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Fascículos – Tribuna do Norte

Fascículo 1
Antes dos Europeus
As Origens do Homem Americano
O Homem, quando chegou ao continente americano, já havia
passado por uma longa evolução, desde o aparecimento do Homo Erectus, que
viveu há 1,7 milhão de anos até 200 mil anos atrás. Pertencia ao grupo do
Homo Sapiens. Não há, até o presente momento, unanimidade sobre a origem
dos primeiros povos que colonizaram a América, mostrando ser assim um
problema complexo. Diversas teorias abordam a questão, sendo a mais aceita
aquela que defende terem os primeiros homens vindos da Ásia, através do
Estreito de Bering, atingindo a América do Norte durante a última Era Glacial.
Um grande volume de águas retidas nas geleiras provocou o abaixamento do
nível das águas do mar, fazendo surgir uma ligação terrestre entre a Ásia e
América. Segundo a pesquisadora Betty J. Meggers, "a mais antiga ponte
terrestre existiu entre cerca de 50.000 e 40.000 anos atrás e foi usada por
várias espécies de mamíferos do Velho Mundo (...) Após um intervalo de
submergência que durou uns 12.000 anos, a ponte reapareceu entre cerca de
28.000 e 10.000 anos atrás". Nesse período, contudo, uma camada de gelo
surgiu como obstáculo à passagem humana durante alguns milhares de anos.
Acontece que, como esclareceu Meggers, "no decorrer de alguns milênios,
antes que os segmentos de Leste e Oeste se fundissem e um corredor se
abrisse novamente a ponte terrestre foi transitável." Permitindo, assim, a
caminhada humana. Foi aproveitando essa oportunidade que os asiáticos
teriam penetrado no continente americano.
Existem provas de caráter antropológico, etnográfico e lingüístico a
favor da teoria asiática, mas Paul Rivet acreditou que essa não foi a única via
de acesso do homem ao continente americano. Essas provas se restringiram a
uma região, a parte setentrional da América do Norte, segundo Rivet. É
justamente por essa razão que ele defende uma origem múltipla: os
australianos teriam invadido a região mais meridional da América do Sul. Para
Rivet, portanto, uma das influências étnicas que podem destacar-se na
América é de origem australiana. Sua ação, por discreta e limitada que tenha
sido, loga impor-se pela antropologia, pela lingüística e pela etnografia".
Acredita ainda esse cientista que uma parte da América foi povoada pelos
polinésios, apresentado provas lingüísticas, culturais e tradicionais.
Paul Rivet é de opinião que o Atlântico funcionou como uma barreira
intransponível para que o homem chegasse até ao continente americano e que,
"ao contrário, o litoral do ocidente da América foi permeável a migrações
múltiplas, em toda a sua extensão. O Pacífico não se tornou de forma alguma
um obstáculo. Foi, sim, um traço de união entre o mundo asiático, a Oceania e
o Novo Mundo".
A teoria da origem múltipla de Raul Rivet foi defendida por alguns,
porém combatida pelos seus adversários. A verdade é que, apesar do avanço
nessa discussão, a questão ainda não foi totalmente solucionada.
A controvérsia não atinge apenas a via de acesso, mas igualmente a
época em que os primeiros colonos povoaram a América. Para Betty Meggers,
"as discordâncias surgem das informações esporádicas inconclusivas, da
presença do homem do Novo Mundo entre 40.000 e 12.000 anos passados,
datação que alguns autoridades aceitam e outras não."
O certo é que o "homem entrou no Novo Mundo enquanto estava
ainda subsistindo à base de plantas e animais selvagens", nas palavras da
mesma autora. Esse homem, ao migrar para outras regiões, caminhou a pé.
Teria ocorrido, desse modo, várias migrações.
As primeiras comunidades agrícolas surgiram no México, na
América Central, Equador e Bolívia. Viviam em pequenos bandos. Eram
caçadores e coletores. À medida em que avançavam para o sul, segundo os
que acreditam na origem única, asiática, as comunidades foram passando por
mudanças, com o objetivo de se adaptarem ao novo ambiente. Essas
adaptações foram importantes para o desenvolvimento dos diversos grupos.
A agricultura promoveu uma verdadeira revolução. Posteriormente,
surgiram grandes civilizações: Astecas, Maias e Incas.

Migração para as terras Brasileiras

Com relação à presença dos primeiros homens no Brasil, existe


também uma grande controvérsia. A ocupação de terras brasileiras pelo
homem ocorreu entre 9.000 e 11.300 anos, segundo alguns pesquisadores.
Outros defendem uma data bem mais remota. Aos poucos é que o quadra vai
se delineando. Constataram-se, pelo menos, duas áreas de influência - a Bacia
Amazônica e outra compreendendo o Planalto Central do Brasil - que foram
ocupadas através de vagas sucessivas, até chegar ao Rio Grande do Norte"
por um processo de migração que permitiu culturas estabelecidas em
determinadas áreas fossem substituídas por outras, no decorrer de milênios e
até séculos", de acordo com Tarcísio Medeiros.
Em síntese, o homem primitivo teria seguido o seguinte roteiro:
Andes, Planalto do Brasil, Nordeste e, finalmente, o Rio Grande do Norte.
O centro de dispersão dos tupis, segundo o mesmo autor, aconteceu
no "istmo do Panamá. Desse ponto, um ramo alcançou a foz do Amazonas; do
outro rumou para o Nordeste brasileiro; e um terceiro desceu o Tapajós, o
Madeira e iniciou uma migração pelo Xingu acima".

Os Primitivos habitantes do RN

O Rio Grande do Norte foi habitado pelos animais da megafuna na


era Cenozóica e, dos estudos realizados sobre o assunto, é possível chegar a
duas conclusões, como disse Tarcísio Medeiros:
"a) A extinção dos grandes mamíferos processou-se mais
recentemente do que se supõe em partes dessa região."
"b) Que a presença do homem, em comum com esses animais da
megafauna no mesmo território, é mais antiga do que se considera
habitualmente".
Exemplo dessa presença humana no Nordeste: Chá do Caboclo
(Pernambuco).
Os primitivos habitantes eram formados pelos grupos de caçadores
e coletores. Os homens contemporâneos da megafauna deixaram vestígios
que se encontram nos sítios Angicos e Mutamba II. Diversos estudos
arqueológicos foram feitos pelo Museu Câmara Cascudo, tendo à frente o
pesquisador A. F. G. Laroche que, com suas investigações, em Pernambuco e
no Rio Grande do Norte, forneceu importantes subsídios para a pré-história
nordestina. Nássaro Souza Nasser e Elizabeth Mafra Cabral analisaram as
inscrições rupestres do Estado, publicando posteriormente um estudo sobre o
assunto. A arqueóloga Gabriela Martín, da Universidade Federal de
Pernambuco, pesquisou intensamente as inscrições rupestres do Rio Grande
do Norte, resultando em estudos como o intitulado "Amor, Violência e
Solidariedade no Testemunho da Arte Rupestre Brasileira". Participou também
do "Projeto Vila Flor", financiado pelo SPAN/Pró-Memória, cujo objetivo era o
"estudo arqueológico e levantamento da documentação histórica da Antiga
Missão Carmelita de Gramació". A mesma pesquisadora recentemente
publicou um livro sobre a pré-história do Nordeste.
Na fase Megalítica, os homens se tornaram sedentários. O
pesquisador Nássaro Nasser descobriu as "Tradições Cerâmicas", chamadas
de Papeba e Curimataú. O professor Laroche, por sua vez, encontrou vestígios
de diversas culturas pré-históricas, sendo a mais antiga do sítio "Mangueira",
em Macaíba.
O professor Paulo Tadeu de Souza Albuquerque, coordenador do
Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(Larq/UFRN), realizou uma série de pesquisas, trazendo novas luzes sobre o
longínquo passado potiguar. Participou de escavações realizadas na Fortaleza
dos Reis Magos e na antiga catedral, onde encontrou o túmulo de André de
Albuquerque Maranhão.
Alberto Pinheiro de Medeiros, coordenando investigações de alunos
da UFRN, enveredou por outras vertente sobre o tema pesquisado, chegando a
sistematizar uma alternativa - descrita no item sobre as inscrições rupestres,
mostrado a seguir que poderia ser acrescida às conclusões já apresentadas
sobre os primeiros habitantes do Rio Grande do Norte.

Os Significados das Inscrições Rupestres

Os primeiros habitantes do Rio Grande do Norte deixaram nas


rochas e nas paredes das cavernas sinais incisos ou pintados. Em alguns
sítios, existem apenas inscrições rupestres incisas (Fazenda Umburana, região
do Abernal, município de Serra Negra-RN) e em outros locais encontram-se, no
mesmo painel, inscrições incisas e pinturas (Fazenda Soledade, Apodi-RN).
Na atualidade é praticamente impossível saber quais foram os
autores de tais legados. Mesmo assim, diante desse contexto, ainda se pode
tirar algumas conclusões. Em primeiro lugar, é provável que tenham ocorrido
dois estágios culturais. O mais primitivo estaria representado, pelos desenhos
incisos. O outro estágio, mais desenvolvido, estaria caracterizado pelas
pinturas que requeriam uma técnica mais complexa a elaboração de tintas.
Para comprovar tal afirmação é suficiente apontar como exemplo o sítio que
existe na Fazenda Flores, no município de Apodi-RN), onde os traços incisos
eram feitos no chão e numa rocha, larga na base e que vai se estreitando à
medida que sobe. Na rocha também há pinturas representando pares de mãos.
Outro detalhe: os incisos estão quase apagados e grosseiramente desenhados.
As mãos pintadas, porém, são muito bem feitas e apresentam grande nitidez
Esse sítio poderia ser o testemunho de uma evolução cultural.
Outra questão que se discute - e esta é universal - seria o
significado, ou seja, o que representariam ser de fato as inscrições rupestres:
arte, escrita ou símbolos religiosos.
Existe, em princípio, uma dificuldade: como interpretar o
pensamento do homem primitivo pelas pessoas que vivem no século XX? É
possível ao homem contemporâneo penetrar na mentalidade de um ser
nascidos séculos e séculos atrás? Por essa razão torna-se necessário fazer um
esforço para recuar no tempo e se despir da cultura na qual o pesquisador
nasceu e vive. Seria isso possível?
Esse é um problema de difícil solução, que exige muita competência
e humildade por parte do pesquisador. Uma saída, provavelmente, é pesquisar
os caracteres daqueles povos que tiveram sua escrita decifrada. Estudar, por
exemplo, os Astecas (México) que possuíam uma escrita "pintada" e uma
fonética. A escrita estava ligada aos sacerdotes, como na Suméria. O
significado, no dizer de Córdova Ituburu, era determinado pela deformação de
certas partes e das cores. Os sacerdotes daquele povo lidavam com caracteres
simbólicos secretos. O conteúdo religioso de determinados símbolos não
invadia a tese da escrita Richard E. Leakey estava certo quando disse que "as
amostras de ocre que parecem em diversos sítios da Europa de 200 mil anos
ou mais de idade, certamente, sugerem ornamentação ritual das pessoas e dos
artefatos. Ritual e simbolismo aludem francamente à competência lingüística".
Tudo leva a crer que as inscrições rupestres que existem no Rio
Grande do Norte constituem de fato uma escrita. Diferente, naturalmente, de
que se usa na atualidade. Mas com certeza era um instrumento de
comunicação. Os autores das inscrições possivelmente desenhavam ou
pintavam para transmitir uma mensagem. O seu significado se perdeu no
tempo, mas não pode ser considerado arte, porque tais caracteres não eram
produzidos para deleite espiritual, nem para expressar o belo. A razão disso é
muito simples: o homem primitivo, pelas dificuldades que enfrentava para
sobreviver, era prático e rude. Quando sentia fome procurava resolver de
imediato o seu problema. Não tinha condições de praticar uma atividade
voltada para o embevecimento espiritual. Havia sim, grande necessidade de se
comunicar.
A reprodução de um objeto através de um desenho é uma tentativa
de fazer referência a algo que impressiona, de mostrar a outro ou a uma
comunidade o valor daquele objeto. Traços em formas de barras ou então
círculos ou pontos podem significar elementos de contagem. Mas na mente do
homem primitivo poderiam também ter outra significação qualquer. Uma
conclusão pode ser considerada como certa: eles desenhavam ou pintavam
para transmitir uma mensagem. E naqueles tempos difíceis para a
humanidade, a comunicação, certamente, era fundamental para a
sobrevivência de um grupo, de todo o gênero humano...

Etnias Mais Recentes e Áreas Ocupadas

O litoral norte-rio-grandense, na época da descoberta do Brasil, era


habitado pelos tupis, originários do Paraguai e do Paraná. Falavam o
abanheenga que, segundo Varnhagen, era uma língua aglutinativa, porém,
com reflexões verbais. Receberam o nome local de potiguares.
Tarcísio Medeiros descreve o tipo físico dos potiguares: "tinham o
porte mediano, acima de 1,65 cm, reforçados e bem feitos no físico, olhos
pequenos, negros, encavados e erguidos, amendoados (...), eram mais ou
menos baços, claros. Pintavam o corpo com desenhos coloridos (...), furavam
os beiços".
Os tapuias, que moravam no interior, foram descritos da seguinte
maneira, por Olavo de Medeiros Filho: "as mulheres eram, indistintamente,
pequenas e mais baixas de estatura que os homens. Possuíam a mesma cor
atrigueirada, sendo muito bonitas de cara, obedecendo cegamente aos maridos
em tudo que fosse razoável".
E, mais adiante, acrescenta: "os tapuias andavam inteiramente nus.
Não usavam barbas e depilavam sistematicamente todos os pêlos surgidos no
corpo, inclusive as sobrancelhas (...) Os tapuais pintavam hediondamente o
corpo com tinta extraída do fruto de jenipapo, a fim de adquirirem um aspecto
terrível nos combates".
Tarcísio Medeiros apresenta a seguinte classificação da população
nativa, formada por diversas nações, na época da descoberta do Brasil:
Litoral: potiguares.
Serído: arius, cariris, panatis, curemas, pebas e caicós
Chapada do Apodi: paiacus, cariris, pajéus, pegos, moxoiós e
canindés.
Zona Serrana: pacajus, panatis, icós e parins.

Os Europeus

Expansão Européia Pela Via Marítima

A Europa, no final do século XV, se encontrava presa em seus


limites, sentindo a necessidade de se expandir. O comércio das especiais,
monopolizado pelas cidades italianas e desenvolvidas do Mediterrâneo,
prejudicava o restante dos países do continente. A razão era muito simples: os
produtos eram vendidos por um preço muito alto. A necessidade de quebrar
esse monopólio passou a ser uma questão de sobrevivência para uma
economia monetária, como narrou Rolando Mausmier: "o numerário é
totalmente insuficiente para as monarquias e para um comércio em plena
expansão". Era preciso, com urgência , encontrar ouro. Como diversas lendas
colocassem grandes tesouros na África e na Ásia, os europeus sonhavam em
se apossar dessas fortunas. Era preciso, também, acabar com os
intermediários, e o país que realizasse tal feito obteria lucros fabulosos.
Além da necessidade de conseguir ouro, a Europa se encontrava
apertada entre o mar e seus inimigos. Em 1453, com a tomada de
Constantinopla pelos turcos, o caminho para o oriente se fechava para os
europeus. A situação ficava crítica. Havia uma solução apenas: atingir o
Oriente pela via marítima/
Portugal, por sua posição geográfica, se lançou ao mar mais cedo.
Adquirindo experiência nessas viagens, saía na frente em busca de um
caminho marítimo para o Oriente. Seria a salvação do império lusitano. Havia
outro motivo: as condições eram precárias para as atividades agrícolas em
Portugal, razão pela qual a sua população tinha que tirar o alimento do mar.
Pescando, os lusitanos foram se afastando do litoral, atingindo a Terra Nova,
rica em bacalhau, salmão etc. Aos poucos, e como conseqüência dessas
empreitadas, os portugueses foram aperfeiçoando os seus navios. No século
XV, as galeotas e as galés de dois mastros haviam sido ultrapassadas,
surgindo as barcas, barinés e as caravelas, que se imortalizaram durante as
grandes descobertas.
A expansão marítima, organizada de maneira sistemática pelos
lusos, começou com a conquista de Ceuta, em 1415. Toda viagem através do
Oceano Atlântico, naquela época, era uma perigosa aventura, porque ninguém
garantia o retorno. Após a conquista da Ceuta, os navegantes passaram a
receber estímulos, sobretudo do infante D. Henrique que, por essa razão, foi
chamado de "O Navegador". Acontece que a vida desse personagem foi
envolvida por uma série de lendas. Como resultado, a sua personalidade foi
exaltada, até ao exagero, por alguns historiadores, quer portugueses, quer
brasileiros.
Pedro Calmon é um deles: "deu-se perdidamente às ciências, casto
e austero (...) de fulgurações de lenda, leitor insaciável, colecionador de tudo o
que se escrevera sobre cosmografia e navegação, transferiu para Vila de Terça
Naval, junto de Sagres e do Cabo de São Vicente, o séquito de matemáticos
judeus, cartógrafos catalães, pilotos de várias origens, e outros que para isto
educava e com eles criou um seminário de estudos náuticos chamando-lhe,
sem rigor verbal, Escola de Sagres. Foi na verdade uma escola, mas de
obstinado trabalho, em que era aluno e mestre aquele príncipe letrado".
Tudo porém não passa de uma lenda. O infante D. Henrique não
possuía um vasto sobre a Escola de Sagres jamais existiu, seja qual for o
sentido que se queira dar a ela. Nem como uma escola no significado clássico
da palavra, nem como um grupo de especialistas que discutissem problemas
náuticos. Os avanços técnicos ocorridos com os navios portugueses foram
conseqüência da experiência adquirida através de suas inúmeras viagens pelo
Atlântico, o que, certamente, não diminuiu o mérito daqueles viajantes e das
conquistas feitas pelo império lusitano.
É preciso também deixar bem clara a causa principal da expansão
marítima de Portugal. Para justificar sua expansão, os portugueses alegaram a
defesa do cristianismo. Tinham como divisa "A propaganda da Igreja de Cristo
e a conversão dos infiéis", dando a impressão de que se tratava de uma nova
cruzada. Acontece que o objetivo era real outro bem diferente: a busca
desesperada pelo ouro.
A conquista da Ceuta demonstrou tal fato. O escritor Georg
Friederici narrou com muito realismo o ataque português contra Ceuta:
"entregaram-se, de súbito, a tremenda chacina, não respeitando a idade, nem
sexo, não poupando mulheres nem crianças. Seguiram o saque e a devastação
vandálica: os assaltantes devassavam, remexiam e escavavam. Depredavam
os magníficos prédios preciosos e jóias. Os lusitanos semi-bárbaros
arrebentavam as jóias das mulheres e das moças, arrancado-lhes e cortando-
lhes as orelhas e os dedos".
A finalidade da expansão européia era, tão somente, a busca de
riquezas. E mais: durante o processo de colonização no continente americano,
portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e ingleses se igualaram no
vandalismo. Contrariando, assim, os princípios cristãos que diziam defender...
A evangelização dos gentios se resumia apenas ao trabalho dos missionários.
Os colonos, contudo, procuravam explorar os nativos, realizando às vezes,
verdadeiros massacres.
Frei Bartolomeu de Las Casas, considerado o "Apóstolo dos Índios",
denunciou as crueldades dos espanhóis durante a conquista: "faziam apostas
sobre quem, de um só golpe de espada, fenderia um homem pela metade, ou
quem, mas habilmente e mais destramente, de um só golpe lhe cortaria a
cabeça, ou ainda sobre quem abriria melhor as entranhas de um só golpe".
Cristóvão Colombo Descobre a América

Antes da unificação da Espanha, o Reino de Aragão, desde o século


XII, estava voltado para o Mediterrâneo: "Mesmo após a criação do Estado
Nacional, a coroa espanhola seguiu dupla orientação: européia e mediterrânea,
segundo interesses aragoneses, americana e atlântica, atendendo às
aspirações castelhanas", como registra o livro "História das Sociedades - das
sociedades modernas às sociedades atuais", de Rubim Santos de Aquino e
outros autores. Mais tarde, quando se criou o Estado Nacional, com a expulsão
dos muçulmanos, a Espanha não se preocupou em navegar pelo Ocidente
para atingir o Oriente.
Essa política tinha uma série resistência. O seu grande defensor era
um estrangeiro, filho de Gênova, chamado Cristóvão Colombo. E a viagem só
se efetivou graças ao apoio de dois grupos poderosos: o católico, liderado por
Luís de Santangel. Colombo, na realidade, não pensava em descobrir um
continente e no entanto foi o que aconteceu. A partir desse momento (1492), a
Espanha teve que valorizar uma política Atlântica, principalmente após as
descobertas de minas de prata e de ouro no continente americano.
As conseqüências do descobrimento ultrapassaram os limites das
fronteiras do império hispânico e se tornaram universais: "a Europa também se
transforma graças, sobretudo, ao ouro e à prata, vindos do novo continente. A
exploração das colônias, na América, promove a formação de grandes
riquezas, cujo capital foi aplicado na indústria. Surge, assim, o regime
capitalista", como comentou Alberto Pinheiro de Medeiros, no trabalho "A
descoberta da América e as Mudanças", publicado no seminário "Dois Pontos",
em outubro de 1992.

Ambições Ibéricas e a Descoberta do Brasil

As ambições expansionistas da Espanha e Portugal entravam em


conflito. Portugal consegue, com D. João (1418) do Papa Martinho V. a bula
Sane Charissimus. Seguem outras bulas: Eti Suscepti (1442), Romanus
Pontifex (1454), Inter Coetera (1456).
Após a descoberta da América por Cristóvão Colombo, a Espanha
entra na briga, procurando obter benefícios da Igreja, graças ao prestígio que
desfrutava na Cúria Romana. As bulas iam saindo, refletindo a maior ou menor
influência de uma das duas potências ibéricas, em dado momento provocando,
inclusive, o protesto do teólogo Francisco Vitória.
Finalmente, Espanha e Portugal chegaram a um acordo. Com o
Tratado de Tordesilhas (7 de junho de 1494), o mundo ficaria dividido entre as
duas potências ibéricas.
Descoberto o caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama,
D. Manuel prepara uma grande esquadra que parte rumo ao Oriente. O
comando da armada é entregue à Pedro Álvares Cabral, alcaidemor de
Asurara que, segundo Pedro Calmon, "pertencia à melhor gente da beija, cujo
grande feito foi, justamente, a descoberta do Brasil".
Como diz ainda o mesmo autor, a armada "ia defrontar o ignoto, nas
paragens do Índico: a paz ou a guerra. Devia ser forte. Foi preparada com
magnificência: não mais para descobrir \, como a de Vasco da Gama, mas para
aliciar ou intimidar o "samorin" de Calecute, nos Estados opulentos".
Participavam da armada nomes ilustres: Nicolau Coelho, Sancho de
Tovar, Péro Escobar, Pedro de Ataíde, Vasco de Ataíde, o bacharel mestre
João etc.
No dia 9 de março de 1500, após missa solene no dia anterior,
Cabral e seus companheiros iniciavam a viagem. Roteiro: ilhas Canárias, São
Nicolau. No dia 23, a nau de Vasco de Ataíde desapareceu. No mês seguinte,
no dia 22, os expedicionários avistam um monte que recebeu o nome de Monte
Pascoal.
Nicolau Coelho manteve os primeiros contatos com os nativos.
Fotam celebradas duas missas, ambas por Henrique Coimbra. A primeira, num
domingo, dia 26 de abril de 1500, e a segunda, no dia 1º de maio.
No dia seguinte, a esquadra partia rumo ao Oriente. Estava,
oficialmente, descoberto o Brasil. O acontecimento foi narrado de maneira
brilhante na carta de Pero Vaz de Caminha.
A Carta de Pero Vaz de Caminha

A carta de Pero Vaz de Caminha narrando a descoberta do Brasil, já


muito estudada, foi reproduzida na íntegra em alguns livros de História do
Brasil. A quase totalidade desses estudos se caracteriza pela erudição. A
Dominus lançou uma edição pioneira para o grande público, sem se perder em
vulgaridade, contando com uma introdução que é um pequeno estudo sobre
aquele documento, escrito por Leonardo Araújo.
A carta foi redigida por uma testemunha ocular do fato, mais do que
isso, um eminente humanista. Não é apenas um relatório narrando as
peripécias dos navegantes lusitanos numa viagem marítima. Fornece subsídios
para uma melhor compreensão daquele acontecimento.
A descrição, pela primeira vez, da terra descoberta é, talvez, a parte
do texto mais conhecida: "as saber, primeiramente, de um grande monte, muito
alto e redondo: e de outras serras mais ao sul dele, e de terra chã, com
grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de o Monte
Pascoal e à terra a Terra de Vera Cruz!
Grande observador, descreve os homens da terra com riqueza de
detalhes: "A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons
rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem coberta alguma (...) Ambos
traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de
comprimento de uma mão, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na
ponta como furador (...). Os cabelos são corredios".
Narra também o contato de homens que possuíam culturas
diferentes e que nativos e portugueses procuravam se entender através de
festos, na falta de conhecimento do idioma do interlocutor. Surgindo,
naturalmente, alguns desentendidos: "acenava para a terra e novamente para
as contas e para o colar do capitão (que era de ouro) como se dariam por
aquilo".
"Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejamos! Mas se
ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós
entender, porque lhe havíamos de dar!" E mais adiante: "Ali por não houve fala
ou entendimento com eles, por a barbaria deles ser tamanha que se não
entenderia nem ouvia ninguém". Lança, portanto, a culpa do não entendimento
na barbaria em que se encontravam os nativos. Essa observação não passam
de uma prova a mais do etnocentrismo europeu. Os brancos eram os
"civilizados", os seres superiores; e os donos da terra, ao contrário, pobres
coitados ...
Mas não se pode dizer que o referido documento seja a primeira
página da História do Brasil por uma razão muito simples: a História do Brasil
começa quando chegaram nesta terra os primeiros homens, numa época bem
anterior à vinda dos europeus.
A carta de Pero Vaz de Caminha é, no entanto, um relato longo,
minucioso, com dados importantes, fornecendo subsídios não somente para a
História do Brasil, mas ao mesmo tempo para outras ciências, como, por
exemplo, a antropologia.
Com ela se encerra a fase pré-histórica do País, começando um
novo período: o da história escrita, entrando a terra descoberta para o clube do
mundo dos "civilizados" ... E os portugueses, certamente, não estavam
sozinhos. Portugal teria que enfrentar uma grande concorrência e teve que
lutar muito para ficar de posse definitiva do Brasil.

Tese Ousada: Cabral no Litoral Potiguar

Lenine Pinto, pesquisador norte-rio-grandense, afirma que a


expedição de Pedro Álvares Cabral, que descobriu o Brasil, ao contrário do que
se tem dito até hoje, teria pela primeira vez atingido o Brasil provavelmente na
praia de Touros, em abril de 1500.
Klécius Henrique, repórter da TRIBUNA DO NORTE que entrevistou
o escritor, escreveu o seguinte: "Lenine Pinto argumenta que Cabral em sua
viagem rumo à Índia teria seguido a volta do mar numa manobra a partir do
Cabo Verde, a oeste, coroneando a corrente subequatorial do Atlântico que se
bifurcava no Cabo de São Roque, numa aproximação dramática do litoral
potiguar, onde teria aportado em 22 de abril de 1500".
Lenine Pinto desenvolveu, entre outros, o seguinte argumento: "João
da Nova, em 1501, quando saiu à procura de Cabral, de Cabo Verde, levou
trinta dias para chegar ao cabo de São Roque. Como Cabral, no mesmo
tempo, chegaria ao sul da Bahia?
"A duração da viagem de Cabral, Portugal-Brasil, é muito importante.
É preciso, portanto, saber o tempo que se gastaria para realizar a viagem
Portugal-Touros e a viagem Portugal-sul da Bahia, naquela época.
Lenine diz ainda o seguinte: "Há muitos locais no RN semelhantes
aos narrados por Caminha na carta ao rei D. Manuel". Acontece que fica difícil
acreditar que os historiadores não tenham percebido antes o erro, afirmando
que o lugar atingido por Cabral foi o sul da Bahia. A distância é muito grande.
Como explicar tal equívoco?
A tese foi lançada. A dúvida poderá ser dissipada quando Lenine
Pinto publicar o seu livro "Reinvenção do Descobrimento do Brasil".

Fascículo 2
Prioridade Européia
Controvérsias Sobre a Presença Espanhola
A prioridade da descoberta do Brasil continua sendo uma questão
polêmica. Para alguns estudiosos, os espanhóis chegaram primeiro.
Varnhagen, por exemplo, defende que Alonso de Ojeda teria atingido o delta do
Açu no Rio Grande do Norte. Outros autores concordam que o navegador
espanhol visitou o Brasil, divergindo apenas do local. "Vinguand discorda e
aponta como sendo o local correto as proximidades do Cabo de São Roque".
Capistrano de Abreu e outros autores negam que Ojeda tivesse passado pelo
Brasil.
A viagem de outro navegante espanhol também é alvo de
discussões. Parece que Vicente Yañez Pinzon teria realmente vindo ao Brasil.
Robert Southey chegou a afirmar o seguinte. "A primeira pessoa que descobriu
a costas do Brasil foi Vicente Yañez Pinzon".
Segundo os cronistas, no dia 26 de janeiro de 1500, Pinzon chegou
a um lugar que denominou de Santa Maria de la Consolación. A controvérsia
que existe é sobre onde ficaria essa Santa Maria de La Consolación. Para uns,
seria o cabo de Santo Agostinho. Varnhagen indica a Ponta de Mucuripe.
Guanino Alves, que pesquisou a viagem de Vicente Pinzon, discorda e indica a
ponta de Itapajé, no litoral norte do Ceará, como o local certo. O fato é que o
navegante hispânico tomou posse da terra em nome da Espanha. E deu à
região visitada o nome de Rostro Hermoso. Depois, Pinzon se dirigiu para o
Norte, chegando até a foz do rio Amazonas, que denominou de Santa Maria de
la Mar Dulce.
Outro navegador espanhol que provavelmente passou pelo Rio
Grande do Norte foi Diego de Lepe e, segundo alguns pesquisadores, teria
atingido a enseada do Açu.
Apesar das controvérsias, não se pode negar que os espanhóis
antecederam aos portugueses na descoberta do Brasil, considerando que
estiveram no País antes de abril de 1500.

Os Franceses no Rio Grande do Norte

Quando os franceses foram expulsos do Sul do País seguiram rumo


ao Norte, mantendo um ativo comércio com os nativos. Não conseguiram no
entanto instalar uma colônia. Chegaram a contar com um intérprete: "Um
castelhano tornado potiguar, beiço furado, tatuado, pintado de jenipapo e
urucu, falando o nheengatu em serviço dos franceses com os quais se foi
embora", narrou Câmara Cascudo. A base deles era o Rio Grande do Norte.
Os franceses passaram a fazer investidas contra a Paraíba, com o
apoio dos potiguares. O ataque mais audacioso se realizou entre 15 a 18 de
agosto de 1597. Portanto treze navios, o embate se deu com a fortaleza de
Santa Catarina de Cabedelo, sob o comando do aventureiro Jacques Riffaul,
que desembarcou trezentos e cinqüenta homens. E mais: "Vinte outras naus
reforçaram a investida, esperando a ordem no rio Potengi". Não foi um simples
assalto de corsários, mas se constituiu uma verdadeira batalha. A fortaleza foi
defendida por apenas vinte soldados. A artilharia contava com cinco peças. Os
portugueses resistiram ao ataque, forçando os franceses a baterem em
retirada.
Vilma Monteiro analisa a importância dessa vitória: "Determina os
novos rumos da conquista da região Norte. Permite a posse efetiva da
Capitania do Rio Grande, seu povoamento e colonização, com isso abrindo as
portas para a expansão civilizadora sobre novos territórios".
Os franceses, diante desse quadro, ameaçavam a Paraíba; após a
caída desta, a próxima conquista seria Pernambuco ...
Foram eles que iniciaram o processo de miscigenação entre
europeus e americanos na região. Dois aventureiros se destacaram: Charles
de Voux e Jacques Riffault. Ainda hoje um local guarda no nome a lembrança
de Riffault, no bairro do Alecrim em Natal, onde se ergueu a Base Naval
(Refoles).

A Era Lusitana e o Marco de Posse

A primeira expedição que alcançou terras potiguares foi a de 1501.


Essa viagem, iniciada no dia 10 de maio de 1501, se encontra envolvida em
controvérsias. A começar sobre quem a teria comandado. Alguns nomes são
apresentados: D. Nuno Manoel, André Gonçalves, Fernando de Noronha,
Gonçalo Coelho e Gaspar de Lemos - o nome mais aceito. Quem participou
também dessa expedição foi Américo Vespúcio.
Após sessenta e sete dias de viagem, foi alcançado o Rio Grande à
altura do Cabo de São Roque e, segundo Câmara Cascudo, ali foi plantado o
marco de posse mais antigo do País, registrando-se, na ocasião, contatos entre
portugueses e potiguares.
O povo, por causa dos desenhos em forma de cruz no Marco de
Posse, acreditou ser ele milagroso, surgindo assim, um culto. Oswaldo Câmara
de Souza disse o seguinte: "O culto popular chegava às raias do fetichismo,
havendo a crença absurda do que um chá preparado com fragmentos da pedra
tinha poderes milagrosos, trazendo alívio e cura às mazelas do corpo e do
espírito".
Nesse período, o governo lusitano, verificando que o litoral brasileiro
estava sendo visitado por corsários, entre eles aventureiros franceses, resolveu
enviar expedições militares para defender sua colônia. Foram as chamadas
expedições guarda-costas, sendo consideradas as mais marcantes aqueles
que vieram sob o comando de Cristóvão Jacques, entre 1516 a 1519 e 1526 a
1528. Uma iniciativa ingênua, considerando a imensa extensão do litoral. É o
próprio Cristóvão Jacques que sugere o início do povoamento como solução
para resolver o problema. Eminentes portugueses aprovaram e defenderam a
idéia. D. João III, então envia uma expedição colonizadora chefiada por Martim
Afonso de Souza.
A base estava lançada e em 1532 fundava-se São Vicente, no
Sudeste do País, o que era muito pouco pois o Brasil possuía dimensões
continentais. Cristóvão Jacques, entre outras coisas, sugere que se aplicasse
no Brasil um sistema que já vinha sendo feito nas ilhas do Atlântico: o das
Capitanias Hereditárias. Uma, na realidade, já havia sido criada em 1504 por D.
Manuel, a de Fernando de Noronha. D. João III adota oficialmente o sistema no
Brasil, criando quatorze capitanias no período compreendido entre 1934 e
1936. Entre elas, a de João de Barros, no futuro Rio Grande, como lembra
Câmara Cascudo, "começando da Baía da Traição (Acejutibiró, onde há cajus
azedos, segundo Teodoro Sampaio), limite norte da Donatária Itamaracá,
pertencente a Pero Lopes de Souza, até a extrema indefinida".
A capitania possuía cem léguas de extensão. Em 1535, João de
Barros, Aires da Cunha e Fernão Álvares prepararam a maior esquadra
particular que havia saído do Tejo até aquele momento:" Com cinco naus e
cinco caravelas, novecentos homens e mais de cem cavalos". O comando
coube a Aires da Cunha. O governo investiu também nessa expedição: "D.
João III emprestara artilharia, munições e armas retiradas do próprio Arsenal
Régio", informa Câmara Cascudo. Por essa razão, muitos eram de opinião que
Aires da Cunha pretendia, além de fundar colônias no Norte do Brasil, atingir o
Peru pelo interior... Formando mais uma controvérsia ...
Varnhagen fala de um conflito entre nativos e portugueses à altura
do rio Ceará-Mirim, Câmara Cascudo nega o incidente, afirmando que
Varnhagen "arquitetou tal viagem". É taxativo: "Aires da Cunha nunca esteve
no Rio Grande do Norte". Passando pelo litoral potiguar, o navegante seguiu
viagem rumo ao Norte.
A expedição foi um fracasso total com a morte de Aires da Cunha.
Os portugueses conseguiram fundar, ao Norte, o povoado de Nazaré, onde
permaneceram três anos. Morreram setecentos homens. Os expedicionários
partiram em busca de melhor sorte. Os resultados, porém, foram péssimos.
Alguns foram jogados nas Antilhas; outros atingiram Porto Rico. E um grupo
formado por São Domingos e João de Barros conseguiu reaver seus filhos que,
quando regressavam de Nazaré, numa tentativa infrutífera, procuravam
colonizar o Rio Grande. Foi nessa oportunidade que teria ocorrido o conflito
entre potiguares e lusitanos, mencionado por Varnhagen. Mesmo fracassando,
essa foi, na opinião de Câmara Cascudo, "a primeira tentativa de colonização
no Rio Grande do Norte".

A Fundação de Natal

Disputa Acaba em União Peninsular

O cardeal D. Henrique assumiu o governo português em 1578. O


prelado contava sessenta e seis anos e, como não tinha filhos, criava um
problema para a sucessão do trono português. No dia 31 de janeiro de 1580, o
governante morreu.
Entre os diversos pretendentes ao trono, três netos de D. Manuel se
apresentavam com maiores possibilidades: D. Antônio, prior do Crato, D.
Catarina e Felipe II, rei da Espanha renunciou a favor de Felipe II. A disputa se
reduziu entre D. Antônio, que era filho bastardo do infante D. Luís, e o monarca
espanhol, que era o mais poderoso pois contava com o apoio de importantes
figuras da nobreza e do clero lusitano. Os dois rivais partiram para a disputa
armada. D. Antônio enfrentou as tropas fiéis a Felipe II, chefiados pelo duque
de Alba, sendo posteriormente derrotado.
A crise abalou profundamente Portugal e no dia 28 de junho, como
narra Jânio Quadros, "iniciou-se a tomada de Portugal pelos duque de Alba,
enquanto setenta e duas galés sob o comando do marquês de Santa Cruz,
acompanhadas de setenta naus, chalupas e caravelas, encetavam as
operações navais. As cidades, vilas, lugares e povoações caíram uma a uma
em poder dos invasores, a despeito, aqui e ali, dos esforços dos partidários de
D. Antônio em contê-los".
D. Felipe não agiu somente pela força das armas, fez praticamente,
tudo. Propostas tentadoras aos membros da nobreza, além do apoio da
Companhia de Jesus. Em síntese, ele comprou o apoio recebido de seus
adversários com ouro e também através de seu poderio militar.
Tudo isso porque Felipe II tinha grandes interesses na anexação de
Portugal ao reino espanhol: "O grande palco dos efeitos políticos espanhóis na
era filipina havia sido, até aquela data, o Mediterrâneo, seria através desta
unificação que a Espanha passaria a tomar parte na grande era atlântica
inaugurada por Portugal", segundo a "História Geral da Civilização Brasileira",
Vol. I. Por outro lado, os portugueses já participavam das atividades comerciais
espanholas. Era importante para a Espanha a anexação do reino lusitano,
justificando assim todo o empenho do monarca hispânico. Não foi difícil ocupar
Portugal. Venceu Felipe II e, em 1581, as cortes de Tomar aclamaram-se rei de
Portugal. Estava efetivada a "União Peninsular", que terminaria apenas no ano
de 1640.
Para o Brasil, esse período foi uma fase altamente positiva.
Exemplo: a conquista do Norte e Nordeste do País.

O Interesse de Filipe II Pelo Rio Grande

Os franceses se fixaram no litoral potiguar sem necessidade de


dominar o nativo e, justamente por essa razão, tiveram a população local como
aliada. Escondiam suas naus no rio Potengi e, de sua base, se lançavam
contra os colonos portugueses que se encontravam na Paraíba. O Rio Grande
era, de fato, uma área estratégica. Da região, os franceses podiam se deslocar
para o norte e igualmente para o sul.
Filipe II, ao anexar Portugal e suas colônias, sentiu a situação de
abandono em que estava parte do Nordeste e todo o Norte do Brasil. E o que
era pior: a constante ameaça que representava a permanência dos franceses
no Rio Grande. Tendo em vista essa situação, o monarca não perdeu tempo.
Através de duas Cartas Régis (9 - 11 - 1596 e 15 - 03 - 1597), determinou a
expulsão do inimigo e que fosse construída uma fortaleza e ainda, fundada
uma cidade. Em síntese: conquistar o Rio Grande, consolidando tal feito
através da colonização. Por essa razão, um fato deve ficar bem claro: a
expulsão dos franceses do Rio Grande foi uma iniciativa de Filipe II, o que
significa dizer, hispânica.

A Expedição de Manuel Mascarenhas Homem

A conquista do Rio Grande não se apresentava como sendo uma


tarefa fácil. E foi por assim compreender que D. Francisco de Souza,
governador-geral do Brasil, determinou que o capitão-mor de Pernambuco,
Manuel Mascarenhas Homem, tomasse todas as providências para que se
organizasse uma grande expedição militar com o objetivo de que as ordens de
Filipe II fosse executadas. Assim foi feito. Uma poderosa expedição foi
organizada. Desta, uma parte iria por mar com uma esquadra formada por sete
navios e cinco caravelões, sob o comando de Francisco de Barros; e outra
seguiria caminhando por terra, liderada por Feliciano Coelho, capitão-mor da
Paraíba.
Manuel Mascarenhas Homem assumiu o comando geral, agindo
com o máximo de empenho para que nada faltasse a fim de que os objetivos
fossem alcançados: expulsar os franceses, construir uma fortaleza e fundar
uma cidade. Participaram da jornada um grupo de religiosos: os jesuítas
Gaspar de Samperes (autor da planta da futura fortaleza) e Francisco Lemos, e
mais dois franciscanos - Bernadino das Neves, que funcionava como intérprete,
e João de São Miguel.
Narra Câmara Cascudo: "Feliciano Coelho partiu por terra com as
quatro companhias pernambucanas e uma paraibana capitaneada por Miguel
Álvares Lobo, num total de 178 homens e 90 indígenas guerreiros de
Pernambuco e 730 da Paraíba, com seus tuixauas prestigiosos e bravos: Pedra
Verde (Itaobi), Mangue, Cardo-Grande etc. a 17 de dezembro de 1597 o
exército marchou. Mascarenhas viera com as naus".
Acontece que as forças terrestres foram atingidas pela varíola,
sendo obrigadas a retroceder, com exceção de Jerônimo de Albuquerque que
se uniu à expedição marítima. Havia uma justificativa: Jerônimo desfrutava de
grande prestígio entre os nativos.
A viagem pelo mar continuou e, no caminho, sete naus franceses
fugiram para evitar um confronto com a esquadra lusitana.
No dia 25 de dezembro, a frota luso-espanhola atingia o rio Potengi.
No final do ano de 1997 esse fato completa exatos quatrocentos anos.
A primeira providência dos invasores foi fazer um entricheiramento
com varas de mangue para que pudessem se defender das investidas dos
potiguares. Medida acertada, porque não demorou muito os nativos atacaram
com toda violência. Era a guerra que começava. Com o passar dos dias, os
luso-espanhóis começaram a perder terreno no conflito armado. A situação se
agravou a tal ponto que ficou crítica, como narrou Vicente Salvador: "Depois de
continuar os assaltos que puseram os nossos em tanto aperto que
esacassamente podiam ir buscar água para beber a uns poçozinhos que
tinham perto da cerca".
O quadro era muito triste: mortos, feridos e doentes. O clima ficava,
a cada momento, mais insustentável. Foi quando, providencialmente, chegou
Francisco Dias com reforço, evitando uma humilhante derrota. Servindo para
que os luso-espanhóis pudessem manter a posição onde se encontravam. Não
fosse a chegada de Feliciano Coelho, que partiu da Paraíba com mais
soldados, armas e municões, tudo estaria perdido. A situação, ainda assim,
continuava delicada. Era preciso negociar a paz com urgência.

A Imponente Fortaleza dos Reis Magos

A fortaleza de madeira não foi construída, como pensava Câmara


Cascudo, em um "arrecife a setecentos e cinqüenta metros da barra do
Potengi". A razão é muito simples: naquele local, a construção não suportaria o
impacto das águas. O edifício, esclarece Hélio Galvão, foi erguido na praia.
A planta da fortaleza, apesar de ser contestada por alguns autores,
foi feita pelo padre Gaspar de Samperes. Segundo a arquiteta Jeanne Fonseca
Leite, "a concepção 'antropomorfa' dos italianos encontrou acolhida por parte
do padre Samperes que a introduziu no seu projeto destinado à construção da
Fortaleza dos Reis Magos".
Fortaleza e não forte, Hélio Galvão esclarece a dúvida: "Forte é uma
pequena edificação sem guarda permanente. Fortaleza, ao contrário, é um
grande edifício com um contingente de soldados permanente. A fortaleza,
localizada na barra do Potengi, se destaca pela sua beleza e pela sua
imponência. Não poderia ser de maneira alguma um forte'.
Para Hélio Galvão, que pesquisou exaustivamente sobre a
Fortaleza, o nome correto seria Fortaleza da Barra do Rio Grande. O problema
não é tão simples. Naquela época se usava de maneira indiferente mais de um
nome para indicar um prédio público. Aquele edifício pode ser chamado
também de Fortaleza dos Reis Magos, o que não pode, certamente é designá-
lo por "Forte dos Reis Magos", que por sinal é a versão popular usada de
maneira errada pelos cronistas tradicionais.
Os trabalhos de construção da fortaleza começaram no dia 6 de
janeiro de 1598. Hélio Galvão explica o seguinte: "O trabalho se desenvolvia
entre dificuldades e imprevistos, a ameaça constante de índios e franceses, a
atenção dos homens voltada para a vigilância do acampamento. Diríamos que
Mascarenhas Homem lançou a pedra fundamental e a partir daí ninguém
parou. O material foi chegando, as pedras que vinham de Lisboa lastrando os
navios eram guardadas, acumulava-se cal e os implementos imprescindíveis
eram providenciados".
A primeira fortaleza, a de madeira, foi concluída no dia 24 de junho
de 1598. E tinha, como descreveu Câmara Cascudo, "a forma clássica do forte
marítimo, afetando o modelo do polígono estrelado".
Em 1614, o engenheiro-mor do Brasil, Francisco Frias de Mesquita,
realizou trabalhos na fortaleza, fazendo pequenas modificações sem alterar a
planta original. A obra foi concluída somente em 1628.

Paz Firmada e Posse Definitiva da Terra

A capitania se chamava, no início, do Rio Grande, passando a incluir


"do Norte" quando surgiu outra de igual nome, no Sul do País.
Não houve, no Rio Grande, uma conquista. A expedição de Manuel
Mascarenhas Homem estava praticamente derrotada. Os missionários saíram
da fortaleza para se transformarem em embaixadores da paz. Um passo
significativo nesse sentido foi dado quando os nativos conseguiram distinguir
os militares e colonos dos sacerdotes. O padre Francisco Pinto foi, na
realidade, o grande e incansável apóstolo. Percorreu o sertão, enfrentou
múltiplas vicissitudes. Nos momentos mais difíceis conseguia reunir novas
forças graças à sua fé, operando verdadeiros milagres na obra de persuasão.
Primeiro, a catequese e, através dela, o padre Francisco Pinto e
seus companheiros missionários procuravam levar os silvícolas para o lado dos
portugueses. O padre Pero Rodrigues, numa carta, transcrita por Hélio Galvão,
registra o trabalho árduo e difícil dos religiosos. Os padres ajudavam ao
exército com os acostumados exercícios da Companhia, que eram "a
edificação de todos, pregando, confessando, fazendo amizades e não se
negando a nenhum trabalho, de dia e de noite, como no acudir aos índios
nossos amigos, que nos ajudavam na guerra, por adoecerem gravemente de
bexigas e, quando era possível, acudiam a curar e consolar na morte".
No processo de pacificação, os missionários não agiram sozinhos.
Contaram com o apoio de alguns chefes nativos: Mar Grande e Pau Seco,
entre outros. Os líderes potiguares foram negociar a paz com os brancos
porque as suas mulheres exigiram o fim das hostilidades. Contribuíram também
com o processo de cristrianização de seus irmãos ao lado dos missionários.
Não se pode esquecer, igualmente, o desempenho de Jerônimo de
Albuquerque que foi de suma importância. Filho de Jerônimo Santo Arco Verde
(Ubirá - Ubi) que, por sua vez, era filha do chefe nativo Arco Verde. Mestiço,
possuía sangue tupi em sua veia; corajoso e hábil, falando o idioma nativo,
desfrutava de grande influência entre os habitantes de todo o Nordeste.
A paz era o anseio das duas facções em luta e as negociações
obtiveram êxito. Terminadas as hostilidades, Manuel Mascarenhas Homem
partiu para a Bahia, com o objetivo de relatar os acontecimentos ao
governador, D. Francisco de Souza que, sem demora, determinou que fossem
solenemente celebradas as pazes. Isso aconteceu no dia 11 de junho de 1599,
na Paraíba, na presença de muitas autoridades - Mascarenhas Homem;
Feliciano Coelho de Carvalho, ouvidor-mor geral, e Brás de Almeida; de
diversos chefes nativos; do intérprete frei Bernadino das Neves e do apóstolo
dos potiguares, padre Francisco Pinto. As pazes foram finalmente ratificadas e
estava assim assegurada a posse definitiva da terra, ou mais precisamente da
Capitania do Rio Grande.
Um presente dado por Felipe II ao império lusitano ...

Paz Firmada e Posse Definitiva da Terra

A capitania se chamava, no início, do Rio Grande, passando a incluir


"do Norte" quando surgiu outra de igual nome, no Sul do País.
Não houve, no Rio Grande, uma conquista. A expedição de Manuel
Mascarenhas Homem estava praticamente derrotada. Os missionários saíram
da fortaleza para se transformarem em embaixadores da paz. Um passo
significativo nesse sentido foi dado quando os nativos conseguiram distinguir
os militares e colonos dos sacerdotes. O padre Francisco Pinto foi, na
realidade, o grande e incansável apóstolo. Percorreu o sertão, enfrentou
múltiplas vicissitudes. Nos momentos mais difíceis conseguia reunir novas
forças graças à sua fé, operando verdadeiros milagres na obra de persuasão.
Primeiro, a catequese e, através dela, o padre Francisco Pinto e
seus companheiros missionários procuravam levar os silvícolas para o lado dos
portugueses. O padre Pero Rodrigues, numa carta, transcrita por Hélio Galvão,
registra o trabalho árduo e difícil dos religiosos. Os padres ajudavam ao
exército com os acostumados exercícios da Companhia, que eram "a
edificação de todos, pregando, confessando, fazendo amizades e não se
negando a nenhum trabalho, de dia e de noite, como no acudir aos índios
nossos amigos, que nos ajudavam na guerra, por adoecerem gravemente de
bexigas e, quando era possível, acudiam a curar e consolar na morte".
No processo de pacificação, os missionários não agiram sozinhos.
Contaram com o apoio de alguns chefes nativos: Mar Grande e Pau Seco,
entre outros. Os líderes potiguares foram negociar a paz com os brancos
porque as suas mulheres exigiram o fim das hostilidades. Contribuíram também
com o processo de cristrianização de seus irmãos ao lado dos missionários.
Não se pode esquecer, igualmente, o desempenho de Jerônimo de
Albuquerque que foi de suma importância. Filho de Jerônimo Santo Arco Verde
(Ubirá - Ubi) que, por sua vez, era filha do chefe nativo Arco Verde. Mestiço,
possuía sangue tupi em sua veia; corajoso e hábil, falando o idioma nativo,
desfrutava de grande influência entre os habitantes de todo o Nordeste.
A paz era o anseio das duas facções em luta e as negociações
obtiveram êxito. Terminadas as hostilidades, Manuel Mascarenhas Homem
partiu para a Bahia, com o objetivo de relatar os acontecimentos ao
governador, D. Francisco de Souza que, sem demora, determinou que fossem
solenemente celebradas as pazes. Isso aconteceu no dia 11 de junho de 1599,
na Paraíba, na presença de muitas autoridades - Mascarenhas Homem;
Feliciano Coelho de Carvalho, ouvidor-mor geral, e Brás de Almeida; de
diversos chefes nativos; do intérprete frei Bernadino das Neves e do apóstolo
dos potiguares, padre Francisco Pinto. As pazes foram finalmente ratificadas e
estava assim assegurada a posse definitiva da terra, ou mais precisamente da
Capitania do Rio Grande.
Um presente dado por Felipe II ao império lusitano ...
Dúvidas Históricas: A Cidade do Natal

Expulso o francês, construída uma fortaleza, faltava apenas fundar


uma cidade. E esse era, dos três objetivos, provavelmente o mais fácil de ser
executado. Acontece que, graças à destruição de documentos pelos
holandeses, a história da fundação da capital potiguar se perdeu, talvez, para
sempre. A luta dos historiadores norte-rio-grandenses para reconstruir tal
acontecimento tem gerado uma grande controvérsia através dos tempos. As
pesquisas começaram a dar bons frutos e a questão começa agora a ficar mais
clara, com alguns problemas solucionados.
Ainda hoje se discute quem teria sido o fundador da Cidade do
Natal. Os primeiros cronistas indicavam o nome de Jerônimo de Albuquerque,
alegando que, por sua participação no processo de pacificação, com sua garra
e valentia, teria sido o primeiro capitão-mor do Rio Grande e logo depois
fundado Natal. A informação se baseava muito mais na intuição do que em
qualquer base documental. É, portanto, compreensível que os primeiros
historiadores se confundissem. Frei Vicente Salvador, por exemplo, narra o
seguinte: "Feitas as pazes com os potiguares, como fica dito se começou logo
a fazer uma povoação no Rio Grande a uma légua do forte, a que chamam a
Cidade dos Reis, a qual governa também o capitão do forte que El Rei costuma
mandar cada três anos".
Outro historiador, Francisco Adolfo Varnhagen, avança mais nas
explicações se valendo de detalhes: "Feitas as pazes com os índios, passou
Jerônimo de Albuquerque a fundar no próprio Rio Grande uma povoação. E
como era para isso imprópria a porção do arrecife ilhada (em preamar) onde
estava o forte, segundo ainda hoje se pode ver, escolheu para isso o primeiro
chão elevado e firme, que se apresenta às margens direitas do rio, obra de
meia légua acima de sua perigosa barra (...). A dita povoação, depois vila e
cidade, de cujo nome não conseguiu fazer - se digna por seu correspondente
crescimento, se chamou de Natal em virtude, sem dúvida, de se haver
inaugurado o seu pelourinho ou a igreja matriz a 25 de dezembro desse ano da
fundação (1599)".
Vicente de Salvador confundiu a "povoação dos Reis" com a futura
capital do Rio Grande do Norte. Na realidade, durante a construção da
fortaleza, Manuel Mascarenhas Homem mandou erguer algumas casas para
abrigar os oficiais que participaram da tentativa de conquista. Com isso, surgiu
uma povoação que se chamou de Santos Reis. Natal seria fundada,
posteriormente, e não tinha nenhuma relação com a povoação que nasceu
próxima daquele edifício militar...
Varnhagen vai mais além, descreve a evolução daquele núcleo
urbano: "A dita povoação, depois vila e cidade". Essa afirmação, porém, não é
sustentável. Natal como disse Câmara Cascudo, "nasceu cidade". Não há,
desse modo, nenhuma relação com a primitiva povoação que floresceu nas
proximidades da fortaleza. A razão é clara: Felipe III mandou que se fundasse
uma cidade e não uma povoação... Natal surgiu no local onde floresceu a
povoação. Natal nasceu cidade, porém, sem casas e sem ruas, aumentando a
controvérsia.
A Capitania do Rio Grande possuía dois núcleos: uma povoação em
decadência e uma cidade que, na prática, não existia... Mas aos poucos, com o
passar do tempo, começava a surgir. Essa situação provocou muita confusão
entre os autores, como demonstram as diversas denominações que Natal
recebeu: "Natal los Reys", "Cidade dos Reis", "Cidade do Natal do Rio Grande"
e até o nome muito estranho de "Cidade de Santiago"...

Afinal, quem fundou Natal?

A primeira versão que contou no início com a quase unanimidade


dos historiadores, inclusive dos pesquisadores da terra, era a que apontava
Jerônimo de Albuquerque como fundador da Cidade do Natal. Essa teoria, que
tem entre seus defensores ilustres nomes, como Vicente Lemos, Tavares de
Lyra e Tarcísio Medeiros, em síntese seria a seguinte: Mascarenhas Homem
nomeou Jerônimo de Albuquerque comandante da fortaleza e depois seguiu
para a Bahia com a finalidade de prestar contas da missão que desempenhara,
por determinação do governador-geral do Brasil. Veio a seguir a pacificação
dos nativos e, em seguida, a fundação da cidade. Como Jerônimo se destacou
no processo e era o capitão-mor da Capitania do Rio Grande, logo fora ele o
fundador de Natal. Tavares de Lyra chega até a afirmar que "é de presumir".
Portanto, não se tratava de fato e, sim, de uma possibilidade.
Com o avanço das pesquisas, ficou provado que Mascarenhas
Homem não designou Jerônimo de Albuquerque para exercer a função de
capitão-mor do Rio Grande e, o que é mais importante, Jerônimo não se
encontrava presente na data da fundação da cidade e portanto não pode ser
considerado como sendo seu fundador ...
Luís Fernandes (1932) defendeu ter sido Manuel Mascarenhas
Homem o fundador da Cidade do Natal. Alegava que, construindo o primeiro
edifício (a fortaleza) e ainda as casas que deram origem à povoação que se
formou próxima à fortaleza, seria o verdadeiro padrinho da cidade.
Argumentação falha, considerando que o novo centro urbano não possuía
nenhuma relação com tudo o que existia anterior à data da sua fundação.
José Moreira Brandão Castelo Branco publicou em 1950, na revista
Bando, o texto "Quem fundou Natal", onde defendia a tese de ser João
Rodrigues Colaço o provável fundador da capital potiguar. Posteriormente,
esse estudo foi publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte, em 1960, provocando uma polêmica. Câmara Cascudo
chegou inclusive a apoiar a teoria defendida por Castelo Branco (1955). Pouco
tempo depois mudou de opinião, acreditando que o fundador da cidade teria
sido outro: "Para mim, o padrinho da Cidade do Natal foi Mamuel de
Mascarenhas Homem, capitão-mor de Pernambuco, comandante da expedição
colonizadora:. E argumenta: "Continuava tão interessado no cumprimento das
reais determinações que fora à Paraíba, em juno desse 1599, assistiu à
solenidade do contrato das pazes com os potiguares, ato possibilitador da
criação da Cidade seis meses depois. Acontece que, nessa época,
Mascarenhas Homem estava em Natal onde concedeu, a 9 de janeiro de 1600,
data nesta fortaleza dos REIS MAGOS (...), a primeira sesmaria, à margem
esquerda do rio, numa água a que chamam da Papuna, justamente ao capitão
João Rodrigues Colaço, seu subalterno. Não abandonaria funções de
governaça se não tivesse deveres de suma importância, como satisfazer a
última parte das instruções do rei, participando da fundação da cidade. Não
outra explicação para a sua presença em Natal. Tinha sido encarregado da
missão e deveria cumpri-la até o final".
Essa teoria se fundamenta nos seguintes pontos:
1 - A presença de Manuel Mascarenha em dois eventos:
a) Solenidade da ratificação da paz com os nativos.
b) Data da fundação da cidade.
2 - E, ainda, os seguintes argumentos:
a) Doou a primeira sesmaria no Rio Grande do Norte a João
Rodrigues Colaço, ato administrativo que provaria que estava à frente do
governo da capitania.
b) Mascarenhas Homem tinha como missão expulsar os franceses,
construir uma fortaleza e fundar uma cidade. Deveria executar objetivos e,
assim, teria para cumprir a última missão: a fundação de Natal.
Manuel Mascarenhas Homem prestigiou os eventos citados como
representante do governador-geral do Brasil e foi representando D. Francisco
de Souza que doou a sesmaria a colaço. É bom lembrar que, como
comandante de uma expedição militar, ele não poderia doar sesmaria ...
Mascarenhas Homem construiu a fortaleza de madeira, lançando os
fundamentos da fortaleza definitiva. Expulsou os franceses, mas não fundou a
cidade do Natal porque em dezembro de 1599 já existia um governante, o
capitão-mor João Rodrigues Colaço, habilitado legalmente para fundar a cidade
e iniciar o processo de colonização...
Não se pode esquecer, também, que no documento da doação de
capitão da fortaleza, D. Manuel Mascarenhas Homem disse claramente que
"por mandato do dito Senhor vim conquistar este Rio Grande e fazer nele a
fortaleza dos Reis Magos". Não afirma que veio fundar uma cidade e, no
entanto, Natal já estava fundada! Chega-se a uma conclusão: Manuel
Mascarenhas não fundou a Cidade do Natal. Falta examinar apenas a teoria
que defender ter sido João Rodrigues Colaço o verdadeiro fundador.
Vicente Lemos foi o primeiro historiador a afirmar que João
Rodrigues Colaço teria sido o homem que exerceu, pela primeira vez, a função
de capitão-mor do Rio Grande, numa nota publicada na revista do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Vol. 6, página 138: A conquista
iniciada em princípios de 1598, e na qual tanto distinguiu-se Jerônimo de
Albuquerque, remete no ano seguinte, e, ciente D. Francisco de Souza,
governador-geral do Brasil, de bom êxito da empresa, nomeou capitão-mor do
forte a João Rodrigues Colaço, o primeiro que realmente governou a capitania".
Depois, entretanto, Vicente de Lemos muda de opinião. No seu livro
"Capitães Mores e Governadores do Rio Grande do Norte", declarou que
Jerônimo de Albuquerque foi o fundador da Cidade do Natal.

