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ISBN 978 972 31 1317 4 Iw
ISBN 978 972 31 1317 4 Iw
Galileu Galilei
4 .ª Edição
Galileu Galilei
GALILEU GALILEI (1564-1642)
SIDEREUS NUNCIUS
O MENSAGEIRO DAS ESTRELAS
Galileu Galilei
4.ª Edição
7
construiu o seu próprio telescópio melhorado; para o uso de
evidência visual na disciplina da astronomia - embora não
fosse a primeira vez, as imagens nunca haviam sido tão impor-
tantes como as gravuras lunares do Sidereus Nuncius, para a
definição da disciplina de astronomia como parte da filosofia
natural (ou da física, como diríamos hoje) - o livro foi enten-
dido como uma defesa do copernicianismo. Por todas estas
razões celebrámos 2009 , quatrocentos anos depois das primeiras
observações telescópicas de Galileu, como o Ano Internacional
da Astronomia. As celebrações começaram em 2008 com uma
conferência comemorando o primeiro pedido de patente para
um telescópio pelo vidreiro oculista de Middelburg, Hans Lip-
perhey, em Setembro de 1608. O ano de 2009 assistiu a uma
série de conferências sobre Galileu e a história da astronomia,
que tiveram lugar em locais desde o Médio Oriente à Europa
e à América Latina, dirigidas a todas as audiências, desde espe-
cialistas até crianças. No momento em que escrevo, em Janeiro
de 2010, o pó de toda esta actividade começa a assentar. Cele-
brámos, mas será que também aprendemos algo?
O Sidereus Nuncius de Galileu é um livro de tal modo
importante que cada geração de estudiosos retorna a ele, des-
cobrindo sempre novos ângulos: Mario Biagioli sublinhou a
importância do mecenato; historiadores de arte, de Samuel Y. .
Edgerton a Horst Bredekamp, discutiram a importância dos
contextos artísticos para as imagens lunares do Sidereus Nun-
cius, e outros, como Fernand Hallyn, tornaram as qualidades
literárias e poéticas do livro inteligíveis para todos nós. Esta
atenção renovada e interdisciplinar é talvez a melhor evidência
da importância do livro, não apenas como texto científico, mas
como um produto de cultura, com o qual cada nova geração se
tem de enfrentar, analisando, contextualizando e traduzindo-o.
Talvez o aspecto mais notável do trabalho recente sobre Gali-
leu, o telescópio e o Sidereus Nuncius, que veio à superfície,
mais ou menos, nos últimos dois anos (enquanto celebráva-
mos), tenha sido a importância da cultura material na astrono-
8
mia de Galileu. Foi feita investigação acerca das lentes e óculos
que antecederam as de Galileu, que nos ajuda a compreender
quão importante a artesania e o talento prático foram para o
telescópio. Veio à luz do dia uma lista de compras de Galileu,
escrevinhada nas costas de uma carta, que mostra como Gali-
leu, insatisfeito com as lentes que conseguia adquirir, recolheu
os materiais e as técnicas para construir o melhor telescópio da
altura. Além disso, cuidadosas investigações de exemplares do
próprio livro, por Albert van Helden, Owen Gingerich e Horst
Bredekamp, revelaram tanta informação nova que podemos
agora seguir a composição do Sidereus Nuncius quase dia a dia.
Mas tudo isto se pode ler nas páginas da excelente introdução
pelo distinto historiador da ciência Henrique Leitão.
H. Leitão recolhe toda a erudição relevante sobre Galileu,
o telescópio, e o Sidereus Nuncius, numa bela síntese que
(estou convencido) definirá o standard por muitos anos. Mas o
leitor também encontrará muito para desfrutar sobre a perspec-
tiva portuguesa deste famoso episódio da história da ciência,
que merece ser melhor conhecida fora de Portugal. É seguido
pela primeira tradução do Sidereus Nuncius feita em Portugal.
Isto torna este livro de uma importância cultural singular para
todos os que são menos versados em Latim, mas não em
conhecimentos e cultura - algo que Galileu, que escreveu
sobretudo em italiano, teria certamente apreciado.
SVEN ÜUPRÉ
9
PREFÁCIO
11
macono e moralista em que muitas vezes se redigem textos
sobre ele. 1
Galileu parece ter adquirido, na sociedade portuguesa, o
estatuto paradoxal do ícone do homem de saber, de curiosi-
dade fervilhante , apaixonado pelo conhecimento, com um espí-
rito indómito em busca da verdade, mas que não suscita pelo
seu exemplo, nem curiosidade, nem amor ao saber, ao estudo e
à investigação. Pelo menos no que diz respeito à sua própria
obra isso é certo. Há aqui, parece-me, muita matéria para a
reflexão dos especialistas em questões de sociedade, e talvez a
sugestão de alguma prudência nas análises que, com demasiada
facilidade, equacionam "culcura científica" com a popularidade
de certos nomes e a transacção de chavões.
O trabalho que agora se apresenta não se dirige, evidente-
mente, ao especialista; tem, sobretudo, um propósito de divul-
gação junco de um público culto e informado, mas desconhe-
cedor dos meandros da erudição galileana. O especialista nunca
dispensará a leitura do texto de Galileu na versão latina origi-
nal, mas o mesmo já não se pode pedir ao amador, por muito
interessado que seja por estes temas. Por esta razão, não se jus-
tificava que se preparassem anotações muito detalhadas e muito
técnicas, numa edição que tem propósitos de leitura amplos.
1
À parte alguns textos dispersos, por vezes incluídos em obras
didácticas ou em compilações várias, só conheço as seguintes traduções:
1) GALILEU GALILEI, Cartas, Discussões, Diálogos. Tradução e Prefácio de
António Dias Gomes (Lisboa: Delfos, 1970), com excertos muito reduzi-
dos da correspondência, documentos e algumas obras de Galileu, e i1)
GALILEU GALILEI, Diálogo dos Grandes Sistemas: Primeira Jornada. Tradu-
ção de Mário Brito; anotação e prefácio de José Trindade Santos (Lisboa:
Gradiva, 1979; com edições posteriores). No panorama geral de quase
total desinteresse pela obra de Galileu, só pode haver palavras de louvor
para os que se envolveram na tarefa, sempre difícil, de dar a conhecer
esses trabalhos ao público português. Mas, dito isto, tem de prevenir-se o
leitor de que nenhuma dessas traduções, nem os textos que as acompa-
nham, foi feita por um historiador de ciência, nem por pessoas familiari-
zadas com os contributos de Galileu.
12
Mas, por outro lado, sem os elementos essenc1a1s de con-
textualização e alguns esclarecimentos pontuais, a obra seria
dificilmente compreensível para o leitor actual. Nenhum texto
flutua a-historicamen te sobre a época em que foi escrito,
encontrando-se sempre relacionado com as polémicas, as perso-
nagens e o espírito do seu tempo, de maneira que a com-
preensão fica muito melhorada com o esclarecimento destes
elementos externos.
A decisão de preparar uma versão portuguesa destinada a
um público culto, mas não especializado, corresponde também
à intenção que moveu Galileu a escrever a sua obra. O uso do
latim - que Galileu abandonou em trabalhos posteriores -
revela que visava uma audiência instruída e internacional, mas
a estrutura e o conteúdo do livro foram pensados de modo a
permitir a leitura pelos que eram pouco versados em astrono-
mia ou nas ciências matemáticas.
Como sucede com todos os grandes textos da cultura oci-
dental, a variedade e riqueza de traduções, para diversos idio-
mas, entre as quais se encontram algumas de excelente quali-
dade, significa que todos os problemas de compreensão e/ou
tradução se acham resolvidos, e que todas as passagens de
interpretação dúbia foram já amplamente discutidas e analisa-
das. Há, de facto, uma vasta literatura em torno do Sidereus
Nuncius e, como ficará evidente no que segue, sou imensa-
mente devedor desses trabalhos, que usei com abundância e a
que me refiro com frequência.
Mas o livro que agora se apresenta tentou atingir algumas
metas que o distinguem de outras traduções e edições em cir-
culação.
Em primeiro lugar, foi feito um esforço para trazer ao
conhecimento do leitor os estudos mais actuais. A quantidade
de trabalhos sobre Galileu não tem cessado de aumentar, com
desenvolvimentos de grande importância nas últimas duas
décadas. Incluir os dados mais recentes e dar indicação dos
estudos mais modernos da historiografia galileana foi aqui uma
obrigação.
13
Em segundo lugar, nos dias de hoje praticamente todos os
materiais que se referem neste livro, quer fontes, quer literatura
secundária, encontram-se com muita facilidade, estando a
maior parte deles já disponibilizados online. Para dar apenas o
exemplo mais significativo, a monumental edição das Opere di
Galileo Galilei, por Antonio Favaro, que é o elemento de tra-
balho imprescindível para qualquer interessado em assuntos
galileanos, está hoje integralmente disponível online, sem qual-
quer custo. Na verdade, os estudos eruditos sofreram uma
revolução silenciosa nos últimos dez anos, motivada pelo facto
de o acesso às fontes ser hoje quase instantâneo. Publicar um
livro sobre Galileu, em 2010, sem levar isto em conta, seria
uma tolice. As indicações de fontes primárias que aqui se dão,
além de preencherem um dos quesitos básicos de qualquer tra-
balho erudito, são um convite ao leitor a que, agora que o
pode fazer com toda a comodidade em sua casa, explore com
algum pormenor esses documentos.
Finalmente, em terceiro lugar, há aspectos relativos à
divulgação das descobertas telescópicas de Galileu - e do pró-
prio telescópio - em Portugal a que se deu um especial des-
taque neste trabalho. A história das novidades galileanas e do
telescópio entre nós é um dos episódios mais interessantes da
nossa história científica, reflexo do período particularmente
rico e internacional da ciência portuguesa que foram as pri-
meiras décadas do século XVII. Pareceu-nos adequado recordar
aqui esses factos, ainda que brevemente.
** *
14
acompanha já há anos outros projectos editoriais em que estou
envolvido, e que acompanhou também este com a sua habitual
combinação de profissionalismo, simpatia e suave insistência no
cumprimento de prazos. Ainda na Fundação Gulbenkian, tive,
também, a oportunidade de discutir alguns dos assuntos aqui
tratados com o Prof. João Caraça, que além disso me indicou
bibliografia e deu sugestões; para ele também o meu agradeci-
mento.
Aos meus colegas e amigos Ana Simões, Bernardo Mota,
Carioca Simões, Guilherme de Almeida, João Filipe Queiró ,
José Vaquero, Luís Miguel Carolino, Luís Tirapicos e Samuel
Gessner, tenho a agradecer muitas conversas em torno dos
assuntos desta obra, correcções, sugestões e esclarecimentos
demasiados para enumerar, o empréstimo de bibliografia ou
apenas as simples, mas importantes, palavras de estímulo. Devo
um agradecimento muito especial ao Prof. Domingos Lucas
Dias, que há muitos anos, com uma generosidade e uma
paciência que ainda hoje me enchem de espanto, me introdu-
ziu na beleza e na precisão da língua latina, e agora me auxi-
liou uma vez mais, eliminando alguns erros e sugerindo muitos
melhoramentos de estilo na minha tradução. Como é evidente,
quaisquer lapsos ou infelicidades estilísticas que ainda subsis-
tam são da minha inteira responsabilidade. Estou também par-
ticularmente reconhecido ao Dr. Sven Dupré, um dos maiores
especialistas da actualidade no telescópio de Galileu, que tenho
o privilégio de contar entre os meus amigos, e que teve a ama-
bilidade de enriquecer este livro com a sua preciosa nota de
abertura. A todos estes e aos muitos outros colegas e amigos
que ao longo dos anos me têm ajudado, aqui fica o meu reco-
nhecimento.
A Janjão e os miúdos aturaram, com a sua habitual boa
disposição, um marido e pai que não tem horários, trabalha
em qualquer divisão da casa e insiste em que todos estejam a
par do último assunto que está a estudar, por mais recôndito
que seja. É mais que justo que lhes dedique este livro, em
modesta compensação do que os fiz penar.
15
***
HENRJQUE LEITÃO
Universidade de Lisboa
16
ESTUDO INTRODUTÓRIO
por
HENRIQUE LEITÃO
Uma Gazeta Sideral com "osservazioni di infinito stupore"
1
A literatura sobre Galileu tem proporções verdadeiramente monu-
mentais, que impossibilitam que se faça aqui qualquer resumo. Limitamo-
-nos a registar a existência, no mercado nacional, de traduções de algu-
mas obras importantes, cuja leitura se recomenda: STILLMAN DRAKE,
Galileu, trad. por Maria Manuela Pecegueiro (Lisboa: D. Quixote, 1981 );
ANTON IO BANFI, Galileu, trad. por António Pinto Ribeiro (Lisboa: Edi-
ções 70, 1986); MARIO BIAGIOLI , Galileu Cortesão. A Prática da Ciência
na Cultura do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio (Porto: Porto Editora,
2003); MICHAEL SHARRAT, Galileu, Inovador, trad. por Ana Sampaio
(Porto : Porto Editora, 201 O) . Outras obras que circulam no nosso país,
de carácter divulgativo, são em geral desaconselhadas. Pode dizer-se que a
historiografia galileana se divide em dois grandes temas: os estudos sobre
os seus trabalhos científicos e os estudos em torno do «caso Galileu». Para
o primeiro destes temas, isto é, os aspectos científicos, existe uma obra
excepcional, já considerada "the finest book ever written on Galileo"
(Noel Swerdlow) , que muito se recomenda: STILLMAN DRAKE, Galileo at
Work. His Scientific Biography (Chicago and London: The University of
Chicago Press, 1978). Ao longo deste estudo daremos indicações biblio-
gráficas actualizadas sobre todos os assuntos tratados.
19
O Sidereus Nuncius é a obra em que Galileu deu a conhe-
cer as novidades que descobrira com o telescópio, em observa-
ções que vinha a fazer desde Outubro ou Novembro de 1609.
Consciente da excepcionalidade do que observara, nos primei-
ros meses de 1610 ocupou-se febrilmente na preparação de um
pequeno resumo desses factos novos e sensacionais. Num
registo rápido, em pouco mais de 60 páginas, Galileu deu a
conhecer que a Lua tem uma superfície irregular, com monta-
nhas e vales, que há muito mais estrelas fixas do que aquelas
que se conseguem distinguir a olho nu, que a Via Lactea é
constituída por miríades de estrelas muito próximas e, sobre-
tudo, que Júpiter tem satélites. Deu também a conhecer ao
mundo o telescópio, instrumento com que fizera essas observa-
ções e que foi imediatamente saudado em inúmeras peças lite-
rárias e numa iconografia variada, mostrando que causara tanto
espanto como as descobertas em si .
A notícia dos descobrimentos astronómicos de Galileu
atravessou a Itália como um relâmpago e alcançou quase de
imediato as regiões mais distantes da Europa. O grande astró-
nomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) conta que soube
destes factos, em particular dos satélites de Júpiter, por volta de
15 de Março de 1610, por intermédio de um amigo, Johann
Matthaus Wackher, que, de uma carruagem diante de sua casa,
o pôs ao corrente das novidades sensacionais, e do espanto e
júbilo com que os dois celebraram estes descobrimentos. 2
2
O episódio vem referido por Kepler numa carta enviada a Gali-
leu em 19 de Abril de 1610 ( Opere, X, 320) . Esta carta, depois de
expandida e revista, foi publicada com o título de Dissertatio cum nuncio
sidereo (Praga, Daniel Sedesanus, 161 O), onde também se acha este
relato. Mais adiante voltaremos a este importante texto. Kepler foi talvez
o melhor e o mais importante leitor do Sidereus Nuncius e a sua carreira
foi também profundamente afectada pelo aparecimento da obra e do
telescópio. Os estudos sobre Kepler têm tido um grande desenvolvimento
nos últimos anos. A melhor biografia continua a ser a de MAx CASPAR,
Kepler, trad. por C. Doris Hellman (New York: Abelard Schuman, 1959;
depois reimpressa e melhorada, New York: Dover, 1993), mas são ute1s
também as seguintes obras: ARTHUR K0ESTLER, The Watershed: a
20
Kepler, como outros na altura, não hesitou em comparar Gali-
leu a um novo Colombo ( Opere, X, 296). 3 Em muito poucos
anos as notícias circulavam pelo mundo inteiro. Em 1611
haviam chegado a Moscovo, em 1612, à Índia e em 1614,
pelas mãos de um português, era redigido, em Pequim, o pn-
meiro sumário destas notícias extraordinárias em chinês. 4
21
O Sidereus Nuncius é um opúsculo pensado deliberada-
mente para causar sensação. É um relato de coisas espantosas e
admiráveis, algumas nunca antes vistas nem sequer imaginadas,
contadas numa narrativa rápida de tom claramente jornalístico.
As demonstrações são reduzidas ao mínimo, não se citam auto-
res nem se referem outras fontes, não se entra em discussão
com os clássicos nem com os contemporâneos, todas os desen-
volvimentos mais longos são remetidos para outras obras que
se anunciam.
Galileu refere-se muitas vezes ao seu livro como um
"Avviso", por vezes especificando, "Avviso astronomico", isto é,
um texto destinado a relatar novidades com um tom jornalís-
tico. 5 Esta intenção reflecte-se desde logo no título, com a
famosa ambiguidade entre "mensagem" e "mensageiro" criada
pela palavra Nuncius, uma ambiguidade que atormenta todos
os tradutores que lidaram com esta obra. 6 lsabelle Pantin assi-
nala que a melhor tradução francesa para o título, isto é,
aquela que, respeitando o título latino melhor se adequa ao
género do livro, seria "Le courrier des ascres". Não optou por
este título sobretudo porque ele perdia a tensão poética do ori-
ginal.7 Entre os tradutores modernos só um parece ter corrido
o risco de acentuar deliberadamente a conotação jornalística da
obra chamando-a "Gaceta Sideral". 8
22
O Sidereus Nuncius assinala a primeira grande entrada em
cena do próprio Galileu, até aí um professor universitário dis-
creto, muito talentoso, sem dúvida, mas praticamente sem pro-
vas dada~. Era agora o anunciador das mais espantosas notícias,
um "Mercurius alter" ( Opere, X, 396), que, com a publicação
do opúsculo, de um dia para o outro, passou a ser considerado
o maior homem de ciência da Itália e da Europa. O Sidereus
Nuncius transformou Galileu; na feliz expressão de Noel Swer-
dlow, "as descobertas de Galileu mudaram o mundo, mas pri-
meiro mudaram Galileu" 9• Esta mudança deu-se pelo menos
em dois sentidos, intimamente relacionados. Em primeiro
lugar, o livro assinala uma drástica alteração nos principais
interesses científicos de Galileu, até aí preocupado principal-
mente com assuntos de mecânica, para a astronomia. É certo
que nunca abandonará as investigações mecânicas, e que estas
virão a t;r a sua coroação máxima no final da sua vida, com a
publicação dos famosos Discorsi e dimostrazion_i matematiche
intorno a due nuove scienze (l 638), mas a astronomia tomava
agora um lugar central nas suas reflexões. Em segundo lugar, e
talvez ainda mais importante, o Sidereus Nuncius anuncia o
aparecimento público de Galileu, o coperniciano.
A adesão de Galileu às teses copernicianas parece ter sido
um processo complicado, com hesitações, avanços e recuos. A
30 de Maio de 1597, escrevia a Jacopo Manzoni dando aque-
las que são as primeiras informações conhecidas acerca do seu
23
copermc1anismo ( Opere, II, 197-202) e, poucas semanas
depois, a 4 de Agosto de 1597, numa bem conhecida carta a
Kepler, declarava que havia aderido às ideias de Copérnico "há
já muitos anos" ("in Copernici sententiam multis abhinc annis
venerim", Opere, X, 68-69) . Os historiadores têm lido sempre
esta afirmação com muita reserva, tanto mais que nessa mesma
carta Galileu anunciava ter várias provas do copernicianismo, o
que não era seguramente verdade. 10 Nos anos seguintes, con-
tudo, até 1610, pouco se pode discernir nos seus textos acerca
deste assunto. Dois dos maiores especialistas de Galileu, os
historiadores Stillman Drake e William Wallace, advogam
que este teria suspendido ou abandonado as suas convicções
copernicianas no período entre 1604 e 1610. Seriam as obser-
vações com o telescópio o factor crucial a tornar Galileu num
defensor do copernicianismo, como aliás ele próprio reconhece
num passo do seu Dialogo sopra i due massimi sistemi dei
mondo (1632) (Opere, VII, 356) 11 • Todavia, no Sidereus
N.uncius, a forma como revela a süa adesão ao copernicianismo,
se bem que inequívoca, é ainda algo discreta. Uma defesa
pública e explícita do heliocentrismo copernicano só se dará a
partir de 1613, com a publicação da lstoria e dimostrazioni
intomo ai/e macchie solari, onde torna cada vez mais explícita a
sua campanha em prol do novo modelo de ordenamento
cósmico.
10
Para uma análise desta importante carta, ver: MASSIMO Buc-
CIANTINI, Gaíiíeo e Kepíero: Filosofia, cosmologia e teologia nell'Età de/la
Controriforma (Torino: Einaudi, 2003), pp. 49-68.
11
O Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo Tolemaico e
Copernicano (Florença, 1632) está em Opere, VII, 21-520, e existem
várias edições modernas, noutros idiomas, com escudos acessórios e notas
explicativas. Acerca do copernicianismo de Galileu, vide STILLMAN
DRAKE, «Galileo's steps to full copernicianism and back», Studies in His-
tory and Phiíosophy of Science, 18 (1982) 93-103 [recolhido em: STJLL-
MAN DRAKE, Essays on Gaíileo and the History and Phiíosophy of Science.
Selected and introduced by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE
24
De todas as formas, quando publica o Sidereus Nuncius,
Galileu tem já muito claras as conclusões que pretende retirar
dos novos factos·, anunciando por três vezes ao longo do texto
a sua intenção de apresentar uma obra de grande envergadura
sobre o sistema do mundo. De facto, muitas das implicações
do que vira nestes meses com o telescópio só serão desenvolvi-
das inteiramente no Dialogo sopra i due massimi sistemi, em
1632.
O Sidereus Nuncius anuncia ainda outras novidades, não
estritamente astronómicas, mas nem por isso menos dramáticas
ou de consequências menos duradouras. O com e o estilo do
livro antecipam aquilo que será a marca do famoso pisano e
revelam desde logo uma atitude de aproximação ao estudo da
natureza profundamente diferente da preconizada e praticada
nas aulas de filosofia natural. O profundo desprezo de Galileu
pelos filósofos - que ele considera meros "comparadores de
textos" ( Opere, X, 423) - e, ainda mais, pela "abordagem filo-
sófica" ao estudo da natureza, é evidente em inúmeros passos
dos seus escritos, mesmo antes de ter razão de queixa das intri-
gas e manobras de professores de filosofia contra si. Estes, por
seu lado, constituíram os seus adversários mais constantes e
mais tenazes. Quando não evidenciaram uma hostilidade
aberta, mostraram-se incapazes de compreender a grandeza dos
25
seus descobrimentos. Como observou Srillman Drake há já
alguns anos, com a excepção de Campanella, nenhum filósofo
apoiou Galileu - uma afirmação que calvez peque por ser um
pouco exagerada, mas que traduz aquele que foi o sentimento
geral dos filósofos para com o famoso cientisra. 12
Galileu ensaiou também a utilização de uma nova lingua-
gem visual, num corre absoluto com os códigos de representa-
ção habitualmente usados em astronomia. As suas gravuras da
Lua foram possivelmente mais determinantes na aceitação
da natureza rugosa da superfície do satélite do que qualquer
argumento ou demonstração, e a sua descrição visual do movi-
mento dos satélites de Júpiter é completamente inovadora,
aproximando-se quase de uma narrativa cinematográfica.
Igualmente importante é o facto de o Sidereus Nuncius ter
sido peça capital na aproximação que Galileu vinha a desen-
volver à corre do Grão Ducado da Toscana e à família Mediei.
As apuradas técnicas de ascenção social, de gestão da sua car-
reira, de relação com os seus mecenas e o seu hábil sentido de
cortesão têm recebido muita atenção nos últimos anos e é hoje
claro que nenhuma descrição da carreira e feitos de Galileu
pode prescindir do conhecimento destes elementos 13 •
12
Sobre este assunto, veja-se: Galileo Against the Philosophers.
Translations with lntroductions and Notes by Stillman Drake (Los Ange-
les: Zeirlin and Ver Brugge, 1976). A apreciação é talvez um pouco exa-
gerada porque, como depois recordou Edward Rosen , além de Campa-
nella também Marin Mersenne e Pierre Gassendi manifestaram o seu
apoio a Galileu. Vide EDWARD ROSEN, «Galileo and the philosophers»,
Journal of the History of ldeas, 39 (1978) 147.
•
13
Estes assuntos são magistralmente analisados na obra de MARIO
BIAGIOLI, Galileo Courtier: The Practice of Science in the Culture of Abso-
lutism (Chicago and London: The University of Chicago Press, 1993).
[Tradução portuguesa: Galileu Cortesão. A Prática da Ciência na Cultura
do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio (Porto: Porto Editora, 2003)]. A
publicação desta obra teve enormes efeitos entre os estudiosos de temas
galileanos e deu origem a uma polémica de grande interesse para os que
queiram compreender os problemas com que a história da ciência acrual-
26
Já há alguns anos que Galileu planeava obter emprego ou,
pelo menos, transitar para a esfera de protecção da corte Tos-
cana. Fora tutor de matemática do jovem Cosme de' Mediei
no Verão de 1604 e mantivera depois disso o contacto com
ele, que se intensificou em 1609, quando Cosme ascendeu ao
cargo de Grão-Duque. A 30 de Janeiro de 1610, escreveu um
breve relatório das suas descobertas, que enviou para a corte,
iniciando assim um processo de aproximação que culminaria
com a nomeação dos satélites de Júpiter e a dedicatória do
Sidereus Nuncius a Cosme 11 . O nome dos Mediei ficava para
sempre ligado às mais importantes descobertas observacionais
da história da astronomia, e Galileu seria recompensado com a
entrada na corte florentina. Galileu planeou cuidadosamente
esta aproximação, em busca de um estatuto que lhe era indis-
pensável para a legitimação das suas ideias científicas. Na ver-
dade, era uma jogada muito ambiciosa, já que tinha como
objectivo a criação de uma categoria socioprofissional sem pre-
cedentes, a de filósofo e matemático de corte, estatuto que ele
negociou e conseguiu obter dos Mediei. 14
27
É também o livro onde Galileu revela publicamente de
maneira mais clara a sua participação em práticas astrológicas,
um envolvimento que os historiadores de épocas passadas, que-
rendo acentuar os traços modernos da sua personalidade, em
geral ocultaram. Só Antonio Favaro dedicou alguma atenção ao
assunto, mas o seu trabalho mais importante sobre o tema aca-
bou praticamente esquecido. 15 Nas últimas décadas, contudo, o
cenário mudou radicalmente e, hoje em dia, sabe-se bastante
mais sobre estas actividades. Não existem dúvidas de que Gali-
leu praticou astrologia durante toda a sua carreira e especial-
mente durante o seu período paduano. Bem mais importante
do que os horóscopos que fez para mecenas e patronos
- pois, naturalmente, parte das suas obrigações na corte da
Toscana consistia em fazer previsões astrológicas - , fez horós-
copos para as suas filhas ( Opere, XIX, 218-220), para alunos e
para alguns amigos ( Opere, XIX, 205-206). O seu amigo Gian-
francesco Sagredo (1571-1620) solicitava-lhe horóscopos regu-
larmente e Galileu aconselhava-o com base em previsões astro-
lógicas ( Opere, X, 96-97) . Conhecem-se também duas cartas
astrais que Galileu fez para o seu próprio nascimento. 16 É mais
complexo apurar qual o valor que atribuía às previsões astroló-
gicas, pois um famoso passo no Dialogo sopra i due massimi sis-
temi (1632) (Opere, VII, 135-136) e outras indicações dispersas
parecem indicar algum cepticismo ou descrença em pelo menos
algumas destas práticas. 17
15
ANTONIO FAVARO, «Galileo astrologo secando i documenti editi
e inediti», Mente e Cuore, 8 (1881) 99-108.
16
Cartas que, infelizmente, Favaro não inc.luiu nas Opere, embora
delas tenha dado notícia na «Astrologia nonulla» ( Opere, XIX, 205);
foram recentemente estudadas em grande detalhe por NOEL SWERDLOW,
«Galileo's horoscopes», Journal for the History of Astronomy, 35 (2004)
135-141.
17
Como é argumentado em: MASSIMO BUCCIANTINI and MICHELE
CAMEROTA, «Once more about Galileo and astrology: a neglected testi-
mony», Galilaeana: journal of Galilean studies, 2 (2005) 229-232. A lite-
28
O telescópio
29
os segredos do cosmos, convertia cada homem num rei com
senhorio sobre as obras da criação. 18
Galileu nunca reclamou ter sido o inventor do instru-
mento, mas fez sempre questão em deixar claro que construíra
ele próprio os seus telescópios e que, tendo-os aperfeiçoado
muito, fora ele quem os convertera realmente em instrumentos
científicos, tendo feito estes descobrimento s e progressos por
uma especial graça de Deus. Esta posição é evidentemente
atreita a más interpretações, quer por parte dos contemporâ-
neos, quer dos historiadores, que foi exactamente o que acon-
teceu.1 9 Para mais, a história da invenção do telescópio foi
sempre polémica, permanenteme nte envolvida em dúvidas e
atormentada por inúmeras questões de prioridade. O delicado
equilíbrio que Galileu escolheu para descrever a sua posição
relativamente à génese do instrumento parece ter sido apenas
mais um episódio numa história já de si mergulhada em equí-
vocos e discussões. 20
18
"O multiscium, et quovis sceptro preciosius Perspicillum: an, qui
te dextra tenet, ille non Rex, non Dominus constituatur operum Dei?" ].
KEPLER, Dioptrice (Augsburg, 1611), p. 14, também Johannes Kepler
Gesammelte Werke (München: Beck, 1937-), vol. IV, p. 344. Sobre o
impacto causado pelo novo instrumento óptico, agora associado a gran-
des descobertas, veja-se o capítulo «II cannocchiale nell'immaginario
barocco», in ANDRfA BATTISTINI, Galileo e i Gesuiti. Miti letterari e reto-
rica dei/a scienZA (Milano: Vira e Pensiero, 2000), pp. 15-60.
19
A posição de Galileu é um convite ao equívoco e para mais ele
nunca deu qualquer passo para corrigir os que pensavam ter sido ele o
inventor do instrumento. Um dos que assim pensaram foi Giovanni Bar-
toli, no prefácio que escreveu na obra de Marcantonio de Dominis, De
radiis et lucis in vitris perspectivis et iride (Veneza, 1611). Seja como for,
importa sublinhar que, estritamente falando, Galileu nunca se apresentou
como inventor do telescópio. Veja-se, sobretudo, o modo como ele se
explica no II Saggiatore ( Opere, X, 258-259). Sobre esta questão veja-se
também o trabalho de EDWARD ROSEN, «Did Galileo claim he invented
the telescope?», Proceedings of the American Philosophical Society, 98
(1954) 304-312.
20
O trabalho clássico sobre a origem do telescópio, recolhendo
todos os documentos e notícias pertinentes, é: CORNELIS DE WAARD, De
30
Conhecem-se desde a mais remota antiguidade "tubos
ópticos" (evidentemente sem lentes) empregues em observações
astronómicas, que continuaram a ser usados ao longo da Idade
Média em várias culturas. É claro que estes "instrumentos"
31
nada têm que ver com o instrumento óptico, mas o seu apare-
cimento em relatos escritos e em alguma iconografia foi sufi-
ciente para gerar fábulas sobre a origem do telescópio. 2 1 Na
verdade, a pré-história do telescópio está ligada à confecção
medieval de lentes e aos progressos artesanais na arte de polir
o vidro e fabricar óculos durante a Idade Média. As lentes
apareceram na Europa medieval em finais do século XIII e os
óculos adaptados para a leitura existem desde os inícios do
século XIV, sendo a mais antiga representação conhecida de uns
óculos de 1350.
Ao longo da Idade Média, a qualidade dos vidros e as
técnicas de polimento foram sucessivamente melhorando, con-
tando-se Florença e Veneza entre os mais importantes centros
de produção de vidro e lentes. No início do século XVI estavam
reunidos todos os conhecimentos práticos capazes de levar à
construção das primeiras lunetas.22 Não admira, pois, que a
partir de então se comecem a mulripliar as reclamações de
prioridade na invenção do telescópio. O estudioso Domenico
Argentieri sugeriu que Leonardo da Vinci (1452-1512) havia já
montado um sistema de duas lentes para ver ao longe, por
21
TH. HENRI MARTIN, «Sur des instruments d'optique faussement
attribués aux anciens par quelques savants modernes», Bulletino di Biblio-
grafia e di storia delle scienze matematiche e foiche, 4 (1871) 165-238;
ROBERT EISLER, «The Polar Sighting-Tube», Archives Internationales d'His-
toire des Sciences, 6 (1949) 312-332; HENRI MICHEL, «Les cubes optiques
avant le télescope», Ciel et Terre, 70 (1954) 175-184.
22
Sobre óptica medieval, ver: DAVID C. LINDBERG, Theories of
Vision from al-Kindi to Kepler (Chicago: University of Chicago Press,
1976); SUZANNE CONKLIN AKBARI, Seeing through the Veil. Optical Theory
and Medieval Allegory (Toronto: University of Toronto Press, 2004) .
Sobre a invenção dos óculos, EDWARD ROSEN, «The invention of eye-
glasses», Journal for the History of Medicine and Allied Sciences, 11 (1956)
13-46; 183-218; VINCENT ILARDI, «Eyeglasses and Concave Lenses in
Fifteenth-Century Florence and Milan: New Documents», Renaissance
Quarterly, 29 (1976) 341-360 e, sobretudo, VINCENT ILARDI, Renaissance
Vision from Spectacles to Telescopes (Philadelphia: American Philosophical
Society, 2007).
32
volta de 1508, antecipando assim os fabricantes holandeses e
Galileu em mais de um século. 23 Sempre atentos a que os seus
compatriotas não sejam deixados para trás , os historiadores bri-
tânicos também se pronunciaram, defendendo que o telescópio
tinha sido feito primeiramente pelos ingleses Thomas Digges
(ca. 1546-1595 ) e William Bourne (ca. 1535-1582). 24 Segundo
outros, o invento já viria anunciado na Homocentrica (1538) de
Girolamo Fracastoro (ca. 1478-1553), e recentemente, como se
o assunto não fosse já bastante confuso , foi argumentado que o
telescópio teria tido a sua origem na Catalunha. 25 Esta profu-
33
são de candidatos tem alguma justificação pois imediatamente
após a publicação do Sidereus Nuncius foram muitos os que
reclamaram a prioridade no invento do instrumento, a tal
ponto que quem se interessar por perseguir este assunto deve
estar pronto para entrar naquilo a que Favaro chamou "un
dedalo inestricabile di nomi" 26 •
De todos os possíveis inventores do telescópio no século
XVI apenas Giovanni Baptista Della Porta (1535-1615) parece
recolher o consenso dos investigadores. Na sua famosa Magiae
natura/is sive de miraculis rerum (1558 e 1589), Porta discutiu
muitos fenómenos e artefactos ópticos. A primeira edição da
obra (Nápoles, 1558) tinha apenas quatro livros, mas a
segunda edição (Nápoles, 1589), muito mais expandida, em
vinte livros, teve uma enorme difusão, sendo inclusivamente
traduzida para vários idiomas. Foi nesta edição que apresentou
um arranjo óptico com duas lentes, para aumentar a visão. 27
Depois de ter sabido do aparecimento do telescópio galileano,
Della Porta escreveu ao príncipe Cesi, na Accademia dei Lincei,
em Roma, a 28 de Agosto de 1609, reclamando a sua priori-
dade no invento do instrumento que, segundo ele, já fizera nos
anos oitenta do século dezasseis ( Opere, X, 252). 28 Esta recla-
mação parece ter ficado mais ou menos aceite entre os mem-
bros da Accademia dei Lincei, como se deduz de um verso
composto por Johann Faber (Giovanni Fabro), secretário dessa
26
ANTONIO FAVARO, «La invenzione dei telescópio secondo gli
ultimi studi», Atti dei Reale Istituto Veneto di Scienze, Lettere ed Arti, 60,
parte 2 (1907), 1-54, cit. na p. 54.
27
Sobre a óptica de Oella Porta, ver: DAVID C. LINDBERG, «Optics
in sixteenth-cenmry Italy», in PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità Celesti e
Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984), pp. 131-148.
28
Della Porta reclamava a sua prioridade em termos fortes acu-
sando os novos telescópios de serem "una coglionaria [ . . . ) presa dai mio
libro 9 De refractione" ( Opere, X, 252). Há um ligeiro lapso na frase
pois, como já foi notado por vários estudiosos, o que se refere ao teles-
cópio encontra-se no livro oitavo da Magiae Natura/is (1589) . Ver tam-
bém ( Opere, X, 508).
34
Academia. 29 Também Kepler sabia que Della Porta havia pro-
posto o telescópio antes e disse-o numa carta a Galileu. 30 Em
abono desta tese que faz remontar o invento do telescópio a
Itália deve ainda registar-se que o filho de Zacharias Jansen
(1588-1632) - um dos holandeses associado ao aparecimento
dos primeiros telescópios - relatou que o seu pai fabricara o
primeiro telescópio em 1604, seguindo o modelo de um ms-
trumento italiano que ostentava os dizeres "anno 1590".31
29
"Porta tenet primas, habes, Germane, secundas // Sunt Galilaee,
ruus tertia regna labor" . Uma tradução, com alguma liberdade, é a
seguinte: "Porta tem a primeira reclamação; Tu, germânico [= holandês)
tens a segunda; a terceira, Galileu, pertence ao teu trabalho". O poema
está na abertura do // Saggiatore (Roma, 1623) ( Opere, VI, 205).
30
"Incredibile mulris videtur epichirema tam efficacis perspicilli, ar
impossibile aut novum nequaquam est; nec super a Belgis prodiit, sed rot
iam annis antea proditam a lo. Baptista Porta , Magiae Naturalis libra
XVII, Cap. X." Trata-se da carta de 19 de Abril de 1610 (Opere, X, 323-
-324), que depois foi impressa como Dissertatio cum Nuntio Sidereo em
Praga, 161 O, e logo depois em Florença.
31
A informação é transmitida por Isaac Beeckman (1588-1637),
no seu diário. Beeckman aprendera a polir lentes com Johannes Jansen,
o filho de Zacharias (vide ALBERT VAN HELDEN, «The Invention of the
Telescope», Transactions of the American Philosophical Society, 67 ( 1977)
5-67). Mas cumpre recordar que as possibilidades continuam em aberto,
pois nunca faltaram candidatos ao disputado lugar de primeiro inventor
do telescópio. Para adicionar mais alguns exemplos, recorde-se que numa
carta a Galileu, a 24 de Abril de 161 O, também o florentino Raffaello
Gualterotti reclamou ter feiro o telescópio em 1598 (Opere, X, 341-342).
Mais recentemente foi observado que o célebre Beniro Arias Montano
(1527-1598) já em 1575, no Elucidationes in quatuor evangelia (Anruer-
piae, Ex officina Chisrophoro Plantini, 1575), num comentário ao passo
bíblico das tentações de Cristo (cap. IV do Evangelho segundo S. Lucas),
apresenta uma possível referência ao telescópio ao referir-se a um instru-
mento óptico com o qual se conseguia ver perto o que estava longe. Vide
JOHN L. H EILBRON, «The invention of the relescope», Journal for the His-
tory of Astronomy, 39 (2008) 530-531; JOSÉ M. VAQUERO, «Una nota
sobre Arias Montano y el uso dei telescopia antes de 1575», Revista de
Estudios Extremefíos (no prelo) .
35
Seja como for, o entendimento actual entre os historia-
dores parece ser o de que, apesar de ser provável que em
finais do século XVI alguém renha chegado à combinação ade-
quada de lentes que permitem obter o efeito do telescópio, a
história do instrumento deve começar obrigatoriamente com
o "telescópio holandês", não só porque a evidência documental
é incontroversa a partir daí, mas também porque os seus
inventores foram os primeiros a dar sinal de terem compreen-
dido as imensas potencialidades do instrumento, tentando
patenteá-lo e comercializá-lo.
Em Setembro de 1608, Hans Lipperhey (fal. 1619) , um
vidreiro (oculista) de Middelburg, deslocou-se até Haia, a capi-
tal da República Holandesa, para submeter uma patente de um
instrumento para ver ao longe. Lipperhey aproveitou a sua
estadia para propagandear o seu instrumento, mostrando-o e
fazendo demonstrações do seu uso a vários nobres, cortesãos e
outras pessoas influentes, inclusivamente ao príncipe Maurício
de Orange. O excepcional interesse do instrumento ficou claro
desde logo e Lipperhey foi instado a produzir mais telescópios.
Ao mesmo tempo, as notícias começaram a circular de ime-
diato. Mas o assunto rapidamente se complicou pois a autoria
do invento foi logo disputada, com reclamações de Zacharias
Jansen, também de Middleburg, e de Jacob Metius (fal. 1628),
de Alkmaar. A patente não foi concedida a Lipperhey, e em
resultado da polémica a notícia do telescópio ainda mais se
propagou.
E não só a notícia. Nos meses seguintes foram distribuí-
dos alguns telescópios a governantes e notáveis da Europa. Para
além dos que estavam na posse das autoridades holandesas,
sabe-se que por esta altura foram enviados telescópios para o
Rei de França e o seu primeiro-ministro, e para o Papa, em
Roma. 32
32
fmuito difícil saber exactamente como seriam estes instrumen-
tos e o assunto estará para sempre envolto em alguma obscuridade. Não
sobreviveu nenhum dos primeiros telescópios construídos por Lipperhey
36
O primeiro relato impresso mencionando um telescópio
acha-se num pequeno folheto publicado em Haia em 1608,
sem nome de autor nem de impressor, dando notícia da visita
de uma embaixada do Sião. No final, sem qualquer relação
com o assunto anterior, recolhe-se a notícia do excitante novo
invento:
37
semblables occasions, car d'une lieue loing et plus, on
peut aussi distinctement remarquer toutes choses, comme
si elles estoyent tout aupres de nous : et mesmes les etoi-
les qui ordinairement ne paroissent à nostre veue et à nos
yeux pour leur petitesse et foiblesse de nostre veue, se
peuuent voir par le moyen de cest instrument. 33 [ ... ]
38
1609 já se encontravam à venda, em Paris, lunetas rudimenta-
res, com um poder de ampliação de três vezes, e o número de
relatos acerca do novo artefacto óptico multiplicou-se. 36 Pouco
depois, as primeiras notícias chegavam ao sábio italiano.
Galileu deixou três relatos acerca do modo como chegou
ao conhecimento do telescópio. Para além do que conta no
Sidereus Nun cius, explicou os acontecimentos numa carta de 29
de Agosto de 1609 a Benedetto Landucci ( Opere, X, 253), e,
anos depois, em 1623, no II Saggiatore ( Opere, VI, 258) . Infe-
lizmente, esses três relatos apresentam discordâncias significati-
vas, o que, aliado ao facto de não se conhecer correspondência
de Galileu no período entre 9 de Março e 24 de Agosto de
1609, torna impossível reconstituir com segurança o que se
passou. 37 Aqui, e na Cronologia, no final deste Estudo, resu-
mimos o que parece ser a sucessão de eventos mais provável e
consensual entre os historiadores.
36
A primeira descrição de um telescópio num impresso encontra-
-se, em latim, na obra de JOHAN NES WALCHIUS, Decas fabularum huma-
nis generis (Strasbo urg: L. Zetzneri, 1609), pp. 247-248, e consistia de
um tubo com duas lentes.
37 A reconstituição dos acontecimentos
foi levada a cabo e dis-
cutida sobretudo nos seguintes trabalhos: EDWARD ROSEN, «When did
Galileo make his first telescope?», Centaurus, 2 (1951) 44-51; ST!LLMAN
DRAKE, «Galileo Gleanings VI: Galileo's first telescopes at Padua and
Venice», Isis, 50 (1959) 245-254 [também em: ST!LLMAN DRAKE, Essays
on Ga/ileo and the History and Philosophy of Science. Selected and intro-
duced by N . M. SWERDLOW and T. H . LEVERE (Toronto: University of
Toronto Press, 1999), vol. 3, pp. 33-44]; STILLMAN DRAKE, Galileo at
Work. His Scientific Biography {Chicago, The University of Chicago Press,
1978), pp. 137- 142; ALBERT VAN H ELDEN, «Galileo and the telescope»,
in PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità Celesti e Crisi dei Sapere (Firenze:
Giunti Barb/:ra, 1984), pp. 149- 158. Pode encontrar-se um bom resumo
em Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, rraduction et notes éta-
blis par Isabelle Pantin {Paris: Les Belles Lemes, 1992), pp . xiv-xxi, e
também, naquele que creio ser o mais recente balanço crítico da questão,
no livro de MICHELE CAMEROTA, Galileo Galilei e la Cultura Scientifica
nel!'età dei/a Controriforma {Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 152- 158.
39
Segundo parece, tudo terá começad o com uma notícia do
telescópio holandês que chegou a Paolo Sarpi (1552-16 23) , em
Veneza, em Novemb ro de 1608. Sarpi, um amigo e corres-
38
38
O frade Paolo Sarpi passou à história sobretudo como um crítico
da política e dos Estados papais, um temível adversário de Roma. Vide
Paolo Sarpi tra Venezia e !'Europa (Torino: Einaudi, 1979), em especial
GAETAN0 C0ZZI, «Galileo Galilei, Paolo Sarpi e la società veneziana»,
nas pp. 135-234; DAVID W 00TT0N, Paolo Sarpi: Between Renaissance and
Enlightenment (Cambridg e and New York: Cambridg e Universiry Press,
1983); VICENZ0 FERR0NE, «Galileo tra Paolo Sarpi e Federico Cesi: pre-
messe per una ricerca», in PA0LO GALLUZZI (ed.), Novità Celesti e Crisi
dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984), pp. 239-253. Sarpi foi um
correspon dente habitual de Galileu, tendo inclusivam ente contribuíd o
para a formulação da teoria galileana das marés. Vid. STILLMAN DRAKE,
«Origin and Fate of Galileo's Theory of Tides», Physis, 3 (1961) 282-
-290, depois revisto como «Galileo's Theory of the Tides», in Galileo Stu-
dies: Personality, Tradition and Revolution (Ann Arbor: Universiry of
Michigan Press, 1970), pp. 200-213.
39
Paolo Sarpi noticia o seu conhecim ento do telescópio numa
carta a Francesco Casrrino a 9 de Dezembro de 1608 e também a
Jerome Groslor de l'Isle a 9 de Maio de 1609. Relatou, também, estes
factos a Jacques Badovere, a 30 de Março de 1609. Infelizmen te, estas
important es cartas não foram incluídas por Antonio Favaro na edição das
Opere di Galileo Galilei. Podem encontrar- se em: PA0LO SARPI, lettere ai
protestanti, ed. MANLIO Du1uo BUSNELLI, 2 vais. (Bari: Giuseppe Laterza
& Figli, 1931).
40
ocas1ao de ter nas mãos qualquer exemplar destas lunetas
holandesas, tendo apenas recebido informações oralmente, mas
sem ver directamente qualquer instrumento.
Outra possibilidade é que Galileu só tenha ouvido falar
do telescópio pela primeira vez aquando de uma estadia em
Veneza, entre 18 de Julho e 3 de Agosto de 1609. Nessa oca-
sião teria tido oportunidade para discutir com Paolo Sarpi estes
assuntos, não se podendo eliminar completamente a possibili-
dade de até ter visto um telescópio.
O que não oferece dúvidas é que, no Verão de 1609,
Galileu já sabia que precisava de polir uma lente objectiva
convexa (na realidade, plano-convexa) e uma ocular plano-côn-
cava e alinhá-las convenientemente. Entre finais de Julho e
os primeiros dias de Agosto desse ano, Galileu construiu o
seu primeiro telescópio. Seria uma luneta com um aumento
de três vezes, que em muito pouco se deveria distinguir das
lunetas holandesas que se vendiam em muitos mercados da
Europa. Sabe-se muito pouco acerca desse primeiro instru-
mento. Importa recordar que quando Galileu teve as primeiras
notícias se encontrava particularmente bem preparado para
explorar as potencialidades que agora se abriam. Dominava
bem a tradição perspectivista medieval e, o que talvez seja mais
significativo, parece ter tido alguma experiência prática neste
campo. Galileu estava em contacto frequente com os fabrican-
tes de óculos e já em 1602, um seu correspondente relatava
que havia recebido um par de "occhiali" da sua oficina ( Opere,
X, 93).
