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Organizadores:

Ana Nery de Castro Feitosa


Ana Paula Brandão Souto
Rodrigo Freitas da Costa

SAÚDE MENTAL
DA INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA
ORIENTAÇÃO PARA PAIS E EDUCADORES
SAÚDE MENTAL
DA INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA
ORIENTAÇÃO PARA PAIS E EDUCADORES
ANA NERY DE CASTRO FEITOSA
ANA PAULA BRANDÃO SOUTO
RODRIGO FREITAS DA COSTA

SAÚDE MENTAL DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA:


ORIENTAÇÃO PARA PAIS E EDUCADORES

1ª Edição

Quipá Editora
2023
2022
Copyright © dos autores e autoras. Todos os direitos reservados.

Esta obra é publicada em acesso aberto. O conteúdo dos capítulos, os dados


apresentados, bem como a revisão ortográfica e gramatical são de responsabilidade de
seus autores, detentores de todos os Direitos Autorais, que permitem o download e o
compartilhamento, com a devida atribuição de crédito, mas sem que seja possível alterar
a obra, de nenhuma forma, ou utilizá-la para fins comerciais.

Capa: “Tarde com Ivo”. Acrílica sobre tela. Lia Sanders, 2019.

Conselho Editorial: Me. Adriano Monteiro de Oliveira, Quipá Editora / Dra. Alana Maria
Cerqueira de Oliveira, UFAC-CAP / Me. Josete Malheiro Tavares, SS / Me. Roger Flores
de Carvalho, UNISUAM / Dra. Mônica Maria Siqueira Damasceno, IFCE

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


________________________________________________________________________
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores
S255 / Organizado por Ana Nery de Castro Feitosa, Ana Paula Brandão Souto e
Rodrigo Freitas da Costa. ― Iguatu, CE : Quipá Editora, 2023.
187 p. : il.

ISBN 978-65-5376-122-3
DOI 10.36599/qped-ed1.214

1. Saúde mental. 2. Infância. 3. Adolescência. I. Feitosa, Ana Nery de Castro.


II. Souto, Ana Paula Brandão. III. Costa, Rodrigo Freitas da. IV. Título.

CDD 616.89
________________________________________________________________________
Elaborada por Rosana de Vasconcelos Sousa ― CRB-3/1409

Obra publicada em janeiro de 2023.


DEDICATÓRIA

Dedicamos este livro a todas as famílias que, em meio às imensas


dificuldades, lutam por melhoria na qualidade de vida das suas crianças e
adolescentes, e aos educadores que se reinventam a cada dia para acolher e poder
lidar, com maestria, com as diferenças e adversidades encontradas em seu
caminhar.
AGRADECIMENTO

Agradecemos a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a


publicação deste livro. Em especial, agradecemos aos autores que aceitaram
participar deste projeto, contribuindo com seus relevantes conhecimentos para a
construção dos capítulos. Agradecemos, também, à Ionésia Amaral pelo incentivo a
esse projeto, e à Lia Sanders por ceder, gentilmente, uma de suas obras de arte
para compor a capa.
Quando as crianças brincam

“Quando as crianças brincam


E eu as ouço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.

E toda aquela infância


Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,


E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.”

(Fernando Pessoa)
APRESENTAÇÃO

Este livro é fruto do desejo comum dos organizadores em levar informações aos
pais e educadores relacionadas ao cuidado em saúde mental que fossem relevantes para
o cotidiano vivenciado por quem convive com crianças ou adolescentes com algum
transtorno mental. Foi produzido com muito carinho por profissionais que atuam na área da
saúde mental da infância e adolescência e por professores e estudantes que pesquisam e
se interessam pelo tema.
O capítulo 1 versa sobre o desenvolvimento infantil, trazendo os marcos que são
parâmetros para o desenvolvimento, com alguns sinais de alerta que auxiliam os pais a
identificar possíveis alterações. O capítulo 2 ressalta a importância do brincar para o
desenvolvimento, enfatizando o brincar atípico e apresentando algumas sugestões de
brincadeiras para pais e educadores, de acordo com a idade de desenvolvimento.
O capítulo 3 aborda situações adversas que podem gerar estresse tóxico capaz de
prejudicar a saúde mental das crianças e adolescentes. O capítulo 4 apresenta os
transtornos mentais que acometem a infância e a adolescência, dando ênfase aos
principais tipos, além de ressaltar o papel da família e da escola na ocorrência de um caso
de transtorno mental nesse público. O capítulo 5 aborda as diversas formas de tratamento
dos transtornos mentais na infância e na adolescência, elencando abordagens
diversificadas que podem compor o plano de tratamento, assim como os equipamentos de
atenção psicossocial específicos para esse público.
O capítulo 6 apresenta os principais psicotrópicos utilizados no tratamento dos
transtornos mentais da infância e adolescência, fornecendo informações aos pais sobre
sua administração e esclarecendo possíveis dúvidas de educadores, ao receberem
crianças em uso desse tipo de medicamento. O capítulo 7 traz orientações à família e à
escola sobre o enfrentamento de situações de crise, elucidando o que é uma crise,
apontando fatores de risco para a ocorrência dela e auxiliando no manejo de crises de
ansiedade, birras, dentre outras. O capítulo 8 aponta sugestões práticas para a
seletividade alimentar, auxiliando a família a aumentar o repertório do cardápio para suas
crianças ou adolescentes.
O capítulo 9 enfatiza o perigo do uso prolongado de telas e das brincadeiras
perigosas que chamam a atenção de crianças e adolescentes, orientando pais e
educadores a observarem os sinais de alerta. O capítulo 10 aborda o uso de substâncias
psicoativas por adolescentes, mencionando os fatores de risco e de proteção envolvidos,
bem como as possibilidades de tratamentos existentes para essa problemática. O capítulo
11 aponta a importância das redes de apoio na inclusão escolar, apresentado uma
experiência exitosa desse processo. O capítulo 12 faz referência aos direitos das crianças
e adolescentes com transtornos mentais, elencando a legislação que versa sobre esse
tema, auxiliando as famílias na busca pelos seus direitos.
Desejamos que façam uma leitura proveitosa e que esse livro sirva de instrumento
para ampliar os conhecimentos nessa área.

Com afeto,

Os organizadores.
SUMÁRIO

PREFÁCIO
APRESENTAÇÃO

CAPÍTULO 1 12
xx

MARCOS DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL: O QUE OBSERVAR


Karolina Alves de Albuquerque
Elivany de Paulo Morais
Talita Duarte da Mota
Ana Nery de Castro Feitosa

CAPÍTULO 2 xx
28

A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL


Lívia Maria Fernandes Araújo Hosken
Ana Nery de Castro Feitosa

CAPÍTULO 3 38
xx

ESTRESSE TÓXICO NA INFÂNCIA E


EMEM CONTEXTO
CONTEXTO DEDE PANDEMIA
PANDEMIA
Antonia Kaliny Oliveira de Araújo
Álvaro Jorge Madeiro Leite

CAPÍTULO 4 52
xx

TIPOS DE TRANSTORNOS MENTAIS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA


Ana Nery de Castro Feitosa
Francisco de Brito Melo Júnior
José Kleidir de Castro Feitosa
Tereza Beatriz Ramos Colares Ferreira Noronha
Hilzanir Barbosa de Medeiros Machado

CAPÍTULO 5 70 xx

TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS MENTAIS DA INFÂNCIA E


ADOLESCÊNCIA
Ana Nery de Castro Feitosa
Ana Paula Brandão Souto
José Kleidir de Castro Feitosa
Nedite Arruda Linhares
Rafaelle da Ponte Brito
CAPÍTULO 6 89
xx

PSICOTRÓPICOS: O QUE SÃO E COMO LIDAR COM SUA


ADMINISTRAÇÃO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
Rodrigo Freitas da Costa
Kédma Suelen Braga Barros
Verônica Maria Gomes de Carvalho

CAPÍTULO 7 99
xx

ENFRENTAMENTO DE SITUAÇÕES DE CRISE NA INFÂNCIA E


ADOLESCÊNCIA: ORIENTAÇÕES PARA A FAMÍLIA E A ESCOLA
José Lino Ferreira Júnior
Rodrigo Freitas da Costa
Leticia Coelho Cavalcante

CAPÍTULO 8 114
xx

MEU FILHO NÃO QUER COMER. E AGORA?


Sthienifer Bergami

CAPÍTULO 9 125
xx

USO DE TELAS E BRINCADEIRAS PERIGOSAS

Tayana Leandro Pinheiro


Ana Nery de Castro Feitosa

CAPÍTULO 10 xx
134

USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NA ADOLESCÊNCIA


Valéria Portela Lima
Alexandre Menezes Sampaio
Ana Nery de Castro Feitosa

CAPÍTULO 11 xx
158

A IMPORTÂNCIA DAS REDES DE APOIO NA INCLUSÃO ESCOLAR


Maria Osvalda de Castro Feitosa Cristovam
Maria Leila Feitosa
Aline CristinaTotina Felippe
Aline Carolina Bassoli Barbosa
CAPÍTULO 12 xx
168

DIREITO DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES COM TRANSTORNO


MENTAL
Ana Paula Brandão Souto

SOBRE OS AUTORES ..............................................................................………… …..xx


183

SOBRE OS ORGANIZADORES .................................................................………… …..xx


187
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 1

MARCOS DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL: O QUE OBSERVAR

Karolina Alves de Albuquerque


Elivany de Paulo Morais
Talita Duarte da Mota
Ana Nery de Castro Feitosa

INTRODUÇÃO

Estudos mostram que as bases para o desenvolvimento humano são estabelecidas


no período da primeira infância, ou seja, as circunstâncias que um indivíduo experimenta
durante este período têm repercussão importante para o seu desenvolvimento futuro
(CUNHA; LEITE; ALMEIDA, 2015; NATIONAL SCIENTIFIC COUNCIL ON THE
DEVELOPING CHILD, 2008, 2009). Esse período é considerado uma janela de
oportunidades fundamental para a saúde, a educação, o bem estar físico, social e
emocional das crianças. Um desenvolvimento equilibrado em suas dimensões físicas,
emocionais e intelectuais, permitirá que a criança cresça mais preparada para o sucesso
na escola e, posteriormente, no trabalho e na comunidade (NAUDEAU; KATAOKA;
VALERIO; NEUMAN; ELDER, 2011). Assim, o investimento no cuidado e promoção do
desenvolvimento saudável é uma das maiores contribuições que se pode dar na formação
de uma sociedade melhor.

O ser humano encontra-se em constante transformação, desenvolvendo-se desde a


concepção até a morte. Durante a infância, o sistema nervoso está no ápice de suas
transformações. Estas se darão a partir da interação entre fatores genéticos (que são
transmitidos dos pais para os filhos) e ambientais (os estímulos, as experiências, a
alimentação, as atividades físicas, etc) (BROFENBRENNER, 1996, 2005; SAMEROFF,
2009). Por este motivo, o desenvolvimento poderá variar entre as crianças, pois cada uma
traz a sua própria informação genética e vive em um contexto, sem que isso signifique que
há algo de errado com o seu desenvolvimento.

No entanto, existe uma faixa de aquisições de habilidades esperada para cada fase.
Na primeira infância, o desenvolvimento seguirá uma trajetória pré-definida e progressiva,
onde cada habilidade adquirida irá preparar a criança para a sua próxima aquisição

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

neuropsicomotora: são os marcos do desenvolvimento (PAPALIA; FELDMAN, 2013).


Trata-se, então, de aquisições que, ao se tornarem cada vez mais complexas, resultam em
habilidades em diferentes áreas ou domínios (vide Quadro 1). Pode-se entender, então, os
marcos do desenvolvimento como uma maneira de observar se as crianças estão
desenvolvendo suas habilidades e capacidades em um momento mais ou menos
esperado.

Área Descrição Marcos Evolutivos

Habilidade em controlar grandes


grupos musculares de forma
ampla para atividades de Sentar, andar, subir escadas,
Desenvolvimento Motor mobilidade e transferência, além pegar objetos, copiar um círculo.
de habilidades de apreensão e
manipulação de objetos com as
mãos.

Capacidade de resolver
problemas através da
Prestar atenção em uma
intuição, percepção e raciocínio
verbal e não verbal. Inclui a atividade, conhecer cores,
Cognição
capacidade de aprender, conhecer as funções dos objetos.
entender e reter informações,
bem como aplicá-las conforme
necessário.

Habilidades de linguagem
articulatória, receptiva e Produção de diferentes tipos de
choro, seguir comandos verbais,
Comunicação expressiva, e uso de símbolos formar frases.
não verbais, possibilitando
exposição e compreensão do que
é transmitido.

Capacidade de interagir e afirmar-


se como pessoa,
Sorrir em resposta, demonstrar
demonstrando competências de consciência do seu corpo,
Domínio Pessoal e Social formação e manutenção de cooperar em atividades grupais.
relacionamentos, além de
responsividade à presença de
outros.

Quadro 1. Descrição das principais áreas e exemplos de marcos evolutivos do desenvolvimento.


Adaptado de Albuquerque, 2018.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

MARCOS DO DESENVOLVIMENTO E OS PRINCIPAIS SINAIS DE ALERTA

Serão descritos os principais marcos do desenvolvimento, de acordo com faixas


etárias em diferentes domínios. O Centro de Desenvolvimento para o Controle de Doenças
dos Estados Unidos (CDC) disponibiliza uma lista de verificação desses marcos, contendo
pontos importantes que são esperados no desenvolvimento infantil em determinadas
idades, apontando os sinais de alerta para cada fase. Além desta referência, serão
considerados, também, os apontamentos do Tratado de Saúde Mental da Infância e
Adolescência do IACAPAP (sigla, em inglês, que denomina a Associação Internacional de
Psiquiatria da Infância e Adolescência e Profissões Afins).

MARCOS ESPERADOS AOS 2 MESES

Motor: Consegue manter a cabeça elevada (“em pé”); começa a erguer o tronco quando
está de bruços e faz movimentos mais suaves com os braços e as pernas.

Cognição: Presta atenção aos rostos; começa a seguir objetos com os olhos e reconhecer
os familiares de perto. Aos 2 meses já se mostra entediado (chora, fica inquieto) se a
atividade não muda.

Comunicação: Começa a vocalizar (fazer barulhos) e gorgolejar; vira a cabeça em direção


aos sons.

Pessoal e Social: Começa a sorrir para as pessoas; consegue se acalmar rapidamente


(pode levar as mãos à boca e chupar a mão); tenta olhar para os pais.

Sinais de Alerta
Aos 2 meses: Se a criança não responde a sons altos; não observa o movimento dos
objetos; não sorri para as pessoas; não leva as mãos à boca ou não consegue manter a
cabeça erguida ao elevar o tronco, quando está de bruços.

MARCOS ESPERADOS AOS 4 MESES

Motor: Mantém a cabeça erguida firmemente, sem apoio; empurra as pernas quando os
pés estão encostados em uma superfície dura; é capaz de segurar um brinquedo e
chacoalhá-lo; leva as mãos à boca, quando está de bruços e se apoia sobre os cotovelos.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Cognição: Mostra se está feliz ou triste; responde ao afeto; tenta pegar um brinquedo com
uma mão; usa as mãos e olhos juntos (ao ver um brinquedo e tentar pegá-lo, por exemplo);
acompanha pessoas e objetos em movimento com os olhos (de um lado para o outro) e
observa os rostos atentamente.

Comunicação: Começa a balbuciar; imita os sons que ouve; chora de maneira diferente
para mostrar fome, dor ou cansaço.

Pessoal e Social: Sorri de forma espontânea, especialmente para as pessoas; gosta de


brincar (interagir) com as pessoas e pode chorar se a brincadeira acaba; imita alguns
movimentos e expressões faciais, como sorrir ou franzir a testa.

Sinais de Alerta
Aos 4 meses: Se a criança não faz barulho ou não emite sons (balbucios); não leva
objetos à boca; não empurra as pernas quando os pés estão sobre uma superfície dura;
tem dificuldade em movimentar um ou ambos os olhos em qualquer direção, além dos
sinais de alerta anteriores.

MARCOS ESPERADOS AOS 6 MESES

Motor: O bebê adota uma postura mais simétrica, mais centralizada. Nesse período, ele
irá aprender a rolar em ambas as direções e sentado, sendo capaz de manter essa postura
com apoio. Começa a passar as coisas de uma mão para a outra.

Cognitivo: Trata-se de uma fase em que o bebê é muito curioso. Observa tudo ao seu
redor com atenção e procura alcançar objetos que estão fora do alcance, leva objetos à
boca propositalmente e pode gostar de brincar com os joelhos e os pés.

Comunicação: Une as vogais ao balbuciar (“ah”, “eh”, “oh”) e gosta de revezar com os
pais enquanto emite sons (como se estivesse conversando); usa a vocalização para
chamar a atenção. Começa a falar sons de consoantes (articula com “m”, “b”).

Pessoal e Social: Reconhece rostos familiares e pode começar a estranhar quem não é
do seu convívio. Gosta de brincar com outros, especialmente os pais; responde às
emoções alheias e, normalmente, parece feliz. Gosta de se ver no espelho.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Sinais de Alerta
Aos 6 meses: Se a criança não tenta pegar objetos que estão ao seu alcance; não
mostra afeto pelos cuidadores; não responde aos sons ao seu redor; tem dificuldade ao
levar objetos à boca; não ri, nem emite sons vogais ou agudos; não rola em nenhuma
direção; se parece bem rígido, com músculos contraídos, ou muito mole, como uma
boneca de pano.

MARCOS ESPERADOS AOS 9 MESES

Motor: Consegue se sentar e permanece sentado sem apoio. Puxa para ficar de pé em um
móvel e fica de pé apoiado. Pode engatinhar. Tenta pegar objetos e alimentos cada vez
menores.

Cognição: Começa a ter noção de “permanência de objetos”, ou seja, passa a entender


que o objeto que foi escondido continua existindo e procura por ele. Brinca de “achou!”
com uma pessoa que esconde o rosto.

Comunicação: Compreende “não” e solicitações simples, como “me dá”; emite muitos
sons diferentes como “mamamama” e ”bababababa”; imita sons e gestos dos outros, como
“tchau”; usa os dedos para apontar as coisas.

Pessoal e Social: Responde ao próprio nome. Pode ter medo de estranhos; pode ser
grudado nos adultos familiares e já possui brinquedos favoritos.

Sinais de Alerta
Aos 9 meses: Se a criança não suporta o peso das pernas com apoio ou não senta com
ajuda; não balbucia palavras curtas (“mama”, “baba”, ...); não responde ao próprio nome;
não brinca de jogos envolvendo dar e receber; não olha para onde alguém aponta ou não
transfere os brinquedos de uma mão para outra.

MARCOS ESPERADOS AOS 12 MESES

Motor: Segura para ficar de pé com apoio e caminha segurando nos móveis, podendo dar
alguns passos sem se apoiar; pode ficar de pé sozinho.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Cognição: Explora as coisas de formas diferentes: chacoalhando, batendo ou


arremessando. Acha objetos escondidos, olha para a imagem ou objeto certo quando se
diz o nome (“cadê a bola?”). Imita gestos, começa a usar as coisas corretamente (beber de
um copo e escovar o cabelo, por exemplo). Bate dois objetos um contra o outro; coloca e
tira os objetos de uma caixa; solta as coisas sem ajuda; cutuca com o dedo indicador;
segue instruções simples, como: “pegue o brinquedo”.

Comunicação: Responde a pedidos simples; usa gestos simples, como balançar a


cabeça, simbolizando “não” ou acenar dando “tchau”. Emite sons com alterações no tom
(soa mais parecido com a fala), diz “mama” e “papa” e exclamações como “uh-oh!”; tenta
dizer as palavras ditas por outras pessoas.

Pessoal e Social: É tímido ou nervoso com estranhos; chora quando a mãe ou pai vai
embora; possui pessoas e objetos preferidos; demonstra medo em algumas situações;
entrega um livro para pais ou cuidadores quando quer ouvir uma história; repete sons ou
reações para conseguir atenção; colabora na hora de se vestir (levanta os braços e as
pernas); brinca de “achou!” por um longo período de tempo.

Sinais de Alerta
Aos 12 meses: Se a criança não engatinha e não fica de pé, mesmo com apoio; não
procura objetos que viu serem escondidos; não fala nenhuma palavra; não aprende
gestos (acenar, balançar a cabeça); não aponta para objetos ou perde as habilidades já
adquiridas.

MARCOS ESPERADOS AOS 18 MESES

Motor: Anda sozinho, podendo conseguir subir degraus e correr; puxa brinquedos
enquanto anda; ajuda a se despir; pode beber em um copo e comer com uma colher.

Cognição: Sabe para que servem coisas comuns (telefone, escova, colher, por exemplo).
Aponta para conseguir a atenção de outras pessoas; mostra interesse em uma boneca ou
animal de pelúcia fingindo alimentá-lo; aponta para uma parte do corpo; faz rabiscos
sozinho; consegue seguir comandos verbais de um passo sem gestos (por exemplo: sentar
quando alguém lhe diz: “senta”).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Comunicação: Fala diversas palavras simples; diz “não”, balançando a cabeça; aponta
para mostrar a alguém o que quer.

Pessoal e Social: Gosta de dar coisas aos outros como forma de brincadeira; pode fazer
birra; pode ter medo de estranhos; mostra afeto para as pessoas com quem está
familiarizado; brinca de faz de conta simples, como alimentar uma boneca; aponta para
mostrar, às outras pessoas, algo interessante.

Sinais de Alerta
Aos 18 meses: Se a criança não consegue falar; não imita gestos de outras pessoas; não
tem vocabulário de, pelo menos, seis palavras ou não adquire palavras novas; não
percebe ou não liga se um cuidador sai ou retorna ou perde habilidades já adquiridas.

MARCOS ESPERADOS AOS 2 ANOS

Motor: Fica na ponta do pé; chuta uma bola, começa a correr, escala e desce de móveis
sem ajuda; sobe e desce escadas se segurando; arremessa uma bola com as mãos;
desenha ou copia linhas retas e círculos.

Cognição: Encontra objetos mesmo quando escondidos debaixo de duas ou três


camadas; começa a separar formas e cores; completa frases e rimas em livros familiares;
brinca de brincadeiras simples de faz de conta; constrói torres de quatro ou mais blocos;
segue instruções de dois passos, como: “pegue seus sapatos e coloque-os no armário”.
Nomeia itens em um livro de imagens, como gato, pássaro ou cachorro.

Comunicação: Aponta para objetos ou imagens quando ouve seus nomes; conhece os
nomes de pessoas familiares e partes do corpo; formula frases com duas a quatro
palavras; segue instruções simples; repete palavras que ouviu em uma conversa e aponta
para coisas em um livro. O vocabulário aumenta, mas podem substituir certas partes de
uma palavra por vogais ou consoantes que são mais fáceis de dizer ou não terminar as
palavras (exemplos: “áqua” em vez de “água”, “quero su” em vez de “quero suco”).

Pessoal e Social: Imita os outros, especialmente adultos e crianças mais velhas; fica
empolgado quando está com outras crianças; mostra cada vez mais independência; pode

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

iniciar um comportamento desafiador (faz o que lhe foi pedido para não fazer); brinca,
principalmente, ao lado de outras crianças.

Sinais de Alerta
Aos 2 anos: Não fala frases com, ao menos, duas palavras (“beber água”); não sabe
como usar objetos comuns (escova, colher, ...); não imita ações e palavras; não segue
instruções simples; não anda com firmeza ou perde habilidades que já adquiriu.

MARCOS ESPERADOS AOS 3 ANOS

Motor: Escala bem, corre com facilidade, pedala um triciclo (bicicleta de 3 rodas), sobe e
desce escadas com um pé em cada degrau.

Cognição: Pode manusear brinquedos com botões, alavancas e partes móveis; brinca de
faz de conta com bonecas, animais e pessoas; monta quebra-cabeças com 3 ou 4 peças;
copia um círculo com um lápis ou giz-de-cera; vira uma página de um livro por vez; constrói
torres de mais de seis blocos; abre e fecha tampas de jarras e vira a maçaneta da porta.

Comunicação: Segue instruções de dois ou três passos; consegue falar o nome das
coisas mais comuns; entende palavras, como “dentro”, “em cima” e “embaixo”; fala seu
primeiro nome, idade e sexo e o nome de um amigo; fala palavras, como “eu”, “mim”, “nós”
e “você” e alguns plurais (carros, cachorros, gatos); fala bem, o suficiente para pessoas
estranhas entenderem, a maior parte do tempo e se engaja em uma conversa usando de
duas a três frases.

Pessoal e Social: Imita adultos e amigos; mostra afeto por amigos sem ser incentivado;
reveza em brincadeiras; mostra preocupação por um amigo que está chorando; entende a
ideia de “meu” e “seu” ou “sua”; mostra uma série de emoções; se separa com facilidade
da mãe e do pai; pode ficar aborrecido com mudanças grandes na rotina e tira a roupa
sozinho.

Sinais de Alerta
Aos 3 anos: Se a criança cai muito ou tem dificuldades com degraus; se baba ou não
apresenta clareza na fala; não usa frases para se comunicar; não consegue manusear
brinquedos simples; não entende instruções simples; não brinca de faz de conta ou de

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

mentirinha; não quer brincar com outras crianças; não faz contato com os olhos ou perde
habilidades já adquiridas.

MARCOS ESPERADOS AOS 4 ANOS

Motor: Pula e fica sobre um pé só por até dois segundos; consegue pegar uma bola
quicando, na maior parte das vezes; é capaz de despejar líquidos em um copo; corta com
supervisão e amassa seu próprio alimento.

Cognitivo: Fala os nomes de cores e alguns números; entende a ideia de contar; começa
a entender o tempo; lembra-se de partes de uma história; entende a ideia de “igual” e
“diferente”; desenha uma pessoa com duas a quatro partes do corpo; usa tesouras;
começa a copiar algumas letras de forma e brinca de jogos de tabuleiro ou de cartas.

Comunicação: Sabe algumas regras básicas de gramática, como o uso correto de “ele” e
“ela”; canta uma música ou recita um poema de cabeça, como ”A dona aranha” ou “As
rodas do ônibus”; conta histórias e consegue dizer seu nome e sobrenome.

Pessoal e Social: Gosta de fazer coisas novas; brinca de “mamãe” e “papai”, estando
cada vez mais criativo com brincadeiras de faz de conta; prefere brincar com outras
crianças do que sozinho; coopera com outras crianças; com frequência, não consegue
separar o real do imaginário; fala sobre o que gosta e no que está interessado.

Sinais de Alerta
Aos 4 anos: Se a criança não consegue pular no mesmo local; se apresenta dificuldade
para rabiscar; não fala de forma compreensível; não demonstra interesse em jogos
interativos ou de faz de conta; ignora outras crianças ou não interage com pessoas fora
da família; resiste à troca de roupa, à ir ao banheiro ou à hora de dormir; não consegue
contar uma história preferida; não segue instruções com três partes; não usa
corretamente os pronomes (“eu”, “você”, ...) ou perde habilidades já adquiridas.

MARCOS ESPERADOS AOS 5 ANOS

Motor: Fica em pé sobre um pé só por 10 segundos ou mais, pula e talvez consiga saltar;
consegue dar cambalhota; usa garfo e colher e, às vezes, faca; consegue ir ao banheiro
sozinho; balança e escala.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Cognitivo: Conta 10 ou mais coisas; consegue desenhar uma pessoa com, pelo menos,
seis partes do corpo; consegue escrever algumas letras ou números; copia um triângulo e
outras formas geométricas; compreende coisas usadas diariamente, como dinheiro e
comida.

Comunicação: Fala com clareza; conta uma história simples usando frases completas;
usa o tempo futuro (exemplo: “A vovó vai chegar”). Diz o nome e o endereço.

Pessoal e Social: Quer agradar os amigos e quer ser como eles; mais propenso a
cumprir as regras; gosta de cantar, dançar e atuar; tem consciência do gênero (sou
menino/ sou menina); consegue separar o real do imaginário; mostra mais independência
(por exemplo: pode visitar um vizinho de porta sozinho, precisando, ainda, de supervisão
de um adulto). Às vezes é exigente e, às vezes, bastante cooperativo.

Sinais de Alerta
Aos 5 anos: Se a criança não demonstra emoções; se demonstra comportamentos
extremos (medos, agressividade, choros ou tristeza fora do comum); se é retraída ou
pouco ativa, ou se não consegue focar em alguma atividade por mais de cinco minutos;
não consegue separar o real do imaginário; não brinca de uma série de jogos e
atividades; não consegue dizer seu nome e sobrenome; não usa plurais e tempo
passado corretamente; não fala sobre as atividades ou experiências diárias; não faz
desenhos; não consegue escovar os dentes, lavar e enxugar as mãos, ou se despir sem
ajuda ou se perde habilidades que já adquiriu.

Os sinais de alerta aqui apresentados podem ser indícios de algum transtorno do


desenvolvimento, tanto neurológico, como comportamental ou sindrômico. No entanto,
deve ser levado em consideração o contexto em que a criança está inserida, pois o
ambiente e a interação social com o meio são capazes de causar impactos significativos
no desenvolvimento.

Existem alguns sinais que são considerados bandeiras vermelhas para o


Transtorno do Espectro Autista (TEA), que incluem (SETÚBAL, 2018):

- Não apresentar nenhum sorriso ou outras expressões de alegria até os seis meses ou
depois dessa fase;

- Não compartilhar sons, sorrisos ou outras expressões faciais até os nove meses;

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

- Não emitir nenhum balbucio até os 12 meses;

- Não apresentar gestos, como apontar, mostrar, alcançar ou acenar, até os 12 meses;

- Não falar nenhuma palavra até os 16 meses;

- Não falar nenhuma frase significativa de duas palavras (sem incluir imitar ou repetir) até
os 24 meses;

- Qualquer perda de fala, balbucio ou habilidades sociais em qualquer idade.

Se algum desses sinais for observado na criança, deve-se procurar um profissional


especializado para que seja feita uma investigação minuciosa, que deve envolver a família
(cuidadores) e a escola, devendo-se considerar fatores, como a idade da criança, além do
contexto social e familiar aos quais ela está inserida.

A CADERNETA DE SAÚDE DA CRIANÇA

O Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança (PAISC), instituído em 1984


em âmbito nacional, assumiu o compromisso estatal com a vigilância do desenvolvimento
infantil. Todavia, houve uma subvalorização do desenvolvimento em relação a outros
cuidados básicos, como as imunizações e o acompanhamento do crescimento (CAMINHA
et al, 2017). Somente em 2005, quando o Cartão da Criança foi convertido em Caderneta
de Saúde da Criança (CSC), os marcos do desenvolvimento ganharam espaço e
valorização no principal instrumento de registro e acompanhamento da saúde infantil na
atenção primária (CAMINHA et al, 2017). Assim, a CSC possibilita que os pais possam
acompanhar o desenvolvimento da sua criança, a partir de informações claras sobre o
acompanhamento e promoção do desenvolvimento e do registro feito pelos profissionais
no Instrumento de Avaliação do Desenvolvimento Integral da Criança, incluso na caderneta
(CAMINHA et al, 2017).

A CSC traz orientações sobre os cuidados com a criança para que se desenvolva
de forma saudável, com orientações sobre direitos e deveres, aleitamento materno,
alimentação complementar saudável, vacinas, saúde bucal, consumo e acesso aos
equipamentos e programas sociais e de educação, além dos marcos do desenvolvimento.
A CSC apresenta, inclusive, alguns pontos que foram tratados nesse capítulo que podem

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

auxiliar no cuidado com a criança, como “Percebendo alterações no desenvolvimento” e


“Acompanhando o desenvolvimento”.

É importante ressaltar que, para uma educação, saúde e desenvolvimento integral


da criança, é necessário um trabalho conjunto entre os pais, a comunidade e os
profissionais de saúde, educação e assistência social, para um cuidado completo da
criança (BRASIL, 2020). Assim, os pais devem ser incentivados a ler a CSC, solicitar que
seja feito o registro do desenvolvimento de seus filhos e, sempre que houver dúvidas ou
preocupações, buscar orientação profissional.

ALGUMAS ORIENTAÇÕES PARA UM DESENVOLVIMENTO INFANTIL SAUDÁVEL

Como um processo evolutivo, o desenvolvimento se dá pela aquisição de


habilidades e competências, sempre marcado por influências de fatores individuais e
contextuais que resultam em desfechos, positivos ou negativos, para a criança. Portanto,
pode, sim, ser influenciado positivamente, por meio de ações simples:

- Antes de 2 meses: Neste início é importante abraçar, conversar e brincar com o


bebê, o que pode ocorrer durante a amamentação, troca de roupa e banho. O
contato com a mãe, pai ou outro familiar é muito importante para a criação de
vínculo, e isso acontece, principalmente, pela voz e pelo toque. Além disso,
observar e identificar o ritmo da criança, o que ela gosta e não gosta, ajuda os pais
a criar uma rotina, o que permite que eles se sintam mais confiantes, e a criança,
mais segura. Colocar o bebê de bruços (barriga para baixo) quando estiver
acordado e dispor brinquedos ou objetos coloridos ao redor dele, estimula o
desenvolvimento motor e cognitivo (CDC, 2022; BRASIL, 2020).
- 4 meses: As orientações para o bebê até dois meses continuam, como conversar
com a criança de forma alegre e estabelecer rotina (principalmente para o sono) e
imitar os sons do bebê; cantar ou ler para o bebê, em momentos calmos de
interação; oferecer oportunidades seguras para o bebê alcançar brinquedos e
explorar o ambiente ao redor, e posicionar brinquedos ao redor dele de maneira que
possa alcançá-los ou chutá-los com os pés (CDC, 2022; BRASIL, 2020).
- 6 meses: Brincar com o bebê no chão, quando possível, e de forma “recíproca”,
sorrindo quando ele sorrir e imitando os sons que ele faz. Ler livros para a criança,

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

de preferência com imagens coloridas e permitir que a criança participe “lendo” e


balbuciando. Com o bebê deitado (de bruços ou de barriga pra cima), oferecer
objetos levemente fora do seu alcance, estimulando para que ele role (CDC, 2022;
BRASIL, 2020).
- 9 meses: Além do que foi proposto anteriormente, os pais devem começar a
descrever o que estão vendo (por exemplo: “essa bola é vermelha”). Brincadeiras de
causa e efeito, como rolar bolas para frente e para trás ou empurrar carrinhos, são
bem vindas (CDC, 2022; BRASIL, 2020).
- 1 ano: Continuar lendo para a criança frequentemente, permitindo que ela vire as
páginas e aponte as imagens. Oferecer brinquedos que estimulem o uso das mãos,
como blocos de montar. Cantar músicas com gestos e onomatopéias (por exemplo:
“A dona aranha” ou “O Sítio do Seu Lobato”) (CDC, 2022; BRASIL, 2020).
- 18 meses (1 ano e meio): É importante nomear emoções da criança, como: “você
fica feliz brincando com esse brinquedo” e incentivar a empatia. Oferecer
brinquedos que ensinam causa e efeito e resolução de problemas, como blocos,
bolas e quebra cabeça pequeno, além daqueles que incentivam o faz de conta,
como bonecas ou telefones de brincar (CDC, 2022; BRASIL, 2020).
- 2 anos: A criança pode ser incentivada a ajudar com tarefas simples, como varrer a
casa. Na brincadeira com outras crianças, deve-se dispor de vários brinquedos e
incentivar a interação. A criança deve ser ensinada a identificar e falar as partes do
corpo, sons e nomes de animais e objetos. Desenhos livres também devem ser
incentivados, podendo pendurar, nas paredes ou geladeira, o que foi desenhado.
Incentivar atividades ao ar livre, em parques e praças, para poder correr e escalar
com supervisão (CDC, 2022; BRASIL, 2020).
- 3 anos: O incentivo à brincadeira com outras crianças é fundamental, bem como o
estabelecimento de regras e limites . A criança deve ser auxiliada na resolução de
um problema quando aborrecida, com afeto e firmeza. Jogos de combinação de
objetos e de contar são interessantes, assim como as artes (CDC, 2022; BRASIL,
2020) .
- 4 anos: Brincadeiras de faz de conta, com a criança, que trabalhem a imaginação e
criatividade são essenciais para o desenvolvimento saudável. A criança já pode ser
incentivada a fazer escolhas simples, como o que vestir ou onde passear. Também
deve ser permitido que ela tente, sozinha, resolver conflitos com outras crianças,
estando, o adulto, por perto. Os adultos, sempre que possível, devem reservar um

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

tempo para responder aos “porquês” ou ajudá-los a procurar a resposta (CDC,


2022; BRASIL, 2020).
- 5 anos: As brincadeiras com outras crianças e passeios ao ar livre devem sempre
ser incentivados. A criança já pode ter mais liberdade para escolher as atividades
que quer brincar com os amigos e resolver seus problemas sozinha. A criança
também deve ser ensinada sobre identificação, localização e tempo, como o
endereço e telefone do responsável, além de conceitos como hoje, amanhã e ontem
(CDC, 2022; BRASIL, 2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os marcos do desenvolvimento são delineamentos importantes para o


acompanhamento do desenvolvimento infantil, oferecendo subsídios para a identificação
das aquisições motoras, cognitivas, sociais e comportamentais que são esperadas para
cada faixa etária.

Não obstante, com o advento da Caderneta de Saúde da Criança, esses marcos


foram disponibilizados aos pais ou cuidadores, de maneira simples e objetiva, auxiliando
na compreensão dos aspectos envolvidos no desenvolvimento infantil, possibilitando,
assim, a identificação de possíveis alterações no desenvolvimento de sua criança.

Os sinais de alerta servem como base para chamar a atenção para alguma
característica que, talvez, não esteja sendo desenvolvida de maneira adequada, conforme
o esperado. No entanto, é de suma importância considerar os aspectos envolvidos no
desenvolvimento, tais como biológico, psicossocial e ambiental, pois, embora existam os
padrões esperados para cada faixa etária, cada criança é um ser único e pode
desenvolver-se à sua maneira, no seu tempo, dentro do contexto ambiental e sociocultural
aos quais esteja inserida.

Outrossim, o desenvolvimento infantil pode ser influenciado por ações simples que
auxiliam a aquisição de habilidades importantes para a evolução da criança. Portanto, os
pais ou cuidadores, assim como profissionais da saúde e da educação, têm papel
fundamental no desenvolvimento infantil saudável, devendo-se proporcionar um ambiente
propício para o bom desenvolvimento da criança, em qualquer idade.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Ademais, políticas públicas sociais, de saúde e de educação, que auxiliem no


provimento da integridade das famílias e da comunidade, precisam ser implementadas ou
efetivadas, para que sejam potencializadas as condições favoráveis para o
desenvolvimento infantil.

