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Algumas reflexões sobre Psicologia

(C. G. Jung - Maio de 1897 - Palestras de Zofingia)

Traduzido por Bijan Ardjomand

INTRODUÇÃO GERAL

Talvez alguns de vocês recordem a palestra que eu proferí no inverno do ano passado. O que mais
surpreendeu as pessoas naquela palestra foi a introdução e freqüentemente ouço dizer que uma das
coisas mais difíceis do mundo é conseguir uma transição suave entre a introdução e a exposição.
Para tornar suave o desenvolvimento da minha palestra hoje, gostaria de iniciá-la com estas divinas
palavras da psicologia de Immanuel Kant.
“Moralidade é sempre de suprema importância. É algo sagrado e inviolável que devemos proteger e
é, ao mesmo tempo, a razão e o propósito de todas as nossas especulações e questionamentos.
Todas as especulações metafísicas são dirigidas para este fim. Deus e o mundo do além são o único
alvo das nossas investigações filosóficas e se estes conceitos (Deus e o outro mundo) não tivessem
nada a ver com a moralidade, seriam sem valor.”
Desde que meu último ensaio quase se perdeu na lixeira, asmenoV ek Janatoio (feliz por escapar da
morte), eu tenho ansiado por uma chance de caminhar com vocês, pelas escarpas do inferno, até o
reino das sombras.
Embora usando um pouco de imaginação possamos perceber que certas coisas são concebíveis
enquanto outras são necessárias, todavia a maioria de vocês sabiamente estremeceria de medo se
realmente abandonássemos o claro caminho do senso comum com sua sólida fundamentação, para
descer aos sombrios abismos das possibilidades.
Não há dúvida de que as pessoas chamariam de uma louca aventura o ato de abandonar o seguro
caminho construído para nós pela estimada ciência e pela reconhecida filosofia e seguir o nosso
solitário caminho em direção ao reino do insondável, perseguindo as sombras da noite e batendo em
portas que DuBois-Raymond trancou para sempre com a sua pequena chave de “Ignorabimus”. As
pessoas nos acusarão de fantasia e superstição. Com um sorriso de superioridade eles se apossarão
das duras leis da natureza e com elas infligirão morte aos rebeldes. Estas são as mesmas pessoas
que deixam todos os domingos das suas vidas repletos de edificantes palavras ações e pensamentos,
mas durante a semana tomam uma atitude de “Nunca saberemos”. Eles dirão que o nosso
empreendimento é infrutífero e sem esperança, uma meditação auto-infligida sobre o absurdo. Há
uma passagem de Schwegler, na sua história da filosofia, que se refere a essas pessoas como
devotadas à filosofia de botequim e que, como tais, “fazem um uso completamente errôneo da
categoria de causalidade”.
Sem dúvida os mais veementes protestos surgirão daqueles que pela sua completa indiferença - ou
porque francamente não ligam a mínima - tornaram-se intelectualmente abstêmios e que a sua
simples existência é a manifestação dos mais repugnantes anátemas, mesmo contra os mais
louváveis esforços em estimular o interesse em certas questões. A despeito de tudo isto e do perigo
de despertar um grande desprazer, eu decidi falar sobre este tema antes de todos os outros. Se eu
estivesse sozinho bem poderia tremer diante da minha própria proposta, mas eu tenho aliados. E
eles não pertencem às fileiras de proscritos e hereges - entre eles figuras respeitadas e brilhantes
como Crooks, Wilhelm Weber, e acima de todos Zöllner - mas, em vez disso, são homens de tal
reputação que ninguém precisa ter receio de citar a sua autoridade. Eu selecionei três destas pessoas
cujo poder de crítica e perspicácia de julgamento são inquestionáveis. Em primeiro lugar menciono
David Strauss na sua Clássica avaliação de Justinus Kerner e de Seeres de Prevost em
Charakteristiken und Kritiken.
Ele escreve o seguinte a respeito de Seeres: “Sua face, sofredora porém com feição nobre e meiga,
irradiava uma luz celestial; falava o mais puro alemão; sua conversa era gentil, calma, solene e
musical, quase um recitativo, contendo emoções arrebatadoras que fluíam através da sua alma,
inicialmente como suaves e delicadas nuvens, depois como nuvens de tormenta e então dissolviam-
se... [Sua] conversação com ou a respeito de espíritos abençoados ou malditos era conduzida com
tal autenticidade que não teríamos dúvida de estar realmente na presença de uma profetisa que
entrou em comunhão com o outro mundo...
“Nós, de nenhum modo, compartilhamos a opinião daqueles que atacam a veracidade do relato de
Kerner, em parte acusando a mulher de dissimulação e, em parte, atribuindo ao médico uma grande
falha em perceber o que realmente estava acontecendo - uma suposição que não somente
testemunhas oculares como o autor, mas também leitores imparciais do relato de Kerner consideram
infundado.”
Como meu segundo aliado cito Arthur Schopenhauer que declara em sua Parerga und
Paralipomena: “Não é minha vocação combater o ceticismo da ignorância, cuja atitude capciosa
degrada cada vez mais a sua reputação.” “Hoje em dia qualquer um que duvide do magnetismo
animal e a clarividência que ele confere, não deveria ser chamado de cético mas sim de ignorante.”
Schopenhauer escreveu isto há quase cinqüenta anos.
Como terceiro aliado citarei nosso grande mestre Immanuel Kant, sábio e profeta de Königsberg
que tem sido chamado, não sem propriedade, de o último filósofo.
Cem anos atrás Kant, em sua preleção sobre metafísica,, na segunda parte da psicologia racional
afirmou: “Nós podemos pensar em espíritos somente como entidades incertas, isto é, não podemos,
a priori, ter qualquer razão para rejeitá-los.” “Algo pode ser admitido numa base duvidosa, contanto
que esteja perfeitamente claro que é possível. Não podemos demonstrar irrefutavelmente que tal
espírito existe, mas tampouco pode alguém demonstrar a sua inexistência.”
Cento e trinta e quatro anos atrás, em Dreams of a Spirit Seer, Kant fez a seguinte confissão de
grande significação sobre a sua visão como um todo: “Confesso que sou fortemente inclinado a
afirmar a existência de seres imateriais no mundo e incluir minha própria alma entre eles.”
Em outra passagem Kant afirma: “Todas estas entidades imateriais a que me refiro, independente de
exercerem influência no mundo físico ou não; todos os seres racionais, existentes numa condição
animal, seja aqui na terra ou em outros corpos celestes, independente de animarem a matéria bruta,
agora, no futuro ou no passado, existiriam, assim, numa comunhão apropriada à sua própria
natureza, não determinada por aquelas condições que limitam as relações de entidades corpóreas, e
na qual as distâncias entre lugares e tempos, que no mundo visível criam um grande abismo que
impede qualquer comunhão, simplesmente desaparecem. Desta maneira seria necessário considerar
a alma humana, já nesta vida, associada a dois mundos. De um lado pela sua união com o corpo,
evidentemente percebe apenas o material: enquanto, por outro lado, como parte do mundo
espiritual, recebe influências puramente imateriais e distribui estas influências. Assim que a sua
união com o corpo cessa, nada permanece senão a comunhão contínua com o mundo espiritual que
deve revelar-se à consciência como objeto de pura contemplação.”
Finalmente, numa terceira passagem, lançando seu profético vislumbre muito além da sua época,
Kant afirma: “Portanto realmente foi ou pode ser facilmente demonstrado, se lançarmos um olhar
amplo - ou ainda melhor, será demonstrado no futuro, não sei onde ou quando - que mesmo nesta
vida a alma humana está em comunhão indissolúvel com todas as entidades imateriais do mundo
espiritual, ora influenciando-as e ora recebendo delas impressões das quais, em sua natureza
humana, não está consciente as long as all goes well.”
O melhor procedimento é, provavelmente, terminar a minha palestra neste ponto, pois após citar
mentes tão ilustres como estes, seria quase uma blasfêmia forjar um apêndice desprezível dos meus
próprios pensamentos - pensamentos que, usando uma alegoria não muito agradável, são como
pulgões sem fôlego rastejando para subir numa magnífica e frondosa árvore.
PSICOLOGIA RACIONAL

