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Diamantina
2019
Neide Ribeiro Araújo
Diamantina
2019
DEDICATÓRIA
Dedico à minha grande intercessora Maria, e a todos que de maneira direta ou indireta
contribuíram para a realização deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Medicinal plants are of great importance in popular knowledge. The research is justified by the
need to value popular knowledge about the use of medicinal plants, specifically those that have
magic spiritual power, since the importance of this knowledge goes beyond the empirical
knowledge about plants, but it does Part of local history is the identity of a people. This study
aimed to record traditional practices with medicinal plants, involving the magic and spiritual
power in the healing rituals performed by the quilombola communities of Veneno, Tabatinga,
Córrego Fundo and Gaspar, located in the city of Itamarandiba (Minas Gerais). Methodological
qualitative research, endorsed by oral history and memory. Interviews were conducted using a
semi-structured questionnaire with open questions, observation and informal conversations,
with women knowledgeable of medicinal plants residing in the mentioned quilombola
communities. In the text the interviewees are identified by codenames of medicinal plants
present in the local community of the study. In this study, the results of 11 interviews are
presented. Three categories emerged from the analysis: Medicinal Plants, used in therapeutic
procedures for the treatment of physical diseases, Medicinal Plants with Magic and Spiritual
Power, used in blessings and sympathies, and Medicinal Plants present in the practices of
healing of physical diseases and also in the cure of spiritual ills. Research shows that the
traditional knowledge of these communities is diverse, although plant uses are present in all
practices. Sixty three medicinal plants were listed in the healing procedures, including
blessings, teas, baths, poultice, and magical rites. Faith stands out as a striking element in
healing procedures.
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 25
4 MATERIAL E MÉTODOS........................................................................... 37
4. 1 Desenho de estudo ...................................................................................... 37
4.2 Local de estudo ............................................................................................ 37
4.3 Instrumentos ................................................................................................ 38
4.4 Participantes ................................................................................................ 38
4.5 Critérios de inclusão ................................................................................... 38
4.6 Critérios de exclusão ................................................................................... 38
4.7 Procedimentos.............................................................................................. 38
4.8 Análise de dados .......................................................................................... 39
4.9 Questões éticas ............................................................................................. 40
APÊNDICES ...................................................................................................... 87
ANEXOS............................................................................................................91
25
1 INTRODUÇÃO
Mesmo quando o pensamento racional estava sob o domínio da fé, na Idade Média,
as práticas tradições, por exemplo, no uso de plantas medicinais pelas mulheres, eram
colocadas como demoníacas e as mulheres denominadas de bruxas. (PAES, 2016, p.
17).
necessário para o cuidado com a saúde, associando plantas medicinais e práticas mágicas de
cura, para tanto, os agentes da cura, os curandeiros recorriam às práticas religiosas para mediar
o contato entre plano físico e espiritual, utilizando-se para tal, algumas ervas “mágicas”,
específicas para o ritual. Na visão de Paracelso, “Toda a magia do reino vegetal reside no
conhecimento dos espíritos das plantas.” (PARACELSO, 1976, p. 35).
Não obstante, acentua-se que o problema do presente estudo se refere a transmissão
dos saberes tradicionais da comunidade às gerações futuras, visto que os mais jovens
demonstram pouco interesse pelos saberes relacionados as práticas tradicionais de cura,
descaracterizando-os com o tempo. O desinteresse por parte dos mais jovens associado às
inúmeras situações que tentam silenciar tais saberes torna um grande risco de desaparecimento
de tais conhecimentos, visto que muitas pessoas na comunidade parecem fazer do silêncio uma
forma de resistência. Entretanto, são saberes transmitidos oralmente, o não falar prejudica a
preservação.
O trabalho aqui apresentado, está organizado em seis capítulos. A Introdução, faz
uma breve apresentação da pesquisa, destacando o problema, hipótese, relevância e
justificativa. O Capítulo 2 traz a apresentação geográfica do município onde ocorre a pesquisa
e as respectivas Comunidades estudadas e com seus traços histórico-culturais. O Capítulo 3
apresenta os objetivos da pesquisa. O Capítulo 4 Material e Métodos, apresenta os
procedimentos metodológicos utilizados. O Capítulo 5, apresenta o Referencial Teórico, e os
principais conceitos expostos no trabalho. O Capítulo 6, Discussão e Resultados da pesquisa
divididos em subtemas: 5.1. As plantas medicinais presentes nas práticas de cura das
Comunidades Quilombolas; 5.2 A Religiosidade e o uso das plantas nas práticas tradicionais de
cura; 5.3 Plantas presentes nos ritos mágicos e espirituais das Comunidades Quilombolas; 5.4
As plantas e rezas na preservação da memória cultural das comunidades quilombolas. O
Capítulo 7, as Considerações Finais sobre o desenvolvimento da pesquisa.
Importante destacar a realização do catálogo no formato A5, com 80 páginas
ilustrado com o desenho das plantas citadas nas entrevistas. As espécies foram apresentadas
pelo nome popular, local e científico, suas principais indicações, e quais poderes mágicos
atribuídos às plantas. Sendo, destacadas 62 plantas presentes nos rituais de cura presentes nestas
comunidades locais das pesquisadas. Vale ressaltar que a publicação deste catálogo atende ao
objetivo proposto, catalogar as plantas medicinais utilizadas pela comunidade, para registro e
divulgação do saber tradicional local. Uma tentativa de retribuir à comunidade pela participação
no projeto, dividindo seus saberes e práticas tradicionais pertencentes ao patrimônio imaterial
local.
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2 DE ONDE FALO?!
João Pinheiro, em Minas Gerais, com uma produção de 362 439 m³ é o maior produtor
em nível municipal. Dos 20 maiores municípios produtores com exceção de dois
municípios maranhenses (Bom Jardim e Açailândia), todos são de Minas Gerais, onde
se destacam Itamarandiba e Grão Mogol. Os participantes deste ranking respondem
por 54,6% do total obtido em 2012. (IBGE, 2012, p. 27).
Córrego Fundo, Gaspar, Tabatinga e Veneno, juntas têm uma população de 293
habitantes. Tais comunidades têm vínculo de natureza política, administrativa e econômica
bastante expressivo com a sede do município, em virtude da produção de gêneros alimentícios
vendidos na cidade, da conexão e de acesso aos serviços públicos oferecidos à população.
Cada uma com suas particularidades, mas no conjunto de suas diversidades formam
uma unidade no quesito tradições, apresentando características culturais semelhantes. Córrego
Fundo recebe este nome em homenagem ao rio de mesmo nome, justificado pela profundidade
de outrora. Hoje com um volume bem menor de água é referência para a população local e
demais pessoas que precisam orientar-se na comunidade.
A comunidade Gaspar, recebe esse nome por referenciar um antigo morador, dono
de todas as terras, que deu origem à comunidade. Com menor índice populacional, e localização
geográfica mais distante da sede do município. Em conversas informais com moradores, esta
se encontra integrada às demais comunidades como forma de luta e resistência às
transformações adversas aos interesses locais.
32
expostas diretamente ao sol podem intoxicar a criação”. De acordo com Melo (1998), a planta
seca apresenta quatro vezes mais a concentração do veneno.
Itamarandiba, com mais de três séculos de História, ainda carece de um olhar mais
crítico e atento às suas tradições para que não se percam no tempo, especificamente no quesito
dos saberes tradicionais oriundos das populações rurais. Saberes estes que vão, desde a
benzedeira que afasta o animal peçonhento da propriedade do compadre, até as garrafadas do
raizeiro, sem esquecer do curandeiro e suas práticas mágicas de cura. Como expressa Costa
(2004) em seu livro Os tropeiros de São João Batista, o que se espera dos próximos séculos é
que: “Não se destrói sua mística, crenças, convicções por um porvir incerto, de inglórias.”