Fasículo 3
Capitania do Rio Grande
Novas Luzes Sobre a Fundação de Natal
Foi o escritor José Moreira Castelo Branco quem procurou
solucionar, de maneira definitiva, o problema da fundação de Natal. Com base
numa exaustiva pesquisa, publicou um estudo intitulado "Quem Fundou Natal",
onde provou que João Rodrigues Colaço foi de fato o primeiro capitão-mor do
Rio Grande. Apresentou dois documentos, encontrados por Serafim Leite. Um
deles é uma carta do provincial Pero Rodrigues, que registrava o trabalho de
catequese realizado no Rio Grande pelos padres Francisco Pinto e Gaspar de
Samperes, e diz ainda que "a tudo isso se achava presente o capitão da
fortaleza, João Rodrigues Colaço".
Em seguida, Castelo Branco faz o seguinte comentário: "isto ocorria
em março ou abril de 1599, porque a 19 deste último mês, já os ditos padres, a
fim de satisfazerem uma exigência do príncipe Pau Seco, para melhor garantia
e tornar a pacificação mais firme, partiam do forte do Rio Grande, em vista às
aldeias dos potiguares, até chegar às de Capaoba, donde seguiram com
destino à Paraíba".
O segundo documento, atribuído a Gaspar de Samperes, afirma o
seguinte: "João Rodrigues Colaço, o primeiro capitão que foi daquela
capitania".
Castelo Branco, apresentando essas provas, constatou ter sido
Rodrigues Colaço o primeiro capitão-mor do Rio Grande e, ainda, através do
documento em que dom Manuel Mascarenhas Homem deu sesmaria a João
Rodrigues Colaço, se comprova que esse senhor governava a capitania em
janeiro de 1600. Após examinar tudo isso, Castelo Branco conclui dizendo que
"o primeiro capitão-mor do Rio Grande foi João Rodrigues Colaço, que
governava no ano de 1599, devendo, por isso, ter sido o fundador da Cidade
do Natal".
Como Castelo Branco não se posicionou de maneira categórica,
usando, inclusive, a expressão "devendo, por isso, ter sido o fundador", não
fechava a questão, deixando o problema em aberto. É que o autor não
dispunha de nenhum documento oficial que confirmasse a sua teoria.
A importância do estudo de Castelo Branco, contudo, é muito
grande. Elaborou uma tese, hoje vitoriosa. Abriu novas perspectivas, trazendo
uma contribuição significativa e despertando a curiosidade de outros
historiadores. A sua teoria, portanto, ficou no terreno das possibilidades, ou
seja, uma abordagem perfeitamente válida.
Permitiu, por outro lado, que a versão que defendia sem dom
Manuel Mascarenhas Homem o fundador da Cidade do Natal ganhasse novos
adeptos: Hélio Galvão e Luís da Câmara Cascudo.
Tarcísio Medeiros divulgou, pela primeira vez, em fevereiro de 1973,
o Alvará de Nomeação de João Rodrigues Colaço, em seu livro "Aspectos
Geopolíticos e Antorpológicos da História do Rio Grande do Norte". Através
desse alvará se constata o seguinte:
1 - João Rodrigues Colaço foi nomeado capitão da Fortaleza, pelo
governador geral do Brasil, dom Francisco de Souza, confirmado,
posteriormente, pela metrópole.
2 - Não houve, portanto, interrupção, desde a data de nomeação,
pelo governador geral do Brasil, dom Francisco de Souza, até a designação
real, através do alvará de 18 de janeiro de 1600.
Esse alvará era, justamente, o documento oficial que Castelo Branco
reclamava e que, infelizmente, não chegou a conhecer.
O historiador Olavo de Medeiros Filho, em seu livro "Terra
Natalense", afirmou o seguinte: "Quando à transmissão do comando da
fortaleza a Jerônimo de Albuquerque, referida por frei Vicente, não há respaldo
documental. Conforme se verifica, através da leitura da Relação de Ambrósio
de Siqueira, de 24 de junho de 1598 até 5 de julho de 1603, houve a presença
de um capitão-mor da fortaleza e da Capitania do Rio Grande, de João
Rodrigues Colaço, o qual foi provido pelo governador geral do Brasil, dom
Francisco de Souza".
Essa informação é importante porque deixa claro que João
Rodrigues Colaço recebeu o comando da fortaleza após a sua conclusão e não
posteriormente, como se dizia no passado.
Jerônimo de Albuquerque, portanto, não foi designado capitão da
fortaleza por Mascarenhas Homem no dia 24 de junho de 1598.
É possível também concluir que João Rodrigues Colaço foi,
inicialmente, designado para responder pelo comando da fortaleza, por
Mascarenhas Homem, e somente depois foi nomeado capitão-mor da
Capitania do Rio Grande, pelo governador geral do Brasil, e, finalmente,
confirmado nessa função, pelo governo metropolitano.
Examinando os documentos encontrados pelo padre Serafim Leite e
publicados no livro "História da Companhia de Jesus no Brasil"; a "Carta de
Doacão de Sesmarias a João Rodrigues Colaço", publicada pela revista do
Instituto Histórico e Geográfico no Rio Grande do Norte; a "Relação de
Ambrósio de Siqueira", transcrita em parte - um pequeno trecho - por Olavo de
Medeiros Filho, em "Terra Natalenses"; o Alvará de Nomeação de João
Rodrigues Colaço, divulgado por Tarcísio Medeiros em "Aspectos Geopolíticos
e Antropológicos da História do Rio Grande do Norte" e, ainda, "Quem Fundou
Natal", de Castelo Branco, fica claro o seguinte" João Rodrigues Colaço foi
nomeado capitão da fortaleza por dom Francisco de Souza, sendo o primeiro a
exercer tal função no Rio Grande, e como continuava governando a capitania,
em janeiro de 1600, foi ele, JOÃO RODRIGUES COLAÇO QUEM FUNDOU A
CIDADE DO NATAL, NO DIA 25 DE DEZEMBRO DE 1599.

A Nobre Sobriedade de João Rodrigues Colaço

Era militar. Casado com dona Beatriz de Menezes, filha de Henrique


Muniz Teles.
Falando sobre o caráter e a personalidade de Colaço, disse Hélio
Galvão: "a nobre sobriedade de suas respostas sobre alguns temas, revela um
homem de caráter marcado, de personalidade alheia a condicionamentos
eventuais".
Olavo de Medeiros Filho informa que "no período de 15 de agosto de
1595 a 15 de março de 1596, era capitão de uma companhia transferida do
Recife para a Bahia. A referida companhia, àquela data, retornou a
Pernambuco.
Um fato que ninguém pode negar é que João Rodrigues Colaço
pode ser considerado um dos primeiros provoadores do Rio Grande, nascido
na Europa. Por essa razão é que requereu ao representante do governador
geral do Brasil, Manuel Mascarenhas Homem, uma sesmaria, com 2.600
braças, onde possuía inclusive roçados. Tinha, também, escravos da Guiné.
Colaço assumiu o cargo de capitão da fortaleza no dia 24 de junho
de 1598, como comprova a "Relação de Ambrósio Siqueira".
Olavo de Medeiros Filho afirma que no "período de 26 de novembro
de 1601 a 6 de março de 1602, nenhuma data e sesmaria foi concedida pelo
governo de Rodrigues Colaço". Segundo esse autor, provavelmente, nessa
época, teria acontecido um conflito entre portugueses e nativos, descrito por
Anthony Knivet. O episódio teria acontecido da seguinte maneira: os
potiguares, em grande número, cercaram a Cidade do Natal. Aprisionaram e
mataram muitos homens. Mascarenhas Homem, ao tomar conhecimento do
fato, partiu de Pernambuco e surpreendeu o inimigo que se encontrava,
naquele instante, devorando os prisioneiros mortos. Estavam ébrios. E sem a
menor condição para reagir. Foram, então, massacrados. Muitos morreram,
sendo assassinados a pancadas! O saldo da chacina: cinco mil mortos! O
chefe Pirajuva (Barnatana de um Peixe) solicitou e obteve de Manuel
Mascarenhas Homem, a paz.
João Rodrigues Colaço, possivelmente, se encontrava ausente da
capitania. Não há registro de nenhum envolvimento de Colaço no
acontecimento, antes ou depois do ocorrido.
Frei Vicente do Salvador narra, na sua História do Brasil, um fato
interessante, que teria se passado durante o governo de João Rodrigues
Colaço: o bispo de Leiria condenou um homem a passar três anos no Brasil,
"onde tornará rico e honrado". O degredado se casou com uma mulher
portuguesa e reuniu uma pequena fortuna. E, ainda, desfrutava da amizade de
Colaço e de sua esposa.
Não se sabe, até o momento, de outro feito de João Rodrigues
Colaço, a não ser a fundação da Cidade do Natal. Depois de ter concluído o
seu governo, voltou para Portugal. Não se tem outras notícias da sua presença
no Brasil. Não se sabe, também, onde e quando morreu. Mas a falta de
maiores dados sobre a vida de Colaço não justifica, de maneira alguma, a
retirada do único momento de glória que ele viveu: ser o verdadeiro fundador
da Cidade do Natal.
No momento em que Natal se prepara para comemorar os
quatrocentos anos de sua existência, ninguém pode deixar de fazer justiça ao
seu humilde, desconhecido, porém, verdadeiro fundador.

Uma Cidade sem Pressa de Crescer

No início não houve uma preocupação voltada para a construção de


prédios públicos. A fortaleza era suficiente. Outro edifício, cuja construção foi
iniciada na época da fundação da cidade, foi o da matriz.
Durante o processo de conquista e de pacificação, a capitania
conheceu apenas duas atividades: a dos soldados, construindo a fortaleza e
lutando contra os nativos; e a segunda, marcada pela atuação dos
missionários, ajudando enfermos e buscando a conciliação com os potiguares.
Entre outros, se destacaram os seguintes religiosos: Francisco das
Neves Pinto. Os primeiros atos missionários foram realizados dentro da própria
fortaleza.
Pedro Moura registra a construção de uma igreja, por Martim Soares
Moreno, sob a proteção de Nossa Senhora do Patrocínio. Colheu tal
informação em Miliet, por sinal, o único cronista a falar sobre aquele edifício.
Em 1598, Natal já era freguesia e o seu primeiro vigário, padre
Gaspar Gonçalves da Rocha. Olavo de Medeiros Filho transcreveu, em "Terra
Natalense", o seguinte texto de frei Agostinho de Santa Maria: "foi levantada
uma paróquia que se dedicou à Rainha dos Anjos, Maria Santíssima, com o
título de Apresentação, quando seus santíssimos pais, Joaquim e Ana, a foram
oferecer no Templo, sendo de idade de três anos. Na capela-mor se colocou,
depois, um grande e formoso quadro de pintura, em que se vê o mesmo
mistério da Senhora historiada".
O primeiro documento que registra a matriz, em Natal, data de 1614,
quando diz que a igreja não tinha portas. A igreja matriz teria sido concluída em
1619. Foi, entretanto, destruída pelos holandeses.
As datas concedidas no Rio Grande, como disse Olavo de Medeiros
Filho, "no período de 1600 a 1614, acham-se discriminadas no "Traslado do
Auto da Repartição das Terras da Capitania".
A cidade não crescia, "andava", ou seja, se arrastava lentamente,
rumo ao futuro. Conta Luís da Câmara Cascudo que "os trinta e quatro anos de
cidade, 1599 - 1633, foram lentos, difíceis e paupérrimos. Interessava ao rei o
forte, a situação territorial. Raríssimas mulheres brancas. Cidade apenas no
nome".
Havia, entretanto, uma coisa positiva. A pescaria que, segundo as
testemunhas da época, era da melhor qualidade. Abastecia a população local e
exportava para os Estados vizinhos, Paraíba e Pernambuco.
A maneira de viver da população, naquela época, foi descrita por
Câmara Cascudo: "os moradores viviam espalhados nos sítios ao redor,
plantando roças, caçando, colhendo frutos nos tabuleiros, pouca criação de
gado que se desenvolveria vertiginosamente a ponto de ter 20.000 cabeças em
1633, e as pescarias, de anzol, rede e curral. Havia o sal, colhido nas marinhas
do outro lado do rio, Igapó, Aldeia Velha, antigas malocas dos potiguares. O
peixe salgado e seco foi um dos produtos mais rapidamente divulgado, com
mercados abundantes e fáceis".
Era, de fato, um lento caminhar. A cidade não tinha pressa em
crescer. Para complicar, dentro em breve deveria de passar por sua fase mais
difícil: o período de invasão holandesa, quando teve prédios e documentos
destruídos, retardando, mais ainda, o seu desenvolvimento.

Domínio Holandês

De João R. Colaço à Invasão Holandesa

Esta é uma fase das mais obscuras da História do Rio Grande do


Norte, por uma razão muito simples: "nos arquivos do Estado não se
encontrava nenhum documento anterior à conquista holandesa. Nesse período,
que se estende 1633 a 1654, foram todos destruídos", como narra Tavares de
Lyra.
Fica difícil inclusive de se estabelecer a data da posse de alguns
governantes. Atualmente foi desfeita a dúvida sobre quem teria sido o primeiro
capitão-mor do Rio Grande do Norte: João Rodrigues Colaço, fundador da
Cidade do Natal.
A primeira casa que serviu de sede da administração da capitania foi
a Fortaleza da Barra do Rio Grande ou, como é mais conhecida, Fortaleza dos
Reis Magos. Falando sobre esse fato, disse Luís da Câmara Cascudo: "era a
residência do capitão-mor, sendo administrativa, comando militar, quartel e
refúgio dos raros moradores. Os soldados moravam dentro do forte e qualquer
comoção geral levava os colonos, às carreiras, para as muralhas imponentes
que garantiam o avanço no setentrião do Brasil".
Foi nessa fortaleza que moraram e governaram a Capitania do Rio
Grande, os capitães-mores, até a invasão holandesa.
Alguns historiadores elaboram listas, procurando estabelecer, por
ordem cronológica, os sucessores de João Rodrigues Colaço.
Vicente Lemos escreveu um clássico sobre o assunto: "Capitães-
Mores e Governadores do Rio Grande do Norte". Acontece, entretanto, que
permaneceram algumas dúvidas.
Varnhagen, Tavares de Lyra, Vicente Lemos e Câmara Cascudo
classificam como sendo os primeiros governantes da Capitania do Rio Grande:
Manuel Mascarenhas Homem (comandante da expedição que tentaria a
conquista), Jerônimo de Albuquerque, João Rodrigues Colaço e novamente
Jerônimo de Albuquerque. Equívoco que, felizmente, já foi devidamente
esclarecido: o primeiro capitão-mor do Rio Grande do Norte foi Colaço. Manuel
Mascarenhas Homem não governou o Rio Grande, apenas foi o capitão da
conquista que, por sinal, não houve, porque a posse foi efetivada através de
um processo de pacificação...
A lista dos governantes do Rio Grande do Norte começa, portanto,
com João Rodrigues Colaço, sendo que Jerônimo de Albuquerque governou
apenas uma só vez!
Os sucessores desses dois foram os seguintes: Lourenço Peixoto
Cirne, Francisco Caldeira de Castelo Branco, Estevão Soares de Albergaria,
Ambrósio Machado de Carvalho. Como sucessor desse último, era apontado,
por alguns, Bernardo da Mota. Hoje, o equívoco foi corrigido: o sucessor de
Ambrósio Machado de Carvalho foi, na realidade, André Pereira Temudo, que
foi nomeado a 18 de março de 1621.
Tavares de Lyra pergunta: "Quem substituiu Francisco Gomes de
Melo?", para depois, com base no que escreveu Domingos da Veira, ele
mesmo responder: "a ordem de sucessão foi esta: Francisco Gomes de Melo,
Bernardo da Mota, Porto Carreiro".
Câmara Cascudo, escrevendo em 1961, confirma Tavares de Lyra.
Depois de Francisco Gomes de Melo, os sucessores foram: Bernardo da Mota
e Cipriano Porto Carreiro.
Quando os holandeses atacaram o Rio Grande, Pero Mendes de
Gouveia governa a capitania.

Os Holandeses no Brasil: A Bahia

A primeira tentativa de implantar uma colônia no Brasil, pelos


neerlandeses, foi na Bahia. Os armadores holandeses conheciam o Brasil,
mantendo relações amistosas com os portugueses, durante os reinados de
João III, D. Sebastião e o cardeal D. Henrique. Com a anexação de Portugal e
suas colônias pela Espanha, a situação mudou. Felipe IV, inimigo dos Países
Baixos, determinou "o confisco dos navios flamengos que estivessem nos
portos de seus novos domínios, europeus, africanos, asiáticos e americanos".
Fugitivos da Bahia contaram na Holanda como seria fácil conquistar
Salvador, devido à precariedade do sistema montado para defender a colônia.
Um deles, Francisco Duchs, chegou a participar do ataque que resultou na
capitulação da Bahia, em 1625. Guilherme Usselinex, porém, foi quem "propôs
e defendeu a idéia da formação de uma nova companhia, semelhante à
Oriental, que na Índia havia adquirido tantos lucros e vantagens", como disse
Varnhagen.
O sonho de dominar o Brasil era antigo, porém, como desfrutavam
de lucros com a participação no comércio, durante o governo português
deixaram de lado tal idéia. Agora, a situação era diferente. Os espanhóis se
apresentavam como inimigos. Deviam, portanto, aproveitar a oportunidade para
se apossarem do Brasil foi a criação da Companhia Privilegiada das Índias
Ocidentais, pela Carta Patente de 3 de junho de 1621.
A companhia decidiu atacar a Bahia, mas precisamente Salvador,
capital da colônia, que, segundo eles, arrecadava 8.000 florins anuais....
E, como narra Varnhagen, "equipou-se uma grande armada de que
foi nomeado almirante Jacob Willekens, vice-almirante o bravo e venturoso
Pieter Pieterzoon Heyn, e comandante das tropas e governador das futuras
conquistas Johan Van Dorth. Consatava a expedição de vinte e três iates,
armados com quinhentos e nove bocas de fogo, tripulados de mil e seiscentos
marinheiros e guarnecidos de mil e setecentos homens de desembarque".
A notícia de que a Holanda iria atacar a Bahia chegou ao Brasil. O
governador geral, Diogo de Mendonça Furtado, procurou tomar todas as
providências, porém, encontrou dificuldades, até mesmo má vontade, como era
o caso do bispo D. Marcos Teixeira.
A 8 de maio de 1624 os holandeses chegaram a Salvador e, após
dois dias de luta, dominavam a cidade. Preso Diogo de Mendonça Furtado,
Johan Van Dorth passou a governar. Os batavos, contudo, não foram felizes. O
povo que havia abandonado a cidade, passado o susto, procurou reagir,
crescendo a figura de D. Marcos Teixeira, apesar de sua idade bastante
avançada. Esgotado, não suportou as vicissitudes e veio a falecer.
Os holandeses, entretanto, tiveram também suas baixas. Cedo
perderam o cel. Van Dorth. O seu substituto, Albert Schenteu, também morreu,
sendo sucessor Wielen Schauten. Matias de Albuquerque, em Pernambuco,
assumiu o governo da colônia e enviou para a Bahia um reforço, sob o
comando de Francisco Nunes Marinho.
A metrópole mandou uma esquadra, chefiada por D. Francisco de
Moura. A armada, depois de passar por Pernambuco, foi para a Bahia, onde
realizou o cerco de Salvador. Era preciso, contudo, muito mais.
Filipe II, diante da repercussão negativa pela grande derrota, cuja
conseqüência foi a perda da Bahia, resolveu tomar uma decisão mais firme e,
então, enviou ao Brasil a maior expedição militar que atingiu o continente
americano até aquele momento, com mais de 12.000 homens e 70 navios,
ficando conhecida na História como "Jornada dos Vassalos". D. Fadrique de
Toledo Osório assumiu o comando. Da expedição participaram não somente
militares das duas nacionalidades, Espanha e Portugal, como figurar ilustres.
No dia 22 de março de 1625, a armada atingiu a Bahia e a 01 de
maio Salvador estava libertada.
Os holandeses, contudo, não desistiram de se apossar
definitivamente do Brasil...

Os Holandeses no Brasil: O Nordeste

A Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais resolveu fazer nova


investida contra a colônia luso-espanhola. O alvo, agora, seria Pernambuco,
com mais de 130 engenhos, cuja safra ultrapassava as mil toneladas, fazendo
de Pernambuco "a principal e mais rica região produtora de açúcar do mundo".
No aspecto militar, o Nordeste brasileiro estava desguarnecido e, assim, não
tinha condições de resistir a um ataque de uma grande esquadra.
A notícia sobre uma nova invasão holandesa ao Brasil se espalhava,
rápida, pela Europa. Matias de Albuquerque, que se encontrava em Madri, foi
nomeado "Governador e Comandante Supremo do Nordeste". O governador
geral Diogo Luís de Oliveira recebeu instruções da metrópole para reforçar e
melhorar o sistema de defesa da Bahia e Pernambuco.
Matias de Albuquerque partiu para o Nordeste brasileiro com poucos
soldados, um reforço verdadeiramente ridículo diante da grande ameaça. Ao
chegar em Pernambuco constatou que, para fazer frente aos holandeses,
contava apenas com tropas que, na sua maioria, eram integradas por homens
inexperientes... Não precisava, portanto, ser vidente ou estrategista militar para
prever que, em caso de uma invasão em grande escala, haveria de se repetir
exatamente o que aconteceu em Salvador.
No dia 15 de fevereiro de 1630, uma poderosa esquadra holandesa,
com mais de 50 navios e 7.000 homens, sob a chefia de Hendrick Cornelizon
Loncg, atacou Recife com toda sua força. Resistência heróica, porém, ineficaz
e, assim, a 3 de março, caíram Olinda e Recife. Mas Matias de Albuquerque
não desistiu e, adotando a tática de guerrilha, concentrou suas forças no Arraial
do Bom Jesus. Os colonos levaram uma grande vantagem: conheciam a terra e
atiravam desse fator o máximo que podiam, impedindo, ou melhor, retardando
a vitória dos flamengos.
A 20 de abril de 1632 ocorre um fato que vai mudar o destino da
guerra: a deserção, para o lado dos invasores, de Domingo Fernandes
Calabar. Profundo conhecedor da região, passou a fornecer as informações
que os neerlandeses precisavam e, dentro em breve, ampliaram o seu domínio,
destruindo inclusive o Arraial do Bom Jesus.
A guerra trazia enormes prejuízos. A Companhia das Índias
Ocidentais resolveu enviar o conde Jos'r Maurício de Nassau Siegen, com
amplos poderes para pacificar a população e promover o desenvolvimento da
colônia, para enfim adquirir os tão sonhados lucros. Começava outra fase da
dominação holandesa.
O conde de Nassau veio com o título de "Governador Capitão
General e Almirante de Terra e Mar". Vinha, portanto, para administrar e
consolidar a conquista. Chegou no dia 23 de janeiro de 1637 no Recife. E se
apaixonou pelo País dos mais belos do mundo.
O conde de Nassau era, no dizer de Jânio Quadros, uma "figura do
renascimento, amigo e protetor de letrados e artistas e comprazendo-se na sua
companhia, seria ainda um administrador capaz, culto, enérgico e generoso".
Nassau, apesar de ter feito uma grande administração, contudo, não
se encontra isento de críticas. Hélio Viana apresentou, de maneira objetiva, o
outro lado da personalidade do governante holandês: "interesseiramente
protegeu os judeus, que para isso pagavam-lhe uma contribuição, a ponto de
suscitar reclamações. E teve motivos inconfessáveis para amparar os
calvinistas, pois uma de suas amantes no Brasil foi exatamente a filha do
respectivo pastor. Quanto aos católicos, se por interesse político durante algum
tempo permitiu seu culto, não tardou a persegui-los, expulsando do território
ocupado".
Trouxe consigo artistas, (Frans Jasz Post) e cientistas (Jorge
Marograv e Wielen Piso), ganhando fama de mecenas.
Entre seus feitos podem ser citados os seguintes: apoio os senhores
de engenho, tomando medidas que asseguravam uma melhor produção de
açúcar; reformulou a administração pública; procurou acalmar os ânimos dos
portugueses; proibiu que se cobrasse juros de 18% ao ano, além de promover
diversão para o povo.
Na área militar, realizou algumas conquistas (Alagoas, Ceará,
Sergipe), porém sofreu um grande revés na Bahia. O governo espanhol,
satisfeito com essa grande vitória, resolveu premiar os que nela se destacaram;
Bagnuolo foi feito príncipe de Nápoles, a D. Antônio Felipe Camarão foi
entregue uma comenda, a dos Moinhos de Soure etc.
A derrota de Nassau despertou Madri que organizou uma grande
esquadra, sob o comando do Conde da Torre, D. Fernando Mascarenhas, para
socorrer a colônia.
No dia 12 de janeiro de 1640, ocorreu o primeiro combate entre a
esquadra do Conde da Torre e a holandesa, comandada pelo almirante
Corweliszoon Loos e, após alguns combates - sem que houvesse uma batalha
decisiva -, o Conde da Torre desembarcou em Touros, Rio Grande do Norte,
mais de mil homens "sob comando do Mestre de Campo Luís Barbalho
Bezerra, destemido cabo de guerra que iria agora - numa travessia de
centenas de léguas, em busca da Bahia, por trilhas desconhecidas, em
território ocupado por conquistadores desalmados e bárbaras gentes, sem
recurso de qualquer natureza, forçado pela necessidade e estimulado pelo
patriotismo a escrever uma das páginas mais gloriosas da história da luta com
os invasores", segundo conta Tavares de Lyra.
Na altura do Potengi, Gartsmanm combate os comandados de Luís
Barbalho Bezerra. É derrotado e preso sendo levado como prisioneiro para a
Bahia.
Informa Tavares de Lyra: "A 15 de fevereiro de 1641, chega a notícia
da restauração de Portugal". Com D. João IV assumindo o trono de Portugal,
estava desfeita a "União Peninsular"...
Em 1642, Portugal assinou uma trégua com a Holanda. A 18 de abril
desse ano, Nassau foi notificado que deveria voltar à Europa em 1643.
Recebeu muitas homenagens, partindo somente em 1644.

A Insurreição Pernambucana

Alguns colonos estava descontentes com o domínio holandês, ainda


na administração de Nassau. Devido ao regime, muito duro, imposto pela
Companhia das Índias Ocidentais. Por outro lado, após a trégua com a
Holanda, Portugal almejava a devolução de suas colônias, porém, a Holanda
não concordava. Gerando, assim, um clima de hostilidade entre os dois
impérios. Diante do impasse, o governo português começou, secretamente, a
fomentar a revolta nas terras ocupadas.
Em 1642, André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira já
confabulavam, animados com a restauração do Maranhão. Não estavam
sozinhos. O governador geral Antônio Teles da Silva enviou em 1644,
experientes militares, liderados por Antônio Dias Cardoso, para Pernambuco,
para que atuassem como instrutores. Ainda nesse ano, André Negreiros e João
Fernandes, juntos elaboravam um plano para iniciar a reação contra os
holandeses, tudo feito secretamente porque a trégua entre Holanda e Portugal
não permitia se agisse às claras. Dentro desse contexto, em 1644, Henrique
Dias e seu batalhão negro seguiam da Bahia para Pernambuco, como se
estivessem fugindo. E, logo depois, D. Antônio Felipe Camarão, com seus
nativos, segue o mesmo rumo, oficialmente perseguindo os fugitivos ...
Em 15 de maio de 1645, João Fernandes Vieira e Antônio
Cavalcanti, na várzea de Capibaribe. Assumiam um compromisso para lutar
"em nome da liberdade divina". Pouco dias depois, ou seja, 23 de maio, os dois
juntamente com outras personalidade (16), assinavam um documento onde
demonstravam sua disposição de lutar pela "restauração de nossa pátria".
A insurreição começou no dia 3 de junho de 1645, na várzea do
Capibaribe. Em agosto, os comandados de João Fernandes Vieira
ultrapassavam mil homens!
Entre as batalhas que obtiveram maior significação podem ser
apontadas: a de Tabocas, em 1645, quando os revoltosos venceram os
batavos do coronel Hans e do capitão Blauer. E as duas batalhas de
Guararapes. A primeira, em 19 de abril de 1648, com os revoltosos sendo
chefiados pelo mestre-de-campo general Francisco Barreto e, ainda, as tropas
de André Vidal, de Henrique Dias, de Antônio Felipe Camarão e de Vieira. Os
holandeses tinham no tenente-general Sigismundo von Schoppe seu principal
líder. A vitória sorriu para os coloniais. A segunda, que se realizou em 18 de
fevereiro de 1649, foi mais uma derrota dos neerlandes. Era, praticamente, o
fim do domínio holandês no Brasil.
A Holanda passava por uma crise, estando envolvida na "Guerra de
Navegação" contra os ingleses, forçando desviar a atenção e recursos que
seriam destinados ao Brasil. A Inglaterra, interessada na destruição de sua
rival, passou a ajudar a colônia portuguesa em sua luta contra os batavos.
Através do "Ato de Navegação", de Cromwell, ficaram os holandeses sem
liberdade de ação no mar, onde até aí haviam gozado de inegável supremacia',
como disse Hélio Vianna.
A expulsão dos holandeses foi, sobretudo, uma grande vitória dos
portugueses, mestiços e, também, uma bela participação de negros e nativos.
Fez nascer, ou pelo menos reforçou, o sentimento nativista, nacionalista.
Demonstrou toda a força de um novo tipo que estava nascendo: o brasileiro, e
lançava as bases de uma futura nação independente: o Brasil.

A Preparação Para Conquistar o RN

A Fortaleza da Barra do Rio Grande, pela sua beleza, impunha


respeito. Os holandeses sabiam da importância de cunho estratégico daquele
edifício militar. Possuíam, ao mesmo tempo, um certo temor. Começar, então,
a recolher o maior número de informações para elaborar um plano eficaz para
capturá-la.
A 19 de julho de 1625, o capitão Uzel Johannes de Laet fez um
reconhecimento, encontrando no Rio Grande um engenho e muito gado.
Em 1630, Adriano Verbo vinha com a "missão especial de ver, ouvir
e cantar", como resumiu Câmara Cascudo. Mesmo com essas informações, os
flamengos não se arriscaram a armar uma esquadra e tentar se apossar da
fortaleza.
No outro ano, o nativo Marcial, fugitivo dos portugueses, se
apresentou ao Conselho Político do Brasil Holandês. Objetivo: realizar uma
aliança com os batavos. Fornecendo, naturalmente, preciosos dados aos
flamengos. O Conselho Político, contudo, foi prudente... Enviou Elbert Simient
e Joost Closte ao Rio Grande, em 1631, para adquirir maior conhecimento da
região.
Foi nessa expedição que os batavos conseguiram, por sua sorte,
importante dados que se encontravam em poder dos portugueses e que
facilitaram, posteriormente, a conquista do Ceará. Os documentos se
encontravam com um português chamado João Pereira, que foi morto.

Fascículo 4
Tentativas de Conquista
O Fracasso do Primeiro Assalto
Após tantos estudos, os holandeses decidiram, finalmente, realizar a
conquista do Rio Grande.
Narra Câmara Cascudo: "A 21 de dezembro de 1631 partiram do Recife quatorze
navios, com dez companhias de soldados veteranos. Dois conselheiros da Companhia
assumiram a direção suprema, Servaes Carpenter e Van Der Haghen. As tropas eram
comandadas pelo Tenente-Coronel Hartman Godefrid Van Steyn-Gallefels. Combinaram
desembarcar em Ponta Negra, três léguas ao sul de Natal, marchando sobre a cidade".
O capitão-mor Cipriano Pita Carneiro reagiu, ordenando que seus liderados
abrissem fogo contra os invasores. Os holandeses, contudo, desistiram de realizar a conquista.
Depois, passaram por Genipabu, agindo como verdadeiros salteadores, legando duzentas
cabeças de gado...
Fracassou, assim, a primeira tentativa dos flamengos para dominar o Rio Grande.

A Rendição e a Tomada da Fortaleza

Ao que parece, os holandeses temiam encontrar uma fonte


resistência por parte dos defensores da fortaleza. Precisavam conquistar o Rio
Grande, sobretudo porque a captura desta capitania significava a solução para
o abastecimento de carne bovina para os batavos. Richshoffer, quando esteve
em Genipabu, não escondeu o seu entusiasmo: "consumimos mais carne
fresca do que no decurso de todo o ano anterior"...
Em 1632, não se realizou nenhum ataque.
Por que a tomada da fortaleza foi tão fácil?
A Fortaleza da Barra do Rio Grande estava apenas com um efetivo
de oitenta homens, sendo seu capitão-mor Pero Mendes de Gouveia, que lutou
como um bravo, mas cometeu um erro que lhe seria fatal: abandonou as dunas
próximas da fortaleza. Essas dunas deveriam ser defendidas. Caso contrário,
se os inimigos colocassem ali sua artilharia, transformariam aquele edifício num
alvo fácil de ser atingido. Foi exatamente o que aconteceu.
O capitão-mor Pero Mendes Gouveia agiu como se acreditasse que
as muralhas da fortaleza fossem inexpugnáveis... Erro tático, que o levou para
uma derrota inglória...
Os holandeses, ao contrário dos lusitanos, agiram como verdadeiros
profissionais da guerra, segundo interpretação de Hélio Galvão: "A operação foi
pré-traçada, dentro do quadro militar rígido: uma operação combinada".
No dia 5 de dezembro de 1633, partiu do Recife a esquadra sob o
comando do almirante Jean Cornelis Sem Lichtard. Comandava as tropas o
tenente-coronel Baltazar Bijma.
Afirma Câmara Cascudo: "Todo o dia 9 é de artilharia. Os
holandeses montam as peças de 12 libras e os morteiros lança-granadas
erguem trincheiras com cestões e sobem os canhões para os morros, a
cavaleiro do forte. De lá atiram, quase de pontaria, desmontando as peças
portuguesas. Assim 10, com trocas de descargas, gritos, toque de cornetas e
granadas. Dia 11 foi a mesma tarefa".
Tenente-coronel Bijma intimou o capitão-mor Pero Mendes Gouveia
para que se rendesse, através de uma carta. Resposta de Gouveia: "V. Excia.
deve saber que este forte foi confinado à minha guarda por S.M. Católica e só
a ela ou alguém de sua ordem o posso entregar". Atitude heróica, porém inútil.
A artilharia flamega, montada nas dunas próximas da fortaleza falava mais
alto...
Segunda-feira, dia 12 hasteada a bandeira branca pelos sitiados. O
capitão-mor Gouveia estava gravemente ferido. Por essa razão, não participou
das negociações para a entrega da fortaleza ao inimigo. Enfermo, não possuía
mais o comando. Fala-se, inclusive, em traição... Na realidade, as negociações
da rendição foram realizadas por pessoas estranhas, como registra Hélio
Galvão: 'Sargento Pinheiro Coelho, foragido de uma prisão na Bahia; Simão
Pita Ortigueira, preso na fortaleza, condenado à morte; Domingos Fernandes
Calabar, que viera na expedição".
Caía a Fortaleza da Barra do Rio Grande. Começava, a partir
daquela data, o domínio holandês no Rio Grande do Norte.
Os Massacres

A Destruição na Capela de Cunhaú

Segundo Câmara Cascudo, "o engenho Cunhaú foi construído na


sesmaria dada por Jerônimo de Albuquerque em 2 de maio de 1604 aos seus
filhos Antônio e Matias. Constava de 500 quadradas na várzea de Cunhaú e
mais duas léguas em Canguaretama".
No início do século, o engenho exportava açúcar para Recife.
Possuía um fortim, sob o comando do capitão Álvaro Fragoso de Albuquerque.
Foi construído por marinheiros de Dunquerque.
Esse fortim foi atacado, vencido e destruído pelo coronel Artichofski,
em outubro de 1634.
A Companhia confiscou o engenho de Antônio Albuquerque
Maranhão.
Depois, o engenho passou por várias mãos.
No dia 15 de julho de 1645, sábado, Jacob Rabbi apareceu em
companhia dos janduís, liderados por Jererera, no engenho de Cunhaú. A
simples presença dos tapuias e de potiguares causou pânico na população.
Jacob Rabbi trazia instruções de Paul Linge. Publicou um
documento, convidando a população para, no domingo, comparecer à capela
para participar de uma reunião, quando seriam transmitidas determinações do
Conselho Supremo.
A capelinha tinha como padroeira Nossa Senhora das Candeias.
A maioria do povo atendeu ao convite, lotando o templo. Tiveram,
entretanto, que deixar suas armas do lado de fora.
O padre André de Soveral, paulista de São Vicente, missionário e
tupinólogo, começou a celebrar a missa, considerando que a reunião seria
realizada após o ato religioso. Possuía entre 70 e 90 anos. Era muito querido
pelos seus paroquianos.
Os nativos se aproximaram da capela. Fecharam as portas. Os fiéis
compreenderam o que iria acontecer. Tarde demais. Quando o padre André
Soveral elevou a hóstia, era o sinal combinado, começou o massacre. As
vítimas mal tiveram tempo de pedir perdão de seus pecados. Gritos, súplicas,
gemidos.
Alguns tapuias procuraram atingir o sacerdote, André Soveral, então,
disse:
- "Aquele que tocar no padre ou nas imagens do altar terá os braços
e as pernas paralisados!"
Os tapuias recuaram, porém Jererera acertou um golpe violento no
sacerdote, que caiu. Ainda conseguiu se erguer, mas por pouco tempo,
tombando sem vida. Morreram, ao todo sessenta e nove pessoas.
A notícia se espalhou, provocando revolta. Iniciando, pouco depois,
a fase das represálias. Em outubro de 1645, apareceu o capitão João Barbosa
Pinto, matando holandês, com fúria selvagem. Em janeiro de 1646, Felipe
Camarão e o capitão Paulo da Cunha só não fizeram o mesmo porque não
encontraram inimigo para matar.
Após a expulsão dos holandeses, em 1645, a capela foi reconstruída
pela família Albuquerque Maranhão, conforme registrou Fernando Távora.

Ataque a um Arraial Fortificado

Após o massacre de Cunhaú, os colonos, receosos de um novo ato


de violência, procuraram se refugiar na casa-forte de João Lostão Navarro,
casado com Luzia da Mota, cuja filha Beatria Lostão se casou com Joris
Gardtzman (governante holandês no Rio Grande).
Segundo Olavo Medeiros Filho, o Grande Conselho Holandês
mandou prender João Lostão Navarro, apontado como líder do movimento
rebelde contra a dominação flamenga.
Numa região próxima de Natal foi construído um arraial fortificado,
que abrigava famílias, inclusive com seus escravos.
Os holandeses, temendo que aquele núcleo de luso-brasileiros se
transformasse num forte centro de resistência e, ainda , obedecendo ordens
vindas de Recife, resolveram destruir aquele arraial. Jacob Rabbi e seus
aliados foram enviados para realizar tal missão. Era setembro de 1645.
Da mesma maneira como agiu em Cunhaú, Jacob Rabbi solicitou a
entrega das armas e exigiu a rendição. Os luso-brasileiros não aceitaram tais
ordens. As armas eram para a defesa contra os nativos. Rabbi insistiu na
rendição. Criado o impasse, começo o ataque. Foram três investidas sem êxito.
O judeu-alemão, no firme propósito de acabar com aquela resistência, foi ao
Castelo Ceulen (ou Keulen, como os holandeses passaram a chamar a
Fortaleza dos Reis Magos) e retornou com um tenente e dois canhões.
Os sitiados, para evitar um novo massacre, resolveram se entregar,
depondo as armas.
Seguiram para a Fortaleza, como reféns, as seguintes pessoas:
Estevão Machado de Miranda, Francisco Mendes Pereira, Vicente de Souza
Pereira, João da Silveira e Simão Correia.
Era 1 de outubro de 1645.

Torturas Lendárias de Uruaçu

Nenhum massacre tinha ocorrido após o de Cunhaú e não havia,


igualmente, sinais de algum levante próximo ao Rio Grande.
Acontece que, no dia 2 de outubro de 1645, chegou de Recife o
conselheiro Bullestraten. E se reuniu, secretamente, com Gatdtzman. Tudo
indica que trazia ordens para executar os portugueses.
Pelo menos, os acontecimentos futuros levaram a pensar em tal
hipótese.
No dia seguinte, 3 de outubro de 1645, os colonos que se
encontravam no Castelo Ceulen foram levados para Uruaçu: Antônio Vilela,
Cid, seu filho, Antônio Vilela Júnior, João Lostau Navarro, Francisco de Bastos,
José do Porto, Diogo Pereira, Estevão Machado de Miranda, Francisco Mendes
Pereira, Vicente de Souza Pereira, João da Silveira, Simão Correia e o padre
Ambrósio Francisco Ferro, que exercia as funções de vigário de Natal.
Ao chegar em Uruaçu, a tropa formou um quadrado e, no interior
desse quadrado, ficaram o sacerdote mais os colonos. Foi dada a seguinte
ordem: que eles se despissem e se ajoelhassem. Os portugueses
compreenderam, então, o que iria acontecer. O padre Ambrósio Ferro, com
tranqüilidade, deu a absolvição.
O pastor Astetten fez uma exortação para que os prisioneiros
abjurassem a fé católica. Obteve, entretanto, uma resposta negativa de todos,
numa atitude firme e corajosa dos portugueses. Os colonos se despediram uns
dos outros, praticando atos de devoção. Isso irritou profundamente o pastor e
seus companheiros. Começaram a torturar as vítimas com tanto ódio, que
somente o fanatismo religioso poderia explicar tal insanidade. Não ficam
satisfeitos. Jacob Rabbi chamou os nativos para que eles completassem o
massacre. Fizeram corpos em pedaços. Arrancaram olhos, línguas, etc.
Esse foi apenas o primeiro ato. O segundo não demoraria muito
tempo.
Os holandeses se dirigiram até o arraial, afirmando que chegaram
ordens do Supremo Conselho, determinado que eles deveria assinar alguns
documentos. Os homens se despediram de seus familiares, chorando, porque
sabiam que iriam caminhar para a morte. Durante o caminho, rezavam. Os
pressentimentos se realizaram.
Os cronistas fizeram relatos minuciosos. Narram, entre outros
detalhes, o seguinte:
"Antônio Baracho foi amarrado a uma árvore e arrancam-lhe,
quando ainda estava vivo, a língua.
Abriram o corpo de Matias Moreira e tiraram o seu coração. Antes de
morrer, ele disse: "Louvado seja o Santíssimo Sacramento".
Espatifaram, com o pau, a cabeça de uma criança, filha de Antônio
Vilela.
A filha de Francisco Dias teve o seu corpo partido em duas partes.
A mulher de Manuel Rodrigues Moura, depois que o marido morreu,
teve cortado os pés e as mãos. A vítima sobreviveu, ainda, três dias ao lado do
marido morto.
Os nativos procuraram salvar oito rapazes. Os holandeses
ofereceram uma oportunidade para que os jovens conseguissem a liberdade:
eles teriam que passar para o lado dos holandeses. João Martins deu a
seguinte resposta: "não me desamparará Deus dessa maneira, a minha Pátria
e o meu rei. Matai-me logo, pois tenho inveja da morte e da glória dos meus
companheiros".
Uma moça, muito bonita, foi vendida aos nativos, ou melhor, trocada
por um cão de raça.
Dois jovens, Manuel Álvares e Antônio Bernardes, com várias
feridas, puxaram suas armas brancas, investindo contra os tapuias, matando
alguns inimigos antes de morrer.
Uma menina, de nome Adriana, ao saber que seus pais seriam
mortos, se recolheu a uma casa, chorando, em seguida. Foi quando a Virgem
Santíssima apareceu, procurando consolar aquela criança. E prometeu que
seus pais seriam vingados".
Pouco tempo depois, Camarão foi até o Rio Grande, punindo, com
energia, os batavos.
"D. Beatriz, esposa de Joris Gardtzman, comandante do Castelo
Ceulen, por piedade crista, levou as viúvas dos portugueses que tinham
falecido em Uruaçu, para Natal.
Durante a noite, Gardtzman e sua mulher, juntamente com outros
holandeses, ouviram uma música, belíssima vindo do local onde ocorreu o
morticínio".
Não se discute, até hoje, a veracidade dessas informações. Diferem
apenas em alguns detalhes. No essencial, ou seja, que os holandeses
promoveram dois grandes massacres, liderados por Jacob Rabbi, com a
participação dos janduís, constituem um fato indiscutível. Com relação aos dois
últimos itens é que, de uma maneira geral, existem dúvidas, colocando, ambos
no plano das lendas, fruto do espírito religioso e da ingenuidade do povo
daquela época.
Na atualidade, contudo, é preciso ir além dos simples relatos para
fazer uma análise de toda a problemática.

Uma Pequena Análise Sobre as Ações Cruéis

Os massacres que os flamengos promoveram no Rio Grande do


Norte não constituem um caso isolado da colonização européia (ingleses,
franceses, espanhóis, portugueses e holandeses), nas terras americanas.
Herbert Aptheker, resumiu numa palavra de ação inglesa, com relação aos
nativos: GENOCÍDIO!
Frei Bartolomeu de Las Casas, como lembra Eduardo Bueno,
chamou os espanhóis de "sujos ladrões", "tiranos cruéis" e "sangrentos
destruidores".
Georgi Friederici, em texto citado anteriormente no fascículo I desta
coleção, descreve com realismo como foi feita a conquista de Ceuta pelos
portugueses.
Os conquistadores não respeitavam nada, interessados apenas em
conseguir ouro e, na falta desse metal, qualquer mercadoria que desse lucro...
Tudo dentro da filosofia mercantilista.
Os europeus se julgavam detentores da "civilização" nas terras
incultas da América, agiram como se fossem verdadeiros bárbaros...
No caso específico do Rio Grande, porém, ocorreram determinadas
circunstâncias, que merecerem algumas observações.
Em primeiro lugar, os flamengos resolveram eliminar duas coisas ao
mesmo tempo: os portugueses e a religião católica. O morticínio de Cunhaú,
por exemplo, foi realizado dentro de uma capela, durante uma missa,
justamente na hora em que o celebrante erguia a hóstia, numa demonstração
clara de desmoralização da religião das vítimas.
Em Uruaçu não havia um templo católico. Existe, entretanto, a
presença de um pastor que pretendia os católicos para a sua doutrina. A
recusa firme dos colonos em mudar de crença, provocou nos holandeses um
ódio insano, inclusive do pastor que, de maneira incompreensível, participou do
processo de tortura. Fizeram coisas terríveis com o vigário Ambrósio Francisco
Ferro, quando ele ainda estava vivo. Somente um ódio muito grande justificaria
tal atitude. Provocado pelo fanatismo religioso.
Outro aspecto, que não é possível esquecer: os holandeses só
iniciavam o massacre quando estavam certos de que as vítimas não tinham a
menor chance de reagir. Apareciam com promessas de paz para, desarmadas
as vítimas, praticarem a violência.
Não foi igualmente uma luta de um povo dominado contra seu
opressor. Não a iniciativa partiu do dominador para eliminar o povo subjugado.
Os janduís receberam ordem para matar. Agiram como soldados. Dentro de um
contexto onde a violência fazia parte do existir. Os batavos, sem dúvida,
contrariaram os seus princípios, ou seja, "não matar", que dizer, massacrar! E
até a maneira de viver de pessoas CIVILIZADAS ...
A Igreja Católica do Rio Grande do Norte iniciou, recentemente, um
processo para a canonizar os mártires de Cunhaú e Uruaçu.
A questão deve ser colocada da seguinte maneira: as vítimas foram
sacrificadas porque não renunciaram à sua fé ou, na realidade, porque
defenderam a causa lusitana? Eliminar o português teria sido um problema
político. Acontece que matar mulheres e crianças inocentes, sem nenhum
envolvimento político, não é justificável, a não ser pelo ódio do grupo
dominador ao catolicismo.
Estava tudo preparado. Os tapuias só entrariam em cena caso os
colonos não aceitassem passar para o lado flamengo e renegassem a fé dos
dominadores. Foi, ao mesmo tempo, uma demonstração de patriotismo e,
sobretudo, de fé. Quando tomaram consciência de que seriam mortos,
pronunciaram frases como, por exemplo, "LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO
SACRAMENTO".
Não se pode, também, colocar Jacob Rabbi como o único
responsável. Após o morticínio de Cunhaú, ele deveria ter sido afastado de
suas funções. Não foi, entretanto, demitido, por uma razão muito simples: os
holandeses precisavam de Rabbi e da presença dos janduís para, pelo terror,
assegurar o domínio do Rio Grande. Os holandeses optaram, portanto, pela
violência. Antes dos massacres, vieram ordens de Recife. A conclusão é clara:
o governo holandês, localizado no Recife, é o responsável pelos massacres na
Capitania do Rio Grande!

O Fim de Jacob Rabbi e do Morticínio

Existe uma unanimidade entre os historiadores sobre o caráter


violento e desnecessário dos massacres promovidos pelos batavos, e seus
aliados janduís, na Capitania do Rio Grande.
A execução dessas matanças foram comandadas, como já foi
demonstrado, pelo judeu-alemão Jacob Rabbi, que veio para o Brasil com o
conde João Maurício de Nassau, em 1637, originário de Waldeck.
Para Câmara Cascudo, ele era violento e astuto, cruel e sem
escrúpulo, saqueador e mandante de assassinatos, é a figura mais sinistra e
repelente do domínio holandês no Nordeste brasileiro, denegrida e acusada por
todos os historiadores do seu tempo".
Olavo de Medeiros Filho completa o perfil de Jacob Rabbi, afirmando
que o judeu-alemão possuía "certa cultura, poliglota (pelo menos falava os
idiomas alemão, holandês, português, tupi e taraiui). De sua pena deixou uma
crônica famosa, ou relação de viagem contendo preciosas informações sobre a
geografia da capitania, bem como sobre a etnografia dos tapuias".
Câmara Cascudo chama a atenção para outro aspecto: "todos os
assaltos, saques, tropelias, morticínios dos janduís rendiam gado, roupa, jóias,
ao amigo Rabbi". Como resultado, o judeu conseguiu acumular uma pequena
fortuna.
Jacob Rabbi permaneceu durante quatro anos vivendo entre os
selvagens. Com o passar do tempo, crescia a afinidade entre o europeu e os
tapuias, Rabbi foi assimilando os costumes nativos. Passava por um processo
de indianização. De fato, na interpretação de Câmara Cascudo, "o sórdido e
desconfiado europeu inteligente e branco, que era por dentro um cariri
autêntico, desde o temperamento aos costumes diários".
Rabbi vivia com uma nativa, de nome Domingas, num sítio de sua
propriedade, chamado "Ceará". Segundo Olavo de Medeiros Filho, "o sítio
corresponde atualmente à localização denominada Araça, ribeira do Ceará-
Mirim entre Massagana e Estivas, e mesmo ao norte da cidade de Extremoz".
No massacre de Uruaçu, foi morto João Lostau Navarro, sogro de
Gardtzman que, revoltado, decidiu se vingar, afirmando "que o mundo nada
perderia se desembaraçassem de semelhante canalha". Chegou, inclusive, a
entrar em contato com dois homens para que matassem Jacob Rabbi. Primeiro
foi com Wilhelm Jansen, que colocou uma série de dificuldades. A outra pessoa
foi Roeloff Baron, que concordou em realizar a sinistra missão, caso recebesse
ordens do Alto Conselho Secreto. Nesses contatos, portanto, Gardtzman não
conseguiu efetivar seu intento. Mas não desistiu de eliminar Rabbi.
Mais adiante, convidou o seu desafeto para uma reunião, com a
finalidade de promover um entendimento e esquecer as mágoas passadas. O
judeu-alemão aceitou, finalmente, participar de uma ceia que aconteceria na
casa de Dirk Mulden Van Mel, a qual, segundo Câmara Cascudo, estava
localizada nas proximidades de Refoles. Olavo Medeiros afirma que a casa de
Muller "fica à margem direita do então chamado riacho Guajaí (água dos
caranguejos), entre os distritos de Igapó e Santo Antônio do Potengi. Dista
cerca de 10,5 km da matriz".
Ainda participaram desse encontro outros militares: Wilhelm Becke,
Roulox Baro, Jacob de Bolan, Denys Baltesen, Johannes Hoeck, Wilhelm
Tenberghe etc.
Após a realização da conferência ente os dois desafetos, Gardtzman
saiu primeiro. Pouco depois é que Rabbi saiu. E não demorou muito tempo
para que se ouvissem dois disparos de fuzil. Caía, mortalmente ferido, Jacob
Rabbi. A vítima recebeu, além dos tiros, golpes de sabre que deformaram
partes do cadáver.
Ficou provado, mais, uma vez, que a violência provoca violência,
Jacob Rabbi, que praticou assaltos e crimes, sendo um dos responsáveis,
pelos massacres de Cunhaú e Uruaçu, morreu como conseqüência do ódio,
tendo seu corpo deformado por golpes de sabre. Olavo Medeiros descreve a
situação em que o corpo foi encontrado: "Um dos tiros penetra-lhe do lado
esquerdo do corpo, fazendo-lhe um ferimento muito profundo, em que Muller
pudera introduzir até o fim dos seus dedos. A outra bala varara-lhe o lado
direito das costelas falsas. Seis golpes de armas branca haviam-lhe deformado
o rosto, a cabeça e o braço direito. Um dos olhos do cadáver estava aberto; as
suas algibeiras achavam-se voltadas e esvaziadas. Faltava-lhe um anel de
ouro, que ainda trazia no dedo quando se retirara da casa de Muller".
O crime ocorreu na noite de 4 de abril de 1646.
Jacob Rabbi foi sepultado no lugar onde morreu. Gardtzman, ao ser
informado do crime, cinicamente disse:
- "Antes ele do que eu".
Apesar de ter negado se o mandante do crime, ficou provado que
houve um acordo entre Gardtzman e Bolan para matar e depois roubar os bens
de Jacob Rabbi.
Domingas foi despojada, totalmente, dos bens de seu companheiro.
Os janduís, decepcionados, voltaram para o sertão. Não houve mais
morticínio na Capitania do Rio Grande.
O Brasão Holandês do Rio Grande
O conde Maurício de Nassau, e, 1639, deu a cada capitania o seu
brasão. O do Rio Grande foi descrito por Barléu desta maneira: "A província
Rio Grande tinha por armas um rio, em cujas margens pisava ave. Havia,
ainda, uma estrela de prata, na parte superior e o mote: velociter".
Para alguns autores, a ema foi escolhida para ilustrar o brasão,
porque essa ave existia em grande número na referida região. Câmara
Cascudo, contudo, discorda e afirma: "a ema nunca foi em tempo algum
característica da fauna norte-rio-grandenses e especialmente no domínio
holandês ". Mais um argumento apresentado por Câmara Cascudo" "caso
Nassau desejasse colocar algo característico da capitania, teria, naturalmente,
escolhido o gado, uma das razões para a conquista da região". E aponta outro
motivo para a escolha da ema: uma homenagem de Nassau a um grande chefe
cariri, Janduí, amigo dos holandeses, desenvolvendo uma argumentação
convincente: "Janduí é o chefe das tropas fiéis, prontas, irresistíveis (...) Janduí
é nome tupi, corrução de NHANDU, uma pequena e por autonomia, o corredor,
o que corre muito. Daí o lema, VELOCITER", num estudo publicado na regista
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Câmara Cascudo chegou a dizer o seguinte: "sem Janduí a
companhia não sustinha o Rio Grande duas semanas. Natural, portanto, que
Nassau prestasse uma homenagem ao fiel amigo. E, ainda, os janduís eram
notáveis pela rapidez com que se deslocavam. Justificando, assim, o mote
"VELOCITER". Razão, portanto, tem Câmara Cascudo quando concluiu que
"Janduí é a ema do brasão holandês no Rio Grande do Norte".

O Governo Holandês no RN

As se apossarem do Rio Grande, os holandeses mudaram o nome


da fortaleza para Castelo Ceulen. Natal passou a se chamar Amsterdã (ou
Nova Amsterdã). Logo após a conquista, Joris Gardtzman assumiu o governo
sozinho.
Em 1637 foram criadas as Câmaras dos Escabinos, presididas pelo
esculteto, cargo que correspondia ao de prefeito, na atualidade. Havia ainda os
curadores autonomia.
O Rio Grande não possuía autonomia administrativa, "dependia da
justificação da Paraíba onde residia um diretor".
Durante o domínio holandês, nada foi feito que dignificasse um
governo. Havia somente duas preocupações: dominar e explorar
economicamente a região. Isso significa dizer eliminar qualquer resistência,
que política, quer religiosa, para assegurar a exploração econômica. Subjugar
pelas armas para garantir o fornecimento de carne bovina e de farinha. Nesse
aspecto, a administração batava, no Rio Grande, obteve êxito, garantindo o
alimento necessário para que os invasores pudessem ser mantidos em Recife.
Caso contrário, eles teriam duas opções: abandonar Pernambuco ou morrer de
fome...
Como mostra Tarcísio Medeiros, "a mestiçagem continuou no
período holandês: a dos bugres com portugueses ou holandeses, que produzia,
no dizer de um cronista flamengo "belos tipos de mulheres e homens. Do
contato de mulheres brasileiras, tanto com portugueses como com
neerlandeses, nascem muitos bastardos, entre os quais não raro se encontram
formosos e delicados tipos quer de homens, quer de mulheres". Tarcísio
Medeiros transcreveu essa última parte do texto do livro de "História do Brasil",
vol. 2. De Ernani Silva Bruno. E cita o testemunho de Gilberto Freyre: "Seriam
tais louros, em alguns casos, restos de normandos ou de flamengos do século
XVI".
Em 1654 termina, para a felicidade dos que ainda restavam da
população, o domínio holandês no Rio Grande. Quando o capitão Francisco de
Figueirora, comandando 850 soldados,. Vinha reassumir o governo da
capitania, o Rio Grande era apenas abandono e ruínas, inclusive a capital que
praticamente foi destruída.