REFERÊNCIAS:

ALBUQUERQUE, K. A. Adaptação Transcultural do Battelle Developmental Inventory,


2nd Edition para o Brasil e evidências psicométricas da versão de triagem para
avaliação de crianças até dois anos de idade. Espírito Santo: Universidade Federal do
Espírito Santo, 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Caderneta de Saúde da Criança: Passaporte para a
cidadania. 3ª ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde, 2022.
BRONFENBRENNER, U. A Ecologia do Desenvolvimento Humano: Experimentos
Naturais e Planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996
BRONFENBRENNER, U. The Bioecological Theory of Human Development. In Making
human beings human: Bioecological perspectives on human development (pp. 3–15).
Thousand Oaks, CA: Sage, 2005.
CAMINHA, M. F. C. et al. Vigilância do Desenvolvimento Infantil: Análise da Situação
Brasileira. Revista Paulista de Pediatria [online]. 2017, v. 35, n. 01 p. 102-109. Disponível
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Thrive. 06 de Junho de 2022. Disponível em:
https://www.cdc.gov/ncbddd/spanish/actearly/index.html. Acesso em 20 de junho de 2022.
CUNHA, A. J. L. A.; LEITE, Á. J. M.; DE ALMEIDA, I. S. The pediatrician‟s role in the first
thousand days of the child: the pursuit of healthy nutrition and development. Jornal de
Pediatria (Versão Em Português), 91(6), S44–S51. 2015.
GUERRA, N. G.; WILLIAMSON, A. A.; LUCAS-MOLINA, B. Desenvolvimento normal:
infância e adolescência. In Rey JM, Martin (eds), JM Rey‟s IACAPAP e-Textbook of Child
and Adolescent Mental Health (edição em Português; Dias Silva F, ed). Geneva:
International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions, 2020.
NATIONAL SCIENTIFIC COUNCIL ON THE DEVELOPING CHILD. The Timing and
Quality of Early Experiences Combine to Shape Brain Architecture. Working Paper 5#.
2008.
NATIONAL SCIENTIFIC COUNCIL ON THE DEVELOPING CHILD. Young children
Develop in an environment of relationships. Working Paper. Cambridge, MA: National
Scientific Council on the Developing Child. 2009.
NAUDEAU, S.; KATAOKA, N.; VALERIO, A.; NEUMAN, M. J.; ELDER, L. K. Como
Investir na Primeira Infância Um Guia para a Discussão de Políticas Como Investir na
Primeira Infância. São Paulo, 2011.
PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento Humano. 12a ed. Porto Alegre:
Artmed, 2013.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

SETÚBAL, J. L. Aprenda a identificar os sinais de autismo e obtenha um diagnóstico


cedo. Instituto Pensi. Disponível em: <https://institutopensi.org.br/blog-saude-infantil/sinais-
de-autismo-diagnostico/> Acesso em junho de 2022.
SAMEROFF, A. E. The Transactional Model of Development: How Children and
Contexts Shape Each Other. The transactional model of development. 1st ed.. Washington,
DC: American Psychological Association, 2009.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 2

A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Lívia Maria Fernandes Araújo Hosken


Ana Nery de Castro Feitosa

INTRODUÇÃO

A história do brincar está intimamente ligada à história da criança. Na infância, o


brincar é a forma predominante de ocupação e serve de aprendizado. Por meio do brincar,
a criança aprende e adquire valores, interesses, hábitos e habilidades nas áreas motoras,
sociais, cognitivas, emocionais e de linguagem (KIELHOFNER; BURKE; IGI, 1991;
TEIXEIRA et al, 2003). O brincar é a principal interação entre a criança e seu ambiente.
Segundo Kudo et al (1994) o brincar constitui-se em um dos aspectos mais
autênticos do comportamento infantil. É através dele que se inicia o processo de
autoconhecimento, de contato com a realidade externa e interação com o mundo.
Teixeira et al (2003) apontam que o brincar é essencial ao desenvolvimento
humano, é onde a criança estabelece seu psiquismo utilizando-se do lúdico para criar
relações. Segundo Friedmann et al (1998), o brincar tem um papel exclusivo e significativo
na interação criança-adulto e criança-criança. Através do brincar, as formas de
comportamento são experimentadas e socializadas.

Diante da abordagem desses autores, vimos que o brincar é essencial para a


vivência de experiências e aprendizagens na vida de uma criança. Atualmente,
observamos que a criança teve seu cotidiano modificado, o espaço do brincar diminuiu
devido, principalmente, à influência da tecnologia e ao acesso a telas (por exemplo:
televisão, smartphones, tablets, jogos de vídeogames).

Dentre outros fatores que impactaram na redução do tempo do brincar livre,


podemos destacar, também, a modificação do espaço físico ao longo dos últimos anos,
com o crescimento das cidades e falta de segurança para o brincar nas ruas, praças e
parques, assim como mudanças econômicas, onde a rotina de trabalho dos adultos
reduziu o tempo para brincar com os filhos pois, por vezes, necessitam ocupar-se com
outras tarefas.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

O brincar é objeto de estudo que vem sendo utilizado em diferentes práticas


profissionais. É instrumento de atuação na educação, na terapia ocupacional, na psicologia
e em diversas áreas da saúde.

Na educação, considerando que as crianças são seres sociais, a escola tem um


papel importante na construção das relações e integração da criança com o meio. Dessa
forma, a educação utiliza o brincar, que é uma atividade com um grande potencial, com o
objetivo de preparar as crianças para a vida social. Na terapia ocupacional, o brincar pode
ser utilizado como um instrumento terapêutico (para atingir objetivos), ou como um fim em
si mesmo (como atividade espontânea que faz parte da criança). A psicologia também
atribui um potencial ao brincar dentro da sua prática de acordo com alguns referenciais
teóricos.

O presente capítulo tem, como objetivo, demonstrar a importância do brincar para


o desenvolvimento infantil, enfatizando as diferentes fases do desenvolvimento e
apresentando, por fim, algumas sugestões de brincadeiras que podem ser ofertadas em
cada fase, considerando-se o desenvolvimento natural e o atípico.

Para este fim, optamos por abordar a teoria de Jean Piaget por ser um autor que
entende o brincar como uma atividade que faz parte do “fazer” e do cotidiano da criança.
Ademais, sua teoria representa, atualmente, o que de mais importante se produziu no
século XX no campo do desenvolvimento infantil (CAVICCHIA, 2010), sendo de suma
importância para a compreensão e análise do desenvolvimento (SCHIRMANN et al, 2019).

O BRINCAR NA TEORIA DE PIAGET

A teoria de Piaget considera que o indivíduo estabelece, desde o nascimento, uma


interação com o meio. É a relação da criança com o mundo físico e social que promove o
seu desenvolvimento cognitivo. O brincar pode ajudar a compreender como a criança se
relaciona com o mundo, com os objetos e com as pessoas (CARVALHO, 1998;
PELLEGRINI, 2001).

De acordo com Piaget o conhecimento não pode ser concebido como algo
predeterminado desde o nascimento, nem como simples registro de percepções e
informações. O conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada desde a infância.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Para o autor, o ato de brincar é constituído de expressão, sendo uma condição para o
desenvolvimento infantil, pois as crianças, quando jogam, assimilam, acomodam e, assim,
podem interferir na realidade à sua volta (NOLETO; MOREIRA, 2021).

Para compreender a visão Piagetiana do brincar, é necessário levar em


consideração os quatro estágios de desenvolvimento que foram estabelecidos por ele:

ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR (0 A 2 ANOS DE IDADE)

Nos primeiros meses de vida, o bebê se adapta a partir de reflexos,


desenvolvendo, aos poucos, a consciência e a intencionalidade das ações motoras. Ele se
concentra apenas nos estímulos que pode perceber através dos sentidos, portanto, se um
objeto não está à vista, ele não existe. O bebê não possui capacidade simbólica, não
apresenta pensamentos, pois sua inteligência é prática, baseada na manipulação e
percepção de objetos concretos. Nesse estágio há um aumento na capacidade sensorial e
motora, assim como há uma passagem de uma percepção egocêntrica do mundo para um
maior interesse nas outras pessoas. O bebê adquire progressivamente uma consciência
sobre o mundo externo e sobre como os outros percebem este mundo.

Resumindo, ao longo dos primeiros dois anos de vida a criança diferencia o que é
dela do que é do mundo, adquire noção de causalidade, espaço e tempo, interage com o
meio demonstrando uma inteligência fundamentalmente prática, caracterizada por uma
intencionalidade e uma certa plasticidade. A partir daí ela organiza e constrói as grandes
categorias de ação que vão servir de base para todas as futuras construções cognitivas
que a criança empreenderá (PALAGANA, 2015).

ESTÁGIO PRÉ-OPERATÓRIO (DOS 2 AOS 7 ANOS DE IDADE)

Nesse estágio, a criança já desenvolveu a capacidade simbólica, logo, é capaz de


reconhecer os símbolos em suas variadas formas, adquirindo certo grau de independência
em relação aos estímulos captados pelos sentidos. Começa a distinguir o significante
(símbolo, imagem, representação), do significado (o objeto ou estrutura real). O
desenvolvimento de representações mentais internas acontece a todo vapor. É com o

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

pensamento representativo que a criança conseguirá aprimorar o pensamento lógico,


característico do estágio seguinte.

Dentre as demais características básicas que identificam a natureza do


pensamento pré-operacional, também pode-se destacar a conduta egocêntrica ou
autocentrada. A criança vê o mundo a partir de sua própria perspectiva e não imagina que
haja outros pontos de vista possíveis. Assim, uma das principais tarefas é sair da
perspectiva do "eu" como único sistema de referência (PALANGANA, 2015).

Este estágio é marcado pela comunicação verbal. É comum a criança falar tudo o
que se passa em sua mente, sem considerar o que as pessoas dizem. A conversa passa a
ganhar mais coerência com a idade, quando passam a prestar mais atenção no que é dito
pelos outros. Nesta fase há uma experimentação intencional e ativa da linguagem e de
objetos, o que contribui para o próximo estágio do desenvolvimento cognitivo.

ESTÁGIO OPERATÓRIO-CONCRETO (DOS 7 AOS 11 ANOS DE IDADE)

As crianças são capazes de manipular mentalmente representações internas,


mobilizando ideias e memórias para realizar operações mentais. Elas começam a formular
regras internas sobre como o mundo funciona e as utilizam para orientar o raciocínio.
Conceitos como números e relações são mais facilmente compreendidos e a linguagem se
torna mais socializada. A criança também adquire maior autonomia em relação aos
adultos, estabelecendo seus próprios valores morais.

ESTÁGIO OPERATÓRIO-FORMAL (A PARTIR DOS 11 ANOS DE IDADE)

No último estágio do desenvolvimento cognitivo, as crianças conseguem realizar


operações mentais que envolvem abstrações e símbolos que não necessariamente tem
formas concretas. Agora elas têm a capacidade do raciocínio abstrato e também são
capazes de se colocar no lugar dos outros, ou seja, imaginar a perspectiva das outras
pessoas sobre determinadas situações.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

A característica mais importante dessa fase é o desenvolvimento do pensamento


hipotético-dedutivo. As crianças aprimoram suas habilidades de formular hipóteses para
explicar e resolver problemas.

BRINCAR, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS – SUGESTÃO PARA FAMILIARES E


EDUCADORES

Vimos que o brincar é uma atividade inerente à criança e contribui para o


desenvolvimento delas. O aprendizado, através das interações com os adultos e com os
pares, favorece o ganho de habilidades motoras, cognitivas, de comunicação e
socialização. A seguir, serão apresentadas sugestões de brincadeiras que podemos utilizar
de acordo com os estágios de desenvolvimento cognitivo descritos por Piaget.

DO NASCIMENTO AOS 2 ANOS DE IDADE:

Abuse das brincadeiras sensório sociais, que são atividades nas quais os adultos e
as crianças se envolvem alegremente, de maneira recíproca e que não precisam de
objetos. Utilize músicas, cante para o bebê em diversas horas do dia, use variações em
relação ao ritmo, tons de voz e velocidade. Narre as atividades rotineiras que realiza com
ele (ex: conte o passo a passo do momento do banho, explore os sentidos, cheirinho do
sabonete, o seu toque, a temperatura da água, o barulho do chuveiro, as partes do corpo
que você está secando com a toalha). Embale seu bebê na hora de dormir, conte uma
história mostrando um livro ou figuras coloridas. Utilize expressões faciais variadas e sons
onomatopéicos (exemplo: toc-toc, bum, ploft, tum-tum, chuá, miau, au-au...) de acordo com
a interação que esteja fazendo.

À medida que a criança vai se desenvolvendo aprendem a sentar, alcançar,


segurar (conforme vimos no capítulo sobre o desenvolvimento infantil), essas brincadeiras
podem ir se expandindo. Exemplos:

- Brincadeiras na frente do espelho – sente-se com a criança na frente do espelho e


explore o que ele já consegue fazer: colocar a mão no nariz, mostrar a língua, abrir um
bocão, pater palmas... Você pode incluir adereços na atividade, como chapéu, óculos...

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

- Brincadeira de esconde-esconde – Use objetos para esconder em uma toalha e peça


para a criança encontrar, ou se esconda atrás da uma cortina para a criança te procurar
(utilize a criatividade e faça variações com esconde-esconde).

- Brincadeiras com balões – Sopre um balão, conte “um, dois, três e já” e solte o balão,
deixando-o voar. Repita a brincadeira enquanto houver o interesse. Depois pode variar,
soprando e amarrando o balão para brincar de outra forma.

DOS 2 AOS 7 ANOS

Nessa fase, as brincadeiras sensoriais perdem espaço e podemos pensar em


brincadeiras motoras (com uso de bolas, correr, pular...) e de muita imaginação, criação de
histórias e personagens, além de jogos com trocas de turnos e participação de família e
amigos, que possibilitam resolução de conflitos, melhora das habilidades de comunicação
e autonomia.

Um exemplo é montar um circuito ao ar livre com obstáculos e tarefas a serem


concluídas. Pode-se pensar em uma gincana, ou uma trilha, ou até uma caça ao tesouro
com regrinhas e etapas incluindo várias brincadeiras (motoras, com texturas diferentes).
Basta colocar a imaginação para trabalhar. Usar atividade com água em dias quentes é
atrativo.

Brincadeiras de imitação, de faz de conta, com uso de fantasias, fantoches


também são interessantes nessa fase. Jogos de montar, de construir, quebra-cabeça,
colaboram com a criatividade e desenvolvimento de coordenação motora fina. Jogos de
adivinhação do tipo: “o que é, o que é”, contribuem para o desenvolvimento da capacidade
de abstração, formação de ideias, além de estimular a criatividade e imaginação.
Brincadeiras de “estátua” e do “vivo ou morto”, estimulam controle motor e o domínio das
emoções.

DOS 7 AOS 11 ANOS

Nessa fase, as crianças começam a se interessar por jogos de tabuleiro que


estimulam o pensamento estratégico e a competição. Brincadeiras de mão acompanhadas

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

por canto, tipo “adoleta”, “escravos de Jó” trabalham a memória, a inibição e a flexibilidade
cognitiva.

De 11 anos em diante, podemos expandir as brincadeiras citadas anteriormente,


aumentando o grau de dificuldade, como exemplo, a caça ao tesouro ou o circuito, tendo
mais desafios de acordo com essa idade de desenvolvimento. Permanece, aqui, o
interesse por jogos de tabuleiro e outros jogos. Uma brincadeira interessante para
estimulação cognitiva é a Adedonha (ou conforme suas variações regionais: Adedanha ou
Stop), além de “qual é a música”, que também pode ser atrativa nessa fase.

O BRINCAR ATÍPICO

Vimos, até aqui, que o brincar favorece o desenvolvimento através dos estímulos
recebidos por nossos sentidos. Compreender o desenvolvimento sob a ótica sensorial é
primordial para a relação entre o ambiente e nossa capacidade de extrair dele o que
precisamos para interagir e aprender.

O desenvolvimento é integrativo, sendo, as informações sensoriais, necessárias


para que o indivíduo se desenvolva, aprimore suas habilidades e capacidades. O
processamento sensorial é a filtragem, interpretação e organização das informações
recebidas do ambiente e do corpo e tem, como resposta, um comportamento (MOMO;
SILVESTRE; GRACIANI, 2012). Para entendermos o processamento sensorial é
necessário explicar suas etapas:

1) Registro Sensorial: captação dos estímulos;


2) Modulação sensorial: intensidade, frequência, duração e especificidade dos
estímulos;
3) Discriminação sensorial: o estímulo é identificado;
4) Planejamento e organização do comportamento: seria a idealização do que fazer, o
julgamento, o sequenciamento e a organização necessária para dar a resposta ao
meio.

Crianças com transtornos do neurodesenvolvimento apresentam alterações no


processamento sensorial que, consequentemente, afetam a habilidade do individuo
perceber as informações e processá-las em forma de respostas adaptativas ao meio
(SERRANO, 2016). De acordo com a Teoria da Integração Sensorial, os sistemas

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

sensoriais vestibular, proprioceptivo, tátil, visual e auditivo são a base para o


desenvolvimento na infância, onde o brincar é fundamental para que isso aconteça
(AYRES, 1979).

Para Camargos Jr (2017), o brincar é essencial para o bem-estar social, físico,


emocional e cognitivo da criança. Como familiares e educadores de crianças com
transtornos do neurodesenvolvimento podem estimular o brincar? É preciso compreender o
estágio do desenvolvimento que a criança se encontra, entender que cada criança tem
uma maneira única de estar no mundo, de processar as informações sensoriais e
responder ao meio.

Os profissionais de saúde podem colaborar, mas, acima de tudo, a relação com os


pais e cuidadores é o mais importante (PIACENTINI, 2011). Construir um relacionamento
com a criança é o primeiro passo para ajudar o seu desenvolvimento. Não existe uma
“receita de bolo” para estimular o brincar atípico, mas algumas perguntas podem ajudar na
reflexão: O que faz minha criança engajar? O que a deixa calma, atenta e interessada?
Quais estímulos ela gosta e quais não gosta?

Deve-se observar a criança no ato de brincar para entender melhor seus


interesses e necessidades, bem como para conhecer suas habilidades e, assim, selecionar
brincadeiras que atraiam sua atenção e que contribuam para a evolução do seu
desenvolvimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O brincar, cuja importância é enfatizada nesse capítulo, é a ocupação primordial da


criança e deve ser incentivada como uma forma de estimular o desenvolvimento infantil
adequado, de acordo com as fases do desenvolvimento.

Concernente à teoria piagetiana, o desenvolvimento evolui em etapas que vão se


aprimorando em decorrência da aquisição de novos conhecimentos e habilidades, diante
da maturação do cérebro e dos estímulos recebidos.

Nas crianças com transtornos do neurodesenvolvimento, essa maturação do


cérebro é diferente, apresentando alterações no processamento sensorial que podem
influenciar a forma como essas crianças se desenvolvem.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

É imprescindível considerar que cada criança é um ser em particular, com seus


aspectos biológicos, psicológicos e emocionais específicos, sofrendo influências do meio
em que vive, se possui mais estímulos ou não, dependendo, inclusive, do grau de
instrução dos familiares e cuidadores.

Portanto, a observação da criança em seu meio, no dia-a-dia, no convívio com


familiares e na escola, é essencial para o conhecimento de suas necessidades e
potencialidades no âmbito de seu desenvolvimento, e estas devem ser consideradas ao se
ofertar jogos e brincadeiras.

REFERÊNCIAS:

AYRES, A. J. Sensory Integration and the child. Los Angeles: Western Psychological
Services: 1979
CAMARGO JR., W. et al. Intervenção precoce no autismo – guia multidisciplinar de
zero a 4 anos. Belo Horizonte: Artesã, 2017
CARVALHO, V. C. L. Desenvolvimento humano e psicologia: generalidades,
conceitos, teorias. Belo Horizonte: UFMG, 1996.
CAVICCHIA, D. C. O Desenvolvimento da Criança nos primeiros anos de vida. UNESP
[Acervo Digital]. 06 de dezembro de 2010. Disponível em:
https://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/224?mode=full
FRIEDMANN, A. et al. O direito de brincar: a brinquedoteca. 4ª ed. São Paulo: Abrinq,
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KIELHOFNER, G; BURKE, J. P; IGI, C. H. Um modelo de ocupação humana – parte 4 /
avaliação e intervenção: modelo de tratamento, teoria. Revista de Terapia
Ocupacional, São Paulo, n.2/3, v.2, p.127-144, 1991
KUDO, A. M. et al. Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional em Pediatria.
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MOMO, A. R. B; SILVESTRE, C.; GRACIANI, Z.; Atividades Sensoriais – na clínica, na
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NOLETO, M. S. R.; MOREIRA, C. A. O brincar como contribuição para o desenvolvimento
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PALANGANA, I. C. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotski: a
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PELLEGRINI, D. Aprenda com eles e ensine melhor. Revista Nova Escola, São Paulo, p.
19 – 25, jan/fev. 2001
PIACENTINI, P.; GOLDSTEIN, A.; CAPELLI, D.; Brincar é desenvolver: um caminho
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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 3

ESTRESSE
ESTRESSE TÓXICO
TÓXICO NANA INFÂNCIA E
INFÂNCIA EMEM
CONTEXTO DE PANDEMIA
CONTEXTO DE PANDEMIA

Antonia Kaliny Oliveira de Araújo


Álvaro Jorge Madeiro Leite

INTRODUÇÃO

As experiências adversas na infância (ACEs), sobremodo cumulativas, podem ter


um impacto duradouro no desenvolvimento infantil e na saúde ao longo da vida. O
desenvolvimento infantil é o resultado de uma relação contínua entre a biologia
(predisposição genética da criança) e a ecologia (ambiente social e físico). As conexões
neurais são particularmente sensíveis nos primeiros anos de vida e podem ser danificadas
durante períodos de estresse extremo e frequente. Os ACEs são os principais
determinantes da saúde e do bem-estar subsequentes, impactando no custo social, na
utilização dos serviços de saúde e na qualidade de vida (SHONKOFF; GARNER, 2012).

Em 2012, aproximadamente 686.000 crianças foram consideradas vítimas de abuso


e/ou negligência (Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos,
2013), mas é provável que muito mais crianças estejam sofrendo condições adversas
prejudiciais em seu desenvolvimento. Essas crianças podem já terem sofrido danos em
seus cérebros e em seu crescimento, e esses danos podem afetar sua capacidade de
aprender, formar relacionamentos positivos e levar uma vida saudável.

Assim como as experiências positivas podem ajudar no desenvolvimento saudável


do cérebro, as experiências das crianças com maus-tratos infantis ou outras formas de
estresse tóxico, como violência doméstica, física, psicológica, negligência ou desastres,
podem afetar negativamente o desenvolvimento do cérebro. Isso inclui mudanças na
estrutura e na atividade química do cérebro (por exemplo, diminuição do tamanho ou
conectividade em algumas partes do cérebro) e no funcionamento emocional e
comportamental da criança, por exemplo, sensibilidade excessiva a situações estressantes
(SHONKOFF; PHILLIPS, 2000).

Para Shonkoff e Phillips (2000) se as crianças vivem em um mundo caótico ou


ameaçador, no qual seus cuidadores respondem com abusos ou cronicamente não

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

fornecem nenhuma resposta, seus cérebros podem se tornar hiperalertos para o perigo ou
não se desenvolver totalmente. Essas vias neuronais que são desenvolvidas e fortalecidas
sob condições negativas preparam as crianças para lidar com esse ambiente negativo, e
sua capacidade de responder ao cuidado e à gentileza pode ser prejudicada.

A saúde mental se relaciona diretamente a uma boa qualidade de vida, promovendo


felicidade e autoconfiança para lidar com as adversidades. Estima-se que
aproximadamente 10-20% das crianças e dos adolescentes do mundo apresentam algum
problema psíquico, liderando o quadro de diagnósticos clínicos nessa faixa etária. Suas
consequências podem perdurar por toda a vida (KIELING et al., 2011). A pandemia da
infecção causada pelo SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome coronavírus 2)
denominada Doença coronavírus 2019 ou COVID-19 amplifica os fatores estressores do
psiquismo e influencia negativamente a saúde mental (YOSHIKAWA et al, 2020).

A pandemia da COVID-19 representou uma ameaça sem precedentes à saúde


mental global da população. As crianças podem ser mais suscetíveis aos impactos na
saúde mental considerando seu estágio de desenvolvimento vulnerável, medo de infecção,
confinamento em casa, suspensão da escola regular, atividades extracurriculares,
comprimento de decreto para manter distanciamento físico e ameaças de maior escala,
como recessões financeiras globais e impactos associados (SAMIJI, 2021).

Epidemia, pandemias e outras emergências em grande escala têm o potencial de


afetar negativamente a saúde mental durante o evento e a longo prazo. Em resposta à
pandemia da COVID-19, as medidas de mitigação interromperam o aprendizado pessoal,
as redes sociais e comunitárias, as atividades recreativas e o acesso aos cuidados de
saúde, desafiando os atendimentos regulares e quadro de saúde da criança. Embora
essas medidas sejam necessárias para evitar uma escalada de emergência de saúde
pública, o isolamento social prolongado e o confinamento em casa podem levar a
problemas de saúde mental e bem-estar imediato (KAUFMAN et al., 2020; WANG et
al., 2020).

A Organização Mundial da Saúde - OMS considera que o efeito cumulativo de


múltiplos fatores de risco e fatores de proteção inadequados podem reduzir o bem-estar
mental e aumentar a vulnerabilidade ao surgimento de doenças mentais (OMS,
2014). Indivíduos em riscos podem experimentar um novo início de doença mental,
enquanto aqueles com condições de saúde mental pré-existentes podem experimentar

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

piora sintomática, especialmente se o acesso aos serviços de saúde mental for


interrompido (MORENO et al., 2020).

Segundo a OMS, os sistemas de saúde ainda não respondem adequadamente à


quantidade de pacientes com transtornos mentais. Como consequência, a distância entre a
necessidade de tratamento e sua oferta é ampla em todo o mundo. Em países de baixa e
média renda, entre 76% e 85% das pessoas com transtornos mentais não recebem
tratamento. Em países de alta renda, entre 35% e 50% das pessoas com transtornos
mentais estão na mesma situação (OMS, 2018).

A questão norteadora para a condução deste capítulo foi assim definida: Diante da
preocupação mundial acerca das possíveis consequências que a pandemia da covid-19
pode acarretar na vida da criança, qual o impacto dessa experiência na saúde mental da
criança? O que têm sido estudado durante os últimos anos, sobre experiências adversas e
pandemia?

O presente capítulo tem como objetivo compreender como as adversidades


precoces afetam o desenvolvimento infantil, e também busca expandir o conhecimento
sobre os impactos da pandemia da covid-19 como um evento estressor na saúde mental
da criança.

O CÉREBRO EM DESENVOLVIMENTO: ESTRESSE E EXPERIÊNCIAS ADVERSAS NA


INFÂNCIA

As crianças passam por distintos períodos de desenvolvimento à medida que


crescem desde bebês até jovens adultos. Durante cada um desses estágios, ocorrem
várias mudanças no desenvolvimento do cérebro. O que ocorre e aproximadamente
quando esses desenvolvimentos acontecem são determinados geneticamente. No entanto,
as circunstâncias ambientais e as trocas com indivíduos-chave nesse ambiente têm uma
influência significativa sobre como cada criança se beneficia em seu desenvolvimento
(KERKER et al, 2015).

A infância é considerada um período sensível no decurso da vida, durante o qual


uma adversidade significativa pode lançar cadeias de desvantagens nas relações ao longo
do ciclo vital que, então, têm efeitos cumulativos sobre a saúde, incluindo a saúde mental,
ao longo do tempo (UMBERSON et al., 2014).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

No Brasil, estima-se que 10% a 20% da população infanto-juvenil sofram com


transtornos mentais e, desses, 3% a 4% precisem de tratamento intensivo. Estudos
realizados entre 1980 e 2006 registraram prevalência de 12,6% a 35,2% quando os
informantes foram os pais ou a criança. Ao ser utilizada uma entrevista diagnóstica, a taxa
variou entre 7% e 12,7% (COUTO, 2008; TANAKA, 2009).

As experiências adversas na infância têm sido estudadas desde 1998, pelo Centro
de Controle e Prevenção de Doenças, a fim de compreender as implicações na saúde
pública. Tais experiências referem-se a eventos traumáticos ou passíveis de causar
estresse durante os primeiros 18 anos de vida, incluindo situações como abuso
(emocional, físico, sexual), negligência (emocional, física), convívio com situações de
violência doméstica, abuso de substâncias por parte do cuidador, pai/mãe com transtorno
mental, divórcio/separação ou a prisão do pai ou mãe (VEGA-ARCE; NUÑEZ-ULLOA,
2017).

Para Felitti e colaboradores (1998), Experiências Adversas na Infância, ou ACEs,


são eventos potencialmente traumáticos que ocorrem na infância (0-17 anos), como
vivência de violência, abuso ou negligência; testemunhar a violência no lar; e ter um
membro da família tentando suicídio. Também estão incluídos aspectos do ambiente da
criança que podem perturbar seu senso de segurança, estabilidade e vínculo. Os eventos
traumáticos na infância podem ser emocionalmente dolorosos ou angustiantes e podem ter
efeitos que persistem por anos. Fatores como a natureza, frequência e gravidade do
evento traumático, história anterior de trauma e apoio familiar e comunitário disponíveis
podem moldar a resposta da criança ao trauma.

Segundo Pedrosa (2018) é relevante avaliar os fatores e variáveis relacionadas à


adversidade. Considera-se que a má adaptação em relação às adversidades vividas
associa-se a consequências psicopatológicas e disfunções fisiológicas no decorrer da
infância e idade adulta (BETEL, et al., 2014); que podem ter reflexo na aprendizagem,
comportamento (respostas consideradas não adequadas e/ou que causam sofrimento a
pessoa, frente a adversidades futuras) e a nível fisiológico (como uma “hiperresposta” ou
resposta cronicamente ativa ao estresse) havendo também impacto econômico significante
(PEDROSA, 2018).

O estresse tóxico tem sido definido como a exposição ao estresse crônico, severo e
prolongado, ocorrendo na ausência de fatores de proteção. O estresse excessivo na

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

primeira infância é um risco particular porque pode interromper o desenvolvimento dos


circuitos cerebrais e aumentar os níveis de hormônios do estresse, os quais podem levar a
problemas que perduram até a idade adulta (SHONKOFF, 2012).

O estudo Advers Childhood Experiences (ACEs) é uma colaboração contínua entre


o Health Appraisal Center (HAC) da Kaiser Permanente em San Diego, Califórnia, e os
Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. Em sua concepção a
ACEs, foi um estudo retrospectivo que examinou o impacto de longo prazo de experiências
adversas, como abuso na infância, negligência e disfunção doméstica, podendo causar
estresse prolongado. Este estudo demonstrou que um maior número de estressores
experimentados no início da vida foram associados a estilos de vida pouco saudáveis e
riscos mais tarde na vida, bem como a doenças, sugerindo que o estresse cumulativo, ou
carga alostática, pode ter efeitos sobre a saúde. Os ACEs são eventos ou exposição
contínua a circunstâncias que vão além do controle da criança e podem impactar
negativamente seu bem-estar (MIDDLEBROOKS; AUDAGE, 2008).

Pesquisas subsequentes mostraram que os ACEs estão ligados a mudanças


neurobiológicas, bem como a alterações estruturais e funcionais no cérebro. No entanto, a
maioria das pesquisas sobre ACEs ocorreu retrospectivamente entre indivíduos que já
viviam com exposição ao estresse há anos (HEIM; NEMEROFF, 2001).

O estresse tóxico experimentado no início da vida pode afetar a saúde mental e


física do indivíduo (figura 1), o efeito cumulativo e dose resposta dos ACEs prediz uma
maior probabilidade de problemas posteriores. Da mesma forma, exposições recentes e
persistentes, bem como combinações de ACEs (por exemplo, saúde mental materna e
pobreza) têm maiores implicações para a saúde infantil. Crianças com maior número de
ACEs têm maiores taxas de infecções, asma e obesidade em comparação com uma
população pediátrica geral. Eles correm maior risco de queixas somáticas, como dores de
cabeça, cansaço e problemas estomacais, enquanto seus cuidadores relatam com mais
frequência problemas de saúde infantil (FLAHERTY et. al., 2013; FORKEY et. al., 2016;
FLAHERTY et. al., 2009).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Além disso, os estudos apontaram que as condições de saúde mental são mais
comuns, incluindo atrasos no desenvolvimento e na educação, baixo envolvimento na
escola, transtornos de atenção e oposição desafiadores e ansiedade/depressão. Já no
público de adolescentes ocorre maior risco de delinquência, internalização de
comportamentos negativos, uso de drogas e gravidez precoce. Os adultos com
experiências adversas na primeira infância são mais propensos a ter problemas de saúde
mental e comportamentos de saúde mais arriscados (Figura 2) as condições físicas
associadas incluem diabetes, câncer e doenças cardíacas, enquanto as doenças mentais
incluem depressão e comportamentos de risco à saúde, com comportamentos sexuais de
risco e abuso de substâncias (GILBERT et al., 2015).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Desse modo, identificar precocemente problemas psicossociais é importante para


prevenir consequências futuras, além de melhorar o prognóstico (CRONE et al., 2016). É
por isso, que as adversidades na infância são consideradas foco central na prevenção de
patologias e promoção do bem-estar (VEGA-ARCE; NUÑEZ-ULLOA, 2017).

PANDEMIA E OS IMPACTOS NA SAÚDE MENTAL INFANTIL

Os fatores de curto prazo que contribuem para o sofrimento mental durante a


pandemia de COVID-19 incluem preocupações sobre a infecção por SARS-CoV-2 e
impactos subsequentes na saúde, isolamento social e agravamento dos determinantes
sociais da saúde mental, como estressores socioeconômicos resultando em estresse e
aumento da doença mental (AKNIN et al., 2021 ). Em uma pesquisa longitudinal no Reino
Unido com mais de 50.000 indivíduos se descobriu que a proporção de relatos de níveis
clinicamente significativos de sofrimento mental aumentou de 19% em 2018 para 27% em
abril de 2020, um mês após o bloqueio COVID-19 (PIERCE et al., 2020).

Da mesma forma, estudos realizados na Espanha descobriram que, durante esse


bloqueio, as crianças mostraram medos que nunca haviam expressado antes, incluindo
aumento de irritabilidade, nervosismo, problemas de comportamento e solidão (EZPELETA
et al., 2020; IDOIAGA et al., 2020; IDOIAGA et al., 2021; ORGILÉS et al., 2020).

Estudos de Brooks e colaboradores (2020) e López-Bueno e colaboradores (2020)


revelam que o impacto psicológico foi amplo, substancial e duradouro e incluiu problemas
como ansiedade, raiva, distúrbios do sono, depressão e até estresse pós-traumático. Além
disso, verificou-se que as mudanças nos sentimentos negativos dos pais e no
comportamento de externalização dos filhos foram mediadas pelo estresse percebido e
que o estresse percebido nos pais e filhos foi associado a estratégias de
enfrentamento negativas (ACHTERBERG et al., 2021; GASSMAN-PINES et al.,
2020; PATRICK et al., 2020; RAW et al., 2021).

O fechamento de escolas e a quarentena domiciliar durante a pandemia foram


apontados como causas de ansiedade e solidão entre os jovens, com um efeito negativo
no comportamento das crianças (por exemplo, tempo e qualidade do sono) e bem-estar
psicológico (regulação emocional e capacidade de autorregulação) com alguma variação
de acordo com a situação de trabalho das mães.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

O bloqueio parece ter afetado o tempo de sono das crianças, em vez de sua
qualidade. As dificuldades para seguir uma rotina regular, juntamente com as mudanças
acima, levaram a uma mudança em suas rotinas diárias. Um nível elevado de sintomas
emocionais (por exemplo, tristeza e frustração) entre as crianças. As mães também
relataram um aumento em suas crianças de indisciplina e hiperatividade, com piora da
capacidade de auto-inibição e controle (capacidade de regular as próprias emoções,
pensamentos e comportamento) em comparação com o período antes do fechamento da
escola. A fadiga emocional nas mães estava ligada à perturbação da capacidade inibitória
de autocontrole das crianças (DI GIORGIO et al, 2020).

Os resultados do estudo de Chaabane (2021) sugerem que o impacto do


fechamento de escolas durante a pandemia da COVID-19 inclui a perda de acesso a
serviços essenciais, saúde, escola e recursos, especialmente para crianças com
deficiência e aquelas que vivem em famílias mais pobres (CHAABANE et al, 2021).

O fechamento das escolas também contribuiu para o aumento da ansiedade e


solidão em jovens e estresse infantil, tristeza, frustração, indisciplina e
hiperatividade. Observou-se, também, que quanto maior for a duração do fechamento e
redução da escola, da atividade física diária, maior foi o aumento previsto do Índice de
Massa Corporal na infância com prevalência de obesidade (CHAABANE et al, 2021). A
literatura indica que durante os meses de verão houve a correlação de várias
consequências negativas entre as crianças. Incluindo maior tempo de tela, ganho de peso
prejudicial à saúde e um aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade (HIPPEL;
WORKMAN, 2016). O fechamento de escolas associado à pandemia levanta questões
importantes e urgentes sobre como isso pode afetar a educação de crianças e
adolescentes, sua vida social e saúde (CHAABANE et al, 2021).

A literatura amplamente publicada sugere que as epidemias podem causar danos


emocionais em ambos os filhos e seus pais, que começa com as preocupações sobre as
crianças serem infectado enquanto frequentava a escola (ARAÚJO, 2020).

Pode-se observar que esses novos desafios potencializam os problemas existentes


previamente no contexto familiar, especialmente naquelas que apresentam maior
vulnerabilidade psicossocial por viverem em condições adversas com múltiplos fatores de
risco. A violência intrafamiliar pode ser um exemplo de adversidade que se agravou nesse
período de distanciamento social (FÓRUM BRASILEIRO DE SAÚDE PÚBLICA, 2020),

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

mostrando que o confinamento no lar pode aumentar um dos tipos de adversidade mais
preocupantes no microcontexto familiar, ou seja, a violência, que tem impacto negativo no
desenvolvimento das crianças. Destaca-se que a transmissão intergeracional da violência
na família, que começa nas experiências adversas na infância, forma o ciclo vicioso da
violência com consequências deletérias ao desenvolvimento humano (MADIGAN et al.,
2019).

Nesse cenário, os impactos da pandemia sobre a saúde mental em crianças são


significativos e devem ser uma grande preocupação para os legisladores e profissionais
em todo o mundo. À medida que a pandemia persiste, abordagens inovadoras que
aumentem o acesso aos serviços de saúde mental, bem como promovem a resiliência e o
bem-estar mental, como a manutenção da conexão social apesar do isolamento e a
renovação dos laços sociais durante a fase de recuperação, devem ser exploradas e
receber investimento (MORENO, 2020).

Continuamente um estudo identificou uma redução significativa nas apresentações


pediátricas para um departamento de emergência terciário na Nova Zelândia durante o
bloqueio nacional de alerta de nível 4 para COVID-19. O aumento proporcional no grupo
de <1 ano de idade pode sugerir uma maior necessidade de serviços de saúde infantil
baseados na comunidade durante a pandemia de COVID-19. Os serviços de apoio à
saúde mental também podem precisar se adaptar e se expandir para fornecer apoio
psicológico adequado às crianças durante esta crise. O reconhecimento das necessidades
desses grupos vulneráveis será crítico durante a pandemia COVID-19 em andamento,
além de informar os planos de resposta para eventos semelhantes no futuro (BOTHARA,
2021).

Ainda segundo Moreno (2020), com tais características é relevante aumentar a


identificação e o apoio a crianças e suas famílias que vivenciaram impactos
desproporcionais, bem como a implementação de medidas preventivas de maneira mais
ampla, que podem reduzir as sequelas estressoras. Por último, a pandemia pode oferecer
oportunidades para identificar lacunas pré-pandêmicas na prestação de serviços de saúde
mental e adaptar sistemas especializados.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto de estresse extremo como a pandemia de COVID-19, os estudos


apontam que as crianças apresentaram maior irritabilidade, nervosismo, medo, problemas
de comportamento, ansiedade, raiva, hiperatividade, obesidade, distúrbios do sono,
depressão, estresse, transtorno pós-traumático e solidão, considerando que, houve
aumento estatisticamente significativo de sofrimento mental com a pandemia.

Com a presente revisão de literatura, verificou-se que há uma tendência de os ACEs


serem potencializadas durante a pandemia, pois as crianças estão sendo submetidas a
elevados e longos momentos de estresse e em alguns casos, estão passando período
integral com seus abusadores. Contudo, ainda existem poucos dados sobre os impactos
que esse período de transição caracterizado por insegurança e incertezas causará
especificamente no funcionamento psicológico de crianças a longo prazo. Mas é
importante enfatizar, que com o confinamento as crianças estiveram mais expostas as
violências e as disfunções familiares.

Consequentemente, as experiências desafiadoras são oportunidades para o ser


humano aprender novas respostas adaptativas no enfrentamento de adversidades e ativar
processos de resiliência. Nessa fase critica e caótica os pais devem ser estimulados a
parentalidade positiva para conseguirem promover o cuidado físico (alimentação, higiene,
vestuário para proteger), emocional (comportamento parental para promover apego,
segurança e autonomia para tomadas de decisão) e social (estimulação das relações
interpessoais ampliadas).