(COSTA, 2004, p. 73). Itamarandiba, São João Batista de outrora, localizada no Alto do Vale
do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, é hoje um dos municípios brasileiros com maior
produção de eucalipto. Vale destacar que a produção de eucalipto no município iniciou na
década de 1970, mas desde então vem crescendo de maneira assustadora a exemplo das
empresas do setor atuantes na cidade, como a Aperam Bioenergia e SADA Bio Energia. Além
da maioria das pequenas propriedades rurais, que substituem seus plantios tradicionais pelo
cultivo de eucalipto com destino da madeira. O que lamentavelmente tem um impacto nas
tradições culturais de plantio de gênero alimentícios para o abastecimento local, além dos
impactos ambientais pelos quais sofrem a população de muitas localidades dentro do município.
Embora tenha uma participação significativa na economia local, também é sabido o quão
prejudicial tem sido o cultivo desenfreado desta planta. Não cabe enumerar tais problemáticas,
mas podemos citar o impacto ambiental à destruição do bioma cerrado próximo à sede do
município, local onde muitos raizeiros buscam suas espécies medicinais. Estes, já têm
dificuldades para encontrar muitas das plantas medicinais utilizadas no tratamento de muitas
doenças.
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3 OBJETIVOS
4 MATERIAL E MÉTODOS
4. 1 Desenho de estudo
4.3 Instrumentos
4.4 Participantes
Foram incluídas nesta pesquisa mulheres residentes e/ou que moraram e ainda
matêm vínculo com as comunidades de Veneno, Tabatinga, Gaspar e Córrego Fundo, com idade
superior aos 18 anos.
4.7 Procedimentos
5 REFERENCIAL TEÓRICO
O mundo das plantas está sob a influência dos planetas e tem como finalidade
alimentar o homem e curar as doenças. A planta pode nutrir o homem, isto é, reparar
suas forças orgânicas diminuídas. Em seu corpo físico, ou seja a alimentação; em seu
corpo eletromagnético, ou seja a cura de suas doenças, e em seu corpo astral:
sonambulismo, êxtase, cerimonias mágicas, adivinhação. Por sua vez, o homem pode
fazer três coisas em favor da planta: cultivá-la (agricultura mágica). Redimi-la
(crescimento mágico). Ressuscitá-la (palingenesia). (PARACELSO,1976, p. 29).
O rito mágico age diretamente, sem a mediação de um agente espiritual; ademais, sua
eficácia é necessária. Dessas duas propriedades, a primeira não é universal, pois se
admite que a magia, em sua degenerescência, contaminada pela religião, desta tomou
emprestado figuras de deuses e de demônios; mas a verdade da segunda não foi
afetada por isso, pois, no caso em que se supõe um intermediário, o rito mágico age
sobre ele como sobre os fenômenos; ele força, obriga, enquanto a religião concilia.
Essa última propriedade, pela qual a magia parece distinguir-se essencialmente da
religião sempre que fôssemos tentados a confundi-las, permanece, com efeito,
segundo Prazer, a característica mais durável e a mais geral da magia. (MAUSS;
HUBERT, 2003, p.50).
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achado possibilita a reflexão no tocante à popularidade do uso, e não como fatos isolados,
segundo o mesmo autor, “de influência indígena, lembramos a bebida ritual ayahuasca que entre
os inúmeros aditivos empregados em sua preparação, está a Petiveria alliaceae (popularmente
conhecida como Guiné).” (CAMARGO, 2007, p. 38).
O conhecimento da magia sobrenatural envolvendo as plantas sempre chamou
atenção do ser humano desde tempos mais remotos, conforme Camargo (2014). Desde tempos
imemoriais, o ser humano é levado a vagar por um universo sacralizado que, não existindo no
concreto ele crê existir. Essa crença fortalece o caráter religioso adotado nos rituais de cura
associando crenças espirituais ao uso das plantas, esta relação se faz presente nos rituais de
comunidades. As plantas medicinais são seres com conotação sagrada, posto que antes, durante
e após as benzeções, as benzedeiras esboçam o uso de chás (CAMARGO, 2014). O trecho
citado a seguir corrobora esta afirmativa.
Nas comunidades rurais onde vigora uma vivência do sagrado que relaciona com
maior sensibilidade os homens e a natureza – o ofício da reza está também associado
aos conhecimentos das plantas medicinais e não é raro após essa prática a rezadeira
ensinar um remédio caseiro com base nas plantas medicinais mais comuns da região.
(THEOTONIO, 2010, p. 35).
Nesta mesma perspectiva, Almeida (2011), afirma: “o processo de cura não é regido
apenas pelo princípio farmacológico do recurso natural utilizado, mas também por crenças
próprias dessa cultura, que resistem há gerações, garantindo a saúde dos seus descendentes.”
(ALMEIDA, 2011, p. 28). Garantindo a preservação das tradições culturais e da identidade
destes povos.
Diante do exposto, enfatiza-se que os benzedores são conhecedores dos poderes das
plantas e fazem uso delas conforme as doenças que precisam expulsar. E seguem os rituais de
especificidade de acordo com as ervas medicinais empregadas nos tratamentos (MENDES,
2018).
A relação das plantas medicinais com o sagrado é evidenciado por Mendes (2018)
“Em processos de cura e também de proteção, as rezas e benzeduras são acompanhadas de
outras ações de prevenção ou limpeza em formas de chás, banhos, defumadores, mezinhas e
simpatias.” (MENDES, 2018, p. 10). Essa sacralidade das plantas está presente nos ritos de
prática de cura evidenciados por pesquisadores como:
Entendemos que, nos sistemas de crença afro-brasileiros, a ação das plantas capazes
de provocar estados alterados de consciência não depende somente de suas
propriedades intrínsecas, mas da presença de forças sobrenaturais de caráter sacral
que a planta incorpora em específicos momentos ritualísticos. (CAMARGO, 2014, p.
216).
45
Situação essa que carece de atenção na formação dos profissionais para preparação
acadêmica de como lidar de forma respeitosa com a cultura das comunidades tradicionais,
evitando assim conflitos culturais, pois a formação na área de saúde, especificamente, ainda
encontra resistências quanto ao uso dos conhecimentos tradicionais.
A utilização das plantas medicinais, embora uma tradição em nossa cultura latino-
americana, ainda se restringe aos mais velhos, como detentores dos saberes. Para Quintana
(1999),“[..] para poder obter um reconhecimento social, estes terapeutas devem ter uma idade
que garanta, para seu grupo, um certo saber. Eles devem ser a voz da experiência.”.
(QUINTANA, 1999, p. 54). Em consonância a este aspecto, vale sobrelevar que a transmissão
de conhecimentos de geração em geração, com o transcorrer do tempo, tem decrescido. Tal fato
poderá interferir negativamente no que concerne a difusão dos saberes (RAMOS et al, 2016).
No entanto, a atividade de cultivo e uso das plantas medicinais contribui para a socialização e
interação, como pode ser observado abaixo:
Situação que chama atenção pelo fato de ser um tratamento que tem resultado
positivo, mas o pouco envolvimento dos mais jovens contribui para ineficiência nos resultados,
podemos perceber isso pelos resultados da pesquisa citada anteriormente. É preciso buscar
alternativa de preservação deste saber, pela sua especificidade de uso, pois:
como prática de cuidado com a saúde, ademais tem importância para a preservação do meio
ambiente, à vista, ainda que indiretamente, está promovendo a saúde da população (MOTA;
DIAS, 2012). Outrossim, é necessário frisar que o cuidado com as matas nativas, em função da
cultura religiosa daqueles que extraem suas ervas com propósito de tratamento, pois segundo a
crença, estas plantas devem ser colhidas diretamente em seu habitat natural (AZEVEDO;
SILVA, 2006).
