O Método Histórico Crítico de Interpretação Bíblica

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15/05/2024, 18:25 Vivências, Erechim. v.

1,Ano 3, nº 5, Maio, 2008; ISSN: 1809-1636

O MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA[1]

Fábio César JUNGES[2]


Léo Zeno KONZEN[3]

Resumo
Este artigo resultou do projeto de pesquisa “Os métodos histórico-crítico e hermenêutico latino-americano
como caminhos de leitura do Novo Testamento”, vinculado ao Programa PIIC/URI, na sua primeira fase.
Apresenta um estudo do método histórico-crítico de leitura e interpretação para uma das partes da Bíblia – o
Novo Testamento. O texto aplica o método referido a uma parte dos Evangelhos (Mc 2,15-17 e paralelos em
Mt e Lc), mostrando a importância de se levar em conta o contexto do surgimento dos mesmos, nas suas
diferentes versões. Conclui-se pela validade e importância desse método e, ao mesmo tempo, aponta-se para
seus limites.

Palavras-chave: Interpretação bíblica; hermenêutica; método histórico-crítico; Mc 2,15-17.

Abstract
THE HISTORICAL-CRITICAL METHOD OF BIBLICAL INTERPRETATION
This article resulted from the research project "The historical-critical methods and hermeneutic Latin America
as ways of reading the New Testament", linked to the programme PIIC / URI, in its first phase. It presents a
study of the historical-critical method of reading and interpretation for a party of the Bible - the New
Testament. The text applies the method referred to a part of the Gospels (Mc 2,15-17 and parallel in Mt and
Lc), showing the importance of taking into account the context of the emergence of the same, in its various
versions. It was the validity and importance of this method and at the same time, pointing up to its limits.

Key words: Biblical Interpretation; hermeneutics; historical-critical method; Mc 2,15-17.

1 – INTRODUÇÃO

Os textos bíblicos possuem uma história de redação e tradição que dificultam a interpretação e a
compreensão de sua mensagem. História que começou como evento, passou a ser evento narrado sob vários
enfoques e com finalidades específicas e que, por fim, ultrapassa-se a si mesmo, alcançando dimensões não
previstas em sua formação original. Para se aproximar do sentido do texto, a exegese moderna passou a
elaborar determinados métodos de interpretação, dentre eles, o histórico-crítico. Este foi o primeiro, nos
tempos modernos, a oferecer aos estudos bíblicos uma verdadeira sistematização científica e, ainda hoje, é
difícil avaliar todos os resultados do grande impulso que deu à exegese bíblica.

Com a intenção de apresentar, sistematicamente, a importância do instrumental exegético histórico-


crítico para a interpretação bíblica no contexto do século XXI, o texto foi organizado estruturalmente em três
momentos: 1. A título de introdução ao assunto, um certa síntese relativa ao que se denomina de “problemas”
da interpretação bíblica como um todo; 2. Desenvolvimento da hermenêutica especializada à hermenêutica
como arte da compreensão geral. 3. Alcance e contribuição prático-científico do método histórico-crítico. 4.
Análise exegética histórico-crítica sobre a perícope de Mc 2,15-17.

2 – QUESTÕES SOBRE A INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

A interpretação e compreensão da Bíblia levantam uma série de problemas que dificultam a


compreensão de sua mensagem. Os textos neotestamentários são eventos de interpretação e pretendem
transmitir uma mensagem. Mas tal mensagem nem sempre é clara para o leitor. Um escrito, quanto mais antigo
e distanciado no tempo, tanto mais difícil de interpretar e mais fácil de expor o leitor ao “perigo da
incompreensão”. Por isso mesmo, para alcançar o sentido do texto e não sucumbir na incompreensão,
determinadas estratégias metodológicas ajudam a compreender o texto. Eis algumas das dificuldades da
compreensão e interpretação do texto bíblico:

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- o texto bíblico, além de manter uma distância entre o leitor e a época em que foi escrito, ainda
revela uma distância considerável entre o texto e o evento narrado[4];

- os textos foram escritos com um determinado objetivo, com uma intenção específica. Não existe
texto para a sua própria glória, sempre possui uma finalidade, uma intenção[5];
- os textos ultrapassam os laços específicos do autor. Há uma certa autonomia do texto em relação ao
autor e leitor original. Enquanto texto, foge das amarras do autor[6].
Estas, entre outras, são questões que os textos bíblicos levantam e que são objetos de estudos da
exegese moderna que valoriza a história de tradição e redação do texto bíblico. Antes de apresentar,
contudo, a constituição de um dos principais métodos modernos de interpretação bíblica, faz-se necessário
entender a problemática hermenêutica geral como possibilidade de superação da hermenêutica técnica.

3 – DA HERMENÊUTICA TÉCNICA AO PROBLEMA GERAL DA COMPREENSÃO

O termo hermenêutica, até 1819, tinha um sentido especial, referindo-se à interpretação e explicação de
textos normativos. Isto fica evidente quando Schleiermacher, em Conferências de 1819, enuncia o seu objetivo
fundamental, a saber, de pensar uma hermenêutica geral como arte da compreensão: “a hermenêutica como arte
da compreensão não existe como uma área geral, apenas existe uma pluralidade de hermenêuticas
especializadas” (SCHLEIERMACHER apud PALMER, 1989, p. 91). O que há, antes de Schleiermacher, são
“ferramentas teóricas” para resolver problemas de textos particulares, isto é, clássicos, sagrados e, até mesmo,
jurídicos. Conforme a diversidade de textos, assim também varia o trabalho da interpretação. Tem-se uma
hermenêutica técnica, “com vistas à solução de problemas de compreensão de uma determinada área”
(RUEDELL, 2000, p.18). Toda a hermenêutica desenvolvida antes de Schleiermacher, portanto, esgotava-se
nesta perspectiva.