Se se aceita que Galileu teve as primeiras notícias em
Maio, o intervalo de tempo entre essas notícias e a efectiva
construção de um telescópio só em Julho/Agosto parece exigir
alguma explicação e tem levado a algumas especulações. Sabe-
-se hoje que ele e muitos dos seus contemporâneos perseguiam,
já há algum tempo, a concepção de um instrumento que per-
mitisse ver ao longe, ensaiando combinações de lentes e espe-
lhos. É muito possível que ao ouvir os primeiros rumores
Galileu tenha julgado tratar-se de mais um desses instrumen-
tos, tendo gasto algumas semanas a testar arranjos com len-
41
tes e espelhos, até mudar para a configuração adequada, com
duas lentes.40
Por tentativa e erro, melhorando as suas técnicas de poli-
mento, é muito provável que Galileu tenha descoberto que, na
configuração usada (objectiva convexa e ocular côncava), o
efeito telescópico resulta de a objectiva ser fracamente conver-
gente e a ocular fortemente divergente. Em meados de Agosto,
havia já conseguido construir uma luneta com ampliação de
cerca de nove vezes ( Opere, X, 250), a que passou a chamar
perspicillum. Na posse do novo instrumento, pensou na possi-
bilidade de obter algumas vantagens e, então, com o auxílio de
Paolo Sarpi, estabeleceu co ntactos com o Senado de Veneza.
Galileu fez uma primeira demonstração do uso do teles-
cópio, para um grupo de notáveis venezianos, a 21 de Agosto,
a partir do campanile da catedral de São Marcos, e no dia 24
mostrou-o ao Senado. 4 1 Ele próprio descreveu a sensação pro-
vocada pelo novo instrumento referindo o "i nfinito stupore", e
o facto de mesmo homens idosos, senadores e outros nobres,
terem subido a escadaria para poderem presenciar a demonstra-
ção.42 Muitos anos depois ainda recordava, com evidente pra-
40
Esta é a tese desenvolvida longamente no livro de EILEEN REE-
VES, Galileo's Glassworks. The Telescope and the Mirror (Cambridge and
London: Harvard Universiry Press, 2008) .
41
O nobre veneziano Antonio Priuli, que viria a ser Doge de
Veneza, e que aj udou Galileu em várias ocasiões, registou estes factos no
seu diário, descrevendo o telescópio então usado por Galileu: "era di
banda, fodrato ai di fuori di rassagottonada cremisina, di longhezza tre
quarte I h incirca et di larghezza di uno scudo, con due vetri, uno cavo,
l'altro no, per parte" (Opere, XIX, 587) . Para uma discussão deste
excerto, com uma versão em italiano acrual, e mais informações sobre as
primeiras lunetas de Galileu, ver: GIORGIO STRANO, «La lista della spesa
di Galileo: Un documento poco noto sul telesco pio», Galilaeana, 6
(2009) 197-2 1 1.
42
"mostrado et insieme a tutto il Senato, com infinito srupore di
tutti ; e sono stati molrissimi i gentil'huomini e senatori, li quali, benche
vecchi hanno piu d' una volta farte le scale de' piu alri campanili di Vene-
42
zer, a sensação que causara em Veneza ( Opere, VI, 258). A
carta ao Doge que acompanhava o telescópio que doou ao
Senado, e que é o primeiro documento em que descreve o ins-
trumento, refere "un nuovo arcifizio di un occhiale cavaco dalle
piu recondite speculazioni di prospecciva, il quale conduce
gl' oggetti visibili cosi vicini ali' occhio, et cosl grandi et distinti
gli rappresenta, che quello che e distante, verbi grazia, nove
miglia, ci apparisce come se fusse lontano un miglio solo"
( Opere, X, 250-251). Galileu explica de seguida as vantagens
militares que resultam do instrumento, sublinhando que "per
ogni negozio et impresa marittima o terrestre puo essere di gio-
vamenco inestimabile".
O resultado desta iniciativa foi muito positivo. Convenci-
dos das grandes vantagens da luneta, as autoridades venezianas
recompensaram os esforços de Galileu com a garantia de que o
seu contrato na universidade de Pádua seria renovado até ao
final da vida e que o seu salário seria aumentado para 1000
florins por ano (Opere, X, 254; XIX, 115-117, 501). Mas, ou
porque esta oferta continha algumas condições que lhe desa-
gradavam, ou porque tinha alimentado expectativas ainda mais
elevadas, Galileu recebeu estas notícias com decepção. 43
tia per scoprire in mare vele e vasselli tanto lontani, che venendo a tutte
vele verso il porto, passavano 2 hore e piu di tempo avanti che, senza il
mio occhiale, potessero essere veduti" ( Opere, X, 253).
43 (Opere, XIX, 116-117). Curiosamente, Galileu nunca referiria
Sarpi como sua fonte de informação, nem como elemento central nos
seus contactos com o Senado de Veneza, e é possível que este tivesse
ficado magoado com a omissão. Tudo leva a crer que as relações entre os
dois homens se tivessem esfriado nesse período, muito possivelmente por
questões de prioridade e por Sarpi achar que os seus contributos não
haviam tido o reconhecimento devido por parte de Galileu. Embora a 16
de Março de 161 O (isto é, 3 dias após a publicação do Sidereus Nuncius),
Sarpi fale sobre o telescópio ( Opere, X, 290), não diz nada sobre o livro
e, surpreendentemente, a 27 de Abril de 161 O, numa altura em que em
Veneza não se falava de outra coisa, numa carta a Jacques Leschassier, diz
que ainda não leu o livro de Galileu. Vide PAOLO SARPI , Lettere ai Galli-
43
O que Galileu fez em seguida iria mudar o curso da his-
tória da ciência. Consciente de que outros facilmente fariam
telescópios de qualidade comparável às dos que então dispu-
nha, concentrou-se em melhorar apreciavelmente a qualidade
dos seus instrumentos. Em Novembro de 1609, tinha conse-
guido um telescópio com ampliação da ordem das vinte vezes
e, no início de 161 O, dispunha já de telescópios com amplia-
ção de trinta vezes, que no Sidereus Nuncius classifica de "exce-
lentes" e que diz ter construído sem olhar a canseiras nem des-
pesas. 44 Com melhores instrumentos, Galileu começou a
observar os céus.
Quais seriam as características ópticas dos primeiros teles-
cópios galileanos, em particular daqueles que usou para fazer as
observações relatadas no Sidereus Nuncius? Não há qualquer
44
dúvida que, por parâmetros actuais, se podem co nsiderar ins-
trumentos muito deficientes, o que, aliás, só põe em relevo a
excepcio nal capacidade e a determinação do sábio pisano. 45
O telescópio co m que Galileu fez as observações do Side-
reus Nuncius é um tubo com duas lentes nos extremos: uma
ocular plano-côncava com um a distância focal de cerca de
cinco centímetros, e uma objectiva plano-convexa com distân-
cia foca l de aprox imadamente 70 a 100 cm . Tratava-se de
lunetas com aberturas de aproximadamen te 40 mm e amplia-
ções li geiramente superiores a 20 vezes. O campo visual anda-
ria pelos 12- 15 minutos e a resolução pelos 10 segundos de
arco. A estes parâmetros muito modestos haveria que somar a
má qualidade do vidro, com muitas bolhas, ainda longe de ser
inco lor, e os graves efeitos de aberração cro mática e aberração
esférica. Galileu aprendeu a minimizar os problemas de aber-
ração esférica colocando um diafragma, isto é, um ecrã diante
da objectiva, reduzindo as aberturas para cerca de 15-20 mm,
utilizando apenas a região em torno do eixo das lentes ( Opere,
X, 485, 501). A primeiro menção de Galileu ao uso de dia-
fragmas encontra-se numa carta de 7 de Janeiro de 161 O, onde
expl ica que a objectiva co nvexa deve ser parcialmente tapada,
45
com o que as imagens ficam muito mais nítidas. 46 Dois dos
telescópios de Galileu que sobreviveram até aos nossos dias
mostram, de facto, o emprego de um diafragma de cartão para
tapar parte da objectiva.47 O melhoramento gerado pela aplica-
ção do diafragma deve atribuir-se a Galileu já que os telescó-
pios holandeses originais não o tinham e não há notícia de que
antes de Galileu alguém os tivesse usado. 48 Segundo o próprio
46
Galileu, o emprego do diafragma resultava em melhores ima-
gens, por duas razões: por um lado, porque era sempre conve-
niente polir lentes grandes, pois assim se atenuavam os efeitos
devidos às irregularidades nos bordos, uma conhecida causa de
imperfeições, e, por outro, porque embora as lentes maiores
proporcionassem maiores campos de visão, davam origem tam-
bém a imagens mais nebuladas (Opere, X, 501-502).
A combinação de uma objectiva convergente com uma
ocular divergente (aquilo a que depois se chamou a configura-
ção "galileana", por oposição a outras, como, por exemplo, a
"kepleriana", em que a ocular é uma lente convexa, conver-
gente) dá origem a uma imagem direita. Neste tipo de telescó-
pios, a ocular possui uma distância focal reduzida, f, e a objec-
tiva a distância F A objectiva produz uma imagem real
invertida e a ocular uma imagem final, que é virtual e direita.
No chamado "ajustamento normal", o objecto e a imagem
estão situados no infinito e os focos das duas lentes coincidem,
sendo então a separação entre as duas lentes dada por L = F + f
(sendo f negativo, de acordo com as convenções). A ampliação
angular (m) para ajustamento normal será dada, para os ângu-
los pequenos que interessam, pela razão -F!f, isto é, pelo quo-
ciente das distâncias focais da duas lentes.
A questão histórica de interesse prende-se em saber o que
é que Galileu compreendia de tudo isto e de que maneira foi
capaz de ir melhorando progressivamente os seus telescópios,
em particular, conseguindo melhores ampliações. Alguns his-
toriadores (van Helden, por exemplo) são da opinião de que
foi apenas por tentativa e erro que Galileu percebeu que a
ampliação dependia da razão das distâncis focais das duas len-
tes, mas recentemente Sven Dupré argumentou que o assunto
é mais complexo, pois no final do século dezasseis não era
claro que uma lente côncava tivesse também uma distância
luz dos astros, que vinha a fazer desde o aparecimento da nova de 1604.
Vid. SVEN DUPRÉ, «Galileo's telescope and celestial light», Journal for the
History of Astronomy, 34 (2003) 369-399.
47
focal.49 Segundo este investigador, Galileu baseou-se na ópcica
do seu tempo, cujos princípios levavam a considerar que a
ampliação do telescópio estaria relacionada com o diâmetro da
lente convexa; mas embora Galileu continuasse a pensar que a
ampliação escava apenas relacionada com a lente convexa
(objecciva), percebeu que não tinha que ver com o seu diâme-
tro, mas sim com a sua distância focal. 50
A descrição, muito sumária, apresentada no Sidereus Nun-
cius, não menciona a possibilidade de focagem e seguramente
muitos dos primeiros leitores não consideraram esse problema e
a sua possível solução. Todavia, algumas das primeiras lunetas
que circularam em Itália já tinham essa capacidade e numa
carta de 28 de Agosto de 1609, de Giovanni Baccisca della
Porca ao príncipe Cesi, mostra-se uma luneta cujo compri-
mento pode ser variado, permitindo a focagem ( Opere, X,
252). Galileu fala explicitamente do assunto na carta de 7 de
Janeiro de 1610 a Antonio de' Mediei, explicando que "e bene
che il cannone si possa alungare e scociare un poco, cioe 3 o
GALLUZZI (ed.), Novità Cefesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera,
1984), pp. 149-158; SvEN Ü UPRÉ, «Ausonio's mirrors and Galileo's len-
ses: The telescope and sixteenth century practical optical knowledge»,
Galiúuana. Journal of Gafilean Studies, 2 (2005) 145-180.
50 No Il Saggiatore (1623) explicou que a ampliação é função do
ângulo visual subtendido pelo olho: "il telescopia ingrandisce gli ogetti
col portargli Sotto maggior angola" ( Opere, VI , 254) . O ponto é subtil e
deve registar-se que nem Kepler compreendia que a ampliação é dada
pela razão entre as distâncias focais, pensando que o efeito era devido
apenas à lente convexa. Esta noção dominará a compreensão do efeito
telescópico ao longo de todo o século XVII, durante o qual o aumento da
ampliação dos telescópios foi feito a partir do uso de lentes convexas
com distâncias focais cada vez maiores. Vide ANTONl MALET, «Kepler
and the Telescope», Annals of Science, 60 (2003) 107-136; ALBERT VAN
HELDEN, «The telescope in the seventeenth century», Isis, 65 (1974) 38-
58; ALBERT VAN HELDEN, «The Astronomical Telescope, 1611-1650»,
Annali dell1stituto e Museo di Storia della Scienza, 1 (1976) 13-35.
48
4 dica in circa" e que se lhe deve antepor um diafragma
( Opere, X, 278).
Galileu praticamente nada disse acerca da teoria que
explica o funcionamento do instrumento, apesar de prometer
uma explicação no Sidereus Nuncius. Embora tivesse reclamado
em vários locais que chegara à concepção do telescópio devido
a "recondite speculazioni di prospettivà', isto é, às suas análises
dos princípios teóricos da ciência da perspectiva, a verdade é
que parece nunca ter dominado os princípios ópticos subjacen-
tes ao funcionamento do instrumento. 51 Em particular, é óbvio
que não entendeu a Dioptrice (1611) de Kepler, e numa con-
versa ocorrida nos meses finais de 1614, com um francês que
o visitava (Jean Tarde), queixou-se de que o livro de Kepler era
"si obscur qu'il semble que l'autheur mesme ne s'est pas
entendu" 52 - uma apreciação que só pode classificar-se como
muito injusta e como mais um exemplo do surpreendente des-
prezo a que votou o matemático alemão. A 13 de Setembro de
1616, um seu correspondente, Malatesta Porca, escrevia-lhe
recordando a promessa feita, 53 mas nem nesta ocasião, nem nos
anos seguintes, Galileu colmatou esta lacuna, limitando-se a
dar indicações muito vagas no II Saggiatore (Roma, 1623)
( Opere, Vl, 259) e em alguma correspondência dispersa.
que ao mesmo tempo que insistia no facto de a sua descoberta ter sido
fruto de especulações teóricas, Galileu explicava que o "Olandese" que
primeiramente fizera o instrumento procedera meramente por tentativa e
erro ( Opere, VI, 259).
52 Opere, XIX, 590. Jean Tarde (1561-1636) deixaria interessantes
relatos das suas viagens em Itália, com muitas notícias relativas a Galileu
e ao período dos descobrimentos telescópicos. Vide JEAN TARDE, Deux
voyages en ftalie: à la rencontre de Galilée. Préface et notes de FRANÇOIS
MOUREAU; texte établi par FRANÇOIS MOUREAU et MARCEL T ETEL
(Genéve: Slatkine, 1984).
53 "Promise V S. nel suo Aviso Sidereo d'insegnare il modo vero di
formare il telescopia, sl che potessero vedersi tutte le forme che sono alia
natural vista invisibili; ne fino a questo giorno l'ha fano" ( Opere, XII ,
281).
49
A insistência no reduzidíssimo domínio de óptica teonca
por Galileu tem sido um topos da literatura especializada, san-
cionada por autoridades como Vasco Ronchi , Olaf Pedersen,
David Lindberg, entre muitos outros. Recentemente, contudo,
Sven Dupré tem mostrado como Galileu conseguiu ter uma
compreensão do funcionamento do telescópio baseando-se nos
conhecimentos disponíveis junto dos praticantes da matemática
do século XVI, muito em especial como a Theorica specufi con-
cavi sphaerici de Ettore Ausonio, que Galileu conhecia bem e
copiou entre 1592 e 1601, foi importante para as suas ideias
sobre o funcionamento do telescópio. 54
Como é evidente, é também possível que Galileu soubesse
muito mais do que explicou, e que tivesse mantido a máxima .
discrição sobre os princípios ópticos relevantes para o fun cio-
namento do telescópio pelo desejo de os manter secretos. 55
Se não esclareceu quase nada acerca dos princípios teóri-
cos, Galileu, tal como os seus contemporâneos, também não
divulgou quase nenhumas indicações concretas sobre os méto-
dos práticos pelos quais construiu o telescópio, a tal ponto que
há muitas interrogações sobre o modo como, na prática, se
levava a cabo este procedimento. 56 Só em 1618 surgiria o livro
54
Vide SVEN ÜUPRÉ, «Ausonio's mirrors and Galileo's lenses: The
telescope and sixteenth century practical optical knowledge», Galilaeana.
Journal of Galilean Studies, 2 (2005) 145-180.
55
A possibilidade de Galileu não ter publicado uma teoria do
telescópio apenas por desejo de mantê-la secreta é discutida por MARIO
BIAGIOLI, «Replication or monopoly? The economics of invention and
discovery in Galileo's observations of 161 O», Science in Context, 13
(2000) 547-592; YMKOV ZIK and ALBERT VAN HELDEN, «Between disco-
very and disclosure: Galileo and the telescope», in: MARCO BERETTA,
PAOLO GALLUZZI and CARLO TRIARICO (eds.), Musa musaei: Studies on
Scientific lnstruments and Collections in honour of Mara Miniati (Firenze:
Leo S. Olschki, 2003), pp. 173-190; MARIO BIAGIOLI, Galileo's lnstru-
ments of Credit. Telescopes, lmages, Secrecy (Chicago: The University of
Chicago Press, 2006).
Vide FRANCO PALLADINI, «Un trattato sulla costruzione dei
56
50
de Geronimo Sirtori, Telescopium: Siue ars perficiendi novum
illud Gafilaei visorium instrumentum ad sidera, com informação
detalhada sobre as técnicas para polir lentes adequadas e cons-
truir telescópios. (Curiosamente, como explicaremos adiante
mais detidamente, neste assunto são importantes as notas de
construção de telescópio de um professor do colégio jesuíta de
Santo Antão em Lisboa.) A documentação também não per-
mite clarificar totalmente se, nos primeiros tempos, Galileu
recorria a artesãos para o ajudarem na construção dos telescó-
pios, embora se saiba que, em anos posteriores, vários artesãos
trabalharam para ele construindo telescópios e que pelo menos
um deles, Ippolito Francini, teve alguma fama. 57
A despeito das suas limitações, os telescópios construídos
por Galileu foram, durante alguns anos, os melhores telescó-
pios do mundo. Foram, por isso, solicitados por muitas pes-
soas, e o próprio Galileu tomou a iniciativa de os enviar a
muitos, tendo para isso transformado a sua casa numa verda-
deira oficina de produção de instrumentos ópticos. 58
cini decco il Tordo», Reale Accademia dei Lincei, serie IV, vol. 15 (1939)
nos. 3-4, Roma.
58 Michele Camerota elencou as individualidades a quem Galileu
enviou telescópios durante a sua carreira científica, num passo que pelo
seu interesse transcrevemos na íntegra : "alcuni tra i piu importanti
monarchi de! tem po (Cosimo II de' Mediei, Cario d'Austria, Maria de'
Mediei, Regina di Francia, Filippo IV di Spagna, Massimiliano di
Baviera, Ladislao IV di Polonia, Leopoldo d'Austria, l'Elettore di Colo-
nia, Ernesto di Baviera), a numerosi nobili e prelaci (tra gli altri: Paolo
Giordano Orsini, il cardinale Francesco Maria de! Monte, il cardinale
51
A documentação da época permite verificar como era difí-
cil realizar observações com os deficientes instrumentos da
altura. Escrevendo a um correspondente, Galileu transmmu
informações preciosas acerca do uso do instrumento na prática:
52
res pois, depois de polidas, só pouqu1ss1mas eram aprovadas
para serem aplicadas em telescópios. 60
O próprio Galileu teve, por vezes, dificuldades em mos-
trar os novos corpos celestes. Em Abril de 161 O, deslocou-se a
Bolonha com o intuito de pessoalmente mostrar estas novida-
des ao famoso astrónomo Giovanni Antonio Magini (1555-
-1617), num episódio que redundou num clamoroso fracasso,
tendo Galileu de retirar-se mais cedo, humilhado. 61 E noutras
ocasiões (por exemplo, na corte dos Mediei), recomendou enfa-
ticamente que não tentassem ver as luas de Júpiter sem ele
estar presente para ajudar ( Opere, X, 289).
E as dificuldades práticas não eram tudo. O telescópio
introduzia ainda um conjunto de problemas novos, com os
quais Galileu iria ter de se confrontar ao longo da vida. Como
justificar que as observações telescópicas não eram meras ilusões
ópticas quando imediatamente se verificou que as lunetas tam-
bém geravam, com facilidade, ilusões ópticas? Como aceitar os
resultados - muitas vezes perturbadores - de um instru-
mento cujo funcionamento não se compreendia nem se sabia
explicar? E uma vez que muitas observações telescópicas não se
limitavam simplesmente a melhorar as observações feitas à vista
53
desarmada, mas entravam em conflito directo com essas, como
explicar as discrepâncias? No fundo, como foi possível a Galileu
tornar aceites e credíveis as suas descobertas com o relescópio? 62
As estratégias desenvolvidas por Galileu - confirmações
alternativas, testemunhas, representações visuais convincentes,
insistência na superioridade dos própios telescópios, etc. -
revelar-se-iam de imenso sucesso. Como fez notar o historiador
Albert van Helden, o que é realmente surpreendente não é que
tenham surgido dúvidas e hesitações, mas, pelo contrário, que
tantos tivessem ficado convencidos das descobertas de Galileu
em tão pouco tempo, quando se pensa nas dificuldades das
observações, na sua fraca qualidade e na oposição generalizada
ao copernicianismo. 63
62
Foram vários os fenómenos ópticos ilusórios registados por con-
temporâneos de Galileu, alguns deles eminentes homens de ciência. Por
exemplo, Giovanni Magini queixou-se de que, ao olhar para o Sol com
o telescópio protegido por lentes escurecidas, via três sóis ( Opere, X,
345). Sobre os problemas relacionados com as discrepâncias entre as
observações telescópicas e as observações a olho nu, veja-se HAROLD I.
BROWN, «Galileo on the telescope and the eye» , journal for the History of
Ideas, 46 (1985) 487-501. Sobre as estratégias desenvolvidas por Galileu
(e pelos que se seguiram) para tornar credíveis as observações com o
telescópio, ver: ALBERT VAN H ELDEN, «Telescopes and Authority from
Galileo to Cassini», Osiris, 2 nd series, 9 (1994) 8-29. Todos estes temas,
como é bem sabido, foram analisados por dois autores que adoptam,
contudo, diferente pontos de vista: PAUL FEYERABEND, Against Method:
Outline of an Anarchistic Theory of Knowledge (London: Verso, 1978);
MARIO BIAGIOLI, Galileo's lnstruments of Credit. Telescopes, lmages, Secrecy
(Chicago and London: The University of Chicago Press, 2006).
63
Vide ALBERT VAN HELDEN, «The telescope in the seventeenth
century», lsis, 65 (1974) 38-58, esp. p. 51.
54
satélites de Júpiter - introduzidos por umas breves paginas
acerca do telescópio, e separados por uma digressão, também
de poucas páginas, sobre as estrelas fixas.
A superfície da Lua
64
A datação e a reconstttu1çao das observações da superfície da
Lua feitas por Galileu deram origem a interessante e rico debate entre os
historiadores. Uma primeira proposta de datação, por Guglielmo Righini,
numa comunicação apresentada em 1974 e publicada no ano seguinte,
fez iniciar uma troca de opiniões com Owe n Gingerich a que depois se
juntou, com outros argumentos, Stillman Drake. Pouco depois Ewan A.
Whitaker, um eminente especialista em cartografia lunar, analisou toda a
questão, tendo proposto uma datação (que em grande medida confirma
a de Righini) e que é hoje em dia aceite quase unanimente. Os trabalhos
relevantes são: GUGLIELM0 RIGHINI, «New light on Gali leo's lunar obser-
vations », in MARIA LUISA R!GHINI B0NELLI and WILLIAM SHE.A (eds.),
Reason, Experiment, and Mysticism in the Scientijic Revolution (New York:
Science History Publications, 1975), pp. 59-76; OWEN GINGERICH, «D is-
sertatio cum Professore Righini et Sidereo Nuncio », ibid., pp. 77-88;
STILLMAN DRAKE, «Galileo's first telescopic observations», journal for the
History of Astronomy, 7 (1976) 153-168 [também em: STILLMAN DRAKE,
Essays on Galileo and the History and Philosophy of Science. Selected and
inrroduced by N . M. SWERDLOW and T. H. LEVERE (Toronto: University
of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 380-395]; EWAN A. WHITAKER,
«Galileo's lunar observations and the dating of the composition of Side-
reus Nuncius», journal for the History of Astronomy, 9 ( 1978) 15 5-169.
Para um enquadramento geral da questão, veja-se: EWA N A. WHITAKER,
«Selenography in the seventeenth century», in R. TAT0N and C. WILSON
(eds.), Pl.anetary Astronomy from the Renaissance to the Rise of Astrophysics.
Vol. 2, Pare A: Tycho Brahe to Newton (Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press, 1989), pp. 119-143.
55
Lua, com um pnme1ro desenho feito em Julho de 1609. Har-
riot, contudo, parece nunca ter tido mais do que um interesse
estritamente cartográfico, representando o que pensava serem
os continentes, mares e litorais da Lua. E, na verdade, mesmo
depois de ter lido o Sidereus Nuncius, fez desenhos da super-
fície lunar com algum detalhe, mas muito inferiores aos de
Galileu. 65 De facto, o italiano empreendeu estes estudos com
uma determinação e uma genialidade sem igual, possuindo, na
altura, uma luneta com uma ampliação e uma resolução muito
melhor do que as de Harriot.
56
A natureza da Lua e, em particular, da sua superfície, fora
sempre objecto de discussões e debates desde a Antiguidade, ao
longo de toda a Idade Média até às vésperas do surgimento do
telescópio. As manchas da Lua são bem visíveis a olho nu e
levaram a que praticamente todos os povos as tenham tentado
interpretar. Já no Neolítico se havia discutido essas manchas.
Uma ideia que circulava desde a antiguidade, inicialmente pro-
posta por Clearco, era a de que essas manchas se deviam ao
reflexo da superfície da Terra. Anaxágoras havia já declarado
que a Lua era feita como a Terra, com planícies e ravinas e
vários outros, como Heraclides e Platão (pela boca de Sócrates,
no Fédon), haviam argumentado que a Lua era como uma
outra Terra. 66
Acima de tudo, havia Plutarco, que dedicara uma obra
importante e muito divulgada ao assunto, De facie quae in orbe
lunae apparet [Sobre a face que se vê no disco lunar], onde afir-
mava que a Lua é como a Terra, com montanhas e vales, e
onde discutia muitos outros temas relacionados, como as man-
chas lunares, a explicação da origem e natureza da luz que
irradia da Lua, a matéria de que a Lua é feita, os eclipses, a
possibilidade de a Lua ser habitada, etc. 67 Estas discussões pro-
57
longaram-se por toda a Idade Média e Renascimento, influen-
ciando pensadores e artistas. Era corrente a explicação, de ori-
gem averroista, segundo a qual a Lua recebia a luz do Sol dife-
rentemente, em função da sua densidade, o que explicaria a
existência das diferentes tonalidades, isto é, das manchas na sua
superfície. 68 Mesmo nas vésperas das descobertas galilelanas,
estes assuntos eram discutidos em alguns dos textos mais
influentes, como, por exemplo, no comentário ao D e caelo
(159 3) do Curso conimbricense e, sobretudo, por Kepler, na sua
Optica (1604). 69 Kepler não se limitou a citar Plutarco abun-
in the context of medieval lunar theory», Studies in the History and Phi-
losophy of Science, 15 (1984) 213-226. De notar também que as repre-
sentações artísticas captaram a irregularidade da superfície da Lua muito
antes do aparecimento do telescópio. Por exemplo, as representações
naturalistas da Lua pelo pintor flamengo Jan Van Eyck (1385?-1441) ,
feitas entre 1420 e 1437 (vide S. L. MO NTGOMERY, «The first natura-
listic drawing of the Moon», Journal for the History of Astronomy,
25 (1994) 317-320) ou os desenhos feitos por Leonardo da Vinci entre
1505-1514 (vide G . REAVES and C. PEDRETTI , «Leonardo da Vinci's
drawings of the surface features of the Moon », journal for the History
of Astronomy, 18 (1987) 55-58), estão longe de representar um astro com
atributos de perfeição celeste.
69
Commentarii Co!legii Conimbricensis Societatis Iesu in Quatuor
Libros De Coe/o Aristote!is Stagiritae. Olisipone, Ex Officina Simonis
Lopesii, 1593 [com edições posteriores], especialmente pp . 264-265 .
Sobre as discussões acerca da Lua no Curso conimbricense e, mais geral-
mente, em Portugal, veja-se: BERNARDO MACHADO MOTA, «A Naturalís-
tica da Lua em Portugal nos séculos XVI e XV II », Colóquio Revisitar os
58
dantemente, subscrevendo a sua tese central acerca de uma
equivalência essencial entre a Lua e Terra, mas, mais impor-
tante, introduziu uma noção muito inovadora ao afirmar que a
aceitação dessas ideias acerca da natureza da Lua era o primeiro
passo na aceitação do copernicianismo. 70 Aliás, Kepler ficaria
tão fascinado com o De Jacie quae in orbe funae apparet, de
Plutarco, que, anos mais tarde, faria uma tradução completa a
partir do original grego. 7 1
Galileu, contudo, certamente para acentuar a espectacula-
ridade das suas próprias observações e a importância do teles-
cópio, não deu qualquer indicação destas discussões nem da
existência de uma longa tradição polémica acerca da natureza
da Lua, nem muito menos da posição de Kepler acerca deste
assunto. Limitou-se, numa frase breve, a mencionar a "opinião
phia auribus fuerinr capei: tum bene Aristarchus cum Copernico suo dis-
cí pulo spe rare incipiat. " Optica, ed Fritsch, p. 290; ]OHANNES KEPLER.
Optics. Paralipomena to Witelo and Optical Part of Astronomy. Trad. W.
H . Donahue, p. 267.
71 Kepler traduziu, anotou, e deu aos prelos o livro de Plutarco
59
pitagonca de que a Lua é uma outra Terra". O aparecimento
do telescópio permitia a Galileu fazer uma ousada manobra
retórica, impondo um verdadeiro corte na longa tradição dos
estudos sobre a Lua. Ao ignorar todos os textos e as ricas dis-
cussões do passado, Galileu indicava implicitamente que o
telescópio inaugurava uma nova era. Não se sentia, assim, na
necessidade de dialogar com as opiniões do passado que
haviam ficado ultrapassadas - mas não necessariamente reba-
tidas - com o advento da luneta.
Nem todos ficaram convencidos com esta manobra.
Quando começaram a ser divulgadas as observações galileanas
da superfície da Lua, alguns contemporâneos acharam que o
que se estava a divulgar como novo era assunto antigo e bem
sabido. 72 E tinham bastante razão pois até o próprio Galileu já
era da opinião de que a Lua era como a Terra, com montanhas
e vales, alguns anos antes de a ver com o telescópio. Em 1606,
na sequência das discussões provocadas pelo aparecimento da
nova estrela de 1604, publicara, sob o pseudónimo de Alim-
berto Mauri , uma obra intitulada Considerazioni [. .. } intorno
alia stella apparita 1604, onde defendia já esta ideia.73 No
entanto, como rapidamente se constataria, uma coisa é discutir
com base em textos, argumentos, e autoridades. Outra coisa,
muito diferente, é ver, sobretudo quando o "ver" era guiado
pela pena e pela mente de um homem genial.
72
Foi, por exemplo, o caso de Giovanni Camilo Gloriosi que ime-
diatamente relacionou as notícias dadas por Galileu com o texto de Plu-
tarco: "Quae de luna refere, veterrima sunt, Pythagoraeque adscribantur;
qua de re disertissimus extat Plutarchi libellus" ( Opere, X, 363) .
73
· Considerazioni [. .. ] sopra alcuni luoghi dei discorso di Lodouico
dei/e Colombe intorno alia stella apparita 1604 (Firenze, Giovanni Anto-
nio Caneo, 1606). O texto está traduzido para inglês por Stillman Drake
em: Gali!eo Against the Philosophers (Los Angeles: Zeitlin and Ver Brugge,
1976), pp. 73-130, com um importante estudo nas pp. 55-71. Sobre este
texto e as circunstâncias intelectuais que rodearam a sua produção, ver:
EILEEN REEVES, Painting the Heavens, Art and Science in the Age of Gali-
leo (Princeton: Princeton University Press, 1997) , pp. 91-137.
60
Entre 30 de Novembro e 18 de Dezembro, Galileu obser-
vou a Lua em diversas fases, fazendo cuidadosos desenhos do
que via. Para além das gravuras que estão no Sidereus Nuncius,
conhecem-se alguns outros desenhos e aguarelas da Lua tam-
bém feitos por ele. 74 Muito recentemente foi localizado um
exemplar do Sidereus Nuncius, absolutamente idêntico aos da
primeira edição, mas que, em lugar das gravuras, apresenta
aguarelas que tudo leva a crer foram feitas pelo próprio Gali-
leu. 75 As gravuras da edição original do Sidereus Nuncius são de
boa qualidade, mas nas edições seguintes decaíram muito de
nível.
74
Preservaram-se sete desenhos a aguarela feitos por Galileu
(Biblioteca Nazionale Centrale di Firenzé, Cod. Galileiana 48, em
manuscritos não-datados). É convicção entre os historiadores de que as
aguarelas foram executadas por Galileu enquanto observava e não a pos-
teriori, relembrando o que vira. Vide ELIZABETH CAVICCHI, «Painting the
Moam,, Sky and Telescope, 82 (1991) 313-315. Sobre Galileu como
artista veja-se especialmente: HORST BREDEKAMP, «Gazing Hands and
Blind spots: Galileo as Drafrsman», in JüRGEN REN N (ed.), Galileo in
Context (Cambridge: Cambridge Universicy Press, 2001), pp. 153-192;
HORST BREDEKAMP, Galilei der Künstler. Der Mond. Die Sonne. Die
Hand (Berlin: Akademie Verlag, 2007) . Veja-se também a discussão
acerca das teses principais deste livro por ÜWEN GINGERICH, «The
curious case of the M-L Sidereus Nuncius», Galilaeana, 6 (2009) 141-
-165. Em particular, os desenhos da Lua por Galileu mostram que ele
dominava as técnicas do disegno, uma observação que os historiadores já
haviam feito há alguns anos: Vide WOLFGANG KEMPF, «Disegno: Beitrage
zur Geschichte des Begriffs zwischen 1547 und 1607», Marburger Jahr-
buch for Kunstwissenschaft, 19 (1974) 219-240; SAMUEL Y. EDGERTO N,
The Heritage of Giotto's geometry: Art and science on the eve of the scienti-
fic revolution (Ithaca and London: Cornell University Press, 1991),
pp. 223-253; CHRYSA DAMIANAKI, Galileo e Le arti figurative (Roma: Vec-
chiarelli Editore, 2000); HORST BREDEKAMP, «Gazing hands and blind
spots: Galileo as draftsman», Science in Context, 13 (2000) 423-463.
75
Este é agora conhecido como o exemplar ML, de Martayan-Lan,
o conhecido livreiro nova-iorquino que deu a conhecer o livro. Não cabe
aqui fazer-se uma análise detalhada das diferentes representações da Lua
61
O escudo da superfície lunar por Galileu é ames de mais
nada um monumento à sua capacidade de observação e ao seu
talento gráfico. Fica bem patente a sua grande capacidade artís-
tica, mas fica ainda mais explícita a sua compreensão da
importância das representações visuais como elementos persua-
sivos de imenso poder. 76 No Sidereus Nuncius Galileu apresenta
cinco gravuras da Lua - na verdade apenas quatro são distin-
tas pois há uma repetição - em diferentes fases, procurando,
muito mais do que uma cartografia precisa da Lua, fazer uma
descrição visual dos diferences tipos de acidentes e relevos da
superfície lunar e a sua semelhança com os correspondentes
terrestres.
Algumas destas observações haviam sido dadas a conhecer
na carta de 7 de Janeiro de 1610 que enviou a Antonio de'
Mediei e, na verdade, quando semanas depois preparou o Side-
reus Nuncius usou muito do texto que escrevera nessa missiva.
deixadas por Galileu, mas seria insensato não chamar a atenção do leitor
para a descoberta das novas aguarelas, uma das maiores novidades nos
estudos galileanos nos últimos anos, comunicada pela Universidade de
Pádua a 28 de Março de 2007 e analisada por William R. Shea a Horst
Bredekamp. Vide GIOVANNI CAPRARA, «E Galileo dipinse il volto della
Luna», Corriere delta Sera, 27 Março 2007, pp. 15-18; RICHARD ÜWEN,
«The Galileo sketches that turned the universe on its head», The Times,
28 Março 2007, pp. 6-7; M . BECKER, «Galileis erste Mond-Bilder ent-
deckt», Spiege~ 30 Março 2007; J EFF ISRAELY, «Galileo's Moon View»,
Time, 16 Agosto 2007.
76
Acerca deste tema, a literatura recente tem sido adicionada com
trabalhos de grande importância. Veja-se: WILLIAM R. SHEA, «How Gali-
leo's mind guided his eye when he fost looked at the moon through a
telescope», in: GÉRARD SIMON and SUZANNE ÜÉBARBAT, Optics and
Astronomy [= Proceedings of the XX•h lnternational Congress of History
of Science, Liege, 20-26 July 1997, vol. XII] (Turnhout: Brepols, 2001) ,
pp. 93-109; SARA ELIZABETH BOOTH and ALBERT VAN HELDEN, «The
Virgin and the Telescope: The Moons of Cigoli and Galileo», Science in
Context, 13 (2000) 463-488 [republicado in: JüRGEN RENN (ed.), Galileo
in Context (Cambridge: Cambridge University Press, 2001), pp. 193-
-216].
62
Ao redigir o Sidereus Nuncius, Galileu percebeu que necessitava
de criar uma nova linguagem visual para acompanhar a descri-
ção de factos tão surpreendentes. As gravuras que preparou não
têm a pretensão de cartografar a superfície lunar e, quando
comparadas com imagens reais da Lua, imediatamente se reco-
nhece que estão muito longe de serem representações fiéis. Pelo
menos desde meados do século XVII que vários astrónomos
fizeram notar que, consideradas como descrições cartográficas
da Lua, as gravuras do Sidereus Nuncius são muito deficientes. 77
Mas a representação exacta dos detalhes lunares nunca foi a
intenção de Galileu. As gravuras que apresenta são peças
visuais de um argumento. Aliás, a comparação das aguarelas
que primeiramente desenhou, enquanto observava com o teles-
cópio, com as gravuras depois publicadas, mostra que as pri-
meiras são muito mais fiéis à realidade e que Galileu intencio-
nalmente deformou e exagerou muitos aspectos do que vira,
para construir e ilustrar os seus argumentos. As imagens apre-
sentadas são o ponto de partida e apoio visual de um argu-
mento que Galileu monta acerca das zonas claras e escuras da
Lua, do modo como essas zonas de claridade e escuridão vão
variando com a passagem do tempo, e do que se pode deduzir
dessas mutações.
A análise de Galileu é verdadeiramente excepcional, sendo
toda baseada na observação de pontos luminosos e escuros e
manchas mais ou menos brilhantes na superfície da Lua, na
sua distribuição espacial e sua variação com o decorrer do
tempo. O telescópio não lhe mostrou directamente o perfil de
63
montanhas lunares, nem nunca Galileu reclamou tal coisa. Pelo
contrário, como explicou numa carta ao matemático jesuíta
Christoph Grienberger, a conclusão de que a Lua tem monta-
nhas não é obtida pelos sentidos directamente, mas sim pela
"conjunção do discurso com as observações e aparências" 78 • A
existência de montanhas e vales, cordilheiras e depressões é,
pois, uma dedução a partir das propriedades do brilho da
superfície da Lua, uma dedução com que nem todos concor-
dariam. ·
Observando com o telescópio e interpretando os resulta-
dos foi possível concluir que a Lua tem zonas de planície,
montanhas e vales. Esta natureza irregular e montanhosa da
Lua é especialmente evidente examinando o terminador, isto é,
a linha que separa a região escura da região iluminada. Com-
preendendo que alguns pontos brilhantes, na zona obscurecida
da Lua, seriam os cumes de montanhas lunares iluminados
pelo S_ol, Galileu foi ainda capaz de fornecer estimativas para a
altura das montanhas da Lua, com um argumento geométrico
simples mas muito engenhoso. 79 Explicou ainda porque é que
78
Carta a Christoph Grienberger, a 1 de Setembro de 1611:
"Come dunque sappiamo noi, la Luna esser montuosa? Lo sappiamo non
col semplice senso, ma coll' accopiare e congiungere il discorso coll' osser-
vationi et apparenze sensate, argumentando simil guisà' ( Opere, XI, 183).
79
A explicação é bem conhecida e figura em praticamente todos os
textos que tratam deste assunto. Para uma discussão mais pormenorizada,
ver: FLORIAN CAJ0RI, «History of determination of the heights of moun-
tains», Isis, 12 (1929) 482-514; C. W. ADAMS, «A note on Galileo's
determination of the height of lunar mountains», Isis, 17 (1932) 427-
-429. :É importante ter presente que no início do século XVII são ainda
extremamente grosseiras as estimativas das alturas das próprias montanhas
da Terra. Este cálculo parece ter sido uma das últimas secções a ser
incluída no livro, quando algumas outras partes já se encontravam
impressas e para o fazer usou alguns dos desenhos que tinha feito. Vide
ÜWEN GINGERICH and ALBERT VAN HELDEN, «From Occhiale to Printed
Page: The Making of Galileo's Sidereus Nuncius,,, Journal for the History
of Astronomy, 34 (2003) 251-267.
64
essas montanhas não tornavam de aspecto rugoso o perfil exte-
rior do disco lunar, como uma consequência da sobreposição
visual de muitas cordilheiras lunares ou devido ao efeito óptico
dos vapores atmosféricos da Lua, o que explicou detalhada-
mente com um diagrama (Galileu abandonaria mais tarde, só
depois da publicação do Sidereus Nuncius, a ideia de qualquer
fenómeno atmosférico na Lua).
A importância que ele atribuía às gravuras da Lua é
evidente pois quando pensou em fazer uma nova edição do
Sidereus Nuncius, uma das suas intenções era melhorar essas
representações, incluindo uma série completa de imagens da
superfície da Lua para toda uma lunação ( Opere, X, 300).
Um dos pontos centrais em toda a discussão acerca da
Lua tem que ver com o fenómeno da chamada luz cinzenta,
ou luz cendrada, a que Galileu chamará "luz secundária" da
Lua, isto é, a ténue luminosidade que se pode observar na
parte obscura da Lua quando está na fase crescente. A inter-
pretação mais tradicional desta iluminação subtil atribuía-a à
luz solar, baseando-se na ideia de que o globo lunar era par-
cialmente translúcido e que, quando era exposto à luz do Sol,
ficava impregnado dessa iluminação. Galileu discutiu o fenó-
meno com atenção e mostrou tratar-se de luz que atinge a Lua
depois de ter sido reflectida pela Terra (tal como a Lua ilumina
a Terra com luz reflectida do Sol, também a Terra ilumina a
Lua com luz reflectida). Diz que já discutira e explicara esre
assunto alguns anos antes, mas não refere que nem sequer fora
o primeiro a fazê-lo. 80 É possível que não estivesse a par de
que um século antes já Leonardo da Vinci havia sugerido uma
tal explicação, num dos seus apontamentos manuscritos, mas
sabia certamente que Michael Maesrlin (15 50-1631), na sua
Disputatio de eclipsibus solis et lunae (Tübingen, 1596), já tratara
65
do assunto, e que Kepler já dera uma explicação completa do
fenómeno na sua Optica (1604). 81 Mas o que torna este
assunto de importância capital é que, para Galileu, a luz secun-
dária, revelando uma simetria entre a Lua e a Terra, servia
como uma das indicações mais convincentes a favor do esta-
tuto planetário da Terra, isto é, do copernicianismo. O assunto
permaneceria de grande importância no programa coperniciano
em que Galileu se empenhou ao longo dos anos. Mesmo já
nos seus últimos anos de vida voltaria a este assunto a propó-
sí to do livro de Fortunio Liceti, Litheosphorus, sive de lapide
Bononiensi lucem (Udine, 1640), em que o autor defendia que
a luz da Lua era devida a um fenómeno semelhante ao da
pedra de Bolonha, isto é, um fenómeno de fosforescência. 82
Todavia, como foi já argumentado convincentemente por
Roger Ariew, não pode dizer-se que as observações de Galileu
81
No capítulo «De illustratione mutua lunae et terrae», in Ad
Viteílionem Parafipomena, quibus Astronomiae Pars Optica Traditur (Frank-
furt, 1604), Kepler discute o assunto e transcreve o passo relevante de
Maestlin. Veja-se: Kepler Gesammelte Werke, vol. II, pp. 221-225, e, na
tradução inglesa: Johannes Kepler. Optics. Paralipomena to Witelo and
Optical Part of Astronomy. Trad. W H. OONAHUE, pp. 263-268. Sobre a
questão tratada por Leonardo (sobretudo no Codex Arundel), ver:
E. MILLOSEVICH, «Leonardo e la luce cinerea», in Per il 4° centenario
dei/a morte di Leonardo (Bergamo: lstituto di Studi Vinciani, 1919),
pp. 17-19.
82
Numa carta ao príncipe Leopoldo da Toscana Galileu, criticou
esta explicação relembrando as suas observações da Lua acerca do assunto
( Opere, VIII, 467). Sobre esta questão, ver: S. I. VAVILOV, «Galileo in the
History of Optics», Soviet Physics Uspekhi, 7 (1965) 569-616 [original-
mente: Usp. Fiz. Nauk. 83 (1964) 583-615]. Eileen Reeves defende que
Galileu teria voltado ao estudo da luz secundária num trabalho intitulado
De visu et coloribus que anunciou numa carta a Belisario Vinta a 7 de
Maio de 1610 (Opere, X, 352), mas cujo rasto se desconhece, não se
sabendo sequer se chegou efectivamente a ser terminado. Vide EILEEN
REEVES, Painting the Heavens: Art and Science in the Age of Galileo (Prin-
ceton: Princeton University Press, 1997), pp. 113-118.
66
tivessem anulado completamente a descrição averroista. 83 Talvez
por isso, ou porque a observação da superfície lunar com um
telescópio é muito simples de fazer, estas descobertas acerca do
relevo da Lua e do seu brilho secundário foram as que suscita-
ram mais reservas e contestações. O famoso matemático jesuíta
Cristovão Clávio [Clavius] (1538-1612), se bem que estivesse
pronto para aceitar todas as outras observações telescópicas de
Galileu, incluindo a supreendente observação de satélites de
Júpiter, nunca aceitou completamente as opiniões de Galileu
relativas à Lua.
A análise da superfície da Lua por Galileu é um feito do
mais notável brilhantismo científico. Para que seja conveniente-
mente apreciado importa ter presente que foi realizado em
condições muito desfavoráveis: os campos visuais dos telescó-
pios de que dispunha {cerca 12 a 15 minutos de arco) apenas
lhe permitiam ver cerca de um quarto da Lua cheia. Galileu
praticamente abandonou o estudo da superfície da Lua após a
redacção do Sidereus Nuncius, o que se viria a converter num
campo de intenso trabalho científico sob o nome de Seleno-
grafia. Todavia ainda fez mais uma descoberta importante, ao
observar, na década de 1630, as librações da Lua84 .
Dialogo soprai due massimi sistemi dei mondo (1632) (Opere, VII , 90-91) .
Mais tarde, numa carta a Fulgenzio Micanzio, a 7 de Novembro de
1637, anunciou a descoberta de um outro tipo libração, que hoje se
designa por libração em longitude ( Opere, XVII, 214-215), tendo conti-
nuado a investigar este fenómeno nos meses seguintes, vide ( Opere, XVII,
291-297). Sobre este assunto, ver: WILLIAM R. SHEA, Galileo's lntellectual
Revolution (New York: Science Hiscory Publications, 1972), pp. 185-186;
STILLMAN DRAKE, Galileo at Work. His Scientific Biography (Chicago and
London : The University of Chicago Press, 1978), p. 385. Como já se
assinalou atrás, é possível que Harriot tenha sido o primeiro a notar a
libração em latitude, mas Galileu não teve de certeza notícia disso.