Nesta perspectiva de cultura religiosa envolvendo o uso das plantas, “além de serem
utilizadas como ramos, as plantas tornam-se também corpos intermediários para a produção do
efeito de cura, a planta fornece energia para as pessoas que dela se utilizam.” (THEOTONIO,
2010, p. 75), percebe aqui uma interação das práticas de cuidado à saúde, onde o ser humano
interage com a natureza:
Os elementos naturais, águas e ervas, dádivas ofertadas pela natureza aos homens e
mulheres, são apresentadas como portadoras de cura. É possível usá-los como
benefícios em ocasiões onde se busca a cura para o corpo e, mesmo não aparecendo
explicitamente na fórmula da reza, as plantas são elementos sempre presentes sejam
nos ramos empunhados pelas rezadeiras ou nas inúmeras receitas de chás, banhos de
cheiro, lambedores caseiros. (THEOTONIO, 2010, p. 76).
Oliveira e Trovão (2009) realizaram uma pesquisa com o uso de plantas em rituais
de rezas e benzeduras: um olhar sobre esta prática no estado da Paraíba, afirmam que o número
de mulheres na arte do ofício da reza é predominante, visto que, dos 22 participantes do estudo
17 eram mulheres.
Nesse seguimento, é substancial externar que esta pesquisa seguiu as orientações
da Lei 13.123 de 2015, que regula o acesso ao patrimônio genético do País, além do
conhecimento tradicional para fins de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Esta mesma lei
discorre sobre a repartição dos benefícios de usufruto da exploração econômica, dentre outros
(BRASIL, 2015).
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6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1 As plantas medicinais presentes nas práticas de cura das Comunidades Quilombolas
salsa, sapé , sassafrás, seno do campo, tanchagem, vassourinha doce e velame branco. Das
quais, apenas não foi possível identificar na literatura a espécie da retiqueira.
Algumas com funções medicinais, outras, consideradas pelas entrevistadas, como
possuidoras de poderes mágicos espirituais, sendo, portanto, indicadas nos rituais e práticas
mágicas de cura como nas benzeções ou simpatias, e ainda aquelas perpassam pelas duas
categorias, são utilizadas como medicinais e também nos rituais de benzeções ou simpatias.
40 retiqueira - -
algodoeiro folha e maçã chá pra dor de ouvido (maçã), chá dor
extrato de barriga, infecção urinaria,
(folha).
alho bulbo assado dor de ouvido na malassada.
unguento
ameixa folha chá por infusão hipertensão
artemísia folha e caule queimada na cachaça pós-parto
bananeira caule líquido do caule e fruto hemorragia uterina e diarreia
natural
boldo folha chá na água fria problemas no estomago
braúna flor chá por infusão gripe, resfriado
cambará folhas e flores chá por infusão gripe
cana do brejo folha e caule chá por infusão contra hemorragia uterina
53
Plantas medicinais
Parte utilizada Como é utilizada Para que serve
Nome popular
carapiá raiz chá por decocção contra a gripe
carqueja folha chá na água fria contra infecção, dor de cabeça,
derrame, baixar colesterol, gripe
casca danta casca banho unheiro
cervejinha-do-campo, raiz ralar a raiz e colocar na água contra pedra nos rins
fria
chico ramo folhas e caule chá por infusão estômago, dor de cabeça,
chuchu folhas chá por infusão hipertensão e dor de cabeça
coentro semente chá por decocção dor de ar
erva cidreira toda a planta chá por infusão, chá ferrado estômago,
chá assado, calmante, hipertensão,
gripe, pneumonia e pra dor de ar.
erva-de santa-maria folhas e chá e banho preparados por machucão, verminose
sementes infusão
funcho folha chá por infusão calmante
gervão raiz chá por decocção pneumonia
goiaba folha chá por infusão junto com dor de barriga
algodão e tanchagem,
hortelã folha e caule chá por infusão antibiótico, para garganta, diarreia,
serve pra verme, dor de barriga, pra
gripe e chiado
jalapa batata chá por infusão purgante/laxante, estomago, febre
laranjeira casca do fruto chá por infusão, com dor, purgante/laxante
alfavaca, e erva cidreira
levante folhas chá por infusão gripe
lima folha chá por infusão hipertensão
lobeira raiz chá por decocção erisipela/sífilis
mamão flor chá por infusão. dor de cabeça, má digestão
melão-de-são- folhas chá por infusão. gripe
caetano,
papaconha raiz chá por decocção. gripe, pneumonia e purgante
pé de perdiz raiz chá por decocção, gripe
picao raiz e folhas chá por infusão e decocção icterícia, problemas no fígado
pireto raiz macerar a raiz e fazer o chá gripe
por decocção.
poaia-do-campo toda a planta chá por decocção, gripe, pneumonia
poejo folha chá com hortelã pelo gripe
processo de infusão.
quebra pedra folha e caule chá por infusão pedra nos rins
rabo de foguete folhas e caule queimada com arruda, pós-parto
artemísia na malassada, garganta
retiqueira folha chá por infusão problemas estomacais/arroto choco
salsa folha e raiz chá por decocção das raízes. memória, como condimento
consumo das folhas como
condimento.
sapê raiz chá por infusão. criança nascendo dentes
54
Plantas medicinais
Parte utilizada Como é utilizada Para que serve
Nome popular
sassafrás casca chá por decocção. gripe resfriado e bronquite
seno do campo folha chá por infusão. gripe, purgante
tanchagem, folhas chá por infusão. contra infecção
velame branco raiz chá por decocção. depurativo do sangue.
Fonte: Levantamento realizado pela pesquisadora.
Vai no médico, chega lá o médico passa um remédio, chega aqui na roça continua
doente a mesma coisa, os remédio antigamente era muito bom [...] agente cozinha as
coisa de horta, cozinha o hortelã, elevante, esse rabo de foguete, a gente punha no
fogo cozinhava tudo ali, punha um pouco de sal, na hora que tá cozido cê punha um
pouco de farinha de mandioca, fubá e misturava naqueles ramo tudo ali, né e faz
aquele engrossado ali, tipo uma papa, agora coloca aquela papa dentro dum pano bem
redondo e dobra assim oh, (mostra o modelo numa sacola na mesa), e coloca no
pescoço na garganta era isso que usava antigamente, e até hoje cura mesmo. (Srª Erva
Cidreira).
Na verdade, todo comprimido é feito de ervas, mas ele passa por outros processos. Eu
acho assim o efeito demora mais, até comprimido que chega par fazer o efeito do
sintoma que ocê tá, e o chá não, é mais rápido eu acho. (Srª Rosa Branca).
Ainda nas práticas de cuidado com a saúde, o uso das plantas se destaca, pois a
população reconhece a importância de manter a tradição local em usar os recursos que estão
disponíveis e mais próximos. “Os saberes das culturas tradicionais ligados à saúde estão
intrinsecamente ligados ao conhecimento que elas têm da natureza: da fauna, da flora, das
águas, do ar.” (PAES, 2016, p. 24). De acordo com os relatos, percebe a frequência das práticas
tradicionais no dia a dia das pessoas que vivem nas comunidades, pois:
Se for uma gripe a gente quenta um azeite né, chiano, nariz intupido quenta o azeite e
passa no nariz, faz uma cruz na testa, passa nos peito, nas costa, né e vai, miora, o
azeite de mamona. (Srª. Papaconha).
Pra cuida da saúde tem qui ser uma coisa natural, tipo ali um chá, uma erva
entendeu? (Srª Vassourinha Doce).
O chazinho, esse num posso esquecer dele, di jeito nenhum. (Dª. Tanchagem).
A mãe do meu pai, todo dia que ocê chegava lá de manhã cedo ela tava cum copo de
carqueja, e era muito difícil ela gripa, e quando meu pai gripava ou agente gripava
ela levava para gente a carqueja, todo mundo bibia direto, moreu cum quase 100
ano, carqueja é muito bão. (Srª Poejo).