A pretensão de Schleiermacher é de superar a hermenêutica técnica. Começa um movimento de


desregionalização “com o esforço de extrair um problema geral da atividade de interpretação” (RICOEUR,
1977, p. 20, grifo nosso). Ao pretender uma hermenêutica geral, esta teve que ser elevada acima das regras
particulares determinadas para textos específicos, para ser possível discernir as operações comuns aos dois
principais ramos da hermenêutica, a filologia e a exegese. Vale ressaltar, contudo, que para uma hermenêutica
geral, não basta somente elevar a hermenêutica da particularidade das regras, mas também da particularidade
dos textos, entre os quais são aplicadas as regras. Manfred Frank, em introdução à obra de Schleiermacher,
“Hermenêutica e crítica”, aponta que “apenas quando fundamentalmente se sabe (assim é o seu pensamento) o
que significa ‘compreender corretamente o discurso [falado ou escrito] dum outro’, pode-se pensar em
descobrir as regularidades universais que dirigem o trabalho prático da interpretação” (FRANK apud
SCHLEIERMACHER, 2005, p. 16).

Schleiermacher não se limita mais a uma simples coleção de regras desarticuladas, mas subordina as
“regras particulares da exegese e da filologia à problemática geral do compreender” (RICOEUR, 1977, p. 20).
Constitui-se em uma reviravolta análoga àquela realizada por Kant na ordem da filosofia da natureza. Como se
sabe, Kant, pelo menos na “Crítica da Razão Pura”, inverte a relação entre uma teoria do conhecimento e uma
teoria do ser. Para Kant, “deve-se medir a capacidade do conhecer antes de se enfrentar a natureza do ser”
(RICOEUR, 1977, p. 20). De forma análoga a Kant, com Schleiermacher surge a necessidade de examinar o
ato fundante de toda a hermenêutica: o ato da compreensão[7]. A hermenêutica não mais se dedicaria à
clarificação dos vários problemas práticos na interpretação de textos diferentes, mas tomaria a compreensão
como seu verdadeiro ponto de partida. É colocada, com ele, portanto, a questão geral do compreender como
ponto de partida para a hermenêutica.

No entender de Ricoeur, o projeto hermenêutico desde aí anunciado, que procura descrever as


condições da compreensão, é portador de uma dupla marca: romântica e crítica. “Romântica por seu apelo a

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uma relação viva com o processo de criação e crítica por seu desejo de elaborar regras universalmente válidas
de compreensão” (RICOEUR, 1977, p. 21). A hermenêutica iluminista se baseava na idéia de prática natural da
compreensão, isto é, de que a compreensão se produz por si mesma e, conseqüentemente, a tarefa ou o esforço
da hermenêutica seria apenas de evitar o mal-entendido. A fim de lutar contra o adágio “há hermenêutica, onde
houver não-compreensão” (RICOEUR, 1977, p. 20), Schleiermacher parte da pressuposição oposta de “que o
mal-entendido se produz por si e que a cada ponto a compreensão deve ser desejada e buscada”
(SCHLEIERMACHER, 1999, p. 16, grifo nosso). Além da marca crítica, a hermenêutica passa a ter uma
marca romântica, com seu apelo a uma relação viva com o processo de criação, no intuito de “compreender um
autor tão bem, e mesmo melhor do que ele a si mesmo se compreendeu” (RICOEUR, 1977, p. 20).

A suspensão da prática natural da compreensão, em que se baseava a hermenêutica iluminista, revela a


distância existente entre escritor e leitor. A superação dessa distância passa a ser o objetivo da hermenêutica em
sua totalidade. Para superá-la, a tarefa hermenêutica parte de dois pontos diferentes: a compreensão da
linguagem e daquele que fala. Em um de seus primeiros aforismos, Schleiermacher defende que “temos que ter
uma compreensão do homem para podermos compreender o que ele diz. No entanto, é a partir do seu discurso
que chegamos ao conhecimento do homem” (PALMER, 1989, p. 98). Em outro dos primeiros aforismos diz
ele: “o que se pressupõe e o que se encontra em hermenêutica é apenas linguagem, e o resultado da operação
hermenêutica é novamente linguagem” (SCHLEIERMACHER, 1999, p. 19). A hermenêutica, nesse sentido, é
a arte de compreender o orador naquilo que ele diz a partir da linguagem.

Todo o discurso tem uma relação dupla, quer com a totalidade da linguagem quer com o pensamento do
autor. Assim, em toda a compreensão de um discurso há dois momentos: a interpretação gramatical e a
interpretação técnica (psicológica). A primeira, tendo sentido quando se concebe a linguagem como dinâmica,
retira os caracteres do discurso comuns a uma determinada comunidade de falantes. A interpretação técnica
(psicológica), por sua vez, dirige-se à singularidade do autor. Sob essa perspectiva, a linguagem aparece como
um instrumento manipulado pelo autor. A interpretação técnica busca compreender o “manejo da língua”,
como o “autor opera na linguagem”.