67
Toda a discussão em torno da Lua serviu a Galileu de
ocas1ao para introduzir, como um cerna que se irá repetindo
em roda a sua obra posterior, a ideia da semelhança e da
co-familiaridade entre a Lua e a Terra e, portanto, a afirmação
de que a Terra é apenas mais um planeta. Aliás, será durante a
discussão da superfície lunar que Galileu fará a mais explícita
referência ao movimento da Terra em rodo o Sidereus Nuncius.
A natureza da Lua, do seu brilho e a sua semelhança com a
Terra são extensamente tratadas no Dialogo sopra i due massimi
sistemi dei mondo (Florença, 1632), constituindo uma parte
central das discussões do primeiro dia (Opere, VII, 86-131).
As estrelas fixas
85
Vide Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et
notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lemes, 1992), p. xxiii.
68
por reflectirem luz. 86 Com o telescópio, contudo, comg1u essa
primeira explicação, concluindo que os planetas apenas reflec-
tem luz, e que somente as estrelas brilham com luz própria.
Mas a observação telescópica de estrelas revelaria um compor-
tamento inesperado. Galileu notou que quando as via com o
telescópio, embora elas se passassem a ver com brilhos muito
mais intensos do que a olho nu, continuavam a aparecer muito
pequenas, pontuais. Um comportamento muito diferente, por-
tanto, dos planetas, que, observados com o telescópio, revelam
uma forma bem definida de discos. A 7 de Janeiro relatava
estes factos do seguinte modo:
69
A ideia de Galileu para explicar este estranho facto con-
sistiu em argumentar que, à vista desarmada, as estrelas são
vistas sempre rodeadas de uma irradiação, uma espécie de
"cabeleira" de raios luminosos que saem da estrela em todas as
direcções, que as faz parecer de muito maior dimensão, mas
que esta irradiação seria eliminada (como que "rapada", é a
expressão que usa) ao passar pelo telescópio. Com esta explica-
ção Galileu conseguia não somente tornar coerente o funciona-
mento do telescópio, produzindo o mesmo efeito para todos os
objeccos celestes observados, mas conseguia também anular
uma importante crítica de Tycho Brahe contra o sistema de
Copérnico. 88
É interessante notar que, para explicar este assunto, Gali-
leu invocou observações não-telescópicas das estrelas. Podia
assim atacar as estimativas e os argumentos de Tycho Brahe
(que nunca tivera telescópios), ao mesmo tempo que desligava
o problema do diâmetro das estrelas da questão da fiabilidade
do instrumento. 89
O problema do brilho das estrelas ocupá-lo-ia até ao fim
da vida e serviria para introduzir uma profunda análise e crí-
tica das ideias tradicionais associadas à percepção visual. Depois
das primeiras menções no Sidereus Nuncius, voltaria ao assunto
88
Argumentando contra o sistema de Copérnico, Tycho Brahe
fizera notar que se as estrelas estivessem às enormes distâncias da Terra,
necessárias para tornar insensíveis os efeitos da paralaxe estelar, então,
atendendo à sua dimensão aparente, elas teriam que ser absolutamente
gigantescas. Sem explicitar que se referia a este argumento de Brahe,
Galileu respondeu no Sidereus Nuncius do modo que se descreve acima,
e voltou ao assunto, mais desenvolvidamente e agora citando pelo nome
o astrónomo dinamarquês, no terceiro dia do Dialogo sopra i due massimi
sistemi dei mondo (1632) ( Opere, VII, 385-392). As objecções de Brahe
encontram-se na sua correspondência, publicada - pela primeira vez em
1596 em Uraniborg com o título de Epistolae astronomicae.
89
Vide HENRY R. FRANKEL, «The importance of Galileo's nonteles-
copic observations concerning the size of the fixed stars», Isis, 69 (1978)
77-82.
70
na terceira carta sobre as manchas solares, em Istorie e dimos-
trazioni intorno alie macchie solari (1613) ( Opere, V, 196-197)
no Discorso delle comete (1619), escrito em nome de Mario
Guiducci ( Opere, VI, 79-85), no Il Saggiatore (1623) ( Opere,
VI, 354-361), onde está a discussão mais desenvolvida deste
tema, no Dialogo sopra i due massimi sistemi de[ mondo ( 1632)
( Opere, VII, 356-365), e mesmo no Le operazioni astronomiche,
um trabalho redigido já quase no fim da vida que ficaria
incompleto ( Opere, VIII, 453-464). O argumento que Galileu
foi progressivamente desenvolvendo nestes trabalhos era o de
que a vista desarmada produz ilusões ópticas que o telescópio
resolve, e que, portanto, a nossa visão directa não deve ser con-
fiada quando se trata de observações de fenómenos astronó-
micos. 90
Observando com o telescópio duas zonas bem conhecidas
do céu - na constelação de Orionte a zona do cinturão e da
espada, e as Plêiades, na constelação do Touro - , Galileu veri-
ficou a existência de dezenas de novas estrelas fixas, invisíveis a
olho nu e por isso totalmente desconhecidas até então. 91 As
90
Uma vez que o argumento será desenvolvido e aperfeiçoado em
publicações posteriores ao Sidereus Nuncius, não cabe aqui analisá-lo
em detalhe, mas importa sublinhar que o ponto essencial introduzido
por Galileu reside numa progressiva afirmação de que vários problemas
relacionados com as observações telescópias resultam de uma não correcta
apreciação dos defeitos da visão a olho nu. Por exemplo, a coroa de irra-
dição em torno das estrelas é, segundo Galileu, gerada pelo olho, sendo
o telescópio que a permite eliminar. Qualquer pessoa compreende o
passo arrojado que Galileu está a propor, alterando as noções tradicionais
de teoria da percepção e sugerindo que os sentidos humanos não pos-
suem um estatuto especial, devendo ser tratados e analisados como meros
instrumentos. Vide HAROLD I. BROWN, «Galileo on thc telescope and the
eye», journal for the History of Ideas, 46 (1985) 487-501; SvEN DUPRI:,
«Galileo's telescope and celestial light», journal for the History of Astro-
nomy, 34 (2003) 369-399.
91
Qualquer bom atlas celeste esclarece a posição e a moderna des-
crição destes grupos de estrelas. Veja-se, por exemplo, MÁXIMO FERREIRA,
GUILHERME DE ALMEIDA, Introdução à Astronomia e às Observações Astro-
nómicas (Lisboa: Plátano, 1995).
71
Plêiades são um enxame aberto (Messier 45) conhecido desde a
mais remora antiguidade. Pelo menos seis estrelas são bem visí-
veis sem instrumentos ópticos, mas em condições favoráveis
podem chegar a ser vistas 14. Estes dois exemplos eram sufi-
cientes para deixar claro o que sucederia se todos os céus
fossem examinados sistematicame nte. De uma assentada, o
número de estrelas e, portanto, o gigantismo do universo ,
aumentava espantosament e. Deve ainda mencionar-se que as
gravuras que Galileu apresentou não são absolutamente rigoro-
sas quanto à localização das estrelas, mas são surpreendente -
mente completas já que apresentam quase sem falhas todas as
estrelas até uma magnitude de +6.
Galileu dirigiu também o seu telescópio para duas zonas
celestes que na altura se julgavam ser nebulosas . Observou
que a "nebulosa" da cabeça de Orionte [nebu/,a capita Orionis,
À-Ürionis] e a "nebulosa" de Presépio, no Caranguejo, que no
catálogo de Ptolomeu são descritas como nebulosas, e sempre
assim haviam sido consideradas pelos astrónomos, eram, afinal,
constituídas por numerosas estrelas, muito próximas umas das
outras. Na altura em que publicou es tes resultados, o consenso
em torno deste assunto começava a desaparecer, pois desde o
início do século XVII, antes mesmo do aparecimento do teles-
cópio, já vários autores haviam questionado a descrição antiga:
no famoso catálogo de Johannes Bayer (1564-1617), Uranome-
tria (Augsburg, 1603), o mais influente atlas celeste do século
XVII, a "nebulosa" da cabeça de Orionte aparece já resolvida
em três estrelas, sendo o aspecto nebular abandonado. 92 Mas
92
A Uranometria (Augsburg, 1603) é uma obra de grande quali-
dade artística e tipográfica, com excelentes gravuras, composta por 51
estampas: representam-se primeiro as 48 constelações prolomaicas, e
depois, numa única estampa, as 12 novas constelações do hemisfério Sul.
As duas últimas gravuras são representações completas do hemisfério
norte e do hemisfério sul. Bayer adoptou a convenção (originalmente
proposta por Piccolomini) de usar letras gregas para indicar a magnitude
estelar das estrelas mais brilhantes e letras romanas para as mais fracas e,
72
seria Galileu, ao mostrar que essa "nebulosa" era afinal um
agregado de 21 estrelas muito próximas, quem desferiria a der-
radeira machadada na concepção antiga.
De modo semelhante, a "nebulosa" do Presépio (hoje em
dia com a designação de agregado Messier 44 [M44, NGC
2632), um enxame aberto), facilmente visível a olho nu, é
conhecida desde a mais remoca antiguidade; os gregos chama-
vam-lhe Manjedoura, e Ptolomeu, no seu famoso Catálogo,
inclui-a também entre as sete nebulosas listadas no Almagesto. 93
Sem lentes não se conseguem distinguir as estrelas, vendo-se
apenas uma mancha difusa, mas Galileu, com o telescópio,
resolveu-a num aglomerado de 38 estrelas.
Estas observações telescópicas pareciam resolver definitiva-
mente a questão da verdadeira natureza das zonas nebulosas do
céu , e, baseado neste esclarecimento, Galileu explicava que era
exaccamente o que também se observava na Via Láctea, sobre
73
cuja verdadeira natureza leitosa sempre houvera grandes contro-
vérsias. 94
As observações de agregados estelares descritas no Sidereus
Nuncius contêm, como já foi notado há muito , uma curiosa
ausência que é o facto de Galileu não fazer qualquer menção à
famosa Nebulosa de Orionte (M42), um objecto estelar cujo
aspecto nebular é facilmente visto a olho nu, e que surge
espectacular mesmo quando visto com telescópios muito
modestos. Tendo Galileu prescrutado com atenção toda a cons-
telação de Orionte, é difícil compreender como lhe possa ter
escapado este corpo celesce. 95 Para mais, a nebulosa de Orionte
seria descoberta poucos meses depois, no final de 1610, por
Nicholas-Clau de Fabri de Peiresc (I 580-1637), e seria dese-
nhada pela primei ra vez em 1653, pelo astrónomo siciliano
96
Giovanni Battisca Hodierna (1597-1660).
94
Sobre as diferentes concepções acerca da natureza da Via Láctea
desde a antiguidade, vide STANLEY L. JAKI, The Mifky Wtiy, an Efusive
Road to Science (New York: Science History Publications, 1972) . É inte-
ressante notar que no caso da Via Láctea Galileu mencionou - até em
termos enfáticos - a existência de uma longa tradição de discussões, ao
passo que deixou completamente em silêncio as longas discussões acerca
da natureza da Lua.
95
Sobre es te assunto, com várias possíveis exp licações para a
observação tardia desta nebulosa, realizada só no fin al de 161 O, veja-se:
THOMAS G. HARRIS0N, «T he Orion N ebula: Where in History is it?»,
Quarterfy journaf of the Royal Astronomical Society, 25 (I 984) 65-79,
onde o autor propõe a teoria de um súbito aumento de brilho na nebu-
losa de Orionte no final do ano de 161 O, o que finalmente a teria tor-
nado visível. Owen Gingerich questionou esta expli'cação e faz notar que,
querendo Galileu mostrar que afinal as nebulosas não eram mais do que
aglomerados de estrelas, a observação da nebulosa de Orionte seria um
contra-exemplo que ele prudentemente omitiu. Esta explicação é lógica, e
até concorda com a personalidade de Galileu, mas deixa, apesar de tudo,
em aberto a dúvida de saber por que não existem referências a esta nebu-
losa anteriores a 161 O; ÜWEN GINGERICH, «The mysterious nebulae,
1610-1924 », journal of the Royal Astronomical Society of Canada, 81
(1987) 11 3- 127.
96
Peiresc viveu em Pádua entre 1600 e 1602 e, nesse período, foi
discípulo de Galileu e frequentador do círculo em torno de Paolo Sarpi.
74
É também interessante notar o que não estd dito no Side-
reus Nuncius relativamente às estrelas fixas, isto é, qualquer
menção do uso do telescópio para tentar observar a paralaxe
anual dessas estrelas. 97 Galileu tinha perfeitamente presente
75
a importância da observação de paralaxe estelar, o que seria
uma confirmação indiscutível do movimento anual da Terra e,
portanto , do copernicianismo. Na sua correspondência com
Kepler, depois de, em Agosto de 1597, lhe confidenciar que
era copernicano "há já muitos anos", o matemático alemão res-
pondeu, a 13 de Outubro de 1597, instando-o a medir a para-
laxe estelar ( Opere, X, 68-71) . Quando, a partir de finais de
1609, conseguiu ter telescópios adequados, seria naturalíssimo
que tivesse tentado fazer essas medições cruciais. Aliás, alguns
contemporâneos julgaram, em Julho de 1610, que a comoção
em torno do Sidereus Nuncius se devia ao facto de Galileu ter
medido a paralaxe estelar, provando assim a veracidade da teo-
ria heliocêntrica (Opere, XI, 133-136). Todavia, não o fez, nem
deu notícia de o ter tentado nos meses que antecederam a
publicação do Sidereus Nuncius, sendo o livro completamente
omisso quanto a esta medição crucial.
Os desenvolvimentos principais relativamente a este
assunto ocorreriam já após a publicação do livro.98 Em 23 de
Julho de 1611, um correspondente, Giovanni Lodovico Ram-
poni, escrevia a Galileu explicando um método engenhoso para
medir a paralaxe a partir da observação de estrelas muito pró-
ximas (Opere, XI, 159-162). Nos anos seguintes, sobretudo em
companhia do seu discípulo e amigo Benedetto Castelli (1578-
-1643) , Galileu envolveu-se em várias tentativas para medir a
paralaxe. Estava persuadido de que o valor do ângulo de para-
laxe, se bem que diminuto, estava ao alcance dos seus melho-
res telescópios, mas acabou por constatar que isso não era pos-
sível. No Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632),
98
Vide HARALD SIEBERT, «The early search for stellar parallax:
Galileo, Castelli, and Ramponi», Journal for the History of Astronomy, 36
(2005) 251-271. Para um desenvolvimento maior desta questão veja-se o
capítulo 3, «Die Fixsrernparallaxe - Probierstein der Heliozentrik», in
H ARALD S!EBERT, Die grosse kosmologische Kontroverse. Rekonstruktionsver-
suche anhand des ltinerarium exstaticum von Athanasius Kircher SJ (J 602-
1680) (Srurtgart: Franz Steiner Verlag, 2006), pp. 15 5-294.
76
pela boca de Salviati, Galileu discutiu longamente a importân-
cia da paralaxe anual e o facto de se tratar de um teste crucial
para o copernicianismo. No entanto, apesar de explicar como
se deveria levar a cabo essa observação (segundo o método pro-
posto por Ramponi, mas sem o citar), omitiu completamente o
facto de ele próprio se ter dedicado a essas medidas, o que se
pode calvez explicar pelo falhanço das suas tentativas ( Opere,
VII, 399-416).
Os satélites de Júpiter
99
Veja-se como no frontispício do Sidereus Nuncius a observação
dos satélites de Júpiter é enfatizada e como, ao longo de todo o texto,
essa observação, "que excede imensamente toda a admiração", é sempre
posta em destaque. Todos os documentos e acontecimentos da vida de
Galileu neste perlodo testemunham o lugar único e excepcional que ele
atribuiu à desco berta dos satélites de Júpiter. As notas pessoais destas
observações estão no famoso Cod. Galileiana 48 da Biblioteca Nazionale
Centrale di Firenze. A primeira observação, a 7 de Janeiro de 161 O, já
foi chamada "possibly the most exciting single manuscript page in the
history of science" (in ÜW EN GINGERICH and ALBERT VAN H ELDEN,
«From Occhiale to Printed Page: The Making of Galileo's Sidereus
Nuncius», Journal for the History of Astronomy, 34 (2003) 251-267, na
p. 251 ). Sobre estas observações ver também: J. MEEUS, «Galileo's firsr
records of Jupiter's satellites», Sky and Telescope, 24 (1962) 137-139; W.
L. ROBINSON, «G alileo on the moons of Jupiter», Annals of Science, 31
(1974) 165-169; JOHN ROCHE, «Harriot, Galileo, and Jupiter's satellites»,
Archives lnternationales d'Histoire des Sciences, 32 (1982) 9-5 1.
77
tinha fornecido indícios nesse sentido. 100 Galileu declarou que
essa descoberta fora uma graça especial que Deus lhe concedera
e insistiu sempre que ninguém antes dele tinha alguma vez
visto, ou sequer suspeitado da existência desses astros, e que ele
fora absolutamente o primeiro a observá-los.
Em Janeiro de 1610, Júpiter estava em condições parti-
cularmente favoráveis para ser observado. Tinha passado a opo-
sição, quando estava à menor distância da Terra, e era o astro
mais brilhante da noite. 10 1 Galileu estava seguramente interes-
sado em observar o movimento do planeta que, por esses dias,
percorria um arco de retrogradação (i.e., de Leste para Oeste).
No dia 7 de Janeiro, observou Júpiter, notando que tinha
três pequenas estrelas perto de si , duas para o lado Este e uma
para o lado Oeste. Nesse mesmo dia, escrevendo a Antonio de'
Mediei, dava a primeira notícia dessa observação curiosa:
"questa sera ho veduto Giove accompagnato da 3 stelle fisse
totalmente invisibili per la lor picciolezza" ( Opere, X, 277), e
num desenho reproduzia a observação. As estrelas encontra-
vam-se dispostas ao longo de uma linha recta paralela à eclíp-
tica, uma disposição curiosa, mas muito útil para quem queria
100
Recentemente tem-se discutido se os satélites de Júpiter seriam
visíveis a olho nu. Existem confirmações contemporâneas de pessoas com
excepcional acuidade visual serem capazes de detectar esses astros à vista
desarmada, mas não é crível que alguém tivesse detectado esses planetas
antes de saber que eles lá estavam. Sobre os limites de visibilidade, com
análise particular da possibilidade de algumas observações galileanas
terem sido feitas anteriormente, sem telescópio, ver: BRADLEY E. SCHAE-
FER, «Glare and celestial visibiliry», Publicatiom of the Astronomical Society
of the Pacific, 103 (1991) 645-660; BRADLEY E. SCHAEFER, «Astronomy
and the limits of vision», Vistas in Astronomy, 36 (1993) 311-361.
101
Galileu tinha por hábito fazer as suas observações de preferência
ao início da noite, e, de facto, nos primeiros dias de Janeiro de 161 O, só
Júpiter e Saturno apareciam ao princípio da noite; mas Saturno estava
muito baixo, apenas poucos graus acima do horizonte, difícil ou possi-
velmente até impossível de avistar. Júpiter, pelo contrário, encontrava-se
alto no céu Oriental.
78
inspeccionar em detalhe o movimento de Júpiter. No dia 8,
contudo, observou que, estranhamente, a disposição dessas
pequenas estrelas era diference. No dia 9, não pôde fazer
observações porque escava enevoado, mas no dia 1O voltou a
observar que as estrelas se dispunham num arranjo diference de
qualquer um que tivesse visco até então. Galileu concluiu que
eram as próprias estrelas que se escavam a deslocar: um com-
portamento estranhíssimo.
No dia 13, a perplexidade aumentava, pois surgia agora
uma quarta pequena estrela que Galileu não vira anteriormente
(devido ao pequeno campo de visão das suas lunetas e ao facto
de em dias anteriores alguns dos satélites terem estado quase
sobrepostos ou demasiado próximos de Júpiter) . Alguns his-
toriadores especularam que teria sido a observação de quatro
pequenas estrelas que decidira Galileu a dirigir-se aos qua-
tro Medici . 102
Galileu não demorou muitos dias a chegar à conclusão
- absolutamente surpreendente - de que se tratava de saté-
lites de Júpiter. A 30 de Janeiro, dava conta, pela primeira vez,
desta extraordinária descoberta, numa carta a Belisario Vinca,
relatando o seu descobrimento de quatro novos planetas orbi-
tando em corno de uma "scella moiro grande". Escava cão entu-
siasmado com o seu descobrimento e tão preocupado que
outra pessoa o pudesse também fazer que, prudentemente, não
especificou que a "estrela" em causa se era cava de Júpiter. 103
79
Galileu designa sempre os novos astros que descobriu
por stella, pequenas estrelas (stellulae) ou planeta, mas Kepler
sugeriu um termo específico, propondo inicialmente circula-
tores ( Opere, X, 337) e, meses depois, numa carta a Galileu
em Outubro de 1610, designando-os pela primeira vez como
"satélites de Júpiter" Uoviales satellites) ( Opere, X, 458), termo
que usou no título do relatório das suas próprias observações,
Narra tio de observatis a se quatuor lo vis satellitibus (1611). Gali-
leu, contudo, nunca usou o termo satélite, nem tão pouco
!una. io4
No Sidereus Nuncius são relatadas as observações dos saté-
lites de Júpiter feitas entre 7 de Janeiro e 2 de Março de 1610,
num total de 65 observações. Para dar conta deste descobri-
mento sensacional e também, sem dúvida, para eliminar possí-
veis objecções, Galileu alterou completamente os códigos de
representação habituais em astronomia, apresentando as suas
observações, dia-a-dia, numa sequência de diagramas : uma
apresentação verdadeiramente inovadora, quase cinematográfica,
em que a enorme profusão de imagens ilustrando as diferentes
posições dos satélites em torno de Júpiter, impõe-se quase dis-
pensando mais argumentos, mas simplesmente pelo peso esma-
gador da evidência visual.
Não se devem esquecer as dificuldades em observar estes
pequenos planetas com instrumentos tão deficientes como os
de que Galileu dispunha. No manuscrito original do Sidereus
Nuncius Galileu assinalava algumas destas dificuldades dizendo
que ainda não havia sido capaz de determinar os períodos des-
104
O termo satelles designa um acompanhante ou pagem de uma
pessoa importante. Kepler relatou esses factos na sua Narratio de observa-
tis a se quatuor Iovis satillitibus (I 611) ( Opere, IIl/1 , 185). Há um;i tra-
dução francesa do texto de Kepler: Galilée. Le Message Céleste. Traduction
complete du Latin en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivie
de la Dissertation avec le Messager Céleste et de la Narration sur les
Satellites de Jupiter de Jean Kepler, traduits pour la premiere fois du
Latin en Français (Paris: Blanchard, 1989).
80
ses planetas e que ainda não havia sido capaz de os distinguir
convenientemente uns dos outros, pois não diferiam significati-
vamente em cor ou tamanho ( Opere, III/ 1, 46), mas depois ris-
cou este trecho que na versão impressa acabou por ser omitido.
Galileu percebeu imediatamente não apenas a importância
científica da sua descoberta, mas também as suas potencialida-
des na muito desejada aproximação à corte dos Mediei, e,
como explicaremos mais adiante, decidiu dedicá-la a Cosme II.
A meio de Fevereiro, enquando ainda fazia observações, entrou
em contacto com Belisario Vima, o Secretário de Estado da
corte toscana, para se informar do melhor modo de levar a
efeito esta dedicação.
Ciente da excepcionalidade destas observações e da rela-
tiva facilidade em as fazer, para quem possuísse um telescópio
de qualidade aceitável, Galileu foi extremamente cauteloso na
divulgação destas notícias. Nas primeiras folhas manuscritas
que deixou ao impressor havia apenas menção de grandes des-
cobertas e de novas "Cosmica Sydera", mas nenhuma revelação
de que circulavam nas vizinhanças de Júpiter e durante algu-
mas semanas a sua correspondência revela que, embora fosse
dando a saber que descobrira novos astros, nunca fala de
Júpiter.
Após a publicação do Sidereus Nuncius, Galileu continuou
a estudar intensamente o movimento destes satélites, com o
objectivo de determinar os seus períodos sinódicos, num traba-
lho que é um monumento de genialidade científica, quer do
ponto de vista teórico, quer do ponto de vista da dificuldade
das observações por ele levadas a cabo. 105 Em 1612, conseguiu
81
finalmente determinar esses períodos. Publicou imediatamente
os resultados, aproveitando para isso o facto de estar a dar aos
prelos o Discorso [. . .} intorno alie cose che stanno in su l'acqua
o che in que/la si muovono, um livro que, no entanto, nada
· ha a ver com a questao
nn - astronom1ca.
, · 106
Os historiadores concordam em geral que a descoberta
dos satélites de Júpiter, esvaziando assim a objecção que pre-
tendia negar o movimento da Terra pela impossibilidade de a
Lua a acompanhar, foi um facto decisivo na conversão de Gali-
leu a um copernicianismo explícito e militante. Para mais,
82
quando foi capaz de estabelecer os períodos, deu-se conta de
que os satélites mais interiores eram mais rápidos e os mais
exteriores mais lentos, exactamente como no sistema coperni-
ciano. No Sidereus Nuncius Galileu não desenvolveu em detalhe
todos estes argumentos, fazendo apenas notar que os planetas
mais interiores têm períodos menores do que os mais exterio-
res e usando a comparação entre Júpiter com os seus satélites e
a Terra com a Lua para refutar o sistema de Tycho Brahe (sem
o nomear) . Mas mais tarde, no Dialogo sopra i due massimi sis-
temi dei mondo (1632), invocaria as suas observações destes
satélites para fundamentar o sistema coperniciano.
Galileu continuou sempre interessado nos satélites de
Júpiter, o que o levo u a propor um processo de determinação
da longitude baseado no seu movimento. Tendo observado pela
primeira vez, em 1612, um ecl ipse de um satélite de Júpiter,
deu-se conta de que esses eclipses podiam servir como fen6me-
nos capazes de proporcionar um a medição absoluta do tempo
e, portanto, um dos ingredientes indispensáveis para a medição
da longitude. O princípio era exacro, mas tudo ficava depen-
dente da possi bilidade de preparar tabelas de eclipses suficien-
temente precisas e de fazer observações com o rigor necessário.
A partir de 161 3, Galileu tentou convencer o governo de Espa-
nha da aplicabilidade do método , mas sem grande sucesso. No
final da sua vida, reto mou es tas tentativas, mas agora com o
governo dos Países Baixos. 107
83
No ano de 1614, Simon Mayr [Marius] (1570-1624)
publicava em Nuremberga uma obra intitulada Mundus Iovialis
anno MDCIX Detectus Ope Perspicilli Belgici onde reclamava
ter observado os satélites de Júpiter desde finais de Novembro
de 1609, começando a registar sistematicamente as suas posi-
ções a partir de 29 de Dezembro de 1609 . Galileu publicou
uma refutação devastadora no II Saggiatore (1623), mas hoje
em dia é muito difícil apurar quem tinha razão. 108 Num
aspecto, contudo, Marius saiu vencedor, pois a designação
«estrelas de Mediei» foi rapidamente abandonada, em favor da
designação de inspiração clássica de lo, Europa, Ganimede,
Calisto que Marius propusera no Mundus lovialis.
84
A escrita do Sidereus Nuncius e a ligação aos Mediei
109
Le Operazioni dei Compasso Geometrico e Militare (Pádua, 1606),
que se encontra in: ( Opere, 11, 363-424). Veja-se a edição inglesa, com
um importante estudo: GALILEO GALILEI, Operatiom of the Geometric and
Military Compass, translared, with an inrroduction by STILLMAN DRAKE
(Washington : Smirhsonian Institution Press, 1978).
85
adiantado, quase pronto. 110 No dia 30 de Janeiro, Galileu
encontrava-se em Veneza para tratar já da impressão da obra,
escrevendo então a Belisario Vinta:
110
Sobre o processo de redacção do livro pode ver-se em especial o
trabalho de ÜWEN GINGERICH e ALBERT VAN HELDEN, «From Occhiale
to Printed Page: The Making of Galileo's Sidereus Nuncius», journal for
the History of Astronomy, 34 (2003) 251-267.
111
Difesa di Galileo Galilei nobile florentino, Lettore di Matematiche
nello Studio di Padoua contro alie Calunnie ed imposture di Baldassar
Capra Milanese (ln Venetia, Tomaso Baglioni, 1607) encontra-se em
Opere, II, 515-601. Sobre Baglioni veja-se: A. CIONI, «Baglioni, Tom-
maso», in Dizionario Biografico degli ltaliani (Roma: Istituto della Enci-
clopedia Italiana, 1963), vol. V, p. 249. A casa Baglioni viria a ganhar
depois grande notoriedade, quando liderada por Paolo, o filho de Tom-
maso.
86
aproximação à corte do Grão-Ducado da Toscana. 112 A ligação
de Galileu à família Mediei tinha já alguns anos; fora tutor de
matemática do jovem Cosme, tendo passado várias temporadas
na corte toscana: quase todo o Verão de 1605 ( Opere, X, 144-
-145), algumas semanas em Outubro de 1606 (Opere, X,
158-162), e quase todo o Verão de 1608 (Opere, X, 214-215).
Em 1606, dedicara a Cosme o seu Le Operazioni dei compasso
geometrico et militare (Padova, 1606) 113 e em Setembro de
1608, aquando do casamento de Cosme e Maria Madalena de
Áustria, havia escrito à Grã-Duquesa Cristina propondo uma
nova representação heráldica. Mas, apesar de todo o empenho
colocado por Galileu, que nunca escondeu o seu desejo de
regressar a Florença, abandonando a Universidade de Pádua,
estas aproximações não tiveram qualquer efeito duradouro.
Em 1609, Cosme sucedia a seu pai, Fernando I, ascen-
dendo ao cargo de quarto Grão-Duque da Toscana, o que
abria novas possibilidades. Galileu não estava particularmente
feliz com a sua situação na Universidade de Pádua e, como
vimos, uma das primeiras coisas que fez após se ter dado conta
do potencial do telescópio havia sido a tentativa, no Verão de
1609, junto do Senado de Veneza, de melhorar as condições
contratuais que o ligavam à Universidade de Pádua. O resul-
11 2
PAOLO GALLUZZI, «li mecenatismo mediceo e !e scienze», in C.
VASO LI (ed.), Idee, istituzioni, scienza ed arti nella Firenze dei Mediei
(Firenze, 1980), pp. 189-215 ; RI CHARD S. WESTFALL, «Science and
patronage: Galileo and the relescope», Isis, 76 (1985) 11-30; MARIO BIA-
GIOLI , «Galileo the Emblem Maker», Isis, 81 (1990) 230-258 ; MARIO
BIAGIOLI, «Galileo's Sysrem of Patronage», History of Science, 28 (1990)
1-62, e, sobretudo: MARIO BIAGIOLI, Galileo Courtier: The Practice of
Science in the Culture of Absolutism (Chicago and London: The Univer-
sity of Chicago Press, 1993). [Tradução portuguesa: Galileu Cortesão. A
Prática da Ciência na Cultura do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio
(Porto: Porto Editora, 2003)] .
113
Vide a dedicatória a Cosme, em Opere, II, 367-368, que deve
ser comparada com a dedicatória do Sidereus Nuncius, também a Cosme,
mas quando este já era Grão-Duque.
87
tado deste esforço, apesar de favorável, não havia agradado
inteirament e a Galileu, que terá certamente pensado em
melhores alternativas, possivelmente em Florença.
Mas o que alteraria completam ente os acontecime ntos
seria a extraordinária descoberta de satélites em torno de Júpi-
ter, no início de Janeiro de 161 O e a decisão, tomada poucos
dias depois, de escrever um livro relatando esses factos notáveis.
A 30 de Janeiro de 161 O, escreveu um breve relatório das suas
descobertas, que enviou à Corte dos Mediei ( Opere, X, 280-
-281 ), iniciando assim um processo de aproximação que culmi-
naria com a dedicatória do Sidereus Nuncius a Cosme II e o
baptismo dos satélites como "estrelas medi ceias".
A 13 de Fevereiro, isto é, pouco mais de um mês depois
de ter observado pela primeira vez um dos novos corpos celes-
tes, Galileu escrevia a Belisario Vinta dando a conhecer a sua
intenção de baptizar os noyos planetas com um nome relacio-
nado com os Mediei e pedindo o parecer sobre qual a melhor
designação a atribuir às luas de Júpiter. Galileu hesitava entre
Cosmica Sydera, em honra de Cosme, e Medicea Sydera, em
homenagem a toda a família ( Opere, X, 283). Poucos dias
depois, Vinta respondia dizendo que a designação Cosmica
deveria ser evitada por causa da ambiguidad e que poderia cau-
sar (entre Cosme e cosmos), e que a designação Medicea Sydera
deveria ser usada ( Opere, X, 284-285). Mas Galileu, que vivia
estes dias em estado quase febril de emoção, não esperara pela
resposta e já mandara imprimir a parte inicial da obra que abria
com um título que dizia "Cosmica Sydera" (foi. 5). Não houve
mais remédio senão colar uma tira de papel com o nome cor-
rigido, Medicea, em todos os exemplares que foi possível.
O nome dos Mediei ficava assim para sempre ligado às
mais importantes descobertas observacionais da história da
astronomia, e Galileu seria recompensado com a nomeação de
matemático e filósofo da corte florentina. A importância desta
ligação estreita aos Mediei não deve ser diminuída, e não
somente porque as condições materiais passariam a ser muito
mais favoráveis , permitindo a Galileu o sossego suficiente para
se dedicar às suas investigações. Como o historiador Robert
88
Westman fez notar já há alguns anos, a elevada distinção social
associada ao cargo de matemático e filósofo particular dos
Mediei viria a ter repercussões muito mais profundas, já que o
baixo estatuto disciplinar das matemáticas aplicadas, como a
astronomia, a óptica e a mecânica, haviam constituído um dos
principais, se não mesmo o principal, obstáculo para a legiti-
mação epistemológica do copernicianismo. 114 Consciente ou não
de todas estas implicações, quando Galileu decidiu dedicar as
luas de Júpiter à célebre família florentina, estava a tomar um
dos mais importantes passos na divulgação do copernicianismo.
A impressão foi febril. Entre o dia em que Galileu pela
primeira vez entregou texto manuscrito ao impressor e a saída
da obra dos prelos decorreram apenas seis semanas, e o pro-
cesso foi tudo menos sereno, com várias adições de material e
alterações de última hora. O próprio Galileu, numa carta a
Belisario Vinca, desculpava-se de o livro não ter saído com o
aprumo que o assunto merecia devido à urgência em o publi-
car, revelando que o Sidereus Nuncius estava ainda a ser escrito
quando as panes iniciais estavam já a ser impressas, com receio
de que outra pessoa o pudesse ultrapassar na descoberta e
divulgação dessas nocícias ( Opere, X, 300). De facto, decidiu, à
última hora, incluir algumas coisas (por exemplo, os cálculos
sobre a altura das montanhas da Lua) e outras partes foram
introduzidas quando o livro já se encontrava a imprimir (parte
do texto sobre as estrelas fixas, entre foi. 16v e foi. 17 r), aca-
bando toda a montagem tipográfica do livro por revelar algum
desacerto. 115
89
O corpo do livro estava praticame nte rodo impresso
em meados de Fevereiro e por essas datas Galileu começou a
ocupar-se das derradeira s questões administra tivas, das autoriza-
ções e das páginas de abertura, que o tipógrafo foi apressada-
mente imprimin do à medida que lhe eram entregues. A 26 de
Fevereiro, os Riformatori do Escudo de Pádua, encarregu es de
examinar a obra, comunica vam ao Conselho dos Dez não ter
objecções à publicaçã o da obra - que é designada nestes
document os por Astronomica Denuntiat io ad Astrologos ( Opere,
XIX, 227) - e passados poucos dias, a 1 de Março , o mesmo
Conselho dos Dez concedeu a necessária autorizaçã o de publica-
ção ( Opere, XIX, 227-228).
A dedicatóri a foi datada de 12 de Março e nesse mesmo
dia, ou no seguinte, Galileu tinha nas mãos um primeiro
exemplar, ainda sem acabamen tos, da sua extraordin ária obra.
11 6
11 6
A dedicatória a Cosme II é um texto complexo, cheio de alu-
sões implícitas e um rico subtexto, tudo envolvido numa linguagem
astrológica. Darrel Rutkin argumento u que Galileu se terá inspirado na
dedicatória de Kepler ao imperador Rudolfo II que abre a Astronomia
nova (I 609), e que, por sua vez, Kepler se inspirara em textos análogos
de Tycho Brahe. Vide H. ÜARREL RUTKI N, «Celestial Offerings: Astrolo-
gical Motifs in the Dedicatory Letters of Kepler's Astronomia Nova and
Galileo's Sidereus Nuncíus,,, in W. NEWMAN and A. GRAFTO N (ed.),
Secrets of Nature, Astrology and Alchemy in Early Modem Europe (Cam-
bridge, Mass.: The MIT Press, 2001 ), pp. 133- 172.
90
sua designação precisa, que Galileu sempre insistiu que
incluísse, além de matemático, também o título de filósofo. A
7 de Maio de 161 O, escrevia a Belisario Vinta, recordando a
necessidade imperiosa de adicionar o título de filósofo natural,
oferecendo a justificação, pouco convincente, de ter gasto
muito mais tempo a estudar filosofia do que matemática. 117 A
razão verdadeira era mais profunda, mas mais difícil de expli-
car. Apesar de toda a sua desconfiança, e até aversão, pelos filó-
sofos e pelos estudos filosóficos, Galileu sabia bem que, só
como matemático, dificilmente teria credibilidade e autoridade
suficientes para a campanha coperniciana que planeava ini-
ciar.11 s
Em Julho de 1610 estavam finalmente definidas as condi-
ções contratuais que ligariam Galileu à corte dos Mediei. Essas
condições eram o melhor que se poderia esperar: Galileu seria
professor de matemática na Universidade de Pisa, mas sem
obrigação de dar aulas ou sequer de residir em Pisa, e seria o
filósofo e matemático do Grão-Duque, com um vencimento
anual de 1000 scudi florentinos . Resolvidas algumas questões
domésticas - que incluíram o abandono de Marina Gamba, a
mulher que em Pádua lhe dera três filhos, mas que, presumi-
11 7
"quanto ai titolo et pretesto dei m10 servmo, io desidererei,
oltre ai nome di Matematico, che S. A. ci aggiugnesse quello di Filosofo,
professando io di havere studiato piu anni in filosofia, che mesi in mate-
matica pura" (Opere, X, 353).
11 8
Para além disso, sabe-se também que Galileu, tal como Kepler,
questionou a tradicional separação entre filósofos e astrónomos (ou mate-
máticos), o que pode também estar em jogo na sua exigência do título
de matemático e filósofo. Galileu aborda esta questão, explícita ou impli-
citamente, em vários dos seus textos. Por exemplo , no Diawgo referiu-se
ao que devia fazer um "astrónomo filósofo", por oposição ao que se espe-
rava de um "astrónomo puro calculator" ( Opere, VII, 369). Esta redefini-
ção do programa da astronomia - pois é disso que se trata - iniciada
por Galileu e Kepler, não pode ser mais do que indicada aqui, já que as
suas ramificações são muito mais complexas e profundas do que tem
cabimento tratar neste local.
91
velmente, Galileu não considerava companhia adequada para o
ambiente sofisticado da corte florentina 11 9 - ficou tudo
pronto para a mudança. No dia 7 de Setembro de 161 O, Gali-
leu partia de Pádua, chegando a Florença a 12 de Setembro de
1610.
Saturno tricorpóreo
119 As duas filhas, Virginia (n. 1600) e Livia {n. 1601) foram com
Galileu para Florença, tendo o filho Vincenzo {n. 1606) ficado com a
mãe por ser muito pequeno, até que, anos mais tarde, em 1613, Galileu
também o mandou buscar.
120
Galileu foi noticiando várias destas descobertas em cartas e
outros textos e pela primeira vez em letra de forma, de maneira muito
breve, no prefácio do Delfe cose che stanno in su l'acqua, em 1612 {Opere,
IV, 63).
92
"Saturno tricorpóreo". Sabemos hoje que se trata do facto de
Saturno estar rodeado por um anel, mas que Galileu não pôde
observar nitidamente.
Esta descoberta vinha mesmo a calhar, pois embora ainda
não tivesse entrado formalmente ao serviço do Grão-Duque,
Galileu sentia já a pressão em cumprir o que havia prometido,
apresentando novas e admiráveis notícias dos céus. Poucos dias
depois (a 30 de Julho), escreveu a Belisario Vinta relatando
estes factos extraordinários e desenhando a configuração obser-
vada, mas pedindo o maior segredo ( Opere, X, 409-41 O). Para
garantir a sua prioridade, Galileu transmitiu também a desco-
berta a alguns astrónomos, entre os quais Kepler, na forma de
um anagrama. 121
Só a 13 Novembro, numa carta a Giuliano de' Mediei,
Galileu esclareceu o anagrama, que devia ler-se: altissimum pla-
netam tergeminum observavi, ("observei o planeta mais alto
[ = Saturno] tricorpóreo"). Explicava também, nessa carta, as
observações que havia feito, avisando que, se Saturno fosse
observado com telescópios de fraca qualidade, a sua real confi-
121
Devemos o conhecimento destes acontecimentos ao que Kepler
narra acerca deles na sua Narratio de observatis a se quatuor Iovis satteliti-
bis (1611) (Opere, III/1, 185) e depois, mais detalhadamente, no impor-
tante prefácio, «ln Dioptricen praefatio de usu et praestantia perspicilli
nuper inventi deque Novis coelestibus per id detectis», nas pp. 1-28 da
Dioptrice seu demonstratio eorum quae visui et visibi/ibus propter Conspi-
ci//a non ita pridem inventa accidunt (Augsburg, 1611); a parte relativa a
Saturno está nas pp. 15-16. Como explica, Kepler recebeu de Galileu o
anagrama: s m a i s m r m i / m e p o e t a / e u m i b u n e n u g t t
a u i r a s, que resolveu na forma: Salve umbistineum geminatum Martia
pro/es [= Salve, dupla companhia, filhos de Marte], ficando assim con-
vencido (erradamente) de que Galileu anunciava a descoberta de satélites
de Marte. A Dioptrice encontra-se no vol. IV de johannes Kepler Gesam-
melte Werke. Pode encontrar-se uma tradução inglesa de parte do prefácio
em: The Sidereal Messenger of Galileo Galilei: and a Part of the Prefoce to
Kepler's Dioptrics, tr. EDWARD STAFFORD CARLOS (London: Rivingtons,
1880; reprinted, London: Dawsons of Pall Mali, 1960), pp. 77-111.
93
guração não se observaria, parecendo apenas um astro oblongo
( Opere, X, 474) - exactamente como alguns dos seus contem-
porâneos o mam ver.
Tudo isto era verdadeiramente sensacional, mas estavam
guardadas ainda mais surpresas. No final de 1612, ao observar
de novo Saturno, constatou que a configuração havia mudado:
agora não se avistavam as pequenas "estrelas" dos seus lados.
Galileu, que havia dedicado ao assunto certamente muitas
horas de reflexão e observação predisse, no entanto, que elas
reapareceriam no ano de 1613 ( Opere, V, 23 7). Realmente,
nesse ano de novo se voltaram a ver os dois pequenos astros
que ladeavam Saturno, mas ficava lançado o problema aos
astrónomos: o que eram estas configurações mutáveis de
Saturno? A questão consistia, no essencial, em saber qual das
duas possibilidades era a verdadeira: se Saturno era esférico e
estava rodeado de dois pequenos planetas, ou se o próprio
Saturno era tricorpóreo. O assunto era de tal modo intrigante
que Galileu não o podia abandonar, mas o mistério iria aden-
sar-se ainda mais. Com efeito, no Verão de 1616, observou
que a sua forma tinha mudado, parecendo agora que dos lados
do corpo de Saturno saíam duas alças ou pegas, numa confi-
guração que passou então a designar por ansae (pegas) ( Opere,
XII , 276) . 122 Galileu continuou a observar e a desenhar a
forma de Saturno ao longo dos anos. Em 1623, no li Saggia-
tore apresenta um diagrama de Saturno na configuração com
pegas (Opere, VI, 361), e em 1640, já perto do final da sua
vida, escrevia a Benedetto Castelli relatando as suas observações
( Opere, XVIII, 238-239).
122
Sobre as observações de Saturno ver em parricular: ANTONI0
FAVARO, «lntorno alia apparenza di Saturno osservata da Galileo Galilei
nell'Agosto dell'anno 1616», Atti dei Reale Istituto Veneto di Scienze, Let·
tere ed Arti, 9 (1900-1901), pane II, 415-432; A. VAN H ELDEN, «Saturn
and his anses», Journal for the History ofAstronomy, 5 ( 197 4) 105-121 ; A.
VAN HELDEN, «'Annulo Cingitur': The solution of the problem of
Saturn», Journal for the History of Astronomy, 5 ( 197 4) 15 5-174.
94
O problema, entretanto, já havia atraído a atenção de
outros, como Gassendi e Francesco Fontana, e, depois, a partir
dos anos quarenta, muitos outros, como Bouilliau, Hevelius,
Riccioli e Grimaldi, juntar-se-iam às observações sistemáticas e
ao escudo da forma de Saturno. Galileu suspeitara que estas
estranhas configurações de Saturno tivessem que ver com o ali-
nhamento entre o planeta e a Terra, mas o enigma só seria cla-
rificado com o esclarecimento definitivo da existência de um
anel em redor de Saturno, algumas décadas depois, por Chris-
tiaan Huygens (1629-1695), nas suas obras De Saturni !una
observatio nova (den Haag, 1656) e Systema Saturnium, sive de
causis mirandorum Saturni Phanenomenon, et comite ejus planeta
novo (den Haag, 1659) e, ainda mais tarde, quando Jean
Dominique [Giovani Domenico] Cassini (1625-1712), em
1675, notou que esse anel era duplo. 123
Fases de Vénus
123
Vide WALTER ÜBERSCHELP und REINHARD ÜBERSCHELP, «Cas-
sini, Campani und der Saturnring», in J0RGEN HAMEL, INGE KEIL (eds.),
Der Meister und die Fernrohre. Das Wechselspiel zwischen Astronomie und
Optik in der Geschichte [= Acta Historica Astronomiae, vol. 33) (Frank-
furt am Main: Harri Deutsch, 2007), pp. 164-184. As duas obras de
Huygens referidas estão no vol. 15 das Oeuvres Completes de Christian
Huygens publiées par la Société Hollandaise des Sciences, 22 vols. (La Haye:
M. Nijhoff, 1888-1950).
95
quês Tycho Brahe (1546-1601) havia sugerido, no seu livro De
mundi aetherei recentioribus phaenomenis, publicado em 1588,
um arranjo cosmológico que mantinha a Terra imóvel no cen-
tro do universo e o Sol rodando em torno dela, mas com
todos os planetas orbitando em torno do Sol. Este sistema
tinha as vantagens de manter a imobilidade da Terra, sendo, ao
mesmo tempo, do ponto de vista cinemático, completamente
equivalente ao heliocentrismo de Copérnico. 124
No sistema de Ptolomeu, Vénus apareceria sempre como
um crescente, de maior ou menor tamanho, quando visto da
Terra - se se considerasse, como era o mais habitual, que
estava abaixo do Sol. Se, por outro lado, se achasse que estava
acima do Sol, apareceria sempre como um disco. Porém, se
Vénus circulasse em torno do Sol - como acontece no
modelo de Copérnico e de Tycho Brahe - , apresentaria um
ciclo de fases completo, passando de um crescente para um
disco (Vénus cheio), à semelhança das fases exibidas pela Lua.
O próprio Copérnico, no início do capítulo 1O do livro I do
De revolutionibus se referira à diference aparência de Vénus
96
dependendo da sua pos1çao relativamente ao Sol. Mas Copér-
nico, sem telescópio, não tinha qualquer possibilidade de
observar a face de Vénus.
Quando Galileu observou Vénus com um telescópio,
constatou que o planeta exibia ao longo dos dias um ciclo de
fases completo, passando de Vénus crescente a Vénus cheio.
Ficava assim demonstrado que Vénus circulava em torno do
Sol: um resultado excepcionalmente importante, que lançava
um golpe definitivo no sistema ptolomaico. As duas únicas
possibilidades eram agora o ordenamento planetário segundo
Copérnico ou segundo Tycho Brahe.
