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Modulo I
Modulo I
DESCRIÇÃO
O pensamento dos principais filósofos da Grécia Clássica acerca da melhor forma de se
organizar em sociedade, a partir do nascimento da democracia, em Atenas.
PROPÓSITO
Compreender, no modelo ateniense de democracia, a partir da contribuição dos filósofos
clássicos – Sócrates, Platão e Aristóteles – e seus contemporâneos, o papel dos governantes e
governados naquela sociedade.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o estudo deste tema, é importante ter à mão um bom dicionário de teoria
política ou mesmo de filosofia. Sugerimos o Dicionário de Filosofia, de Abbagnano, e
o Dicionário de Política, de Bobbio, Matteucci e Pasquino.
OBJETIVOS
Módulo 1
Identificar a originalidade da democracia ateniense e sua influência no florescimento do
pensamento filosófico
Módulo 2
Descrever o investimento político das obras platônicas
Módulo 3
Reconhecer a preocupação de Aristóteles quanto à associação entre a ética e a melhor forma de
organização social em prol do alcance do bem viver
INTRODUÇÃO
Por volta dos séculos V, IV A.E.C., houve, na cidade-Estado de Atenas, na Grécia, um
fenômeno que entrou para a história da civilização ocidental: a criação da democracia. Não era
exatamente como este sistema que hoje nós chamamos pelo mesmo nome. Se por um lado
excluía parcela considerável da população das decisões políticas, por outro apresentava
aspectos até mais ousados do que a que vivemos atualmente (como a participação do cidadão
comum nas decisões estatais).
Não deve ser coincidência, por exemplo, que três dos maiores nomes da filosofia de todos os
tempos – Sócrates, Platão e Aristóteles – tenham vivido exatamente nesse período e nesse
lugar, sem contar no florescimento do teatro e de outras escolas do pensamento, como a
sofística. Em comum, todos os três grandes filósofos pensavam em como a ética é
indispensável no trato da coisa pública, que os governantes devem ser os mais bem qualificados
para lidar com a comunidade, e que as leis podem até não ser perfeitas, pois não conseguem
lidar com as imprevisibilidades da vida, mas são propostas razoáveis para se criar estabilidade
nas sociedades. Isso nos leva a pensar que, mesmo com a enorme distância do tempo, ainda
temos muito a aprender com os antigos gregos.
MÓDULO 1
Identificar a originalidade da democracia ateniense e sua influência no florescimento do pensamento filosófico
NOÇÃO DE POLÍTICA NA GRÉCIA CLÁSSICA
Na crise econômica mundial, iniciada em 2008, a Grécia foi pressionada a pagar dívidas adquiridas com os
bancos da União Europeia. Nessa época, surgiu na internet a piada: e se tivéssemos que pagar royalties sobre
todas as palavras que importamos dos gregos – e, consequentemente, os conceitos daí derivados? A conclusão
do raciocínio era óbvia: o mundo ocidental é muito mais devedor dos gregos que os poucos bilhões de euros
que constavam naquele deficit. Só que o valor não é cobrado na mesma moeda!
Se quisermos comprovar isso, basta começar por uma noção geral e abstrata que perpassa todos os lugares
como “política” (a junção de polis com tékhnē). O segundo termo (tékhnē), “o ato de fazer ou cunhar algo”, é a
origem, com algumas variações de interpretação, da técnica como nós a conhecemos atualmente. Já o primeiro
(polis) era associado às independentes cidades-Estados localizadas próximas à península do Peloponeso,
banhadas pelo mar Mediterrâneo, cujos habitantes falavam variações do grego antigo. Mas não apenas isso.
Efialtes, líder ateniense que supervisionou as reformas que visavam reduzir o poder do Areópago,
bastião do conservadorismo na Atenas pré-democrática.
Teseu, herói mitológico, considerado um dos “fundadores” da Grécia.
O provável é que, para atingir seu auge no quarto século A.E.C., exatamente quando viveu Platão, a democracia
ateniense tenha sido alimentada por todas essas vertentes e outras ainda não catalogadas: a partir das reformas
empreendidas por Sólon, como consequência das modificações implantadas por Clístenes; após as revoltas
populares da época; por conta das transformações introduzidas por Efialtes; ou pela liderança de Péricles (495
A.E.C.-429 A.E.C.), o famoso estadista e general, em cujo governo (entre 460 A.E.C. e 430 A.E.C.), logo após
os atenienses liderarem os gregos na guerra que derrotou os persas, Atenas teria tido seu auge.