Neste sentido, todo ser humano é, de um lado, um local em que uma determinada
linguagem se forma de uma maneira peculiar, e seu discurso somente é compreensível a
partir da totalidade da linguagem. Mas então ele também é um espírito a se desenvolver
constantemente, e seu discurso somente existe enquanto fato deste na relação com os
demais. (SCHLEIERMACHER, 2005, p. 96).

O principal objetivo da hermenêutica é a compreensão do autor do texto. Sua compreensão, contudo,


somente é possível através da compreensão da linguagem pela qual o mesmo se expressou. Toda a busca pela
subjetividade do autor é sempre mediada pela linguagem. Somente assim se entende a afirmação: “o lugar a
que pertencem os pressupostos objetivos e subjetivos tem que ser encontrado através (ou a partir) da
linguagem” (PALMER, 1989, p. 98). A hermenêutica é, portanto, uma ciência da compreensão lingüística.
Além do mais, esta concepção de uma hermenêutica geral, que marca o começo da hermenêutica para além de
apenas um conjunto de regras, define-se a si mesma, pela primeira vez, como o estudo da sua própria
compreensão.

4 – ALCANCE E CONTRIBUIÇÃO PRÁTICO-CIENTÍFICO DO MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO

O processo de comunicação, através do texto escrito, é um fenômeno bastante complexo, que não pode
ser reduzido na distância existente entre autor e leitor. Enquanto texto, “é estrutura e elemento de comunicação,
mas também produto de longo processo de formação” (EGGER, 1994, p. 25), que começou como evento,
passou a ser evento narrado sob vários enfoques e com finalidades específicas e que, por fim, ultrapassa-se a si
mesmo, alcançando dimensões não previstas em sua formação original. Justamente para valorizar o processo
de constituição do texto bíblico e alcançar ao invés de desvirtuar o seu sentido, a exegese moderna passou a
elaborar determinados métodos para a interpretação dos textos, dentre eles, o método histórico-crítico.
Perguntando pelo processo de transposição do evento para a linguagem, realiza a leitura dos textos sagrados
sob o aspecto histórico, clarificando a relação do texto com o evento narrado.

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Para compreender o alcance e o limite do método histórico-crítico, o ponto de partida é a definição de


cada termo que o constituem: é um método histórico, em primeiro lugar, porque lida com eventos históricos
que, no caso da Bíblia, datam de muitos anos anteriores ao nosso tempo. Em segundo lugar, porque analisa
estas fontes numa perspectiva de evolução histórica, procurando determinar estágios de formação, até terem
adquirido a forma atual. Em terceiro lugar, porque se interessa substancialmente pelas condições históricas que
possibilitaram a sobrevivência dessas fontes em seus diversos estágios evolutivos. Além de ser histórico,
também é um método crítico “no sentido de que necessita emitir uma série de juízos sobre as fontes que tem
por objeto de estudo” (WEGNER, 1998, p. 17).

O estudo criterioso da historicidade dos textos protege-o contra a fácil manipulação do seu sentido por
interesses ou interpretações subjetivas ou ideológicas. Esta é uma prática muitas vezes comum, em que se
prioriza e instrumentaliza unicamente aqueles textos e versículos que coincidem com os pontos de vista de
determinados grupos sociais, religiosos, políticos, etc. “É o que acontece com muitas pessoas ou grupos que,
desconsiderando o sentido original dos textos, procuram atualizá-los diretamente para a situação de hoje. Ou,
então, com pessoas da classe alta que se regozijam com o amor de Cristo por um jovem rico (Mc 7,21a),
olvidando os compromissos vinculados a este amor para com os pobres (Mc 7,21b)” (WEGNER, 1998, p. 21).
Portanto “o estudo da evolução histórica dos textos bíblicos nos torna mais sensíveis para a rica pluralidade
que representam os seus diversos estágios de conteúdo” (WEGNER, 1998, p. 21).

A interpretação histórico-crítica se revela como inesgotável por vários motivos: primeiro, “em razão da
própria natureza do material sobre o qual trabalha, isto é, o conjunto dos textos bíblicos”; segundo, “em razão
do lugar que lhe é próprio, a história”; e terceiro, “em razão da própria configuração do método, pois suas
ramificações permitem que se aplique em múltiplos níveis e sob formas diversas” (MAINVILLE, 1999, p. 10).
Por isso mesmo, na atualidade é dado um valor crucial à interpretação histórico-crítica da Bíblia. Atualmente,
torna-se sempre mais imperioso saber entendê-la, interpretá-la ou, como se diz no jargão exegético,
hermeneutizá-la. “Produto da história como o próprio homem e como Deus mesmo quis, o texto bíblico só
pode ser fundamentalmente colocado sob o sinal da história, de sua natureza e de suas leis de composição”
(GILBERT, 1995, p. 206). Sem uma hermenêutica séria, corre-se o risco de ferir, diante da multiplicidade de
leituras da Bíblia, a legitimidade de suas interpretações e exegeses.

