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2018 INTERNETLAB Direito Eleitoral Na Era Digital
2018 INTERNETLAB Direito Eleitoral Na Era Digital
NA ERA DIGITAL
Francisco Brito Cruz
Hélio Freitas de Carvalho da Silveira
Jacqueline de Souza Abreu
Marcelo Santiago de Pádua Andrade
Rafael Sonda Vieira
Thiago Dias Oliva
Copyright © 2018 by Editora Letramento
D598
Direito eleitoral na era digital / Autores Francisco Brito Cruz...[et al.].
-- Belo Horizonte(MG) : Letramento : Casa do Direito, 2018.
222 p. 15,5 x 22,5cm.
Outros autores: Hélio Freitas de Carvalho da Silveira, Jacqueline de Souza Abreu
Marcelo Santiago de Pádua Andrade, Rafael Sonda Vieira, Thiago Dias Oliva
ISBN: 978-85-9530-115-3
1. Direito eleitoral - Brasil.2. Eleições.3. Crime eleitoral.4. Marketing
político.5.Campanha eleitoral.I. Francisco Brito Cruz...[et. al].II. Título
CDD 342.8107
Belo Horizonte - MG
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Bairro Caiçara
CEP 30770-020
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grupoeditorialletramento.com Casa do Direito é o selo jurídico do
casadodireito.com Grupo Editorial Letramento
7 PREFÁCIO
9 O direito eleitoral na era digital
21 CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO À JUSTIÇA ELEITORAL
24 Noções básicas sobre o processo na Justiça Eleitoral
31 Depois da eleição: os processos que discutem
abuso nas eleições após seu acontecimento
35 CAPÍTULO 2
REGRAS SOBRE PROPAGANDA ELEITORAL
37 Uma definição geral de propaganda eleitoral
38 A disputa (e a confusão) em torno do
conceito de “propaganda eleitoral”
39 A definição da Justiça Eleitoral de
“propaganda eleitoral antecipada”
42 Legitimados para fazer propaganda eleitoral
43 O que esperar da Justiça Eleitoral em situações que
envolvam uma definição de propaganda eleitoral?
45 Os princípios que regem a propaganda eleitoral
53 Limites à propaganda eleitoral
57 A propaganda eleitoral paga na internet:
impulsionamento de conteúdos
63 Limites para o impulsionamento de
conteúdos de propaganda eleitoral
72 Frentes de fiscalização do impulsionamento
de propaganda eleitoral na internet
79 CAPÍTULO 3
A REMOÇÃO DE CONTEÚDO DA INTERNET
PELA JUSTIÇA ELEITORAL
82 A extensão do conteúdo a ser removido
96 Uma decisão de remoção prevenirá que o
conteúdo apareça novamente na internet?
97 Bloqueios de aplicações pela Justiça Eleitoral
101 CAPÍTULO 4
A RESPONSABILIZAÇÃO POR DANOS GERADOS
POR CONTEÚDO PUBLICADO NA INTERNET
103 A identificação de um usuário na internet
107 Critérios para identificação de usuários:
existe um “direito de saber quem é”?
111 Problemas em casos de identificação de usuários
112 Responsabilidade das plataformas de internet
por conteúdo gerado por terceiros
113 Responsabilidade de usuários pelo compartilhamento
de conteúdo de terceiros em redes sociais
115 CAPÍTULO 5
DESINFORMAÇÃO E MANIPULAÇÃO DO
CIDADÃO: FAKE NEWS E OUTRAS TÉCNICAS
118 A polarização política nas redes e a
competição entre produtores de notícias
120 Definições de “fake news”
122 Soluções jurídicas para o enfrentamento
da desinformação na internet
143 CAPÍTULO 6
DIREITO DE RESPOSTA
149 CAPÍTULO 7
USO DE ROBÔS EM CAMPANHAS ELEITORAIS
153 Diferentes usos de bots em eleições:
o que deve ser proibido?
156 Como identificar um bot?
159 Mecanismos jurídicos para a tutela da
utilização de robôs nas eleições
163 CAPÍTULO 8
DADOS PESSOAIS: PROTEÇÃO DA AUTONOMIA
DE SE INFORMAR E DECIDIR DO ELEITOR
165 Regimes de Proteção de Dados Pessoais
166 Proteção de Dados na Lei das Eleições
170 Uso de dados pessoais para marketing eleitoral online
175 Quais os limites jurídicos aplicáveis a
tratamento de dados pessoais de eleitores
e ao microdirecionamento?
176 Promessas e ameaças do microdirecionamento
para a democracia
181 CAPÍTULO 9
TECNOLOGIA NO FINANCIAMENTO E
TRANSPARÊNCIA DE CAMPANHAS ELEITORAIS
187 Mecanismos de financiamento online
187 Aplicação da própria campanha
188 Mecanismos de financiamento coletivo de campanhas
195 CAPÍTULO 10
A AUTORREGULAÇÃO DAS PLATAFORMAS DE INTERNET
207 CONCLUSÃO
211 APÊNDICE
213 Termos técnicos
Prefácio
O DIREITO ELEITORAL
NA ERA DIGITAL
Para introduzir a intenção e o contexto desta obra, três pontos
se fazem necessários. O primeiro explicita a premissa que a mídia
digital já começa a ser o grande palco do debate político neste início
de século, o que já despertou a atenção de legisladores, em especial
em atenção à regulação da campanha eleitoral online. O segundo
ponto demonstra como esta preocupação de regulação acontece
a partir da tensão entre dois “campos” relativamente autônomos
dentro do pensamento jurídico – o direito eleitoral e o campo das
políticas de internet. O terceiro explica como esta obra se propõe
a construir pontes entre estes campos tendo em conta que esta
aproximação é chave para a garantia de direitos fundamentais em
momentos quentes de agitação política e eleitoral e, ainda, para a
arquitetura da democracia representativa e da soberania popular
representada pelo direito eleitoral.
…
O aumento no uso da internet ocorrido no Brasil nos últimos dez
anos não deixou a política de lado. Na última década, a disseminação
de redes sociais e outras ferramentas digitais de comunicação e de
acesso à informação alçou a internet como um palco muito relevante
nos principais processos políticos do país. Diversas variáveis são
importantes nesse processo; tanto pesquisas de uso de mídia como
sobre conectividade apontam que nas grandes cidades a internet
9
já passa a televisão como a mídia preferida de alguns segmentos.
O avanço é consistente e contínuo.1
Se campanhas eleitorais migram para onde os eleitores estão se
informando e debatendo política, com a internet não seria diferente.
A crescente preocupação com o impacto que o uso da internet
pode ter em processos político-eleitorais é uma tendência mundial.
