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[Atenção: Este manuscrito é inédito, visando publicação.

Por favor não o cite sem autorização minha por escrito – © Ehud Garcia, 2012].

Capítulo I

Introdução

S empre que lidamos com a mensagem transformadora do Evangelho, palavras da


Grande Comissão nos trazem uma motivação para missões. “Ide por todo o
mundo e pregai o evangelho a toda criatura”, disse o Senhor Jesus à sua Igreja.
Esta motivação, como veremos adiante, é por demais significante para ficarmos de bra-
ços cruzados, enquanto milhões perecem sem ter o seu encontro pessoal com Jesus Cris-
to. Muito embora sejamos gratos por termos recebido a salvação de graça, temos sem-
pre que nos lembrar que Deus nos escolheu e nos elegeu em Cristo para cumprirmos
uma missão, a evangelização do mundo.

Por que estudar Missões?

Uma vez mais, a pergunta que temos à nossa frente decide o que queremos delinear nos
próximos capítulos. É uma pergunta que pode ser respondida com uma simples e obje-
tiva resposta; mas, devido ao propósito deste livro, prefiro expandir mais do que o que
muitos possam achar necessário. O problema aqui proposto, o qual está inteiramente
dependente deste autor, requer uma exploração mais redundante e ao mesmo tempo
concisa o bastante para que os leitores não sejam colocados em uma retórica prolongada
e sem resultados práticos.
O debate a respeito da importância de se estudar missões já deve ter em si mesmo
aquiescido diante da suprema realidade dos fatos. Muitos missionários que deixaram o
Brasil sem um treinamento adequado, mesmo que mínimo, têm encontrado muitos obs-
táculos que podem ser verdadeiras barreiras intransponíveis em seu esforço de servir a
Deus. Outros têm retornado de seus campos com um gosto amargo em suas bocas: sen-
tindo-se derrotados, prontos a abandonar o seu chamado missionário, muitas vezes
deixando de lado até mesmo a sua preciosa fé. Em certos casos, podemos dizer que há
muitos soldados que se acham feridos em seus campos de batalha e que ali se acham
completamente desprovidos de ferramentas, remédios, e outros tipos de bálsamos para
lhes curar as feridas. O cenário, apesar de ser ainda pequeno, demonstra mais uma vez
que há uma grande necessidade de se estudar missões. Esse exercício é por si mesmo,
não somente um treinamento para aqueles que vão para o campo, mas também uma ne-

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cessidade para os que ficam em suas igrejas, provendo o suporte necessário para os seus
obreiros.
Realmente, o estudo de missões posa como uma necessidade imperativa para nossa
igreja no Brasil. Um dos principais motivos é que já se tem passado a maior parte da eu-
foria missionária no nosso país. Isso é bom, pois a igreja tem assim uma oportunidade
de aprender mais claramente o que seja o plano de Deus para a evangelização mundial.
Aquela euforia inicial que a igreja brasileira experimentou há pelos menos duas décadas
está dando lugar a uma nova experiência missional1 que traz consigo um amadureci-
mento e uma nova visão. Isso é uma conseqüência natural, pois o movimento missioná-
rio brasileiro, como quaisquer outros movimentos, segue o seu curso normal de vida.
Chegada está a hora de se comparar notas, aprender uns com os outros, enfrentar a pos-
sibilidade de seus próprios erros. Enfim, mais do que nunca, o estudo de missões preci-
sa ser passado para os que estão nas suas igrejas, nos seus lares, entre seus amigos; e
não somente dentro dos centros de treinamentos missionários. Uma igreja que esteja
engajada no envio de missionários precisa conhecer melhor o que realmente seja a obra
missionária. Assim, o estudo de missões é imperativo não somente para os que vão, mas
também para os que enviam. O esforço missionário é uma comunhão de fatores; um es-
forço comum debaixo da assistência do Espírito Santo.

A Prática Missionária Requer Teoria

Aqui fica o desafio inicial que tanto tem impossibilitado um estudo mais intencional de
missões. Tem havido, até com certa surpresa para o autor, uma noção que missões po-
dem ser feitas sem que haja um corpo teórico por trás de seus pressupostos. Isto é uma
agravante que deve ser minimizada, principalmente na transição missiológica que o
Brasil pode estar enfrentando no momento, senão dentro de poucos anos. Esta é a fina-
lidade da missiologia.
A Missiologia que passamos a detalhar nos capítulos vindouros, tem como função
principal educar o povo de Deus no que concerne ao seu plano de salvação para os po-
vos da terra. Em outras palavras, a Missiologia trabalha em favor dos missionários e
também ajuda a igreja a melhor distribuir seus recursos, quer sejam humanos, financei-
ros ou espirituais, de tal forma que a obra de evangelização do mundo possa ser alcan-
çada dentro dos parâmetros escolhidos por Deus, os quais abreviarão a volta do Senhor
Jesus Cristo. Como nos lembra o Senhor, mais uma vez, podemos assegurar que “será
pregado este evangelho do reino por todo o mundo. Então virá o fim” (Mt. 24:14).

1 Este termo pode ser considerado um neologismo, juntamente com outras palavras neste livro. Com o
desenvolvimento do estudo de missões, assim como em quaisquer outras áreas de estudo, novas palavras
são criadas. Desta forma, “missional” serve como uma ponte entre o que missionário e o que é missiológi-
co. Na verdade, este termo tem sido usado já por algum tempo na literatura missiológica. O mesmo, no
entanto, tem sido amplamente usado na América do Norte, dando ênfase a um novo movimento que tem
praticamente sobreposto o movimento de crescimento da igreja, o qual foi muito enfatizado nas duas úl-
timas décadas do século passado.

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Essa teoria é necessária, pois, lamentavelmente muito se tem perdido porque ela não
se acha ali presente. Não há prática sem um corpo teórico que seja o seu sustentáculo. A
teoria, antes de ser um corpo por muitos tido como abstrato, é sem dúvida o estimula-
dor e implementador da visão para qualquer tarefa a ser efetuada. Antes da mesma ser
aplicada, ela tem que ser aprendida. Tomemos por exemplo um médico. Ele somente
poderá começar seus estágios depois de ter sido totalmente submerso num oceano de
teoria. O mesmo acontece com as demais profissões que são conhecidas do leitor. Os
maiores estrategistas do mundo foram bem sucedidos em suas empresas apenas porque
os mesmos adquiriram um grande volume de teoria. Isto pode ser confirmado histori-
camente em todas as áreas possíveis. Mas, uma vez que estamos lidando com missões,
passemos a olhar a vida do Apóstolo Paulo. Ele somente começou sua obra missionária
após treze anos de árdua reflexão teológica. Na verdade, tão logo ele foi convertido,
Paulo começou a falar de sua conversão em Jerusalém. Dali, ele foi enviado pelos ir-
mãos a Tarso, onde aparentemente ficou por uns dez anos. Ainda sabemos de sua ida
para as Arábias por três anos. Isso quer nos dizer que Paulo era um homem que lidava
muito com teoria (neste caso: teologia) e que jamais deixou de ser um teórico da obra
missionária. Lembremo-nos também que já no final de sua vida ele pede a Timóteo para
lhe enviar uma capa de frio e seus livros, especialmente os seus pergaminhos (2 Tim.
4:13).

A Teoria Missionária Requer Prática

Por outro lado, estão corretos aqueles que dizem haver “teólogos de gabinete”, o que
em nosso caso se tornam “missiólogos de gabinete”. Neste ponto, há uma grande neces-
sidade de se livrar de enfadonhos ensinos que são desprovidos de uma dosagem segura
de experiência missionária. Creio que um missiólogo que escolhe a tarefa do ensino de-
ve ter sido antes um praticante daquilo que está ensinando. Quanto a isto, não há dúvi-
da alguma. Da mesma forma, creio que alguém que esteja ensinando teologia prática
em um seminário deve ser antes de tudo um pastor com experiência suficiente para ve-
rificar seu ensino diante de seus alunos.
O problema do teólogo ou missiólogo de gabinete, no entanto, parece ser um pouco
mau entendido em alguns círculos, principalmente entre aqueles que gostam de levan-
tar crítica sem fundamento. Há algum tempo atrás, um dos meus alunos aproximou-se
de mim com uma crítica um tanto severa a um dos autores que eu havia requerido em
meu curso de Teologia da Missão. Tal estudante sentiu-se no dever de atacar a credibi-
lidade daquele autor, colocando-lhe o rótulo de “missiólogo de torre de marfim”, o que
é o equivalente do “missiólogo de gabinete” na América do Norte. Pudemos então de-
senvolver uma conversa animada sobre o assunto e ali tive a oportunidade de dizer que
aquele autor fora missionário em um dos lugares mais pobres e carentes do sul do Mé-
xico. Não somente isto, mas o autor convive extensivamente com seus alunos em vários
lugares do mundo, ajudando-os a dialogar sobre os desafios missionários do dia. Sua
experiência no campo missionário é o seu maior ponto de suporte para as teorias que o
mesmo levanta em seus livros.

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Antônio Carlos Barro, um missiólogo radicado em Londrina, nos faz lembrar de um
outro missiólogo—esse, sul africano—sobre a tensão que existe entre os dois polos: o
missionário no campo em um extremo e o missiólogo em sua cadeira acadêmica no ou-
tro. Um não pode sobreviver sem o outro, pois ambos se complementam. Ambos preci-
sam um do outro. Desta forma, a teoria não pode sobreviver sem o auxílio da prática
missionária. Como veremos adiante, a Missiologia tornou-se uma necessidade eminente
na Igreja desde os seus primórdios. O maior exemplo disto é uma leitura rápida do livro
dos Atos dos Apóstolos. Atos 15 é um exemplo clássico da prática alimentando a teoria
e a teoria realimentando a prática. Tudo aquilo discutido em Jerusalém por ocasião da-
quele encontro foi uma reflexão missiológica sobre uma prática da Igreja Primitiva em
relação ao seu avanço entre os gentios. A carta que foi enviada para ser lida entre as
igrejas da época foi, certamente, uma exposição da teoria que se elevou como resultado
daquela prática nova no processo do avanço missionário da Igreja.
A Missiologia somente sobreviverá como uma ciência se a mesma ouvir as bases, e
estas, como sempre, são a voz daqueles que vão à frente e desbravam novas fronteiras.
A Missiologia é antes de tudo uma ciência contextual, pois está intrinsicamente ligada e
dependente dos fatores contextuais do missionário. Da mesma forma que um missioná-
rio ingênuo e sem treinamento será tido como um missionário ineficiente, o missiólogo
que não tenha experimentado o campo de trabalho será totalmente ineficaz e desligado
da sua própria realidade. Missiologia não pode acontecer em um vácuo, nem tampouco
pode ela ser produzida em uma biblioteca de seminário.

A Missiologia Dentro da Igreja

A Igreja Cristã tem por obrigação existencial um compromisso com a Missiologia. Esse
compromisso é sagrado, pois ambas dependem uma da outra. Não se pode separar a
reflexão missiológica da prática missional. Assim, o ponto de encontro se dá dentro da
Igreja, pois a mesma é a fonte de subsistência da obra missionária. Mesmo havendo du-
as estruturas na obra missionária, uma eclesiástica e outra para-eclesiástica, tais estrutu-
ras são parte integrante da Igreja. Como tal, a Igreja é o centro do elaborar missiológico.
Um grande teólogo certa vez disse que a igreja que não esteja envolvida em missões
deixa de ser igreja. Esse teólogo, considerado uma das maiores vozes para a missiologia
deste século, foi Karl Barth.
Uma Igreja que não se dá conta de uma reflexão missiológica, em muito deixa sua
obediência a Cristo em falta. A obra missionária não é uma opção da Igreja, é a razão de
viver da mesma. A vida, ou seja, a continuidade existencial da Igreja depende de seu
envolvimento missionário. Daí a mesma ser o receptáculo de uma missiologia que lhe
possa dirigir a visão da obra de Deus no mundo. O grande mandamento de Deus para a
Igreja é a Grande Comissão, devendo ela ser vista do ângulo que seus membros possam
contemplar-lhe. Para uns, a ênfase pode ser no discipulado enquanto para outros, pode
ser no serviço. Sem querer confundir o leitor com uma retórica ineficaz e alienada, a
Igreja é chamada a obedecer aos dois mandatos de Deus: o Mandato Cultural e o Man-
dato Evangelístico. Isso será efetivado com sucesso somente quando a Igreja desenvol-

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ver uma missiologia que lhe seja adequada e consistente com seu contexto missional.
Para isso, a Igreja tem que refletir tanto teológica como missiologicamente.

A Igreja Dentro da Missiologia

Em contrapartida, o momento em que a Missiologia abandonar a Igreja, a mesma deixa


de ser o que clama ser. A Missiologia não pode deixar de servir a Igreja, mas ao mesmo
tempo, ela não pode abandonar a Igreja. Missiologia é, antes de tudo, eclesial. Eviden-
temente, haveremos de concordar que a Missiologia tem que ser centrada em Cristo, i.
e., ela tem que ser Cristológica. Mas, no ponto de partida prático, sua reflexão parte de
dentro da Igreja, por isso ela tem que incluir a Igreja em sua reflexão.
Um dos aspectos importantes da Missiologia é o estudo do crescimento da igreja.
Esse estudo tem que ser aprofundado e seus resultados devem ser medidos tanto quali-
tativa como quantitativamente. Não se pode parar ali, contudo. O mesmo tem que ser
avaliado diante da perspectiva do avanço histórico, denominacional, fenomenológico, e
social. A Igreja é, antes de tudo, a nova sociedade que reflete o Reino de Deus. Ela, no
entanto, não é o Reino de Deus em si mesma. Isso traz à tona a necessidade de um apro-
fundado estudo de suas estruturas, as quais informarão o missiólogo sobre as variações
e turnos que a Igreja toma em seu transcurso histórico e contextual. Assim, a Missiolo-
gia tem que incluir a Igreja no seu plano de reflexão; doutra forma, a mesma deixa de
ser significante para o missionário na vanguarda.

O Alvo Deste Livro

Este livro tem como alvo principal informar o leitor sobre o que compõe a Missiologia.
Na verdade, não somente é o desejo do autor que todos os leitores se apropriem de uma
introdução geral do que seja Missiologia, mas também que cada um possa aplicar tal
conceito em sua própria igreja, no seu lar, ou mesmo fazendo o seu trabalho missioná-
rio.
Este não é o lugar para trazer a divisão sistemática da Missiologia. Contudo, a apre-
sentação do alvo principal se torna algo proeminente à esta altura, uma vez que o leitor
poderá estar contemplando a possibilidade de ter uma leitura vaga e sem propósito. Is-
so deixa de ser verdade, uma vez que o que se espera na leitura deste livro é a apreen-
são de elementos importantes para uma leitura e uma prática missionária baseada em
uma sólida exposição de componentes intrínsecos e integrantes de um todo.
O alvo assim proposto trará também um aclaramento maior do que seja a visão mis-
sionária de Deus. A Igreja Cristã no Brasil, mais do que nunca, precisa de ser relembra-
da do ponto central da missão: a busca daqueles que Deus está chamando pelos cantos
do mundo. Desta forma, deixamos o leitor na expectativa de colher bons frutos no de-
correr dos demais capítulos.

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Capítulo II

Motivação Missionária

A ntes de falar da motivação missionária, devemos entender que há pelo menos


duas fontes ou correntes de motivação. Uma é a motivação missionária pesso-
al, enquanto a outra, a motivação da Igreja. Necessário se faz discutir, mesmo
que brevemente, ambas. A razão para tal é que uma afeta a outra tanto positiva como
negativamente. A motivação missionária de um indivíduo pode ser legítima, enquanto
uma outra pode ser truncada, incompleta, ou mesmo sem base bíblica alguma.

Motivação Pessoal

A motivação de uma pessoa pode ser progressiva, enquanto a de outra pode ocorrer
instantaneamente, sem que a pessoa possa ter tempo para repensar, ou fazer planos. Em
meu caso, a minha motivação missionária foi gradativa e ao mesmo tempo espasmódi-
ca, se posso usar tal palavra. Tendo crescido em um lar evangélico, desde criança fui
acostumado com a palavra “missionário” em minha casa. Meus pais hospedavam evan-
gelistas, pastores itinerantes, missionários entre os índios, até mesmo missionários core-
anos já passaram pela minha casa. Minha mãe trabalhou na casa de missionários ameri-
canos e também em um hospital evangélico em Anápolis. Assim, falar de missionários
em minha casa era alguma coisa comum.
Desde pequeno, meu sonho era viajar pelos países do mundo. A princípio, sonhava
ser piloto, uma vez que morávamos adjacentes a um aeroporto. Sonhava poder ver o
mundo de avião, coisas de menino. Por outro lado, sonhava um dia ser um fotojornalis-
ta, podendo assim explorar o mundo lá fora. Meu coração nunca se contentou em cha-
mar Araguari, minha cidade natal, o lugar onde os meus ossos fossem depositados no
final de minha vida. Não que a cidade em si fosse desprezível, mas era o desejo de voar,
de viajar, de sair, que me rodeava o coração. Ali, creio que meu coração missionário, co-
ração apostólico (enviado), estava sendo preparado para o que viria no futuro.
Como todo rapaz crescendo na virada dos anos sessenta e abraçando os setenta com
toda a força, desviei-me da igreja e mesmo assim meu sonho de viajar continuou. Esme-
rei-me em aprender Inglês, pois meu sonho era morar em Londres um dia e minha
agenda era bem especifica: queria falar Inglês bem e morar em Londres para poder ir
aos concertos do Pink Floyd, meu grupo favorito. Cheguei a maquinar um plano com

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um amigo de Goiânia para juntos irmos para a Inglaterra, achar um trabalho ali por vol-
ta de Londres ou Cambridge, a fim de ficarmos perto dos nossos “ídolos”. Nada santo
nisso, confesso, mas foi algo que manteve em mim uma disciplina quase que sagrada de
aprender Inglês. Sendo eu muito pobre, tive que aprender sem a ajuda de cursos especi-
alizados, apenas cometendo meus erros homéricos, dos quais não gosto de me lembrar,
é claro. Mas, mesmo com meus planos distorcidos, aprendi Inglês relativamente bem
durante aqueles anos. Devo confessar que meus melhores professores foram: Os Beatles,
os Rolling Stones, Pink Floyd, Led Zeppelin, Paul Simon, Frank Sinatra e filmes ameri-
canos. Eu costumava assistir o mesmo filme muitas vezes em seguida a fim de aprender
melhor o Inglês. A primeira vez, lia todos as traduções em Português e quase memori-
zava o enredo do filme. Depois, nas próximas vezes, sentava-me de tal forma que aque-
las traduções não apareciam, para que eu pudesse entender o que se falava ali. Na ver-
dade, se for contar o quanto gastei nessa brincadeira, acho que teria sido mais barato ir
para um Fisk qualquer na vida...
Depois de uns nove anos fora da igreja, reconheci minha situação e voltei para Deus
na última semana de outubro de 1977. Naquela época estava envolvido com Candomblé
e o pai-de-santo havia me dito que eu teria que fazer duas oferendas para os escravos
dos santos. Foi ali que soube que os escravos dos santos eram demônios. Como o pai-
de-santo me disse que se eu não fizesse tais oferendas o diabo iria me matar, tratei de
fazer a coisa. Tinha que pegar dinheiro no banco para pagar as obrigações e assim, pro-
curei ir ao banco no centro da cidade para pegar tal dinheiro. Nessa tentativa, custei
achar um lugar na Praça Cívica em Goiânia para estacionar meu carro. Finalmente achei
uma vaga, a qual mal cabia o meu Fusca. Tão logo desliguei o carro, vi em minha frente
o carro de uma das minhas tias, o qual tinha um daqueles plásticos de crentes no vidro
traseiro. Ali estava escrito: “O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará”. Foi naquele
momento que tomei consciência do amor de Deus e, tendo ligado meu carro novamen-
te, voltei para casa crente. Minha reação no momento foi marcante; de repente vi que eu
conhecia aquele Senhor e aquele Pastor por toda a minha vida. Retornei à minha casa e
procurei por uma Bíblia que havia ganho na escola dominical quando tinha por volta de
oito anos de idade. Achei-a e logo comecei a lê-la com grande avidez.
Nas semanas seguintes, tudo mudou em minha vida. Naqueles mesmos dias, já ha-
via em meu coração a certeza de que Deus havia me chamado para ser pastor. Aliás,
desde criança eu sabia que no fundo meu coração queria ser pastor. Lembro-me que re-
cebi o meu chamado para o ministério quando tinha quatro anos de idade. Muitas ve-
zes, mesmo no meio de alguma coisa bem pecaminosa que eu pudesse estar-me envol-
vido, havia uma vozinha que me falava lá no calado de minha alma: “Ehud, você pode
fazer o que quiser, ir aonde for, mas duma coisa você não escapa: um dia você vai voltar
para mim e vai ser um pastor em meu nome”. Aquilo me incomodava e somente depois
de minha conversão é que pude realmente por isso em perspectiva.
Assim, fui para o seminário em 1979. Naquele mesmo ano, fui mais uma vez exposto
ao movimento missionário. Um cara que eu nunca havia ouvido falar a seu respeito
apareceu ali no seminário para dar um relatório de sua ida a um encontro de reflexão
missionária na Tailândia. Ele falou sobre vários assuntos que foram ali tratados, entre

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eles várias discussões sobre como evangelizar grupos diferentes, tais como: Muçulma-
nos, Judeus, Católicos Nominais, etc. Esse cara era o Robinson Cavalcanti. No segundo
semestre daquele ano, o Navio Doulos aportou em Recife. Foi a primeira vez que a
Operação Mobilização aportou no Brasil, seguindo depois para Santos. Durante a sua
estadia, pude servir como interprete nos cultos ao ar livre em Recife. Participei de prati-
camente todas as conferências missionárias a bordo do navio, mas o ponto culminante
para mim foi uma entrevista que tive com o Irmão André, o Contrabandista de Deus.
Aquela entrevista foi feita para o nosso jornal do seminário, mas a mesma jamais foi
publicada. Tenho-a em meus arquivos até hoje, a qual guardo com grande carinho. Foi
ali a minha virada completa para missões.
Tornei-me completamente enamorado pelo ministério entre os Judeus, principal-
mente depois que comecei a desconfiar que eu pudesse ser parte da família de “Judeus
Marranos”, ou dos “Novos Cristãos”. Esta idéia, ou possibilidade me rondou por mui-
tos anos, porém jamais pude confirmar por certo que tivesse alguma ascendência judia.
Assim, em 1980 comecei estudar Hebraico Moderno no Colégio Israelita de Recife. Fui
graciosamente pedido a não mais retornar ali, pois acharam-me evangelizando lá den-
tro. Em agosto de 1981, na Igreja Presbiteriana do Cordeiro, tive uma visitação especial
do Espírito Santo, enchendo-me o coração de amor pelos Judeus-Russos. Assim, come-
cei a orar sistematicamente por eles, mas Deus jamais abriu as portas para mim, exceto
durante um curto período em que fiz um estágio com os Judeus para Jesus em Nova
Iorque em 1994.
Minha motivação missionária foi, contudo, nem tanto a de ser um missionário, mas
um divulgador da necessidade de enviar missionários brasileiros para outros países.
Dentro de minha denominação naquela época (entre 1979-1983), tornei-me o Sr. Missões
Transculturais entre os jovens do Nordeste Brasileiro. Deus me permitiu falar em vários
congressos de jovens, de Fortaleza a Aracajú. Como estava trabalhando sempre com a
Confederação de Moços de minha igreja, alguns membros da diretoria já não agüenta-
vam mais a minha mensagem: Missões, Missões, Missões.
Foi em 1983 que encontrei minha esposa. Neiva era uma missionária com a Mocida-
de Para Cristo em Goiânia e decidiu aprender Grego e Hebraico para ajudar o seu curso
bíblico. Assim, ela foi minha aluna de Hebraico. Nosso interesse mútuo pelos Judeus
nos atraiu e nos casamos na esperança de irmos para Israel como missionários. Nossa
aplicação junto a uma missão brasileira não floresceu e no ano seguinte fomos para os
Estados Unidos como estudantes de missões. Dois motivos principais me levaram a es-
tudar missões nos Estados Unidos: o primeiro foi o fato de eu estar me achando comple-
tamente incapacitado para ensinar em um seminário brasileiro. O segundo, foi impulsi-
onado pelo Dr. Russell Shedd, em uma visita sua a Goiânia. Ele se hospedou em nossa
casa e Deus o usou bastante para me convencer mais uma vez que eu deveria seguir
meus estudos. Ele me disse que se eu fosse para Israel com minha esposa, seríamos dois
missionários a mais no campo missionário, mas se eu colocasse meu dom de ensino in-
teiramente nas mãos de Deus, estaríamos presentes nos campos do mundo através da-
queles que Ele nos usasse para treinar. Assim, ao invés de dois missionários em Israel,

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talvez Deus poria ali vinte e cinco missionários que nós tivéssemos treinado, e assim
por diante.
Neste breve testemunho de minha motivação, posso resumi-lo em basicamente duas
idéias chaves: divulgação missionária e duplicação de missionários na obra. Deus tem
nos usado nessas duas áreas através dos anos. Hoje podemos contemplar missionários
que temos podido discipular e treinar em várias partes do mundo: China, Hong Kong,
Japão, Paquistão, Índia, Turquia, Japão, Indonésia, Guatemala, Inglaterra, Alemanha,
Estados Unidos, Brasil, e em muitos outros lugares.
Antes de passar para a frente, pegamos no arado como missionários e a América do
Norte, tanto os Estados Unidos como o Canadá, se tornou nosso campo missionário.
Minha experiência transcultural inicial foi como pastor em Idaho, onde ministrei em
uma igreja inteiramente americana e também como moderador de duas igrejas entre os
Índios Nez Perce. Na Califórnia, ministrei por três anos entre brasileiros e minha esposa
foi missionária em um projeto urbano no centro de Hollywood, entre os imigrantes cen-
tro-americanos. Passamos quatro anos no Canadá ensinando: Neiva ensino no Colégio
Bíblico Prairie e eu fui o professor da cadeira de missão integral na Escola de Pós-
Graduação Prairie. Ambas escolas eram parte do Instituto Bíblico Prairie, na Província
de Alberta. Ao retornar aos Estados Unidos em 2000, fui pastor por três anos entre os
Índios Nez Perce. Após meu tempo com eles, servi uma igreja no centro norte do Estado
de Washington e no momento, tenho servido como pastor de educação teológica e de
missões em uma igreja onde moramos. Através de uma pequena organização missioná-
ria que fundamos, temos também servido em vários países tais como Rússia, Japão, e
várias nações africanas.
Desta forma, apresento um exemplo do que possa ser uma motivação pessoal. A me-
lhor maneira de se aprender a respeito das várias formas de motivação pessoal para
missões é através de biografias de missionários. Essa é uma das formas mais eficazes
para se levantar o chamado missionário entre os membros da Igreja. Quanto mais se lê
as biografias de missionários, mais se vai ouvir a voz de Deus para missões. Billy
Graham havia lido mais de 200 biografias missionárias antes de completar seus dezesse-
te anos de idade. Tenho uma prática de ler pelo menos quatro biografias missionárias
por ano. Tais biografias são geralmente livros, não sinopses. Por assim fazê-lo, guardo a
chama das missões em meu coração e também mantenho meus olhos em foco constante
naquilo que Deus quer que eu possa fazer hoje ou amanhã para o seu Reino.
Antes de prosseguir, no entanto, duas palavras de advertência sobre este aspecto são
cabíveis aqui. Johannes Verkuyl, um missiólogo holandês, que fora missionário por
muitos anos junto à Igreja Reformada de seu país, nos adverte que há sempre o perigo
do romanticismo nas biografias. Ele diz que “nas biografias de grandes missionários,
alguém pode frequentemente detectar uma glorificação romantizada de seus motivos
missionários”. A segunda advertência é a respeito dos motivos missionários de algumas
agências. Para ele, devemos estar sempre prontos a identificar o perigo de motivos er-
rados e ao mesmo tempo nos adverte que “agências missionárias são acusadas de tudo,
incluindo agressão cultural, colonialismo eclesiástico, imperialismo espiritual e de es-

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capismo da situação deixada em seus países de origem”. Quanto a isto, falaremos a se-
guir.

Qual é a Motivação Missionária da Igreja

O segundo aspecto é a motivação missionária da Igreja. Uma pergunta, pelo menos a


mais importante, deve ser levantada a esta altura: “Qual é a Motivação Missionária da
Igreja?” Esta pergunta deve ser feita toda vez que uma congregação, uma nova agência
missionária, uma denominação vai enviar missionários para outros campos. Ainda é
Verkuyl que apresenta seus vários motivos missionários para a Igreja. Ele os divide em
duas categorias, as quais serão mencionadas apenas por seus títulos, uma vez que dis-
cutiremos outros aspectos que creio ser mais pertinentes à realidade brasileira. Entre os
motivos puros, ele inclui os seguintes: O motivo da obediência; os motivos do amor, da
misericórdia e da piedade; o motivo da doxologia; o motivo escatológico; o motivo da
urgência, e o motivo pessoal. Entre os motivos impuros, ele inclui os seguintes: O moti-
vo imperialista, o motivo cultural, o motivo comercial e o motivo do colonialismo ecle-
siástico.
Todos esses motivos devem ser meticulosamente estudados pelos missionários que
planejam deixar ou têm deixado as nossas fronteiras. Em todos eles, os puros e os impu-
ros, há uma parcela de sua presença em nossos esforços. Muitos deles são conscientes,
outros são inconscientes. Uns são adquiridos naturalmente por mera observação, en-
quanto outros são adquiridos no campo, dado às diversas circunstâncias em que o mis-
sionário esteja envolvido. Somos por natureza pragmáticos e utilitaristas, o que rejeita-
mos a aceitar muitas vezes, e isso nos leva a ajustarmos nossos motivos com as necessi-
dades imediatas do campo. Isso ocorre muitas vezes quando estamos debaixo de gran-
des pressões das várias formas, principalmente quando estamos passando pelo choque
cultural, do qual falaremos oportunamente.

A Motivação Bíblica da Missão

Se corrermos nossos olhos pela Bíblia, encontraremos muitos motivos bíblicos para fa-
zermos a obra missionária. Há porém uma motivação que deve ser o centro de todas as
demais, a qual pode ser detectada por toda a Bíblia. A grande motivação missionária na
Bíblia é única e exclusivamente a motivação de Deus. Assim, a principal motivação bí-
blica para missões é a Glória de Deus.
Ela é a motivação doxológica, pois nela estão incluídas o motivo divino e a resposta
humana. O motivo divino pode ser resumido no que chamo a Grande Comissão no Ve-
lho Testamento, a qual passo a conferir neste momento. Deus a apresenta através de Isa-
ías desta forma: “Porque conheço as suas obras e os seus pensamentos, e venho para
ajuntar todas as nações e línguas; elas virão, e contemplarão a minha glória. Porei entre
elas um sinal, e alguns dos que foram salvos enviarei às nações, a Társis, Pul e Lude,
que atiram com o arco, a Tubal e Javã, até às terras do mar mais remotas, que jamais
ouviram falar de mim, nem viram a minha glória; eles anunciarão entre as nações a mi-

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nha glória” (Is. 66:18-19). Podemos ver que a motivação única e central para missões é a
Glória de Deus.
Os anjos, ao anunciarem o nascimento de Jesus, reivindicaram a glória de Deus co-
mo o fator inicial da anunciação do Filho do homem (Lc. 2:8-20). Podemos ver, logo em
seguida, que Simeão e Ana se prostraram diante do Menino Jesus em completa adora-
ção, deixando também uma grande profecia a respeito do Messias (Lc. 2:25-38). O
Evangelista João, por sua vez, escreveu uma das passagens mais cruciais a este respeito,
quando falou da Encarnação do Verbo: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós,
cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo.
1:14). Para João, Jesus foi a consumação da glória de Deus, e mais uma vez o Apóstolo
do Amor descreve tal glória: “Ninguém jamais viu a Deus: o Deus unigênito, que está
no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo. 1:18).
Jesus Cristo, o qual é o centro da História, aquele que, como diz Wayne Kirkland, é o
homem que dividiu a História, é também o centro da glória de Deus. Ele glorificou a
Deus em seu ato missionário último, o que o levou ao Calvário. A Obra Missionária de
Jesus foi a glorificação de Deus, e o seu roteiro foi a Senda do Calvário. Mesmo assim,
tendo glorificado o Pai Celestial, chegou a hora de sua própria glorificação: “Pai, é che-
gada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti” (Jo. 17:1). Isto foi o
que o Pai lhe fez, mas lhe custou a vida para que o mundo tivesse vida nele.
A glorificação de Jesus Cristo foi feita pelo Pai Celestial. Assim, Paulo depois anun-
cia que “Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome,
para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra,
e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fl. 2:9-11).
Aqui podemos ver toda a motivação missionária para a Igreja: proclamar que Jesus
Cristo é Senhor e que todas as línguas do mundo assim o confessem, para a glória de
Deus Pai.
Paulo, após demonstrar o seu amor e fervor missionário tanto para com os Judeus
como para os Gentios, chega ao final de sua exposição com uma grande doxologia, a
qual repetimos aqui: “Porque dele e por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele,
pois, a glória eternamente. Amém” (Rm. 11:36).
Esta é a motivação bíblica para missões: A glória de Deus. Nada mais do que isto
pode ser comparado com este motivo divino, pois somente o Senhor é digno de receber
toda a glória que lhe pertence. O momento em que a obra missionária perder esta moti-
vação, ela deixa de ser a obra missionária de Deus e passa a ser uma elaboração mera-
mente fútil em nome de uma religiosidade morta e interesseira.

A Motivação Evangelística da Missão

O Apóstolo Paulo resume de forma sucinta a motivação evangelística da missão quando


ele dá seu testemunho de conversão diante do Rei Agripa. Ali, ele descreve a comissão
que Jesus lhe dera para evangelizar os Judeus e os Gentios. Podemos ver o conteúdo da
motivação de Jesus para Paulo nesta passagem: “Mas levanta-te e firma-te sobre teus
pés, porque por isto te apareci para te constituir ministro e testemunha, tanto das coisas

11
em que me viste como daquelas pelas quais te aparecerei ainda; livrando-te do povo e
dos gentios, para os quais eu te envio, para lhes abrir os olhos e convertê-los das trevas
para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles remissão de
pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim” (At. 26:16-18). Creio
não ser aqui necessário uma exposição detalhada do texto. Ele fala por si mesmo e o lei-
tor poderá apreciar a profundidade da Palavra de Jesus para o Apóstolo em um estudo
pessoal no futuro.
Uma nota importante deve ser colocada neste momento: a motivação missionária de
Paulo veio diretamente de Jesus. Isto tem muito a ver com o chamado ministerial, o
qual deve ser primeiramente um chamado interno, o qual costumamos categorizar co-
mo sendo o chamado interno do Espírito Santo. Aquela convicção interior que somente
o missionário tem não pode ser colocada de lado; pelo contrário, a Igreja precisa apren-
der a discernir junto com o candidato a real manifestação deste chamado interno em sua
vida; a qual será posteriormente aprovada pela congregação do povo de Deus, a igreja
local. Infelizmente tem havido muitos chamados missionários que não são cuidadosa-
mente averiguados pela Igreja e podem resultar em verdadeiros desastres tanto para a
Igreja como para o próprio missionário. Se observarmos o decorrer do chamado missio-
nário de Paulo, por exemplo, veremos que ele passou por um período de crescimento
espiritual, depois uma espécie de “estágio” em Tarso, e só depois o Espírito Santo o se-
parou, juntamente com Barnabé, para ser enviado pela igreja de Antioquia. Quando o
Espírito Santo os separou para a obra missionária, eles haviam acabado de chegar de
uma missão2 (Atos 12:25) em Jerusalém. Em outras palavras, os dois primeiros missio-
nários (oficiais) da Igreja já estavam fazendo seus estágios. Isso não tomou a igreja de
Antioquia de surpresa e tudo o que fizeram foi deixá-los ir, pois sabiam que ambos ti-
nham a chama missionária em seus corações, a qual havia sido posta anteriormente pelo
Espírito de Jesus.
Evidentemente, muitos leitores poderão oportunamente explorar outros detalhes da
motivação missionária de Paulo. Todas porém estão intrinsicamente ligadas com esta
motivação evangelística que lhe foi dada por Jesus Cristo. Paulo depois diz que o amor
de Deus o constrangia a pregar o evangelho; em outro lugar ele se diz devedor tanto a
gregos como a bárbaros; ainda mais tarde, ele admoesta a Timóteo a não abandonar o
fervor evangelístico. Tudo isso faz parte de um todo; mas primeiramente, como pude-
mos ver, o mandato evangelístico de Paulo foi elaborado por Jesus Cristo na ocasião de
sua conversão.

