minha oferta de paz.

Jungkook olhou o pássaro e sorriu.

- Então somos amigos agora? - perguntou Jeon.

- É o meu tsuru especial da amizade, então sim. - Taehyung olhou para ele. Provavelmente não lembraria de nada na
manhã seguinte, afinal tudo que acontecia parecia parte de algum sonho estranho que ele não podia controlar e que
sumiria de sua mente assim que abrisse os olhos pela manhã.

Jungkook olhou para o origami por alguns segundos parecia ponderar algo e em seguida seu olhar, aquelas íris
castanhas se focaram em Taehyung. Lhe deram um choque de sobriedade no mesmo instante, o fazendo recordar
que por alguma razão estranha que ele não lembrava bem, não podia olhar muito fixamente naqueles olhos.
- Eu preciso achar o Jimin - disse Taehyung repentinamente, decidindo se colocar de pé. Ele só não contava que
todos os seus sentidos estavam completamente embaralhados e comprometidos pela quantia absurda de álcool que
havia em suas veias.

Ele pisou no chão, mas sentiu como se estivesse pisando em uma cama elástica. Foi desesperador, ver tudo girando e
sentir seu corpo mole.

Jungkook se levantou junto com ele, segurando Taehyung pelos dois braços para mantê-lo de pé. O loiro segurou a
camiseta dele com as duas mãos, ainda olhando em volta. As luzes piscantes, o som alto e aquilo tudo girando e
girando.

- Acho que é hora de ir para casa, não é? - Jungkook riu, olhando de perto o rosto confuso dele. Taehyung parecia
estar em outra dimensão.

Ele olhou para Jungkook. O moreno ainda estava o segurando, Taehyung definitivamente não conseguia lembrar de
como se mover. Seu estômago deu uma cambalhota violenta que foi suficiente para fazê-lo recobrar os sentidos e
empurrar o moreno para longe.

Colocou a mão sobre a boca e cambaleou na direção onde tinha visto a placa do banheiro. Foi difícil segurar sua
vontade de vomitar e tentar percorrer a distância até o banheiro sem cair no chão, mas ele conseguiu.

Empurrou a porta com força, indo até uma das cabines e caindo de uma forma desajeitada e dolorida de joelhos.
Ergueu a tampa da privada com desespero e agarrou a cerâmica fria dela com as duas mãos enquanto despejava
absolutamente tudo que tinha no estômago.

Ele ouviu os passos de alguém entrando no banheiro e sequer se deu o trabalho de olhar por cima do ombro para ver
Jungkook. Taehyung não se sentiu constrangido por aquilo, sequer se importava, não quando sua cabeça estava vazia
como um balão e seu estômago devolvendo tudo que ele tinha colocado para dentro.

Jungkook observou a figura ajoelhada no chão. Ele respirou fundo e entrou na cabine, não sem antes olhar em volta
para garantir que ninguém estava presenciando aquilo.

Em seguida fechou a pequena porta, com certa dificuldade pela falta de espaço e deslizou pela parede do cubículo até
estar sentado no chão frio, espremido perto de Taehyung e esticou a mão para dar tapinhas nas costas dele em sinal
de apoio.

- Eu odeio álcool - Taehyung murmurou limpando a boca com a manga da camisa social e fechando a tampa da
privada para dar descarga. - Me lembre de nunca mais beber de novo.

Ele se sentou no chão, apoiando as costas contra a parede de metal frio e encolhendo as pernas perto do peito.
Jungkook continuou sentado no chão de frente para ele, observando Taehyung entrar na fase de depressão pós-
bebedeira.

O loiro apoiou a cabeça contra a parede e fechou os olhos.

- Minha cabeça está tão leve, isso é normal? Parece um balão... - Ele encheu as bochechas de ar para evidenciar sua
comparação e soprou em seguida. Jungkook só conseguia rir daquele estado em que Taehyung se encontrava, ele
supôs que depois de todas aquelas risadas no bar, ele acabaria entrando na fase da depressão antes de apagar por
completo e acordar ranzinza no dia seguinte por conta da ressaca. - Oh, eu acho que vou vomitar de novo.

- Vá em frente. - Jungkook apenas indicou a privada com um movimento sutil do queixo. Taehyung fez uma careta
apenas de pensar em fazer aquilo de novo.

Os olhos de Taehyung, completamente foscos pela embriaguez, se mantiveram presos na privada, como se ele
repentinamente tivesse pensado em algo profundo que provavelmente o levaria à fase da depressão.

- Você acha que os peixes vomitam? - ele perguntou, em um sussurro. O moreno precisou se conter para não rir. O
homem fez a pergunta com tanta seriedade que parecia estar questionando o propósito da vida. Taehyung olhou para
ele, com uma careta completamente irritada. Sua voz ainda estava toda enrolada quando disse: - Não faça essa cara,
aish!

- Que cara? - replicou Jeon.

- Essa cara de merda que você faz quando quer caçoar de mim. Você deveria me respeitar, seu moleque! - Taehyung
ergueu o dedo para apontar para ele, mas piscou e encarou a própria mão sem a menor noção do que fazia com que
ela se movesse tanto. A coordenação motora já estava completamente imersa no álcool. - Eu sou bem mais velho.
Deveria me chamar de hyung, além do mais. Eu lá te dei intimidade para me chamar pelo nome?

- Quer que eu te chame de hyung? - Jungkook riu. Estava sendo mais divertido do que ele pensava. - Você mesmo me
disse quando nos conhecemos para abandonar os honoríficos e te chamar de só de Taehyung como seus amigos do
exército faziam.

- Eu mudei de ideia. O Jimin, aquele desgraçado, me disse que você não era bonito. Ele jurou pra mim, acredita? E eu,
idiota, cai no papo dele como sempre. Burro demais, Taehyung, burro demais! - A voz do loiro estava tão arrastada
que Jungkook considerou tirá-lo dali erguido e levá-lo para casa o quanto antes, mas a conversa estava ficando
interessante e ele adoraria ter coisas para jogar na cara de Kim no dia seguinte.

- Ah, você me acha bonito? - O moreno ergueu a sobrancelha, com um sorrisinho ladino.

- Eu fiquei com raiva porque eu queria que você fosse feio. - Taehyung suspirou, olhando o chão daquele banheiro que
provavelmente estava contaminado com inúmeras coisas, mas mesmo assim os dois permaneciam sentados ali. - Eu
me sentiria muito melhor comigo mesmo se você fosse feio, mas nãoooo, você tinha que ser um tremendo filho da
puta teimoso e bonito pra cacete, eu te odeio, francamente.

- Isso vai voltar para te assombrar quando estiver sóbrio, estou tão ansioso por isso - Jungkook disse, sem tirar os
olhos dele.

- Não pense que eu estou dando em cima de você, eca. - Taehyung fez ânsia e ajeitou a postura para tentar ficar mais
confortável. - Eu definitivamente preferia lamber esse chão do que... do que... de que eu estava falando mesmo?

- Sobre flertar comigo - Jungkook o lembrou gentilmente, pois queria ver onde aquilo acabaria.

- Eca! - Taehyung torceu o nariz. Jungkook riu.

Taehyung o olhou, com os olhos quase fechados.

- Você é loiro de verdade ou pinta? - Jeon perguntou de repente, para sanar sua curiosidade.

- Claro, Jungkook, eu tinha muito tempo para tingir o cabelo entre um ataque e outro no campo de batalha - Taehyung
retrucou.

- É raro um coreano com cabelo loiro natural - o moreno replicou.

- Deve ter sido os genes do... do progenitor. - Taehyung fechou os olhos. Ele só queria descansar um pouco. O som
abafado da música que vinha da boate fazia as paredes tremerem. Jeon franziu a testa, mas não precisou perguntar,
já que Taehyung desandou a falar, com sua voz arrastada sendo interrompida por soluços a cada três palavras. - Eu
sou órfão e... você está aí ainda?

- Claro que sim. - Jungkook deslizou o pé, cutucando a ponta do sapato social de Taehyung com seu coturno só para
lembrá-lo que estava ali. - Você está se sentindo bem?

- Minha cabeça está vazia. - Taehyung manteve aquele sorriso largo nos lábios. - Isso não acontecia há tanto tempo.
Normalmente é uma bagunça aqui dentro, agora só tem você.

Ele franziu a testa em seguida, reorganizando a frase.


- Porque você está aqui me atazanando, claro. Mas se eu estivesse sozinho não teria nada. Absolutamente nada. Só o
vazio completo - Taehyung respirou fundo, abrindo os olhos levemente. - O que é pior, estar com a mente cheia ou
vazia?

Jungkook o observou por alguns segundos. As bochechas bem coradas, os olhos tomados de embriaguez, os lábios
bem vermelhos. Taehyung era bonito, isso era fato, não era algo que o moreno em algum momento pensou em negar.
Ele não era cego, mas mesmo sendo tão bonito, tinha algo mais.

Talvez a forma como a alma quebrada olhava para ele por trás daqueles olhos escuros tivesse encontrado algo dentro
de Jeon, mas ele se perdeu por um segundo.

- Acho que é melhor a gente ir pra casa - disse ele, se esforçando para ficar de pé. Ele estendeu a mão, Taehyung
encarou em silêncio por alguns segundos. Ele pensou por uns segundos, se perguntando se conseguiria ficar de pé de
novo.

Ao ver sua demora, Jungkook se abaixou e enrolou o braço na cintura do loiro, colocando o braço dele em volta de
seu ombro para levá-lo para fora.

❁❁❁

Jungkook olhou para o relógio digital no painel que marcava 03:13 da madrugada. A rodovia estava quase vazia, com
exceção de alguns poucos veículos que passavam por ele.

Decidiu deixar Taehyung em casa e voltar para buscar Jimin e Sana mais tarde, parecia um ótimo plano.

Ele olhou com cautela para o homem que estava no banco do carona. Os dedos de Taehyung deslizavam pelos
botões do rádio enquanto ele sacudia a cabeça animadamente ao som das diferentes melodias que duravam cinco
segundos antes que ele trocasse de novo.

- Você tem certeza que não vai vomitar de novo? - Jeon perguntou, apenas por precaução.

- Oh, eu gosto dessa música - Taehyung disse, ajeitando a postura e girando o botão do volume com toda a vontade.
Os tímpanos de Jungkook doeram a ponto de ele colocar a mão sobre a do loiro para girar o botão novamente, um
toque que durou menos de cinco segundos.

- Você escuta Taylor Swift? - Jungkook sorriu provocativo, mesmo que Taehyung já não estivesse mais prestando
atenção nele.

A música encheu o carro. Taehyung apertou o botão para abaixar o vidro até a metade. O vento batendo no rosto
aliviava o calor que a bebida havia causado.

Ele apoiou a cabeça para trás, fechando levemente os olhos e sorrindo. Kim conseguiu sentir algo semelhante a um
formigamento, aquecendo seu peito. Ele estava em completa paz depois de muito tempo.

- Eu posso pedir uma coisa? - ele perguntou, abrindo os olhos de forma repentina e olhando pela janela, para os
prédios que passavam por eles na estrada quase vazia, silenciosa.

Jungkook olhou de relance para ele. O rosto de Taehyung sendo iluminado pelas luzes dos postes da rodovia. Um
sorriso permanente desenhado em sua boca como uma bela pintura.

- Me deixe na praia para ver o sol nascer? Eu prometo que volto para casa de ônibus antes do horário de preparar Mi
Sun para a aula - disse o loiro.

Ele olhou para o lado, direto para o moreno que intercalava o olhar entre o homem e a estrada.

Jungkook sentiu que se arrependeria daquilo mais tarde. Devia ouvir aquela voz racional em sua mente que lhe dizia
para apenas ignorar e levar Taehyung para casa o quanto antes por estar completamente fora de si.
Mas ele cometeu o erro de observar Taehyung sacudindo a cabeça de um lado para outro, com um sorrisinho alegre e
os olhos fechados enquanto cantarolava a música.

- This night is sKimling, don't you let It go. O wonderstruck, blushing all the way home... - Taehyung se apoiou na porta
e olhou pela janela, sentindo o vento bater no rosto e percebendo por um breve momento, que aquilo tudo não era só
um sonho maluco. Ele estava vivo. Se calou por um momento. A música, o vento, aquela sensação eufórica no peito
ao perceber que ele estava vivo e que gostava disso. Ele suspirou, apoiando a cabeça no banco e olhando em direção
ao moreno, deixando sua boca sussurrar o restante do refrão como uma espécie de confidência: - I was enchanted to
meet you...

Jungkook riu e deu a seta, pegando o desvio onde a placa indicava que a praia ficava a cerca de quatro quilômetros
dali.

Enchanted
Postando outro capítulo porque eu estou no tédio e não tenho nada pra fazer

❝Começa a divertida conversa


Contraponho todas as suas observações rápidas como
Se passasse bilhetes em segredo
E foi
Encantador te conhecer
Tudo que posso dizer é que fiquei
Encantado em te conhecer❞
(Enchanted - Taylor Swift)

❁❁❁

Sana não sabia o nome daquele homem, mas ela definitivamente estava tentando escapar da melhor forma possível.

Ele era alto, os braços eram enormes e parecia ser do tipo de homem que com certeza teria mais força que ela. Os
olhos dele cravados em seu corpo, percorrendo ele como se ela não fosse nada além de um objeto de satisfação
carnal.

Ela odiava aquela sensação, de saber exatamente o que se passava na mente dele, as coisas nojentas em que ele
pensava sobre ela e tudo que podia fazer era fingir que não estava notando.

Sana odiava se sentir vulnerável e era exatamente como estava. Mesmo sua experiência com defesa pessoal não
seriam suficientes caso ele decidisse fazer algo com ela. Porque ele era forte e escroto e definitivamente tinha o típico
olhar de homem que não aceitaria um não como resposta.

Ela olhou em volta mais uma vez.

Ela tinha três amigos homens por perto e infelizmente teria que recorrer a eles como uma maldita presa indefesa.

O mundo, ela concluiu, era podre.

Ela virou o pequeno copo na boca, engolindo aquele shot e respirando fundo ao bater o copinho no balcão.

- Você quer que eu peça ao segurança para tirar ele? - O homem que a atendia, aparentando ter em torno de seus
quarenta anos, disse para ela com um tom de voz que apenas a mulher podia ouvir. Ele obviamente já tinha notado o
desconforto dela com o olhar do homem embriagado há alguns metros de distância.
Sana negou.

- Ele não fez nada ainda, não teriam razões para expulsá-lo. - Ela suspirou. - Meus amigos estão por perto, eu estou
bem, não se preocupe.

Ela bateu na bancada com as unhas muito bem feitas, pintadas de um tom preto cintilante, e abaixou o olhar. Viu o
homem se mexer e já sentiu o coração disparar no peito.

Pavor.

Mesmo estando cercada de pessoas, mesmo que houvesse dezenas de pessoas ali que poderiam ajudá-la caso
gritasse por socorro, Sana desejou que sua voz tivesse o mesmo efeito do que a voz de um homem.

Que ela pudesse dizer com autoridade que não estava interessada sem que um homem precisasse falar por ela para
que sua vontade fosse atendida.

Ela observou com o canto dos olhos, fingindo estar distraída quando o homem se aproximou dela e sentou no banco
vazio ao seu lado. O barman ficou atento, um aceno mínimo da cabeça indicando que bastava um mínimo gesto dela
para que ele chamasse o segurança.

Ela se sentia simplesmente patética.

O homem se aproximou até demais, o hálito regado de álcool pairou contra a bochecha dela, a fazendo cravar as
unhas nas palmas das mãos e engolir seco.

- Boa noite, gracinha - ele sussurrou, a voz denunciando a embriaguez.

- Não estou interessada - disse Sana de imediato.

Ela podia lidar com aquilo. Foi o que quis acreditar.

A postura do homem não se abalou, ele apenas soltou uma risadinha sarcástica e se ajeitou no balcão.

- As difíceis são as melhores. - A mão quente e pesada do homem pousou no joelho dela. Sana fechou os olhos,
maltratando ainda mais a palma das mãos com as unhas, prendendo a respiração com o pânico daquele toque sujo. O
homem era bonito, ela não podia negar, mas era seu olhar malicioso e sua total falta de respeito que o tornavam algo
repugnante.

Sana precisou de muita coragem para agarrar a mão do homem, fazendo questão de cravar as unhas com força na
pele dele e afastar a mão de seu joelho com um olhar severo.

- Eu disse que não estou interessada - disse ela, com mais agressividade e elevando um pouco o tom.

O sorriso do homem se desmanchou gradativamente. A raiva relampejou em seus olhos pela rejeição e era
normalmente naquele momento que Jungkook surgia e o ameaçava para que saísse dali, no entanto isso não
aconteceu.

- Você está achando que é grande coisa? Olhe para mim... - O homem apontou para si mesmo. - Deveria se sentir
feliz por um homem como eu querer trepar com uma baranga como você.

Sana não pensou que aquilo pudesse piorar, mas aparentemente podia.

- Talvez se você não fosse tão escroto e nojento conseguisse alguém que quisesse dormir com você. - Ela se
levantou, pegando a bolsinha que estava sobre a mesa e tirando o dinheiro para pagar pelo que tinha consumido.
Suas mãos estavam tremendo, ela torcia para que ele não notasse. - Você merece ser castrado, seu filho da puta!

Ela jogou o dinheiro sobre o balcão e se virou, disposta a sair dali às pressas. Não importava se teria que ir embora
correndo, se teria que gritar por algum de seus amigos, ela só queria sair dali o quanto antes.
Sentiu a mão forte do homem se fechando em seu pulso a ponto de doer. Ele a puxou com força e por estar de salto
alto, Sana desequilibrou um pouco. Mas não suficiente para que seu reflexo perdesse a força.

Com toda a força, sem se importar com mais nada, ela fechou o punho, colocando tudo de si em um soco firme que
fez o osso do pulso doer e seus dedos estalarem.

A dor foi horrenda, mas fez com que a pressão no outro pulso aliviasse o suficiente para ela se afastar alguns passos
e observar o estrago. O homem colocou o dorso da mão contra as narinas, Sana ofegou ao ver o sangue correr dali e
manchar a mão e o rosto do homem.

Ele olhou na direção dela, com sangue nos olhos e Sana, que segurava o próprio pulso por conta da dor, arregalou os
olhos.

- Sua vadiazinha de merda! - Ele resmungou, com sangue nos olhos. Algumas pessoas que estavam por perto,
homens e mulheres se viraram em direção a eles, não na intenção de intervir, mas de observar o desfecho.

O homem levantou, e ele era no mínimo vinte centímetros mais alto. Ele deu apenas um passo na direção dela antes
que duas pessoas se colocassem entre eles. Um segurança, que tinha quase o mesmo tamanho do homem e um
olhar ainda mais autoritário, e Jimin, que puxou a mulher pelos ombros para se afastar ainda mais.

- Vou ter que pedir que você se retire... - falou o segurança. Aparentemente o homem começou a resistir, mas Sana
não teve como ouvir o restante ou saber o desfecho, já que estava sendo arrastada, apressadamente, em direção a
saída dos fundos.

Jimin conhecia como a palma da mão, era fácil de sumir na multidão e encontrar a saída de emergência que não era
utilizada por ninguém. Isso os deixaria na rua de trás da boate, um beco que provavelmente era ainda mais perigoso
do que a saída da frente, mas ela não de importou.

- Porra, eu estava lá do outro lado, me perdoa pela demora, Sana, eu estou me sentindo horrível! Ainda bem que você
acertou aquele cara, eu juro que ele não teria saído daqui sem no mínimo duas costelas quebradas se eu pegasse
aquele desgraçado! - Jimin tagarelou, ainda com os braços em volta dela como se quisesse usar seu corpo como um
escudo humano.

Sana tinha duas opções: chorar por ter sido assediada ou fazer como sempre fazia em situações como aquela. Ela
fingia normalidade, como se fosse apenas uma rotina infeliz e que não a afetaria em nada.

Sempre haveria homens como aquele e ela não podia evitar trombar com eles de vez em quando. Sua vida tinha que
seguir apesar disso.

- Jungkook e o Taehyung... - Ela tentou não deixar o pavor transparecer na voz, mas foi inevitável a forma como
tremeu.

Jimin a arrastou para aquele beco escuro, sendo iluminado por uma única lâmpada cuja luz já estava fraca. Era
escuro, úmido e cheirava a mofo e lixo, mas era mais seguro do que o interior da boate.

Park empurrou a amiga com delicadeza contra a parede, sabendo que ela precisaria se apoiar em algo e olhou nos
olhos dela com seriedade de um jeito que fez as pernas da mulher fraquejarem quando ela percebeu que estava
segura.

- Respira fundo e me diz onde dói. - Ele estava muito calmo. Óbvio que estava, não foi ele quem passou por aqueles
três minutos infernais. Sana sentiu um pouco de raiva daquilo, no entanto não demonstrou e apenas obedeceu,
respirando fundo. Jimin era homem e jamais entenderia o terror que ela havia passado, mas ela não podia ser
grosseira apenas por essa razão, não quando ele estava ali dando seu melhor para ajudá-la.

- Acho que quebrei meu pulso. Ou chegou perto disso - ela respondeu. Ele pegou o braço dela, erguendo a mão da
mulher com delicadeza e observando os dedos trêmulos. Não estava quebrado, mas com toda a certeza estava
torcido de forma feia. Os dedos já estavam arrochados pela pancada.

- Vamos ver um médico amanhã pela manhã. Jungkook foi deixar o Taehyung em casa e ligou para avisar que vem
nos buscar depois, mas acho que podemos pegar um táxi. - Jimin olhou em volta, como se houvesse algo ou alguém
naquele beco além dos sacos de lixo e ratos de esgoto. Ele puxou o celular do bolso para checar a hora.

- Vamos pra sua casa, seu apartamento fica há quatro quadras daqui e podemos ir a pé - Sana sugeriu, massageando
o pulso dolorido.

Jimin lhe lançou aquele olhar típico de quem odiava a ideia, mas ela rebateu lançando seu típico olhar pidão. Ele não
resistia.

- Jennie é minha vizinha...

- Se você ver a Jisoo eu deixo falar que transou comigo, assim vai causar impacto e não vai ficar com cara de tacho -
ela disse, se abaixando para abrir a fivela da sandália, mas Jimin se abaixou diante dela para fazer isso antes que ela
chegasse a se curvar.

Ele lutou bravamente contra aquela fivela minúscula, erguendo o olhar para encarar o rosto de Sana, que mesmo no
escuro era visível que tinha aquela expressão de "eu acabei de passar por um momento difícil, seja um bom amigo".

- Tá bem! - Ele cedeu, revirando os olhos e partindo para o outro pé já que tinha terminado de abrir uma. - Mas se eu
ver a Jisoo você vai agir como se realmente tivesse rolado alguma coisa, ela provavelmente vai ficar muito puta, já que
vivia dizendo que não confiava em você comigo.

Sana riu alto, olhando para ele por alguns segundos, os dedos dele tocando a pele de seu tornozelo em uma luta para
abrir a sandália. Pela forma como o olhar dele se perdeu no brilho do sapato dela, supôs que ele estava com os
pensamentos em outro lugar.

- Você ainda ama ela? - perguntou Sana.

Jimin terminou de abrir a fivela e se colocou de pé virando de costas para ela e apenas ignorando a pergunta.

- Pula nas minhas costas - ele disse.

Sana torceu o nariz, irritada por não ter sua pergunta respondida, mas obedeceu e apoiou os dois braços no ombro
dele, dando um pulinho para trepar nas costas do amigo. Jimin colocou as mãos debaixo dos joelhos dela para
sustentar o peso.

Ele soltou de um lado e tirou a sandália do pé dela, em seguida repetiu o gesto do outro lado, entregando o sapato nas
mãos da mulher.

- Não pense que vou te carregar por quatro quarteirões, vou te colocar no chão assim que estivermos em um local
menos sujo. - O homem a empurrou para cima, para se encaixar melhor.

- Você não respondeu à minha pergunta, seu covarde. - Sana cruzou as pernas na cintura dele.

- Amo - Jimin disse com sinceridade, um golpe duro no próprio peito em admitir aquilo. - Uma droga, não é?

Sana suspirou.

- É mesmo - ela sussurrou perto do ouvido dele.

❁❁❁

Mi Sun, apesar de ser uma criança elétrica e cheia de energia, tinha algo que a fazia cair no sono de forma automática
quando o relógio batia às dez da noite. Ela nunca conseguia passar disso, nem em festas do pijama divertidas.

E mesmo que quisesse aproveitar ao máximo a visita de seu tio, ela acabou adormecendo com a cabeça pousada
sobre a perna dele, recebendo afagos delicados de Namjoon em seus cabelos longos e ondulados.

Jin, que estava sentado na poltrona em completo silêncio, observava aquilo com atenção e sem a menor vontade de
interromper o que quer que passasse na mente de Namjoon enquanto ele olhava para a sobrinha como se aquela
pequena criaturinha adormecida fosse o maior tesouro.

Apenas o som do desenho do Tio Patinhas enchia a sala, em um volume moderado. Estando adormecida e depois de
Namjoon tirar o aparelho auditivo do ouvido dela, Mi Sun não ouviria nada do que ambos falassem.

- Você era irmão da Jiayu - disse Jin, retoricamente. O homem assentiu, enroscando os dedos nos cabelos castanhos
de Mi Sun e sorrindo ao ver a boca dela se torcer em um sorriso. - Eu sinto muito.

- Mi Sun me faz lembrar dela. Sempre que sinto saudades eu olho para ela. - Namjoon beliscou com leveza e muito
cuidado a bochecha fofa da menina. Ele ergueu a cabeça e olhou o Kim com desconfiança, aquele corte na cabeça o
lembrando de que Jin não era lá muito confiável. - Por que pediram para você cuidar dela?

- Taehyung e o Jungkook saíram - respondeu Jin, se apoiando no braço da poltrona.

- Para onde? - Namjoon franziu a testa.

- Acho que foram só se divertir, não julgo eles por isso e acho que estava mais que na hora. Os dois estão andando
por aí como robozinhos desde que o Taehyung voltou do exército. - Jin começou a brincar com um fio solto do tecido
de uma almofada.

- Os dois se divertindo juntos? Foram para algum ringue de luta livre? - Namjoon franziu a testa.

Jin riu.

- Eles estão começando a se entender, eu acho - respondeu - Eu acho que no fundo eles até gostam da companhia
um do outro.

- Também acho. - Nam assentiu. - Caso contrário, um deles já teria ido embora. Eu não dividiria a casa com alguém
que não consigo suportar independente do motivo.

Jin suspirou. Mi Sun começou a babar no tecido da calça de Namjoon, o que ao ver dele poderia ser muito
desconfortável, mas o homem apenas soltou uma risadinha e puxou o cobertor que a cobria mais para cima.

Jin pensou em Jennie e em Jimin. Na maior parte do tempo os dois estavam fugindo dele como o diabo foge da cruz.
Ele no fundo só queria que seus irmãos estivessem bem, que nada de ruim os atingisse, no entanto acabava
exagerando.

Ele era o mais velho, era seu dever manter os dois na linha para o bem.

Mas olhando a forma triste como Namjoon olhava a sobrinha, talvez pensando sobre a irmã perdida, ele sentiu
vontade de fazer diferente. Talvez ele precisasse daquele choque de realidade que Namjoon lhe proporcionou.

Talvez ele precisasse parar um pouco e refletir sobre a sorte de ter seus irmãos bem e ao seu lado.

- Eu preciso ir embora - Namjoon disse, mesmo sem fazer menção alguma de se levantar. - Volto para falar com os
dois amanhã.

- Tente ir ao médico ver esse... você sabe - Jin apontou o local onde o homem havia recebido o golpe. Namjoon riu.

- Me lembre de manter distância de você, para o bem da minha integridade física e mental - retrucou ele. Jin revirou os
olhos.

- Quem disse que vamos nos ver com frequência? Eu não sou babá, só estou fazendo um favor - replicou Jin, o
olhando com superioridade.
Namjoon olhou para ele, com uma piscadela descarada.

- Não temos como saber disso, de qualquer forma - disse Nam - Espero que da próxima vez que nos encontrarmos
você não me receba com tanta violência.

Jin estreitou os olhos, continuou sentado ali quando Namjoon se levantou e pegou Mi Sun nos braços, a menina
apenas se aconchegou nele e continuou adormecida quando o homem a levou em direção ao quarto.

E Jin continuou com uma pulga atrás da orelha. Kim Namjoon tinha acabado de flertar com ele ou foi apenas fruto de
sua imaginação fértil?

❁❁❁

Ele aprendeu desde muito cedo que o grande segredo da vida era não acumular bagagens desnecessárias. Mágoas,
rancores e dores que era do passado deveria permanecer onde estavam, isso fez com que as coisas fossem mais
fáceis de processar.

Mas eventualmente sempre havia algo que o prendia, como enroscar o casaco na maçaneta e ser puxado para trás de
forma repentina e violenta.

Quando decidiu se casar com Jiayu, nunca pensou que ela seria algo assim em sua vida. Que deixaria uma marca
permanente e impossível de ser apagada.

A mulher que levava a filha na escola sempre cumprimentando todos com um sorriso gentil, que veio pessoalmente
falar com ele quando Mi Sun se meteu em uma briga com um colega e que parecia completamente bem sozinha
nunca quis um novo marido.

E Jungkook nunca achou que precisaria de um casamento.

Na verdade as coisas apenas aconteceram.

Ele a conheceu em uma simples reunião, Jiayu encontrou nele um conforto, um ombro amigo, alguém para quem
podia contar suas frustrações sem ter que dar nada em troca. O grande problema foi ter se apaixonado por ela.

A ponto de abrir mão de si mesmo. Jiayu deixou claro desde o início que o amava como um grande amigo, que o
desejava como homem, mas que não podia lhe amar daquele jeito.

Ele acreditou que ela mudaria. Que se apaixonaria como ele se apaixonou, que ela o amaria da forma que ele a
amava, mas tudo que fez foi se afundar naquela mentira.

Sentiu raiva de Taehyung por muito tempo. Jungkook o culpou por não receber o amor que tanto queria, afinal era a
ele que o coração de Jiayu pertencia. Mas não conseguia mais pensar daquela forma.

Ele definitivamente não entendia o que o levou a estar ali, sentado no capô do carro na beira da praia às quatro horas
da manhã, mas estava.

O homem sentado ao seu lado, ainda parecia muito fora de si, dava para notar apenas pelo sorrisinho persistente que
não deixava seus lábios nem por um milésimo de segundo.

O horizonte estava pintado de um tom azul escuro, aos poucos era possível ver os sinais de que em breve o sol daria
as caras sobre o mar.

- Eu posso te fazer uma pergunta? - Taehyung pediu, abraçando as pernas e apoiando a bochecha sobre o joelho.

Jungkook apenas assentiu, afinal ele perguntaria mesmo que dissesse não.

- Jiayu te amava? - O loiro olhou para ele fixamente, como se sua vida dependesse daquilo.

- Sim. Mas não do jeito que te amava - Jungkook respondeu, olhando o mar se agitando ao longe. Estava frio, o que o
fez se encolher um pouco com a brisa fresca. - Era mais como uma amizade sincera.

- Por que casou com ela então? É burrice casar com alguém que não te ama em pleno século XXI - Taehyung
replicou, soluçando em seguida. O álcool levou qualquer delicadeza que ele podia ter tido em algum momento.

Jungkook deu de ombros.

- Eu achei que ela pudesse me amar com o tempo. Achei que pudesse mostrar a ela que não precisava de você e que
eu podia ser um homem melhor. - Jungkook respirou fundo. Era estranho confessar em voz alta todos aqueles
sentimentos fúteis e ele se sentia ótimo em saber que Taehyung provavelmente não lembraria de nada no dia
seguinte. - Mas aparentemente eu estava errado.

- Não tem como saber. É bem provável que ela teria se apaixonado por você cedo ou tarde. - Taehyung sentia sua
língua pesada na boca, era difícil falar e fazer a própria voz parecer séria como ele queria.

O moreno esticou as pernas. O sol estava quase nascendo, faltava muito pouco, e ele estava ansioso apenas porque
quando nascesse, poderia voltar para casa e encerrar aquela conversa.

- Só vou dizer isso porque estou bêbado, então não pense que vai ouvir sempre... - Taehyung esticou a mão e apertou
o ombro dele com força moderada. - Você é um cara incrível. Eu acho que entendo porque a Jiayu escolheu você, não
foi só pela aparência.

Jungkook olhou para ele. Taehyung estava completamente fora de si, mas ainda assim parecia sincero.

- Você é bom e cozinha bem, um partidão! - disse o loiro. Jeon riu alto, foi inevitável. Taehyung riu com ele apenas
porque o som da risada dele, juntando com aqueles dentinhos avantajados eram a coisa mais fofa que ele via em
muito tempo. - De que diabos você está rindo?

- Você está realmente me elogiando? Aish! Vou ter que jogar isso na sua cara de manhã! - Jungkook replicou.
Taehyung bufou e voltou a olhar para a frente.

- Eu disse que quero que sejamos amigos, por que você não me leva a sério, pirralho? - O loiro passou a mão pelos
cabelos.

- Você quer mesmo que eu te leve a sério? Você está fora de si, bebeu mais álcool hoje do que eu em toda a minha
vida! - Jungkook retrucou. - E não me chame de pirralho, sou só cinco anos mais novo que você.

Taehyung torceu o nariz.

- A culpa é toda sua. - Kim deu de ombros. - E cinco anos é muito tempo. Quando eu já estava sendo alfabetizado
você ainda usava fraldas.

- Belo argumento, vovô - o moreno replicou. Taehyung olhou de forma feroz e Jungkook apenas ergueu uma
sobrancelha em desafio. - Não era você que estava defendendo a gigantesca diferença de idade.

- Eu deveria te dar uma surra! - Taehyung o empurrou de leve, arrancando mais uma risada alta do moreno. O céu
começou a ficar alaranjado, e nenhum deles conseguia manter os olhos muito abertos por mais tempo. Ficaram em
um silêncio completo, apenas olhando o horizonte e aguardando ansiosos pelo início de mais um dia.

Taehyung apoiou a mão sobre o capô, sentindo o calor sob sua palma, pelo motor que ainda estava quente. Ele olhou
a própria mão e começou a rabiscar na poeira.

- Devíamos lavar o carro - sussurrou ele, terminando de desenhar o sorriso do rostinho sorridente. Jungkook não
respondeu, continuou olhando em direção ao sol nascente.

Ele esticou a mão sobre o capô, para se apoiar e manter o peso equilibrado. Seus dedos fora atraídos de forma quase
magnética em direção a mão de Taehyung. Ao sentir a pele dele, Jeon puxou a mão para mais longe, algo não muito
distante, menos de meio centímetro.
Taehyung continuou olhando a própria mão, parada sobre o capô empoeirado e para a mão relativamente maior que
estava bem ao lado.

Ele olhou para o rapaz. Jungkook exalava juventude selvagem e isso era vibrante, como se ele fosse o próprio sol,
sempre emanando e irradiando calor e luz. Era o próprio conforto.

Taehyung piscou bem devagar, observando a claridade começar a refletir na lataria do carro.

Ele olhou para Jungkook, os olhos dele fixos no que estava à frente, pensativo. Triste. Taehyung percebeu só então
que o olhar de Jungkook era triste na maior parte do tempo, mesmo que ele não demonstrasse isso com as atitudes e
expressões.

- Acho que ela ia querer que fôssemos amigos - Taehyung sussurrou um pensamento sem nem perceber.

Jungkook olhou para ele. Kim Taehyung, com sua bagunça completa, com sua hostilidade e agressividade, não
parecia mais tão aterrorizante. Era apenas um homem machucado que não sabia bem como reagir.

O moreno se perdeu no meio de um pensamento, quando sentiu o dedo mindinho de Taehyung deslizar para cima do
seu. Não saberia dizer se foi intencional ou um acidente, mas fez algo estalar dentro de Jungkook. Como um click que
ele não entenderia por um bom tempo.

Taehyung olhou para a frente, para o sol que já manchava a água do mar e começava a pintar toda aquela paisagem
de laranja.

- Quando estava lá - disse o loiro - Eu nunca conseguia prestar atenção no nascer do sol. Sempre estava ocupado
com alguma coisa e não tinha tempo de parar para olhar, isso me deixava tão triste. Porque é tão bonito.

Jungkook sorriu. Taehyung era encantador, não havia outra palavra que se encaixasse melhor.

❁❁❁

- Taehyung, fica quieto! - Jungkook sussurrou. Eram quase seis horas, os dois teriam que acordar Mi Sun às oito e
levá-la a aula de piano ou Min Yoongi teria uma crise de nervos sem sua dose semanal de fofoca infantil.

- Você não manda em mim. Eu sou dono do meu próprio nariz, se eu quiser gritar eu grito! - Taehyung replicou. Já
tinha passado a fase alegrinha da embriaguez e estacionado no estágio ranzinza e Jungkook estava louco para jogá-lo
na cama e não ter que se preocupar com ele até a tarde.

Taehyung tropeçou nos próprios pés ao tentar tirar os sapatos e quase derrubou um abajur que estava sobre a
mesinha ao lado da porta. Ele praguejou alto e Jungkook apenas suspirou, o guiando na direção do corredor.

- Não faz barulho, por favor. - O moreno estava juntando toda a paciência que tinha.

- Mi Sun é surda. - Taehyung o lembrou.

- Mas nossos vizinhos não, tenha o mínimo de noção! - Jungkook olhou o corredor, estava tudo quieto e silêncio. Jin já
devia estar dormindo a aquela altura e provavelmente nada alegre em ter que passar a noite ali.

- Um, dois, três indiozinhos. Quatro, cinco, seis indiozinhos. Sete, oito, nove indiozinhos, dez num pequeno booote. -
Taehyung cantarolava baixinho, sem questionar ou protestar por Jungkook o estar basicamente empurrando em
direção ao quarto.

O moreno parou diante da porta do quarto de hóspedes, que havia se tornado seu desde o retorno de Taehyung, e
abriu a porta devagarinho para espiar lá dentro.

- Iam navegando pelo rio abaixo, quando o jacaré se a-pro-xi-mou... - Taehyung semicerrou os olhos nada feliz quando
Jungkook pressionou a mão contra a boca dele sem mais nem menos, o interrompendo no meio da cantiga.
Como o esperado, Jin estava esparramado sobre a cama, em uma posição que não parecia muito confortável.
Jungkook bufou e apoiou a mão nas costas de Taehyung, atravessando o corredor e abrindo a porta do quarto dele,
tirando a mão da boca dele apenas quando fechou a porta atrás de si.

- Oh, minha caminha preciosa! - Taehyung resmungou, se jogando no colchão sem ao menos se importar em tirar os
sapatos. Jungkook correu na direção dele, o segurando pelo tornozelo com um puxão firme que fez com que o homem
caísse de costas na cama, mas os pés ficaram para fora. - O que você tá fazendo, pirralho?

- Porra! Você fica pior que uma criança, agora entendi porque nunca ficou bêbado antes! - Jungkook disse, tirando os
sapatos dele com precisão e jogando no canto ao lado da mesa de cabeceira.

- Eu estou tão cansado. - Taehyung rolou na cama, até encontrar a posição correta. Deitou a cabeça no travesseiro e
olhou o moreno. Em seguida olhou em direção às cortinas fechadas, por onde escapavam alguns raios de sol da
manhã.

- Eu vou ter que dormir aqui, então tenta ficar do seu lado da cama, porque se você me abraçar eu vou ter que usar
força bruta - Jungkook tirou a jaqueta, jogando no chão mesmo em um lugar qualquer. Estava cansado demais para
pensar em organização. Como já tinha deixado os tênis na entrada, apenas deu a volta na cama e despencou sobre o
colchão.

Taehyung estava quase fechando os olhos, sem nem se importar com a companhia, quando se lembrou de algo e os
arregalou novamente.

- Caralho, o seu bilhetinho! - O loiro se esticou de forma desajeitada em direção a mesa de cabeceira, agarrando o
bloquinho de post-its brancas e a caneta preta.

Jungkook franziu a testa, mantendo o olhar nele e monitorando cada movimento. Kim prendeu a tampa da caneta
entre os dentes e a puxou para fora, voltou a se deitar, erguendo o bloquinho diante dos olhos e usando a caneta para
rabiscar algo, com uma caligrafia horrorosa e irregular, algo que Jungkook tentou ler mas não conseguiu.

Ao terminar, Taehyung tentou colocar a caneta de volta na tampa que ainda estava presa entre seus lábios rosados,
demorando um pouco para acertar de fato e deixando algumas manchas de tinta no queixo, bochecha e nos próprios
lábios.

Jungkook teria rido se não estivesse tão exausto e já pensando em ter que levantar dali a duas horas para levar Mi
Sun na aula.

Taehyung se virou na cama, arrancou a post-it do bloquinho e colou na testa do moreno com um tapa não muito
suave.

Jungkook fez uma careta, irritado pela agressividade, mas Taehyung não ligou para isso, jogando a caneta e o
bloquinho por cima do ombro, talvez visando acertar a mesa de cabeceira mas deixando os dois caírem no chão.

O loiro se aconchegou no travesseiro, fechando os olhos com um suspiro cansado.

- Você devia... - Taehyung sussurrou baixinho, franzindo a testa em seguida e esticando o dedo indicador para
pressionar contra os lábios de Jungkook, que ficou sem entender o motivo daquilo. - Shh! Eu quero dormir.

Jungkook uniu as sobrancelhas.

- Mas era você quem...

- Shhh! - Taehyung repetiu, empurrando o dedo contra a boca dele com mais força. - Calado você é um atleta,
Jungkook-ah.

- É poeta. - Jeon corrigiu e teve que prender a risada.

- Quem é poeta? - Taehyung perguntou confuso, apesar de sua voz já estar muito distante e indicando que ele
apagaria muito em breve.

- Nada, só vai dormir, Taehyung-ssi. - O moreno segurou a mão dele, afastando da própria boca e colocando sobre o
colchão entre eles.

Jungkook olhou para o teto. Apenas um cochilo. Ele só precisava de um cochilo.

Estava quase pegando no sono quando notou o papelzinho colado contra a própria testa e o pegou, virando para ler o
que Taehyung tinha tentado escrever.

"Eu me diverti muito.


Obrigado por isso, JK."

Jeon sorriu para a caligrafia horrenda, mas principalmente para a carinha sorridente e olhou para o lado. Taehyung já
tinha dormido, pela forma pesada de sua respiração. O quarto estava escuro com exceção do pouco de luz que era
suficiente apenas para que Jungkook conseguisse discernir seu rosto.

Kim Taehyung podia ser surpreendente às vezes.

Jungkook adormeceu olhando para ele, e naquela noite, depois de muito tempo, seu sonho não foi aquele mesmo
torturante pesadelo com a estrela cadente que ia e lhe roubava o desejo que ele não conseguia pedir.

Ele sonhou com bilhetinhos com carinhas sorridentes, o nascer do sol e o sorriso de Kim Taehyung.

A tão famigerada ressaca, que ele tinha subestimado erroneamente, chegou de forma tão brusca que ele
definitivamente não conseguia nem respirar sem se irritar com o barulho.

A cabeça pulsava, e a cada mísero barulho, aquela dor insuportável se intensificava.

Isso tudo misturado a aquele sentimento horrendo de não ter a menor noção do que tinha acontecido na noite anterior.
Haviam aqueles flashes de memórias distorcidas que ele não sabia dizer se eram sonhos ou a realidade.

Sua última memória clara tinha sido Jungkook parando o carro na beira da rodovia para que ele vomitasse, tudo
depois dessa vergonhosa memória, parecia um aglomerado de informações desconexas.

Ele sequer se lembrava de ter ido para a cama.

A xícara de porcelana bateu contra a madeira da mesa com um som irritante que fez com que ele lançasse um olhar
furioso ao homem que não pareceu se importar nem um pouco com aquilo. Logo em seguida, deixou a pequena
cartela de comprimidos, que pelo visto só tinha mais dois, foi colocada ao lado da xícara.

- Café e aspirinas, dizem que é melhor cura pra ressaca. - Jungkook se sentou diante dele, com aquele sorriso de
merda no rosto.

Taehyung não sabia dizer a razão de o moreno estar o olhando daquele jeito, o fazendo pensar sobre um milhão de
coisas que podem ter acontecido quando o álcool assumiu o controle de seu corpo inteiro.

- Eu juro que nunca mais bebo. - Taehyung esticou as mãos para fora do casulo de cobertor onde estava. Foi difícil
arrastar o cobertor consigo e achar um jeito confortável de sentar na cadeira envolto nele, mas ali estava Taehyung
com orgulho de si mesmo. - Nunca mais.

- Todos dizem isso. - Jungkook mais uma vez sorriu.

Taehyung segurou a xícara quente entre as mãos. Seu olhar arrasado, os cabelos desgrenhados, olheiras profundas e
aquela cara de quem queria matar alguém. Jungkook não conseguia sentir uma gota de medo ou receio daquele olhar,
tudo que conseguia sentir era vontade de rir até a barriga doer, mas estava se contendo.
Taehyung bebeu um gole do café, soltando um grunhido assim que o calor desceu pela garganta. Ele novamente
sentiu vontade de vomitar, mas era suportável.

- Você levou a Mi Sun na aula de piano? - perguntou o loiro, com o olhar fixo na mesa. Mais especificamente na mão
de Jungkook, cujos dedos batiam de forma repetitiva e chata contra a madeira.

- Sim - Jeon respondeu.

Taehyung assentiu. Ele ainda estava tentando se lembrar de tudo que tinha acontecido na noite anterior, mas tudo que
vinha em mente parecia uma grande alucinação.

- Eu fiz alguma merda grande? Eu realmente não acreditava quando as pessoas diziam que esquecem tudo que
fazem quando estão bêbadas, então... - Ele soltou a xícara e massageou as têmporas, querendo alívio para aquele
latejar infernal.

O moreno sorriu ladino. Ele estava esperando por aquele momento desde que se levantou. Diferente de Taehyung que
estava com álcool correndo nas veias na noite anterior, ele estava sóbrio o tempo todo, o que fazia tudo ficar muito
vivo em sua mente. Inclusive a lista com mais de quinze tópicos que ele queria esfregar na cara daquele loiro metido.

Se inclinou para a frente, apoiando os braços na mesa e lançando um olhar sapeca em direção a Kim, que não gostou
nada daquela expressão.

- Bem, por onde devo começar? - Jeon olhou para cima, fingindo pensar, quando na verdade já tinha tudo na ponta da
língua. - Devo começar pelo 'tsuru especial da amizade' ou pelo 'Jimin disse que você não era bonito, aquele
desgraçado'?

Taehyung respirou fundo. Ele podia acreditar em algum momento que aquilo tudo era pura invenção de Jungkook para
provocá-lo, mas no fundo não duvidaria de nada do que o moreno dissesse, já que seu cérebro aparentemente
desligou por algumas horas.

O loiro escondeu o rosto entre as duas mãos, se encolhendo dentro do casulo de cobertor e desejando a morte. Seria
melhor do que olhar na cara de Jeon naquele momento.

A risada alta do moreno chegou aos seus ouvidos, fazendo a cabeça de Taehyung praticamente chegar ao ponto de
explodir, o que lhe arrancou um resmungo irritado. Ele espiou Jungkook por trás das próprias mãos, as bochechas tão
vermelhas quanto pimentas pelo constrangimento.

- Você deveria me respeitar. - Taehyung estreitou os olhos, firmando a voz entredentes.

- Você também fez esse discurso ontem. - Jungkook cruzou os braços com um olhar divertido de desafio. - Como era
mesmo? "Você deveria me chamar de hyung".

- Esqueça tudo que eu disse, provavelmente foi o álcool falando no meu lugar - Taehyung disse. Pegou a xícara e
levou aos lábios mais uma vez, se amaldiçoando por ter se deixado levar e bebido tanto. - Aish, para de me olhar!

- Eu ainda nem falei sobre como você me acha bonito pra cacete, por favor, não vamos deixar essa revelação
adorável cair no esquecimento - replicou Jungkook. Taehyung lhe mostrou os dentes de forma agressiva, o que só fez
com que ele deixasse escapar uma risada.

- E qual o problema, ein? - Kim empinou o nariz, tentando juntar o que lhe sobrava de dignidade. - Não preciso gostar
de você para te achar bonito.

- Mas você não me odeia, até me deu isso ontem. - O moreno esticou a mão para pegar o pequeno pássaro de
origami que estava posto sobre a pilha de livros em cima da mesa. Taehyung fechou os olhos com força, sentindo a
humilhação. Jungkook sorriu, sacudindo o pequeno pássaro com um sorrisinho travesso. - Eu não podia sair de lá sem
o nosso tsuru especial da amizade.
Taehyung abriu os olhos, mesmo que as orelhas e bochechas queimassem de vergonha. Jungkook esticou os lábios
em um biquinho, movendo o tsuru de guardanapo no ar como se fizesse o pássaro voar, muito perto do rosto do mais
velho, até que a ponta do bico de papel tocasse o nariz do loiro.

- Você é uma criança - retrucou Taehyung, mas Jungkook deu de ombros.

- Você precisa ser um pouco menos amargo, hyung. - Jungkook provocou, com aquele maldito sorriso de dentes
avantajados. Taehyung observou a pequena marquinha, um ponto logo abaixo do lábio inferior que ele nunca tinha
notado até então. Kim passou a língua pelos lábios secos.

Jungkook o observou. Taehyung parecia perdido em pensamentos, ou talvez estivesse com a cabeça vazia assim
como seus olhos. Demorou pouco mais de cinco segundos para que ele piscasse com força e sacudisse a cabeça,
voltando a realidade

- Aish, você está aumentando minha dor de cabeça. - Taehyung voltou a apertar as têmporas. Aquela dor não iria
embora nunca? Ele olhou em direção ao moreno, que não tirava aquele sorriso debochado do rosto nem por um
segundo. Isso o irritava. Mas Taehyung percebeu que era uma raiva diferente do tipo que ele sentia logo que
conheceu Jungkook.

Logo que o moreno tatuado chegou em sua vida, quando Taehyung acreditava que ele seria um encrenqueiro pela
aparência selvagem e despreocupada, a raiva que fervilhava dentro dele ao ver o rosto de Jungkook era algo parecido
com desprezo, a reação de uma alma traída e ferida que acreditava que aquele era seu maior malfeitor.

Muito tempo havia passado desde então, por mais que parecesse recente. Meses. Longos meses em que aquilo
mudou sem que Taehyung sequer pudesse notar.

A raiva que ele sentia era mais como irritação e implicância, não aquele ódio ardente que antes queimava em seu
peito. O fogo estava mudando a intensidade com uma velocidade assustadora.

- Me desculpe se eu fiz ou disse qualquer coisa idiota que tenha te dado trabalho ontem - disse Kim, desviando o olhar
para aquela xícara das princesas. O rosto da Cinderela estava gasto, o que fazia com que aquilo fosse a imagem
bizarra de uma princesa sem cabeça.

- Você deu um trabalho danado. - Jungkook se levantou, dando dois tapinhas na mesa. - Mas eu não ria tanto há um
bom tempo, então vou te perdoar por isso.

O olhar de Taehyung acompanhou cada movimento dele e captou de forma rápida quando ele ficou tenso. O sorriso
sumiu do rosto com nervosismo e os olhos do moreno evitavam os seus.

Jungkook puxou algo do bolso. Um celular, que não era o seu, já que o de Jeon tinha a tela toda quebrada e aquele
estava inteiro. Ele apoiou o aparelho na mesa e empurrou devagar em direção ao loiro.

Taehyung franziu a testa.

- É o celular da Jiayu. - Jeon juntou as mãos, brincando com os próprios dedos, a manga do moletom cobrindo quase
por completo suas mãos. Ele apontou novamente o celular. - Quero que você leia desde o dia que começamos a
trocar mensagens. Compare as datas com a data que ela pediu o divórcio, pode mexer em tudo. Se quiser o meu
também pode pegar.

Taehyung ficou em silêncio. Sua expressão, como sempre, não demonstrava nada. Raiva, decepção, indiferença.
Nada nunca transparecia no rosto dele, havia algo como uma máscara constante de apatia.

Mas por dentro, havia algo o incomodando, como se dezenas de mini pessoas estivessem batendo com picaretas em
seu coração, martelando a pedra sólida que havia ali e tentando encontrar algo que valesse a pena. Ele quase sorriu
com a imagem animada que surgiu em sua mente, mas estava focado demais para se distrair com isso.

Aquilo ainda estava entre eles. Sempre estaria, sempre seria um assunto no qual não podiam tocar, sempre seria a
razão pela qual se mantinham afastados.

Jiayu permanecia entre eles, como um muro de gelo sólido que permitia que vissem um ao outro através dele, com a
imagem distorcida e desfocada.

Ele não aguentava mais aquilo. Em suas consultas, Jaeyun sempre dizia a Taehyung que ele precisava parar de jogar
tudo sobre Jiayu, usando ela como pretexto para tudo que era responsabilidade dele. Jiayu não estava mais ali,
qualquer rancor que ele guardasse, qualquer sentimento doloroso, qualquer mal que estivesse fazendo a si mesmo
cabia apenas a ele cessar.

E ele finalmente entendeu isso.

Colocou a mão sobre o celular e apenas o deslizou pela mesa de volta para a direção onde Jeon estava.

- Não preciso disso - ele falou, vendo a confusão nos olhos grandes de Jungkook - Eu acredito em você.

Nem ele mesmo acreditou que estava dizendo aquilo e pelo olhar abismado de Jeon, supôs que ele estava um tanto
incrédulo, a ponto de se sentar novamente na cadeira bem lentamente, o olhando à espera de uma explicação.

Taehyung tomou fôlego, pegando a cartela de aspirinas e tirando um comprimido. Jogou dentro da boca e engoliu com
um gole grande de café, olhando direto para o moreno em seguida.

- Eu acredito que você não me traiu com a Jiayu - disse ele, fechando os olhos e sacudindo a cabeça, reformulando
em seguida: - Digo, eu acredito que a Jiayu não me traiu com você. Eu não preciso de provas.

E de fato, ele não precisava. A própria personalidade e o caráter que Jungkook exibiu nos últimos meses foram
suficientes para Taehyung perceber que aquele homem era incapaz de fazer algo que pudesse ferir alguém. Jungkook
era gentil, delicado, altruísta. Aquelas características não batiam com alguém que se tornaria amante de alguém e
estaria bem com isso, se fosse o caso, Taehyung tinha plena certeza que o rapaz já teria se jogado de joelhos e
implorado por perdão.

- Não entendo. - Jungkook franziu a testa. - Olha, Taehyung-ssi, eu não quero mais pisar em ovos com você. Eu só
quero te entender e quero que me entenda também.

- No começo eu não acreditava, mas agora eu sei que você não faria isso. Pode parecer precipitado, mas eu acredito
que já tenha visto suficiente de você para saber o seu caráter. - Taehyung buscou olhar direto nos olhos dele. Apenas
porque seu olhar era a única coisa que podia dar a Jungkook como garantia de que suas palavras eram sinceras. - Eu
acredito em você, Jeon Jungkook. E eu confio em você.

Jungkook não queria acreditar que ele estivesse sendo sincero a princípio, mas se lembrou do que Taehyung disse
quando ainda estava mergulhado em um mar de embriaguez na noite anterior.

Taehyung ainda estava ferido.

Taehyung estava partido em pedaços.

Taehyung queria se manter fechado daquela forma para que ninguém visse o que ele escondia atrás daquela máscara
de indiferença.

E Jungkook acreditou, com todas as forças.

- Eu sei que você amou ela e eu sei como se sente porque eu também a amei. - Taehyung olhou para o lado, onde
estava a foto de Jiayu com uma Mi Sun minúscula com um sorriso sem dentes, pendurada na parede, entre duas
outras fotos onde estava vestida de noiva. Em uma delas era Jungkook ao seu lado e na outra, Taehyung. Ele
suspirou. - Jiayu nos quebrou em pedaços, mas aqui estamos, não é?

Taehyung sorriu e segurou a xícara, apenas para ocupar suas mãos. Como sempre fazia, firmou o máximo possível
para não se fazer tão evidente o tremor em sua mão direita. A fisioterapia tinha ajudado muito, mas ainda tinha muito
que melhorar.

- Sem ressentimentos - Taehyung disse, olhando novamente para o moreno - O passado fica no passado. E nós
temos que amar os vivos, não é mesmo?

Jungkook riu.

- Eu só quero te dar um conselho - Taehyung olhou o resto de café que ainda havia na xícara, passando o dedo
indicador na borda com toda sua atenção focada ali. - Não faça como eu. Não deixe que o que você viveu com ela se
torne uma espécie de prisão, você é bom demais para estar tão ferrado como eu.

Jungkook não entendeu bem o que ele dizia, estava pronto a perguntar, quando Taehyung continuou.

- Ela me cauterizou a ponto de eu não conseguir mais sentir nada. Acho que em partes eu quem fiz isso comigo
mesmo e é infernal não conseguir sentir nada além desse grande nada. A cabeça cheia o tempo todo, mas o peito
vazio. - Taehyung estava distraído, não deveria falar demais, mas não conseguiu se conter.

Jungkook o ouvia e nunca dizia a ninguém o que acontecia dentro de casa. Sua crise com o relógio, suas sessões de
terapia, os dias que Taehyung passava horas trancado no quarto sem conseguir olhar e nem falar com ninguém.

O moreno estava sempre lá, mas nunca disse nada a ninguém. Era atualmente onde Taehyung se ancorava.

Ele percebeu que costumava desabafar com Jungkook sem querer, às vezes no meio de conversas bobas e o outro
sempre dizia o que acreditava que fosse fazê-lo se sentir melhor.

Jeon talvez fosse a razão pela qual Taehyung não tinha se perdido em si mesmo ainda.

- Eu amo a Mi Sun. É tudo que consigo sentir. Ela é absolutamente tudo que eu tenho. As vezes quando vocês estão
dormindo eu vou até o quarto dela e fico horas olhando o rostinho da minha filha. Eu às vezes acho que ela é a única
razão pela qual eu existo. Talvez o destino me fez nascer apenas para ela poder vir ao mundo. - Taehyung sorriu
brevemente, mas o sorriso logo se desmanchou. - Você é bem mais espiritualizado que eu e muito mais mente aberta,
então, quando encontrar uma garota ou um garoto que faça você amar de novo, certifique-se que não vai ter nada te
segurando.

Taehyung olhou para ele.

- E por favor, se certifique de que é recíproco - completou.

- Por que você não dá esse conselho para si mesmo? - Jungkook ergueu a sobrancelha.

- Eu não fui feito para esse tipo de coisa. - Taehyung voltou a olhar a xícara, com um suspiro cansado. - Eu sou um
pouco destrutivo, se envolver comigo é basicamente pedir para se machucar. Olhe para a Jiayu. Eu a amava e mesmo
assim a machuquei mais do que qualquer outra pessoa.

Taehyung empurrou a xícara, decidindo voltar para a cama antes que acabasse dizendo mais do que deveria.

- Eu vou me deitar, me acorde amanhã - O loiro saiu da cozinha, enrolado no cobertor. Jungkook apenas assentiu,
batendo os dedos na mesa com os olhos fixos no tauru de guardanapo. Ele odiava que Taehyung pensasse daquela
forma.

Ele percebeu que, na verdade, estava mais afeiçoado a Kim Taehyung do que tinha pensado.

❁❁❁

Ele sabia que era errado. Muito errado na verdade, afinal se ele estivesse em um relacionamento, de forma alguma ia
desejar que alguém ficasse olhando para seu namorado ou namorada daquela forma cobiçosa e tão cheia de
intenções erradas.
Mas ele não podia evitar.

Havia um limite, claro, entre pensar sobre alguém e realmente fazer algo a respeito do que se passava em seu
coração turbulento. Ele não iria de jeito algum ser o idiota que flerta com alguém comprometido, não era mal caráter
aquele ponto.

Porém, nada o impedia de suspirar quando Jung Hoseok passava pelos corredores daquele instituto. Se não fosse
pego, seria seu eterno segredo.

A verdade era que sua paixonite era muito mais profunda e antiga do que ele mesmo pensava. Havia uma faísca entre
eles desde o dia que se conheceram, cerca de cinco anos antes, em um dia chuvoso do lado de fora do instituto.

.....

Yoongi estava encolhido na calçada, a chuva caindo forte e seu maldito carro tinha quebrado naquela manhã, o que o
fez depender da carona de seu vizinho que sempre lhe cobrava favores estranhos em troca de qualquer ajuda.
Naquele dia, o custo da carona seria nada menos que uma companhia para assistir ao jogo de beisebol, o qual ele
nem entenderia já que o esporte não era lá seu preferido.

Talvez o idoso fosse apenas solitário, por isso Yoongi jamais se recusava a visitá-lo e ouvi-lo falar sobre sua falecida
esposa e os filhos que moravam no Japão e na China.

Naquele dia, o Sr.Goo se atrasou, aparentemente pelo problema de memória, e Yoongi acabou sozinho na calçada,
tarde da noite, com uma chuva torrencial despencando sobre sua cabeça.

Foi quando apareceu, aquele homem com cabelos bagunçados e um sorriso gentil e incomparável, colocou o guarda
chuva amarelo sobre a cabeça do pianista, o fazendo sentir-se em uma alguma cena de How I Meet Your Mother,
como se fosse o destino lhe dando um presente.

- Você vai acabar pegando um resfriado feio, por favor vista isso para se aquecer, você está encharcado! - Hoseok
tinha um olhar preocupado ao lhe estender a própria jaqueta, jeans, com alguns bottons coloridos alfinetados ali.

Yoongi a princípio não entendeu o motivo de o desconhecido estar tão preocupado com sua saúde, mas sua mente se
esqueceu de qualquer coisa no instante que seus olhos captaram a perfeição do rosto dele. Parecia esculpido por
anjos, e tinha toda a paz e serenidade dos céus. Aquele nariz não podia ser real, era uma obra de arte.

- Não precisa, está quente hoje. - Ele mentiu, empurrando a jaqueta de volta em direção ao homem. - Vou acabar
molhando seu casaco.

- Não se preocupe, é só um casaco velho e você pode acabar adoecendo se não se aquecer - o homem falou,
negando com a cabeça. Yoongi então notou o aparelho preso em seu ouvido e supôs que aquela fosse a razão do
som de sua voz, da forma como cada sílaba era bem ressaltada como se ele precisasse sentir na ponta da língua o
que a própria boca dizia - Você pode só me entregar amanhã, você é voluntário aqui também, certo?

- Sim. - Yoongi ainda estava meio hipnotizado - Eu dou aula de música.

- Min Yoongi, certo? Eu vi seu nome na lista de horários - Hoseok apontou com o polegar para o prédio fechado e
escuro atrás deles. Min assentiu, colocando o casaco em frente ao corpo, cobrindo os braços e os ombros e
agradecendo mentalmente pelo calor. O cheiro de perfume floral subiu nas narinas e era o próprio paraíso. Não faria
sentido que o cheiro daquele homem fosse outra coisa além de flores. - Eu sou Jung Hoseok, ensino linguagem de
sinais.

Como os dois nunca tinham se cruzado antes?

Yoongi ofegou, sentindo o acúmulo de saliva na boca quase o engasgar. Desviou o olhar abruptamente e encarou a
poça de água a sua frente, refletindo a luz do poste distorcida pelas gotas de chuva.
- Eu agradeço muito, mas você não deveria confiar em estranhos sozinhos na rua à noite. Eu posso ser um assassino
- disse ele, com um sorrisinho travesso.

Hoseok riu, fazendo seu peito se aquecer apesar do frio que quase lhe congelava os ossos.

- Bom, se você fosse um assassino já teria me atacado. E eu tenho uma faca na bota. - Jung sorriu com malícia,
Yoongi arregalou um pouco os olhos, descendo o olhar até os coturnos do homem e ouvindo uma gargalhada alta em
seguida. - E se eu for o assassino?

Yoongi riu.

- Você parece ser aquele tipo de pessoa que distribui flores e abraços grátis - Min disse, espreitando a rua vazia e
tentando avistar algum sinal de seu vizinho. Ele olhou de relance para Hoseok. - Você está esperando alguém?

- Na verdade, estou esperando sua carona para poder ir para meu carro e dirigir até minha casa - respondeu Hoseok -
A menos que você não tenha uma carona e queira uma.

- Meu vizinho vem me buscar. Ele tem oitenta anos e as vezes acaba esquecendo, mas em algum momento ele vai se
lembrar. Se estiver acordado a essa hora - Yoongi olhou o relógio de pulso.

- Vem, eu te levo - Hoseok sacudiu a cabeça em direção onde estava o único carro estacionado nas proximidades. Um
fusquinha laranja. Porque aquilo parecia a personificação da personalidade de Hoseok? Adorável, fofo e vibrante. -
Não se preocupe, não tem nenhuma faca lá.

- Como posso saber? - Yoon ergueu uma sobrancelha.

- Vai ter que arriscar. - Hoseok deu de ombros e sorriu.

.....

Yoongi aceitou a carona naquela noite. Hobi - como preferia ser chamado - o deixou em frente ao seu prédio, lhe disse
boa noite e sorriu para ele de um jeito que deixou o pianista acordado a noite toda, pensando nele. Aquilo tinha sido
um sinal, certo? Hoseok provavelmente estava tão interessado quanto ele.

Mas no dia seguinte, sua alegria murchou ao chegar no instituto e se separar com Hoseok e aquela mulher. Bonita,
graciosa e gentil. Ela vinha almoçar com ele todos os dias e desde então, Yoongi se sentava no mesmo lugar no
refeitório, observando os dois de onde não podia ser visto.

Ao término do almoço, ela sempre dava um beijo na bochecha e outro na testa de Hoseok, dizia que o amava e saía.
"Se cuida, benzinho". Aquela frase já dava náuseas em Yoongi.

- Você é patético. - Quem sempre lhe motivava, era Mercedez. A estrangeira com sotaque aguçado e um sorriso
bonito podia parecer gentil e doce, mas era uma tremenda vadia sem coração. Por isso era sua grande amiga.

- Você que é patética, sabia que os crocs não estão mais na moda desde a época dos dinossauros? Quer assustar as
crianças? - retrucou ele, apontando para os pés dela. O sapato feio e escandalosamente cor de rosa chegava a lhe
dar arrepios.

- Sério que seu argumento vai ser criticar meu senso de moda? Tente algo melhor - A latina o olhou em desafio.

Yoongi suspirou, observando o casal feliz na mesa há alguns metros. O sorriso de Hoseok, brilhante e enorme, o fazia
sentir borboletas no estômago a cada segundo.

- Ele está feliz com ela - Yoon voltou a prestar a atenção no próprio almoço - Eu vou superar isso, não se preocupe.

❁❁❁

Mi Sun sentia falta de sua mãe.


Ela era crescida suficiente para saber que Song Jiayu jamais voltaria para casa e quando lhe deram a notícia, a
pequena sentiu um pedacinho de seu coração ir embora.

Kim Mi Sun não queria mostrar aos seus pais o quanto ainda doía. Ela era uma mocinha forte e conseguia lidar com a
saudade, ou era isso que acreditava. Não havia motivos para ficar chorando, ela precisava mostrar a eles que era forte
o suficiente para não deixar aquilo a afetar.

Em alguns dias ela simplesmente não conseguia evitar e apenas segurava a pequena foto que tinha na mesa de
cabeceira, onde sua querida omma estava sorrindo com ela nos braços. Doía.

E pior do que qualquer outra coisa, eram os sonhos.

Como aquele em específico, em que ela andava de forma lenta pelo corredor escuro no meio da noite. Mi Sun já sabia
o que encontraria quando chegasse ao fim do corredor, mas não podia controlar seus pés que andavam rumo ao que
ela mais temia.

Os pés tocando o assoalho frio, era tão real que ela sequer conseguia lembrar que era apenas um sonho. Um sonho
muito ruim.

E ao chegar ao fim do corredor, naquela parte da casa que dividia a sala de estar e a cozinha, ela olhou em direção a
sala de estar. Seu olhinhos pequenos e úmidos observaram o meio escuro com pavor.

Mas ela não estava ali.

Mi Sun soltou um suspiro de alívio.

Isso pouco antes de sentir uma mão pesar em seu ombro e se virar bruscamente em direção a ela.

E então se repetiu.

A imagem de sua mãe, com a mesma roupa que usava no dia que deixou a casa para nunca mais voltar, um vestido
florido que Mi Sun tinha a ajudado a escolher na loja. Estava com manchas de sangue espalhadas por todo o corpo,
um olhar vazio.

Era aterrorizante.

O pavor que correu as veias e fez seu coraçãozinho disparar, arrancou um grito dela. Um grito alto e desesperado, um
pedido de socorro, querendo que alguém a tirasse dali e levasse de volta para o lugar onde estava segura.

- Mi Sun! - Ela abriu os olhos ao ser sacudida. Estava sentada em sua cama com os olhos encharcados pelas
lágrimas. Em seu quarto, com a luz acesa. Taehyung a olhava nos olhos com certo pavor, a segurando pelos dois
braços e sacudindo-a para que ela voltasse a si.

Ela soluçou alto, respirando fundo, sentindo o peito doer com as batidas aceleradas. Seus olhos percorreram o quarto,
Jungkook estava parado na porta, recostado contra o batente com o mesmo olhar assustado.

- O que aconteceu? - Taehyung afastou as mechas bagunçadas do cabelo dela, que se pegavam nas lágrimas nas
bochechas dela. Seu olhar repleto de preocupação.

Mi Sun não respondeu, apesar de conseguir ler a pergunta nos lábios dele, apenas se jogou contra ele e o abraçou.
Estava segura, seu appa estava bem ali e ela não tinha motivos para se preocupar, mas seu pequeno coraçãozinho
ainda parecia prestes a explodir.

Taehyung a abraçou com firmeza, acariciando os cabelos da filha e olhando em direção ao homem na porta. Jungkook
estava assustado, mas parecia receoso de entrar, já que Taehyung estava com ela e a última coisa que queria era
agita-la ainda mais.

Aquilo durou um tempo, até que a respiração dela começasse a se acalmar, até que seus soluços desesperados se
tornassem um choro baixo e dengoso. Taehyung engoliu seco, se mantendo firme, mesmo que um nó se formasse na
própria garganta.

Ele olhou para o teto, para aqueles planetas e estrelas pendurados, esperando se controlar. Não era o momento certo
para que ele de repente começasse a chorar tudo que tinha guardado nos últimos meses.

Ele correu os olhos pelo quarto mais uma vez, os fixando em Jungkook, que continuou ali, em silêncio completo e sem
se mover. Taehyung moveu a cabeça de leve em um convite silencioso. Precisou de um pouco de insistência para que
o moreno decidisse finalmente entrar no quarto e se colocasse de joelhos ao lado da cama.

Taehyung afastou Mi Sun com cuidado, colocando a garotinha sentada na própria cama. O olhar abatido, a boquinha
distorcida em um beicinho triste fez com que o coração de ambos doesse com a visão.

Kim estendeu a mão e pegou o pequeno aparelho auditivo ao lado da cama, encaixando na orelha dela e deixando
que a menina regulasse como estava acostumada.

Jungkook estendeu a mão, pegando aquela mão pequena na sua e acariciando levemente para atrair o olhar de Mi
Sun.

- O que aconteceu, solzinho? Foi um pesadelo? - perguntou ele.

- Eu sonho com uma mulher às vezes - ela confessou, o rosto voltando a se distorcer, parecendo prestes a chorar
novamente - Ela parece minha omma, mas não é minha omma.

Taehyung mordeu o lábio, passando o polegar na bochecha dela para afastar uma lágrima gordinha que estava ali.

- E como é esse sonho? - o loiro perguntou.

- Ela está machucada. Com sangue no vestido que eu ajudei ela a escolher. - Mi Sun fechou os olhos e soluçou,
respirando fundo em seguida. - Dizem que machuca muito morrer do jeito que minha omma morreu, eu não gosto de
pensar que ela se machucou muito.

- Você não precisa pensar nisso - disse Taehyung, mais uma vez limpando as bochechas dela - Sua omma está bem
agora, viu?

- Você se lembra quando sonhou com aquele mar de estrelas bonito. - Jungkook sorriu para ela. Mi Sun olhou para ele
com toda a atenção. - Lembra? É a casa dela, você mesma disse isso.

- Sua omma não está machucada, ela está bem agora. Pense que foi como quando você tira um band-aid. - O loiro
tocou a ponta do nariz dela com o dedo indicador. - A dor passa tão rápido que quando você percebe ela já foi
embora. É mais como um susto.

- Vocês acham que a omma está bem mesmo? - Mi Sun fungou, o nariz, as bochechas e as orelhas pintadas de
vermelho.

- Com certeza. - A resposta de ambos foi um uníssono sincronizado.

- E ela ia querer que você pensasse nela como ela era. Bonita e sorridente. Não pense em nada além disso, certo? -
Jungkook puxou a mão dela até os lábios, deixando um beijo demorado na mão gordinha.

Mi Sun assentiu.

- Posso pedir uma coisa? - ela perguntou, um sussurro tímido.

- Qualquer coisa, joaninha - Taehyung respondeu.

- Vocês podem dormir aqui comigo? Vai ser só hoje, eu prometo que não vou mais incomodar vocês de noite. - Ela
direcionou o olhar pidão aos dois. Taehyung olhou a pequena cama de solteiro e concluiu que poderia ser bem
doloroso para as costas.

- Acho que só vai servir um de nós aqui - replicou Kim.

- Nós podemos dar um jeito. - Ela deslizou os pés para fora da cama, com um sorrisinho travesso despontando nos
lábios. Foi tão bom vê-la sorrindo depois daquele episódio aterrorizante e de todo o choro, que nenhum deles
conseguiu negar o que ela pediu, e nenhum deles conseguiu notar o olhar vitorioso da garota.

❁❁❁

Era uma sensação indescritivelmente maravilhosa.

Mi Sun sentia-se aquecida e acolhida e tinha plena certeza de que nenhum pesadelo a incomodaria. Nenhum sonho
ruim teria coragem de se aproximar dela enquanto seus dois pais estivessem ali.

Seus olhos estavam quase fechados, o sono estava quase vencendo a batalha.

Ela observava os pisca piscas em forma de estrelas, iluminando o interior da cabana de lençóis improvisada.

Um abrigo sob as estrelas, com seus dois maiores heróis prontos para espantarem qualquer sonho ruim. Seu universo
particular.

Ela manteve os olhos naquelas estrelas, querendo que seu coração acreditasse que sua mãe estava verdadeiramente
bem, mergulhando nas estrelas e se deslumbrando com o brilho delas.

Cada uma de suas pequenas mãos segurava a mão de um deles. Taehyung e Jungkook não pareciam estar com
sono, ou talvez apenas quisessem certificar-se de que Mi Sun dormiria bem antes que fechassem os olhos.

Os olhares fixos na menina quase adormecida, como se estivessem sob o efeito de uma hipnose.

- Meu aniversário está chegando - sussurrou Mi Sun, sonolenta - Vocês vão fazer uma festa pra mim?

- Não seria aniversário de verdade sem uma festa, não é? - Jungkook respondeu. A cabeça pousada confortavelmente
sobre a pilha de travesseiros e observando os olhos quase fechados da garotinha.

- Podemos ir para a casa de piscina do titio Jin? - ela pediu, manhosa - Ele disse que podemos ir.

- Vamos discutir isso amanhã, agora durma - Taehyung estava mais erguido, recostado sobre o braço e com a mão
servindo de apoio para a cabeça. Sua mão o tempo todo acariciava a mão da filha, enquanto seus olhos a observavam
com atenção, zelo e admiração.

- Acho que minha omma está mesmo ouvindo meus pedidos. - Mi Sun sorriu, a voz sumindo gradativamente. - Vocês
vão ficar assim juntinho comigo? Para todo o sempre?

Taehyung sorriu, se inclinando para beijar a testa dela.

- Sempre, joaninha - respondeu.

Mi Sun ficou em silêncio. Seu pequeno rosto, que poucos minutos antes esteve imerso no pavor e desespero, estava
sereno e com um leve sorriso. Isso serviu de distração para os dois por um bom tempo, até que percebessem que ela
de fato, tinha adormecido.

Taehyung não acreditava que fosse conseguir pegar no sono, portanto não se acomodou. Permaneceu ali parado,
zelando pelo sono de Mi Sun, pronto a acabar com qualquer pesadelo antes que começasse.

Ele nunca teve uma mãe. Nunca soube o que era o calor de um abraço materno, uma canção de ninar ou um beijo na
testa antes de dormir. Jamais conheceu os conselhos sinceros e experientes e nunca pode sentir conforto na comida
caseira preparada com amor.
Ele não podia dizer que sabia o que Mi Sun sentia por perder a mãe. Jiayu era uma mãe esplêndida, ele sabia disso. A
falta dela em um coração tão jovem e ainda tão inocente devia deixar um buraco indescritível.

Se pudesse, arrancaria aquela dor de sua pequena e tomaria para si.

- Por que 'joaninha'? - Jungkook sussurrou, brincando com os dedos de Mi Sun e vendo as unhas pintadas de
amarelo, com pequenos círculos que formavam uma florzinha laranja em casa unha minúscula.

Taehyung se surpreendeu. Até alguns segundos antes daquilo, pensava que Jungkook também tinha dormido. Ele
olhou o moreno por poucos instantes, antes de retornar a atenção para Mi Sun.

- Quando ela tinha três anos, durante meu primeiro ano no exército, eu vim para o Natal, - Taehyung respondeu, em
um sussurro baixo - ela ainda não falava. Jiayu e eu não tínhamos muitas condições para bancar o tratamento dela e
pagar por um aparelho auditivo, já que é muito caro.

Ele suspirou, decidindo remover com cuidado o pequeno aparelho do ouvido dela antes que os dois acabassem se
esquecendo.

- Eu me sentia meio inútil. Ela só ouvia ruídos muito altos, não falava, era difícil de entender o que ela queria e às
vezes chegava a ser desesperador. - Ele engoliu seco, observando a pequena pecinha em sua mão. Era minúsculo. -
Eu juntei o dinheiro que recebia e consegui parcelar essa coisinha aqui.

Ele sorriu com a memória. Foi a melhor sensação do mundo ver o sorriso no rosto de Mi Sun, quando ela o ouviu pela
primeira vez. No começo houve um estranhamento, ele pensou que ela fosse chorar, mas tudo que recebeu foi uma
gargalhada.

- Depois de uns meses, ela aparentemente começou a prestar a atenção no que dizíamos. A primeira palavra dela não
foi nem mamãe e nem papai. Foi 'joaninha' - Taehyung disse, com uma risada solta. Jungkook sorriu com ele.
Conseguia claramente imaginar a expressão de indignação do loiro quando constatou que não tinha sido a primeira
palavra dela. - Eu estava com ela no jardim e uma joaninha pousou no braço dela. Eu apontei e disse o nome do
inseto e ela repetiu. Ela não disse como os bebês costumam falar, foi espontâneo e tão correto que eu fiquei
espantado. Ela separou as sílabas, de uma forma tão fofa e nítida. Eu acabei levando joaninha como um apelido.

Taehyung sorriu.

Jungkook sacudiu a cabeça, aquela história era nova. Ele olhou para Mi Sun. Se lembrava de quando a conheceu,
quando ela ainda estava com todos os dentes na boca e quando era muitos centímetros mais baixa.

Soltou a mão dela para tirar o cabelo dos olhos de Mi Sun, aproveitando para apertar suavemente a bochecha dela.

- Ela me lembra tanto a Jiayu - Taehyung confessou.

Mesmo que Mi Sun não pudesse mais ouvi-los, falavam baixo como se trocassem segredos, confidencial debaixo dos
lençóis e dos pisca-piscas de estrelas.

Jungkook olhou para ele.

O olhar devoto que Taehyung direcionava a Mi Sun, era um tanto hipnotizante. O sorriso dele em si, era algo em que
Jeon podia facilmente se perder e esse pensamento fez uma luz vermelha se acender em seu cérebro, um alerta de
perigo, como um alarme de emergência disparado soando em sua mente.

- Eu acho ela mais parecida com você - Jungkook disse. Taehyung o olhou, esperando encontrar o moreno olhando
para Mi Sun, mas foi surpreendido com o olhar do homem fixo em si, sem nenhuma inibição ou vergonha de que ele
percebesse aquilo.

Jeon pressionou os lábios por um instante, passando a língua entre eles lentamente.

Taehyung riu, tentando aliviar o que quer que estivesse se instaurando entre eles.
- Talvez ela tenha herdado meu temperamento em alguns sentidos - disse ele, colocando a mão sobre a de Mi Sun,
que se encontrava delicadamente posta sobre o peito.

- Ela tem seu nariz. - Jeon sorriu, torcendo o próprio para enfatizar e olhando para o nariz perfeitamente desenhado de
Taehyung. Seu olhar perigosamente, desafiando qualquer aviso, deslizando para baixo. - A sua boca também.

Taehyung olhou para ele. Jungkook estava distraído, o que o fez acreditar que não havia motivos para se alarmar com
o encarar nada discreto que era lançado sobre si.

Taehyung se mexeu, uma dor chata lhe arrancou uma careta, algo que não passou despercebido pelo atento Jeon que
mantinha os olhos vidrados nele.

- O que foi? - perguntou de imediato.

- Nada, foi só um mal jeito -Taehyung respondeu.

Jungkook de imediato dirigiu os olhos em direção a mão de Taehyung, que estava graciosamente colocada sobre a de
Mi Sun. Como ele já tinha notado muito antes, havia um tremor fraco que quase não podia ser notado na maioria dos
dias, mas constantemente estava ali.

Ele nunca quis ser intrometido, ainda mais quando Taehyung o afastava de todas as formas, mas não era algo que ele
conseguisse aguentar mais.

- Você vive fazendo essa careta. - Jeon chegou mais perto de Mi Sun, e consequentemente do loiro também.
Jungkook usou aquilo como um pretexto, pegando os dedos de Taehyung na mão e erguendo levemente para
evidenciar o tremor. - E essa sua mão treme o tempo todo.

- Você fica me analisando? - Taehyung arqueou a sobrancelha.

- Você se machucou lá, não foi? - Jeon insistiu.

O loiro suspirou, se dando por vencido. Jeon Jungkook era insistente e muito irritante, ele não estava disposto a aturar
ele apenas para esconder algo que já estava melhorando. Era apenas um tanto faz.

Bufou, um pouco contrariado, e afastou a gola larga da camiseta, que ele tinha roubado de Jungkook há menos de
uma semana. A gola se afastou, revelando a pele clara de Taehyung, até que fosse possível visualizar.

Pouco ao lado da clavícula, uma mancha um pouco mais escura que a pele. Era irregular e pelo padrão das marcas
dos pontos, Jungkook imaginou que não tivesse sido suturado em uma sala de cirurgia perfeitamente equipada e com
profissionais.

- Rompeu o ligamento e alguns nervos. Os médicos fizeram o que podiam, para que eu não perdesse o movimento do
braço - Taehyung explicou, deixando a cicatriz bem exposta. - É, eu sei, ela é bem feia, mas não exija muita habilidade
de costura de médicos que tem mais de uma dezena de soldados parcialmente quebrados em pedaços para atender.

Jungkook estendeu a mão, sem pedir permissão e nem avisar. A testa franzida e o olhar perdido naquela marca que
tinha quase o tamanho de seu dedo médio.

Taehyung não se moveu, apesar de acreditar que deveria ter acertado um tapa na mão do moreno para afastá-lo.
Jungkook não parecia fazer por provocação ou maldade, apenas pura curiosidade faiscando em seus olhos quando só
dedos tocaram de forma suave aquela marca.

A mão dele era quente e mesmo o toque mais suave parecia pesado contra a pele. Taehyung estremeceu um pouco,
prendendo a respiração, o que Jungkook entendeu como um gesto de quem sentiu dor.

- Ainda dói? - perguntou receoso. Taehyung negou.


- Aqui não, mas o ombro dói quando eu mexo. É algo com os músculos e ligamentos, eles nunca mais vão ser os
mesmos - respondeu Kim.

Jungkook assentiu, retraindo a mão para junto do próprio corpo, tentando se controlar. Ele se aconchegou nos
travesseiros.

- Você não vai dormir? - perguntou.

Taehyung ia negar, mas decidiu apenas se ajeitar da mesma forma, pertinho de Mi Sun, que dormia imóvel entre eles.
Taehyung manteve os olhos fixos em Jungkook, esperando que ele fosse fechar os próprios e apenas dormir.

Mas diferente do que pensava, o moreno continuou olhando, parecendo ter o mesmo pensamento.

Os olhos refletiam as luzes, como pequenas estrelas perdidas nas orbes escuras dos olhos de ambos.

Nada mais foi dito em voz alta, mas aquele silêncio falava muito alto. Era difícil de entender ao certo o que acontecia,
mas era como olhar para o futuro. Ambos sabiam muito bem o que estava acontecendo, ambos tinham medo que suas
mentes estivessem certas sobre aquilo e ambos não conseguiam decidir se deviam temer ou não.

Muito provavelmente sim, mas não fizeram nada a respeito.

Seria inevitável, eles perceberam, apagando qualquer parte racional da consciência e deixando apenas o medo
genuíno.

Jungkook tentou alcançar a mão de Mi Sun, que estava debaixo da mão de Taehyung. Tocou os dedos dele, e não
afastou a mão. Alcançou a mão da garotinha, prendendo três dedos dela entre o polegar e o indicador, sentindo os
dedos pequenos de Taehyung sobre sua mão.

- Você quer desligar as luzes? - Taehyung sussurrou, desviando o olhar nervosamente e procurando algo onde
pudesse focar o olhar, que não fosse o rosto do moreno.

- Deixe as estrelas acesas. - Jungkook sorriu largo. - Elas ficam bonitas nos seus olhos.

Taehyung riu baixo.

- Aish, você é um idiota. - Ele olhou para a própria mão, perigosamente perto da mão de Jeon. Fechou os olhos pois
era a alternativa mais fácil e rápida de fugir dali. - Acabamos de nos acertar, não faça as coisas ficarem estranhas.

Jungkook riu, olhando os olhos bem fechados de Taehyung.

- Você tem medo de alguma coisa? - Jungkook sussurrou. Taehyung abriu os olhos de novo, um pouco confuso com a
pergunta repentina. - Tem alguma coisa que faça seus ossos gelarem, que te deixe paralisado e faça seu corpo
formigar de medo?

Taehyung ficou em silêncio por um bom tempo, processando a pergunta. A essa altura, mesmo que não tenha
percebido, o polegar de Jungkook estava sobre sua mão, segurando seus dedos junto aos de Mi Sun em um toque tão
leve quanto uma pluma.

- Felicidade. - Taehyung confessou. - Ela me assusta.

Jungkook processou a resposta por um tempo. Algumas pessoas podiam não entender, mas ele não precisou pensar
muito para compreender, como se pudesse ler a mente de Taehyung.

- E você? - perguntou Taehyung.

Jungkook não precisou pensar muito.

- Eu te amo. - respondeu. Taehyung congelou por um momento, seus ossos gelaram e o corpo formigou por completo.
Talvez tenha ficado pálido, já que Jungkook foi rápido em especificar: - A frase "eu te amo". Tenho medo de ouvir isso.
- Você tem algum chilique quando alguém diz que te ama? - Taehyung brincou.

- Ninguém nunca me disse isso - Jeon replicou.

A princípio Taehyung pensou que fosse brincadeira, algo como uma piada de humor negro. Até que a seriedade nos
olhos quase fechados do moreno lhe desde um choque de realidade. Não era brincadeira.

Isso o chocou a ponto de fazer um calafrio subir em sua espinha.

- Mi Sun escreve bilhetinhos. Ela diz para os outros que me ama, mas nunca disse isso olhando nos meus olhos. Eu
não estou culpando ou me queixando disso, mas é a única pessoa que poderia fazer isso com sinceridade. - Jungkook
deu de ombros. - Meus pais nunca foram do tipo carinhoso. Meus amigos não tiveram motivos para falar até hoje.
Jiayu... ela e todos os caras e garotas com quem sai antes de conhecê-la não sentiam isso, então não falavam.

Taehyung não conseguia dizer nada.

Jungkook, mesmo parecendo afetado por aquilo, sorriu para ele.

- Tenho medo de paralisar quando ouvir. - Ele fechou os olhos. - Enfim, vamos cortar esse papo idiota. Boa noite,
Taehyung-ssi.

Taehyung continuou de olhos abertos, observando Jungkook enquanto este estava quase dormindo.

Ninguém deveria viver sem se sentir amado.

E por isso ele olhou as estrelas daquela cabaninha.

E mesmo que fossem estrelas falsas, ele pensou naquelas que estavam além do teto, aquelas que eram inalcançáveis
e brilhavam intensamente. Ele pensou em cada uma delas e desejou algo.

Que fosse enviado alguém capaz de dizer que amava Jungkook todos os dias, tanto com palavras, quanto com
gestos.

Aquele garoto tatuado e de sorriso grande, merecia mais do que qualquer pessoa no mundo, um amor recíproco. E
Taehyung queria que ele tivesse a chance de não apenas ouvir em seus ouvidos o "eu te amo", mas sentir ele
palpitando no peito a cada batida do coração dessa pessoa.

Independente de quem fosse.

Telepathy
Bom dia abelhinhas ❤️

❝Nos dias que parecem sempre os mesmos


Eu me sinto o mais feliz quando te encontro
Mesmo na rotina que é diferente todo dia
Você é a pessoa mais especial para mim
(...)
Muito rápido é um pouco perigoso
Muito lento é um pouco chato
Nem rápido demais
Nem lento demais
Vamos no nosso próprio ritmo
Essa é uma longa e divertida montanha russa❞
(Telepathy - BTS)

❁❁❁

Havia uma quantidade absurda de papéis coloridos, cola com glitter, barbante, florezinhas e obviamente muitos
envelopes de papel pardo.

Era relaxante, ele precisava admitir, colar em uma folha vermelha e firmar o convite impresso com as informações, em
seguida destacar o nome de Mi Sun com a cola glitter e lacrar o envelope com barbante, cera derretida e algumas
flores minúsculas.

Do jeitinho que ela pediu, apesar de estar dando um trabalho danado.

A decisão tomada em conjunto por Jungkook e Taehyung, tinha sido se esforçar ao máximo para dar a melhor festa de
aniversário do mundo para a garotinha, já que seria a primeira vez que seu aniversário seria comemorado sem a
presença da mãe.

O que tornou seus dias bem mais agitados.

- Eu tenho tido esses sintomas há algumas semanas, não sei o que pode ser, mas estou considerando buscar um
cardiologista - disse Taehyung, colocando a mão no próprio peito, mas sem desviar a atenção da cera vermelha que
estava derretendo sobre a chama da vela. - Tenho umas palpitações estranhas, eu começo a suar frio e a boca fica
seca. Acha que já tenho idade para ter um infarto?

- Já ouvi casos de pessoas que desenvolvem problemas cardíacos depois de voltar da guerra, isso é muito frequente?
- Park questionou, empurrando os óculos para cima, muito atento à tarefa de contornar o nome de Mi Sun com o
glitter.

- Às vezes acontece do nada, tenho medo que possa ser algo perigoso - Kim voltou a atenção para aqueles
envelopes. Pelo menos eram poucos, ele odiava a tarefa de derreter a cera colorida e depois usar o marcador para
selar. Já tinha queimado as pontas dos dedos com aquilo, mas o que um pai não faz por sua filha afinal. - Eu não
quero morrer antes dos quarenta. Além do mais tem a Mi Sun. Ela teria o Jungkook, mas ainda assim...

- Aish, pare de falar de morte! Vai ver você toma café demais, isso também dá palpitações, sabia? - Park protestou, se
afastando para observar o próprio trabalho de longe. Satisfeito, ele sorriu e pegou o envelope que Taehyung tinha
acabado de lacrar. - Este aqui é pra quem?

Taehyung olhou novamente a lista que estava ao seu lado. Mi Sun foi muito seletiva com os convidados de sua festa
de aniversário, ainda mais quando Taehyung e Jungkook levaram cerca de duas semanas para entrar em um
consenso sobre o fato de aglomerar um bando de crianças em uma casa de campo onde eles estariam como
responsáveis, mas assim que viram a lista muito bem redigida e muito enfática de Mi Sun, não precisaram mais
negociar os termos.

Só haviam três crianças na lista. Lia, Hyunki e Jihoon. Taehyung definitivamente não sabia quem eram esses, mas
Jungkook lhe informou que Lia e Hyunki eram os filhos de Rosé e Lisa, já Jihoon era um garotinho para o qual ele
dava aula.

O que deixou Kim muito alerta e desconfiado.

- Eu não bebo tanto café quanto Jungkook, ele literalmente vive de cafeína - disse o loiro - Esse convite aí é o seu.

Jimin olhou o papel que ele mesmo tinha preparado e suspirou. Pegou a caneta preta e escreveu com letras muito
bem desenhadas o próprio nome, colocando na pilha de convites prontos.

Taehyung despejou a cera quente sobre o papel e pegou o selo e pressionou ali, esperando secar com um suspiro.
- Eu deveria me preocupar com o fato de que a lista de convidados da minha filha ter mais adultos do que crianças? -
perguntou ele.

Park olhou para ele.

- Vocês deveriam falar com a psicóloga dela sobre isso. - Ji bagunçou os próprios cabelos e observou o olhar do
amigo, distraído. - Aproveitem para falar dos pesadelos.

- Jungkook e eu vamos levá-la para ver a Moonbyul essa semana, mas ainda assim eu me preocupo - disse Kim - Eu
não estava aqui quando ela começou a frequentar a escola, mas pelo que o Ggukie explicou, ela não tinha dificuldade
de se aproximar das outras crianças.

Jimin, com seus instintos afiados e sua mente muito atenta, captou algo que lhe deu um estalo no cérebro, como um
aviso ou apenas um pressentimento. Ele ergueu a cabeça, olhando o amigo distraído com os lacres de cera e ergueu
uma sobrancelha, pronto para provocá-lo.

- Ggukie? - ele repetiu, com desconfiança - Que intimidade é essa, Taehyungie?

Taehyung ergueu um pouco o olhar, refletindo sobre o que tinha falado anteriormente e dando de ombros em seguida.

- Mi Sun chama ele assim, eu peguei o costume - Taehyung justificou.

- Então porque você ficou vermelho? - Ji pressionou os lábios.

- Aigoo! - O loiro apontou para ele, a irritação visível em seus olhos e nas bochechas rosadas. - Não tente me irritar.

Park riu. Taehyung voltou sua atenção total aos convites, desta vez com bochechas e orelhas vermelhinhas como
tomates, o que Park precisava admitir, era uma visão adorável. Ele não se lembrava de já ter visto Taehyung tímido
com alguma coisa, seu melhor amigo costumava ser do tipo que não se arrepende ou se envergonha de nada que faz
ou diz.

O loiro parecia ter melhorado muito nos últimos meses. A cada dia que passava, Taehyung parecia mais apto a
realmente tomar a própria vida de volta, mesmo que ainda houvesse dias em que ele parecia pego em sua nuvem de
pensamentos negativos.

Como se tivesse algo ocupando seus pensamentos mais do que aquelas antigas preocupações.

- Essas palpitações... - Ji tentou ser sutil, fingindo estar distraído enquanto fazia seu trabalho de enrolar o barbante
nos envelopes. - Nunca sentiu nada parecido antes?

- Não. - Taehyung continuava focado, o que consequentemente tornava qualquer diálogo automático. - Às vezes
parece que vou desmaiar, acho que minha pressão sobe ou desce. É estranho explicar.

- Você é hétero mesmo? - Park soltou. Taehyung engasgou com o nada, tossindo e arregalando os olhos em seguida.
Que tipo de pergunta absurda era aquela? O homem de cabelos castanhos apenas deu de ombros, dando a entender
que era apenas uma pergunta inocente e sem segundas intenções.

- Se eu não fosse, você acha que eu já não teria descoberto isso? - Taehyung franziu a testa, sacudindo a cabeça em
seguida e se perguntando como seu amigo podia ser tão estranho.

- Ora, nem todo mundo se descobre na adolescência - Ji retrucou.

- Tenho trinta anos, em breve trinta e um, não tenho mais idade para crises de sexualidade. - Taehyung queimou o
dedo mais uma vez, praguejando em seguida e colocando na boca. - Você inventa cada coisa.

- Só estou levantando uma hipótese, você pode curtir algumas coisas e nem saber, como bom amigo estou te
ajudando. Você não faz sexo há quanto tempo? - perguntou Park.
Taehyung riu com nervosismo, aquilo estava definitivamente começando a se tornar estranho.

- Eu sou um homem divorciado que serviu por três anos no Oriente Médio combatendo terroristas, isso responde sua
pergunta? - Ergueu uma sobrancelha com certa agressividade, esperando que aquilo fosse de certa forma encerrar o
assunto.

- Isso é deprimente, você deve estar ficando louco. - Jimin suspirou.

- Eu não sinto vontade de fazer isso com ninguém. Jiayu foi a única que me atraiu dessa forma. - Taehyung deu de
ombros. - Eu poderia muito bem ter me divertido com aquela sua amiga no dia que fomos a aquela boate, mas eu não
sinto vontade. Não consigo sentir... tesão por ninguém.

Jimin pareceu pensativo. Taehyung só tinha definitivamente se envolvido romântica e sexualmente com uma pessoa
em toda sua vida. Uma mulher.

Jiayu foi seu amor de infância, a primeira a despertar estes dois sentimentos nele, então talvez tenha sido fácil de se
perder. Ele se apaixonou e se casou cedo, não teve muito tempo para realmente descobrir se havia algo mais em si
mesmo para explorar.

- Talvez você sinta, só não sabe ainda - Park disse - E se você tentasse sair com alguém. Um encontro, coisa do tipo.

Taehyung fez uma careta.

- É que... - Ele ia fazer um discurso muito educado pedindo para que seu amigo parasse de querer consertá-lo a todo
custo como absolutamente todas as pessoas no mundo pareciam fazer, mas por sorte foi salvo quando ouviu passos
apressados de pés pequenos vindo em direção a cozinha, isso logo depois de ouvir a porta da frente se abrir.

- Appa! - Mi Sun entrou na cozinha, ao ver Jimin, diminuiu o passo e se jogou sobre ele, deixando Taehyung no
aguardo por seu abraço. - Tio Ji!

Jimin amava aquela menina. Era impossível não sorrir ao sentir o aperto firme dela, sentir o cheiro doce do perfume,
misturado ao cheiro de giz de cera e tinta guache.

Assim que ela se afastou, ele fez como de costume, enfiando as mãos nos cabelos dela e bagunçando para lhe
arrancar uma gargalhada gostosa.

- Você está crescendo rápido demais, deveria parar antes que acabe alcançando o teto! - Jimin disse a ela.

Mi Sun negou com a cabeça.

- Vou ser uma astronauta, preciso ser alta para alcançar os pés no chão quando me sentar na cadeira do foguete! -
Ela explicou, com muita seriedade.

- Oh claro, faz todo sentido, como não pensei nisso antes! - Park respondeu, batendo na própria cabeça.

A menina se virou em direção ao loiro. Como sempre, seus olhos faiscavam de empolgação quando ela se aproximou
dele, entregando um pequeno folheto que tinha sido dobrado da forma mais torta possível.

- Appa, eu vou tocar uma música na apresentação da escola! - Ela deixou o papel na mão dele e se esticou para
plantar um beijo na bochecha do homem. - Você vai me ver tocar?

Taehyung sorriu bobo, desdobrando o papel e encontrando um cartaz colorido, com desenhos aparentemente feitos
pelas próprias crianças. Uma espécie de convite para a apresentação anual de talentos.

- Claro que sim, joaninha! - Ele riu, apertando a bochecha dela. - Como estava a aula?

Mi Sun puxou uma das cadeiras, se sentando nela confortavelmente e apoiando as bochechas nas palmas das mãos,
observando os dois homens enquanto preparavam os convites. Ela fez uma nota mental para elogiar o trabalho
magnífico depois que detalhasse todo o seu dia.

Obviamente, aumentando um pouco as partes interessantes.

Kim Mi Sun, com sua grande genialidade e instinto maquiavélico, tinha bolado um plano junto com seus amigos. O
ciúme, segundo Hyunki, era o melhor estimulante para uma declaração de amor.