Exemplos não faltam, sendo a mais importante referência a eleição
de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos. Somente
neste pleito, russos foram acusados de invadir servidores do Partido
Democrata e de cultivarem uma complexa rede de influência nas
redes sociais, com robôs e compra de anúncios. Garotos em uma
pequena cidade na Macedônia ganharam milhares de dólares manu-
faturando sites de notícias falsas com manchetes sensacionalistas
que foram um sucesso de audiência, alimentando a polarização,
disseminando boatos e influenciando o rumo das eleições, mesmo
sem intenção política declarada.2
Um destes exemplos ilustra uma série de relevantes transforma-
ções, o da empresa Cambridge Analytica, que foi acusada de coletar
irregularmente dados pessoais de mais de 80 milhões de usuários
do Facebook e utilizá-los para dirigir a produção de anúncios de
Trump. A partir de dados como curtidas e lista de contatos, ferra-
mentas desenvolvidas pela empresa teriam sido capazes de inferir,
com altos índices de precisão, preferências e traços da personalidade
dos usuários, que serviriam, então, de matéria prima para a custo-
mização de mensagens de propaganda política. Estamos assistindo a
migração para o marketing político do que já é praxe no marketing
comercial: a utilização de dados pessoais para a personalização de
conteúdos, que passam a atingir públicos segmentados por meio
das ferramentas de direcionamento disponibilizadas pelas plata-
1 Neste ponto é significativo acompanhar as pesquisas realizadas pelo Cetic.br (Centro Regional
de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação do Comitê Gestor da Internet no
Brasil) e pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República nos últimos anos.
2 Toda a história pode ser encontrada na reportagem de Craig Silverman e Lawrence Alexander,
“How Teens In The Balkans Are Duping Trump Supporters With Fake News”, de 3 de novembro de
2016. Disponível em: <https://www.buzzfeed.com/craigsilverman/how-macedonia-became-a-glo-
bal-hub-for-protrump-misinfo?utm_term=.rwmNxWb3DV#.vxLZjBMm5x>. Acesso em: 5 jun. 2017.
3 In Antonialli, Dennys; Brito Cruz, Francisco; e Valente, Mariana. “Escancarados os desafios do novo
marketing político”, de 21 de março de 2018, no Link Estadão. Disponível em: http://link.estadao.
com.br/noticias/empresas,escancarados-os-desafios-do-novo-marketing-politico,70002235612.
Acesso em 10 abr. 2018.
4 Como em Arnaudo, Dan. “Computational Propaganda in Brazil: Social Bots during Elections.”
Samuel Woolley and Philip N. Howard (Eds.). Working Paper 2017.8. Oxford, UK: Project on
Computational Propaganda.
5 Em 2012, o diretor geral do Google no Brasil, Fábio Coelho, foi preso após o descumprimento de
quatro ordens judiciais de retirada de conteúdo do YouTube sobre um candidato a prefeito de Campo
Grande. Ver: <https://eleicoes.uol.com.br/2012/noticias/2012/09/26/prisao-de-diretor-do-goo-
gle-foi-precedida-por-descumprimento-de-quatro-ordens-judiciais.htm>. Acesso em 26/02/2018.
Dispositivo Descrição do
Pena Impacto na campanha pela internet
legal tipo penal
A internet pode ser importante meio
de veiculação de fatos “que se sabe
Divulgação de inverídicos” na propaganda eleitoral,
fatos que se inclusive se tivemos em conta a
Art. 323 Detenção
sabe inverídicos discussão sobre notícias falsas na
do Código (2 meses a
sobre partidos ou rede. A publicação de tais informações
Eleitoral 1 ano) ou
candidatos que pode gerar consequências penais
(Lei nº 120 a 150
possam influenciar para o responsável pelo veículo
4.737/1965) dias-multa.
o eleitorado na de comunicação. Provedores de
propaganda eleitoral. hospedagem poderão ser obrigados
a retirar sites do ar e fornecer
os dados do responsável.i
Calúnia ou sua
Art. 324 propagação/
Detenção (6
do Código divulgação na
meses a 2
Eleitoral propaganda eleitoral,
anos) e 10 a
(Lei nº ou visando fins de
40 dias-multa. Como meio de comunicação, a
4.737/1965) propaganda. (falsa
internet é vista como importante
imputação de crime).
palco para condutas que tipificam
Art. 325 Difamação na discursos ilícitos. Estes três crimes
Detenção (3
do Código propaganda eleitoral, têm sua pena aumentada em um
meses a 1
Eleitoral ou visando fins de terço se forem cometidos por meio
ano) e 5 a 30
(Lei nº propaganda (ofensa da internet (“meio que facilite a
dias-multa.
4.737/1965) à reputação). divulgação da ofensa”), conforme
dispõe o art. 327, III da mesma lei.
Art. 326 Injúria na propaganda
Detenção
do Código eleitoral, ou visando
(até 6 meses)
Eleitoral fins de propaganda
ou 30 a 60
(Lei nº (ofensa à dignidade
dias-multa.ii
4.737/1965) ou o decoro).
…
Este contexto é o ponto de partida para esta obra. Ela surgiu como
produto de um grupo de estudos organizado pela área de pesquisas
sobre Informação e Política do InternetLab, centro independente
de pesquisa em direito e tecnologia. A partir da noção de que era
importante uma aproximação entre cabeças ligadas à prática do
direito eleitoral, de um lado, e das políticas de internet, de outro,
este grupo juntou pesquisadores do InternetLab e advogados elei-
23
as regem, é ela que julga caso a caso, reagindo e respondendo de
acordo com a legislação e o regulamento quando recebe demandas
que apontam o descumprimento de alguma norma eleitoral ou,
ainda, agindo sem precisar ser provocada quando juízes se deparam
com situações de irregularidade perante a lei – o chamado “Poder
de Polícia”, que explicaremos a seguir.
NOÇÕES BÁSICAS
SOBRE O PROCESSO NA
JUSTIÇA ELEITORAL
Geralmente, a Justiça Eleitoral julga casos em processos gerados
a partir de representações.10 Elas são a via para demandar que
juízes eleitorais apliquem sanções pelo descumprimento das regras
eleitorais ou para garantir direito de resposta11 em campanhas, por
exemplo. A partir de representações (que seguem o rito do art. 22
da LC 64/90) também é possível pleitear a aplicação das regras para
doação de recursos a campanhas, casos de abuso de poder político e
econômico, e uso indevido de meios de comunicação social, mesmo
que nesses casos a lei indique a necessidade de observar um rito
mais favorável à defesa. Em geral, as representações podem ser
10 Instrumentos de Direito Civil, art. 96, caput da Lei das Eleições (L.9.504/97).
11 Art. 58 da Lei das Eleições (L.9.504/97).
12 Sobre isso, ver: art. 22 da Lei Complementar 64/90 (casos dos ilícitos do art. 31-A, do art.
41-A, do art. 73 e de doação acima do limite legal, além dos casos de abuso de poder político,
econômico ou uso indevido de meios de comunicação social). Ver também art. 106 da Resolução
nº 23.551/17 (caso de propaganda que viole direito autoral, autorizando que titular do direito
proponha representação).
13 Previstos no Código Eleitoral, na Lei nº 9.504/97 e em legislação extravagante.
14 Art. 355 do Código Eleitoral (L.4.737/65).
15 Previsto, por exemplo, no art. 249 do Código Eleitoral (L.4.737/65).
16 Art. 41, § 2º da Lei das Eleições (L.9.504/97).
Prazos e tramitação
As representações eleitorais regulamentadas pelo artigo 96 da
Lei 9.504/97, que podem ser propostas por partido, candidato,
coligação ou pelo MP têm um rito processual extremamente célere
se comparadas com outros processos julgados pela Justiça Comum.