O Potiguar Antonio Felipe Camarão

Existe uma controvérsia na historiografia norte-rio-grandense a


respeito de um chefe nativo, dos potiguares, chamado Poti (Potiguaçu), que ao
receber o batismo, passou a se chamar Antônio Felipe Camarão.
Para alguns historiadores, em lugar de um tuixaua, teriam existido
dois com o mesmo nome Poti, sendo que o primeiro participou das
negociações de paz entre portugueses e potiguares na Capitania do Rio
Grande. E o outro, filho dele, se destacou com brilhantismo durante a guerra
contra os holandeses.
Olavo de Medeiros Filho, no seu mais recente livro "Aconteceu na
Capitania do Rio Grande", divulgou parte de uma carta escrita por Felipe
Camarão, que diz o seguinte: "mi Padre fue ator de loss pazes tan desseadas
que mi nacion, y gente hizieron com los portugueses".
Antonio Felipe Camarão, ao dizer que seu pai foi o autor das pazes,
comprovou a existência de dois chefes potiguares, com o mesmo nome, seu
pai e ele.
Segundo o grupo de pesquisadores, o pai seria norte-rio-grandense
e o filho teria nascido em terras pernambucanas.
Essa tese, entretanto, não apresenta uma sólida argumentação. A
grande prova, apresentada pelos defensores dessa teoria, é, a existência, na
Torre do Tombo, em Lisboa, de um depoimento prestado por Antonio Felipe
Camarão, num processo instaurado pela Inquisição de Lisboa contra o padre
Manuel de Moraes, quando o chefe potiguar afirmou que morava na aldeia de
Meratibi.
O historiador pernambucano Mário Mello colocou a aldeia de
Meraribi (Miritiba) nas terras de sua família.
Ingenuidade ou simples coincidência?
Pedro Moura constata, através "de uma carta de doação e sesmaria,
passada por Ordem do Capitão do Rio Grande na Cidade de Natal, em 28 de
fevereiro de 1706, SEBASTIÃO NUNES COLLARES, mais de três léguas de
terra de rio abaixo anexados com s que os religiosos Carmelitas já tinham
obtido anteriormente. Esta fazenda do Carmo está situada à margem da
estrada real que vai da cidade de Assu à cidade de Mossoró, na ribeira do
Panema, cujo rio corre e deságua em território exclusivamente rio-grandense
do Norte, com o mesmo leito que tinha, quando nasceu, viveu e morreu
Potyguaçu.
Após transcrever esse texto, Pedro Moura fez o seguinte
comentário: "Foi nessa ribeira do Panema, no seu afluente Meiritupe, que se
encontrava a aldeia Meretipe ou Meretibe, aonde residia DOM ANTÔNIO
FELIPE CAMARÃO, como diz ele no seu depoimento, no processo do padre
MANOEL DE MORAES e foi desse SERTÃO DONDE DESCEU, trazendo
consigo todos os índios que lhe eram sujeitos, como todas as suas mulheres e
filhos, como diz Calado. Meretibe ou Merebiti, aldeia de potiguares, jamais
pertenceu à Capitania de Pernambuco e sim à do Rio Grande. Estava ao lado
do rio do mesmo nome, descoberto por GEDEÃO MORRIS, com mais outro
dois rios, oo lwypanim e Wararacury, quando lá esteve em 1641".

Fascículo 5
O Governador dos Índios
Tradição de Bravura Vai de Pai Para Filho
A simples existência de uma aldeia com o nome de Meratibi, em
Pernambuco, não significa que essa aldeia tenha sido a povoação à qual dom
Antônio Felipe Camarão se referiu em seu testemunho. E mesmo que o
historiador pernambucano estivesse certo, a palavra que se encontras no
documento citado é "residia" e, claro, existe uma diferença entre "residir" e
"nascer". Esse documento, portanto, não prova que o chefe potiguar tenha
efetivamente nascido em Pernambuco...
Meratibi é o nome de uma aldeia pernambucana com grafia
semelhante à de outra aldeia potiguar chamada de Merebiti ou Meretibi. O
escritor Mário Mello aproveitou essa semelhança para forjar a sua teoria de que
Felipe Camarão teria nascido em Pernambuco.
Outro aspecto que se deve destacar: Luís da Câmara Cascudo
provou que existe no Rio Grande do Norte uma tradição popular sobre dom
Antônio Felipe Camarão entre pessoas iletradas, no interior e na época em que
ele realizou a pesquisa, na década de trinta. As mulheres que foram
consultadas desconheciam totalmente a controvérsia sobre Felipe Camarão.
Disse Câmara Cascudo: "Essa tradição popular da naturalidade de Camarão é
um ponto de referência de singular força argumentadora. Nenhum outro Estado
disputante de seu berço pode empregar as mesmas armas. Essa tradição oral
só existe no Rio Grande do Norte, onde dom Antônio Felipe Camarão é tido
como conterrâneo".
Caso Felipe Camarão tenha morado realmente na Mirituba
pernambucana - Pedro Moura provou que não -, ele já havia nascido e se
encontrava na idade adulta, dirigindo o seu povo. Foi assim que ele deixou o
Rio Grande para lutar contra os holandeses em Pernambuco.
Falta ainda comentar outro argumento a favor da tese
pernambucana. Em uma carta, Henrique Dias disse o seguinte: "Meus
senhores Olandeses, meu Camarada o Camarão não está aqui, porém eu
respondo por ambos. Vossas Mercês, saibam que Pernambuco é sua pátria e
minha, e que já não podemos sofrer tanta ausência d'ella! Aqui havemos de
deitar vossas mercês fora d'ella".
A questão é fácil de explicar. Com a palavra, novamente, Pedro
Moura: "De fato, Camarão nasceu nesta província, isto é, na circunscrição
naquele tempo criada por D. Diogo de Menezes, Capitania do Rio Grande do
Estado do Brasil", sujeita a um só governo geral, como parte integrante de uma
província militar - Pernambuco".
"Da mesma maneira frei Calado chamou "índios brasileiros, índios
da terra, índios pernambucanos", os nossos índios, indistintamente, nascido na
província limitar de Pernambuco, fossem eles tabajaras, fossem potyguares,
fossem cahetés".
Em síntese, a "pátria pernambucana" não significava apenas
Pernambuco, porém uma área bem mais ampla que incluía inclusive o Rio
Grande. E Antônio Felipe Camarão, ao dizer que lutava pela pátria
pernambucana, estaria também se referindo ao seu pequeno Rio Grande.
Henrique Dias, ao dizer "pátria", não estava se referindo
exclusivamente à Capitania de Pernambuco, porque ele não pretendia expulsar
os holandeses apenas de uma capitania, mas de todo o Nordeste.
A conclusão que se extraia de tudo o que foi dito é o seguinte:
existiram realmente dois chefes potiguares, pai e filho, que possuíam o mesmo
nome - Poti. O filho foi quem partiu do Rio Grande para lutar contra os
holandeses, em Pernambuco. O que não se comprova é que ambos nasceram
no Rio Grande do Norte.
As controvérsias não terminam aqui. Antes se imaginava que havia
só um Poti. Agora, provado que existiam dois, não fica fácil esclarecer os fatos
em que ambos se envolveram. Quem fez tal empreendimento, foi o pai ou o
filho? É preciso realizar, urgentemente, uma investigação séria sobre o
problema.
Dom Antônio Felipe Camarão nasceu, provavelmente, na Aldeia
Velha, no ano de 1580.
Com relação ao seu batismo, Nestor Lima aponta para o dia 13 de
junho de 1612 e parece estar certo. Naquele dia, ao se tornar cristão, o
potiguar tomou o nome de Antônio Felipe Camarão. O primeiro nome teria sido
uma homenagem ao santo do dia, Santo Antônio. O segundo nome seria uma
homenagem a Felipe IV, rei da Espanha. E, finalmente, Camarão, que é
tradução portuguesa do seu nome primitivo em tupi: Poti.
No dia seguinte ao do seu batizado, Felipe cassou com uma de suas
mulheres que, na pia batismal, recebeu o nome de Clara. As solenidades do
batizado e do casamento foram realizadas em grande estilo na Capela de São
Miguel de Guajerú.
Antonio Soares, no "Dicionário Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Norte", transcreve a opinião de D. Domingas do Loreto: "Na guerra da
restauração de Pernambuco, ostentou D. Clara, mulher do governador dos
índios. D. Antônio Felipe Camarão, o seu insigne valor com os mais ilustres
realces: porque, armada de espada e broquel, e montada em um cavalo, foi
vista nos conflitos mais arriscados ao lado do seu marido, com admiração do
holandez e aplauso dos nossos".
D. Antônio Felipe Camarão, além de grande guerreiro, foi igualmente
hábil estrategista. Sua maior vitória foi contra o general Arcizewski, que sentiu
humilhado ao perder para um chefe nativo. São suas as seguintes palavras,
transcritas por Antônio Soares, no "Dicionário Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte" : "Há mais de quarenta anos - disse o general - que não
milito na Polônia, Alemanha e Flandres, ocupando sem interrupção postos
honrosos, mas só o índio brasileiro Camarão veio abater-me o orgulho".
O valente chefe potiguar, pelo seu desempenho contra os inimigos,
recebeu diversas honrarias: o título de "Dom", dado por Felipe IV; Brasão de
Armas; "Capitão Mor e Governador de Todos os índios do Brasil", e as
comendas "Cavaleiro da Ordem de Cristo" e dos "Moinhos de Saure".
Dom Antonio Felipe Camarão morreu, segundo alguns autores, a 24
de agosto de 1648, sendo sepultado na Várzea, em Pernambuco.
A Guerra dos Bárbaros

Um Prenúncio de Forte Tempestade

Após a expulsão dos holandeses, a Capitania do Rio Grande


apresentava o seguinte quadro, descrito por Câmara Cascudo: "a Capitania
ficou devastada. A população quase desapareceu. Plantios, gado, destruídos.
Os flamengos tinham incendiado as casas principais, queimando livros de
registro".
Antônio Vaz Gondim assimiu o governo, tomando medidas para
reorganizar a capitania, partindo praticamente do nada. Reconstruindo edifícios
)Fortaleza e Matriz), organizando a defesa da cidade, mas, sobretudo, iniciando
uma política de povoamento. Lançou os fundamentos de uma infra-estrutura
para que fosse possível efetivamente governar a capitania.
Nuvens negras, contudo, começavam a se acumular no horizonte,
num prenúncio de tempestade...
Os colonos que viviam no interior, sem recursos para a aquisição de
escravos africanos, capturavam nativos. Mais do que isso, os sesmeiros
provocavam os naturais da terra para que eles lutassem contra os seus
vizinhos, ou, então contra os brancos, que assim promoveriam a chamada
"guerra justa", obtendo maior número de escravos. As vítimas tinham duas
opções: submeter-se, sofrendo todo o tipo de humilhação, ou recebelar-se.
A situação se agravou porque, como disse Tavares de Lyra, os
holandeses voltaram ao Nordeste com um único objetivo: levantar os silvícolas
do Rio Grande do Norte contra os portugueses. Os holandeses que se casaram
com as viúvas lusitanas pleiteavam os bens de suas esposas ...
Tavares de Lyra chama a atenção para o fato e acrescenta: "dada a
situação esta consulta faz entrever, é provável que mais tarde, quando ainda
se arrastavam na Europa as negociações para ajustes internacionais, os ex-
dominadores mantivessem insidiosamente as ferramentas de agitação na
colônia, para deles tirar partido, assim como que incitassem a virem para o
Brasil fazer causa comum com os revoltados".
Os portugueses cobiçavam as terras dos silvícolas, procurando se
apossar delas, através do extermínio ou empurrando os nativos para o interior.
Irritando, dessa maneira, os tapuias e os potiguares.
Tarcísio Medeiros é mais taxativo: "Essa forma de expansão sem
respeito aos bens dos índios, que ainda eram preados para o eito escravo,
concorreu para os primeiros atritos, o correr de sangue de uma guerra que, por
espaço de cinqüenta anos, chamada "Guerra dos Bárbaros", o Rio Grande, mal
nascido, só conheceu violências, extorsões, vilipêndio e rapinagem".

Ambição dos Colonos Revolta os Índios

Não foi uma guerra comum.


Os nativos, diante das constantes provocações dos colonos,
revoltaram-se. As tribos às vezes se aliavam e, em outras oportunidades,
lutavam sozinhas. Não houve, entretanto, nenhuma confederação. Muito
menos um comando único, ao qual todos obedecessem. Tratava-se muito mais
der uma reação contra as perseguições dos brancos que, inclusive, tinham
interesse em manter acesso o fogo da revolta: com a manutenção do conflito,
aos poucos, os naturais da terra seriam exterminados.
Em 1685, os janduís já demonstravam descontentamento. Em 1687,
a situação se agravou, sendo descrita por Câmara Cascudo da seguinte
maneira: "Os indígenas corriam incendiando, matando o gado e os vaqueiros e
plantadores do sertão (...). Mais de cem homens mortos".
O capitão-mor Pascoal Gonçalves de Carvalho, desesperado, pediu
ajuda aos seus colegas de Pernambuco e Paraíba, além do Senado da
Câmara de Olinda.
A situação era crítica de fato. Os silvícolas avançavam rumo à
capital. Atingiram Ceará-Mirim, próximo de Natal. Para se defenderem, os
colonos construíram casas-fortes e paliçadas.
Alguns reforços foram enviados para a capitania, como o terço dos
paulistas e, posteriormente, Domingos Jorge Velho. Não conseguiram terminar
a guerra, apesar de seus esforços. É que a solução para o conflito dependia
muito mais de visão administrativa, habilidades e espírito de justiça do que
força e armas. O que mantinha a guerra era, sem dúvida, a ambição e a
crueldade de determinados colonos que almejavam a todo preço as terras que
pertenciam aos nativos... Mesmo que, para isso, fosse preciso exterminar os
verdadeiros donos das terras! Mas os portugueses e seus descendentes
necessitavam da proteção dos soldados para atingir tais objetivos... Acontece
que, por falta de recursos, os soldados não estavam sendo pagos. Passando
fome, desertavam. E mais, como disse Cascudo, as tropas "estavam
obstruídas pela displicência, indiferença, descaso, ignorância, os pecados dos
desinteresse que a distância multiplica".
A guerra, portanto, continuava variando de intensidade. E
continuaria sempre, caso não fosse enviado para o Rio Grande do Norte um
líder que desejasse acabar com o conflito, lutando contra os interesses dos
oportunistas e dos aventureiros, devendo se impor pela energia e, sobretudo,
por seu espírito de justiça!

Fim do Conflito e Paz com os Nativos

Em 1695, Bernardo Vieira de Melo assumiu o governo da capitania.


Veio com objetivo de pacificar os nativos. Todo o seu trabalho foi desenvolvido
nesse sentido. Fundou o Arraial de Nossa Senhora dos Prazeres, em 24 de
abril de 1696. Permaneceu dois meses na região, tomando todas as medidas
que fossem necessárias para manter a paz entre os colonos e os nativos.
Enfrentou mil e uma dificuldade. Que deveriam ser mantidos pela população
local. Sobre a sua atuação, disse Tarcísio Medeiros: "Bernardo Vieira de Melo,
com atitudes firmes e demonstrações de suas forças, somente usou desses
recursos para fazer-se respeitar e, ao mesmo, atrair e agradar os silvícolas,
criando, desta forma, um clima de confiança que permitiu o diálogo entre as
partes e o ajuste de condições capazes de satisfazer a todos".
Diante de sua atuação, o Senado da Câmara de Natal pediu a
prorrogação do mandato de Bernardo Vieira de Melo. A solicitação foi aceita. O
capitão-mor, contudo, além de enfrentar uma série de vicissitudes, sofreu
alguns aborrecimentos com a rebeldia e os desmandos de Moraes Navarro
que, finalmente, foi forçado a entregar os nativos que estavam presos, sob
pena de ser excomungado pelo bispo D. Frei Francisco de Lima. Navarro teve
que se retirar da região, vencendo a causa o capitão-mor do Rio Grande.
Bernardo Vieira de Melo conseguiu mais duas conquistas: que fosse
dada "a cada Missão uma légua de terra em quadrado, medida e demarcada",
e que a Capitania do Rio Grande passasse da jurisdição da Bahia para
Pernambuco, fato que ocorreu em 11 de janeiro de 1701.
E foi graças ao seu esforço, energia e persistência que Vieira de
Melo conseguiu pacificar os nativos.

Feitos e Sonhos de Vieira de Melo

Nasceu em Muriboca (hoje Jaboatão), no Estado de Pernambuco,


sendo filho de Bernardo Vieira de Melo. Em primeira núpcias, casou-se com D.
Maria de Barros, com a qual não teve filhos. Casou-se, pela segunda vez, com
D. Catarina Leitão, tendo quatro filhos.
Antonio Soares considera Bernardo Vieira de Melo um homem
"enérgico, justiceiro, operoso, patriota". Como Bernardo Vieira de Melo se
envolveu em acontecimentos trágicos, contrariando interesses e, ainda,
defendeu idéias perigosas, como a proclamação de uma república para o
Brasil, foi duramente criticado, sendo preso e morrendo na prisão.
O que não se pode negar é que foi um grande soldado.
Exerceu as seguintes funções, antes de governar a Capitania do Rio
Grande: Capitão do Rio Grande: Capitão de Infantaria das Ordenanças,
Capitão de Cavalos e Tenente-Coronel. Distinguiu-se na luta contra o Quilombo
de Palmares.
Foi também um bom administrador. Ocupou os cargos de capitão-
mor do Rio Grande, quando pacificou a região que vivia num clima de
permanente hostilidade entre os nativos e os colonos portugueses. Homem
inteligente, compreendeu logo que os silvícolas se rebelavam porque eram
provocados pelos brancos. E adotou como lema, conforme relata Tarcísio
Medeiros, "não combater o nativo de forma desumana". Coerente com esse
princípio, não promoveu nenhuma guerra contra o gentio. Evitou, com energia,
que os nativos fossem provocados, porque a ameaça era realmente a ambição
dos portugueses que desejavam as terras dos selvagens... Agiu, portanto, sem
derramar sangue.
A luta era, porém, árdua e difícil. Cansado, pediu substituto no dia 5
de junho de 1700.
Bernardo Vieira de Melo foi um homem de princípios rígidos, que
não permitia o menor deslize. Ao saber que seu filho, segundo informações
maldosas, estava sendo traído pela esposa, agiu rápido e precipitadamente.
Mandou matar o possível amante de D. Ana Tereza, capitão-mor e morgado de
cabo, João Paes Barreto. Pouco depois, D. Ana Tereza foi assassinada...
Vieira de Melo também ousou sonhar com uma república
independente de Portugal, como esclarece Tarcísio Medeiros: "Líder da
corrente emancipacionista que no Senado da Câmara de Olinda propões a
instituição de uma república à moda de Veneza, livre da tutela portuguesa".
Possuindo tais idéias, foi acusado, justamente com seu filho André, do crime de
inconfidente e de lesa-majestade. Não suportando a perseguição, os dois, pai e
filho, se apresentaram às autoridades. Foram levados para Lisboa, ficando na
prisão de Limoeiro, onde vieram a falecer. O fim trágico desses dois homens foi
narrado, por Tarcísio Medeiros, da seguinte maneira: "Bernardo, numa noite
muito fria, acendera no quarto um fogareiro de carvão e pela manhã foi
encontrado morto, sufocado pelas emanações de gás carbônico. Quanto ao
filho André, morria logo depois de um ataque cardíaco, quando se entretinha a
jogar com outros presos".

Administração e Economia

O Poder Executivo na Fase Colonial

O poder Executivo era exercido pelo capitão-mor (de 1598 até


1821), com exceção de período sob a dominação holandesa. Como disse
Tarcísio Medeiros, "a sua ação exercia-se mais imediatamente na manutenção
da ordem pública, na inspeção das tropas e fortalezas, na proteção devida às
autoridades outras da capitania, às quais podiam representar, ficando todos os
seus atos sujeitos à devassa, quando deixassem o governo".
Era nomeado através de um documento chamado Carta-Patente,
menos o primeiro, João Rodrigues Colaço, designado inicialmente pelo
governador geral do Brasil e confirmado no cargo posteriormente por um Alvará
Régio.
O cargo recebeu várias denominações "Capitão-Mor do Rio Grande
(até 1739), "Capitão-Mor co Rio Grande do Norte", para diferenciar de outra
capitania, na região meridional do Brasil, Rio Grande do Sul, cuja colonização
foi consolidada pelo Tratado de Madri. Em 1797, mais um nome "Governador e
Capitão-Mor do Rio Grande do Norte" e, finalmente, de 1811 até o último, em
1816, nova mudança para Governador do Rio Grande do Norte.
Além do Executivo, havia o Provedor da Fazenda que recebia os
impostos.
A administração municipal estava entregue ao Senado da Câmara,
funcionando no consistório da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação.
Presidida por um juiz ordinário. Durante o império, foi transformado em Câmara
Municipal (25/03/1824).
Até 1770, seis de seus membros substituíam o capitão-mor, por sua
morte ou qualquer outro impedimento.
A partir daquela data, o capitão-mor passou a ser substituído por
uma junta, formada pelos seguintes membros; vereador mais velho,
comandante da fortaleza e o juiz ouvidor.
A capitania tinha apenas um município: Natal. Depois, surgiram São
José do Mipibu, Arês, Vila Flor, Vila do Príncipe, Vila Nova e Vila do Regente.

Estrutura do Poder Judiciário

A autoridade máxima da comarca era o ouvidor. Primeiro, nomeado


pelos donatários das capitanias, e depois, pelo próprio rei.
Ivoncísio Meira de Medeiros, entretanto, esclarece o seguinte: nunca
tivemos, nessa fase, um Ouvidor ou um Juiz de fora. Quando se pensou na
nomeação de um Juiz de fora para esta capitania, o Senado da Câmara fez ver
ao Conselho Ultramarino, em Lisboa, a inconveniência dessa Nomeação". (...)
"Uma organização judiciária autônoma somente conquistamos em
18 de março de 1818, quando, por força de alvará de D. João VI, passamos a
constituir uma comarca, com sede em Natal e independente da Paraíba".
Além dessas duas autoridades citadas, havia outras, que eram as
seguintes: juiz ordinário, almotacé (ou almotacel, inspetor encarregado da
aplicação exata dos pesos e medidas e da taxação dos gêneros alimentícios),
juiz da vintena e, ainda, alcaides, escrivãs dos almotacés etc.

O Pelourinho e Seus Significados

Falando sobre o Pelourinho, disse Câmara Cascudo: "Símbolo de


sua autonomia e jurisdição municipal, atesta a presença da justiça permanente
e os direitos da população governar-se por intermédio de seus eleitos".
E mais adiante acrescenta o seguinte "O Pelourinho é a imagem
originária da Independência Municipalista, a liberdade administrativa dos
conselhos, a soberania democrática expressa na letra dos forais". Pelourinho é
lembrado, por alguns, como o lugar onde os criminosos eram punidos
publicamente, sobretudo, os escravos. Era, dessa maneira, a deformação do
significado do Pelourinho. Câmara Cascudo explica o porquê dessa mudança:
"Depois é que com a predominância dos reis, usurpando pela força as
liberdades do município, o Pelourinho, encimado pela coroa Real, dizia ser uma
testemunha da onipotência arbitrária do monarca".
O Pelourinho da cidade ficava na atual praça André de Albuquerque,
em frente ao Senado da Câmara e cadeia, informa Câmara Cascudo.
Não se sabe a data no qual o Pelourinho foi erigido. Em 1695 já se
colocava editais ou bandos no Pelourinho, costume que se tornou tradição até,
possivelmente, em 1806.
Nas comemorações da Independência do Brasil, o Pelourinho foi
derrubado porque, na opinião dos manifestantes, certamente representava o
símbolo da opressão imperial.
Atualmente, depois de mudar de lugar algumas vezes, o Pelourinho
se encontra na sede do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Norte.

Ciclos Econômicos e Períodos de Seca

O primeiro ciclo econômico do Rio Grande do Norte, foi, como


ocorreu com o Brasil de forma geral, o do "pau-brasil". Além dos portugueses,
outros europeus se beneficiaram da extração dessa madeira cobiçada.
Principalmente os franceses, que entraram em contato com os nativos e,
contando com a amizade dos potiguares, exploraram e contrabandearam o
pau-brasil para a Europa.
Expulso o francês, o desenvolvimento se arrastava de maneira muito
lenta. Predominou, no início da colonização portuguesa, o interesse militar: a
defesa da região e a expansão rumo ao Norte.
Em 1615, havia apenas o engenho de Cunhaú funcionando. A
capitania apresentava uma situação melhor em 1630: "iniciava-se a produção
açucareira e o ciclo do gado progredia:, ressaltou Câmara Cascudo. Começava
o povoamento do sertão, seguindo-se a expansão da criação de gado rumo
aos vales do Açu e Apodi e, igualmente, à região do Seridó, Istvam Lázio
A'rbocz analisa esse processo: "o ciclo do gado promoveu o desenvolvimento e
o povoamento, embora de maneira muito esparsa, de toda a Capitania do Rio
Grande do Norte - condicionada pela própria atividade econômica básica (...) A
atividade agrícola desenvolvia-se mediocremente à sombra dos "currais",
voltada para o abastecimento das populações locais".
O ciclo do gado criou uma maneira de viver própria, ou seja, uma
cultura especial caracteriza pelo "individualismo do seu participante", segundo
Câmara Cascudo. Continua o mesmo autor: "Dá-lhe a noção imediata de
independência, de improvisação, de autonomia, de livre arbítrio, de arrojo
pessoal".
No século XVIII, a economia se baseava, principalmente, em duas
fontes: a agricultura e a indústria pastoril. A cultura da mandioca chegou a
produzir cerca de 56.400 alqueires de farinha. Por outro lado, a indústria
pastoril cresceu bastante. Como lembra Tarcísio, "além de fornecer gado às
feiras da Paraiba e Pernambuco, os criadores de Mossoró ou Açu nas oficinas"
exploravam a indústria de carne seca.
Garibaldi Dantas, em um estudo realizado no início do século XX,
trata da dependência da agricultura da "boa ou má distribuição do regime
pluviométrico". Essa afirmação é perfeitamente válida para os séculos
anteriores. Dois fatores, portanto, influenciavam a produção agrícola: a seca e
os açudes. O primeiro fator, a seca, foi definido por Garibaldi Dantas da
seguinte maneira: "As secas são fenômenos climatológicos caracterizados pela
deficiência, a irregularidade ou má distribuição das precipitações pluviáticas".
A seca, ao contrário do que possa imaginar, "vêm de datas
antiquíssimas na nossa cronologia histórica". A primeira que se tem notícia
data de 1600, em pleno século XVII. A seca atinge, e muito, a pecuária,
desorganização a criação de gado.
No século XVII foram registradas cerca de quatro secas (1600, 1614,
1691, 1692) e no período seguinte o fenômeno se repetiu em número bem
maior, num total de vinte e uma: 1710, 1711, 1723, 1724, 1726, 1727 etc.
Segundo D. José Adelino Dantas, "foi nesse século que se verificou
a mais longa e mais calamitosa de todas as secas do Nordeste, abrangendo
cinco anos consecutivos, de 1723 a 1727, inclusive".
O gado bovino apresenta semelhança com a raça "Garaneza",
provavelmente introduzida no Estado pelos franceses, e "Cacacú,
possivelmente vinda do Ceará. O fato é que o gado se apresentava com uma
grande fecundidade. Como comprova Garibaldi Dantas: "cinco anos após uma
seca, o criador vê recompor-se rebanhos por ela destruídos".

Revolução de 1817

Conjuntura da Época Gera Várias Rebeliões

A existência do "pacto colonial, que desde o descobrimento


regulamentava as relações "colônia-metrópole, vai ser responsável por uma
série de rebeliões no período compreendido entre 1680 e 1817. Estão incluídas
as Revoluções de Beckmam (Maranhão/1684), Guerra dos Emboabas (região
da descoberta do ouro/1709), Guerra dos Mascate (Permanbuco/1710),
Revolta de Felipe dos Santos (Vila Rica/1720), Conjuração Mineira (Vila Rica
1789), Conjuração Baiana (Bahia/1798) e finalmente Revolução Pernambucana
(Nordeste/1817).
Esses movimentos representaram no seu conjunto, apesar das
particularidades locais de cada um deles, uma resposta à metrópole que,
através do rígido sistema da exclusividade comercial, sufocava
economicamente a colônia.
Para o Nordeste brasileiro, o mais significativo desses movimentos
foi a rebelião de 1817 que, tendo se iniciado em Pernambuco, estendeu-se por
quase toda região.

O Movimento em Pernambuco

Como as demais rebeliões da época, a de 1817 teve entre suas


causas principais a rivalidade entre portugueses e brasileiros. Afirma-se que os
brasileiros nunca alcançavam postos elevados nas milícias, que eram sempre
comandadas por portugueses. Mas nesse contexto, o quadro econômico não
pode ser esquecido. Secas constantes, queda no mercado internacional do
preço do açúcar e do algodão levaram a uma recessão econômica de grande
significado. Os abusivos impostos, cobrados pela metrópole para manter a
corte portuguesa que ainda se encontrava no Brasil, completou o panorama do
qual a revolução deflagraria.
Informado de que se tramava no Recife um movimento de caráter
nativista, e também sobre o nome dos envolvidos na conspiração, o então
governador, capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ordenou a
prisão de todos os comprometidos. A prisão dos civis foi efetuada quase sem
reação. Porém, ao receber a ordem de prisão, o capitão José Barros Lima. "O
Leão Coroado", reagiu ferindo mortalmente o enviado ao governo que tentava
detê-lo.
Iniciou-se, assim, o movimento que tratou de organizar um governo
provisório, no qual havia representantes de quase todos os segmentos da
sociedade. Faziam parte do grupo; Domingos José Martins, o representante do
comércio; José Luís Mendonça, pela magistratura; Domingos Teotônio Jorge,
escolhido o comandante em armas pelos militares; o padre João Ribeiro, pelo
clero; Manuel Correia de Araújo, pelos agricultores, e como secretário do
interior foi nomeado o padre Miguelinho. Para conselheiros foram escolhidos o
ouvidor (autoridade judiciária) Antônio Carlos Ribeiro de Andrada; o dicionarista
Antonio de Morais Silva, e o comerciante Gervásio Pires Ferreira. Para
autoridades eclesiástica, o deão Luís Ferreira.
Uma nova "Lei orgânica" foi adotada pelo governo, que vigoraria até
a elaboração de uma Carta Constitucional. Dentre outras providências, a nova
lei determinava:
forma republicana de governo;
liberdade de imprensa e religião;
manutenção do direito de propriedade e da escravidão.
A reação foi organizada por D. Marcos de Noronha e Brito, que
contou com o apoio de comerciantes portugueses do Recife e de alguns
rebeldes mais moderados que temiam o caráter socialista do movimento.
Recife foi bloqueada e, em maio de 1817, já estavam presos os revoltados,
depois de violenta repressão.
O fim do movimento não apagou definitivamente a chama
revolucionária no Nordeste. Ela voltaria a aparecer em 1824, na "Confederação
do Equador".

Adesão de André de Albuquerque Maranhão

A Capitania do Rio Grande do Norte, à época da revolução, era


governada por José Inácio Borges que, ao ser informado do movimento
pernambucano, preparou-se para resistir. Tratou de entrar em contato com o
comandante de Divisão do Sul, André de Albuquerque Maranhão, que se
encontrava em Goianinha. Chegaram a conferenciar por cerca de duas horas
sobre a segurança da capitania frente aos acontecimentos de Pernambuco. No
retorno a Natal, o governador pernoitou no Engenho Belém, próximo à atual
cidade de Nísia Floresta. Ao amanhecer, José Inácio Borges viu que o engenho
estava cercado pelas tropas sob o comando do próprio André de Albuquerque,
que aderira ao movimento. Preso, o agora ex-governador José Inácio Borges
foi enviado a Recife.
André de Albuquerque Maranhão entra solenemente em Natal com
sua tropa no dia 28 de março, dando início ao governo revolucionário, cuja
sede seria o Edifício das Provedorias da Fazenda ou Real Erário, onde
atualmente funciona o memorial Câmara Cascudo.
Da junta governamental faziam parte Antônio Germano Cavalcanti
de Albuquerque , capitão de infantaria; coronel de milícias Antonio da Rocha
Bezerra e o padre Feliciano José Dornelas, vigário de freguesia.

Fascículo 6
Insucesso da Revolução
Monarquistas Vencem André de Albuquerque
Nada foi feito pelo governo revolucionário. A promessa de aumento
de soldo aos soldados não é cumprida. A ação se limitou a arrancar a Coroa
Real da Câmara em Extremoz, o que foi feito por Rego Barros.
"Uma fase triste e cinzenta. No Palácio da Rua Grande que teria seu
nome, André trabalha ou vive junto do Padre João Damasceno. Nenhuma
irradiação; nenhuma popularidade; nenhuma conquista; nenhuma vibração...",
narra Câmara Cascudo.
A reação monarquista, no Rio Grande do Norte, parte da residência
do alfaiate Manuel da Costa Bandeira. É de lá que surgem os contra-
revolucionários, depois das noves badaladas do sino da Igreja, o sinal pré-
determinado para o ataque. Chegando ao Palácio, encontraram o chefe
revolucionário só, sem guarda, sem defesa. Após um breve tumulto, André de
Albuquerque tem a virilha atravessada por uma espada. Ferido mortalmente, é
conduzido prisioneiro para a fortaleza onde, na madrugada de 26 de abril de
1817, falece, sem socorros médicos ou qualquer tipo de assistência. Seu corpo
foi arrastado pelas ruas da cidade , como se fosse um mendigo: "Amarram-no a
um pau, com cordas e oito soldados carregam o corpo para a cidade",
descreve Cascudo. Morte inglória para um homem da estatura de André de
Albuquerque. Quando o corpo passava pela Ribeira, foi envolvido por uma
esteira dada por Ritinha Coelho. Albuquerque foi encarado como um traidor da
monarquia, por essa razão, o povo gritava:
- Morreu Pai André!
- Viva dom João!
André de Albuquerque foi sepultado na única igreja existente na
cidade.
É importante salientar que, em recente restauração realizada na
Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, foram encontrados os restos
mortais identificados como sendo os do chefe revolucionário de 1817.
No mesmo dia do sepultamento de André de Albuquerque, foi
organizado um governo interino, que permaneceu no comando do Rio Grande
do Norte até o regresso de José Inácio Borges. Estava encerrada, de maneira
melancólica, a participação do Rio Grande no movimento revolucionário de
1817.

Os Atos de Inácio Borges

Em 1816, o sargento-mor de Infantaria José Inácio Borges foi


nomeado governador do Rio Grande do Norte. Não fazia quatro anos que
exercia o poder quando, em Recife, explodiu a Revolução Pernambucana de
1817. Procurou tomar todas as providências necessárias para evitar que as
tropas revolucionárias invadissem o Rio Grande do Norte pelas fronteiras com
a Paraíba. Foi pessoalmente falar com André de Albuquerque, coronel das
Ordenanças do Distrito Sul. Aconteceu, então, o inesperado: André de
Albuqueque se uniu às tropas invasoras e prendeu o governador no Engenho
Belém.
Algumas pessoas criticaram José Inácio Borges por ter abandonado
a capital. O mesmo aconteceu com alguns historiadores, como, por exemplo,
Tavares de Lyra que, depois de lembrar que Borges desfrutava da amizade de
André de Albuquerque Maranhão, visitando seus engenhos, onde era por sinal
bem recebido, disse o seguinte "acoimadó" de vacilante e dúbio, sendo certo
que, num momento dado, ele se tornou realmente inexplicável. A sua ida ao
Engenho Belém não tem justificativa: foi um ato, senão criminoso, pelo menos
imprudente e leviano, ante a iminência de uma sublevação. Ela importou no
abandono da capital quando mais necessária se fazia a presença do supremo
representante do poder público, a fim de organizar a resistência e dar coesão
aos elementos de defesa de sua autoridade, vigiando pela manutenção da
ordem e da segurança que, ainda mesmo que não estivessem ameaçadas
internamente, corriam sério perigo nas fronteiras".
Ao contrário da interpretação de Tavares de Lyra, a ida do
governante ao interior, dar ordens ao responsável pela defesa das fronteiras,
pessoalmente, é perfeitamente compreensível. Natal não apresentava sinais de
que iria explodir num movimento revolucionário... A ameaça se encontrava
justamente numa invasão vinda da Paraíba! A sua atitude foi, portanto, correta.
Jamais poderia imaginar que seria preso pelo seu amigo! Deve ter ficado
profundamente decepcionado, porque, na justificativa em que explica sua
atitude, chamou André de Albuquerque Maranhão de "infame e traidor". O
próprio Tavares de Lyra reconhece que José Borges condenou de pronto a
revolução e tomou todas as medidas necessárias para combater o levante
realizado em Pernambuco. Mesmo assim, o historiador potiguar vai mais longe,
insinuando uma provável cumplicidade por parte do governador em relação ao
movimento... Reconhece, entretanto, que não existem documentos que
comprovem tal dubiedade de comportamento.
O fato é que José Borges foi um grande administrador. Vencida a
Revolução Pernambucana de 1817, reassumiu o governo e não aproveitou da
situação para praticar qualquer ato de vingança. Ao contrário, agiu com
prudência, procurando diminuir o grau de envolvimento dos participantes no
levante. Tavares de Lyra reconhece tal fato.
As propriedades dos Albuquerque foram depredadas, porém, João
Borges não teve nenhuma participação nesses atos que, segundo Câmara
Cascudo, são "exibições eternas de partidarismo interesseiros e desonesto". E
mais: conseguiu tornar a Capitania do Rio Grande do Norte autônoma
administrativamente, deixando de ser dependente de Pernambuco. Ao criar a
Ouvidoria da Comarca, libertou-a da tutela da Paraíba e, como disse Tarcísio
Medeiros, conseguiu "formar o primeiro Corpo de Tropa de Linha, composto de
uma companhia de artilharia e duas infantarias (22/01/1820), bem assim à
instalação da cada de Inspeção de Algodão e a Junta da Fazenda, esta em 01
de outubro de 1821".
Ainda quando administrava o Rio Grande do Norte, foi promovido a
tenente-coronel e, depois, a coronel de Artilharia.
Deixando o governo, foi senador por Pernambuco. Reformou-se
como marechal de campo após a Abdicação de D. Pedro I. Foi, ainda,
designado ministro da Fazenda, participando, assim, do primeiro gabinete da
Regência Provisória, ensina Tarcísio Medeiros.
José Borges morreu no dia 6 de dezembro de 1838, em
Pernambuco.

Padre Miguelinho, um Potiguar idealista

O padre Miguel de Almeida e Castro nasceu na cidade do Natal, no


dia 17 de setembro de 1768, sendo seus pais o capitão Manoel Pinto de
Castro, português, e D. Francisca Antonio Teixeira. Foi batizado em 3 de
dezembro de 1768, na Matriz da Apresentação.
Aos 16 anos foi morar em Recife. Em 1784, entrou para Ordem
Carmelita da Reforma, quando seu tronou frei Miguel de São Bonifácio,
"Lembrança da avó materna que era Bonifácia:, explicou Câmara Cascudo. Por
essa razão, ficou conhecido como frei Miguelinho. Acontece, entretanto, que
indo para a Europa, em 1800, requereu do Papa Pio VII, a sua secularização.
Ao voltar ao Brasil, já era padre, o que confundiu muita gente, fazendo com que
o sacerdote potiguar continuasse sendo chamado de frei Miguelinho. Mas o
certo é chamá-lo de padre Miguelinho, por ter conseguido sua secularização.
No ano de 1817 foi nomeado Mestre da Retórica do Seminário de
Olinda.
Em Recife, morou com sua irmã Clara de Castro.
Idealista, participou da Revolução Pernambucana de 1817, sendo
preso no dia 21 de maio de 1817. Na noite anterior, juntamente com Clara
Castro, ficou queimando os papéis que incriminavam todos aqueles que tinham
participado do movimento. Disse para sua irmã: "Mana, nada de choro. Está
órfã. Tenho enchido os meus dias, logo me vêem buscar para a morte.
Entrego-me à vontade de Deus e nele te dou um pai que não morre. Mas
aproveitemos a noite e imita-me: ajuda-me a salvar a vida de milhares de
desgraçados".
Preso, foi levado à Fortaleza das Cinco Pontas. Padre Miguelinho,
juntamente com setenta e dois revolucionários, seguiu no brigue "Conosco"
para Salvador. Desembarcou na capital da Bahia no dia 10 de junho. Durante o
seu julgamento, perante uma comissão, o conde dos Arcos tentou ajudá-lo,
perguntando se ele tinha inimigo, ao que o padre respondeu: "não senhor, não
são contrafeitas. As minhas firmas nesses papéis são todas autênticas. Por
sinal, em uma delas falta o 'O' de Castro, ficou pela metade por acabar porque
faltou papel".
Foi condenado por crime de lesa-majestade e fuzilado no dia 12 de
junho de 1817.
Segundo Adauto da Câmara, "os restos mortais do Padre Miguelinho
foram inumados no antigo cemitério do Campo da Pólvora, reservados aos
escravos, aos pobres e aos que padecessem da morte violenta".
Em 1912, quando foi criado um grupo escolar no Alecrim, por
iniciativa de Cândido Medeiros (que, segundo Nestor de Lima, era o
"desdobramento de sua "escola dos pobres" de São Vicente de Paula") e por
indicação de Nestor de Lima, o governador Alberto Maranhão deu à nova
escola o nome do sacerdote norte-rio-grandense, Frei Miguelinho. Depois, bem
mais tarde, quando o grupo se transformou em escola de primeiro e de
segundo grau se transformou em escola de primeiro e de segundo graus,
passou a se chamar Instituto Padre Miguelinho, corrigindo o erro inicial.

A Causa da Independência

Considerações Sobre a Emancipação do Brasil

O quadro realmente impressiona. A tarde declinava, eram


aproximadamente dezesseis horas. Às margens de um pequeno rio, chamado
do "Ipiranga", na província de São Paulo, D. Pedro empunha a espada e gruta:
"Independência ou morte!".
O gesto do príncipe, para alguns estudiosos, sintetiza todo o
processo da emancipação política do Brasil. Marcaria o momento em que D.
Pedro decidiu lutar para livrar o Brasil da tutela portuguesa. Naquela data, no
entanto, o Brasil já se encontrava independente. Existem dois documentos que
comprovam esse fato. O primeiro, tem a data de 4 de agosto de 1822. É um
"Manifesto às Nações Amigas", escrito por José Bonifácio e diz o seguinte:
"proclama à face do universo a sua independência política". Apesar dessa
afirmação, o que se pretendia deixar claro perante os outros países é que o
Brasil não se deixaria recolonizar por Portugal. Por essa razão, o mesmo
documento afirma que "o Brasil continuava integrando o Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algaves".
Era um prenúncio do que estava para acontecer. A verdadeira
Declaração da Independência do Brasil pode ser considerada a circular dirigida
às nações amigas, com a data de 14 de agosto de 1822, que dizia, de maneira
clara, o seguinte: "tendo o Brasil que se considera tão livre como o Reino de
Portugal, sacudido o jogo da sujeição e inferioridade com que o Reino irmão o
pretendia escravizar e PASSANDO A PROCLAMAR SOLENEMENTE A SUA
INDEPENDÊNCIA". A afirmação dispensa qualquer comentário. O país
assumia, naquele instante, sua autonomia política. Outra parte do texto diz o
seguinte: "O Brasil não reconhece mais o Congresso de Lisboa, nem as ordens
do seu executivo". Ou seja, não reconhecendo o poder executivo e,
igualmente, o legislativo de Portugal, o Brasil se considerava, de fato e de
direito, uma nação independente!

Gesto Simbólico e Contexto Especial

O movimento da separação política no Brasil assume características


próprias, principalmente quando comparado às demais nações sul-americanas.
Enquanto países como a Argentina, Colômbia ou Bolívia celebram heróis
populares, no Brasil é o representante da dinastia reinante que, por
circunstâncias especiais, vai participar do processo de emancipação. O Brasil
se torna, após a independência, um império monárquico, diferentemente de
seus vizinhos que se transformaram em repúblicas.
Na história dessa separação, há ainda uma forte tendência para
valorizar os acontecimentos do dia 7 de setembro de 1822 como sendo os mais
significativos. Entretanto, uma moderna abordagem mostra que a
independência do Brasil foi um longo processo, elaborado desde os abusos do
sistema colonial, que originou rebeliões, e continuou com a chegada da Corte
Portuguesa ao País, fortificando-se com a resolução do Príncipe regente de
permanecer em terras brasileiras.
Sabe-se, hoje, que a independência do Brasil resultou da disputa
entre comerciantes portugueses, que vinham perdendo os seus privilégios
fiscais, e brasileiros, que pretendiam para si esses mesmos privilégios. Nesse
contexto, o 7 de setembro deve ser visto como um gesto simbólico.

Repercussões no Rio Grande do Norte

O Rio Grande do Norte, por Alvará Régio de 18 de março de 1818,


se libertara legalmente da dependência da Paraíba.
Reassumindo o governo do Rio Grande do Norte, depois dos
acontecimentos de 1817, José Inácio Borges era considerado simpatizante da
causa da independência. Foi nessa época que o conflito entre separatistas e
recolonizadores começou a ganhar vulto. É bem verdade que essas
divergências eram mais dirigidas aos indivíduos do que às duas ideologias.
Com o afastamento de José Inácio Borges do governo, foi formada
uma Junta Constitucional Provisória, composta por sete membros, e eleita no
dia 3 de dezembro de 1821.
A citada junta era presidida pelo coronel Joaquim José do Rego
Barros, ligado ao movimento de 1817, ainda sendo os demais membros da lista
simpatizantes da causa separatista.
A junta teve que enfrentar todo tipo de dificuldades, inclusive a falta
de material para expediente e cadeiras. Os pedidos de ajuda eram
sistematicamente negados, sob a alegação de que a junta deveria ser
composta por cinco membros e não por sete. Sem outra alternativa, os dois
menos votados foram afastados do governo.
Um baixo-assinado com cerca de 50 assinaturas, tendo à frente o
capitão Joaquim Torquato Soares Raposo da Câmara, solicitava a criação de
uma nova junta, afirmando que a então governante era ilegal e insustentável.
A reação da junta não se fez esperar, determinou a prisão não só do
primeiro signatário da lista, mas também do ouvidor. Temendo mais agitação, o
presidente da Câmara convocou novas eleições.
Foi escolhido um governo temporário, eleito e empossado no mesmo
dia. Finalmente no dia 18 de março, tomou posse a Junta de Governo
Provisório, que permaneceu no poder até 24 de janeiro de 1824. No dia de 2 de
dezembro de 1822, chega ao Rio Grande do Norte a notícia da separação
política. A 22 de janeiro de 1823, a junta promove , com grande pompa, as
comemorações que o fato merecia. No entanto, a coroação do primeiro
imperador brasileiro, no dia 01 de dezembro de 1822, não foi comemorada,
permaneceu ignorada pela população local, que passou a integrar o império
brasileiro.

Os Rebeldes do Equador

A Insubordinação de Pernambuco

D. Pedro I dissolveu, em 1823, a Assembléia Constituinte, que tinha


como objetivo elaborar a primeira Constituição do nascente império brasileiro.
A medida provocou descontentamento em todo o País. Como disse
Rocha Pompo, "em Pernambuco, onde eram vivas as tradições de protesto
contra o despotismo, assumiu atitudes de resistência formal pelas armas".
O que fez explodir o movimento em Pernambuco foi, sobretudo, uma
questão interna. A junta que governava, renunciou, sendo eleito um novo
governo cujo chefe era Manuel de Carvalho Pais de Andrade. Mas havia um
governante nomeado pelo imperador: o morgado do cabo Francisco Pais
Barreto, futuro marquês do Recife. Houve, então, o impasse. Carvalho Pais de
Andrade não entregou o cargo ao seu sucessor indicado por D. Pedro I.
Representante de algumas municipalidades, reunidos em Recife, apoiaram
Carvalho Pais de Andrade. A guarnição de Recife ficou dividida: uma parte
ficou com País de Andrade e a outra, com Pais Barreto. A facção que defendia
o morgado do cabo prendeu Manuel de Carvalho e se retirou para o sul, com a
finalidade de unir-se a um grupo de correligionários. Aproveitando o clima de
antagonismo entre os dois grupos, frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e
Caneca, através das páginas do "Tifis Pernambucano", defendeu o
separatismo.
Uma divisão naval, comandada por John Taylor, bloqueou Recife,
impedindo um conflito armado. Mal Raylor saiu, Manuel Pais de Andrade, no
dia 2 de julho de 1824, lançou uma proclamação rompendo com o governo
imperial. O movimento marchava para a formação de uma nação
independente. São mantidos contatos com outras províncias: Piauí, Ceará,
Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte. Era o Nordeste que se levantava
contra o absolutismo de D. Pedro I e alguns líderes iam mais adiante,
desejando a proclamação de uma república!
A bandeira desenhada pelos rebeldes, que por sinal nunca foi
utilizada em combate, trazia quatro palavras que sintetizavam o pensamento
dos: revoltosos religião, independência, união, liberdade e confederação. A
primeira se justifica pela presença dos sacerdotes frei Joaquim do Amor Divino
Rabelo e Caneca, padre João Batista da Fonseca etc. A segunda,
independência, dizia respeito ao governo imperial, portanto, brasileiro. O termo
união se referia aos estados nordestinos e nortistas, que deveriam estar juntos
para vencer as tropas imperiais. Mais do que nunca a coesão era necessária e,
uma vez criada a confederação, a liberdade seria estabelecida em seu
território. A última palavra, confederação, significava que seus membros
manteriam autonomia!
A Confederação do Equador, contudo, não deu certo. As tropas
imperiais dominaram o movimento. A 01 de dezembro de 1824, jurava-se a
Constituição outorgada de 1824. O levante estava totalmente vencido. E a
ordem imperial restabelecida em todo o Nordeste e Norte do Brasil.

O Entusiasmo de Frei Caneca Pelo Seridó

Para D. José Adelino Dantas, o frade carmelita Joaquim do Amor


Divino Rabelo e Caneca era "uma figura exponencial, no ardor, na
combatividade, na eloqüência e na bravura".
Frei Caneca, como era mais conhecido, após a derrota do
movimento que explodira em Pernambuco, segue com um grupo rumo ao
Norte, armados inclusive com peças de artilharia. Seu roteiro até chgar ao
Seridó foi o seguinte: Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Conta D. José Adelino Dantas: "nos sítios de Malacacheta e Pedra
Lavrada, atingem o Seridó pelo 'boqueirão da serrota' , o atual boqueirão de
Parelhas (...) Calcando as brancas areia do rio Seridó, os homens de Frei
Caneca acamparam, à tardinha do dia 22, na fazenda das almas".
Frei Caneca, entusiasmado com o Seridó, escreveu que "a descida
da Serra da Borborema, ainda nesta estação, é lindíssima. Apresenta golpes
de vista dos mais pitorescos, capazes de encantar os olhos dos viajantes".
Seguindo caminho pelo Seridó, os expedicionários, a partir do sítio
de S. João atingiram a Serra de Samanáu e, no dia 26 de outubro de 1824, ao
meio dia, entraram em Caicó. Foram recebidos pelo padre Francisco de Brito
Guerra. O povo se confraternizou com os forasteiros.
D. Adelino Dantas, de maneira objetiva, descreveu os últimos
instantes que Frei Caneca passou em Caicó: "A milícia confederada demorou
em Caicó uma semana. Impunha-se descansar a tropa e consertar as peças
(...). Sob o belo luar de 2 de novembro de 1824, levantou acampamento e
retorna a marcha, rumo ao Ceará".

Sem Choque de Armas no RN

Manuel Teixeira Barbosa assumiu o governo no Rio Grande do


Norte numa hora difícil. Inquietação em todo o País. Conta Câmara Cascudo
que "Pais de Andrade apoiava-se na Tradição de 1817, esta polarizava
simpatias por todo o Nordeste".
"No Rio Grande do Norte, os homens de 1817 eram queridos e
admirados. Mas estavam divididos, uns para o lado do imperador e outros para
a aceitação de um governo popular".
Pais de Andrade enviou Januário Alexandrino para manter contatos
na escuna "Maria Zeferina", em março de 1824. Ele vinha oficialmente, como
médico, para divulgar um tipo de vacina. Porém, sua missão real era divulgar o
movimento revolucionário pernambucano. Levava, inclusive, oficiais para o
Ceará e Pará.
O clima hostil que havia entre os dois grupos, a favor ou contra o
imperador, crescia num prenúncio de violência.
Teixeira Barbosa, inseguro, passou a dar expediente no Quartel da
Tropa de Linha, esperando, ansioso, pelo seu substituto. Tomás de Araújo que,
segundo se dizia, simpatizava com a causa pernambucana, retardava, ao
máximo, assumir o governo. Ambos tinham consciência da tempestade que se
aproximava. Tomás de Araújo foi nomeado presidente da província em 25 de
novembro de 1823 e assumiu o governo em 5 de maio de 1824.
Na Paraíba, o presidente Felipe Neri Ferreira encontrou uma série
de resistência ao seu nome, sendo Félix Antônio Ferreira de Albuquerque
aclamado presidente. Era o retrato da crise política que reinava no Nordeste.
As facções em luta, na Paraíba e em Pernambuco, procuravam o
apoio do Rio Grande do Norte. Pais de Andrade enviou, inclusive,
correspondência para o governante potiguar. Tomás de Araújo agiu com
cautela, preocupado em evitar uma guerra civil em sua província, atitude que
não foi compreendida por alguns historiadores. Enviou, entretanto, uma
delegação (padre Francisco da Costa Seixas, José Joaquim Germiniano de
Morais Navarro e José Joaquim Bezerra Carnaúba) que fez algumas
exigências ao vice-presidente da Paraíba, Alexandre de Seixas Machado:
"intimar-lhe a eleição de novos conselhos de governo, posse ao mais votado,
anistia e volta aos seus empregos de todos comprometidos, além das garantias
naturais de segurança pessoal e propriedade", sintetizou Câmara Cascudo.
Alexandre de Seixas Machado, como resposta, mandou tropas para
as fronteiras que se limitavam com o Rio Grande do Norte.
A delegação potiguar, depois de visitar a Paraíba, foi para
Pernambuco, sendo que José Joaquim Bezerra Caranúba foi substituído por
José Joaquim Fernando Barros. Essa delegação assinou, com o governo
Pernambuco, uma concordata,. Em 3 de agosto de 1824, pela qual as duas
províncias se uniram "numa liga fraternal ofensiva e defensiva", devendo entrar
em vigor quando fosse assinada pelos governantes das duas províncias.
Tomás de Araújo, ao que parece, não assinou o referido documento. Mais uma
atitude do presidente entendida como dúbia... Pode ser compreendida,
contudo, como uma prova de que não apoiava o movimento.
Tomás de Araújo enviou tropas para a região sul, sob o comando de
Miguel Ferreira Cabral que, pouco depois, recebeu ordem para regressar.
Havia a notícia de que uma força paraibana iria combater os norte-rio-
grandenses. A situação ficou muito confusa. Tomás de Araújo mandou o
tenente José Domingues Bezerra de Sá para observar o que estava
acontecendo. Na volta, Bezerra de Sá informou que a tropa de Cabral estava
reforçada com voluntários, oriundos de S. José de Mipibu, que eram grandes
entusiastas da Confederação do Equador. Segundo Bezerra de Sá, o objetivo
era "levantar a bandeira republicana em Natal". Os expedicionários, vindo do
sul, portanto, eram rebeldes, adeptos da Confederação do Equador... Diante de
um possível confronto, Vicente Ferreira Nobre e Joaquim José da Costa são
designados para defender a cidade do Natal.
Câmara Cascudo narrou os acontecimentos seguintes: "Ferreira
Nobte e Costa ocupam os arredores da cidade e não permitem que o emissário
do presidente leve carta sua ao alferes. Cabral na tarde de 5 de setembro. O
presidente foi em pessoa suplicar os dois que permitissem a entrada da força
de Cabral. Permitiram, depois de muito rogados, com a condição dos
voluntários acamparem fora da cidade". Uma situação crítica. Ferreira Nobre e
Costa, praticamente, assumem o poder ou, pelo menos, ignoram a autoridade
de Tomás de Araújo. Ao que parece, eles acreditavam que o presidente estava
do lado dos rebeldes ou, no mínimo, simpatizava com a causa da
Confederação do Equador...
Apesar dessa circunstância, o esforço de Tomás de Araújo para
evitar um conflito armado, nos arredores de Natal, foi imenso e mesmo sem
conseguir que suas determinações fossem aceitas pelos chefes militares,
conseguiu que o pior não acontecesse, como demonstrou Jayme da Nóbrega:
"Tomás de Araújo evitou o choque de armas, às portas de Natal, entre as
tropas da guarnição, de 1 e 2 linhas, comandadas respectivamente pelo
Capitão Vicente Ferreira Nobre e Sargento-mor Joaquim José da Costa, de um
lado, e uma força de 50 soldados da mesma guarnição que fora enviada ao
litoral sul e voltava engrossada com voluntários rebeldes de São José de
Mipibu (...) sob o comando do Alferes Miguel Ferreira Cabral, de outro lado".
"Conseguiu Tomás de Araújo em pessoa convencer os
indisciplinados comandantes Nobre e Costa de que pacificamente deveria
passar pelo posto militar a tropa de Cabral e acampar fora o grupo de moços
voluntários revoltosos. Estes depois fugiram".
Os historiadores viram em Tomás de Araújo um velho fraco, que não
estava à altura dos acontecimentos. A verdade, porém, é que caso Tomás de
Araújo tentasse se impor aos militares pela força, teria sido preso ou, então,
morto. E a conseqüência teria sido a guerra civil! Tomás de Araújo, para evitar
o derramamento de sangue, através de um gesto heróico, preferiu se sacrificar,
suportando humilhações para obter um bem maior: poupar o povo e a cidade
das vicissitudes de um conflito armado. Seu intento se realizou. Esse fato tem
que ser reconhecido pela historiografia potiguar.
Tomás de Araújo, pedindo demissão, entregou o governo ao
presidente da Câmara, Lourenço José de Moraes Navarro, que dirigiu os
destinos da província até 20 de janeiro de 1825. Navarro, por sua vez, passou
o governo ao seu substituto legal, Manuel Teixeira Barbosa.
A conclusão à qual se pode chegar é que, na realidade, o Rio
Grande do Norte foi envolvido pelo movimento revolucionário pernambucano
sem sofrer, contudo, maiores conseqüências.

