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Interpretação de enunciados sobre o ensino de/com cordel em um livro

didático de língua portuguesa

Interpreting statements about teaching cordel in a portuguese language


textbook

Interpretación de afirmaciones sobre la enseñanza del cordel en un libro de


texto de lengua portuguesa
DOI: 10.55905/revconv.17n.4-181

Originals received: 03/19/2024


Acceptance for publication: 04/09/2024

Genivaldo do Nascimento
Mestre em Educação e Pesquisa
Instituição: Universidade do Québec à Chicoutimi (UCAQ)
Endereço: Chicoutimi - Quebec, Canadá
E-mail: gnascimento26@yahoo.com.br

Brenda Mércia do Nascimento Lima


Bacharelanda em Jornalismo
Instituição: Centro Universitário Internacional (Uninter)
Endereço: Petrolina - Pernambuco, Brasil
E-mail: brendamercia17@gmail.com

Carlos Eduardo Romeiro Pinho


Mestre em História
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Endereço: Recife - Pernambuco, Brasil
E-mail: carlos_romeiro@yahoo.com

Maria de Fátima Monteiro


Mestra em Ciências da Educação
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Endereço: Recife - Pernambuco, Brasil
E-mail: fatima.monteiro@upe.br

Vlader Nobre Leite


Mestre em Letras
Instituição: Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Endereço: João Pessoa - Paraíba, Brasil
E-mail: vladernobreleite@gmail.com

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Lusineide Carmo Andrade de Lacerda
Mestra em Educação
Instituição: Universidade de Pernambuco (UPE)
Endereço: Petrolina - Pernambuco, Brasil
E-mail: lusineide.lacerda@upe.br

Isabela Barbosa do Rêgo Barros


Doutora em Letras
Instituição: Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Endereço: João Pessoa - Paraíba, Brasil
E-mail: isabela.barros@unicap.br

RESUMO
Esse estudo trata da interpretação de enunciados em livros didáticos sobre o ensino de/e com
cordel, o qual tem se constituído como parte do discurso pedagógico nos últimos anos no Brasil.
Analisa o apagamento, em livros didáticos, de elementos da Teoria da Enunciação que tratam da
literatura de cordel. Esse trabalho demonstra que nesses materiais de apoio, geralmente, háuma
negação do contexto de uso da língua e dos elementos da Enunciação, como a relação EU-TU e
do tempo-espaço, apontados por Benveniste. Dessa forma, os livros didáticos descontroem,
inclusive, o conceito de enunciado (um dito com contexto), pois apresentam em forma de frase
os comandos do que os alunos (alocutários) devem fazer. Assim, o cordel é apresentado
desvinculadode sua historicidade. O embasamento teórico desse estudo teve o apoio da Teoria
da Enunciação à luz dos estudos de Benveniste. Quanto à metodologia,esta pesquisa foi de cunho
qualitativo e o método de análise, o descritivo- interpretativo. O corpus foi constituído por um
livro didático de Língua Portuguesa. Os resultados desse estudo indicam a necessidade de mais
investigação acerca do posicionamento do locutor como um etnógrafo estruturalista da língua
em enunciados sobre o ensino de cordel na Educação Básica.

Palavras-chave: enunciação, cordel, interpretação, livros didáticos.

ABSTRACT
This study deals with the interpretation of statements in textbooks about the teaching of/and with
cordel, which has become part of the pedagogical discourse in recent years in Brazil. It analyzes
the erasure, in textbooks, of elements of the Theory of Enunciation that deal with cordel literature.
This work demonstrates that in these support materials, there is generally a denial of the context
of language use and the elements of Enunciation, such as the I-YOU relationship and time-space,
highlighted by Benveniste. In this way, textbooks even deconstruct the concept of utterance (a
saying with context), as they present in sentence form the commands of what students (allocutors)
should do. Thus, the cordel is presented disconnected from its historicity. The theoretical basis
of this study was supported by the Theory of Enunciation in light of Benveniste's studies. As for
the methodology, this research was qualitative in nature and the analysis method was descriptive-
interpretive. The corpus consisted of a Portuguese language textbook. The results of this study
indicate the need for further investigation into the speaker's positioning as a structuralist
ethnographer of the language in statements about the teaching of cordel in Basic Education.