Os prazos são exíguos. Após a apresentação da petição inicial, o
réu é notificado para apresentar sua defesa no prazo de 48 horas
e, após a defesa ou o transcurso deste prazo sem manifestação do
réu, o Ministério Público Eleitoral tem 24 horas para emitir o seu
parecer. Cumprida essa etapa, seguem os autos para o juiz, que deve
decidir o caso também no prazo de 24 horas.18 Estes prazos são
todos contínuos e fixados em lei, correndo inclusive aos sábados,
domingos e feriados.
18 Os prazos são próprios, inclusive para os magistrados, que podem ser alvo de representação
do art. 97-A da Lei das Eleições (L.9.504/97) caso não os cumpram.
Provas
Em razão da sua celeridade, os processos dessas representações
eleitorais têm a característica da concentração dos meios de prova.
Isso quer dizer que não há uma nítida fase específica na qual o
processo será instruído com provas – elas devem ser diretamente
apresentadas com a petição inicial ou a defesa, sob pena de não
serem consideradas em etapas posteriores do processo.
19 Como, por exemplo: (i) a apuração do ilícito do art. 30-A da Lei das Eleições (L.9.504/97), que
pode ser ajuizada até 15 dias a contar da diplomação e (ii) de doação acima do limite, que pode
ser manejada até o término no ano seguinte às eleições; e (iii) a impugnação, que deve ser ajuizada
nos quinze dias seguintes à diplomação dos eleitos (art. 14, § 11 da Constituição Federal de 1988).
20 Conforme parâmetros do art. 97-B da Lei das Eleições (L.9.504/97).
abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos
ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação
penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar.
25 Art. 22, inciso XIV da Lei Complementar 64/90.
26 Art. 22, inciso I, alínea “a” da Lei Complementar 64/90.
27 Ribeiro, Fávila. Direito Eleitoral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 445.
28 Ribeiro, Fávila. Direito Eleitoral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 447-449.
29 Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 377.
37
Esta definição não encerra o debate e pode deixar para fora práticas
que ainda podem ser consideradas propaganda (ou incluir outras
que não necessariamente devem ser assim rotuladas). Como a
comunicação de massa comporta inúmeros tipos diferentes de
conteúdos, de formas de transmiti-lo e de recebê-lo, este termo
pode acabar comportando vários significados e interpretações. A
multiplicidade de técnicas e possibilidades tornam difícil a tarefa da
Justiça Eleitoral, que precisa traçar linhas e utilizar conceituações
abstratas para garantir a segurança jurídica e a previsibilidade nos
casos que vai julgar – casos que se relacionam intimamente com
direitos fundamentais como a liberdade de expressão e de crítica
política, garantidos pela Constituição Federal.
A DISPUTA (E A CONFUSÃO)
EM TORNO DO CONCEITO DE
“PROPAGANDA ELEITORAL”
As leis que compõem o panorama normativo do direito eleitoral
brasileiro não definem o que é propaganda eleitoral, mas esta-
belecem limites importantes, especialmente ligados à discussão
sobre “propaganda eleitoral antecipada”. Ao limitar candidaturas
que querem “fazer campanha irregular antes da hora para se forta-
lecer”, a estratégia do Congresso Nacional foi elencar hipóteses nas
quais estaria ou não configurada a propaganda na prática. Nada de
definições, mas sim limites construídos a partir de exemplos do
que não se pode fazer.
Essa estratégia ficou marcada em uma reforma da Lei Eleitoral em
2015, quando entrou em vigor um novo dispositivo30 que elenca
uma série de condutas que não caracterizam propaganda eleitoral
antecipada, a fim de favorecer a livre circulação de ideias, a liberdade
de expressão e de crítica política. Esta regra exclui da definição de
propaganda eleitoral antecipada “a menção à pretensa candidatura,
a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos” e a parti-
A DEFINIÇÃO DA JUSTIÇA
ELEITORAL DE “PROPAGANDA
ELEITORAL ANTECIPADA”
Este enquadramento do “pedido expresso de voto” trazido pela
reforma da Lei Eleitoral repercutiu seriamente na Justiça Eleitoral,
fazendo com que o entendimento já tenha sido adotado pelo
31 Art. 36-B. […] Parágrafo único. Nos casos permitidos de convocação das redes de radiodifusão,
é vedada a utilização de símbolos ou imagens, exceto aqueles previstos no § 1o do art. 13 da
Constituição Federal.
32 No julgamento, em agosto de 2017, do AgR-REspe nº 9365, de relatoria do Min. Admar
Gonzaga, o TSE considerou que postagem em página no Facebook com imagem de evento no
qual participantes apresentavam adesivos confeccionados com o número que seria utilizado em
campanha eleitoral futura não configura pedido expresso de voto. De forma similar, o TSE adotou
interpretação restritiva do pedido expresso de voto no julgamento do REspe nº2949, avaliando
que a divulgação de diversos atos e ações da prefeitura na conta pessoal de prefeito candidato
à reeleição – bem como a menção a aliança política influente – não deve ser interpretada dessa
maneira. Ver: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, REspe nº 2949, Relator Min. Henrique Neves da
Silva. Julgado em: 05/08/2014.
40 São exemplos de decisões do TSE que partem dessas premissas os seguintes julgados: TRIBUNAL
SUPERIOR ELEITORAL, AgR no REspe nº 0000222-17.2014.6.02.0000, Relator Min. Luiz Fux.
Julgado em: 21/05/2015. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, REspe nº 0001868-19.2014.6.00.0000,
Relator Min. Henrique Neves da Silva. Julgado em: 06/10/2015. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL,
AI nº 0000142-48.2013.6.25.0000, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em: 10/12/2015. TRIBUNAL
SUPERIOR ELEITORAL, AI nº 0004483-51.2014.6.19.0000, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em:
25/02/2016. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, REspe nº 0002145-51.2014.6.03.0000, Relator
Min. Luiz Fux. Julgado em: 18/08/2016. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, AgR no REspe nº
685-79.2012.6.26.0090, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em: 06/09/2016. TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL, AI nº 0000198-46.2015.6.13.0000, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em: 06/10/2016.
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, REspe nº 0000051-24.2016.6.17.0016, Relator Min. Luciana
Christina Guimarães Lóssio. Julgado em: 13/12/2016. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, AI nº
0000983-35.2012.6.11.0043, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em: 21/02/2017. TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL, REspe nº 0001987-93.2014.6.03.0000, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em: 15/08/2017;
bem como TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
ELEITORAL Nº 110-93.2016.6.26.0296, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em 28/11/2017.