Almeida (2011) destaca em seu livro Plantas Medicinais que a combinação das
plantas poejo, losna, arruda e cebolinha-branca, amassada em vinho, recebe o nome de
“meladinha” no estado da Bahia. Este composto de ervas é comumente usado no puerpério,
com finalidade de limpeza uterina. Sendo que, “A mesma bebida é também oferecida aos que
57
Uai, antigamente quando uma muié ganhava um minino, primera coisa que fazia era
arruda quemada na pinga, artimijo, quemava artimijo na pinga, rabo de foguete, e
depois quando a muié ficava sentindo dor, ganhava o minino e ficava cum dor na
barriga ai usava fazer uma malassada pá pôr na barriga. (Srª. Erva Cidreira).
O uso das plantas como fins terapêuticos, seja utilizando seus princípios ativos, ou
o poder atribuído a elas como vetor de cura, está intrínseco aos saberes e práticas tradicionais.
Uma vez que, quando o uso das plantas ocorre em determinados rituais, mesmo não
constituindo a ação principal, ainda assim faz-se necessária como intermediário para a prática
final. Conforme podemos observar na prática de cuidado a quem sofreu picada por cobra:
[...] quando uma cobra pegava arguém, num tinha carro pra leva depressa, ai o que qui
nóis fazia, caçava uma burracha, que Deus qui livra se fosse nu pé, marrava a burracha
assim bem apertada pra mode o veneno num subi. E cubria a pessoa cum ramo verde
tamém, carque ramo. Pudia i quebrano ramo, jugano em cima da pessoa pro veneno
num lastra. ( Srª. Papaconha).
O conhecimento sobre o uso das plantas medicinais e a forma como estas devem
ser utilizadas, bem como quais as partes de cada planta são preparadas, demonstra a sabedoria
popular presente nas práticas tradicionais de cura envolvendo as espécies vegetais que
compõem a flora das comunidades participantes da pesquisa. De acordo com o levantamento
feito pelas falas das entrevistadas, as partes das plantas que mais utilizam com fins terapêuticos,
são folhas, seguidas das raízes e caule, como mostra a figura abaixo:
30
Número de citações
24
18
12
6 7 7 6
6 3 3
1 1 1 1
0
Partes das plantas utilizadas
Flor Folhas Caule Bulbo Broto Casca Raiz Sementes Batata Fruto Toda a planta
Aqui é o chá que faiz, quando um vizim aduece, a vizinha que sabe as foia que dá
certo, pá fazer o chá, junta e vem e dá o chá. (Srª Jalapa).
Ieu faço um chá aqui di uma coisa de outa e di outa abafo e boto no canto da fornaia,
se fô mimino vou dano as cureiadinha de hora in hora , vai miorano divagarim, né.
(Papaconha).
Condo as pessoa adoece agente faz é chá, conforme o que a pessoa tá sentino. (Srª
Erva Cidreira).
E ainda:
Tenho uma comade qui si chega na casa da gente, e ocê tivé fazeno um doce, ela num
dá ponto, rsrs.(Srª Santa Maria).
59
E sem deixar de lado o atributo utilitário, presente nas festividades religiosas das
comunidades, “Com efeito, o culto dos santos, a festa, a novena, as orações têm por objetivo
assegurar à boa vontade dos seres sobrenaturais uma retribuição.” (QUEIROZ, 1968, p.17).
Corroborando a fala de Queiroz, Cunha vai dizer “A religião, principalmente no contexto de
pequenas vilas, está intimamente ligada à função sócio-cultural do lugar, permitindo encontros,
o que proporciona convivências e vínculos.” (CUNHA, 2018, p. 02). As entrevistadas reforçam
a íntima relação da população com seus santos de devoção:
Através da fé e da oração, minha mãe me ensinou uma oração muito bonita ela é pro
parto e também quando a pessoa morrê, ela chama o sonho de Nossa Senhora. (Srª
Rosa Branca).
É só Deus na vida da gente que nada possa com a gente, se a gente tiver Deus e o
Espírito Santo nada pode cum nóis. (Srª Papaconha).
Aqui ieu acho bão, graças a Deus sempre tem a missa pra nois ai todo méis. Tem as
oração ai, es faz oração, as festa qui fais ai é só da igreja, e faz a festa de Santo
Antônio. Es tem vontade de fazê uma de São Vicente, mais num feiz ainda não. (Srª
Jalapa).
Nas casas igual quando nóis gira com o menino Jesus, primeiro nóis reza o terço em
cada casa e tem vez que reza o terço, que Deus dá nóis a saúde em qualquer lugar é
Ele que dá nóis a fortaleza. (Srª Arruda).
60
Entre os muitos símbolos que se acumulam no contexto religioso popular, são os santos
(pequenas imagens produzidas por devotos ou encontradas de alguma forma misteriosa)
que, em sua forma, possuem grande poder, são entendidos como produtores de graças
diversas que seus devotos contam a quem quiser saber como conseguiram. ( ELO,
SANTOS, 2015, p.10).
Cunha (2018) em sua pesquisa A tradição oral das práticas de benzeção, disse que
a posição social de uma benzedeira a coloca em destaque pelo dom que possui, mas isso exige
desta um comportamento diferenciado, por representar um elo com o sagrado. Corroborando
esse resultado Azevedo (2014) disse: “[...]lidam e operam nos dois mundos, extirpam o mal e
clamam pelo bem.” (AZEVEDO; AZEVEDO, 2014, p. 09). Sendo, portanto, na essência do
significado a explicação para esse dom sagrado, alguém que vai bem dizer ao outro. Sendo,
portanto, explicado pelo ato, “Fazer o sinal da cruz sobre (coisa ou pessoa), recitando certas
fórmulas litúrgicas, abençoar.” (FERREIRA, 2001, p.96). “ A benzedura pode ser caracterizada
como uma atividade principalmente terapêutica,” (QUINTANA, 1999, p.50),
consequentemente uma prática de cura presente na vida de quem procura alívio aos problemas
tanto físico como também aqueles de ordem espiritual:
Ieu rezo cum rosário na mão pedindo Jesus pra tirar aquilo da gente. ( Srª Alfavaca).
Ainda nas teorias de Quintana, observamos o ritual da benzeção como uma prática
terapêutica que segue um rito próprio para o processo de cura: “O processo terapêutico inicia-
se já com a chegada do cliente que solicita intervenção.” (QUINTANA, 1999, p.56), cada etapa
deve ser seguida criteriosamente para um resultado satisfatório. Cunha (2018), afirma: “Não
basta simplesmente conhecer as orações para praticar a benzeção, para se tornar uma benzedeira
é preciso ter o dom e acreditar.” (Cunha, 2018, p. 09). Além da reza falada, é preciso que a
interação vá além do diálogo, pois: “É por meio de uma comunicação com o Divino, que as
benzedeiras atingem a cura, podemos pensar então na existência de uma interação dialógica.”
(CUNHA, 2018, p. 11).
As entrevistadas, quando questionadas sobre o uso das plantas no ritual de benzer,
a maioria afirma utilizar das plantas no processo de cura para quase todas as benzeções. Sendo
que algumas espécies são mais comuns. Para um mesmo mau pode ser usado plantas diferentes,
de acordo com cada benzedeira. A tabela a seguir elenca as plantas indicadas nos rituais de
benzeção das benzedeiras das comunidades estudadas.
Ainda nesse diálogo com o sagrado, presente nos rituais de benzedura percebemos
o quão forte é a simbologia aplicada aos objetos por elas utilizados. Para cada tipo de benzeção
faz-se necessário um objeto e rito específico, tais como: garrafa d’água, toalha branca, ervas
específicas para cada mal a ser curado, carvão, pano, e o rosário.
O mais especifico que eles falam é a vassourinha doce, que lês falam, e mesmo a
arruda também. (Srª Rosa Branca).
Ainda na perspectiva mística e simbólica presente nos ritos e nos objetos, constata-
se uma diversidade nas práticas de cuidado com a saúde da população que vive nas localidades
pesquisadas. São muitos os tipos de benzimentos praticados pelas entrevistadas. Uma só
benzedeira realiza mais de um tipo, conforme relatam durante as entrevistas:
63
Porque ieu sei benze de quebrante, sei benze de mau oiado, sei benze soli na cabeça.
(Srª Tanshagem).