Seria épico.

- Você não vai acreditar, tinha uma moça querendo paquerar o appa Ggukie lá na escola! Eu vi tudinho, vocês
acreditam nisso? - ela falou, com um suspiro triste.

Taehyung não se moveu, continuou segurando a pequena concha sobre a vela, vendo a cera vermelha derreter dentro
do círculo de metal e ergueu o olhar bem lentamente em direção a menina.

Jeon Jungkook era um homem bonito, ele não sabia exatamente o motivo de estar tão alarmado com o fato de que
alguém estava dando em cima dele. Taehyung até pensou que tinha demorado bastante para que algo como aquilo
chegasse aos seus ouvidos.

Mas era uma coisinha chata, o cutucando lá dentro como um alfinete, que deixava aquele assunto um pouco irritante.

- Que legal - respondeu ele. Mi Sun ficou atenta a cada expressão, seu pai parecia profundamente desinteressado.
Talvez ela precisasse pegar mais pesado. Jimin olhou para a garotinha.

Ele captou no mesmo instante seus pensamentos malignos e sentiu um orgulho tremendo. Talvez ele finalmente
estivesse conseguindo influenciar e levar aquele anjinho para o lado sombrio. Ele soltou um risinho e suspirou.

- Aigoo, Jungkook não perdeu o jeito então. Você sabe, ele é capaz de seduzir até mesmo uma pedra! - Jimin
acrescentou.

- A moça estava só suspiros pra cima dele, eu juro, foi muito vergonhoso! - Mi Sun se jogou para trás, apoiando as
costas na cadeira e deixando os braços amolecerem ao lado do corpo.

Taehyung continuou com os olhos fixos na cera derretida, que já começava a borbulhar na conchinha.

- Impressionante. E o arrasador de corações está aonde que ainda não apareceu aqui para me atazanar? - perguntou
ele, olhando discretamente em direção a porta ao notar que Jeon não seguiu Mi Sun até ali.

- Ele foi levar a moça na casa dela - Mi Sun respondeu. Jimin pressionou os lábios. Aquela garota era terrível.

Taehyung olhou para a filha, esperando que ela fosse dizer que era uma brincadeira, no entanto, foi interrompido por
um desastre iminente.

A cera borbulhou mais do que deveria, um pingo caiu sobre a mão do loiro que soltou a conchinha de metal com
rapidez, deixando a cera se espalhar na mesa. Jimin foi rápido em erguer todos os convites já prontos para evitar que
seu trabalho fosse perdido.

Taehyung sacudiu a mão, a dor da queimadura contra a pele foi ardida, mas sua reação foi mais o susto do que a
própria dor.

- Porra, que merda! - Ele praguejou. Mi Sun arregalou os olhos e viu seu pai fazer o mesmo logo em seguida e cobrir a
boca com a outra mão, olhando para ela como se implorasse por perdão.

- Você disse uma palavra feia! - ela acusou.

- Nunca repita isso! Nem em um milhão de anos você deve dizer essas palavras. - O loiro apontou para ela.

- Pensei que você fosse um homem de família, Taehyung, que decepção. - Park sacudiu a cabeça e estalou a língua.
- Porque só os adultos podem usar palavrões? - perguntou Mi Sun.

- Porque a alma deles já está corrompida, então não tem motivos para tentarem ser educados, gentis e good vibes -
Park respondeu.

Taehyung olhou a bagunça. A cera já estava praticamente seca depois do contato com a mesa fria, o que tornaria uma
tarefa difícil remover. Ele desgrudou os pingos de cera que haviam colado na pele da mão, observando as manchinhas
vermelhas e sentindo ainda mais raiva por aquilo.

- Olha, vocês dois precisam me ajudar a limpar isso - Taehyung falou, se levantando dali - Vou pegar alguma coisa pra
raspar essa cera.

Assim que o loiro se afastou, deixando a cozinha, Jimin olhou por cima do ombro para garantir que ele estava longe o
suficiente e se inclinou em direção a Mi Sun, sua aprendiz do mal.

- O lance da moça é mentira, não é, sua pestinha? - perguntou Park, com um sussurro.

Mi Sun empinou o nariz, com aquela soberba que com certeza tinha herdado de Taehyung.

- Em partes, tinha mesmo uma moça dando em cima do meu appa Ggukie hoje e ele foi mesmo levar uma moça em
casa. Só que a moça que deu em cima dele e a que ele deu carona não são a mesma pessoa - respondeu ela,
colocando o dedinho sobre a boca e sussurrando um "shh" - Ele foi levar a tia Sana. Oh, ela mandou avisar que vai ir
na sua casa procurar o brinco dela mais tarde, falou que era pra você avisar caso estivesse ocupado.

- Certo, Sana sabe onde fica a chave reserva. E eu já saquei o que você está fazendo, agora me diga o que você sabe
e eu digo o que eu sei. Podemos ser parceiros, você me informa e eu te ajudo a bolar seus planos maldosos, fechado?
- Ele estendeu a mão.

Mi Sun sorriu, satisfeita por ter mais um cúmplice e colocou a mão na dele.

- Encontrei essa espátula de plástico, não sei para que serve, mas deve ajudar para raspar a cera. - Taehyung voltou
para a cozinha, parecendo focado até demais na bagunça que tinha sido causada, evitando o quanto podia, a bagunça
que estava dentro de seu peito.

❁❁❁

Ele já tinha dito e feito milhares de coisas idiotas em toda a sua vida, mas aquilo com toda a certeza entrou para o
ranking no top três.

Harika Bhasin era mãe solteira, indiana que se mudou para a Coréia por causa do emprego e fazia pouco menos de
um mês que tinha matriculado a filha na escola.

Ela basicamente não conseguiu evitar cair nas graças do professor da filha, o que resultou em um diálogo muito longo
quando ela foi até a escola para ter uma reunião particular com ele.

Mas Jungkook não estava tão interessado quanto ela.

A mulher era linda, em um nível quase surreal. A pele escura, o nariz perfeitamente bem desenhado, lábios finos e
alinhados e os olhos muito marcantes. Sem mencionar os cabelos escuros e ondulados que desciam pelas costas até
a cintura.

Ela ainda carregava fortemente os traços de sua cultura, usando roupas coloridas e que remetiam muito à cultura
indiana. Ela faria totalmente o tipo de Jungkook e ele não hesitaria em dar uma chance.

Mas não conseguiu sentir nada. Nem mesmo uma faísca sequer, olhando nos olhos dela. Harika era doce, gentil e
muito divertida. Em poucos minutos de conversa, Jeon conseguiu captar a energia radiante que ela emanava.

Jovem, com seus vinte e três anos, a maioria poderia chamá-lo de maluco por não cair em cima da mulher
desesperadamente. Não era sempre que uma mulher tão atraente, educada e amigável aparecia em seu caminho.

No entanto, ele queria fugir.

Não sabia se ainda estava com algum bloqueio por conta de Jiayu, se não se sentia capaz de ter um relacionamento
ou se simplesmente não conseguia se atrair por ela.

Mas isso o deixou em pânico e o levou ao nível extremo, em que ele não controlava a própria língua.

Jeon Jungkook não costumava ser tão calado. Ele normalmente tagarelava tanto que a deixava tonta, então
obviamente todo aquele silêncio pensativo, deixou Sana alerta sobre o que podia estar passando na mente do amigo
enquanto ele dirigia até seu apartamento.

Ela pigarreou uma vez, sem conseguir chamar sua atenção e repetiu o som até que ele a olhasse e dissesse "hm?"
como prova de que estava disposto a ouvir.

- Você está estranho - disse ela.

- Sabe a mãe daquela menina indiana que tem na turma do quarto ano? Acho que o nome da menina é Swara, a mãe
dela se chama Harika - ele respondeu. Sana piscou com força e assentiu. - Ela foi até a escola hoje falar sobre as
notas da Swara e me convidou para jantar com ela - Jungkook suspirou, como se fosse o convite de um enterro.

Sana não sabia ao certo se deveria comemorar ou não, então apenas jogou a pergunta.

- Isso é bom ou ruim? - questionou.

Jungkook deu de ombros.

- Foi estranho. A primeira pessoa que me chamou para sair depois da Jiayu, eu não quis ser rude e aceitei o convite,
mas acho que fiz uma merda grande - Ele passou a mão no rosto, frustrado. A cena que tinha acontecido cerca de
duas horas antes ainda estava viva em sua mente, o acusando e o chamando de idiota a cada instante. Ele podia ter
dado qualquer resposta. Sana estreitou os olhos esperando a explicação. Ele suspirou, sabendo que ela lhe bateria. -
Eu disse que precisava falar com o pai da minha filha antes de confirmar.

Sana revirou os olhos, os fechou e cobriu com a mão porque simplesmente não conseguiu não se esconder de
completa vergonha alheia. Ela esperava realmente que aquela história fosse terminar de alguma forma engraçada,
com Jungkook explicando para a mulher que não era aquilo que ela estava pensando.

- Você não...

- É, eu disse. Ela perguntou se eu era divorciado e eu disse um simples "não". Só depois que ela já tinha saído que eu
percebi que agora ela acha que eu sou um homem casado e ela acabou pagando um mico! - ele interrompeu - Ela se
desculpou e saiu com um olhar caído, agora me sinto horrível.

- Jeon Jungkook! - Sana gritou.

Ele abriu a boca sacudindo os ombros sem saber ao certo como reagir.

- Eu entrei em pânico! Estava óbvio que ela queria transar comigo e eu não... não consigo pensar nisso agora. - Ele
bateu os dedos no volante nervosamente.

- Você podia ter usado qualquer argumento para dispensar ela. Podia simplesmente ter explicado que sua esposa
morreu há pouco tempo e você não se sente pronto para dar esse passo, mas definitivamente você não precisava ter
dito isso. - Sana massageou as têmporas. - Você precisa ligar para ela e explicar a situação, fica um pouco melhor do
que fingir que você tem um marido. Eu sabia que em algum momentos vocês iam acabar se ferrando com essa
história de "o pai da minha filha".

- Você pode pelo menos me dizer alguma coisa boa para tentar alegrar o meu dia? - Jeon perguntou.
- Talvez eu possa, bem, deixa eu ver... Oh, lembra que eu estava em choque na semana passada porque senti uns
enjôos sinistros? - Sana bateu com o indicador no queixo. - Fiz um teste de farmácia e deu negativo. Você não corre
risco de se tornar padrinho tão cedo, sinto em acabar com seus sonhos.

Jungkook revirou os olhos e sorriu.

- Testes de farmácia podem dar errado, sabia? Eu ainda posso me tornar o tio Ggukie, não dispense todas as
possibilidades - ele retrucou - Uma pena que a pobre criança pudesse nascer com o rosto daquele seu ex. Imagina
você olhar para o seu filho e ver um nariz daquele tamanho?

Sana gargalhou alto, cobrindo a boca com as duas mãos.

- Seu idiota! - Ela lhe deu um soco forte no braço. - Pelo menos não sou eu que saio por aí fingindo que sou casada
com meu amigo.

- Taehyung não é meu amigo e eu não fingi estar casado com ele, você podia ser jornalista, sabia? Vive aumentando
as histórias! - Ele bufou.

- Claro, ele não é seu amigo, é seu marido - Sana provocou.

- Sana! - Jungkook ralhou, um pouco mais sério. Ela riu.

Jungkook estava lutando com o que tinha acontecido algumas noites antes.

Não era como se sua mente tivesse apagado a sensação que lhe dominou por inteiro quando estavam naquela
barraca de lençóis, sob as estrelas de mentira.

Ele sentiu algo, que preferia não nomear ou catalogar. Mas era algo.

Estava enlouquecendo com aquilo, a ponto de explodir.

- Você acha que é possível sentir algo por alguém mesmo sabendo que não deveria? - ele perguntou em um sussurro.

Sana o olhou de imediato, como sempre, analisando as feições. Jungkook estava distraído, os olhos brilhantes, as
pupilas definitivamente dilatadas e os dedos nervosos batendo no volante. Bochechas rosadas e o lábio inferior preso
entre os dentes.

Sana sabia que estava preso em seus pensamentos e ela definitivamente soube na hora quem estava neles.

Prever quando alguém está prestes a se apaixonar talvez seja a coisa mais dolorosa. Olhar para um amigo preso
naquele estado estranho antes do coração aceitar o que sente podia estar em sua lista das piores e melhores
sensações.

- Algo romântico ou sexual? - perguntou ela.

Jeon deu de ombros.

- Esquece, é besteira - ele respondeu.

- Não é. Eu sei do que você está falando. - Sana suspirou, querendo entrar na mente dele para espiar lá dentro. - Você
se sentiu atraído por ele?

Jungkook moveu a cabeça lentamente de um lado para outro, tentando ponderar se devia ou não responder
sinceramente.

- Não diria isso. Foi algo como olhar nos olhos dele e ver algo lá dentro que me deixou paralisado. - Ele confessou.
Nomes não foram citados, mas ambos sabiam exatamente de quem estavam falando. - Não sei nomear isso. Mas
sinto que é errado. Que talvez possa criar algo errado.
- Não é errado gostar - Sana replicou.

- Nesse caso em específico seria sim. Errado pra cacete. - Ele riu, com nervosismo. - Mas não é o caso, então não
tem que se preocupar. Foi só um pensamento que passou pela minha cabeça por um segundo, mas consegui matar
isso.

- Conseguiu mesmo? - ela perguntou.

- Espero que sim - respondeu ele, com sinceridade.

❁❁❁

Sana odiava quando aquilo acontecia. Ela tinha uma quantia muito limitada de jóias, o que fazia com que a falta de um
mero brinco a deixasse quase louca. Ela obviamente sabia onde encontrar, isso era uma coisa boa, mas mesmo
assim, estava sendo um caos encontrar aquela argola minúscula dentro do apartamento gigantesco.

Park Jimin tinha que ser um maldito aristocrata exagerado?

Ela se ajoelhou no meio da sala, espiando debaixo do sofá com a lanterna do celular. Não podia ser tão difícil achar
um mísero brinco, ela tinha certeza que estava ali em algum lugar.

Ela se levantou, indo em direção ao quarto, com passos rápidos e decididos. Tinha um jantar importante à noite com
seus pais e seu irmão mais velho que era o grande orgulho da família, aqueles brincos eram essenciais já que eram os
mais caros que ela já tinha comprado.

Abriu a porta e entrou sem cerimônias. Estava tudo na mais perfeita ordem, como sempre. Ela só queria pegar o que
lhe pertencia antes que Jimin chegasse em casa e a tirasse para uma longa sessão de conversas sobre diversos
assuntos relacionados a Jisoo.

Sana olhou em volta, indo até o lado da cama onde lembrava de ter dormido no dia que voltaram da boate. Ela abriu
as gavetas da mesa de cabeceira e em seguida se abaixou, olhando com a lanterna debaixo da cama.

Algo reluziu e ela sorriu satisfeita. Aparentemente Park ainda não tinha aspirado debaixo da cama, o que manteve sua
argola a salvo.

Esticou a mão, tentando alcançar, mas paralisou ao ouvir a porta da frente abrir. Não teria se surpreendido se não
fosse pelo conjunto de vozes que vieram em seguida.

A porta do quarto estava entreaberta, o que deixava as vozes chegarem até ela com facilidade.

- Eu acho que você poderia ter me ligado - Park disse, a voz um pouco falha e nervosa - Poderíamos ter ido a um café
ou algo do tipo.

Sana se esticou mais, pegando o brinco entre os dedos e em seguida se erguendo apenas o suficiente para espiar a
porta por cima da cama. Ela conseguia ver Jimin, parado no meio da sala, cabisbaixo e com as mãos nos bolsos.

Alguém se aproximou e Sana viu com clareza quando a mulher colocou a mão no ombro dele e deslizou pelo braço. O
homem se encolheu com o toque.

- Eu não podia mais aguentar isso, Park, estava me matando. - Jisoo. Sana identificou a voz irritante dela no mesmo
instante. - Precisamos acertar as coisas entre nós antes do meu casamento, não vou suportar continuar com isso
entre a gente.

Jimin riu, com escárnio.

- Agora você quer acertar as coisas - ele retrucou.

- Eu sei que você ainda não superou isso, e é minha culpa - disse Jisoo. Sana revirou os olhos, foi automático. - Não
quero que isso traga problemas para a sua família.

- Não deveria ter se relacionado com a minha irmã então, para começo de conversa. Você sabia quem ela era, apesar
da Jennie não te conhecer, você sabia que ela era a minha irmã - Park retrucou.

- Vamos sentar e conversar, tá legal? - Jisoo disse - Já que estamos sozinhos podemos ser totalmente honestos, sem
mentiras ou enganações.

Sana mordeu o lábio com força. Ela odiava ser enxerida, mas ficaria muito pior se saísse dali naquele momento. Por
isso se ajeitou de uma forma confortável, observando por aquela festa o que quer que acontecesse ali, com as unhas
firmemente cravadas no tapete felpudo do quarto de Jimin.

Os olhos fixos em Jimin e na mão de Jisoo apertando delicadamente seu braço. Sana sabia que ele era fraco ao toque
dela, o que era um inferno. Ela se encolheu mais ainda quando Park olhou em volta, temendo que ele fosse avistá-la
ali.

Aquilo tinha tudo para acabar muito mal, Sana sentiu o peito se apertando com a agonia. Por que Jisoo não podia
simplesmente sair da vida dele?

❁❁❁

A televisão estava ligada quando ele entrou em casa. A criaturinha sentada no tapete, com os olhos vidrados nas
imagens de um dos episódios de 'X-Men Evolution'. O volume estava alto, como sempre, já que Mi Sun tinha uma
preguiça enorme de ler as legendas.

As mãos da menina estavam muito ocupadas em girar de um lado para outro as peças do cubo mágico, sem dar
atenção nenhuma ao brinquedo.

Ele olhou em volta, esperando encontrar Taehyung em algum daqueles cantos e torcendo para que ele não estivesse
mais uma vez entocado em seu quarto com a velha indisposição.

- Hey, solzinho! - Ele soltou a mochila ao lado da porta, tirou os sapatos e os colocou ao lado do coturno surrado de
Taehyung e se aproximou de Mi Sun. Jungkook se abaixou e beijou a cabeça dela demoradamente, até ouvir a risada
da menina.

- Oi, appa! Sabia que o tio Jimin e o appa Tae já terminaram meus convites de aniversário? Todos estão bem
prontinhos, só falta entregar e ficaram tão bonitinhos! - Mi Sun tagarelou sem tirar os olhos da televisão, a língua se
dobrando na boca e perdendo um pouco no discurso, tornando a pronúncia de algumas palavras difíceis de entender.
Mas Jungkook conseguiu ligar os pontos e saber exatamente o que ela tinha dito.

- Você pode me mostrar depois do jantar - respondeu ele, bagunçando os cabelos da garota. - Onde está seu pai?

- Mexendo no chuveiro do meu banheiro. Estava vazando e appa decidiu consertar - respondeu ela, com um sorriso
grande nos lábios.

Jungkook assentiu, respirando fundo e olhando em direção ao corredor. Ele não sabia bem o motivo de se sentir tão
perdido. Não deveria, afinal nada de absurdo tinha acontecido, nada estranho tinha sido dito.

Mas as coisas ficaram estranhas do mesmo jeito.

Ele coçou a nuca, olhando em direção a luz acesa no fim do corredor, ao lado do quarto de Mi Sun. O banheiro
principal da casa, que era usado apenas pela garota e por qualquer eventual visita, costumava ter problemas com
tanta frequência que o encanador passava semanalmente em frente a casa e perguntava se precisava verificar o
encanamento.

Ele estava pronto para dizer a Taehyung que deixasse aquilo de lado, que ele daria um jeito mais tarde e era melhor
ele não perder tempo.
Ele ia dizer, mas não sobraram palavras ou qualquer coisa em sua cabeça quando ele parou na porta do banheiro e
olhou em direção a ducha. Os dedos do moreno pararam na própria nuca e ele definitivamente teve um problema
grave de comunicação ao avistar Kim Taehyung.

A calça jeans estava encharcada, assim como o abdômen e os braços. A camisa molhada estava perfeitamente
jogada no chão e Taehyung tinha se tornado a própria personificação da palavra "problema". Jungkook tinha um
problema, um grande problema, um problema colossal.

- Eu pedi comida japonesa para o jantar já que você estava ocupado namorando - Taehyung disse, o chamando de
volta à realidade. Por sorte, o loiro não olhou para ele nem por um segundo, continuou rosqueando o que quer que
estivesse preso naquela chave de boca. Jungkook fechou a boca e engoliu o excesso de saliva antes de raciocinar
sobre o que tinha sido dito.

- Namorando? - Jungkook franziu a testa.

Taehyung deu de ombros, puxando com força a chave para apertar bem o registro. Os músculos do único braço que
ele usava para aquilo, se tencionaram, de forma que Jungkook teve completa consciência de cada um deles. Jeon
observou a cicatriz no ombro dele, Taehyung conseguia fazer aquilo sem nem mesmo erguer o braço machucado.

- Mi Sun disse que você foi levar em casa a moça que estava dando em cima de você, e levando em consideração o
horário provavelmente as coisas deram certo até demais. - Taehyung resmungou entredentes, forçando a rosca com a
chave de boca, quase desafiando aquele registro a vazar novamente.

- Mas...

- Você não precisa se explicar, só não leve nosso único carro da próxima vez que sair para fazer sei lá o que com sei
lá quem, eu poderia precisar sair e teria que ligar para o Jimin se tivesse alguma emergência. - Taehyung passou o
antebraço pela testa, se livrando do suor acumulado ali. Jungkook passou a língua pelos lábios muito lentamente,
perdendo totalmente o foco do que ele estava falando e tendo que dar um tapinha na própria bochecha para voltar a
si. Ele mais uma vez se focou no discurso do loiro. Taehyung jogou a chave de boca na caixa de ferramentas e virou
totalmente de frente para ele. - Eu preciso sair amanhã. Tenho uma consulta com o psicólogo de manhã, você precisa
levar a Mi Sun para entregar os convites do aniversário dela depois de me deixar no consultório.

Taehyung fechou a caixa de ferramentas e chutou para o canto, no intuito de guardar depois. Ele pegou a camiseta no
chão para torcer na pia.

Jungkook colocou a mão fechada contra a boca, pressionando os dentes com força nos próprios dedos. Taehyung
olhou no espelho, por onde Jungkook conseguia vê-lo com muita clareza. O loiro passou os dedos úmidos pelos
cabelos, os jogando para trás.

Em seguida ele se virou para sair, mas Jungkook levou a mão de forma automática contra o peito dele para mantê-lo
ali enquanto falava.

- Eu fui levar a Sana em casa! Nós estávamos corrigindo as provas da professora que saiu de licença à maternidade,
eu pedi para Mi Sun te avisar sobre isso - disse o moreno, com um olhar confuso.

Taehyung franziu a testa.

- Você ficou irritado por causa disso? - Jungkook provocou, com um sorriso travesso.

Taehyung riu, se perguntando o que Jungkook estava pensando. Aquele sorrisinho provocador só fazia o irritar mais
ainda e despontar aquela vontade que ele tinha de acertar o rosto do moreno com um soco dos fortes.

- Por favor, eu tenho mais o que fazer do que lidar com a vida amorosa de adolescentes - resmungou o loiro. Ele
desviou a atenção para a sensação quente contra seu peito e observou os dedos de Jeon colados em sua pele
molhada. Ele não parecia ter a intenção de se afastar, por conta disso, Taehyung segurou seu pulso com certa
brutalidade e o empurrou para longe.
- O que exatamente a Mi Sun disse? - Jungkook andou para o lado apoiando os dois braços nos batentes da porta,
mais uma vez bloqueando a passagem. O loiro piscou, movendo os olhos por toda a extensão do braço tatuado que
estava exposto apenas até o cotovelo por culpa da camiseta larga. Kim se perdeu pensando até onde se estendiam
aqueles desenhos. Mas, Jungkook o trouxe de volta ao presente com urgência. - Taehyung-ssi!

Taehyung bufou e jogou a camiseta molhada por cima do ombro e cruzou os braços sem ter a menor noção de como
aquilo afetava o moreno a sua frente.

Maldição. Jungkook conseguia gritar uma dezena de palavrões mentalmente, palavrões muito sujos que queria jogar
na cara daquele loirinho de sorriso arrogante, mas se conteve como um bom homem de família.

- Sua filha me disse que você saiu com sua namoradinha, o que tem demais nisso? Você é adulto, não tem que sentir
vergonha... - Taehyung ergueu as duas sobrancelhas.

Jungkook mordeu o lábio com força suficiente para tirar sangue.

- Só que não foi isso que aconteceu e não foi esse o recado que eu mandei ela entregar. O que nos leva a um dilema
um tanto curioso, você não acha? - Ele afastou as mãos dos batentes da porta, unindo as duas como se estivesse
prestes a rezar. - Sua filha contou uma mentira.

- Ah, quando ela faz coisa errada é minha filha? - Taehyung respirou fundo. - Por qual razão ela mentiria para começo
de conversa.

- Criança vivem em seu próprio mundo, mas isso não pode ficar assim, se ela continuar inventando mentirinhas e... o-o
que você tá fazendo? - Jungkook gaguejou, se perdendo totalmente no discurso assim que o loiro se esticou um pouco
em sua direção. Os olhos semicerrados quando segurou o queixo do moreno com força, se aproximando tanto que
Jeon sentiu o cheiro de água com cloro e perfume que vinha dele.

- O que é isso aqui? - Taehyung perguntou, passando o polegar pela marca funda que tinha na pele da bochecha do
moreno que ele nunca tinha percebido até então. Jungkook engoliu seco, mantendo as mãos unidas junto ao corpo
para evitar qualquer impulso delas de deslizarem para qualquer lugar.

- Machuquei quando era criança. Podemos manter o foco no que importa? - Jeon segurou a mão dele e a afastou do
próprio rosto.

- Ela realmente mentiu ou você está com vergonha de dizer que está saindo com alguém? Como eu disse você não
tem que me dar satisfações sobre a sua vida pessoal, mas não precisa ter medo de me contar as coisas. Acho que
temos que ter sinceridade se quisermos que isso dê certo. - Taehyung deu de ombros, colocando as duas mãos nos
bolsos de trás da calça jeans.

- Eu não estou namorando, cacete! - Jeon disse alto.

- Então por que a Mi Sun mentiu? - Kim replicou no mesmo tom.

- Acho que você e eu sabemos exatamente o que ela quer inventando essas historinhas - o moreno retrucou, tocando
o próprio peito com o indicador e em seguida cutucando o peito de Taehyung.

Finalmente estalou na mente de Taehyung. Era óbvio até demais, aquela menina era uma estrategista, e isso o fez
ferver por dentro. Ele olhou para Jungkook, o entendimento percorrendo seu rosto de forma repentina. Como por
telepatia, os pensamentos dos dois se sincronizaram e eles tinham a resposta conjunta para seu enigma.

Mi Sun estava muito tranquila na sala, sequer estava prestando a atenção nos murmúrios que vinham do fundo do
corredor pois eles sequer eram captados por ela. Mas ela ouviu muito claramente o grito conjunto e uníssono que
estremeceu as paredes da casa:

- Kim Mi Sun! - Seus pais obviamente não estavam felizes.


Ele a conheceu durante o verão. Não havia muita pretensão quando lançou seu charme para a garçonete com sorriso
bonito, não havia a menor ideia do que viria a seguir quando ela sorriu tímida e colocou o cabelo atrás da orelha.

Ele não esperava muita coisa. Talvez apenas uma troca de flertes momentâneos que seriam esquecidos com
facilidade quando ele desse as costas e fosse embora. No entanto, ao fim de tudo, conseguiu o número dela em um
guardanapo junto a uma marca de batom muito bem desenhadas no formato de seus lábios.

E foi quando caiu, drasticamente.

Aquele dia movimentado trouxe mais de uma surpresa, no entanto aquela tinha sido a mais marcante.

Ele nunca esqueceria da sensação de ir a um encontro com Jisoo pela primeira vez, teria para sempre na memória a
sensação do beijo dela e estaria marcado eternamente em seu coração tudo que ela cultivou ali antes de ir embora de
forma brusca.

Olhar o rosto dela depois de tanto tempo, vendo o anel brilhante no dedo anelar e sabendo que tinha sido escolhido
por sua irmã era talvez a sensação mais dolorosa que ele teve de enfrentar.

- Você ficou esperando do lado de fora da minha porta só para ficar me olhando com essa cara de arrependimento ou
vai fazer algo útil com o tempo que está me roubando? - Ele cruzou os braços. Não queria demonstrar fraqueza.

Jisoo tomou fôlego.

- Eu quero explicar o motivo de ter ido embora. Eu sei que nada no mundo justifica o que eu fiz com você, mas não
quero colocar a Jennie no meio da discussão. - Jisoo gesticulou com nervosismo, jogando a bolsa sobre o sofá para
se ver livre de qualquer peso além daquele em sua consciência. - Me culpe, não a ela.

- Eu nunca culpei minha irmã, ela não te conheceu quando estávamos juntos. Ela nem sabe sobre o que você fez para
mim - Jimin retrucou - Estou pronto para ouvir o que quer que tenha a dizer, contanto que não diga nenhuma mentira.

Jisoo ergueu a cabeça. Não parecia orgulhosa do que estava prestes a dizer, mas fez questão de olhá-lo nos olhos.

- Uma semana antes de você me pedir em casamento - ela começou - Eu pensei que estivesse grávida.

Ele se manteve estático. Nada passava em sua mente, tudo que havia era um tremendo espaço vazio, preenchido
apenas com as palavras que saiam da boca dela.

- Fiz alguns testes e tudo deu negativo e eu percebi que estava muito aliviada. - Ela juntou as mãos. - Mas não porque
não estivesse pronta ou porque não quero ser mãe.

Jisoo mordeu o lábio com força. Não queria dizer aquilo em voz alta, se a machucava a ponto de fazer seu coração
sangrar, temia o que fosse causar em Jimin.

- Mas porque você seria o pai - ela sussurrou e em seguida continuou apressada, sem ao menos dar a ele tempo de
processar o que tinha sido dito - Eu amava você. De verdade, eu amava! Só que não me via sendo sua esposa e a
mãe dos seus filhos porque eu nunca consegui ver você como o tipo de homem com quem se tem uma família.

Ele engoliu seco. Jimin conseguia sentir, quase podia ouvir o som de tudo que estava se quebrando em seu interior.
Mas se manteve imóvel, inexpressivo, sem dar espaço a qualquer emoção que fosse tirá-lo da pose de indiferença.

- Você é um cara incrível, é engraçado, gentil, amoroso e é um grande homem, mas você não sabe o que quer da
própria vida. - Jisoo abaixou a cabeça, preferindo encarar o chão, pois tinha se tornado insuportável olhar nos olhos
dele. - Você faz tudo que seu irmão manda, acata tudo que te pedem. Você segue à risca um manual que é ditado
pelos outros, como eu poderia encontrar estabilidade para construir uma família com alguém que é tão influenciável?

Ela passou as mãos pelos cabelos, se sentindo leve por falar tudo que esteve preso por tanto tempo.
- Como eu podia confiar que nosso casamento funcionaria se você não faz absolutamente nada sem perguntar o que
deve fazer ao Jin, o Taehyung, a Sana... - Ela revirou os olhos, como sempre fazia ao tocar no nome da mulher. -
Você nem conseguiu impor para seu irmão que não gosta de trabalhar com imóveis e queria ter cursado literatura.
Quer dizer... você não controla a própria vida, Jimin! Você não sabe o que fazer, você não toma as decisões por conta
própria. Você simplesmente vive o que os outros mandam e eu não quero isso para mim.

Ela se sentou no sofá, soltando um suspiro.

Jimin continuou de pé, ainda em silêncio.

- Não querendo comparar, mas Jennie está pouco se fodendo se o Jin vai aprovar ou não as escolhas dela. Seja
sincero, se em algum momento Jin te dissesse que eu não servia para você, se ele enchesse sua cabeça com
ladainhas, você seguiria seu coração ou obedeceria seu irmão como fez durante toda a vida? - Ela lhe olhou nos
olhos.

Não obteve uma resposta, Park não lhe daria uma. Ela riu, entristecida.

- Eu sabia que se me casasse com você, minha vida, as vidas dos nossos filhos... tudo seria guiado e regido pelo que
seus bons amigos dizem ou o que seu irmão manda, então sim... eu fugi de você porque era sufocante - ela concluiu.

Jimin não disse nada. Ele ficou calado, observando a mulher respirar fundo, tentando se acalmar.

Não saberia identificar a origem da dor que estava quase o rasgando ao meio, mas sabia que não passaria tão cedo.
Foi destruidor a ponto de deixá-lo sem palavras.

- Se já terminou, você pode sair - ele disse por fim, depois de um bom tempo.

Jisoo o encarou, com a testa franzida. Esperava gritos, talvez algumas ofensas, no entanto ele estava muito calmo
quando apontou a porta.

- Vá para sua noiva destemida e corajosa. Seja feliz e faça isso com a consciência limpa, você não me deve nada.
Assim como não devo nada a você. - Ele forçou um sorriso.

Jisoo ficou ali parada. Levou um tempo para conseguir raciocinar e governar as próprias pernas. Ela agarrou a bolsa e
apertou o passo até a porta.

Jimin ouviu a porta bater e permaneceu ali. Sem se mover, paralisado pela dor. Isso até ouvir outro som, que o fez
girar a cabeça em direção a porta do quarto. Aquela dobradiça velha que denunciou a mulher.

Sana estava séria, parecia ter sido tão atingida pelo que tinha ouvido quanto ele. Jimin não conseguiu se sentir
surpreso pela presença dela.

- O que você está fazendo aqui? - ele perguntou, friamente.

- Eu disse que perdi meu brinco aqui aquela noite e viria buscar. - Ela brincou com a argola dourada entre os dedos.

Jimin suspirou. Uma pontada de raiva se fez presente, talvez nem fosse de Sana, mas do fato de que ela tinha ouvido
tudo que fora dito a ele. Todas aquelas coisas que o faziam se sentir o pior dos seres humanos.

- Você já achou, então pode ir embora - replicou ele, com rispidez.

Sana franziu a testa.

- Eu entendo que você esteja...

- Não perguntei se você entende, eu pedi para ir embora. - Ele ergueu o tom.

Sana estreitou os olhos. Era um ponto difícil, o fato de que diferente de todos que se calavam quando ele falava alto,
Sana tinha o costume de não aceitar, ainda mais quando ela não tinha feito nada de errado.
- Vai falar grosso comigo agora só por causa do que ela disse? Você pode estar arrasado e com raiva, mas não fui eu
quem disse aquelas coisas, então acho bom você ter o mínimo de delicadeza. - Ela atravessou a sala. Foi só então
que ele notou a mochila vermelha e a pilha de livros que estavam largados no canto ao lado da porta, junto com a
sapatilha colorida que quase parecia um sapato infantil. Ela se abaixou para calçar os sapatos. - Eu sei que ela foi o
amor da sua vida, mas não deixa o que ela disse te afetar. Pelo menos agora tem um motivo justo para superar ela e...

- Sana, só cala a boca, tá legal? - Jimin gritou, tão alto que ela sentiu os ossos tremerem e seu corpo arrepiar. Se
levantou rapidamente, já com a mochila na mão e o olhou com o intuito de pedir desculpas, já que sua intenção tinha
sido tentar ajudar, no entanto antes que ela pudesse abrir a boca ele seguiu, em um tom um pouco agressivo: - Você
não sabe merda nenhuma, então pare de sair por aí fingindo que entende algo sobre amar e ser amada. Você nunca
sentiu por alguém nem mesmo um quarto do que eu sinto por ela.

Sana fechou a mão em volta da alça da mochila. Ela iria embora, sem se desculpar e sem nem ao menos demonstrar
mais uma gota de comparecimento, mas deixaria as coisas muito claras antes de sair.

- E você é definitivamente um maldito pirralho egoísta. É muito fácil jogar as coisas assim. Como você pode saber que
eu nunca me senti assim, ein? Se baseia em que para sair falando esse tipo de coisa? - Ela deu passos largos em
direção a ele, sem se importar se sua sapatilha suja de terra acabaria sujando o tapete dele. Apontou o dedo diante do
rosto de Park. Pode ver o exato instante em que ele se arrependeu do que tinha dito, mas estava furiosa demais para
parar. - É muito fácil você me ligar sempre que precisa de um conselho ou um ombro para chorar, mas você nunca se
importou com absolutamente nada sobre mim, então você não tem a porra de argumento nenhum pra falar sobre a
minha vida! Você me chama de amiga, talvez eu seja sua, mas você não é meu. Isso entre a gente, que você chama
de amizade, é uma droga de relação unilateral, talvez eu só tenha sido muito burra pra notar. Mas não sou obrigada a
aturar isso.

Ela deu as costas, batendo os pés furiosamente e deixando um rastro de areia no tapete. Se abaixou rapidamente e
pegou todos os livros.

- Sabe, é até um alívio me livrar disso! - Ela riu, amarga, olhando diretamente para ele ao abrir a porta. - Fique aí com
toda a sua dor incontrolável e seu imenso e incomparável amor pela noiva da sua irmã e eu vou continuar com a
minha vida fria e sem sentimento, porque no fim das contas nós dois somos miseráveis, mas sabe qual a diferença?

Ele se manteve calado.

- Eu não vou sentir sua falta. - Ela bateu a porta com força. E Jimin fechou os olhos.

Seu dia não tinha como ficar pior.

❁❁❁

Pela primeira vez, desde que começou com as sessões de terapia, Taehyung encontrou um desafio para o qual não
sabia se estava pronto. Havia sempre aquela barreira, aquele limite muito bem traçado entre tudo o que era possível
tocar e mexer e aquilo que deveria ficar trancado a sete chaves.

Algumas coisas deveriam ficar onde estavam: bem enterradas.

Ele olhou em direção a aquela pequena peça. Sabia que era um desafio, uma espécie de tentativa de Jaeyun de fazê-
lo superar seu trauma, mas aquele relógio só estava lhe trazendo mais agonia. Era frustrante e humilhante se sentir
tão impotente diante do som dos ponteiros, mas não podia evitar.

O psicólogo esticou a mão, deslizando sem esforço o botão pequeno que fez cessar o tic tac no mesmo instante.

Taehyung relaxou os ombros e respirou fundo.

- Vou fazer a mesma pergunta novamente, quero que me responda com sinceridade. - disse o homem, girando aquela
caneta entre os dedos e batendo contra o bloco de notas - Você ainda ama Song Jiayu?
O loiro não respondeu, continuou calado. Estava mais fechado naquela manhã do que estivera nas últimas consultas,
o que para Jaeyun, podia significar um progresso ou um regresso. Estava tentando descobrir qual dos dois.

- Me deixe dizer o que eu penso - disse o psicólogo, cruzando a perna e apoiando o queixo na mão - Eu vejo que você
muito provavelmente passou por coisas muito ruins antes de conhecê-la, não precisamos tocar neste assunto por
enquanto, mas sinto que depois de conhecer a Jiayu, como você mesmo disse, na infância...

O homem olhou em volta, buscando as palavras corretas.

- Você sentiu, pela primeira vez, afeto verdadeiro, amor, conforto, felicidade. - Jaeyun gesticulava com as mãos. Ele
fazia isso o tempo todo, o que normalmente acabava com suas mãos esbarrando em alguma coisa acidentalmente e
quebrando algum adereço do consultório. Quase um alívio cômico para a tensão que sempre se instalava quando
começava a falar. - E então você associou todas essas coisas boas, esses sentimentos a Jiayu, diretamente. Logo em
sua mente, você acredita que com a morte dela isso tenha morrido junto.

- Eu sinto tudo isso quando estou com a Mi Sun - Taehyung rebateu.

- Que é fruto do seu casamento com... - Jaeyun apontou o nada como se seu argumento estivesse flutuando em letras
neon bem ali no ar, quase desesperado para que o loiro entendesse. - Jiayu.

Kim ficou calado. Não tinha resposta para aquilo.

- Mais uma vez voltamos ao ponto central. Você associa tudo de bom em sua vida a Jiayu e isso acaba se tornando
essa gaiola que te mantém longe não só dos outros, mas de si mesmo. - Jaeyun respirou fundo. - Você precisa deixar
Jiayu onde ela está: no passado. Junto com todas aquelas boas memórias de alegria e conforto, e ir em busca de algo
que lhe traga conforto e alegria no presente. Tente algum hobby, tente passar um tempo com seus amigo. Você
precisa redescobrir a paz em si mesmo, Taehyung.

O loiro estava com a atenção focada na caixa de lenços posta na mesa entre eles. Ele nunca usava, nem mesmo
sabia por qual razão Jaeyun não começava a conversa antes de buscar a caixinha.

Ele definitivamente queria ser o tipo de pessoa que deixa todas as emoções fluírem através das lágrimas ao invés de
reprimi-las dentro de si.

- Mas para isso - Jaeyun se inclinou para a frente, atraindo totalmente a atenção de Taehyung - Você precisa ter
coragem de encarar e assumir que não está bem. Que não se sente bem. Só quando tomamos consciência de que
estamos na pior é que podemos buscar melhorar.

Taehyung assentiu, como sempre fazia. Ele não sabia se tinha coragem de enfrentar todas as verdades que rondavam
sua existência. Tudo que sentia parecia um emaranhado no peito, ficando difícil discernir uma emoção da outra, um
sentimento do outro. Ele não conseguia nem mesmo pensar em organizar aquela bagunça, tinha medo do que
encontraria lá dentro.

❁❁❁

Mi Sun sabia exatamente o que a tinha levado até ali. Ela tinha um instinto para farejar um longo sermão, e sabia que
não tinha como escapar. O sorvete era apenas para distraí-la e aliviar o que estava por vir, ela sabia disso.

Por isso tentou se manter com um olhar inocente para tentar ganhar a pena dele enquanto passava a língua pelo
sorvete de nozes. Seus pés sacudindo sem tocar o chão por poucos centímetros, sinal que ela tinha crescido muito
desde a última vez que esteve sentada naquele banco de praça.

Os olhos distraídos com as crianças que estavam brincando na pracinha.

- Você sabe que o que fez foi muito errado, certo? - Jungkook disse, muito calmamente, sem olhar para ela. Mi Sun o
olhou com o canto dos olhos. Ele não tinha pego um sorvete para si mesmo, o que ela já sabia, era sinal de que
estava muito preocupado com alguma coisa.
Ela tinha enfrentado uma longa bronca dos dois na noite anterior, lhe advertindo que mentir era a pior coisa que ela
poderia fazer na vida. Ela se sentiu culpada, obviamente, e chorou tanto que os dois aceitaram seu arrependimento e
a pouparam de um castigo, com a promessa de que jamais mentiria outra vez.

No entanto, Mi Sun sabia que não seria tão fácil assim.

- Eu sei, appa. Eu juro juradinho que nunca mais, nunquinha mesmo, eu vou contar uma mentira. - Ela colocou a mão
sobre o peito, um gesto que enfatizava seu juramento.

- Por que você mentiu? Você inventou toda uma história sem fundamento algum apenas por diversão? - perguntou o
moreno.

Mi Sun suspirou.

Ela não queria abrir o jogo e revelar todos os seus planos, precisava deixar subentendido. Afinal não podia mentir, já
tinha ficado muito ciente disso.

- Eu queria que appa Tae ficasse com ciúme - ela disse. Jungkook a olhou, analisando a postura despreocupada e o
olhar distraído. Ela não estava mentindo, isso era bom, mas não conseguia encontrar alguma razão para aquela
verdade. Parecia um pouco fora da realidade. - Eu acho que os anjinhos do amor precisam da minha ajuda.

- Cupidos - Jungkook corrigiu. Ele respirou fundo, apertando o laço que prendia o cabelo dela em um rabo de cavalo.
Mi Sun continuou focada em devorar o sorvete. - Olha, solzinho, você precisa entender algumas coisas.

Ele respirou fundo. Como ele podia explicar para Mi Sun que aquele sonho era impossível? Não queria ser rude, não
queria dar a entender que detestava Taehyung e não queria que ela tivesse a menor das esperanças. Explicar aquelas
pequenas regrinhas da vida adulta para uma criança era a coisa mais difícil que ele tinha que fazer.

- Você não pode sair por aí decidindo se duas pessoas devem ou não ficarem juntas desse jeito. - Ele manteve o olhar
fixo no dela. Mi Sun estava com a boca suja, os olhos arregalados e vidrados em cada palavra que ele dizia. - Seu
appa Tae e eu não podemos ter esse tipo de relacionamento um com o outro.

- Você não gosta dele? - ela perguntou.

Jungkook mordeu o lábio por um segundo, tendo que pensar sobre a resposta.

- Gosto sim. Mas não desse jeito - respondeu ele - Seu pai e eu somos bons amigos, e é só isso. Sempre vai ser só
isso. Você não deve criar expectativas ou fantasiar sobre isso, não quero que acabe decepcionada quando ele ou eu
decidirmos sair com outras pessoas.

Ele sacudiu a cabeça, para tirar do olho a mecha chata de cabelo e juntou as mãos, empacando os próprios dedos,
pensativo.

- Eu acho tão injusto que os adultos não vejam como eu vejo. Eu sempre falo isso para o Yoongi. Acho tão ruim que
pessoas que tem tudo para serem um casal perfeito, acabam nem ficando juntas. - Mi Sun deixou os ombros caírem,
desanimada. - Acho que vocês subestimam muito as crianças, nós sabemos tanta coisa que vocês não vêem.

Jungkook teve que rir. Era adorável ver a irritação e frustração dela, apesar de se sentir parcialmente culpado por
aquilo.

- Eu não vou incomodar mais, appa, prometo. - Ela girou no banco, colocando as duas pernas cruzadas sobre ele e se
inclinando para atrair a atenção do pai. Quando conseguiu o que queria, ergueu o dedo, o movendo de forma lenta e
quase didática. - Mas você precisa me prometer que no dia que começar a gostar de alguém, preciso ser a primeira a
saber.

Jungkook franziu a testa.

- Você não acha que sou eu preciso ser o primeiro a saber? - Ele ergueu uma sobrancelha, provocador.
- Depois de você, seu bobinho. - Ela riu, revirando os olhos com a lerdeza fingida do pai.

- Que tal isso: - Jungkook a olhou bem nos olhos. - Se eu me apaixonar...

- Quando você se apaixonar - ela corrigiu, com as sobrancelhas unidas. Jungkook não deixava de se sentir
hipnotizado cada vez que ela fazia aquilo. Era idêntica a Taehyung quando ficava zangada ou impaciente,
murmurando tudo com a boca bem inclinada para a frente. Ela ergueu mais uma vez o dedinho, querendo lhe dar uma
lição. - Você não pode ficar pensando assim, lembra do que a tia Sana sempre diz? Se não tiver o mínimo de fé para
esperar as coisas boas, definitivamente não merece elas.

Jeon sorriu. A garotinha, de olhos bem espertos que remetiam a mãe, tinha mais dela do que ele esperava. Jiayu
sempre tinha sido enérgica e muito proativa, não lhe surpreendia que, pelo que seus amigos contaram, tinha sido ela a
perseguir Taehyung até que ele se apaixonasse por ela.

Mi Sun também era assim. Nada a impedia de perseguir de forma muito determinada o que quer que colocasse em
sua cabecinha teimosa.

- Eu prometo que vou te contar e perguntar se você aprova. - Ele piscou e Mi Sun sorriu satisfeita.

- Oh, podemos ter um código só nosso? Mais ninguém no mundo, além de nós dois, vai saber - ela retrucou,
colocando um dedo na bochecha, pensando sobre qual seria a melhor alternativa. - Já sei! Você pode fazer esse
gesto.

Mi Sun juntou os polegares, cruzando as mãos e movendo os dedos, imitando um bater de asas.

- Borboleta? - Ele franziu a testa.

Suas aulas de linguagem de sinais eram semanais, e ele ainda tinha muito que aprender no fim das contas, por isso
na maioria das vezes se pegava perguntando a Mi Sun, tirando suas dúvidas e ela sempre parecia orgulhosa e feliz
em ajudar.

A menina sorriu.

- Todos sentem borboletinhas na barriga quando encontram um amor do beijinho. - Ela soltou um suspiro sonhador. -
Quando sentir isso, me mande o código e eu vou saber, appa. E assim vou poder te ajudar com isso.

Jungkook riu, segurando a mão dela e tomando uma quantia generosa do sorvete dela. Mi Sun abriu a boca e
arregalou os olhos ao ver metade de seu sorvete ir embora. Jeon lhe lançou um sorrisinho cúmplice e ela fechou a
cara em uma careta.

- Eu prometo que mando o sinal, solzinho. - Ele ergueu o dedo mindinho. Aquilo foi suficiente para que ela esquecesse
o que ele tinha acabado de fazer e colocasse seu dedo mindinho minúsculo com o dele, selando a promessa com o
polegar. - Agora termine isso rápido, temos que ir até o instituto ainda.

❁❁❁

Ele decidiu voltar de ônibus, apenas por uma tentativa vaga de se distrair, mas não foi tão simples assim. Talvez tenha
sido um jogo do destino para jogá-lo de frente com aquilo que estava enraizado a mais tempo do que se lembrava, ou
fosse apenas uma coincidência.

Estava sentado no último banco do ônibus, havia um espaço vago ao seu lado e ele estava apenas torcendo para que
o ônibus não enchesse e ninguém precisasse sentar ao seu lado.

Taehyung mantinha os olhos fixos na rua e seus pensamentos fluíam, naquela bagunça costumeira, entre tudo que
estava dentro de sua mente conturbada. Jiayu, Mi Sun, Jungkook. Pareciam os nomes mais frequentes batendo a
porta de seus pensamentos, sendo o último, o que mais lhe preocupava por estar tão presente.
Até que alguém se sentou ao seu lado.

Taehyung não teria notado se não fosse pelo chaveiro pequeno que esbarrou em seu braço, estando pendurado na
bolsa da mulher. Ele praguejou mentalmente. Por que de tantos lugares vagos, ela escolheu justamente sentar ao seu
lado?

O loiro a olhou, diretamente para o rosto que parecia muito jovem e tudo que conseguiu fazer dali em diante foi
respirar. A mente vazia seu peito se contraindo de forma quase dolorosa e o ar sendo roubado dos pulmões,
dificultando até mesmo suas tentativas de apenas manter-se estático e calmo.

A mulher tinha quarenta e cinco anos, ele sabia disso muito bem. Haviam poucas marcas da idade em seus olhos e
ela estava distraída com o telefone, enquanto as mãos tremiam um pouco.

Talvez ela soubesse quem ele era, assim como Taehyung sabia exatamente quem ela era.

Kim Eunji.

A única razão pela qual Taehyung não conseguia encontrar em si mesmo algo que merecesse atenção, amor ou
qualquer gota de bondade.

Ela o olhou nos olhos, parecendo tão nervosa quanto ele.

- O senhor poderia abrir um pouco a janela? - pediu ela.

Ele engoliu seco, tendo que se esforçar muito para conseguir se mover e atender ao pedido dela. Depois disso, ele
olhou para o próprio celular, apertando repetidas vezes o botão que fazia a tela ligar e desligar repetitivamente.

A mensagem que Jungkook tinha enviado há poucos segundos, depois de Taehyung lhe informar que não precisava
buscá-lo no consultório, ainda aparecia no topo da tela, tapando o rosto de Taehyung na foto onde ele estava com Mi
Sun.

Decidiu descer na próxima parada, nem que precisasse andar muito até chegar em casa.

- É sua filha? - A voz da mulher falhou na pergunta.

Taehyung sentiu um nó na garganta, a vontade absurda de apenas gritar naquele momento, tendo que se conter.

- É sim - respondeu, cedendo o celular quando a mulher pediu para ver. Ela olhou para a fotografia, para a garotinha
sorridente que ele abraçava e sorriu. Taehyung fingiu não notar a forma como ela limpou o canto dos olhos
discretamente.

- Ela é uma graça - Eunji disse, lhe devolvendo o celular - Eu tenho uma também. Tem onze anos. Quantos anos tem
a sua?

Ele apertou o aparelho nas mãos. Ela não deveria estar ali, tentando ser gentil e puxando assunto. Não deveria nem
ter sentado ao seu lado, poderia apenas ter se mantido distante e nem ter cruzado seu caminho, no entanto não era o
que estava fazendo.

- Seis. Ela faz sete em duas semanas. - Ele foi sucinto, dando a entender em seu tom de voz, na postura e em cada
fôlego que ele queria que ela se afastasse.

- É a melhor idade, digo por experiência. São tão espertinhas e curiosas - a mulher tagarelou, Taehyung não
conseguia ouvir uma palavra sequer do que ela falava. Precisava sair dali, o quanto antes, mal conseguia respirar. -
Se importa se eu perguntar o nome dela?

Ele olhou para a mulher. Kim Eunji, ainda tão bonita quanto ele se lembrava, o observava com um sorriso nervoso e
gentil. Ele não quis ser rude ou descontar qualquer porcentagem do que sentia sobre ela, mas estava sendo horrível
aguentar tudo.
- Mi Sun. Kim Mi Sun - ele respondeu, se colocando de pé no mesmo instante - Com licença, é minha parada.

Ela pareceu notar toda a consternação, o olhar culpado e tristonho tomou conta de seu rosto, mas apesar disso, ela se
manteve sorrindo, o olhando diretamente.

- Fico feliz em ver que você está bem, Taehyung - ela sussurrou.

Ouvir seu nome na boca dela foi o estopim para que ele perdesse qualquer domínio próprio. Passou por ela, sentindo
a cabeça pulsando forte, o corpo amolecendo aos poucos.

Assim que o ônibus parou, ele desceu às pressas, perdendo o equilíbrio e quase caindo ao chegar na calçada. Ele não
olhou para mais nada, deixou que seu corpo o guiasse de forma automática pelo caminho de casa.

❁❁❁

Mi Sun tinha em mente exatamente o que queria fazer quando chegasse em casa. Depois de derrubar sorvete em seu
vestido preferido, ela apenas jogou a mochila no canto da sala, tirou os sapatos e correu em direção à lavanderia para
tirar a mancha antes que se tornasse irreversível.

Jungkook riu de seu desespero, olhando em volta na sala vazia. Os sapatos de Taehyung estavam no lugar, sinal de
que já tinha chegado.

Ele se viu um pouco ansioso quando o loiro lhe escreveu a mensagem dizendo que iria para casa de ônibus, mas se
tranquilizou pensando que era algo bom e ele só queria se distrair um pouco.

Era bom que ele tivesse contato com mais gente.

Olhando em direção a cozinha, Jeon constatou que ele não estava ali. Aquela voz em sua mente, que lhe dizia que
tudo com Taehyung era sempre um sinal de alerta de perigo, desmanchou seu sorriso.

Kim sempre estava na sala ou na cozinha quando ele e Mi Sun chegavam. Do contrário, sempre vinha correndo para
abraçar a garotinha e lhe dizer um "oi".

Jungkook apertou o passo, andando um pouco mais rápido que o costume e parando diante da porta do quarto de
Taehyung. Estava fechada, por conta disso, se encostou nela, colocando o ouvido contra a madeira e tentando ouvir lá
dentro.

Nada.

Ele forçou a maçaneta e nada aconteceu. Estava trancada por dentro.

Era difícil explicar aquela sensação de pânico. Sua mente conseguia pensar em mais de uma dezena de cenários
horríveis e ele sentiu a garganta se fechando e o corpo estremecendo.

Ele se lembrou que o quarto tinha uma varanda. Taehyung provavelmente não tinha trancado aquela porta.

Não querendo alarmar Mi Sun, ele andou até a porta da lavanderia. Lá estava ela, enrolada em uma camiseta grande
que pertencia a Taehyung e esfregando com dedicação, o vestido amarelo.

- Eu mesma limpo, appa! Não se preocupe! Omma me ensinou e eu vou deixar novinho em folha! - ela disse, sem
sequer olhar para ele.

- Certo, solzinho. - Ele tentou não mostrar nervosismo e agradeceu por ela não notar o pavor em seu tom de voz
trêmulo quando ele passou direto por ela e abriu a porta dos fundos que dava acesso ao quintal.

Ele pisou na grama descalço e deu a volta na casa correndo. Seu peito queimava pela falta de ar e suas pernas só
funcionavam pois ele as forçava a isso.

O moreno pegou impulso, colocando as mãos no parapeito de madeira da varanda e pulando sobre o deck de
madeira. As cortinas da grande porta de vidro estavam fechadas e ele sentiu uma pequena gota de alívio quando
abaixou a maçaneta e puxou e a porta abriu.

Ele empurrou as cortinas com rapidez e saltou para dentro, vendo Taehyung sentado na cama, com um olhar um
pouco assustado pela invasão repentina.

Jungkook parou ali mesmo onde estava, conseguindo finalmente respirar fundo. Seus joelhos fraquejaram e ele quase
caiu, se mantendo de pé por algum milagre divino.

- O que você está fazendo? - Taehyung esfregou os olhos com rapidez.

O moreno notou o nariz e os olhos vermelhos e inchados. A mancha escura no travesseiro era um sinal de que estava
ali há muito tempo, o que de certa forma foi um alívio. Ele estava bem, fisicamente falando pelo menos.

- Não encontrei você, a porta estava trancada, então eu pensei que... - Ele se calou, ofegante e engoliu seco. - Você
está bem?

O lábio do loiro tremeu e ele mordeu para conter isso. Parecia tão fragilizado e exposto e se sentia um tremendo idiota
por Jungkook vê-lo daquela forma. Fraco.

Mas havia uma parte dele, uma parte desesperada por qualquer gota de conforto que alguém pudesse lhe oferecer
naquele momento, que não conseguiu gritar e mandar que Jeon saísse dali.

- Não - Taehyung sussurrou. Ele puxou a manga larga do moletom que estava usando e passou nos olhos para limpar
as lágrimas. Ele deslizou na cama, colocando o braço debaixo e pousando a cabeça no travesseiro. Ele se encolheu
ao máximo, como se pudesse desaparecer. - Eu nunca estive bem.

Jungkook não sabia ao certo o que dizer ou o que fazer, mas aquilo mexeu com ele mais do que esperava. Era duro e
difícil ver Taehyung naquele estado, tão encolhido e tão frustrado.

Se aproximou devagar, esperando que o loiro fosse gritar e expulsá-lo, no entanto, conseguiu se sentar no chão ao
lado da cama, com as pernas cruzadas. Seu rosto nivelado com o do loiro, que mantinha a mão fechada em frente ao
rosto, permitindo uma visão clara apenas de seus olhos.

Cheios. Não só de lágrimas, mas de dor.

- Taehyung... - Jungkook sussurrou. Foi o tom mais gentil, terno e carinhoso que o moreno já tinha lhe dirigido.
Taehyung não sabia se deveria ou não causar aquele efeito, que o fez estremecer por um breve momento e sentir um
frio na barriga. - Você pode falar comigo se quiser.

Ele pensou. Por um bom tempo.

Seria arriscado demais deixar Jungkook ver aquilo? Aquele lado feio dele, aquela parte que ele não queria que
ninguém enxergasse. Que escondia atrás de suas provocações e seus sorrisos forçados, a parte dele que clamava por
socorro.

Tinha passado a última hora inteira chorando. Já estava cansado, com dor de cabeça e se sentindo desidratado.

Tudo que ele não tinha chorado por toda uma vida, saiu de uma hora para outra.

Ele estava perdido.

- Eu vi minha mãe hoje - Taehyung sussurrou, baixinho. Jungkook ficou sério e atento a tudo que ele teria para dizer. -
No ônibus. Ela sentou do meu lado e tentou comigo.

Ele fungou. Em momento algum, seus olhos pararam de derramar as lágrimas que corriam de seus olhos e pintavam o
tecido do travesseiro.
- A mulher que me deu a luz e me deixou lá no orfanato, eu a conheci quando tinha dez anos quando ela foi fazer uma
visita a trabalho voluntário. - Taehyung fechou os olhos com força. Não conseguiria olhar nos olhos de Jungkook ao
contar aquilo. Um fato que nem mesmo Jiayu sabia. Algo que era segredo apenas dele, que ninguém no mundo
deveria saber. - Ela tinha quatorze anos quando aconteceu... tinha sido abusada pelo namorado de dezessete. E foi
assim que eu nasci.

O rosto de Taehyung se distorceu, ele não conseguia aguentar o peso daquilo. Dizer em voz alta, foi como concretizar
aquilo que ele nunca tinha aceitado de fato.

Jungkook cravou as unhas na própria perna. Era desesperador. Ele não podia fazer nada a respeito, queria abraçar
Taehyung e lhe dizer que estava tudo bem, mas no fundo não podia fazer nenhum dos dois.

Kim soluçou, afundando o rosto no travesseiro. Ele chorou, soluçou. Queria gritar, mas não podia porque não queria
que Mi Sun ouvisse.

Jungkook mordeu o próprio lábio, sentindo gosto do sangue na boca logo em seguida. Seus olhos ardiam e ele sentia-
se despedaçado.

- Foi por isso que eu me alistei - Taehyung disse, tirando o rosto do travesseiro e escondendo nas próprias mãos
cobertas pelas mangas do moletom - Eu queria sentir que minha existência tinha algum propósito. Que eu não tinha
sido apenas uma maldição, fruto de algo tão asqueroso.

Mais um soluço que caiu no fundo do peito do moreno, como uma facada.

- Eu nunca consegui fazer nada que tornasse minha existência algo bom. Eu fui um marido ruim para Jiayu, fui um pai
ausente para Mi Sun, fui fruto da pior dor da minha mãe. - Ele afastou as mãos o suficiente para conseguir olhar nos
olhos úmidos de Jungkook. - Eu pensei que lutar fosse me tornar alguém útil, mas só me fez sentir ainda pior. Perdi a
mulher que eu amava, quase perdi toda a infância da minha filha. Eu só queria não me sentir essa coisa horrível e
incompetente o tempo todo. Eu deveria ter morrido naquele bombardeio... se eu tivesse morrido...

Jungkook se levantou. Ele não aguentou mais um segundo daquilo, se sentou na beira da cama, puxando Taehyung
pelos pulsos e o fazendo se sentar na cama.

O moreno colocou as duas mãos contra as bochechas quentes e molhadas de Taehyung e o forçou a olhar em seus
olhos. O loiro, no entanto, ficou imóvel, colocando as duas mãos nos pulsos de Jungkook.

Pronto para afastá-lo, mas não o fez.

- Eu não vou dizer que sei o que você sente porque eu não consigo imaginar nem um terço da dor que você deve estar
passando - disse Jeon - Mas por favor, por favor, Taehyung, não diga que você deveria estar morto.

Taehyung ergueu o olhar. Os olhos de Jungkook estavam urgentes, cheios de uma inquietação que ele não sabia
interpretar. Era hipnotizante, aconchegante. Duas lágrimas, muito gordinhas, desceram nas bochechas do moreno,
mas ele não pareceu ligar para isso.

- Você está aqui por uma razão e você é importante e insubstituível. Você é um bom pai, o melhor que eu já conheci!
Você é gentil e foi o melhor marido que Jiayu poderia ter. Você é um amigo incomparável para o Jimin, você não é
inútil ou incompetente. Você é espetacular em tudo que faz e eu ficaria feliz se fosse metade do homem que você é. -
Jungkook moveu os polegares pela pele quente das bochechas dele, com uma carícia que fez Taehyung fechar os
olhos. Ele não conseguia parar de chorar.

Passou tanto tempo prendendo tudo aquilo, segurando para não deixar sair porque sabia que no instante que
liberasse tudo, seria difícil parar. Ele nunca tinha sido bom com autocontrole.

- Não tenta me animar - sussurrou o loiro - Por favor, você não precisa fingir que se importa comigo. É pior ainda
quando você faz isso.
Jungkook se calou. Ele nunca tinha dito, até aquele momento nem tinha parado para reparar o quanto aquele homem
tinha se enroscado em sua vida de forma irreversível. Taehyung estava emaranhado não apenas em suas tarefas
diárias, como em seus pensamentos.

Era comum que durante seu turno na escola ele começasse a traçar sua rotina em mente. Taehyung estava presente,
fosse quando ele pensava sobre o dever de fazer compras ou quando pensava sobre o que fazer de jantar que fosse
agradar Kim.

A companhia de Taehyung, mesmo que fosse através das provocações que agora tinham se tornado apenas uma
brincadeira, tornava seus dias um pouco mais fáceis.

- Não estou fingindo - Jeon disse, franzindo a testa. Taehyung abriu os olhos. Os lábios ainda tremiam, vermelhos por
serem tão maltratados pelos dentes quando Taehyung os mordia com força a cada cinco segundos. Ele fungou mais
uma vez. Tão terrivelmente quebrado e bonito ao mesmo tempo - Taehyung, eu me importo com você de verdade. Só
queria que você pudesse ver quanto.

Taehyung não falou mais nada. Os olhos de Jungkook percorreram seu rosto caótico, como se buscasse algo, a
resposta de um enigma que estivesse escondido em seus olhos ou qualquer parte de seu rosto. Era estranho estar tão
perto dele, ainda quando Taehyung teve consciência de que estava realmente mais perto do que seria considerado
adequado.

Ele desviou o olhar, não aguentando olhar para o rosto do moreno com aquela bagunça se desenrolando em seu
interior. Estava terrivelmente destruído e tinha medo de acabar confundindo toda aquela carência com outra coisa.

Não queria complicar as coisas por um pensamento idiota que só podia ser fruto de um coração quebrado e
maltratado.

Jeon mordeu o próprio lábio.

- Você deveria chorar mais vezes. - Ele forçou um sorriso. - Você sabe o que dizem, são as lágrimas que limpam a
ferida para você conseguir se curar.

Ele buscou o olhar de Taehyung, mas seus olhos estavam fixos na cama. As mãos de Jungkook ainda estavam em
suas bochechas e as de Taehyung ainda seguravam os pulsos dele.

- Não se segure tanto Taehyung, quando sentir vontade de chorar, chore! Quando quiser gritar, grite. Se tiver vontade
de bater em alguém pode me usar como saco de pancadas - Jungkook falou, o que atraiu o olhar do loiro de imediato -
Mas não desconte mais em si mesmo.

Taehyung assentiu, percebendo que seu corpo tinha amolecido, relaxado por completo sob o toque dele e ao som de
sua voz. Seu coração, no entanto, continuava batendo com força e muito rapidamente, quase espancando seu peito.

- Você deveria dar uma chance a si mesmo. Sem julgamentos ou raiva, olhe para si e veja todas as coisas boas que
os outros conseguem ver em você - disse Jeon, tentando entender como pôde em algum momento odiar aquele
homem.

E Taehyung, naquele momento, só tinha uma pergunta em mente: como Jiayu conseguiu não se apaixonar por Jeon
Jungkook?

You Never Walk Alone


❝Mesmo se estivermos cheios de hematomas
Podemos sorrir se estivermos juntos
No fim desta estrada que caminho sozinho
O que quer que esteja lá, vou dar um passo
Embora eu fique cansado e ferido às vezes
Está tudo bem
Porque eu estou ao teu lado
Você e eu, se estivermos juntos
Podemos sorrir❞
(You Never Walk Alone - BTS)

❁❁❁

Ela tinha dois convites restantes nas mãos quando saiu do elevador. Tinha dito aos seus pais que entregaria cada
convite pessoalmente e o faria sozinha, portanto, aqueles eram os últimos.

- Isso são cartas? - perguntou Hoseok. O homem estava silencioso ao seu lado durante todo o trajeto, depois que a
menina foi até ele e pediu que a acompanhasse pois ela tinha algo extremamente importante para fazer.

Ela sorriu e negou.

- Você vai saber em breve - ela respondeu.

Hobi sorriu, seguindo a menina pela ampla sala de espera vazia e já sabendo exatamente qual era a coisa
extremamente importante que ela precisava fazer e tendo a certeza de que envolvia o professor de música.

Ele suspirou, observando os pés pequenos dela tomarem o caminho que já era conhecido por ambos.

A sala de música estava bem ali, a porta estava fechada e tudo parecia silencioso, apesar de Mi Sun ter a certeza que
ele estaria ali. Ela se aproximou da porta e bateu três vezes, parando em frente a Hoseok com as mãos para trás e
aguardando.

Não demorou para a porta abrir, revelando o sorriso do homem. Yoongi, como sempre, estava feliz em vê-la. A
primeira coisa que ele notou foi a pequena criaturinha, usando uma jardineira amarela, camiseta vermelha e um tênis
também vermelho. Os cabelos estavam soltos, o que não era muito comum, significando que aquele era um dia
especial.

Em seguida, seu olhar seguiu para o homem atrás dela. Hoseok, como sempre, estava sorrindo gentilmente para ele.

Yoongi sempre sentia algo como uma pancada no peito, talvez a melhor explicação que sua mente pudesse formular,
era que aquilo parecia muito com levar uma surra do próprio coração.

Ele sorriu, tentando ao máximo soar indiferente com a presença dele.

- Preciso falar com vocês dois, é muito, muito, muito sério! - Mi Sun o agarrou pela mão, sem dar a chance de ao
menos Yoongi cumprimentá-la ou dizer "oi" para Hoseok. A outra mão da menina puxou seu outro amigo, arrastando
ambos sem a menor cerimônia até o grande sofá da sala de espera.

Ela fez ambos se sentarem, tomando o cuidado de deixá-los no mesmo sofá, com um mísero espaço entre eles. Ela
sorriu satisfeita, ficando de pé diante dos dois.

- Você está fazendo suspense desde que chegou, não pode só matar minha curiosidade logo? - Hoseok perguntou,
não aguentando toda a demora para descobrir o que eram aqueles envelopes.

Ele se considerava curioso, e normalmente sua curiosidade lhe rendia a habilidade de farejar uma fofoca há
quilômetros. Ele podia não ouvir muito bem, mas sabia mais que muita gente com dois ouvidos 100% funcionais.

Ele ajeitou a postura, tendo total consciência do homem que estava sentado sem a menor preocupação com postura
ou bons modos. Yoongi se afundou no sofá, sentindo suas costas agradecerem por um pouco de descanso.

- Meu aniversário está chegando. - Mi Sun estendeu os dois envelopes pequenos, muito bem lacrados e
adoravelmente adornados. Os dois pegaram seus respectivos, mantendo o olhar fixo na menina. - Meus appas
deixaram eu ter uma festa e escolher quem queria convidar. Mas tem mais uma coisa...

Ela sorriu, sapeca.

- É uma festa à fantasia. Vocês precisam se fantasiar, senão não podem entrar. E se não se fantasiarem significa que
não me amam - disse ela - Eu sempre quis ter uma, então vocês precisam escolher uma fantasia muito surpreendente.

Mi Sun olhou diretamente para Yoongi, com olhos ferozes e intimidadores, querendo que ele captasse todo o risco que
corria se desobedecesse suas exigências. Tudo que o homem sentiu, foi uma imensa vontade de rir.

- Nada de ir fantasiado de si mesmo - ela especificou - E vocês nem precisam me dar um presente se não quiserem.
Mas se quiserem podem me dar, meus appas disseram para eu não sair pedindo nada, mas se vocês quiserem me
dar uma bicicleta, isso me deixaria muito feliz.

Hobi riu.

- Oh, e você pode levar o Yoongi, Hobi? Ele vai precisar de uma carona e se você pudesse fazer esse favorzinho me
deixaria muito feliz em saber que meu amigo querido não vai precisar pegar um ônibus velho e fedido para ir a minha
festinha - ela pediu. O sorriso sumiu do olhar do homem no mesmo instante em que seu nome foi mencionado, sendo
substituído por um olhar nada satisfeito para que Mi Sun calasse a boca.

Ela, no entanto, fingiu não ver.

- Você não pode sair pedindo favores assim, tampinha, sabia que é...

- Tudo bem, você pode pegar carona comigo - Hobi se adiantou. Yoongi olhou para ele, com certa curiosidade,
tentando evitar qualquer parte de sua mente deploravelmente escravizada por aquele homem, acabasse lhe dizendo
que aquilo significava alguma coisa.

- Ah, você pode levar sua namorada se quiser, Hobi - Mi Sun acrescentou, um pouco contrariada, mas forçando um
sorriso.

Hoseok franziu a testa de imediato.

- Ah, eu não tenho uma namorada - ele disse, estranhando um pouco aquela menção repentina.

- Não tem? - Yoongi e Mi Sun, se uniram em um coro quase ensaiado, com seus olhares espantados e surpresos se
voltando em direção ao homem. O pianista se inclinou para a frente um pouco perplexo, focando o olhar tão
firmemente no rosto de Hoseok que ele foi obrigado a desviar o olhar por sentir as bochechas esquentarem.

Mi Sun, com a boca ainda semiaberta em total surpresa e euforia, esboçou um sorriso que se espalhou em sua boca
onde faltavam dois dentes.

- Aquela moça que vem almoçar com você todos os dias é só sua amiga, Hobizinho? - ela perguntou, fingindo
inocência. Mas lançando olhares muito sugestivos em direção a Yoongi.

- Na verdade ela é minha sobrinha. Nós nascemos com uma diferença de poucos meses e por isso sempre nos
relacionamos como irmãos, ela trabalha aqui perto, por isso vem almoçar comigo. - Ele riu, virando um pouco a cabeça
e intercalando o olhar entre o estático pianista e a aluna de sorrisinho malicioso. - Esse tempo todo vocês pensavam
que ela fosse minha namorada?

- Ela te chama de benzinho, você tem que admitir que isso é um pouco curioso para aula relação de tio e sobrinha. -
Yoongi riu, com nervosismo, quase engasgando com o nada.
Mais uma vez, a confusão se adonou do rosto de Hoseok.

- Tiozinho - corrigiu ele - Ela me chama de tiozinho, não benzinho. Tem certeza que é você que tem uma boa audição?

Yoongi abriu a boca, mas não tinha o que dizer, então a fechou logo em seguida. Ele beliscou o tecido do sofá,
querendo encontrar um buraco onde se esconder.

- Oh, melhor ainda! - Mi Sun juntou as mãos, com um sorriso radiante - Já que você não tem namorada...

Ela teria dito algo sobre não haver problema nenhum em ele e Yoongi irem juntos até sua festa de aniversário, mas o
homem não quis dar chance para que a menina acabasse falando demais.

Talvez por impulso, ele se levantou rapidamente, puxando Mi Sun como se não pesasse nada e jogando sobre o
ombro, ouvindo um gritinho agudo escapar da garganta dela.

- Está na hora da sua aula, tampinha! - ele disse, direcionando um olhar direto para Hoseok, assentindo em uma breve
despedida e abaixando a cabeça.

Hobi se virou lentamente no sofá, para acompanhar com o olhar o homem que saiu com tanta pressa que parecia ter
sido pego cometendo algum crime.

- Yoongi... acho que vou vomitar - Mi Sun resmungou, conforme ele se apressava em direção a sala de música,
batendo a porta atrás de si com força.

Hobi franziu a testa, ainda sentado e segurando o convite de Mi Sun com as duas mãos.

Min Yoongi era a criatura mais estranha que ele conhecia. Costumava fugir dele com tanta frequência que Hoseok
chegou a pensar que sua presença era um incômodo.

Mas isso não o impedia de querer, de todas as formas, que o pianista olhasse para ele como uma boa companhia ou
talvez alguém que valesse a pena manter como um amigo.

❁❁❁

A dor havia abrandado.

Ainda estava ali, com certeza, martelando e apertando seu coração na maior parte do tempo, no entanto, boa parte
dela tinha se dissipado. E olhando para aquele quarto bagunçado que era seu coração, Taehyung começava a ver
com clareza as coisas que estavam guardadas.

Jungkook tinha razão quando disse que chorar o ajudaria. Durou horas, ele passou um bom tempo encolhido na cama,
chorando sem a menor vontade de fazer nada além de permanecer ali, com o rosto enterrado no travesseiro,
soluçando tudo aquilo que o afligia.

Já tinham se passado alguns dias e ele finalmente podia dizer que estava melhor sem que fosse uma mentira. Já era,
ao ver de Kim, um grande avanço.

- Você pretende dar um fim em mim e descartar meu corpo em alguma daquelas lixeiras? - o loiro perguntou, assim
que o carro estacionou. O lugar parecia um depósito ou coisa pior, ficava em uma área não muito nobre de Seul e
tinha aparência de uma cena de crime de documentário do Discovery.

- Se eu quisesse mesmo te matar já teria feito isso há muito tempo e garanto que você só perceberia quando
chegasse ao além - Jungkook respondeu, tirando a chave da ignição e abrindo a porta. Taehyung fez o mesmo,
abrindo a porta e descendo ainda com muita desconfiança.

Jungkook, durante sua crise que durou quase dois dias, esteve com ele na maior parte do tempo. Foi ele quem disse a
Mi Sun que Taehyung estava resfriado, que se sentou ao lado de Taehyung no mais absoluto silêncio enquanto ele
chorava pelo simples fato de que acreditava que ninguém merece chorar sozinho.
Foi por essa razão que o coração de Taehyung amoleceu em relação a ele, pelo menos em alguns aspectos. Desde
sua melhora, Taehyung fazia absolutamente tudo que Jeon pedia, isso ia desde preparar biscoitos amanteigados até
deixar que o arrastasse até ali sem nem mesmo dar uma pista sobre onde estavam indo.

Ele seguiu Jungkook em direção a uma porta pequena, no canto da enorme construção. Jungkook, que exigiu que
Taehyung colocasse roupas leves e que facilitassem para se movimentar, estava indo em frente, com as mãos
enfiadas nos bolsos do moletom.

Ele diminuiu o passo para que Taehyung o alcançasse.

- Vai me dizer onde estamos e o que vamos fazer ou eu vou ter realmente que esperar para ver? Você sabe que eu
não tenho tanta paciência assim, Jeon. - Taehyung olhou em volta. Era definitivamente deserto demais, o que
descartou para ele qualquer chance de aquilo ser um restaurante. Uma dúzia de coisas passaram por sua mente,
desde bordéis até algum hospital clandestino especializado em tráfico de órgãos.

- É exatamente nisso que estou te ajudando, a cultivar paciência. É muito útil, sabia? - Jeon segurou a maçaneta
grande de metal e empurrou a porta, que se abriu com um grito agudo e irritante, sinalizando para que Taehyung fosse
na frente.

O loiro estreitou os olhos na direção dele, ainda desconfiado antes de entrar.

Era escuro, com exceção das poucas luzes alaranjadas que iluminavam o extenso corredor. Era visível que o local
tinha sido adaptado, já que a parede de divisão era de madeira fina.

Jungkook fechou a porta depois de passar e começou a andar pelo corredor, com Taehyung em seu encalço,
seguindo em completo silêncio.

A primeira porta aberta que surgiu a direita, Jungkook empurrou Taehyung levemente para passar por ela. O local
estava quase vazio, com exceção de dois caras que pareciam treinar alguma espécie de luta em um ringue montado
no meio do local e um homem com os pés sobre o balcão da recepção, ocupado com uma uma revista Playboy
cobrindo parte do rosto.

- Se você queria me bater, poderíamos ter feito isso em casa, por qual motivo gastamos gasolina vindo até aqui? -
perguntou o loiro.

- Bom ver que seu senso de humor está intacto, hyung. - Jeon abriu um sorriso sínico e deu dois tapas fortes no
balcão.

O homem fechou a revista com força e jogou em algum lugar debaixo do balcão, juntando as duas mãos e abrisse o
maior dos sorrisos para os dois. Taehyung tentou disfarçar a careta ao observar o olhar disfarçado dele, como se
absolutamente ninguém tivesse visto o conteúdo da revista.

- JK, vejam só! Quem é vivo sempre aparece! Eu disse ao Jaeyun que uma hora dessas aquele Kim Taehyung ia
acabar te irritando de novo e você viria descontar no pobre saco de pancadas. - O homem desandou a falar, sem
papas na língua. Os olhos de Taehyung se encheram de interesse, ainda mais ao notar os gestos nada discretos e
sutis que Jungkook fazia, implorando para que o recepcionista calasse a boca. - Aquele mala sem alça ainda mora
com você? Eu imagino que você deva estar querendo enforcar ele já que não apareceu aqui nas últimas semanas,
deve ter muita coisa acumu... oh, quem é seu amigo?

- Sou Kim Taehyung, prazer em conhecê-lo. - Taehyung teve o prazer de dizer, com um grande sorriso. - Ele se
cansou de imaginar minha cara no saco de pancadas e resolveu fazer pessoalmente.

O homem olhou para Jeon, tendo plena consciência de que tinha feito uma merda das grandes. O olhar do moreno
parecia destinado a matá-lo em pensamentos, quando estreitou os olhos e tamborilou os dedos nervosamente sobre o
balcão.

- Vamos ficar na sala de sempre - Jeon disse, se inclinando em seguida, com o olhar mais ameaçador possível,
fazendo um frio correr na espinha do recepcionista. - E você tenta engolir a porra da língua, Gunwoo!

Taehyung não deixou de sorrir por um momento, vendo o homem engolir seco e depois seguindo Jeon pelo local. Os
sons das pancadas dos dois homens no ringue não eram nada amigáveis, o loiro sentiu um leve medo do que o
aguardava.

Jungkook o guiou até uma das portas que haviam no amplo local, se vendo dentro de uma sala quase vazia. Haviam
desenhos nas paredes, artes de grafite das mais diversas cores. Junto às paredes, pequenas prateleiras com pesos e
uma das paredes completamente revestida com espelhos.

Bem no centro, estava o tão famigerado saco de pancadas.

- Juro que esperava que tivesse uma foto minha colada aqui - Kim provocou, apontando o objeto. Jungkook revirou os
olhos, as bochechas estavam levemente coradas e ele não saberia dizer se era raiva ou constrangimento.

O moreno foi até um pequeno armário, em silêncio. Parecia buscar uma explicação com todos os neurônios. Logo se
virou, com um rolo de bandagens nas mãos e suspirou.

- Olha, isso foi logo quando nos conhecemos e você definitivamente não facilitava minha vida... - ele tentou explicar.

- Não tem que explicar isso. - Taehyung teve que se conter para não rir. - Sabe aquele pão que eu fiz e você adorou?

Jungkook estreitou os olhos, desconfiado, empurrando levemente a porta até ouvir o click dela se fechando por
completo.

- Sei - murmurou.

- Eu soquei a massa com tanta força pensando que era sua cara que ela ficou mais fofinha do que eu esperava. -
Taehyung fechou a mão em punho e bateu na própria mão para ilustrar. Jungkook arregalou os olhos, perplexo com a
confissão tão sincera.

- Ah claro, isso faz eu me sentir muito melhor. - Jeon se aproximou dele. A aquela altura, Taehyung já tinha entendido
o que ele queria, só não sabia exatamente se deveria dizer que boxe não era sua praia ou se deveria apenas deixar
que o homem dissesse suas intenções. Jungkook suspirou, pegando o pulso de Taehyung devagar, tentando não ser
bruto. - Talvez você precise descontar um pouco de raiva também. Estive pensando sobre isso e acho que você ainda
tem muita coisa guardada.

Jeon começou o trabalho minucioso e lento de enrolar as bandagens no pulso dele.

Taehyung ficou sua atenção no rosto dele, os olhos distraídos com a tarefa não poderiam captar o olhar fixo e
totalmente desavergonhado que o loiro lhe dirigia.

- Eu não sou a melhor pessoa paral dar conselhos. - Jeon riu. Os lábios de Taehyung se curvaram em um breve
sorriso, acompanhando o dele de forma automática. - Na verdade, meus pais sempre diziam que se eu aconselhar
alguém a fazer alguma coisa, o certo é fazer exatamente o contrário, pois eu sou péssimo tomando decisões.

O sorriso dele vacilou um pouco, algo que não passou despercebido pelo loiro que sequer piscava o observando.
Sentia as mãos de Jeon deslizando em seu braço, os dedos esbarrando contra a pele enquanto ele amarrava as
bandagens.

Taehyung não se considerava uma pessoa fechada ou antiquada, ele definitivamente não tinha problemas com a
sexualidade alheia, mas havia algo diferente quando se tratava de sua própria. Ainda mais pelo fato de em trinta anos
de existência ele nunca ter questionado isso.

Não até aquele momento.

Aconteceu quando ainda estava em meio a sua crise, seu coração pesado, as lágrimas rolando sem parar enquanto
Jungkook apenas acariciava suas bochechas e o olhava nos olhos.
Ele ainda preferia acreditar que aquele repentino estalar em seu peito, era apenas uma gratidão profunda, o sinal de
uma amizade sincera.

Tinha que ser apenas isso, pois se fosse algo mais, se por alguma razão estranha o universo estivesse brincando com
ele a aquele ponto, sua vida estava prestes cair ainda mais fundo naquele poço escuro e interminável.

Não que fosse errado sentir-se ligeiramente atraído e confortável com um homem, mas era algo muito distante de
suas convicções sobre si mesmo. Aquilo colocaria em questão tantos aspectos de sua vida que o deixaria com uma
dor de cabeça das grandes.

Mas ele definitivamente não queria crer que fosse atração. Talvez carinho, do mesmo tipo que se dedica a um bom
amigo, mas atração, jamais.

- Então já que eu não posso te aconselhar pois definitivamente não sei o que dizer, - falou Jeon, passando para o
outro pulso e amarrando com a mesma paciência e precisão que tinha feito a outra. - talvez possa te ajudar de alguma
outra forma. Só não quero deixar você sozinho com tudo isso.

Kim sorriu minimamente, seu tipo favorito de agradecimento silencioso.

- Você vem aqui sempre que fica com raiva de mim? - perguntou Taehyung, um pensamento que passou por sua
mente e acidentalmente escapou em seus lábios. Jungkook sorriu ladino, terminando rapidamente de prender as
bandagens e se afastando um pouco.

- Principalmente quando estou com raiva de mim mesmo. Eu pratico boxe desde meus doze anos. - Ele agarrou a
barra do moletom e o puxou para cima, o jogando longe logo em seguida. - Normalmente me acalma.

Usava uma regata preta, que deixava à mostra tudo aquilo que Taehyung estava apenas imaginando durante meses.
O braço tatuado, toda a extensão de pele até o ombro coberta por desenhos escuros e totalmente fascinantes.

- Você já fez isso alguma vez? - perguntou o moreno, se apoiando no armário e cruzando os braços sem imaginar
como aquilo alfinetou Taehyung de uma forma cruel.

- Algumas vezes durante meu serviço militar. Não sou totalmente inexperiente, mas não sei muita coisa. - Taehyung
desviou o olhar, decidindo se concentrar no saco de pancadas.

Ele moveu os ombros e girou o pescoço até ouvir um estalo indicando que seus ossos estavam alinhados. Fechou as
mãos em punho e afastou os pés. Ele percebeu que estava relaxado demais com a questão fixa desde o retorno à
Coréia.

Tinha recuperado o peso perdido durante seus dias de internação, mas nada daquilo era massa muscular. Ele
precisava voltar a frequentar a academia, já conseguia sentir os efeitos do sedentarismo antes mesmo de começar.

Ele transferiu um golpe forte, em seguida outra e mais um. Jungkook observou, com um sorrisinho simples e quase
fascinado. Pensou que teria que ensinar até mesmo o básico, mas Taehyung sabia exatamente como se mover.

- Você faz boxe por hobby ou tinha algum sonho que foi frustrado de forma cruel? - o loiro indagou, sem parar com os
golpes.

- Eu apanhava na escola - Jungkook disse e sorriu ladino quando Taehyung o olhou esperando que dissesse que era
uma piada - Sério mesmo. Eu era o típico nerdzinho magrelo escolhido pelos valentões. Tomava uma surra por dia e
ficava sem meu dinheiro do lanche.

Taehyung fez uma pausa, estendendo a mão e parando o saco de pancadas para que não ficasse sacudindo com o
som irritante da corrente que o prendia.

- Não consigo te imaginar apanhando de alguém. - Kim riu. Não com escárnio ou deboche, mas por genuína surpresa.
Sequer conseguia imaginar aquele Jungkook totalmente intimidador e pensar que alguém conseguiu bater nele um
dia.

- Uma vez eles me pegaram na saída da escola. - O moreno tocou a bochecha, bem no local onde estava a marca que
Taehyung tinha notado alguns dias antes. - Me bateram tão forte que eu provavelmente teria parado no hospital se um
garoto do ensino médio não tivesse me ajudado. Eles me deixaram em paz por um tempo depois dos esporros que o
garoto deu neles, mas depois daquilo eu implorei para o meu pai me matricular em aulas de boxe. Ele sugeriu
Taekwondo, mas eu queria algo mais bruto.

Taehyung riu, voltando a esmurrar o saco de pancadas.

- É a sua cara - ele disse - Mas porque eles te batiam? Normalmente tem um motivo. Sua aparência com certeza não
era o problema. Sua família não tinha uma boa situação financeira? Você usava aparelho e óculos? Era gago?

- Eu tirava boas notas e as garotas preferiam fazer amizade comigo do que com eles porque eu não ficava puxando o
cabelo delas ou passando a mão nelas de "brincadeira" - Jeon respondeu, os olhos acompanhando a forma como os
músculos dos braços de Taehyung se retraiam a cada vez que ele acertava um golpe no saco de pancadas.

- E você chegou a revidar alguma vez? - perguntou Taehyung, parando um pouco os movimentos. Uma fisgada no
ombro lhe lembrou que ele não fazia qualquer movimento bruto com o aquele braço a um bom tempo, mesmo que seu
fisioterapeuta o aconselhasse a não deixar que os músculos ficassem acostumados com pouca coisa.

Os ligamentos já estavam quase curados por completo, não doía mais na maioria do tempo e seus tremores tinham
diminuído. Mas ele ainda tinha medo de se mover bruscamente e acabar machucando de novo.

- Não precisei, eles pararam de implicar comigo depois daquela vez. Mas de qualquer forma, se tivessem vindo, eu
teria revidado. - Jeon se afastou do armário, vindo em direção ao loiro assim que notou a careta de dor. - Ainda dói
muito?

- Mais como um choque, acho que fiquei tempo demais sem mover - respondeu Kim, apertando com firmeza o ombro.

- Tenta se alongar um pouco, pode ajudar. Eu liguei para o seu fisioterapeuta e ele disse que seria ótimo você tentar
algum exercício contanto que fosse devagar, então só tenta não ser muito bruto - Jeon disse.

Taehyung franziu a testa.

- Você ligou para o meu médico? - perguntou ele.

- É, eu não queria ser responsável por algum problema grave. Aqui. - Jungkook se posicionou atrás dele, colocando o
braço em volta de Taehyung e apoiando as costas do loiro contra seu peito. - Eu disse a ele que queria te levar para
fazer um pouco de atividade física e perguntei se tinha algum problema.

Taehyung fez uma careta, sentindo Jungkook pressionar os músculos retraídos de seu ombro. Uma dorzinha chata o
dominou por alguns segundos, mas aos poucos ia se dissipando por completo.

- Você disse exatamente com essas palavras? - perguntou o loiro, observando Jeon pelo reflexo do espelho. Jungkook
parecia tão ingênuo às vezes que Taehyung acreditava que ele não tivesse consciência do que "duplo sentido"
significasse.

- Sim. Ele me disse que tudo bem, mas que não era para ser muito bruto e que era melhor não começar com nada que
exigisse muita resistência do seu braço - Jungkook respondeu. Segurou o ombro dele com uma mão e com a outra,
segurou a mão dele, esticando o braço de Kim com um puxão lento e muito leve para trás. Taehyung gemeu quando
estalou, poucos segundos depois, foi como se anestesiassem a região, aquele incômodo chato sumiu e ele até se
surpreendeu com aquilo.

- Acho que vocês definitivamente não estavam falando sobre a mesma coisa - resmungou o loiro, com uma risada.
Teria que explicar ao fisioterapeuta no dia seguinte. Jungkook aliviou a pressão na mão dele e deixou seus dedos
quase enlaçando os de Taehyung.
Os dois tomaram consciência da proximidade, quando talvez já fosse tarde demais.

Taehyung não era tocado daquela maneira há mais tempo do que se lembrava. Era algo diferente de abraçar um
amigo ou receber os carinhos de sua filha, parecia algo um pouco assustador e tentador.

A mão de Jungkook se suavizou contra a mão dele, os dedos de Jeon deslizaram pelo dorso da mão, deslizando
devagar, subindo pelo pulso, no antebraço e parando ali, enquanto o outro braço ainda deixava Taehyung preso contra
seu peito.

Kim engoliu seco, sentindo o arrepio que aquilo lhe causou, sem se mover ou fazer qualquer coisa a respeito,
enquanto o silêncio que preenchia o local se fazia muito evidente.

A respiração irregular de Jeon contra seu ouvido delatava quão perto ele estava e aquilo o deixou completamente
paralisado, com medo de mover um músculo sequer.

Ele respirou fundo, Jungkook sentiu quando o loiro tomou fôlego com rapidez e Taehyung sentiu, sentiu com cada
célula de seu corpo tenso e paralisado, que aquilo que Jeon lhe causava podia custar a sanidade que ele estava
tentando recuperar.

Jungkook olhou a nuca dele, o local arrepiado e sua atenção ficou naquela pequena manchinha. Uma pintinha
pequena e solitária. Ele pressionou os lábios em uma linha fina, querendo recobrar o juízo, apertando o antebraço de
Taehyung e deslizando a mão para cima, como se quisesse traçar com seus dedos todo o caminho até aquela pintinha
já que em hipótese alguma poderia usar os lábios.

Taehyung sentiu calor, aquele que pensou que jamais sentiria novamente, que imaginou que ninguém no mundo além
de Jiayu tivesse o poder de despertar em si.

Jungkook se afastou de repente. Andando até o lugar onde estava anteriormente e passando a mão nos pelos
eriçados da nuca, dando tapinhas leves no rosto para buscar sobriedade.

Taehyung sacudiu a cabeça, se forçando a sair daquele transe e voltando a despejar contra o saco de pancadas com
toda a raiva, tudo que estava sentindo.

E nada mais foi dito.

❁❁❁

- Desça daí, você vai cair - disse Taehyung, distraído. Os olhos dele estavam fixos nas páginas daquele livro, mas ele
definitivamente não estava focado na história.

Mi Sun, que estava trepada sobre uma cadeira esticando as mãos com toda a força de vontade tentando alcançar a
prateleira de cima do armário da sala, fez uma careta para ele.

Parecia aéreo e fora de si, Taehyung estava preso em outro mundo desde que voltaram para casa, o que para Mi Sun,
cheirava a estranheza.

- Preciso terminar de arrumar os detalhes da minha fantasia, appa! Eu esperei para usá-la durante muito tempo e
agora que você está aqui, vai fazer mais sentido ainda! - Ela continuou esticando a mão em direção a caixa de
costura.

- O que nós falamos sobre deixar seu pai e eu cuidarmos disso? - Jungkook entrou na sala, evitando contato visual
com o homem sentado na poltrona. Taehyung pressionou os lábios em uma linha fina, apertando com força o livro nas
mãos e fingindo estar concentrado na história.

Não foi nada demais. Absolutamente nada demais, por qual razão tinha o deixado daquela forma? Jungkook o ajudou
com a dor no ombro e foi apenas isso, não havia motivos para estar tão alarmado com aquilo.

Jeon pegou a caixinha de costura e entregou nas mãos de Mi Sun. A garota sorriu, agradecida, e desceu da cadeira
que tinha arrastado até ali.

- Não pegue as agulhas ou a tesoura - disse Taehyung.

Mi Sun parou na porta, girando os calcanhares com um olhar muito decepcionado e voltando com largos passos até o
armário para guardar a caixa, já que não seria útil depois dos avisos do pai.

- Vocês não estão nem um pouco preocupados? Minha festa é na semana que vem, precisamos das nossas fantasias
perfeitas! Eu disse ao Hyunki que nós com certeza teríamos as melhores fantasias do mundo... - Ela colocou a
caixinha na prateleira mais baixa e a fechou, olhando em seguida para seus dois pais.

Taehyung continuava fingindo que lia o livro virado de ponta cabeça e Jungkook estava tentando ligar a televisão com
o controle remoto do rádio.

Ela fez uma careta. O que havia de errado com eles?

- Appas? - ela chamou.

Os dois a olharam no mesmo instante.

- Vocês já prepararam suas fantasias? - perguntou ela.

- Vai ser fácil, solzinho, a gente dá um jeito essa semana - Jeon respondeu.

- Nós esperamos por isso desde o Halloween do ano passado, appa! Agora que appa Tae está aqui vai ser ainda mais
fantástico! - Mi Sun sorriu, juntando as mãos e já imaginando como seria inovador.

Taehyung franziu a testa, Jungkook olhou para ele brevemente, virando o controle remoto para checar as pilhas.

- Nós íamos a festa de halloween da escola com as fantasias de Jack Esqueleto e Zero, mas a Mi Sun teve catapora -
explicou.

Taehyung fechou o livro.

- Quem são Jack Esqueleto e Zero? - ele perguntou.

Talvez tenha sido uma pergunta ofensiva ou algo definitivamente inesperado, já que tanto Mi Sun quanto Jungkook lhe
dirigiram os olhares mais ferozes e incrédulos.

- Você sabe... O estranho mundo de Jack - Jungkook disse, como se aquilo bastasse para que Kim soubesse do que
se tratava.

- O que é 'O estranho mundo de Jack'? - Taehyung estava com medo que fossem partir para cima dele, mas não podia
evitar a curiosidade.

Mi Sun e Jungkook se olharam, como dois cúmplices de um crime que ainda não tinha sido cometido. Taehyung sabia
que obviamente ambos estavam chateados, mas não sabia dizer o motivo de tanta chateação.

- Não acredito, appa, você partiu meu coraçãozinho. - Mi Sun suspirou dramaticamente, colocando a mão sobre o
peito e a outra na testa, inclinando a cabeça para causar mais efeito. Taehyung levantou uma sobrancelha.

- Eu não pensei que você fosse tão baixo, Taehyung-ssi - Jungkook resmungou, seriamente decepcionado.

- Se não me explicarem, nunca vou saber o que é isso - o loiro protestou.

- É o melhor filme do mundo! - Mi Sun abriu os braços.

Ela olhou para Jungkook, com um aceno firme os dois entraram em concordância.

- Vou fazer pipoca - o moreno disse, se retirando.


- Eu vou pegar o filme - Mi Sun declarou, saltitante.

Taehyung riu.

De onde estava, ele conseguia ver Jungkook mexendo nos armários da cozinha e também manter os olhos em sua
filha, que buscava entre uma dezena de CDs, o filme que parecia ser tão querido por eles.

Ele apertou o livro com as duas mãos, com força suficiente para os nós dos dedos ficarem brancos. Seu coração, que
nos últimos dias parecia estar lhe testando, não parava de pular no peito.

No dia que pisou na Coréia novamente, quando voltou sabendo que Jiayu não o receberia em casa e que havia um
estranho ocupando seu lugar, Taehyung pensou que a palavra 'conforto', tivesse sido banida de seu dicionário
permanentemente.

Mas ali estava, aquela sensação quente e reconfortante de que, naquela bagunça que ele e Jeon estavam tentando
ser a melhor versão de si mesmos para Mi Sun, ele tinha encontrado uma espécie de oásis naquele deserto
escaldante que o maltratava.

Ele costumava se sentir um peixe fora d'água na maior parte do tempo, isso já tinha se tornado uma rotina cruel e
exaustiva e talvez fosse deprimente, mas já estava acostumado com a sensação.

Ele pensou que suas notas altas pudessem ser um motivo para seus pais terem orgulho, mas não funcionava
exatamente assim. Pensou que talvez por ser gentil, conseguiria muitos amigos na escola, mas isso também não
aconteceu.

E ele sentia vontade de chorar por estar ali, encolhido contra o muro como um cão perdido. O coração batia forte,
estava ofegante e tinha todo o corpo esguio e magro tremendo. A boca seca, o joelho ralado ardendo pelo ferimento
que tinha conseguido ao se esconder ali.

Torcendo para não ser pego.

Ele sequer sabia se havia uma razão para estar sendo perseguido, além do fato de ser o mais fraco de toda a sua
turma ou porque ele tinha conseguido uma nota que era duas vezes mais do que a média de Jang Hwi no ano inteiro.
Talvez ele fosse apenas fácil de derrubar.

