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Miguel Torga

Temáticas Essenciais:

 Exaltação da liberdade absoluta do Homem, que deve levá-lo a erguer-se contra tudo aquilo que
lhe é imposto, ainda que isto implique revoltar-se contra Deus
 Valorização do sonho e da luta para o alcançar – meio de dignificação do Homem
 Revolta contra as injustiças
 Reflexão sobre o poeta e a poesia
 Introspeção
 Comunhão com a natureza

Representações do Contemporâneo:
Poemas compostos durante o Estado Novo: expressão de uma profunda revolta contra a opressão e
o sofrimento provocados pela ditadura
Poemas compostos depois do 25 de abril de 1974: a reflexão sobre a Pátria torna-se menos
frequente; contudo, há ainda a manifestação de desalento em relação a uma pátria marcada pela
estagnação

Tradição Literária:

 O nome “Miguel Torga” evidencia o iberismo do autor (homenagem a figuras da literatura


espanhola)
 Mitos da Antiguidade Clássica
 Influência das obras “Os Lusíadas” (Camões) e “Mensagem” (Fernando Pessoa)

Figurações do Poeta:

 O poeta é aquele que tem um olhar crítico em relação à realidade


 O olhar atento à realidade não impede o poeta de sonhar
 O poeta não se conforma com a morte
 O poeta surge como aquele que busca, com persistência, inspiração para escrita, mesmo que este
processo seja longo e profundamente angustiante
 A paisagem natural – sobretudo a do nordeste transmontano – surge como um lugar primordial,
simultaneamente propício à inspiração poética e difícil de apreender pela escrita, devido à sua
beleza

Arte Poética:

 A poesia surge associada ao canto, que tem a função de encantar o mundo e de manter viva a
capacidade de sonhar da humanidade
 O processo de escrita decorre da inspiração, que é proporcionada pela beleza, ainda que seja
frequentemente caracterizado como doloroso
Linguagem, Estilo e Estrutura:

 Irregularidade a nível estrófico e métrico e recurso ao verso branco

“Peregrinação”

“Corro o mundo à procura dum poema


Que perdi não sei quando, nem sei onde.
Chamo por ele, e a voz que me responde
Tem o timbre da minha, desbotado.
Às vezes no mar largo ou no deserto
Parece-me que sim, que o sinto perto
Da inspiração;
Mas sigo afoito em cada direção
E é o vazio passado
Acrescentado…
Areia movediça ou solidão.

Teimoso lutador, não desanimo


Olho o monte mais alto e subo ao cimo,
A ver se ao pé do céu sou mais feliz.
Mas aí nem sequer ouço o que digo;
O silêncio de Orfeu vem ter comigo
E nega os versos que afinal não fiz.”

“afoito”: com vontade

“Areia movediça ou solidão.”: o poeta encontra mais do mesmo

“céu”: inspiração divina

“Orfeu”: canto melodioso

 O poeta procura a sua própria voz poética

 O poeta procura a perfeição

 O poeta discute/zanga-se com Deus


 O poeta considera impossível encontrar a felicidade
“a voz que me responde / Tem o timbre da minha”: O facto de a resposta ao seu chamamento ser uma voz
com “o timbre da [sua], desbotado” mostra que o processo de inspiração poética está associado a um
movimento de introspeção. Assim, a busca do poema que perdeu é, na realidade, um processo de procura
da sua própria voz poética.

“E é o vazio passado / Acrescentado… / Areia movediça ou solidão.”: Por vezes, quando se encontra em
cenários naturais marcados pela vastidão, propícios à introspeção, o poeta julga ter encontrado o poema
que busca. No entanto, rapidamente se apercebe de que, na realidade, apenas se confrontará, mais uma
vez, com o “vazio passado / Acrescentado”, com a sensação de vácuo que marca esta busca infrutífera. É
por esse motivo que associa estre processo de busca a “areia movediça”, ou à “solidão”. Tal como sucede
com o primeiro destes elementos, a busca da sua própria voz pode revelar-se enganadora, ou até mesmo
fatal. A alternativa é a constatação do seu isolamento e desamparo, da impossibilidade de encontrar a sua
identidade.

