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Exercícios preparatórios para a

consagração à Santíssima Virgem Maria


1ª semana
Autoconhecimento
I) Primeira semana - dia 3

Somos herdeiros do pecado original


Comecemos, agora, a nos dedicar ao conhecimento de nossas misérias. Em
primeiro lugar, as que decorrem diretamente do pecado original. Esse pecado
deixou FERIDAS profundas na nossa natureza.

Consideraremos uma a uma. Quanto mais a conhecermos, mais introjetaremos


no coração os REMÉDIOS da ascese cristã a serem aplicados.

Continuem invocando o Espírito Santo e Sua Esposa Imaculada.

Por ter sido ela mesma preservada do pecado original, Maria - muito mais
profundamente do que nós - é capaz de compreender nossa miséria moral. E
toda sua compaixão materna não quer nada mais do que nos auxiliar.

I - As FERIDAS do pecado original. Adão, em seu estado de inocência, não só


possuía a graça santificante em sua alma; ele gozava, ainda, por acréscimo, de
privilégios magníficos que aperfeiçoavam sua natureza e os tornavam mais apto
a viver com segurança e alegria seu papel de cabeça do gênero humano: os dons
preternaturais.

Esses privilégios - dons absolutamente gratuitos de Deus - eram a ciência infusa


(1), que o assemelhava aos anjos; o domínio das paixões, isto é, a isenção da
concupiscência tirânica ou inclinação ao mal; a impassibilidade, isto é, a
ausência de doenças e todo sofrimento corporal; e a imortalidade, isto é, a
ausência da morte corporal. Transcorrido seu tempo de vida e permanecido fiel
a Deus, Adão passaria suavemente do paraíso terrestre ao Paraíso no Céu. Mas,
devido a sua grave desobediência, perdeu de uma só vez a graça santificante e
todos os privilégios que Deus lhe concedera.

O Sacramento do Batismo nos reestabelece a graça com o direito à felicidade do


Céu; não nos restitui, contudo, os dons preternaturais que a acompanhavam.
Permanecemos, portanto, num estado de deca-dência, de miséria, de
depauperamento, sofrendo em nossa natureza aquilo a que chamamos as feridas
do pecado original: ignorância, concupiscência tirânica, sofrimento corporal e
morte.
I

Em nosso intelecto, a ignorância substituiu a ciência infusa. 0 primeiro homem


recebera de Deus a Revelação das verdades sobrenaturais relacionadas a seu
estado de justiça original, bem como uma série de conhecimentos sobre as
coisas necessárias à vida, em virtude da sua condição de cabeça e educador do
gênero humano. Tendo perdido essa ciência infusa, devemos remediá-la pela
ciência adquirida.

Ignoramos tudo quando chegamos ao mundo: nosso intelecto é tão nu quanto


uma placa lisa de mármore sem riscos ou uma quadro em branco sem nada
pintado. Tudo terá de vir a nós pelos sentidos e, durante toda nossa vida,
precisaremos aprender.

Um trabalho árduo e contínuo se impõe a nós, pois a ignorância, sobretudo


aquela das verdades importantes para a direção da nossa vida moral e espiritual,
não é facilmente vencida. É um fato que um número cada vez maior de
batizados reluta em manter e desenvolver os ensinamentos da catequese''.
Contentamo-nos com pouco, não compreendemos que jamais deveríamos nos
desacostumar com o estudo das verdades reveladas. Além disso, quantas
deficiências, lacunas, quantos erros nos espíritos em matéria de religião!