5 – ANÁLISE EXEGÉTICA SOBRE A PERÍCOPE DE MC 2,15-17


Com a intenção de ilustrar a importância do instrumental metodológico, bem como, a necessidade de
valorizar e compreender a história de tradição e redação que os textos bíblicos possuem, é apresentado, abaixo,
como resultados obtidos e sistematizados, uma aplicação do método histórico-crítico na perícope de Mc 2,15-
17, a partir do uso da análise literária e análise redacional. Na sistematização abaixo, fica evidente a
importância do instrumental metodológico histórico-crítico.

5.1 – Análise Literária


A análise literária procura estudar os textos como unidades literalmente formuladas e acabadas. Procura
delimitar e estruturar o texto; verificar o texto quanto à sua coesão interna e quanto ao seu uso de fontes
bíblicas ou extrabíblicas.[8]

5.1.1 – Delimitação do texto[9]

Não há um consenso sobre a delimitação do texto de Mc 2,15-17. Algumas versões o apresentam


incorporando os v. 13-14, enquanto outras o destacam como perícope autônoma. Consenso há unicamente em
relação ao fato de todas as versões apresentarem o texto de Mc 2,15-17 destacado da perícope anterior
(paralítico em Cafarnaum) e da posterior (questão do jejum). Apresentamos abaixo as principais razões da tese
de que a perícope de Mc 2,13-17 é autônoma e coesa. Para realizar essa análise, destacamos os dois textos com
seus elementos textuais para a defesa da tese de que os versículos em questão constituem uma perícope
autônoma e coesa.

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Mc 2,13-17
13 E tornou a sair para a beira-mar, e toda a multidão ia até ele; e ele os ensinava. 14 Ao passar, viu Levi, o filho de Alfeu,
sentado na coletoria, e disse-lhe: “Segue-me”. Ele se levantou e o seguiu.

15 Aconteceu que, estando à mesa, em casa de Levi, muitos publicanos e pecadores também estavam com Jesus e os seus
discípulos; pois eram muitos os que o seguiam. 16 Os escribas dos fariseus, vendo-o comer com os pecadores e os
publicanos, diziam aos discípulos dele: “Quê? Ele come com os publicanos e pecadores?”. 17 Ouvindo isso, Jesus lhes
disse: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecadores”.

a) Ambos tematizam o chamado de Jesus aos publicanos e a sua relação com eles: no v. 14 Jesus chama
Levi que está, “sentado na coletoria”, para segui-lo. Já nos v. 15-16 aparece três vezes o termo “publicanos”.

b) No v. 13, fala que uma “multidão ia até Jesus” e no v. 15 é dado um destaque de que “muitos
publicanos e pecadores estavam com Jesus” e que “eram muitos os que o seguiam”;

c) No v. 15 a expressão “estando à mesa em casa de Levi” tem como correlato no v. 14 “Levi”, coletor
de impostos, chamado por Jesus;

d) A presença do verbo “seguir” no v. 14 (“ele se levantou e o seguiu”) e no v. 15 (“eram muitos os que


o seguiam”) parece indicar que as duas perícopes abordam o mesmo tema.

e) Ao olhar para o contexto maior em que se inserem os versículos aqui analisados, desde Mc 2,1–3,6 o
gênero literário dos textos narrados são paradigmas de controvérsias. Caso Mc 2,(13-14)15-17 sejam
consideradas perícopes autônomas, somente a perícope Mc 2,13-14 seria de um gênero literário diverso do
contexto maior de Mc 2,1–3,6.

Apesar dessas razões para considerar esses versículos uma perícope autônoma e coesa, sobressaem
ainda algumas diferenças marcantes e, por isso mesmo, várias razões para a defesa de que são duas perícopes
autônomas: Mc 2,13-14 e Mc 2,15-17. Apresentamos novamente os dois textos, agora dando destaque aos
elementos para a defesa da tese de que são duas perícopes autônomas.

Mc 2,13-14
13 E tornou a sair para a beira-mar, e toda a multidão ia até ele; e ele os ensinava. 14 Ao passar, viu Levi, o filho de Alfeu,
sentado na coletoria, e disse-lhe: “Segue-me”. Ele se levantou e o seguiu.

Mc 2,15-17
15 Aconteceu que, estando à mesa, em casa de Levi, muitos publicanos e pecadores também estavam com Jesus e os seus
discípulos; pois eram muitos os que o seguiam. 16 Os escribas dos fariseus, vendo-o comer com os pecadores e os
publicanos, diziam aos discípulos dele: “Quê? Ele come com os publicanos e pecadores?”. 17 Ouvindo isso, Jesus lhes disse:
“Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecadores”.

a) Os personagens do v. 14 são dois (“Ele”=Jesus e “Levi”). Nos v. 15-16 fala-se de muitos


“publicanos e pecadores” juntamente “com Jesus e os seus discípulos”. Além destes, estão também presentes
“os escribas dos fariseus”;

b) No v.16 são introduzidos, como oponentes a Jesus, “os escribas e os fariseus”, aos quais o v.14 não
faz nenhuma referência;

c) No v.14 o tema principal parece ser o chamado de Levi e a sua resposta (“Segue-me”. Ele se levantou
e o seguiu). Nos v. 15-17 a questão central gira em torno do comer em companhia de publicanos e pecadores
(“Quê? Ele come com os publicanos e pecadores?”);

d) cenários diferentes: no v. 13 “a beira-mar” e no v. 15 “estando à mesa, em casa”;

Diante do estudo de delimitação do texto realizado, várias razões foram apontadas para ambas
hipóteses. Optamos pela segunda hipótese. Nossa tese é de que Mc 2,15-17 apresenta uma conexão estreita
com o texto anterior, Mc 2,13-14.