Eu benzo assim criança que tá cum mau olhado vento virado. (Vassourinha doce).
Eu faço benzeção de sangue, e benzo engasgo, a pessoa tem qui virá o tição, da
fornaia, né fulana, vira o pé do tição, a ponta ta pro fogo ai ocê pega ele e vira, o pé
pra dento da fornaia. ( Srª Erva Cidreira).
Ieu mando oiá, se a pessoa tá cum mau oiado, um trem assim, que a gente pega memo.
Male oiado, male de inveja, quebrante, tá pensano qui gente véia num pega quebrante,
pega tamém. (Srª Alfavaca).
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1
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O papel social da benzedeira na comunidade é muito forte, todos têm respeito pelo
seu saber, e pelo seu altruísmo. Não há hora para execução do seu ofício, está sempre à
disposição para exercer a função de cuidar do necessitado sem exigir nada em troca, faz trabalho
voluntário com muito zelo pela saúde do outro.
Es vinha aqui tarde da noite busca ieu, pramim i lá benzê. ( Srª Papaconha).
Agora pra mau oiado é só oração, que essa moça ali tá precisando. De vez em quando
ieu vou lá, sei muita oração, faço oração pra ela, mais acho que ela num tem muita fé.
(Srª Macaé).
é necessário para que a cura se efetue. Fé em quem pratica a benzeção e de quem recebe o
tratamento.” (PAES, 2016, p. 25).
6.3 Plantas presentes nos ritos mágicos e espiritual das Comunidades Quilombolas
O uso das plantas com finalidade mística e de cura, remete a períodos remotos da
história humana e mantém-se presente nos dias atuais, “Os antigos viviam em harmonia extrema
com a natureza e tudo era visto como algo vivo, uma grande teia mística e sagrada composta
por espíritos livres e senhores do próprio destino.” (GREGUER, 2016, p.10). Os rituais de cura
praticados pelos povos tradicionais estão intrinsecamente ligados aos elementos contidos na
natureza como as plantas. Para alguns, a experiência mais característica são as práticas
xamânicas, pois são por excelência, uma escolha de carácter único, visto que para se tornar um
xamã é preciso que receba chamado divino ou pela herança familiar, e ainda por aprendizagem.
“Desde os primeiros trabalhos etnográficos, os xamãs e suas atividades interessaram a nós,
‘civilizados’, em função das crenças místicas, do comportamento caracterizado por êxtase, e
das práticas ‘mágicas’.” (LANGDON, 1996, p. 09). Corroborando com esse pensamento,
Quintana vai dizer em sua pesquisa com benzedeiras que: “aquelas benzedeiras que tinham
maior reconhecimento social na sua profissão atribuíam sua aprendizagem a uma experiência
mística (QUINTANA, 1999, p. 51). Para a moradora da comunidade em estudo, Srª Santa
Maria, as práticas culturais de cunho místico, são recebidas como dom, não se atribui, portanto
apenas a vontade, mas o merecimento de tais atribuições.
É dom qui deus dá pra nóis ajudá us oto.né. (Srª Santa Maria).
As vezes a pessoa sente um pobrema assim, ieu mando oia se a pessoa tá cum mau
oiado, um trem assim, que a gente pega memo. Male oiado, male de inveja, quebrante,
pega. Ieu não, ieu memo óio, condo ieu percebo assim, ieu óio no carvão, porque se
tiver cum pobrema o carvão desce dento da água. Agora se num tiver num desce, A
gente óia porque a gente, os mais veio ensinou a gente. (Srª Alfavaca)
66
Eu mesma tem veis que eu fico ruim minha fia, mais ruim mesmo, caço até a cama
pra deitar, aí eu corro ponho um pouquinho de água no copo e pego o carvão e pede
Deus e Nossa Senhora Santa Pelonia (Apolônia), faz a cruz e coloca dentro da água,
quando não tem nada ele não desce não, agora quando tem, meu corpo até arrepia , cê
vai pondo vai pro fundo do copo, né aí agora tem gente que... Eu bebo três golinho
daquela água, tem gente que não bebe, e não pode jogar fora, tem que jogar no pé de
uma pranta e com fé em Deus. (Srª Arruda).
O relato anterior nos leva a perceber as características específicas, mas comum, que
cada uma utiliza para identificar quais são as necessidades de quem as procura para cuidar da
saúde. O elemento utilizado é simbólico, podendo, portanto, ser diversificado de acordo com
cada cultura, a magia está no rito praticado. Segundo Camargo (2014) “o tabaco foi elemento
essencial nos ritos mágico-religiosos entre os indígenas da América tropical”. Na chegada de
alguém à aldeia, a recepção é feita pela baforada no charuto, pois: “A fumaça de tabaco é um
dos principais instrumentos dos pajés: ela é soprada sobre picadas e machucaduras, e também
serve para recuperar os desfalecidos e revivê-los” (CASTRO, 1992, p. 139). No entanto, para
dona Poejo, moradora de uma das comunidades em estudo, o fato de colocar uma planta na
porta do quarto de um recém-nascido o protege do “males-do-sétimo dia”.
Tem tamém o costume de pendurá uns gaio de arruda na porta do quarto da muié de
resguardo, pro minino num tê mau de sete dia, aqui memo minha sogra punha. I é bão
mermo. (Srª Poejo).
Frazer (1982, p. 46), vai dizer que “a magia é um meio de controlar a natureza e,
portanto, uma função essencial do ofício real.”. Definindo, portanto, que os atos mágicos são
simpáticos, ou seja, existe uma semelhança entre as partes, tanto no objeto, quanto em quem
vai receber a magia. “O rito tem um caráter de imposição, ou seja, impõe-se algo para obter
determinado fim” (PEREIRA, 2007, p.1). Ela se torna uma utilidade, conforme exemplo
adotado nas práticas que utilizam das plantas após passar por um ritual mágico, tornam-se
detentoras de propriedades para controlar os fenômenos naturais advindos pelas intempéries da
natureza, segundo relato abaixo:
Ah, outa coisa tamém a benzeção de ramo, tamém no domingo de ramo. Quando o
padre não vem es reuni lá todo mundo e es mesmo benze lá, porque lá agora tem o
Santissimo, né. A gente leva erva cideira, coisa de chá, favaca, conhece favaca? Erva
cideira, favaca e pranta a erva cideira. É, benze as foia, quando chega a gente tira as
foia pra fazer o chá e pra queima condo tem tempestade. Condo tá aquela chuva forte
a gente joga no fogo, dá uma fumacinha ai o vento passa. (Srª Poejo).
plantas na noite de São João, por acreditarem que suas propriedades curativas das plantas seriam
superiores às colhidas em outra data. “Os alemães do oeste da Boêmia colhem ervas na noite
de São João porque acreditam que a virtude curativa das plantas é especialmente poderosa nessa
época.” (FRAZER, 1982, p. 572). Percebemos que ações nas comunidades pesquisadas
dialogam com essa prática, sem mesmo fazer referência teórica entre os hábitos culturais
semelhantes, pois no relato da srª Poejo, a população sai em busca de plantas em datas
especificas, por entender que elas terão maiores poderes.
Papaconha, muita gente aqui da região na sexta feira da paixão vai rancá papaconha,
casca danta . Es ranca pra fazer chá. Por que es fala assim qui sexta feira da paixão,
porque da morte de cristo es acha assim qui tudo é assim, cumo qui eu vou dizer, forte.
É, tem um justificado. Isso mesmo, ranca es e gaurda e vai bebeno es. (Srª Poejo).