Mesmo naqueles que se dedicam ao conhecimento de Deus e das coisas divinas,


que se aplicam a reduzir o tanto quanto podem a ignorância nata pelo estudo dos
mistérios da fé e pelas luzes provenientes dos dons do Espírito Santo,
permanece em grande parte um obscurecimento. Não avançam senão que
tateando em direção à plenitude da luz reservada à glória, bem cientes de que se
lançam ao estudo de uma ciência sem fim, mas que os faz bem-aventurados aqui
embaixo. Suplicava Santo Agostinho: "O Senhor, que as tuas Escrituras sejam
para mim castas delícias. (...) Que eu possa inebriar-me de ti e sondar as
maravilhas da tua Lei, desde o princípio, em que fizeste o céu e a terra, até ao
reino, contigo perpétuo, da tua Cidade Santa". Mas, se Santo Agostinho era um
grande gênio, o que pensar, então, de nós mesmos e de nossa ignorância
crassa?!

II
Com a ciência infusa, o pecado original nos fez perder, outrossim, o domínio
das paixões. A vontade do Adão inocente, fortalecida de modo especial pela
graça, preservava facilmente a ordem entre as tendências das potências
inferiores. "Tal era a verossimilhança da imagem de Deus na alma, que ela
mantinha tudo no seu devido lugar", escreveu Bossuet. O corpo se submetia à
alma, assim como a alma se submetia a Deus.
Suprimida a graça, desaparecia com ela o domínio das paixões.

Nossas potências sensíveis reclamam, tiranicamente às vezes, sua satisfação.


Nossos sentidos externos [visão, audição, olfato, paladar e tato], por exemplo,
se comportam com avidez perante aquilo que sacia nossa curiosidade; nossa
audição capta com prontidão as fofocas que surgem; nosso tato busca sensações
agradáveis e isso muito além dos limites permitidos pela lei moral. O mesmo se
passa com nossos sentidos internos (imaginação, sensibilidade e memória): a
imaginação reproduz todo tipo de cenas mais ou menos sensuais; a sensibilidade
guarda a lembrança dos prazeres inferiores.

Todos eles tentam convencer a vontade a ceder. É a tirania da con-cupiscência, a


inclinação violenta ao mal, a atração desordenada pelo prazer proibido.

Decerto, a vontade é capaz de resistir. Mas ela mesma ressente os efeitos da


desobediência de Adão e sofre para se submeter a Deus e a Seus representantes
na Terra?. Ela tem pretensões à independên-cia: acredita prontamente poder se
bastar. Logo, quanto esforço não é necessário para superar os obstáculos que
impedem o bem! Que fraqueza, que inconstância nesses esforços! Quantas
vezes ela não se deixa levar por sentimentos e paixões!

São Paulo descreveu, em termos desconcertantes, esta fraqueza deplorável: Não


faço o bem que quereria, mas o mal que não quero. Ora, se faço o que não
quero, já não sou eu que faço, mas sim o pecado que em mim habita. Encontro,
pois, em mim esta lei: quando quero fazer o bem, o que se me depara é o mal.
Deleito-me na Lei de Deus, no íntimo do meu ser. Sinto, porém, nos meus
membros outra lei, que luta contra a Lei do meu espírito e me prende à lei do
pecado, que está nos meus membros. Homem infeliz que sou. Quem me livrará
deste corpo que me acarreta a morte?

Graças sejam dadas a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! (Rm 7, 19-25).

É a luta da carne contra o espírito. Todos os filhos de Adão a experimentam


vividamente na alma. A graça batismal, desenvolvendo-se numa vida cristã
verdadeiramente virtuosa, corrige e atenua esta propensão ao pecado. Mas
jamais a cura completamente. O auto-domínio, quase impecável, que
admiramos nos santos, é o resultado de lutas e paciências heróicas, sustentadas
por uma graça poderosa.

Quanto às outras duas feridas do pecado original, a doença e a morte, elas


continuam ineludíveis e implacáveis para todos. Devemos comer nosso pão com
o suor da nossa testa, expostos a doenças e enfermidades de todos os tipos,
enquanto esperamos um dia retornar à pátria de onde fomos tirados. Contudo,
enquanto estivermos aqui, com a graça redentora posta à disposição, podemos
santificar o sofrimento e amenizar o que a morte traz de assustador e cruel.