- Junggukie! Por que você está se escondendo aí, está na hora de brincar! - Ele sentiu os ossos gelarem. O grito veio
ao pé de seu ouvido e no instante seguinte, ele estava sendo erguido do chão pelas mãos firmes que agarraram a
camisa já suja e surrada de seu uniforme escolar.

Jang Hwi e todos os seus amigos tinham o dobro de seu tamanho, eram mal encarados e mais pareciam garotos da
oitava série. O garoto em questão, que o fez ficar de pé sem muito esforço, o olhou nos olhos como um predador
satisfeito.

- Por favor, me deixa ir - ele pediu, mesmo sabendo que tudo que receberia em resposta seria aquela mesma risada
de escárnio.

- Você ficou de conversinha com a Lisa hoje, mandei ficar longe dela! - Hwi grunhiu perto do rosto dele. O pequeno
Jeon, tentou a todo custo se soltar para correr. Aquela era sua única vantagem, ele corria mais do que todos eles
juntos.

- Eu só ajudei ela com o dever, eu juro que não gosto dela! Me deixe ir e eu ajudo você a falar com a Lisa! - o
moreninho se debateu mais.

- Você precisa mesmo é aprender a não mexer com o que é dos outros, Junggukie! - Hwi o empurrou contra o muro.
As costas do garoto bateram com tanta força que o ar escapou dos pulmões. Ele choramingou, se encolhendo o
máximo que podia para evitar que os golpes fossem atingir as partes mais frágeis.

Talvez tivesse saído pior, isso se não fosse um pequeno detalhe.

O garoto com uniforme da escola de ensino médio que ficava há duas quadras dali, estava muito tranquilamente
sentado no ponto de ônibus, aguardando que o seu passasse.

Kim Taehyung não tinha sido seu melhor dia e havia uma parcela de desânimo sem igual dentro dele. Chutou uma
pedra com impaciência. Tudo que precisava naquele momento era se enfiar em seu quarto e não falar com mais
ninguém por algumas horas.

A rua estava deserta, por conta disso, não foi difícil ouvir o grito alto e sôfrego. A princípio, franziu a testa pensando
que talvez fosse coisa de sua cabeça, mas quando pela segunda vez o "por favor, parem!" atingiu seus ouvidos como
um choro desesperado, ele definitivamente soube que havia algo errado.

Olhou para o lado de onde acreditava ter vindo o grito. Tudo que conseguiu ver, foi um garoto de pé no canto do muro.
A movimentação denunciava que ali estava o problema.

Ele correu naquela direção, não demorou muito já que a distância era relativamente curta e assim que virou na curva,
avistou o grupo de quatro garotos, que estavam muito dedicados na tarefa de usar o garoto magrelo como saco de
pancadas.

- Ei, ei, ei! - o loiro gritou, puxando sem a menor delicadeza o maior dos garotos pela gola da camisa a ponto de quase
enforcá-lo. Os outros arregalaram os olhos e ele sabia que era apenas pelo fato de ele usar o uniforme da escola de
ensino médio.

Valentões do fundamental temem garotos mais velhos por uma infinidade de motivos e ele não deixava de usar isso a
seu favor.

- O que vocês pensam que estão fazendo, ahn? - Ele gritou, tratando de engrossar a voz ao máximo para causar
medo.

Não obteve resposta, apenas olhares assustados. Todos eles eram menores que ele, deviam ter onze ou doze anos
no máximo, quando ele estava prestes a completar seus dezesseis.

- Escutem aqui seus pestinhas, acho bom pegarem suas coisas e darem o fora daqui! - Empurrou com força o garoto,
o fazendo desequilibrar um pouco e olhou os companheiros. - Sabiam que bater nos outros é crime?

Ele observou os olhares quase desesperados, decidindo levar aquilo um pouco mais adiante.

- Meu pai trabalha na delegacia, tenho certeza que ele adoraria deixar vocês presos lá para aprenderem a não serem
um bando de covardes! - Taehyung sorriu, satisfeito ao ver os garotos negarem com veemência, seus rostos se
distorcendo em uma careta de choro quase cômica. Uma mentira feia, mas com uma boa razão. - Vocês querem ir pra
cadeia?

Eles negaram, muito desesperados.

- Então saiam daqui agora! - ele gritou. Eles correram, como se suas vidas dependessem daquilo. Nem precisou usar
força bruta. - E eu gravei seus rostos, acho bom tomarem cuidado!

Taehyung ajeitou a gravata do uniforme. Ele olhou, com muita pena, para a pobre criatura. O garoto estava um caos
completo. Esfolado, com terra manchando cada parte do uniforme e também se grudando a sua pele. Os cabelos
totalmente bagunçados e a mochila tão amassada quanto ele estava jogada ao seu lado.

Ele suspirou, olhando direto para o ponto de ônibus e vendo o seu estacionando. Algumas pessoas começaram a
descer e ele definitivamente poderia ter corrido e alcançado. Aquele era o último, se perdesse, teria que voltar
andando.
Ele olhou de novo para o menino encolhido e praguejou baixo, antes de se abaixar diante dele.

- Ei, pirralho. - O loiro cutucou o braço dele, vendo o par de olhos grandes e úmidos surgirem logo atrás do braço sujo
e ralado. Adoráveis olhos que pareciam os olhos de uma corça assustada. O peito do garoto subia e descia
velozmente e ele tremia. - Você já pode levantar daí. Você mora aqui perto?

Ele assentiu, fungando em seguida. Taehyung achou deplorável sua situação e imaginou que aqueles valentões
tentariam algo se ele voltasse sozinho.

- Na rua de baixo. - O moreno apontou. Kim olhou sobre o ombro e em seguida assentiu, se colocando de pé e
puxando o menino pelos braços. Ele bateu o excesso de poeira da roupa da pobre criança esfolada e juntou a mochila,
entregando a ele em seguida. - Obrigado por me ajudar, hyung.

Taehyung sorriu brevemente. Não era do tipo que demonstrava muita delicadeza com desconhecidos, no entanto,
imaginou que a última coisa que aquele menino precisava era alguém sendo rude ou indelicado.

- Olha, você não pode deixar eles te baterem sempre. Tem que se defender, nem sempre vai ter alguém por perto
para te socorrer. - Aquele garoto, que Jungkook imaginou ser bem mais velho, o segurou pela gola da camisa sem
apertar muito e começou a arrastá-lo devagar pela rua. - Tua mãe sabe que você apanha desses merdinhas?

Jungkook não usava palavrões, então foi um choque ver alguém tão jovem usando eles tão abertamente. Se
perguntou se os pais daquele menino se importavam em dizer a ele que era feio. Ele não diria.

- Ela diz que eu apanho porque sou fracote demais - murmurou o menor.

Taehyung riu, um tanto incrédulo.

- Bela mãe essa sua! - ele replicou, com sarcasmo - Escuta aqui, pirralho, eu vou mandar a real pra você. O mundo
não é um cenário perfeito de conto de fadas onde o universo conspira pelo bem daqueles que merecem. Se você não
fizer algo a respeito, vai ficar se fodendo o tempo todo.

Jungkook fez uma careta. Que garoto desbocado.

- Não seja tão bonzinho, viu? - Taehyung soltou a gola dele, observando o menino sujo, machucado e desmantelado
que o acompanhava. Ele suspirou.

- Seu pai é mesmo policial? - perguntou o moreno, ajeitando a mochila nas costas.

- Não, mas isso vai ser um segredo nosso - o loiro retrucou.

Eles andaram em silêncio por um bom tempo. A rua era uma descida muito inclinada, o que exigia mais atenção do
menor para não acabar tropeçando já que sua coordenação tinha sido temporariamente comprometida pela surra.

- Você está errado - disse o garoto, com as sobrancelhas bem unidas em uma careta fofa. Taehyung olhou para ele
com a sobrancelha erguida e um pouco de surpresa. Depois de tantos minutos em silêncio, pensou que não o ouviria
dizer mais nenhuma palavra - As coisas boas acontecem para pessoas boas. Eu teria apanhado bem mais se não
fosse por você ter aparecido na hora certa, não é uma coincidência.

Taehyung riu. Não queria ser ele a acabar com a inocência do menino, então se absteve de seus comentários
sarcásticos.

- Claro, se você acredita em destino, talvez ele trabalhe a seu favor - o mais velho respondeu, dando de ombros e
chutando uma pedrinha.

- É ali. - Jeon parou, apontando uma casinha pequena entre duas casas grandes com quintais enormes, e em seguida
batendo nas próprias roupas e tentando deixá-las menos destruídas possível. Taehyung fez uma careta para o estado
dele. Seria cômico se não fosse trágico. - Obrigado por ter me ajudado.
Jungkook esfregou os olhos. Ele estava segurando o choro desde o primeiro soco, mas seus olhos continuavam
ficando úmidos.

Taehyung olhou para ele. O garoto que era muitos centímetros mais baixo que ele, tinha o rosto vermelho e parecia
estar evitando ao máximo as lágrimas. Ele tomou fôlego.

- Você pode chorar. - Cutucou ele com o dedo indicador. - Juro que não conto a ninguém.

- Minha omma diz que chorar é coisa de maricas - Jeon replicou, fungando mais uma vez.

- Não penso assim. Acho que chorar exige muita coragem, então não fique segurando. Você não é um "marica". -
Taehyung olhou em volta. A rua estava deserta e ele começou a pensar que não seria realmente uma boa ideia o
garoto chorar naquele momento, se alguém visse, poderia interpretar errado e ele acabaria levando uma surra de
alguém. Ele bufou, impaciente, e jogou a própria mochila para a frente do corpo, abrindo o zíper do bolso maior com
rapidez. - Olha aqui, pirralho. Eu vou te ensinar a fazer uma coisa, as garotas acham o máximo e ficam muito
caidinhas, então, tenha isso como um presente meu.

Ele puxou um papel solto que havia no meio de um caderno e se abaixou. Jungkook observou curioso, enquanto o
mais velho apoiava o papel colorido na coxa e dobrava.

- Preste bem a atenção, vou ensinar só uma vez, viu? - disse ele - Elas gostam de ganhar presentes desse tipo,
sabia? Algumas pessoas acham muito romântico, então quando você gostar de alguém, tente dar um desses.

E de fato, o moreno prestou a atenção, mas se perdeu de uma parte em diante. Ele observou com atenção e
curiosidade, como aos poucos o pedaço de papel se tornou a imagem de um pássaro muito bem dobrado. Ele sorriu,
esquecendo momentaneamente a dor quando o garoto mais velho lhe entregou o origami.

- É um tsuru - Taehyung disse - Você sabe que às vezes as coisas simples são as mais fascinantes?

- Você já deu um desses para alguma garota? - perguntou o moreno.

Taehyung estalou a língua e se colocou de pé.

- Não tenho uma namorada, talvez você tenha mais sorte que eu com isso. Mas pra isso precisa aprender a se
defender sozinho. - O loiro sorriu com malícia, satisfeito por estar prestes a corromper uma mente jovem. - Se aqueles
valentões te atacarem de novo, chute no meio das pernas. Sem dó nem piedade, com toda a força que você tiver.

Jungkook fez uma careta apenas de imaginar.

- Você vai se dar bem, pirralho. Agora vai pra tua casa antes que escureça. - O loiro apontou a direção da casa dele e
em seguida observou o olhar entristecido do menino.

- Espero ver você de novo, hyung - disse o moreninho, pegando o caminho de casa e ajeitando a mochila nas costas,
enquanto segurava com todo o cuidado o pássaro de papel. - Quando eu for maior podemos ser amigos. Vou torcer
para o universo nos unir de novo.

Taehyung colocou as mãos nos bolsos e observou o menino até que ele entrasse no quintal, sorrindo para ele e
acenando antes de, de fato, correr para dentro de casa. Ele suspirou. Era pouco provável que veria o mesmo
novamente e sequer tinha lembrado de perguntar seu nome.

Não importava, no fim das contas, qual o nome do menino. Não faria diferença alguma em sua vida. Taehyung nunca
mais o veria e aquele pirralho definitivamente seria esquecido por ele em no máximo duas semanas.

Mas mesmo assim, no dia seguinte, Kim Taehyung esperou aqueles garotos aproveitadores e os ameaçou com muita
agressividade, para que mantivessem distância do garoto pelo resto de suas vidas. E funcionou.

❁❁❁
Jungkook batia os dedos na mesa. Ele sabia que deveria estar prestando a atenção na reunião de professores, mas
sua mente estava presa em outro lugar talvez não tão longe dali.

Ele olhou a própria mão, ainda lembrando da sensação da pele de Taehyung contra seus dedos quando os deslizou
pelo braço dele, sentindo o arrepio do outro com seu tato.

Ele fechou a mão com força, querendo afastar aquela sensação, aquela memória.

Recebeu um chute no tornozelo por baixo da mesa e olhou alarmado para Sana, que ainda mantinha o olhar inocente
e concentrado na diretora, que estava quase concluindo sua pauta sobre o motivo de terem reduzido a quantia de café
disponibilizado na copa da sala dos professores.

Ele olhou para a tela do celular de Sana, que estava parado sobre o caderno do Patolino. A tela acesa, com o mesmo
nome que tinha aparecido quinze vezes nos últimos dois minutos gravado na tela. Jimin.

Ela olhou com desdém para o celular e, como havia feito das últimas dezenas de vezes em que ele ligou só naquela
manhã, deslizou o dedo na tela para recusar a chamada.

- Mais alguma pergunta? - a diretora perguntou. Jungkook olhou os rostos de todos os professores e em seguida para
a mulher. Ela correu os olhos pela sala e, ao não ver mãos erguidas, apenas juntou os papéis que estavam à sua
frente e bateu na mesa para alinhá-los. - Ótimo, e não esqueçam da reunião de pais e mestres na semana que vem.
Dispensados.

O tumulto tomou conta da sala, todos se separando em seus determinados grupos ou apenas correndo em direção a
máquina de café.

Ele permaneceu sentado, assim como Sana, que se inclinou para a frente e apoiou as duas bochechas nas palmas
das mãos, olhando diretamente para ele. Ela provavelmente estava pronta para trazer à tona o assunto sobre a
estranha distração do amigo durante a última semana inteira, mas foi interrompida com uma pergunta.

- Jimin está morrendo e você ignorando ou o quê? - Jeon ergueu a sobrancelha.

- Ele foi escroto e eu estou mantendo distância pelo bem da minha saúde mental, apenas isso - Sana respondeu,
deslizando o dedo na tela do celular sem nem mesmo olhar para ele, para rejeitar mais uma chamada - Mas me fale
sobre você, parece que foi atropelado por um caminhão umas quinze vezes.

- Eu estive pensando sobre umas coisas e é só isso. Pensando demais em coisas que eu não deveria pensar e de um
jeito que definitivamente é incorreto demais. - Ele suspirou, passando os dedos entre os cabelos. Sana ergueu uma
sobrancelha. - Acho que preciso de um tempo para colocar os pensamentos em ordem, estou pensando em tirar uns
dias para visitar meus pais.

Sana fez uma careta. As coisas só podiam estar esplendidamente desastrosas se ele estava considerando visitar os
pais como uma espécie de descanso. O que a deixou em dúvida, já que fazia dias que ao que ela podia notar, ele e
Taehyung estavam se dando bem.

Era comum ver os dois rindo quando Kim deixava Jeon e Mi Sun na escola pela manhã e também quando os buscava
na saída. A menos que tivessem discutido seriamente na noite anterior, ela não sabia o que poderia causar aquele
abatimento repentino de seu amigo.

- Abre o jogo, JK, o que tá acontecendo? - perguntou ela, com total preocupação. Ele mordeu o lábio e negou com a
cabeça, sem olhar nos olhos dela pois Sana com certeza saberia de tudo se visse os olhos dele.

A tela do celular dela acendeu mais uma vez. Ele foi tomado por aquela irritação que fez com que agarrasse o
aparelho e atendesse a chamada.

- Porra, Jimin, tu é chato né? - resmungou ele, pressionando o aparelho contra a orelha.
Sana exibiu os dentes, irritada, tentando pegar o aparelho das mãos dele, mas Jungkook segurou o pulso dela e se
afastou um pouco.

- Eu já liguei oitocentas e noventa e nove vezes e vou continuar se ela não atender a merda do celular! Onde ela está
dormindo afinal? Eu fui até o apartamento dela vinte e três vezes e ela não estava em casa! - Jimin disse do outro
lado, um pouco irritado. Jeon revirou os olhos - Eu não durmo há três dias, passa o telefone!

- Você tentou enviar um SMS? - Jungkook perguntou, segurando o pulso dela com firmeza e tentando evitar que Sana
pegasse o celular.

- Enviei mais de duzentos. Olha, eu realmente fui um idiota, mas ela é minha amiga, eu não quero que as coisas
fiquem assim. Eu não terminei de assistir Wandavision porque prometi ver com ela e a curiosidade está me matando!
Sabe quão difícil é fugir dos spoilers na internet? - Ji disparou - Só me deixa falar com ela.

- Sério que tudo isso é só por causa de uma série idiota? Assiste sozinho, cara! - O moreno revirou os olhos. - Acho
que você já devia ter percebido que ela não quer conversar agora. Sabe como a Sana é quando fica emburrada, ela
vai te ignorar por algumas semanas, mas depois tudo volta ao normal. Agora se nos der licença, estamos no meio do
nosso expediente. Te vejo por aí, Ji, tchau.

- Não se atreva a desligar essa merda, Jeon, eu juro que vou até essa escola e... - Jungkook não lhe deu tempo de
terminar, desligou e em seguida desligou o celular sem a menor cerimônia.

Sana já tinha se sentado, cruzando os braços, irritada por Jeon ter feito aquilo sem lhe questionar.

- Problema resolvido. Mas você vai ter que ir ao aniversário da minha filha daqui a dois dias e ele vai estar lá, não vai
poder se trancar no banheiro então seja adulta e manda a real pra ele. Parecem criancinhas do fundamental, por
Deus! - Jungkook revirou os olhos, deslizando o celular sobre a mesa em direção a ela. - O que rolou afinal?

- Jisoo foi até o apartamento dele. Ela disse umas merdas sem noção e eu acabei ouvindo porque tinha ido buscar
meu brinco e no final de tudo ele gritou comigo como se eu tivesse alguma culpa. Sinceramente? Esse é exatamente o
tipo de amizade que minha mãe mandou evitar. - Ela bufou. Em seguida apontou a si mesma e Jungkook. - Não é
como nós, sabe? Você me ouve e eu te ouço e nos ajudamos mutuamente. O Jimin passa o tempo todo falando dos
problemas dele como se ele fosse a única alma no mundo inteiro que sofre por alguma coisa. Eu juro que se ouvir o
nome da Jisoo mais uma vez vou acabar explodindo.

- Mantenha distância se acha que está ruim, mas deixe claro pra que ele não detone a bateria do seu celular te ligando
oitocentas vezes por dia - Jeon disse - Ou só bloqueia o número dele.

Ela respirou fundo e afundou na cadeira.

- Ele vai desistir, eventualmente. E depois disso ele provavelmente vai levar o Taehyung para uma sessão torturante
de conversas sobre como ele ama a Jisoo e absolutamente ninguém no mundo consegue entender como é amar
alguém que não sente o mesmo. Jimin não se importa comigo, ele só quer alguém que ouça ele. Que se foda, eu não
ligo. - Sana apertou o rabo de cavalo e cruzou os braços novamente, olhando para Jeon e determinada a arrancar dele
o que lhe interessava. - Mas voltando ao assunto: o que aconteceu?

Jungkook não sabia como explicar aquilo sem parecer mais extremo do que provavelmente era. Dizer que achava que
Taehyung estava o atraindo de uma forma inegável na cabeça de Sana acabaria sendo mais como: minha nossa, ele
está perdidamente apaixonado.

O que não era uma verdade absoluta. Jungkook não sentia que estava apaixonado. Ainda.

- Talvez eu esteja reparando demais em algumas coisas idiotas sobre o Taehyung e isso está se tornando perigoso. -
Ele juntou as mãos sobre a mesa, com a seriedade de quem ia defender um TCC. Sana mantinha os olhos bem
abertos e fixos nele, de forma que Jungkook quase conseguia ver as engrenagens girando na cabeça dela.

- Coisas como... - Sana moveu a mão, pedindo mais informações para concluir seu julgamento.
Jeon mordeu o lábio, estreitando os olhos e movimentando a cabeça de um lado a outro tentando achar uma forma
menos suspeita de dizer aquilo.

- Sabe quando a gente é criança? Quando olhamos para alguém que normalmente é bem mais velho e criamos um
cenário em nossas mentes onde aquela pessoa seria perfeita para você só que devido às circunstâncias até imaginar
aquilo é tolice? - ele perguntou. Viu o rosto de Sana cair em uma expressão de reflexão profunda, por uns segundos
viu sua amiga tentando entender e em seguida lhe olhou nos olhos e assentiu.

- Deixa eu tentar adivinhar. - Ela tomou fôlego, sabendo que não era o momento certo para piadinhas e provocações.
Ela faria aquilo mais tarde, com certeza, mas por enquanto, seria compreensiva. - Kim Taehyung está se tornando um
pouco mais importante do que você esperava.

- Eu não quero isso, Sana - replicou ele - Eu juro que não quero, por quarenta e nove motivos diferentes. Prometi a
mim mesmo que chegaria a cinquenta porque você sabe que eu tenho agonia com números quebrados.

- Você não tem que se sentir mal por isso, não é o fim do mundo se sentir atraído por alguém. Ninguém precisa saber,
prometo que não vou contar. - Ela sorriu.

- Por isso acho que preciso me afastar um pouco. Para evitar que passe dos limites aceitáveis. - Jeon mordeu o lábio.
- Você entende, certo?

Ela suspirou e assentiu.

- Só se certifique que já não é tarde demais para evitar - disse Sana. E Jungkook sentiu um frio na espinha, porque ele
definitivamente não sabia se dava tempo de evitar o que quer que estivesse acontecendo.

❁❁❁

- É verdade que você chamou o Jihoon para a sua festa? - perguntou Lia, extremamente focada na amiga.

Mi Sun olhou em direção ao homem que estava terminando de escrever um texto gigantesco no quadro e em seguida
colocou o dedo indicador contra os lábios em um pedido desesperado por silêncio.

- Fica quieta! Meu appa vai te ouvir! - sussurrou ela, olhando de esguelha. Às vezes era realmente perturbador ser
filha do professor - Mas sim, eu convidei. Você não imagina como estou animada, Lia! Vai ser incrível!

- E se seus pais descobrirem que você gosta dele? - Hyunki interveio, com um olhar assustado por trás dos enormes
óculos que faziam seus olhos parecerem bolitas enormes. - Vai ficar de castigo de novo.

- Não vão descobrir se vocês não contarem! - Mi Sun soltou o lápis e juntou as mãos, olhando para Jungkook
novamente, antes de voltar a cochichar com seus amigos. - E vocês precisam me ajudar, não vou dar conta sozinha
de cuidar de todos os pombinhos apaixonados.

- Como assim? - Hyunki perguntou.

- Eu vou garantir que meus appas vejam que somos uma boa família juntos. Quero que os dois se apaixonem, e eu
acho que não vou precisar me esforçar muito. Tinham que ter visto... - Ela mais uma vez olhou para Jungkook para
certificar que não estava sendo ouvida. - O jeito que os olhinhos deles dois brilhavam quando estávamos assistindo 'O
estranho mundo de Jack', eu nem consegui prestar atenção no filme!

- Pensei que o professor Jeon tinha te garantido que ele e seu appa Taehyung não vão nunca ficar juntos desse jeito -
Lia lembrou.

- Mas adultos não gostam que a gente saiba da verdade. Vocês vão ver. E também preciso ajudar meu amigo Yoongi,
ele tem um crush no professor de língua dos sinais do instituto - Mi Sun ergueu um dedinho para sua listagem. -
Também estou pensando em como seria adorável encontrar alguém para o meu tio Nam, ele é tão sozinho às vezes.
E se o tio Jin...
- Você quer comemorar seu aniversário ou brincar de cupido, Mi Sun? - Hyunki riu, cobrindo a boca.

- Vocês precisam admitir que é muito fofinho ver casais apaixonados. Preciso pensar no tio Ji, ele fica tão tristinho já
que a garota que ele gostava vai se casar com a Jennie. - Ela suspirou entristecida. - Precisamos trabalhar muito,
vocês prometem que vão me ajudar?

Os irmãos se olharam e suspiraram profundamente antes de assentirem.

- Quero vocês três de bico fechado ou eu vou mandá-los para a sala da diretora! - Jungkook disse, sem se dar ao
trabalho de se virar para olhá-los. Os três se arrumaram na mesma hora, mas com seus sorrisinhos cúmplices.

❁❁❁

Ele estava no quintal há um bom tempo, sequer saberia dizer quanto. A brisa fresca tinha cheiro de terra molhada,
sinal deixado pela garoa que tinha caído algumas horas antes. O céu estava coberto de estrelas, surgindo entre as
nuvens.

O telescópio de Mi Sun tinha dado problema há algumas semanas e ele estava tentando trocar aquela engrenagem,
mas o manual de instruções estava na íntegra em mandarim e inglês, o que exigia o esforço de usar o tradutor para
boa parte do trabalho.

Ele colocou o olho na lente, conseguindo ver as estrelas, mas sem a imagem estar completamente ajustada. Girou a
chave de fenda que estava usando para mover a engrenagem e viu aos poucos a visão clarear.

Sorriu com orgulho de si mesmo por ter encontrado o problema.

Ouviu a porta de correr que dava acesso à varanda dos fundos abrir e fechar em seguida. Pensou que Taehyung já
estivesse dormindo há horas, e foi uma surpresa vê-lo ali, já de pijama e parecendo muito acordado.

- Eu assinei o bilhete, mas não entendo bem o motivo de eu precisar ir na reunião de pais e professores já que você é
pai dela também e vai estar lá - disse o loiro.

- Eu vou estar ocupado cobrindo o papel de professor, preciso ser imparcial - respondeu Jeon, se inclinando mais em
direção a pequena abertura no telescópio para mexer na peça solta - E também, agora não sou obrigado a aguentar
sozinho as mães solteiras caindo em cima de mim.

Ele queria manter um pouco de distância, queria manter todos os diálogos o mais casuais possível, mas havia aquela
parte de sua consciência e o cutucando e o lembrando de que ele definitivamente sabia que o que estava sentindo,
aquele sentimento que existia em seu coração sem a menor sombra de dúvidas, era a coisa mais errada que já tinha
sentido na vida.

- Está me forçando a ir porque não aguenta as mulheres dando em cima de você? - Taehyung cruzou os braços, com
seu típico olhar arrogante.

Jeon olhou para ele, levantando a chave de fenda em direção a Taehyung.

- Falou o cara que entrou em pânico quando a Sana tentou dar em cima de você - retrucou Jungkook.

- Não me irrita, pirralho! - Taehyung rebateu.

O moreno riu, sacudindo a cabeça e voltando a prestar atenção nas engrenagens. Só precisava colocar o parafuso de
volta no lugar agora e apertar ao máximo.

Taehyung o observou, com toda a atenção. Ele não queria admitir ainda, talvez uma parte sua ainda pensasse em
Jiayu com tanta frequência que parecia uma ofensa se deixar levar por aquele devaneio.

Ele queria que as coisas fossem diferentes e talvez assim, ele não fosse ter tanto medo daquele sentimento tão
errado.

- Você pode olhar aqui e me dizer quando a imagem ficar bem nítida? - Jeon pediu, apontando o telescópio.

Taehyung assentiu rapidamente, se inclinando e colocando o olho na lente. Seus olhos captaram a imagem já nítida,
apenas um pouco distante, do céu estrelado acima deles. O moreno começou a apertar o parafuso solto, a
engrenagem girou um pouco, deixando ainda mais nítida a visão que Taehyung tinha das estrelas.

- Você deve ter pago uma fortuna nessa coisa - disse Taehyung. Jungkook deu de ombros. - Está bem nítido agora.

- Foi caro, mas valeu a pena, a Mi Sun ama ficar olhando as estrelas. Ela achou um mapa na internet e fica
procurando as constelações. Peça para te mostrar um dia desses. - Jungkook sorriu. Era realmente um refresco para a
alma ouvir Mi Sun falando sobre qualquer assunto. Ele podia passar horas a fio ouvindo a menina sem se cansar.

- Ela me mostrou a lua de perto esses dias, é realmente incrível - disse Kim, se afastando do telescópio e olhando
para o céu para tentar notar a diferença. Pela lente, pareciam haver mais estrelas, talvez fossem aquelas mais
distantes que seus olhos não conseguiam captar.

Jungkook soltou a chave de fenda novamente na caixa depois de terminar e parou ao lado de Taehyung,
acompanhando o olhar dele para o céu.

- Você não devia estar dormindo? Já é bem tarde - disse Jeon, o cutucando com o ombro.

- Eu não conseguia dormir. - Taehyung não desviou os olhos do céu nem por um segundo. Apoiou as duas mãos na
madeira velha do cercado da varanda.

- Finalmente eu cumpri minha meta e estou conseguindo atormentar você até em sonhos? - perguntou Jeon,
igualmente se apoiando ao lado dele e observando o loiro com atenção desmedida.

Taehyung riu. Isso estava se tornando mais frequente e muito reconfortante. A risada dele tinha uma entonação que
lhe causava arrepios e a forma como os olhos dele se estreitavam era a forma como Jungkook conseguia diferenciar
as risadas verdadeiras.

- Você é um idiota - Taehyung resmungou, olhando o céu. Ele suspirou, permanecendo em silêncio por um tempo.
Não era mais desconfortável. Na maioria das vezes quando ambos estavam calados as coisas simplesmente se
tornavam como um momento doce de conforto. - Eu só estava pensando sobre as mesmas coisas de sempre.

- Oh, você diz sobre aquilo com sua mãe biológica? - perguntou Jungkook.

- Ela, Jiayu... todo o resto da minha vida. Eu não sei bem o que fazer com esse sentimento. Você já passou por isso?
Sentir que só machucou as pessoas em sua vida - sussurrou o loiro, como se aquilo fosse um segredo e não
estivessem apenas eles dois na varanda no meio da madrugada.

Jungkook ergueu a mão, pronto para colocar sobre a mão dele, mas abaixou em seguida e apertou a madeira com
força para se conter.

- Acho que você está olhando para o que quer ver. Você quer acreditar que só fez mal a todos porque isso sustenta
sua teoria de que é apenas um incômodo - Jeon respondeu. Um sorriso triste forçou em seus lábios. - Eu entendo
você. Sei que está passando por esse momento horrível em que pensa que tudo está desmoronando, mas você não
deveria se maltratar tanto. Você faz bem a muitas pessoas, tente pensar nisso.

O loiro manteve o olhar no céu, acompanhando com seu olhar as nuvens que se dissipavam aos poucos, dando
espaço a lua minguante que estava no alto do céu.

- Eu estou me sentindo melhor, mas ainda é difícil falar sobre isso e pensar sobre isso. Sabia que foi a primeira vez
que eu chorei desde que era criança? - Ele riu de si mesmo. - Eu achava que seria um fracote por chorar.

- Me disseram uma vez que é preciso coragem demais para chorar. Na época eu não entendi, minha mãe vivia
dizendo que seria um marica se chorasse, mas desde aquele dia comecei a ver diferente - Jeon disse, dando de
ombros. Taehyung sentiu um déjà vu com aquela declaração, mas não teve muito tempo para pensar a respeito já que
o moreno logo se aproximou o suficiente para colar o braço com o dele, o cutucando no processo. - Você chorar e
admitir que precisa de ajuda exigiu muito mais coragem do que guardar tudo isso para si mesmo, suponho.

Taehyung assentiu devagar. Jungkook estava próximo, a manga do moletom de Kim era fina suficiente para que ele
sentisse o calor do braço dele passando para o seu.

Jeon engoliu seco, notando como aquilo tinha sido uma péssima ideia.

- Você disse que nunca ouviu um "eu te amo" em toda a sua vida - Kim disse, o olhar carregado de curiosidade
descendo do céu direto para o rosto do moreno - Eu definitivamente não consigo acreditar nisso.

- Acha que eu menti? - ele ergueu uma sobrancelha.

- Não é isso. É que você parece o tipo de pessoa que é impossível não amar. - Taehyung riu de si mesmo assim que
disse aquilo. Ele era patético. O moreno sorriu.

Jungkook estava perto e ele conseguia sentir aquela energia caótica que parecia circular ambos sempre que se
aproximavam. Como um mini agente do caos perambulando em suas mentes e colocando nelas os pensamentos mais
absurdos.

Era possível ouvir, talvez a quilômetros, o ritmo descompassado que reinava no peito deles naquele momento.

Taehyung não compreendia nem metade do que se passava consigo, ele não compreendia como poderia algo tão
confuso despertar uma sensação tão boa. Era complicado de explicar, mas ele achava aquele perigo todo um pouco
excitante.

- Sabia que eu morria de medo de você assim que perdemos a Jiayu? - Jungkook decidiu olhar o céu, já que as
estrelas pareciam menos perigosas do que os olhos de Kim Taehyung. Ele ouviu aquela mesma risada que lhe
causava inúmeras sensações e sorriu apenas em escutar aquilo. - É sério. Eu mal dormia pensando em como seria
quando você voltasse. Como você poderia simplesmente me expulsar da vida dela sem se importar com mais nada.

Ele olhou para o lado. O rosto de Taehyung estava mais perto do que jamais esteve, ele podia ver com clareza apesar
de ser noite, cada traço delicado do rosto dele. Era um homem que conseguia atingir dois extremos em menos de um
minuto. Às vezes Taehyung parecia delicado e às vezes, era sexy de matar, isso tornava ainda mais difícil a existência
de Jungkook.

- Acho que nunca agradeci por me deixar ficar. - Ele esperou que Taehyung o olhasse nos olhos. O olhar intenso do
loiro o fez avistar além do que estava ali diante dele. Ele conseguia ver, nos olhos que ainda pareciam cheios de dor,
um certo desafio e um obstáculo, como uma placa enorme de perigo estampada ali. - Obrigado, Taehyung.

Taehyung olhou para o braço que ele apoiava na madeira, os músculos tensionados com a força que ele aplicava para
apertar o cercado. Os desenhos estavam ali, atraindo sua atenção como sempre, chamando por ele e despertando em
Taehyung a vontade de tocar.

E de ser tocado.

Há anos ele não sentia aquela vontade avassaladora, a sede pelo calor humano, algo capaz de consumi-lo. Bastou
apenas um movimento rápido e sua mão pequena estava sobre a mão de Jeon, sentindo a forma como ele aliviou de
imediato a pressão na madeira.

- Sou eu quem agradeço por ter ficado. Mesmo depois de tudo - Kim replicou.

Jungkook olhou por alguns segundos para a mão dele sobre a sua. Ele respirou fundo e Taehyung não moveu um
músculo quando o moreno virou a palma da mão para cima para encaixar seus dedos nos dele.
Taehyung pensou em se afastar, mas aquele formigamento que sentiu enquanto, muito lentamente, Jungkook pegava
em sua mão sem medo de que aquele gesto se tornasse óbvio e muito claro, o impediu de sequer cogitar se afastar.

Jungkook puxou a mão dele para longe do cercado de madeira, para facilitar a aproximação, que roubou todo o ar de
Taehyung.

Ele não negaria mais, nem para si mesmo, ou qualquer pessoa que perguntasse, que Jeon Jungkook abalava todas as
suas estruturas. Aquele moreno irritante, conseguia deixá-lo aéreo e sem fala de uma forma que mais ninguém
conseguia.

Taehyung olhou para ele. Jeon sorriu brevemente, soltando sua mão ao interpretar o olhar assustado de Taehyung
como um alerta para se afastar.

- Eu vou me deitar, boa noite... - Ele deu um passo para se afastar, mas Taehyung colocou a mão quente em volta de
seu braço, o puxando de volta rapidamente.

- Espera, eu... não te dei... - Ele pigarreou, ao notar que a voz havia falhado. Colocou a mão dentro do bolso da calça
do pijama e puxou o pedaço rasgado de uma folha de caderno, estendendo em direção a Jeon com as duas mãos.

Jungkook riu.

- Ainda vamos trocar bilhetinhos por quanto tempo? - perguntou ele.

- Só para não perder o costume - Taehyung retrucou.

Jeon estendeu a mão para pegar o bilhete, deslizando a ponta dos dedos na mão de Taehyung propositalmente e
vendo ele prender a respiração.

Era mútuo. Mesmo que aquilo contrariasse qualquer teoria inicial de Jungkook, ele soube naquele instante que o
mesmo que estava brincando com ele, também fazia o mesmo com Taehyung.

Ele olhou direto para os olhos de Kim, os olhos dele eram os únicos que jamais proferiam mentiras.

Taehyung estava olhando para ele, mordendo o próprio lábio avermelhado e ponderando sobre algo.

Ele estava um caos completo, destroçado como nunca e queria que aquela coisa sumisse para ele não precisar fazer
qualquer coisa que fosse machucar Jungkook no futuro. Pois ele sabia quão destrutivo era e percebeu que não queria
que Jungkook provasse quão desolador ele era.

E aquilo era errado. Olhar para a boca do homem que se casou com sua ex-mulher, do homem que amou e esteve
com a mãe de sua filha da mesma forma que ele, parecia violar no mínimo umas vinte regras de conduta e ética.

- Taehyung, você... - Jeon não teve o menor tempo de falar qualquer coisa, já que naquele mesmo instante, Taehyung
esticou os pés, cortando a mínima distância de altura e pressionou os lábios contra os dele.

O peito de Jungkook estava prestes a explodir, já que aquilo parecia estar acontecendo dentro de algum sonho, mas
ele conseguia sentir quão real era. A boca macia se moveu minimamente contra a sua e ele queria fazer algo a
respeito, mas estava paralisado.

Taehyung se afastou com a mesma rapidez que agiu, mantendo o rosto perto dele. Seu nariz tocou o de Jeon e seu
rosto ainda estava tão perigosamente perto que era torturante. O loiro abriu bem os olhos, mordendo o lábio e pisou
totalmente no chão novamente, percebendo tardiamente o que tinha acabado de fazer.

Ele definitivamente não planejou ou pensou sobre, apenas fez, e isso com certeza tinha sido uma besteira das
grandes.

- Ah meu Deus, me desculpe por isso! Eu juro que... - Ele se afastou bruscamente, foi só então que Jungkook lembrou
de respirar e piscar. Ele definitivamente estava perdido. Taehyung tapou a própria boca e apontou o interior da casa. -
Eu acho que preciso dormir, já estou delirando. Foi o sono, eu juro!

Jungkook ignorou o que estava sendo dito, movido pelo próprio desejo e a ganância. A verdade era que ele tinha
provado algo maravilhoso e não estava contente em ter apenas uma parcela daquilo.

Ele se aproximou, com velocidade feroz, colocando novamente seu rosto próximo de Taehyung, ameaçando de
acabar com a distância mínima entre suas bocas, mas sem se mover.

Apenas a respiração irregular e o olhar apavorado de Taehyung lhe disseram que ele estava com medo. Era difícil,
com toda a certeza. Eles provavelmente se dariam conta da gravidade daquilo apenas pela manhã e seriam
atormentados pelo peso de uma realidade onde aquilo que estavam fazendo era uma tremenda loucura.

Jungkook o beijou novamente, desta vez foi lento e correspondido de imediato. A boca de Taehyung era a oitava
maravilha do mundo, isso se ele não fosse ousado em dizer que era a primeira. Quando aprofundou o beijo, de forma
que lhe foi permitido provar cada canto daquela boca, ele se sentiu no paraíso.

E diferente daquele primeiro selinho rápido e assustado, Jungkook se permitiu tocá-lo, levando as mãos para segurar
o rosto do loiro. Taehyung arcou quando sentiu o toque contra suas bochechas, da mesma forma como no dia que
Jeon o acalentou enquanto chorava.

Ele estava entrando em combustão, sentia o peito doer e não conseguiria dizer se era a falta de oxigênio ou outra
coisa, mas era uma queimação tão boa que o anestesiou.

Taehyung passou as mãos pelos braços de Jungkook, até chegar em seus pulsos e pousarem ali. O mais novo se
afastou um pouco, respirando fundo, mas o mantendo tão perto que era quase um aviso de que aquilo não havia
acabado.

Estava a caminho de pegar a boca dele com a sua novamente, querendo prolongar aquilo ao máximo possível,
quando ouviu um barulho que atraiu o olhar dos dois de imediato.

Na mesma posição onde estavam, com seus corpos quase se fundindo um ao outro e as mãos do moreno no rosto de
Kim, eles avistaram o maior de seus problemas.

Através do vidro da varanda, conseguiram ver Mi Sun, tentando erguer o abajur que tinha acabado de derrubar. Os
dois se sentiram amortecidos e não conseguiram se mover, os olhos da menina não desgrudavam deles.

Mi Sun juntou as mãos nas costas, mantendo os lábios bem unidos em uma linha que estava querendo se curvar em
um sorriso sapeca.

- Puta merda! - Taehyung resmungou.

Don't Leave Me
❝Antes que isso venha à tona, eu quero saber tudo
Quanto mais o tempo passa, mais isso fica profundo
Estou entre seu passado e seu futuro agora❞
(Don't Leave Me - BTS)

❁❁❁

A tensão era palpável no ar e talvez estivesse tão evidente quando o silêncio, que reinava na casa desde a noite
anterior. Era constrangedor e um pouco perturbador, os únicos sons ouvidos eram da colher batendo no fundo da
xícara.

Mi Sun, que estava radiante de alegria e não parava de sorrir nem por um único momento, estava apreciando aquilo
como se não fosse a maior tortura dos dois homens que estavam com ela em volta da mesa do café da manhã.

Ela nem precisou mover os pauzinhos, os dois caíram como dois patinhos e ela sequer tinha começado a trabalhar.

- Vocês... - ela tentou mais uma vez.

- Quer mais bolo, joaninha? - Taehyung a interrompeu. Os dois tinham feito aquele jogo desde o momento em que ela
os pegou na varanda. Sempre que Mi Sun estava prestes a mencionar o ocorrido, um deles fazia a tarefa de perguntar
sobre outra coisa e mudar de assunto drasticamente, agindo como se nada tivesse acontecido e ela não tivesse
presenciado tudo.

- Eu estou bem appa, mas...

- Você já arrumou sua mochila? - Jungkook interveio em seguida. Ela bufou, um pouco impaciente.

Taehyung estava se escondendo por trás da xícara, ele definitivamente não queria olhar para Jungkook já que estava
com tanta vergonha que queria se enfiar em qualquer buraco e permanecer lá eternamente.

- Aigoo! Por que vocês não querem me contar que estão namorando? - Mi Sun disse, indignada.

Taehyung engasgou, sentindo o café subir pela garganta e quase sair pelo nariz. Jungkook arregalou os olhos um
pouco assustado, não saberia dizer se era por Taehyung quase tendo um ataque ou pelo que a menina disse.

Kim cobriu a boca e bateu no próprio peito para desengasgar. Ele finalmente teve coragem de olhar para o moreno e
sinalizar desesperadamente para que ele dissesse qualquer coisa já que ele estava ocupado tentando evitar a própria
morte.

Jungkook respirou fundo.

- Nós não estamos namorando. E você não deve comentar esse tipo de coisa com ninguém. Tem certos assuntos que
você não deve se meter. É entre Taehyung e eu e nós resolvemos - Jeon disse, com o máximo de delicadeza
possível.

Mi Sun suspirou, apoiando tristemente a bochecha na palma da mão. Jungkook mordeu um biscoito, estava sendo
difícil engolir a comida mas ele precisava se esforçar já que passaria um dia inteiro em uma sala cheia de crianças e
precisava de energia.

- Eu ia aproveitar para pedir um irmão - Mi Sun resmungou.

Foi Jungkook quem engasgou desta vez, sentindo a garganta se fechar em volta do maldito pedaço de biscoito.
Taehyung, que desde a noite anterior ainda não tinha assumido outro tom de pele que não fosse cor de rosa,
arregalou os olhos assustado, se perguntando se deveria ajudar.

Mas Jungkook conseguiu, com um gole grande de café, fazer tudo descer pela garganta. Mi Sun olhou para os dois,
estavam tão atordoados que dava pena.

- Eu acho que você devia ir pegar suas coisas, vocês vão se atrasar - Taehyung disse, puxando com leveza o braço
da filha para fazê-la se levantar - Vai lá, vai. Espera seu pai no carro.

Ela não hesitou em obedecer, com um olhar confuso e um pouco assustado. Por qual motivo os dois estavam tão
alarmados? Aquilo não era uma coisa esplendidamente maravilhosa?

De forma lenta e um pouco desconfiada, Mi Sun deixou a cozinha. Jungkook ainda estava tossindo, com os olhos
lacrimejando e um pouco irritado com os biscoitos.
Nenhum deles conseguiu dormir de fato a noite toda.

Taehyung tinha se culpado, como sempre fazia, por ter sido tão impulsivo e imprudente. Ele sequer sabia como
chegou a aquilo afinal, talvez só tenha se dado conta quando já estava tocando a boca de Jeon com a sua.

Era absurdo e inimaginável e ele definitivamente queria sumir.

Sua mente continuava repetindo a cena, várias e várias vezes e junto sempre vinha aquele arrepio que o fazia ficar
ainda mais confuso e perdido. Se tinha sido impulsivo e errado, por qual razão ele gostava de se lembrar?

- Eu vou sair com o Jimin hoje, você pode levar o carro, eu não sei que horas vou voltar - o loiro disse, segurando a
xícara com as duas mãos para certificar que não fosse ficar evidente que estava tremendo.

Jungkook olhou para ele, assentindo mesmo que os olhos de Taehyung estivessem totalmente fixados na xícara.

- Eu vou sair com a Sana a noite, você se importa de ficar com a Mi Sun? - perguntou Jungkook.

Ele definitivamente não foi impulsivo em momento algum. Talvez tenha sido irresponsável, mas não era como se não
estivesse pensando naquilo há algumas semanas. Taehyung fez por impulso, ele fez por vontade, e era ali que se
encontrava o problema.

Jeon tinha uma leve noção de que o que Taehyung fez podia ser apenas uma carência desmedida, uma vontade
desesperada pela atenção e afeto que ele não tinha há muito tempo.

Mas e quanto a ele?

Qual seria sua desculpa se ele já tinha pensado naquilo tantas vezes que seu ato poderia ser considerado
premeditado?

- Sem problema, eu vou terminar de organizar as coisas para a festa dela já que vamos sair amanhã de manhã -
Taehyung disse.

Silêncio. Eles podiam sentir a tensão um do outro e aquilo era um pouco torturante.

- Eu preciso ir - Jungkook se levantou. Taehyung fez o mesmo, apenas por costume.

Jungkook precisava passar por ele, então resolveu fazer disso, algo rápido. Ele tinha um plano traçado, passar por
Taehyung, andar rápido até o carro e se esconder na escola o quanto pudesse.

- Não esqueça de me avisar que horas vai sair com a Sana - Taehyung disse, colocando as mãos nos bolsos traseiros.
Jungkook assentiu, com um sorrisinho nervoso e forçado. Taehyung apoiou as duas mãos na cadeira, prendendo o
próprio lábio entre os dentes e atraindo o olhar de Jungkook que infelizmente se lembrava exatamente da textura da
boca dele, para infelicidade própria. - Tenha um bom dia.

- Você me tem... digo, você também. - Jeon fechou os olhos com força, praguejando mentalmente. - Bom dia,
Taehyung.

Ele basicamente correu em direção a porta, passando por Taehyung com uma velocidade descomunal. O loiro sentiu o
cheiro marcante do perfume dele e prendeu a respiração, porque aquele perfume o levava novamente à memória viva.
Não um sonho maluco, uma imaginação ou alucinação.

Uma lembrança real, e isso era assustador.

❁❁❁

- Você está escondendo alguma coisa de mim? - Jimin perguntou. Estava desconfiado desde o momento que buscou
o amigo na casa dele e Taehyung não parecia se esforçar muito para esconder que estava basicamente tendo uma
crise de nervos.
Os olhos dele se arregalaram de forma apavorada, como se Ji conseguisse ver todos os seus pecados.

- Não, por que você acha isso? - perguntou, abaixando a cabeça para olhar os rolos de tecido.

Já que Mi Sun e Jungkook tinham suas fantasias prontas, restava a ele dar conta da sua e como os dois tinham
deixado bem claro, se Jungkook seria Jack Esqueleto e Mi Sun seria Zero, só lhe sobrava Sally. Ele não se imaginava
em vestidos e por isso resolveu adaptar tudo à sua forma, o que o levou até aquela loja com a mente cheia de ideias,
que se perderam facilmente entre as memórias da noite anterior.

Ficar repetindo aquilo em sua mente estava sendo uma tortura.

- Você está histérico. Tudo isso é pela festa da Mi Sun? - Jimin puxou o tecido colorido e fez uma careta para a
estampa.

- Eu beijei o Jungkook ontem - Taehyung soltou.

Não queria sair espalhando, mas ele definitivamente precisava de um conselho e aquilo estava o matando. Tinha
plena certeza que Sana ficaria sabendo assim que Jeon saísse com ela a noite e isso aliviava a coincidência. As
únicas pessoas com quem Sana e Ji poderiam comentar aquilo era um com o outro e como estavam afastados devido
a algo que Taehyung definitivamente não sabia o que era, seu segredo estava a salvo.

Os olhos de Jimin se abriram tanto que pareciam prestes a pular das órbitas. Ele olhou para seu amigo, certificando
que ele tinha realmente dito aquilo e não era um fruto estranho de sua imaginação fértil.

Taehyung o olhou de esguelha, braços cruzados e a unha presa entre os dentes com a maior cara de culpado que Ji
tinha visto em toda sua vida.

- Como diabos chegou a isso? Vocês queriam se envenenar até alguns dias atrás! O que foi que eu perdi? - Jimin
resmungou alto demais.

- Você pode falar baixo? Não quero que a cidade inteira fique sabendo! - Taehyung ralhou, entredentes. Ele tomou
fôlego, decidindo que a expressão de confusão no rosto de Park era suficiente para dar sua explicação. - Eu não
pensei muito sobre isso, só fiz.

- Claro que não pensou, se tivesse pensado não teria feito, eu te conheço! - Ji se apoiou nos tecidos e colocou a mão
no peito. Aquilo era demais para seu coração frágil. - Porra, Taehyung! Eu ainda não consigo entender como isso
aconteceu.

- Eu não sei, tá legal? Eu só estava lá e ele estava lá, ele segurou a minha mão e minha cabeça ficou em branco e
quando eu dei por mim, nós estávamos nos beijando na varanda com a Mi Sun de platéia! Foi sem querer. - Taehyung
moveu as mãos de forma nervosa.

Jimin gemeu de frustração.

- A Mi Sun viu? - ele choramingou. Taehyung respirou fundo e assentiu - Que droga, Taehyung!

- Eu estava tentando encontrar qualquer desculpa lógica para o que eu fiz e definitivamente não tem nenhuma, Jimin!
Normalmente não faço nada por impulso, você me conhece. - Taehyung apoiou a testa em um rolo de tecido, tentando
respirar fundo e se acalmar, mas estando a beira de uma crise de pânico. Ele praguejou baixo antes de respirar. - Eu
não sei o que ele fez comigo, mas isso é torturante.

Jimin respirou fundo, deixando um sorriso brincar nos lábios.

- Você gostou? - perguntou ele, provocativo. Taehyung virou o rosto apenas o suficiente para lhe lançar o mais mortal
dos olhares e em seguida fechou os olhos novamente, continuando com a testa colada contra o tecido para esconder
o rosto. - Só estou analisando a situação.

- Não sei - Taehyung resmungou - Eu não... olha, sendo sincero mesmo, não posso me queixar, Jungkook é bom no
que faz.

- Eita! - Jimin riu.

- Só que eu nunca tinha sentido vontade de beijar ou tocar qualquer pessoa desde a Jiayu. Não é um problema ele ser
homem, acho que eu definitivamente percebi que não ligo pra isso, só... - Ele gemeu de frustração. - De tantas
pessoas no mundo inteiro.

Ele não conseguia enxergar nada a respeito daquilo, tudo parecia coberto por uma névoa densa que tornava muito
difícil entender o que de fato se passava. Não queria se precipitar e dizer que era uma paixão e nem menosprezar
dizendo que não era nada.

Era algo indefinido.

- Você se sente atraído por ele, não é um pecado. Não significa que esteja apaixonado ou coisa do tipo, atração é a
coisa mais natural do mundo. - Ji deu de ombros, tentando tranquilizá-lo. - Jungkook é bonito, qualquer pessoa com
dois olhos que funcionam tem vontade de beijar ele. Você convive com ele, Taehyung. Está lá todos os dias, é natural
que vocês se aproximem e com isso vem outras coisas. Você não tem que se culpar.

Taehyung adoraria usar essa desculpa.

Dizer que sua carência, misturada a sua curiosidade e a proximidade de Jungkook resultaram em algo que tinha sido
única e plenamente carnal parecia tentador. Um beijo sem significado específico, um ato frívolo e desprovido de
qualquer outro sentimento.

Mas não era assim.

Ele sentiu algo. Quando o beijou e antes disso, todas as vezes que era tocado por ele havia algo diferente mesmo
antes de notar. Jeon talvez fosse o problema, a beleza e toda a gentileza, ou talvez fosse simplesmente inevitável.

- Não é isso. Eu convivi com mais de uma dezena de homens por três anos enquanto servia no exército, nenhum
deles era de se jogar fora e eu não me senti dessa forma. - Taehyung mordeu o lábio com força. - É ele, Ji. Jungkook
é a porra do problema.

- Você gosta dele? - Ji perguntou.

- Defina gostar - Taehyung replicou.

- Sei lá. - Ji se recostou contra a prateleira e respirou, olhando para cima reflexivo. - Você sente algo quando ele te
toca, como um formigamento, algo que te faz ficar com a cabeça embaralhada. E você gosta do sorriso dele e da
companhia. Você se sente bem em falar sobre tudo com ele e não esconde nada, nem mesmo as coisas mais
profundas.

Jimin respirou fundo, observando com os olhos distantes o movimento na loja. Ele sorriu um pouco, só de imaginar as
sensações, cada uma delas vindo viva a mente.

Taehyung fechou a mão com força, ouvindo seu amigo descrever aquilo que era tão familiar.

- E mesmo quando o mundo está desmoronando você se sente bem quando ele está ali em silêncio ao seu lado, só te
ouvindo chorar e sem exigir nada em troca. É um conforto sem igual - Ji continuou - Vai além do toque físico ou de
qualquer outra coisa, não é carnal. São os olhos dela...

- Você sente isso pela Jisoo? - perguntou Taehyung.

Ji piscou com força e sacudiu a cabeça.

- Quem? - perguntou ele.


Taehyung franziu a testa.

- Jisoo... sua ex, a mulher que ferrou sua vida - o loiro disse.

- Ah... sim, acho que eu sentia isso sim. Mas eu não sou a pauta aqui, você é - Ji o cutucou.

- Eu não acho que esteja apaixonado, sendo sincero, mas existe algo e eu prefiro não manter isso, se couber a mim
decidir. - Taehyung se afastou dos tecidos. - Jungkook é jovem e é bom demais para estar metido com isso. Eu acho
que vou dizer para ele esquecer o que aconteceu, assim ninguém sai machucado ou algo do tipo. Ele vai entender.

- Antes de qualquer coisa, acho que você deveria pensar se isso é realmente algo ruim - Park disse, com inocência.
Taehyung franziu a testa. - Um beijo pode não significar nada. Sexo pode não significar nada. Não são os atos que se
tornam significativos, são os sentimentos impostos neles. Se foi só curiosidade, beleza, passou e não é ruim porque
você matou sua curiosidade.

Ji traçou uma linha imaginária diante de si e deu um peteleco no ar, colocando a mão na cintura em seguida.

- Agora se em algum momento houve qualquer gota de sentimento, pode ser uma simples troca de olhares, Taehyung,
aquilo consome até a alma e não há como escapar - Ji disse - Então não é um beijo que vai definir ou não se isso é
perigoso. Você poderia sair transando com essa cidade inteira se quisesse e nada faria você se sentir como se sentiu
quando ele te beijou, entendeu? Se o beijo te fez sentir assim, é porque muito antes você já tinha sido tocado aqui
dentro.

Park tocou o peito dele com o indicador.

- E aí, meu amigo, só posso dizer que você está bem ferrado - ele piscou para Taehyung, que apenas manteve o olhar
severo e nada contente.

- Ajudou muito, Jimin, obrigado por suas pérolas de sabedoria. - Kim sorriu com sarcasmo e se afastou dele, batendo
os pés com força no chão para tentar abafar as batidas aceleradas do coração.

Taehyung estava começando a pensar que não tinha qualquer tendência a problemas cardíacos, e isso o assustava
mais do que um infarto.

❁❁❁

Ele não queria se pegar pensando naquilo, mas ali estava. O motor estava ligado, a noite tinha caído e Sana estava
atrasada, lhe deixando um bom tempo para refletir sozinho dentro do carro, que estava estacionado em frente ao
pequeno complexo onde a amiga vivia.

Ele girou em seus dedos a aliança dourada. Estava em perfeito estado, já que ele usou por pouco tempo no dedo
antes de tirar dali e pendurar naquela pequena corda que a mantinha em volta do pescoço o tempo todo.

Ele passava o dedo repetidas vezes sobre nome gravado no interior.

Song Jiayu.

Um anel que ele recebeu no altar, com a responsabilidade e a promessa de amá-la até que a morte os separasse,
sem a garantia de que receberia em troca o mesmo.

A morte os separou, ele a amou, mas Jiayu não.

Jiayu amou Taehyung e jamais pode amá-lo por ter entregue seu coração a ele.

E agora, Jungkook se via preso não nas memórias de Jiayu, não naquele amor que ela não pode lhe entregar, mas na
insistente lembrança do toque e do beijo do homem responsável por ele jamais ter recebido aquilo que tanto quis.

Parecia trágico e doloroso.


Ele não queria pensar sobre isso, pois se sentia culpado, um aproveitador.

Taehyung estava triste, confuso e deprimido, provavelmente tinha sido apenas um delírio que o levou a fazer aquilo
por carência. Jungkook agarrou a oportunidade e levou além do que deveria ter sido.

E teria ido mais longe, ele não pararia até que Taehyung lhe pedisse para fazer.

A porta do carro abriu, a mulher saltou para dentro, vestindo uma calça jeans, uma regata branca e uma flanela com
as mangas dobradas nos cotovelos. O homem olhou para a sapatilha colorida com uma careta. Ela tinha péssimo
gosto.

Jungkook enfiou a aliança no bolso rapidamente.

- Pronto, podemos ir. Você vai fazer rodeios ou vai ir direto ao ponto? - Sana perguntou, colocando o cinto.

- Por que acha que tenho algo a dizer? - perguntou Jeon com uma sobrancelha erguida.

- Da última vez que me convidou para ir ao cinema você queria me contar que estava apaixonado pela Jiayu e que
queria se casar com ela. Você literalmente me fez perder a despedida do Soluço e do Banguela para falar sobre amor
eterno e essas baboseiras, então se você estiver apaixonado por alguém é melhor abrir o bico agora, porque eu não
vou pagar uma fortuna em pipoca e ingresso para ouvir você falar de romance. - Ela teve que respirar fundo após falar
tudo sem nenhuma pausa.

Jungkook bufou, irritado, e girou a chave na ignição.

Tinha decidido não falar nada, deixar Sana sem saber daquilo como um castigo e consequentemente se poupar
daqueles conselhos que sempre envolviam um simples "amor só vai te ferrar, fique longe". Ele não precisava de
ninguém lhe dizendo o que fazer.

Essa decisão durou quatro minutos inteiros.

- Eu beijei o Taehyung ontem - ele soltou, mantendo os olhos na estrada apesar de enxergar com o canto dos olhos, a
reação completamente espantada e chocada da melhor amiga.

Sana cobriu a boca com a própria mão, apertando com força e deslizando no banco, os olhos arregalados por
completo e fixos na rua. Imóvel e calada, ela permaneceu assim por cerca de três placas de 'pare' e dois semáforos.

Era uma tortura.

- Você vai dizer alguma coisa? - perguntou o moreno.

- Existe algo a dizer? Digo... você beijou por beijar? Foi algo tipo "oh, nossa filha está dormindo, não tem nada de bom
na televisão, que tal se a gente se pegar sem compromisso?" ou foi tipo "leve meu coração, eu estou perdidamente
apaixonado. Vamos nos casar e ter mais cinco filhos"? - ela retrucou.

- Nenhum dos dois, foi mais tipo "boa noite, o clima está agradável não é mesmo?" E boom! Estávamos nos beijando. -
Jungkook bateu as duas mãos no volante.

- Vai dizer agora que foi sem querer? Você tropeçou e caiu na boca dele? Isso é o que, um dorama? - Sana abriu um
pouco o vidro para conseguir respirar ar fresco, havia dias em que seus amigos lhe davam náuseas.

- É a droga da minha vida, Sana - resmungou o moreno.

- Você gosta dele? - ela perguntou sem rodeios.

- Sim - Jeon respondeu - Não morro de amores por ele, mas definitivamente, eu sinto algo. É mais como... ele me
enlouquece, tá legal? Ele fica lá, com aquele meio sorrisinho no rosto e às vezes ele faz uma coisa que é tipo...

Ele fechou a mão e socou o ar com muito afinco.


- Ele meio que ergue a cabeça e inclina levemente para o lado, a mandíbula fica bem marcada e então ele me olha por
cima como se eu não valesse nada e sacode as sobrancelhas assim, isso me quebra! Eu tenho limites, Sana, não sou
de ferro. - Jungkook tentou fazer uma imitação, inclinando um pouco a cabeça para o lado, mas desistiu e apenas
respirou fundo, olhando a rua.

- Você está um pouco alterado - ela disse calmamente - Como ele reagiu quando você beijou ele?

- Ah, foi ele quem me beijou primeiro - Jungkook disse.

Sana assobiou.

- Olha, se ele também quer isso, vai fundo, sabe? Não tem nada que prenda vocês dois, se é recíproco, não é errado.
- Ela deu de ombros.

- Eu amei a ex-mulher dele. Me casei com ela e agora estou ligado a ele pela eternidade por causa da Mi Sun. É uma
tortura sentir isso, Sana! Você sabe que se as coisas derem errado, ainda vamos ter que nos ver todos os dias e
continuar convivendo pela Mi Sun... sem falar que eu não quero isso de jeito nenhum - ele passou a mão pelos
cabelos, frustrado.

- E se não der errado? - ela perguntou.

Jeon a olhou brevemente. Sua amiga sempre foi muito simplista, o que às vezes o irritava. Ela deu de ombros como se
fosse a coisa mais fácil do mundo.

- Quando os sentimentos são correspondidos, o medo do erro só atrasa algo inevitável. - Ela apoiou a cabeça no
banco, lhe lançando um sorrisinho compreensivo. - Se vocês dois sentem algo, se isso é o começo de uma coisa ao
menos parecida com amor, Jungkook, se afastar dele agora só vai causar dor desnecessária. Não é melhor se
machucar tentando do que ficar sendo torturado por aquele maldito "e se..."?

- Não é certo. - Jungkook suspirou, repetindo baixinho para si mesmo: - Não é certo.

- Não é errado. - Sana tocou o ombro dele. - Nenhum de vocês é comprometido, nenhum de vocês ama outra pessoa,
então não há erro nisso. Você quem sabe o que vai fazer, não posso tomar qualquer decisão por você, mas seria
mesmo tão horrível assim se permitir amar alguém?

- Não é amor. - Jungkook franziu a testa, mais uma vez repetindo para se convencer do que estava dizendo: - Não é
amor.

- Se você diz - Ela deu de ombros.

- Você nem acredita em romance, por que tenta me convencer a acreditar? - ele perguntou.

- Porque você acredita. - Sana sorriu. - Você deveria se perguntar se o que sentiu beijando Taehyung é o mesmo que
sentiria beijando um estranho na balada só por diversão ou se foi algo mais profundo que isso.

- E se foi mais profundo? - Jungkook apertou o volante.

- Aí, meu amigo, você tá bem fodido - respondeu ela.

Jungkook bufou.

- Eu te odeio - resmungou ele. Sana riu.

E Jungkook não queria admitir ou pensar sobre aquilo, não queria que Sana estivesse certa.

Talvez só quisesse apagar aquilo de sua mente.

Ou talvez só quisesse fazer de novo.


❁❁❁

Ele tinha evitado. Ambos tinham se evitado, para falar a verdade. Foi visível em todos os momentos que Taehyung
queria tanto quanto ele manter distância pelo menos até a poeira baixar.

Quando entrou em casa, tarde da noite e avistou as luzes apagadas, supôs que teria que lidar com seus dilemas por
mais um dia.

Tirou os sapatos e deu passos sorrateiros até o corredor, quando avistou um pequeno feixe de luz que vinha da porta
entreaberta do quarto de Taehyung. Ele engoliu seco, sentindo vontade de apenas abrir a porta do próprio quarto e se
fechar com os próprios pensamentos até o dia seguinte.

Mas aquilo era um convite silencioso e ele não podia negar a si mesmo e a Kim a oportunidade de uma conversa
sincera.

Mesmo que fosse um pouco apavorante.

Jungkook se esgueirou pelo corredor, encostando a mão na porta e empurrando devagar para colocar a cabeça dentro
do quarto e espiar.

Taehyung estava sentado na cama, com as pernas já tapadas e um livro na mão. Ele suspirou, já conseguindo sentir o
coração quase sair pela boca no instante que o loiro ergueu a cabeça e olhou para ele.

Jungkook ia murmurar um rápido boa noite, bater a porta e se trancar em seu quarto, mas foi a voz suave e muito
controlada de Taehyung que espantou seu medo descontrolado.

- Nós podemos conversar? - perguntou o loiro, foi quase um sussurro, mas Jeon ouviu perfeitamente.

Ele hesitou por alguns segundos, antes de perceber que adiar aquilo poderia ser pior e assentir, entrando no quarto
silenciosamente.

Taehyung ajeitou a postura, fechou o livro e colocou de lado, cruzando as pernas sob os cobertores e observando
atentamente o moreno calado, enquanto ele se sentava na cama diante de si, sem olhá-lo nos olhos.

Taehyung tinha pensado sobre aquilo, o dia inteiro.

E não importava quanto pensasse, o quanto aquilo lhe incomodasse, ele sempre chegava a uma única conclusão. E
só conseguia pensar que definitivamente não havia outro final para aquilo.

Jeon Jungkook, o homem que agora estava sentado diante dele com seus grandes olhos de tirar o fôlego, o mesmo
homem que cuidou da filha de Taehyung em sua ausência, aquele mesmo cara que o enlouquecia de infinitas formas,
era só um jovem.

Bonito, inteligente, gentil.

E Taehyung era... bem, uma bagunça.

Ele precisava ser sucinto e muito prático, colocar fim a aquilo que ele mesmo tinha começado. Devia ser fácil, mas não
era tanto.

Ele abaixou o olhar, encontrando uma linha solta no cobertor e decidindo brincar com ela. Suspirou.

- Jiayu foi a única. - Ele continuou brincando com aquela linha solta, querendo esconder seu olhar do moreno por não
acreditar que conseguiria manter-se olhando para ele por muito tempo. - Em todos os sentidos. A única que eu amei,
que beijei, com quem eu fiz sexo. Só com ela. Nunca me permiti olhar outras pessoas, pois eu sempre tive ela.
Quando tudo isso despertou em mim, quando eu me tornei adulto e pronto para provar essas coisas a Jiayu já estava
lá por mim, então eu acho que sim, eu não tive tempo de descobrir muitas coisas sobre mim mesmo.
Ele tomou fôlego.

- Eu te beijei porque quis beijar. Não pela curiosidade de beijar um homem, não por querer testar algo e te usar como
cobaia, mas porque eu definitivamente estava sentindo algo e depois de tanto tempo com todos a minha volta me
dizendo que o melhor era deixar sair ao invés de esconder, eu acabei fazendo isso e foi tolice - Taehyung fungou, seu
nariz estava começando a ficar entupido. Ele às vezes odiava a rinite. - Mas não posso negar que talvez isso tenha
sido esclarecedor.

Kim esticou a mão e pegou o livro, precisava se manter longe dos olhos do moreno se não quisesse que sua mente
esvaziasse novamente. Folheou o livro em busca de organizar os próprios pensamentos.

- Eu não sei o que estou sentindo agora, para ser sincero não sei o que estava sentindo quando nos beijamos e isso
me assusta. Eu não quero que tudo fique estranho, ainda precisamos nos manter racionais pela Mi Sun - Taehyung
continuou - Eu nunca me senti atraído, amorosamente Zé e nem sexualmente por qualquer pessoa além da Jiayu, seja
homem ou mulher, e eu realmente não sei discernir isso, então estou pedindo que não confie em mim, Jungkook, para
tomar qualquer decisão sensata.

Ele enrolou a linha no dedo e bateu com o livro no joelho sobre o cobertor.

- Você não precisa se sentir culpado ou ficar pensando nisso. Somos adultos, você se sentiu curioso com algo e
testou, não há problema. Não tiveram corações partidos e ainda somos amigos - Jungkook o tranquilizou - Só porque
você se apaixonou uma vez e foi uma mulher, não significa que seja totalmente hétero. E só porque beijou um homem
você não é gay, entende?

- Ainda assim foi errado ter feito aquilo. Só porque eu estava sentindo isso no momento, não significa que você
estivesse e eu invadi o seu espaço sem dar a chance de você recuar ou dizer que não queria. Então me perdoe por
isso. - Taehyung olhou para ele. Precisava olhá-lo nos olhos para que visse o seu arrependimento. Jungkook olhava
para ele com total atenção e Taehyung prendeu a respiração por alguns segundos.

Jungkook era bonito, carismático e gentil. Ele tinha absolutamente todas as qualidades que o tornavam atraente e
magnético, isso parecia um clichê enorme. Taehyung podia usar isso como desculpa.

Um homem como aquele era irresistível até mesmo para o obstinado e muito destroçado Kim Taehyung, mas havia
algo mais, algo que Taehyung tentava enxergar.

- Se eu não estivesse confortável não teria continuado aquilo, Taehyung, você não precisa se desculpar comigo por
isso. - Jungkook sorriu brevemente, Taehyung voltou a respirar apenas porque estava prestes a desmaiar. - Foi bom,
na verdade.

- Eu me importo com você - Taehyung sussurrou. Tudo que conseguia ver, era o rosto delicado e o sorrisinho satisfeito
nos lábios avermelhados de Jungkook. O mais novo não disfarçava, não conseguia esconder que no fundo ele
também estava abalado por aquilo. - E eu sou inconstante, quebrado, irritadiço, incompreensivo. Eu sou um conjunto
de coisas ruins...

- Taehyung...

- Eu machuquei muita gente que eu amava ao longo da vida, não quero colocar seu nome na lista. - O loiro fechou os
olhos com força. E em seguida os abriu lentamente, encontrando olhos atentos e um pouco confusos. Taehyung olhou
para ele com total compaixão. - Você não merece se perder na bagunça que eu sou.

Jungkook conseguia sentir, no olhar dele, que aquilo era muito mais do que estava na superfície. Havia algo mais
profundo e enraizado.

- Você é bom demais, Jeon Jungkook. - Taehyung riu. - Beije quantas pessoas forem necessárias para que o que
aconteceu entre nós ontem vire um nada na sua memória, algo sem importância. Vamos cuidar da nossa filha e eu
realmente torço para que apareça alguém na sua vida que possa te amar de verdade e te mostrar o que é realmente
sentir o que é estar apaixonado e ser retribuído.

Taehyung esticou a mão para pegar a dele. Tinha determinado para si mesmo um limite e ele exigia que nunca mais
tocasse Jungkook por muito tempo, para evitar qualquer deslize de sua mente ou qualquer outra parte de seu interior.

Mas não podia negar a si mesmo a chance de testar aquilo uma última vez, apenas para conhecimento próprio.

A mão de Jungkook servia perfeitamente entre as suas duas.

- De qualquer forma, jamais teríamos nos conhecido se não fosse Jiayu e a Mi Sun. Elas são o único elo entre a gente,
você e eu não deveríamos ter cruzado o caminho do outro - disse o loiro - Foi o acaso, não destino. Foi azar, não
sorte. Foi carência, não sentimento.

- Você quer que eu mantenha distância, certo? - Jungkook perguntou, muito mansamente.

Era irritante como ele era compreensivo. Como não expressava o que sentia e queria, como sempre deixava que os
outros decidissem sem se dar a chance de fazer qualquer coisa além de concordar e acatar.

Ele temia tanto ser um incômodo que preferia guardar para si quando algo não o agradava. E aquilo, definitivamente,
não o agradava. Era visível na forma como ele travou a mandíbula, sem olhar nos olhos de Kim, mas manteve o
sorrisinho compreensivo no rosto para tentar convencê-lo de que estava tudo bem.

- Não foi nada demais - disse o moreno, apertando a mão dele e se aproximando um pouco mais. Ele queria que
Taehyung lhe olhasse nos olhos, para que pudesse certificar que tinha sido apenas aquilo, um grande nada.

O loiro mordeu o lábio, aquela boca que Jungkook não podia esquecer nem que morresse e reencarnasse.

- Jimin disse que o ato não significa nada se não tiver sentimento nenhum por trás. Então isso foi como beijar um
estranho em uma daquelas festas que fomos com o Ji e a Sana. - Taehyung riu, sentindo um nó na garganta e ergueu
o olhar. - Só...

Os olhos de Jungkook estavam tão perto, tão atrativos e tão reconfortantes que ele sentiu uma pontada no peito.

- Nada - completou Jungkook - Não significou nada.

- Isso. - Taehyung assentiu. - Nada.

- Estamos de acordo então. - O moreno sorriu fraco, se colocando de pé. Taehyung relutou um pouco, mas soltou a
mão dele, sentindo os dedos de Jeon deslizarem nos seus e o deixarem para trás. - Eu chamei a Sana para ir com a
gente amanhã de manhã, já que temos que arrumar tudo para a festa, achei que era melhor termos ajuda e não... não
ficarmos sozinhos lá.

- Oh, eu chamei o Ji também - Taehyung disse, esticando as mãos e tateando na cama em busca do livro, mas sem
conseguir coordenar os próprios movimentos - Já que a Mi Sun vai ir com a Rosé e a Lisa, vamos evitar... você sabe.

Jungkook parou na porta e olhou sobre o ombro. Taehyung conseguiu encontrar o livro e olhou para ele.

- Boa noite, Taehyung - disse Jungkook, antes de fechar a porta sem lhe dar a chance de responder.

Taehyung não deveria se sentir mal por aquilo. Não deveria sentir todo aquele peso e definitivamente não devia se
sentir triste, afinal era uma coisa boa ter impedido que Jungkook se metesse com alguém como ele.

Mas não era bem assim. Ele talvez tenha se sentido horrível, por não conseguir admitir para si mesmo, que Jeon
Jungkook tinha o tocado muito antes daquele beijo.

Amor.
Almejado por muitos, temido por todos.

Uma simples palavra que tinha um poder imenso, algo que ele sempre se pegou refletindo. Sobre o poder destrutivo e
ao mesmo tempo libertador, podia ser um pouco irônico o amor ser capaz de salvar e também de matar.

Park Seokjin se via no meio disso, como se observasse os dois lados da balança, esperando que um deles pesasse
mais para que tirasse sua conclusão definitiva.

Ele era jovem quando seus pais morreram, o que o tornou responsável não apenas pelos negócios como por seus
irmãos mais novos, e era ali que morava seu maior problema.

Ele observou com olhos atentos, enquanto sua irmã experimentava cada vestido de noiva que havia naquela loja, com
um sorriso radiante e muita empolgação, olhando para o grande anel no dedo anelar a cada minuto para certificar que
estava ali e era real.

Ele não esperou que fosse viver para ver sua irmã mais nova, a super desapegada Jennie, se prendendo a alguém por
toda uma vida.

- O que achou desse? - ela perguntou, Jin fechou a revista sobre decoração de bolos e focou a atenção nela. O
vestido modelava perfeitamente o corpo dela, coberto com pedrarias brancas e prateadas.

- Achei perfeito. Assim como todos os outros dezoito que você provou - respondeu o homem.

- Pretendo me casar só uma vez na vida, tem que ser o mais perfeito de todos. - Jennie segurou a saia do vestido,
erguendo o suficiente para conseguir descer o degrau do provador e andar em direção ao irmão mais velho.

Jennie, em suma, se sentia sortuda.

Era apenas uma menina quando seus pais faleceram, o que deixou sua criação inteira nas mãos de seus dois irmãos
mais velhos.

Jimin se encarregou de mimá-la, enquanto Jin tratava de cobrá-la e ensiná-la. Mesmo tendo que crescer sem seus
pais, ela conseguia ver muito da ternura de sua mãe em Ji e a severidade e preocupação de seu pai em Jin.

E ela os amava mais que tudo na vida.

Temeu muito que um dos dois pudesse não aprovar seu casamento e sua decisão de se mudar para outro país após
isso. Jin foi sua maior preocupação, já que ele se mantinha muito firme com a ideia de que eles deveriam seguir com
os negócios da família para honrar o nome Park.

Mas ela não queria isso e não se importou de dizer a Jin, diferente de Ji.

Ela não sabia se era esse o motivo de os dois estarem tão distantes, seu total desprezo aos negócios da família ou se
era alguma outra coisa, mas Jennie estava decidida a entender e resolver aquilo, pois se recusava a subir ao altar sem
que seus dois irmãos estivessem completamente felizes e unidos a ela.

- Se tem algo contra o meu casamento, fale agora ou se cale para sempre - disse ela, se aproximando do extenso sofá
de couro branco onde o irmão estava sentado. Jennie se sentou ao lado dele e o encarou com afinco, utilizando sua
artimanha de sempre para conseguir o que queria: esticar o lábio inferior em um beicinho infantil.

Jin revirou os olhos e riu.

- Você é uma criança. - Ele olhou para as dezenas de vestidos pendurados nas araras ao longo da extensa loja.

- Você fica todo aéreo, o Jimin nem está falando comigo direito e eu sei que ele tem alguma objeção e não quer dizer.
- Ela apoiou os cotovelos nas pernas e segurou o rosto entre as duas mãos, observando pelo vidro extenso da
fachada da loja, o movimento na rua.
- Só estamos processando o fato de que você vai definitivamente ir morar em outro país e se tivermos sobrinhos,
vamos ter que pegar um avião para vê-los - Jin disse.

- Vocês dois tem dinheiro para isso, não fique reclamando. - Jennie começou a brincar com as pedrarias do vestido.
De repente percebeu que não gostava do padrão delas e já descartou aquele, decidida a iniciar mais uma prova
interminável atrás do vestido perfeito.

- Se você está feliz, eu também estou. - Ele apertou a bochecha da irmã mais nova, com um sorriso no rosto.

Jennie suspirou e ajeitou a postura, olhando para ele com determinação.

- Eu esqueci de pedir, preciso do anel da mamãe - disse ela.

O sorriso dele foi substituído pelo pavor de forma instantânea. Ele tentou esconder e por sorte, Jennie estava distraída
demais com as revistas que haviam sobre a mesa pequena de mármore diante dele. Ela sequer percebeu a forma
como ele empalideceu.

Pois sabia exatamente o motivo de ela estar pedindo e isso se devia ao fato daquilo que sua mãe dizia quando ainda
eram crianças.

A família era muito conservadora, portanto, os pais acreditavam firmemente que todos os seus filhos teriam belos e
muito bons casamentos héteros. Isso implicava na questão do anel de casamento de sua mãe.

O acordo era que, entre Ji e Jin, aquele que se casasse primeiro, teria direito a dar o anel de esmeralda para a futura
esposa. Jin quem incluiu a irmã no acordo quando ficou sabendo da orientação sexual da mesma, mas jamais pensou
que chegaria a um momento tão perturbador por uma mísera jóia.

- Ele... ahn... está com o Jimin, precisa pedir a ele - disse Jin, brincando com a própria gravata e tentando manter o
olhar longe da irmã quando ela o encarou um pouco confusa.

- Por que o anel está com ele? Não está no cofre? - perguntou ela, folheando uma revista sobre arranjos de flores.

Jin não queria ser a pessoa intrometida que contaria tudo a irmã, ele não se meteria mais que o necessário naquilo.
Era óbvio que em algum momento, o antigo envolvimento de Jimin e Jisoo viria à tona e era melhor que isso
acontecesse antes do casamento.

Mas cabia a seus irmãos se acertarem sozinhos.

- Ele me pediu há um tempo atrás e não devolveu. Acho que deveria conversar com ele - retrucou o mais velho - Vá
ver ele hoje a tarde.

- Acho que ele já foi para a nossa casa de campo com o Taehyung, Jungkook e a Sana. É a festa de aniversário da Mi
Sun, lembra? Acho que Jisoo e eu vamos dar um jeitinho de ir, estou com tanta saudade do Taehyung e ainda não tive
tempo de ir ver ele desde que voltou do exército. - Ela fechou a revista com um sorriso satisfeito. - Posso falar com o Ji
lá, acho que vai ser ótimo.

Jin se levantou rapidamente.

- Eu preciso fazer uma ligação - disse ele, ajeitando o terno - Já volto, pode ir vendo os outros vestidos, não olhe o
preço.

Ele não esperou uma resposta, se apressou em direção a porta de saída, empurrando com força e saindo na calçada.

Com passos largos, se afastou o máximo possível da vitrine da loja até estar completamente fora do campo de visão
de quem estivesse dentro do ateliê e colocou as mãos na cintura, respirando fundo para conter o nervosismo.

Ele não sabia como aquilo acabaria. Não sabia se Jimin ainda amava Jisoo, se Jisoo verdadeiramente amava Jennie.
Se acabaria com um casamento ou com o rompimento de um noivado e uma inimizade entre seus irmãos mais novos
e isso o apavorava.

O amor definitivamente era uma grande maldição destruidora.

- Não, eu não posso esperar duas horas, eu tenho uma audiência no Supremo Tribunal de Seul em vinte minutos! - O
grito autoritário e muito desesperado, lhe chamou a atenção por dois motivos. O primeiro era que a voz era
ligeiramente familiar e o segundo era que definitivamente ele parecia mais estar à beira do choro do que xingando
alguém.

Bastou olhar para o lado, para que Jin identificasse o homem. A camisa social com as mangas enroladas na altura dos
cotovelos, a gravata solta em volta do pescoço enquanto ele se inclinava sobre o motor do carro na tentativa de
encontrar o problema. O celular apoiado entre a orelha e o ombro.

- Quer saber? Esquece, eu vou dar um jeito nisso eu mesmo! - falou o homem, segurando o celular e desligando a
chamada, para jogar o telefone no bolso em seguida.

Pelo cheiro forte que vinha da fumaça escura, Jin acreditava que ele não conseguiria resolver o problema em vinte
minutos.

- Kim Namjoon? - Ele deu alguns passos em direção ao homem que o olhou de relance e não deu muita importância,
virando o rosto com rapidez assim que seu cérebro processou quem era aquele homem.

- Jin? - Namjoon se ergueu, batendo a cabeça com força no capô do carro e praguejando alto antes de se afastar,
massageando a região dolorida. Jin fez uma careta. - Você definitivamente me dá dor de cabeça sempre que aparece.

Jin resolveu ignorar a alfinetada.

- Você precisa de ajuda? - perguntou Jin.

Nam sacudiu a mão.

- Nah! Você não tem que se preocupar, posso ajeitar isso em quinze minutos e vai estar tudo ótimo - respondeu o mais
novo.

Jin ergueu uma sobrancelha, incrédulo.

- Não quero ser pessimista, mas acho que isso não se resolve em quinze minutos - retrucou.

Namjoon o olhou com atenção. Jin era dono de boa parte de Seul e ele tinha consciência disso, o homem não era
pouca coisa em nenhum sentido, talvez por isso tivesse um olhar tão arrogante e cheio de si. Mas isso não lhe irritava,
lhe intrigava e até atraía mesmo que fosse apenas um pouco.

- Bom, não posso esperar duas horas até que o mecânico possa aparecer, estou no meio de um caso muito
importante e se não chegar no tribunal em... - Ele olhou o relógio de pulso. - Dezoito minutos, estou muito ferrado.

- Deixa o carro aí, eu levo você. - Jin cruzou os braços.

Namjoon ergueu uma sobrancelha.

- Não precisa, não quero te atrapalhar. Você deve estar muito ocupado - respondeu o advogado.

- Só estou ajudando minha irmã a escolher o vestido de noiva, você estaria me fazendo um favor ajudando a escapar
disso por alguns minutos - retrucou Jin.

Namjoon colocou as duas mãos na cintura.

- Oh, é mesmo. A Jennie, Jisoo e Jimin. Você tem um grande problema nas mãos - disse ele, abaixando o capô do
carro.
- O problema é deles, não meu. - O mais velho deu de ombros.

Namjoon riu, sacudindo a cabeça. Ele subiu na calçada, intercalando o olhar entre Jin e o carro, talvez pensando se
devia admitir que precisava de ajuda ou se seria orgulhoso demais para isso.

Ele parou perto do homem, Jin não recuou, o que era um indicativo de que sua presença não o intimidava nem um
pouco.

- Nunca é bem assim, não é mesmo? Família é família, de um jeito ou de outro você acaba tomando a dor deles. -
Namjoon o observou com atenção, sem se importar em disfarçar. - Se Jennie e Jimin sofrerem, você vai sofrer
também. Não finja indiferença.

- Você diz isso por experiência própria? - perguntou Jin.

Nam suspirou.

- Jiayu, Taehyung e Jungkook. Ela vivia se perguntando como seria no dia que Taehyung voltasse para casa, mas não
viveu para ver isso. Aqueles dois se tornaram minha família também, então eu meio que entendo como é assistir essa
novela sem poder interferir e saber como vai acabar. - Nam colocou as mãos nos bolsos. - Os dois estão se acertando
agora, pelo que pude notar, mas ainda tem muita coisa entre eles, então acabo pensando bastante nisso.

Jin assentiu. Ele definitivamente sabia que a situação de Jiayu, Jungkook e Taehyung se assemelhava um pouco ao
que seus irmãos estavam passando, mas ainda assim, o fato de Jennie estar no escuro em relação ao passado da
noiva e do irmão era torturante demais.

- Vamos lá, eu te deixo no tribunal - disse o mais velho, se afastando de Namjoon e dando alguns passos pela
calçada.

Nam correu até o carro, pegou a maleta e o paletó e em seguida trancou o automóvel, correndo para acompanhar Jin.

- Odeio incomodar, mas seria muito inconveniente eu pedir uma carona para o aniversário da Mi Sun? Não sei se meu
carro fica pronto na hora - perguntou o advogado.

Jin riu.

- Eu te dou uma carona sim, mas não pense que vou ficar tolerando esses seus flertes desavergonhados só porque
você é cunhado dos meus amigos - respondeu.

Namjoon riu. Oh, então Jin percebeu.

- Por que acha que estou flertando com você? Se acha irresistível demais para um homem como eu? - rebateu
Namjoon.

- Você não é discreto. E eu sou realmente irresistível, mas não tenho tempo pra namorar. - Jin olhou para dentro da
loja de vestidos, tentando avistar Jennie. Parou em frente a vitrine esperando que ela aparecesse para pode sinalizar
que voltava em breve.

Namjoon o olhou de cima a baixo.

- Você é um pouco convencido - disse ele - E eu não estou dando em cima de você. Se todas as vezes que nos
encontramos eu ganho um galo na cabeça, prefiro manter distância. Eu prefiro me relacionar com pessoas menos
problemáticas.

Jin o olhou de esguelha. O homem de ombros largos, braços muito bem definidos e que mais parecia um armário, não
era de se jogar fora. Namjoon arrancava suspiros de muitos homens e mulheres, disso não tinha dúvidas, mas Jin
nunca tinha sido do tipo que se deixa seduzir por uma aparência agradável e boa lábia.

- Ótimo então - disse ele por fim - Estamos de acordo.


❁❁❁

Ela estava um pouco frustrada.

Não, um pouco não, muito frustrada.

Mi Sun não conseguia entender, mesmo que se esforçasse muito, por qual motivo nos filmes e desenhos animados,
pessoas apaixonadas conseguiam lutar contra as dificuldades e resolverem todos os problemas com um beijo de amor
verdadeiro, e na vida real as coisas não eram bem assim.

Seus pais se beijaram e era para tudo ter se resolvido depois disso, certo?

O que exatamente tornava as coisas tão difíceis para eles?

- Ei, docinho, você já terminou de comer? - perguntou Rosé, que tinha sido encarregada de ficar de olho em Mi Sun
enquanto Lisa dava conta de encontrar fantasias para Hyunki e Lia no centro da cidade.

Ela assentiu, sem se dar ao trabalho de disfarçar seu olhar triste. Suspirou, apoiando o queixo sobre seus braços
cruzados sobre a mesa.

Rosé conhecia aquele olhar tristinho e simplesmente lhe partia o coração. Ela soltou a pilha de louça suja de volta na
mesa e decidiu que as tarefas podiam esperar, ela tinha que cuidar de uma garotinha entristecida.

A mulher puxou a cadeira ao lado dela na mesa e se sentou.

- O que aconteceu, por que você parece tão caidinha? - perguntou ela.

Mi Sun respirou fundo.

- É um segredo, tia Rosé - disse Mi Sun, olhando em volta em busca de qualquer testemunha que pudesse ouvir o que
ela fosse dizer - Eu não vou te dizer quem é, mas preciso de ajuda.

Rosé piscou lentamente, assentindo como uma promessa silenciosa de que ajudaria da forma que pudesse.

- Eu vi duas pessoas se beijando. Pareciam muito apaixonadinhos e era tão bonitinho. Eu pensei que depois disso
eles iriam namorar, mas eles me disseram que não estão juntos, acredita? - A garotinha apoiou a bochecha gordinha
na palma da mão.

Rosé suspirou. Ela tinha uma ideia de quem eram as pessoas em pauta, mas decidiu se manter neutra.

- Olha, meu docinho, às vezes só porque duas pessoas se beijam, não significa que vão ficar juntas, sabia? Tem
muitas coisas a se considerar, um namoro é mais sério do que você pensa. - Rosé colocou a mão no próprio peito. -
Lisa e eu, por exemplo, demoramos muito tempo para ficarmos juntas de verdade.

- O amor não vence tudo, tia Rosé? Appa Ggukie me disse isso, mas agora estou começando a desconfiar que seja
uma mentira - Mi Sun falou.

Rosé suspirou. Ela não seria a pessoa a ensinar Mi Sun que realmente, nem sempre o amor era suficiente. A
garotinha ainda era pequena demais para entender tudo que rodeava a questão.

Mas ela também não mentiria que era um mar de rosas.

- Não é uma mentira. Seu pai estava certo, só que às vezes o amor demora um tempinho pra fazer o trabalho dele.
Você não pode querer apressar as coisas e eu acho que não deveria interferir nisso. - Rosé passou os dedos entre as
madeixas castanhas de Mi Sun. - Muitas vezes as pessoas se apaixonam, mas ainda tem muita coisa entre elas.
Algumas têm medo. Você deveria apenas se sentar e observar, Mi Sun, deixe que o amor faça o trabalho dele.

- Eu posso dar uma mãozinha? - perguntou ela.


Rosé riu.

- Acho que você já faz isso, estou certa? - A mulher beijou a bochecha dela. - Agora coma, depois eu levo você para
tomar sorvete.

Mi Sun sorriu.

Ela sabia que seus appas gostavam um do outro, tinha certeza disso, mas estava disposta a esperar pacientemente
para vê-los se amarem.

Seria uma bela visão, Mi Sun pensou, seu appa Tae e appa Ggukie direcionando um ao outro o mesmo tipo de olhar
que os príncipes e princesas de contos de fadas direcionava uns aos outros na hora do felizes para sempre.

❁❁❁

Era silencioso e um pouco perturbador. Talvez tenha sido uma péssima ideia, mas não tinha mais como voltar atrás já
que estavam na rodovia há cerca de vinte minutos.

Vinte minutos em que o único som ouvido era o que vinha do motor e os latidos eventuais da enorme bola de pelos
loiros que estava no meio do banco traseiro.

Teria sido muito agradável, cheio de risadas e conversas descontraídas, isso se tivesse acontecido cerca de um mês
antes. Quando não tinha um rio de coisas ditas e não ditas entre eles. E também alguns atos impulsivos que geraram
toda aquela tensão.

- Você tinha que trazer o cachorro, Sana? - Jungkook perguntou. Ele estava definitivamente de mal humor e mesmo
que não pudesse culpar ninguém ali por causa disso, estava sendo definitivamente insuportável para que todos
ficassem sabendo que não estava no seu melhor dia.

- O cachorro tem nome - ela resmungou - E eu não tinha com quem deixar ele.

Sana não estava feliz pelo fato de que Jungkook nem ao menos se importou em lhe passar uma mensagem de texto
dizendo que Jimin também iria, o que na opinião dela, era uma tremenda traição.

- Acho que todos aqui sabemos o que aconteceu e estamos em concordância de que vocês dois não queriam estar
sozinhos por um dia inteiro, então agora lá vai a minha pergunta: - Jimin falou, olhando diretamente para o espelho
retrovisor, onde conseguia avistar os olhos furiosos de Taehyung lhe encarando. - por que o Jungkook está sentado no
banco da frente e não eu?

- Porque as crianças sentam no banco de trás - Taehyung respondeu.

Jungkook espirrou, pelo que deveria ser a centésima vez desde que entrou no carro. Ele fungou em seguida e abaixou
o vidro suficiente para respirar ar puro.

Ele amava animais, na maior parte do tempo ignorava aquela alergia chata que o impedia de passar muito tempo
brincando com gatos e cachorros sem espirrar ou ter o nariz escorrendo. Mas estava profundamente irritado com
absolutamente tudo naquela manhã.

- Não podia ter deixado comida e água em um potinho pra ele em casa? - Jeon perguntou, fungando.

- Você deixaria a sua filha em casa com um potinho de água e comida? - ela perguntou. Não obteve uma resposta.

Eles mergulharam no silêncio mais uma vez.

Taehyung olhou de esguelha para o moreno ao seu lado.

Jungkook não tinha lhe dirigido mais que meia dúzia de palavras desde a conversa da noite anterior e ele odiava se
sentir culpado por isso.
Ele tinha começado aquilo, então a culpa era inteiramente sua.

Não deixava de pensar nem por um segundo na forma como Jeon foi rápido em beijá-lo de volta e por mais que se
sentisse mal por ficar repetindo a cena em sua mente. A sensação de ter as mãos dele em seu rosto enquanto os
lábios de Jungkook...

- Taehyung, a direita! - o grito alto de Jimin o fez dar um salto, apertando as mãos em volta do volante e virando no
desvio na rodovia sem ao menos pensar sobre isso. Ele olhou as placas na beira da estrada apenas para certificar que
tinha realmente pego o caminho certo. - Está com a cabeça aonde?

Ele pigarreou, tentando não olhar para ninguém. Precisava manter a atenção na rodovia que se estendia diante de
seus olhos.

Jimin se inclinou um pouco, tentando ver além da enorme muralha de pelos amarelos. Sana estava reclinada contra a
porta, observando a vista totalmente entediada.

- Já que estamos presos aqui pela próxima hora, acho que seria ótimo se você... - ele tentou, mas foi interrompido pelo
som irritante do telefone dela. Ele odiava aquele toque, um sininho irritante que mais parecia o bater de sinos de vento.

Sana franziu a testa para a tela do aparelho, antes de deslizar o dedo na tela e apoiar o celular contra o ouvido.

- Pode falar - ela resmungou baixinho, se virando para tentar fazer com que os outros ouvissem o mínimo possível.
Jimin continuou com o corpo totalmente inclinado, apoiando a cabeça no banco da frente e a encarando, à espera da
oportunidade de falar. Sana fez uma careta para quem quer que estivesse falando do outro lado da linha. - Eu disse
que vou ir mais cedo, te mando o endereço e você me encontra lá... não, você não precisa comprar nada.

Jimin franziu a testa, olhando para Taehyung pelo espelho, mas seu amigo sequer percebeu seu olhar já que estava
no mundo da lua.

- Certo. Beijo. - Sana desligou e deixou o celular no colo, voltando a acariciar o pelo sedoso de Sasuke. O cão se
inclinou na direção dela em busca de mais afagos e a mulher sorriu para ele.

- Quem era? - Ji perguntou, fazendo sumir o sorriso dela no mesmo instante. Sana revirou os olhos.

- Não é da sua conta - ela respondeu.

- Vamos lá, Sana, quanto tempo mais você vai ficar me dando gelo? Eu teria pedido desculpas se você ao menos me
ouvisse! - Park choramingou.

- Você não me deve desculpas, pode poupar a sua consciência frágil de se culpar por ter dito merda - ela retrucou.

- É tarde demais para deixar esses dois na estrada? - perguntou Jungkook em um resmungo.

Taehyung o observou por alguns segundos. O moreno seguia sem olhá-lo nos olhos. O loiro imaginava que o motivo
fosse unicamente o que tinha dito, mas não entendia qual a razão para aquilo ter causado irritação. Jungkook deveria
estar se sentindo radiante por não se envolver com alguém como ele.

- Deixamos eles e levamos o Sasuke que está se comportando muito melhor. - Taehyung se permitiu abrir um
sorrisinho. Ele observou, com um certo alívio, os lábios do moreno se curvando em um sorriso sapeca.

- Eu fui um idiota - Ji disse.

Sana riu com sarcasmo.

- Você não foi, você é! É um traço de personalidade, não tem como mudar isso - ela replicou.

- Seja como for, estou arrependido e eu não deveria ter dito aquelas coisas. Me desculpe. - Jimin ergueu a voz.

- Tanto faz - Sana respondeu. A indiferença o atingia muito mais fundo que qualquer coisa, ela sabia disso
perfeitamente.

Ji estreitou os olhos.

- Tanto faz? - Ele abriu a boca, ofendido.

- Podemos parar no posto de gasolina. Você tira ela, eu tiro ele e a gente acelera - Jungkook disse, aproveitando que
os dois não estavam nem um pouco focados no que ele e Taehyung falavam.

Taehyung riu, mordendo o lábio em seguida. Seu alívio por ouvir Jeon falando com ele diretamente e com um sorriso
divertido, era mais do que ele poderia descrever em palavras. Podia sentir seu corpo se arrepiando com a alegria
completa.

O moreno se inclinou um pouco na direção dele, somente o que o cinto permitia. O perfume que ele usava, misturado
ao cheiro que Taehyung já tinha decorado como sendo próprio de Jeon Jungkook, chegou a ele como uma espécie de
tortura psicológica, fazendo com que o loiro apertasse o volante com as duas mãos e prendesse a respiração para
tentar controlar os arrepios.

- Quer ver isso ficar mais interessante? - Jeon sussurrou bem perto do ouvido dele. Taehyung assentiu, com um meio
sorriso nos lábios, se forçando a manter o olho na estrada e não olhar nem por um segundo para o moreno.

Jungkook sorriu ladino, voltando ao seu lugar e respirando fundo.

- Então, Sana, o Jackson vai mesmo ir à festa? - perguntou ele.

Taehyung franziu a testa, curioso, olhando pelo espelho retrovisor, para avistar os olhos arregalados e a boca aberta
de Jimin. Ele se inclinou para a frente para olhar para a mulher, que parecia muito tranquila apesar do olhar mortal
dirigido ao moreno.

- Jackson? Isso é sério? Fica sem falar comigo por duas semanas e você volta com o Jackson Wang? - Park afinou a
voz, o que forçou Taehyung a se esforçar para não cair na gargalhada. - Qual é o seu problema, garota?

Sana deu de ombros.

- Quem é Jackson Wang? - Taehyung perguntou.

- É só o cara emocionado que pediu a Sana em casamento no terceiro encontro - Jeon explicou - Ela negou,
obviamente, mas eles namoraram por um tempo.

- Foi meu relacionamento mais duradouro por alguma razão! - Sana ergueu o dedo em defesa própria.

