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MOVIMENTO LGBT E ATIVISMO INSTITUCIONAL NO BRASIL

Émerson Silva Santos (1)1

1 Doutorando em Ciências Sociais – Universidade Federal de Campina Grande,


emersonssantos1@gmail.com

Resumo: Tendo como seu marco histórico inicial a fundação do grupo Somos, no final do ano de 1978,
na cidade de São Paulo, o Movimento LGBT completa neste ano, quatro décadas de atuação no Brasil.
Ao longo desse período, merece destaque a centralidade do Estado na agenda do Movimento LGBT, a
aposta no diálogo institucional através dos espaços de participação e controle social, bem como a
ocupação de espaços na burocracia estatal para instituição de políticas públicas. Este trabalho reflete a
relação entre Movimento LGBT e Ativismo Institucional, evidenciado que a atuação no campo da
institucionalidade com vistas a superação da LGBTfobia e da efetivação da cidadania está presente em
praticamente toda trajetória do Movimento LGBT no Brasil e perdura até os dias atuais.

Palavras-chave: Movimento LGBT. Ativismo Institucional. Cidadania LGBT. LGBTfobia

Introdução

As análises das interações entre movimentos sociais e Estado já constituíram um


relevante volume de produção científica no Brasil. A partir de diferentes perspectivas teóricas,
estudos situados sobretudo no campo das ciências sociais, ocupam um lugar de relevo nos
programas de pós graduação, nas revistas científicas e nos principais eventos acadêmicos
nacionais.
Mesmo partindo de diferentes abordagens teóricas, há algumas premissas que
perpassam essas investigações, como a compreensão de que os movimentos sociais são
caracterizados por uma relação de oposição ao Estado ou que, no máximo, esses movimentos
buscam identificar atores dentro da arena estatal que possam contribuir nas disputas pela
implementação da suas agendas em termos de políticas públicas ou outras ações estatais.
Neste trabalho e no conjunto de estudos que estou desenvolvendo no âmbito do curso
de doutorado do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de
Campina Grande (PPGCS/UFCG), realizo uma adesão a proposta de Abers e Büllow (2011) de
reconsiderar os limites das unidades de análise das investigações que se debruçam sobre as
interações entre movimentos sociais e Estado. Essa proposta objetiva não continuar
desprezando os elementos empíricas que tem evidenciado a atuação de ativistas de movimentos
sociais dentro da burocracia estatal, assumindo cargos de livre nomeação, com vistas a
implementação, pelo Estado, dos projetos políticos desses movimentos, constituído um
fenômeno que tem sido nomeado de Ativismo Institucional.
Tomando como base a trajetória do Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis
e Transexuais (LGBT) no Brasil aponto que as interações desse movimento social com o Estado
começam a ganhar corpo poucos anos depois do seu surgimento no país, datado do ano de 1978.
Ao longo do tempo, essas interações vão se reconfigurando, sobretudo a partir da vitória
eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) no ano de 2002, como a chegada de Lula à
Presidência da República em 2003, quando diversos ativistas (não só do movimento LGBT)
passaram a ocupar cargos de livre nomeação no Governo Federal.
Em termos metodológicos, realizei uma pesquisa bibliográfica em trabalhos que tem o
movimento LGBT como sua unidade de análise, para evidenciar a interação desse movimento
com o Estado, ao longo de sua trajetória. Tomando também a pesquisa bibliográfica, apresento
algumas discussões sobre ativismo institucional e suas contribuições para análise das interações
entre movimentos sociais e Estado, conforme exposto na seção a seguir.

Complexificando as análises das interações entre movimentos sociais e Estado a partir do


