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Brasil
2023
FONSECA, Daniel Barros. 1994-
A Fábrica de Cretinos: A Ascensão e
a Insurreição de Bolsonaro. 1 Ed.
Seattle – WA, EUA. Amazon Direct
Publishing, 2023. 470p.
ISBN 9798396345096
1. Filosofia. I. Título
CDD-100
Traidor da Constituição é traidor da
Pátria. Conhecemos o caminho maldito.
Rasgar a Constituição, trancar as
portas do Parlamento, garrotear a
liberdade, mandar os patriotas para a
cadeia, o exílio e o cemitério.
Ulysses Guimarães
Agradecimento
A Fábrica de Cretinos é o
resultado de cinco anos de ativismo
pelos Direitos Humanos contra a
ascensão de um movimento totalitário
de extrema direita no Brasil encarnado
na figura de Jair Messias Bolsonaro.
Através de um trabalho
investigativo, como veremos, o autor
se deparou com formas de financiamento
ilícito de ativistas bolsonaristas
desde o início deste movimento de
massas.
Querela Primeva
I Nota ao Leitor ou da 1
Questão do Método ..
II Corolário ……………….. 28
V Capítulo I - 167
Princípios
Estabelecidos no
Preâmbulo da
Constituição .....
VI Capítulo II - A 222
Necessidade da Lei
Universal ........
Do Contexto
Histórico
X Capítulo VI - Do 304
Estado Despótico da
Ditadura Militar ...
Da Insurreição
XV Capítulo Xi - A 456
Condescendência da
Procuradoria Geral da
República .......
XX Filosofia, 461
jornalismo e ativismo
2
contra a ordem democrática e que, mesmo
que isso necessite de grande esforço,
a filosofia se mostrará proveitosa
para apresentar ao leitor leigo como
ela é profícua para a compreensão da
sociedade para além de clichês e
falácias lógicas.
4
filosofia crítica, tal qual proposto
por Kant, se mostre profícuo para a
análise de uma conjuntura histórica
real e que não seja limitada a mera
discussão de conceitos puros em si
mesmos a partir de meras abstrações
acadêmicas. O que se pretende,
portanto, é interpretar a conjuntura
histórica brasileira a partir dos
preceitos estabelecidos pelo próprio
projeto de uma filosofia crítica
conforme preconizada por Kant, isto é,
pretende-se que os conceitos de
interpretação do contexto sejam
predicáveis do próprio contexto, sob
pena de, caso não sejamos bem
sucedidos, que fiquemos reféns de
abstrações da metafísica tradicional.
Ou seja, em outras palavras, o que
queremos fazer neste livro é
demonstrar que o princípio de
demarcação da razão humana
estabelecido por Kant, limitando a
análise do mundo a partir de conceitos
que possam ser predicados do mundo
real, isto é, do que é empírico, não
só é possível, como é necessário para
uma análise que se pretenda filosófica
da real politique.
5
boas interpretações do mundo; o
escritor, por sua vez, confia que o
leitor é capaz de trespassar os
movimentos mais complexos e
intrincados do texto. Apesar deste
escritor ser estudante da filosofia de
Immanuel Kant há uma década, a proposta
deste livro encontrou grande
dificuldade em ser realizada devido ao
seu, como disse, caráter inédito.
Apesar de uma das áreas mais influentes
da filosofia brasileira ser de estudos
kantianos; são poucos os pesquisadores
que pensam a conjuntura histórica
brasileira, de forma pormenorizada, a
partir do arcabouço teórico do projeto
da Filosofia Crítica proposta por
Kant. Uma razão é óbvia. Que é o fato
de eu ter começado este projeto de
escrita poucos dias depois da
insurreição de oito de janeiro. O outro
problema está na própria estrutura da
carreira de pesquisador de filosofia
no Brasil; há uma primazia, nas
Universidades, de que se reduza o
debate filosófico à meras abstrações
teóricas e muitas vezes tediosas
àqueles que não são da área da
filosofia porque os conceitos não
encontram, nestas pesquisas,
ressonância com o cotidiano do leitor
comum.
6
A proposta deste livro é
diametralmente oposta àquelas dos
debates totalmente abstratos comuns em
departamentos de filosofia. Ao fugir
de debates rasos que nada traz de
proveitoso além do emprego de termos
técnicos aleatoriamente, o que se
propõe aqui é demonstrar ao leitor o
quanto a filosofia pode ser proveitosa
para compreender a vida cotidiana de
qualquer indivíduo.
7
Jato é uma resposta simples e errada
para um problema complexo. Assim como
é simplório e errado atribuir a
Ascenção de Jair Bolsonaro à árvore dos
acontecimentos ocasionada pelas redes
sociais. Apesar de ambos os fatos
citados tem relação com o fenômeno
político do bolsonarismo. Também não
seria um argumento fundamentado na
ciência ou na filosofia listar
diversos acontecimentos entre 2010 e
2018 e dizer que estes acontecimentos
acarretaram na eleição de Bolsonaro.
Não passa, na verdade, de uma falácia
lógica na qual se atribui a relação de
causa em consequência entre duas
coisas, apenas, porque uma ocorreu
depois da outra. Também seria uma
falácia argumentativa seguir a
argumentação de Habermas, e boa parte
dos teóricos da Escola de Frankfurt,
que atribui insurreições de extrema
direita contra a ordem democrática
como sendo uma consequência
teleológica inevitável do capitalismo.
8
Brasil contemporâneo. Podemos comparar
o filósofo que estuda Kant ao alpinista
que sobe o Everest, devido à extensão
e a complexidade inerente ao
pensamento Kantiano – o que resulta,
por óbvio, em argumentos complicados e
longos para compreender a política
contemporânea brasileira. Também é em
Kant, por outro lado, que está toda a
fundamentação filosófica da ciência
contemporânea.
10
alguma fé, isto é, crença em algo sem
fatores empíricos, do mundo real, que
sirvam de evidências para a
explicação. E é um argumento cheio de
contradições internas, pois, se
Bolsonaro fosse a ferramenta de Deus,
e Deus, por definição é infalível,
fazia parte dos planos divinos tanto
que ele não fosse reeleito quanto que
a insurreição fracassasse. Deste tipo
de argumento de apelo à fé surgiram
teses como a do Pastor Silas Malafaia
– um dos maiores líderes evangélicos
do país, vale registrar – a de que Deus
iria travar o sistema eletrônico de
contabilização dos votos caso
Bolsonaro não fosse reeleito.
Voltaremos, posteriormente, à análise
do fenômeno religioso inerente ao
Bolsonarismo. Por hora, contudo, basta
dizer que justificativas religiosas
sobre uma suposta imanência do Vontade
de Deus não acrescenta nada à
explicação do problema. Se aplicarmos
o princípio Bayesiano de
verossimilhança provável da hipótese
mais simples, deve-se entender a
adesão de pastores à campanha de
Bolsonaro devido ao perdão de bilhões
de reais em dívidas e templos
religiosas em impostos. Deus, é por
excelência e por definição, a ideia
mais complexa de todas. Como é possível
explicar a adesão de pastores à
11
campanha de Bolsonaro por interesses
econômicos, deve-se preferir esta
explicação, pois, é mais simples do que
a necessidade de apelo não só a
existência de um ser onipotente,
onisciente e onipresente, mas, de ser
o próprio pastor o interprete e
revelador das vontades divinas. Roga
contra à hipótese de interferência
divina mediante a revelação das
vontades de Deus por pastores,
notadamente processados por lavagem de
dinheiro em diversos países, o fato
destes mesmos pastores terem apoiado a
eleição de Lula durante seus dois
primeiros mandatos. Se a hipótese de
que estes pastores são interpretes e
comunicadores da Vontade Divina
estivesse correta, dever-se-ia
concluir que a vontade de deus não é
única e infalível porque já apoiou Lula
para a presidência outrora. Ou,
lembrando a história de que Deus iria
interferir no funcionamento das urnas
eletrônicas durante a contagem dos
votos das eleições em favor de
Bolsonaro; como não houve
interferência alguma, é necessário
concluir, sem pestanejar, de que não é
da Vontade de Deus que Bolsonaro fosse
presidente e, portanto, não há como
justificar a eleição de Bolsonaro como
manifestação da providência divina. O
argumento de intervenção divina é
12
contraditório ao dogma mais
fundamental do monoteísmo, isto é, o
dogma do livre arbítrio. Deus não pode
interferir em eleições na medida em que
eleições são a expressão da soma da
maioria das próprias vontades
individuais expressas na forma de
votos. Mesmo que se argumentasse que a
interferência divina nas eleições
ocorreria por uma suposta fraude nas
urnas, ainda sim, lembrando o
provérbio que diz que não cai uma única
folha de uma árvore sem a anuência de
Deus, seria a vontade divina que
Bolsonaro perdesse as eleições porque
a fraude nas urnas fariam parte do
plano divino. Se estaria atribuindo
caos à Vontade de Deus na medida em que
seria da vontade do próprio deus uma
insurreição e que esta insurreição
terminasse de com a prisão de quase mil
e quinhentos golpistas. O argumento de
que Deus interfere em toda e qualquer
ação humana torna impossível o próprio
livre arbítrio humano porque Deus não
passaria de um mestre de fantoches
humanos. Esse tipo de interferência de
Deus nas ações humanas também tornaria
o principal pilar do Cristianismo
impossível porque não haveria
liberdade da vontade para o
arrependimento dos pecados pelos
indivíduos e o próprio Deus seria
motivo da condenação à danação eterna
13
das pessoas ao inferno. É a negação do
próprio conceito do Espírito Santo,
este enquanto representação da
caridade divina, pois, se atribuiria
uma espécie de mal ao Deus monoteísta
que é, por definição básica de teologia
a expressão do Bem absoluto. É,
portanto, negar a própria caridade de
Deus, ou seja, é maldizer a providência
do Espírito Santo enquanto expressão
da Santíssima Trindade, na medida em
que se atribui mal, e não a caridade,
às obras de Deus. A sujeição de que
Bolsonaro é a representação da Vontade
Divina contraria, portanto, à própria
infalibilidade das Escrituras
Sagradas, pois, atribui aos pastores
do Dom reservado aos profetas de
interpretação da Vontade de Deus.
14
medida em que esta hipótese possui
contradições internas na própria
fundamentação teológica, isto é, é
contraditória aos próprios dogmas
fundantes do cristianismo professados
pelos pastores, devemos descartar tal
hipótese como plausível ou digna de
verossimilhança. O que quero dizer é
que hipóteses de explicação
“fantásticas” requerem provas
fantásticas. Basta lembrar os quatro
princípios para a explicação de um
milagre – no caso, a interferência
divina nas eleições brasileiras –
postulados por David Hume em Diálogos
Sobre a Religião Natural. Mesmo que,
por outro lado, se critique a hipótese
de que o Bolsonarismo é produto da
vontade divina, também a partir de um
princípio de caridade, sem que
recorramos à um filósofo empirista,
esse tipo de argumento recai em
contradições aos próprios dogmas do
monoteísmo cristão, se tomarmos como
base teólogos consagrados do
Cristianismo como Santo Agostinho e
São Tomás de Aquino. No caso de Aquino,
os pastores, ao se colocarem como
interpretes da Vontade de Deus,
antropomorfizam a própria natureza
divina, na medida em que tentam dizer
sobre os desígnios de Deus, não de
acordo com a revelação das Sagradas
Escrituras ou da Palavra dos Profetas,
15
mas, de acordo com a própria razão
humana – que, por natureza, é incapaz
de compreender os desígnios de Deus.
E, ainda, no caso de Agostinho, se nega
a possiblidade do livre arbítrio (tese
esta de Agostinho que nunca foi revista
pelos teólogos protestantes) na medida
em que se atribui a possibilidade do
mal ao próprio Deus, caso se aceite que
Deus é o responsável por todas as ações
humanas, a vontade humana – lembrando
que Agostinho recorre ao argumento dos
Estoicos de que a Vontade é a impressão
criada na alma – o mal do mundo é um
desígnio (vontade) do próprio Deus.
Os preceitos da filosofia da
Ciência estabelecidos por Karl Popper
nos indicam que não se deve, numa
pesquisa científica, procurar por
evidências, apenas, de confirmação.
Mas, deve-se testar às hipóteses que
neguem a própria tese que se tenta
provar. Pode-se explicar a adesão ao
Bolsonarismo por estes pastores
segundo às próprias Escrituras, isso
porque a própria Bíblia alerta para os
falsos profetas, isto é, aqueles que
agem em causa própria ao invés dos
valores de Jesus Cristo (Romanos
16:18) e há evidências disso na medida
em que houve o perdão de, literalmente,
quatro bilhões em dívidas e estes
pastores tiveram suas congregações
16
banidas de alguns países, como Angola,
por lavagem de dinheiro. Também deve-
se considerar de que não se trata de
que o bolsonarismo seja prova da
interferência divina no cenário
político brasileiro o fato diversos
destes pastores tele-evangelistas
praticarem o misticismo, por exemplo,
na venda de travesseiros abençoados ou
de feijões mágicos que serviriam para
curar a COVID-19.
17
danação eterna dos bandidos enquanto
Cristo prega a misericórdia divina
mediante à redenção? Como dizer que
Bolsonaro representa os valores de
Cristo na medida em que Jair defende a
tortura, o fuzilamento e faz apologia
ao Estupro? O principal valor de Cristo
é a caridade, a empatia, amar ao
próximo como a si mesmo. Bolsonaro é
aquele que chamou de choramingões
àqueles que enfrentavam o luto causado
pela pandemia de Covid.
19
partida a necessidade do Bolsonarismo
enquanto fenômeno social deva decorrer
de conceitos derivados da experiência
possível devido às limitações da razão
determinadas pelas próprias leis da
natureza
20
O que nos importa desta análise
da explicação do bolsonarismo feita
até aqui, a partir de um argumento
meramente religioso é o que se segue.
Iniciamos nossa investigação a partir
da constatação da existência de um fato
social, conforme nomeamos no título:
“a ascensão e a insurreição do
Bolsonarismo”, o problema, portanto,
que nos propusemos à compreender é o
fato determinado pela depredação das
sedes dos três poderes da República no
dia 08 de janeiro de 2023. Elegemos
como palco para essa análise a
filosofia da história, na medida em que
a história é a área do conhecimento que
estuda fatos passados. Para esse
percalço, determinamos a premissa
central do método de análise, isto é,
que a interpretação tenha fundamento
empírico e não metafísico, ou seja, a
premissa base de análise é explicar
este fato social a partir de conceitos
de concatenação de fatos passados que
possam ser predicados do próprio mundo
de tal forma que não seja necessário
recorrer à hipóteses da razão
especulativa de forma ad hoc
(estabelecidas com o único critério de
explicar algo), ou seja, a premissa
básica era a de que os conceitos de
análise fossem predicados dos fatos de
forma demonstrável. Como o objetivo
central da Filosofia Crítica
21
estabelecida por Kant é o de limitar o
conhecimento à experiência possível de
ser intuída pela razão quando
confrontada com o múltiplo do sensível
(dados sensíveis observáveis
empiricamente a partir dos sentidos
humanos) na forma de acontecimentos
históricos. O elemento mais básico
para se analisar um movimento político
é o seu lema, ou, em termos do
marketing, seu slogan, isto é, seu
bordão expresso em frases concisas, de
forma fácil de se lembrar, que expresse
seus valores-chave. O lema de um
movimento político deve ser entendido
como ferramenta de divulgação das
principais pautas que unem um grupo de
pessoas em torno da figura de um
político. O lema do bolsonarismo é
“Deus, Pátria e Família”. A partir
destes mesmos preceitos, também, pode-
se perceber, sem a necessidade de
qualquer esforço analítico que o mote
da campanha eleitoral é a reprodução
do seguinte versículo Bíblico:
“conheceis a Verdade e a Verdade vos
libertará”. A partir desta análise do
que há de mais básico no bolsonarismo,
pode-se perceber a primeira pista para
analisarmos este movimento político
que é a defesa de valores cristãos como
objetivo da ação política. Valor este
que se reflete na mera análise
estatística das pessoas que se
22
identificam com o movimento, já que
quase a totalidade se identifica como
cristão. Apesar do principal valor
pregado por Cristo ser o da caridade,
este movimento político tem como lema
principal a defesa de algo denominado
como “liberdade mediante o
conhecimento da Verdade”. A roupagem
religiosa do bolsonarismo fica clara
quando a própria esposa de Jair
Bolsonaro (figura central do movimento
político), em incontáveis aparições
públicas balbuciava sons incoerentes
que dizia ser a manifestação do próprio
Espírito Santo que a concedia a
habilidade de orar na língua dos anjos.
23
fé pela própria crença, isto é, no
fideísmo.
24
Esse cuidado metodológico de
distinguir o Bolsonarismo como sendo
um movimento religioso com
representação política ou como um
movimento político com estética
religiosa é fundamental pare
estabelecermos os próximos passos da
nossa investigação, na medida em que
isso determina o próprio tipo de
análise a ser feita, isto é, define se
é melhor recorrer à filosofia da
religião ou à filosofia política. Como
nosso objetivo de análise não é o
caráter de existência de Deus ou da
verossimilhança de seus desígnios,
mas, o de uma análise da história dos
fatos que permeiam o Bolsonarismo a
partir da filosofia da história
segundo preceitos da filosofia da
ciência conforme estabelecidos pelo
projeto crítico; esta distinção da
própria natureza do fenômeno
bolsonarista se fez necessária.
25
convencionalmente chamado de
bolsonarismo – em suas principais
facetas, isto é, o caráter militar e
religioso do movimento de massas – de
seu surgimento à sua insurreição. Como
não é uma pesquisa de historiografia,
mas, de filosofia da história,
analisaremos este fenômeno a partir da
filosofia da história, isto é, de como
um movimento pode surgir, numa
democracia, que questione a própria
democracia em vistas à um golpe de
Estado (seja ele factível ou não). Para
isso, analisaremos a gênese econômica
do bolsonarismo a partir do contexto
econômico mesmo da sociedade
brasileira. Se formos bem sucedidos
nessa análise, lançaremos luz ao
movimento seu caráter genitor em
aspectos do mundo empírico – e não
somente a partir de um psicologismo –
no qual se poderá lançar mão de teorias
consolidadas da história da filosofia
para a análise do bolsonarismo
enquanto movimento político que se
insurge contra a própria democracia.
Feito esses dois passos, ou seja, a
contextualização teórica de pano de
fundo da análise do contexto histórico
em si; teremos condições de projetar
os principais desafios para a
manutenção da democracia na próxima
década, pois, embora não tenha sido
reeleito, o ex-presidente Jair
26
Bolsonaro, o movimento bolsonarista,
embora leve seu nome, não deve, e nem
é possível, ser compreendido a partir
somente de um caráter de devoção à
pessoa de Jair Messias. Isto é, como
lidar com um movimento antidemocrático
a partir da própria democracia
Brasileira?
27
II
Corolário
Nós, representantes
do povo brasileiro,
reunidos em Assembleia
Nacional Constituinte para
instituir um Estado
Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos
direitos sociais e
individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o
28
desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como
valores supremos de uma
sociedade fraterna,
pluralista e sem
preconceitos, fundada na
harmonia social e
comprometida, na ordem
interna e internacional,
com a solução pacífica das
controvérsias,
promulgamos, sob a proteção
de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL1.
“Qual a natureza
faculdade de julgar
presente no juízo de
promulgação de uma
Constituição Republicana na
vontade egoísta de
autopreservação
determinada pela autoridade
da autonomia da vontade
livre diante da insociável
sociabilidade mediada pela
renúncia ao Estado de
Natureza e ao Estado
Despótico?”.
30
como método de garantia ao direito de
autopreservação do indivíduo, isto é,
a garantia ao direito à vida, como
elemento fundamental da Teoria do
Direito Contemporâneo, a partir do
estabelecimento de princípios
objetivos da razão prática que tenha
elemento norteador o progresso da
humanidade por meio da autopreservação
e desenvolvimento da pessoa humana,
enquanto indivíduo e enquanto cidadão
da República. Elementos estes, como
analisaremos, conforme estabelecidos
no Título I da Constituição,
denominado por “Dos Princípios
Fundamentais”.
31
exercício da razão prática sem
recorrer à dogmas teológicos e como é
possível extrair deste exercício da
razão prática uma fundamentação
teleológica (de organização) social
que não seja mero reflexo do exercício
de uma determinação de natureza
divina, isto é, tenha como “princípio,
meio e fim” o próprio indivíduo – quer
seja enquanto indivíduo particular,
quer seja como integrante de uma
universalidade de indivíduos (i. e. de
uma sociedade).
32
do idealismo moderno alemão, ou seja,
uma espécie, tomando emprestado o
termo hegeliano, de suprassunção entre
empirismo e racionalismo.
34
III
Prefácio
Apresentarei, doravante, o
seguinte argumento: “Teria a
Constituição Brasileira de 1988 como
fim último a autopreservação dos
indivíduos?”; pergunta esta que, nos
termos da Filosofia do Direito,
necessitará resposta à seguinte
pergunta: “Qual a natureza faculdade
de julgar presente no juízo de
promulgação de uma Constituição
Republicana na vontade egoísta de
autopreservação determinada pela
autoridade da autonomia da vontade
livre diante da insociável
sociabilidade mediada pela renúncia ao
Estado de Natureza e ao Estado
Despótico?”.
35
interesse comum do povo”2, sendo a
igualdade de todos essencial aos
cidadãos da República, sem direitos
não podem existir3, o ponto de partida
para toda e qualquer Filosofia do
Direito deve ser a própria fundação do
Estado, ou, em outros termos, “quando
o ordenamento jurídico determinar as
hipóteses sob as quais a coação deve
ser exercida [...] protege os
indivíduos que estão sob ela
submetidos contra o uso da força por
parte de outros indivíduos”4.
36
ações humanas sejam elas individuais
ou coletivas – caso não se parta de que
a moral é preestabelecida por uma lei
divina. Porque nos mostra a história
do julgamento de Nuremberg que este
tipo de argumento pode ser utilizado
como fundamentação de justificativa da
barbárie do Holocausto. Isso porque é
função do Direito, nos termos de
Kelsen, determinar
“quando o ordenamento
jurídico determinar as
hipóteses sob as quais a
coação deve ser exercida [.
.. ] protege os indivíduos
a ela submetidos contra o
uso da força por outros
indivíduos” [e ocorre de
tal forma que viola a
segurança coletiva, pois é
o que ocorre quando] “a
decisão é afastada dos
indivíduos diretamente
envolvidos no conflito,
pelo menos a questão de
saber se, em determinado
caso, houve ofensa à Lei e
quem é responsável por ela”5
40
entrar num debate sobre o espírito
absoluto, o que pretendemos ao fazer
essa digressão é tão somente clarear
esse conflito que acima indicamos, a
saber, entre os decretos do Olimpo e
os decretos do governante da cidade,
entre a lei humana e a lei divina. Na
análise hegeliana, o espírito parte de
uma divisão da substância nela mesma,
como meta e consciência, entre gênero
e indivíduo. Na interpretação de J.
Hyppolite, o que está em questão nesse
momento da Fenomenologia é uma cisão
segundo a lei da consciência. Isto é,
uma oposição entre o singular e o
Universal, contudo tal divisão não
ocorre, apenas, nesse aspecto, mas,
também, se apresenta na oposição entre
família e cidade, entre a lei humana e
a lei divina9. Hegel aponta que essa
divisão ocorre numa operação própria
da consciência em que se pode denominar
tal espírito “como lei humana, porque
ele é na forma da efetividade
10
consciente de si mesma” . Tais leis
humanas correspondem às leis
p. 31.
42
problema que inaugura a Filosofia do
Direito, isto é, a gênese do Direito
enquanto ciência das leis. Este
momento da História das Ideias, por
óbvio, se trata de um tempo lógico, e
não cronológico, do nascimento do
Direito. O que deve se extrair dessa
oposição entre leis divinas e leis da
Polis é que a gênese do direito se
confunde com a própria fundação da
Polis, pois, este problema só toma
forma na medida em que se abandona a
lei estabelecida pelo patriarca da
família, isto é, a lei do mais forte,
em direção à uma lei comum à Cidade.
Este é o ato que foi melhor descrito,
pela História da Filosofia, durante a
modernidade na figura dos chamados
filósofos Contratualistas.
43
Estado sem Direito e não existe
Sociedade sem Leis humanas, pois, a
criação destes dois pares de conceito
se confundem.
44
“vontade universal” e “vontade
particular”. O que está em jogo, na
gênese do Contrato Social, é a
dicotomia entre vontade universal – ou
da sociedade – e vontade particular –
ou direito familiar ou divino.
Se a gênese de direito e
sociedade se confundem, ou seja, se o
Estado de Direito encontra-se num
tempo lógico de fundação,
necessariamente, também deve-se
considerar, ao ponderar a Filosofia do
Direito, o próprio tempo histórico –
dado que a distinção entre tempo lógico
e cronológico são conceitos
complementares.
Condição que se
estabelece por meio de um
Continua Rousseau:
Diz, também,
52
particular tivesse
prevalecido, eu teria feito
algo diferente do que
desejava; e nesse caso eu
não teria sido livre23
Voltaremos ao conceito de
liberdade da vontade posteriormente,
mas, antes, precisamos de ponderar a
consequência deste ato da vontade.
Isso porquê só é possível estabelecer
a causa (vontade livre) se soubermos
qual a consequência está vinculada a
uma determinada causa. Adianto um
conceito embutido nesta conclusão: um
53
efeito no mundo (lei) se trata de uma
abstração (juízo à priori) sintética
(que tem origem na experiência). Isto
é, em outros termos, antes de se
ponderar sobre juízos universais deve-
se partir do fenômeno (juízos
particulares) a que se observa. E, como
vimos, o Direito é uma determinação
empírica gestada do conflito entre lei
familiar e lei da Polis. Direito é a
consequência do embate de vontades
particulares de vários indivíduos. É,
como argumentado, o estabelecimento de
uma, em termos silogísticos,
determinação de “termos médios”, ou
melhor, pontos em comum aos indivíduos
que dá gênese à criação da sociedade
(vínculo entre indivíduos). Ao se
tratar de Filosofia do Direito,
portanto, é necessário partir, sempre,
do empírico (fenômeno) e não da
abstração (coisa em si), ou seja, o
ponto de partida dos juízos sobre o
direito, determinado pela sua própria
gênese, encontra-se, como argumentado,
situada num tempo lógico e num tempo
cronológico, i. e., no empírico.