- Ele não tinha se mudado para o Japão ou a Cornualha, sei lá? - Jimin perguntou. Sasuke se virou para ele,
implorando por atenção e o homem não hesitou em acariciar a cabeça do cão, aceitando de bom grado as lambidas
sem hesitar.

- Ele voltou. Nos encontramos em uma boate semana passada, talvez tenha sido o destino - ela retrucou. Taehyung
olhou para Jungkook, que fez um gesto pedindo que ele apenas continuasse ouvindo em silêncio. O divertimento
explícito em seu rosto.

- Ele é gay, Sana! Abre teu olho! - Ji protestou.

- Ele não pareceu nem um pouco gay ontem a noite - ela replicou.

Taehyung riu, não conseguiu se conter e pressionou os lábios em seguida ao notar o olhar mortal de seu amigo.

Jungkook ligou o rádio, sabendo que o assunto tinha se encerrado por enquanto e decidindo gastar o tempo com
alguma coisa. Ele aumentou o volume ao som da última nota de alguma música, pouco antes de uma nova começar.

How Do I Make You Love Me, The Weeknd.


Ele levou a mão para mudar a estação para algum noticiário, mas foi contido quando a mão de Taehyung se apoiou
sobre sua. Os olhos do moreno foram em direção aos olhos de Kim instantaneamente.

- Deixa essa, eu gosto - Taehyung pediu, desviando o olhar para a rodovia no mesmo instante.

Os dedos dele, frios como gelo, seguraram os de Jungkook por mais tempo do que talvez fosse necessário para
apenas pedir que ele não mudasse a estação de rádio.

Jungkook olhou a mão dele, um pouco hesitante, e virou a sua própria para encaixar as pontas de seus dedos com os
de Taehyung. Ele observou, quando o loiro engoliu seco, mas não recuou do toque.

Por um breve momento, Jungkook quis mais do que apenas esbarrar as mãos com a dele por acidente, mas ao
perceber esse pensamento, puxou rapidamente a sua para longe e fechou o punho, batendo nervosamente contra a
própria coxa e olhando pela janela.

Taehyung encheu as bochechas de ar e soltou em seguida.

- A gente viu isso, só pra constar - Jimin disse.

- Vocês não vão ver mais nada nessa vida se não calarem a boca - Taehyung replicou.

Jungkook queria que apagar tudo aquilo fosse uma opção. Mas não era, definitivamente. Ele fechou os olhos, sentindo
o vento da manhã bater no rosto. Ele não podia escapar de seus sentimentos nem que fosse para o outro lado do
mundo, isso era torturante.

Não queria admitir ou dar o braço a torcer, queria afogar aquilo o quanto antes, mas seria impossível se continuasse
perto dele. O simples som da risada de Taehyung era suficiente para fazê-lo entrar em um estado hipnótico.

Kim Taehyung era a única pessoa no mundo que ele não podia ter.

E também era a única que ele queria desesperadamente.

Boy In Luv
Boa noite abelhinhas ❤️
Espero que gostem

❝Eu quero ser o seu amor


Por que você não entende que meu coração é seu?
Mesmo se você fingir que não me conhece e se fingir de fria
Eu não consigo te afastar de mim❞
(Boy In Luv - BTS)

❁❁❁

Jung Hoseok se lembrava do dia que o conheceu: em frente ao instituto, durante uma chuva forte e isso logo depois
de passar horas observando o pianista com as crianças que ensinava.

Ele tinha ficado fascinado com a facilidade que Min Yoongi tinha de se aproximar e ganhar a lealdade e admiração das
crianças e dos idosos, parecia ser seu charme natural.

Ele normalmente não era muito dado a interesses amorosos, ainda mais quando a maioria tinha uma carga enorme de
estereótipos e preconceitos com sua surdez. E ele tentou inúmeras vezes ir a encontros com uma dezena de homens
e mulheres diferentes.

Alguns ficavam gritando como loucos e ignoravam totalmente a presença de seu aparelho auditivo, o que na maioria
das vezes era humilhante já que em locais públicos as pessoas direcionam olhares muito hostis.

Outros só sabiam mencionar aquilo a cada cinco minutos como se precisassem deixar claro que não tinham nenhum
preconceito com o fato de ele ter problema auditivo.

Já uma outra parcela fazia perguntas idiotas e um pouco irrelevantes o tempo todo.

Min Yoongi, desde a primeira vez que se encontraram em todas as conversas que tiveram, sempre o tratou
normalmente. Era alguém que agia exatamente como Hoseok gostava: respeitando seus limites e ao mesmo tempo o
fazendo se esquecer deles.

No entanto, ele deixou claro inúmeras vezes que conversar com ele era mais um ato de educação do que qualquer
outra coisa.

- Me desculpe pelo atraso, eu precisei ajudar meu vizinho com a janela emperrada - justificou o moreno, prendendo o
cinto de segurança. Hobi o analisou por alguns segundos, chegando a conclusão alguma sobre a fantasia, não até
enxergar a máscara branca na mão dele.

- O Fantasma da Ópera? - indagou. Yoongi sorriu ladino, muito satisfeito por ter sido reconhecido.

- Se tinha que fazer isso mesmo, que seja algo poético - respondeu o moreno. Hoseok riu. - E você é…

- O Chapeleiro Maluco. Clichê, mas foi tudo que deu pra arranjar - respondeu Hobi, tocando a grande gravata
borboleta colorida. Ele olhou para o embrulho de presente pequeno nas mãos. Uma caixinha lacrada com um laço azul
escuro cravejado de pontinhos dourados que se assemelhavam a estrelas. - Acho que isso não é uma bicicleta.

Yoongi riu. O som estava um pouco distante, mas ainda assim, era possível identificar aquela risada tão boa de se
escutar.

Havia dias que Hoseok enfrentava um sério problema com o aparelho, que estava constantemente descarregando
rápido demais. Não era um problema, a menos que ele tivesse como recarregá-las.

- Ela definitivamente vai ganhar uma bicicleta dos pais dela, disso tenho certeza. Ou do tio. De qualquer forma,
ninguém vai dar a ela algo como isso. - Yoon sacudiu a caixinha. - Prefiro coisas com um valor sentimental.

Jung suspirou, já ligando o carro e dando a partida. O caminho até a casa de campo, cujo endereço ele já tinha
anotado no GPS, levaria em torno de uma hora e ele se perguntava se Yoongi aguentaria todo aquele tempo
dialogando com ele.

- Eu comprei uma enciclopédia de astronomia. Ela vive falando sobre como gostaria de ser astronauta e como ama
achar constelações com o telescópio, acho que ela vai adorar essas curiosidades - disse Hoseok.

- Mi Sun adoraria mesmo que você… - A voz dele diminuiu bruscamente, a ponto de se tornar um simples cochicho
inaudível.

Hoseok apertou as mãos no volante, visivelmente desconfortável e respirou fundo. Ele não queria ter que pedir aquilo,
sabia quão irritante podia ser e quão exaustivo seria para Yoongi. No entanto, ele não podia apenas fingir que estava
ouvindo.

- Você se importa de falar um pouco mais alto, eu sei que pode ser um pouco chato, mas…

- Oh, certo! Você acha que consegue me ouvir agora? - perguntou Yoongi, subindo um pouco o tom.

Havia uma diferença, algo sutil e que fez Hoseok se derreter por completo: em momento algum ele aumentou o tom de
voz com agressividade ou qualquer denotação de impaciência. A voz de Yoongi continuou a mesma, suave e natural,
enquanto ele se esforçava para manter em um volume que fosse suficiente para Hoseok entender cada palavra.

- Assim está ótimo, obrigado - Hobi disse, com um sorriso radiante. E Min Yoongi era um homem fraco quando se
tratava daquele sorriso, ao ponto de deixar um risinho bobo escapar dos próprios lábios de forma involuntária - Meu
aparelho tem dado problema ultimamente, às vezes ele fica fraco do nada e acaba ficando difícil de ouvir.

- Você não precisa se preocupar comigo, tenho uma voz bem potente e acho que é bom fazer uso dela - respondeu o
pianista.

Hoseok continuou com o foco total no trânsito. Ele passou longos minutos em silêncio, antes de ser incomodado por
seus pensamentos constantes e inquietos. Ele não conseguia se conter muito tempo quando tinha uma dúvida.

- Posso perguntar uma coisa? - pediu.

Yoongi assentiu.

- Claro, o que você quiser - respondeu o moreno.

- O que te levou a querer dar aulas de pianos para surdos? Eu acho que tenho experiência suficiente para dizer que
para nós pode ser o dobro da dificuldade que alguém com 100% da audição tem para aprender música. - Ele olhou
brevemente o homem ao seu lado, só não esperava encontrar um olhar tão atento a si e tão obcecado.

- Exatamente por isso. A maioria das pessoas que estuda música quer algum reconhecimento por isso e não há
reconhecimento no trabalho voluntário. Portanto, a grande maioria dos grandes músicos não teria paciência e o
carinho que é preciso para ensinar alguém que não ouve da mesma forma que eles - Yoongi explicou - Minha mãe
tinha surdez severa. Nossa família não tinha dinheiro para um aparelho como o seu e ela faleceu sem nunca ter
ouvido eu tocar uma música sequer no piano, isso é um pouco doloroso.

Ele suspirou e observou Hobi para certificar que ele estava ouvindo sem problemas. Se sentiu aliviado quando o
homem assentiu para que continuasse.

- Se existisse um Instituto como esse em Daegu, talvez teríamos conseguido o aparelho para ela. - Min brincou com o
laço da caixinha. - Acho que quando ouvi falar do Instituto eu lembrei dela e de como eu queria que ela tivesse tido a
chance de conhecer um lugar assim. Por isso quero ensinar quem quiser aprender a tocar, mesmo que leve meses.

- Isso é muito nobre da sua parte. - Hoseok assentiu devagar. - Se eu estiver falando demais, você pode me dizer. Sei
que você prefere o silêncio, mas às vezes eu me empolgo.

Yoongi sorriu para ele, da forma mais pura e bonita.

- Você pode falar o quanto quiser. Acho que nunca tive a chance de dizer isso, mas eu gosto de conversar com você -
disse ele, atraindo o olhar um pouco confuso de Hoseok - Acho que a Mi Sun estava certa quando disse que eu sou
um pouco fechado demais.

- Eu te acho seletivo. Você se aproxima muito das pessoas com essa mesma energia teimosa e um pouco sarcástica.
Talvez por isso a Mi Sun goste tanto de você - Hobi falou.

Yoongi abriu um sorrisinho um pouco presunçoso. Talvez fosse cedo para afirmar ou criar esperanças, mas o sorriso
nos lábios de Jung lhe deram a entender algo que talvez tenha passado despercebido por ele durante tanto tempo.

- Eu gosto de pessoas vibrantes. Acho que às vezes precisamos não de alguém idêntico a nós em tudo, mas alguém
que nos complete, você não acha? - disse o moreno.

Hobi o olhou de esguelha, um pequeno sorriso brotando nos lábios. Talvez, apenas talvez, Mi Yoongi não desprezasse
sua companhia como ele pensava.

❁❁❁
A tão adorada casa de campo ficava no alto de uma colida, rodeada por um bosque de eucaliptos e com uma estrada
de terra íngreme que dificultava um pouco o acesso.

Não demorava muito para avistar os portões grandes de ferro e os muros altos e rochosos que cercavam a
propriedade e principalmente a enorme letra "P" gravada em destaque no centro das duas metades do portão.

Os Park - os falecidos pais de Jimin - eram extravagantes e um pouco exagerados, o que ficou marcado mesmo
depois da morte de ambos. Eles não ligavam para a quantia de dinheiro gasto, com tanto que pudessem se gabar e
exibir suas propriedades luxuosas.

Muito diferente de seus filhos, que definitivamente não faziam questão de exibir ou deixar que outras pessoas
soubessem de suas condições de vida e do estado de suas propriedades.

O portão abriu sozinho, ambos os lados deslizando para dentro do muro de rocha assim que Ji esticou a mão e
apertou o botão no controle.

Taehyung se lembrava da primeira vez que foi convidado para passar as férias de verão ali e entendia a paixão de Mi
Sun pelo local.

Além dos jardins de darem inveja; o pomar sempre carregado de maçãs, laranjas, amoras e cerejas frescas e a
piscina, havia a casa que em si já era de tirar o fôlego.

A construção mais parecia um castelo, toda construída no estilo europeu com as mesmas pedras grandes e
irregulares que formavam os muros. Dois andares de pura ostentação.

O local perfeito, segundo Mi Sun, para uma festa a fantasia.

A garota fez todo um discurso elaborado argumentando que aquele lugar era fantástico suficiente para sustentar suas
fantasias e tornar ainda mais realista aquele mundo que ela iria construir durante seu aniversário.

E ninguém ousou discordar dela.

Haviam balões azuis, prateados e dourados por todos os lados, alguns em formato de estrelas e uma grande meia lua
feita com balões de prata estava fixada contra uma das paredes, da sala de jogos e em frente a ela, uma mesa
coberta com um tecido branco estava cheia dos mais variados doces.

O local era grande e tinha espaço para mesa de bilhar, pebolim, vídeo game e outras coisas que tornavam aquilo um
paraíso para crianças e até para os adultos.

Taehyung estava sentado em um dos sofás confortáveis, suas pernas cruzadas. Aquela fantasia ainda lhe parecia um
pouco estranha para uma festa de aniversário, mas não seria ele a discordar dos gostos de Mi Sun.

O tal filme até que era divertido, ele só não conseguiu entender ao certo a obsessão que sua filha e Jungkook tinham
por aquilo, ao ponto de decorarem todas as falas.

- Bem, aqui está, só precisamos tornar um pouco mais realista. - Jungkook veio até ele, com uma pequena maletinha
amarela e brilhante que pertencia a Sana. Os convidados começariam a chegar em breve, provavelmente Lisa e Rosé
já estavam quase ali a aquela altura.

Taehyung o observou atentamente. O terno listrado, cada mínimo detalhe daquilo parecia ter sido pensado
minuciosamente. Diferente do que Taehyung fez, que consistiu em pegar tecidos coloridos e costurar retalhos sobre
um terno velho que tinha, Jungkook e Mi Sun tinham pensado muito sobre aquilo.

O moreno veio até ele, se sentando em sua frente e colocando a maleta entre eles. Em partes para facilitar o acesso e
em partes para manter uma distância segura.

- Onde estão aqueles dois agora? - perguntou Taehyung.


Jungkook sorriu, sem olhá-lo, buscando por algo entre os batons, paletas de sombras e outras dezenas de coisas que
ele não saberia nomear nem se tentasse.

- Eu vi a Sana se trancar em um dos quartos para trocar de roupa e o Jimin aparentemente desistiu de tentar falar com
ela, o que é um progresso - disse Jeon, pegando o lápis de olho preto - Você conseguiu adaptar bem o que a Mi Sun
pediu.

- Ainda estou curioso sobre o que levou ela a decidir usar fantasias de halloween no aniversário - disse o loiro.

Ele tentava ainda entender qual o tema exato que a menina queria para a festa, mas chegou a conclusão de que Mi
Sun não se prendia a um padrão específico.

A menina apenas juntou todos os seus gostos em uma coisa única, algo que tinha a cara dela em todos os sentidos.
Sem se preocupar se iria combinar, se faria sentido ou se os outros se agradariam, ela só queria que tudo fosse de
seu jeitinho.

Isso não vinha dele. Também não vinha de Jiayu.

Vinha de Jungkook.

Essa percepção o deixou um pouco chocado.

O moreno ergueu a cabeça. Seus olhos profundos e carregados com algo parecido com exaustão, fizeram Taehyung
olhar com atenção no fundo deles sem se importar se aquilo poderia ser considerado algo impróprio para o momento.

Jungkook pigarreou e abriu um sorrisinho mínimo sem mostrar os lábios.

- Você vai mesmo confiar em mim para fazer isso? - perguntou, divertido, semicerrando os olhos em um desafio.

- Estou de olho, se você fizer qualquer palhaçada na minha cara, considera-se um homem morto, Jeon - Taehyung
retrucou, fingindo seriedade.

Jungkook riu, esticando a mão em direção ao rosto dele. Sana tinha dado conta de maquiar Taehyung de forma que a
pele dele parecia pálida, azulada como a verdadeira pele de um cadáver.

Aquele movimento que trouxe a memória de Taehyung algo que ele definitivamente queria esquecer. Os dedos firmes
do homem se firmaram na parte de baixo de seu queixo, firmando a cabeça para que conseguisse firmar o lápis com a
outra mão, contra a pele do loiro, tomando o cuidado para não borrar o trabalho de Sana.

Taehyung sentia que deveria olhar para outro lugar, mas o rosto de Jungkook era particularmente interessante a ponto
de roubar toda sua atenção.

As bochechas cheias, a pele pintada de branco, os lábios finos e tingidos de preto, com duas linhas finas e pretas
perfeitamente traçadas puxando dos cantos da boca dele e se estendendo pela bochecha clara, com riscos verticais a
cortando em uma imitação barata da boca de um esqueleto, os olhos marcados por sombra preta que os rodeava com
círculos escuros. Fofo.

Taehyung tinha total consciência das mãos dele pressionando sua pele e seu corpo inteiro reconhecia aquele toque
simples e singelo como algo capaz de mexer com todas as células.

Os olhos de Jungkook seguiam concentrados em desenhar da forma mais fiel que conseguia se lembrar, as costuras
que marcavam o rosto de Sally no filme.

- Eu estive pensando e acho que vou precisar viajar por uns dias. Tenho férias para tirar na escola e eu pensei em ir
visitar os meus pais em Busan. - Jeon pressionou os lábios mordiscando eles em um ato de nervosismo.

- Oh! - Taehyung fez menção de assentir, mas a mão que estava quase firmando em sua garganta o manteve imóvel. -
Claro, você… deveria ir e descansar um pouco. Eu cuido da Mi Sun e você só vai ter que ligar para ela todas as noites
para dar boa noite, do contrário ela vai ter um surto.

Jungkook respirou fundo.

Ele tinha pensado muito sobre o assunto, mais até do que gostaria de admitir.

Taehyung estava se tornando mais do que ele esperava e isso era perigoso levando em consideração a situação em
que se encontravam.

Aquilo não podia ser considerado uma traição de nenhuma das partes de Jiayu já não estava mais ali, mas então por
qual motivo ele sentia como se fosse um cretino por pensar em Kim daquela forma?

Talvez fosse um aproveitador. Era assim que se sentia.

Primeiro se aproximou e se casou com Jiayu quando ela estava na sua pior fase, depois de um divórcio conturbado e
com uma filha pequena para criar.

E agora, ali estava Taehyung, cheio de traumas e provavelmente em seu pior estado e tudo que ele fez foi se
aproveitar disso também. Kim nem sabia ao certo se gostaria de se relacionar com outro homem daquela forma e
Jungkook pegou aquele momento e usou a seu favor para satisfazer um desejo que pertencia somente a ele.

- O que seus pais pensam sobre a Mi Sun? - perguntou Taehyung.

Sua filha não tinha uma presença muito marcada dos avós maternos e não tinha avós paternos, o que fez com que ele
pensasse por um momento sobre os pais de Jeon. Se eles aceitavam sua filha como membro da família ou, como
suspeitava, rejeitavam, assim como todas as escolhas de Jungkook.

Pelo suspiro pesado do moreno, ele teve sua resposta.

- Meus pais acham que eu tenho o dom pra estragar minha vida. Isso inclui minha carreira, meu casamento com a
Jiayu, escolher continuar morando com você e a Mi Sun. - Jeon olhou para os olhos dele rapidamente e desviou no
instante seguinte. - Eu nunca deixei eles chegarem perto dela, caso você esteja preocupado.

- Não estou tão preocupado com ela quanto estou com você - Taehyung confessou. Jungkook se forçou a não olhar
para ele nem por um segundo, por mais tentador que fosse - Você disse várias vezes que eles são difíceis, me
pergunto se já chegaram a ser hostis com você por causa dela.

- Não importa o que eles pensam, Mi Sun é minha filha e ponto final. - Ele deslizou o polegar de forma involuntária na
garganta de Taehyung, contra o pomo-de-adão, sentindo quando o loiro engoliu seco e arfou. Afastou a mão de forma
instantânea, acreditando que tinha o machucado de alguma forma. - Acho que eles tinham uma imagem de mim, algo
idealizado como um advogado ou médico bem sucedido, casando com uma bela moça virgem e imaculada e tendo
meus próprios filhos.

Jungkook cometeu o erro de olhar para ele.

Taehyung, com seu olhar cheio de compreensão e ternura, conseguia atingi-lo mais fundo do que qualquer coisa. Não
parecia estar ouvindo apenas para ser educado, estava ali, escutando, porque se importava.

- E então aqui estou eu. Tatuagens, ensinando crianças a ler, escrever e fazer matemática básica, viúvo de uma
mulher divorciada e me dedicando a criar uma filha que eu não fiz - Jeon disse.

- Eu sempre pensei que você não se importava com o que os outros pensam de você - Taehyung sussurrou.

- Não me importo. Mas as vezes eu queria… - ele se calou. Não sabia como completar, pois simplesmente não
conseguia entender, não sabia exatamente o que ansiava com tanta força.

Estava preso naquele balanço, sob as estrelas, tentando descobrir o que pedir a aquela estrela cadente.
- Eu entendo - Taehyung disse. Não apenas por não ter mais o que dizer, mas porque genuinamente ele entendia.

Ele ergueu a cabeça, encontrando os mesmos olhos doces de Jungkook.

Ele ficou ali, apenas olhando para o loiro por um longo tempo. Taehyung não desviou o olhar ou demonstrou timidez,
desta vez não pareceu estranho ou tenso, pareceu mais como uma confissão silenciosa.

Como se ambos dissessem: eu sei, também sinto isso.

Jungkook largou o lápis, buscando dentro da caixinha até achar um batom vermelho de um tom escuro. Taehyung fez
uma careta.

- Você disse a Mi Sun que deixaria eu garantir que você fosse a cópia mais fiel possível da Sally, então não pense em
fugir, hyung - disse Jeon, com um sorriso muito satisfeito.

- Você está passando dos limites - replicou o loiro.

- Você prometeu a Mi Sun, vamos lá. Já está parecendo um Smurf pintado de azul, um batom não vai mudar muita
coisa - disse Jungkook.

- Tente algo menos chamativo. Ela não tem aquela coisa que deixa parecendo mais natural? - perguntou o loiro,
colocando as mãos na maleta em busca de algo que o livrasse do batom.

O moreno revirou os olhos, decidindo deixar a boca dele para mais tarde e tornando a pegar o lápis.

- Eu acho que você está uma gracinha. Só me deixe fazer isso sem ficar reclamando - Jungkook falou, se
aproximando mais - Ergue a cabeça, eu não tenho uma coordenação muito boa, vou precisar que facilite um pouco as
coisas.

Taehyung sentiu a pressão do lápis na garganta. Ele pensou que não confiaria em Jungkook com algo como aquilo tão
perto de sua jugular logo que se conheceram, isso o fez perceber como as coisas haviam mudado.

Meses haviam se passado, não pareceu tanto até aquele momento. Jungkook não era mais um estranho, era apenas
uma parte de sua vida.

Uma parte que Taehyung não entendia por completo e que tinha um poder absoluto sobre ele, por mais que não
admitisse.

- Você não vai pegar nenhuma imagem de referência para saber onde riscar? - Kim fixou o olhar no lustre, batendo os
dedos nervosamente na perna, ansiando por terminar aquilo de uma vez.

- Eu já assisti aquele filme mais vezes do que posso contar, eu sei cada fala e cada música de cor e acredite, tenho
uma imagem viva dos personagens na minha mente - disse Jeon.

- O que tem de tão especial nesse filme? - perguntou Taehyung.

Jungkook se apoiou sobre os joelhos para continuar deslizando o lápis na pele dele. O intuito era que a linha
circulasse todo o pescoço e para isso ele precisaria de um esforço a mais, caso contrário, acabaria ficando totalmente
desregular.

- Acho que é difícil entender. Gosto de stop motion, isso é um ponto positivo. E acho que halloween sempre foi meu
feriado preferido. Eu só me identifico com o Jack às vezes. Mi Sun é apaixonada pelo Zero e ela diz que o romance da
Sally e do Jack cura qualquer ferida. - Jungkook riu, se esticando mais, com toda sua atenção focada unicamente em
manter aquele risco reto. Ele chegou perto, suficiente para Taehyung se sentir um pouco acuado. O perfume tentador
o atingiu em cheio e ele moveu os olhos rapidamente para o rosto do moreno que estava quase colado ao lado do seu.

- Acho que foi um pouco premeditado por ela, você ser Jack e eu ser Sally - Taehyung riu, se arrependendo do que
disse logo em seguida.
Jungkook se afastou um pouco e sorriu, passando para o outro lado para concluir toda a circunferência.

- Você sabe que ela é uma estrategista como você - disse o moreno, se sentando novamente e olhando orgulhoso
para o que era o esboço da costura que estava desenhando.

Taehyung correu os olhos pelo rosto dele. Era carinho que aquecia seu coração sempre que olhava para Jungkook.
Um homem com olhos de menino, que parecia tão necessitado de afeto real, atenção e amor, que se dispôs a se
casar com alguém que não o amava na esperança de ter isso em sua vida em algum momento.

Poucas vezes na vida Taehyung sentiu raiva de Jiayu. Se resumia a uma certa irritação quando suspeitou da traição e
uma raiva desmedida por ela não ter falado com ele por telefone nem uma única vez desde o divórcio.

Mas ele sentiu uma pontada de raiva ao perceber que ela tinha se casado com Jungkook para suprir uma carência
momentânea e carnal, para buscar uma espécie de segurança e sem se importar com o que ele sentia.

Foi injusto e sujo, se casar com ele pensando e amando outro e Taehyung odiava imaginar a sensação.

- Você já tinha se apaixonado antes da Jiayu? - Taehyung perguntou, talvez fosse aleatório, mas era uma dúvida real.
Jungkook riu baixinho, pegando a mão dele com aquela delicadeza costumeira e começou a traçar a linha em volta do
pulso com o lápis de olho.

- Duas vezes - Jungkook suspirou - A filha da diretora no ensino médio, que era lésbica, e um garoto que eu não
conhecia.

Taehyung riu, franzindo a testa um pouco curioso e confuso.

- Ele me livrou de tomar uma surra. Devia ser uns cinco anos mais velho, ele estava no ensino médio e eu era um
pirralho de onze - disse Jeon, dando de ombros como se fosse insignificante - Foi minha primeira paixonite, acho que
só percebi isso alguns anos depois, mas na época eu sonhava com ele e ficava tentando me lembrar do rosto e da voz
dele todos os dias antes de dormir. Com o tempo eu esqueci como ele se parecia ou como era a voz dele, mas lembro
que ele tinha um sorriso bonito.

Taehyung riu.

- Uau! - Foi tudo o que disse.

- Digamos que eu tenho um dom para encontrar os romances mais complicados. - O moreno sorriu sugestivo e
sacudiu as sobrancelhas. Taehyung o observou.

Havia um bom tempo que ele se perguntava se era humanamente possível se apaixonar verdadeiramente mais de
uma vez. Ainda não tinha sua resposta, mas sabia que se ele fosse capaz, se ao menos tivesse a chance de escolha,
Jungkook seria sua única e derradeira opção.

Ele queria que as coisas fossem mais simples do que eram. Queria que não existisse aquele medo assustador que o
mantinha preso como uma coleira.

- Acho que tudo que é complicado vale a pena no final - Taehyung sussurrou, um pouco perdido com os próprios
pensamentos.

Jungkook o olhou, de uma forma tão cortante e profunda que Kim prendeu a respiração por um momento.

Provavelmente ia dizer algo, antes de ser interrompido.

- Appas! - O grito que invadiu a sala de jogos decorada, atraiu a atenção imediata dos dois ao verem a garotinha
passar correndo pelas portas que davam acesso ao jardim e à área da piscina.

Mi Sun usava um vestido branco um pouco volumoso e brilhante, os cabelos presos em maria-chiquinhas muito bem
amarradas com dois lacinhos brancos. A ponta do nariz tingida com uma bolinha cor-de-laranja e um sorriso que fazia
seus olhos parecerem apenas dois disquinhos.

Eles dois avistaram Lisa e Rosé vindo logo atrás, com sorrisos muito entusiasmados e com os olhos fixos nas
crianças.

Lia e Hyunki, tinham optado por aquilo que todos sabiam, era sua atual obsessão: piratas. E obviamente, suas mães
foram arrastadas para aquilo da mesma forma. Pelo vestido espalhafatoso que parecia feito de penas e a expressão
um pouco desesperada de Rosé, eles acreditaram que ela tinha sido eleita o papagaio em algum sorteio ou aposta.

- Oh minha nossa, vocês estão tão fofinhos! - Hyunki disse, ajeitando os óculos. Uma das lentes estava coberta com
um tapa olho que parecia ter sido feito sob medida para encaixar ali perfeitamente.

Rosé apoiou as duas mãos nas costas, observando as três criaturinhas muito empolgadas perto da maleta de
maquiagens. Taehyung e Jungkook não hesitaram em se oferecerem para ajudá-los com aquilo.

Tinha sido um desafio e tanto aprontar os três a tempo, mas ali estavam. Os cachos de Lia estavam particularmente
perfeitos e cheinhos de forma que ela sentia vontade de enfiar o rosto entre eles para sentir o cheirinho doce.

Hyunki tinha ajeitado o próprio cabelo, pois segundo ele, já era homem e precisava saber arrumar o próprio topete.

- Sabe aquele papo sobre um terceiro filho? - perguntou Rosé. Lisa a olhou por um breve momento e ela suspirou. -
Você tem razão, três é demais.

❁❁❁

- Zatanna? - Jimin se apoiou no batente da porta tranquilamente, como se não tivesse passado os últimos vinte
minutos em busca de uma cópia da chave do quarto. - É a versão ‘Justice League of America’?

Sana o observou pelo reflexo do espelho. Olhou de esguelha para o cachorro que estava dormindo sobre a cama e
pensou em pedir para que ele mordesse o homem, mas desistiu quando percebeu que Sasuke jamais machucaria
Jimin.

- Não. É de ‘Everyday Magic’. Tirando as botas e o short - ela respondeu, ajeitando a cartola na cabeça - Você não
deveria sair abrindo as portas desse jeito, eu estou me vestindo.

- Eu fecho e abro seus vestidos desde que nos conhecemos, você não é tímida e eu não sou um pervertido. E eu
sabia que você já tinha se trocado, você sempre fica dando voltinhas na frente do espelho para se ver de todos os
ângulos e bate a ponta do sapato no chão pra ver como ele fica no seu pé quando você pisa no chão e quando ergue
para andar - ele disse, apontando os coturnos pretos.

- O que você quer, Jimin? - ela se virou por completo. Não estava irritada, apenas parecia cansada demais para
discutir ou fugir. Pareceu estar disposta a ouvir apenas para que ele parasse de lhe perseguir.

- Eu senti sua falta - ele confessou, cabisbaixo.

- Ótimo, era só isso? - Ela cruzou os braços.

Ji fechou a cara com desgosto.

- Você pode parar de agir como se eu fosse um ninguém? Porra, Sana! Somos amigos, você não pode esquecer disso
tudo por uma discussão idiota! - Ele sacudiu os braços impaciente.

- Como eu disse, - Sana tirou a cartola e passou os dedos entre os cabelos. A fantasia se assemelhava muito à
verdadeira vestimenta de Zatanna, com a diferença de que o short preto cobria muito mais do que a roupa original da
personagem faria. - não somos amigos. Agora se me der licença, vou descer e esperar meu namorado.

Ela sorriu com cinismo e tentou passar pela porta, mas ele apoiou os braços nos batentes, bloqueando a passagem. A
mulher parou e cruzou os braços, decidindo que sua estratégia de fingir indiferença era sua melhor vantagem.
- Fala sério, você não gosta do Jackson. Por que voltou com ele? - perguntou ele.

- Se eu voltei com ele, se gosto dele ou não, é problema meu. Não foi você quem disse que eu não sei o que é amar
alguém de forma tão devastadora e apaixonada como você ama a Jisoo? - Sana colocou a mão no peito de forma
dramática. - Que eu nunca saberia a dor que você sente por ver ela se casando com a sua irmã porque eu não sei o
que é amar alguém. Bem, eu estou tentando provar o contrário.

Ele se sentia um idiota.

- Você não gosta dele - Jimin rebateu. Não tinha argumentos, não tinha nada além de raiva, e ela não lhe permitia
pensar racionalmente.

- Talvez eu possa gostar. Talvez eu possa amar ele. - Ela deu de ombros, jogando os cabelos castanhos sobre o
ombro e posicionando a cartola na cabeça mais uma vez. - Então, larga do meu pé.

- O que eu preciso fazer para voltar a ser como antes? - perguntou ele, com um pouco de desespero.

Sana por muitas vezes se deixou levar por aquele olhar tristonho e caído, pela forma como Jimin tinha o dom de inibir
seus sentidos a ponto de ela só conseguir pensar em fazer qualquer coisa que fosse ajudá-lo a se sentir melhor.

Mas não ia mais dar uma gota daquela atenção para ele. Afinal, ele tinha provado que aquilo era uma via de mão
única.

- Não vai ser como antes - ela disse, com sinceridade - Eu cansei. Um amigo deve ser um porto seguro, algo que torne
nossos dias leves e divertidos, você me tira o sono a noite e isso é um inferno.

Jimin acreditou que um tapa teria doído menos. Apesar da voz dela ser branda e calma, ele via a seriedade nos olhos
dela, que tornava aquilo tudo muito mais pesado.

- Você não sentiu minha falta, sentiu falta da atenção e de me ter lá disponível para você 24 horas por dia para te ouvir
e te acalentar. Você pode acreditar que o que disse foi só a última gota que fez o copo transbordar - Sana falou.

- Concorda com o que a Jisoo disse? Sobre eu ser sufocante? - ele perguntou baixinho, como se quisesse que apenas
ela ouvisse, apesar de estarem sozinhos.

- Nenhuma merda que ela disse era verdade. Só que você podia ter me dito que não estava bem para conversar, ao
invés disso preferiu gritar comigo como se eu fosse a vilã de uma história que eu nem faço parte. - Ela suspirou.
Diante do silêncio dele, decidiu continuar. - Eu nunca exigi ou pedi nada em troca. Só que eu também sou humana.
Você sempre me fez sentir só como um travesseiro onde você chora a noite toda e esquece assim que o dia
amanhece. Eu nunca senti que realmente minha presença fosse importante por qualquer outra coisa além de cuidar de
você.

Ela deu de ombros.

- Não quero estar em um lugar em que me sinto um tanto faz - disse Sana.

Ela o empurrou com o máximo de força que conseguiu e saiu do quarto em direção ao corredor.

Jimin respirou fundo.

Sana não era um tanto faz, no entanto, ele não sabia como fazer com que ela soubesse disso.

❁❁❁

Era uma sala de estar pequena, a televisão estava ligada com algum desenho qualquer e todos podiam ouvir o som da
música que vinha da sala de jogos. A festa começaria em breve e ela precisava ser rápida.

- Então vocês sabem que eu os reuni aqui - Mi Sun disse, com as mãos nas costas e andando de um lado a outro em
frente ao sofá. Seus ouvintes, Hyunki, Lia e Sasuke, a observavam atentamente sem desviar o olhar. E talvez o cão
fosse o mais comportado deles - porque definitivamente nós temos que dar um jeito nessa situação.

Ela fez uma pausa, olhando todos com superioridade, empinando o nariz e estufando o peito para ter um ar de
grandeza.

- Se você quer juntar seus pais sem receber uma bronca, precisa ser discreta, Mi Sun - Hyunki observou.

- E é por isso que vocês vão me ajudar. Meus appas, o Yoongi e o Hoseok… talvez a professora Sana e o tio Ji
também… - Mi Sun apoiou o indicador no queixo, batendo repetidamente ali, pensativa. - Precisamos trabalhar juntos.

- O Sasuke não vai saber ajudar, ele é só um cachorro - Lia lembrou.

- Ele vai sim, porque ele é muito inteligente, não é? - Mi Sun segurou o enorme rosto peludo do cão e sorriu,
acariciando de forma que Sasuke se esticou para lamber o rosto dela.

- Mas o que você quer fazer exatamente, Mi? - perguntou Hyunki.

- Disseram que nós não podemos nos meter porque isso é assunto de adultos, mas nada nos impede de dar uma
mãozinha para resolverem as coisas, não é? - Ela deu de ombros em resposta.

- Vamos fazer como nos filmes! - Lia disse.

- Oh, prender eles em uma sala? Ou no elevador? - perguntou Hyunki.

- Isso são ótimas ideias. - Mi Sun bateu na cabeça do amigo, como uma espécie de afago por ter se esforçado em
pensar.

- Kim Mi Sun, venha aqui agora! O Yoongi chegou! - Eles ouviram a voz de Jungkook gritando direto da sala de jogos
e suspiraram.

- Você cuida do tio Nam e do tio Jin. - disse Mi Sun, apontando para Lia. - Você dá um jeito no Yoongi e no Hoseok. -
Ela apontou Hyunki e em seguida se inclinou para o cachorro. - E você Sasuke, tente ajudar Sana e Ji a fazerem as
pazes.

- Mi Sun! - Taehyung gritou.

- Estou indo, appa! - Ela gritou de volta. Em seguida olhou seus cúmplices e sorriu, muito satisfeita com sua própria
genialidade. - Isso vai ser divertido.

Jimin talvez não fosse a pessoa mais indicada para escolher a trilha sonora de uma festa infantil, no entanto, ninguém
ia questionar já que as crianças sequer pareciam prestar atenção na música, estando mais ocupadas com todos os
brinquedos da sala de jogos do que qualquer outra coisa.

Taehyung definitivamente estranhou quando viu Namjoon chegar ao mesmo tempo que Jin, mas resolveu não
questionar. Ele sabia que seu cunhado podia ser um tremendo pervertido na maioria das vezes, Namjoon não fazia
acepção de pessoas quando se tratava de paqueras.

E ele não estava tão interessado nos convidados ou na pilha crescente de presentes empilhados sobre a poltrona,
seus pensamentos estavam bem fixados no outro lado da sala, mais especificamente na mesa de bilhar.

Jungkook, Jaeyun, Sana e Jimin pareciam mais interessados no jogo do que em qualquer coisa, mas era um pouco
visível o que de fato estava acontecendo ali.

Taehyung sabia que Jaeyun frequentemente flertava com Jungkook, assim como fazia discretamente com ele, apesar
de ser com menos frequência por levar seu trabalho como psicólogo de Taehyung muito mais a sério. Mas era um
pouco incômodo vê-lo claramente engolir Jeon com os olhos enquanto o outro fingia que não via ou definitivamente
era lento demais para perceber.

Kim segurou o copo com firmeza. Eles tinham decidido manter bebidas alcoólicas fora do cardápio, o que tornava o
refrigerante a bebida mais forte que ele podia consumir ali.

- Como você tem passado? - Namjoon perguntou, se apoiando no balcão do bar que ficava no fundo da sala,
fantasiado como uma espécie de duque ou sabe-se-lá o que do século XXI.

Era onde Taehyung tinha decidido se esconder, já que não tinha que ficar no meio da nuvem crescente de pessoas e
conversar com elas.

Ainda era assustador ter que manter diálogo com um monte de pessoas que só saberiam fazer perguntas sobre a
guerra ou sobre como ele estava se sentindo desde que retornou e viu sua vida virando de cabeça para baixo. Era
cansativo se esquivar de perguntas inconvenientes.

- Ótimo. - Taehyung virou o copo na boca com um pouco de raiva, como se fosse vodka e não sprite.

Kim franziu a testa, perseguindo o olhar irritado do loiro em busca de alguma resposta.

Namjoon não era exatamente a pessoa mais experiente quando se tratava de romance, mas como advogado, ele teve
que aprender truques para compreender e ler as pessoas apenas observando e acabava analisando o comportamento
de todos mesmo sem perceber.

Ele olhou com atenção, o rosto concentrado de Taehyung, com os olhos emitindo o que parecia ser uma luz que vinha
de dentro e algo nele faiscando como uma dose absurda de raiva.

- Você e o Jungkook se acertaram então? - perguntou ele, erguendo uma sobrancelha.

- Ah, claro - disse Taehyung, piscando com força e voltando a prestar a atenção nos doces que organizava na
bandeja, empurrando de lado o copo vazio. - Digamos que nós encontramos um jeito de nos darmos bem.

Namjoon se calou, apenas para observar.

Mais uma vez, não demorou para que a atenção dele se desviasse dos doces e viajasse em direção ao moreno com
rosto pintado, como um magnetismo que o forçava a manter os olhos fixos nele o tempo todo.

- Que jeito foi esse? - perguntou o homem, um pouco interessado.

Taehyung deu de ombros, voltando a encarar a bandeja.

- Você veio com o Jin? Não sabia que vocês se conheciam. - Taehyung mudou o assunto drasticamente, o que na
opinião do advogado, foi uma ótima estratégia desesperada de desviar de um ponto perigoso.

- É, nós nos conhecemos um dia desses e meu carro quebrou. Como ele vinha também, pedi uma carona - respondeu
Nam, estreitando os olhos para Taehyung, ainda muito desconfiado do comportamento dele.

- Você não vai se dar bem com ele. Jin não se deixa seduzir facilmente, então se você quer fazer dele mais uma
vítima, pode esquecer - disse o loiro, deslizando um brigadeiro para dentro da boca sem se importar se alguém o
veria.

Namjoon riu.

- Ele já deixou isso bem claro, você não precisa me advertir. - Namjoon tentou pegar um doce, mas recebeu um tapa
firme de Kim, que o fez bufar com certa irritação.

Taehyung olhou em direção a mesa de bilhar. Era curioso que Jimin aparentava orbitar Sana como uma espécie de
espírito perseguidor, mas não se via mais ele dirigir uma única palavra a ela, como se reconhecesse que era um
esforço vão.

Ele viu quando Jungkook apoiou o taco no chão e usou de apoio para o antebraço, observando a jogada de Jaeyun. O
psicólogo errou de propósito, visivelmente deixando o jogo mais fácil para o moreno, o que chegava a ser um pedido
descarado para que Jungkook o recompensasse sabe-se-lá como.

- Quais as chances de vocês terem transformado aquela rixa idiota em algo… digamos, nada platônico? - perguntou
Nam.

Taehyung riu e bufou. Ele definitivamente torcia para que o pavor não se fizesse presente em sua voz.

- Acho que nulas - disse ele.

O cunhado olhou mais uma vez em direção a mesa de bilhar, com uma desconfiança completamente apurada.
Jungkook tirou o olhar da mesa por meio segundo e olhou diretamente para Taehyung, como se estivesse plenamente
consciente de onde estava e qual o movimento necessário para encontrar seus olhos.

Kim olhou para Taehyung com os olhos arregalados, apontando o grupo em volta da mesa.

- Você gosta dele? - Namjoon perguntou, um pouco surpreso com a própria conclusão.

Taehyung fechou a cara instantaneamente e desviou o olhar para ele, um pouco assustado em ter seus pensamentos
ditos em voz alta e por outra pessoa.

- Quem? O Jaeyun? Por favor, Namjoon, ele é meu psicólogo! - Taehyung riu, um pouco desesperado.

- Não o Jaeyun, o Jungkook - Nam disse, calmamente.

Taehyung apoiou as duas mãos no balcão e olhou para ele com muita seriedade, respirando e expirando várias vezes.

- Não é certo - disse ele.

- Você não negou. - O mais velho sorriu, acusando.

- Só estou querendo dizer que pouco importa, isso é errado em um nível absurdo e você não deve ficar falando
besteiras. - Taehyung empurrou a bandeja pronta para o lado e começou a encher a próxima com os docinhos que
estavam na caixa de papelão na parte baixa do balcão.

- Vocês literalmente tem uma filha juntos, me diga onde está o “erro absurdo”. - Nam cruzou os braços sobre o balcão.

- Nós dois fomos casados com a sua irmã, caso tenha esquecido - disse o loiro. Não pareceu um argumento tão bom
quando disse em voz alta. - E eu ainda tenho muitos problemas. Jungkook tem muitos problemas. Não quero que ele
veja mais de mim do que é necessário.

- Jiayu não está mais aqui, Taehyung. Eu a amava, você a amava, Jungkook a amava, mas ela se foi. Eu acho muito
injusto com ela e com vocês ficar a usando como uma desculpa para o seu medo - disse Namjoon, alto suficiente para
que apenas Taehyung o ouvisse. Os olhos atentos do loiro, a parcela de desespero dentro deles, dizia de forma
silenciosa que ele estava muito perdido. - Você não merece essa gaiola. A Jiayu te amava e tenho certeza que ela ia
querer que você superasse isso ao invés de ficar preso nessa armadilha.

- Jungkook nunca ouviu um “eu te amo” em toda a vida dele - Taehyung sussurrou, cabisbaixo - Ele nunca foi amado
de verdade. Pelo que eu ouvi a família dele deve ser uma droga, a Jiayu só se casou com ele para me substituir, ele
nunca se sentiu amado, Namjoon. Eu não quero ser só mais uma pessoa que chegou na vida dele, pegou o coração
dele e depois foi embora sem mais nem menos, porque é isso que nós fazemos… ele perde as pessoas e eu vou
embora da vida delas.

Ele respirou fundo, fechando os olhos e cravando as unhas curtas no mármore do balcão.
- Jungkook ama quem não pode amá-lo e eu não sei amar alguém sem me tornar uma cicatriz. Somos a receita de um
desastre de proporções épicas - disse Taehyung, pegando a bandeja. Ele sorriu para Namjoon. - Então eu prefiro
sofrer um pouco agora e evitar uma dor dilacerante no futuro. Acho que não sobreviveria a mais um coração partido.

❁❁❁

- Aconteceu alguma coisa entre você e o Taehyung? - Jaeyun perguntou, de forma tão repentina que roubou o ar dos
pulmões de Jeon se mais nem menos, o fazendo perder o domínio sobre o taco e errar a jogada de forma humilhante.

Ele ergueu minimamente o olhar para Sana e Ji, que o observavam do outro lado da mesa, apenas lhes dizendo
silenciosamente para ficarem completamente calados.

Ele podia despistar Jaeyun sem levantar suspeitas, a última coisa que precisavam era mais alguém especulando
sobre eles. Ainda mais depois das perguntas um pouco indiscretas de Lisa que denunciavam que provavelmente Mi
Sun acabou deixando algo escapar.

- Não, por quê? - perguntou ele, pigarreando assim que notou que a voz tinha afinado mais do que deveria.

Jaeyun se manteve imóvel, com aquele típico olhar de quem estava analisando todos os pontos da situação. Ele
direcionou seu olhar para Ji e Sana, que observavam tudo com certo pavor.

Ambos desviaram o olhar e fingiram observar as posições do jogo, uma clara denúncia de que eles sabiam de algo,
mas não podiam falar.

Ele respirou fundo, estreitando os olhos em direção ao moreno, que encarava as bolas coloridas na mesa com certo
afinco.

- Nada não - respondeu o psicólogo.

Ele contou mentalmente. Cinco, quatro, três, dois e…

- Ele falou alguma coisa na terapia? - Jeon perguntou, fingindo normalidade.

- Ele deveria ter me dito alguma coisa? - retrucou Jaeyun.

- Oh, é sua vez, Jaejae - Ji disse, atraindo a atenção do homem.

Jaeyun observou os três em completo silêncio por um tempo torturante.

- Vocês querem saber de uma coisa curiosa? Quando as pessoas dizem que os olhos são a janela da alma é porque,
apesar do que a boca fala, os olhos não mentem, não há como controlar a forma como eles espelham o que sentimos
no interior. - Jaeyun se inclinou sobre a mesa, se posicionando para jogar, parecendo totalmente distraído. - Quando
estamos apaixonados, nossas pupilas dilatam quando estamos perto, vendo ou até mesmo pensando em determinada
pessoa, mas sabem porque isso acontece?

Silêncio. Ji, Sana e Jungkook nem pareciam estar de fato prestando atenção.

- Quando nos apaixonamos, nosso cérebro libera várias substâncias e hormônios, entre eles, a norepinefrina que é um
neurotransmissor ligado diretamente ao sistema nervoso autônomo, o sistema simpático. - Jaeyun fechou um olho e
manteve o outro aberto, ajustando a mira. Sua voz continuava tranquila e muito calma, a ponto de os três estarem
completamente concentrados e perdidos no que ele falava. - O sistema simpático é responsável pela sensação de
excitação, atenção e estresse. Quando ele é ativado, vem uma série de coisas. Inibe a salivação, acelera os
batimentos cardíacos, dilata as pupilas, estimula a produção de adrenalina, entre outras coisas. Daí vem a boca seca,
batimentos acelerados, borboletas no estômago.

Jaeyun acertou em cheio a bola branca, que bateu com força contra a vermelha e a fez rodar pela mesa. O som do
impacto assustou os três desatentos e ele abriu um sorrisinho ao voltar a ajustar a postura, apoiando o taco no chão e
se escorando nele.
- Você. - Ele apontou para Jungkook. - Você. - Indicou Sana em seguida. - E você. - Esticou o dedo acusador em
direção a Ji. - Os olhos de vocês são grandes delatores e a menos que tenham consumido uma quantidade absurda
de cocaína antes de virem para cá, suponho que haja muito mais do que eu sei rolando por aqui.

Os três riram, simultaneamente. Talvez fosse uma risada nervosa, desesperada ou até sarcástica, Jaeyun sabia
interpretar muito bem cada uma delas. Teria feito uma acusação muito mais aprofundada se não fosse interrompido.

- Hey, gatinha! - Sana se virou rapidamente, com um sorriso gentil ao ouvir aquilo que tinha a certeza que era
direcionado a ela. Jimin revirou os olhos tão forte ao ouvir aquela voz que eles poderiam ter ficado presos do lado
avesso.

Jackson Wang. Rico, bonito, com músculos muito bem definidos e um sorriso de dar inveja. Ele era o que muitos
homens e mulheres matariam para terem ou serem, um modelo bem sucedido que ganhava dinheiro apenas por ser
escandalosamente lindo.

Para Jimin, ele era nauseante.

Ele se aproximou da mesa de bilhar, enfiado em uma fantasia que parecia ter vindo direto de algum jogo RPG.

Ele se colocou entre Sana e Jimin, sem se importar e empurrar leve e discretamente o homem para o lado para
assumir seu lugar. Passou o braço em volta do ombro da mulher e a puxou para deixar um beijo delicado nos cabelos
castanhos.

- Boa noite, me perdoem o atraso, eu estava em uma sessão de fotos. - Ele sorriu amigável para todos. - Oh, JK, a Mi
Sun pode não ter sua genética, mas definitivamente sua personalidade tem influenciado ela.

Jungkook sorriu.

Ele olhou de esguelha para Jimin.

- JiJi! - Jackson lhe deu uma cotovelada leve. - Não vi você aí, como vai?

- Claro que não viu… aí! - Ele resmungou, e gemeu quando Jungkook pisoteou seu pé sem dó, na esperança que ele
ao menos tentasse ser amigável. - Bem. E você, Jackson?

Wang passou os olhos por ele e virou um pouco a cabeça, estreitando os olhos ligeiramente desconfiado.

- Eu estou ótimo. Vocês combinaram as fantasias e não me avisaram? - perguntou ele, com um sorrisinho cúmplice.

- Não - Ji e Sana responderam em coro.

- Eu só tinha essa fantasia do Constantine guardada do Halloween passado - Ji completou.

- Eu pensei que ele não tinha mais ela - Sana replicou e já olhou para Jackson, abrindo um sorriso. - Você quer jogar
com a gente?

- Claro que sim, gatinha - respondeu ele, direcionando um olhar cheio de admiração para a mulher.

Jackson era um homem emocionado, ele normalmente era conhecido por fazer as coisas no impulso, sempre deixava
seus sentimentos o dominarem sem se importar com nenhuma consequência. Talvez isso o tenha levado a pedir Sana
em casamento no terceiro encontro e por mais que Jimin odiasse admitir, todo o carinho que o homem tinha por ela
parecia muito real e palpável.

- Ótimo, podemos começar do princípio - Jaeyun disse, pegando mais um taco na parede e se aproximando do mais
novo participante.

Jackson olhou para ele, com certa curiosidade e sorriu da forma mais irritantemente amigável que existia. Jimin revirou
os olhos mais uma vez.
- Você é… - Ele apontou o psicólogo, a espera da resposta.

- Kang Jaeyun - o homem disse, estendendo a mão. Jackson apertou de imediato.

- Jackson Wang - respondeu ele.

- Então você é o famoso namorado da Sana. - Jaeyun o olhou dos pés à cabeça e deu de ombros, com um sorrisinho
direcionado a Jimin. - Isso não tem como ficar melhor.

- Taehyungie! - O grito estridente que Ji já conhecia muito bem se fez presente. A garota atravessou o local em menos
de meio segundo e se jogou contra Taehyung com tanta força que ele precisou de muita força para que ambos não
fossem ao chão.

E obviamente, na porta, observando a euforia da noiva ao avistar o amigo antigo que há muito tempo não abraçava,
estava Jisoo. Os olhos dela percorreram a sala de forma quase instantânea pairando sobre Jimin. Ele olhou em
direção a Jin, que estava em outro lado com Lisa e outros funcionários do Instituto que tinham sido convidados por Mi
Sun.

Seu irmão não o julgou, mas seu olhar dizia claramente que era hora de dizer a verdade a Jennie.

Ji fechou a mão em torno do taco e abaixou a cabeça.

- Acabou de ficar - Jaeyun resmungou consigo mesmo.

❁❁❁

- O que tá olhando, moleque? - Yoongi perguntou no instante que começou a ficar perturbador ser encarado por
aquela criança quatro olhos.

Hyunki fungou e ajeitou os óculos no nariz.

- Você é quem? - perguntou o garotinho. Ele já tinha um plano em mente para, como Mi Sun tinha dito, ajudar os
Cupidos com o trabalho deles já que estavam demorando demais. Mas para isso, precisa conhecer o terreno.

- Eu sou Erik, o Fantasma da Ópera. E você é quem? Jack Sparrow? - retrucou o pianista.

- Não, sou Barba Negra - respondeu o menino.

- Mas você não tem barba - Yoongi replicou.

- Só tenho seis anos, claro que não tenho barba - Hyunki disse com a seriedade de quem estava explicando algo
muito complicado.

- Vai brincar, vai. Eu estou ocupado! - Yoongi sacudiu a mão como se espantasse um bichinho de estimação.

Hyunki suspirou, olhando em direção a Hoseok. Estava começando a acreditar que Yoongi era irritante demais para
Hobi. Jung era incrivelmente gentil e alegre, enquanto Yoongi… bem, ele não entendia a razão de Mi Sun considerá-lo
seu melhor amigo.

- Você pode me ajudar com uma coisa? - pediu Hyunki.

Yoongi desviou a atenção da televisão onde estava assistindo Ratatouille e olhou para o menino com um suspiro. Ele
se inclinou na direção do pequeno e o cutucou na barriga, arrancando uma risada involuntária.

- Vai, fala aí o que você quer - disse ele.

- Eu estava tentando escrever um bilhetinho… para a Mi Sun. Mas minha letra é muito feia, você se importa se
escrever para mim, hyung? - pediu ele.
Era um pouco irresistível. Aquelas orbes grandes por trás das lentes profundas. O único olho que podia ver brilhava
como uma espécie de réplica do olhar do Gato de Botas.

Yoongi suspirou e agarrou o papelzinho das mãos do menino e a caneta que ele estava lhe estendendo.

- O que quer escrever, ein? - perguntou o pianista.

- O que você escreveria para alguém de quem você gosta muitíssimo? - Hyunki juntou as duas mãos pequenas e
gorduchas sobre o colo com o olhar de um profissional.

Yoongi franziu a testa.

- Sei lá, algum poema? - ele resmungou.

- Escreva algo bonito - pediu Hyunki, sacudindo a mão como para dizer que não importava muito contanto que viesse
dele - E diga algo no final como: gosto muito de você.

Yoongi fez uma careta para o papel.

Ele rabiscou da forma mais legível possível, utilizando algo que provavelmente não seria difícil para Mi Sun entender.
Em seguida, dobrou o papel com muito cuidado e entregou a Hyunki.

- Você quer saber de uma coisa, eu acho que você deveria falar para ele que gosta dele. Seria muito mais fácil, não
acha? - Hyunki perguntou.

Yoongi riu. Mi Sun e aquela linguinha de trapo.

- Olha, nem sempre o romance é simples assim, você não pode assustar as pessoas confessando seus sentimentos
como um louco. Precisa ser sutil - Yoon disse, bagunçando os cabelos do garoto - Agora vaza daqui e me deixa ver o
filme.

Hyunki pulou do sofá e pisou no chão com firmeza, segurando o papel nas mãos como se fosse um tesouro precioso.

Ele correu em direção a Hoseok, olhando sobre o ombro para garantir que Yoongi não estava olhando e puxou a
manga do casaco dele, atraindo sua atenção da conversa que estava tendo com Mercedez.

Hobi abriu o maior dos sorrisos para ele.

- Com licença, senhor. Aquele homem pediu para entregar isso para você - disse Hyunki, estendendo o pequeno
bilhete. Mercedez, que conhecia Yoongi bem o suficiente para estranhar aquilo, estreitou os olhos com desconfiança e
olhou na direção em que Hyunki apontava.

Hobi franziu a testa, mas pegou o bilhete com um pouco de curiosidade no olhar.

O garotinho saiu correndo como se a tarefa concluída fosse o que precisava para poder brincar livremente.

Hoseok abriu o papel devagar e não teve dúvidas de que aquela era a caligrafia que ele conhecia tão bem.

Assim como a lua reflete a luz do sol, meu sorriso é reflexo do seu.
Gosto muito de você.

Hobi pressionou os lábios, não querendo sorrir, não querendo que seu coração batesse ainda mais rápido por algo tão
simples. Ele não era uma criança para estar tão entusiasmado com um bilhetinho, no entanto, ele tomou uma decisão
a respeito daquilo.

Se Min Yoongi tinha sentimentos por ele ou não, não passaria daquela noite sem que Hoseok fizesse algo a respeito
para descobrir a verdade.

❁❁❁
- Eu não acredito que levamos tanto tempo para nos vermos de novo! - Jennie segurou as duas mãos de Taehyung.
Mesmo seno mais nova, mesmo que ele fosse um homem adulto, ela tinha o hábito de analisá-lo por completo. Se
estava saudável, se aparentava estar dormindo bem, se tinha algo o incomodando. Antes de qualquer coisa, Jennie
sempre se certificaria que ele estava bem. - Você está tão bonito que dói, seu idiota!

Taehyung riu, beijando as duas mãos dela com total empolgação. Sequer tinha percebido quanto tempo se passou até
perceber que ela já não era mais uma garotinha saindo do colegial.

Jennie estava com os cabelos mais longos do que ele se lembrava, modelados em ondas perfeitas e sedosas. O corpo
muito bem enfiado em um conjuntinho amarelo idêntico ao do filme ‘As patricinhas de Beverly Hills’. Ela exalava
maturidade em cada suspiro e até a postura era diferente da Jennie que ele viu crescer.

- Você está maravilhosa! - disse ele, segurando a mão esquerda e cutucando o anel grande com o polegar - E vejam
só se não é um símbolo capitalista da prisão deplorável e sufocante chamada: casamento.

Jennie riu, parecendo não ligar para a provocação.

O sorriso no rosto dela era como uma facada no peito, pois Taehyung não conseguia imaginar quão doloroso seria
quando ela soubesse a verdade que Ji e Jisoo escondiam. Que todos eles escondiam.

Ela olhou por cima do ombro, para a mulher que estava parada na porta como se estivesse em um campo minado.

- Amor! - Jennie gritou.

Jisoo sorriu para ela, e apesar de estar hesitante, não pensou duas vezes em andar em direção a noiva com um olhar
bastante apaixonado.

Taehyung olhou em direção a mesa de bilhar, Jimin parecia estar distraído com o jogo.

Jennie pegou a mão de Jisoo e a trouxe mais perto.

- Esse é o Taehyungie - ela disse a noiva - E Taehyungie, essa é a Jisoo, minha noiva.

- É um prazer te conhecer, Jisoo - disse ele, forçando um sorriso amigável.

Jisoo era verdadeiramente bonita como Jimin falava, e pelo sorriso, ela deu a entender que sabia que Taehyung
estava ciente de quem ela era. Os olhos da mulher se mantinham baixos, como se estivesse com medo do que a
aguardava.

- Oh, Ji! - Jennie gritou assim que avistou o irmão, pegando Taehyung por uma mão e se mantendo com Jisoo na
outra.

Jimin mergulhou no total desespero quando viu o grupo se aproximando da mesa de bilhar, com um total desespero.

Apesar de todas as ressalvas, de todas as contrariedades, Sana se aproximou dele rapidamente, virando de costas
para as mulheres e ficando na ponta dos pés para bloquear o campo de visão dele.

Ainda estava furiosa, ainda queria distância, mas sabia que ele estava completamente apavorado e se sentiria horrível
se o deixasse sozinho naquilo.

- Você devia falar pra ela logo - disse ela, baixo suficiente para que apenas ele ouvisse - Acaba com isso de uma vez.

Ele olhou nos olhos dela. O rosto de Sana, como sempre, estava distorcido em uma expressão de pura preocupação e
carinho. Os olhos, no entanto, lhe trouxeram à memória as palavras de Jaeyun. Olhos quase inteiramente negros, a
íris quase engolida pelas pupilas grandes que pareciam buracos negros, prontos para levarem tudo que ele tivesse a
oferecer.

Os dois se assustaram quando, repentinamente, Jackson abraçou a cintura da mulher com o braço firme e a puxou
para perto, roçando o nariz na bochecha dela, entre as madeixas do cabelo castanho.

E Sana sorriu.

Jimin não acreditava que pudesse haver no mundo algo mais irritante e desconcertante.

Ela não gostava dele. Não realmente. Por qual motivo ficava sorrindo quando ele a tocava?

- Você quer ir comigo pegar alguma coisa para beber? Estou morrendo de sede - perguntou ele, lançando um olhar
rápido para Ji.

Jackson sabia.

Algo que talvez nem Jimin soubesse com certeza, ele já sabia pela forma hostil como lhe olhou nos olhos, parecendo
lhe alertar de que manter distância era o melhor a fazer.

Uma ameaça silenciosa.

- Claro! - Sana respondeu.

- Aí meu Deus, Sana! Eu definitivamente preciso do seu número, acho que perdi ele de algum jeito, mas… - Os três se
viraram. Jennie já estava ali, tinha soltado a mão de Jisoo e Taehyung, mas os trouxe consigo para a roda da mesa,
como uma reunião que ela tinha esperado séculos para realizar.

Beijou a bochecha de Jungkook, cumprimentou com cordialidade Jaeyun e Jackson e arrastou Jisoo para perto do
irmão e de Sana.

O restante deles se manteve ali, observando em silêncio.

- Jisoo essa é a… - Jennie tentou, mas Jisoo interrompeu, com um sorriso forçado e um simples gesto da cabeça
como cumprimento.

- Sana - disse Jisoo - Você ainda está com o Jackson, isso definitivamente é uma surpresa.

Jennie franziu a testa.

Taehyung parou ao lado de Jungkook e, apesar de todos os protestos de sua mente conturbada e de seus sentidos
traidores, se achegou a ele afim de buscar informações.

Ele esteve longe por muito tempo, boa parte do que ocorria ali ainda era mistério para ele.

Sequer precisou perguntar, já que Jungkook se inclinou na direção dele, com os lábios bem perto do ouvido e
sussurrou de um jeito que fazia as cócegas causarem arrepios na extensão da pele.

Jaeyun não conseguia decidir em que prestar a atenção, já que tudo parecia interessante demais.

- Elas se conheciam antes mesmo do Ji conhecer as duas. Eu nunca soube como ele conheceu a Sana, mas… - ele
não terminou, já que todos estavam mais interessados no diálogo dos demais.

- Vocês já se conhecem? - perguntou Jennie, entusiasmada.

- Trabalhávamos juntas em uma cafeteria quando eu estava na faculdade - Sana explicou - É ótimo ver você, Jennie.

Jackson, com o que Jimin costumava chamar “cérebro de meia ervilha”, estreitou um pouco os olhos com total
desconfiança, unindo as peças em sua mente.

Ele se lembrava de Jisoo, mas não com Jennie.

- Meus parabéns pelo seu noivado - disse Sana, com total sinceridade. Jennie sempre foi a pessoa mais gentil que ela
conhecia, Sana chegava a pensar que era uma tremenda covardia que estivesse tão alheia à situação.
- Jisoo, você não… - Jackson estava a ponto de desvendar o mistério, mas foi rapidamente despistado.

- Vamos buscar algo para beber, você disse que estava com sede. - Sana o empurrou, buscando sair dali o quanto
antes.

Ela sequer viu ao certo de onde veio, mas a monstruosidade peluda que era seu filho de quatro patas, interveio sem
mais nem menos, pulando sobre ela de forma que Sana se obrigou a se afastar de Jackson.

Ele se virou, com um sorrisinho e colocou as mãos nos bolsos, esperando com impaciência no olhar, que Sana lidasse
com o ataque.

- Sasuke! - ela resmungou, sentindo as patas dianteiras do cachorro se apoiando em sua cintura, enroscando o
focinho na parte debaixo do queixo de Sana e lambendo com alegria. Ela riu. - Tá, já entendi, vou brincar com você lá
fora depois.

- Jisoo, esse é meu irmão - Jennie sorriu radiante, ainda com os olhos fixos em Sasuke e já esperando a oportunidade
para atacar o cachorro com carícias - Jimin.

Ji desviou o olhar de Sana diretamente para Jisoo. Uma pergunta silenciosa pairava entre eles, algo como um
questionamento se era o momento e o local para aquilo.

- Muito prazer, Jisoo - disse Jimin, resolvendo se limitar a aquilo por enquanto. Jisoo engoliu seco, apertando a mão
dele com receio.

Sasuke se desprendeu de Sana, com rapidez impressionante, e se achegou a Jimin, sentando no chão diante dele e
empurrando a cabeça contra o joelho, como se pedisse para que ele recuasse.

- Eu vou levar ele lá pra fora, ele provavelmente precisa fazer as necessidades e não vai sozinho porque já anoiteceu
e ele tem medo do escuro. - Ji aproveitou a deixa para se abaixar e segurar a coleira dele.

- Deixa comigo, eu cuido disso - Sana disse, tentando espantá-lo para longe do cachorro.

- Eu levo ele, você pode ficar com o seu namorado - Jimin retrucou, empregando tanta agressividade da palavra
namorado que fez a mulher franzir a testa com irritação.

- É meu cachorro, Jimin, acho bom você… - Ela não terminou de falar, já que Sasuke deu um bote tão rápido e preciso
que eles só se deram conta quando já tinha passado, abocanhando a carteira que estava ligeiramente mal colocada
no bolso da calça de Ji.

A carteira deslizou sem dificuldade e Sasuke correu com ela presa entre os dentes, sem olhar para trás e sem se
importar com os berros desesperados. Passou pela porta que dava acesso aos jardins e correu como se sua vida
dependesse disso.

- Porra, minha carteira! - Ji gritou, cambaleando um pouco ao se virar com agilidade para correr atrás dele.

- Meu cachorro! - Sana o seguiu.

Os demais se olharam em silêncio, assim que os gritos de Ji e Sana desapareceram e foram abafados pela música
alta. Despacito era definitivamente a música menos obscena que tinha tocado a noite toda.

Taehyung encheu as bochechas de ar e soltou em seguida, olhando os demais.

- Vocês querem pasteizinhos? - perguntou ele.

❁❁❁

Mi Sun tinha calculado friamente cada movimento e definitivamente teria colocado eles em ação na primeira hora, se
não fosse um detalhe técnico que roubou sua atenção.
Kang Jihoon, a razão de seus suspiros apaixonados, estava parado na porta, vestido como um perfeito príncipe de
contos de fadas e segurando um embrulho grande com as duas mãos. Um buquê de flores pequeno estava
delicadamente pousado sobre a caixa e ele parecia um pouco relutante em se aproximar, apesar de estar sendo
acompanhado pela mãe.

Ela parou bem ali onde estava, ajeitou o vestido e sorriu, dando alguns passos em direção a ele, antes que sentisse
duas presenças um pouco intimidadoras em seu encalço e duas mãos firmes em seu ombro.

Ela olhou para cima, avistando os olhares de Taehyung e Jungkook. Taehyung parecia uma fera pronta a atacar, por
trás de seu sorriso gentil. Jungkook também sorria, com olhos de águia fixos nas flores.

Jihoon se encolheu um pouco. Talvez aqueles olhares fossem pressão demais para um garoto de oito anos.

- Oh, vocês devem ser os pais da Mi Sun - a mulher disse, com a maior tranquilidade - Eu sou a mãe do Jihoon, Nari.
Acho que já nos conhecemos, não é mesmo senhor Jeon? Na escola?

- Oh, claro! - Jungkook desviou o olhar do menino e sorriu para a mãe. - A senhora esteve na reunião do semestre
passado.

Ela sorriu e assentiu, virando-se para Taehyung em seguida.

- Eu não o conhecia, mas é um prazer, senhor Kim - ela inclinou a cabeça em um cumprimento solene, ainda com as
duas mãos nos ombros do pequeno Jihoon - Eu temo que nunca tenha visto o senhor com a Mi Sun ou com o seu
marido.

Jungkook abriu bem os olhos.

Taehyung assentiu, o sorriso sumindo de seu rosto gradativamente conforme as palavras dela eram absorvidas por
seu cérebro. Ele sacudiu a cabeça com força, vindo a si e abrindo a boca para protestar, mas o menino interveio antes
dele.

- Não, omma, eles não são casados. O professor Jeon era casado com a mãe da Mi Sun, mas o appa dela era o
senhor Kim - Jihoon explicou, olhando para o rosto da mãe.

- Ah, mil perdões! - A mulher riu. - Jihoon nunca tinha me explicado.

- S-sem problemas. - Taehyung riu com nervosismo, engolindo seco e abaixando o olhar um pouco severo para o
garoto. Seu nervosismo foi substituído por uma espécie de instinto, algo que piscava com luz vermelha gritando
“perigo” em relação ao menino. - Você deve ser o Jihoon.

- Sim, senhor - disse o garotinho, forçando um sorriso coberto de medo. Taehyung não disse mais nada, Jihoon
começava a suar frio. Suas pernas estremeceram e ele resolveu acabar com aquilo de uma vez, estendendo a caixa
na direção de Mi Sun com um sorrisinho. - É pra você, Mimi.

Mimi. Jungkook soltou um risinho, não sabia ao certo se era pavor ou simpatia. Ele coçou a nuca, tentando entender
por qual motivo estava tão alarmado.

Eram só duas crianças.

Só duas crianças.

Crianças não namoram. Não trocam beijinhos ou qualquer outra coisa. Crianças são inocentes.

Sua Mi Sun não tinha idade para gostar de meninos. Nem de meninas. Nem de ninguém.

- Obrigada, oppa. - Ela sorriu, derretida, quando segurou a caixa.

Taehyung riu alto, soou mais como um pedido de socorro.


Oppa. Certo, não havia motivos para se alarmar com isso. O garoto era mais velho que ela, aquilo não tinha que
significar nada.

- Se me derem licença, eu preciso usar o banheiro. Podem dizer onde… - a mãe de Jihoon pediu e os dois apontaram
simultaneamente a porta do outro lado do corredor. - Obrigada. - Se abaixou um pouco e sussurrou no ouvido do filho.
- Se comporte, meu anjo.

Antes de se afastar.

- Appa, você pode levar isso para perto dos presentes? - Mi Sun se virou e colocou a caixa nas mãos de Taehyung
sem esperar uma resposta. Em seguida agarrou o buquê de flores, emitindo uma risadinha nada discreta e o entregou
a Jungkook. - Pode colocar na água para mim, appa? É tão bonitinho, não quero que elas murchem.

Mi Sun pegou na mão do menino e o arrastou para longe antes que a mente de seus pais funcionasse para perceber
aquilo.

- Você acha que… - Taehyung sussurrou, empalidecendo.

- Ela só tem sete anos. - Jungkook cortou, engolindo seco. - Quer dizer, ninguém realmente se apaixona aos sete
anos, certo? É mais como uma paixonite.

- Você tem razão, esse tipo de coisa é normal - Taehyung sussurrou.

- Ela ainda vai ser nossa garotinha por muitos anos. - Jungkook suspirou, olhando para ele. - Eu espero.

Taehyung abraçou a caixa. Ele sabia que um dia Mi Sun cresceria, que se tornaria uma adulta e que teria a própria
vida e ele definitivamente esperava que ela achasse o próprio caminho com maestria.

Mas surgiu a dúvida em seu peito.

O que aconteceria com ele quando ela fosse atrás da própria vida?

Onde estaria Jungkook no dia que a filha deles fosse independente?

E se ele encontrasse alguém? Se ele se apaixonasse e tivesse a própria família, se quando Mi Sun partisse seus
caminhos se separassem definitivamente e ele nunca mais o visse novamente?

Taehyung percebeu que mesmo que isso acontecesse, a memória do beijo dele continuaria intacta. Mesmo que
Jungkook o deixasse para trás, que o esquecesse e que encontrasse um amor verdadeiro que tornaria aquele
momento insignificante, Taehyung o teria como seu maior tesouro.

- Está pensando em quê? - perguntou Jungkook. Taehyung suspirou assustado, virando o rosto na direção dele e
encontrando o olhar de Jungkook próximo do dele.

Jeon sempre fazia aquilo, era seu costume desde que se conheceram, que ele chegasse perto daquele jeito para falar
com Taehyung, talvez querendo que apenas ele ouvisse, mas era torturante.

O loiro percorreu o rosto dele com olhos tão atentos que Jungkook se viu um tanto perdido por não saber o que se
passava na mente do homem enquanto o olhava daquela forma. O rosto maquiado apenas o tornava uma visão ainda
mais fascinante.

Taehyung sabia que a presença de todas aquelas pessoas era suficiente para mantê-los distantes, mas não conseguiu
impedir sua mente de fantasiar. De pensar e ansiar por aquilo novamente.

Seus olhos pousaram naquela boca pintada de preto, na pequena pinta que ele sabia que vc estava escondida sob a
tinta branca.

Taehyung pensou em tirar o batom preto da boca dele com a sua própria e foi quando se forçou a desviar o olhar.
- Nada - disse ele, sem muita convicção, prestes a se afastar, no entanto, Jeon segurou seu braço com firmeza, se
aproximando ainda mais, com os olhos atentos ao movimento de todos a sua volta. Seu olhar desceu para a boca de
Taehyung, destacada na pele azul pálida com um tom vermelho escuro, quase negro como sua própria boca.

Ele colocou a mão no rosto de Kim, o observando atento a cada expressão, a cada suspiro. Apoiou o polegar sobre os
lábios entreabertos, sentindo contra a pele aquela respiração irregular.

Jungkook forçou o dedo contra o canto da boca de Taehyung, apagando dali uma mancha de batom que tinha
escapado para o lugar errado. Não sumiu por completo, mas ficou mais fraca e contra a maquiagem na pele dele, não
era mais visível a menos que alguém se aproximasse tanto quanto ele.

E mesmo quando terminou o que queria fazer, Jungkook continuou ali, parado com os dedos firmes contra a pele dele.

E o olhou nos olhos. Se Jaeyun estivesse certo…

Ele o encarou por longos segundos, Taehyung não recuou ou desviou o olhar e Jungkook viu, naqueles olhos
castanhos, as pupilas dilatando de um jeito inegável, se tornando grandes a ponto de quase engolirem toda a cor.

Não precisaria de um espelho para saber que as suas estavam iguais.

- Eu vou checar as crianças e colocar as flores na água - disse Jeon, mesmo sem mover um músculo. Taehyung
assentiu.

- Certo, vai lá - respondeu ele.

Jungkook se afastou. Enquanto andava em direção a cozinha, captou olhares atentos de Jaeyun e Namjoon, que
pareciam dizer claramente que eles estavam se torturando em vão.

Paixão e amor eram coisas diferentes. Paixão podia ser enterrada de diferentes formas, apagada como uma faísca
fraca. Amor era um fogo latente e inextinguível.

Jungkook apenas esperava que aquilo queimando em seu peito não fosse mais que uma paixonite sem sentido, caso
contrário, ele acabaria sucumbindo às chamas em algum momento.

Mirrors
❝Porque eu não quero perder você agora
Estou olhando bem para a minha outra metade
O vazio que se instalou em meu coração
É um espaço que agora você ocupa
Mostre-me como lutar agora
E eu vou lhe dizer, amor, foi fácil
Voltar para você uma vez que entendi
Que você estava aqui o tempo todo❞
(Mirrors - Justin Timberlake)

❁❁❁

Jin não estava acostumado com aquele tipo de festa. Ele definitivamente costumava ir a uma dezena delas todos os
meses, mas a grande maioria envolvia uma música relaxante e chata, algumas taças de champanhe e pessoas
conversando entre si sobre negócios e outras coisas entediantes.
Então era definitivamente novo, ver quantas coisas poderiam acontecer em um único local ao mesmo tempo.

Cinco minutos tinham se passado, e nesse tempo ele tinha visto seu irmão e a amiga correrem atrás do cachorro
fujão, Jungkook e Taehyung quase se beijarem em frente a todos sem ligar para nada e claro, Kim Mi Sun quase
infarta-los com a presença do namoradinho do jardim de infância.

Estava sendo particularmente interessante e se não fosse por Jennie, ele com certeza estaria rindo à toa.

- Moço, você está triste? - A pequena criaturinha de pele negra, com cachos cheios e completamente comportados
que cheiravam a morangos, teve certa dificuldade de se sentar no banquinho do bar.

Como um dos proprietários daquela casa, Jin sabia que tinha uma adega cheia de vinhos caros e provavelmente mais
velhos do que ele, no entanto, a regra de Taehyung sobre ingerir bebida alcoólica tinha sido muito enfática.

E se toda aquela bagunça estava acontecendo com todos sóbrios, o que aconteceria se eles se embebedassem?

- Não, só estou pensando - disse Jin, se perguntando por qual razão se deu ao trabalho de responder a garotinha.

Ela estendeu a mão, como se estivesse prestes a apresentar uma proposta de negócios tentadora. Ele teria realmente
cogitado essa opção se ela não tivesse meio metro e aparentasse não ter mais de sete anos.

- Meu nome é Lia Park Manoban. - A garotinha apertou a mão dele com firmeza, assim que Jin a estendeu para
aceitar o cumprimento. - O senhor está fantasiado de que?

- De CEO - mentiu. Ele definitivamente não era do tipo que se fantasiava, sequer tinha tempo para isso, colocou um
bom terno e esperou que Mi Sun caíssem em seu papo sobre representar os empresários bem sucedidos.

- O que é um CEO? - perguntou Lia, com uma careta.

- Um cara que ganha muito dinheiro para mandar nos outros - ele respondeu.

Os olhos da menina brilharam com total admiração. Ela mordeu o lábio para conter um sorriso muito empolgado.

- Acho que já sei o que quero ser quando crescer - ela retrucou baixinho.

Jin riu. Ali estava uma alma semelhante a sua.

Lia sacudiu a cabeça, como se lembrasse de fato o que a tinha levado até ali.

Ela não tinha um plano, algo premeditado ou qualquer coisa em mente a respeito daquilo, talvez fosse mais do tipo
que age por impulso e prefere a adrenalina de inventar algo na hora da pressão.

Ela observou seu outro alvo.

Mi Sun tinha decidido que Jin era muito solitário e seu tio, um pouco distante. Segundo ela, os dois eram apegados
demais ao trabalho, o que era triste já que nenhum deles parecia encontrar alguém para amar. Alguém com quem
pudessem falar sobre suas preocupações e escapar um pouco de toda a turbulência pesada que eram seus
cotidianos.

- Você é rico, certo? - perguntou Lia.

- Certo - respondeu o homem de imediato.

- Então me diga, dinheiro traz felicidade ou não? - Ela ergueu uma sobrancelha, juntando as duas mãos sobre o
balcão, mesmo que precisasse erguer um pouco os braços para isso.

Jin riu. Olhou em volta como se esperasse que alguém fosse socorrê-lo daquela tortura, no entanto, ele
aparentemente teria que lidar com aquilo sozinho.
- Depende muito, Lia. - Ele tratou de destacar o nome dela, para garantir que estava tendo uma conversa totalmente
séria e profissional. - Acho que é tudo muito relativo. Não acredito que alguém que não tem dinheiro nem para comprar
comida todos os dias seja completamente feliz, mas também não acredito que bilionários que podem queimar dinheiro
na lareira se desejarem são completamente felizes.

Ela franziu a testa, confusa.

- Dinheiro é fonte de preocupação. Seja em grande ou pequena quantidade. Se temos muito pouco, pensamos demais
sobre a falta dele e se temos muito, acabamos ocupados demais pensando em preservar ou fazer ainda mais dinheiro.
- Jin bateu os dedos na mesa. - Você deve ter em mente que dinheiro pode melhorar sua vida e garantir que você seja
feliz por conquistar aquilo que deseja. Mas não pode deixar que ele esteja em primeiro lugar na sua vida, caso
contrário, também vai ser infeliz.

- Você acha que é feliz? - ela perguntou, balançando os pés que não podiam tocar o chão.

Jin suspirou.

Não tinha uma resposta para aquela pergunta.

Ele pensou por alguns instantes e percebeu que a única coisa com que sua mente se ocupou foi Ji e Jennie. Ele se
perguntou se seus irmãos eram, de certa forma, felizes.

Ele deu tudo de si para que fossem perfeitos. Desde a morte de seus pais, dedicou cada gota de si mesmo para criar
Jennie e Ji e transformá-los em pessoas educadas, gentis, empáticas, bem sucedidas, completas e disciplinadas.

Eram educados e gentis, pelo menos ao que ele podia observar.

Jennie se aventurou e ele não saberia dizer se sua irmã era bem sucedida, mas Jimin era melhor do que ele quando o
assunto era comprar e vender imóveis.

Jennie ia se casar e parecia feliz com sua escolha. Jimin no entanto… ele não sabia ao certo o que se passava com
seu irmão.

Mas e quanto a ele?

Tudo sempre tinha sido sobre Ji e Jennie. Se estavam bem, saudáveis, se tinham boas notas, se estavam se
cuidando.

Nunca parou para pensar sobre si mesmo, isso era de certa forma surpreendente.

- Eu não sei, menina - Jin falou, com total sinceridade.

- Você sabe o que me faz feliz? - Lia olhou para o nada, pensativa. Jin respondeu aquilo com um “uhm?” para que ela
prosseguisse. - Jujubas.

Ele teve que se conter para não rir. Ele realmente queria que sua vida fosse simples àquele ponto. Lia não pareceu
notar sua inclinação a cair na gargalhada, já que ela permaneceu séria e solene.

- Amo jujubas, mas minhas ommas não me deixam comer muitas vezes para eu não ter mais cáries e também porque
elas dizem que eu não posso comer muito açúcar, senão elas vão acabar enloquecendo. - Ela franziu a testa. - Mas
são tão boas. Talvez valha a pena ter que ir ao dentista se eu puder comer muitas jujubas.

Jin riu. Ele queria que sua vida fosse tão simples assim, queria que sua felicidade dependesse de alguns doces.

- Acho que meus problemas são maiores que jujubas, mas obrigado mesmo assim pelos conselhos - ele respondeu.

- Sabe o que eu costumo fazer quando algo me chateia? - perguntou Lia, com um sorriso sapeca por encontrar ali a
resposta para aquilo que ela precisava. - Minha omma Rosé me ensinou a rezar. Eu rezo para receber alguma coisa
que me deixe mais feliz, como um sinal de que as coisas ruins passam se não dermos importância a elas. Eu
normalmente peço uma flor e quer saber, senhor Jin?

Ela colocou a mão sobre o peito como se fizesse um juramento solene e ergueu a outra.

- Uma pessoa muito especial sempre me dá uma flor loguinho. Acho que você devia rezar por isso, talvez receba mais
do que só uma flor. - Ela jogou a isca.

Jin franziu a testa, Lia desceu do banco com certa dificuldade. A primeira parte de seu plano maléfico estava
concluída. Ela seria objetiva, um plano de duas etapas simples, mas que atingiram o alvo.

O homem observou a menina se afastar, como se nada tivesse acontecido, sumindo entre as pessoas provavelmente
para ir brincar em outro lugar.

Ele pensou por alguns minutos.

Seus pais eram católicos, ele no entanto, nunca foi muito praticante de qualquer religião. Sempre pensou que se
precisasse escolher, talvez o budismo fizesse mais sentido para ele.

Mas não custava tentar, certo?

Se sentiu um pouco tosco, olhando em volta com medo de ser pego e olhou as próprias mãos com estranheza. Levou
alguns segundos para se lembrar do que sua mãe fazia na missa, e tentou ser o mais discreto possível ao fazer o sinal
da cruz e juntar as mãos com total reverência.

Fechou os olhos com força.

- Eu não sei rezar. Mas se minha vida pode ser mais do que cuidar dos meus irmãos, cuidar de imóveis e pagar
contas, me mande uma… um lírio branco - ele pediu, se lembrando da flor que sua mãe cultivava em um vaso grande
na entrada da mansão deles em Gwacheon. - Não sei mais o que dizer, mas é isso. Seja lá qual for seu nome, serei
grato.

Lia, que tinha apenas dado a volta e se agachado na frente do bar, ouviu tudo com um sorriso no rosto. Um lírio
branco, ela tinha visto alguns deles no jardim.

Olhou para cima, com todo o respeito que sua mãe lhe ensinou e que ela seguia fielmente.

- Não precisa se preocupar, papai do céu - sussurrou - Eu dou conta disso.

❁❁❁

Hoseok odiava aquele fato.

Como ele já esperava, em um momento repentino, todo o som sumiu por completo. Música, vozes, gritos das crianças;
nada podia ser ouvido e isso era desesperador.

Ele sabia se virar sem ouvir, até mesmo conseguia falar normalmente sem problemas, com um sotaque marcado e um
pouco estranho, mas ainda era audivel e compreensível.

Mas ele era um pouco lento com leitura labial, o que o levou a se afastar lentamente da festa, com a desculpa de que
estava um pouco tonto.

Estava sentado há pouco mais de quinze minutos naquela cadeira. Era a varanda de um dos quartos do andar de cima
e tinha uma vista privilegiada do pomar que estava totalmente carregado de frutas quase maduras.

Ele não ouviu quando o homem se aproximou, portanto foi uma surpresa sentir uma mão em seu ombro, algo que lhe
arrancou um suspiro assustado, até que ele notasse quem era.

Tentou prestar a atenção nos lábios de Yoongi para entender o que ele dizia, no entanto, o homem mal os movia, o
que tornou aquilo uma missão impossível.

Hoseok tomou fôlego e tocou a própria orelha.

- Não estou ouvindo - declarou ele.

Yoongi notou a mudança na voz dele a diferença de quando tinha certeza da sonoridade das palavras para aquele
momento em que parecia perdido sobre como aquilo devia soar.

- Oh… - Yoon passou a língua pelos lábios, se agachando ao lado da cadeira. A máscara branca deixava apenas
parte de seu rosto delicado a mostra, suficiente para que Hobi pudesse admirar os olhos que tanto amava.

O pianista ergueu as duas mãos. Foi visível o esforço dele para se lembrar.

Yoongi não costumava usar com tanta frequência a língua de sinais, já que suas aulas eram apenas para aquelas
pessoas que podiam ouvir pelo menos um pouco ou que tinham auxílio de aparelhos auditivos.

Não dispensava completamente o uso dos sinais, no entanto, tornava menor a quantidade de vezes em que ele usava.

Sua testa se franziu, visivelmente concentrado em cada movimento.

“Você está se sentindo bem?”

Hoseok resolveu facilitar para ele e assentiu em afirmação, o poupando da explicação sobre as baterias de seu
aparelho terem decidido abandoná-lo.

Yoongi moveu as mãos, desta vez mais devagar, precisando relembrar a forma correta.

“Vamos voltar para a festa, está na hora do parabéns”

- Não posso conversar, acho que deve ser difícil me entender falando desse jeito - Hobi explicou, usando os sinais
para ajudar Yoongi a compreender, antecipando que sua língua podia enrolar alguma sílaba e tornar aquilo
incompreensível.

Yoon suspirou.

“Eu te entendo perfeitamente. Posso te ajudar se quiser…”

Ele parou. Travado, suas mãos se fecharam em torno do braço da cadeira.

Aqueles olhos o tiravam do sério de uma dezena de formas diferentes. Hoseok era mais que uma pessoa bonita, ele
cintilava como se fosse pura energia e alegria. Uma simples gotinha do próprio sol na terra.

O coração delator de Yoongi era um traidor, batendo com força, tornando cada segundo daquilo interminável.

Hoseok sorriu para ele.

Min Yoongi era insuperável.

Ele podia ver todo o carinho e ternura nos olhos do professor de música e teve a certeza de que, possivelmente, todas
aquelas vezes em que Yoongi fugiu dele, virou o rosto ou manteve diálogos simples com ele, foram na verdade,
demonstrações de sua timidez.

Já Hoseok, não era nada tímido quanto a isso.

Ele recebeu um bilhete que talvez fosse o mais perto de uma confissão que Min Yoongi lhe daria. Era sua vez de dar
um passo à frente, certo?

- Pode tirar a máscara? - pediu ele, gesticulando diante do próprio rosto para garantir que o homem o entenderia.
Mesmo um pouco confuso, Yoongi tirou a máscara branca do rosto. Os olhos de Hoseok brilhavam com diversão
quando ele, com as pontas de seus dedos macios, segurou as duas bochechas cheinhas de Yoongi e se inclinou na
direção dele.

Min Yoongi viu o céu, a terra e o inferno em um único momento. Sentiu sua alma levemente desgrudar do restante do
corpo e talvez precisasse consultar algum cardiologista depois daquilo.

A boca de Hobi era tão boa quanto ele fantasiou por anos e aquele beijo casto e muito rápido, mal lhe deu tempo de
reagir.

Jung Hoseok sorriu ao se afastar e talvez fosse apenas porque ele estava com cara de idiofa e completamente corado
como uma criança.

- Também gosto muito de você, professor Min - disse ele, sem um pingo de constrangimento ou timidez.

Yoongi não apenas sorriu, como fechou bem os olhinhos brilhantes e o observou com aquelas bochechas coradas.
Então toda a imagem que Hoseok tinha dele, como sendo um homem frio e distante, se desmanchou. Talvez só
faltasse para as pessoas, se aproximarem dele e descobrirem o que estava por baixo daquela máscara de brutalidade.

Ele abriu a boca para falar, mas ao se lembrar, ergueu as mãos trêmulas.

“Quer sair comigo? Em um encontro?”.

- Sim - Hoseok respondeu.

“Eu tentei dizer por muitos anos, mas fui um covarde”. Yoongi continuou, com os olhos bem concentrados e sérios.
“Nunca fui bom com palavras, mas quero que saiba que tenho te admirado em segredo nos últimos anos. Sinto muito
por nunca ter tido coragem de te falar isso”.

- Você não é bom com as palavras e eu sou ótimo. Acho que é verdade o que disse que às vezes precisamos de
alguém que nos complete - Hobi inclinou a cabeça para o lado e sorriu.

Min se aproximou dele e se apoiou no braço da cadeira para alcançar seus lábios. Ele só queria beijá-lo de novo, só
queria sentir aquela boca maravilhosa novamente e dessa vez com mais precisão e de um jeito mais profundo.

Estava quase lá, até que…

- Yoongi, mandaram chamar vocês pra cantar os… - Mercedez parou na porta ao receber um olhar definitivamente
mortal de Yoongi. A mulher que estava definitivamente perfeita fantasiada de Moana, apenas deduziu, pela situação,
que receberia uma bronca e tanto de seu amigo mais tarde. Ela engoliu seco e sussurrou: - Parabéns.

- Já estamos indo - disse Hobi, se colocando de pé. Yoongi se esforçou para manter o equilíbrio quando o homem se
levantou da cadeira e a mesma quase o levou ao chão. O pianista se levantou com certa difículdade.

Quando passaram pela porta, Yoongi exibiu seu olhar ameaçador para a mulher. Hobi riu. Porque mesmo com aquela
interrupção ele estava imensamente feliz. Não sabia se aquela paixonite daria em alguma coisa ou se eles apenas
acabariam com o coração um do outro, mas sabia que definitivamente ele não abriria mão de tentar roubar mais uma
dúzia ou uma centena de beijos do professor de música.

❁❁❁

- Você pode voltar para lá, eu acho o Sasuke, pego sua carteira e… caralho, que porra! - Sana já tinha gastado todos
os palavrões que conhecia. Nunca em toda a sua vida achou tantos motivos para odiar alguém quanto tinha em sua
lista sobre Jimin. Se comportava como uma criança birrenta, ficava a rodeando como se fosse um abutre em volta de
um animal moribundo e era rico a ponto de ter um jardim quase maior do que o bairro dela. - Merda, até voltarmos eu
vou estar toda arranhada. Por qual motivo de merda vocês tem um jardim que parece a mata amazônica?

Ela segurava firme o celular, com a lanterna acesa, iluminando seus passos e sem se importar se Jimin estava
conseguindo acompanhar.

- Você é tão desbocada assim em sala de aula? Vou pensar duas vezes quando for matricular meus filhos naquela
escola - Jimin disse, com a voz tranquila e serena como se não tivesse perdido a carteira com o valor correspondente
a um salário de Sana em notas graúdas.

- Se alguém te aguentar por tempo suficiente para ter filhos com você, aí você pode criticar o quanto quiser a rede de
ensino e os profissionais das escolas - ela resmungou, estapeando uma folhagem grande que sequer se moveu com
seu toque.

Ela virou, apenas para garantir que a casa ainda estava dentro de seu campo de visão.

O jardim se estendia com arbustos baixos e floridos por cerca de dez metros e depois disso, parecia haver um labirinto
de árvores, cujos galhos se fechavam entre si impedindo qualquer passagem mínima de luz da lua. Era uma sensação
claustrofóbica, e tudo em que ela pensava, era que Sasuke odiava escuro a ponto de provavelmente estar acuado em
um canto chorando.

Parou ali mesmo, colocando as mãos na cintura. Podia ouvir a música ainda relativamente alta, a casa estava próxima
suficiente para ela avistar Jackson parado na porta, acompanhado de alguém que provavelmente só lhe fazia
companhia, enquanto ele semicerrava os olhos para o breu do jardim em busca dela.

- Sasuke! - ela gritou, mais uma vez. Jimin cruzou os braços sobre o peito. O sobretudo bege era grosso e ele não
estava sentindo frio, mas se encolheu mesmo assim. - Que bosta, por que você deixou ele nervoso?

- A culpa é minha agora? Eu sou a vítima aqui, seu cachorro me assaltou! - Ji replicou.

- Porque você estava agindo como um lunático. Queria escapar da Jisoo e usar o meu cachorro como desculpa por
ser um tremendo de um covarde! - Ela gesticulou, nervosa. Tinha perdido sua cartola na correria e sequer imaginava
onde tinha caído.

Ji mordeu o lábio, estreitou os olhos com aquele olhar de quem ia rebater com uma ofensa ainda pior. Sana se
preparou para o golpe, para vê-lo jogar alguma verdade sobre ela em sua cara como forma de atingi-la tão fundo
quanto ela atingiu.

- Tem razão - ele disse, com um suspiro.

Ela o olhou com atenção. Jimin parecia sincero, mas ela esperou por um bom tempo, imaginando que ele está a
formulando as palavras e atacaria logo em seguida.

Mas se passou quase um minuto de silêncio e isso foi o que a deixou desarmada por completo.

- Só isso? - Ela torceu o nariz em uma careta. - Cadê o papo de “você é tão miserável quanto eu, Sana!"?

- Você não é tão miserável quanto eu. Não é nem um pouco miserável, se algum dia te fiz pensar assim, peço mil
perdões - ele replicou, com um tom firme e um olhar que não denunciava nada do que se passava em seu interior.

- Você disse…

- Um monte de merda, foi o que eu disse. Não era verdade e eu espero que um dia possa me perdoar. - Ele
massageou as têmporas. - Eu amei a Jisoo. Amava ela de um jeito tão destruidor que fiquei cego. Eu não devia ter dito
que você nunca amou ninguém, eu não sei se já amou ou se ama, só sei que…

Ele tomou fôlego.

- Você não ama o Jackson - ele completou.

Sana riu alto. Ele era incorrigível.


Ji não soube ao certo se estava rindo de raiva ou de tinham conseguido fazer as pazes de vez. Esperou um pouco
ansioso pelo que ela teria a dizer.

- Você é um idiota. - Ela sacudiu a cabeça de um lado para o outro. Ótimo, tinham feito as pazes, isso lhe arrancou um
suspiro de alívio e um sorriso largo.

Ela se virou de costas. Em partes porque não queria que ele visse seu sorriso e aceitasse aquilo como um sinal de
que as coisas voltariam a ser como antes e nada nunca mais seria como antes.

Ela tinha plena certeza.

A amizade deles tinha sido comprometida não pelas palavras insanas e estúpidas de Jimin, mas por algo muito mais
fundo que ela mantinha guardado a sete chaves. Ou pensava que o mantinha.

- Achei que nunca mais fosse me perdoar… - Ele soltou uma risada sincera, se apressando para acompanhá-la. Sana
vasculhava cada canto que a luz da lanterna iluminava, em busca do brilho de dois olhos assustados. - Eu estava
realmente precisando sair para…

- Olha Ji… - Ela parou bruscamente, o que o fez parar também, um pouco assustado. A mulher se virou e recuou um
passo para manter uma distância aceitável entre eles. - Eu, de verdade, não tenho nenhuma mágoa. Eu perdoo você
pelo que você disse, nem importa, sabe? Eu não levei como uma ofensa pessoal, sei que você estava passando por
um momento difícil depois de perder a mulher que você ama e ouvir ela dizer aquelas coisas horríveis. Mas…

- Seu “mas” sempre antecede um discurso nada bom. - Ele riu nervoso, mas o sorriso foi sumindo de seu rosto, sendo
substituído por medo puro. Ela podia ver um pouco de suas feições, já que a única iluminação onde estavam era a
lanterna do celular que ela segurava com firmeza, apontando o chão.

- Acho bom a gente parar de andar junto. Essa coisa de ir a boates, cinema, você dormir lá em casa toda a semana e
vice e versa… somos grandinhos demais pra ficar brincando de casinha. - Ela olhou por cima do ombro dele. Jackson
tinha entrado, ela podia ver a movimentação na sala de jogos. Estava tremendo, isso era visível na luz trêmula da
lanterna. - Jackson disse…

- Ah, isso é pelo Jackson?! - Jimin grunhiu.

- Você não vai começar com a birra, vai? - Sana ralhou.

- Foda-se o Jackson, Sana, ele é gay! - Ji apontou a casa com os dois braços, parecendo um pouco desesperado. -
Você sabe como funcionam as coisas no meio dele? Você ganha fama, as pessoas desconfiam da sua sexualidade e
pra não perder dinheiro e status, você acha um bode expiatório. Tem boatos sobre ele com outros caras na internet,
você deveria procurar. Ele só quer que você sirva pra mascarar a verdade.

Ela engoliu seco.

Era verdade. Talvez ela soubesse disso desde o início, mas se recusava a aceitar.

Jackson não parecia aceitar isso em si mesmo, ele parecia concordar com o que quer que as pessoas tinham lhe dito
sobre homossexualidade.

Ela leu as notícias, os boatos, tudo em que ele estava envolvido, a forma como sua carreira quase foi a ruína e a
forma como estava desesperado por provar o contrário.

Ela leu cada página da internet que falava sobre isso, leu tudo no banheiro do quarto dele as duas da madrugada
depois de ter transado com ele duas vezes.

Sana teria chorado, se houvesse alguma parte dela que buscasse naquilo algo além de sexo e um bom diálogo.

Jackson era um ótimo namorado e era visível que ele se esforçava para aquilo. Desde que se conheceram, ele
sempre a tratou como uma rainha, não apenas pelos presentes, mas porque parecia genuinamente interessado no
que ela dizia de uma forma que apenas Jimin já tinha demonstrado ser.