Keywords: enunciation, cordel, interpretation, didatic books.

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RESUMEN
Este estudio aborda la interpretación de enunciados en los libros de texto sobre la enseñanza de/y
con cordel, que ha pasado a formar parte del discurso pedagógico en los últimos años en Brasil.
Se analiza la eliminación, en los libros de texto, de elementos de la Teoría de la Enunciación que
tratan de la literatura cordel. Este trabajo demuestra que en estos materiales de apoyo hay
generalmente una negación del contexto de uso del lenguaje y de los elementos de la
Enunciación, como la relación YO-TÚ y el tiempo-espacio, resaltados por Benveniste. De esta
manera, los libros de texto incluso deconstruyen el concepto de enunciado (un dicho con
contexto), ya que presentan en forma de oración las órdenes de lo que los estudiantes (alcutores)
deben hacer. Así, el cordel se presenta desconectado de su historicidad. La base teórica de este
estudio estuvo sustentada en la Teoría de la Enunciación a la luz de los estudios de Benveniste.
En cuanto a la metodología, esta investigación fue de carácter cualitativo y el método de análisis
fue descriptivo-interpretativo. El corpus estuvo constituido por un libro de texto en lengua
portuguesa. Los resultados de este estudio indican la necesidad de seguir investigando el
posicionamiento del hablante como etnógrafo estructuralista de la lengua en afirmaciones sobre
la enseñanza del cordel en la Educación Básica.

Palabras clave: enunciación, cordel, interpretación, libros didácticos.

1 INTRODUÇÃO

Situado nos quatro campos de atuação do ensino de Língua Portuguesa, principalmente


no artístico-literário, conforme a BNCC-Base Nacional Comum Curricular-, o cordel foi
incorporado às práticas pedagógicas discursivas em muitas escolas e redes de ensino no Brasil
nas últimas décadas, produzindo efeitos de sentido no campo pedagógico.
Como acontece na prática de ensino de outros gêneros discursivos, em nossa prática como
docente da Educação Básica e do Ensino Superior, percebemos em planos de aula e livros
didáticos que o cordel é ensinado como fim e não como meio. Assim, o que predomina nessas
práticas é o simulacro de ensino degêneros, voltado para a forma/estrutura, em uma perspectiva de
ensino explícito,tão criticada por diversas correntes de estudos de gênero.
O ensino do gênero discursivo cordel, geralmente, está preso à forma. É dito nesse
processo de aprendizagem que esse tipo de literatura tem como elementos formais a rima, métrica
e oração. Raramente o cordel é apresentadocomo gênero literário, veículo de massa e modos de
vida, conforme definição do Iphan-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Podemos dizer que existe uma certa fetichização da forma/estrutura no ensinodo/e com
cordel em livros didáticos. Esse fetichismo da forma apaga elementos da Enunciação, pois

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posiciona o locutor e o alocutário na frase sem considerar o contexto de uso efetivo da língua, ou
seja, desvinculada da prática social.
Esse estudo analisa o autor do livro didático como um tipo de locutor e o aluno
(destinatário desses livros), como alocutário. Embora inseridos em uma prática social ( a do
ensino), esses materiais de apoio tratam a língua como sistema emenunciados sobre o ensino
de/com cordel.
A problemática desse estudo questiona de que forma o locutor fala com o alocutário em
livros didáticos que tratam do ensino de/com cordel. Considerandoque para Benveniste o locutor,
ao se apropriar do aparelho formal da língua, tenta exercer influência sobre o alocutário usando
mecanismos da enunciação, o objetivo desse estudo foi analisar, em enunciados sobre o ensino
de/com cordelem livros didáticos, os elementos das regras da língua e aqueles ligados ao uso
efetivo dela.
Os resultados dessa análise mostram que, nesses materiais de apoio didático, o locutor
se posiciona como um etnógrafo da língua e direciona o olhar do alocutário para o aparelho
formal desta, em um movimento que tem como alicerce a perspectiva estruturalista. Dessa forma,
a interpretação da língua (tanto do locutor como do alocutário) é voltada para a língua somente
como sistema, negando/apagando a força da enunciação.