INTRODUÇÃO

“Está tudo uma bela de uma confusão”, diz o erudito filisteu, “mas eu só acredito naquilo que meus
olhos podem ver. E o que se chama de metafísica está ultrapassado há muito tempo e ninguém mais
leva isto a sério e se a mentalidade metafísica persiste ainda hoje é apenas por uma obsessão que
persegue as pessoas que não estão bem consigo mesmas. Na vida de uma pessoa racional tudo se
desenvolve num plano absolutamente físico e natural.”
De fato, até chegarmos à muralha de DuBois-Raymond, tudo é perfeitamente claro e compreensível
e todas as “criaturas do Senhor” devem ser gratas porque finalmente um benfeitor da humanidade
construiu uma fortaleza nesta perigosa fronteira. As pessoas se sentem seguras e confortáveis dentro
de suas quatro paredes e não se pode permitir que milagres venham a perturbar a paz.
Evidentemente nada há de surpreendente na vida de um mesquinho filisteu. Ele nasce, cresce e se
desenvolve para uma função altamente especializada. Casa-se de acordo com o seu caráter e
propósito. Procria através da união do espermatozóide com o óvulo. Seus filhos são abençoados
com os atributos dos pais. de acordo com a teoria da hereditariedade. Então, aos poucos envelhece
mesmo que este fato não mais reajuste bem ao sistema. E o que acontece depois? Algo que está em
completo desacordo com o sistemas, algo complemente incompreensível, o esclarecimento de uma
mentira, retificação de um erro: ele então morre. Por que? Para que fim? Seu médico, impassível,
relata: morte por violência, enfermidade, idade avançada. Em resumo, o jogo está terminado. O
cadáver jaz frio e rijo e logo começa a se decompor. É incrível. Se acontecesse apenas a uma pessoa
ninguém acreditaria, mas acontece a todos nós e é inexorável. A média de vida é trinta anos. Mas
por que ocorre a morte? Por que um organismo construído com tamanho cuidado e eficiência, cujo
propósito primordial é viver, chega ao fim, definha e declina? Por que o significativo caminho
designado para viver é interrompido com desdém? A morte nos impressiona como uma brutal
infração do nosso mais exaltado e sagrado direito de existir. Um súbito golpe e todos os nossos
planos, esperanças e criatividade desaparecem. E de que modo traiçoeiro ocorre este golpe. É
impossível descobrir o que realmente acontece ao organismo ou o que é dele retirado. Se pesarmos
o cadáver, ele terá exatamente o mesmo peso de quando estava vivo. O organismo está completo,
pronto para viver, mas está morto e não conhecemos nada que possa fazê-lo viver novamente.
PSICOLOGIA RACIONAL

