Raízes Antigas, Desafios Modernos

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RAÍZES ANTIGAS,

DESAFIOS MODERNOS
PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA

Imagem: Freepik.com

ISAIAS LOBÃO
ISAIAS LOBÃO

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA

RAÍZES ANTIGAS,
DESAFIOS MODERNOS

1ª edição
RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

Revisão: Isaias Lobão


Diagramação: Igor Augusto Jorge

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e construam sobre a obra, desde que atribuam o crédito ao criador original.

Contato com o autor

www.isaiaslobao.com.br

Palmas - 2023
DEDICATÓRIA
Com gratidão, dedico este trabalho a dois tios extraordinários que desempenharam
papéis fundamentais em minha jornada.

Primeiramente, expresso minha profunda gratidão ao meu querido tio Elias


Meireles. Sua influência foi crucial no desenvolvimento da minha fé cristã. Após meu
pai, ele se destacou como o membro da família que mais me inspirou a dedicar-me ao
serviço pastoral. Seu testemunho e vasta experiência impactaram inúmeras pessoas,
tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Sou grato pela oportunidade de ministrar
na igreja onde ele serve como pastor. Ele poderia ter escolhido outro palestrante, mas,
generosamente, lembrou-se de mim e abençoou-me com sua hospitalidade.

Em segundo lugar, e não menos importante, estendo meu agradecimento


à minha tia Lilia. Desde a minha infância em Anápolis, testemunhei sua dedicação
e compromisso na obra do Senhor. Guardo com carinho as lembranças da visita que
fez à Igreja Batista Missionária de Imperatriz, Maranhão. Com entusiasmo e alegria,
ela coordenou uma Escola Bíblica de Férias (EBF), deixando uma marca significativa na
vida de muitas crianças, inclusive na minha. Agradeço por sua inspiração e contribuição
valiosa ao meu crescimento espiritual.

Agradeço a Deus por suas vidas.


Que o SENHOR derrame ricas
bençãos dos céus sobre vocês.

Com carinho e apreço


SUMÁRIO
DEDICATÓRIA .......................................................................................................................................................................................... 4

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................................................................... 6

EXPOSIÇÃO DAS CARTAS PASTORAIS: UM ESTUDO EXPOSITIVO E APLICATIVO ..................................................... 7

PRIMEIRA EPÍSTOLA DE PAULO À TIMÓTEO ............................................................................................................................ 10

OFÍCIO DE DIÁCONO ........................................................................................................................................................................... 13

PRESBÍTEROS SEGUNDO AS ESCRITURAS .............................................................................................................................. 14

EPÍSTOLA DE PAULO À TITO ........................................................................................................................................................... 16

SEGUNDA EPÍSTOLA DE PAULO À TIMÓTEO ........................................................................................................................... 17

MAPEANDO O PANORAMA ATUAL: REFLEXÕES CRISTÃS SOBRE IDEOLOGIAS E CULTURA ............................. 20

OS PRINCÍPIOS E TEMAS PÓS-MODERNOS APLICADOS ................................................................................................... 22

SOCIALISMO: ATMOSFERA DO COLETIVISMO ........................................................................................................................ 23

TEORIA PÓS-COLONIAL: DESCONSTRUINDO O OCIDENTE PARA SALVAR O OUTRO .......................................... 24

TEORIA CRÍTICA DA RAÇA E INTERSECCIONALIDADE: O DEBATE SOBRE O RACISMO ....................................... 25

TEORIA WOKE: JUSTIÇA SOCIAL CRÍTICA ................................................................................................................................ 27

FEMINISMOS E ESTUDOS DE GÊNERO: UMA TEORIA CADA VEZ MAIS “SOFISTICADA” ....................................... 28

TEORIA QUEER: UMA NOVA FORMA DE CONSTRUIR A SEXUALIDADE ...................................................................... 30

ESTUDOS SOBRE DEFICIÊNCIA E CORPO GORDO: SUBSTITUINDO A CIÊNCIA PELA DOCE ILUSÃO ............. 31

ESTUDOS DE DEFICIÊNCIA .............................................................................................................................................................. 31

ESTUDOS SOBRE O CORPO GORDO .......................................................................................................................................... 34

SOBRE O AUTOR ................................................................................................................................................................................. 36

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................................................................... 37
RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

INTRODUÇÃO
Graça e paz, da parte de Deus nosso pai, e do nosso Senhor Jesus Cristo.

Sejam bem-vindos à Primeira Conferência Internacional de Estudos Bíblicos


promovida pela Igreja Batista Renovada em Framingham, Massachussetts.

Meu nome é Isaias Lobão e estou animado para ser o preletor desta conferência.
Vou apresentar dois cursos que considero de grande valor para o nosso desenvolvimento
espiritual. O opúsculo que você tem em mãos servirá como um guia dessas
atividades, oferecendo uma introdução ao conteúdo que será explorado durante as
nossas palestras.

Estou ansioso para vivenciar esse incrível aprendizado e crescimento espiritual


ao lado de todos vocês. Vamos aproveitar cada momento!

O primeiro curso, intitulado “Exposição das Cartas Pastorais: Um Estudo


Expositivo e Aplicativo”, abordará temas teológicos fundamentais presentes nas
Cartas Pastorais (I e II Timóteo e Tito). Vamos explorar metodologia, contexto histórico,
aspectos literários e a interconexão entre a teologia bíblica e a sistemática. O foco
principal será aprofundar o entendimento por meio de estudos bíblicos-exegéticos,
com especial ênfase na aplicação prática no contexto ministerial contemporâneo.

O segundo curso, denominado “Mapeando o Panorama Atual: Reflexões


Cristãs sobre Ideologias e Cultura”, consistirá em uma análise do cenário
contemporâneo. Vamos explorar as correntes de pensamento predominantes, os
movimentos culturais emergentes, as estruturas sociais e as premissas espirituais.
Nosso objetivo é compreender e examinar criticamente as tendências que moldam
o mundo contemporâneo. Este curso visa equipar os participantes com as ferramentas
necessárias para uma análise crítica e reflexiva do ambiente cultural à luz dos
princípios bíblicos.

Agradeço a Deus por capacitar-me a conceber este material, e meu desejo


é que ele sirva como instrumento para vosso desenvolvimento pessoal e espiritual.
Que esta conferência seja um tempo de profundo aprendizado e comunhão.
Que o Senhor abençoe ricamente cada participante.

1
Professor no Instituto Federal do Tocantins. Casado com Talita, pai da Ana Clara e do Daniel. É presbiteriano.
Gosta de pamonha de sal e de ouvir música dos anos 70.

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ISAIAS LOBÃO

EXPOSIÇÃO DAS CARTAS


PASTORAIS: UM ESTUDO
EXPOSITIVO E APLICATIVO
Desde o século XVIII, estudiosos bíblicos começaram a designar as Epístolas de
Paulo a Timóteo e Tito como “Cartas Pastorais”. Essa terminologia foi introduzida
inicialmente por D.N. Bardot em 1703 e ganhou popularidade com o título atribuído
por Paul Anton em 1726. Essa nomenclatura sugere que nesses escritos, o foco
está na orientação para o cuidado do rebanho de Deus, na administração da igreja
e no comportamento dentro dela. Embora dirigidas explicitamente a Timóteo e Tito,
contendo instruções pessoais, essas cartas foram claramente redigidas visando
o benefício das igrejas associadas a esses líderes.

De acordo com as saudações, o autor das três Cartas Pastorais (1 e 2 Timóteo


e Tito) foi o apóstolo Paulo. Na tradição da igreja primitiva há consenso e isso
prevaleceu até o século XIX. Não obstante, alguns estudiosos modernos do Novo
Testamento têm questionado a autoria paulina destas cartas, citando alegadas
diferenças no vocabulário, estilo e teologia. Tais argumentos não convencem, e
não há razão persuasiva para negar que o apóstolo Paulo escreveu estas cartas.
Conforme descreve o doutor Alan M. Stibbs,

Há evidência externa, primitiva e bastante forte, em apoio disto,


não havendo evidência igual contra esse fato. A incerteza de hoje em dia
sobre este ponto deve-se inteiramente a considerações internas e teóricas:
estas considerações são de pouco proveito, visto não levarem a uma conclusão
e apenas criarem hesitação e desconfiança. Embora o seu tema e, ainda mais,
o seu vocabulário possam usar-se em argumento contra a possibilidade da
autoria de Paulo, nenhum desses raciocínios é decisivo. Muito ainda se pode
dizer sobre o outro lado da questão, e muitos eruditos de responsabilidade
têm ainda aceitado a autoria paulina. Parece-nos, pois, mais prudente que
façamos o mesmo (Davidson, 1994).

O relato das viagens de Paulo como refletidas nas cartas pastorais, leva-nos
a crer que as cartas pastorais foram escritas durante o que poderia ser chamada de
a “quarta” viagem missionária de Paulo. Atos registra três viagens missionárias e com
sua prisão domiciliar em Roma (At 28.16, 30-31).

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 7


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

Os detalhes da quarta viagem missionária de Paulo são incompletos, uma vez


que a viagem tem de ser reconstruída, em grande parte, através de indicações nas
Cartas Pastorais. Há alguma evidência de que Paulo cumpriu seu antigo desejo de ir
à Espanha (Rm 15.24, 28). Seja na sua volta da Espanha ou. se a desejada viagem à
Espanha nunca se realizou, após sua partida de Roma, parece ter regressado ao Leste,
provavelmente, primeiro velejando para Creta (Tt 1.5). Então viajou para Éfeso, ao
norte (1.3), talvez fazendo uma excursão paralela para Colossos (cf. Fm 22), e então
seguiu para a Macedônia (1.3; cf. Fp 1.25-26). A partir desse momento as coisas
ficam menos claras. Paulo parece ter planejado ( possivelmente em duas ocasiões
diferentes) deixar a Macedônia para ir tanto a Éfeso (3.14-15; 4.13) como a Nicópolis
(Tt 3.12). A última coisa que ouvimos é que ele está de volta a Roma esperando a
execução (2T m 1.8, 12; 2.9; 4.6-7, 16), tendo visitado Trôade (2Tm 4.13), Mileto e,
talvez, Corinto (2Tm 4.20).