Ele era o namorado perfeito.

Ela sabia que ele estava torturando a si mesmo e a ela também quando, na noite anterior, tinha lhe feito a proposta de
ir com ele para Tokyo.

Ele não disse, mas deixou subentendido na conversa que seria magnífico para aplacar os comentários maldosos.

Ela lhe prometeu uma resposta depois do aniversário de Mi Sun. E já tinha ela na ponta da língua.

Ergueu a cabeça com total prepotência e olhou para Park.

- Por qual motivo você não pode ficar feliz ou no mínimo respeitar se eu amo alguém e essa pessoa me faz feliz? -
Sana gritou, apenas porque a voz dele estava subindo algumas oitavas.

- Porque isso não é amor, é enganação. Ele te engana, você engana ele, vocês enganam a si mesmos. Todo mundo
fica nessa mentira infernal! - Ji disse, tentando falar mais baixo depois de ela ter gritado.

- Ah, e você sabe o que é amor? Amor é isso que você sente pela noiva da sua irmã? - Ela riu com sarcasmo. - Você
definitivamente é ótimo com isso, acho que merece um prêmio. Assuma o lugar de Eros e saia por aí decidindo sobre
a vida amorosa dos outros já que parece tão bom em formar opiniões.

Ji recuou alguns passos, enfiando os dedos entre os cabelos e puxando, com um grito frustrado.

- É irritante como você insiste nisso! - Ele se aproximou de novo, segurando a mulher pelos dois braços e sacudindo
levemente. Sana o olhou nos olhos, movida pela pura teimosia. - Não faça isso. Por favor, não fique com o Jackson
por pensar que é suficiente ou aceitável. Você merece mais que isso, Sana, não seja cruel consigo mesma.

- Eu amo ele. - Mentiu. Ela não gaguejou, não falhou, não hesitou. Sua voz foi simples, como uma verdade irrevogável
dita em voz alta. Os olhos de Jimin pareceram perder o brilho por alguns segundos, os lábios dele se abriram
levemente e ele suspirou. - Nada que você disser vai mudar isso.

Jimin riu.

- Você mente mal pra cacete - ele retrucou.

Sana não estava se divertindo e quando percebeu isso, ele parou de sorrir. Os olhos dela pareciam demonstrar total
cansaço e um pouco de tristeza. Ele já tinha visto aquela mesma expressão nos olhos dela, talvez mais de uma
centena de vezes.

Na maioria das vezes era quando ele estava quase pegando no sono ao lado dela.

Sempre pareceu tão inocente e nem um pouco incômodo dormir na mesma cama que ela, ajudá-la a abrir e fechar os
vestidos de zíper.

Não parecia nada demais abraçá-la no sofá quando ela estava cansada e assistir uma comédia ruim para melhorar
seu humor ou comprar a comida preferida dela mesmo odiando apenas por saber que ela viria jantar com ele.

Talvez eles sempre tivessem sido aquilo, talvez nenhum deles jamais tenha percebido o momento exato em que se
tornaram mais que bons amigos, mas ele sabia que, de repente, Jisoo era a última coisa em que pensava.

- O que você quer, Park? Fala logo pra gente acabar com isso e eu poder seguir a minha vida sem você no meu pé -
Sana choramingou.

Pela primeira vez na vida, Park Jimin fez algo por impulso. Sem pensar muito sobre, sem perguntar a Jin se era
correto ou questionar a Taehyung o que ele faria em tal situação. Talvez Taehyung fosse a pior das pessoas para falar
sobre impulsos naquelas situações, mas ele decidiu espantar qualquer pessoa de sua mente naquele momento.
Todas, menos uma.

Jimin se aproximou dando a ela tempo de se esquivar, o que não aconteceu. Ele deslizou as mãos pelos braços dela,
sentindo apenas o tecido do casaco, descendo até as mãos dela apenas por querer contato com a pele.

As mãos dela estavam tremendo, ele as segurou com firmeza para cessar os tremores quando seu nariz roçou no
dela. Sana fechou os olhos com força, ele apenas observou de perto aquele rosto mergulhado na escuridão. Sentindo
o cheiro dela.

Sana ergueu a cabeça, inclinando para trás apenas para chegar mais perto. Ela sentiu os lábios dele, um toque leve e
quase inexistente, a distância mínima entre eles.

- Não. - A voz dela era um sussurro, como um choramingo desesperado. Buscou forças do fundo de sua consciência
para apoiar as duas mãos no peito dele e afastá-lo devagar. - Não vou mais servir de prêmio de consolação por você
não ter conseguido a Jisoo.

Ele franziu a testa, se afastou de forma repentina e buscou os olhos dela. Sana os abriu, com um pouco de decepção
estampada junto ao total desânimo.

- Como assim? - ele piscou algumas vezes, sem entender.

- Como nos conhecemos, Ji? - Uma pergunta retórica, ele não se deu ao trabalho de responder. - Você foi até a
cafeteria procurar a Jisoo. Nos tornamos amigos porque você vinha procurá-la todos os dias e sempre que ela faltava,
ficava lá falando comigo. Começamos a sair juntos quando ela não tinha tempo ou porque ela simplesmente odiava
seus filmes preferidos e as suas comidas preferidas. Eu sempre substituí ela e definitivamente não vou aceitar isso
nesse sentido. Não quero ser sua segunda opção, Jimin, nem pensar.

Ela engoliu seco, recuando mais um passo.

- Fale o que quiser do Jackson, mas mesmo que ele esteja me usando como você diz, mesmo que ele queira se
relacionar comigo para enganar os outros e a si mesmo, eu fui a primeira em quem ele pensou. Quando ele me olha
eu sei que está vendo apenas eu e quando você me olha não sei se está pensando nela, isso é uma droga! - Sana
confessou. Deu de ombros frustrada, apontando para ele com ambas as mãos. - Então o que quer que você tenha
pensado em fazer, apenas esqueça. Eu vou tirar minhas férias daqui a dois meses e vou viajar com o Jackson para
Tokyo…

- Sana…

- E quando chegar em Tokyo, talvez eu procure emprego em uma escola local. Se conseguir algo bom… - Ela
suspirou. A quem queria enganar? Jackson não viveria aquela mentira por muito tempo, ele não poderia sustentar toda
a máscara para sempre. Uma hora ou outra, ele cederia a verdade e ela não passaria de uma boa amiga que o ajudou
a se aceitar. E ela estaria praticamente sozinha em um país estranho. - Você só precisa parar com isso e vamos ficar
bem.

- Eu não posso simplesmente parar - ele retrucou, com firmeza.

- E eu não posso continuar sem sentir que é sincero. - Ela deu as costas. - Você nem foi sincero com a sua própria
irmã, como posso acreditar nisso?

Ela se afastou alguns passos, antes que avistasse algo entre as folhagens. Uma luz, reflexo da luz da lanterna que ela
segurava. Voltou com o mesmo movimento e conseguiu ver dois olhos bem abertos debaixo de um arbusto.

Sasuke tremia, a carteira presa entre os dentes e olhando ambos como se estivesse com medo da bronca.

- Hey, bebê! - Sana se ajoelhou no chão de pedra e bateu nas coxas envoltas na meia calça arrastão. - Vem aqui com
a mamãe.
O cão hesitou um pouco, mas logo se levantou de onde estava e se aproximou, com a cabeça ainda baixa e um olhar
culpado. Sana o abraçou, acariciando com toda a ternura para que ele não ficasse tão assustado.

- Eu sei que não foi sua culpa - ela sussurrou. Jimin ficou ali, parado observando com toda a atenção do mundo. Sana
não quis olhar para ele, por esse motivo, permaneceu ajoelhada no chão mesmo que seus joelhos doessem. - Eu
também fico com medo às vezes. Fugir e se esconder não é vergonhoso.

Jimin não sabia dizer se aquilo era sobre Sasuke ou sobre ela mesma.

Ele deu as costas, Sana ouviu seus passos apressados quando ele tomou o caminho de volta sem se importar com a
carteira. Ela suspirou de alívio por um lado e quase chorou de frustração por outro.

❁❁❁

- Eu vou ficar e ajudar o Jungkook e o Taehyung a limparem tudo, amanhã de manhã eu volto - Jimin disse, com as
mãos nos bolsos.

- Jennie ainda está te procurando, você não pode evitá-la para sempre - disse Jin, recostado no carro.

- Não vou. Vou terminar com isso de uma vez - falou Ji, chutando a grama com um pouco de raiva. - Só não aqui e
não hoje. Eu pedi a ela para ir jantar comigo na semana que vem e eu vou explicar tudo a Jennie e me livrar disso de
uma vez por todas.

- E quanto a Jisoo? - Jin tentou olhar nos olhos dele, mas seu irmão estava olhando em outra direção.

- Ela vai se casar e eu não me importo nem um pouco com ela. Só preciso me preocupar com a minha irmã agora e…
- Ele suspirou.

Jin olhou na mesma direção que ele. Sana apontou a porta aberta do carro e Sasuke entrou correndo, parando dentro
do veículo com um único salto. O carro de Jackson.

Ela fechou a porta e andou até a porta do carona.

Olhou por cima do ombro, Jimin não se importou em desviar o olhar quando ela o viu mesmo no escuro. Sana não
disse nada, não demonstrou nada, apenas entrou no carro e bateu a porta com força.

- Você não vai se meter com ela - Jin disse, um pouco autoritário.

Seu irmão mais novo, com aquele olhar confuso, o encarou sem entender.

- Aquele meu amigo que trabalha na clínica do centro disse que ela esteve por lá há algumas semanas, isso porque
ele pensava que vocês estavam juntos - Jin explicou - Um exame de sangue, ele não me disse o motivo e nem o
resultado, mas sei que era um teste de gravidez ou DST. Não é a primeira vez que a Sana pensa que está grávida ou
que pegou alguma coisa. Ela sai com um cara diferente a cada semana, você não vai se meter com esse tipo de
mulher. Sana só quer sexo sem compromisso, ela mesma já declarou como é contra se envolver emocionalmente, e
ela é inconsequente.

Ji se manteve em silêncio. Mal podia acreditar que aquilo estava deixando a boca de seu irmão.

- Você só pode estar brincando! - ele rosnou.

- Sana não pensa, ela só fica com qualquer cara sem se importar com sentimentos. Se você se apaixonar, vai ser
apenas mais uma Jisoo na sua vida, isso se não acontecer coisa pior. - Jin abriu a porta do carro.

- Não vou nem falar com você a respeito disso. É a minha vida. Acho incrível que você aceite de boa o casamento da
nossa irmã com a mulher que literalmente me largou sem nem se importar e que nunca nem pensou em contar isso
para a Jennie, e simplesmente esteja aqui com a mão cheia de pedras para jogar na Sana! Isso, Jin, é a maior prova
de que eu não preciso da sua aprovação ou opinião sobre absolutamente nada na minha vida. - Ji deu as costas antes
que ele pudesse dizer qualquer outra coisa.

Ele observou seu irmão voltar para dentro da casa no mais absoluto silêncio. Bufou consigo mesmo, frustrado.

Jin não queria seu irmão mais machucado do que estava, mas ele não parecia entender isso.

- Você parece bem irritado. - Namjoon se aproximou, vindo do meio dos arbustos floridos. Ele não se assustou, mas o
olhou com certo incômodo, visivelmente irritado por não estar sozinho.

- Vamos logo, a viagem é longa e já é tarde - disse Jin, querendo cortar qualquer chance de Nam fazer algum
questionamento.

Olhou para o homem, observando com curiosidade o que ele tinha em mãos. Houve um curto momento de susto ou
um pouco de admiração ao vê-lo brincando com um lírio branco.

O coração de Jin, que até então nunca tinha sido testado daquela forma, bateu com força no peito a ponto de ele
sentir o eco daquela cambalhota no corpo todo.

- Oh, eu ouvi dizer que lírios são ótimos para alegrar pessoas tristes e eu queria agradecer por ter me ajudado. -
Namjoon sorriu minimamente, estendendo a flor na direção dele. - Vamos apenas ignorar o fato de que acabei de
colher a flor no seu jardim.

Jin nunca tinha recebido nada além de contas para pagar, documentos para assinar ou alguns brinquedos de seus
pais quando era criança.

Ninguém nunca se importou em lhe dar algo apenas para deixá-lo feliz, sem um aniversário ou natal como desculpa.

Ele piscou com força, tocando o caule da flor com as pontas dos dedos e olhando para Namjoon ainda um pouco
estático. O advogado sorriu para ele e entrou na porta do carona, como se aquilo não fosse nada, fosse apenas uma
gentileza que ele estava acostumado a fazer.

E Jin olhou a flor. Em seguida ergueu a cabeça e encarou o céu estrelado.

- Sei que você me ouviu, mas não foi bem isso que eu quis dizer - sussurrou para o vento, um pouco assustado.

❁❁❁

Os balões eram tudo que tinha sobrado. A sala de jogos já estava organizada, a louça limpa e os todo o restante já
estava no porta malas do carro.

Jimin, com toda a sua ânsia de ajudar e organizar tudo, tinha adormecido no sofá da sala principal antes mesmo de
começarem a varrer os confetes.

E Mi Sun, estava colocando em prática seu plano.

Ela sabia que as coisas levavam tempo e que nada seria instantâneo, ela sabia que os dois estavam assustados,
então o que ela queria, era aquilo que ela mesma fazia para se acalmar quando estava assustada: olhar as estrelas.

Estar sentada naquele balanço no jardim, segurando a mão dos dois, podia parecer algo inútil aos olhos de muitos,
mas Mi Sun sentia seu peito quase explodir de felicidade e conforto.

Foi melhor do que sua festa.

Melhor do que jogar cartas e receber flores de Jihoon.

Melhor do que qualquer presente que tenha ganhado.

- Isso é muito bonito - Taehyung sussurrou baixinho.


Tanto Mi Sun, quanto Jungkook, o olharam de forma quase instantânea. Ele sorriu, sabendo que os dois estavam
olhando.

A casa estava com as luzes apagadas exceto por uma luz fraca na varanda dos fundos. Não havia luz alguma que
pudesse atrapalhar a visão clara das estrelas e da lua cheia.

- Vocês acham que a omma está olhando a gente agora? - perguntou Mi Sun. Ela conseguia imaginar, visualizar a
imagem do sorriso da mulher que para ela era mais bonita do que qualquer outra que pudesse pisar sobre a terra. Ela
sorriu com a ideia de sua mãe se inclinando no céu para olhá-la. - Se fechar os olhos é como se pudesse ouvir ela
dizendo: já comeu hoje, Mi Sun? Você escovou bem os dentes? Obedeceu seus pais?

Jungkook sorriu. Ele e Taehyung haviam se livrado da maquiagem assim que a festa acabou, mas permaneceram com
as fantasias já que, segundo Mi Sun, precisavam aproveitar ao máximo já que estavam maravilhosas.

- Acho que ela está orgulhosa de quem você está se tornando - disse o moreno, apertando a bochecha dela. - Qual a
sensação de ter oficialmente sete anos?

- Acho que já posso ter um celular, me sinto bem mais madura - ela tentou.

- Não. - A resposta uníssona e divertida de seus pais lhe arrancou um suspiro pesado. Ela pelo menos tentou.

Eles ficaram em silêncio.

Taehyung beijou a mão de Mi Sun.

Foi uma noite e tanto, poder ver sua filha soprar as velinhas, quando a última vez em que passou o aniversário da
menina com ela tinha sido quando ela completou três anos.

- Vocês podem me responder uma perguntinha? Como meu presente de aniversário já que não querem me dar um
celular. - Ela sacudiu os pés, fazendo com que o balanço se movesse para a frente e para trás. Os dois assentiram. -
Vocês acham que o sol e a lua se amam mesmo?

Taehyung franziu a testa, olhando para o moreno por cima da cabeça da filha. Jungkook deu de ombros como se
quisesse lhe dizer que não havia entendido a pergunta também.

- Como assim, joaninha? - perguntou Taehyung.

- Eu li na internet que o sol e a lua se amavam tanto, tanto, que ficavam de coração partido por estarem tão distantes.
Era tão triste que eles sentissem o coração doendo por não poder ficarem juntos, que Deus teve dó deles e inventou o
eclipse só para eles poderem ficar juntos. - Ela suspirou por fim, os olhos fixos naquela luz enorme que a luz brilhante
irradiava. - Acham que isso é verdade?

Jungkook se inclinou, beijando a lateral da cabeça dele e sorriu entusiasmado.

- Acho que pode ser sim - disse ele.

- Se for verdade, acho que é uma prova de que amor nenhum é impossível - ela sussurrou.

Taehyung olhou para ela. Mi Sun, com suas maria-chiquinhas tortas e bagunçadas, com aquele ponto laranja apagado
na ponta do nariz e o vestido branco reluzindo sob a luz da lua.

Quando ela nasceu, quando a pegou nos braços pela primeira vez, ele teve por um momento, a ideia de que aquela
era sua redenção. Com as bochechinhas cheias e um choro agudo, ele sabia que segurava nos braços a maior razão
de sua existência.

Mi Sun foi a primeira pessoa a fazê-lo sentir-se um pouco digno de amor. Aquela pequena pessoa que era parte dele.

Ele passou muito tempo se culpando por ter perdido parte da vida dela assim que voltou. Sua Mi Sun tinha crescido
longe dos olhos dele e não poderia haver perdão para aquilo.

Mas ela nunca pareceu irritada ou pensou em jogar isso na cara dele. Talvez fosse isso o amor, no fim das contas.
Conforto, ternura, perdão.

Ele olhou na direção de Jeon.

Jungkook estava com os olhos tão fixos no céu quanto a filha.

Taehyung tinha tanto medo de vê-lo se machucar que doía a ideia de ser o causador de qualquer que fosse a dor dele.
Ele sabia que podia acabar dizendo a coisa errada ou o afastando de uma hora para a outra apenas por não se achar
digno dele.

Jungkook não merecia ser amado por alguém como ele. Mas Taehyung talvez não estivesse mais qualquer poder
sobre aquilo.

- Você tem razão - sussurrou ele.

Mi Sun sorriu.

- Eu posso ir assistir Scooby-Doo? - ela pediu, pulando para fora do balanço.

- Só por meia hora, depois disso vamos te colocar na cama. Já está muito tarde - respondeu Taehyung.

Ela se afastou, com pulinhos alegres e jogando o vestido branco para que cintilasse conforme ela corria.

Jungkook esperou que Taehyung fugisse de novo. Era apenas o que Kim sabia fazer, correr e se esconder como se
visse um monstro em seus olhos. Mas ele permaneceu. Em silêncio, olhando para o céu, mas estava ali.

- Ela se parece com você - Taehyung sussurrou de repente - Determinada e um pouco indiscreta.

Jungkook riu, apoiando as duas mãos na madeira do balanço e olhando para a lua.

- Acho que ela pensou que não saberíamos o que ela quis dizer com aquele papo de sol e lua. É coisa de criança,
ficaria surpreso com a quantia de coisas aleatórias que elas fazem e dizem - retrucou Jeon.

- Você não precisava ter se responsabilizado por ela depois que a Jiayu morreu. Eu sei que você foi o pai dela por dois
anos, mas não precisava ter assumido isso integralmente. - Taehyung suspirou. - Mas mesmo assim você fez, acho
que isso é uma das coisas sobre você que mais me surpreende.

Taehyung sorriu, Jungkook não saberia dizer se era para ele ou para a lua.

- Você é jovem e poderia muito bem ter ido em busca de algo só seu e mesmo assim você ficou. Mesmo depois que
eu voltei, mesmo depois de eu ter te tratado daquela forma… você ainda ficou por ela - o loiro completou, ainda
chocado com aquilo.

- Não só por ela - Jungkook confessou.

Taehyung o olhou.

Mais uma vez estava olhando para ele através da luz da lua, o que tornava o rosto de Taehyung quase angelical.
Jungkook já tinha saído com muitos homens bonitos, seus amigos não eram de se jogar fora e ele sabia disso, mas
Taehyung ia além do que ele podia explicar. Talvez fossem seus olhos que enxergavam aquele homem como algo
além do que pudesse ser colocado em palavras.

- Eu queria ficar não só pela Mi Sun, mas porque sabia que você podia precisar de um ombro amigo. - Jeon desviou o
olhar, para arrancar aqueles pensamentos de sua mente. - Eu li muito sobre a guerra logo que a Jiayu morreu. Todas
as noites eu procurava artigos ou livros sobre os efeitos da guerra no corpo e na mente e cheguei a conclusão de que
devia ser um inferno voltar para o mundo real depois de… ver tanta morte e…
- Causar tanta morte. - Taehyung engoliu seco, olhando para os arbustos com flores cujas cores estavam opacas e
pálidas na luz fraca. - Eu matei pessoas… dizem que terroristas não são pessoas, mas mesmo depois de tanta
maldade e atrocidade deles, tudo em que eu conseguia pensar era no nascimento da Mi Sun sempre que acertava um
tiro fatal. O trabalho de parto, o primeiro choro. Se parar para pensar é tudo… vida. Um ser humano matar outro não
deveria ser algo tão comum quanto é.

Taehyung fez uma pausa. Ele sentiu o balanço sacudindo um pouco e olhou os pés de Jungkook, a sola do sapato
pressionada na grama enquanto ele esticava e encolhia a perna para fazer o balanço ir para a frente e para trás
devagar.

- Um dia aqueles amaram alguém ou foram amados por alguém - ele disse - Você tem razão, a guerra é uma bosta.

- Eu sei que está falando sobre tudo isso com Jaeyun, e também sei que você ainda vai levar um bom tempo para se
recuperar de tudo por completo, mas sempre que quiser conversar estou aqui. - Jeon sorriu para ele. - Como um bom
amigo.

Taehyung o olhou, pegou seu olhar terno e se manteve focado nele. Jungkook era provavelmente o mais perto que
Taehyung chegou de chorar por gostar de alguém. Olhos tão parecidos com os seus, como um reflexo de tudo que ele
sentia.

Era torturante a forma como sua mente parecia criar inúmeros cenários que jamais seriam reais.

- Acho que não cheguei a dizer isso, mas seus olhos tem atormentado meus sonhos todas as noites - Jeon sussurrou.
A distância entre eles era razoável, dificultava qualquer ato impulsivo e por isso, ele se sentiu na liberdade de se
confessar. Queria livrar o peito daquilo, mesmo que soubesse que Taehyung provavelmente fugiria. - E mesmo que
tenha me dito para esquecer nosso beijo eu fico repassando cada detalhe dele na minha mente porque não quero
esquecer.

Taehyung choramingou, mordendo o lábio. Ele se levantou e Jungkook esperou que fosse apenas se apressar para
dentro de casa com a desculpa de precisar colocar a filha na cama, mas Taehyung deu três passos e parou.

Ele não conseguia entender como seu coração tão ferido tinha encontrado forças para bater por aquele homem.

Kim Taehyung, que desde sempre pareceu cheio de espinhos para afastar tudo e todos, sempre se achando indigno
de qualquer parcela de afeto e amor, não sabia como simplesmente se abrir e deixar alguém entrar daquela forma.

Jiayu foi diferente. Ela conheceu o Taehyung jovem, com um coração pouco maltratado, aquele que mesmo passando
por muita dor ainda conseguia sorrir e acreditar que dias melhores viriam. Aquele que não tinha culpa latejando a cada
minuto.

Jungkook… ele não queria que fosse mais uma vítima. Ficava repetindo aquilo todos os dias, apenas ansiando pelo
momento em que seu coração aceitaria que não merecia ser cuidado por Jeon. Nem por ninguém.

O moreno se levantou.

Ele não sabia se era correspondido na mesma quantia, se o que Taehyung sentia era paixão, se era somente desejo
ou se estava querendo preencher um vazio, mas aquela sua parte que se importava com ele, não conseguia se
preocupar consigo mesmo.

Taehyung se virou, respirando fundo e estufando o peito como se estivesse prestes a fazer uma confissão. No
entanto, soltou um gemido frustrado e deixou os ombros caírem logo em seguida.

- Você pode fazer seu discurso para me afastar, Taehyung, mas pense bem no que vai dizer. - Jungkook deu alguns
passos na direção dele, parando a uma distância segura, mas que tornava muito fácil para ele segurar o loiro se este
tentasse correr. - Se começar com “eu não quero” ou com “eu não sinto absolutamente nada por você”, estou disposto
a aceitar e esquecer qualquer coisa que aconteceu entre nós e levar isso como uma boa amizade pelo bem da nossa
filha.
Ele esticou a perna, mantendo o olhar no chão ao fechar o último passo que o separava do loiro. Taehyung engoliu
seco, os olhos tão fixos nele que mal piscava.

- Agora se você for começar com qualquer coisa como “isso é errado”, “você merece alguém melhor” ou “eu só vou te
machucar”, - O moreno deu de ombros. - saiba que vou ignorar cada palavra que sair da sua boca, então no seu lugar,
eu pouparia saliva.

Taehyung nunca conseguiu falar mais do que três palavras com sua mãe biológica. Não teve coragem suficiente para
tentar salvar seu casamento quando recebeu o pedido de divórcio. Viveu durante anos com medo de ser pai para sua
filha.

Ele era covarde, no sentido literal da palavra.

Ele tinha tanto medo que seus ossos tremiam.

Mas mesmo assim, permaneceu ali, olhando nos olhos de Jeon Jungkook como se ele pendurasse a lua e as estrelas
naquele céu iluminado, fechando os dedos com firmeza nas lapelas do casaco dele apenas por medo de que ele se
afastasse.

- Eu gosto de você - Taehyung sussurrou, temendo a reação dele. Mas o moreno não esboçou nada, tudo que ele via
eram os olhos, totalmente voltados para ele com um brilho apaixonante. - Isso não é errado, mas estou com medo,
porque você definitivamente merece alguém melhor e eu nunca vou abrir mão disso. Eu não sei amar, Jungkook. E
você merece ser amado.

Taehyung prendeu a respiração quando Jeon, sem nem ao menos piscar, firmou as duas mãos em sua cintura e o
puxou contra si com firmeza. Taehyung apertou as lapelas dele com ainda mais força e arregalou os olhos.

Foi no mínimo…diferente. Talvez intimidador, já que Taehyung nunca tinha sido tocado daquela forma. Talvez fizesse
parte de toda a coisa de se relacionar com outro homem, ser intimidador em algumas situações e intimidado em
outras.

- Me deixe decidir sobre quem eu mereço ou não. - Jungkook lhe exibiu os dentes de um jeito quase ameaçador.

- Eu estou à beira de um colapso e talvez seja uma bomba relógio. Eu nem mesmo entendo o que está acontecendo,
mas… - Taehyung piscou com força. Seus olhos desceram até a boca de Jungkook, que agora estava com a pele
avermelhada bem exposta e aquela manchinha minúscula debaixo da boca parecendo chamá-lo. - Se você me
mostrar como… se você realmente quiser, se…

- Sim… - Jungkook se aproximou mais, desesperado por ouvi-lo dizer aquilo.

Taehyung perdeu um pouco as palavras ao senti-lo tão perto. Seus narizes se tocando suavemente, respirações se
misturando. Kim sentia toda sua pele arrepiada, seu coração já estava pronto para saltar pela garganta e ele não se
controlava mais.

Esticou uma das mãos até a nuca do moreno, sentindo a pele dele se arrepiar sob seu toque e deslizando os dedos
entre os cabelos escuros, ouvindo Jungkook arfar perto de sua boca com aquele simples gesto.

- Eu não queria. Juro que não queria me apaixonar por você, eu sinto muito por isso, eu sinto tanto… - Taehyung
fechou os olhos.

Jungkook se manteve olhando o rosto dele de perto, visualizou com atenção quando uma lágrima desceu pela
bochecha corada do loiro e não hesitou em limpar com o polegar, segurando o rosto dele com a mão quente.
Taehyung abriu os lábios, permitindo a Jungkook visualizar uma parte de seus dentinhos tortos.

- Está se desculpando por se apaixonar por mim? - perguntou, franzindo a testa. Jeon passou o polegar pelos lábios
umedecidos de Taehyung, deixando sua mente fantasiar com tudo que tinha reprimido nas últimas semanas.
- É uma maldição - ele sussurrou, sentiu um quase toque dos lábios do moreno e seus olhos tremeram sob as
pálpebras como se estivesse entrando em um estado de transe.

- Maldição é isso, Taehyung. - Jungkook pegou a mão dele, que ainda estava fechada em torno do casaco e levou até
o peito, para que Taehyung sentisse seu coração, a forma descompassada como batia ali e soubesse que ele era a
causa daquilo. - Você tem feito isso comigo há semanas e minha maldição é não poder me aproximar. Não poder te
tocar e nem…

- Me beija - disse Taehyung, autoritário. Sentia o coração do moreno batendo forte contra a palma da mão e aquilo
bastou para jogar tudo por terra. - Me beija, por favor.

Sem precisar de mais uma palavra, Jungkook veio até a boca dele com toda a tranquilidade e urgência. Se lembrava
do beijo apressado e profundo na varanda, mas tudo que queria naquele momento era ir devagar o suficiente para
sentir tudo que pudesse de ter os lábios daquele homem contra os seus.

Taehyung sentiu-se submergir em uma onda de completo êxtase quando Jeon Jungkook pressionou a boca contra a
dele. Quando o beijou com avidez, quando pegou seu lábio inferior entre os dentes e sugou como se fosse sua
obsessão.

O loiro afundou ainda mais os dedos nos cabelos dele, amassando a camisa com a outra mão ao fechá-la em punho
sobre o peito de Jungkook.

Jungkook se afastou um pouco, mantendo o perto suficiente para falar contra os lábios de Taehyung.

- Você vai me mandar esquecer isso amanhã? - perguntou ele, com delicadeza.

Taehyung moveu a cabeça suavemente em uma negativa.

- Bom - Jeon sussurrou, antes de atacar a boca dele novamente.

A cada beijo, a cada carícia, Taehyung se sentia um pouco menos culpado. Porque parecia ser recíproco. Aquilo que
Jungkook demonstrava enquanto acariciava sua bochecha e beijava sua boca com tanta vontade, parecia ser a
mesma coisa que fazia com que Taehyung o segurasse pela nuca para impedir que se afastasse.

O som ainda era angustiante, mas não insuportável. Ele mantinha seus olhos abertos, tentando concentrar suas
energias e sua atenção no que o psicólogo falava e não no tic tac do relógio.

A princípio funcionou muito bem, mas de um certo ponto em diante aquele som o levou por suas memórias, direto para
a terrível lembrança do dia em que tudo que ele queria era morrer. Mesmo querendo matar aquele sentimento, mesmo
que se esforçasse para esquecer tudo, não conseguia.

- Pode desligar o relógio, por favor? - pediu Taehyung, interrompendo o doutor no meio de uma frase que ele sequer
sabia do que se tratava.

Jaeyun sorriu minimamente e suspirou, se inclinando e apenas deslizando o dedo no botão do pequeno relógio. O som
cessou e o loiro virou o pescoço de um lado para outro até estalar.

- Foi bem, Taehyung. Sabe há quanto tempo ele estava aqui? - perguntou Jaeyun e ele negou. Não tinha visto se o
relógio já estava ali quando entrou no consultório ou se o homem tinha colocado enquanto ele falava, mas percebeu
de uma hora para outra aquele som que tanto o atormentava. - Quarenta e dois minutos.

Quase o horário inteiro da consulta. Taehyung não conseguiu evitar a surpresa. Estava tão ocupado falando sem parar
que não tinha percebido. Isso o fez refletir sobre o fato de que tinha assado os últimos quarenta e dois minutos
conversando sem que aquilo fosse um tormento.

- Você estava falando algo sobre sentir como se houvesse mais sobre a vida do que você viu até hoje. - O homem o
encarou por cima da armação do óculos e bateu a caneta no bloco de notas. - Pode me dar algum exemplo?

Taehyung engoliu seco. Ele havia dito aquilo mesmo?

Sabia que tinha dito muitas coisas e que provavelmente Jaeyun já estava tonto de tanto que falava, mas ele sequer
sabia exatamente do que tinha falado. Só estava um pouco entusiasmado demais naquela manhã.

- Eu… - Ele franziu a testa para si mesmo. Respirou fundo. Tinha passado da fase tímida em que falar com Jaeyun era
mera obrigação. Ele passou a gostar das consultas e da forma como ele sempre o fazia ver as coisas de uma nova
perspectiva. Se deu por vencido e se inclinou para a frente, tentando escolher as palavras certas. - Eu sou órfão.
Quando eu era criança, nunca tive uma visão ampla sobre o que era realmente viver, acho que eu sempre fiz
apenas… sobreviver. Ano após ano, tentando não arrumar briga com os garotos mais velhos, tentando tirar notas
boas, sempre pensando no dia que eu fosse sair do orfanato para poder viver de fato.

Ele pensou sobre todas as noites em que se sentava na cama pequena no meio da madrugada e riscava com uma
pequena pedrinha a madeira da beliche de cima. Mais um dia em sua contagem interminável de quantos faltavam para
que ele pudesse sair dali e ter algo somente para si.

- Eu fiquei protelando. Como se minha vida fosse começar só depois que eu fizesse dezoito anos e saísse de lá. Tudo
que aconteceu nesse meio tempo não me importava. Então eu saí e comecei a pensar que minha vida começaria de
fato quando me casasse com a Jiayu. E depois acreditei que seria quando comprassemos nossa casa própria.
Quando eu conseguisse uma profissão ótima e com um bom salário. - Ele moveu a mão para indicar que a lista seria
interminável. - Até hoje eu estive esperando por algo. Como se fosse uma espécie de momento mágico e
extraordinário que fosse me dizer: é aqui que sua vida começa, Taehyung. Eu não sei exatamente o que significa
viver, só sei o que é estar vivo e acho que são coisas diferentes.

Jaeyun suspirou. Havia sido um discurso e tanto. Taehyung sabia que era difícil de entender, ele mesmo não entendia.
Não sabia se em algum lugar naquele mundo havia alguém capaz de decifrar a bagunça que ele era. Isso às vezes o
deixava acordado à noite, pensando sobre como as pessoas o viam.

Um ex-soldado traumatizado, um ex-marido negligente, um pai ausente. Todas pareciam imagens muito deprimentes.

- Não existe uma receita ou uma definição exata do que é viver, Taehyung. Não existe um momento extraordinário em
que você percebe que de repente sua vida começou, não é assim. Nossa vida começa a partir do momento em que
temos consciência dos nossos atos e de nossas escolhas e isso acontece desde muito cedo. - Jaeyun tirou o óculos.
Ele normalmente fazia aquilo quando estava prestes a dizer algo que deixaria Taehyung acordado por semanas
pensando sobre. - A questão é que viver não se baseia em uma regra. Viver são coisas simples. Acordar pela manhã
e passar seu café enquanto escuta alguma música chata tocar no rádio ou ver sua filha brincando no quintal. São
coisas que você faz e que presencia que dão sentido a sua existência e só você pode discernir o que é realmente
sentir isso.

Jaeyun piscou para ele.

- Você não vai parar a cada cinco segundos e pensar: nossa, agora estou vivendo minha vida por esse e esse motivo,
não é assim que funciona. Na verdade, viver é o oposto disso - o homem disse - É você não pensar muito sobre isso,
sobre o que torna significativa sua existência, se está fazendo do jeito certo. Se estiver feliz, se estiver confortável e se
sentindo acolhido, meus parabéns, Taehyung, você está vivendo e não apenas sobrevivendo.

Taehyung ficou em silêncio.

Ele não sabia o que dizer depois daquilo.

Ele de fato se sentia confortável, feliz e definitivamente, muito bem acolhido, mas havia algo que ainda o incomodava.
Não sabia se era o passado ou se era a incerteza do futuro, os dois ainda pareciam pedrinhas chatas em seu sapato.

Ele ainda tinha medo. Talvez fosse medo do que aconteceria no dia seguinte, ou dali cinco ou vinte anos. O tempo
continuava passando e ele parecia continuar parado vendo o relógio girando. Ele continuava ali, pensando demais,
calculando demais e sem saber ao certo como apenas deixar que a vida seguisse seu curso.

- Acha que eu sou fraco por ainda não ter melhorado completamente? Digo, são quase seis meses de terapia, quanto
tempo em média seus pacientes levam até estarem completamente “curados”. - Ele fez aspas com os dedos. Não
porque ironizasse os problemas emocionais como doenças sérias, mas porque não sabia verdadeiramente se existia
uma cura completa para aquilo que sentia.

- Como eu já disse dezenas de vezes, - Jaeyun era paciente, tanto que às vezes era irritante. - cada pessoa tem seu
ritmo, seus traumas, seus processos. Não se compare com ninguém, apenas faça isso no seu tempo e tente apenas
olhar para as coisas boas com a mesma dedicação que você olha para as ruins.

Ele sorriu minimamente.

Estava realmente pensando até demais em coisas boas.

❁❁❁

Ela estava irritada. Talvez fosse porque sua menstruação deveria descer em menos de três dias e isso estivesse
afetando seu humor, no entanto, Sana nem conseguia suportar a si mesma, quanto mais Jeon Jungkook rindo sozinho
como um louco.

Ela estreitou os olhos. Se ele dissesse “nada” como resposta para a pergunta que ela estava prestes a repetir, Sana
jurava que torceria o pescoço dele como se fosse um esfregão.

- Por que está sorrindo tanto? - ela perguntou, com a voz calma e controlada de uma criatura homicida. Fungou, já que
estava aparentemente pegando uma gripe irritante que deixava seu nariz coçando. Ou podia ser alergia a alguma
coisa.

Jungkook ergueu a cabeça. Estava encostado numa prateleira decorada com peças de argila que tinham sido
esculpidas pelos alunos nas aulas de artes, ela tinha certeza que antes do fim do intervalo, ele acabaria quebrando
algo.

Ele a olhou por alguns segundos em completo silêncio. Tentou, mas sem sucesso, parar de sorrir. Era segredo. Talvez
não tão secreto quanto eles desejavam que fosse, mas aquilo ainda era apenas dele e de Taehyung, não podia sair
espalhando, ainda mais quando eles não tinham falado seriamente sobre o ocorrido.

- Não posso te contar ainda - ele disse, voltando a ler a revista que tinha em mãos, algo sobre pontos de crochê.

Sana revirou os olhos e fungou novamente. O cheiro de cigarro impregnou suas narinas e ela soube que era esse o
motivo da coceira. Seu pai fumava tanto dentro de casa quando ela era menina que era sufocante, mal conseguia
respirar. Isso se tornou algo que ela chamava de “alergia”, mas consistia no fato de que aquele cheiro a deixava com
coceira e um pouco de falta de ar.

Ela cobriu o nariz, tentando ser discreta já que eles não eram os únicos na sala dos professores.

- A novata fuma tanto que parece uma chaminé, aish! - Sana resmungou.

- Você está mal humorada - Jungkook observou.

- E você bem humorado demais - ela retrucou, com a voz anasalada por estar cobrindo o nariz com o indicador e o
polegar. - Eu suponho que tenha algo a ver com o Taehyung, mas já que não pode falar sobre isso, não vou insistir.

Ele se aproximou dela, Sana sentiu seu coração parar quando viu a estante sacudindo assim que ele se afastou, mas
nada caiu, e ela pode suspirar aliviada.

- Você está irritada ultimamente e eu sei que isso tem um pouco a ver com o Jimin. Se você me disser o que o idiota
fez para você, talvez eu possa ajudar - Jungkook disse, erguendo a sobrancelha em uma insinuação clara de que sua
ajuda envolvia ameaças mortais.

Ela respirou fundo e ele se preparou, já que aquilo era sinal de que ela falaria muito.

- Ele tentou me beijar naquele dia da festa. Isso depois de dar o maior chilique dizendo que era idiotice eu namorar o
Jackson - ela confessou.

Jungkook a conhecia. Ele sabia, desde o começo, que Sana via Ji como um grande amigo, mas que no fundo ela
sentia algo mais e isso foi muito bem mascarado. Segundo ela, já que Jimin estava ocupado amando Jisoo, ela não ia
dizer uma palavra a respeito daquilo. Não seria justo com nenhum dos dois.

Ele não pareceu ter a mesma trava de segurança que a impediu de deixar aquilo escapar por tanto tempo.

- O que você sentiu? Quando percebeu que ele estava mesmo fazendo isso? - perguntou ele. Outra pessoa talvez
teria perguntado se Park fez aquilo a força ou não, mas Jungkook tinha plena consciência de que Jimin jamais tocaria
em Sana para machucá-la. Podia até imaginá-lo se aproximando devagar o suficiente para dar a ela tempo de recusar.

- Não sei dizer. Eu gosto dele, você sabe. Mas é mais complicado que isso, ele não pode pensar que vai só me beijar
e as coisas vão se acertar, não é assim que funciona. - Ela cruzou os braços, olhando para os demais professores
para garantir que nenhum estava ouvindo. - Eu… queria sentir que foi genuíno. Se não fosse só um impulso, se não
fosse só um desespero por atenção, ele não teria ido embora sem mais nem menos quando eu disse que precisava
saber que era de verdade. Ele só saiu de lá e não me procurou mais, já faz cinco dias.

Jeon pensou sobre si mesmo. Sobre Taehyung.

As coisas eram muito parecidas com o que Sana estava passando, mas estava diferente desta vez.

Vários beijos roubados naquela noite, e no dia seguinte não conversaram sobre o assunto. Mas estava diferente. A
forma como Taehyung o olhava, como esbarrava em sua mão de forma proposital seguidamente, como sorria para ele
sempre que podia, como parecia radiante com o que tinha acontecido.

Jungkook, no entanto, estava com uma dúzia de dúvidas. Não sabia se aquilo significava que tinham assumido algo ou
significava que Taehyung estava evitando o assunto mais uma vez.

- Não vou defender ele. Também não vou garantir que ele está totalmente errado. - Jungkook deu de ombros. -
Também acho errado seu lance com o Jackson. Você sabe como o Ji é, ele normalmente deixa o coração falar mais
do que o cérebro e as coisas acabam se complicando. Você mesma disse, se ele não te procurou ainda…

- Senhorita Minatozaki? - Uma das professoras, a novata que cheira a cigarro, tocou o ombro dela. - Pediram para
entregar para você.

Sana abriu bem os olhos, encarando a mulher com a expressão mais amigável que conseguia mostrar com aquele
cheiro pinicando o nariz. A mulher abriu um sorriso gentil e mostrou a ela algo que tinha em mãos.

Um arranjo pequeno amarrado com uma fita de tecido cru, um punhado de pequenas flores azuis. Sana nunca tinha
sido muito ligada a flores e toda a questão de simbologia, ninguém nunca tinha lhe mandado flores até então. Ela não
pensou que desejasse tanto até aquele momento.

Não-me-esqueças. A vizinha de seus pais plantava aquelas flores e ela tinha quase certeza de que o nome dela não
era exatamente aquele, mas não conseguia lembrar o nome original.

- Para mim mesmo? - perguntou ela, virando a cabeça lentamente, já com um sorriso tímido nos lábios.

- A diretora disse que seu namorado pediu para entregar, ele está a esperando no escritório dela, disse que é urgente
- disse a senhora, empurrando o ramalhete em direção a Sana até que ela o pegasse.

Jackson só podia ser um tremendo idiota. Ele sempre tinha sido generoso em lhe dar presentes, mas nunca tinha sido
nada que tivesse qualquer apego emocional. Uma fritadeira elétrica, um conjunto de cobertores, jóias caras, sapatos e
roupas. Coisas que apenas mostravam quão rico ele era e quão sortuda ela era por tê-lo em sua vida.

Mas ele parecia estar realmente dedicado desta vez. Flores? Ela sequer conseguia imaginá-lo indo até uma floricultura
e escolhendo aquelas flores simples e delicadas para ela, como se adivinhasse que a deixariam radiante daquela
forma.

- Vou ver o que Jackson quer antes que o intervalo acabe. - Sana se virou, entregando as flores para Jungkook. -
Coloque na água e tente ficar longe das estantes até eu voltar.

Ela correu para fora dali, um pouco aliviada por se afastar do local abafado e com cheiro forte de nicotina. Ela passou
pelos corredores coloridos, sorrindo com o som alto dos gritos e risadas de crianças e olhando pelas janelas para vê-
las brincando no playground.

O caminho todo esteve repetindo para si mesma que Jackson era sua salvação. Não a promessa de um amor capaz
de abalar montanhas, mas a promessa de talvez, um relacionamento que fosse dar em algum lugar finalmente.
Casamento? Família?

Ela parou no meio do corredor.

O que estava fazendo afinal? Passou tanto tempo julgando Jungkook por se enfiar em um casamento onde não era
realmente amado e estava ali, aceitando as mentiras de Jackson a troco de que? Conforto e estabilidade?

Sana voltou a andar, passos lentos, como se quisesse postergar ao máximo a chegada até a sala da diretora.

Avistou a porta entreaberta, sentia algo amargo na boca e um suor frio que faziam seu estômago pesar. Ela era uma
fraude completa.

Ela chegou e abriu a porta.

Mas não era Jackson.

Talvez ela devesse sentir raiva, mas sentiu alívio.

- O que você está fazendo aqui? - Ela não foi ríspida ou rude, mas Jimin sentiu a frieza em cada palavra. Uma forma
sutil de dizer que ele não era bem vindo e que sua presença era um incômodo.

- Procurando você - ele respondeu simplesmente.

Ela riu com sarcasmo. Toda a raiva acumulada estava vindo a tona.

- Depois de cinco dias…

- Eu estive resolvendo algumas coisas a respeito de mim. Tive que buscar hoje o anel de noivado da minha mãe que
eu tinha escondido no escritório e estou com ele bem aqui. - Ele bateu no bolso da calça social cinza. - Vou ver a
Jennie amanhã a noite e vou contar toda a verdade. Vou dar o anel para ela dar a Jisoo e depois disso vai ter
terminado.

- Bom. - Sana assentiu. - É ótimo que você esteja resolvendo suas coisas. Fico feliz que esteja seguindo em frente.

Ele respirou fundo. Os olhos de Jimin costumavam ser cheios de incertezas o tempo todo. Medo e receio de
decepcionar o irmão mais velho e talvez até a si mesmo, no entanto, ele parecia um pouco confiante demais. Algo
havia mudado e talvez ela não conseguisse ver na superfície.

- Por que me comprou flores? - perguntou ela - É um pedido de desculpas?

Desculpas pela primeira briga. Desculpas pelo quase beijo.

- É um lembrete - disse ele, colocando as duas mãos nas costas - De que eu ainda estou aqui.
Ela franziu a testa. Ele deu alguns poucos passos para fechar a distância que havia entre eles. Sana nunca recuou,
nunca se afastou e nunca negou qualquer contato que ele tentava. Não de forma brusca, sempre que queria que ele
se afastasse ela pedia e ele o fazia sem nem pensar duas vezes.

Mas ela não pediu, então ele permaneceu ali.

- Você quer o que? Quer sexo ou…

- Não quero transar com você, Sana. - Ele cortou rapidamente. Jimin buscou o olhar dela com a mesma dedicação que
a maioria dos homens buscava olhar para seu decote ou seu corpo inteiro. Aquilo era diferente de tudo que ela já tinha
visto nos olhos dele. - Ainda não.

Ela não disse nada. Queria ver onde aquilo chegaria, o que mais ele diria.

- Eu sei que a maioria dos caras com quem você saiu não passaram disso. Não quero ser mais um desses homens
que vem atrás de uma noite quente e te deixam com uma despedida fria pela manhã. - Ele apertou os dedos nas
costas, se segurando para não tocá-la. Estava tremendo como nunca antes. - Eu não sou a melhor pessoa para usar
as palavras, então vou ter que dizer com meus atos.

- Você não tem que provar nada. Acho que estava sendo tola quando disse que era melhor nos afastarmos de vez,
porque no fundo eu sei que nós sempre funcionamos bem juntos sem ultrapassar os limites. - Sana respirou fundo. -
Você e eu sempre fomos amigos, você nunca me viu de um jeito diferente.

- Eu não tinha percebido até aquela noite. Você sempre esteve lá e eu mereço realmente uns esporros por nunca ter
visto que era você esse tempo todo - ele sussurrou - Foi quando você saiu do meu apartamento depois de brigarmos
que eu percebi que não ligava para merda nenhuma que a Jisoo tinha dito ou feito, eu só queria ir atrás de você. Fui
até seu apartamento, te liguei, mandei mensagem e admito que mereço cada minuto daquele tormento. Não posso
dizer o momento exato em que isso aflorou, mas posso dizer que faz mais tempo do que eu esperava.

Sana o conheceu em um fim de tarde. A cafeteria estava servindo seus últimos clientes antes de fechar as portas e ela
estava com os cabelos horrivelmente emaranhados e um olhar exausto, esfregando o balcão.

Ele chegou e perguntou sobre Jisoo. Ela tinha passado as últimas duas semanas falando com a colega de trabalho
sobre como achava o cliente assíduo bonitinho e definitivamente Jisoo sabia que ela tinha aquela paixonite secreta por
ele. Mesmo assim, sua amiga tinha escrito um bilhete para ele em um guardanapo e entregado a ele.

Quando ele perguntou por ela, Sana sentiu uma pontada de inveja e um pouco de raiva, mas isso jamais
transpareceu.

Mas mesmo depois de dizer que Jisoo não estava mais vindo trabalhar ali porque tinha conseguido outro emprego, ele
se sentou e conversou com ela até o último cliente sair por aquela porta. A ajudou a arrumar as mesas e pareceu nem
notar aquilo pela forma empolgada que encontrava cada vez mais assuntos para que eles discutissem.

Ele voltou no dia seguinte. E no outro.

Sana em algum momento pensou que ele pudesse sentir algo, até o dia que o viu comentar algo sobre sua namorada
Jisoo.

Aquilo tinha sido cruel.

- Eu pensei que ainda amasse a Jisoo, mas na verdade eu só sentia uma raiva sem tamanho por nunca ter recebido
uma explicação para como as coisas terminaram entre nós. Coisas inacabadas tem um poder absurdo sobre nós por
mais que a gente não queira - disse Ji - E essa raiva toda, esse ressentimento e esse medo de seguir em frente sem
ter uma resposta para aquilo me deixou cego para algo que sempre esteve bem na minha frente.

Ele olhou para baixo, esticou uma das mãos e observou o olhar de Sana cair sobre a tremedeira dele. Jimin pegou a
mão dela. Unhas pintadas de preto, com uma pintura muito detalhada de Sharingan no dedo polegar, dedo médio e no
mindinho. Estava descascado, sinal de que ela não ia à manicure há pelo menos umas duas semanas.

Mão fria como sempre, dedos pequenos e sujos de giz e tinta guache.

Ele pensou em tudo que Jin disse sobre ela. Sobre ser encrenca e Jimin não se importava.

Ele a conhecia. Sabia que a família vivia colocando ela em um nível inferior ao do irmão mais velho por ser ela. Uma
mulher solteira, que conseguiu conquistar tudo que tinha apenas com o próprio esforço e sem precisar de um homem
para isso.

Sana só nunca tinha recebido carinho de verdade, era justo que não acreditasse em amor daquela forma.

- Eu me livrei disso. As coisas entre Jisoo e eu acabaram há anos, mas hoje eu posso finalmente dizer que não me
afeta mais. Quero que ela seja feliz, faça a Jennie feliz. - Ele acariciou os dedos dela com cuidado. Sana prendeu a
respiração. Parecia totalmente novo e ele estava apenas segurando sua mão, como já tinha feito tantas vezes. - Ela
disse coisas que me magoaram demais e eu sei que no fundo você acha que ela está certa…

- Ji…

- Eu sei que eu sempre fui muito dependente das opiniões do meu irmão, mas eu vou mudar. Eu quero começar a
decidir as coisas por mim mesmo e eu juro, Sana, que eu não vou desistir a menos que olhe nos meus olhos e diga
que não sente absolutamente nada por mim ou que quer que eu suma da sua vida - falou ele.

O homem esperou. Sana esperou. Sua boca não conseguia obedecer, ela não podia dizer aquilo, nada daquilo, pois
seria uma mentira e ele sabia quando ela mentia.

Ela queria sentir que aquilo era real.

- Não posso dizer isso - confessou - Mas ainda não posso…

- Eu espero. Eu estive preso no passado por tempo demais e eu sei que isso te machucou, acho justo que você se
sinta insegura. Você sabe que eu sempre fui paciente e mesmo que não haja uma garantia, enquanto você me olhar
desse jeito, vou continuar voltando até que acredite que eu te vejo da mesma forma. - Ele sorriu e beijou a testa dela.
Só então Sana percebeu que ele já tinha feito aquilo tantas vezes que era quase uma rotina. Quando deixava seu
apartamento pela manhã, quando chegava com alguma comida pronta para ela não precisar cozinhar. Sempre que ele
a encontrava. O sinal soou, assustando ambos e fazendo com que ele se afastasse. - Tenha um bom dia, senhorita
Minatozaki.

E quando Jimin saiu, ela não soube bem o que fazer em seguida. Olhou para a própria mão que ele estava segurando
e a segurou com a outra.

Ela engoliu seco e saiu dali apressada, assim que pisou no corredor já avistou uma sombra. Ela bufou e revirou os
olhos.

- Sério, Jungkook? Ouvindo atrás da porta, você é pior que as crianças! - ela praguejou.

❁❁❁

Jungkook estacionou o carro na entrada da casa. Estava escurecendo e ele tinha plena certeza de que Taehyung já
tinha voltado da consulta há horas. Se não tivesse ido ver Jimin como estava fazendo há dias para evitar uma
conversa séria, estaria em casa.

- …e então eu disse a eles que não sei se vou poder ir, appa, acha que appa Tae vai me deixar ir com eles? Vocês
sabem que a tia Lisa e a tia Rosé cuidam de mim direitinho e eu prometo obedecer as duas. - Mi Sun tinha passado o
caminho inteiro lhe dizendo todos os motivos pelos quais deixá-la viajar com seus amigos para o interior seria uma
ideia brilhante. Ele definitivamente iria ligar para as duas mais tarde, mas resolveu não interromper enquanto sua filha
explicava quão importante seria para ela andar a cavalo pelo menos uma vez na vida. - Você pode falar com appa
Tae, se você pedir ele vai deixar.

Jungkook riu. Como se ele tivesse um poder maior de persuasão sobre o loiro do que ela.

- Vamos falar com seu outro pai, mas primeiro, você precisa tomar um banho, jantar, aí depois conversamos - disse
ele, desligando o motor e abrindo a porta.

Mi Sun tirou o cinto de segurança e pulou para fora entusiasmada. Ela estava particularmente feliz por uma dúzia de
razões, ou quase uma dúzia.

Ela tinha tirado a maior nota da turma em ciências, tinha ganhado um elogio de todos os professores por seu novo
corte de cabelo e de quebra foi convidada por seus amigos para passar uma semana inteira em uma fazenda.

Oh claro, e havia a questão de seus pais.

Ela não tinha visto nada revelador, mas tinha certeza de que algo havia acontecido no dia de seu aniversário. Quando
os dois voltaram para dentro para colocá-la na cama, estavam quase brilhando como se tivessem ganhado na loteria.

Ela não era burra, sabia o que aquela troca de sorrisinhos e bochechinhas rosadas significavam.

Mas obviamente ela não ia tocar no assunto.

Por enquanto.

- Appa Tae! Nós compramos laranjas na feira, elas estão tão bonitas que deveríamos colocar em uma cesta para
decorar a mesa! - Ela gritou assim que passou pela porta, seguida de perto por seu pai.

Jungkook olhou os sapatos de Taehyung, perfeitamente alinhados ao lado da porta junto com os sapatos que Mi Sun
tinha acabado de tirar. Ele sorriu e deixou os seus com a mesma organização que os outros dois.

- Você pode fazer isso, mas duvido que as laranjas vão durar mais de dois dias. - Taehyung sorriu para ela, reclinado
contra o batente da porta da cozinha.

Ele se inclinou e beijou o topo da cabeça da filha demoradamente e em seguida tocou a ponta do nariz dela com um
sorriso acolhedor.

- O que vamos jantar hoje? Eu tenho algo muuuito importante para falar com vocês dois depois do jantar! - ela disse,
olhando nos olhos do pai com seriedade.

Taehyung suspirou e olhou para Jungkook, que pensou que fosse porque o loiro não sabia cozinhar então o jantar
sempre dependia dele. Mas Kim pareceu um pouco ansioso com aquele gesto, o que o deixou curioso.

- Eu estava voltando da terapia hoje e vi um panfleto do Lotte World e como fica a cerca de meia hora daqui eu pensei
que talvez nós possamos ir até lá. Podemos jantar e nos divertir um pouco - ele disse, intercalando o olhar entre
Jungkook e Mi Sun.

A garota abriu a boca de imediato, com os olhos tomados por total animação e felicidade ao ouvir aquilo. Ela só tinha
ido uma vez naquele lugar que parecia um universo de contos de fadas e a ideia de visitar o local novamente a deixou
mais que entusiasmada.

Ela riu alto.

- Appa, isso é incrível! Eu vou tomar um banho rapidinho, bem rápido mesmo, não mude de ideia! - A garota correu,
com a mochila nas costas sacudindo com som dos materiais escolares se chocando dentro dela.

Uma batida alta na porta do banheiro indicou a pressa da menina.

- Tome banho com calma! - gritou o loiro.


- Será o banho mais rápido da história! - O grito abafado da menina veio em seguida, lhe arrancando uma risada.

Ele olhou então, para Jungkook.

O moreno estava parado a alguns metros de distância e sempre que o olhava, mesmo que fosse sem qualquer
pretensão, Taehyung sentia aquela coisa bem no fundo.

Desviou o olhar rapidamente e mordeu o lábio, olhando para baixo.

- Lotte World? Kim Taehyung realmente está sugerindo sair de casa e andar no meio de uma multidão de pessoas na
sexta-feira à noite ao invés de simplesmente se sentar e ler um livro escondido no quarto? - Jeon ergueu a
sobrancelha, com um sorrisinho nos lábios.

Taehyung suspirou, se virando lentamente na direção do corredor. Jeon percebeu o movimento e o seguiu quando ele
começou a dar passos lentos. Podiam ouvir Mi Sun cantando no chuveiro e os dois riram daquilo.

Somente quando Taehyung passou pela porta do próprio quarto e Jungkook o seguiu, que ele disse algo. Pareceu
usar o trajeto para pensar bem no que queria dizer.

- Eu ainda sou uma pessoa muito quebrada de todas as formas - disse ele, se sentando à beira da cama e olhando o
assoalho. Jungkook empurrou a porta devagar até ouvir o click dela se fechando. Se aproximou dele devagar e sentou
ao lado de Taehyung sem esperar um convite. - Eu tenho pesadelos. Com a guerra, com a Jiayu, com a minha mãe.
Às vezes tudo é misturado e é horrível. O lance com o relógio é em partes porque eu sinto que ele é um inimigo.

Taehyung respirou fundo.

- Eu acordo, arrumo a casa, cuido da Mi Sun, passo tempo com você e nossos amigos, mas eu me sinto sempre
parado no tempo. Sempre esperando por algo que não sei o que é e eu sei que só depende de mim e mais ninguém e
é o que torna cada minuto mais angustiante. - Kim engoliu seco. - O tempo passa por mim mas não parece me levar a
lugar algum. Como se estivesse eternamente preso vivendo o mesmo dia repetitivamente. Nunca muda.

Jungkook permaneceu calado, esperando que ele lhe dissesse tudo que tinha para dizer.

- Eu não quero mais isso. Eu quero me sentir vivo de novo. - Ele tomou fôlego. - Eu estive pensando sobre talvez fazer
uma faculdade. Arrumar um emprego, fazer algo além de ficar aqui sentado pensando na Jiayu, no meu nascimento
miserável ou no que eu passei no Oriente Médio.

Ele olhou para o moreno ao seu lado. Os olhos de Jungkook sempre estavam fixos nos seus enquanto ele falava.
Parecia feliz, com medo e ao mesmo tempo orgulhoso. Ele não sabia onde Taehyung queria chegar com aquele
discurso e Kim sabia que ele temia outro discurso sobre precisarem manter distância porque era o certo a se fazer.

Mas Taehyung estava cansado demais de passar toda a vida chutando os próprios sentimentos para debaixo do
tapete por medo de não ser digno de mostrá-los.

Viver. Jaeyun lhe disse que o verdadeiro sentido daquilo era não pensar se estava fazendo certo ou não, mas se sentir
completamente encaixado em algo.

- Eu não posso te fazer promessas e juras de amor eterno por enquanto. Seria injusto prometer um coração que eu
ainda estou juntando os cacos - sussurrou ele. Ainda estava prestando atenção na cantoria de Mi Sun e o som do
chuveiro, então sabia que poderiam falar a vontade até que ela desligasse. - Mas quando eu conseguir reconstruir a
mim mesmo, quando eu puder dizer que estou pronto…

- Eu vou estar aqui ainda - Jungkook interrompeu. Seus olhos cintilantes e muito cheios de esperança, um sorriso
bobo iluminando o rosto inteiro. - Eu nunca vou te pressionar ou exigir nada, só quero que seja sincero comigo o
tempo todo.

- A coisa mais sincera que eu posso dizer agora é que… - Taehyung disse pausadamente, passando a língua nos
lábios e analisando minuciosamente cada expressão do homem. Jungkook conseguia sentir cada músculo do próprio
se contraindo. Aquele olhar simples e um pouco sedutor era suficiente para deixá-lo paralisado. - De todos esses
sentimentos confusos e bagunçados, a única coisa que vejo com clareza aqui dentro é você. Por mais tempestuoso
que seja meu coração, por mais emaranhado e despedaçado, eu consigo ver seu reflexo em cada pedacinho dele.

Jungkook, da forma mais delicada e lenta possível, se inclinou e beijou a bochecha dele de forma demorada.

Os lábios quentes de Jungkook forçaram Taehyung a esticar a mão em direção a dele, entrelaçando os dedos com os
dele em um gesto quase automático.

O moreno se afastou e beijou a outra bochecha da mesma forma.

Taehyung sorriu para ele.

O sorriso de Kim Taehyung era um dos eventos mais lindos de todo o universo por inúmeras razões. Estava se
tornando menos raro, o que era reconfortante, e sempre que acontecia Jungkook tinha a certeza que era sincero,
diferente do que acontecia antes.

Jungkook tinha certeza que aquilo era algo pelo que ansiava todas as manhãs.

Fazer aquele homem sorrir pelo menos uma vez ao dia para que tudo valesse a pena.

E ali estava ele, arrancando o quinto sorriso desde que se levantaram e não eram nem mesmo sete horas da noite.

- Ah, agora eu me lembrei de uma coisa - Taehyung se afastou tão rapidamente que Jeon teve que se apoiar com
força na cama para não cair para a frente quando ele sumiu de uma forma tão violenta.

O loiro deslizou pela beirada da cama até a mesa de cabeceira e puxou algo lá de dentro. Jungkook reconheceu o que
estava no topo e pela forma como todas estavam atadas e aparentemente lacradas, ele soube que nunca foram lidas.

Suas cartas.

Taehyung voltou para perto dele, tão perto quanto estava antes ou até mais.

Ele desenroscou algo e jogou longe sobre o colchão para focar a atenção somente naquilo.

- Eu nunca li isso. Em partes porque na época eu estava com muita raiva de você e em partes porque eu tinha medo
que você tivesse me amaldiçoado e mandado para a puta que pariu - disse Taehyung - Eu vou ler agora.

- Acho melhor queimar. - Jungkook se apressou em dizer, colocando as mãos sobre os papéis e abaixando. - Não tem
nada útil aí, Taehyung-ssi, vai só perder tempo.

Taehyung puxou elas para longe, estendendo o braço para trás e abrindo um sorrisinho travesso.

- Você me mandou pra puta que pariu mesmo, Jeon Jungkook? - Ele tentou conter o riso.

- Quase isso, em algumas delas, mas… nunca com palavras de baixo calão, eu ainda tenho um grande apreço por
correspondências bem escritas e que mantenham o mínimo de respeito - respondeu o moreno.

Taehyung riu.

Mesmo desesperado por pegar de volta as cartas, Jungkook não podia deixar de sorrir por ouvir a risada dele.

- Oh não, agora eu preciso definitivamente ler cada uma dessas danadinhas! - Taehyung se jogou para trás na cama,
tentando rastejar e fugir pelo outro lado.

Jungkook se jogou sobre ele, apoiando os joelhos nas laterais do corpo do loiro e o prendendo por tempo suficiente
para tentar pegar o molho de cartas que estavam firmes na mão esticada de Taehyung.
- Você não leu até hoje, não vai ler mais, me devolve! - Jungkook disse, rindo. Taehyung lhe mostrou a língua. -
Quanta maturidade.

- Sai de cima de mim, pirralho! - Taehyung deu tapinhas leves na coxa dele com a mão livre e em seguida a sacudiu
no gesto para que ele se afastasse.

Jungkook se inclinou para a frente, apoiando todo o peso do corpo no antebraço bem ao lado da cabeça de Taehyung
e esticou a mão com agilidade. Ele alcançou a pilha de cartas, mas não conseguiu arrancar da mão dele. Jeon sentiu
algo pinicando o braço e nem notou a timidez clara no rosto de Taehyung por estar tão perto daquele jeito.

Como se fosse natural, como se fosse algo simples.

Taehyung continuou olhando fixamente para o rosto dele, que estava apenas alguns centímetros acima do seu, o olhar
atento de Jungkook quando este deixou as cartas de lado para alcançar aquilo que Taehyung tinha jogado no colchão
antes.

- O que é isso? - perguntou ele, erguendo a pequena placa de metal pendurada na ponta de uma correntinha.

- Pode sair de cima de mim? - Taehyung pediu, quando o moreno continuou se apoiando no antebraço para analisar
com os olhos semicerrados a plaquinha. Sem sucesso, Taehyung bufou. - Isso é minha dog tag.

Jungkook sabia o que era.

Ele leu as identificações.

Primeiro-Tenente Kim Taehyung


Nascimento em 13/10/1990
19° batalhão das Forças Armadas da Coréia do Sul.

- Os soldados usam isso para serem identificados se morrerem no campo de batalha, não é? - Jungkook perguntou,
olhando o homem abaixo de si. Taehyung soltou as cartas, que caíram com um baque surdo no carpete. Ele respirou
fundo, observando os olhos atentos de Jungkook.

- Sim - respondeu, dando de ombros. Para ele sempre foi tão simples, tão comum a ideia de morrer no campo de
batalha que nunca tinha parado para pensar sobre quão deprimente aquilo parecia. - Eu ia jogar isso fora. Pra falar a
verdade eu ia jogar suas cartas fora também, mas fui protelando.

- Isso te traz algum gatilho? - Jungkook perguntou, alisando a gravação em alto relevo na placa com o polegar.
Taehyung negou.

- É só algo meio inútil agora, uma tralha desnecessária - respondeu - É um alívio que tenha voltado para casa comigo,
isso é sinal de que eu voltei vivo.

- Beleza. - Jungkook segurou a corrente, e com uma só mão, passou pela cabeça até deixá-la pendurada em volta do
pescoço. Taehyung franziu a testa e ele deu de ombros, apoiando o outro braço no colchão ao lado dele. - Eu sempre
achei um ótimo acessório, agora não preciso comprar um falso na loja de bijuterias.

Taehyung riu.

- Mas tem o meu nome aí, não o seu - retrucou, segurando a peça de metal com uma das mãos e alisando entre os
dedos.

- Acho que nem tudo é perfeito - Jungkook sorriu.

Taehyung voltou a olhar para ele. Para o rosto dele. Tão perigosamente perto, os braços dele em volta de seu corpo
sem lhe deixar qualquer saída que não fosse olhar para o rosto dele.

Olhos tão expressivos, sorriso tão inocente e pele macia.


Era diferente, estar assim tão acolhido e aconchegado. Ele nunca pensou que poderia ser tão bom se sentir
confortável nos braços de um homem.

Não qualquer homem, Jeon Jungkook. Ele fazia tudo parecer tão certo de inúmeras formas.

- Você está pensando em quê? - Jungkook perguntou, roçando o nariz no dele. Taehyung fechou ainda mais a mão
em volta do metal.

- Você - sussurrou Taehyung - Eu ainda acho que é uma loucura.

- Por que eu sou homem? - perguntou o moreno, beijando o canto da boca dele. Mais alguns centímetros e Taehyung
teria conseguido o que estava esperando há dias. Ele fechou os olhos, se perdendo na sensação.

- Pelas circunstâncias. Somos a coisa mais improvável do universo. - Taehyung esticou-se na direção dele. Queria um
beijo. Um único beijo e seu dia teria valido a pena.

- O que somos exatamente? - perguntou Jungkook.

Taehyung sorriu.

- Os pais da Mi Sun - respondeu.

- Não estou falando disso, você entendeu muito bem. - Jungkook beijou o queixo dele. Taehyung abriu minimamente
os olhos. Era possível ver o reflexo da luz ali no fundo e aquele mesmo sorrisinho provocativo que mostrava seus
dentinhos tortos. Era tão perfeito que deveria estar em um museu.

- Um passo de cada vez. Eu me contento com um voto de exclusividade por enquanto, mas não podemos deixar a Mi
Sun saber por enquanto. Nem mais ninguém. - Taehyung pareceu sério de repente. - Temos um lance.

Jungkook riu.

- Um lance exclusivo? - ele disse - Ótimo. Mas…

- Eu tenho muito que aprender ainda. Sobre isso que nós temos e como as coisas funcionam desse jeito - Taehyung
interrompeu - É a primeira vez que eu fico com um cara e tem coisas que eu ainda preciso descobrir antes de… isso
ficar sério mesmo.

- Tudo no seu tempo - Jungkook sorriu.

O moreno se inclinou, o beijando sem pedir permissão. Das outras vezes, Taehyung sempre tinha tomado iniciativa e
o beijado primeiro ou pedido por aquilo. Ele agora sentia que não precisava mais pedir permissão, não quando
Taehyung o olhava daquele jeito.

Não houve receio, ele não se aproximou devagar para dar tempo de Taehyung recusar. Foi direto e repentino, o beijou
como se aquilo fosse seu novo afazer diário, que seu dia estaria incompleto se não o fizesse.

Taehyung entendia que sua recuperação completa não podia depender de ninguém além dele mesmo, que ele
precisava aprender a separar as coisas e entender que ele continuava sendo Kim Taehyung independente de com
quem estivesse se relacionando.

E faria isso dali em diante.

Focar suas forças em se tornar um homem independente emocionalmente, mas isso não significava que precisava
abrir mão de seus sentimentos.

Pela primeira vez na vida, Taehyung ia dar uma chance a si mesmo de receber tudo de bom que a vida tinha a lhe
oferecer. Sem se sentir culpado ou indigno.
Butterfly
❝Você vai ficar ao meu lado?
Você promete?
Se eu soltar sua mão, você vai voar para longe e partir?
Eu estou com medo, com medo, medo disso
(...)
Você está lá, mas por alguma razão, eu não posso chegar até você
Pare
Você, que é como um sonho, é uma borboleta para mim❞
(Butterfly - BTS)

❁❁❁

Lotte World era basicamente o paraíso em formato de um shopping center misturado com parque de diversões, um
lugar enorme com dezenas de brinquedos e atrações que tornavam impossível a tarefa de ver tudo em um único dia.

Taehyung queria muito dizer que a única razão pela qual o panfleto lhe chamou a atenção foi por sua filha, mas ele
definitivamente não podia agir como se Mi Sun fosse o único motivo que os levou ali.

Em um orfanato, onde há sempre crianças demais para funcionários e recursos de menos, as coisas podiam ser um
pouco deprimentes.

Não haviam brinquedos pessoais, tudo era de todos e também não recebiam qualquer coisa que pudesse ser
considerado comum para outras crianças, como passeios ao zoológico para um piquenique ou visitas ao parque de
diversões.

Taehyung só conheceu um shopping quando completou quinze anos, juntou algumas moedas que tinha furtado
sorrateiramente de uma secretária do orfanato e pegou um ônibus que o levou a um dos shoppings mais
movimentados de Seul, mas nada se comparava com aquilo.

Lotte World parecia muitos de seus sonhos de infância reunidos em um só lugar. Castelos, pistas de gelo, lojas de
brinquedos, fliperama e infinitas outras coisas que ele não podia listar.

Ele não queria parecer imaturo, mas era visível em seu rosto quão maravilhado estava com aquilo.

- Podemos patinar, appa? Por favorzinho! - Mi Sun puxou sua mão, olhando em volta como se não soubesse em que
prender sua atenção primeiro.

Taehyung olhou para cima, para o telhado de vidro sobre suas cabeças. Majestoso e fascinante. Ele sorriu, apertando
com carinho a mão da filha e observando o movimento.

Haviam muitas pessoas, ele acreditava que boa parte eram turistas pelas feições. O burburinho da multidão não lhe
incomodava, surpreendentemente, parecia algo ótimo de se ouvir.

- Vamos esperar o seu pai - o loiro respondeu, olhando em volta.

Jungkook tinha pedido para ambos esperarem ali, em frente a loja de canecas que deixava Taehyung totalmente
tentado a levar uma delas que tinha o formato da cabeça de Jack Esqueleto. Pelo visto o vício naquele filme era
contagiante.

Ele corria os olhos entre as pessoas que passavam por ali, ninguém parecia realmente prestar atenção nele e em Mi
Sun, reclinados contra a parede ao lado da vitrine.
Taehyung pensou em todas as vezes que saiu com os dois. Quando os três andavam lado a lado nas ruas, no
mercado ou até mesmo quando alguns dos vizinhos mais antigos passavam em frente a casa e viam os três, havia
uma espécie de julgamento silencioso.

Ele nunca pensou realmente sobre essa questão até aquele momento.

Lisa tinha lhe dito uma vez que, logo que voltaram para a Coréia depois que as crianças já tinham sido adotadas,
havia muito daquilo. Olhares reprovadores e até ofensas verbais descaradas.

A mulher falou que Rosé chorava muito. Lia e Hyunki eram pequenos, tinham pouco mais de um ano na época e as
duas costumavam parar ao lado dos berços e apenas os observarem dormir enquanto choravam silenciosamente.

Queriam que eles crescessem ali, queriam que fossem ensinados na cultura do país onde ambas cresceram e
queriam que eles tivessem o máximo de contato possível com suas famílias. Elas tinham passado por muita coisa,
Lisa confirmou que não teriam aguentado sozinhas se não fosse o apoio de seus familiares e amigos.

Ele e Jungkook eram diferentes até algumas semanas antes e mesmo assim, Taehyung notou que havia o peso dos
olhares e comentários. Aqueles que não os conheciam, olhavam como se fossem dois depravados sendo a ruína do
futuro de uma criança indefesa.

Dois homens. Que sujo e imoral.

Taehyung viu, quando entre aquela dezena de pessoas, Jungkook se esgueirou com um grande sorriso e correu
rapidamente em direção a eles.

- Humm, eu passei em uma lojinha ali. - O moreno colocou a mão no bolso da calça jeans e se abaixou diante da
garotinha, que até então tinha os olhos fixos na pista de gelo como se fossem seu maior alvo. Ela se forçou a olhar
para o pai quando ele abriu uma caixinha. - Você gosta de coisas brilhantes, certo, solzinho?

Mi Sun soltou a mão de Taehyung e ele se inclinou para ver qual o motivo de sua filha estar com os olhinhos tão
brilhantes e as mãos sobre a boca em uma surpresa genuína.

- Appa! - ela exclamou. Taehyung sorriu involuntariamente ao avistar que era apenas um par de brincos infantis. Duas
borboletas, com pedrinhas vermelhas brilhantes nas asas. Mi Sun pegou um deles com seus dedinhos pequenos,
observando como se fosse a melhor coisa que já tinha recebido em toda a vida. - Eu nunca mais vou tirar eles, são tão
perfeitos!

Taehyung riu e Jungkook o olhou com um sorrisinho, antes de piscar para a garotinha.

- Você disse que queria brincos novos, achou que eu tinha esquecido? - Ele se esticou e beijou a testa dela,
pressionando os lábios contra a franja da menina rapidamente.

Mi Sun colocou o brinco de volta na caixinha que ele segurava e colocou as duas mãos nas bochechas dele, o
puxando para perto e lhe dando um beijo em cada bochecha, na testa e finalizando com a ponta do nariz.

- Eu amo você, appa! Muito obrigada por ser tão bom pra mim! - disse ela.

Taehyung olhou para o moreno, analisando com total atenção sua reação. Parecia ter acabado de receber um choque
pela forma como ficou paralisado e estático ao ouvir aquilo.

Mi Sun voltou a olhar empolgada para os brincos como se não tivesse acabado de dizer algo que fez o coração muito
machucado de seu pai bater com força e vitalidade.

Jeon Jungkook, que nunca tinha ouvido um “eu amo você” em toda sua vida, olhou para aquela pequena criatura e
percebeu como o mundo era surpreendente e fascinante.

Nem mesmo seus pais e melhores amigos jamais tinham lhe dito um ‘eu te amo’. Nem a mulher com quem ele se
casou jamais foi capaz de lhe dizer aquelas palavras, mas ali estava Kim Mi Sun. A garotinha que não tinha seu DNA,
mas que com certeza tinha seu coração.

- Eu também amo você, minha menina - ele sussurrou. Seus olhos estavam úmidos e se sentia um tolo por aquilo,
mas não conseguia evitar o efeito daquilo.

Taehyung era o único que sabia que Mi Sun tinha acabado de entregar a Jungkook muito mais que uma simples frase
de agradecimento.

- Nós precisamos patinar! - Mi Sun fechou a caixinha e a abraçou como se fosse seu bem mais precioso. Não olhou
para seus pais, em sua pura inocência infantil, não sabia que o momento parecia ter congelado para eles. Ela se
afastou sorridente, dando passos decididos.

Jungkook se levantou. Suas pernas estavam um pouco fracas e ele sentia suas veias pulsando com força. Mas sorriu
e deu um passo para acompanhá-la.

- Você está bem? - Taehyung perguntou, se apressando para acompanhá-lo. Os olhos de Jungkook estavam fixos em
Mi Sun, alguns passos à frente deles.

Ele assentiu.

- É só que… - Jeon o olhou por alguns segundos sem dizer nada. O olhar dele sustentava algo parecido com total
exasperação. Ele sorriu, Taehyung sentiu aquele sorriso como uma ferroada lá no fundo do peito. - Eu estou feliz,
Taehyung.

E Kim retribuiu seu sorriso.

- Eu também - sussurrou, como se fosse uma confidência.

Jungkook jamais saberia dizer se estava dizendo que também estava feliz ou que também o amava.

Para o bem de seu coração já muito acelerado, preferiu aceitar a primeira opção.

❁❁❁

- Vocês podem ir, eu acho que estou cansado demais para… - Jungkook tentou a noite toda. Estavam ali há quase
duas horas inteiras e visitaram quase todas as atrações que ele escolhia, mas Taehyung e Mi Sun não estavam mais
aceitando suas desculpas, então ele colocou as mãos na cintura e fez de conta que estava totalmente exaurido.

- Você vai com a gente, prometeu que a gente ia patinar depois do fliperama, e depois daquele trenzinho e depois dos
escorregadores e da piscina de bolinhas. - Mi Sun cruzou os braços, um pouco autoritária. Naqueles momentos era
como olhar uma miniatura de Kim Taehyung.

- Você não sabe patinar, Jeon? - perguntou o loiro, com seu típico olhar de provocação e deboche.

Mesmo com tudo que tinha acontecido entre eles, parecia sempre haver uma pequena faísca daquela antiga
rivalidade.

Jungkook riu.

- Prefiro manter os ossos do meu corpo inteirinhos, obrigado. - Jungkook replicou, estreitando os olhos e colocando as
mãos nos bolsos do moletom.

- Não vou te deixar cair, appa Ggukie, prometo. - Mi Sun o puxou pelo braço com determinação.

Taehyung achou graça daquilo e seu riso rendeu um olhar nada satisfeito do moreno.

- Pense pelo lado bom, Ggukie, se você cair não vai precisar colocar gelo porque já vai estar nele - disse Taehyung,
parando em frente ao balcão para pedir os patins.
- Eu te odeio - Jungkook resmungou.

- Vou me lembrar disso mais tarde - retrucou o loiro, olhando sobre o ombro.

Jungkook riu.

Depois de pegar os patins e joelheiras, cotoveleiras e capacete para que Jungkook parasse de dizer que voltaria para
casa em uma maca por quebrar todos os membros, eles pararam na portinhola da entrada da pista.

Como faltava pouco mais de uma hora para o parque fechar, estava ligeiramente vazio. Haviam algumas crianças com
seus pais e um ou dois casais de namorados.

Havia muito espaço para que ele pudesse cair sem atingir uma criança ou derrubar alguém consigo.

- Eu te odeio - Jungkook disse, mais uma vez, observando o sorrisinho de total escárnio do homem que pisou antes
dele na pista e conseguiu ficar de pé sem o menor esforço.

Mi Sun já tinha ido longe e dado uma volta imensa para parar bem diante da porta ao lado de Taehyung. Jungkook
permanecia com os pés bem firmes na plataforma dura.

- Você é um medroso - Taehyung acusou.

- Se eu quebrar alguma coisa, você vai lavar, passar e cozinhar até que eu me recupere. Não vou erguer um dedo
nem mesmo para lavar um copo, Kim Taehyung! - Jungkook segurou os dois lados da portinhola e respirou fundo.
Seus joelhos estavam dobrados e apesar de estar usando um capacete, joelheiras e cotoveleiras, ele ainda sentia que
ia doer muito.

- Eu cuido de você, appa, segure a minha mão e você não vai cair - disse Mi Sun, chegando mais perto.

Jungkook viu duas mãos se estenderem a sua frente.

- Você pode ficar tranquila, joaninha, eu seguro seu pai - Taehyung disse, mantendo as duas mãos abertas com as
palmas para cima.

Mi Sun olhou para os dois. Seu sorriso se alargou no rosto. Ela sabia que havia uma parte deles que por alguma razão
não queria ceder, mas foi tão nítido quando Jungkook colocou as mãos nas de Taehyung, que havia algo ali, que a
garotinha queria pular de alegria.

Amor, ela entendeu, talvez não fosse algo imediato e instantâneo. Talvez fosse preciso um pouco de paciência, ainda
mais quando os corações estavam tão machucados.

Jungkook colocou os dois pés no gelo. Sentiu o mesmo frio na barriga que teve quando escorregou no banheiro uma
semana antes. Não caiu porque se segurou na pia, mas ganhou um galo na cabeça depois de bater na parede.

Era impossível ficar de pé.

- Se eu cair… uooou! - Ele segurou as duas mãos de Taehyung com tanta força que o loiro considerou que ele seria a
única pessoa a precisar engessar ossos partidos depois dali.

- Não fica jogando todo o peso para trás, mantenha os pés mais juntos - Taehyung orientou.

Mi Sun riu.

- Eu quero voltar, eu desisto! - Jeon gritou. Taehyung lhe exibiu os dentes, quase conseguindo sentir os olhares se
acumulando sobre eles. - Isso não é pra mim, eu não sou Jack Frost, vocês podem seguir sem mim.

- Cala a boca, você só precisa parar de se mexer tanto - disse Taehyung, segurando com força os dois braços. Do
jeito que se inclinava para trás, os dois acabariam caindo.
Mi Sun se aproximou por trás de Jungkook, ergueu as duas mãos e espalmou nas costas dele, o empurrando com
todo o peso do próprio corpo e se mantendo ali para ajudá-lo.

- Continue, appa, está indo bem! - ela incentivou - Você ainda pode se sair melhor do que eu se não desistir.

Jungkook se inclinou para a frente, mantendo os olhos nos próprios pés, enquanto Taehyung movia os próximos com
a leveza natural e o puxava consigo, Mi Sun o impedia de cair para trás.

- Vocês dois me devem uma muito… carambola! - Quase saiu um palavrão, mas ele avistou uma criança de relance e
refreou a boca ao se lembrar que a própria filha estava ali também. Seus pés vacilaram e por um momento, ele
pensou que os três acabariam no chão, mas Taehyung o segurou com firmeza e o fez se equilibrar de novo.

- Ggukie? - Taehyung chamou. Era estranho ouvi-lo falar daquele jeito, parecia firme, mas ao mesmo tempo o fato de
usar aquele apelido ao invés de seu nome fazia os joelhos do moreno tremerem, o que não era bom na situação em
que se encontrava.

Ele ergueu a cabeça, percebendo que esteve muito perto do loiro o tempo todo.

- Não olhe os pés, vai ficar tonto e acabar se perdendo - Taehyung falou - Olhe pra mim.

- Se olhar pra você também vou ficar tonto e acabar me perdendo - Jeon sussurrou.

Taehyung ficou sério por meio segundo. Seu rosto estava tão perto que Jungkook só conseguia se lembrar da
sensação de ser beijado por ele. Mas mais do que isso, Jungkook gostava de apenas olhar nos olhos dele.

Olhos castanhos e tão perfeitos que pareciam desenhados à mão por um artista.

O loiro riu e sacudiu a cabeça.

- Prefiro que se perca olhando pra mim - replicou ele. Jungkook sorriu e Taehyung olhou por cima do ombro dele. -
Tudo bem aí, filha?

- Eu já soltei, e ele nem percebeu - Mi Sun respondeu com um sorriso sapeca, andando de costas ao lado de
Taehyung. Jungkook franziu a testa, percebendo que a pressão nas costas realmente tinha sumido, mas ele tinha
conseguido encontrar um ponto de equilíbrio que o deixava reto.

- Traidora! - ele acusou. Mi Sun gargalhou.

- Você está indo bem sem mim, appa - disse ela, ajeitando a fivela do próprio capacete.

- Vou te soltar - Taehyung avisou.

O moreno arregalou os olhos e negou freneticamente. Já começava a sentir seus sentidos embaralhando e o sangue
se esvaindo do rosto.

- Se achar que vai cair, pode se segurar em mim, mas tente ir sozinho - Kim falou e em seguida o soltou devagar. Os
braços continuaram estendidos e prontos para ampará-lo caso ele fosse ao chão.

No começo pareceu que ele ia cair, conseguiu sentir isso e já estava se preparando para o impacto, mas não caiu.

Continuou deslizando tão lentamente quanto um caracol, mas de pé e firme.

Ele riu, orgulhoso de si mesmo por aquela façanha.

- Onde vocês aprenderam a patinar? - ele perguntou, tentando se distrair para tornar aquilo um ato natural.

- A mamãe - Mi Sun respondeu - Ela me ensinou.

Jungkook olhou para Taehyung, esperando uma confirmação da resposta, mas ele negou.
- Aprendi quando ainda estava na escola, com uma tutora do orfanato - disse ele.

- Eu acho que peguei o jeito - Jungkook murmurou - O que nós fazemos agora?

Taehyung riu e sacudiu a cabeça de um lado para outro. Ele se afastou um pouco, pegando impulso e deslizando pelo
gelo com facilidade. Ele foi até certa altura e deu a volta com uma graciosidade invejável. O sorriso soberbo em seu
rosto denunciava que tinha sido apenas para se gabar.

- Oh, appa! - Mi Sun segurou a mão de Taehyung com as suas duas assim que ele retornou. - Podemos dançar! Tem
música!

Foi só então que Jungkook teve como perceber que havia realmente uma música soando pelas caixas de som. Algo
animado e que ele definitivamente não conhecia.

Ele apenas observou, quando Taehyung segurou Mi Sun pela mão e se afastou o suficiente para terem espaço.

Os dois pararam frente a frente, parecendo muito sérios e concentrados. Taehyung pôs um braço na frente e um atrás
e se inclinou em uma espécie de reverência, enquanto Mi Sun ergueu a saia do vestido imaginário e colocou um pé na
frente do outro, fazendo um cumprimento.

Jungkook riu. Estava parado, sequer percebeu que conseguia ficar ali sozinho sem cair.

Taehyung segurou uma das mãos dela e apoiou a outra no ombro da menina, enquanto Mi Sun pousou a mão na
cintura dele.

Era fascinante porque ambos pareciam muito bem familiarizados com o gelo, Jungkook acreditava que eles nunca
tinham tido a oportunidade de fazer aquilo antes já que ela era tão nova quando ele partiu, mas pareciam estar
conectados suficiente para fazerem funcionar.

Jungkook ouviu a risada de sua filha se misturar com a música quando Taehyung segurou sua mão enquanto ela
girava. Ela perdeu um pouco do equilíbrio, mas voltou a recuperá-lo já que Taehyung a segurou.

Ele já tinha presenciado muitas coisas bonitas em toda sua vida, mas ver aquilo foi como a peça que faltava no
quebra-cabeças confuso em sua mente.

Mi Sun era sua filha independente do que dissessem e o som da risada dela era a única coisa no mundo capaz de
espantar qualquer dor em seu peito.

E Kim Taehyung, com um sorriso arrogante e todos aqueles traumas e problemas não resolvidos, era atualmente um
de seus melhores amigos. E também o homem por quem tinha se apaixonado sem nem mesmo perceber.

Não era só atração física, carência ou qualquer outro sentimento com o qual ele esteve confundindo aquilo por tanto
tempo. Era mais forte que isso, mais profundo.

Ele não queria apenas beijos ou qualquer outra coisa mais íntima, queria mais que isso. Era perigoso desejar ser algo
mais para alguém que ele não tinha certeza se podia desejar o mesmo.

Mais uma vez, ele se viu caindo naquela armadilha e era doloroso, extasiante, empolgante, assustador e incerto.

Mi Sun o olhou no meio de mais um giro e sorriu para ele como sempre fazia. Ele sorriu de volta e ergueu as duas
mãos contra o peito, olhando nos olhos da filha com a seriedade que prendeu sua atenção, apesar de ela se manter
dançando no ritmo.

“Borboleta”.

Ela demorou para perceber, para se lembrar do diálogo que tinham tido alguns meses antes. Sobre o código que
apenas eles conheciam.
Mi Sun entendeu que o brinco de borboleta talvez já tivesse sido seu pai tentando passar uma mensagem. Que agora
estava muito clara.

Ela olhou para Taehyung por um momento e voltou a olhar para Jungkook. A pergunta silenciosa em seu rostinho
pequeno, e o moreno apenas assentiu em uma afirmativa.

Mi Sun sorriu. Como qualquer criança, ela só conseguia ver a felicidade e a grande alegria daquilo. E Jungkook
preferia que fosse assim. Ela não precisava lidar com as complicações.

Ela podia sonhar com os finais felizes, enquanto ele se preocupava com os monstros que precisaria enfrentar para
isso.

❁❁❁

Taehyung e Mi Sun o arrastaram pela pista de gelo até que só restassem eles ali, até que eles tivessem que ir
embora, quando as pernas de Jungkook doíam pelo esforço que precisava fazer para não cair.

Era tarde da noite, ele olhou para trás assim que Taehyung virou o volante e os colocou direto na rua de casa.

Mi Sun estava dormindo. As mãos moles sobre o colo, segurando com firmeza a pequena caixinha com seus novos
brincos preferidos. Vez e outra ela sorria involuntariamente, o que era o sinal de que estava tendo um ótimo sonho.

- Você gostou de sair ou ficou o tempo todo pensando em voltar para casa? - Jungkook perguntou, olhando
diretamente para o homem que estava dirigindo.

Taehyung sorriu.

- Foi muito bom. Devíamos fazer isso mais vezes. Ela brincou tanto que ficou exausta, agora a pergunta é: quem vai
levar Mi Sun para a cama? - Taehyung perguntou.

Jungkook riu, apoiando a cabeça no banco. O loiro colocou o carro na entrada da garagem e desligou o motor,
deixando os faróis apagarem e então eles estavam no escuro completo.

Os vizinhos pareciam já estarem dormindo e Taehyung olhou a fachada da casa.

Nenhum deles fez esforço para descer do carro, permaneceram ali e em completo silêncio.

- Posso fazer uma pergunta? - pediu Taehyung. Ele estava falando baixo, com medo de acordar Mi Sun. Jungkook
apenas assentiu e viu ele brincar com a chave do carro entre os dedos, parecendo um pouco ansioso. - Você nunca
teve problemas em ficar com homens. As pessoas já… foram rudes com você por isso?

Jungkook suspirou. Imaginou que fossem chegar naquele assunto em algum momento, sabia que para Taehyung,
aquilo era novo e um pouco assustador mesmo ele já sendo adulto.

- Eu tive um namorado no ensino médio. O primeiro cara com quem eu fiquei de verdade e eu morria de medo de ser
visto com ele. Até que um dia eu pensei: o mundo está mudando, porque eu deveria ficar com vergonha de pegar na
mão da pessoa de quem eu gosto? - Jungkook deu de ombros. - Na saída da escola, bateram na gente. Não só um
tapa, foi uma surra de verdade. Ele quebrou o braço e eu quebrei o nariz, além dos arranhões e hematomas, claro.

Taehyung permaneceu sério, olhando a chave que dançava entre seus dedos.

- Então sim, Taehyung. O tempo todo as pessoas são rudes. O preconceito não é uma lenda urbana, ele existe e está
aqui todos os dias. - Jungkook tirou o cinto.

- Ele foi seu único namorado? - perguntou o loiro, distraído.

- Não, namorei outro garoto na faculdade, mas não foi muito sério já que a família dele era bem religiosa e ele não
queria se assumir - respondeu Jeon.
- Você teria medo de pegar na minha mão em público? - Taehyung o olhou após terminar a pergunta, parecia
interessado em cada reação do moreno. Seus olhos estavam atentos e ele esticou a mão e ligou a luz sobre eles para
conseguir ver melhor.

Jungkook engoliu seco. Não era ele quem deveria estar fazendo aquela pergunta?

- Não - respondeu Jeon - Por que está perguntando isso?

- Eu quis pegar na sua mão hoje. - Taehyung se virou no banco, colocando uma das pernas sobre o estofado para
ficar completamente de frente para Jungkook. Ele apoiou a cabeça no encosto. - Então eu pensei no que a Lisa disse
sobre como esses casais são vistos e fiquei com medo pela Mi Sun. As pessoas… eu sinto que já nos olham com
certo receio mesmo aqueles que sabem a nossa história. Se nós… você e eu, se a gente resolvesse tentar… eu só
queria saber o que preciso estar esperando.

Jungkook sorriu.

Não disse mais nada.

Saiu do carro, deixando Taehyung um pouco perdido. Não sabia se a conversa tinha acabado mesmo ou se ele tinha
dito algo errado.

Jungkook abriu a porta de trás e pegou Mi Sun nos braços, tomando o cuidado de pegar a caixinha das mãos dela.

A garota se mexeu apenas para firmar os braços em volta do pescoço dele, mas manteve os olhos bem fechados.

Taehyung desceu do carro, Jungkook não se deu ao trabalho de esperar por ele. Abriu a porta com a própria chave e
entrou em casa, determinado a colocar Mi Sun na cama para que ela pudesse ter um bom sono.

- Appa, eu acho que você devia dizer ao appa Tae que gosta dele - a garotinha sussurrou em seu ouvido, sonolenta e
com a fala embaralhada. Jungkook levou alguns segundos para entender e sorriu, empurrando a porta do quarto. - Sei
que ele também gosta de você.

Jungkook riu baixo, se aproximando da cama e afastando os cobertores para colocar Mi Sun ali. Ela se aconchegou no
travesseiro e manteve os olhos bem fechados.

- Eu quero que vocês dois sejam felizes de montão - ela sussurrou, enquanto Jungkook colocou a caixa na mesa de
cabeceira e afastou o cabelo dela para dar um beijo na têmpora.

- E nós vamos, solzinho. Agora durma bem - disse ele.

Mi Sun não respondeu mais, já estava adormecida. Ele tirou com cuidado o aparelho auditivo e colocou na mesa ao
lado da caixa com os brincos. Em seguida, deixou mais um beijo na bochecha de sua filha e saiu do quarto.

Ouviu o som do chuveiro vindo do banheiro no quarto de Taehyung. Ele sorriu, imaginando que tinha se irritado por ter
encerrado o assunto tão cedo e de forma tão brusca.

❁❁❁

Ele estava deitado há pouco mais de vinte minutos. Tinha tomado um banho, colocou um pijama qualquer e estava
tentando dormir, mas não tinha sucesso nenhum com isso.

Ocupado demais brigando com seus sentimentos confusos e assustadores.

Ele ouviu a porta abrir. Continuou escuro, sinal de que nenhuma luz tinha sido acesa.

A princípio pensou que fosse Mi Sun, já que mesmo depois do retorno de Taehyung ela mantinha o hábito de ir até o
quarto dele no meio da madrugada se estava sem sono, com fome ou tendo problemas com pesadelos.

A porta se fechou e ele continuou parado, esperando que ela começasse a escalar a cama em sua direção.
No entanto, ele ouviu passos um pouco mais pesados e soube que não era Mi Sun quando viu uma sombra maior
puxando os cobertores e se enfiando debaixo deles.

- Não se assuste, sou eu - disse Taehyung com um sussurro, como se precisassem manter todo o silêncio do mundo.

- É isso que me assusta, o que você está fazendo aqui? - Jungkook perguntou, esticando a mão para a cabeceira da
cama e acendendo o abajur.

- Eu ainda não terminei nossa conversa e não consigo dormir, eu sabia que você também não estava conseguindo
dormir porque sua cama tem um parafuso solto e dá pra ouvir você virando de um lado para o outro - resmungou o
loiro, se ajeitando de forma que houvesse uma boa distância entre seus corpos debaixo dos cobertores.

Com a luz fraca do abajur, Jungkook conseguia ver seus olhos, já que ele tinha coberto até o nariz.

Jeon continuou na mesma posição, virado de frente para ele e com seu típico olhar de curiosidade genuína.

Taehyung permaneceu ali, calado, o que era muito irritante já que o motivo para estar ali era porque queria conversar,
mas Jungkook não disse nada. Ficou esperando, vendo os olhos ansiosos de Taehyung perscrutarem seu rosto com
afinco, talvez buscando qualquer sinal de que ele não estava interessado em ouvir.

O loiro tomou fôlego.

- Quando eu estava no exército, fizemos o casamento de dois soldados. Homens. - Taehyung se aproximou mais, para
que sua voz pudesse ser ouvida com clareza. - Um deles era coreano como eu e o outro era norte-americano. Os dois
se conheceram no meio da guerra e se apaixonaram. Eles não sabiam se sairiam de lá vivos, então se casaram em
uma barraca no meio de um acampamento, fizeram alianças com anéis de granada usados que nós torcemos e
moldamos para servirem bem.

Jungkook ficou em silêncio, esperando. Os olhos de Taehyung refletindo a luz do abajur eram tudo que ele podia ver e
eram a única coisa que podiam lhe denunciar as emoções dele.

- Foi três meses antes de os dois serem separados em missões diferentes e morrerem em combate. No mesmo dia.
Antes de sermos divididos em dois grupos eu os vi se despedindo e eu definitivamente não entendia como alguém
podia aprender a amar no meio de tanta destruição e dor - falou Taehyung.

- E agora você entende? - perguntou o moreno.

Taehyung sorriu, ele pode ver em seus olhos que quase se fechavam toda a vez que fazia aquilo.

- Não muito, mas acho que estou começando a entender - respondeu ele - Era estranho pensar em como eles
passaram a lua de mel em uma barraca em um acampamento de guerra e pareciam ter acabado de voltar de uma
viagem romântica no Caribe na manhã seguinte. Acho que o amor torna as coisas mais fáceis, de certa forma.

Jungkook assentiu.

- Acho que estamos no meio de uma guerra agora - Taehyung disse, baixinho o suficiente para parecer assustado com
o que estava deixando a própria boca. Ele esticou a mão para fora dos cobertores e colocou sobre o rosto de
Jungkook. Estavam quentes e Jeon sentiu os calos contra a bochecha. As mãos de Taehyung tinham tantas marcas
do que ele passou quanto o resto de seu corpo. - Você sabe das minhas batalhas, mas eu também queria saber das
suas.

Jungkook sentiu o polegar dele se movendo na bochecha e colocou a própria mão sobre a dele. Taehyung pensou que
ia afastá-lo, mas apenas retribuiu a carícia contra o dorso de sua mão.

- Não tem nada sobre mim que você já não saiba - disse ele.

