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Síndromes ansiosas

As síndromes ansiosas são ordenadas ini- e dificuldade em concentrar-se. São também


cialmente em dois grandes grupos: quadros comuns sintomas físicos como cefaléia, do-
em que a ansiedade é constante e perma- res musculares, dores ou queimação no es-
nente (ansiedade generalizada, livre e flu- tômago, taquicardia, tontura, formigamen-
tuante) e quadros em que há crises de an- to e sudorese fria. Algumas termos popula-
siedade abruptas e mais ou menos inten- res para esses estados são: “gastura”, “re-
sas. São as chamadas crises de pânico, que puxamento dos nervos” e “cabeça ruim” (ver
podem configurar, se ocorrerem de modo Glossário). Para se fazer o diagnóstico de
repetitivo, o transtorno de pânico (Hollan- uma síndrome ansiosa, também é necessá-
der; Simeon, 2004). rio verificar se os sintomas ansiosos causam
sofrimento clinicamente significativo e pre-
judicam a vida social e ocupacional do indi-
ANSIEDADE GENERALIZADA víduo.

O quadro de ansie-
O quadro de ansie- dade generalizada CRISES DE ANSIEDADE, CRISES
dade generalizada
caracteriza-se pela DE PÂNICO, SÍNDROME E
caracteriza-se pela
presença de sinto- presença de sinto- TRANSTORNO DE PÂNICO
mas ansiosos exces- mas ansiosos exces-
sivos, na maior par- sivos, na maior par- Em muitos pacientes, a ansiedade se ma-
te dos dias, por pelo te dos dias, por pelo nifesta sob a forma de crises intermiten-
menos seis meses. menos seis meses. A tes, com a eclosão de vários sintomas an-
pessoa vive angusti- siosos, em número e intensidade significa-
ada, tensa, preocupada, nervosa ou irrita- tivos (Nardi; Valença, 2005). Associados às
da. Nesses quadros, são freqüentes sintomas crises agudas e intensas de ansiedade, pode
como insônia, dificuldade em relaxar, an- ou não haver sintomas constantes de an-
gústia constante, irritabilidade aumentada siedade generalizada.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 305

