Você está na página 1de 6

Curso: Controle Ambulatorial da Hipercolesterolemia

Versão 1.3

Epidemiologia das Doenças Cardiovasculares

Marcelo Chiara Bertolami

As doenças cardiovasculares (DCV) são as maiores responsáveis pela morbidade e


mortalidade no mundo moderno, particularmente o Ocidental 1. Esse cenário delineou-se por
volta da década de 1940, quando, com o advento dos antibióticos, vacinas e saneamento
básico, as maiores responsáveis pela mortalidade até então, as doenças infecciosas e
parasitárias, sofreram redução dramática de sua incidência e potencial letal. Verificou-se,
então, o que é designado como transição epidemiológica: a maior possibilidade de sobrevida e
envelhecimento das pessoas levou à maior incidência das doenças crônico-degenerativas: os
vários tipos de câncer e particularmente as doenças cardiovasculares. Somaram-se a isso, as
importantes modificações do estilo de vida, especialmente quanto à alimentação, tabagismo,
sedentarismo e estresse da vida nas grandes cidades 2.
As DCV constituem a primeira causa de morte no mundo e no Brasil, correspondem a
um terço do total de óbitos3. Em 29 de setembro de 2021, dia Mundial do Coração, a
Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) destacou a importância da prevenção e do
tratamento das doenças cardiovasculares, que registrou dois milhões de mortes ao ano nas
Américas. Destes óbitos, estima-se que 85% ocorrem devido a infarto agudo do miocárdio e
acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Mais de três quartos das mortes por doenças
cardiovasculares ocorrem em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento4.
Nos países desenvolvidos, em consequência de melhor diagnóstico e tratamento da
hipertensão arterial (HA), principal fator de risco para o AVC, a prevalência deste diminuiu,
dando o primeiro lugar nas estatísticas para a doença coronária e suas complicações 5,6. O
1/6

© Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei
no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o
material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e
intelectual.
Curso: Controle Ambulatorial da Hipercolesterolemia

Versão 1.3

Ministério da Saúde publicou um relatório apontando que o número de adultos com


diagnóstico médico de hipertensão aumentou 3,7% nos últimos 15 anos no Brasil. Os índices
saíram de 22,6% em 2006 a 26,3% em 2021. O relatório mostra ainda um aumento na
prevalência do indicador entre os homens, variando 5,9% para mais. De acordo com o Sistema
de Informação sobre Mortalidade (SIM), de 2010 a 2020, foram registradas 551.262 mortes por
doenças hipertensivas, sendo 292.339 em mulheres e 258.871 em homens. Entre os estados
com maior taxa de mortalidade em 2020, estão: Piauí (45,7 óbitos / 100 mil habitantes), Rio de
Janeiro (44,6 óbitos / 100 mil habitantes) e Alagoas (38,8 óbitos / 100 mil habitantes) 7.
As estatísticas sugerem que tem ocorrido diminuição da mortalidade cardiovascular em
algumas regiões do Brasil, enquanto em outras essas taxas vêm aumentando. Esse movimento
foi discutido e publicado recentemente em estudo que comparou taxas de mortalidade por
DCV de duas fontes de dados, o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério
da Saúde e o estudo Carga Global de Doenças (GBD), no período de 2000 a 2017. As taxas de
mortalidade por DCV mostraram redução no período analisado, no SIM, a estimativa foi de
263,9 a 172,0 óbitos por 100 mil habitantes, e, pelo GBD houve variação entre 248,8 e 178,0
óbitos por 100 mil habitantes 3.
As previsões para os próximos 10 a 30 anos, nada auspiciosas, são de que ocorrerá
aumento muito significativo da mortalidade cardiovascular nos países em desenvolvimento,
enquanto os desenvolvidos manterão taxas mais ou menos estáveis e que o Brasil será o país
de maior mortalidade cardiovascular do mundo em 2040 8. Esses dados são particularmente
preocupantes quando sabemos que a maior parte dessas mortes pode ser prevenida pelo
combate intensivo aos fatores de risco para a aterosclerose, dentre eles combate ao tabagismo,
aos erros alimentares (e suas maiores consequências [dislipidemias, obesidade e diabetes]),
hipertensão arterial, sedentarismo, entre outros. A expectativa de vida vem aumentando em
2/6

© Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei
no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o
material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e
intelectual.
Curso: Controle Ambulatorial da Hipercolesterolemia

Versão 1.3

todo o mundo e também entre nós. No Brasil, a expectativa de vida dos homens é de 73,1 anos
e a das mulheres de 80,1 anos 9. Com isso, cada vez mais haverá acúmulo de pessoas mais
idosas, que são as mais predispostas a apresentar os problemas cardiovasculares.
Estudos como o INTERHEART têm mostrado que os fatores de risco para o infarto do
miocárdio não são diferentes entre os vários países e que a maior parcela dos casos poderia ser
prevenida pela adequada intervenção sobre esses fatores de risco 10. Os dados de vários países
da Europa 11, bem como dos Estados Unidos 12, sugerem que os melhores tratamentos do
aumento do colesterol e da hipertensão arterial têm desempenhado papel preponderante na
diminuição das taxas de mortalidade cardiovascular que tem sido observada. No entanto, a
obesidade e o problema intimamente ligado a ela, o diabetes tipo 2, têm aumentado sua
incidência, reduzindo os benefícios observados pela prevenção dos outros fatores de risco 13-16.
De acordo com a pesquisa telefônica VIGITEL (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para
Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) realizada com maiores de 18 anos, nas 26 capitais
brasileiras e no Distrito Federal, no período entre 2019 e 2021, a prevalência de diabetes
passou de 7,4% para 9,1%; e a hipertensão arterial, subiu de 24,5% para 26,3%. O maior
aumento, porém, está relacionado à obesidade, que passou de 11,8% em 2006 para 20,3% em
2019 (variação positiva de 72%), continuando a subir para 22,4% em 2021. Isso significa que
dois em cada 10 brasileiros estão obesos. Considerando o excesso de peso, metade dos
brasileiros está nesta situação (55,4%)17.
Outra informação extremamente relevante em favor das medidas preventivas é a de
que cerca da metade dos casos de infarto do miocárdio ocorre em indivíduos que nunca
apresentaram qualquer sintoma do problema, ou seja, a primeira manifestação já é o infarto.
Além disso, cerca da metade desses indivíduos que nunca sentiram nada e que sofrem um
infarto como primeira manifestação morrem18. Corroborando com esse dado, segundo a
3/6

© Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei
no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o
material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e
intelectual.
Curso: Controle Ambulatorial da Hipercolesterolemia

Versão 1.3

Organização Pan-Americana da Saúde, das 17 milhões de mortes prematuras (pessoas com


menos de 70 anos) por doenças crônicas não transmissíveis, 82% acontecem em países de baixa
e média renda e 37% são causadas por doenças cardiovasculares 4. O que se pode fazer, apesar
de todos os avanços no tratamento desses problemas com esses indivíduos que não sabem que
são doentes e que terão a morte como primeira manifestação do problema? O caminho é
apenas um, o da prevenção cardiovascular.
Desde 2015, a Assembleia das Nações Unidas aprovou os 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável, dentre os quais figuram assegurar uma vida saudável e
promover o bem-estar para todos, em todas as idades. Foi incluído o indicador “redução da
probabilidade de morte prematura por DCNT em 30% até 2030”, que envolve no seu cálculo a
redução das DCV. Cumprir as metas de redução de DCNT e DCV é um desafio global. Para
atingir as metas de redução de DCNT, a Organização Mundial da Saúde divulgou um conjunto
de evidências que aponta a importância das ações de promoção à saúde, implementando
políticas públicas intra- e intersetoriais que facilitem práticas saudáveis3.