A 1 de Janeiro de 1611, Galileu escreveu a Giuliano de'
Mediei explicando a extraordinária importância da observação
das fases de Vénus que, segundo ele, era dupla: por um lado
resolvia uma antiga discussão, confirmando que os planetas não
têm luz própria e, por outro, mostrava inequivocamente que
Vénus circula em torno do Sol. Galileu omitia qualquer men-
ção ao sistema de Tycho Brahe, tornando assim as fases de
Vénus num poderosíssimo argumento a favor do copernicia-
nismo. 125 De facto, esta observação converter-se-ia para Galileu
talvez no mais poderoso argumento a favor do copernicia-
nismo, a tal ponto que, no Dialogo sopra i due massimi sistemi
dei mondo (1632), fez o elogio de Copérnico por este ter pro-
posto o heliocentrismo mesmo sem observar as fases de Vénus.
A história da descoberta das fases de Vénus gerou uma
viva polémica entre os historiadores pois alguns, baseados em
certas peculiaridades do desenvolvimento cronológico destes
descobrimentos, argumentaram que Galileu teria procedido
97
desonestamente, "roubando" a ideia ao seu discípulo Benedetto
Castelli. A cronologia dos acontecimen tos foi a seguinte. A 11
de Dezembro de 1610, Galileu escreveu a Giuliano de' Mediei,
enviando um anagrama que continha a observação de que
Vénus apresentava fases tal como a Lua ( Opere, X, 483) . No
final desse ano tornou pública a descoberta, relatando-a a Clá-
vio e a Castelli, a 30 de Dezembro ( Opere, X, 499-505), e
decifrando o anagrama a Giuliano de' Mediei, na já men-
cionada carta de 1 de Janeiro de 1611 (Opere, Xl, 11-12).
Sucede, porém, que no dia 5 de Dezembro de 1610, Bene-
detto Castelli enviara uma carta a Galileu - carta que este
receberia por volta do dia 11 de Dezembro, se não mesmo
nesse próprio dia - , prevendo as fases de Vénus ( Opere, X,
480-482). Embora Galileu viesse a dizer que já tinha feito essas
observações "da 3 mesi in qua", alguns historiadores lançaram
dúvidas sobre esta afirmação, "acusando-o" de ter usado, sem
dar crédito, uma ideia que era originalmen te de Castelli. Cer-
tos traços da personalidade de Galileu - em particular a sua
habitual renitência em dar a outros o crédito devido - torna-
ram plausível esta tese, mas, apesar disso, hoje em dia poucos
a subscrevem, sendo consensual que Galileu já observara as
fases de Vénus antes que a carta de Castelli lhe tivesse che-
gado_ 126
126
A tese de uma desonestidade por parte de Galileu nesta impor-
tante descoberta é já antiga. Foi proposta pela primeira vez por Raffaello
Caverni, ainda no século XIX, e refutada anos depois por Antonio Favaro
[ANTONIO FAVARO, «Galileo Galilei, Benedetto Castelli e la scoperta deite
fasi di Venere», Archeion, 1 (1919) 283-269] . A acusação foi de novo for-
mulada, de maneira mais pertinente, por Richard Westfall, num trabalho
que gerou alguma polémica [RICHARD WESTFALL, «Science and Patro-
nage: Galileo and the Telescope», Isis, 76 (1985) 11-30] . Sobre as obser-
vações das fases de Vénus e o debate em torno da verdadeira autoria
desta descoberta, veja-se: ÜWEN GINGERICH, «Galileo and the phases of
Venus», Sky and Telescope, 68 ( 1984) 520-522 [recolhido posteriormente
em: O. G!NGERICH, The Great Copernicus Chase: and other adventures in
astronomical history (Sky Publishing Corp., 1992), pp. 98-104]; STILLMAN
98
Manchas solares
DRAKE, «Galileo, Kepler, and phases of Venus», fournal for the History of
Astronomy, 15 (1984) 198-208 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays on
Galileo and the History and Philosophy of Science. Selected and introduced
by N. M. SWERDLOW and T. H . LEVERE (Toronto: University ofToronto
Press, 1999), vol. 1, pp. 396-409.); ÜWEN G! NGERICH, «The phases of
Venus in 161 O», ]o urna! for the History of Astronomy, 15 (1984) 209-1 O;
WILLIAM T. PETERS, «The Appearences of Venus and Mars in 1610»,
Journal for the History of Astronomy, 15 ( 1984) 211-214. A última peça
contra a tese da desonestidade terá sido o trabalho de PAOLO PALMIERI,
«Galileo did not steal the discovery of Venus' phases. A counter-argu-
ment to Westfall», in JOSÉ M ONTESINOS y CARLOS SoLfs (eds.), Largo
Campo di Filosofore. Eurosymposium Galileo 2001 (La Orotava: Fundación
Canaria Orotava de la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 433-444, e
PAOLO PALMIERI , «Galrleo and the discovery of the phases of Vénus»,
journal for the History of Astronomy, 32 (2001) 109-129.
127
Estas observações estão catalogadas em: A. D . WITTMANN and
Z. T. Xu, «A catalogue of sunspot observations from 165 BC to AD
1684», Astronomy and Astrophysics Supplement Series, 70 (1987) 83-94;
K. K. C. YAU and F. R. STEPHENSON , «A revised catalogue of Far Eas-
tern observations of sunspots (165 BC to AD 1918)», Quarterly journal
Royal Astronomical Society, 29 (1988) 175-197. O assunto da observação
de manchas solares no passado distante tem já uma longa história de
investigação, com um primeiro estudo por ALEXANDER HOSIE, «Sunspots
and Sun shadows observed in China BC 28 - AD 1617», journal of the
North China Branch, Royal A siatic Society, 12 (1878) 91-95. Seguiram-se
muitos trabalhos, entre os quais assinalamos: GEORG E SARTON, «Early
Observations of Sunspots?», Isis, 37 (1947) 69-71; D. M . WILLIS, M . G.
EASTERBROOK, and F. R. STEPHENSON, «Seasonal variation of oriental
sunspot sightings», Nature, 287 (1980) 617-619; F. R. STEPHENSON and
D. M. WILLIS, «The earliest drawing of sunspots», Astronomy and
Geophysics, 40 (1999) 21-22; J. M. VAQUERO, M . C. GALLEGO, and J.
A. GARCfA, «A 250-year cycle in naked-eye observations of sunspots»,
Geophysical Research Letters, 29 (2002) 1997. Para uma discussão dos
99
O seu estudo sistemático e científico, contudo, só foi realizado
na Europa a partir de 1609, com o aparecimento do telescó-
pio. A questão de quem foi o primeiro europeu a observar
manchas solares com telescópio permanece controversa. Não
subsistem dúvidas de que a primeira obra impressa sobre o
assunto tenha sido o livro de Johannes Fabricius, De maculis in
Sole observatis, publicado no Outono de 1611, mas é sabido
não ter sido Fabricius o primeiro a observá-las. Galileu e
Thomas Harriot observaram manchas em finais de 161 O,
enquanto Johannes e David Fabricius as observaram pela pri-
meira vez só em Março de 1611.
Galileu mostrou imagens de manchas solares a muitas
pessoas em Roma durante a sua viagem em 1611, mas não
empreendeu, nessa altura, qualquer estudo sistemático do
assunto. 128 Só se ocuparia destas observações a partir de Abril
100
de 1612. Quem já escava a fazer escudos sistemáticos das
manchas solares desde Outubro de 1611 era Chriscoph Schei-
ner (1573- 1650), um jesuíta professor de matemática em
Ingolscadc, que publicou uma obra dedicada exclusivamente ao
cerna em Janeiro de 1612 : Tres Epistola.e de Maculis Sola.ribus
Scriptae ad Marcum Welserum. Quando Galileu recebeu esse
livro, com um pedido para que expressasse a sua opinião,
encontrava-se doente e ocupado com a publicação do Discorso
{ .. } intorno alie cose che stanno in su l'acqua, e só alguns meses
depois teve oportunidade de investigar em detalhe com o seu
discípulo Benedecco Cascelli. Scheiner defendera que as man-
chas eram devidas ao trânsito de satélites em corno do Sol, ao
passo que Galileu, embora sem ter a certeza do que se tratava,
explicou que as manchas escavam localizadas na superfície
do Sol.
A breve trecho envolveram-se numa polémica famosa
durante o ano de 1612 que culminaria com a publicação, no
Verão de 1613, das três cartas de Galileu que, em cerca
medida, assinalam o fim da polémica. Galileu só volcaria ao
assunto anos depois no II Saggiatore (1623), mas, entretanto,
Scheiner tinha prosseguido e aumentado as suas investigações,
publicando entre 1626 e 1630 a Rosa Ursina, uma verdadeira
enciclopédia do assunto.
101
Neptuno
129
A primeira pessoa a notar esta observação foi Charles T. Kowal,
que deu um relato muito informal do seu descobrimento no texto:
CHARLES T. KOWAL, «Galileo's observations of Neptune», D/0, 15 (2008)
3-6. Em parceria com Srillman Drake, Kowal publicou dois artigos em
1980 com esta notícia: STILLMAN DRAKE and CHARLES T. KOWAL, «Gali-
leo's Sighting of Neptune», Scientific American, 243 (1980) 52-59 [tam-
bém em: STILLMAN DRAKE, Essays on Galileo and the History and Philo-
sophy of Science. Selected and introduced by N . M . SWERDLOW and
T. H. LEVERE (Toronto: Universiry of Toronto Press, 1999) , vol. 1,
pp. 430-441) e CHARLES T. KOWAL and STILLMAN DRAKE, «Galileo's
Observations of Neptune», Nature, 287 (25 Sept. 1980) 311-313. Estes
artigos geraram uma troca de opiniões posterior. Sobre este assunto deve
ver-se sobretudo: GORDON E. TAYLOR, «The Observations of Neptune by
Galileo», journal of the British Astronomical Association, 95 (1985) 116-
-117; E. M. STANDISH and A. M. NOBILI, «Galileo's observations of
Neptune», Baltic Astronomy, 6 (1997) 97-104.
102
Dezembro de 1609, quando ainda não tinha sequer formado a
intenção de redigir um opúsculo dedicado ao assunto. A 7 de
Janeiro de 1610, escrevia a Antonio de' Mediei um primeiro
relatório, extenso, acerca desses descobrimentos ( Opere, X, 273-
-278) e, nas semanas seguintes, revelaria, de modo esporádico e
fragmentário, mais algumas das novidades.
O aparecimento do Sidereus Nuncius provocou um
impacto imediato. Em poucos dias, primeiro Veneza, depois
roda a Itália, e finalmente os mais diversos pontos da Europa,
receberam com espanto, excitação ou incredulidade, as sensa-
cionais notícias. Os quinhentos e cinquenta exemplares postos
à venda esgotaram em menos de uma semana ( Opere, X, 300),
e tal era a apetência por informações acerca destes factos que
ainda no ano de 161 O apareceu em Frankfurt uma edição ile-
gal do livro.
No próprio dia em que o Sidereus Nuncius era publicado
(13 de Março), o embaixador inglês em Veneza, Sir Henry
Wotton, apressava-se a escrever para fazer chegar o mais rapi-
damente possível ao rei Jaime I a informação acerca desta
"strangest piece of news". Wotton dava a conhecer a comoção
que se vivia em Veneza com a divulgação dessas inauditas novi-
dades celestes que pareciam deitar por terra convicções milená-
rias. 130
130
"I sent herewirh unto his Majesty rhe strangest piece of news
(as I may justly call ir) that he hath ever yet received from any part of
the world; which is the annexed book (come abroad this very day) of rhe
Mathematical Professor ar Padua, who by the help of an optical instru-
ment (which borh enlargeth and approximateth the objecr)". Carta ao
conde de Salisbury, 13 de Março de 1610, in: LOGAN PFARSALL SMITH,
The Life and Letters of Sir Henry Wotton, 2 vols. (Oxford: Clarendon
Press, 1907), vol. I, pp. 486-487. Ao embaixador inglês também não lhe
escaparam as implicações astrológicas dos satélites de Júpiter. Ver também
I. BERNARD COHEN, The Birth of a New Physics, 2.• ed. (New York: W
W Norton, 1985), pp. 75-76. Há uma tradução portuguesa: O Nasci-
mento de uma Nova Física (Lisboa: Gradiva, 1988).
103
Haviam passado somente alguns dias sobre o apareci-
mento do livro e já Galileu escrevia a Belisario Vinca, a 19 de
Março, revelando a sua intenção de, a "brevíssimo tempo" fazer
uma reimpressão, mas com as figuras melhoradas e incluindo
muitas mais: planeava mostrar diagramas da Lua ao longo de
toda uma lunação, desenhar muito mais constelações e deter-
minar os períodos dos satélites de Júpiter. Planeava também que
essa edição fosse em italiano ( Opere, X, 299-300). Nos meses
seguintes, vários amigos de Galileu, como, por exemplo, Fede-
rico Cesi, insistiram para que desse aos prelos quanto antes
um a nova edição do Sidereus Nuncius, com as novas observa-
ções ( Opere, XI, 175). O aparecime nto da edição pirata, em
Frankfurt, ainda no ano de 161 O, de algu m modo sacio u o
interesse dos muitos leitores que ainda não tinham podido ler
a obra, mas não correspondi a à actualização que muitos espe-
ravam: essa edição mantinha o texto original, sem q uaisquer
acrescentos ou alterações, e apresentava gravuras de qualidade
inferior às da edição original.
Benedetto Castelli recebeu o livro poucos dias após a
publicação e imediatame nte o leu "piu di dieci volte con
somma meraviglia e dolzezza grande d'animo" ( Opere, X, 3 1O).
E foi também passados apenas poucos dias que, a muitas cen-
tenas de quilómetros de distância de Veneza, em Praga, Kepler
teve as primeiras notícias destes factos.
131
A opinião de Kepler
foi das mais procuradas neste período. Em Praga, Rudolfo II
recebeu uma das primeiras cópias do Sidereus Nuncius e, dese-
joso de um julgamento abalizado sobre o co nteúdo, mostrou-a
ao seu matemático imperial. Mas também Galileu escava
ansioso por saber a opinião de Kepler e, através do embaixador
da Toscana em Praga, fez-lhe chegar uma cópia, com o pedido
expresso de que este desse a sua opi nião. Kepler recebeu este
131
Recorde-se que Kepler soube da publicação do Sidereus Nuncius
e do seu conteúdo logo por volta de 15 de Março, no co nh ecido episó-
dio co m Johann Mamhaus Wackher. Vide supra, p. 20.
104
exemplar em 8 de Abril de 161 O. Dias depois (a 13), Kepler
visitava o embaixador, alcura em que este lhe anunciou que
Galileu muito desejava saber a sua opinião mas, infelizmente,
isso teria qu e ser feito depressa pois os correios pareiam para
Florença em breve. Kepler, como sempre, acedeu ao pedido de
Galileu co m generos idade e entusiasmo e, em menos de uma
semana, a 19 de Abril, entrego u ao embaixador uma carta,
dirigida a Galileu , co m as suas opiniões sobre o Sidereus Nun-
cius (Opere, X, 3 19-340).
D e todas as partes co ntinuavam a chegar a Kepler pedi-
dos de confirmação de cão sensacionais descobrimentos. Para
satisfazer a todas essas soli citações, ele começou a divulgar a
carta que tinha mandado a Galileu e, pouco depois , tendo-a
corrigido e ampliado um pouco, imprimiu-a num opúsculo
que dedico u ao em baixador da Toscana em Praga, intitulando-a
Dissertatio cum nuncio sidereo. 13 2 A despeito dos elogios com
que cobriu o autor do Sidereus Nuncius, o astrónomo alemão
teve também o cu idado de, delicadamente, clarificar assuntos
132
A carta original, de Kepler para Galileu, é de 19 de Abril de
1610 e pode encontrar-se em (Opere, X, 319-340). Foi depois impressa
como Dissertatio cum nuncio sidereo (Praga, Daniel Sedesanus, 1610).
Pode encontrar-se na joannis Kepleri Astronomi Opera Omnia, C. FRISCl-1
ed., vol. II , pp. 485-506, em johannes Kepler Gesammelte Werke, vol. IV,
pp. 28 1-3 11 e ainda em (Opere, III/1 , 97-1 25). H á várias edições
modernas des te importante texto das quais se deve preferir a seguinte:
Kepler's Conversation with Galileo's Sidereal Messenger. First Complete
Translation, with an Introductio n an d Notes, by EDWARD ROSEN (New
York and London: Johnson Reprint Corp., 1965). Há também uma tra-
dução francesa: Galilée. Le Message Céleste. Traduction complete du Latin
en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivi de la Dissertation
avec le Messager Céleste et de la Narration sur les Satellites de Jupiter de
Jean Kepler, traduits pour la premiere fois du Latin en Français (Paris:
Blanchard, 1989) , e uma espa nh ola: Galileo Galilei. La Gaceta Sideral,
Johannes Kepler. Conversación con el mensajero sideral Inrroducción, tra-
ducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid: Alianza Editorial , 2007
[!.• ed. 1984]), nas pp. 11 7-190.
105
que Galileu, por temperamento e por estrateg1a, muitas vezes
deixava de modo pouco claro. Kepler explicou que Galileu não
fora o inventor do telescópio, que não fora o primeiro a falar
da natureza rugosa da superfície lunar e que não fora também
o primeiro a referir que havia muito mais estrelas nos céus.
133
133
Meses mais tarde, Michael Maestlin escrevia uma breve carta ao
seu antigo aluno Johannes Kepler onde saudava a publicação da Disserta-
tio cu.m Nuncio Sidereo e onde, visivelmente irritado com a apropriação
por Galileu de feitos que não eram seus, e a sua desagradável incapaci-
dade em dar o crédito devido aos que o haviam precedido , saudava
Kepler por ter clarificado este assunto, "arrancando as penas" com que o
italiano indevidamente se ornamentara. ( Opere, X, 428) .
106
vações: a 19 de Agosto, Galileu respondeu a Kepler dizendo
que não tinha nenhum telescópio disponível ( Opere, X, 421-
-422).
Só no final do ano Kepler conseguiria obter um telescó-
pio, por outras vias, iniciando imediatamente as suas próprias
observações e iniciando-se também na construção destes instru-
mentos. O resulcado destas investigações seria da maior impor-
tância. Para além da confirmação das descobertas galileanas, fez
o seu próprio programa de investigação dos satélites de Júpiter,
que publicou em Narratio de observatis a se quatuor lovis satel-
litibus (1611) (Opere, III/1, 185), mas sobretudo, ele, que já
havia publicado o Ad Vitellionem Para/ipomena, quibus Astrono-
miae Pars Optica Traditur (Frankfurt, 1604), usou todo o seu
domínio de assuntos ópticos para reformular os princípios
teóricos da ciência à luz do novo instrumento, produzindo
a Dioptrice (Augsburg, 1611 ), a obra que funda a óptica
moderna.
Entretanto, os encómios ao livro e ao génio de Galileu
pareciam não ter limite, cada um saudando-o da maneira mais
entusiasmada e eloquente de que era capaz. Na prisão, em
Nápoles, Tommaso Campanella (1568-1639), louvava-o numa
carta plena de elogios, como o descobridor de "um novo céu e
uma nova Terra" ( Opere, XI, 23), e em Inglaterra um admira-
dor dizia que Galileu "hath done more in his threefold disco-
verie than Magellane in opening the streights to the South
Sea"134_
O louvor era geral, mas não era unânime. Sobre um
fundo de aplauso generalizado ouviam-se apesar de tudo algu-
mas vozes discordantes e algumas opiniões desfavoráveis. Ape-
nas um mês havia passado sobre o aparecimento da obra e
107
já Georg Fugger escrevia a Kepler, a 16 de Abril de 161 O,
acusando Galileu de se apropriar de ideias de outros e de ter
apenas copiado um telescó pio que vira ( Opere, X, 316). Protes-
tos deste género e reclamações de prioridade foram-se multipli-
cando nas semanas seguintes, mas, para alé1n destas, outro tipo
de objecções não tardou em aparecer.
Logo em Junho de 1610, Martin Horky (n. ca. 1590),
que era assistente do astrónomo Giovanni Antonio Magini e
havia estado presente quando , em Abril, Galileu tentara sem
sucesso mostrar os satélites de Júpiter na casa de Magini,
publicou uma Brevíssima peregrinatio contra Nuncium Sidereum
(Opere, III/1, 127-145). A obra não tinha qualidade e o ataque
acabou por se traduzir num fiasco, a tal ponto que Magini
escreveu a Galileu explicando que não tinha nada a ver com o
assunto e expulsou Horky de sua casa. Mais importante, e de
consequências que viriam a ser mais nefastas, foi o texto inti-
tulado Contra il moto della Terra qu e Ludovico delle Colombe
(1565-1616) escreveu entre finais de 161 O e o ano de 1611, e
que fez circular em diversas cópias, contendo um arrazoado de
objecções sem muito nexo ou consistência mas em que, pela
primeira vez, eram levantadas objecções de origem escriturística
às observações de Galileu (Opere, III/1, 251-290). Pela mão de
um professor de filosofia, o argumento religioso entrava em
cena.
Poucos meses depois, Francesco Sizzi (ca. 1585-1618)
publicou em Veneza a Dianoia Astronomica, Optica, Physica
(1611) contendo também objecções - não muito convincen-
tes, diga-se - às observações de Galileu ( Opere, III/1 , 201-
-250). Em particular, Sizzi usava argumentos numerológicos
para "provar" que os satélites de Júpiter não podiam existir
realmente. No ano seguinte, Giulio Cesare Lagalla (1576-
-1624), professor de filosofia em Roma, publicava o De phae-
nomenis in orbe lunae novi telescopii usu nunc iterum suscitatis
(Veneza, 1612), uma obra inspirada no texto de Plutarco,
questionando não a capacidade do novo instrumento, mas a
argumentação usada por Galileu na análise da superfície da
Lua. Como já se assinalou, as observações lunares contidas no
108
Sidereus Nuncius foram o aspecto mais questionado do livro,
tendo gerado várias refutações. 135
Alguns ataques, como o de Francesco Sizzi e o de Ludo-
vico Delle Colombe foram especialmente desagradáveis, por
virem de homens que se mexiam com muito à vontade nos
círculos mais restritos da corte florentina e terem publicado as
suas diatribes em obras dedicadas aos Mediei.
109
dos céus. 136 O aparecimento do Sidereus Nuncius, em Março de
161 O, tornou ainda mais urgentes as investigações dos jesuítas.
Quando, alguns anos mais tarde, Christoph Grienberger,
um dos mais competentes matemáticos jesuítas, escreveu a
Galileu relatando os primeiros tempos do uso do telescópio no
colégio romano, referiu que, entre Abril e Setembro de 1610,
um dos seus confrades, o padre Giovanni Paolo Lembo, sem
ter informações de Galileu, construíra um telescópio com o
qual fora capaz de observar a irregularidade da superfície lunar,
as muitas estrelas novas nas Plêiades, em Orionte e em muitas
outras constelações, mas sem conseguir ver os novos planetas,
isto é, os satélites de Júpicer. 137
136
Isto pode inferir-se da carta de Paul Guldin, em Roma, a
Johann Lanz, em Munique, a 13 de Fevereiro de 1611, publicada em:
AuGUST ZIGGEu\AR, «Jesuit astronomy norrh of the Alps. Four unpublis-
hed jesuit letters, 1611-1620», in: Uco BALDINI (Ed.) Christoph Clavius
e I 'Attività Scientifica dei Gesuiti nell'età di Galileo (Roma: Bulzoni,
1995), pp. 101-132. Um dos primeiros telescópios que existiram no
colégio romano foi seguramente a luneta holandesa que Peter Scholier,
um aluno da universidade de Lovaina, enviou ao seu antigo mestre Odo
van Maelcote em 1609 ou 1610. Sobre este envio e as primeiras activi-
dades telescópicas dos jesuítas, veja-se EILEEN REEVES and ALBERT VAN
HELDEN, «Verifying Galileo's discoveries: telescope-making at the Colle-
gio Romano», in JüRGEN HAMEL, INGE KEIL (eds.), Der Meister und die
Fernrohre. Das Wechselspiel zwischen Astronomie und Optik in der Ges-
chichte [= Acta Historica Astronomiae, vol. 33) (Frankfurt am Main:
Harri Deutsch, 2007), pp. 127-141.
137
Carta de Grienberger a Galileu, 21 de Janeiro de 1611 :
"Romam vero ut appuli, inveni ex nostris unum, Ioannem Paulum Lem-
bum, qui, antequam quicquam intellexisset de tuis, perspicillis quibus-
dam, non tam ad imitationem alterius sed potius vi coniecturae factis,
tum lunae inaequalitatem, tum Stellas in Pleiadibus, Orione et aliis plu-
rimas, observit; Planetas tandem novos non vidit. Postea vero, non parvo
cum labore ac diligentia, tantae perfectionis perspicilla fieri procuravit, ut
etiam tuis, quae Romam ad diversos misisti, comparavi vel etiam prae-
ferri potuerint; quibus tandem novos Planetas, saltem puriore caelo, dete-·
ximus" (Opere, Xl, 33-34).
110
Apesar dos esforços, os jesuítas foram durante algum
tempo incapazes de observar as luas de Júpiter, e esta incapaci-
dade tornou-os progressivamente cépticos relativamente a esta
novidade; por volta de Setembro as suas sérias dúvidas come-
çam a ser conhecidas. Em Outubro, Lembo, provavelmente
com o apoio de Grienberger, tinha pronto um segundo teles-
cópio, de melhor qualidade. Com este novo instrumento foi
possível observar pela primeira vez, as fases de Vénus, fenó-
meno que investigaram sistematicamente durante quatro meses.
Os jesuítas conseguiram também, finalmente, observar os saté-
lites de Júpiter mas continuaram com dúvidas se se trataria
de planetas ou não.
Em Novembro-Dezembro, Antonio Santini enviou de
Veneza um telescópio de excelente qualidade como presente
para Clávio. Com este melhor telescópio, os jesuítas finalmente
fizeram observações inequívocas dos satélites de Júpiter e da
forma peculiar de Saturno. A 17 de Dezembro de 161 O, Clá-
vio escreveu a Galileu uma carta cheia de louvores, informando
que todas as novas observações haviam sido confirmadas pelas
observações do colégio romano ( Opere, X, 484-485).
Por esta altura, os matemáticos do colégio romano já
tinham resolvido todos os problemas técnicos e levavam a cabo
observações telescópicas sistematicamente. Na verdade, o colé-
gio romano tornara-se mesmo num dos mais importantes focos
de divulgação e confirmação de tão espantosas novidades.
Cientes da importância das observações astronómicas, as
autoridades eclesiásticas de Roma tentaram confirmar esses fac-
tos extraordinários. A 19 de Abril de 1611, o cardeal Roberto
Bellarmino questionava os matemáticos jesuítas acerca das
novas observações, colocando, em particular, as seguintes per-
guntas (Opere, XI, 87-88): 1. Se é verdade que com o telescó-
pio se vê uma multidão de novas estrelas. 2. Se Saturno se
acha realmente rodeado por dois planetas mais pequenos. 3. Se
Vénus tem fases. 4. Se a Lua tem uma aparência irregular.
5. Se Júpiter tem satélites. Uns dias depois (a 24 de Abril), os
matemáticos responderam, confirmando as observações galilea-
111
nas, manifestando apenas alguma incerteza acerca do que real-
mente se via na Lua ( Opere, XI, 92-93). 138
A confirmação das observações telescópicas pelos jesuítas
do colégio romano foi talvez o mais importante passo na cre-
112
dibilização das novidades que Galileu descobrira e do valor do
instrumento que usara para as descobrir.
139
A ligação de Galileu com a Accademia dei Lincei seria muito
importante no d esenrolar da sua carreira, sendo a literatura sobre este
tema já muito extensa. Vejam-se, sobretudo, os trabalhos seguintes, por
dois reputados historiadores da ciência: STILLMAN DRAKE, «The Accade-
mia dei Lincei», Science, 151 (1966) 1194-1200 [também em: STILLMAN
DRAKE, Essays on Galifeo and the History and Philosophy of Science. Selec-
ted and introduced by N. M. SWERDLOW and T. H . LEVERE (Toronto:
University of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 126-141], e RICHARD S.
WESTFALL, «Galileo and the Accademia dei Lincei», in PAOLO GALLUZZI
(ed.), Novità Celesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984),
pp. 189-200. Os estudos mais recentes servem como pontos de partida
actualizados, com indicações bibliográficas para todas as questões relativas
aos Lincei: DAVID FREEDBERG, The Eye of the Lynx. Galileo, his friends,
and the beginnings of Modern Natural History (Chicago and London: Chi-
cago University Press, 2002); ANTONIO GRANITI (ed.), Federico Cesi. Un
Príncipe Naturalista (Roma: Bardi, 2006); LUIGI GUERRINI, / trattati
naturalistici di Federico Cesi (Roma: Accademia Nazionale dei Lincei,
2006); A. BATTISTINI, G. DE ANGELIS, G. ÜLIMI (eds.) , Al!'origine de/la
scimza moderna: Federico Cesi e l'Accademia dei Lincei (Bologna: II
Mulino, 2007) .
113
vma a nascer o termo "telescopium", proposto por Demisiani
ou pelo próprio Cesi ( Opere, XI , 420). Galileu foi formalmente
recebido como o sexto membro dessa Academia a 25 de Abril
de 1611, uma honra que muito prezou, tendo desde então pas-
sado a assinar o seu nome como "Galileo Galilei Linceo" .
Mas Galileu estava sobretudo interessado em recolher as
honras e o crédito que os matemáticos jesuítas lhe poderiam
conferir. O enorme prestígio científico do Colégio Romano,
agora que os padres haviam confirmado as suas observações,
era um capital de credibilidade que não se podia desperdiçar. 140
Aceitando o convite para visitar o colégio, teve várias discus-
sões científicas com os matemáticos jesuítas e, no princípio de
Maio, foi recebido apoteoticamente para uma série de celebra-
ções que culminaram com um discurso do jesuíta flamengo
Oddo van Maelcote (1572-1615) (Opere, III/1, 293-99).
Por volta de 1612, entre os jesuítas, o telescópio tinha
passado a circular muito para além do círculo restrito dos
fabricantes de instrumentos ou dos especialistas matemáticos e
muito para lá também das sessões de demonstração para aristo-
cratas e soberanos. Tinha-se tornado parte indispensável do
treino científico de qualquer pessoa culta.
A euforia com que os jesuítas se associaram a estes desco-
brimentos e com que celebraram o seu descobridor não ocul-
tava, contudo, as dificuldades que se levantavam. As novas
114
observações colocavam senos problemas cosmológicos e ques-
tionavam de maneira grave as noções tradicionais. Um dos
mais dramáticos testemunhos dessas dificuldades vem do pró-
prio Clávio, na edição de 161 l da sua Opera Mathematica 141 •
Depois de uma breve descrição das observações telescópicas e
consciente de que elas desfechavam um golpe definitivo nas
antigas ideias cosmológicas, Clávio rematava com estas palavras
famosas, que bem pode dizer-se que representam o fim de uma
época: "Quae cum ita sint, videant astronomi, quo pacto orbes
coelestes constituendi sint, ut haec phaenomena possint salvari"
["Sendo as coisas assim vejam os astrónomos de que modo se
devem constituir os orbes celestes de modo a salvar estes fenó-
menos"] . 142 A tarefa de reconstruir um modelo astronómico e
cosmológico que concorde com as novas observações já não cairia
141
Trata-se do Vol. III das Opera Mathematica de Clávio, publi-
cado em Mainz, em 1611 , onde está contido o seu comentário à Esfera
de Sacrobosco. O Commentarius in Sphaeram loannis de Sacro Bosco de
Clávio teve várias edições entre 1570 e 1611, mas evidentemente apenas
na última se referem as observações de Galileu. (Depois da morte de
Clávio houve ainda uma outra edição, em 1618). Sobre o conteúdo desta
obra de Clávio veja-se JAMES M . LATTIS, Between Copernicus and Ga/ileo.
Christoph Clavius and the Collapse of Ptolemaic Cosmology, (Chicago and
London: The Universiry of Chicago Press, 1994). Para análises mais deta-
lhadas, veja-se UGO BALDINI (ed.), Christoph Clavius e l 'Attività Scienti-
fica dei Gesuiti nell 'età di Galileo (Roma: Bulzoni, 1995), bem como os
trabalhos: UGO BALD INI, Legem lmpone Subactis. Studi su Filosofia e
Scienza dei Gesuiti in !ta/ia, 1540- 1632, (Roma: Bulzoni Editore, 1992);
Uco BALDI NI, Saggi sul/a cultura dei/a Compagnia di Gesu (secoli XVJ-
XVl!I) (Padova: CLEUP, 2000). Os estudos mais detalhados sobre Clávio
não podem dispensar o estudo da sua correspondência: Christoph Clavius:
Corrispondenza. Edizione critica a cura di UGO BALDINI e PIER DANIELE
NAPOLITANI (Pisa: Università di Pisa, Dipartimenro di Matematica,
1992), 6 vols.
142
CLAVIUS, Opera Mathematica, (Mainz, 1611), vol. 3, p. 75.
Veja-se, adiante (infra, pp. 124-125, nota 155), a versão em português
deste famoso trecho, por Giovanni Paolo Lembo.
115
sobre o próprio Clávio, que faleceria pouco depois, em 1612.
A possibilidade óbvia de uma adesão ao sistema de Tycho
Brahe não se mostrava, à partida, tão atractiva, em parte por-
que o próprio Clávio nunca ocultara o seu desagrado por esse
modelo. O astrónomo dinamarquês nunca é mencionado na
vasta obra do jesuíta alemão e Jan Vremann (1583-1620)
- um jesuíta croata que trabalhou com Clávio em Roma e
que passaria por Portugal - confidenciou na sua corres-
pondência que Clávio, "per varii rispetti e poco amico di
Tichone" 143 • Os jesuítas encontravam-se, pois, numa situação
complicada. Os anos seguintes foram de intenso debate interno
na Companhia, debates que em certo sentido terminaram com
a publicação, em 1620, da Sphaera mundi seu cosmographia, de
Giuseppe Biancani (1566-1624), que marca a adopção oficial
pela Companhia de Jesus do sistema de Tycho Brahe. 144
Galileu vivia então o momento mais alto da sua carreira.
As objecções aos factos do Sidereus Nuncius e demais observa-
ções telescópicas caiam, uma por uma, sob o peso da contínua
143
Carta de Vreman a G. A. Magini, in: ANTONIO FAVARO, Car-
teggio inedito di Ticone Brahe, Giovanni Keplero e di altri celebri astronomi
e matematici dei secoli XVI e XVII con Giovanni Antonio Magini
(Bologna, 1886), p. 327.
144
Veja-se: MICHEL-PIERRE LERNER, «L'entrée de Tycho Brahe chez
les jésuites ou le chant du cygne de Clavius», in: Luce Giard, (dir.) , Les
jésuites à la Renaissance. Systeme éducatif et production du savoir (Paris:
Presses Universitaires de France, 1995) pp. 14 5-18 5; W. G. L. RANDLES,
The Unmaking of the Medieval Christian Cosmos, 1500-1760. From Solid
Heavens to Boundless Aether (Aldershot: Ashga te, 1999), pp. 17 4-181 ;
EDWARD GRANT, «The Partia! Transformation of Medieval Cosmology by
Jesuits in the sixteenth and seventeenth centuries», in: MORDECHAI FEIN-
GOLD (ed.), jesuit Science and the Republic of Letters (Cambridge, Mass.:
The MIT Press, 2003), pp. 127-155 ; Lufs MIGUEL CAROLINO, «The
making of a Tychonic cosmology: Cristoforo Borri and the development
of Tycho Brahe's astronomical system in the early seventeenth-century»,
Journal for the History of Astronomy, 39 (2008) 313-344.
116
confirmação das observações iniciais. Roma estava rendida ao
seu génio científico e à importância das suas descobertas. O
cardeal Francesco Maria dei Monte escrevia ao Grã-Duque
Cosme II, a 31 de Maio de 161 1, dando conta do grande
sucesso de Galileu em Roma e dizendo que, se ainda fossem os
tempos da antiga República Romana, lhe seria erguida uma
estátua no Capitólio ( Opere, XI, 119).
117
discutidas em Lisboa pouco depoi s. 145 Examinando a lista de
professores de matemática do colégio de Santo Antão verifica-
-se que, no período entre 1610 e 1614, leccio nou o padre
Sebastião Dias, e essas aulas foram possivelmente a primeira
ocasião para a divulgação das novidades telescópicas em Por-
tugal. Infelizmente não se conhecem quaisquer notas de aula
deste professor, o que não permite confirmar esta suposição.
Sabe-se, todavia, que por es tes anos as notícias circul ava m já
por Lisboa.
Em Novembro de 1612, da fndia, o padre Giovanni
Antonio Rubino (1578-1643) , que partira de Lisboa a 25 de
Março de 1602, escrevia uma carta surpreendente, revelando
que já lhe chegara a notícia dos telescópios e das novas desco-
bertas que com eles se haviam feito:
14 5
Sobre a relação estreita da Academia d e Matemática do Colégio
Romano com a «Aula da Esfera» do Colégio de Sa nto Antão, veja-se:
Uco BALDINI: «As assistências ibéricas da Co mpanhia de Jesus e a acti-
vidade científica nas missões asiáticas (1578-1640). Alguns aspectos cul-
turais e institucionais» , Revista Portuguesa de Filosofia, 54 ( 1998) 195-
-245; Uco BALDINI, «The Ponuguese Assistancy of the Society of Jesus
and scientific activities in its Asian Missions until 1640», in Lufs
SARAIVA (ed.), História das Ciências Matemáticas. Portugal e o Oriente.
History of Mathematical Sciences. Portugal and East Asia (Lisboa: Funda-
ção Oriente 2000), pp . 49-104; Uco BALDI NI, «L'insegnamento della
matematica nel Collegio di S. Antão a Lisbona, 1590-1640», in NUNO
DA SILVA GONÇALVES (coord.), A Companhia de Jesus e a Missionação no
Oriente. Actas do Colóquio Internacional, 21-23 Abril 1991 (Lisboa: Bro-
téria, Fundação Oriente, 2000), pp. 275-31 O. Estes trabalhos são com-
pletados por: Uco BALDINI, «The teaching of mathematics in the Jesuit
colleges of Portugal from 1640 to Pombal», in Luís SARAIVA, HENRIQUE
LEITÃO (eds.), The Practice of Mathematics in Portugal. Papers ftom the
lnternat{onal Meeting organized by the Portuguese Mathematical Society,
Óbidos, 16-18 November, 2000 (Coimbra: Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2004), pp. 293-465.
118
miglia lontano et s1 sc uoprono molte novità ne' cieli,
principalmente nelli pianeti. Sarà grande charità mandar-
meli Vostra Riverenza et insieme qualche tratatello sopra
rali occhiali se v'e dimonstratione delle cose che si veg-
gono. E se V. R. non me li puo mandare, per non haver
commodità o per non haver danari, la prego quanto
posso che mi mandi in scriptis et in figuris il modo e l'in-
ventione come si fanno, quanto piu chiaramente sarà pos-
sibile; ch'io in ques ti paesi li mandaro fare, perche non
mancano officiali ne moita copia di cristalli. 146
146
ln TACCHI V ENTURI, Alcune !ettere dei P Antonio Rubino
(1900), pp. I 7-18 A carta vem também citada em: PASQUALE o'EuA,
·Galileo in Cina. Relazioni attraverso il Collegio Romano tra Ga!ileo e i
gesuiti scienziati missionari in Cina (1610- 1640) (Roma e: Apud Aedes
Universitatis G regorianae, 1947) . [Existe uma tradução inglesa: PASQUALE
o'ELIA, Galileo in China. Relations through the Roman College between
Galileo and the Jesuit scientist-missionaries (1610- 1640), rrad. R. Suter
and M. Sciascia (Cambridge, Mass: Harvard Univers iry Press, I 960),
pp. 18-19]
147 Na altura o Pe. Odo van Maelcote pronunciou um d iscu rso de
homenagem a Galileu, res um indo os seus recentes descobrimentos, inti-
tulado Nuntius Sidereus Co!legii Romani ( Opere, III/1, 291-298). Notícias
desta cerimónia circularam muito rapidamente, chegando, por exemplo, à
Flandres ( Opere, XI , I 62- I 63). Cópias do discurso de van Maelcote tam-
bém foram distribu ídas; Grienberger parece ter preparado algumas, por
exemplo, o excerto que enviou ao próprio Galileu ( Opere, XI , 274) .
119
excepcional o famoso Tianwen lüe (Sumdrio de questões sobre o
Céu), que o jesuíta português Manuel Dias Júnior (1574-1659)
publicou na China em 1615. 148 Esta seria uma das mais lidas e
citadas entre todas as obras publicadas pelos jesuítas na China
durante o século XVII, e é notável a vários títulos. O facto mais
relevante, contudo, é que, no final, contém algumas páginas
descrevendo as observações de Galileu - as pnme1ras que
alguma vez foram redigidas em chinês:
148
HENRIQUE LEITÃO, «The concents and concext of Manuel Dias'
Tianwenlüe», in Luís SARAIVA and CATHERINE JAMI (eds.), History o/
Mathematical Sciences: Portugal end the East, III. The jesuits, the Padroado
and East Asian Science (1552-1113) (Singapore: World Scienciftc, 2008),
pp. 99-12 ; RUI MAGONE, «The textual tradition of Manuel Dias' Tian-
wenlüe», ibidem, pp. 123-138.
120
das 28 constelações. [.. .] No dia em que este instrumento
chegar à China daremos mais pormenores do seu maravi-
lhoso uso. 149
149
Esta transcnçao encontra-se no Tianwen lüe, ( 43 a-b. Vide
HENRIQUE LEITÃO, «The contents and context of Manuel Dias' Tian-
wen/üe,,, op. cit. para mais explicações acerca deste passo.
iso Na China, aliás, as descobertas de Galileu conhecerão uma
divulgação extensa. Poucos anos depois, em 1626, o missionário Johann
Adam Schall von Bell (1591-1666) publicaria o Yuan-jing shuo (Sobre o
telescópio), um tratado inteiramente dedicado ao novo instrumento, com
várias gravuras ilustrando as observações galileanas. A literatura sobre este
assunto é muito vasta. Como estudos gerais, para além do já mencionado
d'Elia, Galileo in Cina, veja-se ainda o vol. III [Mathematics and the
Sciences of the Heavens and the Earth] de JOSEPH NEEDHAM, Science
and Civilization in China (Cambridge: Cambridge University Press,
1959); KEIZO HASHIMOTO, Hsü Kuang-Ch 'i and Astronomical Reform.
The Process of the Chinese Acceptance of Western Astronomy, 1629-1635
(Osaka: Kansaí University Press, 1988). Veja-se igualmente E. ZüRCHER,
N. STANDAERT, A, DUDINK, Bibliography of the jesuit Mission in China,
ca. 1580 - ca.1680 (Leiden : Leiden University, 1991).
121
do mundo. Quanto ao aparecimento do próprio mstrumento,
a primeira notícia concreta de um telescópio em mãos portu-
guesas vem do Brasil. No relatório da batalha de Guanxan-
duba, cravada a 19 de Novembro de 1614, o Major Diogo de
Campos Moreno refere que o comandante Jerónimo de Albu-
querque observava o inimigo com "hum oculo de longa
vista". 15 1 A aparente banalidade com que o assunto é referido
deixa supor que o telescópio não fosse já uma grande novi-
dade.
Mas a personalidade a quem mais se ficou deve ndo a
introdução das ideias de Galileu e do telescó pio no nosso país
foi ao padre Giovanni Paolo Lembo que, como já referimos,
fora o principal responsável pela construção de telescópios no
Collegio Romano e que confirmara as observações de Galileu
no importante relatório ao cardeal Bellarmino em Abril de
1611. 152 Lembo começou a leccionar na «Aula da Esfera» do
122
colégio de Santo Antão em Abril de 1615. Aparecia, assim , em
Lisboa, nos anos cruciais do debate cosmológico, um dos
homens mais informados acerca destes assuntos; a sua activi-
dade lectiva na "Aula da Esfera", no período em que o debate
em corno das questões cosmológicas literalmente explodia pela
Europa, é um dos acontecimentos de maior importância na
história científica do Colégio de Santo Antão.
O curso que Giovanni Paolo Lembo leu em Santo Antão
nos anos 1615-161 7 é um dos documentos mais importantes
da história da ciência em Portugal. Chegou até nós através das
notas tomadas por um aluno não identificado, num manus-
crito de cerca de 140 fólios, redigido em português, e que se
encontra em bom estado de conservação. 153 Tem muitas figu-
ras, desenhadas à mão, sobretudo diagramas astronómicos e
matemáticos , representações de máquinas e outros artefactos
cecnológicos, cobrindo um leque de assuntos muito ambicioso.
Para além das matérias De Sphera e das questões náuticas, que
são uma co nstante nos cursos deste período, Lembo tratou um
conjunto de outras matérias, que incluem noções de trigono-
metria, um a introdução à geometria de Euclides, e noções
sobre o cômputo eclesiástico. Figuram de maneira proeminente
neste curso muitos aspectos relacionados com máquinas e ins-
trumentação vária, reílectindo possivelmente os interesses do
professor que, como já dissemos, se destacara como construtor
de instrumentos no Colégio Romano.
sobre Lembo são reco lhidos de BALDINI, «As assistências ibéricas», op. cit. ,
p. 232, e de ROMA o GATTO, Tra Scienza e lmmaginazione. Le mate-
matiche pressa iL collegio gesuitico napoletano (1552-1670 ca.) (Firenze:
Olschki, 1994), p. 35.
153 Lisboa, ANTT, Manuscritos de Livraria, 1770; Sphaera Mundi:
123
A parte mais interessante deste curso, naturalmente, é a
dedicada à astronomia. Logo no Prólogo, Lembo alude aos
"longemirà' modernos (foi. 1v), naquela que é muito possivel-
mente a primeira referência ao telescópio em português. Mais
adiante, ao discutir o número de orbes, menciona pela pri-
meira vez o nome de Copérnico, "varão doctíssimo". O autor
prossegue analisando seguidamente o movimento dos orbes
celestes, cotejando as várias hipóteses cosmológicas, o que
obriga a fazer uma primeira referência ao possível movimento
da Terra. 154 Depois de descrito, o heliocentrismo coperniciano
é rejeitado. Como se tornará habitual entre os professores da
«Aula da Esfera», a objecção ao heliocentrismo está centrada
sobretudo em argumentos técnicos (físicos e astronómicos) e
só marginalmente são aludidos os problemas escriturísticos
que levantava. Mas se a opinião de Copérnico parece de rejei-
tar, Giovanni Lembo mostra que também o modelo geocên-
trico defendido pelo seu mestre Clávio não é aceitável em vista
dos novos descobrimentos na astronomia, explicando que o
próprio Clávio, no fim da vida, confrontado com essas novas
observações, indicara a necessidade de repensar todo o ordena-
mento cosmológico. 155 Ou seja, segundo o teor das aulas de
154
Não são as primeiras menções a Copérnico e ao seu sistema que
se conhecem entre nós. As primeiras são as importantes observações que,
em 1566, Pedro Nunes dedicou ao De revolutionibus. Ao longo do século
XVI encontram-se várias outras menções ao astrónomo polaco e ao helio-
centrismo em fontes portuguesas. Sobre este assunto veja-se: H ENRIQUE
LEITÃO, «Uma nota sobre Pedro Nunes e Copérnico», Gazeta de Mate-
mdtica, 143 (2002) 60-78 e HENRIQUE LEITÃO, «Anotações ao De arte
atque ratione nauigandi», in Obras de Pedro Nunes, vol. IV (Lisboa: Aca-
demia das Ciências de Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008),
pp. 515-794, esp. pp. 665-668; 729-735.
155 L - portuguesa, a extensa, e
em bo .mtro d uz aqui,. em tra d uçao
famosa, citação de Clávio, a que já antes aludimos, e cujo original se
encontra em: CLAVIUS, Opera Mathematica, (Mainz, 1611), vol. 3, p. 75:
"Não quero encobrir ao lector, que pouco tempo ha me trouxerão de
Frandes hum instromento a modo de hum cano comprido em cuias
124
Lembo em Lisboa, o problema cosmológico, do correcto orde-
namento dos orbes celestes de modo a salvar as aparências e
tomando em consideração as novas observações de 1610, está
em aberto.