No entanto, observa-se que, em determinados ambientes familiares, estão


presentes múltiplos fatores de risco que ameaçam o desenvolvimento saudável e
adaptativo das crianças, tais como: falta de estimulação adequada ao nível de
desenvolvimento das crianças; violência, maus tratos, negligência e conflitos, práticas
parentais com disciplina abusiva e coercitiva, abuso de substancias, desnutrição, baixa
escolaridade, desemprego e instabilidade financeira, alta densidade habitacional no lar,
problemas de saúde mental dos pais, entre outros. Desse modo, esses ambientes
familiares em condições adversas permeados por fatores de risco são caracterizados como
estressores e até mesmo traumáticos.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Para maximizar o cuidado, estratégias e abordagens na atenção primária e


secundária devem ser usadas em combinação como parte de um esforço abrangente para
ajudar a garantir que todas as crianças tenham relacionamentos e ambientes seguros,
estáveis e estimulantes nos quais possam prosperar e alcançar saúde e bem estar para
toda a vida.

Portanto, é relevante aprofundar os primeiros achados comparando com outros


estudos de impacto, e investigar por meio de pesquisas de evidências a compreensão das
experiências adversas na infância, estresse tóxico e desenvolvimento infantil no período da
pandemia da covid-19 no Brasil.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

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51
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 4

TIPOS DE TRANSTORNOS MENTAIS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Ana Nery de Castro Feitosa


Francisco de Brito Melo Júnior
José Kleidir de Castro Feitosa
Tereza Beatriz Ramos Colares Ferreira Noronha
Hilzanir Barbosa de Medeiros Machado

INTRODUÇÃO

A infância e a adolescência são fases da vida onde, no imaginário popular, tudo é


brincadeira e diversão. Mas não é bem assim! Existem condições que afetam sua saúde e
bem-estar. Uma delas é a presença de transtornos mentais, que são mais comuns nesse
período do que o que se imagina.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (2022), no ano de 2019 existiam


970 milhões de pessoas no mundo vivendo com algum transtorno mental, sendo 3%
destes indivíduos menores de cinco anos; 7,6% na faixa etária de cinco a nove anos;
13,5%, de 10 a 14 anos e 14,7%, de 15 a 19 anos. Esses números aumentaram após o
início da pandemia da Doença do Corona Vírus (COVID-19) (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2022).

A presença de um transtorno mental, em qualquer idade, causa impactos


significativos na vida do indivíduo. Em crianças e adolescentes, esse impacto pode ser
ainda maior, pois eles estão em fase de desenvolvimento e, por esse motivo, podem não
saber lidar com suas emoções e reagir de forma inadequada em situações que fogem do
seu controle.

Um transtorno mental nessa fase pode causar sérios prejuízos ao


desenvolvimento, incluindo déficits cognitivos, como dificuldades de aprendizagem, de
atenção e alterações da memória (VILLALOBOS et al, 2021), além de outros prejuízos,
como dificuldades de comunicação e de interação social, que podem impactar, de forma
negativa, o desenvolvimento infantil.

52
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Existem alguns fatores de risco envolvidos no surgimento de transtornos mentais


que são ligados a aspectos biológicos, psicológicos, socioeconômicos e culturais. Dentre
esses fatores, estão: condições socioeconômicas precárias, que podem levar à
desnutrição e outras privações; presença de transtorno mental em familiares próximos;
exposição a conflitos familiares, punições físicas e outros maus-tratos; e eventos de vida
estressantes, como a morte de pessoas próximas ou a separação dos pais (ALMEIDA et
al, 2019).

Dentre os fatores de proteção, estão as características pessoais da criança,


características da família, incluindo afetividade, boas relações familiares e redes sociais de
apoio na comunidade (ALMEIDA et al, 2019).

Serão apresentados, a seguir, alguns transtornos mentais/comportamentais que


podem se estabelecer na infância e adolescência, com base na 11ª edição da
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a
Saúde (CID-11), publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esta é a
classificação que, segundo a Lei n. 12.842 de 10 de julho de 2013, seria responsável por
referenciar as doenças no Brasil (BRASIL, 2013). As informações serão correlacionadas
com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, revisão de
texto (DSM-5-TR).

O intuito deste capítulo é meramente informativo, tendo em vista que os


conhecimentos discutidos aqui não são suficientes para a elaboração diagnóstica. Para
tanto, deve-se procurar um profissional de saúde especializado no assunto.

TRANSTORNOS MENTAIS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Os transtornos mentais podem ser desencadeados em qualquer faixa etária ao


longo da vida, porém a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que metade dos
casos de transtornos mentais têm início na adolescência, circunscrita à segunda década
de vida, de 10 a 19 anos e que as condições de saúde mental são responsáveis por 16%
da carga global de doenças e lesões em pessoas nessa faixa etária (OPAS, 2022).

Abaixo segue-se uma tabela contendo os transtornos mentais que podem ter início
na infância e/ou adolescência, seus tipos e subtipos, bem como seus respectivos códigos,
de acordo com o DSM-5-TR e a CID-10, comparados à CID-11.

53
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Tabela 1: Transtornos mentais da infância e adolescência.


TIPO DSM-5-TR + CID 10 CID 11
317 (F70) Leve; 6A00.0
318.0 (F71) Moderada;
6A00.1
318.1 (F72) Grave;
6A00.2
Deficiência 318.2 (F73) Profunda; 6A00.3
Intelectual
Não existe correspondente do
(Transtorno do 6A00.4 - Provisório
CID -10
Desenvolviment
o Intelectual): 315.8 (F88) Atraso Global do
Desenvolvimento;
não é utilizado no CID 11
319 (F79) Deficiência Intelectual
(Transtorno do Desenvolvimento 6A00.Z
Intelectual) Não Especificada.

315.32 (F80.2) Transtorno da 6A01.2 - Trasntorno do Desenvolvimento


Linguagem; da Linguagem
315.39 (F80.0) Transtorno da 6A01.0 - Trasntorno do Desenvolvimento
Transtornos da Fala; do Som da Fala
Comunicação / 315.35 (F80.81) Transtorno da
6A01.1 - Transtorno do Desenvolvimento
Transtorno do Fluência com Início na Infância
da Fluência da Fala
desenvolviment (Gagueira);
o da fala ou da 315.39 (F80.89) Transtorno da
linguagem no CID-11, é um subtipo do Transtorno do
Comunicação Social
desenvolvimento da linguagem - 6A01.22
(Pragmática);

307.9 (F80.9) Transtorno da


6A01.Z
Comunicação Não Especificado.
Transtorno do
299.00 (F84.0) Transtorno do
Espectro 6A02
Autista: Espectro Autista.

314.01 (F90.2) Apresentação


6A05.2
combinada;

314.00 (F90.0) Apresentação


6A05.0
predominantemente desatenta;

Transtorno de 314.01 (F90.1) Apresentação


Déficit de predominantemente 6A05.1
Atenção/Hiperati hiperativa/impulsiva;
vidade 314.01 (F90.8) Outro Transtorno
de Déficit de
6A05.Y
Atenção/Hiperatividade
Especificado;
314.01 (F90.9) Transtorno de
Déficit de Atenção/Hiperatividade 6A05.Z
Não Especificado.
315.00 (F81.0) Com prejuízo na
6A03.0
Transtorno leitura;
Específico da
Aprendizagem 315.2 (F81.81) Com prejuízo na
6A03.1
expressão escrita

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

315.1 (F81.2) Com prejuízo na


6A03.2
matemática
315.4 (F82) Transtorno do
Desenvolvimento da 6A04
Transtornos Coordenação;
Motores
307.3 (F98.4) Transtorno do
6A06
Movimento Estereotipado.
307.23 (F95.2) Transtorno de
8A05.00
Tourette

Foi alterado no CID-11 para:


307.22 (F95.1) Transtorno de (8A05.01) Transtorno de Tique Motor
Tique Motor ou Vocal Persistente Crônico
(Crônico) (8A05.02) Transtorno de Tique Fônico
Crônico
Transtornos de
Tique 307.21 (F95.0) Transtorno de
8A05.03 - Tiques Motores Transitórios
Tique Transitório

307.20 (F95.8) Outro Transtorno


8A05.0Y
de Tique Especificado

307.20 (F95.9) Transtorno de


8A05.0Z
Tique Não Especificado

Transtornos Transtorno depressivo maior -


6A70
Depressivos Episódio único

296.21 (F32.0) Leve 6A70.0

6A70.1 Transtorno depressivo de


episódio único, moderado, sem sintomas
psicóticos
296.22 (F32.1) Moderado
6A70.2 Transtorno depressivo de
episódio único, moderado, com sintomas
psicóticos

6A70.3 Transtorno depressivo de


episódio único, grave, sem sintomas
psicóticos
296.23 (F32.2) Grave
6A70.4 Transtorno depressivo de
episódio único, grave, com sintomas
psicóticos

296.24 (F32.3) Com Não existe essa classificação isolada no


características psicóticas CID 11

Transtorno depressivo maior -


6A71 Transtorno depressivo recorrente
Episódio recorrente

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

6A71.0 Transtorno depressivo recorrente,


296.31 (F33.0) Leve
episódio atual leve

6A71.1 Transtorno depressivo recorrente,


episódio atual moderado, sem sintomas
psicóticos
296.32 (F33.1) Moderado
6A71.2 Transtorno depressivo recorrente,
episódio atual moderado, com sintomas
psicóticos

6A71.3 Transtorno depressivo recorrente,


episódio atual grave, sem sintomas
psicóticos
296.33 (F33.2) Grave
6A71.4 Transtorno depressivo recorrente,
episódio atual grave, com sintomas
psicóticos

296.34 (F33.3) Com Não existe essa classificação isolada no


características psicóticas CID 11

Transtornos de
Ansiedade 309.21 (F93.0) Transtorno de
6B05
Ansiedade de Separação

313.23 (F94.0) Mutismo Seletivo 6B06

300.01 (F41.0) Transtorno de


6B01 Síndrome do pânico
Pânico

300.22 (F40.00) Agorafobia 6B02

300.02 (F41.1) Transtorno de


6B00
Ansiedade Generalizada

Transtorno
Obsessivo-
compulsivo e 300.3 (F42) Transtorno
6B20
Transtornos Obsessivo-compulsivo
Relacionados

307.52 (F98.3) Pica em


6B84
crianças

Transtornos 307.59 (F50.8) Transtorno 6B83


Alimentares Alimentar Restritivo/Evitativo;

307.51 (F50.2) Bulimia Nervosa 6B81 Bulimia Nervosa

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

307.51 (F50.8) Transtorno de


Compulsão Alimentar 6B82

307.6 (F98.0) Enurese (noturna,


diurna ou ambas) 6C00 Enurese

Transtornos da 307.7 (F98.1) Encoprese (com


Eliminação constipação e incontinência por
extravasamento ou sem 6C01 Encoprese
constipação e incontinência por
extravasamento)

FONTE: Adaptado do DSM-5-TR, da CID-10 e da CID-11 (tradução livre).

Além dos transtornos especificados na tabela 1, existem os seguintes tipos:


Transtornos do sono-vigília; Disfunções sexuais; Disforia de gênero, Transtornos
Disruptivos, do controle de impulsos e da conduta; Transtornos relacionados a substâncias
e Transtornos aditivos; Transtornos Neurocognitivos; Transtornos de personalidade;
Transtornos parafílicos; Outros transtornos mentais; e Transtornos do movimento induzidos
por medicamentos e outros efeitos adversos de medicamentos.

O DSM-5-TR traz, ainda, uma parte denominada “Outras Condições que Podem ser
Foco da Atenção Clínica”, onde explana sobre condições de vida que podem ser
experimentadas pelo sujeito, incluindo crianças e adolescentes, que tendem a
desencadear transtornos mentais. As categorias trazidas são: Problemas de
Relacionamento; Abuso e Negligência; Problemas Educacionais ou Profissionais;
Problemas de Moradia e Econômicos; Outros Problemas Relacionados ao Ambiente
Social; Problemas Relacionados a Crimes ou Interação com o Sistema Legal; Outras
Consultas de Serviços de Saúde para Aconselhamento e Opinião Médica; Problemas
Relacionados a Outras Circunstâncias Psicossociais, Pessoais e Ambientais; Outras
Circunstâncias da História Pessoal (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2022).

PRINCIPAIS TIPOS DE TRANSTORNOS MENTAIS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Serão elencados os principais tipos de transtornos mentais nesta fase, tomando-se


por base o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, revisão de
texto (DSM-5-TR) e a 11ª edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde (CID-11) (tradução livre).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

O TEA está classificado na CID-11 como Transtornos do Neurodesenvolvimento


que são transtornos comportamentais e cognitivos que surgem durante o período de
desenvolvimento, envolvendo dificuldades significativas na aquisição e execução de
funções intelectuais, motoras ou sociais (WHO, 2019). Desta forma, o início do TEA ocorre,
geralmente, na primeira infância, ou seja, do nascimento até os 6 anos de idade, mas os
sinais e sintomas podem não se manifestar plenamente até mais tarde.

Esse transtorno afeta o indivíduo através de um prejuízo generalizado e


significativo, cujas causas primárias são decorrentes de características, como: déficits
persistentes na capacidade de iniciar e manter a interação social recíproca e a
comunicação social, e por uma série de padrões de comportamento e interesses restritos,
repetitivos e inflexíveis.

Resumidamente, os déficits persistentes de iniciar e manter interação social


recíproca envolvem graus variados de necessidade de participação social do indivíduo
associado a dificuldades adaptativas em mensurar (processar dicas sociais) e expressar
em comportamento o que é socialmente aceito em um relacionamento.

O déficit persistente na comunicação social faz com que o portador tenha


dificuldades importantes na sua compreensão e expressão. Mas o que é a comunicação
social? Ela é a capacidade agregativa que outras informações trazem à mensagem, como
o comportamento do indivíduo frente o interlocutor (postura, gesticulação...), a prosódia, as
figuras de linguagem, entre outras.

Os padrões de comportamento e interesses restritos, repetitivos e inflexíveis


também podem se manifestar de formas bem diversas. Quando se fala restrito, se quer
dizer que, em determinada situação, o indivíduo costuma expressar um leque pequeno de
desejos ou comportamentos; repetitivo, pois, em virtude desse leque ser pequeno, ele os
repete com frequência; e inflexível devido à reduzida adaptabilidade à outras opções,
podendo gerar inconformismo.

TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL (TDI)

O TDI é outro Transtorno do Neurodesenvolvimento e, antigamente, era chamado


de Retardo Mental, como consta na CID-10. É definido como um grupo de condições com

58
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

causas diversas, originadas durante o desenvolvimento. Caracteriza-se por funcionamento


intelectual significativamente abaixo da média e comportamento adaptativo, que estão,
aproximadamente, dois ou mais desvios-padrão abaixo da média, com base em testes
normalizados, padronizados e administrados individualmente.

Quando esses testes não estão disponíveis, o diagnóstico de distúrbios do


desenvolvimento intelectual requer maior confiança no julgamento clínico baseado na
avaliação apropriada de indicadores comportamentais comparáveis.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, revisão de


texto (DSM-5-TR) tenta explicar de forma menos mecanicista os sinais e sintomas deste
transtorno. Segundo ele, o TDI seria

Um transtorno com início no período do desenvolvimento que inclui déficits


funcionais, tanto intelectuais quanto adaptativos, nos domínios conceitual, social e
prático [...]; déficits em funções intelectuais como raciocínio, solução de problemas,
planejamento, pensamento abstrato, juízo, aprendizagem acadêmica e
aprendizagem pela experiência [...]; déficits em funções adaptativas que resultam
em fracasso para atingir padrões de desenvolvimento e socioculturais em relação a
independência pessoal e responsabilidade social (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2022).

TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH)

O TDAH também é um Transtorno do Neurodesenvolvimento, sendo caracterizado


por um padrão persistente (pelo menos 6 meses) de desatenção e/ou hiperatividade-
impulsividade com início durante o período de desenvolvimento, geralmente no início da
infância, sendo que “o padrão de comportamento deve ser claramente observável em mais
de um cenário” (WHO, 2019).

O nome do transtorno pode deixar algumas dúvidas com relação à sua


especificação, pois pode haver um padrão de comprometimento predominantemente da
atenção e/ou da hiperatividade-impulsividade, o que não justifica apenas o “e” do nome,
além de não mencionar o termo impulsividade.

Apesar do nome deixar óbvio o comprometimento da atenção, inquietude e


impulsividade, é importante salientar que as funções mentais podem modificar ou serem
modificadas por outras funções mentais. No primeiro caso, pode haver o comprometimento
da memória no TDAH, que pode se manifestar como esquecimento de atividades ou perda
de objetos. Pode haver, também, comprometimento na função executiva, que é

59
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

responsável pela realização das atividades diárias, podendo manifestar-se como


procrastinação. No segundo caso, pessoas portadoras de TDAH podem manifestar uma
dificuldade da atenção ou inquietação reduzida durante atividade que contribuam
positivamente com sua afetividade (atividades prazerosas).

TRANSTORNO DESAFIADOR OPOSITIVO (TOD)

O TOD, na CID-11, pertence ao grupo dos Transtornos do Controle de Impulsos e


é caracterizado por um padrão persistente de duas características: comportamento
opositor e disforia, que é grave o suficiente para resultar em prejuízo significativo no
funcionamento do indivíduo.

A respeito do comportamento opositor, a pessoa mostra-se, com frequência,


desobediente, provocativo, desafiador ou rancoroso, frequência esta maior que o
observado em pessoas de mesma idade ou nível de desenvolvimento. Já a disforia se
manifesta por irritabilidade, revolta e raiva persistentes, além de perda frequente da calma,
podendo chegar a explosões de fúria.

TRANSTORNOS DEPRESSIVOS

Os Transtornos Depressivos, na CID-11, fazem parte de um grupo vasto de


afecções cujas características comuns são: “humor depressivo ou perda de prazer
acompanhada de sintomas cognitivos, comportamentais ou neurovegetativos que afetam
significativamente a capacidade funcional do indivíduo” (WHO, 2019).

É importante frisar que o humor deprimido não se limita à clássica tristeza


persistente, podendo envolver, também, a disforia (irritabilidade) ou, ainda, um padrão de
humor vazio com queixas de falta de afetividade (sentimentos e emoções). A perda do
prazer ou ânimo reduzido é outra característica marcante que pode, inclusive, vir
desacompanhada do humor deprimido. Os outros sintomas podem envolver alterações na
concentração, apetite, sono, energia, pensamentos negativos e até ideação suicida.

Dentro do grupo dos transtornos depressivos estão: Transtorno Depressivo de


Episódio Único, Transtorno Depressivo Recorrente, Transtorno Distímico e Transtorno
Misto Depressivo e Ansioso. O distímico se diferencia dos demais por um período
persistente de humor depressivo que necessita durar dois anos ou mais. Já o transtorno

60
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

misto depressivo ansioso necessita de sintomas comparativamente não tão severos, mas,
como o nome já informa, que envolvam tanto sintomas depressivos como sintomas
ansiosos.

TRANSTORNO DISRUPTIVO DA DESREGULAÇÃO DO HUMOR

Este transtorno é apresentado pelo DSM-5-TR, como parte dos transtornos


depressivos que acometem a infância. Na CID-11, embora não esteja descrito
explicitamente, ele poderia ser classificado como “outros transtornos de humor
especificados” (6A8Y).

Trata-se de um transtorno que atinge 0,8 a 33% de pré-escolares, 1 a 3% de


crianças de 9 a 12 anos e 0,12% de adolescentes e aumenta o risco de depressão e
ansiedade na vida adulta, além de baixo nível educacional (KOENIG et al., 2021).

A característica central deste transtorno é a irritabilidade crônica grave, que


apresenta duas manifestações clínicas proeminentes. A primeira manifestação são as
frequentes explosões de raiva que ocorrem, geralmente, em resposta à frustração e podem
ser verbais ou comportamentais, na forma de agressão contra objetos, contra si mesmo ou
outros. Dentre os critérios de diagnóstico, está o fato de que essas manifestações devem
ocorrer com frequência (em média três ou mais vezes por semana), por, pelo menos, um
ano em, pelo menos, dois ambientes, como em casa e na escola, e devem ser
inapropriadas para o desenvolvimento.

A segunda manifestação de irritabilidade grave consiste em humor


persistentemente irritável ou zangado entre as explosões de raiva e deve ser característico
da criança, estando presente na maior parte do dia, quase todos os dias, e ser observável
por outras pessoas no ambiente da criança. A apresentação clínica do transtorno disruptivo
da desregulação do humor deve ser cuidadosamente distinguida das apresentações de
outras condições relacionadas, em particular, o transtorno bipolar na infância.

TRANSTORNOS RELACIONADOS À ANSIEDADE OU MEDO (TRAM)

Medo e ansiedade são fenômenos naturais e, até certo ponto, normais, com o
objetivo de defesa à uma ameaça vivenciada física ou psicologicamente. Enquanto o medo
representa uma reação à uma ameaça iminente, a ansiedade está associada ao futuro, à

61
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

uma ameaça antecipadamente percebida. Os TRAM surgem quando, em virtude de


ansiedade ou medo, há um prejuízo significativo em alguma área importante do
funcionamento do indivíduo.

Nesse grupo estão inclusos os seguintes transtornos: Transtorno de Ansiedade


Generalizada (TAG), Síndrome do Pânico, Agorafobia, Fobia Específica, Transtorno de
Ansiedade Social, Transtorno de Ansiedade de Separação e Mutismo Seletivo.

O TAG se manifesta por um período prolongado de vários meses em que a pessoa


se encontra ansiosa a maior parte do dia. A Síndrome do Pânico é caracterizada por
ataques de pânico inesperados e frequentes associados à uma preocupação persistente
com o surgimento de novos ataques ou com o motivo que lhes originou, podendo gerar
comportamentos incômodos, cujo objetivo é evitar novos episódios de crise.

A Agorafobia é caracterizada por medo ou ansiedade intensos que surgem em


resposta à situações que o paciente interprete que a fuga ou a ajuda podem não ser
possíveis, podendo desenvolver, também, comportamentos incômodos com o objetivo de
evitar se encontrar nessas situações.

Fobia específica ocorre em resposta à exposição a objetos ou situações os quais a


pessoa desenvolve medo ou ansiedade intensos, cuja ameaça é real, porém,
desproporcional, como a exposição à uma barata. No Transtorno de Ansiedade Social, a
ansiedade surge em contextos sociais, como interações sociais, quando a pessoa é
observada, a prática da oratória na frente dos outros, dentre outras situações. Em virtude
disso, a pessoa evita ou tem um prejuízo significativo no desempenho dessas atividades.

O Transtorno de Ansiedade de Separação se caracteriza por um padrão


prolongado de ansiedade intensa, geralmente quando a criança é separada de figuras de
apego, como os pais. Há, frequentemente, a ideia de que pode acontecer algo trágico com
estas figuras de apego, enquanto estiverem longe. Por fim, o Mutismo Seletivo, apesar do
nome levar a imaginar um prejuízo no aparelho fonador, na verdade, se manifesta pela
constante ausência da fala, mas apenas quando o paciente se encontra em contato com
determinadas pessoas e acontece em resposta a sintomas ansiosos.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

TRANSTORNOS DEVIDOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS

Essa desordem inclui episódios únicos de uso prejudicial de substâncias que, por
si, já causam um prejuízo significativo ao indivíduo. No transtorno por uso de substâncias,
se enquadra o uso nocivo, que envolve prejuízos devidos a um padrão de usos episódicos;
a dependência, que engloba um uso mais prolongado; e os fenômenos de tolerância
(redução gradual do efeito) e abstinência (piora acentuada dos sintomas após parar o uso
ou a longo prazo). Além desses mais conhecidos, existem, também, outros transtornos
induzidos por substâncias, como outros transtornos mentais gerais, do sono, sexuais e
associados ao próprio uso da substância como a intoxicação e a abstinência.

Na CID-11 são categorizados os transtornos associados ao álcool; cannabis;


canabinóides sintéticos; opióides; sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos; cocaína;
estimulantes incluindo anfetaminas, metanfetaminas ou metcaninona; metcatinonas
sintéticas; cafeína; alucinógenos; nicotina; inalantes voláteis; MDMA ou drogas
relacionadas; drogas dissociativas como cetamina e feniciclina; outras drogas e múltiplas
drogas.

Este transtorno será abordado com mais profundidade em capítulo específico,


neste livro.

PAPEL DA FAMÍLIA E DA ESCOLA

Família

Receber o diagnóstico de um transtorno mental na família é um evento


estressante, idiossincrático, que pode abalar toda a estrutura familiar (ROSSO et al, 2020),
pois tudo muda na vida de todos da família. Muda a rotina, a situação financeira, onde tudo
se direciona para a criança ou adolescente que tem um transtorno mental.

A área emocional da família também sofre alterações, pois, dificilmente, uma


pessoa está preparada para receber esse diagnóstico. É uma situação que exige muita
dedicação, muito esforço por parte da família, que deve se adaptar à nova realidade
(ROSSO et al, 2020). São crianças que demandam muita atenção devido à própria
condição de saúde, apresentando problemas comportamentais que necessitam de um

63
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

manejo que, muitas vezes, a família não está em condições de lidar, de maneira
adequada, com o problema, gerando desgaste físico e emocional (ROSSO et al, 2020).

A área social da família também torna-se prejudicada, pois, devido aos


comportamentos atípicos das crianças com transtornos mentais, a família, muitas vezes,
prefere não participar de reuniões sociais com a família estendida ou com amigos ou
colegas de trabalho, por vergonha ou medo da reação das pessoas ou medo de surgirem
algumas situações que sejam de difícil controle e acabam causando estresse e mais
preocupações. Por esses motivos, a família isola-se socialmente, na maioria das vezes.

Todas essas situações são capazes de provocar estresse na família, que deve ser
incluída no tratamento, com atenção especial (o tratamento familiar será abordado em
outro capítulo).

Com isso, o conhecimento do diagnóstico pode trazer incertezas para a família,


diante de uma nova realidade à qual, muitas vezes, não tinha vivenciado anteriormente.
Surgem sentimentos de medo do desconhecido, insegurança, por não saber se será capaz
de enfrentar as situações e superar as dificuldades, dentre tantos outros sentimentos,
como culpa e vergonha (ROSSO et al, 2020).

Por outro lado, o diagnóstico pode ajudar a família a compreender melhor o


comportamento da sua criança, entendendo que não é uma criança mimada ou teimosa ou
que seu comportamento não é porque eles estejam falhando na educação do seu filho
(ROGERS et al, 2015). Trata-se de um transtorno mental que precisa ser tratado,
acompanhado por especialistas que devem orientar a família na busca por soluções
para sua problemática.

Isso pode trazer um certo conforto para a família que, até então, encontrava-se
perdida, sem entender o que realmente se passava com sua criança. A partir do momento
em que se sabe do diagnóstico, a família poderá, então, ter subsídios para buscar o
tratamento adequado, inclusive para garantir direitos, podendo, assim, ter uma maior
resolutividade para o enfrentamento dos problemas advindos do transtorno mental de sua
criança ou adolescente (ROGERS et al, 2015).

Portanto, o principal papel da família, ao observar que sua criança tem algum
problema relacionado ao seu desenvolvimento ou seu comportamento, é procurar ajuda de
especialistas na área da saúde, para que se possa estabelecer o tratamento mais
adequado para a criança, de acordo com a situação apresentada.

64
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

No entanto, por vezes, essas alterações do comportamento podem não estar


relacionadas a algum transtorno mental. Elas podem refletir, apenas, alguma situação
vivenciada pela criança que possa ter causado alguma alteração comportamental, como
brigas na escola, bullying, ou a criança pode ter presenciado uma situação de violência,
conflitos familiares, dentre outras situações estressoras que podem interferir no seu
comportamento.

É necessário que haja uma investigação minuciosa da criança, para evitar que
sejam dados diagnósticos equivocados, realizados de forma precipitada. Deve-se
considerar todos os aspectos envolvidos, como fatores biológicos, genéticos, culturais,
sociais, observando como a criança se comporta em diferentes ambientes, como em casa,
na escola, brincando com outras crianças e em outras ocasiões. A família é fundamental
nesta investigação.

Iniciado o tratamento, que, muitas vezes, pode ocorrer mesmo antes do


fechamento do diagnóstico, com base nos sintomas apresentados, a família tem outro
papel importante, que é manter-se no tratamento, dando continuidade às ações propostas
pelos estabelecimentos de saúde, além de engajar-se no tratamento, participando
ativamente e seguindo as orientações dadas pelos profissionais que acompanham a
criança.

O tratamento só será eficaz se a família, como um todo, engajar-se nele. É


importante a divisão dos papéis no cuidado da criança com transtorno mental, inclusive na
ida às sessões de terapia, para não sobrecarregar um membro da família, podendo gerar
outros problemas.

A família deve procurar informações sobre o tipo de transtorno mental da sua


criança, se apropriando de conhecimentos científicos que possam ajudar a compreender
melhor a situação e, assim, poder ajudar, da melhor forma, no tratamento. É importante
investigar a procedência das informações, para não correr o risco de obter informações
equivocadas, podendo prejudicar, ao invés de ajudar. Poderá pedir auxílio aos
profissionais da saúde na busca pelo conhecimento.

Pode, também, engajar-se em associações ou grupos de apoio com outros pais de


crianças ou adolescentes com transtornos mentais. Isso pode facilitar a busca por
tratamentos, assim como auxiliar na busca pelos direitos das pessoas com transtornos

65
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

mentais, além de ser uma forma de enfrentar estigmas e preconceitos, fortalecendo-se


enquanto comunidade, promovendo o empoderamento das famílias.

Escola

É fundamental que a escola, ao receber uma criança com transtorno mental,


ofereça um ambiente acolhedor à essa criança e à sua família, na perspectiva da
educação inclusiva, considerando que o ensino é fundamental e obrigatório para todas as
crianças e que a escola se constitui como seu lugar social (VITORINO et al, 2015).

A entrada na escolar regular é um marco para o desenvolvimento social da


criança, pois, de acordo com Vitorino e colaboradores (2015),

A escola regular pode ser o primeiro passo para a reinserção social. Além de ser
um ambiente de aprendizagem, funciona como estabilização psíquica, pois há uma
rotina estabelecida, leis e regras que regem as relações dos indivíduos. O aluno
tem um papel social. Estar na escola faz parte do seu direito como cidadão
(VITORINO et al, 2015).

Estanislau e Bressan (2014) destacam o importante papel da escola, pois, após a


obrigatoriedade do ensino, esta tornou-se um local privilegiado de grande concentração de
estimulação longitudinal e de grande impacto sobre todos os aspectos da vida
(ESTANISLAU; BRESSAN, 2014).

No desempenho das atividades escolares, as crianças mostram suas habilidades e


suas limitações, de acordo com sua condição clínica. Os professores devem observar
quais são as habilidades apresentadas por esses alunos e reforçá-las com atividades que
sejam do interesse da criança. Com isso, evita-se frustrações tanto da criança, quanto do
professor, além de estimular o desenvolvimento, visando a aquisição de outras habilidades
e competências.

Cada criança deve ser compreendida em sua individualidade, pois, mesmo


aquelas que possuem o mesmo tipo de transtorno mental, cada uma sofre influências tanto
internas, como a sensorialidade e outros aspectos biológicos e psicológicos, quanto
externas, como os fatores familiares, sociais e culturais. Por esse motivo, muitas vezes,
uma atividade escolar pode surtir efeitos positivos para uma criança e não funcionar para
outra.

66
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Esse é um grande desafio para a escola, que deve se adaptar para receber essas
crianças, com suas singularidades, em seu mundo particular que, a partir da escola, abre-
se para outros mundos. Para enfrentar esse desafio, foram sendo criadas estratégias que
podem facilitar esse processo. Esse tema será aprofundado em outro capítulo.

Além deste fato, a escola tem papel importante na investigação diagnóstica,


relatando, por meio de laudos técnicos, o comportamento da criança durante o período das
aulas, sua interação com colegas, com professores, em sala de aula e nos intervalos, seu
desempenho escolar, dentre outras informações relevantes para elucidar alterações
comportamentais ou cognitivas que podem, ou não, estar relacionadas a algum transtorno
mental. De acordo com Voltolini (2016), a escola é um importante recurso de rastreamento
e controle dos transtornos mentais (VOLTOLINI, 2016).

Outro papel importante da escola é a prevenção de transtornos mentais na infância


e adolescência, incluindo-se o uso de substâncias psicoativas. A escola tem um peso na
qualidade do sofrimento mental dos estudantes (VOLTOLINI, 2016) e isso se reflete,
também, nas formas de prevenção. Temas, tais como: bullying, preconceito, uso de
drogas e automutilação, devem ser incluídos no currículo escolar perpassando por todas
as faixas etárias. O incentivo às práticas esportivas, de teatro, dança, música e práticas de
autocuidado, dentre outras, deve ser adotado pela escola como uma forma de melhorar a
qualidade de vida das crianças e adolescentes.

É de suma importância a atuação da escola junto às famílias, às instituições de


saúde e aos órgãos de proteção à criança e ao adolescente, unindo esforços para
promover, reforçar e/ou resgatar a saúde mental dessa população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Transtorno mental na infância e adolescência é um evento que pode causar muitos


prejuízos em vários aspectos do desenvolvimento, como cognitivo, podendo levar a
dificuldades de aprendizagem; sensorial, dificultando a percepção dos estímulos;
emocional, com reações discrepantes à determinados eventos e dificuldade de controle
das emoções; e comportamental, prejudicando a interação com o meio social ao qual está
inserida a criança ou o adolescente.

67
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Existem vários tipos de transtornos que podem surgir nessa faixa etária, sendo, os
principais: Transtorno do Espectro Autista, Transtorno do Desenvolvimento Intelectual,
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno Desafiador Opositivo,
Transtornos Depressivos, Transtornos Relacionados à Ansiedade ou Medo e Transtornos
Devido ao Uso de Substâncias.

A família, assim como outros espaços de interação social, como a escola, tem
papel fundamental na proteção das crianças e adolescentes. Isso implica, também, na
observação de alterações comportamentais para detecção precoce de alguma alteração do
comportamento. No entanto, deve-se observar a criança em todos os aspectos, tanto
intrínsecos quanto extrínsecos, considerando que cada ser é único, dentro da sua
individualidade, e que as vivências familiares, sociais e culturais são impactantes na
expressão do desenvolvimento.

É imprescindível que a família, assim como a escola, adapte-se à realidade de ter


uma criança ou adolescente com algum transtorno mental em seu meio. Muitas vezes, é
necessário um esforço hercúleo para enfrentar os desafios impostos por essa situação.
Devido a isso, é importante que a família, como um todo, se mobilize para ajudar, de
alguma forma, evitando a sobrecarga de determinado membro que, geralmente, é a mãe
ou a avó. Também são necessárias ações governamentais para dar suporte à essas
famílias, com a garantia de direitos básicos, como acesso à saúde de qualidade, à
educação inclusiva, dentre outros direitos que serão discutidos em outro capítulo.

A sociedade também tem importante papel na garantia desses direitos, com a


formação de associações, de grupos de apoio a familiares e pessoas com transtornos
mentais, além de cada um manter uma postura inclusiva, com respeito às singularidades e
às diferenças, afinal, todos fazem parte de uma sociedade plural.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, R. S.; LIMA, R. C.; CRENZEL, G.; ABRANCHES, C. D. Saúde Mental da


Criança e do Adolescente. 2ª ed. Barueri/SP: Manole, 2019.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION [Org]. Diagnostic and statistical manual of
mental disorders: DSM-5-TR. Fifth edition, text revision. Washington, DC: American
Psychiatric Association Publishing; 2022.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

BRASIL. Ministério da Saúde. Lei Nº12.842, de 10 de Julho de 2013. Brasília: Ministério


da Saúde, 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2013/Lei/L12842.htm.>
ESTANISLAU, G. M.; BRESSAN, R. A. Saúde Mental na Escola: o que os educadores
devem saber. .São Paulo: Artmed, 2014.
KOENIG, J.; HÖPER, S.; VAN DER VENNE, P.; MÜRNER-LAVANCHY, I.; RESCH, F. et
al. Resting state prefrontal cortex oxygenation in adolescent non-suicidal self-injury - A
near-infrared spectroscopy study. Neuroimage Clin., v. 31, pp.: 102704, 2021. DOI:
10.1016/j.nicl.2021.102704.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. Saúde Mental dos Adolescentes. 2022.
Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/saude-mental-dos-adolescentes. Acesso
em 15 de agosto de 2022.
ROGERS, S. J.; DAWSON, G.; VISMARA, L. A. Autismo: compreender e agir em
família. Lisboa/Pt: Editora Lidel, 2015.
ROSSO, E.; NimtZ, M. A.; PAES, M. R.; MACEDO, M.; MAFTUM, M. A. et al.
Vivência de familiares de crianças com transtornos mentais. Rev. Enferm.
UFSM – REUFSM. Santa Maria, RS, v. 10, e36, p. 1-20, 2020.
VILLALOBOS, D.; PACIOS, J.; VAZQUEZ, C. Controle cognitivo, viés cognitivo e regulação
emocional na depressão: uma nova proposta para um modelo de interação integrativa.
Frente. Psicol. Vol. 12: 628416.
VITORINO, G. T.; BENFATTI, X. D.; LOPES, L. S. Como agulha no palheiro: inflexões
sobre as possibilidades e os limites da escolarização de crianças com transtornos mentais
severos. Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 30, n. 1, p. 147-161, jan./jun. 2015.
VOLTOLINI, R. Saúde Mental na Escola. In: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO
(SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Núcleo de Apoio e
Acompanhamento para Aprendizagem. Caderno de Debates do NAAPA: Questões do
cotidiano escolar. São Paulo: SME/COPED, 2016.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. World Mental Health Report: Transforming mental
health for all. Geneva: World Health Organization, 2022.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. ICD-11 for mortality and morbidity statistics.
Version: 2019 April. Geneva: WHO; 2019 [cited 2019 Aug 20]. Available from:
https://icd.who.int/browse11/l-m/en

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 5

TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS MENTAIS DA


INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Ana Nery de Castro Feitosa


Ana Paula Brandão Souto
José Kleidir de Castro Feitosa
Nedite Arruda Linhares
Rafaelle da Ponte Brito

INTRODUÇÃO

Após a identificação da ocorrência de um transtorno mental na infância e


adolescência, mediante avaliação diagnóstica de uma equipe de profissionais da saúde,
além da observação e relatos da família e da escola, é imprescindível que seja iniciado o
tratamento imediatamente.

Nos transtornos do desenvolvimento infantil existem janelas de oportunidade de


intervenção, que são períodos do desenvolvimento em que o cérebro assimila com mais
facilidade o aprendizado de determinadas habilidades e competências, quando as crianças
são expostas a estímulos e experiências para este determinado aprendizado (KERSHES,
2020). Essas janelas devem ser aproveitadas ao máximo, para que seja possível uma
maior eficácia no tratamento.

Algumas dessas janelas podem ser delimitadas nos seguintes períodos:


Habilidade Período
Linguagem 9 meses a 8 anos
Controle emocional 9 meses a 6 anos
Simbolismo 18 meses a 8 anos
Habilidades sociais 4 a 8 anos

FONTE: Adaptado de KERSHES, 2020.

Assim, quanto mais cedo for iniciado o tratamento, melhor será a evolução da
criança (TEIXEIRA, s/d). No entanto, não é preciso que os pais se desesperem, caso esse
período já tenha passado, pois essas são apenas as janelas com os melhores momentos

70
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

para a estimulação do desenvolvimento de certas habilidades, contudo as crianças podem


ser estimuladas a qualquer momento.

A aceitação do diagnóstico por parte da família é algo muito complexo, que


envolve medo, frustração pela quebra de expectativas relacionadas ao filho e insegurança
sobre o que poderá acontecer a partir dessa situação. Isso pode retardar o início do
tratamento. Por esse motivo, a família deve ser acolhida, devendo também, ter uma
atenção durante o tratamento.

PLANO DE TRATAMENTO

A intervenção terapêutica dos transtornos mentais da infância e adolescência deve


ser construída de acordo com a necessidade de cada um, devendo ser observado cada
caso para a elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS), considerando aspectos
biológicos, comportamentais e sociais dos indivíduos. O ideal é que ele seja construído por
uma equipe multidisciplinar, composta por diferentes profissionais da saúde.