As crises de Denomina-se o quadro de transtor-


As crises de pânico pânico são crises in- no de pânico caso as crises sejam recor-
são crises intensas
de ansiedade, nas
tensas de ansiedade, rentes, com desenvolvimento de medo de
quais ocorre impor- nas quais ocorre im- ter novas crises, preocupações sobre possí-
tante descarga do portante descarga veis implicações da crise (perder o contro-
sistema nervoso au- do sistema nervoso le, ter um ataque cardíaco ou enlouque-
tônomo. autônomo. Assim, cer) e sofrimento subjetivo significativo. A
ocorrem sintomas síndrome do pânico pode ou não ser acom-
como: batedeira ou taquicardia, suor frio, panhada de agorafobia, ou seja, fobia de
tremores, desconforto respiratório ou sen- lugares amplos e aglomerações (Nardi;
sação de asfixia, náuseas, formigamentos Valença, 2005).
em membros e/ou lábios. Nas crises inten-
sas, os pacientes podem experimentar di-
versos graus da chamada despersonali- SÍNDROME MISTA DE
zação. Essa se revela como sensação de a ANSIEDADE E DEPRESSÃO
cabeça ficar leve, de o corpo ficar estra-
nho, sensação de perda do controle, estra-
Quando sintomas depressivos e ansiosos
nhar-se a si mesmo. Pode ocorrer também
estão presentes, mas nenhuma das duas
a desrealização (sensação de que o am-
síndromes (depressiva ou ansiosa) é grave
biente, antes familiar, parece estranho, di-
o suficiente para, por si só, constituir um
ferente, não-familiar). Além disso, ocorre
diagnóstico, denomina-se o quadro de sín-
com freqüência nas crises de pânico um
drome mista de depressão e ansiedade.
considerável medo de ter um ataque do co-
O quadro de ansiedade de origem
ração, um infarto, de morrer e/ou enlou-
orgânica é constituído por uma síndrome
quecer. As crises são de início abrupto
ansiosa (em crises ou generalizada) que é
(chegam ao pico em 5 a 10 minutos) e de
claramente resultante de uma doença, uso
curta duração (duram geralmente não
de fármacos ou outra condição orgânica.
mais que uma hora). São muitas vezes
Nesses casos, a síndrome ansiosa segue-se
desencadeadas por
Denomina-se o qua- à instalação de uma doença orgânica (p.
determinadas con-
dro de transtorno de ex., hipertireoidismo, lúpus eritematoso
dições, como: aglo-
pânico caso as crises sistêmico, etc.) ou condição orgânica (uso
sejam recorrentes,
merados humanos,
de medicamentos como corticóides; medi-
com desenvolvimen- ficar “preso” (ou
camentos para o tratamento da hepatite C,
to de medo de ter no- com dificuldade pa-
como o interferon; ou ainda de substân-
vas crises, preocupa- ra sair) em conges-
ções sobre possíveis cias tóxicas, como o chumbo ou o mercú-
tionamentos no trân-
implicações da crise rio). As síndromes ansiosas também são co-
sito, supermercados
(perder o controle, ter muns nos quadros psicopatológicos asso-
com muita gente,
um ataque cardíaco ciados ao período pré-menstrual. Na an-
ou enlouquecer) e
shopping centers, si-
siedade de base orgânica, é particularmen-
sofrimento subjetivo tuações de ameaça,
te freqüente a presença da irritabilidade
significativo. etc. (Costa Pereira,
e da labilidade do humor.
1997).
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Quadro 26.1
Critérios diagnósticos para os transtornos de ansiedade segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002)

Transtorno de ansiedade generalizada Ataque de pânico e transtorno de pânico

– Ansiedade e preocupação excessivas, na maioria Ataque de pânico


dos dias por período mínimo de 6 meses, em Período de intenso desconforto
diferentes atividades e eventos da vida ou de sensação de medo com pelo
– A pessoa considera difícil controlar a preocupação menos quatro dos seguintes critérios
e a ansiedade
– A ansiedade e a preocupação estão associadas a – Palpitações ou taquicardia
pelo menos três dos seguintes sintomas: – Sensação de falta de ar, desconforto respiratório
• Inquietação ou sensação de estar “com os – Sensação de asfixia ou de estar sufocando
nervos à flor da pele” – Suor das mãos, pés, face, geralmente frio
• Cansaço fácil, fatigabilidade – Medo de perder o controle ou enlouquecer
• Dificuldade de concentrar-se, sentir um – Medo de morrer, de ter um ataque cardíaco
“branco” na mente – Tremores ou abalos
• Irritabilidade, “pavio curto” – Formigamentos ou anestesias
• Tensão muscular, dificuldade de relaxar – Ondas de calor ou calafrios
• Alteração do sono (dificuldade de pegar no – Desrealização (sensação de que o ambiente
sono ou mantê-lo) familiar está estranho) ou despersonalização
– O foco da ansiedade ou preocupação não é (sensação de estranheza quanto a si mesmo)
decorrente de outro transtorno mental (como – Tontura, instabilidade
medo de ter crises de pânico, ser contaminado – – Dor ou desconforto torácico
no caso de TOC –, ganhar peso – no caso da – Náusea ou desconforto abdominal
anorexia –, etc.) Transtorno de pânico
– Ansiedade, preocupação ou sintomas físicos
– Ter ataques de pânico de forma repetitiva e
causam sofrimento significativo ou prejuízo no
inesperada
funcionamento social
– Pelo menos um dos ataques foi seguido por
período mínimo de um mês com os seguintes
critérios:
• Preocupação persistente de ter novos ataques
• Preocupação sobre implicações ou conseqü-
ências dos ataques como perder o controle,
enlouquecer ou ter um infarto
• Ter alterações do comportamento relaciona-
das aos ataques
• Presença ou não de agorafobia associada

O transtorno não é devido a efeitos fisiológicos diretos de uma substância (medicamento, abuso de substân-
cias, etc.) ou de uma condição médica ou doenças (como hipertireoidismo, lúpus, diabete, etc.)