Algo desconhecido é removido do corpo, algo que contem a vontade de viver, uma força que em
vida mantém uma relação com o organismo e seu meio ambiente. Parece ser uma força elementar,
um princípio vital. Antigamente os fisiologistas chamavam-no de força vital, usando corretamente a
“categoria da causalidade”. Kant diz: “Parece que um ser intelectual coexiste e está em contato
íntimo com a matéria e que atua não sobre as forças que relacionam os elementos entre si mas sim
sobre o princípio interno da sua condição.”
A psicologia moderna não tem nenhuma denominação para este “ser intelectual” que atua sobre o
“princípio interno”, pois ingenuamente confunde, mais uma vez, o efeito com a causa - ouso dizer,
apesar da repreensão que recebi no meu relatório semestral.
O fisiologista Burdach, um dos mais desprezados vitalistas, afirma na sua obra Phisiologie als
Erfahrungswissenschaft: “O materialismo pressupõe a vida como algo que pode ser explicado. Pois
a organização e a combinação dos componentes das quais derivam os processos da vida, são elas
mesmas produtos de um processo da vida.” Os antigos vitalistas cometeram muitos erros mas nunca
sacrificaram o requisito básico da lógica aos interesses do sistema em que viviam.
O princípio vital que confere a força de resistência ao corpo enquanto a vida dura é o fator
permanente no reino dos fenômenos. Sabemos que todas as moléculas do nosso corpo são
renovadas a cada sete anos. Assim a substância do corpo muda continuamente. Se a força que
organiza e modela a vida residisse na matéria, nada seria mais natural do que uma contínua
transformação na aparência do corpo. Mas na realidade isto não ocorre, pois a aparência externa do
ser humano permanece o mesmo. Tudo é preservado até os mais ínfimos detalhes. Todas as
imagens permanecem constantes na sua memória e suas faculdades mentais se mantêm
aproximadamente no mesmo nível. Em resumo, apesar da mudança de sua substância, o indivíduo
permanece o mesmo. Portanto, parece que o principium vitae constitui, por assim dizer, a estrutura
sobre a qual a matéria é construída.
Burdach afirma: “A matéria dos nossos corpos muda continuamente, apesar de a nossa vida
permanecer a mesma. A vida corpórea está envolvida num processo contínuo e simultâneo de
destruição e formação de matéria orgânica. Assim a vida é algo mais elevado que domina a
matéria...”
Mas se voltarmos nossa atenção para a fisiologia mais atual, que estranho espetáculo
contemplaremos. Fisiologistas estão empenhados em explicar a vida em termos de leis naturais,
enquanto é evidente, o tempo todo, que a vida existe apesar dessas leis. Eles tentam
desesperadamente, forçar a vida para dentro do sistema de leis naturais, quando a vida contradiz
qualquer lei da natureza. Movimento espontâneo viola a lei da gravitação; a própria existência do
corpo viola as leis que governam a atração do oxigênio e leis que governam a atividade das
bactérias. No primeiro volume de The World as Will and Idea, Schopenhauer apropriadamente
observa: “Está cada vez mais claro que fenômenos químicos nunca podem ser explicados em
termos de fenômenos mecânicos, nem os orgânicos em termos de químicos ou elétricos. Aqueles
que, apesar de tudo, estão hoje tomando, mais uma vez, este velho e falso caminho, logo se
arrependerão, frustrados, como todos os seus predecessores.”
Se sujeitarmos os fenômenos da razão eficiente - isto é, se aplicarmos a “categoria da causalidade”
corretamente - torna-se necessário postular a existência de um princípio vital que seria como
postular o éter no campo da ótica. Este postulado não viola o primeiro princípio do método
científico, ou seja, que os princípios usados para explicar um fenômeno devem ser mantidos na
faixa mínima. Neste caso somos forçados a admitir um novo princípio porque nenhum princípio já
existente fornece uma explicação adequada.
O que é verdadeiro para o indivíduo é verdadeiro para todos: a teoria da seleção natural de Darwin
não pode explicar adequadamente a evolução e, de fato, em relação à evolução de novas espécies,
se torna um fator desprezível. No campo da filogenia, mais do que em qualquer outro campo, é
necessário postular a existência do princípio vital.
O princípio vital é mais ou menos equivalente à “força vital” dos antigos fisiologista . Ele governa
todas as funções corporais, incluindo as cerebrais e, consequentemente, governa também a
consciência até onde ela é limitada pelas funções do córtex cerebral. Assim nós não precisamos
procurar o princípio vital na consciência e particularmente na consciência individual, como fez
Kant.
O princípio vital se estende para além da nossa consciência pois mantém também as funções
vegetativas do corpo que, conforme sabemos, estão fora do nosso controle consciente. Nossa
consciência depende das funções do cérebro, mas estas, por sua vez, dependem do princípio vital e,
portanto, o princípio vital representa a substância, enquanto a consciência representa um fenômeno
contingente. Ou segundo Schopenhauer: “Consciência é o objeto de uma idéia transcendental.
”Assim vemos que funções animais e vegetativas são abrangidas por uma raiz comum, o verdadeiro
sujeito. Vamos ousar atribuir a este sujeito transcendental o nome de “alma”. O que queremos dizer
com “alma”? A alma é uma inteligência independente do tempo e do espaço.
1. A alma deve ser inteligente. O critério de inteligência é a intencionalidade dos seus atos.
Inegavelmente nossos corpos parecem altamente intencionais e assim postulamos a inteligência da
alma. Se a lei da causalidade não possuísse uma condição a priori, este postulado poderia ser
demonstrado.
2. A alma deve ser independente do espaço e do tempo. Os conceitos de espaço e tempo são
categorias de compreensão e, por esta razão, não induzem a Ding an sich. A alma frustra toda
percepção sensorial e por isto não pode constituir qualquer forma de força material. Apenas forças
materiais podem constituir objetos perceptíveis. Mas nas categorias de espaço e tempo o julgamento
é baseado na percepção sensorial. Portanto apenas forças materiais podem ser objetos de
julgamento, isto é, somente forças de natureza material se movem dentro dos limites de espaço e
tempo. Consideremos, por exemplo, o conceito de velocidade que é equivalente à razão entre
espaço-tempo. Ou pensemos sobre qualquer lei básica da mecânica.
A alma não representa uma força em forma material e por isto não pode haver qualquer julgamento
a seu respeito. Mas tudo que não pode ser julgado está fora dos conceitos de espaço e tempo. Assim
há motivos suficientes para postularmos a imortalidade da alma.
PSICOLOGIA EMPÍRICA

