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Transtornos de

ansiedade

Estudos dos Fenômenos


Psicopatológicos I

Karla Mirelle da Silva


Psicóloga Clínica/ CRP:
02/20953
Especialista em Saúde Mental
Pós graduanda em Docência
no Ensino Superior; ABA e
TCC.
Objetivos

• Descrever a fenomenologia da ansiedade normal e patológica

• Diferenciar ansiedade, medo, e pânico

• Delimitar contribuições biológicas, psicológicas, e sociais para os


transtornos de ansiedade

• Explicitar as co-morbidades dos transtornos de ansiedade

• Apresentar descrição clínica, epidemiologia, etiologia, e tratamento do


transtorno de ansiedade de separação, mutismo seletivo, fobia
específica, transtorno de ansiedade social, transtorno de pânico,
agorafobia, transtorno de ansiedade generalizada, e transtornos de
ansiedade induzidos por medicamentos ou por outras condições
médicas
A complexidade da ansiedade

• A ansiedade é um sintoma que está presente de forma profunda


em quase todas as classes diagnósticas
– Em alguns quadros, a ansiedade é constante e permanente
– Em outros quadros, há crises de ansiedade abruptas e mais ou menos
intensas
– Em outros ainda, a ansiedade não é o sintoma central

• O termo “ansiedade” pode se referir a uma emoção normal, a


agrupamentos distintos de sintomas (“síndromes ansiosas”), ou a
doenças (no sentido kraepeliniano)

• Apresenta características gerais que são compartilhadas por


situações não-patológicas e por situações patológicas
Um pouco de história

• Sintomas subjetivos de ansiedade associados a sintomas somáticos eram vistos, até o séc. XIX, como
síndromes médicas associadas a outras doenças, mas não como doenças em si

• Os quadros de ansiedade sempre estiveram associados à melancolia; de fato, no Corpo Hipocrático, medo e
desânimo são referidos como características proeminentes da melancolia

• Heinroth; a “fúria silente” (mania melancholica) apresenta “desânimo ansioso, opressivo, e inconsolável”

• Morel, délire émotif (1866): “delírios emocionais”, entendidos como uma mistura do que depois seriam
considerados comportamentos de ansiedade, pânico, e obsessão
– “Chama a atenção a rapidez com que as emoções desadaptativas surgem, a natureza instantânea com a qual

certas ideias fixas são implantadas na mente, levando a medos imotivados, a impulsos que são virtualmente
irresistíveis, a medos ridículos que às vezes tomam a proporção de um tipo de medo genérico”

• Platzschwindel (“tontura de lugar”): Moritz Benedikt (1870): medo de espaços abertos (definição por
consenso com Griesinber e Ernest Lasègue)

• Coração irritável” (1871): condição observada em soldados da Guerra Civil americana; pacientes com tontura,
dores de cabeça, suores nas palmas das mãos, palpitações, dores epigástricas, insônia, e sintomas
“nervosos” → TEPT
Um pouco de história

• Westphal: Agorafobia-pânico (1872) – termo utilizado para descrever pacientes com dificuldade de
percorrer espaços abertos; ênfase nos “sentimentos de ansiedade”; descrição de sentimentos súbitos
de pânico, piorados por agorafobia
– “quatro anos antes, [quando o paciente] estava escrevendo, sofreu subitamente de um ataque poderoso de
ansiedade e sentimentos de opressão na região do estômago, de forma que teve de correr até a rua. A partir desse
momento, data suas queixas de toda sorte de sensações anormais e flutuantes que localiza aqui e acolá, e de uma
certa ansiedade em situações variadas.”

• Làsegue (1877), “vertigem mental” - síndrome que se iniciaria co um sentimento de angústia


compressiva na região epigátrica, seguido de uma sensação de estar prestes a desmaiar, com turvação
da visão, acompanhado de sentimentos de ansiedade, respiração acelerada, e suor frio.

• George Miller Beard (1880), “neurastenia”: originalmente, o termo não faz referência à ansiedade, mas
depois os sintomas ansiosos são incorporados como cardinais à neurastenia (“fraqueza dos nervos”)
– “Topofobia” (= agorafobia), “antropofobia” (= ansiedade social), “pantafobia” (= ansiedade generalizada)
Um pouco de história

• Ewald Hecker (1893): Primeira descrição de ansiedade somática como síndrome separada
da neurastenia

• Freud (1895): diferenciação de neuroses “atuais” (incluindo neurose de ansiedade) de


psiconeurose
– A neurose de ansiedade tem raiz em problemas atuais (Aktualneurose) (no artigo, coito interrompido e
masturbação), e nas psiconeuroses a ansiedade é causada por conflitos intra-psíquicos.
– O conceito será amplamente dividido em versões posteriores, e a ansiedade passa a ser mais
mecanismo do que sintoma

• DSM-I: “A característica central desses transtornos [psiconeuróticos] é a ‘ansiedade’, que


pode ser diretamente sentida e expressada, ou que pode ser controlada
inconscientemente por diversos mecanismos de defesa”