A quarta viagem missionaria de Paulo conforme as Epistolas Pastorais

Adriatic
ILLYRICUM Black
Sea Sea

Rome Dyrrachium MACEDONIA


6
ITALY Phillippi
Troas
Brindisi
5 Aegean ASIA
Nicopolis
Sea 3
ACHAIA Ephesus
4 Colossae
Corinth
Miletus
Antioch
1
SICILY Irakleio 2

CRETE CYPRUS
Mediterranean
Sea
Cyrene Caesarea

Jerusalem
Alexandria
0 250 500km

Continentes Cidades da Antiguidade


Igor Augusto Jorge

Mares Caminho percorrido por Paulo

8 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

Embora seja um escrito do fim do primeiro século, 1 Clemente sugere que Paulo
foi martirizado em Roma. Isso não vincula necessariamente o seu martírio com o
aprisionamento registrado em At 28. O historiador da igreja Eusébio, do século IV,
preserva a tradição de que Paulo foi solto daquele aprisionamento e continuou seus
trabalhos missionários e foi martirizado por Nero em sua segunda viagem a Roma.
Esta tradição é sustentada não somente pelas cartas pastorais, mas também
por Filipenses e Filemom, que se foram escritas durante o aprisionamento
romano registrado em At 28, provê em evidência de que Paulo esperava ser solto
(Fp 1.25-26; Fm 22).

O cenário mais provável para as Epístolas Pastorais é uma quarta viagem


missionária e um segundo aprisionamento, que ocorre após os eventos registrados
em Atos 28. Estudiosos modernos também respaldam essa reconstrução dos
acontecimentos, como evidenciado por obras como “St. Paul the Traveller and Roman
Citizen” de W. M. Ramsay (1920), “The Pastoral Epistles” de R. St. J. Parry (1920),
e “New Testamente Introduction” de D. Guthrie (1990).

Se houve dois aprisionamentos, Paulo foi solto de seu primeiro por volta de
62 d.C. De acordo com a tradição posterior, foi martirizado por Nero, que morreu em
68 d.C. Paulo escreveu 1 Timóteo enquanto estava ainda no meio de sua quarta viagem
missionária, provavelmente durante a primeira parte deste período, entre 62-64 d.C.

Os últimos anos da vida de Paulo, que se estendem de 64 a 68 d.C. (um período


de cinco anos), são delineados nos livros históricos de Atos, 1ª e 2ª Timóteo, Tito
e Romanos. O relato segue a seguinte cronologia:

• Em 63 d.C., Paulo foi julgado em Roma diante de César Nero e foi libertado
da prisão.

• No ano de 64 d.C., um grande incêndio devastou metade de Roma em


19 de julho. Nero culpou os cristãos por essa tragédia, resultando em martírios
e na fuga de muitos deles da cidade.

• Entre 63 e 65 d.C., Paulo realizou uma visita à Espanha, conforme indicado em


Romanos 15.24,28. Clemente de Roma (30-100 d.C.) corroborou afirmando
que Paulo “alcançou os limites do ocidente”.

• Em 66 d.C., Paulo deixou Tito em Creta para organizar as igrejas locais (Tito 1.5).

• No mesmo ano de 66 d.C., Paulo deixou Timóteo em Éfeso com o propósito


de instruir a igreja local (1 Timóteo 1.3).

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 9


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

• No mesmo ano de 66 d.C., Paulo passou por Trôade, onde deixou sua capa
e livros com Carpo (2 Timóteo 4.13).

• Também em 66 d.C., Paulo foi a Corinto, onde escreveu a Epístola a Tito,


planejando visitar Nicópolis posteriormente (Tito 3.12).

• Ainda em 66 d.C., Paulo foi preso em Corinto, Nicópolis ou Éfeso, ou em algum


lugar na Acaia, Macedônia ou Ásia. Existem ruínas de uma torre em Éfeso
chamada “Prisão de Paulo”, onde a tradição afirma que ele foi detido antes de
ser levado a Roma.

• Em 67 d.C., Paulo foi levado a Roma, enfrentando sua primeira audiência perante
o tribunal (2 Timóteo 4.16).

• No ano de 68 d.C., Paulo escreveu a 2ª Epístola a Timóteo, ciente de sua morte


iminente (2 Timóteo 4.6-8).

• Em 68 d.C., Paulo foi martirizado por decapitação fora de Roma, próximo à


Via Ostia.

Vamos agora abordar os aspectos introdutórios de cada epístola.

PRIMEIRA EPÍSTOLA DE PAULO À TIMÓTEO


Timóteo era um nativo de Listra. uma colônia romana na província da Galácia.
Filho de um casamento misto, seu pai era gentio e sua mãe, judia (At 16.1).
Pouco é sabido sobre seu pai, que parece não se ter tornado cristão, mas sua mãe
e avó parecem ter sido convertidas como resultado da visita de Paulo a Listra em
sua primeira viagem missionária (2Tm 1.5). Desde sua infância, elas haviam instruído
Timóteo nas Escrituras Judaicas (2Tm 3.14-15) e tiveram indubitável influência na
própria conversão de Timóteo ao cristianismo.

Quando Paulo voltou a Listra em sua segunda viagem missionária. alguns dos
cristãos chamaram sua atenção para este jovem crente e Paulo decidiu levá-lo junto
em sua viagem (At 16.2-3). Duas ações específicas parecem ter acontecido neste
momento.

2
A passagem-chave encontra-se em 1 Clemente 5.1-7, onde é mencionado que Paulo chegou ao “limite do ocidente”
(to térma tēs dyseōs). Muitos sugerem que, ao utilizar essa expressão, Clemente, sendo romano, possivelmente se
referia a regiões a oeste de Roma. Dessa forma, é aceito que Paulo, conforme argumentado por estudiosos como
John J. Gunther em “Paul: Messenger and Exile: a study in the chronology of his life and letters. Judson Press:
Valley Forge, 1972, p. 141-50”, pregou na Espanha.

10 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

Primeiro, uma vez que Paulo iria evangelizar judeus, circuncidou Timóteo
de acordo com o costume judeu (At 16.3). Segundo, Paulo e os anciãos da igreja
impuseram as mãos sobre Timóteo para separá-lo e equipá-lo para o ministério
(1.18; 4.14; 2Tm 1.6; 2.2).

Timóteo acompanhou Paulo ao longo da maior parte de suas segunda e


terceira viagens missionárias (At 17.14-15; 18.5; 19.22; 20.4) e em parte da quarta.
Parece ter-se tornado um apadrinhado de Paulo, que fala figurativamente de si próprio
como “pai” de Timóteo (Fp 2.22) e de Timóteo como seu “filho” (1.2.18; 1Co4.17;
2Tm 1.2; 2.1). Como cooperador de Pau/o, Timóteo serviu como representante de
Paulo nas igrejas de Tessalônica (1Ts 3.2,6). Corinto (1 Co 4.17; 16.10), Filipos
(Fp 2.19,23) e Éfeso (1.3).

Paulo parece caracterizar Timóteo como tendo um “espírito temeroso” (2Tm 1.7).
Sentiu necessário pedir à igreja de Corinto para receber Timóteo de uma maneira que
o fizesse sentir-se à vontade (1Co 16.10-11). Nas Pastorais, Paulo teve que exortar
Timóteo a não deixar que ninguém o desprezasse por causa de sua juventude (4.12).
a não negligenciar o dom espiritual que havia recebido (4.14) e a não se envergonhar
de falar ousadamente a favor do evangelho (2Tm 1.8).

Além da declaração em Hb 13.23 de que Timóteo tinha sido “posto em liberdade”


( presumivelmente da prisão). pouco é sabido a respeito do que aconteceu a Timóteo
depois que Paulo escreveu 2 Timóteo.

Paulo escreveu 1 Timóteo enquanto estava na Macedônia (1.3). Achou necessário


deixar Timóteo para trás em Éfeso por causa da presença de falsos mestres naquela
cidade (1.3). Paulo havia estabelecido a igreja de Éfeso no começo de sua terceira
viagem missionária. passando cerca de três anos ali (At 19; 20.31). No final dessa
viagem. havia prevenido os anciãos efésios de que falsos mestres. alguns vindos da
própria liderança, iriam infestar a igreja (At 20.29-30). e esta carta indica que essa
profecia aparentemente se cumpriu (1.6, 19; 4.1-2; 6.3-5, 10, 21). Há evidência de
que alguns dos falsos mestres provinham de posições de liderança na igreja, ou que
foram levados a elas (1.7 ,20; 2.12; 3.6; 5.19-20; 6.3-5, 10), e os falsos mestres
pareciam ter especialmente encontrado acolhida entre algumas das mulheres da igreja
(2.9-15; 3.11; 5.11-15).

A carta é digna de nota pelo seu interesse na organização da igreja. Provê a mais
longa descrição sobre as qualificações dos “bispos” ou anciãos no Novo Testamento
(3.2-7), juntamente com evidência para dois tipos de anciãos: os que governam e os
que ensinam (5.17); comentários a respeito do sustento e da repreensão de anciãos
(5.17-20); e a única descrição explícita no Novo Testamento das qualificações para
diáconos (3.8-10, 12-13). As diretrizes específicas de Paulo a Timóteo também
contêm muitos conselhos práticos sobre como um líder da igreja deve atuar.

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RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

Esta carta é também digna de nota por sua ênfase na sã doutrina (1.10; 3.9; 4.6;
6.3) e contém duas meditações teológicas a respeito da salvação que Deus oferece em
Jesus Cristo (1.13-16;2 3-6). Estas incluem afirmações sobre a salvação pela graça
(1.13-16), Cristo como único mediador entre Deus e o homem (2 5) e a expiação vicária de
Cristo (2.6). 1 Timóteo também inclui uma meditação poética sobre a obra de Cristo que
afirma sua encarnação, ressurreição e ascensão (3.16); um prenúncio da segunda vinda
de Cristo (6.14); uma maravilhosa doxologia (6.15-16); e testemunho da expansão do
conceito de “Escritura” além do Antigo Testamento, para incluir elementos da revelação
do Novo Testamento (5.18, onde são citadas as palavras de Cristo como registradas
em Lc 10. 7).