De acordo com as condições e necessidades da criança ou do adolescente, o


tratamento pode ser ambulatorial, com utilização de psicofármacos e abordagens não-
medicamentosas. Em algumas situações específicas, pode ser necessária a internação
hospitalar.

EQUIPAMENTOS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL À SAÚDE MENTAL DA CRIANÇA E


DO ADOLESCENTE

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), instituída pela portaria nº 3.088/2011


(BRASIL, 2011), possui componentes com pontos de atenção voltados ao cuidado em
saúde mental da população.

Para a atenção psicossocial da criança e adolescente, são disponibilizados os


seguintes componentes, com seus respectivos pontos de atenção (FEITOSA; GARCIA
FILHO, 2020):

71
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Componente Pontos de atenção Descrição


Atenção básica em saúde Unidade Básica de Saúde Serviço de saúde com
(UBS); equipe multiprofissional;

Equipe de atenção básica Equipe de Consultório na


para populações específicas Rua: atua de forma
itinerante, ofertando ações e
cuidados de saúde para
pessoas em situação de rua.

Atenção psicossocial Centro de Atenção Serviço de saúde mental


especializada Psicossocial infantil (CAPSi) com equipe multiprofissional

Atenção de urgência e Unidades de atenção em Realizam acolhimento,


emergência urgência e emergência no classificação de risco e
município: SAMU, Sala de cuidado nas situações de
Estabilização, UPA 24 horas, urgência e emergência das
portas hospitalares de pessoas com sofrimento ou
atenção à urgência/pronto transtorno mental e com
socorro, Unidades Básicas necessidades decorrentes do
de Saúde, entre outros. uso de crack, álcool e outras
drogas.

Atenção residencial de Unidade de Acolhimento Ambiente residencial


caráter transitório funcionando 24 horas, com
acompanhamento
terapêutico e protetivo de
caráter transitório cujo tempo
de permanência é de até
seis meses.

Serviços de Atenção em Oferecem acolhimento de


Regime Residencial: caráter residencial transitório
Comunidades Terapêuticas por até nove meses para
pessoas com necessidades
clínicas estáveis decorrentes
do uso de crack, álcool e
outras drogas.

Atenção hospitalar Enfermaria especializa da Leitos em hospitais gerais


em Hospital Geral; para atenção em saúde
mental;

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Serviço Hospitalar de Unidade hospitalar


Referência destinada às pessoas com
sofrimento ou transtorno
mental e com necessidades
decorrentes do uso de crack,
álcool e outras drogas,
funcionando em regime
integral, durante 24 horas.

FONTE: Adaptado de FEITOSA; GARCIA FILHO, 2020.

CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL INFANTIL (CAPSI)

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece atendimento gratuito e


acesso universal à saúde para a população, e é responsável, inclusive, pelo tratamento em
saúde mental. Dessa forma, conforme a OMS, é fundamental que as autoridades e
profissionais da saúde estejam atentos a possíveis prejuízos psicológicos e procurem
formas de minimizar os potenciais impactos na saúde mental de crianças e adolescentes.
Nesse contexto, uma das formas de tratamento psicossocial para a criança é o
acompanhamento em serviços de saúde pública, onde os casos leves de transtornos
mentais devem ser acompanhados nas unidades de saúde e os moderados e graves, nos
Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi).

O CAPSi é um serviço de atenção diária destinado ao atendimento de crianças


e adolescentes com comprometimento psicológico moderado e grave, fazendo articulação
com outros programas e com outras fontes de atendimento à saúde, com o principal
objetivo de diminuir as exclusões de crianças e adolescentes com transtornos mentais.
São desenvolvidas intervenções individuais, atendimentos grupais e familiares, visitas
domiciliares, atividades de inserção social, oficinas terapêuticas, atividades socioculturais e
esportivas e atividades externas, evitando o uso de medicamentos em excesso (BRASIL,
2004).
Dentro do serviço do CAPSi as crianças e os adolescentes são atendidos por
uma equipe multidisciplinar, de acordo com o Plano Terapêutico Singular. Desse modo, o
cuidado em saúde mental é representado por momentos de interação entre profissional e
paciente, que possibilita melhora da qualidade de vida do sujeito por meio do vínculo
afetivo e social, exigindo do profissional um bom preparo, iniciativa e criatividade.

73
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

O Centro de Atenção Psicossocial Infantil reafirma sua função como dispositivo


estratégico da política pública, como ordenador da demanda em saúde mental, operando
permanentemente sob fundamento intersetorial e sendo capaz de agenciar, no seu
território de referência, condições efetivas para que, na construção da rede e nas ações de
cuidado, haja o envolvimento e a responsabilidade de todos os setores historicamente
implicados na assistência à crianças e adolescentes: o da saúde, da educação e da
assistência social.

O contexto atual da política de saúde mental é de conquistas na ampliação da


cobertura de serviços. Apesar dos avanços, ainda podemos observar a fragilidade no
entendimento dos novos conceitos e práticas sobre a política de saúde mental, da reforma
psiquiátrica, da importância do controle social, e dos modelos de gestão por parte dos
trabalhadores que atuam nesta área.

A transformação do modelo de atenção à saúde, especialmente, de saúde mental,


exige reflexões teóricas e práticas, para uma mudança efetiva nos processos de trabalho.
Enfrentamos, ainda, o desafio de construir uma rede de atenção mais qualificada, integral,
resolutiva e humanizada, construindo vínculos, modificando as formas de
encaminhamento, garantindo a integralidade da atenção.

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) foram criados a partir da necessidade


de oportunizar um novo modelo de atenção à saúde mental, em consonância com a
proposta e a lei da reforma psiquiátrica, 10.216, de 2001, que propõe que a assistência em
saúde mental seja priorizada em serviços substitutivos, territorializados e de base
comunitária. Considerando o que dispõe a portaria n° 336 de 2002 (BRASIL, 2002), a
respeito dos tipos e funcionamentos dos CAPS, fez-se necessária a implantação de um
equipamento voltado para o atendimento de crianças e adolescentes até 17 anos, 11
meses e 29 dias com transtornos mentais graves e persistentes. Os CAPS com
atendimento específico para o público infanto-juvenil foram implantados no Brasil a partir
do ano de 2002 (CARVALHO et al, 2014).

Tendo em vista o número populacional que, segundo a Portaria Nº 3.088, de 23 de


dezembro de 2011, é acima de cento e cinquenta mil habitantes, dessa forma cumpridas
as determinações para a implantação (BRASIL, 2011).

O CAPSi oferece atendimento especializado à crianças e adolescentes em


situação de sofrimento psíquico grave e persistente e/ou que fazem uso de crack, álcool e

74
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

outras drogas. Na prática da assistência prestada, necessita continuar garantindo o espaço


de cuidados, na situação supracitada, reafirmando que a lógica de um CAPS i não está na
patologia de seu usuário e sim, no seu estado clínico, psíquico e social. Assim, uma vez
atenuada e/ou reorganizada uma situação de sofrimento e de patologia mental da
criança/adolescente e, depois de realizadas todas as possibilidades de intervenções
psicossociais, (re)inserção escolar, social, familiar e (outras), esta será redirecionada à
outro serviço na rede de atenção à saúde.

Portanto, conforme a necessidade da criança ou adolescente, este será


encaminhado e inserido nos demais equipamentos da rede, como ambulatórios de
especialidades, policlínicas, centros de saúde e equipes de saúde da família, entre outros,
para continuidade do cuidado, além de estar referenciado na Unidade Básica de Saúde de
seu território.

De acordo com a Portaria 336/2002, o CAPS i funciona de segunda à sexta-feira,


no horário das 08h às 18h, porém existem algumas variações de horário, de acordo com a
cidade, como de 08h às 17h. Existem dois tipos de demandas: espontânea e
encaminhada. Após avaliação inicial dos pacientes, são agendadas consultas de primeira
vez, obedecendo à disponibilidade de vagas na agenda do profissional. Para os pacientes
de alto risco, são agendadas consultas de urgência e como intercorrência. No intervalo
entre as consultas, os usuários podem comparecer ao serviço, a qualquer tempo, para
realizar acolhimento e receber orientação sobre sua demanda. O Caps i é composto por
uma equipe multiprofissional, podendo ser integrada por profissionais de diversas áreas,
como: clínica médica, psiquiatria infantil, neuropediatria, terapia ocupacional, psicologia,
enfermagem e assistência social.

Os pacientes que não são identificados como perfil do CAPS i, são encaminhados
para outros serviços da rede, a fim de garantir assistência ao usuário. Tal unidade, que tem
como objetivo possibilitar às crianças e os adolescentes o primeiro atendimento, o
acolhimento, triagem, abertura de prontuário e a criação do Projeto Terapêutico Singular
(PTS). O acolhimento é realizado por toda a equipe interdisciplinar de colaboradores que
compõem o CAPS i. As atividades realizadas são consultas individuais, escuta qualificada,
avaliação inicial, oficina terapêutica, grupos, acolhimentos, visita domiciliar, busca ativa,
educação em saúde mental nas escolas, posto de saúde e matriciamento.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

ABORDAGENS DE TRATAMENTO

Psicofarmacoterapia

É uma abordagem de tratamento medicamentoso que será descrita em capítulo


posterior.

Psicoterapias

O tratamento por parte da Psicologia se dá através da Psicoterapia que, todavia,


deve ser orientada por uma abordagem psicológica. Existem diversas abordagens em
psicologia, que assumem o papel de referencial teórico e metodológico (BOCK, 2001).

Historicamente, segundo Castanheira, Grevet e Cordioli (2019), o termo


Psicoterapia foi mais disseminado e associado ao uso que conhecemos hoje a partir dos
escritos de Hippolyte Bernheim (1837-1919), renomado professor da escola médica de
Nancy.

Para Cardioli et al. (2019), psicoterapia pode ser entendida como método de
tratamento psicológico que teria como objetivo amenizar um desconforto ou sofrimento
psíquico, aliviar sintomas de um transtorno estabelecido, tratar conflitos pessoais de
natureza emocional/psicológica ou estimular o desenvolvimento pessoal.

Ainda segundo os autores, podemos listar as principais psicoterapias descritas na


literatura, sendo elas:

Psicanálise

Foi a primeira psicoterapia estruturada de forma mais próxima aos moldes que
temos hoje. Tendo Sigmund Freud (1856-1939) como seu criador, a abordagem exige do
terapeuta uma postura neutra, muitas vezes sentando-se às costas do paciente que, por
sua vez, não estabelece relação de contato visual com o analista, onde pode se fazer
necessário o uso do divã.

A principal orientação é de que o analisando expresse qualquer conteúdo subjetivo


sem censura (sonhos, desejos, sentimentos, etc.), assim como as associações que

76
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

ocorrem, sem prejulgamento de relevância ou significado. Estabelece-se, aqui, a principal


técnica da Psicanálise: a associação livre. O foco maior desta abordagem são os
conteúdos inconscientes trazidos à consciência por meio da associação livre.

Psicologia Analítica

Compartilha alguns elementos em comum com a psicanálise, muito pelo fato de seu
criador, Carl Gustav Jung (1875-1961), ter sido aprendiz de Freud e estabeleceram uma
profunda relação de amizade. O “rompimento” dos dois se deu por Jung discordar, em
parte, das teorias sexuais de Freud. O pensamento de Jung levava a teoria da psicologia
analítica para elementos como inconsciente coletivo, arquétipos e religião.

O método analítico é menos livre em relação à psicanálise. As associações feitas


pelo paciente são dirigidas pelo analista em direção às demandas trazidas (foco). Uma vez
delimitado o foco, é orientado ao paciente que se faça as associações entrando em contato
com todos os conteúdos subjetivos, muitas vezes ainda inconscientes, referentes ao tema.
Neste caso não se faz necessário o uso do divã, ficando analista e paciente frente a frente.
O terapeuta também intervém mais, objetivando o direcionamento das sessões.

Terapia Interpessoal

Se propondo como uma psicoterapia de tempo limitado, foi desenvolvida na década


de 1970 para o tratamento da depressão. Os autores desta linha, Gerald Klerman e Myrna
Weissman, atentaram para o fato de que, na época, o maior número de casos se dava
em mulheres e, para além de fatores biológicos, elementos interpessoais interferiam nos
quadros. Esta abordagem valoriza a relação do paciente com o grupo social e pessoas
mais próximas, tendo nestas relações os estímulos adoecedores e também a chave para o
tratamento.

Tendo enfoque no aqui e agora, as principais técnicas da abordagem estão


relacionadas ao ajustamento social e nas relações interpessoais. Reconhece a existência
do inconsciente, mas este não é abordado nas sessões.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Terapia comportamental

É uma abordagem que se baseia nos princípios da aprendizagem para explicar a


origem e manutenção e a eliminação de certos comportamentos (sintomas). É derivada
dos estudos de Watson sobre comportamentos observáveis e Pavlov, em seus estudos
sobre comportamento reflexo, mas foi com Skinner (1904-1990) que a ciência do
comportamento se estabeleceu nos moldes que hoje conhecemos, incluindo os estudos de
comportamentos não observáveis, como sentimentos.

A principal ferramenta é a análise funcional, que permite ao terapeuta encontrar uma


relação de funcionalidade entre o comportamento (sintoma), o contexto em que ocorre e as
consequências produzidas. Ao estabelecer déficits ou excessos comportamentais se
tem uma melhor noção de quais comportamentos são mais ou menos funcionais para o
indivíduo, ou seja, se tem uma noção do que é saudável, de acordo com o indivíduo.
Dentre as principais técnicas abordadas destacam-se a modelagem do comportamento e o
que se chama “terapia por contingências de reforçamento”.

É uma abordagem diretiva, onde o terapeuta intervém com maior frequência,


levando o foco às demandas trazidas pelo paciente. O contato visual se faz necessário
para as avaliações comportamentais feitas pelo profissional.

Dessensibilização e reprocessamento por movimentos oculares

Uma abordagem que chama atenção pelo caráter peculiar, mas que ao longo dos
últimos quinze anos demonstra resultados positivos na literatura. A abordagem teve início
com a observação da teórica Francine Shapiro (1948-2019) acerca dos movimentos dos
olhos e o consequente alívio de pensamentos perturbadores.

A principal técnica se dá pelo reprocessamento de memórias aversivas,


pensamentos e sentimentos associados a eventos traumáticos, através de movimentos
bilaterais, tais como oculares, auditivos e táteis. O tratamento proposto por este modelo
consiste em oito fases, sendo as fases iniciais para a identificação dos eventos traumáticos
e psicoeducação. Os movimentos bilaterais são componentes das fases intermediárias e
nas fases finais são compostas por relembrar as técnicas, diário semanal e feedback.

Também se trata de uma abordagem diretiva (psicólogo orienta o processo) com


foco específico em uma temática, geralmente evento traumático.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Terapias contextuais-comportamentais

São abordagens baseadas nos métodos de mindfulness, ou atenção plena, sendo


as principais: terapia cognitiva baseada em mindfulness, terapia comportamental dialética
e terapia de aceitação e compromisso.

A mindfulness consiste em um estado de máxima atenção, uma atenção intensa e


não julgadora sobre o que está acontecendo no presente. É um exercício de atenção
plena, objetivando diminuir as respostas reativas do paciente, aumentando sua capacidade
de aceitar o que se está experimentando, seja agradável ou não. O principal teórico
introdutor da prática foi Jon Kabat-Zinn (1944), na década de 1970, que focou no método
como ferramenta para alívio do estresse.

A terapia cognitiva baseada em mindfulness foi elaborada por Zindel Segal, Mark
Williams e John Teasdale na década de 1990. A abordagem se propõe a integrar técnicas
da terapia cognitivo-comportamental e as estratégias de mindfulness. O principal objetivo é
fazer com que o paciente desenvolva uma maior compreensão e consequentemente lidar
melhor com seus pensamentos e sentimentos. Os pacientes aprendem, por exemplo, a
reconhecer e intervir em pensamentos automáticos ligados à depressão.

Já a terapia comportamental dialética é uma abordagem desenvolvida pela


psicóloga Marsha Linehan (1943) para o tratamento do transtorno de personalidade
borderline com comportamentos de risco. Baseia-se nos princípios da mindfulness,
treinando o paciente para uma atenção plena ao momento presente e ao que ocorre
interna e externamente. O foco é a tensão dialética entre aceitação de si mesmo e
mudança do que for necessário mudar. Um outro aspecto importante da abordagem é a
regulação emocional, com estratégias para saber lidar com os sentimentos de forma mais
habilidosa.

A terapia de aceitação e compromisso é influenciada pela teoria dos quadros


relacionais. Tem como principal objetivo desenvolver uma maior flexibilidade psicológica,
ou seja, a capacidade de entender que eventos aversivos, bem como memórias e
sentimentos vindos a partir destes, é parte indissociável da vida humana, sendo assim
podemos aprender métodos diversos de viver de forma mais saudável, a partir da
mudança da relação que temos com esses eventos e seus derivados.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Através da experiência completa do que se está vivendo (pensamento, sentimento e


outros sintomas advindos de uma “crise”) o paciente é estimulado a aceitar seus
comportamentos e estabelecer um compromisso com seus valores rumo a mudança.

Terapia cognitivo comportamental

A terapia cognitivo comportamental (TCC), foi criada por Aaron Beck (1921-2021) no final
dos anos 70 e baseia-se na ideia de que nossas cognições (pensamentos, crenças e regras)
influenciam a forma como sentimos e, consequentemente, a forma como nos comportamos. Ou
seja, há uma inter-relação desta tríade onde, diante de algumas situações, nossa interpretação
sobre elas nos faz sentir e agir. Esses pensamentos, segundo Beck, são produtos de crenças que
formulamos desde a nossa infância sobre nós, sobre o outro e o nosso futuro, sendo, muitas vezes,
distorcidos, ou seja, não retratando a realidade.

No universo infantil, a TCC atua buscando psicoeducar as crianças para discriminação de


emoções, pensamentos e comportamentos relevantes. Além disso, trabalha a reestruturação
cognitiva, trazendo à tona pensamentos distorcidos e os tornando mais funcionais, facilitando o
processo de mudança. As formas de acesso à esta criança têm como base o seu desenvolvimento
e dependerá de estratégias lúdicas, a fim de facilitar a compreensão destes elementos. Algumas
técnicas utilizadas na TCC são a psicoeducação (ensinar o paciente sobre a TCC, sintomas e
estratégias de mudanças), registro de humor, tarefas de casa, reestruturação cognitiva, treinos de
relaxamento e resolução de problemas.

TERAPIA FAMILIAR

A abordagem familiar é imprescindível no tratamento da criança e do adolescente,


independente do transtorno. O envolvimento da família contribui significativamente para a
evolução favorável do quadro da criança e do adolescente.

Família é um grupo social primário, formado por indivíduos unidos por laços
consanguíneos, de afinidade ou matrimônio: que interagem e convivem permanentemente;
mantendo relações pessoais diretas, com formas de organização e ações tanto afetivas
quanto econômicas; com o compromisso de satisfazer necessidades mútuas; que
compartilham fatores biológicos, psicológicos e socioculturais que, por sua vez, podem
afetar sua saúde individual e coletiva (REY, 2007).

80
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

De acordo com Delgado (2005), é no ambiente familiar que se constitui um sistema


de significados que não são estáticos e vão se modificando de acordo com as novas
percepções sobre o mundo, que ocorrem na vida dos integrantes e na vida da família.
Vivências e experiências familiares compartilhadas geram valorações, novos significados,
novos limites e normas, surgindo o sentido de pertencimento em diferentes níveis. Assim, o
sentimento de pertencimento familiar primário, que cada integrante do grupo familiar nutre
individualmente, está acima do que pode ser observado ou mensurado nas características
da família. A autora afirma que:

Certamente, cada ser humano, cada um de nós desde sua origem teve, tem e terá
uma família que definiu e/ou define as possibilidades de ser, de existir, que gera
sentimento de pertença primária, que se promove ao longo da vida individual e
familiar (DELGADO, 2005, p.89).

A Abordagem familiar é uma abordagem emocionalmente refletida e


cientificamente adequada ao contexto social e familiar, respeitando as concepções,
crenças e valores pessoais da família abordada. Para tanto, é preciso saber ouvir, explorar
o entendimento visando potencializar os recursos familiares para promoção da saúde,
além de realizar avaliações e intervenções familiares refletidas na história e contexto
familiar (WAGNER et al, 2005).

A equipe de saúde se encontra numa posição privilegiada para intervir como


agente catalizador e promotor da saúde familiar, facilitando e ajudando o processo
evolutivo da família. “A família constrói o essencialmente humano do homem”
(ACKERMAN, 1986).

Entender a família, sua estrutura, desenvolvimento, funcionamento e recursos é


essencial para facilitar medidas de promoção da saúde e de prevenção de adoecimentos
e, ainda, para auxiliar as famílias nas suas necessidades de comunicação.

A prevenção é um importante recurso de atuação junto às famílias, devendo incidir,


não apenas nas famílias que são diretamente alvo de cuidados, mas, também, nas que se
constituirão no futuro.

TRATAMENTO FONOAUDIOLÓGICO

É realizado por profissional fonoaudiólogo que atua na área da linguagem, com


crianças com alguma alteração no desenvolvimento da fala. Este tratamento tem o objetivo

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

de proporcionar o desenvolvimento das habilidades relacionadas à linguagem da criança,


essencial para as interações sociais, proporcionando, assim, a promoção da comunicação,
de maneira ampla e efetiva, contribuindo para sua inserção no meio social (DENTRO DA
HISTÓRIA, 2018; CRUZ; GOMES, 2020).

O profissional fonoaudiólogo atua em situações do cotidiano, buscando valorizar


toda atitude comunicativa e todas as formas de comunicação (verbal e não-verbal),
priorizando o desenvolvimento da linguagem, tanto em abordagens individuais como
grupais, além de intervir junto aos responsáveis pelas crianças (CRUZ; GOMES, 2020).

A atuação deste profissional poderá possibilitar a redução de dificuldades no dia a


dia da criança, como na seletividade alimentar e no isolamento social, melhorando sua
compreensão (entender melhor o que lhe é dito) e sua expressão, podendo comunicar
seus desejos ou necessidades (SANTYS, 2018).

TRATAMENTO NUTRICIONAL

O tratamento nutricional é feito por profissional especialista na área (nutricionista) e


depende do tipo de transtorno ou sintomas apresentados pelas crianças ou adolescentes.

O cuidado com a alimentação das pessoas com transtornos mentais promove


melhoria na qualidade de vida, auxiliando na melhora dos problemas gastrointestinais, de
aprendizado, cognitivos, como foco, atenção, além do controle da hiperatividade, melhora
do sono, redução de comportamentos atípicos, dentre outras melhorias, sendo essencial o
acompanhamento nutricional adequado, onde as intervenções devem ser realizadas de
acordo com a necessidade de cada um (MENESES, 2018).

A seletividade alimentar é um importante sintoma apresentado por algumas


crianças ou adolescentes com transtornos mentais. Este assunto será abordado em um
capítulo específico.

TRATAMENTO TERAPÊUTICO OCUPACIONAL

O processo terapêutico ocupacional ocorre numa relação intermediada pelo


brincar, buscando-se o fortalecimento do vínculo, proporcionando segurança à criança
para, assim, realizar-se intervenções que visam a promoção da integralidade das funções

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

psíquicas, sociais, cognitivas e sensório-motoras, além de promover orientação aos pais


ou responsáveis (PADOVAN, 2014).

A intervenção sempre será baseada na avaliação da criança e do adolescente,


diante de suas necessidades e interesses, observando-se as habilidades do
desenvolvimento preservadas e as que necessitam de estimulação, desenvolvimento ou
reforço. A avaliação é essencial para identificar e quantificar o nível de atividade e
participação da criança em atividades, bem como suas estratégias e limitações
(VIZZOTTO; SATO, 2016).

Para tanto, é importante – além da observação da criança e da aplicação de


instrumentos específicos de avaliação – a entrevista com os pais ou responsáveis, com
base no histórico ocupacional da criança ou adolescente, para que seja elaborado o
Projeto Terapêutico Singular mais adequado a cada caso.

Através da intervenção terapêutica ocupacional, espera-se proporcionar a


aquisição da autonomia nas Atividades Básicas da Vida Diária (AVDs), como vestir-se,
alimentar-se, usar o vaso sanitário, dentre outras, bem como a aquisição da independência
nas Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVDs), como brincar, realizar as tarefas
escolares, dar recados, dentre outras.

A orientação aos pais é essencial para o tratamento, tanto em relação à realização


das AVDs, como das AIVDs, onde estes devem ser orientados a proporcionar um ambiente
adequado ao desenvolvimento das habilidades comportamentais necessárias para a
conquista da autonomia dessas atividades. Deve ser orientada a realização do brincar
junto com a criança, além de outros momentos de lazer que fortalecem os vínculos e a
segurança dela com relação aos pais ou responsáveis.

A terapia ocupacional também realiza intervenções junto a escolas, com orientação


aos professores, além de realizar a prevenção de transtornos mentais junto aos alunos.

OUTRAS ABORDAGENS ESPECÍFICAS

ABA

O método ABA (Applied Behavior Analysis), ou Análise do Comportamento


Aplicada, consiste no estudo e na compreensão do comportamento da criança, de sua

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

interação com o ambiente e com as pessoas com quem ela se relaciona, ou seja, analisa o
funcionamento social global da criança para desenvolverem-se estratégias e treinamentos
específicos com o objetivo de corrigir comportamentos problemáticos e estimular
comportamentos assertivos e práticos, utilizando-se reforçadores positivos para auxiliar no
progresso da criança (TEIXEIRA, s/d).

Concentra-se no uso dos princípios da psicologia da aprendizagem visando a


modificação de comportamentos disfuncionais com foco no relacionamento entre o
comportamento e o ambiente e usando métodos de análise que podem ajudar a mudar tais
comportamentos (VALENCIA-CIFUENTES; BECERRA, 2019).

A terapia ABA é multidisciplinar, podendo ser realizada por profissionais


capacitados no método, de diferentes áreas, tais como: psicólogos, fonoaudiólogos,
terapeutas ocupacionais, pedagogos e outros (BANDEIRA, 2021).

Integração Sensorial

A Terapia da Integração Sensorial é um processo neurológico inconsciente que


organiza as sensações do próprio corpo e do ambiente, tornando possível usar o corpo
eficientemente no meio (RODRIGUES et al, 2021). As informações sensoriais são o
combustível que faz o cérebro funcionar, assim, para que este mantenha-se ativo, é
necessário oferecer-lhe estímulos sensoriais (DUNN, 2017).

As sensações obtidas através dos sentidos (paladar, visão, audição, olfato, tato,
propriocepção e vestibular) fornecem informações sobre a condição física do corpo e do
ambiente, dando significado aos sentimentos vivenciados ao filtrar as informações e
escolher o que focar, permitindo agir de forma significativa e reagir às situações (resposta
adaptativa), constituindo a base para a aprendizagem teórica e comportamento social
(RODRIGUES et al, 2021).

Com base nesses pressupostos, têm-se que apropriar-se do ambiente, estabelecer


relações funcionais e aprender dependem da percepção, organização, interpretação e
integração de informações sensoriais (CARDOSO, BLANCO, 2019).

O método Integração Sensorial foi desenvolvido pela terapeuta ocupacional Anna


Jean Ayres na década de 1950, nos Estados Unidos, sendo difundido por todo o mundo,
aplicado por terapeutas ocupacionais com capacitação no método, para o tratamento de

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

várias patologias que apresentem algum tipo de disfunção no processamento sensorial,


como o TEA, além de disfunções físicas (RIBEIRO et al, 2021).

Alguns elementos essenciais de intervenção da integração sensorial são: oferecer


oportunidades sensoriais, apresentar desafios adequados à criança, favorecer a
participação da criança na escolha das atividades, guiar a auto-organização, assegurar a
segurança física, criar um ambiente motivador e estruturar a aliança terapêutica
(RODRIGUES et al, 2021).

DIR Floortime

DIR Floortime (Developmental, Individual Difference, Relationship floortime,


traduzido como "Desenvolvimento funcional emocional”; “Diferenças Individuais” e
“Relacionamento" em tempo no chão) é um método de tratamento voltado para crianças
com alguma alteração no desenvolvimento da sociabilidade, como o Transtorno do
Espectro Autista (TEA). Este método tem como base o desenvolvimento funcional da
criança, focando nas diferenças individuais e nas relações interpessoais, com o objetivo
de formar alicerces para o desenvolvimento de competências sociais, emocionais e
intelectuais (VICHESSI, 2019).

A estratégia Floortime (tempo no chão) implica na posição do terapeuta e/ou


familiar de seguir os interesses da criança, deixando-a liderar, ao mesmo tempo em que

a desafia a alcançar maior domínio de suas capacidades (VICHESSI, 2019).

Este método pode ser aplicado por qualquer profissional treinado, como
fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e pedagogos, assim como familiares
que tenham realizado capacitação no método.

Equoterapia

É um método terapêutico que utiliza o cavalo em uma abordagem interdisciplinar


nas áreas da saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial
de pessoas com deficiência e/ou com necessidades específicas (ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE EQUOTERAPIA, 2022).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Este tipo de tratamento tem como base os padrões repetitivos dos movimentos do
cavalo, o que estimula as respostas da pessoa, melhorando a mobilização, o equilíbrio, o
fortalecimento muscular e a interação social (TUA SAÚDE, 2022).

As sessões acontecem, geralmente, uma vez por semana e duram cerca de 30


minutos, podendo ser realizadas individualmente ou em grupo, com orientação e
acompanhamento de um terapeuta especializado, que pode ser terapeuta ocupacional,
fisioterapeuta, psicomotricista, fonoaudiólogo, ou outro (TUA SAÚDE, 2022).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir deste capítulo observamos que precisamos avançar na prática do cuidado


na saúde mental infantil para, assim, prevenirmos adversidades futuras e maiores impactos
na saúde mental das crianças e dos adolescentes, pois lidar com a saúde mental desse
público é algo desafiador para todos, incluindo profissionais da saúde, educadores e
familiares que lidam diariamente com essa questão.

A abordagem de tratamento ideal deve ser aquela que melhor se adequa às


necessidades e interesses da criança ou adolescente, em consonância com a família,
assim como de acordo com a disponibilidade dos serviços de saúde existentes, voltados
para esse público. É indiscutível a necessidade da inclusão da família no tratamento.

Por fim, convidamos demais estudiosos e pesquisadores para desenvolverem mais


estudos sobre os transtornos na infância e na adolescência. Refletindo sobre como se dá o
processo do desenvolvimento infantil, abordando alguns conceitos e, principalmente, a
maneira indicada de falar sobre o tema.

Ressaltamos a importância da discussão do tema nas escolas e na sociedade de


maneira geral, que sofreu modificações no contexto de pandemia, com o aumento de
casos de transtornos mentais na infância e adolescência.

REFERÊNCIAS

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Médicas, 1986.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 6

PSICOTRÓPICOS: O QUE SÃO E COMO LIDAR COM SUA


ADMINISTRAÇÃO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Rodrigo Freitas da Costa


Kédma Suelen Braga Barros
Verônica Maria Gomes de Carvalho

INTRODUÇÃO

Na infância e adolescência, ocorrem as maiores modificações na estrutura cerebral


humana. Um ambiente saudável e a correta assistência aos problemas de saúde que
surgem nessa fase da vida contribuem positivamente para o pleno desenvolvimento das
habilidades socioemocionais e demais potencialidades (OMS, 2022).

Cerca de 50% dos transtornos mentais começam antes dos 14 anos (OMS, 2022).
Por isso, a infância e adolescência são consideradas fases críticas para promoção da
saúde mental e intervenção precoce (GARCÍA-CARRIÓN; VILLAREJO-CARBALLIDO;
VILLARDÓN-GALLEGO, 2019).

Quando não adequadamente tratados, os transtornos mentais geram prejuízos que


perduram pela vida adulta. O desconhecimento sobre a importância do tratamento dos
problemas de saúde mental na infância causa um impacto negativo no desenvolvimento da
criança, no desempenho escolar e na qualidade de vida do paciente e de sua família
(DAWOOD et al., 2020)

Segundo a Organização mundial de Saúde (2022), cerca de 10% da população


pediátrica apresenta algum transtorno mental. Nos últimos anos, o número de crianças e
adolescentes diagnosticados com problemas de saúde psiquiátricos apresentou elevação
significativa, no entanto, muitos não recebem os cuidados especializados adequados
(GARCÍA-CARRIÓN; VILLAREJO-CARBALLIDO; VILLARDÓN-GALLEGO, 2019).

Em países de renda alta, cerca de 44%-70% dos jovens não são tratados, com
aumento desse percentual para 90% em países de baixa e média renda (MARES;
WOODGATE, 2020).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

O processo de aceitação do adoecimento e do tratamento especializado traz uma


série de incertezas e temores aos pais e cuidadores de crianças e adolescentes:
 “Meu filho terá uma escola que se adeque as suas necessidades?"
 “Ele será acolhido na comunidade?”
 “Saberei lidar com momentos de crises?”
 “Quais limitações o transtorno mental trará ao seu desenvolvimento?”
 “Será necessário usar medicação? Quais os possíveis prejuízos desse
tratamento?”

Muitos pais descrevem sentimento de culpa e incapacidade de lidar com os


transtornos mentais de seus filhos. Frequentemente, questionam-se sobre sua influência
no desenvolvimento da doença, reprovando a própria demora em procurar ajuda médica e
em observar sintomas já notados por outras pessoas (DECUBELLIS et al., 2019).

Na Psiquiatria da infância e adolescência, o uso de psicotrópicos contribui para o


alívio de sintomas, a recuperação da qualidade de vida e a menor recorrência do
adoecimento (MARES; WOODGATE, 2020). Esses medicamentos são utilizados no
controle de problemas emocionais e comportamentais, com importante aumento da
prescrição na infância e adolescência nas últimas décadas (DAWOOD et al., 2020).

A administração dos psicotrópicos é cercada de temores, sendo um dos mais


frequentes o de que tais substâncias possam modificar o pensamento e o comportamento
das crianças. Não se observam, por outro lado, as mesmas dúvidas na administração de
outros tipos de medicamentos. Antibióticos, anti-inflamatórios e diversas outras classes são
consideradas mais seguras pelos pais (DAWOOD et al., 2020).

As crenças e atitudes dos responsáveis sobre o uso de psicotrópicos podem ser


fatores de piora ou de melhora durante o tratamento de uma criança (DAWOOD et al.,
2020). O medo do estigma da doença mental, as atitudes sociais negativas frente ao uso
de medicamentos e o desconhecimento dos transtornos mentais na infância são os
principais motivos que levam pais e responsáveis a abandonarem o acompanhamento
especializado (HAMRIN; MCCARTHY; TYSON, 2010).

O acolhimento das dúvidas sobre a segurança dos psicotrópicos nessa faixa etária
é fundamental para a criação de um bom relacionamento entre família e profissionais de
saúde. Informações sobre o tempo total de tratamento, o risco de dependência e os

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

prejuízos do uso a longo prazo, contribuem com melhor adesão ao tratamento (MARES;
WOODGATE, 2020).

Diante da importância da discussão sobre o uso de psicotrópicos no tratamento de


transtornos mentais na infância, este capítulo se destina à orientação de pais e cuidadores
acerca do uso de medicamentos quando necessário. Foram identificadas as crenças e
atitudes dos responsáveis diante do tratamento, assim como listados os principais
medicamentos utilizados e os seus efeitos colaterais mais frequentes.

O QUE SÃO PSICOTRÓPICOS?

Psicotrópicos são medicamentos utilizados no tratamento de transtornos


psiquiátricos. Sua ação acontece em diferentes regiões cerebrais, com o objetivo de
regular a disponibilidade de neurotransmissores - substâncias químicas com diversas
funções no sistema nervoso central (KAPLAN; SADOCK, 2017).

Essas substâncias podem ser classificadas em:


 Antidepressivos
 Antipsicóticos
 Estabilizadores do humor
 Ansiolíticos
 Psicoestimulantes

Além disso, diversos medicamentos que fazem parte do tratamento de outras


condições médicas também são usados no manejo dos transtornos psíquicos (KAPLAN;
SADOCK, 2017).

A resposta aos psicotrópicos é individual e sofre a influência de fatores genéticos e


ambientais. Um medicamento pode ter resultados distintos entre pacientes diagnosticados
com o mesmo transtorno, também não existem garantias de que os efeitos colaterais
experimentados serão semelhantes (KAPLAN; SADOCK, 2017).

91
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

USO DE PSICOTRÓPICOS NOS TRATAMENTOS DE TRANSTORNOS


PSIQUIÁTRICOS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

O uso de medicamentos no tratamento das doenças mentais na infância e


adolescência teve início a partir da utilização de psicoestimulantes na hiperatividade. Ao
contrário dessas medicações, as quais foram inicialmente testadas e utilizadas em
paciente pediátricos, a maioria dos psicotrópicos foi desenvolvida para uso em adultos,
sendo posteriormente indicada sua utilização em crianças e adolescentes (MARES;
WOODGATE, 2020).

Nos últimos anos, novas informações sobre a segurança e o benefício do uso de


psicotrópicos na faixa etária pediátrica surgiram. As repercussões da utilização dessas
substâncias a longo prazo vêm sendo estudadas, com os resultados atuais mostrando
efeitos tanto positivos quanto negativos. Nos principais transtornos mentais, os benefícios
superam o risco de prejuízo no desenvolvimento da criança. A maioria desses efeitos a
longo prazo podem ser prevenidas com o uso de doses adequadas por tempo definido
durante o acompanhamento (MARES; WOODGATE, 2020).

O uso de medicamentos para o tratamento de transtornos psiquiátricos em


crianças apresenta grandes disparidades entre os países. Fatores como a diferença de
estrutura dos sistemas de saúde, a aprovação de medicamentos, e o acesso aos serviços
de saúde mental influenciam a quantidade de psicotrópicos prescritas pelos psiquiatras
(PIOVANI; CLAVENNA; BONATI, 2019).

Para correta indicação do tratamento, é necessário que a criança passe por uma
criteriosa avaliação inicial. No primeiro atendimento psiquiátrico, são identificadas as
alterações comportamentais e emocionais, assim como os principais fatores psicossociais
que possam influenciar o adoecimento (MARES; WOODGATE, 2020).

Somente após a formulação de uma hipótese diagnóstica, é realizada a indicação


de tratamentos não-medicamentosos (por exemplo, Psicoterapia, Terapia Ocupacional,
Fonoaudiologia e Psicopedagogia) ou de medicamentos. Essa importante decisão será
tomada de acordo com a gravidade da doença e as suas repercussões na qualidade de
vida do paciente (MARES; WOODGATE, 2020).

Para avaliar a resposta ao psicotrópico em uso, é necessário aguardar as


primeiras semanas de sua utilização. O tempo de melhora com o tratamento pode variar de

92
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

poucos dias até várias semanas, de acordo com o tipo de medicamento utilizado pela
criança. Após essa primeira etapa, é necessário avaliar a presença de efeitos colaterais.
Por vezes, são necessárias mudanças da dose ou até da própria substância para que se
alcance a recuperação (MARES; WOODGATE, 2020).

Em alguns casos, psiquiatras prescrevem dois ou mais psicotrópicos ao mesmo


paciente. Grande parte dos transtornos mentais requer uso de apenas uma medicação em
seu tratamento, no entanto, a polifarmácia (necessidade de uso de dois ou mais
medicamentos) é comum na prática clínica. O uso simultâneo de vários psicofármacos
pode aumentar os efeitos colaterais e as interações, assim como pode dificultar o uso
correto. Quando indicada, a polifarmácia deve ser acompanhada por médico experiente no
tratamento de problemas mentais na infância (MEDHEKAR et al., 2019).

Questões como o tempo de uso e a diminuição das doses dos psicotrópicos


dependerão do transtorno mental e das características individuais da criança ou
adolescente. Uma vez que os sintomas desapareçam, recomenda-se avaliar regularmente
a necessidade de manutenção do tratamento (MARES; WOODGATE, 2020).