“Olho o monte mais alto e subo ao cimo”: O poeta pretende verificar se, num plano mais elevado – e,
portanto, mais próximo do céu (e, depreende-se, de uma possível paz associada a um hipotético plano
divino) – conseguiria ser mais feliz e, consequentemente, encontrar a inspiração perdida.

Tentativa fracassada: Esta tentativa falha porque, nesse local, o poeta não consegue sequer ouvir a sua
voz. O poeta confronta-se com o “silêncio de Orfeu” que lhe vem demonstrar que, na realidade, é
impossível encontrar o poema primordial que busca – “E nega os versos que afinal não fiz.”.

Título: O título “Peregrinação” aponta para um caminho longo e doloroso em busca de um ideal maior (de
carácter sagrado). Neste caso, está relacionado com o facto de o processo de escrita do poeta ser
metaforicamente configurado como um eterno percurso de busca de um poema primordial – que é
associado à procura da própria identidade – e, portanto, da voz – do poeta.
“Lamento”

“Pátria sem rumo, minha voz parada


Diante do futuro!
Em que rosa dos ventos há um caminho
Português?
Um brumoso caminho
De inédita aventura,
Que o poeta, adivinho,
Veja com nitidez
Da gávea da loucura?

Ah, Camões, que não sou, afortunado!


Também desiludido,
Mas ainda lembrado da epopeia…
Ah, meu povo traído,
Mansa colmeia
A que ninguém colhe o mel!...
Ah, meu pobre corcel
Impaciente,
Alado
E condenado
A choutar nesta praia do Ocidente…”

“Veja com nitidez”: o poeta tem a visão deturpada

“loucura”: sonho

 O poeta não vê melhorias nem rumo após a revolução de abril

“Pátria sem rumo,”: apóstrofe  pátria perdida/sem perspetivas de futuro

“Em que rosa dos ventos há um caminho / Português?”: metáfora

“Mansa colmeia / A que ninguém colhe o mel!...”: metáfora  inutilidade


“A choutar nesta praia do Ocidente…”: sinédoque  Portugal
“Pátria sem rumo, minha voz parada / Diante do futuro! / Em que rosa dos ventos há um caminho /
Português?”: Na exclamação inicial, o sujeito poético – que, neste texto, se apresenta como um “poeta” –
dirige-se à Pátria através de uma apóstrofe, afirmando que esta se encontra totalmente perdida (“Pátria
sem rumo”). É por esse motivo que a sua voz está “parada diante do futuro” – como se também ele,
enquanto poeta, estivesse num estado de indefinição, procurando um caminho para o País. Interroga-se
sobre esta questão na interrogação retórica – “Em que rosa dos ventos há um caminho / Português?”

“Um brumoso caminho”: Este caminho é apresentado como “brumoso”, dado que tem contornos
misteriosos e desconhecidos, apenas podendo ser visto com nitidez pelo poeta “da gávea da loucura”,
graças à sua dimensão de visionário.

Papel do poeta no percurso de Portugal: Segundo o texto, o poeta tem a missão de ver mais longe do que
os seus compatriotas e de conduzir o país numa “inédita aventura”, de modo que este se liberte do estado
de decadência e de estagnação em que se encontra.

“Ah, Camões, que não sou, afortunado!”: Segundo o poeta, em comparação consigo, Camões é
“afortunado”, uma vez que, apesar de também mostrar desalento em relação à Pátria, ainda teve
oportunidade de contactar com os seus tempos de glória – “Também desiludido, / Mas ainda lembrado da
epopeia…”.

“Mansa colmeia / A que ninguém colhe o mel!... / Ah, meu pobre corcel / Impaciente / Alado / E
condenado / A choutar nesta praia do Ocidente…”: Através destas metáforas, Portugal é descrito como um
país cujo enorme potencial é subaproveitado.

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