INTRODUÇÃO

Até aqui estivemos caminhando no consagrado campo da filosofia Kantiana. Quem continuará a
nos acompanhar se quisermos romper a barreira que nos separa do “reino das sombras”?
Não é de enlouquecer quando o próprio Kant nos diz que “Experiência não poderia nos mostrar que
existem entes que possuem apenas um sentido interior? (A Psicologia)
Ou em outra passagem: “Nada mais podemos dizer sobre estes espíritos, tal como o que pode
atingir separado do corpo. Não são objetos perceptíveis aos sentidos externos e portanto não
existem no espaço. Não podemos dizer nada além disso. Se dissermos, estaremos apenas perdendo
o nosso tempo com futilidades.”
Ou em outra passagem: “Ouso dizer que esta observação (minha)... representa tudo o que o
discernimento filosófico pode revelar a respeito de entidades deste tipo e que, embora no futuro
possamos continuar a ter idéias sobre eles, nunca saberemos mais do que já sabemos.”
Kant não podia dizer senão aquilo que disse e do seu próprio ponto de vista estava absolutamente
certo. Mais de cem anos já se passaram desde que estas coisas foram ditas. Neste período
aconteceram muitas coisas que confirmam suas palavras e ampliam seu significado de um modo
imprevisto. A epistemplogia de Kant permanece inalterado mas seus ensinamentos dogmáticos
sofreram mudanças como deve sofrer qualquer sistema dogmático. Nenhum novo gênio surgiu para
suplantar as idéias de Kant. O que suplantou suas idéias são fatos cuja validade está acima de
qualquer dúvida. Hoje, conforme Wallace corretamente lembra, podemos simplesmente sorrir e
passar por aquelas pessoas cuja indolência e ceticismo fanático os leva a negar certos fatos
extrasensoriais.
Kant estava impossibilitado de conhecer os fatos em questão e é por isto que ele não poderia ter se
pronunciado de um modo diferente do que realmente fez. Baron DePrel diz - com acerto - que se
Kant estivesse vivo hoje, seria indubitavelmente um espiritualista. Kant não gastou nem tempo e
nem esforço para tomar contato com Swedwnborg. Na medida de suas possibilidades ele testou a
validade das pretensões de Swedenborg e fez uma leitura cuidadosa e imparcial deles. Que contraste
entre este maior sábio já nascido em solo germânico e seus pueris epígonos que se honrem em citar
Kant e, no entanto, tudo que fazem é negar e ridicularizar aquilo que somente poderia confirmar as
profundas idéias de Kant.
As pessoas apenas mostram a sua insensatez quando usam as idéias de Kant para atacar os
espiritualistas, enquanto ele mesmo dizia:
“Será demonstrado no futuro, não sei onde ou quando - que mesmo nesta vida a alma humana vive
numa comunhão indissolúvel com todas as entidades imateriais do mundo espiritual, afetando e ao
mesmo tempo sendo influenciada por elas.”
Kant disse isto há mais de cem anos, quando não poderia nem suspeitar dos fatos relacionados com
o espiritualismo moderno. Quase sessenta anos atrás Schopenhauer ergueu sua voz contra o
“ceticismo da ignorância”. Mesmo ele, pessimista por excelência, era um otimista a tal ponto que
descreveria o ceticismo como uma infâmia que cresce dia após dia. Nos meados dos anos de 1870
William Crookes, o químico e físico inglês que foi desafiado pela imprensa inglesa a investigar o
espiritualismo, submeteu à Royal Society seu clássico relatório sobre o assunto que contem a mais
compreensível confirmação da validade dos fenômenos espirituais. Por volta da mesma época,
Russel Wallace, famoso pelo seu papel na história do Darwinismo, da mesma forma escreveu
diversos textos em que lutou pela justiça e pela verdade. Em 1877 o nobre Zöllner publicou seus
tratados científicos na Alemanha e lutou pelo espiritualismo numa série de sete volumes. Mas sua
voz foi “um grito perdido no deserto”. Mortalmente ferido na sua luta contra a judaização da ciência
e da sociedade, este homem sábio morreu em 1882, esmagado física e espiritualmente. Certamente