A Motivação Compassional da Missão

Ninguém mais do que Jesus Cristo pode traduzir o que este aspecto missional significa.
Durante o seu ministério público, Ele não somente pregou o Reino de Deus, mas tam-
bém demonstrou com poder espiritual o significado de sua mensagem. Ele curou os ce-

2 É apropriado informar que esta é a única vez que a palavra “missão” é usada no Novo Testamento.
Tal palavra é uma tradução do termo grego diakonia, o qual significa serviço. Como poderemos ver no
futuro, a obra missionária é, antes de mais nada, uma obra, i.e., um trabalho a ser feito.

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gos, restituiu vida aos mortos, ordenou aos paralíticos a se levantarem e também expul-
sou demônios de muitos que se achavam jogados pelos caminhos da perdição. A cura
dos enfermos, onde e quando seu cuidado pastoral se fez visível, é um grande sinal de
compaixão. O motivo missionário de Jesus é inteiramente coberto de compaixão pelos
que sofrem.
Abrindo o texto sagrado, deparar-nos-emos com os olhos de Jesus. Lemos o seguinte
em Mateus, “E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas,
pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. Vendo
ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas
que não têm pastor. E então se dirigiu a seus discípulos: A seara na verdade é grande,
mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalha-
dores para a sua seara” (Mt. 9:35-38). Novamente, o tempo e espaço não nos permite ir
em maiores detalhes sobre este texto, mas precisamos tirar daqui pelo menos o ponto
central desta narrativa de Mateus.
Jesus teve compaixão pelos que sofriam. Isto pode ser verificado pela ligação do ver-
so 36 com o verso 35, o qual é um resumo de Mt. 4:23-25. O fato de Jesus ter compaixão
é crucial neste ponto, pois muitas vezes temos a tendência de evangelizar mais para ga-
nharmos uma batalha, do que necessariamente demonstrarmos o amor de Deus para
aqueles que sofrem. Somos muitas vezes mais motivados por nossa justiça própria do
que necessariamente pela compaixão divina. Jesus sofreu junto com aqueles que sofri-
am. A palavra “compaixão” vem da junção de duas palavras latinas e significa: “sofrer
junto”.
Aqui é necessário expandir um pouco mais o que quero dizer a respeito da motiva-
ção compassional da missão. Ela vai além do que conhecemos por evangelismo. Infe-
lizmente, temos herdado uma idéia errônea de evangelismo, a qual tende a se concen-
trar apenas no que achamos espiritual. No momento em que saímos para evangelizar,
somos doutrinados a salvar almas, o que aprendemos através do movimento evangeli-
cal3. Um dos expoentes desta idéia foi Dwight L. Moody, o grande evangelista do Sécu-
lo Dezenove. Ele tinha aquela idéia, da qual sempre fazia menção, de que o trabalho de
evangelização parecia um barco salva-vidas e quanto mais pessoas entrassem nele, me-
lhor seria. Ele sempre falava de salvar almas, mas pouquíssimas vezes alguém vai en-
contrar a preocupação de salvar pessoas integrais, com seus problemas quotidianos.
Um outro aspecto desta falha evangelística era a sua posição escatológica, a qual, sendo
pré-milenista, cria que o mundo teria que ir de mal a pior, e quanto pior ficasse, melhor
seria, pois assim o Senhor voltaria logo. Isso ainda pode ser verificado hoje, infelizmen-

3 Eis aqui uma outra expressão que requer uma explicação, principalmente por causa de sua força

semântica. No Brasil, não temos muito problema com o termo “evangélico”. Aliás, todos os protestantes
brasileiros são enquadrados no campo evangélico. O termo “evangelical” se faz necessário aqui por causa
do movimento evangélico que ocorreu nos países norte-atlânticos. Tal movimento se distingue dos protes-
tantes. Assim, quando uso esta expressão, estou me referindo aos protestantes que teologicamente abra-
çam uma fé evangélica, i. e., são protestantes ortodoxos. De um ponto de vista brasileiro, devemos tam-
bém nos lembrar de que nem todos que não são Católicos Romanos devem hoje ser incorporados no cam-
po evangélico, como por exemplo os extremistas do campo neopentecostal, cuja estância e prática teológi-
cas não condizem com a ortodoxia firmada na Palavra de Deus.

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te em larga escala, pois ainda prevalece a idéia de que a segunda vinda de Jesus está às
portas porque a coisa está realmente ruça, de mau a pior. Ainda ontem, um teólogo
amigo meu fez o seguinte comentário: “Aparentemente, Jesus tem que conferir com o
Hal Lindsey qual é a melhor hora para ele voltar”. Sobre a motivação escatológica fala-
rei a seguir.
Este aspecto compassional de missão pode ser verificado biblicamente em vários
pontos, evidentemente. Mas trarei apenas dois exemplos mais. O primeiro é a parábola
do Bom Samaritano (Lc. 10:25-35). Jesus está ali resumindo a sua lei, a qual tem dois
pontos apenas, numa atitude completamente praxiológica da fé: a demonstração da
compaixão. Sem prolongar nos detalhes, o resumo da ação de fé, o que por sinal deve
ser a ação missionária da Igreja, foi uma demonstração visível da compaixão pelos que
sofrem. O amor ao próximo será a manifestação clara do amor a Deus. Uma rápida lei-
tura de 1 João irá confirmar tudo isso, mas o Apóstolo do Amor resume tudo no seguin-
te verso: “Nisto conhecemos o amor, em que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos
dar nossa vida pelos irmãos. Ora, aquele que possuir recursos deste mundo e vir a seu
irmão padecer necessidade e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o
amor de Deus?” (1 Jo. 3:16-17). Neste aspecto, Paulo foi incansável na sua preocupação
com as necessidades da igreja, principalmente da igreja em Jerusalém, da qual temos
acesso através de suas cartas (2 Cor. 8-9), por exemplo.
O segundo exemplo que trago aqui vem de Jesus Cristo. Ele irá julgar o seu povo
não necessariamente pela falta de evangelismo, mas pela falta de compaixão. Evangeli-
zar somente é aparentemente fácil, pois temos sempre aprendido que o que recebemos
de graça passaremos de graça; mas o exercício da compaixão exige mais do que isso. Na
maioria das vezes, a ajuda aos necessitados implica o nosso envolvimento financeiro, o
nosso investimento de tempo, o nosso deslocamento físico, o que vai perturbar nosso
conforto pessoal. Assim, o dia do grande julgamento parece ser muito duro para a Igre-
ja, quando lemos o sermão profético de Jesus. Ali Ele nos adverte que a recompensa pa-
ra os que se acharão à Sua direita será conferida pelo que eles fizeram aos necessitados
(Mt. 25:31-46).
Aqui nos deparamos com a necessidade de uma motivação missionária que seja in-
tegral. Uma missão que esteja engajada em salvar almas, mas que também reconheça
que o Shalom do Reino requer uma completa salvação, não algo que seja parcial. Mes-
mo aqueles que têm uma posição escatológica pré-milenista histórica, devemos enten-
der que o Reino de Deus está presente agora, embora ainda incompleto. É a grande ten-
são do presente estado do Reino e do aspecto futuro do mesmo. Da mesma forma que
Jesus proclamou um reino futuro, Ele também afirmou que o Reino de Deus está entre
nós (Lc. 17:20-21; Mt. 12:28; Mc. 1:14-15). Isso definirá completamente como podemos
ser motivados para missões, pois se pensamos em um Reino que esteja somente no futu-
ro, sem implicações para o presente, não poderemos cumprir o mandato cultural de
Deus para sua Igreja.
Isso me leva a uma última sugestão a respeito do motivo compassional da missão. Se
realmente cremos que o Reino de Deus está operando em nosso meio, cremos também
que o Senhor está operando milagres nos campos missionários, dentro de nossas igrejas,

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até mesmo dentro de nossos lares. É chegada a hora, mais do que nunca, de vermos o
Espírito de Deus agir na validação da mensagem que temos proclamado. Tem havido
muitas outras vozes por aí, como nos alerta Harold A. Netland, professor de filosofia da
religião e missões, e por isso mesmo, quero sugerir que agora é a hora crucial para ver-
mos sinais e maravilhas no nosso caminhar missionário. Precisamos estar abertos para a
possibilidade do sobrenatural, pela possibilidade de Deus usar seus missionários na cu-
ra de leprosos, na restauração completa de demonizados4, até mesmo na restauração de
vida a cadáveres. Estes são alguns dos sinais do Reino de Deus. Sem querer incluir al-
guma coisa mais técnica neste livro, mesmo havendo uma disputa séria quanto à cano-
nicidade dos últimos versos de Marcos (16:9-20), creio que há base bíblica suficiente pa-
ra crermos que tais sinais do Reino acompanharão, e realmente acompanham, a obra
missionária. Estou falando principalmente dos versos 17-18: “Estes sinais hão de acom-
panhar aqueles que crêem: em meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas;
pegarão em serpentes; e, se alguma coisa mortífera beberem, não lhes fará mal; se im-
puserem as mãos sobre enfermos, eles ficarão curados”. Meu ponto de partida, ou de
conclusão, para meu argumento é que, mesmo se estes versos não forem canônicos, o
simples fato de que Jesus nos promete a sua presença até a consumação dos séculos, o
que é parte da Grande Comissão, é para mim prova suficiente de que Ele terá o mesmo
poder de antes (por causa do próprio contexto de Mateus 28:18-20) para usar o seu povo
com poder, para a sua glória. Assim, creio que a motivação compassional da missão in-
clui não somente ação social, mas também as ações portentosas do Espírito de Deus na
obra missionária.

A Motivação Escatológica da Missão

Esta é a motivação mais conclusiva para a Igreja. Nela depende toda a estratégia missi-
onária, pois a mesma demanda um sentido de urgência, um compromisso inteiro com a
obra missionária. Ao investigarmos o nascimento da Igreja Neotestamentária, verifica-
mos que o Pentecostes foi em parte a afirmação de que os últimos dias já estavam sendo
contados. Digo em parte, pois creio que não é a história completa. Os últimos dias co-
meçaram com o nascimento de Jesus Cristo; assim, o Pentecostes é apenas o selo da no-
va era que o Espírito Santo inaugurou, do qual a Igreja é a principal figura.
Todo o aspecto missionário é em si mesmo escatológico. Nada pode escapar esta rea-
lidade vital da Igreja. Seu ministério é inteiramente ligado ao desfecho da História, ca-
minhando paulatinamente rumo ao Grande Dia de Javé, o Dia da Salvação. O Dia do
Senhor vem e com Ele a Salvação Eterna será uma vez por todas selada para a Eterni-
dade. Apesar de ser um futuro escatológico, esta realidade está presente no quefazer
missional da Igreja e não podemos negá-lo.

4 Tem havido uma certa disputa quanto ao uso desta palavra, ao invés de “endemoninhado”, o que
também requer uma explicação. De acordo com outros estudiosos nessa área de demonologia, uma pes-
soa pode ser perturbada por demônios em várias capacidades, desde uma influência superficial até uma
possessão demoníaca severa. Prefiro usar esta palavra em decorrência dos novos estudos a respeito da
sua origem no Grego Neotestamentário.

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A motivação escatológica da missão incorpora a realidade do Reino de Deus hoje e
agora; mas tem a sua dimensão também preparada para o futuro. Ela não pode ser está-
tica, pois caminha a passos certos para o Grande Final da História. Contudo, esse Gran-
de Dia somente chegará quando todos os povos da terra receberem o impacto do Evan-
gelho. “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a
todas as nações. Então virá o fim” (Mt. 24:14).
Uma parte importante a se ponderar neste aspecto é o plano escatológico de Jesus
em Atos 1:8. Sempre olhamos para este verso como sendo apenas um plano geográfico
de missões, mas se formos verificar o contexto em que Jesus o proferiu, tudo ali se re-
sume num plano escatológico. Veja-se, antes de tudo, que os discípulos estavam que-
rendo saber se era aquele o tempo em que Jesus iria restaurar o reino messiânico a Isra-
el. Tal preocupação dos discípulos procedia, o que estava em harmonia inclusive com
uma pergunta antes elaborada pelos fariseus (Lc. 17:20), dado às circunstâncias em que
os discípulos ora se achavam envolvidos. Eles sabiam que o Cristo ressurreto era aquele
Messias que o povo de Deus esperava com tanta ansiedade. Eles também sabiam que
Jesus era o Senhor, aprovado por Deus, como podemos verificar na pregação de Pedro
no dia do Pentecostes. Isso lhes dava certo conforto em pelo menos suspeitar que Jesus
pudesse ali mesmo por abaixo todos os opressores que por muitos anos vinham opri-
mindo Israel. Mas Jesus não se manifestou como tal; antes, deu uma maior ênfase em
sua comissão, dizendo que os seus discípulos seriam suas testemunhas a começar em
Jerusalém, até aos confins da terra.
Apesar de Atos 1:8 ser o mapa geográfico do livro de Atos: Jerusalém, 2:1-6:7; Judéia
e Samaria, 6:8-9:43; até os confins da terra, 10:1-28:31—deixando também a continuida-
de da missão da igreja em aberto— veremos que este plano missionário de Jesus é intei-
ramente escatológico. O fim somente virá quando a Igreja comunicar o Evangelho até
aos confins da terra. Neste caso, mesmo hoje, Jerusalém faz parte dos confins da terra,
da mesma forma que Praga, Moscou, Rio de Janeiro ou Tóquio. Na verdade, a expansão
missionária não pode ser vista apenas geograficamente, mas historicamente também,
pois a expansão da Igreja atravessa os séculos e os milênios, como podemos ver tal
acontecimento nestes últimos dias, os quais já fazem parte adiantada na entrada de mais
um outro século/milênio.
A obra missionária, sendo escatológica, deve estar sempre preparada para prestar
suas contas diante de Jesus Cristo, o Senhor, a qualquer hora. Nesta hora de grandes
transições, vemos o desenvolvimento escatológico da Igreja chegar ao encontro de
grandes sinais da segunda vinda de Cristo. Mas, uma vez mais, devemos nos voltar pa-
ra as Escrituras e nos revestirmos de Cristo (Rm. 13:12-14), porque alta já vai a noite e
vem chegando aquele dia, diz o Apóstolo aos Gentios. Da mesma forma, devemos estar
prontos para o Dia do Senhor, como nos adverte o Apóstolo Pedro (2 Pe 3:8-13). Mais e
mais precisamos nos ater ao fato de que os cumprimentos das profecias messiânicas es-
tão sendo verificadas; nisso quero dizer que não são somente as que provam ser Jesus o
Cristo, mas também aquelas que provam que o Cristo está às portas.

16
* * * * *

Antes de prosseguirmos para o que seja a Missiologia, precisamos nos inteirar de que
antes de fazermos missão, há a grande visão de Deus para a Salvação daqueles que Ele
está chamando à vida.
Ao fazermos assim, precisamos estar cônscios do fato único da motivação divina pa-
ra missões, ou seja a sua Glória, a qual é o centro do nosso esforço missionário. Não po-
demos nos atrever a roubar a Glória de Deus; antes, devemos nos submeter à sua sobe-
rania e ao seu senhorio para que nossa obra missionária seja inteiramente de acordo
com o Reino de Deus.
Por isso, devemos elaborar nossos motivos de forma que a Bíblia seja a fonte de nos-
sa inspiração ministerial, pois é nas Escrituras que encontramos o segredo do coração
de Deus para a salvação daqueles que estão perdidos. Esta motivação tem que ser evan-
gelística, mas também compassional, o que nos afirma que o Evangelho é integral. Fi-
nalmente, a motivação missionária da Igreja tem um caráter inteiramente escatológico,
pois somente assim estaremos trazendo o Reino de Deus em sua inteireza, quando o Se-
nhor Jesus Cristo retornar nos ares.

17
Capítulo III

O Que é Missiologia

O perigo de se estender muito neste capítulo é torná-lo excessivamente acadê-


mico. Porém, não podemos evitar esta responsabilidade; não a de complicar o
assunto, mas a de informar o leitor como foi o desenvolvimento da teoria de
missões. Melhor dizendo, como tem sido o desenvolvimento do conceito de missões até
os nossos dias, uma vez que esta ciência é ainda nova e está constantemente sendo re-
formada, colocada em novos moldes, recebendo novas contribuições, as quais são cruci-
ais para o seu amadurecimento.
Sendo assim, passamos agora a descrever o que seja Missiologia, ou seja a ciência que
estuda missões. Uma vez que estamos estudando a obra missionária da Igreja, Missio-
logia tem sido considerada uma ciência basicamente cristã em todos os seus aspectos. É
uma ciência que inclusive cria algumas barreiras para missionários que planejam servir
a Deus em países de difícil acesso, tais como os países muçulmanos e comunistas. Desta
forma, muitas escolas têm mudado seus nomes e também os nomes de seus programas
de missões, a fim de que os seus graduados possam ter seus títulos compatíveis com as
expectativas daqueles países, uma vez que muitos estejam entrando ali como fazedores
de tenda. Nem todos os países hoje oferecem vistos para a profissão de missionário, mas
estão prontos a receber pessoas com profissões seculares. Assim, mesmo que tais candi-
datos sejam propriamente treinados como missionários, eles podem ter vistos de entra-
da sem o problema de serem rotulados como missionários. Daí, Missiologia poderá em
muitos lugares receber um nome diferente. Mas, para o nosso propósito neste livro, es-
tou discutindo o que seja Missiologia, na forma que precisamos entender na Igreja de
Cristo.

O Desenvolvimento do Estudo de Missões

O leitor deve ser informado de que Missiologia em muitos casos é tida como sendo Teo-
logia da Missão. Neste caso, proponho ainda no começo deste capítulo que, embora haja
uma similaridade quase que sinônima entre ambas, trato-as separadamente. A Teologia
da Missão é em si mesma uma das divisões da Missiologia; mas, como veremos, isto só
se tornou claro no decorrer dos anos. Portanto, quando cobrimos o desenvolvimento do

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estudo de missões, não podemos omitir o fato de que tal estudo surgiu primariamente
dentro de um contexto teológico e histórico.
O estudo de missões se tornou uma grande necessidade dentro da Igreja. Mesmo
nos seus primeiros dias, a Igreja Primitiva já encontrava dificuldades com os problemas
que iam surgindo à medida que novos povos eram alcançados. Um dos primeiros pro-
blemas detectados dentro do avanço missionário da Igreja de Jerusalém foi o de assis-
tência social às viúvas helenistas. Dali, como vemos em Atos 6:1-7, aparentemente sur-
giram os primeiros diáconos (na verdade a palavra não se acha no texto). Um outro
problema que surgiu foi o crescimento cada vez maior de Gentios dentro da Igreja e
como os Judeus estavam agindo para torná-los culturalmente e religiosamente judaiza-
dos. Assim, houve a conferência de Jerusalém (Atos 15) para trazer respostas pertinen-
tes ao problema. Desta forma, podemos ver que o estudo de missões surgiu de uma sé-
rie cada vez mais crescente de problemas no campo missionário, onde havia a necessi-
dade de uma reflexão sobre tais assuntos e uma resposta para cada um daqueles pro-
blemas.
Por séculos, estes problemas eram parte dos problemas doutrinários e eram analisa-
dos muitas vezes à luz da história. Somente em 1897, que um teólogo alemão, Gustav
Warneck, escreveu um tratado que tentava colocar o estudo de missões numa posição
separada da teologia. Seu tratado, Teoria de Missão Evangélica, foi o primeiro documento
voltado para o problema do estudo de missões partindo de uma perspectiva acadêmica.
Isto, no entanto, foi mais uma tentativa naquela direção, uma vez que já em 1877, ele
havia escrito um outro tratado tentando colocar o estudo de missões como uma parte
separada no currículo universitário. Naquela época ele escreveu O Estudo da Missão na
Universidade. Desta forma, Warneck é considerado um dos pioneiros no estudo acadê-
mico de missões. Depois disso, várias outras tentativas foram feitas e diferentes nomes e
títulos para uma nova ciência foram oferecidos. Alguns começaram a tratar da “ciência
de missões”, outros a chamaram de “doutrina de missões”, “Teologia do Apostolado”,
“Teologia do Evangelismo”, “Ciência Missionária”, a qual vem do seu uso francês scien-
ce missionaire, e assim por diante. Retornarei a estas idéias e títulos oportunamente,
quando discutirmos o que seja Teologia da Missão, no Capítulo V.

Definição dos Termos

Inicialmente o termo “Missiologia” começou a circular na Europa, intensificando-se no


na segunda metade do século passado. Era um termo basicamente usado no continente
europeu e pouco conhecido no continente norte-americano. Johannes Verkuyl, já men-
cionado anteriormente, preferiu adotar este termo por achá-lo mais abrangente, mais
internacional. O termo também vem de uma formação semântica mais aceitável dentro
das várias facções cristãs. Sua derivação vem do Latim, a qual é uma tradução do verbo
grego apostellein: mittere, missio, missiones, significando “enviar”. Na verdade, a palavra
missio somente foi adotada com maior uso quando a Ordem dos Jesuítas começou no
Século XVI. Acompanhando esta tendência, podemos ver na História das Américas a
presença das missões católicas por quase todo o continente.

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Verkuyl define “Missiologia” como sendo “o estudo das atividades de salvação do
Pai, Filho, e Espírito Santo através do mundo, preocupado em trazer o reino de Deus à
existência”. No momento, escolho não entrar nos detalhes de sua definição, pois fazê-lo
seria trazer uma grande e prolongada discussão, a qual pode se tornar muito técnica, o
que não é o propósito deste livro. Mas, dentro de sua visão do que seja Missiologia, ele
vê que a mesma é uma ciência, cuja “tarefa em qualquer época é investigar científica e
criticamente as pressuposições, motivos, estruturas, métodos, padrões de cooperação e
liderança, os quais as igrejas trazem ao seu mandato”. Enfim, dentro desta definição
podemos ver também vários elementos que fazem parte da Missiologia, o que em si
mesmos, tornam-se partes de ciências correlatas e suportadoras da função central do
estudo de missões. Uma outra definição curta e mais objetiva é encontrada da seguinte
forma: “Missiologia é o estudo da missão da igreja, especialmente com respeito à ativi-
dade missionária”.

O Lugar do Estudo de Missões

O estudo de missões tem hoje um lugar distinto dentro da academia teológica mundial.
Mas houve um tempo, como pudemos ver acima, que o mesmo estava particularmente
vinculado ao estudo teológico e histórico somente. Aliás, Johan Bavinck, um outro mis-
siólogo holandês, dividiu sua ciência de missões em três aspectos importantes: a teoria
de missões, a qual procura desenvolver a base escriturística de missões; a teoria elêntica,
a qual desenvolve seu conhecimento sobre a obra do Espírito Santo na convicção de pe-
cado, da justiça e do juízo (Jo. 16:8); e a história de missões, sem a qual pouco se pode
fazer para conhecer os desenvolvimentos missionais da Igreja através dos séculos e nos
vários lugares do mundo.
Desta forma, houve a necessidade de se colocar a Missiologia em uma área específi-
ca do corpo teológico. Assim, uns a colocam na área de Teologia Pastoral, pois a mesma
se desenvolve em um âmbito prático. Nela vamos encontrar variações ministeriais que
vão do evangelismo ao aconselhamento; da ação social ao ensino doutrinário básico, e
assim por diante. Por outro lado, a Teologia Pastoral fica muito restrita dentro da missi-
ologia, ou pondo de outra forma, ela não comporta tudo o que a missiologia tem que
explicar. Se por um lado a Teologia Pastoral fica limitada dentro da Missiologia, para-
doxalmente a Missiologia fica mais restrita ainda dentro da Teologia Pastoral. Há uma
parte da Missiologia que vai além da teologia e esta só pode encontrar sua guarida nas
ciências sociais, na filosofia da religião, e na historiografia (seja ela teológica, eclesiásti-
ca, ou mesmo secular). Josef Schmidlin, um teólogo alemão de persuasão católica roma-
na, incluiu o estudo de missões nas seguintes áreas, por exemplo: história da igreja, go-
verno da igreja, dogmática (teologia sistemática), ética, apologética e exegese. Outras
áreas que a Missiologia pode ser incluída são, muitas vezes, correlatas às anteriormente
mencionadas. Tudo depende da agenda de cada escola, ou de cada missiólogo, como é o
caso da Escola de Missão Mundial do Seminário Teológico Fuller, que a inclui também
dentro dos estudos relacionados com o crescimento da igreja.

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No final, podemos verificar que cada faceta da Missiologia pode ser compartimenta-
lizada de acordo com sua especialidade. Toda ciência que começa a se desenvolver,
principalmente dentro de uma realidade teológica contemporânea, tende a se tornar
mais sofisticada e aos poucos vai se movendo na direção das várias especializações.

As Divisões da Missiologia

A Missiologia, devido às suas muitas possibilidades, sofre várias divisões, como pode-
mos deduzir do ponto anterior. Ela é uma ciência que contém muitas áreas correlatas e
por isso mesmo exige um número de categorias para se sustentar.
Aqui passo a introduzir algumas áreas importantes da Missiologia. Ela pode variar
de escola para escola, mas no fundo tudo fica na mesma, pois essas áreas aparecerão no
cenário mais cedo ou mais tarde. Sigo aqui a Missiologia que me foi ensinada, a da Es-
cola de Missão Mundial do Seminário Fuller. Creio que ela não seja a mais “perfeita”, é
claro, mas é aquela onde me sinto mais em casa. Assim, com algumas modificações,
passo a apresentá-las:

1. Teologia da Missão: Esta área é para mim a mais importante de todas e deve
ser a fonte inicial do estudo de missões. Dentro desta área, encontraremos
subdivisões que ajudarão o leitor a conceptualizar sua própria Missiologia:
Teologia Bíblica, Teologia Contexual, Teologia do Político, Teologia Exegéti-
ca, Teologias da Libertação, Teologia Narrativa, Teologia Prática ou Pastoral,
Teologia Pública, e Teologia Sistemática.

2. Antropologia Cultural: Esta área faz parte das ciências sociais, as quais va-
mos discutir oportunamente. Dentro da Antropologia, veremos outras subdi-
visões que informarão e ao mesmo tempo darão um pano de fundo inestimá-
vel para a melhor compreensão do campo missionário. Entres as várias sub-
divisões, encontraremos as seguintes: Antropologia Cultural, Comunicação
Transcultural, Estudos Étnicos, Etnografia, Etnomusicologia, Etnoteologia,
Lingüística, Antropologia Social, Sócio-Lingüística, Antropologia Urbana,
Cosmovisão e Mudança de Cosmovisão.

3. História das Missões: Aqui reside uma das partes cruciais da Missiologia,
pois a mesma está preocupada em aprender com a história. Esta área é im-
prescindível para o melhor entendimento das estratégias missionárias que fo-
ram usadas no passado, projetando-se assim uma visão mais acurada para o
presente e também para o futuro. Dentro de suas subdivisões, encontraremos:
Historiografia Missionária, Novos Conceitos Teológicos, Expansão da Fé
Cristã, Missiologia Biográfica, Estudos Ecumênicos, Novos Caminhos em
Missões, Estratégia Missionária.

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4. Fenomenologia e Religiões Populares: Principalmente porque nossos missi-
onários brasileiros procedem de uma cultura altamente fenomenológica, esta
área é de capital importância para o estudo de missões. Ela ajuda o missioná-
rio a reconhecer os assuntos fenomenológicos e populares das religiões que o
cercam e o cercarão no campo missionário. Da mesma forma, esta área tem
subdivisões que merecem ser apontadas: Formas de Institucionalização Cul-
tural, Formas de Liderança Popular (Profetas, Bruxos, Sacerdotes, Xamãs), o
Sobrenatural e as Religiões Populares.

5. Perspectivas em Liderança: Esta área distinta no estudo de missões ajudará o


missionário a descobrir dentro do campo missionário estilos locais de lide-
rança que muito contribuirão para o crescimento da igreja ali plantada. Da
mesma forma, o missionário poderá comparar seus achados com o tratamen-
to bíblico sobre liderança eclesiástica: Processos de Seleção de Líderes, Mode-
los de Treinamento de Líderes, Estilos de Liderança Locais, Transferência de
Poder. Uma área que também deve ser levada em consideração dentro desta
categoria é aquela relacionada com Educação Cristã. Outra que deve ser aqui
inserida é um estudo aprofundado do trabalho missionário educacional, o
qual foi (e ainda é) muitíssimo usado em campos missionários africanos.

6. Fundamentos de Crescimento da Igreja: Esta área é mui facilmente confun-


dida com “sucesso ministerial”. Ela, portanto, ajuda o missionário a conhecer
melhor as possibilidades estratégicas para um ministério que produzirá cres-
cimento tanto qualitativo como quantitativo no seu campo de trabalho. Entre
as várias subdivisões, encontraremos as seguintes: Princípios Bíblicos de
Evangelismo, Estruturas Eclesiásticas, Exegese da Seara, Movimentos Gru-
pais, Estratégias para a Evangelização Mundial, Princípios de Crescimento,
Plantando Igrejas Transculturalmente. O Movimento de Crescimento da Igre-
ja tem hoje uma grande necessidade de reavaliação; na verdade, os princípios
que outrora foram muito próprios da escola do Seminário Fuller, foram ex-
pandidos, criticados, adaptados por outras escolas de pensamento. Tais prin-
cípios não podem ser ignorados de forma alguma; mas, sim, estimulados e
propriamente analisados em comparação com o movimento em si mesmo.

7. Estudos Ecumênicos e Missão: O estudo do movimento ecumênico é algo


que precisa ser apresentado antes do missionário deixar o seu país, princi-
palmente no caso dos missionários que deixam o Brasil. Tem havido muito o
que aprender deste movimento e quando o missionário cruza as barreiras cul-
turais, o entendimento desta área se torna um ponto de extrema importância
para o desenvolvimento de seu ministério transcultural. Entre suas subdivi-
sões, encontraremos: O Estudo do Movimento Ecumênico, Congressos Cha-
ves e sua Contribuição Para uma Interpretação Missional Mundial, A Sua
Mensagem Profética Para Missões Contemporâneas, Em Busca de Uma Leitu-

22
ra Reconciliatória da História das Missões, Missão e Ecologia. Aqui, em con-
junção com a Teologia da Missão, uma matéria que não pode deixar de ser
explorada é aquela que estuda as Teologias Contemporâneas da Missão, a
qual tenta analisar as várias frentes teológicas da missão a partir de um pano
de fundo ecumênico.

8. Pluralismo Religioso: Esta área nunca foi tão necessária em Missões como
hoje. Basta uma corrida à primeira banca de jornais de sua cidade para ver
como o povo brasileiro, e também o povo espalhado pelo mundo, tem sido
bombardeado por novas propostas religiosas. Assim, precisa-se mais do que
nunca estudar tópicos como os que ora descrevemos: A Complexidade do
Multi-Culturalismo, A Singularidade de Jesus Cristo, As Muitas Formas de Fé
e Jesus Cristo, A Singularidade da Salvação, Em Busca de Um Diálogo com
Outros Grupos Religiosos, As Religiões do Novo Milênio.

9. Formação Espiritual: Mais do que nunca, esta área deve ser uma constante no
estudo de missões. Algumas escolas, como o Centro Evangélico de Missões,
em Viçosa, a qualificam como “Práticas Espirituais”. As escolas onde tenho
ensino ainda estão de certa forma desprovidas de tão importante matéria; ou-
tras poucas porem têm tido a oportunidade de reavaliar seus currículos e de
inserir bons programas dentro de sua enciclopédia acadêmica.

10. Missões Urbanas: Mesmo que haja grande necessidade para o estudo de mis-
sões entre comunidades campesinas, rurais; não podemos deixar de enfatizar
a necessidade talvez mais urgente para missões: Missões Urbanas. O mundo
está se tornando cada vez mais urbanizado em todos os continentes; isto em
si mesmo requer uma atenção de urgência para o desafio. Entre várias maté-
rias a ser exploradas neste tópico, podemos salientar as seguintes: Missão e
Estratégia Urbana, Teologia da Missão Urbana, Teologia da Cidade, Missão
Urbana em Contextos Judeus, Muçulmanos, Hindus, Intelectualizados, e as-
sim por diante. Implantação de Igrejas no Contexto Urbano, Missão Urbana e
Globalização. A lista pode se tornar realmente imensa. Talvez o aspecto mais
importante do ministério urbano seja entre as comunidades de periferia do
mundo, os quais variam de país para país, de cultura para cultura.

11. Outras Áreas Correlatas: As seguintes áreas podem ser colocadas dentro das
anteriores, mas as mesmas têm em si mesmas caracteres distintos: Estudos
Bíblicos, História da Igreja, Renovação Eclesiástica, Aconselhamento Trans-
cultural, Discipulado, Administração Eclesiástica, Estudo das Mulheres em
Missões, Recrutamento e Envio de Missionários, Lingüística e Tradução da
Bíblia, Sociologia da Religião, Desenvolvimento Comunitário, Análise Sócio-
Política e Econômica, Formação Espiritual Clássica, Educação Teológica em
Situações de Difícil Acesso, Análise Sociocultural Urbana, Meninos de Rua, A

23
Contribuição do Vaticano II para Missões Mundiais, Escatologia e Missão,
Teologia Latino-Americana e Missões, Hermenêutica e Missões, Teologia da
Pastoral Latino-Americana, A Missiologia da Periferia.

Uma Ciência a Serviço da Igreja

Finalmente, o estudo de missões é uma ciência a serviço da Igreja. Qualquer outra pro-
posta será descartada, pois o estudo é em si mesmo uma arte que deve servir, não ape-
nas crescer em sua própria glória. Estão certos aqueles que se preocupam com o perigo
da teoria impor-se sobre a prática, mas a única forma de se manter longe deste perigo é
submeter os avanços desta ciência, ou de quaisquer outras, ao serviço da Igreja.
Precisamos superar a síndrome do evangelicalismo mundial, aquele que tende a
desprezar a árdua ministração do estudo; a construção de teorias que servirão para o
melhor desempenho de uma prática segura de ministério. Aqui não é o lugar para tal
discussão, mas ainda temos muito do que nos foi trazido por outros missionários, prin-
cipalmente por aqueles de cunho mais fundamentalista, que rejeitaram o escolasticismo
dos dois séculos passados, pois o mesmo se achava deteriorado. Este assunto do anti-
intelectualismo evangélico tem sido amplamente discutido por estudiosos como Mark
Noll e Os Guinness. Esta atitude anti-intelectual não pode mais ser tolerada, principal-
mente por uma geração que está diante dos maiores desafios tecnológicos da História
da Humanidade.
Sim, devemos rejeitar o que está deteriorado, mas o simples fato de fazê-lo não quer
significar que precisamos mortificar nossa capacidade de discernimento e de crítica in-
teligente. Precisamos de nos equipar com o melhor que temos, porque o mundo lá fora
espera isso de nós. Na verdade, o que mais fecha a porta para o Evangelho é a idéia de
que crente é burro por natureza. Infelizmente temos dado razão para isso, pois confun-
dimos vida espiritual com alienação intelectual, vida piedosa com pieguismo barato.
Tendo dito isso, creio que a Missiologia é uma ciência inteligente e que tem muito a ofe-
recer à Igreja. Porém, isso vai se realizar somente quando os missiólogos forem aceitos
como servos do Reino de Deus e também como pessoas que têm dedicado as suas vidas
no laborioso trabalho de informar e orientar a obra missionária da Igreja.

*****

Temos até agora visto o que pode ser a motivação missionária da Igreja, assim como o
que é a Missiologia. Passaremos, daqui para a frente a discutir as partes vitais desta
Missiologia. Cada um dos próximos capítulos tem a função de explicar o que essas par-
tes são e como elas podem ser integradas no aspecto geral da Missiologia.