54
exclusivo24 e positivismo flexível25
como sendo conceitos mutuamente
opostos, portanto, excludentes.
Entende-se que há um erro por se
aplicar a autoridade, no conceito de
positivismo exclusivo, à lei em si.
Entendemos – e abordaremos isso
pormenorizadamente num momento
pertinente – que a autoridade
inequívoca é uma conditio sine qua non
do próprio conceito de Direito. Sem
esta autoridade não há o efeito
vinculante do Contrato Social.
Contudo, entendemos que este conceito
não se aplica à lei escrita. O que se
entende, portanto, é que a autoridade
cara ao conceito de positivismo
exclusivo é que a autoridade se aplica
à vontade livre que dá causa à
promulgação da lei e não à lei em si.
Isso porquê, caso houvesse a
autoridade da “Lei em Si” (lei
positivada), não seria possível o
estabelecimento de um Contrato Social.
55
Isso por dois motivos, o primeiro é que
não seria possível escapar das leis
familiares – ou da lei divina, da lei
particular – em busca de uma Lei
Universal, na figura de Vontade Geral,
que torne possível a celebração do
Pacto Social. A autoridade, ressalta-
se, é um conceito caro à liberdade da
Vontade, refletida na Vontade Geral,
que cria a lei e não na lei em si. A
autoridade da lei, portanto, é
consequência da autoridade da Vontade
Livre – e não o contrário.
57
livre se for autônoma, isto é,
autodeterminada. E é esta
autodeterminação da vontade que Kant
denominou de “razão prática pura”;
conclui-se, portanto, que só há uma
vontade livre se esta vontade for
determinada pela própria razão de
forma autônoma, ou seja, livre da
subordinação aos instintos.
58
somente por preferências axiológicas
do operador do Direito. Por outro lado,
no caso dos positivistas inclusivos, a
recusa à autoridade da Lei (de acordo
a definição do conceito de autoridade
aqui apresentada, isto é, enquanto
autoridade da vontade livre resultante
do exercício da Razão Prática Pura)
autodeterminada pela Vontade dos
indivíduos na busca de uma Vontade
Geral; também resultará na redução à
meras preferências axiológicas na
medida em que se relativiza a
universalidade da lei. Retomemos ao
conceito de lei de Hugo Grócio
60
Determinados, ainda, que por se
tratar de uma Filosofia do Direito
devemos partir, sempre, do fato
empírico e, a partir daí, realizar
juízos indutivos (do Particular para o
Universal) e, jamais, partirmos de
raciocínios dedutivos (do Universal
para o Particular). Devemos, neste
sentido, portanto, analisar um ponto
médio existente na multiplicidade de
“Vontades Individuais” para determinar
o que há de comum nesta multiplicidade
para determinar o que é a “Vontade
Geral” primeva (que dá origem ao
Contrato Social). Neste sentido, diz
Kant:
61
O percurso argumentativo, para
definirmos a “Vontade Geral” devem ser
as próprias ações humanas, ou seja, as
manifestações da “Liberdade da
Vontade”. Ou seja, devemos ponderar a
Vontade Geral por meio das próprias
manifestações da liberdade da vontade.
Mas, demos um passo atrás. O que esta
multiplicidade de manifestações da
“Vontade Livre” tem em comum? Elas são
todas geradas por indivíduos, isto é,
da espécie humana. E qual é a diferença
específica de humano (enquanto
espécie)? Seja nas teorias
criacionistas mais longevas à biologia
contemporânea, a definição (a
essência) de humano é “animal dotado
de razão”. Ora, eis o argumento de
Kant, para compreendermos a “liberdade
da vontade” é preciso compreender os
indivíduos a partir de seu próprio
conceito: “animais dotados de razão”
isso porquê é impossível saber o que é
um objeto se não sabemos a definição
deste objeto.
Se retomarmos à história da
filosofia, em especial, Platão,
compreenderemos a importância de que
este seja o ponto de partida de uma
investigação filosófica. As duas
62
primeiras etapas28 do método dialético29
são justamente a de “nomeação” e a de
“definição”. A primeira etapa, a da
“nomeação” define-se o objeto que se
pretende investigar. A segunda etapa,
a da “definição” é a delimitação, na
sua forma mais simples do objeto
denominado. O que se pretende é
63
Animal, por sua vez, possui relação de
sinonímia com “Homem” e “cachorro”
isso porque
“dizem-se de um sujeito,
não estando em nenhum
sujeito”33
E, no segundo caso
“dizem-se de um sujeito e
estão num sujeito (...)”34
31 ARISTÓTELES. Órganon. 1, 1a 10
32 ARISTÓTELES. Órganon. 1, 1a 10
33 ARISTÓTELES. Órganon. 2, 1a 20-25
34 ARISTÓTELES. Órganon., 2, 1b 25
64
acidente substancial entre “animal” e
“racional” que se apresenta na forma
de sinonímia entre “Homem” e “Animal”
concomitante à substância segunda de
“racional”. Está num sujeito o fato
dele ser animal (e o animal existe em
si mesmo), mas, também, está no
sujeito, embora não exista em si mesma,
a “razão”
Continua o grego:
67
“de fato, as diferenças
específicas dos gêneros
mais elevados são
predicados dos gêneros que
lhe são subordinados, e
assim todas as diferenças
específicas são diferenças
específicas do predicado
serão também diferenças do
sujeito”39
68
Específica” com intuito de encontrar o
termo médio entre ambas deve se dar de
forma empírica e, portanto, partir da
observação das manifestações das
Vontades. Foi, então, que se fez
necessário definir o próprio conceito
do sujeito detentor dessas vontades. E
o fizemos de acordo com a Teoria da
Predicação Aristotélica para
compreendermos que as “Leis na
Natureza” se aplicam ao “Homem”.
69
espécie humana sem a existência da
própria espécie.
71
Aristóteles, melhor entenderemos a
Teleologia da História em Kant.
72
um determinado plano da
natureza42
A651/B67
73
razão e condição necessária para
compreender a verdade empírica - do
mundo real na forma que aparece à
própria razão de acordo com, como
veremos, as categorias universais que
delimitam o funcionamento da própria
faculdade da razão pura.
Continuemos a definir as
características de “História
Universal”. Diz a primeira proposição:
“Todas as disposições
naturais de uma criatura
estão determinadas a
desenvolver-se alguma vez
de um modo completo e
apropriado”44
As condições de existência
impostas pelas leis da natureza das
quais o “Homem” está subordinado é
expandida na segunda proposição. Diz
Kant:
78
de não se subordinar aos instintos por
meio da Liberdade da Vontade – ou, em
outros termos, da autodeterminação da
vontade. A diferença específica, desta
maneira, entre as espécies “racional”
e “irracional” está, justamente, na
possibilidade de se agir por meio de
uma “vontade autodeterminada” – pelo
exercício da razão – e, por isso, livre
em contraponto à diferença específica
de “irracional” que é a
impossibilidade de não se agir
conforme os instintos.
79
“poder é a possibilidade de se fazer
algo”. Conclui-se, portanto, que a
própria diferença específica de
“Homem” é a imposição de uma vontade
livre, isto é, - conforme retomaremos
posteriormente - autodeterminada pelo
exercício da razão prática, em
desfavor do mero exercício de uma
vontade determinada por um instinto
irracional que é caro aos animais
irracionais.
81
conseguirá descobrir uma
intenção da natureza no
absurdo trajeto das coisas
humanas, a partir da qual
seja possível uma história
de criaturas que procedem
sem um plano próprio e, no
entanto, em consonância com
um determinado plano da
natureza”.48
82
por agirem sempre, ou quase
sempre, da mesma maneira,
de modo a obter o melhor
resultado. Portanto, é
claro que eles alcançam seu
objetivo, não
fortuitamente, mas
intencionalmente. Ora, tudo
o que carece de
conhecimento não pode
mover-se para um fim, a
menos que seja dirigido por
algum ser dotado de
conhecimento e
inteligência; como a flecha
é direcionada pelo
arqueiro. Portanto, existe
algum ser inteligente por
quem todas as coisas
naturais são direcionadas
para seu fim; e este ser
chamamos de Deus”.49
83
organização do Universo conforme
imposta por Deus a partir da sua
onisciência, onipotência e
onipresença.
84
O problema que levará Kant a
rejeitar da Teleologia proposta pela
escolástica clássica está na
impossibilidade da autodeterminação da
Vontade. Isso porque a existência
deste Deus, conforme proposto por
Agostinho, enquanto ser onisciente,
onipotente e eterno é a necessidade de
subjugação da vontade do “Homem” à uma
determinação externa, e,
consequentemente, obediência à leis
eternas e imutáveis. A querela está na
necessidade de depuração da Vontade do
homem em face à uma Vontade Divina52 o
que deixa a Vontade Humana à mercê da
Caridade de Deus53. O próprio conceito
de Vontade proposto por Agostinho
revela a distinção com a teoria
kantiana de autodeterminação racional
da vontade. Vontade é, para o filósofo
de Hipona,
A vontade é o locus
apropriado de nossa
responsabilidade moral
porque não está em nosso
poder se um objeto se
apresenta aos nossos
E a razão da impossibilidade de se
controlar a Vontade está justamente na
organização teleológica do mundo de
acordo com os desígnios
(determinações) decorrentes da Vontade
de um ser Eterno, cuja organização do
mundo determina a orientação da
Vontade para a finalidade de
54
https://plato.stanford.edu/entries/august
ine/#WillFree . Item 7.4
55 AGOSTINHO.
86
duas cidades em condenação
eterna e bem-aventurança
eterna 56
A mediação entre a
eternidade e o tempo não é
conseguida pelo mero
esforço humano, mas depende
do socorro divino57
56
https://plato.stanford.edu/entries/august
ine/#WillFree . Item 8
57 NOVAES, Moacyr; AYOUB, Cristiane Abbud.
88
De acordo com a Teleologia escolástica
de Tomás de Aquino e Agostinho, como
vimos, a determinação da vontade não é
predicada do próprio conceito do
sujeito é, portanto, externa ao
próprio sujeito; a determinação da
vontade nada mais é do que um acidente
determinado por um desígnio da
Caridade – misericórdia, amor - de
Deus. Apesar, portanto, de ser uma
determinação eterna, não é um conceito
universal (retomaremos, depois, à
necessidade de que uma lei seja
Universal. Mas, para que se compreenda
o argumento, aqui apresentado, devemos
entender como lei universal àquela que
se aplica, de forma indubitável, à
todos). O Desígnio divino, mediado
pela Caridade, se recorrermos à letra
Agostiniana, claramente não é
universal porque a misericórdia
depende da mediação de Cristo60. Dado
que a virtude sem essa mediação deve
ser compreendida como vício61, uma vez
que a Fé na Revelação precede ao juízo
racional62, e é condição sine qua non
para o conhecimento da Verdade, e, por
conseguinte, do que é certo;
subordinação esta, da razão à fé,
89
apresentada na célebre citação
agostiniana:
90
natureza (subordinação que também
ocorre caso a existência do “Homem”
ocorra por meio de um desígnio
criacionista metafísico de um ser
supremo, i. e., Deus).
Antes de prosseguirmos a
argumentação, é necessário recorrer à
91
Tábua das Categorias para compreender
o conceito de “Vontade Livre” e
“Vontade Determinada”, pois, esta
distinção, determinada pela Teoria da
Predicação, será fundamental à
compreensão do seguinte par de
conceitos: “Vontade individual” e
“Vontade Geral”. A compreensão destes
quatro conceitos é necessária para que
se entenda as três primeiras
proposições da Teoria da História que
abordamos até aqui. Este passo de
delimitação destes conceitos, à luz da
tábua das categorias, é necessário
para que se entenda a oposição entre
“lei divina” e “lei dos homens”,
oposição geradora da própria ciência
do direito. Será o caminho, portanto,
que irá conciliar as concepções
positivistas e naturalistas do Direito
que propusemos fazer como condição
necessária para a compreensão da
Filosofia do Direito de Immanuel Kant.
92
porquê trilhamos este caminho
argumentativo? Porque a cognição de
algo tem início no múltiplo das
sensações. Diz Kant, neste sentido:
93
nós à experiência, e com
esta começam todos64.
E mais
94
da cognição do “Homem”. Não se trata,
contudo, de um empirismo radical, ou
seja, em que todo o conhecimento só é
possível a partir de uma intuição do
sensível (embora o conhecimento se
inicia a partir da intuição do
sensível).
Se recorrermos à Aristóteles o
problema do “entendimento de acordo
com princípios” começará a ficar mais
A302/B359
95
claro. “Princípios” podem ser
compreendidos como sendo os “elementos
básicos e elementares de algo”. E este
princípio absolutamente à priori em
relação à razão (diferença específica
de “Homem”) é a lógica, isso porque a
lógica não trata das coisas, mas, das
condições de possibilidade do próprio
exercício da razão pura68. A lógica é,
portanto, a diferença específica da
razão. Neste sentido, deve-se
compreender a lógica como a causa
formal da razão porque ela nada mais é
do que o instrumento que dá forma à
própria razão na medida em que é ela
que organiza as condições de
possibilidade para a cognição.
96
vez, é derivado do princípio da
identidade, pois ele afirma a
impossibilidade de duas afirmações
contraditórias serem verdadeiras, ou
falsas, simultaneamente. Não se pode,
portanto, dizer que algo existe e não
existe simultaneamente. Já o princípio
do terceiro excluído é a necessidade
que no caso de uma proposição
contraditória à outra (uma que negue a
outra) uma seja verdadeira e a outra
falsa.
98
primeira crítica para clarear este
argumento de Kant:
99
pensamento. E esta identidade da coisa
consigo mesma é condição para a
existência desta mesma coisa. Neste
sentido devemos compreender que a
unidade entre a multiplicidade das
partes compõem o todo, ou seja, a coisa
é composta pela unidade de suas partes,
pois, caso contrário, a coisa seria
diferente de si mesma. É o princípio
lógico da identidade que limita a
cognição da razão aos fenômenos; isso
porque, na medida em que a intuição
sensível é predicado da razão, a
diferença dos acidentes substanciais
do predicado também se aplicam ao
sujeito. Na letra aristotélica, temos:
100
“quando algo é predicado de
outra coisa como de um
sujeito, todas as coisas
que são ditas do predicado
serão também ditas do
73
sujeito”
73 ARISTÓTELES. Órganon. 2, 1b 10
101
subordinada às condições de
possibilidade de apreensão desta
substância; na medida em que a
apreensão da substância se dá a partir
da intuição do múltiplo do sensível e
a intuição é predicada da razão, devido
esta subordinação entre intuição e
razão, a razão é limitada à cognição
do múltiplo do sensível de acordo com
as regras da intuição determinadas
pelas Leis (princípios) do pensamento
– isto é, do que é determinado à razão
de forma absolutamente à priori nos
termos da lógica – que é o instrumento
da razão. A diferença específica,
portanto, da intuição, embora dependa
do empírico, está presente de forma a
priori na razão; porque, na medida em
que é uma predicação do modo de
acidente substancial deve-se
compreender a intuição como sendo a
expressão da causa formal da razão.
102
exercício da razão aos próprios
limites da substância que a razão é
predicada; o uso prático da razão se
torna algo absolutamente necessário.
Para compreender essa necessidade
absoluta do uso prático da razão,
devemos recorrer à primeira proposição
da Filosofia da História. Cito:
Todas as disposições
naturais de uma criatura
estão determinadas a
desenvolver-se alguma vez
de um modo completo e
apropriado.75
103
da razão limitada ao mundo empírico –
e que tenha, como vimos, como ponto de
partida para a cognição a própria
experiência – que é a determinação da
vontade para lidar com o conflito
gerado pela existência, inequívoca, de
uma grande multiplicidade de vontades.
E a existência deste conflito de uma
multiplicidade de vontades individuais
ocorre porque o homem enquanto
indivíduo só existe mediante a
existência da sua própria espécie.
77 Langton 1998
105
Transcendental enquanto uma
epistemologia me parece ser a forma de
leitura correta da relação entre o par
de conceitos de fenômeno e coisa em si.
Isso porque se por um lado é possível
conhecer o fenômeno, por outro, é
possível, enquanto coisa em si,
apenas, pensa-lo.
106
a intenção. É uma predicação que se diz
do sujeito, mas, que não está no
sujeito, ou seja, é uma predicação da
substância primeira. Trata-se de uma
predicação per se, ou seja, que se dá
segundo a própria razão.
A partir da diferenciação de
coisa em si e fenômeno, haverá, sempre,
uma dupla cognição dos conceitos. Uma
subordinada ao fenômeno, ou seja, às
leis da natureza, e outra de acordo com
o seu pertencimento à coisa em si.
Neste sentido, se tomarmos o conceito
de vontade, argumenta Kant, no
fenômeno (a ação visível) pode ser
pensada como necessariamente conforme
às leis naturais, portanto como não
livre, e, de outro lado, enquanto
pertencente a uma coisa em si mesma,
como não subordinada àquelas, portanto
como livre, sem que suceda aí qualquer
contradição79
107
Feita a distinção de coisa em si
e fenômeno e o duplo grau de cognição
dos conceitos, retomemos o nosso fio
condutor da conceituação da História
Universal. Vejamos a quarta
proposição:
108
outro lado, os indivíduos possuem um
ímpeto à realização dos próprios
desejos egoístas. Essa aparente
contradição é fundamental para
compreender o ímpeto à celebração do
Contrato Social. Kant chama essa
aparente contradição de insociável
sociabilidade.
desenvolvem-se a pouco e
pouco todos os talentos,
forma-se o gosto e, através
de uma incessante
ilustração, o começo
transforma-se na fundação
de um modo de pensar que,
109
com o tempo, pode mudar a
grosseira disposição
natural em diferenciação
moral relativa a princípios
práticos determinados e,
por fim, transmutar ainda,
deste modo, num todo moral
uma consonância para formar
sociedade, patologicamente
provocada81
O desenvolvimento da moral é,
portanto, consequência do uso prático
da razão exigido pelo conflito gerado
pela multiplicidade de vontades a
formação da sociedade, dado que a moral
é a forma natural de existência e
desenvolvimento da própria razão
prática enquanto potencialidade da
espécie humana que deve se desenvolver
segundo às leis da natureza.
110
civil que administre o
direito em geral82.
Como só na sociedade e,
claro está, naquela que tem
a máxima liberdade, por
conseguinte, o antagonismo
universal dos seus membros
e possui, no entanto, a
mais exata determinação e
segurança dos limites de
tal liberdade para que
possa existir com a
liberdade dos outros - como
só nela se pode obter a mais
elevada intenção da
Natureza, posta na
humanidade, a saber, o
desenvolvimento de todas as
suas disposições, a
Natureza quer também que
ela própria realize este
111
seu fim, bem como todos os
fins do seu destino: por
isso, uma sociedade em que
a liberdade sob leis
exteriores se encontra
unida no maior grau
possível com o poder
irresistível, isto é, uma
constituição civil
perfeitamente justa, que
deve constituir para o
gênero humano a mais
elevada tarefa da Natureza;
porque só mediante a
solução e o cumprimento de
semelhante tarefa pode a
Natureza levar a cabo os
seus restantes intentos
relativos à nossa espécie.83
112
celebração do Contrato Social mediante
a promulgação de uma constituição
fundante do direito civil, mas,
também, analisar a própria conjuntura
histórica brasileira diante de
preceitos da História Universal. Isso
porque entendo que os preceitos
estabelecidos em Ideia de uma História
Universal de um Ponto de Vista
Cosmopolita são fundamentais para
entender os limites da razão prática e
da razão pura estabelecidos pelo
projeto do projeto da Crítica kantiana
enquanto alicerce para uma filosofia
da ciência. Se formos bem sucedido
neste longo projeto, o que pretendemos
fazer é analisar o conceito de História
Universal enquanto método científico,
de acordo com uma coerência interna das
Filosofia Kantiana, de análise do
contexto histórico brasileiro à Luz de
uma busca pela Paz Perpétua.
113
condição estabelecida pela natureza
racional da espécie humana com intuito
de realização da potência racional
mediante a perpetuação de uma
sociedade justa.
O desconhecimento de uma
investigação filosófica, por quase a
totalidade das pessoas, mostra a
falência da Academia e dos
departamentos de Filosofia. É um mote
de que a filosofia serve para se pensar
criticamente, mas, caso se pergunte a
qualquer aluno do ensino básico o que
é pensar criticamente, quase todos
darão respostas vagas e incoerentes.
115
nada mais é do que “uma análise do
mundo a partir de princípios”.
116
religiosa do Bolsonarismo. No título
deste livro, determinamos o nosso
objeto de investigação, qual seja, a
“ascensão e a insurreição de
Bolsonaro”, mas, como disse, não se
trata de um trabalho jornalístico em
que nos bastaria definir os principais
fatos políticos dos últimos anos. O que
nós queremos, aqui, é apresentar ao
leitor uma visão crítica cara ao
exercício da filosofia para a
compreensão do mundo.
Estabelecemos, portanto, um
objeto de investigação, um método e,
119
por fim, estabelecemos os axiomas
fundamentais da nossa investigação.
IV
Introdução
120
pretendemos analisar o fato social da
ascensão e insurreição de um movimento
político no Brasil – que se
convencionou chamar de Bolsonarismo
devido à centralidade da figura de Jair
Messias Bolsonaro enquanto maior ator
e beneficiário deste movimento de
massas – os recursos a um Corolário e
um extenso prólogo se mostram não
somente necessário, mas, também,
fortuitos. Isso porque se a história
trata, por óbvio, de eventos passados,
uma reflexão do bolsonarismo, enquanto
fenômeno social complexo, parte de
duas premissas básicas. Uma primeira é
a de que o bolsonarismo chegou ao poder
e uma segunda é de que este movimento
se insurgiu contra algo; como fica
claro e é desnecessário, aqui,
delongar sobre isso. Este algo é a
própria organização social, na medida
em que se atacou e defenestrou a sede
dos três poderes da República
Federativa do Brasil no dia 08 de
janeiro de 2023. Se no Corolário
definimos que o documento fundamental
à organização de um país é a sua
própria Constituição – não atoa uma
Constituição é chamada de Lei Básica,
Lei Maior ou de Carta Magna -; foi no
Prefácio que ao analisarmos os
fundamentos de uma Constituição é que
definimos de que se trata ao próprio
Contrato Social – termo da filosofia
121
política – a que esta lei fundante se
refere.
122
Para compreender a proposta deste
livro é necessário, primeiro,
compreender o trabalho prático do
filósofo no mundo contemporâneo.
Entendo que a técnica, no sentido grego
de tencné, da filosofia deve ser
dividida em três momentos. Momentos
não excludentes, mas, complementares.
O primeiro, e mais próximo ao que se
propõe ensinar nas Universidades, é o
de historiador das ideias. Ou seja, é
o momento em que o “operador da
filosofia” – e não devemos o sentido
do trabalho do filósofo como o de
bacharel em filosofia ou de licenciado
em filosofia. Essa confusão apenas
limita a filosofia enquanto ferramenta
de compreensão do mundo na forma de uma
“ciência humana” à uma reserva de
mercado burocrática. Esta redução é o
que os filósofos da Escola de Frankfurt
chamaram de instrumentalização da
razão. É, num clichê, uma redução da
sabedoria humana à aplicação
burocrática. Penso que esta redução da
filosofia à burocracia das
licenciaturas e dos bacharelados é
contrário a própria razão de existir
da filosofia enquanto ciência das
humanidades, pois, trata a filosofia,
enquanto instrumento da razão, como se
fosse um simplório conjunto de
peripécias do pensamento com intuito
de cumprir um jogo de espelhos
123
preestabelecidos pelas tecnicidades do
mundo acadêmico. Não passa, à meu ver,
de uma forma de retirar da filosofia o
seu papel de reflexão crítica do mundo
e à ela legar, apenas, o cumprimento
de burocracias das universidades. É
uma reserva de mercado dos diplomas. É
negar a própria gênese da filosofia,
pois, transforma a filosofia em
discurso de autoridade dos indivíduos
com diploma. Essa tentativa é a negação
do próprio projeto de filosofia de
Sócrates e Platão: estabelecer
reflexões sobre a Verdade que não sejam
mero recurso ao discurso de
autoridade. O que importa ao filósofo
é a Verdade dos Fatos e não o argumento
de que algo é verdade porque foi
pensado por alguém que tenha um
diploma. É claro que não se nega o
papel fundamental das Universidades
como ferramenta necessária para o
desenvolvimento do conhecimento
humano. O problema que apontamos é
reduzir a importância e a existência
do conhecimento humano às burocracias
universitárias. Como argumentei
anteriormente, a razão humana se
desenvolve plenamente enquanto
atributo da espécie, então, o que
argumento não é a inutilidade das
universidades brasileiras, mas, na
verdade, o que faço é uma constatação
do estado atual da Academia, em
124
especial, a brasileira, de clausura
numa torre de marfim em que o
conhecimento filosófico e científico é
tratado como um dogma, quasi,
religioso em que só se tem acesso por
meio dos rituais reservados aos
diplomados. Qualquer um que já
frequentou uma Universidade brasileira
pode constatar um problema quase
universal: discussões inócuas à vida
dos indivíduos não iniciados. Na
filosofia, minha área de formação, é
possível ter os mais altos méritos
acadêmicos a partir da reflexão da
“conjunção ‘e’ na definição de povo de
Cícero” ou das mais diversas formas de
se traduzir um termo em um parágrafo
específico de uma determinado livro de
um autor qualquer, mas, ser incapaz de
se fazer uma reflexão conceitualmente
fundamentada sobre a conjuntura
histórica do país. Este problema de
clausura dos universitários em Torres
de Marfim do conhecimento diante da
produção de conhecimento que não diga
respeito à vida em sociedade não deve
ser entendido como sendo um sinal da
inutilidade do conhecimento
universitário brasileiro. Mas, como um
déficit na formação dos bacharéis e
licenciados do Brasil. O que quero
dizer é que há um problema gravíssimo
nas Universidades brasileiras quando
há colisores de partícula capazes de
125
explicar a gênese do Universo, mas, ao
mesmo tempo, os cidadãos “não
iniciados” sequer acreditam que a
Terra é um globo. Ou, em outros termos,
de que adianta o desenvolvimentos de
vacinas com alto grau de inovação
tecnológica se, numa pandemia, boa
parte da população tem medo de se
vacinar por acreditar em teorias da
conspiração de que vacinas alteram o
DNA dos indivíduos? Este é o maior
problema do desenvolvimento técnico,
filosófico e científico do mundo
contemporâneo: a universalização do
conhecimento com os devidos rigores da
Academia que não alcance, apenas, os
iniciados da própria academia.