Lembremo-nos do que narra o Padre de Montfort sobre o que diz a

Virgem Maria a seus servos fieis na hora da morte: "eles são felizes em sua
morte, que é doce e tranquila, e na qual eu os assisto, para os conduzir às
alegrias da eternidade" (Tratado, 200).

II - Os remédios da ascese cristã


Cientes das feridas que carregamos em nossa natureza humana, devemos não só
crer no dogma do pecado original, mas, consequen-temente, nutrir em nós o
hábito de uma grande humildade de espírito. Essa humildade será o primeiro
remédio para nossa miséria inata: não se pode conceber seres decaídos que
exaltem a si mesmos.

Sem dúvidas nossa natureza não é corrupta em si. As expressões, muitas vezes
fortes, da tradição cristã sobre o pecado original devem ser entendidas do
homem em relação a sua condição primeira, não da natureza considerada em si
mesma. Esta, mesmo após o pecado, não é inerentemente má; guarda seu livre
arbítrio e ainda é capaz de algum bem em sua ordem. Nós somos, porém, seres
enfraquecidos, empobrecidos, degradados, desfigurados, privados de dons
magnifi-cos: a natureza foi feita pela graça. Privação significa que algo está
faltando, que deveria estar, mas não está. E, por aí mesmo, é um mal, uma
desordem o fato de faltar. É uma desordem perante Deus, a desordem do pecado
original que envolve todas consequências indicadas. Embora, pessoalmente, não
sejamos culpados, devemos nos humilhar. É a atitude que nos convém:
ajudar-nos-á, agora, a conhecer as más tendências que predominam em nós e se
opõem à aquisição das virtudes e que são a causa mais comum de nossos
pecados atuais.

Estas tendências, comumente chamadas defeitos dominantes, não são nada mais
do que o apego a si mesmo, enraizado mais fortemente em uma ou outra das três
concupiscências que nos inclinam ao mal: a soberba, a concupiscência da carne
e a dos olhos. Devemos conhecê-las bem para estarmos em condições de melhor
combatê-las.
Da soberba
A soberba é um amor excessivo de si mesmo, que se manifesta de diversas
formas: egoismo, vaidade, presunção e ambição com desejo de dominar.

Algumas pessoas são acentuadamente egoístas, sempre prontas para colocar seu
"eu" em primeiro lugar. Circunscrevem tudo ao redor de si, só se preocupam e
só se inquietam consigo. Encerram-se e cen-tram-se em si mesmas. Não pensam
nos outros, não há interesse, nao simpatizam com eles. Este defeito causa muito
sofrimento às pessoas de seu convívio. Não podem dizer nada, nenhuma tristeza
ou uma alegria, nem evocar uma lembrança ou narrar suas impressões sem que
sejam atravessados pelo egoísta, que redireciona toda a conversa para si: o que
viu, viveu, conheceu, sofreu - eu isso, eu aquilo... É sempre o "eu" na frente!

Outros são vaidosos: buscam a estima, a aprovação, o louvor dos outros.


Jactar-se não lhes causa nenhum incômodo: falam de si com superioridade, de
sua inteligência, suas capacidades, seus talentos, suas competências. E, também,
de sua família, de suas relações, seus sucessos, que sempre excedem o sucesso
dos outros. Amam chamar a atenção para si próprios por certas maneiras de
agir, de se vestir, de parecer, pela ostentação em certa ocasião ou pelas
exclusividades que se permitem. Pequenas satisfações que privam a alma de
muitos méritos.