24
Capítulo IV

Formação Espiritual

U m dos pontos mais destacados da obra missionária é a vida espiritual do obrei-


ro de Deus. Tudo pode ser feito com seriedade e grande esforço, mas se não
tiver uma demonstração de vida íntima com Deus, tudo vai por água abaixo. A
vida espiritual é a primeira coisa que se deve construir na formação e preparação do
missionário. Todo cuidado deve ser dado à esta importante área do treinamento dos
candidatos, mas ao mesmo tempo, esta área deve se refletir no contínuo ministério da
pessoa que vai para o campo.
Este capítulo tem como objetivo principal a elaboração de uma prática que por mui-
tos anos tem sido o domínio do livro de cabeceira. Aqui, sem muitas delongas, há a ne-
cessidade de fazer com que se aflore um real interesse na cultivação de uma vida espiri-
tual que seja séria e submissa ao desejo e domínio do nosso Senhor Jesus Cristo.

O Ponto de Partida: Desenvolvimento Pessoal

Um dos seminários onde ensinei tem uma parte em seu currículo chamada: Desenvol-
vimento Pessoal. Cada aluno ou aluna tem que passar por uma série de treinamentos,
estágios em várias igrejas ou campos missionários, desenvolvimento de habilidades
pessoais necessárias para o seu dia a dia com Deus. Enfim, o seu programa de desen-
volvimento pessoal é puxado e muitos alunos, ao chegarem ao final de seus programas,
se acham totalmente transformados e mais maduros como seguidores de Jesus.
No contexto daquela escola, há uma verdadeira combinação de teoria e prática: Há
vários dias no semestre dedicados unicamente ao desenvolvimento pessoal dos alunos.
Fala-se de tudo: sexo, construção de igreja, compra de carro, batalha espiritual, organi-
zação do diário pessoal, vida matrimonial, aconselhamento, uso do dinheiro, levanta-
mento de sustento, e assim por diante. A escola convida pessoas que têm especialização
nesses assuntos e que podem trazer uma contribuição para todos os seus alunos e pro-
fessores também. Enquanto isso é feito, todos estão também construindo um sentimento
de comunidade; muitas vezes há refeições com toda a comunidade da escola, inclui-se
também jogos de voleibol, esqui, caminhadas nas várias partes montanhosas na região,
nas montanhas rochosas canadenses.

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Como um todo, entendemos que o servo de Deus é uma pessoa que, por incrível que
pareça, ainda é um ser humano. Somos cônscios de que podemos cair no marasmo espi-
ritual, cair em pecados de estimação, cometer o pior dos pecados: a preguiça. Enfim,
somos abertos para a idéia de que precisamos crescer em nossa espiritualidade. Isso pa-
rece um pouco irônico, mesmo um pouco sarcástico, mas na verdade é um dos pontos
mais sensíveis na vida daquele que está entrando no ministério, seja ela qual for. Não é
incomum assumir que a pessoa escolhida para o ministério já chegou ao ponto máximo
de sua espiritualidade; aliás, isto é o primeiro sinal de submissão a uma autoridade que
não vem de Deus. Toma-se, por exemplo, a posição sagrada do Dalai Lama, ou do Chi-
co Xavier, ou mesmo do Papa. A sua áurea espiritual parece lhes garantir uma posição
de santidade tal que ninguém pode tocar ou mesmo questionar sua integridade espiri-
tual.
O mesmo acontece no meio evangélico. Já me cansei de ouvir membros de igreja di-
zer que não se pode falar que o pastor Fulano anda meio assim, porque “não se pode
tocar num ungido de Deus”. O fato de alguém ser servo de Deus, pastor, missionário,
ou mesmo um evangelista, diácono, presbítero, ou qualquer outro líder da igreja, não
lhe garante imunização do pecado, como se fossem pessoas com imunização diplomáti-
ca. É verdade que não devemos sair por aí levantando falso testemunho ou precipitan-
do nosso julgamento contra as pessoas, e isto não é o que estou querendo passar aqui. O
ponto que quero enfatizar é que todos nós somos peregrinos numa jornada espiritual e
por isso precisamos de nos cuidar para que não caiamos em uma vida sedentária e
mórbida (1 Cor. 10:12).
Assim, o missionário precisa crescer espiritualmente. Esta é a grande fonte de poder
do servo de Deus, pois reflete o seu companheirismo com o Espírito Santo; assim como
podemos verificar na vida de Jesus Cristo, por exemplo. Ele cresceu espiritualmente e
isso pode ser deduzido pelo modo com que o nosso Senhor passou pela tentação do de-
serto. Como homem, Jesus Cristo cresceu aprendendo as Escrituras, mesmo como todo
garoto de sua idade (cf. Lc. 2:41-52). Precisamos tirar aquela idéia de que o menino Jesus
tinha tudo na sua cabeça, desde o começo de seus dias. Ele cresceu em tudo, inclusive
na sua espiritualidade. O Autor da Carta aos Hebreus descreve a piedade de Jesus de
uma forma muito inspiradora, como podemos verificar: “Ele, Jesus, nos dias da sua car-
ne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia li-
vrar da morte, e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho,
aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu, e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o
Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb. 5:7-9).
O alvo do missionário deve ser o seu desenvolvimento pessoal, principalmente
quando se refere à sua vida espiritual. Ali está o segredo de seu sucesso no ministério.
Muito embora o missionário possa ter todo o seu preparo acadêmico e profissional, será
inútil tentar qualquer coisa sem que primeiro a sua vida espiritual seja bem cuidada.
Esta é uma outra característica forte na vida de Paulo. Sempre vamos encontrá-lo fa-
zendo suas práticas devocionais, principalmente orando. Uma lida rápida em suas epís-
tolas e cartas vai apresentar logo o grande volume de orações que o Apóstolo dispensou
em favor daqueles que lhe eram objetos de seu afeto e de sua preocupação pastoral.

26
A Vida Devocional do Missionário

O missionário deve cultivar a sua vida devocional. Isto deve ser alguma coisa feita com
regularidade, uma vez que sempre podemos nos achar em falta de alimento para o nos-
so dia de trabalho. O que quero dizer é que muitas vezes somos expostos aos perigos
que a nossa obra nos leva; como Paulo mesmo diz, devemos estar preparados para o dia
mau (Ef. 6:13). Usando a analogia do soldado romano, Paulo nos apresenta uma série de
elementos importantes para nos equiparmos, caso queiramos sair vencedores no final
do dia. A Armadura do Senhor (Ef. 6:10-20) é algo que o missionário precisa quotidia-
namente, porque nossa luta é tremenda no campo missionário.
A primeira coisa importante que o missionário deve manter é a consciência de que
ele está exposto diante dos olhos de Deus, dos homens, e também dos anjos. Como
membros da Igreja que peregrina pelo mundo, somos observados por todos os lados.
Um verso interessante neste sentido está em Efésios, quando diz que: “pela igreja, a
multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida agora dos principados e potestades
nos lugares celestiais” (3:10). Sem querer construir uma doutrina a partir de um único
verso, o que é hermeneuticamente incorreto, atrevo-me a usar esta passagem como su-
porte para o que estou dizendo. Somos constantemente observados pelas potestades es-
pirituais, as quais podem se manifestar como inimigos desastrosos nos nossos ministé-
rios. Por isso precisamos ter uma vida devocional constante com Deus. Conta-se de cer-
to pastor que estava começando uma igreja. Naquela época, apenas sua esposa e filhos
participavam dos trabalhos dominicais. Sua esposa um dia lhe teceu um comentário a
respeito de sua meticulosidade na preparação e na entrega dos sermões. Ele lhe respon-
deu dizendo que, além de sua família ali presente, havia também os anjos de Deus, os
quais também mereciam um sermão bem elaborado. Soube, certa ocasião, de um missi-
onário em Recife que foi chamado às pressas para orar e tentar expulsar demônios de
uma mulher. Aquele missionário saiu dali derrotado, pois os demônios expuseram sua
vida pecaminosa diante de todos os presentes. Alguns meses depois, aquele missionário
foi factualmente confrontado em seus pecados e infelizmente teve que deixar o ministé-
rio.
Tem sido minha prática pessoal jamais sair despreparado para a luta diária. Durante
meu ministério no Brasil, em uma região muito católica e espírita, deparei-me várias
vezes com pessoas endemoninhadas, as quais precisavam de libertação. Sabendo disso,
sempre tenho mantido a plena consciência de que é somente em Cristo que temos nosso
poder espiritual e que precisamos andar debaixo de seu sangue remidor. Uma vez pre-
guei na casa da chefe dos espíritas em uma pequena cidade de Goiás. Nada sabíamos da
pessoa, mas alguém nos levou lá. Foi uma experiência marcante e creio que aquela mu-
lher foi completamente amarrada naquele dia. Várias vezes tenho tido experiências de
pessoas demonizadas se achegando a mim e também à minha esposa no meio da rua.
Uma vez, na Califórnia, uma senhora se aproximou de mim, a qual estava demonizada.
Entramo-nos num ponto de ônibus e ela estava de certa forma me provocando com pa-
lavras e tentando me acusar de coisas que não faziam sentido. Mesmo ali no tumulto de
pessoas, à essa hora já estávamos dentro do ônibus, orei pedindo ao Senhor que a li-

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vrasse daqueles espíritos maus, o que aconteceu. Notei imediatamente que a mulher
não sabia onde estava, tendo descido no mesmo ponto que eu havia de descer.
Não é o propósito deste capítulo traçar regras e modelos de devocionais para o lei-
tor. Contudo, é meu desejo que a ênfase fique aqui clara: a vida devocional do missio-
nário deve ser cultivada e vivida com constante submissão ao Senhor.

As Práticas Devocionais

Uma prática que me tem ajudado muito, desde os meus anos de seminário, é a memori-
zação de versículos; principalmente aqueles que me acompanham nos lugares mais di-
versos. Não que eu queira ou tenha criado uma bíblia dentro da Bíblia. Melhor para nós
seria memorizar toda a Escritura, mas isso é possível apenas aos superdotados, o que
não é o meu caso.
Ainda guardo comigo, tanto em papel como no meu coração, os versos Obadias
(Servo do Senhor), que tive que memorizar no Seminário. Eles foram dados aos semina-
ristas na época pelo então reitor de nosso seminário, o Rev. Francisco Leonardo
Schalkwijk. Esses versos têm sido ainda uma fonte de grande inspiração, mas também
de consolo, direção, admoestação e de sanidade espiritual para mim. Aqui os coloco,
caso o leitor queira aplicá-los em suas próprias vidas. Cada palavra chave tem a ver
com a nossa conduta como servos de Deus, seguida de sua passagem ou passagens refe-
rentes:

1. Norma: 1 Coríntios 4:2 (Atos 6:3)


2. Chamada: Josué 1:9
3. Oração: Salmo 69:6
4. Intelecto: 2 Coríntios 10:4-5 (submetendo-o a Cristo)
5. Sentimento: Filipenses 4:6-7
6. Vontade: Salmo 40:8
7. Santidade: Levítico 10:3
8. Humildade: 1 Pedro 5:5 (Filipenses 2:3)
9. Obediência: 1 Samuel 15:22
10. Poder, Amor: 2 Timóteo 1:7
11. Livramento: 1 Coríntios 10:13
12. Coroa: 2 Timóteo 4:7-8 (Galardão)
13. Em Tudo: 1 Tessalonicenses 5:23-24.

Há muitos livros que podem ajudar o leitor a encontrar formas de práticas devocio-
nais. Muitos deles, infelizmente ainda estão em Inglês, mas minha oração é que nós pos-
samos ter acesso aos livros clássicos das práticas devocionais. Um dos livros que gosta-
ria de ver um dia traduzido é o The Reformed Pastor (O Pastor Reformado), escrito por
Richard Baxter (1616-1691), um pastor puritano que influenciou muitos outros líderes
cristãos, principalmente Jacó F. Spener, o fundador do movimento pietista alemão. Ou-
tros livros há que podem ser encontrados, principalmente entre os clássicos puritanos.

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Mais recentemente, Richard Foster, fundador do ministério chamado Renovaré, tem de-
dicado grande parte de seu foco ministerial às práticas devocionais. Um de seus livros
me tem sido particularmente edificador é Celebration of Discipline (A Celebração da Dis-
ciplina [Espiritual]), o qual pode ser achado em Português. O leitor poderá recorrer à
bibliografia, no final deste livro, onde poderá encontrar títulos sugestivos.

A Disciplina do Estudo

A formação espiritual do missionário exige muita disciplina. Isto é o que podemos veri-
ficar, principalmente no exemplo de nossas próprias vidas. Precisamos manter uma dis-
ciplina constante para o nosso desenvolvimento espiritual.
Contudo, uma parte inseparável do desenvolvimento pessoal do missionário é a dis-
ciplina do estudo. Douglas Spurlock, quando ainda missionário com a Sepal do Brasil,
escreveu um artigo muito interessante sobre o ministério do estudo. Aquele artigo, se
não me falha a memória no Liderança Pastoral, foi para mim uma confirmação daquilo
que Deus tem me chamado a fazer. Há pessoas que realmente gostam de estudar, mas
há outras que só o fazem porque doutra forma não chegarão aonde querem chegar. O
ponto que quero fazer aqui é que o estudo é tão importante quando as práticas devoci-
onais na vida do missionário. A formação espiritual do obreiro de Deus deve ser com-
pleta, integral.
Isso exige do missionário um esforço muito grande, pois muitas vezes o mesmo se
acha no meio de muito o que fazer e se esquece, ou mesmo não acha tempo, para o es-
tudo. Seria um tanto simplista usar esta passagem, mas creio que a mesma tem lições
para nosso assunto aqui. Tomemos como exemplo o incidente acontecido na casa de Lá-
zaro (Lc. 10:38-42), entre as duas irmãs Marta e Maria. Ali pode-se ilustrar bem a ques-
tão de prioridades entre as duas. Nenhuma delas estava errada, mas ambas precisavam
uma da outra. Jesus entendeu a prioridade de Maria como sendo a mais importante ali,
naquele contexto.
Em uma carta pessoal de John Wesley a John Trembath, datada em 17 de agosto de
1760, o fundador do Metodismo adverte aquele ministro com palavras um tanto duras,
porém mais do que necessárias para alguém que estava engajado no ministério sagrado.
Nesta porção da carta, vemos a preocupação de Wesley pelo seu amigo e também aqui-
lo que pode nos tocar pessoalmente ainda hoje. Assim, tiremos um pouco do nosso
tempo para refletir nas palavras de Wesley:

O que tem prejudicado a sua vida no passado, e lamento dizer até hoje, é a sua negligência
quanto a leitura. Negligência tal que por sua vez chega a prejudicar até o próprio desejo de
ler. Dificilmente me recordo de um pregador que lê tão pouco. Eis a razão por que seu talento
em pregar não aumenta. Você continua pregando como pregou há sete anos atrás. Com emo-
ção, porém sem profundidade. Falta variedade e conteúdo.
A leitura poderá preencher estas lacunas com meditação e oração diária. Você prejudica a
si mesmo em omitir tal prática. Desprezo à leitura impede alguém de ser um pregador madu-
ro. Até para ser cristão íntegro é mister a leitura adequada. Oxalá que começasse! Separe uma

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parte do dia para este exercício. Assim adquirirá o sabor por aquilo que faltava; o que parece
monótono no início se tornará com o tempo um prazer. Com ou sem disposição leia e ore dia-
riamente. É para sua própria vida; não existe outro caminho.

A disciplina do estudo é um ministério sério. Ela vai fortalecer o missionário à me-


dida que o mesmo a pratica. Temos que fortalecer nossos músculos intelectuais, pois são
eles que fazem sentido de nossa fé. O que é triste de se ver é como há obreiros totalmen-
te ineficazes nos campos porque se recusam a fortalecer seus “músculos intelectuais”.
Um dos aspectos mais importantes do trabalho missionário é a apologética e isso requer
de todos uma razão para a nossa fé. Pedro, escrevendo aos crentes da Ásia Menor, de-
clara que junto com a nossa santificação há uma dimensão apologética5. Senão, leiamos
o que ele diz: “antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vossos corações, estando
sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que
há em vós” (1 Ped. 3:15).
O missionário precisa passar tempo com sua Bíblia aberta. Há muito o que se apren-
der, principalmente quando o contexto é outro totalmente diferente do que se lhe é fa-
miliar. Precisei reler minha Bíblia várias vezes para pregar no contexto norte-americano
quando fui pastor em Idaho. Eles tinham uma forma totalmente diferente de entender a
Bíblia ali. Simplesmente não dava para usar meus sermões brasileiros num contexto to-
talmente adverso ao meu. Foi um choque, tanto para mim, como para os membros da
minha igreja ali. Tomou-me mais de um ano para eu começar a aplicar as Escrituras de
uma forma que eles entenderiam melhor. Depois de alguns anos, retornei ao Idaho, des-
ta vez para servir entre os Nativos Americanos, o que foi necessário uma relida comple-
ta das Escrituras para que eu pudesse traduzi-la para o contexto nativo-americano. Ho-
je, quando escrevo este texto, tenho trabalhado com americanos de várias procedências
sociais, culturais e educacionais, tanto em Idaho como no Estado de Washington. Tenho
sido constantemente requisitado a interpretar as Escrituras para combater ataques de
todos os lados: mormonismo, pseudo-Messianismo, a invasão de religiões mundiais
dentro de nossa sociedade imediata. Tudo isso requer um constante exercício de estudo,
o que é feito regularmente.
O missionário precisa passar tempo lendo a cultura que o cerca. Muitas vezes, a me-
lhor forma de fazê-lo é através de pesquisas em bibliotecas, shopping centers, televisão,
rádio, jornais, revistas, etc. Muitas vezes, fazer perguntas aos membros daquela cultura
pouco ajudará. Eles, como nós também, sabem muito pouco sobre si mesmos. As pesso-
as não param para se conhecer melhor. Na verdade, comecei a me conhecer melhor de-
pois que saí do Brasil, pois lá na minha terra natal eu não precisava dizer o que eu era.
Da mesma forma, o missionário tem que estudar duro para conhecer a cultura onde
Deus o colocou. Isto exige estudo. Tomou-me pelo menos doze anos para eu começar a
entender a cultura americana; não a cultura de Hollywood, na qual o mundo parece ser
especializado, mas a cosmovisão americana. Tendo morado no Canadá por quatro anos,
tomou-se pelo menos três daqueles anos para começarmos (minha família e eu) a co-

5 “Apologética” é o ramo da teologia que lida com a defesa da fé cristã, principalmente contra as vá-
rias heresias que se impõem contra o Cristianismo.

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nhecermos os canadenses e percebermos que eles não são Americanos, apesar de fala-
rem Inglês (moramos no Canadá anglo). Passava horas procurando entendê-los. Às ve-
zes precisava ir à biblioteca pública para checar um livro sobre o Canadá, um vídeo-
teipe sobre a Província de Alberta, e assim por diante. A disciplina do estudo é um mi-
nistério árduo mas compensador.
O missionário precisa de ler o que os crentes da sua nova cultura estão escrevendo;
de outra forma, ele pode estar totalmente alheio ao conteúdo espiritual das igrejas ali
existentes. Da mesma forma, em lugares pioneiros, o missionário precisa conhecer a teo-
logia da terra, suas religiões, suas crenças, enfim, o que é a espiritualidade do povo.
Creio que se muitos pastores brasileiros fossem mais dados ao estudo metódico, não
haveriam tantas discrepâncias doutrinárias no Brasil. Outra coisa, se houvesse mais in-
teresse em estudar a realidade em nossa volta, entenderíamos bem melhor os nossos
vizinhos católico-romanos ao ponto de podermos ajudá-los a encontrar Jesus de uma
forma menos dolorida e até mesmo menos preconceituosa. Quero dizer que, devido a
muita ignorância, para cada católico-romano que se converte, fechamos as portas do céu
para pelo menos dez de entre eles. Isto é um aparte, o qual pode abrir a porta para um
bom diálogo no futuro.

*****

Este aspecto da Missiologia é muito mais complexo do que aqui apresento. Porém, de
acordo com o propósito deste livro, estou apenas trazendo informação para o leitor,
aquela pessoa que vai regularmente à Igreja, que tem um profundo amor por Jesus Cris-
to e que está orando por missões, querendo servir ao Senhor de uma forma ou de outra.
Meu desejo aqui também é ver meus colegas de ministério, tanto pastores, como
missionários, levando suas vidas cheias de vitalidade espiritual. Todos nós precisamos
estar sempre de joelhos diante da Majestade de Jesus Cristo, o Senhor e Cabeça da Igre-
ja. Para isso, devemos cultivar nossos hábitos devocionais e também nos preparar diari-
amente através do estudo da Palavra de Deus, de forma que possamos interpretá-la pa-
ra o nosso contexto. Devemos ter vidas santificadas e também disciplinadas.
O nosso próximo tópico lida com a Teologia da Missão. Como veremos, esse tópico é
o esteio principal das matérias acadêmicas do estudo de missões.

31
Capítulo V

Teologia da Missão

F alar de teologia da missão é em si mesmo uma árdua tarefa. Muito mais difícil
ainda é escrever a seu respeito, uma vez que por muitos motivos a teologia ten-
de a ser colocada de lado, como se fosse uma ciência impessoal e altamente aca-
dêmica, o que realmente não é. Certamente encontraremos o enfadonho trabalho da teo-
logia ao passarmos horas a fio lendo volumosos livros na área, não há dúvida. Porém,
quando entramos no assunto de teologia e missão, um novo quadro se dispõe diante de
nós. A teologia da missão é algo dinâmico, pois primeiramente está lidando com a ação
missionária de Deus na história da humanidade. Em uma curta palavra, a teologia da
missão estuda a ação salvadora de Deus na história da humanidade.
Considerando a vastidão deste assunto, tentarei colocar em perspectiva os assuntos
mais adequados para um livro como este. Aqui estamos tentando levantar a consciência
do leitor para a realidade das missões e principalmente para a necessidade que temos
de estudar a missiologia da Igreja Cristã. Assim, deter-me-ei apenas a uns poucos pon-
tos cardeais dentro da teologia da missão. Lembremo-nos, nesta altura, que a teologia
da missão é uma parte integrante da missiologia. Lembremo-nos também que ela tem
sido confundida como sendo a missiologia em si mesma, o que pode ainda prevalecer
em alguns círculos. Se tomarmos a missiologia como sendo teologia de missão, as ou-
tras áreas que apresentamos no Capítulo III serão apenas coadjuvantes no cenário am-
plo desta ciência. Mais uma vez, prefiro distinguir a teologia da missão da missiologia e
incluí-la como uma das muitas partes daquela ciência ou estudo da missão.
Desta forma, a teologia da missão é o estudo da obra missionária partindo do ponto
de vista de Deus, isto é, partindo de sua revelação, principalmente através da Bíblia. Ela
é sustentada também através de Cristo, é claro, mas a esta altura, é importante dizer
que a teologia da missão entende este aspecto partindo das Escrituras tão somente.
Apesar de eu já ter mencionado brevemente o que missão é, para o melhor entendi-
mento da palavra “Missiologia”, seria de grande ajuda neste momento uma nova tenta-
tiva de definir o que missão possa ser, neste caso para nos ajudar no entendimento do
que seja teologia da missão.

32
A Missão no Estudo Teológico

Uma das primeiras expressões usadas para definir missão foi Apostólica ou Apostolado.
Esta terminologia vem da palavra grega apostolê, a qual significa enviar. Johan Bavinck
nos informa que ela dá uma idéia geral sobre missões. Ele também sugere que ela pode
nos levar a uma idéia do sistema episcopal. Aliás houve, logo no começo do movimento
reformado um outro estudioso, chamado Adriano Saravia, que tentou argumentar este
aspecto em referência à sucessão apostólica e suas implicações. Assim, tanto Bavinck
como Abraham Kuyper temeram que estas implicações fossem um dia levar a uma idéia
errada sobre a continuação do ofício apostólico dentro da Igreja. Isso foi corrigido pos-
teriormente, graças a William Carey, que sugeriu o seguinte: “Ao enviar os apóstolos,
Cristo também estava enviando a igreja que ainda seria estabelecida através de seus la-
bores”.
João Calvino, por sua vez, lida com o problema do apostolado a partir de uma preo-
cupação mais teológica. Ele estabelece o fato de que os ofícios do apostolado e o de
evangelista não são permanentes, mas que Deus levantaria “apóstolos e evangelistas”
em seu próprio tempo, de acordo com sua vontade. Dentro desta linha de pensamento,
ele chegou inclusive a sugerir que Martinho Lutero era um desses apóstolos temporãos
de Deus. O problema que eu encontro nessa argumentação, no entanto, é que Calvino
está usando dois dons, mostrados em Efésio 4:11, como sendo ofícios. Na verdade, apa-
rentemente a Bíblia fala de dons e não de ofícios, principalmente no Novo Testamento.
Nesse caso, os demais dons ali mencionados têm que ser considerados como ofícios ou
como dons. Para que tal aconteça, os dons de “profeta”, de “pastor” e de “mestre”, se-
rão meros ofícios e forçosamente teriam que também ser descontinuados da mesma
forma que os demais mencionados por Calvino. Isso aparentemente é hermeneutica-
mente incorreto. Neste caso, creio que Paulo está lidando inteiramente com dons (gra-
ças; dádivas) derramados na Igreja, neste caso dons de liderança.
Há alguns estudos sobre o significado do termo apostolado na missiologia contempo-
rânea que podem nos ajudar a entender melhor o que pode ser as implicações para o
ministério missionário da Igreja. Neste caso, o que é exatamente a diferença entre o
pensamento de Calvino com o que entendemos hoje? Estava ele falando a mesma língua
que entendemos hoje? Há alguma diferença entre o ofício de um apóstolo, falando a
respeito dos Doze, e um apóstolo, que literalmente significa “aquele que fora enviado”?
Para alguns estudiosos, o assunto do apostolado deve ser entendido como sendo um
dom espiritual, o qual continua a ser usado na Igreja até o presente. Paul E. Pierson, um
historiador de missões presbiteriano, nos alerta para o fato de que uma das característi-
cas mais importantes da Igreja Primitiva era sua apostolicidade, isto é, ela se voltava
sempre à doutrina dos apóstolos, mas também, ela estava sempre preocupada com o
envio de missionários, usando assim a expressão enviadora do verbo apostolein, como já
foi mencionado anteriormente. Neste sentido, a igreja de Antioquia, por exemplo, era
uma igreja apostólica, pois foi ela quem enviou os primeiros missionários oficiais da
Igreja Cristã: Saulo (Paulo) e Barnabé (cf. Atos 13:1-3).

33
Prometo não cansar o leitor com muita terminologia técnica, mas em se tratando de
definições, algumas vezes precisamos recorrer a palavras que não são muito usadas, ou
mesmo procedentes de línguas que desconhecemos. Isto é o problema com uma outra
terminologia que foi sugerida para definir missões. Um estudioso já mencionado,
Abraham Kuyper, sugeriu a possibilidade de se usar a palavra grega prostheticos, como
uma alternativa, pois a mesma dá a idéia de adir números à Igreja (cf. Atos 2:41, 47;
11:24). Outro já sugeriu que a ciência de missões não está preocupada com “adicionar
números”, mas com o chamado para pregar o Evangelho de Cristo através dos anos.
Minha percepção aqui é que Kuyper deveria ser considerado um dos precursores do
movimento de Crescimento da Igreja. Aqui, no entanto, vemos uma mudança de dire-
ção, de uma igreja que envia para uma igreja que adiciona.
Um outro estudioso que trouxe uma importante contribuição para este campo foi
Donald A. McGavran, considerado o fundador do Movimento de Crescimento da Igre-
ja. Como se torna evidente, ele considerou o movimento missionário em termos de cres-
cimento da igreja. Para ele é imperativo que o propósito missionário seja o crescimento
da Igreja. Missão é algo dinâmico e é Missio Dei, a Missão de Deus, um termo que ele
tentou “evangelicalizar”, o qual estava já sendo amplamente usado pelo movimento
ecumênico liderado pelo Conselho Mundial de Igrejas. Esta missão começa com o pró-
prio Deus, não com homens. Em seu pensamento, há sempre a idéia de encontrar o que
se acha perdido para o Reino de Deus. Ele concorda que “serviço é bom, mas nunca de-
ve ser substituído pela busca”. Ele colocou desta forma o seu pensamento sobre missão:
“Entre outras características da missão, entretanto, uma que é principal e insubstituível
deve ser esta: missão é uma busca divina, vasta e contínua. O propósito principal e in-
substituível da missão é o crescimento da igreja”.
Alguns anos depois, McGavran juntou forças com um outro missiólogo, Arthur F.
Glasser, para uma redefinição de seu conceito sobre a missão. Havia então já um cres-
cente desenvolvimento sobre a idéia de missão, evangelismo e a responsabilidade social
da Igreja. Isso ocorreu principalmente durante o encontro do Comitê para Evangeliza-
ção Mundial de Lausanne, em uma consulta sobre Evangelismo e Responsabilidade So-
cial, o qual aconteceu na cidade de Grand Rapids, Michigan, em Junho de 1982. Ao
mesmo tempo, os estudos de John Stott, estudioso inglês, os ajudaram muito a entender
melhor a importância dos “serviços” dentro da Missio Dei. Assim, McGavran e Glasser
apresentaram uma definição do que eles entendiam como sendo missão:

Nós a definimos estritamente como sendo levar o evangelho transpondo barreiras culturais
àquelas pessoas que não têm compromisso algum com Jesus Cristo, e encorajá-las a aceitá-lo
como Senhor e Salvador e a se tornarem membros responsáveis de Sua igreja, trabalhando, à
medida que o Espírito Santo permite, tanto em evangelismo como em justiça, fazendo a von-
tade de Deus na terra como ela é realizada nos céus.

Vejo aqui a expressão sincera de seu entendimento sobre a Missão de Deus. Tendo
conhecido ambos pessoalmente, tenho razões para afirmar que a palavra “justiça” na
sua definição não deve ser considerada como sendo alguma coisa simplesmente cosmé-

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tica. Mais do que isso, sustento que o equilíbrio entre evangelismo e justiça deve ser in-
terpretado como sendo também o equilíbrio entre evangelismo e ação social.
Ainda há pelo menos duas outras definições de missão cabíveis neste capítulo. A
primeira vem em forma de manchete, e é apresentada por C. Peter Wagner. Ele define
missão como sendo a “comunicação do evangelho transculturalmente”. Uma outra de-
finição vem da pena de David J. Bosch, o grande missiólogo sul africano. Para ele, mis-
são tem tudo a ver com a “transposição de fronteiras”. Ele continua a formular sua idéia
sobre missão da seguinte forma: “Ela descreve a tarefa total a qual Deus tem dado à
Igreja para a salvação do mundo. É a tarefa da Igreja em movimento, a Igreja que vive
para os demais, a Igreja que não está preocupada consigo mesma, mas que se torna de
dentro para fora, rumo ao mundo”.
Diante das definições anteriores, resta-me apenas o atrevimento em sugerir o que
possa ser uma definição pessoal. Assim, missão é a obra salvífica de Deus em Jesus Cris-
to através da sua Igreja na história e no mundo através da pregação do Evangelho tanto
em palavra como em ação transformadora.

A Teologia no Estudo Missiológico

Uns há que afirmam categoricamente que a teologia é a rainha das ciências. Isto está de
certa forma ligado com o movimento escolástico da Igreja Católica, que começou a fun-
dar suas universidades em torno do Século XII. Entre essas antigas universidades en-
contraremos a Universidade de Oxford, a Universidade de Paris e a Universidade de
Bologna. Eram elas escolas que tinham o propósito de educar os estudantes nas sete ar-
tes liberais, mas sempre partindo do ponto da teologia. Desta forma, a teologia era re-
almente considerada como sendo a “rainha” das sete ciências ali ensinadas.
Outros há, porém, que sustentam que a teologia não poderia sequer ter nascido, não
fosse a contribuição da missão. Se formos olhar por esta perspectiva, veremos que o
Novo Testamento, por exemplo, foi inteiramente escrito a partir de um contexto missi-
onário. Não há um livro do Novo Testamento que não seja uma reflexão missiológica
sobre a fé evangélica. Assim, tendo a crer que há um pouco de verdade em ambas as
posições, mas afirmo que a missão tem largamente influenciado a teologia desde o co-
meço da era cristã. Não me cabe aqui o direito de defender esta posição, pois não a to-
mo dogmaticamente; mas, mesmo dentro desta evasiva, creio que a teologia não teria
prevalecido não fosse a caminhada missionária da Igreja através dos séculos.
Há várias definições para a teologia. A mais simples é “o estudo de Deus”. Mas, ao
mesmo tempo, como é este estudo? Seria ele partindo de Deus ou partindo do homem?
Assim, seria melhor fazer uma pequena mudança de terminologia: “É o estudo da reve-
lação de Deus ao homem”. Aqui, há o detalhe importante da revelação. Não houvesse
Deus se revelado a nós, não haveria teologia de forma alguma, exceto elucubrações va-
gas e cosmológicas sobre o Grande Outro. Mais uma vez, temos que aumentar nosso
entendimento sobre teologia: “É o estudo da revelação de Deus ao homem, tanto atra-
vés da sua criação, como também através da sua Palavra Escrita”. Agora, vemos que há

35
lugar para uma teologia natural e uma outra que é especial pois é contida em uma reve-
lação especial chamada Bíblia.
O Apóstolo João nos informa que Jesus Cristo é aquele que nos revelou o Pai Celes-
tial (Jo. 1:14, 18). Desta forma, a teologia se torna ainda mais complexa, pois aqui ela
passa a ser “o estudo da revelação de Deus ao homem através de Seu Filho Jesus Cris-
to”. Neste caso, a teologia tem que ser também cristológica. Mas, o próprio Senhor Jesus
nos disse que o Espírito Santo iria nos guiar no entendimento da verdade (Jo. 14-16).
Assim, teologia é “o estudo da revelação de Deus ao homem em Cristo Jesus através da
ajuda do Espírito Santo”. Aqui, a teologia tem que ser pneumatológica, isto é, guiada
pelo Espírito Santo.
Outras pessoas há que dizem que a teologia é o estudo da fé. Esta definição é bastan-
te simples, porém de uma profundidade muito grande. De volta à primeira definição,
que também é muito simples, o estudo de Deus o faz objeto de nosso estudo; mas em
que sentido? Seria o de tratá-lo como um objeto de verificação de laboratório? Desta
forma, jamais conseguiríamos provar a sua existência. Muitos cientistas continuam
ateus porque os mesmos querem estudar Deus como sendo um objeto de verificação ci-
entífica. Assim, o que se pode fazer é estudar Deus a partir da nossa fé evangélica e bí-
blica.
A fé não é um escapismo, uma conveniência qualquer. Pelo contrário, a fé é uma das
faculdades mais inteligentes e disciplinadas do raciocínio e relacionamento humano.
Em primeiro lugar ela é baseada na certeza (Hb. 11:1). Tal certeza é depositada em al-
guma coisa que é real, muito embora não possa ser visivelmente provada. Aqui encon-
tramos o aspecto crucial do segredo da fé: ela é a certeza de coisas que não se vêem, mas
que existem.
Desta forma, Deus não se torna o objeto de nossa pesquisa, mas o objeto da nossa fé.
Como tal, estaremos estudando Deus não com a finalidade de provar a sua existência,
mas com a finalidade de conhecê-lo a fim de termos um relacionamento real com Ele. À
medida que prosseguimos em conhecê-lo, estaremos construindo a nossa teologia a par-
tir da nossa fé. Neste caso, para se evitar o perigo da subjetividade, Deus nos deu pelos
menos três formas de revelação que certamente nos darão uma visão inteligente e lógica
a respeito de sua pessoa. Isto é Teologia!
Agora, pondo as duas coisas juntas, entendemos que a teologia da missão é o estudo
de Deus através de sua revelação concernente ao seu plano salvífico para todos aqueles
que crêem, através da obra missionária da Igreja, a qual é feita através de uma evangeli-
zação holística.