2 A IMPORTÂNCIA DO ENUNCIADO PARA OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS-


DISCURSIVOS

Pedimos permissão ao leitor para sairmos um pouco da seara linguística e irmospara a da


História. O objetivo desse movimento é mostrar que, além da Linguística, outras áreas também
olham para a língua com uma lente que enxerga os elementos exteriores à língua como parte
constitutiva dela.
Um desses estudos fora da área da linguagem é o de Harari (2015, p. 42), o qual afirma
que “o homo sapiens conquistou o mundo, acima de tudo, graças à sua linguagem única”.
Segundo esse historiador, a Revolução Cognitiva, ocorrida há 70 mil anos, fez com que mudanças
significativas acontecessem no cérebro e estas possibilitaram ao sapiens criar a linguagem
fictícia. Essa revolução foi fundamental para que a Revolução Agrícola e a Científica
acontecessem.

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A linguagem de ficção fez com que os sapiens falassem sobre coisas que não existiam,
como deuses, por exemplo. Isso mudou a história da humanidade e foi o principal elemento
diferenciador entre os humanos e os outros animais. A linguagem existe entre certos animais,
como o macaco. Porém, somente o humano pode falar acerca de coisas sagradas, ou seja,
criam realidades subjetivas. Macacos não sabem o que é um rei. “A capacidade de criar uma
realidade imaginada com palavras possibilitou que um grande número de estranhos coopere de
maneira eficaz” (Harari, 2015: 41). Essa capacidade criativa não está circunscrita à estrutura da
língua. Depende de elementos exteriores a ela, ou seja, do contexto de uso.
O homo sapiens criou a linguagem verbal não somente para comunicar ou transmitir
mensagens e sim para fazer coisas: cooperar, interagir, criar coisas inexistentes, convencer,
controlar e planejar ações de sobrevivência do/no grupo.
Esse “fazer coisas” pelo homo sapiens envolve, como vimos, a ficção da linguagem. Esta
permite a criação de mitos, como as empresas, deuses e Deus, democracia, direitos humanos,
liberdade, mercado, moeda, família etc
É o enunciado (e não a frase ou palavra vistas isoladamente do contexto) que serve de
elemento central para os estudos da Linguística da Enunciação. Pode-se dizer que sem enunciado:
a) não teria como Benveniste apresentar o conceitoda enunciação voltado para o “eu, aqui, agora”;
b) o dialogismo e os gêneros dodiscurso de Bakhtin não seriam construídos; c) o texto como lugar
de interaçãotambém não existiria; d) o lema da Pragmática, inspirado em Wittgenstein, “tododizer
é fazer”, e os Atos de Fala de Austin não fariam sentido.
É fato que, por meio da linguagem, criamos mitos como teias de significados, numa
perspectiva da Antropologia de Geertz, por causa de necessidades,demandas de natureza humana
(psicológicas e fisiológicas). No entanto, é certotambém que essas mesmas teias que criamos nos
prendem, ou seja, criamos as teias de significados e estas nos criam. Fazemos isso por meio do
uso simbólico da língua.

3 CORDEL, GÊNEROS DISCURSIVOS, ENUNCIADO E ENUNCIAÇÃO

As pesquisas na área da linguagem desenvolvidas no Brasil na última década do século


XX e nas duas primeiras deste século influenciaram fortemente as políticas públicas voltadas
para o ensino. Prova disso foi o acolhimento de estudos linguísticos por dois documentos oficiais

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muito importantes: PCNs(Parâmetros Curriculares Nacionais), em 1997, e nos últimos anos pela
BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Embora o primeiro não tenha caráter
obrigatório, serviu de orientação para as escolas e redes de ensino. Já o segundo é lei
federal, portanto, deve ser seguido por todos os entes federativos e os da rede particular.
Se hoje o ensino de língua portuguesa está ancorado em gêneros discursivos,é por causa
dos resultados dessas pesquisas. A BNCC reconhece o texto comoelemento central desse ensino:

Tal proposta assume a centralidade do texto como unidadede trabalho e as perspectivas


enunciativo-discursivas na abordagem, de forma a sempre relacionar os textos a seus
contextos de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso significativo da
linguagem em atividades de leitura, escuta e produção de textos em várias mídias e
semioses(Brasil, 2018, p. 67)

Mesmo não recebendo, ainda, de muitos estudiosos o reconhecimento como um dos


elementos-base da historiografia literária brasileira, o cordel é um gênero discursivo/textual com
forte circulação nas escolas. Inicialmente visto apenas como produto folclórico ligado à
“identidadenordestina”, ele passou, em um deslocamento metafórico, a fazer parte de diversas
práticas pedagógicas em várias regiões do país.
Em relação aos diversos usos do cordel na escola, nos últimos anos, um fenômeno tem
chamado atenção: a cordelização, ou seja, a prática de, por exemplo: a) ensino de conteúdos
pedagógicos com o uso do cordel; b) publicação com base no recordel, ou seja, a transposição
para o cordel de obrasconhecidas do público, como a de Chapeuzinho Vermelho, prática que os
antigosjá a praticavam, a exemplo de Leandro Gomes de Barros ( Branca de Neve e osoldado
guerreiro, A batalha de Oliveiros com Ferrabrás, A história da donzela Teodora..., Iracema, a
virgem dos lábios de mel, Alfredo Pessoa de Lima ( A escrava Isaura); c) construção de narrativa
rimada, especialmente em sextilha, sobre algum tema atual; d) transformação de algum fato
social em texto rimado e metrificado conforme o ethos do cordel; e) ensino de conteúdos
pedagógicos com o uso do cordel.
Alunos e professores constituíram-se, nas últimas décadas, em importantes sujeitos na
produção/veiculação/recepção do cordel (locutores e alocutários). Por isso, é consensual nos
estudos que tratam do tema a afirmação de que, no Brasil, o cordel passou fazer parte do discurso
pedagógico em várias escolas e redes de ensino.Assim sendo, verifica-se que se tornou comum
a escola realizar projetos envolvendo o cordel, o qual vem servindo para uma série de atividades:
leitura, produção, dramatização, declamação e análise linguística. Não por acaso, o cordel faz

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parte, como elemento obrigatório, da Grade Curricular de Português do Estado de Pernambuco,
da BNCC-Base Nacional Comum Curricular e de vários livros didáticos recomendados pelo
MEC.
Nos enunciados sobre o ensino de/e com cordel em materiais de apoio pedagógico,
geralmente predomina o viés estruturalista. A esse respeito, Marinho; Pinheiro (2012, p. 126)
afirmam que:

Uma prática pedagógica que lança mão da literatura de cordel apenas como fonte de
informação (pesquisas sobre fatos históricos, sobre determinados personagens –Getúlio
Vargas, padre Cícero etc.- sobre fatos da linguagem), que retoma esta produção cultural
apenas como objeto de observação, parece- me inadequada para a sala de aula –
sobretudo para o Ensino Fundamental. Ela não consegue oportunizar um encontro com
aexperiência cultural que está ali representada e, de certo modo, como que esvazia o
objeto estético.

O olhar do aluno é direcionado por esses enunciados para a superfície do texto,os quais
apresentam o cordel como pretexto para o ensino de conteúdos da gramática normativa, rimas,
estruturação do poema, historicização do cordel, cultura, identidade etc, produzindo o
esvaziamento estético do objeto e o apagamento ideológico. Esses enunciados produzem a ideia
de que a linguagem é transparente.

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: ENUNCIADOS SOBRE O ENSINO DE/COM


CORDEL EM LIVROS DIDÁTICOS

O corpus do nosso estudo foi um livro didático de Língua Portuguesa do 7º Ano, de


autoria de Costa; Nogueira; Marchetti. São Paulo:Edições SM, 2011.
Seguem recortes discursisvos desse corpus de análise. São enunciados sobre o ensino
de/com cordel.