41 Arts. 22 e 23 da Res. TSE nº 23.551.
42 Art. 57-B, inciso IV, alínea “b” e § 2º, 4º e Art. 57-C da Lei das Eleições (L.9.504/97).
43 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
44 É importante frisar que outros autores também tratam dos princípios da propaganda eleitoral,
de forma mais ou menos homogênea. Apenas para ilustrar, destaca-se que Joel J. Cândido, nas
páginas 154-155 da 13ª Edição de sua obra Direito Eleitoral Brasileiro, indica a existência do princípio
da legalidade, princípio da liberdade, princípio da responsabilidade, princípio igualitário, princípio
da disponibilidade e princípio do controle judicial da propaganda. Alceu Penteado Navarro, em sua
obra Anotações sobre propaganda política e as condutas vedadas aos agentes públicos, nas páginas
40-48, igualmente trata dos princípios informadores da propaganda para destacar o princípio da
liberdade, o princípio da disponibilidade, o princípio da legalidade; o princípio do controle judicial
da propaganda, o princípio da veracidade e o princípio da responsabilidade.
45 NAVARRO, Alceu Penteado. Anotações Sobre a Propaganda Política e as Condutas Vedadas aos
Agentes Públicos. São Paulo: GZ Editora, 2016.
46 O Acórdão TSE na Rp nº 139448, Rel. Min. Admar Gonzaga, julgado em 02.10.2014, entende
que “fato sabidamente inverídico a que se refere o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de concessão
de direito de resposta, é aquele que não demanda investigação, ou seja, deve ser perceptível de
plano”. Também do TSE é o Acórdão na Rp nº 121177, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto,
julgado em 23.09.2014, que deixou registrado que “O fato sabidamente inverídico, a que se refere o
art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de concessão de direito de resposta, é aquele que não demanda
investigação, ou seja, deve ser perceptível de plano, a ‘olhos desarmados’. Além disso, deve denotar
ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação”. Ainda sobre o conceito de fato sabida-
mente inverídico, pode ser mencionado o Acórdão TSE na Rp nº 367516, Rel. Min. Henrique Neves,
julgado em 26.10.2010, em que se indicou que “A mensagem, para ser qualificada como sabidamente
inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”.
Restrições ao conteúdo
No caso da campanha eleitoral feita na internet, um dos tipos
mais relevantes de regras que incidem sobre a propaganda eleitoral
são aquelas que estabelecem limites ao seu conteúdo, ou seja, ao
conteúdo da comunicação que se encaixa na definição de propa-
ganda. Estas regras são especialmente sensíveis por representarem
limites ao discurso.
Segundo o Código Eleitoral, a propaganda eleitoral deve sempre
ser feita em português e não deve empregar meios publicitários
destinados a criar, artificialmente na opinião pública, estados
mentais, emocionais ou passionais.47
Um amplo debate pode ser realizado sobre esta proibição do
emprego de “meios publicitários”. Quais seriam tais meios? Não
seria esta uma regra em desuso ou datada se considerados inúmeros
exemplos de propagandas que “apelam” e acabam por criar estados
mentais ou passionais? O que dizer da peça publicitária do candidato
Lula em 2002 que mostrava um batalhão de mulheres grávidas?
Ela não despertaria uma enorme compaixão nos eleitores?48 Como
enquadrar a peça publicitária da campanha de José Serra, adversário
de Lula no mesmo pleito de 2002, que trazia a atriz Regina Duarte
afirmando que tinha “medo” (um evidente “estado emocional”) do
que poderia acontecer se seu apoiado perdesse a eleição?49
Este último caso chegou ao TSE em 2002. Nele, a campanha de
Lula argumentava justamente que o depoimento da artista estava
em conflito com esta regra. No entanto, o Tribunal considerou a
55 O conteúdo do art. 243, incisos I a IX do Código Eleitoral (reafirmado pelo art. 17 da Res. TSE
nº 23.551).
56 A sugestão de alteração foi apresentada pelo coletivo #MeRepresenta visando à compatibili-
zação da Legislação Eleitoral com o ordenamento constitucional.
57 O art. 240 do Código Eleitoral (L.9.504/65); o art. 36, caput e o art. 57-A da Lei das Eleições
(L.9.504/97), bem como o art. 22, caput da Res. TSE nº 23.551, indicam como.
58 Art. 36, § 3º da Lei das Eleições (L.9.504/97).
59 Art. 81, inciso IV da Res. TSE nº 23.551.
A PROPAGANDA ELEITORAL
PAGA NA INTERNET:
IMPULSIONAMENTO
DE CONTEÚDOS
Dentre as mudanças realizadas pela última reforma eleitoral em
2017,61 a autorização da propaganda eleitoral paga na internet
feita por mecanismos de impulsionamento de conteúdo é a
mais significativa de todas. A alteração, que abre espaço para a
utilização de mecanismos de publicidade digital disponibilizados
pelas plataformas de internet e conhecidos pela publicidade comer-
cial – conjugada com o alto custo de campanhas para televisão e
a dificuldade das campanhas no acesso aos recursos eleitorais –,
tem a capacidade de alterar o formato de comunicação eleitoral
no país e fazer das Eleições 2018 (e as seguintes) mais digitais do
que nunca.62 Com tal mudança passam a ser considerados gastos
eleitorais lícitos os custos com “o impulsionamento de conteúdos
contratados diretamente com provedor de aplicação de internet
com sede e foro no país”.63 Esta passa ser uma exceção à proibição
de “propaganda eleitoral paga” na internet, que continua em vigor
na nova redação do artigo 57-C da Lei das Eleições.
…
60 Art. 240, parágrafo único c.c. o art. 39, §§ 3º e 4º da Lei das Eleições (L.9.504/97)
61 Lei 13.488/2017.
62 Brito Cruz, Francisco. “Cenários para 2018: como ficarão nossos direitos na eleição mais
digital da história?”. Nexo Jornal, 30.12.2017. Ver: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/
Cenários-para-2018-como-ficarão-nossos-direitos-na-eleição-mais-digital-da-história>. Acesso
em 27/01/2018.
63 Art. 26, inciso XV da Lei das Eleições (L.9.504/97)
66 Ver: <https://www.facebook.com/business/help/240208966080581>.
68 Neste ponto está a importante atração que tais ferramentas exercem sobre candidatos (pois
a sua propaganda será mesclada ao conteúdo que chega ao usuário a partir de suas próprias
preferências). Reside, ainda, efeito que tais plataformas possuem como mediadoras do espaço
público – é sabido que no Facebook a tração de discursos de forma espontânea é significativa-
mente menor daquela encontrada por conteúdos impulsionados, em especial àqueles publicados
por páginas, e não por perfis pessoais.
69 O Google AdSense é um serviço que intermedia a venda de espaços publicitários em websites
oferecido pela Alphabet/Google. Ele permite que o website reserve um espaço na tela visível ao
usuário para lhe mostrar um banner publicitário direcionado ao público-alvo de que ele faz parte,
audiência esta que é segmentada a partir dos bancos de dados do Google. Os anúncios do AdSense
e de serviços correlatos aparecem ao usuário comum como meros banners publicitários, havendo
geralmente pequenos ícones que permitem ao usuário conhecer qual intermediário administra
aquele espaço.