Hermenêutica e Missão

A teologia da missão deve começar sempre com a Palavra de Deus. Nesta altura, é ne-
cessário fazer uma recapitulação sobre a singularidade da Bíblia nos estudos teológicos.
A Igreja Católica desenvolveu a idéia da Bíblia como sendo uma fonte primária de auto-
ridade, pois a mesma admite outras fontes secundárias, tais como a tradição dos pais da
igreja, os concílios e a infalibilidade do Papa. Neste aspecto, a Igreja Protestante tomou

36
a posição, desde os princípios da Reforma, que a Bíblia é a única autoridade da Igreja;
neste caso, a Igreja Protestante afirma que é só as Escrituras, ou seja, sola scriptura. Par-
timos do princípio que a Bíblia é a nossa única regra de fé e de prática. Ela é a nossa
única autoridade para uma sã doutrina (ortodoxia) e uma sã prática ou práxis (ortopra-
xia). Neste ponto, não podemos deixar de lado as nossas convicções doutrinárias, e a
nossa aceitação ou não da Bíblia como sendo a Palavra de Deus irá determinar o que
realmente iteramos com respeito à nossa teologia. Este é um ponto essencial da nossa fé
evangélica e não pode ser relegado a um plano secundário.
O ponto crucial aqui se converge a uma necessidade ainda maior para o pensamento
teológico de missão: de nada adianta ter a Bíblia, se não há quem a explique (Atos 8:30-
31). A diferença entre o que se pode entender disso dentro da Igreja Católica e a Protes-
tante é que entendemos que o Espírito Santo nos habilita a interpretar as Escrituras; nes-
te caso, não é um privilégio somente do clérigo, mas também do leigo. Isto tem sido tal-
vez a maior bênção que a Reforma nos tem dado: a oportunidade de nós mesmos ler-
mos e entendermos a Palavra de Deus.
Na elaboração teológica da missão, entretanto, há uma preocupação ainda maior
dentro desta área, pois ela exige, assim como todas as outras áreas da teologia, uma
hermenêutica, que seja embasada nos princípios claros de interpretação. Assim, o mis-
sionário precisa ter noções mais definidas de como interpretar as Escrituras, tanto em
seu preparo pessoal como em seu ministério cultural ou transcultural. Aqui, firmo mi-
nha convicção de que o missionário precisa conhecer as regras de interpretação funda-
mentais para a elaboração de uma teologia que seja coerente com a Palavra de Deus.
Assim, a função da hermenêutica é habilitar a pessoa a entender as Escrituras de tal
forma que a Verdade possa ser transmitida com um nível de fidelidade o mais próximo
possível da intenção original do Autor Sagrado.
Isso requer pelo menos duas coisas básicas: um conhecimento adequado de exegese
e outro das regras básicas de hermenêutica. A exegese habilita o missionário a conhecer
melhor o que se passa na situação original da Escritura. Seria ideal que todos os missio-
nários pudessem conhecer as línguas originais, mas isso é algo além do idealismo. As-
sim, o missionário tem acesso hoje a muitas fontes de estudo exegético que vão ajudá-lo
bastante, mesmo que o mesmo não tenha conhecimento das línguas originais da Bíblia.
Desta forma, o missionário pode adquirir bons comentários exegéticos que o ajudarão
bastante no entendimento do significado original do texto. Em segundo lugar, o missio-
nário precisa de habilitar-se no entendimento da Palavra de Deus e como transpor o
tempo de então para os seus contemporâneos. Esta é a finalidade principal da herme-
nêutica: traduzir o significado original de tal forma que as pessoas possam entendê-la
nos seus próprios contextos atuais. Assim, a hermenêutica serve de ponte entre a inten-
ção original do autor bíblico e a necessidade do leitor de hoje.
Isso talvez seja a coisa mais difícil de se conseguir, pois não podemos entender com-
pletamente o que era a intenção inicial do autor. Há ramos da hermenêutica atual, prin-
cipalmente na hermenêutica neotestamentária, que têm tentado através dos últimos
anos estabelecer essa intenção inicial através de estudos críticos: históricos, sociais, ca-
nônicos, psicológicos, redacionais, entre muitos, mas infelizmente nada tem-se provado

37
eficiente em quaisquer dessas áreas. No entanto, deixo registrado o quão agradecidos
devemos ser pela contribuição de tantos estudiosos nesta área. Não invalido de forma
alguma a contribuição das formas hermenêuticas existentes hoje; porém, devo acrescen-
tar que as considero incompletas e em muitas vezes as mesmas tendem a levar o exege-
ta para fora do texto somente para tentar ler de fora para dentro do texto, o que nesse
caso se chama eisegese. Eisegese é o oposto da exegese na sua função principal. Exegese
tenta interpretar o texto partindo de dentro do mesmo; ao passo que a eisegese tenta ler
o texto partindo de fora do mesmo, invalidando-se, assim, o que se pode chamar teolo-
gia, pois a entendo como sendo um trabalho inicialmente exegético, e não eisegético. Teo-
logia é tirada da Bíblia, não imposta ao texto sagrado; isto é, trazida para dentro das Es-
crituras.

Missão e a História da Salvação

Não pretendo descrever uma longa elaboração a respeito do termo “História da Salva-
ção” neste capítulo. Para o leitor informado, basta-me dizer que o entendo de uma for-
ma evangélica e não liberal; para o leitor leigo, mantenho a convicção simples de que a
Bíblia é uma narrativa do propósito de Deus para a salvação dos seus eleitos. Em pou-
cas palavras, quero adiantar que a Bíblia não tem outra finalidade senão revelar Deus
como sendo o Criador, Mantenedor e Salvador de uma humanidade que se perdeu de-
vido ao pecado, na queda de Adão.
A história da salvação tem sua culminância na Encarnação de Jesus Cristo, o Filho de
Deus. O resumo completo dessa história pode ser entendido na abertura do Evangelho
de João (1:1-14). Ao mesmo tempo, podemos dizer que Paulo tinha a mesma idéia
quando escreveu aos Gálatas (4:4-5), que “vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus
enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob
a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”.
Para que possamos entender o significado da história da salvação, precisamos antes
de mais nada entender que o Salvador foi enviado pelo Pai dentro de um tempo prede-
terminado por Ele mesmo. Isto teve sua centralidade em Jesus Cristo. Há estudiosos que
afirmam ser Jesus o Centro da História, entre eles, o mais importante é o teólogo suíço
Oscar Cullmann. Esta posição, a qual eu adoto, mesmo que com algumas ressalvas à
posição de Cullmann, deve sugerir o ponto crucial da história humana em relação à sua
eternidade; Cristo é a síntese da história e é nele que temos a salvação pronunciada por
Deus desde o começo (Gen. 3:15 — o Proto-Evangelho) até a consumação dos séculos,
ou da história em si mesma, dando lugar ao eternal (Apoc. 22). Não me cabe à esta altu-
ra debater as várias idéias sobre o tempo, pois não é este o propósito do livro; mas pre-
cisamos nos certificar melhor sobre a posição bíblica quanto ao tempo e a eternidade.
O fator mais importante para a missão é que não pode haver missão sem que haja
primeiro uma realidade na qual a obra salvífica de Deus possa ser implementada. Uma
das grandes contribuições da Teologia da Libertação tem sido o seu senso de historici-
dade, pois o mesmo nos ajuda a entender que salvação (no caso dos teólogos da liberta-
ção: Libertação!) ocorre em um contexto de espaço e tempo e isso se dá na história hu-

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mana. Neste caso, como já mencionado há pouco, devemos fazer uma concessão e admi-
tir que essa teologia trouxe uma dimensão contextual muito forte a qual não podemos
negar: libertação somente pode tomar forma num contexto histórico. De modo seme-
lhante, salvação toma lugar apenas em contextos históricos, sejam eles quais forem.
Tanto os fiéis do Antigo Testamento, como também os do Novo, focalizaram sua espe-
rança na vinda do Messias. Uma passagem rápida pela Galeria da Fé (Hebreus 11) nos
mostrará que aqueles ali mencionados esperavam um momento histórico no futuro; da
mesma forma, nós da Igreja Neotestamentária olhamos para o mesmo evento no passa-
do. Ainda resta, é claro, a consumação desse processo histórico, o qual culminará com a
segunda vinda de Jesus. Assim, quando celebramos a Ceia do Senhor, estamos olhando
para o passado e também para o futuro; mas o futuro já tem chegado aos nossos dias,
pois vivemos os dias escatológicos, os últimos dias, conforme nos ensinam as Escrituras
(Atos 2:17-21; cf. Joel 2:28-31). Podemos admitir aqui, sem medo de cometer um desvio
teológico, que vivemos em plena harmonia com o projeto salvífico de Deus, o qual é
evidenciado na história.
Tanto os heróis da fé do Antigo Testamento como nossos irmãos do Novo Testa-
mento atestam o fato de que eles creram em um só Messias, a saber Jesus Cristo, o qual
veio no momento histórico que Deus predestinou para que Ele viesse (Atos 2:22-23;
4:26-28). Aqui certificamos a centralidade de Jesus Cristo na história da salvação, e tam-
bém na história da humanidade. Nele se convergem todas as coisas criadas por Ele
mesmo. Quando saímos pelo mundo para anunciar as Boas Novas, estamos ali trazendo
conosco o fator inequívoco da centralidade histórica: Jesus Cristo, o Senhor da História.

O Reino de Deus e a Missão

Falar sobre o Reino de Deus em si mesmo toma espaço para vários outros capítulos, tal-
vez livros. O objetivo deste ponto é apenas trazer à tona a grande necessidade de ligar o
tema do Reino de Deus com o motivo missionário. Na verdade, creio que não pode ha-
ver missão sem que haja primeiro um real entendimento do que o Reino de Deus possa
significar em todos os seus possíveis aspectos.
O tema do Reino de Deus não é novo dentro do pensamento missiológico. Se to-
marmos como possível que a teologia orienta em muitos casos o fazer missionário, uma
passagem geral na história da Igreja nos mostrará que este tema está presente na expan-
são missionária da Igreja desde os seus primórdios. Ao tomarmos o livro dos Atos dos
Apóstolos como um documento teológico-missiológico, veremos que o mesmo não tem
um final, pois o seu último capítulo termina abruptamente, deixando em aberto a conti-
nuidade histórica da Igreja. Em muitos casos, temos escrito os capítulos subseqüentes
da história da Igreja. Há quem diz romanticamente que somos o “Capítulo 29” de Atos.
Creio que somos o “milionésimo” capítulo da historiografia cristã, pois dois milênios
deixam espaço para muitos capítulos diferentes. Para isso, basta ver a extensa bibliogra-
fia da história da Igreja que se encontra espalhada pelo mundo. Mas, voltando ao livro
dos Atos dos Apóstolos, veremos que Lucas o termina dizendo que “por dois anos
permaneceu Paulo na sua própria casa, que alugara, onde recebia a todos que o procu-

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ravam, pregando o reino de Deus, e, com toda a intrepidez, sem impedimento algum, en-
sinava as cousas referentes ao Senhor Jesus Cristo” (Atos 28:30-31, ênfase minha). Ve-
mos aqui a importância do Reino de Deus na missiologia Lucana e Paulina, subsequen-
temente.
Há alguns anos passados fui convidado para ser o diretor de um programa de ensi-
no bíblico em um colégio evangélico nas Filipinas. Quando fui entrevistado para aquela
posição, meu entrevistador deixou transparecer a sua agenda: ele queria alguém que
fosse claro em ensinar naquela escola que o pensamento Marxista (Comunista) era erra-
do e que o Capitalismo Ocidental era a forma mais democrática disponível. Levei um
choque, pois longe de mim estava a idéia de ser um propagador da agenda política
americana. Naqueles dias, havia um grande movimento político dentro das Filipinas,
em sua grande maioria de esquerda. Minha resposta àquele irmão foi congruente: a po-
sição deixara de ser interessante para mim pois não tenho dentro da minha agenda uma
preferência Marxista ou Capitalista. Apesar de ter minhas convicções políticas, não seria
a minha motivação missionária nas Filipinas levar o evangelho americano, mas, sim, as
Boas Novas do Reino de Deus. Expliquei ao meu entrevistador que se aceitasse aquela
sua agenda estaria infringindo os conceitos mais básicos da missiologia que tenho
aprendido, pois, como alguém de fora, não me cabe interferir no destino político da cul-
tura que está me acolhendo. Um dos princípios mais importantes da missiologia é que
“sapo de fora não ronca”, usando um ditado mineiro, de onde venho com muito orgu-
lho. É claro que não ganhei a posição nas Filipinas.
Um outro aspecto missiológico que talvez esteja entre os mais difíceis de se superar
é o denominacionalismo. Não estamos engajados em levar o evangelho de nossa deno-
minação, mas, sim, o Evangelho do Reino de Deus. Da mesma forma que há o Colégio
Batista Americano em Recife, encontramos o “Colegio Bautista Brasileño en Bolivia”, de
acordo com informações obtidas através do Ultimato há vários anos atrás. Soube há al-
guns anos atrás que alguém queria fundar a “Igreja Presbiteriana do Brasil nos Estados
Unidos”. Devemos ter muito cuidado com estes problemas.
Há duas décadas atrás servi de intérprete para um irmão brasileiro em uma das vá-
rias denominações presbiterianas nos Estados Unidos. Ali constatei que os mesmos ti-
nham representantes do Presbitério de Buenos Aires. Pensei que fosse algum presbitério
hispano do Texas, Arizona, ou mesmo da Califórnia, mas estava errado. Era de Buenos
Aires, Argentina. Ali eles tinham um campo missionário que pela graça de Deus estava
florescendo na terra dos pampas. Isso é um procedimento normal, quando uma deno-
minação envia seus missionários para implantar igrejas. Não vejo problema algum com
esta prática, aliás, encorajo-a; mas, as denominações precisam chegar ao ponto de saber
que tão logo aquelas igrejas possam se tornar autossuficientes, elas têm que deixar os
seus membros nativos levar o barco. A partir daquele momento, as igrejas autóctones
devem ter liberdade no Espírito Santo e na sua própria teologia para seguir seus pró-
prios passos; mesmo que não sejam os dos missionários que ali estiveram.
Jesus Cristo veio para pregar o Reino de Deus, e foi isso o que Ele fez. Foi Ele mesmo
quem disse, “É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras
cidades, pois para isso é que fui enviado” (Lc. 4:43, ênfase minha). Não seria essa a nos-

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sa finalidade como missionários também? O Reino de Deus é a parte central do ministé-
rio de Jesus Cristo. Enquanto não entendermos isso, estaremos pregando um evangelho
que seja indiferente e impotente para as pessoas que nos cercam. Qualquer mensagem
que não traga o Reino de Deus como centro não passa de um travesti da Verdade.
Houve um grande movimento “missiológico” entre o final do século passado até os
idos de 1930. Estou falando do Evangelho Social, o qual dominou a maioria das igrejas
históricas da Europa e dos Estados Unidos. O fundo básico dessa teologia era que o
homem pode criar uma sociedade melhor. Com a crescente aceitação da nova teoria da
evolução propagada por Charles Darwin e, principalmente, com a euforia e o otimismo
gerado pelo Iluminismo, a idéia de uma nova sociedade (a idéia do homem novo, se-
gundo Karl Marx) estava ligada também com a idéia do reino de Deus aqui na terra. É
mais complexo do que ora exponho, mas é bastante dizer que o Evangelho Social pre-
gava que nós podemos implantar o reino de Deus aqui na terra à medida que construí-
mos uma nova sociedade, uma sociedade que seja expurgada de seus malefícios e peri-
gos, desastres e pobreza. Em poucas palavras, à medida que o mal fosse erradicado da
terra, o que poderia ser feito através de uma extensa propagação das boas novas do rei-
no, o reino de Deus era ali implantado. Isto seguia bem de perto o otimismo gerado por
muitos pós-milenistas também, os quais crêem que haverá um “milênio” de paz e pros-
peridade na terra, à medida que o Cristianismo se espalha, e então o Senhor Jesus Cristo
retornará6. Houve um problema com a teoria do evangelho social, no entanto, porque
em 1914 estourou a Primeira Guerra Mundial, em 1917 começou a revolução russa, em
1929 houve a grande depressão, a qual afetou profundamente os Estados Unidos, e, no
início da década dos Trinta, o Nazismo e Fascismo estavam crescendo em popularida-
de, desembocando-se, evidentemente na Segunda Guerra Mundial, a qual estava ainda
ligada com os horrores no Pacífico. Restava apenas a desilusão e o reconhecimento de
que é impossível se implantar o Reino de Deus por forças humanistas e políticas. So-
mente Deus pode trazer o seu Reino, ninguém mais.

6 Mesmo que brevemente, a posição pós-milenista é uma das três posições maiores em volta do termo
“Milênio” (basicamente tirado de uma única passagem do Novo Testamento, Apoc. 20:1-10). Tal posição,
assim como a posição pré-milenista, tem várias tendências, as quais vão de seu ponto de vista clássico,
endossado por vários teólogos reformados, entre eles o congregacionalista Jonathan Edwards. Há quem
diga que o próprio João Calvino deixou várias sugestões que podem enquadrá-lo como tal. Porém, há ou-
tras posições pós-milenistas que deixam muito a desejar, entre elas aquela sustentada pelos proponentes
da Teologia do Domínio (ou Reconstrucionismo), que leva grande parte de sua ênfase a partir de pontos
de vista meramente econômicos, porém, com uma grande ênfase na Lei, sendo também chamados de Te-
onomia. Uma forma um tanto parecida com a posição pós-milenista também pode ser detectada na forma
com a qual a Igreja Católica Romana vê a sua expansão como sendo a mesma em essência com a do Reino
de Deus. Para tal igreja, a igreja é o reino de Deus. Devido à teologia liberal, até mesmo a Teologia do Po-
lítico, que deu impulso à idéia da Teologia da Libertação, a teologia ecumênica do Conselho Mundial de
Igrejas, as várias teologias liberacionistas, entre outras teologias que partem do liberalismo, continuam a
aceitar a idéia de que pode-se criar o reino de Deus aqui na terra e que tudo se evolve através da erradi-
cação do mal. Pare eles não há mais a possibilidade de uma segunda vinda de Jesus. Neste ponto tais teo-
logias modernas estão totalmente em contrapartida à posição pós-milenista, a qual espera a segunda vin-
da de Jesus Cristo com grande alegria. Mais sobre este assunto se acha dentro do aspecto escatológico da
missão.

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A contrapartida em tudo isso foi a reação evangélica contra o Evangelho Social. Na
verdade, o paralelismo entre o movimento do Evangelho Social e a neutralidade praxio-
lógica do evangelicalismo mundial é digno de um estudo mais profundo para o melhor
entendimento do que ocorre dentro do nosso próprio evangelicalismo brasileiro. Con-
vido estudiosos evangélicos brasileiros com pano de fundo sociológico e político para
investigarem melhor essa dinâmica histórica a fim de trazer conhecimento formal para
nosso povo. Sei que há alguns irmãos que têm labutado nesta área tão importante, os
quais tenho aprendido a respeitar bastante. Uma pesquisa na bibliografia missiológica
brasileira de hoje mostrará um bom progresso nesta área; precisamos, mais do que nun-
ca, de autores nacionais que possam trazer uma maior contribuição dentro do assunto,
o qual é parte inseparável da missão integral.
Mas essa reação levou os evangelicais para o outro extremo: aquele de fazer quase
nada dentro do aspecto social da Igreja. Não quero com isso dizer que não houve pes-
soas que estavam se preocupando com este aspecto do evangelho, é claro, mas o núme-
ro dos mesmos é tão pequeno que seria um insulto numerá-los aqui. O ponto central é
que de acordo com a teologia evangélica, o Reino de Deus passou a ser apenas um reino
distante e que pouco havia para transformar as estruturas históricas do momento. Den-
tro da mesma linha de argumentação, qualquer ação social que fosse implementada, au-
tomaticamente era colocada como boas obras para a salvação e não como boas obras re-
sultantes da salvação. Assim, no nosso caso do Brasil, vemos o quanto isso é vívido con-
tra a L.B.V., contra os espíritas, e mesmo contra os crentes que se atrevem a fazer algum
ministério social.
Estou escrevendo esta porção no Dia de Natal. Ainda hoje, estive visitando a Folha
de Pernambuco para matar saudades. Ali pude ler o que a Legião da Boa Vontade fez
em uma das favelas de Recife. Levaram comida e um pouco de festividade para os po-
bres. Na mesma página, vi a fotografia de uma mulher que, não fosse aquele ato de
amor vindo de estranhos, não poderia sequer dar de comer para seus muitos filhinhos.
Antes de desligar-me da Internet, com um nó na garganta, agradeci a Deus por aquelas
pessoas que foram sensíveis à dor humana e fizeram alguma coisa. Não quero entrar
nos méritos soteriológicos (isto é, pertinentes à salvação) desse ato de amor; mas, ao
mesmo tempo, não posso parar de pensar no que a Igreja Evangélica do Brasil pode fa-
zer para melhorar um pouco a dor da fome nos estômagos de seus vizinhos.
Sem querer transpor a linha demarcadora do criticismo sadio para dar lugar a um
outro tipo de criticismo que não promove o bem comum do povo de Deus, devo ser ho-
nesto em dizer que em muitos dos casos, por não entender bem o Reino de Deus, a
Igreja Evangélica tem enviado por muitos anos missionários que inconsciente ou cons-
cientemente têm omitido a responsabilidade social da Igreja no mundo. Devemos en-
tender que o consenso teológico tem-se afirmado no entendimento de que o Reino de
Deus está aqui presente, mas não em sua totalidade. Há o “agora” mas “ainda não” do
Reino de Deus; ele está aqui mas se completará quando o Rei Jesus retornar. Isso traz
um novo sentido para missões, pois aqui reside a motivação completa do Reino.

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Escatologia e Missão

Isso nos leva a pensar no futuro do Reino de Deus. Uma boa introdução a este assunto
pode ser tirado de João Batista e de Jesus Cristo. Ambos pregaram a mesma mensagem:
“Arrependei-vos, pois está próximo o reino dos céus” (Mt. 3:2; 4:17). Havia, porém, uma
perspectiva totalmente diferente entre os dois. João Batista estava pregando uma vinda
iminente do Reino de Deus, assim como Jesus, mas o Pregador do Deserto estava vendo
apenas o lado apocalíptico do Reino. Na pregação de João Batista estava a anunciação
do juízo final, dos grandes sinais e catástrofes que o povo judeu estava esperando. Na
sua mensagem estava incluída a chegada de um reino visível e que destruiria tudo,
dando lugar a uma nova era. Em parte João estava absolutamente correto, e Jesus mes-
mo endossou esta parte apocalíptica várias vezes. Porém, Jesus estava trazendo uma
parte da mensagem que João não tinha percebido ainda.
João foi colocado na prisão e somente depois deste fato é que Jesus começou seu mi-
nistério público. Ali estava João, crente que o final de tudo iria acontecer dentro de dias,
e nada acontecia. Assim, ele resolveu enviar dois de seus discípulos para investigar com
Jesus se Ele era mesmo o Messias, ou se eles deveriam esperar por um outro (cf. Lc.
7:19). O problema é que João não estava preparado para ver um Messias que não trou-
xesse consigo o poder destruidor e judicial do Reino. Jesus lhe enviou uma resposta que
talvez tenha consumido grande parte de seu tempo para que a mesma lhe fizesse senti-
do. Ao invés de Jesus dizer que logo Ele estaria destruindo tudo, tomando de volta o
reino de Israel, implantando os novos céus e uma nova terra, e assim por diante, o Se-
nhor lhe disse o que realmente estava acontecendo: “Ide, e anunciai a João o que vistes e
ouvistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem,
os mortos são ressuscitados, e aos pobres anuncia-se-lhes o evangelho. E bem-
aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Lc. 7:22-23). Creio que
essa resposta de Jesus estourou os tímpanos de João! Ali Jesus estava dizendo ao seu
primo que de fato o Reino já estava no nosso meio.
Isso pode ser melhor entendido na narrativa do Evangelista Marcos. Uma passagem
que resume bem a idéia desta presença do reino é encontrada no começo da narrativa
marcana: “Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho
de Deus, dizendo: O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo; arrependei-
vos e crede no evangelho” (Mc. 1:14-15). Jesus está dizendo alguma coisa muito impor-
tante em sua mensagem: o tempo da espera está terminado, o povo de Deus não preci-
sava mais esperar pois “o tempo está cumprido”, isto é, chegou à sua plenitude. Nova-
mente retornamos ao que Paulo escreveu aos Gálatas: “vindo, porém, a plenitude do
tempo, Deus enviou seu Filho” (Gal. 4:4). Esta mesma idéia é mais uma vez vindicada,
desta vez tanto por Marcos como por Lucas. Na narrativa Lucana, vemos que o Evange-
lista Gentio fez uma clara distinção entre os dois períodos, o da espera e o da realização.
Lemos que “A lei e os profetas vigoraram até João; desde esse tempo vem sendo anun-
ciado o evangelho do reino de Deus e todo homem se esforça por entrar nele” (Lc.
16:16).

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Aqui, a expressão “o reino de Deus está próximo” (Mc. 1:15) toma um significado
muito mais complementar. Ele não significa uma proximidade temporal, mas uma pro-
ximidade “existencial”, concreta, inaugurada. Há alguns teólogos, entre eles Charles H.
Dodd, que entendem que o Reino de Deus já está realizado, completo, e que não mais
há lugar para a espera de sua totalização futura. Outros há, porém, que preferem dizer
que o Reino de Deus foi inaugurado, havendo assim, a esperança do futuro. Entre esses
podemos incluir Anthony Hoekema e George Eldon Ladd; aliás, o primeiro basicamen-
te segue os passos do segundo nesta posição. Um outro teólogo que defende esta posi-
ção com grande maestria é George R. Beasley-Murray, o qual escreveu extensivamente
sobre a escatologia do Novo Testamento, principalmente sobre Marcos 13, considerado
o Pequeno Apocalipse. Assim, Jesus estava pregando ao povo que o Reino de Deus já
estava no seu meio.
Isto foi declarado por Jesus em várias outras ocasiões, mas talvez as duas mais im-
portantes podem ser encontradas em Mateus 12:28 (Cf. Lc. 11:20) e Lucas 17:20-21. O
leitor pode verificar que ali há duas importantes indicações da presença do Reino. No
primeiro caso, Jesus declarou que se Ele expulsava demônios pelo poder do Espírito
Santo, “certamente é chegado o reino de Deus sobre vós” (Lc. 11:20). No segundo caso,
o ponto é ainda mais interessante: Jesus está respondendo a uma indagação idêntica à
de João, sobre os sinais visíveis do reino, isto é, a deflagração do dia do Juízo, da Reve-
lação Final de Deus, da implantação do Reino Eterno. Contudo, Jesus lhes responde de
uma forma totalmente inesperada: “Não vem o reino de Deus com visível aparência.
Nem dirão: Ei-lo aqui! ou: Lá está! porque o reino de Deus está dentro em vós” (Lc.
17:20-21). Estudiosos há que debatem o significado da última parte deste enunciado.
Uns dizem que uma tradução melhor seria “o reino de Deus está entre vós”, enquanto
outros mantém a posição já apresentada. De qualquer forma, ambas traduções provam
que o Reino de Deus é uma realidade presente.
Esta longa explicação para a resposta de Jesus a João Batista nos leva a entender al-
guma coisa maravilhosa no ministério de Jesus que precisa ser estabelecida aqui. En-
quanto João pregava o iminente juízo de Deus sobre o povo, daí seu chamado ao arre-
pendimento; Jesus, por outro lado, pregou inicialmente a manifestação do grande amor
de Deus em querer que o seu povo arrependesse para que pudesse entrar no seu Reino.
Mesmo sem negar que haverá o grande e temeroso dia da vingança do Senhor (Mt. 24-
25), Jesus veio primeiro para oferecer o seu amor e reconciliar o seu povo com o Pai Ce-
lestial. Isto pode ser mais uma vez verificado na pregação de Jesus na sinagoga de Na-
zaré (Lc. 4:16-21). Ali, Jesus usou a porção de Isaías 61:1-2, mas omitiu uma parte. Ele
falou do ano aceitável do Senhor, mas deixou de lado o “dia da vingança do nosso
Deus.” Alguns estudiosos aceitam a idéia que Jesus omitiu esta frase porque não era
parte de sua primeira vinda trazer o dia do Juízo.
Este aspecto escatológico é para mim fundamental para a missão da Igreja. Há dois
pontos que devo enfatizar, mesmo que brevemente aqui. Em primeiro lugar, a presença
deste reino não foi extirpada do nosso meio quando Jesus retornou ao Pai. Podemos ver
isso bem claramente no começo de Atos (1:6-11). Ali, os discípulos de Jesus, vendo que
Ele fora ressuscitado e consequentemente aprovado como sendo o Messias, fizeram a

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mesma pergunta que estava escondida nos intentos de João Batista e dos escribas e fari-
seus. Eles perguntaram se seria ali que Jesus iria trazer de volta a glória de Israel, res-
taurando-lhe o reino davídico. Jesus lhes responde com uma resposta missionária, po-
rém inteiramente escatológica: “recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e
sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até
aos confins da terra” (Atos 1:8). Ali Jesus estava afirmando uma coisa importantíssima:
a descida do Espírito Santo era a continuidade de Seu Ministério através da Igreja até os
confins da terra. Pondo de outra maneira, em Mateus podemos ver o Senhor declarar
que “eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mt. 28:20).
Para Jesus, o Pentecostes é a continuação da presença do Reino de Deus até que Ele
retorne. Vemos que a resposta escatológica e também apocalíptica é dada aos discípulos
através dos dois anjos que ali estavam: “Varões galileus, por que estais olhando para as
alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu, assim virá do modo como o viste
subir” (Atos 1:11). Mas, tal afirmativa fica mais clara na pregação de Pedro. Ele ali afir-
ma que o que se passava era o cumprimento da profecia de Joel (2:28-31). Interessante
notar que Simão Pedro dá a interpretação da profecia, incluindo-a nos “últimos dias”
(Atos 2:17). Ele interpretou a palavra “depois” (Joel 2:28) como sendo os “últimos dias”,
os dias escatológicos da história da salvação.
Esses dias escatológicos somente terminarão com a segunda vinda de Jesus. Isso me
leva a crer que os mesmos sinais e prodígios que acompanharam o ministério de Jesus e
consequentemente a igreja nascente, podem ocorrer hoje à medida que o Espírito Santo
assim o determine. Neste caso, tenho razões pessoais para crer que ainda podemos ver
milagres, sinais e prodígios, expulsão de demônios e muitos outros atos portentosos do
Senhor nos dias de hoje. Se os mesmos não ocorrem, reputo à uma teologia fortemente
moldada pelo pensamento moderno (não liberal, mas fruto do Iluminismo), que tem
afetado grandemente o pensamento evangelical moderno. Neste aspecto, devo dizer
que a posição escatológica do missionário vai determinar bastante o que ele pode pen-
sar a respeito deste poder do Espírito Santo.
O segundo ponto que devo enfatizar neste momento é a participação ecológica da
Igreja no mundo. A Missão da Igreja é inteiramente escatológica, mas isto não quer sig-
nificar que deixamos de ter uma responsabilidade cultural diante do mundo. Somos co-
locados como mordomos da criação, mesmo tendo caído por causa do pecado. Somos
despenseiros da criação e precisamos assumir nossa posição ecológica diante da mesma.
Um dos maiores estragos que temos visto por parte de algumas posições escatológicas é
que aparentemente devemos deixar a coisa ir de mal a pior, pois assim, abreviaremos a
segunda vinda de Jesus. É interessante observar, porém, que o grande sinal da sua volta
está na pregação do evangelho do reino (Mt. 24:14) e não na evolução do mal ou, conse-
quentemente, na degradação do mundo. Paulo nos informa que a criação está gemendo,
assim como nós estamos (Rom. 8:20-23). Mas nos esquecemos que o Espírito Santo tam-
bém está gemendo, para que possamos ser redimidos (Rom. 8:26). Ali não podemos fa-
zer uma separação no pensamento de Paulo. Ele usa o mesmo verbo (Rom. 8:22, 23, 26)
e há uma ligação ecológica em todo o processo da redenção. A nossa redenção tem con-
sequências cósmicas e precisamos admitir isso. Assim, a salvação que o missionário leva

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não somente é escatológica, mas tem repercussões ambientais, higiênicas, educacionais,
médicas, financeiras, políticas, e mais um grande número de outras ramificações. O
problema é que não temos preparado nossos missionários para pensar desta forma.
Ainda tem perdurado a grande dicotomia entre o natural e o sobrenatural, a natureza e
a graça, a lei e a graça, o espiritual e o físico. Desta forma, a missão ecológica tem que
ser integral, holística, completa; não apenas direcionada ao abstrato, mas ao concreto
realizado na presença do Reino de Deus.

Teologia Contextual

A contextualização é um tópico que pode entrar em avenidas bastante perigosas. Por


um lado, ela pode trazer debates tão calorosos que chegam a dividir igrejas, missões, e
até mesmo destruir boas amizades. Por outro lado, ela pode ser cultivada e produzir
bons frutos, dignos do louvor a Deus, proclamando a sua glória entre as nações. Mais
uma vez, não me cabe expor o todo do que seja o conceito de contextualização neste li-
vro; apenas, a título introdutório, passarei a descrever a sua relação com a teologia da
missão.
O termo “contextualização” foi pela primeira vez apresentado em 1972 em um en-
contro do Fundo de Educação Teológica do Conselho Mundial de Igrejas. Ali se deu a
abertura para uma nova dimensão no entendimento da aplicação da teologia (princi-
palmente no ensino teológico) entre diferentes culturas, o que prevaleceu como sendo
uma prerrogativa liberal por muitos anos. Na verdade, a proposta contextualizadora ia
além do conceito da “indigenização”7, termo usado na teologia e também na missiolo-
gia, principalmente nos meios protestantes. A Igreja Católica, por sua vez, sentia-se
mais à vontade com o termo “acomodação”.
O que era diferente na proposta da contextualização era o seu deslocamento futuris-
ta. Sem abandonar a idéia de “indigenização”, a nova proposta olhava para o futuro
como sendo algo mais urgente e que poderia trazer uma complementação melhor da
proposta do evangelho. Em resumo, a indigenização era primariamente voltada para a
tradição cultural, tentando colocar o evangelho dentro daquele molde; isto é, o evange-
lho deveria ser inteligível somente quando fosse traduzido dentro dos moldes já exis-
tentes na cultura. Sem se desligar deste fator importante, a contextualização, por outro
lado, propunha uma dimensão a partir do presente, olhando para o futuro. Assim, a
contextualização leva em consideração o que está transformando a cultura agora e le-
vando-a a uma mudança constante em direção ao futuro. Enquanto há a validade da
tradição cultural, esta continua em constante transformação por forças presentes tais

7 A literatura não portuguesa de missiologia usa o termo “indigenization”, o qual traduzo aqui como
“indigenização”. Há, porém, uma dificuldade para nós, leitores lusos e hispânicos, pois o termo “indige-
nização” é muito próximo do termo tronco, “indígena”. Na literatura verificada, tal termo “indigenizati-
on” deve ser entendido mais no sentido autóctone, não no sentido indígena do problema. Assim, indige-
nização neste contexto deve trazer a idéia de fazer com que o que externo à cultura hospedeira deve ser
moldado às formas autóctones daquela cultura.