Outros apresentam o defeito da presunção: aquela confiança ilimitada em si


mesmos, em suas habilidades naturais, em seus conhe-cimentos, sua força e,
mesmo, em suas virtudes. Donde a tendência de se elevarem acima dos outros, a
quererem fazer as coisas para se sobressaírem. E tem mais: estão sempre a
razão, não reconhecem suas falhas e não levam em consideração as
admoestações recebidas. Não se dobram, não cedem, enfrentam tudo e todos. E
quando confron-tados, zangam-se, ficam chateados, chegando, às vezes, ao
ponto de, enfurecidos, perderem completamente o controle. Tal era o defeito do
Apóstolo Simão Pedro, como vimos, o chefe do colégio apostólico; sem
reconhecê-lo, expôs-se à tentação sem precauções nem garantias, e caiu em um
tríplice pecado grave. Ratifiquemos, para seu louvor, que depois de ter
reconhecido seu erro e chorado suas negações, ele se tornou o mais humilde de
todos, conforme o testemunho de sua morte na cruz?.

A ambição e o desejo de dominar derivam da mesma fonte.

Amam e buscam dignidade e honrarias. Querendo alcançar o alto escalão, são


bajuladores e aduladores buscando a graça dos que já estão lá no alto. Quando,
de fato, atingem o patamar almejado, fazem de tudo para se manterem aí,
afastando os críticos e rodeando-se de novos bajuladores. A inveja ou o ciúme
entram, pois, em jogo contra quem quer que ascenda ou seja capaz de rebaixar
seu posto elevado ou rivalizar com as brilhantes qualidades que admiram em si
mes-mos. Entristecem-se quando outros são elogiados e se esforçam por
neutralizar esses elogios proferindo críticas malignas.

Assim é o triste modo de ser da soberba. Como podemos ver, opõe-se, em


primeiríssimo lugar, ao espírito de humildade.

Da concupiscência da carne
A concupiscência da carne leva-nos a amar o corpo mais do que o necessário: é
uma tendência muito pronunciada a buscar a si mesmo nas satisfações que o
afetam.

Aqueles dominados por essa concupiscência devem lutar mais do que os outros
contra: preguiça, gula e luxúria.

A preguiça os faz recuar ante qualquer esforço corporal: trabalho assíduo,


tarefas, empregos que exigem coragem e perseverança. Em contraste, gostam do
que favorece o repouso do corpo: seu bem-estar, o sono prolongado, os banhos
frequentes, o uso de perfumes, as roupas leves, os passeios agradáveis, as visitas
sem motivo. Esta preguiça, se não combatida, expõe a muitas tentações.

A gula manifesta um abuso, uma desordem do prazer legítimo que Deus quis
unir à comida e à bebida: seja comendo/bebendo sem necessidade, fora de hora,
pelo prazer em si de se satisfazer; seja procurando as melhores refeições, os
melhores pratos, as melhores bebidas, tal como fazem os gourmets; seja
ingerindo uma quantidade enorme de alimento, sob o risco de comprometer a
saúde (quantas doença não decorrem dos excessos à mesa!); seja ainda no modo
de comer/beber, avidamente, como animais que avançam sobre o que lhes é
dado. Quantas faltas não são cometidas desse modo contra a mortificação!

As afeições ou amizades sensíveis, procuradas por si mesmas sem nenhuma


outra razão que a satisfação do coração, são sempre perigosas, pois a linha é
muito tênue, rapidamente ultrapassada. Do sensível ao sensual, do sensual ao
carnal é um pulo. Apegam-se e não vigiam sua imaginação, sua sensibilidade,
os olhares e sobretudo o senso de toque. E o defeito dominante de certas pessoas
que podem ser muito ditosas, mas do mesmo tempo muito fracas, Deve-se saber
como ordenar as coisas desde o início, senão corre-se o risco de quedas
lamentáveis. Essa troca de afetos só é permitida aos casados.
Da concupiscência dos olhos
A concupiscência dos olhos leva à avareza, compreendida aqui como apego
exagerado aos bens que possuímos ou dos quais dispomos. Os avarentos tendem
a ter ciúmes do dinheiro que ganham.