Ativismo Institucional

Com o processo de abertura democrática pós Ditadura Militar (1964-1985), os


movimentos sociais, de modo geral, passaram a ter uma maior interação com o Estado, seja
através da simples apresentação de demandas ou a participação em espaços de interlocução com
o poder público, tais como comitês, comissões, conselhos, conferências, audiências públicas,
etc. Esse processo de transição democrática abriu novas possibilidades de participação e,
sobretudo, de influência sobre o processo de implementação de políticas públicas.
A vitória do PT nas eleições presidenciais de 2002, com a chegada de Lula à Presidência
da República no ano seguinte, possibilitou uma ampliação ainda maior das interações
movimento sociais-Estado no Brasil. Nesse cenário, um significativo contingente de ativistas
desses movimentos foram nomeados para ocupar cargos de assessoramento e direção na
estrutura da burocracia do Poder Executivo Federal.
Observando esse fenômeno, algumas investigações já evidenciaram que esses ativistas
ao assumirem cargos na burocracia estatal não necessariamente abandonam os projetos
políticos dos movimentos sociais que compunham, muitas vezes permanecendo com atuação
orgânica nesses movimentos (ABERS; TATAGIBA, 2015; CAYRES, 2015). Elas também
apontam que a fluidez de fronteiras e que as conexões movimentos sociais-Estado não limitam-
se aos conflitos, demonstrando relações de aproximação e até de cooperação.
Realizando uma revisão de literatura, Cayres (2016) apresenta como o conceito de
ativismo institucional tem sido mobilizado para dar sustentação teórica às pesquisas que buscam
não ignorar o conjunto de evidências empíricas que demonstram a presença de ativistas dos
movimentos sociais atuando em cargos de assessoramento e gestão na burocracia estatal.
Dentro dessa discussão, em termos analíticos, o ativismo institucional é compreendido como
“um conceito que fornece inteligibilidade a um tipo de conexão específica entre Estado e
movimentos que é expressa pela ocupação de cargos oficiais e não eletivos no Estado por atores
oriundos dos movimentos sociais” (CAYRES, 2016, p. 83).
Tomando como base essas discussões, defendo que esse processo de ocupação de cargos
por ativistas na burocracia estatal também é influenciado pelas interações que movimentos
sociais estabelecem como o Estado, ao longo da sua atuação, sendo o Movimento LGBT uma
expressão disso, conforme discuto na seção seguinte.