seus amigos, o renomado físico Wilhelm Weber, o filósofo Fechner, o matemático Schubner e
Ulrici continuaram a promover a causa de Zölner, enquanto o inflexível Wundt, o falso Carl
Ludwig e o malicioso DuBois-Raymond difamaram sua causa por toda uma Alemanha moralmente
decadente. Tudo em vão - o judeu de Berlim ficou em evidência. O pequeno grupo de fiéis foi
dissolvido. O único erudito campeão do espiritualismo na Alemanha é Baron Carl DuPrel que,
entretanto, tem sido obstinadamente ignorado. Na Rússia há dois homens de ciência que defendem
a causa do espiritualismo: o velho membro do conselho privado Alexander Aksakov em São
Petesburgo e Wagner, professor de Zoologia da universidade de São Petesburgo. Em 1892 dois
italianos, o astrônomo Schiaparelli, notável pelo seu estudo sobre Marte e diretor do Observatório
de Brera e Lombroso, o renomado antropólogo e psiquiatra, declararam sua crença no
espiritualismo. O último fez, ainda, a clássica confissão: “Orgulho-me de ser escravo dos fatos”.
Um indicador de um pensamento mais liberado entre os ingleses foi a fundação da Dialektische
Gesellschaft, composto exclusivamente por eruditos profissionais, que acredito ter sido uma
iniciativa da British Association.
Na Alemanha e na Suíça parece não existir qualquer sinal de que homens como Kant,
Schopenhauer ou Zóllner tenham jamais existido. Desaparecidos e esquecidos. As pessoas não
darão ouvidos nem mesmo a Eduard von Hartmann, um filosofo atualmente em moda, e sua teoria
do inconsciente, muito menos a DuPrel que precisa de um estudo mais profundo. O que ouvimos
dos expoentes da ciência são mil ecos do materialismo. Esta repugnante erva daninha cresce em
todas as instituições científicas e é bem nutrida com o esterco dos homens de carreira. Um
professor submerso em psicologia mecanicista e fisiologia de nervos e músculos semeia a
venenosa semente da qual germinam mentes perturbadas - mentes que produzem magníficos
frutos, asneira incomparável. Gradualmente a lama infiltra pelo topo da universidade. A
conseqüência natural é a instabilidade moral dos mais altos escalões da sociedade e a total
brutalização do trabalhador. Resultado: leis anarquistas, anti-sociais e assim por diante.
Naturalmente os religiosos fazem um grande esforço para reter o avanço do demônio da descrença
no coração dos homens, mas isto não os impede de subir aos púlpitos e atacar o pecado do
espiritualismo e encher a cabeça das pessoas com toda sorte velharias e lendas sobre o
espiritualismo. Assim, sem saber, o clero está encorajando a decadência geral da moralidade e a
polícia e os guardiães da lei estão contribuindo para o mesmo fim, proibindo a fraude
espiritualista. Todo homem racional que acredita que tudo na vida é puramente “natural” - o
professor, por exemplo - revolta-se e luta contra esta estupidez medieval que está ameaçando
extinguir a lâmpada da sua erudição. O ilustre filisteu que não crê em nada que não possa ver,
cegamente deposita sua confiança em qualquer quimera anti-espiritualista, qualquer mentira
desprezível que os jornalistas lhe contam e voluptuosamente chafurda no pântano da literatura
sobre o assunto publicado pela imprensa “progressista”. Irradiando felicidade, ele lê Kraft und
Stoff de Ludwig Büchner, à qual cai bem a observação do velho professor Lichtenberg de
Göotingen: “Se uma cabeça se choca com um livro e produz um som oco, a culpa é sempre da
cabeça?”
Se alguma vez alguém escrever a história do erudito filisteu, o capítulo sobre a indolência tem que
ocupar a metade do livro. Numa certa passagem Kant diz: “Indolência e covardia são as razões
porque muito depois de a natureza libertar as pessoas da dominação alheia, tantos se satisfazem em
viver toda a sua vida sem crescer.”
É desnecessário qualquer comentário além desta citação porque ela expressa exatamente o meu
pensamento. Portanto o melhor que tenho a fazer é apoiá-la.
PSICOLOGIA EMPÍRICA