LIMITES PARA O
IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDOS
DE PROPAGANDA ELEITORAL
70 O termo “web” está definido no apêndice, sendo seu significado diferente de “internet”.
Conteúdo
Em segundo lugar, os posts impulsionados se submetem a todos
os limites de conteúdo aplicáveis à propaganda eleitoral em geral.
É, por exemplo, proibido o impulsionamento de conteúdos de
propaganda eleitoral em língua que não seja o português.
E, além das demais restrições, o legislador desautorizou a reali-
zação de propaganda eleitoral exclusivamente negativa por meio
do impulsionamento. Segundo a lei:75
“o impulsionamento (…) deverá ser contratado diretamente com
provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua
filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente
estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar
candidatos ou suas agremiações.”
Dessa forma, a legislação eleitoral parece ter estabelecido que o
mecanismo de impulsionamento não deve ser instrumento para
ataque entre adversários. Esta interpretação literal do dispositivo
significaria que o impulsionamento só deve ser utilizado para propa-
Tempo
Em terceiro lugar, aplicam-se regras temporais, que proíbem o
impulsionamento de conteúdo no dia das eleições.79
FRENTES DE FISCALIZAÇÃO
DO IMPULSIONAMENTO DE
PROPAGANDA ELEITORAL
NA INTERNET
Existem três frentes para a fiscalização do conteúdo impulsionado
na rede: (i) instantânea; (ii) a investigação de abusos e irregulari-
dades a posteriori; (iii) as prestações; e (iv) a circularização.
Na fiscalização instantânea, candidatos, partidos, coligações (na
chamada “fiscalização trocada” entre as campanhas adversárias) ou
o Ministério Público podem propor representações eleitorais para
remover publicações impulsionadas que desrespeitem os limites
90 Criado pela reforma da Lei Eleitoral de 2017 (Lei 13.487/2017) como mecanismo adicional
para o financiamento público das campanhas eleitorais, o FEFC garantiu recursos extra para os
candidatos, partidos e coligações após o Supremo Tribunal Federal ter julgado inconstitucional o
financiamento privado das campanhas na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4560.
91 Art. 28 da Lei das Eleições (L.9.504/97).
92 Doações estimáveis em dinheiro são os recursos não financeiros recebidos pelas campanhas
eleitorais. Pode ser objeto de doação eleitoral um serviço prestado, que deve constituir produto das
atividades econômicas do doador, ou um bem, desde que este integre o patrimônio do doador. Assim,
para fins de contabilidade, é feita uma estimativa do valor do serviço prestado/bem disponibilizado,
registrando-se na prestação de contas como uma doação estimável em dinheiro.
93 O Facebook, por exemplo, passou a fornecer notas fiscais apenas a partir de março de 2018.
Ver: <https://www.facebook.com/business/help/670014399736449>.
94 O mecanismo está previsto na Res. TSE 23.553/2017: Art. 72. Havendo indício de irregularidade
na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente ou por delegação informações
adicionais, bem como determinar diligências específicas […] § 2º – Na fase de exame técnico, inclu-
sive de contas parciais, a unidade ou o responsável pela análise técnica das contas pode promover
circularizações, fixando o prazo máximo de 3 (três) dias para cumprimento.
81
obrigação legal às plataformas após a emissão de uma ordem judicial
que obedeça a uma série de parâmetros.98
Estes parâmetros conjuntos (leis eleitorais e Marco Civil) devem
ser observados com atenção. A remoção de conteúdo publicado na
internet, nesse contexto de proteção da liberdade de expressão e
valorização do debate democrático, está limitada “às hipóteses em
que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações
às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam
do processo eleitoral”.
A EXTENSÃO DO CONTEÚDO
A SER REMOVIDO
Considerando que a intervenção da Justiça Eleitoral no processo
democrático deve ser mínima, a precisão da remoção do conteúdo
determinado por decisão judicial deve ser cirúrgica, retirando-se
do acesso público apenas o exato conteúdo entendido como ilícito
pelo Poder Judiciário.
O caso europeu
O caso que baseou a decisão do TJUE teve início em março de
2010, quando Mario Costeja González, cidadão espanhol residente
na Espanha, apresentou, junto à Agência Espanhola de Proteção de
Dados (AEPD), reclamação contra o La Vanguardia, jornal de grande
circulação no país, a Google Espanha e a Google Inc. A reclamação
era baseada no fato de que era possível localizar, ao pesquisar o
nome de Mario Costeja por meio do buscador do Google, duas
páginas do La Vanguardia publicadas em meados de 1998, nas
100 A expressão não é a mais adequada para referir-se ao direito reconhecido pelo TJUE, tendo
em vista que é muito mais restrito, do ponto de vista legal, do que se pode depreender da ideia de
“esquecimento”. Nos termos da decisão do TJUE, faz mais sentido referir-se a essa prerrogativa
como “direito à desindexação”, como se verá mais adiante. Cf. POWLES, Julia. The case that won’t
be forgotten. In: Loyola University Chicago Law Journal, v. 47, 2015, p. 584.
101 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Caso C-131/12, Google Spain SL v. Agencia
Española de Protección de Datos (AEPD). Acesso em 27/02/2018. Ver: <http://curia.europa.eu/
juris/document/document.jsf?text=&docid=152065&doclang=PT>.
106 “Artigo 12. Direito de acesso. Os Estados-membros garantirão às pessoas em causa o direito de
obterem do responsável pelo tratamento: […] b) Consoante o caso, a rectificação, o apagamento ou
o bloqueio dos dados cujo tratamento não cumpra o disposto na presente directiva, nomeadamente
devido ao carácter incompleto ou inexacto desses dados”. “Artigo 14. Direito de oposição da pessoa
em causa. Os Estados-membros reconhecerão à pessoa em causa o direito de: a) Pelo menos nos
casos referidos nas alíneas e) e f) do artigo 7º, se opor em qualquer altura, por razões preponderantes
e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam
objecto de tratamento, salvo disposição em contrário do direito nacional. Em caso de oposição justi-
ficada, o tratamento efectuado pelo responsável deixa de poder incidir sobre esses dados”.
107 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Caso C-131/12. op. cit.
108 A desindexação tem reflexo direto na esfera de liberdade das pessoas, pois reduz de forma
considerável a circulação de informações que, muito embora pareçam irrelevantes em abstrato,
podem ter valor para muitas delas em concreto. Em tempos em que a internet se mostra como
uma ferramenta preciosa para o empoderamento dos cidadãos em face do Estado e em benefício
da democracia, a defesa intransigente do “direito ao esquecimento” pode causar um retrocesso
significativo: afetar o direito à memória. Nessa linha de raciocínio, o direito à memória implica
a abertura às fontes de informação disponíveis aos indivíduos para que construam sua opinião
pessoal e coletiva a respeito de fatos, personagens e em última análise, de sua história. Em virtude
do papel prevalente das ferramentas de pesquisa como intermediárias de acesso a conteúdos,
ao “editar” resultados de busca, a implementação do direito ao esquecimento tem o potencial de
alterar a memória coletiva. Exatamente em virtude desses riscos, diversas entidades de defesa
da liberdade de expressão chegaram a um consenso internacional no sentido de que a remoção
de conteúdos deve sempre ser precedida de uma decisão judicial. Cf. CONSELHO DE DIREITOS
HUMANOS DA ONU. Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right
to freedom of opinion and expression, Frank La Rue (A/HRC/17/27), 16 de maio de 2011. Disponível
em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/17session/A.HRC.17.27_en.pdf>.