A mais importante de todas as observações telescópicas,
pelo menos no que se refere ao ordenamento dos orbes, é a de
que Vénus exibe fases. Todas as outras observações (mesmo a
dos satélites de Júpiter) podem, apesar de tudo, ser incorpora-
das num esquema ptolomaico. A observação de fases em
Vénus, contudo, ao mostrar que Vénus não está sempre entre
a Terra e o Sol, obriga a uma radical transformação do
esquema planetário tradicional. O curso de Lembo revela uma
completa compreensão deste facto. O professor italiano desen-
bases digo em cu1as basses estão postos 2 vidros ou occulos, pelo quoal
os obiectos que estão longe nos pareçem muito perto e muito [fl.33r)
maiores do que realmente são com este instrumento se vem muitas
estrellas no firmamento que sem elle de nenhum modo se podem ver,
prinçipalmente no 7 estrello yunto da nebulosa de Cancro, no Orion, na
via Lactea que comummente chamão estrada de sam Tiago, e noutras
partes mas isto não repugna ao que assima dissemos do numero das
estrellas serem 1022 porque ahi fallamos das estrellas que sem ajuda
deste instrumento se podem ver commodamente. A Lua tambem
quoando esta com pontos ou mea chea pareçe noctauelmente despeda-
cada e a aspera, de modo que não posso deixar de me espantar muito
auer tantas desigoaldades no corpo da luã. Mas açerca deste ponto veiasse
Galileu Galileu, no Libro que intitulou nuntio das e.strellas, e se empri-
mio em Venesa no anno de 161 O, no quoal escreueo varias obseruaçóins
das estrellas que elle primeiro fez entre outras cousas que com este ins-
trumento se vem he huã espantosa scilicet que venus recebe a luz do Sol
ao modo da luã de modo que appareçe com pontas maiores, ou meno-
res, conforme á distançia que tem do Sol, o que muitas veses com outros
obseruei estando aqui em Roma, e Saturno tem 2 e.strellas maes pequenas
iuntas assi, huã para o Oriente e outra para o Ocçidente Juppiter tem 4
estrellas erraticas as quoaes varião o sitio que entre sy tem e com o
mesmo Planeta Juppiter marauilhosament e pello que vejão os astronomos
como hão de ordenar os orbes c.elestes para saluar estas Phenomenas e
apparençias, e atee qui Clauio. (fls. 32v-33r).
125
volverá o seu argumento, que o levará a propor uma nova dis-
posição dos orbes. Lembo começa por relatar a observação de
fases no planeta Vénus que fizera em Roma , em 1610, e
depois, num passo que é do maior interesse para a história da
ciência em Portugal, revela que fizera o mesmo em Lisboa:
156
O assunto é um pouco mais desenvolvido em: HENRIQUE LEI-
TÃO, «Galileo's Telescopic Observations in Portugal », em: José Montesi-
nos y Carlos Solís (eds.), Largo Campo di Filosofare. Eurosymposium Gali-
leo 2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la
Ciencia, 2001 ), pp. 903-913; HENRIQUE LEITÃO, «Os Primeiros Telescó-
pios em Portugal», em: Actas do 1. ° Congresso Luso-Brasileiro de História
da Ciência e da Técnica, (Évora: Universidade de Évora, 2001), pp. 107-
118; HENRIQUE LEITÃO, «O debate cosmológico na "Aula da Esfera" do
Colégio de Santo Antão», in: Sphaera Mundi: A Ciência na «Aula da
Esfera». Manuscritos Científicos do Colégio de Santo Antão nas colecções da
BNP. Comissário científico: HENRIQUE DE SOUSA LEITÃO; coordenação
técnica: UGIA DE AzEVEDO MARTINS (Lisboa: Biblioteca Nacional de
Portugal, 2008), pp. 27-44.
126
0 professor italiano que o mesmo fenómeno se dá com Mercú-
rio e que a dificuldade em o observar é simplesmente devida à
pequenez do planeta e ao facto de estar sempre mais próximo
do Sol do que Vénus. Uma vez mais, o autor refere as obser-
vações levadas a cabo em Lisboa. O facto dos planetas Vénus e
Mercúrio exibirem fases tem profundas implicações no ordena-
mento dos orbes, revelando que esses dois planetas orbitam em
torno do Sol. Lembo apresenta, então, o seu modelo de orde-
namento cosmológico, que é uma variação do sistema de
Tycho Brahe. 157
Na parte final do manuscrito (fl. 135r-v), encontram-se
instruções para a construção de um telescópio. Trata-se de ins-
truções muito práticas, relacionadas com a técnica necessária
para o polimento das lentes. São muito importantes e interes-
santes, pois instruções práticas sobre o modo de polir lentes só
começam a aparecer no início do século dezassete, já que até aí
estes conhecimentos eram transmitidos apenas no âmbito
muito reservado da formação de artesãos. Tanto quanto conse-
guimos apurar, o Colégio de Santo Antão foi a primeira insti-
tuição jesuíta da Europa onde os alunos foram iniciados no
polimento de lentes para construção de telescópios.
As notas de aula de Giovanni Paolo Lembo são do maior
interesse pois revelam a vitalidade das discussões em torno das
novidades astronómicas na «Aula da Esfera» pelos anos de
1615-17. Por elas se fica a saber que nessa altura já se faziam
observações telescópicas em Lisboa e se discutiam as implica-
ções dos vários fenómenos observados. Fica também a saber-se
que, no Colégio de Santo Antão, se construíam telescópios e se
ensinava que o modelo de Ptolomeu estava irremediavelmente
ultrapassado. Também se percebe que a influência da «Aula da
Esfera» se estendia para além dos limites das suas lições e dos
127
seus alunos. Os seus mestres eram reconhecidos e as suas
opiniões eram procuradas e, como se viu, as demonstrações
eram também, por vezes, seguidas por outras "pessoas curiosas".
Não tem qualquer fundamento supor que em Portugal não
se conhecessem as novidades astronómicas descobertas por
Galileu e os debates que elas originaram. Pelo contrário, o
local por onde essas novidades entraram no país, onde foram
conhecidas e discutidas, foi precisamente o colégio dos jesuítas
em Lisboa.
As aulas de Lembo e a discussão dos possíveis arranjos
cosmológicos não foram uma excepção em Santo Antão, muito
pelo contrário. Nas primeiras décadas do século XVII todos os
professores da «Aula da Esfera» discutiram nas suas lições os
graves problemas astronómicos e cosmológicos que dominavam
a atenção da Europa culta da altura. Nessas aulas as novidades
galileanas foram estudadas em detalhe. O modelo cosmológico
ptolomaico foi rejeitado, o modelo astronómico coperniciano,
embora não aceite, foi discutido e explicado. Como pratica-
mente todos os matemáticos da Companhia de Jesus - e, na
verdade, a maioria dos astrónomos europeus da altura - , os
professores da «Aula da Esfera» defenderam a adopção do sis-
tema de Tycho Brahe (ou alguma variante) que, adequando-se
à nova evidência observacional, não levantava os problemas de
uma Terra em movimento.
Sensivelmente pela altura em que Lembo deixava de lec-
cionar, passava por Lisboa um impressionante grupo de jesuí-
tas-matemáticos que estiveram em Portugal pelos anos de 1617-
-1618, acabando por partir para o Oriente em Abril de 1618:
Giacomo Rho (ca. 1592-1638), Johannes Schreck (1576-
-1630), Wenzel Pantaleon Kirwitzer (ca. 1589-1626), e Johann
Adam Schall von Bell (1591-1666). Todos estes homens eram
autoridades em assuntos científicos e destacar-se-iam pela sua
acção científica no Extremo Oriente. Traziam consigo não ape-
nas livros e instrumentos, mas sobretudo o domínio mais avan-
çado de muitos assuntos científicos e o conhecimento das polé-
micas cosmológicas, que assim eram discutidas em Santo Antão
por professores, alunos, e "muitas outras pessoas curiosas".
128
No Outono de 1620, iniciava as suas aulas de matemática
em Santo Antão o alemão Johann Chrisostomus Gal! (1586-
-1643), que havia estudado no colégio de Ingolstad e acompa-
nhara de perto o debate acerca do ordenamento cosmológico.
Evidentemente, nas suas lições [BNP, Cod. 1869] dedicou uma
atenção especial aos assuntos cosmológicos e aos debates em
torno do ordenamento celeste. As notas destas aulas que sobre-
viveram mostram uma discussão cuidada dos novos factos
observados com o telescópio - que Gall designa por "óculo
astronómico" (foi. 81 r) ou "óculo comprido" (foi. 81 v) - e
uma discussão pormenorizada dos vários sistemas celestes: o de
Ptolomeu, o de Tycho Brahe e o de Copérnico. A discussão
destes tópicos no curso de Gall é muito interessante, pois
mostra que, mesmo após a condenação do heliocentrismo, em
1616, o assunto era discutido abertamente no Colégio de
Santo Antão.
Gall leccionou durante vários anos, num período crítico
de debates científicos. Foi sucedido por um homem ainda
mais interessante a que já aludimos, o jesuíta italiano Cris-
toforo Borri, que viria a desempenhar um papel de grande
importância nos debates cosmológicos da época. 158 A his-
129
toriografia portuguesa mais amiga identificara Borri como o
homem que introduzira o conhecimento de Galileu e das des-
cobertas galileanas em Portugal. Na verdade, ele não foi de
modo algum o primeiro, pois, vários anos antes, Lembo já o
havia feito, e depois Gall continuara. Mas porque Borri foi
uma personalidade muito mais expansiva do que Lembo ou
Gall e, sobretudo, porque viria a publicar, em Portugal, um
livro sobre o assunto, o seu papel como divulgador das novi-
dades astronómicas foi de facto excepcional.
Borri passara uma primeira vez por Lisboa por volta de
16 l 5, em trânsito para o Oriente, e já nessa altura discutira
em Portugal as novas ideias astronómicas. Após alguns anos na
Ásia (onde, entre outros afazeres, se continuou a envolver em
questões de astronomia), retornou à Europa. Foi nesse período
que deu aulas no colégio de Santo Antão, entre 1627 e 1628.
Tal como Lembo ou Gall, Cristovão Borri explicou nas suas
aulas que em face das novas observações cosmológicas o sis-
tema cosmológico ptolomaico não era aceitável. Explicou a
natureza das novas observações, comentou em detalhe o fun-
cionamento e os princípios ópticos do telescópio, insistiu tam-
bém na necessidade de reformular profundamente a filosofia
natural de base aristotélica, defendendo, em particular, que os
céus teriam uma natureza fluida, não sendo compostos de
orbes rígidas. Borri não achou que o sistema côpernici~no
- cujos prós e contras discutiu - fosse aceitável e avançou
com um ordenamento cosmológico semelhante ao de Tycho
Brahe.
Embora estas polémicas novidades tenham sido discutidas
pelos jesuítas de formação matemática que leccionavam na
"Aula da Esfera", isso não significa que todos os jesuítas em
Portugal as abraçassem. Como noutras regiões da Europa, tam-
bém no nosso país os filósofos da Companhia tiveram muitas
vezes dificuldades em compreender e em aceitar as novidades
que os seus confrades matemáticos lhes transmitiam. Borri
envolveu-se em polémicas com alguns jesuítas portugueses,
sobretudo com os filósofos do colégio de Coimbra, e algumas
130
delas parecem ter tido como base a diferença de opinião acerca
de assuntos astronómicos. 159
Um dos momentos mais importantes na difusão destes
novos saberes foi a publicação, em 1631, em Lisboa, depois de
vencidas algumas resistências, da Collecta astronomica, a excep-
cional obra em que Borri deu a conhecer ao público geral as
novidades astronómicas. A Collecta astronomica é o primeiro
livro publicado em Portugal em que se discutem de maneira
desenvolvida o telescópio, as novas observações astronómicas e
as suas implicações cosmológicas, e os vários sistemas astronó-
micos; é o primeiro livro impresso no nosso país em que se
explica por que o modelo de Ptolomeu é insustentável e em que
se defende que os céus têm uma natureza fluida e não rígida.
Trata-se, portanto, de um documento do maior valor na histó-
ria da ciência em Portugal, e mesmo da ciência europeia da
época, pois o seu impacto sentiu-se muito para além das fron-
teiras nacionais.
Nos anos seguintes, o inglês lgnace Stafford (1599-1642),
que leccionou na «Aula da Esfera» entre 1630 e 1636, conti-
nuou a analisar estes importantes assuntos astronómicos nas
suas aulas. Merece atenção especial o completíssimo tratado
sobre a natureza e usos das paralaxes (BNP, PBA 240, p. 351-
-393) que existe em várias cópias. Neste texto cita alguns dos
131
mais importantes astrónomos do período, incluindo alguns que
pela sua afiliação religiosa ou pelas opiniões que publicamente
defenderam talvez não se esperassem encontrar citados num
colégio jesuíta: Rothman, Kepler, Scaliger, etc.
Entre 1638 e 1641, foi professor na «Aula da Esfera» o
inglês Simon Fallon (1604- 1642) que, a avaliar pelas notas de
aulas que chegaram até aos dias de hoje, usou boa parte das
suas lições para discutir muitos aspectos da nova astronomia.
O curso por ele leccionado em 1639 aparece dividido em três
Tratados (BNP, Cod 2258) . No primeiro são apresentadas
noções gerais relacionadas com a esfera terrestre, os seus cír-
culos, princípios astronómicos básicos, eclipses, aplicações à
navegação, etc. No tratado segundo, sobre a esfera sublunar,
analisa-se longamente o delicado problema da relação da esfera
da água com a esfera da terra, fazendo-se uma primeira, e pas-
sageira, abordagem ao assunto «Se se move e como se move a
Terra?», (foi. 59r). A parte mais importante das aulas, contudo,
é a que se explana no Tratado 3.0 : «Da Sphera celeste». Fallon
começa por descrever os "phenomenos, ou apparencias com-
muns que observarão os Mathematicos antigos" (fol. 92r), dis-
cutindo em detalhe nove aparências celestes. No capítulo
segundo, «Lançasse fora alguns modos de saluar essas apparen-
cias celestes, e especialmente se rejeita a hypotesi de Nicolao
Copernico» (fol. 95v), apresenta uma detalhada descrição do
sistema coperniciano, concluindo que "Com esta hipothesi
salua Copernico todas as apparencias" (foi. 96r). Passa, então, a
explicar detalhadamente como todas as nove aparências ante-
riormente explicadas são "salvas" com este modelo. O professor
jesuíta termina co~ o seguinte juízo: "Hua cousa somente tem
contra sy esta hypothesi que a faz de todo improvavel, e he o
movimento que concebe à Terra" (foi. 97r), e, para justificar
esta rejeição, alinha contra o sistema coperniciano as várias
objecções: escriturísticas, físicas, etc.
O desenrolar da matéria segue então o desenvolvimento
que já se tornara habitual nas licões de Santo Antão. Explicada
a impossibilidade de aceitar o esquema planetário de Copér-
nico e explicada também a necessidade de descartar o ordena-
132
mento ptolomaico tradicional (no capítulo de título «Propense
e reietasse a hypochesi ptolemaica, e comum acerca do numero
e ordem das spheras celestes»), no capítulo quarto deste Tra-
tado 3.0 , ''Apontaose alguns Phenomenos e apparencias novas
que os Mathematicos destes tempos observão" (foi. 102r) são
examinadas as novidades astronómicas que levam a que, no
capítulo quinto, se chegue à proposta final: "Poense a nossa e
verdadeira hypothesi que he a Tichoniana" (foi. 105v).
Esta edição
133
De 161 O a 1900 foram preparadas nove edições, em
latim, do Sidereus Nuncius. Quatro em publicações indepen-
dentes ou incluídas em obras de outros autores (Veneza, 1610;
Frankfurt, 1610; Londres, 1653; Amsterdão, 1682) e cinco em
colectâneas de obras de Galileu (1655/56; 1718; 1744; 1843;
1892). 161
Cotejámos a nossa tradução com aquelas que são actual-
mente as traduções de referência: a muito recente, em língua
inglesa, Galileo's Sidereus Nuncius or A Sidereal Message. Transla-
ted from the Latin by WILLIAM R. SHEA; lntroduction and
Notes by William R. Shea and Tiziana Bascelli (Sagamore
Beach: Science History Publications, 2009), e a outra, também
para língua inglesa, Galileo Galilei. Sidereus Nuncius or The
Sidereal Messenger. Translated with introduction, conclusion
and notes by Albert van Helden (Chicago and London: The
University of Chicago Press, 1989) ; as de língua francesa, Gali-
leo Galilei. Le Messager des Étoiles. Traduit du latin, presenté et
annoté par Fernand Hallyn (~aris: Seuil, 1992) e Sidereus Nun-
cius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et notes établis par
lsabelle Pantin (Paris: Les Belles Lemes, 1992); a italiana, Gali-
leo Galilei. Sidereus Nuncius. Traduzione con testo a fronte e
note di Maria Timpanaro Cardini (Firenze: Sansoni, 1948), e
na versão moderna, a cura di Andrea Battistini (Venezia: Mar-
silio, 1993); a espanhola, Galileo Galilei. La Gaceta Sideral,
johannes Kepler. Conversación con el mensajero sideral. lntroduc-
ción, traducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid:
Alianza Editorial, 2007 [ia ed. 1984)), com o Sidereus Nuncius
nas pp. 37-116; e a tradução alemã, por Malte Hossenfelder,
Galileo Galilei. Sidereus Nuncius. Nachricht von neuen Sternen.
Dialog über die Weltsysteme (Auswahl). Vermessung der Halle
Dantes. Marginalien zu Tasso. Herausgegeben und eingeleitet
161
Vid. Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et
notes établis par lsabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992), pp.
xc-xcvii, para uma descrição bibliográfica detalhada dessas edições.
134
von Hans Blumenberg (Frankfurt am Main: Insel Verlag,
1965), com o Sidereus Nuncius nas pp. 79-131.
162
Por outro lado, não nos pareceu necessário consultar outras tra-
duções, de acesso relativamente fácil, como a italiana Nunzio Sidmo, tr.
Luisa Lanzillotta (Milano, 1953) [= vol. 34 de La Lmeratura Italiana], as
espanholas, El Mensajero de los Astros, rrad. José Fernandes Chitt, introd.
por José Babini (Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires,
1964), e El Mensaje y El Mensajero Siderea/, introd. e trad. de Carlos
Solls Santos {Madrid: Alianza Editorial, 1984), ou ainda outras, mais
antigas, como a primeira tradução em língua inglesa, The Sidereal Mes-
senger of Galiko Gali/ei and a Part of the Preface to Kepler's Dioptrics con-
taining the original account of Gali/eo's astronomical discoveries. A transla-
tion with introduction and notes by Edward Stafford Carlos (London,
1880; reprinted, London: Oawsons of Pall Mali, 1960), ou as francesas:
Alexandre Tinelis, abbé de Castelet, Le messager céleste (Paris, 1681 ); Side-
reus Nuncius; Le Message Céleste. Texte établi et traduit par Émile Namer
(Paris: Gauthier-Villars, 1964); Galilée. Le Message Céleste. Traduction
complete du Latin en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivi
de la Dissertation avec le Messager Céleste et de la Narration sur les
Satellites de Jupiter de Jean Kepler, traduits pour la premiere fois du
Latin en Français {Paris: Blanchard, 1989).
135
1987), que depois foi reeditada com o título modificado:
GALILEU GALILEI, O Mensageiro das Estrelas (São Paulo: Duecco
Editorial, Scientific American Brasil, 2009) . O texto produzido
visou deliberadamente um público amplo, não tendo havido
hesitações em modernizar, o que foi sempre feito pela mão
segura do tradutor, um especialista em história de ciência de
créditos firmados. O escudo introdutório é muito breve e as
notas explicativas e de contexto reduzidas ao mínimo. Ou seja,
uma obra de qualidade indiscutível, mas de propósitos e ambi-
ções diversos dos nossos.
Recordamos que o texto original do Sidereus Nuncius é,
hoje em dia, de consulca muito fácil já que se encontra dispo-
nibilizado em versões digitalizadas, na Internet. As obras com-
pletas de Galileu, com a versão do Sidereus Nuncius editada por
Favaro, estão também disponíveis na rede. Uma última menção
para o CD-ROM editado pela empresa Octavo, com uma
excepcional digitalização da obra de Galileu e da tradução
inglesa de Albert van Helden, com todas as facilidades de
busca [vid: www.octavo.com]
A sempre difícil tarefa de traduzir Galileu foi norteada
pelo desejo de procurar respeitar algumas das características do
seu estilo e, em particular, do estilo que empregou no Sidereus
Nuncius. Galileu é, ao mesmo tempo, um autor com grande
preocupação de claridade e precisão na linguagem, mas tam-
bém muito atento ao efeito retórico dos seus textos. Tem um
bom domínio da língua latina, mas no Sidereus Nuncius optou
por uma linguagem despida, sem adornos, por vezes roçando
um registo quase meramente técnico, tendo alguns achado o
estilo "aridus" (Opere, X, 316). Contudo, não há qualquer
monotonia no texto, que se apresenta sempre incisivo e tenso
em cada página.
HENRIQUE LEITÃO
Universidade de Lisboa
136
BREVE CRONOLOGIA
137
Nov. 30. Em Pádua, pouco depois do pôr do sol,
observa e desenha a Lua de quatro dias,
usando um telescópio com ampliação de cerca
de vinte vezes. Continua a observar até a Lua
"quase se pôr-" (por volta das 8 da tarde),
fazendo, neste dia e nos seguintes, mais dese-
nhos.
138
Jan. 9 Grande desejo de observar Júpiter é impedido
pelas nuvens.
139
Mar. 3 em diante
Escreve, ou pelo menos completa, uma copia
do texto para o impressor durante este
período; provavelmente muda de "8" para "10"
meses e escreve a dedicatória.
140
GALILEU GALILEI
DAS ESTRELAS,
que desvela espectáculos
GRANDES E IMENSAMENTE ADMIRÁVEIS,
propondo a cada um, mas sobretudo
AOS FILÓSOFOS E ASTRÓNOMOS, contemplar o que
GALILEU GALILEI
NOBRE FLORENTIN02, '
professor de matemática da Universidade de Pádua 3,
observou com o auxílio de uma
LUNETA 4
por ele recentemente concebida5, na FACE DA LUA,
AS INUMERÁVEIS ESTRELAS FIXAS, A VL4 LÁCTEA,
NEBULOSAS
e, sobretudo,
QUATRO PLANETAS 6
revolvendo em torno de JÚPITER, a distâncias e
com períodos diferentes, com espantosa rapidez, os quais
ninguém até hoje divisara, e agora pela primeira vez
foram vistos pelo Autor
E POR ELE DESIGNADOS DE
AO SERENÍSSIMO
COSME II DE MEDICI,
QUARTO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA 7 •
145
humanos acabam por perecer sob a força do tempo e da
velhice, concebeu símbolos mais incorruptíveis em relação
aos quais o tempo voraz 11 e a invejosa velhice não reivin-
dicassem para si nenhum direito. E, assim, passando para
os céus, inscreveu naqueles conhecidos orbes eternos dos
astros mais brilhantes os nomes daqueles que, por seus
feitos ilustres e quase divinos, foram julgados dignos de
desfrutar com as estrelas de uma vida eterna. Por isso, a
fama de Júpiter, Marte, Mercúrio, Hércules, e outros
heróis por cujos nomes as estrelas são designadas, não se
apagará antes que o próprio resplendor das estrelas se
extinga. Ora, esta invenção da sagacidade humana, nobre
e admirável entre todas, caiu no esquecimento há muitos
séculos, ocupando os antigos heróis essas brilhantes sedes
e mantendo-as como que por direito próprio. Em vão a
piedade de Augusto se esforçou por incluir Júlio César no
seu número, pois, quando ele desejou nomear como astro
Juliano a estrela que tinha aparecido no seu tempo,
daquelas a que os gregos chamam «cometa» e que nós
chamamos «cabeleira» 12 , ela, desaparecendo pouco depois,
frustrou a esperança de tão grande ambição. 13 Mas agora,
Príncipe Sereníssimo, podemos augurar a Vossa Alteza
coisas mais verdadeiras e mais felizes, pois mal começaram
a brilhar na terra os imortais ornamentos da vossa alma,
mostraram-se nos céus uns astros brilhantes que, como lín-
guas, [3r] hão-de narrar e celebrar por todo o tempo as
vossas extraordinárias virtudes. 14 Eis, pois, quatro estrelas
reservadas para o vosso nome ilustre, e não são elas da
multidão das menos notáveis estrelas fixas, mas da ordem
ilustre das estrelas vagueantes, que, com movimentos sem
dúvida diferentes, fazem os seus percursos e órbitas com
uma velocidade maravilhosa em torno da estrela de Júpi-
ter, a mais nobre de todas elas, como sua autêntica des-
cendência, enquanto todas juntas, em mútua harmonia,
completam as suas revoluções cada doze anos em torno
do centro do mundo, isto é, em torno do próprio Sol. 15
146
Na verdade, parece que, com argumentos claros, o
próprio Criador dos Astros me exortava a designar esses
novos planetas pelo nome ilustre de Vossa Alteza, de pre-
ferência a todos os outros. Efectivamente, do mesmo
modo que essas estrelas, como digna descendência de
Júpiter, nunca se afastam do seu lado senão por pequena
distância, assim, quem ignora que a clemência, a bondade
de espírito, a gentileza das maneiras, o esplendor do san-
gue real, a majestade no agir e a amplidão da autoridade
e mando sobre os outros, todas estas qualidades que acha-
ram um domicílio e sede em Vossa Alteza, quem, digo
eu, ignora que tudo isto emana da benigna estrela de
Júpiter, segundo [ordem de] Deus que é a fonte de todo
o bem? Foi Júpiter, Júpiter digo eu, que no nascimento
de Vossa Alteza, tendo já passado pelos vapores turvos do
horizonte, ocupando o meio do céu 16 e iluminando o
ângulo ocidental a partir da sua casa real 17 , desse sublime
trono olhou sobre o Vosso nascimento afortunado e der-
ramou todo o seu esplendor e grandeza sobre o ar mais
puro, a fim de [3v] que o Vosso pequeno e cerno corpo
juncamente com a Vossa alma, adornada já por Deus com
os mais nobres ornamentos, haurisse com o seu primeiro
sopro todo esse poder universal e autoridade. Mas porque
uso argumentos prováveis quando posso tudo deduzir e
demonstrar a partir de razões necessárias? Aprouve a Deus
Todo-Poderoso que eu não fosse julgado indigno pelos
Vossos Sereníssimos Pais para a tarefa de instruir Vossa
Alteza nas ciências matemáticas, tarefa que cumpri nos
passados quatro anos, na altura do ano em que é mais
habitual descansar de estudos mais severos. 18 Quanto a
isso, visto ter eu, por evidente acção divina, a felicidade
de servir Vossa Alteza e, por isso, receber de mais perto
os raios da vossa inaudica clemência e benignidade, será
porventura uma surpresa que eu, que sou Vosso súbdito
não apenas por desejo mas também por origem e natu-
reza, 19 tivesse o meu espírito de cal modo inflamado que,
147
dia e noite, não pensasse em quase nada mais do que em
tornar conhecido quão grato estou para convosco e quão
desejoso de promover a vossa glória?
E, assim, uma vez que sob os vossos auspícios, Sere-
níssimo COSME, descobri essas estrelas, desconhecidas de
todos os anteriores astrónomos, decidi, com todo o
direito, adorná-las com o muito augusto nome da Vossa
família. Se fui o primeiro a descobri-las, quem me negará
o direito de também lhes atribuir um nome e as chamar
ESTRELAS MEDICEIAS, esperando que tanta dignidade
seja adicionada a estes astros por esta designação como foi
conferida a outras estrelas por outros heróis? Pois, sem
falar dos vossos Sereníssimos Ancestrais, de cuja glória
eterna [4r] todos os monumentos da história dão teste-
munho, apenas o Vosso mérito , Supremo Herói, pode
garantir a essas estrelas a imortalidade do nome. Quem,
de facto, duvidará que por grande que seja a expectativa
que suscitastes com os mais auspiciosos começos do vosso
reino, não só a mantereis e defendereis, mas a havereis de
superar por larga margem, de modo que, uma vez venci-
dos os vossos pares, vos confrontareis convosco e dia a dia
vos superareis a vós e à vossa grandeza?
Galileu Galilei
148
Suas Excelências os Senhores Chefes do Excelente Conse-
lho dos Dez 2 1, abaixo assinados, com o testemunho dos
Senhores Reformadores do Estudo de Pádua, segundo o
relatório de dois a este assunto designados, a saber, do
Reverendo Pe. Inquisidor, e do secretário examinador do
Senado Giovanni Marauiglia, sob juramento, como no
livro intitulado SYDEREVS NVNCIVS , etc. do senhor
Galileu Galilei não se encontra coisa alguma contrária à
Santa Fé Católica, aos princípios e aos bons costumes, e
que é digno de ser impresso, concedem a licença para que
possa ser impresso nesta cidade.
Senhor Marco
. Amonio Valaresso } Ch f, d E
e es o xce 1ente
Senhor N1colo Bon Conselho dos Dez
Senhor Lunardo Marcello
Bartolomeo Comino
Secretário do Mui Ilustre Conselho dos Dez
149
(Sr]
n))IJJ
'~,qf;.;
MENSAGEM ASTRONÓMICA; 2
,
1ue contém e apresenta
AS RECENTES OBSERVAÇÔE5,
feitas com uma nova luneta, da superflcie de, Lua,
da Via Ldctea e ias nebulosas, de inumerdveis r:trelas fixas,
e ainda Je quatrc planetas design.adas pJr
ASTROS DE COSME 13 ,
nunca até hoje vistos.
151
diâmetro dessa mesma Lua parece quase trinta vezes, a
sua superfície novecentas vezes e o seu volume quase vinte
e sete mil vezes maiores do que quando são vistos sim-
plesmente à vista desarmada. 26 Daí, consequentement e,
que qualquer pessoa compreenda, com a certeza dos sen-
tidos, que a Lua não é de maneira nenhuma revestida
de uma superfície lisa e perfeitamente polida, mas sim de
uma superfície acidentada e desigual, e que, como a pró-
pria face da Terra, está coberta em todas as partes por
enormes protuberâncias, depressões profundas, e sinuosi-
dades.
Além disso, não parece coisa de somenos ter elimi-
nado as controvérsias acerca da Galáxia ou Via Láctea e
ter revelado a sua natureza aos sentidos, quanto mais
à inteligência; e será· maravilhoso e sumamente belo
demonstrar claramente, como se apontando com um
dedo, que a substância dessas estrelas, que até ao presente
todos os astrónomos chamavam nebulosas, é muito dife-
rente do que até agora se pensou.
Mas aquilo que excede imensamente toda a admira-
ção, e o que especialmente nos impeliu a dar notícia a
todos os astrónomos e filósofos, é que descobrimos quatro
estrelas errantes 27 , nem conhecidas nem observadas por
ninguém antes de nós , que, tal como Vénus e Mercúrio
em torno do Sol 28 , têm os seus períodos em torno de um
certo astro insigne entre o número dos conhecidos, ora o
precedendo, ora o seguindo, e nunca ficando afastadas
dele para além de certos limites. Todas estas coisas foram
descobertas e observadas há alguns dias 29 por meio de
uma luneta concebida por mim depois de ter sido ilumi-
nado pela graça divina 30 •
Coisas talvez mais excelentes serão descobertas com o
tempo, ou por mim ou por outros, com a ajuda de um
instrumento semelhante, cuja forma e construção, assim
152
como as circunstâncias de sua invenção, [6r] mencionarei
brevemente em primeiro lugar, e depois resumirei a histó-
ria das observações feitas por mim.
153
ção das celestes. Primeiro, vi a Lua de tão perto [6v]
como se ela estivesse afastada apenas por dois raios terres-
tres 37 . Depois observei muitas vezes, com incrível alegria
na alma, tanto as estrelas fixas como as errantes, e, ao
verificar o seu grande número, comecei a imaginar um
método pelo qual pudesse medir a distância entre elas, o
que por fim descobri . Neste assunto, convém pôr de
sobreaviso todos os que pretendam fazer este tipo
de observações. Em primeiro lugar, com efeito, é necessá-
rio que preparem uma luneta de grande precisão, que
apresente os objectos de maneira brilhante, distintamen te,
sem estarem obscurecidos, e que os aumente pelo menos
quatrocent as vezes, pois então os mostrará vinte vezes
mais próximos.38 De facto, se o instrument o não for de
tal sorte, tentarão em vão ver rodas aquelas coisas que nós
observámos nos céus e abaixo enumerare mos. Mas para
que qualquer pessoa consiga, com pouco trabalho, deter-
minar a ampliação do instrument o, desenhe dois círculos
ou dois quadrados num papel, um dos quais será qua-
trocentas vezes maior do que o outro, o que sucederá
quando o diâmetro do maior for vinte vezes o compri-
mento do outro. 39 Depois olhará de longe, em simultâ-
neo, ambas as folhas postas numa mesma parede, a mais
pequena com o olho aplicado à luneta e a maior com o
outro olho, à vista desarmada . Isto pode ser feito facil-
mente com ambos os olhos abertos ao mesmo tempo. As
duas figuras aparecerão, então, do mesmo tamanho, se o
instrument o ampliar os objectos de acordo com a propor-
ção desejada.
Depois de um tal instrumen to ter sido preparado,
deverá investigar-se o método de medir distâncias, o que
é conseguido da seguinte maneira. Para facilitar a com-
preensão, seja ABCD o tubo e E o olho do observador.
Quando não há lentes no tubo, os raios visuais seguem
154
até ao objecto FG segundo as linhas rectas ECF e EDG,
mas, colocadas as lentes, [7r] seguem ao longo das linhas
°
refractadas ECH e EDI. 4 Com efeito, os raios são aper-
tados e onde antes, [propagando-se] livremente, eram
dirigidos para o objecto FG, agora apenas compreendem
a parte HI. 41
Jt
155
distinguirei em duas partes, uma mais clara e outra mais
escura. 44 A mais clara parece rodear e inundar [de luz] 45
todo o hemisfério, enquanto a mais escura cobre, como
uma nuvem, essa face, enchendo-a de manchas. Estas
manchas, um pouco escuras e bastante vastas, são visíveis
a todos e em todas as épocas foram observadas. Por essa
razão lhes chamaremos as manchas grandes ou antigas,
para as diferenciar de outras, de menor tamanho, mas a
tal ponto numerosas que recobrem toda a superfície lunar
mas especialmente a parte mais luminosa. Estas, na ver-
dade, não foram observadas por ninguém antes de nós.
Do seu exame muitas vezes repetido deduzimos que
podemos discernir com certeza que a superfície da Lua
não é perfeitamente polida, uniforme e exactamente esfé-
rica, como um exército de filósofos acreditou, acerca dela
e dos outros corpos celestes, mas é, pelo contrário, desi-
gual, acidentada, constituída por cavidades e protuberân-
cias, como a face da própria Terra, que está marcada, aqui
e acolá, por cadeias de montanhas e profundezas de vales.
As aparências a partir das quais isto se pode deduzir são
as segumtes:
No quarto ou quinto dia após a conjunção, quando
a Lua se nos apresenta com cornos resplandecentes, o
limite que separa a sua parte escura da sua parte luminosa
não se estende regularmente, seguindo uma linha oval,
como sucederia num sólido perfeitamente esférico, mas
traça uma linha desigual, acidentada e notavelmente
sinuosa, como a figura aqui ao lado mostra. 46 Com efeito,
uma espécie de excrescências brilhantes estendem-se em
grande número na parte escura, para lá da fronteira entre
a luz e as trevas e, ao contrário, pequenas partes escuras
avançam para dentro da parte luminosa. Além disso, tam-
bém uma grande quantidade de pequenas manchas ene-
grecidas, [Sr] completamente separadas da parte obscura,
156
espalha-se por quase toda a extensão já inundada pela luz
do Sol, com excepção todavia daquela parte que tem as
manchas grandes e antigas. Ora, notámos logo que essas
pequenas manchas têm todas e sempre em comum que a
sua parte enegrecid a está virada para o Sol, enquanto , do
lado oposto ao Sol, estão coroadas de extremidades mais
luminosas, como arestas resplande centes. Ora, temos na
Terra uma visão totalment e semelhante, no momento do
nascer do Sol, quando dirigimos o nosso olhar sobre os
vales que ainda não estão banhados de luz, e as monta-
nhas que os cercam resplandecem, já do lado oposto, ao
Sol. E, tal como as sombras das cavidades terrestres dimi-
nuem à medida que o Sol se eleva, assim também estas
manchas lunares perdem as suas trevas à medida que a
parte luminosa cresce.
Vcru•
157
[8v] Na verdade, não se vê apenas que na Lua a fronteira
entre as trevas e a luz é desigual e sinuosa, mas - o que
suscita ainda mais espanto - que um enorme número de
pontos brilhantes aparece no seio da parte escurecida da
Lua, completa mente separados e desligados da zona ilu-
minada e afastados dela por um intervalo que não é
pequeno. Estes pontos aumenta m pouco a pouco, passado
algum tempo , em grandeza e luminosi dade, e, passadas
duas ou três horas, juntam-s e ao resto da zona brilhante
que então aumento u. Entretan to , contudo, mais e mais
pontos como que pululand o daqui e dali, iluminam-se,
na parte escura, aumenta m e finalmen te unem-se à super-
fície luminosa , que agora está ainda mais dilatada. A
mesma figura mostra-n os o exemplo disso . Ora, não é
verdade que na Terra, antes do nascer do Sol, quando a
sombra ainda cobre as planícies, os cimos dos montes
mais elevados estão iluminad os pelos raios solares? E que
após um curto intervalo de tempo a luz se espalha, ilu-
minando as partes médias e mais largas desses montes? E,
por fim, quando o Sol já se levantou, não se juntam as
iluminaçõ es das planícies e das colinas umas às outras?
Na Lua, todavia, este contraste entre as elevações e as
depressões parece exceder em muito a desiguald ade do
relevo terrestre, como mostrarem os mais adiante.
Entretan to, não quero de maneira nenhuma passar
em silêncio um facto digno de atenção, que observei
47
quando a Lua avançava para a primeira quadratu ra e
acerca do qual o mesmo desenho preceden te dá uma ima-
gem. Um enorme golfo tenebroso , com efeito, situado
para o lado do corno inferior, insinua-s e na parte lumi-
nosa. Tendo observad o durante muito tempo este golfo
sombread o e vendo-o todo mergulha do na escuridão ,
finalmente, passadas cerca de duas horas, começou a des-
pontar uma espécie de cume luminoso , um pouco abaixo
do meio da cavidade. Crescend o pouco a pouco, apresen-
tava uma forma triangula r e estava ainda completamente
158
separado e desligado da zona luminosa. Logo depois,
começaram a brilhar em torno dele três outras pequenas
pontas, [9r] até que, quando a Lua tendia já para o
ocaso, essa figura triangular estendeu-se e ampliou-se,
para finalmente se unir ao resto da parte luminosa e,
como um enorme promontório, sempre rodeada dos três
picos brilhantes já mencionados, irrompeu no golfo escuro.
Nas extremidades dos cornos, tanto do corno superior
como do corno inferior, emergiam também alguns pontos
resplandecentes e completamente isolados do resto da luz,
como se vê desenhado na mesma figura. Havia, também,
uma grande quantidade de manchas escuras em cada
corno, mas sobretudo no inferior; entre essas manchas,
aquelas que estão mais perto da fronteira entre luz e tre-
. .
vas aparecem ma10res e mais escuras, enquanto as mais
afastadas aparecem menos escuras e mais apagadas. Mas
sempre, como já dissemos antes, a parte escurecida da
mancha está do lado da irradiação solar, enquanto uma
franja mais resplandecente bordeja a mancha na parte
oposta ao Sol e virada para a zona sombria da Lua. Esta
superfície da Lua, onde está assinalada pelas manchas
como a cauda de um pavão está pelos olhos de azur, asse-
melha-se a esses pequenos vasos de vidro que, mergulha-
dos ainda incandescentes na água fria, adquirem uma
superfície encarquilhada e ondulada de onde lhes vem a
designação popular de «taças de gelo».
No que respeita às manchas grandes da Lua, não se
vêem tão interrompidas e cobertas de depressões e protu-
berâncias, aparecendo mais regulares e uniformes, emer-
gindo apenas nelas, aqui e ali, pequenas zonas brilhantes.
Deste modo, se alguém quiser ressuscitar a antiga opinião
pitagórica segundo a qual a Lua seria uma outra Terra 48 ,
a sua parte mais brilhante seria mais apta a representar a
superfície terrena e a sua parte mais obscura a superfície
aquosa 49 . Quanto a mim, nunca duvidei de que, se o
globo terrestre, banhado pelos raios solares, fosse visto de
159
longe, a superfície de terra firme se ofereceria mais clara
ao olhar [9v] e a parte de água mais escura. Além disso,
na Lua, vê-se que as grandes manchas são mais cavadas
do que as zonas mais claras, pois tanto na fase crescente
como na fase minguante, vê-se sempre surgir no limite da
luz e das trevas, aqui e ali, em torno das próprias man-
chas grandes, os bordos da parte mais clara, como tivé-
mos o cuidado de mostrar nas figuras. E os contornos das
ditas manchas não são somente mais cavados, mas tam-
bém mais uniformes e não entrecortados por rugas ou
asperezas. A parte mais iluminada, além disso, eleva-se
muito perto das manchas, a tal ponto que antes da pri-
meira quadratura, como nas vizinhanças da segunda,
enormes protuberâncias se elevam acentuadamente, perto
de uma certa mancha ocupando a região superior, isto é,
boreal, da Lua, tanto acima como abaixo dela, como os
desenhos aqui juntos mostram:
160
[lür]
161
[10v]
162
[I 1r] Há uma outra coisa que observei não sem alguma
admiração e que não posso omitir. A área em torno do
centro da Lua está ocupada por uma cavidade maior do
que rodas as outras e de forma perfeitamente redonda.5°
Observei isto perto de ambas as quadraturas e dese-
nhei-o tanto quanto me foi possível na segunda figura
acima. Oferece o mesmo aspecto, quanto à sombra e à
iluminação, que ofereceria na Terra uma região seme-
lhante à Boémia se fosse encerrada por todos os lados por
montanhas muito altas, colocadas na periferia num cír-
culo perfeito. Ora, na Lua, está rodeada de cordilheiras
tão elevadas que o lado que é vizinho à parte escura da
Lua se vê banhado de luz antes que a linha divisória
entre a luz e as sombras chegue ao diâmetro que secciona
em dois essa figura. Mas, tal como nas outras manchas, a
sua parte sombreada está diante do Sol, enquanto a parte
brilhante está virada para a parte escura da Lua, o que,
sugiro eu pela terceira vez, se deve considerar um argu-
mento muito forte acerca da rugosidade e irregularidade
espalhadas em toda a região brilhante da Lua. Ora, entre
essas manchas são sempre mais escuras as que são vizinhas
à fronteira entre a luz e a escuridão, enquanto as mais
afastadas aparecem ou mais pequenas ou menos escuras,
de tal modo que, finalmente, quando a Lua está em opo-
sição e cheia, a escuridão das depressões difere da lumi-
nosidade das proeminências por uma muito ligeira e
ténue diferença.
Estas coisas que acabámos de descrever foram vistas
nas partes mais brilhantes da Lua. Nas manchas grandes,
porém, tal contraste entre depressões e proeminências não
se vê da mesma maneira como o que somos necessaria-
mente levados a reconhecer nas partes brilhantes, devido à
mudança de formas causada pela variável iluminação dos
raios do Sol ao divisar a Lua de muitas diferentes posi-
ções. No entanto, nas manchas grandes há, sem dúvida,
[11 v] áreas mais escuras, como mostramos nas figuras,
163
mas têm sempre a mesma aparência e a sua escuridão não
aumenta nem diminui. Elas aparecem, com diferenças
muito ligeiras, ora um pouco mais escuras, ora um pouco
mais claras, consoante os raios de Sol incidem nelas mais
ou menos obliquamente. Além disso, unem-se de modo
fluido com as partes vizinhas das manchas numa união
suave, misturando e confundindo as suas fronteiras. Con-
tudo, as coisas sucedem de modo diferente às manchas
que estão na parte mais brilhante da Lua, pois, tal como
penhascos íngremes eriçados de rochas de arestas vivas,
eles estão divididos por uma linha que separa abrupta-
mente a luz das trevas. Além disso, no interior dessas
manchas maiores são vistas outras áreas mais claras - na
verdade, algumas muito brilhantes. Mas a aparência destas
e das mais escuras é sempre a mesma, sem qualquer
mudança na forma, luz ou sombra. É então sabido com
certeza e fora de qualquer dúvida que elas se vêem desta
maneira por causa de uma dissemelhança real das partes e
não apenas por causa das desigualdades nas figuras que
tomam essas zonas, segundo as diferentes iluminações do
Sol que move diversamente as sombras. Isto sucede de
facto nas outras manchas, mais pequenas, que ocupam a
parte mais brilhante da Lua; elas alteram-se dia a dia,
aumentando, diminuindo e desaparecendo, visto que só
resultam das sombras das proeminências que se elevam.
Mas sinto que muitas pessoas são afectadas por gran-
des dúvidas neste assunto e ficam tão embaraçadas por
uma grave dificuldade que são levadas a pôr em dúvida a
conclusão já explicada e confirmada por tantas aparências.
Pois se aquela parte da superfície da Lua que reflecte de
maneira mais brilhante os raios de Sol está cheia de
sinuosidades, isto é, de inumeráveis elevações e depres-
sões, porque é que na Lua crescente o bordo virado para
o ocaso, e na Lua decrescente o bordo virado para o
Oriente, e na [12r] Lua cheia toda a periferia, não são
vistos desiguais, rugosos e smuosos, mas perfeitamente
164
redondos e circulares e não irregulares, com proeminên-
cias e depressões? Tanto mais que todo o bordo é com-
posto da substância lunar mais brilhante que, como disse-
mos, é completamente irregular e coberto com depressões,
pois nenhuma das manchas grandes chega até ao extremo
do bordo, mas todas se vêem aglomeradas longe da peri-
feria. Uma vez que tais aparências apresentam uma opor-
tunidade para sérias dúvidas, proponho uma explicação
dupla e daqui uma dupla resolução da dúvida. 51 Primeiro,
se as proeminências e depressões no corpo lunar estives-
sem espalhadas apenas ao longo da periferia circular que
delimita o hemisfério visto por nós, então a Lua poderia,
sem dúvida, e deveria mesmo, mostrar-se-nos numa
forma análoga a uma roda dentada, isto é, delimitada por
uma linha eriçadà e sinuosa. Se, contudo, não houvesse
apenas uma única cadeia de proeminências distribuídas
apenas ao longo de uma única circunferência, mas antes
muitas filas de montanhas, com as suas lacunas e sinuosi-
dades, dispostas ao longo do circuito externo da Lua - e
estas não apenas no hemisfério visível mas também do
outro lado (mas perto da fronteira entre os hemisférios) -
então o olho, vendo de longe, não poderia de modo
algum distinguir entre proeminências e depressões. Pois os
intervalos entre os montes dispostos num mesmo círculo
ou numa mesma cadeia estão escondidos pela interposição
de fila após fila de outras proeminências; e isto especial-
mente se o olho do observador estiver localizado numa
mesma linha com os cumes dessas elevações. Assim , na
Terra, os cumes de muitas montanhas situadas próximas
umas das outras parecem estar dispostos numa superfície
plana se o observador estiver muito longe e situado na
mesma altitude. Assim também, num mar encapelado, as
cristas elevadas das ondas parecem estender-se num
mesmo plano, [12v] muito embora, entre as ondas, haja
muitas cavas e golfos tão fundos que não apenas as qui-
lhas mas também os convés, os mastros e as velas de
165
navios grandes ficam ocultos. Uma vez, pois, que na pró-
pria Lua e em torno do seu perímetro há uma disposição
complexa de proeminências e depressões, e o olho, vendo
de longe, está localizado aproximadamente no mesmo
plano que esses picos, ninguém se deve surpreender que,
com os raios visuais rasantes, eles se mostrem numa linha
uniforme e nada sinuosa. A esta razão pode adicionar-se
uma outra, nomeadamente que, tal como em torno da
Terra, existe em torno do corpo lunar um orbe de subs-
tância mais densa do que o resto do éter, capaz de rece-
ber e reflectir a irradiação solar, embora sem tanta opaci-
dade que ·possa inibir a passagem da visão (especialmente
quando não é iluminado). 52 Esse orbe, iluminado pelos
raios solares, oferece e mostra o corpo lunar com o
aspecto de uma esfera maior e, se fosse mais espesso,
poderia limitar a nossa vista de modo a não alcançar
o corpo sólido da Lua. E é, de facto, mais espesso em
volta da periferia da Lua; não absolutamente espesso, digo
eu, mas mais espesso em relação aos nossos raios visuais
que o intersectam obliquamente. Por isso, pode dificultar
a nossa visão e, especialmente quando está iluminado,
esconder a periferia da Lua que está exposta ao Sol. Isto
vê-se claramente na figura junta, na qual o corpo lunar
ABC está rodeado pelo orbe vaporoso DEG:
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••
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166
[13r] O olho, desde F, alcança as partes médias da Lua,
como em A, através dos vapores mais finos DA; para 0
lado das partes extremas, porém, uma abundância de
vapores mais profundos, EB, bloqueia com o seu limite
a nossa visão. Uma indicação disto é que a parte da
Lua banhada pela luz parece ser de maior circunferência
do que o restante orbe mergulhado nas trevas. Poderá tal-
vez achar-se esta mesma causa razoável para explicar por-
que é que em parte nenhuma se vêem as manchas maio-
res da Lua estender-se até ao limite exterior, embora fosse
esperado que algumas delas se encontrassem perto dele.