Também notáveis em 1 Timóteo são seus comentários a respeito das mulheres


(2.9-15), que incluem uma longa seção sobre o devido cuidado com as viúvas na
igreja (5.3-16), e a informação contextual que o livro provê sobre Timóteo, incluindo
prováveis referências tanto ao seu batismo (6.12) quanto à sua ordenação (1.18; 4.14).

EXPOSIÇÃO DO TEXTO

1. Lidando com os falsos mestres da lei (I Tm 1:1-11).

2. Testemunho e exortação de Paulo (I Tm 1:12-20).

3. Instruções para a vida da igreja (I Tm 2:13-3:13).

4. O problema das falsas doutrinas (I Tm 3:14-4:5).

5. Orientações a um jovem pastor (I Tm 4:6-6:19).

6. Conclusão (I Tm 6:20-21).

12 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

OFÍCIO DE DIÁCONO
Uso neotestamentário de
O termo
diakonos: “ministro”, 20 vezes Origem: os sete
Diáconos significa refere-se a um
( por ex., Ef 3.7); “servo”, 7 vezes (Mt servos de
aquele que serve. ofício especial de
23.11; Jo 2.5); “diácono”, At 6.1-6.
serviço na igreja.
3 vezes (Fp 1.1; 1Tm 3.8,12).

QUALIFICAÇÕES
A função deve De bom
ser exercida discernimento,
Esposos de
exclusivamente Irrepreensíveis Temperantes sensato, sóbrio,
uma só mulher
por homens (1Tm 3.2,9). (1Tm 3.2,8). disciplinado,
(1Tm 3.2,12).
piedosos e respeitáveis
qualificados. (1Tm 3.2-4,8).
Não dados Que governe bem Que tenham Não cobiçosos de Apegados
a muito vinho sua própria casa filhos obedientes sórdida ganância à palavra fiel
(1Tm 3.3,8). (1Tm 3.4,12). (1Tm 3.4-5,12). (1Tm 3.8). (1Tm 3.9).

Conhecido como
Conservar o
De uma só palavra Experimentados alguém cheio
ministério da fé
(1Tm 3.8). (1Tm 3.10). do Espírito Santo
(1Tm 3.9).
(At 6.3).

DEVERES

Socorrer os pobres. A responsabilidade Liberar os presbíteros. O diaconato está entre


da igreja local é ajudar os seus próprios pobres. os diversos ministérios que permitem aos
Os textos de (At 6.1-6; Tm 3.8) sugerem que presbíteros se concentrarem na esfera
os diáconos devem gerir os fundos da igreja. espiritual da igreja. (At 6.1-4).

ELEIÇÃO DOS DIÁCONOS

Na igreja primitiva sempre


É necessário um período A eleição formal é feita havia pluralidade de diáconos
de experiência (1Tm 3.10). pela igreja (At 6.1-6). exercendo o ministério
(At 6.1-6; Fp 1.1).
O MANDATO DOS DIÁCONOS

A duração não é especificada.

A DIGNIDADE DOS DIÁCONOS

Serviço angélico (Mt 4.11),


O próprio título implica grande honra.
como aquele do próprio Senhor (Mt 20.28).

AS RECOMPENSAS DOS DIÁCONOS

Boa reputação, respeito (1Tm 3.7-8), sabedoria e ousadia (At 6.8-10).

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 13


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

PRESBÍTEROS SEGUNDO
AS ESCRITURAS
Palavra grega:
Nos tempos antigos, os idosos Uso no N.T.: Ofícios de
presbyteros; O presbítero da
eram governantes. Mais tarde, liderança em geral: os
significa igreja provém do
o termo tornou-se um título anciãos da nação judaica
literalmente, modelo do ancião
dado a qualquer governante, (At 4.8), os presbíteros
“pessoa mais judaico.
de qualquer idade. da igreja cristã (At 14.23).
velha.”

QUALIFICAÇÕES
Vida
irrepreensível Esposos de uma Não dados ao
Temperantes.
(comportamento só mulher. Respeitáveis. vinho.
(1Tm 3.2,8;
íntegro). (1Tm 3.2,12; (1Tm 3.2,8). (1Tm 3.3,8;
Tt 1.7).
(1Tm 3.2,9; Tt 1.6). Tt 1.7).
Tt 1.6).
Que governe bem Que tenham filhos
Não cobiçosos de Apegados à De uma só
sua própria casa. obedientes.
sórdida ganância. palavra fiel. palavra.
(1Tm 3.4,12; (1Tm 3.4-5,12;
(1Tm 3.8; Tt 1.7). (1Tm 3.9; Tt 1.9). (1Tm 3.8).
Tt 1.6). Tt 1.6).
Não violentos,
Aptos para
porém cordatos,
Experimentados Hospitaleiros. ensinar. Não avarentos.
paciente.
(1Tm 3.10). (1Tm 3.2; Tt 1.8). (1Tm 3.2;5.17; (1Tm 3.3).
(1Tm 3.3;
Tt 1.9).
Tt 1.7-8).
Tenham bom
Inimigos de Não sejam Mente sóbria e
testemunho dos Não arrogantes.
contendas. neófitos. sadia.
de fora. (Tt 1.7).
(1Tm 3.3). (1Tm 3.6). (1Tm 3.2; Tt 1.8).
(1Tm 3.7).

Que tenham
Não irascíveis. Amigos do bem. Justos e piedosos.
domínio de si.
(Tt 1.7). (Tt 1.7). (Tt 1.8).
(Tt 1.8).

DEVERES

Administrativo – Pastoral – Educacional – Representativos


Oficialato – dirigir
presidir a igreja pastorear a igreja, ensinar a igreja, – representar a
os ofícios da
como mordomos apascentar o corrigir, exortar. igreja.
igreja.
de Deus. rebanho. (Ef 4.12-13; (At 20.17;
(Tg 5.14).
(1Tm 5.17; Tt 1.7). (1Pe 5.2; Jd 12). Tm 3.2). 1Tm 5.17).

14 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

A AUTORIDADE DO PRESBÍTERO

É delegada pela igreja.


É espiritual, sua autoridade O presbítero não tem outra
Pode ser estendida as outras
não é eclesiástica – i.e., autoridade na igreja a não ser
congregações através de um
não é fundamental para aquela que lhe é dada pela
presbitério, ou conjunto
a existência ou continuidade igreja. Ela é concedida pela
de presbíteros.
da igreja. igreja e pode ser retirada
dele pela igreja.

NÚMERO DOS PRESBÍTEROS

1Tm 3.2 é um exemplo


A pluralidade
de presbítero singular:”
de presbíteros é
bispo”. Porém, isso Não se dispõe que a Presbiterato colegiado
comum nas antigas
provavelmente se igreja deva eleger um com a mesma
igrejas do NT.
refere a um líder, número definido. autoridade (Tg 5.14).
(At 14.23;20.17; Fp
um presidente dos
1.1; Tt 1.5).
presbíteros/diáconos.

ELEIÇÃO DO PRESBÍTERO

A igreja deve realizar um exame


Aquele que aspira a este ofício, cuidadoso para verificar
A duração da liderança não
almeja uma “excelente obra” se a vida do candidato confere
é especificada.
(1Tm 3.1). com as qualificações
(1Tm 3.1-13;Tt 1.5-9).

ORDENAÇÃO DO PRESBÍTERO

A cerimônia de A ordenação é o
“Ordenação”: deve Os presbíteros da
ordenação é como reconhecimento da
referir-se ao ato de igreja devem dirigir a
segue: imposição igreja da aptidão
“nomear”, e a uma cerimônia, assim como
de mãos, oração, espiritual de seus
cerimônia formal de devem fazer em todas
jejum, leitura das oficiais eleitos
investidura no ofício. as reuniões oficiais.
qualificações, votos. (At 6.3-6).

A Dignidade do Presbítero

Jesus foi chamado de “bispo” (1Pe 2.25). Pedro foi chamado de “co-presbítero” (1Pe 5.1).
João era um presbítero (2Jo 1). A igreja foi exortada a respeitar a dignidade desse ofício
(1Ts 5.12-13; Hb 13.7,17,24).

A Responsabilidade do Presbítero

O presbítero deve ser considerado e deve considerar-se a si mesmo como um


mordomo de Deus (1Co 4.1-2; Tt 1.7).

A Recompensa do Presbítero

Crescerá em sua autoridade (Lc 12.43-44). Também terá uma eterna coroa de glória que
não é para todos os cristãos, mas para o presbítero fiel (1Pe 5.1-4).

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 15


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

EPÍSTOLA DE PAULO À TITO


A Epístola a Tito, como 1 Timóteo, foi escrita enquanto Paulo estava ainda em
sua quarta viagem missionária e, provavelmente, sua data esteja entre 62-64 d.C.

Tito era um cristão gentio que foi, provavelmente, convertido por Paulo (1.4).
O Novo Testamento provê pouca informação a respeito dele, e ele não é mencionado
em Atos. Paulo levou-o a Jerusalém no princípio de sua obra missionária, onde não
permitiu que ele fosse circuncidado (GI 2.1-3). Tito, aparentemente, acompanhou
Paulo em sua segunda e terceira viagem missionárias e em parte da quarta.

Era um companheiro confiável, com quem Paulo podia contar em situações


delicadas como aquela de Corinto (2Co 2.13; 7.6,13-14;8.6, 16,23; 12.18). Tito, mais
tarde, serviu como representante de Paulo na ilha de Creta (1.5) e na província de
Dalmácia (2Tm 4.10).

Paulo escreveu a Tito da Macedônia (3.12). Numa parte anterior de sua viagem,
ele e Tito tinham estado envolvidos em atividade missionária na ilha de Creta. Quando
Paulo partiu, deixou Tito para trás para que continuasse a obra (1.5). Nesta carta,
Paulo escreveu a Tito para encorajá-lo a completar o seu ministério na ilha.