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como: economia, política, mudanças sociais, literatura, e outros fatores que trazem no-
vas formas para a cultura presente.
Esta nova idéia revolucionou o modo de fazer teologia. Isso, devemos por em pers-
pectiva, teve seu momento histórico afetado por muitas coisas novas dentro do contexto
mundial: era já o final da grande década dos Sessenta, muitas nações africanas estavam
proclamando suas independências, a Teologia da Libertação estava dando evidência de
que teologia não pode ser afastada do contexto imediato de onde se origina.
Qualquer teologia que é escrita, incluindo-se a teologia da missão, tem alguns com-
ponentes importantes na sua construção. Em primeiro lugar, ela tem a Palavra de Deus,
o que deve ser a parte inicial da teologia; ou do processo teológico como todo. Depois,
devemos incluir mais outros componentes importantes: assim, o contexto onde a teolo-
gia está sendo elaborada é uma parte crucial de sua construção. Alguns teólogos cha-
mam essa teologia de “teologia local”, principalmente porque ela está presa ao lugar em
que está sendo escrita. De forma clara podemos ver que a maioria da teologia sistemáti-
ca que temos recebido em nossos seminários, foi antes de mais nada uma teologia local.
Esse conceito do local pode ser geográfico e também histórico. Daí sempre colocarmos
rótulos em várias teologias: Teologia Alemã, Teologia Escocesa, Teologia Reformada,
Teologia de Dallas, Teologia do Seminário Fuller, e assim por diante. Se percebermos
mui atentamente, temos sido doutrinados debaixo de teologias que antes de tudo eram
localizadas em um tempo e espaço, que necessariamente não é o nosso. Muitas vezes
estamos vendo a revelação de Deus com lupas cheias de filtros já nelas implantadas,
sendo que vivemos numa era de computadores que digitalizam tudo com novas lentes.
Também, a comunidade da fé, o que é a expressão do Corpo de Cristo em um de-
terminado lugar, é um fator importantíssimo na construção da teologia. Aqui podemos
assegurar a grande contribuição da Reforma, o que necessariamente não tem sido se-
guida bem de perto, exceto pelos Católicos Romanos: a contribuição hermenêutica do
povo de Deus. O conceito bíblico do sacerdócio de todos os santos é a porta aberta para
a participação da congregação dos justos na construção de sua própria teologia. Quan-
do menciono os Católicos, refiro-me à sua participação na hermenêutica através de suas
comunidades de base. Infelizmente temos a tendência de desacreditar a interpretação
leiga dentro de nossas igrejas, caindo na mesma situação anterior ao Vaticano II, quan-
do a ênfase na interpretação da Escritura era delegada apenas ao magistério da igreja.
Evidentemente isto ainda prevalece na Igreja Católica, mas as facções liberacionistas
têm permitido a participação do povo na interpretação da Bíblia.
Olhando por um prisma mais otimista, esta forma de hermenêutica do povo tem si-
do também largamente exercitada em igrejas que têm seus núcleos de estudo bíblicos
semanais, como as células nos lares, igrejas familiares, grupos intencionais de estudo.
Ali, muitos membros estão contribuindo com suas leituras do texto de forma que o po-
vo de Deus está elaborando uma teologia emergente. A dificuldade que vejo, no entan-
to, é que os que estão escrevendo teologia não param para ouvir a voz dessas pessoas,
tornando-se assim, uma teologia estéril e desprovida de relacionamento mútuo entre o
teólogo (muitas vezes o pastor) e o seu rebanho. Neste caso, um dos pontos cruciais do
Pietismo foram os estudos de grupo que ocorriam durante a semana em torno das men-

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sagens que eram pregadas aos domingos. Ali, os membros das igrejas podiam refletir
no que haviam ouvido do púlpito no domingo anterior; tal prática lhes trazia uma ex-
plicação melhor para perguntas que poderiam ser levantadas nos grupos de estudo,
uma vez que sermões são monólogos, não diálogos.
Um quarto componente de uma teologia contextual é a experiência do teólogo. Um
exemplo podemos tirar de Clodovis Boff, teólogo Católico Romano, ao escrever sua dis-
sertação de doutorado em Louvain, na Bélgica. Ela foi publicada depois sob o título Teo-
logia e Prática. Em sua revisão de 1993, o autor fez uma análise mais profunda na sua
obra e descobriu que havia uma falha na sua epistemologia8. O que realmente estava
faltando era a sua peregrinação como componente importante de sua teologia. Um ou-
tro estudioso, este agora Evangélico, descobriu a mesma coisa na elaboração de sua teo-
logia missionária. Charles van Engen, professor de Teologia da Missão no Seminário
Fuller, inclui, da mesma forma, a experiência pessoal do teólogo ou missiólogo como
sendo talvez uma das partes mais importantes do processo epistemológico de suas teo-
logias. Isto podemos verificar bem de perto quando analisamos as vidas daqueles que
têm escrito suas teologias. Algumas das características que são parte da teologia pessoal
são: saúde, formação acadêmica, temperamento, situação política, vida amorosa, gran-
des perdas na vida (desastres, prisão, morte na família, guerras, etc.), origem étnica, e
muitos outros fatores. Daí podermos identificar as influências marcantes nas vidas de
homens como: João Calvino (formação acadêmica, grandes problemas de saúde); Karl
Barth (formação acadêmica, segunda guerra mundial); Dietrich Bonhoeffer (movimento
anti-hitlerista, prisão e martírio); Jürgen Moltmann (conversão dentro de uma prisão de
guerra, na segunda guerra mundial); Martinho Lutero (formação acadêmica e grandes
lutas espirituais a respeito da sua justificação); John Wesley (formação familiar, a gran-
de influência de sua mãe; e seu encontro com os irmãos morávios nos Estados Unidos e
depois na Inglaterra), Gustavo Gutiérrez (contexto de opressão política e econômica no
Peru). Assim, a lista se torna por demais longa, caso continuemos. Convido o leitor a
fazer uma indagação pessoal e ver o quão profundamente sua experiência de vida tem
contribuído na sua elaboração teológica.
O quinto componente, o qual é o mais importante, é a obra do Espírito Santo na
construção da teologia. Se o Espírito do Senhor não estiver agindo nesse processo, nada
vai ser significante. Pouca transformação poderá ser vista dentro de um processo como
este, caso não haja a participação soberana do Espírito de Deus. Voltando à contribuição
do povo de Deus na hermenêutica, lembremo-nos que é o Espírito Santo quem ilumina
as mentes e os corações daqueles que estão lendo o texto sagrado. Sabemos que a Bíblia
nos ensina que o ser humano natural, isto é, sem o nascimento do Espírito não pode en-
tender as coisas espirituais, neste caso a própria revelação escrita, a Palavra de Deus.
Paulo é um grande exemplo deste processo. Ao escrever sua teologia, o Apóstolo
aos Gentios usou os cinco componentes na sua elaboração teológica. Quando ele teve
seu encontro com Jesus, Paulo se ausentou por pelo menos treze anos para estudar a

8 Epistemologia pode ser melhor entendida como sendo o estudo ou a teoria da origem, natureza,
métodos e limites do conhecimento. Neste caso, ela está lidando mais como o método ou o processo pelo
qual chegamos ao conhecimento.

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sua Bíblia e aprender diretamente com o Senhor. Não somente vemos Paulo usando ex-
tensivamente o Antigo Testamento, como também o mesmo foi a Jerusalém para ouvir
dos Apóstolos o testemunho de sua fé; em suas cartas aos Gálatas e aos Coríntios, ve-
mos que Paulo gastou tempo com os irmãos em Jerusalém; da mesma forma, ele sempre
trabalhou em equipe, e podemos atestar isto na narrativa de Lucas no livro dos Atos e
também na abertura de suas cartas e epístolas. Paulo sempre fez menção do contexto
em que ele estava escrevendo suas cartas e também do contexto daqueles a quem ele
estava escrevendo. Mais ainda, ele frequentemente fala de si mesmo nos seus escritos.
Vemos em Atos pelo menos três testemunhos de sua conversão, nas suas cartas ele se
torna transparente em mostrar as suas vitórias, perseguições, dores, e ansiedades. Fi-
nalmente, o leitor encontrará uma constante validação daquilo que Paulo escreve por
parte do Espírito Santo. Ele conclama a inspiração do Espírito Santo para as Escrituras,
mas também, faz claro, várias vezes, que está ali escrevendo pela parte do Espírito de
Deus.
Há uma grande variedade de teologias contextuais hoje. Podemos nos deleitar com
o que muitos irmãos latino-americanos têm escrito nos boletins da Fraternidade Teoló-
gica Latino-Americana, por exemplo. Pessoas como Júlio Zabatieiro, Antônio e Jorge
Barro, C. René Padilla, Samuel Escobar, Pablo Deiros, Valdir Steuernagel, Carlos del Pi-
no, entre muitos outros, devem ser lidas com grande interesse e seriedade. Podemos ver
também que é chegada a hora de explorarmos outras dimensões da teologia contextual
que podem tanto abalar nossas bases teológicas como também sedimentá-las dentro de
uma ortodoxia mais amadurecida e consciente.
A Teologia da Libertação é uma das teologias contextuais mais importantes que sur-
giram no último quarto do século passado. Mormente a mesma esteja em aparente de-
cadência na América Latina, ela tem todos os elementos para uma averiguação contex-
tual. Devemos lê-la com cuidado, mas não com preconceito. Devemos absorver suas in-
dagações contextuais como também sendo nossas, mas, ao mesmo tempo, separar as
agendas contidas no seu programa. Uma das falhas da Teologia da Libertação é a colo-
cação da Bíblia em segundo plano, deixando que a história (isto é, o contexto) se torne a
chave principal de sua hermenêutica. Isso faz com que a Bíblia esteja sempre submissa à
manipulação do contexto, deixando de ser, assim, a única regra de fé e de prática.
Uma distinção devemos fazer dentro deste processo, a qual muito ajudará o leitor,
principalmente o pastor e o missionário, muito embora meu alvo seja o leigo. Podemos
dizer que há a teologia de cima e a teologia de baixo. A primeira pode ser entendida
como sendo a teologia revelatória de Deus; aquela que vem primeira e unicamente da
Palavra de Deus. Dentro desta categoria podemos incluir a teologia sistemática, por
exemplo. A segunda é uma teologia que parte da indagação humana, principalmente
por causa das suas necessidades imediatas. Esta, sem dúvida, vem do contexto, da hora,
do momento em que o fiel está levantando aos céus as suas perguntas mais urgentes.
Aqui, a Teologia da Libertação se enquadra bem. Da mesma forma, a teologia da mis-
são, pois a mesma deve ser elaborada contextualmente. A teologia de baixo é antes de
mais nada uma teologia da pastoral; uma teologia do pasto, do campo, da ovelha, do

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contexto. É uma teologia que busca recursos na Palavra de Deus partindo da dor do
momento: a desilusão, a fome, a opressão, o pecado.
Neste caso, podemos seguramente construir uma teologia que parte da necessidade
do povo. Ela será sempre mantida debaixo de uma teologia que revela a Pessoa e a Obra
de Deus na História, pois será sempre submissa à Palavra de Deus. Precisamos agir cri-
ticamente dentro deste processo. Um missiólogo menonita norte-americano trouxe uma
grande contribuição neste aspecto. Paul G. Hiebert, que serviu como professor de an-
tropologia missionária na Universidade Internacional Trinity, em Deerfield, Illinois, de-
fendeu a necessidade de elaborarmos uma contextualização crítica ao escrevermos uma
teologia da missão. De fato, seu princípio se aplica a todos os processos da comunicação
transcultural do Evangelho. Em resumo, seu ponto de vista sugere que devemos deixar
que o povo de Deus faça sua própria crítica contextual, pois os mesmos poderão fazer
uma avaliação mais clara daquilo que deve ser ou não parte de sua nova fé. Para ele, a
participação do missionário deve ser aquela de um interprete da Palavra de Deus, não
da cultura, ou do problema cultural em pauta. Assim, tanto o missionário como os no-
vos irmãos em Cristo trabalharão juntos na elaboração crítica de uma teologia que seja
relevante para a sua cultura.
A teologia contextual vai além do Samba ou do Baião. Ela tem uma dimensão histó-
rica e contextual que supera o que o próprio missionário conhece no momento, pois a
mesma está incluindo as próximas gerações no processo salvífico. Por ser uma teologia
dinâmica e voltada para o futuro, sem perder o passado de vista, é claro, ela projeta o
Reino de Deus num horizonte onde o presente se encontra com o futuro, com o retorno
de Jesus Cristo, com o Dia do Senhor.

*****

Este capítulo, sendo o mais longo do livro, traz à tona a sua seriedade e também a sua
complexidade. Mais do que ora foi apresentado pode ser encontrado em outras fontes,
mas dou-me por satisfeito à esta altura. Aqui podemos ver o que envolve a teologia da
missão; seus componentes e seus desafios.
A missiologia precisa urgentemente de uma perspectiva histórica de missões. Sem
ela, como veremos adiante, não poderemos criar estratégias missionárias adequadas,
não poderemos treinar líderes que possam continuar a obra missionária com sabedoria
e com fervor. Este é o assunto do nosso próximo capítulo, a história das missões.

50
Capítulo VI

História das Missões

O
estudo de história tende a ser alguma coisa chata. Poucas são as pessoas que
passaram pelo primeiro e segundo graus que não tenham tido um problema
com esta matéria. Creio que, juntamente com a matemática, história tem sido
uma das matérias mais desprezadas pelos estudantes. Justificadamente, o es-
tudo de história precisa ter um apelo todo especial. Pessoas que gostam de adquirir
maiores conhecimentos gerais geralmente gostam da matéria; porém, isto é ainda deba-
tível pois há um dito popular que em si mesmo derruba quaisquer pretensões nesta
área: “Gosto não se discute!”
O problema parece ser mais o de metodologia ou mesmo de pedagogia do que ne-
cessariamente de interesse. O estudo de história é uma arte muito sofisticada e cativante
se o colocamos entre as áreas de investigação e criatividade. Toda pessoa interessada
em história é por natureza um bom detetive. Isto porque estudar o passado exige a cria-
tividade de um Sherlock Homes, por exemplo. Quando estava ainda no seminário, pas-
sei algum tempo fazendo pesquisa na Livraria Nacional do Rio de Janeiro. Foi uma
grande experiência para mim, pois pude ter acesso a fontes que eram para mim quase
que sagradas; fontes primárias de mais de duzentos e trezentos anos passaram por mi-
nhas mãos. Para mim, aquela experiência me transportou diretamente ao Rio dos tem-
pos da França Antártida, quando os Huguenotes ali estiveram. Além de ser fascinante, a
investigação histórica pode levar o estudioso a lugares muitíssimo interessantes. Uma
dessas minhas experiências foi no Forte de Itamaracá, no Pernambuco. Ali foi o lugar do
primeiro sínodo reformado nas Américas. Fiquei fascinado ao ver uma pesada mesa de
madeira onde várias vezes pastores reformados se reuniram para discutir seus planos
para a evangelização dos índios da região nordeste de nosso país. Uma das aventuras
históricas que mais me fascinaram na Califórnia, foi visitar as missões católicas que se
encontram no longo do “El Camino Real”. Pude visitar um grande número delas e ver
com os meus olhos como aqueles monges desbravadores levavam suas vidas em prol
do Evangelho (e também da Coroa Espanhola). Tendo trabalhado entre os índios ameri-
canos, tenho uma grande fascinação pela sua história. Sempre que posso, vou à procura
de mais informações históricas a seu respeito entre os arquivos encontrados na sua re-
serva e em duas grandes universidades vizinhas. Sem entrar nos detalhes, o que me fas-

51
cina ao estudar história é fazer um “diálogo” entre o presente e o passado; trazendo, as-
sim, uma interpretação da minha própria identidade como filho de Deus.
Assim, se mudamos a metodologia, ou seja a historiografia, muito temos a aprender
e a apreciar, quando entramos no estudo das missões ao redor do mundo. Este capítulo
lida com esta parte imprescindível da missiologia, como veremos abaixo. Portanto, se o
leitor tem algum desgosto com a história, convido-o a por seus “traumas” de lado e co-
locar seu chapéu de detetive, com uma boa lupa nas mãos, para navegarmos através do
período missionário da Igreja.

A Necessidade da História das Missões

O estudo da história das missões é a melhor bússola para entendermos o que temos fei-
to no passado, a fim de corrigir o que estamos fazendo agora, e também projetarmos o
futuro para que as próximas gerações tenham um ministério efetivo. Devemos, no en-
tanto, nos precaver de ficar peremptoriamente no passado, pois assim estaremos sem-
pre construindo algo que por nascimento já é velho, caduco e prestes a morrer.
Aqui, se o leitor pode ter percebido, estou usando o termo “missões” ao invés de
“missão”. Creio haver a necessidade de uma explicação. Ao falar de “Teologia da Mis-
são”, estou primariamente falando da Missio Dei, da Missão de Deus, a qual é uma só: a
salvação daqueles que Ele elegeu antes da fundação do mundo. Ao falar de “Missões”,
estou falando das inúmeras investidas missionárias da Igreja durante todos esses anos,
desde o seu começo. Não cabe aqui uma longa explicação, mas o leitor se beneficiará ao
saber que estes dois termos podem trazer uma certa confusão, principalmente entre o
movimento evangelical e o conciliar9, como veremos adiante ao discutirmos mais de
perto o movimento ecumênico.
Infelizmente temos vivido numa sequência de gerações que faz história bastante in-
significante. Somos uma geração que não tem tido muito tempo para pensar no passa-
do. O que é um sucesso hoje, amanhã já está completamente superado. O século do
“instantâneo” está cada vez mais rápido. Hoje já se pode medir o futuro em termos de
frações de anos, nem tanto em termos de décadas mais. Uma rápida olhada nesses últi-
mos vinte e cinco anos irá nos mostrar como o conceito de história tem se perdido na
rapidez com que a informática tem evoluído. Hoje, graças à Internet, podemos ler “o
futuro”. Deixe-me explicar: muitas vezes tenho acesso às manchetes do “Jornal do Bra-
sil”, “Correio Braziliense” e “Folha do Pernambuco” antes que os mesmos cheguem às
bancas naquelas cidades. O que faz a coisa ainda mais incrível é que posso ter esse aces-
so não do Rio, de Brasília, de Recife, de Calgary, mas de Lewiston, uma cidade pequena
no centro norte de Idaho.
Muitos de nossos filhos não têm mais contato com a história. Eles têm de certa forma
perdido a sua identidade cultural, histórica, familiar, dando lugar ao futurismo da Ge-
ração X, ou da “Geração @”, ou de qualquer outra geração que pode agora estar em vo-
ga. Contudo, precisamos despertar em nossos filhos a consciência de grupo, de família,

9Novamente, o termo “conciliar” é geralmente usado para aqueles que fazem parte do Conselho
Mundial de Igrejas.

52
de cultura, e principalmente de Igreja, e como isso tudo está ligado historicamente entre
si e também em uma constante progressão no tempo e no espaço.
Com o grande volume de igrejas independentes hoje existentes—estou falando pri-
meiramente a partir do contexto norte americano—tem havido também uma grande la-
cuna na percepção da História da Igreja. Tenho servido em igrejas americanas e cana-
denses por vários anos (incluindo-se ainda uma pequena igreja russa na Sibéria, mesmo
que por um tempo bem curto) e consistentemente tenho me deparado com a grande ig-
norância de seus membros sobre o que se refere a assuntos bem triviais sobre a expan-
são da Igreja de Jesus pelo mundo, muito menos entre eles mesmos.
Este fenômeno tem afetado inclusive o ensino teológico em algumas partes do mun-
do. Quando fiz meu curso de teologia, tive nada menos que oito semestres de história
da Igreja. Hoje, seminários conceituados oferecem poucos cursos na área e em sua mai-
oria, os mesmos são eletivos. Por serem optativos, a grande maioria dos estudantes de
teologia deixam de estudar cursos relevantes para o seu entendimento de história, prin-
cipalmente da herança evangélica que temos.
O estudo da história das missões é uma grande oportunidade para a Igreja em ge-
ral—seus pastores, líderes leigos, e principalmente os seus missionários—se engajar em
um ministério cultural e transcultural significante e rico. É inadmissível que um missio-
nário deixe sua igreja ou país sem que antes conheça a história do movimento missioná-
rio cristão. Aquele missionário possivelmente terá a chance de cometer tantos erros
quantos a sua ignorância permite. Suas estratégias serão sempre míopes, etnocêntricas e
incompletas; mesmo que o mesmo tenha as melhores intenções, esperando oferecer o
melhor para o Senhor. Daí a grande necessidade de se estudar a história das missões
mundiais.

Fundamentos Históricos do Movimento Cristão

O desenvolvimento histórico das missões cristãs é bastante documentado através dos


séculos. Volumes e mais volumes de historiografia podem ser encontrados em várias
bibliotecas, sejam elas públicas, particulares, em universidades, em seminários; enfim,
as fontes são vastíssimas. O estudioso pode gastar sua vida inteira no estudo de apenas
um período curto da História das Missões. Um autor argentino que escreveu um livro
muito bom no assunto é o Dr. Justo González. Seu livro tem o título espanhol La Historia
de las Misiones. Aqueles que podem ter acesso a este livro, terão em suas mãos uma pre-
ciosidade, o qual pode ser facilmente lido por estar em castelhano.
O principal fundamento histórico para o estudo de missões se encontra na própria
Bíblia. Sem querer provar que a Bíblia seja um livro inteiramente histórico, pois a mes-
ma não o é, encontramos em suas folhas a base para tomarmos a história de missões
muito seriamente. O nosso Deus é o Senhor da História; ali vemos que Ele tem constan-
temente agido no plano histórico da humanidade. Um outro ponto importante a levar-
mos em consideração é que a religião dos Hebreus é primariamente sustentada no de-
correr histórico. Deus sempre nos tem lembrado através da Bíblia que Ele é o Deus que
tirou o seu povo do Egito, o que constitui o fato histórico mais importante de todo o

53
Antigo Testamento. Somente o aspecto histórico do Hebraísmo pode nos garantir o que
cremos hoje a respeito do Messias prometido, Jesus Cristo.
O primeiro compêndio de história da Igreja a ser lido deve ser o Novo Testamento,
principalmente o livro dos Atos dos Apóstolos. Dali podemos entender com muito mais
facilidade as cartas paulinas e as demais cartas gerais. Mas, sabemos que o desenvolvi-
mento da historiografia missionária não parou no Novo Testamento. A Igreja alcançou
todos os possíveis rincões do Império Romano e depois foi mais além. Esse avanço mis-
sionário pode ser melhor entendido se fizermos uma divisão básica da história das mis-
sões, a qual acompanha bem de perto a divisão geral da História da Igreja. Aliás, não se
pode ler as duas historiografias separadamente; uma vez alguém esteja estudando a
História da Igreja, ele automaticamente estará estudando a História das Missões, e vice-
versa.
Vários historiadores cristãos têm dividido os períodos históricos da Igreja com me-
nores alterações. A minha divisão histórica de missões segue o seguinte esquema:

Período I A Primeira Expansão Mundial (30-500 A.D.)


Período II A Grande Recessão Histórica (500-950 A.D.)
Período III Sinais de Vida e de Morte (950-1500 A.D.)
Período IV A Expansão Reformada (1500-1792 A.D.)
Período V A Era das Missões Modernas (1792-1914 A.D.)
Período VI A Era Ideológica (1914-1980 A.D.)
Período VII A Era Pós-Moderna (1980-presente)

Cada um desses períodos foram significantes para a expansão do Cristianismo no


mundo. Os mais dramáticos são aqueles que seguiram o clamor missionário de William
Carey. Contudo, devemos adiantar que o maior movimento missionário de todos os
tempos está acontecendo hoje, em nossos dias. Jamais a Igreja cresceu tanto como nestes
últimos quarenta-cinquenta anos.
O estudo da história de missões pode ter várias abordagens. Geralmente, uma forma
mais popularizada tem sido o estudo biográfico de missionários. Esta forma historiográ-
fica tem grande validade dentro do contexto missiológico, principalmente para o me-
lhor entendimento de estratégias missionárias e de formação de líderes, no desperta-
mento de missionários, pastores e outros líderes leigos. Sabe-se que Billy Graham, na
idade de dezessete anos, já havia lido mais de duzentas biografias de grandes e peque-
nos líderes cristãos. Minha esposa fez seu compromisso missionário depois de ter lido
várias biografias missionárias. Tenho a prática de ler pelo menos duas biografias (ge-
ralmente livros completos) de missionários por semestre. Isto não somente mantém o
missionário motivado, principalmente porque as vidas daqueles santos são muito pre-
ciosas, mas também é uma forma de ajudar o crente a fazer escolhas melhores para as
suas vidas.
Apesar disso, o estudo da história de missões vai além das biografias. Ele provê um
melhor entendimento sobre o que serviu para desencadear ou precipitar certos avanços
missionários. Esse estudo traz vários aspectos teológicos que ajudaram na transição de
um período para outro, como por exemplo a Reforma Protestante, a Reforma Radical

54
dos Anabatistas, o nascimento do Metodismo com os irmãos Wesley e George Whitefi-
eld. Só de mencionar esses nomes, vemos o quanto a história das missões é importante
para detectar as pessoas chaves dos movimentos no mundo. Entre outros pontos fun-
damentais, descobriremos quais eram os fatores contextuais, históricos e religiosos dos
campos missionários à medida que os mesmos foram alcançados. Por exemplo, um es-
tudo do avanço missionário na Europa vai nos mostrar que aquele continente era tre-
mendamente pagão, místico e bárbaro. Nesta época em que os pós-modernistas estão
retornando ao “gótico”, descobrimos que a Europa está revivendo muito rápido suas
raízes pagãs. O que podemos chamar de neo-paganismo europeu nada mais é do que a
revitalização de seu barbarismo milenar. Desta forma, muitos missionários ocidentais
têm aprendido que o os Dois Terços do Mundo não são menos pagãos do que seus pró-
prios ancestrais e conterrâneos.
Uma das contribuições maiores do estudo da história das missões pode ser vista na
obra de David J. Bosch, já mencionado neste livro. Aquele autor sul africano fala das
mudanças de paradigmas, o que nada mais é do que uma avaliação do movimento his-
tórico do desenvolvimento do cristianismo. No seu caso, ele detalha mais os parâmetros
teológicos do movimento, mas não fosse um entendimento do processo histórico, nada
poderia ser elaborado em seu importante livro sobre a missão transformadora. De fato,
as grandes mudanças de paradigmas foram possíveis por causa do processo histórico
de missões.

As Duas Estruturas da Missão Cristã

Se o leitor for paciente comigo, gostaria de gastar um pouco de seu tempo para abordar
algo que pode ajudar bastante no entendimento da história de missões. Aparentemente,
discutir as duas estruturas da missão cristã seria algo fora do propósito deste capítulo,
mas creio que aqui reside uma importante contribuição na área, principalmente para o
melhor entendimento das estratégias missionárias.
Este assunto tem muito a ver com a constante “briga” entre a igreja local e as cha-
madas agências para-eclesiásticas. Lembro-me quando pastor em Goiás, do antagonis-
mo que havia entre as igrejas de meu então presbitério10 e a Mocidade Para Cristo. O
problema era mais de falta de um melhor entendimento sobre a dinâmica que havia en-
tre as partes. De certa forma, os pastores em Goiânia achavam que a MPC estava desvir-
tuando os moços e fazendo de si mesma uma “igreja”. Na verdade, a MPC não estava
fazendo nada daquilo. Pelo contrário, os moços que ela estava “desvirtuando” vinham

10 O termo bíblico “Presbitério” (1 Tm. 4:14) é usado nas igrejas presbiterianas e algumas igrejas afili-

adas com as Assembléias de Deus. Um presbitério é um grupo representativo de igrejas locais, geralmen-
te composto de pastores e presbíteros, representantes daquelas igrejas. Outras denominações têm diferen-
tes nomes para estas organizações eclesiásticas: consistórios, superintendências, convenções regionais, e
assim por diante. Há também alguns grupos de igrejas que promovem “presbitérios” de uma forma regu-
lar; tais “presbitérios” são reuniões de cunho mais profético, dando assistência aos líderes (pastores, pres-
bíteros, diáconos) de tais igrejas. Essas reuniões não têm peso administrativo algum, enquanto as reuniões
ordinárias (ou extraordinárias) dos presbitérios convencionais, assim como consistórios, etc., são forma-
das para assuntos administrativos em várias capacidades.

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de escolas e muitos deles jamais haviam estado em uma igreja evangélica anteriormen-
te. A grande maioria era trazida a Jesus Cristo por conversão, não por transferência. No
meu último ano em Goiânia, enquanto os dois presbitérios ali conseguiram crescer
aproximadamente trinta e nove pessoas naquele ano, a MPC havia levado a Cristo uma
média de trinta e cinco jovens por mês, fazendo um número maior de 400 novos conver-
tidos por ano. Assim, um grande número daqueles novos crentes eram encaminhados à
Igreja Presbiteriana Maranata, enquanto outros iam para algumas igrejas batistas e tam-
bém para a então Comunidade Evangélica de Goiânia.
Em 1974, o missiólogo presbiteriano Ralph D. Winter apresentou uma nova maneira
de ver a dinâmica missionária da Igreja através dos séculos. Sua elaboração lidava com
duas estruturas que têm sido visíveis, mas em muitos casos não entendidas, no avanço
missionário. Dr. Winter estava falando da estrutura eclesiástica e da estrutura missioná-
ria.
Usando palavras um tanto desconhecidas da maioria, ele apresentou fatos históricos
que endossavam seu ponto. Ali ele estava enfatizando que as duas estruturas eram pa-
ralelas e que, mesmo não sendo a mesma coisa, elas dependiam muito uma da outra. O
que ele chamava de modalidade era a estrutura da Igreja como um todo, como a congre-
gação em geral, enquanto as sodalidades eram estruturas intencionais, mais rígidas, que
seguiam programas ou intentos bem específicos; em outras palavras, ele falava de uma
estrutura para-eclesiástica, pois agia paralela à Igreja.
Enquanto a Igreja sai para evangelizar, na realidade o trabalho sempre foi feito por
bandos de missionários que seguiram seus passos independentemente. Um exemplo
disso é a Igreja de Antioquia e o bando missionário enviado por ela. Na verdade, Paulo
e Barnabé se tornaram uma “para-eclesiástica” tão logo eles deixaram a Igreja de Antio-
quia. Aliás, um estudo exegético mais acurado do texto (Atos 13:1-3) vai demonstrar
que a igreja não enviou os missionários; mas, sim, o Espírito Santo. Tudo o que a igreja
fez foi deixar que eles fossem; isto é, abrir mão daqueles dois líderes para que eles se-
guissem o caminho que o Espírito Santo havia designado para eles. Mesmo continuan-
do como membros da igreja em Antioquia, pouco vemos de uma submissão à igreja em
si. Eles retornavam ali quando precisavam, mas não tomavam ordens da igreja de for-
ma sistemática. Uma vez no campo missionário, aqueles bandos seguiam seus próprios
planos, muitas vezes tendo que fazer suas devidas correções, como foi o caso de Mace-
dônia (Atos 16:6-10).
Isto serve como um excelente paradigma para muitas denominações enviando seus
missionários para fora do Brasil. Pode ser que elas devam reavaliar o aspecto de quem
envia e se não estão elas em posição de abrir mão de seus missionários; pois os missio-
nários se tornam automaticamente uma estrutura missionária em si mesmos. Desta
forma, a Junta de Missões Estrangeiras de uma certa denominação é em si mesma uma
sodalidade, ou em outras palavras, uma para-eclesiástica. Sendo assim, essas juntas
missionárias tentam manter a sua integridade teológica, assim como as suas práticas li-
túrgicas e outros valores de suas denominações. Por fazerem desta forma, tais organiza-
ções são mais rígidas do que a igreja local em si mesma. Isto é o que faz a grande dife-
rença entre uma modalidade e uma sodalidade.

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A diferença entre as duas estruturas pode ser entendida somente se apresentar-
mos as suas prioridades:

Estrutura Eclesiástica Estrutura Missionária

* Mais inclusiva * Mais elitista (exclusiva)


* Local * Móbil
* Foco: Povo * Foco: Tarefa
* Mais tolerância com pecado ou outros erros * Intolerante com pecado ou outros er-
ros
* Altamente estruturada * Sem muita estrutura
* [pode ter liderança forte] * Tem liderança forte
* [pode ter líder carismático] * Tem líder carismático
* Liderança Sacerdotal * Liderança Profética
* Nível de compromisso baixo * Nível de compromisso alto
* Seleção de liderança baixo * Seleção de liderança alto
* Não arrisca nada * Arrisca tudo

Evidentemente há uma necessidade de maiores explicações sobre estas diferenças.


Porém a melhor forma de entender o dinamismo de ambas seria ver como o governo
municipal funciona. Uma prefeitura municipal é um bom exemplo de uma modalidade;
enquanto o departamento de polícia, já funciona como sendo uma sodalidade. Quanto à
igreja local, ela não faz acepção de pessoas. Qualquer pessoa é bem vinda ao culto da
noite, por exemplo; ao passo que uma agência missionária é seletiva na escolha de quem
vai ser parte de seu corpo de missionários. Tomemos as Asas de Socorro, por exemplo:
a menos que a pessoa tenha um curso de piloto, ela não pode ser um missionário levan-
do e trazendo pessoas de um lado para outro. Mesmo aqueles que trabalham na admi-
nistração foram selecionados para se submeterem aos critérios da missão. Tenho encon-
trado organizações missionárias que têm ficado cada vez mais rígidas em como aceitar
seus candidatos. Estando fora do Brasil já por muitos anos, tenho visto que algumas ve-
zes tem-se tornado extremamente difícil para um casal se juntar a certas agências missi-
onárias, quer sejam elas denominacionais ou não.
Quando menciono o problema de ter mais tolerância com o pecado, não quero com
isso dizer que a igreja local aceita o pecado, é claro. Porém, uma igreja local não passa a
primeira parte do culto perguntando seus membros se eles cometeram algum pecado
digno de expulsão da igreja. Quando alguém é pego em uma situação pecaminosa, há
um processo mais prolongado de averiguação, geralmente seguindo Mateus 18:15-20,
para que seja aplicada uma disciplina bíblica. No caso de uma sodalidade, como por
exemplo uma agência missionária, o nível de tolerância é mínimo. Se uma pessoa come-
te um pecado que venha à tona, ela, na maioria dos casos, está de fora automaticamente.
Creio que os outros pontos são autoexplicativos, por isso deixarei o leitor à vontade pa-
ra considerá-los.
Isso foi e tem sido a grande dinâmica de missões. Aprendemos muito na história das
missões que sempre as estruturas missionárias foram usadas para o avanço da igreja.
Como exemplo, durante a idade média, a igreja chegou em vários pontos da Europa

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principalmente por causa das estruturas missionárias, naquela época representadas
primariamente pelos monges, partindo de seus monastérios. Hoje devemos agradecer a
Deus pelas organizações missionárias que nos trouxeram tantos benefícios. Ao mesmo
tempo, continuamos a obra principalmente quando temos outras agências missionárias
enviando missionários para o resto do mundo. Devemos agradecer a Deus por missões
que estão enviando nossos missionários, tais como a Missão Avante, Missão Antioquia,
Betel Brasileiro, Missão Amém, e tantas outras espalhadas já pelo mundo. Contudo, não
deixemos de entender também que as juntas missionárias denominacionais devem se
ajustar ao modelo sodálico, porque isto é o que elas são.