O Patriarca Seridoense Tomás de A. Pereira

Nasceu em Acari, no ano de 1765. Era um homem alto e, segundo


Jayme da Nóbrega Santa Rosa, "de olhos azuis, madrugador ativo, generoso,
humano, isto é, compreensivo, fazendeiro de amplas propriedades".
Sobre sua figura foi projetada uma imagem de homem bom, porém,
sem cultura. Jayme da Nóbrega combate, com fundamento, tal versão,
afirmando que possuía "regular instrução" e que mantinha "assídua
correspondência com seus amigos. As suas cartas eram ditadas a secretários,
um dos quais era o seu neto Manuel Lopes de Araújo Cananéia. Registra a
tradição oral que, ao mesmo tempo, às vezes, ditava quatro, cinco cartas.
Deduz-se da leitura de algumas dessas missivas que foram conhecidas, e de
documentos políticos impressos, que Tomás de Araújo se dedicava, nas
ocasiões próprias, à leitura de livros". Jayme da Nóbrega vai mais além,
chegando, inclusive, a fazer uma análise dos termos empregados por Tomás
de Araújo.
O patriarca seridoense também conhecia a doutrina cristã a ponto de
fazer preleções. Jayme da Nóbrega acrescenta outros traços da sua
personalidade: "astúcia, habilidade, bom senso, memória, espírito de
discernimento e capacidade de decisão. E ainda desmente a versão de que
Tomás de Araújo simpatizasse com os ideais da Confederação do Equador.
Câmara Cascudo afirmou que não podia compreender como o
imperador escolhera um homem idoso para administrar uma província que vivia
uma situação dramática, caótica. Mais uma vez Jayme da Nóbrega desmente,
de maneira firme, a lenda: "Em 1824 começava devagar um processo de
glaucoma. Quando à idade, estava então com 59 anos, de excelente saúde e
boa disposição (...). Depois que Tomás de Araújo deixou a presidência, viveu
com boa saúde 23 anos".
A imagem que os autores construíram, tendo por base as declaração
do próprio Tomás de Araújo, no Auto de Vereação, teria como objetivo apenas
justificar o seu pedido de demissão do cargo de presidente da província. Os
historiadores não compreenderam essa verdade. A velhice começa, na
realidade, aos 65 anos e não aos 50... Confundiram paciência, capacidade de
esperar para poder agir corretamente, com inabilidade. É bom repetir: Tomás
de Araújo, impediu que os combates se desenrolassem na terra potiguar, sim.
Os ânimos estavam muito exaltados. Evitar o derramamento de sangue entre
irmãos é tarefa muito mais relevante do que solucionar um conflito entre
facções adversárias, através do sacrifício de muitas vidas! Tomás de Araújo
agiu nesse sentido de maneira consciente: "temendo que se alçasse a guerra
civil e caísse nesta Província a indelével nódoa de sangue brasileiro de que até
hoje isenta, propus e afiancei em nome de todos os feitos praticados de parte a
parte, tornado réu de culpa ao que traísse essa proposição, e sendo por todos
aceita e aplaudida em alta voz, mandei que entrasse só a Tropa de I linha,
abarracando-se a outra força, ao que obedeceram".
Tomás de Araújo foi criticado, acusado de estar na "corda bamba",
procurando agradar os dois grupos em luta. Outro engano. Ele era
monarquista. Disse isso claramente: "Jamais se deixaria levar da impetuosa
corrente de opiniões republicanas, anárquica e subversivas da obediência e
boa ordem". Palavras que retratam perfeitamente o pensamento de um
monarquista. Não ficou indeciso, ao contrário, procurou combater a violência
com a astúcia de um sertanejo experiente no comando de pessoas...
Governou como se estivesse administrando uma de suas fazendas,
determinando tarefas, por sinal, pouco comuns, para seus subordinados.
Mandou, por exemplo, que os soldados trabalhassem na agricultura, para
abastecer o quartel de alimentos... Combateu a prostituição, fazendo com que
as mulheres tivessem uma missão diária: fiar algodão.
Honeste, "fiscalizou pessoalmente o Erário, impedindo que
houvesse abusos", disse Jayme da Nóbrega Santa Rosa.
Fascículo 7
Confederação do Equador
A Penitência de Tomás de Araújo Pereira
Era rigoroso no castigo aos seus familiares, usando a palmatória e
uma pequena prisão, a "cafua". Manoel Dantas conta algo curioso, que pode
ser até uma anedota, contudo, diz muito da personalidade de Tomás de Araújo:
estava velho, quase cego. Pediu a seu neto padre, que se chamava também
Tomás, que o ouvisse em confissão. O jovem sacerdote relutou, porém, o velho
patriarca não admitiu a recusa e tanto fez que terminou se confessando ao seu
neto. Após a confissão, como penitência, o padre Tomás determinou que o avô
ficasse preso meia hora na "cafua". Cumpriu a penitência. Depois, chamou um
pedreiro e mandou demolir o cubículo... Outros "casos" são contados sem que
se possa distinguir os que são verdadeiros daqueles que fazem parte do
folclore do sertão seridoense...
Ao deixar o governo, a situação política continuava difícil. Mesmo
assim, não recebeu nenhuma garantia de vida. Saiu de Natal rumo a Acari e,
numa determinada região onde corria o risco de vida, viajou escondido dentro
de um barril, que foi levado na cabeça de seu fiel escravo, "Pai Benguela".
Em Acari, na Fazenda Mulungu, elaborou sua defesa, com o objetivo
de excluir qualquer dúvida sobre sua participação nos episódios relacionados
com a Confederação do Equador.
Tomás de Araújo passou o governo à Câmara no dia 8 de setembro
de 1824, sendo o novo administrador o presidente da Câmara, Lourenço José
de Moraes Navarro, que dirigiu os destinos da província até 20 de janeiro de
1825, quando o sonho da Confederação do Equador estava totalmente
destruído.

Escravismo e Abolicionismo

O Inescrupuloso Comércio Humano

O negro foi trazido da África para o Brasil porque, segundo Thales


de Azevedo, "os portugueses necessitavam de divisas para o seu comércio
internacional e não havendo encontrado ouro no Brasil, levavam ferro
produzido para Portugal, por escravos no Congo e na Costa do Ouro para
trocar esses escravos pelo precioso metal que ali existia. Os comerciantes
europeus, por sua vez, estabeleciam-se em feitorias na África, protegidos por
seus governos e de comum acordo com os potentados negros, para negociar
suas manufaturas pelos produtos regionais. Assim, provocaram ou
estimulavam as lutas tribais que, desorganizando a ordem social e a economia,
lhes permitiam apoderar-se do comércio regional, ao mesmo tempo em que
obtinham escravos para vender. Por esse jogo complexo e inescrupuloso,
diretamente encorajava-se o ganancioso comércio humano, o qual também
enriquecia os traficantes no Brasil".
As regiões africanas que mais forneceram escravos para o Brasil
foram o litoral e o Golfo da Guiné. No século XVI, vinham da Guiné; no século
XVII, DE Angola, e no século seguinte, da Costa da Mina.
Do outro lado do Atlântico, no Brasil, os três maiores centros que
receberam os pretos oriundos da África eram Bahia, Pernambuco e Rio de
Janeiro.

Escravatura Modela Perfil Brasileiro

Os negros, maltratados, se submetiam ou se rebelavam, fugindo


para o mato, formando quilombos. Às vezes, se refugiavam em comunidades
"fechadas", não permitindo pessoas brancas no seu convívio.
A grande lavoura exigia um grande número de braços. Foi preciso,
portanto, buscar o negro na sua terra. Segundo Jaime Pinsky, houve "uma
grande multiplicidade de grupos negros trazidos ao Brasil pelos traficantes
portuguesas ou ingleses, que se tornaram os mais expressivos já no século
XVII".
Para Décio Freitas, "vicejou no Brasil a formação mais importante do
mundo. Nenhum outro país teve sua história tão modelada e condicionada pelo
escravismo em todos os aspectos, econômico, social, cultural. Pode-se dizer
que a escravutura delineou o perfil histórico do Brasil e produziu a matriz da
sua configuração social".
Lei Áurea: Apenas uma Etapa Vencida

O movimento abolicionista no Brasil representou um sentimento,


defendido por aqueles que desejavam mudanças ou, então, por pessoas que
agiam impulsionadas pelo cristianismo.
Pode ser analisado sob dois aspectos: o seu significado na época da
libertação dos escravos (1888) e como é visto na atualidade.
A assinatura da Lei Áurea, pela princesa Isabel, foi aclamada pela
multidão, numa verdadeira apoteose. Discursos. Aplausos. O dia 13 de maio foi
apontado como sendo o ponto culminante de um movimento liderado por
jovens idealistas que pensavam que, libertando o negro, a obra estava
completa. Os abolicionistas esqueceram que tinham apenas vencido uma
etapa. O passo mais importante estaria por vir, aquele em que o negro deixaria
de ser "peça", para transformar-se em cidadão, podendo lutar pelos seus
direitos e, inclusive, participar do processo político. Era preciso que o negro,
antes de alcançar a sua liberdade, tivesse sido preparado para agir como
cidadão, Mas nada foi feito nesse sentido, quer pelo governo, que por qualquer
grupo de abolicionista. A falha foi exatamente essa. O movimento abolicionista,
portanto, não foi uma farsa e, sim, errou por não compreender o que deveria
ser feito após a destruição do sistema escravista.
O fato é que não foi tomada nenhuma providência para que o negro,
uma vez livre, pudesse inserir-se na sociedade, com os mesmos direitos dos
brancos... Resultado: nos primeiros momentos após a Lei Áurea, os africanos e
seus descendentes no Brasil viveram momentos de grandes dificuldades. Por
essa razão, alguns estudiosos, hoje, afirmam que a abolição da escravidão no
Brasil foi uma verdadeira farsa. Sem nenhuma repercussão histórica. Mais uma
vez, estão enganados. Em primeiro lugar, foram liberados mais de 700 mil
escravos. E como mostrou Caio Prado Júnior, esse número de pretos
representava, para a população branca, "uma ameaça tremenda; ainda mais
porque eles se concentravam em maioria nos agrupamentos numerosos das
fazendas e grandes propriedades isoladas no interior e desprovidos de
qualquer defesa eficaz".
Com a abolição, o negro deixou de ser "peça" e passou a ser gente,
pessoa humana. Ainda discriminado, perseguido, rejeitado. A grande maioria,
levando uma vida realmente miserável. Sem perceber ainda o que
representava a libertação de um povo. Teria que ser assim, considerando que
o africano era discriminado, apontado como ser inferior, incapaz de qualquer
ascensão social. É necessário ainda que pensemos no seguinte: não se muda
a mentalidade de um indivíduo ou de uma sociedade, independente de cor ou
ideologia, através de decretos. Rodos processo de mudança é lento e o novo é,
quase sempre, rejeitado pela maioria. Naquela época, qualquer tipo de
transformação ocorria muito devagar, a não ser quando imposta por uma
revolução. O negro foi libertado, porém, continua sendo odiado ou, pelo menos,
desprezado pela elite.
A abolição, contudo, foi o primeiro passo dado pelo negro no Brasil
para ascender socialmente como povo.
A abolição acabou, no mesmo instante, com duas classes sociais: a
do senhor de escravos e a dos escravos. De acordo com Décio Freitas, "a
substituição de um modo de produção por outro configura uma revolução
social. Todos admitem que esta foi a mudança social mais importante ocorrida
desde a colonização".

Mão-de-obra Escrava e Comunidades Negras

O Rio Grande do Norte se abastecia de escravos em dois centros:


Pernambuco e Maranhão. De Pernambuco os negros eram enviados para a
região açucareira potiguar, sobretudo a partir de 1845, quando a indústria do
açúcar foi ativada nos municípios de São Gonçalo, Ceará-Mirim, São José de
Mipibu, Papari, Goianinha e Canguaretama.
Os negros comprados no Maranhão chegavam ao Rio Grande do
Norte via Ceará, sendo desembarcados em Areia Branca, atendendo às
necessidades da indústria salineira de Açu, Mossoró, Macau e Areia Branca.
O negro, portanto, atuava principalmente em dois tipos de trabalho:
nas indústrias açucareira e salineira, e em menor quantidade nas fazendas de
gado.
Alguns negros, contudo, não suportavam a vida miserável que
levavam. Fugiam, penetrando no interior, e formando comunidades "fechadas",
que se isolavam da sociedade dos brancos, mantendo somente um contato
estritamente necessário, como aconteceu em Coqueiros, Sibaúma, Zumbi,
Negros do Riacho, Capoeira dos Negros etc.
Essas comunidades, provavelmente, não se originaram de
quilombos.
Exemplo: Capoeira dos Negros. Os habitantes desse local, conta o
Sr. Severino Paulino da Silva, um de seus descendentes, vieram de Açu, talvez
por causa de uma grande seca. Faziam parte de uma família formada pelo
casal Joaquim e sua senhora, Caiada, e seus filhos, todos negros. O casal
vendeu doze cavalos não adultyos para comprar a propriedade. O Sr. Carrias,
antigo dono da Capoeira, enganou seu Joaquim entregando uma procuração
em lugar do documento de venda. Quando o Sr. Joaquim morreu, o Sr. Carrias
reuniu os filhos do falecido e disse a verdade, exigindo mais cem mil réis para
passar o documento legal da venda do sítio. Os filhos do Sr. Joaquim pagaram
a quantia exigida, assegurando a posse definitiva da terra.
Os bisavós do Sr. Severino Paulino da Silva foram, portanto, o
núcleo original da população de Capoeira dos Negros.
A área inicial da comunidade era de 36 quilômetros, conforme
informa o Sr. Nobre. Nos dias atuais, a área de Capoeira dos Negros diminuiu
muito, porque alguns de seus moradores venderam suas partes. Em Capoeira,
nos dias de hoje, há dois grupos distintos, um de pessoas com cor de pele
mais escura e outro com a pele mais clara, fruto de uma miscigenação. Por
essa razão, o antropólogo Raimundo Teixeira, do Museu Câmara Cascudo, já
falecido, dividiu Capoeira em duas partes: uma que ele chamou de "Capoeira
Branca", e outra que ele denominou de "Capoeira Negra".
A comunidade costuma se reunir na sede do Bangu Futebol Clube.
Nesse local se realizam também reuniões do Sindicato e da Emater que,
segundo informações obtidas in loco, financia a compra de instrumentos
agrícolas (enxada, foice, máquinas etc.).
Os agricultores compram as sementes através de um intermediário,
geralmente uma pessoa fora do grupo, para posteriormente vender sua
produção a esse mesmo intermediário. Produzem mandioca, feijão e milho.
Vendem seus produtores nas feiras de Macaíba, no sábado, e na de Bom
Jesus, no domingo.
A religião predominante é a católica, ocorrendo, entretanto, um
sincretismo com crendices populares, oriundas de cultos africanos e nativos,
conforme afirma Josenira F. Holanda.
Uma tradição muito antiga da comunidade é a "Dança do Pau
Furado", hoje sem continuadores, lembrada pelos mais velhos, mas com
tendência ao desaparecimento.

O Pioneirismo da Abolição Mossoroense

Disse Câmara Cascudo: "a idéia da abolição encontrou adeptos


entusiastas e adversários com antipatia pessoal aos propagandistas e não ao
pensamento de restituir ao negro o estado de liberdade". Esse clima de
hostilidade entre os grupos antagônicos, a favor ou contra, foi provocado,
certamente, pelo entusiasmo dos jovens, com ativa participação em comícios
públicos. Havia também um clima de aventura.
O macauense Joaquim Honório da Silveira viajou para o Ceará,
numa jangada, para levar "uma petição de Habeas Corpus em favor dos
escravos que estavam prisioneiros na Fortaleza, sendo condecorado com uma
medalha de prata pelo "Clube do Cupim", narrou Pedro Moura.
Uma das características do movimento foi a participação entusiástica
dos padres na campanha: "Pe. Pedro Soares de Freitas, Pe. João Cavalcanti
de Brito (Natal), Pe. Antônio Joaquim (Mossoró), Pe. Amaro Theat Castor Brasil
(Caicó), entre outros.
Macaíba contava, em 1869, com uma sociedade que lutava pela
libertação dos escravos. Mas foi em Mossoró que se iniciou uma campanha
sistemática, com forte influência cearense. A "Libertadora Mossoroense" foi
fundada em 6 de janeiro de 1883, libertando seus escravos no dia 30 de
setembro de 1883.
Damasceno de Menezes mostra a ascendência cearense no
acontecimento: "Do Estado vizinho, Mossoró recebera relevante contingente de
homens de alta formação cívica, e cedo a sociedade local participara do
espírito libertador pelas influências de intercâmbio cultural e comercial que
desde os seus primórdios se entrelaçaram à vida das comunidades do Oeste
Potiguar".
O mesmo autor mostra que não houve, naquele trinta de setembro,
um ato subversivo, porque não feriu nenhum dispositivo legal. Os escravos
foram libertados através da entrega das Cartas de Liberdade. Isso acontecia de
várias maneiras. A diferença é que, em Mossoró, no dia trinta de setembro de
1883, as cartas foram entregues na mesma data, em solenidade pública,
libertando todos os escravos que ainda existiam no município. Segundo
Damasceno de Menezes, "juridicamente houve abolicionismo em Mossoró.
Sim, comemorou-se o civismo de um povo. O cristianismo houve por bem
abalar os corações magnânimos do grande povo potiguar, o dar-se a extinção
antecipada do elemento servil em a terra de Santa Luzia, para exemplo,
memória e prova de altruísmo de uma geração que diante da justiça e pelo
amor, pela prova de alto espírito compreensivo se tornou imortal".
Mas após o trinta de setembro, foi fundado o "Clube dos Spartacus",
cujo primeiro presidente foi um ex-escravo, de nome Rafael. O objetivo dessa
associação era promover a fuga de escravos de outros municípios para
Mossoró... Essa concepção, na realidade, era subversiva, porque contrariava a
legislação vigente no País. Mossoró era, assim, na prática, um município livre.
Libertou seus escravos de maneira legal, porém acabou com a instituição da
escravidão em suas terras. Dentro dessa perspectiva, houve abolicionismo em
Mossoró.
O exemplo dessa cidade passou a ser seguido por outras
comunidades do interior. Açu libertou seus escravos em 24 de junho de 1885.
Depois foi a vez de Carnaúba (30/03/1887) e, logo a seguir, Triunfo
( 25/05/1887). Natal não possuía mais escravos em fevereiro de 1888.
Natal teve sua Guarda Negra, criação do Partido Conservador e
instrumento de combate às idéias republicanas. Segundo os conservadores, os
negros, por gratidão deveriam defender a monarquia... Em Natal, a Guarda
Negra recebeu o nome de Clube da Guarda Negra. O seu presidente foi
Malaquias Maciel Pinheiro. Instalada a 10 de fevereiro de 1889, com muita
festa, essa organização, na apuração de Câmara Cascudo, nada fez de bom
ou mal...
O Combate do Poeta Segundo Wanderley

Manoel Segundo Wanderley nasceu em Natal, em 6 de abril de


1860. Filho de Dr. Luiz Lins Wanderley e D. Francisca Carolina Lins Wanderley.
Estudou em Natal e em Recife e, em 1880, partiu para Salvador,
onde se formou em Medicina, no ano de 1886. Nesse mesmo ano, ele se
casou com Raimunda Amália da Motta Bittencourt.
Na concepção de Cláudio Augusto Pinto Galvão, "por influência de
Castro Alves, abraçou o "condoreirismo", a terceira geração do romantismo
brasileiro, sentiu a indicação dos caminhos da forma, que não eram outros,
senão a forma e a temática do próprio estilo, tão populares ainda, àquele
momento".
O livro "Poesias", de Segundo Wanderley, teve três edições, dias
editadas em Fortaleza (1910 e 1928) e a última, pela tipografia Galhardo, em
Natal, no ano de 1915. A primeira edição traz um estudo de Gotardo Neto que
analisa os dois poetas, o baiano Castro Alves e o potiguar Segundo Wanderley,
chegando a dizer que "no gênero patriótico, as duas individualidades se
completam admiravelmente".
Segundo Wanderley foi considerado o maior poeta do Rio Grande do
Norte de sua época.
Não foi apenas um grande poeta. Exerceu ainda diversas atividades:
médico, foi também professor de Atheneu Norte-Rio-Grandense e dramaturgo.
Mas seu maior destaque foi, sem dúvida, como poeta. Gotardo Neto, falando
sobre a poesia de Segundo Wanderley, afirmou: "Falar do espólio intelectual de
Segundo Wanderley é lançar uma vista sobre a poesia legítima de minha
terra".
"Ele dominou e comoveu tanto o coração patrício que, mesmo o
eclipse da morte não ensombrou sequer a grandiosidade das suas conquistas".
"Elas perduram e perdurarão, alacres e soberanas, como o espírito
altaneiro do poeta desaparecido".
Na época em que morou em Salvador, predominou na mente de
Segundo Wanderley a preocupação pelo destino do negro, combatendo a
escravidão. E é justamente esse aspecto que Cláudio Augusto Pinto Galvão
salienta em seu estudo, publicado na revista "História UFRN". Em um dos
versos citados, segundo Wanderley chega a dizer:
"Uma idéia - Abolição
Seu verbo - é mais que espada
Seu braço forte é a enxada
Do túmulo da escravidão".
Uma de suas poesias mais conhecidas entretanto, é provavelmente
"O Naufrágio do Solimões", que começa assim:
"Tristeza! Funda tristezaNos enluta os corações;
Já nada resta das águias,
Dos bravos do ‘Solimões’
O mar, esse negro abismo,
Que não respeita o heroísmo,
Nem sabe o que seja o lar,
Rolando, sobre as glaucas entranhas
Para os heróis sepultar".
Romulo C. Wanderley cita suas peças teatrais: "Amar e Ciúme",
1901; "A Providência", 1904, "Brasileiros e portugueses", 1905. Escreveu ainda
a fantasia "Entre o céu e a Terra", em homenagem à memória do aeronauta
Augusto Severo.
Apesar do seu talento, Segundo Wanderley foi duramente criticado,
sobretudo por causa da forte influência que recebeu do poeta baiano Castro
Alves. Na defesa do poeta, argumenta Cláudio Galvão: "Muito se comentou no
princípio do século, sobre a influência de Castro Alves na poesia de Segundo
Wanderley, como se consistisse em demérito ao discípulo, guardar as marcas
do mestre".
Cláudio Galvão destaca também um aspecto muito importante:
"Segundo Wanderley foi o único poeta norte-rio-grandense a ter participação
ativa no movimento abolicionista".
Segundo Wanderley morreu em Natal, no dia 14 de janeiro de 1909.

Proclamação da República

Palavras Iniciais Sobre o Contexto da Época


O Brasil vivenciou a sua primeira experiência republicana quando D.
Pedro I abdicou o trono do Brasil, em favor do seu filho, a 7 de abril de 1831.
Sendo o herdeiro ainda de menor idade, a solução constitucional encontrada foi
a escolha de uma regência exercida por três membros, sob a presidência do
mais velho. Dessa forma, iniciou-se no País o Período Regencial, composto por
muitas características republicanas, como o aparecimento dos primeiros
políticos, eleições para a escolha dos regentes e, principalmente, a suspensão
do poder moderador do imperador, que era o grande entrave ao exercício da
democracia. A 23 de julho de 1840, com a vitória da campanha pela
antecipação da maioridade do imperador, é encerrado o Período Regencial
que, apesar de conturbado por uma série de revoluções internas, foi
exatamente rico para a História Política.
A propaganda republicana vai aparecer no Brasil, de maneira
sistemática, a partir de 1880. Os jornais, os clubes e o P.R. (Partido
Republicano) vão ser os responsáveis pela divulgação das idéias que
determinaram a queda da monarquia no Brasil..
Foi praticamente nula a participação do povo, principalmente das
classes mais desfavorecidas e da classe média. Os republicanos aproveitaram
a insatisfação popular, pelas péssimas condições em que viviam os menos
afortunados, para atrair o povo, engrossando assim as fileiras do movimento
republicano.
Instala-se, nesse contexto, no dia 15 de novembro de 1889, um
regime que poderia ter acontecido em 1822, com a separação política de
Portugal, ou com a abdicação em 1831. Entretanto, os partidários da república
sustentaram, sempre a idéia de que foi o longo período monarquista que deu
condições para que o Brasil conservasse a sua integridade territorial, não se
fragmentando em vários países, a exemplo da parte espanhola da América.

Campanha Republicana No Rio Grande do Norte

No Rio Grande do Norte é através de um documento, enviado ao


Clube Republicano do Rio de Janeiro, em 30 de novembro de 1817, que
aconteceu a primeira adesão coletiva às idéias republicanas. Os signatários
desse documento eram fazendeiros, comerciantes, senhores de engenho, além
de três vice-presidentes da província. Foram eles: Antônio Basílio, Ribeiro
Dantas, Manuel Januário Bezerra Montenegro E Estevão José Barbosa de
Moura.
A reação ao movimento republicano no Rio Grande do Norte era
representada pelos partidos Liberal e Conservador. Não havia, entretanto,
unidade ideológica entre esses dois partidos. Ao contrário as divergências
internas eram muito acentuadas o que, de certa maneira, iria facilitar o
desenvolvimento da campanha pela substituição do regime monárquico no
Brasil. O jornal "A Gazeta de Natal" faria a contrapropaganda pelo partido
Conservador, enquanto que a dos liberais era mantida pelo "Correio de Natal".
A reunião que marcou a fundação do Partido Republicano aconteceu
na residência de João Avelino, situada na Praça Bom Jesus, no bairro da
Ribeira, Natal, em 27 de janeiro de 1889, com a participação de Pedro Velho
de Albuquerque Maranhão, que passou a liderar a campanha.
A ata do nascimento do Partido Republicano registra a primeira
diretoria, composta por Pedro Velho, presidente; Hermogenes Tinôco, vice-
presidente; João Avelino, primeiro secretário; João Ferreira Nobre, segundo
secretário; e Manuel Onofre Pinheiro, tesoureiro.
Teria sido em 1851, através do Jornal "Jaguarari", dirigido por
Manuel Brandão, o início oficial da propaganda republicana no Rio Grande do
Norte. Seguiu-se, em 1873, a revista "Eco Miguelinho", de Joaquim Fagundes
José Teófilo. O movimento cresce e adquire uma maior organização no período
entre 1857 e 1875, com a participação de Joaquim Teodoro Cisneiro de
Albuquerque. Ampliando-se ainda mais o ideário republicano wuando, em
1886, Januncio Nóbrega e Manuel Sabino da Costa fundam um núcleo
republicano em Caicó.
Nasce, em seguida, o jornal "A República", órgão oficial do partido
recentemente fundado.

Início do Governo Republicano em Natal

Foi um telegrama assinado por José Leão Ferreira Souto, dirigido ao


Partido Republicano, que trouxe a notícia da vitória da campanha republicana
pela mudança do regime, para o Rio Grande do Norte. Os monarquistas se
inteiraram da novidade também por telegrama, esse assinado por Umbelino
Ferreira Gouveia, datado de 16 de novembro de 1889.
A proclamação da República não foi comemorada, nem despertou
reações. Supõe-se que o povo norte-rio-grandense, como os demais
brasileiros, não teve consciência da mudança que se operava. Aqui, também, o
povo foi "arrastado" para a causa republicana.
Os liberais ainda tentaram fazer Antonio Basílio Ribeiro Dantas
permanecer à frente do governo da província. Porém a designação de Pedro
Velho, chefe do Partido Republicano, que chegou a Natal assinada por
Aristides Lobo, acabou com as pretensões liberais. Pedro Velho foi aclamado
governador do Estado, mas governou por poucos dias. No dia 30 de novembro,
o Dr. Adolfo Afonso da Silva Gordo era nomeado governador, pelo governo
provisório do novo regime. Apesar da frustração, o chefe republicano no Rio
Grande do Norte aceitou a nova nomeação.
A designação de Adolfo Gordo (paulista de Piracicaba) ensejou
passeatas de protestos, muitos telegramas e alguns boatos de conspiração e
discursos muito inflamados.
Posteriormente, Pedro Velho foi eleito deputado federal pelo Rio
Grande do Norte com expressiva votação. Finalmente, no dia 28 de fevereiro
de 1892, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão foi eleito governador, pelo
Congresso Estadual, administrando até 25 de março de 1886.

As Especialidades de Pedro Velho

Luís da Câmara Cascudo afirma que Pedro Velho era um "orador


esplêndido, claro, empolgador, espalhando uma vibração incontida de
movimento e de sedução, jornalista magnífico, cultura literária disciplinada,
oportuna, justa e certa na citação inflável, memória de estatística, gesto largo,
teatral, majestoso, impressionador, voz quente, plástica, apta a qualquer desejo
de queixa ou de estertor, vocabulário rico, luzidio, vestindo de novo a velha
idéia aposentada pelo uso, mímica insubstituível, escolhida com requintes de
conhecedor, todos os detalhes que a inteligência e a vontade podem dar a um
homem, Pedro Velho conseguira ou findara possuindo".
Pedro Velho nasceu em Natal, na rua Chile, no dia 27/11/1856. Filho
de Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão e de D. Feliciana Maria da Silva e
Albuquerque.
Aprendeu as primeiras letras com o professor Antonio Ferreira de
Oliveira. Começou seus estudos secundários no Ginásio Pernambucano, de
Recife e, depois, na Bahia concluiria os referidos estudos, no Colégio Abílio.
Iniciou o curso de Medicina em Salvador, porém, teve que se afastar da
faculdade por problemas de saúde. Voltando a estudar obteve grau em
bacharel em ciências médicas, defendeu a tese sobre "Condições Patogênicas
das Palpitações do Coração e dos Meios de Combatê-los:, no dia 4 de abril de
1881.
Casou-se com D. Petronilha Florinda Pedrosa, em 27 de abril de
1881.
Pedro Velho, então, regressou ao Rio Grande do Norte, fixando
residência em São José de Mipubu, onde passou pouco tempo, explorando
uma farmácia. Foi, posteriormente, morar em Natal definitivamente, na rua
Visconde do Rio Branco, nº 55.
Como médico, destacou-se nas especialidades de cardiologia,
ginecologia e obstetrícia.
Professor, fundou o Ginásio Rio-Grandense (1882 a 1884) e ensinou
História Geral e do Brasil no Atheneu Norte-Rio-Grandese. Tavares de Lyra
ressalta que "foi na última fase do movimento em favor da emancipação dos
escravos que iniciou triunfalmente a sua carreira política, tornando-se o chefe
intimerato da propaganda, que fazia pela imprensa, em companhia de
abnegados correligionários, e pela tribuna, em excursões sucessivas aos
lugares do interior, emancipado, às vezes, de chofre, ao efeito de sua palavra
inspirada e fulgurante".
Líder político, teve uma grande atuação. Fundou o partido
republicano e, para divulgar suas idéias, o jornal "A República". Foi o primeiro
governador do Rio Grande do Norte na fase republicana. Quando se pensou
em fazer Pedro Velho senador, houve um problema: ele não tinha idade... Foi
então eleito deputado para a Constituinte. Perdeu o mandato porque foi eleito,
posteriormente, governador, administrando o Estado de 28 de fevereiro de
1892 até 25 de março de 1896. Nesse ano, com a morte de Junqueira Alves,
abriu-se uma vaga na Câmara de Deputados, possibilitando que Pedro Velho
continuasse na luta política. Foi reconduzido à Câmara de Deputados,
comprovando sua extraordinária liderança. Por essa razão, José Augusto de
Medeiros, afirmou: "Pedro Velho era um condutor de homens, era um chefe". E
mais: "por 18 anos consecutivos, desde a proclamação da República até o dia
de sua morte, o chefe invencível das hostes republicanas no Rio Grande do
Norte. Nunca houve em qualquer época da história daquele Estado da
Federação, um homem que gozasse de tanto prestígio".
Pedro Velho, pouco dias antes de morrer, recebeu um documento,
assinado por todos os presidentes das intendência do Rio Grande do Norte,
inclusive o capital, cujas palavras iniciais eram as seguintes: "É a voz do povo
do Rio Grande do Norte, pelo órgão das suas municipalidades, que vem trazer
a V. Excia, nesta modesta mensagem, as mais afetuosas expressões do seu
aplauso".
"Numa data que, preciosa para a família, tornou-se pela força natural
das coisas, preciosa para o Estado inteiro, partem de todos os extremos do
Estado, de Natal a S. Miguel e de Macau a Jardim, os votos de nosso afeto
com as homenagens da nossa admiração". A sua liderança se estendeu além-
fronteiras do Rio Grande do Norte, com políticos de outras terras vindo até
Pedro Velho, para pedir conselhos: Quintino Bocayuva, Manoel Vitorino etc.
Rui Barnosa, quando ouviu Pedro Velho fazer uma saudação de improviso,
comentou: "admirável orador".
Pedro Velho morreu no dia 9 de dezembro de 1907, quando estava
no vapor Brasil, em Recife.

Constituição Federal Fixa Independência

No período compreendido entre a proclamação da República a 15 de


novembro de 1888 e a revolução de 3 de outubro de 1930, o Brasil viveu o que
os historiadores convencionaram chamar de "Primeira República" ou
"República Velha".
As então "Províncias do Império" passaram à condição de Estado da
Federação, que na época eram vinte. A Lei Maior do País passou a ser a
Constituição federal de 1891, tendo cada Estado a sua Constituição.
Dentre as determinações constitucionais estavam: a independência
entre os três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário -; presidente eleito
pelo voto direto para um mandato de quatro anos, sendo eleitores os maiores
de 21 anos, do sexo masculino e alfabetizados. Houve ainda a separação entre
a Igreja e o Estado.

Fascículo 8
Durante a República Velha
Inauguração do Sistema Oligárquico
Durante a Primeira República (1889/1930), a exemplo da demais
unidades da Federação do Rio Grande do Norte conheceu o sistema de
oligarquias.
Coube ao fundador do Partido Republicano, Pedro Velho de
Albuquerque Maranhão, inaugurar o sistema olugárquico no Estado. A base
econômica dessa primeira oligarquia, caracteriza como "personalista que
evoluiu, mais tarde, para uma oligarquia tribal", segundo Mariz (1980), foi o
açúcar.
A marca registrada do governo de Pedro Velho foi manter sempre os
interesses da sua oligarquia, antecedendo aos do partido. Prova dessa
tendência foi o empenho do nosso primeiro oligarca em indicar o seu irmão
Augusto Severo de Albuquerque Maranhão para disputar a sua vaga, na
Câmara Federal, aberta quando veio assumir o governo. Apesar da oposição
de outros chefes políticos, Augusto Severo foi eleito a 2 de maio de 1892,
Entretanto, essa eleição não foi homologada, sendo posteriormente anulada
em todo o País. Finalmente, no novo pleito realizado a 23 de abril de 1883,
onde mais uma vez Pedro Velho impôs a candidatura do seu irmão, Augusto
Severo de Albuquerque Maranhão foi eleito para a Câmara Federal. Pedro
Velho conseguiu ainda nomear seu outro irmão, Alberto Maranhão, secretário
da sua administração.
O substituto de Pedro Velho no governo foi o desembargador
Joaquim Ferreira Chaves que, mesmo não pertencendo à família Albuquerque
Maranhão, era ligado por estreitos laços de amizade aos membros da primeira
oligarquia estadual.
Por volta de 1920, o eixo econômico do Estado se desloca do litoral
(açúcar e sal) para o interior (exportação de algodão e pecuária). É nesse
contexto que aparece a segunda oligarquia, liderada por José Augusto Bezerra
de Medeiros, com bases políticas no Seridó, onde predominava a atividade
econômica de plantação e exportação do algodão.
A segunda oligarquia é interrompida no governo de Juvenal
Lamartine, quando eclode a revolução de 3 de outubro de 1930, que modificou
significativamente o panorama do País.

Indústria Incipiente e Sistema Financeiro

No Rio Grande do Norte, o setor industrial era insignificante. Mesmo


no contexto regional, ocupava o sétimo lugar. Em número de indústrias,
estávamos apenas acima do Maranhão e do Piauí.
Os setores de alimentação e têxtil predominavam na incipiente
atividade industrial.
Quanto ao setor financeiro, o primeiro estabelecimento bancário só
apareceu no Rio Grande do Norte no governo de Augusto Tavares de Lyra, em
1909. Era o Banco de Natal que, futuramente, daria origem ao Bandern. Quase
todo o Nordeste já possuía agência do Banco do Brasil, mas o Rio Grande do
Norte só foi inaugurar a sua primeira agência no dia 14 de abril de 1917. No
setor financeiro ainda devem ser lembradas as iniciativas de Juvenal
Lamartine, responsável pela criação de bancos rurais e de caixas em algumas
cidades do interior, como Acari, Caicó, Macau etc. Ulisses de Góis e Jovino dos
Anjos foram responsáveis pelo aparecimento de cooperativas, com o objetivo
de facilitar o crédito.

A Passagem da Coluna Prestes no Estado

Na República Velha, foram freqüentes os protestos de militares e


civis contra as fraudes eleitorais, que a inexistência do voto secreto ensejava.
Movimentos como "Os 18 do Forte de Copacabana", no Rio de Janeiro, em
1922; a rebelião gaúcha de 1923, e a paulista, de 1924, atestam a insatisfação
do povo contra o processo eleitoral vigente.
Foi no governo do presidente Artur Bernardes, que praticamente
cumpriu o seu mandato sob "Estado de Sítio:, com as garantias constitucionais
suspensas, que se organizou a "Coluna Prestes".
O principal objetivo dos comandados de Luís Carlos Prestes e
Miguel Costa era percorrer o Brasil, levantando o povo contra o que
consideravam "autoritarismo do presidente".
Os rebeldes entraram no Estado pela zona Oeste. Governava o Rio
Grande do Norte o Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros (1924/1927), que
procurou imediatamente se comunicar com o presidente, recebendo a
promessa de que seriam tomadas providências para melhorar a segurança do
Estado. Enquanto isso, o governo mobilizava civis e militares para fazer frente
aos revolucionários.
A 26 de janeiro de 1926, o primeiro contingente da polícia militar,
sob o comando do tenente João Machado, seguiu para a zona oeste. Algumas
cidades do Seridó, temendo uma invasão pelo sul do Estado, colocaram em
alerta suas forças policiais.
Os combates entre rebeldes e as forças policiais do Rio Grande do
Norte ocorreram quase totalmente na região oeste. Pela cidade de Luiz
Gomes, os integrantes da coluna Prestes seguiram para a Paraíba.
Coube ao governador Juvenal Lamartine recolher as armas que
haviam sido distribuídas.
A passagem da Coluna Prestes é o último acontecimento
significativo da República Velha no Rio Grande do Norte.

Duas Administrações de Alberto Maranhão

Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão nasceu em Macaíba,


no dia 2 de outubro de 1872, filho de Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão
e D. Feliciana Pedroza de Albuquerque Maranhão.
Os seus estudos iniciais foram realizados, primeiro, em Macaíba e,
depois, em Natal. Mais tarde, foi para Recife, onde se formou em Direito pela
Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Pernambuco, no dia 8 de
dezembro de 1892, com 20 anos.
Alberto Maranhão se casou com D. Inês Barreto. Teve seis filhos:
Paula, Laura, Judite, Juvino, Cleanto e Caio.
Segundo Meira Pires, "sua educação esmerada, sua formação
moral, sua cultura, seu invulgar espírito (...) um largo pendor diplomático pois
sabia solucionar, com finura e habilidade exemplares, as mais difíceis
questões".
Participou, com brilhantismo, do "Congresso Literário", que mantinha
o jornal "A Tribuna". Com outros companheiros, fundou o "Grêmio
Polymathico". Dirigiu o jornal "A República", onde, como afirma Meira Pires,
"teve o ensejo de reafirmar o seu invencível valor de jornalista e homem de
letras escrevendo, sem assinar, crônicas, tópicos e editoriais".
Exerceu a função de promotor público em Macaíba. Ocupou o cargo
de secretário de Estado na administração de Pedro Velho.
A 14 de junho de 1899, foi eleito governador do Estado, dirigindo os
destinos do Rio Grande do Norte no período de 1900 a 1904.
Durante sua administração, aprovou a lei nº 145, de 6 de agosto de
1900, pela qual "é o governador autorizado a premiar livros de ciência e
literatura produzidos por filhos domicialiados no Rio Grande do Norte, ou
naturais de outros Estados quando neste tenham fixa e definitiva a sua
residência". Essa lei promoveu o desenvolvimento cultural do Estado,
constituindo-se em fato inédito no País.
No dia 24 de março de 1904, o governador inaugurou o Teatro
Carlos Gomes (hoje Alberto Maranhão), com sua renda destinada para ajudar
aos flagelados, vítimas da seca, que se encontravam em Natal.
Concluída sua administração, foi eleito deputado federal, e durante o
exercício de seu mandato fez parte da Comissão de Diplomacia.
Em 1908 voltava a assumir o governo do Estado, realizando uma
profícua administração: fundou o Conservatório de Música; o Hospital Juvino
Barreto (hoje Onofre Lopes); o Derby Clube (para incentivar o hipismo), e
construiu a Casa de Detenção e o Asilo de Mendicidade. Implantou a luz
elétrica em Natal e, posteriormente, os bondes elétricos. Inaugurou a Escola
Normal, em 3 de maio de 1908. Reconstruiu o Teatro Carlos Gomes, que
atualmente tem o seu nome, dando-lhe as feições atuais e que foi entregue ao
público no dia 19 de julho de 1912.
Alberto Maranhão estendeu sua ação também ao interior, como
mostrar Itamar de Souza: "em São José de Mipibu, ele mandou as águas de
uma fonte natural e permanente para o abastecimento d’água daquela cidade.
Em Macaíba, sua terra natal, construiu o cais de atracação, melhorando assim
o transporte fluvial entre aquela cidade e a capital do Estado. Em Macau,
mandou fazer um aterro, numa extensão de quatro quilômetros, ligando esta
cidade à estrada do sertão, à margem do rio Assu".
"Para facilitar o deslocamento de pessoas e produtos entre o sertão
e as cidades portuárias, ele construiu três mil quilômetros de estradas
carroçáveis em direção às cidades de Canguaretama e Natal".
O segundo governo de Alberto Maranhão surpreendeu pelo
dinamismo, sendo considerado, por unanimidade, como a melhor
administração durante a República Velha. Nem tudo, porém, foi positivo na
segunda administração do oligarca potiguar que procurou, abertamente,
imortalizar os membros de sua família. O município de Vila Flor teve o seu
nome mudado para "Pedro Velho". Além dessa homenagem, mandou fazer um
busto do irmão que foi colocado na "square Pedro Velho". Fazendo uma crítica
ao ilustre político potiguar, disse Itamar de Souza: "Este segundo governo de
Alberto Maranhão teve três características básicas: primeiro, procurou
imortalizar os membros da oligarquia aponto seus nomes em municípios,
repartições públicas, monumentos e praças; segundo, monopolizou
importantes setores da economia estadual, favorecendo, assim, os amigos e
correligionários, em detrimento do erário público; e, terceiro, realizou uma
grande e inovadora administração com o dinheiro tomado emprestado no
estrangeiro".
Alberto Maranhão, após deixar o governo, em 31 de dezembro de
1913, foi deputado federal, representando o seu Estado nessa função, de 1927
até 1929.
Abandonado a vida política, saiu do Rio Grande do Norte e foi morar
com a família em Parati, no Rio de Janeiro.
Em 1918, publicou dois trabalhos: "Na Câmara e na Imprensa" e
"Quatro discursos históricos".
Faleceu no dia 01 de fevereiro de 1944, em Angra dos Reis, sendo
sepultado no outro dia, em Parati.
As Lutas sem Trégua de José da Penha

José da Penha Alves de Souza nasceu a 13 de maio de 1875, na


cidade de Angicos. Foram seus pais: José Félix Alves de Souza e Maria Inácia
Alves de Souza.
Em 1880, José da Penha foi para Fortaleza, onde estudou no
Colégio Militar. Depois, seguiu para o Rio de Janeiro, onde, seguindo Aluízio
Alves, fez toda a carreira militar; praça a 2 de agosto de 1890, alferes a 3 de
novembro de 1894, tenente a 8 de outubro de 1898 e capitão a 2 de agosto de
1911". Desde jovem, participava de polêmicas, conseguindo se destacar
mesmo quando seus adversários eram do nível de um Medeiros e Albuquerque
ou de um José Veríssimo.
Nasceu, ao que parece, para debater. Discutir. Liderar. "Seu ardente
ideal republicano, impregnado da proteção de Benjamim Constant, o gosto pelo
estudo da História dos Povos, a vivência jornalística conduzindo-o à análise
dos fatos diários, principalmente os de formação da República emergente,
participação militar característica dos primórdios do novo regime, o espírito
polêmico, fariam inevitavelmente do jovem pensador-militar um líder político",
relata Aluízio Alves.
Não sabia silenciar diante da injustiça.
Na análise de Câmara Cascudo, "o nome de José da Penha Alves
de Souza evoca o movimento da luta, o choque de idéias, a controvérsia
agitação, sonoridade (...). Nasceu armado cavaleiro, de couraça e elmo, com
bandeiras e montante, jurando combater o bom combate. Toda a sua vida e
uma série de guerrilhas, de batalhas, de agonias, de sofrimentos, provocados,
resistidos com altivez, destemor e sobranceria invulgares".
José da Penha assistiu, no dia 3 de janeiro de 1904, atos de
violência praticados por policiais na cidade de Fortaleza. Revoltado, escreveu
um artigo, no outro dia, demonstrando seu protesto. Militar, foi preso, sendo
submetido ao Conselho de Guerra. Foi absolvido. Sua esposa Altina Santos,
não suportando o sofrimento, suicidou-se com o revólver do marido.
José da Penha resolveu seguir para o Rio Grande do Norte para
lutar contra a oligarquia Maranhão, que dominava o Estado, como sintetiza
Aluízio Alves: "de Pedro Velho o governo foi para Ferreira Chaves, deste para
Alberto Maranhão, irmão de Pedro Velho, indo em seguida para o genro,
Tavares de Lyra, Antonio de Souza preparou a volta de Alberto Maranhão, que,
por sua vez, fez retornar Ferreira Chaves, sucedido, num segundo mandato,
por Antonio de Souza, todos eles, nos intervalos, guindados à representação
do Congresso Nacional, e Tavares de Lyra e Ferreira Chaves a ministérios".
Foi para mudar essa situação que José da Penha investiu contra a
liderança de Alberto Maranhão. Procurou o apoio de um juiz de Caicó, José
Augusto, que também combatia a oligarquia Maranhão. Mas José Augusto
também não era favorável ao candidato escolhido pela oposição, argumentado
a João da Penha: "se o candidato da oposição fosse o senhor, nestas
circunstâncias, eu o apoiaria (...) O que se pretende é destrui-la para montar
uma oligarquia nacional, com o filho do presidente da República, que nem
sequer conhece o Rio Grande do Norte".
Estava certo o Dr. José Augusto. José da Penha, na realidade,
combateu o que poderia ser uma imposição de uma oligarquia Ferreira Chaves,
contra uma imposição do próprio José da Penha. E o que é pior, ele pretendia
impor uma pessoa totalmente estranha ao Rio Grande do Norte, o tenente
Leônidas Hermes da Fonseca, que, por sinal, apresentava apenas uma
qualidade: era filho do presidente da República... O capitão José da Penha
teria, sem dúvida, muito mais chance de vitória caso ele próprio fosse o
candidato. Mas é possível que o seu pensamento fosse realmente o de derrotar
a oligarquia Maranhão: "O meu coração tem a dureza daquelas pedras. E com
este rochedo de carne, hei de esmagar a oligarquia dominante".
José da Penha promovia, assim, a primeira campanha popular da
história do Rio Grande do Norte. Sendo também o primeiro a falar diretamente
com o povo. Fazendo uma campanha popular, conclamando a população para
derrubar uma oligarquia que possuía figuras ilustres, de grande valor, como
Alberto Maranhão.
Aluízio relata: "a campanha incendiou os ânimos de todo o Estado.
não foi um movimento restrito à capital, sempre mais sensível a rebeliões
populares. Não. As cidades do interior recebiam José da Penha e seus
caravaneiros com o povo nas ruas - homens, mulheres, crianças -,aclamando-
os, cantando o hino da campanha, desfraldando bandeiras".
A campanha se desenrolar num clima tenso, propício para que se
cometesse violência. Com ameaça de proibição de comícios da oposição.
José da Penha empolgava com sua oratória que, na opinião de
Câmara Cascudo, "era calorosa e acre, irritada, vergostante, panfletária,
satírica:.
No dia 20 de julho de 1913, ocorreu um tiroteio que durou quarenta
minutos. A casa em que José da Penha estava hospedado foi cercada pelo
Batalhão de Segurança, desde a véspera. No tiroteio, D. Leontina,
companheira de José da Penha, foi ferida. Os seus adeptos foram presos e
logo depois soltos.
A primeira campanha popular terminaria de maneira melancólica.
José da Penha foi abandonado pelo seu próprio candidato que, na realidade,
jamais assumiu a candidatura... Falando sobre o assunto, Aluízio Alves
considera que "a repercussão na imprensa do Rio, as versões espalhadas de
que partira de José da Penha e de seus amigos, o tiroteio, o incitamento à
greve, dias antes, a fábrica de tecidos, fundada por Juvino Barreto, na Ribeira,
foram os últimos atos necessários para desvendar o mistério: a primeira
campanha popular do Rio Grande do Norte não tinha candidato".
Joaquim Ferreira Chaves partiu, então, sozinho para a eleição, que
se realizou no dia 14 de setembro de 1913.
E, em 27 de setembro de 1913, José da Penha inicia a sua viagem
de volta para o Ceará, via Recife. No Ceará, ele havia sido eleito deputado
estadual.
Pouco depois, Franco Rabelo convocou José da Penha para
combater os adeptos do padre Cícero. No dia 2 de fevereiro de 1914, partiu
com duzentos homens para combater mais de mil guerreiros. Armados e
treinados pelo governo federal. Ao se despedir do povo de Fortaleza, vaticinou:
"Vou porque não posso faltar. É só voltarei vitorioso ou morto".
E foi o que aconteceu. Morreu combatendo. Suas tropas, contudo,
venceram os jagunços, na batalha de Miguel Calmon, no dia 22 de fevereiro de
1914.

A Questão de Grossos
Limite e Charqueada Criam problema

No século XVIII, o Ceará e o Rio Grande do Norte ainda não tinham


seus limites demarcados.
Mossoró e Açu, quando fundaram as suas primeiras charqueadas,
se tornaram rivais das "oficinas" cearenses. Medidas são tomadas para acabar
com as charqueadas do Rio Grande do Norte, inclusive fechando os portos de
Açu e de Mossoró. As carnes secas só poderiam ser fabricadas no Ceará. Para
fabricá-las, porém, era necessários o uso do sal produzido no Rio Grande do
Norte...
A Câmara de Aracati sugere estender seus limites, penetrando em
território potiguar. O pedido foi indeferido, com a ressalva de que as vilas
limítrofes deveriam concordar com tal medida, caso contrário, a reivindicação
seria levada para a decisão real. Caso as vilas limítrofes nada obstassem, seria
realizada a demarcação. Aquirás (Ceará) e Açu (RN) protestaram.
Contrariando o que ficou determinado, o ouvidor substituto, Manoel Leocárdio
Rademarker, mandou dar posse dos terrenos em litígio à vila de Aracati,
ignorando os protestos.
Estava criado o problema.
O território limítrofe continuou sem ser demarcado. O Ceará, porém,
não desistiu. Em 1894, volta ao assunto, impetrando uma ação no Supremo
Tribunal, alegando "conflito de jurisdição", que se transformou posteriormente
em "ação de limites".
A 13 de julho de 1901, a Assembléia Estadual do Ceará elevou
Grossos à condição de Vila, em uma área pertencente ao Rio Grande do Norte:
Tibau. Grossos etc. Em seguira, o presidente do Ceará, Pedro Augusto Borges,
sancionou aquela resolução...

Rui Barbosa Defende o Rio Grande do Norte

O governador potiguar, Alberto Maranhão, protestou. Os norte-rio-


grandenses que moravam na área disputada, reagiram... Os dois governos
(Ceará e Rio Grande do Norte) mandaram tropas para o local. Prevaleceu,
entretanto, o bom sendo e o conflito armado foi evitado...
A controvérsia foi levada para uma decisão através do arbitramento,
sendo o resultado favorável ao Ceará.
Pedro Velho convidou Rui Barbosa para defender a causa do Rio
Grande do Norte. Narra Nestor Lima: "Assumindo o patrocínio por parte do Rio
Grande do Norte, ele formulou uma memória exaustiva do assunto, encarando-
o sob todos aspectos, chegando às conclusões magistrais da obra em que se
demonstrou, com a clarividência dos axiomas, a verdade em favor do bom
direito ao Rio Grande do Norte". Foi uma brilhante defesa. Como resultado, o
jurista Augusto Petrônio, através de três acórdãos (30/09/1908, 02/01/1915 e
17/07/1920) deu ganho de causa ao Rio Grande do Norte, definitivamente.

Tavares de Lyra, uma "Relíquia Nacional"

Augusto Tavares de Lyra se entusiasmou, ficou totalmente


empolgado com a defesa da causa do Rio Grande do Norte, na questão de
limites com o Ceará, na chamada 'Questão de Grossos". Foi, na realidade,
incansável. Publicou dois estudos, reunidos em volume, que forneceram
importantes subsídios para que Rui Barbosa elaborasse as suas "Razões
Finais".
Augusto Tavares de Lyra nasceu no dia 25/12/1872, em Macaíba.
Filho do coronel Feliciano Pereira e de D. Maria Rosalina.
A respeito desse ilustre filho de Macaíba, Carlos Tavares de Lyra
escreveu: "sóbrio no trajar, de gestos cometidos, palavra fácil, de limite suave;
argumentador seguro, de prodigiosa memória, capaz de citar fatos e episódios
com surpreendente precisão de pormenores, impressionou, certamente, a
todos que tiveram a fortuna de ouvi-lo; no Parlamento Nacional, no plenário do
Tribunal de Contas, na cátedra de professor, na tribuna ,de conferencista (...)
Homem raro, raríssimo, pelo saber, pelas virtudes, pela coerência, pela
compostura moral, social, política, de 85 anos lúcidos de vida dedicados à
pátria, à cultura, à família (...). Viveu uma grande e gloriosa vida; uma vida em
linha reta, limpa e clara".
Augusto Tavares de Lyra fez o curso de Humanidades, em Recife.
Em 1892, era bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de
Direito de Recife. Escolheu advogar em Natal, onde exerceu mais duas
profissões: a de jornalista, sendo redator político do jornal "A República", e a de
professor de História Geral e do Brasil, no Atheneu Norte-rio-grandense, de
1892 a 1894. A partir dessa data, surgiu no cenário nacional, elegendo-se
deputado federal, cargo que exerceu até o ano de 1904. Foi nesse período que
ele se empolgou com a defesa do seu Estado, na questão de limites contra o
Ceará. Pesquisando, começou a se interessar pela História e Geografia do
Brasil e do Rio Grande do Norte. Em 1902 já tinha publicado "Questão de
Limites entre os Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte". Dois anos mais
tarde publicou "Apontamentos sobre a questão de limites entre o Ceará e o Rio
Grande do Norte".
Em 1904, uma nova experiência: governador do Estado, fazendo
uma grande administração, concluída em 1906. O conselheiro Afonso Pena,
impressionado pela inteligência do orador, resolveu convidá-lo para ser o futuro
ministro de Justiça e Interior. Tavares de Lyra aceitou o convite, exercendo tal
função com eficiência até 1909. Lançou, em 1907, "Algumas notas sobre a
História do Rio Grande do Norte".
Após a morte do presidente Afonso Pena, Tavares de Lyra
abandonou momentaneamente a vida pública.
Em 1910 foi eleito senador da República, deixando a função em
1914 para assumir o ministério da Viação e Obras Públicas, até 1918. Foi na
presidência de Venceslau Brás que exerceu por duas vezes, interinamente, a
pasta da Fazenda. Nessa época, publicou "Domínio Holandês no Brasil
especialmente no Rio Grande do Norte" (1915). Alguns anos depois, em 1921,
lançou "História do Rio Grande do Norte", sua obra mais importante.
No dia 26 de outubro de 1918 foi nomeado ministro do Tribunal de
Contas, tomando posse do cargo em novembro. Em 1940, se aposentou,
justamente quando estava na presidência daquele Tribunal.
O decreto de 11 de janeiro de 1952, publicado no Diário Oficial,
mandava "inscrever o nome do ministro Augusto Tavares de Lyra no referido
"Livro do Mérito", como merecedor dessa alta distinção, conforme parecer da
competente Comissão".
O presidente Getúlio Vargas considerou Augusto Tavares de Lyra
como "uma relíquia nacional", no discurso que pronunciou no salão de honra
do Palácio do Catete, em cerimônia realizada no dia 15 de agosto de 1953, que
oficializou a inscrição do nome do eminente potiguar no Livro do Mérito.
Recebeu congratulações de expressivas instituições de todo o País.
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro mandou cunhar medalha
de ouro, alusiva aos 80 anos de vida do ministro Tavares de Lyra. Esse
Instituto dedicou ao ilustre potiguar uma edição especial de sua revista. O
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte seguiu o exemplo,
dedicando o vol. LII de sua revista 1a memória do ministro Augusto Tavares de
Lyra, em 1959.
Tavares de Lyra faleceu na capital federal no dia 21 de dezembro de
1958.

Coronéis, Cangaceiros e Fanáticos

Opções do Sertanejo Abandonado e Pobre

O sertão brasileiro, mais particularmente o interior do Nordeste,


passava por uma crise social sem precedentes durante o final do século XIX e
o início do século XX. O sertanejo se sentia abandonado pelas autoridades,
isolado da civilização, e sofria com uma infra-estrutura que beneficiava os
grandes proprietários das fazendas, os "coronéis", que se tornaram os donos
do sertão. A vida girava em torno desses "coronéis". Eles protegiam e
perseguiam, mandava e desmandavam. Na política, cometiam todo tipo de
fraude para beneficiar seus candidatos. Em seus territórios, dependendo da
maior ou menor liderança, nada se fazia sem a sua determinação. Os
humildes, portanto, estavam sob o seu domínio.
Os coronéis cometiam arbitrariedades e suas vítimas não tinham a
quem recorrer. "A situação dos pobres do campo no fim do século XX, e
mesmo em pleno século XX, não se diferenciava daquela de 1856. Era mais do
que natural, era legítimo, que esses homens sem terra, sem bens, garantias,
buscassem uma "saída" nos grupos de cangaceiros, beatos e conselheiros,
sonhando a conquista de uma vida melhor. E muitas vezes lutando por ela a
seu modo, de armas nas mãos", comentou Rui Facó.
Coronéis, cangaceiros e fanáticos fazem parte de uma mesma
realidade. Os coronéis organizavam grupos armados para, através deles,
exercerem o poder. Esses homens armados antecederam o cangaço. No
instante em que se libertaram do jugo dos coronéis e passaram a fazer justiça
pelas próprias mãos, se transformaram em cangaceiros.
Os cangaceiros foram imediatamente classificados de "bandidos",
pelas autoridades e pela elite sertaneja. Na realidade, eles estavam fora da lei,
porque não se enquadravam dentro nas regras vigentes na região: obediência
total aos grandes proprietários. Alguns fazendeiros de menor prestígio, para
fugir dos desmandos dos "coronéis", faziam aliança com cangaceiros...
Os coronéis podem cometer todo tipo de violência, tomar terras,
cometer assassinatos, sem problemas, porque representavam a sociedade,
uma comunidade machista, a lei, o poder.
As oligarquias se auto-intitulavam defensores dos bons costumes,
contrárias, portanto, à ação dos "bandidos". O que elas defendiam, na
realidade, eram seus bens, uma situação que lhes dava somente privilégios.
Por outro lado, os homens humildes do sertão, rudes, sem instrução, ofendidos
e humilhados, pensando em vingança, não podiam agir de outra maneira, a
não ser através da violência. O cangaço foi, num certo sentido, um levante
contra o absolutismo dos coronéis, e filho da miséria que reinava numa
estrutura latifundiária obsoleta e injusta.
O pequeno agricultou, o trabalhador do campo, sonhava com um
mundo diferente, onde não houvesse seca, com rios perenes e onde,
sobretudo, ninguém passasse fome e houvesse o império da justiça... Era o
mundo que os "beatos" e místicos prometiam para seus adeptos. Os
trabalhadores rurais queriam dialogar com Deus, mas não sabiam como agir
em busca do caminho que levasse, todos eles, para o Paraíso. Faltavam,
entretanto, sacerdotes. Na ausência dos padres, homens simples, analfabetos
ou não, impressionados com a realidade em que viviam, apelavam para o
sobrenatural, rezavam e chegavam a imaginar a si próprios enviados de Deus,
para livrar o povo do pecado e da miséria, através da oração e de sacrifícios...
Para eles somente assim os nordestinos poderiam atingir a felicidade eterna!
Os dois maiores místicos foram: padre Cícero Romão Batista e
Antonio Conselheiro, ambos cearenses! O primeiro exerceu uma grande
influência em todo o Nordeste e ainda hoje mantém adeptos no Rio Grande do
Norte.
Diferente dos demais, o padre Cícero possuía uma grande cultura e
era profundo conhecedor do sertão. Acontece que sua fama de "milagreiro"
despertou uma reação negativa na própria Igreja Católica.
O padre Cícero é a própria síntese do sertão nordestino: não foi
apenas um fazedor de milagre. Foi muito mais. Com o passar do tempo,
cresceu o seu poder, exercendo grande influência política. Passou a ser um
"coronel". Conviveu com cangaceiros. Teve, inclusive, um encontro com
Lampião, dando-lhe a patente de capitão. O que muitos não podiam
compreender era a sua opção pelos pobres, provocando um conflito com a ala
conservadora da Igreja. Sobre ele, ponderou Neri Feitosa: "Propôs-se a si
mesmo ou recebeu de Deus a missão de levantar o ânimo do nordestino
humilhado e sofredor, injustificado em seus direitos, embaraçados na saída do
túnel de suas desditas".
Como chefe político, sofreu também oposição daqueles que
seguiram orientação contrária à sua maneira de agir.
O Nordeste, naquela época, era uma região onde predominava a
miséria, ignorância e a violência.
Diante desse quadro, é compreensível que o homem rude, não
fazendo parte dos protegidos dos coronéis, optasse pelo cangaço para fugir da
prepotência dos policiais ou procurasse seguir os beatos, para se redimir de
seus pecados e conseguir, através da oração e do sacrifício, atingir a felicidade
eterna...
Os cronistas urbanos, quase sempre combatiam a ação dos
assaltantes, enquanto os cantadores, geralmente exaltavam os cangaceiros e
também os místicos.