• DSM-III: Divisão da neurose de ansiedade em transtorno de ansiedade generalizada e


transtorno de pânico; divisão da neurose fóbica em agorafobia com e sem pânico,
fobia social, fobia simples, e transtorno de ansiedade de separação”
Ansiedade, medo, pânico

• A ansiedade é um estado negativo de humor caracterizado por sintomas


somáticos de tensão física e pela apreensão acerca do futuro (Barlow
& Durand)

• Pode se apresentar como um sentimento subjetivo de inquietação; como


um conjunto de comportamentos (aparência preocupada e ansiosa ou
incomodada); ou como respostas psicofisiológicas, refletidas em
frequência cardíaca elevada e tensão muscular

• Respostas adaptativas (p. ex., Lei de Yerkes-Dodson)

• Respostas desadaptativas para ansiedade severa: perda de


concentração, sofrimento intenso, problemas de memória – ausência de
controle consciente
Ansiedade, medo, pânico

• O medo é uma resposta de alarme imediata ao perigo real


– Aspectos adaptativos: preparação do organismo para a ação,
motivação para luta-ou-fuga
– Afeto negativo
– Intensa ativação do sistema nervoso simpático

• O pânico é uma resposta intensa, súbita, de medo, que domina


toda a consciência; um ataque de pânico é definido como uma
experiência abrupta de medo intenso ou desconforto agudo,
acompanhada de sintomas físicos que costumam incluir
palpitações, dor no peito, dificuldade de respirar, e tontura
Transtornos de ansiedade
DSM-5 CID-10 Categoria
309.21 F93.0 Transtorno de Ansiedade de Separação
313.23 F94.0 Mutismo Seletivo
300.29 F40.2_ _ Fobia Específica
300.23 F40.10 Transtorno de Ansiedade Social (Fobia Social)
300.01 F41.0 Transtorno de Pânico
Ataque de Pânico
300.22 F40.00 Agorafobia
300.02 F41.1 Transtorno de Ansiedade Generalizada
Transtorno de Ansiedade Induzido por Substância/Medicamento

293.84 F06.4 Transtorno de Ansiedade Devido a Outra Condição Médica


300.09 F41.8 Outro Transtorno de Ansiedade Especificado
300.00 F41.9 Transtorno de Ansiedade Não Especificado
Contribuições psicológicas aos transtornos de
ansiedade: Desenvolvimento

Fatores da Criança ansiosa


criança Experiências iniciais
de apego Hiperatividade HPA
Vulnerabilidades genéticas Insight ruim durante estresse
Temperamento Alterações de circuitos
Cuidado: Consistência,
Sensibilização pré-natal do Viés de atenção
previsibilidade, ansiedade
eixo HPA Falta de base segura
Hipervigilância
Regulação disfuncional
de estresse

Fatores parentais Apego ambivalente-


Ansioso
Modelagem da ansiedade Transtorno de ansiedade
Transtornos de ansiedade
Reforçamento de pistas de
Pouco suporte parental
perigo
Apego inseguro
Controle exacerbado
Insight ruim
Reforçamento de esquiva
Hiperatividade HPA
Instrumentos para avaliação
da ansiedade
• Ansiedade como traço global:
– IDATE (construto inconsistente; fidedignidade baixa; reprovado pelo CFP)
– Escala de Ansiedade de Hamilton (boas evidências de validade; evidências medianas de
fidedignidade; não avaliado pelo CFP)
– Inventário de Ansiedade de Beck (boas evidências de validade e fidedignidade; aprovado pelo
CFP)

• Transtorno específico
– Transtorno de ansiedade social: 13 instrumentos adaptados para uso o Brasil; evidências
medianas de validade e fidedignidade; nenhuma avaliada pelo CFP
– Fobia específica: 5 instrumentos adaptados para uso no Brasil; evidências baixas de
validade e medianas de fidedignidade; nenhuma avaliada pelo CFP

• Características específicas
– Preocupação: Penn Worry Questionnaire
– Sensibilidade à ansiedade: Anxiety Sensitivity Index-3
– Viés atencional: Teste de Associação Implícita-Ansiedade, Tarefa de Stroop Emocional
Temperamento e ansiedade

• Afeto negativo: sensibilidade temperamental a estímulos negativos, resultando


em sentimentos de medo, ansiedade, depressão, culpa, e insatisfação consigo
mesmo
– Relação com os construtos de neuroticismo (Eysenck) e ansiedade-traço (Gray,
Spielberger)
– Gray: sensibilidade à punição mais alta
– Clark, Watson & Mineka (1994): AN é um fator subjacente comum aos transtornos de ansiedade
e humor; pode explicar, em parte, as extensas comorbidades
– Barlow (2000): vulnerabilidade associada com a percepção de incapacidade de prever,
controlar, ou obter os resultados desejados

• Sensibilidade à ansiedade: “Medo” de sintomas ansiosos, baseado na preocupação


de que esses sintomas tem consequências negativas

• Intolerância à Incerteza:tendência a perceber situações ambíguas como


ameaçadoras, de maneira que a incerteza acerca do desfecho dos acontecimentos
torna-se uma fonte de medo ou desconforto
– Identificada como uma diátese cognitiva para TAG (Dugas et al., 1998)
– Alvo potencial para a terapia cognitiva do TAG (Dugas & Ladouceur, 2000)
Modelo integrado: Teoria da tripla
vulnerabilidade