Questões de revisão
• Descreva uma crise de pânico.
• Faça a distinção entre o transtorno de ansiedade generalizada e o transtorno de pânico.
• O que é ansiedade de origem orgânica?
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 307

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Síndromes depressivas
E pouco a pouco se esvaece a bruma,
Tudo se alegra à luz do céu risonho
E ao flóreo bafo que o sertão perfuma.
Porém minh’alma triste e sem um sonho
Murmura olhando o prado, o rio, a espuma:
Como isto é pobre, insípido, enfadonho!
Fagundes Varela

Do ponto de vista de saúde (incapacidade definida como uma


As síndromes de- psicopatológico, as variável composta por duração do trans-
pressivas têm como
síndromes depres- torno, e uma série de 22 indicadores de
elementos mais sa-
lientes o humor tris- sivas têm como ele- disfunção e sofrimento) (Murray; Lopez,
te e o desânimo. mentos mais salien- 1996).
tes o humor triste A seguir, apresentam-se, em agrupa-
e o desânimo (Del mentos de sinais e sintomas segundo a área
Pino, 2003). Entretanto, elas caracterizam- psicopatológica envolvida, os principais
se por uma multiplicidade de sintomas elementos das síndromes depressivas.
afetivos, instintivos e neurovegetativos,
ideativos e cognitivos, relativos à autova-
loração, à vontade e à psicomotricidade. SINTOMAS AFETIVOS
Também podem estar presentes, em formas
graves de depressão, sintomas psicóticos – Tristeza, sentimento de melancolia
(delírios e/ou alucinações), marcante alte- – Choro fácil e/ou freqüente
ração psicomotora (geralmente lentificação – Apatia (indiferença afetiva; “Tan-
ou estupor) e fenômenos biológicos (neuro- to faz como tanto fez.”)
nais ou neuro-endócrinos) associados. – Sentimento de falta de sentimen-
As síndromes depressivas são atual- to (“É terrível: não consigo sentir
mente reconhecidas como um problema mais nada!”)
prioritário de saúde pública. Segundo le- – Sentimento de tédio, de aborreci-
vantamento da OMS, a depressão maior mento crônico
unipolar é considerada a primeira causa – Irritabilidade aumentada (a ruídos,
de incapacidade entre todos os problemas pessoas, vozes, etc.)
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– Angústia ou ansiedade – Dificuldade de tomar decisões