Fascículo 9
A Arma Era a Lei
Os Reis do Sertão e do Cangaço
Lampião é apresentado, de uma maneira geral, como sendo um
homem cruel, dos mais violentos. Mas os cantadores, com seus versos e suas
violas, procuravam geralmente justificar as atitudes frias e violentas do "Rei do
Cangaço":
"Por que no ano vinte,
seu pai fora assassinado
da rua da Mata Grande,
duas léguas arredado...
"Lampião desde desse dia
jurou vingar-se também,
dizendo: foi inimigo,
mato, não pergunto a quem...
Só respeito neste mundo
Padre Cisso e mais ninguém".
Antonio Silvino, diferentemente de Lampião, encarnava a figura do
justiceiro protetor. Humilde, ocupava o lugar das autoridades que falhavam pela
ausência ou pela opressão. Não possuía a fama de perverso que acompanhou
Lampião até sua morte. "A exaltação dos cantadores pelas façanhas de
Antonio Silvino chegou ao delírio", disse Câmara Cascudo que, comprovar sua
afirmação, apresenta uma prova:
"Cai uma banda do céu,
seca uma parte do mar,
o purgatório resfria,
vê-se o Diabo com medo,
o céu Deus manda trancar!".

"Admira todo o mundo


quando eu passo em um lugar.
Os matos afastam os ramos,
deixa o vento de soprar,
se perfilam os passarinhos.
Os montes dizem aos caminhos:
- Deixai Silvino passar! ..."
Antonio Silvino dominou o sertão do Nordeste durante vinte anos,
obtendo títulos como "O Rei do Sertão" e "Governador do Sertão".
Em 19 de fevereiro de 1937, Antonio Silvino recebeu o indulto do
governo federal.
Diferente foi o destino de Lampião. Agressivo, não perdoava os seus
inimigos. Foi, contudo, uma vítima da sociedade. Não era apenas um bandido
e, sim, um grande líder, guerrilheiro infernal, estrategicamente notável, e sabia
lutar muito bem contra a polícia.
E esse homem foi derrotado pelos mossoroenses!

Lampião Deixa Rastro de Destruição no RN

No dia 10 de junho de 1927, Lampião penetrou com seu bando em


Luiz Gomes, no Rio Grande do Norte. O objetivo dessa marcha era atacar
Mossoró. No seu caminho, deixou um rastro de destruição. Seqüestrou
pessoas apenas para pedir resgate. Transformou fazendas em ruínas. Como
disse Raul Fernandes: "O prazer era destruir:.
Em "Caiçara dos Tomás" houve um confronto com os soldados
comandados pelo tenente Napoleão de Carvalho Angra, com a derrota dos
policiais.
Onde chegava, o bando ameaçava e exigia, sempre dinheiro e jóias.
Uma parte do grupo de Lampião tentou atacar Apodi. A população,
contudo, estava preparada. Quando os bandidos se aproximaram da cidade, o
tenente Juventino Cabral, á frente de policiais e civis, ordenou que abrissem
fogo. Os salteadores resolveram não se arriscar. Recuaram.
Em Dix-sept Rosado, praticamente sem ninguém, o bando de
Lampião praticou diversos atos de vandalismo. Raul Fernandes transcreveu no
seu livro "A Marcha de Lampião", a descrição feita por uma testemunha dos
acontecimentos: "Demônios entregues aos maiores desatinos, quebrando
portas, espaldeirando quem encontravam, exigindo dinheiro, roubando tudo,
numa fúria diabólica. A palavra de ordem era matar e roubar".
O ataque a Mossoró estava próximo.

Rodolfo Fernandes e a Defesa de Mossoró

Poucas pessoas acreditavam que Lampião tivesse a ousadia de


atacar Mossoró. Um absurdo, diziam praticamente todos, ou seja, a maioria da
população da "Capital Oeste".
O governador do Estado, José Augusto, encontrava dificuldades em
organizar a defesa contra uma possível investida do "Rei do Cangaço".
O prefeito de Mossoró, coronel Rodolfo Fernandes, contudo,
acreditava nessa possibilidade. Ele tinha consciência de que a situação da
cidade era, na realidade, crítica. O tenente Laurentino de Morais, enviado pelo
governo estadual, constatou que a força policial estava composta somente por
vinte e dois soldados... Era preciso tomar medidas urgentes.
Rodolfo Fernandes enviou um emissário até Fortaleza (Alfredo
Fernandes) para conseguir ajuda do governador Moreira da Rocha. A missão
fracassou. Apesar de não ter atingido seu objetivo, Alfredo Fernandes adquiriu
armas e munições na capital cearense, que foram de grande utilidade quando
surgiu a hora de defender Mossoró.
O prefeito armou civis e lançou um manifesto, publicado por Raul
Fernandes, e que termina com as seguintes palavras: "A Prefeitura está
devidamente autorizada a criar uma Guarda Municipal para garantir na cidade,
que hoje mesmo entrará em ação. Acresce que recebemos armas suficientes
do Estado e compradas pelo comércio desta praça, que ficam à disposição do
Governo Municipal".
Com o tempo passava e o ataque não ocorria, tudo fazia crer que o
tão falado ataque jamais aconteceria. Era o que pensavam também os
governadores de três Estados: Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba.
Dia 12 de junho. O prefeito, incansável, promoveu uma reunião. Era
mais uma tentativa de Rodolfo Fernandes para alertar o povo da cidade.
Esforço inútil. O grosso da população continuava não acreditando num possível
ataque de Lampião. Houve, inclusive, neste dia, uma partida de futebol entre
dois grandes clubes rivais: Humaitá x Ipiranga.
Notícias alarmantes, infelizmente, chegavam a Mossoró: o bando de
Lampião se encontrava em São Sebastião. O delegado tenente Laurentino de
Morais, integrado ao grupo do prefeito, tinha, entretanto, tomado algumas
medidas: havia criado várias trincheiras.
De repente, os sinos das igrejas começaram a tocar. Era o alarme.
Não havia mais dúvida, o ataque de Lampião iria se realizar!
O pânico tomou conta da cidade. Alguns procuraram fugir de carro,
outros de trem, e determinadas pessoas, desorientadas, não sabiam como agir.
A ordem expedida era muito clara: toda pessoa que não tivesse uma arma
deveria abandonar a cidade. A razão para tal medida era que a cidade vazia
facilitaria a defesa, na opinião do prefeito. Ele estava certo, como provaria o
desenrolar dos acontecimentos. No tumulto, dois homens se destacaram: o
prefeito Rodolfo Fernandes e Vicente Sabóia.
O governador José Augusto foi, no mínimo, indeciso. Falhou como
governante. Possivelmente porque não acreditasse no ataque de Lampião ao
município de Mossoró. O Governador, por falta de medidas urgentes e rápidas,
possibilitou que um grupo de cangaceiros passeasse pelo Estado, matando,
roubando, levando o terror a todas as comunidades interioranas...
Certamente não adianta discutir, nos dias atuais, se o governador
poderia ter evitado a ação de Lampião no Rio Grande do Norte, inclusive o
ataque a Mossoró. O fato é que medidas importantes deixaram de ser tomadas
e Lampião agiu como previra o prefeito Rodolfo Fernandes. Outro aspecto a
considerar é que houve tempo para preparar uma defesa, com distribuição de
tropas em pontos estratégicos, com concentração de forças em Mossoró e em
Caicó.

Mossoró Resiste às Investidas de Lampião

Lampião mandou um ultimato ao prefeito de Mossoró, exigindo


quatrocentos contos para evitar a invasão e posterior saque da cidade. A carta
onde ele pedia o resgate foi escrita por Antonio Gurgel do Amaral e entregue
por Pedro José.
Rodolfo Fernandes respondeu dizendo que não podia enviar a
importância exigida: "Estamos dispostos a recebê-los na altura em que
desejarem. Nossa situação oferece absoluta confiança e inteira segurança".
Lampião não se conformou e enviou um bilhete com novas
ameaças. Rodolfo Fernandes respondeu com altivez, reafirmando que não
dispunha do valor pedido. Concluiu dizendo que "Estamos dispostos a
acarretar com tudo o que o sr. queira fazer contra nós. A cidade acha-se
firmemente inabalável na sua defesa, confiando na mesma".
O ataque começou às dezesseis horas. Dentro de pouco tempo, o
tiroteio atingiu o auge. A resistência, porém, continuou. O ataque contra a
cidadela do prefeito fracassou. Os cangaceiros tentaram completar o certo. O
pessoal da Estação impediu que isso acontecesse. Após muito tiroteio, a vitória
sorriu para os mossoroenses.
Um grande feito, do qual todo norte-rio-grandense deve orgulhar-se.

Por que Lampião Atacou Mossoró?

O ataque de Lampião a Mossoró foi reconhecido por todos, inclusive


pelo próprio "Rei do Cangaço", como sendo de seu maior erro. Como explicar
tal falha de um homem tão experiente? O ataque foi idealizado pelo cangaceiro
potiguar Massilon Leite Benevides, que conhecia muito bem a região. O
objetivo, como disse Aglae Lima de Oliveira: "saquear as instalações do Banco
do Brasil, a indústria e o comércio e as residências, para obter boa colheita", ou
então, receber de quinhentos a quatrocentos contos de réis, uma quantia
expressiva na época.
Massilon apostou na indiferença da população que não acreditava
num ataque de Lampião. Nesse ponto ele acertou. O que jamais poderia
imaginar é que, naquela cidade, havia um prefeito com a clarividência de
Rodolfo Fernandes e que os homens daquela terra procurassem corrigir o seu
próprio equívoco, lutando com bravura até conseguir a vitória.

O Sertanista Rodolfo Fernandes de Oliveira

Nasceu em Portalegre, no dia 24 de maio de 1872.


"Ainda adolescente iniciou-se no comércio, em Pau dos Ferros.
Emigrou para o Amazonas durante o primeiro ciclo da borracha (...). Chefiou
grupos de seringueiros. Dois anos depois, regressou, passando a morar em
Macau. Trabalhou para a Companhia do Comércio durante cerca de dois anos,
construindo salinas. Fixou-se em Mossoró. Em 1900, consorciou-se com Isaura
Fernandes Pessoa, tendo quatro filhos - José, Julieta, Paulo e Raul. Na firma
Tertuliano Fernandes & Cia., também construiu salinas e substituiu o corta-
vento para puxar água pelo motor a óleo, determinando maior aproveitamento
das marés. Em 1918, estabeleceu-se por conta própria na indústria salineira.
Eleito prefeito, de 1926 a 1918, levantou a planta da cidade. Arborizou-a iniciou
o calçamento. Projetou avenidas. Fez várias praças e jardins", Registrou Raul
Fernandes.
Foi o grande líder da resistência contra Lampião e seu bando. Sobre
esse tema, afirma Raimundo Nonato: "divergindo de muitos, cedo se
apercebeu da existência do perigo e tomou a iniciativa da organização da
defesa da cidade com a presteza e energia que a situação reclamava".
"Não perdeu tempo com palavras e tergiversações, mobilizou os
elementos necessários para a luta, planejou a resistência, conclamou o povo e
advertiu as autoridades da iminência do perigo. (...) Esse espírito de
previdência do atilado sertanista foi a salvação da cidade, dias depois,
defendida corajosamente, pela sua população civil em armas que se aportou
com valentia, destemor e a serenidade que lhe assegurou a vitória final".
Em um aviso dirigido à população de Mossoró, com o objetivo de
tranqüilizar a todos, Rodolfo Fernandes de Oliveira descreve as medidas
tomadas pelo governo do Estado. Essa afirmação visava realmente dar a
impressão que a prefeitura estava pronta, em termos militares, para enfrentar
um ataque de um bando de criminoso fortemente armados. Não estava. Mas
tinha que tomar tal posição para não semear a intranqüilidade e o pavor.
A certeza de que Mossoró seria atacada por Lampião se baseava
em informações recebidas pelo prefeito. Joaquim Felício de Moura,
comerciante de Mossoró, foi avisado por Antonio Pereira de Lima, na
localidade de Misericórdia, que Lampião pretendia assaltar a cidade. Pediu,
inclusive, que levasse a notícia ao coronel Rodolfo Fernandes, Argemiro
Liberato, da Paraíba, escreveu uma carta ao prefeito revelando as pretensões
de Lampião em invadir Mossoró.
O empenho do coronel Rodolfo Fernandes em defender a cidade foi
tão intenso que ele se descuidou dos negócios particulares, inclusive de si
mesmo e de sua saúde. Por essa razão, não chegou a terminar o seu mandato.
Morreu no dia 11 de outubro de 1927 no Rio de Janeiro.

O Cangaceiro Potiguar Jesuíno Brilhante

Jesuíno Alves de Melo Calado nasceu no sítio Tuiuiú, no município


de Patu, Rio Grande do Norte, em 1844.
Filho de José Alves de Melo Calado e D. Alexandrina Brilhante de
Alencar.
Para Câmara Cascudo, ele "foi o cangaceiro gentil-homem, o
bandoleiro romântico, espécie matuta de Robin Hood, adorado pela população
pobre, defensor dos fracos, dos velhos oprimidos, das moças ultrajadas, das
crianças agredidas (...) Baixo, espadaúdo, ruivo, de olhos azuis, meio fanhoso,
ficava tartamudo quando zangado. Homem claro, desempenado, cavaleiro
maravilhoso, atirador incomparável de pistola e clavinote, jogava bem a faca e
sua força física garantia-lhe sucesso na hora do "corpo a corpo". Era ainda
bom nadador, vaqueiro afamado, derrubador e laçador de gado.
Sua pontaria infalível causava assombro, especialmente porque
Jesuíno, ambidestro, atirava com qualquer das mãos.
Casou com D. Maria, tendo cinco filhos dessa união.
Envolvido com uma questão de família, Jesuíno matou o negro
Honorato Limão, no dia 25 de dezembro de 1871. Foi sua primeira vítima.
Como lembra Tarcísio Medeiros, era "irredutível em questão de
honra". O autor, em seguida, cita um texto de Raimundo Nonato, que narra um
episódio, onde Jesuíno Brilhante se hospedou em uma casa. O marido estava
ausente. Um bandido, de nome Montezuma, procurou se aproveitar da situação
para perseguir a proprietária da casa. Jesuíno, revoltado, matou o malfeitor.
Outro caso: assassinou um escravo, José, porque tentou violentar uma mulher.
Segundo Cascudo, "ficaram famosos os assaltos à cadeia de
Pombal(PE) para libertar seu irmão Lucas (1874) e, no ano de 1876, à cidade
de Martins (RN). Cercado pela polícia local, Jesuíno e seus dez companheiros
abriram passagem através de casas, rompendo as paredes, cantando a antiga
"Curujinha".
Câmara Cascudo afirma ainda que Jesuíno "nunca exigiu dinheiro
ou matou para roubar".
A imaginação popular acrescentou à biografia do cangaceiro
centenas de batalhas, das quais Jesuíno Brilhante teria participado sem que
tivesse levado um só tiro...
Em dezembro de 1879, na região das Águas do Riacho de Porcos,
Brejos da Cruz, na Paraíba, Jesuíno foi atingido no braço e no peito, sendo
levado, agonizante, por seus amigos. Morreu no lugar chamado "Palha", onde
foi sepultado.
Em 1883, o Dr. Francisco Pinheiro de Almeida visitou o túmulo do
bandido e levou a caveira do cangaceiro para sua casa, em Mossoró. Após sua
morte, a caveira de Jesuíno foi levada para o Grupo Escolar "30 de Setembro".
No ano de 1924, a caveira foi transferida para a Escola Normal.

A Estrutura Política do Coronelismo


Os grandes inimigos dos cangaceiros eram as "volantes" (polícia) e
os grandes proprietários das fazendas, conhecidos pela denominação genérica
de "coronéis".
Para João Camillo de Oliveira Torres, o coronelismo é a "estrutura
política por intermédio da qual os chefes de clãs rurais e grande latifundiários
assumiram o controle da ação política". E acrescenta: "a distribuição de postos
da Guarda Nacional, que exercia mais funções de "ordem honorífica" do que,
propriamente, de corpo de tropa, obedecia ao critério de posição social e
política dos indivíduos".
O coronel é, portanto, o chefe político, quase sempre o grande
latifundiário, exercendo um verdadeiro monopólio da terra. E "o monopólio da
terra, abrigando em seu seio uma economia voltada essencialmente para a
exportação de alguns produtos, entravou brutalmente o crescimento das forças
produtivas", analisa Rui Facó.
O mesmo autor acredita ainda que foi "o monopólio da terra que nos
reduziu ao mais lamentável atraso cultural, como isolamento, ou melhor, o
encarceramento em massa das populações rurais na interlândia a que
chamamos sertão, estagnada por quatro séculos. Analfabetismo quase
generalizado. Ignorância completa do mundo exterior, mesmo o exterior ao
serão, ainda que nos limites do Brasil".
É nesse cenários que os coronéis reinavam.
O coronel, para exercer sua influência em sua região, tinha que ser
"homem macho", capaz de matar ou mandar matar qualquer pessoa que
contrariasse os seus interesses...
Contava também com um grande número de protegidos, seus ä
filhados"...
Maria Isaura Pereira de Queirós registra as intermináveis lutas de
família, que deixaram um rastro de sangue nas terras nordestinas. Cita
exemplos: os Cunha e os Pereira, no Ceará.
O fato é que não se pode analisar o fenômeno do coronelismo
somente como uma forma do poder privado, sem qualquer relação com o
cangaço e com o fanatismo religioso. É igualmente um "compromisso" do
poder público. Resultado em fenômenos como mandonismo, filhotismo,
falseamento de votos e na "desorganização dos serviços públicos", como
mostra João Camilo de Oliveira Torres. Do compromisso resulta a
"reciprocidade", ou seja, o coronel, na sua área de ação, recebe ajuda do poder
público (nomeações de funcionários públicos), facilitando, por sua vez, a
atuação do governo.
Em síntese, esse é o contexto do coronelismo no Nordeste nos
primeiros tempos da República.

Theodorico Bezerra: de Cabo a "Major"

Nasceu em Santa Cruz, Rio Grande do Norte, sendo filho de José


Pedro Bezerra e Anna Bezerra.
Fez os primeiros estudos em sua terra. Em 1917 foi estudar em
Natal, no colégio Santo Antonio. Após dois anos de estudos voltou para Santa
Cruz, por causa da situação financeira precária de sua família.
Em 1915 exercia o comércio, como ambulante. Nascimento Bezerra
informa que "em princípio compra e vende tudo, mas o negócio de couro é que
tem maior expressão. Parou suas atividades quando foi servir o exército, mais
precisamente no 21º Batalhão de Caçadores, onde permaneceu de 1923 até
1924, quando chegou até o posto de cabo. Por essa razão, ficou conhecido
pela alcunha de "cabo". O título de "major" apareceu depois, quando militava
na política.
Saindo do exército, comprou, juntamente com um amigo, um
caminhão. Depois, vendeu sua parte e comprou, em Natal, o "Hotel dos
Leões". Aos poucos, foi comprando outros, como afirma Raimundo Alves de
Souza:"o internacional", Avenida e "Palace Hotel", até fixar-se definitivamente
no ramo com o arrendamento do "Grande Hotel", em 1939.
Theodorico Bezerra, apesar de suas inúmeras atividades, ficou
conhecido sobretudo como algo que na realidade nunca deixou de ser: um
coronel, do tipo definido por Maria Bezerra: "é um coronel que emerge e se
modela no trânsito entre o novo apogeu do coronelismo e seu rápido declínio.
Projeta o perfil de um "novo coronel" despido das características anteriores de
truculência, jaguncismo, desacato às autoridades constituídas que lhe
estorvassem os propósitos particulares vestindo-o de uma roupagem de corte
mais ajustado ao figurino da época que transcorre: pacifismo, moradores
desarmados, colaboração às instituições governamentais.
Um dos traços fundamentais da personalidade de Theodorico
Bezerra é o seu dinamismo. Sempre procurou diversificar suas atividades,
sendo vencedor em todas elas. Como fazendeiro, chegou a criar um verdadeiro
império: Irapuru, sua maior fazenda. Como comerciante, se tornou sócio de
uma agência de carros; proprietário de uma farmácia; dono de uma casa de
fogos. Chegando inclusive a fazer parte da diretoria da Associação Alves de
Souza. Como político, foi um grande líder, com uma importante participação na
vida partidária do Rio Grande do Norte. Entrou para a política sob a influência
do interventor Fernandes Dantas. No dia 23 de maio de 1945 ingressou no
Partido Social Democrático. No ano de 1947, foi eleito deputado estadual.
Venceu as eleições para governador.
O primeiro projeto de Theodorico Bezerra na Assembléia Legislativa
foi a criação do município de São José de Campestre, que se transformou em
lei. Foi também membro da Comissão do Comércio, Indústria, Agricultura e
Obras Públicas.
No dia 3 de fevereiro de 1949, assumiu o comando do PSD. Em
1950 foi eleito deputado federal. No ano de 1960 apoiou Aluízio Alves e
monsenhor Walfredo Gurgel para governador e vice, respectivamente. Grande
campanha, cujo desenrolar será estudado mais adiante, em outro fascículo.
Dois anos mais tarde o "major", acostumado a vencer, obteve sua primeira
derrota na política; não conseguiu se eleger senador da República. Ficou muito
frustado, como se pode constatar, através dessa declaração, citada por
Raimundo Alves de Souza: "Fiz tudo para ter o padre como companheiro de
disputa das vagas no Senado. Desejava ver dois pessedistas vitoriosos. Porém
esqueci que tem mais capelas, igrejas e santuários que diretórios do PSD. E o
padre teve mais votos do que eu". Pouco tempo depois, assumiu o cargo de
vice-governador, na vaga deixada por monsenhor Gurgel, eleito senador.
Assumiu também a presidência da Assembléia Legislativa do Rio Grande do
Norte.
Como político, é claro, possuía uma visão coronelística. Tudo era
válido, contando que levasse à vitória: "ameaça, suborno, pedido humilde,
favores, traições, tudo".
Em sua fazenda Irapuru, recebia os visitantes com grandes festas.
Possuía duas bandas, uma integrada por homens e outra composta totalmente
por mulheres.
Certa vez, recebeu uma turma de alunos e professores de uma
escola do município de Natal, soltando foguetões e com desfile de duas
bandas. Uma moça, ao sair do ônibus, descascava uma laranja para comer.
Theodorico viu e ordenou que a estudante guardasse a laranja porque, caso
contrário, não teria fome na hora do almaço. E foi servido realmente um grande
banquete, farto em alimento e bebidas...
Theodorico Bezerra, inteligente e trabalhador, sabendo tirar proveito
da influência que desfrutava na política, conseguiu somar uma grande fortuna.
Em suas fazendas chegou a produzir, às vezes, mil quilos de algodão. Possuiu
ainda duas usinas de beneficiamento de algodão; três fábricas de óleo, e uma
refinaria de óleo, informa Maria do Nascimento Bezerra. Em Natal, dirigiu o
Grande Hotel, que teve um papel de destaque durante a Segunda Guerra
Mundial, considerado como sendo o melhor da cidade. Sobre Theodorico
Bezerra, nesse período, Clyde Smith Junior fez a seguinte observação: "um
norte-rio-grandense simpatizante dos alemães, mas interessado principalmente
em dinheiro"... Foi dono da Rádio Trairi e do Jornal do Comércio de Natal.
Quanto morreu, já não desfrutava do prestígio de outrora.

Fanáticos da Serra de João do Vale

Luís da Câmara Cascudo pediu, em um de seus artigos, "licença


para contar uma história que nunca foi contada". Esse estudo foi publicado pela
primeira vez no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de
1941 e transcrito, posteriormente, na revista do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte.
Tema do artigo: os fanáticos da Serra de João do Vale. Mais tarde,
Tarcísio Medeiros abordou o assunto em seu livro "Aspectos Geográficos e
Antropológicos da História do Rio Grande do Norte".
É, portanto, uma história pouco conhecida.
O local em que tudo aconteceu foi a Serra de João do Vale, que fica
no município de Augusto Severo. Possui tal denominação porque herdou o
nome do seu primitivo proprietário, João do Vale Bezerra.
Joaquim Ramalho do Nascimento, que seria um dos chefes dos
fanáticos, nasceu no sítio "Cajueiro", em 1862, filho de Manuel Ramalho do
Nascimento e de dona Isabel Maria da Conceição.
Luís da Câmara Cascudo traçou o perfil de Joaquim Ramalho, com
as seguintes palavras: "Gordo, lento, apático, amarelo, foi menino sujeito às
cismas, meditações longas, olhar parado, acompanhando um pensamento
misterioso. Com poucos anos, afirma-se a tendência mística, nas orações sem
fim, passos tirmoados, braços para o firmamento, rezando missas, impondo
penitências".
Joaquim Ramalho cresceu e, adulto, se casou, passando a morar na
Vila do Triufo. Continuou, entretanto, com o mesmo comportamento estranho,
rezando sempre.
No final de 1894, morreu o vigário de Triunfo, padre Manuel Bezerra
Cavalcante, com oitenta anos, sendo chorado por toda a comunidade.
No ano de 1898, Joaquim Ramalho teve um ataque, assim descrito
por Câmara Cascudo: "Bruscamente parou, nauseante, gorgulhando vômitos e
caiu de bruços, pesadamente". Durante a crise, começou a cantar. Quando
recobrou os sentidos, não se lembrava de nada. O fenômeno se repetiu nas
outras tardes seguintes. A notícia se espalhou rapidamente, crescendo o
número de curiosos, todos querendo assistir à cena. Estava nascendo mais um
líder místico no sertão nordestino. Como Joaquim Ramalho tinha lido Allan
Kardec, acreditou que estava sendo possuído pelo espírito do velho vigário.
Dentro em breve, segundo o beato, o espírito de outro sacerdote passou a se
encarnar nele: padre Manuel Fernandes, vigário de Macau.
À medida que o arraial crescia, tudo se desorganizava nos
arredores. As pessoas abandonavam o trabalho para seguir o beato, ao
mesmo tempo em que aumentava a devassidão.
Um mestiço, de nome Sabino José de Oliveira, de acólito de
Joaquim Ramalho subiu de categoria quando recebeu o espírito de um padre
italiano, chamado Brito de Maria da Conceição.
Nessa altura dos acontecimentos, "a moral desceu à quota zero" na
palavras de Câmara Cascudo.
Começaram, então, a surgir reclamações. O coronel Luiz Pereira
Tito Jácome denunciou o movimento ao governador do Estado, desembargador
Joaquim Ferreira Chaves que, recebendo várias queixas, nomeou o tenente do
Batalhão de Segurança, Francisco Justino de Oliveira Cascudo, para acabar
com a festa.
Os dois místicos foram presos em "Pitombeira". Não houve
nenhuma reação. Joaquim Ramalho disse apenas que "Deus foi preso, quando
mais eu...".
Sabino caiu no chão, como se estivesse sendo possuído por um
espírito. O tenente, inteligente, percebeu a "farsa", e bateu nele com a espada.
Sabino se ergueu rápido, dizendo: "Pronto seu tenente, o espírito já saiu, Voou
na ponta da espada...
"Joaquim e Sabino foram presos e levados para a cadeia de Triunfo.
E desmoralizados perante seus adeptos, por causa das declarações que eles
prestaram à polícia. O processo policial, contudo, não deu em nada. Os dois
beatos foram colocados em liberdade.
Joaquim Ramalho, ao sair da prisão, voltou a trabalhar na
agricultura. Morreu no seu sítio "Malhada Redonda", com idade avançada,
picado por uma cascavel. Nunca mais recebeu "espírito"... O outro não se sabe
como terminou. Uma coisa é certa: ficou totalmente curado...

A Revolução de 1930

Impasse na Política Café com Leite

Foram principalmente os motivos de origem política e econômica


que determinaram a eclosão do movimento revolucionário de 1930 no Brasil.
A crise do sistema capitalista mundial a parti de outubro de 1929,
que atingiu as nossas exportações de café, funcionou como determinante de
ordem econômica. Quando o presidente Washington Luís transferiu ao Instituto
do Café do Estado de São Paulo a responsabilidade para solucionar o impasse
surgido no setor exportador do principal produto brasileiro, perdeu o apoio dos
cafeicultores, que lhe conferiam sustentáculo político.
O rompimento da política "café com leite", que determinava a
alternância de um presidente paulista e um mineiro frente ao governo do País,
teria sido a causa política.
A comprovação de fraude eleitoral na escolha de Júlio Prestes para
a Presidência da República, o assassinato de João Pessoa, vice-presidente
derrotado, funcionaram como causas imediatas do movimento revolucionário
que marca o início da Segunda República no Brasil.

Um Marco na História Brasileira

A revolução de 30 foi, na realidade, um marco na história brasileira.


Com ele terminou a República Velha.
Questionam historiadores e sociólogos quanto à natureza do
movimento de outubro de 1930. Alguns consideram que pode ser chamado de
"revolução", pois teria sido responsável pelo desmoronamento da ultrapassada
estrutura política das Primeira República. Outros negam essa denominação
alegando que as mudanças advindas em 1930 não teriam alterado
radicalmente o País.
É também questionado o caráter "burguês" do movimento. As
críticas são justificadas, na alegação de que não houve uma oposição
significativa entre o setor agrário-exportador e a burguesia industrial que,
naquela época, não tinha força suficiente para liderar qualquer movimento.
Além do mais, a "Aliança Liberal" não poderia, na sua totalidade, ser
apresentada como porta-voz da burguesia industrial, pois era uma realidade a
presença de elementos extremamente "conservadores" em suas fileiras.
O que se pode concluir é que, em 1930, forças heterogêneas se
somaram e preparam o cenário para a ação que de certa maneira viria alterar,
a ambiência política da época.
Fascículo 10
Regime de Exceção
Elogios e Críticas à Era Vargas
Certos depoimentos daqueles que participaram, direta ou
indiretamente, dos episódios que marcaram a Revolução de 1930 no Brasil são
marcados pela emoção, pelo grau de simpatia ou de rejeição. Sobretudo à
figura do seu principal líder, Getúlio Vargas. Algumas críticas, por outro lado,
estão marcadas por um forte conteúdo ideológico.
Os elogios e as críticas confirmaram que a Revolução de 1930 se
constituiu num marco da historiografia brasileira. Quando o vendaval de
paixões passar - o que parece que já está ocorrendo -, será possível ter uma
idéia mais clara do conjunto de suas realizações, sua contribuição maior ou
menor para o engradecimento do País.
Enquanto isso, algumas conclusões, a priori, são definitivas. Como a
de Boris Fausto de que "a Revolução de 1930 põe fim à hegemonia da
burguesia do café, desenlace inscrito na própria forma de inserção do Brasil no
sistema capitalista (...). No ataque ao predomínio da burguesia cafeeira,
revelando traços específicos, que não podem ser reduzidos simplesmente ao
protesto das classes médias (...) Vitoriosa a revolução, abre-se uma espécie de
vazio do poder, por foça do colapso político da burguesia do café e da
incapacidade das demais frações de classe para assumi-lo, em caráter
exclusivo. O Estado de compromisso é a resposta para esta situação. Na
descontinuidade de outubro de 1930, o Brasil começa a trilhar enfim o caminho
da maioridade política. Paradoxalmente, na mesma época em que tanto se
insistia nos caminhos originais autenticamente brasileiros para a solução dos
problemas nacionais, iniciava-se o processo de efetiva constituição sobre a
nacionalização do trabalho; salário mínimo; sindicalização", disse Cruz Costa.
Houve, naturalmente, algumas distorções na polícia trabalhista. Mas
não se pode negar, por causa disso, o grande valor da legislação trabalhista,
considerada, como todos sabem, "uma das mais avançadas do mundo".
Afirmou ainda Cruz Costa que "a legislação trabalhista de Vargas antecipou-se
no tempo aos conflitos que iriam dar aos operários a consciência política de
seu papel numa sociedade em processo de industrialização".
Vargas pode não ter sido o criador do Estado brasileiro, porém, usou
um regime de exceção para consolidar o Estado Nacional brasileiro. Antes de
37, cada Estado praticamente se constituía numa unidade autônoma, com um
governo federal muito frágil. São Paulo, por exemplo, tinha sua Força Pública
(polícia) um verdadeiro exército que contou, inclusive, "com uma missão
instrutora composta de oficiais franceses", informa Cruz Costa.
O lado negra "Era Vargas" foi, sem dúvida, o caráter fascista de sua
administração durante o período em que agiu como ditador.

Os Tenentes de Juarez Távora no NE

A propagação do ideário de 1930 chegou ao Nordeste quando o


coronel Maurício Cardoso foi nomeado para comandar o 22º BC, sediado na
então cidade da Paraíba, capital do Estado do mesmo nome. Como ele vieram
três oficiais: Jurandir Mamede, Agildo Barata Ribeiro e Juraci Magaljães. Esses
homens eram conhecidos como sendo os "tenentes" de Juarez.
Não é possível uma apreciação do movimento de 1930 no Nordeste
sem uma referência a Juarez Távora. Na época, ele estava detido na Fortaleza
de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, por determinação da polícia de Washington
Luís. Conseguindo, mesmo prisioneiro, entrar em contato com Luís Carlos
Prestes, chefe do Partido Comunista, foi incentivado a fugir para comandar o
movimento no Nordeste. Távora fugiu, conseguindo chegar até a Paraíba. A
sua fuga foi considerada quase impossível de se realizar, na ocasião.
A Paraíba que depois tornou-se a cidade de João Pessoa, e a
capital pernambucana, Recife, se tornaram os centros de divulgação no
Nordeste. A primeira, por concentrar um grande contingente militar, e Recife,
pela sua importância política e econômica na região nordestina,
A data escolhida para o início da revolução foi 3 de outubro. A hora
estabelecida seria 17h30.
Contam Antonio Augusto Faria e Edgard Luiz de Barros que "em
Pernambuco, Juarez Távora se atrasou um dia para atacar Recife; mas a
população tomou prédios e depósitos de armas, facilitando a ação dos
rebeldes, que logo tomaram também a Paraíba. Enviando tropas para dominar
a Bahia, sob o comando de Juraci Magalhães, e o Pará, com Landy Salles,
Juartez e os "tenentes" em poucos dias controlavam todo o Norte e o
Nordeste".

Aliança Liberal e Dias de Pânico em Natal

Juvenal Lamartine governa o Rio Grande do Norte. Além de uma


extrema dependência em relação ao poder central, o seu governo se
caracterizou pela intolerância política para com os seus adversários. Nesse
contexto, João Café Filho fazia oposição. Perseguido, fugiu para a Paraíba. E
se integrou ao movimento promovido pela "Aliança Liberal", que defendia a
candidatura de Getúlio Vargas para presidente da República e João Pessoa
para vice.
Os candidatos da oposição ao governo Washington Luís, Getúlio e
João Pessoa, foram derrotados no Rio Grande do Norte. Afirmam os
historiadores que a derrota foi causada pelo apoio dado por Juvenal Lamartine
ao paulista Júlio Prestes.
Os adeptos da "Aliança Liberal" no Rio Grande do Norte formavam,
na realidade, um pequeno grupo que recebeu o apoio do coronel Dinarte Mariz
no Seridó.
Juvenal Lamartine, ao tomar conhecimento do início da revolução,
abandonou o Estado, na noite de 5 de outubro de 1930.
O maior Luiz Tavares Guerreiro, à frente do 29º BC, partiu da
Paraíba e chegou a Natal no dia 6, sem encontrar qualquer tipo de resistência.
Natal viveu dias de pânico, assim descritos por Tarcísio Medeiros: "tropas de
desocupados, aventureiros, que atemorizaram as famílias natalenses,
obrigando os incautos, nos comícios das praças, ajoelhar quando era cantado
o hino a João Pessoa: "João Pessoa, João Pessoa, bravo filho do sertão. Toda
a pátria espera um dia a sua ressurreição... ' Ai daquele que não obedecesse!".
Para governar o Rio Grande do Norte foi formado um triunvirato
composto por Luiz Tavares Guerreiro, capitão Abelardo Torres da Silva e o
tenente Júlio Perouse Pontes.
A junta procurou manter a ordem durante o período que governou,
de 6 a 12 de outubro de 1930. Após essa data, o Estado passou a ser
governado pelos dois civis (o primeiro e o último) e três militares.
O Rio Grande do Norte voltaria a ser governado por interventores
após a decretação do Estado Novo, em 1937.

Os Interventores no Rio Grande do Norte

Com a nomeação dos interventores, começou a fase institucional da


Revolução de 30 no Rio Grande do Norte.
Marlene Mariz define o sistema instaurado da seguinte maneira: "Os
interventores eram o próprio instrumento de controle do poder central em cada
Estado. Representam o empenho deliberado de alterar as relações
Estado/União, transformação esta desejada pelos tenentes e, especificamente,
por todos os revolucionários nortistas".
O Rio Grande do Norte contou com cerca de cinco interventores:
Irine Jofily (apoiado por Café Filho), Aluísio de Andrade Moura, Hercolino
Cascardo, Bertino Dutra da Silva e, finalmente Mário Leopoldo Câmara.
Irineu Jofily encontrou dificuldades para implantar os ideais
revolucionários no Estado porque os oligarcas estavam ainda muito fortes. O
sistema oligárquico não permitia que medidas contrárias aos seus interesses
fossem implantadas. Por essa razão, Jofily pediu demissão.
Aluísio Moura iniciou a fase de administradores militares.
Juarez Távora, que comandava a Delegacia do Norte, designou dois
militares para "assessorar" o novo interventor: os tenentes Ernesto Geisel, para
a Secretaria Geral e diretor do Departamento de Segurança Pública, e Paulo
Cordeiro de Melo, para o Comando do Regimento Policial. Existe apenas uma
explicação para justificar essas duas nomeações: falta de confiança de Juarez
Távora em Aluísio Moura...
Com o objetivo de afastar Café Filho e seus adeptos da
administração, os cafeístas foram acusados, pelo interventor, de comunistas
que conspiravam contra o governo. Como resultado, todos foram presos. Pedro
Dias Guimarães, que exercia a função de prefeito de Natal, e ainda Edgar
Siqueira, José Anselmo e Sandoval Wanderley. Depois, o interventor, alegando
que tudo que se dizia dos cafeístas era falso, mandou libertar a todos...
Cresceu o descontentamento dos setores ligados à Revolução de
30, por causa do apoio dado ao grupo que se encontrava no poder antes de
1930, por essa razão, Aluísio Moura foi substituído por outro militar: o
comandante Hercolino Cascardo.
O Rio Grande do Norte se encontrava nessa época, numa situação
difícil. Cascardo, contudo, procurou desenvolver o Estado, atuando sobre os
produtos que sustentavam sua economia: cultura do algodão e indústria
salineira. Outro aspecto importante é que ele procurou governar sem se
envolver nos conflitos locais, escolhendo seus auxiliares entre os mais
capazes. Sentindo-se desprestigiado perante o governo provisório, pediu
exoneração do cargo, apesar do apoio de Café Filho e de seus correligionários.
O novo interventor, Bertino Dutra da Silva, encontra o Rio Grande do
Norte numa situação muito dedicada. As forças políticas tradicionais
continuavam sendo um obstáculo para que os ideais revolucionários se
instalassem no Estado.
Em 1932 explodiu a Revolução Constitucional, liderada por São
Paulo e que, segundo alguns, possuía um caráter separatista. Foi fundada no
Rio Grande do Norte a "União Democrática Norte-rio-grandense", comandada
pelo monsenhor João da Matha e por Gentil Ferreira de Souza, apoiando o
movimento a favor da constitucionalização do País. Como afirma Marlene
Mariz, "os coronéis potiguares chegaram até enviar seus capangas para lutar
ao lado dos paulistas contra o governo provisório e o regime de exceção".
As forças conservadoras não ficaram apenas nesta ação. Visando a
eleição da Constituinte Nacional de 1933, fundaram o "Partido Popular",
chefiado por Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros, líder seridoense.
O interventor Bertino Dutra reagiu e fundou o 'Partido Social
Nacionalista do Rio Grande do Norte".
A campanha se desenvolveu num clima de agitação, com atitudes
que caracterizavam um grande radicalismo.
A 3 de maio de 1933, realizou-se a eleição para a Constituinte
Nacional, com a vitória da oposição que conseguiu eleger três candidatos:
Alberto Roseli, Francisco Martins Veras e José Ferreira de Souza, Kerginaldo
Cavalcanti de Albuquerque foi o único eleito pela situação.
Café Filho, o homem forte do governo, era o alvo preferido da
oposição, sendo inclusive baleado pelo capitão do exército Everardo
Vasconcelos após uma discussão entre os dois.
Derrotado, Bertino Dutra passou o cargo ao seu substituto legal,
tenente Sérgio Marinho.
O novo interventor, Mário Leopoldo da Câmara, foi designado para
executar a missão de pacificar o Rio Grande do Norte, formando uma aliança
com o Partido Popular, o mais forte do Estado.
Entretanto, apesar de sua eficiência como administrador, Mário
Câmara permitiu que crescesse o clima de agitação e de violência. João
Medeiros Filho, no programa "Memória Viva", da TV Universitária, traçou o seu
perfil: "Mário Câmara era um administrador honesto. Depois, foi envolvido pelos
políticos profissionais, fincando alucinado pelo poder. Daí a violência que
caracterizou o final do seu governo".
Em vez de se unir às forças tradicionais, terminou fazendo uma
aliança com Café Filho, com o fim de derrubar o Partido Popular.
O Rio Grande do Norte viveu, então, um clima de agitação nunca
antes experimentado em sua história, incluindo assassinatos, espancamentos
etc.
Em síntese, como administrador, Mário Câmara fez várias obras
(construir 43 prédios escolares, abriu estradas etc.), porém "com esse homem
caiu sobre a terra potiguar a maldição terrível da desunião política, que fez
desencadear a mais torpe campanha eleitoral de 1934", afirma Tarcísio
Medeiros.
Como uma conseqüência desse clima de agitação, se pode apontar
a intentona comunista de 1935.
Ao se fazer um balanço sobre a Revolução de 30 no Rio Grande do
Norte, cujas diretrizes deveriam ser executadas pelos interventores, fica muito
claro que as oligarquias, com o seu sistema político consolidado, evitaram que
mudanças maiores de operassem no Estado, gerando um confronto num clima
de agitação e violência entre os partidários da Revolução de 30 e os oligarcas.
João Café Filho se destacou na luta para destruir as velhas
estruturas, mas não reunia força suficiente para conseguir realizar os seus
propósitos.
Por outro lado, os conservadores possuíam grandes líderes, alguns
detentores de vasto saber, como, por exemplo, José Augusto de Medeiros, o
grande arquiteto da resistência das forças tradicionais.
A massa popular queria mudança, porém, iletrada, não sabia que
rumo tomar, praticando, às vezes, atos de violência como sinal de protesto.
Segundo Marlene Mariz, "a Revolução trouxe efeitos para o Rio
Grande do Norte no tocante a mudanças no comportamento do operariado,
com sindicatos organizados e amparados pelas leis trabalhistras, que vão
marcar o início do populismo", graças à atuação de Café Filho.

João Café Filho: Do Sindicato ao Catete

João Café Filho foi o grande líder da Revolução de 30 no Rio


Grande do Norte.
Nasceu no dia 3 de fevereiro de 1899, na rua do Triunfo, Ribeira, em
Natal. Filho de João Fernandes Campos Café e de Florência Amélia Campos
Café.
Os seus estudos iniciais foram realizados nas escolas de Amália
Benevides, Edilbertina Ataíde e Áurea Magalhães, para um pouco mais tarde
ingressar sucessivamente nos seguintes estabelecimentos de ensino: Colégio
Americano, Grupo Escolar Augusto Severo, Escola Normal e Atheneu Norte-
Rio-Grandense.
Mesmo sem concluir curso superior, exerceu a advocacia como
provisionado, tendo feito exames no Tribunal de Justiça em Natal.
Na juventude, foi atleta de poucos recursos, conseguindo,
entretanto, jogar na posição de goleiro no Alecrim Futebol Clube, uma das
agremiações esportivas mais tradicionais do Estado. Mas teve uma importante
atuação como integrante da diretoria do próprio Alecrim, e igualmente do
Centro Esportivo Natalense.
Muito cedo, com apenas quinze anos, começou a sua vida de
jornalista, quando publicou "O Bonde" e "A Gazeta", ambos manuscritos.
Depois fundou e dirigiu o "Jornal de Natal". Nesse jornal, começou a abordar a
questão social do Estado.
Adulto, Café se casou com D. Jandira Carvalho de Oliveira Café.
Em 1923, liderou as primeiras graves que ocorreram no Rio Grande
do Norte. Por essa razão, a polícia cercou o quarteirão onde sua casa se
localizava e o jornal que dirigia. Conseguiu fugir. Depois, partiu para Recife e,
logo em seguida para Bezerros, onde foi nomeado secretário da prefeitura.
Fundou o jornal "Correio de Bezerros" e o Clube Social e Esportivo Palameira.
Voltando para Recife, em 1925, dirigiu mais um jornal, "A Noite", quando
entrevistou Antonio Silvino na Penitenciária de Recife. Ainda na capital
pernambucana, redigiu um documento "concitando os subalternos do Exército
a desobedecerem as ordens recebidas" e participar da Coluna Prestes. Como
conseqüência, foi processado e condenado pelo Supremo Tribunal Federal.
Fugiu para Itabuna, na Bahia. Após um certo tempo, regressou a Natal, onde
foi preso.
Em 1928, foi eleito vereador. Uma façanha, porque, naquela época,
era difícil alguém da oposição vencer. O "sistema eleitoral" vigente pode ser
ilustrado com um exemplo, contado pelo próprio Café Filho: "A oposição elegeu
a maioria da Câmara Municipal. O Governo do Estado, em represália pela
derrota sofrida, mandou queimar as atas eleitorais. O atentado foi executado
pelo chefe político local, seguindo as instruções dos chefes das oligarquias.
Destruídas as atas, o situacionismo procedeu a "eleição" dos seus próprios
vereadores, a bico de pena"...
A oligarquia não deixava Café Filho em paz. Sendo mais uma vez
perseguido, fugiu novamente para Recife e viajou para o Rio de Janeiro, onde
se integrou à campanha política a favor da Aliança Liberal. Depois foi enviado
para a Paraíba com o objetivo de divulgar o movimento. Recebido por João
Pessoa, voltou a atuar como jornalista, reeditando o "Jornal da Noite". Atuante,
percorreu toda a Paraíba fazendo campanha pela Aliança Liberal.
No dia 2 de outubro de 1930, entrou no Rio Grande do Norte em
plena efervescência revolucionária. As tropas paraibanas invadiram o Rio
Grande do Norte sem encontrar resistência. Nas negociações para compor o
governo, se pretendia eleger o desembargador Silvino Bezerra Neto, irmão de
José Augusto, líder das oligarquias e, portanto, adversário das idéias
revolucionárias... João Café Filho, sempre vigilante, impediu que tal designação
fosse feita. E o governo provisório foi entregue a uma Junta Militar.
O povo, insatisfeito, pedia medidas radicais. Para acalmar a
população, sobretudo a natalense, Café Filho foi designado chefe de Polícia.
Mais tarde, afastado do cargo, voltou a assumir a Chefia da Polícia durante a
administração do interventor federal comandante Bertino Dutra. Foi nessa
segunda gestão que Café Filho criou a Guarda Civil e a Guarda Nortuna.
Em 1933 e anos seguintes exerceu as funções de Inspetor do
Trabalho, no Rio de Janeiro.
Foi eleito deputado federal em 1935, porém, não concluiu seu
mandato por causa da decretação do Estado Novo em 1937. Perseguido por
fazer oposição ao governo Vargas, conseguiu asilo na Argentina.
Em 1945, de volta ao Brasil, fundou o Partido Social Progressista no
Rio Grande do Norte. A conselho de Adhemar de Barros, registrou o partido
com o nome de Partido Republicano Progressista. Justificativa de Adhemar:
"poderia atrair, pela identidade fonética, os antigos partidários e eleitores do
Partido Republicano Paulista, os 'perrepistas' de antes de 1930". Como não
conseguiu os objetivos desejados, posteriormente o partido voltou a ser
chamado pela denominação original.
João Café Filho foi eleito novamente deputado federal em 1945.
Essa foi a sua fase mais dinâmica, segundo ele próprio: "Exerci, em minha
atividade parlamentar, no Palácio Tiradentes, o período de maior vitalidade e
energia de minha vida".
Um feito de Café Filho: com um discurso apenas provocou a
exoneração de Correia e Castro, ministro da Fazenda do governo Dutra.
Em 1950 Café Filho se elegeu vice-presidente da República,
juntamente com Getúlio Vargas, que assimiu a presidência da República,
juntamente com Getúlio Vargas, que assumiu a presidência do País.
Após o suicídio de Getúlio Vargas, a 24 de agosto de 1954, passou
a exercer a função de presidente do Brasil. De acordo com suas palavras, foi "o
único momento que me tocou verdadeiramente, que me confortou, que foi
pleno e sem contrastes em esplendor e confiança".
Porém, não chegou a concluir o seu mandato, inicialmente por causa
de uma crise cardiovascular, e depois foi 'impedido', afastado da presidência.
Falava-se em "golpe" e em "contra-golpe".
Nereu Ramos, então, assumiu o governo. A complicação não se
resumia ao afastamento de Café Filho. Havia outro impasse. Juscelino
Kubitschek de Oliveira, eleito presidente através do voto popular, estava
ameaçado de não tomar posse...
Fora do poder, João Café Filho foi nomeado ministro do Tribunal de
Contas do Rio de Janeiro.
Posteriormente, escreveu suas memórias sob o título "Do Sindicato
ao Catete", em dois volumes.
Faleceu no dia 11 de fevereiro de 1970 no Rio de Janeiro.
O Rio Grande do Norte prestou uma homenagem ao único norte-rio-
grandense que chegou a ser presidente da República, inaugurando a Casa
Café Augusto, e onde se encontra atualmente um grande acervo sobre o ilustre
jornalista e político potiguar.

A Intentona Comunista

Um Contexto de Agudos Conflitos Sociais

A Intentona Comunista de 1935 não foi um episódio isolado que


ocorreu apenas no Rio Grande do Norte. Ela surgiu dentro de um contexto
internacional e, ao mesmo tempo, brasileiro.
Na "História do Povo Brasileiro" se encontra a descrição do cenário
no qual a Intentona se realizou: "Naquela época de agudos conflitos sociais, a
democracia clássica se imobiliza, enleada em impedimentos formais, enquanto
os ditadores de esquerda e de direita, vencidos os impecilhos internos
preparavam-se para o inevitável confronto mundial (...) O Brasil tornou-se,
assim, o grande centro de competições entre os idealistas totalitários, na
América Latina, no interregno liberal de 1934 a 1937.
A Constituição de 1934, que havia escolhido Getúlio Vargas para
presidente da República por via indireta, ensejou a formação de partidos
políticos. Entre as organizações partidárias nascidas na ocasião estava a
"Aliança Nacional Libertadora", de orientação comunista, cujo presidente de
honra era Luís Carlos prestes, filiado ao PC (Partido Comunista) desde 1928. A
"Aliança Nacional Libertadora' encarregou-se organizar greves e manifestações
públicas onde pediam o candelamento da dívida imperialista, nacionalização de
empresas estrangeiras e o fim do latifúndio, entre outras reivindicações.
Objetivam também: impor o vasto programa da ANL (Aliança Nacional
Libertadora); a queda do governo Vargas; o fim do fascismo; a defesa da
pequena propriedade; jornada de oito horas de trabalho; aposentadoria, e
defesa do salário mínimo.
Foi a ANL que inspirou o movimento comunista que eclodiu em
novembro de 1935 na cidade de Natal e que ficou conhecido como sendo a
Intentona Comunista.
O fato é que, como disse Tarcísio Medeiros, "foi nesse ambiente que
o interregno liberal, de 1934 a 1937, foi dominando o Brasil, no qual as
correntes democráticas perdiam o controle das massas e das ruas, envolvidas
nas competições pessoais e nas tricas de campanário".

Ação Armada e o Domínio de Natal

As raízes do movimento comunista de 1935 no Rio Grande do Norte


possuíram, sem dúvida alguma, causas locais e que podem ser apontadas
como resquícios da campanha eleitoral de 1934, quando predominou um clima
de violência.
Mário Leopoldo Pereira da Câmara, apesar do mérito de algumas
realizações efetuadas durante sua administração, foi responsável pela
implantação de um clima favorável ao aparecimento de movimentos armados.
O substituto de Mário Câmara, Rafael Fernandes Gurjão, continuou
perseguindo seus adversários políticos, a exemplo de seu antecessor. Rafael
Gurjão contribuiu com o aumento do número dos descontentes, engrossando o
grupo dos revoltosos. Chegou, inclusive, a extinguir a Guarda Civil, um órgão
completamente descomprometido com a política, só porque havia sido criada
por Café Filho, inimigo político do novo governante... Dentro desse contexto, as
divergências arrastaram para o movimento pessoas que desconheciam a
ideologia comunista, mas viam na ação armada uma maneira de derrubar o
governo...
A Intentona Comunista foi iniciada na noite de 23 de novembro de
1935, ocasião em que no Teatro Carlos Gomes - hoje Alberto Maranhão -
estava acontecendo uma solenidade de colação de grau do Colégio Marista. O
governador Rafael Fernandes Gurjão e o secretário geral do Estado, Aldo
Fernandes, abrigaram-se na residência de Xavier Miranda, nas proximidades
do teatro, e depois foram para o Consulado da Itália, sob os cuidados do cônsul
Guilherme Letieri. O prefeito Gentil Ferreira, também presente à solenidade, foi
para o Consulado do Chile, sob a proteção do cônsul Carlos Lamas.
Coube ao maior Luís Júlio, da Polícia Militar e ao coronel Pinto
Soares, do 21º BC, a organização da resistência. Os combates estenderam-se
por várias horas, até acabar a munição, quando as forças legais se renderam.
As comunicações telefônicas foram cortadas, resistindo apenas a estação
telegráfica de Macaíba, através da qual os legalistas pediram socorro à capital
federal.
Durante os combates, o quartel da polícia militar resistiu, lutando
contra um inimigo "muitas vezes superior em número", relata João Medeiros
Filho. A resistência durou várias horas, terminando quando os policiais
gastaram a última bala. Os legalistas fugiram pelo Rio Potengi.
Os rebeldes dominaram Natal e, no dia 25 de novembro de 1935,
organizaram um Comitê popular Revolucionário, composto por Lauro Cortês,
ex-diretor da Casa de Detenção, como ministro de Abastecimento e Quintino
de Barros, 3º sargento, músico do 21º BC, como ministro da Defesa. O comitê
se instalou na Vila Cinanto, até então residência oficial do governador.
Durante a vigência do governo revolucionário, a população da
Cidade do Natal atravessou momento de grandes dificuldades, principalmente
para a aquisição de gêneros alimentícios, uma vez que os rebeldes saquearam
muitos armazéns e lojas que abasteciam a cidade. Entre os estabelecimentos
saqueados figuram os seguintes: M. Martins & Cia.m Viana & Cia., M. Alves
Afonso etc. O comércio de diversas cidades do interior também não escapou.
Por onde os rebeldes passavam, implantavam o pânico.
No tempo em que os comunistas estiveram no poder, circulou um
jornal intitulado "Liberdade", que publicou as seguintes palavras, transcritas por
João Medeiros Filho: "Enfim, pelo esforço invencível do povo, legitimamente
representado por Soldados, Marinheiros, Operários e Camponeses, inaugura-
se no Brasil a era da Liberdade, sonhada por tantos mártires, centralizados e
corporificados na figura legendária de Luís Carlos Prestes, o "Cavaleiro da
Esperança".

Versões Sobre os Combates no Interior


Ao tomar conhecimento do que estava acontecendo na capital
potiguar, Dinarte Mariz entrou em contato com o governador da Paraíba,
Argemiro de Figueiredo que, atendendo ao apelo do líder seridoense, ordenou
que policiais paraibanos penetrassem no Rio Grande do Norte rumo a Natal.
O primeiro encontro entre comunistas e sertanejos foi em Serra
Caiada, com vitória para os legalistas.
Para alguns historiadores, o principal combate entre as duas facções
teria ocorrido na Serra do Doutor, entre as cidade de Santa Cruz e Currais
Novos, João Medeiros Filho, por exemplo, descreve que "os sertanejos que
numa ação fulminante rechaçaram o inimigo, abrindo caminho para Natal onde
chegaram no dia 27, já encontrando a cidade ocupada pelas tropas da polícia
paraíba".
Aluízio Alves, entretanto, no depoimento que prestou à TV
Universitária, disse que não ocorreu nenhuma batalha na Serra do Doutor. E
justificou, afirmando que quando os comunistas saíram de Natal já tinham
conhecimento do fracasso do movimento no Rio de Janeiro e em Recife.
Estavam, portanto, fugindo. "Essa história de guerra na Serra do Doutor é uma
imagem colorida de uma guerra que não houve", argumenta Aluízio.
O testemunho de Enoch Garcia ao mesmo programa da TV
Universitária, "Memória Viva", confirma o entrevero, mas não os personagens
de outros relatos: "Todo mundo queria que Dinarte tivesse tomado parte na
Serra do Doutor. Ele não tomou parte na Serra do Doutor, como eu não tomei,
como Humberto Gama não tomou. Lá, tomaram parte esses oficiais dos quais
eu já falei: Pedro Siciliano, José Epaminondas, Genésio Cabral, Antônio de
Castro... e, inclusive muitos civis".

Fascículo 11
Intentona Não se Sustenta
Tiroteio e Fuga dos Combatentes
Dinarte Mariz, segundo Enoch Garcia, telefonou para o governador
da Paraíba, Argemiro de Figueiredo, que prometeu e efetivamente enviou
tropas paraibanas para o Rio Grande do Norte para combater os revoltosos da
Intentona Comunista.
Enoch recebeu o seguinte telegrama de Florêncio Luciano: "Enoch,
eu não sei o que aconteceu, mas o nosso povo reagiu em cima da Serra, e o
esbandalho foi grande. Até agora está correndo gente deles e gente nossa...".
Conclusão: aconteceu realmente um tiroteio, provocando a
debandada de ambas as facções. Entre os revolucionários, muitos eram
reservistas e nada tinham com a ideologia comunista. Na primeira
oportunidade, largaram as armas e fugiram... Os integrantes do outro lado
eram sertanejos, em sua maioria homens simples, pequenos agricultores ou
trabalhadores rurais que não estavam dispostos a participar de conflito algum.
Aos primeiros anos, fugiram.
Portanto, houve realmente um confronto na Serra do Doutor, interior
do Rio Grande do Norte,. Porém, sem as dimensões que se pretendeu dar. De
qualquer maneira, o fato marcou o final da Intentona Comunista de 35 no Rio
Grande do Norte.

Repressão Violenta e Prisões Injustas

A repressão após a Intentona Comunista foi violenta. O chefe da


Polícia do governo Rafael Fernandes, João Medeiros Filho, reconheceu que
houve "excesso"...
Segundo Aluízio Alves, "Rafael Fernandes e Aldo Fernandes se
empenharam para não misturar a polícia estadual com a reação da revolução
(...) Houve muitas pressões injustas, na época, apesar de toda a resistência,
sobretudo de Aldo Fernandes, que se incompatibilizou muito com o Partido
Popular, por conta de suas atitudes corretíssima, digníssima, distinguindo as
responsabilidades da revolução, da participação eventual emocional do
Marismo e do Caféismo".