Observe, caro leitor, que os exemplos
utilizados, seja sobre a função de uma
conjunção na definição de povo de
Cícero, ou da tradução do termo Trieb
na obra de Freud, são exemplos reais
que encontrei na minha passagem pela
academia. Ao contrário do que pode
parecer, de que são reflexões inúteis
ou inócuas, foram duas das reflexões
mais interessantes que me deparei.
São, na verdade, exemplos de, numa
tautologia, “minúcia pormenorizada em
seus mais específicos detalhes” que
demonstram a qualidade do rigor do
conhecimento universitário brasileiro.
E este trabalho rigoroso é fundamental
e criador da reflexão científico-
126
filosófica. Este tipo de reflexão é o
obedecimento ao princípio estabelecido
por Descartes, no Discurso do Método,
no que o autor chamou de preceito da
enumeração, ou seja, a redução de um
determinado problema em seus ínfimos
detalhes. Em física moderna, nada mais
é do que o isolamento de todas as
variáveis de um problema. Isto que
outrora descrevi como sendo um
problema da academia brasileira é, na
verdade, uma exigência do conhecimento
científico contemporâneo.
127
presidente da República, Jair
Bolsonaro. O próprio governo, ao
tentar aplicar teses como a da
imunidade de rebanho (tese em que deve-
se deixar uma doença infectocontagiosa
correr seu curso natural e que os
indivíduos devem se infectar com a
doença inevitavelmente) nos levou à
morte premeditada se não de centenas
de milhares de brasileiros, ao menos
levou à morte de centenas manauaras
pela inércia do governo em prover
hospitais com oxigênio durante uma
epidemia de uma doença respiratória
enquanto o presidente clamava à
população que parasse de lamentar seus
mortos e se focassem na normalidade
econômica do país.
128
E, aqui, temos outro problema
gravíssimo, qual seja, o da
banalização do conhecimento filosófico
e científico. De forma menos grave,
este problema aparece por meio da
trivialização do conhecimento
acadêmico. O divulgador, sob a
premissa de tornar o conhecimento
acessível aos não universitários,
acaba por transmitir reflexões tão
rasas quanto um pires de cabeça para
baixo. Entendo isso como um insulto à
inteligência dos seus interlocutores
porque sob o pretexto de divulgar a
ciência, o que se faz, na verdade, é
dar uma roupagem vulgar à ciência ou à
filosofia. Uma forma mais grave deste
problema é fazer o que se fazia Olavo
de Carvalho, guru do governo
Bolsonaro. O que Olavo fazia nada mais
era do que se utilizar de conceitos da
filosofia de forma absolutamente
erradas. O pensamento de Olavo de
Carvalho nada mais era do que uma
“confusão de ideias claras”. É claro
que poderia citar diversos erros
conceituais crassos de Olavo de
Carvalho, mas, o episódio de sua morte
é caricato e inequívoco para entender
o porquê dessa confusão de ideias
claras: Olavo morreu de uma doença que
dizia não existir. Sob a premissa de
lutar contra a dominação comunista e
globalista do mundo, dizia ser, o
129
“vírus chinês uma invenção dos
comunistas e globalistas para acabar
com as liberdades individuais e
instaurar a ditadura do proletariado”.
Raciocínio que não passava de delírios
de perseguição e de um amálgama de
teorias da conspiração. Se dizia,
Olavo, o grande expoente do
conservadorismo no Brasil, mas, só
vendia em seus cursos ideologias
conspiracionistas de pseudo
conhecimento acadêmico. Cito, apenas,
à titulo de comprovar o fato de que
Olavo jamais fez filosofia com o rigor
acadêmico que dizia possuir, um
exemplo. Num de seus cursos, bradava
Olavo de que o projeto filosófico de
Platão não deveria ser entendido como
um projeto político, isto é, de
organização da Polis. É, apenas, um
erro absurdo e risível. Seja porque
contraria quase a totalidade da
história da filosofia e de interpretes
de Platão. Seja porque ignora a própria
obra de Platão que, por exemplo, na
República, se estabelece um projeto de
organização social da Polis contra a
tradição da educação dos aedos
(poetas). Mas, também, porque ignora o
próprio Platão, enquanto sujeito
histórico, que tentou implantar sua
forma de organizar uma Cidade em
Siracusa.
130
O leitor deve observar que não se
trata de uma crítica ad hominen à
figura de Olavo de Carvalho. Não
importa o fato dele não ter passado for
uma formação universitária, em seu
sentido estrito. Se fosse esta a
crítica, eu mesmo estaria
contradizendo o que acabei de escrever
sobre a postura anti filosófica do
argumento de autoridade dos diplomas.
Mas, é uma crítica à própria obra de
Olavo de Carvalho que não era um
projeto de filosofia, mas, de
doutrinação a partir de teorias da
conspiração. Como não citar momentos
icônicos do pensamento público de
Olavo de Carvalho em que dizia serem
os refrigerantes de uma determinada
marca adoçados com fetos humanos? Ou,
até mesmo, dizer ter dúvidas sobre o
próprio formato global do planeta
Terra? Ou até mesmo seus delírios de
perseguição de que o planeta era
dominado por uma elite globalista
malvada? O problema de Olavo de
Carvalho era não obedecer aos próprios
preceitos da filosofia, qual seja, o
de reflexão metódica, a partir da
história da filosofia, sobre o mundo.
Olavo não passava de um filósofo de si
mesmo, isto é, era o revelador de
verdades inquestionáveis e
irrefutáveis. Desabonava a própria
história da filosofia e se colocava
131
como um grande revelador de verdades
ocultas sobre o mundo. Sobre Olavo de
Carvalho devemos, ainda, explicar
porque o denomino de “guru do
bolsonarismo”. E me refiro à uma das
últimas falas antes de seu padecimento
para a doença que dizia não existir.
Numa de suas falas dizia Olavo que “não
se tratava mais de defender o
Conservadorismo, mas, de defender o
presidente Bolsonaro” de seus supostos
inimigos encarnados pelos comunistas
do “Foro de São Paulo”. A própria
história de Olavo de Carvalho era o de
defesa da pseudo ciência, afinal, ele
mesmo era um astrólogo. Guru nada mais
é do que um “mentor que possui a
credibilidade de seus seguidores”. Não
se trata de um termo pejorativo, mas,
de uma definição fidedigna. Basta
lembrar os cartazes escritos, nas
manifestações de rua bolsonaristas,
com o jargão “Olavo tem razão”. Olavo
de Carvalho gozava da credibilidade
inerente a de um guru, porque
inquestionável e pautada, apenas, no
argumento da autoridade, afinal, é
este mesmo Olavo que inventou que as
músicas dos Beatles haviam sido
escritas por Theodoro Adorno, como
parte do plano de dominação globalista
do marxismo cultural.
132
Caso o leitor não queira chamar,
por deferência, Olavo de Carvalho de
“guru do Bolsonarismo”, é indiferente
que o chame de “Teórico do
Bolsonarismo”; ou como ele mesmo se
vangloriava ser “professor da direita
brasileira”. O que importa, aqui, é
entender que Olavo de Carvalho ocupou
um vácuo deixado pela academia
brasileira, qual seja, o de divulgação
da filosofia. Olavo, com muita
maestria, se tornou divulgador do
próprio pensamento e deu a este
pensamento uma roupagem de “verdadeira
filosofia” contrária à filosofia das
universidades brasileiras que nada
mais era, segundo ele mesmo, um
“movimento de dominação marxista
estabelecido por uma luta cultural
gramsciana”.
133
Frauenstädt. É um exemplo caricato,
mas, que diz muito do rigor acadêmico
de Olavo. Qualquer um que ler a obra
entenderá que se trata de uma crítica
às falácias lógicas recorridas por
filósofos com intuito de estar certo a
qualquer preço. “Arte de ter razão” e
“Como vencer um debate sem ter razão”
são títulos contraditórios e
excludentes entre si. A obra de
Schopenhauer é claro que não se
pretende como um manual para que se
vença debates sem ter razão, afinal, o
título escolhido por Olavo é contrário
ao princípio suficiente da razão
proposto por Schopenhauer. É claro que
este é um argumento caricato, mas,
recorro a ele porque esta mesma obra
nos dá pistas sobre a postura falaciosa
de Olavo de Carvalho. Todos que
conheceram Olavo, sabem da sua paixão
por argumentos ad hominem. E é o
próprio livro que ele traduziu que
atribui este tipo de argumento ao dos
pseudo-filósofos. O próprio
estratagema de rotular seus
adversários de comunistas (e afins) é
um estratagema de falácia filosófica,
segundo Schopenhauer, é o caso do
“rótulo odioso”. A constante
manipulação semântica nas obras de
Olavo de Carvalho, fornecendo os
“verdadeiros conceitos”, também,
trata-se de um estratagema de tornar
134
verdadeiro um argumento falso. Se
pensarmos sua tese central de
interpretação política do Brasil a
existência de um “foro de São Paulo”
de dominação comuno-globalista do
mundo, teremos de reconhecer de que
isso se trata de um salto indutivo,
isto é, utiliza-se a existência de um
suposto arcabouço de pensadores de
esquerda (e aqui há um rótulo odioso,
também) para provar, sem que haja nexo
de causalidade irrefutável, ao plano,
por exemplo de criar uma falsa crise
pandêmica para acabar com as
liberdades individuais.
135
descobrirmos os pilares desta mudança
defendida pelo bolsonarismo: o
conhecimento produzido na universidade
brasileira, afinal, este era somente a
propagação de marxismo cultural;
devendo-se entender, como vimos
durante a emergência sanitária gerada
pela COVID-19, como movimento de
negação da ciência. E a própria negação
das instituições democráticas, isso
porque era o próprio Olavo um dos
maiores vocalizadores da tese de
“intervenção militar pautada no Artigo
142 da Constituição” (voltaremos a
estes problemas posteriormente).
136
tese utilizada pelos militares como
justificativa para o golpe de 1964.
137
Se a primeira parte do trabalho
do filósofo e do cientista é o de
realizar pesquisas minuciosas em suas
respectivas áreas – é isso o que fazia
Kant, Einstein e Newton, por exemplo;
o segundo é o de realizar a
intermediação do conhecimento
produzido nas Universidades e o
público leigo – bem como fazia Carl
Segan. O terceiro é fundamental a estas
figuras e está mais próximo do
cotidiano dos não universitários, isto
é, do “cidadão comum” e é, o trabalho
mais complexo para um cientista ou para
um filósofo. E é o mais complexo porque
é uma síntese das duas primeiras partes
de seu trabalho acima enumeradas; é o
trabalho de interpretação do mundo – é
o que fazia Stephen Hawking e Edmund
Burke.
138
da análise política do império inglês,
pode prever quais seriam os resultados
práticos da Revolução Francesa em
Reflexões sobre a Revolução na França.
140
de seu contexto histórico de
acontecimento dos fatos em si no
próprio mundo do qual se predicam os
conceitos. Prova disso é o trabalho da
filósofa e jornalista Hannah Arendt em
Eichman em Jerusalém, isto é, a
interpretação do Holocausto necessita
do conceito de banalidade do mal,
enquanto o conceito em si necessita da
concatenação dos acontecimentos
históricos que levaram ao próprio
holocausto. Ou seja, a coruja de
Minerva que levanta voo, só levanta voo
ao entardecer porque há a necessidade
de que a filosofia seja sobre o próprio
entardecer, isto é, sobre os
acontecimentos do mundo capazes de
gerar conhecimento, e a própria
cognição do entardecer depende da
própria coruja para que não sejam,
apenas, fatos aleatórios e impossíveis
de compreensão.
141
Feita esta conceituação de qual
é o trabalho a filosofia, deve-se
esclarecer que para interpretar o
problema proposto no título desta
obra, isto é, “Ascenção e Insurreição
do Bolsonarismo”, trata-se de uma
pesquisa científico-filosófica que
necessita dos mais diversos ramos das
ciências históricas para explicar este
fenômeno político social brasileiro,
seu contexto e sua gênese. Ao explicar
a complexidade do trabalho do
filósofo, esperamos ter explicado,
também, porque o bolsonarismo deve ser
entendido como um movimento cultural,
isto é, um conjunto de fatos sociais
(no conceito de Durkheim, se refere à
regras e tradições) inerente à
acontecimentos históricos que englobam
informações, conhecimentos e valores e
que, por isso, necessitam de uma
análise completa e complexa de suas
principais características.
142
família” é uma tradução direta do mote
nazifascista. Seriam argumentos que
responderiam o que é o bolsonarismo,
mas, não explicariam nada. Seria a
negação de uma reflexão que se pretende
crítica, filosófica e científica.
Seria, num clichê, apenas uma resposta
simples e errada para um problema
difícil.
143
sociológica, por exemplo, de Casa
Grande e Senzala.
“Nós, representantes
do povo brasileiro,
reunidos em Assembleia
Nacional Constituinte para
instituir um Estado
Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos
direitos sociais e
individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como
valores supremos de uma
sociedade fraterna,
pluralista e sem
preconceitos, fundada na
harmonia social e
comprometida, na ordem
144
interna e internacional,
com a solução pacífica das
controvérsias,
promulgamos, sob a proteção
de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL.”
“O que é a paz? É
simplesmente a ausência de
guerra? Kant pensa que não.
Se a paz não for mais do que
uma trégua usada por ambas
as partes para recuperar
forças para o próximo
ataque, se a paz não for
mais do que a continuação
da guerra por meios
políticos, se a paz não for
mais do que a subjugação
bem-sucedida de uma parte
pela outra, ou se a paz é
meramente local e,
145
portanto, ainda ameaçada
pelo mundo além - então não
há paz real. A paz real, de
acordo com Kant, requer a
regra de leis justas dentro
do estado, entre estados e
entre estados e
estrangeiros, e requer que
esta condição seja
84
global.”
146
organização interna do
estado tem uma influência
crucial no comportamento
externo de um estado em
relação a outros estados,
mais especificamente,
aquele “republicano”
(democrático).
147
discute as consequências
aparentemente duras que
Kant acredita estarem
implícitas em sua posição,
como suas notórias visões
sobre resistência e
revolução..”85
148
no direito internacional no
século XX. Além disso, os
recentes ataques
terroristas internacionais
de grupos que não agem como
representantes de seus
próprios Estados, mas que
dirigem seus ataques contra
outros Estados e seus
cidadãos, enfatizam
dolorosamente a verdade da
afirmação de Kant de que a
paz mundial, isto é, a
segurança da liberdade
externa de todas as
pessoas, exige mais do que
a paz entre os Estados.
Muitas questões sobre a
adequada
institucionalização do
direito cosmopolita estão,
entretanto, ainda em
aberto.”
“Finalmente, a filosofia da
história de Kant, por muito
tempo vista como um assunto
muito menor e
inconsistente, agora é cada
vez mais vista como parte
integrante de sua teoria da
149
paz. O curso da história
humana é, assume Kant, uma
preocupação inevitável e
apropriada para os humanos
como seres históricos e
morais. Eles se perguntam,
primeiro, quanto podem
saber sobre o curso da
história em geral. Em
segundo lugar, eles se
perguntam o que podem
esperar, o que significa no
contexto atual se e como a
paz, que eles deveriam
promover por razões morais,
pode ser aproximada na
realidade. Allen Wood
discute algumas das
questões levantadas pelas
respostas de Kant, por
exemplo, quais são as
implicações do fato de que
o modelo teleológico
pressuposto por Kant perdeu
sua validade. Mas ele
também argumenta que as
preocupações metodológicas
que motivam a filosofia da
história de Kant não
150
perderam nada de sua
relevância.”86
“Como mencionado, os
detalhes da teoria de Kant
estão sujeitos a debate,
mas aqui está uma
interpretação que pode
servir como um começo. Kant
parte do pressuposto da
liberdade e igualdade de
todos os seres com posição
moral. Como os agentes que
vivem próximos uns dos
outros podem influenciar a
esfera de atividade uns dos
outros e, portanto, podem
infringir a liberdade uns
dos outros, surge a questão
de como regular a sua
atividade de modo a que a
liberdade de cada um seja
compatível com a liberdade
e a igualdade de todos.
Esta questão diz respeito a
esferas de ação, ou o que
Kant chama de liberdade
151
“externa” (diferente da
liberdade “interior”, a
liberdade de determinar a
própria vontade moralmente,
que ele discute em seus
escritos sobre teoria
moral).Π A resposta de Kant
é que garantir a liberdade
externa requer um sistema
de leis públicas justas e
uma autoridade pública para
fazer cumprir essas leis,
ou seja, requer um Estado
justo. Portanto, com base
no pressuposto da liberdade
e igualdade de todos os
seres humanos, ele defende
a afirmação de que cada um
tem o dever moral de
ingressar em um estado e
obedecer às suas leis (ou
então retirar-se de todas
as interações com outros
seres humanos)..π”87
152
público da razão. A liberdade pública
depende do império e primazia das leis
de um Estado de Direito. Pois, a
liberdade irrestrita findaria numa
guerra de todos contra todos – em
termos Hobbesianos. Ou melhor, sendo a
liberdade e igualdade uma
característica comum à todos os
indivíduos – o uso público da razão se
dá na esfera da moral – e deve obedecer
ao imperativo categórico, tão logo, a
necessidade do Estado de regular a
interação entre indivíduos. Somente o
Estado de direito é que torna toda e
qualquer liberdade possível – no seu
âmbito público. O papel do Estado de
direito é, portanto, tornar possível
uma liberdade pública – na medida em
que versa sobre o uso privado da razão.
153
É importante notar, aqui, a
definição de direito. Direito é,
justamente, a limitação de liberdades
individuais com intuito de torna-la
compatível com uma harmonia universal.
Essa limitação é dada por leis. Neste
contexto, o direito público (a soma das
leis) é o que torna toda e qualquer
harmonia social possível. Aqui
percebemos o contra senso de tentar
defender uma liberdade irrestrita, por
exemplo, no termo “´direito à
liberdade de expressão irrestrita”,
haja vista que a própria definição de
direito garante a existência de uma
restrição à liberdade. Direito à uma
liberdade irrestrita (ilimitada) é uma
contradição em termos (sujeito negado
pelo predicado), haja vista, como
dito, que o direito é justamente uma
restrição a uma liberdade.
155
garantir a esfera de
liberdade de todos.”89
É justamente a existência de um
direito público (conjunto de leis que
constringem liberdades irrestritas)
que torna possível o convívio em
sociedade que não numa forma de guerra
de todos contra todos (Estado de
Natureza) determinado pela primazia da
força.
156
uma dívida óbvia para com
Rousseau, que em uma
república o povo não abre
mão de sua liberdade, mas
dá a ela uma forma
diferente, porque eles dão
leis a si mesmos em vez de
uma autoridade estrangeira
impor leis a eles. Além
disso, uma república, em
contraste com um estado
despótico, tem uma
separação de poderes. O
povo legisla (através dos
seus representantes), mas
delega o poder ao executivo
(que pode ser um monarca ou
um coletivo, mas que não
deve ser o povo inteiro
como numa democracia
«direta»), e elege os
juízes e júris delegados.”90
157
liberdade sob o jugo de uma república.
A liberdade, num Estado de Direito, a
justa constrição do direito
irrestrito, dado pelo próprio direito
público justo de uma república, ou
seja, um direito público que obedeça à
separação dos três poderes. A
separação dos poderes é o fator central
para a existência de uma república
justa. A restrição não é dada pela
força, mas, pela renúncia racional na
forma do Estado de Direito tripartite
em executivo, legislativo e
judiciário. A constrição de liberdades
é conditio sine qua non para a
existência de um Estado de Direito
Republicano, na medida em que a
liberdade toma forma não mais na
liberdade do Estado de Natureza
(primazia da força), mas, na própria
formação da república a partir da
separação dos poderes. E é este o
significado de liberdade numa
República sob um Estado de direito: a
constrição do poder do mais forte
mediante a leis elaboradas para
restringir liberdades irrestritas –
que tornam possível o convívio social,
em renúncia ao Estado de Natureza –
diante da formação Republicana do
Estado, i. e., de um Estado que seu
valor (ver Cícero) seja expresso por
leis justas (àquelas feitas pelo
legislativo, executadas pelo executivo
158
e julgadas pelo judiciário); leis
estas que estão sujeitas ao próprio
controle da República, ou seja, do
controle das leis diante de uma lei
geral que visa o bem comum (isto é, de
uma constituição republicana do
Estado).
“Se a justificação do
estado procede em termos de
garantir a liberdade
externa para os indivíduos
como tais, entretanto, o
direito é inerentemente
cosmopolita em seu escopo.
Pois então a liberdade
externa de qualquer
indivíduo com posição moral
é importante (e não apenas
a liberdade externa de seus
compatriotas), e assim a
teoria do direito não é
completa se ela se limita à
organização interna do
estado. Além disso, Kant
acredita que, como uma
questão prática de fato, o
direito não pode ser
realizado otimamente dentro
do estado, a menos que as
relações entre este estado
e outros sejam reguladas de
acordo com os princípios do
159
direito também. Assim, a
questão precisa ser
abordada de como a
interação entre Estados, e
entre Estados e indivíduos
estrangeiros, deve ser
regulada para que esteja de
acordo com o direito. Na
teoria do direito de Kant,
essas duas questões são
respondidas em suas teorias
do direito internacional e
cosmopolita,
respectivamente.” 91
160
internacional – é a forma pela qual se
dá mediante as teorias do direito
cosmopolita e da lei internacional. A
constituição da República não se dá
somente “para si” (isto é,
internamente), mas, “em si”
(duplamente regulada pelo meio interno
e meio externo) a partir do
estabelecimento de parâmetros comuns
de direitos. Não há liberdade do
indivíduo sem essa auto regulação
externa dos Estados, ou seja, a partir
das constrições do direito cosmopolita
e das teorias de direito
internacional.
É importante perceber,
entretanto, que Kant
apresenta a crença no
progresso, nos ensaios
morais e políticos, não
como um conhecimento
teórico, mas como uma
crença por parte do agente
moral. A crença de que a
natureza, incluindo, é
claro, a natureza humana,
empurrará os humanos na
direção do que é moralmente
exigido dá esperança ao
agente moral. Assim, na
“Idéia para uma história
universal”, Kant aponta as
161
vantagens de uma visão
teleológica da história
para o sujeito moral e, em
seguida, diz que a
esperança que essa
perspectiva oferece não é
uma motivação
insignificante para a
escolha desse ponto de
vista ( IUH 8:30; ver
também CB, TP, PP). Não
temos conhecimento teórico
do curso da história,
escreve Kant, mas isso
significa que podemos
assumir, para propósitos
morais, que é possível
tornar o mundo um lugar
melhor e que nossa agência
moral contribui para um
processo histórico mais
amplo. em direção ao
melhor. Essa forma de
crença no progresso é
suficiente para o agente
moral, mas, mais
importante, não é
suficiente para “predizer o
futuro dessa paz
(teoricamente)”, como Kant
coloca em Toward Perpetual
Peace (8:368). Ou seja: o
que à primeira vista pode
parecer uma ingênua
162
pretensão de conhecimento
da realidade do progresso
é, na verdade, uma crença
do ponto de vista moral.92
163
encontra-se, como reflexo da relação
entre os indivíduos, não só na relação
entre indivíduos, mas, também, na
relação entre os Estados. A paz
perpétua não se resume, portanto, a uma
mera possibilidade teórica, mas, algo
factível pela própria natureza
egoística dos indivíduos e dos Estados
dada pelo princípio da
autopreservação. Neste sentido, a paz
perpétua é, ao contrário de mera
possibilidade teórica, algo factível
diante do desejo de autopreservação
que reflete na constituição dos três
âmbitos do direito – constitucional,
ou seja, interno; internacional (entre
Estados); e cosmopolita (entre estados
internacionais e indivíduos). É, neste
sentido que se dá a ideia de progresso
histórico kantiano. Não se trata de uma
possibilidade teórica, mas, um desejo
moral dos indivíduos em garantir a
própria preservação egoística.
164
mas que o princípio de
buscar tais conexões é
justificado como um
princípio heurístico. O uso
desse princípio encoraja
novas descobertas de
conexões na natureza e,
afirma Kant, permite
integrar a maior quantidade
de dados em um único todo
sistematicamente
organizado de conhecimento.
Da mesma forma, na “Idéia
para uma história
universal”, Kant recomenda
o modelo teleológico da
história que ele desenvolve
nas primeiras sete
proposições, apontando que
pode ser
historiograficamente
“útil” abordar os fenômenos
históricos ao longo das
linhas ele esboça, e que
permite apresentar a
história como um "sistema",
um todo coerente, em vez de
um agregado de fenômenos
aparentemente caóticos (IUH
165
8:29, cf. CPuR A686-8/B714-
6).”93
166
instituições justas no
nível do estado e além dele
desempenha um papel crucial
no processo histórico.”94
167
V
Capítulo I
Princípios estabelecidos no
Preâmbulo da Constituição
168
esta clausula salvatoria, o
autor deste ensaio invoca a
forma adequada para se
proteger de qualquer
interpretação maliciosa.”95
169
moral enquanto sua aplicação no mundo,
isto é, da constrição da liberdade dada
na forma de leis e não da abstração
teórica da moral enquanto mero
imperativo categórico da razão
prática, mas, das leis enquanto
postulado da própria razão prática.