- Você tem pesadelos. - Taehyung não perguntou, afirmou. Foi tão decidido e certeiro que Jungkook se sentiu
paralisado por um instante. - Algumas noites atrás você estava chorando enquanto dormia e eu ouvi.

Jungkook respirou fundo. Ninguém no mundo todo sabia sobre seu sonho repetitivo. O desejo perdido que ele jamais
conseguia alcançar. Parecia infantil demais para ter alguma importância.

Ele sabia exatamente a razão do sonho. Sabia o motivo de ele o estar atormentando e sempre que pensava sobre o
assunto queria apenas chorar.

Taehyung estava ali, não perguntando por curiosidade ou por se sentir na obrigação, e ele sentia que ficaria ali até que
ouvisse e o ajudasse.

Um nó se formou na garganta quando Jungkook criou coragem para expor o que tinha guardado consigo durante mais
de um ano.

- Pouco antes de ela sair naquela viagem, nós estávamos sentados na varanda observando a Mi Sun caçar a lua e as
estrelas com o telescópio. - Sua voz era muito baixa e tão tranquila que deixava Taehyung um pouco sonolento, no
entanto, ele estava completamente focado e atento ao que estava sendo dito. - Ela me perguntou se eu queria filhos.
Se queria ter mais algum além da Mi Sun e eu obviamente disse que sim. Eu amo a Mi Sun, sei que ela seria mais que
suficiente para mim pelo resto da vida, mas se eu tivesse a chance de ter mais filhos, vê-la sendo uma irmã mais velha
para algum garotinho ou garotinha que pudesse ter os meus olhos eu… me sentiria muito feliz. E foi o que eu disse a
Jiayu.

Ele suspirou, pesadamente. Taehyung conseguia ver, por mais que ele estivesse de costas para a luz, os olhos se
enchendo e prestes a transbordarem.

- Ela disse que eu deveria fazer um pedido a uma estrela cadente e que se as estrelas ouvissem meu pedido, o
realizariam. Mi Sun estava obcecada com estrelas cadentes e desejos, e acho que isso a levou a ter aquela ideia -
disse ele e sorriu tristemente. - O sorriso dela, eu conhecia bem. Sabia que estava me escondendo alguma coisa, mas
tentei não criar esperanças.

Jeon respirou fundo.

- Três dias antes de partir para Xangai, ela fez um exame em uma clínica. - Os olhos do moreno estavam marejados,
de um jeito imensamente doloroso. - Eu nunca fui pegar o resultado. Ficou pronto três dias depois que recebi a notícia
da morte dela. Eu não quis ler o laudo do legista também. Eu nunca fui atrás de uma resposta para isso.

Taehyung passou o polegar pela lágrima antes que ela deslizasse sobre a pele dele.

- Você queria saber? - perguntou Taehyung.

Ele negou. Sentia que viver com aquela dúvida era menos doloroso do que qualquer verdade poderia ser. O gato de
Schrodinger. Haviam duas possibilidades e ele preferia manter a caixa bem fechada.

- Desde a morte dela, eu tenho esse mesmo sonho. Que estou sentado no balanço na varanda dos fundos, olhando o
céu e então lá está minha estrela cadente. E eu não sei o que desejar, isso se torna um tormento sem fim. - Ele respira
fundo. - Pode ser idiota, mas é angustiante. Ela me disse para pedir que tivéssemos um filho juntos, e agora… eu não
sei o que desejar. Parece profano pedir qualquer outra coisa. Dinheiro? Casa? Uma viagem? Tudo parece tão… vazio.

Taehyung suspirou. Ele mesmo queria chorar diante daquilo, mas se controlou o máximo possível quando Jungkook
fechou os olhos e tentou esconder o rosto no travesseiro para abafar o soluço que veio do fundo da garganta, como
um grito de desespero de uma alma despedaçada.

Era algo que ele evitava por inúmeras razões. Saber que além de ter perdido a mulher que amava podia ter perdido
um filho naquele acidente era mais do que podia suportar.

Então ele não deixava aquilo vir à tona quando podia enterrar no fundo. Mas sempre voltava e todas as noites o
pegava em um tormento sem fim.
Taehyung se aproximou sem que ele percebesse e quando se deu por conta, ao invés de estar com o rosto afundado
no travesseiro, Jungkook estava chorando contra o peito dele.

Jungkook envolveu a cintura dele com seus braços e o puxou para mais perto, colando o ouvido contra o peito dele,
sentindo o tecido fino da camisa sendo a única coisa que o afastava da pele quente de Taehyung, onde o coração
batia com força e vitalidade.

Ele chorou, tendo seu choro abafado pelo abraço do loiro, sentindo os dedos de Taehyung se enroscar em seus
cabelos e afastarem com delicadeza enquanto a outra mão batia em suas costas suavemente, como se tentasse niná-
lo.

- Quando conheci minha mãe, ela me ensinou a fazer aqueles tsurus que eu espalho por aí sempre que estou nervoso
- Taehyung disse, calmo e muito paciente. - Tem uma lenda que diz que quando terminamos de dobrar mil desses,
podemos fazer um pedido e ele se realiza. Ela me disse isso com tanta confiança que eu acreditei e acho que uma
parte minha acredita até hoje.

Ele respirou fundo.

- Eu ainda conto. Foram novecentos e noventa na semana passada, faltam só dez e eu… não sei o que desejar
também - concluiu o loiro - Sei que não é a mesma coisa, mas eu imagino como você deve se sentir.

Talvez tenha sido o momento mais íntimo que tiveram desde que se conheceram há meses. Pareceu muito mais
profundo que os beijos que trocaram em segredo, que os toques rápidos de suas mãos e qualquer outra coisa.

Ele sabia que estava parecendo uma criança encolhido daquela forma, sabia que os dois não estavam em um
momento muito favorável a toques físicos e carícias como aquelas.

Mas era como um analgésico, pegando toda a dor e a fazendo sumir gradativamente, a cada soluço, cada lágrima
derramada contra a camisa de Taehyung e cada sussurro do loiro lhe dizendo: chore o quanto precisar.

Seu choro acalmou conforme o tempo passou. Não saberia dizer quantos minutos ou horas se foram, mas Taehyung
continuou ali até que ele se afastasse um pouco para olhar nos olhos dele.

Taehyung observou os olhos inchados e o nariz vermelho. Jungkook sorriu para ele, pareceu triste e melancólico, mas
ele se esforçou para sorrir, ainda abraçando a cintura do loiro com firmeza.

- Você deveria tirar a camisa, eu chorei tanto que ela deve ter ficado molhada - disse Jeon.

Taehyung riu.

- Vou para o meu quarto, acho que agora nossa conversa acabou. Por enquanto - replicou Taehyung.

- Acho que devia ficar. - Jungkook deu de ombros. - Você quer ficar?

Taehyung ficou parado, encarando o olhar tão sério e intenso que perdeu o controle sobre si mesmo. Talvez suas
pernas não fossem aguentar se ele se levantasse e fosse até seu quarto, Jeon Jungkook lhe causava um efeito
semelhante a uma queda brusca de pressão.

Ele assentiu devagar e se afastou do abraço de Jungkook.

Se sentou na cama e puxou a camisa para cima, se livrando dela e bagunçando ainda mais seus cabelos loiros antes
de jogá-la no chão e voltar a se esconder sob os cobertores.

Jeon se aproximou de novo, olhando sempre em seus olhos em busca de algum sinal de que devia manter distância.
O puxou pela cintura mais uma vez e o abraçou do mesmo jeito de antes.

Os dedos quentes de Jungkook tocaram a pele de suas costas e Taehyung sentiu-se arrepiar. O moreno sentiu
também, pela forma como o olhou e sorriu um pouco mais travesso.
Taehyung se sentia atraído por ele de uma forma magnética, hipnotizante e inebriante. Seu corpo e sua mente
pareciam ser afetados como se o olhar e o toque de Jungkook fossem uma droga.

Era estranho pensar que um ano antes, aquele homem talvez estivesse abraçando Jiayu daquela forma. Podia lhe
sussurrar juras de amor no escuro enquanto estavam juntos na cama.

E era ele quem estava ali agora.

Não haviam juras de amor.

Não verbalmente.

Ele tinha um medo horrendo que pesava no estômago, medo de que aquilo fosse levar ambos a mais um poço de
tristeza sem fim, mas quando Jungkook o olhava daquela forma, não conseguia pensar em nada.

Jeon estava tão perto e Taehyung pensou em beijá-lo. Mi Sun estava dormindo, eles podiam se dar aquele luxo. Mas
não conseguia quebrar o contato visual.

Jungkook se esticou, parecendo adivinhar seus pensamentos. Taehyung esperou que fosse beijá-lo na boca, mas
sentiu os lábios quentes do homem tocarem suavemente a pele em seu ombro, mais especificamente sobre a cicatriz
exposta.

Depois de quase um ano, a cicatriz estava menos visível, mas ainda era uma marca feia que Taehyung preferia
apenas ignorar na maior parte do tempo.

Ele separou os lábios em um suspiro surpreso quando Jungkook deslizou a boca, deixando beijos por toda a extensão
da marca, como esteve fantasiando fazer ao longo dos últimos meses.

Ele ergueu a cabeça, tocando a bochecha de Taehyung com a sua ao se aproximar do ouvido dele.

- Eu quero mais que beijos, Taehyung - sussurrou, fazendo cócegas na orelha do loiro com o sopro das palavras.
Taehyung fechou os olhos, mordeu o lábio com força e fechou as duas mãos na camisa do pijama de Jungkook,
torcendo o tecido com toda sua força. Não sabia exatamente onde o moreno queria chegar, mas tinha certeza que a
resposta seria sim para tudo que ele pedisse. - Acho que estou me apaixonando por você.

Amor. Obviamente era aquilo que Jungkook queria com tanto desespero. Se sentir amado, saber que era o motivo do
sorriso de alguém.

Taehyung entendeu.

E ele quis verdadeiramente dar aquilo a ele.

Ainda acreditava que Jeon Jungkook merecia alguém melhor, mas enquanto esse alguém melhor não aparecesse,
daria tudo de si para que ele sentisse no coração que Taehyung retribuía seus sentimentos.

Taehyung lhe deu um selinho nos lábios, um beijo rápido e objetivo, antes de se aproximar ainda mais, se
aconchegando nele novamente e pronto para dormir, com seus dedos mais uma vez enfiados entre as madeixas
escuras do cabelo de Jungkook.

O moreno finalmente pousou a cabeça contra a pele do peito de Taehyung e sentiu-se satisfeito. O coração dele
estava acelerado, como se tivesse corrido uma maratona, o que deixou Jeon com um sorrisinho satisfeito por saber
que ele era o motivo daquilo.

- Eu também, pirralho - sussurrou Taehyung quando pensou que o moreno já tinha dormido.

Mas ele ouviu.


O restaurante estava parcialmente lotado, mas mesmo com tantas pessoas ocupando as mesas e andando por ali, era
quase um silêncio mortal recaído sobre eles. Pessoas esnobes, usando roupas de grife e conversando sobre negócios
eram tudo que se podia ver.

Eles nunca foram adeptos do estilo de vida que seus pais levavam antes de morrerem. Mostrar que tinham muito
dinheiro e evitar contato com quem não tinha sempre pareceu um pouco injusto e fútil aos olhos de seus três filhos.

Mas aquele era o restaurante preferido deles e sempre que havia algo muito grande para compartilharem uns com os
outros, eles faziam reservas ali e se sentavam na mesa preferida de seus pais, ao lado da grande janela com vista
para uma das principais avenidas de Seul.

- Vamos pedir um bolo para dividir como fazíamos quando éramos crianças? - Jennie pediu, com olhos pidões e um
sorriso meigo. Ji sorriu, apesar de já estar tremendo a perna debaixo da mesa com o nervosismo do que o aguardava.
Contar a verdade talvez fosse a tarefa mais difícil que um ser humano pode enfrentar.

- Pode pedir - ele disse.

Jennie chamou o garçom com um aceno. Os dois preferiram ignorar o olhar um pouco contrariado do homem quando
ela pediu uma fatia e dois garfos. Assim que o homem se afastou, ela bebeu todo o vinho da taça de uma vez e se
inclinou para a frente.

- Você me trouxe aqui porque tem algo muito extraordinário para me contar, então pode começar a falar, sua perna
está tremendo. Fazendo minhas apostas eu chuto que ou você vai ser pai ou finalmente decidiu contar ao Jin que
odeia ser corretor de imóveis. - A mulher bateu na mesa repetidas vezes. - Que rufem os tambores, qual a grande
revelação, Park Jimin?

Ele respirou fundo. Tinha ensaiado e tinha tentado a noite toda encontrar a forma mais delicada de contar. Tudo que
ele conseguia pensar era em como sua irmã poderia ficar arrasada se descobrisse que ele estava escondendo aquilo
há tanto tempo.

Jennie mantinha os olhos bem abertos, um sorrisinho zombeteiro no rosto. Estava atenta e ansiosa e Ji não conseguiu
fazer rodeios ou amenizar o impacto daquilo.

- Eu estava com o anel da mamãe porque dois anos atrás eu conheci alguém e eu quis pedi-la em casamento - disse
ele - Ela não aceitou e depois desapareceu sem nem ao menos me dar um término digno.

Jennie ficou em silêncio completo. Estava séria e com um olhar um pouco ansioso, como se já previsse o que viria a
seguir.

- Era a Jisoo, Jennie. Eu estive afastado de você durante esses preparativos do casamento porque eu já estive com a
sua noiva e isso estava me matando. Eu queria ter te contado antes, mas tinha tanta coisa acontecendo e eu estava
tão perdido no meio disso. - Jimin afrouxou o nó da gravata que já estava o sufocando. Evitava com todas as forças
olhar nos olhos da irmã, não queria ver ali a dor que estava causando.

Ela sempre tinha sido sua princesinha. Ele prometeu que a protegeria de tudo que pudesse machucá-la, no entanto, ali
estava ele, sendo o maior causador de sua dor.

- Eu realmente sinto…

- Ainda sente algo por ela? - Jennie perguntou. Seu tom de voz não exibia qualquer emoção ou sinal de sua reação.
Jimin a olhou nos olhos e tudo que encontrou foi uma rocha fria e inabalável. Sem sorriso, sem o menor calor que ela
demonstrava minutos antes.

- Não. - Em outros tempos seria uma resposta difícil, algo sobre o que ele teria que pensar muito, mas a resposta
vinha agora de forma natural e sincera.

Jennie esticou as duas mãos sobre a mesa e pegou a dele entre as suas. Mãos macias, com unhas bem feitas e um
anel brilhante no dedo anelar. Ela acariciou a mão trêmula e nervosa do irmão e ergueu um olhar quase compadecido
para ele.

- Jimin, eu já sabia - confessou.

Ele piscou. Uma, duas, três vezes com força. Estático. Não sabia explicar a sensação que o dominou desde a planta
do pé até o último fio de cabelo, o paralisando e impedindo que dissesse ou fizesse qualquer coisa.

- A Jisoo me contou tudo pouco antes da festa da Mi Sun e eu confesso que na hora fiquei bem magoada por ter
levado tanto tempo para me contar, mas não consigo ficar com raiva de nenhum de vocês dois. - Jennie sorriu,
reconfortante. - As pessoas tem uma história antes que nós as conheçamos, eu sei disso muito bem. Não significa que
Jisoo me ame menos por já ter sido apaixonada por você e nem que você seja um péssimo irmão por já ter tido algo
com ela. Isso foi antes, Jimin.

Jimin se ajeitou na cadeira, ainda tentando absorver tudo que estava sendo dito enquanto seu coração parecia prestes
a sair pela garganta.

- Eu amo ela. Eu quero que me diga agora se você tem qualquer sentimento guardado que te faça ser contra o meu
casamento. Quero que seja sincero comigo acima de tudo, porque somos irmãos e eu amo você, Jiji. Eu não quero
subir naquele altar até que tudo esteja totalmente esclarecido e que todos estejamos em total concordância, porque
ela vai ser parte da nossa família e não quero que minha esposa e meu irmão não possam ficar na mesma sala por
questões mal resolvidas - disse ela.

Ele respirou fundo.

- A princípio eu tinha tudo contra o seu casamento, para ser sincero. - Ji esperou ela assentir para continuar. - Eu
pensei que ainda a amasse. O que era meio absurdo já que eu não pensei nela uma única vez no último ano até vê-la
passar pela porta com você. Eu não a amava, a questão é que ainda estava esperando uma conclusão para o que
tivemos.

Jennie esperou ele organizar os pensamentos e continuar.

- Ela foi ao meu apartamento e esclareceu as coisas há algumas semanas e eu definitivamente fiquei bem perdido
com tudo que ela disse. Era daquilo que eu precisava por mais que tenha doído. - Ele juntou as duas mãos de Jennie
entre as suas e a olhou nos olhos. - Eu quero que seja feliz e que se sinta amada. Se a Jisoo pode te dar isso, vou ser
o homem mais feliz do mundo em estar ao seu lado no altar enquanto você diz sim para ela.

- Você…

- Eu acho que amo outra pessoa - ele interrompeu. Engoliu seco e alisou o anel de noivado da irmã, percebendo como
a jóia que antes lhe causava arrepios parecia tão inofensiva agora. - Talvez tenha descoberto isso tarde demais e
machucado ela suficiente para nunca ter uma chance de dizer.

- Por Deus, Jimin, ela te ama também - Jennie afirmou.

Ele riu entristecido.

- Eu sei. Mas isso não basta, maninha. - Ele a olhou nos olhos. - Eu preciso me mostrar digno disso e é o que estou
tentando. Mas não se preocupe comigo, pense em seu casamento e apenas busque ser feliz.

Jimin puxou uma caixa minúscula do bolso do terno e colocou entre as duas mãos da irmã mais nova, fechando-as
sobre a caixinha com as suas mãos.

- Posso dar um conselho? - Jennie perguntou. Ele apenas assentiu. - Não viva a vida que o Jin quer para você. Sei
que ele é nosso irmão, mas ele assumiu cedo demais um papel que não lhe cabia. Ele só tinha dezoito anos e teve
que se tornar responsável por nós, não leve em consideração tudo que ele planeja para nossas vidas. Ele tem a
melhor das intenções, mas a pior das atitudes.
Jimin assentiu.

- Ele liga demais para o que os outros dizem e o que falam sobre a Sana para ele são coisas horríveis e exageradas.
Sei que ela não é uma vadia por já ter tido muitos namorados e francamente ainda acho um tremendo absurdo que
seja julgada por se comportar como 90% dos homens. - Jennie revirou os olhos. - Ela é feliz vivendo desse jeito, mas
sei que ela também quer provar a sensação de ser não apenas desejada, mas amada. E eu sei que você tem amado e
protegido ela nos últimos anos, apenas se esforce para que ela saiba que pode parar de procurar pois já encontrou
alguém que ame a companhia dela acima de qualquer coisa.

- Foi isso que você fez? - perguntou ele.

- É o que eu faço todos os dias, Jiji. - Jennie se curvou e beijou as mãos dele. - Se não tratarmos amor como uma flor
que precisa de água e sol todos os dias, ele murcha, seca e morre.

Amor. Algumas pessoas podem julgar como algo fácil e simples, mas nem sempre o “felizes para sempre” está a um
passo de distância. Seres humanos têm tudo aquilo que os faz humanos de fato: medos, inseguranças, expectativas,
convicções.

Jimin sabia que ele era humano. Sana era humana. Os dois tinham passado tempo demais sendo feridos pelos outros
e quando as coisas ficavam difíceis corriam um para o outro em busca do mínimo de conforto.

Esteve ali o tempo todo, como uma flor silvestre regada pela chuva e iluminada pelo sol da manhã. Agora cabia a ele
arrancar as ervas daninhas que a estavam sufocando.

❁❁❁

A mulher estava parada na calçada a mais de cinco minutos. A princípio, ele pensou que ela talvez estivesse perdida,
mas começou a ficar estranho quando notou que ela estava olhando diretamente para sua casa enquanto segurava
um pequeno pedaço de papel.

Jungkook estava sozinho.

Taehyung e Mi Sun tinham ido a aula de piano e ele resolveu se livrar de todos aqueles espinheiros que estavam
matando o jardim da frente da casa, o que lhe rendeu roupas totalmente tomadas de terra e suor suficiente para
encharcar a camiseta.

Até notar a mulher.

Ela não parecia estar envergonhada por estar xeretando mesmo com ele ali tão perto, então Jungkook resolveu
esperar para ver onde aquilo daria.

Se levantou, segurando uma quantia absurda de espinheiros que tinha conseguido arrancar pela raiz do meio das
roseiras. Ele parou, olhando para a pazinha de jardinagem cravada na terra e fingindo pensar sobre o próximo passo,
apenas para poder observar a mulher com mais clareza e talvez ressaltar sua presença.

E não funcionou.

- A senhora está perdida? - ele perguntou, com o tom de voz mais gentil possível. Ergueu o braço para impedir que o
sol atingisse seus olhos, para que assim pudesse ver melhor.

Ela se assustou um pouco com a pergunta ou talvez fosse com o fato de ele ter realmente falado com ela. Jeon
ergueu uma sobrancelha, esperando por uma resposta que demorou mais do que ele esperava.

- Perdão, eu pensei que esse fosse o endereço de Kim Taehyung - disse ela.

Jungkook respirou fundo.

Conhecida de Taehyung, claro.


Ele se sentiu um pouco culpado por ter deixado a mulher no sol por tanto tempo, sendo que podia ter perguntado mais
cedo. Talvez ela estivesse com vergonha de fazer alguma pergunta e por isso preferiu o silêncio.

- É aqui mesmo, ele só não está no momento. Foi levar nossa filha na aula de música, mas deve estar de volta dentro
de uma hora ou menos - o moreno disse.

Foi um olhar um pouco surpreso que recebeu como resposta. Ela assentiu devagar, olhando diretamente nos olhos
dele.

Moreno, alto, ombros largos e um rosto jovem e bonito. Ele era o tipo que muitas mulheres morreriam para ter e a dita
senhora, estava muito perplexa com aquilo que ele disse. Jungkook não pareceu interessado em esclarecer as coisas,
então ficou subentendido.

Nossa filha.

- A senhora é amiga dele? - perguntou, jogando as ervas em um canto e batendo as mãos uma na outra para se livrar
do excesso de terra preso nas luvas. Ele se apoiou na cerca e a olhou com atenção. Parecia familiar, mesmo que ele
não conhecesse ninguém que fosse próximo de Taehyung que não fosse também próximo dele.

Ela hesitou, o que despertou um alerta nele. A mulher olhou em volta, talvez pensando em qual a resposta adequada e
em seguida suspirou.

Não estava mais hesitando ou temerosa quando se inclinou em um cumprimento suave.

- Sou Kim Eunji - respondeu ela - Mãe biológica dele.

❁❁❁

- Eu não queria definitivamente tomar o seu tempo, mas eu precisava falar com alguém a respeito de algo e você é o
mais perto que eu tenho de um irmão mais velho. - Taehyung apertou o copo com as duas mãos. O milk shake estava
em seus sonhos há cerca de três dias e ele não resistiu a pedir o mais colorido do cardápio, com dois morangos
grandes acima da montanha de chantilly. - E eu sei que você vai fazer um longo discurso dizendo: escolha sua
felicidade, Taehyung. Mas quero que coloque tudo na balança, e que seja totalmente sincero comigo a respeito disso.

Namjoon assentiu com seriedade. Ele batia os dedos sobre a mesa redonda de metal e parecia pronto para arrancar a
verdade de Taehyung mesmo que ele estivesse ali por livre e espontânea vontade.

- Jungkook e eu temos algo. Eu não sei como as pessoas chamam isso se é caso, crush ou ficante. Mas você estava
certo sobre suas suposições - o loiro disse, tentando manter toda a calma do mundo. - Não foi nada além de alguns
beijos, antes que você pergunte.

Namjoon respirou fundo. Pareceu prestes a começar um discurso, mas repensou.

- Você se sente culpado por isso? - perguntou o advogado.

Taehyung engoliu seco. Tinha decidido ser honesto, não apenas com os outros, mas consigo mesmo.

- Sim. - Ele segurou o canudo e brincou com o conteúdo do copo. - Eu fui uma pessoa muito confusa a vida toda.
Todas as vezes que ele me beija ou que sorri para mim eu sinto duas coisas ao mesmo tempo. Primeiro meu coração
acelera, eu sinto como se tivesse uma rajada de energia no corpo todo e então vem aquelas malditas borboletas na
boca do estômago. Mas depois de meio segundo vem uma voz na minha mente que diz: “pare com isso, Taehyung,
vai destruir o garoto como fez com a Jiayu”.

Ele olhou em volta, querendo algo em que seus olhos pudessem se agarrar como uma fonte de segurança, mas voltou
a olhar para o copo entre as mãos.

- Eu penso muito sobre como isso pode atingir a Mi Sun, sobre como pode atingir o Jungkook e eu definitivamente me
sinto culpado por não conseguir parar por mais que ache que eu deva. - Taehyung mordeu o lábio com força. - Ele me
faz bem de um jeito que eu não me sentia há muito tempo. Eu quero ficar, mas aquela voz fica mandando ir embora.

Namjoon conheceu Taehyung quando o viu pulando a janela do quarto de Jiayu a noite. Os dois ainda eram crianças e
ele fazia isso para assistir um seriado de televisão que passava depois das dez da noite.

A princípio, como qualquer irmão mais velho, seu primeiro pensamento foi arrancar o garoto pelas orelhas para não
importunar sua irmã, mas ele era diferente da maioria que rodeava Jiayu.

Taehyung cresceu sem qualquer chance de saber o que significava ser parte de uma família. Não havia uma mãe para
acariciar seus cabelos quando ele ralava o joelho e nem um pai para ensiná-lo a se barbear.

Era apenas ele por ele mesmo.

Ele ia ali ainda sem qualquer intenção de namorar com Jiayu, ia até ela porque ela era gentil e preocupada, porque
sua irmã que já nutria aquela paixão adolescente pelo garoto só orfanato, dava a ele todo aquele conforto que lhe fora
negado desde sempre.

Namjoon sabia que no fundo Taehyung não se achava indigno do amor, só tinha medo de não conseguir retribuir na
mesma quantia por não saber reconhecer esse sentimento.

- Você chegou a conhecer a nossa tia? Irmã da nossa mãe - Namjoon perguntou.

Taehyung se lembrava vagamente da velha Nari. Uma senhora já idosa que costumava vir somente nas festas de
família e na maioria do tempo ficava apenas observando enquanto todos falavam sobre suas vidas, sempre mantendo
um sorriso triste no rosto e parecendo louca para escapar dali.

Ele assentiu.

- Quando era jovem, ela se apaixonou por um soldado que lutou na guerra antes da divisão das Coréias e eles
estavam noivos. Um dia ela recebeu uma carta dele, que veio junto de uma medalha de honra ao mérito pela morte
honrosa dele no campo de batalha - disse Nam, juntando as mãos sobre a mesa. - Tia Nari nunca abriu aquela carta.
Ela preferiu acreditar que se abrisse a carta, acabaria perdendo a última coisa que tinha lhe restado dele. Ela guardou
a carta no fundo de uma gaveta e decidiu que nunca mais iria deixar qualquer pessoa entrar em seu coração. Porque
pertencia a ele e assim seria até o dia da morte dela.

Ele suspirou.

- Ela tinha 19 anos na época e isso seria bonito e poético se não tivesse a destruído. Antes de ela morrer no ano
passado, eu fui vê-la. - Namjoon o olhou nos olhos. - Ela me disse que durante aqueles anos todos ficou sentindo que
devia dedicar sua vida inteira à memória dele e que no fim tudo parecia um vazio completo. A vida dela foi um luto
eterno desde os dezenove anos. Ela não almejou nada, não buscou nada para si, viveu em função de alguém que
nem estava mais aqui porque não acreditou que merecesse ter uma vida quando a dele tinha sido tirada tão
drasticamente.

- Acha que estou virando a tia Nari? - Taehyung perguntou.

Namjoon virou a cabeça de um lado para outro e no fim deu de ombros.

- Me diga você, Taehyung. Está com tanto medo assim de sentir algo pelo Jungkook porque ainda está preso a Jiayu
de certa forma ou porque uma parte sua ainda acredita que você não merece qualquer gota ínfima de felicidade por
ela ter morrido e você estar aqui? - Nam disse - Ela era minha irmã e eu sempre, a cada dia da minha existência, vou
sentir falta dela. Você e Jungkook podem sentir saudade dela, isso é normal porque vocês a amaram. Mas a saudade
é diferente da dependência.

Taehyung colocou o canudo na boca. Namjoon sabia que naquele momento exato ele provavelmente estava
pensando que estava cansado de ouvir todo aquele discurso sobre superar o passado de vez, mas conhecia o loiro
bem suficiente para saber que mais tarde, ele pensaria sobre tudo que estava sendo dito.
- Eu não queria realmente estar preso nisso. Não quero que pensem que não estou me esforçando - disse Taehyung -
É só… mais difícil do que vocês pensam.

- E quando Mi Sun crescer, Taehyung? Quando ela não for mais sua garotinha, quando decidir seguir a própria vida e
se tornar uma mulher independente. Você vai estar sozinho. E isso não seria um problema se você ficasse sozinho por
vontade própria, por se sentir satisfeito com a própria companhia e por gostar de silêncio e solidão. Mas eu sei que
você vai estar sozinho apenas por achar que não merece nenhuma companhia e isso parte meu coração. Porque você
não apenas é digno, mas merece cada gota de amor que todos querem te dar. - Namjoon se inclinou para a frente,
fazendo o possível para que olhasse em seus olhos. - Se Jungkook corresponde seus sentimentos, se isso é mesmo
recíproco, pense em si mesmo e nele. Seja egoísta pelo menos uma vez na vida e corra atrás de algo que te faz bem,
cale essas malditas vozes que te dizem que você não merece.

- O que você pensa sobre isso? - perguntou Kim.

- Amo vocês. Sei que Jiayu, se ela estivesse olhando para nós de algum lugar, estaria completamente feliz em ver que
vocês dois estão se aproximando. Ela amava vocês e ia querer que fossem felizes e seguissem em frente - Park
respondeu - Vocês podem ajudar um ao outro a curar todas essas feridas abertas. Só seja um pouco corajoso e corra
na direção dele ao invés de seguir a direção oposta.

Taehyung assentiu.

Absorveu cada palavra.

Coragem. Chegava a lhe dar frio na barriga, como pular em um buraco escuro sem saber sua profundidade e o que o
aguardava.

Mas por Jeon Jungkook ele estava disposto a isso.

❁❁❁

Ele colocou sobre a mesa a xícara de porcelana, com desenhos delicados de flores de cerejeira. Era um jogo de chá
que Jiayu tinha ganhado de uma tia no casamento e ele não se lembrava de já ter sido usado, mas achou mais
apropriado que qualquer caneca dos vingadores ou das princesas.

A mulher sorriu em agradecimento e Jungkook tomou o assento diante dela.

- Eu não quero ser rude, senhora, mas o Taehyung vai chegar em cerca de quarenta minutos e não acho que vá fazer
bem a ele ver você. - Tentou ser delicado. Eunji tinha insistido que precisava falar com ele e Jungkook definitivamente
não quis perder um longo tempo explicando a uma estranha a relação que tinha com Taehyung, deixou que ela
presumisse o que quisesse e se contentou em limitar ao máximo qualquer que fosse a informação que ela tivesse ido
buscar.

- Não se preocupe, eu vou ser rápida, querido - disse ela, bebendo um gole do chá. Ele esperou que ela pousasse a
xícara sobre o pequeno pratinho e acompanhou cada movimento com total atenção e desconfiança. - A filha de
vocês… ela é bem parecida com o Taehyung, por acaso seria…

- É biológica dele. - Se limitou a dizer. Eunji assentiu.

- Eu não vou tomar muito do seu tempo, vim até aqui porque da última vez que tinha visto Taehyung ele ainda vivia em
Busan. Encontrei com ele há alguns dias no ônibus e ele ficou bem nervoso, só queria saber se ele sabe algo sobre…
sobre mim? Além do fato de eu ser a mãe biológica dele. - Ela pareceu receosa.

Jungkook respirou fundo.

Não cabia a ele se envolver naquilo.

Mas ele não era de mentir. Talvez se explicasse a situação a ela, Eunji entenderia que era prudente manter distância.
- Taehyung lutou por três anos no Oriente Médio e voltou recentemente. Ele está passando por muita coisa e faz
terapia para superar os efeitos da guerra, mas… - Ele respirou fundo, fechando a mão em punho e a mantendo
erguida, lutando consigo mesmo para encontrar as palavras. - Ele tem muitos problemas de insegurança porque, ao
que parece, ele foi fruto de um abuso sexual.

Eunji entreabriu os lábios. Seus olhos se encheram e por um momento pareceu que ela ia desabar em prantos ali
mesmo. Respirou fundo e jogou o cabelo atrás da orelha antes de respirar fundo.

- Eu era jovem. Conheci um garoto, me apaixonei. Ele era mais velho e eu definitivamente não queria fazer aquilo, não
estava pronta. Concordei de tanto insistir, desisti na metade e pedi para parar, mas… ele não parou. - Ela engoliu
seco. - Eu não espero que entenda minhas decisões. Nem eu mesma entendo minhas decisões, eu era só uma
criança.

Ela pressionou os lábios em uma linha fina.

- Estava assustada e não queria acreditar que o garoto que eu pensei que me amasse tinha feito aquilo comigo. - Ela
olhou o moreno nos olhos. - Era para ele nunca ter descoberto. Eu o visitei algumas vezes pois sempre quis saber
como ele estava, se estava saudável e se estava feliz, eu observei de longe por muito tempo, mas nunca quis que ele
soubesse a verdade pois sei que isso deve ser horrível.

- Eu entendo a senhora. Eu sinceramente não poderia, em hipótese alguma, imaginar ou opinar sobre suas decisões
diante da situação e tenho certeza que Taehyung não sente nem uma única gota de rancor de você - Jeon disse - Mas
ele sente muito rancor de si mesmo por ter nascido. E eu sei o que é amar um filho e querer saber como está, estar
por perto, mas preciso pedir a senhora que apenas por enquanto, espere que ele esteja melhor antes de tentar
qualquer contato.

- Eu entendo. Também sou casada, eu definitivamente estou imensamente feliz em ver que Taehyung tem alguém que
se importa tanto com ele. - Ela sorriu, passando os dedos pelos olhos para se livrar das lágrimas. - Eu só quero fazer
um pedido, prometo que nunca mais vou incomodar.

Jungkook assentiu. Ela estendeu a mão sobre a mesa e colocou sobre a dele de forma terna e carinhosa.

- Não desista dele como ele desistiu de si mesmo tantas vezes - sussurrou.

Jungkook a olhou nos olhos. Ele acreditou que entendia o lado de Kim Eunji e viu que no fundo, ela talvez amasse
Taehyung. E talvez esse amor tenha sido o que a levou a deixá-lo longe. Para que em momento algum acabasse
deixando recair sobre ele o passado, para que ele não tivesse que ser o lembrete constante daquela dor que devia
devorá-la.

Ele não conseguia sentir raiva dela. Sabia que Taehyung também não sentia. Jungkook entendeu que apenas quem
passa pela situação sabe os motivos das próprias reações.

- Eu sou o tipo irritante que não desiste nunca. - Jungkook sorriu. - Não quando cada segundo vale a pena.

❁❁❁

Taehyung deixou as chaves no local de costume, tirou os sapatos e os deixou ao lado dos coturnos pesados de
Jungkook.

Ele respirou fundo. Havia uma parte de si que estava eufórica, já a outra metade estava apavorada. Ele não queria
fazer qualquer alarde, mas se sentia uma criança prestes a enfrentar o bicho-papão.

Estava tudo quieto e a maioria das luzes estavam apagadas, exceto a da cozinha e uma que vinha do corredor. Ele
deu alguns passos, olhando para avistar que a luz acesa vinha da porta entreaberta de Jungkook.

Foi até a cozinha e se apoiou na bancada de mármore. Respirou fundo. Contou até dez.
Ele olhou a cesta de frutas, estava tão nervoso que se contentou em comer uma maçã com casca e tudo. Passou
debaixo da torneira e secou na própria camiseta.

Estava tão distraído que não ouviu os passos.

- Cadê a Mi Sun? - Jungkook perguntou atrás dele. Taehyung prendeu a maçã entre os dentes e bateu as mãos na
calça para se livrar do resto da água ao se virar.

Kim Taehyung nunca foi tão grato por ter uma maçã na boca para impedir que ele soltasse qualquer ruído. Taehyung
conseguia ouvir a batida desritmada do próprio coração em seus ouvidos nitidamente.

Jeon Jungkook, com toda sua majestosa ingenuidade, estava parado na porta da cozinha, com a calça xadrez do
pijama e sem ter tido a menor intenção de colocar uma camisa. Talvez tivesse percebido a ausência dos gritos de Mi
Sun e decidido se dar a liberdade, ou talvez tivesse esquecido, mas não importava muito.

Taehyung matou sua curiosidade de saber até onde iam as tatuagens que fechavam o braço do moreno. Os desenhos
que terminavam no ombro e se destacavam nos músculos definidos e muito tentadores.

O loiro já tinha visto uma quantia absurdamente incomparável de homens sem camisa e nada nunca tinha sido como
aquela cena. Seu corpo ficou arrepiado por completo, sua boca começou a salivar mais que de costume e ele não
conseguia piscar ou se mover. Talvez fosse uma visão patética, e essa fosse a razão do sorriso presunçoso do
moreno, mas ele não tinha como evitar.

Jungkook se aproximou dele, sob o olhar quase hipnotizado de Taehyung, que parecia uma visão adorável com as
bochechas quase da mesma cor da maçã que estava em sua boca. Ele sorriu, decidindo brincar com aquilo apenas
por mera diversão.

Kim Taehyung merecia provar do próprio veneno, Jungkook ainda tinha sonhos perturbadores com a cena daquele
homem arrumando o vazamento no banheiro.

O moreno se inclinou, sem a menor inibição ou uma gota de toda aquela costumeira cordialidade. Taehyung abriu
ainda mais os olhos quando os do homem ficaram a centímetros dos seus, e Jungkook mordeu a maçã que estava
presa em sua boca sem ao menos lhe dar qualquer indício de que o faria.

Ele teve a audácia de sacudir as sobrancelhas, com aquele sorrisinho sacana, demorando o máximo possível para
levar um pedaço considerável da fruta.

Ele se afastou e Taehyung voltou a si.

- Hum… você está bem, Taehyung-ssi? Seu rosto está vermelho, não quer tomar uma água? - Jeon perguntou.

Taehyung queria matá-lo. Arrancou a maçã da boca, colocou no balcão e franziu a testa.

- Cretino! - praguejou ele.

Jungkook colocou a mão no peito, fingindo total inocência diante da acusação.

Taehyung sacudiu a cabeça, decidindo voltar a pergunta inicial e relembrando tudo que tinha ensaiado mentalmente
antes que Jungkook travasse seu cérebro bruscamente.

- Eu deixei ela na casa da Sana - disse o loiro - Noite das garotas.

Jungkook franziu a testa, engolindo a maçã e indo até a geladeira.

- Não sabia disso - replicou ele.

- Foi de última hora, pedi a Sana que cuidasse dela. - Taehyung apertou o balcão de mármore atrás de si com força.
Jungkook estava distraído olhando o interior da geladeira. Kim contou até dez, tomou fôlego e mordeu o lábio umas
três vezes antes de falar: - Queria passar a noite com você. Só nós dois.

Jungkook ergueu a cabeça rapidamente. A porta continuou aberta e Taehyung não conseguia ver seu rosto por inteiro
para enxergar os olhos arregalados e a boca entreaberta.

Aquilo tinha tantos sentidos para interpretação que a cabeça do moreno quase faiscou ao tentar descobrir o que
Taehyung queria dizer.

Ele fechou a porta da geladeira devagar, girou os calcanhares e respirou fundo, apontando o loiro com o indicador e
virando a cabeça de lado com curiosidade.

- Contexto - pediu.

- Fazem dois meses agora que estamos nesse lance exclusivo e eu sei que você está indo no meu ritmo, mas eu
quero fazer as coisas no seu ritmo também - disse Taehyung - Decidi que nós dois estamos completamente fudidos
em todos os sentidos e que eu não ligo pra isso.

Jungkook colocou um pé na frente do outro, passos lentos e um pouco receosos. Taehyung estava tremendo, ele
notou isso ao ver as pernas dele e as mãos apertando o balcão.

- Eu não sei se algum dia eu vou me sentir completamente inteiro, não faz sentido te deixar esperando por um Kim
Taehyung totalmente perfeito e cheio de convicções. Você precisa entender que eu sempre, sempre vou ter meus
momentos de fraqueza em que vou olhar para mim mesmo e me sentir a pior pessoa do mundo e vai ter que aceitar
isso. - Taehyung manteve o olhar baixo.

Estava com medo de que Jungkook lhe aceitasse e com medo que o rejeitasse. Aquilo implicava colocar de lado
tantas coisas que ele sequer conseguia respirar direito.

Ele tinha trinta e um anos, faziam alguns meses que tinha percebido que estava se apaixonando por um homem
quando nunca cogitou a ideia de se sentir atraído por um, tinha perdido a mulher que pensou ser a única pessoa no
mundo por quem seu coração podia clamar com tanto desespero e tinha sobrevivido a um dos piores cenários que um
ser humano pode enfrentar.

Era assustador, mas quando sentiu as mãos de Jungkook puxarem as suas do balcão para segurar entre as suas,
Taehyung soltou um suspiro que mais pareceu um soluço.

- Eu sou uma pessoa que vai acordar todos os dias e questionar se sou bom suficiente para você - Taehyung falou,
tentando respirar fundo - E vou ter minhas crises.

Ele parou de falar. Jungkook apoiou as duas mãos no balcão atrás dele. Seu corpo quente e com cheiro de flores
envolveu Taehyung como um cobertor e espantou qualquer pensamento de sua mente. Kim ergueu a cabeça,
encarando os olhos de Jungkook com total convicção e colocando as duas mãos nos braços dele. Queria senti-lo sob
seus dedos para se certificar que aquele momento era real.

Jungkook se aproximou dele, tanto quanto pode.

- Eu estou disposto a cuidar do seu coração machucado, contanto que tente cuidar do meu também - sussurrou.

Taehyung abriu um meio sorriso triste.

- Você não tem a menor ideia do quanto eu sacrificaria para cuidar de você - respondeu ele - De verdade, eu… não sei
como explicar, mas eu também quero mais que os seus beijos, Jungkook.

- Vamos fazer uma coisa - Jungkook disse - Nós vamos fazer um jantar. Correção, eu vou fazer o jantar.

Taehyung riu alto, arrancando um sorriso do moreno.

- Vamos passar um tempo juntos, podemos ver um filme e… - Os olhos de Taehyung perscrutaram seu rosto, estava
um pouco pálido e parecia prestes a desmaiar. - Depois nós vamos dormir, porque amanhã eu tenho que dar aula.

- Só isso? - Taehyung perguntou. Jungkook assentiu muito mansamente. - Pensei que quando você disse que queria
mais do que beijos estava falando de… você sabe.

Taehyung balançou as sobrancelhas de forma sugestiva.

- Eu não quero que pense que precisa me provar alguma coisa transando comigo, faça isso quando tiver certeza que
quer tentar - Jeon falou - Eu só quero uma coisa de você hoje.

- O que? - Taehyung abriu bem os olhos. Jungkook teve a impressão que se pedisse sua alma, o homem entregaria
de bom grado.

- Seja espontâneo. Se vamos ser namorados quero que me trate como tal, não como seu colega de casa que você
beija esporadicamente. - Jungkook fez uma careta. Taehyung riu, apertando os braços dele para sentir os músculos
rijos sob seus dedos calejados.

Jungkook sentia o toque dele, mãos ásperas e que com certeza conseguiam lhe arrancar suspiros.

- Eu vou dar o meu melhor - disse Taehyung - Por você.

Jungkook olhou nos olhos dele. O sorriso em seus lábios deixava aqueles olhos minúsculos e isso contratava muito
com o Taehyung que ele conheceu meses antes. Não havia mais um vazio como antes e era um alívio notar isso.

Ele tinha visto pela primeira vez uma faísca daquilo em si mesmo quando se sentou com Taehyung no banheiro da
boate. Era algo flamejante e crescente, algo que o deixou alerta num primeiro instante.

Ele podia amar Taehyung facilmente. Havia algo em si como uma pequena trava de segurança que ainda o impedia de
se entregar por completo. A parte que temia passar mais uma vez por sentimentos não correspondidos.

Taehyung parecia estar sempre pronto para arrebentar aquela trava sem o menor esforço.

Make It Right
Boa noite abelhinhas ❤️
Dêem uma olhadinha na minha nova one
+18

❝Eu poderia melhorar as coisas


Eu poderia te segurar mais forte
Naquela longa estrada, oh, você é a luz
Sem convite
Sem boas-vindas
Você era o único que me conhecia
Em uma noite interminável
Foi você quem me deu a manhã
Posso segurar sua mão agora?
Oh, eu posso consertar as coisas❞
(Make It Right - BTS)
❁❁❁

Existem determinados momentos na vida em que tudo parece não passar de um sonho. Como se aquilo que se está
vivenciando não fosse real, uma sensação estranha de estar dentro de um sonho e o medo de acordar paralisa por
completo.

Taehyung sentia isso com muita frequência quando se tratava de Jeon Jungkook. As coisas com ele pareciam boas
demais para serem verdade, como sonhos impossíveis que ele só podia vislumbrar e nunca tocar de fato.

Como uma imagem refletida dentro de uma bolha de sabão que de um momento para outro estoura no ar e
desaparece.

Ele piscou com força ao ouvir a risada do moreno mais uma vez. O sorriso já não deixava seu rosto, ele sabia que
estava agindo como um idiota, que podia ser um pouco tosco um homem de trinta e um anos suspirando tal qual um
adolescente que conheceu o amor pela primeira vez, mas não se importava de bancar o idiota por aquele homem.

- Você tinha que ver, eu acho que ninguém nunca mais vai me levar a sério naquela sala de aula! - Jungkook falou,
concentrando a atenção em picar os legumes. O cheiro agradável já vinha de uma das panelas que estavam sobre o
fogão e Taehyung continuava ali, encostado contra o balcão ao lado dele e observando tudo com total atenção às
histórias dos alunos do moreno.

- Por que você escolheu ser professor? - Taehyung perguntou. Aquela era uma curiosidade que o cutucava todos os
dias. Jungkook com toda a certeza sofria muitas críticas por seu modo de vestir, tatuagens e brincos. Taehyung tinha
notado há algumas semanas que o piercing na sobrancelha tinha sumido depois de receber uma ligação da escola e
supôs que fosse mais uma leva de pais que acreditavam que era um visual agressivo demais para o ensino infantil.

Jungkook parou com a faca sobre a tábua e ergueu a cabeça, encarando o teto um pouco pensativo. Ele vivia fazendo
questionamentos sobre como Taehyung chegou a decisão de se alistar no exército, mas nunca tinha ouvido o loiro
perguntar sobre como decidiu que queria trabalhar com crianças. E nunca tinha pensado em uma resposta para
aquela pergunta.

Taehyung colocou a garrafa de sou sobre o balcão depois de beber um gole.

- Eu sempre gostei de crianças. Desde que era um menino, eu sou apaixonado por bochechas gordas de bebês e
perguntas engraçadas de crianças… eu meio que sabia que queria trabalhar com elas de alguma forma. - Jeon
respirou fundo e voltou a picar os tomates. - Eu já te disse que eu apanhava na escola e eu comecei a pensar que
talvez faltassem professores que não se importassem só em ensinar a matéria. Talvez se algum professor naquela
época explicasse na sala de aula porque aquele tipo de atitude era tão horrível os garotos teriam parado com aquilo.

Ele olhou de relance para o homem ao seu lado. Taehyung estava de braços cruzados, um olhar tão atento ao que ele
dizia que era desconcertante.

- Eu ensino mais do que só a matéria, quero que as crianças se desprendam dos preconceitos e das implicâncias. Que
vejam as pessoas e suas diferenças como algo normal. - Ele deu de ombros. - Basicamente o que ensinamos a Mi
Sun.

- Você sabe, antes de ir para o exército eu queria cursar medicina - Taehyung disse - Pediatria.

Jungkook sorriu.

- Você ainda pode. - O moreno ergueu a tábua e empurrou os legumes picados para dentro da panela com a faca. -
Não disse que queria começar algo novo? Vá para a faculdade.

- Estou velho pra isso - Kim disse.

- Oh claro, vovô Taehyung. - Jungkook revirou os olhos. - Você tem trinta e um, não noventa.
- A maioria das pessoas já não tem a mesma agilidade de pensamento aos trinta. Eu por exemplo, parei de pensar
rápido aos dezoito - replicou o loiro.

Jungkook riu. Taehyung pegou a garrafa de soju e levou até a boca.

- Vamos dar um jeito nisso. Eu te ajudo a estudar e você pode me recompensar de outras formas - o moreno falou.

Taehyung engasgou. Sentiu as vias respiratórias ardendo quando álcool subiu quase saindo pelas narinas. Tossiu e
bateu no próprio peito querendo se livrar daquela sensação, Jungkook o observou com os olhos bem arregalados.

Kim soltou a garrafa no balcão e se apoiou nele com as duas mãos, ainda se recuperando do efeito daquilo. Os olhos
lacrimejando e ele respirando fundo e tentando se recompor.

- Você está bem? - Jungkook perguntou, muito calmamente, colocando a mão no ombro dele. - Eu só estava falando
sobre lavar a louça, Taehyung, por Deus! Sua mente é muito poluída, sabia?

- Você fez de propósito, seu idiota! - Taehyung passou a mão nos olhos, para se livrar das lágrimas.

Jungkook sorriu. Jamais admitiria que tinha sido uma provocação intencional. Ele passou os braços em volta da
cintura de Kim e o puxou mais perto, até que Taehyung soltasse o balcão e colasse as costas contra seu peito.

Para a grande infelicidade de Taehyung, Jungkook tinha vestido uma camiseta antes de começar a fazer o jantar.

Taehyung engoliu seco. Não sabia exatamente o que deveria fazer, só paralisou enquanto sentia a respiração quente
de Jungkook contra a pele já arrepiada do pescoço. E fechou os olhos com força quando o moreno beijou a pele
exposta.

- Sabe de uma coisa? - Jungkook sussurrou tão perto do ouvido dele que sua voz mais parecia um sopro.

- Hum? - Taehyung murmurou.

- Eu acho que deveríamos abrir aquela garrafa de vinho que está guardada desde o Natal. - O moreno não esperava
qualquer palavra sair da boca de Taehyung, como se soubesse que ele não conseguiria formular uma frase completa.
O loiro respirava com dificuldade e se inclinava para trás em um claro pedido silencioso por outro beijo. Jeon não
hesitou em colocar os lábios contra a pele dele mais uma vez, pensando em como o perfume dele parecia coisa de
outro mundo.

- Não sou muito confiável quando eu bebo. - Kim riu.

- Eu diria que você fica menos irritante quando bebe - Jeon retrucou.

Taehyung revirou os olhos.

- Posso dizer uma coisa? - perguntou Taehyung, arfando um pouco ao sentir os lábios deslizarem contra sua pele até
a nuca. Jungkook olhou para aquele ponto na nuca, a pintinha que ele passava tempo demais observando. Beijou ali
como tinha pensado em fazer tantas vezes.

- Sou todo ouvidos - sussurrou contra a pele quente e arrepiada de Taehyung.

- Eu acho que você é a parte mais empolgante da minha vida agora - Kim sussurrou. Seus olhos semi abertos, fixos no
balcão de mármore enquanto ele tentava se manter totalmente racional enquanto Jungkook beliscava sua pele com a
boca. - E eu acho que gosto de você um pouco demais.

- Acho que essa é a melhor coisa que eu poderia ouvir agora - replicou o moreno.

❁❁❁

Era para ser o dia perfeito. Ele definitivamente planejou aquilo por mais tempo do que conseguia se lembrar e no
entanto, em menos de cinco minutos, tudo foi por água abaixo.
Min Yoongi se considerava um homem azarado em um nível extraordinário, mas aquilo? Aquilo com certeza entraria
para a lista do pior dia de sua vida, sendo que quando levantou, acreditou fielmente que seria o melhor.

Ele gemeu com a dor excruciante assim que o doutor moveu sua perna meio centímetro. Costumava ser forte para
qualquer tipo de ferimento, mas aquilo era uma tortura. Ele conseguia ver a perna dobrada em um ângulo nada certo e
estava quase desmaiando, sem saber se era pela dor ou pela visão perturbadora.

- Como isso aconteceu? - perguntou o médico, com a calma de alguém que com certeza tinha acabado de começar o
plantão.

- Eu também queria saber. Em um momento estava no topo das escadas e no instante seguinte estava caído quinze
degraus abaixo com uma quantia absurda de vizinhos me olhando como se eu fosse um palerma que não sabe descer
um lance de escadas! - resmungou ele. Talvez estivesse apressado demais e acabou errando o degrau ou sua perna
simplesmente decidiu traí-lo e falhou na hora errada.

- Ótimo, vamos ver o resultado do raio-x para saber quão grave foi e depois vemos o que fazer - falou o doutor - Isso
é…

Mais uma vez o telefone tocou. Estava junto com todos os seus pertences, que consistiam em uma carteira e um
molho de chaves, sobre uma mesinha ao lado da maca. O médico olhou o visor, lançando em seguida um olhar bem
sugestivo para o moreno por cima dos óculos.

- Acho que é melhor você atender, seja quem for, está ligando a cada dois minutos - disse o homem.

- Eu dei um bolo nele. Estava indo para o nosso primeiro encontro e agora ele deve estar lá me esperando. E eu aqui
e provável ele está me odiando - disse Yoongi, pousando a cabeça contra o travesseiro duro e encarando o teto
pálido.

- Alô? Aqui é o doutor Cho, do pronto socorro. - Yoongi ergueu a cabeça com os olhos arregalados ao ouvir a voz do
médico ao seu lado assim que o toque do telefone cessou. O doutor, que parecia um novato cheio de energia, sorriu e
balançou a cabeça como se Hoseok pudesse vê-lo do outro lado da linha. - Seu amigo teve um acidente e fraturou a
perna, ele está aqui agora esperando o resultado dos exames, então não, ele não te deu um bolo ou coisa do tipo.
Você pode vir ficar com ele se quiser. Certo então, até mais.

O homem colocou o celular de volta na mesinha e lançou um olhar um tanto satisfeito para Yoongi.

- Mas que merda… - Min começou a resmungar.

- Você sabe que, maus entendidos e coisas não esclarecidas são responsáveis por separarem amantes desde os
primórdios da humanidade - Dr.Cho disse, rabiscando algo na ficha de Yoongi. - Um coisa não dita ou dita da forma
errada pode tirar a chance de você ficar com a pessoa que vai te dar os melhores momentos da sua vida. Você vai me
agradecer um dia.

Yoongi bufou quando ele se afastou. Não queria que Hoseok o visse naquele estado. Um pronto socorro era um
péssimo local para um primeiro encontro, mas ele era Min Yoongi e tinha o dom para complicar as coisas.

❁❁❁

Mi Sun amava noites das garotas, mas estava genuinamente curiosa sobre o motivo pelo qual seu pai tinha decidido
permitir que ela dormisse na casa de Sana de uma hora para outra. E obviamente, sua mente curiosa começou a criar
uma centena de motivos plausíveis, que iam desde a casa ter pegado fogo ou algum rato vagando por lá e precisando
ser eliminado.

Aquilo pouco importava já que ela estava completamente relaxada, com os dedos de Sana mexendo e puxando as
madeixas de seu cabelo com firmeza e cuidado, para formar o penteado que a menina havia insistido tanto para ter.
- Você acha que meus appas estão bem? - perguntou Mi Sun. Não que estivesse genuinamente preocupada, ela sabia
que Taehyung não estaria tão sorridente se fosse uma questão de vida ou morte.

Sana respirou fundo. Não que ela fosse do tipo de pessoa que só pensa em coisas erradas, mas acreditava que
aquele pedido repentino tinha um motivo muito específico e se fosse o que ela estava pensando, os dois deveriam
estar muitíssimo bem.

- Claro que sim, acho que eles só precisavam de um tempo para conversarem coisas de adulto - respondeu Sana -
Como… contabilidade e outras coisas tediosas.

- Acho que eles estão namorando. Não conte a ninguém, eu sei que eles vão ficar muito zangados se você souber
disso, mas appa Ggukie me contou que ele gosta do appa Tae. Não como amigo, mas como namorado. Você
acredita? Isso é maravilhoso! - Mi Sun sorriu, sonhadora. Sana riu, puxando mais uma mecha para incluir na trança. -
Me diga, tia Sana, você acha que as pessoas demoram tanto para ficarem juntas quando se gostam por qual motivo?

Sana respirou fundo. Crianças tinham perguntas difíceis e às vezes impossíveis de serem respondidas. Enigmas que
às vezes machucavam.

- Por várias razões. Quando for adulta você vai entender que ficar com alguém demanda mais do que simplesmente
gostar dessa pessoa. Vocês têm que ter objetivos semelhantes e tem que se entender. Tem que saber as limitações
um do outro, entender suas dores. Serem melhores amigos acima de tudo. - A mulher pegou uma das borrachinhas
coloridas para prender a trança pronta, se arrastando de joelhos sobre a cama para começar a trançar o outro lado.

- Como você e o tio Ji? - Mi Sun sugeriu, fingindo que toda a atenção estava focada nas próprias unhas. Sana
estreitou os olhos em direção a ela, captando as intenções daquela pequena mente maligna.

- Quanto ele te pagou pra dizer isso? - perguntou ela, erguendo uma sobrancelha.

- Nada, na verdade ele me pagou para não dizer nada - retrucou a menina.

- Então seja honesta e cumpra sua parte do acordo - Sana advertiu. Ela respirou fundo. - Ele e eu vamos nos acertar
algum dia. Talvez. Mas até lá vamos deixar tudo como está e…

Ela ouviu um choramingo, baixo e quase inaudível. Franziu a testa com a onda de preocupação que lhe atingiu e
olhou para o local onde Sasuke antes estava roendo um osso assim que percebeu que o cão tinha sumido.

- Sasuke? - chamou, soltando as mechas dos cabelos de Mi Sun. Sana rastejou sobre a cama e espiou pela beirada.
Tudo que encontrou foi a ponta do rabo de pelagem loira e se esticou, ficando de cabeça para baixo e puxando o
lençol para ver debaixo.

Sasuke estava ali. A barriga subindo e descendo com dificuldade, os olhinhos quase fechados. Sana sentiu seu
estômago revirar ao avistar algo próximo ao focinho dele, mais parecido com uma gosma com pontos vermelhos.

Sangue. O cachorro gemeu mais uma vez, algo sôfrego como um pedido de socorro.

- Sasuke! - Ela se jogou no chão, esticando a mão e tentando puxá-lo para fora, mas ao invés de encontrar o pelo
macio do cão, sua mão recebeu um golpe forte que lhe arrancou um grito estridente.

- Tia Sana! - Mi Sun se virou alarmada, vendo a mulher segurar a própria mão contra o peito e não demorou para
avistar o sangue correndo dos furos causados pelas presas de Sasuke. - Sua mão…

Ela olhou para o cachorro choramingando, em seguida para a menina assustada sobre a cama. Os olhos
lacrimejaram, ela não saberia dizer se era nervosismo ou só a dor da mordida, mas se levantou do chão de forma
desajeitada, ainda segurando a própria mão e sentindo o sangue correr entre os dedos.

- Pegue meu celular - disse ela, em um tom alto suficiente para Mi Sun ouvir - Ligue para o Jackson e diga para ele
que preciso de ajuda. Fale para ele que é urgente e ele precisa vir o quanto antes, que estou ferida e que Sasuke está
doente.

Mi Sun obedeceu cegamente. Pegou o aparelho na mesa de cabeceira, abriu os contatos e buscou pelo nome até
encontrar. Com seus dedos minúsculos, ela ligou o viva-voz.

Tocou.

Sana podia ouvir da porta aberta do banheiro, enfiou a mão debaixo da torneira e viu a água ser tingida de vermelho e
correr pelo ralo.

Tocou mais uma vez.

E outra.

E mais uma.

- Merda, Jackson, atende! - sussurrou consigo mesma, olhando de esguelha para o quarto. Podia avistar Sasuke e Mi
Sun dali. Seus olhos estavam embaçando e ela sentia arder a cada gota de água que caía sobre a marca das presas.

- O número discado está indisponível no momento… - A voz eletrônica respondeu. Sana praguejou baixo.

Não queria ligar para Taehyung e Jungkook, por nada ela os preocuparia quando seus amigos pareciam finalmente
terem encontrado seu ponto de conforto um no outro.

Ela pensou.

- Tente de novo! - pediu em voz alta.

Abriu o armário do banheiro. Só precisava de algo para enrolar a mão e estancar o sangue, depois de checar o que
estava acontecendo com Sasuke ela procuraria um médico.

Mais uma vez chamou, mas antes que caísse na caixa postal, ele atendeu. Sana deu graças aos céus.

- Hey gatinha, eu estou… meio ocupado agora. - A voz dele atravessou o cômodo. Sana notou o tom um pouco afoito
e ofegante e paralisou, segurando com firmeza a bancada da pia.

- A tia Sana se machucou! - Mi Sun gritou. - O Sasuke mordeu ela e tem… tem sangue, é horrível!

- Oh, Mi Sun?! - Jackson arfou do outro lado da linha. - Bebezinho, tente passar o celular para ela, eu preciso…

- Desliga - Sana falou alto. Mi Sun franziu a testa um pouco atordoada, mas ao ver o olhar feroz da mulher, obedeceu.
Apenas desligou a chamada.

- Tia…

Sana sentia o coração batendo forte no peito. A adrenalina correndo nas veias, a dor queimando a mão e talvez seus
olhos que ardiam como se pegassem fogo.

Jackson estava ocupado. E ela sabia o que era.

Se sentiu patética de todas as formas possíveis.

Respirou fundo e encarou seu reflexo no espelho.

Só restava uma pessoa para ajudá-la, por mais que odiasse esse fato.

- Ligue para o Jimin. Só diga que Sasuke me mordeu e que a porta está aberta - disse ela, e se sentou na privada,
sentindo as pernas fraquejarem. Olhou para o cachorro doente e sussurrou querendo que ele entendesse. - Vai ficar
tudo bem, Sasuke, aguente firme.
❁❁❁

A risada de Taehyung deixava tudo leve. Era um som ótimo e saber que ele nem tinha precisado de uma piada muito
elaborada para conseguir ouvir aquilo era totalmente gratificante.

Já era quase meia noite e depois de comer o jantar e decidir que deixariam os pratos para o dia seguinte, apenas se
sentaram no sofá da sala e decidiram assistir algum filme.

Dentre todos os disponíveis, aquele que mais chamou a atenção de ambos foi nada menos que ‘Barbie e o Castelo de
Diamantes’. Talvez aquilo fosse a maior prova da decadência em que se encontravam. Mesmo que Mi Sun não
estivesse presente, seu grande gosto cinematográfico tinha influenciado ambos ao ponto de nenhum outro filme
parecer animador quanto aquele.

- Ainda não acredito que você sabe todas as músicas de cor, isso literalmente acaba com essa sua marra de boxeador
tatuado e perigoso - disse Taehyung.

Faziam exatos três minutos que ele tinha se aproximado a ponto de pousar a cabeça de forma quase imperceptível no
ombro do moreno. Jungkook não disse nada por saber que ele estava testando, descobrindo até onde podia ir sem
que aquilo se tornasse estranho.

Não eram realmente um casal oficialmente falando, era como se alguns pontos ainda precisassem ser ressaltados.

Jungkook passou os dedos entre os cabelos macios de Taehyung. O perfume agradável do shampoo chegou às
narinas dele e Jeon se inclinou um pouco para cheirar mais perto. As madeixas loiras se acomodando perfeitamente
entre seus dedos.

Taehyung não pareceu se importar com o afago, foi o que o fez continuar.

- Esse filme é ótimo, você tem que admitir - o moreno retrucou.

- Na verdade é um dos melhores da franquia, eu diria que é realmente uma obra prima - Taehyung disse, dando
tapinhas repetitivos no joelho de Jungkook.

Para qualquer pessoa, aquelas coisas simples podiam parecer automáticas, mas ele sentia uma leve taquicardia cada
vez que tomava uma nova liberdade. Recostar a cabeça no ombro dele, passar a mão de forma carinhosa pelo braço
dele, batidinhas no joelho. Taehyung quase infartou em silêncio quando Jungkook começou a mexer em seus cabelos.

- Quando eu era garoto gostava de assistir “desenhos de menina”. - Jungkook fez aspas com os dedos e voltou de
imediato a brincar com os cabelos de Taehyung, que tinha desviado os olhos da televisão e erguido a cabeça para
olhar para ele. - Eu morria de medo que a minha mãe pensasse que eu era gay, então menti que estava assistindo
porque era o preferido de uma menina que eu gostava e queria saber o que conversar com ela.

Taehyung riu.

- Seus pais sabem que você…

- Sim. - Jeon interrompeu. - Digo, eles pensam que magicamente eu virei hétero porque me casei com a Jiayu, acho
que a questão bissexualidade ainda é uma lenda urbana pra eles, mas… você sabe que eu não me importo com o que
meus pais dizem.

- Eu fico tão feliz de saber que a Mi Sun nunca vai passar por isso. Digo, medo de admitir algo como isso. Caso ela
queira namorar uma garota algum dia vai ser tão natural quanto namorar um garoto. - Taehyung se virou um pouco,
apoiando o queixo contra o peito de Jeon e o olhando nos olhos, enquanto sentia o braço do moreno o apertar sem a
intenção de deixá-lo sair daquela posição.

- Definitivamente acho que vamos chorar da mesma forma - Jungkook disse. Taehyung riu.

- Pode acreditar que vamos ser terríveis, independente do gênero - Taehyung retrucou.
- Eu sempre tive medo de apresentar alguém para os meus pais, mas não porque temia que eles fossem ser
aterrorizantes, era mais porque já imaginava eles jogando todos os meus defeitos sobre a pessoa como uma forma de
dizer que está cometendo um erro. - Jeon fez uma careta.

Taehyung suspirou.

- Não querendo ser rude, mas seus pais parecem ser uns babacas. - Ele olhou para Jungkook, temendo que ele fosse
ficar ofendido, mas o moreno sorriu e assentiu em concordância.

- Eles são ótimas pessoas. Digo, são honestos, empáticos e gentis. São educados com qualquer pessoa e até fazem
doações com frequência para várias instituições, mas… - Ele virou a cabeça de um lado a outro, remoendo o que
estava prestes a dizer. - Eles são pais horríveis. Eu não quero que pense que sou um moleque rebelde e ingrato, só
que às vezes tudo que queremos é ouvir que alguém tem orgulho da pessoa que nos tornamos e…

- Um “eu te amo”. - Taehyung completou, já sabendo que aquela era a maior carência do homem. Jungkook suspirou,
olhando para a televisão para não ter que encarar seus olhos. - Eu entendo você.

- Eu não devia ficar falando de mim - Jungkook beijou a testa dele, foi tão repentino e espontâneo que Taehyung
chegou a se assustar e sorriu em seguida.

- Gosto quando você fala de si mesmo - replicou o loiro.

- Eu adoraria ouvir você falando de si mesmo, mas não vou te pressionar - Jeon murmurou. Ele queria contar sobre a
visita de Eunji, mas não faria naquela noite. Tudo estava bom demais, aconchegante demais. Ele se permitiu ser
egoísta e deixar os problemas para mais tarde para desfrutar de um pouco de paz ao lado de Taehyung.

- Uma coisa sobre mim que você talvez não saiba é que quando eu era garoto eu costumava ter todos os tipos de
empregos e tentava juntar dinheiro porque eu queria andar de avião. - Kim falou, perdendo sua atenção nos lábios
avermelhados de Jungkook e sorriu ao perceber que estavam tão vermelhos porque ele tinha o beijado mais de uma
dúzia de vezes naquela noite. - Era um sonho meio idiota, mas eu sentia que estaria completo quando conseguisse.

- E quando você andou de avião? - perguntou o moreno, passando a ponta do indicador em círculos na nuca do
homem.

- Eu achei frustrante, vomitei três vezes e tive que tomar uns comprimidos e dormir a viagem inteira - confessou o loiro.
Jungkook riu alto, Taehyung sorriu largo. - Você não devia rir de um órfão frustrado.

Jeon pressionou os lábios tentando conter a risada.

- Você não devia usar o termo “órfão” para se defender, isso é trapaça! - O moreno segurou o lábio inferior dele entre o
polegar e o indicador. - Muito feio, Taehyung-ssi.

- Está dizendo que eu sou feio? - Kim ergueu a sobrancelha, provocando.

- Você é tão bonito que me dá raiva. - Jungkook soltou a boca dele e apertou a bochecha.

Os olhos de Taehyung lhe davam a impressão de que, pelo menos naquele momento, Jungkook era seu mundo
inteiro.

Como se aqueles pensamentos que normalmente o deixavam uma bagunça completa e cheio de ressalvas estivessem
bem calados apenas para deixá-los vivenciarem aquilo com clareza.

Como uma ilha no meio de um oceano turbulento, um local de descanso e de refúgio.

Taehyung se moveu com rapidez. Jungkook não teve tempo de discernir o que ele estava fazendo até que Kim
estivesse sentado sobre suas pernas, apoiando os joelhos no sofá e as duas mãos em volta do rosto do moreno.
Ele podia sentir em seu peito, mais do que uma simples paixão, mas algo que o estava consumindo aos poucos.
Taehyung se sentia capaz de correr uma maratona ou enfrentar um leão com as próprias mãos. Pela primeira vez em
muito tempo, não se sentiu fraco e pesado, não havia desânimo e apatia em cada célula de seu corpo.

O vazio que ele costumava sentir, aquela parte dele que era incapaz de discernir emoções, estava preenchida com
diversos sons, cores, sensações e imagens. Não apenas de Jungkook, mas de Mi Sun, Jimin e Namjoon. Todos os
amigos queridos que tinham dado seu melhor por ele nos últimos meses mesmo que ele não percebesse.

Jiayu não o deixou só no mundo como ele pensou por tanto tempo.

Taehyung ouvia o ritmo do próprio coração e constatou que talvez houvesse uma fagulha de felicidade genuína
pulsando ali enquanto ele olhava nos olhos de Jungkook.

O moreno não disse nada, deu a ele o que Taehyung precisava, apenas o silêncio preenchido pelo som baixo da
televisão.

Taehyung se aproximou dele, sentindo as bochechas quentes de Jeon contra seus dedos e vendo seus olhos se
fecharem muito lentamente conforme o loiro se aproximava e inclinava a cabeça dele para cima.

- Eu vou te beijar - Taehyung sussurrou, seus lábios chegaram a tocar os do homem quando sua voz saiu como um
sopro e Jungkook engoliu seco, colocando as mãos na cintura dele para firmá-lo em seu colo.

- Você não precisa avisar - Jeon respondeu.

Taehyung deslizou a mão até o queixo dele, dobrando o dedo abaixo dele e inclinando a cabeça do moreno
completamente para trás, deixando a garganta bem exposta com o pomo-de-adão destacado.

- Quero que me toque - Kim falou, a mão livre deslizando pelo braço direito do moreno até encontrar a pele dele na
altura onde acabava a manga da camiseta. Jungkook não disse nada, continuou com seus olhos parcialmente abertos
olhando o rosto de Taehyung, carregado de seriedade. - Sem se preocupar com limites. Estou dando a liberdade para
que você não precise me perguntar se quero ir adiante com isso. Eu quero.

Jungkook ergueu a mão devagar, fechando seus dedos com firmeza em volta do pulso de Taehyung e puxando para
baixo enquanto se esticava em direção aos lábios do homem.

O primeiro toque dos lábios de Taehyung sempre eram gentis e delicados, como se ele estivesse sempre buscando se
acostumar com a sensação do beijo de Jungkook. No instante seguinte, separou os lábios e aprofundou o beijo com
lentidão e de forma que quase parecia uma súplica.

Me beije. Me toque. Me queira.

A mente de Taehyung gritava, com todas aquelas vozes confusas que antes pediam para manter distância daquele
homem, implorando para sentir aquilo em cada fibra de seu ser e em cada centímetro da pele.

Taehyung apenas queria ser amado. Não por qualquer pessoa, por aquele homem que agora lhe beijava como se ele
fosse digno de adoração.

As mãos de Jungkook subiram da cintura do loiro por baixo do tecido da camiseta, acariciando as costas dele, tocando
a pele e apertando entre os dedos com muita determinação.

Taehyung se afastou um pouco, mantendo suas bocas quase coladas uma com a outra enquanto recuperava o fôlego.

Mesmo tendo se apaixonado uma única vez antes de conhecer Jungkook, Taehyung sempre tinha sido sincero em
cada ato ou palavra. Por essa razão nunca tinha sido adepto de sexo casual ou coisas do tipo, não por achar
moralmente errado, mas porque não conseguia levar o toque físico como algo simples e sem importância.

Talvez alguns o achassem antiquado, mas ele não podia sequer cogitar tocar alguém intimamente e ser tocado, sem
sentir-se verdadeiramente conectado com a pessoa.
Ele observou os olhos atentos e ansiosos de Jungkook, que esperavam uma resposta para a pergunta que estava
explícita em seu rosto.

O que viria a seguir?

Taehyung não sabia.

Apenas deixou que seus impulsos o guiassem e segurou com firmeza a barra da camiseta de Jungkook. O moreno
não questionou ou sequer hesitou, tirou a camiseta e a deixou ao seu lado no sofá, vendo Taehyung enroscar os
dedos na corrente das plaquetinhas de metal.

Onde Jeon as tinha deixado, as placas com o nome de Taehyung.

O loiro puxou a corrente, o fazendo se aproximar novamente.

- “Quanto mais fecho os olhos, melhor vejo… - Taehyung apalpou o braço dele e prendeu a boca contra a garganta
dele, em um beijo um pouco indecente. Sua voz sussurrava contra a pele do moreno, se agarrava a ele com afinco. -
Meu dia é noite quando estás ausente… - Kim continuou segurando a corrente do colar e correu a mão livre até os
cabelos escuros de Jungkook, segurando com firmeza os fios e mantendo a cabeça dele inclinada para trás para
facilitar o acesso ao pescoço. - E à noite eu vejo o sol, se estás presente”.

A língua de Taehyung tocou a pele na garganta de Jungkook, como um beijo molhado e diferente da inocência que
cada ato deles tinha demandado nas últimas semanas.

- Shakespeare? - Jeon ofegou.

Kim se afastou do pescoço dele, voltando a aproximar a boca de seus lábios ansiosos com um olhar que refletia a
perdição e a luxúria. O loiro, visto daquele ângulo, parecia uma versão nova que ele não acreditava já ter visto antes.

- Eu lia muita poesia quando estava no exército - Taehyung disse, a voz baixa e parecendo muito controlada. Ele tirou
a própria camiseta antes que Jungkook pudesse sequer notar seu movimento. - Mas nunca fui fã de declarar poesias
para ninguém.

Jungkook sorriu, presunçoso, podendo percorrer com as mãos pelas costas nuas de Taehyung sem qualquer
impedimento. O homem se aproximou, com seus narizes roçando um no outro, uma provocação sem fim em um
desejo desesperado por um beijo.

- Eu sou especial, Kim Taehyung? - perguntou Jungkook - A ponto de merecer uma poesia?

- Você merece todas as que já foram escritas e pensadas, cada nota musical colocada em uma partitura com a
finalidade de descrever a beleza e o romance. E ainda merece aquilo que ainda vai ser escrito, os poemas que ainda
não conhecemos e talvez nunca vamos conhecer. - Taehyung segurou o queixo dele com firmeza. Apesar de suas
palavras serem doces e belas, seu olhar e sua postura indicavam ferocidade e desejo. - E ainda assim, seria
insuficiente, porque você é tudo em que consigo pensar e tudo que meu coração consegue abrigar agora.

Jungkook abaixou a cabeça, sem perder o contato visual com Taehyung nem por um segundo, colocando os lábios em
seu lugar preferido: a cicatriz no ombro. Manteve uma mão firmando suas costas e usou a outra para percorrer o
caminho até a coxa dele e apertar mesmo por cima do tecido da calça.

Taehyung murmurou algo, que pareceu um palavrão, mas foi um pouco confuso.

- Você não espera que depois de dizer essas coisas eu vá deixar a noite acabar assim, não é, amor? - Jeon voltou até
a boca dele e deixou um beijo casto em seus lábios.

Amor.

Taehyung não ouvia aquilo há um bom tempo.


Sua mente tentou fazê-lo recordar a entonação exata da voz de Jiayu quando o chamava daquele jeito, mas chegou a
conclusão de que ela só o tinha chamado assim uma ou duas vezes. Ela preferia o “querido” ou apenas seu nome e
talvez por nunca ter tido tanto peso assim, Taehyung sentiu aquela palavra no fundo da alma.

Foi capaz de trazer de volta à vida o que ele pensou que tinha morrido há muito tempo.

Tantas vezes se sentindo indigno de amor e Jungkook estava ali o chamando como se ele fosse a própria
personificação desse sentimento.

- Eu vou dizer o que eu espero. - Taehyung buscou os olhos dele. Nublados com aquelas emoções que pareciam
prestes a explodirem, consumindo ambos como uma possessão. - Espero que você me leve até o quarto e…

Ele não completou, Jungkook estava tão perto, seu cheiro, seu toque eram tudo que Taehyung conseguia processar.
Ele queria ser ganancioso e queria se permitir esquecer o que tinha se passado em sua vida antes daquele momento.
Antes de encontrar nos olhos de Jungkook tudo aquilo que buscou por tanto tempo.

- E…? - Jungkook sussurrou, ansioso e impaciente.

- Me faça gritar seu nome com tanta paixão quanto meu coração já faz todos os dias - Taehyung sussurrou, com
determinação em cada palavra. Ele sorriu, colando sua testa na de Jungkook. - Só faça isso, meu amor.

Ele olhava a tela do computador. Olhos frios e vazios, pensamentos presos em algum lugar onde não havia nada. Era
assim na maior parte do tempo.

Sua vida em geral girava em torno de negócios. O dia inteiro ele só pensava e falava sobre dinheiro e sobre as formas
de adquirir mais dinheiro, as formas de manter o que já tinha.

Não podia ser somente aquilo, certo?

Jin olhou para o lado. O álbum de fotos aberto sobre a mesa revelava fotos dele e de seus irmãos pouco antes dos
pais falecerem. Aquelas recordações da época em que ele era genuinamente despreocupado e talvez menos
rabugento.

Sobre as fotos, estava o lírio branco que ele tinha pedido para plastificar. A flor amassada e plastificada ainda
mantinha a cor branca e ele podia ver os pontinhos amarelos do pólen.

Se sentia um idiota.

Uma flor recebida de um homem que ele tinha visto duas vezes e ele estava ali, mandando eternizá-la como se fosse
um bem precioso.

- Você é ridículo, Seokjin - disse para si mesmo.

Ele ouviu um estrondo alto e franziu a testa. Jogou a flor no meio do álbum e fechou com pressa, se levantando da
cadeira e correndo até a porta do escritório.

Ele viu um vaso quebrado, terra espalhada pelo chão da recepção e Jimin com o celular preso entre o ombro e a
orelha, tentando equilibrar uma pilha de papéis em um braço e trancar o próprio escritório com a outra.

- Diga a ela para pressionar a ferida e fiquem longe dele, eu chego em seis minutos… não! Chego em quatro minutos.
- Ji jogou os papéis no chão, eles caíram em uma pilha perfeita, porém um pouco amassados contra a parede. O
homem puxou o celular e desligou, jogando no bolso da calça e terminando de trancar a sala.

- O que aconteceu? - Jin perguntou.

- Eu cuido dessa bagunça amanhã, preciso ir agora. - Ji se virou e jogou as chaves, Jin agarrou no ar, ainda um pouco
confuso.

Ele suspirou pesadamente, acompanhando com o olhar a corrida do irmão até o elevador e o desespero com que
pressionava o botão.

- É a Sana? - perguntou Jin.

- Fodam-se suas preocupações, Jin. Foda-se o que as pessoas dizem! - Ji retrucou - Cuide da sua vida, eu estou indo
cuidar da minha.

Tão rápido como o alvoroço de espalhou pelo andar vazio, se foi assim que Ji entrou no elevador e deixou Jin parado
na porta do escritório, observando os papéis deixados para trás junto com o vaso quebrado.

Ele olhou a porta do escritório de Jimin, a bancada vazia da recepcionista, as outras portas que abrigava escritórios de
seus funcionários, todos vazios a aquela hora.

Jin se sentiu sozinho.

Jennie provavelmente estava com Jisoo, sentada no sofá vendo algum programa bobo e rindo a toa.

Ji estava indo atrás de Sana, o que de certa forma deixou de lhe incomodar.

Taehyung e Jungkook provavelmente estavam juntos também.

Até os doidinhos do Instituto tinham alguém com quem passar aquela noite que começava a ficar um pouco fria
demais.

Mas ele estava sozinho. E a culpa era somente dele.

Jin não soube narrar o que aconteceu entre o momento em que se viu sozinho no escritório e o momento em que
chegou a aquela ponte. Sua mente estava pesada, com o remorso pelo que tinha dito ao irmão, pelo peso que tinha
colocado sobre os ombros de Ji e de Jennie para que fossem perfeitos ao invés de serem eles mesmos.

Ele sempre temeu aquele momento.

O dia em que seus irmãos encontrariam pessoas com quem valesse mais a pena passar o tempo do que com ele.

Todos tinham o calor de um abraço e ele só tinha aquela maldita flor plastificada.

Era desolador.

Ele observou a flor nas mãos. Uma brisa fresca subia do rio abaixo dele, os carros não paravam de passar e a
cacofonia era irritante, mas ele não ligava.

Os braços apoiados no parapeito e seus olhos captando a visão da cidade iluminada e volta e meia deslizando para o
lírio em suas mãos.

Estava chuviscando, nada forte, uma garoa fraca que nem chegava a ser considerada chuva. Talvez fosse essa a
razão do frio.

- Você vai pular ou veio desovar um corpo? - Aquela voz.

Não era possível.

Ao invés de olhar em direção a pessoa que Jin sabia exatamente quem era, ele olhou para o céu, se lembrando da
oração feita por influência daquela pestinha no aniversário de Mi Sun.

- O Senhor só pode estar brincando comigo! - ele murmurou entredentes.

- Jin! - Namjoon se aproximou mais dele, alguns passos apenas para cobrir a distância.
- Escuta aqui, você está me perseguindo, seu maluco? - Jin resmungou, olhando para o homem. O advogado estava
com roupas formais, sinal que provavelmente estava vindo do trabalho, a única coisa que faltava era a gravata e
haviam três botões de cima da camisa soltos.

- Eu estava indo para minha casa depois de um dia cansativo no trabalho e apenas resolvi parar e impedir um pobre
homem de cometer suicídio, mas aí vi que era você e percebi que o buraco é bem mais fundo. - Nam cruzou os braços
e olhou curiosamente para as mãos de Jin, que foi rápido em enfiar a flor no bolso antes que o outro percebesse o que
era.

- Eu tive um dia de merda, se puder não ficar aqui me atazanando vai ser de grande ajuda, obrigado. - Jin voltou a se
apoiar no parapeito e olhou para baixo.

Ele estava triste, mas não a ponto de pular. Se um dia tivesse que morrer, preferia fazer isso de uma forma que não
tivesse risco de deformar seu rosto. Pelo menos no caixão ele precisaria estar em boa forma para partir com
dignidade.

- Você estava chorando? - Namjoon se apoiou no parapeito ao lado dele.

Jin fungou.

- É, eu estava chorando. Meus irmãos estão apaixonados e muito felizes e eu percebi que a vida inteira só tenho sido
uma pedra no caminho deles. Eu dediquei todos os meus dias desde a morte dos meus pais para fazer os dois se
tornarem pessoas de quem nossos pais se orgulhariam e agora o Ji me odeia e a Jennie está preferindo ir para outro
país do que viver perto de mim. - Ele soltou tudo de uma vez e quando tomou fôlego, foi um soluço que lhe escapou
do fundo da garganta para acompanhar as lágrimas que desciam pela bochecha. - Eu só queria… eu nem sei o que eu
queria, só que agora estou aqui como um pateta chorando enquanto você provavelmente quer rir da minha cara.

Namjoon suspirou. Ele olhou o rosto de Jin, molhado, e a ponta do nariz vermelha. Seu lábios tremia e ele parecia
cada vez mais perto de cair em prantos ali mesmo.

O advogado teve que se segurar para não abraçá-lo.

Jin era arredio e muito irritante, mas desde o primeiro instante que o viu, não teve como conter a parcela de carinho
que se instalou em seu peito em relação ao homem.

- Seus irmãos são pessoas incríveis e já são adultos. Você cumpriu seu dever, Jin, devia começar a viver sua própria
vida antes que ela passe e você só tenha perdido seu tempo monitorando cada passo deles - Nam disse,
mansamente. - Eles te amam. Mas acredito que toda essa sua proteção acaba sufocando. Jennie e Jimin são uma
mulher e um homem independentes, são pessoas educadas, gentis, bem sucedidas e determinadas. Os dois estão lá
agora lutando contra tudo por alguém que amam e você deveria tirar o foco deles agora.

Jin passou as mãos pelos olhos e riu um pouco amargo.

- Eu nunca quis ser mais do que irmão deles. Todas as vezes que eu queria apenas rir e ser irresponsável junto com
os dois, eu precisava ser rígido e ditar as regras porque ficava dizendo a mim mesmo que tinha que substituir nossos
pais. Eu os afastei desse jeito. Deveríamos ser melhores amigos, mas Jennie e Ji ficaram longe de mim - disse Jin - E
eu estou sozinho.

- Você pode se reaproximar. Nunca é tarde enquanto vocês estiverem vivos. Seja o irmão deles e pare de ser o
guardião responsável. - Namjoon o cutucou com o ombro. - E encontre algo para si mesmo. Não trabalho, algo que
ocupe seu tempo com sorrisos ao invés de todas essas lágrimas.

Jin olhou para ele. Namjoon estava ali mais uma vez, no exato momento em que ele precisava ouvir aquilo. Era como
se estivesse sempre a postos, esperando para se aproximar e lhe dar o conforto que ele tanto precisava.

- Obrigado por isso - Jin agradeceu, com um sorriso que roubou o fôlego de Namjoon e o fez sorrir de volta.
- Não devia ficar aqui, essa garoa fina pode te dar um resfriado. Volte para casa, Jin. Descanse e pense nisso. - Nam
acenou para ele.

Precisava se afastar.

Ele conhecia os sintomas.

Jiayu lhe descreveu a sensação, o momento exato em que se percebe que a pessoa que cruzou seu caminho ao
acaso pode acabar se tornando tudo.

“- Sempre há aquele momento breve, Nam, em que as coisas ficam claras como água. Como se você pudesse ver
através do tempo e enxergar os anos que lhe aguardam e nessas imagens você enxerga o rosto dessa pessoa. É
quando há a certeza, quando o coração pula no peito e o ar parece desaparecer por alguns segundos - Jiayu lhe
disse, enquanto os dois caminhavam juntos em uma tarde logo após ela aceitar o pedido de casamento de Taehyung.
- É nesse instante, que dura um milésimo de segundo, que você percebe que fará de tudo para que aquele ‘olá’ nunca
termine com um ‘adeus’.”

Ele se virou, deu alguns passos decididos e largos. Se entrasse naquele carro, faria o possível para não cruzar mais o
caminho de Park Seokjin. Aquele homem tinha cara de quem o enlouqueceria de todas as formas imagináveis.

Ele não queria aquilo.

Ou queria?

Não sabia dizer.

O coração estava acelerando a cada passo.

- Namjoon? - Jin chamou. Seus pés pararam de obedecê-lo e ele parou ali, a uma distância de dez passos. Não se
virou de imediato, precisou respirar fundo e decidir se era uma boa ideia.

Então girou os calcanhares e olhou para o homem parado ali.

Jin definitivamente iria destruir sua sanidade.

- Você está ocupado? - perguntou o mais velho, unindo as mãos diante do corpo e mexendo com os próprios dedos
por pura vontade de manter as mãos ocupadas.

- Não - respondeu Nam.

- Quer comer alguma coisa? - Jin deu um passo em sua direção.

Namjoon podia negar naquele momento e voltar para sua vida de sexo casual e total falta de sentimentos. Se dedicar
ao trabalho acima de tudo e se contentar com os momentos alegres ao lado de seus amigos e família.

Mas seria em vão, já que em algum momento, o destino o faria cruzar com aquele homem novamente e lá estaria a
mesma sensação.

Ele decidiu apenas se entregar, sem resistência ou complicações. Que fosse o que tivesse que ser.

- Gosta de frango frito? - perguntou o advogado, com uma careta temerosa.

Jin riu.

- Só se tiver um pouco de soju pra acompanhar - retrucou Jin.

Namjoon suspirou.

- Agora estamos falando a mesma língua - disse ele.


❁❁❁

Yoongi estava parcialmente nervoso.

Os resultados de seus exames levariam no mínimo mais trinta minutos para sair. Ele se sentia grogue e um pouco
leve, o que era um efeito direto do remédio que tirava a dor.

Ele olhou o saquinho de soro, na esperança que já estivesse acabando para que pudesse ir ao banheiro sem ter que
arrastar aquele cabideiro de metal, mas parecia que ainda ficaria um bom tempo ali.

Se não estivesse dopado, provavelmente estaria amaldiçoando o hospital inteiro.

- Depois que você tiver alta, eu vou te matar, Min Yoongi! - A voz furiosa chegou até ele. Talvez todos no pronto
socorro tivesse ouvido, pois quando inclinou a cabeça para o lado e avistou a figura marchando em sua direção, com
um punhado de sacolas com o logo de algum restaurante que ele definitivamente não conseguia ler o nome, ele
também viu a dezena de pessoas observando a cena a espera de mais detalhes.

- Você realmente veio? - perguntou Yoongi, assim que o homem de cabelos castanhos se aproximou suficiente.
Hoseok colocou as sacolas sobre uma cadeira próxima e veio até ele com a fúria ardendo nos olhos.- Eu realmente
quebrei a perna, não estava querendo te dar um bolo ou coisa do…

Hobi segurou o rosto dele com as duas mãos, apertou o suficiente para doer um pouquinho e arrebitar seus lábios em
um biquinho fofo antes de se inclinar e deixar um selinho ali.

E ao se afastar um pouco, seu rosto era o retrato de um sorriso gentil e apaixonado.

Yoon piscou algumas vezes para garantir que não era alucinação.

- Eu fiquei preocupado que algo terrível tivesse acontecido. Quando o doutor me disse que estava no hospital eu
quase tive um ataque! - Hobi resmungou, colocando a mão no peito com a intenção de fazer o moreno se sentir mal
por tê-lo quase matado. - Como isso aconteceu afinal?

- Eu estava atrasado para o nosso encontro. Devo ter errado um degrau - Yoon suspirou. Hobi estava usando roupas
coloridas, um moletom, jeans rasgados e um tênis que provavelmente era muito caro. Ele sorriu, o cheiro de Hobi era
de flores. Flores silvestres e amoras. - Você se arrumou assim só pra me ver?

Hobi abaixou a cabeça com repentina timidez, brincando com a barra do moletom.

- Eu queria muito sair com você, como não ia colocar minha melhor roupa? - disse ele, com seu sorrisinho tímido.

Yoongi esticou a mão que estava presa a agulha do soro e pegou as mãos dele. Estavam frias, mas macias como se
lembrava. Puxou a mão de Hoseok até a boca e a beijou demoradamente, lhe exibindo um sorriso que podia ser efeito
dos remédios ou puro sintoma de paixão aguda.

- Não precisava ter vindo até aqui, mas definitivamente você melhorou meu dia. Não só meu dia, mas minha vida
inteirinha - disse Min.

Hobi mordeu o lábio, ligeiramente entusiasmado com aquele discurso. Ele riu baixo e puxou a mão com delicadeza.

- Aigoo! Não diga essas coisas! - retrucou ele.

Yoongi sorriu ainda mais.

Hobi se afastou um pouco e puxou outra cadeira que estava próxima a uma maca vazia. Ele a arrastou até estar bem
perto e aproximou a cadeira com as sacolas.

- Nós ainda vamos ter nosso encontro - disse ele, pegando as pequenas embalagens de comida e entregando uma a
Yoongi.
- Sinto muito se não foi exatamente o tipo que planejamos - Yoon respondeu, enquanto o homem ajeitou os
travesseiros para que ele pudesse se sentar sem ter que mover a perna.

Hoseok sorriu.

- Você fica me devendo um encontro de verdade. - Hobi piscou para ele e o outro riu, assentindo solenemente. Ele se
sentou novamente, puxando a própria comida e olhando para o moreno com um suspiro pesado. Havia alguns dias
que estava um pouco inseguro quanto a algo e apesar de imaginar que fosse besteira, precisava expressar aquilo. -
Meu aparelho está com problema há um tempo, pode ser que a bateria acabe e você precise…

- Eu posso usar a língua de sinais, sem problema - Yoongi interrompeu, levando uma quantia generosa de comida até
a boca com os palitinhos de madeira. Eram minúsculos, mas serviam.

Hobi o observou com atenção, querendo captar cada uma de suas reações.

- Você se incomoda com o fato de eu ser surdo? Nem que seja um pouquinho, se você acha que é irritante ter que se
comunicar comigo se outras formas de vez em quando? - perguntou ele.

Yoongi mastigou devagar, a cada segundo que seus olhos se mantinham sobre Hobi, o homem ficava mais
apreensivo.

Min Yoongi era apaixonado por aquele homem desde o dia que o conheceu e às vezes nem se lembrava do problema
auditivo dele. Na verdade, se o próprio Hobi não mencionasse qualquer dificuldade de ouvir ou lhe pedisse para falar
por sinais, ele não pensaria naquilo.

Mesmo que não houvesse um aparelho, mesmo que Yoongi precisasse usar a língua dos sinais todos os dias para
falar com ele, o faria sem questionar ou sentir qualquer incômodo.

Nada sobre Jung Hoseok jamais foi ou jamais seria um incômodo.

- Eu não ligo se você me escuta ou se eu preciso usar as mãos para que me entenda, Hoseok. Enquanto estiver
olhando para mim, não me importo com mais nada. - Yoongi sorriu, enfiando mais comida na boca.

Hobi sorriu para ele, voltando a atenção para a comida, apesar de as borboletas no estômago o impedirem de comer.

Yoongi olhou por cima do ombro de Hobi e avistou o médico. Dr. Choi disse que um dia ele seria grato, e o dia chegou
antes que Yoongi percebesse.

O doutor olhou para eles dois e sorriu, erguendo os dois polegares em um sinal positivo de apoio.

Yoongi sorriu para ele e olhou para Hobi. O homem que tinha um rosto lindo e uma alma ainda mais perfeita. O
homem com sorriso que recarregava suas baterias diariamente. Seu homem dos sonhos.

E Yoongi soube que apesar de todos os maus entendidos e todos os problemas, eles sempre acabariam encontrando
sua própria forma de chegar até o outro.

Podia ser precipitado pensar daquela forma, mas ele começava a pensar em caminhos cruzados pelo destino.

❁❁❁

Estava ficando quente. A cada segundo que se passava com as mãos de Jungkook contra sua pele ficava mais
insuportável permanecer ali tendo aquilo como o único contato. Se sentia a ponto de entrar em ebulição e conforme
seus beijos ficavam mais urgentes, ele sentia seu corpo reagir naturalmente a toda aquela excitação descontrolada.

A princípio, uma partezinha dele quis colocar dúvidas e um pouco de receio na tentativa de fazê-lo parar aquilo antes
de ir até o final, mas Taehyung as calou prendendo o lábio de Jungkook entre os dentes com cuidado e passando a
língua por ele com lentidão.
Os dois sabiam que acabar com aquilo ali no sofá, no meio da sala, era inviável.

Taehyung pegou o controle da televisão e desligou, deixando o mesmo cair no chão em seguida sem se importar se
teria dificuldade para buscar as pilhas debaixo do sofá no dia seguinte.

Jungkook pressionou as mãos contra a coxa de Taehyung e se levantou do sofá com ele em seu colo sem o menor
esforço, o que arrancou um arfar surpreso do loiro que se agarrou a ele com força para não ir ao chão.

Taehyung se sentiu estranho por um momento. Ele era relativamente menor, obviamente sabia que aquilo não
interferia em nada nas posições, mas por um instante, ele sentiu uma espécie diferente de conforto. Se sentiu
acolhido, e a sensação era ótima.

Taehyung atacou sua boca novamente em um beijo tórrido e necessitado, puxando os cabelos do moreno o suficiente
para manter sua cabeça erguida no melhor ângulo para beijá-lo.

- Se continuar me beijando não vou conseguir enxergar o caminho - Jeon resmungou, ofegante. Taehyung riu,
igualmente sem fôlego.

Foi o loiro que encontrou a maçaneta da porta e a empurrou com força suficiente para ouvir o estrondo dela contra a
parede. Pulou do colo do moreno e firmou os pés no chão, percorrendo os dedos até a nuca dele e o puxando para
dentro consigo.

Jungkook fechou a porta e acendeu a luz, sem se distanciar do loiro nem por um segundo.

Estavam no quarto de hóspedes, que tinha sido provisoriamente transformado no quarto de Jungkook. Haviam livros e
provas empilhadas na escrivaninha no canto, algumas roupas perfeitamente dobradas e empilhadas em uma cadeira.
Tudo estava na mais perfeita ordem, como tudo que Jungkook fazia.

Ele se aproximou mais, puxando Taehyung pela cintura e colando sua testa na dele. Sabia que os dois precisavam
daquilo naquele momento, a parte humana que ansiava por saciar aquele desejo latente já estava nublando todos os
sentidos.

No entanto, não queria ser afoito, apressado ou desesperado. Ele pensou na primeira vez que esteve com um homem
na cama e a memória não era das melhores. Não houve gentileza e paciência com ele que estava ainda aprendendo
sobre como aquilo funcionava.

Não seria assim com Taehyung.

Mesmo que o loiro já fosse um homem feito, Jungkook não faria nada com ele sem lhe explicar primeiro, sem guiá-lo.
Não queria se tornar uma experiência traumática, queria que Taehyung se lembrasse daquela noite pelo resto da vida
como um momento no mínimo agradável.

Kim pareceu confuso, sem entender ao certo porque não estava arrancando suas roupas e o jogando na cama com
pressa, mas Jungkook se aproximou, colocando a palma da mão contra a bochecha dele e selando seus lábios
brevemente.

Em seguida se aproximou do ouvido dele, mordendo o lóbulo e sugando entre seus lábios até ouvir um resmungo
baixo e sentir mais uma vez os dedos de Taehyung em seu couro cabeludo.

- Se tem alguma dúvida, esse é o momento de perguntar - Jeon soprou as palavras perto do ouvido dele, uma voz um
pouco diferente que fez os ossos de Taehyung tremerem reconhecendo a necessidade de ouvir aquele tom de voz
chamando seu nome. Grave, baixa e manhosa. Como se soubesse do que sua mente processava, Jungkook sorriu,
colando o peito contra o dele, inclinando um pouco a cabeça de Taehyung para o lado e sugando a pele de seu
pescoço sem a menor ideia de como aquilo afetou o outro que emitiu um grunhido baixo, enquanto Jungkook
ronronava contra a pele dele: - Taehyung.

Kim inclinou a cabeça, querendo mais daquele contato da boca de Jungkook contra a pele sensível da garganta.
- Não quero aula teórica, quero aula prática. - Taehyung ditou, com a voz um pouco falha.

Jungkook sorriu, o puxando virando até colar as costas de Taehyung contra a parede. Talvez fizessem anos que ele
não transava com um homem, mas ainda se lembrava de como fazer aquilo da forma correta.

Kim tinha certa dificuldade de manter os olhos abertos, mas se esforçou porque o sorriso pervertido no rosto de
Jungkook era algo imperdível. Durante tanto tempo julgou Jungkook incapaz de assumir qualquer expressão além de
sua costumeira gentileza ou de sua ingenuidade pura.