Especificamente, Paulo queria que Tito completasse a organização das igrejas


(1.5-9). tratasse com os falsos mestres que estavam presentes (1.10-14; 3.9-11).
e desse instruções às igrejas a respeito da conduta adequada (2.1-3.8). Quando um
substituto chegasse, Tito deveria encontrar Paulo em Nicópolis (3.12). Assim como
1 Timóteo, esta epístola é digna de nota por sua informação a respeito da
organização da igreja. Fornece uma longa lista de qualificações para o ofício de
bispo e presbítero (1.6-9), bem como importante evidência de que os termos
“bispo” e “presbítero” referem-se a um mesmo ofício, e não a dois distintos.
Como 1 Timóteo, Tito mostra uma grande preocupação pela sã doutrina (1.9, 13;
2.1-2) e contém duas meditações teológicas maravilhosas sobre a graça que Deus
oferece através de Jesus Cristo (2.11-14; 3.4-7).

Estas incluem afirmações sobre a segunda vinda de Cristo (2.13), sobre


a expiação vicária de Cristo (2.14), sobre a regeneração pelo Espírito Santo (3.5)
e sobre a justificação pela graça (3.5, 7). Tito também afirma a divindade de Cristo de
uma maneira contundente -o título “Salvador” é aplicado livremente e nos mesmos
contextos, tanto a Deus (1.3; 2.10; 3.4) quanto a Cristo (1.4; 2.13; 3.6); 2.13 fala de
“nosso grande Deus e Salvador, Cristo Jesus”.

A preocupação de Paulo nesta carta quanto à sã doutrina é contrabalançada por


uma ênfase na conduta cristã adequada. Para Paulo, as duas claramente caminham

16 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

de mãos dadas. Em particular, destaca a qualidade de sobriedade mental ( no grego,


1.8; 2.2, 4-6, 12) e a importância de fazer o que é bom (2.7, 14; 3.1,8, 14), Paulo
descreve a falsa doutrina em Creta como algo que tinha vindo de dentro da igreja
(1.10, 16). Se caracterizava por um interesse pelos mitos judaicos (1.14), genealogias
e discussões sobre a lei (3.9) e mandamentos humanos (1.14). Os falsos mestres
vieram de uma perspectiva estritamente judaico-cristã (1.10) e procuravam posições
de liderança para ganho financeiro (1 .11). Tinham sido eficientes em fazer o povo se
desviar, e causavam divisões (1.10; 3.10).

Virtualmente, tudo o que Paulo diz em Tito sobre a falsa doutrina em Creta tem
paralelos com o que ele diz em 1 e 2 Timóteo sobre o mesmo problema em Éfeso.
Não se sabe bem a razão disso. Acredito que houve algum tipo de ligação direta entre
as duas falsas doutrinas. Tudo o que estava sendo ensinado em um lugar estiva sendo
ensinado no outro. As falsas doutrinas nas duas áreas geográficas podem ter sido
manifestações similares de um movimento sincretista mais geral no Império Romano
neste período.

EXPOSIÇÃO DO TEXTO

1. Saudação (Tt 1:1-4).

2. Organizando as igrejas em Creta (1:5-16).

3. Instruindo vários grupos (Tt 2:1-15).

4. Instruindo sobre fazer o que é bom (3:1-11).

5. Conclusão (3:12-15).

SEGUNDA EPÍSTOLA DE PAULO À TIMÓTEO


Embora não apareça em último lugar na seção das cartas de Paulo no Novo
Testamento. 2 Timóteo é a última carta escrita pelo apóstolo. Ela a redigiu depois da
sua quarta viagem missionária, provavelmente entre 64-68 d.C.

Paulo escreveu 2 Timóteo durante seu segundo aprisionamento em Roma


(1.8; 2.9). Não se sabe a razão nem o lugar onde foi preso. Paulo não tinha recebido
qualquer apoio em sua audiência preliminar (4.16). Seu julgamento ainda o esperava.
mas sabia que terminaria por ser executado (4.6).

A maioria de seus amigos achou conveniente estar em outros lugares (4.10-11).

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 17


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

Ele tinha sido atormentado pelas atitudes de Fígelo e Hermógenes (1.15-16) e de


Alexandre, o latoeiro (4.14), muito embora um cristão chamado Onesíforo tivesse sido
um encorajamento para ele (1.16-17). Timóteo ainda estava em Éfeso (4.19), onde
Paulo o havia deixado previamente (1Tm 1.3) e onde o falso ensinamento, ao qual
Paulo tinha se dirigido na primeira carta a Timóteo, continuava sendo um problema
(2.17-18; 3.1-8).

Lembrando-se de sua duradoura amizade. Paulo desejava ver Timóteo uma


última vez antes de sua morte (1.4). Paulo parece ter escrito 2Timóteo com dois
propósitos em mente. Primeiro. solicita a presença de Timóteo em Roma (4.9, 21),
fornecendo instruções a respeito de quem e o que (4.11-13) trazer com ele. Segundo.
quer entregar a Timóteo uma carta final de encorajamento pessoal em seu ministério
(1.5-14; 2.1-16, 22-26; 3.10-4.5).

Como a carta anterior, 2 Timóteo mostra uma forte preocupação pela sã doutrina
(1. 13-14; 2. 2; 4 3) e contém meditações maravilhosas sobre a graça de Deus,
(1. 9-11), a fidelidade de Cristo (2.11-13) e a natureza e função das Escrituras
(3.15-17). Há afirmações sobre salvação pela graça (1 9), eleição (1.9; 2. 10, 19) e sobre
a inspiração divina das Escrituras (3.16). 2Timóteo também reafirma a ressurreição
(2.8) e a segunda vinda (4.1, 8) de Cristo.

Havia falsa doutrina em Éfeso, que Paulo descreveu como proveniente do seio
da própria igreja (2Tm 2.18; 4.4; 1Tm 1.6,19; 4.1; 6.10,21). Se caracterizava por
uma preocupação com fábulas ou mitos (4.4; 1Tm 1.4; 4.7), genealogias (1Tm 1.4),
contendas de palavras (2.14.23; 1Tm 6.4), controvérsias (1T m 1.4; 6.4). conhecimento
(1Tm 6.20). loquacidade frívola (1Tm 1.6) e caráter ímpio (2.16; 1Tm 6.20).

As falsas doutrinas incluíam a proibição do casamento e de certos alimentos


(1Tm 4.3) e a crença que a ressurreição já acontecera (2.18). Aqueles que ensinavam
estas falsas doutrinas também procuravam interpretar a lei judaica. (1 Tm 1. 7) e,
por conseguinte, colocavam restrições na oração (1Tm 2.1-7).

Entre os líderes do movimento estavam Himeneu (2.17; 1T m1.20), Alexandre


(1Tm1.20) e Fileto (2.17). Alguns buscavam posições de liderança no movimento
porque tinham interesses financeiros (1Tm 6. 5,10). Falsos mestres criaram divisões
(1Tm 6.4-5) e parecem ter sido particularmente efetivos em enganar as mulheres
da igreja (3.6-7; 1T m 2.14; 5. 11-15). talvez oferecendo-lhes posições de liderança
(1T m 2.11-12).

Algumas destas características -ensinos doutrinários específicos, o interesse


em mitos e genealogias, e a preocupação por “conhecimento”, no grego “gnosis”,
sugere que o falso ensino em Éfeso pode ter sido uma forma primitiva de gnosticismo.

18 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

Este foi um movimento herético que se tornou um forte competidor do desenvolvimento


da igreja nos séculos II e III. Contudo, alguns dos aspectos mais característicos do
gnosticismo posterior estão faltando, e alguns afirmam que o movimento pode ser
explicado a partir de influências judaicas e helenistas. Estas duas sugestões não
precisam ser vistas como contraditórias, pois o próprio gnosticismo era um produto
tanto das ideias judaicas quanto das helenistas.

Mas continua sendo difícil de definir a natureza exata do falso ensino em


Éfeso. Como a última das cartas de Paulo, 2 Timóteo fornece um importante retrato
sobre os últimos momentos do ministério do apóstolo. Sua situação era desoladora.
Não podia mais ansiar por um ministério frutífero (cf. Fp 1.22-26) e a maioria de
seus amigos o havia deixado (4.10-11). Ainda assim. Paulo permanecia confiante.
Não estava envergonhado de sofrer pelo Evangelho (1.12) e estava disposto a suportar
tudo por causa dos eleitos (2.1 O). Sabia que tinha sido fiel a Cristo (4. 7) e que Cristo era
fiel. (1. 12; 2. 13). Paulo tinha confiança que Aquele que no passado o havia resgatado
da morte (3.11; 4. 17) o resgataria através da morte para a vida eterna (4.8,18).

EXPOSIÇÃO DO TEXTO

1. Saudações e ações de graças (II Tm 1:1-5).

2. Exortações à ousadia e à fidelidade (II Tm 1:6-2:13).

3. O problema dos falsos mestres (II Tm 2:14-4:5).

4. Relacionamento pessoal de Paulo com Timóteo (II Tm 4:6-18).

5. Conclusão (II Tm 4:19-22).

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 19


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

MAPEANDO O PANORAMA ATUAL:


REFLEXÕES CRISTÃS SOBRE
IDEOLOGIAS E CULTURA
INTRODUÇÃO
A partir dos anos 1960, um turbilhão de movimentos filosóficos, políticos
e sociais sacudiu o cenário mundial, desafiando e rompendo com aquilo que, ao
longo da história, era tido como uma verdade fundamental inquestionável. Essas
transformações profundas têm suas raízes no pós-modernismo, marcando uma época
de questionamento e reavaliação dos paradigmas tradicionais.

A sociedade ocidental experimentou uma série de metamorfoses ao longo desse


período. Diversas cosmovisões sucederam umas às outras. Com a chegada do pós-
modernismo, a cosmovisão bíblica, uma interpretação do mundo que fundamenta
suas doutrinas sobre Deus, a criação, o pecado, a redenção humana e social, e a volta
de Cristo, viu-se diante de desafios sérios, resultando em seu quase desaparecimento
em alguns segmentos e regiões.

A Pós-modernidade é a crítica dos valores, conceitos e ideais da modernidade.