"Não basta a
particularidade de a
conduta representar um mal
ou ser ofensiva a um bem
jurídico se não houver
expressa previsão legal de
pena. Admitir o contrário,
daria azo a uma indefinição
quando não a um desmedido
arbítrio das autoridades
policiais e judiciais que,
ao seu talante, poderiam
tratar penal e
processualmente com maior
severidade [...] cujo
significado real depende de
fungíveis critérios
axiológicos ou
ideológicos"96
172
elaboradas apenas em um
momento posterior, e não
fazer nenhuma menção a elas
no momento, uma vez que
ambas as partes estão
cansadas demais para
continuar a guerra, mas
mantêm a má vontade
aproveitar a primeira boa
oportunidade para esse
fim.”
175
impossível, na medida em que incita a
guerra de todos contra todos.
176
direitos podem ser
erradicados
simultaneamente, só poderia
trazer a paz perpétua sobre
o grande cemitério da
humanidade. Tal guerra,
portanto, e, portanto, o
uso dos meios que levariam
a ela, devem ser totalmente
proibidos.—Mas é claro que
os meios mencionados acima
levariam inevitavelmente a
tal guerra de extermínio,
uma vez que, uma vez
usados, tais artes
diabólicas, maliciosas em
si mesmas, não se manteriam
por muito tempo dentro dos
limites da guerra, como por
exemplo com o uso de
espiões (uti
exploratoribus), onde
apenas a desonra dos outros
(que nunca pode ser
totalmente eliminada) é
usada; em vez disso, essas
práticas maliciosas seriam
transportadas para o tempo
de paz e, assim,
177
destruiriam completamente
seu propósito.100
O incentivo à sedição é,
portanto, o ato mais grave que pode
existir numa república, pois, consiste
na destruição da própria república. O
emprego de meios institucionais para
tanto é um agravante, pois, é a
tentativa de ruir o Estado de Direito
por meio da própria república. Neste
sentido, é que o incentivo à sedição
(perduellio) jamais deve ser tolerada
num Estado de Direito, haja vista que
o seu único resultado possível é uma
guerra de todos contra todos interna
ao Estado, isto é, numa guerra de
extermínio (bellum internecinum) onde
há, tão somente, uma guerra (seja ela
bélica ou política). No caso concreto
temos o fato do senhor ora presidente
da república tentar ruir a própria
condição primeira de uma democracia: o
direito ao voto universal. Vale
lembrar que o senhor Messias, de forma
pública e notória, ameaçou não só a
confiança no resultado do pleito, de
forma continuada, mas, também, ameaçou
– da mesma forma pública e notória a
178
própria realização de sufrágio
eleitoral:
179
vista o fim que permite
esse adiamento.”101
“O estado de natureza
(status naturalis) não é um
estado de paz entre os
seres humanos que vivem
lado a lado, mas um estado
de guerra, isto é, se nem
sempre uma eclosão de
hostilidades, pelo menos a
ameaça constante de tais
hostilidades. Portanto, o
estado de paz deve ser
180
estabelecido. Pois abster-
se de hostilidades não
garante um estado de paz, e
quando um vizinho não
garante a paz do outro (o
que só pode ocorrer em uma
condição jurídica), o outro
vizinho que chamou o
primeiro a fazê-lo pode
tratá-lo como um
102
inimigo. ”
181
do qual ele representa uma
ameaça constante para mim.
Posso, portanto, exigir
dele que entre em um estado
de direito civil comum ou
se retire da minha
vizinhança”103
182
submetida – aplicando o devido rigor
da lei penal – ou o único futuro que
espera o Brasil é uma guerra de
extermínio, diante da inexistência de
um Estado de Direito.
“Nós, representantes do
povo brasileiro, reunidos
em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir
um Estado Democrático,
destinado a assegurar o
exercício dos direitos
sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o
bem-estar, o
184
desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como
valores supremos de uma
sociedade fraterna,
pluralista e sem
preconceitos, fundada na
harmonia social e
comprometida, na ordem
interna e internacional,
com a solução pacífica das
controvérsias,
promulgamos, sob a proteção
de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL.”
2. aquele baseado no
direito internacional que
rege as relações dos
Estados entre si (ius
gentium),
185
3. um baseado no direito
cosmopolita, na medida em
que indivíduos e Estados,
que estão relacionados
externamente pelo exercício
mútuo de influência uns
sobre os outros, devem ser
considerados cidadãos de um
estado universal da
humanidade (ius
cosmopoliticum)”.105
186
justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia
social”.
“A constituição republicana
é a única espécie de
constituição que decorre da
ideia de um contrato
original, sobre o qual
devem basear-se todas as
leis legisladas por um
povo, e é, portanto, como
direito, ela própria aquela
sobre a qual todas as
constituições civis são
106
originárias.”
187
Brasileira: o fim do Estado Despótico
estabelecido com o golpe militar de
1964. Um golpe militar, acima de tudo,
é o estabelecimento da lei do mais
forte: Lex armorum. Não há melhor
definição de um Estado Despótico do que
aquele de um governo militar. É pelas
armas, pelos tanques nas ruas que se
estabeleceu a existência do Estado
proveniente do golpe de 1964. E mais,
um estado augutiniano - ad calendas
graecas – pois, estabelecido como um
governo temporário – às graças do
calendário. Mas, que se firmou num
Estado de guerra de todos contra todos.
189
essa circunscrição? É na garantia
mútua – estabelecida pelo Contrato
Social, em termos da filosofia
política – que a garantia de direitos
deve ser, também, mútua. É necessário
no Estado de Direito que haja a
circunscrição das liberdades dos
indivíduos – enquanto ente único de
razão – para garantir as liberdades
mútuas, isto é, a liberdade que não se
garante mediante a ação da lei do mais
forte. O que chamamos de circunscrição
da liberdade irrestrita do indivíduo
ente de razão é o que Kant denomina de
liberdade externa, ou melhor,
liberdade jurídica. O que se quer dizer
é que a liberdade jurídica resulta da
renúncia de direitos absolutos – e por
renúncia do direito absoluto entende-
se o direito do mais forte do Estado
de Natureza – em virtude dos direitos
garantidos de forma equânime a todos
os atores detentores das três formas
de garantia de liberdades juridicas
(pelo direito individual, das gentes e
cosmopolita). A liberdade jurídica é,
portanto, o reconhecimento de uma
obrigação mútua entre indivíduos,
estabelecida pela renúncia do Estado
de Natureza, em favor de uma autoridade
individual – e estabelecida pela razão
– de não se prejudicar os direitos
estabelecidos pela lex certa. É
importante ressaltar que essa
190
autoridade é justamente o produto
racional do cálculo de autopreservação
estabelecido pela insociável
sociabilidade. A garantia de
existência do Estado de Direito (do
império da lei) jaz, portanto, no que
há de mais caro ao indivíduo egoísta,
ou seja, sua própria autopreservação.
191
dá na aplicabilidade do que se é
conhecido. Neste ato de cognição
clássico, o mero conhecimento de algo
garante a sua aplicabilidade.
Na prática jurídica
contemporânea, o primeiro ato de
análise de um pleito jurídico é o de
conhecimento da “causa de pedir”
(causa petendi), isto é, os
fundamentos ensejados do que se foi
pleiteado (do conhecimento particular)
em relação à decisão que se pretende
obter (garantia universal dado pela
Lex Certa). Neste sentido, o ato de
conhecer algo se dá a partir da sua
congruência e da sua adstrição. Na
teoria do direito criada a partir do
movimento iluminista, o movimento de
cognoscibilidade é o contrário do
idealismo platônico (o mero conhecer
de algo não é condição suficiente para
sua aplicação). É um movimento de
indução (do fato particular à garantia
universal). O fato, então, deve estar
totalmente circunscrito pelo tipo –
impedindo, assim, o conhecimento de
algo por analogia. Este é o resultado
da cláusula salvatória estabelecida
como axioma primevo de interpretação
da teoria do direito pós-iluminismo
aqui representado por Kant. É,
portanto, a partir da renúncia
racional – ensejada pelo princípio de
192
autopreservação da insociável
sociabilidade – da garantia do direito
mutuo – e estabelecido pela Lex Certa
– onde jaz o estabelecimento do
Contrato Social, na forma das
liberdades jurídicas.
Os seguintes
esclarecimentos devem ser
oferecidos, para que não se
confunda (como
frequentemente acontece) a
constituição republicana
com a constituição
democrática. As formas que
um estado (civitas) assume
podem ser classificadas de
acordo com as pessoas que
ocupam o cargo de
autoridade máxima no estado
ou de acordo com a maneira
pela qual o chefe de estado
governa o povo (seja quem
for o chefe de estado). . A
primeira é propriamente
chamada de forma de
soberania ( forma imperii
), e apenas três dessas
formas são possíveis, uma
vez que apenas uma pessoa,
um grupo de pessoas
193
associadas ou todos os que
compõem a sociedade civil
podem possuir poder
soberano (autocracia,
aristocracia , e
democracia; a autoridade do
monarca, da nobreza ou do
povo). A segunda é a forma
de governo (forma
regiminis) e diz respeito à
maneira, baseada na
constituição (o ato de
vontade geral pelo qual uma
multidão se torna um povo),
pela qual o Estado faz uso
de seu poder. O estado é, a
esse respeito, republicano
ou despótico. O
republicanismo é o
princípio pelo qual o poder
executivo (o governo) de um
estado é separado do poder
legislativo. O despotismo é
o princípio pelo qual o
Estado executa, por sua
própria autoridade, as leis
que ele mesmo fez. Sob o
despotismo, a vontade
pública é, portanto,
tratada pelo monarca como
sua vontade individual.
Entre as três formas de
Estado, a democracia é, no
sentido próprio do termo,
194
necessariamente uma forma
de despotismo, porque
estabelece um poder
executivo pelo qual "todos"
decidem sobre e, se
necessário, contra um (que,
portanto, não concorda).
Assim, “todos” que não são
realmente todos tomam
decisões, o que significa
que a vontade geral está em
contradição consigo mesma e
com a liberdade.108
195
falar em constrição racional, e justa,
de liberdades num governo despótico –
onde as leis são estabelecidas a partir
de um movimento indutivo, pois, não há
a primazia do indivíduo no ato de
conhecer – nos termos de congruência e
adstrição – da Lex Certa. Mas, na
imposição da Lex Armorum da forma de
regime (forma regiminis) das
constrições resultantes nas liberdades
jurídicas.
196
estabelecimento do Contrato Social
(caracterizado na congruência e
adstrição dos direitos dos indivíduos,
das gentes e cosmopolita) na forma
imperi é que há o estabelecimento de
direitos justos. Pois, a constrição
das liberdades inerentes ao Estado de
Natureza se dá por meio de um fato da
razão que busca a própria
autopreservação. Neste sentido, só é
possível falar em Lex Certa numa
Constituição Republicana, pois, é uma
Lei em que há o exercício da autonomia
da vontade (conceito que voltaremos à
diante) da razão dos membros de um
Estado.
Isso, portanto,
significa que o favorecido
recebe sua posição (ser
comandante) sem nenhum
mérito prévio. Isso é algo
que a vontade geral do povo
nunca concordaria em um
contrato original (que é,
no entanto, o princípio de
todos os direitos).109
198
legislador” ou “vontade do
constituinte”. E já abordamos aqui
qual é essa vontade. A vontade é da
lei, o impetus legislandi; é a causa
de vir-a-ser de uma lei. Em outras
palavras, é o que se pretende atingir
com a promulgação de uma determinada
lei. E no caso que utilizamos como
parâmetro exemplificativo – a fim de
verificar a cláusula salvatória – a
Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, este ímpeto
(impulso) é estabelecido no preâmbulo
da constituição. Vale retomar:
“Nós, representantes do
povo brasileiro, reunidos
em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir
um Estado Democrático,
destinado a assegurar o
exercício dos direitos
sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o
bem-estar, o
desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como
valores supremos de uma
sociedade fraterna,
pluralista e sem
preconceitos, fundada na
harmonia social e
comprometida, na ordem
interna e internacional,
199
com a solução pacífica das
controvérsias”
202
O primeiro conflito de uma
República está na própria competência
dos três poderes. Isto é, ao definir
que serão três os poderes,
necessariamente se recai sobre a
seguinte questão: “Quais são os
limites de cada poder?” ou “O que
compete a cada poder?”, ou, ainda, numa
terceira tentativa de definir o
primeiro conflito de uma república:
“Qual é a atribuição de cada poder?”.
E a chave para responder essa questão
está no princípio da harmonia. Cabe
recorrer ao dicionário para definir
harmonia: “a combinação de elementos
ligados por uma relação de
pertinência”. Pertinência nada mais é
do que um sinônimo de atribuição. É um
clichê, mas, vale retomar: “O
legislativo cria as leis, o executivo
executa as leis e o judiciário julga
as leis”. O que o princípio da Lei
Certa faz é garantir essas atribuições
à cada um dos poderes. A lei (a
constrição de liberdade) deve ser
estabelecida pelo legislativo. Ao
executivo cabe executar, isto é, fazer
cumprir as leis. Enquanto ao
judiciário cabe julgar.
203
na tentativa de violar o princípio da
Lex Certa, isto é, combinar leis para
criar uma terceira lei. O que é
distinto do estabelecimento
jurisprudencial, isto é, no
entendimento de uma lei. O
estabelecimento do entendimento da
aplicação de uma lei está definido como
competência do judiciário, isto é,
julgar é “opinar sobre” (veremos mais
adiante do que se trata esse juízo). O
que o princípio da Lei Certa veda é
exatamente o que foi determinado pela
cláusula salvatória: a aplicação
cominação legal (de pena restritiva de
direitos ou de liberdades) necessita
de lei anterior. E esta lei deve estar
estabelecida nos moldes da Lei Escrita
obedecendo o princípio da Lei Estrita
– conforme definimos o que Kant chamou
de princípio da dependência
110
jurídica . Dependência deve ser
entendida como sujeição (enquanto
produto da constrição racional de
liberdade na forma da Lei estabelecida
pela autonomia da vontade). O
judiciário pode, portanto, estabelecer
o entendimento (jurisprudência) da
aplicação da lei, mas, não pode se
utilizar da Lex Tertia. Num exemplo
204
prático, o judiciário não pode definir
como hediondo o crime de pedofilia,
pois, não existe na Lei Escrita a
tipificação de crimes sexuais como
sendo hediondos. Pode, por outro lado,
estabelecer a cominação dos crimes
hediondos à injuria racial, pois,
julga-se a aplicabilidade do
entendimento dado ao crime de racismo
(ambos tipos penais, injúria e racismo
versam sobre o caráter hediondo de
crimes raciais), pois, há o
entendimento que os crimes hediondos
se estendem à tipicidade do crime de
preconceito étnico.
205
municípios), julgou-se que a Lex Certa
estabelece à indivisibilidade dos
Entes Federados no exercício de suas
atribuições – também dado pela Carta
Magna - determinou a ação de todos os
Entes – caso contrário se estaria
criando, como queria o senhor Jair
Messias Bolsonaro – uma Lex Tertia do
não conhecimento do direito primevo
dos indivíduos – o de autopreservação
– em razão de uma tentativa de
estabelecimento de um Estado Despótico
onde a reservatio mentalis do soberano
se sobrepuja ao impetus Legibus do
Contrato Social em findar o Estado de
Natureza mediante a constrição de
liberdades irrestritas a partir do
exercício da vontade livre dos
indivíduos – estabelecidas no Contrato
Social (Constituição).
206
indivíduos passam a sofrer a cominação
(restrição de liberdade e de direitos,
nos termos técnicos do operador do
direito). Mas, esse entendimento é
raso (e já foi estabelecido pelos
princípios da Lei Estrita, da Lei
escrita e da Lei Certa). Fosse só esse
o entendimento possível para lei
prévia, seria uma regra circular e
inócua. Não obstante, violaria a
cláusula salvatória do Non bis in idem
(não do mesmo sobre o mesmo). Então,
deve-se compreender a Lei Prévia de uma
forma mais abrangente. A partir do
“tempo lógico”. O tempo lógico nada
mais é do que a aplicação prática da
“vontade do constituinte”.
Já estabelecemos a vontade do
constituinte a partir do seu contexto
histórico: acabar com a existência de
um Estado Despótico e estabelecer uma
República, ou melhor, estabelecer um
Contrato Social visando a Paz Perpétua
– vide preâmbulo. A Constituição da
República, aponta Kant, tem essa
característica particular, diante do
estabelecimento das leis escrita,
certa e estrita, um momento inaugural
(promulgado na história dos fatos) da
vigência do contrato social. Mas,
novamente, poderíamos cair na
interpretação rasa de que se trata tão
somente de um tempo cronológico (tempo
207
do calendário). Mas, o que o Contrato
Social estabelece, na verdade, é o
tempo lógico das leis. A Constituição,
representando, como vimos, um pacto –
contrato – social (deve-se entender,
como veremos adiante quando abordarmos
Cícero; como os valores de uma
sociedade) é a lei originária; isto é,
de onde todas outras derivam. É a lei
primeira e primeva. A lei das leis. A
lei Maior.
208
aceite (ao juízo como veremos
posteriormente) racional na constrição
de liberdades mediadas na forma das
leis estritas, escritas e certas;
garantindo, assim, uma sociabilidade
ao caráter insociável e egoísta dos
indivíduos. Uma forma jurídico-
filosófica e, talvez,
desnecessariamente complexa de dizer
que a finalidade da Constituição é o
que Darwin denominou como “Preservação
da espécie”.
209
autodeterminação da liberdade é
justamente o ato racional (e diria que
quase instintivo nos termos da
Evolução das Espécies de Darwin) que
cada indivíduo faz, em favor de seu
semelhante, tenha a garantia da sua
autopreservação (a finalidade última
da autopreservação individual). A
constrição de liberdades irrestritas
mediada racionalmente pela
Constituição é, deste modo, a garantia
de que o pacto da razão em estabelecer
a constrição mútua de liberdades
irrestritas consistirá na
autopreservação de cada indivíduo. É
neste sentido que Kant assevera que o
princípio egoísta à autopreservação
individual é o que garante a
autopreservação do semelhante. E é por
isso que devemos entender a
Constituição tanto em seu tempo
cronológico quanto lógico. Porque ela
é a finalidade primeira e última da
vontade de autopreservação do
indivíduo egoísta.
210
Internacionais; no segundo, as leis
complementares e ordinárias; no
terceiro os decretos; e no quarto as
resoluções, portarias e deliberações.
O tempo lógico da Constituição fica
claro quando nos voltamos a própria
prática jurídica. Se não houvesse uma
anterioridade lógica da Carta Magna
seria impossível que se fizesse o que
se chama de “controle de
constitucionalidade” de uma lei. É a
anterioridade lógica da Lei Primeira
que possibilita a perpetuação do
Contrato Social enquanto peça
inaugural do pacto social em busca do
fim do Estado de Natureza e do Estado
Despótico. Mas, não é a hierarquia das
leis – cara a prática cotidiana
judiciária – que nos interessa agora.
211
O fio condutor que seguimos até
aqui foi o seguinte: partimos de uma
cláusula salvatória para pesquisar a
natureza da promulgação de uma
Constituição. Diante dessa salvaguarda
chegamos em três formas de direitos
fundamentais à Constituição de uma
República. Derivamos dos direitos dos
indivíduos, das gentes e cosmopolita –
promulgados no apêndice da
Constituição Brasileira – a
necessidade do estabelecimento de um
Pacto Social para findar o Estado
Despótico instaurado pelo golpe
militar de 1964. Diante disso,
chegamos à determinação de quatro
pontos fundamentais do Estado de
Direito: as leis estrita, certa,
escrita e prévia no estabelecimento de
uma República. Foi então que
distinguimos o Pacto Originário
(constituição) a partir de seu tempo
cronológico e lógico. O que pretende-
se fazer doravante é estabelecer os
conceitos de celebração deste pacto
fundamental: a constrição livre e
racional de liberdades irrestritas
existentes no Estado de Natureza a fim
de resguardar o encerramento do Estado
Despótico vigente durante a ditadura
militar brasileira.
212
própria natureza da Filosofia do
Direito. A partir da Paz Perpétua nos
deparamos com três formas de direito
(retomaremos mais a diante o problema
dos direitos dos indivíduos, das
gentes e cosmopolita) que devem estar
pautados em quatro princípios
fundamentais à teoria das Leis numa
República. Pois, estes princípios –
lei prévia, lei certa, lei escrita e
lei estrita - são conditio sine qua non
para a cláusula salvatória que
propusemos seguir e que iniciamos
nossa reflexão sobre a pergunta: o que
é a paz prometida pela Constituição
Brasileira de 1988? E são
fundamentais, como vimos, por serem
consequência do estabelecimento de uma
República e o meio para o
estabelecimento do objetivo definido
no preâmbulo é a constituição de uma
República Federativa e Democrática.
Vale retomar à Constituição para que o
objetivo e o meio citados fiquem
claros:
Nós, representantes
do povo brasileiro,
reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para
instituir um Estado
Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos
direitos sociais e
213
individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como
valores supremos de uma
sociedade fraterna,
pluralista e sem
preconceitos, fundada na
harmonia social e
comprometida, na ordem
interna e internacional,
com a solução pacífica das
controvérsias,
promulgamos, sob a proteção
de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL.
215
Existe um conceito fundamental
para a compreensão do que foi
promulgado no Preâmbulo da
Constituição. Se é verdade que a
solução pacífica de conflitos resulta
da renúncia da lei do mais forte, se
pressupõe a criação de uma Instituição
mediadora de conflitos. Onde seja
garantida as liberdades externas –
estas entendidas como a renúncia de
liberdades absolutas, existente
somente no Estado de Natureza, e do
arbítrio da Lei do Mais Forte (que
anteriormente chamei, devido o
contexto do golpe militar de 1964 ter
sido estabelecido pela contingência de
todo aparato militar nas ruas, de Lex
Armorum). E se pressupõe o
estabelecimento de uma Instituição
mediadora de conflitos porque sem um
intermediário, com o poder de decidir,
continuará vigente a Lei do Mais Forte.
Este conceito fundamental, que
deduzimos do preâmbulo, toma a forma
da lei escrita já no primeiro artigo
da Constituição. Diz a letra fria da
lei:
“Art. 1º A República
Federativa do Brasil,
formada pela união
indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em
216
Estado Democrático de
Direito e tem como
fundamentos: I - a
soberania; II - a
cidadania; III - a
dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do
trabalho e da livre
iniciativa; V - o
pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o
poder emana do povo, que o
exerce por meio de
representantes eleitos ou
diretamente, nos termos
desta Constituição.”
217
harmonia universal” (TP
8:289–90; cf. MM,6:230).”111
218
vontade das maiorias em respeito aos
valores estabelecidos no pacto
fundante promulgado pela Constituição.
E os valores fundamentais da
República estão estabelecidos nos
próprios incisos do artigo primeiro da
Carga Magna: “I - a soberania; II - a
cidadania; III - a dignidade da pessoa
humana; IV - os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; V - o
pluralismo político”. E isso é a
promulgação da tripartição do direito
feita por Kant: a soberania diz
respeito ao direito das gentes;
enquanto a cidadania e o pluralismo
político dizem respeito ao direito dos
indivíduos; a dignidade da pessoa
humana se refere ao direito
cosmopolita, pois, foi fundada na
Declaração Universal dos Direitos
Humanos da Organização das Nações
Unidas; Já os “valores sociais do
trabalho” dizem respeito à insociável
sociabilidade: o direito à
autopreservação dos interesses
próprios representados na figura do
trabalho (trabalho é definido, pelo
dicionário como sendo o “Conjunto das
atividades realizadas por alguém para
alcançar um determinado fim ou
propósito”);
220
que não permite correções de falhas
estaria ela mesma alheia à tripartição
dos poderes que ela consagra. Porque
ela estaria imune ao poder
legislativo. Seria, portanto, uma
pacto originário despótico, jamais
republicano. Isso porque ela estaria
submetida à exclusividade da
reservatio mentalis dos membros da
Assembleia Constituinte.
222
VI
Capítulo II
224
encontrará como sendo a si mesmo um ato
despótico do Constituinte, pois,
estará sujeita a promulgação da Lei
Maior à reservatio mentalis incutida
por princípios axiológicos arbitrários
do próprio constituinte. E arbitrários
porquê o conceito de anterioridade da
lei negaria a si mesmo ao determinar
que o conceito “em si” (enquanto
fenômeno do mundo sensível) é uma
exceção “para si” (enquanto princípio
metafísico da Filosofia do Direito). O
que se deve evitar, portanto, para uma
Filosofia do Direito pós iluminismo e
revolução científica é que o direito
tenha como um de seus primeiros
princípios metafísicos num ato da
vontade não autônoma de um princípio
que se quer racional em oposição ao
voluntarismo solipsista. Isso porque,
sob o risco de ser tautológico, o
princípio solipsista é a encarnação do
problema da reservatio mentalis na
medida em que a definição de liberdade
irrestrita é um conceito tautológico.
Isto é, é um conceito analítico
(retomaremos a distinção entre
analítico e sintético num momento
oportuno) em que o predicado está
contido na própria definição do
sujeito. Vejamos o problema nos termos
apresentados por Kant:
225
A liberdade jurídica
(e, portanto, externa) não
pode, como se faz
convencionalmente, ser
definida como a autoridade
para fazer qualquer coisa
que se queira, desde que
não se faça mal a ninguém.