Na segunda parte da minha palestra, que trata da psicologia empírica, vou mostrar evidências
documentadas que deverão satisfazer as muitas pessoas que não se contentam com as reflexões
teóricas da primeira parte. Por outro lado, estas mesmas evidências poderão dissuadir muitos que no
início ficaram satisfeitos com a exposição teórica da primeira parte.
Em pesquisa dependemos completamente do método experimental (empírico) tal como fazemos na
nossa vida prática do dia a dia. Intuição não tem o poder de convencer a mente crítica da mesma
forma que considerações teóricas não podem nos ensinar a lidar com situações práticas. Mesmo
assim, estranhamente, todos aqueles que estão de acordo com os pensamentos da psicologia
racional, não admitem, por diversas razões, que a psicologia tem um aspecto empírico. Em
Basiléia há centenas, talvez milhares de pessoas que francamente admitem e acreditam nos
milagres do velho e do novo testamentos, mas estas mesmas pessoas não admitem, por nada deste
mundo, que fatos semelhantes possam ocorrer nos dias de hoje. Há também pessoas que, no plano
teórico, aceitam a existência da alma e sua possibilidade de possuir inúmeros atributos mas não
admitem que alguém possa ter experiência prática com tais coisas. Às pessoas que não se
importam com nada e existem apenas para obscurecer a imagem da vida, não precisamos dizer
absolutamente nada.
A preocupação básica da psicologia empírica é fornecer fatos concretos que sirvam de fundamento
para as teorias da psicologia racionalista. O primeiro princípio da psicologia racional, a respeito da
existência, não requer documentação concreta. Se usarmos corretamente a categoria da causalidade,
necessariamente teremos de afirmar a existência da alma. Naturalmente aqueles que não usam a
categoria da causalidade ou nem a consideram necessária, não estão aptos a emitir qualquer opinião
a este respeito. Há inúmeros fatos que confirmam a existência da alma. Se a alma não existisse a
existência desses fatos seria impossível. Mas como estes fatos não são impossíveis, a alma tem que
existir. Uma das tarefas da psicologia empírica é dar definição clara e detalhada da alma,
confirmada pela psicologia racional. Já verificamos que a alma é uma inteligência, independente de
tempo e espaço.
1. A alma é inteligente. A principal prova em que este princípio se baseia é a atividade intencional
da alma, o seu poder de organização. Sua atividade organizacional manifesta-se no fenômeno da
materialização. Não sei se todos os presentes sabem o que significa o termo materialização, por isto
peço perdão àqueles que sabem, para fazer uma rápida interrupção para explicar.
A alma é imperceptível aos sentidos por que existe fora dos limites do espaço. Para se tornar
perceptível aos sentidos ela precisa tomar uma forma no espaço, ou seja, uma forma material. Toda
e qualquer representação da alma, perceptível aos sentidos é materialização. A mais maravilhosa e
incrível materialização que já aconteceu é o próprio homem. Mas a maioria das pessoas não são
capazes de se maravilhar diante da sua própria existência e não conseguem apreciar adequadamente
a idéia do ser humano como materialização da alma e, por isto, precisamos procurar outros
fenômenos, cujas manifestações espontâneas e instantâneas nos compelem a deduzir delas uma
inteligência que seria o seu spiritus rector. Os fenômenos que buscamos são aqueles observados por
Crookes, Zöllner, Wihelm, Weber, Fechner, Wallace e muitos outros. Em 1873 Crookes e Varley,
um membro da Royal Society, com a ajuda da médium Florence Cook, tiveram sucesso em
produzir uma manifestação no seu laboratório em Londres, fotografando-a repetidamente sob luz
elétrica, juntamente com a médium. Após muitas falhas o professor Wagner, com a assistência de
Frau von Pribitkov, tiveram êxito em fotografar uma mão acima da cabeça da médium numa sala da
universidade de São Petesburgo. Até onde eu sei, Zöllner, Wilhelm Weber e Fechner que de 1877 a
1879 realizaram experiências em conjunto com o médium Dr. Stack, não fizeram nenhuma
fotografia mas obtiveram uma série de impressões de mãos e pés sobre um papel manchado com
fuligem e colocado entre duas placas.
Em 1875, pela primeira vez, moldes de parafina foram feitos de mãos que espontaneamente se
materializaram no espaço. Esta proeza foi realizada por William Denton, um professor de geologia
de Wellesley College em Massachusetts ( 1883), numa expedição geológica em Nova Guiné.
Desde aquele tempo tais experimentos vêm sendo repetidos com grande sucesso na Inglaterra e no
continente. Eu mesmo tenho em meu poder fotografias de tais fenômenos e qualquer pessoa que
quiser poderá vê-los a qualquer momento. Seria fácil prosseguir citando exemplos der evidências
que confirmam a idéia da atividade organizadora inteligente da alma. Mas por causa da limitada
extensão da minha palestra, os exemplos que já citei deverão ser suficientes. A qualquer pessoa que
esteja interessada em investigar estes tópicos, recomendo que estude Wissenschaftliche
Abhandlungen de Zöllner e Animismus und Spiritismus de Alexander Aksakov, bem como os
tratados de Crookes e de Wallace na Biblioteca Espiritualista de Mutze em Leipzig.
Nós temos que documentar, ainda, o segundo elemento da nossa definição da alma: a alma é
independente de tempo e espaço.
Tudo que estiver além das categorias conceituais, isto é, além do espaço e tempo, é transcendental.
Qualquer coisa transcendental sempre será incompreensível e neste caso a alegação de
“ignorabimus” é perfeitamente justificável. Nossa confrontação com o transcendental não está
confinado ao domínio físico da experiência sensorial. Ao contrário, há pessoas que tem tido a
oportunidade de experienciar isto na sua vida cotidiana desde 1687, quando foi publicada a
Philosophiae naturalis principia mathematica de Isaac Newton. A gravitação universal,
representando um efeito de longo alcance (actio in distans) é a manifestação direta de um princípio
transcendental, conforme expliquei, no semestre passado, na minha crítica da lei da gravidade.
Gravitação é puramente transcendental. Sua independência do espaço e do tempo é devida, em
primeiro lugar, ao fato dela n
ao agir de acordo com a lei da conservação da energia, como uma força elementar; em segundo
lugar, em virtude da própria lei da gravitação, um corpo não exerce efeito num lugar onde ele não
está; e em terceiro lugar porque ela não precisa de tempo para se desenvolver, pois é absolutamente
constante. Esta é a característica de efeito a longa distância, actio in distans.
A alma como pressuposição metafísica do fenômeno da vida orgânica, da mesma forma, transcende
espaço e tempo. Por isto sua independência da manifestação sensorial deve ser expressa no fato de
que ela se apresenta como a força básica de acciones in distans.
A melhor maneira de apresentar a nossa evidência, de forma lúcida e inteligível, é dividir o assunto