O uso de medicamentos psiquiátricos não deve ser interrompido abruptamente. A


utilização prolongada de psicotrópicos ocasiona alterações nas substâncias cerebrais,
além de efeitos adversos após alterações súbitas nos níveis sanguíneos do medicamento.
É recomendado que a parada da medicação seja realizada gradualmente, sob orientação
médica (AACAP, 2012).

Diante dos desafios que o uso de psicotrópicos na infância e adolescência traz aos
cuidadores e aos profissionais de saúde, é importante que a tomada das decisões durante
o tratamento seja compartilhada (MCLAREN et al., 2021). Nesse contexto, o acolhimento
da família e o envolvimento dos pais, cuidadores e demais familiares é fundamental na
recuperação do paciente pediátrico (MCLAREN et al., 2021).

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS TEMORES DOS PAIS E CUIDADORES?

Pais e cuidadores apresentam crenças e atitudes frente ao uso de psicotrópicos na


infância. Fatores socioculturais, escolaridade dos responsáveis, gravidade da doença
mental e confiança no profissional de saúde influenciam diretamente na aceitação do
diagnóstico e no seu tratamento (DAWOOD et al., 2020).

93
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

O medo do estigma relacionado ao tratamento do adoecimento mental na infância


retarda a procura por serviços de saúde, assim como dificulta a administração de
psicotrópicos. Como consequência, muitos pais procuram tratamentos alternativos sem
evidência ou suspendem por conta-própria os fármacos dos filhos (WATERMAN; HALES;
GLACKIN, 2015).

Segundo Dawood (2020), os principais temores dos responsáveis sobre efeitos


colaterais, risco de dependência e consequências ao longo prazo são:
 O uso de psicotrópicos pode causar prejuízos à saúde infantil.
 A dependência de psicotrópicos é mais comum em crianças e adolescentes.
 O início da medicação em pacientes jovens traz prejuízos a longo prazo.
 Psicotrópicos prejudicam a inteligência e o processo de aprendizagem.
 Medicamentos modificam de forma negativa o comportamento e as emoções
da criança e do adolescente.
 Pacientes que fazem uso de psicotrópicos são estigmatizados.

O início do tratamento pode trazer ansiedade e preocupações, sendo essencial a


boa comunicação entre psiquiatra e família. Não existem evidências de que o uso de
psicofármacos ocasione prejuízos à saúde, ao comportamento ou ao desenvolvimento de
crianças e adolescentes, quando bem indicados por profissional qualificado (DAWOOD et
al., 2020)

A crença de que a dependência de psicotrópicos é maior nessa faixa etária


também não se confirma. De maneira oposta, o tratamento correto de condições como o
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) na infância está relacionado a
menor risco de abuso de substâncias no futuro (DAWOOD et al., 2020).

OS TRANSTORNOS MENTAIS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA OCASIONAM


PREJUÍZOS QUANDO NÃO TRATADOS?

Transtornos mentais não tratados ocasionam prejuízos físicos, emocionais e


comportamentais a curto e a longo prazo. A criança e o adolescente em sofrimento mental
apresentam dificuldades na socialização, menor desempenho escolar, prejuízo de funções
físicas e cognitivas, assim como maior risco de suicídio (HAMRIN; MCCARTHY; TYSON,
2010).

94
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

O tratamento adequado é capaz de melhorar o estresse familiar e contribuir com a


recuperação da qualidade de vida do paciente. Além disso, reduz as chances de
comportamentos disfuncionais na idade adulta (HAMRIN; MCCARTHY; TYSON, 2010).

PRINCIPAIS PSICOTRÓPICOS UTILIZADOS E EFEITOS COLATERAIS

O quadro 1 resume os medicamentos mais utilizados no tratamento dos


transtornos mentais na faixa etária pediátrica e os seus principais efeitos colaterais.

Quadro 1 – Psicotrópicos mais utilizados na infância e adolescência


e seus efeitos colaterais
Medicamentos Principais efeitos colaterais
Antidepressivos: Sedação, insônia, inquietação, dor de cabeça,
Fluoxetina boca seca, turvação visual, tremores,
Sertralina hipotensão, taquicardia, ganho de peso,
Escitalopram desconforto gástrico e tontura.
Venlafaxina
Antipsicóticos: Sonolência, sedação, insônia, agitação,
Haloperidol inquietação, hipotensão, rigidez, tremores,
Risperidona ganho de peso, erupções na pele, alterações
Aripiprazol da função hepática.
Olanzapina
Quetiapina
Clozapina
Levomepromazina
Clorpromazina
Estabilizadores do Humor: Sonolência, fadiga, fraqueza muscular,
Carbonato de Lítio incoordenação, desconforto gástrico,
Ácido Valproico alterações da tireoide (Lítio), visão embaçada,
Carbamazepina náuseas, vômitos, alterações do peso,
Lamotrigina irritação na pele, tontura, alterações do
número de células do sangue.
Psicoestimulantes: Ansiedade, inquietação, insônia, irritabilidade,
Metilfenidato dor de cabeça, alterações do humor, tiques,
Lisdexanfetamina alterações gastrointestinais, atraso do
crescimento.
Fonte: Adaptado de GARCIA; LOGAN; GONZALEZ-HEYDRICH, 2012.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

QUAL O PAPEL DA FAMÍLIA NESSE PROCESSO JUNTO À CRIANÇA E AO


ADOLESCENTE?

O envolvimento dos pais e cuidadores na rotina do tratamento é fundamental para


a melhor adesão ao uso de psicotrópicos na faixa etária pediátrica. Quando não há a
participação de um adulto responsável, é provável que o paciente não consiga seguir as
orientações médicas (DEAN et al., 2011)

Diversas falhas ocorrem quando a criança não está em casa. Uma das principais
formas de contribuição dos pais é a criação de uma rotina de administração de
medicamentos, sem interrupção dos psicotrópicos nos momentos em que a criança está
com outro cuidador ou na escola. Orientar os demais membros da família e os professores
sobre a necessidade de manutenção da rotina é uma estratégia efetiva na melhora da
adesão medicamentosa (DEAN et al., 2011).

A incorporação da tomada dos psicotrópicos à rotina do paciente e o reforço


positivo após o seu uso contribuem com o envolvimento da criança em seu próprio
tratamento (DEAN et al., 2011).

QUAL O PAPEL DA ESCOLA AO RECEBER O ALUNO EM USO DE PSICOTRÓPICOS?

É necessário que exista boa comunicação entre família, escola e psiquiatra da


infância e adolescência, pois, por vezes, psicotrópicos podem ser prescritos para uso em
horário escolar (OMS, 2021).

A Organização Mundial de Saúde (2021) recomenda que escolas com estudantes


que necessitem de medicamentos durante o turno escolar tenham profissional de
Enfermagem. No entanto, a maioria das instituições de ensino não contam com esse
suporte, sendo delegado aos professores a função da administração dos psicotrópicos no
horário escolar. Nesse contexto, orientações aos profissionais da educação sobre os
benefícios do uso correto dos medicamentos contribuem com a formação de uma maior
rede de cuidados à criança e o adolescente com transtorno mental (OMS, 2021).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso de medicamentos psicotrópicos na infância e adolescência traz diversos


temores aos pais e cuidadores, no entanto, existem benefícios comprovados nessa faixa
etária. Sua utilização está bem estabelecida no tratamento dos principais transtornos
mentais, contribuindo com melhor qualidade de vida para a criança e a sua família.

Muitas crenças e atitudes dos responsáveis perante o uso de psicofármacos


prejudicam o pleno desenvolvimento do paciente e aumentam o risco de complicações na
idade adulta, decorrentes de doenças não adequadamente tratadas na infância.

A educação de pais e cuidadores sobre o diagnóstico e o uso de medicações


psicotrópicas aproxima a família e os demais cuidadores do tratamento na faixa etária
pediátrica. A desmistificação de crenças e temores traz segurança aos responsáveis e
estimula sua participação no processo de recuperação da qualidade de vida da criança e
do adolescente com transtorno mental.

REFERÊNCIAS

AACAP. American Academy of Child and Adolescent Psychaitry: A Guide for


Community Child Serving Agencies on Psychotropic Medications for Children and
Adolescents. 2012. Disponível em: <http://www.aacap.org/app_themes/aacap
/docs/press/guide_for_community_child_serving_agencies_on_psychotropic_medications_f
or_children_and_adolescents_2012.pdf>. Acesso em: 10 de julho de 2022.
DAWOOD, E. et al. Parental Opinions and Beliefs toward Use of Psychotropic Drugs for
Treatment of Mental Health Problems in Children. Saudi Journal of Nursing and Health
Care, v. 3, n. 12, p. 372–381, 13 dez. 2020.
DEAN, A. J. et al. Predictors of medication adherence in children receiving psychotropic
medication. Journal of Paediatrics and Child Health, v. 47, n. 6, p. 350–355, 11 fev.
2011.
DECUBELLIS, T. et al. My Child Has a Mental Illness: Developing Parental Advocacy
Skills. Youth and Community Sciences Department, 2019. Disponível em:
<http://edis.ifas.ufl.edu>. Acesso em: 10 de julho de 2022.
GARCIA, G.; LOGAN, G. E.; GONZALEZ-HEYDRICH, J. Management of Psychotropic
Medication Side Effects in Children and Adolescents. Child and Adolescent Psychiatric
Clinics of North America, v. 21, n. 4, p. 713–738, out. 2012.
GARCÍA-CARRIÓN, R.; VILLAREJO-CARBALLIDO, B.; VILLARDÓN-GALLEGO, L.
Children and Adolescents Mental Health: A Systematic Review of Interaction-Based
Interventions in Schools and Communities. Frontiers in Psychology, v. 10, n. 918, 24 abr.
2019.

97
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

HAMRIN, V.; MCCARTHY, E. M.; TYSON, V. Pediatric Psychotropic Medication Initiation


and Adherence: A Literature Review Based on Social Exchange Theory. Journal of Child
and Adolescent Psychiatric Nursing, v. 23, n. 3, p. 151–172, 12 ago. 2010.
KAPLAN, H.I; SADOCK, B.J. Compêndio de Psiquiatria - Ciências do Comportamento
e Psiquiatria Clínica. 11ª ed. Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 2017.
MARES S, WOODGATE S. The clinical assessment of infants, preschoolers and their
families. IACAPAP e-Textbook of Child and Adolescent Mental Health. Genebra,
International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions, 2020.
MCLAREN, J. L. et al. Psychotropic Polypharmacy and Antipsychotics in Children: A
Survey of Caregiver‟s Perspectives. Community Mental Health Journal, v. 58, n. 3, p.
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MEDHEKAR, R. et al. Risk factors of psychotropic polypharmacy in the treatment of
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Administrative Pharmacy, v. 15, n. 4, p. 395–403, abr. 2019.
OMS. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Saúde mental e cerebral da criança e do
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<https://www.who.int/activities/improving-the-mental-and-brain-health-of-children-and-
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OMS. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Saúde mental nas escolas: um manual.
Escritório Regional da OMS para o Mediterrâneo Oriental, Cairo. 2021.
PIOVANI, D.; CLAVENNA, A.; BONATI, M. Prescription prevalence of psychotropic drugs in
children and adolescents: an analysis of international data. European Journal of Clinical
Pharmacology, v. 75, n. 10, p. 1333–1346, 4 jul. 2019.
WATERMAN, Y.; HALES, L.; GLACKIN, M. Prescribing for children and adolescents in
mental health. Nurse Prescribing, v. 13, n. 6, p. 296–300, 2 jun. 2015.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 7

ENFRENTAMENTO DE SITUAÇÕES DE CRISE NA INFÂNCIA E


ADOLESCÊNCIA: ORIENTAÇÕES PARA A FAMÍLIA E A ESCOLA

José Lino Ferreira Júnior


Rodrigo Freitas da Costa
Leticia Coelho Cavalcante

INTRODUÇÃO

A infância e a adolescência são períodos críticos para a promoção da saúde


mental, pois mais da metade dos transtornos mentais iniciam nestas fases, e muitos deles
persistem ao longo da vida adulta (KESSLER et al., 2005).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (2016) 10-20% das crianças


apresentam problemas de saúde mental. No entanto, menos da metade dessas crianças
recebe qualquer tratamento de saúde (HOOVER; BOSTIC, 2020).

A pandemia pela Covid-19 exacerbou tendências já alarmantes na saúde mental


(U.S. DEPARTMENT OF EDUCATION, 2021). Um estudo realizado nos Estados Unidos e
publicado em 2021 mostrou que a proporção de visitas às emergências para condições de
saúde mental aumentou significativamente de 4,0% para 5,7%, embora consultas para
condições clínicas gerais tenham diminuído no período avaliado (KRASS et al., 2021).

O QUE É UMA CRISE?

Uma crise em saúde mental pode ser definida como uma situação em que o
comportamento de uma pessoa a coloca em risco de ferir a si mesma ou aos outros e/ou
a impede de ser capaz de cuidar de si mesma ou de funcionar efetivamente na
comunidade. Uma crise também pode ser definida como uma ruptura no estado de
equilíbrio que surge quando o indivíduo encontra um obstáculo que parece ser insuperável
quando utiliza as suas habilidades de resolução de problemas (CAPLAN; CABRAL, 1980).
Durante uma crise pode ocorrer angústia, medo ou desespero (associados ou não)
causados por uma experiência ou situação difícil. Trata-se de uma experiência individual,
não padronizada, ou seja, o que um indivíduo relata como crise pode não ser referido por
outra pessoa da mesma forma (LYONS et al, 2009).

99
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Muitas pessoas explicam que se perceberam em crise quando se depararam com


situações para as quais não se sentiam preparadas, sem planos de como fazer para
superá-la ou sem saber a quem pedir ajuda, referindo sensação de perda do controle
(LYONS et al, 2009).

A crise em saúde mental na infância e adolescência é decorrente de grandes


mudanças na situação de vida deste público, interfere no seu bem-estar emocional,
compromete a sua saúde psicológica assim como os seus relacionamentos interpessoais e
familiares (MARTIN; BLOCH; VOLKMAR, 2018). A crise interfere no nível básico de
funcionamento de um indivíduo (CALLAHAN, 1994) e, apesar de não necessariamente ser
uma condição de ameaça à vida, requer uma abordagem urgente para evitar um dano
(JANSSENS et al., 2013).

CRISE E EMERGÊNCIA PSIQUIÁTRICA

A emergência psiquiátrica é uma situação em que existe uma potencial ameaça à


segurança ou ao bem-estar da criança e da família podendo requerer atendimento em
serviço de saúde.

A busca dos pais por serviços de emergências médicas devido a situações de crise
e saúde mental de seus filhos tem crescido nos últimos anos. De acordo com o Annual
Report on Health Care for Children and Youth in the United States, as hospitalizações por
condições de saúde mental aumentaram em 50% entre crianças de 10 a 14 anos entre os
anos de 2006 e 2011. Além disso, as consultas no pronto-socorro cresceram 21% pelo
mesmo motivo, embora não tenha ocorrido aumento significativo para condições médicas
gerais no período estudado. Internações por ideação suicida e automutilação elevaram-se
em 151% para crianças e adolescentes entre 10 a 14 anos nesse intervalo de tempo
(TORIO et al., 2015).

Esse tema é pouco abordado em materiais direcionados a pais e educadores e


apresenta grande importância devido ao aumento do número de crises em saúde mental
na infância e adolescência, o aumento da procura por suporte nos serviços de saúde
nessas situações e a dificuldade das famílias e da escola em identificar e diferenciar os
tipos de crise.

100
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Este capítulo tem como objetivo, portanto, definir a crise em saúde mental;
identificar os diferentes tipos de crise na infância e adolescência e orientar pais e
educadores sobre o manejo durante as crises de ansiedade, birra, comportamento
opositor, agitação, agressividade, ideação suicida e automutilação.

COMO IDENTIFICAR UMA CRISE

Como já descrito, uma crise em saúde mental pode ser decorrente de diversas
situações. Alguns fatores que podem desencadeá-la são mudanças na estrutura familiar,
como divórcio dos pais, perda de familiares, amigos ou animais, conflitos e brigas entre
irmãos ou amigos e bullying, pressão por desempenho social e acadêmico, entre outros.

As crises podem surgir progressivamente ou podem ocorrer sem aviso prévio. No


lar, os pais podem reconhecer a iminência de uma crise através das mudanças de
comportamento da criança ou do adolescente e das reações incomuns, ao realizarem
tarefas rotineiras. Os sinais de alerta variam de acordo com cada faixa etária. Em crianças
menores, observa-se birras frequentes e inexplicáveis, medos incomuns, tristeza e
sentimento de desesperança, distanciamento de amigos e familiares, recusa em ir à
escola, desobediência às regras do lar e declínio do desempenho escolar. Podem ocorrer
ainda pesadelos persistentes, comportamento agitado aquém do habitual, e dificuldade em
completar tarefas.

Em adolescentes, é notório o distanciamento de amigos, oposição às figuras de


autoridade, levando à faltas à escola e vandalismo, humor triste acompanhado de falta de
apetite e dificuldade em dormir, uso de álcool, tabaco e outras substâncias ilícitas e
explosões de raiva. Assim como em crianças, observa-se frequentemente a piora do
desempenho escolar e presença de pesadelos. Deve-se atentar também a medos intensos
de tornar-se obeso, levando a dietas constantes e vômitos autoprovocados, ameaças de
fuga, automutilação (lesões provocadas em si) e falas sobre suicídio (NATIONAL
ALLIANCE ON MENTAL ILLNESS, 2010).

A escola e os professores têm importante papel não só no aprendizado, mas


também no bem estar e crescimento dos estudantes. Os comportamentos percebidos no
lar também podem ser notados na escola. Ao perceber uma iminente situação de crise os
professores podem adotar algumas condutas:

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

● Demonstre cuidado e preocupação com as mudanças de comportamento


observadas;
● Agende check-ins regulares com os estudantes e seus responsáveis com os
quais se preocupa;
● Esteja aberto à escuta. Escute o estudante mais do que fala
● Mostre-se acessível;
● Forneça outras plataformas com as quais o estudante possa se comunicar.
Aplicativos de reuniões e conversas online são um bom exemplo;
● Providencie oportunidades para o estudante expressar seus sentimentos
além da fala como, por exemplo, através de desenhos ou da escrita;
● Permaneça calmo ao falar e discutir o que tem acontecido;
● Mantenha as rotinas sempre que possível;
Conforme necessário solicite suporte de psicólogos, assistentes sociais e médicos.
(AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2022).

FATORES DE RISCO PARA CRISES E A AVALIAÇÃO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

Fatores de risco para as situações de crise e emergência em crianças e


adolescentes podem ser decorrentes de fatores individuais, familiares, sociais e
relacionados à escola. Reconhecê-los é importante para a identificação da crise e seus
gatilhos, direcionando o manejo para a melhora do jovem. No quadro abaixo alguns desses
fatores são expostos.

Quadro 1 - Fatores de risco para emergências psiquiátricas na infância e adolescência


Fatores familiares ● Separação e divórcio dos pais
● Abandono dos pais
● Doença ou morte na família
● Comunicação pobre entre pais e filhos
Fatores escolares ● Baixo desempenho escolar
● Problemas com os pares
● Bullying (intimidação sistemática)
Fatores individuais ● Pessoa com deficiência física ou intelectual
● Doença física crônica

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

● Isolamento
● Comportamento impulsivo
● Poucas habilidades sociais
● Rompimento de relacionamentos amorosos
Fatores sociais ● Desvantagens sociais e econômicas
● Discriminação social
● Violência na vizinhança
● Isolamento social
Fonte: (THARA; VIJAYAKUMAR, 2017).

Os fatores de risco podem atuar em conjunto com outros pré-existentes levando a


criança ou adolescente a uma situação de crise. Entre estes fatores destacam-se:

1) Doenças psiquiátricas pré-existentes, como fobias, outros transtornos


ansiosos, depressivos ou do neurodesenvolvimento (Transtorno do Espectro Autista, por
exemplo)
2) Experiência traumáticas decorrentes de violência, abusos físicos,
psicológicos, sexuais ou negligência
3) Doenças clínicas como, por exemplo, febre, doenças infecciosas e epilepsia
4) Medicamentos e outros tratamentos médicos

O ACOLHIMENTO E A AVALIAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Para estabilizar a criança e o adolescente em crise é necessária uma postura


empática, aberta e curiosa. Esse tipo de abordagem ajudará aos pais, professores e
profissionais a estabelecerem uma relação de confiança com esses indivíduos. Muitos
jovens agitados, irritados ou ansiosos podem acalmar-se quando um adulto se aproxima
com empatia e desejo sincero de entender o que os perturbou, ao invés de recebê-los com
julgamento e punição (MARTIN; BLOCH; VOLKMAR, 2018)

Para a avaliação especializada da criança e do adolescente ,quando necessária e


indicada, a presença de informantes que compreendam a história e os fatos relacionados
ao paciente é crucial, pois devido à sua imaturidade cognitiva e emocional,a criança e o
adolescente não poderão esclarecer todas as informações adequadamente. Os
informantes são, preferencialmente, os pais e responsáveis, porém outros informantes
podem fornecer relatos relevantes sobre o funcionamento do paciente. O histórico de

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

doenças ou tratamentos clínicos e psiquiátricos, da gestação e parto, do desenvolvimento;


familiar, de uso de substâncias psicoativas, acadêmico, escolar e de estressores atuais
são essenciais para a compreensão da situação de crise e seu manejo (MARTIN; BLOCH;
VOLKMAR, 2018).

No momento em que os responsáveis consultam um profissional em busca de


ajuda para lidar com a situação de crise da criança frequentemente estão exaustos,
cansados e com diversas preocupações relacionadas ao adoecimento e sintomas deste.
Manter a calma e reduzir a ansiedade dos responsáveis também poderá ajudar a reduzir a
ansiedade da criança.

A CRISE ANSIOSA E SEU MANEJO

A ansiedade é a uma reação emocional, cognitiva e fisiológica relacionada a uma


ameaça real ou imaginária que pode ocorrer no futuro (MARTIN; BLOCH; VOLKMAR,
2018).

Sintomas ansiosos podem ser normais e transitórios na infância e adolescência


manifestando-se por meio de medos e preocupações, não levando a maiores limitações.
Enquanto as crianças podem, normalmente, apresentar medos de escuridão, de
distanciamento dos adultos de sua confiança e de fenômenos da natureza (raios e trovões,
por exemplo),os adolescentes podem manifestar preocupações com o desempenho social
e rendimento escolar (ASSUMPÇÃO JR; KUCZYNSKI, 2018).

Contudo, se os sintomas ansiosos persistirem, se tornarem intensos e


desproporcionais, levando a uma dificuldade da criança manter o controle e
comprometendo o seu funcionamento geral, a presença de algum transtorno de ansiedade
precisa ser considerada. Na infância e adolescência a sintomatologia ansiosa mais intensa
é acompanhada, frequentemente, por sintomas físicos como dores de cabeça e
abdominais, associados ou não a comportamento de oposição e irritabilidade
(ASSUMPÇÃO JR; KUCZYNSKI, 2018).

Por vezes, sintomas de ansiedade podem iniciar de forma súbita e intensa,


acompanhados de coração acelerado, suor excessivo, sensação de falta de ar, aperto no
peito, náuseas, tonturas e até desmaios. Esses sintomas podem aparecer após a
exposição da criança a algum fator que gere ansiedade (medos, preocupações,

104
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

lembranças traumáticas) ou mesmo espontaneamente, sem um motivo aparente


(ASSUMPÇÃO JR; KUCZYNSKI, 2018).

Alguns pais podem excluir seus filhos de atividades e brincadeiras com outras
crianças, o que não é recomendado, visto que essa exposição pode ser uma oportunidade
para que ela supere seus medos. Vale ressaltar que atividades coletivas, sejam esportivas
ou artísticas, podem ser um estímulo útil (CORDIOLI; GREVET, 2019).

Os exercícios de relaxamento e de respiração são ferramentas importantes para a


melhora dos sintomas em situações de crise. Pode ser necessário a criança sair do local
onde está e dirigir-se a um local mais silencioso ou ao ar livre, melhorando, com isso , a
sensação de sufocamento. Tentar perceber o ambiente a sua volta, dirigindo a atenção
para algum objeto, enquanto descreve suas características, é uma técnica que desvia o
foco dos sintomas ansiosos e contribui para um progressivo relaxamento. Um exemplo
seria um jovem que, diante de intensos sintomas ansiosos, procura um local aberto e lá
observa uma cadeira, descrevendo-a como uma cadeira baixa, acolchoada e
aparentemente confortável, de cor amadeirada e brilhosa devido ao verniz, com gravuras
em suas laterais que lembram folhas e flores.

Outro exercício de relaxamento consiste no relaxamento muscular progressivo


(WRIGHT et al., 2008).Essa prática foi criada por um médico e tem como objetivo
proporcionar ao praticante um estado de relaxamento por todo o corpo. Alguns passos
podem seguidos para o início dessa prática: Enquanto sentada e com pés apoiados ao
chão, a pessoa pode fechar os olhos e, enquanto respira lentamente, pode perceber que
músculos estão mais tensos, focando no relaxamento daquele grupo muscular e
estendendo o relaxamento para os demais. O que se nota é que, à medida que a tensão
muscular diminui, o sentimento subjetivo de ansiedade tende a reduzir também.

Uma outra importante técnica consiste em prestar atenção à respiração. Pode ser
aplicada com o indivíduo em crise sentado, em pé ou mesmo caminhando. Orienta-se que
se concentre na respiração tentando perceber o ar entrando (inspiração) e saindo
(expiração) lentamente, seguindo abrandando o ritmo da respiração e respirando
profundamente a partir do abdome (LINEHAN, 2018).

Caso haja a evidência da existência de um transtorno de ansiedade ou da piora


dos sintomas ansiosos, quanto a sua intensidade e persistência, será importante uma

105
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

consulta com um profissional habilitado. Com isso, será avaliada a necessidade de


tratamento psicoterápico e medicamentoso (CORDIOLI; GREVET, 2019).

AS BIRRAS E O COMPORTAMENTO OPOSITOR

As crianças podem ter dificuldade em comunicar com palavras o que sentem ou o


que desejam. Frequentemente elas realizam essa comunicação através de
comportamentos inadequados, com “explosões de temperamento”, acompanhados por
choros, birras, agressividade e desobediência (MARTIN; BLOCH; VOLKMAR, 2018). Esse
comportamento é mais comum entre 3 e 5 anos de idade e pode fazer parte do
desenvolvimento normal da criança (CORDIOLI; GREVET, 2019).

Alguns fatores podem contribuir para que crianças persistam com mal
comportamento, entre eles destacam-se características psicológicas próprias, questões do
desenvolvimento, características dos pais (saúde física e mental), estressores familiares
(divórcio, problemas financeiros) e reforço de comportamentos indesejáveis. (MARTIN;
BLOCH; VOLKMAR, 2018)

Diversas estratégias são descritas para a melhora deste padrão. É destacada a


importância de uma comunicação simples e objetiva, deixando claro para a criança o que
deve ser feito e as consequências em não seguir um comando, evitando ameaçá-la ou dar
ordens vagas. Por exemplo falar para a criança “você precisa organizar seu quarto antes
de ir brincar” ao invés de “quero que se comporte e me obedeça” traz uma comunicação
mais efetiva, reduzindo a probabilidade de uma má interpretação.

Quando uma criança recebe uma recompensa por um comportamento, este é


fortalecido e passa a ser repetido no futuro. É importante que os pais e cuidadores
identifiquem comportamentos desejados e adequados e os reforcem; assim como devem
punir e não reforçar os comportamentos indesejados.

Algumas recompensas que devem ser fornecidas às crianças por comportamentos


adequados são sorrisos, afagos, abraços, elogios. Atividades como ir para a
praça/playground, passear, brincar, jogar bola e assistir um filme podem também serem
utilizados como recompensas, assim como recompensas materiais (livros, bola ou balões).

Quando há necessidade em disciplinar a criança, esta ação deve ser branda. Dar
bronca, disciplina por tempo determinado e penalizações (retirar um brinquedo, por

106
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

exemplo) são tipos de ações disciplinares brandas. Punições severas como ameaças
graves e de abandono, sarcasmo ou castigos físicos não devem ser utilizadas. Atitudes
disciplinares e educativas devem ser impostas logo após o comportamento inadequado
com rápida explicação sobre o seu motivo. O responsável deve ser racional e não
agressivo em sua abordagem (CLARK, 2009).

Há evidências de que a punição física é inefetiva para reduzir comportamentos


inadequados ou disruptivos. Esse tipo de punição pode levar ao aumento da
agressividade, comportamento antissocial e lesões físicas (MARTIN; BLOCH; VOLKMAR,
2018)

Estratégias de prevenção podem ser adotadas. O controle do ambiente, evitando


assim o fácil acesso a objetos quebráveis, produtos químicos e itens de disputa entre
irmãos, pode prevenir danos maiores em comportamentos fortemente disruptivos. Dar a
oportunidade de escolhas às crianças ao invés de dizer “não” evita comportamentos. Por
exemplo, perguntar para a criança se “prefere maçã ou banana” no lanche da tarde ao
invés de falar “você não pode comer biscoitos agora” (MARTIN; BLOCH; VOLKMAR,
2018).

A AGITAÇÃO E A AGRESSIVIDADE

A agitação é um comportamento no qual podem estar presentes inquietação com


atividade motora excessiva, irritabilidade, exacerbação da resposta a estímulos internos e
externos, em um padrão instável (THARA; VIJAYAKUMAR, 2017).

Agitação e agressividade nem sempre surgem de forma concomitante em crianças


e adolescentes. Entre as causas há fatores psicossociais como reações a conflitos
interpessoais, comportamentos opositores ou quando sente-se ameaçada. Também
podem ser secundárias a transtornos psiquiátricos como o Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno Depressivo, Transtorno Bipolar, entre outros,
que requerem acompanhamento psiquiátrico e manejo específico (THARA;
VIJAYAKUMAR, 2017).

Durante as birras, comportamentos caracterizados por explosões emocionais


intensas, podem ocorrer manifestações de agitação e agressividade (contra outras
crianças ou contra ela mesma). Há situações em que a criança pode morder, agredir aos

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

outros à sua volta e ter acessos de raiva. Apesar de embaraçoso para os pais este
comportamento pode ser normal entre 1 e 3 anos de idade.

No momento da birra a criança pode não estar escutando o que o adulto fala.
Palmadas podem deixá-la ainda mais irritada e com choro mais intenso. Neste momento, a
criança só necessita ser contida e tranquilizada por um adulto, devendo o mesmo fazê-la
sentir-se protegida. Se o risco da criança machucar-se existir, a mesma poderá ser
contida mais firmemente pelo responsável, porém sempre com carinho e serenidade, a fim
de evitar danos maiores. Uma forma de prevenir as crises é, antes de levar a criança a
algum local com muitos estímulos (shopping centers, feiras e festas) fazer acordos ou dar-
lhe tarefas a serem executadas (escolher frutas no mercantil, por exemplo) (FILLIOZAT,
2014).

Uma outra condição que leva frequentemente crianças e adolescentes para as


emergências por queixa de agitação e agressividade é o Transtorno Opositor-Desafiante
(TOD). Nesse transtorno o que se percebe são crianças e adolescentes com humor
irritável (frequentemente perde a calma, é ressentido e raivoso), comportamento
questionador e desafiante (questiona outros adultos e crianças, incomoda e desafia figuras
de autoridade de forma acintosa, recusam-se a obedecer regras e culpam os outros por
seus erros) e apresentam índole vingativa (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2014). Para confirmar o diagnóstico uma avaliação psiquiátrica se faz necessária. O
manejo de um comportamento inadequado em uma criança com TOD se faz através de
estratégias comportamentais (reforçar comportamentos positivos e propor atos de
disciplina para comportamentos negativos e inadequados). O acompanhamento com o
psicólogo ou psicoterapeuta é necessário. O tratamento medicamentoso deve ser avaliado
por um médico, não sendo a base do tratamento para o TOD. Esse tipo de tratamento é
reservado para casos em que as outras estratégias psicossociais falharem (MARTIN;
BLOCH; VOLKMAR, 2018).

Durante a crise é essencial que o responsável mantenha a voz calma, evite


movimentos bruscos, escute a criança, dê opções ao invés de tentar tomar o controle, não
discuta ou tente argumentar com ela. O adulto deve ser paciente, expressar apoio e
preocupação, evitando manter contato visual contínuo. Deve comunicar gentilmente ações
antes de iniciá-las, perguntando como poderá ajudar. Finalmente dê espaço à criança, não
faça com que se sinta presa (NATIONAL ALLIANCE ON MENTAL ILLNESS, 2010).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

SUICÍDIO E AUTOMUTILAÇÃO

O suicídio é, no mundo, a 4ª causa mais frequente de morte entre jovens entre 14


e 29 anos, sendo uma importante questão de saúde pública e social (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2021).

Um estudo investigou a influência da pandemia nas taxas de suicídio, sugerindo


que as taxas de ideação suicida aumentaram, quando comparadas a estudos antes do
período pandêmico, podendo ainda resultar em maiores taxas de suicídio no futuro. Esse
estudo sugere que o baixo apoio social, a solidão e os distúrbios do sono são alguns dos
fatores que levaram a esse aumento (FAROOQ Et al., 2021).

É frequente à busca de emergências médicas por lesões auto provocadas por


jovens, sendo às vezes difícil entender se foi deliberada ou acidental. Apesar de relatarem
pensamentos suicidas a familiares, na consulta com o médico podem negá-los por medo
de serem hospitalizados (FAWCETT et al., 1990). A presença de um familiar é importante
para esclarecer se há história de tentativas anteriores de ideação ou tentativa de suicídio,
uso de substâncias, diagnósticos psiquiátricos prévios (depressão, transtorno bipolar e
transtornos de conduta); história familiar de transtornos mentais e acesso a armas de fogo
ou outros meios perigosos. Importante averiguar com paciente e familiares se houveram
despedidas através de cartas ou outros meios (MARTIN; BLOCH; VOLKMAR, 2018).

Ameaças e comportamentos suicidas e de automutilação costumam refletir um


pedido de ajuda do jovem, devendo-se avaliar problemas de comunicação dentro do
ambiente familiar.

Alguns fatores de risco estão implicados no comportamento suicida e


automutilação. Entre eles destacam-se:

● Idade: risco menor em crianças pequenas, aumentando durante a adolescência;


● Gênero: mulheres tentam suicídio três vezes mais que homens, porém estes
tem um risco maior de suicídio completo;
● Diagnóstico de depressão: principalmente quando acompanhado de
sentimentos de desesperança, baixa autoestima, solidão e sentimento de culpa;
● Presença de transtorno de conduta: pessoas com comportamentos anti-sociais,
principalmente quando em uso concomitante de álcool e outras drogas, são
mais propensos a machucar a si mesmos ou a outros;

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

● Tentativas prévias de suicídio: já ter tentado suicídio aumenta o risco de novas


tentativas;
● Problemas familiares: eventos como rupturas, discórdias, violência e abuso
físico na família;
● Fatores escolares: bullying (THARA; VIJAYAKUMAR, 2017).

A procura de ajuda médica é muitas vezes postergada por diversos mitos que
trazem informações erradas sobre o suicídio, sendo o sofrimento do jovem minimizado e
os sinais de uma iminente tentativa de suicídio ignorados. O quadro abaixo cita alguns
desses mitos e, ao lado, explica-se como eles devem ser adequadamente interpretados.

Quadro 2 - Mitos e verdades sobre suicídio em jovens


Mitos Verdades
Falar com alguém sobre suicídio pode ● Falar sobre suicídio oferece a oportunidade de
encorajá-la a suicidar-se comunicação e encoraja a busca de ajuda
● O jovem que fala sobre suicídio está
Jovens que falam sobre suicídio nunca sinalizando que precisa de ajuda, devendo ser
tentarão apoiada e encorajada a buscar ajuda
adequada
Tentativas de suicídio acontecem sem ● Frequentemente a intenção de suicídio é
aviso prévio. comunicada, mas nem sempre reconhecida
Se uma pessoa tentou suicídio e ● Tentativas de suicídio prévias é o principal
sobreviveu ela não tentará novamente fator de risco para tentativas futuras
● O suicídio pode ser prevenido. Para isso o
Se alguém tem o desejo de suicidar-se
risco deve ser reconhecido e a pessoa deve
nada e nem ninguém pode impedir
ser ajudada.
● Como já dito o suicídio é uma das principais
Jovens não se suicidam
causas de morte entre jovens no mundo.
(Nevada Division of Public and Behavioral Health Office of Suicide Prevention, 2021)

Em alguns casos há necessidade de hospitalização, principalmente quando há


ideação suicida persistente ou com planos de suicídio com métodos de alta letalidade.
Contextos em que há ideação suicida influenciada por alucinações auditivas com vozes de
comando, e naqueles em que há um importante estressor psicossocial (abuso sexual
recente ou bullying severo) podem também requerer internação hospitalar (MARTIN;
BLOCH; VOLKMAR, 2018).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Em pacientes em que não há necessidade imediata de hospitalização deverá ser


realizado um plano de segurança. O envolvimento dos familiares no plano de tratamento
os atrai para a terapia e os educa sobre diagnósticos psiquiátricos, a letalidade do
comportamento e os propósitos do tratamento (MARTIN; BLOCH; VOLKMAR, 2018).

Os cuidadores devem ser orientados a remover/trancar as armas letais que


tenham em casa, controlar acesso a medicamentos do paciente ou de outros moradores
da residência, remover objetos pontiagudos e cortantes, cordas e produtos químicos, além
de impedir o acesso a álcool e outras substâncias psicoativas (DULCAN et al., 2018).

Identificar gatilhos e sinais de alerta para comportamento suicida e de


automutilação, além de distanciar o jovem de fatores estressores, é relevante para elaborar
estratégias de enfrentamento à momentos de crise (DULCAN et al., 2018).

Alguns contatos e locais onde se possa buscar ajuda para prevenir o suicídio são
citados abaixo:

● Centro de Valorização à Vida (CVV) – um serviço telefônico gratuito, por meio


do número 188, onde voluntários prestam apoio emocional e prevenção do
suicídio.
● Pode Falar – https://www.podefalar.org.br/ – canal de ajuda em saúde mental
para pessoas entre 13 e 24 anos, gratuito, em parceria com a UNICEF
● Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): serviço de saúde voltados às pessoas
em sofrimento psíquico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A infância e a adolescência são períodos importantes para a promoção da saúde


mental, pois muitos problemas de saúde mental surgem nestas fases da vida e podem
persistir durante a vida adulta, tornando relevante a intervenção precoce.

Os sintomas exibidos durante uma crise em saúde mental, período de ruptura do


estado de equilíbrio e funcionamento do indivíduo sinalizam um sofrimento e geram
angústia, emoções intensas e comportamentos inadequados ou perigosos.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Os genitores, cuidadores e familiares mais próximos podem ser os primeiros a


perceber a crise além de identificar os gatilhos e primeiras mudanças no comportamento
das crianças dos adolescentes.

A escola também tem papel fundamental na promoção do bem-estar do estudante.


No ambiente escolar podem ser reconhecidos os sinais de alerta para uma crise iminente.
Nesses momentos, os professores devem acolher o estudante, proporcionar-lhe um
espaço seguro, de escuta cuidadosa e encaminhá-lo para algum profissional de saúde.

Os sinais de alerta devem ser compreendidos de acordo com a faixa etária. Os


sinais de alerta devem ser compreendidos de acordo com a faixa etária, sendo
comportamentos de birra mais comuns em crianças. Entre os adolescentes chama a
atenção o distanciamento de amigos e familiares, humor negativo, automutilação e
pensamentos suicidas.

O acolhimento do jovem em sofrimento através de uma comunicação receptiva e


empática e sem julgamentos é uma medida adequada durante uma crise em saúde mental.
Desvendar os gatilhos que levam às crises é essencial para promover o bem-estar e atuar
na prevenção de novos episódios. Em situações persistentes e de maior gravidade é
necessária a avaliação de um profissional de saúde mental.