Os Movimentos de Renovação

Paul E. Pierson, missiólogo americano e historiador de missões que por muitos anos
serviu no meio presbiteriano brasileiro, afirma com provas convincentes que os movi-
mentos de renovação são os maiores causadores de novos avanços missionários. De fa-
to, sempre que olhamos para a história da Igreja, veremos que este é um paradigma fre-
quente no avanço do Cristianismo pelo mundo.
O espaço aqui se torna muito limitado para estudarmos todos aqueles movimentos,
mas tomaremos tempo para explorar alguns que realmente foram os mais notórios.
Começamos aqui com o Pentecostes em Jerusalém. Devemos entender, antes de tudo,
que o Pentecostes foi um grande avivamento na religião hebraica. Deixo aqui alguns
pontos a ser considerados, principalmente a respeito da Igreja. Ali no Pentecostes a
Igreja Neotestamentária nasceu, mas seus membros já existiam desde antes. Há diferen-
tes pressuposições a este respeito, as quais vou deixar de lado, mas na realidade, o que
vemos acontecer no Pentecostes foi o maior avivamento que pode se registrar na Histó-
ria da Salvação.
O resultado imediato do Pentecostes foi o crescimento natural da Igreja não somente
em Jerusalém, mas em todo o mundo conhecido de então. Já no final da primeira men-
sagem comunicada por Pedro, veremos que a Igreja cresceu em pelo menos três mil
homens, sem contar suas famílias. À medida que vamos lendo o livro dos Atos dos
Apóstolos, veremos que a Igreja estava sempre recebendo novos membros, passando
dos hebreus para os gentios, em uma transição escatológica e ao mesmo tempo histórica
(Rom. 9-11). O resultado imediato do Pentecostes é Missões. Enquanto discutimos mui-
to sobre os dons que foram derramados pelo Espírito Santo, nenhum daqueles dons se-
rão importantes se os mesmos não forem ligados ao dom mais importante: Missões. As-
sim, o primeiro paradigma que acompanha os movimentos de avivamento ou renova-
ção é Missões.
Creio que o próximo movimento de renovação mais importante na História da Igre-
ja foi a Reforma Protestante. É claro que ali não vemos os “sinais” portentosos que são
esperados por alguns, mas na verdade, nada teria vindo no futuro não fosse pela Re-
forma Protestante. O grande avivamento da Reforma Protestante pode ser considerado
igual ao avivamento advindo pelo ministério do sacerdote Esdras e do rei Hilquias no
Antigo Testamento. Foi o retorno à Bíblia, foi o retorno a uma nova confissão de fé que

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era totalmente submissa à Palavra de Deus. Muitos estudiosos tentam diminuir o aspec-
to missionário da Reforma, e em muitos dos casos eles aparentemente têm razão. De fa-
to, não vemos muita atividade missionária entre os primeiros reformadores. Há vários
motivos históricos e estratégicos para tal.
Em primeiro lugar, eles abandonaram a idéia de que o monasticismo era uma estra-
tégia que podia ser utilizada. A principal razão para este abandono foi simplesmente
porque era parte da Igreja de Roma, nada mais. Assim, os reformadores teriam que
produzir um novo método de fazer missões, o que não tiveram muito tempo para pen-
sar em como implementá-lo. Somente com William Carey é que a Igreja Protestante co-
meçou a fazer missões seriamente. Na mesma época de Calvino, por exemplo, Inácio de
Loiola fundou a Ordem de Jesus, de onde os Jesuítas se tornaram os maiores missioná-
rios da Igreja Católica por muitos anos. O abandono dos princípios missionários do
monasticismo foi uma grande perda para os reformadores. O que eles deveriam ter feito
seria trazer uma reforma dentro dos monastérios existentes; principalmente porque
grande parte dos primeiros reformados eram provenientes daqueles monastérios, ou
tinham uma afiliação com tais ordens, o que era o caso de Martinho Lutero.
Em segundo lugar, os reformadores tinham uma agenda muito urgente em sua fren-
te: restaurar a teologia que havia abandonado completamente as Escrituras. Isto tomou
muito mais tempo do que se pode imaginar, principalmente porque os desvios teológi-
cos da Igreja Romana haviam sido acumulados por mais de um milênio. Desta forma, o
ministério principal da Reforma Protestante foi o de trazer a Igreja de volta a uma orto-
doxia que fosse compatível com a Palavra de Deus. Mesmo assim, à medida que os re-
formadores iam ensinando seus novos achados, a mensagem da Graça de Deus era es-
palhada por toda a Europa. Tanto Lutero como Calvino e Zuínglio, foram instrumentos
de Deus na propagação da nova fé reformada por toda a Europa. Isto nós aprendemos
ao estudarmos o desenvolvimento histórico daqueles dias.
Quando os franceses invadiram o Rio de Janeiro, eles trouxeram alguns Huguenotes
para ajudar na colonização da França Antártida. O Almirante Colligny, de quem tanto
temos ouvido falar através dos nossos livros de História do Brasil, era um crente refor-
mado, um Huguenote, que foi até Calvino para arregimentar irmãos reformados. Infe-
lizmente Villegaignon se fez passar também por reformado e depois de tê-los trazido
para o Rio, expulsou-os de volta à França, nas esperança de que os mesmos ou morres-
sem no translado ou fossem executados ao chegarem na Europa. Nada disso aconteceu,
mas um pequeno grupo ficou no Brasil. Entre eles havia um pastor, possivelmente sob o
nome de Jacques Le Baleur, que foi executado no Estado de São Paulo, sob a permissão
de José de Anchieta. Ali vemos a visão missionária sendo efetuada.
Um grupo que pode ser considerado bastante ativo em missões é o grupo menonita.
Eles são considerados os reformadores radicais. Sua atitude foi além dos reformadores
iniciais, pois os mesmos não admitiram absolutamente nada que fosse ligado à Igreja
Católica Romana, e porque os reformadores mantiveram algumas coisas advindas do
catolicismo romano, eles também não se alinharam com os reformadores originais. Os
menonitas, também chamados anabatistas, tinham um grande fervor missionário. Uma
das grandes falhas de Calvino, por exemplo, foi ter deixado de dar mais espaço aos seus

59
irmãos anabatistas. Houvesse ele ouvido aos anabatistas, maiores coisas teriam aconte-
cido dentro da igreja reformada.
Veremos que os Batistas também foram instrumentais no desenvolvimento missio-
nário depois da Reforma Protestante. A Igreja Batista teve suas origens na Holanda,
principalmente por causa dos Puritanos. Quando os Puritanos deixaram a Inglaterra
por causa de perseguição religiosa, a grande maioria foi para os Estados Unidos, mas
um bom número foi para o continente europeu, principalmente para a Holanda e a Bél-
gica. Na Holanda eles tiveram os seus primeiros contatos com os Menonitas, de quem
adotaram a posição anabatista. Assim, os primeiros Batistas foram uma síntese do Cal-
vinismo e do Menonismo. Eles retornaram à Inglaterra e a Primeira Igreja Anabatista
(tornando-se posteriormente, Primeira Igreja Batista) de Londres foi fundada.
Mas, mesmo que não possamos ver muita atividade missionária feita ou mesmo ela-
borada no papel pelos reformadores, a História da Igreja atesta que o grande movimen-
to missionário moderno nasceu de meios reformados, anabatistas, batistas, e depois me-
todistas. Daí a grande contribuição reformada para o movimento missionário moderno.
Entre os outros movimentos de renovação importantes na história podemos ver a
influência do Pietismo Alemão como sendo um dos mais fortes. O Pietismo Alemão
serviu para lançar um grande movimento missionário a partir da Universidade de Hal-
le, sob a influência de Jacó F. Spener e Augusto H. Francke. Dali surgiram os primeiros
missionários para a Índia. Depois, o Pietismo influenciou homens como Nicolau von
Zinzendorf, o qual enviou os Irmãos Morávios para muitas partes do mundo.
Há muito o que aprender com o Pietismo, com o Puritanismo, e outros movimentos
de renovação tais como os grandes avivamentos da Inglaterra e dos Estados Unidos.
Desses avivamentos podemos ver grandes arrancadas missionárias, principalmente en-
tre os estudantes voluntários que se espalharam por todo o mundo.
Devemos manter também que o maior movimento missionário tem sido entre os
Pentecostais ao redor do mundo, o qual começou na aurora do Século XX. Mais uma
vez, o Espírito Santo não ficou quieto, encapsulado em normas e regras determinadas
por tradicionalismo religioso. Na passagem do Século XIX para o XX, o Movimento
Pentecostal nasceu de uma forma humilde mas com grande poder. Em poucos anos, os
Pentecostais se espalharam por todo o mundo. Hoje, a maioria dos crentes latino-
americanos são de origem pentecostal. A igreja que mais cresce no Chile é a Pentecostal;
a que mais cresce no Brasil é a Pentecostal; a que mais cresce na África é a Pentecostal.
Desnecessário é fazer uma lista maior aqui; a história em si mesma atesta a este fato. Es-
tatísticas informam que atualmente sessenta e seis por cento dos cristãos são pentecos-
tais e carismáticos no mundo.11
Resumindo, o paradigma não falha e não muda: sempre que há um movimento de
avivamento, há um movimento missionário que segue. Dois exemplos são dignos de ser

11 Esses dados me vieram às mãos no final do século passado, creio que ainda continua sendo válido
para nosso breve estudo. Não estou aqui me referindo ao grande crescimento dos movimentos neopente-
costais. Tais movimentos, principalmente no Brasil, têm trazido uma nova forma de igreja que não se en-
quadra nos princípios bíblicos de uma eclesiologia que seja sustentada pelos ensinos do Novo Testamen-
to.

60
mencionados aqui com respeito ao Brasil. Há mais de trinta anos atrás, um instituto bí-
blico em João Pessoa foi invadido pela renovação carismática. Seus missionários cana-
denses decidiram fechar a escola, mas uma jovem que havia recebido aquela renovação
espiritual sentiu-se chamada a continuar a obra. Assim, a irmã Lídia de Almeida se tor-
nou a fundadora do Instituto Bíblico Betel Brasileiro. O Betel Brasileiro tem sido uma
das maiores forças missionárias brasileiras que temos. A sua influência está espalhada
por muitos lugares e eles têm outros institutos na Europa, incluindo Portugal, Inglaterra
e Alemanha.
Um outro exemplo é a Missão Antioquia. Deus usou um pastor presbiteriano que
havia recebido uma nova unção espiritual para dar nascimento a uma outra grande for-
ça missionária brasileira. Deus usou o meu colega Jonathan Santos para que eu pudesse
reconhecer o poder do Espírito Santo em missões. Estávamos em Wheaton, Illinois, para
uma conferência missionária, e aquele irmão foi grandemente usado por Deus para me
fazer reconhecer que o Espírito de Deus era maior do que os livros de teologia sistemá-
tica que eu havia lido até então. A partir dali, uma nova visão missionária foi derrama-
da no meu coração, uma visão renovada de missões.
Sei que há dezenas de novas missões no Brasil, mas escolhi estas duas porque as
mesmas podem ser categorizadas como sendo agências missionárias pioneiras no nosso
país.

Estudos Contemporâneos

Os próximos tópicos neste capítulo devem ser considerados mais como sugestões para o
presente. O estudo da história de missões não pode ficar preso ao passado somente. Ele
precisa trazer um diálogo constante com o presente, principalmente com este presente
contínuo e em constante mudança. Da mesma forma que Davi serviu os seus num de-
terminado tempo e espaço (Atos 13:36), devemos nos situar em nossos contextos e ler a
nossa história à medida que a mesma esteja sendo escrita. Somos parte da história e o
futuro vai nos ler um dia. Esta é a dinâmica do processo histórico em todos os seus as-
pectos.
O primeiro aspecto de nossa contemporaneidade é que estamos vivendo um descar-
tar de novas épocas a cada instante. História parece ser agora um invólucro parecido
com uma cebola: todos os dias uma nova capa lhe é colocada. Vivemos a tensão entre o
passado e o futuro; como outros missiólogos têm nos ajudado a ver, fazemos missão en-
tre os dois polos da escatologia: o agora e o futuro escatológico; fazemos missão entre os
dois tempos escatológicos, como sugerem muitos estudiosos de missões.
Ralph Winter apresentou uma categorização de três épocas dentro das missões mo-
dernas. Ele fala da época das missões costeiras, que atingiram primariamente as terras
que estavam nas costas marítimas. Essa época durou aproximadamente 118 anos (1792-
1910). A pessoa mais significante nessa época foi William Carey. Sua dominância foi
primeiramente européia. A segunda época é chamada de interiorana, isto é, foi quando
as missões começaram a desbravar os interiores daquelas terras. A pessoa chave nesta
era é tipificada por Hudson Taylor. Foi ali que o Movimento Voluntário Estudantil to-

61
mou sua expressão maior. Essa época demorou aproximadamente 115 anos (1865-1980).
Sua dominância foi americana em sua maior parte. A terceira época é chamada de tribal
por uns, principalmente porque ela focaliza as tribos abandonadas; mas, se tomarmos
outro ponto de vista, ela seria a época dos povos não alcançados, principalmente por cau-
sa do movimento de crescimento da igreja. Essa época teve seu início por volta de 1934
e continua até hoje. Ela tem dois nomes ligados ao seu foco principal. O primeiro é Ca-
meron Townsend, fundador da Missão de Tradutores da Bíblia Wycliffe e o outro nome
é Donald A. McGavran, fundador do Movimento de Crescimento da Igreja. Winter su-
gere, ainda em 1981, que talvez o grupo dominante dessa época seja o Terceiro Mundo.
Creio que ele estava correto, pois realmente os crentes do hemisfério sul têm dominado
o panorama missionário mundial atualmente. Entre uma época e outra, houve um perí-
odo aproximado de quarenta e cinco anos, assim enquanto a época costeira ainda estava
em atividade, já por volta de 1865 a época interiorana já estava se formando, e assim por
diante.
Pierson sugere uma quarta época, a qual ele chama de urbana. Essa está obviamente
centralizada nos grandes centros urbanos do mundo. Ele inclui dois nomes importantes
nessa época: Ray Bakke e Roger Greenway. O primeiro foi missionário urbano em Chi-
cago por muitos anos, enquanto o segundo, embora de volta aos Estados Unidos, foi
missionário urbano na Cidade do México por vários anos. Eu sugiro que essa época te-
ve sua parte inicial por volta de 1950-55, mas é difícil de se precisar tal data, uma vez
que a urbanização mundial tem se acelerado muito, mas de pontos de partida diferen-
tes.
O que tenho observado, contudo, é que o tempo tem se encurtado muito rapidamen-
te nos últimos anos, principalmente depois de 1960. Assim, introduzo uma nova época,
a qual chamo de geracional. O conceito de gerações tem sido redefinido ultimamente e
aparentemente uma “geração” não passa mais de dez anos; em muitos casos, não é
maior do que cinco. A idéia de geração hoje segue mais o desenvolvimento tecnológico
do que mesmo o biológico. Passamos rapidamente de uma geração para a outra com a
mesma facilidade que mudamos nossos sistemas de computação. Em pouco mais de
quinze anos passamos por várias gerações de computadores: os antigos CPM, os Ap-
ple/MacIntosh, os Micros. Entre os Micros, vemos os IBM e os seus inúmeros compatí-
veis. Entre os Micros, suas gerações são medidas de acordo com os seus processadores:
8088, 286, 386, 486, 586, Pentium, Pentium II, e uma gama de novos processadores de
dados que assustadoramente nos levam sempre a uma nova tecnologia quase que ime-
diatamente. Isso tudo foi feito dentro de menos de quinze anos, entre 1985 e 2000. Hoje
temos tecnologias que são tão avançadas, se comparadas com a geração “clássica” dos
computadores, que até mesmo mencionar os grandes avanços daquela época pouco sig-
nificam para nossos filhos de hoje. Em poucos anos passamos dos antigos PDAs, os
quais foram descontinuados há poucos dias, para os telefones celulares (que começaram
como telefones analógicos e depois digitais; e que agora são chamados de telefones inte-
ligentes); no momento em que escrevo este texto, estamos mudando dos laptops para os
tablets, os quais vão dominar o mercado por alguns anos. Mas não sabemos mais o que
serão as novas novidades dentro dos próximos cinco anos.

62
Assim, esta época geracional pode ser dividida em talvez quatro (ou mais) novas ge-
rações que se sobrepõem. Temos a Geração dos “Boomers”, que se compraz de pessoas
nascidas depois de 1945; a Geração dos “Busters”, que é composta de pessoas nascidas
depois de 1965; A Geração X, que é predominantemente composta de jovens nascidos já
nos anos Setenta, a Geração @, de pessoas nascidas a partir de 1990. Houve o surgimen-
to de uma nova geração na América do Norte: a Geração Milenial, por causa da mudan-
ça de milênio, quando a febre do Y2K se espalhou por todo o mundo. Muitas novas ge-
rações podem ser detectadas quase que anualmente. Numa nota sombria, creio que vi-
vemos a primeira década do novo milênio como que se pudéssemos nos chamar de a
“Geração do Medo”, principalmente por causa do crescimento do terrorismo por volta
do mundo, em cujo ponto inicial foi a destruição dos dois prédios gêmeos de Nova Ior-
que no dia 11 de setembro de 2001.
Isso demonstra como precisamos nos atualizar quase que mensalmente, se quiser-
mos atingir as novas gerações com sabedoria e contextualmente. Falarei mais sobre isso
adiante, quando discutir o aspecto da modernidade e pós-modernidade.
Um outro aspecto que devemos explorar ao estudar a história das missões é o ecu-
mênico. Mais do que nunca, aqueles que estão saindo do Brasil para fazer o trabalho
missionário precisam se informar do que realmente é o movimento ecumênico. Vindo
de uma linha evangélica, somos, na maioria das vezes, vacinados contra a palavra
“ecumenismo”. De fato, do modo com que esta palavra foi traduzida para muitos de
nós, o ecumenismo é nada menos do que a coisa mais demoníaca que se criou na face da
terra. Falo meio superlativamente para chamar a atenção do leitor. Ligamos a palavra
somente com o que o Conselho Mundial de Igrejas fez a quarenta-cinquenta anos atrás.
A história confirma, de fato, que o C.M.I. tomou várias decisões que eram em si mesmas
contrárias ao que a ortodoxia evangélica assume, mas um estudo mais próximo do mo-
vimento irá esclarecer muitas coisas importantes e ao mesmo tempo abrir portas para
uma aproximação melhor entre igrejas.
Quero tomar um ponto apenas sobre a necessidade de um estudo sobre o ecume-
nismo, pois não me cabe aqui explorar mais do que algumas pinceladas de um quadro
composto de muitas perspectivas diferentes. A minha sugestão por trás deste argumen-
to é que o missionário, assim como o órgão enviador, seja ele a igreja local ou uma
agência missionária, irá se informar com maior realismo sobre o que se passa do lado de
fora de nosso país. O que é realmente importante no estudo do ecumenismo não é a
adoção de práticas não-bíblicas, quanto a isto o leitor pode ficar descansado, mas é o es-
crutínio de uma riqueza missiológica muito grande. Nossa missiologia continuará sem-
pre incompleta, se não tirarmos tempo suficiente para entender o que o movimento
ecumênico trouxe para a missiologia mundial. É bem verdade que os conciliares, como
são assim chamados, trouxeram novas interpretações para palavras missiológicas, tais
como o evangelismo, missão, diálogo, e assim por diante, mas a importância de se co-
nhecer essas “novas” interpretações irá em muito ajudar o missionário a fazer um mi-
nistério balanceado, frutífero, profético e corajoso.
Na verdade, o movimento de Lausanne tem sido talvez o maior movimento ecumê-
nico do mundo, superando, creio eu, mesmo o movimento por trás do Conselho Mun-

63
dial de Igrejas. O entrelaçamento de vários grupos evangélicos no mundo tem demons-
trado tal realidade. De uma maneira calada, pois a palavra não é mencionada no meio
evangélico, tem havido um verdadeiro ecumenismo entre os evangélicos de todo o
mundo. Um grande exemplo disso foi comprovado pelo COMIBAM’87, no Brasil, o
COMIBAM’97, no México, e também os encontros do Movimento de Lausanne, que
aconteceram na Filipinas, em 1989, e na África do Sul em 2010. Assim, o missionário já
pode se ver envolvido em um movimento ecumênico, o qual muito lhe tem ajudado a
crescer no seu ministério.
A lição mais importante a se aprender sobre o ecumenismo é que Deus age em ou-
tras denominações, através de várias agências missionárias, e não somente através de
nosso grupo. Enquanto tem-se falado muito de etnocentrismo, creio que precisamos su-
perar a barreira de nosso próprio “eclesiocentrismo” ou “denominaciocentrismo”, se
posso criar estas duas novas palavras. Uma outra lição é que não somos chamados a to-
lerar os outros, mas a conviver com eles e respeitá-los em nível de igualdade. O ecume-
nismo que se pode rotular de bíblico não tolera, mas permite um convívio mútuo em
amor, “para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo. 17:21b). Isso pode ser aplicado
inclusive dentro de nossa própria experiência brasileira. Recebi uma mensagem eletrô-
nica há alguns anos atrás de um irmão visitando sua família no Rio. Estando ele fora do
Brasil por vários anos, assustou-lhe observar que mesmo nos programas radiofônicos
evangélicos, os pregadores mais tentam se sobrepor uns aos outros do que mesmo
anunciar as Boas Novas do Reino. Em suas palavras, aquele irmão não tinha motivo de
crer na mensagem que estava sendo transmitida, infelizmente. Se não temos tido a uni-
dade necessária dentro de casa, quão dificilmente iremos construir igrejas unidas fora
do Brasil.
O aspecto talvez mais importante para quem está saindo do Brasil como missionário
é entender que o mundo está em uma vasta transição entre o modernismo e o pós-
modernismo. Este é um fenômeno que está acontecendo não somente nos países norte-
atlânticos, mas em todos aqueles lugares que estão sendo frontalmente interligados pela
rede eletrônica, pela Internet. Nossas gerações mais novas estão dramaticamente menos
acessíveis, a menos que entendamos o seu vocabulário, as suas pressuposições, a sua
nova epistemologia. De certa forma, a igreja ainda está usando as vitrolas, enquanto o
mundo está completamente imerso nos discos compactos, nos iPods, iPads, sem menci-
onar novamente os telefones inteligentes. Estamos levando uma mensagem de máquina
de escrever a uma geração de processadores de texto, inclusive já chegando ao ponto de
processar seus textos vocalmente, sem o uso de suas mãos para datilografá-las.

*****

Enquanto já caminhamos neste novo milênio, precisamos nos inteirar do fato inerente à
esta grande transição. Olhando para o nosso futuro, precisamos nos despertar para o
fato de que até o formato das igrejas está sendo reavaliado. Novas estruturas estão sen-
do tentadas, muitas vezes sendo implantadas com grande sucesso, e não serão as nossas
formas atuais que atrairão novos convertidos.

64
Como poderemos nos inteirar desses novos desafios diante de todos nós, os que en-
viam os missionários e os que são enviados para evangelizar as muitas culturas do
mundo? Isto é o que tentaremos responder no próximo capítulo sobre a comunicação
transcultural.

65
Capítulo VII

Comunicação Transcultural

O
número de histórias que podem ser apresentadas como ilustração deste gênero é
bem grande, mas a que ora apresento serve o meu propósito. Um amigo meu esta-
va nos Estados Unidos por alguns meses e foi convidado por um outro brasileiro a
ir a um show de computadores em Los Angeles. Os dois foram e de repente esse
amigo levou o susto de sua vida. Em sua frente estava um stand da Apple, com vários
computadores em amostra. O que o assustou foi a palavra “demo”, ali nos computado-
res. Na verdade, a língua inglesa tem muitas palavras que são cortadas pela metade. Es-
ta, por exemplo, é a metade da palavra “demonstration”, mas meu amigo tinha uma ou-
tra tradução na sua cabeça: para ele, “demo” é o apelido para o diabo. Foi ali que seu
amigo brasileiro pode ajudá-lo com mais uma nova palavra em Inglês.
Poucos meses depois de ter cruzado a fronteira dos Estados Unidos para meu novo
ministério no Canadá, participei de um seminário em uma igreja presbiteriana canaden-
se. Ali, fiz uma afirmação sobre a porcentagem de pessoas que vão à igreja naquela par-
te do país, a qual foi prontamente contestada por um senhor que fazia parte do nosso
grupo de discussão. Eu estava convicto de que minha afirmação estava correta, o que
realmente estava, mas vim a descobrir posteriormente que aquele senhor estava tam-
bém completamente certo em me corrigir. O problema era semântico apenas, pois o que
eu estava falando a respeito era uma coisa e o que ele estava ouvindo era outra.
Quantas vezes temos feito gracejos sobre os missionários que conhecemos e que al-
gumas vezes falam palavras fora de contexto, as quais mais dão oportunidade para uma
piada do que mesmo uma apreciação honesta do que eles estão tentando comunicar. Há
as piadas clássicas a respeito de tais missionários, mas nos esquecemos que quando fa-
lamos uma segunda ou terceira língua, caímos nos mesmos erros. Certa vez minha es-
posa e eu estávamos em um restaurante vietnamita. Como eu gosto muito de usar os
famosos pauzinhos para comer, pedi-os ao garçom. Só que havia um probleminha com
o meu pedido. Havia passado uma boa parte daquele dia ajudando uma missionária
brasileira a praticar para tirar sua carteira de habilitação. Assim, ao invés de usarmos
um carro automático, estávamos usando um carro de câmbio móvel. De volta ao restau-
rante, pedi ao garçom por um par de “stick-shifts”, o que levou o garçom a pensar que
eu estava curtindo com a sua cara. Na realidade o que eu devia ter pedido era um par

66
de “chop-sticks” e não um par de câmbios de carro. É claro que tive que me desculpar
com o garçom e dar-lhe uma gorjeta maior depois.
Este capítulo tenta informar o leitor a respeito da comunicação do Evangelho trans-
culturalmente. Aqui correremos, mesmo que brevemente, alguns aspectos importantes
de como poderemos comunicar o Evangelho de uma forma eficaz a uma cultura que
não seja a nossa.

O Problema da Comunicação Transcultural

Na verdade, o problema da comunicação transcultural pode ser observado mesmo den-


tro do nosso país, pois o Brasil tem muitas culturas. Precisamos tomar bastante cuidado
quando pregamos em diferentes partes do nosso país.
Sou mineiro, do Triângulo Mineiro, e por natureza eu falo devagar, mole e errado. A
coisa ficou ainda pior depois que me mudei para Goiânia. Os mineiros—baianos cansa-
dos, como dizem por aí—são os que falam com mais erros de concordância possíveis.
Às vezes ouço alguns áudio-cassetes ou CDs de pregações minhas e fico realmente de-
primido devido a tantos erros de concordância. Quando fui para Recife, onde passei
quatro dos melhores anos de minha vida, tive um choque lingüístico e cultural tremen-
do. Tive que aprender um outro português para me comunicar melhor. Lembro-me que
na minha primeira semana ali, fui preletor em um acampamento de jovens na Paraíba.
Depois da minha primeira pregação, uns jovens vieram a mim e perguntaram de que
país eu vinha. Minha resposta foi simples: eu venho do Brasil! Eles riram, pois meu Por-
tuguês mais parecia de gringo do que mesmo de mineiro. Alguns meses depois, alguns
membros da igreja do interior do Pernambuco, onde estava servindo como seminarista,
vieram a mim para sugerir que eu não usasse certas palavras no púlpito as quais eram
para eles muito ofensivas. Pois bem, quatro anos depois, quando voltei para Goiás, os
presbíteros da igreja que estava pastoreando vieram a mim para pedir que eu não usas-
se certas palavras que lhes eram muito estranhas e ofensivas. O problema é que eu ha-
via me aculturado, pelo menos linguisticamente com o “pernambuquês”, e estava fa-
lando aquele dialeto no púlpito da igreja do interior goiano.
Isso ocorre de várias outras formas, mas o problema ainda persiste. O missionário
precisa se esmerar em conhecer a cultura onde está servindo para que a comunicação do
Evangelho possa ser feita eficazmente. Esse processo não cessa, pois o missionário con-
tinua a aprender muitas novas coisas todos os dias. Minha esposa e eu estamos fora do
Brasil por quase trinta anos e ainda temos como prática a colheita de novos conheci-
mentos nas culturas que temos servido. Não é incomum para nós aprendermos até vin-
te novas palavras por semana, ou até mesmo em um só dia, tudo depende da situação.
Como ensinamos em um ambiente onde há estudantes de várias partes do mundo, es-
tamos constantemente aprendendo sobre outras culturas que nos cercam a fim de co-
nhecermos melhor os nossos estudantes, quer seja nos Estados Unidos ou no Canadá.
Durante meu tempo no Canadá pregava muito em igrejas chinesas (de fala cantonesa) e
em igrejas hispanas (provenientes do Chile e da América Central), o que me forçou a
constantemente entender melhor aquelas culturas também, além da canadense e da

67
americana. À medida que nosso ministério foi se ampliando, tivemos que aprender bas-
tante sobre várias outras culturas: Japonesa, Russa, Africana (de vários países de fala
portuguesa ou inglesa), e a lista continua a crescer. Em nosso ministério dentro dos Es-
tados Unidos, temos tido o privilégio de nos relacionar em todos os níveis, entre os
Americanos, os Chicanos, os Índios (nativos americanos) e estudantes internacionais.
O problema da comunicação do evangelho é que temos a tendência de partir de on-
de estamos, sem entendermos que devemos fazer o oposto. Fui pastor entre madeireiros
americanos em Idaho por dois anos. Os primeiros seis meses de meu ministério foram o
maior desastre, pois todas as minhas mensagens eram preparadas com uma audiência
brasileira virtual em minha frente. Somente depois que passei a pregar para minha au-
diência americana é que a mensagem fez sentido para eles. Evidentemente fui bem su-
cedido em meu ministério ali por causa da bondade de meus irmãos que souberam me
escutar naqueles primeiros seis meses; doutra forma eu teria que achar outra coisa para
fazer. A menos que façamos esta mudança em nossa abordagem, o ministério transcul-
tural será incompleto. Como já tenho mencionado anteriormente, a maioria do meu mi-
nistério tem sido entre pessoas de fala inglesa nos Estados Unidos e no Canadá; isso me
obriga a constantemente estar em sintonia com a progressão da língua inglesa. Temos
vivido no noroeste americano (Idaho e Washington) por mais de uma década e a cultu-
ra local e regional é completamente diferente de outras áreas por onde moramos no
passado. Assim, o constante aprender da cultura onde estamos é uma grande necessi-
dade para um ministério eficaz.

O Uso das Ciências Sociais

O uso das ciências sociais pode ser aplicado neste ponto, como também é o caso ao dis-
cutirmos o Crescimento da Igreja, Antropologia Cultural, e outras matérias dentro do
epistemologia missiológica. Tomei a decisão de colocá-lo aqui porque em muito depen-
demos de seu uso para comunicarmos o Evangelho transculturalmente.
Há duas escolas que usam as ciências sociais na sua construção, muito embora as
mesmas não se encontrem, caminhando, senão paralelamente, em direções significan-
temente diferentes. Uma escola é a do Movimento de Crescimento de Igreja e a outra é a
proposta pela Teologia da Libertação, principalmente em sua forma inicial, ou clássica.
Clodovis Boff, já mencionado anteriormente, fez seu estudo na epistemologia da li-
bertação. Para ele, a sua epistemologia tem duas mediações importantes, as quais for-
mam uma síntese final, pois o mesmo segue uma dialética hegeliana. A primeira media-
ção, a que nos interessa neste ponto, é a mediação sócio-analítica. Ele tira essa mediação
de uma teologia que se desenvolveu na Europa, a teologia do político. Para ele, essa
mediação engloba tudo o que pode ser analisado sob uma perspectiva sócio-política. De
fato, este é o parâmetro pelo qual toda a teologia da libertação tira sua contextualidade.
A escola de missões do Seminário Fuller, principalmente por causa de sua ênfase no
Crescimento da Igreja, adota uma posição similar, mas não inteiramente no mesmo pla-
no de atividade. Enquanto a teologia da libertação parte do político para a teologia, a
escola de crescimento da igreja usa as ciências sociais como suporte para sua averigua-

68
ção missiológica. De qualquer forma, ambas usam as ciências sociais para entender os
processos pelos quais o Evangelho passa até que seja comunicado ao povo.
A antropologia cultural tem sido a grande aliada da missiologia contemporânea,
principalmente depois do envio de muitos tradutores da Bíblia pela Wycliffe, Novas
Tribos e outras missões afins. Porém, tal ciência foi academicamente implantada primei-
ramente na Escola de Missão Mundial do Seminário Fuller. A antropologia cultural tem
sido uma grande ajuda no entendimento das culturas, não somente aquelas onde a Bí-
blia está sendo traduzida, mas também em muitos outros contextos. Por isso, vários ra-
mos da antropologia são hoje usados na missiologia. Entre eles encontramos a antropo-
logia social e a antropologia urbana. Uma das maiores contribuições que a antropologia
tem trazido é o estudo das inúmeras cosmovisões de diversas culturas. Isto em si mes-
mo tem ajudado a milhares de missionários a compreender os processos pelos quais as
outras pessoas vêem o mundo, isto é, a sua própria realidade. Partindo daí, o missioná-
rio tem como interpretar a mensagem do Evangelho de forma que aquelas pessoas pos-
sam compreender.
Entre outras ciências, a sociologia tem um lugar importante na comunicação trans-
cultural, pois a mesma nos ajuda a entender principalmente as melhores avenidas a cor-
rer para que a mensagem do Evangelho chegue aos ouvidos daqueles que precisam das
Boas Novas. Dentro deste aspecto, a sociologia informa o missionário sobre os conglo-
merados, os ajuntamentos de pessoas por suas várias categorias, classes, status sociais,
idade, entre muitos outros fatores. Aqui as implicações sócio-econômicas, sócio-
políticas, e demais tendências sociais são estudadas, trazendo um panorama mais acu-
rado para a comunicação eficaz do Evangelho. A psicologia também traz uma grande
contribuição para a comunicação eficaz do Evangelho, tanto local, regional, ou mesmo
transculturalmente. Creio que é chegada a hora de vermos mais missionários com habi-
lidade de promover aconselhamento transcultural adequado, não apenas reproduções
encapsuladas de outras formas norte-atlânticas.
Agradeço a Deus por pessoas que podem informar e equipar nossos missionários
em uma área muito carente dentro da missiologia; entre essas pessoas, o saudoso irmão
Robinson Cavalcanti me vem à mente. Precisamos conhecer melhor sobre política, prin-
cipalmente sobre política contextual. À medida que entramos em uma cultura, precisa-
mos conhecer melhor os vários processos políticos que tomam lugar ali naquela cultura.
Somente depois de quase quatro anos no Canadá que comecei a entender um pouco o
processo, ou a dinâmica política desta grande nação. Tendo já vivido por uns vinte e
cinco anos nos Estados Unidos, ainda continuo a aprender a dinâmica política desta na-
ção. A menos que o missionário entenda o processo político em que viveu a Rússia por
quase setenta anos, até a decadência total do comunismo, o mesmo não entenderá a si-
tuação atual da igreja evangélica naquela grande nação.
O missionário deve sempre estar consciente de que o Evangelho em si mesmo é al-
tamente político, pois ele estará levando ali o Evangelho de um Reino, do Reino de
Deus. A fonte de tanta perseguição da Igreja Primitiva não era o endeusamento dos cé-
sares, mas sim a existência de um “César” maior, o SENHOR Jesus Cristo. A visita dos
Reis Magos não trouxe problema religioso algum a Herodes, mas o grande problema ali

69
foi o nascimento de um antagonista político, o Rei dos Judeus. O termo “Reino de
Deus” pode ser entendido facilmente em países já cristianizados, mas o seu significado
tem dimensões amplamente políticas em estados que são basicamente não-cristãos, co-
mo a China, por exemplo. Em resumo, o missionário precisa saber como ler a política do
povo a fim de trazer uma mensagem que não seja ofensiva e até mesmo perigosa para a
segurança política daqueles que estão ali vivendo.