Acesso em 07/05/2017.
109 A jurisprudência tem reiterado que não cabe impor aos provedores de pesquisa qualquer
restrição nos resultados das buscas realizadas por seus sistemas, pois isso significaria violação ao
direito constitucional de informação. Ver: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REsp nº 1.316.921/
RJ, Relatora Min. Nancy Andrighi. Julgado em: 29/06/2012. Disponível em: <>http://dissenso.
org/casoteca/google-brasil-internet-ltda-vs-maria-da-graca-xuxa-meneghel/; Ver também: FOLHA
DE S. PAULO, “Justiça nega pedido de Aécio Neves para bloquear buscas na internet”, publicado
em 14/03/2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1425228-justi-
ca-nega-pedido-de-aecio-para-bloquear-buscas-na-internet.shtml>. Acesso em: 27/02/2018. A
orientação do Superior Tribunal de Justiça parece ter mudado, contudo, em caso julgado em
maio de 2018. Cf. DIREITO a ser esquecida: STJ manda Google retirar buscas sobre promotora.
Uol Notícias. São Paulo, 10 mai. 2018. Disponível em: <https://tecnologia.uol.com.br/noticias/
redacao/2018/05/10/stj-deve-decidir-por-direito-ao-esquecimento-na-busca-do-google-no-brasil.
htm>. Acesso em: 01/06/2018.
O cenário brasileiro
No Brasil, muito embora tenhamos decisões judiciais esparsas
reconhecendo um “direito ao esquecimento” – pautadas, sobre-
tudo, no direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem
(art. 5º, X da Constituição) – não há entendimento consolidado
nesse sentido. Ao contrário, em 2016, a Terceira Turma do STJ já
decidiu, no caso S.M.S. vs. Google, que os buscadores “não podem
ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da
busca de determinado termo ou expressão”.
Em primeira instância, S.M.S. solicitava à empresa que removesse
os resultados de pesquisas pelo seu nome por meio do buscador,
pois poderiam levar a páginas que reproduzissem imagens suas de
nudez. O pedido foi negado pelo juízo da 30ª Vara Cível da Comarca
de São Paulo, com base no argumento de que a Google não deveria
figurar no polo passivo da demanda. Assim, o processo foi extinto
sem uma análise de mérito.
110 Em 2014, o Google tomou uma série de medidas depois de descobrir que seu mecanismo
de busca estava sugerindo termos racistas quando usuários buscavam determinadas cidades do
Reino Unido, como Bradford, Leicester e Birmingham. Em 2013, uma corte na Alemanha solicitou
ao Google que bloqueasse termos difamatórios próximo a nomes de pessoas. Em um caso de
2012, na França, o Google foi processado em decorrência de sugestões de pesquisa de caráter
antissemita. Search Engine Land, “Google in trouble again over racist search suggestions in the UK”.
Ver: <https://searchengineland.com/google-trouble-racist-autocomplete-suggestions-uk-184031>.
Acesso em 27/02/2018.
111 O PLC 53/2018, que regulamenta o tratamento e a proteção de dados pessoais no Brasil, foi
aprovado pelo Senado no dia 10 de julho de 2018. AGÊNCIA BRASIL, “Senado aprova projeto de lei
sobre proteção de dados pessoais”, publicado em 10/07/2018. Disponível em: <http://agenciabrasil.
ebc.com.br/geral/noticia/2018-07/senado-aprova-projeto-de-lei-de-protecao-de-dados-pessoais>.
Acesso em: 12/07/2018.
112 FOLHA DE S. PAULO, “Aécio perde ação contra sites de busca”, publicado em 27/05/2015.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1634169-aecio-perde-acao-con-
tra-sites-de-buscas.shtml>. Acesso em: 27/02/2018.
115 Este tipo de ferramenta técnico-institucional teria de ser global e combinar um número
gigantesco de articulações políticas, econômicas e técnicas entre entidades públicas, privadas e
multissetoriais, sua consequência seria um mecanismo global de censura prévia que desfiguraria
completamente a maneira como usamos a rede hoje, sem sofrer nenhum tipo de filtro no momento
que criamos um site ou uma conta em rede social e lá compartilhamos conteúdos.
BLOQUEIOS DE APLICAÇÕES
PELA JUSTIÇA ELEITORAL
Eventuais resistências oferecidas pelas empresas de tecnologia a
demandas judiciais em geral (especialmente envolvendo pedidos de
dados de usuários e de remoção de conteúdo da internet) também
tem implicado em antagonismos mais marcados entre elas e o
Judiciário brasileiro, sendo as questões que envolvem direito eleitoral
apenas um capítulo numa narrativa mais ampla de conflitos.116 Foi
116 A questão da constitucionalidade desse tipo de medida está sendo avaliada no âmbito do
Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5527 e da Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental 403. Os argumentos de todos os lados foram
organizados por Jacqueline Abreu no artigo “Bloqueios do WhatsApp têm base legal? As disputas
interpretativas e seus defensores”, publicado no Bloqueios.info. Disponível em: <http://bloqueios.
info/pt/bloqueios-do-whatsapp-tem-base-legal-as-disputas-interpretativas-e-seus-defensores/>.
Acesso em 28/03/2018.
117 Cf. O ESTADO DE S. PAULO. Diretor-geral do Google é preso pela Polícia Federal. 26/09/2012.
Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,diretor-geral-do-google-no-brasil-e-pre-
so-pela-policia-federal,936220>. Acesso em 27/03/2018.
118 Os bloqueios judiciais de aplicações no Brasil estão mapeados pelo InternetLab no projeto
Bloqueios.info, que conta com uma linha do tempo desses processos e fichas dos casos. Disponível
em: <http://bloqueios.info/pt/linha-do-tempo/>.
119 Disponível em: <http://bloqueios.info/pt/casos/descumprimento-de-ordem-judicial-
de-retirada-de-conteudo/>.
120 Disponível em: <http://bloqueios.info/pt/casos/bloqueio-por-descumprimento-de-ordem-
judicial-de-retirada-de-conteudo/>.
121 Ver voto do Exmo. Min Luiz Fux na aprovação da Res. TSE 23.551.
A IDENTIFICAÇÃO DE UM
USUÁRIO NA INTERNET
Identificar um usuário responsável por qualquer atividade na
rede requer uma cadeia de ações específica. Esta cadeia de ações
consegue localizar a partir de qual terminal a atividade foi reali-
zada, o que muitas vezes tornará evidente quem dela se utilizou e
é, portanto, o seu autor.
Duas peças de informação serão necessárias. Em primeiro lugar,
é necessário analisar a situação para entender qual provedor de
aplicações de internet forneceu o serviço utilizado para realizar a
atividade em questão. Se se quer identificar o autor de uma postagem
no Facebook, o provedor de aplicações em questão foi o Facebook;
se a atividade em questão foi o envio de um e-mail a partir de um
endereço Gmail, ele será o Google.