Referências

1. Yusuf S. The global problem of cardiovascular disease. Int J Clin Pract Suppl 1998;94:3-6.
2. Ounpuu S, Anand S, Yusuf S. The impending global epidemic of cardiovascular diseases. Eur
Heart J 2000;21(11):880-883.
3. Malta DC, el at. Cardiovascular Disease Mortality According to the Brazilian Information
System on Mortality and the Global Burden of Disease Study Estimates in Brazil, 2000-2017.
Arq. Bras. Cardiol. 2020; 115(2): 152-160.

4/6

© Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei
no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o
material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e
intelectual.
Curso: Controle Ambulatorial da Hipercolesterolemia

Versão 1.3

4. HEARTS Pacote de medidas técnicas para manejo da doença cardiovascular na atenção


primária à saúde. Evidências: protocolos de tratamento baseados em evidências. Washington,
D.C.: Organização Pan-Americana da Saúde; 2021.
5. Lotufo PA, de Lolio CA. [Mortality trends in ischemic heart disease in Sao Paulo State: 1970-
1989]. Arq Bras Cardiol 1993;61(3):149-153.
6. Lotufo PA, de Lolio CA. [Trends of mortality from cerebrovascular disease in the State of Sao
Paulo: 1970 to 1989]. Arq Neuropsiquiatr 1993;51(4):441-446.
7. Ministério da Saúde. Relatório aponta que número de adultos com hipertensão aumentou
3,7% em 15 anos no Brasil. Disponível em: www.gov.br
8. Reddy KS. Cardiovascular disease in non-Western countries. N Engl J Med
2004;350(24):2438-2440.
9. IBGE/Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de
Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica. Projeção da população do Brasil por sexo e idade
para o período 2010-2060.
10. Yusuf S, Hawken S, Ounpuu S et al. Effect of potentially modifiable risk factors associated
with myocardial infarction in 52 countries (the INTERHEART study): case-control study. Lancet
2004;364(9438):937-952.
11. Kotseva K, Wood D, De BG et al. EUROASPIRE III. Management of cardiovascular risk factors
in asymptomatic high-risk patients in general practice: cross-sectional survey in 12 European
countries. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil 2010;17(5):530-540.
12. Capewell S, Ford ES, Croft JB, Critchley JA, Greenlund KJ, Labarthe DR. Cardiovascular risk
factor trends and potential for reducing coronary heart disease mortality in the United States of
America. Bull World Health Organ 2010;88(2):120-130.

5/6

© Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei
no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o
material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e
intelectual.
Curso: Controle Ambulatorial da Hipercolesterolemia

Versão 1.3

13. Ford ES, Ajani UA, Croft JB et al. Explaining the decrease in U.S. deaths from coronary
disease, 1980-2000. N Engl J Med 2007;356(23):2388-2398.
14. Monteiro PO, Victora CG. Rapid growth in infancy and childhood and obesity in later life--a
systematic review. Obes Rev 2005;6(2):143-154.
15. Sa NN, Moura EC. [Factors associated with the burden of metabolic syndrome diseases
among Brazilian adults]. Cad Saude Publica 2010;26(9):1853-1862.
16. Smyth A, O'Donnell M, Lamelas P, Teo K, Rangarajan S, Yusuf S. Physical Activity and Anger
or Emotional Upset as Triggers of Acute Myocardial Infarction: The INTERHEART Study.
Circulation. 2016, 11;134(15):1059-1067.
17. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em
Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019 : vigilância de fatores de
risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. 2020 e 2022.
18. Paré G, Çaku A, McQueen M, Anand SS, Enas E, Clarke R, Boffa MB, Koschinsky M, Wang X,
Yusuf S; INTERHEART Investigators. Lipoprotein(a) Levels and the Risk of Myocardial Infarction
Among 7 Ethnic Groups. Circulation. 2019: 19;139(12):1472-1482.

6/6

© Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei
no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o
material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e
intelectual.

Você também pode gostar