Vulnerabilidade biológica Vulnerabilidade psicológica


Vulnerabilidade psicológica
(contribuição herdável ao generalizada (sensação de
afeto negativo)
específica
incontrolabilidade)


Tendência a falta de auto-

Pessimismo confiança

Hipocondria?
● Irritabilidade ● Baixa auto-estima

Pânico sub-clínico?
● “Foco” (obsessão) ● Incapacidade de lidar com
● estressor

Barlow, D. H. (2002). Anxiety and its disorders: The nature and treatment of anxiety and panic (2nd ed.). New York:
Ansiedade e suicídio

• Weissman e colegas: ~20% dos pacientes com TP já


tentaram suicídio, fazendo com que o risco seja
comparável ao do TDM

• A presença de qualquer transtorno de ansiedade


aumenta o risco de ideação suicida

• Nepon et al. (2010): risco de suicídio 1,7 x maior em


pacientes com algum transtorno de ansiedade; a
comorbidade de um transtorno de personalidade com
TP produz risco 5,8 x maior
Epidemiologia geral

• No Brasil, a OMS registrou, em 2015,


cerca de 18.657.942 de casos de
transtornos de ansiedade, representando
9,3% da população

• A prevalência em mulheres é de 12,84%,


e, em homens, 5,56%
Transtorno de ansiedade
generalizada (TAG)
No CID-10 (F41.1 – Ansiedade
generalizada)
• Ansiedade generalizada e persistente que não ocorre exclusivamente nem
mesmo de modo preferencial numa situação determinada (a ansiedade é
“flutuante”). Os sintomas essenciais são variáveis, mas compreendem
nervosismo persistente, tremores, tensão muscular, transpiração, sensação
de vazio na cabeça, palpitações, tonturas e desconforto epigástrico. Medos
de que o paciente ou um de seus próximos irá brevemente ficar doente ou
sofrer um acidente são frequentemente expressos.

• Inclui:
– Estado Ansiosa(o)
– Neurose Ansiosa(o)
– Reação de angústia

• Exclui:
– Neurastenia (F48.0)
No DSM-5 (300.02 – Transtorno de
Ansiedade Generalizada)
A) Ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva),
ocorrendo na maioria dos dias por pelo menos seis meses, com diversos
eventos ou atividades (tais como desempenho escolar ou profissional).
B) O indivíduo considera difícil controlar a preocupação.
C) A ansiedade e a preocupação estão associadas com três (ou mais)
dos seguintes seis sintomas (com pelo menos alguns deles presentes
na maioria dos dias nos últimos seis meses).
1.Inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele.
2.Fatigabilidade.
3.Dificuldade em concentrar-se ou sensações de “branco” na mente.
4.Irritabilidade.
5.Tensão muscular.
6.Perturbação do sono (dificuldade em conciliar ou manter o sono, ou sono
insatisfatório e inquieto).
Diagnóstico diferencial

• ansiedade ou preocupação quanto a ter ataques de pânico no transtorno de pânico

• avaliação negativa no transtorno de ansiedade social [fobia social]

• contaminação ou outras obsessões no transtorno obsessivo-compulsivo

• separação das figuras de apego no transtorno de ansiedade de separação

• lembranças de eventos traumáticos no transtorno de estresse pós-traumático

• ganho de peso na anorexia nervosa

• queixas físicas no transtorno de sintomas somáticos

• percepção de problemas na aparência no transtorno dismórfico corporal

• ter uma doença séria no transtorno de ansiedade de doença

• conteúdo de crenças delirantes na esquizofrenia ou transtorno delirante


Epidemiologia

• Aproximadamente 3,1% da população alcançam os critérios para TAG durante


um período de 1 ano, e 5,7% podem apresentar TAG em algum momento da vida.

• Relativamente poucos pacientes procuram tratamento em serviços


especializados em comparação, p. ex., com pacientes com TP

• Cerca de 2/3 da população clínica é do gênero feminino

• Associação com início precoce e mais gradual do que os outros transtornos


de ansiedade; idade mediana de início é de 31 anos, mas a maioria dos
pacientes reporta sentirem-se tensos e ansiosos “desde sempre”
– Mais prevalente em grupos com mais de 45 anos do que em grupos entre 15 e 24 anos.

• O TAG é um transtorno crônico: somente 8% dos pacientes podem ser


considerados livres de sintomas após 2 anos.
Modelo integrativo
Vulnerabilidade psicológica Vulnerabilidade biológica
generalizada (IoU) generalizada
Eventos de vida
estressantes

Apreensão ansiosa
(inclui tensão muscular e hipervigilância)

Preocupação
(Tentativa falha de lidar com a apreensão e
resolver problemas)

Processamento cognitivo
Evitação de imagens
intenso

Habilidades inadequadas de Restrição de respostas


resolução de problemas autonômicas

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