Parece plausível, contudo, que sejam invisíveis porque
estão escondidas sob vapores mais espessos e mais bri-
lhantes.
Parece-me ter ficado suficientemente claro, pelas apa-
rências já explicadas, que a superfície mais brilhante da
Lua esteja coberta por todo o lado com proeminências e
depressões. Falta-nos agora falar acerca dos seus tamanhos,
demonstrando que as rugosidades terrestres são muito
menores do que as lunares; digo menores falando absolu-
tamente, não apenas em proporção aos tamanhos dos seus
globos. Isto vê-se claramente da seguinte maneira.
Como foi muitas vezes observado por mim que, em
diferentes posições da Lua relativamente ao Sol, dentro
da parte escura da Lua alguns cumes aparecem banhados
de luz, mesmo estando muito longe da linha divisória da
luz, comparando a sua distância a essa linha com o diâ-
metro lunar total, descobri que essa distância algumas
vezes excede a vigésima parte do diâmetro 53 • Assumindo
isto, considere-se o globo lunar, cujo círculo máximo é
CAF, e o centro é E, e cujo diâmetro, CF, está para o
diâmetro da Terra como dois está para sete. E visto que
de acordo com as observações mais rigorosas o diâmetro
terrestre tem 7000 milhas italianas, CF terá 2000 milhas,
[13v] CE 1000 e a vigésima parte de todo CF será de
167
100 milhas 54 • Seja agora CF o diâmetro do círculo
máximo
168
[14r] do que 4 milhas italianas. Mas na Terra não existem
montanhas que tenham sequer a altura de 1 milha verti-
cal. É, pois, evidente que as proeminências lunares são
mais elevadas do que as terrestres. 55
Gostaria de explicar aqui a causa de um outro fenó-
meno lunar digno de admiração. Este fenómeno foi por
nós observado, não recentemente mas há já muitos anos,
mostrado a alguns amigos próximos e alunos, explicado, e
dele dei uma demonstração causal. 56 Mas uma vez que a
sua observação é facilitada e mais notória com o auxílio
da luneta, pareceu-me que não era desajustado repeti-la
aqui , especialmente para que o parentesco e a semelhança
entre a Lua e a Terra apareçam mais claramente. 57
Quando a Lua, quer antes quer depois das conjun-
ções, se encontra próxima do Sol, oferece à nossa vista
não apenas aquela parte do seu disco que está adornada
com cornos brilhantes, mas também um ténue círculo,
levemente reluzente, que parece delimitar o contorno da
parte escura (isto é, a parte afastada do Sol) e separá-la
do fundo mais escuro do próprio éter. Mas se examinar-
mos este assunto com mais cuidado, veremos não apenas
o rebordo extremo da parte escura brilhando com brilho
ténue, mas toda a face da Lua - nomeadamente aquela
parte que ainda não sente o brilho do Sol - branqueada
por alguma luz não despicienda. À primeira vista, con-
tudo, só aparece uma fina circunferência brilhante devido
à proximidade das partes mais escuras do céu em torno
dela, enquanto, pelo contrário, o resto da superfície
parece mais escuro devido ao contacto com os cornos bri-
lhantes, que escurecem a nossa visão. Mas se se escolher
um lugar tal que esses cornos brilhantes fiquem ocultos
por um tecto, uma chaminé, ou outro obstáculo entre o
nosso olho e a Lua (mas colocado longe do olho),
ficando a restante parte [14v] do globo lunar exposta à
nossa vista, então descobrir-se-á que esta região da Lua,
embora desprovida de luz solar, também brilha com uma
169
luz considerável, e especialmente quando as trevas noctur-
nas já forem espessas devido à ausência do Sol; pois sobre
um fundo mais escuro a mesma luz parece mais brilhante.
Também se verifica que este brilho, por assim dizer,
secundário da Lua, é tanto maior quanto menos distante
a Lua estiver do Sol, pois, à medida que ela fica mais dis-
tante dele, decresce mais e mais de tal maneira que, após
a primeira quadratura e antes da segunda, aparece fraco e
muito dúbio, mesmo observando num céu mais escuro,
enquanto que, no sextilo ou em elongações menores 58,
brilha de uma maneira admirável mesmo no crepúsculo.
Na verdade, brilha de tal modo que, com a ajuda de uma
luneta precisa, se podem ver nela as manchas maiores.
Este brilho maravilhoso causou não pouco espanto
nos que se aplicam à filosofia, tendo avançado alguns
com uma razão e outros com outra, como sua explicação.
Alguns disseram tratar-se do brilho natural e intrínseco da
própria Lua, outros que lhe é conferido por Vénus 59 ,
outros pelas estrelas; e ainda outros disseram que é dado
pelo Sol, que penetraria a vasta massa da Lua com os seus
raios. Mas tais sugestões refutam-se sem muito esforço e
demonstra-se serem falsas. Pois se este género de luz fosse
próprio da Lua, ou conferido pelas estrelas, a Lua rerê-
-la-ia e mostrá-la-ia especialmente durante os eclipses
quando está num céu muito escuro. Mas isto é contrário
à experiência, pois a luz que aparece na Lua durante um
eclipse é muito mais fraca, avermelhada, quase cúprea,
enquanto que esta luz é mais brilhante e mais branca. A
luz que aparece durante um eclipse é, além disso, mutável
e move-se, pairando sobre a face da Lua de tal maneira
que a parte mais perto do bordo do círculo da sombra da
Terra se vê sempre mais brilhante e o resto mais escuro.
Daqui se compreende, sem qualquer dúvida, que esta luz
surge [15r] devido à proximidade dos raios solares inci-
dindo sobre alguma região mais densa que rodeia a Lua
de todos os lados. Por causa deste contacto uma espécie
170
de aurora é espalhada na Lua nas regiões vizinhas [da
periferia], tal como na Terra a luz crepuscular é espalhada
de manhã e de tarde. Trataremos deste assumo mais
desenvolvidamente no livro sobre o Sistema do Mundo 60 •
Quanto a afirmar que esta luz é conferida por Vénus, é
tão infantil a ponto de não merecer resposta. Pois quem
é tão ignorante que não saiba que perto das conjunções e
no aspecto sextil é completamente impossível para a parte
da Lua oposta ao Sol ser vista de Vénus? Mas é igual-
mente inaceitável que esta luz seja devida ao Sol que,
com a sua luz, penetre e invada o corpo sólido da Lua.
Nesse caso nunca diminuiria, uma vez que um hemisfério
da Lua está sempre iluminado pelo Sol, excepto no
momento d<;>s eclipses lunares. Ora, a luz diminui quando
a Lua se aproxima da quadratura e desvanece-se comple-
tamente quando ela passa a quadratura.
Uma vez, pois, que esta luz secundária não é intrín-
seca e própria à Lua, e também não é emprestada por
nenhuma estrela nem pelo Sol, e visto que na vastidão do
mundo não resta nenhum outro corpo a não ser a Terra,
pergunto então o que devemos pensar? Que devemos
propor? Será que o corpo lunar, como qualquer outro
corpo escuro e opaco, é banhado de luz pela Terra? Mas
o que é que isso tem de tão espantoso? Mais do que isso:
a Terra, numa troca igual e agradecida, retribui à Lua
uma luz igual àquela que recebe da Lua durante quase
todo o tempo na mais profunda escuridão da noite.
Expliquemos o assunto mais claramente. A Lua, nas
conjunções, quando ocupa um lugar entre o Sol e a
Terra, é inundada pelos raios solares no seu hemisfério
superior, que está virado para o lado oposto da Terra,
enquanto o hemisfério inferior, que está virado para a
Terra, está coberto de escuridão e por isso não ilumina de
maneira alguma a superfície terrestre. Quando a Lua se
afasta pouco a pouco do Sol, uma parte do hemisfério
inferior virado para nós passa a ser iluminada e mostra-
171
-nos uns finos cornos esbranquiçados, iluminando ligeira-
mente a Terra. A iluminação solar cresce na Lua [ 15v]
agora que ela chega à quadratura, e, na Terra, o reflexo da
sua luz aumenta. À medida que o brilho da Lua se
estende ainda mais , para além do semicírculo, as nossas
noites brilham mais claras. Finalmente, toda a face da
Lua que está voltada para a Terra é iluminada com uma
luz muito brilhante que vem do Sol em oposição, e a
superfície da Terra brilha por todas as partes, inundada
pelo esplendor lunar. Depois, quando a Lua começa a
decrescer, emite raios mais fraco s na nossa direcção e a
Terra é iluminada mais fracamente ; e à medida que a Lua
se aproxima da conjunção, a noite escura vem sobre a
Terra. Nesta sequência, portanto, numa sucessão alter-
nada, a luz lunar espalha sobre nós as suas iluminações
mensais , umas vezes mais brilhantes, outras mais fracas .
Mas o favor é retribuído da mesma maneira pela Terra,
pois quando a Lua está sob o Sol, próximo das conjun-
ções, ela está diante da superfície inteira do hemisfério da
Terra exposta ao Sol e iluminada por raios vigorosos,
recebendo luz reflectida dela. E, assim, por causa desta
reflexão, o hemisfério inferior da Lua, embora destituído
de luz solar, aparece com um brilho considerável. Quando
a Lua está afastada do Sol por um quadrante, ela apenas
vê uma metade iluminada do hemisfério terrestre, a saber,
o ocidental, pois a outra, a metade oriental, está escure-
cida pela noite. A Lua é, pois, iluminada menos brilhan-
temente pela Terra, e a sua luz secundária aparece-nos por
consequência mais fraca. Pois, se supusermos a Lua em
oposição ao Sol, ela terá diante o hemisfério completa-
mente tenebroso e coberto de noite escura da Terra
situada a meio. Se, portanto, uma tal oposição se der na
eclíptica 61 , a Lua não receberá qualquer iluminação,
ficando privada de ambas as radiações, solar e terrestre.
Nas suas diferentes posições em relação ao Sol e à Terra,
a Lua recebe mais ou menos luz da reflexão terrestre ao
172
estar diante de uma parte maior ou menor do hemisfério
terrestre iluminado. Pois as posições relativas desses dois
globos são sempre cais que, quando a Terra está mais ilu-
minada pela Lua, a Lua está menos iluminada pela Terra
[16r] e vice-versa. Sejam suficientes estas breves coisas que
dissemos aqui acerca desce assunto. Diremos mais no
nosso Sistema do Mundo 62 , onde, com muitos argumentos
e experiências, demonstraremos a reflexão muito force da
luz solar pela Terra àqueles que defendem que a Terra
deve ser excluída da dança das estrelas, especialmente por-
que não cem movimento nem luz. Mostraremos, pois,
que ela é [um astro] errante e que ultrapassa a Lua em
brilho, e que não é a lixeira da porcaria e detritos do uni-
verso 63 , e confirmaremos isco com inumeráveis 64 argu-
mentos a partir da natureza.
173
isto se perceba melhor [ 16v] a partir do seguinte: as estre-
las, emergindo por entre as primeiras luzes no crepúsculo
vespertino, mesmo se forem de primeira grandeza 65 , apa-
recem muito pequenas, e até Vénus, se se nos apresenta
ao meio-dia, é visto tão pequeno que mal parece igualar
uma pequena estrela de última grandeza. As coisas são
diferentes para outros objectos e para a própria Lua, que,
quer seja observada ao meio dia ou na mais profunda
escuridão, parece-nos sempre do mesmo tamanho. As
estrelas vêem-se, por isso, raiadas no meio da escuridão,
mas a luz do dia pode rapá-las da sua cabeleira 66 ; e isso
sucede não apenas com a luz do dia mas também com
uma nuvem pequena e ténue que se interponha entre a
estrela e o olho do observador. O mesmo efeito também
se consegue com véus escuros ou vidros coloridos, que,
interpondo-se e opondo-se, fazem com que o brilho
envolvente abandone as estrelas. A luneta faz a mesma
coisa, pois, primeiro, retira às estrelas o brilho emprestado
e acidental e, depois, aumenta os seus globos simples (se
de facto as suas figuras são globulares), e por isso parecem
aumentadas por uma razão muito menor. Efectivamente,
pequenas estrelas de quinta ou sexta grandeza parecem de
primeira grandeza quando vistas pela luneta. 67
A diferença entre a aparência dos planetas e das
estrelas fixas também parece digna de nota. Com efeito,
os planetas apresentam os seus globos exactamente redon-
dos e circulares, como pequenas luas, inteiramente cober-
tos de luz, ao passo que as estrelas fixas não aparecem de
modo algum delimitadas por contornos circulares mas, ao
invés, como luminárias cintilando em toda a volta com
raios brilhantes. Elas aparecem com a mesma forma
quando são observadas com a luneta como com a vista
desarmada, mas muito maiores, de tal maneira que uma
pequena estrela de quinta ou sexta grandeza parece igual
ao Cão, que é certamente a maior de todas as estrelas
fixas. 68 [l 7r']
174
Na verdade, com a luneta poderá ver-se uma tal
multidão de outras estrelas abaixo da sexta grandeza, que
escapam à vista desarmada, tão numerosa que é quase
inacreditável, pois podem observar-se mais do que seis
outras ordens de grandeza. As maiores destas, que pode-
mos designar de sétima grandeza, ou primeira grandeza
das invisíveis, mostram-se maiores e mais brilhantes com
o auxílio da luneta do que as estrelas da segunda grandeza
quando vistas a olho nu. Para que possam ver-se um ou
dois exemplos da quase inconcebível multidão delas,
decidi reproduzir dois asterismos, para que a partir desses
exemplos se possa formar um julgamento acerca das
outras. No primeiro tinha decidido representar toda a
constelação de Orionte 69 mas, vencido pela enorme mul-
tidão de estrelas e pela falta de tempo, diferi esse
empreendimento para uma outra ocasião. Com efeito,
dentro do limite de um ou dois graus existem e dissemi-
nam-se, em torno das antigas, mais de quinhentas 70 novas
estrelas. Por esta razão, às três no cinturão de Orionte e
às seis na sua espada que já foram observadas de há
muito 71 adicionei oitenta, muito próximas, vistas recente-
mente, respeitando as suas distâncias tão rigorosamente
quanto possível. Para que se distingam desenhei maiores
as conhecidas ou antigas, traçando os seus contornos coin
linhas duplas, e as outras invisíveis, menores, usando
linhas simples. Também respeitei tanto quanto possível a
diferença de tamanhos.
No segundo exemplo, desenhei as seis estrelas do
Touro chamadas PLÊIADES (digo seis porque a sétima
quase nunca aparece) contidas nos céus entre limites
muito estreitos. 72 Perto destas encontram-se mais de qua-
renta outras estrelas invisíveis, nenhuma das quais afastada
das seis antes mencionadas mais do que meio grau. Assi-
nalei apenas trinta e seis destas, respeitando as suas dis-
tâncias mútuas, os tamanhos, e a distinção entre antigas e
novas, tal como no caso de Orionte.
175
""
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*
*
* ••
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*
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*
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**
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* jf-
*
Asterismo do cinturão e espada de Orionte
176
.- 1"
*.
* * ...
* $· * *
* .
*
• 'Jf
*
* if
* • .. Y:
*
,Jf-
*
Constelação das Plêiades
*
Aquilo que foi por nós observado em terceiro lugar
foi a essência73 ou matéria da própria Via LÁCTEA que,
com auxílio da luneta, pode ser observada com os senti-
dos, de modo que todas as disputas que durante tantas
gerações torturaram os filósofos são derimidas pela certeza
visível, e nós somos libertados de argumentos palavrosos. 74
De facto , a GALÁXIA não é outra coisa senão um aglo-
merado de incontáveis estrelas reunidas em grupo. Para
qualquer região que se aponte a luneta oferece-se logo à
vista um enorme número de estrelas, muitas das quais
parecem bastante grandes e conspícuas, mas a multidão
das pequenas é verdadeiramente insondável.
E como não é apenas na GALÁXIA que se observa
essa luminosidade leitosa, como uma nuvem esbran-
quiçada, mas muitas outras zonas de cor semelhante
brilham tenuamente, dispersas por todo o éter, se se
aponta uma luneta a qualquer uma delas, topa-se com
uma [18v'] densa multidão de estrelas. Além disso (e que
é ainda mais notável) , as estrelas que foram designadas de
177
NEBULOSAS por todos os astrónomos até hoje são
enxames de pequenas estrelas reunidas de forma espan-
tosa. Embora cada uma individualmente escape à nossa
vista, por causa da sua pequenez ou da sua grande dis-
tância a nós, da junção dos seus raios nasce aquele brilho
que até hoje se atribuía a uma pane mais densa dos céus,
capaz de reflectir os raios das estrelas ou do Sol. Obser-
vámos algumas destas e queremos reproduzir os asterismos
de duas delas.
No primeiro tem-se a NEBULOSA chamada Cabeça
de Orionte, na qual contámos vinte e uma estrelas.
Na segunda está a NEBULOSA chamada PRESÉ-
PIO, que não é apenas uma única estrela mas a reunião
de mais de quarenta pequenas estrelas. Além dos Aselos
assinalámos trinta e seis estrelas, dispostas como segue: 75
** *""
-K-
*
*~ *J+
** ** '
* * * ifc * *
*
i(·
* *'
*
jf- *
--1(-
Nebulosa de Orionce
*
Nebulosa do Presépio
f~*
178
[19r'] Descrevemos brevemente as observações feitas, até
agora, da Lua, das estrelas fixas e da GALÁXIA. Falta-nos
revelar e divulgar aquilo que parece ser o mais importante
da presente matéria: quatro PLANETAS nunca vistos
desde o princípio do mundo até aos nossos dias, as cir-
cunstâncias da sua descoberta e observação, as suas posi-
ções e as observações feitas nos últimos dois meses 76
acerca dos seus deslocamentos e mudanças. E convoco
codos os astrónomos a que se dediquem a investigar e a
determinar os seus períodos, o que, por falta de tempo,
não nos foi possível levar a cabo até agora. Contudo,
advertimo-los novamente de que necessitarão de uma
luneta muito precisa, como a que descrevemos no princí-
pio deste nosso relato, se não arriscam-se a empreender
essa investigação em vão.
Assim, então, no sétimo dia de Janeiro do presente
ano de 1610, na primeira hora da noite 77 , quando eu
examinava os astros do céu através da luneta, Júpiter
mostrou-se, e, como me tinha munido de um instru-
mento excelente, vi (o que não tinha acontecido antes
devido à fraqueza do outro instrumento) que três peque-
nas estrelas estavam perto dele - pequenas, mas muito
brilhantes. Embora achasse que eram do número das
estrelas fixas, apesar de tudo intrigaram-me, pois pareciam
estar dispostas exactamente ao longo de uma linha recta
paralela à eclíptica, e ser mais brilhantes do que as outras
da mesma grandeza. A sua disposição entre si e em rela-
ção a Júpiter era a seguinte:
Ori. * o * 0cc,
179
mamente com a distância entre elas e Júpiter, pois, como
já disse antes, achei que eram estrelas fixas. Mas quando,
no oitavo [dia] voltei a estas observações, guiado não sei
por que destino 78 , encontrei um arranjo muito diferente.
fu três pequenas estrelas estavam todas para o Oeste de
Júpiter, achando-se mais perto umas das outras do que na
noite anterior, separadas por intervalos iguais, como se
mostra no desenho seguinte:
Ori.
o * * * 0cc.
Ori.
* * o 0cc.
180
com Júpiter e localizadas exactamente segundo a longi-
tude do Zodíaco. Tendo visto estas coisas e porque não
me era possível de maneira nenhuma atribuir semelhantes
mutações a Júpiter [20r'] e porque, além disso, me dei
conta de que eram sempre as mesmas estrelas (pois
nenhumas outras, quer precedendo, quer seguindo Júpi-
ter, estavam presentes ao longo do Zodíaco por uma
grande distância), mudei desde aí a minha perplexidade
em admiração, concluindo que a permutação aparente
tinha a sua origem não em Júpiter, mas nas ditas estrelas.
Por esta razão decidi continuar daí em diante as observa-
ções com mais exactidão e rigor.
Foi assim que, no dia décimo primeiro, vi a seguinte
disposição:
Oci.
* * o 0cc.
181
foram feitas mais do que uma na mesma noite, pois as
revoluções destes planetas são tão céleres que é geralmente
possível aperceber diferenças de hora em hora.
Assim, no décimo segundo dia, na primeira hora da
noite, vi os astros dispostos desta maneira:
Ori. 0cc.
Ori. Occ~
182
No décimo quarto dia o tempo estava nebuloso.
No décimo quinto dia, à terceira hora da noite, as
quatro estrelas estavam dispostas relativamente a Júpiter
como na figura seguinte:
Ori. o .. 1\1 *
* 0cc.
Ori. o .* * 0cc.
183
Ori. 0cc.
*
Duas flanqueavam Júpiter, afastadas dele, em cada lado,
quarenta segundos 80 , e a terceira estava a oito minutos de
Júpiter no Oeste. As mais próximas de Júpiter pareciam
ser não maiores, mas mais brilhantes do que a mais afas-
tada.
No décimo sétimo dia, trinta minutos após o ocaso,
a configuração era a seguinte:
Ori.
* o * 0cc.
Ori. o * 0cc.
184
Ori.
* o * 0cc.
Ori.
* o * * 0cc.
Od.
* .o * * 0cc,
185
No vigésimo dia, à uma hora e qumze mmutos, foi
observado um arranjo deste tipo:
Ori. 0cc,
Ori. 0cc,
Ori. 0cc,
186
No vigésimo primeiro dia, às zero horas e tnnta
minutos, estavam três estrelas pequenas para Leste, igual-
mente espaçadas umas das outras e de Júpiter.
Ori. 0cc.
Ori.
* * 0cc.
Ori. . 0cc.
187
A oriental era muito pequena e, como antes, distava cinco
minutos de Júpiter. As três ocidentais estavam igualmente
afastadas de Júpiter e entre si, com intervalos de cerca um
minuto e vinte segundos cada; [23r'] a estrela mais pró-
xima de Júpiter aparecia menor do que as outras duas
que se seguiam; e todas pareciam estar exactamente ao
longo da mesma linha recta.
No vigésimo terceiro dia, quarenta minutos depois
do ocaso, a configuração das estrelas era esta:
Oci.
* * o * 0cc.
Ori.
* o 0cc.
188
desta, e a mais oriental a nove mmutos daquela; e todas
eram muito brilhantes.
* ** o 0cc.
Ori.
Ori.
* o 0cc.
Ori.
* o 0cc.
Ori. * * o * 0cc.
189
Viam-se realmente três estrelas das quais duas estavam
para Leste e a terceira para Oeste de Júpiter. Esta última
estava a cinco minutos dele, enquanto a oriental do meio
estava a cinco minutos e vinte segundos dele. A mais
oriental estava a seis minutos da do meio . Estavam dis-
postas numa mesma linha recta e eram da mesma gran-
deza. Seguidamente , na hora quinta, a disposição era
quase a mesma, diferindo apenas nisto, que perto de
Júpiter uma quarta estrela havia aparecido no Leste,
menor do que as outras, e então afastada trinta segundos
de Júpiter, mas ligeiramente elevada para o Norte acima
da linha recta, como se vê na figura junta:
Ori.
* * *O * 0cc.
Ori. o 0cc.
Ori. * o *· 0cc.
190
Uma estava para Leste, a dois minutos e trinta segundos
de Júpiter, e duas estavam para Oeste, das quais a mais
próxima de Júpiter estava a três minutos dele e a outra a
um minuto desta. As estrelas mais exteriores e Júpiter
estavam dispostas numa linha recta, mas a estrela do meio
estava ligeiramente elevada para Norte; a mais ocidental
era menor do que as outras.
No último dia [de Janeiro], na segunda hora, apare-
ceram duas estrelas para o Leste e uma para Oeste:
Ori.
** o . 0cc.
Ori. o *
0cc.
*
* 0cc.
191
A estrela mais oriental estava a seis mmutos de Júpiter e
a ocidental a oito [minutos]. Para o Leste, uma estrela
muito pequena estava vinte segundos afastada de Júpiter.
Traçavam uma linha perfeitamente recta.
No segundo dia [de Fevereiro] , as estrelas apareciam
nesta ordem:
Ori. * o * * 0cc.
*
Ori.
* *º * 0cc.
0cc.
Ori.
*
192
A oriental estava a um minuto e trinca segundos de J úpi-
ter, a ocidental mais próxima [25r'] a dois minutos; e a
outra ocidental estava dez minutos afastada desta. Esta-
vam precisamente na mesma linha recta e eram de igual
grandeza.
No quarto dia, à segunda hora, havia quatro estrelas
em torno de Júpiter, duas orientais e duas ocidentais, dis-
postas exactamence numa mesma linha recta, como na
figura junca.
Ori.
* * * 0cc.
Ori.
** o * * 0cc.
193
Ori. * o * 0cc.
Ori. 0cc.
OrL 0cc.
194
Júpiter quase o tocava. Estava apenas a dez segundos dele,
enquanto as outras se tinham afastado de Júpiter, estando
a do meio a seis minutos de Júpiter. Finalmente, na
quarta hora, aquela que antes estava mais próxima de
Júpiter, agora não se via, por estar unida com ele.
No nono dia, às zero horas e trinta minutos, estavam
duas estrelas perto de Júpiter [26r') para o Leste, e uma
para o Oeste, nesta formação:
Ori. •
* o • 0cc.
Ori. • 0cc.
195
Ori. * * o * 0cc.
* * ·O *
Ori. 0cc.
Ori.
* **o * 0cc.
*
0cc.
Ori.
*
196
A estrela oriental mais afastada estava a dez minutos
de Júpiter enquanto a mais remota para Oeste estava afas-
tada oito minutos. Eram ambas muito conspícuas. As
outras duas estrelas estavam muito perto de Júpiter e
eram muito pequenas, especialmente a mais oriental, que
estava a quarenta segundos de Júpiter, enquanto a ociden-
tal estava a um minuto. Mas na quarta hora, a pequena
estrela que estava próxima de Júpiter para o Leste já não
aparecia.
No décimo terceiro dia, às zero horas e trinta minu-
tos, viam-se duas estrelas para o Leste e também duas
para o Oeste.
Ori.
* o "'* 0cc.
Ori. 0cc.
197
estava a cinquenta segundos dele, a seguinte estava a vinte
segundos desta, e a estrela mais oriental, a dois minutos
desta última e era maior do que as outras, pois as duas
mais próximas de Júpiter eram muitíssimo pequenas. Mas
por volta da hora quinta só se via uma das estrelas perto
de Júpiter, afastada dele trinta segundos:
Ori.
* 0cc.
Ori.
* 0cc.
Ori.
* o * * 0cc.
198
No décimo sétimo dia, à primeira hora, estavam pre-
sentes duas estrelas, uma oriental, a três minutos de Júpi-
ter, e outra ocidental distanciada dez minutos. Esta
[estrela] era algo menor do que a oriental:
Ori..
* o • 0cc.
Ori.
* o* * 0cc.
* *
* 0cc.
Ori.
199
A estrela mais oriental estava a três minutos da seguinte,
[28r'] e esta estava a um minuto e cinquenta segundos
de Júpiter; Júpiter estava a três minutos da estrela oci-
dental seguinte, e esta a sete minutos da estrela mais
ocidental. Eram todas quase iguais, apenas a oriental
perto de Júpiter era um pouco menor do que as outras, e
estavam todas na mesma linha recta paralela à eclíptica.
No dia 19, às zero horas e quarenta minutos, viam-
-se apenas duas estrelas, bastante grandes, para o lado
Oeste de Júpiter, precisamente alinhadas com Júpiter na
mesma linha traçada ao longo da eclíptica:
Ori. o * * 0cc.
Ori. • o 0cc.
Ori. • • o 0cc.
200
duas para Leste, cujas distâncias entre elas e Júpiter eram
iguais [28v'] a quatro minutos. A Oeste havia uma única
estrela, a dois minutos de Júpiter. Estavam precisamente
numa mesma linha recta, ao longo da eclíptica.
No dia 26 , às zero horas e trinta minutos, só havia
duas estrelas, uma para Les te a d~z minutos de Júpiter e
a outra para o Oeste, afastada seis minutos:
Ori.
o * 0cc.
Ori. . * 0cc.
Ori. O· *
* fixa
201
No dia 27, à uma hora e quarenta minucos, 83 as estrelas
apareceram nesta configuração: 84
0cc.
Ori.
*
* fixa
A [estrela] mais oriental estava a dez minutos de Júpiter,
a estrela seguinte, perto de Júpiter, a trinta segundos; a
ocidental seguinte estava [29r'] a dois minutos e trinta
segundos de Júpiter, e a estrela mais ocidental estava dis-
tante desta um minuto. As estrelas mais perto de Júpiter
apareciam pequenas, especialmente a oriental, enquanto as
estrelas mais exteriores eram muito visíveis, especialmente
a ocidental. Formavam uma linha reera traçada exacta-
mente ao longo da eclíptica. O avai:iço destes planetas
para o Leste discernia-se claramente pela comparação com
a já referida estrela fixa. De facto , Júpiter, com o seu cor-
tejo de planetas, aproximava-se dela, como pode ser visto
na figura junto. Mas , à quinta hora, a estrela oriental
mais perto de Júpiter estava um minuto afastada dele.
No dia 28, à primeira hora, só se viam duas estrelas,
uma oriental, a nove minutos de Júpiter, e uma ocidental
a dois minutos dele. Eram razoavelmente conspícuas e
encontravam-se numa mesma linha reera. Esta linha era
intersectada perpendicularmente por uma linha da estrela
fixa ao planeta oriental, como se mostra na figura:
Ori.
* o* 0cc.
* fixa
202
Mas à quinta hora distinguia-se uma terceira pequena
estrela, para Leste, afastada de Júpiter dois minutos,
numa disposição deste tipo:
OrL
* * o * 0cc.
Ori. 0cc.
* lixa
Formavam aproximadamente uma linha recta excepto que
a terceira estrela a partir de Júpiter estava ligeiramente
elevada. A estrela fixa formava um triângulo equilátero
com Júpiter e corri a estrela mais oriental, como se mos-
tra na figura.
No segundo dia [de Março], às zero horas e quarenta
minutos, havia três planetas, dois para o Leste e um para
o Oeste, nesta configuração:
Ori. o * 0cc.
203
O mais oriental estava a sete minutos de Júpiter,
enquanto este estava a trinta segundos do planeta
seguinte. O ocidental estava dois minutos afastado de
Júpiter. Os [planetas] mais exteriores eram maiores e mais
brilhantes do que o outro, que aparecia muito pequeno.
O mais oriental parecia um pouco elevado para o Norte,
acima da linha reera, passando por Júpiter e pelos outros.
A estrela fixa que já referimos estava afastada oiro minu-
tos do planeta ocidental ao longo da linha traçada desse
planeta 85 perpendicularmente à linha reera, passando por
todos os planetas, como a figura mostra.
Pareceu-me bem adicionar estas comparações de
Júpiter e os seus planetas adjacentes com a estrela fixa
[30r'] para que a partir delas qualquer pessoa possa com-
preender que o avanço dos ditos planetas, em longitude e
em latitude, está exactamente de acordo com os movi-
mentos que se deduzem das tabelas.
204
Depreende-se ainda que as revoluções dos planetas
que descrevem círculos menores em torno de Júpiter são
mais rápidas. Com efeito, as estrelas mais próximas de
Júpiter são vistas muitas vezes para o Leste quando no dia
anterior apareciam para o Oeste, e vice-versa, enquanto,
do exame cuidadoso dos seus retornos minuciosamente
anotados, o planeta que percorre o maior orbe parece ter
um período semimensal 86 .
Temos, além disso, um excelente e esplêndido argu-
mento para eliminar os escrúpulos daqueles que, embora
admitindo tranquilamente a revolução dos planetas em
torno do Sol no sistema coperniciano 87 , ficam tão pertur-
bados pela circulação de uma única Lua em torno da
Terra, enquanto as duas juntas completam um orbe anual
em torno do Sol, que concluem que esta constituição do
universo deve ser recusada como impossível. Pois aqui
temos não apenas um planeta revolvendo em torno de
outro enquanto ambos se deslocam ao longo de um
grande círculo em torno do Sol, mas os nossos sentidos
mostram-nos quatro estrelas vagueantes [30v'] em torno
de Júpiter, à semelhança da Lua em torno da Terra, ao
mesmo tempo que todas elas com Júpiter percorrem um
grande orbe em torno do Sol no intervalo de doze anos. 88
Finalmente, não podemos passar em silêncio a razão
por que sucede que as estrelas Mediceias, enquanto com-
pletam as suas revoluções muito pequenas em torno de
Júpiter, parecem por vezes duplicar de tamanho. Não
podemos de maneira nenhuma buscar a razão nos vapores
terrestres, pois as estrelas aparecem maiores ou mais
pequenas enquanto os tamanhos de Júpiter e das estrelas
fixas vizinhas se vêem completamente inalterados. Por
outro lado, parece absolutamente inconcebível que elas se
aproximem e afastem da Terra no perigeu e apogeu das
suas revoluções a ponto de causar tais grandes mudanças.
De facto, o pequeno círculo que percorrem não pode, de
205
maneira nenhuma, ser capaz de produzir esse efeito;
quanto a um movimento oval (que neste caso teria que
ser quase direito) , parece ser inconcebível e de maneira
89
nenhuma concordante com as aparências.
Ofereço com agrado o que me parece neste assunto e
submeto-o ao julgamento e censura dos bons filósofos. É
bem sabido que por causa da interposição dos vapores
terrestres o Sol e a Lua parecem maiores, mas as estrelas
fixas e os planetas mais pequenos. Por esta razão, perto
do horizonte as luminárias parecem maiores mas as estre-
las mais pequenas e geralmente invisíveis; e diminuem
ainda mais se esses vapores são inundados de luz. Por
90
FIM
206
NOTAS
1
Nuncius. A tradução desta expressão tem sido porventura
uma das maiores fontes de discussão entre os que se ocuparam de
verter o texto para os diferentes vernáculos. De um ponto de vista
estritamente linguístico é impossível decidir se Sidereus Nuncius signi-
fica Mensageiro ou Mensagem (das Estrelas) . Não há dúvida de que
Galileu tinha em mente o sentido de "Mensagem", mas é também
certo que nunca se opôs nem corrigiu quando vários dos seus con-
temporâneos usaram o sentido de "Mensageiro". Ao longo dos tem-
pos, vários tradutores optaram por uma, ou por outra, das possibili-
dades, mas recentemente a maioria parece ter preferido a tradução
"Mensageiro", baseada sobretudo em questões de tradição. Essa foi a
opção seguida por Edward Stafford Carlos, Stillman Drake e Albert
Van Helden nas suas consagradas traduções inglesas, e por Fernand
Hallyn e lsabelle Pantin nas traduções francesas mais recentes. É inte-
ressante reparar que, em 1987, Carlos Ziller Camenietzski apresentou
no Brasil a primeira tradução portuguesa, com o título A Mensagem
das Estrelas, mas na reedição de 2009 esse título foi alterado para
O Mensageiro das Estrelas. A mais importante excepção deve-se a
William Shea, que, na sua tradução de 2009, usou o título A Sideral
Mmage. Uma opção interessante (mas algo radical) foi a do tradutor
espanhol Carlos Solís, que decidiu acentuar o carácter sensacional e
jornalístico do livro de Galileu, baptizando-o de La Gaceta Sideral.
Todos os tradutores apresentam justificação para a sua escolha e
quanto a nós, não tendo sido convencidos pelos argumentos em con-
trário, limitamo-nos a seguir a escolha mais habitual. Sobre este
assunto, ver: EDWARD ROSEN, «The title of Galileo's Sidereus Nun-
cius», lsis, 41 (1950) 287-289. EDWARD ROSEN, «Stillman Drake's
Discoveries and Opinions of Galileo», Isis, 48 (1957) 440-443;
STILLMAN DRAKE, «The Starry Messenger», Isis, 49 (1958) 346-347.
2
Patricio, no latim original, no sentido de membro da
nobreza. Galileu pode reclamar sem exagero ser nobile florentino, um
"nobre florentino" . A sua família tem raízes antigas e distintas em
Florença, que se podem identificar a partir do século Xlll. O nome
original da família era Buonaiuti, mas a certa altura um ramo tomou
o nome Galilei. O trabalho clássico sobre este assunto é o estudo
de ANTONIO FAVARO, «Ascendenti e collaterali di Galileo Galilei »,
207
Archivio Storico Italiano, 47 (1911) 346-378, mas qualquer boa bio-
grafia de Galileu esclarece as suas origens. Veja-se em especial
MICHELE CAMEROTA, Galileo Galilei e la Cultura Scientifica nell'età
della Controriforma (Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 25-37 e as
indicações bibliográficas a{ apresentadas. Pode ver-se a árvore genealó-
gica de Galileu em: Opere, XIX, 17.
4
Perspicilli. Escrevendo em latim , Galileu usou o termo perspi-
cilium para designar o novo instrumento. Em italiano escrevia
occhiale, e no seu tempo foram correntes os termos occhiale o can-
none, canone a veder fontano, cannochiale, ou termos análogos (vide
por exemplo, Opere, X, 250, 255, 257, 259, 260, 261, 297) . O pri-
meiro livro impresso onde surge o termo "telescopium" é a obra do
professor romano Giulio Cesare Lagalla, De phaenomenis in orbe
Lunae novi telescopii usu a D . Galileo Galileo nunc iterum suscitatis
physica disputatio (Venetiis, 1612) , mas o termo circulava já antes,
tendo sido cunhado aparentemente por Federico Cesi ou (segundo E.
Rosen) por Joannes Demisianus durante um jantar da Accademia dei
Lincei. Sobre esta questão, veja-se: EDWARD ROSEN, The Naming of
the Telescope (New York : Henry Schulman, 1947). Em Portugal, o
primeiro termo conhecido (1615) é longemira, que surge nas notas
das aulas do professor jesuíta Giovanni Paolo Lembo (ANTT, Ms.
Liv. 1770). Os tradutores mais recentes empregaram os termos
spygfass (Drake, Van Helden, Shea), Lunette (Hallyn e Pantin), anteojo
(Solís). Hossenfelder não traduz o título mas, um pouco mais
adiante, traduz perspicilium por Augenglass. Ao longo do texto de
Galileu, para evitar anacronismos, usámos sempre o termo "luneta",
mas no Estudo e demais anotações empregámos o termo que depois
ficou consagrado: "telescópio". Poder-se-ia argumentar que a solução
mais correcta seria usar aquele que parece ter sido o termo portu-
guês do período ("óculo"), mas também aqui levámos em considera-
ção a tradição mais habitual entre os tradutores.
208
5 Perspicilli nuper a se reperti. Muito se escreveu já sobre o
sentido correcto a atribuir a esta expressão, que depende da tradução
do verbo reperio. Drake: "lately invented by him"; Van Helden:
"lately devised by him"; Hallyn: "récemment conçue par !ui"; Pantin :
"qu'il venait d'inventer". A posição de Galileu acerca disto foi clara,
embora nem sempre compreendida por todos . Galileu reconheceu
que os holandeses haviam sido os primeiros a fazer um telescópio e
sempre disse que a notícia disso lhe tinha chegado. Por exemplo, no
II Saggiatore (1623) foi completamente claro acerca da prioridade da
invenção, falando de um "Olandese, primo inventor dei telescopio"
(Opere, VI, 259) . Mas também sempre insistiu em que a sua concep-
ção, se bem que posterior, havia sido independente, e não uma cópia
de qualquer telescópio . Veja-se EDWARD R0SEN, «Did Galileo claim
he invented the telescope?», Proceedings of the American Philosophical
Society, 98 (1954) 304-312.
6
Galileu usou o termo "planetas" para se referir aos corpos
celestes que orbitam em torno de Júpiter, e nunca usou o termo
"satélites", proposto por Kepler. Sobre este assunto, ver o Estudo,
p. 80.
7
Cosme II de Mediei (1590-1621 ), filho de Fernando I (1549-
1609) e de Cristina de Lorena (1565-1637), casados em 1589; ace-
deu ao trono em 1609, pela morte do pai. No original vem desig-
nado como Magno Haetruriae Duci, usando o antigo termo Etruria
para designar a Toscana. Cosme II seria um grande protector de
Galileu. Veja-se: FERDINAND SCH EVILL, The Mediei (New York: Har-
per, 1960 [orig. 1949]); FURI0 ÜIAZ, II Granducato di Toscana: I
Mediei (Torino: UTET, 1976); J. R. HALE, Florence and the Mediei:
The Pattern of Control (London: Thames and Hudson, 1977);
RICHARD FREMANTLE, God and Money. Florence and the Mediei in the
Renaissance: Including Cosimo I's Uffizi and its Collection (Florence: L.
S. Olschki, 1992) . Mais especificamente sobre o mecenato científico
da família Mediei, ver os textos e imagens do excelente catálogo: /
Mediei e le Scienze. Strumenti e Macchine nelle collezioni Granducali.
A cura di FILIPP0 CAMER0TA e MARA MINIATI (Firenze: Giunti Edi-
tore, 2008). O estudo das relações entre Galileu e os Mediei não
pode dispensar, hoje em dia, os trabalhos de Mario Biagioli a que já
aludimos antes, apesar de, como também mencionámos, a sua inter-
pretação ter levantado alguma polémica.
209
8
Sobre o estilo deste prefácio recorde-se a feliz expressão de A.
Battistini quando disse tratar-se de uma dedicatória "piena di cerimo-
niose genuflessioni verbali". ln: ANDREA BAITISTINI, Galileo e i
Gesuiti. Miti letterari e retorica della scienza (Milano: Vita e Pensiero,
2000), p. 22. Sobre a estrutura e o valor literário e social destas car-
tas dedicatórias, veja-se: KEVIN DUNN, Pretexts of Authority: Rhetoric
of Authorship in the Renaissance Preface (Stanford: California Univer-
sity Press, 1994) e S. TARQUINI, Simbologia dei Potere. Codici di
Dedica ai Pontefice nel Quattrocento (Roma: Roma nel Rinascimento,
2001). Mais especificamente sobre estas cartas na literatura científica,
veja-se: NICHOI.AS JARDIN E, «The places of astronomy in early-
modern culture», Journal for the History of Astronomy, 29 (1998)
49-62.
10
A inspiração para este passo vem de Horácio, nas suas Odes
(livro III, ode 30, versos 1-5): "Exegi monumentum aere perennius //
Regalique situ pyramidum altius, li Quod non imber edax, non
Aquilo impotens li Possit diruere aut innumerabilis li Annorum
series et fuga temporum ." Na tradução portuguesa de Ema Barcelos:
"Erigi um monumento mais duradouro que o bronze, li mais alto
que a construção real das pirâmides, que nem o Inverno voraz, nem
o indomável Aquilão 11 ou a série inumerável dos anos e a fuga do
tempo II poderão destruir." ln: HORÁCIO, Odes Escolhidas. Texto
latino e versão portuguesa por Ema Barcelos (Porco : Porco Editora,
1975), pp. 52-53.
11
Tempus edax . . . invidiosa vetustas. As expressões são de
Ovídio , Metamorfoses, XV, 34. Vid. ÜvíDIO, Metamorfoses, tradução
por Domingos Lucas Dias, vol. II (Lisboa: Vega, 2008), p. 362.
210
12
Tal como a palavra grega Cometes [Koµr)'tTJc;L também o
termo latino Crinitas significa farta cabeleira.
13
O episódio do aparecimento do cometa durante os jogos
organizados por Augusto em memória de Júlio César é relatado por
Suetónio no par. LXXXVIII da «Vida de Caio Júlio César». Vide
Suetónio, Os Doze Césares. Tradução e notas de João Gaspar Simões,
3ª ed. (Lisboa: Editorial Presença, 1979), p. 50.
14
Esta carta dedicatória a Cosme II está plena de linguagem
astrológica. Mario Biagioli trouxe à luz do dia o rico simbolismo,
com frequente recurso à astrologia, em que Galileu envolveu muitas
das suas descobertas, relacionando-as com a imagética dos Mediei.
Vide MARI0 BIAGI0LI, Galileu Cortesão. A Prática da Ciência na Cul-
tura do Absolutismo (Porto: Porto Editora, 2003) [originalmente: Gali-
leo Courtier: The Practice of Science in the Culture of Absolutism (Chi-
cago and London: The University of Chicago Press, 1993)] . Sobre
este assunto, veja-se também: GUGLIELMO RIGHINI, «L'Oroscopo
Galileano di Cosimo II de Mediei », Annali dell1stituto e Museo di
Storia de/la Sciem:a di Firenze, 1 (1976) 28-36; H . DARREL RITTKIN,
«Celestial Offerings: Astrological Motifs in the Dedicatory Letters of
Kepler's Astronomia Nova and Galileo's Sidereus Nuncius,,, in W.
NEWMAN and A. GRAFT0N (ed.), Secrets of Nature, Astrology and
Alchemy in Early Modem Europe (Cambridge, Mass .: The MIT Press,
2001), pp. 133-172.
16
Mediumque coeli. Meio do céu: termo astrológico. A inter-
secção da eclíptica com o meridiano do lugar.
211
17
Orientalemque angulum sua Regia illustrans . O ângulo
oriental é o formado pela intersecção da eclíptica com o horizonte
oriental, isto é, refere-se ao signo que está a nascer. O passo tem
alguma dificuldade de tradução que, no entanto, já foi resolvida pelos
anteriores tradutores. O ablativo "sua Regia" tem aqui valor instru-
mental e refere-se à casa regida por Júpiter, isto é, Sagitário. Galileu
dá, portanto , uma indicação temporal bastante precisa: Júpiter encon-
trava-se no ponto mais elevado da sua traj ectória e o signo Sagitário
estava a nasce r. Estes factos são confirmados nos dois horóscopos
(cartas natais) de Cosme II que Galileu fez (só um está completo).
18
Galileu fora tutor de matemática do jovem Cosme no Verão
de 1605 (Opere, X, 144-145), em Outubro de 1606 (Opere, X, 158-
-162), e novamente no Verão de 1608 (Opere, X, 214-215) . Em
1606 dedicou a Cosme o seu Le Operazioni dei compasso geometrico et
militare (Padova, 1606) (vid. Opere, 11, 367-368) .
19
Galileu relembra e reafirma a sua origem toscana .
20
4. Idus Martii. Isto é, 12 de Março.
21
O Conselho dos Dez era o órgão que tutelava as questões de
segurança interna da República Veneziana, em que se incluía também
a censura dos livros. A autorização de publicação do livro foi dada
pelo Conselho dos Dez, depois de o livro ter sido examinado pelos
Reformadores [Riformaton] da Universidade de Pádua. É interessante
observar que no relatório que foi enviado pelos Riformatori o livro de
Galileu tem o título de Astronomica denuntiatio ad astrologos ( Opere,
XIX, 227-228) . Sobre os mecanismos de exame e censura de livros
neste período em Veneza veja-se a obra clássica e indispensável de
PAUL E. GRENDLER, The Roman Inquisition and the Venetian Press
(Princeton: Princeton University Press, 1977). Elementos complemen-
tares sobre esta questão por GAETANO Cozz1, «Religione, moralità e
giustizia a Venezia: vicende della magistratura degli Esecutori contra
la Blasfemia», in GAETAN0 Cozz1, La Società Veneta e iL suo Diritto
(Venezia: Fondazione Cini, 2000), pp. 65-148.
22
Astronomicus nuncius . Embora acerca da correcta tradução
da palavra "nuncius" no título Sidereus Nuncius tenha havido sempre
uma diversidade de opiniões entre "mensagem" ou "mensageiro", a
212
expressão "astronomicus nuncius" tem sido sempre traduzida com o
sentido de "mensagem astronómica". Astronomicus nuncius parece ter
sido o segundo título que Galileu pensou para o livro , já que antes o
havia designado por Astronomica denuntiatio, e depois passou a cha-
mar Sidereus Nuncius.