Pois o que se entende por
autoridade? A possibilidade
de uma ação, na medida em
que não se faz mal a ninguém
ao agir assim. A definição
de liberdade seria,
portanto, a seguinte:
liberdade é a capacidade de
agir de maneira a não
prejudicar ninguém ao agir
assim. Não se faz mal a
ninguém (pode-se fazer o
que se quer), apenas na
medida em que não se faz mal
a ninguém: esta é,
portanto, uma tautologia
vazia..—
226
porque não há mediação entre o conflito
de liberdades individuais. Mas, não
só, o conceito de liberdade
irrestrita, por ser um conceito
analítico (que o predicado está
contido no sujeito) é, sem mais, um
raciocínio circular (se inicia e se
finda no próprio sujeito). É
impossível, portanto, que haja
liberdade irrestrita na relação entre
sujeitos. A liberdade irrestrita é
válida somente enquanto pertinente ao
próprio sujeito. Podemos fazer o
seguinte raciocínio de analogia para
compreender porque o conceito de
liberdade irrestrita se encerra no
próprio sujeito: “o circulo é
redondo”. O atributo de ser redondo é
a própria definição de círculo - o
predicado se encerra no próprio
sujeito, portanto. É um juízo
analítico, ou seja, o predicado não
acrescenta nada ao próprio conceito do
sujeito. Se acrescenta-se seria um
juízo sintético. O conceito de
liberdade externa (que surge a partir
da relação entre indivíduos) deve ser
não somente algo determinado pela
categoria da qualidade, mas, a
liberdade se dá a partir da categoria
da relação. Isso porque o sujeito, para
não se encerrar o conceito de qualidade
num raciocínio tautológico, deve ser
livre em relação ao outro.
227
Abordaremos as categorias
fundamentais do entendimento outrora,
mas, para concluir o argumento é
necessário fazer as seguintes
considerações sobre as categorias
fundamentais: faz parte da categoria
de qualidade do círculo ser redondo.
Faz parte do conceito de círculo a
realidade de ser redondo, a negação de
ser retangular e limitado a ter seu
ponto final o mesmo que o seu ponto
inicial. O juízo de qualidade é,
portanto, reforço, um juízo analítico.
Neste sentido é que deve-se
compreender um juízo analítico sobre a
“liberdade irrestrita”. A categoria
fundamental de qualidade determina que
o conceito seja irrestrito e se encerre
no próprio sujeito. Por outro lado, o
juízo sintético (aquele em que o
predicado não se encerra no sujeito,
mas, acrescenta algo ao sujeito) sobre
a liberdade do sujeito em relação ao
outro encontra-se sob o jugo da
categoria fundamental da relação. Este
círculo é maior, por exemplo, do que
aquele círculo. Ou, sob este mesmo
sentido, a liberdade do indivíduo se
dá em relação àquele outro indivíduo.
228
mediador da comunicação neuronal, a
liberdade externa (entre indivíduos)
se dá a partir da mediação. Voltemos à
definição kantiana de liberdade
externa para melhor compreender como
se dá a mediação. Liberdade é
229
necessário, portanto, a existência de
uma lei prévia à Constituição.
233
da relação de que o comprimento da
figura geométrica do círculo seja o
“produto do dobro da constante pi e do
raio” é necessária a mediação da razão.
E é um juízo sintético porque o
conhecimento das figuras geométricas
depende da existência do fenômeno
empírico. Apesar de ser um juízo a
priori (em que o predicado está contido
na definição do sujeito – porque é
necessário para o conhecimento (aqui
devemos entender conhecimento como
definido anteriormente, isto é, não só
como condição para se apreender algo,
mas, também, a partir da sua
congruência – categoria fundamental de
relação e modalidade – e adstrição –
categoria da qualidade) de que a
existência do círculo é dependente da
mediação do múltiplo da intuição
sensível. De forma contrária temos no
juízo: “o circulo é azul”, um juízo
sintético a posteriori; ou seja, um
juízo em que o predicado (a cor azul)
não está contido no conceito do sujeito
(círculo).
234
Neste sentido, os juízos relativos à
empiria (ao mundo sensível), ou
melhor, sobre o modo (categoria
fundamental) pelo qual os conceitos
universais tem sua existência no mundo
empírico na forma de fenômeno (de
“aparição”, ou melhor, de
manifestação) no mundo são juízos
particulares, portanto sintéticos a
posteriori.
236
pelo particular (pelo fenômeno –
voltaremos ao conceito de fenômeno
abaixo) ser uma impossibilidade
lógica, basta recorrer aos três
princípios do pensamento conforme
estabelecidas por Aristóteles113: o
princípio da identidade, o princípio
de não contradição e ao princípio do
terceiro excluído. O princípio de
identidade determina que algo sempre
será igual a si mesmo e diferente do
outro: 1) “a=a”; “b=b”; 2) “a#b”. Nos
termos aristotélicos, uma coisa será
sempre distinta de outra que não possua
a mesma “diferença específica”
(essência). Neste sentido, o círculo
será sempre um círculo e jamais um
quadrado porque a distância entre o seu
centro e qualquer ponto em seu
comprimento será, sempre, o mesmo. Ou
ainda, a soma dos ângulos internos de
um triângulo será, sempre, 180 graus.
1) É impossível que haja, portanto, um
círculo cuja soma dos ângulos internos
seja 180 graus porque essa é a
diferença específica (conceito
estabelecido pela abstração da razão,
portanto, um juízo a priori) do
triângulo. 2) Do mesmo modo, jamais
existirá um círculo em que a distância
237
entre o seu centro e qualquer ponto da
sua circunferência não sejam iguais.
238
Deste princípio de identidade
extraímos o Princípio de não-
contradição é definido de forma breve
por Aristóteles.
239
Pluralidade e Totalidade. O mesmo vale
para os demais pares de conceitos
enumerados.
240
O que nos importa é compreender a
relação entre juízos universais e
juízos particulares. Exemplifiquemos:
Temos o seguinte juízo universal
(afirmação universal): “Todo homem é
mortal”. E, também, o juízo particular
(negação existencial): “Algum homem
não é mortal”. Existe, portanto, uma
contradição, pois, o juízo particular
nega a universalidade de um conceito.
A regra para entender a relação dos
juízos contraditórios é simples: uma
241
afirmação universal não pode ser
negada por uma negação existencial. E,
no mesmo sentido, um juízo de negação
universal não pode ser afirmado por uma
proposição particular. Destaca-se,
contudo, a necessidade de
incongruência, para que haja uma
contradição, entre as categorias
fundamentais de qualidade e
quantidade. Ou seja, uma falta, no
termo já empregado anteriormente, de
relação de consentaneidade (coerência)
entre o universal e o particular.
242
conceito analítico (e juízos
analíticos são sempre a priori) de
liberdade irrestrita. O conceito
universal de liberdade, portanto, é o
que dá origem ao conceito de liberdade
externa (jurídica). Este é dependente
daquele. A liberdade enquanto conceito
analítico é um conceito universal. O
primeiro, como vimos, encerra-se no
próprio sujeito e não passa de um juízo
explicativo do conceito de humano
(Sartre sumarizou, vale lembrar, a
condição humana à condenação à
liberdade quer deus exista quer não
exista). Contudo, segundo as leis do
pensamento, a existência da coisa em
si (conceito puro e abstrato) enquanto
fenômeno (que se dá na experiência
empírica – valendo-se da redundância
propositalmente) é parte da natureza
humana para que se possa obter todo e
qualquer conhecimento devido às
limitações impostas pela própria razão
expressos pelas categorias
fundamentais do entendimento. Não
basta ao conceito de liberdade externa
a confirmação dada pelo princípio de
não contradição. O nascedouro do
conceito de liberdade jurídica se dá,
portanto, como produto da interação da
liberdade irrestrita dos indivíduos a
partir do confronto das próprias
liberdades. A liberdade externa,
consequentemente, é determinada por um
243
juízo sintético (tem origem na
experiência), mas, ao contrário da
liberdade analítica (irrestrita), não
é um conceito a priori porque não faz
parte do conceito universal
(analítico) de liberdade a renúncia
mútua da própria liberdade. É
impossível determinar, a partir do
mero exercício da razão pura que há um
tipo de liberdade (a externa) que
consiste na renúncia voluntária, e
racional, da própria liberdade. É,
portanto, um conceito a posteriori.
Encontramos, portanto, uma liberdade
que se dá na forma no âmbito
particular.
244
racionalista de que os conceitos puros
devem se apresentar de forma
necessária. Temos, portanto, as
condições estabelecidas para a
existência de algo, determinada na
tábua dos conceitos puros do
entendimento. Isto é, existência
necessária enquanto conceito puro a
priori e a sua contingência de acordo
com as condições de possibilidade de
um fenômeno na forma de juízo sintético
a posteriori. Nos voltemos à letra
kantiana para compreender melhor
porquê há essa duplicidade na cognição
com intuito de melhor apresentar a
necessidade lógica de existência tanto
do particular quanto do universal. Diz
Kant:
245
representação (como mera
determinação da mente)"115
é a autoridade para
não obedecer a nenhuma lei
externa além daquelas às
quais pude dar
consentimento
247
estabelecida na introdução: teria a
Constituição de 1988 como primazia a
garantia da autopreservação?
Retomaremos o problema da
Economia, enquanto questão fundamental
da República posteriormente, mas, a
introdução destes problemas enumerados
no parágrafo anterior – e justifica o
caminho argumentativo seguido – para
estabelecer um ponto básico ao leitor:
a filosofia do direito não pode se
reduzir à mera análise abstrata de
conceitos, mas, deve se aplicar no –
em termos hegelianos – mundo
fenomênico e não somente da coisa em
si.
248
Encontramos, novamente, depois desse
necessário desvio o problema que
estabelecemos como fio condutor
central. Nos termos estabelecidos na
introdução:
“Qual a natureza da
faculdade de julgar
presente no juízo de
promulgação de uma
Constituição Republicana na
vontade egoísta de
autopreservação
determinada pela autoridade
da autonomia da vontade
livre diante da insociável
sociabilidade mediada pela
renúncia ao Estado de
Natureza e ao Estado
Despótico?”.
AA 09: 102
251
liberdades irrestritas do Estado de
Natureza é um juízo particular
subalterno à um valor universal de
autopreservação e não somente uma
vontade individual, ou seja, singular
que se refere à mero extrato axiológico
dos sujeitos.
Mesmo enquanto
conceito puro, porém, o
conceito de direito é
baseado na práxis (a
aplicação aos casos que se
apresentam na experiência)
e, portanto, um sistema
metafísico do mesmo
precisaria levar também em
conta, em sua divisão, a
diversidade empírica
daqueles casos para
completar a divisão (o que
é uma exigência
imprescindível para a
252
construção de um sistema da
razão).117
253
um elemento que empila ao seu
cumprimento. Aqui, recorremos à um
vocábulo espanhol para melhor definir
esse motor inerente à lei. “Empilar-
se” é “É um verbo parassintético sobre
o substantivo bateria [pila] 'pequeno
dispositivo no qual a energia química
é convertida em eletricidade'. O verbo
também tem o significado transitivo de
'entusiasmo'”118. Esse termo espanhol
nos é muito fortuito porque tem o
significado tanto de entusiasmo
(veemência) quanto de uma conversão de
energia química em energia sintética.
Ora, é justamente disso que se trata
uma lei: a veemência na conversão de
um valor em uma possibilidade
circunscrita de ação. É daí que
extraímos a noção de dever. Ofereço
três definições complementares de
dever. Enquanto 1) verbo transitivo
direto significa: “Ter obrigação
(moral, social, legal)” – exemplo: “eu
devo obedecer aos dez Mandamentos” ;
já 2) na sua forma transitiva indireta
significa a probabilidade – no
exemplo: “ele deve ir para o inferno
por maldizer o Espírito Santo; e
enquanto 3) verbo transitivo direto e
indireto significa o empenho para
254
alguma obrigação – eis um exemplo: “ele
deve obediência à Constituição”.
Vejamos a letra Kantiana:
Se lembrarmos as categorias
fundamentais, a necessidade está
contida na categoria de modalidade. As
outras partes dessa categoria são as
de possibilidade e existência. Algo
que existe de forma necessária é algo
que deverá sempre ser verdadeiro. Ao
contrário do que existe somente
enquanto possibilidade. Por exemplo, é
necessário que todo número par seja
divisível por dois. Ao contrário, é
possível que um círculo seja azul. Isso
porque inexistem números pares que não
sejam divisíveis por dois (está
contido no conceito sintético à priori
de par a divisibilidade por dois), mas,
existem círculos que não são azuis. O
primeiro trata-se de um juízo
universal. O segundo, contudo, é um
juízo particular. Uma lei, portanto,
255
concluindo este longo argumento, deve
ser uma obrigação universal, na qual é
possível que se haja contrariamente,
mas, que os indivíduos possuem um
empenho para o seu cumprimento.
256
Neste contexto, continua Kant:
258
Seção III – Do Contexto Histórico
VIII
Antes de continuar a
argumentação, vale, como guia de
leitura ao leitor leigo,
contextualizar, num breve capítulo, os
conceitos de forma sintética.
261
compreender o Bolsonarismo a partir da
Filosofia Política.
263
sendo uma revolta contra a Vontade
Geral.
264
é, a partir de quatro conceitos
fundamentais das leis. Lembrando que a
recusa à explicação religiosa já tinha
nos dado pistas de que a convivência
em sociedade só é possível em um Estado
de Direito, pois, é neste estado em que
há a passagem das leis familiares para
as leis da Polis.
265
definição estritamente cara à
Filosofia da Lógica. Esta predicação
nos mostrou a necessidade de que o
Contrato Social ocorresse a partir de
um exercício autônomo da Vontade dos
indivíduos, isto é, de uma vontade
determinada pela própria razão.
266
A Constituição nada mais é do que
uma Lei Magna que, na medida em que
acaba com o Estado de Natureza (de
guerra de Todos Contra Todos), do
império da Lei do Mais Forte; é a
própria reivindicação dos indivíduos
de uma sociedade enquanto forma de se
cumprir ao princípio mais egoísta de
todos que é o de autopreservação. Vale
notar que esta necessidade de
autopreservação é derivada da premissa
básica da lei natural da teoria do
evolucionismo de Darwin, qual seja, o
de sobrevivência do indivíduo e o de
perpetuação da espécie.
269
IX
270
da filosofia da moral e da filosofia
do direito é necessário que haja um
pano de fundo histórico para a
interpretação dos conceitos da
Filosofia da Moral e da Filosofia do
Direito. A História Universal
determina que nos voltemos à
multiplicidade dos conflitos caóticos
próprios à história.
272
contexto em que serviu de lei universal
enquanto fenômeno histórico para
pautar a Constituição de 1988,
recorreremos ao próprio método
dialético platônico para expor os
fundamentos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos. O que
pretendemos demonstrar a partir do
método dialético é a possibilidade de
cognição por meio do antagonismo entre
múltiplos indivíduos. Como vimos nas
proposições da História Universal de
um Ponto de Vista Cosmopolita, o
antagonismo entre indivíduos é
fundamental no desenvolvimento da
razão e da moral. Com isso quero
demonstrar que veracidade desta
preceito fundamental à filosofia da
história kantiana e, então,
consequentemente afastar a opinião
falsa de que o método científico
estabelecido pela Crítica é um mero
exercício solipsista, mas, que é, na
verdade, um método que necessita da
multiplicidade de indivíduos. Se
obtivermos sucesso neste método de
exposição cumpriremos duas tarefas.
Tanto a de distinguir a Dialética
Transcendental kantiana do
materialismo dialético pautado na
lógica intuicionista; quanto
diferenciar o método de Kant da
dialética platônica que necessita da
intervenção da Teoria da Participação.
273
O problema que está em jogo nessa
apresentação metodológica do contexto
a partir da dialética é a diferenciação
ao que é possível atribuir o valor
verdade. Se, no caso de Platão, a
partir do Sofista, a verdade é um
atributo da conformidade entre Formas
metafísicas e linguagem; e no caso do
Construtivismo da dialética marxista a
necessidade (Verdade) está nas
premissas e não na conclusão; No caso
do método Kantiano, a Verdade (juízo
de necessário de existência) é um
atributo verificável empiricamente
como atributo do fenômeno e não da
abstração da coisa em si, a partir da
teoria da predicação aristotélica.
274
signatários. Vamos ao diálogo, com as
devidas homenagens a Platão.
276
propondo outra ruptura completa com as
leis. Seria, tão somente, um golpe no
próprio espírito das leis, mesmo que
encontres uma forma legal para uma
propositura desta natureza.
279
Beatriz: a necessidade de começarmos
pela Declaração, me parece, estar
definida no próprio preâmbulo. Você se
lembra dele?
280
chamado de Espírito das Leis. Veja, o
espírito das leis pode ser entendido
como os valores traduzidos de forma
normativa.
282
seja num banho de sangue, seja em
grelhas.
284
Daniel: exatamente isso. É o lembrete
de que a geração atual não pode negar
tudo àquilo que já foi pensado com
intuito de um suposto progresso. Ao se
negarem os valores, na verdade, se está
negando a própria humanidade. É como
se, nesta tentativa, a humanidade se
colocasse como uma espécie de Messias.
Como alguém que veio refundar a
civilização para supostos valores
perfeitos. É como se, na construção de
um barco, se ignorasse tudo o que se
sabe sobre barcos, sendo que, os
princípios já estavam estabelecidos.
287
lei e, sem distinção, têm direito a
igual proteção da lei. Todos têm
direito a proteção igual contra
qualquer discriminação que viole a
presente Declaração e contra qualquer
incitamento a tal discriminação; Toda
a pessoa tem direito a recurso efetivo
para as jurisdições nacionais
competentes contra os atos que violem
os direitos fundamentais reconhecidos
pela Constituição ou pela lei; Ninguém
pode ser arbitrariamente preso, detido
ou exilado; Toda a pessoa tem direito,
em plena igualdade, a que a sua causa
seja equitativa e publicamente julgada
por um tribunal independente e
imparcial que decida dos seus direitos
e obrigações ou das razões de qualquer
acusação em matéria penal que contra
ela seja deduzida.
288
da sua prática, não constituíam ato
delituoso à face do direito interno ou
internacional. Do mesmo modo, não será
infligida pena mais grave do que a que
era aplicável no momento em que o ato
delituoso foi cometido; ninguém
sofrerá intromissões arbitrárias na
sua vida privada, na sua família, no
seu domicílio ou na sua
correspondência, nem ataques à sua
honra e reputação. Contra tais
intromissões ou ataques toda a pessoa
tem direito a proteção da lei; Toda a
pessoa tem o direito de livremente
circular e escolher a sua residência
no interior de um Estado; Toda a pessoa
tem o direito de abandonar o país em
que se encontra, incluindo o seu, e o
direito de regressar ao seu país; Todo
o indivíduo tem direito a ter uma
nacionalidade; ninguém pode ser
arbitrariamente privado da sua
nacionalidade nem do direito de mudar
de nacionalidade; a partir da idade
núbil, o homem e a mulher têm o direito
de casar e de constituir família, sem
restrição alguma de raça,
nacionalidade ou religião. Durante o
casamento e na altura da sua
dissolução, ambos têm direitos iguais;
o casamento não pode ser celebrado sem
o livre e pleno consentimento dos
futuros esposos; a família é o elemento
natural e fundamental da sociedade e
289
tem direito à proteção desta e do
Estado; toda a pessoa, individual ou
coletiva, tem direito à propriedade;
ninguém pode ser arbitrariamente
privado da sua propriedade; toda a
pessoa tem direito à liberdade de
pensamento, de consciência e de
religião; este direito implica a
liberdade de mudar de religião ou de
convicção, assim como a liberdade de
manifestar a religião ou convicção,
sozinho ou em comum, tanto em público
como em privado, pelo ensino, pela
prática, pelo culto e pelos ritos; Todo
o indivíduo tem direito à liberdade de
opinião e de expressão, o que implica
o direito de não ser inquietado pelas
suas opiniões e o de procurar, receber
e difundir, sem consideração de
fronteiras, informações e ideias por
qualquer meio de expressão; toda a
pessoa tem direito à liberdade de
reunião e de associação pacíficas;
ninguém pode ser obrigado a fazer parte
de uma associação; Toda a pessoa tem o
direito de tomar parte na direção dos
negócios, públicos do seu país, quer
diretamente, quer por intermédio de
representantes livremente escolhidos;
toda a pessoa tem direito de acesso,
em condições de igualdade, às funções
públicas do seu país. a vontade do povo
é o fundamento da autoridade dos
poderes públicos: e deve exprimir-se
290
através de eleições honestas a
realizar periodicamente por sufrágio
universal e igual, com voto secreto ou
segundo processo equivalente que
salvaguarde a liberdade de voto; toda
a pessoa, como membro da sociedade, tem
direito à segurança social; e pode
legitimamente exigir a satisfação dos
direitos econômicos, sociais e
culturais indispensáveis, graças ao
esforço nacional e à cooperação
internacional, de harmonia com a
organização e os recursos de cada país;
toda a pessoa tem direito ao trabalho,
à livre escolha do trabalho, a
condições equitativas e satisfatórias
de trabalho e à proteção contra o
desemprego; todos têm direito, sem
discriminação alguma, a salário igual
por trabalho igual; quem trabalha tem
direito a uma remuneração equitativa e
satisfatória, que lhe permita e à sua
família uma existência conforme com a
dignidade humana, e completada, se
possível, por todos os outros meios de
proteção social; toda a pessoa tem o
direito de fundar com outras pessoas
sindicatos e de se filiar em sindicatos
para defesa dos seus interesses; toda
a pessoa tem direito ao repouso e aos
lazeres, especialmente, a uma
limitação razoável da duração do
trabalho e as férias periódicas pagas;
toda a pessoa tem direito a um nível
291
de vida suficiente para lhe assegurar
e à sua família a saúde e o bem-estar,
principalmente quanto à alimentação,
ao vestuário, ao alojamento, à
assistência médica e ainda quanto aos
serviços sociais necessários, e tem
direito à segurança no desemprego, na
doença, na invalidez, na viuvez, na
velhice ou noutros casos de perda de
meios de subsistência por
circunstâncias independentes da
sua vontade; a maternidade e a infância
têm direito a ajuda e a assistência
especiais. Todas as crianças, nascidas
dentro ou fora do matrimônio, gozam da
mesma proteção social; Toda a pessoa
tem direito à educação. A educação deve
ser gratuita, pelo menos a
correspondente ao ensino elementar
fundamental. O ensino elementar é
obrigatório. O ensino técnico e
profissional dever ser generalizado; o
acesso aos estudos superiores deve
estar aberto a todos em plena
igualdade, em função do seu mérito; A
educação deve visar à plena expansão
da personalidade humana e ao reforço
dos direitos do Homem e das liberdades
fundamentais e deve favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade
entre todas as nações e todos os grupos
raciais ou religiosos, bem como o
desenvolvimento das atividades das
Nações Unidas para a manutenção da paz.
292
Aos pais pertence a prioridade do
direito de escolher o género de
educação a dar aos filhos; toda a
pessoa tem o direito de tomar parte
livremente na vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de
participar no progresso científico e
nos benefícios que deste resultam;
todos têm direito à proteção dos
interesses morais e materiais ligados
a qualquer produção científica,
literária ou artística da sua autoria;
toda a pessoa tem direito a que reine,
no plano social e no plano
internacional, uma ordem capaz de
tornar plenamente efetivos os direitos
e as liberdades enunciadas na presente
Declaração;
293
deveres para com a comunidade, fora da
qual não é possível o livre e pleno
desenvolvimento da sua personalidade;
no exercício deste direito e no gozo
destas liberdades ninguém está
sujeito senão às limitações
estabelecidas pela lei com vista
exclusivamente a promover o
reconhecimento e o respeito dos
direitos e liberdades dos outros e a
fim de satisfazer as justas exigências
da moral, da ordem pública e do bem-
estar numa sociedade democrática. Em
caso algum estes direitos e liberdades
poderão ser exercidos contrariamente e
aos fins e aos princípios das Nações
Unidas; Nenhuma disposição da presente
Declaração pode ser interpretada de
maneira a envolver para qualquer
Estado, agrupamento ou indivíduo o
direito de se entregar a alguma
atividade ou de praticar algum ato
destinado a destruir os direitos e
liberdades aqui enunciados”.
294
Beatriz: tudo bem. Temos as definições
base para que a existência de um Estado
de Direito, do império da lei.
295
Daniel: certamente temos. Veja, o
próprio presidente luta contra estes
valores.
296
Beatriz: interessante. Mas, isso é
tudo?
297
livre a manifestação do pensamento,
sendo vedado o anonimato; é inviolável
a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de
culto e a suas liturgias; ninguém será
privado de direitos por motivo de
crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as
invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada
em lei; é livre a expressão da
atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação,
independentemente de censura ou
licença; é livre a locomoção no
território nacional em tempo de paz,
podendo qualquer pessoa, nos termos da
lei, nele entrar, permanecer ou dele
sair com seus bens; todos podem reunir-
se pacificamente, sem armas, em locais
abertos ao público, independentemente
de autorização, desde que não frustrem
outra reunião anteriormente convocada
para o mesmo local, sendo apenas
exigido prévio aviso à autoridade
competente; é plena a liberdade de
associação para fins lícitos, vedada a
de caráter paramilitar; todos têm
direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo
298
ou geral, que serão prestadas no prazo
da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado; a lei punirá
qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdades fundamentais; a
prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito
à pena de reclusão, nos termos da lei;
é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral; aos
litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório
e ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes; são inadmissíveis, no
processo, as provas obtidas por meios
ilícitos; a lei só poderá restringir a
publicidade dos atos processuais
quando a defesa da intimidade ou o
interesse social o exigirem; conceder-
se-á habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade
de locomoção, por ilegalidade ou abuso
de poder; conceder-se-á mandado de
injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o
exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania; conceder-se-á habeas
data: a) para assegurar o conhecimento
299
de informações relativas à pessoa do
impetrante, constantes de registros ou
bancos de dados de entidades
governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando
não se prefira fazê-lo por processo
sigiloso, judicial ou administrativo;
qualquer cidadão é parte legítima para
propor ação popular que vise a anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de
entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e
cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas
judiciais e do ônus da sucumbência; a
todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios
que garantam a celeridade de sua
tramitação.