5.1.2 – Subdivisão e diagramação do conteúdo e frases, expressões ou termos repetidos e destacados[10]

15 Aconteceu que,
estando à mesa, em casa de Levi,

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muitos publicanos e pecadores também estavam com Jesus


e os seus discípulos;
pois eram muitos os que o seguiam.

16 Os escribas dos fariseus,


vendo-o comer com os pecadores e os publicanos,
diziam aos discípulos dele:
“Quê? Ele come com os publicanos e pecadores?”.

17 Ouvindo isso, Jesus lhes disse:


“Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes.
Eu não vim chamar justos, mas pecadores”.

O texto pode ser subdividido em três partes, diferenciáveis pelos seus sujeitos e atores e pela mudança
entre narração e discurso direto. A primeira parte, v. 15, apresenta o cenário: Jesus está reclinado à mesa,
numa casa em companhia dos seus discípulos e de publicanos e pecadores. A segunda parte, v. 16, introduz
novos agentes na cena: os escribas dos fariseus. Estes se dirigem aos discípulos de Jesus com uma pergunta,
originada pelo que estavam vendo. A terceira parte, v. 17, apresenta um dito de Jesus, em resposta à pergunta
dos escribas dos fariseus aos seus discípulos.

O estudo das expressões e dos termos repetidos mostra claramente que a preocupação primordial do
texto gira em torno da companhia à mesa, oferecida por Jesus a “publicanos” (citado três vezes) e “pecadores”
(citados quatro vezes). A referência explícita a pecadores é a única presente em todos os versículos. Como nem
todos os pecadores eram publicanos, mas todos os publicanos eram tidos como pecadores, pode-se inferir da
alusão isolada a pecadores no v. 17, que a atitude de Jesus para com os coletores de impostos no texto é
exemplo daquilo que o ministério de Jesus tem a oferecer para um grupo bem mais abrangente de pessoas, a
saber, os pecadores.

5.1.3 – O uso das fontes[11]

Comparação sinótica entre Mc 2,15-17 e Mt 9,10-13.

Mc 2,15-17 Mt 9,10-13
v. 15 Aconteceu que, estando à mesa, em casa de Levi, muitos v. 10 Aconteceu que estando ele à mesa na casa, vieram muitos
publicanos e pecadores também estavam com Jesus e os seus publicanos e pecadores e se assentaram à mesa com Jesus e
discípulos; pois eram muitos os que o seguiam. seus discípulos.
v. 16 Os escribas dos fariseus, vendo-o comer com os pecadores
e os publicanos, diziam aos discípulos dele: “Quê? Ele come v. 11 Os fariseus, vendo isso, perguntaram aos discípulos: “Por
com os publicanos e pecadores?”. que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores?”.
v. 12-13 Ele, ao ouvir o que diziam, respondeu: “Não são os que
v. 17 Ouvindo isso, Jesus lhes disse: “Não são os que têm saúde
que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide,
chamar justos, mas pecadores”. pois, e aprendei o que significa: Misericórdia é que eu quero, e
não sacrifício. Com efeito, eu não vim chamar justos, mas
pecadores”.

A comparação sinótica do texto de Marcos com seu paralelo em Mateus é reveladora: ordenam o
assunto dentro da mesma seqüência; apresentam (no grego) 39 termos absolutamente iguais e na tradução de
Jerusalém, (adotada aqui), 10 verbos repetidos, que diferem às vezes apenas em tempo e pessoa; todos estes
termos, com uma exceção, vêm escritos na mesma seqüência dentro da narrativa (no grego); as perícopes
anterior e posterior de Mc 2,15-17 se encontram na mesma ordem também em Mt 9,10-13. Todos esses
indícios tornam muito provável a hipótese de que Mateus, ao redigir a narrativa de Mt 9,10-13, tenha usado Mc
2,15-17 como fonte literária. Os acréscimos, omissões, modificações efetuadas serão objeto de estudos mais
detalhado na análise redacional.

Comparação sinótica entre Mc 2,15-17 e Lc 5,29-31.

Mc 2,15-17 Lc 5,29-31
v. 15 Aconteceu que, estando à mesa, em casa de Levi, muitos v. 29 Levi ofereceu-lhe então uma grande festa em sua casa, e
publicanos e pecadores também estavam com Jesus e os seus com eles estava à mesa numerosa multidão de publicanos e
discípulos; pois eram muitos os que o seguiam. outras pessoas.

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v. 16 Os escribas dos fariseus, vendo-o comer com os pecadores v. 30 Os fariseus e seus escribas murmuravam e diziam aos
e os publicanos, diziam aos discípulos dele: “Quê? Ele come discípulos dele: “Por que comeis e bebeis com os publicanos e
com os publicanos e pecadores?”. com os pecadores?”.
v. 17 Ouvindo isso, Jesus lhes disse: “Não são os que têm saúde v. 31 Jesus, porém, tomando a palavra, disse-lhes: “Os sãos não
que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim têm necessidade de médico e sim os doentes; não vim
chamar justos, mas pecadores”. chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento”.