23
Cosmica Sydera. Como se explica no Estudo, esta parte do
texto foi impressa antes de Galileu ter recebido as instruções para
alterar o nome para "estrelas de Mediei". Ver p. 88.
24
O famoso Catálogo de Ptolomeu, nos livros VII e VIII do
Almagesto, listava 1022 estrelas. Vide Ptolemy's Almagest. Translated
and Annotated by G. J. Toomer (Princeton, New Jersey: Princeton
University Press, 1998), pp. 339-399. Para estudos mais avançados,
ver: CLAUOIUS PTOLEMAUS, Der Sternkatalog des Almagest. Die ara-
bish-mittelalterliche Tradition, ed. Paul Kunitzsch, 3 vols. (Wiesbaden,
1986-1991) e GERO GRASSHOFF, The History of Ptolemy's Star Catalo-
gue (New York: Springer, 1990).
28
Para acompanhar a analogia que Galileu propõe é preciso
recordar que as elongações de Vénus e Mercúrio são sempre bastante
limitadas. Mercúrio nunca está a mais de 28° do Sol, e Vénus, nunca
a mais de 48°. A noção de que Vénus e Mercúrio circulam em torno
do Sol é muito anterior ao sistema de Copérnico.
213
29
Significa que esta parte do texto fo i escrita pouco depois da
descoberta dos satélites de Júpiter, isto é, em meados de Janeiro de
1610.
32
rumor... increpuit. Galileu insistiu sem pre em qu e só lhe
chegara uma notícia do tel escópio e que, apenas com base nesse
informe, sózinho, havia sido capaz de reco nstruir o instrumento.
Além deste passo , assim o afirma numa carta de 29 de Agosto de
1609 a Benedetto Landucci (Opere, X, 253), e também no Il Saggia-
tore ( Opere, VI, 258).
34
lacobo Badovere . Refere-se a Jacques Badouere (Badouer,
Badovere, Badoire), nobre francês de uma família de origem vene-
ziana. Estudou na Universidade de Pádua entre 1598 e 1599, ficando
alojado na casa de Galileu, com quem teve aulas privadas de assuntos
científicos. Ao regressar a França tornou-se secretário do rei Henri-
que IV. Nascido no seio de uma família protestante, converteu-se ao
catolicismo em 1604. Sobre Badovere: ANTONIO FAVARO, «Amici e
corrispondemi di Galileo Galilei: Giacomo Baduere», Atti dei Reale
lstituto ½-neto di Scienze, Lettere ed Arti, 65 (1905) 193-201; B.
ULIANICH, «Badoer, Giacomo», in Dizionario Biografico degfi ltaliani
214
(Roma: lstituto della Enciclopedia Italiana, 1960), vol. 5, pp . 114-
-116; FRANCO MUSARRA, «Giacomo Badovere e il problema dei
'Libertini '», Ateneo Veneto, 11 (1973) 121-137.
35
Galileu repetirá noutros locais que chegou a invenção do
telescópio por especulações da "teoria das refracções", mas, como já se
explicou, não foi certamente assim que as coisas se passaram . Ele
nunca chegou a dominar os princípios ópticos subjacentes ao telescó-
pio e parece nem sequer ter compreendido a teoria do instrumento
quando foi apresentada por Kepler na Dioptrice (161 !), como, aliás,
confidenciou a um visitante ( Opere, XIX, 590) . Galileu aperfeiçoou
os seus telescópios por tentativa e erro, experimentando, numa suces-
são de melhoramentos certamente notável, mas muito mais artesanal
do que teórica.
36
Um destes telescópios foi oferecido ao Senado de Veneza.
37
Telluris diametros. De novo, o uso de "diâmetros" a signifi-
car "semidiâmetros", isto é, raios. Corrigimos na tradução.
38
Note-se como Galileu distingue claramente entre a nitidez da
imagem de um telescópio e a sua ampliação.
39
O procedimento · aqui descrito não é originalmente de
Galileu, sendo o utilizado pelos fabricantes de lentes de finais do
século XVI. Uma técnica muito semelhante vem descrita na obra de
Benito Daza de Valdés, Uso de los Antojos (1623).
40
Galileu subscreve uma teoria extramissionista (ou em1ss10-
nista) da visão segundo a qual os raios saem do olho; infelizmente a
explicação dada não é totalmente clara.
41
No manuscrito do Sidereus Nuncius pode ver-se um dia-
grama, muito simples, de um telescópio que parece mostrar duas len-
tes convexas (Opere, III/!, 19). O diagrama que foi depois impresso
é ainda mais simplificado, a tal ponto que é praticamente inútil. Em
particular, Galileu não faz qualquer tentativa de explicar o ponto
essencial, isto é, como se formam as imagens. Pode observar-se, con-
tudo, que, de acordo com o desenho, todo o efeito óptico parece
provir da objectiva (convexa), enquanto a ocular (concava) parece não
215
alterar de forma significativa o trajecto dos raios. Como se explica no
Estudo introdutório, isto parece estar de acordo com o que se julga
ter sido a compreensão de Galileu da óptica involvida.
44
Muitos dos parágrafos relativos às observações da superfície
da Lua são retiradas da carta de 7 de Janeiro de 161 O ( Opere, X,
273-277).
46
Trata-se da linha que modernamente se designa por "termi-
nador".
47
Quadratura é a pos1çao de um astro que se encontra a 90°
em relação ao Sol. Na Lua, a primeira quadratura é o quarto cres-
cente.
48
É o único passo onde Galileu deixa entender que Jª antes
dele se havia defendido que a Lua era como uma outra Terra. Na
verdade, como se explica mais no texto, muitos autores da Antigui-
216
dade, com especial destaq ue para Plutarco, haviam defendido que a
Lua era como a Terra, com montanhas e vales.
217
55
A demonstração da altura dos montes da Lua foi contestada
por um Johann Georg Brengger, e depois defendida por Galileu,
numa troca de correspondência entre finais de 161 O e o início de
1611. Vid. Opere, X, 461-462, 466-473; XI, 13-14, 38-41.
58
Sextilo. Aspecto que corresponde a uma diferença angular de
60°; Conjunção (0°), Oposição (180°); Quadratura (90°), Trino
(120°).
59
É o único passo em que Galileu faz uma alusão directa ao
planeta Vénus no Sidereus Nuncius, mas sem dar qualquer indicação
das suas possíveis fases .
60
Systema mundi . Anuncia aqui e num passo um pouco mais
adiante que pretende escrever uma obra sobre o sistema do mundo.
218
A 7 de Maio de 161 O, ou seja, poucos dias depois da publicação do
Sidereus Nuncius, numa carta a Belisario Vinta, listando as obras que
planeava escrever, Galileu refere um " D e sistemate seu comtitutione
universi, concetto immenso e pieno di filosofia, astronomia e geome-
tria" (Opere, X, 351) . A obra a que alude só surgiria mais de trinta
anos depois e trata-se evidentemente do Dialogo sopra i due massimi
sistemi (1632). Embora as origens do termo "sistema" [crúcrnJµa,
rystema] radiquem no sentido que lhe era dado pelos estóicos da anti-
guidade, a expressão "sistema do mundo" [.rystema mund,] só entrou
no vocabulário corrente da astronomia no final do século XVI. Sobre
a expressão "sistema do mundo", ver: MICHEL-PIERRE LERN ER, «The
origin and meaning of "World System" », journal for the History of
Astronomy, 36 (2005) 407-441.
61
Isto é, se for um eclipse.
62
De novo volta a referir-se à obra que pensava escrever e que
viria a ser o Dialogo sopra i due massimi sistemi (1632). Ver a nota 60
para mais informação.
63
Um excerto muito importante. A ideia de que, com o helio-
centrismo, a Terra teria sido afastada de uma posição privilegiada no
centro do Mundo e, portanto , menorizada, é um dos clichés herdados
do Iluminismo, e que hoje em dia domina a cultura popular. Mas é
uma noção errada, que não corresponde ao que os contemporâneos
pensavam e deixaram registado. Importa recordar que a posição da
Terra do geocentrismo, no centro do mundo , sempre foi considerada
como a mais ignóbil. O centro era também "o fundo", o "em baixo" .
Foi o heliocentrismo coperniciano que elevou a Terra e o Homem a
uma nova dignidade. Galileu foi sempre muito claro acerca disco e
voltou a insistir com veemência neste aspecto anos depois, no Dialogo
soprai due massimi sistemi (1632), pela boca de Salviati, quando este
declara: "quanto alia Terra, noi cerchiamo di nobilitarla e perfezio-
narla, mentre proccuriamo di faria simile a i corpi celesti e in certo
modo metterla quasi in cielo" ( Opere, VII , 62). A ideia de que o cen-
tro era um lugar de especial nobreza foi já refutado pelos mais emi-
nentes historiadores , como, por exemplo, Arthur Lovejoy: "But the
actual tendency of the geocentric system was precisely the opposite,
for the center of the world was not a position of honor; it was rather
the place farthest removed from the Empyrean, the bottom of the
219
creation, to which the dregs and baser elements sank. The actual cen-
tre indeed was hei!", ARTHUR O LOVEJOY, The Great Chain of Being
(New York: Harper and Row, 1960), pp. 1O1-102. A opinião de que
o centro é o pior lugar do mundo aparece claramente em Aristóteles
(De caelo, liv. II , cap. 3, 293 a) e em Cícero (De natura deorum, liv.
II, cap. 6, 17), por exemplo. Em 1640, John Wilkins defendia que o
principal argumento contra o copernicianismo a ser refutado era
aquele "from the Vileness of our Earth, because it consists of a more
sordid and base Matter than any other pare of the World; and there-
fore must be situated in the Center, which is the worst place, and at
the greatest distance from those Purer incb rruptible Bodies, the Hea-
vens", «A Discourse concerning a new planet, tending to prove, that
('tis probable) our Earth is one of the Planets», in JOHN WILK1NS,
Mathematical and Philosophical Works (Lo ndon : John Nicholson,
1708), p. 200. Sobre este assunto , vide REMI BRAGUE, «Le géocen-
trisme comme humiliation de l' homme», in R . BRAGUE et J . F.
COURTINE (eds.), Herméneutique et ontologie. Hommage à P Aubenque
(Paris, 1990) , pp. 203-223, depois como : REMI BRAGUE, «Geocen-
trism as a humiliation for mam, , Medieval Encounters, 3 (1997) 187-
21 O; D ENNIS R. DANIELSON, «The great copernican cliché», American
journaf of Physics, 69 (2001) 1029-1035 ; Ü ENNIS R. Ü ANIELSON,
«The bones of Copernicus», American Scientist, 97 (2009) 50-57;
D ENNIS R. DANI ELSON, «Myth 6: That copernicanism demoted
humans from the center of the cosmos», in: RONALD L. NUMBERS
(ed.), Galileo goes to jail and other myths about science and religion
(Cambridge, Mass . and London : Harvard University Press, 2009) ,
pp . 50-58 .
64
Rationibus sexcentibus . Galileu escreve, literalmente, "seis-
centos argumentos", com o sentido de muitos ou inumeráveis.
65
Primae . . . magnitudinis. O termo moderno ("magnitude")
refere uma quantidade adimensional e supõe já uma compreensão do
fenómeno do brilho estelar que Galileu não tinha, e por isso traduzi-
mos sempre por "grandeza". Tal como os antigos, Galileu associava o
brilho das estrelas à sua grandeza física real : as estrelas mais brilhan-
tes eram, por conseguinte, maiores. A escala de grandeza estelar teve
a sua origem pelo século segundo a. C., quando Hiparco classificou
as estrelas visíveis a olho nu em seis grupos. As mais brilhantes foram
220
chamadas de primeira grandeza, as outras a seguir de segunda gran-
deza e assim em diante, até às de sexta grandeza. Na versão portu-
guesa do Adas Celeste de Flamsteed, edição de 1804 [Atlas Celeste,
ª"anjado por Flamsteed ( . .. ) Primeira edição portugueza, revista e cor-
recta pelo Doutor Francisco Antonio Ciera, e pelo Coronel Custódio
Gomes Vil/as-Boas (Lisboa: na Impressão Régia, 1804)] usa-se ainda o
termo "grandeza" . Sobre magnitude estelar, ver: MÁXIMO FERREIRA e
GUILHERME DE ALMEIDA, Introdução à Astronomia e às Observações
Astronómicas (Lisboa: Plátano, 1995), pp. 196-201 .
221
71
As três estrelas no cinturão de Orionte são as conhecidas
"três Marias": Mintaka (õ-Orionis), Alnilam (e-Orionis) e Alnitak
(Ç-Orionis). Entre as seis da espada coma-se a nebulosa de Orionre
(M42) que, como se explica no Estudo, estranhamente Galileu não
refere (supra, p. 74) .
72
Seis são mais brilhantes do que a quinta grandeza; a seuma
é mais brilhante do que a sexta grandeza, mas geralmente só é per-
ceprível a pessoas com muito boa acuidade visual. Sobre as Plêiades
no Catálogo de Ptolomeu : Ptolemy's Almagest. Translated and Annota-
ted by G. J. Toomer (Princeron, New Jersey: Princeton Universiry
Press, 1998), p. 363.
74
O mais importante estudo das concepções antigas acerca da
Via Láctea encontra-se na obra de STANLEY L. JAKJ, The Milky Wáy:
An E!usive Road for Science (New York: Science History Publicarions;
Newton Abbor: David and Charles, 1973).
76
Isto é, entre 7 de Janeiro de 161 O e 2 de Março de 161 O.
222
77
Hora sequentis noctis prima. A primeira hora da noite não
se refere à uma hora depois da meia noite. No tempo de Galileu, o
tempo era contado a partir do pôr do sol e o dia civil começava e
terminava com o pôr do sol. A primeira hora em Pádua a 7 de
Janeiro de 161 O começou por volta das 16h30.
79
Segundo as Ephemerides coelestium motuum (Veneza, 1582)
de G. A. Magini, que Galileu possuía, Júpiter seria retrógrado de 8
de Outubro de 1609 até 4 de Fevereiro de 1610.
80
min: O. sec: 40. Aqui e em ocorrências semelhantes simplifi-
cámos a tradução omitindo os zero minutos e escrevendo apenas os
segundos.
81
Figura corrigida de acordo com o que se tornou habitual em
algumas edições modernas do Sidereus Nuncius (por exemplo, as de
Van Helden e Shea): no original falta uma estrela que foi inserida,
entre parêntesis rectos .
82
Entre 30 de Janeiro e 13 de Fevereiro Galileu encontrava-se
em Veneza, para tratar de assuntos relacionados com a publicação do
livro, e foi aí que fez as observações nessas noites.
83
O original tem Ho. l .m.4, mas trata-se de um lapso de Gali-
leu (que, aliás, também se verifica no manuscrito). Em vez de 4
minutos deve ser 40 minutos. Corrigimos na tradução.
84
Figura corrigida. No original falta uma estrela que foi mse-
rida, entre parêntesis rectos.
85
Aqui trata-se da estrela fixa. Um lapso de Galileu.
223
mais ilações desta observação, mas ela é de extremo significado.
Alguns historiadores sugeriram que este argumento teria desempe-
nhado um papel central na aceitação do sistema coperniciano: "!
would suggest that this realization that the earth could likewise keep
the moon in tow was absolutely central to Galileo's conversion to a
strong, enthusiastic heliocentrism. Later, when he had determined the
periods of the circumjovials, he realized that the innermost satellite
was the quickest to round Jupiter, the outer satellite was the slowest,
and so on. Behold! A miniature Copernican system!", ÜWEN GINGE-
RICH, «Truth in Science: Proof, Persuasion, and the Galileo Affair»,
Perspectives on Science and Christian Faith, 55 (2003) 80-87, cit. na
p. 84.
89
Movimento oval. Galileu nunca deu crédito à proposta revo-
lucionária de órbitas elípticas apresentada por Kepler na Astronomia
Nova (1609).
90
Deve notar-se que o primeiro destes fenómenos descritos por
Galileu - o aumento das luminárias pelo efeito dos vapores perto do
equador não é real. Quanto ao bem conhecido efeito do aumento do
Sol e Lua perto do horizonte era sabido de há muito tratar-se de
uma ilusão devido à perspectiva.
91
Refere-se novamente ao que virá a ser o Dialogo sopra i due
massimi sistemi (1632).
224
GALILEU GALILEI
SIDEREUS NUNCIUS
Reprodução facsimilada da edição de Veneza,
Tommaso Baglioni, 1610
SIDEREVS
NVNCIVS
MAGNA, LONGEQVE ADMlllAntLIA
Spi:dacul:t pandeos, fuíj,icicnd:iq,re proponcn$
vnicuiquc, ptzfercun \·ci-ó
PRILOSOPJJIS, 1119 JIS'TRONOMJS,'fNtt..t
GALILEO GALILEO
PATRlTIO FLORENTINO
Pat:iuini Gymnaftj Publico Mathc:matico
PER S PI C I L LI
){.!1per à fc rcpt'Tti bmr/icio f uni obfrtNatún l//1'{_,/4 F.A. CI E, Fl'X IS 1':\:
'N.f'MEPJS, LÁCTEO CIJtCPLO, STE lll S 'NJ:.Bf'LOSIS,
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Circ.l I O VI S Stcll:uu c:Lfparibus intcruallis, arque pcriodis, celcr,-
ntc mirnbifi círcumuolutis; quos, nemini in bane vfquc
da~m cognüos, nouiífimc Author dcprz-
hmdit rrunus; arque
MEDICEA SIDERA
NVNCVPANDOS DECREVIT.
VENETIIS, ApudThomamB:iglfonum. M DC X.
s11;erior11m PtrmiffH, & Prtuilegio.
, ?.. '
[227]
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SERENISSIMO
COSMO MEDICES II.
MAGNO HlETRVRIJE
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7?..,~clarum fane, atque bum4nit,ti.1
pfenum eorum fu rt mfiitutum, qui
excel!entium tVÍrtute -v;rorurn res
pr~clarc ge{IM Ab int1id1a tutari:,
if ' · ~~J. eorumque immortalitate d,gna no-
,i ~ mina ab cbfmione , atque intcriru
rvind,care conati fimt. Hinc Ad mcmor;am poflerit4-
tis prod1t1t lm11gines, -vel mar1JJore in/culpt1t, tVe/e~
trt f. fia~; hinc pojit.e .ú.1tu~ tam pede/tru, quàm.J
cqu'flrcs; hinc Column.1,rurn, atque 7>yramidum,-vt in-
quit il!e,fiemptus ad Sydera duélt; hinc denique rvrhes
~difcatr. _, corumquc mjig_nitte nomimbus, quos grtrt4
pojleritM ~ternitati comrnendandosexi/hmamt'. Eiuf:.
modr tfl tnim humand! mentis conditio J 'Vt nifi af!idu;s
rcrum j :mulacris m eam extrin(ecus irrumpentibus
ftd/ctur, onmú tx ilia recordatio fàcile e.lfluat.
Ven'tm dÍij firmiora, ac diuwrniora fjellantes,4ter-
1mm fummorum -virorum pr~conium mn faxis,ac me.
eA 2, taflis
[229]
tal/is ,fad .'J.,Ju/arumcuflodi~, & incorruptis littertt-
rum mom,mmtis conftcrarunt. cAt 1uid ego ~l/11 com-
memoro? qu.ifi i-vào humana folcrt ra his contentt. re-
1,i<mibus, -vlteri11s progredi non (it aufa; attdlJUn lotJ•
gius ilia pro(J:cienJ, cum optime inte!l,geret omnia hu-
mana monumenta rvi, t,·m1eflate, ac rverufiate tdndcrn
i1'fterir~, incormptiora Signa ex_co,gitauit,in qtM Tem.
pus edax, arque iursidiofd. Prtujlas nullum Jibi ius 'Vin-
drcttret. ln Ccr!um itaque mt,rttns,clariJFmorum Sy-
dcru;n m•tis, Jempiternis illis Orbil,,u eorum nom:na
confign.tuit, qui 06 c_e,re._f.ia, ttc prope diuina fa cinora
digm hab,ti fant, qui rvnJ cum eA/iris 1tuo fampiter~
no fruermtur. ~am 06 rem "º" prius l ouis, t'lt ar-
tis, $1,Jercurij, Herc':'lis, c~terorumque heroem1,quo-
rum n~fnini6us Stel!ie appellttmur ,fàma obfcura6i- .
tur, quàm ipforum Syderuw fplendor extin.guatur.
H oc autem human~ fàgacittttis inumtun, cum primis
n~bi!e, '" mirandum multorum iam faculorum inter-
11a/lo txol,uit, prifcis heroibus lucid.ts ilias fades oc-
cup"nti6us, ac fuo qua(i iure tenentibus: in quorum
,~tum fruftra pie14s eAutu_fli Ju!iurn C~farem coa;na-
re conara e/1: nam curn Stellam/ietJ temport exortam l
ex ijs, quM Grttci Cometas:: noflri Crinitas r-.;ocant,
Ju/rum Sydus nuncupar, "rJoluijfet,breui ilia e,-,aneflens,
t4nt.e cup1d1tatis /ptm Je/41,jit. Atqui /m,ge rverio~
ra, ttc fi·liciorA, 'Pr111cep1 Sereni!Jime, Celfitudini tutt
pof!i,mus augurari; nit>IJ rv1x dum in :erris immorta-
l1.i ammi tu, decora fulgere c~perunt, curn in ClEÍIS l11-
,id11 !>jder~fa fé ofláunt, iu~ tAn'i11am lmguie pr1.-
. 11,m..
[230)
Jlantiflimas "Virtutn tuds in amfJe umpus loq~antur, '
ac cele6rtnt. En igitur q11tttuor Sydcra tuo mclyto no-
mini refaruatA, netjue ilfa de gregario, ac minus i11fi-
gni imrrantium numero, fed ex illujlri rvagttntium
ordine , qu~ quidem difparibus inter fe mo:ibus cir-
cum Iouis Steilam c~terarum nabi/,j]imam, tanquam
germ.tnd. eius pr9genies, mrfus fuos, orlusque conft-
ciunt celeritate mirabili interea dum rvnammi con-
cordia circa mundi centrum, circa Solem nempe ip-
fum , omnia fimu/ duodccimo quoque ttnno mttgnas
coma,!ut.:ones abjóluunt. 'Ut autem inclito Ce~/itudi-
nis tuie nornini prie cteteris nour,s hofle Planetas de-
flinarem, rp/émet Syd~rum Opifex perjpicuis "rg_umen
tis me atlmonere rvi_fas e/!. Etenim quemadmodum
h~ Stell~ tamquarn Ioue digna proles nunquam ab il-
liea latere, nifi exíguo interuallo dijcedunt; 1ta q1,is
iJnarat clementiam, animi manfaetudinem, morum
fua,1,itatem, regij fanguinis (p!endorem, in aélioni-
b11s 111.úcflttrem, authorit.itis, & Imperij ,n a!i(}s
Amplitndinem, qu11: quidan omnia in tt,a [e!ftrudme
fibi domicd,um, ac fadem collocArunt, quis inqu;im
iJnorttt h~c omniA ex benignijftmo louis Ajlro, /hun-
dum 7Jcum onmit,m bonorum fontem,em,.nArt? lup-
pitet, luppiter inquttm, à primo Cel_/itMÍmis tute ortu
turbidos HorÍ'Z;.!)IJtis 'Vt1.pores Ídm tran.fgr,/]ws medmmq;
celi cardinem occupttns, Orimtalemq!-4e an.t:,ulum f u"
7?.egia il/u/lrans,f«licijfimurn partuex fabtim · itlo tro
no prnjpexit,omnemq;fplendore111, atq; ampht11d:ncr11
fuam in ;11rij]imum aerem prof'ud11, 'Vt ,,.:niu-erf.,m
iJ!am
[23 1]
,liam ~vim, ac potcjl4ttm ttnerum corpufl"lum ,,mJ
cum ttnimo nobilíori6us ornam.mil iam À Deo dcrnrtt-
to , primo fpiritu h11,uriret. V crum quid t.._(O pro6tf6i-
/ihus rvtor argt1mentationi6u.r, cum ,d n~uJfaria pro-
pemodum rat1one conclitdere, ac demonflrare queam l
'P ltteuit rveo Optimo Maximo, 'Vt à S eren{ffmis P"-
rentib111 tuis non indignus exí/l.'marer, ljtÚ Ce!(itudi-
ni tute in iradendis Jvlathematicis di.fciplini.r operttm
nttuarem, quod quidem pr1t/liti quttt"or faperioribus
annis prox1mt elapfis, eo anni t cmpore, quo àftu erio-
1·ibus Jludijs ocium ejfe confaeuit. ~o circ~ cum mi-
hi diuinitus plane comigerit, vr Celjirudini tu.e infer-
uirem, atque ideà incredibi!is Clementi~, ac 6enigni-
tatis tute rad,01 pro/i«s exceperim; quid mirum f ani-
mus meus adeo incaluit, rvt nihil aliud propt> modum
dies, noElesque meditetur, q1tàm rvt ego, qui non fo-
lum AnimtJ, fed ttúim ipfa ortu, ac natura fa6 tutL,
dorninatione fum, tu.e ~lori.e cupidiJ!imus, & quàm
grarijfimers trga te cjfe cr~~nofcar? ~u~cum ira finr,
mm te Aujpice COSME Serenijf,me, htt.r Stellas
fuperioribus Aflronomís omni6us incognitas explora-
uerim, opt:mo iure eas eAug,ufli!Jimo 7-'rofapi.e tu.e no-
mine in/ignire dccreui. .f!.!_Md fi ilias primus ind((ga-
ui, 1uis me /ure repr1Chendat, fi jfliem quoque nomen
impofaero,ac ME DIC AE A S Y DER. A appel-
laro ?/pcran1 fore, rvt tant11-m dignitatis ex hac appel-
latione ijs S'Yderibus acadat, quantum alia c.etcris
Heroibus attulerrmt. ~m "'Pt t11ceam de Seren1Jimis
tUÍf c.'JJ,Jaioribt-:s, quorum gloriam ftrr.piurnam om-
nium
[232]
4
nium hijlori~rum monumtnt" tefl,ntur ,Jôla tu"' 'Vir-
tus , Maxime H eros, illit eAJlris impertiri potejl no-
,ninis rmmortttlitatem. Cui enim dubium ejft potefi
'luín quam tui expetlationem falici(s imir Imperij Au-·
fficijs concitajli, quamuis fammam, eam non JÕ!um
Juflineas, ac tuearis, 'Vtrum etiam longo interuAlla
[uperatttrus jis ? 'Vt cum alios tui /imiles 'Viceris, tt-
cum mhílominus ipfa certeJ, ac te ipfo 1 ' " magm'tuái..
ne tua in dies maior euatlas ..
Sufcipe itaque C/emcntiflime 7'rinceps bane tihi AI,
.Aflris referutttam gemiliciam gloriam, & illis di11ini$
boni's, qu" non tam à StelliJ-, quam à Stelfarum Opi-
fice , ac Moder11,tore "'Deo ti~i deferuntur, quàm d,u-
tiflime /ruere.
Dátum Patauij 4.Idu.r MartB, .,?!,.( 7JC X,
Celjitudinis tut:
.AdáiElifsim111 Seruiis
[233]
Gii Ecccllcnriffimi Signori Capi dell' Ecc. Conf. de' X.
ir.foifcritti, hauuia fede dalli Sig.Reformatori dc:J Studio
d~Padoua per rdatio nc delli due à qucfio deput ati, doe
dal Rcuér.P.lnquifitor,& dalCirc:Sccrcrario dd Scn~no
Gio.Marauiglia,con giurarner:rc, come nd libro lntitola.
to S Y D E R E V S N V N C I V S, &e. di D. Ga ..
Jileo Galilei. non fi troua aleu na cofa contraria alia Santa
Fede Cam,>lica,Prencipi>& buoni cofiumi,& chc edcgno
di Stampa,concedono liccnza., che po!Ii cfiêr íhunpato in
qudb Città .
D..atumDicprimoManij 1610,
D.M.Ant.Valareífo
D.Nicoio Bo1t <. Capi dell'Ecc. Conf. de' X.
D.Lunardo Mar,ello S
[234]
ASTRONOMICVS
NVNCIVS
OBSERYATIONE.S JlECENS HABJT..18
N Olli Ptrfjiâ/li 6tntj,io i11L#11.t f «it,LAtüo çirç-~
Sttlli.rfÍ, nc/1111.Gjis, in1111meri1 Jxis #t(IIIIJ i•
f 1ut11or P/1111e1i.t
COS.\1/C -~ STDER.A
1111r.cilJAIÍI, n11nqrum u11fptlli.t t11d/11,ç ç0111in111s,
"'IJ"' dul11r.f11s.
A·G NA ~quidem in h3c exigua
traCt:itione fingulis de Natura
fpeculantibus infpicic:nda, con-
tcmplandaqne propono. Magn3,
inquJm, mm ob rc:i ipfius prz-
fiancfam, rum oh inauditam per
~- ~uum nouitarem , tum eriam
propter Organum, cuius bcnc•
lido cadcm fenfüi no!lro obuiam fcfc frcerunt.
Magnum fane eft fupr.t numcrofam ·Jnerrantium
Stdlarum multitudinem, qu.r naturali facultatc in
hunc vfque dicm confpid potuerunt, alias innume-
ras fuperaddere, oculifquc palàm exponcrc, :mtcha~
con fp cébs nunquam, &qu~ \'cteres, ac notas pJus-
quam fupra dc:cupLim multiplidtatern fupcrcnt.
Pukhcrrimum, arque \'ifu iocundiffimum cft, Lu•
Ol:C corpus per fex <leoas fere terrc:fircs diametros
à nobis remo tum , tam ex propinquo inttteri, ·:'!e fi
B per
[235]
O BSE ll V AT. SIDERE AE
per duas tantum eafdem dimenliones diltaret; adeo
vt eiufJcm Lun.r diameter vicibus quali terdcnis, fu-
perficics veró noningcnris, folidum autem corpus
vicibus proxime viginci feptem milllbus mains appa-
reat, guam dum libera tantum acie fpeélatur: ex quo
deinde fenfaca certitudíoc quifpiam inrelligar, Lunam
foperficie leni 1 & per.palita nequaquam effi: indutam ...
fcd afpera, & i11~quali; ac veluti ípfiusrnet Tclluris
facies ingentibus tumoribus 1 profundis Iacunis, at-
que anfraéübus. vndiquaque confertam exiílerc.
Altercationes infuper de Galaxya, feu de Laéleo
circulo fubfiuli1fe, eiufque e1feotiam fenfui, nedum
intellcétui manifrílaffe, parui mornenti exifürnandu1n
rninimê videtur ;infuperque fubfiamiamS tcllarú,quas
Ncbulofas hucvfque Afironomorum quilibet appella-
uit digito dernonílrarei, longe que aliam effe quam cre:-
ditum haéknus eíl, iocundum erit, acque perpulcrum.
Verum, quod omnem admirationem longe fope-
rat, quodve ad Monitos fadendos cunélos Afiro ..
nomos, atque Philofophos nos apprime tmpulit, il-
lud cíl:, quod fciJícet Quamor Erratícas St~llas
ni eorurn, qui ante nos> cognitas, aut ob[eruatas ad-
inuenimus > qu.:r circa Stell:im quand:am infignem e
numero cognitarum ,. inHar Veneris, atque Mercurij
circa Sokm, fuas. habent periodos, eamque. modo
prx.e um, modo fubfequunm r, nunqua.m ex era certos
limites ab ilia di~redíentes. Qu.E omnia. ope PerJpi-
cilli à me excogicatí diuina prius illu.minante gratia.,
paneis abhinc dieb.us repena,, atque obfer.uata fue-
cunc.
Alia forte pr~lhnti'ora , vel à me,-. vel ab alijs in-
clies adinuenientur confimilis Orga.ni bencticio, cuius
formam., & appara.cum, necnon illius excogitandi oc-
c.1fioncm.
[236)
ll E CE N S H A Bl T AE. I
calionem prius breuiter commemorabo, deinde habi•
tarum à me Obferuationum hiftoriam recenfebo.
[237]
OBSErt VAT. SIDERE AE
tuitus, ac fi vix per duas Telluris diametros ahclJ"et..
Pofi bane Stellas tmn fixas , tum vagas incredibíli a•
nimi iocundica ce f~pius obferuaui i cumque harum
maximam frequenciam viderc:m, de ratione qua ilJa-
rum interfütia cliancciri poffi:m excogitare Cfpi.. ac
d~mum reperi. ~a de rc fingulos pr~monito s cífc
decet, qui ad huiufcemodi obferuatio nes accedere
,•olunr. Primo enim necdfarium cíl: , vt fibi Perfpicil•
Juan parent exaétiíiimum, quod ohieéta pellucida,
difiinda, & nulla caligine obduéla repr~fente t; ea•
demquc:ad minus fccundum quaterccnt upl.tm ratio-
nem multiplice r; runc eni m ma bisdccuplo viciniora
comrrionf üabit; nHi cnim cale fucrit !nfirumem um,,
ea omni.i, qu x à nobis confpeda funt in ctlis, quzvc
infra enumer::b unrur, inm,:ri tentabitur frufira. Vc
autem de multiplicationc iníl:rumeoti- quilibcc paruo
nego li o cercicr reddatur, circulos binos, aut quadra,..
ta bina c3rt.i c::a contornab it > quorurn altcrum qua.
tcrccnties altc:ro maius exiHat, id autem erit tunc, cü
maior is diameter, :id di.a,ncuum altcrius longitudin c
fuerit vigecupla ;. dciade fupcdicies ambas in eo<lcm
parictc i-nfu.as ftmuJ à longe fpeétabit, minoré qui~
clc:m altero oculo ad Perfpicillu m admoto, maiore1n
vera ;i!te:-c oculo libero; commode cnim id fi.cri li.
cct vno eoJemque tc:mpore oculis ambobus. a<laper-
tis; tunc enim tigurz ambz ciufdcm apparc~uu t ,na•
gnitudinis , 6 Organum fecundum optaram prop.or•
tionem ohic:fr.1 multipJic;iucrit. Coniimili param ln·-
Hrumenio , de rationc difianriaru :n dimeciendarum
inquircndu m crit > quod taliarrifici o aílcquemu r. Sit
tnim,fadl ioris intdligent i~ gratia' ... Tubus AJiCD.
Oculw infpidenti s dto E. radij > dum nulla in Tubo
adcfü:nt Perfpkilla :id .obicdum F G. fccundum li•
neas rcélas E. C. F. E D G. tcrrcntur, ícd appoíicis Per.
fpL;illis
[238]
R E CE N S H A BIT AE. 1
fpicillis fcrantur íecundum lioeas refraéus E C H.
E O l. coarébnrur cnim, & qw prius libcri ad F G.
Ob1cêlum dujscbancur, partem c:asuummodo Hl. cõ-
'F
e
1
D
G
[239]
OBSErt VAT. SIDEREAE
vergit primo loco dicamus, quam facilioris intelligen•
ti.E gratia in duas partes diíl:inguo, alteram nempe
clariorcm, obfcuriorcm alteram: darior videtur to tum
Em ifphzrium ambire, 3tque perfundcre; obfcurior
vcro veluti nubes qu.rdam faciem ipfam inficir, macu-
loíamque reddit; ifr.r aurem rnacul.E fubofcur.E, &
fatis arnplz vnicuique funt obui.r, illafquc zuum om-
ne confpcxir; quapropter magnas.· feu antiquas eas
appellabimus. ad differentiam aliarum macularum am.
plitudine minorum , at frequentia ira confitarum, vt
toram Lunarem fuperficiem, pr.rfcrtim veró lucidio.
rem partem confperg:mt; hx veró à nemine ante nos
obferuat~ fuerunt; ex ipfarum autem fapius iteratis
infpeétionibus, in eam deduéti fumus fententiam, vt
certo incelJigamus, Lunz fuperficiem, non perpoli-
tam, :rquabilem, exaétiílim.rque fphzricitatis cxifiere,
vt magna Philofophorum coors de ipfa, deque reli quis
corporibus crelefübus opinata efr, fed contra in~qua..
km, afperam , cauitatibus, tumoribUkJue confertam,
non fecus, ac ipfiusmet Telluris fades, quéE montium
iugis ,v.illiumque profundiratibus hincindediílingui-
tur. Apparentiz vcro ex quibus h.rc colligerc: licuit
eiufmodi íunt.
Quarta aut quinta pofi coniundioncm die, cum
fplendidis Luna fefe nobis comrbus offert • iam
tcrminus , partem obfcuram à luminofa diuidens,
non a-quab.ilicer fe<.undum ouaiem lineam cx,ccndi-
tur, vduti in folido ·p erfede fpba-rh:o accidcret ;
fc:d in~quabiH., afpera, & -admodum finuofa linea
defignarur, veluri appe-fita figura repr:rfentat. com-
plures enirn vcluti e,ccref~nt~ lucida- vltra lucis tc-
nebrarumqu~e confinia in partem obkuram exten-
duntur, & contra tenebril,:ofz paniculz intta _lumen
ingrcdiumur. Quinimo > & magna nigricamium ma-
cularum
[240]
R. E CE N S H A B l T AE. 8
cularum exiguarum copia, omnino à cc,,ebrofa parte
feparatarum., toram fere plagam iam Solis lumine per-
fufam vndiquaquc confpergit ilia faltem ~cepta par•
II
Vcru•
[241)
OBSErt VAT. SIDEREAE
Vaum non modo tcnebrarum & Juminis confinta
in Luna inzquaJia, ac finuofa cernuntur, fed,. quod
maiorem infere admirationcm , permulc:r apparcnt
lucid~ cufpides intra tcnebrofam Lunx partem ·om.
nino ab illuminata plaga diuif2, & auulfa?, ab ea~uc
non per cxiguam intercapcdinem di!Iitz, quz paula-
tim aliqua inteâcda mora magnitudine, & luminc
augentur; poll: vcro fecundam horam, aut tcniam,
rc:liqu;r parti 1ucid:r, & ampliori iam faét<E iungumur;
imcrim ramc-n ali.r, atque ali~ hincinde quafi pullu•
Jantes intra rcnebrofam partem acccndumur, augcn.'
ru-r, ac demum dd_cm luminof:r fuperficiei magis ad-
huc cxrenfz, copulantur. Huius cxemplum eadcm fi.
gur-a nobis c,dbet. At non ne in :erris ante Solis cxor
tum, vmbra adhuc pJJnides occupante, :i!dffimorum
,acmnina monrium Solaribus r~dijs illuHrantur? non-
flC cxiguo inrcrieélo rcmpore ampliacur lumen dum
mcdi.l', & l:irgiores corundem montium part~s illumi-
nantur; ac tandem orto iam Solc pl3nicic:rum, & col-
lium illumi11ariom:s iunguntur I Huiufmodi aurem
cminenfr.n11n) & cauitarum difcrimina in Luna longe
latequc rcrrcfirem afperüatem fuperare videnmr, vt
fofra demonílrabimus. lntcrim Ítlentio minimc inuol-
4.lam guid :mimaduerfione dignum à me obferu.uum .
dum Luna ad primam quadraturam propc:raret, cuius
cfrun im:1ginc:m eadem fupra pofita dc:lineatio pra·fe.
fere; ingcns enim finus tenc:brofus in partem lum1no•
fam fubit, vcrfus inferius cornu. Jocatus; quem quidé
finum cum diutius obfcruaffem, totumque obfwrum
vidiífem, tandcm pofi duas fere ·horas pauto infra me-
di um cauitatis vcrccx quidam lum!nofus exurgcre ,~.
pi t, hic ver ó pau latim crefcens tri.gonam figu r,, !TI pr 1
fe fcrcbar, cratquc omnino aJhtic à Jumino!3 ftdc rc•
uulfos, ac fcparntus; mcx cin.í\ illum trcs alia· cu !i)iJcs
exigu~
[242)
R E CE N S H A BIT AE. ,
exigu~ Iucere cxperu nt; donc.~c) Luna iam occafum
verfus tenden te, trigona ilia figura extenfa, & am.
plior iam faéta cum reliqua luminofa parte nedebatur.,
ac infiar ingentis promon torij, à tribus iam comme-
moratis Iucidis vcrticibus adhuc obfelfa, in tenebro-
fum finum erumpebat. ln extremis quoque cornibus
tàm fupe riori, quàm inferiori fplend1da quãrdam pun
éb & omnino à reliquo lumine Jifiunéta emerge-
bant; ·1eluti in eadem figura depidu m cernitu r. Erat-
que m:igna obfcurarum macularum vis jn vtroque cor
nu, maxime autem in inferior i; quarum maiores, &
obfcuriores apparenr , qu;:r termino lucis, & tentbra •
rum viciniores font; remotiores vero ohfcur.r minus.,
ac magis dilut~. Sempc rtamen , vt fupra quoque mc-
minimus , nigricans ipfius macul;:r pars irradiationis
Solaris Jocum rcfpicit, fplendidiorveró limbus nigri-
cantem maculam in pane Soli auerfa, & Lunz tene-
brofam plagam refpicience, circundar. Hzc Lunaris
fupc1 fides, quà maculis, infiar Pauonis cauda q·ru•
kis oculis, difüngu itur, vitrcis illis vafculis reddicur
<onlimiJis, qua: adhuc caknria in frigidam immiffa
perfraélam, vndofamq; fuperficiem acquirunt,cx quo
à vulgo GlacialesCiati nuncunp.mtur. Verum magnz
eiufdem Lunz maculx confimili modo interrup t~, at-
q ue Ia cunis, & emi nen eijs conferrz minime cer n ú tu r;
fcd magis a-quabilcs, &vniformes; Í<>lummodo cnim
clarioribus nonnullis arcolis hàc illàc fcatcnt; adcó vc
ft quis vctercm Pyrhagoreorum fcntcntiam exfofdtarc
vclit, Lunam fcilicec t:ffc quafi Tellurem alreram, c:ius
pars luddior tcrrcnam fupcrficit:m , obfcurior vcro
aqucam magis congrui: rcprxfentet : mihi autcm du-
bium fuit nnnqua m, Terrdtr is globi à longe conípe-
tti,atqu e à r~tdijs ~c,laribus pcrtuli, tcneam foperficié
cladorcm~ obfcuriorem vcró aqucam fc fc in confrc:
e élum
[243]
OBSER VAT. SIDEREAE
~um daturam. Deprcaiorcs infuper in Luna ccrnun-
tur magnzmaculz.., quw clariores plagz; in ilJa eniin
tam cs:cfccate, quam decrcfcence fempcr in lu eis cenc-
braruJD4ueconfinio 2 prominente hincinde dr,a ipfas
magnas maculas contermini partis lucidioris; vcJuci in
defcribcndis .figuris ~bferuauimus; neque dep~cfliores
tantuaunodo func d1aarum macularum termm1, fcd
zquabitiorcs,ncc rugis .. aut afpc:ritat1bus intcrrupti.
Lucidior vero -pars maxime prope maculas cminet; a•
deo vr lt & ante quadraturam primam .. & in ipfa fermc
fecunda circa maculam quandam .. fupc:riorem 2 borea•
km nemp~Lunr plagam occup:mtcm valde arrollan-
tur tam fupra iliam .. quàm infra ingentes q ua:da emi-
nenti.r, vcluti appoúcz przfcfcrunt delincationes.
[244]
R.ECENS HABIT AE. J•
e i Vnum
[245]
[246]
R E CE N S H A BIT AE. rr
Vnum quoquc: obliuioni minime tradam, quod nó
nifi aliqua q1m admiratione adnotaui medi um qua.
fi Lun~ locum à cauitate quadam occupacum cífe re-
liquis omnibus maiori,ac figura perfeétz rotunditatis;
bane prope quadraturas ambas confpexi candemquc
in fecundis fupra politis tiguris qu.mtl.lm licuit imita•
tus fum. Euildem qu.o ad obumbrationem , & illu-
minationem facit afpeclum, ac faccrct in cerris regio
confimilis Boem1.r, Li montibui altiílimis, inquc pe-
ripha:riam perfeéti circuli diípofüis ocduderetur vn-
dique: in Luna enim adeo ela tis iugis vallatur, vt ex-
trema hora tenebrofz Lunz parti contermina Solis
lumine perfufa fpeéktur,. priufquàm lucis vmbrzque
terminus ad médiam ipfius figurz diarnecrum percin-
gat. De more au.tcm reliquarum rnacularum,vmbro-
fa illius pars Solem refpicit, luminofa vcro verfus ce-
nebras Lun.r confütuitur; quod cenio libenter obfer-
uandum admoneo, tan<.1u:1m firmiffimum argumen-
tum, afperitatum, in.rqualitatu1nque per rotam Lu-
nx clariorem plagam dliperfarum; quarum quidem.
macularum fcmper nigriores funt ili~, qu.r confinio
Iuminis, & tenebrarum contermin.r funt ;.remotiores
veró tum minores> tum obfcura: minus apparent, ita
vt tandem cum Luna in oppoútione totum impleue-
rit orbem, modico, admodumép.1e tenui difaimine,
cauitatum opacitas. ab eaunentiarum candore difere.
pet.. t • .. 1 . 'b L
Hxc quz recen,u1mus m e anor1 us un~ reg,o-
•
nibus obferuantur, verum in magnis maculis talis nó
c:onfpici tur lacunaru m, eminentiaru mq'u e differcntia,
qualem neceífarió confiituere cogimur in parce lucidio
ri , ob mutationem figurarum ex alia, atque alia illu-
minatione radio1·um. Solis , prout multiplici pofitll.
Lunamrcfricit;. atin magnis maculise.,cíftuor quidem
areolz
[247)
OBSEll VAT. SIDERE AH
arcol2 nonnulJ~ fubobfcu ri ores velu ti in figuris adno•
tauimus, attamen ifi~ eundem fetnper faciunc afpe-
ltum., neque inrenditur earum opadtas, aut remitd-
tur., fed exiguo admodum difcrimint: pauJulum ob-
fcuriores modo apparent, modo vero darior_es, li ma-
gis ,aut minus obliqui in eas radij .Solares incidant;
iunguntur prztcrea cum proximis ma<:ularum parti--
bus leni quadam copula, confinia mifctntes., ac con•
fundentes; Íecus vero in maculis accidit fplendidioré
Lun~ fuperficiem occupantibus; quafi emm abruptz
ru pes afperis, & angulatis fcopulis confirz, vmb, arú.,
lurninumque rudibus difcriminibus ad Jineam difier.
minantur. Speét.mtur infuper intra eafdem magnas
maculas areola- qua-dam aliz clariores, imõ nonnullz
Jucidi!Iimz: vt:rum & h:irum, & obfcuriorum idem fem
per efi afpeélus, nulla ., :iut figurar11m, aut Jucis, aut
opaciraris rnutario; adeó vt cvrnpertum , indubira-
tumque lit,apparerc ill.:is oh veram panium diffimila-
rirarcm, non aurcm obínzqualitates tantum in figu•
ris earundem parcium, vmbras ex varijs Solis illumi-
nalion1bus diueríimode mouentibus; quod bene c-on-
tingir de rnaculis alijs minoribus dariorem Lunz par-
tem occupancibus; indies enim pe:-mutantur, augen-
tur, imminuunrur, abolentur; quippe quz ab vmbris .
t;Jntum eminentiarum onum ducunr.