300
Beatriz: Qual?
302
sido impedido, por determinação do
Procurador Geral da República, de
denunciar crimes cometidos por agentes
de Estado.
Daniel: (Gargalhadas)
303
fundamentas à própria existência
humana.
304
X
Capítulo VI
305
necessário um salto lógico de
universalização.
306
Supremo Tribunal Federal. Se o
primeiro ato acabou com a
independência do legislativo, o
segundo, por sua vez, acabou com a
independência do judiciário. E, mais
gravosamente, transformou todo poder
político num mero teatro a partir do
estabelecimento de um bipartidarismo
controlado pela própria ditadura. O
terceiro ato acabou com a própria noção
de entes federados a partir do
estabelecimento de interventores dos
Estados e Municípios. O quinto ato da
Ditadura militar acabou com o direito
ao Habeas Corpus, além de estabelecer
órgãos de censura em toda a imprensa.
O nono ato acabou com o direito à
propriedade. O ato 12 acabou com a
possibilidade do próprio vice-
presidente assumir o governo. O ato 13
estabeleceu o exílio e o 14 a pena de
morte para aqueles considerados
subversivos pelo regime. O ato 15, não
bastasse a censura estabelecida pelo
AI-5 previa a prisão de jornalistas.
307
XI
311
do que os 39 quilos de cocaína feita
pela polícia espanhola no avião
presidencial de Jair Bolsonaro).
313
que as notícias plantadas nos jornais
por gestores de fundos e especuladores
nada mais são do que ecos de patifes
que tentam mover o mercado à favor das
suas próprias posições. Quisesse um
“mercado” com qualquer nível de
seriedade, teriam pedido a cabeça, no
ato, do presidente do Banco Central
quando ele revelou um “erro contábil”
na balança comercial – justamente no
ano eleitoral (tema que foi usado como
propaganda política durante as
eleições) de um superávit para um
déficit bilionário.
É neste contexto de
condescendência com o banqueiro
central que devemos colocar em
perspectiva as notas plantadas em
todos os jornais do país sobre a
qualidade do Banco Central brasileiro.
Primeiro, colocou o país à juros reais
negativos de 8% (Selic em 2% e inflação
em 10%) em 2021. E uma guinada
fantástica para um juros real de 8%.
Uma guinada de 16% na curva de juros,
em apenas um ano. O Brasil que em 2021
tinha o menor juros do mundo passou a
ter o maior juros mundial.
315
Devemos considerar que este
amadorismo do Banco Central, em baixar
os juros na base do ativismo político
eleitoreiro, se deu em meio a
subsequentes estouros da regra fiscal
(além de terem jogado a Lei de
Responsabilidade Fiscal no lixo) por
meio de Emendas à Constituição que
legalizaram o rombo fiscal. Os
representantes do “senhor mercado” da
Faria Lima mantiveram-se calados. Vale
notar que a famigerada Reforma da
Previdência economizará o mesmo, em
dez anos, o que Paulo Guedes e
Bolsonaro criaram de rombo fiscal
(oitocentos bilhões).
316
para ele são o dobro dos atuais que já
são os maiores do mundo).
318
além da inabilidade do banqueiro
central, Campos Neto, de lidar com as
metas de inflação).
321
(quase 25 milhões em insegurança
grave).
322
2006 $1,073,652
2007 $1,167,028
2008 $1,174,839
2009 $1,271,937
2010 $1,402,679
2011 $1,560,835
2012 $1,641,581
2013 $1,681,566
2014 $1,749,348
2015 $2,138,752
2016 $2,540,436
2017 $2,996,533
2018 $3,281,873
2019 $3,644,099
2020 $4,325,455
2021 $4,774,760
2022 $5,000,272
2016
2017
2018
2019
2020
2021
2022
323
Se utilizarmos uma média móvel fica
ainda mais claro que houve um
crescimento exponencial, praticamente
em linha reta.
Se analisarmos os ativos e
os passivos, isto é, o que a união
gasta e deve e os ativos (a receita),
percebemos uma grande queda na
324
receita. Os ativos da união estão nos
patamares de 2017. Veja a tabela:
Saldo Patrimonial
0
-1,000,000,000,000
-2,000,000,000,000
-3,000,000,000,000
-4,000,000,000,000
-5,000,000,000,000
-6,000,000,000,000
-7,000,000,000,000
325
Esta é a diferença percentual entre
passivos e ativos da união
Déficit percentual entre Passivos e Ativos da União
2014 1.27%
2015 25.49%
2016 30.84%
2017 33.81%
2018 30.69%
2019 33.52%
2020 42.07%
2021 43.67%
2022 53.64%
40.00%
20.00%
0.00%
2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
R$ 10,000,000.00
R$ 8,000,000.00
R$ 6,000,000.00
R$ 4,000,000.00
R$ 2,000,000.00
R$ -
dez/2012
dez/1996
dez/1998
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2008
dez/2010
dez/2014
dez/2016
dez/2018
dez/2020
dez/2022
328
Pib corrigido (inflação) em
milhões
R$ 12,000,000.00
R$ 10,000,000.00
R$ 8,000,000.00
R$ 6,000,000.00
R$ 4,000,000.00
R$ 2,000,000.00
R$ -
dez/1998
dez/1996
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2008
dez/2010
dez/2012
dez/2014
dez/2016
dez/2018
dez/2020
dez/2022
PIB Atualizado (inflação e dólar)
em milhões
$5,000,000.00
$4,000,000.00
$3,000,000.00
$2,000,000.00
$1,000,000.00
$-
dez/2022
dez/1996
dez/1998
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2008
dez/2010
dez/2012
dez/2014
dez/2016
dez/2018
dez/2020
329
PIB Nominal x PIB Corrigido
(inflação e dólar) em milhões
R$ 15,000,000.00
R$ 10,000,000.00
R$ 5,000,000.00
R$ -
dez/2012
dez/1996
dez/1998
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2008
dez/2010
dez/2014
dez/2016
dez/2018
dez/2020
dez/2022
PIB Nominal PIB Atualizado
330
PIB Atualizado População (milhões) Pib Per Capita
dez/1996 $ 3,858,644.40 164.6 $ 23,442.55
dez/1997 $ 3,894,909.55 167.2 $ 23,294.91
dez/1998 $ 3,723,018.00 169.8 $ 21,925.90
dez/1999 $ 2,445,845.14 172.3 $ 14,195.27
dez/2000 $ 2,976,207.84 174.8 $ 17,026.36
dez/2001 $ 2,603,030.45 177.2 $ 14,689.79
dez/2002 $ 1,361,901.74 179.5 $ 7,587.20
dez/2003 $ 1,735,907.67 181.8 $ 9,548.45
dez/2004 $ 2,002,245.34 184 $ 10,881.77
dez/2005 $ 2,386,702.75 186.1 $ 12,824.84
dez/2006 $ 2,794,055.88 188.2 $ 14,846.21
dez/2007 $ 3,601,687.68 190.1 $ 18,946.28
dez/2008 $ 3,015,156.82 192 $ 15,703.94
dez/2009 $ 4,122,949.98 193.9 $ 21,263.28
dez/2010 $ 4,728,560.81 195.7 $ 24,162.29
dez/2011 $ 4,446,968.81 197.5 $ 22,516.30
dez/2012 $ 4,227,594.15 199.3 $ 21,212.21
dez/2013 $ 3,824,368.06 201 $ 19,026.71
dez/2014 $ 3,441,398.98 202.8 $ 16,969.42
dez/2015 $ 2,185,805.89 204.5 $ 10,688.54
dez/2016 $ 2,612,220.00 206.2 $ 12,668.38
dez/2017 $ 2,614,235.60 207.8 $ 12,580.54
dez/2018 $ 2,268,693.49 209.5 $ 10,829.09
dez/2019 $ 2,236,908.14 211 $ 10,601.46
dez/2020 $ 1,715,458.28 212.6 $ 8,068.95
dez/2021 $ 1,803,796.01 214 $ 8,428.95
dez/2022 $ 1,921,572.87 217.5 $ 8,834.82
331
Pib Per Capita (atualizado pela
inflação) em dólares
$30,000.00
$25,000.00
$20,000.00
$15,000.00
$10,000.00
$5,000.00
$-
dez/2018
dez/1996
dez/1998
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2008
dez/2010
dez/2012
dez/2014
dez/2016
dez/2020
dez/2022
A partir daí podemos extrair um
primeiro parâmetro do desempenho dos
presidentes: a população ficou mais
rica ou mais pobre durante a gestão?
332
Como vimos, a população
brasileira, nos últimos 26 anos, teve
um crescimento real de renda apenas
durante sete. Mas, como isso refletiu
nas contas das famílias e das empresas?
Vejamos as séries históricas
disponibilizada pelo Banco Central.
Vale ressaltar que só há valores a
partir de 2005.
333
É absolutamente
preocupante, para o futuro, que mais
da metade da renda das famílias esteja
comprometida com dívidas. Se
compararmos os gráficos, podemos
extrair o seguinte fato: desde 2018 a
renda per capta caiu e o percentual do
endividamento aumentou. Conclui-se
disso que, apesar de não ser óbvio que
a renda bruta caiu, mas, e, portanto,
o endividamento aumentou. O que não
ocorreu entre 2006 e 2012 – quando a
renda bruta e o endividamento
aumentaram concomitantemente.
334
Aqui fica claro que o
endividamento cresce de forma
constante na razão de 5% da renda
bruta, até 2012. Mas, quando há uma
queda gigantesca na renda das
famílias, a partir da crise de 2012 e
2016, como o crédito habitacional é de
longuíssimo prazo, a diferença salta
de 5% (o que é em endividamento
habitacional sustentável), para 25%.
Vejamos, doravante, o
comportamento do endividamento das
empresas.
335
A série histórica está
disponível, apenas, a partir de 2012.
Mas, nos aponta algo grave, mas,
esperado, devido à queda brusca na
renda das famílias. A série histórica
reflete o saldo das operações de
crédito entre pessoas físicas
(famílias) e pessoas jurídicas
(empresas): um aumento exponencial, na
ordem de 3:1 do endividamento das
empresas. Saltando de um trilhão, em
2012, para mais de 3 trilhões em 2022.
As empresas estão se endividando, de
forma exponencial, apenas para não
fecharem as portas com a queda da
renda, e aumento do endividamento, das
famílias.
336
O endividamento do setor privado,
como podemos perceber, em relação ao
setor público, passa da razão de 10:1
para 20:1. O saldo da dívida do setor
privado dobrou em, apenas, uma década.
337
Balanço financeiros: receitas e despesas vinculadas
Receitas Despesas Saldo Diferença percentual
2015 $2,357,766,695,000 $2,094,571,439,000 $263,195,256,000 -12.57%
2016 $2,506,164,401,000 $2,254,464,393,000 $251,700,008,000 -11.16%
2017 $2,208,937,056,000 $2,231,050,821,000 -$22,113,765,000 0.99%
2018 $2,506,151,000,000 $2,294,560,000,000 $211,591,000,000 -9.22%
2019 $2,538,316,000,000 $2,364,973,000,000 $173,343,000,000 -7.33%
2020 $3,326,711,000,000 $3,279,091,000,000 $47,620,000,000 -1.45%
2021 $3,789,608,000,000 $3,513,669,000,000 $275,939,000,000 -7.85%
Total $19,233,654,152,000 $18,032,379,653,000 $1,201,274,499,000 -6.66%
340
Pib Per Capita (atualizado pela
inflação) em dólares
$30,000.00
$25,000.00
$20,000.00
$15,000.00
$10,000.00
$5,000.00
$-
dez/1996
dez/1998
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2008
dez/2010
dez/2012
dez/2014
dez/2016
dez/2018
dez/2020
dez/2022
PIB Atualizado (inflação e dólar)
em milhões
$5,000,000.00
$4,000,000.00
$3,000,000.00
$2,000,000.00
$1,000,000.00
$-
dez/1998
dez/1996
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2008
dez/2010
dez/2012
dez/2014
dez/2016
dez/2018
dez/2020
dez/2022
341
para que possamos compreender o real
significado dos números.
342
Chamo a atenção para dois fatores,
nesta análise do Bovespa consigo
mesmo. Durante os governos Lula 1 e 2,
a Bolsa se valorizou 550%. Durante o
governo Bolsonaro, 17%. Mesmo numa
análise primária e simplista, o
frenesi dos plantadores de nota da
Faria Lima na imprensa parecem estar
pensando com outra coisa que não o
cérebro. O crescimento da bolsa de
valores, com Lula, foi 32 vezes maior
do que com Bolsonaro. 17 vezes maior
se considerarmos, apenas, o primeiro
mandato.
343
É de chamar a atenção a valorização de
52% do real ante ao dólar entre 2003 e
2010. O dólar caiu, quando Lula assumiu
em 2003, de R$3,65 para R$1,75. Já no
governo Bolsonaro, houve uma
desvalorização do real. Subiu de
R$3,87 para 5,32. Uma desvalorização
de quase 38%. Vale notar que da saída
de Lula em 2011 até sua volta, em 2023,
o real se desvalorizou quase 190%.
344
Vale notar que durante os dois
primeiros mandatos de Lula, o dólar
diante do real se valorizou 52%.
Enquanto ante as moedas desenvolvidas
se desvalorizou cerca de 22%. Destes,
20% entre 2003 e 2006. Isso significa
dizer, em termos comparativos, que o
real se valorizou 30% a mais do que as
moedas desenvolvidas (euro, iene,
franco suíço e libra esterlina). Por
outro lado, durante o governo
Bolsonaro, entre 2019 e 2022, o dólar
ante as moedas de países desenvolvidos
se valorizou 7%. Diante da
desvalorização de 38% do real. Um
saldo, obviamente, 31% de
desvalorização do real se comparado ao
dólar e as moedas dos países
desenvolvidos.
dez/2014
dez/1996
dez/1998
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2008
dez/2010
dez/2012
dez/2016
dez/2018
dez/2020
dez/2022
Com estes fatores em mente que é
possível responder à pergunta: “Faz
sentido que com o Produto Interno Bruto
de um país em queda, as empresas deste
país se valorize?”. A resposta é óbvia.
E é não faz sentido.
347
Pib Per Capita (atualizado pela
inflação) em dólares
$30,000.00
$25,000.00
$20,000.00
$15,000.00
$10,000.00
$5,000.00
$-
dez/2014
dez/1996
dez/1998
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2008
dez/2010
dez/2012
dez/2016
dez/2018
dez/2020
dez/2022
Se o PIB per capita, em valores
atualizados, está no mesmo patamar do
início dos anos 2000, como poderiam as
empresas brasileiras terem se
valorizado quase 1100% entre 2003 e
2022?
348
PIB Nominal x PIB Corrigido
(inflação e dólar) em milhões
R$ 12,000,000.00
R$ 10,000,000.00
R$ 8,000,000.00
R$ 6,000,000.00
R$ 4,000,000.00
R$ 2,000,000.00
R$ -
dez/1996
dez/1998
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2008
dez/2010
dez/2012
dez/2014
dez/2016
dez/2018
dez/2020
dez/2022
PIB Nominal PIB Atualizado
349
A partir do contexto de análise de
mercado, isto é, uma análise do todo
(mercado global) pelas suas partes
(índice Bovespa) fica mais fácil
compreender porque uma análise de
valores nominais só é útil para quem
tem fetiche por números grandes. Se
considerarmos a evolução do PIB per
capita e da valoração das empresas
brasileiras - que obviamente
necessitam de um mercado consumidor
pujante para crescer – restará claro
do porquê da Bolsa brasileira, em
dólares, é muito diferente dos seus
valores nominais em real. Isto é,
quando analisamos o mercado brasileiro
a partir de seu contexto, ou seja, de
uma economia mundial globalizada e
dolarizada, os dados da macroeconomia
e da microeconomia passam a coadunar.
350
a economia e que, no auge de uma
torcida contrária aos números, a
gestão de Bolsonaro e Guedes foi o auge
da economia nacional desde a criação
do plano real. Essa análise de “sócio
torcedor fanático pelo posto Ipiranga”
só esqueceu de considerar os números
reais dos últimos vinte anos da
economia brasileira. Como poderia a
economia estar “pujante e acachapante”
com mais da metade da população do país
em insegurança alimentar?
351
Um parêntesis é necessário.
Jornalistas de economia repetem aos
quatro ventos que o sucesso do governo
Lula em seus primeiros dois mandados
só se deu por causa da supervalorização
das commodities e não devido ao sucesso
das políticas econômicas implantadas.
Mas, será que isso é verdade? Vamos aos
gráficos!
MERCADO AMERICANO:
354
MSFT: +161% (pico +245%)
O desempenho do mercado
brasileiro claramente deixou a desejar
no período do governo Bolsonaro quando
analisamos as empresas. Basta ver as
médias. No mercado brasileiro a média
de valorização foi de 67% e um pico de
169%; enquanto no mercado americano,
as médias foram de 222% e 488%,
respectivamente.
Índices:
356
KOSPI: -3% (pico +50%)
359
história a partir de uma perspectiva
empírica, isto é, dos fatos concretos,
que não a partir de um ponto de vista
material, ou seja, das relações
sociais conforme ditadas pelas
relações econômicas é uma análise
puramente moral. Penso que não haja
controvérsia sobre este ponto. É de
comum acordo pela esquerda – seja ela
revolucionária ou reformista – e pela
direita – afinal, são os próprios
austríacos que significam a liberdade
tal qual aquela proporcionada pelas
relações econômicas. O problema da
análise histórica de um ponto de vista
moral nos foi alertado por Nietzsche
em Verdade e Mentira no Sentido Extra
Moral. Ou seja, o problema é a redução
da axiologia analítica a um embate
entre o Bem e o Mal e, portanto,
reduzir a história a uma análise
puramente metafísica de valores.
360
ponderar o efeito prático do processo
de impeachment, isto é, seus efeitos
econômicos. Isso porque para que
compreendamos a microeconomia (aquela
parte da economia afeita aos
indivíduos) não importa um debate de
filosofia do direito sobre a ontologia
do impeachment, mas, seu efeito
prático na vida do cidadão comum, ou
seja, o efeito nas suas relações de
consumo e, portanto, as consequências
para o exercício da sua cidadania –
isso entendendo cidadania como a
garantia de direitos relativos à
dignidade da vida humana; como o
direito ao trabalho, à alimentação, à
moradia, ao lazer, à saúde, à educação,
Etc.
361
desse embate da multiplicidade de
interações entre indivíduos.
Iniciamos a argumentação
propondo analisar os cem primeiros
dias do terceiro mandato de Lula.
Encontramos, de saída, um problema no
governo, qual seja, a falta de
transparência – apesar das incontáveis
promessas de campanha eleitoral. A
partir de um problema gravíssimo demos
um passo na argumentação. Se por um
lado identificamos uma falta de
transparência, logo percebemos que
este problema não é exclusivo do novo
governo Lula. Mas, um problema
histórico brasileiro. E o problema
identificado é nevrálgico às relações
políticas e econômicas, pois, envolve
uma discrepância de trilhões entre o
Balanço Geral da União e o Portal da
transparência. Inevitavelmente fomos
compelidos a olhar as duas
instituições responsáveis pelos dados:
o executivo federal nas figuras do
Banco Central e do Tesouro Nacional. O
próximo passo da argumentação foi mera
consequência, a análise do
aparelhamento do Estado pelo Banco
Central com intuito de implantar uma
agenda político partidária por meio da
política de juros – principal
instrumento de ação do banqueiro
central. Identificamos, então, nas
362
próprias atas do banco central uma
desaceleração econômica devido à
política de juros adotada pelo governo
Bolsonaro. Ora, foi inevitável,
portanto, a análise do Produto Interno
Bruto e do PIB per capita à luz da
política cambial (diretamente afeita à
taxa de juros). Neste contexto, nosso
fio condutor nos levou à uma análise
do Balanço Geral da União; foi quando
descobrimos evidências de uma queda
brutal no investimento derivado do
endividamento público e da queda de
receitas consequente da queda do PIB
per capita – que por sua vez influi
diretamente na queda do PIB, afinal,
uma economia sem investimentos está
fadada à estagnação, conforme vimos a
partir da comparação entre PIB nominal
e PIB corrigido pela inflação e pela
taxa de câmbio. Observamos, deste
modo, diante da queda monumental da
renda (PIB per capita) uma colossal
queda no investimento em educação.
Encontramos, então, causas para a
queda do rendimento per capita, isto
é, através da precarização das
relações de trabalho e da falta de
qualificação de mão de obra. Essa
estagnação do Produto Interno Bruto
que identificamos veio contradizer a
narrativa político partidária do
governo Bolsonaro de uma economia
pujante. Para tirar a prova real, isto
363
é, verificar a existência de uma Terra
arrasada no Brasil pós Bolsonaro,
estabelecemos critérios de análise do
Mercado de Capitais. Diante destes
critérios objetivos confrontamos a
propaganda de adeptos ao Bolsonarismo
ligados ao Mercado Financeiro de que o
neoliberalismo da gestão de Jair
Bolsonaro foi proveitosa à economia
brasileira, mas, o que encontramos foi
um gigantesco prejuízo às empresas
brasileiras.
364
Central; 200 bilhões de rombo fiscal
deixado para 2023; 800 bilhões de
prejuízo no Mercado de Capitais; 600
bilhões de furo do Teto de Gastos entre
2019 e 2022. Somando 2,4 trilhões de
reais
365
subtrairmos o valor do gás de cozinha,
1130 dólares.
366
Restarão três dólares e cinquenta
centavos mensais para as duas contas.
368
Este breve exemplo de
microeconomia serve para ilustrar os
dados macroeconômicos. Como seguimos
os fundamentos da filosofia da ciência
e estabelecemos um método de análise
sólido e concreto, isto é, uma reflexão
da história a partir de dados empíricos
e materiais fomos capazes de ilustrar
o fenômeno gerado pelo governo
Bolsonaro para além de juízos
meramente morais e, portanto,
metafísicos e não passíveis de um juízo
de falseabilidade (critério da
filosofia da ciência moderna), afinal,
encontramos razões macroeconômicas
para o descalabro da fome de 130
milhões de brasileiros. Ou, numa
analogia, ao observarmos a floresta
(macroeconomia), guiados pelo sinal de
fumaça da estagnação econômica,
pudemos observar, com alguma clareza,
o fogo que atinge às árvores
(microeconomia). Ou, em outras
palavras, a partir de dados da economia
política nos habilitamos a enxergar os
reflexos nas relações econômicas ao
nível dos indivíduos.
369
governo Jair Bolsonaro, ainda é
necessário determinar as causas
político econômicas do bolsonarismo –
caso entendamos bolsonarismo como
sendo o movimento político ideológico
de ampla adesão popular – para além do
juízo meramente moral e metafísico de
que metade da população brasileira é
nazifascista.
371
na perspectiva de um ser absoluto – não
encontra-se na história, mas, é mera
abstração metafísica; jamais uma
predicação do próprio conceito de
história.
Se a filosofia da história é a
análise da sucessão de eventos, a
partir de uma relação de causa e
consequência inerente às leis da
natureza de Espaço e Tempo, cujo estão
sujeitos a multiplicidade de
indivíduos da espécie humana,
decorrentes das interações entre este
múltiplo de sujeitos entre si e entre
os demais elementos constituintes da
natureza; a única forma possível de se
ponderar eventos inseridos na história
são as próprias causas e consequências
deste múltiplo de interações caóticas.
Ou seja, nossa análise da causa do
governo Bolsonaro, enquanto produto do
movimento de massas, só pode se dar a
partir dos próprios efeitos do
bolsonarismo e de suas relações
causais das interações entre os
indivíduos e, portanto, do
materialismo das relações entre os
indivíduos.
373
histórico. Pois, nos parece, tomando o
argumento de Karl Popper, que o
materialismo no sentido marxista não
condiz com uma metodologia científica
de análise da história. Isso porque o
materialismo histórico necessita de um
conceito metafísico de finalidade da
história. Conceito de causa final que
não pode ser extraído do fenômeno
caótico da interação da multiplicidade
de indivíduos. Um conceito para ser
formulado não necessita de uma
interação entre tese e antítese com
vista a uma superação da tese. O
conceito é produto tão somente da
experimentação empírica.
374
do objeto sem espaço para especulação.
A ciência não admite teses ad hoc, isto
é, ideias abstratas conjecturadas pela
razão, pelo discurso dialético. Isso
quer dizer que um postulado científico
não é validado a partir de sua
antítese, mas, da sua verificação
empírica.
375
impossível de ser uma teoria
científica, pois, suas condições de
verdade são alheios à prova empírica,
mas, está na sua própria justificação
retórica (dialética). O materialismo
histórico depende, portanto, de um
salto lógico indutivista.
Em suma, o problema de se
compreender o materialismo histórico
como ciência está no fato de que ele
assume uma razão teleológica para a
história a partir de reduções
indutivistas que não se submetem ao
princípio da falseabilidade porque seu
valor verdade é determinado por uma
lógica construtivista, isto é,
determinado pelo próprio exercício
retórico da dialética. A verdade,
376
portanto, está nas premissas e não na
verificabilidade da conclusão de forma
empírica. O que a lógica
construtivista tenta fazer, em termos
do silogismo aristotélico, é extrair
conclusões necessárias de premissas
contingentes.
O problema da filosofia da
História marxista é, em outros termos,
que ele faz generalizações a partir de
premissas contingentes. O que é
impossível se considerarmos o
princípio da razão suficiente. Por
exemplo, na condicional "se P, logo Q",
diz-se que Q é necessário para P porque
P não pode ser verdade se Q não for.