Já a comparação sinótica entre Marcos e Lucas apresenta fortes indícios de que Lucas também tenha
empregado Marcos como fonte literária: ordenam o assunto dentro da mesma seqüência; mesma seqüência de
perícopes posterior e anterior; coincidência de verbos e sujeitos (5 verbos idênticos na tradução de Jerusalém
aqui adotada); mesmo destaque dos assuntos. A soma de todos estes indícios permite afirmar com relativa
segurança que Lc 5,29-31 utilizou Mc 2,15-17 como fonte literária. Acréscimos e omissões serão objeto de
estudo na análise redacional.

5.2 – Análise Redacional[12]

A crítica redacional, reconhecendo que os autores dos Evangelhos modelaram criativamente o


material herdado de outras tradições, dirige sua atenção aos interesses dos evangelistas e à obra que eles
produziram[17]. “Nos casos em que é possível conhecer com razoável segurança o material usado, pode-se
diagnosticar a ênfase teológica por meio das mudanças que o autor efetuou no que foi tomado à outra fonte”
(BROWN, 2004, p. 80). A crítica redacional visa, portanto, constatar com que interesses e intenções os
evangelistas modificaram ou não as tradições orais ou escritas. Vejamos as concordâncias e diferenças na
perícope em questão com seus paralelos em Mateus e Lucas.

Mc 2,16 Os escribas dos fariseus, vendo-o comer com os pecadores e os publicanos, diziam aos discípulos dele: “Quê? Ele
come com os publicanos e pecadores?”.

Mt 9,11 Os fariseus, vendo isso, perguntaram aos discípulos: “Por que come o vosso Mestre com os publicanos e
pecadores?”.

Lc 5,30 Os fariseus e seus escribas murmuravam e diziam aos discípulos dele: “Por que comeis e bebeis com os publicanos
e com os pecadores?”.

Além de todas as referências aos “coletores de impostos e pecadores” comuns a Mateus e Lucas, Mc
apresenta uma terceira referência com a ordem invertida das palavras (v. 16a): “vendo-o comer com os
pecadores e coletores de impostos”. Mt e Lc omitem estes termos, introduzindo a pergunta dos escribas dos
fariseus logo após a referência a eles.

Mc 2,15 Aconteceu que, estando à mesa, em casa de Levi, muitos publicanos e pecadores também estavam com Jesus e os
seus discípulos; pois eram muitos os que o seguiam.
Mt 9,10 Aconteceu que estando ele à mesa na casa, vieram muitos publicanos e pecadores e se assentaram à mesa com
Jesus e seus discípulos.

Na comparação sinótica acima, percebemos que Mateus omite a referência à “casa de Levi”
apresentada em Marcos. Provavelmente fez isso por ter notado que o texto de Marcos (no texto grego,
apresenta Jesus estando “à mesa na casa dele”) não apresenta com clareza a quem o pronome, “na casa dele”,
se referia. Além desse aspecto, conforme BROWN, Mateus dá um destaque mais enfático a Jesus do que
Marcos: “Mateus mostra-se mais reverente acerca de Jesus e evita aquilo que possa limitá-lo ou fazê-lo parecer
ingênuo” (2004, p. 301). Por exemplo, Mt 13,55 altera para “filho de carpinteiro” a descrição que Mc 6,3 faz
de Jesus como carpinteiro. Seguindo o raciocínio de Brown, Mateus estaria evitando a referência explícita de
Jesus à mesa em casa de Levi a fim de eliminar dificuldades com os fariseus de sua época.
Mc 2,16 Os escribas dos fariseus, vendo-o comer com os pecadores e os publicanos, diziam aos discípulos dele: “Quê? Ele
come com os publicanos e pecadores?”.

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Mt 9,11 Os fariseus, vendo isso, perguntaram aos discípulos: “Por que come o vosso Mestre com os publicanos e
pecadores?”.

Lc 5,30 Os fariseus e seus escribas murmuravam e diziam aos discípulos dele: “Por que comeis e bebeis com os publicanos
e com os pecadores?”.

No v.11 Mateus acresce a denominação de Jesus como “vosso Mestre”. O problema da comensalidade,
em Mateus, é claramente em relação a Jesus. Atitude esta condenada pelos fariseus. Talvez por isso mesmo o
acento dado por Mateus em “vosso Mestre”.

Enquanto que em Marcos e Mateus a pergunta é dirigida aos discípulos, mas formulada em relação a
Jesus (“Quê? Ele come com os pecadores e os publicanos?” e “Por que come o vosso Mestre com os
publicanos e pecadores?”), em Lucas a formulação é feita diretamente em relação aos discípulos: (“Por que
comeis e bebeis com os publicanos e com os pecadores?”). Por quê? No tempo em que Lucas escreveu, os
problemas da comensalidade nas comunidades já não eram mais discutidos entre Jesus e seus oponentes
(diferente em Mateus), mas sim diretamente entre os cristãos que comiam em companhia de gentios e os
cristãos judeus que tinham reservas frente a esta prática. No tempo de Lucas, portanto, a acusação não recaía
mais sobre Jesus, mas sobre os próprios cristãos, como é evidente nas passagens de atos dos apóstolos: At
10,23ss; 11,1-3.
Mc 2,17 Ouvindo isso, Jesus lhes disse: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim
chamar justos, mas pecadores”.
Mt 9,12-13 Ele, ao ouvir o que diziam, respondeu: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes.
Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício. Com efeito, eu não vim chamar
justos, mas pecadores”.