Portanto, para se compreender aquela é necessário estender esta.

Por modernidade entendem-se os fenômenos sociais que acontecem


decorrentes do acesso das pessoas aos avanços da ciência e tecnologia, bem como
pela rápida urbanização e proliferação de informações e cultura. O universo, segundo
o erudito reformado Francis Schaeffer, assim como o homem podem ser explicados
por si mesmos. Segundo ele, esses seriam os quatros pilares da modernidade
(Schaeffer, 2007):

I. A fé na Razão.

II. A fé no Progresso Tecnológico.

III. A fé na Ciência como substituta da religião.

IV. A fé no homem autônomo e autossuficiente, como sendo capaz de resolver


seus dilemas.

A mudança maciça de pensamento que produziu a mudança do modernismo


para o pós-modernismo pode reportar-se ao início do século 20, quando a teoria da
relatividade de Einstein derrubou a física de Issac Newton, gerado pelo Iluminismo.

20 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

Stanley J. Grenz definiu quatro suposições filosóficas do pós-modernismo


(Grenz, 1997):

I. Não existe um ponto de vista objetivo absoluto em questões de moral e


religião. Uma expressão comum desta afirmativa: “você tem sua verdade e eu
tenho a minha”.

II. A experiência subjetiva supera a lógica e os fatos objetivos. Temos liberdade


para escolher aquilo em que desejamos acreditar de acordo com o que nos
deixa à vontade. “não nos confundam com fatos”.

III. A natureza da verdade e a natureza de Deus são conceitos relativos e não


absolutos: “você tem o seu deus e eu tenho o meu”.

IV. O modernismo segmentou o conhecimento e exaltou o indivíduo. O pós-


modernismo busca reunificar o conhecimento e exaltar a comunidade.

Vemos um exemplo da mudança da mentalidade moderna para a pós-moderna,


observa Grenz, na transição da Jornada nas Estrelas para a Jornada nas Estrelas:
A Nova Geração. O programa original abordava o individualismo moderno e a
autonomia heróica do capitão Kirk e dos seus amigos Spock e Dr. McCoy através
do universo; a série A Nova Geração refere-se a uma comunidade pós-moderna,
envolvendo a hetoronomia íntima do pessoal da Enterprise.

Spock é visto como o padrão do homem moderno: cheio de si, motivado pela lógica
e não afeito às emoções. Já o androide Data é o modelo da pós-modernidade: é uma
máquina que busca compreender os sentimentos humanos, fascinado pela possibilidade
de conhecer suas origens, o cientista que o criou, a quem ele chama de “pai”.

O pós-modernismo trouxe consigo uma onda de mudanças culturais, sendo a


Teoria Crítica da Justiça Social uma força influente que invadiu e transformou a cultura
ocidental. Nesse contexto, estamos imersos em uma intensa Guerra Cultural, um
conflito entre a tradição da Civilização Ocidental, construída a partir da cosmovisão
bíblica e das contribuições da antiga cultura greco-romana, e os novos movimentos
críticos impulsionados por ideias progressistas de esquerda. Este embate reflete uma
luta profunda pela direção e valores que moldarão o futuro de nossa sociedade.

Houve uma ampla crise de confiança no poder da razão para estabelecer


os fundamentos de um conhecimento universalmente válido sobre o mundo.
A incapacidade da razão em fundamentar uma moralidade coerente com o mundo
real que habitamos contribuiu para esse colapso de confiança. Com a perda da fé nos
critérios universais e necessários da verdade, surgiram o relativismo e o pluralismo
como concepções predominantes.

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 21


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

OS PRINCÍPIOS E TEMAS
PÓS-MODERNOS APLICADOS
Um exemplo notável do pluralismo intelectual pode ser encontrado na abordagem
dos textos e de sua linguagem, destacando-se o Desconstrucionismo como método
crítico. Este enfoque virtualmente declara a irrelevância da identidade e das intenções
do autor para a interpretação do texto, argumentando que, em última instância,
nenhum significado pode ser extraído dele. Todas as interpretações são consideradas
igualmente válidas ou igualmente destituídas de significado, dependendo da
perspectiva do analista. A reivindicação exclusiva da verdade na interpretação de um
texto é rejeitada, permitindo que cada indivíduo tenha suas próprias interpretações
sem a imposição de uma verdade única.

O pós-modernismo propõe que a linguagem não pode expressar verdades


objetivas sobre o mundo, uma vez que, por sua própria natureza, molda o que
pensamos. Sendo uma construção cultural, o significado é, em última análise, uma
construção social, e os valores pós-modernos são vistos como sendo sociais, não
pessoais. Surge, assim, uma ditadura do coletivismo, onde o verdadeiro significado
das palavras é entendido como parte de um sistema cultural fechado, perdendo sua
relevância em diferentes culturas.

A linguagem, sendo uma prisão da qual não podemos escapar, é central para
os desconstrucionistas, que argumentam que vivemos confinados na “prisão da
linguagem”. Nessa perspectiva, a linguagem humana não possui verdades absolutas.
Buscando minar essa prisão, os pós-modernistas afirmam que as palavras são
desprovidas de sentido absoluto, expressando ideias fluidas e mutáveis. Desta forma,
um texto não pode conter uma verdade absoluta, pois o significado pretendido pelo
autor torna-se secundário, dando lugar à importância de como o leitor o compreende.

Os desconstrucionistas do pós-modernismo buscam uma “hermenêutica de


suspeição” ao ler um texto. Em vez de buscar a verdade objetiva, eles abordam o
texto para desmascarar e revelar o que está oculto nele. Compreendendo o poder
intrínseco da linguagem, os desconstrucionistas procuram libertar-se desse
poder ao questionar a autoridade da linguagem. A “hermenêutica da suspeição”
enxerga cada texto como uma criação política destinada a servir como propaganda
para o status quo. O objetivo dos desconstrucionistas é despojar as palavras do
poder que moldou a civilização ocidental, combatendo preconceitos como o racismo,
sexismo, patriarcalismo, homofobia, imperialismo e a opressão econômica. Eles buscam
reinterpretar as palavras subjetivamente, dependendo da perspectiva de quem as lê,
na tentativa de quebrar os padrões da sociedade estabelecida.

22 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

SOCIALISMO: ATMOSFERA DO COLETIVISMO


O socialismo pode ser definido como a propriedade estatal dos meios de produção,
implicando que todos os bens de capital pertencem ao estado. O governo torna-se o
único empregador, resultando em uma força de trabalho obrigada a servir ao estado,
com salários limitados à subsistência mínima. O socialismo, enquanto sistema político
e econômico, cria uma atmosfera de coletivismo, destruindo a ideia de propriedade
privada e o livre mercado e leva à escassez e à determinação arbitrária dos recursos.

Por sua vez, o capitalismo, no qual os meios de produção são privados,


a prosperidade é alcançada atendendo aos desejos e necessidades dos outros,
promovendo uma cooperação social voluntária. No capitalismo, o trabalho de um
indivíduo beneficia vários outros por meio da troca voluntária e do interesse próprio,
enquanto no socialismo, a prosperidade é proibida, e apenas aqueles no poder
prosperam. O coletivismo socialista influencia não apenas as estruturas econômicas,
mas também as relações sociais e a noção de bem comum.

Ao contrário do que é ensinado nas escolas e universidades, o socialismo


não é um sistema de planejamento econômico, mas sim de proibição desse tipo de
planejamento. Sob o socialismo, apenas membros do Comitê de Planejamento Central
têm permissão para fazer planos econômicos. O planejamento econômico é viável
apenas sob o capitalismo, onde empreendedores, trabalhadores e consumidores
diariamente fazem planos baseados em cálculos de lucros, salários e preços.

O socialismo, ao abolir a propriedade privada e o sistema de preços, centraliza


todas as decisões econômicas nas mãos de uma agência central, levando a uma
impossibilidade de cálculo econômico e resultando em caos econômico.

O renomado economista austríaco Ludwig von Mises aborda de maneira destacada


em sua influente monografia intitulada “O Cálculo Econômico Sob o Socialismo”
a crucial importância da propriedade privada e do sistema de preços na eficiente
alocação de recursos (Mises, 2017). Ele sustenta que, no contexto do socialismo, onde
a propriedade privada dos meios de produção é eliminada e não há um mercado livre
regido pelos preços estabelecidos pela oferta e demanda, a capacidade de realizar um
cálculo econômico eficiente torna-se inviável.

O processo de cálculo econômico, segundo Mises, implica na avaliação e


comparação de custos e benefícios para embasar decisões racionais na distribuição
de recursos. Sem a presença da propriedade privada e do sistema de preços,
o economista argumenta que os planejadores socialistas enfrentam a falta de uma
base objetiva para avaliar a eficiência e o valor relativo de diferentes usos dos recursos.

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 23


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

Ele salienta que, na ausência de preços de mercado que reflitam as preferências e


a escassez percebidas pelos consumidores, o socialismo depara-se com um desafio
fundamental de informação e coordenação econômica. Essa lacuna, de acordo com
Mises, resulta em ineficiências, desperdício de recursos e na impossibilidade de realizar
um planejamento econômico eficaz dentro do sistema socialista.

A falta de incentivos gerados pelo sistema de lucros e prejuízos no socialismo,


afirmando que ele leva à supressão do pensamento e planejamento, resultando em
escravidão e destruição. Por isso, o socialismo sempre leva ao coletivismo, à escravidão
e genocídio.

TEORIA PÓS-COLONIAL:
DESCONSTRUINDO O OCIDENTE
PARA SALVAR O OUTRO
O objetivo da Teoria Pós-Colonial é desconstruir “o Ocidente” – um grupo amplo
de países, incluindo os Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália, França,
Alemanha e outros países da Europa Ocidental. Ao contrário das Teorias de raça e
gênero, que desenvolveram linhas de pensamento maduras antes da ascensão do
pós-modernismo nos estudos culturais, a Teoria Pós-Colonial surgiu diretamente
do pensamento pós-moderno. Seu propósito atual é a descolonização, a reversão
sistemática do colonialismo em todas as suas manifestações e impactos.