Verum magna hic dubitationc complures affid fcn-
rio, adeoque graui difficultate occupad, vt iam e,cpli•
catam, & tot .ipparenrijs confirmaram concJufionem
in dubium reuoca1 e coganrur. Si enim pars ma Lu-
naris fuperficiei, quz fpkndidius Solares radios retor-
quct, anti aélibus, rumoribus fcilicct, & lacunis innu-
mcris dl: rcplctà; cur in crcfcenti Luna e:xcr<:ma cir..
cumfcrentia, qu~ occaJum vcrfus fpeétat, in dccre•
fcemi vero altera femkircumferemia orícnralis , a, in
plenilu•
[248]
R E CE N S H A BIT AE. ti
plenilunio tota pcriph~ria non inzquabilis, afpera, &
finu ofa, verum exaéte rotunda> & cú cinata,null1ÍlÍUC::
tumoribus, aut _cauitatibus corrofa conípicicur f arque
ex eo maxime, quia roeus integer limbus ex clariori
Lun.r fubfiantia conllat. <-1uam tuberofam, Jacuno•
famq ue tocam effe di dmus; magnarum en iía macu-
larum nulla ad extremum vfque perimecrum exporri-
gitur, íed omnes procul ab orbita aggregat.r ,ernun-
tur. Huius apparenciz anfam cam grauicer dubican .
di pr.rbtncis, dupliccm caufam, ac proinde duplicem
dubitationis foJucionem in medium affero. Primo e-
nim ; fi tumores, & cauirates in corpore Lunari fc-
cundum vnicam tantum circuli periphreriam, emif.
ph.rrium nobis confpicuum tcrminantem, protende..
rentur; tunc poífec quidem, imo deberet Luna fub
fpecie quaíi dentatre rocz fe fe nobis ofiendere, cu-
berofo nempe, ac finuofo ambitu terminara; ar fi non
vna tantum t:minentiarum feries, iuxca vnicam folum-
modo circumfcrentiam difpofüarum, fed permutei
montium ordines cum fuis lacunis. & antraétibus cir-
ca extremum Lunz ·ambitum coordinati fuerint, ijq;
non modo in emifphzrio apparente, fcd in aucrfo etii
(prope ramen emifphrriorum finirorem) mnc oculus
à longe profpiciens cminentiarum cauitatumque di-
fcrimina deprzhendere min_ime poterit ;- intercapedi-
nes crrim montium in codem circulo. feu in eadem
ferie difpofitorum, obicêl:u aliarum eminenciarum in
ahjs, arque alijs ordinibus confi:icucarum, occultantur;
idque maximc, fi oculus afpicientis in c:aJem red:a cú
diétarum eminenciar um vercicibus fuerit locams. Si,
in terra muhorum, ac frequentium montium iuga fe-
cundum planam fuperficiem difpofita apparent,fi pro-
fpiciens procul fueric, & in pari altitudine confütutus•
.Sic c:ftuoú Fclagi fublimes vndarum vertkc:s fecunJum
. ~m
[249)
OBSER.VATIONES SIDEREAE
idem planum videntur extenfi, quarnuis inter fluélus
maxima voraginum., & lacunarum fitfrequencia,adco.
que profundarum. vt fublimiurn nauigiorum non mo-
do carinz, verum etiarn puppes, m.:ili. ac vela inter
ill~s ahfcondantur. Quia jgimr in ipfa Luna, & drca
ciu$ perimetrum mulciplex efi cminentiarum, & caui-
tatum coordinatio, & oculus elonginquo fpeétans in
eodem fere plano cum vcrticibus iJJarum lo,atur; ne~
mini mirum dfe debet quod radio viforio illos abra-
dcnti, fecuridum ~quabilem Jineam, minimeque an•
fraétuofam fe fe offerant. Hui e racioni altera fobncéH
poreíl. q uod ncmpe circa Lu nare corpus efi, veluci ci::
ca Tcrr~un, orbis quidam denfióris fubfiantiz reliquo
a:tere, qui Solis irradiationem concipere, arque rcfle-
ékre valet, quamuis tanta non fit opacitace pnrdirns,
vc vifui ( prafcrrim dum illuminatus non fuerir) tran-
fttum imberc valeat. Orbis ifi~ à radiJs Solaribus iJlu•
minatus, Lunarc corpus fub maioris fph:rre fpeciem
rcddit. reprzfentatqúe: elfetque potisaciem nofuam
terminare quorninus ad Lunz folidirarem pertingc•
ret, fi crnffiries eius fotet profundior; :itque profun-
dior quidcm eit circa Luna! peripha-riam, profundior
inquam non abfolUle) fed ad radios nofiros' oblique
illum; fccantes, relacus; ac proinde vifum noílrum ini-
bere potefi, ac pr.rfertim luminofus exiílens, Lunfquc
pcripheriam Soli expofitam obtegcre. Quod cla,ius in
appofita figura intclligicur;in qua Lunare corpus ABC.
•
I
I
I
,•
D1
••
.•'
.... ,_
... __ ---·..,~"·
[250]
RE CE N S HABIT AE. 13
ab orbe v:1porofo circundacur DE G. Oculus vcro
ex F. ad partes in termedias Luna: , vt ad A. pcrtin-
gi t per vapores DA. rninus profundos; at vcrtüs ex•
tremam horam, profundionim copia vaporum E B.
afpeétum · nofirum fuo termino pra-cludit. Signum
huius dl:, quod pars Luna: luminc perfufa amplió•
ris circumferenti:r ::ipparet , quam reliquum orbis
tcn~bro!i : arque hanc eandem caufam quifpiam for-
te rationabilcm cxiíl:imabif, cur maiores Lun~ marn-
lç nulla ex parte ad extremum vfque ambitum prorcn-
di confpiciantur, cum ramen opinabile fit nonnullJs
etiam circa iJlum reperiri; inconfpicuas:ramen eífc crc•
dib1le videtur ex co, quod fub profundiori, ac luci-
diori vaporum copia abfcond:rnrur. ·
Effe igicur dariorem Lun.r fuperficic:m tumoribus,
Jtque lacunis vndiquaque confperfam, ex iam explka-
tis apparitionibuç fatis apcrtum clfe rcor; fuperefi vt
de illorum magnirudinibus dicamus, demonfüantcs
Tcrrefircs afpcritates Jun:iribus cífe longe minores:
minores inqu:im ctiam abfolute lQquendo, non aurc:m
in racione cantum aà fuonmi globo rum magnitudfoes;
idquc fie manifeíle dcclaratur.
Cum fa:pius à me oblcruarnm fit in alijs arque.:ilijs
Lunx ad So!cm confiitutionibus ,·ertices nonn~1ilos
incra tenebrofam Lun.r partem, liccr à termino lu-
ds facis remOtos, luminc pcrfofos .ipp:ircrc; confe•
rens eorum difianciam ad integram Lun.r dia:nc:trurr:,
c.ognoui imerfiitium hoc vigcl1111~1m imcrdurn c.~ia-
rr.::cri parrem fupc:r.ue. Q!.w fompro; intcllig..1tur
Lunaris globus, cuius maximus circulus C A F. ccn•
trum veró E. Dimeticns. C F. qui ad tcrrx dia-
mctrum eil vc duo~ ad fepcem; cumque tcrrclhis
diamcrer , fccundum cxaétiorcs obkruarioncs mil·
liaria ltalica 7000, ,omül,at.crü C F. 2000. CE.
D v~ró
(25 1]
OBSEll VAT. SIDEREAE
vero I ooo. pars aurcm vigeiima totius. C F. milil
ria I oo. Sit modo C F. Dimetiens circuli maximi.
ªª
pr:rfentat) in punélo D. crie igitur arcus C A. ft:u re·
e D. l oo. qualium e E. eft I ººº· & aggregatum
quadratorum D C. C E. 1010000. cui quadratum
DE. zquale dl: tota igitur E D. erit plusquàm 1004.
& AD. plusquàm 4. qualium CE. fuit 1 ooo. Sub•
limitas igitur AD. in Luna, quz vcnicê quem piam
ad vfque Solis radium G C O. clatü, & i termino C.
per difiantiam CD. rcmotú, defignat, emincntior cft
milia-
[252]
RE CE N S H A BIT AE. r4
miliaribus ltalicis 4. ver um in Tellure nulli extant mon
tes, qui vix ad vnius miliarij alticudinem perpcndicu-
larem acced.mr.; manifefium igiturrelinquitur, Luna·
res eminencias terrdhib1.1s effe fublimiores•
. L~b.cc h?c !º'º al_terius cuiufdam Lunaris app:iri-
t1on1s adm1rac1one d1gn.r caufam affignare, qux licet
à no bis non recens, fed multis abhinc annis obferuata
ílr, nonnullifque familiaribus amici .~, & diícipulis O•
ftenfa, explicat,, arque per caufam declaraia; quia
tamcn _c:i us obfc:ruatio Perfpicilli ope facilior rcddi cur,
atque-euidentior, nonincongrue hoc in loco reponen
dam eífe duxi; idque ceiam tum maxime, vt cognatio,
atgue fimilitudo .inter Lunam, atque TeJlurcm ela•
rius appareat.
Dom Luna mm ante, tum criam poíl: coniimdioné
non proçulà Solc rcperirnr, non modo ipfius globus c,c
parte qua lucemib1;1s cornibus exornatur viíui nofiro
fpeétandum fc fc offcrt, .verum etiam tenuis qu.rdam
fublucens pcriph:rria, tencbrof;r partis, Soli ncmpe
aucrf;r orbitam dclincare, arque ab ipfius .rthcris ob-
fcuriori campo fri~ngere vid ur. Vcrum fi cxadio-
ri infpettione rcm confideremus, videbirnus non ran-
tum extr.emum tenebrof.r parrislimbum incerta •<]Ua-
dam claritate lucentcm ; ied integram Lunx facicm,
illam .nempe, qua! Solis fulgor.em .nondum fentit,lu-
minc ·<p1odam, nec -exíguo, albicarc; appar~c ta~cn
primo intuitu fobtilis tancummodo circumfcrentia
lucens, prnptcr obfcuriores e-reli partes fibi conter-
minas; rcliqua vc,à fuperficics obfcuriore contra vi-
detur, -ob .fulgentium cornuum aciem nofiram ob-
tenebrantium comadum. Verum, fi quis talem fibi
cligat ,ti tum, vt à teélo, vel camino, aut aliquo .ilio
obice inter vifum, & Lunam ( fcd procul ab oculo
poíito) corntta ipfa lucemia occultemur, pars veró
D a reliqua
[253]
OBSER VAT. SIDERE AH
reliqua Lunaris globi afpc~ui noího expelira rdin-
quatur, tuncluce non exigua hanc quoquc Lllnx pla-
gam, Jicct Solari Jumine deílirutam ípknderc deprx.
hcndet, idque potiffimum, {i iam noéturnus orro:- ob
folis :ibfrnriam increuerit,; in campo cnim obfrurio-
ri eadem Jux clarior apparet. Compcrcum infupcr eír,
hanc 1ecund3m ( vt it3dic,:un) Lunz claritatem ma-
iorém dle quo ipJa minus à Solc diíliterir; per elonga-
tioncm enim ab co rcmittitur magis, magisquc, adco
\'t pofi primam quadraturjm, & ante fecundam, de-
bilis, & acmodum incerta comperiatur, licct in ob-
fcuriori creio fpc.:tetur; cum tarnen in frxtili, & mi-
nori eJongatione, quamuis inter crcpufcula mirum
immodum fulgtat: folgeat inquam adco, vc ope cxa-
di Perfpici!Ji magnz maculx in ipfa difiingu:mrur.Hic
mirabilis fulgor non modicam philofophantibus intu-
Jit admirationem; pro cuius ca1.1fa affercndá alij alia
fo mcdium protukrunt. Q.!ddam cnim proprium dle,
ac n:1turalern ipfiusmet :..un.-r fpkndorem dixcrunr;
alij à Venere illi dfcimpcnitum, alij à Stdlis ornai.
Lus, alij à Sole;qui radijs fuis profundam Lun;r foli-
diratem permcet. Vcrum huiufcemodí prolara exi-
guo labore coarguuntur, ac falíitatis euincuncur. Si
enim aur proprium elfct, aut i Stellis collatum ciuf-
rnodi Jumen, illud maxime in Eclypíibus n::tinerct, o.
ficnderetque, cum in obfcuriílimo crelo dcfütuatur;
quod ramen aduerfatur cxperienci.r: fulgor cnim qui
in deliquijs apparet in Luna Jongê minor efi,
fus, ac quafi aencus; hic veró clarior, & candidior; ell
infüpcr illc mutabilis, ac loco mobifü; vagacur cnim
per Lunx faciem, adcó vt pars ilia, qu.r pcripha:ria:
circuli ,·mbr.? terrefiris propinquior eíl:, clarior, re-
liqua vcró obkurior fcrnper fpedetur; e,c quo omni
pwculdnbio id àccidere incelligimus, ex radiorum So-
larfum
[254]
R.E CE N S HABIT AE. 11
larium vicinitate tangentium craffiorcm quandam regiõ-
nem,quz Lunam orbiculariter ambit,cx: quo cõtadu Ao
rora qu.ldam in uicinas Lunz plagas dfunditur, nó fccus
ac in tereis tum mane, tum vefperi crepufculinum fpargi-
túr lumen; qu:i de re fufius in libro de Sifiemate mundi
percraétabimus.Afferere autem à Venere impenitam ciuf
modi luccm puerile adtó efi,vt reíponfione íit indignum;
quis'enim adco infcius erit,vt non intelligar, circa coniun
ltioncm,& intra fextilcm afpeétü,partcm Lunz,Soli aucr.
fam vt à Venere fpedetur omninó cífe impoffibilcl Efic ao
tem ex Sole,qui fuo luminc profundam Lun~ foliditarcm
pcnerrct,a tque perfundat,pariter cll .inopinabile; nunquã
cnim imminueretur,cum femper emifphzrium Lu~ à So
le fie illufiratum, rempore Lunarium Eclypfium excepto:
diminuirur tamen dum Lunaadquadraturam propcrat,&
omnioó ét hebc:tatur,dum quadratum fupcraucrit. Cum
itaque eiufmodi fecundarius fulgor,nec Lunz út congcni
tus,acque proprius,nec à Stellisvllis,nec. à Solc muruatus,
cumq; iam in Mundi vafütitc corpus aliud fuperftt nullú.
nift fola Tellus; quid quil'ÍO opinandum? quid proferen-
dum? nunquid à Terra ipfum Lunare corpus,aut quidpiã
aliud opacum, atquc:tencbrofum lumine pcrfundi? quid
mirum? maxime: ~qua gr3taque pcrmutationc reptndit
Tcllus parem illuminationem ipfi Lunz, qualcm & ipfa j
t.una in profundioribus no.dis tencbris coto fere cem pa-
re recipit. Rem clarius aperiamus. Luna in coniundio-
nibus,cum mroium inter Solem & Terram obtincc locú,
Solaribusradijs in fuperiori fuo emifphõrdo Tcrr~auerfo
perti.mditur; emifph;r1ium vcró inferius, quo Tcrram
afpicit tenebris efi abduélum; nullatcnus igitur rcrrcfiré
fupcrficiem iUufirat. Luna paulatim à Solcdigrcffa iam
iamaliqua ex parte in emifphzrio inferiori ad nos ver.
gente iUuminatur, albicantia cornua, fubtilia tamcn ad
nos conucnit; & lcuitcr Terram illuftrat: crefcit in luna
D 3 iam
[2 55]
OBSEll VAT. SIDEREAE
iam ad quàdracuram accedente Solaris-i-llominatio; àu-
getur in terris eius Jumfois reflexio; e1'rendirnr adhuc
fupra fc:micirculum fplendor in luna;. & noftríE d~riorc:s
effulgentnoaes ;. tandem integer Lunz vultus, quo ter.
ramaipicit. ab oppofito Solc dariffimis fuJgoribus frra-.
diatur; enitet longe fateque terrefiris füpcrficics Luna ..
ri fplc:ndore perfufa, pofünodum decrefccns Luna debi•
Jiores ad nosradios cmittit, debilius illumin~tur terra;
Lunaad,coniunltionem propcrat. atra nox Tcrram oc-
,upat.. Taliitaquc período alcernis v1cibus Lunaris fal-
gormenfiruasilluminationcs clariores modo, dehiliores.
alias no bis largitur :·ver um zqua lance b enc:fidum à T d'·
lure compcnfacur. Dum enim Luna fub Sole circa con;.
iunétioncsrepcritur, fupcrficiem tcrrdhis emiípherij So.
li apoíid, viuidisque radijs illufirati integram rcfpicic ,,
rdkxumqu e abipfa lumen condpit: ac proindc ex rali
reflexione infecius-cmifph.Erium Lun.r, lícet SoJari lu•
mine defüwtum , non modice lucens apparet. Eadem
!:.una per quadra-nten\ à _Solc remota, di mi dium rantum
ttrrcfiris-cmiíph.rrij illuminatum confpicit ,fcilicet ocd..
duum,altcra·cmim mcdittas oriental is noéte obrc:nebra•
tur :.ergo &ipfa Luna fplcndide minus à Terra illufira•
tur, ciufve proir..Jc lux, illa fecundaria exilior nobisap-
paret •. ~àd ti Lunam in oppofüione ad Soiem confii-
tuas: fpeétabit ipfa cmifph~ril1m intt:rmcdix Tclluris om
11inó tcnebrofüm, obfcuraque noéte perfofurn; ft igitur
cclyptica fucrit ralis oppc:. íitio, nuJlé:m prorfus illumina•
tionem rcdpjet Luna ,,~olari fünuJ, ac tcrreftri irradia•
tione dcllirnta. ln alijs, :irquc aJijs aqTcrram , & aJSo.
lem habitudinibus •maius, minusvc: à tcrreítri rdh.JCiO•
ne r<'c.ipic lun;cn., •prout maiorcm ,.aut minorem terre•
ilris cmiJph;nij illuminati 'panem fp<:tlaucrit; is cnim
inter duos .hofi:c C1obos feruatur tenor, vt quibus tem·
poribus maximç à Luna . illuílratut Tellus 1 jjfde:m mit
nus
[256]
RE CE N S HABIT AE. tG
e
nus vice vcrfa à Terra illuminetur Luna, & contra,
Atque hxc pauca de hac rc in prffentiloco diéta fuf.:
ficiant, fufius enim in noilro Syftematc: Mundi; vbi
complurimis & rationibus, & experimentis validiffi..
&na Solaris luminis e Terra rdkxio ofic:ndicur illis ,·
qui c:am à Scellarum corea arcendam cffc iaélitant ,
ex eo potiffimum, quod à motu, &à lumine fit va•
cua: vagam enim iJlarn, ac Lunam fplendore fupc•
r.mtem, non autem fordium, mundanarumque fe-:
cum fenrinam , eífe dc:monfirabimus, & naturalibus-
quoque rationibus fexccntis confirmabimus.
Diximus hucufq uc: de Obferuationihus circa Luna-
re corpus habicis, nunc àe Stellis fixis ea qu.r adenus
à nobis inípcéta fucrunt breuircr in mc:dium adfera•:
mus. Ac primo illud animaduerfionc dignum efi,
quod fdlicet Stellz tam fix.r, quam errabund.r, dum-
adhibito Perfpicillo fpedantur,, nequaquam magni-:
&:udine augeri videntur iuxta proporcionem eandem • ·
fccundum quam obieéb rcliqua, & ipfamct quoquc
Luna , acquirunt incrementa~ verum in SteUis talis
auétio longe minor appartt :- adco vc Perfpicillum,
quod reliqul obieda fccundum ccntuplam, gratia e•
xempli racionem multiplicare potcns erit, vix fc:cun-
dum quadruplam ,aut quintuplam Stcllas multiplices
rcddcre credas: ratio autem huíus cft, quod fcilicet
Afira dum libera,, ac naturali oculorum ade fpeétan-
tur, non fecundum füam fimplicem,, nudamtiue, vt
ita dicam, magnitudinem fcie no bis otferunc, fcd fül-
goribus quibufJam irr.1diata ,,. micantibusque radijs
,rinita., idquc pociffi~um,cum iam incre~c-~ic .º<!x; e?'
quo longe maiorc:s v1dentur ,q~am a~c1t1Js 1lli~ cr~-
nibns etfenr CJ<Uta: angulus ~01m,v1(onus ~on pri-
mado Stcll;r corpufculo, feda late cm:umtufo 1plc:n.
date ce1·minatur. Hoc apertillime intelligas licec ex
. e~
[2 57]
OBSEilVAT. SIDEREAE
eo, quod Stellz in Solis occafu inter primi mpu-
fcula çmergentes., tamedi primz fuerinc magnitudi•
nis, cxiguz admodum 3pparcnt; & Venus ipfa li quan-
do circa meridicm fe nob1s in confpcdum dederit,
adco cxilis cernicur., vt vix Stellularu rnagnitudinis vl•
tim.r .rqu,rc videarnr. 5ecus in alijs o biedis, & in ip-
famet Luna contingit, qu:r fiuc in meridiana luce, fi.
ue inter profundiores tencbras fpedetur, eiufdern fem
per rnolis apparet. inconfa ígimr in rnedijs tcnebris
ipetlantur Afira, crines tamen illorum diurna lux ab-
raderc potefi; at non lux ifia tantum, fed tenuis quo-
que nubccula, qu.r inter Sydus, & oculumafpicicntis
irtcerponatur; idem qnoquc pr~fiant nigra velamina,
ac viera coloraca, quorum obieétu, arque incerpofüio-
ne cir,umfufa fulgorcs Stellas deferunc. Hoc idem pa-
ricerefficit Pcrfpicillum, prius enim adfciticios,acciden-
talesque àStellis fuJgores adimit, illarum inde globu-
los fim piices ( fi tamcn figura fuerint globofa) augct,
atque adeo fccundum minorem mulciplicitacem adau-
aa videntur: Sccllula enim quinr.r, auc fc.xt.r magnitu-
dinis per Perfpicillum vifa, canquam magnitudiois pri-
fflf reprzíentatur.
Adnotatione quoque dignum videtur eífe difcri-
mcn inter Planetarum, acquc fixarum Stellarum afpc-
étus: Planerz enim globulos fuos exalte rotundos,
ac circinaros obijciunt, ac veluti Lunulz quzdam vn-
dique lumine perfuf.r, orbiculares apparent: Fixz v~
ró Stellz peripheria circulari nequaquam terrninarr có•
fpiciuncur., fcd vduti fulgorcs quidam radios circumcir
ca vibrantes ; atquc admodum fcintillantcs : confimili
undcm figura prfditz apparent cum Pcrfpicillo, ac:
dum na tu rali incuitu fpeétantur, fcd adco maiores, vc
Stcllula quimz, aut fcxtz magnitudinis Cancm., ma-
:ximam ncmpe ~arum omruum zqucre vidcatur.
Vcrum.
[25 8]
R E CE N S H A BIT AE. 11
VCI um infu Stellas magnitudinis fcxt~,adeo numcrníum
grrgcm aliarum,naturalcm intui rum fugientium,pcr Pcr-
.ípicillum intueberis. vt vix credibilc fü~plures cnim quam
frx ali.e magnitudinum differcnti~videas licer. quarú ma
iores, qua-s magnitudinis feptim:r, {eu primx ínuifibiliurn
appellarc poífumus, llcrípicilli beneficio maiores, & cla-
riores apparcnr, quam magnitudinis fccundx Sydera acic
naturali vifa.Vt autem de inopinabili fere itlarum frcqucn
tia vnam,alteramve attdlationem vidcas Afierifmos duos
fubfcriberc placuir, vc ab corum exemplo de c~té:ris íudi-
cium feras. ln primo integram Orionis ConUellationcm
pingere decreueram; verüm ab ingcnti Stellarum copi:1,
temporis veró inopi3. obrums, aggreffionem bane in aliã
occalionem difiuli; adíl:ant enim, & circa vcccres -intra v-
nius, :iut alcerius gradus limites diífeminantur plurcs quin
gentis: quapropter tribus quz in Cingulo, & fenis qu.e
in Enfe iampridtm adnotat.r foerum, alils adiaccntes o-
8uaginta recens vifas appofuimus;carumq; intcrftitia quo
cxaélius licuit feruJuimus; notas, feu veteres,difiinélionis
gratia,m.aiores pinximus.ac duplicilinea contornauimus,
alias inconfpicuas,minores,ac vnis lineis notauimus; ma-
gni tudinum quoquc difcrimina quo magis licuit feruaui~
mus. ln altero exemplofex StcllasTaur~ I)LEIADAS di-
Ctas depinximus ( dico autem fex,quandoquidem fcptima
fere nunquam apparet) intra angufüfiimos in ccelo can-
cellos obclufas, quibus alia? plures quam quadragintain-
uiíibilcs :idiaccnc; quarum ,nulla ab aliqua ex pr:rJiétis
fex vix vltra femigradum elongatur; harum nos tantum
trigintafcx adnocauimus; carumque intcrfütia. magnitu•
dines, nccnon veterum nouarumquc difcrimina vcluti in
Orionc fcruauimus.
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Quod tcrtio loco à nobis fuit obferuatum, efr ipÍtuÍ-
mct LACTEI Circuli eífentia. feu maceries, quam Per-
fpicilli beneficio adeà ad fenfom licec inmcri, vc & alccr-
cationes omnes,gur per toe fércula Philofophos excrucia
runt 3b ocul:ua ccrtitudine dirim.lntur,nosque à vcrbofü
difpuracionibus liberemur. Eíl enim GAL A X Y A nihir
aliud. quam innumerarum Stellarum coaceru3tim confi-
tarum congcries;in quamcunq; enim rcgion:em illius Per-
fpiciltum dirigas,ffatim Stellarum ingens frcqucmia fe fe
in confpedum profert,quarum complures facis magn.r,ac
valde confpicu:r videntur;fed exiguarum multirndo pror-
fus inexpiorabilis efi.
At cum non tanmm in GALAXYAiadeusillc c2ndor.
veluti albicancis nu&is fpedetur,fed complurcs confimilis
coloris :ueoJ~ fparlim per zchera fubfulgeant,fi in illarum
quamlibet Specillum conucrtas Stcllarum confiipatlrum
CftUm
(261]
OBSER VAT. SIDEREAE
ccrtum o.ffendes. Amplius (quod magis mirabili s) Stellx
ab Afüonomis fingulis in hanc vfqucdié NEBVLOSAE
appellatx, Stcllul:uum mirum immodum conlirarum grc
gcsfunt; ex quamm radiorurn commixtionc, dum vna-
quequc ob exiliratcm,fou maximam à nobis remocionem,
oculorum aciem fugir, candor illc confurgit, qui denfior
pars cedi, Stcllarum, aut Solis radias retorquere valens,
hucufque crcditus eíl. Nos ex illis nonnullas obfcruaui-
mus; & duarum Aíl:erifinos fubncfü:re roluimus.
ln primo habes NEBVLOSAM Capitis ürionis appd·
fatam,in qua Stellas vigintivnas numcrauimus.
Secundus NEBVLOSAM PRAESEPE nuncupatam
concinct,qu:r non vna t.mtú Stella cft,fed congcrics Srel-
Jularum plurium quam quadr:iginca: nos prxtcr Afd :os
trigincafcx notauimus in hunc, qui fcq uirnr orJim:m di·
fpofitas.
N E BVL O S A PR AE SE P E,
**
-X-
NEBVLOSA ORIONIS.
*--#f: *~
* *
*-
*
* ~*
*
*
[262]
'RE CE N S HABIT AE. >1--· 1·;;
De Luna, de inerrantibus S tdlis, ac de Galaxya/
qu~ haéknus obíeruatJ funt breuiter enarrauimus.
Supcrdl vr, quod maximum in pr:ríenti negocio exi·
fümandum vidcrur, quatuor PLANETAS à primo
mundi cxordio ad nofira vfque t<.:mpora nunquam
confpeétos, occafioncm repcricndi, at"lue obfcruan-
di, nec non ipforum loca, atquc per du0s proxime
meníes obicruariones circa eorundem Jadoncs, ac
mucationes habitas, aperi:unus, ac pn., mulgctnli~: a-
fironomos omnes conuocances, vc ad illornm pcrio•
dos inquirendas, atq; dt:finiendas fé confcr;1nr, quod
nobis in ha"nc vlqu1.: dkm ol> tcmporis angufüam af•
frqui minímc lícuit. llios raml!n itcrum monicos fa-
-cimus, nc ad ralem infpi:dioncm incaífom accedant,
P(:rfpi,illo cx,tdillinio opus eífc, & quak in principio
frrmolli, huius, ~l:fcripli:nus. ·
Dic itaquc r~ptinu lanuarij inílanris aoni milkli.
mi frxi:c11tdimi dcdmi, hora fcquenris noélis prima,
cuin cçkltia íydcra per Perfpicillum fpcétarcm, lup-
piter te fe obuiam frcit, cumqlic admodum excd•
kns mihi paraílem in!lrumcnrnm, ( quod antca ob
altcrius Organi dcbilitatcm minime umrigaat) trcs
illi adfü1re 1ldluk1s, exíguas. q :1id.:m, vcruntamen da-
riffimas, cognoui; qux licct e numero inerrantium à
me cre<lcrcncur, non nul!Jm ramcn inn.krnnt ad-
mirationcm, co l111od ftcunJum cxaélam lim:::m rc·
étam, acquc Eclypii.:,r parardLun difpolirx vi<l..:ban-
tur: ac c~teris m:1~nicudinc paribus fplcndidiorts:
crarquc illarum inc~r [e & ,td loutm talls conftin,do.
Ori. * o * 0cc.
[263]
OBSERVATIONES SIDER EAE
ex pane fcilicet Orientali duz aderant Stcll.z , vna vc-
ro Occafum verfus. Odentalior atque Occidentalis, rc-
liqua paulo maiores apparabant, de dífrantía inter
ipfas & louem minimc follicicus {ili; fixz cnim vti di-
ximus primo creditz fuerunc; cum aucc:m die oéhua,
ncfcio quo Fato duétus, ad infpcélionc:m e.iodem re-
ucrfus etfem, longe alüm cõfiicut1onem reperi; erant
enim tres Stcllulz occidcntales·om11cs à louc, atque
inter fe quam fuperiori noétc vi ciniorcs. paribufquc
interfiitijs mutuo dilfcparar.r" veluti appofica prxfe.
fcrt delineatio. Hjc licct ad mutuam Stcllarum ap-
propinquacionem minímc cogicacioncm appulltfecu,.
Ori.
o * * * 0cc.
Ori.
* * o 0cc.
Oci.
* * o 0cc.
(265]
OBSE RV AT. SIDERE AE
Oci. 0cc.
Oci. Occ~
Ori. o * 0cc.
[266)
R E CE N S H A B I T AE. z.,
Julum in boream atcollcbacur; propinquior Ioui crat
omnium mínima, rdiqua: confcqucntcr maioresap-
parcbant; intcrua!la inter loucm,& rria coJ)fequantia
~ydera crant a:qualia omnia, ac duorum minurorum:
at occidentalius al>crat à tibi propin cprn minucis qua-
tuor. Eranc lw.:ida valde, & nihil f~imillanria, qual ia
Í\.'.mpu rum an lc, tum po(t apparucrunt. Vcrumho·
ra kpdn1.i trcs íulummodo adcrant Stell.r, in huiuf-
Ori. o * * * 0cc.
Ori. 0cc.
*
intcrcipicbant ab copcr r.1in: o. f;;~ : 40. hin-:i11dc remo
tx-,tcrria vcro occident.ilis à loucditlab;ttmin: 8. lo-
ui proximx non maiores, fcd lu\'.id10rcs apparcbanc
rcmoriori.
Ui1.: dccimafcptima hora ab occaru 0. min: 3 o. huiuí-
modi fuit configurai.ia. ~tcll.i v,u t:incum orü:ncalis i
Ori. * o * 0cc.
loue
[267]
OBSEll VAT. SIDEREAE
Ioue Jifiabat min; 3. occidentalis parirer vna à Ioue
difians min: 11. Orientalis duplo maior apparebac cc-
cidenralí; nec plures aderanr quam ifür du~. Vcrum
pofi horas quatuor, hora nempe pro~ime quinta, ter..
tia ex parte oriencali emergere cçpir, qu~ ante~, vc
opinor curo priori iunéta erat; fuirque ralis pofitJO •
Ori.
** o * 0cc.
Ori.
* o * 0cc.
Ori.
* o * * 0cc.
[268]
lt E CE N S HA BIT AE. ,.,.
di medium iam inter lotJem , & orientalem Stellam
locum exquifite oçcu pantem, ira vt talis füerit confi-
Ori. * • o * * 0cc.
O.ci. 0cc.
O.ci. 0cc.
Ori. 0cc.
[269]
OBSERVAT. SJOEREAE
:ib occidenraliori non pluribus decem focundis remota.
Die vigdimJpdma hora o. m: 3o. adcrant ex oriente
SrclluJz rres, .rqualicer inter fe, & à loue dixtantes;
Ori. 0cc.
Ori.
* * 0cc.
Ori.
* * o * 0cc.
** o
0cc.
Ori.
*
dia cnim modice in auíl:rum defletkbar. loui propin-
quior difrabat ab eo min: :z. fequens ab hac 1.11in: o.
{ec: 3 o. ab hac vcro abc.:rat oricncàlior min: 9. crantq;
omncs admodum 1plendidz. Hora vero 1~xta> dua:
Ori. oF 0cc.
folum•
[271]
OBSERVATIONES SIDEREAS
folummodo fcfe offerebant Stellz in hoc pofitu: nem,
pccumloue in cadcm reda linea ad voguem. à quo
clong:ibatur propinquiormin: p~ 3. altera vero :ib hac
min: p:8. in vnam, nifallor ,coic:rantduz mediz priui
obfcruatz StelluJ~.
Die vigc:limaquinta hora 1. min: 40. ita te habcbat
Ori.
* o 0cc.
Ori. *
* o *
0cc.
Ori. * * *O * 0cc.
[272]
R E CE N S H A Bl T AE. iil-
tum Stellula confpiciebatur eaquc oricntalis fccun-
Ori. o 0cc.
Ori. * o *· 0cc.
Ori.
** o 0cc.
Ori. 0cc.
*
F z rcs
[273]
OBSER VAT. SIDEREAE
res ad inuiccm adhuc erant; aberanc enim folummo-
do min: fec. 20. appiruit in hifce obferuationibus oc-
cidentalis Stclla facis exigua.
Dic Februarij prima hora noétis fecunda confimilis
fuit confütutio. Diílabac oriencalior Stclla à loue
Ori.
* * 0cc.
Ori. * o * * 0cc.
* *
Ori.
*º *
quas Iuppicer mediam occupabat fedem. HarumStet-
0cc.
[274]
RECENS HABIT AE. 2(-
dentalis proxima min, 2. ab hac vcro elongabatur oc-
*
Ori. 0cc.
Ori.
* * 0cc.
Ori.
** o * * 0cc.
Ori. * o *
0cc.
dium
[275]
O B SER V AT. S J DER E AE
dium Iouem inrercirientcs. vt in figura appolir2 fpe-
datur: orientalis à Joue dill.lbar min. 2,. occidentalis
vero min. 3. eram in eadem reéla cum loue, & magni-
tudine pares.
Die feptima ducr adfiabánt Stellz # à louc orienta•
Ori. 0cc.
Ori. 0cc.
[276]
R E CE N S H A B l T AE. ,•
orientales , & vaa occi.dentalis in tali difpofitione. O~
Ori. • * o • 0cc.
Oci. • ·O 0cc.
Ori. * * o * 0cc.
Oci.
* * ·O * 0cc.
[277]
OBSEll VAT. SIDERE AR
minor, à Joue diffita per min. o. fec. 30. & à reda li-
nea per r<:l iquas SteJJas protraéta modicum in Aqu ilo-
nem defleétens, fpkndidifsim;r crant omnes , ac valdc
confpicu:r. Hora vcro qu inta cum dirnidia iam Stc:IIJ
oric:nialis !o li i pro:xirna, ab i ll o remotior fada med iú
inter ipfum, & ~tellam oric:maJiorem tibi propinquam
obtintbat )ocum , crancque ornnes in eadern reét.1 li.
nea a<l vnguem , & ciufdc:m rnagnitudinis, vt in appo•
fica defcriptionc viderc Jicc:t.
Ori.
* **o *
0cc.
Ori. * * 0cc.
Ori.
* o "* 0cc.
(278]
R E CE N S H A B l T AE. ,.,
àentalibus remotior à Iouc conípicua vald~ ah eo di-
rimebamr min. 4. inter hanc & louem intercidebac
Stellula e:xigua,ac occidcntaliori Stell;r vicinior,cum
ah ca non magis abeffet min. o. íec. 3o. eram omncs
in eadem reéta fecundum Eclypck~ longitudinc:m ad
vnguem.
Die< decimaquinta ( nam decimaquarta ca:Ium nu•
bibus fuit obduétum) hora prima talis fuit afirorum
pofitus. trcs nc:mpe erant orientaks Stc:llír , mula vc-
Ori. 0cc.
Ori.
* 0cc.
Ori. 0cc.
*
confiitutas, vna vcrfus occafum cerncbàtur Stcllula
admodum exigua, à Joue remota min. 2.
Oie dccimaicxca hora fcxta in rali confücurionc
fictcrunt. Stella nempe orkntalis à louc min: 7. a.
G bc:r.&t
[279]
OBSERVAT. SJDEREAE
berat: Iuppiter à fequenti occidua min. 5. h~c ve-
ro à reliqua ocddent.1liori min. 3. erant omnes ciuf.
Ori. * o * * 0cc.
Ori..
* o • 0cc.
* o* *
Ori. 0cc.
[280]
RECENS HA BIT AE. 2~
Ioue m.1.fec. jo. luppicer ab occidcntalifcqucnti m. 3.
*
*
Ori. 0cc.
Ori. o * * 0cc.
Ori. 0cc.
.
m.1. Iuppiter ab occidentali fequentc.m.3.h:rc vero ah
occidentaliorim.7. erant ad vngué in cadem rcéla Ecly-
pticz pai alicia.
Die 15. Ho. ,.m. 3 o.(nam fuperioribus tribus notH-
bus cce'. ú fuit nubibus obdué1um) trcs apparuerút Std
Ori. • • o . 0cc.
[281]
OBSERVAT. SJDEREAE
~quãles fuerunt,:.: c mín.4.Occidcmalis vna aberat à ro-
uc min. :. Etant in c:idcm rcéta ad vnguem, fccundum
Eclypric;~ duétum •
Dic 26. Hora o. m. 30. bin~ tantum àdcrant Ste!l.l".
Oricntalis vna diílans ;i louc m. 1 o. Occidcntal is altera
Ori.
o *
0cc.
Ori. . * 0cc.
Ori.
*fixa
º* *
Die 27. Ho.1. m.4. Apparcbant Stdl~ in talí confi-
guratione. Orientalior difiahat à louc min. 10. fequens
loui proxima min.o,fc:c. 3o.Occidcnralis fcqucns_ abcrat
mm.2.
[282]
R E CE N S H A B l T AE. 21
min.2.fcc. 30.ab hac occidentalior dillabat min.1.Vici,
Ori.
* o 0cc.
* fixa
Ori. * o* 0cc.
* fixa
* o * 0cc.
[283]
OBSER. VAT. SIDEREAE
omncs confpe8.r funt,quaruin loui proxima aberat ab
eo m.2,. fequens ab hac m.1, tertia m.o. fc:c.20. craré1uc
Ori. 0cc.
* lixa
reliquis ch1rior;' ah iíla vc:rà difiabat orientalior n,.4 &
reliquis erar minor.Rcdam proxime ddignab:mc lineã,
nifi quod tenia loue paululum attollebatur.Fixa cum
Ioue, & oriencaliori trigonum .rquilaterum confürne-
bat ut in figura.
Die 1. Ho.o.m.40.tres adílabanc Planeta-,orientales
duo,vnus veró occ1duus in·rali configurarione. Abe1at
Ori. o * 0cc.
* lixa
orientalior :l Iouc m.7 ah hoc difiabar fequés m.o.f.3 o.
Occ.identa1is \'C:tÓ elongabatur à Joue m.2. erant cxtre-
m1 lul:id1"ores,ac maiores reliquo, qui admodú exiguus
apparebat.Oricnralior à reda linea pc:r rcliquos & loué
duéla paululum in liorcam vid.'.batur elatus. Fixa iam
adnotata ab ocddcnta'.i.Planeta m.8.diíl:abatJcfúdum
pcrpcndicularcm ab ipfo Pfaneta <luébm fupcr lincam
rdtam per PI.meras omncs extcnfam;vcluti appofüa fi.
gura demonítr ~t.
Hafcc louis, & adiaccntium Planerarum ad Fi:xã coi-
fa tio•
[284]
RECE N S HABIT AE. Jt
fationes apponercplacuit, vt ex illis eorundé Planetarum
progrdfus,tumfecundú longitudinem,tum etiam fecúdú
latirudinem,cum motibus,qui ex tabulis auriuntur ad vn-
gucm congruere quilibet intelligtrc poffit.
H.e funt obferuationes quatuor Mcdiceorum Planeta-
rum reccns,ac primo ã me repertorum, ex quibus quáuis-
illorum periodos numctis colligere nondú dctur; Iicet fal-
tem quredam animaducdione digna pronunciare. Ac pri-
mo cum louem coníimil1bus intcrfürijs modo confequan
tur ,modo pr~eant,ab eoq; tum verfos on um,tum in occa
fum angufiiflimis tantú diuaricationibus clongenmr,cun
demq; retrogradum pariter, :uq; dircaum concomitérnr,
q11in drca iLum fuas confidant con ueríioncs,intcrea dum
círca mundi centrum omnes vnà duo decénales pcriodos
àbfoluunr,nemini dubiú eífc potefi. Conuertútur infuper
in circulis inçqualibus, <l' manifcílê colligitur ex eo, quia
in maipribus à louc digrefliónibus núquá binos Planet.1s
iunélos vidcre licuit;cum ramen propc loucm du·o,trcs,&
interdum oés limul confiipati repcrti fint.Ocprçhendicur
infu per vc:lociores eífc conuerúones Vlanetarú angufiio-
res drcaloutm cin:ulos deícribentiú;propinquiores cnim
Ioui Stcllx frepius fpeébntur oricntales,cum pridic ex oc•
cafü apparuerint,& econtra: at Planet! maximú permeãt·
orbem, aci:urate pr.radnotacas reucrfü~nes perpendenti,
refütutiones femimenftruas habcre videtur.Exiinium príE
terea pr;rclarumq; lu5emus argumentú pro faupulo ao il
lis demcndo, 9ui in Siilemate Copernicano conuerfioné
Plancrarum drca Solé õrquo animo fcrentes,:idco pcrrur
bantur abvnius Lunz circa temi latione,intereadú ambo
annuú orbé circaSolé abfolunnt,vc h:incvniueríi cõfiicu.:.
tioné tancj. impoffibik!11 cncrc,·ndi e!Ic arbirrcntur; nunc
enim ncdum Plane~i vnúcirca a1ií1 conucrtibilé habemus,
dí1 ambo mjgnú circa Soi~ perluílrant orbem; ,·crum qua
cuor circa loké infüu Lunx circa TelJuré.,ié:nfus nobis v:i•
gances
[285]
OBSE RVAT. SIDERE AE
~lntes offcrt Stellas,dtJm oés fimul cú Ioue I i. annorum
fpacio magnú circa ~olé permeant orbé. Pr.trereundú tan
dem non efi,qua nã róne concingat, vt Mcdicea Sjdcra dú
angufii!Iimas circa loué rotationes abfoluunt, femetiplis
intcrdum plus<l, duplo maiora vide:mcur.Caufam in vapo
ri bus terrcnis mini me qrere polfumus: apparent enim au.
lta,íeu minuta,dú louis, & propinquarü fixarú moles-nil
immutatx cernuntur. Acçedere aí1t illos, adeoq; à terra e•
Jongari circa fu~ cóuerlionis perigeíi,aut apogeú;vt tantz
mutacionis cãm nanciícancur,oínó inop inabilc vf;nã .iréta
circul.uis latitJ id nulla rõnc ·prçílare vakt;oualis veró mo
tus(qui in hoc cafu rcdus fcre,.dfct)& inopinabilis,& ijs q
apparent nulla rõnc confonuscffe vê. ~1odhac.in rc fac-
currit lubcns profero,ac rede philofophantií1 iudicio,cé-
furxq; cxhibeo.Cófütt terreíl.riú vapurúobitéhi Solé;Lu-
na1r.q; rnaion.s,fed fixas, atq; Plani.:tas minores apparcrc:
hinc Luminaria prope orizonté maiora,Ste1la: vtro mino
res,ac plerunq; inconfpicux:i"mminnuntur çt ma-gis li ijde
vapores luminc foerint pcrfufr; idcirco Stell~ iuterdiu,ac
intracrepuícula admodumcxiles apparenr;Lunél non itC-,
\' t fupra quoq; monuimus. Confbt infuper nó modo T d
}urem,kd ét Lunam fuum habere vaporofum orbé circú-
fuíum,tum ex his quz fupradiximus, tum maximc ex ijs,
qux fu{ius in noíl:ro Siílemate dicencur;at ide: q®éj; de fe
Itciuis Planeeis frrre iudic1ú congrue po!fumus; ad·co vt ct
circa Iouem denfiorcm reliquo xthcre pone.r:e orbem in•
opin:ib :lc minimevideatur,circaquem,in(iar Lun.r circa
elcmentoruin fpheram,Plancrz MEDICEA circumducan
tur, atquemiius.or bis obi-eau dum :ipogei fuerint min0~
rcs,dum vcrô perigei,per ei~1fdem orbis ablationcrn,(c u at
tcnwaionem maiores app11re:1nt. Vlterius pro-
gredi témporis angufüa inhibct; plura
.d( rus breui candidus Lcélor
c"pcélct.
F 1 N 1 S.
[286]
ÍNDICE DE MATÉRIAS
Prefácio, por Henrique Leitão .... .... ...... ..... ..... ..... .. .... ...... 11
Breve Cronologia ........ .. .... ............ ..... ......... .......... ........... 137
Notas ....... ............... ..................... .... .... .... .. .... .......... . 207
Maio de 2015
ISBN 978-972-31-1317-4
EDIÇÕES DA FUNDAÇÃO
CALOUSTE GULBENKIAN
Textos Clássicos
Próxima publicaçio:
Prindpios de Po/iti&a Ero116mi&a
Walter Eucken
Cultura Portuguesa
Próxima publicação:
Obras COIIIJ>letas de Fran.isro &belo Gotlfalves, V oL IV
Manuais Universitários
Próxima publicaçio:
Ttoria Geral do Estado, 4. • Edição Ahlaliz.ada
Reinhold Zippclius
EDIÇÕES
DA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
TEXTOS CLASSICOS -As raízes da cultura estão naquelas obras chamadas clás-
sicas, obras cuja mensagem se não esgotou e permanecem fontes vivas do progresso
humano. Por isso a Fundação, ao esquematizar o seu Plano de Edições, julgou que
seria indispensável colocar ao alcance do público lusófono livros que marcassem
momentos decisivos na história dos vários sectores da civilização. Da ciência pura à
tecnologia, da quantidade abstracta ao humanismo concreto, procurar-se-á que os
depoimentos mais representativos figurem nesta nova série editorial. Para dificultar
ao mínimo o acesso do leitor, todas as obras serão vertidas em português e apresen-
tadas com a dignidade e a segurança que naturalmente lhes são devidas. Integrando
na língua pátria estes grandes nomes estrangeiros, supomos contribuir para uma
mais perfeita consciência da própria cultura nacional, cujos clássicos terão também
o lugar que lhes compete no Plano de Edições da Fundação Calouste Gulbenkian.
GALILEU GALILEI {1564-1642), nascido em Pisa, é um dos mais célebres
homens de ciência da Europa e uma das figuras mais emblemáticas do período que
se convencionou chamar "revolução científica". Na sequência das suas excepcionais
descobertas astronómicas, feitas entre 1609 e 1611 com o auxílio do telescópio,
iniciou uma ampla campanha em favor do heliocentrismo coperniciano, lançando
um ataque implacável à filosofia natural aristotélica, envolvendo-se em debates, dis-
putas de prioridade, e acesas polémicas que culminariam com um famoso processo
inquisitorial em 1633. Fez desenvolvimentos da maior importância científica em
mecânica, especialmente no estudo do movimento, e durante a sua carreira deu
aos prelos alguns dos mais influentes textos de ciência do século dezassete,
como o Sidere11s N11nci11s (1610), o II Sag,giatore (1623), o Dialogo soprai d11e massimi
sistemi (1632) e os Discorsi e dimostrazioni intorno a d11e n11ove scienze (1638). Galileu é
habitualmente apresentado como o primeiro cientista moderno, uma descrição
talvez simplista, mas que sublinha correctamente o facto de, para além das suas
notáveis descobertas, ter também desempenhado um papel único na redefinição
das metodologias e dos objectivos de várias disciplinas científicas, no uso inovador
dos textos impressos de ciência, na implantação de uma retórica científica própria, e
no lançamento de habilidosas estratégias de aproximação a mecenas científicos.
Henrique Leitão (n. 1964) é investigador no Centro Interuniversitário de
História das Ciências e da Tecnologia e docente no Mestrado em História e Filosofia
da Ciência, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Tem uma
vasta obra publicada sobre diversos aspectos da ciência europeia nos
séculos XV a XVII. É o coordenador da comissão científica encarregue
da publicação das Obras de Pedro Nunes, um projecto da Academia das Ciências e
da Fundação Calouste Gulbenkian, e foi o coordenador dos projectos de catalo-
gação e estudo dos impressos e manuscritos científicos antigos na Biblioteca
Nacional de Portugal. É membro de várias associações académicas nacionais e
estrangeiras entre as quais se destaca Academia das Ciências de Lisboa, a History
of Science Society e a European Society for the History of Science {membro
do •Scientific Board»). É o único português membro da prestigiada Académie
Internationale d'Histoire des Sciences.
J~!11~~llll l l l ~l
ISBN 978-972-31-1317-4
11