Êxito Momentâneo Não Assegurou Poder

O levante de 35, que explodiu no Rio Grande do Norte, teve um


cunho comunista, como prova a criação de um Comitê Popular Revolucionário
e ainda o editorial do órgão oficial da Intentona, "A Liberdade", exaltando o líder
comunista Luís Carlos Prestes, chamado de "Cavaleiro da Esperança". Outros
fatores que contribuíram para o êxito momentâneo do movimento: muitos
funcionários públicos, descontentes com as demissões e perseguições políticas
- incluindo os militares -, se engajaram na luta pensando que se tratava de um
levante contra o governador. Alguns soldados, reservistas, participaram apenas
para cumprir ordens, sem saber ao certo o que estava acontecendo. Além do
mais, faltou um líder que reunisse as massas e, ao mesmo tempo,
esclarecesse o povo para conseguir sua adesão consciente. Resultado: as
camadas mais humildes ficaram desorientadas, praticando desordens. E
alguns oportunistas se aproveitaram do momento para saquear e roubar. Não
houve, igualmente, uma maior sintonia entre os chefes militares e os líderes
civis. O que determinou que o movimento acabasse caindo num vazio...
O principal obstáculo a um levante de esquerda não estava na
capital e sim no interior. As oligarquias que dominavam o Estado não
aceitariam nenhum governo que contrariasse os seus interesses, como
aconteceu anteriormente com a Revolução de 30.
Os revolucionários contavam com a vitória do movimento no Rio de
Janeiro e em Recife. Como o fracasso do levante nesses dois centros urbanos,
eles perderam a confiança, procurando fugir. Abandonaram a capital sem
nenhuma resistência. Na realidade, não tinham a menor possibilidade de
permanecer no poder por um período maior. Além das diversões internas,
qualquer resistência seria esmagada pelas forças paraibanas e
pernambucanas, que certamente seriam enviadas para o Rio Grande do Norte
com o objetivo de destruir a rebelião.

A Epopéia da Aviação

Os Hidroaviões Aterrissam no Potengi

A localização da Cidade do Natal fez com que seu nome ocupasse


uma posição de relevo na história da aviação mundial. Sobretudo nos tempos
iniciais ou, mais precisamente, no período compreendido entre 1922 e 1937,
que se divide em duas fases: a dos hidroaviões e as dos aviões. Os
hidroaviões desciam nas águas do Rio Potengi e, posteriormente, os aviões
pousavam num campo em terra firme.
Os portugueses Sacadura Cabral e Gago Cointinho inauguraram a
primeira fase com o "raid" África-Natal, cobrindo uma distância de 1.890 milhas.
Por causa de dificuldades, os lusitanos desceram em Fernando de Noronha,
passando por Natal e indo até Recife.
No dia 21 de dezembro de 1922, o brasileiro Euclides Pinto Martins
e o norte-americano Walter Hinton chegava a Natal, fazendo o "Sampaio
Correia II" amerissar nas águas do Rio Potengi. Estavam realizando o "raid"
Nova Iorque-Rio de Janeiro.
Após essas façanhas, a capital norte-rio-grandense passou a
receber grande número de aviadores famosos, que com suas aventuras
escreviam a história da aviação. Todos eles foram recebidos como verdadeiros
heróis.
Os natalenses acompanharam a ação dos pioneiros com muito
interesse.
Exemplo: a 24 de fevereiro de 1927, Natal recebeu com
manifestações de júbilo o marquês De Pinedo, italiano que juntamente com
Carlo Del Prete e Victale Zachetti chegaram à cidade viajando no "Santa
Maria". De Pinedo, além de percorrer as principais ruas natalenses em carro
aberto, participou de um almoço em sua homenagem. No discurso de
agradecimento, o marquês sentenciou: "Natal será a mais extraordinária
estação da aviação mundial".
No mesmo ano, chegou ao Rio Grande do Norte a esquadrilha do
exército norte-americano - a primeira esquadrilha a baixar no Rio Potengi - sob
o comando do major Herbert Dangue e integrada pelos hidroaviões "Santo
Antonio", "São Luís" e "São Francisco".
Nessa época, a França tinha planos de abrir rotas aéreas comerciais
estabelecendo uma linha Europa-América do Sul, que não se concretizou. Mas
a partir de 1924, revela Clyde Smith Junior, "empresas particulares assumiram
a tarefa de executar esse projeto".
A Lignes Latéroère procurou estender sua ação até o Brasil. Essa
companhia enviou Paul Vachet a Natal, num Breguet, um biplano que foi
forçado a aterrissar na praia da Redinha porque Natal não contava ainda com
um local apropriado.
O Breguet pilotado por Paul Vachet foi, portanto, o primeiro
aeroplano - ou seja, avião que pousava em terra e não nas água, como os
anteriores - a aterrissar no Rio Grande do Norte. Iniciando, assim, uma nova
fase na história da aviação em terras potiguares.

Nasce o Aeroporto de Parnamirim

Paul Vachet foi enviado a Natal pela Lignes Latécoère para


estabelecer aqui uma base dentro da rota Brasil-Dakar. E para isso precisava
de um campo de pouso.
Vachet procurou, então, um terreno apropriado para construir um
aeroporto. Segundo Câmara Cascudo, "um oficial do Exército, o coronel Luís
Tavares levava para Parnamirim o batalhão sob o seu comando para
exercícios militares. Em 1927, indicou-o como campo de pouso para os aviões
da Latércoère. Feita uma limpeza sumária no mato ralo e nivelamento
provisório, inaugurando-o, às 23h45 de 14 de outubro de 1927, o "Numgesser-
et-Coli", um monomotor Breguet-19, pilotado por Dieu Coster e Le Brix,
concluindo com êxito o roteiro Saint Louis do Senegal-Natal.
Clyde Smith Junior informa que "esse foi o primeiro vôo
transatlântico em sentido leste-oeste (...) Essa façanha marcou o início do
serviço aéreo entre Paris e Buenos Aires".

Juvenal Lamartine e o Aéro Clube

O Rio Grande do Norte não poderia ficar apenas recebendo aviões.


Era preciso participar de uma maneira mais ativa. Juvenal Lamartine,
consciente do problema, apresentou um projeto na Câmara Federal para criar
um aviódromo em Natal. A 29 de dezembro de 1928, era fundado o Aéro
Clube.
Tarcísio Medeiros descreve o evento: "Participaram das festividades,
numa revoada de Parnamirim a Natal, um "Beu-Vird", pilotado pelo diretor-
técnico, comandante Djalma Petit, trazendo a bordo o Sr. Fernando Pedroza, e
um aparelho da Générale Aéropostale (C.G.A), pilotado por Depecker. Na
ocasião, foi batizado o primeiro aeroplano do "club", com o nome de Natal".
A diretoria do Aéro Clube era formada por Juvenal Lamartine,
presidente; Dioclécio Duarte, vice-presidente, e Adauto Câmara, primeiro
secretário.
A sede estava situada no bairro do Tirol., onde ainda hoje se
encontra, apesar de ter passado por sérias crises. E de acordo com Tarcísio
Medeiros, possuía um "pequeno campo de pouso ao lado do poente da sede
social'".

Esquadrilha Balbo e Coluna Capitolina

No dia 6 de janeiro de 1931, chegava a Natal a esquadrilha da força


aérea italiana, comandada pelo general Ítalo Balbo. Composta inicialmente por
doze aviões, apenas dez conseguiram atingir Natal.
Poucos dias antes, ou seja, em 1º de janeiro do mesmo ano, o navio
italiano "Lanzeroto Malocell", sob o comando do capitão-de-fragata Carlos
Alberto Coraggio, trazia a Coluna Capitolina, doada pelo chefe do governo
italiano, Benito Mussolini. A peça havia sido encontrada nas ruínas de Roma e
foi oferecida ao povo natalense para comemorar o "raid" Roma-Natal, realizado
pelos aviadores Del Prete e Ferrarin.
Nessa data, governava o Rio Grande do Norte o interventor federal
Irineu Joffily. Participaram da comissão de recepção o prefeito Dias Guimarães
e João Café Filho.
Em uma das faces da Coluna Capitolina há uma mensagem em
italiano que foi traduzida para o português no livro "Aspectos Geopolíticos e
Antropológicos da História do Rio Grande do Norte", de Tarcísio Medeiros:
"Trazida de uma só lance sobre asas velozes além de toda distância tentada
por Carlos Del Prete e Arturo Ferrerin, a Itália aqui chegou a 5 de julho de
1928. O oceano não mais divide e sim une as agentes latinas de Itália e Brasil".

A Viagem Inédita de Jean Mermoz

Um dos aviadores que marcou presença em Natal durante essa


época foi o francês Jean Mermoz.
No dia 13 de maio de 1930, Jean Mermoz realizou a sua primeira
travessia. Partindo de São Luís do Senegal, chegou a Natal vencendo uma
distância de 3.100 quilômetros.
Passou alguns dias na capital potiguar planejando uma viagem de
regresso, o que seria um fato inédito.
O aviador francês voltou a Natal em abril do ano de 1933, pensando
ainda em realizar o seu sonho: a viagem Natal-Dakar. Fez muitas amizades no
Rio Grande do Norte. Um de seus amigos, Eudes de Carvalho, revelou que o
francês "adquiriu, com o tempo, apego à terra e à gente potiguar e previu o
futuro de Parnamirim como base aérea de destaque mundial".
Jean Mermoz, finalmente, conseguiu concretizar sua antiga
aspiração. Partindo de Natal num trimotor, o "Arc-en-Ciel", pousou em Dakar,
sendo o primeiro a realizar tal façanha.
O piloto francês participou de outras atividades em ação militar,
recebendo as medalhas "Cruz da Guerra' e "Levante".
Tarcísio Medeiros narra outro feito de Mermoz: "bateu, entre 11 e 12
de abril de 1930, o "record" mundial de permanência no ar, em circuito fechado,
cobrindo 4.343 quilômetros em 30 horas e 30 minutos, em Laté-28 com
flutuadores, no qual voou para Natal".
Jean Mermoz desapareceu nas águas do Oceano Atlântico a bordo
do seu "Croix-de Sud", em dezembro de 1936.

Concorrência Européia nos Céus Natalenses

Depois da França, a Aleamha entrou em cena. A Lufthansa


estendeu sua ação comercial até Natal durante 1933. No outro ano, informa
Clyde Smith Junior, "as linhas aéras francesas e alemãs entraram em um
acordo que exercia uma cooperação técnica e uma cidisão de itinerário. Em
torno de 1937, elas concordaram em associar suas receitas relativas ao trecho
África-Natal e, em 1939, a Air France (antiga Lignes Latécoère) e a Condor
(Lufthansa) tornaram seus bilhetes permutáveis na África do Sul".
A Itália também esteve presente em Natal através da Linee Aeree
Transcontinentali Italiane - Ala Litoria (LATI). A empresa foi organizada pelo
governo italiano e, posteriormente, foi acusada pelos adversários, durante a
guerra, de estar a serviço das "Tropas do Eixo".
A Inglaterra e os Estados Unidos não participaram desse esforço
inicial, em rotas que envolveram Natal no processo de desenvolvimento da
aviação.
Somente durante o início da Segunda Guerra Mundial é que a
companhia norte-americana Pan American manteve uma rota que passava por
Natal.

O Grande Projeto de Augusto Severo

Augusto Severo nasceu na cidade de Macaíba, no dia 11 de janeiro


de 1864, filho de Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão e D. Feliciana
Maria da Silva de Albuquerque Maranhão.
Entre seus irmãos, os que mais se destacaram foram Pedro Velho e
Alberto Maranhão.
O biógrafo Augusto Fernandes traçou em poucas palavras a
personalidade de Augusto Severo: "físico avantajado era o espelho fiel de
espírito vigoroso. Figura simpática, sabendo o que dizia e trazendo-o
desembaraçadamente, com os olhos mansos, o sorriso fácil e os gestos
aristocratas, conquistava sem dificuldade as pessoas mais esquivas".
Iniciou os estudos na terra onde nasceu, Macaíba, e depois
continuou a sua vida de estudante em duas outras cidades: Natal e Salvador.
Fez o curso de humanidades com brilhantismo.
Entrou posteriormente para a Escola Politécnica, no Rio de Janeiro.
Quando cursava o segundo ano, adoeceu e teve que voltar para Natal.
Exerceu, então, a função de professor de Matemática no Ginásio
Norte-Riograndense, escola da qual chegou a ser vice-diretor.
Quando o Ginásio fechou, em 1883, foi forçado a se dedicar ao
comércio, trabalhando como guarda-livros da loja "Guararapes".
Idealista participou ao lado de Pedro Velho da campanha
abolicionista.
Com relação às suas preocupações como homem de ciência,
Augusto Severo se dedicou primeiro em descobrir o modo-contínuo. Depois,
abandonou essa pesquisa. Pensou também em estudar o "mais" pesado que o
ar". Desistiu. Os seus interesses começavam a se voltar para outra direção:
"agora, todos os seus estudos e esforços buscava descobrir um meio para dar
estabilidade e segura dirigibilidade aos balões. Imaginou e desenhou, então, o
"Potiguarânis", que não chegou a ser realizado, mas influiu na construção, mais
tarde, do Bartolomeu de Gusmão, realmente o seu primeiro dirigível".
Continuando seus estudos, chegou ao "PAX', considerado pelos
técnicos como um importante avanço na conquista do espaço.
Criou também o "tubo motor de reação", que dizem ter sido usado
pela torpedeira "A Turbina", que pertencia à marinha inglesa. Segundo Augusto
Fernandes, a "Turbina" chegou a atingir uma velocidade de 37 milhas.
É ainda Augusto Fernandes que fala sobre outra criação do cientista
norte-rio-grandense: inventou "o sistema de hélice introduzida no interior de um
tubo, que atravessa o navio seguindo o grande eixo, permitindo-lhe marchar
avante e a ré".
Em 1893, Augusto Severo substituiu o irmão Pedro Velho no
Congresso.
Em 19 de outubro de 1901, Santos Dumont, com o dirigível 'Santos
Dumont nº 6", realizou um grande feito, pelo qual recebeu o prêmio "Deutsc" .
Depois de levantar vôo de Saint-Cloud, para assombro do povo de Paris,
contornou a Torre Eiffel.
Anterior a essa data, houve um movimento no Brasil para prestar
uma homenagem ao aeronauta brasileiro. No Congresso Nacional, o deputado
federal Bueno de Paiva propôs, no dia 17 de julho de 1901, um voto de louvor a
Santos Dumont, por ter encontrado "a solução do secular problema" da
dirigibilidade e estabilidade. Acontece que Augusto Severo, um profundo
conhecedor da questão, sabia que tal solução não havia sido encontrada e
protestou contra a inverdade. Mas, reconhecendo a importância do aeronauta,
propôs que fosse inserido em ata um voto de louvor a Alberto Santos Dumont e
ainda concedido ao ilustre brasileiro, como prêmio o valor de 100:000$000,
importância que ele precisava para continuar suas experiências. O discurso de
Augusto Severo foi simplesmente brilhante. Ao conclui-lo foi, além de muito
aplaudido, abraçado pelos deputados presentes.
Augusto Severo, após licenciar-se da Câmara Federal, partiu para
Paris com a finalidade de fazer, igualmente, experiência no campo da
aeronáutica.
Augusto Fernandes, numa síntese, demonstra toda a importância de
Severo: "os balcões de Dumont, como os de seus antecessores, sob o ponto
de vista científico, não possuíam as características necessárias de
ESTABILIDADE e, portanto, perfeita NAVEGABILIDADE. Esta conquista
pertence, exclusivamente, a Augusto Severo".
Ele não se tornou, como chegaram a comentar em Paris, um rival de
Santos Dumont, E sim, afirma Augusto Fernandes, "um concorrente sério,
competente, leal, para Dumont. E sim, afirma Augusto Fernandes, "um
concorrente sério, competente, leal, para Dumont ou qualquer outro que
tentasse as mesmas experiências".
Paralelamente às suas experiências, Augusto Severo, com sua
simpátia contagiante de verdadeiro aristocrata, fez sucesso na sociedade
parisiense e européia, conseguindo a amizade de grandes personalidades da
época, como Zola e Paul Rousseau. Chegou inclusive a receber uma carta da
princesa Wiszniewska, presidente d fundadora da "Aliança Universal das
Mulheres pela Paz e pela Educação".
Finalmente, o grande projeto de Augusto Severo estava pronto: o
"PAX"! Revistas da França e da Inglaterra abriram suas páginas para falar
sobre a experiência que estava prestes a acontecer. Era a glória!
Na construção do PAX, Severo contou com a importante ajuda do
mecânico George Sachet.
Na madrugada do dia 12 de maio de 1902, Augusto Severo e
George Sachet realizavam, para o povo de Paris, o tão almejado vôo. Quando
o PAX se encontrava aproximadamente a 400 metros de altura, um clarão e,
depois, uma explosão. Era o fim do sonho. Morreram ambos, Severo e Sachet.
Um texto e "A Notícia", no jornal do Rio de Janeiro (23/6/1902),
narrando o enterro de Augusto Severo, poetizou: "não acredito haja alguém, lá
fora, que possa em pleno dia - um dia rútilo de sol pelas ruas apinhadas de
gente e passando, entretanto, silencioso, recolhido, sem um rumor, como se as
mais vastas praças fossem pequenas câmaras mortuárias, em que se anda
nas pontas dos pés, com um respeito religioso (...). Que dia esplêndido de
glória! Glória triste - mas, apesar de tudo, glória!".

Natal na Segunda Guerra Mundial

Os Aliados e as Forças do Eixo

Quando Adolf Hitler invadiu a Polônia, alegando que a Alemanha


necessitava de "espaço vital", estava iniciando o Segundo Conflito Mundial. De
um lado, estavam os "Aliados": França, Inglaterra e Estados Unidos. Do lado
oposto, Itália, Alemanha e Japão formavam as "Forças do Eixo". Os dois
grupos lutaram (com a posterior entrada de outras nações, inclusive os Estados
Unidos da América) durante o período entre 1939-1945, levando o mundo a
uma devastação que até então nenhuma outra guerra tinha provocado.
Após a sua entrada no conflito, os norte-americanos procuram uma
aproximação com o Brasil, porque necessitavam instalar ou melhorar as bases
aéreas do Nordeste brasileiro.
Havia uma grande preocupação dos norte-americanos em
demonstrar aos brasileiros que a sua presença naquela região do País era
apenas para ganhar a guerra. Nada de conquista territorial.
Em Natal, contudo, havia adeptos das "Forças do Eixo". Em outubro
de 1942, ocorreu um fato tragicômico: a Rádio Educadora de Natal colocou no
ar uma marcha militar alemã e, logo em seguida, o hino nacional alemão. A
transmissão provocou protesto de grande parte da população e a emissora foi
fechada, sendo reaberta dois dias depois.
Apesar de oficialmente neutro, o Brasil vai aos poucos se
aproximando da causa dos "Aliados", e se afastando das "Forças do Eixo".
Essa situação se reflete em Natal, com a maioria da população torcendo pela
vitória dos "Aliados".
Em dezembro de 1941, chega a Natal o Esquadrão de
Patrulhamento da Marinha dos Estados Unidos, como nove aeronaves e o
avião auxiliar "Clemson". Pouco depois, chegavam os fuzileiros navais. Em
1942 eram duzentos homens.
O almirante Ary parreiras, enviado para construir a Base Naval do
Natal, demonstra, na opinião de Cascudo, "força realizados, obstinação,
ditadura da honestidade, mítica do sacrifício silencioso, discreto e diário".
Os norte-americanos, por sua vez, constróem "Parnamirim Field",
uma verdadeira megabase, durante o período de guerra.
Em termos de forças terrestres, desde 12 de junho de 1941, Natal
contava com o 16 RI, criado aproveitando os efetivos do 29 BC e do II BC de
Minas Gerais.
Segundo Tarcísio Medeiros, "no dia 11 de outubro, o general
Gustavo Cordeiro de Farias assumia o comando da 2ª Brigada de Infantaria
(...) A aviação unificada desde 18 de janeiro com a criação do Ministério da
Aeronáutica, possuindo o campo de Parnamirim, estabeleceu a sede da 2ª
Zona Aérea, cujo comando, confiado ao brigadeiro Eduardo Gomes,
impulsionou o primeiro grupo de aviões que partia, policiando os ares (...) e os
comboios marítimos, num serviço assíduo de cobertura e vigilância".

O Brasil Entra na Guerra

No último dia da Terceira Conferência de Ministros Estrangeiros, em


28 de janeiro de 1941, realizada no Rio de Janeiro, o Brasil rompeu as relações
com as Forças do Eixo.
Passando alguns meses, no dia 22 de agosto de 1942, o Brasil
declarou guerra à Alemanha e à Itália.
O avanço das "Tropas do Eixo", lideradas por Rommel, no
continente africano, colocou em perigo a navegação do Atlântico, da costa
brasileira, como também de todo o continente americano. Teria sido por causa
desse risco que o Brasil cedeu bases militares no litoral do Nordeste para servir
de apoio às operações militares que seriam desenvolvidas na África. E entrou
na guerra.
Natal, por sinal, já vivia um clima de guerra, inclusive com blecautes
diários. Contava também com os serviços da Cruz Vermelha, Legião Brasileira
de Assistência, Defesa Civil, e ainda abrigos antiaéreos familiares e públicos.
Numa síntese, disse Câmara Cascudo: "Ao redor do campo, Natal,
tabuleiros e praias, foi organizada e dispostas a defesa militar, munições,
matérias-primas em tonelagem astronômica. Exército, Marinha, Aeronáutica,
ergueram as barreiras defensivas, diárias e contínuas.

Dois Presidentes na "Conferência de Natal"

Quando o presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt


se encontrava em Marrocos, solicitou ao almirante Jonas Ingram para marcar
um encontro com Getúlio Vargas, presidente do Brasil, na Cidade do Natal.
Acertada a reunião, todas as providências foram tomadas em sigilo.
O presidente Getúlio Vargas chegou em Natal no dia 27 de janeiro
de 1943, acompanhado de sua comitiva. Ficou alojado no Dstróier Jouett. Na
manhã do outro dia, dois aviões trouxeram o presidente dos Estados Unidos,
Roosevelt, e sua comitiva.
As autoridades brasileiras sediadas em Natal não foram informadas
das ilustres presenças e a segurança dos dois americanos, causando um mal-
estar.
O governante potiguar Rafael Fernandes foi convidado para
comparecer à base sozinho. Chegando lá é que soube da novidade. Depois,
Getúlio Vargas e Roosevelt, acompanhados de Rafael Fernandes, cumpriram
um programa de inspeções: base de hidroaviões, Parnamirim e os quartéis
brasileiros do exército e da aeronáutica.
À noite, Vargas e Roosevelt participaram da "Conferência de Natal"
que, segundo Clyde Smith Junior, "girou em torno de interesses mútuos e laços
de amizades entre seus países, a prevenção de um possível e perigoso ataque
dirigido de Dakar para o hemisfério ocidental, e o apoio do Brasil aos objetivos
de guerra de Roosevelt. No dia seguinte, Roosevelt. No dia seguinte. Roosevelt
voou para Trinidad e Vargas voltou ao Rio acompanhado pelo almirante Ingram
e pelo general Wash".
Ao que parece, Roosevelt teria "pedido" ao presidente Vargas, o
envio de tropas brasileiras para o "front" na Europa e o estadista gaúcho
"concordou".
A reunião, portanto, não foi apenas um encontro cordial de amigos
para conversar futilidades. Nela, ficou acertado o envio de tropas brasileiras
para o "front".
Influência Americana e Mudança dos Costumes

A presença norte-americana em Natal mudou os hábitos de uma


pequena cidade nordestina.
Lenine Pinto relata que "dos bares vazava a música das Wurlitzers,
das lojas o burburinho de consumidores ávidos e, quando as ruas esvaziavam-
se, acendiam-se os salões de bailes, fluíam fantasias (...) Naquele tempo as
festas sucediam-se freneticamente, dançava-se freneticamente, amava-se
freneticamente".
A Cidade do Natal modificou-se de maneira muito significativa com a
presença do grande número de militares estrangeiros aqui sediados. Do
entrosamento entre americanos e jovens natalenses resultaram alguns
casamentos. O drama das jovens, não só natalenses, mas nordestinas que não
tiveram os seus romances com jovens americanos referendados pelo
casamento, é descrito pelo poeta Mauro Mota no seu "Boletim Sentimental da
Guerra no Recife", através dos versos:
"Meninas, tristes meninas,
de mão em mão hoje andais.
Sois autênticas heroínas
da guerra, sem ter rivais.
Lutastes na frente interna
com bravura e destemor.
À vitória aliada destes
o sangue do vosso amor.
Ingênuas meninas grávidas,
o que é que fôstes fazer?
Apertai bem os vestidos
pra família não saber.
Que os indiscretos vizinhos
vos percam também de vista.
Saístes do pediatra
para o ginecologista".
Surgiram associações recreativas como, por exemplo, os "Clubes
50". Tanto o Aéro Clube como igualmente o "Clube Hípico", foram alugados
com o objetivo de realizar bailes. A finalidade principal, certamente, era
promover uma maior integração dos militares norte-americanos com a
população natalense. Houve, por causa disso, uma invasão de ritmos
estrangeiros: "rumba", "conga", "bolero".
As moças passaram a agir com mais autonomia e, conforme relata
Lenine Pinto, "tendo incorporado modos e modismos americanos, algumas
aproveitaram para alongar o passo: começaram a fumar (por ser o Chesterfield
um cigarro "fraquinho", era a desculpa); a bebericar "Cube Libre" (com a Coca-
Cola inocentando a mistura de rum) e a pegar os primeiros "foguinhos".
Natal perdia aos poucos suas características de cidade pequena,
com seus habitantes levando uma vida modesta e tranqüila. Tomando inclusive
um aspecto cosmopolita, com a passagem, pela cidade, de pessoas de outras
nacionalidades, com direito a figuras importantes: D. Francis J. Spellman
(arcebispo de Nova York), Bernard (príncipe da Holanda), Higinio Morringo
(presidente do Paraguai), Sra. Franklin D. Roosevelt (esposa do presidente dos
Estados Unidos), Sr. Noel Cherles (embaixador do Reino Unido no Brasil) etc.
Os preços aumentaram por causa da injeção de dólares na
economia local.
A influência norte-americana se fez sentir também na linguagem,
com a introdução de algumas palavras e expressões inglesas, exemplificadas
por Clyde Smith Junior: "change money" (troque dinheiro), "drink beer" (beba
cerveja), "give me a cigarrette" (dê-me um cigarro), "blackout" (blecaute) etc.
Outro fato lembrado pelo mesmos autor: "de uma cidade pequena e
desconhecida, passou a ser conhecida por milhões de americanos e outros
aliados".
Durante a guerra. Natal cresceu muito, aumentando
consideravelmente a sua população.

Fascículo 12
O Populismo no RN
Forte Característica: O Carisma do Líder
Os teóricos se dividem quando procuram conceituar o que seja
populismo. Na realidade, os líderes políticos brasileiros classificados com o
rótulo de "populista" apresentam uma grande diversidade na maneira de agir.
Não se pode dizer que líder populista é aquele que busca o apoio popular,
porque todos, da direita, do centro ou da esquerda, fazem promessas
demagógicas com o objetivo de conquistar o voto das camadas mais humildes,
prometendo atender as reivindicações populares...
Mas a característica principal dos líderes populistas é o carisma.
Alguns chegavam a levar multidões ao delírio, criando um clima favorável ao
fanatismo. De uma madeira geral, não entravam em confronto com as
oligarquias, recebendo inclusive o apoio de algumas famílias tradicionais. Em
algumas regiões, o populismo ganhou como aliada a burguesia industrial,
sobretudo nos centros urbanos, onde esse segmento da sociedade começava
a surgir com bastante força.
O populismo surge, quase sempre, quando existe uma forte crise na
oligarquia, forçando-a fazer concessões pois para sobreviver precisa de um
governo que atenda, ao mesmo tempo aos interesses das três classes:
conservadora, média e popular... A roupagem é popular, porém, o poder
permanece nas mãos da elite. Às vezes, contudo, se volta para a esquerda,
tomando um caráter mais radical, no sentido de promover reformas em favor do
povo.
Não existe, portanto, uma política populista única e sim diretrizes,
variando o seu conteúdo de acordo com a formação ideológica e cultura de
cada líder.

Oposições Vitoriosas nos Anos 60

Nos anos 60, o Brasil, passava por uma série crise política,
agravada pelo conflito ideológico esquerda versus direita, com radicalismo de
ambas as partes. Dentro desse contexto, se destacava o antagonismo entre as
forças nacionais ("comunistas") e as forças conservadoras ("entreguistas"),
com a participação ativa de políticos operários e estudantes.
Como conseqüência da crise que abalava o País. Quadros
renunciou, entregando o cargo de presidente da República a João Goulart, em
agosto de 1961. Goulart, em agosto de 1961. Goulart tomou posse em 7 de
setembro e governou, em regime parlamentarista, até ser deposto pelo golpe
militar em 1964.
As constantes crises políticas vividas pelo País refletiam e deixavam
profundas marcas na região nordestina. Apesar do crescimento de sua
produção industrial, a participação do Nordeste no produto total do País caía
para 15,5% ! Índice menor do que o de outras regiões.
Como conseqüência do processo de industrialização, cresceram os
centros urbanos, e, ao mesmo tempo, aumentava o êxodo rural, com o
deslocamento de grande número de famílias para as grandes cidades.
Um dos fatores que contribuíram para o êxito do populismo no Rio
Grande do Norte foi a atuação da Igreja Católica, com a instalação dos
sindicatos rurais e com o Movimento de Educação de Base.
As campanhas de educação popular contribuíram também para
acelerar o processo de politização das camadas mais humildes. Exemplos: a
"Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler", em Natal, e ao
Movimento de Cultura Popular" em Recife, ambas em 1960.
Foi sobretudo no processo político que o descontentamento popular
se refletiu no Nordeste, com grandes vitórias conquistadas pela oposição
durante o período compreendido entre 1956 a 1962. No Rio Grande do Norte,
em 1960, Aluízio Alves se elegeu governador e, no mesmo ano, Djalma
Maranhão chegou à prefeitura de Natal, também pela oposição.
A campanha política de 1960 se desenrolou num clima de muita
agitação. O governo Dinarte Maris deixou um testamento político que
desorganizou, completamente, as finanças do Estado.
O povo norte-rio-grandense estava asfixiado, aspirava por se livrar
daquela situação, recebendo com entusiasmo a mensagem oposicionistas que
prometia reformular os processos administrativos, dinamizar a administração
pública e criar as condições básicas para iniciar a industrialização, começando,
dessa maneira, o desenvolvimento do Estado. Essa proposta de governo era
defendida por um jovem e dinâmico político: Aluízio Alves . Uma vez candidato,
rapidamente assumiu a liderança do seu grupo, organizando uma coligação
partidária com a denominação de "Cruzada da Esperança", formada pelo PSD,
PTB, PCB, PRP, PTN e dissidentes da UDN. Para vice-governador foi indicado
o monsenhor Walfredo Gurgel, uma das mais expressivas lideranças do PSD
seridoense. Para a prefeitura da Cidade do Natal, dois líderes representantes
da esquerda: Djalma Maranhão, para titular, e Luiz Gonzaga, para vice-prefeito.
A nível nacional, a Cruzada da Esperança dividia-se. PSD, PTB e
PTN apoiavam o marechal Lott para presidente da República, um homem
honesto, nacionalista, porém, sem nenhuma aptidão política. Aluízio Alves e a
dissidência da UDN apoiavam Jânio Quadros. Para vice-presidente, os
candidatos eram João Goulart, com apoio do PSD, PTB e PTN, e Milton
Campos, apoiado por Aluízio.
Djalma Maranhão, um homem da classe média sem nenhuma
ligação com qualquer grupo econômico forte, de mãos limpas, partiu para a sua
campanha com muita garra.
Sua atuação vai se caracterizar, principalmente, por dois aspectos.
Primeiro, um caráter nitidamente ideológico. Nacionalista, desencadeava uma
luta aberta contra o imperialismo. Segundo, a participação direta e espontânea
do povo, em seus segmentos mais pobres.
Dentro dessa linha de ação, foram criados os Comitês Nacionalistas,
cuja importância foi salientada por Moacyr de Góes: "a organização da
campanha se fez em função dos Comitês Nacionalistas. A mobilização origina-
se do Comitê, para o Comitê e pelo Comitê. Entre janeiro e fins de setembro,
foram organizados e funcionaram 240 Comitês Nacionalistas também
conhecidos como Comitês Populares ou Comitês de Rua. Esse número ganha
maior expressão quando situado numa cidade de 160 mil habitantes, à época,
tendo tido um comparecimento eleitoral de pouco mais de 36 mil votantes".
A mobilização foi, portanto, muito grande. Crescia de importância
porque não se fazia apenas a exaltação da personalidade do candidato Djalma
Maranhão, mas ao mesmo tempo eram discutidos temas locais, regionais e
nacionais. Paralelamente à campanha política propriamente dita, se realizava
também um verdadeiro trabalho de politização das massas. Claro, uma vez
politizado, o eleitor se integrava na luta nacionalista e antimperialista.
A sua campanha fugia, e muito, das tradicionais campanhas
políticas, cuja base era o ataque pessoal, tão comum no Rio Grande do Norte e
no restante do Brasil.
A campanha de Aluízio Alves foi radicalmente diversa da realizada
por Djalma Maranhão quanto à metodologia de ação empregada. Bem mais
sofisticada. Utilizando inclusive uma empresa publicitária. Empregando, de
maneira racional e inteligente, os meios de comunicação de massa (rádio e
jornal). Usando slogans, como "Fome ou Libertação?". "mendicância ou
trabalho?", ou ainda "Miséria ou Industrialização?", colocava diante do eleitor o
caos em que se encontrava o Estado, sugerindo uma mudança radical através
da vitória da oposição. Esse triunfo marcaria o início de um processo de
desenvolvimento no Estado do Rio Grande do Norte.
A "Tribuna do Norte", jornal de Aluízio Alves, produzia cerca de 5 mil
exemplares diários, uma tiragem, bem maior do que "A Folha da Tarde", de
Djalma Maranhão. Como disse Agnelo Alves, irmão de Aluízio Alves, e também
jornalista, "foi o jornal que sedimentou a imagem de Aluízio, levando
diariamente, durante dez anos, seu nome a todo o Estado".
A 'Tribuna do Norte' serviu para influenciar determinados segmentos
da sociedade, como intelectuais, estudantes e grande parte do funcionalismo
público federal, estadual e municipal. Contribuiu igualmente para a tomada de
decisão de muitos indecisos. Com suas manchetes, notícias, fotos e editoriais,
traçava um quadro inteiramente favorável aos candidatos da Cruzada da
Esperança.
A situação caótica em que se encontrava o Estado foi uma
importante causa da vitória desta coligação partidária.
A liderança carismática de Aluízio Alves empolgou o povo. Ciente de
seu magnetismo pessoal, ele procurava por todos os meios manter o contato
direto e pessoal com os eleitores. O seus comícios e as suas passeatas
impressionavam pelo número de participantes e pelo entusiasmo. Velhos,
moços, crianças, mulheres de todas as idades, agitando nas mãos bandeiras e
ramos verdes, cantando as músicas da campanha e gritando "Aluízio, Aluízio,
Aluízio". Um espetáculo nunca visto no Rio Grande do Norte, suplantando,
portanto, a campanha de José da Penha, o primeiro líder popular da história
política do Estado.
Enfim, Aluízio Alves aparecia como um "homem comum", simples,
pobre, de resistência física extraordinária, passando noites inteiras acordado,
em virtude de vigílias, lutando e sofrendo sempre ao lado do povo. Nesse
aspecto, certamente, se aproximavam os dois líderes populistas: Djalma
Maranhão e Aluízio Alves. Ambos se apresentavam como pessoas pobres, da
classe média, sem dinheiro, lutando contra a máquina lubrificada, manipulada
pelos poderosos.
Havia, entretanto, uma grande diferença com relação ao
posicionamento ideológico. Um da esquerda, o outro do centro. Para Djalma
Maranhão, "o nacionalismo é ainda um movimento, uma revolução em marcha,
para se transformar, no futuro, no mais poderoso partido de toda a História do
Brasil".
Aluízio Alves definia o seu nacionalismo de outra maneira: "o nosso
nacionalismo é, por isso, pragmático, e se despe de qualquer sentido
ideológico de classe. Ele assenta no esforço capitalista, o esforço público, no
esforço misto. Os seus dois objetivos são: primeiro, entregar a instrumentos
brasileiros que representam a iniciativa privada e pública o comando da
economia, estabelecendo mecanismo através do qual o enriquecimento
nacional não se acumula nas mãos de poucos e antes alcance seu legítimo
usufrutuário, que é o povo; segundo, criar no Nordeste parcela significativa e
ponderável de um grande mercado interno que funcione para si e apenas
secundariamente para o mercado externo".
"Tal nacionalismo não é anti coisa alguma. Nem anticapitalista nem
antisocialista. Ele se situa fora da área do debate ideológico para inserir-se
corretamente na área em que o nacionalismo deve, por natureza colocar-se
para colher o apoio de toda a Nação".

As Prioridades de Djalma Maranhão

O primeiro problema grave enfrentando por Djalma Maranhão foi,


sem dúvida, o déficit orçamentário. O prefeito encarou o problema como sendo
um grande desafio para seu governo. Em primeiro lugar, integridade. Em
segundo lugar, tomou medidas para solucionar a crise: Código Tributário do
Município. Cadastro Fiscal da Prefeitura e aumento de alíquota do imposto de
Indústria e Profissões. Conseguiu reverter o quadro e, no lugar de déficit,
apresentou um superávit de Cr$ 19,770.826,00!
Djalma Maranhão promoveu uma série de iniciativas que marcaram
o dinamismo de sua administração: Galeria de Arte, Palácio dos Esportes,
Estação Rodoviária, construção de galerias pluvias, etc.
Na área cultural, realizou o "I Seminário de Estudos dos Problemas
de Educação e Cultura do Município de Natal", quando diversos temas forma
tratados com objetividade por eminentes especialistas: Luís da Câmara
Cascudo, João Wilson Melo, Pe. Manoel Barbosa, Ivamar Furtado, Max Cunha
Azevedo, Chicuta Nolasco Fernandes, Newton Navarro, entre outros.
Mas o que imortalizou o governo de Djalma Maranhão foi, sem
dúvida, a "Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler", coordenada
pelo professor Moacyr de Góes, secretário de Educação.
O objetivo da campanha era a erradicação do analfabetismo na
Cidade do Natal. A situação, nesse setor, impressionava. Segundo Moacyr de
Góes, "o índice de analfabetismo na população acima de 14 anos, era o mais
alto do Nordeste (59,97%) e, em Natal. O Censo de 1960 revelava a existência
de 60.254 adultos".

A campanha nasceu da aspiração popular

Consultando as pessoas residentes nos bairros periféricos, Djalma


Maranhão descobriu que a necessidade número um, reclamada por todos, era
uma só "escolas para crianças que, sem poder adquirir farda ou sapatos, não
podiam freqüentar os grupos escolares construídos pelo governo do Estado. As
crianças sem estudos, sem divertimentos, sem boa alimentação, sem roupas,
na miséria, eram as futuras prostitutas e os futuros marginais. Elas precisavam,
portanto, aprender a ler e a escrever para, prosseguindo nos estudos,
pudessem ascender socialmente.
A escola deveria, fornece tudo: o professor, a carteira, o material
escolar e, inclusive, a merenda. A educação, portanto, seria o único caminho
pelo qual os meninos pobres poderiam mudar de "status", sair da miséria.
Djalma Maranhão, ligado desde suas origens, às reivindicações
populares, compreendeu de imediato a dramaticidade daquela necessidade.
Aceitou o desafio. Designou o professor Moacyr de Góes para planejar,
organizar e executar a campanha para erradicar o analfabetismo em Natal.
Uma diretora de Acampamento, ao observar que seus alunos
chegavam atrasados às aulas, teve uma idéia: antes do início das aulas,
promovia uma minipartida de futebol. Assim, diariamente, os meninos jogavam
sua partidazinha de futebol. Criando, ao mesmo tempo, o hábito de acordar
cedo para chegar na escola na hora certa.
Em abril de 1961, através de uma carta, Djalma Maranhão mostrava
o porquê da campanha: "Há momentos decisivos na vida dos povos. É a hora
em que a História marfa as suas encruzilhadas. Acreditamos que o povo
brasileiro vive um desses momentos. Na sua luta contra o subdesenvolvimento
ele precisa se erguer do solo e ganhar a sua independência de ação. E só
poderá fazer isso se for alfabetizado e tiver uma educação mínima que o faça
afirmativo na sociedade. Acreditamos que chegamos nessa encruzilhada: ou o
povo se alfabetiza ou se escraviza.".
Após apresentar dados estatísticos sobre o analfabetismo em Natal,
dizia o que estava fazendo: "o número de 'Escolinhas' já está em 205. Mas são
precisas 1.878 para erradicar o analfabetismo da Cidade. Presentemente
estamos ensinando a ler até debaixo de palhas, pois nas Rocas construímos
cinco pavilhões de 8 metros por 30, cobertos de palhas de coqueiros, com piso
de barro batido, onde estudam cerca de 1.200 crianças e 300 adultos. Bem
justificado é o nosso slogan: "DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDER A
LER.
Para realizar tal obra, o prefeito solicita ajuda da população: "Por
outro lado, a Prefeitura, sozinha, não está capacitada financeiramente para
arcar com todos os ônus da educação popular na cidade. Precisamos, assim,
da ajuda de todos. Precisamos da sua ajuda".
Para concluir, afirma Djalma Maranhão: "Queremos ser soldados da
campanha de um amanhã melhor para o povo, através da educação. Nessa
mensagem queremos recordar a você. De Natal subdesenvolvido, no Nordeste
subdesenvolvido, clamamos para todo o Brasil: precisamos nos dar as mãos,
numa grande força, para alfabetizar o povo e oferecer-lhe a educação
necessária ao desenvolvimento do País".
A campanha cresceu de maneira extraordinária passando por várias
fases. A das "escolinhas municipais", que funcionavam em salas cedidas por
particulares. Depois, os "Acampamentos Escolares", escolas rústicas com piso
de barro batido e cobertas por palhas de coqueiros. Para os adultos que não
queiram estudar nos "acampamentos", o ensino era feita na casa do
analfabeto, onde se reunia um grupo não superior a seis pessoas. Os
professores eram recrutados entre meninos e meninas do Grupo Escola Isabel
Gondim, que se apresentavam para ensinar sem receber salário. Um fato de
grande importância foi sem dúvida a construção do Centro de Formação de
Professores, cuja direção, foi entregue à professora Margarida de Jesus
Cortês. O "Centro" passou a ser o cérebro da campanha.
Atendemos a uma necessidade da população mais carente, da
periferia da cidade, foi criada a "Campanha de Pé no Chão Também se
Aprende uma Profissão".
Simultaneamente, o governo do Estado adotou o médico Paulo
Freire, em iniciativa pioneira de alfabetização em 40 horas.

Três Séculos em Apenas Três Anos

O governo Aluízio Alves pretendia revolucionar a administração


pública, inovando, modernizando através de uma ação dinâmica, construindo
as condições básicas para o desenvolvimento do Rio Grande do Norte.
Aluízio Alves tinha consciência, portanto, da verdadeira situação em
que se encontrava o Estado: uma região atrasada, subdesenvolvida e
totalmente despreparada para construir o seu desenvolvimento industrial. Além
dessa conjuntura geral, o funcionalismo e os fornecedores do governo estavam
sem receber pagamento há sete meses.
O governador procurou melhorar o nível dos funcionários, através de
cursos, criando gratificações e dando promoções aos que participassem
desses treinamentos. Essa política era básica para um governo que tinha
pressa. Isso, contudo, não era suficiente para modernizar o processo
administrativo. A máquina burocrática, arcaica e ultrapassada, não oferecia
condições para atender a demanda de tantas iniciativas. Para suplantar tais
obstáculos, o governo não vacilou em criar novas entidades, como a
Companhia de Serviços Elétricos do Rio Grande do Norte (Cosern),
Companhia Telefônica do Rio Grande do Norte (Telern), Serviço Cooperativo
de Educação (Secern) etc.
Para iniciar o processo de desenvolvimento era necessário,
sobretudo energia farta e barata., facilidade de comunicação com os grandes
centros urbanos e boas estradas.
Na criação da Companhia Hidroelétrica de São Francisco (Chesf),
para trazer energia elétrica de Paulo Afonso para o Nordeste, foram excluídos
os Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará, sob a alegação da
exploração econômica pela distância superior a 500 quilômetros. Deputado
federal em 1947, Aluízio Alves lutou durante 13 anos para mudar essa
situação, só vindo a conseguir a inserção dos três Estados em 1960. Em em
1963, como governador do RN, criou, pela lei 2.721, de 14 de setembro de
1961, a Cosern - Companhia de Serviços Elétricos do Rio Grande do Norte,
que implantou a energia de Paulo Afonso no território norte-rio-grandense,
iniciando uma grande obra de infra-estrutura para o desenvolvimento industrial
e, mais tarde, agro-industrial. Resultado: diversas cidades passaram a contar
com a energia de Paulo Afonso (Taipu, Currais Novos, Acari, etc.). O custo
total do plano de eletrificação atingiu a cifra de Cr$ 2.283 milhões. Para que se
possa ter uma idéia do significado da obra realizada, é suficiente dizer que, em
1960, 14% da população se beneficiava dos serviços elétricos. Em 1965, 39%
da população recebiam os benefícios da energia elétrica.
No campo das telecomunicações, o governo investiu cerca de Cr$
1,3 bilhões, devendo salientar que 90% desse capital saiu dos cofres estaduais
e o restante foi completado pelas prefeituras municipais.
A 3 de setembro de 1963, foi criado a Telern. Era uma iniciativa
pioneira, das mais importantes que, juntamente com o plano de eletrificação e
com a construção de estradas (365,6 Km de estradas construídas de 1961 a
1964, num investimento total de Cr$ 7.476.933.146,00), criavam aquelas
condições mínimas que possibilitariam um desenvolvimento maior do Rio
Grande do Norte.
A educação, contudo, se constituía num dos problemas mais graves
do Estado. Por essa razão, passou a ser uma das prioridades do novo governo.
Nessa área, a situação era caótica, como demonstram os dados
divulgados na época: "mais de 65% de analfabetos; podendo-se afirmar que
cerca de 80% da população ativa apenas sabia assinar o nome; das 250.655
crianças em idade escolar, as escolas estaduais só podiam atender a 55 mil,
enquanto as municipais apenas 27 mil e as particulares não abrigavam mais de
28 mil, num total deprimente de 110 mil matrículas. O déficit de mais de 140 mil
crianças sem escola, sem nenhuma possibilidade de aprender a ler e a
escrever, representava mais da metade da população escolar. O Estado
contava tão somente com 1.020 salas de aula, ocupando 826 prédios, dos
quais só 660 portavam diploma, e entre os restantes incluíam-se diaristas sem
habilitação para o magistério e sem estabilidade funcional, reduzindo-se a
apenas 2.121 professores".
Para mudar esse quadro, o governo elaborou diversos projetos que,
para sua execução, contou com recursos da Aliança para o Progresso, da
Sudene, do MEC e, ainda, do governo do Estado. Para administrar os recursos
recebidos, foi criado um órgão estruturado de maneira moderna e dinâmica, a
Secern, cujo diretor executivo era o secretário de Educação, o jornalista
Calazans Fernandes.
O governo lançou, então, o plano de "FAZER EM 3 ANOS O QUE
NÃO SE FEZ EM TRÊS SÉCULOS".
A grande meta "seria" alfabetizar 100 mil pessoas acima da idade
escolar primária". O governo almejava ainda a extensão da escolaridade a
todas as crianças do Estado e a construção de mil salas de aulas.
Para educar o maior número de pessoas no menor espaço de tempo
foi lançada a Experiência de Angicos, quando foi adotado o método do
professor Paulo Freire. O resultado da experiência foi considerado altamente
positivo: "A batalha durou 40 dias como estava prevista. Encerrou-se a
experiência pioneira, como resultados que despertaram a atenção de todo o
Brasil: aproveitamento de 70% na alfabetização e 80% na conscientização
cívica".
Em 1965, cresceu o número de professores, ou seja, 61% a mais do
que em 1960!
Para atender a demanda sempre crescente de alunos e acabar com
o déficit de edifícios escolares, o executivo estadual agiu da seguinte maneira:
a) recuperou velhos prédios;
b) construiu novos edifícios;
c) cursos de 1º grau passaram a funcionar em prédios de grupos
escolares.
No ensino de primeiro grau, foram construídas 253 salas de aula em
sessenta e sete escolas, num total superior a 30 mil metros quadrados de área
coberta.
No ensino secundário, o governo construiu três edifícios, onde
funcionam o Instituto Padre Miguelinho, Instituto Presidente Kennedy - onde
hoje está instalado um Curso de Licentiatura Plena, preparando professores
para o Ensino Fundamental - e o Centro Educacional Winton Churchil.
A capacidade de matrícula, de 1960 até 1965, aumentou cerca de
63%.
Nessa área de atuação, até o final de governo, foi investida uma
importância no valor de Cr$ 6.329.654.000,00.
No ensino superior, foi criada a Faculdade de Jornalismo, instalado o
Instituto Juvenal Lamartine de Pesquisas Sociais e, ainda, adquirida a
Faculdade de Filosofia. Foi criada também a Fundação José Augusto, que
abrigou em seu seio, além das instituições já citadas, outras como a Biblioteca
Pública, Centro de Estudos Afro-Asiásticos, Centro de Cultural Hispânica e
Escola de Arte Infantil Cândido Portinari, fazendo com que essa fundação se
transformasse numa verdadeira secretaria para assuntos culturais.
Na cultura, o governo aplicou Cr$ 1.201.945.000,00.
Aluízio Alves adotou uma política de bem-estar social da maior
importância. Investiu no campo da saúde, assistência social, habitação popular
e abastecimento de água. Ampliou os serviços de abastecimento de água em
Natal, Mossoró e Caicó, implantando o sistema de Angicos e Santana do
Matos. Instalou o serviço de mini-abastecimento em 30 municípios. Em Natal,
no ano de 1965, com relação ao serviço de água, os prédios atingidos por esse
benefício chegavam à casa dos 100%! O sistema de esgoto, na capital, atingia,
em 1960, apenas 10% dos edifícios e em 1965, quando Aluízio deixou o
governo, o índice já alcançava 75% dos edifícios.
No interior, a cidade de Touros, na época, com 2.200 habitantes, foi
a primeira cidade do Brasil a ser totalmente saneada.
A Telern (Companhia Telefônica do Rio Grande do Norte) promoveu
a interligação, pelo sistema interurbano, de várias cidades do Estado (Caicó,
Currais Novos, Cerro Corá, Macau, Mossoró e Areia Branca) com Natal.
Ligando, pelo mesmo sistema, o Rio Grande do Norte com outros Estados do
País.
No turismo, o Rio Grande do Norte não possuía nenhum hotel de
grande porte. O governo construiu o Hotel Reis Magos, o primeiro de categoria
internacional.
O poder público estadual criou ainda a Codern (Companhia de
Desenvolvimento do Rio Grande do Norte) para planejar o desenvolvimento,
orientando os investimentos que modificaram a estrutura econômica do Rio
Grande do Norte.
Aluízio Alves construiu durante o seu governo cerca de 1.300 obras
durante 1.825 dias.
Por ter criado as condições para que o Estado pudesse se
desenvolver, pela modernização que implantou, o governo de Aluízio Alves foi
considerado por alguns como verdadeiramente revolucionário.
Teve, entretanto, seus críticos. A oposição acusava o governo de
perseguir funcionários e não aceitava a maneira como conduziu o movimento
militar de 1964.
Aluízio Alves, falando sobre o assunto, disse: "Lutei. Sofri injustiças.
Cometi involuntariamente outras. Despertei amor e gerei ódios. Conquistei o
povo, perdi amigos e ganhei inimigos".

A Precocidade de Aluízio Alves

Aluízio Alves nasceu na cidade de Angicos, no dia 11 de agosto de


1921.
Foi um menino precoce, iniciando sua carreira de jornalista ainda
criança. Fundou o jornal "O Clarim", que era datilografado e possuía apenas
um exemplar, passando de casa em casa. O jornal, segundo Aluízio, era "por
mim mesmo desenhado em vermelho, e por mim todo ele escrito: desde o
editorial às notas de aniversários, notícias de festas, entrevistas etc., às vezes,
jornalista e datilógrafo de dois dedos, levada o dia inteiro, até sem almoço,
entrava pela noite, sob o protesto da minha mãe. Tudo era compensado pelas
alegrias do domingo: o jornal ia passando de casa em casa, com os
comentários dos vizinhos, leitores de toda a cidade".
Mais adiante, duas outras iniciativas, ambas no campo do
jornalismo: o jornal "A Palavra" e a revista "Potiguarânia". Dirigiu também o
jornal "O Estudante".
O Partido Popular, quando criou "A Razão" , designou Aluízio para
trabalhar como repórter. O jornal pertencia a Dinarte Mariz e seu diretor era
Eloy de Souza.
Após a vitória do Partido Popular, que consegue eleger três
deputados, e a situação apenas um, Aluízio Alves escreveu um artigo com o
título "Três a Um", quando chamou o interventor Bertino Dutra de "apêndice
podre da Marinha brasileira", Diante da ofensa, a Marinha mandou prender
Aluízio. Foi criado, então, o impasse: o autor do artigo era menor, contava
apenas 13 anos de idade... Como solução, o jornal foi fechado. Na
administração de Mário Câmara, a publicação voltou a circular.
O jornalista-mirim enfrentou outro problema semelhante. O major
Abelardo de Castro deu uma entrevista criticando a situação que havia no Rio
Grande do Norte. Essa entrevista foi publicada no "Diário de Pernambuco".
Como o jornal da oposição se encontrava fechado, a entrevista foi impressa em
forma de boletim. Na noite seguinte, Aluízio, com outras pessoas, pregavam
com grude os boletins nas paredes das casas, edifícios públicos etc. Quando
Aluízio estava colando as folhas atrás da catedral velha, foi preso. Mas não
podia ser preso por causa da idade. O chefe da Polícia, capitão da Marinha,
Paulo Mário, chamou o pai do menino, aconselhou, ameaçou, porém o jovem
rebelde foi colocado em liberdade.
Aluízio, repórter de "A Razão", junto à Assembléia Legislativa", viveu
momentos difíceis nessa fase: "lá às seis horas da manhã para "A Razão",
escrevia várias matérias. Quinze para as oito e eu ia para o colégio e ficava até
onze horas. Às onze horas voltava para a "A Razão" para escrever e fazer a
revisão da matéria. Uma hora da tarde voltava para o colégio, até aí sem
comer, sem almoçar, ficava no colégio até três e meia da tarde. Quando saía
às três e meia da tarde. Quando saía às três e meia da tarde, eu ia para o
jornal, assistia ao final do jornal".
Aluízio Alves começou a se interessar por política no ano de 1932,
com onze anos de idade, quando, após a derrubada do prefeito de Angicos,
João Cavalcanti, seu pai, Manoel Alves, foi eleito prefeito.
Nesse ano, ocorria uma terrível seca e os flagelados da região
procuraram seu "Nezinho", que convocou os comerciantes para colaborar:
recebendo e distribuindo gêneros alimentícios, estava ali presente o menino
Aluízio Alves.
Outro acontecimento vai marcar a carreira precoce do político Aluízio
Alves: durante a revolução Constitucional de 32, ele se encontrava em Ceará
Mirim. Nessa cidade só havia um rádio, na casa de Waldemar de Sá. O menino
Alves ouvia os discursos dos líderes do movimento, repetindo para os
presentes.
Aluízio, indo para o Ceará, estudou no Ginásio São Luiz. Ocorreu
então o seguinte fato: um motorista de ambulância dirigia em alta velocidade
para salvar um doente. A ambulância virou, o motorista morreu, porém, o
doente sobreviveu. O acontecimento emocionou a cidade de Fortaleza. Aluízio
foi escolhido para fazer a oração, durante uma homenagem prestada pelos
estudantes aos familiares da vítima do acidente. Seu discurso emocionou a
todos os presentes. A partir daquele momento passou a ser o orador oficial do
ginásio!
Em 1940, em Angicos, a Paróquia organizou a festa de Cristo Rei.
Estiveram presentes o governador Rafael Fernandes e Aldo Fernandes. Na
oportunidade, Aluízio pronunciou uma conferência sobre a Paróquia de
Angicos. Como resultado, o menino-conferencista foi convidado por Aldo
Fernandes para trabalhar no jornal "A República", quando se tornou repórter e
editor do referido órgão de imprensa, na época, dirigido por Edgar Barbosa.
Em 1942, uma grande seca. Natal foi invadida pelos flagelados. Aldo
Fernandes chamou Aluízio, dizendo que queria fazer uma reunião com as
principais autoridades da cidade. Aluízio, então, escreveu um artigo inti-tulado
'Convocação à família natalense", sendo designado para organizar o trabalho
de assistência aos flagelados. Dentro de três dias. 8 mil pessoas estava
abrigadas. Terminada a seca, Aluízio Alves organizou a volta dos retirantes,
fazendo com que cada um levasse instrumento de trabalho, além de recursos
para recomeçar a vida, inclusive, comida para um mês. Aconteceu que, no
final, ficaram 60 menores de ambos os sexos. Aluízio Alves sugeriu, então,
criar um Serviço de Assistência ao Menor. Aprovada a idéia, Aluízio Alves foi
para Recife e, naquela cidade, entrou em contato com as autoridades que
tratavam do problema.
Foi fundado o "Abrigo Melo Matos", com Orígenes Monte assumindo
a direção.
Incansável, Aluízio Alves, com ajuda da Legião Brasileira de
Assistência, criou o Instituto Padre João Maria e, com auxílio da prefeitura,
organizou o Abrigo Juvino Barreto. Ambos foram inaugurados no dia 19 de abril
de 1943.