Lc 5,31 Jesus, porém, tomando a palavra, disse-lhes: “Os sãos não têm necessidade de médico e sim os doentes; não vim
chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento”.

Em Mateus, os v. 12-13 acrescem uma citação de Os 6,6: “Ide, porém, e aprendei o que significa:
misericórdia quero, e não sacrifício”. Essa mesma frase aparece em Mt 12,7, texto em que os discípulos
arrancam espigas no dia de sábado. É típico de Mateus relacionar Jesus às escrituras através de citações do
antigo testamento, que, para Brown, “têm um papel didático: informar os leitores cristãos e apoiar a fé deles”
(BROWN, 2004, p. 305). O acréscimo realizado por Mateus está nitidamente relacionado com sua
preocupação com a justiça e a condenação da hipocrisia farisaica. Há outros textos, próprios do evangelista
Mateus, que colocam em primeiro lugar a misericórdia e não o sacrifício ou a oferenda, como é o caso de Mt
5,24: “Deixe a oferta aí diante do altar; e vá primeiro fazer as pazes com seu irmão”.

A misericórdia em Mateus é citada ao lado da justiça e da fé como sendo as coisas mais importantes da
lei: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas
omitis as coisas mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia, a fé” (Mt 23,23). Em Mt 18,23-35, na
parábola do credor implacável, este é criticado com veemência por Jesus, exatamente por não ter usado de
misericórdia. “Então o senhor mandou chamar aquele servo e lhe disse: Não devias, também, tu, ter compaixão
do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?”. Duas vezes também o assunto é tematizado no sermão da
montanha: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão a misericórdia” (5,7). Portanto, em Mt a
misericórdia é um traço característico com o qual ele destaca não apenas ministério de Jesus, mas também o
compromisso mútuo dos cristãos.

Lucas reproduz literalmente o dito de Jesus que está em Marcos 2,17, somente acrescentando: “para o
arrependimento”. O tema do arrependimento ou da conversão (a palavra grega metanoia pode ser traduzida
nos dois sentidos) é muito caro a Lucas, que o associa também fortemente à pregação de Jesus, enquanto
Marcos e Mateus o reservam mais a João Batista. Na perícope da parábola da ovelha perdida, por exemplo, em
Lc 15,4-7 aparece duas vezes o termo arrependimento, enquanto que em Mt 18,12-14 não aparece sequer uma
vez (Lc 15,7: “Eu vos digo que do mesmo modo haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrependa,
do que por noventa e nove justos que não precisam de arrependimento”). No livro dos Atos dos Apóstolos,
escrito pelo mesmo autor do Evangelho de Lucas, também aparece várias vezes o tema do arrependimento.
Esta predileção lucana pela temática do arrependimento pode ser constatada também num exame estatístico do

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verbo “arrepender-se”: Mateus o emprega cinco vezes, Marcos duas, enquanto que Lucas o emprega mais de
dez vezes.

6 – CONCLUSÃO

Os textos bíblicos são expressões da revelação divina à humanidade em situações históricas concretas e
definidas. Por estarem distantes de nós como intérpretes, estes carecem de estudo e aprofundamento especiais,
para que possam ser devidamente entendidos. Por isso, quanto mais o exegeta assimilar o método histórico-
crítico de interpretação, tanto mais apto estará para fazer do exercício de sua própria interpretação uma
preocupação constante com a gênese histórica e contextual dos textos, evitando a prática prejudicial de extrair
sentido de textos de forma seletiva e arbitrária, sem consideração do processo de formação a partir do qual o
sentido foi inicialmente formulado e aplicado.

O método histórico-crítico foi o primeiro, nos tempos modernos, a oferecer aos estudos bíblicos uma
verdadeira sistematização científica e, ainda hoje, é difícil avaliar todos os resultados do grande impulso que
deu à exegese. Os benefícios do método não se encerram nos limites da esfera acadêmica. Pelo contrário, uma
prática histórico-crítica conduz a uma interpretação mais elucidativa dos textos neotestamentários.
Compreender, portanto, o processo de constituição de um texto, permite evitar interpretações equivocadas,
senão errôneas.

7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BROW, Raymond E. Introdução ao novo testamento. Trad. Paulo F. Valério. São Paulo: Paulinas, 2004.
EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento: introdução aos métodos lingüísticos e histórico-
críticos. Trad. Joham Konings e Inês Borges. São Paulo: Loyola, 1994.
GILBERT, Pierre. Pequena história da exegese bíblica. Trad. Edinei da Rosa Cândido. Petrópolis: Vozes,
1995.
JUNGES, Fábio César. O texto (revista): uma proposta de mundo. Missioneira, Santo Ângelo, n. 41/42, 2005.
MAINVILLE, Odette. A bíblia à luz da história: guia de exegese histórico-crítica. Trad. Magno Vilela. São
Paulo: Paulinas, 1999.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Trad. Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70, 1989.
RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. Trad. Hilton Japiassu. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1977.
________. Do texto à acção. Trad. Alcino Cartaxo. Lisboa: Rés, 1989.
RUEDELL, Aloísio. Da Representação ao Sentido: através de Schleiermacher à hermenêutica atual. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2000.
SCHLEIERMACHER, Friedrich D.E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. Celso Braida.
Petrópolis: Vozes, 1999.
________. Hermenêutica e crítica. Trad. de Aloísio Ruedell. Ijuí: Unijuí, 2005.
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Leopoldo: Sinodal, 1998.