REFERÊNCIAS

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Transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
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Disponível em: <https://www.apa.org/ed/schools/primer/crisis.pdf>. Acesso em: 9 jul. 2022.
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Adolescência. 3. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018.
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Suicide Prevention, v. 15, fev. 1994.
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Comportamento Comuns No dia-a-dia. 3. ed. Rio de Janeiro: Cognitiva, 2009.
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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

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FILLIOZAT, I. Já tentei de tudo! Rio de Janeiro: Sextante, 2014.
HOOVER, S.; BOSTIC, J. Improving the Child and Adolescent Crisis System: Shifting from a 9-
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ilustrado. Porto Alegre: Artmed, 2008.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 8

MEU FILHO NÃO QUER COMER. E AGORA?

Sthienifer Bergami

INTRODUÇÃO

As crianças com necessidades especiais são crianças com alto risco de apresentar
ou que já possuem condições crônicas, físicas, de desenvolvimento, comportamental ou
emocional e que necessitam dos serviços de saúde, além daqueles exigidos pelas crianças
em geral (NEWACHECK, 1998).

Conforme os estudos avançam acerca dos distúrbios, transtornos, síndromes e


deficiências como um todo, novas “doenças” vão sendo descobertas e nomeadas. Assim
como doenças já anteriormente conhecidas estão sendo mais amplamente estudadas e,
consequentemente, diagnosticadas, como é o caso do Transtorno do Espectro Autista
(TEA), ou simplesmente, “Autismo”.

Segundo Genuis e Bouchard (2010), o autismo é um transtorno adverso do


desenvolvimento no qual há danos inexoráveis no convívio social e na comunicação, como
a comparência de comportamentos cimentados, apresentando atividades e interesses
limitados, perceptíveis até os três anos de idade.

Crianças com TEA também necessitam de amparos especiais para desenvolver


suas habilidades da maneira mais natural possível. Nesse sentido, é necessário investigar
suas causas, prevalências, comportamentos e terapias individuais para cada espectro no
intuito de ajudá-las a ter melhor qualidade de vida.

Atualmente, é alarmante o número de casos de Autismo que vem aumentando no


mundo. De acordo com Fleischer (2012), em pesquisa feita nos Estados Unidos, “Em
1994, o diagnóstico estimativo era de que havia três crianças autistas em cada 10.000
crianças. Em 2004, apenas uma década depois, essa estimativa era de 60 casos para
10.00 crianças”. No Brasil, não há estudos oficiais acerca de um número preciso e sem
ressalvas dessa prevalência, assim como uma explicação concisa e satisfatória das
causas da epidemiologia.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Com relação à alimentação desses indivíduos com TEA, a literatura cientifica


denota aspectos característicos, dentre eles: a seletividade alimentar, que é a limitação da
variedade de alimentos; a recusa, que é a não aceitação do alimento propriamente dita, o
que pode levar a um quadro de desnutrição calórico-proteica; e a indisciplina, que também
contribui para a inadequação alimentar (SELIM; AYADHJ, 2010).

A seletividade alimentar é, portanto, um comportamento recorrente no Autismo e


suas consequências podem ser bastante prejudiciais ao estado nutricional e à saúde geral
da criança. De acordo com essa alta prevalência de crianças diagnosticadas com o TEA, e
compreendendo que os comportamentos inadequados de ordem alimentar devem ser
combatidos, fez-se necessário o presente estudo para compilar informações acerca do
tema.

SELETIVIDADE ALIMENTAR

Segundo Silva (2011), crianças autistas dispõem de uma alta resistência ao novo,
pois possuem apego emocional à rotina, sendo, portanto, seletivas comportamentais. Tais
comportamentos, por vezes repetitivos, tendem a levá-los a uma seletividade na
alimentação, fato esse que tem sido fonte de pesquisa na literatura científica.

O “sentar-se à mesa” para uma refeição é um momento repleto de tensão e


angústia para pais e cuidadores, pois nesse momento as experiências sensoriais estão
bastante presentes. Em conformidade às questões sensoriais, tais como odores, texturas,
sabores, assim como as auditivas e visuais, tornam-se complexas para os portadores do
TEA (NADON et al., 2011).

A criança precisa passar por processos antes de o alimento chegar à boca, o que é
chamado de “escala do comer”. Ela precisa estar preparada para o novo alimento,
necessita tolelar, interagir, cheirar, tocar, provar e, por fim, comer.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Segundo Sampaio et al. (2013 apud BRYANT-WAUGH et al., 2010), a seletividade


alimentar está muito associada a alimentos e preparações com propriedades
organolépticas mais suaves. No que se refere às cores, a tendência é por uma tonalidade
clara, como o branco e/ou amarelo. No que tange à questão das texturas, por exemplo, os
seletivos possuem maior adesão aos pastosos ou crocantes e, raramente, alimentos com
texturas variadas. A temperatura também é fator de decisão nas escolhas, nem muito frios,
nem muito quentes e há, também, a seleção de produtos alimentícios de marcas
especificas, não sendo aceito, usualmente, o mesmo produto de marcas diferentes.

Por exemplo: colocar biscoito recheado na boca, ele terá sempre o mesmo gosto,
sendo da mesma marca e nao precisa de muita “mastigação”, pois o mesmo derrete na
boca. Mas colocar uma maça da mesma qualidade na boca, ela poderá ter sabor e textura
diferentes, além de necessitar da mastigaçao. Quando se tem presente uma disfunção
sensorial, rigidez de comportamento, a criança dificilmente aceitará o novo alimento.

De acordo com Williams et al. (2008), em se tratando das alterações alimentares,


os fatores que os pais relataram mais influenciar na seletividade alimentar foram: a textura

116
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

dos alimentos, representando 69%, sendo o mais relevante ponto. Em seguida, com 58%,
a aparência desse alimento, depois, com 45%, o sabor, com 36%, o cheiro e com 22%, a
temperatura. No entanto, é importante salientar que cada indivíduo é único e que tais
questões não podem ser generalizadas a todos os indivíduos.

A introduçao a novos alimentos requer habilidades. Deve-se iniciar de forma


gradativa e sempre em “migalhas”. Nunca deve-se esconder um alimento da criança, pois
ela pode deixar de comer o alimento que aceita. No entanto, há de se evidenciar, também,
não só as características dessa alteração alimentar, mas também, suas consequências e
uma delas é o déficit na ingesta de micronutrientes importantes ao desenvolvimento
saudável da criança, como é caso do ferro e do zinco (DOMINGUES, 2007).

Outro importante agravante dessa alimentação monótona e inadequada, é o


processo de absorção e metabolização dos alimentos ingeridos. Autistas possuem um
metabolismo imperfeito para glúten e caseína. Essa perturbação fisiológica, somada à
essa seletividade, corrobora para um estado nutricional inadequado. Esse fato comprova
que crianças autistas possuem de duas a três vezes mais possibilidades de serem obesas
do que os adolescentes normotípicos em geral (LIMA, 2018).

Fica, portanto, incontestável nos estudos abordados, que a questão da seletividade


alimentar é uma alteração assídua, complexa e com consequências graves às crianças
portadoras do TEA e que as terapias multidisciplinares se fazem imprescindíveis ao
desenvolvimento dessas crianças.

Comer é um ato aprendido. A criança nasce com instinto de sugar. As habilidades


de comer vão muito além de um prato lindo e colorido. A alimentação é instintiva apenas
nas primeiras semanas de vida; depois, comer passa a ser aprendido através das
interçãoes sociais e sensorioais da criança.

O ato de engolir requer trabalho em comjunto de 26 músculos e 06 nervos


cranianos. E, por fim, o ato de comer é o unico que exige uma integração entre todos os
sentidos do corpo, coordenando-se entre si com harmonia.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

ESTRATÉGIAS NUTRICIONAIS PARA O TEA

Para uma estratégia nutricional eficaz, Correia (2015) reitera a abordagem


multidisciplinar para a seletividade alimentar em crianças com TEA e evidencia que tal
equipe deve ser composta por um nutricionista, um terapeuta ocupacional ou
fonoaudiólogo e um psicólogo comportamental. Acrescenta que se deve haver uma
investigação individual para entender o tipo de seletividade, onde, se a questão sensorial
(estímulos táteis / texturizados, gustativos e olfativos) for preponderante, haverá um
direcionamento mais voltado ao terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo e nutricionista com
especialidade em seletividade alimentar.

Nesse ponto, o nutricionista entrará com recursos de avaliação, como questionário


de frequência alimentar ou recordatório de hábitos alimentares, com o intuito de se
detectar o padrão alimentar da criança e promover uma terapia nutricional única e eficaz
(CINTRA et al., 1997).

Inúmeras são as estratégias que foram sendo desenvolvidas com o passar dos
anos e com o surgimento de estudos de casos para a terapia nutricional em seletivos. Uma
estratégia sugerida por Kachani et al. (2005 apud DOUGLAS, 1998) é a de se listar as
preferências da criança, que deverá ser usada como “isca” para, semanalmente, introduzir

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

novos alimentos do mesmo grupo alimentar, sendo preconizado, aos pais, a não
desistência na oferta desses alimentos trabalhados.

Artigos demonstram, cada vez mais, que as atividades pedagógicas e


demonstrações alimentares através de música, cinema, oficinas gastronômicas, entre
outros, também são muito eficazes nas terapias que tratam a seletividade alimentar em
crianças com espectro autista ou não. Músicas com conteúdo relacionado à alimentação,
são inseridas na terapia nutricional como forma de ensiná-las sobre alimentação saudável,
haja vista a boa aceitabilidade delas por parte das crianças autistas (MAGAGNIN et al.,
2019; SAMPAIO et al., 2015).

Estudos produzidos por Maia et al. (2012 apud CARVALHO; SILVA, 2019),
demonstram experiências com uma estratégia denominada “Minuto Cinema”, onde as
crianças se reuniam em auditório e assistiam filmes com conteúdo e músicas didáticas
voltados à alimentação e apresentavam, posteriormente, interesse em experimentar tais
alimentos demonstrados nos filmes. As oficinas culinárias, por sua vez, também
apresentaram eficácia na terapia nutricional na seletividade, como sugere Pereira e
Sarmento (2012), que demonstram que quando a criança se relaciona com o alimento
rejeitado, conhece seu nome, seu cheiro, textura e cor, passa a ter mais susceptibilidade
em experimentá-lo, saindo da fase de recusa.

COMO FUNCIONA A TERAPIA ALIMENTAR

A crianças será exposta ao alimento de forma lúdica e gradativa, usando-se


alimentos lúdicos juntamente com alimentos in natura. Devem ser utilizados recursos que
possam atrair a atenção e o interesse da criança, favorecendo a aproximação do alimento.

Não se deve criar expectativas iniciais. É preciso seguir a escala do comer,


considerando a individualidade de cada criança dentro do processo. O importante é nunca
desistir.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

COMO INTRODUZIR UM ALIMENTO NOVO: “ MACARRÃO”

Primeiro passo:

Fazer colagem com o alimento cru, colando, sobre uma folha de papel, diversos
tipos de macarrão, usando o auxílio de tintas com gliter, colas coloridas ou outros materiais
para chamar a atenção da criança. Ela precisa tolerar o alimento, mesmo que cru.

Segundo passo:

Inserir a criança para a culinária, mostrando como deve ser preparado o macarrão,
que deve ser crocante, temperado com temperos naturais e levado ao forninho. Deve-se
chamar a criança para arrumar uma mesa legal e mostrar que foi genial na culinária. Deve-
se sentar no local escolhido junto à criança e evitar dizer frases do tipo: “Prove! Deve estar
uma delicia!”. Deve-se usar estratégias que agussem o interesse da criança, como: “Hum...
será que este macarrão fará um barulho legal? Será que conseguimos dar uma mordida de
formiguinha ou mordida de leão?”.

Terceiro passo:

Com o alimento aceito, passa-se para o terceiro passo desse exemplo, que é
cozinhar o macarrão e farer uma pizza de palito. O macarrão deve ser do tipo “pene” ou
“parafuso”, de modo que possa ser espetado por um palito de churrasco. Após o
cozimento, o macarrão deve ser espetado com o palito, formando uma base, onde deverá
ser acrescentado o recheio de preferência.

A criança fará o própio preparo da “pizza”, sob os cuidados e orientação do adulto.


Neste dia pode-se usar, como isca, o tal famoso “ Ketchup”, que deve ser feito com molho
de tomate caseiro. Após o alimento pronto, deve-se seguir a mesma regra do passo
anterior: mesa posta pela criança e usar a estratégia dos barulhos e mordidas.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou o entendimento das


características do Transtorno do Espectro do Autismo e suas peculiaridades,
principalmente no que se diz respeito às três áreas mais afetadas: a comunicação, o
comportamento e a interação social. Foi possível compreender que o transtorno se
caracteriza por uma condição neurológica complexa e multifatorial, com causas indefinidas
e prevalência crescente em escala mundial. Ademais, também foi possível compreender os
desafios encontrados na seletividade alimentar das crianças com o TEA.

Compreende-se que tal alteração alimentar, se não trabalhada, poderá acarretar


enormes malefícios à saúde e ao desenvolvimento da criança, como desnutrição ou
obesidade, alteração das taxas metabólicas, carências nutricionais, dentre outras
complicações que refeições monótonas e inadequadas podem causar a um indivíduo,
principalmente na fase da infância.

122
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Com o objetivo de reduzir as decorrências da danosa alimentação promovida pela


seletividade, ficou evidenciado nos estudos que é imprescindível a atuação ativa dos pais e
cuidadores no reconhecimento dos sinais e sintomas particulares da Seletividade
Alimentar. E a maioria dos estudos ressaltam que as intervenções individualizadas e
precoces asseguram uma melhor qualidade de vida à essas crianças.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 9

USO DE TELAS E BRINCADEIRAS PERIGOSAS

Tayana Leandro Pinheiro


Ana Nery de Castro Feitosa

INTRODUÇÃO

O avanço contínuo da tecnologia, especialmente as de informação e comunicação,


nos traz, diariamente, novos equipamentos e muda continuamente a conformação não só
da nossa rotina, mas também da nossa forma de se relacionar e se comportar. Se, por um
lado, há facilitação em muitas tarefas do dia-a-dia e acesso à informação em tempo real,
por outro lado, há uma infinidade de incertezas advindas do contato das crianças e dos
adolescentes com esse novo mundo digital. Parece muito natural que um jovem que
nasceu na era digital passe mais tempo usando dispositivos com tela (celular, computador,
televisão, tablet, videogame). Crianças cada vez menores têm ficado mais “quietinhas”
com essa distração passiva.

Mas, afinal, de que formas o uso desses recursos por crianças e adolescentes
pode afetá-los? Será que eles apresentariam melhora de certas habilidades, uma vez que
as telas estimulariam áreas cerebrais específicas? Maior tempo em tela seria, na verdade,
a consequência de algum transtorno mental (ansiedade social, depressão)? Estudar o
impacto da exposição à tecnologia da informação e uso de telas e ponderar seus
benefícios e malefícios tem sido tema relevante para os que cuidam da saúde mental da
infância e adolescência.

Ademais, existem brincadeiras que circulam pela internet, através das redes
sociais, que chamam a atenção das crianças e adolescentes, mas que são muito perigosas
por provocarem danos à saúde, podendo levar à morte. Na maioria das vezes, são
impostos desafios e, nessa fase, principalmente na adolescência, há uma tendência à
procura por situações de risco, que provocam sensações de prazer momentâneas.

Com isso, o objetivo desse capítulo é alertar sobre os riscos relacionados ao uso
excessivo de telas, compreendendo celular, computador, televisão, tablete e videogame,

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

bem como os riscos de brincadeiras perigosas, associadas ou influenciadas pelo uso de


internet.

USO DE TELAS

O tempo de tela, quando excessivo em crianças pequenas, parece estar associado


a piora posterior do desempenho cognitivo e sócio-emocional (MADIGAN, 2019). De
acordo com AACAP (American Academy of Child & Adolescente Psychuiatry) (2020), o
tempo excessivo de telas está associado a menos tempo com família e amigos, ler menos
livros e autoimagem corporal ruim. Muitas vezes essas telas são levadas para a cama na
hora de dormir. Cartanya-Hueso (2021) encontrou relação entre longa exposição a tempo
de tela como lazer e redução da duração do sono noturno em 5517 crianças espanholas
de 1 a 14 anos. Além disso, o tempo de tela em excesso parece levar ao aumento dos
índices de depressão e ansiedade (MARAS, 2015; BICKHAM, 2015) e ideação suicida
(especialmente em garotas) (TWENGE, 2018). Quando esse tempo foi maior que 5 horas
por dia, esteve associado a maior ingesta de bebidas açucaradas e inatividade física,
levando à obesidade (KENNEY, 2017). O aumento da incidência de miopia também parece
ter associação com o uso de dispositivos digitais (FOREMAN, 2021).

Há, também, quem defenda que a relação entre a redução do bem-estar em


adolescentes e crianças não pode ser explicada pelo aumento do tempo de uso de telas
(ORBEN, 2019); ou que a utilização moderada (em torno de 3h/dia) estaria relacionada a
aumento do bem-estar de adolescentes e que os extremos (pouco tempo ou muito tempo
de uso) levariam a uma redução (PRZYBYLSKI, 2017). Nesta última hipótese, talvez a
relação causa e efeito seja inversa ao que se tem pensado: transtornos mentais na
população jovem é que levariam a maior tempo de tela para regulação emocional. Dessa
forma, devemos manter atenção e investigar as crianças ou adolescentes que tendam a
passar mais tempo usando telas para investigar dificuldades na socialização, sintomas
depressivos e ansiosos e transtornos do neurodesenvolvimento.

O que se faz durante o uso das telas deve influenciar tanto quanto o tempo que se
passa nelas (MARINO, 2018). A pesquisa Tic KIDS Online Brasil 2018 avaliou o uso de
internet por crianças e adolescentes de 9 a 17 anos no ano de 2018 e mostrou que 86%
dessa população era usuária de Internet no país. O estudo avaliou as formas de uso da
internet: uma parte desse público (22% nas áreas urbanas e 12% nas áreas rurais)

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

conversou sobre políticas e problemas de saúde da sua cidade, contribuindo para sua
educação em cidadania.

Infelizmente, os dados dessa pesquisa apontam, também, que eles podem ter
acesso a conteúdos sensíveis na internet, como formas de se machucar (conhecidas como
automutilação ou autolesão não suicida), formas de ficar muito magro(a) (24% entre as
meninas e 12% entre os meninos), formas de cometer suicídio (18% das meninas e 9%
dos meninos) e experiências com uso de drogas ilícitas. Em torno de 26% deles foi tratado
de forma ofensiva (cyberbullying ou discriminação) e 16% tiveram acesso a imagens ou
vídeos de conteúdo sexual. Além disso, 41% dos usuários reportaram ter tido contato com
alguém que não conheciam pessoalmente.

Depois de iniciado o uso, parece mesmo difícil interrompê-lo: a Tic KIDS também
encontrou que um quarto da população da faixa etária de 11 a 17 anos tentou passar
menos tempo na internet e não conseguiu. Terra de difícil controle, a internet expõe nossos
jovens ao consumismo sugerido pelas indústrias e à preocupação em ter o item de desejo,
levando à sensação de insuficiência e baixa autoestima.

Em 2016, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou um manual de


orientação Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital em que recomendava, para
cada grupo (pediatras, educadores e escolas, pais e crianças e adolescentes),
direcionamentos específicos. De forma geral, esse manual orienta:

 O tempo de uso diário da tecnologia digital deve ser proporcional às idades e


etapas do desenvolvimento cerebral-mental-cognitivo-psicossocial.
 Desencorajar e até proibir exposição passiva às telas, principalmente para
menores de 2 anos
 Limitar tempo de tela em 1h para crianças de 2 a 5 anos. Crianças de 0 a 10
anos não devem ter televisão ou computador no quarto.
 Proteger crianças menores de 6 anos da violência virtual, pois elas não
conseguem separar a fantasia da realidade.
 Conversar de forma clara sobre os riscos e as regras do uso de telas e
internet.
 Reservar tempo de qualidade e desconectado para a família.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Em 2019 as recomendações foram atualizadas em novo manual intitulado #Menos


telas #Mais saúde, em que a SBP ressalta a importância dos primeiros 1000 dias para o
desenvolvimento cerebral e mental das crianças, alertando que a formação de estruturas
cerebrais e da função de ciclos neurobiológicos necessitam do toque e sensação de
apego, os quais não podem ser substituídos por telas. #Menos telas # Mais saúde lista os
problemas de saúde associados ao uso das tecnologias de informação e atualiza, de forma
clara, as recomendações sobre tempo de tela:

Faixa etária Tempo máximo recomendado de tela


Evitar a exposição sem necessidade, mesmo que passivamente.
Menores que 2 anos Exceto para videochamada com pai/mãe/avó/avô que esteja
distante.
Entre 2 e 5 anos 1h/dia, sempre com supervisão de pais/cuidadores/responsáveis.
Entre 6 e 10 anos 1-2h/dia sempre com supervisão de pais/responsáveis
Entre 11 e 18 anos 2-3h/dia e nunca deixar “virar a noite” jogando
Tabela 1: faixa etária/tempo máximo recomendado de tela.

Para todas as idades:

 Não permitir que fiquem isolados no quarto com celular, computador, tablet,
webcam e estimular uso de áreas comuns da casa.
 Não usar telas durante as refeições.
 Oferecer alternativas para atividades esportivas, exercícios ao ar livre.
 Nunca postar fotos de crianças e adolescentes em redes sociais públicas.
 Criar regras para toda a família sobre o uso e segurança de equipamentos e
aplicativos digitais.
 Evitar encontros com desconhecidos online ou off-line.
 Entre outros.

Estabelecer regras para o uso de telas em situações em que temos atividades


alternativas já era uma tarefa difícil. Entretanto, nós nos deparamos com a pandemia da
COVID-19 e passamos por diversas vezes pelas medidas de distanciamento social,
quando nossas crianças e adolescentes precisaram ficar em casa, com recursos limitados,
estudando e interagindo através de aparelhos de tecnologia de informação. A saúde

128
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

mental dessa população em diferentes níveis sofreu impacto pelo ajustamento causado
pela pandemia (JONES, 2021).

Anya Kamenetz, mãe de duas meninas e especialista em parentalidade, havia


escrito um livro antes da pandemia, intitulado “The Art of Screen Time”, um guia de como
equilibrar mídia digital e vida real. Em sua publicação no jornal The New York Times, Anya
conta, de forma muito empática com outros pais, o quão desafiador é estabelecer limites
de tempo de telas durante a situação pandêmica em que vivemos. Ela sugere, então,
combinados mais realistas para se fazer nessa época:

1. Procure mídias mais lentas: Eles são mais difíceis de consumir


compulsivamente e fazem o cérebro trabalhar um pouco mais. Ex.: vídeos de
histórias lidas em voz alta podem promover uma melhor conectividade entre as
regiões do cérebro e ser um substituto para histórias reais lidas pelos pais.
Audiolivros e podcasts são alternativas para adolescentes e crianças mais velhas.
2. Reduzir danos quando não é possível eliminá-lo: Limitar o tempo de tela que
tem mais associação com comportamentos explosivos quando desligados
abruptamente ou em horários mais prejudiciais.
3. Se puder ou não estiver disposto a limitar o tempo, porque precisa trabalhar,
prepare-se e resista às tentativas da criança de quebrar combinados. Coloque
atividades e lanches após a sensação de “zona perdida” depois de desligar o
eletrônico. Converse com antecedência com seu filho, principalmente se mais
velho, sobre a “ressaca da tela”.
4. Foque nos sentimentos que podem levar ao uso excessivo de tela e não
apenas no uso delas em si. Anya acredita que muitos dos problemas com a
tecnologia que enfrentamos é advindo do entorpecimento que ela causa para as
nossas emoções difíceis. Ajudá-los a nomear os sentimentos, falar sobre eles e
buscar estratégias de enfrentamento pode favorecer que se acalmem.

BRINCADEIRAS PERIGOSAS

De acordo com Stange (2020), as brincadeiras perigosas mais comuns, são:

1) Brincadeira da rasteira: crianças ou adolescentes brincam de derrubar uns aos


outros, colocando o pé à frente de algum colega que esteja caminhando. Em

129
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

seguida postam nas redes sociais, induzindo outros a fazerem o mesmo. Isso pode
causar sérios danos físicos, como fraturas nas pernas ou coluna vertebral, até
morte.
2) Roleta humana: Dois adolescentes giram um outro colega, tentando fazer uma
cambalhota (girar sobre o próprio corpo), soltando o colega para que gire e caia em
pé. No entanto, o adolescente pode cair de cabeça para baixo, podendo causar
traumatismo craniano.
3) Desafio do desodorante: a criança ou adolescente borrifa um desodorante aerossol
diretamente na boca ou em um saco plástico e tenta inalar a maior quantidade
possível. Isso pode causar perda da consciência, parada cardiorrespiratória e morte.
Esse desafio foi lançado nas redes sociais por um youtuber, em 2016 (VEJA, 2018).
4) Desafio do spray congelante: Aplicação de desodorante spray em alguma parte do
corpo até que congele, podendo causar queimaduras graves. É uma variação do
desafio do desodorante.
5) Brincadeira do desmaio ou jogo da asfixia: Consiste em provocar asfixia (falta de ar)
até desmaiar, apertando o pescoço com um cinto, uma corda ou um lenço, ou
pressionando o tórax. Dependendo do tempo de duração da asfixia, pode gerar
danos irreversíveis ao cérebro e, até mesmo, a morte, se não houver socorro rápido
(INSTITUTO DIMICUIDA, s/d).

Essas brincadeiras, dentre outras, são postadas na internet, através das redes
sociais, quer seja pelos adolescentes que praticam, por exibicionismo ou para conquistar
algum tipo de fama, quer seja por youtubers ou influenciadores, como uma forma de
conquistar mais seguidores, pois quanto mais circulam os vídeos, mais famosos ficam.
Crianças e adolescentes, devido sua própria condição de imaturidade do cérebro (vide
capítulo 14), são facilmente influenciáveis e não analisam os riscos desse tipo de
brincadeira, podendo aderir prontamente à essas práticas.

Os jogos de asfixia ou jogos de não-oxigenação têm causado várias vítimas no


Brasil e no mundo. São praticados individualmente ou em grupo e a faixa etária dos
praticantes, geralmente, varia entre 7 e 17 anos (MACHADO; CARDOSO, 2021), mas
pode acontecer em idades inferiores. Não há um perfil determinado de crianças ou
adolescentes que praticam essas brincadeiras. Podem ser curiosos, ou que praticam

130
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

esportes, alegres, dinâmicos, ou tímidos, com dificuldade de interação social (INSTITUTO


DIMICUIDA, s/d).

A vigilância deve ser constante. Os pais e educadores devem estar atentos às


mudanças de comportamento, tais como agressividade física ou verbal, alterações do
humor, isolamento ou uso de roupas que escondam mais o corpo, como camisas de gola
alta, mangas e calças compridas. Outros sinais de alerta também devem ser investigados,
como:

- Dores de cabeça fortes e constantes;

- Distúrbios visuais passageiros ou vermelhidão nos olhos;

- Zumbidos no ouvido;

- Manchas vermelhas ao redor do pescoço;

- Machucados pelo corpo, sem explicação;

- Cansaço;

- Falta de concentração, esquecimentos e prejuízos na memória;

- Perda breve da consciência ou desorientação, após passar um tempo isolado ou


associado ao uso da internet.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso prolongado de telas pode ser bastante prejudicial ao desenvolvimento de


crianças e adolescentes, com riscos envolvendo aspectos cognitivos, psicológicos,
corporais e sociais. Da mesma forma, as brincadeiras perigosas, divulgadas na internet
através das redes sociais, são igualmente prejudiciais, podendo causar danos irreversíveis,
incluindo a morte.

Em tempos de pandemia, a internet tornou-se uma ferramenta indispensável tanto


para a realização de tarefas escolares, como uma forma de entretenimento e de
comunicação em meio ao isolamento social. Assim, apesar do uso necessário, é preciso
que haja moderação do uso de tela (não só do tempo, mas do conteúdo), com respeito à
faixa etária e adaptação à realidade da criança e do adolescente e da sua família, sendo o
mais indicado para a manutenção da saúde mental dessa população.

131
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

O diálogo é uma excelente ferramenta de prevenção. Conversas sobre a rotina da


criança ou do adolescente, interesse pelo seu dia, suas amizades, participação ativa nas
tarefas escolares, faz com que eles se sintam importantes, reforçando o sentimento de
pertença ao grupo familiar ou escolar. Um tempo maior de dedicação à interação com a
criança ou adolescente, como em atividades de lazer, melhora o relacionamento e a
confiança, fazendo-os sentirem-se mais seguros em relação aos pais, o que facilita a
abertura para uma conversa mais franca sobre seus sentimentos.

É necessário manter um olhar atento e conversar com as crianças e adolescentes


sobre o uso da internet e sobre as brincadeiras divulgadas nesse meio, informando sobre
seus riscos e orientando a procurarem brincadeiras saudáveis, ofertando, inclusive,
oportunidades de lazer em família.

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TWENGE, J. M.; CAMPBELL, W. K. Media Use Is Linked to Lower Psychological Well-
Being: Evidence from Three Datasets. Psychiatr Q. 2019;
TWENGE, J. M.; JOINER, T. E.; ROGERS, M. L.; MARTIN, G. N. Increases in Depressive
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2010 and Links to Increased New Media Screen Time. Clin Psychol Sci. 2018;6(1):3–17.
VEJA. O que é o „Desafio do desodorante‟ que levou criança à morte. 14 fev 2018.
Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/o-que-e-o-desafio-do-desodorante-que-
levou-crianca-a-morte/

133
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 10

USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NA ADOLESCÊNCIA

Valéria Portela Lima


Alexandre Menezes Sampaio
Ana Nery de Castro Feitosa

INTRODUÇÃO

A adolescência é definida, pela Organização Mundial da Saúde, como o período


entre 10 e 19 anos. É uma faixa etária em que ocorrem significativas alterações físicas,
cognitivas e socioemocionais que se devem tanto à biologia da puberdade quanto à
mudança ambiental relacionada aos diferentes papéis e responsabilidades sociais do
jovem. Dessa forma, a adolescência ocorre por meio de um processo dinâmico quando
diferentes domínios (físico, cognitivo e socioemocional) interagem entre si e com o
ambiente, com consequente reestruturação da identidade social (MIGUEL et al., 2020).

Neste período, novas atividades, incluindo relações sociais, emocionais e sexuais


são experienciadas (LOPES et al., 2013). As pessoas são mais propensas a começar a
abusar de drogas (incluindo tabaco, álcool, medicamentos prescritos e outras substâncias
ilícitas) durante a adolescência e a idade adulta jovem (GAROFOLI, 2020). A iniciação
passa por fatores, como: influência dos amigos; testar a novidade; testar os limites das leis,
autoridades e pais; sentimento de abandono, solidão e outras motivações (MALTA et al.,
2018).

O uso experimental de substâncias psicoativas é considerado, por alguns autores,


como um comportamento dentro do padrão normal de desenvolvimento do adolescente
(DIEHL; CORDEIRO; LARANJEIRA, 2018). Entretanto, o uso de substâncias pode afastar
os adolescentes de atividades fundamentais para o seu desenvolvimento cognitivo e
emocional, como dificultar as escolhas vocacionais e interferir no desenvolvimento de
habilidades para lidar com as emoções (LOPES et al., 2013). Além disso, não se sabe,
previamente, quais adolescentes têm maior predisposição para passar do uso
experimental para a dependência. A experimentação precoce de uma substância expõe
mais o jovem a outros fatores de risco, que podem contribuir para a evolução para o uso
regular e a dependência (DIEHL; CORDEIRO; LARANJEIRA, 2018).

134
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

De um modo geral, a maioria dos adolescentes interromperá o consumo de drogas


conforme for assumindo outros papéis na vida adulta (o tabaco constitui exceção,
tendendo a permanecer na idade adulta), fenômeno denominado maturing out
(amadurecimento – em tradução livre), como uma remissão espontânea. Não estão,
porém, isentos de riscos. Vale ressaltar a possibilidade da ocorrência de acidentes,
sobretudo os de trânsito, quando sob efeito de álcool ou drogas (DIEHL; CORDEIRO;
LARANJEIRA, 2018). Outros riscos devem ser considerados, como comportamento
violento e agressivo, problemas de adaptação no local de trabalho e na família, além de
prática de sexo inseguro e suas consequências como gravidez indesejada, HIV/AIDS e
outras infecções sexualmente transmissíveis (MALTA et al., 2018).

O abuso de substâncias pode ser um uso indevido repetitivo ou continuado da


droga ou um uso único, enquanto o Transtorno por uso de substâncias (TUS) é uma
condição médica crônica no qual ocorre uma mudança nas respostas fisiológicas do
cérebro, associado ao uso contínuo da substância apesar das consequências negativas
(GAROFOLI, 2020).

Aproximadamente 90% das pessoas com Transtorno por uso de substâncias


começam a usar drogas antes de completarem 18 anos de idade. Por volta de 25%
daquelas que iniciaram o uso de drogas antes dos 18 anos se tornam adictas, em
comparação com 4% para aqueles que começaram a usar aos 21 anos ou mais. O uso de
drogas em idade precoce é claramente um importante preditor do desenvolvimento de um
TUS mais tarde na vida. A probabilidade de desenvolver um transtorno é maior para
aqueles que começam a usar no início da adolescência. Por exemplo, 15% das pessoas
que começaram a beber aos 14 anos acabam desenvolvendo abuso ou dependência de
álcool (em comparação com apenas 2% daqueles que esperam até os 21 anos ou mais)
(GAROFOLI, 2020).

COMO AS SUBSTÂNCIAS AGEM NO CÉREBRO

Substâncias psicoativas (SPAs) são todas as substâncias que agem no Sistema


Nervoso Central (SNC) produzindo alterações relacionadas ao comportamento, humor e
cognição. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), droga é toda entidade
química ou mistura de entidades (excetuando-se aquelas necessárias para a manutenção

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

da vida, como, por exemplo, água e oxigênio) que altera a função biológica e,
possivelmente, sua estrutura (QUEVEDO; CARVALHO, 2014).

Cada substância afeta o cérebro de maneira diferente, mas um fator comum entre
as drogas que causam dependência química é que a maioria delas aumentam o nível de
dopamina nos circuitos cerebrais que controlam a recompensa e o prazer (GAROFOLI,
2020). A dopamina é um importante neurotransmissor que atua no sistema nervoso
central. Os neurotransmissores funcionam como mensageiros químicos que carregam
informações entre os neurônios e diversas partes do corpo, atuando em diversas funções,
como aprendizado, humor, atenção, sono e emoção (HYMAN, 2005).

O sistema de recompensa da dopamina, no cérebro, é o circuito que processa a


informação relacionada à sensação de prazer. É algo evolutivamente muito antigo,
presente em diversos animais e existe pela sobrevivência. O ser humano precisa ter algo
que o motive a buscar alimento ou sexo, por exemplo. Entretanto, nem todos os prazeres
da vida são fundamentais para a sobrevivência e, alguns, inclusive, podem trazer
malefícios. Por isso, é necessário que seja usada uma parte mais jovem do cérebro, o
córtex pré-frontal, que também faz parte do sistema de recompensa e desempenha um
importante papel no controle de impulsos e na regulação e manutenção do comportamento
(DIEHL; CORDEIRO; LARANJEIRA, 2018).

Quando ocorre uma experiência prazerosa, como, por exemplo, comer um


chocolate, o cérebro ativa uma região denominada área tegmental ventral, onde se
encontram neurônios que produzem dopamina. A liberação de dopamina gera uma
sensação de bem estar e o cérebro registra que aquilo é prazeroso. A dopamina percorre
outras áreas até chegar ao córtex pré-frontal, a área de modulação, que irá dizer que o
indivíduo está satisfeito e, portanto, deve parar de comer (DIEHL; CORDEIRO;
LARANJEIRA, 2018).

O córtex pré-frontal não está totalmente desenvolvido na adolescência, período no


qual sofre extensa modificação estrutural (DE MICHELI et al., 2014). O cérebro do
adolescente é frequentemente comparado a um carro com um acelerador totalmente
funcional (o sistema de recompensa da dopamina), mas com freios fracos (o córtex pré-
frontal). Estes indivíduos são altamente motivados a buscar recompensas prazerosas e
evitar a dor, mas suas habilidades de julgamento e tomada de decisões ainda estão em

136
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

desenvolvimento, o que afeta sua capacidade de avaliar os riscos com precisão e tomar
decisões mais adequadas em diferentes contextos (GAROFOLI, 2020).

DEFINIÇÕES (CLASSIFICAÇÃO DO CONSUMO DE SPA)

Para tipificar o consumo de drogas é necessária, muitas vezes, a avaliação de um


profissional especializado (XAVIER; GONÇALVES; NIEL, 2008), que deverá considerar o
indivíduo que as consome em vários eixos: o do consumo propriamente dito, o dos
sintomas da dependência e o de problemas relacionados ao uso. A evolução do consumo
dependerá das características psicológicas, genéticas e ambientais. Quanto maior for a
quantidade de fatores de risco em cada um desses domínios, maiores as chances de
ocorrência de problemas e mais rápida sua evolução. A relação entre os padrões de
consumo não obedece a uma progressão linear (DIEHL; FIGLIE, 2014).

O uso experimental consiste no uso inicial, infrequente e esporádico de uma


determinada droga. O uso recreativo se caracteriza pela ingestão de qualquer substância
em situações sociais ou de relaxamento, sem consequências negativas (DIEHL; FIGLIE,
2014; QUEVEDO; CARVALHO, 2014). Por sua vez, o uso frequente constitui um padrão
de consumo regular, porém não compulsivo que, obrigatoriamente, não causa prejuízos
significativos para o funcionamento do indivíduo (QUEVEDO; CARVALHO, 2014).

O uso nocivo é caracterizado por um padrão de uso de substância psicoativa que


está causando dano à saúde. O dano pode ser físico (como nos casos de hepatite
decorrente de auto administração de drogas injetáveis) ou mental (por exemplo, episódio
depressivo secundário a um grande consumo de cocaína) (CID-10, 1993).

A síndrome de dependência constitui um conjunto de fenômenos fisiológicos,


comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância ou uma classe de
substâncias alcança uma prioridade muito maior para um determinado indivíduo que outros
comportamentos que tinham maior valor anteriormente. Uma característica central desta
síndrome é o desejo (frequentemente forte, algumas vezes irresistível) de consumir drogas
psicoativas (as quais podem ou não terem sido medicamente prescritas). Pode haver
evidência de que o retorno ao uso da substância após um período de abstinência leva a
um reaparecimento mais rápido de outros aspectos da síndrome do que o que ocorre com
indivíduos não dependentes (CID-10, 1993).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Conforme descrito na Classificação Internacional das Doenças-10 (CID-10), os


sinais e sintomas clínicos que compõem a Síndrome de Dependência compreendem:

● um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância;

● dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em


termos de seu início, término ou níveis de consumo;

● estado de abstinência fisiológico quando o uso da substância cessou ou foi


reduzido;

● evidência de tolerância, de modo que doses crescentes da substância


psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses
menores;

● abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso


da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessária para obter
a substância ou para se recuperar de seus efeitos;

● persistência do uso da substância, a despeito de evidência clara de


consequências manifestamente nocivas.

O estado de abstinência é uma síndrome específica devido à cessação ou redução


do uso pesado e prolongado de determinada droga (QUEVEDO; CARVALHO, 2014). Os
sintomas físicos variam de acordo com a substância que vinha sendo usada. Perturbações
psicológicas, como ansiedade, depressão e transtornos do sono são aspectos comuns da
abstinênci p a. Nesses casos, é comum que o paciente refira que os sintomas são
atenuados pelo uso osterior da substância (CID-10, 1993).