Semelhantemente, dizemos que "P é
suficiente para Q", porque P ser
verdade sempre implica que Q também é,
mas P não ser verdade não significa que
Q não é. Neste caso, Q representa a
Tese e P a antítese do argumento
dialético. O processo lógico exige uma
razão suficiente. Essa razão
suficiente é a relação necessária de
um objeto ou acontecimento com os
outros. Em virtude desse princípio,
consideramos que nenhum fato pode ser
verdadeiro ou existente, e nenhuma
enunciação verdadeira, sem uma razão
suficiente (bastante) para que seja
assim e não de outra forma. Isso quer
dizer que premissas contingentes não
377
podem gerar conclusões necessárias. A
razão, como atua sobre esquemas da
comparação do semelhante, tende, em
seu desenvolver, a elaborar o conceito
de idêntico. A razão suficiente liga,
coordena um fato a outro, procura entre
eles um homogêneo, um parecido, uma
“razão suficiente”. Se não o
encontrar, ela não pode compreender.
Dessa forma, a razão necessita das
categorias, isto é, de elementos
homogêneos que liguem um fato a outro.
Basta lembrar da tábua das categorias
para entender que necessidade e
contingência são categorias mutuamente
exclusivas e, portanto, estabelecer um
princípio teleológico (necessário) a
partir de premissas contingentes é uma
violação ao princípio de não
contradição, pois, algo não pode ter
como causa formal algo contingente –
que pode ser ou não ser – e existir de
forma necessária.
378
empírica da conclusão. Uma vez que a
verdade das premissas do Comunismo
encontra-se nas suas próprias
premissas, isto é, no seu movimento
retórico-dialético, o marxista entende
como sendo irrelevante o fato de que a
utopia de igualdade universal sob o
jugo do comunismo resulta tão somente,
segundo dados empíricos, numa distopia
totalitária. Deste modo,
consequentemente, a tentativa de uma
teoria científica a partir do
materialismo histórico é absolutamente
impossível.
379
movimento de generalização de que a
superação da sociedade de classes é
necessária devido à uma abstração
metafísica de que a sociedade se
constitui numa luta de classes. A
partir, então, do construtivismo
lógico inerente ao materialismo
dialético, comprova-se a veracidade da
premissa de superação da sociedade de
classes a partir da sua antítese, isto
é, da sua negação. Pois, a superação
da tese pela antítese é uma negação do
Princípio do Terceiro Excluído, isto
é, a impossibilidade de existência de
uma terceira opção diante de dois
contrários. Em resumo, é um salto
lógico concluir que se existe uma
sociedade de classes, esta tese deve
ser superada, de forma necessária,
apenas a partir da especulação, isto
é, da postulação da sua negação, a
partir de um princípio teleológico de
progresso estabelecido de forma ad
hoc.
380
premissas de que a mera elocubração de
uma tese e de uma antítese resultam na
superação da tese.
381
crise do impeachment. Devendo entender
a economia a partir da duplicidade do
conceito. Isto é, a economia enquanto
a “ordenação das partes com o todo”; e
um segundo significado de que a
economia se trata da “gestão de
recursos visando o bem comum”.
382
gravado dizendo que iria pedir a
recontagem dos votos “apenas para
encher o saco do Partido dos
Trabalhadores”.
383
compreender o contexto do impeachment
da presidente Dilma Rousseff, qual
seja, os movimentos populares de
protesto iniciados em junho de 2013. A
pauta dos movimentos, à esta altura,
era de luta contra a corrupção. Apesar
de ser um movimento de pautas
genéricas, já se ensaiava a gênese de
um movimento anti política. Por fim,
em 2014, após as eleições, o preço do
combustível que vinha sendo represado
desde 2009 diante de uma alta de 170%
do petróleo no mercado internacional,
explode.
A espetacularização da Operação
Lava-Jato é evidente, afinal, durante
a operação foram realizadas quase cem
fases. Mas, este não foi o maior pecado
da operação. Mas, a sua gestão crise
gerada nas empresas envolvidas em
corrupção. Ao contrário das boas
práticas internacionais de leniência,
a Operação Lava-Jato legou um rastro
de desemprego.
386
PIB Atualizado (inflação e dólar)
em milhões
$5,000,000.00
$4,000,000.00
$3,000,000.00
$2,000,000.00
$1,000,000.00
$-
dez/2008
dez/1996
dez/1998
dez/2000
dez/2002
dez/2004
dez/2006
dez/2010
dez/2012
dez/2014
dez/2016
dez/2018
dez/2020
dez/2022
Apenas em 2015 houve uma retração de
1,2 trilhão de dólares no PIB
brasileiro, em valores atualizados.
Uma retração de quase 37% do PIB de
acordo com valores atualizados e
corrigidos.
387
Para compreendermos porque esse
sentimento de aversão às instituições
de Estado encontrou um terreno fértil
devemos analisar a renda média da
população brasileira. Vejamos a
evolução do PIB per capita:
392
“Inclinada a todos os
extremos, a massa também é
excitada apenas por
estímulos desmedidos. Quem
quiser influir sobre ela,
não necessita medir
logicamente os argumentos;
deve pintar com as imagens
mais fortes, exagerar e
sempre repetir a mesma
coisa”122
393
fechados nessas bolhas de interação se
tem a certeza necessária ao
comportamento das massas de que o
assunto engajado é o que há de mais
urgente na comunicação pública. As
bolhas geram um sentimento artificial
de universalidade da narrativa
política.
394
congéneres, precisa de um
senhor. De fato, abusa da
sua liberdade em relação
aos outros semelhantes; e
embora, como criatura
racional, deseje uma lei
que ponha limites à
liberdade de todos, a sua
animal tendência egoísta
desencaminha-o, contudo,
onde ele tem de renunciar a
si mesmo. Necessita, pois,
de um senhor que lhe
quebrante a vontade própria
e o force a obedecer a uma
vontade universalmente
válida, e possa todavia ser
livre124
395
É um clichê da análise da
propaganda nazista recorrer à célebre
frase de Goebbels de que “uma mentira
repetida mil vezes se torna uma
verdade”. Ao analisarmos essa fala à
luz da pontuação Nietzscheana, isto é,
ao pensarmos esse sentimento de
verdade não de um ponto de vista da
moral, mas, como sendo uma expressão
de uma vontade universalmente válida é
que compreendemos o real sentido da
comunicação da mídia de massas.
397
científica estabelecida pela Crítica
da Razão Pura, apesar de árdua, parece
nos ter conduzido de forma muito
frutífera nesta reflexão da conjuntura
histórica brasileira. Eis a
importância de termos predicado nossa
análise do Brasil da segunda década do
século XXI a partir de conceitos
metodológicos bem definidos. Se, antes
de nos debruçarmos sobre os fatos
político econômicos, tivemos que fazer
uma longa fundamentação conceitual da
análise histórica a partir de uma
Filosofia da História que respeite
preceitos da metodologia científica,
este percalço argumentativo a partir
de fundamentos sólidos nos começa a dar
frutos positivos. Estabelecemos como
condição fundamental da nossa análise
a necessidade de que não houvessem
conceitos que não pudessem ser
verificados de forma empírica ou que
fossem conceitos puramente metafísicos
e, portanto, inverificáveis na análise
dos fatos da história; preceitos estes
como condição para uma análise
científica da história.
398
ela não esteja limitada às ciências da
natureza conforme conceituação da
Ciência, enquanto método, na Filosofia
da Ciência preceituada por Karl
Popper. Esta impossibilidade de
experimentação das Ciências Sociais, a
qual se enquadra a Filosofia da
História, lega ao filósofo da história
duas armadilhas. Ou que a sua reflexão
seja puramente abstrata, ou que sua
análise seja fundamentada em reduções
conceituais metafísicas de
generalização de fenômenos do mundo.
No primeiro caso, não há uma análise
científica devido a impossibilidade de
verificação dos conceitos no mundo e,
portanto, não passa de raciocínios
especulativos; no segundo caso, os
conceitos não passam de hipóteses ad
hoc criados a partir de induções e,
portanto, impossíveis de serem
deduzidos, isto é, predicado dos
fenômenos, de tal sorte que não passam
no teste da necessidade da
possibilidade de falseamento dos
conceitos. Em ambos os casos o
resultado será, invariavelmente, uma
análise pseudocientífica.
399
estabelecemos como ponto de partida as
próprias leis da natureza. Nosso
conceito de partida de análise da
história foi o de autopreservação. A
História da Ciência mostra que Kant
estava certo ao estabelecer este
conceito como fundamento principal das
leis da natureza. Toda a Biologia
moderna e contemporânea parte deste
conceito. O conceito de
autopreservação nada mais é do que o
ponto de partida da Teoria da Evolução
inaugurada por Charles Darwin. É o que
Darwin conceituou, na Origem das
Espécies, como sendo a lei fundamental
aos animais a adaptação ao meio
natural. Vimos que esse instinto
natural à autopreservação é o que leva
os indivíduos estabelecerem um Pacto
Social, de um Contrato Social, isto é,
a formação de uma sociedade civil. Na
Primeira Parte deste livro, chegamos a
uma duplicidade do conceito de
liberdade. O homem é não-livre
enquanto sujeito às Leis da Natureza,
mas, dotado de liberdade a partir da
celebração do Contrato Social. Disso
derivamos que, necessariamente, o
pacto social deveria ser celebrado a
partir de uma vontade livre. Do ponto
de vista do indivíduo enquanto sujeito
de uma vontade livre, esta liberdade
aparece, como preceituou Alberto
Camus, no Mito de Sísifo, como sendo a
400
única questão filosófica
verdadeiramente séria, na questão do
suicídio. Isso porque o suicídio é a
própria negação à lei fundamental da
natureza da autopreservação no seu
sentido mais particular e egoísta, ou
melhor, individual possível. Neste
sentido, o Contrato Social só pode ser
fruto de uma vontade livre se os
sujeitos puderem negar este pacto. É
claro que à nível do indivíduo pode-se
negar o pacto social “morando
isoladamente numa caverna”. Mas, não é
esse tipo de negação que nos interessa,
mas, sim, o da renúncia coletiva ao
Contrato Social. Se, como vimos, a
República é a melhor forma de
autopreservação da multiplicidade dos
indivíduos; a liberdade da vontade
preceitua que deve-se poder renunciar
à República em favor do Estado
Despótico. A possibilidade de renúncia
voluntária, enquanto movimento de
massas, portanto, ao regime que
garante as liberdades civis, isto é, à
República, é o que assevera a liberdade
civil inerente à República.
401
vontades egoístas e bem estar comum.
Ao recorrermos à Psicologia das Massas
de Freud percebemos este antagonismo
ao nos depararmos com um movimento de
massas que é contrário a própria
autopreservação dos indivíduos.
402
ferramenta de controle social do
governante
403
O idioma inglês tem uma palavra
para este medo artificial gerado nas
pessoas: fearmonger.
404
um espantalho de problemas reais do
país. Essa redução a um espantalho é
fundamental, como vimos na
argumentação de Freud, para um
movimento de massas. O medo da
escassez, portanto, da fome é o fato
central para compreendermos o
movimento de ascensão do Bolsonarismo.
“Somente quando as
fronteiras do Estado
tiverem abarcado todos os
alemães sem que lhes possa
oferecer a segurança da
alimentação, só então
surgirá, da necessidade do
próprio povo, o direito
justificado pela moral, da
conquista de terra
estrangeira. O arado, nesse
momento, será a espada e,
regado com lágrimas da
guerra, o pão de cada dia
será assegurado à
posteridade”
405
bolsonarismo, é que a insegurança
alimentar é o primeiro motor dos
movimentos autoritários de extrema
direita.
406
Seção IV – Da insurreição
XII
408
Corregedoria, pois apresentei
evidências de que ele rejeitou os casos
ilegalmente1. A Corregedoria da
Procuradoria-Geral da República
encontrou provas suficientes para
iniciar uma audiência preliminar para
apurar a extensão de seus crimes –
previstos no Código Penal Brasileiro
nos artigos 319 e 321.
Um conflito de interesses na
prática contenciosa costuma ter maior
visibilidade do que na prática
transacional, pois o próprio processo
litigioso torna a relação adversa das
partes diretamente aparente. em
litígio, porque tal conflito ameaça a
integridade das próprias funções dos
couts
409
A esse respeito, veremos o que a
legislação brasileira determina como
conflito de interesses: é vedado
“prestar, direta ou indiretamente,
qualquer tipo de serviço a pessoas
físicas ou jurídicas com as quais tenha
estabelecido relação relevante em
razão do exercício do cargo ou
emprego”; “exercer atividade que
implique a prestação de serviços ou a
manutenção de relação comercial com
pessoa física ou jurídica que tenha
interesse na decisão de agente público
ou órgão colegiado do qual
participe”4.
3) Conforme demonstrado
recentemente pela maior universidade
brasileira, que Jair Bolsonaro tomou
medidas imediatas que resultaram na
propagação do corona vírus no país com
mais de três mil legislações;
412
4) Bolsonaro, apesar do alerta da
organização mundial de saúde, rejeitou
medidas, adotadas em todo o mundo, que
controlariam a pandemia;
5) as ações de Bolsonaro
relacionadas à pandemia transformaram
o país em uma ameaça à saúde de todo o
mundo21;
413
Este fato é a privação de direito
humano fundamental. O direito de se
opor, pacificamente, a qualquer
governo. Quando ele age para
investigar aqueles que se opõem a ele
como terroristas, ele viola o direito
internacional, pois é proibido
processar pessoas por suas opiniões
políticas; como é uma ofensa
arbitrária à privacidade de uma
pessoa, portanto, desnecessário dizer
que é uma violação do direito de ter
opinião de que Bolsonaro é um
genocídio, já que seu enfraquecimento
da pandemia de COVID-19 matou quase 400
mil pessoas, mas aqueles que se referem
a ele como um genocídio estão sendo
processados como terroristas.
414
“Nesses documentos você deve
observar duas coisas: 1) a inferência
de acusações de terrorismo de que a
ABIN (agência equivalente à CIA no
Brasil) monitora a sociedade civil sob
o pretexto de proteger a Segurança
Nacional, e 2) que esse monitoramento
está sendo feito contra mim mesmo por
denunciar vários crimes de sua
ditadura (anexo 03).
416
legalmente provada em julgamento
público no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias
necessárias à sua defesa”, e do artigo
8º, “Toda pessoa tem direito a um
recurso efetivo da autoridade nacional
competente tribunais por atos que
violem os direitos fundamentais que
lhe sejam reconhecidos pela
constituição ou pela lei”.
Impossibilidades feitas pelo governo
brasileiro como você verá nos anexos
04 e 05: o Ministério Público havia me
bloqueado para denunciar crimes
cometidos no Brasil, ou seja, foi
imposto um impedimento ao direito de
petição contra mim.
Não há impessoalidade,
moralidade e legalidade, conforme
determina a Carta Magna brasileira
como preceitos norteadores da
administração pública na vedação ao
direito de petição, pois impede o autor
de levar ao conhecimento do
procurador-geral da República fatos
criminais praticados pela
administração federal da República
Federativa do Brasil. Ou seja, o
impedimento ao direito de petição
impede o cidadão de buscar a
responsabilização do Estado por
violações ao Estado Democrático de
417
Direito e ao direito de abuso de
autoridade.
O Planalto, ao determinar a
produção de tais relatórios, visa
apenas intimidar seus adversários nos
mesmos moldes que as ditaduras do
passado fizeram no país. Nunca é demais
lembrar que o próprio edital de criação
do Serviço Nacional de Inteligência
destinava-se a auxiliar a Presidência
da República em questões relativas à
segurança nacional (artigos 1º e 2º da
Lei 4.341, de 13 de junho de 1964). O
governo acusa, ao determinar a
produção de tal relatório, que o autor
é uma ameaça à segurança nacional sem
a devida prova factual, a menos que as
alegações do autor de corrupção
confrontem a Lei de Segurança
Nacional. Em suma, o que o governo do
418
capitão expulso do Exército Brasileiro
por terrorismo, e ligado às
organizações paramilitares do Rio de
Janeiro, faz é acusar o autor de
terrorismo. E não só, também determina
inquérito administrativo sem o devido
processo legal, nem apresenta provas
de autoria por adversários políticos
da Sociedade Civil. Viola, portanto, o
direito constitucional do
contraditório, a presunção de
inocência, além, é claro, do direito
ao devido processo legal a partir do
sistema de pesos e contrapesos caro ao
judiciário.
A prorrogação do governo
Bolsonaro também viola os seguintes
tratados internacionais dos quais o
Brasil é signatário: Carta da
Organização dos Estados Americanos
(artigos 11 e 17); Carta Democrática
Interamericana (artigos 1, 2, 3 e 4);
Carta Social das Américas (artigos 1 e
5); Declaração Universal dos Direitos
Humanos (artigos 1, 3, 7, 10, 11, 12,
19, 28).
421
responsabilidade: in vigilando e in
eligendo.
DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL
PENAL INTERNACIONAL
422
uma. - A Câmara está bem ciente
de que o conceito de complementaridade
e sua forma de atuação estão no cerne
dos direitos soberanos dos Estados.
Também está consciente do fato de que
os Estados não apenas têm o direito de
exercer sua jurisdição penal sobre os
supostos responsáveis pela prática de
crimes que recaiam na jurisdição da
Corte, mas também têm o dever existente
de fazê-lo, como expressamente
previsto no preambular n.º 6 do
Estatuto. No entanto, deve-se ter em
mente que uma lógica central
subjacente ao conceito de
complementaridade visa "encontrar um
equilíbrio entre salvaguardar a
primazia do processo interno face ao
[.. .] Tribunal, por um lado, e o
objetivo do Estatuto de Roma de 'pôr
fim à impunidade', por outro lado.Se
os Estados não [...] investigarem
[...], o [...] Tribunal deve ser capaz
de intervir". Portanto, no contexto do
Estatuto, marco jurídico da Corte, o
exercício da jurisdição penal nacional
pelos Estados não é isento de
limitações. Estes limites estão
encapsulados nas disposições que
regulam a inadmissibilidade de um
caso, nomeadamente nos artigos 17.º a
20.º do Estatuto. (par. 44).
423
2) Decisão pública redigida sobre
a admissibilidade do processo contra
Saif Al-Islam Gaddafi. Câmara de
Instrução I | Procurador v. Gaddafi |
31 de maio de 2013 | ICC-01/11-01/11-
344-Vermelho
3) Decisão sobre a
admissibilidade do processo contra
Abdullah Al-Senussi. Câmara de
Instrução I | Procurador v. Gaddafi |
11 de outubro de 2013 | ICC-01/11-
01/11-466-Vermelho
425
consideração todas as informações
relevantes emergente da prova em seu
poder, inter alia, relativa à
cronologia do processo interno e à
complexidade do caso interno. De fato,
a Câmara é de opinião que a
determinação de se houve tal atraso
injustificado deve ser feita não
contra um ideal abstrato de "justiça",
mas contra as circunstâncias
específicas que cercam a investigação
em questão. (par. 223).
4) Decisão sobre a
admissibilidade do processo nos termos
do n.º 1 do artigo 19.º do Estatuto.
Câmara de Instrução II | Procurador v.
Kony et al. | 10 de março de 2009 |
ICC-02/04-01/05-377
426
5) Decisão pública redigida sobre
a admissibilidade do caso contra Saif
Al-Islam Gaddafi. Câmara de Instrução
I | Procurador v. Gaddafi | 31 de maio
de 2013 | ICC-01/11-01/11- 344-
Vermelho
427
é uma investigação em curso ou processo
do caso a nível nacional; e, caso a
resposta à primeira questão seja
afirmativa, (ii) se o Estado “não quer”
ou “não pode” genuinamente proceder a
tal investigação ou ação penal nos
termos aprofundados nos artigos 17.º,
n.º 2, e 17.º (3) do Estatuto. Assim,
a primeira determinação a ser feita
pela Câmara é com relação à existência
de uma investigação ou processo em
andamento. A esse respeito, a Câmara
de Apelações declarou que “a inação por
parte de um Estado competente (isto é,
o fato de um Estado não estar
investigando ou processando, ou não o
ter feito) torna um caso admissível
perante a Corte”. (par. 27).
7) Decisão sobre a
admissibilidade do processo nos termos
do n.º 1 do artigo 19.º do Estatuto.
Câmara de Instrução II | Procurador v.
Kony et al. | 10 de março de 2009 |
ICC-02/04-01/05-377
429
está sendo investigado ou processado".
Assim, a investigação ou ação penal
deve estar em andamento no momento do
processo de admissibilidade. Com
efeito, esta tem sido a interpretação
da Câmara de Apelações, que orientou a
questão, conforme segue:
c. - Portanto, ao considerar se
o caso é admissível nos termos do
artigo 17(1)(a) do Estatuto, a questão
crucial para a Câmara é se medidas
ativas estão sendo tomadas em relação
à suposta acusação [...] do processo
de admissibilidade. Para esse fim,
devem ser apresentadas provas
tangíveis que sustentem a afirmação de
que uma investigação ou ação penal
nacional está em andamento. (par. 24).
430
Espero ter demonstrado, nas
últimas páginas, que ao se tratar do
governo Bolsonaro, devemos levar em
conta o próprio extermínio do
população brasileira, segundo o
próprio Tribunal Penal Internacional,
em ações similares.
431
XIII
432
concretas, ou seja, de atos de ofício
do governo.
434
previsão legal para que se decrete o
fim de tal medida de exceção. Nos
demais casos, compete ao legislativo a
execução do contrapeso. Temos,
portanto, até aqui, vícios insanáveis.
Quanto ao sujeito por excesso de poder
– propor e promulgar uma emenda
constitucional tendente a abolir o
Pacto Federativo e à tripartição de
poderes configura, sem mais, em
excesso de poder, ao motivo em relação
ao motivo no pressuposto do direito.
Temos, ainda, o vício pelo abuso de
direito quanto ao desvio de finalidade
configurado quando o senhor Messias
utiliza dos efeitos produzidos pela
reforma constitucional em propaganda
eleitoral, de forma pública e notória,
além de repetitiva, para fazer
propaganda de seu governo e propaganda
negativa de seus adversários no pleito
eleitoral. Resta claro o desvio de
finalidade devido ao claro e óbvio
vício de motivo no pressuposto de fato.
Suscita-se, ainda, vício em relação ao
motivo em relação ao fato, pois, a
flutuação do petróleo do preço do
petróleo e de seus derivados não são
fatos extraordinários e imprevisíveis.
Tanto que o preço do barril foi cerca
de 25% maior em 2008. Não obstante,
permaneceu na mesma faixa de preço da
atual cotação entre os anos de 2010 e
2015.Além disso, a flutuação de preços
435
dos derivados de petróleo no mercado
nacional tornou-se previsível quando o
governo adotou a Política de Paridade
Internacional de Preços do Petróleo e
derivados. Há de se considerar, ainda,
a desvalorização do Real ante ao Dólar
em cerca de 60% durante o governo
Bolsonaro devido a política econômica
adotada pelo candidato à reeleição.
Há, ainda, a política de
desinvestimento adotada pela Petrobrás
que, de forma inconteste, tornam a
cadeia produtiva do petróleo mais
onerosa. Não obstante à inflação
oficial acumulada, durante o governo
do denunciado, ser de mais de 20%.
Considerado isso, há de se examinar a
justificativa para a reforma
constitucional – conforme repetido em
campanha eleitoral inúmeras vezes –
qual seja, a guerra na Ucrânia. Ora, a
multiplicidade dos fatos elencados
indicam a inaplicabilidade da Teoria
da Imprevisão, pois, não há nexo de
causalidade exclusiva da guerra e a
flutuação dos preços; há fatores que
influenciam na flutuação dos preços
que tiveram a contribuição do senhor
Messias. Sobre o Estado de calamidade
pública e o Estado de emergência na
legislação infraconstitucional há de
que se considerar que a lei determina
as seguintes competências: Art. 3º O
Poder Executivo federal apoiará, de
436
forma complementar, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios em
situação de emergência ou estado de
calamidade pública, por meio dos
mecanismos previstos nesta Lei. § 1º O
apoio previsto no caput será prestado
aos entes que tiverem a situação de
emergência ou estado de calamidade
pública reconhecidos pelo Poder
Executivo federal. § 2o O
reconhecimento previsto no § 1o dar-
se-á mediante requerimento do Poder
Executivo do Estado, do Distrito
Federal ou do Município afetado pelo
desastre.( LEI Nº 12.340, DE 1º DE
DEZEMBRO DE 2010 Art. 29.) Os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios
poderão declarar situação de
emergência ou estado de calamidade
pública por ato do respectivo Chefe do
Poder Executivo quando for necessária
a adoção de medidas imediatas ou
excepcionais para mitigar os efeitos
do desastre.” (DECRETO Nº 10.593, DE
24 DE DEZEMBRO DE 2020) Percebe-se que
não compete à união a declaração de
situação de emergência ou estado de
calamidade.
437
comprometimento parcial da capacidade
de resposta do Poder Público do ente
federativo atingido ou que demande a
adoção de medidas administrativas
excepcionais para resposta e
recuperação.” E o que é um desastre?
“resultado de evento adverso
decorrente de ação natural ou
antrópica sobre cenário vulnerável que
cause danos humanos, materiais ou
ambientais e prejuízos econômicos e
sociais;” “ “§ 1º A decretação se dará
quando caracterizado o desastre e for
necessário estabelecer uma situação
jurídica especial, que permita o
atendimento às necessidades
temporárias de excepcional interesse
público, voltadas à resposta aos
desastres, à reabilitação do cenário e
à reconstrução das áreas atingidas;”
(INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 01, DE 24 DE
AGOSTO DE 2012) Aqui, observamos
alguns problemas: não há de se falar
em danos ou prejuízos ao cenário ou a
necessidade de reconstrução de áreas
atingidas pela simples flutuação de
preços do petróleo. Também não há
configuração de prejuízo a capacidade
de resposta devido à flutuação do preço
da gasolina, pois, ações de resposta
são “medidas de caráter emergencial,
executadas durante ou após a
ocorrência do desastre, destinadas a
socorrer e assistir a população
438
atingida e restabelecer os serviços
essenciais;”. Também não é possível
que se configure, a flutuação do preço
dos combustíveis, um desastre. O
significado das palavras importam. O
dicionário diz que desastre é um
“Acontecimento funesto (Que vaticina
morte ou desgraças; agourento,
infausto, mofento, sinistro),
geralmente inesperado, que provoca
danos graves de qualquer ordem”. A
menos que se aceite uma hermenêutica
semântica jurídica Humpty Dumpty – dar
às palavras conceitos solipsistas. Não
é possível sustentar a tese de que haja
estado de emergência a partir da mera
flutuação dos preços do petróleo no
mercado internacional. Fosse possível,
estado de emergência poderia ser
instaurado diante da variação de
preços de qualquer bem consumível.