As Várias Dimensões da Comunicação

A comunicação, seja ela qual for, não acontece em um vácuo. Ao contrário, ela toma
forma social, cultural, histórica, tecnológica e é passada a outras pessoas de várias for-
mas. Pelo simples fato de que para haver comunicação há a necessidade de pelo menos
duas pessoas, comunicação tem que acontecer em algum lugar, tempo e ter alguma
forma.
Mesmo a comunicação monocultural tem uma dimensão cultural: aquele de onde ela
procede e evidentemente onde fica. Assim, a primeira dimensão importante da comuni-
cação é o seu culturalismo, quer seja monocultural ou transculturalmente. A comunica-
ção é um produto da cosmovisão de um povo. Com isso, ela traz consigo todas as for-
mas culturais que lhe permite transpor-se do ponto inicial ao ponto final, do ponto A ao
ponto B, ou N.
Neste caso, a comunicação tem a sua codificação e decodificação, mas se não houver
os filtros adequados para que tal aconteça, nada vai ser compreendido. A missão única
da comunicação é criar entendimento entre o comunicador e o receptor daquela comu-
nicação. Voltemos ao meu amigo em Los Angeles. O símbolo “demo” foi enviado com
um significado, mas seu filtro de recepção era outro; daí o seu grande susto. Está aqui a
importância do estudo de comunicação transcultural, pois se o missionário não souber
desses filtros, sua mensagem pode ser completamente mal entendida.
Um certo missionário estava comunicando o Evangelho a um indiano, um hindu.
Para sua surpresa, o hindu estava se sentindo inteiramente à vontade com o que o mis-
sionário estava lhe comunicando. O fato de haver quatro relatos sobre a vida de Jesus
no Novo Testamento foi uma grande prova da reencarnação de Jesus, o que o indiano
acreditava. Ele simplesmente filtrou a existência de quatro Evangelhos como sendo a
narrativa de quatro vidas consecutivas de Jesus. Evidentemente aquele indiano jamais
havia lido os Evangelhos para ver que os mesmos narravam a mesma história.
Falar hoje para um norte-americano que ele está perdido é uma piada. Um norte-
americano comum tem todos os meios para saber onde está: ele é bem informado do
tempo, da situação, do dinheiro na bolsa de valores, se o mesmo se acha perdido na ci-
dade, em qualquer esquina ele pode comprar um mapa atualizado. Há programas de
computador que têm os mapas das principais cidades do mundo e aquele norte-
americano pode ter um computador portátil em suas mãos. Não somente pode ele en-
trar na Internet e obter qualquer informação, como também ter seu GPS em várias lín-
guas, com mapas de vários países para navegar com segurança. Muitos carros na Amé-
rica do Norte já vêm com um dispositivo que, em caso de um acidente ou problema me-

70
cânico, põe o carro em contato com a fábrica através de satélite e eles enviam um mecâ-
nico até aquele local imediatamente. Portanto, se vamos pregar o Evangelho a um nor-
te-americano comum, a única coisa que talvez não vai funcionar é dizer que ele está
perdido. Dizer a esse hipotético norte-americano que Jesus salva, ele vai dizer que está
tudo bem, pois ele também tem uma caderneta de poupança no banco. A mentalidade
norte-americana é voltada para o dinheiro e dizer que “Jesus saves” (Jesus salva), na re-
alidade em sua cabeça está dizendo que “Jesus economiza dinheiro na poupança”, entre
outras idéias financeiras que podem ocorrer, pois o derivado desta palavra pode ser en-
tendido como “desconto”, quando vamos comprar alguma coisa, digamos com descon-
to de 25 por cento, por exemplo.
A comunicação transcultural pode ser cultural, como vimos, mas dentro desta mes-
ma perspectiva, ela é intracultural (quando dentro da mesma cultura), intercultural e
pluricultural (quando envolve outras culturas) e transcultural. Ela pode ser pessoal, in-
trapessoal, interpessoal e multipessoal, da mesma forma. Ela pode ser passada verbal e
não verbalmente. Entre vários meios, ela pode ser transmitida eletronicamente ou não;
através de escrita, som e imagem. Basicamente estes três meios são os meios mais bási-
cos de comunicação. Em todos estes aspectos, a comunicação transcultural está presente
e o missionário deve ser treinado nesta importante área.

Consciência Cultural

Algo imprescindível no preparo do missionário é ajudá-lo a conhecer-se a si mesmo.


Antes de qualquer coisa, todo comunicador transcultural precisa de antes conhecer o
seu pano de fundo, antes de sair para conhecer os demais. Ao fazer isso, ele está demo-
lindo talvez a coisa mais pessoal que está carregando: o seu etnocentrismo. À medida
que o missionário passa a se conhecer melhor, estou aqui falando culturalmente, ele vai
aprendendo a conhecer os demais na cultura que o está hospedando.
Esse processo de conhecimento pessoal pode ser chamado de um levantamento de
consciência cultural própria. A razão por trás deste processo é a inevitabilidade de ou-
tras diferenças que podem fazer o missionário e sua família sofrer bastante. Por se co-
nhecer culturalmente, o missionário poderá superar seu maior inimigo, o qual está ali
esperando escondido: o choque cultural. Não somente isto, mas a consciência cultural
poderá ajudá-lo a conhecer os limites de sua própria contextualização ou aceitação de
novos valores que simplesmente são incompatíveis com os seus. Da mesma forma que
há coisas que o missionário não pode aceitar, por causa de sua própria cosmovisão, ele
passa a entender a partir dali as possíveis razões porquê outros não podem aceitar a sua
mensagem.
Por conhecer-se a si mesmo, o missionário passa a entender a sua própria vulnerabi-
lidade em muitos casos. Durante o meu tempo no exército, aprendi a comer quase de
tudo, principalmente por causa das manobras que tivemos que fazer. Lembro-me do dia
que tive que comer coró, aqueles bichinhos que dão em certas árvores. Depois daquela
experiência, eu tinha certeza de que poderia comer qualquer coisa. Pude comprovar is-
so várias vezes, mas não estava preparado para uma conversa que tive anos depois.

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Certa vez eu estava com outros estudantes em Tucson, Arizona, e entre eles havia um
estudante de Sri Lanka, anteriormente Ceilão. A conversa foi a respeito de várias for-
mas de comida e então eu disse com todo o meu orgulho pessoal que eu tinha estômago
para comer qualquer coisa. Aquele estudante de Sri Lanka me disse que em sua terra
eles comem os miolos de um tipo de macaco da seguinte forma: primeiro eles colocam o
macaco vivo em um lugar à mesa, onde há um buraco para caber o pescoço do mesmo.
O macaco fica pendurado ali, então eles quebram a sua cabeça, temperam o miolo do
macaco e comem aquilo. Isto é pior do que aqueles filmes do Indiana Jones, posso ga-
rantir. Foi ali que vi que há certos limites culturais para minha própria experiência gas-
tronômica. Garanto ao leitor que tenho muita dificuldade para ir a um restaurante em
Sri Lanka, a menos que Deus mude completamente meu apetite.
Por conhecer a nós mesmos, veremos logo que temos um outro inimigo: somos to-
dos preconceituosos. Ali, à medida que nos conhecemos melhor, começamos a lutar
contra nossos próprios preconceitos. Creio que este é um dos mais profundos pecados
que temos e precisamos superá-lo. A única maneira de fazê-lo é nos submetermos ao
Senhorio de Jesus e aprender com Ele, que sendo Deus preferiu se humilhar e se tornar
um como nós (Fil. 2:1-11). Tive que vencer esse inimigo, mas a luta demorou alguns
anos. Morei por vários anos na Grande Los Angeles. Ali, o número de Mexicanos é mui-
to grande, e por eu ter um sobrenome português e espanhol ao mesmo tempo, sempre
era tomado por Mexicano. Aquilo me incomodou principalmente por causa do estereó-
tipo que o Americano tem do Mexicano. A coisa que mais me dava raiva era ver os ou-
tros me perguntarem de que lugar no México eu vinha originalmente. Depois de alguns
anos, pela graça de Deus, superei aquele preconceito que antes não existia, mas que fora
cultivado depois que me mudei para os Estados Unidos. Com grande arrependimento
no meu coração, pedi que Ele me derramasse um amor genuíno pelos latino-americanos
que me cercavam. Hoje cultivo este amor com grande alegria e tenho por meus irmãos
latinos, principalmente os Mexicanos, o meu maior apreço.

Choque Cultural

Estava dando um curso de Crescimento de Igreja em uma capital brasileira, quando re-
cebi o convite de um casal para jantar em sua casa. Fui com grande alegria, mas durante
aquela visita a senhora da casa me pediu um favor. Ela queria que eu conversasse com
seu esposo a respeito de alguma coisa que estava acontecendo. Ouvi a sua história. Ele
era europeu e o casal, depois de terem se casado na Inglaterra, mudou-se para o Brasil.
Ele falava fluentemente o inglês, francês e o português. Sua esposa notou que seu mari-
do estava pondo defeito em tudo: as ruas da cidade eram tão sujas, o povo falava muito
alto e não falava o Português como deveria ser falado, as igrejas não eram muito fervo-
rosas, enfim: nada ali estava prestando mais. O pior é que aquele senhor estava sempre
fazendo a comparação com sua terra natal. Depois de um delicioso jantar, fomos para a
sala de visitas e pude conversar com aquele senhor. Depois de uma longa conversa, ele
chegou à conclusão de que o que lhe estava acontecendo era um tremendo choque cul-
tural. Pude ver como aquela conversa lhe ajudou e como ali mesmo ele já havia come-

72
çado a mudar sua atitude. Soube depois que ele havia superado seu choque cultural e
estava novamente feliz, sentindo-se em casa, mesmo que o Brasil não fosse seu país de
origem.
O choque cultural é talvez o maior inimigo do missionário, ou de qualquer pessoa
que se muda de uma cultura para a outra; até mesmo de uma região brasileira para a
outra. A melhor definição deste problema pode ser esta: choque cultural é o momento
na vida de uma pessoa que esteja em uma nova cultura, quando há a confrontação de
sua própria cosmovisão com os novos valores daquela nova cultura. Naquele período
todos os valores da pessoa estão sendo postos à prova e tem havido ali uma grande re-
sistência em admitir que há outra cultura invadindo a sua cosmovisão.
O processo do choque cultural começa geralmente entre os primeiros quatro meses
até o final do oitavo mês. Contudo, isso pode começar imediatamente, ou pode chegar
até um ano depois. Geralmente a pessoa chega na nova terra com uma grande euforia.
Tudo é novo, tudo é novidade, as coisas são diferentes, bonitas, atrativas, tudo “fora
deste mundo”. Depois de algum tempo, aquela pessoa começa a ver suas limitações de
língua. Ela entende bem o que os outros estão falando, mas não é capaz de reproduzir
uma conversa inteligível. Ela quer comprar coisas no supermercado, mas não sabe como
fazer as compras; ali não tem o Bombril tradicional, a Guaraná não está nas prateleiras;
em muitos lugares, a padaria do Sr. Joaquim não existe, não tem o pãozinho quente de
manhã, e assim a coisa vai se complicando.
O choque cultural chega na hora em que a pessoa se acha totalmente perdida entre
uma cultura e a outra. Por falta de se comunicar bem, ou de entender bem as coisas,
aquela pessoa entra num processo profundo de desgosto. Nada para ela está bom, tudo
está errado, nada parece fazer sentido. Isto é choque cultural. Uma boa ilustração de
choque cultural pode ser vista em uma antiga música de Paulo Diniz. É a estória de al-
guém que foi para Nova Iorque e de lá escreveu a respeito de sua saudade da Bahia. A
letra da música é mais ou menos assim: “I don’t wanna to stay here/I wanna to go back to
Bahia/Eu tenho andado tão só/quem me olha nem me vê/Silêncio em meu violão/nem eu mesmo
sei porquê/De repente ficou frio/eu não vim aqui para ser feliz...”. Aqui vemos várias caracte-
rísticas de quem está em choque cultural: O Inglês não está correto, isto prejudica a co-
municação. O violão está silencioso, pois ninguém está ali para ouvir música popular
brasileira. Também, a saudade faz com que o choque cultural seja ainda mais dolorido.
O inverno chegou e um baiano em Nova Iorque irá sofrer bastante, e não há motivo pa-
ra ser feliz.
O resultado depois pode ser tanto funesto como uma grande bênção. Muitas pessoas
chegam a cometer suicídio quando estão no choque cultural. Há alguns anos atrás, o
Departamento de Imigração do Canadá ofereceu alguns dados alarmantes quanto ao
crescente número de imigrantes, na sua maioria refugiados, que estão cometendo suicí-
dio por causa de choque cultural. Outros dados nos informam que muitas esposas de
trabalhadores no exterior, principalmente trabalhadores americanos, preferem se matar
a continuar isoladas e sem a oportunidade de se relacionar melhor com os nativos da-
quela nova terra. Outras pessoas não querem superar o seu problema, ficando nesse es-
tado de choque por anos. Há muitos que retornam aos seus países de origem comple-

73
tamente nocauteados pelo choque cultural, principalmente aqueles que deixam o país
por motivos de estudo e retornam posteriormente. Tenho conhecimento de casais que,
ao retornarem aos seus países de origem sem superarem os problemas de choque cultu-
ral, continuam com vidas amargas, alguns deles divorciados, outros totalmente incapa-
zes de até usar os seus novos conhecimentos para algum crescimento pessoal.
Mas o lado positivo do choque cultural é o que eu chamo de ressurreição cultural.
Alguns meses depois do choque, as pessoas repentinamente emergem daquele buraco
profundo e “nascem” na nova cultura. Nesse caso, essas pessoas são agora bi-culturais;
elas retiveram o melhor de cada cultura. Assim elas prosseguem com suas vidas, mas
jamais serão inteiramente monoculturais.
Um dos meus ex-alunos foi missionário no Paquistão por mais de vinte e cinco anos.
Ele e sua família retornaram ao Canadá por um ano para terminar o seu mestrado em
missiologia. A cada minuto que nos encontrávamos, tudo o que eles falam era sobre a
sua casa, o seu lar, o Paquistão. Eles diziam que o Canadá não era mais a sua terra, pois
eles perderam a sua identidade canadense depois de tantos anos no seu campo missio-
nário. Esta é a característica de outro choque; desta vez é o que chamamos de choque
cultural reverso. As pessoas nesta situação se sentem deslocadas em sua cultura de ori-
gem. Muitos missionários que passaram muitos anos no Brasil, em sua maioria preferi-
riam continuar morando no nosso país. Conheço vários que ao se aposentarem, conti-
nuaram morando na nossa terra. O choque cultural reverso tem as características do
choque cultural normal e traz talvez mais dor ao que retorna a sua terra natal do que se
pode imaginar.

Mitos da Comunicação

Existem algumas preconcepções a respeito da comunicação do Evangelho que precisam


ser repensadas. Aliás, melhor seria dizer que há algumas formas de comunicação que
podem não ser eficazes, mas ainda pensamos que as mesmas vão funcionar. Seria me-
lhor se falássemos em termos de princípios, os quais podem funcionar em uma região,
mas na realidade são inoperantes em outras.
Charles H. Kraft, professor de antropologia no Seminário Fuller, discute alguns as-
pectos da comunicação que para ele são mitos, os quais devem receber uma nova abor-
dagem. Tornar-se-ia extremamente longo a discussão daqueles mitos neste capítulo. As-
sim, apresento-os apenas em forma de lista, como podemos ver abaixo:

1. O simples ato de ouvir o Evangelho é equivalente a “ser alcançado” com o Evangelho;


2. As palavras da Bíblia são tão poderosas que tudo o que o povo precisa para ser trazido
a Cristo é ser exposto ao ouvir ou à leitura da Bíblia;
3. A pregação é a única forma ordenada por Deus para comunicar o Evangelho;
4. O sermão é o veículo mais eficaz para produzir mudança de vida;
5. Há uma única forma [de comunicação] que seja realmente a melhor para se comunicar
o Evangelho;
6. A chave para a comunicação eficaz é a formulação precisa da mensagem;

74
7. As palavras contém seus significados próprios;
8. O que o povo realmente precisa é mais informação;
9. O Espírito Santo vai “corrigir” todos os nossos erros se formos sinceros, espirituais, e
tivermos orado o bastante;
10. Como crentes, deveríamos nos restringir severamente de ter contatos com gente
“má”, assim como nos restringir de ir a lugares “maus”, para que não “percamos
nossa conduta”, arruinando, assim, nosso testemunho.12

Creio que muito do que o Dr. Kraft põe aqui pode não fazer muito sentido sem que
haja uma longa explicação, é claro. Além do mais, aquele autor está se dirigindo primei-
ramente a uma audiência norte-americana. Uma breve pincelada em alguns desses
enunciados poderá ajudar no esclarecimento de possíveis dúvidas iniciais. Primeiro,
Kraft não está diminuindo a importância da Bíblia, da pregação ou do cuidado que de-
vemos ter com nossa conduta. Ele está questionando o dogmatismo (não teológico, mas
estratégico) de cada posição tomada. Para ele, além de se ouvir o Evangelho, o missio-
nário deve encarnar-se no meio do povo para que aquele Evangelho seja também reco-
nhecido na vida do comunicador cristão. No aspecto semântico, ele objeta aqueles que
acham que as palavras da Bíblia são em si mesmas palavras mágicas ou que a Bíblia
possa ser usada como amuleto. Quanto à pregação, ele objeta e realmente questiona a
tradução da palavra grega kerusso, sendo usada constantemente como pregar. Para ele,
kerusso significa antes de mais nada: comunicar. Como exemplo, ele traduz Marcos 16:15
desta forma: “ide por todo o mundo e comunicai o evangelho a toda criatura”, o que
acho razoável. Ele não concorda que o sermão seja a melhor forma de comunicar as Bo-
as Novas. Para ele, o sermão é mais um monólogo e, se olharmos atentamente no Novo
Testamento, o lugar do sermão fica bem afastado. Os comunicadores do Novo Testa-
mento usaram mais outras formas de comunicação: parábolas, diálogos, ilustrações, es-
tórias, entre outras formas. Mesmo o que se pode chamar sermão, parece ser mais uma
forma de ensino onde há uma troca de idéias, ao invés do formato acadêmico que her-
damos das universidades européias, o que é realmente o estilo de nossa prédica con-
temporânea, quase que sem exceção.
Quando ele menciona que “palavras têm seus próprios significados” para muitos,
ele quer dizer que muitas vezes falhamos em entender que as palavras têm significados
colados nelas. Uma palavra é um mero símbolo, a qual pode ter significado diferente
para uma pessoa dependendo na sua idade, lugar de origem, época, por exemplo. Dei-
xe-me ilustrar rapidamente: Toda vez que retorno ao Brasil, parece-me que não estou
entendendo direito o que o povo, principalmente os mais novos, está dizendo. As gírias
mudam o significado das palavras. Da mesma forma, se usamos uma palavra que pode
ser apropriada em um lugar, pode ser extremamente ofensiva em outro lugar. Sabe-se
de um famoso evangelista argentino que inocentemente estava usando uma palavra
castelhana que, em contrapartida, era simplesmente obscena na Colômbia. Foi necessá-
rio o pastor da igreja chamá-lo de lado, no meio da mensagem, e pedi-lo para não repe-

12Charles H. Kraft, Communication Theory for Christian Witness (Maryknoll: Orbis Books, 1991), 24-37.
Minha tradução.

75
tir aquela palavra. O evangelista, evidentemente constrangido, desculpou-se com a igre-
ja e somente assim pode continuar sua mensagem.
Quando ele menciona que não devemos nos restringir de relacionar com pessoas e
de estar em certos lugares, ele não está sugerindo que devemos agir como o ímpio do
Salmo 1, evidentemente. Porém, ele é correto em sugerir que não devemos evitar as
pessoas; somente seremos iguais aos ímpios se realmente deixarmos de lado os princí-
pios do Reino de Deus. O simples fato de Jesus ter andado com pecadores não o fez um
deles; apesar dos fariseus e escribas acharem que tal acontecera. Se Jesus tivesse nos evi-
tado, jamais teríamos sido salvos. Como sal da terra e luz do mundo, podemos ter a
convicção de que por onde quer que andemos, nossa luz e o nosso tempero serão evi-
denciados.

Contextualização Crítica

Já fiz menção a respeito da contribuição de Paul Hiebert nesta área, mas aqui creio ser
imperativo que haja uma maior elaboração do que seja contextualização crítica. Não
somente é este assunto de grande importância teológica, ele é crucial na área de comu-
nicação.
Ao lidar com uma contextualização crítica, o missionário está ajudando o povo da-
quela cultura a não cair em um processo de sincretismo, nem tampouco em um proces-
so de exclusão daquilo que lhes é primariamente a fonte de seus valores, religião, histó-
ria, herança cultural. Pelo simples fato de se trazer o Evangelho a uma nova cultura, as
Boas Novas são em si mesmas um instrumento de transformação naquela cultura. As-
sim, valores que devem ser olhados à luz do Evangelho precisam ser abordados de uma
forma crítica, a qual vai garantir a possibilidade de uma crescente mudança dentro dos
valores cristãos no futuro.
Há basicamente três atitudes que podem ser tomadas caso haja a necessidade de li-
dar com algum aspecto daquela cultura. Geralmente os diferentes aspectos podem ser
categorizados como sendo antigas crenças, rituais, estórias, mitos, sagas, cânticos, cos-
tumes, arte, música e outras formas culturais. Caso um destes aspectos se torne objeto
de uma ação contextualizadora, as opções geralmente adotadas são as seguintes:

1. Negação do Antigo: (o que pode ser também chamado de rejeição da contextuali-


zação). Aqui o missionário rejeita tudo o que é parte daquela cultura. Digamos que es-
tamos estudando o problema de louvor (estilo musical) de uma certa cultura. Nessa
abordagem, o missionário afirma que aquele estilo musical nativo é demoníaco e que
deve ser suprimido. Isto pode ocorrer com qualquer outra coisa da cultura. Dois pro-
blemas surgem nesse posicionamento: o primeiro é que o Evangelho é imposto como
sendo uma coisa estrangeira, de fora, que nada tem a ver com a realidade daquele povo.
O segundo problema é que a prática antiga vai para o subterrâneo.
O resultado deste procedimento é o sincretismo. Sincretismo ocorre somente quando
um povo suprime suas bases culturais para dar lugar a outras que lhe sejam estranhas.
Tão logo haja uma oportunidade, as práticas antigas são exercitadas na obscuridade.

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Uma ilustração da história é o que ocorreu com os judeus na Península Ibérica por volta
do século XV e XVI. Eles foram obrigados a se tornar “cristãos”, formando-se assim o
que conhecemos como sendo os Novos Cristãos, ou Judeus Marranos. Por muitos anos
eles esconderam suas identidades judias, mudaram seus nomes por nomes cristianiza-
dos: Oliveira, Lobo, Leão, de Jesus, Pereira, Rocha, Carvalho, entre muitos outros no-
mes.13 Porém, algumas daquelas práticas nunca morreram. Hoje, o número de Judeus
Marranos, pelo menos seus descendentes, na América Latina é assustador. Uma certa
vez, um rabino carioca me disse que há no Brasil muitas faíscas de judaísmo espalhadas
pelo país. Há pelo menos dez mil Judeus Marranos no estado de Novo Mexico, nos Es-
tados Unidos. Em muitos casos, o movimento de retorno ao judaísmo por parte de des-
cendentes dos judeus marranos se baseia muito em casos de perpetuação de práticas
judaicas que continuaram através dos séculos dentro de certas famílias até mesmo tra-
dicionalmente cristãs (quer sejam Católicas ou Protestantes). O ponto em caso é a su-
pressão das suas práticas (as quais foram para o subterrâneo para sua própria sobrevi-
vência), mas que nunca deixaram de existir através dos anos.

2. Aceitação acrítica: (ou também, contextualização acrítica). Aqui já ocorre o oposto;


o missionário aceita as práticas daquela cultura acriticamente. Este é o caminho mais
curto para o sincretismo. Uma das razões pelas quais o catolicismo latino-americano é
muito sincretista é devido à sua atitude para com as práticas culturais dos povos que a
Igreja Romana evangelizou, principalmente no processo de colonização tanto portugue-
sa como espanhola. Sua forma de contextualização é conhecida como acomodação.
Diz-se que o brasileiro é um bom católico durante o dia e um excelente espírita
(Kardecismo, Umbanda, Candomblé) à noite. Isso pode ser ilustrado, por exemplo,
através da categorização dos Orixás da Umbanda e do Candomblé em referência aos
Santos da Igreja Católica. A Virgem de Guadalupe, no México, também chamada de “La
Morenita”, é também uma deusa indígena da região. A Iemanjá é também tida como a
figura da Virgem Maria; Oxalá, Jesus, e assim por diante.

3. Lidando com o Antigo: (também chamada Contextualização Crítica). Esta posição,


ao invés de rejeitar ou de abraçar tudo, lida com o problema cultural de uma forma que
seja crítica e que possibilite uma participação ativa do povo na avaliação daqueles valo-
res em referência com os novos valores bíblicos. Para que haja uma contextualização crí-
tica, segue-se quatro passos importantes: a) O povo é conclamado a conseguir o maior
número possível de informação a respeito daquele dado problema; b) Enquanto isso
ocorre, o missionário se incumbe de fornecer uma série de estudos bíblicos a respeito
daquele problema. Uma nota deve ser feita aqui: se o missionário não se acha ainda ha-
bilitado a trazer um estudo bíblico eficaz naquela área, ele deve ser humilde o bastante

13Devo aqui esclarecer que há muitos estudiosos que são ágeis em contestar este argumento, sugerin-
do que tal mudança de nomes não afirma que uma pessoa possa ou não ter raízes judias. Há aqueles, no
entanto que são enfáticos em afirmar que se pode traçar a genealogia marrana através desses nomes. Ain-
da em tempo, há meios de se traçar a hereditariedade judia (ou de outros grupos étnicos) através de estu-
dos mais acurados dentro da Antropologia Física.

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para pedir um tempo maior para se preparar melhor; ou, caso seja ainda um assunto
mais difícil, o missionário é encorajado a suspender aquele esforço da comunidade por
um tempo indeterminado. Se o missionário falhar nesta área, tudo estará perdido. c)
Depois de ter-se colhido toda a informação possível e ter-se elaborado um estudo bíbli-
co eficaz no assunto, o grupo fará uma avaliação do problema sob a luz das Escrituras.
d) Finalmente o povo, não o missionário, criará uma prática cristã nova e que seja con-
textualizada14.
Um pastor de jovens em Los Angeles estava vendo o seu grupo crescer através de
muitas conversões. Muitos deles levantaram o problema da música que eles gostavam.
O pastor liderou seus jovens através deste processo e no final os jovens decidiram man-
ter os discos que não ofendiam sua nova fé evangélica. Creio que a esta altura seria des-
necessário ligar este exemplo com a preocupação de muitos quanto ao estilo de música
a ser usado nas nossas igrejas. Precisamos fazer uma contextualização crítica do louvor
nas nossas igrejas, da mesma forma que precisamos criticamente contextualizar a teolo-
gia que temos no nosso meio.

*****

A comunicação transcultural tem diante de si um crescente desafio que muitos de nos-


sos missionários podem não estar preparados para enfrentá-lo: o desafio das religiões
que estão nos muitos campos missionários de hoje.
Este é o assunto do nosso próximo capítulo, o qual lida com as religiões mundiais e
os desafios do pluralismo religioso.

14Sou agradecido ao meu ex-professor Dr. Hierbert pelo seu ensino nesta área. Muito ele me ajudou a
superar minhas próprias dificuldades com o problema de contextualização e ao mesmo tempo, muito te-
nho podido superar em meus próprios preconceitos.

78
Capítulo VIII

Estudo das Religiões Mundiais

D esde os primórdios da raça humana a religião parece ser uma parte integral de
qualquer cultura. João Calvino, em suas Institutas da Religião Cristã, observa
que o ser humano, de uma forma ou de outra, sempre foi encontrado de joe-
lhos diante de uma divindade. Um estudo rápido no primeiro capítulo da Carta de Pau-
lo aos Romanos nos mostrará como o Apóstolo aos Gentios descreve o nascimento de
várias religiões humanas, isto é, religiões que simplesmente partiram do coração cor-
rupto do ser humano (cf. Rom. 1:18-32).
A Igreja Cristã sempre se deparou com religiões diversas no transcurso de seu avan-
ço missionário. Realmente, se lermos a Bíblia toda, deparar-nos-emos com inúmeras
formas religiosas; mas o que nos interessa neste livro é a contemporaneidade das religi-
ões mundiais e o que elas representam para nós, como uma igreja missionária, em ter-
mos de desafios, oportunidades e até mesmo de fonte de conhecimento de nós mesmos.
Indo além das leituras de nova era que são publicadas no Brasil, chamo a atenção do
leitor para a realidade do pluralismo religioso que o missionário encontrará em outros
lugares do mundo. Aqueles que ficam no nosso país, como igreja enviadora, podem
também aprender muito através deste capítulo e espero que o mesmo possa despertar
em nossas igrejas um interesse maior sobre a fé de nossos vizinhos. Passamos muito de-
sapercebidos do que possa ser a fé daqueles que nos servem no nosso dia a dia. Quando
ainda em Araguari, nosso oculista não era cristão, era judeu. Ao visitar a Rua Quatro
em Goiânia, muitos vão fazer compras nas lojas dos “turcos”, que na realidade são sírio-
libaneses. Muitos deles são de procedência muçulmana, apesar de muitos serem de ori-
gem cristã. Em São Paulo, por exemplo, há mais de uma centena de raças diferentes,
muitas delas com suas próprias religiões. Vê-se com mais frequência a construção de
mesquitas, por exemplo, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Se o leitor se aprofundar
mais no assunto, descobrirá que há um crescente ressurgimento do Islamismo entre os
afro-brasileiros, principalmente na Bahia. Esse ressurgimento faz sentido, pois muitos
dos escravos que vieram da costa oeste da África eram Muçulmanos, muitas vezes já
sincretizados com suas crenças Nagô, Gegê e Ioruba. O Candomblé, por exemplo, é
uma fusão de várias religiões, tanto vindas da África Ocidental como também oriundas
das religiões nativas do Brasil. Uma pincelada rápida irá nos revelar que o Candomblé
tem influências do Islamismo, do Catolicismo e do Animismo africano e brasileiro. A
força da revitalização islâmica entre os afro-americanos tem trazido um gosto de reavi-

79
vamento também no Brasil, assim como em outras partes da Europa, principalmente na
Inglaterra e na França. Enfim, o leitor, mesmo sem sair do Brasil, está cercado de religi-
ões variadas: Islamismo, Judaísmo, Seicho-no-iê, Confucionismo, Taoísmo, Hinduismo,
Xintoísmo e muitas outras religiões advindas de várias partes do mundo.
O interesse do povo ocidental pelas religiões orientais é alarmante. Pondo ainda
dentro do mesmo interesse, este novo milênio tem levado as multidões a procurarem
diversas formas de culto. Hoje, mais do que nunca, a palavra chave do homem moder-
no é espiritualidade. Temos visto filmes sobre o Tibet, sobre o paranormal e o sobrenatu-
ral. Há seriados de televisão que falam sobre tudo isso: sobre o milênio, os arquivos X,
anjos, caçadores de fantasmas, e a lista cresce a cada ano. O mundo está ardendo em
uma nova febre que está se alastrando sem controle: a febre da espiritualidade. Celebri-
dades do cinema, da música, da televisão e dos esportes têm-se pronunciado a favor de
novas propostas ou experiências religiosas. Há alguns anos atrás, o ator Steven Seagal
se declarou budista e chamou seu deus de “Lord Buddha” (Senhor Buda); Phil Jackson,
ex-técnico do Chicago Bulls e do Los Angeles Lakers se considera um Zen-Cristão; Tina
Turner, abandonou seu cristianismo (ela era Batista) para se tornar uma Budista; e, as-
sim, a lista fica cada vez maior. Há muitas celebridades brasileiras na mesma fileira, vi-
vendo hoje o evangelho de acordo com diferentes paulos.
Steven Seagal se pronunciou da seguinte forma,

“Fui criado como cristão. [Mas] o Budismo é. . . uma das poucas religiões que não diz ‘Se
você não for um budista você vai para o inferno’. Você pode ser um católico budista, um pro-
testante budista, você pode ser o que quiser, porque o Budismo não é uma religião, é um estilo
de vida. E para mim, . . . a coisa mais importante é o que eu faço com a minha própria vida. . .
. Eu acredito que a meditação . . . deveria ser tudo o que você faz, quer seja meditando em Je-
sus, ou Maomé, ou no Senhor Buda. . . . isso realmente não importa. . . . o que eu considero
ser Deus é um método para se purificar a si mesmo e se tornar um ser humano melhor para
tentar fazer do mundo um lugar melhor”. [Minha tradução].

A situação fica ainda mais complexa quando líderes cristãos diminuem o poder de
Deus e negam a deidade de Jesus Cristo. Isto tem ocorrido, principalmente por causa da
confusão que se tem criado com o problema da pluralidade religiosa que nos cerca. Em
Outubro de 1997, o moderador da Igreja Unida do Canadá fez algumas declarações em
público que despertaram tanto a revolta como a simpatia de muitos no Canadá. Em
uma matéria publicada no jornal Calgary Herald, Bill Phipps nega a deidade de Jesus de
várias maneiras. Eis algumas de suas afirmações: “Eu não acredito que Jesus era Deus,
mas eu não sou um teólogo. . . . Eu não tenho a menor idéia de que haja um inferno. . . .
Eu não penso que Jesus estava preocupado com inferno. Ele estava preocupado com vi-
da aqui na terra. . . . Eu não acredito que Jesus é o único caminho para Deus. . . . Eu não
acredito que ele ressuscitou dos mortos como um fato científico” (ênfase minha).
A apresentação deste incidente com o moderador da Igreja Unida do Canadá, prin-
cipalmente quando lemos a parte por mim enfatizada, é uma demonstração de como a
influência de outras religiões tem forçado algumas igrejas cristãs a abaixarem o preço
do Evangelho, dando lugar à possibilidade de outros salvadores entrarem em cena. De-

80
vo dizer que um bom número de clérigos e suas igrejas se levantaram contra o que Bill
Phipps declarou. No final das contas, deixou-se evidente que ele estava falando mais
por si mesmo, apesar de ter recebido apoio de outras facções liberais daquela igreja.
Isto é uma porção do que o missionário pode encontrar em seu novo campo missio-
nário. O pluralismo religioso tem afetado a igreja por dentro e por fora. 15 O propósito
deste capítulo é despertar o leitor para esta realidade importante dentro da missiologia.
Embora a Igreja tenha enfrentado o mesmo problema por quase dois mil anos, somente
nestes últimos anos é que este assunto tem sido um problema sério para se discutir na
missiologia. Como exemplo disso, a literatura missiológica lidando com este assunto,
principalmente por parte dos evangelicais, é relativamente nova, a qual pode ter menos
de vinte anos, se tiver.

Estruturas Religiosas

Já por muitos anos tenho ensinado cursos em religiões comparadas. Tais cursos são re-
almente necessários para nosso melhor entendimento sobre como as religiões funcio-
nam. O problema que vejo, porém, é o da finalidade maior de tais cursos. Basicamente,
o que se propõe é criar um aspecto inteiramente apologético contra aquelas religiões es-
tudadas, dando ênfase em como o cristianismo é o mais importante. Não quero discutir
o mérito dessa necessidade agora, pois tratarei do assunto no final deste capítulo; o
problema maior é que seguimos uma metodologia que pouco ajuda o missionário den-
tro de seu campo, principalmente porque ali, o ponto de partida do povo é totalmente
diferente do que o missionário está trazendo consigo.
Fiz uma afirmativa a respeito do direito que um hindu tem de me confrontar certa
vez, o qual trouxe algumas questões um pouco desconfortáveis para mim. Afirmei em
um seminário que um hindu tem o mesmo direito de dizer que eu estou perdido, en-
quanto eu posso dizer a mesma coisa para ele. Um muçulmano, vendo sua religião
através de seus pressupostos, está absolutamente correto em afirmar que eu estou per-
dido e completamente condenado ao inferno. Para ele, uma das maiores heresias religi-
osas é praticada por mim: pois um cristão crê na Trindade, o que por certo é uma abo-
minação para o Islamismo, como também o é para o Judaísmo. O simples fato de eu ter
a Verdade não significa que um hindu, muçulmano, judeu, ou mesmo um mórmon, vai
acreditar em mim ou em minha Verdade. Precisamos saber como desenvolver um pro-
cesso de diálogo que venha abrir as portas para que aquela pessoa abra as suas janelas

15 Um dos desafios que tenho enfrentado nos últimos anos de ministério em meu campo missionário

tem sido por um lado, na primeira fase de minha estadia aqui em Idaho, o crescente movimento religioso
entre os nativos americanos; quando muitos deles estão explorando as raízes de sua herança religiosa. O
outro desafio ainda mais agressivo tem sido o Mormonismo. Como o estado de Idaho faz divisa com
Utah, o centro mundial do mormonismo, tal religião pseudo-cristã tem se espalhado muito em nosso
meio. O desafio tem caráter assustador, algumas vezes, porque os mórmons têm feito tudo para “provar”
que eles são nossos irmãos em Cristo, o que está completamente fora dos ensinos da Palavra de Deus.