Fascículo 13
Marcos Empreendedores
Preocupações Sociais, Jornalismo e Política
Depois de criar o Instituto Padre João Maria e organizar o Abrigo
Juvino Barreto, em 1943, Aluízio Alves partiu para uma iniciativa maior: criou a
Escola de Serviço Social.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o jornalista realizou o grande
feito de entrevistar, com ajuda de um intérprete, Eleanor Roosevelt, que veio a
Natal em campanha para eleger seu marido, Delano Roosevelt, presidente dos
Estados Unidos.
Nesse período, Aluízio Alves tinha dois programas radiofônicos. Aos
domingos, levava ao ar "Glórias do Brasil", com o objetivo de mobilizar a
opinião pública a favor dos aliados. O outro, chamado 'Ave Maria', era diário e
começava às 6 horas.
O Serviço de Proteção ao Menor se estendeu ao interior e, com a
ajuda dos bispos de Caicó e de Mossoró, chegou a reunir mais de 10.000
menores, em regime de semi-internato.
No governo do interventor general Dantas, Aluízio Alves foi o diretor
do SERAS, instituição por ele organizada.
Aos 23 anos, Aluízio foi eleito deputado federal, sendo o mais moço
da Assembléia Nacional Constituinte, em 1946, causando sensação no Rio de
Janeiro, por ser apenas não o mais jovem, mas também o único deputado que
era estudante. O artigo da Constituição de 1946 sobre assistência aos menores
e à maternidade é de sua autoria.
Reeleito deputado federal nos anos de 1950, 1954 e 1958, foi o
responsável pela criação do programa de Crédito de Emergência, para o
período de seca no Nordeste. E no ano de 1960 foi eleito governador, por
maioria absoluta.
Deixando o governo, continuou fazendo política, conseguindo
expressivos resultados. Elegeu o seu sucessor, monsenhor Walfredo Gurgel,
com 54% dos votos, e seu irmão, Agnelo Alves, chegava à prefeitura de Natal,
com 61% dos votos.
Com o golpe militar de 1964, os partidos (PSD, UDN, etc) foram
extintos. Em seu lugar foram criados dois novos partidos: ARENA e PMDB.
Aluízio Alves voltou à Câmara Federal em 1966, quando obteve
60.000 votos.
Em 1969, a grande frustração: foi cassado pelo Ato Institucional nº 5.
Afastado oficialmente da vida política, reagiu, fazendo com que seus aliados
mais fiéis se transferissem para o MDB.
Em 1970, Odilon Ribeiro Coutinho perdeu a eleição para o Senado.
O vitorioso foi Dinarte Mariz. Henrique Alves, filho de Aluízio, foi eleito
deputado federal, com grande votação.
Um marco na vida de Aluízio Alves, em sua profissão de jornalista,
foi quando fundou, juntamente com Carlos Lacerda, o jornal "Tribuna da
Imprensa", no Rio de Janeiro. Lacerda assumiu a direção e Aluízio, o cargo de
redator-chefe. Quando Carlos Lacerda partiu para o exílio, depois da eleição de
Juscelino Kubistchek, Aluízio assumiu a direção geral do órgão de imprensa.
Outra importante iniciativa nessa área é a fundação, no dia 24 de
março de 1950, em Natal, da "Tribuna do Norte", empresa em que seu
fundador exerceu a direção. Posteriormente, adquiriu a Rádio Cabugi. Surgia,
assim, o Sistema Cabugi de Comunicações que, na atualidade, é formado pela
Tribuna do Norte, TV Cabugi, Rádio Cabugi AM, Rádio Difusa de Mossoró,
Rádio Cabugi do Seridó e líder FM, de Parnamirim.
Cassado de seus direitos políticos, Aluízio Alves investiu em sua
carreira de empresário, fundando, no Rio de Janeiro, a Editora Nosso Tempo.
É assim que ele resume a sua atuação como empreendedor: "diretor industrial
de um grupo empresarial, construindo no Rio Grande do Norte a primeira
indústria de cartonagem: uma grande indústria de confecções, a Sparta; a
primeira e até agora única fábrica de tecidos, a Seridó, depois, Coteminas; o
Hotel Ducal Palace, na época, entre os três melhores do Nordeste. No Sul, era
presidente de indústrias e de duas grandes empresas comerciais do mesmo
grupo, com mais de 100 lojas em São Paulo, Rio e Minas".
Como escritor, Aluízio Alves publicou alguns livros, entre eles
"Angicos" (em 1997 foi lançada a 2ª edição, pela Fundação José Augusto), "A
Primeira Campanha Popular do Rio Grande do Norte", "Sem ódio e sem medo".
A verdade que não é secreta etc.
No dia 16 de agosto de 1992, Aluízio Alves tomou posse na
Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, em solenidade realizada após 17
anos de eleição no Salão dos Grandes Atos, da Fundação José Augusto. Foi
saudado pelo acadêmico Mário Moacyr Porto, que encerrou o seu discurso
com as seguintes palavras: "Ingressai nesta casa de homens de letras, senho
acadêmico Aluízio Alves, pela porta larga do talento. Não se aplica à V. Excia,
o apelido de imortal por adulação estatutária, mas de quem alcançará, pelos
seus feitos, um lugar destacado na admiração dos pós-terros. Sede bem-
vindo".
Aluízio, num longo discurso, lembrou importantes fases de sua vida
na suas diversas facetas: jornalista, político e escritor. E suas grandes
amizades, como, por exemplo, a de Hélio Galvão. Confessou que "jamais foi
minha ambição pessoal chegar à Academia".
Concluido, disse: "E por isso, diante de todos, posso repetir, quando
72 anos tentam inutilmente reduzir-me o ânimo, e apagar, na noite das
vicissitudes, a chama da esperança, uma palavra que, numa hora difícil se
tornou meu apelo e meu caminho: "a luta continua".
Aluízio Alves foi também ministro de Estado por duas vezes: ministro
de Administração do governo de José Sarney e, por sete meses, ocupou como
titular o Ministério da Integração Regional, no governo Itamar Franco, quando
elaborou o Projeto de Transposição das águas do São Francisco, beneficiando
os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e da Paraíba.
O Golpe de 1964

Deposição de João Goulart

No final de 1963 já se delineava uma crise no Brasil. O governo João


Goulart reforçava sua linha de governo de caráter nacionalista e reformista,
fazendo com que as forças conservadoras se aglutinassem para derrubá-lo.
San Tiago Dantas procurou unificar os grupos esquerdistas numa frente única,
sem sucesso. A cada dia que passava, o radicalismo aumentava.
Um decreto que obteve grande repercussão foi o que autorizava a
SUPRA (Superintendência da Reforma Agrária) "para concluir convênio
destinado a delimitar as áreas marginais às estradas e açudes, com fins de
expropriação, para distribuições de terras".
O tempo passava e esquerdistas e direitistas se acusavam,
mutuamente, dizendo abertamente que estavam se preparando para um
conflito armado.
Em janeiro de 1964, o deputado federal Leonel Brizola denunciava:
"não existe ninguém no poder do País, neste momento". Era uma verdade. O
presidente João Goulart tinha perdido o comando, não podendo evitar o rumo
dos acontecimentos.
Resolveu, então, partir para a extrema esquerda, precipitando os
acontecimentos. A situação se agravou quando da realização de um comício,
promovido pelo governo, que se realizou no dia 13 de março de 1964, na praça
Cristiano Otôni, na Guanabara. Como a praça se localizava na fronteira da
Estação D. Pedro II, da Central do Brasil, ficou conhecido como sendo o
"Comício da Central".
O governo pretendia demonstrar força, fazendo com que seus
ministros comparecessem. Alguns governadores se fizeram presentes: Miguel
Arraes, de Pernambuco; Seixas Dória, de Sergipe; Badger Silveira, do Rio de
Janeiro. O presidente da República, na ocasião, assinou dois decretos. Um
encampava as refinarias de petróleo particulares e o outro tratava da
desapropriação de terras.
O conflito caminhava para o desenlace. Os distúrbios, nas ruas,
começavam a surgir. A disciplina na Marinha foi quebrada. A crise também
atingia as forças armadas.
Em São Paulo foi realizada a "Marcha da Família, com Deus, pela
Liberdade", que contava com um grande número de senhoras da sociedade,
autoridades civis e o apoio do clero.
Marinheiros e fuzileiros se rebelaram e o destacamento destinado a
prendê-los aderiu ao movimento.
A essa altura dos acontecimentos, ninguém mais podia evitar. A
crise haveria de terminar num conflito armado. Não poderia vir da esquerda,
que estava com o governo. A reação deveria partir da extrema direita, que
pretendia acabar com o "comunismo no Brasil". E comunista, para as classes
conservadoras, era qualquer pessoa que se apresentasse como sendo de
esquerda; defendesse o nacionalismo, combatendo o "entreguismo" contra,
portanto o capitalismo internacional... Por causa desses equívocos, muita
injustiça foi cometida!
No dia 31 de março de 1964 eclodiu o movimento militar para
derrubar o governo João Goulart.
Sem condições de resistir ao golpe planejado pelos altos chefes
militares, com o apoio de parcelas da sociedade, em 1º de abril de 1964, o
presidente João Goulart partiu de Brasília para o Rio Grande do Sul e, logo em
seguida, viajou para o Uruguai como exilado político. Ranieri Mazzilli,
presidente da Câmara Federal, foi provisoriamente empossado presidente da
República.
O movimento militar de 64 se consolidou com a promulgação do Ato
Institucional e a posse do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco como
presidente.

Confroto e Rede de Investigação no RN

A radicalização entre esquerda e direita atingiu também o Rio


Grande do Norte.
A causa esquerdista, no Estado era defendida por Djalma Maranhão
e seus correligionários e, ainda, por grande parte dos estudantes e de
operários. Essas forças defendiam os ideais do nacionalismo e lutavam contra
a direita.
Quando a crise ideológico-militar explodiu no Sul, o prefeito Djalma
Maranhão, de imediato, ficou solidário com João Goulart. Foi mais além,
transformou o prédio da prefeitura como sendo "o quartel-general da legalidade
e da resistência".
O governador Aluízio Alves divulgou uma nota, onde dizia que o
governo "pede ao povo que se conserve calmo, evitando atos ou
manifestações que aprofundem as divisões desta hora em que todos os
esforços devem ser feitos para a restauração da paz e preservação da
democracia".
Começou, então, a fase de investigações com a Comissão Geral de
Investigações instalada pelos militares e mais duas comissões criadas pelo Ato
Institucional nº 2.
No dia 1º de abril, Djalma Maranhão publicou uma nota oficial, do
governo municipal do Natal, concluindo com as seguintes palavras: "a
legalidade é Jango!".
No dia 2 de abril foram presos, o prefeito Djalma Maranhão e o seu
vice. Luís Gonzaga dos Santos. Foram levados para o QG da Guarnição Militar
de Natal. Depois, foi comunicado aos vereadores que os dois, sendo
comunistas, não poderiam exercer os seus mandatos. Como a comunicação foi
verbal, a Mesa da Câmara solicitou ao comando militar que fosse enviado um
ofício, para dar um caráter administrativo à questão. A Câmara Municipal ficou
reunida, esperando a comunicação oficial, que chegou por volta das 22 horas.
Os vereadores declararam o "impeachemet" de Djalma Maranhão e de Luís
Gonzaga dos Santos. O vereador Raimundo Elpídio assumiu, em caráter
interino, a função de prefeito. Mais tarde, os vereadores elegeram, em
definitivo, o almirante Tertius César Pires de Lima Rebelo como prefeito e
Raimundo Elpídio, vice-prefeito.
Os vitoriosos consolidaram o movimento no Rio Grande do Norte,
porém, deixando profundas marcas no seio da família potiguar, como
demonstra o desabafo da escritora Mailde Pinto Galvão: "Por uma suspeita
absolutamente infundada e sem sentido, invadiam as residências, prendiam
pessoas e expunham as famílias ao vexame das investigações na vida pessoal
e profissional. Perdia-se a privacidade, o direito de defesa e a estabilidade nos
empregos".
Para José Wellington Germano, "na verdade, não foi esboçada
nenhuma tentativa concreta de resistência. As forças principais trataram logo
de ocupar, na manhã do dia 1º de abril, os principais pontos da cidade, cercado
alguns sindicatos, e na noite do mesmo dia, intervindo e dissolvendo uma
assembléia de estudantes que se realizava no restaurante universitário da Av.
Deodoro; também foi desfeito o QG da legalidade pelas próprias forças
militares que penetraram no edifício da prefeitura".
O mesmo autor ainda informa que os sindicatos marítimos de Areia
Branca e Macau entraram em greve, a Federação dos Trabalhadores Rurais
colocou à disposição do presidente da República cerca de cinqüenta mil
camponeses e a União Estadual de Estudantes lançou um manifesto.
O prefeito Raimundo Elpídio da Silva, no dia 3 de abril de 1964,
exonerou o professor Moacyr de Góes da função de secretário de Educação. A
função foi assumida, posteriormente, pelo capitão-de-corveta Tomaz Edson
Goulart do Amarante.
No dia 7 de abril, foi realizada a "Marcha da Família, com Deus, pela
Liberdade", para comemorar a vitória do golpe militar.
O novo governo municipal demitiu vários funcionários, considerados
perigosos: "Omar Pimenta, da diretoria do Ensino Municipal; Mailde Pinto, da
diretoria de Documentação e Cultura; a professora Maria da Conceição Pinto
de Góes e, ainda, o professor Geniberto Campos, respectivamente dos cargos
de diretor e vice-diretor do Ginásio Municipal", narrou José Wellington
Germano.
Uma grande preocupação dos novos detentores do poder foi a de
eliminar livros que, para eles, continham ensinamentos de uma ideologia
marxista. Para realizar tal missão, invadiram bibliotecas, destruindo muitos
volumes.
E como sempre acontece nesses casos, alguns militares, por
excesso de zero ou por ignorância, cometeram arbitrariedade. Exemplo:
quando invadiram a casa do professor Moacyr de Góes, colocaram uma
metralhadora na cabeça da mãe do ex-secretário de Educação, já bastante
idosa e que merecia, portanto, maior respeito".
Vários inquéritos militares foram instaurados, dos quais resultaram
diversas prisões: Hélio Xavier de Vasconcelos, Omar Fernandes Pimenta,
Moacyr de Góes, Vulpiano Cavalcanti de Araújo, Eider Toscano de Moura,
Danilo Bessa, Marcos José de Castro Guerra, Carlos Alberto de Lima, Luiz
Ignácio Maranhão Filho, etc.
Nas prisões, houve uma série de torturas. Como disse Moacyr de
Góes, "é fácil implantar o terror numa cela. Fácil e covarde. Basta que os
carcereiros empreguem a força bruta no espancamento dos prisioneiros em
sucessivos interrogatórios. Ou então que aos mesmos carcereiros seja
permitido criar condições tais de insegurança para os prisioneiros que estes
sintam o real risco de não sair do cárcere com vida".

O Jogo Claro de Djalma Maranhão

Djalma Maranhão nasceu em Natal, no dia 27 de novembro de 1915.


Filho de Luís Inácio de Albuquerque Maranhão e de dona Salomé de Carvalho
Maranhão, teve os seguintes filhos: Lamarck (falecido), Marcos e Ana Maria.
Djalma Maranhão foi um homem simples, inteligente e que sabia
exatamente o que queria da vida. Não transigia nas suas idéias. Amaca os
mais humildes e lutava para atender às reivindicações das classes menos
favorecidas. Nacionalista, denunciava, gritava, protestava. Expressava sua
ideologia de maneira clara e inequívoca, acreditando na vitória do socialismo,
convicto de que "somente a dialética marxista-leninista libertará as massas da
opressão e da fome através da socialização dos meios de produção e da
entrega da terra aos camponeses".
Como não se acomodava às intrigas políticas, nem concordava ou
se adaptava a qualquer tipo de corrupção, foi expulso de alguns partidos.
Militante comunista, quando era cabo do exército participou da
Intentona Comunista de 35, sendo preso. É o próprio Djalma Maranhão que
diz: "Andei pelos presídios políticos e pelos campos de concentração,
martirizado pelos esbirros de Felinto Müller e de Getúlio Vargas".
Em 1946, foi expulso do partido comunista, porque denunciou os
diretores do partido como desonestos. Foi eliminado, quando se encontrava
ausente de plenário, sem que pudesse se defender. A acusação feita por
Djalma Maranhão foi escrita.
Era de fato um homem temperamental. Às vezes, contudo, sabia se
conter. Exemplo: durante a campanha de 1960 para prefeito de Natal, Djalma
Maranhão entrou irado na sala de redação da "Folha da Tarde" com um
exemplar na mão. Perguntou, então, quem tinha escrito a manchete de seu
jornal, que dizia o seguinte: "Lott - Jango - Walfredo - Maranhão - Gonzaga.
Vote do primeiro do sexto". Ao saber que o autor da manchete foi Moacyr de
Góes, de conteve e disse: "A manchete está certa. É assim mesmo. Não
vamos ficar em cima do muro. Jogo claro. Honrar as alianças".
Mantinha cordiais relações com a Igreja. Certo dia, uma funcionária
criticou as pessoas que trabalhavam para a Arquidiocese. Djalma Maranhão
sorriu e disse: "Deixe o padre fazer o trabalho dele. E nós faremos o nosso".
Na campanha "De Pé no Chão Também se Aprende a Ler"
trabalhavam cristãos (católicos e protestantes), espíritas e marxistas. Por essa
razão, o professor Moacyr de Góes chamou o movimento de uma "frente".
Profundamente humano. Intransigente contra a falsidade e a
desonestidade, admitia o erro, desde que fosse cometido por alguém que
desejasse acertar.
Para ele, governar era realizar. Nas suas administrações como
prefeito de Natal, procurou deixar uma marca de dinamismo.
Nas eleições de 31/10/1954, foi eleito deputado estadual pelo
Partido Social Progressista, obtendo ótima votação em Natal. Como legislador,
teve um grande desempenho, sendo inclusive autor do projeto que deu
autonomia ao município de Natal.
Em 1955, Djalma Maranhão apoiou Dinarte Mariz para governador,
na coligação PSP-UND. Mariz derrotou Jocelyn Vilar, do PSD. Como
conseqüência do acordo dessas eleições, Djalma Maranhão foi designado
prefeito da Cidade do Natal, cuja posse ocorreu no dia 1/2/1956.
De acordo com Moacyr de Góes, "nessa primeira administração de
Djalma Maranhão, a Prefeitura vai implantar o programa municipal de ensino,
através das escolinhas de alfabetização e do Ginásio Municipal de Natal".
No ano de 1959, Djalma Maranhão rompeu com Dinarte Mariz.
Suplente, assumiu o cargo de deputado federal, onde se destacou como
membro atuante da Frente Parlamentar Nacionalista.
Em 1960, se candidatou a prefeito, participando da coligação
"Cruzada da Esperança", juntamente com Aluízio Alves, candidato ao governo
do Estado.
Vitorioso, no dia 5/11/60 Djalma Maranhão assumiu novamente a
Prefeitura de Natal, sendo dessa vez através do voto. Foi, portanto, o primeiro
prefeito natalense eleito diretamente pelo povo, obtendo 66% dos voto.
Em sua segunda administração, Djalma Maranhão demonstrou toda
a sua capacidade de trabalho e de liderança política. Aos poucos conquistou a
confiança e o respeito da classe média, aumentando seu prestígio junto das
classes populares.
Djalma Maranhão não foi apenas um político. Atuou, igualmente,
como jornalista. Segundo Leonardo Arruda Câmara, "a imprensa foi a grande
vocação. Revisor, repórter esportivo, repórter político, redator, secretário de
redação, editorialista, diretor e proprietário de jornais, percorreu na carreira de
jornalista todos os postos e funções. Fundou o "Monitor Comercial", o "Diário
de Natal" e a "Folha da Tarde".
"Foi diretor e proprietário do "Jornal de Natal".
Como escritor, publicou "O Brasil e a Luta Anti-Imperialista", pelo
Departamento de Imprensa Nacional, edição da Frente Parlamentar
Nacionalista, no Rio de Janeiro, em 1960, e "Cascudo", Mestre do Folclore
Brasileiro", lançado em 1963. Tem também uma obra póstuma: "Carta de um
Exilado".
Com o golpe militar de 1964, Djalma Maranhão foi preso. Libertado,
posteriormente, através de um "habeas corpus", concedido pelo Supremo
Tribunal Federal, conseguiu se asilar na Embaixada do Uruguai, indo morar
naquele país, onde veio a faleceu, no dia 30 de julho de 1971.
No último livro produzido pelo antropólogo Darcy Ribeiro, "O povo
Brasileiro - A formação e o sentido do Brasil", publicado em 1997, o escrito
refere-se à morte e ao apego de Djalma Maranhão ao Brasil, sem contudo citar
seu nome. "Pude sentir, no exílio, como é difícil para um brasileiro viver fora do
Brasil. Nosso país tem tanta seiva de singularidade que torna extremamente
difícil aceitar e desfrutar do convívio com outros povos. O prefeito de Natal
morreu em Montevidéu de pura tristeza. Nunca quis aprender espanhol, nem o
suficiente para comprar uma caixa de fósforo", relata Darcy Ribeiro.
Segundo Leonardo Arruda Câmara, Djalma Maranhão "foi sepultado
em Natal no Cemitério do Alecrim, graças à interferência do senador Dinarte
Mariz, acompanhado de grande multidão no maior enterro já realizado em
nossa capital que atestou o quanto ele era amado e querido por sua gente".

Pausa no Radicalismo

Uma Obra Para o Bem da Coletividade

O processo político no Rio Grande do Norte sempre se caracterizou


pelo radicalismo. Houve, entretanto, um período de paz e tranqüilidade na terra
potiguar, implantado por um homem inteligente, justo e honesto: monsenhor
Walfredo Gurgel. Ele buscou a paz com tenacidade. Ao traçar as diretrizes de
sua administração, disse: "sou homem que pretende governar com a
simplicidade da minha formação e do meu temperamento. Desejo e espero o
convívio cordial de todos os que me cercam e a todos darei o exemplo de
tolerância e de compreensão".
Deixou bem claro que não aceitaria apoio em troca de benefícios:
"não procurarei adversários. Não buscarei adesões. Não transacionarei apoio.
Mas não recusarei ajuda nobre e espontânea à administração que estou
iniciando porque não tenho o direito de repelir aqueles que se disponham a
trabalhar pelo Rio Grande do Norte. Não perseguirei adversários. Não
procurarei ferir ninguém. Numa palavra: desejo que haja respeito ao governo e
o governo respeitará a todos, aliados ou adversários".
Cumpriu com a palavra. Jamais se afastou desses princípios. Outra
característica do seu governo, talvez a maior, foi a austeridade. "Quando aos
critérios administrativos, o meu governo será de austeridade, de contenção de
despesas supérfluas", afirmou.
Fugiu sempre da ostentação. Por essa razão, não admitiu no seu
governo que se colocasse nas placas, que anunciavam as obras públicas, o
nome de qualquer autoridade. Como disse Bianor Medeiros, "o governo para
ele não era o seu nome, mas a obra que surgia para o bem da coletividade".
A principal obra do seu governo foi, na realidade, a ponte rodo-
ferroviária de Igapó. Procurou melhorar as rodovias, pensando na circulação
das riquezas do Estado.
Na área da agricultura, segundo Bianor Medeiros, "construiu
parques, armazéns e atacou o setor através da melhoria dos rebanhos e
forragens".
O Hospital Walfredo Gurgel, foi obra da sua administração. E, ainda,
a construção do prédio da Telern, no centro da cidade. Fundou a Biblioteca
Câmara Cascudo, além de diversas escolas.
Não se pode esquecer o grande desenvolvimento que te o Banco do
Rio Grande do Norte durante sua administração, inaugurando diversas
agências na capital e em várias cidades do interior (Caicó, Ceará-Mirim,
Mossoró, etc).
Mas a grande contribuição do seu governo foi, sem dívida, a
construção de um clima de paz, evitando qualquer tipo de antagonismo que
pudesse gerar ódio, sendo por essa razão respeitado pela posição. Bianor
Medeiros declarou que Monsenhor Walfredo Gurgel "nunca cometeu ou
permitiu uma violência, nem a mais leve injustiça contra os seus mais
rancorosos adversários; com estes sempre foi de uma exemplar generosidade,
quando os via em situação difícil".

Exemplos do Monsenhor Walfredo Gurgel

Nasceu no dia 2 de dezembro de 1908, na cidade de Caicó, Rio


Grande do Norte. Filho de Pedro Gurgel do Amaral e Oliveira e dona Joaquina
Dantas Gurgel.
Perdeu o pai aos dez anos. Tempos difíceis, e o menino Walfredo,
para ajudar a família, vendia banana. Continuou. Entretanto, seus estudos no
Grupo Escolar Senador Guerra, onde fez o curso primário.
Queria ser padre, porém, havia uma dificuldade: sua mãe, viúva e
pobre, não podia financiar sua estadia no seminário. D. José Pereira Alves,
bispo diocesano, contornou a situação. E assim, "em 3 de fevereiro de 1922,
ingressava no Seminário de São Pedro o menino caicoense que, após 4 anos,
concluía o curso de Seminário Menor".
"Aluno laureado, ao lado do Santo gênio, padre Monte, foi
contemplado com uma bolsa de estudos para, em Roma, cursar Filosofia e
Teologia". Concluindo esses dois cursos, "doutorou-se, a seguir, em Direito
Canônico, pela universidade Gregoriana, ordenando-se padre no dia 15 de
outubro de 1931, na Capela do Pontifício Colégio Pio-Americano".
Voltou ao Brasil no dia 14 de agosto de 1932. Foi recebido com
grandes festas, inclusive um banquete, ao qual compareceram figuras
expressivas da região. O ágape foi realizado na Intendência de sua cidade.
O novo sacerdote, inteligente e culto, assumiu o cargo de reitor do
Seminário de São Pedro, além de lecionar algumas disciplinas, como Teologia.
A exemplo de grande número de intelectuais católicos de sua época,
ingressou na Ação Integralista Brasileira.
Mais tarde, foi designado vigário de Acari, Freguesia de Nossa
Senhora da Guia e, depois, vigário de Caicó.
Homem dinâmico, participou, ao lado de outros seridoenses, de luta
pela criação da Diocese de Caicó. Essa causa se tornou vitoriosa, com D. José
de Medeiros Delgado nomeado bispo de Caicó. Walfredo Gurgel assumiu a
função de vigário-geral.
Professor e sacerdote, Walfredo Gurgel se preocupou muito com a
educação dos jovens do Seridó. Batalhou então, pela construção de uma
escola, a nível de primeiro grau, para os meninos. Em 1942, o seu sonho se
realizava, com a inauguração do Ginásio Diocesano. Assumiu a sua direção e
o ensino de algumas disciplinas. Incansável, fazia praticamente tudo, como
narra o seu biógrafo, Bianor Medeiros: "contador, administrador da obra em
andamento e, ainda, sobrava-lhe tempo para treinar os times de futebol, de
vôlei e assistir aos ensaios da banda de música, que organizava e que tinha,
com regente, o querido e estimado mestre Bedé".
Sendo um líder, era natural que um dia, mais cedo ou mais tarde, ele
ingressasse na vida política. Seguindo o mesmo caminho de um José Augusto
de Medeiros e de um Dinarte de Medeiros Mariz... Convidado por Georgino
Avelino, foi para o Partido Social Democrático, PSD. Dez parte do Diretório
Regional do seu partido. Nessa legenda, conseguiu se eleger deputado federal
na Constituinte, ao lado de Dioclécio Duarte, José Varela e Mota Neto na sua
legenda.
Continuando sua carreira política, Walfredo Gurgel conseguiu se
eleger vice-governador do Estado, com Aluízio Alves, governador. Presidiu,
nessa função, a Assembléia Legislativa Estadual. Não chegou a concluir o seu
mandato, porque após outra vitória nas urnas, chegou ao Senado da
República, com grande votação.
Sofreu críticas de alguns de seus adversários, que não
compreenderam nem perdoavam o seu êxito. Foi forçado a ir na tribuna do
Senado, algumas vezes, para defender seus correligionários: "Lamento mais
uma vez, ser compelido a ocupar a tribuna do Senado para tratar de assuntos
regionais, mas às vezes, somos levados a isso - quando há tantos problemas
de ordem nacional que exigem a nossa palavra, que exigem o nosso esforço e
a nossa inteligência (...) A todos estimo, porque, mesmo sendo adversários
políticos, são meu amigos pessoais, meus companheiros nesta Casa, onde
defendemos os interesses do povo e devemos trabalhar, incessantemente,
pela felicidade e grandeza de nossa pátria".
Com essa postura, conseguiu se impor ao respeito de todos.
Definia a política como algo transitório, que não justificava a intriga e
o ódio. O importante era conservar as amizades, porque elas sim deveriam ser
duradouras. Disse Bianor Medeiros: "A cada resposta que dava, a qualquer
esclarecimento que prestava, a cada aparte que recebia, sempre se erguia
como verdadeiro estadista, diplomata, sereno e seguro".
Este era o perfil do senador Walfredo Gurgel.
Aconteceu, entretanto, que o povo do Rio Grande do Norte
convocou Walfredo Gurgel para mais uma missão: governar o Estado. O seu
vice foi Clóvis Mota. Nessa nova missão, continuou agindo com a mesma
serenidade e honradez.
Após deixar o governo, realizou uma viagem de 45 dias ao
continente europeu, visitando vários países: Portugal, Alemanha, Espanha,
Áustria, Inglaterra, etc.
No dia 3 de outubro de 1971, foi constatado que Walfredo Gurgel
sofria de câncer no pulmão, durante um exame que fez no Instituto de
Radiologia de Natal. Logo a seguir, agravou o seu estado de saúde, falecendo
no dia 3 de novembro de 1971, em Natal.
Sobre o velório e a partida do corpo para Caicó, Bianor Medeiros,
seu biógrafo, narrou os acontecimento da seguinte maneira: "Velado pelo povo
o corpo do Monsenhor Walfredo Gurgel permaneceu na câmara-ardente
armada no saguão do primeiro andar do Palácio do Governo durante toda a
noite até às seis horas da manhã de ontem, quando foi transladado para a
Catedral Metropolitana".
"Em fila dupla o povo subiu até o saguão do Palácio para ver o
monsenhor pela última vez e rezar pela sua alma, entregue a Deus. A fila
muitas vezes chegava até a Ulisses Caldas, e não rara vezes dava volta pela
praça Sete de Setembro.
"Todos os ex-secretários do governo do monsenhor estavam
presentes. Na praça Sete de Setembro, o povo permanecia silencioso, triste,
enquanto algumas pessoas rezavam e outras choravam (...) Exatamente às
5h50, o caixão fechado (...) A pé, acompanhado por uma multidão enorme, o
corpo é trasladado para a Catedral Metropolitana. Nas calçadas do próprio
Palácio e da Praça André de Albuquerque, o povo se comprime (...) A missa foi
celebrada por doze padres, à frente o arcebispo Dom Nivaldo Monte. Eram
exatamente 6h05. Silêncio profundo na igreja, somente quebrado por soluços
de pessoas (muitas) que choravam".
"Após a missa teve lutar a encomendação do corpo por Dom Nivaldo
Monte, coadjuvado por todos os vigários que concelebravam a missa. Às 7
horas o corpo é levado pelos auxiliares do monsenhor Walfredo Gurgel até o
carro fúnebre, já a esta altura a multidão era muito maior. O povo chorava nas
calçadas. Todos queriam ainda tocar no caixão. Todos queriam ver o
monsenhor pela última vez".
"Dezenas de carros foram acompanhando o cortejo, que foi
precedido por um carro da rádio-patrulha que, de sirena aberta, abria
passagem para o féretro. Muitas pessoas foram até Macaíba, de onde voltaram
após o último adeus. E o corpo no monsenhor seguiu para ser sepultado na
sua cidade natal: Caicó".
Fascículo 14
A Tradição e a Renovação
Evolução do Ensino e das Escolas no RN
As ordens religiosas, sobretudo a dos jesuítas, foram as instituições
que primeiro se dedicaram ao ensino no Brasil.
No Rio Grande do Norte, o processo educativo começou quando
foram instaladas as vilas, que ficaram sob a administração dos missionários,
inclusive com a tarefa da instrução civil e religiosa.
As meninas foram excluídas do ensino.
Quando as missões religiosas foram extintas, o missionário foi
substituído pelo mestre-escola nas sete vilas que existiam no Rio Grande do
Norte.
Em 1827, surgiram as primeiras escolas primárias. Foram duas: uma
pertencia a dona Francisca Josefa Câmara e a outra, a Francisco Pinheiro
Teixeira.
As primeiras escolas do interior surgiram dez anos depois: São José
de Mipibu, Princesa, Goianinha, Arês, Touros, Mossoró, Acari, Apodi.
Em 1834, o ensino primário foi desmembrado do secundário, e os
governos provinciais passaram a manter os cursos chamados de
"Humanidades" ou "Aulas Maiores".
Basílio Quaresma Torreão fundou o Ateneu que passou a funcionar
no dia 3 de fevereiro de 1834. Basílio Quaresma escolheu o nome da escola,
da versão portuguesa de Athénaion. Como explicou Câmara Cascudo, "no
Ateneu de Atenas os poetas liam os poemas e os historiadores o relato das
jornais pelas terras estranhas e misteriosas".
O Ateneu passou a funcionar numa dependência do Quartel do
Batalhão de Linha, porque o prédio estava desocupado. Foi extinto em 1852. O
presidente da Província, Antônio Bernardo de Passos, fez a escola voltar a
funcionar em 1856, mas só se considerou a partir de 1º de março de 1859,
quando o presidente Nunes Gonçalves instalou-a num edifício novo.
No dia 11 de março de 1954, reinstalou-se o Ateneu em um prédio
moderno, em forma de X, com um ginásio coberto, para a prática de esportes e
de educação física, graças aos esforços do professor Severino Bezerra de
Melo, diretor do Departamento de Educação, e do interesse do governador
Sylvio Pedrosa, em cujo governo a obra foi concluída. O nome foi modificado
para Instituto de Educação porque se pretendia, de fato, fazer funcionar um
instituto de Educação, inclusive com um Grupo Escolar Modelo. Essa proposta
não foi concretizada na sua totalidade. O Ateneu absorveu tudo. Conforme
Chicuta Nolasca Fernandes, "a Escola Normal ocupou uma perninha do X,
exatamente onde nem sequer havia sanitários. "Por essa razão, ela desabafou:
"A Escola Normal era uma hóspede indesejável no Ateneu". E numa entrevista
com Sylvio Pedrosa fez reivindicações. Como conseqüência dessa conferência,
o governo construiu outro edifício, destinado à Escola Normal, Escola de
Aplicação e Jardim Modelo, formando um novo Instituto de Educação.
O ensino que visava preparar professores, para lecionar no ensino
primário, teve um começo dos mais difíceis. A primeira Escola Normal, criada
pelo presidente João Capistrano Bandeira de Melo Filho, foi inaugurada no dia
1º de março de 1874, funcionando numa dependência do Ateneu, sendo extinta
pelo presidente José Nicolau Tolentino de Carvalho.
Foram criadas, outras duas escolas normais. Ambas, entretanto, não
chegaram a funcionar. A quarta Escola Normal foi a que frutificou, segundo
Câmara Cascudo. Fundada em 24/4/1908, como a primeira, anexada ao
Ateneu até 1910.
A 2 de janeiro de 1911, iniciou os seus trabalhos no prédio do Grupo
Escola Augusto Severo.
Em março de 1966, no governo Aluízio Alves, a Escola Normal, após
ser "hóspede" do Instituto de Educação e funcionar na praça Pedro Velho, foi
transferida para novas instalações, em Lagoa Nova, com linhas arquitetônicas
modernas, passando a se chamar Instituto Presidente Kennedy. Inaugurado
quando o senador norte-americano Roberto Kennedy veio a Natal.
Revolução no ensino primário, em Natal, foi realizado pela
Campanha 'De Pé no Chão Também se Aprende a Ler", na administração
Djalma Maranhão (61/64).
Em 1962, Djlama Maranhão fundou o Centro de Formação de
Professores, com o Ginásio Normal e o Pedagógico.
Na administração do prefeito Tertius César Pires Rebello, o Centro
passou a se chamar Instituto Municipal de Educação,
O ensino normal teve seu grande momento em 1966, quando o
professor Alberto Pinheiro de Medeiros, diretor do IME, idealizou uma semana
do normalista, promovida em conjunto pelas Escolas Normais de Natal.
Contou, de imediato, com o apoio da professora Chicuta Nolasco Fernandes,
diretora do Instituto Presidente Kennedy.
Participaram do evento o Instituto Municipal de Educação, Instituto
Presidente Kennedy, Instituto Nossa Senhora Auxiliadora e o Colégio
Imaculada Conceição. A 1ª Semana do Normalista Conjunta , ocorreu no
período de 10 a 14 de outubro de 1966. Houve desfile, conferências, debates e
jogos. Foi encerrada, solenemente, com um festival artístico, no Teatro Alberto
Maranhão. Circulou um jornal. "O normalista", que publicou trabalhos das
alunas.
Voltando a falar sobre o Ateneu, é preciso dizer que o nome Instituto
de Educação teve curta duração. Passou, pouco depois, a se chamar Colégio
Estadual do Rio Grande do Norte, porém, no dia 3 de fevereiro de 1959,
durante o governo de Dinarte Mariz, recebeu a denominação de Colégio
Estadual do Ateneu Norte-Rio-Grandense.
Desde os primeiros tempos, o Ateneu se tornou um centro de
cultura, como disse Tarcísio Medeiros: "em derredor da vida docente e discente
do Ateneu, pode-se dizer sem susto, criou-se e expandiu-se a cultura potiguar.
Os alunos graduados por ele formaram instituições outras que existem até
hoje. Criaram centros literários, jornais e associações nos quais imprimiram
culto de moral e civismo".
Após a proclamação da República, o ensino progredia, abrindo,
inclusive, novas oportunidades às pessoas do sexo feminino. Em 1903, as
primeiras mulheres prestam exames de Humanidades, no Ateneu. Algumas
mulheres se destacaram na vida intelectual potiguar: Isabel Gondim, Dionísia
Gonçalves Pinto (Nísia Floresta) e Auta de Sousa.
O século XX marca o aparecimento de outras escolas. Em Natal:
Colégio da Imaculada Conceição (1901), Colégio Diocesano Santo Antônio
(1903), Colégio Nossa Senhora das Neves (1932). No interior: Colégio Coração
de Maria (Mossoró - 1912), Colégio Santa Terezinha do Menino Jesus (Caicó -
1952), Colégio Santa Águida (Ceará-Mirim - 1937), Colégio Nossa Senhora das
Vitórias (Açu - 1927), etc.
A 10 de setembro de 1914, foi criada a Escola Doméstica, a primeira
do Brasil na sua especialidade, sendo um de seus fundadores, Henrique
Castriciano de Sousa e contava no seu corpo docente com professoras
francesas, inglesas, norte-americanas e suíças. O corpo discente era formado
também por alunas vindas de outros Estados, porém, a maioria das alunas
eram jovens de famílias interioranas, filhas de fazendeiros, comerciantes e
criadores.
Em 24 de junho de 1917, surgiu uma instituição que desempenhou
grande influência na formação moral e cívica da juventude natalense:
"Associação dos Escoteiros do Alecrim", fundada por um grupo de idealistas
(Luís Soares Correia de Araújo, Elói de Souza, Meira e Sá, Henrique
Castriciano, Moisés Soares e Monteiro Chaves).
O ensino fundamental começou a ser ministrado no século XX, com
a fundação da Escola do Comércio de Natal, no dia 8 de dezembro de 1919. E,
sob a inspiração do segundo bispo de Natal. D. Antônio dos Santos Cabral, foi
instalada a Escola Feminina de Comércio, que teve uma experiência efêmera.
Depois, surgiu outra, que funcionou no Colégio Imaculada Conceição, em
1932. Três anos depois, Mossoró instalava uma escola de comércio. No ano de
1940, o Colégio Nossa Senhora das Neves ganhava a sua.
O crescimento do ensino nessa área culminou com a criação de
duas escolas de nível superior. Em Natal, foi fundada a Faculdade de Ciências
Econômicas e Contábeis (1957). Um pouco depois, 1961, a União Caixeiral de
Mossoró fundou a Faculdade de Ciências Econômicas.
O primeiro estabelecimento de ensino superior, entretanto, foi
fundado em 1923, pelo decreto nº 192: Faculdade de Farmácia, que conseguiu
formar apenas dois alunos. Álvaro Torres Navarro e José de Almeida Júnior,
fechando logo depois. Um de seus professores, contudo, Varela Miranda, criou
um produto que ainda hoje é comercializado com o nome de "Sanarina".
Após 1934, o ensino secundário passou por algumas
transformações, até chegar o ensino de primeiro grau e de segundo grau.
Nessa época, somente os estudantes filhos de pais ricos ou que
pertenciam a uma família que tivesse bons recursos financeiros poderiam
estudar em faculdades, em outras capitais do Nordeste ou mesmo do Sul do
País.
Acontece que Natal passou por grande mudanças, devido à
Segunda Guerra Mundial, possibilitando, como disse Itamar de Souza, "às
elites locais um intercâmbio como personagem de uma cultura, mais
cosmopolita. (...) A guerra desprovincializou Natal".
Outro fator importante: o movimento operário cresceu no País, com
os deputados federais debatendo na Câmara questões sociais, com reflexos no
Rio Grande do Norte. Cresceu, em Natal, o prestígio de Café Filho nas classes
mais humildes, José Augusto de Medeiros, adversário político de João Café
Filho, eleito governador do Estado, criou a 1º de maio de 1925, numa
solenidade realizada no Teatro Carlos Gomes (hoje Alberto Maranhão), a
primeira universidade popular do Rio Grande do Norte. As aulas eram
administradas através de conferências, sendo assistidas por grande número de
operários.
Surgiram, posteriormente, as universidades populares de Goianinha
e a de Touros, ambas em 1925.
Em 1944, por iniciativa de D. Marcolino Dantas, o curso de Filosofia
dos padres salesianos, que era ministrado em Jaboatão (PE), foi transferido
para Natal. Tratava-se, como disse Itamar de Souza, "do Instituto Filosófico
São João Bosco, destinado a formar os clérigos salesianos em filosofia,
ciências e letras". Esse instituto funcionou até 1959.
Atualmente, no Colégio Santo Antônio (Marista) funcionava o Curso
Superior de Ciências Religiosas, do Instituto de Humanidades Marcelino
Champagnat, pertencente à Universidade Católica do Paraná. O curso é
dirigido pelo irmão Inácio Ferreira Dantas.

A Escola de Serviço Social foi fundada em 1945

Câmara Cascudo fundou a universidade popular, sendo instalada no


dia 1º de maio de 1948, na sede do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte.
Com a multiplicação das escolas de nível superior, começava a se
formar a base da futura universidade federal: Faculdade de Medicina (1955),
Escola de Auxiliar de Enfermagem (1955), Faculdade de Filosofia (1955),
Escola de Engenharia (1957).
Dr. Onofre Lopes, após grandes esforços, conseguiu ver seu sonho
realizado: a universidade estadual foi criada pela lei 2.307, de 25/06/1958, no
governo de Dinarte Mariz. Dr. Onofre Lopes da Silva foi o seu primeiro reitor.
Incansável, iniciou a luta pela federalização. Essa aspiração se concretizou
pela lei no 3.849, em 18/12/1960, assinada pelo presidente da República,
Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Como conseqüência de um verdadeiro "boom" universitário no
Brasil, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte passou por um período
de expansão, ocorrido sobretudo nos anos compreendidos entre 1971 e 1979,
nas administrações de Genário Alves Fonsêca (1971 a 1975) e de Domingos
Gomes de Lima (1976 a 1979).
Com Genário Alves Fonseca, em 1972, foi implantada a TV
Universitária . Em 1974, algumas unidades foram transferidas para o campus e
foram, também, criados novos cursos de graduação: Arquitetura, Engenharia
Elétrica, Química, etc.
No ano de 1973, a universidade partia para conquistar o interior,
com a instalação do Núcleo Avançado de Caicó. Depois, viram os campi de
Currais Novos, Macau e Santa Cruz.
Anteriormente, a universidade tinha criado o CRUTAC, que prestou
grandes serviços à comunidade norte-rio-grandense, com alunos estagiando e
atuando em diversas áreas.
A administração do professor Gomes de Lima foi sintetizada da
seguinte maneira por Itamar de Souza: "Este foi o quadriênio de maior
dinamismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A capacidade de
trabalho do Magnífico Reitor, professor Domingos Gomes de Lima, transformou
a vida universitária em todos os setores".
Em síntese, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte não
apenas substituiu o papel exercido antes pelo Ateneu, como foi mais além,
dando uma efetiva contribuição ao desenvolvimento do Estado.
Na Zona Oeste, foi instalada a Universidade Regional do Rio Grande
do Norte que também se expandiu, desenvolvendo um papel de relevo naquela
região.
O Instituto Presidente Kennedy, no governo de José Agripino,
quando Marcos Guerra exercia as funções de secretário de Educação, foi
redimensionado, através de uma proposta com o objetivo de formar um novo
professor. Passou, então, a ofertar um convênio entre a Universidade Regional
do Rio Grande do Norte, que legalmente oferta o curso, Secretaria de
Educação do Estado, contando com a assessoria do professor Michel Brault
(Programa de Cooperação Técnica Brasil-França). Mantém o 1º Grau como
escola laboratório.
A primeira diretora, a partir da execução desse projeto, foi a
professora Eleika Bezerra Guerreiro, contando com a consultora pedagógica
Maria Isaura Pinheiro, com larga experiência na formação de professores.
Os professores-alunos pertencem ao Estado e a alguns municípios.
O diretor atual é o professor e psiquiatra Quinho Chaves.
O sistema cooperativista de ensino foi implantado em Natal, no ano
de 1993, quando começou a funcionar o Colégio Cooperativista Independente,
fundado por funcionários do Banco do Brasil.
Outra escola que funcionava nesse sistema é o Colégio
Cooperativista Freinet, fundado em 1996. Para Eleika Bezerra Guerreiro, uma
das fundadoras do Freinet, "trata-se de garantir aos pais a opção de um ensino
de qualidade a preços acessíveis. Com isto estaremos contribuindo para a
diminuição de um grave problema social".

Poetas, Escritores e Intelectuais

A vida intelectual, no Rio Grande do Norte, estava ligada ao


jornalismo político. E a "modinha", no dizer de Câmara Cascudo, representava
a "exteriorização literária".
O mesmo autor descreve o contexto da época: "os poetas ficavam
na classe populesca dos improvisados ou dos modinheiros, versos eram
musicados e cantados nas serenatas, acompanhados pelos vilões sonoros".
Alguns poetas que se destacaram na época foram Miguel Vieira de
Melo (1821-1856), Gustavo da Silva (1832-1856), Rafael Aracanjo da Fonseca
(1811-1882), etc.
O primeiro jornal do Rio Grande do Norte, o "Nordeste", foi fundado
pelo padre Francisco Brito Guerra, em 1832.
Depois, João Manuel de Carvalho, fundou o primeiro órgão de
imprensa de caráter literário, chamado 'O Recreio'.
Outros jornais foram surgindo com maior ou menor duração,
revelando para a comunidade diversos jornalistas e intelectuais: Joaquim
Fagundes (1857-1877) e José Teófilo (1852-1879), por exemplo.
Na década 1870 - 1880, os bailes, que eram mensais, se
transformaram em locais onde as pessoas cantavam e declamavam poesias.
Merece destaque uma potiguar que passou vinte e oito anos na
Europa e se tornou célebre pela sua luta a favor do soerguimento da mulher,
sendo igualmente, uma grande escritora. Dionísia Gonçalves Pinto, mais
conhecida pelo seu pseudônimo Nísia Floresta, nasceu no sítio Floresta, em
Papari (hoje Nísia Floresta, em sua homenagem), no dia 12 de outubro de
1810, falecendo na França, em Rouen, a 24 de abril de 1885. A sua bibliografia
é ampla: "Daciz ou a Jovem Completa" (Rio, 1847), "Itineraire d'un voyage en
Allemagne" (Paris, 1857), "A Mulher" (Londres, 1856), etc.
Falando sobre Nísia Floresta, Maria Eugênia M. Montenegro
classificou-a como "ilustre pensadora e idealista, a autodidata, a revolucionária,
a enfermeira, a jornalista e abolicionista e republicana, que pregava a
igualdade das províncias e das casas. "(Revista Brasília, no LXX, abril - maio
de 1996).
Constância Lima Duarte publicou, em 1995, um livro sobre a vida e
obra de Nísia Floresta, onde constata "que a história de Nísia Floresta não se
limita às primeiras páginas onde apresento dados específicos referentes a sua
vida e obra. Nem termina realmente ao final da análise do último texto. Se cada
um deles introduz dados, revela traços de sua personalidade, de suas lutas, de
suas obsessões, de seus conflitos, a figura de Nísia Floresta Brasileira Augusta
fica por ainda se compor, a partir de tudo isso que aí está, e de tudo o mais,
que teima em se manter oculto aos nossos olhos".
Luís Carlos Lins Wanderley é o autor de "Mistério de um Homem",
em dois volumes. É apontado por alguns como sendo o primeiro romance
escrito no Rio Grande do Norte.
Isabel Urbana de Albuquerque Gondim nasceu, provavelmente, em
1839, também em Papari. Foi professora, poetisa e a primeira historiadora do
Estado. Escreveu várias obras, como 'Sedição de 1817, na Capitania do ora
Estado do Rio Grande do Norte"(1919), "O Sacrifício do Amor" (1919), "Lira
Singela" (1933), etc.
No movimento abolicionista, brilhou Segundo Wanderley.
Vem, depois, a geração do Oásis que, como disse Câmara Cascudo,
"nasceu literalmente com o advento republicano". Dessa fase se destacaram
dois irmãos: "Henrique Castriciano e Auta de Souza.
Henrique Castriciano, bacharel em Direito, muito viajado, e
possuidor de uma grande cultura, chegou a ser vice-governador do Estado.
Como disse Romulo Wanderley, foi "jornalista, escritor, crítico, impões-se aos
seus contemporâneos pelo talento, pela cultura e pela inspiração poética".
São seus os seguintes versos:
"Ah! Como é triste o aboio! Ah, como é triste o canto sem palavras -
tão vago - a saudade exprimindo.
Das selvas do sertão, no mês de junho rindo.
Pelos olhos azuis das crianças, enquanto
No tamarinho verde, asas abertas, trina
À beira dos currais, o galo de campina!
Auta de Souza, poetisa, escreveu apenas um livro, "Horto", com
várias edições.
A poesia "Meu Pai", começa assim:
"Desce, meu Pai, a noite baixou mansa
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninham-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa".
Os primeiros teatros de Natal foram barracões de palha, construídos
no local onde hoje é a praça Gonçalves Lêdo. Todos os três foram destruídos
pelo fogo.
Os grupos de amadores, contudo, não desanimam. "Representavam
em teatrinhos improvisados", disse Câmara Cascudo.
O comerciante João Crisóstomos de Oliveira fundou o Teatro de
Santa Cruz, localizado na atual João Pessoa, em 1880. Não dava lucro. Os
amadores se apresentavam de graça. Falando sobre a importância desse
teatro, Câmara Cascudo fez o seguinte comentário: "De 1880 em diante o
Santa Cruz reúne todas demonstrações literárias da terra. Com a abolição aí se
funda a Libertadora Natalense. Com a República, aí discursaram os tribunos,
Olinto Meira, Braz de Melo, Nascimento de Castro, Augusto Severo, Pedro
Velho. Nas cisões políticas, aí acampam os oposicionistas com o Clube
Republicano 15 de novembro. Ali a companhia de José de Lima Penante
recebeu aplausos e deixou saudades".
No dia 17 de abril de 1894, caiu a cobertura do teatro que
desapareceu nesse momento.
O século XX é a frase da Oficina Literária, onde se destacaram
Francisco Cavalcanti, Jorge Fernandes, Clementino Câmara.
Um grande poeta dessa geração foi Manoel Virgílio Ferreira Itajubá,
que nasceu em Natal, escrevendo versos como os que se seguem:
"Vi-te. Era noite. A lua decorada
Brilhava nas paragens luminosas
E a noite estava toda embalsamada,
Porque exalavam no canteiro as rosas".
No dia 29/3/1902, foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Norte, por um grupo de intelectuais, entre eles, Vicente Lemos,
autor do clássico "Capitães Mores e Governadores do Rio Grande do Norte".
Faziam parte do instituto Luís Fernandes, Manoel Dantas,. Pedro Soares e
tantos outros. O instituto publica, ainda hoje, uma revista. O seu atual
presidente é o advogado Enélio Lima Petrovich.
O Teatro Carlos Gomes foi inaugurado em 1904, no primeiro
governo de Alberto Maranhão. O ilustre político, não satisfeito, ao assumir o
governo pela segunda vez, promoveu grandes reformas no teatro que hoje tem
o seu nome. Câmara Cascudo descreveu que "nasceu outro teatro, amplo,
confortável, arejado, moderno".
No início do século, o coronel Francisco Justino de Oliveira Cascudo
fundou "A Imprensa" (1914-1926), que teria brilhante trajetória. O Centro
Polimático (1920-1924) lançou uma revista que publicava importantes estudos,
que segundo Humberto Hermenegildo de Araújo, foi "de valor fundamental para
a compreensão do processo de criação de uma consciência, digamos
"potiguar". "Apareceu também uma revista feminina, chamada Via Láctea
(1914-1915), onde se destacaram Palmira e Carolina Wanderley.
Foi uma época de grande efervescência literária, onde brilharam
nomes como Nascimento Fernandes, Anfilóquio Câmra, Armando Seabra,
Jayme Wanderley. Segundo Humberto Hermenegildo de Araújo, "publicaram-
se, naquela década, alguns títulos que ainda hoje são de fundamental
importância para a compreensão do início da nossa vida literária: "Alma
patrícia" (1921) e "Joio" (1924), ambos de Luís da Câmara Cascudo; "Poetas
Rio-Grandenses do Norte" (1922), de Ezequiel Wanderley", "Versos" (1927), de
Lourival Açucena'e "Terra Natal" (1927), de Ferreira Itajubá".
Câmara Cascudo, atendendo a um apelo da Federação das
Academias de Letras, com um grupo de amigos e intelectuais, fundou a
Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, em 14/11/1936, na sede do Instituto
de Música, sendo eleito Henrique Castriciano, presidente. Entre os fundadores
da academia, podem ser citados os seguintes intelectuais: Adauto Câmara,
Otto de Brito Guerra, H. Castriciano, Edgar Barbosa, Antonio Soares de Araújo,
Nestor dos Santos Lima, Januário Cicco, Floriano Cavalcanti, Lu;is Gonzaga do
Monte.
O atual presidente dessa academia é o advogado Diógenes da
Cunha Lima.
A partir do século XX, surgiram vários jornais, em diversos
municípios do Rio Grande do Norte. Em Açu: "O Alphabeto" (1917), "A Cidade"
(1901 a 1908), "Jornal do Sertão" (1928), "O Vale (1937). Em Caicó: "A Folha"
(1928), "Jornal de Caicó" (1930), "O Seridó" (1900-1901), "A Verdade" (1933).
Em Macau: "Folha Nova" (1913), "Gazeta de Macau" (1909), "O Imparcial"
(1918), "O Nacionalista" (1959), "A Voz de Macau" (1951). Em Mossoró: "Jornal
do Oeste" (1948), "A Palavra" (1926), "O Trabalho" (1926), "Desfile" (1946).
A "Coleção Mossoroense" tem editada uma série muito grande de
livros, prestando, assim, uma efetiva colaboração ao desenvolvimento cultural
do Estado. Publicou "Notas e Documentos para a História de Mossoró", de Luís
da Câmara Cascudo; "Lampião em Mossoró", de Raimundo Nonato; "Um
possível caso de telegonia entre os nossos indígenas", de Jerônimo Vingt
Rosado Maia, etc.
De Açu, brilha Maria Eugênia Montenegro. Natural de Lavras (MG),
se integrou no movimento literário potiguar. Publicou livros de poesias ("Azul
Solitário') e, inclusive, um de ficção filosófica ("Alfar, A que Está Só").
Pertence às academias de letras de vários Estados e à do Rio
Grande do Norte.
De Macau, Edinor Avelino, jornalista, colaborou em diversos jornais
da capital ("A Imprensa", "A República", "A Opinião" e "Democrata") e em
outros do interior: "Folha Nova" (Macau), "A Cidade" (Açu), "O mossoroense"
(Mossoró).
No poema "Macau", considerado como sendo sua obra-prima,
escreveu:
"A minha terra, calma e boa, trago-a nas cismas de saudade em que
ando atento,
contemplando-a com os olhos cheios d'água.
nos grandes vôos do meu pensamento.
É das mais ricas terras pequeninas.
Apraz-me repetir, quando converso;
possui alvas e esplêndidas salinas,
as melhores salinas do universo".
De Ceará-Mirim, três nomes. Nilo Pereira, que tece, entretanto, uma
grande atuação em Pernambuco, onde foi diretor da Faculdade de Filosofia da
Universidade Federal de Pernambuco, com extensa bibliografia, podendo se
citados: "O destino das Faculdades de Filosofia na Universidade" (Natal, 1957),
"Humanismo de Luiz de Camões" (Recife, 1957) e "Evocação do Ceará-Mirim"
(Recife 1959), etc.
José Sanderson Deodato Fernandes de Negreiros, poeta, jornalista,
quando foi eleito para a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, era o mais
jovem daquela instituição. Trabalhou na "Tribuna do Norte", "Diário de Natal",
sendo também, redator e repórter de duas revista do Sul do País, "Manchete" e
"Visão".
Autor de "Ritmo da Busca" (1956) e "Lances Exatos" (1966), é
também de sua autoria a poesia "O gesto":
Despe o corpo, tatuado de
relâmpagos. Ensarilhas ventos
ao som da ternura e apunhalas
o horizonte. Mas dentro de ti,
o coração canta, além.
do remoto mar das tapeçarias.
Deitaste o pão e água em minha
solidão, e amo-te por me teres
amado pelo próprio amor
desprotegida, ó incendiária do repouso".
Edgar Barbosa, formado em Direito, no Recife, em 1932, trabalhou
em vários jornais: "A República", "O Debate", "A Ordem", etc. Foi fundador da
Faculdade de Filosofia e seu primeiro diretor. Escreveu, entre outros livros:
"História de uma campanha (1936), "Três Ensaios" (Recife, 1960), "Imagens do
Tempo" (Natal, 1966).
De Nova Cruz, Diógenes da Cunha Lima Filho, poeta, advogado,
professor, ex-reitor da UFRN, ex-presidente da Educação e Cultural do Estado,
publicou "Lua Quatro Vezes Sol" (1967), "Tradição e Cultura de Massa" (1973),
"Câmara Cascudo, um homem feliz", etc.
Em "Memórias das Águas", diz Diógenes da Cunha Lima:
"O espectro do rio foge
Quando dorme o Potengi.
Sua memória lavada
Em muitas águas desliza
Das nascentes do verão".
De São Vicente, D. José Adelino Dantas, com grande atuação no
Seridó. Foi bispo de Caicó, nomeado pelo papa Pio XII, em 1952. Colaborou no
jornal "A Ordem". Depois, foi nomeado bispo de Garanhuns (PE) e, a seguir, de
Rui Barbosa, na Bahia.
Pertenceu à Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, tendo
publicado "A Formação do Seminarista"(1947), "Homens e Fatos do Seridó
Antigo" (1962), "O Coronel de Milícias Caetano Dantas" (S/Data).
Falando sobre D. Adelino Dantas, disse Sanderson Negreiros:
"pesquisador que se debruça sobre o documento faz isso com amor e
sabedoria, com calor humano e absoluta sinceridade de propósitos".
Em abril de 1963, o governo Aluízio Alves inaugurou a Fundação
José Augusto que funcionou inicialmente "como faculdade para os cursos de
Jornalismo, Sociologia e Política e Escola Superior de Administração, além de
manter o Instituto Juvenal Lamartine de Pesquisas Sociais e a Gráfica Manibu.
Somente a partir de 1968, com a mudança do Estatuto, é que a Fundação
passa a fazer o trabalho de fomento à cultura potiguar, exercendo um papel
semelhante ao de uma Secretaria de Cultura estadual".
"Presente na vida cultural do Estado, desde a edição de livros,
promoção de eventos, até a preservação do patrimônio histórico, a Fundação
José Augusto também detém a guarda e manutenção de importantes prédios e
instituições, como o Forte dos Reis Magos e o Memorial Câmara Cascudo, a
Biblioteca Pública Câmara Cascudo, Museu Café Filho e o de Arte Sacra".
"O teatro Alberto Maranhão, onde funciona uma Escola de Danças,
o Instituto de Música Waldermar de Almeida, com mais de 500 alunos
matriculados, são outras entidades geridas pela Fundação José Augusto,
presidida pela segunda vez pelo jornalista Woden Madruga (a primeira gestão
ocorreu de 1987 a 1990)".
"Uma Orquestra Sinfônica em plena atividade, que realiza concertos
oficiais, populares e educativos mensais, sempre trazendo ao Estado
renomados solistas, um coral (Canto do Povo), com reconhecimento nacional e
no exterior, tendo representado o Brasil em 1995 em temporada na Alemanha,
França e Itália, onde se apresentou para o papa João Paulo II, são outros dos
orgulhos da Fundação José Augusto".
"Na atual administração, vários projetos de sucesso têm sido
desenvolvidos, como o Projeto Seis e Meia, que é apresentado todas as terças-
feiras, às 18h30, no Teatro Alberto Maranhão, sempre com um cantor local e
um nacional. Esse projeto, que tem uma média de público, por sessão de 620
pessoas, é no estilo do extinto Projeto Pexinguinha, que foi realizado em todo o
País na década de 70. Por ele já passaram artistas como Paulinho da Viola,
Leila Pinheiro, Jamelão e Sivuca, entre tantos outros.
"Na luta para revitalizar os grupos e artistas populares, foram dadas
indumentárias, instrumentos, oportunidades de apresentação em Natal e fora
do estado, e criado o Projeto Chico Traíra, que edita e distribui com os autores
de jovens e contemporâneos. Edita ainda o jornal cultural "O Galo",
mensalmente, promovendo Salões de Artes Plásticas e de Humor e dando
apoio às atividades teatrais, seja através da apresentação do teatro brasileiro,
como Amir Haddad". (Documento fornecido pela Asssessoria de Imprensa da
Fundação José Augusto - 1997).
Fascículo 15
Mestres de Ontem e de Hoje
Riqueza Intelectual Norte-rio-grandense
No governo do monsenhor Walfredo Gurgel, a Fundação José
Augusto promoveu o "Prêmio Nacional Luís da Câmara Cascudo", cujo
vencedor, foi o escritor Américo De Oliveira Costa (profundo conhecedor da
literatura francesa), com o trabalho "Viagem ao Universo de Câmara Cascudo",
que foi editado pela própria FGA, em 1969, na gestão de Hilma Melo.
No final dos anos 60 surgiu um movimento literário, provocando um
impacto no Rio Grande do Norte e também no Brasil: o lançamento simultâneo
em Natal e no Rio de Janeiro do Poema/Processo. Segundo Álvaro de Sá, "o
Poema/ Processou criou muito e radicalmente". Por essa razão, entrou em
conflito com a tradição, cometendo algumas injustiças. Moacyr Cirne, um dos
fundadores do movimento, reconhece que "não soubemos enfrentar a questão
cascudeana". Mas o inimigo não seria Cascudo e sim "toda uma estrutura
política, econômica e ideológica conservadora, reacionária, castradora". O
movimento encontrou, na realidade, uma resistência muito forte, Nei Leandro
de Castro chegou a dizer, num grande desabafo, que "o poema/processo me
faz passar oito ou dez anos sem escrever poesia, pode desencanto, por
desalento". Nei Leandro de Castro foi premiado em 1996, pela revista Playboy,
com o conto "Nossa semelhança com os deuses". É também romancista,
escreveu o livro "Ojuara" (As Pelejas de Ojuara).
Entre os poetas ,que se destacaram na vida literária potiguar e que
faleceram numa época não muito distante, podem ser citados:
- Myriam Coeli, natural de Manaus, porém, norte-rio-grandense de
São José de Mipibu por opção. Segundo Carlos Guimarães, a poetisa
conseguiu fazer a "interação exata entre a idéia e a forma". Seu livro de estréia,
"Imagem Virtual" (1961), foi escrito em parceria com seu marido, Celso da
Silveira que, como ela, também fazia versos, além de atuar como jornalista.
Outros trabalhos de Myriam Coeli são "Vivência sobre Vivência" e "Cantigas de
Amigos" (1980).
- Zila da Costa Mamede, nasceu na vizinha Paraíba, em Nova
Palmeira, vindo para Natal no ano de 1935. Seu primeiro livro, "Rosa de
Pedra", é de 1953. Publicou, ainda, "Salinas" (1958), "Navegos" (1978) etc.
Assim Zila Mamede cantou a rua Trairi, onde morou:
"Meu chão se muda em novos alicerces,
sob as pedreiras rasgam-se meus passos;
e a velha grama (posto de lirismo)
afoga-se nos sulcos das enxadas".
Ex-diretora da Biblioteca Central da UFRN, Zila Mamede escreveu
"Luís da Câmara Cascudo: 50 anos de vida intelectual - 1918 a 1968", pela
Fundação José Augusto, 1970.
- Esmeraldo Siqueira foi, como disse Romulo Wanderley, um "crítico,
ora impiedoso, ora humano, poeta de profunda sensibilidade e apurado gosto
na forma de seus versos". Entre outros livros, escreveu "Caminhos Sonoros"
(1950) e "Poemas" (1950).
Nos dias atuais um novo livro: "poço, festim, mosaico".
- Outro poetisa de grande força é Diva Cunha, autora de obras como
"Canto de Página" (1986), onde diz:
"desta janela
ela é menos velha
que vista palmo a palmo
é luz de luz dourada
é verde ainda que
tarde".
Falando sobre a poetisa, disse Vicente Serejo: "Diva, que tem nas
mãos os grãos da poesia, plantados no tempo e germinando nos invernos da
alma".
- Paulo de Tarso Correia de Melo é um autor premiado. Recebeu em
1991 dois prêmios: Prêmio Estadual de Poesia Auta de Souza, com "Natal:
secreta biografia" e o Prêmio Municipal de poesia Othoniel Menezes, com a
publicação do livro "Folhetim Cordial da Guerra em Natal e Cordial Folhetim da
Guerra em Parnamirim". Em sua poesia, sem qualquer vislumbre de
pedantismo, transparece a marca da sólida formação acadêmica de que é
portador. Daí a propriedade da apreciação: "A poesia de Paulo de Tarso foi
caracterizada como sendo intencionalmente textual e oralizante, marcada pela
tentativa de integração do ancestral ao regional e pelo aproveitamento do falar
cotidiano".
- Luís Carlos Guimarães escreveu sete livros, entre os quais podem
ser citados: "O Aprendiz e a canção" (1961), "O sal da palavra" (1961) e o
último, "O fruto maduro", quando segundo Hildeberto Barbosa Filho, "como que
se refaz e se repensa no âmbito mesmo da sua particular textualidade".
Na "Elegia para Zila Mamede", ele presta uma homenagem à sua
amiga:
"Sabias que morrerias no mar
Assim seria, disseste sem medo
em canção e alegia. Acreditar
só acreditamos quando tão cedo
Partiste: a morte - como anunciada-
boiava à deriva no corpo morto
e pela luz da manhã revelada
lançou a âncora no último porto".
A poesia visual continua seu caminhar, através dos trabalhos de
Jota Medeiros, Anchieta Fernandes, Franklin Capistrano, além de outros.
Ao contrário do que muita gente imagina, o Rio Grande do Norte
teve e tem ficcionistas, como, por exemplo Antônio José de Melo e Souza, mais
conhecido pelo seu pseudônimo Polycarpo Feitosa. Como intelectual, ele foi
escritor, jornalista, poeta, historiador, contista e romancista. A sua atuação
maior, contudo, foi como contista e romancista. Alguns de seus livros: "Flor do
Sertão" (1928), "Gizinha" (1930) e "Alma Bravia" (1934).
Eulício Farias de Lacerda, paraibano, fixou residência em Natal
desde 1952. Escreveu contos e romances: "O Rio da Noite Verde" (Prêmio
Câmara Cascudo, 1972, editado em 1973), "As Filhas do Arco-Íris" (1980) e
"Os desertados da chuva" (1981) são marco de sua carreira de escritor.
Newton Navarro, além de ser artista plástico de grande talento e
poeta, escreveu um livro de contos, "O Solitário Vento do Verão" (1961), e um
de crônicas, "Do outro lado do rio, entre os morros".
Manoel Onofre Júnior, contista e autor de diversos livros: "Serra
Nova" (1964), "Chão dos Simples" (1985), "A Primeira Feira de José" (1973).
Escreveu, também, "Estudos Norte-Riograndenses" (1978).
Falando sobre o autor, disse Edgar Barbosa: "Pessoas, paisagens,
costumes, as coisas que você guardou além do tempo e da distância, saem do
espaço físico para o mundo colorido da verdade: a literatura não ordena mais
do que isso ao verdadeiro escritor. Assim, você vem construindo uma "saga" na
melhor concepção que lhe imprimiram Guimarães Rosa e Mário Palmério".
Alberto Pinheiro de Medeiros, "Destaque Especial", no VII Concurso
Nacional de Contos (1995), com a 'Missa no Santuário da Virgem Maria", obra
publicada na antologia "Contos do Brasil Contemporâneo", no vol. XXI. 1995.
O seu último trabalho premiado foi o conto "Matar o presidente?",
publicado na antologia "Contos do Brasil Contemporâneo", vol. XXIII, 1997.
Recebeu, nesse ano, a láurea "Stella Brasiliense", indicado pelo Conselho
Editorial na revista Brasília. É verbete da Enciclopédia da Literatura Brasileira
Contemporânea", vol. VI, 1995, Rio de Janeiro, organizada pelo jornalista e
escritor Reis de Souza.
José Melquíades de Marcelo escreveu o romance "Juca Porfiro"
(1997) além de biografias, como a do "Padre Francisco de Brito Guerra, um
senador do Império" (1968). Após curso de especialização em Literatura e
Lingüística, nos Estados Unidos, a Mulher e o Cachorro" (1960). Para
Veríssimo de Melo, o autor é "um homem de cultura clássica, lúcido e de ágil
inteligência".
Iaperi Araújo, autor do livro "Canções da Terra" (1965), quando
reuniu cerca de dez contos, prestando homenagem aos "homens que lutam na
gleba queimada, para toda uma população, fixa na terra, amando o amargo
chão, que o sol crêma com violência".
Além de Newton Navarro e Iaperi Araújo, outros nomes surgiram no
mundo das artes plásticas: Dorian Gray Caldas, Tomé Filgueira, Túlio
Fernandes, Carlos José, Socorro Trindade, Maria Márcia de Medeiros Dantas e
Márcia Tresse.
No campo da História, desaparecidos grandes pesquisadores, como
Vicente Lemos, Tavares de Lyra, Câmara Cascudo, Hélio Galvão, continuam
produzindo Tarcísio Medeiros ("Proto História do Rio Grande do Norte" - 1985),
Olavo de Medeiros Filho ("Aconteceu na Capitania do Rio Grande" - 1997),
João Wilson Mendes Melo (Introdução ao Estudo da História"1984), Hélio
Dantas ("José Pacheco Dantas" - 1978), Cláudio Pinto Galvão ("Osvaldo de
Souza, o canto do Nordeste" - 1988), todos do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte.
Um núcleo sólido de pesquisadores surgiu no Departamento de
História da UFRN. A pesquisa foi incentivada, sobretudo, a partir da fundação
de uma revista, "História UFRN", em 1987, quando o Curso de História
comemorava trinta anos de existência. Faziam parte desse grupo, Denine
Monteiro Takeya ("Um Outro Nordeste, o algodão na economia do Rio Grande
do Norte" - 1985), Sebastião Fernandes Gurgel Filho (Ensaios Literários e
Políticos"- 1988), Zélia Pinheiro de Medeiros (co-autora de "Roteiro para o
Estudo da História do Rio Grande do Norte" - S/data), Geraldo Batista
("Moleque de Acari" - 1993), Marlene da Silva Mariz ("A Revolução de 1930 no
Rio Grande do Norte, 1930 - 1934" - 1984), Clyde Smith Júnior ("Trampolim
para Vitória" - 1993) etc.
A verdade é que a Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
nas diversas áreas de atuação, tem contribuído para o desenvolvimento sócio-
cultural-científico e econômico do Estado. O seu atual reitor é o professor
Ivonildo Rego.
Recentemente foi inaugurada, em Natal, a Universidade Potiguar,
com impressionante crescimento, desfrutando de grande credibilidade na
sociedade norte-rio-grandense. O seu primeiro e atual reitor é o professor
Mizael Araújo Barreto. No último vestibular, realizado em novembro de 1997,
aprovou cerca de 2.250 candidatos.
Nas artes cênicas, Jesiel Figueiredo procurou soerguer o teatro,
encenando peças infantis e dramas clássicos, obtendo grande sucesso.
Chegou, inclusive, a fazer funcionar um teatro, no bairro do Alecrim, com o seu
nome.
Na atualidade, um dramaturgo ganhou importância: Racine Santos.
O bailarino e coreógrafo Roosevelte Pimenta, no Ballet Municipal,
vem se tornando conhecido pelo seu talento, promovendo grandes e belos
espetáculos, e, ainda, conseguindo descobrir novos valores.
Por outro lado, Corpovivo Companhia de Dança se encontra numa
ótima fase, trazendo a professora Kelli Griffin para dar aulas de dança. A
Companhia foi convidada para se apresentar na cidade de Salvador, durante a
Oficina Nacional de Dança Contemporânea.
Entre os intelectuais, da época contemporânea, podem ser citados:
Moacyr de Góes ("Sem paisagem" - 1991), João Medeiros Filho ("82 horas de
Subversão" - 1980), Alvamar Furtado de Mendonça ("José da Penha, um
romântico da República - 1970), Francisco das Chagas Pereira ("Eloy de
Souza" - 1982), Jayme da Nóbrega Santa Rosa ("Acari - Fundação, História,
Desenvolvimento - 1974), Bianor Medeiros ("Monsenhor Walfredo Gurgel - um
símbolo" - 1976), Lenine Pinto ("Natal, USA" - 1995), Antonio Soares Filho
("Antídio de Azevedo" = 1978), Edinor Avelino ("Síntese" - 1968), José
Wellington Germano ("Lendo e Aprendendo" - 1992), Nilo Pereira ("Imagens do
Ceará-Mirim" - 1969), José Lacerda Felipe ("Aspectos Naturais do Seridó" -
1978), D. Nivaldo Monte ("Se todos os homens... conhecessem o dom de
Deus" - 1963), Jurandir Navarro ("Antologia do Padre Monte") etc.