Só gastam com remorso e mesquinhez. Recusam a ajudar os seus próximos, dão


nada ou quase nada aos pobres e à caridade. Em vez de poupar com sabedoria,
endinheiram-se além da medida com medo de que lhes falte e sem a mínima
confiança no Pai Celestial que vela por nossas necessidades. Assim, pouco a
pouco, os olhos se fixam à Terra como se fossem permanecer aí para sempre.

Amemos doar, amemos dar esmolas!

Todos esses defeitos não são pecados em si, mas nos faz cometer muitas faltas,
a maioria veniais. E à medida que são saciados por nós, fortalecem-se e
tornam-se cada vez mais exigentes. Podem, então, nos levar a pecar gravemente
e até mesmo se transformar em vícios tirânicos. É assim então que as
consequências acentuadas de nossos pecados pessoais vão se unir às do pecado
original.

Impõe-se o preceito evangélico de autorrenúncia. Devemos, diz Montfort,


renunciar "às operações das faculdades da alma" (Tratado,81).

No que concerne o intelecto, renunciar ao mal que é a ignorância religiosa.


Dediquemo-nos a conhecer o que se refere a Deus, nosso fim último e aos meios
de alcançá-Lo. Este conhecimento é primordial: não seria razoável
ocuparmo-nos das ciências humanas e negligenciar aquela da salvação. Quanto
batizados são especialistas deste ou aquele ramo do saber humano, mas que mal
conhecem imperfeitamente as verdades cristãs.

Renunciar a esta vã curiosidade, que quer, acima de tudo e de uma maneira


excessiva, as leituras que lhe agradarem, como romances, jornais, revistas da
moda [hoje em dia: publicações nas redes sociais, filmes, séries etc], em que a
alma não acha nada que possa elevá-la ou enriquecê-la, Coloca-se, assim, o
agradável antes do necessário.

Perde-se um tempo precioso e transforma-se o que era pra ser um momento de


lazer em uma ocupação vazia que se prolonga e prejudica grandemente o bom
uso da nossa jornada.

Renunciar, também e sobretudo, a esta peculiaridade do espírito orgulhoso, que


se afirma autossuficiente e dificilmente se inclina aos ensinamentos da fé, às
diretrizes do Magistério ou à obediência devidas aos superiores. Causam
embates, criticam, mantêm suas ideias, não consultam a autoridade, só confiam
em seu julgamento e desdenham da opinião alheia. Semeiam, dessa forma, a
discórdia em vez de promover a paz.

No que concerne a vontade, que é a potência superior da nossa alma, a causa de


nossos méritos ou deméritos, devemos renunciar seguir as exigências de nossas
potências inferiores para sempre submetermos perfeitamente nossa vontade a de
Deus. E isso exige sacrifícios, sobretudo de nossos gostos, caprichos e ânsias
naturais.

Renunciar aos atos precipitados que nos fazem ceder ao ímpeto do momento, à
exaltações ou mesmo aos automatismos da rotina. Não refletimos antes de agir,
não nos perguntamos o que Deus quer de nós.

Renunciar à indiferença, à indecisão, à falta de valores morais, tudo o que


paralisa as forças da vontade. É importante aprender e desenvolver as
convicções de fé, que estimulam nosso querer e o ordenam a escolher o que está
em conformidade com a vontade de Deus.

Renunciar ao medo do fracasso: isso é uma falta de confiança e, por si só,


deprime nossas forças. É preciso, pelo contrário, se lembrar de que, com o
auxílio da graça, temos a certeza de alcançar bons resultados.

Renunciar, também, a este outro medo que é o respeito humano: com medo das
críticas ou das zombarias dos outros, confiamos menos no julgamento de Deus,
o único que importa: fica, assim, enfraquecida nossa vontade.

Quanto aos maus exemplos, devemos resistir-lhes com força, porque nos
induzem quanto mais corresponderem a uma propensão da nossa natureza.
Vimos em nossas meditações dos dias preliminares: é a Nosso Senhor que
devemos imitar, não o mundo.