Entre os provedores de aplicações de internet estão, portanto, as
plataformas de internet. Eles detêm a primeira peça de informação
103
necessária para a identificação da conexão da qual partiu a atividade
em questão: os registros de acesso à aplicação de internet. Este
registro conterá o endereço IP (veja no glossário) e a data e horário
relativos àquela atividade. Se o pedido foi relativo a uma série de
atividades, o que se está buscando é uma série de registros de acesso
a aplicação como estes.
Em seguida, é necessário buscar a segunda peça de informação.
De posse deste endereço IP e destes horários, é necessário verificar
qual provedor de conexão à internet administra este IP em questão.
Isto pode ser realizado a partir da consulta do número IP em um
serviço WHOIS,122 disponível na rede. Neste serviço gratuito é
possível obter gratuita e diretamente o administrador deste IP, que
será, via de regra, a operadora de internet contratada para fornecer
conexão a quem realizou tal atividade em questão.
A segunda peça de informação que deve ser buscada junto aos
provedores de acesso é o registro de conexão à internet, que
consiste na informação de que aquele endereço IP em questão se
conectou à internet a partir da infraestrutura deste provedor numa
determinada faixa de horário. Ao certificar-se que forneceu aquela
conexão específica ao usuário que desempenhou a atividade que
se visa identificar, o provedor de conexão então poderá dizer qual
de seus clientes realizou este acesso. Este caminho de identificação
termina com um endereço ou chip de celular no qual foi instalada
uma conexão de internet, bem como dados pessoais do cliente titular
da conta.123 Este caminho permite que se chegue a uma conexão,
sendo que a pessoa que dela exatamente se utilizou para realizar
a atividade investigada somente será relevada contextualmente a
partir de outras informações (como, por exemplo, quem estava na
casa aquele momento?).
122 Para domínios terminados em .br. Disponível em: <https://registro.br/2/whois, demais: https://
whois.icann.org/en>.
123 É importante ressaltar que nem sempre o endereço do titular da conta é suficiente para iden-
tificar imediatamente quem foi o responsável pela postagem de determinado conteúdo, sobretudo
se o acesso ocorreu em uma lan house, café, biblioteca ou outro estabelecimento onde há ponto
de acesso à internet aberto a visitantes/clientes.
Quanto
Quem? Quais dados? Vedações
tempo?
Data e hora do início e Não podem
Provedores de conexão
1 ano término de uma conexão, guardar registros
(operadoras)
duração, IP utilizado. de aplicações
Provedores de
Data e hora de uso de uma
aplicações (serviços de 6 meses Não há
aplicação, IP utilizado.
internet) – Empresas
Provedores de
aplicações (serviços de Retenção facultativa
internet) – indivíduos
Porta lógica
Uma outra dificuldade pode surgir quando provedores de conexão
utilizam técnicas de compartilhamento de endereço IP entre seus
usuários. Isso tem ocorrido em razão da escassez de endereços IP
disponíveis às provedoras de internet. Este problema tem solução
projetada (que é a atualização da tecnologia utilizada para gerar
IPs), mas que ainda não foi totalmente implantada no Brasil. Para
identificar as múltiplas conexões que compartilham um endereço
IP, provedores de conexão utilizam um identificador adicional,
chamado comumente de “porta lógica”.
125 A controvérsia pode ser encontrada inclusive no interior de determinados tribunais. No Tribunal
de Justiça de São Paulo, por exemplo, é possível encontrar julgados que desobrigam os provedores de
aplicações a fornecerem essas informações adicionais (ex.: processo nº 2012094-24.2015.8.26.0000,
Rel. Des. Egidio Giacoia, 3ª Câmara de Direito Privado) e no sentido contrário (ex.: processo nº
2206954-25.2015.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Alcides, 8ª Câmara de Direito Privado).
129 Dado pelo art. 5°, IV da Constituição Federal e pelo art. 57-D da Lei das Eleições (L.9.504/97)
ao anonimato.
130 Art. 33, § 2º da Res. TSE nº 23.551/2017.
131 Antonialli, Dennys; Brito Cruz, Francisco; Valente, Mariana. A internet no banco dos réus. São
Paulo: AASP, 2017.
132 O ESTADO DE S. PAULO, “O anonimato na internet e o debate que se anuncia na Justiça Eleitoral”,
Publicado em 10/01/2018. Acesso em 23/02/2018. Disponível em: <http://politica.estadao.com.
br/blogs/fausto-macedo/o-anonimato-na-internet-e-o-debate-que-se-anuncia-na-justica-eleitoral/>
133 Art. 57-F, caput da Lei das Eleições (L.9.504/97) c.c. art. 19 do Marco Civil da Internet
(L.12.965/2014).
134 Art. 40-B e §2° do art. 57-Cda Lei das Eleições (L.9.504/97).
136 PESQUISA ELEITORAL. FACEBOOK. DIVULGAÇÃO SEM PRÉVIO REGISTRO. APLICAÇÃO DE MULTA
(ART. 33, § 3o. DA LEI 9.504/97). O acórdão regional está em consonância com a jurisprudência do
TSE, no sentido de que todos aqueles que divulgam pesquisa eleitoral sem prévio registro na Justiça
Eleitoral, inclusive aqueles que compartilham, no Facebook, pesquisa originalmente publicada por
terceiro, estão sujeitos ao pagamento de multa, nos termos do§ 3o. do art. 33 da Lei 9.504/97. Incidência
do verbete sumular 30 do TSE. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgR-Al 1074-40/MG,
ReI. Min. ADMAR GONZAGA, DJe 6.10.2017)
137 Essa evolução foi descrita meticulosamente por Karina Bertani em “A Política Entra no
ar: Evolução e Características do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral” (Ciências Sociais em
Perspectiva (5) 8: 1 0 3 – 1 1 5 1º sem. 2006).
117
jornal – seja ele impresso ou transmitido no rádio ou televisão. Em
segundo lugar, aplicações de internet tornaram possível a democra-
tização de ferramentas de publicação – qualquer cidadão passou a
poder publicar informações acessíveis em todo o mundo e com poucos
recursos é possível montar uma página Web que disponibilize notícias.
Informações falsas ou simplesmente não verificadas que circulavam
na forma de boatos, no boca a boca, puderam ser transpostas sem
grande custo para um simulacro de notícia emitida por um simulacro
de veículo de mídia: uma verdadeira “notícia fraudulenta”.138
Estas características estão na raiz da chamada discussão sobre
“fake news” na era digital. Quando percentual considerável da popu-
lação passa a se informar por meio de publicações na internet, em
especial veiculadas em redes sociais, o modelo até então praticado
para fornecer à população informação política com um mínimo
de veracidade acaba em xeque. Este modelo foi construído pelo
jornalismo profissional.
138 O termo foi sugerido por Carlos Eduardo Lins e Silva, professor da Universidade de São Paulo,
que buscou precisão em uma tradução da expressão “fake news” para o português.