Literatura Rompe as Fronteiras

Em 1964, Veríssimo de Melo publicava o estudo "Dois Poetas do


Nordeste", da Coleção "Aspectos", do Ministério da Educação e Cultura,
abordando o trabalho de Jorge Fernandes e Ascenço Ferreira.
Manuel Bandeira ficou entusiasmado com a poesia de Jorge
Fernandes a ponto de dizer o seguinte: "Jorge Fernandes falou em muitos dos
seus poemas com um timbre que é só dele: falou de coisas do Brasil com o
sabor que é só dele; aquele seu livro deve estar na biblioteca de todos os
brasileiros". Outro admirador do poeta potiguar foi Mário de Andrade que fez o
seguinte comentário: "Você é original, é incontestável e é de uma originalidade
natural nada procurada".
Jorge Fernandes provocou um escândalo em Natal, porque foi o
primeiro poeta potiguar a desprezar rima, cultivando os versos livres.
Em 1979, os poetas potiguares João Batista de Morais Neto,
Franklin Jorge, Vicente Vitoriano e Carlos Humberto Dantas tiveram seus
poemas traduzidos pelo crítico e tradutor Gilbert Chaudanne e publicados na
revista francesa Prisme.
Outros intelectuais do Rio Grande do Norte obtiveram êxito nos
concursos literários, promovidos anualmente pelo Grupo Brasília de
Comunicação, tiveram seus trabalhos em antologias e, ainda, alguns viram
suas crônicas publicadas no Anuário do Clube Literário de Brasília.
Entre os intelectuais que tiveram suas obras incluídas em antologias
editadas pelo Grupo Brasília de Comunicação, podem ser citados: Adalzirene
Nunes de Carvalho (Mossoró), Emídio Lopes de Araújo (Natal), Fábia Maria
Diógenes (Natal).
A poeta Marize Castro teve recentemente o seu poema "Vinho",
traduzido por Steven F. White, para a revista The American Voice:
"Se o queres seco
para molhar a garganta
eu o quero suave
para reinventar
essa chama
se o queres branco
para velar a virgem
eu o quero
vermelho
do porto
para aportar
as paixões
que me dividem".
Nivaldete Ferreira, paraibana, radicada em Natal, teve o conto "O
Descanso das Sílabas" e o livro "psilinha Cosmo de Caramelo" premiados em
concurso promovidos pela União Brasileira de Escritores, com sede no Rio de
Janeiro.

A Prosa Animada de Câmara Cascudo

Segundo Diógenes da Cunha Lima, Câmara Cascudo foi um


"escritor, folclorista, etnógrafo, antropologista cultural, crítico, sociólogo, orador,
conferencista". Possuindo, "sobretudo, o dom da prosa, animada, viva,
cintilante, com a faculdade rara, feliz, de espalhar bom humor e irradiar
simpatia em torno de si".
Luís da Câmara Cascudo nasceu no dia 30 de dezembro de 1898,
no bairro da Ribeira, Natal, Filho do coronel Francisco Justino de Oliveira
Cascudo e de dona Ana da Câmara Cascudo.
Estudou no Externato Sagrado Coração de Jesus, colégio feminino,
dirigido por duas irmãs, Guilhermina e Maria Emília de Andrade.
Teve dois professores particulares, Pedro Alexandrino, ensinando
Literatura Clássica, e Francisco Ivo Cavalcanti, lecionando Conhecimentos
Gerais.
O pai, discordando da educação feminina que recebia, colocou o
filho no Colégio Santo Antônio.
Foi menino rico, pois, como ele mesmo disse, "meu pai e seus
amigos enchiam-me de presentes, trazidos do sul ou mandados vir da Europa
(...) Mas, brincava sozinho. "Esse fato marcou o menino de tal maneira que,
quando adulto, não esqueceu: "falar só, abstração, timidez - repulsa ao grupo,
silêncio pelo isolamento, intensidade de vida, interior suprindo a distância da
convivência menina. Lia muito, mais do que apreciava os jogos materiais.
Ficava horas e horas imóvel, num caldeirão de braços com o livro na perna,
viajando na imaginação. Deveria ser introvertido, ensimesmado, caladão. Foi
ao contrário"- sou extrovertido, palrador, derramado".
Apesar de rico, foi um menino triste: "Fui menino magro, pálido,
enfermiço. Cercado de dietas e restrições clínicas. Proibiram-me
movimentação na lúdica infantil".
Ao crescer, Câmara Cascudo, era um jovem elegante, com roupas
confeccionadas pelo Joca Lira. E fazia compras nas melhores lojas: Paris em
Natal, Natal Modelo e A Chilena. Era um rapaz muito estimado pelas moças
natalenses. E se dizia, inclusive, que ele possuía duas namoradas com o
mesmo nome: Alzira...
Apaixonou-se, entretanto, por uma moça de dezesseis anos, Dália,
filha do desembargador Teotônio Freire e de dona Sinhá Freire. Com ela se
casou, no dia 21 de abril de 1929. Teve dois filhos: Fernando Luís e Ana Maria
Cascudo.
Menino rico, rapaz elegante, adulto pobre, sendo obrigado a
trabalhar para viver. Exerceu várias funções públicas: professor, chegando a
ser diretor do Ateneu Norte-Rio-Grandense. Exerceu os cargos de secretário
do Tribunal de Justiça e consultor jurídico do Estado. Em 1951, ingressou na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como professor de Direito
Internacional Público.
Em 1948, recebeu o título de "Historiador da Cidade do Natal", das
mãos do prefeito Sylvio Pedroza.
Ingressou no jornalismo, escrevendo a seção "Bric-à-Brac", no jornal
de seu pai, "A Imprensa". Assinou uma crônica diária, em "A República", que o
tornou famoso:: "Acta Diurna" (foram escritas, ao lado cerca de 3.200 crônicas).
Colaborou em vários órgãos de imprensa de Recife: Jornal do
Comércio, Diário de Pernambuco, Diário da Manhã, e, também, em outros
jornais do país.
Câmara Cascudo foi, como disse Luiz Gonzaga de Melo, "um dos
maiores divulgadores da ideologia da Ação Integralista Brasileira", chegando,
inclusive, a ser o chefe desse movimento no Rio Grande do Norte. Toda a
divulgação, feita por Cascudo, foi através da imprensa. Ele se tornou um
assíduo colaborador do semanário "A Ofensiva" e, ainda, das revistas "Anauê"
e "Panorama".
Em artigo publicado na revista "A Ofensiva" (31-05-1934). Câmara
Cascudo faz um questionamento de uma impressionante atualidade: "para a
burguesia liberal, governar é arrecadar impostos. Que importa o sofrimento dos
homens? Que importa o desenvolvimento constante de classe exploradas ao
lado de um pequeno grupo de exploradores? Que importa o acorrentamento da
nação ao capitalismo estrangeiro?
Musicólogo, como esclarece Gumercindo Saraiva, "não é somente
aquele que executa melodia, compõe peças ou estuda acústica e teoria
musical". E, sim, igualmente aquele "que se dedica em torno da musicologia,
abordando qualquer dos aspectos dessa ciência, o biógrafo, o historiador este
sim é um musicológo".
Gumercinco Saraiva faz uma afirmação que demonstra todo o
prestígio de Câmara Cascudo em sua cidade natal: "Nada fazia na província
em sentido de cultura sem primeiro ouvi-lo". Desfrutando esse prestígio quando
possuía apenas 39 anos. Gumercindo Saraiva disse ainda o seguinte: "Sua
orientação nos setores artísticos, contribuindo com ensinamentos sábios,
trouxeram novos horizontes para a cultura musical do Estado". Alguns títulos
de crônicas de Cascudo comprovam sua atuação como musicólogo: "Prelúdio
sobre Bach", "Modinhas e modinheiros de Natal", "Da canção brasileira", "A
cantoria sertaneja", etc.
Câmara Cascudo fundou a Sociedade de Cultura Musical, presidiu o
Instituto de Música do Rio Grande do Norte e dirigiu a revista "Som".
Câmara Cascudo é considerado ainda hoje como sendo um dos
maiores folcloristas do mundo, o maior do Brasil. A sua obra mais importante,
nessa área, chama-se "Dicionário do Folclore Brasileiro" (1954). Outros livros
de Cascudo sobre o folclore: "Geografia dos Mitos Brasileiros" (Prêmio João
Ribeiro, da Academia Brasileira de Letras, 1948), "Folclore do Brasil" (1976),
etc.
Renato Almeida, escrevendo sobre o mundo folclórico de Câmara
Cascudo, disse que "não limita aos livros que tem publicado, numa imensa
bibliografia, todo o seu cabedal de conhecimentos. Tem a arte difícil de
conversar e ouvi-lo é um encanto continuado. A ele podemos aplicar em tudo
quanto se refere ao folclore, aquele dístico do já desaparecido jornal
cinematográfico Pathé - tudo vê, tudo sabe, tudo informa".
Como historiador, Cascudo escreveu uma obra definitiva, "História
do Rio Grande do Norte" (1995) e, ainda, o livro que até o presente não foi
suplantado: "História da Cidade do Natal" (1947).
No campo da etnografia, escreveu um livro completo: "Jangada"
(1957). Outros livros: "Nomes da Terra" (1968), "História da Alimentação no
Brasil" (3 vols- Iº vol. (1967), "Rede de Dormir" (1959), "O Tempo e Eu" (1968)
etc. Escreveu, ao todo, 150 livros.
Recebeu diversas condecorações: "Comendador da Ordem de
Cristo" (Portugal), "Comendador da Ordem dos Cisneiros" (Espanha),
"Comendador da Ordem de São Gregório" (Santa Sé), "Oficial da Ordem da
Coroa" (Itália), "Medalha Nina Rodrigues" (S. Paulo), "Medalha da Campanha
do Atlântico Sul" (Aeronáutica) etc.
Distinções recebidas: "Prêmio Nacional de Cultura" (1970),
concedido pela Fundação Cultural do Distrito Federal; "Troféu Juca Pato", dado
pela União Brasileira de Escritores (1976); "Prêmio Henning Albert Boilesen"
(1973); "Doutor Honoris Causa", da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, etc.
Câmara Cascudo pertenceu a diversas instituições culturais:
Academia Nacional de Filosofia, Sociedade Brasileira de Antropologia e
Enologia, Sociedade de Folk-lore do México, Sociedade de Geografia de
Lisboa, Societé des Americanistas de Paris, entre outras.
Luís da Câmara Cascudo morreu em Natal, no dia 30 de julho de
1986.

Sabedoria e Arte Conservadas Pelo Povo

Segundo Cascudo, "esse nome FOLK-LORE foi criado por um


arqueólogo inglês, William John Thoms (1803-1885), propondo a denominação
num artigo com esse título, publicado na revista Rhe Athenaeum, de Londres, a
22 de agosto de 1846, com o pseudônimo de Ambrose Mertor". Folk-Lore seria
"the lore of the people", a sabedoria do povo. Tornou-se universal e comum.
Mas o que vem a ser, na realidade, folclore?
É o próprio Cascudo quem responde: "Todos os países do mundo,
raça, grupos humanos, famílias, classes, profissionais, possuem um patrimônio
de tradições que se transmite oralmente e é defendido e conservado pelo
costume. Esse patrimônio é milenar e contemporâneo. Cresce com os
conhecimentos diários desde que se integram nos hábitos grupais, domésticos
ou nacionais. Esse patrimônio é o FOLCLORE".
O folclore potiguar é uma conseqüência de tradições portuguesas,
nativas e africanas. Com o passar do tempo essas tradições se misturaram,
provocando uma danças.
Uma dessas tradições mais antigas é a vaquejada, cuja origem é
desconhecida.
Hoje, a vaquejada se transformou num esporte, praticado pelos
filhos dos fazendeiros, juntamente com seus vaqueiros. É a festa popular, com
distribuição de valiosos prêmios.
A vaquejada tem por principal objetivo derrubar o touro, puxando o
animal pela cauda. Dois cavaleiros correm, de maneira paralela, um procurar
levar o boi numa determinada direção, o outro tenta derrubá-lo. Quando o
objetivo é alcançado, aplausos. Caso contrário, vaias....
As festas populares mais conhecidas do Rio Grande do Norte
pertencem ao ciclo junino (Santo Antônio, São João e São Pedro) e aquelas
que fazem parte do ciclo natalino.
Nos festejos de São João, comemorados com mais intensidade,
predominam iguarias de milho: canjica, pamonha, milho assado, etc.
Com fogueiras, fogos, adivinhações, bandeiras de papel, iluminação
com muitas lâmpadas, com destaque para a dança chamada quadrilha. Essa
festa, antigamente, era realizada nas fazendas. Atualmente, a quadrilha foi
transportada para a cidade, quando se realizam os "arraiás" em ruas
interditadas especialmente para os festejos juninos.
Campina Grande, na Paraíba, se transformou num grande centro de
festas juninas do Nordeste, atraindo milhares de turistas, inclusive, potiguares.
Do ciclo natalino, se destaca uma festa bem tradicional que durante
os anos vinte monopolizava as atenções da cidade do Natal, como mostra o
testemunho de João de Amorim Guimarães: a festa dos Santos Reis.
Narra o poeta e cronista: "Desde a tarde da véspera começava a
chegar gente. Iniciavam-se os "terços", respondidos por todos e repetidos a
noite inteira (...) Na hora da missa às nove horas da manhã, a praia estava
apinhada de devotos, ricos e pobres, pretos e brancos, abstêmios e bêbados.
"Depois da missa a festa continuava. Orquestra sem conta, tocando
em bailes improvisados; cantores anônimos deliciando o povo, acompanhados
de violões dengosos, sentimentalizando, cantando, chorando, nos sons
deliciosos do instrumento que soube sempre seduzir o coração e almal...
"Ali almoçava-se, bebia-se, deliciava-se o espírito e o coração, o dia
todo, tudo dentro do respeito e da consideração recíproca, de um povo feliz,
que se compreendia e se estimava...".
Pertencente ainda ao ciclo natalino existem alguns folguedos
populares. Um dos mais conhecidos é o Boi Calemba (Bumba meu Boi), que se
exibe no período que vai de novembro até o início de janeiro.
As primeiras exibições datam do século XVIII.
Segundo Deífilo Gurgel, o Boi Calemba se diferencia dos outros
brasileiros e não tem enredo, por ter se descaracterizado, "limitando-se o
brinquedo hoje, pelo menos em Natal e em São Gonçalo, quase só as danças
e cantigas".
Do elenco se destaca o Mestre que, quase sempre, é o dono do
espetáculo. De;ífilo Gurgel conta que "os antigos Mestres de Boi Calembra de
Ceará-Mirim e São José de Mipibu vinham a Natal contratar seus espetáculos
empunhando uma espada desembainhada", porque a espada simbolizava o
poder.
Outro personagens: os Galantes são em número de quatro a oito. As
duas damas são, na realidade, dois meninos vestidos de mulher. Os
mascarados possuem os seguintes nomes: Mateus, Birico e Catirina.
Entre as figuras, podem ser citadas: Burrinha, Bode, Cheque,
Gigante e sua mulher Dra. Maria Zidora da Conceição Pia.
Como disse Deífilo Gurgel, "O Boi é a figura central do folguedo. É o
último que se apresenta. Depois que ele sai de cena, cantam-se as
despedidas".
Já o Pastoril tem por objetivo louvar o menino Jesus, representando
a visita que os pastores fizeram ao estábulo de Belém. É formado por várias
jornadas, com dois grupos de pastoras: o cordão azul e o cordão vermelho,
ambos possuem os seguintes personagens: Diana Mestra, Contramestra,
Cigana, etc.
Antigamente, o Pastoril era representado diante de um presépio,
com imagens de santos.
Renato Almeida, citado por Câmara Cascudo, diz o seguinte: "O que
tem maior significado no pastoril é constituírem as pastoras o elemento básico
na função coro, tomado como personagem. Ele é que tem o papel dramático".
O Fandango não existiu em Portugal, porém, as músicas receberam
influência européia, cujos temas, como diz Câmara Cascudo, foram
organizados "anonimamente no Brasil". Consta de vinte e quatro jornadas. Os
personagens vestem "fardas" da marinha. É a história da "Náu Catarineta",
justificando, assim, a presença de um barco. Alguns personagens do elenco:
Capitão, Piloto, Imediato, Médico, etc.
A Chegança, que em Portugal era dança, ao chegar no Brasil se
transformou em um auto. Como disse Câmara Cascudo, "a chegança é
representada com cenas marítimas, culminando pela abordagem dos mouros,
que são vencidos e batizados".
Em 1745, a Chegança foi proibida por D. João V, em Portugal, por
ser considerado indecente. Segundo Câmara Cascudo, essa dança não tem
nenhuma relação com o auto brasileiro que "é dividido em partes e não há
acompanhamento musical ao canto que decorre ritmado pelos tambores,
caixas-de-guerra, em rufos incessantes".
Os Congos ou Congadas, pelo nome, denunciam influência africana.
No enredo, lutas de africanos, buscando sua autonomia contra os portugueses.
Não foi, contudo, importado da África. Surgiu no Brasil, invenção dos escravos
negros. Principais personagens: Rei Cariongo, Príncipe Sueno, Secretário-
Sala, Rainha Jinga e o Embaixador.
Encontram-se, na atualidade, em decadência. Segundo Tarcísio
Medeiros, "em Caicó e Jardim do Seridó, entretanto, conservam, por ocasião
das festas à Nossa Senhora do Rosário".
Os Caboclinhos se apresentam durante o carnaval. Não chega a ser
um auto. Os seus integrantes fazem, apenas, coreografia, fantasiados de
nativos. Como afirma Tarcísio Medeiros, eles "desfilam pelas ruas ao som do
batuque dos seus tambores, gaitas e chocalhos, dançando em cordões que
evoluem de acordo com as cenas representadas pelo caçador ferido,
manifestações de feitiçaria do Pajé e o culto dos deus Tupan, carregado num
andor, tudo sob as ordens do Cacique, que imprime sua vontade por meio do
toque de um búzio".
Bambelô é uma dança, com o grupo formando um círculo, e no
interior da "roda", dançam um ou dois dançarinos. É, ainda, Tarcísio Medeiros,
quem diz que o "cantar", geralmente, é improvisado; o refrão ou segue a
estrofe ou se intercala nela. Poeticamente, apenas, o refrão é fixo, constituindo
o caracterizado do coco".
Em Alagoas a dança é conhecida pelo nome de "Coco".
Em Natal, duas sociedades continuam dançando o Bambelô:
Araruna e Asa Branca.

Deífilo Gurgel Turismo e Folclore

Após o falecimento de Luís da Câmara Cascudo, um homem


continua pesquisando o folclore do Rio Grande do Norte: "Deífilo Gurgel.
Desde muito tempo que o professor Deífilio Gurgel vem publicando livros sobre
as tradições populares do Estado.
Recentemente terminou uma viagem que durou um ano, depois de
ter percorrido 1.500 km, com o objetivo de publicar um livro, com 240 páginas,
com o apoio do Programa Municipal de Financiamento à Cultura, e terá o
seguinte título: "Introdução ao Estudo do Folclore". Na opinião do autor, o livro
será uma "antologia ou mini-enciclopédia do folclore potiguar".
Deífilo Gurgel lamenta o desinteresse da população pelo folclore.
Ele, porém, não desiste. Sonha em construir uma vila, com o nome de Chico
Santeiro, para promover "um intercâmbio entre o folclore e turismo, na esteira
do potencial de Natal em ambas as áreas".

Fascículo 16
Dois Séculos
Século XIX: Novas Atividades Produtivas
No século XIX, além da predominância da criação de gado, houve
também a expansão das culturas do algodão e da cana-de-açúcar e, ainda,
cresceram as atividades extrativas, sal, marinho e cera de carnaúba.
Na segunda metade desse século, a criação de gado foi prejudicada
por duas secas: a de 1844/45 e 1877/79.
A cana-de-açúcar passou a ser a principal atividade econômica,
chegando a produzir, em 1860, cerca de 4.176.570 quilos. Depois, entretanto,
começou a decadência.
A indústria salineira, que se deu bem no princípio do século. pouco
depois entrou em declínio, porém, posteriormente, conseguiu uma notável
recuperação, nas regiões de Mossoró, Macau e Areia Branca.
No final do século XIX, outro produto atingiu um grande
desenvolvimento: a cera de carnaúba.
A indústria têxtil apresentou, desde o começo, 1870, um lento
desenvolvimento, graças a uma dupla concorrência : a da indústria têxtil do
Sudeste e a do Estado de Pernambuco. Denise Rakeya aponta outro fator, ou
seja, "a estrutura do mercado consumidor. Com exceção daquela parte da
população localizada nos núcleos urbanos, a maior parte não poderia, de fato,
constituir esse mercado".
A indústria têxtil vai se configurar como uma realidade a partir de
1877, quando "o presidente da província contratou com Amaro Barreto de
Albuquerque Maranhão a instalação de uma fábrica de fios e de tecidos em
Natal, e a inauguração ocorreu no ano de 1888. Em 1904, passou a funcionar
outro estabelecimento industrial, a Fábrica de Óleos e Farelos de Algodão", já,
portanto, no século XX.

Avanços e Recuos no Século XX

Devido à importância do algodão, o governo criou o Serviço Estadual


do Algodão e pouco depois (1927), o Serviço de Classificação do Algodão.
A Inspertoria Federal de Obras Contra as Secas, criada em 1909,
em parceria com o governo estadual, construiu "várias estradas no RN - entre
as quais se destacava a que ligava Natal ao Seridó - que posteriormente viriam
completar o quando de integração de Natal com as zonas algodoeiras do
Estado", afirmam Marconi Gomes da Silva, Márcia Maria Bezerra e Geraldo
Gurgel de Azevedo.
A baixa qualidade do algodão potiguar, em algumas regiões, foi
combatida pelo governo através de estações experimentais e de campos de
demonstração, visando uma melhor participação no comércio internacional.
Como resultado, a cotonicultura atingiu uma posição hegemônica no começo
do século XX. Com a concorrência dos paulistas, a situação começou a mudar.
Em 1940, a produção paulista atingiu praticamente o triplo da produção
nacional.
A exportação do sal marinho, contudo, cresceu muito. De 7.115
toneladas, nos anos de 1851/55, pulou para cerca de 92.902 toneladas no
período 1905/1909. Com destaque para Macau e Areia Branca.
O mesmo não ocorreu com a indústria açucareira. A explicação é
muito simples: enquanto a indústria salineira melhorou sua tecnologia de
produção, a do açúcar permaneceu praticamente com os velhos bangüês. A
modernização dessa indústria foi muito lenta. Em 1942, o Rio Grande do Norte
contava apenas com três usinas!
O rebanho potiguar, durante os períodos de 1950/54 e 1975/79,
cresceu 265%! Desse rebanho, a criação bovina aumentou de tal maneira que
suplantou, em muito, as criações se suínos, caprinos e ovinos, como
demonstra Dominique Simone Colombert.
No período compreendido entre 1950 a 1970, entretanto, houve, nas
fazendas com menos de cem hectares, uma diminuição do rebanho.

Petróleo e Luta por Uma Refinaria

Um fator importante na economia atual do Rio Grande do Norte é o


petróleo, responsável por uma posição de destaque dentro do País. Por essa
razão, as autoridades estaduais, unidas a determinados setores, lançaram uma
campanha pela construção de uma refinaria de petróleo no Estado, criando o
"Movimento S. O. S. Refinaria no Rio Grande do Norte".
A existência do petróleo foi confirmada em 1974, com a abertura do
poço pioneiro. Apesar da importância da Bacia Potiguar, "o Rio Grande do
Norte, na sua condição de exportador de energia primária, é duplamente
penalizado, na medida em que se restringe a oportunidade de potencializar o
seu desenvolvimento, via verticalização industrial da sua produção mineral e,
ao mesmo tempo, vê reduzidas as transferências, constitucionais de recursos
da União, por ter sua renda per capita aumentada pela agregação do valor do
petróleo extraído do seu sub-solo".
"Adicionalmente, por força de um dispositivo constitucional que
isenta o petróleo da cobrança do ICMS nas operações de transferência
interestadual, o Rio Grande do Norte se vê financiando o desenvolvimento de
Estados ricos e industrializados, na medida em que deixa de arrecadar cerca
de US$ 65 milhões em impostos, por ano, valor que deve entrar como uma
variável de custo, favorável ao RN, no estudo de viabilidade ora em execução
pela Petrobrás" (Movimento SOS Refinaria no Rio Grande do Norte).
A campanha, infelizmente, não obteve nenhum resultado.
A Zona Homogênia Mossoroense é apontada pelos técnicos, como
sendo uma região privilegiada para se instalar uma refinaria.
O investimento da Petrobrás para o Rio Grande do Norte, em 1996,
incluindo impostos, constou de aproximadamente 500 milhões de dólares.
O Rio Grande do Norte é o maior produtor nacional de petróleo em
terra e o segundo no mar. Produção total diária de 100 mil barris. É o segundo
produtor de gás natural do Nordeste, com 75 milhões de metros cúbicos/ano.

Potencialidade do Turismo

Outro setor importante na atualidade é o turismo. Apesar da


construção de uma rede de hotéis, inclusive dois de cinco estrelas, na Via
Costeira, o turismo sofre por falta de uma infra-estrutura. Natal ainda não se
preparou adequadamente para receber um grande número de visitantes.
Muitos turistas deixam de conhecer belos recantos, havendo uma concentração
nos passeios de bugres nas duas de Jenipabu e no Carnatal, no final do ano.
Surgem, entretanto, grande esperanças, num futuro próximo.
A Secretaria Estadual de Turismo, no início de 1997, organizou uma
grande festa que abriu a VI BNTM (Brazil National Tourism Mart), na Vila Folia,
com a presença do governador Garibaldi Alves Filho e mais de dois mil
participantes.
No Pavilhão Parque das Dunas do Centro de Convenções foram
armados os estantes do evento. Na oportunidade, foi apresentada a maquete
da ampliação do aeroporto Augusto Severo, com mudanças que vão
transformá-lo num dos mais modernos do País. Também há planos para a
construção de um segundo aeroporto na região da Grande Natal.

Projeto Hídrico e Pólo Industrial

O governo Garibaldi Alves Filho está desenvolvendo um projeto


hídrico muito importante para a economia do Rio Grande do Norte.
O objetivo é interligar as principais bacias, numa garantia de
distribuição de água de boa qualidade para consumo da população e, ainda,
que seja a garantia de irrigação para uma vasta região do território potiguar.
O canal do Pataxó promove a transposição das águas da Barragem
Armando Ribeiro Gonçalves para o rio Pataxó, significando 2.500 hectares de
área irrigada, etapa já concluída no final de 1955.
A barragem Gargalheiras ampliará a sua capacidade de
armazenamento de água, sendo esse acontecimento de grande importância
para uma região que está incluída na área mais seca do Nordeste.
Com a construção da adutora do sertão Cabugi, as águas do
reservatório Armando Ribeiro Gonçalves vão abastecer oito cidades (Angicos,
Fernando Pedrosa, Lages, Pedro Avelino, Pedra Preta, Jardim de Angicos,
Caiçara do Rio dos Ventos, Riachuelo) e, ainda, 21 comunidades rurais.
Serão, também, aproveitadas as águas da Lagoa do Bonfim, sendo
atendidos outros municípios: Monte Alegre, Lagoa de Pedra, Lagoa Salgada,
até Santa Cruz.
O sistema conta ainda com as seguintes adutoras: a de Mossoró,
Serra do Mel, Jardim do Seridó, Serra de Sant’ana e Meio Oeste. O programa
engloba 670 quilômetros de adutoras e é o maior do Brasil.
Outro grande projeto, que trará grandes investimentos produtivos
para o Estado, é o "Pologás-sal", uma das grandes bandeiras levantadas pelo
governador Garibaldi Alves, que inclusive já assinou um protocolo para a sua
instalação. A obra conta com apoio do governo federal. Segundo o ministro das
Minas e Energia, o "Pologás-sal é irreversível".

Comércio Exterior e Outros Números

O comércio exterior do Rio Grande do Norte apresentou, um


crescimento de 1,84% no primeiro semestre de 1997, em relação ao mesmo
período do ano anterior.
As exportações somaram US$ 45,2 milhões, sendo o maior índice
dos dez últimos anos, liderando o setor de frutas tropicais, com 32,6% de todo
o produto comercializado para o exterior.
O PIB per capita vem evoluindo positivamente no Rio Grande do
Norte, como demonstram os números: em 1980, era de 1.246,06, o Nordeste
tinha 1.649,32 e o Brasil 3.553,07. Em 1996, o Rio Grande do Norte
apresentava 3.013.60, o Nordeste 2.578 e o Brasil 4.752,08.
Com uma produção de 4 milhões de toneladas/ano, o Rio Grande do
Norte é o maior produtor de sal marinho do País.
No setor de gás natural, a posição do Estado é muito boa: é o
segundo, com uma produção de 75 milhões de metros cúbicos.
Na agricultura, o Rio Grande do Norte ocupa o segundo lugar, como
pólo de fruticultura irrigada do Nordeste.
Os maiores importadores dos produtos potiguares, no primeiro
semestre de 1997 foram os seguintes: Estados Unidos (US$ 13.4 milhões),
Nigéria (US$ 5,2 milhões), Reino Unido (US$ 4,8 milhões).

História do RN - Uma Síntese

Da Pré-História ao Final do 2º Milênio

O homem primitivo, nascido em terras potiguares antes da vinda dos


europeus, é bem mais antigo do que se imaginava.
Antes de chegar ao Nordeste, teria vindo possivelmente da Ásia,
através do Estreito de Bering ou por outras vias. O fato é que, com o passar do
tempo, atingiu as terras que formariam, no futuro, o Rio Grande do Norte.
Esses povos desenvolveram culturas, procurando se comunicar,
inventaram um tipo de escrita, conhecida pelo nome de inscrição rupestre, uma
linguagem formada por traços, círculos, pontos e até pinturas.
A coloniza européia, no Nordeste brasileiro, foi conseqüência da
expansão do imperialismo europeu. Nesta região, tentaram se fixar franceses,
espanhóis, holandês e portugueses.
Filipe II, da Espanha, ao anexar Portugal e suas colônias, procurou
de imediato se apossar de todo o Nordeste e da região Norte. Mandou expulsar
os franceses da Capitania do Rio Grande, construir uma fortaleza (a Fortaleza
da Barra do Rio Grande ou, como é mais conhecida, Fortaleza dos Reis
Magos) e fundar uma cidade.
A expedição armada, comandada por Mascarenhas Homem,
fracassou, porém, Jerônimo de Albuquerque, os jesuítas e os líderes nativos
conseguiram, através de navegações, a pacificação da região.
Expulsos os franceses, construída a fortaleza no dia 25 de dezembro
de 1599, João Rodrigues Colaço fundou Natal, que deveria funcionar como
núcleo inicial de colonização se desenrolasse de maneira lenta.
Os holandeses tentaram conquistar o Nordeste, primeiro,
procurando se apossar da capital da colônia (1624/1625). Sonhavam com
8.000 florins que a Bahia arrecadava anualmente. E, a partir daquela capitania,
conquistar todo o País. Foi, contudo, um sonho que se desmoronou, por sinal
bem rápido.
O fracasso foi total, mas a idéia de tomar o Brasil da Espanha
continuava, pois não admitiam a derrota que sofreram para seu grande rival... E
fizeram uma segunda tentativa. Escolheram, agora, a terra do açúcar,
Pernambuco!
Conseguem o seu objetivo, se apossando de Pernambuco e, ainda,
avançam, conquistando todo o Nordeste.
O conde de Nassau, figura invulgar, procurou não apenas explorar
as terras sob seu domínio, como desejava a Companhia Privilegiada das Índias
Ocidentais, e sim agir como se fosse um "mecenas". Incentivou a arte, a
ciência e a cultura. Mostrou-se, ao mesmo tempo, hábil político e bom
administrador.
O Rio Grande possuía um vasto rebanho de gado bovino,
necessário para abastecer os invasores. Era urgente, portanto, a sua
conquista, após muita pesquisa - porque a fortaleza da Barra do Rio Grande
(Reis Magos) aparecia como um grande obstáculo. Mas, ao contrário, a tomada
da fortaleza foi bem mais fácil do que eles esperavam. Aqui, os holandeses
agiram de uma maneira bem diferente: nenhuma preocupação pela arte,
ciência, cultura. A capitania foi transformada numa fornecedora de carne
bovina para Pernambuco.
No Rio Grande, o conflito se agravou por causa do fanatismo
religioso, provocando dois grandes massacres: o de Cunhaú e o de Uruaçu.
Apesar da violência, a tradição indicava os holandeses como sendo
os autores de obras importantes, como a fortaleza dos Reis Magos ou, então, a
ponte (antiga) de Igapó, construída muito depois de sua expulsão... Existe
apenas uma explicação para tudo isso: uma resistência, pelo menos a nível de
subconsciente, contra a colonização lusitana.
O último ato dos batavos, no Rio Grande, foi mais violência.
Vencidos, obrigados a deixar a capitania, lançaram fogo, destruindo o que
podiam, inclusive, documentos.
Após os flamengos, a capitania conheceu outro momento de grande
violência: "A Guerra dos Bárbaros". Provocada pelos brancos, que desejavam
tomar a terra dos seus legítimos donos, ou seja, dos nativos. A violência gerou
violência. Bernardo Vieira de Melo, compreendendo essa verdade, agiu com
competência e justiça, conseguindo aplicar a região sob o seu comando.
Essas duas guerras, contra os holandeses e dos "Bárbaros", foram
responsáveis pelo atraso, ou seja, impediram o desenvolvimento natural do Rio
Grande do Norte.
No século XVIII, a economia tinha por base apenas a agricultura e a
indústria pastoril.
A Revolução de 1817, em Recife, teve reflexos no Estado. José
Inácio Borges, que governava a capitania, procurou reagir, sendo preso por
André de Albuquerque. O movimento não contou com o apoio popular. A
reação monarquista veio logo a seguir, triunfando. André de Albuquerque,
ferido, foi levado preso para a fortaleza, onde faleceu.
A independência do Brasil foi outro acontecimento que não
conseguiu entusiasmar o povo. Houve apenas uma festa para comemorar a
emancipação política do País, no dia 22 de janeiro de 1823.
A Confederação do Equador, no Rio Grande do Norte, se
caracterizou pela atuação de Tomás de Araújo Pereira, para evitar que
ocorressem conflitos armados no Estado. Sofreu, chegando a se humilhar,
porém, conseguiu o seu intento.
A escravidão representava, no final do século XIX, o atraso,
identificada com a decadente monarquia.
O abolicionismo, ao contrário, representava o novo e para muitos
fazia parte dos ideais republicanos. Foi, contudo, a princesa Isabel quem
decretou o fim da escravidão, no dia 13 de maio de 1888.
A grande falha do abolicionismo, no Brasil, foi a de não ter lutado
pela integração do negro na sociedade, após a sua libertação. Como resultado,
os africanos e seus descendentes passaram por grande dificuldades. Alguns se
deslocaram para regiões distantes das cidades, formando comunidades
fechadas, como em Capoeira dos Negros.
A libertação dos escravos, no Rio Grande do Norte, foi defendida por
grupos de jovens e intelectuais, que fundavam, em seus municípios,
associações que batalhavam pela emancipação do negro.
Mossoró foi a primeira cidade que libertou seus escravos, no dia 30
de setembro de 1883.
A Proclamação da República, a exemplo de outros acontecimentos,
não despertou grande entusiasmo no povo potiguar. Teve caráter meramente
adesista.
No novo regime, predominavam os interesses da oligarquia
Albuquerque Maranhão. Contra ela, se insurgiu José da Penha Alves de
Souza, promovendo a primeira campanha popular do Rio Grande do Norte.
Patrocinou a candidatura do tenente Leônidas Hermes da Fonseca, que não
conhecia e nem desejava governar o Estado... Abandonado pelo seu
candidato, José da Penha voltou para o Ceará, onde chegou a ser eleito
deputado estadual.
Quando o eixo econômico passou do litoral (açúcar-sal) para o
sertão (algodão-pecuária), apareceu uma nova oligarquia, liderada por José
Augusto Bezerra de Medeiros, cujo domínio terminou com a Revolução de
1930.
O regime político, apodrecido pelas fraudes, corrupção, provocou o
descontentamento de grupos militares e civis. Dentro desse contexto, Luís
Carlos Prestes e Miguel Costa percorreram o País com uma tropa, a "Coluna
Prestes", protestando contra o autoritarismo do presidente Artur Bernardes. A
"Coluna Prestes" entrou no Rio Grande do Norte pela Zona Oeste, travando
combates com a polícia, durante o governo de José Augusto Bezerra de
Medeiros.
A ‘Questão de Grossos" começou no século XVIII, quando Rio
Grande do Norte e Ceará não tinham definido suas fronteiras. O Ceará
precisava do sal potiguar para poder fabricar suas carnes de sol. A Câmara de
Aracati (Ceará) pretendeu além das de seu Estado, penetrando em terras do
Rio Grande do Norte. Era a chamada "Questão de Grossos".
Em 1901, a Assembléia Estadual do Ceará elevou Grossos à
condição de vila, incluindo no seu território uma vasta área do Rio Grande do
Norte. Alberto Maranhão, governador do RN, protestou. Era iminente um
conflito armado entre os dois Estados. Para evitar o agravamento da crise, a
controvérsia foi levada para uma decisão, através do arbitramento. Na primeira
fase, o resultado foi favorável ao Ceará. Pedro Velho, então, convidou Rui
Barbosa para defender a causa potiguar. Essa defesa também contou com a
participação de Augusto Tavares de Lyra. Como resultado, o jurista Augusto
Petronio, através de três acórdãos, deu ganho de causa em definitivo ao Rio
Grande do Norte, em 1920. A "Questão de Grossos" estava encerrada.
A República foi ingrata com o sertão, que continuou abandonado,
isolado dos grandes centros urbanos, com a maioria de sua população na
ignorância e na miséria.
No sertão dos coronéis, os mais humildes tinham três opções: viver
eternamente agregado às famílias dos coronéis; integrar-se ao cangaço, ou
penetrar no mundo místico, cujo fiéis terminavam enfrentando os coronéis e se
transformavam em grupos de "fanáticos".
Lampião levou pânico ao interior nordestino, chegando a invadir
Mossoró, sendo derrotado pelo povo daquela cidade, sob a liderança do
coronel Rodolfo Fernandes.
O cangaceiro, no sertão, era um misto de bandido e de justiceiro,
único a fazer frente ao absolutismo dos coronéis.
Jesuíno Brilhante é o representante potiguar típico do cangaço.
Os grandes místicos do Nordeste foram: padre Cícero e Antônio
Conselheiro.
Os fanáticos da Serra de João do Vale, liderados por Joaquim
Ramalho e Sabino José de Oliveira, foram os místicos mais conhecidos da
história do Rio Grande do Norte. O fim deles, porém, foi melancólico,
derrotados pelo tenente Francisco de Oliveira Cascudo.
A Revolução de 30 irrompeu no Brasil para modificar a estrutura
política existente no País. Governava o Estado, Juvenal Lamartine, muito
dependente do poder central, e teve, segundo seus adversários, uma
preocupação básica: perseguir seus inimigos... Com a Revolução de 30,
perdeu o governo, caindo sem resistir.
A Revolução de 30, no Rio Grande do Norte, significa, sobretudo, a
atuação de João Café Filho. Foi um lutador, procurando isntalar no seu Estado
os ideais revolucionários. Encontrando sempre a resistência das oligarquias,
lideradas por José Augusto de Medeiros.
A Revolução de 30 enfrentou momentos difíceis, por causa da
oposição das classes conservadoras, representadas pelo Partido Popular. O
governo central orientou Mário Câmara para fazer uma composição de forças,
com o Partido Popular. O interventor, entretanto, não conseguiu efetivar tal
aliança. Em vez de pacificação, cresceu o clima de agitação, fazendo com que
o final da administração se transformasse no período de maior violência
ocorrido até aquele momento.
A classe operária, contudo, começou a se organizar, se unindo em
torno dos sindicatos.
Cinco anos depois de ter ocorrido a Revolução de 30, surgiu outro
movimento armado, a Intentona Comunista. Gerado, em parte, pelo
descontentamento provocado pelo governo de Mário Câmara, e que foi
liderada por um grupo de comunistas. Vitoriosa a rebelião, uma grande
agitação dominou Natal, com estabelecimentos comerciais assaltados e, ainda,
com assassinatos.
A resistência maior foi feita pela polícia, sob o comando do major
Luís Júlio e do coronel Pinto Soares. Surgiu um mito, transformado em herói: o
soldado Luiz Gonzaga.
Foi instalado o "Comitê Popular Revolucionário" no dia 25 de
novembro de 1935. Circulou o jornal "Liberdade".
Com o fracasso da Intentona, no Recife e Rio de Janeiro, os
rebeldes abandonaram Natal, seguindo o rumo do Seridó. Na Serra do Doutor
houve o encontro dos fugitivos com forças sertanejas, com a debandada de
ambas as facções... Terminava, assim, a Intertona Comunista. A repressão foi
violenta,
Mas o destino de Natal não seria, apenas, a de ser palco de
violência. A sua localização geográfica fazia com que a cidade fosse
predestinada para ocupar um lugar de destaque na história da aviação, desde
os primórdios, na época dos hidroaviões, quando grandes aeronautas
passaram por Natal: marquês De Pinedo, Paul Vachet, Jean Mermoz, etc.
O primeiro aeroplano que aterrissou no Estado foi um Breguet,
pilotado por Paul Vachet.
Em 1927, o coronel Luís Tavares Guerreiro indicou a Vachet um
local apropriado para construir um aeroporto, que aeroporto, que servisse de
pouso para os aviões da Lignes Latércoère. Aprovado, nasceu assim o
Aeroporto de Parnamirim. Foi inaugurado por um "Numgesser-e-Coli", pilotado
por Dieu Domé Costes e José le Brix, concluindo, com êxito, o roteiro Saint
Louis do Senegal-Natal.
Graças ao empenho de Juvenal Lamartine, no dia 29 de dezembro
de 1928 foi fundado o Aéro Clube.
Em 1º de janeiro de 1931, o navio italizano "Lazeroto Malocello",
comandado pelo capitão de fragata Carlo Alberto Coraggio, chegava a Natal,
trazendo a Coluna Capitolina, ofertada pelo chefe do governo italiano Benito
Mussolini, para comemorar o "raid" Roma-Natal, feito pelos aviadores Del Prete
e Ferrarin.
Cinco dias depois, Natal recebeu a visita da esquadrilha da Força
Aérea italiana, comandada pelo general Balbo. Governava o Rio Grande do
Norte, Irineu Joffily.
Natal iria ficar mais famosa ainda durante a Segunda Guerra
Mundial. Os norte-americanos, nesse período, construíram uma megabase,
que desempenhou um papel tão significativo no grande conflito que se tornou
conhecida pelo nome de "O Trampolim da Vitória".
Em Natal, ocorreu a reunião entre o presidente do Brasil, Getúlio
Vargas e o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, na chamada
"Conferência de Natal" (28-1-1943).
A cidade cresceu, multiplicou sua população, foi visitada por
personalidades ilustres de diversos países, e, sobretudo com o progresso, a
população mudou de hábitos.
Para uma maior integração dos militares americanos com os
nataleses, foram realizados, inúmeros bailes. Como conseqüência, houve uma
invasão de ritmos estrangeiros: rumba, conga e boleros.
Natal, assim, perdeu definitivamente seu jeito de cidade provinciana.
O populismo se impôs, no Rio Grande do Norte, durante os anos 60,
através de dois grandes líderes políticos: Aluízio Alves e Djalma Maranhão. O
primeiro, oriundo do Partido Popular, se apresentava como sendo do Centro,
iniciando o processo de modernização do Estado. O segundo nacionalista
radical, homem de esquerda.
O golpe militar de 64 se caracterizou, no Rio Grande do Norte,
apenas pelas perseguições a jovens e intelectuais da terra, como Moacyr de
Góes, Djalma Maranhão, Mailde Pintou e outros. Luís Maranhão, ao que
parece, foi morto pelas forças da repressão. Djalma Maranhão, exilado, com
saudade do seu povo, morreu no Uruguai. Aluízio Alves, Garibaldi Alves e
Agnelo Alves tiveram seus direitos políticos cassados pelo AI5
Na história educacional do Estado, um colégio se destacou: Ateneu,
que se transformou num centro cultural de grande importância.
A "Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler" provocou
uma verdadeira revolução no processo educacional do Rio Grande do Norte,
nos anos 60, liderada por Djalma Maranhão, Moacyr de Góes e Margarida de
Jesus Cortez.
O ensino "normal" passou por uma série de vicissitudes até o
funcionamento do Instituto Presidente Kennedy. Inaugurado, por sua vez, com
grandes festas, no governo de Aluízio Alves. Recentemente, foi
redimensionado, ministrando o curso de 3º grau, visando a formação de um
novo professor, cotando com a assessoria do professor Michel Brault.
A cultura no Rio Grande do Norte apresenta páginas brilhantes.
Desde a fundação do seu primeiro jornal, "O Natalense", em 1832, pelo padre
Francisco de Brito Guerra, até o presente momento, a imprensa escrita ocupou
um lugar de destaque.
No século XIX apareceu o primeiro romance, "Mistério de um
Homem", de Luís Carlos Lins Wanderley.
Nomes femininos que brilharam no século XIX e início do século XX:
Isabel Gondim, Auta de Souza e Nísia Floresta.
Ferreira Itajubá é considerado o grande poeta do século XIX. A partir
dessa época, surgiram grandes poetas até os dias atuais.
No dia 29-3-1902 foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Norte. Luís da Câmara Cascudo, no dia 14-11-1936, fundou a
Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.
O movimento cultural cresceu muito e jornais se multiplicaram em
praticamente todos os municípios do Estado.
Na atualidade, algumas instituições têm contribuído para o
desenvolvimento cultural do Estado: Fundação José Augusto, "Coleção
Mossoroense" e Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
O estado conta, até o presente momento, com duas antologias,
reunindo os poetas do Rio Grande do Norte: a primeira, organizada por
Ezequiel Wanderley, foi publicada em 1922 sob o título "Poetas do Rio Grande
do Norte" e a segunda, escrita por Romulo Chaves Wanderley, que publicou,
em 1965, o "Panorama da Poesia Norte-Rio-Grandense".
Novas antologias estão sendo preparadas. Uma delas organizada
por Constância Lima Duarte, juntamente com a poetisa Diva Cunha.
A economia do Estado teve um lento caminhar, prejudicada por
períodos de longas estiagens. Teve alguns ciclos: gado, cana-de-açúcar,
algodão, sal, etc.
A partir de 1974, com a abertura do poço pioneiro, o petróleo
começou a crescer na economia estadual. Fala-se, agora, no "Pologás-sal",
que caso venha a se tornar realidade, trará grandes benefícios para o Rio
Grande do Norte.
O turismo é apontado pelos especialistas como um setor que tende
a crescer, pela potencialidade que a terra potiguar possui.
Foi construída uma rede de hotéis na Via Costeira e recentemente a
Secretaria Estadual de Turismo organizou uma grande festa que abriu a VI
BNTM (Brazil National Tourism Mart). Durante o evento, mais de 2.000
participantes freqüentaram os estandes dos nove Estados, armados no
Pavilhão Parque das Dunas, do Centro de Convenções, em Ponta Negra.
O Rio Grande do Norte se encontra incluído no polígono das secas.
O governo Garibaldi Alves elegeu a irrigação como uma das metas
prioritárias de sua administração. O seu projeto é interligar as principais bacias,
como uma maneira de levar água de boa qualidade para a população, incluída
nas comunidades atingidas pela seca, com a irrigação de uma vasta área do
território potiguar.

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