Ademais, diz-nos São Montfort, devemos renunciar às operações "dos sentidos


do corpo", ou seja, "precisamos ver como se não vís-semos, ouvir como se não
ouvíssemos, servir-nos das coisas deste mundo como se não o fizéssemos (cf.
1Cor 7, 29-31)" (ibid.). É a doutrina de São Paulo em sua primeira carta aos
Coríntios.

Obviamente devemos renunciar aos olhares sensuais, gravemente culpáveis, que


são governados pelos desejos proibidos. Nosso Senhor reprova-os
energicamente quando diz: Se teu olho direito é para ti causa de queda,
arranca-o e lança-o longe de ti, porque te é preferível perder-se um só dos teus
membros a que o teu corpo todo seja lançado na geena (Mt 5, 29). O que não
quer dizer que devemos sair por aí arrancando furando olhos, mas que
precisamos saber desviar nossos olhares da visão de pessoas ou objetos que nos
escandalizem.

Devemos, contudo, renunciar, ainda, aos olhares simplesmente curiosos: podem


suscitar tentações. São sempre causa de uma multidão de lembranças e de
imagens que consomem a alma, sobrecarregam a memória inutilmente e
ocasionam a maioria de nossas distrações na oração. Purifiquemos nossos
olhares fixando-os em tudo aquilo cuja essência eleva nossa alma e nos faz
bendizer o Criador.

Quanto às palavras contrárias à pureza ou à caridade, se puder-mos, ao menos,


evitar escutá-las, que não demos ouvidos a elas. E, principalmente, não
prolonguemos uma conversa já errada em si.

É bem raro as conversas desonestas ou contrárias à caridade não produzirem


efeitos desastrosos nos que as escutam. As primeiras (desonestas) incitam
desejos ruins e provocam o pecado; as segundas (contrárias à caridade) levam a
fofocas que injuriam a reputação do próximo, pois somos levados a repetir o
que escutamos. Amemos as conversas leves e benevolentes que são, ao mesmo
tempo, um lazer sensato.

Eis como usamos desse mundo como se dele não usássemos (cf. 1Cor 7, 31):
sabendo que tudo é passageiro, breve, efêmero. É o que São Paulo chama
morrer todos os dias (cf. 1 Cor 15, 31).

Já dissera Jesus, recorrendo a uma comparação que lhe é familiar: Se o grão de


trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer, produz muito fruto. [Jo 12,
24]. Explica-nos São Montfort: "Se não morrermos a nós mesmos, e se as mais
santas devoções não nos levarem a esta morte necessária e fecunda, não
produziremos fruto que valha, nossas devoções serão inúteis, todas as nossas
obras de justiça ficarão manchadas por nosso amor-próprio e nossa própria
vontade, e Deus abominará os maiores sacrifícios e as melhores ações que
possamos fazer. Na hora da nossa morte, teremos as mãos varias de virtudes e
méritos, e não brilhará em nós a menor centelha do puro amor, que só é
comunicado às almas mortas a si mesmas, almas cuja vida está oculta com Jesus
Cristo em Deus (Col 3, 3)" (Tratado, 81).

Tenhamos, pois, a coragem, com a graça divina, de não recuar jamais perante o
preceito austero da renúncia de si: ele é a condição primeira e impreterível da
nossa marcha rumo ao Divino Mestre.
Mas, como a graça divina só nos é dado por Maria, as meditações que seguirão -
todas para descobrir nossas misérias - nos mostrarão o quão poderoso é o
auxílio da Virgem Santíssima, se soubermos aproveitar de seu papel
providencial de Medianeira. Longe de confiar em nossos próprios esforços
pessoais, estaremos dispostos a recorrer continuamente à sua ajuda e
intercessão. Assim, manteremos e desenvolveremos em nós a virtude da
humildade. E Maria se fará muito presente para fortificar nossa vontade na luta
contra nós mesmos e contra os inimigos que vão de encontro ao avanço
espiritual.

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