Embora nem todos os estudiosos pós-coloniais sejam pós-modernos – muitos


são materialistas ou marxistas, focados em economia e política – os principais
expoentes adotam uma abordagem pós-moderna que domina a pesquisa e ativismo
pós-colonial. Esta teoria emergiu após o colapso do colonialismo europeu no século
XX, questionando a dominação baseada na crença de que as potências europeias
tinham o direito de expandir seus territórios e impor sua autoridade política e cultural
sobre outros povos e regiões.

O colapso do colonialismo, especialmente após a Segunda Guerra Mundial,


gerou preocupações morais na academia e no público em geral, levando a Teoria
Pós-Colonial a rejeitar as metanarrativas coloniais e deconstruir os discursos que
justificavam a dominação. Frantz Fanon, nascido sob o domínio colonial francês,
foi influente no desenvolvimento da teoria pós-colonial, destacando a negação
sistemática da humanidade dos colonizados. Seu trabalho, como “Os Condenados
da Terra,” influenciou a teoria pós-colonial ao criticar a colonização e advogar pela
resistência violenta como justificada.

24 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

A obra de Edward Said, considerado o pai da Teoria Pós-Colonial, também foi


crucial. Em seu livro “Orientalismo,” Said abordou a construção de uma mentalidade
ocidental em oposição ao oriente, introduzindo o conceito de “othering” para descrever
a denigração de outros povos a fim de se sentir superior. Said aplicou a teoria pós-
moderna na análise de discursos literários, destacando desequilíbrios de poder e
reinterpretando a história sob a perspectiva dos oprimidos.

A Teoria Pós-Colonial continua a se concentrar na desconstrução do Ocidente,


reescrevendo a história de acordo com narrativas locais ou políticas, muitas vezes
negando a existência de verdades objetivas, em conformidade com a típica postura
pós-moderna.

TEORIA CRÍTICA DA RAÇA


E INTERSECCIONALIDADE:
O DEBATE SOBRE O RACISMO
A Teoria Crítica da Raça e a Interseccionalidade são lentes analíticas que
exploram o racismo. Ela argumenta que a raça é uma construção social criada para
manter o privilégio branco e a supremacia branca. Para seus defensores, a ideia de
raça biológica era usada para explicar diferenças sociais e culturais, perpetuando o
tratamento injusto de minorias raciais, especialmente os afro-americanos.

O conceito contemporâneo de “raça” também não tem respaldo histórico, pois não
era considerado significativo em períodos anteriores. A ideia de “raça” foi construída
pelos europeus para justificar o colonialismo e o comércio atlântico de escravos. Antes
do século XVI, os europeus não consideravam as características raciais como herdadas,
acreditando que a cor da pele, por exemplo, era determinada pelo ambiente. O conceito
de “raça” como categoria herdada surgiu com formas emergentes de estudo nas ciências
sociais e naturais. A aplicação equivocada de resultados científicos preliminares levou
a categorias biológicas extremamente simplificadas, como “negritude” e “brancura”,
às quais foram logo atribuídos julgamentos de valor. Isso deu origem ao racismo,
que faz julgamentos preconceituosos com base nessas categorias raciais grosseiras,
independentemente das características individuais das pessoas.

A Teoria Crítica da Raça surgiu formalmente na década de 1970, através do


estudo crítico da lei no contexto das questões raciais. O termo “crítico” aqui indica uma
abordagem voltada para identificar e expor problemas com o objetivo de promover
uma mudança política revolucionária. Apesar das mudanças legais que abordaram a
discriminação racial, muitos ativistas sentiram a necessidade de continuar trabalhando
nas formas menos óbvias de racismo. Para isso, adotaram abordagens da Teoria Crítica.

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 25


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

Os críticos teorizam sobre como sistemas materiais - econômicos, legais,


políticos - afetam as minorias raciais. Eles se concentram em como ideias e concepções
moldam a sociedade e as pessoas que vivem nela. Os teóricos buscam desconstruir
discursos, identificar preconceitos implícitos e contrapor pressupostos e atitudes
raciais subjacentes. Eles consideram que esses sistemas e estruturas têm impactos
materiais e psicológicos significativos, capazes de determinar resultados de vida,
apesar das características individuais como competência, valores e caráter.

Como resultado, os ativistas que utilizam a linguagem da Teoria Crítica da Raça


creem que:

• Pessoas brancas são inerentemente racistas.

• Racismo é “preconceito mais poder”, então apenas pessoas brancas podem ser
racistas porque possuem todo o poder institucional.

• Somente pessoas de cor podem falar sobre racismo - pessoas brancas precisam
apenas ouvir.

• Ser “cego para a cor” é, na verdade, racista, pois ignora o racismo pervasivo que
domina a sociedade e perpetua o privilégio branco.

• O racismo está incorporado na cultura e não podemos escapar dele.

Embora você provavelmente tenha encontrado esses princípios na mídia e em


muitas universidades, especialmente nas instituições de elite.

Desde a invenção da interseccionalidade, seu significado e propósito expandiram


significativamente. O número de grupos identitários que podem ser usados para
dividir as pessoas pode ser praticamente infinito, mas sob a interseccionalidade,
não importa quão específicas sejam suas identidades, elas nunca se tornam apenas
indivíduos únicos. Mesmo que uma pessoa seja uma mistura única de identidades
marginalizadas, ela é compreendida por meio de cada uma dessas identidades, não
como um indivíduo.

Além das categorias de raça, sexo, classe, sexualidade, identidade de gênero,


religião, status de imigração, capacidade física, saúde mental e tamanho do corpo,
existem subcategorias como tom de pele exato, forma exata do corpo e identidade
de gênero e sexualidade exatas, que chegam a centenas. Tudo isso precisa ser
compreendido em relação uns aos outros para que cada interseção possa ser analisada.
Isso não é apenas complicado, mas também completamente subjetivo, porque nem
todas as categorias de identidade têm os mesmos níveis de marginalização ou são
mesmo comparáveis.

26 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

A ideia principal da interseccionalidade, ou as teorias nas quais ela se baseia, não


é complexa. Ela faz a mesma coisa repetidamente: procura desequilíbrios de poder,
preconceitos e viés que assume estarem presentes e os destaca. Reduz tudo ao
preconceito. Diferentes resultados entre grupos têm uma, e apenas uma, explicação,
e isso é o preconceito discriminatório. A única questão é como identificá-lo.

A interseccionalidade está repleta de divisões e subcategorias, que muitas vezes


entram em conflito entre si. Aqui estão alguns exemplos:

• Homens gays brancos e pessoas não negras de cor são informados de que
precisam reconhecer seu privilégio sobre homens gays de cor e pessoas negras.

• Pessoas negras de pele mais clara são orientadas a reconhecer seu privilégio
sobre pessoas negras de pele mais escura.

• Homens negros heterossexuais já foram descritos como os “brancos das pessoas


negras”.

Também está se tornando mais comum ouvir argumentos de que homens trans,
embora ainda oprimidos por atitudes em relação às pessoas trans, agora têm privilégios
masculinos e precisam amplificar as vozes de mulheres trans, que são vistas como
duplamente oprimidas por serem trans e mulheres. Homens gays e lésbicas podem
em breve se ver não considerados oprimidos de forma alguma, especialmente se não
forem atraídos por homens trans ou mulheres trans, o que é considerado transfóbico.
Asiáticos e judeus estão perdendo seu status “marginalizado” devido ao seu sucesso
econômico, atribuído à sua participação no “branquitude” ou outros fatores como o
interesse próprio e a rejeição da solidariedade interseccional.

TEORIA WOKE:
JUSTIÇA SOCIAL CRÍTICA
A teoria Woke, originada do termo “stay woke” ( mantenha-se alerta), é uma
abordagem contemporânea que destaca a urgência de estar consciente e ativo em
questões sociais. Ela surgiu nos Estados Unidos.

Envolvendo uma justiça social crítica, a teoria Woke busca desafiar normas
institucionais que perpetuam desigualdades. Segundo seus proponentes, é uma forma
de analisar e desafiar as desigualdades sociais, especialmente aquelas relacionadas à
raça, gênero, classe e outras formas de discriminação.

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 27


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

A Teoria Woke argumenta que as instituições e estruturas sociais são


intrinsecamente permeadas por preconceitos e discriminações, muitas vezes
invisíveis aos olhos daqueles que não estão “acordados” para essas questões.
Ela enfatiza a importância de reconhecer e combater o privilégio, que é visto como uma
vantagem não merecida atribuída a determinados grupos em detrimento de outros.
A abordagem Woke incentiva uma autoanálise crítica para identificar e desafiar os
preconceitos internalizados e promover uma transformação social.

Ao adotar uma perspectiva interseccional, a Teoria Woke reconhece a interação


complexa de diversas formas de opressão e privilégio. Ela destaca a necessidade
de considerar múltiplos eixos de identidade, como raça, gênero, classe e orientação
sexual, ao analisar questões sociais. Isso implica reconhecer que as experiências e
desafios enfrentados por indivíduos são moldados por uma combinação única de
fatores, evitando análises simplistas e unidimensionais.

A Teoria Woke promove uma visão polarizada da sociedade, dividindo-a entre


grupos oprimidos e opressores, sem considerar a complexidade das experiências
individuais. Outro ponto negativo é a prática de cancelamento cultural em que
indivíduos ou ideias são rejeitados publicamente por não se alinharem completamente
à perspectiva Woke. A intolerância à divergência de opiniões cria um ambiente em que
as pessoas se não podem expressar ideias ou discordar, prejudicando o debate aberto
e saudável de perspectivas divergentes.

A teoria Woke tende a colocar um foco excessivo na identidade, priorizando


características como raça, gênero e orientação sexual, e, assim, relegando outras
dimensões importantes da experiência humana. Trata-se de uma visão limitada
e unidimensional das pessoas, ignorando outros fatores que contribuem para as
desigualdades sociais, como classe econômica, educação e geografia.