em duas partes: 1) efeito a longa distância no espaço e 2) efeito a longa distância no tempo. O
tópico de longa distância no espaço será dividido em fenômenos telecinéticos e telepáticos.
O hipnotismo pode ser classificado como fenômeno telecinético. Não preciso, neste contexto, entrar
em maiores detalhes sobre fenômenos hipnóticos, pois uma palestra de primeira categoria foi feita a
este respeito. Apenas recapitularei rapidamente o que foi dito. Hipnotismo envolve o
estabelecimento do chamado rapport , um elo íntimo entre o agente e o perceptor. Sabemos que o
estabelecimento de tal rapport requer que o perceptor olhe para um ponto fixo e, de um modo geral,
receba estímulos de natureza monótona.
Se o agente e o perceptor possuírem alguma aptidão especial, o fenômeno pode ser intensificado. O
agente pode se distanciar três, quatro ou cinco passos do perceptor. Há o caso do famoso
hipnotizador Hansen que se distanciou oitenta passos. Pode ser conseguido, ainda, um nível maior,
se o agente ficar numa sala separada. Com um perceptor especialmente sensível, o agente pode ficar
a vinte, trinta ou mais quilômetros de distância e ainda conseguir o rapport. Quando há um alto grau
de excitação psíquica - em casos, por exemplo, que envolvem mortes de pessoas - a distância não
limita, de forma alguma, o fenômeno. Presumo que não há necessidade de fornecer evidências
documentadas, pois sem dúvida todos devem ter testemunhado ou ouvido sobre casos semelhantes
em sua própria família.
Intimamente relacionada com estes fenômenos há o Dopplegänger ou fantasma. Uma pessoa
moribunda que comunica a um amigo distante a iminência da sua morte, pode intensificar a
percepção hipnótica a ponto de induzir a alucinações e pode, de fato, criar muitas vezes
manifestações reais e objetivas capazes de produzir efeitos materiais.
Durante o aparecimento de um autentico Dopplegänger (fantasma) o agente geralmente está num
profundo transe de sonambulismo auto-induzido. No entanto isto não pode ocorrer sempre. Há
motivos convincentes para crer que o grau de consciência que caracteriza o fantasma é
inversamente proporcional ao do agente.
Outros fenômenos também classificados como telecinéticos são todos aqueles efeitos materiais
produzidos, por exemplo, por pessoas mortas para comunicar a amigos e parentes distantes a notícia
da sua morte.
Fenômenos telepáticos incluem clarividência que ocorre a distância. Em certos casos a sensibilidade
do perceptor a efeitos telecinéticos também pode ser designado como telepatia. No entanto esta
sensibilidade representa telepatia somente quando excede o poder psíquico ativo do agente. Neste
caso temos a verdadeira clarividência da parte do perceptor. Todos os obstáculos apresentados pelo
espaço desvanecem. É como se a alma estivesse vagueando livre de todos os grilhões, fora da
carcaça do corpo. Um exemplo clássico de clarividência, cuja autenticidade é confirmada por fontes
históricas idôneas, é citada por Kant na sua carta a respeito de Swedwnborg, dirigida a Fräulein
Charlotte von Knobloch. Nessa carta Kant descreve como Swedenborg, enquanto em Gotemburgo,
teve a clarividência do grande incêndio em Estocolmo, em 1756 e como, hora após hora, ele relatou
ao público aterrorizado, o avanço do incêndio. Tudo isto aconteceu num sábado ao anoitecer e
somente ao anoitecer de segunda feira é que um mensageiro, vindo a cavalo a Gotemburgo, trouxe a
notícia de Estocolmo. Alguns céticos, para darem uma explicação natural a este evento
extraordinário chegaram ao cúmulo de acusar o próprio Swedenborg como o autor do incêndio.
Podemos ficar satisfeitos com este exemplo de clarividência porque seria perda de tempo citar
outros casos. Qualquer um que tenha alguma vez tomado contato com literatura pertinente a este
assunto, pode facilmente descobrir muitos casos que confirmam este fenômeno. Para qualquer
pessoa interessada neste assunto a literatura recomendada é Fernsehen und Fernwirken do Volume
II da obra Entdekung der Seele de DuPrel.
A teoria do efeito a longa distância no tempo está entre os assuntos mais obscuros e complexos no
domínio dos fenômenos ocultos. Sob este título classificamos premonição, profecias, vidência e
clarividência propriamente dita. Não me detive para qualquer explicação dos fenômenos
anteriormente tratados porque tais fenômenos estão muito além dos limites da minha palestra. Pela
mesma razão vou me abster de dar qualquer explicação sobre efeitos de longa distância no tempo,
embora o problema seja sumamente interessante e realmente peça comentários. No entanto não
posso resistir ao ímpeto de pelo menos sugerir uma direção para explicação. Para tanto cito a
afirmativa de Schopenhauer em Parerga und Paralipomena :
“Em conseqüência da doutrina de idealidade do espaço e do tempo de Kant compreendemos que
Ding an sich, ou seja a única realidade entre os fenômenos, estando livre dessas duas categoria
intelectuais, não sabe distinguir entre perto e longe, entre presente, passado e futuro. Portanto as
duas divisões baseadas nestes modos de ver o mundo não são absolutas, mas em vez disso, com
relação ao tipo de cognição da qual falamos, que é substancialmente alterado pela modificação do
órgão ( de cognição), não mais apresenta qualquer barreira intransponível.”
Acho que não há mais necessidade de dar exemplos. Quero apenas lembrar a famosa história do
cossaco que predisse a queda da Polônia muito antes de acontecer e o caso de Gazotte que em 1788,
de acordo com uma testemunha, François de la Harpe da Academia, profetizou os horrores da
Revolução Francesa, dizendo a cada pessoa presente o modo como iria morrer nos mínimos
detalhes. Lembro também um caso que aconteceu perto de casa: eu ouvi de uma fonte
absolutamente confiável, isto é, o médico, que a paciente que sofria de histeria, profetizou, em
palavras obscuras, o desastre de Münchenstein, vários meses antes deste ocorrer. Quando o desastre
aconteceu a mulher estava na Suíça e o percebeu com clarividência no mesmo instante em que
ocorria. Um telegrama foi despachado imediatamente após, confirmando a exatidão desta
clarividência.
Sonhos proféticos que representam um nível menor de clarividência consciente também pertencem
a esta categoria. Um tipo especial é a capacidade de vidência dos escoceses, um dom que atormenta
grande número de pessoas nas solitárias ilhas do norte da Escócia. Os profetas do Velho
Testamento também podem ser descritos como clarividentes, apesar de que nos tempos recentes
tenha sido feito um grande esforço no sentido de reduzir ao mínimo todos os elementos miraculosos
da Bíblia para despojar seus místicos protagonistas da sua característica auréola. Isto foi feito com o
evidente descaso com o fato de assim transformar os profetas em caricaturas, jornalistas
mercenários que iludem o público com suas profecias depois de os eventos profetizados terem
acontecido. Independente da insipidez de tal interpretação, nunca teria ocorrido a qualquer judeu
seguir as ordens de tal espantalho.
CONCLUSÃO