Mas aquele homem - que estava percorrendo as mãos por seu corpo e erguendo seus braços com um sorriso que
deixaria o próprio demônio da sedução com inveja - não era o mesmo Jungkook com quem ele estava acostumado.
Não havia nem uma única dose de inocência e pureza no olhar dele.

Jeon uniu suas mãos acima da cabeça contra a parede e empurrou a própria coxa entre as pernas do loiro com um
aperto proposital que fez os lábios de Taehyung se separarem em busca de fôlego após a onda de prazer percorrer
seu corpo com aquela fricção.

Jungkook sorriu, presunçoso, vendo os olhos necessitados e desejosos de Taehyung procurarem os seus. Pegou seus
lábios em um beijo, percorrendo a boca do outro com sua língua enquanto pressionava ainda mais a coxa contra o
volume entre suas pernas.

Sentia a resistência de Taehyung, que queria se soltar do aperto firme que tinha segurando seus pulsos, mas sem
fazer realmente um esforço para se libertar.

Se afastou dele, e mesmo enquanto ambos recobravam o fôlego que tinha sido roubado por aquele beijo, Jungkook
manteve a boca colada na pele dele, descendo pelo pescoço e trilhando o caminho até o ombro com beijos úmidos,
deixando sua língua brincar com a pele arrepiada e ouvindo os murmúrios sôfregos de Taehyung, que já parecia
embriagado com as sensações.

Ele sentia que iria explodir se aquilo não acabasse de uma vez e sentia que ficaria vazio se terminasse rápido.
Taehyung nunca quis tanto que o tempo parasse, que pudesse ficar anos preso naquela bolha de prazer onde a boca
de Jungkook era sua única preocupação.

O moreno manteve Taehyung ocupado com seus beijos enquanto desprendia o botão da calça. A calça de Taehyung,
que devia ser mais uma de suas roupas sociais, a aquela altura já estava se tornando uma espécie de tortura. O
aperto era doloroso e Jungkook, com sua alma altruísta, iria ajudá-lo com aquilo.

Taehyung gemeu baixo sentindo a mão de Jungkook tão perto daquela região sensível. O botão se desprendeu e Jeon
voltou perto dos lábios dele, deixando beijinhos por todo o rosto quente e vermelho de Kim.

- Você está ansioso, Taehyung-ssi? - perguntou o moreno, descendo a mão despretensiosamente para dentro da
calça, entre o jeans e o tecido da cueca. Foi tão repentino que Taehyung gritou, jogando a cabeça para trás e
fechando os olhos com força.

Jungkook sorriu mais uma vez, suas presas bem destacadas diante dos olhos de Taehyung que por sabe-se-lá qual
razão, desejou tê-las em seu pescoço. Os dentes lhe pressionando a pele com a mesma vontade que a mão agora lhe
apalpava.

Taehyung puxou as duas mãos com força, se desprendeu e em seguida percorreu suas mãos ásperas pelos ombros
largos de Jungkook, o empurrando com lentidão em direção a cama, e o moreno obedeceu cegamente cada comando
silencioso. Kim o empurrou para que se sentasse e Jeon o fez, erguendo a cabeça para continuar mantendo o contato
visual, já que o loiro ainda estava de pé.

Taehyung tirou uma mecha do cabelo bagunçado de Jungkook dos olhos dele e percorreu a extensão da mandíbula
dele com o dedo, até chegar ao queixo e esticar o polegar até os lábios inchados e vermelhos.

Taehyung subiu no colo dele, sentindo as mãos de Jungkook deslizarem de forma proposital até sua bunda e
apertarem com força desmedida.

E o loiro girou o quadril no local exato, pegando Jungkook de surpresa e lhe tirando um gemido arrastado. E fez isso
de novo e mais uma vez, porque era a melhor das sensações e ver os olhos de Jungkook revirarem enquanto ele
jogava o quadril para cima para buscar mais contato, mais brutalidade naquilo eram suficientes para que Taehyung
quisesse fazer aquilo a noite toda.

- Você é gostoso pra caralho, Ggukie - Taehyung resmungou, antes de buscar os lábios dele mais uma vez.

Como se já fosse seu novo vício, Taehyung enroscou os dedos na corrente que o lembrava constantemente que
Jungkook há dias carregava seu nome junto ao peito. Podia não significar nada, mas ele preferia acreditar que
significava tudo.

Jeon o virou, colocando Taehyung com as costas contra o colchão, parando entre as pernas dele sem cessar os
beijos. E impulsionou o quadril contra ele, um movimento lento e certeiro, Taehyung apertou os braços dele e gemeu
contra sua boca.

Jungkook desceu seus beijos molhados e chupões descarados pela garganta, chegando ao peito nu de Taehyung. Ele
tinha ganho peso nos últimos meses e não era mais a figura pálida e esquelética que tinha chegado na Coréia depois
da guerra. Era ainda melhor do que ele se lembrava.

Os lábios de Jungkook eram macios, excitantes e pareciam queimar como brasa a pele do homem a cada centímetro
que sua boca percorria para baixo.

Taehyung olhou para ele, já que os olhos do moreno estavam grudados nos seus constantemente a cada centímetro.
O peito de Taehyung subia e descia com a respiração irregular, só aquela visão já era suficiente para levá-lo ao
paraíso.

Jungkook parou por um instante, parecendo notar o conjunto de cicatrizes espalhadas pelo tronco dele. Taehyung não
se lembrava delas, a grande maioria tinham mais de um ano e meio e estavam muito pouco perceptíveis, nenhuma
delas era tão grande e feia quanto aquela em seu ombro.

O constrangimento tingiu suas bochechas com um tom ainda mais vermelho do que ele já se encontrava.

- É impossível voltar da linha de frente sem marcas como essas ou até piores - Taehyung sussurrou, como se
precisasse justificar as marcas.

Jungkook sorriu, deixando o hálito quente beijar cada marca antes que sua boca brincasse com cada local onde havia
uma cicatriz por menor que ela fosse.

- São muito bonitas. Só provam o quanto você é forte e corajoso e isso me deixa louco de vontade de… te fazer sentir
muito bem. - Jeon voltou totalmente por cima dele e o olhou nos olhos antes de beijá-lo nos lábios languidamente e
com total lascívia. Ao se afastar, desceu novamente, sugando e mordiscando a pele até deixar um chupão por cima da
marca em seu ombro. - Mas essa é minha preferida.

Desceu novamente.

A boca de Jungkook encontrou seus mamilos rígidos, circulou com a língua e sugou com os lábios arrancando mais
um grito abafado de Taehyung, que só queria encontrar uma forma de retribuir aquela euforia que o homem estava lhe
causando.

- Jungkook-ah… - Taehyung ofegou, sem conseguir pronunciar as palavras sem uma longa pausa entre elas. - Você
vai fazer isso logo?

Jungkook beijou, suavemente, o peito dele.

- Não tenha pressa, Taehyung. - Soprou a pele que já começava a suar. Quente como fogo. Taehyung mordeu o lábio,
observando os beijos descerem até o cós da calça. - Esperamos até agora, vou fazer cada minuto valer a pena.

Jungkook, sem pensar em pedir permissão, arrastou a calça de Taehyung devagar para baixo, sem se livrar dela por
completo, revelando as coxas grossas e aquilo que ele mais buscava, ainda coberto pelo tecido preto da boxer.

O moreno foi se afastando até conseguir colocar um chupão nada delicado na pele sensível. Taehyung fechou as
mãos com força nos lençóis, querendo achar algo a que se agarrar.

Mesmo que houvesse a dúvida, Taehyung não perguntou o que ele ia fazer.

Ele olhou para o teto. A lâmpada do quarto de Jungkook estava com problema há semanas, emitindo uma luz fraca
que volta e meia, piscava como se estivesse em curto.

Taehyung olhou para a luz, seu corpo estava vibrando e ele sentiu-se vivo de muitas formas.

Uma parte dele quis fazê-lo sentir constrangimento quando Jungkook se livrou do que restava de suas roupas, o
livrando de vez de qualquer aperto que escondesse sua excitação, mas ele ignorou esse sentimento. Não havia nada
dele que quisesse manter escondido de Jungkook.

Taehyung sentiu as mãos dele apertarem suas coxas e a respiração quente contra sua intimidade e continuou olhando
para a luz, isso só até que o calor da boca de Jungkook o acolhesse por completo, descendo por toda a extensão e
fazendo Taehyung revirar os olhos.

Kim não se importou se levariam broncas dos vizinhos no dia seguinte. Ele gritou, porque tudo que podia fazer
naquele momento era isso. O nome de Jungkook deixava seus lábios de maneira febril e desesperada, suplicando por
mais daquilo.

Ele levou os dedos até os fios de cabelo e Jungkook, querendo ir mais fundo dentro da boca dele. O moreno segurava
as pernas de Taehyung com toda a força, enquanto o loiro tentava se controlar para não se mover muito bruscamente.

Aquilo sim era algo que Taehyung nunca tinha provado na vida e definitivamente se perguntava como viveu trinta anos
sem a experiência avassaladora.

- Ggukie-ah… - Seu gemido alto incentivou Jungkook, que continuou deixando que o loiro ditasse o ritmo, a forma
como puxava seus cabelos o deixava ainda mais necessitado, mas não acabaria a noite sem deixar aquele homem
esgotado e de pernas bambas, e isso demandaria muita paciência. E isso ele tinha de sobra.

Jungkook o fez, devagar, passo por passo. Vez e outra deixava o membro do loiro para espalhar chupões, beijos e
mordidas em suas coxas, observando com muito orgulho quando Taehyung estremecia e gemia seu nome
repetidamente como uma prece ou uma adoração.

Jungkook. Ah, isso Jungkook. Junggukie.

Até que Taehyung não aguentou mais se segurar. Sentiu seu corpo estremecer contra sua vontade e fora de seu
domínio, sua visão ficou escura e ele não soube dizer se foi a lâmpada fraquejando ou seus olhos falhando pelo
clímax que o atingiu em cheio. Sentia o suor escorrendo em suas têmporas e se acumulando em seu peito, nas
costas.

Ele devia estar patético naquela posição, completamente exposto, murmurando palavras desconexas e respirando
fundo na tentativa de se recompor. Não soube quanto tempo passou, Jeon sumiu por um tempo e ele não teve forças
de olhar para ver onde tinha ido. Estava completamente exaurido, mas Jungkook não pareceu se importar com isso
quando voltou até ele, acolhendo o corpo de Taehyung abaixo de si e lhe beijando nos lábios.

Era um gosto estranho, diferente. Não era ruim, algo neutro e Taehyung se sentiu completamente depravado por estar
sentindo aquilo na boca do homem. E gostou disso.

Ele passou pelo momento da estranheza, de se sentir um pouco diferente por estar sendo guiado, conduzido, acolhido
por um corpo semelhante ao seu. Por ter contato com tantos músculos rígidos e salientes. E no instante seguinte,
estava apaixonado por aquele sentimento.

Taehyung não precisou olhar para saber que Jungkook já não estava vestindo mais nada quando se colocou entre
suas pernas e friccionou o local ainda sensível, lhe arrancando um gemido manhoso por sentir seu calor tão
intimamente.

Os beijos pareceram mais delicados, como uma carícia, suave e amorosa.

E Taehyung se assustou um pouco, a ponto de soltar um grito um pouco agudo quando sentiu algo frio e úmido em
uma região nunca explorada antes. Os dedos de Jungkook, úmidos com algo que ele descobriria o que era bem mais
tarde, circularam a entrada delicadamente.

Ele tinha se preparado - com instruções da internet e algumas respostas do Yahoo porque definitivamente não tinha
coragem de assistir pornografia - e sabia que aquilo aconteceria, mas mesmo já esperando, ainda havia a parte do
medo de fazer algo que ele jamais tinha sonhado em tentar.

- Shh! - Jungkook murmurou contra a boca dele, e Taehyung encontrou seus olhinhos quase fechados. Ele estava
provavelmente se segurando. Kim observou o olhar intenso dele. - Isso vai ajudar, confia em mim.

Taehyung mordeu o próprio lábio, ergueu as mãos e tocou o rosto de Jungkook. Por um breve momento queria
emoldurar aquele olhar, os cabelos desgrenhados que já se grudavam na testa pelo suor acumulado, os lábios
perfeitos e o meio sorriso que salientava seus dentinhos da frente.

- Dor não é exatamente um problema pra mim, vá em fre… - Ele foi calado, sentiu o que provavelmente era o dedo de
Jungkook lhe invadindo com lentidão e precisão. Taehyung puxou o ar, a boca naturalmente se abriu e Jungkook
prendeu o lábio inferior dele entre os dentes antes de beijá-lo para distraí-lo.

Não doía, ardia. Era incômodo a princípio e Taehyung ficou esperando a dor dilacerante que era mencionada por
noventa por cento dos sites em que tinha buscado respostas. Mas não veio.

- Se doer me avisa - disse Jungkook, movimentando o dedo em um movimento de vai e vem que começou a tornar
aquilo menos incômodo. Taehyung assentiu, quando Jeon inseriu mais um dedo, tocou por acidente ou não uma
região dentro dele que fez com que Taehyung arranhasse suas costas. Foi bom, muito bom.

- Bem aí - Taehyung ronronou, grudando o rosto na curva do pescoço de Jungkook e beijando ali. - Toca aí de novo.

- Aqui? - Jeon curvou os dedos dentro dele e Taehyung lhe respondeu com um chupão firme no pescoço e um
gemido. Jungkook estava a ponto de deixar de lado toda a delicadeza e fode-lo ali com força.

Ele estava enlouquecendo, somente os gemidos de Taehyung eram eróticos suficientes para ele criar mil e um
cenários em sua mente e todos eles acabavam com o loiro convulsionando de prazer e gemendo seu nome.

Quando acreditou que Taehyung já estava preparado o suficiente, tirou seus dedos de dentro dele e se posicionou
entre as pernas do loiro. Apoiou os antebraços na cama e pairou com o rosto acima do de Taehyung. A corrente
pendeu entre eles, caindo contra o peito de Taehyung. O metal já estava quente só por estar em contato com a pele
suada do moreno.

- Você é bonito, sabia? - Jeon sorriu para ele, se forçando para dentro. Taehyung mais uma vez sentiu o desconforto e
talvez uma pontada de dor que o fez estremecer, mas nada extraordinário e insuportável. Havia aquilo deslizando para
dentro dele e apenas o fato de que era Jungkook, ele conseguia se sentir estremecer de prazer antes mesmo que o
homem conseguisse se mover.

- Eu sou? - O loiro sorriu, mordendo o próprio lábio.

- Você é perfeito - Jeon sussurrou, beijando a bochecha dele. - O dia que você estava arrumando o chuveiro da Mi
Sun… - Ele beijou a outra bochecha. - Estava sem camisa e isso deveria ser ilegal, sonhei com aquela imagem por
semanas e sabe qual a pior parte, Taehyung-ssi? - Jeon beijou a testa e por fim a ponta do nariz.

- Hm? - Taehyung já estava se acostumando, ao ponto de se sentir tentado a mover-se em direção a ele, em busca de
mais do que simplesmente aquilo.

- Eu não podia fazer nada a respeito. - Jungkook suspirou, saindo dele. Taehyung estranhou, estava pronto para pedir
que ele voltasse quando Jungkook retornou com força, o forçando a gemer alto quando o atingiu certeiro naquele
mesmo pontinho prazeroso dentro dele. - Agora eu posso, não é mesmo?

Os gemidos altos e entrecortados de Taehyung, misturados ao som infame da cama batendo contra a parede e aquele
maldito parafuso solto, foram suficientes para tirar a sanidade de Jungkook.

Ele sentiu a cada vez que Taehyung murmurava seu nome contra seu ouvido daquele jeito entorpecido, sentiu a cada
vez que se impulsionava para dentro dele, a cada arranhão novo em suas costas, que aquilo não era o desespero de
Taehyung buscando uma forma de aplacar um vazio ou suprir uma carência.

Ele agarrou a coxa de Taehyung, puxando para a altura da própria cintura, querendo ir mais fundo nele. Taehyung
gritava, Jungkook já não conseguia conter os próprios gemidos necessitados.

Suor fazia com que as mãos de ambos deslizassem com mais facilidade pela pele fervente e seus lábios tentavam
manter beijos ardentes que acabavam sendo dissipados por seus gemidos e súplicas.

Mais.

Mais fundo.

Mais forte.

Apenas mais, mais, mais e mais daquilo.

Ele saiu, Taehyung estava pronto para reclamar e pedir que continuasse já que estava desfrutando de uma fonte
totalmente nova de prazer puro, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, Jungkook o virou colocando este de
bruços na cama e voltou a penetrá-lo, ato que Taehyung respondeu com um palavrão gritado.

Kim ergueu o quadril, um ato que provavelmente se envergonharia muito quando terminasse, mas no momento sua
mente estava tão nublada pelo prazer que sequer conseguia controlar o próprio corpo.

Agarrou com força o tecido já amassado do lençol, puxou até a boca e mordeu com força na tentativa de abafar seus
gemidos que continuavam escapando com a voz abafada.

Ele podia ouvir, os gemidos de Jungkook, seu nome escapando da boca do moreno repetidas vezes.

Taehyung. Oh, Taehyung. Taehyung, Taehyung, Taehyung.

O loiro revirou os olhos nas órbitas.

Mais erótico que o próprio ato, era seu nome na boca daquele homem.

Jungkook se inclinou sobre ele, colando o peito nas costas suadas de Taehyung e continuando com cada estocada
firme e funda dentro dele. Os gemidos dele agora estavam sendo sussurrados contra o ouvido do loiro enquanto suas
mãos apertavam cada curva do corpo dele.

Taehyung podia sentir cada músculo do próprio corpo se enrijecendo, formigando, ardendo.

Jungkook beijou a nuca dele, sobre a manchinha que tanto amava, aquele que lhe remetia uma estrela solitária. Beijou
suas costas, sentindo o gosto salgado na língua e adorando isso. Adorando Taehyung.

Ele colocou a mão por baixo do corpo do loiro, deslizando pelo abdômen e subindo pela garganta até chegar a boca,
onde colocou dois dedos na boca dele, na tentativa de aplacar um pouco o som de seus gemidos quando levou a
outra mão até o membro rígido e necessitado de Taehyung, aumentando os próprios movimentos. Ele não duraria
muito, queria que Taehyung chegasse lá logo para que pudesse se entregar também.

Kim arfou, fechou a boca em volta dos dedos de Jungkook. Era vergonhoso a forma como sua boca salivava a ponto
de molhar os dedos dele sem que ele se esforçasse para isso, Taehyung fechou os olhos, sentindo as lágrimas de
puro prazer descerem em suas bochechas. Ele soluçou.

O moreno saiu dele mais uma vez, Taehyung se sentiu prestes a chorar e implorar. Jungkook o colocou de volta com
as costas no colchão. Não faria aquilo sem olhar no rosto de Taehyung, sem ver a bagunça que ele mesmo tinha
causado.

Jungkook aumentou o ritmo assim que se colocou nele novamente, deixando Taehyung gritar a vontade a cada
investida. Ele mesmo não estava tendo muito autocontrole.

Jungkook deixou sua mente viajar nas memórias de cada sorriso, risada, cada olhar que Taehyung lhe ofertou nos
últimos meses. Havia algo ali, queimando lentamente desde muito tempo. Em cada bilhetinho trocado em todas as
noites, que Jeon mantinha guardados em uma gaveta e em cada beijo desde o primeiro, Jeon Jungkook o amou.

Aquele homem despedaçado que se achava a última pessoa no mundo a merecer o amor de alguém, agora era dono
de todo o que Jungkook tinha a oferecer.

Jungkook viu Taehyung perder-se no próprio prazer pela segunda vez naquela noite, viu com seus próprios olhos
quando ele arfou, chamando por ele de maneira febril e amolecendo abaixo de si com os olhos estremecendo por
baixo das pálpebras.

Jungkook continuou ofegante, e aquele visão foi suficiente para fazê-lo ver as estrelas e ter seu corpo inteiro dominado
pela sensação de êxtase. As estrelas. Aquelas de seu sonho repetitivo.

E quando a imagem da estrela cadente fez menção de aparecer em sua memória, ele implorou a ela, implorou com a
alma, com cada gemido exausto que lhe restava, que eles tivessem uma segunda chance.

Que mesmo que Taehyung não o amasse de fato, que gostasse dele o suficiente para não querer mais ninguém no
mundo.

Estava disposto a aceitar apenas aquilo.

- Eu te amo... Eu amo você - Jungkook sussurrou, ouvindo os soluços de Taehyung. O arrependimento por ter dito
algo de forma tão impulsiva, lhe atingiu na mesma hora.

O loiro em algum momento conseguiu uma crise de soluços, o que era humilhante em seu ponto de vista, mas teria
que pensar naquilo depois.

Taehyung estava cansado, seus músculos estavam relaxados a ponto de ele sequer conseguir se mover e tinha
certeza que estaria dolorido no dia seguinte, mas sorriu para o teto.

Não conseguia pensar em nada, ouvir nada, tudo parecia distante e só havia a pele suada e melecada e o peso de
Jungkook sobre ele.

A cabeça do moreno deitada em seu peito, enquanto seus dedos percorriam os cabelos negros molhados de suor.

Taehyung teria respondido o “eu te amo” sem pestanejar, nem precisaria pensar a respeito, a resposta latejava em seu
peito a cada batida do coração acelerado.

Mas ele não ouviu.


Tightrope - Penúltimo
❝Então, arrisco tudo, só para estar com você
E eu arrisco tudo por essa vida que escolhemos
De mãos dadas
E você prometeu nunca soltar
Estamos andando na corda bamba
Alto no céu
Podemos ver o mundo todo lá embaixo
Estamos caminhando pela corda bamba
Nunca tendo certeza, você vai me pegar se eu cair?
Bem, é tudo uma aventura
Isso vem com uma vista de tirar o fôlego
Andando na corda bamba
Com você❞
(Tightrope - The Greatest Showman)

❁❁❁

“Era seu aniversário.

Ela não criou nenhuma expectativa, seus pais estavam fora da cidade e sua cunhada provavelmente disse a seu irmão
que uma mensagem bastava para dar os parabéns. Comemorar seria uma perda de dinheiro e de tempo, ela não
ligava para esse tipo de coisa a ponto de ir a um restaurante ou armar uma festa.

Jungkook, Jiayu e Mi Sun tinham acabado de sair, eles insistiram que ela deveria ganhar pelo menos um bolo e um
presente, que foi um par de brinco e uma corrente de pingente, que tinham sido escolhidas pela garotinha.

Ela respirou fundo, terminando de colocar o último prato no escorredor de louças. Tinha sido um ótimo dia, divertido.
Mais do que a maioria de seus aniversários.

Sana olhou o relógio. Ainda eram só 19:00 da noite, ela podia assistir televisão e depois ir dormir ou podia
simplesmente andar até o bar da esquina e beber um pouco com estranhos.

Jimin, não tinha se lembrado aparentemente. Não ia ficar magoada com aquilo, afinal era ela quem sempre dizia que
não se importava com aniversários.

Desligou as luzes da cozinha, que dividia espaço com a sala, e andou até o sofá. Silêncio. Isso a incomodava
profundamente, a sensação da casa vazia era sempre uma coisa irritante. Fazia poucos meses que tinha se mudado
da casa de seus pais, e ainda não tinha se acostumado a ficar tanto tempo sozinha.

A batida na porta a tirou dos devaneios. Ela franziu a testa e se levantou, mesmo que contra a própria vontade. Se
fosse a vizinha em busca do gato perdido novamente, ela não garantia que conseguiria ser gentil como sempre.

Mas ao abrir a porta, a primeira coisa que viu foi uma quantia absurda de balões vermelhos em formato de coração,
que pareceram atacá-la assim que a porta se abriu.

Sana recuou um passo, tentando entender que tipo diferente de atentado era aquele.

- Feliz aniversário, docinho! - Era Jimin? Ela não conseguia ver além da nuvem de balões amarrada ao pulso dele e da
caixa grande de papelão com laço vermelho, com o nome dela escrito em letras grandes na lateral.

- O que é isso? - perguntou Sana, colocando as mãos entre os balões e os afastando o suficiente para ver o rosto do
amigo surgir entre eles. - Ji, o que você…
- Ah, eu sei, eu devia ter te ligado ou mandado mensagem, só que o Jin estava no meu pé o dia todo porque eu não
falei com os arquitetos e eu só consegui sair agora a pouco, não achei balões coloridos porque só tinha o que sobrou
do dia dos namorados então você precisa se contentar com balões de coração - ele tagarelou - Eu pedi pizza para o
jantar, então espero que você ainda não tenha comido nada.

- O Jungkook e a Jiayu estavam aqui, nós comemos bolo, mas tem um pouco guardado ainda - respondeu ela, em
seguida o puxou pela gravata mal ajustada. - Entra logo antes que alguém pense que é outro pedido de casamento.

Ele entrou, colocou a caixa com cuidado no chão ao lado da porta e desprendeu os balões do pulso, amarrando eles
em um abajur ao lado da porta.

Sana tentou não se sentir curiosa sobre o conteúdo da caixa. Era toda revestida com um papel de presente prateado e
havia seis furos grandes enfileirados dos dois lados.

Jimin ajeitou as roupas amassadas e olhou para ela. Sana não esperava que ele se lembraria, não pensou que ele
viria ou que se importaria em comprar um presente, não sabia ao certo como reagir a aquilo.

- Eu juro que queria ter te ligado, mas eu precisei buscar o seu presente - Ji disse, com um sorriso empolgado. Ele
parecia realmente entusiasmado. Ele se aproximou, segurou o rosto dela com firmeza e plantou um beijo estalado na
testa da mulher. - Feliz aniversário. Eu pensei em sairmos para jantar em algum lugar, mas como você odeia pessoas,
podemos ficar e assistir Naruto.

Ela riu. Ele era um bom amigo.

Havia, obviamente, aquela coisa dentro de seu coração que queria que ele fosse mais que isso, que queria que ele
não precisasse ir embora todas as noites.

Durante muito tempo sentiu inveja de Jisoo, teve raiva dela por ter buscado Jimin mesmo sabendo que Sana olhava
para ele todos os dias, ela não podia deixar de se sentir traída por isso, mas ele jamais soube.

Jimin nunca soube e jamais saberia, pois se ele não soubesse, ela ainda teria o suficiente dele para se sentir bem.

- Ótimo, me dê meu presente! - ela disse, se afastando dele alguns passos e estendendo as duas mãos com
entusiasmo.

- O seu maior presente sou eu, mas fui generoso e resolvi te dar um brinde - disse ele, empinando o nariz com pompa.
Ele recuou alguns passos e sorriu. - Feche os olhos e estenda as mãos.

Sana estreitou os olhos com desconfiança e ele revirou os próprios nas órbitas.

- Vamos lá, quais razões eu já te dei pra não confiar em mim? - Ji resmungou.

- Quer a lista em ordem alfabética ou cronológica? - replicou Sana.

- Eu ia dizer uma coisa, mas sou cavalheiro demais pra isso - retrucou ele - Feche os olhos.

Desta vez ela obedeceu. Ouviu atenta qualquer coisa que lhe desse uma dica do que poderia ser, mas tudo que
escutava eram os passos dele e o som da caixa sendo aberta.

Sana continuou com as mãos estendidas.

- Eu passei um mês inteiro pensando: o que eu poderia dar de presente para aquela peste? - Ji tagarelou,
provavelmente para abafar os ruídos de seu presente. - Você odeia quando eu compro roupas porque nunca são da
cor que você gosta ou eu não acerto no corte do decote. Se eu te dou brincos você reclama e diz que gastar com jóias
verdadeiras é algo estúpido. E se eu te compro flores você diz que não somos namorados então isso é estranho…

Ela sentiu a mão dele pegar a sua estendida. Jimin alisou seus dedos com o polegar, deslizou pelas unhas mal
pintadas e enroscou nas pulseiras dela por fim, antes de puxar a mão da mulher até algo macio.
Sana estremeceu ao primeiro contato, até perceber que parecia um cobertor, peludinho e macio.

Franziu a testa. Um cobertor? Jimin tinha lhe comprado um cobertor?

Mas então, o cobertor latiu.

Ela abriu os olhos com um susto repentino.

- Oh meu Deus! - Ela cobriu a boca com as duas mãos, olhando para ele com total incredulidade. Jimin mordeu o lábio
tentando conter seu sorriso de completa felicidade e Sana voltou a olhar o pequeno cão em seus braços.

O filhote tinha um laço azul amarrado em volta do pescoço e parecia determinado a arrancar o adorno vergonhoso, era
pequeno, peludo e extremamente perfeito.

Sana não hesitou em tomá-lo com pressa dos braços do homem. Ele tinha um cheirinho bom e ela o aproximou do
nariz e respirou fundo, o abraçando com todo o cuidado e com medo que fosse machucá-lo com o menor dos apertos.

Jimin riu.

- Ele é perfeito, estou apaixonada! - Sana fez um biquinho, fechando os olhos e encostando a bochecha na cabeça do
filhote.

- Você vive reclamando que aqui é silencioso demais a noite, problema resolvido! - Ji esfregou os dedos entre os pelos
loiros do cachorro.

- Ele é a coisinha mais linda desse mundo inteiro. - Ela beijou, enterrou o nariz entre os pelos que cheiravam a
morango e quase derrete de amor quando o cão lambeu seu rosto em resposta. - Qual o nome dele?

- Ele ainda não tem um nome, você pode escolher o que quiser. - Ji cruzou os braços, com um suspiro profundo. Sana
parecia tão alegre que ele sequer conseguia pensar em outra coisa que não fosse observar a cena.

Ela o ergueu, olhando nos olhos e esperando que de alguma forma, ele mesmo lhe dissesse o nome adequado.

- O que você acha que combina com ele? - ela perguntou.

- Eu colocaria algum nome de comida, mas eu sei que você gosta de personagens de anime e quadrinhos - Ji
respondeu.

- Então vai ser Sasuke - ela nem pensou, como se já tivesse o nome em mente antes mesmo de descobrir que Ji lhe
traria o animal.

Ele fez uma careta.

- Ah, fala sério! Ele é um Golden, Sana! Ele é loiro, se for pra ser, que seja ‘Naruto’ - ele protestou.

- Aigoo! Você sabe que Sasuke é meu preferido, você disse que eu poderia escolher! - Ela lhe mostrou a língua. - Vai
ser Sasuke e pronto. O filho é meu.

Jimin riu. Ela o segurou pela gravata e o puxou até que estivesse inclinado em uma altura em que a mulher não
precisou se esforçar para beijar sua bochecha.

- Obrigada, Ji, foi o melhor presente de toda a minha vida - ela disse.

Jimin olhou em seus olhos e soube que era verdade. Ele sorriu e mais uma vez, se viu tão perdido no momento que
por um instante esqueceu que ela estava o olhando. Até Sana desviar o olhar com agilidade e limpar a garganta
enquanto andava em direção a cozinha.

- Você quer bolo? - ela ofereceu.


- Depois da pizza - respondeu ele, dando tapinhas na própria bochecha.

Não devia ser nada demais”

Sana apertava o pano contra a mão. Seus olhos estavam úmidos e ela temia por tantas coisas que não seria capaz de
descrever tudo.

Jackson não foi uma surpresa ou decepção, não podia dizer que tinha sido enganada se ela sabia o tempo todo que
estava sendo usada como uma máscara para a sexualidade dele.

Mas Sasuke… ele era mais do que apenas um cão, tinha sido seu maior companheiro nos últimos três anos e ela
sequer conseguia pensar em perdê-lo.

- Me deixa ver isso. - Jimin se ajoelhou diante dela. Tudo que aconteceu ainda era apenas um vulto em sua mente, a
mulher ainda estava sentada no banheiro e com os olhos cheios de lágrimas não derramadas. - Ele vai ficar bem
Sana, o Dr. Yang é o melhor veterinário de Seul.

- Eu quero ir e ficar com ele. - Sana não resistiu, deixou que Ji pegasse sua mão e afastasse o pano sujo para ver a
marca de mordida. O sangue tinha parado de correr, mas ainda latejava.

- Agora não tem nada que possa fazer, o doutor vai me ligar quando Sasuke estiver melhor e aí podemos ir -
respondeu ele.

- A Mi Sun…

- Deixei ela assistindo um filme na sala, me deixa cuidar de você agora - o homem pediu. Ele ergueu a cabeça, olhou
nos olhos úmidos dela. Sana pressionou os lábios. Não queria chorar, não queria demonstrar qualquer gota daquilo
que estava se agitando dentro dela. - Sana… me deixa cuidar de você agora.

Ele repetiu, mas sua voz demonstrava que não estava falando da mesma coisa que na primeira vez. Ela respirou
fundo.

Ela nunca pensou que qualquer homem pudesse olhar em seus olhos sem estar pensando em usar seu corpo para
satisfazer as próprias vontades. Cuidado, conforto e ternura de um relacionamento cuja única base fosse amizade
parecia uma simples fantasia, algo que ela jamais teria.

Seus pais e seu irmão costumavam falar que ela não era o tipo de mulher que um homem decente iria querer para
casamento, filhos ou qualquer coisa que exigisse compromisso. As pessoas sempre faziam o possível para afirmar
que ela era uma mulher que só servia por uma noite.

E Sana sempre acreditou nisso.

Mas ela conhecia Jimin, e sabia que quando a olhava era tudo isso que passava em sua mente, um futuro onde ela foi
criada para acreditar que não se encaixaria.

- Você estava certo sobre o Jackson, já pode dizer “eu te avisei” - ela disse.

- Não queria dizer isso, queria que você pulasse fora antes do idiota te magoar. - Ji olhou a mão dela e fez uma careta.
Não precisaria de pontos, mas precisava limpar para evitar uma infecção.

- Eu não amava ele, então não estou magoada. - Sana fungou. - Você sabe que eu amo você, não é como se isso já
tivesse sido segredo alguma vez. Mas para ser sincera eu não queria.

Jimin, por um breve segundo, estremeceu e olhou para o kit de primeiros socorros que estava apoiado no chão, sua
mente apagou por um tempo e ele sequer conseguiu falar.

- É tão ruim assim amar alguém como eu? - Ele pegou um pouco de gaze e soro.
- Você amava a Jisoo. - Sana abaixou a cabeça.

- Isso foi há três anos. No entanto você continua usando como desculpa. - Ele pressionou a gaze molhada com soro e
sentiu ela estremecer com o toque frio.

- Pode me culpar por acreditar que eu era um tapa buraco? - ela indagou.

- Não. Mas você me conhece melhor do que qualquer pessoa no mundo, basta olhar nos meus olhos de verdade e vai
saber que você não está substituindo ninguém. - Ele ergueu a cabeça. Sana buscou os olhos dele com os seus. - Não
tem como substituir alguém em um espaço que sempre foi seu.

- Você me ama? - ela perguntou.

Ele sorriu.

- Você me conhece, me diga você, Sana, eu te amo? - Ji limpou cada marca na mão dela com total paciência e em
seguida a olhou nos olhos. Ela normalmente lia seus sentimentos em seu rosto antes que ele mesmo pudesse saber
deles.

Ela sabia que sim. Sana sabia há um bom tempo, talvez tivesse percebido antes do retorno de Jisoo, mas então a
noiva de Jennie apareceu e colocou tudo a prova. Foi como se tudo desabasse e então qualquer certeza sumiu, ela
não sabia mais o que pensar a respeito.

- Eu amo você - ele disse, sem desviar o olhar. - Se você duvida disso ainda, vou continuar dizendo até que acredite.

Sana piscou, as lágrimas caíram em suas bochechas e ela riu, no intuito de disfarçar o choro.

- Eu não sei o que dizer agora - ela sussurrou.

- Não diga nada, me deixe limpar isso e depois vamos até a clínica ver o Sasuke - Ji disse, se concentrando na mão
dela.

- Ji? - ela chamou.

Ele ergueu a cabeça para olhar para ela, Sana o segurou pela gravata desajustada, como tinha feito tantas outras
vezes para lhe beijar a bochecha, mas ao invés disso, o guiou até seis lábios.

O beijo dela encaixou-se com o seu, como se fosse feito sob medida, e talvez fosse mesmo. Parecia bom demais para
ele nunca ter provado antes e ele não queria sair dali nunca mais.

❁❁❁

Já era manhã.

Ele sabia pela claridade irritante que estava incomodando seus olhos sob as pálpebras e também pelo barulho da
vizinhança. Crianças gritando, adultos gritando, cachorros latindo, pássaros gritando.

Taehyung acreditou que todos estavam tentando se vingar dele pela noite anterior e não deixou de abrir um sorrisinho
satisfeito com aquilo.

A lembrança foi a primeira coisa que o atingiu quando despertou, ainda de olhos fechados, deixando sua mente reviver
todas aquelas boas memórias, que eram tão vívidas a ponto de fazer sua pele se arrepiar.

Ele sentia uma dor chata na lombar e seus músculos estavam doloridos, mas nada insuportável ou incomodativo,
apenas um pouco de desconforto que provavelmente passaria assim que ele tomasse um banho quente.

Esticou a mão e apalpou a cama ao seu lado, os lençóis frios e vazios. Suspirou profundamente.

Ele sabia que Jungkook não podia deixar de trabalhar apenas porque ele queria ter acordado ao seu lado, mas não
deixou de sentir uma pontada de decepção por não encontrar o moreno enroscado com ele naquela cama.

Lhe serviu a memória um pouco falha do moreno lhe beijando a testa e sussurrando um “continue descansando” antes
de se levantar e sair. Taehyung ouviu quando ele bateu a porta, mas dormiu em seguida e sequer chegou a ouvir o
motor do carro roncar.

Ninguém podia lhe culpar por estar tão cansado.

Ele abriu os olhos devagar.

O travesseiro amassado ao seu lado abrigava uma post-it rosa e ele mordeu o lábio para conter o sorriso antes
mesmo de pegar o bilhete.

Esfregou os olhos para ajustar a visão e leu lentamente as palavras rabiscadas ali.

Me desculpe pelo que eu disse ontem, não foi minha intenção, espero que isso não mude as coisas entre nós.
Eu precisei ir a Busan ver meus pais, volto em alguns dias.
Se precisar de qualquer coisa me ligue.

As sobrancelhas de Taehyung se uniram ligeiramente. Ele releu o bilhete. Uma, duas, três vezes seguidas. Ou sua
cabeça já estava começando a caducar ou Jungkook não estava fazendo sentido nenhum.

O que ele tinha dito?

Taehyung não conseguia se lembrar de qualquer coisa dita que pudesse ser levada como ofensa ou coisa do tipo.
Houveram muitas palavras sujas, mas nada que ele mesmo não tivesse dito também.

Busan?

Jungkook tinha lhe dito que iria visitar a família, mas por qual motivo fazer isso justamente agora? Por que tinha
partido sem um aviso prévio ou qualquer diálogo a respeito?

Taehyung colocou a mão sobre a testa e esfregou, tentando juntar as peças que definitivamente não se encaixavam.

Ele ia ligar para Jungkook. Ele não podia pensar que ia jogar algo daquele tipo sobre Taehyung sem mais nem menos
depois de literalmente foder com ele na noite anterior.

Se virou bruscamente, querendo buscar o celular na mesa de cabeceira, mas se lembrou que o aparelho ainda estava
na sala.

Foi quando encarou o relógio digital na mesa de cabeceira e arregalou os olhos, se sentando rapidamente na cama.
Já era por volta de meio dia e quarenta.

- Merda! - ele gritou, se arrastando para fora da cama.

Assim que pisou no chão, sentiu o joelho falhar e não pode impedir seu corpo de se chocar contra o assoalho frio com
força, levando uma quantia considerável de lençóis e cobertores que conseguiram amortecer um pouco do impacto.

- Mas que porra! - Taehyung resmungou, se apoiando sobre os antebraços e olhando em volta. Suas roupas estavam
dobradas e empilhadas sobre a cadeira no canto do quarto. Jungkook e seu TOC incontrolável.

Kim ficou um tempo no chão. Era humilhante, mas ele não conseguia sentir suas pernas. Estavam dormentes e um
pouco doloridas e isso ele só percebeu depois de pisar no chão e desabar como uma fruta podre.

Ele respirou fundo.

Sentiu uma fisgada no ombro quando se esforçou para levantar. Primeiro ficou de joelhos e em seguida se levantou
muito lentamente. A coluna protestou e ele se sentiu um idoso.
Não seria sempre desse jeito, certo? Em algum momento seu corpo teria que se acostumar.

Taehyung se enrolou em um lençol e o arrastou consigo até a porta, ignorando totalmente as roupas sobre a cadeira.
Abriu a porta e olhou para fora. A casa estava silenciosa e completamente vazia, mas mesmo assim, ele correu
apressado até seu quarto do outro lado do corredor, como se magicamente alguém fosse surgir e acusá-lo por algo
que ele obviamente tinha feito.

Bateu a porta, trancou e jogou o lençol sobre a própria cama antes de correr para o banheiro em busca do chuveiro.

Assim que sentiu a água quente cair sobre seus músculos, foi como se cada um deles estivesse sendo anestesiado,
como ele previu. Chegou a suspirar com alívio.

Foi só então que ele caiu em si sobre o fato do que tinha feito na noite anterior. E sorriu, um pouco constrangido com a
imagem em sua mente. De como tinha ficado patético implorando para que Jeon fizesse aquilo com ele, como podia
ter perdido totalmente sua dignidade enquanto chorava de prazer.

Mas não se importava, porque aquela tinha sido uma das melhores noites de sua vida.

Ele desligou o chuveiro depois de se sentir finalmente limpo e suspirou, puxando uma toalha que estava ali e
começando a se secar. Seu corpo inteiro. Jungkook tinha beijado o corpo inteiro.

Taehyung olhou para baixo, encontrando algumas manchas na pele, arroxeadas em suas coxas. Ele riu. Quando era
adolescente achava ridículo ver pessoas andando por aí e exibindo manchas iguais aquelas como se fossem um
troféu, agora ele entendia.

Se aproximou do espelho embaçado e o limpou para poder olhar o próprio reflexo.

Bochechas bem coradas, cabelos molhados e chupões descarados pela garganta. Uma ou duas manchas grandes no
pescoço e duas maiores sobre a extensão da cicatriz em seu ombro.

Taehyung tocou o local cuidadosamente, sem saber se doía, mas não sentiu nada e apalpou. Seus lábios se curvaram
em um sorriso que ocupou seu rosto inteiro. Ele mordeu o lábio e continuou encarando o próprio reflexo.

Várias vezes pela manhã tinha olhado e tocado aquela cicatriz com certa repulsa. Tinha várias, mas aquela era de
longe a mais feia. A linha irregular costurada por um médico que tinha pressa em fazer aquilo parecia saída direto de
um filme de ficção científica.

“Mas essa é minha preferida”

Jungkook sempre fazia questão de beijá-lo bem ali. E de repente, Taehyung já não a achava assim tão insuportável.
Agora amava tê-la ali apenas porque sabia que Jungkook a beijaria de forma lânguida todos os dias.

Todos os dias.

Era o que ele esperava dali em diante.

Ele sacudiu a cabeça, saindo de seus pensamentos e se lembrando de que precisava buscar Mi Sun. Sana
provavelmente já deveria estar subindo pelas paredes.

Enquanto se vestia, Taehyung ouviu a campainha.

Não que ele fosse amargo a ponto de se irritar com aquilo, mas receber visitas estava longe de sua vontade. Ele só
queria buscar sua filha o quanto antes tirar um tempo para falar com o pai dela sobre bilhetinhos mal explicados.

- Já vai! - ele gritou, mesmo que soubesse que dificilmente a pessoa na porta o ouviria. Se apressou e andou pelo
corredor o mais rápido que aquela dorzinha chata lhe permitia, ainda deslizando a camiseta branca e a ajustando no
corpo.
Taehyung abriu a porta sem se importar em checar quem era primeiro, seus olhos demoraram para se acostumar com
toda a claridade que vinha da rua e finalmente discernir a imagem do homem na sua porta.

- Eu prometi a mim mesmo que não faria piada, mas você não facilita - Jimin disse, com um sorrisinho pervertido. Ele
segurava Mi Sun com um único braço e a mochila de joaninha na outra mão, a garotinha estava tão adormecida contra
o ombro dele que mal parecia notar as coisas à sua volta. - Você dormiu com o Jungkook ou em um lago de
sanguessugas?

Taehyung revirou os olhos, se aproximando para verificar se a filha realmente estava dormindo. A julgar pela forma
como estava apagada, provavelmente não estava voltando da escola.

- Eu não deixei ela na casa da Sana? - Taehyung tentou tirá-la dos braços de Ji, mas ele recuou e em seguida passou
por ele para entrar na casa.

- Eu coloco ela na cama e você faz café, acho que nós dois temos muita fofoca pra por em dia. - Ji se afastou pelo
corredor, não deixou de espiar dentro do quarto de Jungkook e imaginou que toda aquela bagunça deixaria o homem
uma pilha de nervos se Taehyung não trocasse os lençóis e deixasse tudo organizado.

Chutou a porta do quarto da garota e entrou com pressa. Mi Sun nem tinha se movido, provavelmente tinha babado
em seu ombro, mas ele não se importou.

Jogou a mochila em um canto qualquer e a levou até a cama.

Com o máximo de cuidado que conseguiu, tentando fazer o possível para não acordá-la, Jimin a colocou na cama,
ajeitando o travesseiro debaixo da cabeça da menina e tirando o cabelo bagunçado do rosto.

Ela se remexeu, abrindo levemente os olhinhos.

- Tio Ji, o Sasuke vai ficar bem? - murmurou de forma tão desconexa que o fez lembrar que ela estava sem o
aparelho, a tempo de erguer as mãos e responder, apesar de não saber se ela estava realmente vendo o seu sinal de
“sim”.

Mi Sun assentiu.

Ela estava ocupada demais no mundo dos sonhos, não queria resistir a aquela sonolência e peso em todo seu
corpinho cansado, por isso desistiu de pensar em Sasuke, Ji, Sana ou em seus pais.

Jimin sorriu, vendo ela fechar os olhos novamente enquanto tirava os sapatos de seus pés e os colocava
delicadamente no chão ao lado da cama.

Ele segurou a mão dela, levando a boca e beijando os pequenos dedos gordinhos com unhas coloridas de amarelo,
em seguida se levantou e saiu, fechando a porta devagar e decidindo que era hora de infernizar seu melhor amigo.

- Você vai ficar de bico calado! - Taehyung ameaçou assim que ele pisou na cozinha. O homem estava de braços
cruzados, tentando impor o máximo de respeito que era possível com seu olhar intimidador.

Jimin deu de ombros.

Ele ficou em silêncio. Por cerca de trinta segundos enquanto vasculhava as latas de metal sobre a mesa em busca de
algum biscoito. Pareceu mesmo que deixaria o assunto passar, por um instante o som dele abrindo as latas e a
cafeteira funcionando a todo vapor foram tudo que se pode ouvir.

Quando Ji encontrou um cookie quebrado pela metade, se deu por satisfeito e mordeu um pedaço, se encostando na
parede e cruzando os braços.

- Então você deu pra ele e nem pensou em esconder as provas? - Ji sacudiu as sobrancelhas. Taehyung estreitou os
olhos, se perguntando se valia a pena perder seu réu primário com ele. - Qual é, eu não tenho como zoar você desde
a escola, faça seu amigo feliz!
Taehyung riu. Em outros tempos ficaria completamente irritado com a impertinência do amigo, mas seu humor estava
bom demais para se irritar.

Ele olhou em volta. A cozinha estava limpa, Jungkook insistiu que limpassem tudo antes de irem assistir ao filme.
Havia uma xícara limpa no secador de louças e um saquinho de chá na lixeira. Jeon acordou cedo e provavelmente
estava com pressa demais para fazer café.

- Devo fazer meu papel de soulmate e perguntar se ele foi gentil com você ou preciso dar uns tapas naquele
brutamontes? - perguntou Jimin, puxando uma das cadeiras e se sentando.

Taehyung revirou os olhos, enquanto buscava duas xícaras no armário.

- Eu tenho trinta anos, sobrevivi a uma guerra e um divórcio, eu não sou de porcelana, Ji. - Taehyung colocou a xícara
de girafa em frente ao amigo e deixou uma que dizia ‘I Love New York’ para si mesmo.

- Mas você nunca tinha feito sexo com um homem, deve ter ficado no mínimo perdido no começo - disse Park.

Taehyung pegou a jarra da cafeteira e veio até a mesa assim que ela apitou indicando que estava pronto. Serviu uma
quantia generosa para Ji e em seguida para si mesmo.

- Eu pesquisei na internet. - Taehyung deu de ombros, soprando dentro da xícara. - Eu tenho certeza que a Mi Sun
estava na casa da Sana e pensei que vocês não estavam mais se falando.

- O Sasuke está doente. Ele pegou uma intoxicação alimentar, ainda estão tentando descobrir o que ele comeu.
Estava com muita dor e a Sana foi mexer nele e acabou levando uma mordida feia - Ji explicou.

Taehyung fez uma careta.

- Que merda, ela está bem? - perguntou o loiro. Ji assentiu.

- Eu a deixei dormindo e decidi trazer a Mi Sun, nós meio que passamos a noite toda no veterinário e a Mi Sun se
recusou a dormir até o médico vir dizer que o Sasuke vai ficar bem - disse o homem.

Taehyung sorriu sugestivamente.

- Então ela ligou pra você, ein? - Kim apoiou a bochecha na palma da mão.

Ji sorriu.

- Nós conversamos. Eu acho que vamos ficar bem - disse ele - É como se as coisas estivessem mais claras agora.

- Fico feliz por você. Só meça suas palavras de agora em diante - Kim disse, distraído.

Jimin o analisou. Taehyung parecia preso em uma bolha de completa satisfação e alegria da qual ele não se arriscaria
a arrancá-lo. Seu rosto corado, as marcas no pescoço, o sorriso persistente que estava em seus lábios e de vez em
quando se alargava um pouco mais enquanto ele refletia em silêncio.

Ele entendia. Não podia julgar seu amigo.

- Você está feliz. - Jimin costumava perguntar aquilo, quase que diariamente, quando Taehyung retornou na guerra.
Sempre uma pergunta que não tinha resposta exata, Taehyung normalmente falava “estou com Mi Sun agora” ou
“estou melhorando, não se preocupe”. Desta vez, Park não fez a pergunta, mas afirmou algo que estava cada vez
mais explícito.

Taehyung suspirou, soprou o café mais uma vez e olhou para o melhor amigo com uma risadinha nervosa.

- Sim - ele afirmou - Eu estou feliz, Ji.


Jimin sorriu ainda mais.

- Você pode me achar um idiota, mas eu pensei que nunca mais fosse querer de fato viver. Logo que voltei da guerra
as coisas estavam tão ruins, tão pesadas que tudo parecia sem sentido e triste. - Taehyung segurou a xícara com as
duas mãos, para sentir o calor contra as palmas. - Eu abria os olhos todas as manhãs e pensava: oh, eu estou vivo,
vamos ver o que fazer com isso.

Taehyung engoliu seco.

- Há um tempo, não sei quando exatamente, eu comecei a abrir meus olhos e o meu primeiro pensamento era ver a Mi
Sun e o Jungkook antes que eles saíssem porque aquilo tinha se tornado o único ponto do meu dia em que eu sentia
uma ponta de normalidade e alegria. - Ji ouvia o amigo atentamente, Taehyung esperou que ele assentisse para
continuar: - Então mais recentemente eu comecei a acordar e pensar: mais um dia com eles, isso deve ser o paraíso.

Taehyung sorriu, singelo.

- Eu pensei em acabar com a minha vida tantas vezes logo que voltei que você ficaria surpreso se eu falasse, e isso
era um pensamento tão frequente e comum que chegava a ser assustador. - Ele passou a mão pelas bochechas.
Estava chorando, o que não deveria estar acontecendo. Não queria preocupar Ji com aquilo, mas foi inevitável. - No
começo era só pela Mi Sun. Era só ela, Ji, a cada dia. Quando eu acordava, quando eu me deitava para dormir, a
cada maldito segundo dos meus dias eu me mantinha vivo pensando em como ela ficaria se eu morresse. Cheguei a
sentir raiva da Jiayu por me tirar esse direito.

Jimin sentia um nó se formar na garganta. Taehyung não lhe olhava nos olhos, o que era bom, seu amigo não veria
que ele também estava chorando se não o olhasse.

- E eu não queria viver assim. Mas aí o Jungkook me levou para ver o sol nascer. - Taehyung riu em meio as lágrimas.
- E eu entendi naquele dia o que o Jaeyun estava tentando me dizer em todas as minhas consultas. Cada dia é uma
nova chance. Não um fardo, não mais uma oportunidade de fracassar, mas mais 24 horas para buscar as melhores
partes, para me dedicar a ser melhor não só pelos outros mas por mim mesmo.

Taehyung olhou para ele. Os olhos úmidos de seu amigo bastaram para que todas as lágrimas acumuladas corressem
em suas bochechas como uma chuva necessária sobre a sequidão que havia dentro dele.

- Se as pessoas apenas parassem por cinco segundos para pensar sobre quanto tempo perdemos pensando sobre as
coisas ruins da vida, veriam que a maior dádiva é ter essa nova chance de fazer as coisas melhorarem. Todos os dias
temos a chance de começar do zero - Taehyung falou - O sofrimento não pode ser ignorado, mas não podia me tornar
escravo dele. Se hoje não for um bom dia, amanhã eu tento de novo. Se hoje eu me senti meio triste, amanhã vou
buscar algo que me faça sorrir. Quando o dia termina, tudo que ele trouxe acaba com ele, vira passado e o passado
não deve nos acompanhar no amanhã.

Jimin sorriu.

- Eu rezei todos os dias para que você pudesse ser feliz de novo, Taehyung - disse Park - E eu nem sou religioso.

Taehyung riu entre as lágrimas.

- Eu acho que funcionou. - Taehyung assentiu, limpando os olhos.

- Você ama ele? - Jimin perguntou. Foi repentino, como um tiro inesperado o atingindo em cheio no peito. Lhe roubou
o ar e um pouco de seu raciocínio.

Taehyung parou, com a xícara entre as mãos e olhou no próprio reflexo formado no café dentro dela.

Jeon Jungkook. Aquele nome, a primeira vez que o ouviu lhe causou raiva, ressentimento e ciúme. Ele achou que
deveria odiá-lo, que talvez seria considerado um idiota se permitisse qualquer aproximação com o homem que tinha o
substituído em sua família.
Taehyung não se esquecia da sensação de vê-lo pela primeira vez. Se sentiu intimidado e um pouco quebrado.

Não foi da noite para o dia. Não houve um momento surpreendente em que ele deixou de sentir aquela aversão e
passou a se apaixonar por ele. Taehyung acreditava que tinha começado na noite em que jogaram banco imobiliário
na sala até tarde ou quando ficou bêbado e Jungkook o levou para a praia.

Havia um ponto de partida, mas foi uma longa caminhada até aquele momento.

O momento exato em que Taehyung soube que Jungkook não era mais somente o cara que chegou em sua vida por
acaso e ficou por Mi Sun.

Taehyung soube no dia seguinte à noite que o beijou pela primeira vez. Aquele beijo impulsivo e impensado foi como
um teste, ele precisava saber se era realmente o tipo de afeição que estava pensando.

E quando disse a Jungkook para esquecer aquilo e se afastar, o fez porque quando olhou em seus olhos naquela
tarde, Kim Taehyung teve certeza de que o amava. A ponto de implorar que ele se afastasse para não machucá-lo.

- Eu amo. - Taehyung sorriu ao admitir. - Eu amo Jungkook e é a melhor sensação que eu provei em anos. É como
andar em uma corda bamba, empolgante, arriscado e imprudente. Mas eu amo mais do que posso descrever com
palavras.

Jimin sorriu, satisfeito com a resposta.

- E você disse isso a ele? - perguntou. Taehyung negou.

- Eu ia dizer ontem, mas não queria que ele pensasse que foi por impulso por termos transado. Isso é importante pra
ele, quero que Jungkook saiba, mas que tenha certeza de que estou sóbrio e completamente certo do que estou
dizendo - Taehyung respondeu - Eu ia dizer quando ele voltasse da escola hoje, mas pelo visto ele decidiu me deixar
algum código e viajar a Busan sem me avisar.

- Busan? - Ji franziu a testa.

- Eu estou preocupado. Ele me deixou um bilhete se desculpando pelo que disse ontem e dizendo que espera que isso
não mude as coisas entre nós e que precisou ir a Busan ver os pais, que voltaria em alguns dias. - O loiro deu de
ombros.

Jimin respirou fundo.

- Ele disse algo ofensivo? Enquanto estavam juntos, ele disse algo que você não gostou? - perguntou Park.

Taehyung negou.

- Eu vou ligar para ele. Será que ele foi sem avisar porque eu fiz alguma coisa errada? - Taehyung franziu a testa,
mordendo o lábio com preocupação.

- E se houve algo com os pais dele? - Ji sugeriu. - Pode ser alguma emergência familiar, talvez não tenha nada a ver
com você. Ligue para ele e pergunte, se tem alguma dúvida.

Taehyung levou o dedo até a boca, prendendo a unha entre os dentes e respirando fundo. Ele não tinha pensado por
esse lado. Se algo aconteceu em Busan que exigiu sua presença.

Precisava ligar para ele o quanto antes.

- Eu preciso achar meu celular. - Taehyung se levantou.

- Perdeu o celular, a cabeça e a virgindade da bunda ontem, Taehyung, que garoto desajuizado! - Ji estalou a língua.

- Vai se foder, Jimin! - Taehyung gritou.


❁❁❁

- Você normalmente liga antes de vir, se está aqui agora sem nenhum aviso, deve ter se dado mal em alguma coisa. -
Sua mãe, delicada como sempre, colocou a xícara de porcelana com desenhos de borboletas azuis, diante dele e
empurrou um prato com seu bolo preferido.

Jungkook não queria ter feito aquilo, se sentia um covarde, mas foi inevitável.

Taehyung já teve um grande avanço se permitindo passar a noite com ele, ter dito que o amava provavelmente jogou
o loiro em seu estado de reflexão profunda mais uma vez.

Ele teve medo que Taehyung o acordasse com um discurso sobre não sentir o mesmo, sobre não poder corresponder
e pensou que seu coração não aguentaria ouvir coisas daquele tipo.

Então, Jungkook fugiu. Para o único lugar onde podia se esconder.

- Eu só estava com saudade, queria ver vocês. - Ele segurou a alça da xícara da forma mais delicada possível e levou
até a boca.

- E com quem você deixou a menina? Não me diga que deixou a criança com algum estranho, você não pode ser tão
irresponsável a ponto de não trazer sua filha. - Hawi era uma mulher indelicada, isso às vezes irritava, mas era sua
mãe, portanto Jungkook sempre relevava o que ela dizia.

- Ela está com o outro pai, omma, não se preocupe. - Jungkook suspirou.

- Oh, o tal ex-marido da Jiayu voltou da guerra, por isso você veio? - A mulher suavizou um pouco o tom de voz. - Ele
é ruim para você?

- Taehyung é a melhor pessoa que eu conheci em anos, se quer saber, você amaria ele. - Jungkook olhou para o bolo,
mas não sentiu vontade alguma de comer.

Hawi analisou o filho. Jungkook já era homem e apesar de a maioria de suas escolhas serem estúpidas ao ver dela, o
conhecia como ninguém. Ela sabia o olhar de um garotinho de coração partido, o viu no rosto do filho tantas vezes que
não era capaz de contar.

- Ah, já entendi. - Ela pigarreou.

- Não faça o discurso de sempre sobre não ser natural gostar de homens, omma, com todo o respeito, essa é a última
coisa que eu quero ouvir - disse Jungkook, um pouco rude demais.

- Eu já superei isso, seu pai e eu chegamos ao consenso de que não temos poder de escolha sobre essa questão na
sua vida. Mas isso deve estar sendo complicado. - Ela o observou com atenção. Jungkook riu. - Ele não corresponde
seus sentimentos?

- Eu passei a noite com ele ontem. - Jungkook não se importava de ser direto, sua mãe nunca usou filtros com ele
para nada e não havia uma coisa que ele não fosse capaz de lhe dizer com total clareza. A mulher apenas engoliu
seco, um pouco constrangida. - Foi a primeira vez. Eu disse que o amava e fiquei com medo da reação dele hoje de
manhã, por isso levantei e peguei o primeiro trem para Busan.

Ela não disse nada. Ele esperou pelo discurso que o faria se sentir ainda pior, no entanto, sua mãe não fez o que já
era costume.

- Não é pior estar aqui com essa dúvida no peito? - Hawi perguntou. Jungkook a olhou. O olhar severo e expressão
quase agressiva, a tornavam um pouco intimidadoras, mas ele ainda conseguia ver os traços da maternidade que
tornavam a situação mais amena. - Eu não sei o que aconteceu entre vocês, mas você só está adiando uma conversa
por um medo bobo, precisa parar com isso.

- Mãe…
- Você nunca entende, não é? - ela interrompeu - Toda a vida você fica fugindo, meu filho, isso é desgastante e só te
machuca. Você corria dos garotos que te batiam na escola e nunca os enfrentava, mas mesmo que corresse eles
sempre te alcançavam. Tem certas coisas das quais não podemos fugir, por mais que tentemos, e se você correr só
vai adiar o inevitável. Talvez se você enfrentar as coisas ao invés de correr, consiga vencer algumas batalhas.

Ela deu tapinhas na mão dele.

- Você, tem passado os últimos anos contrariando a mim e seu pai em tudo, e é admirável a forma como defende suas
convicções para nós, mas e quanto ao resto do mundo, JK? - disse Hawi - Você tem duas únicas possibilidades, pode
estar adiando um coração partido ou adiando uma declaração de amor, mas não é menos doloroso enfrentar isso de
uma vez?

- Eu tenho uma filha - Jungkook sussurrou - Não posso deixar o que Taehyung e eu temos afetá-la.

- Sua filha vai ficar bem, independente do desfecho desse seu drama, mas pare de inventar desculpas. - Hawi sorriu. -
Você não está com medo que ele diga que não te ama, está com medo do contrário. Por que nós sabemos, Jungkook,
dá pra sentir quando alguém te ama.

Jungkook apoiou os cotovelos na mesa e escondeu o rosto entre as mãos. Odiava chorar na frente de sua mãe,
parecia que voltava a época de infância quando ela lhe mandava enxugar as lágrimas e ser forte.

Ele fungou.

- Ser amado é assustador, não vou mentir para você. É apavorante pensar que existe alguém que pode querer passar
o resto da vida ao seu lado, todos aqueles anos chatos da velhice e criar memórias que vão te seguir até seu túmulo. -
Hawi engoliu o nó que estava se formando na garganta ao ver Jungkook chorar como um garotinho. - Mas também é
libertador. Quando você finalmente deixa de resistir, quando seu coração está entregue, você consegue olhar nos
olhos dele e entender que esse é o maior sentido da vida. O amor.

Ele esfregou os olhos com a manga da blusa.

- Está dizendo para eu voltar para um homem? Quem é você e o que fez com a minha mãe? - Ele riu, tentando aliviar
a tensão.

- Estou dizendo para voltar para a pessoa que você ama. - Ela deu de ombros. - Não preciso que me diga que eu sou
uma péssima mãe, eu sei disso, eu sempre soube e convivo com todos esses arrependimentos, mas eu amo você. E
como amo você, quero que você esteja bem e que esteja feliz independente se suas escolhas vão de acordo com
aquilo que eu acredito ou não.

O celular de Jungkook se acendeu. Estava sobre a mesa, então ele não foi o único a ver o nome que estava na tela
enquanto o aparelho vibrava.

Hawi respirou fundo e se levantou.

- Seja corajoso, Jungkook - ela disse.

Ele pegou o celular. Estava com medo, não podia negar. Mas não queria mais fugir.

- Alô? - Ele atendeu.

- Você não estava lá quando eu acordei - Taehyung disse, do outro lado da linha. - Eu sabia que não estaria, mas
pensei que te veria no fim do dia. Aconteceu alguma coisa em Busan?

- Nada, eu só… queria ver meus pais. - Jungkook pigarreou, tentando disfarçar o choro na própria voz.

- O que você disse ontem? - Taehyung provavelmente estava andando de um lado a outro nervosamente. - Não
entendi seu bilhete.
Jungkook respirou fundo. Ele poderia desligar, poderia inventar uma desculpa ou apenas dizer para Taehyung
esquecer aquilo. Ele pensou em todas essas possibilidades, mas não conseguiria mais sustentar uma mentira já que
seus olhos denunciariam assim que Jungkook o visse novamente.

- Eu disse que amo você - respondeu, ouvindo a linha ficar praticamente muda. Taehyung tinha prendido a respiração.
- Disse que eu te amo, Kim Taehyung.

Ele encontrou o celular. Estava debaixo do sofá e ele sequer sabia como tinha ido parar ali, mas quando olhou para a
tela, com o número dele discado, sua mente ficou vazia.

Não ia dizer que o amava por telefone. Não, nem em um milhão de anos ele faria aquilo.

Taehyung sabia mais do que qualquer pessoa no mundo o quanto aquilo significava para Jungkook, e fazia com que
significasse muito para ele também. Queria olhar em seus olhos, queria ver e ter a certeza de que Jeon entendia
aquilo e acreditava.

- Ligue mais tarde. A essa hora provavelmente ele ainda não chegou a Busan - Jimin disse, vendo o olhar ansioso e
um pouco temeroso do amigo para o celular. - Pense bem no que vai dizer e depois ligue. Eu… vou para a casa da
Sana agora dormir um pouco, depois temos que ir a clínica veterinária ver o Sasuke. Pense sobre isso, Taehyung.

Ji se levantou, deu tapinhas no ombro do amigo e saiu sem esperar que o loiro o acompanhasse.

Taehyung respirou fundo e olhou para seu celular, saindo da tela de discagem para a tela principal. A foto que
ocupava seu papel de parede havia sido tirada no aniversário de Mi Sun. Os três ainda fantasiados, inclinados sobre o
bolo para soprar as velas.

Ele sorriu.

Ainda tinha medo. Muito medo do que aconteceria quando fossem ditas as palavras em voz alta, quando se tornasse
irreversível e Jungkook soubesse que já tinha seu coração na palma da mão. Porque uma parte dele ainda queria fugir
e se esconder onde era mais confortável, acreditar que aquele tipo de coisa não era para ele.

Taehyung bloqueou o celular e avançou em direção ao corredor.

As fotos de Jiayu ainda estavam penduradas nos quadros, ainda haviam todas as suas memórias cravadas nas
paredes da casa e em seu coração. No de Jungkook também, ele sabia muito bem.

Ele olhou as duas fotos onde ela estava vestida de noiva, em lados opostos do corredor, em uma delas segurava o
braço de Taehyung e na outra o de Jungkook.

Ela foi seu primeiro amor, foi a pessoa que por muito tempo o fez ter coragem e vontade de viver. Jiayu lhe ensinou a
amar, ela lhe deu um presente que Taehyung protegeria pelo resto da vida, a filha que era fruto do que tiveram.

Mas não era mais sobre ela.

Ele deu mais alguns passos lentos, as fotografias o chamavam a contemplar o passado, a buscar algum
arrependimento que o impedisse de confessar a Jungkook o que sentia, a deixar o homem que amava livre para não
se envolver na bagunça que Taehyung ainda tentava consertar.

Ele entrou no próprio quarto.

Estava ansioso e um pouco cansado, queria ligar para Jungkook, mas não sabia o que dizer quando ele atendesse.

Foi quando seus olhos avistaram as cartas empilhadas na mesa de cabeceira. Ele se lembrava de como tinha
pensado tantas vezes em simplesmente se livrar delas, daquelas palavras que Jungkook lhe disse antes de se
conhecerem.
Ele se aproximou da cama, se sentou nela e se reclinou para trás, ajeitando os travesseiros para ficar mais
confortável.

Deixou o celular ao seu lado e pegou as cartas amarradas com um barbante, soltou o laço e as espalhou pela cama.
Haviam nove ao todo, o que Taehyung considerava ser uma para cada mês após a morte de Jiayu.

Ele abriu a primeira.

“Caro senhor Kim,

Não sei como começar essa carta, para ser honesto, eu nunca pensei na vida que escreveria uma carta para alguém
em pleno o século XXI onde existe email e mensagem de texto.”

Taehyung riu. Ele definitivamente não teria começado com o pé esquerdo se tivesse lido aquilo antes, seria impossível
odiar Jungkook tendo uma pequena amostra de sua personalidade em um único parágrafo.

“Eu espero que a notícia não esteja chegando a você por essa carta, do contrário, me sentirei um tanto insensível pois
não sei como dar esse tipo de notícia.

Jiayu faleceu. Hoje completam duas semanas e eu passei esse tempo todo lhe procurando. Falei com alguns
superiores da época em que cumpri meu serviço militar e eles me disseram que a única forma de chegar ao senhor
seria por correspondências e isso nem é garantido.

A guarda de Mi Sun está comigo até que o senhor retorne, estou dando meu melhor e espero que não me odeie.

Eu entendo que não nos conhecemos e talvez o que você saiba de mim não seja suficiente para lhe permitir criar
qualquer sentimento positivo a meu respeito, mas peço que por favor entenda que eu nunca ao menos tentei substituí-
lo.

Devo pedir que retorne o quanto antes. Mi Sun precisa de você.

Com grande estima, Jeon Jungkook”

Taehyung suspirou.

- ‘Com grande estima’? Ele leu algum romance de época antes de escrever isso? - O loiro deu um risinho antes de
pegar a próxima carta.

“Caro senhor Kim,

Já faz um mês.

Não obtive uma resposta, por isso torno a escrever, não sei se recebeu minha carta anterior, mas peço que se tiver
recebido, por favor me responda.

Mi Sun me pergunta sobre você todos os dias, tem sido difícil explicar, não sei nada a seu respeito para despertar
qualquer memória dela, não sei ao certo o que dizer, então sempre que ela me pergunta, só consigo dizer que é um
bom homem e está defendendo pessoas que precisam de ajuda.

É a única certeza que tenho sobre você.

Não quero ser muito enfadonho, sei que deve estar ocupado demais para ler cartas, mas peço encarecidamente que
retorne a Coréia assim que possível.

Respeitosamente, Jeon Jungkook”

- Enfadonho. - Taehyung soltou o papel sobre a carta anterior e pegou a próxima.

“Caro senhor Kim,


Dois meses.

Eu espero que esteja vivo. Na verdade rezo por isso todas as noites.

Não sei o que fazer se não estiver. Sinto como se minha vida inteira estivesse em suas mãos e eu ainda nem o
conheço.

É uma sensação estranha, não?

Saber que há alguém que ainda não conhecemos, mas que tem o poder de influenciar nosso futuro no instante em
que nossos olhos se cruzarem. Parece um pouco melancólico, mas é como estou me sentindo.

Eu tenho pensado em como será quando o senhor retornar. Não sei se vai me querer longe, se vamos ser amigos ou
se vamos nos odiar profundamente.

O gato de Shroondinger, conhece?

Podemos nos odiar, podemos simpatizar um com o outro, não consigo sequer arriscar um palpite, mas acredito que
precise estar aqui para responder essa pergunta.

A caixa continua fechada, retorne a Coréia para que possamos abri-la.

Atenciosamente, Jeon Jungkook”

Taehyung sorriu, se sentindo um idiota.

Jungkook sempre pareceu aberto a uma amizade sincera desde o princípio, ele no entanto, chegou cheio de certezas
e pré julgamentos que o afastaram do moreno quando ele mais estava precisando.

O tempo todo, em que Taehyung estava querendo Jungkook fora de sua vida, Jeon estava declarando abertamente o
quanto o queria na sua.

O loiro engoliu seco e pegou a outra carta.

Um bilhete curto, uma folha rasgada pela metade.

“Caro senhor Kim,

Retorne à Coréia.

Tenha isso como uma súplica.

Eu preciso de você.

Desesperadamente, Jeon Jungkook”

Taehyung soltou o papel e respirou fundo, olhando em volta no quarto. Tudo estava muito silencioso, calmo, tranquilo.

Mesmo sabendo que estava em casa, mesmo sentindo o colchão sob si, ler aquilo o fazia ter a sensação de estar de
novo em meio as trincheiras cavadas às pressas. Ele quase podia sentir o gosto de sangue misturado com terra na
ponta da língua.

Ele fechou os olhos.

- Você está vivo, Taehyung - sussurrou para si mesmo. Ele apertou os dedos em volta do lençol. - Você. Está. Em.
Casa.

Depois de longos minutos, ele abriu os olhos. Estava suando frio, havia aquela sensação pegajosa em sua pele, ele
queria se livrar daquilo.
Pegou a última carta decidindo lê-la antes das outras.

Era um envelope amarelado, tinha mais carimbos que todas as outras e a letra de Jungkook no papel, parecia um
garrancho mais apressado.

Era a mais longa. Ocupava uma folha inteira.

Taehyung se surpreendeu, ao perceber, que em alguns cantos a tinta da caneta estava borrada por algumas gotas.
Lágrimas.

“Caro senhor Kim,

As pessoas costumam dizer que em um naufrágio é preciso manter a cabeça fora da água o tempo todo, até que
alguém consiga lhe socorrer. Se agarrar a qualquer coisa que mantenha seu nariz no alcance do ar.

Eu afundei.

Não consigo ver a superfície, essa é a sensação. De estar sufocando.

Não sei se está recebendo minhas cartas, começo a acreditar que não, e talvez seja essa a razão pela qual estou
tentando uma última vez.

Sem filtros, sem qualquer formalidade, esse sou eu. Eu e meus medos mais profundos e obscuros que tem tornado
minhas noites intermináveis.

Não sei as razões que o levaram a linha de frente, para ser sincero, nunca entendi, e talvez se você se dedicar a me
explicar, eu consiga compreender, mas enquanto não ouvir de sua boca, meus pensamentos me levam a crer que o
senhor é um homem perturbado.

Psicologicamente falando.

Guerra. Quem escolhe a guerra quando tem o calor de uma família e um lar?

Patriotismo? Filantropia? Estoicismo?

Eu servi o exército como um bom cidadão, dois anos, como manda nossa lei.

Mas ainda não entendo.

Não o julgo por isso, não me entenda mal, apenas estou completamente frustrado e destroçado.

Mi Sun está doente. Ela tem febre há dois dias e não passa independente do que eu faça. O médico diz que é só uma
gripe muito forte, mas eu não consigo dormir.

Me sinto péssimo por não poder ajudá-la, e mais péssimo ainda porque sou tudo que ela tem agora. Um padrasto.

Meus pais sempre me disseram que sou péssimo tomando decisões e que eu faço tudo mal feito.

Mas estou me esforçando. Juro que estou tentando, mas estou sentado na cozinha há mais de quarenta minutos e
não consigo parar de chorar como uma criança. Um marica.

Quer saber de um fato curioso que eu nunca contei a ninguém?

Provavelmente não, mas vou dizer assim mesmo.

Você nem vai ler isso, provavelmente.

Quando eu era garoto estava saindo da escola e uma turminha que me batia quase todos os dias começou a me dar a
pior surra que já tomei na vida. Chutes, socos, tapas e tudo que possa imaginar, pegaram bem pesado.
Um garoto do ensino médio me salvou, fiquei com dores por uma semana e muitos hematomas.

Aquele garoto tirou a poeira da minha roupa, espantou os valentões e me levou até a frente de casa. Ele foi a primeira
pessoa em toda a minha vida que não me mandou engolir o choro e ser homem.

Eu não costumava chorar, tinha medo que meus pais fossem me xingar por isso, eles sempre diziam que só as
maricas choravam.

Aquele garoto me disse que era preciso muita coragem para chorar e eu nunca esqueci disso. Ele me disse para
chorar o quanto precisasse e agora a única coisa que consigo ouvir é a voz dele ecoando na minha mente.

Me dizendo que eu posso chorar e está tudo bem. Na verdade eu sempre me lembro da voz dele quando sinto
vontade de chorar.

E aqui estou eu. Chorando.

Não me envergonho de dizer isso. Quero que saiba que eu estou desesperado.

Por favor, volte para a Coréia.

Eu não consigo fazer isso sozinho.

Estou sentindo como se estivesse apanhando de novo, uma surra bem feia. Parece que tudo dói e eu só quero chorar,
chorar demais como um garotinho assustado.

O garoto que me salvou não vai aparecer e espantar os valentões, me levar em casa e me acalentar com um
passarinho de papel.

Se não for pedir muito, quero que me ajude agora.

Preciso que seja o garoto do pássaro de papel e me tire dessa briga que eu não posso vencer sozinho.

Com toda a sinceridade, Jeon Jungkook”

Taehyung teve a sensação de estar em uma galeria de arte, vendo algum quadro bagunçado e rabiscado. Foi como se
de repente se afastasse, e vendo a uma certa distância, ele entendesse que tudo esteve sempre conectado para dar
forma a algo muito maior.

Seus dedos tremeram e amassaram um pouco o papel. Ele nem piscava, seus olhos fixos nas palavras escritas ali.

Passarinho de papel.

Busan.

Um garotinho levando uma surra na saída da escola.

Nem em um milhão de anos ele imaginaria aquele cenário.

Seu coração estava frenético. Ele continuou segurando a carta e pegou o celular apressado. Discou um número
depressa e esperou, ainda olhando para a carta com total espanto.

- Alô, Namjoon? Você sabe em qual bairro os pais do Jungkook moram em Busan? - perguntou de imediato, assim
que ouviu o suspiro do cunhado do outro lado da linha.

- Boa tarde? - Nam respondeu atordoado, em seguida tomou fôlego. - Bairro? Por que você…

- É questão de vida ou morte, Namjoon, se tiver o endereço me manda por SMS - disse ele.

- Tá, mas porque você…


Taehyung desligou, voltou a olhar a tela e discou outro número com agilidade impressionante.

Ele colocou na orelha e esperou.

Tocou três vezes.

- Alô? - Jungkook respondeu.

O que ele diria? Não esperou que o homem fosse atender, não tinha se planejado para aquilo.

- Você não estava lá quando eu acordei - disse, afoito. - Eu sabia que não estaria, mas pensei que te veria no fim do
dia. Aconteceu alguma coisa em Busan?

- Nada, eu só… queria ver meus pais. - Jungkook parecia nervoso.

Taehyung respirou fundo. Seu coração não o deixava raciocinar direito.

- O que você disse ontem? - perguntou - Não entendi seu bilhete.

Ficou mudo. Não disse nada por um tempo torturante.

- Que eu amo você. - Jungkook disse. Taehyung prendeu a respiração. - Eu te amo, Kim Taehyung.

Ele ouviu falar uma vez sobre a sensação de encontrar seu lugar no mundo. Como se todos os caminhos que tomou,
cada escolha, cada dificuldade o levaram até ali, exatamente onde estava agora. Se fosse destino ou apenas sorte,
Taehyung estava disposto a agradecer, pois aquela sensação em seu peito era a melhor que já tinha sentido.

- Você não deve me responder, não diga nada, Taehyung. - Jungkook se apressou em dizer do outro lado da linha.

- Como não quer que eu diga nada? - A voz do loiro falhou vergonhosamente.

- Você não é obrigado a dar nada em troca do amor, Taehyung. Esse é o segredo. Você merece ser amado sem
precisar devolver nada - disse Jungkook - Você esses anos todos fez o possível e o impossível para ser digno de ser
amado por alguém, mas nunca precisou. O fato de você existir e estar aqui já é suficiente para que eu seja
completamente apaixonado por você.

- Jungkook, eu preciso te contar uma coisa…

O som cessou.

Por um instante, Taehyung acreditou que Jungkook tivesse desligado, mas ao olhar a tela escura do celular ele
constatou que talvez fosse o fato de não ter carregado o celular.

Péssima hora para ficar sem bateria.

- Merda, merda, merda! - Ele praguejou entredentes, batendo na tela como se aquilo fosse mágicamente resolver o
problema.

Taehyung grunhiu e jogou o celular sobre as cartas, manteve aquela última na mão quando saiu do quarto. Descobriu
que correr ainda era um pouco doloroso e apenas andou o mais rápido que podia até a sala de estar.

O telefone fixo ainda funcionava, pelo menos ele rezava para isso.

O tirou do gancho e se apressou em discar o número, mas algo fez com que ele colocasse de volta no gancho antes
que chamasse pela segunda vez.

Não.

Por telefone não.


Puxou o telefone novamente e discou outro número, abrindo as gavetas da mesinha e puxando um bloco de notas e
uma caneta que rezou para estar funcionando.

- Taehyung? - Namjoon atendeu, com a voz um pouco carregada de impaciência.

- Mudança de planos, me diga o endereço dos pais do Jungkook em Busan - Taehyung disse, suas mãos tremiam com
a caneta sobre o papel, a carta já estava quase toda amassada em suas mãos.

Namjoon suspirou.

Ele ditou o endereço pausadamente, Taehyung sentiu o estômago revirar violentamente ao ouvir o nome do bairro.

Porque ficava perto de duas escolas em especial. Uma de ensino médio e outra de ensino fundamental. As duas eram
as mais próximas do orfanato onde vivia e ficavam na linha de ônibus que ele pegava todos os dias em seus anos de
infância e adolescência.

Sempre esteve tão perto.

- O que você vai fazer com isso? - perguntou Namjoon.

- Vou até Busan. - Taehyung jogou a caneta de lado e arrancou a folha do bloco de notas. - Dizer ao Jungkook que eu
amo ele.

❁❁❁

- Mas appa, onde nós vamos? - Mi Sun esfregou os olhos, ainda estava um pouco confusa e atordoada por ter sido
despertada às pressas.

- Você pode dormir o quanto quiser, Joaninha - disse Taehyung, jogando a mochila da menina no banco traseiro ao
lado dela e fechando a porta, após se certificar que ela estava presa ao cinto de segurança. - Estamos indo atrás do
seu pai.

- Mas onde meu appa Ggukie está? - perguntou ela, assim que Taehyung abriu a porta do motorista e pulou para
dentro do carro.

- Busan. Vai ser uma viagem longa, então você pode dormir - respondeu o loiro.

- Eu não entendo. - Mi Sun, que mal conseguia manter os olhos abertos, cruzou os braços um pouco impaciente.

- Para ser sincero também não entendo, mas… - Ele se virou para trás. - Antes de tudo vou ser honesto com você.

Ela abriu os olhos o máximo que pode, depois de bocejar.

- Eu amo seu pai. Eu sei que você pode não entender como as coisas funcionam quando a gente cresce e admitir isso
me custou uma quantia absurda de coragem. - Ele viu sua filha sorrir a cada palavra que deixava sua boca. - Não sei
como se sente a respeito disso, mas vamos ouvir tudo que você tiver a dizer.

- Eu sinto como se meu coraçãozinho estivesse sendo abraçado, appa! - Ela colocou a mão sobre o peito. - Vocês são
o casal mais bonitinho de toda a Terra, eu juro que se pudesse eu faria um poema para vocês, mas eu não sei rimar.

Taehyung sorriu.

- Eu amo você, sabe disso, certo? - ele perguntou.

Mi Sun sorriu largo, a falta de dois dentes a tornava uma visão adorável.

- Vocês são meu conto de fadas preferido - disse ela.

❁❁❁
Já era final da tarde quando, cerca de quatro horas e muitas paradas depois, Taehyung virou o carro nas ruas que
conhecia muito bem. Ele foi tomado de muitas memórias, nem todas tão boas, de quando era garoto.

Tudo estava um pouco diferente, haviam lojas onde antes tinham casas, alguns prédios novos e muitas crianças
voltando para casa já que provavelmente tinham acabado de sair do colégio.

De repente não foi mais necessário o GPS, apesar de fazer muito tempo, ele se lembrava do caminho.

Virou na rua, uma pequena lomba, e então sua memória lhe trouxe aquele déjà vu. Ele observou a casa, a mesma
cerca gasta de madeira que estava um pouco mais judiada. A casinha pequena com pintura já desbotada.

- Chegamos, appa? - Mi Sun perguntou, a boca cheia de batatas fritas. Uma parada no McDonald’s se fez necessária
depois de ela se queixar de estar “prestes a definhar de fome”. Taehyung tinha certeza que o fato de “definhar” estar
no vocabulário dela, era culpa de Jungkook.

- Pelo visto, sim - disse ele, estacionando o carro na beira da calçada.

Era fim de tarde, tudo parecia muito vivo, Taehyung não se lembrava ao certo que hora do dia era quando esteve ali
pela primeira vez, mas parecia tão igual que desconfiava que fosse por volta do mesmo horário.

Ele tirou o cinto e saiu do carro. Mi Sun fez o mesmo, sem que ele precisasse dizer qualquer coisa. Ela bateu e tirou
os farelos da calça jeans que estava usando, Taehyung apertou o botão no controle e trancou o carro.

- São os pais do appa Ggukie, eu nunca conheci eles, appa. - Mi Sun colocou a mão na dele antes que seu pai
pudesse pedir. - Será que vão gostar de mim? Se tivesse me dito isso, eu teria colocado o meu melhor vestido.

Taehyung não quis concordar para não dar falsas esperanças à menina e nem negar para não lhe causar nervosismo.
Ele sabia que era uma questão delicada, os pais de Jungkook podiam ainda não aceitar de fato Mi Sun como sendo
parte da família.

Não que ele acreditasse que alguém seria capaz de ser rude com uma criança de sete anos, mas não queria esperar
grandes agrados e uma dose absurda de gentileza.

Ele se abaixou diante dela na calçada.

- Você precisa se comportar, certo. Eles não são muito de conversar, não fique falando demais e fazendo perguntas,
tente apenas sentar e não puxar muito assunto. - Ele sorriu e apertou o rabo de cavalo dela. - Eles vão gostar de você.

Ele não tinha certeza. Estava apreensivo, sem dúvidas, quando pegou na mão de Mi Sun e andou os poucos metros
até o portão, olhando a casa com cautela.

As janelas da frente estavam abertas e havia fumaça escapando de uma chaminé. Provavelmente algum fogão a
lenha, se é que alguém no mundo moderno ainda tinha um.

Ele buscou uma campainha, mas não havia, então soltou a mão de Mi Sun e bateu palmas.

Não muito tempo depois, uma mulher surgiu na porta, secando as mãos em um avental e estreitando os olhos para
enxergar o que se passava no portão. Ela franziu a testa, esperando que o homem dissesse algo.

Taehyung pigarreou.

- Com licença, eu estou procurando por Jeon Jungkook - disse ele, alto suficiente para que ela ouvisse.

Ela o olhou, analisou, dos pés à cabeça. Não podia ver Mi Sun com clareza pois ela era menor do que a cerca e o
portão, mas sabia que ela estava ali pois via o laço que prendia seu cabelo no alto da cabeça.

- Você deve ser Kim Taehyung, estou certa? - ela perguntou. Não havia qualquer indício na voz de que ela o odiasse
ou que fosse indiferente a sua existência. Ele assentiu.
A mulher respirou fundo. Em seguida, se virou para dentro da casa e desapareceu de vista sem dizer nada.

Taehyung genuinamente esperou que estivesse indo buscar Jungkook e não apenas decidido ignorá-lo e deixá-lo ali.

Mas pouco tempo depois ela retornou, com um molho de chaves na mão e se apressou até o portão. Enfiou a chave
com precisão no cadeado sem ao menos procurar no meio das outras chaves.

- Tem uns marginaizinhos roubando no bairro, quando estou sozinha eu tranco o portão - ela explicou - Jungkook saiu
com o pai dele para fazer umas entregas, eles provavelmente já estão voltando.

Taehyung assentiu. Não sabia exatamente o que dizer. Tinha ouvido tantas coisas sobre ela que não deixava de
pensar que era uma tremenda megera, então só esperava o pior.

- Sou Hawi, a mãe do Jungkook - disse ela ao abrir o portão. Era bonita, obviamente os olhos de Jungkook vinham
dela. A mulher se inclinou um pouco ao avistar a menina que ainda segurava firme a mão do pai com um olhar curioso.
- Você deve ser a Mi Sun. Seu pai me fala muito de você.

E a mulher sorriu, o que para Taehyung foi o maior alívio.

- Kim Mi Sun, senhora, muito prazer - disse a menina, se inclinando noventa graus em uma reverência exagerada.

- Bem, você pode entrar, eu deixei a televisão ligada e o controle está em cima do sofá. Pode assistir se quiser, eu vou
só trancar o portão e já entro lá - disse Hawi. Mi Sun olhou para Taehyung que apenas assentiu e a empurrou
levemente em direção a porta.

Aquilo era um sinal de que os adultos precisavam conversar, ela sabia muito bem. Mesmo com certo receio, a menina
obedeceu e entrou na casa. Bastou apenas isso, para a ansiedade aflorada de Taehyung fazer com que ele
começasse a falar.

- Com todo o respeito, senhora, eu sei que você costuma achar que seu filho só faz merda o tempo todo, mas eu devo
dizer que não me importo se acha que é uma tremenda burrice ele adotar a Mi Sun, se acha que ele se relacionar com
outro homem é depravação e que ele é um fracasso, a senhora está redondamente enganados porque Jeon Jungkook
é simplesmente meu maior exemplo de perseverança e resiliência. - Ele sequer respirou. - Não vou embora daqui até
falar com ele, porque eu amo seu filho e eu vou dizer isso a ele nem que eu precise enfrentar o próprio Diabo.

Ele arregalou os olhos.

- Não que eu esteja chamando a senhora de Diabo, não foi o que eu quis dizer, só… - Taehyung se apressou em
completar, mas foi interrompido pela risada da mulher. Hawi cobriu a boca, tentando conter o próprio riso.

Taehyung sequer se movia.

- Acho que eu vou decepcionar um pouco em não fazer jus ao monstro que Jungkook descreveu - disse Hawi - Gostei
de você, Taehyung. Entre logo.

❁❁❁

- Eu posso pegar mais um pedacinho, senhora? - Mi Sun pediu, erguendo o pequeno pratinho em direção a mulher.

- Não abuse, Mi Sun - Taehyung repreendeu.

- Deixe ela comer, ninguém nunca gostou tanto assim das minhas tortas de maçã - Hawi disse, já cortando mais uma
fatia generosa.

A mulher olhou mais uma vez para o aparelho preso ao ouvido da garotinha. Era visível em seus olhos que Jungkook
nunca tinha mencionado aquilo, até porque era tão indiferente na vida da menina que não parecia ser algo que se
devesse contar.
Hawi não queria ser rude, provavelmente por isso não fez qualquer pergunta.

Mas Mi Sun notou seu olhar curioso.

- Oh, eu sou surda - disse a garotinha, puxando a torta com o garfo em pequenos pedaços. Hawi se assustou um
pouco com o relato por perceber que não tinha sido tão discreta. - O aparelho me ajuda a escutar tudinho, sabia que
eu consigo ouvir até música com ele? É muito legal, meu appa Ggukie descobriu isso há pouco tempo e eu faço
sempre que posso.

Hawi sorriu para ela.

Taehyung olhou em volta. A casa era pequena, havia quadros espalhados por todas as paredes e, em sua maioria,
eram fotos de Jungkook. Ele sentia agora mais viva que nunca a memória, do rosto daquele menininho cheio de
lágrimas, arranhões e terra.

- Sabe, Taehyung - Hawi o chamou - Foi corajoso de sua parte vir até aqui.

- A senhora não sabe o quanto - ele sussurrou.

- Jungkook me contou, então tenho uma leve noção. - Ela suspirou. - Eu nunca fui uma mãe muito amorosa. Acho que
sempre fui mais uma instrutora do que uma mãe, eu queria que ele fosse um homem forte e acabei exagerando um
pouco.

Ela o olhou nos olhos.

- Se o ama mesmo, por favor, faça o possível para que ele saiba disso - ela pediu, já olhando em direção a porta da
frente que estava atrás dele.

- Oh, appa! - Mi Sun gritou, entusiasmada.

Taehyung soube que era o momento. Estava tão distraído com seus pensamentos que sequer ouviu o ronco do motor
do caminhão ou o portão abrindo.

Seu peito doía, não de uma forma ruim, mas cheio de todos aqueles sentimentos bons que ele queria despejar sobre
Jeon. Ele estava nervoso, tremendo e suas mãos suavam quando se colocou de pé, junto a mãe de Jungkook, e se
virou para olhar a entrada.

Jungkook estava parado ali, um pouco perdido, sem saber o que dizer ou o que pensar. Taehyung engoliu seco ao
avistá-lo e percebeu quando o pai do homem surgiu atrás dele com um sorriso sem graça e um olhar confuso.

- Temos visitas? - O pai de Jungkook olhou para a esposa.

- Este é o Taehyung, querido. E essa é a Mi Sun - a mulher tocou o ombro da garotinha.

- O que vocês… - Jungkook piscou com força. - O que estão fazendo aqui?

- Podemos conversar? - Taehyung pediu.

Jeon olhou para todos. Seus pais e Mi Sun, que pareciam unidos em um único pensamento ao sacudirem as mãos
para que ele seguisse Taehyung, apesar de nenhum deles estar se movendo.

Ele assentiu. Taehyung notou que ele tirou as luvas e jogou sobre o sofá, o que era um tremendo indício de quão
desconcertado estava. Jungkook normalmente teria as colocado no local correto, uma sobre a outra perfeitamente
alinhadas.

Taehyung passou por ele apressado, evitando contato visual ao se encaminhar para fora da casa. Ele respirou fundo,
estava um caos completo.

Jungkook sabia que ele provavelmente tinha ficado sem bateria ou perdido o sinal para ter desligado a chamada sem
dizer ‘tchau’, mas não sabia ao certo se era aquilo que tinha levado Taehyung a percorrer uma distância de quase 390
km para se desculpar.

Todas as coisas passaram pela mente de Jungkook.

Uma emergência grave, algum falecimento ou até mesmo que Taehyung tivesse vindo lhe pedir que se afastasse de
vez.

Seguiu o loiro até a calçada e viu Taehyung diminuir o passo, com as mãos enfiadas dentro do bolso da jaqueta jeans
que estava usando. Os olhos fixos no chão.

- Onde você estava? - perguntou, provavelmente para ganhar tempo, enquanto subiam a rua vazia. O sol estava se
pondo, estava tudo muito calmo e sereno. A brisa trazia um cheiro de pão recém tirado do forno, que vinha de alguma
casa próxima.

- Meu pai trabalha com entregas de compras. Fui ajudá-lo já que estava por aqui. - Jungkook se aproximou ao máximo
dele, querendo acabar com qualquer que fosse aquela tortura que havia entre eles. Não deixou de olhar as marcas
visíveis em seu pescoço e se perguntar se Taehyung se arrependia de tudo que tinham feito. - Aconteceu alguma
coisa em Seul?

- Sim. - Nada objetivo, Jungkook precisava de algo mais específico. - Eu descobri uma coisa. Duas coisas na verdade.
Quer ouvir a coisa extraordinariamente surpreendente primeiro ou a coisa totalmente inesperada?

Jungkook riu, sem tirar os olhos dele. Apesar de evitar seus olhos, havia um sorriso sereno no rosto do loiro quando
ele parou a uma certa altura.

O local exato.

Taehyung olhou para a rua abaixo, o sol emoldurando como uma bela pintura.

- Me diga a extraordinariamente surpreendente, estou bem curioso - disse o moreno, parando diante de Kim.

Taehyung respirou fundo, torceu o nariz buscando a forma correta de começar.

- Você se lembra quando eu comentei sobre aquela lenda dos mil tsurus? - perguntou ele.

Jungkook assentiu, juntando as mãos.

- Há uns quinze anos atrás, minha mãe foi me visitar no orfanato. Na época eu não sabia quem ela era e nem as
circunstâncias do meu nascimento. - Taehyung olhava para ele, era visível como estava completamente tomado de
nervosismo, isso bastava para que Jungkook sentisse o próprio coração acelerar. - Ela me contou essa história. Disse
que quando se dobra mil tsurus, pode fazer um pedido e ele se realiza e eu não acreditei muito nisso, por isso mesmo
depois de ela me mostrar três vezes como se fazia, me recusei a fazer aquilo.

Taehyung olhou em volta, sorriu e olhou para os próprios pés.

- No dia seguinte eu estava voltando para casa da escola e vi um garoto tomando a maior surra. - Taehyung fez uma
careta. - Um bando de valentões, e bem, eu não podia deixar aquilo barato, espantei aqueles pirralhos e levei o garoto
para casa.

Jungkook nem se movia, piscava ou fazia qualquer coisa além de respirar e olhar para Taehyung. Sua mente estava
travada e apesar de já ter entendido, se recusava a acreditar.

- E eu queria animá-lo, a única coisa que pude pensar na hora foi fazer um pássaro de papel, devia funcionar. Foi o
primeiro, desde aquele dia eu dobrava um sempre que precisava me animar, lembrando de como o garotinho ficou
sorrindo quando eu dei o tsuru para ele. - Taehyung tirou a mão do bolso, exibindo um tsuru muito bem dobrado, feito
com uma nota fiscal de supermercado. Jungkook olhou aquilo já sentindo seu corpo todo se agitar. - Hoje eu dobrei o
milésimo.
Taehyung engoliu seco, deu um passo adiante e buscou a mão de Jungkook com a sua. Não saberia dizer qual dos
dois estava tremendo mais, mas conseguiu segurar a mão do moreno com a palma virada para cima.

E pousou o pássaro de papel ali.

- Há muito tempo eu te dei o primeiro tsuru e eu nem acreditei nisso quando li sua carta e percebi que tinha sido você
esse tempo todo. - Ele riu, ergueu a cabeça e olhou nos olhos do homem. Jungkook quis ficar ali para todo o sempre,
pois o pôr do sol tornava Taehyung semelhante a um anjo e o sorriso dele transmitia todo o calor que fazia seu
coração queimar, arder de paixão por ele. - Você disse algo sobre acreditar em destino e eu agora acredito. Porque
não pode ter sido só uma coincidência.

- Eu posso jurar que essa na verdade é a coisa totalmente inesperada, porque nem em um milhão de anos eu
imaginaria uma coisa dessas. - Jungkook ofegou um pouco. Taehyung se aproximou mais ainda, como se fosse
possível chegar mais perto. Sua mão ainda estava apoiada debaixo da de Jungkook, e a outra foi de encontro a sua
face em uma carícia delicada que tinha como intuito manter o olhar do outro no seu.

- A coisa totalmente inesperada é que… - Taehyung respirou fundo três vezes. Se sentia tomado de medo e uma
única certeza. Olhando nos olhos de Jungkook era certo que nada no mundo impediria de dizer aquilo. - Eu te amo,
Jungkook.

Ele esperou por aquilo. Durante muito tempo. Agora mais do que nunca fazia todo o sentido aquelas palavras jamais
terem sido ditas por ninguém, porque desde o princípio, Taehyung era o único que dava total sentido a aquilo.

Não houve dúvida, como ele pensou que haveria. Em nenhum momento seu coração se apertou e teve a pergunta
“será que ama mesmo?”. Foi uma afirmação em voz alta de algo que Jungkook já tinha sentido em seu peito.

Jungkook sorriu para ele. Taehyung viu seus olhos se encherem de lágrimas e quando elas desceram em suas
bochechas, ele as enxugou com os polegares, pelo menos tentou, já que eram muitas.

- Você pode… pode dizer de novo? - pediu o moreno.

Com seus olhos úmidos, as bochechas coradas e um de seus sorrisos perfeitos e inocentes, ele soluçou baixo.
Taehyung alargou seu sorriso ainda mais.

- Eu te amo. - Ele puxou Jungkook para perto, colando sua testa na dele e repetindo em um sussurro. - Eu te amo.

- E qual o seu desejo? - perguntou Jungkook.

- Você - respondeu Taehyung - É tudo que eu quero. Porque eu te amo.

Jungkook riu. Ele olhou direto para os olhos de Taehyung.

- Eu também te amo. - Jungkook ainda parecia preso em um estado de total euforia. Seus olhos denunciavam o
quanto ele ainda estava surpreso com tudo aquilo. - E obrigado por me livrar daquela surra.

Taehyung riu com ele.

- Acho que está se tornando uma coisa nossa, certo? Salvar um ao outro. - Taehyung mais uma vez afastou as
lágrimas dele com um carinho terno.