A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-


V) aboliu os termos abuso e dependência por considerá-los definições vagas e de
conotação potencialmente negativa. Passou a utilizar, em substituição, o termo transtorno
por uso de substâncias, o qual é classificado em leve, moderado e grave a depender da
quantidade de sintomas (DIEHL; FIGLIE, 2014).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

FATORES DE RISCO E FATORES DE PROTEÇÃO

Os fatores de risco são eventos que afetam negativamente o indivíduo, colocando-


o em uma situação de maior vulnerabilidade à experimentação e ao abuso de drogas. Por
sua vez, fatores relacionados com a redução do potencial de abuso e que aumentam a
resistência à experimentação são chamados de fatores de proteção (DIEHL; FIGLIE,
2014). A presença e o impacto desses fatores, bem como suas interações, podem variar
de acordo com a população, assim como de um indivíduo para o outro, o que deve ser
considerado ao se planejar intervenções. Acredita-se que, limitando os fatores de risco e
aumentando a disponibilidade de recursos de proteção, haverá uma redução do uso
abusivo de SPAs (DIEHL; FIGLIE, 2014).

Família

A família pode ser um fator de risco ou protetor para o uso de SPAs. Em primeiro
lugar, existe o fator genético: filhos de pais com TUS apresentam quatro vezes mais riscos
de também apresentarem TUS (ASSUMPÇÃO; KUCZYNSKI, 2017).

Outro aspecto de fundamental importância é o papel da família na formação do


adolescente. Os pais são referências influentes, afetando diretamente o comportamento do
uso de substâncias, bem como a escolha dos laços de amizade. Demonstrou-se que o
controle e conhecimento dos pais representam um papel protetor na redução do risco do
uso de substâncias (FLEMING et al., 2016). Além disso, a coesão familiar definida como o
nível de afeto, aceitação, apoio e ligação intrínseca à família mostrou-se um fator protetor
contra futuros problemas relacionados ao álcool na adolescência (REEB et al., 2015). De
uma forma geral, os adolescentes de pais com alto nível de afetividade são mais
propensos a recorrer aos seus pais para orientação e informação e internalizam as regras
dos pais contra o uso de substâncias (VAN RYZIN; FOSCO; DISHION, 2012; MAHABEE-
GITTENS et al., 2013). Fatores de risco relevantes relacionados à família envolvem a
utilização parental de álcool, bem como o uso de álcool sob supervisão dos pais
(COLDER; SHYHALLA; FRNDAK, 2018; RUSBY et al., 2018).

É importante ressaltar também a influência de um ambiente estressante. Um


estudo de coorte realizado no Rio Grande do Sul mostrou que existe uma associação
positiva entre experiências adversas na infância e uso de drogas. As experiências mais

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

relatadas foram negligência emocional, violência doméstica e abuso físico. O álcool e o


tabaco foram as drogas mais consumidas (GONÇALVES et al., 2016).

Pares

Durante a adolescência, é comum que haja um aumento do tempo passado com


os seus pares. Esse processo envolve maior sensibilidade para recompensa social e
envolvimento em experiências que enfatizem a socialização e estejam em conformidade
com as normas do grupo (VAN RYZIN; FOSCO; DISHION, 2012; LEUNG;
TOUMBOUROU; HEMPHILL, 2014). Está bem estabelecido que o uso de substâncias e
atitudes dos amigos são fortes preditores dos comportamentos de risco dos adolescentes,
como o consumo de álcool (HUANG et al., 2014; ROWAN, 2016). Para além da influência
direta dos pares, o uso de SPAs também ocorre por meio de processos indiretos. Os
adolescentes não precisam observar seus colegas envolvidos no comportamento do uso
de drogas para que este seja socialmente reforçado. Ou seja, a mera crença de que um
grupo aprova tal atitude ou a percepção de pressão para adotar determinadas práticas já é
um importante reforçador do comportamento do uso de substâncias (TRUCCO; COLDER;
WIECZOREK, 2011). Vale nota que os adolescentes tendem a ser imprecisos ao estimar
os comportamentos dos outros e as normas sociais relativas ao uso de SPAs (BORSARI;
CAREY, 2003).

Apesar da influência dos pares no reforço do uso de substâncias, estudos indicam


também que amizades categorizadas por características positivas, como apoio,
envolvimento em atividades escolares e acadêmicas e engajamento em atividades
religiosas tiveram um efeito protetor contra o uso de drogas (DE LA HAYE et al., 2013).

Escola

O contexto escolar é um importante fator de socialização a ser considerado, visto


que os jovens costumam passar a maior parte dos seus dias na escola (TRUCCO, 2020).

Trabalhos indicam que a qualidade positiva da relação aluno-professor e um clima


escolar mais acolhedor protege contra o início precoce do consumo de álcool e a
probabilidade de problemas relacionados (CURCIO; MAK; GEORGE, 2013; PATRICK;

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

SCHULENBERG, 2013). Além disso, fortes laços emocionais que os estudantes formam
com as escolas são parte integrante da proteção contra o uso de substâncias, uma vez
que a juventude pode ser mais suscetível a seguir normas e expectativas relativas ao uso
de substâncias estabelecidas no contexto escolar (LI et al., 2011).

Um indicador que tem recebido bastante atenção é a evasão escolar. Trabalhos


mostram que a evasão escolar é um forte indicador do início e envolvimento no uso de
substâncias. O absentismo está associado tanto concomitantemente como
prospectivamente a níveis elevados de utilização de múltiplas drogas (HENRY;
THORNBERRY, 2010). Assim, o afastamento escolar representa um sinal de alerta
precoce para o risco a curto e longo prazo de envolvimento no uso de substâncias
(TRUCCO, 2020).

Comunidade

Em comparação com outros contextos de socialização, pesquisas que investigam


como os fatores da comunidade contribuem para a etiologia do uso de substâncias por
adolescentes são mais incipientes. Uma maior compreensão sobre o papel dos fatores de
socialização da vizinhança no uso de substâncias é fundamental, uma vez que os
adolescentes valorizam cada vez mais a independência da unidade familiar e passam mais
tempo fora de casa (TUCKER et al., 2013).

Os fatores de risco incluem falta de ligação com a comunidade, serviços


inadequados para jovens e falta de oportunidade para atividades sociais, esportivas ou
comunitárias, desvalorização em relação à própria cultura, falta de conhecimento da
comunidade em relação a problemas com as drogas e aumento da disponibilidade de
SPAs. Entre os fatores protetores estão: ambiente comunitário acolhedor, oportunidade de
atuação dos jovens nas atividades da comunidade e consciência e mobilização da
comunidade para obtenção de recursos (DIEHL; FIGLIE, 2014).

Mídias Sociais e Aparelhos Eletrônicos

É notória a influência das mídias sociais no consumo de substâncias psicoativas,


principalmente as lícitas, pelos adolescentes. Porto, Rios e Souza (2018) relatam que:

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Outro incentivo ao consumo de álcool é a publicidade, que traz consigo elementos


capazes de produzir, nos jovens, a necessidade de obter o que é mostrado de
modo que eles consomem o produto ao observar os anúncios na crença de que os
comerciais de bebidas alcoólicas reproduzem uma realidade a partir da similaridade
entre as festas frequentadas por eles e as expostas nos comerciais (PORTO; RIOS;
SOUZA, 2018, p.: 58).

O mercado de drogas lícitas tenta sempre inovar, ofertando produtos cada vez
mais atraentes aos jovens, como um sabor novo de cerveja ou um cigarro com um cheiro
diferente. Muitas pessoas passem a ter contato com o tabagismo a partir do cigarro
eletrônico, o que está mais presente entre adolescentes e jovens adultos, que são atraídos
pelo hábito de fumar e pela modernidade dos dispositivos, e acabam sendo levados ao
tabagismo tradicional (BARRADAS et al., 2021).

Outra forte influência é dada pela internet, a partir de canais, vídeos e fotos
postados por celebridades ou pessoas comuns fazendo uso de substâncias psicoativas,
em diversas plataformas que chamam a atenção dos adolescentes. Estudo realizado pelo
Centro Nacional de Dependência e Abuso de Substâncias, da Universidade de Columbia,
nos Estados Unidos, revelou que os adolescentes que usavam mais regularmente as
mídias sociais eram mais propensos a beber, usar drogas ilícitas e comprar tabaco do que
os que acessam essas mídias com menor frequência (HILLARD, 2019).

Por outro lado, essa ferramenta também pode ser um fator de proteção, com uso
adequado e acesso a conteúdos que promovam a saúde e o bem-estar do adolescente,
com linguagem e estilo adequados a essa faixa etária.

COMORBIDADES PSIQUIÁTRICAS

Comorbidade é o nome que se dá para a presença de dois ou mais diagnósticos


numa mesma pessoa (XAVIER; GONÇALVES; NIEL, 2008). Os estudos sobre
comorbidade psiquiátrica entre adolescentes são escassos e, principalmente, limitados a
amostras clínicas. No entanto, eles indicam que as altas taxas de uso de álcool, abuso de
drogas e comorbidades psiquiátricas observadas na população adulta também são
encontrados em amostras de adolescentes em tratamento. A ocorrência de comorbidade
psiquiátrica associada ao Transtorno por uso de substâncias (TUS) é tão frequente na
população adolescente que é considerada como regra, e não exceção (ASSUMPÇÃO;
KUCZYNSKI, 2017). Estudos observam que adolescentes com transtorno psiquiátrico

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

apresentam risco aumentado para desenvolver um TUS, seja por uso de álcool (10,3%) ou
substâncias ilícitas (14,9%) (CONWAY, et al., 2016). Por outro lado, altas taxas de
transtornos psiquiátricos são observadas em adolescentes com TUS. Estima-se que 89%
dos adolescentes com problemas com drogas tenham, pelo menos, outro diagnóstico
psiquiátrico associado (ASSUMPÇÃO; KUCZYNSKI, 2017).

A correlação de sintomas entre comorbidades psiquiátricas e TUS é bastante


próxima, podendo gerar confusão diagnóstica. Por exemplo, doenças psiquiátricas como o
Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), o transtorno da conduta (TC) e o
Transtorno Opositor Desafiante (TOD), apresentam sintomas como hiperatividade,
impulsividade, inquietação e postura opositora e hostil, que poderão se confundir com o
uso ativo de substâncias (DIEHL; CORDEIRO; LARANJEIRA, 2018).

O transtorno mental comórbido poderá, também, aprofundar o uso de drogas, e


este, por sua vez, tornar a evolução do transtorno mental associado mais grave e de
prognóstico menos favorável, com menor adesão ao tratamento, risco de internações e
suicídio (DIEHL; CORDEIRO; LARANJEIRA, 2018).

É importante ressaltar que os adolescentes usuários de SPAs raramente procuram


ajuda médica e, quando o fazem, procuram auxílio para outros problemas (ASSUMPÇÃO;
KUCZYNSKI, 2017). Portanto, é fundamental que se discuta sobre esses diagnósticos
diferenciais e comorbidades a fim de que não se negligencie a possibilidade do tratamento
de um quadro comórbido e que seja feita a distinção entre os sintomas da doença de base
e sintomas psiquiátricos produzidos pelo uso de drogas (DE MICHELI et al., 2014).

Entre os principais Transtornos Mentais em adolescentes com TUS estão:


Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Transtorno Opositor Desafiante,
Transtorno de Conduta, Transtornos de Humor (THs), incluindo Transtornos Depressivos e
Transtorno Bipolar (TB), Transtornos de Ansiedade, Esquizofrenia e outros Transtornos
Psicóticos (DIEHL; CORDEIRO; LARANJEIRA, 2018).

Uma extensa literatura tem sugerido que, em comparação com a população geral,
adolescentes com TUS têm um risco maior de ter TDAH (ZULAUF et al., 2014). Em uma
metanálise internacional, 23% dos usuários de drogas em busca de tratamento, em grande
parte adultos jovens, eram diagnosticados com TDAH (OORTMERSSEN et al., 2012). Foi
proposto que os pacientes com TDAH consomem as drogas que provocam dependência
como automedicação para seus sintomas e que a impulsividade associada ao déficit de

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

atenção e/ou hiperatividade colabora para o desenvolvimento da dependência (DE


MICHELI et al, 2014).

Em crianças e adolescentes em uso ativo de drogas e álcool, é frequente a


presença de sintomas disruptivos semelhantes aos de Transtorno de Conduta (TC) ou
Transtorno Opositor Desafiante (TOD). Comportamentos disruptivos e agressivos, mesmo
que não fechem os critérios diagnósticos para TC ou TOD, podem facilitar o contato
precoce com as drogas, como ocorre em crianças com TDAH. É comum que esses
indivíduos sejam tratados com indiferença e negligência, sem que se busque auxílio
diagnóstico e terapêutico. Assim, é fundamental que crianças e adolescentes que
apresentam comportamentos considerados difíceis, tanto no contexto familiar e social
como no escolar, recebam precocemente atendimento especializado (DIEHL; CORDEIRO;
LARANJEIRA, 2018). Quando o uso de drogas estiver presente, deve-se abordar essa
questão numa perspectiva global, não isolando o uso de SPAs como uma entidade
autônoma, mas como parte do TC e do TOD como um todo (XAVIER; GONÇALVES; NIEL,
2008).

Na adolescência, as formas de alterações patológicas do humor podem ter


peculiaridades, tornando, frequentemente, difícil o seu reconhecimento (DE MICHELI et al,
2014). Por conta disso, não é infrequente esses indivíduos apresentarem sintomas
depressivos ou ansiosos prévios e passarem despercebidos dos pais, uma vez que é
natural, na adolescência, os jovens se distanciarem de seus genitores (ASSUMPÇÃO;
KUCZYNSKI, 2017). Há dados na literatura científica apontando para a possibilidade de
que o uso de substâncias de abuso entre pacientes com transtornos do humor pode ter
relação com a busca de automedicação. Além disso, formula-se a hipótese de que
pessoas com Transtornos do Humor (THs) sejam mais sensíveis às SPAs (DE MICHELI et
al, 2014). Em um grande estudo de seguimento de adolescentes com Transtorno Bipolar
(TB) foi observado que aproximadamente um terço dos jovens com o diagnóstico de TB
desenvolveram um Transtorno por Uso de Substâncias (especialmente Cannabis e álcool)
após 4 anos de ingestão da droga (GOLDSTEIN et al., 2013).

Dificuldades sociais, timidez excessiva e sensação de inadequação social são


sentimentos frequentemente encontrados em crianças e adolescentes. Contudo, não é
incomum que sofram de um quadro de fobia social (FS) ou de outros diagnósticos de
transtorno de ansiedade, como transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e transtorno
de pânico (TP), o que provoca grande sofrimento psíquico e limitações na sociabilidade e

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

no desempenho acadêmico. Essas crianças e adolescentes, muitas vezes, não são


diagnosticados e, consequentemente, não recebem tratamento adequado. Nesse contexto,
o uso de álcool e drogas pode servir como facilitador do contato social, minimizando os
sintomas fóbico-ansiosos, permitindo que o indivíduo apresente bom desempenho social.
Estudos mostram clara evidência de que quadros de ansiedade aumentam
consideravelmente o desenvolvimento da dependência de drogas, em especial álcool e
cannabis (DIEHL; CORDEIRO; LARANJEIRA, 2018).

Alguns indivíduos podem apresentar um tipo de Transtorno Psicótico induzido por


drogas, mas que, diferentemente da esquizofrenia, por exemplo, são ocasionados pelo uso
de drogas e geralmente cursam com uma recuperação mais rápida, mesmo sem
tratamento medicamentoso (XAVIER; GONÇALVES; NIEL, 2008). Estes estados são de
curta duração, desde que a droga não continue sendo consumida (CID-10,
1993). Entretanto, o uso de drogas pode influenciar o aparecimento de Transtornos
Psicóticos, como a Esquizofrenia. Nesse caso, a substância não pode ser considerada
como a causadora da doença, mas pode agir como um desencadeante em alguém que
tenha uma susceptibilidade, principalmente em pessoas que possuem familiares com
doenças psiquiátricas semelhantes (XAVIER; GONÇALVES; NIEL, 2008). O uso abusivo
de maconha, por exemplo, pode antecipar o início da esquizofrenia ou, até mesmo,
exacerbar a doença já estabelecida em indivíduos vulneráveis. Isso ocorre em maior grau
que com qualquer outra substância passível de uso abusivo (STAHL, 2014). Na vigência
de um quadro psicótico de base e que teve, no uso da droga, o evento desencadeante,
será observada a manutenção dos sintomas psicóticos ou de um processo de deterioração
típico da esquizofrenia ou de transtorno esquizofreniforme, mesmo após suspensão por
longo tempo de uso de qualquer substância. Isso não descarta que, na vigência do quadro
de esquizofrenia já estabelecido, o jovem venha a fazer uso de álcool ou de outras drogas
a fim de aliviar sintomas de estranheza decorrentes da vivência psicótica e,
consequentemente, apresente um diagnóstico de esquizofrenia em comorbidade com o de
dependência química. Essa associação contribui para um pior prognóstico de ambos os
transtornos, com quadros mais graves, crônicos, refratários e com sucessivas recaídas
(DIEHL; CORDEIRO; LARANJEIRA, 2018).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

PREVENÇÃO

O comportamento de usar SPAs dos adolescentes é um fenômeno heterogêneo,


portanto, usar uma intervenção universal com participantes em vários estágios dessa
experiência pode ser potencialmente problemático (DIEHL; FIGLIE, 2014; HARVEY;
MCKAY; SUMNALL, 2016).

É importante que os programas de prevenção considerem por que o uso de drogas


é atraente para os adolescentes, além de reconhecer que o uso não é necessariamente
abuso de drogas e abordar os fatores sistêmicos, como estratégias de publicidade e venda
que incentivam menores de idade a fazerem uso inapropriado de substâncias psicoativas
(MIDFORD, 2010).

REDUÇÃO DE DANOS

A redução de danos contemporânea surgiu no início da década de 1990, mas


ainda é uma orientação alternativa nascente para a programação de uso de substâncias
por jovens. Esse tipo de estratégia começou a surgir em ambientes escolares em resposta
a críticas de programas de prevenção tradicionais considerados como ineficazes para
envolver os jovens em diálogos significativos sobre o uso de substâncias e por não
reconhecer e adaptar abordagens de acordo com os diversos contextos juvenis. Essa
abordagem tem potencial para resolver algumas das deficiências dos programas de
prevenção existentes, embora permaneça controversa no contexto do uso de substâncias
por não ter sido amplamente estudada nessa população. A redução de danos pode ser
aplicada a todo o espectro de uso de substâncias e pode ser aplicado no nível individual,
comunitário ou social (JENKINS; SLEMON; HAINES-SAAH, 2017).

Um programa de minimização de danos deve ter como objetivo fornecer


conhecimentos e habilidades práticas para permitir que os jovens tomem decisões mais
seguras em relação ao uso de drogas e deve ser avaliada em termos de redução de riscos
e danos. A abstinência continua a ser uma estratégia de prevenção dentro dessa proposta,
mas não é a medida da eficácia do programa. A grande vantagem dessa abordagem é que
ela fornece flexibilidade e relevância, permitindo considerar os jovens em seu nível
individual de experiência e conhecimento em relação a problemas com drogas (MIDFORD

146
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

et al., 2014). Simplificando, se um programa de prevenção não convencer um garoto de 18


anos a não beber um engradado de seis cervejas em uma festa, mas conseguir convencê-
lo a não voltar dirigindo para casa, seria considerado ineficaz na abstinência
tradicional/redução de uso, mas eficaz em termos de redução de danos (MIDFORD, 2010).

ESTIGMA

Muitas condições de saúde, dentre elas, o transtorno por uso de substâncias


(TUS), são estigmatizadas pela população, inclusive pelos profissionais de saúde. A
estigmatização ocorre quando se atribui “rótulos” e “estereótipos” negativos a
determinados comportamentos (DUARTE; FORMIGONI, 2017).

O estigma público diz respeito à forma como o público em geral percebe e


discrimina grupos específicos de pessoas. Indivíduos que têm TUS são mais propensos a
experimentar níveis mais altos de estigma e discriminação públicos em comparação com
indivíduos que têm outros tipos de doença mental (CORRIGAN; KUWABARA;
O'SHAUGHNESSY, 2009). Além disso, indivíduos ativos no uso de SPAs podem enfrentar
mais estigma público em comparação com aqueles em recuperação (RAO et al., 2009). Ao
longo do tempo, atribuiu-se uma forte conotação moral que dificulta abordagens mais
adequadas e maior aproximação dos usuários. Existe uma associação equivocada, por
parte da sociedade, de que o usuário é “fraco”, “sem força de vontade” ou que o uso e a
dependência são “problemas sem solução”.

Algumas estratégias são propostas para combater o estigma. A primeira delas é o


contato. Alguns autores defendem que o contato entre estigmatizadores e estigmatizados
contribui para a diminuição do desejo de distância social e discriminação, uma vez que as
pessoas podem começar a perceber, por esse contato cotidiano, que a generalização feita
não se confirma. O protesto também é uma estratégia efetiva, uma vez que procura
sensibilizar a opinião pública e os gestores de políticas públicas sobre os malefícios da
discriminação resultante do estigma. Isso geralmente é feito a partir da mobilização de
grupos, campanhas na mídia, nas redes sociais ou até mesmo em comunidades. Outra
ferramenta fundamental é a educação. A educação vai além da simples transmissão de
conteúdo, utilizando também componentes de mudança de atitudes e sensibilização das
condições de vulnerabilidade em função do estigma. Por fim, ressalta-se a estratégia de
redução do estigma internalizado (DUARTE; FORMIGONI, 2017).

147
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

O estigma internalizado consiste na desvalorização de si próprio desencadeada


pela atribuição de estereótipos negativos, ou seja, a pessoa acaba por concordar com as
características negativas atribuídas a ela. A internalização do estigma traz uma série de
consequências negativas, que vão desde o afastamento da rede de cuidado até maior
vulnerabilidade social e agravamento da condição de saúde. Pesquisas têm demonstrado
que apenas 5% a 10% das pessoas com problemas decorrentes do uso de álcool e outras
drogas procuram tratamento especializado e que aproximadamente 20% das pessoas que
procuram a rede de cuidados primários de saúde têm problemas por uso de drogas, mas,
na maioria das vezes, não os revelam durante a consulta (DUARTE; FORMIGONI, 2017).
Numa perspectiva individual, pode-se fornecer ferramentas para que pessoas ou grupos
possam lidar com essa situação. Por exemplo, por meio do treino de habilidades sociais
para enfrentamento de situações de discriminação, planejamento de futuro e aumento do
sentimento de autoeficácia (DUARTE; FORMIGONI, 2017).

TRATAMENTO

O objetivo principal do tratamento oferecido aos adolescentes deve ser privilegiar a


vivência do desenvolvimento, a experimentação de outras atividades importantes nessa
etapa e o enfrentamento das dificuldades comuns a esse período (DIEHL; CORDEIRO;
LARANJEIRA, 2018).

O tratamento ambulatorial deve ser a primeira modalidade considerada, uma vez


que ela oferece atendimento e acompanhamento contínuo, não sendo necessário afastar o
jovem do convívio familiar e social. Os principais objetivos são auxiliar na obtenção e na
manutenção da abstinência, dar continuidade ou retomar atividades que tenham sido
abandonadas em decorrência do uso de drogas, bem como solucionar problemas e
conflitos decorrentes do uso (ASSUMPÇÃO; KUCZYNSKI, 2017).

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços de saúde de caráter


aberto e comunitário, tidos como locais de referência e tratamento para pessoas com
transtorno mental ou usuárias de drogas, que necessitam de tratamento especializado.
Atua de maneira articulada com os demais serviços da Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS), e suas ações são desenvolvidas por equipe interdisciplinar, oferecendo
atendimento individual (com psicólogos, médicos, assistentes sociais, terapeutas
ocupacionais, etc.) e em grupo, oficinas terapêuticas e visitas domiciliares e institucionais,

148
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

além das ações de prevenção na comunidade (BRASIL, 2004). Entre as modalidades do


CAPS, está o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD). Este serviço é
voltado não só para o tratamento do transtorno por uso de substâncias, mas também para
o indivíduo em si e sua reinserção familiar e social (LACERDA; FUENTES-ROJAS, 2016).

A internação psiquiátrica deve ser considerada quando todos os recursos


ambulatoriais tiverem sido esgotados (BRASIL, 2004). As indicações de internação são:
risco de comportamento auto ou heteroagressivo ou comportamento suicida; risco de
desenvolver síndrome de abstinência ou outras complicações clínicas; necessidade de
tratamento e avaliação de outras comorbidades psiquiátricas (presença de sintomas
psiquiátricos graves) e fracasso do tratamento ambulatorial (ASSUMPÇÃO; KUCZYNSKI,
2017). A internação deve ser de curta duração, e o tratamento deve consistir na
desintoxicação da droga de abuso, avaliação de comorbidades, motivação para
abstinência e sua manutenção, prevenção da recaída, preparação para a alta, retorno à
família e à sociedade e encaminhamento para continuidade do tratamento em caráter
ambulatorial (HABIGZANG; DINIZ; KOLLER, 2014). Além disso, a depender do contexto,
deve ser avaliada também a abordagem de redução de danos.

Diversos estudos indicaram que a internação não garante que os adolescentes


usuários de drogas se mantenham em abstinência. Ela constitui um primeiro passo em
busca do processo de recuperação e reabilitação psicossocial. Terminado o período de
internação, é necessário que seja mantido o acompanhamento ambulatorial, a fim de dar
continuidade ao tratamento (HABIGZANG; DINIZ; KOLLER, 2014).

Uma terceira modalidade de tratamento são as comunidades terapêuticas (CTs). No


Brasil, há contradições quanto ao entendimento sobre o papel das CTs no âmbito do
tratamento do uso nocivo e dependência de SPAs (FEITOSA; GARCIA FILHO, 2020). A
Portaria nº 563, de 19 de março de 2019, do Ministério da Cidadania, conceitua CTs como
organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos, reguladas por lei própria, cuja
atividade principal é o modelo terapêutico de atenção em regime residencial e transitório,
mediante adesão e permanência voluntárias de pessoas com problemas associados ao
uso ou à dependência de álcool e de outras drogas (BRASIL, 2019).

O modelo de cuidado preconizado pelas CTs é pautado no exercício da


espiritualidade, no trabalho (laborterapia), no convívio entre os pares e na disciplina. O
objetivo primordial é a manutenção da abstinência (FEITOSA; GARCIA FILHO, 2020). É

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

importante frisar que muitas críticas são tecidas às CTs. Diante disso, em 4 de agosto de
2020, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), em conjunto com Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e com o Conselho Nacional de Direitos
Humanos (CNDH) elaborou uma recomendação contrária à regulamentação do
acolhimento de adolescentes em CTs (BRASIL, 2020). Recentemente, em setembro de
2022, a Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME) divulgou a decisão judicial da
12ª Vara Federal de Pernambuco, que determinou a suspensão integral da Resolução Nº
3, de 24 de julho de 2020, do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD), que
regulamentava o acolhimento de adolescentes em CTs (JUSTIÇA EM FOCO, 2022). Tal
decisão também determina a suspensão de financiamentos federais destinados a esse fim,
estipulando um prazo de 90 dias para o desligamento de adolescentes acolhidos nestas
instituições, cujo atendimento deve ser garantido pelo Ministério da Saúde (HÍGIDO,
2022).

Além das modalidades citadas, em 2012, foram implementadas as Unidades de


Acolhimento (UA) como componente de atenção residencial de caráter transitório da Rede
de Atenção Psicossocial. O objetivo das UA é oferecer acolhimento e cuidados contínuos
para pessoas com necessidades decorrentes do uso do crack, álcool e outras drogas, em
situação de vulnerabilidade social e familiar e que demandem acompanhamento
terapêutico e protetivo. As unidades funcionam 24 horas e possuem duas modalidades,
sendo uma delas denominada Unidade de Acolhimento Infanto-Juvenil, destinada a
crianças e adolescentes entre 10 e 18 anos incompletos de ambos os sexos. As UAs são
referenciadas a um CAPS, que tem a função de elaborar o projeto terapêutico singular de
cada paciente. Nessas unidades, os usuários são acompanhados por uma equipe
multiprofissional e o tempo de permanência é de até 6 meses (BRASIL, 2012).

Idealmente, os programas devem ser multidisciplinares para que possam oferecer


uma abordagem biopsicossocial e envolver a família no processo. As diferentes
abordagens terapêuticas não são excludentes, e, muitas vezes, é necessária a associação
de várias delas. Alguns recursos da comunidade podem ser aproveitados, como os “0800”,
serviços de aconselhamento, grupos de ajuda mútua (Alcoólicos Anônimos [AA] e
Narcóticos Anônimos [NA]), centros de informação, serviços educacionais e vocacionais e
centros comunitários de saúde mental. Independentemente do regime terapêutico a ser
empregado, a participação da família ou de um sistema de apoio na comunidade é
essencial (DIEHL; CORDEIRO; LARANJEIRA, 2018).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adolescência é uma fase importante de reestruturação da identidade social. O uso


de substâncias psicoativas nesse período é considerado, por muitos autores, como um
comportamento normal dentro do padrão de desenvolvimento. Entretanto, estudos
apontam que o uso de drogas em idade precoce é um importante preditor de
desenvolvimento de Transtorno por uso de substâncias no futuro. Além disso, tal
comportamento pode implicar em outros riscos, como envolvimento em acidentes de
trânsito, afastamento de atividades escolares, prática de sexo desprotegido e,
consequentemente, gravidez na adolescência e risco de infecções sexualmente
transmissíveis, entre outros. É importante frisar, no entanto, que o uso de drogas pode
ocorrer de formas que não representem a presença de um problema ou doença. Por isso,
torna-se necessário conhecer os diversos padrões de uso.

O uso de substâncias psicoativas em jovens é um fenômeno heterogêneo, que sofre


influência de vários fatores, como comunidade, família, amigos e escola, bem como do
contexto econômico, cultural e social. Portanto, é importante que estratégias utilizadas
nessa abordagem considerem o contexto em que cada indivíduo está inserido. A redução
de danos é uma abordagem que mostra-se promissora para resolver algumas deficiências
de programas tradicionais, entretanto, ainda carece de estudos na população adolescente.

Em caso de Transtornos por uso de substâncias, é importante que o adolescente


seja avaliado de forma global e que se considere a possibilidade de outros transtornos
mentais, uma vez que os estudos indicam altas taxas de comorbidades psiquiátricas em
adolescentes com essa condição. Existem várias modalidades de tratamento, sendo a
ambulatorial, a primeira a ser considerada, por não afastar o jovem do convívio social e
familiar. Para a construção do plano terapêutico, é importante que cada caso seja
observado de forma singular para que seja escolhida a modalidade terapêutica mais
adequada de acordo com as necessidades individuais.

A família e a escola são importantes estruturas que devem ficar atentas ao


desenvolvimento dos jovens, dando orientação, apoio e sólidas referências emocionais,
intelectuais e de valores. Quando surgirem dúvidas ou indícios de que os adolescentes
apresentam comportamentos que podem indicar transtornos psiquiátricos ou transtorno por
uso de substâncias, a avaliação de um psiquiatra é necessária.

151
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Por fim, estudos mostram que pessoas com transtornos pelo uso de substâncias
são estigmatizadas por grande parte da população, o que pode afastar esses jovens da
rede de cuidados e aprofundar sua condição. Dessa forma, é necessário que ferramentas
como a educação e as mídias sociais sejam utilizadas de modo a fornecer componentes
de mudança de atitudes e sensibilização das condições de vulnerabilidade em função do
estigma.

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157
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 11

A IMPORTÂNCIA DAS REDES DE APOIO NA INCLUSÃO ESCOLAR

Maria Osvalda de Castro Feitosa Cristovam


Maria Leila Feitosa
Aline CristinaTotina Felippe
Aline Carolina Bassoli Barbosa

INTRODUÇÃO

Da garantia do direito à educação inclusiva

Legalmente, o acesso à escola é garantido a todas as pessoas possibilitando,


assim, a matrícula de qualquer estudante nas escolas comuns independente da sua
limitação ou condição de vida. Mas, embora a legislação assegure grandes avanços, a
inclusão escolar ainda é um processo que enfrenta inúmeras dificuldades, pois é vista
como desafiadora para todos os sistemas educacionais (BRASIL, 1988, 1996, 2001, 2008,
2015).

O movimento de Inclusão Escolar vem crescendo e com ele o aumento de


matrículas de Estudantes Elegíveis aos Serviços da Educação Especial (EESEE) nas
escolas comuns, emergindo também a demanda de ampliação de redes de apoio e
suportes diferenciados, desafiando atores do processo educativo a construírem saberes
que contemplem a realidade educacional para a diversidade na oferta de uma educação de
qualidade para este público (SILVA; MENDES, 2021).

Destarte, não é suficiente ter legislações, políticas públicas e documentos que


legitimem a inclusão escolar. É necessário buscar, avaliar e modificar a realidade baseada
nas necessidades de melhorias encontradas nas escolas para garantir a escolarização dos
EESEE. Contrário a isso, nota-se um falso cumprimento da legislação que garante apenas
o acesso dos alunos, ou apenas a matrícula, sem realizar um trabalho responsável e
efetivo (LOPES, 2018).

158
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Entre as principais dificuldades encontradas para uma inclusão efetiva, Silva e


Mendes (2021), consideram como problemas persistentes a escassez de oferta de
serviços de apoio, o baixo investimento em contratação, formação de profissionais
especializados em contratação de professor de Educação Especial e/ou equipe
multidisciplinar, ausência de recursos materiais e omissão do papel do poder público em
todas suas esferas.

Neste sentido, faz-se necessário a criação de novas estratégias, práticas,


investimentos em serviços de apoio, como a implementação de inúmeros recursos
pedagógicos, físicos e humanos, formação de profissionais, entre outras providências.
Entre os recursos humanos, podemos destacar como figuras de grande importância o
professor de educação especial, intérpretes, psicólogos escolares, psicopedagogos
assistentes sociais, fonoaudiólogos, terapeutas, profissionais de apoio, entre outros, para
que se possa efetivar além da garantia do acesso, a permanência e a aprendizagem dos
EESEE nas escolas comuns.

A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO COM REDES DE APOIO PARA UMA INCLUSÃO


EFETIVA

Embora a denominação “redes de apoio” (SCHAFFNER; BUSSWELL, 1999;


STAINBACK; STAINBACK, 1990, 1999) tenha sido utilizada na literatura de diferentes
áreas – “redes de apoio social” e “redes de apoio social e afetivo”, nas áreas da psicologia
e medicina (SIQUEIRA, 2006; PAULA, 2005); “rede de cooperação”, na administração
(SOUZA, 2005); “redes sociais”, na sociologia (COSTA, 2009; MARTELETO; SILVA, 2004;
MESQUITA et al., 2008); “redes de políticas”, nas ciências políticas (BÖRZEL, 2010) –, sua
explanação teórica é bastante escassa no Brasil, principalmente no âmbito da educação
especial.

Schaffner e Buswell (1999), auxiliam a compreender que uma rede de apoio se


sustenta no trabalho de diversos profissionais, educadores e outros especialistas,
formando diferentes equipes de apoio, cada uma com uma função, sem maior relevância
de um ou de outro. Estas visam ao debate constante para a resolução de problemas na
inclusão escolar.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Stainback e Stainback (1999) destacam a necessidade do entrelaçamento de várias


redes de apoios para oferecer suporte tanto aos estudantes quanto aos seus professores.
Os autores elucidam também a importância da aprendizagem cooperativa, do trabalho de
tutoria entre pares, do desenvolvimento de amizades e da utilização de recursos técnicos.

Destarte, dada a necessidade de reestruturação do sistema escolar na construção


de uma educação mais inclusiva, vale ressaltar a prioridade da inserção de novos
profissionais como serviço de apoio à inclusão, atuando de forma multi e interdisciplinar.
Silva e Mendes, 2021, p. 22, pontuam que

[...] a presença de uma equipe interdisciplinar em redes de ensino tem sido


apontada pela literatura como uma importante fonte de suporte na construção de
escolas mais inclusivas. No Brasil, entretanto, o investimento que se faz na
construção de redes de apoio à inclusão escolar ainda é escasso, embora muitas
redes de ensino, já estejam tomando a iniciativa de prover variados tipos de suporte
para as escolas, contratando inclusive profissionais para compor uma equipe
interdisciplinar.

Mantoan e Baptista (2018) sinalizam que alguns estudos têm demonstrado


resultados animadores e consistentes no trabalho em rede, principalmente quando se trata
de atingir um grande número de profissionais interessados no assunto, podendo ser uma
alternativa para atender às necessidades de levar os conceitos e práticas que
sustentam o ensino inclusivo a outras áreas.

MÃOS À OBRA: UMA EXPERIÊNCIA POSSÍVEL

A proposta da Educação Inclusiva é muito rica, ampla e ao mesmo tempo muito


específica. Educação é ação, e quantas vezes ouvimos da sociedade em geral que, faltam
redes de educação que trabalhem entrelaçando teoria e prática, buscando romper com o
paradigma inclusivo só na lei, rumando para ações que práticas e efetivas em seus
sistemas educacionais.

Com a Lei nº 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão, conhecida como Estatuto da


Pessoa com Deficiência, temos uma ampliação do conceito de deficiência e novos
parâmetros para sua avaliação:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma
ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas” e portanto “a avaliação da
deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

multiprofissional e interdisciplinar e considerará: os impedimentos nas funções e


nas estruturas do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; a
limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação (BRASIL,
2015).

Baseado neste arcabouço legal e no intuito de tê-lo como norteador da


implementação de políticas, práticas e culturas que efetivem a educação especial na
perspectiva inclusiva no município de Jahu, a Secretaria Municipal de Educação, no plano
Municipal de Educação – PME (2015-2025), centralizou no Atendimento Multidisciplinar ao
Educando (AME) o atendimento extraescolar à criança e à família dos estudantes em
situação de dificuldade no aprendizado.

Dentro de suas atribuições, o AME tem como objetivos:

• Atendimento às crianças e/ou aos pais, orientações e capacitações de professores,


monitores, intérpretes e demais agentes envolvidos no processo educacional;
• Realização de avaliações diagnósticas e encaminhamentos aos programas de
suporte necessários à aprendizagem, como por exemplo, sala de AEE, professores
de apoio e reforço escolar entre outros.

CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO

Jahu localiza-se na região central do Estado de São Paulo, a 296 quilômetros da


capital. Num raio de 200 quilômetros, pode-se atingir diversas cidades que são referências
econômicas em suas respectivas regiões. De acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2021), o último censo realizado, sua população foi estimada
em 151.881 habitantes.
As principais atividades econômicas no município são representadas pela indústria
calçadista (Jahu é considerada a “Capital do calçado feminino”) e pela agroindústria
sucroalcooleira. A canavicultura, onde ocupa posição de destaque, alçando a região entre
as grandes produtoras de açúcar e álcool do estado de São Paulo. O amplo comércio, o
setor de serviços e a rede bancária de Jahu são referência regional.
Sobre a política educacional do município, Jahu tem como critérios prioritários e
orientadores: o alcance da excelência acadêmica, a garantia da equidade educacional, a
promoção do pleno desenvolvimento da pessoa e a formação de cidadãos críticos, éticos e
bem sucedidos profissionalmente.

161
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

A Rede Municipal de Ensino Fundamental de Jahu, hoje é composta por 20


Unidades Escolares, sendo 19 (dezenove) Escolas Municipais de Ensino Fundamental –
Anos Iniciais e uma Escola Municipal de Ensino Fundamental – Anos Finais. A
municipalização e a expansão do Ensino Fundamental exigiu das redes de ensino estadual
e municipal a discussão e elaboração de propostas curriculares e materiais de orientações
didáticas e metodológicas com a finalidade de qualificar a ação educativa.