Nas condutas que englobam ações de magia, a tradição de usar plantas é comum,
por entendê-las como interlocutoras do praticante e o objetivo a ser alcançado, visto que são
consideradas “possuidoras de imensa quantidade de energia mágico universal sagrada, as ervas
possuem força e atua energeticamente sobre o corpo espiritual das pessoas” (GREGUER, 2016,
p. 11). Em consonância com esse pensamento, Camargo vai dizer, tão comum é no Brasil
encontrar plantas que protegem o ambiente: “[...] as bem conhecidas dos brasileiros de norte a
sul do país espada-de-são-jorge, comigo-ninguém-pode, arruda, guiné, alecrim,” (CAMARGO,
2014, p. 218). Identificamos nas ações práticas das entrevistadas, semelhantes atitudes. Ao
serem questionadas sobre o poder das plantas para melhorar o ambiente, e quais as plantas são
indicadas para afastar a negatividade, obtivemos a seguinte resposta:
Acredito sim, ieu gosto muito de muita fror, pranto igual eu tem num vaso na entrada
da minha porta eu pus, guiné, espada de São Jorge, chô vê guiné, espada de São Jorge,
arruda e comigo ninguém pode, as quato junta. É, é, fica na entrada. Purque diz qui é
bom, né. Purque o que é ruim, né {pausa}. Da porta pra fora. (Srª Santa Maria).
Ainda nesta mesma perspectiva sobre quais plantas são consideradas possuidoras
de propriedades para afastar mau olhado e inveja, respondem com muita convicção que a planta
mais indicada é a Ruta graveolen, popularmente conhecida como arruda, sendo também
apontada em outras pesquisas como erva poderosa para espantar os maus fluidos do ambiente.”
Presente em vários rituais africanos, aspirar um galho fresco de Arruda ajuda na tomada de
decisões, clareando o pensamento. Para a proteção e limpeza do ambiente espalhe arruda e sal
grosso pela casa,” (ALMEIDA, 2011, p. 181). Segundo Camargo (2014) a formação mestiça
68
contribui para as trocas culturais, pois, “Nas trocas, certamente vieram à tona resquícios de
crenças supersticiosas envolvendo plantas, ditas protetoras contra malefícios e mesmo doença.”
(CAMARGO, 2014, p. 218). As participantes da pesquisa não têm dúvidas ao afirmarem quais
plantas são mais indicadas para afastarem coisas ruins:
Ieu tem certeza, que é arruda, pra tudo é arruda, é porque tem vez que a gente tem qui
pô ela até atrás da orelha, e sai cum ela dentro da bolsa, né, eu gosto. (Srª Santa Maria)
Almeida (2011) apresenta em seu livro Plantas Medicinais, usos místicos atribuídos
à folhas-de-louro desde a Europa Antiga. Era considerado estimulador de sonhos mágicos, e
proteção para os lares contra feitiços e demônios. “Para os romanos transformou-se em símbolo
de glória.” (ALMEIDA, 2011, p. 182). Nas falas das entrevistadas o louro merece destaque
pelas virtudes de prosperidade associadas a ele, tais como:
É. A folha do loro, eu gosto de por dentro da carteira, pra manter um dinheiro de vez
enquando e agente num ficar sem uma moeda [risos]. É muito poderoso, [risos], o
loro, [risos]. (Srª Santa Maria).
tais como o uso da planta Scoparia dulcis L. para limpar a casa, não só fisicamente, mas
espiritualmente também:
A bassurinha doce, a gente usa. Aprendeu assim, uai eu num sei, é tradição, tem muita
gente que põe ela pra barrer a casa, dizem que é muito bom tamém, né. Pra tira o mau.
(Srª Santa Maria).
É bão a gente pega u u u majericão roxo, que é bom a gente tomá o banho. É , depois
qui a gente toma o banho, a gente leva, põe ele num copo. Põe a água na hora qui tá
morno, joga ele daqui pra baixo {mostra com as mão, pescoço pra baixo} e num seca
não. A rosa branca também é. (Srª Santa Maria).
Aqui, ieu tem dia minina, que o povo vai até fala qui ieu tô caducano. Qui ieu chego
perto desse voredo aqui ó (aponta para a direção da árvore na lateral da igreja). Ieu
qui prantei. Foi, no tempo do finado Isé, ieu truce uma tora assim de pau (mostra o
tamanho) lá do Zé Texeira, lá em riba. O Isè falou, que isso minina! Isso num pega
não. Falei assim pega Isé, pega. Ai ieu cassei um saquim de prasco, inchi de isteico, i
finquei esse pauzim dento desse isteico e deixei lá, condo pensa qui não o brutim já
tava saino, dum lado do outo, dum lado do outo. Na ora qui ieu vi qui tava bem bonito
ieu memo, fueri o buraco ali, e prantei ele, qui é esse voredo qui ta ai. Sabia o nome
dela isquici. Qui dá fulor marela, é, é fraboiam. Ai, ieu fico debaixo desse pé de coisa,
minina, i fico oiano lá em riba. Ali,(pausa) ali, naquela copa daquele de pau, ieu
represento a nossa senhora lá, represento a nossa senhora lá, naquele pau ali. Porque
ela pariceu no voredo, nun é caduquisse, ieu fazê isso não. Qui se o povo vê ieu falano,
imagina qui é caduquisse. É mais por enquanto ieu num to caducano. Ieu represento
minina cum coisa qui a nossa senhora tá ali. Porque ieu já vi fala muito qui ês já acho
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nossa senhora, qui as criança qui acho nossa senhora no pau, no voredo, né. E por
debaixo do voredo, por isso qui hoje tem rosa. As criança achou a nossa senhora pelo
cheiro da rosa, as criança viu o cheiro da rosa e es lá vai caminhano, caminhano,
quando ês oiou debaixo do pau qui tava aquele jardim de rosa, quando ês oiou pra riba
a nossa senhora tava lá. E a nossa senhora conversou quês, pois é, ela conversou mais
ês. Não é muito bão a pranta? É muito bão. (Srª Papaconha).
Vê as avi, a gente fica tão feliz, vê uma pranta boa, a gente fica feliz, né. Ieu gosto
dimais, tanto qui ieu já prantei, hoje em dia ieu num posso mais. Já prantei de tudo
qui ixisti. Pois é, a gente sente sodade né, da vida da gente. É difícil, e a gente tinha
prazer. (Srª Jalapa).
Uai ieu sinto é muito bem pelas prantas, é a coisa qui ieu mais gosto de mexe é cum
as prantas, a zela delas. Ali ieu fico ali sentino bem. Com aquele coração leve, quando
ieu óio as prantinha, tá tudo boa, tudo bunitinha, dá aquela alegria. Portanto qui ieu
tem um jardim ali, num saio dele, toda hora ieu to lá chegano terra nus pezim de trem,
daquela flore. (Srª Papaconha).
Ieu gosto, gosto dimais, ieu ainda tava falano cum a cumade. ‘Oh! Cumade’, essa qui
tava ali, ela é minha nora, ela tem uma rucinha aqui perto. Ieu falei ‘o cumade, ieu fui
lá, mais ieu gostei de vê suas pranta, tudo bunitinho’, ieu gosto dimais de pranta. (Srª
Papaconha).
É saúde, em forma de alimento ou remédio, mas é saúde. Não serve só pra curar, mais
é a própria cura ao acesso de todos. (Srª Rosa Branca).
71
É, que as veia passo pá gente e agente tá passano pos novo, mais essas muié nova põe
nada na cabeça não. Poe não. Ruim que os véio ta acabano tudo. (Srª. Erva Cidreira).
A partir dos relatos orais, perpetua o imaginário social e suas crenças e práticas de
cura presentes nas tradições da comunidade, revelando a memória e a identidade local.
Buscamos a interpretação de identidade de maneira superficial que é o da imagem criada pela
própria pessoa dela mesma e para os outros. “[...] a imagem que ela constrói e apresenta aos
outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida
da maneira como quer ser percebida pelos outros.” (POLLAK, 1992, p. 5). Conforme apresenta
Mariosa (2016), “Um fator de importante peso nos estudos das representações são as práticas
sociais, pois são nelas que representações são criadas, de lá emergem.” (MARIOSA, 2016, p.
5).
Disse que as escrava ficava panhano café, minha tia contando, esperano nenê tava
com dor, mais tinha que ir, us patrão, us capitão mandava és ir trabaia, ai ès ia e lá
debaixo do pé de café mesmo ès ganhava o nenê. (Srª. Papaconha).