Independentemente dos dados presentes em sua certidão de nascimento, a democracia ateniense é um exemplo
de organização social-política sem paralelos na história do mundo, como dizem historiadores de renome
incontestável. E entre os vários motivos que a fazem única está a assembleia: um conselho de cerca de
quinhentos cidadãos eleitos por sorteio, que supervisionava o aparato administrativo, lidava com as relações
exteriores, ouvia os relatórios oficiais, deliberava a agenda, preparava as moções para as assembleias e
realizava outras atividades. Esse nível de organização acontecia cerca de meio milênio antes do nascimento de
Jesus de Nazaré! Para se ter noção de como isso era original, basta lembrar que esses quinhentos anos
equivalem ao mesmo tempo que separa os dias atuais da chegada do navegador português Pedro Álvares Cabral
nestas terras que, anos depois, viriam a se chamar Brasil.
Havia, ainda, vários outros recursos burocráticos para assegurar o máximo de participação dos atenienses nas
coisas públicas (ou “república” – res = coisa + pública – palavra de origem latina). Por exemplo, o Conselho
dos 500, uma espécie de câmara alta, tal como um Senado na atualidade, e os tribunais, onde os réus eram
julgados.
Na ekklesia ou assembleia, especificamente, parte da comunidade ateniense (os homens adultos e livres) tinha
de se encontrar cerca de quarenta vezes ao ano para discutir sobre os problemas e as soluções da cidade. Pode-
se afirmar que cerca de um terço dos cidadãos acima dos 18 anos e dois terços dos cidadãos acima dos 40 anos
já tinham servido pelo menos durante um ano nessa assembleia.
Embora tenha um grau de organização incomum, até para os dias atuais, a democracia ateniense também
recebeu muitas críticas a respeito de sua estrutura, a começar pela própria noção de participação popular.
Segundo estudiosos, a presença e a assiduidade no conselho eram consideradas baixas. Uma das razões,
segundo dizem, é que, geralmente, as pessoas preferiam atender a seus próprios negócios a ter de resolver os
assuntos de Estado – algo mais distante da urgência cotidiana.
De acordo com os historiadores, ainda havia problemas de instabilidade política. Com tantas vozes podendo
apontar as direções que a cidade deveria tomar, era difícil se chegar a um caminho único e em linha reta em
pouco tempo. A morosidade, às vezes, acabava se tornando imobilidade, o que atrapalhava em um período de
constantes guerras, invasões, e governos fortes e autoritários.
Mas, certamente, a principal crítica à democracia ateniense devia-se ao impedimento da participação de
mulheres, estrangeiros (como Aristóteles, que era de Estagira – cidade próxima à Macedônia –, por exemplo) e
escravos no conselho. As mulheres até assumiam funções religiosas importantes – afinal, a religião era parte
fundamental da sociabilidade habitual ateniense –, porém os demais moradores da cidade, mesmo que fossem a
maioria da população, tinham pouca ou nenhuma voz ativa nesse contexto.
Busto de Aristóteles, cópia romana de um original grego em bronze por Lísipo (cerca 330 a.C.).
No total, os participantes do conselho atingiam no máximo 20% da população de Atenas. Esse número fez com
que os críticos do período dissessem que tal organização social política não era exatamente uma democracia,
mas uma forma atenuada de oligarquia.
Inegavelmente, há semelhanças com os modelos atuais de organização comunitária. Todo o corpo burocrático
ateniense é certamente o primeiro passo de uma longuíssima caminhada, com idas e vindas, que veio a dar nos
aparelhos que sustentam nossos Estados-nações ocidentais e liberais da atualidade. Mas as equivalências ficam
bem mais enfraquecidas quando se pensa na ideia de representação direta, principalmente quando há o recorte
de gênero e classe.
Atenção
Cabe questionar se, de fato, a comparação entre a organização burocrática da sociedade ateniense e nossos
Estados-nações atuais é fraca. Basta lembrarmos de que o voto feminino, no Brasil, apenas foi alcançado em
1934, ou, em pior situação, na França revolucionária, apenas em 1945. Será que um país, atualmente, de
população em sua maioria negra e feminina, e, ainda assim, com baixíssimo número de políticos
afrodescendentes e mulheres, poderia criticar a Grécia Clássica?
De qualquer modo, a democracia ateniense se tornou um marco inaugural que acabou influenciando diversas
maneiras de pensar a organização comunitária ao longo dos tempos. Mesmo que imperfeita, tornava a vida
pública uma constante para todos os cidadãos e a política, uma parte do cotidiano. Não era possível se manter
totalmente alienado.
Na atualidade, ela nos força a pensar sobre nossa própria maneira de nos estruturar como sociedade – as
distribuições de poder, a participação popular, a representação de todos os estratos e segmentos populacionais
na tomada de decisão, a partilha dos direitos e deveres civis, a divisão dos recursos econômicos. Ao olhar para
o exemplo grego, fica difícil não se perguntar se o que vivemos nos dias atuais, apesar de sustentar um nome
homônimo, seria verdadeiramente uma democracia.
Agora, vamos aprofundar os conceitos de cidadania e política na Antiguidade, comparando-os com as mesmas
noções contemporâneas.
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