FEMINISMOS
E ESTUDOS DE GÊNERO:
UMA TEORIA CADA VEZ
MAIS “SOFISTICADA”
Os feminismos e os estudos de gênero constituem campos intelectuais vastos e
complexos que se dedicam não apenas à análise das desigualdades de gênero, mas
também à consideração das interseções entre gênero e outras formas de opressão.

28 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

Dentro do espectro dos feminismos e estudos de gênero, diversas correntes


teóricas surgem, cada uma com sua ênfase e abordagem específicas. Desde o
feminismo liberal, que se concentra em conquistar direitos iguais perante a lei, até
o feminismo radical, que busca transformações estruturais profundas na sociedade,
essas perspectivas oferecem uma riqueza de análises e propostas para a promoção
da equidade de gênero. Além disso, os estudos de gênero expandem o foco para
além da dicotomia tradicional masculino/feminino, explorando as diversas formas de
identidade de gênero e orientação sexual.

A transição em direção à interseccionalidade no feminismo tornou-se


incontestável nos primórdios do século XXI, marcando uma evolução significativa no
pensamento feminista. Esse movimento adotou quatro tendências proeminentes que
redefiniram suas abordagens e perspectivas. A primeira delas consiste em centralizar
o gênero como ponto focal, deslocando-o do tradicional enfoque no sexo biológico.
Esta mudança representa uma compreensão mais ampla e fluida das identidades de
gênero, indo além das dicotomias simplificadas.

Outro ponto crucial nessa transição é a consideração do gênero e da sexualidade


como construções sociais. Essa abordagem reconhece que as categorias de gênero não
são intrinsecamente ligadas a características biológicas, mas são produtos complexos
e moldados pelas interações sociais. Além disso, foi incorporada uma análise pós-
moderna, implicando a análise do poder dentro dessas construções sociais. Isso
implica uma compreensão crítica das dinâmicas de poder que permeiam as estruturas
sociais e influenciam as experiências individuais com relação ao gênero.

Outra dimensão crucial desse movimento é o foco na posição social, destacando


a importância da identidade na discussão sobre gênero. Essa abordagem reconhece
a interseção de várias identidades, como raça, classe social e orientação sexual, na
experiência singular de cada indivíduo. Dessa forma, a identidade não é considerada
isoladamente, mas como parte de um conjunto complexo de fatores que moldam a
vivência de gênero. Essas mudanças são consideradas um modelo “cada vez mais
sofisticado” para o pensamento feminista, sendo diretamente resultantes da Teoria
Pós-moderna aplicada.

Assim, o feminismo cedeu lugar aos estudos de gênero para incluir identidades
oprimidas e adotou a interseccionalidade como uma espécie de teoria unificadora.
Os estudos de gênero passaram a ver o conhecimento como uma construção cultural,
trabalharam dentro de muitos vetores de poder e privilégio, e estavam desconstruindo
categorias, borrando fronteiras, focando em discursos, praticando o relativismo cultural
e submetendo aos grupos coletivistas de identidade.

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 29


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

TEORIA QUEER: UMA NOVA FORMA


DE CONSTRUIR A SEXUALIDADE
A Teoria Queer trata da liberdade em relação ao padrão considerado normal,
especialmente no que diz respeito a gênero e sexualidade. Essa abordagem argumenta
que a opressão ocorre sempre que a linguagem constrói uma noção do que é “normal”
ao definir categorias, como sexo ( masculino e feminino), gênero ( masculino e feminino)
e sexualidade (heterossexual, gay, lésbica, bissexual, etc.), e encaixar as pessoas nelas.
Esses conceitos aparentemente simples são vistos como opressivos, se não violentos,
e o principal objetivo da Teoria Queer é examiná-los, questioná-los e subvertê-los
para desmantelá-los.

Para atingir esse propósito, a Teoria Queer utiliza o princípio de conhecimento


pós-moderno, que rejeita a possibilidade de alcançar uma realidade objetiva, e o
princípio político pós-moderno, que enxerga a sociedade como estruturada em
sistemas injustos de poder. O objetivo final da Teoria Queer é identificar como as
categorias linguísticas criam opressão e perturbá-las. Além disso, ela incorpora temas
pós-modernos, como o poder da linguagem (a linguagem cria as categorias, as impõe
e insere as pessoas nelas) e a dissolução de fronteiras (as fronteiras são arbitrárias e
opressivas, podendo ser apagadas ao torná-las mais fluidas).

A Teoria Queer valoriza a incoerência, a ilogicidade e a falta de inteligibilidade


como ferramentas para desafiar a norma em favor do “queer”, que é orgulhosamente
chamado de “identidade sem essência”. Sua linguagem nebulosa é intencional e
influenciou profundamente o desenvolvimento da Teoria pós-moderna em formas
aplicadas mais recentes, como estudos de gênero, ativismo trans, estudos de deficiência
e estudos de gordura.

A Teoria Queer teve origens nas décadas de 1960 e 1970, crescendo a partir
de grupos radicais que revolucionaram os estudos feministas, gays e lésbicos, e sua
militância. O movimento pelos direitos dos gays também contribuiu para o interesse
renovado no estudo da homossexualidade e suas categorizações e estigmas
históricos e contemporâneos. A crise da AIDS na década de 1980 também influenciou
profundamente a Teoria Queer, tornando as questões dos direitos gays urgentes social
e politicamente.

A Teoria Queer contesta a distinção entre sexo e gênero, argumentando que


ambos são construções sociais e, portanto, fictícios. Enquanto o feminismo da segunda
onda e os movimentos pelos direitos gays buscaram reconhecimento e igualdade
baseados em fundamentos biológicos, os teóricos queer questionam a ideia de que
a biologia subjacente a sexo, gênero e sexualidade é uma verdade inquestionável.

30 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

Eles se baseiam em ideias pós-modernas, especialmente de Michel Foucault, para


analisar como discursos dominantes criam e reforçam categorias como “masculino”,
“feminino” e “gay”. No entanto, a Teoria Queer, muitas vezes, não percebe que entender
as orientações sexuais e identidades de gênero como enraizadas na biologia tende a
aumentar a aceitação das diferenças, pois são vistas como algo que os indivíduos não
podem controlar, e, portanto, não são questões morais. Contrariamente à ideia de
que é aceitável ser gay, a Teoria Queer busca manter a homossexualidade como um
terreno para uma política identitária radical e desconstrutiva.

Em resumo, a Teoria Queer é uma abordagem que desafia as normas estabelecidas


em relação a gênero e sexualidade, criticando categorias linguísticas que considera
opressivas. Sua influência se estende a campos como estudos de gênero, ativismo
trans, estudos de deficiência e estudos de gordura, contribuindo para uma compreensão
mais complexa e desconstrutiva das identidades e das estruturas sociais.

ESTUDOS SOBRE DEFICIÊNCIA


E CORPO GORDO: SUBSTITUINDO
A CIÊNCIA PELA DOCE ILUSÃO
Assim como nos estudos de gênero, na Teoria Crítica da Raça e na Teoria
Queer, abordagens críticas ao estudo da deficiência e da obesidade como identidades
começaram com a virada pós-moderna aplicada no final dos anos 1980 e início dos
anos 1990. Isso levou à criação dos estudos de deficiência e dos estudos de obesidade.
Paralelamente ao que ocorreu nos estudos de gênero, essas novas áreas de estudo
em grande parte afastaram abordagens mais práticas, menos propensas a acreditar
que tudo é uma construção social e melhor abordada com políticas identitárias.

Embora semelhantes em muitos aspectos, esses dois campos têm histórias


diferentes, então vamos abordá-los separadamente.

ESTUDOS DE DEFICIÊNCIA
O ativismo para pessoas com deficiência começou na década de 1960,
simultaneamente ao Movimento pelos Direitos Civis, ao feminismo da segunda onda
e ao orgulho gay. O objetivo era tornar a sociedade mais acessível e acolhedora
para pessoas com deficiência, melhorando assim sua qualidade de vida. Os ativistas
buscavam aumentar o acesso das pessoas com deficiência às oportunidades
disponíveis para as não deficientes, e o movimento obteve algum sucesso.

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 31


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

Entretanto, os estudos de deficiência começaram a mudar na década de 1980.


Após a virada para o pós-modernismo aplicado e a incorporação do feminismo
interseccional, Teoria Queer e Teoria Crítica da Raça, os estudos de deficiência passaram
a ver habilidade e deficiência como construções sociais. Desde então, tornou-se cada
vez mais radical e pós-moderno. A deficiência (incluindo certas doenças mentais
tratáveis) passou a ser valorizada como uma identidade marginalizada, vista como
injustamente desvalorizada em relação às identidades “normais” de corpos saudáveis.
Como resultado, os estudos de deficiência adotaram uma abordagem cada vez mais
abstrata, tornando-se inadequados para melhorar as oportunidades e a qualidade de
vida das pessoas com deficiência.

Nos anos 1980, o estudo e ativismo em relação às pessoas com e sem deficiência
(termo peculiar que significa o estudo tanto das pessoas com deficiência quanto
daquelas sem) mudaram de uma compreensão da deficiência como algo relacionado
ao indivíduo para vê-la como algo imposto aos indivíduos por uma sociedade que não
acomoda suas necessidades.

Antes dessa mudança, as pessoas com deficiência eram vistas como indivíduos
cujas deficiências afetam a maneira como interagem com o mundo. Após a mudança,
a deficiência passou a ser vista como um status imposto a eles por uma sociedade
hostil e desinteressada. Por exemplo, uma pessoa com surdez era anteriormente
considerada alguém que não pode ouvir, deficiente devido ao fato de sua condição.
Após a mudança, ela passou a ser vista como uma pessoa surda, alguém que não
pode ouvir e a quem a sociedade “desabilitou” ao não a acomodar tão bem quanto
aqueles que podem ouvir. “Desabilitado” deixa de ser um adjetivo para descrever um
aspecto de uma pessoa, tornando-se algo que foi feito a uma pessoa ( pelo sistema).
“Eu sou deficiente” torna-se “Virei deficiente ( pela sociedade)”.

Noutras palavras, uma pessoa só é deficiente por causa da suposição da sociedade


de que as pessoas são todas capazes, e se a sociedade mudasse radicalmente o
suficiente, essa pessoa não seria mais deficiente.