AÇÕES REALIZADAS PELO AME

O AME, objetivando cumprir o papel que lhe foi atribuído, vem realizando várias
ações interventivas e de formação na rede educacional do município, entre elas destaca-se
as elencadas no Quadro 1:

Quadro 1- ações realizadas pelo AME


APOIO AOS PROFISSIONAIS DA APOIO AO EDUCANDO APOIO AOS FAMILIARES
EDUCAÇÃO
1) Oferta de cursos de 1) Visitas recorrentes às 1) Acolhimento às
capacitação, com duração escolas, de acordo com a famílias que
de 1 ano: necessidade de cada necessitam de
Curso 1- “180 graus”: palestras unidade escolar (mensal, orientação, tanto
síncronas quinzenais, via Google bimestral, semestral); pedagógico, como
Meet, direcionadas aos estudantes 2) Apoio pontual por psicológico;
e ao educador, demanda da equipe 2) Conversas com
Curso 2- Educalibras: aulas escolar família ou
quinzenais, presenciais, que (acompanhamento, responsável,
conscientizem sobre a importância avaliação, envolvendo vários
e como praticar a inclusão dos encaminhamento, aspectos, com
nossos alunos que necessitem da necessidades pontuais; orientações,
língua libras; 3) Avaliação, por equipe combinados,
Disponibilização de 45; multidisciplinar (professor anotações, sugestões
2) palestras formativa da sala regular, saúde, à família e se
autorais, via canal do neuropsicológica, necessário, o
YouTube, com livre acesso anamnese feita pela estudante é
aos professores de todos os equipe do AME, encaminhado à
segmentos da rede avaliação da equipe
municipal, podendo usarem do AME;
inclusive horário de ATPC 3) Formação por meio
para assistir; de palestras gravadas

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

3) Reuniões de alinhamentos e disponibilizadas no


com a equipe da escola e Youtube.
especialmente o professor
do educando em
atendimento, para traçar
ações específicas, de
acordo as necessidades;
4) Orientação, sempre que
necessário, aos
professores de AEE e da
sala comum da rede
municipal;
5) Capacitação e
acompanhamento para
monitores e estagiários
da Rede;
6) Capacitação aos
funcionários das
Creches filantrópicas;
7) consultoria colaborativa
junto à Associação e
Escola Especial do
Autista e APAE do
município.

Fonte: Elaborado pelas autoras

Para além destes serviços nomeados acima, o AME também coordena e elabora
regularmente vídeos temáticos divulgados pela Secretaria de Educação abordando
temáticas que envolvam os EESEE, a saber, Transtorno do Espectro Autista (TEA),
Síndrome de Down, Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), Altas
Habilidades e Superdotação (AH/SD), Deficiência Intelectual (DI), Deficiência Visual
(DV), Deficiência Física (DF). Trazendo à tona assuntos para conscientização da
importância do respeito à diversidade nas escolas e na sociedade em geral.
Desde da sua criação, o AME vem ampliando os atendimentos no município de
Jahu, dando inclusive suporte, sempre que possível e necessário, às escolas e instituições
localizadas na cidade.

163
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Nos últimos 300 dias letivos, foi possível abranger o total de atendimentos detalhados
na Tabela 1:

Tabela 1- Atendimentos realizados nos últimos 300 dias letivos pelo AME
NÚMEROS DE
TIPO DE ATENDIMENTO
ATENDIDOS
Escolas da rede municipal Ensino Fundamental-
20
EMEF
Escolas da rede municipal Ensino Infantil - CMEI 21
Creches filantrópicas 4
Professores da rede de ensino 600
Famílias 70
Avaliações dos educandos 60
TOTAL DE ATENDIMENTOS 715
Fonte: Elaborado pelas autoras

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação inclusiva é direito adquirido e legitimado em diversas normativas legais


, mas na prática nota-se baixo investimento do poder público para atender o aumento da
demanda e de todas as necessidades que a inclusão educacional exige. O ato de legitimar
a educação inclusiva requer responsabilidades dos poderes públicos em disponibilizar
recursos para investimentos nas estruturas escolares, capacitação profissional e acesso às
novas tecnologias, possibilitando assim uma educação de qualidade que todos merecem.

Além dos apontamentos aqui elencados, se faz necessário políticas públicas para
inclusão sem preconceito. Desmistificar o paradigma de que o acesso à educação está
vinculada a sua condição de desenvolvimento intelectual ficando a responsabilidade
exclusivamente das escolas especializadas.

Nos avanços obtidos nesta caminhada para uma educação inclusiva de qualidade
em atendimento aos educandos e educadores bem como as instituições de ensino.
percebe-se a importância de se efetivar e ampliar as redes de apoio para que possa se dar
a permanência e a aprendizagem com sucesso nas escolas comuns.

Diante do exemplo aqui exposto, no município de Jahu, é possível afirmar que a


inclusão é uma realidade que deve e pode ser implementada. O AME implantado em
âmbito municipal é um serviço de referência na região, uma vez que oferece a
oportunidade de uma formação continuada para os educadores, apoio familiar por meio da

164
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

psicoeducação com acolhimento das famílias e dos educandos, oferecendo garantia aos
direitos básicos, como educação de qualidade, o que surte efeitos em seu
desenvolvimento biopsicossocial.

Por meio de projetos como o desenvolvido no município de Jahu, toda a população


é beneficiada, pois a garantia de direitos é assegurada com as ações oferecidas pelo
AME, o processo pedagógico de todos os estudantes é otimizado, pois os professores são
melhor capacitados para trabalhar com as demandas em sala de aula, apresentam mais
motivação e segurança ao exercerem o papel de educador, as famílias têm o suporte para
suas dificuldades e podem estabelecer redes de apoio com todos os envolvidos. Nesse
processo e, o protagonista do ensino é o estudante, onde este é beneficiado com uma
educação de qualidade, que supre suas necessidades individuais e proporciona a inserção
social, influenciando diretamente na sua autoestima, senso de pertencimento e
possibilidade de autogestão, os efeitos também visam a diminuição do preconceito e o
respeito entre todos os educandos.

Dessa forma, este capítulo cumpriu o objetivo de demonstrar a necessidade e a


possibilidade de ações com redes de apoio para um melhor atendimento as necessidades
dos educandos na perspectiva inclusiva, apresentando um exemplo de que tal trabalho é
possível, e todos os envolvidos se beneficiam com a efetivação das redes com uma gama
diversificada de ações e de profissionais envolvidos nas mesmas.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CAPÍTULO 12

DIREITO DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES


COM TRANSTORNO MENTAL

Ana Paula Brandão Souto

INTRODUÇÃO

Hoje entendemos que a infância é uma fase fundamental para o desenvolvimento


do indivíduo e a adolescência não é uma simples passagem para a vida adulta, mas é um
momento em que nos confrontamos com valores, escolhas e diversos questionamentos
que afetarão diretamente nosso desenvolvimento, nossa identidade. Com a aprovação do
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, no início da década de 1990, a criança foi
definida como pessoa em “situação peculiar de desenvolvimento”, devendo ter todos os
seus direitos garantidos, competindo à família, à sociedade e ao Estado, garanti-los com
absoluta prioridade. “[...] serviu como base para a construção de uma nova forma de olhar
a criança: uma criança com direito de ser criança; direito ao afeto, direito de brincar, direito
de querer, direito de não querer, direito de conhecer, direito de sonhar” (FERREIRA, 2000,
p. 184). Mas nem sempre foi assim. Quanto mais regressarmos na história, maiores as
chances de nos depararmos com a falta de proteção da criança.

A violência dirigida à criança sempre existiu. No passado, as crianças indesejadas


eram mortas pelos seus pais, que tinham o direito absoluto sobre elas. Azambuja (2006)
menciona como o significado da infância está presente ao longo da história:

Ao tempo do Código de Hamurábi (1700 a.C-1600 a.C), no Oriente Médio, ao filho


que batesse no pai havia a previsão de cortar a mão, uma vez que a mão era
considerada o objeto do mal. Também o filho adotivo que ousasse dizer ao pai ou à
mãe adotivos que eles não eram seus pais, cortava-se a língua; ao filho adotivo que
aspirasse voltar à casa paterna, afastando-se dos pais adotivos, extraíam-se os
olhos. Em Roma (449 a. C), a Lei das XII Tábuas permitia ao pai matar o filho que
nascesse disforme mediante o julgamento de cinco vizinhos, sendo que o pai tinha
sobre os filhos nascidos de casamento legítimo o direito de vida e de morte e o
poder de vendê-los. Na Grécia antiga, as crianças que nascessem com deficiência
eram eliminadas nos Rochedos de Taigeto. Em Roma e na Grécia a mulher e os
filhos não possuíam qualquer direito. O pai, o chefe de família, podia castigá-los,
condená-los à prisão e até excluí-los da família (AZAMBUJA, 2006, p.3).

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

No Brasil, a situação da criança não foi diferente. Contam os historiadores que as


primeiras embarcações que Portugal lançou ao mar, mesmo antes do descobrimento,
foram povoadas com as crianças órfãs do rei. Nas embarcações vinham apenas homens, e
as crianças recebiam a incumbência de prestar serviços na viagem, que era longa e
trabalhosa, além de se submeter aos abusos sexuais praticados pelos marujos rudes e
violentos. Em caso de tempestade, era a primeira carga a ser lançada ao mar (LIDCHI,
2010).

Essas práticas foram se tornando comuns, pautadas, muitas vezes, em


configurações familiares, onde o homem e pai é o “Senhor” a quem todos, mulheres e
crianças devem submissão absoluta. Essa relação de poder estabelecido ao longo da
história vem se perpetuando até hoje, fazendo parte das dinâmicas familiares, castigos
físicos e disciplinas rigorosas (FERREIRA, 2002).

Até o advento da Constituição Federal de 1988, a criança não era considerada


sujeito de direitos, pessoa em “peculiar fase de desenvolvimento” e, tampouco, “prioridade
absoluta”. A partir de 1988, no Brasil, passamos a contar com uma legislação moderna, em
consonância com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,
inaugurando uma nova época na defesa dos direitos daqueles que ainda não atingiram os
dezoito anos de idade. Portanto, foi no século XX que ocorreu uma mudança significativa
no entendimento do que seria uma “criança”. De uma propriedade dos pais, ela passa a
ser vista como sujeito de direitos. Como consequência desse novo olhar para a criança,
surge o que chamamos de Sistema de Garantia de Direitos, concebido pelo ECA, onde se
realiza uma parceria com o poder público e a sociedade civil com o objetivo de elaborar e
monitorar a execução de todas as políticas públicas voltadas para as
crianças/adolescentes (TEIXEIRA, 2010).

Segundo Minayo (2006), a teoria da proteção integral parte da compreensão de


que as normas que cuidam de crianças e de adolescentes devem concebê-los como
cidadãos plenos, porém sujeitos à proteção prioritária, tendo em vista que são pessoas em
desenvolvimento físico, psicológico e moral. Conforme a Resolução 113 do Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), Art. 2, o Sistema de
Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente tem como premissas: “(...) promover,
defender e controlar a efetivação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais,
coletivos e difusos, em sua integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de
modo que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

condição peculiar de desenvolvimento; colocando-os a salvo de ameaças e violações a


quaisquer de seus direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e
violações”.

ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS

O Sistema de Garantia de Direitos está organizado em três eixos: promoção,


defesa e controle. A Promoção tem como objetivo promover políticas de atendimento dos
direitos de crianças/adolescentes. Essa política deve-se dar de modo transversal,
articulando políticas públicas. Os principais atores responsáveis pela promoção desses
direitos são as instâncias governamentais e da sociedade civil que se dedicam ao
atendimento direto de direitos, prestando serviços públicos e/ou de relevância pública,
como ministérios do governo federal, secretarias estaduais ou municipais, fundações,
ONGs, etc. (CEDECA, 2007 apud TEIXEIRA, 2010).

A Defesa é composta por órgãos de fiscalização (Juizado da Infância e Juventude,


Ministério Público, Conselhos Tutelares). É o eixo que vai responsabilizar pelo não
atendimento, pelo atendimento irregular ou pela violação de direitos das
crianças/adolescentes.

O Controle estabelece a vigilância do cumprimento da legislação para a garantia


dos direitos. Existe, então, o controle exercido pelos órgãos e poderes governamentais e o
controle chamado de social que é exercido pela sociedade civil (SECRETARIA DA
JUSTIÇA E DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL, S/D).
O trabalho realizado pelo Sistema de Garantia de Direitos é realizado em rede, visando à
proteção das crianças/adolescentes.

Para entendermos como esse trabalho é articulado é necessário entendermos qual


é a participação de cada órgão:

- Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente são compostos pelos


Conselhos, Nacional, Estadual e Municipal. É estabelecido pelo ECA como um instrumento
de discussão, formulação das políticas voltadas para as crianças/adolescentes, numa
corresponsabilidade de poderes públicos e sociedade civil.

- Conselho Tutelar é um órgão encarregado pela sociedade para zelar pelos


direitos da criança/adolescente, previsto na legislação. Atua requerendo do poder público a

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

construção e a efetivação das políticas assegurando a proteção integral a


Crianças/adolescentes.

- Juizado da Infância e da Juventude representa o poder judiciário. O juiz atua


como julgador em processos nos quais se discutem os interesses das
crianças/adolescentes em situação de risco.

- Ministério Público dá início ao procedimento de apuração dos casos envolvendo


crianças/adolescentes, acionando a justiça sempre que algum direito fundamental da
criança ou do adolescente for violado.

- Defensoria Pública é o órgão público que garante as pessoas carentes o acesso


à justiça, de forma que aqueles que não podem arcar com as despesas de um advogado
possam ter seus direitos defendidos (TEIXEIRA, 2010).

Com o Sistema de Garantia de Direitos trabalhando de uma forma articulada ouve


uma ruptura, ou melhor, uma passagem que García (1999) qualifica como a passagem do
atendimento de necessidades (saúde, educação, moradia, profissionalização) para o
atendimento de direitos.

Hoje temos um sujeito de direitos e não mais um “objeto de tutela”.


As necessidades não atendidas, no que diz respeito às crianças/adolescentes, constituem
violação de direitos e esta mudança não é colocada no ECA apenas como discurso. Ela é
tão importante, que a própria legislação prevê um Sistema de Atendimento e de Garantia
de Direitos. Mas, vale ressaltar que, embora tenham ocorrido diversos avanços no que diz
respeito ao nosso olhar e cuidado para as crianças/adolescentes, a proteção integral ainda
não ocorre de forma plena. O grande avanço é podermos olhar, hoje, para esse fenômeno
de uma forma mais ampla, entendendo a responsabilidade pelo cuidado de
crianças/adolescentes, como sendo de “todos”, família, sociedade e Estado.

PAPEL DA FAMÍLIA

Essa inserção social da criança, sem que ela possa escolher, levou Wallon (1975)
a considerá-la com um ser “biologicamente social”. Ela aprende a cultura da sua realidade
social por meio dos grupos com que interage, sendo fundamental o papel da família. Esta
ou seu substituto são tradicionalmente chamados de “primeiro grupo de socialização”, pois
são as primeiras pessoas que convivem com a criança desde tenra idade e a ensinam a

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

viver no mundo. Devido à dependência física e psíquica que a criança tem nos primeiros
anos de vida, a família, além de lhe propiciar sobrevivência, ensina conhecimentos –
hábitos, valores, conceitos, comportamentos, atitudes – a serem internalizados pelas
crianças (BARBOSA, 1997). Por isso, os adultos e os outros integrantes desse grupo de
socialização se tornam “outros significativos” para a criança, que não é sujeito passivo
nessa relação, visto que ela também modifica o meio familiar, mudando os hábitos e as
atitudes sócio-afetivas da família.

São esses “outros significativos” que ensinarão a criança o modo de interagir com
o mundo e significarão suas ações a elas. Nesse sentido é que Reis destaca: “é na família,
mediadora entre o indivíduo e a sociedade, que aprendemos a perceber o mundo e a nos
situarmos nele. É a ferramenta da nossa primeira identidade social. Ela é o primeiro „nós‟ a
quem aprendemos a nos referir” (REIS in LANE, 2006, p.99). No primeiro momento da sua
vida, a criança aprende a dominar um importante instrumento de socialização: a
linguagem, que age como um facilitador do processo de socialização, aumentando sua
possibilidade de experiência e trocas com o outro. Com o domínio do código da linguagem
a criança tem uma maior chance de interagir no mundo e ampliar sua socialização. É
também por meio da linguagem que a criança vai construir seu pensamento e estruturar a
memória, ganhando maior autonomia no pensamento e no próprio reconhecimento do seu
“eu”. Este é um importante passo para a constituição da identidade e sentimento de
individuação pela criança, que só se pode vislumbrar na identificação e diferenciação com
o “outro” com quem interage.

Conceituar a instituição familiar atualmente não é uma tarefa fácil, haja vista que
como instituição social ela se modifica culturalmente e socialmente seguindo o processo
histórico da qual a humanidade faz parte. Considerando esse processo, temos como
significado para a palavra família: Conjunto de pessoas, em geral ligadas por laços de
parentesco, que vivem sob o mesmo teto; pessoas do mesmo sangue ou não, ligadas
entre si por casamento, filiação ou mesmo adoção; parentes, parentela (MICHAELIS,
2022); núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o
mesmo espaço e mantém entre si relação solidária (HOUAISS, 2022).

A família não é algo natural, biológico, mas uma instituição criada pelos homens
em relação, que se constitui de formas diferentes em situações e tempos diferentes, para
responder às necessidades sociais. Sendo uma instituição social, possui também, para os
homens, uma representação que é socialmente elaborada e que orienta a conduta de seus

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membros. “[...] A família, qualquer que seja sua forma, constitui-se em torno de uma
necessidade material: a reprodução. Isso não significa que é necessário haver uma
determinada forma de família para que haja reprodução, mas que esta é condição para
existência da família” (REIS, 2001, p.102).

Quando a família tem plenas condições de assegurar os cuidados com seus filhos,
a sociedade e o Estado não intervêm. Contudo, se por algum motivo, a família “falha” em
relação a esses cuidados, a sociedade e o Estado podem intervir a fim de assegurar o
pleno desenvolvimento da criança/adolescente envolvido (SANTOS; DIAS, 2009).

Em casos em que a criança sofre negligência, o Sistema de Garantia de Direitos é


acionado, ou seja, geralmente é realizada uma denúncia ao Conselho Tutelar, que tomará
as medidas iniciais de proteção, que podem ser: advertências, aconselhamentos para
serviços de saúde ou educação. Em casos mais graves, o Conselho Tutelar encaminhará o
caso para o Ministério Público, que formalizará a denúncia, acionando o sistema de justiça,
que buscará uma solução para o problema. (SANTOS; DIAS, 2009). A criança/adolescente
sendo introduzida nas redes de proteção do Estado e da sociedade, tanto pode ser criada
uma situação de apoio, para que a família seja ajudada a lidar com seus problemas,
quanto pode se iniciar um percurso de afastamento da criança/adolescente de sua família.

No intuito de se proteger essa criança/adolescente, muitas vezes, esta é afastada


de sua família de forma provisória ou definitiva. Quando a criança é afastada de forma
provisória, ela pode ser encaminhada para abrigos, ou para o projeto família acolhedora,
que é um projeto do governo que visa possibilitar que a criança/adolescente fique num
ambiente familiar até que sua situação se resolva. Quando ela é afastada de forma
definitiva da família, é quando se conclui que ela realmente não poderá voltar para sua
família de origem. Neste caso, o afastamento consiste na destituição do poder familiar dos
pais biológicos, que possibilitará a adoção.

Em casos em que a mãe, normalmente a principal cuidadora da


criança/adolescente, “negligência” os cuidados com seu filho, devido às consequências de
sua doença, mesmo em casos como este, em que a situação está além do controle desta,
a Doutrina de Proteção Integral estabelece que a criança/adolescente seja tratada com
absoluta prioridade. Segundo Jones (S/D), o bem-estar da criança deve preceder os
direitos dos pais, mesmo quando seu afastamento é necessário e isso agrave a doença
deles. Proteger a criança, assegurando seus direitos para um pleno desenvolvimento,

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

requer protegê-la, inclusive, da família, caso essa seja negligente. No entanto, a proteção
integral de crianças/adolescentes também envolve fazer o possível para preservar os
vínculos familiares.

O direito fundamental à convivência familiar

Crianças consideradas em situação de risco têm um grande histórico de


internações em instituições. Desde o final do século XIX, foram instauradas práticas de
internação como forma de proteger as crianças/adolescentes (RIZZINI, S/D)
Com a lei federal 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente transformou essa
concepção, priorizando diretrizes de atendimento contrário a institucionalização. Hoje, o
abrigamento é uma medida excepcional e temporária. Crianças e adolescentes não podem
ser privados de liberdade, e havendo a necessidade de serem afastadas de sua família,
devido a uma situação de risco, o abrigo, ou o programa família acolhedora poderá ser
usada como um recurso temporário (RIZZINI, S/D). Com o ECA a ênfase começa a ser
colocada no direito á convivência familiar, o Art. 19 dispõe que: “toda criança ou
adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e excepcionalmente,
em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre
da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes” (Art. 19, Lei 8.069).

Desta forma, a convivência familiar passa a ser uma prioridade e essa prioridade
passa a ser reforçada com a criação do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa
do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. O PNCFC
(2006) constitui um marco nas políticas públicas no Brasil, visa lançar luz sobre a
necessidade de olharmos para esse vínculo e investirmos no resgate deste, nas situações
de risco.

O PNCFC (2006) está fundamentado primordialmente na prevenção ao


rompimento dos vínculos familiares, e no investimento para o retorno da criança ao
convívio com sua família de origem. Colocando a criança/adolescente em família
substituta, somente quando forem esgotadas todas as possibilidades de retorno desta,
levando em conta o melhor interesse da criança/adolescente, ou seja, o que trará o menor
prejuízo ao seu desenvolvimento.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Desta forma, a criança passa a ser vista, não mais de modo dissociado de sua
família. O lugar que a família ocupa na construção de sua subjetividade é reconhecido,
afinal, é na família onde construímos nossos primeiros vínculos afetivos, onde temos
referência de afeto, proteção e cuidado. Estando esta, estreitamente ligada ao pleno
desenvolvimento da criança, passa a ser vista, como um direito que deve ser protegido
pela sociedade e pelo Estado (RIZZINI, S/D). De acordo com Rizzini (S/D), o Estado zelar
pela criança/adolescente quando a família por algum motivo não conseguir fazer isso, não
mais significa substituir a família por algum equipamento estatal de “proteção” e sim
garantir os direitos da família, proporcionando a ela condições de se fortalecer e
desempenhar seu papel de protetora de seus filhos.

Infelizmente, na prática isso não tem ocorrido de forma efetiva. Quando uma
criança/adolescente sofre “negligência”, mesmo quando esta provém de um contexto de
doença mental dos pais, geralmente ela é afastada de sua família, como medida protetiva,
até que se resolva sua situação. Entre o afastamento e a resolução do problema, a criança
ficará em abrigos ou poderá fazer parte do programa família acolhedora. Embora esse
projeto se proponha a possibilitar que a criança/adolescente tenha convivência familiar, até
que se resolva sua situação, ele não consegue atender todas as crianças em situação de
risco. Desta forma, os abrigos continuam sendo uma realidade, onde as crianças são
deixadas e esquecidas.

O grande problema é que, em muitos casos em que a criança é afastada de sua


família, estas jamais retornam para sua família de origem. Segundo Cesca (2004), a
maioria das famílias não recebe o apoio adequado para enfrentar seus problemas e
reverter a situação. E a autora ainda complementa dizendo que, a tendência do sistema
jurídico é pegar os casos de negligência e maus-tratos contra crianças/adolescentes e
jogar numa “vala comum”.

Quando uma mãe é “negligente” nos cuidados com seu filho, devido a um
transtorno mental, é preciso pensar em como ajudar esta família, independente da decisão
que irá ser tomada. Embora, em muitos casos, o afastamento da criança/adolescente seja
a única alternativa, deve-se fazer o possível para a reestruturação familiar. Caso contrário,
apenas ficará a impressão, tanto para a criança, quanto para a família, de estarem sendo
punidas. Levando em conta o contexto familiar da criança, o ECA propõe medidas de apoio
para a família, como inclusão em programas de orientação, encaminhamento a tratamento
psicológico ou psiquiátrico, inclusão em programas assistenciais, etc.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

CONHECENDO OS DIREITOS

São direitos constitucionais, garantidos pela Constituição Federal de 1988 aos


cidadãos do nosso país, independentemente de ter ou não alguma deficiência. O artigo 5 º
da CF determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Toda criança (até 12 anos
incompletos) e adolescente (entre 12 e 18 anos de idade) têm direitos previstos em lei,
como por exemplo: direito ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade. O direito à saúde, à vida, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e a convivência familiar e comunitária são previstos no Estatuto.

Além destas políticas públicas mais abrangentes, vale destacar algumas


legislações que regulam questões mais específicas do cotidiano:

Lei 13.370/2016: Reduz a jornada de trabalho de servidores públicos com filhos autistas. A
autorização tira a necessidade de compensação ou redução de vencimentos para os
funcionários públicos federais que são pais de pessoas com TEA (Transtorno do Espectro
Autista).

Lei 8.899/94: Garante a gratuidade no transporte interestadual à pessoa autista que


comprove renda de até dois salários-mínimos. A solicitação é feita através do Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS).

Lei 8.742/93: A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que oferece o Benefício da
Prestação Continuada (BPC). Para ter direito a um salário-mínimo por mês, o TEA deve
ser permanente e a renda mensal per capita da família deve ser inferior a ¼ (um quarto) do
salário-mínimo. Para requerer o BPC, é necessário fazer a inscrição no Cadastro Único
para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e o agendamento da perícia no
site do INSS.

Lei 7.611/2011: Dispõe sobre a educação especial e o atendimento educacional


especializado.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

Lei 7.853/ 1989: Estipula o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração
social, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas,
disciplina a atuação do Ministério Público e define crimes.

Lei 10.098/2000: Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da


acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Lei 10.048/2000: Dá prioridade de atendimento às pessoas com deficiência e outros casos.

Lei 13.977/2020: conhecida como Lei Romeo Mion, cria a Carteira de Identificação da
Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. A legislação vem como uma resposta à
impossibilidade de identificar o autismo visualmente, o que com frequência gera obstáculos
ao acesso a atendimentos prioritários e a serviços aos quais os autistas têm direito, como
estacionar em uma vaga para pessoas com deficiência. O documento é emitido de forma
gratuita por órgãos estaduais e municipais. É importante ressaltar que as pessoas com
TEA têm os mesmos direitos garantidos a todos os cidadãos do país pela Constituição
Federal de 1988 e outras leis nacionais.

Lei 12.764/12: Lei Berenice Piana que criou a Política Nacional de Proteção dos Direitos da
Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que determina o direito dos autistas a um
diagnóstico precoce, tratamento, terapias e medicamento pelo Sistema Único de Saúde; o
acesso à educação e à proteção social; ao trabalho e a serviços que propiciem a igualdade
de oportunidades. Esta lei também estipula que a pessoa com transtorno do espectro
autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais. Isto é
importante porque permitiu abrigar as pessoas com TEA nas leis específicas de pessoas
com deficiência, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência (13.146/15), bem como nas
normas internacionais assinadas pelo Brasil, como a Convenção das Nações Unidas sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência (6.949/2000).

Lei 13.861/2019 e publicada na edição de 19/07/2019 do Diário Oficial da União (DOU)


estabelece a inclusão de perguntas sobre o Autismo no censo e contribuirá para
determinar quantas pessoas no Brasil apresentam esse Transtorno e como elas estão
distribuídas pelo território, obtendo, dessa forma, um número mais verdadeiro. Com tais
dados será possível direcionar as políticas públicas de forma mais adequada para que os
recursos sejam corretamente aplicados em prol de quem tem Autismo.

Lei 8.213/1991, no artigo 93, obriga a empresa com 100 (cem) ou mais empregados a
preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas, na seguinte


proporção: I- Até 200 empregados 2% II- De 201 a 500 3% III- De 501 a 1.000 4% IV- De
1.001 em diante 5% Também é importante salientar que é um direito da pessoa com
autismo ter adaptações necessárias no ambiente de trabalho de acordo com suas
peculiaridades e negar esta adaptação é considerado crime de discriminação

Lei 13.146/2015 foi criada para promover, em igualdade de condições, todos os direitos e
liberdades fundamentais da pessoa com deficiência. Os artigos 4º, 5º e 88 desta mesma
lei declaram expressamente: Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade
de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de
discriminação. Art. 5º A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento
desumano ou degradante. Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em
razão de sua deficiência: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. § 1ºAumenta-
se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima se encontrar sob cuidado e responsabilidade do
agente. §2 o Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por
intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza: Pena –
reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Historicamente, as crianças e os adolescentes portadores de transtornos mentais


têm tido pouca atenção das políticas públicas. Essa é uma realidade constatada devido à
falta de atenção para essa população no decorrer dos anos. No entanto, vimos que os
primeiros passos já começaram a ser dados. A Organização Mundial da Saúde vem
estimulando e orientando vários países do mundo para o reconhecimento dos direitos
humanos das pessoas portadoras de transtorno mental. E o que é mais importante para
nós: a criança e o adolescente têm recebido atenção especial. Esse público finalmente é
reconhecido como tendo a possibilidade de apresentar transtorno mental. Não mais as
crianças e os adolescentes são considerados como malcriados ou com dificuldades de
aprendizagem, em consequência de um „preconceito‟ em relação aos transtornos mentais.

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Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

A gravidade das repercussões dos transtornos mentais na infância e adolescência,


bem como a alta prevalência de tais transtornos, indicam a necessidade e a importância da
implantação e implementação de serviços de saúde mental para crianças e adolescentes.

Para que seja possível a participação das crianças e adolescentes nas decisões
sobre sua saúde (bem como a participação dos responsáveis legais), há a necessidade de
esclarecimentos sobre a enfermidade, o prognóstico e os procedimentos diagnósticos e
terapêuticos a serem adotados, com os riscos, os benefícios (resultados esperados) e os
custos associados a cada uma das alternativas envolvidas. Essas informações devem ser
abrangentes e numa linguagem que possa ser entendida pelos pacientes e respectivas
famílias. Assim como as informações e orientações sobre os direitos das crianças e dos
adolescentes, que devem ser amplamente divulgadas sendo esclarecidas e
compreendidas por toda a sociedade para que seja garantido os direitos desse público.

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182
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

SOBRE OS AUTORES

ALEXANDRE MENEZES SAMPAIO


Médico psiquiatra. Mestre em Farmacologia (Universidade Federal do Ceará – UFC). Doutor em
Saúde Coletiva (Universidade Estadual do Ceará – UECE). Professor assistente da Universidade
de Fortaleza (UNIFOR). Preceptor do programa de Residência em Psiquiatria do Hospital de
Saúde Mental de Messejana.

ALINE CAROLINA BASSOLI BARBOSA


Psicóloga. Especialista em Neuropsicologia (Conselho Federal de Psicologia – CFP) e
pesquisadora. Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem – UNESP-
Bauru. Pós-Graduada em Neuropsicologia e Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva
(Centro Sul-Brasileiro de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação – CENSUPEG). Psicóloga
e neuropsicóloga clínica, docente e supervisora do curso de pós-graduação em
Neuropsicologia Clínica do Centro Sul-Brasileiro de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação
– CENSUPEG.

ALINE CRISTINATOTINA FELIPPE


Professora pesquisadora. Mestre em Docência para Educação Básica – UNESP-BAURU.
Pós-Graduada em ABA, Neuropsicopedagogia, Educação Especial e Psicopedagogia.
Atendimentos Institucionais como professora especialista e formação de professores da
sala regular – sala de A.E.E. (2016/2019). Professora do Ensino Fundamental (2003 –
2020). Diretora do Departamento de Educação Especial da Secretaria de Educação de
Jahu (2021- atual); facilitadora UNIVESP (2021-atual); professora de Pós-Graduação.

ÁLVARO JORGE MADEIRO LEITE


Médico pediatra. Doutor em Pediatria (Escola Paulista de Medicina da Universidade
Federal de São Paulo – EPM/ UNIFESP). Mestre em Epidemiologia Clínica (Escola
Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP/EPM).
Coordenador e Professor de Pediatria e do Programa de Pós-Graduação em Saúde da
Mulher e da Criança da Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenador do
Ambulatório de Pediatria do desenvolvimento e do Comportamento – IPREDE.

ANTONIA KALINY OLIVEIRA DE ARAÚJO


Psicóloga. Mestranda em Saúde da Mulher e da Criança pela Universidade Federal do
Ceará, Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pela Unichristus, Pós-graduada
em Psicomotricidade Relacional pelo CIAR/IPPEO Paraná, Pós graduada em Impactos da
Violência na Saúde pela FIOCRUZ, integra a equipe do CAPS Infantil Maria Ileuda
Verçosa, em Fortaleza, Ceará.

ELIVANY DE PAULO MORAIS


Acadêmica em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

183
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

FRANCISCO DE BRITO MELO JÚNIOR


Médico psiquiatra geral e psiquiatra da infância e adolescência.

HILZANIR BARBOSA DE MEDEIROS MACHADO.

Psicóloga do Hospital Universitário Walter Cantídio/ Universidade Federal do Ceará


(HUWC/UFC). Neuropsicológa, com especialização em Terapia Cognitivo-
Comportamental.

JOSÉ KLEIDIR DE CASTRO FEITOSA


Psicólogo. Especialista em Saúde Mental pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

JOSÉ LINO FERREIRA JÚNIOR


Médico graduado pela UFC-Fortaleza em 2011
Psiquiatra pela Escola de Saúde Pública do Estado do Ceará
Residente em Psiquiatria da Infância e Adolescência pela Escola de Saúde Pública do
Estado do Ceará

KAROLINA ALVES DE ALBUQUERQUE


Terapeuta Ocupacional (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG). Doutora em
Psicologia (Universidade Federal do Espírito Santo – UFES). Mestre em Ciências da
Reabilitação (UFMG). Especialista em Terapia Ocupacional no Desenvolvimento Infantil
(UFMG). Professora adjunta na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

KÉDMA SUELEN BRAGA BARROS


Médica (Universidade Federal do Cariri – UFCA). Psiquiatra pelo Hospital Ulysses
Pernambucano (UPE). Residente de Psiquiatria da Infância e Adolescência no Hospital de
Saúde Mental Professor Frota Pinto.

LETICIA COELHO CAVALCANTE


Médica (UNINOVAFAPI). Psiquiatra Geral (Escola de Saúde Pública do Ceará – ESP/CE).
Psiquiatra da Infância e Adolescência (Núcleo de Apoio à Infância e Adolescência do
Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto - NAIA/HSM). Preceptora da residência de
PIA do NAIA/HSM.

LIVIA MARIA FERNANDES ARAÚJO HOSKEN


Terapeuta Ocupacional na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Terapeuta DIR/Floortime certificada pelo ICDL.

184
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

MARIA LEILA FEITOSA


Professora e escritora. Licenciatura em História. Especialista em Metodologia do Ensino de
História. Curso de extensão: Princípio Educativo do Trabalho. Cursando Especialização em
Gestão Escolar e em Gestão de Projetos Escolares. Gestora de Colégio Estadual no
Paraná (Desde 2009).

MARIA OSVALDA DE CASTRO FEITOSA CRISTOVAM


Professora pesquisadora. Graduada em Pedagogia com Habilitação para Educação
Especial e Magistério. Mestre em Docência para Educação Básica (UNESP-BAURU). Pós-
Graduada em Gestão Escolar, em Psicopedagogia Clínica e Institucional e em
Neuropsicopedagogia. Professora Especialista na Prefeitura Municipal de Bauru, atuando
na Educação Especial (AEE) e Fundamental Ciclo I. Tutora em cursos do Instituto
Educação e Pesquisa- IEP/ UNESP (2020, 2021, 2022).

NEDITE ARRUDA LINHARES


Terapeuta ocupacional (Universidade de Fortaleza – UNIFOR). Especialista em
Psicomotricidade Clínica e Educacional (Instituto Sapientia de Educação Superior) e em
Educação Especial (UNIFOR). Terapeuta ocupacional da Prefeitura Municipal de Fortaleza
(PMF).

RAFAELLE DA PONTE BRITO


Psicóloga. Mestranda em Saúde da Criança e do Adolescente. Especialista em
Neuropsicologia e Terapia Cognitivo Comportamental. Formação em Terapia
Comportamental Dialética, Terapia dos Esquemas e Terapia Analítico-Comportamental.

STHIENIFER BERGAMI
Nutricionista infantil e terapeuta alimentar. Formada em nutrição (Faculdade Salesiana de
Vitoria). Formação no Curso de Dificuldades alimentares na prática clínica e Seletividade
Alimentar (Instituto Edkarla Almeida). Curso: Novo protocolo de tratamento do Transtorno
Alimentar Restritivo Evitativo (TARE), do Hospital de Massachussets - Centro Paradigma
ciências do comportamento.

TALITA DUARTE DA MOTA


Terapeuta Integrativa (ISC-ABRATH). Certificação Internacional em Psiquiatria Nutricional
(Instituto do Cérebro e Coração do Rio de Janeiro – INCCOR/RJ). Certificação em
Reabilitação Neuropsicológica: Paciente Adulto e Idoso (Instituto Sírio-Libanês Ensino e
Pesquisa – IEP/HSL). Acadêmica em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES).

185
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

TAYANA LEANDRO PINHEIRO


Médica (Universidade Federal do Ceará – UFC). Residência em psiquiatria geral e
psiquiatria da infância e adolescência (Hospital Universitário Walter Cantídio/UFC).
Mestranda pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM-UFC).
Preceptora de residência médica.

TEREZA BEATRIZ RAMOS COLARES FERREIRA NORONHA


Médica (UNICHRISTUS). Residente de Pediatria no Hospital Universitário Walter
Cantídio/UFC.

VALÉRIA PORTELA LIMA


Médica (Universidade Federal do Ceará - UFC). Residente do Programa de Residência em
Psiquiatria do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto.

VERÔNICA MARIA GOMES DE CARVALHO


Médica (Universidade Federal do Ceará - UFC). Residência em Pediatria (Hospital Infantil Albert
Sabin – HIAS/ RQE8497). Residência em Psiquiatria (Hospital Universitário Walter Cantídio/
Universidade Federal do Ceará – HUWC/UFC). Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental
da infância e adolescência (CTC VEDA). Mestre em saúde da criança e do Adolescente
(Universidade Estadual do Ceará - UECE). Preceptora das residências de pediatria e psiquiatria no
HIAS.

186
Saúde mental da infância e adolescência : orientação para pais e educadores

SOBRE OS ORGANIZADORES:

ANA NERY DE CASTRO FEITOSA


Terapeuta Ocupacional (Universidade de Fortaleza – UNIFOR). Licenciada Plena em Biologia
(Universidade Estadual do Ceará – UECE). Mestre em Gestão em Saúde (UECE). Especialista em:
Preceptoria em Saúde (Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN); Terapia Familiar
Sistêmica (Universidade Federal do Ceará – UFC); Gestão em Saúde Mental (UCAM); Higiene
Ocupacional (FAVENI) e Docência do Ensino Superior (FOCUS). Formação em Terapia
Comunitária e em Arteterapia (UFC). Terapeuta Ocupacional na Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES). Preceptora do estágio em Terapia Ocupacional em Saúde Mental – UFES.

ANA PAULA BRANDÃO SOUTO

Advogada e Enfermeira. Doutoranda em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde na


Universidade Estadual do Ceará (UECE). Mestre em Planejamento e Políticas Públicas
(UECE). Especialista em: Educação Profissional na área de saúde (Universidade Federal
do Ceará – UFC); Saúde da família (UFC) e Gestão de Serviços de Saúde ( UECE UFC ).
Preceptora da residência Integrada Multiprofisssional em Atenção Hospitalar - área saúde
mental do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC/UFC). Coordenadora do Centro
de Atenção Psicossocial Infantil Maria Ileuda Verçosa – Prefeitura Municipal de Fortaleza.
Supervisora administrativa do HUWC-UFC.

RODRIGO FREITAS DA COSTA


Médico psiquiatra. Mestrando em Saúde da Criança e do Adolescente (Universidade
Estadual do Ceará – UECE). Residência Médica em Psiquiatria (Universidade Federal do
Ceará – UFC). Residência médica em Psiquiatra da infancia e adolescência (Hospital
Universitário Walter Cantídio – HUWC/UFC). Especialista em Saúde da Família (UFC).
Formação em Terapia cognitivo comportamental (Instituto de Psicologia e Carreira /
Universidade de São Paulo – IPQ/USP). Professor visitante da Escola de Saúde Pública do
Ceará (ESP/CE). Psiquiatra da infância e Adolescência no Centro Pediátrico do Câncer –
Instituto Peter Pan. Psiquiatra no Centro de Atenção Psicossocial Nise da Silveira
(Prefeitura Municipal de Fortaleza – PMF).

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