Ora, a preocupação primeira da
constituição é a erradicação da
miséria. Tendo mais de trinta milhões
de brasileiros em estado de fome, não
seria o caso de decretar estado de
emergência devido à inflação de
alimentos, durante o governo
Bolsonaro, ser de quase 50%? Os atos
administrativos sustentados na
premissa, no caso concreto em questão,
de que a flutuação do preço do petróleo
dá causa ao estado de emergência,
incorrem na tese de ilegalidade do
439
objeto, pois, seus efeitos motivam
violação de lei.
440
devidamente registrados até 31 de maio
de 2022, auxílio até o limite de R$
2.000.000.000,00 (dois bilhões de
reais); III - concederá, entre 1º de
julho e 31 de dezembro de 2022, aos
Transportadores Autônomos de Cargas
devidamente cadastrados no Registro
Nacional de Transportadores
Rodoviários de Cargas (RNTRC) até a
data de 31 de maio de 2022, auxílio de
R$ 1.000,00 (mil reais) mensais, até o
limite de R$ 5.400.000.000,00 (cinco
bilhões e quatrocentos milhões de
reais); V - entregará na forma de
auxílio financeiro o valor de até R$
3.800.000.000,00 (três bilhões e
oitocentos milhões de reais), em 5
(cinco) parcelas mensais no valor de
até R$ 760.000.000,00 (setecentos e
sessenta milhões de reais) cada uma,
de agosto a dezembro de 2022,
exclusivamente para os Estados e o
Distrito Federal que outorgarem
créditos tributários do Imposto sobre
Operações relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de
Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação (ICMS)
aos produtores ou distribuidores de
etanol hidratado em seu território, em
montante equivalente ao valor
recebido; Desta feita, os atos
administrativos de execução
orçamentária decorrentes do Ato
441
Transitório em questão “caracterizam,
ainda, atos de improbidade
administrativa, a que se refere o art.
11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de
junho de 1992, e sujeitando-se às
disposições daquele diploma legal, em
especial às coligações do art. 12,
inciso III.” Tem-se, ainda, o abuso de
autoridade, nos termos descritos:
“Art. 74. Configura abuso de
autoridade, para os fins do disposto
no art. 22 da Lei Complementar nº 64,
de 18 de maio de 1990, a infringência
do disposto no § 1º do art. 37 da
Constituição Federal, ficando o
responsável, se candidato, sujeito ao
cancelamento do registro ou do
diploma. (Artigo com redação dada pela
Lei nº 12.034, de 29/9/2009)”. Devido
a determinação imposta aos entes
federados pela União por decreto
presidencial: Art. 39. Os entes
federativos divulgarão amplamente,
inclusive em seus sítios eletrônicos,
as ações de prevenção e de resposta e
recuperação custeadas com os recursos
financeiros da União transferidos na
forma prevista neste Decreto (DECRETO
Nº 11.219, DE 5 DE OUTUBRO DE 2022).
Ora, o ato transitório obriga a
transferência de recursos a todas
Unidades Federativas, pois, decreta
estado de calamidade em todo o
território nacional. Mediante a
442
transferência obrigatória de perda de
arrecadação pelos Estados e
Municípios. IV: “aportará a União aos
Estados, ao Distrito Federal e aos
municípios [...] assistência
financeira em caráter emergencial”.
“Art. 2º As transferências
obrigatórias de recursos financeiros
da União de que trata o art. 1º
observarão os requisitos e os
procedimentos previstos na Lei nº
12.340, de 2010, e neste Decreto.
(DECRETO Nº 11.219, DE 5 DE OUTUBRO DE
2022).
443
tipicidade dos atos por ele praticado.
Tendo, portanto, repito, a vontade do
agente público pressupostos
constitucionais de conhecimento da
antijuridicidade e da tipicidade; a
manifestação da vontade do agente
será, sempre, expressa. Isso porque a
operação de ato de execução
orçamentária é complexo (dotação,
empenho e execução) exigindo
concordância escrita (assinatura) e
exprimirá, sempre, a vontade da
administração pública. Ocorre,
contudo, que a constituição determina
que a execução orçamentária deixará de
ser obrigatória quando incorrer em
antijuridicidade. A vontade da
administração pública se expressa por
meio de ato do agente. Estando este
obrigado a agir de acordo com os
princípios regentes da administração
pública da moralidade e da legalidade
agirá dolosamente sempre que o efeito
do seu ato tiver vícios de motivo
insanáveis. Vícios estes, expostos
acima, pois, os fundamentos de fato e
de direito apresentados pelo senhor
Messias Bolsonaro não possuem
correlação lógica entre a situação
ocorrida e as providências adotadas.
Assim, o dolo praticado não é o
eventual, mas, o dolo direto. Isso
porque estão presentes os elementos
objetivos e subjetivos do tipo. Deve-
444
se considerar, também, a punibilidade
dos atos lesivos aos cofres públicos.
É verdade que o Ato Transitório
suspendeu a punibilidade. Mas, não há
efeito suspensivo para o pleito
eleitoral em curso devido a norma
constitucional: “artigo 16 da
Constituição de 1988, para o qual “A
lei que alterar o processo eleitoral
entrará em vigor na data de sua
publicação, não se aplicando à eleição
que ocorra até um ano da data de sua
vigência.” Conforme a ADI 829, já
transcrita, as normas transitórias são
dependentes das permanentes. E é obvia
a alteração do processo eleitoral,
pois, extingue punibilidades previstas
na lei geral das eleições. E altera de
forma direta. Conforme é possível
perceber: Art. 73. São proibidas aos
agentes públicos, servidores ou não,
as seguintes condutas tendentes a
afetar a igualdade de oportunidades
entre candidatos nos pleitos
eleitorais § 10. No ano em que se
realizar eleição, fica proibida a
distribuição gratuita de bens, valores
ou benefícios por parte da
Administração Pública, exceto nos
casos de calamidade pública, de estado
de emergência ou de programas sociais
autorizados em lei e já em execução
orçamentária no exercício anterior,
casos em que o Ministério Público
445
poderá promover o acompanhamento de
sua execução financeira e
administrativa. a) realizar
transferência voluntária de recursos
da União aos Estados e Municípios, e
dos Estados aos Municípios, sob pena
de nulidade de pleno direito,
ressalvados os recursos destinados a
cumprir obrigação formal preexistente
para execução de obra ou serviço em
andamento e com cronograma prefixado,
e os destinados a atender situações de
emergência e de calamidade pública;
Percebe-se que o Ato Transitório
altera a igualdade entre os
candidatos. Porque permite ao chefe do
executivo federal, ora candidato, o
desequilíbrio de oportunidades para
com os demais candidatos. Permite a
execução de crédito extraordinário.
Mas, não só, permite de forma
temerária. Veja: III - a realização de
operações de créditos que excedam o
montante das despesas de capital,
ressalvadas as autorizadas mediante
créditos suplementares ou especiais
com finalidade precisa, aprovados pelo
Poder Legislativo por maioria
absoluta; Aqui há a permissão de se
gastar (operações de crédito) mais do
que se arrecada (despesas de capital).
Há, aqui, a permissão de descontrole
dos gastos do governo. É a permissão
do aumento da dívida pública. Art. 2º
446
A elaboração e a aprovação do Projeto
de Lei Orçamentária de 2022 e a
execução da respectiva Lei deverão ser
compatíveis com a obtenção da meta de
déficit primário de R$
170.473.716.000,00 (cento e setenta
bilhões quatrocentos e setenta e três
milhões setecentos e dezesseis mil
reais) para os Orçamentos Fiscal e da
Seguridade Social, conforme
demonstrado no Anexo de Metas fiscais
constante do Anexo IV a esta Lei. Meta
fiscal é “a referência para os
objetivos desejados pelo ente da
Federação quanto ao equilíbrio fiscal,
à estabilidade econômica e ao controle
da dívida pública”. Ora, a meta já era
de déficit. O que se está permitindo,
neste dispositivo, é o aumento do rombo
fiscal do governo. Não obstante, é um
óbice à lei de transparência, pois,
impede averiguação da execução
orçamentária por meio do Identificador
de Resultado Primário. III - a dispensa
das limitações legais, inclusive
quanto à necessidade de compensação:
a) à criação, à expansão ou ao
aperfeiçoamento de ação governamental
que acarrete aumento de despesa; e b)
à renúncia de receita que possa
ocorrer. Veja o que diz nota técnica
do Senado: 1. Nos termos do art. 107,
§ 6º, II, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT),
447
os créditos extraordinários não se
sujeitam ao Novo Regime Fiscal, que
instituiu os chamados “tetos de
gasto”; É, portanto, a autorização de
gastos fora do Teto de Gastos. E de
forma muito grave. Porque permite
operações de crédito sem a respectiva
compensação. Não obstante, gera ônus
aos entes federados sem a devida
compensação (viola o pacto
federativo).
449
econômico que leva a adesão ao
bolsonarismo.
450
manteria sob controle. E
cederá com tanto mais
facilidade a eles, porque,
sendo a massa anônima, e
por conseguinte
irresponsável, desaparece
por completo o sentimento
de responsabilidade que
sempre retém os
indivíduos.”
451
O que devemos entender, e este
foi o nosso objetivo até aqui, é que o
movimento antidemocrático do
Bolsonarismo se formou a partir da
própria fome da população brasileira.
Movimento este agravado durante a
pandemia de COVID-19.
452
XIV
Capitulo X - Nota Sobre o Título do
Livro
A Fábrica de Cretinos é,
portanto, a transformação de uma crise
econômica gravíssima, a partir de um
caráter de revolta contra o sistema
político vigente; através de um
movimento cultural, na figura do
“Olavismo Cultural” que se confunde
com um movimento de massas; por meio
de um respeito desmedido por um
falastrão que nega a ciência, a
educação e a cultura; com o objetivo
de suplantação da democracia por uma
ditadura militar”.
453
Em resumo, a Fábrica de Cretinos
é a consequência de uma crise político,
social e econômica que produz uma
tentativa de abolição da Democracia e
do Estado de Direito.
454
conservadorismo político é, na
conceituação de Edmund Burke, a teoria
política da prudência, um movimento
revolucionário que nega a própria
instituição e primazia da Constituição
é, sem mais, a negação do
conservadorismo político.
455
humana; pois, na medida em que se nega
Constituição Republicana, está se
negando a própria autodeterminação
racional da vontade livre. Isso, em
suma, é dizer que é um movimento
político de imbecis porque se trata da
negação das próprias condições de
preservação e perpetuação da espécie
humana estabelecidas na forma de um
Contrato Social.
456
XV
Capítulo XI - A Condescendência da
Procuradoria Geral da República
A condescendência criminosa do
Ministério Público também foi vista
durante a pandemia. Como apurou a
Comissão Parlamentar de Inquérito,
mesmo o presidente tendo sido
mencionado num esquema de propina na
compra de vacinas, ele sequer foi
investigado. A CPI se tornou inútil,
em seus resultados práticos, porque
houve inércia do Ministério Público na
figura de Augusto Aras.
459
XVI
Há materialidade de que a
tentativa de golpe era real. Foi
descoberto, fica aqui registrado, uma
minuta de golpe na casa do Ministro da
Justiça – que foi cotado para uma vaga
no Supremo Tribunal Federal – que
consistia numa “intervenção federal no
Tribunal Superior Eleitoral” e
terminaria com a tripartição dos
poderes no Brasil.
460
Esta tentativa de golpe tem
materialidade fática. O leitor deve se
lembrar que enumeramos os atos
institucionais da Ditadura Militar
instaurada em 1964. Essa minuta do
golpe tem o mesmo espírito de um ato
institucional: o poder executivo
acabaria com a autonomia do
judiciário, legislaria em favor de uma
autocracia de Jair Messias Bolsonaro e
executaria a lei. Seria, sem mais, a
instauração de um Estado de Exceção no
Brasil.
461
Seção V – Considerações Finais
XVII
Eis a crônica:
Oi João,
462
Eu ter perdido o seu e-mail e o seu
whatsapp parece que será fortuito para
que eu possa fazer essa nota de
"desrepúdio" (no melhor sentido que
possa se dar aos neologismos do Hampty
Dumpty de Alice no País das Maravilhas)
seja pública se se torne um exercício
de humildade seja um exercício quase
que Confessional, já que a Confissão
nada mais é, segundo Agostinho, do
exercício de reconhecimento de
respeito por alguém de forma pública e
notória.
464
Mas, o seu papel na minha formação
pessoal e intelectual não se limita ao
mero ensino das burocracias e
metodologias de uma pesquisa
filosófica e científica. Veja, se o meu
exílio da vida acadêmica ocorreu como
consequência de brigas com a alta
cúpula da Universidade por denunciar
roubo de verba pública; tomei isso como
uma oportunidade para um desafio
prático e de exercer a filosofia
segundo qual o motivo pelo qual ela foi
criada: a reflexão sobre a vida pública
na Polis.
465
Decidi que exerceria o papel reservado
aos filósofos e intelectuais
(lembrando do Texto do Ficthe sobre o
papel do intelectual que traduzimos
juntos): o de exercício da guarda da
vida numa sociedade republicana e
democrática como sendo condição
fundamental para a existência da
liberdade civil (Paz Perpétua)
enquanto única possibilidade de
exercício da moralidade reservada à
raça humana fruto da razão prática
(Crítica da Razão Prática).
467
da subversão do resultado das urnas,
mas, também, o sequestro e a prisão de
Ministros do Supremo Tribunal Federal
e o fechamento do parlamento.
469
movimentos da sociedade civil
organizada e sem a formação de
intelectuais orgânicos; seria
impossível a sua perpetuação no poder
(Gramsci). Mas, não por isso um
movimento político menos perigoso, e
vimos o perigo da negação dos valores
estabelecidos como fundamentais da
república pela Constituição de 1988 na
forma de um Contrato Social expressão
de valores fundamentais de uma
sociedade (Cícero e Rousseau) levou ao
extermínio de 700 mil brasileiros face
a negação do progresso científico como
valor fundamental das sociedades
contemporâneas herdado pelo próprio
iluminismo durante a modernidade.
470
Bolsonaro). Inevitável portanto que eu
sofresse represálias de um governo
despótico em ascensão. Tive que
responder a um inquérito na polícia
federal e fui denunciado e a
procuradoria geral da república pediu
a minha prisão pautada na, agora,
extinta Lei de Segurança Nacional
promulgada na ditadura militar que
previa pena para quem caluniasse o
presidente da república.
471
uma recusa da sujeição à uma servidão
voluntária (LaBoetie) de submissão de
uma consciência servil à um senhor
tirano (fenomenologia do Espírito);
quer seja por uma obediência dor corpos
aos valores torpes de um movimento
político, representado pelo
Bolsonarismo, que dá cabo à obediência
cega dos corpos (como chamou Hannah
Arendt em Eichman em Jerusalém àquela
obediência aos escalabros determinados
por um regime totalitário.
472
Popper). Meu ativismo político e
jurídico começou a dar resultado. Nas
eleições de 2022, fui o único
brasileiro, num universo de 2020
milhões que arguiu a inelegibilidade
de Bolsonaro diante do Tribunal
Superior Eleitoral. A ação não
prosperou durante às eleições. Mas,
gerou um efeito pragmático. O Ministro
Alexandre de Moraes, presidente do
TSE, ao passo que reconheceu a
pertinência da Ação - e me logrou
elogios pelo rigor jurídico empregado
nela - determinou a investigação de
Bolsonaro por tentativa de fraudar as
eleições de 2022. Já em 2023, o
ministro decano do Supremo Tribunal
Federal, Gilmar Mendes, reconhecer, em
entrevista ao roda viva que a
inelegibilidade só não foi declarada
porque o Superior Tribunal Eleitoral
estava refém de uma insurreição
popular gestada no cerco aos quarteis
por golpistas que pediam a intervenção
militar.
473
tirar onda de herói, sou vacinado
(risos)". Esta história tem muitos
outros personagens. Os jornalistas
profissionais, especialmente, da Rádio
BandNewsFM = menciono à Jornalista
Carla Bigatto e ao Jornalista Reinaldo
Azevedo; em nome de quem estendo esta
nota de "desrepúdio" a todos os
jornalistas profissionais da Rádio
BandNewsFM. Veja, João, não existe -
ou ao menos eu não conheço - alguém que
tenha se empenhado a participar dos
bastidores da Real Politique igual eu
me propus. Meu objetivo jamais foi o
de plantar notas diárias na imprensa.
Mas, o de ser um ator influente na
política onde o jogo é jogado, naquelas
conversas de pé de ouvido entre os
detentores do real poder político.
474
jornalistas informados e não dar a
minha interpretação dos descalabros do
ascensão de um governo totalitário no
Brasil. Uma troca de interpretações e
conclusões seria inevitável se a nossa
relação se desse através de um amplo
diálogo. Restrição esta que vocês, de
forma digna de nota sempre
respeitaram.
475
E tenho certeza que esta independência
se deu à duras penas, pois, Carla
Bigatto e Reinaldo Azevedo - e toda a
redação da Radio BandNewsFM jamais
cederam à tentação de fazer matérias
sensacionalistas com incontáveis furos
de reportagem. Jamais cederam à
tentação de pautar todo o debate
nacional por notas sobre indícios de
corrupção de um governante repudiado
no mundo inteiro. Ato de esforço
hercúleo numa época de crise
financeira nas redações em que tudo o
que se busca é a caça por cliques e
manchetes sensacionalistas. Se
tivessem cedido a esta tentação, tudo
o que teríamos alcançado seria a
espetacularização e sensacionalização
e, portanto, a banalização do combate
à de corrupção. E eu estaria, nesse
caso, sendo um mau filósofo e deixaria
de agir por um dever moral de defesa
da democracia contra a barbárie da
ditadura que quase se instaurou no
Brasil. Tudo o que eu teria conseguido
seria o oposto do meu objetivo de
preservar as instituições democráticas
brasileiras. Prova disso é a própria
espetacularização do combate à
corrupção legado pela operação lava-
jato que em seu auge plantava notas em
todos os jornais do país todos os dias
ser um dos fatos políticos que lançaram
476
o Brasil à uma escalada da extrema
direita.
477
confundir público com midiático ou
famoso) é aquele que é feito de forma
meticulosa nas engrenagens dos
poderes. E não de plantar notas na
imprensa na forma de notícias
chocantes num caça cliques frenéticos
(que, vale dizer, se transformou a
maior parte do jornalismo brasileiro).
O trabalho do jornalista não é o de
meramente ler manchetes diante de um
microfone. O trabalho do jornalismo,
em sua principal e mais importante
forma, é o de conversar, no pé do
ouvido, com fontes sobre fatos que
embora sejam, em alguma medida
públicos, não precisam ser notórios,
isto é, alvo de alarde inerente à mídia
de massas.
478
histérica fatos isolados aos quatro
ventos. Lembre-se, João, você
participou dos meus estudos sobre
conservadorismo político. E tenho até
hoje como principal valor para a
atuação política a prudência e entendo
prudência como a calma, a sensatez, a
ponderação necessárias para tratar de
assuntos complexos. E não há nada mais
complexo, na medida em que o maior
crime que pode se cometer contra uma
república é o do incentivo à secessão.
O maior crime numa democracia é de
tentativa de Golpe de Estado, pois, é
uma tentativa de abolição da própria
ordem vigente. É a tentativa de
reestabelecimento da Guerra de Todos
Contra Todos, da lei do mais forte,
pois, se lembrarmos a definição dada
por Cícero, é o próprio
desmantelamento do povo, uma vez que
"povo não é um agrupamento de homens
congregados de qualquer modo, mas, a
congregação de uma multidão associada
por um consenso jurídico e uma
utilidade comum". Numa democracia, não
se comete crimes sob o pretexto de
defender a democracia. A lava-jato,
sob o pretexto de combater à corrupção,
delinquiu e conspirou contra a
Constituição e, apesar de ter um
objetivo nobre, o seu único legado foi
a gestação de um movimento de extrema-
direita chamado Bolsonarismo. Neste
479
mesmo sentido, minha atuação política
em defesa da sobrevivência de uma
República Democrática contra uma
escalada autoritária liderada por
Bolsonaro, jamais poderia ter como
produto o sensacionalismo midiático
que ensejaria na ojeriza às
instituições democráticas - devido ao
deslinde de notícias de corrupção - sob
o pretexto de salvaguardar estas
mesmas instituições democráticas da
destruição.
481
de Cambridge, ou seja, a de que os
conceitos de leitura devem ser
interpretados não a partir de meras
abstrações, mas, a partir da
ponderação do contexto em que foram
pensados. Me parece que isso nada mais
é do que uma exigência da Filosofia
Crítica conforme proposta na Crítica
da Razão Pura em que os conceitos da
filosofia devem ser passíveis de serem
extraídos dos próprios fatos do mundo.
Lembro, ainda, da ressalva feita por
Kant na Fundamentação da Metafísica
dos Costumes de que mais valor tem uma
teoria, ou um conceito, quanto mais e
melhor ele puder ser identificado e
aplicado no mundo real (empírico).
Recorro a estes três conceitos para
retomar do porquê entendo que a
filosofia, enquanto Ciência do
Filósofo, só é possível de ser exercida
mediante a sua aplicação prática no
mundo. E digo isso porquê se a
filosofia é a ciência que surge para a
mediação de ponderação dos problemas
existentes na Polis, seu conceito deve
ser interpretado a partir desta
premissa, qual seja, o de se pensar os
problemas da sociedade. É claro que se
considerarmos o advento da modernidade
devemos considerar a especificação,
conforme argumentado por Gilles-Gaston
Granger, sofrida pela Ciência (A
Ciência e as Ciências), em suas mais
482
diversas áreas. Mas, aqui, recorremos
à definição mais geral possível da
filosofia, a etimológica, isto é, a de
amor à sabedoria. O conceito de amor,
representado pela figura do Deus Eros
tem um papel de mediação entre amante
a amado. É, neste sentido, uma ação de
algo sobre outro algo. O que quero
dizer é que o exercício da filosofia,
enquanto forma de conhecimento
(episteme) do filosofo pressupõe uma
ação do filosofo sobre o mundo. Na
medida em que se trata de uma Ciência
(episteme) sua finalidade é o
conhecimento da Verdade e, ainda,
sendo a verdade a identidade entre
conceito (Forma, Eidos) e realidade.
Devemos entender, portanto, a
filosofia – segundo o contexto em que
o termo foi cunhado por Platão - como
sendo uma forma de ação sobre os
problemas da Sociedade (Polis). Esta
dedução do conceito de filosofia nos
parece proveitosa na medida em que
recorremos à definição do conceito de
sabedoria. Define, o dicionário, a
sabedoria como sendo o “conjunto
prático de valores e regras que orienta
a vida cotidiana”.
483
é, enquanto coisa em si e enquanto
fenômeno. O conceito de filosofia,
entendo, portanto, deve ser
compreendido tanto a partir de um
conjunto prático de valores e regras
de orientação da vida cotidiana;
quanto a partir de seu contexto, isto
é, a partir do seu lugar na História
das Ideias. Neste sentido, a filosofia
deve ser entendida como sendo uma forma
de ação no mundo segundo os valores e
regras estabelecidos pela História da
Filosofia. Os conceitos são, portanto,
subalternos, dependentes e
indissociáveis. Não é possível, deste
modo, que haja filosofia, enquanto
prática que orienta a ação na vida
cotidiana, sem que haja um recurso à
História da Filosofia, enquanto
conjunto prático de valores e regras.
484
coruja de Minerva levanta voo ao cair
do Crepúsculo”. O jornalismo é o cair
do crepúsculo que permite ao filosofo
pensar e, portanto, agir no mundo. Por
isso entendo o jornalismo e a filosofia
como sendo simbióticos. É o trabalho
do jornalista que permite que a
História da Filosofia não se reduza a
uma mera abstração metafísica, mas,
que ela seja aplicada no mundo na forma
de exercício da filosofia em si mesma.
485
Essa duplicidade do conceito de
filosofia, isto é, a divisão entre
filosofia e história da filosofia,
como disse, é complementar,
subalternos e, portanto,
complementares. A prática do filósofo
deve ser justificada pelos conceitos
pensados na história da filosofia.
Isso acontece porque a filosofia em si
mesma é um conceito caro à razão
prática, enquanto a história da
filosofia é um conceito predicado da
universalização decorrente do
exercício da razão pura. É por isso que
ao descrever o meu ativismo político e
jurídico, sempre indiquei, entre
parêntesis, a fundamentação conceitual
que motivou a necessidade de tal ato
jurídico. E, numa república, o
exercício da filosofia em si mesma,
necessariamente, se dá por meio das
próprias instituições da república, ou
seja, através da provocação das
instituições mesmas da república como
forma de questionar a legitimidade dos
atos perpetrados pelos atores
políticos da sociedade.
486
possibilidade de defesa da democracia
na medida em que ela se encontrar
ameaçada por movimentos políticos que
tenham um caráter totalitário que vise
acabar com a própria democracia.
488
Conclusão
489
Então, precisamos ter em mente
essas três coisas para entender as
decisões de Moraes: 1) ele é obrigado
a decidir; 2) a lei é obsoleta; 3) ele
precisa atender fins sociais de bem
comum considerando analogia, costumes
e princípios gerais.
491
Brasil como um Estado Democrático de
Direito”).
492
XVIII
Bibliografia
AGOSTINHO. De trinitate
ARISTÓTELES. Metafísica
ARISTÓTELES. Órganon.
493
COLEMAN, Jules. Incorporationism,
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principle. In defense of a pragmatist
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Liberdade, 2022.
496
PLATÃO. Menon
SÓFOCLES. Antígona
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giuridico. Metodi, teorie e giudizi di
valore. Giappichelli, 2004.
498