São lembranças que pelas tradições orais não se perderam ao longo do tempo,
refletem as condições socioeconômica de tempos anteriores que apresentam determinantes
sociais que deixam marcas na comunidade. “Memórias sociais, assim como as representações
72
A era antiga, é, é, é, a era antiga agente sabia muitas coisas assim de benzeção, e coise
coise e a era antiga foi super linda, pessoal sufria demais era uma era qui, uma era de
poca fartura, num tinha fartura de nada não. O povo sufria demais. Hoje eu vejo aí o,
o, o, o povo tá durmino é nu berço de ouro, e ainda fica recramano, e seno qui na era
antiga ninguém tinha cama, ninguém tinha o que cume, a pessoa andava ai, andava o
dia intirim cum punhado de farinha e um cole de café, no meu tempo ieu moça assim
dos duzoito ano mais ou meno, ai saia cum cole de café pra vê se caçava um recuso
naquele qui tinha mais um poquim, purque num tinha ninguém qui era fortão não.
Tinha um qui tinha mais, né, tinha mais du que a gente, tinha mais fartura du que a
gente. Mais num era rico não, Ai lá qui a gente trocava lá um o serviço a troco de uma
coisa de cume, ocê pegava aqués coisa de cume e trazia, i, i, i, já deixava o trato lá de
i nuotro dia trabaia. (Srª Papaconha).
Corroborando a analogia presente nas falas das entrevistas Srª. Papaconha e Srª.
Erva Cidreira, Silva (2009) reforça o papel das rezadeiras na preservação da memória. “As
rezadeiras, enquanto importantes personagens da cultura popular nos servem de referência para
o estudo da memória, uma vez que essa é indissociável da cultura e das instituições sociais.”
(SILVA, 2009, p. 3).
O conhecimento popular é transmitido de uma geração à outra pelos relatos orais,
“A força da história oral, todos sabemos, é dar voz àqueles que normalmente não a têm: os
esquecidos, os excluídos ou, retomando a bela expressão de um pioneiro da história oral, Nuno
Revelli, os ‘derrotados’.” (FERREIRA, 2000, p. 33). É necessário preservar o conhecimento
tradicional, uma vez que grande parte das pessoas detentoras destes saberes têm mais de 60
anos (BRASILEIRO et al.., 2008). Pois, “Alguns benzedores não gostam de passar seus
conhecimentos, outros não têm a quem transmitir e, ainda, têm os que registram seus saberes
para serem repassados após a sua morte.” (PAES, 2016, p. 27). Na visa das benzedeiras
entrevistadas, a maneira mais comum de transmissão é a tradição oral feita pelos mais idosos,
geralmente a um membro da família, conforme relata:
Eu faço assim porque minha sogra sabia, porque ela sabia muito, ela passou pra mim,
muitas coisas ela passou pra mim. (Srª Vassourinha Doce).
identidade.” (POLLAK, 1992 p. 5). No relato de Srª Papaconha, percebemos os anseios, crenças
e os temores da comunidade:
Tudo aqui [apontando com a mão] onde morou a comadre fulana . Ai, portanto que
ali es deixou um pote de ouro enterrado ali, tem um pote de ouro ali. Quem passa lá
horas veia vê o sinal. Muitos vê passa lá vê como se tivesse caindo um punhado de
garfo dentro duma panela trammmm [barulho]. É quem passa lá, outa hora, minha
cunhada mesma que mora ali em cima ela veio numa oração aqui e foi embora a noite
quando ela tava passando lá ela viu um boi pu lado de cima do camim, ai ela falou
assim com a menina dela, uai oia um boi ali, cume que nóis faz pa passa? E o boi
sumiu na vista dela assim. É o pote de ouro que tem lá. Esses mininos aqui, mas cadê
a corage que es tem ? [Risada] Num teve corage não, porque é assim: tem que ir meia
noite cirtim, e chama aima do morador que morou ali, que era o finado Agusto pra
mode mostrar onde ta o pote de ouro, tem que chama a aima dele, Tem, tem qui invoca
fazer a invocação pra ele vim, e nu ele vim vem, cê sabe aques coisa rui na frente
fezendo medo, porque o trem ruim num quê que a aima se salva. Porque a pessoa que
deixa dinheiro enterrado não se salvada não. Por se ele deixou dinheiro enterrado ...
Ai menina!!! dis que vem aquela ventania aquele tititititi, [barulho] aques pataforma
[manifestação do além] na frente se a pessoa for animada e resistir, aquela aima chega
iii dá sinal pra es. Mais pra resistir num é facio não, não, cê chega e fazer a invocação
de quem já morreu num é quaique um não, sabedoria o dom forte o dom do espírito
santo pra puder quentar a barreira toda pra ele quentar e ficar firme ali. (Srª.
Papaconha).
Tem uma minina aqui, qui tem uns dois ano, vai fazer daqui uns dia, de tanto ela vê
ieu fazendo assim cum bassurinha no povo ela tumem pega um ramim e cumeça a
imitá. Ela móia a cara dela toda de água [risos]. Pra num perder, né. (Srª Papaconha).
Para Quintana:
Essa aprendizagem continua ainda a ser assistemática, pois se inicia como uma
brincadeira na qual a criança imita o proceder de um adulto benzedor. Em nenhum
momento se coloca uma situação em que o adulto ensina à criança. É sempre esta que
procurou observar o mais velho e repetir, como brincadeira, os mesmos
procedimentos. Gradualmente, a brincadeira vai se transformando num processo
eficaz, reconhecido no meio familiar, dado que o interesse da criança estaria revelando
a existência de um dom. Contudo, ainda que esse reconhecimento familiar se dê numa
idade precoce, o reconhecimento social só ocorrerá numa idade já avançada.
(QUINTANA, 1999, p. 54)
que “Os saberes das comunidades tradicionais são, atualmente, reconhecidos como patrimônio
imaterial pelo IPHAN.” (PAES, 2016, p. 25).
O povo antigo sabia tanta coisa, né, mais hoje, num são todos não, mais us que saber é
só de oiá na internet. Num sabe nada de Deus, só oiano o que num presta, Agora nóis
que já tá véio. Ieu qui já to véia sei o procedimento do povo, né. A gente sabe, do jeito
qui a gente foi criado, hoje tudo por tudo mudou da forma qui nóis foi criado. (Srª
Alfavaca).
Merece destaque outro fator preocupante sobre manutenção destes saberes, visto
que as pessoas detentoras sentem-se inseguras para falar de algumas práticas, que por uma visão
da cultura religiosa dominante, as definem como algo desmerecedor de credibilidade,
atribuindo assim sentido pejorativo às práticas. Tal fato se justifica na fala da Srª Erva Cidreira
quando respondendo ao questionamento se acredita no poder das plantas para proteção das
pessoas, ela vai dizer:
Uai, es fala isso né que as prantas [risos] até que o padre aquele dia tava falano né
cumade que o povo tem uma supertição pranta comigo ninguém pode, pimenta, guiné,
que qui é o outo trem que ele falou? Arruda. Ah! Diz ele qui isso é uma parlena. (Srª
Erva Cidreira).
Hoje sãs pessoas dueceu ai es nem cridita mais no chá, nóis que veio cridita, que ieu
ueueu, sinto uma dori eu vou ali panho uma foia de favacão, uma eiva cideira, né, ieu
ponho ali uma unha de casca de laranja né, i faço o chá, mais esse povo de hoje ceis
duecê es num acridita não. Es que ir e vai pu hospital. Isso num serve de nada não, to
tomano chá e to do mesmo jeito eu vou é cunsurtá. (Srª Papaconha).
Merece destaque a fala anterior visto que o problema posto a esta pesquisa relaciona
a preocupação com a transmissão do conhecimento e por ser de forma oral, temem pela
extinção. Pois os que possuem, esperam pelo interesse do aprendiz que nem sempre
corresponde às expectativas, causando uma preocupação aos detentores destes saberes em
transmiti-los às próximas gerações.