Essa mudança parece ter ocorrido em duas etapas. Na primeira, o que é


comumente chamado de “modelo social de deficiência” substituiu o “modelo médico
de deficiência”, por vezes chamado de “modelo individual”. No modelo médico, a
deficiência é algo que afeta uma pessoa, e a solução é corrigir a condição desabilitadora
ou aliviar as limitações, para que as pessoas com deficiência possam se envolver
com o mundo mais semelhantemente às pessoas sem deficiência ou aceitar que não
podem se envolver com ele. No modelo social de deficiência, no entanto, é a sociedade
que desabilitou uma pessoa por não criar ambientes que acomodem indivíduos
com deficiências.

32 PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA


ISAIAS LOBÃO

Nos estudos contemporâneos sobre deficiência, o termo “capacitismo” abrange a


aceitação da ideia de que ser capaz de se movimentar é superior a ter uma deficiência,
estabelecendo a capacidade como o padrão “normal”. representa o preconceito
dirigido às pessoas com deficiência, perpetuando a visão de que a condição delas é
“anormal” e reforçando a crença de que indivíduos sem deficiência são superiores aos
que possuem alguma limitação.

Segundo os teóricos, a valorização da capacidade física ou cognitiva como


norma pode levar à exclusão e à desvalorização das experiências das pessoas com
deficiência. Esse viés societal perpetua estereótipos prejudiciais e impõe barreiras
sistemáticas que dificultam a plena participação desses indivíduos na sociedade.

Os estudos sobre deficiência, ativismo e o modelo social de deficiência começaram


com metas louváveis. Inicialmente, buscavam aliviar o fardo das pessoas com
deficiência de se adaptarem à sociedade, promovendo uma melhor acomodação por
parte da sociedade em relação a elas e às suas deficiências. Essa mudança de ênfase
foi incorporada em diversas leis, aumentando o acesso de pessoas com deficiência
a oportunidades de emprego e sociais das quais eram excluídas anteriormente.
Era apropriado que a pesquisa acadêmica continuasse esse trabalho ao estudar as
atitudes sociais em relação à deficiência e buscar melhorá-las.

Infelizmente, a introdução da Teoria Pós-Moderna Aplicada nos estudos sobre


deficiência desviou-os do seu verdadeiro propósito. Essa abordagem centrada na
identidade pressiona as pessoas com deficiência a politizarem suas deficiências.
A profunda desconfiança na ciência médica em si não beneficiará as pessoas com
deficiência. A interseccionalidade complicará a questão do preconceito contra pessoas
com deficiência, ao enterrá-la sob uma montanha de “discursos sobrepostos de
privilégio”. O uso do modelo teórico da Teoria Crítica da Raça para insistir que as
deficiências são, em última instância, construções sociais não é útil, pois as limitações
físicas e mentais são objetivamente reais, e as pessoas muitas vezes as desgostam
devido ao impacto negativo em suas vidas (e não porque foram socializadas a
desgostar delas).

Exigir que as pessoas com deficiência assumam a deficiência como uma


identidade para perturbar normas culturais capacitistas é antiético. Muitas pessoas
com deficiência desejam não ter deficiência e buscam melhorar sua condição para si
e para os outros. Isso é um direito delas, e um ativismo eficaz em prol da deficiência
deveria apoiar essa escolha. Acusar aqueles que desejam isso de terem “internalizado
o capacitismo” é precipitado e insultante.

Um problema ao adotar uma deficiência física ou mental como identidade é que


isso transforma qualquer tratamento possível da deficiência em um ato de apagamento.

PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA BRAZIL – USA 33


RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

Isso pode levar as pessoas a problematizar ou recusar tecnologias que, por exemplo,
permitem que pessoas surdas ouçam, porque isso as tornaria não surdas. A maioria
das pessoas surdas cuja deficiência auditiva poderia ser melhorada por um aparelho
auditivo não rejeitaria essa intervenção, e seria cruel chamá-las de traidoras da
identidade por aceitá-la.

Os estudos e o ativismo em deficiência não representam todas as pessoas


com deficiência e podem até prejudicar a capacidade dessas pessoas de obterem os
diagnósticos e tratamentos que desejam. O status associado a ter uma identidade
marginalizada pode até mesmo aumentar a tentação de tornar-se mais, em vez
de menos, deficiente e de concentrar-se excessivamente na própria deficiência.
Isso é especialmente preocupante se as pessoas puderem se auto identificar como
deficientes sem um diagnóstico profissional ou cuidados médicos. Apesar de boas
intenções, os estudos sobre deficiência são, em última instância, considerados
como falhos.

ESTUDOS
SOBRE O CORPO GORDO
Os estudos sobre deficiência enfrentam desafios semelhantes aos encontrados
nos estudos sobre obesidade. Assim como os estudos sobre deficiência, os estudos
sobre obesidade tiveram início nos Estados Unidos na década de 1960, como parte
do ativismo em prol da aceitação de corpos gordos, e têm assumido diversas formas
desde então. Recentemente, consolidaram-se como uma área distinta nos estudos
de identidade, incorporando fortemente a Teoria Queer e o feminismo, com um
foco marcante na interseccionalidade. A abordagem busca equiparar as percepções
negativas da obesidade ao racismo, sexismo e homofobia, rejeitando explicitamente
a ciência. Ao concentrar-se na construção social da obesidade, procura capacitar as
pessoas obesas a resistirem às orientações médicas, abraçando uma “consciência
comunitária” que enxerga a obesidade como algo positivo.

Os estudos sobre obesidade fundamentam-se fortemente no princípio pós-


moderno do conhecimento, que o considera uma construção de poder perpetuada em
discursos, neste caso, discursos enraizados na gordofobia, combinados com misoginia
e racismo. Esses estudos criam complexas estruturas de opressão, adotando uma
postura radicalmente cética em relação à ciência e defendendo “outras formas de
conhecimento”, que incluem experiências pessoais, teorias, feminismo e até mesmo
poesia. O ativismo em prol da aceitação de corpos gordos surgiu no contexto das
mudanças sociais, culturais e políticas que começaram a valorizar estudos culturais e
de identidade, bem como o pós-modernismo, por volta da década de 1970.

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ISAIAS LOBÃO

No entanto, o ativismo em prol da aceitação de corpos gordos parece ter


adotado características pós-modernas muito mais recentemente do que outros tipos
de estudos de identidade que se baseiam na Teoria Pós-Moderna Aplicada. Isso
ocorre provavelmente porque os estudos sobre obesidade não se tornaram uma área
acadêmica consolidada até bastante recentemente, embora estudiosas feministas já
teorizassem há muito tempo sobre a pressão exercida sobre as mulheres para serem
magras. Historicamente, a pesquisa e o ativismo que deram origem aos estudos
sobre obesidade eram chamados de feminismo gordo, associados principalmente
às correntes radicais e lésbicas radicais do feminismo, com um seguimento limitado.
Isso não mudou significativamente até a década de 1990, quando o movimento de
positividade corporal, focado na aceitação e celebração de “corpos gordos”, emergiu
na sociedade.

Os estudos relacionados ao corpo gordo são criticados como uma forma


irracional e ideológica de ativismo, carecendo de consistência interna e mesclando
teorias de raça, feminismo, queer, anticapitalismo e estudos de deficiência. Em vez de
abordar as causas da obesidade, esse campo adota uma abordagem mais semelhante
a um grupo de apoio do que a uma disciplina acadêmica rigorosa. Além disso, são
levantadas preocupações de que o ativismo em favor da aceitação da obesidade pode
ser perigoso, desencorajando a consideração das evidências médicas relacionadas
aos riscos à saúde associados à obesidade.

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RAÍZES ANTIGAS, DESAFIOS MODERNOS

SOBRE O AUTOR
Nascido em Anápolis, Goiás, o autor é
pastor presbiteriano. Há 24 anos dedica-se
ao ensino de teologia, exegese e história da
igreja em vários seminários teológicos.

Atualmente, reside em Palmas, onde


ministra aulas de história no Instituto Federal

Imagem: Acervo do autor (2024)


do Tocantins (IFTO). Além disso, desempenha
o papel de pesquisador no GP-GIM (Grupo de
Pesquisa em Gestão, Inovação e Mercados) do
Instituto Federal de Goiás (IFGO) e no PEJ-UnB
(Projeto de Estudos Judaicos-Helenísticos) da
Universidade de Brasília (UnB).

Encontra-se no processo de doutoramento em história pela Universitat de


València (Espanha) e possui mestrado em Teologia pela Faculdade EST, São Leopoldo,
RS. Seu percurso acadêmico inclui bacharelado e licenciatura em História pela UnB,
licenciatura em Filosofia pela Faculdade Única de Ipatinga, bacharelado em Teologia
pela Faculdade Cristã Evangélica do Planalto (Brasília) e diploma em Teologia pelo
Seminário Hispano Reina Valera em Houston, TX/EUA.

Especializou-se na área de Liderança em Ministério de Juventude pela Escola de


Liderança e Ministério (ELIM) em Belo Horizonte – MG. Participou da turma de 2019 da
Summer School do Instituto Mises Brasil e é membro da World Reformed Fellowship,
da Society of Biblical Literature e do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR).

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ISAIAS LOBÃO

REFERÊNCIAS
Campagnolo, A.N. (2019) Feminismo: perversão e subversão. São Paulo: Vide.

Davidson, F. (ed.) (1994) O novo comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova.

Grenz, S. (1997) Pós-modernismo: para entender a filosofia de nosso tempo.


São Paulo: Vida Nova.

Hicks, S. R. (2021). Guerra cultural. São Paulo: Avis Rara.

Lutzer, E.W. (2022) Não seremos calados. São Paulo: Trinitas.

Mises, L. von (2017) O cálculo econômico em uma comunidade socialista. LVM.

Pluckrose, H & Lindsay, J. (2022) Injustiça social. São Paulo: Avis Rara.

Saad, G. (2021) A mente parasita. São Paulo: Trinitas.

Schaeffer, F.A. (2007) A morte da razão. 2nd edn. São Paulo: ABU Editora.

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