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para novas possibilidades16. Entre as muitas coisas que precisamos praticar, a primeira é
a humildade religiosa, o que em muitos casos tem sido nossa pedra de tropeço na evan-
gelização de pessoas afiliadas a outras propostas religiosas.
Religiões têm estruturas que devem ser conhecidas pelo missionário. Cada religião
tem uma estrutura básica e o missionário precisa conhecer os seus mecanismos antes de
se atrever a demoli-la. Certa vez ensinei um curso de religiões mundiais no Centro
Evangélico de Missões, em Viçosa. Foi um curso que de certa forma me pegou de sur-
presa, principalmente quanto ao tempo que tive para prepará-lo. Decidi naquela ocasião
a fazer um curso que, em minha avaliação, superava as minhas próprias expectativas
também. De certa forma, à medida que ensinava, estava também “aprendendo” o que
estava ensinando. A minha decisão foi um tanto radical, a meu ver, mas muito me aju-
dou a fazer sentido a respeito da lacuna que me faltava como missiólogo e praticante de
missões ao mesmo tempo. Ao invés de ensinar o que era o Hinduísmo, o Islamismo ou
o Judaísmo, passei a ensinar aos alunos (e lembre-se, a mim mesmo) como descobrir as
estruturas das religiões mundiais.
Na verdade, não estava ensinando nada de novo, pois os estudiosos de religiões já
estavam fazendo tudo aquilo. A grande novidade para mim, e consequentemente para
os estudantes, era que estávamos nos habilitando a analisar qualquer religião que viesse
diante de nós. Desta forma, ao estudarmos as suas várias estruturas, poderíamos não
somente descrevê-las, mas também aplicar a nossa bagagem teológica a respeito do cris-
tianismo de uma forma mais sensível e com uma convicção mais séria. Creio que o cur-
so tenha ajudado a muitos daqueles estudantes a conhecer melhor as próprias estrutu-
ras do cristianismo, que, se analisado cientificamente, diverge pouco das estruturas
mais altas das religiões mundiais. Evidentemente, muitos daqueles estudantes apresen-
taram suas análises de várias religiões com muita sabedoria e trazendo boas conclusões
para os seus achados.
Este modo de abordagem em muito pode ajudar o missionário a levantar suas con-
siderações de uma forma menos apaixonada e com possibilidades de ver outras religi-
ões com olhos diferentes. No passo que caminhamos ultimamente, precisaremos apren-
der tais estruturas a fim de nos ajudar a cultivar uma nova “diplomacia” missional, a
qual pode muito abrir as possibilidades para um evangelismo genuíno e sem preconcei-
tos.

16 Realmente há também o problema que enfrentamos quanto a nós sermos ou não abertos a novas

possibilidades. Este assunto é por demais necessário, porém muito amplo para o momento. Realmente, se
não demonstrarmos uma abertura honesta para ouvir, não teremos como apresentar nosso entendimento
da Verdade Eterna. É aqui que teremos que honestamente respeitar aqueles que estão diagonalmente
opostos à nossa fé e ao mesmo tempo entendermos que em muitas vezes suas pressuposições religiosas
são sinceras. Minha atitude tem sempre sido a de que Deus permite que, mesmo em suas religiões tão
opostas a Ele, a sua graça comum ainda demostra seu grande amor para com aquelas pessoas em preser-
var seus dias, dando-lhes a oportunidade de um dia virem a conhecê-lo como o Senhor e Salvador daque-
les que estão sendo chamados. Mais a este respeito é discutido abaixo.

82
Fenomenologia e Religiosidade Popular

Este é um outro aspecto das religiões mundiais que precisa ser integrado no preparo de
um missionário. Nem todas as religiões mundiais são altamente teológicas como o Cris-
tianismo, Judaísmo, Islamismo e Zen-budismo, por exemplo. Talvez a grande maioria
das religiões existentes no mundo são religiões populares.
A religiosidade popular é aquela que é cantada nas feiras de Caruaru, crida no cen-
tro de Umbanda do interior da Bahia, oferecida pela mulher carola na Sexta-Feira Santa.
Na verdade, o Catolicismo Brasileiro é antes de tudo um catolicismo cheio de popula-
rismo, principalmente vindo de Portugal. O nosso catolicismo é muito popular. A reli-
gião popular tem mais afinidade com o sobrenatural, dá mais abertura para as coisas
imediatas da vida. A religiosidade popular está na boca do povo, em verso, canto e pro-
sa, podemos dizer.
Um outro aspecto importante da religiosidade popular é que ela não tem um corpo
teológico estruturado, isto é, ela não tem uma teologia sistemática, não tem escolas de
preparação de seus líderes, pois a maioria deles é tirada do meio do povo: o xamã, o fei-
ticeiro, o pajé, o profeta, o carola, e assim por diante. A religião popular tem estruturas
menos tecnológicas do que as demais religiões, com suas tradições suntuosas, catedrais,
seminários, vários níveis de teologia e outras formas mais academicamente complexas.
Enquanto as religiões de alta sofisticação teológica falam de Deus como um Ser into-
cável, trazendo um corpo de elucubrações elevado sobre a vida, céu, etc., as religiões
populares estão mais preocupadas com os santos da terra, os demônios que importu-
nam a colheita, os fantasmas dos mortos que estão assustando uma família. As religiões
populares estão mais interessadas em como apaziguar os deuses menores, do que mes-
mo incomodar o Deus Todo Poderoso lá em cima.
Há um livro muito interessante que foi escrito por um professor universitário goiano
chamado Os Deuses do Povo. O seu autor, Carlos Brandão, escreveu esse livro como par-
te de seu doutorado em uma universidade paulista. Ele estudou a religiosidade popular
entre os pentecostais em uma certa cidade do interior paulista. Um livro digno de ser
lido por todos aqueles que querem aprender mais sobre o assunto. Evidentemente
Brandão vem de uma tradição católica, mas sua verificação antropológica social é não
somente sustentada por inúmeras fontes como também parece ser um trabalho bastante
confiável. Tirando a sua tendência natural, a qual todos nós temos, posso dizer que os
seus achados são cientificamente corretos. O que me atraiu mais a atenção é como o ní-
vel de religiosidade popular no pentecostalismo daquela cidade era alto. Em seus acha-
dos, ele afirma que alguns pastores pentecostais ali, quando tinham algum problema
mais sério, principalmente de aconselhamento, iam a procura de algum pai-de-santo
conhecido para trocar umas idéias. Um outro livro que pode muito ajudar ao leitor nes-
ta área seria o Deuses da Umbanda, escrito por Neuza Itioka. Apesar dela estar falando
primariamente sobre o tratamento pastoral de pessoas que se converteram de ambien-
tes umbandistas, ela traz uma boa dosagem de informação sobre a religiosidade popu-
lar, principalmente a que se relaciona com o umbandismo brasileiro.

83
O missionário brasileiro encontrará todo tipo de religião popular fora do Brasil e
precisa estar preparado para tal confrontação. Em grande parte, o reaparecimento de
religiões populares na Europa e nos Estados Unidos tem sido uma forma interessante
de observar que tais religiões populares nada têm a ver com sociedades menos tecnoló-
gicas apenas. Pelo contrário, o que se vê nos Estados Unidos, o que é de meu maior co-
nhecimento, é motivo de grande preocupação. Mesmo para missionários indo para tais
países mais avançados, o preparo nesta área é imprescindível.

Pluralismo Religioso

Um dos principais aspectos do pluralismo religioso é que encontraremos muitos pontos


de contato em religiões não-cristãs. Isso pode grandemente nos ajudar a fazer a mensa-
gem do Evangelho disponível entre as culturas não-cristãs.
Há muitas pessoas que não encontram Deus em suas próprias religiões, embora seu
clamor pode ser ouvido de várias formas. A Palavra de Deus nos afirma que Ele está
ouvindo o clamor daquelas pessoas, como foi o caso da mulher Fenícia, do Centurião
Romano, de Cornélio. Um poeta indiano certa vez escreveu o seguinte poema, o qual
tiro de um livro escrito por Johan Bavinck:

Nem obras tenho eu praticado nem pensamentos tenho eu pensado;


Assim como Teu servo eu não sou.
Proteja-me, Ó Deus, e Ó, controla o tumulto que está em minha alma sem descanso.
E não, não lance sobre mim
a culpa de minha busca.
Meus pecados sem conta, Eu, Tuka, digo,
sobre o Teu amoroso coração deposito.

------

Deus é nosso, sim, nosso Ele é,


Alma de todas as almas que seja....
Deus é gracioso, mais gracioso;
Todo desejo Ele encherá.
Deus protege, protege os seus;
Luta e morte Ele lança fora.
Bondoso é Deus, sim, verdadeiramente bondoso;
Tuka, Ele guardará e o guiará. [Minha tradução].

Bavinck ainda cita uma mística muçulmana, Rabi’a de Basra, uma mulher que viveu
no oitavo século e que escreveu a seguinte oração:

Ó meu Senhor, as estrelas estão brilhando e os olhos dos homens estão fechados, e reis fecha-
ram as suas portas, e todo amante está a sós com a sua amada, e aqui eu me encontro a sós
contigo. Ó meu Senhor, se eu Te adoro por estar com medo de ir para o inferno, queima-me

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no inferno, e se eu Te adoro na esperança do paraíso, exclua-me dali, mas se eu Te adoro por
Tua única causa, então não me retires de Tua eterna beleza. [Minha tradução].

Acho que estes dois exemplos são bastantes para nos lembrar que há pessoas que
não são cristãs, mas que clamam por aquele mesmo Deus que adoramos. Bavinck ainda
menciona um budista que se tornou cristão e que por muitos anos orava ao “Senhor
Céus”, na esperança de que Ele o fosse achar um dia. Um outro livro que o leitor pode
ler e confirmar o que ora estou dizendo é O Fator Melquizedeque, escrito por Don Ri-
chardson.
Há, portanto, a necessidade de entendermos que, embora esses exemplos existam, o
centro da situação do ser humano reside em sua própria Queda, devido ao pecado. Por
isso, tais pessoas continuam em seu estado pecaminoso, a menos que levemos as Boas
Novas do Reino de Deus a elas. Não podemos fechar nossos olhos para a realidade da
existência das “faíscas de verdade”, como Bavinck coloca. Paulo aprendeu isso bem rá-
pido quando começou seu ministério entre os gentios. Escrevendo aos Efésios, por
exemplo, ele os faz lembrar de como eles eram antes de ter recebido Cristo em seus co-
rações (Ef. 2:1-2).
Deus prepara os corações daqueles que lhe pertencem em todo o mundo. Calvino
fala da “semente de religião” plantada nos corações das pessoas. Religião é uma palavra
que vem do latim, religare, o que significa amarrar forte ou re-atar. Deus está no negócio
de reatar as pessoas que nele crêem consigo mesmo. Ele é o Deus que providenciou o
meio para reatar a amizade entre Si e o ser humano pecador (Rom. 5:1-11). Por isso, Je-
sus é a nossa reconciliação com Deus. A Bíblia traz alguns exemplos de pessoas que fo-
ram acolhidas por Deus independentemente de sua aliança com Abraão. Melquizede-
que é um grande exemplo disso. Os três reis magos também não demonstram relacio-
namento algum com as alianças mantidas entre Deus e o povo de Israel. Há duas passa-
gens interessantes no livro dos Atos dos Apóstolos que podem ser aplicadas neste ar-
gumento. O primeiro está em Atos 14:15-17, “Senhores, por que fazeis isto? Nós tam-
bém somos homens como vós, sujeitos aos mesmos sentimentos, e vos anunciamos o
evangelho para que destas coisas vãs vos convertais ao Deus vivo, que fez o céu, a terra,
o mar e tudo o que há neles; o qual nas gerações passadas permitiu que todos os povos
andassem nos seus próprios caminhos; contudo, não deixou ficar sem testemunho de si
mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo os
vossos corações de fartura e de alegria.” A outra passagem está em Atos 17:26-27,
quando Paulo falava de Deus, como sendo o Deus Desconhecido dos Atenienses, “de
um só fez toda raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os
tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus
se, porventura, tateando o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós.”
Creio que tais passagens falam por si mesmas, em suporte do que aqui estou construin-
do.
A grande pergunta, no entanto, é esta: “É Jesus Cristo o Único Caminho para o Pai?”
Este é o ponto central do problema da pluralidade religiosa. A perda da significância de
Jesus no cenário religioso mundial tem sido o principal empecilho para a conversão de

85
muitos. Um missionário que por muitos anos trabalhou na Índia certa vez escreveu o
seguinte: “Jesus Cristo não é mais o Único porque ele não é mais relevante para a vida
humana”. Não que ele concorda com isso, o que ele estava tentando dizer é que Jesus
perdeu sua singularidade aos olhos dos outros.
Assim, o problema central do pluralismo religioso se torna inteiramente cristológico.
Ainda hoje Jesus continua perguntando à sua Igreja, “O que diz o povo que eu sou?”
Precisamos oferecer uma resposta a esta pergunta com muita seriedade, porém, com
grande amor. Há uma necessidade de entrar em um diálogo que seja significativo para
ambas as partes; como alguém já mencionou uma vez, “o diálogo com outras religiões é
necessário porque não podemos converter as pessoas sem antes entendermo-los.”
John Stott defende a idéia de que o diálogo sempre precisa levar as pessoas a um en-
contro elêntico. Elêntica vem do verbo grego elegchein, que significa “convencer”, “ad-
moestar”, ou “chamar alguém ao arrependimento”. Este verbo está ligado com a obra
do Espírito Santo, o qual veio para convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo.
Precisamos estar abertos a um diálogo que seja franco e aberto com as outras religi-
ões. Não podemos omitir que temos nossa posição a respeito de Jesus Cristo. O fato de
que precisamos de agir assim é que as outras pessoas de outras religiões também vão se
ancorar nos seus pontos não-negociáveis de suas próprias religiões. Em nosso caso, não
precisamos temer uma confrontação sincera, pois cremos que é o Espírito Santo quem
age nos corações daqueles que ouvirão e crerão (Atos 14:48; 16:14). O diálogo com ou-
tras religiões é de extremo benefício para o missionário pois o mesmo estará aprenden-
do bastante das estruturas das religiões que o cercam; habilitando-o a orar com mais ob-
jetividade e também a prover estratégias mais eficazes em seu ministério.
Há basicamente três abordagens a este problema da singularidade de Jesus nesta
equação: uns optam pelo universalismo, enquanto outros preferem tratar do problema
em uma mesa pluralista, sendo que ainda há os que sustentam uma abordagem inclusi-
vista.
Tomo uma posição que põe o Cristianismo numa posição paradoxal em sua relação
com o mundo. Sustento a possibilidade do Cristianismo ser ao mesmo tempo exclusivo
e inclusivo. Na sua inclusividade, o Cristianismo aceita pessoas de todas as categorias,
raças, cores, posições sociais, nacionalidades. Por outro lado, o seu excluisivismo é evi-
dente porque ele põe os devidos limites nessa mesma aceitação inclusiva. A salvação, de
acordo com as Escrituras, é exclusiva em Jesus Cristo, pois além dele não há outro sal-
vador. Um outro limite é que os salvos somente gozarão do Reino de Deus mediante a
fé em Jesus Cristo e o arrependimento de seus pecados. Desta forma, não há possibili-
dade de salvação em outro senão em Jesus Cristo. Algumas passagens bíblicas que po-
dem ajudar o leitor neste momento são: Jo. 3:16-18; 14:6; Atos 4:12; Rom. 3:10-28; 5:1-11;
1 Tim. 2:5. Há outras, mas estas são o bastante.
Alguém colocou desta forma seu entendimento a respeito do exclusivismo cristão:
“O exclusivismo cristão pode ser definido como a crença que (1) Jesus Cristo é o único
Salvador, e (2) que a fé explícita em Jesus Cristo é necessária para salvação”.
Não podemos deixar de dizer que o pluralismo religioso abre as portas para uma
nova forma de apologética. Não basta apenas oferecer um catálogo de coisas que a ou-

86
tra religião contradiz a fé cristã; é necessário que possamos construir uma apologética
que seja construtiva e que demonstre um genuíno interesse em servir o povo, ao invés
de fechar as portas para as oportunidades futuras. Um grave erro que foi cometido há
alguns anos, transmitido pela televisão inclusive, foi a apologética de uma denominação
não-católica brasileira. Um de seus clérigos espancou e quebrou o coração de milhares
de brasileiros, quando ultrajou uma de suas santas. Esse tipo de apologética é inaceitá-
vel tanto dentro do Brasil como fora do nosso país. Aqui está um lado extremo da situa-
ção, mas cometemos outra forma de apologética que fecha as portas para muitos brasi-
leiros, ao darmos nossos inúmeros testemunhos de que antes de nossa conversão éra-
mos católicos romanos e agora somos crentes. Deixo com o leitor um ponto para refle-
xão neste momento a este respeito.

*****

O estudo das religiões mundiais é por demais importante para o trabalho missionário
hodierno. Não podemos deixar de incluir esta área na missiologia brasileira, pois a
mesma irá equipar o pastor, o missionário, o evangelista, tanto dentro do contexto mul-
ticultural brasileiro como no contexto transcultural do missionário.
Nada disso pode ser efetivado com impacto se não for acompanhado com o desejo
de fazer a obra de Deus holisticamente. A obra missionária da Igreja tem como finalida-
de alcançar pessoas em sua totalidade. Devemos também buscar o avanço do Reino,
mas também o crescimento da Igreja. Isso é o que discutiremos no último capítulo deste
livro, ao falarmos de um ministério holístico ou integral.

87
Capítulo IX

Conclusão: Ministério Holístico

A inda há poucos minutos, em uma lista de pastores na Internet, um irmão le-


vantou uma questão interessante a respeito de prioridades no ministério da
Igreja. Seria melhor ter uma ênfase em evangelismo, ou seria melhor que a
igreja tivesse suas prioridades voltadas para o aconselhamento, música, ou ensino? To-
das estas prioridades são idênticas dentro da Igreja, nós não podemos separá-las, pois,
se o fizermos estaremos crescendo igrejas desequilibradas.
Minha resposta a este irmão foi baseada em Efésios 4:11, onde vemos vários dons de
liderança sendo apresentados para um crescimento maduro da Igreja. Ali, vendo os vá-
rios dons apresentados, veremos que a Igreja precisa de todos aqueles dons, sem contar
os demais em Romanos, 1 Coríntios, 1 Pedro e outros lugares, para que chegue à matu-
ridade esperada por Deus, à estatura de Jesus Cristo.
Os dons espirituais são capacitações concedidas pelo Espírito Santo para o cresci-
mento integral da Igreja. Calvino os chamou de “adornos” da Igreja, por exemplo. Na
verdade, o leitor não encontrará o Reformador Francês usando a expressão “dons do
Espírito” em seus escritos; porém, o mesmo encontrará uma fartura de ensino a seu res-
peito quando ler sobre a imposição de mãos em suas Institutas. Calvino sugere que uma
das razões porquê os dons haviam cessado na Igreja (em seu tempo, principalmente) foi
por causa da corrupção rampante que estava dentro da igreja católica por muitos sécu-
los, mas que tais ornamentos poderiam ser retornados à Igreja debaixo da vontade de
Deus, pois Ele é soberano. Com isso em mente, a aplicação missiológica para a Igreja
depende inteiramente de nossa submissão ao Espírito de Deus e de sua soberana aplica-
ção dos dons espirituais entre o seu povo.
O propósito deste capítulo é trazer uma conclusão ao que tenho proposto neste li-
vro. Ao invés de fazer aqui um sumário do que vem sendo apresentado, quero colocá-lo
em uma perspectiva mais prática tanto para o leitor leigo como também para aquele
que esteja liderando a sua igreja como pastor ou missionário. Desta maneira, estarei
apresentando algumas sugestões práticas, mas que ao mesmo tempo despertem a aten-
ção do leitor para uma nova direção no seu ministério.

88
Ministério Holístico

Muito temos ouvido a respeito de ministério holístico. Em alguns círculos, esta idéia
precisa ser enfatizada nova e constantemente, pois a mesma se tornou a “marca regis-
trada” de seus ministério. Outros, por sua vez, ainda não adotaram a idéia, mas isso não
quer dizer que não estejam fazendo um ministério completo. Uma outra palavra ligada
a esta é “integral”.
O debate em torno desta forma de ministério parece ser mais devido à relutância de
alguns em reconhecer que a salvação de uma pessoa vai além de sua alma. O termo
“almas perdidas” é bem comum ainda hoje em muitos meios; assim, um missionário é
esperado a salvar as almas. Isto vem de longe, principalmente depois da nova ênfase no
evangelismo por parte de homens como Dwight L. Moody, Charles Finney e Charles H.
Spurgeon. Em meu ver, não há nada errado nisto; esta é uma expressão que ficou gra-
vada no consciente coletivo evangélico e em sua maioria significa a pessoa como um to-
do, mesmo que não seja inteiramente declarado. Porém, principalmente por causa de
algumas posições escatológicas predominantes em muitas missões, a idéia de salvar al-
mas realmente significa que pouco deve ser feito em prol de uma ação social em favor
daqueles que recebem as Boas Novas do Evangelho. Pode parecer uma coisa dura de
dizer, mas é uma realidade que não podemos omitir.
Partindo da própria Escritura, veremos que é impossível uma pessoa ser salva ape-
nas espiritualmente. Jesus Cristo, nosso grande e único exemplo nesta área, demonstrou
claramente que a salvação que Ele veio trazer tinha ramificações não somente eternas,
mas também imediatas. Não fosse assim, Ele jamais teria deixado claro que o Reino de
Deus está presente em nosso meio, como pudemos ver anteriormente. Apesar de Jesus
não ter feito nenhuma campanha econômica, política, ou mesmo social, da forma que
vemos hoje, sua mensagem obviamente trouxe grande impacto em todas aquelas áreas.
A reviravolta social que a Igreja trouxe ao mundo depois do Pentecostes valida o que
ora estou dizendo. Uma leitura rápida no livro dos Atos dos Apóstolos, assim como em
todas as cartas e epístolas, mostrará que era impossível conceber a idéia de uma salva-
ção pela metade.
Tomemos por exemplo o conteúdo dos dois grandes mandamentos de Jesus. O pri-
meiro nos diz que devemos amar a Deus em toda a nossa totalidade (Mt. 22:37). Ali
vemos o seguinte: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua al-
ma, e de todo o teu entendimento”. Esta parte implica mais do que apenas a alma da
pessoa. Se formos verificar melhor, aqui é uma redundância de Jesus, ou melhor da
própria Escritura, pois Ele está citando Deuteronômio 6:5, para dizer que devemos amar
a Deus com toda a nossa totalidade interior. Mas o mandamento de Jesus não pára ali,
ele tem uma dimensão social muito grande, pois o segundo grande mandamento diz
que devemos amar o nosso próximo como a nós mesmos (Mt. 22:39; cf. Lev. 19:18). Ora,
Jesus não está nos dando nada novo; Ele trouxe o resumo de toda a Lei em dois man-
damentos, os quais têm uma dimensão espiritual e também uma dimensão social, mas
os mesmos não são dualistas ou bipartidos entre si. Eles não são opcionais, mas fazem

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parte de um todo. Desta forma, vemos que o mandamento de Jesus exige tanto uma or-
todoxia (sã doutrina) como também uma ortopráxis (sã prática).
Isto foi melhor ilustrado por Jesus na história do Bom Samaritano (Lc. 10:25-37). Ali
veremos que Jesus está lidando com os seus dois mandamentos, vistos acima, mas colo-
cando-os em uma prática ortodoxa, ou mesmo em uma ortoprática da fé em Deus. Os
dois mandamentos não podem ser separados; esta é a lição ensinada por Jesus através
daquela história. Assim, entendemos que o ministério do missionário tem que ser holís-
tico, integral; pois a pessoa que recebe o Senhor Jesus sofre uma transformação comple-
ta, como vemos o Apóstolo Paulo afirmar: “E assim, se alguém está em Cristo, é nova
criatura: as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Cor. 5:17). Uma no-
va criatura é completamente transformada e isso tem dimensões temporais e eternas.
É completamente ineficaz a obra missionária que se envolve somente em ação social,
sem praticar a ação evangelística. Mas devo dizer que, da mesma forma, é completa-
mente ineficaz a obra missionária que se envolve somente em ação evangelística e deixa
de lado a sua responsabilidade social. Se algumas missões têm as suas agendas unilate-
rais, restam apenas duas opções para as mesmas: a primeira, elas devem se converter e
praticar uma missão que seja integral, que veja a necessidade espiritual e física daqueles
que estão perecendo. A segunda, seria a de juntar forças com outra missão que lhe
complemente o ministério; assim, poderemos ver uma parceria produtiva no Reino de
Deus.

Crescimento da Igreja

Deixei este assunto de lado até o momento de propósito. Por ser um assunto muito rico
em novas descobertas e práticas, creio ser necessário apenas mencioná-lo brevemente,
integrando-o com o propósito central da missão da Igreja. Como pudemos ver anteri-
ormente, Donald A. McGavran entendeu que a missão da Igreja tem como seu único
objetivo o crescimento da igreja. Concordo com ele, mas ao mesmo tempo devo sugerir
que não vejo o problema como sendo um pragmatismo inconsequente, como infeliz-
mente tenho conhecimento a respeito mesmo dentro do Brasil.
A Igreja sadia cresce naturalmente, sem que haja a necessidade de uma pré-
fabricação de esquemas, muitas vezes tirados de programas não bíblicos. Ouvi certa vez
um pastor presbiteriano dizer que para ele o que interessava era se a sua igreja cresces-
se. Soube posteriormente que seu pragmatismo nada tinha de bíblico, sequer humana-
mente ético, na sua tentativa de fazer sua congregação crescer. Definitivamente, para
aquele pastor, os meios justificavam o seu fim proposto, o que não é correto, mesmo
dentro do Movimento de Crescimento da Igreja.
Devemos cultivar uma ética firme no processo de crescimento das nossas igrejas,
pois o mesmo irá refletir sistemicamente no ministério dos missionários que enviamos.
Uma coisa que precisamos tirar do nosso meio, creio que outros já tenham falado disso,
é o jeitinho brasileiro, ou melhor dizendo, o esquema do Gérson, que só quer tirar van-
tagem em tudo. Soube há alguns anos atrás de um missionário brasileiro na América do
Norte que conseguiu fundar uma nova igreja em poucas semanas. O que realmente

90
aconteceu, pelo que me foi transmitido, é que aquele missionário “roubou” ovelhas de
várias outras igrejas em uma determinada região. Outro, após ter recebido o apoio de
uma certa denominação americana, tão logo teve seus documentos organizados, levou a
sua congregação toda para uma outra denominação, deixando uma lacuna imensa a ser
reconstruída em termos de credibilidade dos missionários brasileiros nos Estados Uni-
dos. Lembro-me certa ocasião em São Francisco que, ao visitar uma igreja batista brasi-
leira naquela cidade, fui categoricamente desencorajado de continuar a atender seus
cultos. Apesar de seu então pastor (não mais ali por mais de vinte e cinco anos) ter-me
conhecido quando ainda criança no Brasil, o mesmo ficou bastante temeroso, pensando
que eu estava ali para roubar suas ovelhas, muitas delas vindas da igreja onde tinha si-
do membro em Goiânia antes de até mesmo ter ido para o seminário.
O crescimento da igreja, como podemos esperar de um missionário, precisa ser nu-
mérico e qualitativo. Longe de se imaginar uma mega-igreja a princípio. Nossos missio-
nários precisam se inteirar de que o crescimento de suas igrejas vem do Senhor e não
dos muitos programas que eles possam ali implementar. Isso não quer dizer que não
precisamos nos equipar nessa área tão importante, mas precisamos sempre de incluir o
Espírito Santo na nossa equação; do contrário, estaremos construindo clubes evangéli-
cos, ao invés de igrejas. Infelizmente somos levados a comparar o crescimento das nos-
sas igrejas com o sucesso, muitas vezes anormal, de muitas igrejas gigantescas nos vá-
rios lugares do mundo. Já de início, o pastor ou missionário entra num processo de cul-
pa e de depressão porque suas igrejas não estão crescendo daquela forma.
Precisamos ser coerentes com a vontade de Deus no nosso árduo trabalho de im-
plantação de novas igrejas. Contudo, cabe a nós sermos fiéis e sempre procurar os mei-
os mais adequados e éticos para que nossas igrejas dêem fruto em abundância. Há mui-
tas lições preciosas que podemos aprender com os professores de crescimento da igreja,
em livros que têm sido uma grande fonte de motivação para muitos pastores, evangelis-
tas e missionários. A riqueza de informação que temos disponível deve acompanhar o
implantador de igrejas; porém, precisamos ser sábios ao tentarmos entender os muitos
princípios de crescimento de igreja ali mencionados. Posso dizer que grande parte dos
princípios não serão eficazes em um determinado campo missionário; o missionário
precisa aprender a testar o solo, reconhecer as possibilidades de crescimento e, assim,
aplicar aqueles princípios com cautela, aqueles que aparentemente poderão trazer al-
gum nível de sucesso.
Minha conclusão rápida sobre este ponto, entretanto, é que a igreja sadia cresce na-
turalmente à medida que o missionário usa as ferramentas adequadas. Na realidade, o
movimento de crescimento da igreja tem perdido muito o seu apelo nos últimos anos.
Até mesmo pessoas que outrora foram líderes na formação de professionais nessa área
tem abandonado quase que por completo tal movimento. Há uma grande necessidade
de se fazer uma reavaliação no seu todo, principalmente com o advento de um outro
movimento que hoje tem dominado principalmente a América do Norte, o qual chama-
ria de “a era da Igreja Missional.”

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Pastoral Comunitária

Uma das grandes verdades da Palavra de Deus é que a Igreja é um todo, o povo de
Deus é chamado a exercer o seu sacerdócio entre as nações. A Igreja é chamada a minis-
trar entre aqueles que não têm mais esperança, aqueles que estão sofrendo, sem pasto-
res, sem quem lhes dê uma luz de esperança para o futuro.
Jesus, o nosso Supremo Pastor, demonstrou o seu amor por nós através de sua ação
pastoral na Palestina daqueles dias. Hoje, seguindo os passos de nosso Senhor, somos
chamados a fazer a nossa pastoral por onde quer que andemos. Como sacerdotes reais
que somos, temos o compromisso de servir aqueles que se acham em necessidade à nos-
sa volta. Somos aqueles que Deus escolheu para ser os intermediários no grande confli-
to da humanidade, somos os sacerdotes que devem interceder por aqueles que ainda
continuam inimigos de Deus, assim como fomos no passado. Somos ministros da recon-
ciliação de homens, mulheres e crianças com Deus. Somos aqueles que foram convoca-
dos por Deus para declarar que só em Jesus há libertação, que só em Jesus há salvação
eterna. Assim, a missão da igreja é uma obra comunitária.
Temos visto, contudo, que a ação pastoral tem sido delegada a especialistas da fé,
profissionais que são esperados a trazer o consolo ao povo. Fico a imaginar que se Jesus
tivesse alugado um bom escritório pastoral num canto qualquer do Templo de Jerusa-
lém, talvez eu não estivesse aqui escrevendo estas palavras agora. Da mesma forma, se
o Rev. Noé Wey, antigo pastor da minha igreja em Araguari, não tivesse caminhado in-
cessantemente até a nossa humilde casa—literalmente, ele não tinha um automóvel para
fazer visitas— quase fora da cidade; meu pai e minha mãe não teriam continuado na
igreja. Mas, creio que a honra da pastoral é para todos os filhos de Deus. Sei que Deus
tem levantado pastores com grande habilidade para aconselhamento e louvo ao Senhor
por eles. Aqueles pastores têm um dom especial e devem cultivá-lo para a glória do Se-
nhor. Há muitos casos de aconselhamento que evidentemente exigem pessoas com ha-
bilidades especiais para tratá-los; mas o dia a dia requer do povo da Igreja de Jesus a
expressão pastoral para trazer as pessoas aflitas aos pés da Cruz de Jesus Cristo.
Aqui, minha sugestão é que o missionário tenha em mente a importância do povo de
Deus na obra ministerial da Igreja. Ele deve desde cedo preparar os líderes das igrejas
que estão sendo plantadas. O treinamento desses líderes pode ser informal, não formal,
formal, ou mesmo através de um processo de acompanhamento mais de perto, como o
de um mentor. O treinamento de líderes entre os novos membros da igreja é de crucial
importância porque são aqueles membros que melhor conhecem o pastoril; são eles
quem conhecem melhor as ovelhas que fazem parte daquele rebanho. Aqui registro as
palavras de Paulo a este respeito, quando de sua última visita com os seus presbíteros
de Éfeso: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos cons-
tituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio
sangue” (Atos 20:28).
Porém, o missionário deve também imprimir nas mentes e nos corações do povo de
Deus que eles são também chamados a ministrar na vida daqueles que sofrem. Há vá-
rios cursos que podem ser passados para os membros da igreja, a fim de ajudá-los a mi-

92
nistrar àqueles que estão em necessidade de uma palavra de conforto, de uma palavra
de esperança, de uma oportunidade de receber o Senhor Jesus Cristo em seus corações.
Isto pode ajudar muito o pastor e o missionário em várias áreas: aconselhamento de in-
divíduos, aconselhamento de casais, aconselhamento de crianças, adolescentes e jovens,
ministério nas cadeias, nos hospitais, visitação aos doentes da igreja, aos irmãos de ter-
ceira idade, e a lista pode crescer muito mais.
Este trabalho pastoral pode também ser estendido aos pobres, aos desempregados,
aos desabrigados, às mulheres que sofrem debaixo de abuso de seus maridos, em todas
as áreas possíveis de necessidade dentro e fora da comunidade da fé. Muito pode ser
feito com respeito a treinamento de jovens para conseguir empregos, aprender um novo
ofício. Novamente, a lista pode crescer bastante aqui. Este trabalho pastoral não deve
ser feito apenas pelos diáconos da Igreja, pois todos nós somos equipados pelo Espírito
Santo para fazermos o trabalho diaconal, isto é, o ministério de serviço da Igreja. Talvez,
os diáconos da igreja possam ser os líderes de referência, dando as coordenadas, mas a
igreja em si deve ser participativa neste aspecto pastoral da comunidade.

*****

O estudo de missões, o que chamamos de Missiologia, é alguma coisa que vai além do
exercício acadêmico. Precisamos treinar nossos missionários melhor, como vimos atra-
vés deste livro, mas precisamos também equipar a Igreja Cristã dentro do Brasil para
uma maior apreciação desta necessidade.
O debate sempre existirá entre aqueles que acham que seria uma perda de tempo
ensinar missões e os que acham que esta matéria deve ser ensinada com muita precisão
antes do missionário sair. Creio que precisamos trazer um equilíbrio neste aspecto em
dizer que o missionário jamais sairá para o seu campo sabendo tudo, mas é necessário
que o mesmo tenha uma introdução formal ou mesmo informal, mas que seja de bom
nível, antes de sair para o seu campo. Ali, porém, ele verá que o seu campo é na reali-
dade a sua melhor sala de aula. A prática traz a teoria à perfeição, dizem uns. Concordo
plenamente com isso, pois sem a prática o que se é ensinado logo se perde. Porém, a te-
oria instrui os melhores passos para uma prática inteligente e informada da situação.
Neste aspecto a Missiologia é de capital importância para a obra missionária.
Meu desejo é que este pequeno livro possa ter trazido ao leitor um pouco do fogo
missionário e também uma nova apreciação para o melhor entendimento desta tarefa
que muitos professores tomam como seu próprio ministério, porque acreditam estar
formando novos missionários que transformarão o nosso planeta no futuro.

Soli Deo Gloria!

93
Sugestão Bibliográfica

E sta é uma minúscula sugestão bibliográfica. O leitor beneficiará bastante se pro-


curar fontes escritas em Português, principalmente por autores brasileiros. No
entanto, creio que esta pequena bibliografia servirá como uma ajuda inicial.
Aqui, tento colocar algumas fontes que estão diretamente ligadas com os vários tópicos
que foram mencionados no corpo do livro.
Uma palavra de esclarecimento deve ser dada quanto a algumas fontes não evangé-
licas. Devemos nos ater ao fato de que para expandirmos nossos horizontes e depois fa-
zermos um julgamento mais balanceado sobre a missiologia, precisamos ouvir o que
outros estão dizendo. Isso não significa necessariamente que o autor ou o estudioso
compartilha com as opiniões postas por tais fontes, mas que as mesmas servem como
instrumentos valiosos na avaliação da ciência de missões.

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