Chegamos, finalmente, a um resultado: Conseguimos obter evidências empíricas que confirmam


nossa definição de alma. Com certeza muitas pessoas ficarão surpresas com este novo e singular
procedimento e muitas terão dificuldade de tomar fôlego por causa do tumulto criado pelos abusos
conservadores. Por causa do seu tolo receio, sua indiferença, sua persistente recusa de chegar a
qualquer decisão, seu hábito de mencionar princípios a priori para obscurecer e ignorar problemas,
seu tacanho pedantismo e ceticismo provinciano chegam às fronteiras do ridículo. Tal como
Schopenhauer eu posso dizer: “Não tenho vocação para combater o ceticismo da ignorância.” Posso
apenas rir dos almofadinhas do ceticismo e dos dândis da dúvida. Dentro em breve os irreverentes
zombadores da posteridade irão misturar suas risadas ao badalar de sinos que proclamam a desgraça
de uma Alemanha dominada pelo materialismo. Apesar dos rumores do semestre e do Comitê
Central, eu direi aquilo que acredito ser a verdade.
Algum dia as pessoas irão rir e, ao mesmo tempo, chorar sobre o vergonhoso modo como os
grandes eruditos alemães se desviaram do caminho. Eles erguerão monumentos a Schopenhauer que
relacionou o materialismo com a brutalidade. Mas difamarão Carl Vogt, Ludwig Büchner,
Moleschott, DuBois-Raymond e muitos outros, por terem recheado as bocas escancaradas daqueles
moleques de rua - o proletariado intelectual - com asneira materialista.
Tomarão a Parerga de Schopenhauer para bombardear os materialistas com as mesmas palavras
que Schopenhauer usou para golpear Hegel, só que com mais força. Hegel foi acusado de paralisar
a mente dos jovens, castrar o seu intelecto, perturbar a sua mente e tumultuar a sua compreensão.
As mesmas acusações serão dirigidas ao materialismo que será responsabilizado por levar tudo e
todos à ruína; por oficializar o reinado da negligência e enfiar nas nossas cabeças a conversa fiada
sobre a eternidade e sublimidade das inflexíveis leis da natureza; de envenenar a moralidade e
induzir as classes educadas à instabilidade moral.
O que nós podemos fazer diante desta lastimável situação? Em primeiro lugar devemos instituir
uma revolução de cima para baixo, impondo a moralidade à ciência e aos seus expoentes através de
certas verdades transcendentais, pois afinal os cientistas não hesitaram em impor o seu ceticismo e a
erradicação da moralidade do mundo. Em instituições que ensinam psicologia, o julgamento moral
dos estudantes é deliberadamente deteriorado, pelo seu envolvimento em vergonhosas e brutais
experiências, com cruéis torturas impingidas a animais, que são uma afronta à decência humana.
Acima de tudo, em tais instituições, devemos ensinar que nenhuma verdade obtida por meios anti-
éticos tem o direito moral de existir. Nestas instituições públicas, destinadas a ser como refúgio para
o estudo da vida, as pessoas devem se dedicar à pesquisa experimental de fenômenos psíquicos e o
pessoal dessas instituições deve ser composto por homens de visão larga e livre pensamento, não
por filisteus intelectualmente impotentes com “mentes perturbadas”. Eu disse que devemos
combater o sensualismo grosseiro com certas verdades transcendentais. Mas de que fonte devemos
obter estas verdades? Da religião? Os teólogos, os administradores da religião, eles mesmos têm
lançado seu clamor por longos anos, tentando combater o demônio da descrença. Desde que a
filosofia Hegeliana e a ortodoxia religiosa comum deixaram de ser uma preocupação corrente, as
pessoas têm toda sorte de novas idéias, muitas das quais nós devemos a um certo Ritschl. Mas os
sermões que costumamos ouvir não nos dão nenhum vestígio de que alguém tenha algo especial
para nos dizer, pois entre os produtos deste século há um execrável jargão do púlpito, a “linguagem
de Canaã”, usado para disfarçar qualquer coisa que possa, por ventura, ofender alguém. Se
ouvirmos certos sermões sem qualquer preconceito, logo nos veremos envolvidos por idéias como a
graça divina e planos de salvação. Os padres falam assim tanto para os eruditos como para os
operários. Estes últimos estão sob os cuidados dos socialistas cristãos que despendem grande
entusiasmo mas sem grandes resultados. O propósito é despertar a crença e revivificar a fé cristã,
mas é tudo em vão! Hoje em dia o povo não quer mais crer. (They picked up this little trick from
the upper crust). Eles querem estar informados, como os eruditos que são também imorais
descrentes. De que servem as palavras em casos como estes? de que serve todo o idealismo do
mundo? Para despertar a fé são necessários atos, são necessários milagres e homens possuidores de
poderes miraculosos. Profetas, homens enviados por Deus! Nunca surgiu uma religião de um
insensível teórico ou de um idealista sentimental. Religiões são criadas por homens que
demonstram com atos a realidade dos mistérios e do “reino extrasensorial”. Simples postulados da
razão e meros sentimentos religiosos não podem reparar a ruína da nossa época; isto só pode ser
realizado por fatos que estabeleçam claramente a validade de algo acima dos sentidos.
Evidentemente nunca devemos cair na ilusão de que algum dia a maioria das pessoas será capaz de
apreciar um fato. Porque o homem possui, nas profundezas de seu ser, sedimentos de passividade,
um tenaz lodo primordial que continuamente gera uma terrível indolência mental.
Sempre que Deus consegue criar um Fausto, o astuto demônio fica atarefado e libera, do inferno,
sem mil filisteus tacanhos que o seguram, enquanto ele tenta se livrar deste mar de insensatez, e o
oprimem com o pegajoso grude da sua infinita indolência. O filisteu erudito se caracteriza pela
indolência, covardia, visão estreita e total ausência de “anseio metafísico”. Aos domingos enche as
igrejas e até a noite se ocupa com edificantes palavras, atos e reflexões. À tarde é gentil, bem
comportado e bom. À noite, como de hábito, finge ser um conhecedor de música ou vai caminhar
ao ar livre para ter contato com a natureza, em busca de paz interior no livro aberto da Criação.
Geralmente ele anda de cabeça erguida e tem um aguçado senso de dever. Nada além disso lhe
interessa, caminha em direção ao nada. Não há nele nenhum traço de vivacidade, energia ou
entusiasmo. Ele odeia, teme e despreza tudo que lhe é estranho. Seus fiéis aliados são como um
grande bando de delicadas borboletas e mariposas cujas características podem ser resumidas numa
só palavra: inconseqüentes! Efemerídeos intelectuais, esvoaçando de uma pequena poça a outra e
despedaçando-se com qualquer brisa.
Acho que me fiz entender. Mas sedimentos são sedimentos e permanecem no fundo do copo. Assim
mesmo, perdoem meu otimismo, pois espero que meu apelo, hoje, tenha causado alguma impressão
em alguns poucos que permanecem flexíveis e incorruptíveis. se esta esperança se mostrar vã, pelo
menos posso me consolar com a consciência de ter cumprido a minha tarefa.

Aquele que sabe a verdade e não a diz


É realmente um pobre miserável

A nova psicologia empírica nos fornece dados ideais para expandir o nosso conhecimento a respeito
da vida orgânica e aprofundar a nossa visão de mundo. Eles nos dão a oportunidade de vislumbrar o
caos da natureza e de contemplar um mundo inteligível onde em vão procuramos limites. Em
nenhum lugar nos sentimos tão sutis como este em que vivemos, no limite entre dois mundos.
Nossos corpos formados de matéria e nossas almas fitando a perfeição, formam um único
organismo. Nossas vidas entram em contato com uma categoria de ser superior. As leis que
governam nosso universo mental chegam aos limites desta luz, emanando do plano metafísico, e
nos aproximam do divino. O homem vive na fronteira entre dois mundos. Ele provém da escuridão
de um mundo metafísico, passa como um flamejante meteoro através do mundo fenomenal e então
parte em direção ao infinito.

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