[1]
Plano de trabalho do programa PIIC/URI, agosto de 2006 a julho de 2007, premiado como Destaque em Iniciação Científica 2007, na área das Ciências Humanas da URI.
[2]
Acadêmico do Curso de Graduação em Teologia da IMT/URI - campus de Santo Ângelo, bolsista do PIIC/URI e Pós-Graduando em Metodologia Pastoral da URI - campus
de Santo Ângelo (e-mail: fabiocesarjunges@yahoo.com.br).
[3]
Professor do Departamento de Ciências Humanas e coordenador do Curso de Teologia URI/IMT - campus de Santo Ângelo (e-mail: leokonzen@urisan.tche.br).
[4]
Essas questões foram bem desenvolvidas por Egger em “Metodologia do Novo Testamento”, através de sua teoria do texto, p. 23-42.
[5]
Em “Do texto à acção”, obra de Paul Ricoeur, há uma ampla reflexão sobre a finalidade e intenção do texto apresentados em “níveis de metamorfose da realidade”.
Desenvolvemos em parte essa temática no artigo “O texto (revista): uma proposta de mundo”, publicado na edição 41/42 da revista Missioneira, p. 33-38.
[6]
Nesta perspectiva, a própria linguagem é o sujeito da interpretação. Esta concepção foi novamente considerada, recentemente, sobretudo por Ernst Cassirer e Paul Ricoeur.
Um estudo muito valioso, neste sentido, é a obra “Interpretação e ideologia”, de Paul Ricoeur.
[7]
Manfred Frank chega afirmar que em certo sentido a pretensão de Schleiermacher vai até mais longe, pois “enquanto Kant ainda chegava ao estabelecimento de princípios,
isto é, princípios da razão de validade temporal, Schleiermacher submete a um questionamento metódico da compreensão todo o universo daquilo que englobava o conceito
cognitatio de Descartes” (FRANK, apud. SCHLEIERMACHER, 2005, p. 17).
[8] WEGNER, Uwe.
Exegese do novo testamento. p. 84-121. EGGER, Wilhelm. Metodologia do novo testamento, p. 155-157.
[9]
A necessidade de delimitar os texto advém do fato de que, originalmente, os livros neotestamentários foram redigidos em escrita contínua, sem espaço entre as palavras e sem
subdivisões de versículos, perícopes e capítulos. Para realizar a delimitação de um texto é muito importante observar se o texto realmente forma uma unidade autônoma quanto ao
seu conteúdo. Quando o seu conteúdo possui uma mensagem própria e característica, distinta da mensagem dos textos anteriores ou subseqüentes, pode constituir uma unidade de
texto autônoma. Cf. WEGNER, Uwe. Exegese do novo testamento, p. 84-87.
[10]
Esta etapa da análise literária procura familiarizar o leitor com as disposições externas do seu conteúdo. Procura responder a perguntas como: em quantas partes
diferenciáveis pela forma e conteúdo se subdivide o texto? Qual o nexo existente entre as diversas partes do texto? Como se relacionam entre si? Há relações de
complementaridade ou de oposição, antítese entre as partes? Há partes, assuntos ou termos no texto que o perpassam como um todo e o amarram? Cf. WEGNER, Uwe. Exegese
do novo testamento, p. 88-102.
[11]
Não podemos entrar aqui em detalhes sobre as várias teorias do problema sinótico. Cabe informar apenas que, atualmente a teoria mais aceita na pesquisa é chamada “teoria
das duas fontes”. Segundo ela, Marcos, o primeiro Evangelho a ser escrito serviu de fonte literária para Mateus e Lucas. Além de Marcos, Mateus e Lucas teriam usado ainda
uma segunda fonte comum, a “fonte Q”. Cf. WEGNER, Uwe. Exegese do novo testamento, p. 103-117.

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[12]
A análise redacional torna-se difícil quando é feita sobre textos dos evangelhos de Marcos ou João, pois não sabemos exatamente quais fontes ou que tipo de fontes (escritas
ou orais) usaram. Em textos de Mateus ou Lucas com paralelos em Marcos, a análise redacional é a mais fácil. Nestes casos, o estudo pode valer-se da análise prévia sobre o uso
de fontes, procurando, agora, responder à pergunta: por que ou com que objetivos Mateus ou Lucas modificaram o texto de Marcos nas passagens em que omitiram,
acrescentaram ou alteraram o seu conteúdo? Basicamente, modificações efetuadas nos textos originam-se: a) do emprego de estilo lingüístico próprio: assim como cada um tem
o seu “estilo” próprio de português; b) de adaptações efetuadas pelo autor em consideração a necessidades das comunidades destinatárias; c) de influências de tradições paralelas
sobre a mesma história ou ditos; d) de interesses teológicos próprios do autor ou da autora. Cf. WEGNER, Uwe. Exegese do novo testamento, p. 122-164. EGGER, Wilhelm.
Metodologia do novo testamento, p. 179-190.

Recebido em setembro de 2007 e aprovado em outubro de 2007.

JUNGES &

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