É! Hoje em dia esses novo não sabe de nada mais. Essas muié nova aí num sabe de
nada, ganha um minino e fica duente num sabe um remédio do mato, num sabe uma
simpatia, num sabe nada. Uns num acredita, a gente fala quês es fala ‘ah bobagem,
isso é parlen’, num existi isso mais não. (Srª Erva cidreira).
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Observando o resultado obtido por Alves et al.. (2015) sobre a transmissão destes
saberes, o achado do estudo identificou que 95.1% dos entrevistados têm interesse em transmitir
os saberes tradicionais. Pois o modo com o qual ocorre a transmissão dos conhecimentos sobre
o uso das plantas ainda preocupa pesquisadores:
Diante dos relatos feitos pelas entrevistadas, é notória a preocupação existente com
a memória da comunidade, e lutam para manter as tradições das práticas de cura repassadas de
geração em geração, através dos familiares. Este vem sendo um problema que foi identificado
em outra pesquisa realizada na comunidade de Furnas do Dionísio. Chagas (2007), destaca a
falta de transmissão das práticas de benzimento: “O motivo alegado pelos entrevistados é a falta
de ‘pessoas interessadas em aprender’. O mesmo fato tem sido observado por pesquisadores
em várias partes do país.” (CHAGAS, 2007, p. 15).
76
77
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
descaracterizando-os com o tempo. Tal situação foi comprovada pelas entrevistadas como uma
grande preocupação em manter esses saberes, uma vez que os mais novos não têm a mesma
crença dos idosos, e procuram as soluções imediatas para os problemas de saúde, menosprezam
os tratamentos tradicionais. Diante do exposto, acreditamos colaborar na manutenção,
registrando parte desses saberes, visto que se percebe certa insegurança por parte das
entrevistadas ao falar das práticas tradicionais de cura, devido a comentários pejorativos sobre
tais práticas culturais. Isso foi evidenciado na fala de algumas participantes, pois somente após
uma reunião com o líder religioso, na qual ele ressaltou a importância de preservar as práticas
de cura, é que elas sentiram mais à vontade pra falar a respeito, embora já ter acontecido maior
parte das entrevistas. É perceptível, portanto, o silenciamento de tais saberes e práticas,
carecendo, ainda, de novas pesquisas para compreender tal processo.
De acordo com as contribuições teóricas de Mauss e Hubert (2003), o uso das
plantas de poder mágico espiritual presente nas comunidades pesquisadas estão relacionadas
especificamente às práticas de benzimentos e simpatias, por correlacionar à prática religiosa,
visto que para Mauss e Hubert (2003) magia são fatos sociais que têm uma figura, o mágico,
ou o agente que pratica o ritual, uma importância singular, por mediar o contato com o objetivo
de atingir o sagrado. Enquanto Frazer (1982) apresenta a magia como ciência que antecede a
religião, razão pela qual recebe críticas de alguns teóricos da Antropologia, porém, no presente
trabalho percebemos a magia simpática nos ritos mágicos através das plantas. A hierofania está
presente na cosmovisão das entrevistadas ao identificar a planta vassourinha doce (Scoparia
dulcis L.), como sendo uma planta consagrada à Nossa Senhora, daí a sua importância espiritual
nos ritos de cura, entendido segundo Eliade (2016) como a manifestação do sagrado.
Nesta perspectiva de cura e cuidado com a saúde envolvendo o poder magico
espiritual das plantas, importante salientar a que o ritual aqui proposto pode ser entendido como
as ações praticadas pelas mulheres durante o processo de busca da cura envolvendo a reza da
benzedeira, a utilização de objetos para a simpatia, e o uso plantas medicinais, em fim todas as
etapas pelas quais passam o doente enquanto busca a cura pelas práticas tradicionais nas
comunidades locais de estudo.
A pesquisa que possibilitou a concretização deste trabalho, já teve um produto
apresentado e publicado em anais do evento:“Práticas tradicionais de cura: benzeções – In:
Anais da VII Semana da Integração, Ensino, Pesquisa e Extensão da UFVJM de 2019.”
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81
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Ministério da Justiça. Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015. Dispõe sobre o acesso
ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e
sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Diário
Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 21 mai. 2015. Seção 1, p. 1.
82
COSTA, C. G. Os tropeiros de São João Batista. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2004.
152 p.
FERREIRA. M. M. (org.) História oral: desafios para o século XXI. Organizado por
Marieta de Moraes Ferreira, Tania Maria Fernandes e Verena Alberti. — Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz / CPDOC - Fundação Getúlio Vargas, 2000. 204p
GREGUER, N. Botânica Oculta e Medicinal o Espírito das Plantas. 1ª Ed, 2016. 330p.
MAUSS, M.; HUBERT, H. Esboço de uma teoria geral da Magia. In: Sociologia e
Antropologia. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naify, 2003 [1904]. p. 47-181.
MELO, M. M. Plantas tóxicas para bovinos no Estado de Minas Gerais. Caderno técnico da
Escola de Veterinária da UFMG. Belo Horizonte, 1998. p. 5-52.
QUEIROZ, O. A. S. Um padre, sua gente, sua terra. BeloHorizonte: Edt O Lutador, 2003,
p. 560.
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SOARES, G. C. Na trilha dos Borum. Belo Horizonte: Editora Instituto Metodista Izabela
Hendrix, , 2010. 298p.
APÊNDICES
APÊNDICE 1 - GLOSSÁRIO
Mal-dos-sete-dias: A criança não pode receber visita nesse diante, por que o mau olhado que
ela possa vir a pegar será muito forte, podendo causar a morte.
Mau oiado: Mau olhado.
Miasso premunia: iniciando pneumonia que não evolui para a doença.
Miorano: melhorando
Muié: mulher
Morragia: hemorragia
Namema da hora: na mesma hora ao mesmo tempo
Nol: nó
Oiá: olhar
Papa: preparo usando farinha de mandioca ou fubá.
Parlen: algo que não é verdade.
Pelonia: Santa Apolônia protetora d
Picada de cobra: picada de cobra, quando a pessoa é mordida pelo animal.
Quês: com eles.
Sãs: se as
Sol na cabeça: doença popular adquirida pela exposição excessiva ao sol, causando forte dor
de cabeça.
Tição: madeira usada como combustível para o fogão a lenha.
Tucino froxo: tosse de quem está expectorando o catarro.
Unha de casca de laranja: medida, quantidade retirada da laranja.
Veis: às vezez, de vez enquanto.
Voredo: árvore.
Xapexi: assapeixe
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1. Fale da história deste lugar, quem veio morar aqui primeiro? Por que recebeu esse nome?
2. Como é a vida aqui na comunidade?
3. Quais são as práticas de cuidado com a saúde mais comum para você?
4. Como você cuida de sua saúde?
5. Você faz uso de remédios caseiros (chás, ervas, poções), procura
rezadeira/benzedeira/curandeiro/raizeiro ou procura outra pessoa em outro lugar?
6. Quais as plantas mais conhecidas, como são usadas e para que serve?
7. Quais os rituais mais comuns praticados por você para cuidar de sua saúde?
8. Você acredita no poder das plantas para melhorar o ambiente onde vive? Como? Quais
plantas podem contribuir pra isso?
9. Quais as plantas você considera para afastar mau olhado, inveja, coisas ruins? Como são
usadas?
10. Existe algum ramo/raminho específico para o ritual de benzeção? Qual e por que esse?
11. Para cada tipo de benzeção, exige uma planta diferente? Quais são e por quê?
12. Você quer completar alguma informação ou quer falar algo mais?
13 O que você sente pelas plantas? Você gosta delas? O que são as plantas pra você?
14 Quais as plantas que antes eram utilizadas e hoje não existe mais, não são mais encontradas?
E por qual ou quais elas foram substituídas?
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ANEXOS
ANEXO 1 – TCLE
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