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Figura 1: página de livro didático com atividade acerca do cordel

Fonte: Costa; Nogueira; Marchetti, 2018, p. 206

Nessa xplicação sobre e ensino do/com cordel, as falas do locutor direcionam o olhar do
alocutário para o aparelho formal da língua. Percebemos como o posicionamento dos locutores
(autores do livro), ao se apropriar do aparelho formal da língua em uma perspectiva estruturalista,
também posiciona o alocutário (aluno) dessa forma. Os dois se constituem como etnógrafos da
própria língua, tendo como limite dessa interpretação a língua como sistema.

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Figura 2: página de livro didático com atividade acerca do cordel

Fonte: Costa; Nogueira; Marchetti, 2018, p. 207

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Figura 3: página de livro didático sobre a linguagem do cordel

Fonte: Costa; Nogueira; Marchetti, 2018, p. 208

Ao usar termos como “analise”, “releia”, “copie”, “assinale”, indique”, o locutor


posiciona o alocutário em um lugar de obediência. Este deve interpretar a línguaconforme os

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comandos das expressões imperativas. A relação do EU (locutor)com o TU (alocutário) é, assim,
estabelecida a partir de um sujeito do saber com outro que deve obedecer. Nesse caso, a língua é
o assunto (ELE) fora do discurso, como afirma Benveniste.
Talvez possamos denominar o locutor, nesses recortes linguísticos, de um etnógrafo
estruturalista da língua. Com marcas linguísticas como os tempos/modos verbaise índices pessoais
que remetem ao EU e ao TU, o locutor obriga o alocutário a ter esse mesmo olhar estruturalista
da língua.

Da perspectiva que estou querendo fundamentar, o fato de o locutor, o falante, poder


falar da língua com a língua confere-lheum estatuto muito singular: ele é uma espécie de
comentador doque ouve e mesmo do que diz. E não se trata de um comentárioqualquer,
mas de um recurso do qual o falante se vale para dizer algo que a língua fora da
propriedade “meta” não permite (Flores, 2015, p. 91).

Quanto ao fetiche do signo linguístico

Com o fetichismo do signo, a língua é percebida como um simples instrumento de


mediação entre realidades prévias independentes da linguagem, permitindo exteriorizar
a inconsistência do sistema da língua como pressuposição do referente. Por esse motivo,
torna-se inteiramente lícito considerar que o correlato do fetichismo do valor semântico
é, por um lado, a pressuposição do referente extrassimbólico e, por outro, a reificação
do próprio sujeito (Cardoso, 2007,p. 70).

A visão fetichizada da língua, alicerçada nos postulados do Estruturalismo, não permite


a historicidade constitutiva. Sem exterioridade, a língua se fecha nela mesma, de forma imanente.
Assim, a produção de sentidos está condicionadaa movimentos internos da língua. O texto passa
a ser, então, uma entidade também fetichizada porque aparenta ter vida própria. Não por acaso
ainda aparecem em livros didáticos enunciados do tipo “ identifique a mensagem que o texto
transmite”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo analisou enunciados sobre o ensino de/com cordel em um livro didático de
Língua Portuguesa. Demonstrou como o locutor (autora do livro), ao se posicionar como um
etnógrafo estruturalista da própria língua, obriga o alocutário (aluno) a ter um mesmo

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posicionamento. O locutor se apropria do aparelho formal da língua e dos mecanismos da
enunciação para falar do funcionamento das regras da língua.
Essa perspectiva de análise do posicionamento do locutor em relação aoalocutário, em
livros didáticos de Língua Portuguesa, talvez precise de mais investigação em outros trabalhos
de linguístico-discursivos.
É fato que o falante interpreta a língua, constituindo-se em um tipo de etnógrafoda própria
língua. As questões que podem ser melhor investigadas são: de que forma o sujeito falante
interpreta a língua? Quais as teorias da linguagem que melhor explicam essa interpretação? Que
efeitos de sentido pode produzir, nas práticas pedagógicas, uma interpretação enográfica
estruturalista?

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