- Eu nunca te salvei de nada - Jeon murmurou, um pouco decepcionado.

- É aí que você se engana. - Taehyung se aproximou dele, suficiente para beijar seus lábios com um selinho
demorado. - Você salvou minha vida mais vezes do que posso contar e tudo que precisou fazer para isso foi sorrir.

Jungkook o beijou. Foi diferente porque não tinha mais o medo de que Taehyung se arrependeria de uma hora para a
outra. Porque sabia que Taehyung tinha mais motivos para ficar do que tinha para fugir.
Taehyung o beijou de volta, porque o amor que sentia por aquele homem era suficiente para ajudá-lo a superar
qualquer coisa para estar com ele.

Zero O'clock - final


❝Venho pra casa e deito em minha cama
Pensando se foi realmente minha culpa
Noite atordoada, olhando para o relógio
Logo será meia noite
Algo será diferente?
Não será algo dessa forma
Mas esse dia irá acabar
Quando os ponteiros dos minutos
E dos segundos se sobrepõem
O mundo segura a respiração por um momento
Meia noite
E você será feliz❞
(Zero O’Clock - BTS)

❁❁❁

Sana estava sentada ali há um certo tempo. O movimento das pessoas à sua volta parecia comum, nada anormal,
apenas o ritmo costumeiro de uma quinta-feira.

Aquele café, onde havia trabalhado enquanto ainda estava na faculdade, lhe trazia boas memórias, apesar da
pequena dose de tristeza que banhava cada uma delas.

Aquela mesa na calçada, bem ao lado de um vaso com jacintos floridos e perfumados, era sua preferida desde
sempre.

Ela apertou mais uma vez as faixas que envolviam sua mão para testar e concluiu que ainda doía. E pela primeira vez
na vida, ela não estava zangada por ter se ferido.

- Oh, gatinha, me desculpe o atraso! - Jackson se sentou na cadeira diante dela, afoito e um pouco ofegante. Pelas
roupas, ela acreditou que ele estava vindo do trabalho. Os olhos dele foram de encontro imediatamente para a mão
enfaixada e ele a segurou com um pouco de indelicadeza que a fez resmungar com o aperto. - O que aconteceu?

- Sasuke me mordeu. - Sana puxou a mão com uma careta. - Eu te liguei.

- Aquele pulguento… - Resmungou, com uma careta de aversão.

- Ele estava doente e com dor, não foi culpa dele - retrucou ela. Sana suspirou, desviou o olhar de seu bubble tea e o
observou. Ele era óbvio demais, a marca arroxeada perto da gola da camisa não tinha sido feita por ela. Chegava a
ser engraçado de tão humilhante. - Eu te liguei.

- E eu estava…

- Sei bem onde você estava, não precisa mentir. - Levou o canudo até a boca e bebeu um longo e tranquilo gole, sem
desviar o olhar dele. Viu o remorso percorrer o rosto do homem, viu seu rosto ficar vermelho e seus lábios se
separarem enquanto seu cérebro buscava um bom argumento. E ela, apenas esperou todo aquele desespero passar
por ele, antes de finalmente dizer alguma coisa. - Você é gay, Jackson.
- Eu gosto de você. Eu juro que eu gosto, eu não estaria saindo com você se não gostasse da sua companhia. - Ele se
inclinou para a frente, juntando as mãos como se estivesse prestes a implorar. - Eu realmente não queria ser como eu
sou. Eu estou tentando, me dê mais uma chance, eu prometo que posso conseguir me tornar um homem de verdade.

Ela tomou fôlego. Era deprimente, para ser sincera. Ela não conseguia sentir raiva dele e sabia que não deveria. Ele
parecia tão perdido e tão enfiado naquele armário que Sana só conseguia pensar em como devia se sentir
enclausurado e deprimido.

- Você já é um homem de verdade. - Ela sorriu, gentilmente. - Sua sexualidade não interfere nisso. Você é o que sente
na alma, é isso que importa. Se você sente que é um homem que se atrai por outros homens, certo, isso não afeta sua
masculinidade.

Ele não disse nada. Seus olhos estavam carregados de uma espécie de culpa e vergonha, ele apenas ficou ali,
olhando para ela como se fosse sua última esperança.

- Eu nunca passei por uma crise de sexualidade. Eu não sou homossexual ou bissexual para dizer como é a sensação
de assumir que gosta de algo além daquilo que foi ensinado que é o certo. - Ela pigarreou. - Mas eu tenho amigos que
passaram por isso. Você pode conversar com eles se quiser, não precisa passar por isso sozinho.

- Não sei o que dizer. - Ele abaixou a cabeça.

- Você não precisa deixar que ninguém veja se ainda não se sente confortável. Pode se descobrir sem ter que mostrar
isso ao mundo antes da hora, você não precisa de uma máscara. Deixe os boatos, não ligue para isso. Não precisa
negar ou confirmar nada - disse Sana - Você não deve obrigação a ninguém por ser uma figura pública. Sua imagem é
seu trabalho, seu rosto, seu corpo, não sua vida pessoal. Ninguém além de você mesmo precisa se sentir satisfeito
com o que faz e com quem faz.

Ele assentiu, ainda cabisbaixo.

- Eu… - Ele engoliu seco, ainda visivelmente imerso naquela mistura de confusão e constrangimento. - Eu conheci
alguém. Acho que você o conhece, ele é… bem, ele estava no aniversário da Mi Sun.

Sana levou alguns segundos para assimilar.

- Jaeyun? Você estava transando com o Jaeyun esse tempo todo? - Ela se exaltou um pouco.

Se fosse uma mulher vingativa e barraqueira, provavelmente estaria correndo para o escritório do psicólogo para tirar
satisfações, no entanto, ela se lembrou de que não era bem uma vítima da situação e respirou fundo para se conter.

- Não vou levar para o lado pessoal, eu também não respeitei muito nosso relacionamento. - Ela jogou o cabelo por
cima do ombro. Não ia terminar aquilo sem deixar claro que tudo tinha sido mútuo, odiava pegar a fama de corna.

Ele riu com sarcasmo e revirou os olhos.

- Oh, que grande novidade! Estou definitivamente surpreso que você está trepando com o Jimin! - Ele sacudiu as
mãos com uma falsa expressão de falsa surpresa.

- Eu nunca dormi com ele, queridinho. - Ela piscou repetidas vezes, com um sorrisinho inocente. Jackson riu, e foi um
alívio.

- Obrigado por isso, Sana - ele agradeceu.

- Por te trair? - brincou ela.

- Por ser uma boa amiga, mesmo que eu não mereça isso - respondeu ele. Em seguida suspirou, vendo ela sorrir da
forma mais gentil que existia.

- Acho que você mais do que ninguém merece um bom amigo que te mostre o quanto você é incrível e completo
independente de sua orientação sexual - disse ela - Ficarei feliz em ser essa amiga.

❁❁❁

Jin estava sorrindo, o que não era exatamente algo muito comum, causou um alvoroço imenso na imobiliária, com
todos os corretores, secretários e demais funcionários se olhando com certa desconfiança.

Ninguém teve coragem de perguntar e ele sequer parecia ter notado a diferença.

Sua mente estava em outro lugar.

Ele não costumava pensar em qualquer coisa além de números, e-mails e reuniões quando estava trabalhando, no
entanto, há alguns dias, sua cabeça girava em torno de uma coisinha específica.

Ele suspirou, com os olhos fixos no contrato que precisava assinar, mas estava há um bom tempo com a caneta
pressionada contra o papel e viajando na maionese.

Ele piscou, sacudiu a cabeça e fechou a boca.

- Aish, o que está acontecendo? - Bateu na própria cabeça com um pouco de irritação. Ele soltou a caneta, se jogando
para trás e girando a cadeira para ficar de frente com a janela.

Haviam alguns trabalhadores colocando um outdoor com a imagem de Song Hye Kyo segurando um vidro de perfume.

Ele respirou fundo.

Perfume… Namjoon usava um de seus perfumes preferidos, mas ele não conseguia lembrar o nome.

Namjoon.

Ele se levantou da cadeira bruscamente.

- Aigoo! - Jin gritou, apoiando as duas mãos nas laterais da cabeça como se a pressão fosse expulsar aquele
pensamento constante e irritante. Ele parou, apoiou as duas mãos na cintura e olhou a pilha de papéis sobre a mesa.

Ele não podia deixar o trabalho, podia?

- Foda-se! - Jin resmungou, pouco antes de agarrar o casaco que estava pendurado na cadeira e basicamente correr
até a porta.

Assim que saiu na recepção, seus olhos captaram a presença de seus irmãos. Pelos olhares de ambos e pela forma
como eles não apenas invadiram o escritório, tinham algo sério para dizer, se tinham algo sério para dizer, significava
que demoraria e ele não tinha tempo.

Uma dúzia de funcionários que andavam por ali, estranharam um pouco o fato de que Jin apenas olhou para Jennie e
Jimin como se fossem apenas mais uma parte da mobília e correu até o elevador.

Os irmãos se olharam, franziram a testa e se apressaram para invadirem o elevador com ele.

Jin bem que tentou escapar, se jogando dentro do elevador com pressa e pressionando o botão do térreo como se sua
vida dependesse daquela porta se fechar antes que os caçulas entrassem ali.

A secretária, ergueu o olhar para aquela estranha corrida por cima da armação do óculos com certa curiosidade. Os
outros agentes imobiliários e demais funcionários, olharam os patrões com um ar de quem estava apostando em quem
ganharia a teima.

Jennie viu a porta se fechando, Jimin observou que algo precisava ser feito, se Jin descesse sozinho, eles jamais
saberiam o que estava acontecendo pois ele daria um jeito de sumir do mapa antes que os dois pegassem o próximo
elevador.
Jimin segurou a irmã pela cintura e ergueu do chão sem nenhuma delicadeza, a empurrando em direção ao elevador a
tempo de que o corpo dela impedisse as portas de se fecharem.

Jennie gritou quando foi arremessada sem nenhum aviso prévio e só não atingiu o chão porque Jin a segurou.

- Porra, Jimin eu vou te matar seu desgraçado! - Ela praguejou alto, sob os olhares assustados e surpresos de todos
os funcionários.

Ji pulou graciosamente para dentro do elevador e sorriu animado, enquanto a irmã recuperava o equilíbrio.

- Isso não é nada perto de quando você me derrubou da árvore depois de assistir Rei Leão, tenha isso como uma
vingança. - Ji apenas ajeitou as próprias roupas e sorriu, enquanto Jennie lhe mostrou o dedo do meio antes de tentar
arrumar os cabelos que tinham se tornado um desastre durante o arremesso.

Jin suspirou derrotado, vendo a porta do elevador se fechar e estando entre seus dois irmãos. Eram muitos andares.

- Por que você estava fugindo? - Jennie perguntou.

- Eu não estava fugindo. - Jin manteve o olhar no painel que indicava os números dos andares. 98, 97, 96…

- Estava sim, você viu a gente e correu. - Ji observou.

- Eu só estou com pressa - disse Jin.

- Pra quê? - perguntaram os dois em uníssono.

Jin respirou fundo. Pedindo paciência e muita calma, com os olhos no visor de LED. 89, 88…

- Eu só ia ver um amigo meu. - Ele acreditou que se fingisse indiferença, os dois desistiriam. Mas para garantir,
resolveu contornar a situação. - O que tinham para dizer que não podiam esperar a ponto de o Ji te lançar como se ele
fosse um quarterback de futebol americano?

82, 81…

Oitenta e um. Será que essa era a altura de Namjoon? 1,81 ou 1,79? Ele era alto, mas era difícil ser muito preciso.
1,78 no mínimo.

- Já que tive meu corpo usado como obstáculo para sua fuga, eu começo - disse Jennie, com um olhar feroz para
Jimin. - Estou casada.

Jin assentiu, estava ocupado demais divagando em seus pensamentos e precisou frear seus devaneios por um
instante.

Em seguida franziu a testa.

O que ela tinha dito?

- Casada? - Ele suspirou tranquilamente, ainda parecia perdido no próprio mundo, mas atento ao que a irmã dizia. -
Você ia se casar só no mês que vem, não?

- Jisoo e eu resolvemos não esperar, nós fomos visitar a família dela em Luxemburgo na semana passada, lembra?
Então, nós pensamos: por que uma festa tão grande? Gastar dinheiro que podemos investir no nosso apartamento? -
Jennie gesticulava, parecendo ansiosa pela reação dele. - Aí juntamos os documentos necessários e tivemos a ajuda
de uns amigos da família e está feito. Nós nós casamos legalmente e pensamos em fazer uma festinha pequena só
para a família e os amigos aqui na Coréia, já que comemoramos com a família dela lá.

- Incrível. - Jin bateu o pé no chão com impaciência. Faltavam mais vinte andares. Só mais vinte andares. - Eu sempre
soube, Jennie, quando você some por muito tempo acaba aprontando alguma.
- Pense pelo lado bom, você não vai ter que bancar a festa. - Ji deu de ombros.

Jennie assentiu.

- Vamos lá, qual a sua novidade, Jimin? Atropelou alguém? Engravidou alguém? Você usa drogas? Me surpreenda! -
Jin afrouxou o nó da gravata, não parecia realmente interessado.

- Eu me matriculei na faculdade. Vou cursar literatura, e antes que você diga qualquer coisa, eu quero que saiba que
não vou mais abrir mão do que eu quero mesmo que isso te deixe uma fera. Eu odeio trabalhar com imóveis, Jin! É um
tormento e eu vou fazer as coisas do meu jeito. - Ji empinou o nariz, autoritário. - E Sana e eu estamos juntos.
Tecnicamente. Ela não aceitou diretamente, mas pretendo conseguir um sim antes do fim do mês.

- Aham, incrível - disse Jin, já sentindo o corpo formigar. Mais alguns andares, só mais alguns.

Jennie e Ji se inclinaram para a frente, apenas o suficiente para olharem nos olhos um do outro. Ergueram uma única
sobrancelha, uma espécie de concordância sobre o fato de Jin não estar agindo como Jin.

Os dois retomaram a postura, Jennie pigarreou e piscou repetidas vezes, deixando o silêncio se instaurar no ambiente
por alguns segundos antes de proferir, com uma calma letal:

- Seja sincero com a gente e se poupe de passar por nossa investigação aprofundada. - Ela ajeitou as golas da camisa
branca que usava por baixo do suéter xadrez.

- Nós vamos te seguir, você sabe, se poupe desse constrangimento. - Ji ajeitou as mangas do casaco, com a mesma
paciência.

Jin revirou os olhos. A porta do elevador abriu.

Ele pensou em correr. Conseguia ser rápido para atingir o carro, mas sua coordenação motora não lhe permitiria abrir
a porta, entrar, colocar a chave na ignição e trancar o carro antes que um de seus irmãos já estivesse pulando para
dentro.

Por isso, saiu andando tranquilamente do elevador, sendo seguido de perto enquanto ia até a porta que dava acesso
ao estacionamento.

- Eu não tenho nada a contar, só estou indo encontrar o Namjoon porque…

- Namjoon? - Os dois gritaram tão alto que suas vozes ecoaram no estacionamento, de forma que o nome de Namjoon
permaneceu no ar por alguns milissegundos, sendo repetido pelo eco.

Jin parou, girou os calcanhares rapidamente e colocou o dedo na boca.

- Shhhh! - murmurou ele - Não é motivo para alardes, sejam menos irritantes e sumam do meu caminho.

- Você está saindo com o tio da Mi Sun? Seu… - Jennie alargou um sorrisinho cúmplice e empolgado. - Ele é um
pedaço de mal caminho, você não perde uma, não é? Quando disse que só fecha negócios de qualidade era disso
que você estava falando?

Jin esfregou os olhos, apoiando a mão na cintura e tentando encontrar forças para não correr até o carro e usá-lo para
atropelar aqueles dois. Ji continuava estático, com a mão no peito como se tivesse acabado de levar um golpe
inesperado.

Ele abriu a boca, em choque.

- Você é gay? - sussurrou, perplexo.

- Fala sério, o crush de infância dele é o Brad Pitt, Jimin, em que mundo você vive? - Jennie cruzou os braços.

- Não tenho tempo para vocês agora, só vão fazer o que quiserem. Você volta pra sua esposa. - Ele apontou Jennie e
em seguida Ji. - E você volte para sua faculdade.

- Estamos esperando o discurso sobre irresponsabilidade e essas coisas - disse Ji.

- Vocês são adultos, e eu não sou babá - Jin disse, dando as costas e acenando para eles antes de se apressar em
direção ao carro.

- Jin! - Jennie gritou.

- Não quero saber, Jennie, me mande uma mensagem apenas se um de vocês estiver morrendo. Ou se tiver matado
alguém. - Ele destravou o carro, se sentou no banco do motorista e abaixou o vidro para olhar seus irmãos parados no
meio do estacionamento. Ele sorriu. - Amo vocês, mandem um beijo para Sana e Jisoo e digam que ofereço uma
mesada para elas manterem vocês dois longe de mim até o fim de semana.

Ele ligou o carro. Foi um pouco libertador apenas acenar para os dois e dirigir para fora do estacionamento.

Era dia claro, cerca de meio dia e ele não se lembrava da última vez que tinha saído do escritório naquele horário.
Estava completamente preso em seu escritório desde o amanhecer até o anoitecer há tanto tempo que seus olhos
demoraram a se acostumar.

Ele abriu o vidro para deixar o vento entrar, ligou o rádio e respirou fundo enquanto entrava na avenida principal.
Namjoon tinha razão, era incrível pensar em si mesmo para variar.

❁❁❁

- Yoongi! - Mi Sun se levantou com um salto ao avistá-lo saindo do elevador. A garotinha cobriu a boca com as duas
mãos observando Hoseok o acompanhando. Seus olhinhos se encheram de compaixão e ela se aproximou com o
máximo de cuidado possível para abraçar a cintura do professor de música. - Você se machucou como? Está doendo
muito? Você quer tirar o dia de folga? Devia estar descansando!

Ele sorriu, afagando os cabelos dela e olhando brevemente para Hoseok. O homem que carregava sua mochila sorriu
para ele e em seguida olhou os dois homens que continuavam sentados no sofá da sala de recepção com olhares
preocupados.

- Ele caiu das escadas do prédio. - Hobi sacudiu a mão para dispensar a preocupação. - Vai ficar bem melhor em
algumas semanas.

- Mas preciso usar gesso e essas porcarias de muletas - Yoongi resmungou, e ergueu um dos apetrechos. Mi Sun
ergueu a cabeça para olhá-lo nos olhos e garantir que estava sendo sincero. - Aigoo, estou bem, tampinha! Não me
olhe assim.

- Como diabos você caiu das escadas? - Jungkook perguntou. Taehyung se inclinou para a frente no sofá com grande
curiosidade.

- Ele estava emocionado demais para me encontrar - Hobi disse, com um sorrisinho.

Yoongi estreitou os olhos na direção dele.

- Não seja tão cheio de si, eu só tropecei no cadarço - retrucou ele.

- Porque estava emocionado demais para me encontrar - insistiu Hobi.

- Oh, vocês dois estão namorando? - Mi Sun se afastou com um sorriso que fazia seus olhos se tornarem pequenos
risquinhos no rosto, juntou as mãos com muita emoção e suspirou como se fosse uma grande conquista.

Os dois se olharam por um breve momento.

Não houve concordância sobre aquilo, um diálogo demorado ou um pedido, foi meio que um acordo mútuo entre eles
enquanto Hoseok ajudava Yoongi a se arrastar até o banheiro do hospital porque ele se recusou a usar o penico.

Um breve diálogo sobre votos de fidelidade e compromisso sério.

- Acho que sim - disse Hobi. Yoongi sorriu e desviou o olhar, encarando o chão na tentativa de impedir que vissem a
vermelhidão em suas bochechas.

- Meus appas também estão namorando! - ela gritou.

Taehyung arregalou os olhos e Jungkook prendeu a risada que arriscou escapar de seus lábios.

Mi Sun tinha tido uma longa conversa com eles, o que ao seu ver, tinha sido muito desnecessário já que ela não tinha
nenhuma aversão ao relacionamento deles e estava radiante por ter os dois homens que mais amava no mundo
namorando.

Houve uma explicação sobre o fato de as pessoas não serem muito receptivas com pessoas que tinham relação com
alguém do mesmo gênero e ela, mesmo sendo ainda muito nova, já tinha presenciado aquele tipo de preconceito.

Ela já tinha ouvido piadinhas maldosas e palavras rudes de algumas crianças contra Hyunki e Lia. Seus melhores
amigos já chegaram ao ponto de chorar na escola por não suportar as coisas que crianças e às vezes até mesmo pais
e professores diziam a respeito de Lisa e Rosé.

Ela não entendia, definitivamente não sabia porque o fato de as duas serem meninas e o fato de seus appas serem
meninos mudava alguma coisa.

O amor não tinha a ver com coração? Existia alguma diferença entre o coração de garotos e garotas?

- Agora conte a novidade - Yoongi provocou, abrindo um sorriso cúmplice. - Vamos para a aula, tampinha.

- Nós vamos indo, voltamos para buscá-la em uma hora - disse Taehyung, se colocando de pé.

- Não tenham pressa, eu tenho muito que conversar com ele hoje, appas! - Mi Sun sorriu, colocando a mão no braço
de Yoongi e o acompanhando lado a lado até a sala de música.

Hoseok os seguiu de perto.

Ao chegar na porta, depositou um beijo na bochecha de Yoongi sem muita demora e piscou para ele antes de se voltar
em direção a Taehyung e Jungkook.

- Ah, Hobi! Podemos conversar aqui dentro rapidinho? - perguntou Yoongi.

Ele assentiu, olhando por cima do ombro e vendo que os pais de Mi Sun já tinham ido.

A garotinha correu para o piano, saltitante e alegre por poder colocar em dia suas lições.

Assim que passou pela porta, Hoseok acompanhou Yoongi em direção a mesa dele, uma escrivaninha pequena e
surrada de madeira, com duas gavetas. Havia uma pilha de partituras sobre ela, algumas canetas e um computador
jurássico.

- Eu estive pensando nisso, ia te dar de presente no nosso encontro, mas então tudo aquilo aconteceu então eu trouxe
para cá e estava esperando a melhor oportunidade para te entregar, mas se ficar esperando privacidade acho que não
vou conseguir fazer isso tão cedo. - Yoongi sorriu e se sentou na cadeira com certa dificuldade. Hobi se aproximou
apressado e pegou as muletas, as apoiando na escrivaninha enquanto o homem vasculhava a gaveta de cima.

O som da música quase perfeita que os dedos de Mi Sun emitiam nas teclas era um barulho distante para Hoseok,
quase uma música longínqua como se estivesse vindo a quarteirões de distância.

Elvis Presley, Can’t Help Falling In Love. Ele sabia que era a preferida de Mi Sun, pois também era a preferida de
Jiayu.
Hobi se abaixou, colocando os joelhos no chão diante da cadeira onde Yoongi estava sentado.

O professor de música tirou uma caixa relativamente pequena de dentro da gaveta, envolta em um papel amarelo e
enrolada em um barbante.

- O que é isso? - Hoseok franziu a testa, sem esconder sua animação. Ele nunca tinha sido do tipo que conseguia
dizer a frase “não precisava!” quando recebia um presente, na maioria das vezes ficava tão empolgado que era
impossível alguém pensar que se sentia mal por estar ganhando aquilo.

Yoongi sorriu, um pouco nervoso.

- Abre. - Entregou a caixa e focou toda sua atenção em cada traço do rosto de Hoseok, esperando captar sua reação.

Hobi rompeu o nó do barbante com os dentes e desenroscou a caixa dele rapidamente, em seguida rasgou o papel
com rapidez.

Assim que o papel se rompeu, ele já avistou o conteúdo e seus lábios se abriram um pouco com surpresa. O
sentimento era de total confusão e ao mesmo tempo de completa gratidão. Não havia nada no mundo capaz de
explicar aquele sentimento.

Como se sentisse que o mito sobre haver uma outra metade de sua alma habitando o corpo de outra pessoa fosse
verdade.

- Por que… - Ele tentou perguntar, mas a frase morreu na metade do caminho. Sua respiração estava falha e ele não
conseguia tirar os olhos daquela caixa.

Um objeto tão pequeno, mas que ele sabia exatamente o preço e mais que isso, o valor. E Yoongi, de certa forma,
tinha entendido que era muito mais do que um simples aparelho auditivo, era a conexão de Hoseok com o mundo
audivel.

- Eu pedi ajuda do seu médico, eu sei que você consulta com o doutor Cho aqui do instituto e ele me ajudou a
comprar, então só precisa regular de acordo com sua necessidade - Yoon explicou.

Hobi ergueu a cabeça, em seus olhos estava a completa descrença e total admiração estampadas, como uma
máscara de pura paixão e culpa.

Ele não queria causar prejuízo, e independente do que Yoongi falava, ele sabia que aquilo não era algo simples de
conseguir e de pagar.

Por isso ele mesmo não tinha conseguido substituir ainda.

- Eu nunca vou conseguir te recompensar, isso é… - Hobi riu, cobrindo a boca e olhando novamente para aquela
caixa.

- Vai me recompensar sim - Yoongi disse - Quero que me escute tocar. Todos os dias, até que meus dedos fiquem
duros e eu não consiga mais. Uma música por dia, no mínimo. Se prometer isso, não terá dívida nenhuma comigo.

Mi Sun observou, com o canto dos olhos, enquanto tocava fingindo estar distraída. Ela viu quando Hobi começou a
chorar e quando beijou Yoongi sem ao menos se importar com sua presença.

E ela sorriu.

Ela entendeu algo sobre o amor, como uma lição ensinada na escola.

Às vezes ele demorava um pouco para ser notado e acabava se perdendo no meio de corações inseguros e confusos,
como aconteceu com Sana e Jimin. Mesmo que doesse se afastar de quem amavam, não teriam conseguido entregar
um coração abarrotado de amor e coisas boas, se não tivessem primeiro eliminado aquelas antigas mágoas e
inseguranças.
Muitas vezes, podia ser atrasado por mera timidez e medos bobos, como Yoongi tinha passado tanto tempo se
esquivando de suas confissões e descobriu que bastava ter dito uma palavra sobre seus sentimentos e teria tido Hobi
muito antes do esperado.

Tinham vezes em que ele dava medo, como ela percebeu que aconteceu com seus appas. Por traumas do passado,
feridas ainda abertas, cicatrizes feias que faziam o coração se encolher de pavor de deixar alguém entrar de novo.
Mas com uma dose de coragem e um pouco de confiança, se percebia que amor não é o problema e sim a solução
para um coração machucado.

Mi Sun, que até então acreditava que o amor era um padrão fantasioso onde duas pessoas se apaixonam e se casam
e tem filhos, entendeu que era muito mais complicado que isso.

Não era igual para todos, nem na forma de nascer nos corações e nem na forma de se desenrolar.

A única coisa imutável sobre ele, era que o amor é uma casinha aconchegante e quentinha para passar os dias de
inverno e uma sombrinha refrescante para o pior do verão. O tempo de construção e qualidade da fundação, só
dependiam de quem estava trabalhando nisso.

❁❁❁

Assim que pisou na calçada fora do Instituto, Kim Taehyung respirou fundo e tomou consciência de um fato curioso.

Um ano. Fazia exatamente um ano, naquele mesmo dia, que tinha retornado a Coréia. Ele não viu o tempo passar,
não até olhar no calendário e se dar conta disso.

Ele olhou o homem ao seu lado, estavam indo em direção ao carro, mas Taehyung o segurou pelo pulso com firmeza
e o fez parar ali mesmo, quase atingindo uma ou duas pessoas com o puxão brusco.

- O que foi? - perguntou Jungkook.

Taehyung sorriu para ele.

- Vamos dar uma volta. - Taehyung pediu.

O moreno franziu a testa.

- Uma… volta? - Jungkook indagou, empurrando Taehyung delicadamente para mais perto da porta do Instituto para
não bloquearem o caminho de ninguém.

- É, vamos caminhar. Temos uma hora antes de a aula da Mi Sun acabar. - Taehyung o cutucou com o ombro e deu
alguns passos, o chamando para segui-lo.

E Jungkook seguiu.

Kim olhou por um instante para ele.

Na primeira vez que o viu, enxergou um moleque encrenqueiro, talvez fosse o que ele esperava de Jungkook por mera
rivalidade, ou talvez estivesse preso a aquela imagem de que garotos com o estilo dele fossem agressivos.

Parecia uma piada, olhando daquele ângulo agora, que Jungkook pudesse ser agressivo, arrogante ou um típico
valentão.

Taehyung pensou, por sua experiência com Jiayu, que eram necessários anos para se apaixonar por alguém
profundamente. Não tinha muito a ver com tempo, ele concluiu. Não saberia explicar exatamente em qual ponto duas
almas se conectavam daquela forma. Se era com palavras gentis, com afagos despretenciosos ou com sorrisos
alegres. Mas Jungkook o levou de jeito.

Mesmo que fizessem poucos dias de sua grande confissão e da decisão de se tornarem mais do que apenas um
“lance exclusivo”, Taehyung ousou fazer algo em que estava pensando há alguns meses.

Ele esticou a mão, sem nenhuma vergonha ou medo por estarem caminhando em uma rua lotada, e entrelaçou seus
dedos com os de Jungkook.

Jeon abriu um sorriso sem ao menos olhar para ele e apertou sua mão como uma forma de corresponder aquele
gesto.

- Quer saber? Eu me inscrevi naquela coisa que se faz para entrar na faculdade - disse Taehyung, decidindo manter
um diálogo normal para tornar aquele gesto o mais casual possível.

- Você quer dizer o vestibular? - Jungkook ergueu uma sobrancelha.

- Isso. - Taehyung notou alguns olhares um pouco rudes em direção a eles, mas ignorou qualquer que fosse a
sensação de constrangimento. Não era ele quem estava fazendo algo errado por segurar a mão do próprio namorado
em público. - Você prometeu que ia me ajudar a estudar.

- Se é isso que você quer, vou ficar mais do que feliz em te ajudar, Taehyung - disse Jungkook.

- Eu acho que perdi muito tempo. Não é como se eu me arrependesse de qualquer escolha que tomei, Jaeyun me
disse que preciso aceitar que qualquer escolha tomada no passado não pode ser alterada, então não há motivos para
ficar pensando sobre como teria sido se fosse diferente. - Taehyung diminuiu o passo, Jungkook fez o mesmo para se
manter segurando a mão dele, mesmo tendo que desviar das pessoas o tempo todo. - Mas eu quero fazer algo daqui
em diante. Muitas coisas, na verdade.

Taehyung olhou para o lado, viu seu reflexo ao lado de Jungkook ao passar pelas vitrines, percebeu como gostava da
imagem de ambos juntos. Mãos unidas, corpos próximos, mandando para quem quer que passasse por eles, a
mensagem clara e óbvia de que eram muito mais que dois amigos.

O loiro puxou a mão de Jungkook, parando na calçada e o segurando para parar consigo. O moreno estranhou a
princípio, olhando para Taehyung com curiosidade e encontrando seus olhos cravados na vitrine do antiquário.

Olhou para o vidro bem limpo e polido, vendo as dezenas de velharias expostas e também seu reflexo.

- O que você está vendo? - Jungkook perguntou. Taehyung o olhou, em seguida se aproximou mais da vitrine e olhou
de perto para o relógio que estava ali. Um cuco antigo, parecia uma pequena casa de madeira, números romanos para
marcar as horas e uma pequena portinha por onde Taehyung acreditava que um passarinho pularia para avisar as
horas.

Taehyung olhou o ponteiro, que se moveu um minuto no instante em que os olhos dele se pousaram no relógio.

Ele ainda não podia dizer se estava completamente curado de seu trauma do som do relógio, mas começava a
entender que seu maior pânico não era o barulho em si.

Era a sensação de estar preso em um mesmo lugar enquanto o relógio andava.

Ele lutaria para não ter aquela sensação nunca mais.

- Você está bem? - Jungkook se aproximou dele para perguntar. Taehyung olhou em seus olhosz cheios de
preocupação.

- Eu amo você - respondeu Taehyung, beijando a ponta do nariz dele e o arrastando pela mão para continuar a
caminhada.

Jungkook sorriu.

Ainda não estava acostumado com aquilo, mesmo que Taehyung fizesse questão de dizer o tempo todo. Um hábito
que ele estava adorando, para ressaltar.
- Não foi o que eu perguntei - ele retrucou.

- Mas é minha resposta. É óbvio que eu estou bem porque eu amo você e você me ama, está tudo certo. - Taehyung
beijou a mão dele e continuou andando. - Acho que era para ser assim desde o começo.

❁❁❁

- Não, agende um horário com a testemunha que eu estarei lá. De preferência depois das duas, eu estou indo almoçar
agora. - Namjoon mantinha o ritmo, andando rapidamente pelo saguão de entrada e dando uma breve olhada no
relógio. - Certo, mande tudo para a minha sala, preciso desligar.

Ele mal apertou a tecla para encerrar a chamada e enfiou o celular no bolso. Passou pela porta do prédio e respirou
fundo ao se ver do lado de fora. Teria que comer o mais rápido possível, aquele caso em que vinha trabalhando
estava lhe dando uma dor de cabeça tremenda.

Desceu os poucos degraus que davam acesso à calçada e olhou direto para Jin.

O homem estava encostado no carro e parecia estar esperando ali há alguns minutos.

Nam diminuiu o passo, franzindo a testa com um pouco de suspeita no olhar dirigido a Jin.

- Me recuso a acreditar que isso seja uma coincidência - disse Nam, ao se aproximar dele.

Jin respirou fundo.

- Eu não costumo sair do escritório para almoçar, mas estava muito abafado lá hoje e eu não gosto de comer sozinho.
Meus irmãos estavam ocupados e não podiam sair comigo, então me restou você - disse Jin - Estava só passando
aqui na frente e lembrei que talvez pudéssemos almoçar juntos.

Namjoon sorriu, aquele olhar que dizia que não acreditava em uma palavra sequer do que Jin estava dizendo, mas o
homem não se importou.

O advogado assentiu.

- Você não me ligou, depois daquele dia. - Jin deixou escapar o que estava lhe incomodando. Tinha fechado uma
semana desde o dia que jantaram juntos em um restaurante pequeno em Gangnam, mas desde aquela noite,
Namjoon não o procurou.

- Achei que não tinha tempo para essas coisas, não queria ser um incômodo - respondeu Namjoon.

- Eu poderia ter tirado um tempo se você tivesse ligado - o outro retrucou.

Jin olhou direto nos olhos dele. Queria um sinal divino ou qualquer aviso de que deveria apenas dar as costas e seguir
com sua vida antes que Namjoon a bagunçasse por completo, mas chegou a conclusão que já era tarde demais para
escapar.

- Vamos no seu carro? - Namjoon perguntou. Jin assentiu e sem dizer mais nada, deu a volta até o lado do motorista.

Foi um pouco estranho, entraram no carro em silêncio, parecia tudo tenso demais quando colocaram os cintos e Jin,
ao invés de ligar o carro e apenas dirigir, ficou parado ali sem fazer nada, apenas olhando para o movimento na rua e
pensando sobre todo o texto que tinha elaborado em mente no caminho.

- Você quer dizer algo? - Namjoon tamborilou os dedos na própria perna. Ele sentia que podia ter um ataque cardíaco
ali mesmo se Jin não abrisse a boca logo.

- Eu na verdade queria convidar você para sair comigo. - Jin pigarreou, apertando o volante com força e sem olhar
para o homem sentado no banco do carona. - Foi por isso que vim até aqui.

- Um encontro? - Namjoon tentou conter um sorriso.


- Eu não costumo fazer isso. Todas as pessoas com quem me relacionei até hoje foi tudo casual e eu só queria deixar
claro que não quero ser só um de seus casos passageiros, o Taehyung me disse como você costuma levar esse tipo
de coisa na sua vida. - Jin olhou para ele, parecia determinado, como se aquilo fosse uma reunião de negócios, no
entanto, seu olhar parecia coberto de ansiedade e medo. Temia a resposta de Namjoon. - Se você estiver saindo
comigo porque quer sexo casual e adeus, saia do carro agora, eu não vou me meter com você nessas condições.

Namjoon ficou quieto, por um tempo torturante. Isso até juntar as peças em sua mente e concluir seu raciocínio.

- Você disse que se envolveu só casualmente até agora, porque quer mudar isso de repente? - perguntou ele.

Jin não tinha uma resposta exata. Não tinha a ver com nada além daquele formigamento, aquela sensação de que se
Namjoon ficasse com ele uma vez e fosse embora, levaria algo consigo que deixaria Jin um pouco devastado.

- Eu acho que quero algo fixo na minha vida além do trabalho. - Jin se encostou para trás, apoiando a cabeça no
banco. - E acho que não posso olhar para você como algo passageiro, parece…

Ele se calou. Era tolice. Pensar ou dizer qualquer coisa sobre aquilo naquele momento. Não era nada tão profundo
que pudesse deixar uma marca incurável se acabasse naquele instante, mas também não era insignificante a ponto de
não deixar uma dor corroendo por dentro.

Eles estavam no ponto crucial, bem na linha entre ir adiante e arriscar tudo e recuar e não levar nada.

- Parece…? - Namjoon queria ouvir tudo.

- Que tem algo crescendo em uma velocidade anormal e que isso tem capacidade de me destruir por inteiro se eu
deixar. - Jin puxou o ar com profundidade. - Mas que também pode me fazer sentir a vida como eu nunca tinha sentido
antes.

Namjoon assentiu. Ele sentia a mesma coisa.

- Então saia do carro se você não quer se envolver. - Jin ajeitou a postura, como se só estivesse esperando o homem
abrir a porta e sair para poder seguir sua vida.

Namjoon assentiu.

- Vamos logo, eu não tenho o dia todo e estou faminto. Acho bom me levar a um bom restaurante - disse ele.

Jin franziu a testa e o olhou com incredulidade.

- Você…

- Também não quero só um caso passageiro, Jin. - Namjoon piscou para ele.

Jin riu. Só podia ser brincadeira.

- Aigoo! Você me tirou o sono por uma semana, seu cretino! - disse ele, colocando a chave da ignição.

- Eu causo esse efeito nas pessoas. - Namjoon riu com ele.

Jin não sabia o que dizer ou fazer a partir dali. Aquilo significava que ele definitivamente estava saindo com aquele
cara e disposto a levar aquilo adiante se funcionasse. E queria muito que funcionasse.

Mas o que ele devia fazer naquele momento.

Sua mente estava em branco e seu coração acelerado demais para poder ser ouvido.

- Tá legal, deixa que eu faço isso. - Namjoon falou, avançando para a frente e segurando o queixo de Jin com firmeza
antes de buscar seus lábios em um beijo inesperado.
Mas Jin conseguiu pensar rapidamente a tempo de beijá-lo de volta, mesmo que seu corpo todo estivesse mole feito
gelatina.

Kim Namjoon era definitivamente um presente divino, ele não saberia quem mais poderia ter enviado aquele homem
para sua vida. Se lembraria de ir à igreja e ser muito atencioso na hora de agradecer.

❁❁❁

As luzes já tinham sido apagadas. Todas exceto pelo abajur ao lado da cama e as estrelinhas presas na cabeceira.

E Mi Sun estava deitada, enquanto seu pai arrumava os travesseiros e ajeitava os cobertores para que ela ficasse
confortável, mesmo depois de ter dito que já podia fazer isso sozinha.

Ela observou o rosto tranquilo e o sorrisinho fixo nos lábios de Taehyung, a forma como ele estava cantarolando uma
música o dia todo. Alegre, cheio de animação e felicidade.

Mi Sun sorriu, pensando em como logo quando ele voltou para casa, parecia apagado. Ela não entendia como as
pessoas podiam irradiar algo parecido com cores, era como se olhasse para seu appa Tae naquela época e ele fosse
cinza, azul, apagadinho como um vagalume em seus últimos dias de vida.

Todos os dias a garotinha tentava, mas não via nada em seus olhos além do amor que sentia por ela. Isso era tudo.

Ela não saberia apontar em qual instante as coisas mudaram, qual foi o momento decisivo que transformou Taehyung
de uma imagem apagada e fosca em um arco-íris brilhante e resplandecente, mas ela gostava disso.

- Você está bem quentinha? - perguntou ele, acariciando a bochecha dela. Mi Sun assentiu.

- Appa, posso perguntar uma coisa? - ela pediu. Taehyung não hesitou em assentir. - Você e o appa Ggukie são
namoradinhos agora, certo?

Taehyung tomou fôlego, seu sorriso ficou ainda maior e Mi Sun notou as bochechas ficarem bem rosinhas.

- Sim, joaninha - disse ele.

- Agora eu posso pedir um irmão? - perguntou ela, com olhinhos inocentes.

Taehyung fechou a cara.

- Pergunte de novo daqui uns cinco anos, até lá esse papo de irmão morre aqui, entendeu? - Ele estreitou os olhos,
tentando soar ameaçador.

- Mas…

- Sem ‘mas’, assunto encerrado. - Ele beijou a testa dela com carinho e se afastou, com uma piscadela.

Ela suspirou, derrotada. Seus olhinhos pareceram repentinamente se encherem de outros pensamentos. Taehyung
captou seu sorrisinho doce e ficou curioso sobre o que se passava na mente dela, sentando na beira da cama.

Mas antes que pudesse perguntar, ela falou o que estava pensando.

- Eu estou muito feliz por você ter decidido voltar para mim, appa - disse ela - Quando você estava longe, alguns
meninos na escola diziam que não gostava de ter uma filha com defeito, por isso foi embora. Mas eu sabia que você
não se importava, sempre soube. Só que…

Ela suspirou.

- Eu comecei a pensar depois de um tempo que era verdade - confessou, em voz baixa - Me desculpa, appa.

Taehyung costumava se preocupar com Mi Sun o odiando quando voltasse, o rejeitando por ter se afastado tanto
tempo. Mas nunca pensou que ela poderia se sentir culpada por ele ter decidido partir, com toda a certeza aquilo
despedaçou seu coração a ponto de uma vontade de chorar o consumir por completo.

Mas ele se conteve.

- Você não tem defeito nenhum, joaninha. Eu fiquei longe por muito tempo, é verdade, mas tudo o que eu pensava
todos os dias era voltar para você. - Ele se inclinou, pousando o queixo no peito dela e deixando que Mi Sun fizesse o
que mais gostava: acariciar seu rosto e seus cabelos.

- Eu sou surda. - Ela engoliu seco. - Eu não ligava pra isso antes, mas os meninos da minha turma… eles são
maldosos, appa, isso me incomoda.

- Foi neles que você bateu antes de eu voltar? - Taehyung perguntou. Ela assentiu. - Olhe bem, nunca, nunquinha
mesmo, você deve ligar para o que eles dizem. Você é esperta, é inteligente, é gentil, bonita e talentosa e outras
infinitas coisas boas que sua mãe e eu colocamos em você. Você lembra o que ela costumava falar?

- Que ninguém no mundo pode ser completamente perfeito e se minha audição fosse boa eu seria a perfeição e a terra
entraria em copaliso - disse ela, se lembrando com um sorriso do que sua mãe costumava falar todas as vezes que ela
pensava muito sobre aquilo.

Taehyung riu.

- Colapso - corrigiu ele - E ela estava certa. Pelo bem da humanidade, e para que todos nós meros mortais tenhamos
a chance de admirar sua beleza, inteligência e perspicácia, você tem essa pequena dificuldade. Você queria
sobrecarregar o universo a ponto de ele explodir por ser totalmente perfeita e maravilhosa?

Ela riu.

- Você está exagerando, appa! - disse, desviando o olhar com timidez.

- Você é perfeita para mim. E para Jungkook. E para todos os seus amigos. E é perfeita para sua mãe. - Taehyung
virou o rosto para beijar a palma da mão dela que estava cobrindo sua bochecha. - Então se alguém disser qualquer
coisa que te deixe triste, use seu superpoder.

- Colocar eles no mudo? - Ela riu.

Taehyung sorriu e assentiu, apertando as costelas dela para arrancar uma daquelas gargalhadas que o tornavam
completamente rendido por sua garotinha.

- Isso mesmo, coloque eles no mudo - disse ele - Agora vá dormir porque amanhã você tem aula. Já deu boa noite
para seu pai?

- Para um deles, sim. Falta você - Mi Sun respondeu.

Taehyung apertou as bochechas dela e deu um beijo estalado em cada uma.

- Boa noite, joaninha - disse ele, ao se levantar.

- Boa noite, appa - respondeu ela, tirou o aparelho do ouvido e colocou na mesa de cabeceira.

Taehyung apagou a luz do abajur e deixou apenas as estrelinhas da cabeceira, como fazia todas as noites. Mi Sun
fechou os olhos e ele saiu do quarto, fechando a porta devagar apenas para ter mais tempo olhando para ela pela
fresta.

No dia que Mi Sun nasceu, ela chorou tanto quando ele a pegou nos braços que Taehyung se escondeu no banheiro
do hospital e chorou por quase vinte minutos se julgando um péssimo pai.

Jiayu lhe disse que era porque ele não tinha segurado da forma certa e ela se assustou, mas ele se recusou a
acreditar que tinha sido apenas aquilo.

Por muitos meses ele temia segurá-la, até uma noite em que Jiayu estava tão exausta que dormiu sentada enquanto a
amamentava. Assim que Mi Sun terminou de se alimentar, ele a pegou com a maior cautela dos braços da esposa na
intenção de colocar a garotinha para dormir.

Esperou que ela fosse chorar e espernear, no entanto, Mi Sun se aconchegou nele e ficou o olhando com a maior
serenidade enquanto Taehyung a ninava até que caísse no sono.

Ele temeu ser um pai ruim, por muito tempo. Mas percebeu que talvez não fosse um pai péssimo, apenas um homem
que cometeu alguns erros. Mas amava sua menina o suficiente para enfrentar o mundo por ela.

Taehyung fechou a porta do quarto ao entrar, olhou para a cama e ao invés de encontrar Jungkook ali, avistou o local
vazio. Ouviu o som do chuveiro ligado e concluiu que o moreno estava no banho.

Ele vestiu o pijama, se deitou e esperou.

Estava quase pegando no sono quando sentiu a cama afundar ao seu lado e Jungkook o puxar para perto até colocar
seu peito contra as costas de Taehyung.

O loiro sorriu.

- Você já dormiu? - perguntou Jeon, esfregando o rosto contra o pescoço de Taehyung um pouco manhoso.

- Não. - Taehyung tocou o braço dele.

- Isso é bom. - Jungkook sorriu malicioso, beijando a nuca dele.

- O que? - perguntou Taehyung, fingindo inocência.

- Que esteja acordado. - Jungkook colocou a mão por baixo da camisa dele, subindo seus dedos levemente pelo peito
quente de Taehyung enquanto beijava a curva de seu pescoço.

- Por quê? - Taehyung mordeu o lábio, apertando com firmeza o travesseiro.

- Estou entediado - Jungkook resmungou, contra a pele dele.

Taehyung sorriu.

Ele estava esperando por aquilo, na verdade.

Ele girou o próprio corpo de forma tão certeira e precisa, que provou como estava calculando o movimento há mais
tempo do que Jungkook podia pensar. Apoiou as duas pernas em volta da cintura do moreno e girou o corpo dele com
o seu até estar sentado sobre ele olhando para um Jungkook um pouco atordoado.

Tirou a camisa e a jogou no chão antes mesmo que o moreno pudesse piscar.

- Você estava premeditando isso, não estava? - Jungkook perguntou, impressionado.

- A tarde toda. - Taehyung percebeu que não precisaria se livrar da camiseta de Jungkook já que ele não estava
usando uma. Puxou a corrente que ele tinha em volta do pescoço e se inclinou com um sorrisinho pervertido. - Eu já
transei com o pai da minha filha, agora eu quero transar com o meu namorado.

Jungkook sorriu.

- Seu namorado, é? - Jeon mordiscou o lábio dele e colocou a mão na nuca do loiro para mantê-lo onde estava, a
milímetros de um beijo.

Taehyung sorriu. E assentiu.


- Um carinha irritante que eu amo. - Ele revirou os olhos e torceu o nariz. Jungkook riu.

- Acho que devia mostrar a ele quanto amor tem guardado aí. - Jungkook traçou um caminho com os dedos nas costas
dele e espalmou as mãos, apertando a pele de Taehyung com as mãos macias e suaves.

- Você acha? - Taehyung sussurrou, beijando o canto da boca dele.

- Aham. - Jungkook desceu as mãos pela coluna dele.

- Amor? - Taehyung se afastou um pouco para olhar nos olhos dele. Jungkook levou alguns segundos para entender
que Taehyung estava chamando ele ao pronunciar aquela palavra.

- Fale. - Jungkook sorriu como um bobo.

- Nada, eu só gosto de te chamar assim. - Taehyung abriu um grande sorriso.

- Então vamos fazer um acordo simples. - Jungkook se sentou, Taehyung se assustou um pouco, mas conseguiu se
equilibrar apoiando as mãos nos ombros dele. Em seguida, cruzou as pernas em volta da cintura do moreno.
Jungkook beijou o peito dele. - Só me chame de ‘amor’ o resto da noite. Se me chamar de qualquer outra coisa, você
vai sofrer as consequências, entendido?

Taehyung sorriu e mordeu o lábio para conter a empolgação. Parecia que aquela ameaça tinha sido a promessa de
um presente inestimável.

- Entendido… amor. - Taehyung riu, meio tímido e meio entusiasmado com aquele jogo.

Jungkook riu.

- Aigoo! Você é fofo, sabia? - O moreno beijou a bochecha dele.

Taehyung fechou a cara.

- Eu sou um soldado mortal, meu amor. Treinado para acabar com um exército terrorista. Não me chame de fofo, eu
posso… - Jeon o calou com um selinho.

- Fo-fo. Fofinho. - Jungkook provocou.

Taehyung o beijou, para evitar que seu sorrisinho se mostrasse evidente e ele pudesse manter sua reputação. Os
lábios de Jungkook se moveram contra os seus com calma e lascívia, cada toque de sua língua levava um
formigamento e uma onda de total euforia pelo corpo de Taehyung.

Ele queria viver ali pelo resto da vida. Pois quando Jungkook o beijava, cada pedacinho de Taehyung se sentia digno
daquilo.

Jungkook o convenceu de que ele merecia todo o amor que recebia.

Marcel Proust disse: “Os dias talvez sejam iguais para o relógio, mas não para o homem”.

Mesmo que os dias pudessem ser semelhantes, mesmo que houvesse uma rotina, depois de um certo tempo, Kim
Taehyung percebeu que nenhum dia era igual. A única coisa que se mostrou permanente, foram algumas poucas
pessoas e era tudo que lhe importava.

Cinco anos passaram por ele como um trem bala e mesmo que em vários momentos ele parasse olhando para sua
filha e percebendo que ela estava crescendo mais rápido do que esperava, Taehyung não conseguia mais se sentir
mal por ver as horas, dias, meses e anos correndo por ele.

Parecia uma dádiva acompanhar as mudanças e não um fardo.


Ele se apressou em sair da sala no instante em que o professor deu a aula como encerrada. Uma pilha de livros
apoiada em um braço e o telefone na mão livre. Ele não se importava de ser o mais velho de todas as suas turmas,
não se importava de saber que só se formaria de fato aos 38 anos e, contando com a residência, só poderia de fato
atuar na área aos 41.

Era divertido, desafiador e um pouco empolgante estudar medicina e ele não se cansava do fato de que Jeon
Jungkook costumava se gabar disso para absolutamente qualquer pessoa que encontrava.

Taehyung discou o número, com a agilidade impressionante de quem fazia isso pelo menos umas cinco vezes por dia.

No segundo toque, a voz veio totalmente serena acompanhada de gritos infantis quase ensurdecedores.

Kim Taehyung também, secretamente, gostava de se gabar que seu namorado tinha um dom nato com crianças e era
o melhor professor da escola onde trabalhava. Mesmo que muitos não achassem grande coisa, para ele era
simplesmente o máximo.

- E aí, como foi? - Jungkook perguntou, ansioso.

- Eu passei! - Taehyung suspirou, finalmente respirando pela primeira vez desde o instante que deixou a classe.
Empurrou a porta do banheiro masculino com toda a força e entrou, agradecendo por estar vazio. Deixou os livros
apoiados na bancada da pia e se olhou no espelho. - Foi ali, Jungkook-ah! Você precisava ter visto, todo mundo
estava morrendo de medo, só sete alunos foram aprovados e eu fui um deles, ainda estou tremendo.

Jungkook riu do outro lado. Ele provavelmente estava com aquele sorriso orgulhoso, se controlando para não pular de
alegria ali mesmo.

- Eu disse que você era o melhor, por que não acredita em mim quando eu digo as coisas, Taehyung-ssi? - Jungkook
disse, em tom de repreensão.

- Você não estava se referindo aos estudos, tenho plena certeza - retrucou o loiro.

- Aish! Eu estava me referindo no geral, você que é… não, Hajoo, você não pode enfiar isso na boca… SOLTA! -
Jungkook aparentemente começou a correr, sem ao menos lembrar que ainda estava na linha. Taehyung riu, o que foi
suficiente para lembrá-lo de sua existência. - Eu te ligo depois, baby, preciso impedir que essas crianças causem a
minha demissão. Vamos jantar fora hoje para comemorar?

- Vamos sim - respondeu Taehyung, ainda olhando o próprio reflexo. Ele observou as próprias bochechas coradas e
sorriu para si mesmo. - Eu amo você.

- Também te amo e você mereceu. Estou orgulhoso de você, vou mostrar toda minha admiração hoje a noite, mas
agora eu realmente… HAJOO! - Ele encerrou a chamada, ou o que Taehyung acreditava ser o mais provável,
derrubou desastrosamente o celular enquanto impedia alguma criança de comer algo inapropriado.

Taehyung jogou água no rosto, deu palmadinhas nas bochechas e se olhou no espelho com atenção.

Ele tinha prometido que Jungkook seria o primeiro a saber se ele fosse aprovado naquela matéria, o homem merecia
depois de passar quase três noites em claro o ajudando a memorizar o conteúdo.

Taehyung suspirou.

Não conseguia parar de sorrir. Nem por um instante, parecia até irritante, mas na grande maioria do tempo ele estava
sorrindo como um idiota. Sua vida se resumia a aquilo.

E era uma ótima sensação.

Ele agarrou seus livros, saiu do banheiro de cabeça erguida e não olhou para lado algum enquanto andava pelo
campus, exibindo sua total soberba por ter se saído bem, mesmo que absolutamente ninguém que passasse por ele
pudesse saber.
Andar de nariz empinado, ele concluiu, era uma péssima ideia.

Por não olhar para qualquer direção, enquanto andava pela calçada em direção ao estacionamento, acabou
trombando em alguém de forma nada sutil.

Ele tinha duas escolhas a partir daquele ponto. Podia equilibrar e segurar seus livros caríssimos ou segurar a pobre
garota e impedir que ela acabasse se espatifando no chão.

Os livros caíram de forma nada elegante, provavelmente sujando e amassando por completo, quando ele os soltou e
segurou a adolescente pelos dois braços e a manteve de pé.

- Me desculpa, eu não te vi! - Ele pediu de imediato, se sentindo completamente culpado e já esperando que a menina
fosse mandá-lo ver por onde andava.

- Senhor, me perdoe eu não deveria estar correndo! - A garota, com uniforme colegial, se afastou dele o suficiente
para se inclinar com as mãos juntas parecendo um pouco afobada em se desculpar. Ela fez menção de se abaixar
para pegar os livros, mas Taehyung sinalizou no mesmo instante para que ela parasse.

- Eu pego, não se preocupe, eu deveria estar cuidando o caminho. - Ele se abaixou, mas mesmo que tivesse pedido, a
garota se ajoelhou no chão para ajudá-lo.

- Eu te disse para não correr, Jang Jihye! - Aquela voz. Taehyung nunca entendeu como podia a voz de alguém com
quem ele tinha falado apenas duas vezes, podia estar tão fielmente gravada em sua memória de forma inalterada.
Mesmo que não pensasse sobre ela há anos, continuava ali, guardado em um canto onde ninguém era capaz de
mexer.

Ele engoliu seco, olhou de esguelha para a menina e sentiu um leve embrulhar no estômago. Suas mãos temeram e
ele se esforçou para fechar um dos livros e tirá-lo do chão.

Quando a mulher se aproximou, aparentemente notou sua presença de forma tão tardia que o choque a pegou em
cheio a ponto de ela não refrear a língua.

- Taehyung? - disse Eunji, olhando o rosto de seu primogênito com um misto de desespero e ternura.

A garota, Jang Jihye, se levantou com ele, um olhar um pouco confuso ao intercalar sua atenção entre a mãe e o
estranho ao lhe alcançar a pilha de livros.

- Você conhece minha mãe? - perguntou Jihye. Taehyung notou o rosto dela, talvez a garota não tivesse percebido,
mas ele viu claramente as semelhanças entre o rosto da adolescente e o seu próprio. O sorriso. Ele arriscaria dizer
que era idêntico, mesmo que ela possuísse outros traços que talvez mascarassem a semelhança.

Taehyung olhou para sua mãe. A mulher estava pálida, os olhos um pouco pavorosos e uma súplica silenciosa
deixava seu rosto submerso em total pavor.

Taehyung entendeu o olhar de Eunji. O olhar de uma mãe que não queria que a filha conhecesse seu passado, que
sabia que a mente de uma adolescente podia ser afetada profundamente com aquela informação. Ele pensou em sua
filha, e tudo que conseguiu fazer, foi manter aquele segredo onde estava. Muito bem escondido.

- Sua mãe fazia trabalho voluntário no orfanato onde eu cresci - ele disse, com um sorriso gentil direcionado a garota.
Não podia evitar a palavra que predominava em sua mente, mas não se apossaria dela, não a usaria, pois não lhe
pertencia. Irmã. Jihye não era sua irmã, mesmo que o DNA que corresse em suas veias fosse o mesmo, por muitas
razões, aquela garota não era nada dele.

- Omma, você não me disse que fazia trabalho voluntário! Isso é muito maneiro! - Jihye disse.

Eunji sorriu, uma espécie de suspiro escapou de seus lábios.


- Faz muitos anos, como pode notar - Taehyung brincou. Jihye riu alto, seus olhos se tornaram riscos finos no rosto e o
fazendo se lembrar de Mi Sun.

- Uau, o senhor estuda medicina? Eu também quero estudar medicina! - A garota espiou o título de seus livros com
entusiasmo. - Viemos encontrar meu pai, ele trabalha aqui! O senhor o conhece? Jang Soo Nyu?

Taehyung entreabriu os lábios suavemente.

- O reitor? - exclamou, um pouco surpreso. Jihye assentiu empolgada.

- Sim! Ele parece rabugento, eu sei, mas meu appa é um molenga! - Jihye sussurrou, como uma confidência,
recebendo um tapinha inofensivo da mãe.

- Aigoo! Não saia falando assim do seu pai! - Eunji riu. - Agora entre, viu? Vá e encontre seu pai, diga que estamos
esperando.

Jihye suspirou, decepcionada e se inclinou um pouco, olhando direto nos olhos de Taehyung e lhe lançando um
sorriso que pareceu abraçá-lo por completo.

- Talvez um dia você possa me ajudar quando eu estiver na faculdade, senhor… - Ela esperou uma resposta.

- Kim Taehyung - ele respondeu, prontamente.

- Kim Taehyung, gostei. Soa como um bom doutor. - Ela se afastou, ainda tagarelando sozinha. - “Doutor Kim
Taehyung, compareça a emergência”. - Olhou para trás e ergueu dois polegares em sinal de total convicção. - Eu me
sentirei segura de ser atendida pelo senhor, doutor Kim!

Taehyung riu. Não deixou de olhar para a menina enquanto ela corria para dentro do prédio. Era bonita, parecia
educada e muito gentil. Eunji definitivamente era uma boa mãe, ao que parecia.

- É tão bom ver você, Taehyung - disse ela, o lembrando que ainda estava ali.

Taehyung era um homem adulto, mas mesmo depois de tantos anos, ainda se sentia comovido com a voz dela. Com a
forma como dizia seu nome de uma forma que fazia realmente sentir que se importava, o jeito como lhe olhava com
carinho enquanto dizia isso. Como se ele não tivesse arruinado sua vida.

- Você quer tomar um café comigo? - ela perguntou.

Taehyung respirou fundo, apertando os livros que tinha em mãos.

- Vamos poder ser honestos? - ele perguntou. Ela apenas assentiu. - Então sim… eu quero.

❁❁❁

Eles sabiam que muitas pessoas estavam aguardando do lado de fora. Sabiam que muitos estavam acompanhando,
ansiosos, pela televisão. Havia muita expectativa, muita esperança e talvez muita coragem permeando suas vidas
naquele momento.

Os dedos de Hobi, entrelaçados com os seus, tremiam contra sua pele. Yoongi sacudia a perna nervosamente sem
saber ao certo uma forma de acalmar seu nervosismo.

Eles não esperavam que algum dia estariam ali, liderando uma audiência em favor de algo que pudesse mudar o
futuro de tantas pessoas, no entanto estavam.

A decisão envolvia tantas questões políticas e jurídicas que eles sequer eram capazes de contar. Havia mais de três
dezenas de parlamentares e advogados naquela sala, ambos assistiam tudo como se vissem de camarote aquela
torturante reunião.

Votação. Assim como qualquer aprovação de leis, aquela decisão estava sujeita a aprovação de uma legião de
parlamentares que talvez fossem todos conservadores, por se tratarem de sua maioria na casa dos cinquenta.

Os mais velhos, Namjoon explicou antes de entrarem na sala naquela manhã, eram em sua maioria preconceituosos
por conta de seus costumes e princípios éticos.

Eles tinham grande chance de fracassar, como outras dezenas de pessoas fracassaram antes deles.

- Antes de iniciarmos a votação, eu tenho algo a dizer. - O presidente do parlamento era um homem idoso,
aparentando já ter mais de sessenta por sua postura cansada e olhos bem fechados pelas rugas. Yoongi e Hoseok
prenderam a respiração, havia um medo em especial com relação a aquele homenzinho minúsculo. O mais velho,
logo, poderia ser o maior amante da família tradicional. - Acho que antes de qualquer um de vocês escolher seu voto,
todos devem fechar seus olhos.

Hoseok engoliu seco.

Namjoon, que estava ao lado dos dois em assentos bem ao fundo do local, ajeitou a postura como se estivesse pronto
para intervir em nome de seus clientes, mesmo sabendo que não poderia dizer uma palavra, do contrário, os três
seriam arrastados para fora dali.

Os parlamentares começaram uma troca de olhares confusos, havia um questionamento silencioso sobre a sanidade
do velho presidente Kang, no entanto, aos poucos, todos obedeceram e fecharam os olhos.

- Agora imaginem os rostos de suas amadas esposas, namoradas ou noivas. As pessoas sem as quais vocês não
conseguem se imaginar vivendo, com quem querem passar o resto de seus dias - disse o homem. Ele ficou em
silêncio por um tempo, dando a todos a chance de visualizarem o que tinha pedido. - Agora imaginem que alguém lhes
diga que é errado e completamente absurdo vocês estarem apaixonados por elas. Que isso é uma aberração e não
deve nem ser mencionado em frente as nossas crianças.

Hobi franziu a testa, Yoongi parou de tremer a perna por um instante. Os dois trocaram um rápido olhar surpreso e
ansioso e voltaram a encarar a reunião.

- Vocês acham que doeria não poder andar de mãos dadas com ela na rua, ou, vamos ser mais específicos, não
acham que doeria muito jamais poder levar essa pessoa até um altar e jurar amor eterno como tantas outras pessoas
fazem? - O presidente Kang ergueu a caneta que tinha em mãos, apontando para o casal nos fundos da Assembléia.
- O que os torna diferentes se o amor que vocês sentem por suas esposas é o mesmo que motivou esses dois jovens
a moverem todo um parlamento em busca do direito de apenas se casarem e terem uma família como todos aqui?

Silêncio. Nada além disso dominou o local. Era angustiante.

- Nem todos tem condições de sair do país para conseguirem uma certidão de casamento - disse o presidente - E se
eu sair daqui hoje sabendo que esses dois jovens apaixonados e não apenas eles, outras centenas de casais, jamais
terão a chance de trocarem votos e alianças assim como eu fiz com minha esposa por quem sou perdidamente
apaixonado, estarei profundamente decepcionado com essa Assembléia. Isso é tudo, podemos começar as votações.

Yoongi acariciou a mão de Hoseok e se inclinou em direção a ele ao perceber seu olhar apreensivo.

- Eu vou continuar te amando com ou sem uma certidão de casamento - sussurrou ele, perto do ouvido do namorado. -
Mesmo que falhemos aqui, eu sempre me sentirei como seu legítimo esposo.

Hobi o olhou nos olhos. Abriu um singelo sorriso. Aquilo era tudo de que precisava.

❁❁❁

- Medicina. Eu imaginei que você fosse inteligente quando nos vimos pela primeira vez. - Eunji pousou a xícara na
mesa depois de um longo gole de café. Taehyung sequer tocou na sua própria, continuou a olhando com um olhar que
não era nada além de um grande mistério.
Aquela cafeteria no campus era suficiente, ainda mais quando havia a opção de se sentarem nós fundos, onde um
jardim rodeado pelas paredes da construção dava um espaço agradável para uma conversa tão dura.

- Meu namorado me ajudou com os estudos. Ele tem bons truques para me ajudar a lembrar da matéria - explicou o
loiro, tentando não demonstrar sua ansiedade pelo assunto principal.

Mas ela notou. De alguma forma sobrenatural, aquela mulher parecia conseguir ver além de seus olhos, no fundo de
sua alma, aquilo que mais o perturbava.

Eunji abriu um pequeno sorriso. Ela ainda o olhava daquele jeito. Com amor. Ela não deveria sentir uma gota sequer
de afeto por ele, Taehyung sentia que não merecia aquilo dela.

- Você pode falar, Taehyung. Diga tudo que tem para me dizer. Seja totalmente honesto - ela pediu.

- Eu sei que fui fruto de um abuso. Eu sei que me deixou lá porque tinha nojo de mim e eu, em momento nenhum em
toda a minha vida eu consegui te odiar por isso. Nem ao menos fiquei ressentido, eu na verdade… - Ele evitou contato
visual. Seus olhos estavam fixos em seus dedos, dobrando um guardanapo sobre a mesa de forma muito lenta,
querendo manter sua mente ocupada para não sentir vontade de chorar. - Na verdade eu queria me desculpar por ter
nascido.

Eunji, com seu coração ferido por escolhas que foram feitas há tanto tempo, por uma garota jovem que sequer sabia o
que estava acontecendo, olhou para ele. Se permitindo apenas olhar para o filho que nunca pode ter.

Ela sentiu os olhos ardendo e mesmo tendo dito a si mesma que não ia chorar, ela derramou suas lágrimas sem se
segurar.

- Eu nunca quis que você soubesse. Eu não queria que esse peso recaísse sobre você, porque você nunca teve culpa.
E eu nunca senti nojo ou repulsa de você, muito pelo contrário, eu… amei você. - Ela tentou limpar as lágrimas antes
que ele visse, mas Taehyung a olhou no mesmo instante. - Eu era uma criança. Eu nem entendia o que estava
acontecendo e por muito tempo eu me culpei pelo que aconteceu. Eu dei a liberdade ao meu namorado de me tocar e
desisti, acreditei que tivesse merecido aquilo e levei um bom tempo para finalmente perceber que aquilo foi um
estupro.

Ela fez uma pausa. Eunji estendeu a mão sobre a mesa, pegou a mão de Taehyung e acariciou a pele dele com o
polegar como quis fazer tantas vezes.

- Eu amei você. Apesar do que aconteceu, apesar da forma como você foi gerado, eu te amei. Não por causa daquele
homem, eu sequer conseguia lembrar que havia uma parte dele em você, e me recuso a acreditar nisso até hoje,
porque você não tem nada dele. - Ela sorriu em meio as lágrimas. - Eu conversei com mais de uma centena de
mulheres que passaram pela mesma situação. Eu vi muitas delas lidarem com situações iguais a minha de formas
diferentes e eu cheguei a conclusão de que só a mulher que sente isso na pele sabe a sensação e sabe como lidar
com isso. Não existe escolha certa, ou padrão para alguém que passa por isso. Só existe a escolha de cada uma e a
minha foi essa.

Taehyung apertou a mão dela.

- Vi muitas mulheres interromperem a gravidez e serem criticadas por isso. Eu segui com a minha e fui criticada por
isso. Mas sabe de uma coisa, Taehyung? Não me arrependo da minha decisão. Assim como não teria me arrependido
se tivesse decidido não ter você. Eu tive essa escolha e eu escolhi te trazer ao mundo. - Ela soluçou. - Quando você
nasceu eu olhei o seu rostinho e eu não conseguia acreditar que uma coisa tão linda e perfeita pudesse nascer de
uma situação tão grotesca. Você era lindo demais para aquilo, puro demais para aquilo. E foi por isso que eu não pude
ser a sua mãe. Porque eu queria que você, independente da sua origem, tivesse uma vida pura e cheia de amor. Eu
não podia te dar nada além de amor, eu estava assustada e me sentia jovem demais para aquilo. Então eu te deixei ir.

Eunji inclinou mais para a frente, esticando a mão livre para limpar as bochechas úmidas de Taehyung. Mesmo depois
de anos, o rosto dele ainda era o mesmo que ela viu pela primeira vez naquele hospital. E ela sorriu. Pois seu
garotinho tinha se tornado exatamente quem ela desejou com todas as forças que ele se tornasse.

- Você se lembra da história que eu te contei sobre os mil tsurus quando nos encontramos? - perguntou ela. Taehyung
assentiu. - No dia que você nasceu eu dobrei o meu milésimo tsuru, como minha vó me ensinou. Eu coloquei ele no
seu cobertor e te entreguei para a agente social. E eu passei a noite em claro desejando e rezando para que você
fosse feliz e amado. Que tivesse todas as coisas boas que o mundo tinha a oferecer.

- Me desculpe… eu sinto tanto… - Taehyung soluçou. Suas lágrimas corriam de seus olhos em um ritmo que ela já
não conseguia mais acompanhar e remover do rosto dele.

- Eu não pude ser sua mãe, Taehyung, me perdoe por isso. Mas a cada segundo, de cada minuto, de cada hora dos
últimos trinta e cinco anos, eu te amei. Eu pensei em você e eu desejei sua felicidade. - Eunji soltou a mão dele para
apoiar as duas nas bochechas quentes dele e fazê-lo olhar em seus olhos. - Mesmo que não estejamos juntos, não
sejamos uma família, saiba que você está aqui não porque eu não tive escolha, mas porque eu te amei. Porque
independente da situação, eu vi você. E foi você, Kim Taehyung, quem trouxe sentido de novo a minha vida.

Taehyung sentiu, naquele momento exato, as engrenagens dentro dele finalmente instalaram no local certo. Como se
uma máquina enferrujada voltasse a funcionar com o mover de uma única peça que faltava.

Ele entendeu e ele aceitou aquilo.

Finalmente, Kim Taehyung se livrou daquela parte que lhe dizia que não era digno de amor.

Se sua mãe tinha desejado que ele fosse amado e feliz, e ele seria, como um agradecimento à mulher que apesar de
não precisar, lhe deu a luz e ainda o amou mesmo que ele tivesse nascido de sua pior dor.

❁❁❁

- Escuta aqui, seu pulguento! - Jimin apontou de forma quase ameaçadora para o cão, que não parecia nada afetado
com todo seu escândalo e papo furado de “decepção” e “irritação”. Sasuke se manteve imóvel, com as patas
dianteiras cruzadas e deitado elegantemente sobre a cama. - Eu vou te dar dez minutos para devolver esse anel,
depois disso, eu juro que não respondo pelos meus atos.

- Que anel? - Sana conseguiu, surpreendente, quase lhe causar uma parada cardíaca. Ele tinha plena certeza de que
ela estava fazendo compras para o bebê com Jennie, que alegava não conseguir escolher entre rosa chá ou rose gold
para o quarto da filha.

Jimin soltou um grito alto e caiu no chão com a mão no peito, Sasuke permaneceu inabalável. Sana manteve os
braços cruzados, ergueu uma sobrancelha e se encostou no batente da porta.

- Porra, Sana! Você quer que eu morra? Você não estava fazendo compras com a Jennie? - perguntou ele, tentando
se colocar de pé, apesar da moleza nas pernas.

- Sua irmã está com aquela coisa dos enjôos e decidiu ir para casa. Jin acha que ela deve ficar na Coréia até o bebê
nascer, mas aparentemente a Jisoo acha que é bom elas voltarem para casa - disse a mulher. Ela sacudiu o queixo
em direção ao cachorro. - Que anel?

Jimin não costumava pensar rápido, mas naquele momento, seus neurônios se moveram na velocidade da luz.

- Um dos seus anéis. Eu estava mexendo na gaveta da penteadeira procurando grampeador e seu porta jóias caiu. O
Sasuke levou um dos seus anéis e agora eu só quero que ele abra a boca e me deixe pegar - Ji explicou.

- Ele engoliu? - Sana se alarmou. Ela jamais esqueceria quão frustrante foram os dias em que ele esteve doente anos
antes, não queria repetir a dose.

- Não, está na boca dele, só que quando eu tento pegar, ele tenta me morder! - Ji esticou a mão e o cão rosnou para
ele, exibindo os dentes de forma que Sana avistou o brilho prateado no meio deles. - Viu?
- Deixa que eu pego - ela disse, dando alguns passos em direção a cama.

- Não! - Ji gritou, a segurando pelos ombros.

Sana franziu a testa.

Alguns segundos de análise minuciosa sobre o rosto coberto de pânico lhe deram a conclusão de que havia algo muito
errado ali.

- Abre o jogo, Jimin, nós dois sabemos que só eu vou conseguir pegar o que quer que esteja na boca dele de volta -
ela suspirou, soando um pouco compreensiva.

Ji puxou o ar com força.

- Você sabe que eu te amo, certo? - perguntou ele.

- É o que se espera, por isso que eu namoro com você - disse ela - E moro com você.

- Há cinco anos. - Ele ressaltou.

- Isso, cinco anos e meio - ela corrigiu.

- E você estava falando algo na semana passada sobre planos futuros e essas coisas - Ji lembrou. Sana assentiu. -
Você me ama?

- Sim - Sana disse sem hesitar, um sorrisinho curioso brotava em seus lábios.

Jimin sorriu com ela pelo simples fato de que qualquer sinal de alegria no rosto daquela mulher o deixava
completamente hipnotizado e de peito aquecido.

- Suficiente para prometer ficar comigo até que a morte nos separe? - ele fez uma careta, um pouco temeroso.

Sana entendeu. Seu sorriso sumiu, sendo substituído pela surpresa e choque repentinos. Ela piscou algumas vezes,
imóvel. Jimin não respirava, Sasuke parecia se divertir com os dois brincando de estátua.

- Está falando sério? - ela perguntou, sem acreditar.

- Ia ter um jantar. E um anel. Sasuke comeu o anel e você chegou cedo demais para o jantar, meus planos foram
frustrados e agora isso não parece tão romântico quanto você merecia, mas… - Ele segurou as mãos dela. Haviam
pequenas manchinhas de canetinha, sinal de que ela tinha ido da escola direto para encontrar Jennie e depois direto
para casa. Ele acariciou seus dedos. As unhas não tinham sido pintadas, ele sabia que ela não tinha muito tempo de ir
a manicure recentemente, o que o fez lembrar de que deveria fazer aquilo já que tinha seguido um curso online, só
porque a auto estima de Sana dependia de suas unhas bem feitas e ela detestava ter que atravessar o bairro até o
salão. - Eu passei os últimos cinco anos e meio tentando me tornar o homem que você merece ter como marido. Sei
que falhei em muitas coisas e que eu não sou perfeito, mas estou disposto a continuar tentando até que eu seja digno
de você, Sana.

Ela não respondeu de imediato. Não porque tivesse qualquer dúvida da resposta, mas porque queria gravar cada
segundo daquele momento da forma mais profunda possível. A forma como ele a olhou nos olhos como se estivesse
implorando por algo, como se pudesse morrer caso ela dissesse não.

- Vamos comprar uma casa com muro altíssimo para eu não ter que ver ou falar com os vizinhos? E um quintal grande
para o Sasuke brincar?- ela perguntou.

Ele assentiu.

- Dois filhos? - perguntou ela.

Mais uma vez, ele assentiu.


- Vai me deixar escolher os nomes sem questionar? - Sana ergueu uma sobrancelha.

Jimin fez uma careta.

- Isso eu não posso prometer - resmungou ele.

- Posso ficar com o lado direito da cama? - Ela estreitou os olhos.

- Já está pedindo demais - Ji retrucou.

Ela sorriu.

- Então eu aceito - respondeu ela. Ji esperou que ela fosse beijá-lo, no entanto, Sana se afastou dele e foi em direção
a cama, estendendo a mão em concha em direção ao cachorro. - Sasuke, me dá.

O cão não hesitou, o que feriu profundamente o orgulho do homem. Sasuke colocou o anel na palma da mão de Sana
e recebeu um afago na cabeça como recompensa, o que o fez abanar o rabo alegremente.

- Agora vai brincar na sala que a mamãe vai fazer uma coisinha - ela ordenou.

Sasuke, obediente, pulou da cama e andou elegantemente em direção a sala, com grande alegria. Jimin observou a
cena com um olhar quase incrédulo.

Sana se aproximou da porta assim que o cão passou e a fechou, virando a chave na fechadura.

Ela olhou o anel na palma da mão, molhado com a saliva de Sasuke e sorriu para o brilhante. Era talvez a coisa mais
linda que ela já tinha visto, não se permitia acreditar que qualquer outro anel no mundo pudesse superar a beleza
daquele.

- Agora sim. - Sana colocou a mão livre na nuca dele, deslizou os dedos entre seus cabelos cheios e sorriu se
aproximando dele até tocar seus lábios com os seus em um selinho antes de se afastar e olhar nos olhos dele. - Eu
aceito me casar com você, Park Jimin.

Ji sorriu, sapeca, a tomou nos braços sem avisar e tirou de Sana uma gargalhada alta enquanto a levava em direção a
cama. Ele definitivamente tinha encontrado seu paraíso na terra e era aquela mulher.

❁❁❁

Taehyung entrou em casa com um novo olhar. Ele deixou seus sapatos alinhados ao lado dos tênis de Jungkook e das
sapatilhas de Mim Sun, pendurou suas chaves no ganchinho na parede e deixou o casaco sobre a poltrona da sala.

E não demorou para avistar o homem parado no centro do cômodo, pálido e com um olhar de quem tinha visto um
fantasma.

Kim franziu a testa, pois a última vez que viu aquele olhar no rosto de Jungkook, ele tinha ateado fogo em um pano de
prato e queimado uma parte significativa da cozinha.

- Aconteceu, Taehyung - sussurrou baixinho, sem olhá-lo direto nos olhos.

Por um instante o coração do loiro parou.

- O que aconteceu? - perguntou ele, sentindo a voz falhar.

- Mi Sun está trancada há vinte minutos no banheiro porque… - Jungkook respirou fundo. Taehyung continuou confuso
por alguns instantes, antes que a ficha caísse.

Quando percebeu a que o outro se referia, seus lábios se separaram devagar, em um misto de surpresa e pavor.
Então o dia havia chegado.
- Mas ela só tem doze anos! Digo, ela só vai fazer treze daqui um mês e meio isso… - Taehyung sentiu a língua
amolecer na boca e se apoiou na poltrona, respirando fundo. - Ela ainda é tão nova!

- Sana falou sobre isso com ela há algumas semanas, então eu acho que ela já sabe o básico, mas está chorando. Eu
tentei falar com ela e ela só chorou mais ainda, aí eu comecei a chorar… - Jungkook fungou, olhando para o teto
tentando se impedir de chorar novamente. Se sentia patético.

- Vamos lá, não deve ser tão complicado. Nós somos homens, mas ainda assim, não é como se não soubéssemos o
básico. Você foi à farmácia? - Taehyung perguntou, estava gaguejando e tremendo. Jungkook assentiu.

Os dois caminharam pelo corredor da casa como se fosse o corredor da morte, em silêncio absoluto. Entraram no
quarto de Mi Sun, Taehyung olhou para o casaco e a mochila jogados sobre a mesa e em seguida se aproximou da
porta do banheiro. Deu duas batidas.

- Mi Sun! Joaninha, o que aconteceu? - perguntou ele, da forma mais doce e controlada que podia.

- Você sabe o que aconteceu. - A voz dela estava chorosa e foi acompanhada de um soluço.

- Você já se trocou? - perguntou ele.

- Eu já tomei banho - respondeu ela.

- Está doendo? - indagou Jungkook.

- Não. - Ela parecia se segurar para não chorar mais ainda.

- Então saia daí, querida, não tem porque ficar chorando. Isso é tão normal quanto o sol nascer e se pôr todos os dias.
- Taehyung bateu suavemente na porta e olhou para Jungkook, que estava mordendo o próprio dedo com nervosismo.

- Estou com vergonha - Mi Sun confessou - Todo mundo na escola viu e…

Ela voltou a chorar, de forma deplorável. Os dois homens se apoiaram na porta, com vontade de atravessá-la para
abraçar a menina, mas sabendo que não podiam fazer nada até que ela decidisse sair.

- Isso não é vergonhoso. Lembra do que a Sana te disse? É só mais um ciclo da natureza, nada anormal ou bizarro,
isso é só seu corpo te mostrando que você já está crescendo - Jungkook disse, mansamente - Todos entendem isso,
ninguém vai rir de você.

- Saia daí, certo? Vamos sair para comer fora e você pode escolher o que quiser - disse Taehyung.

- Vocês não vão contar a ninguém, certo? Prometem que não vão contar a ninguém? - Mi Sun choramingou.

- Não temos o direito de contar nada a ninguém, isso é sobre você, Solzinho - Jungkook respondeu.

Ela se calou. Por um instante os dois sequer respiraram, passaram seis segundos encarando a porta e contabilizando
o tempo até que ouvissem o click da chave e ela abrisse.

Mi Sun estava com os cabelos úmidos, seus olhos estavam inchados e ela usava um pijama surrado que era seu
preferido.

Naqueles momentos eles percebiam o quanto ela crescia com velocidade incontrolável. As bochechas já não eram
mais tão cheinhas, apesar de seus traços ainda preservarem muito daquela delicadeza da infância.

- Vem cá - Jungkook chamou, abrindo os braços. Mi Sun não hesitou, com o lábio tremendo e o rosto vermelho de
tanto chorar, se aproximou dele da mesma forma como fazia quando ainda não tinha altura suficiente para ultrapassar
o ombro dele.

Ele a abraçou firmemente, apoiando a bochecha no topo da cabeça dela.


- Appa Tae… - Ela chamou, estendendo o braço sem se afastar de Jungkook. O loiro sorriu e se aproximou o
suficiente para envolver ela por completo em um abraço que a fazia se sentir novamente uma menina pequenina e que
podia se esconder de qualquer coisa no meio deles.

Taehyung beijou sua têmpora.

Mi Sun estava prestes a completar seus treze anos, tinha uma pilha de pensamentos rodeando sua cabeça e uma
dezena de decisões que, dentro de sua cabeça, precisavam ser tomadas de imediato.

Ela estava ansiosa. Em alguns anos teria que ir para a faculdade, decidir o que faria pelo resto de sua vida, seus
problemas já não se resolviam mais apenas nos braços de seus pais.

Ela escondia muitas coisas e se sentia mal por isso. Não conseguiu contar sobre a garota que derrubou seu almoço
nela dias antes com o mesmo papo preconceituoso sobre seus pais. Não queria falar sobre um garoto que lhe mandou
bilhetinhos e bombons até que ela gostasse dele, apenas para rejeitá-la pois “ele não namoraria uma garota que não
pudesse ouvir suas ordens”.

Ela não queria chateá-los com aquele tipo de coisa, afinal, não se importava com nada daquilo. Não porque fosse mais
forte do que qualquer um ou porque fosse indiferente a aquelas maldades, mas porque no fim do dia, nada importaria.

Seus pais sempre a fizeram entender que os dias ruins acabavam e outro dia iniciava com a chance de ser melhor. Ela
mantinha isso em mente. Sempre que tinha um dia ruim, ia para casa e deixava que aqueles dois homens lhe
mostrassem como estar viva e ao lado deles era a maior dádiva que poderia receber.

- Troca de roupa e vamos jantar porque eu estou faminto - disse Jungkook, sem soltar nenhum dos dois de seu abraço
apertado.

- Não se movam, eu só quero ficar aqui mais um pouquinho - disse a garota. Seus pais trocaram um breve olhar, com
um sorriso satisfeito. - Na verdade, quero ficar aqui para sempre.

❁❁❁

Jin andava de um lado a outro, roendo todas as unhas em total agonia.

Ele se recusou a assistir televisão ou ver o resultado na internet. Nem ao menos era sua vida, mas aquilo poderia
mudar muito mais do que uma simples lei grafada em um pedaço de papel. Era mais do que um documento ou uma
concessão, aquilo era basicamente a história sendo escrita diante de seus olhos.

Por seus amigos.

Hoseok e Yoongi não eram tão próximos dele quanto os outros, mas ele definitivamente tinha tanto carinho por eles
quanto tinha por Taehyung e Jungkook. Ele os viu lutando dia após dia naquelas intermináveis audiências por algo que
já deveria ser um direito garantido há muito tempo.

Quando a porta do apartamento abriu, revelando o rosto cansado e um pouco abatido do advogado, Jin sentiu seu
corpo congelar por completo.

Será que…

- E aí? - perguntou ele. Namjoon jogou o casaco e a pasta sobre o sofá da sala e se aproximou dele com passos
decididos. Seu rosto era uma máscara misteriosa para suas emoções e seu silêncio era uma tortura.

Ele segurou a cintura de Jin, o empurrou da forma mais calma que conseguiu até a parede da sala e o colocou contra
ela, mantendo seus braços em volta dele e olhando em seus olhos.

Eles estavam juntos há um bom tempo. A coisa engraçada era que nunca houve um pedido de namoro, eles apenas
começaram a se apresentar como namorados para os outros e nem ao menos lembravam quem foi o primeiro a usar o
termo. Também não houve um pedido formal de “vamos morar juntos”, Namjoon apenas começou a trazer suas coisas
e quando Jin se deu por conta, ele já tinha vendido o próprio apartamento.

Tudo entre eles apenas acontecia, como um rio seguindo seu curso sem dar satisfações a ninguém.

- Vencemos, Jin. - Namjoon finalmente suspirou, abrindo o maior sorriso. - A lei foi aprovada.

Jin suspirou de alívio, se entregando a uma risada de completa alegria.

- Eu… nem sei o que dizer, isso… - Ele se calou e decidiu apenas abraçar o homem. Namjoon o apertou com firmeza,
relaxou os ombros e se permitiu apenas descansar por um momento. Foi um dia e tanto.

- De 299 parlamentares, só 42 votaram contra a aprovação da legalização do casamento homoafetivo, isso é… muita
coisa, você não tem ideia de quão vitoriosos nós saímos daquela Assembléia! - Namjoon se afastou um pouco, para
olhar nos olhos dele. Os olhos dele estavam úmidos, provavelmente a emoção se devia ao fato de que ele tinha
acabado de garantir um direito para si mesmo também. E para seus amigos. E todas as pessoas que quisessem
demonstrar seu amor com uma troca de votos. - Eu estou tão feliz, Jin! Agora ninguém vai precisar sair do país para
se casar. Com alguns ajustes, ao longo do tempo, podemos garantir o direito de adoção legal para esses casais, o
direito a tantas coisas!

Jin sorriu, segurando o rosto dele entre suas mãos.

Namjoon tinha se tornado seu refúgio. Quando as coisas ficavam complicadas ou pesadas, ele apenas se escondia
nos braços daquele homem. E foi bom. Ótimo, para ser mais honesto.

Jennie construiu sua carreira e estava prestes a ter seu primeiro filho junto a mulher que amava. Jimin, a aquela altura
do dia, já estava noivo de Sana e tinha conseguido o emprego que tanto queria como professor de literatura.

Seus irmãos estavam muito bem. E ele podia cuidar de si mesmo e de Namjoon.

- Hobi e Yoongi querem que sejamos seus padrinhos de casamento - disse Nam. Jin assentiu, não parecendo muito
focado no assunto, mas sim em admirar o rosto do outro com a mesma paixão que um astrônomo admira a lua.
Namjoon resolveu testar a atenção dele: - Eu atropelei um idoso hoje.

- Hum… - Jin sussurrou e assentiu, piscando levemente os olhos. Namjoon riu e ele franziu a testa, acordando do
transe e tentando recordar do que o outro falava. - Espera… o que?

- Nada não. - Namjoon o beijou nos lábios, um leve selinho que só serviu para deixar Jin querendo mais. - Eu quero
você.

Jin sorriu.

- Você já me tem - respondeu ele, se aproximando para beijá-lo - E eu tenho você.

❁❁❁

Taehyung estava sentado na varanda, com seus olhos fixos no céu. A noite estava bonita e a lua nova estava
radiante. Ele se sentia em paz. Uma paz que jamais tinha experimentado em toda a sua vida.

Ele pensou que deveria ter tido aquela conversa com sua mãe há muito tempo, mas nunca tinha tido coragem
suficiente. Não estava pronto até aquele momento.

Uma xícara fumegante foi colocada diante dele, Taehyung não hesitou em segurar com as duas mãos, sentindo ela
aquecer seus dedos, mas não a ponto de queimar.

Logo, Jungkook se sentou ao seu lado no chão em completo silêncio, pelo menos por um pouco de tempo.

- Vai me dizer por que estava chorando antes de chegar em casa hoje? - perguntou Jeon.

Taehyung suspirou, bebendo um gole do chocolate quente e soprando ao perceber que estava quente demais.
- Eu falei com a minha mãe - confessou.

- Sobre o quê? - o moreno perguntou.

Taehyung deu de ombros.

- Tudo. - Ele continuou olhando o céu, com a cabeça bem encostada na parede da casa. - Eu precisava disso e nem
sabia. Ela… está bem. Tem uma filha de dezesseis anos, um marido que aparentemente é meu reitor e que trata ela
como uma rainha. Ela é feliz. E ela não me odeia ou sente nojo de mim.

Jungkook pegou na mão dele, enroscando seus dedos e levando até a boca para beijar.

- E como você se sente? - perguntou ele.

- Como se tivessem tirado uma tonelada de pedregulhos das minhas costas. Eu me sinto leve como uma pluma. - O
loiro virou o rosto levemente e sorriu ao encontrar o namorado olhando para si. - Porque eu também sou feliz.

Jungkook sorriu para ele e colocou a própria xícara no chão ao seu lado.

- Você quer ouvir uma boa notícia? - perguntou o mais novo, com um sorriso sapeca. Taehyung sorriu com ele, antes
mesmo de ouvir a boa notícia. Apenas assentiu à espera da resposta. - O casamento entre pessoas do mesmo sexo
na Coréia do Sul foi aprovado hoje.

Taehyung separou os lábios um pouco surpreso e arregalou os olhos. Ele tinha esquecido completamente da votação
do parlamento, sua mente pareceu deletar aquilo.

- Yoongi e Hoseok… eles definitivamente conseguiram convencer o país a liberar o casamento gay? - perguntou, um
tanto perplexo. Jungkook assentiu, com muito entusiasmo. - Uau! Estou feliz por eles. Pelo país, no geral. Era tão
tosco não existir um direito tão básico.

Jeon se aproximou mais um pouco, ainda segurando sua mão. Taehyung continuou olhando para ele, pois quando
Jungkook estava por perto, não conseguia prestar atenção em mais nada. Mesmo depois de cinco anos, continuava se
sentindo igual ao primeiro dia em que o beijou. Eufórico, apaixonado, hipnotizado e completamente entregue.

- Taehyung-ssi, - Jungkook sussurrou, com aquela voz de quem ia pedir um favor ou confessar que tinha feito alguma
besteira. Ele olhou nos olhos de Taehyung, completamente atento e querendo captar sua reação quando finalmente
disse: - vamos nos casar?

Taehyung nem piscou. Jungkook não soube dizer o que seu olhar um pouco surpreso dizia, se estava emocionado
demais para dizer sim ou procurando a forma mais educada de dizer não.

Jeon estava prestes a ter um ataque cardíaco.

- Vamos - respondeu o loiro, simplista.

Jungkook sorriu ainda mais, o que fez Taehyung sorrir de seu jeito mais sincero em ver a alegria estampada no rosto
do outro.

- Simples assim? Eu nem tive que me ajoelhar e implorar? - o moreno brincou.

Taehyung riu.

- Como se eu fosse deixar escapar uma chance de te manter preso a mim até a morte - retrucou, erguendo uma
sobrancelha. Jungkook riu, mordendo o lábio com total empolgação. Taehyung soltou a xícara no chão e se aproximou
dele, colocando a mão em sua bochecha e deixando seu polegar afagar a pele quente. - Você se lembra daquela fobia
que eu tinha dos relógios?

Jungkook assentiu.
- Eu me sentia preso. Por dentro a única coisa que conseguia sentir era o mesmo que quando estava preso debaixo
daquela pilastra. Ouvindo as horas passando e sem ter o que fazer além de ficar ali estático e paralisado - Taehyung
confessou - Era angustiante. Como se estivesse preso eternamente em um dia ruim.

Ele suspirou, alisando o lábio de Jeon com o dedo.

- Hoje foi como se aquele último minuto que sempre faltava para reiniciar o dia finalmente andasse - sussurrou
baixinho - Aquilo que vocês sempre me diziam sobre ter um recomeço todos os dias e viver cada dia como se fosse
nossa vida inteira. De agora em diante quero fazer isso. Viver plenamente cada minuto da melhor forma possível e ter
a certeza de que quando o relógio bater meia noite, terei mais uma chance de viver ainda melhor.

Jungkook segurou o pulso dele e distribuiu carícias na pele do loiro.

- Você está certo. Nenhum dia dura para sempre - disse Jungkook - Seja ele bom ou ruim, acaba. Mas eu quero
passar os bons e ruins com você. Independente de quão longos os ruins possam parecer e quão curtos os bons
possam ser. Cada segundo pelo resto de nossos dias, quero que seja ao seu lado.

- Eu te amo - Taehyung disse.

Aquela frase ainda causava arrepios em Jungkook.

- Eu também te amo - respondeu ele.

Taehyung o beijou. Ainda era mágico, completamente arrepiante e perfeito. Seus lábios se encaixavam como se
fossem feitos um para o outro desde o princípio.

- Eca, vocês me dão náuseas! - O resmungo mau humorado de Mi Sun, fez com que ambos se afastassem com um
suspiro e olhassem em direção a menina. - Casais apaixonados no geral me dão náuseas. Dou um desconto porque
vocês são fofos.

Ela estava com os cabelos uma completa bagunça e um olhar sonolento, parecia ter acabado de acordar.

- Você costumava ficar espiando pelos cantos para ver a gente se beijando quando era mais nova. - Jungkook riu.

- Eu não sabia de muitas coisas que eu sei agora, eu sei onde os beijos vão levar e sinceramente é chocante demais
para minha pobre mente que um dia foi inocente. - Mi Sun fingiu um arrepio.

Sem hesitar ou pedir permissão, a garota se enfiou no meio deles e se sentou entre os dois no chão da varanda,
abraçando as próprias pernas sem a menor vergonha por ter interrompido os dois.

Ela sabia que eles teriam um bom tempo para namorar quando fossem se deitar, se permitiu ser um pouco egoísta e
reivindicar um momento com suas duas pessoas preferidas.

- Você está melhor agora? - Taehyung perguntou. Ela tinha passado o jantar todo rindo, mas bruscamente seu humor
mudou e quando chegaram em casa, a garota se trancou no quarto sem ao menos dizer boa noite. Eles nem
entenderam o motivo.

E ela se sentiu tão mal por aquilo que nem ao menos conseguiu pegar no sono.

- Me desculpem por ter surtado mais cedo, não quis ser malcriada. - Ela suspirou. - Mas eu estava pensando sobre a
minha omma.

Os dois trocaram um breve olhar por cima da cabeça da garota.

- Eu entendo que vocês tenham seguido em frente e eu definitivamente desejei isso mais que tudo no mundo. Mas é
diferente para mim. - Mi Sun engoliu seco, olhando para o céu para evitar os olhares deles, acabaria chorando se o
fizesse e estava cansada de chorar. - Eu vivenciei algo hoje que talvez teria sido um momento em que ela estaria ali.
Me explicaria as coisas, me acalentaria e eu amo vocês, de verdade, eu juro que não quero ser ofensiva mas…

- Você queria que ela estivesse aqui agora, nós sabemos. - Taehyung passou os dedos entre os cabelos da filha,
querendo abaixá-los um pouco. - Não se desculpe por sentir falta da sua mãe, Joaninha. Ela é insubstituível na sua
vida, não há nada no mundo que jamais vai ocupar esse espaço.

- O que seu pai e eu temos não anula em nenhum momento o que sentimos por ela. E sempre vamos ter aqui dentro
essas memórias guardadas com todo o carinho, nós a amamos demais para simplesmente esquecermos. - Jungkook
apertou a bochecha dela. - Mas você, Solzinho, é diferente. Nunca vamos entender o que se passa no seu coração em
relação a ela, mas estamos aqui para te ajudar naquilo que pudermos.

Mi Sun olhou para os dois.

Seus olhos já estavam cheios de lágrimas não derramadas quando ela começou a falar, e naquele momento, não
conseguiu mais segurar. Suas bochechas se aqueceram com aquilo que escorria de seus olhos como a chuva.

- Você está crescendo e antes que possamos perceber, vai se tornar uma mulher linda, forte e muito persistente como
sua mãe era. Você pode se apaixonar e formar uma família, pode decidir viver sua vida em prol de si mesma e viajar
pelo mundo, isso não importa. - Taehyung limpou as lágrimas dela. - Você sempre tem que se lembrar que nós te
amamos e sua mãe te ama. De onde quer que esteja, ela ainda te ama.

Mi Sun assentiu, fungando e tentando se conter. Jungkook beijou sua cabeça e ela olhou para o céu, quando os dois
homens pegaram suas mãos e levaram até a boca, deixando um beijo estalado ali, cada um em uma de suas mãos.

Ela riu.

- Eu amo vocês - disse ela. Em seguida olhou para Jungkook. - Ele aceitou?

O moreno assentiu.

Taehyung fez uma careta.

- Em algum momento vocês realmente acreditaram que eu não iria aceitar? - perguntou o loiro.

- É que a partir de agora a coisa toda é comigo, appa. - Mi Sun ergueu a cabeça, fungando e abrindo um sorrisinho
satisfeito. - Vou planejar a melhor festa de casamento. Hyunki e Lia vão me ajudar com isso, aqueles dois me devem
uma dúzia de favores.

- Aigoo! Sem exageros - Taehyung resmungou.

Os três se calaram. Era bom em alguns momentos, apenas ficar de mãos dadas e olhar o céu.

Jeon Jungkook sentia todo o amor do mundo emanando daqueles dois, como ser completamente submerso naquele
sentimento mesmo quando eles não estavam falando. Ele sentia-se amado ao olhar nos olhos de Taehyung, ao
receber um beijo na bochecha de Mi Sun. Ele era amado, não apenas um substituto, não somente algo com que eles
se contentavam. Ele era insubstituível para os dois e era amado por eles de forma incondicional.

Taehyung não se sentia mais preso em um único lugar vendo a vida passar. Os dias e anos continuavam indo, isso
era inevitável, mas ele conseguia sentir que estava avançando junto ao tempo. Não se sentia indigno ou merecedor de
sofrimento. Ele se sentia amado e não se sentia culpado por isso.

E Mi Sun estava em seu lugar perfeito, seu maior refúgio. Onde podia ter a certeza de que estava segura e feliz.

No fim de tudo, como Taehyung tinha previsto no dia que entrou em um avião para voltar à Coréia, sua vida estava
totalmente entrelaçada com a de Jungkook e eles não poderiam se afastar um do outro nunca mais. E aquilo era, com
toda a certeza, a melhor coisa que lhe ocorreu na vida.

Fim…
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