Interações entre Movimento LGBT e Estado no Brasil

A literatura que discute o Movimento LGBT no Brasil tem reservado um lugar razoável
para análise das interações entre este Movimento Social e o Estado (FACCHINI, 2005;
FACCHINI e FRANÇA, 2009; SIMÕES e FACCHINI, 2009). Isso não ocorre por acaso, tendo
em vista que essas interações estão sendo produzidas desde o surgimento do Movimento LGBT
no nosso país, provocando inúmeras reconfigurações que ora são mais visíveis no Estado, ora
no Movimento.
Conforme refletido por Santos e Avritzer (2003), as relações entre Sociedade Civil e
Estado, têm produzido, sobretudo nos “Países do Sul”, rupturas na democracia liberal
representativa, colaborando com a emergência de processos de democracia participativa que
ficam visíveis quando o Estado cria espaços de participação social em sua estrutura, ou ainda
quando elabora políticas públicas considerando “temáticas até então ignoradas” (SANTOS e
AVRITZER, 2003, p.51), como as demandas apresentadas Movimento LGBT.
De acordo com Facchini (2005), a trajetória do Movimento LGBT brasileiro pode ser
classificadas em três “ondas”. A “primeira onda” do Movimento LGBT brasileiro foi o período
em que houve uma maior contestação do Estado. Isso ocorreu devido ao contexto da Ditadura
Militar. Assim, na sua gênese, o Movimento LGBT brasileiro manteve uma relação de oposição
ao aparato estatal. Entretanto, nesse momento já existiam algumas demandas ao Estado, como
a retirada da homossexualidade da lista de doenças mentais do Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (INAMPS), conforme apontam as resoluções do 1° Encontro de
Homossexuais Militantes, realizado no Rio de Janeiro, em 1979.
A partir da segunda metade da década de 1980, surgem novas interações Movimento
LGBT-Estado. Isso ocorreu por dois fatores determinantes. O primeiro fator diz respeito ao
processo de redemocratização pós Ditadura Militar que motivou setores do então Movimento
Homossexual Brasileiro a realizarem uma campanha pela inclusão da proibição da
discriminação por orientação sexual na Constituição Federal de 1988 (SANTOS, 2018). O
segundo fator guarda relação com a proliferação dos casos de HIV/Aids no Brasil, atingindo
inclusive algumas lideranças do Movimento, instando o mesmo a pautar que o Estado criasse
políticas para o enfrentamento à epidemia de HIV/Aids. É justamente nesse contexto que foi
criado, em 1988, o Programa Nacional de Aids no Ministério da Saúde, considerado como a
primeira política púbica de direitos humanos para população LGBT em âmbito federal
(FEITOSA, 2016b).
O processo de Reforma do Estado ocorrido no Brasil na década de 1990, também tem
rebatimento direto no Movimento LGBT. Nesse período há uma proliferação das ONGs, muitas
delas fruto de organizações que já existiam e atuavam no Movimento, com o objetivo de
disputar recursos para implementação de ações e políticas sociais, sobretudo de enfrentamento
à epidemia de HIV/Aids e de combate à violência (FACCHINI e FRANÇA, 2009).
Nos anos 2000, após a eleição do Presidente Lula, a população LGBT passa a fazer a
parte das preocupações do Governo Federal (SIMÕES e FACCHINI, 2009). A partir daí foi
criado o Programa Brasil sem Homofobia, em 2004, por meio da parceria entre Governo Federal
e lideranças LGBT. O Programa previa um conjunto de ações que se concentravam no combate
à violência que atinge a população LGBT (FEITOSA, 2016b).
Além dessa relação com o Poder Executivo, nos anos 2000 o Movimento LGBT também
passa a recorrer mais frequentemente ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário, obtendo mais
conquistas através da relação com esse último poder (FACCHINI e FRANÇA, 2009), como
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu, em 2011, a união entre pessoas
do mesmo sexo como entidade familiar e a Resolução Nº 175/2013 do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), que determinou aos cartórios a obrigatoriedade de celebração do casamento civil
entre pessoas do mesmo sexo ou de conversão de união estável em casamento.
Ao passo que o Movimento LGBT conquistou direitos e provocou algumas
modificações no Estado, o contrário também ocorreu. A partir dos anos 2000, ocorreu um
processo de trânsito e descolamento dos/as ativistas do Movimento para o interior da estrutura
administrativa do Estado (FACCHINI, 2012; FEITOSA, 2016b), atuando na execução de
políticas públicas e em instâncias do poder legislativo (FACCHINI e FRANÇA, 2009).
Na estrutura burocrática do Poder Executivo Federal, foi criada, em 2009, a
Coordenação Geral de Promoção dos Direitos LGBT no âmbito da Secretaria Especial de
Direitos Humanos da Presidência da República, através do Decreto n° 6.980, tendo como
principal objetivo atuar na coordenação dos planos, programas e projetos relacionados aos
direitos LGBT, tanto na elaboração quanto na implementação das políticas públicas, articulando
ações com os demais órgãos e Ministérios do Governo Federal. Já no ano de 2017, com a criação
do Ministério dos Direitos Humanos, o órgão passou ao status de Diretoria dentro da estrutura
da burocracia federal.
Tendo uma década de existência, o órgão responsável pelas políticas públicas de direitos
humanos LGBT no Governo Federal (atualmente denominado Diretoria de Promoção dos
Direitos LGBT), teve a frente de seu comando gestores que possuíam um histórico de atuação
no Movimento LGBT e continuaram reivindicando para si o lugar de ativistas do movimento1.
Nesse contexto, não é razoável desprezar essas interações entre Movimento LGBT e
Estado, nem reduzi-las a automatismos que podem classifica-las como mera cooptação dos
ativistas pelo poder estatal. Além disso, na investigação dessas interações, é necessário ampliar
as unidades de análise do que convencionou-se definir como movimento social, suas ações,
estratégias e possibilidades.

Conclusões

A reabertura democrática pós o período de Ditadura Militar no Brasil (1964-1985)


possibilitou uma diversificação das estratégias de atuação dos movimentos sociais na luta por
direitos. Protestos públicos passaram a ser realizados pelos mesmos movimentos que realizam
lobby junto a parlamentares e estão presentes em espaços de participação e controle social de
políticas públicas.
A aposta nas mobilizações públicas fora combinada com uma atuação no campo da
institucionalidade, estabelecendo interações com o Estado a ponto de alguns/as ativistas
ocuparem cargos na estrutura estatal e atuarem com vistas a implementação dos projetos
políticos dos seus respectivos movimentos sociais.

1
Na entrevista concedida a Cleyton Feitosa (2008), Marina Reidel, Diretora de Promoção dos Direitos LGBT do
Governo Federal, deixou nítida sua atuação no Movimento LGBT ao longo de sua trajetória.
Conforme evidenciamos na seção acima, no caso do Movimento LGBT, o
estabelecimento de interações com o Estado tem ocorrido com vistas a implementação de
políticas públicas de direitos humanos LGBT e do combate à violência que acomete essa
população.
Partindo das contribuições dos estudos a respeito do ativismo institucional, futuras
investigações que debrucem sobre as interações entre Movimento LGBT e Estado no Brasil
poderão compreender de que maneira essas interações tem produzido possibilidades de
implementação das agendas do movimento em termos de políticas públicas de direitos humanos
LGBT.

Referências

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