– Desespero – Pseudodemência depressiva
– Desesperança

ALTERAÇÕES DA AUTOVALORAÇÃO
ALTERAÇÕES DA ESFERA INSTINTIVA
E NEUROVEGETATIVA – Sentimento de auto-estima dimi-
nuída
– Anedonia (incapacidade de sentir – Sentimento de insuficiência, de in-
prazer em várias esferas da vida) capacidade
– Fadiga, cansaço fácil e constante – Sentimento de vergonha e autode-
(sente o corpo pesado) preciação
– Desânimo, diminuição da vontade
(hipobulia; “Não tenho pique para
mais nada.”) ALTERAÇÕES DA VOLIÇÃO
– Insônia ou hipersomnia E DA PSICOMOTRICIDADE
– Perda ou aumento do apetite
– Constipação, palidez, pele fria com – Tendência a permanecer na cama
diminuição do turgor por todo o dia (com o quarto escu-
– Diminuição da libido (do desejo se- ro, recusando visitas, etc.)
xual) – Aumento na latência entre as per-
– Diminuição da resposta sexual guntas e as respostas
(disfunção erétil, orgasmo retarda- – Lentificação psicomotora até o
do ou anorgasmia) estupor
– Estupor hipertônico ou hipotônico
– Diminuição da fala, redução da
ALTERAÇÕES IDEATIVAS voz, fala muito lenta
– Mutismo (negativismo verbal)
– Ideação negativa, pessimismo em – Negativismo (recusa à alimenta-
relação a tudo ção, à interação pessoal, etc.)
– Idéias de arrependimento e de
culpa
– Ruminações com mágoas antigas SINTOMAS PSICÓTICOS
– Visão de mundo marcada pelo té-
dio (“A vida é vazia, sem sentido; – Idéias delirantes de conteúdo ne-
nada vale a pena.”) gativo:
– Idéias de morte, desejo de desapa- • Delírio de ruína ou miséria
recer, dormir para sempre • Delírio de culpa
– Ideação, planos ou atos suicidas • Delírio hipocondríaco e/ou de
negação dos órgãos
• Delírio de inexistência (de si e/
ALTERAÇÕES COGNITIVAS ou do mundo)
– Alucinações, geralmente auditivas,
– Déficit de atenção e concentração com conteúdos depressivos
– Déficit secundário de memória – Ilusões auditivas ou visuais
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Episódio ou fase depressiva depressão. Em uma carta a um amigo, ele


e transtorno depressivo recorrente diz:
(Quadro 27.1)
Caí naquela depressão que me assalta de
No episódio depressivo, evidentes sintomas vez em quando – por que, Santo Deus?
depressivos (humor deprimido, anedonia, Sei lá! Depressão neurastênica, vontade
de ficar quieto, calado, macambúzio. Me
fatigabilidade, diminuição da concentração custa até a simples locomoção domésti-
e da auto-estima, idéias de culpa e de inu- ca. Para sair de casa, é como arrancar uma
tilidade, distúrbios do sono e do apetite) tonelada inerte e sem rodas ladeira aci-
devem estar presentes por pelo menos duas ma [...]
semanas, e não mais que por dois anos de
forma ininterrupta. Os episódios duram ge- Quanto aos episódios depressivos, é
ralmente entre 3 e 12 meses (com media- conveniente ressaltar que:
na de seis meses).
É o escritor Otto Lara Resende quem – O episódio depressivo é classifica-
descreve de forma muito verossímil a ex- do pela CID-10 em leve, modera-
periência de vivenciar um episódio de do ou grave, de acordo com o nú-

Quadro 27.1
Critérios diagnósticos para os transtornos depressivos segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002)
Pelo menos cinco critérios por duas semanas, com prejuízo no funcionamento psicossocial
ou sofrimento significativo. Pelo menos um dos sintomas é humor deprimido ou perda do interesse
ou prazer.

Critérios para o diagnóstico Subtipos de transtornos depressivos (TD)

Pelo menos cinco critérios por duas semanas Transtorno depressivo maior, episódio único
• Humor deprimido Transtorno depressivo maior, recorrente
• Desânimo, perda do interesse (> 1 episódio)
• Apetite Transtorno distímico: humor cronicamente deprimido
• Sono por pelo menos dois anos
• Anedonia Características específicas
• Fadiga, perda de energia
• Pessimismo TD leve, moderado ou grave
• Baixa auto-estima TD grave sem ou com sintomas psicóticos
• Concentração prejudicada TD com características catatônicas (estupor
• Pensamentos de morte ou suicídio depressivo): imobilidade, negativismo, mutismo,
• Retardo/agitação psicomotora ecolalia, ecopraxia
TD com características melancólicas (depressão
endógena ou com sintomas somáticos): acentuado
retardo ou agitação psicomotora, perda total de
prazer, piora pela manhã, perda de peso, culpa
excessiva
TD com características atípicas: aumento do apetite
ou ganho de peso, hipersonia, sensação de peso no
corpo, sensibilidade extrema à rejeição interpessoal,
humor muito reativo de acordo com as situações
ambientais

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