139 Nexo Jornal, “Cenários para 2018: como ficarão nossos direitos na eleição mais digital da
história?”. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/Cenários-para-2018-como-fi
carão-nossos-direitos-na-eleição-mais-digital-da-história>. Acesso em 27/01/2018.
144 WARDLE, Claire Wardle. DERAKHSHAN, Hossein. “Information Disorder: Toward an interdisci-
plinary framework for research and policymaking”. Disponível em: <https://shorensteincenter.org/
information-disorder-framework-for-research-and-policymaking/>.
145 Public Data Lab & First Draft. “A Field Guide to “Fake News” and Other Information Disorders”.
Disponível em: <http://fakenews.publicdatalab.org>.
146 FOLHA DE S. PAULO, “Chefe da Polícia Federal defende trabalho contra 'fake news'”,
Publicado em 16/11/2017. Acesso em 23/02/2018. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.
br/poder/2017/11/1935883-chefe-da-policia-federal-defende-trabalho-contra-fake-news.shtml>.
Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
Propõe a criminalização da A proposta visa a criminalizar
divulgação ou compartilhamento apenas a divulgação feita
PL
de informação falsa ou pela internet, que tenha
6812/2017,
prejudicialmente incompleta, Proposta como objetivo prejudicar
proposto
em detrimento de pessoa física avulsa de pessoa física ou jurídica. No
pelo dep.
ou jurídica, estabelecendo pena responsabilização entanto, não define o que
Luiz Carlos
de detenção de 2 a 8 meses e penal de seria uma notícia “falsa ou
Hauly (PSDB/
multa. Prevê ainda que os valores indivíduos. prejudicialmente incompleta”,
PR) em
arrecadados com a multa serão deixando ampla margem para
02/02/2017.
creditados ao Fundo de Defesa interpretação, com ameaças
dos Direitos Difusos (CFDD). à liberdade de expressão.
A proposta previa a alteração
do Marco Civil da Internet
para incluir a necessidade de
certificação digital de todo
conteúdo postado na Internet,
como forma de possibilitar a
PL
conferência “de sua autenticidade,
6928/2017,
autoria e integridade”. O projeto
proposto pelo
estabelecia ainda que a veiculação
dep. Tenente
de “informações inverídicas ou
Lúcio (PSB/
de fatos verdadeiros truncados Marco Civil Projeto retirado de
MG) em
ou deturpados” seria suscetível da Internet. tramitação pelo autor.
15/02/2017.
de responsabilização por dano
Retirado de
moral e patrimonial e tornava
tramitação
os proprietários dos domínios
pelo autor em
e provedores de hospedagem
05/04/2017.
corresponsáveis pelo conteúdo
postado. Além disso, provedores
de aplicações também poderiam
ser responsabilizados por
danos decorrentes de conteúdo
gerado por terceiros.
149 Mais sobre esta mesma tendência em Brito Cruz, Francisco. “Direito, democracia e cultura
digital: a experiência de elaboração do Marco Civil da Internet”. Dissertação de Mestrado:
Universidade de São Paulo, 2015.
150 ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Processo eleitoral: sistematização das ações eleitorais.
1.ed. Leme: J.H.Mizuno, 2011, p. 75.
151 Art. 323 do Código Eleitoral.
152 Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, impu-
tando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção de seis meses a dois anos,
e pagamento de 10 a 40 dias-multa. § 1° Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a
imputação, a propala ou divulga. § 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas
não é admitida: I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi
condenado por sentença irrecorrível; II – se o fato é imputado ao Presidente da República ou
chefe de governo estrangeiro; III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi
absolvido por sentença irrecorrível.
153 Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, impu-
tando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção de três meses a um ano, e pagamento
de 5 a 30 dias-multa. Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se ofendido é
funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
154 Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofen-
dendo-lhe a dignidade ou o decôro: Pena – detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a
60 dias-multa. § 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena: I – se o ofendido, de forma reprovável,
provocou diretamente a injúria; II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. §
2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou meio empregado, se
considerem aviltantes: Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 20 dias-multa,
além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal.
155 JOTA, “PGR denuncia ao STF deputado por ‘fake news’ a partir de computador da Câmara”,
publicado em 02/04/2018. Disponível em: <https://www.jota.info/stf/do-supremo/pgr-denun-
cia-ao-stf-deputado-por-fake-news-partir-de-computador-da-camara-02042018>. Acesso em
03/04/2018.
156 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, Denúncia no Inquérito 4657/DF, disponível em: <http://www.
mpf.mp.br/pgr/documentos/DennciaFranciscoLopes_V2.pdf>. Acesso em 03/04/2018.
158 O título da postagem era “Paraná: quando Moro trabalhou para o PSDB, ajudou a desviar
R$ 500 milhões da prefeitura de Maringá”. O caso foi julgado pela 5ª Turma do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região em março de 2018. Ver: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO,
Julgamento da Apelação Criminal Nº0013800-35.2015.4.03.6181/SP, publicada em 26/03/2018;
UOL NOTÍCIAS, “Tribunal condena blogueiro por publicar fake news sobre Moro”, publicado em
03. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2018/04/03/
tribunal-condena-blogueiro-por-publicar-fake-news-sobre-moro.htm>. Acesso em 04/04/2018.
145
a) deferido o pedido, o usuário ofensor deverá divulgar a resposta
do ofendido em até quarenta e oito horas após sua entrega em
mídia física, e deverá empregar nessa divulgação o mesmo
impulsionamento de conteúdo eventualmente contratado
nos termos referidos no art. 57-C desta Lei e o mesmo veículo,
espaço, local, horário, página eletrônica, tamanho, caracteres
e outros elementos de realce usados na ofensa;
Ou seja, visto que a Reforma Eleitoral de 2017 autorizou a propa-
ganda eleitoral na internet com impulsionamento de conteúdos,
esse dispositivo pretende garantir o direito ao mesmo alcance que
uma eventual publicação ofensiva impulsionada com recursos finan-
ceiros tenha obtido. As alíneas seguintes determinam ainda que a
publicação com a resposta deverá ficar disponível pelo dobro do
tempo que aquela considerada ofensiva, além de eximir o ofendido
dos custos referentes ao impulsionamento, que ficam a cargo do
autor da publicação que ensejou a ofensa.
Assim, uma relevante questão que surge é de quais critérios devem
estar presentes para que alguém que se sentir ofendido possa exercer
direito de resposta. Essa questão tem evidente impacto na liberdade
de expressão e de imprensa, preceitos que devem ser respeitados
para que seja protegida a publicação de informações sobre uma
pessoa pública em face de eventuais interesses que essa tenha de
que não se tornem notórias para evitar qualquer dano político ou
reputacional. Caso fosse possível publicar apenas o que não cause
incômodo, não haveria qualquer sentido para o termo “liberdade”.
Ademais, o tema ainda reserva outros tipos desafios para além
dos critérios jurisprudenciais que configuram o legítimo direito
de resposta por parte de um ofendido. O primeiro está ligado a
dificuldades na aplicação do direito de resposta frente às entidades
que fogem à aplicação da lei eleitoral, o segundo, a adaptação da
ideia de resposta em um ambiente de redes sociais.
O primeiro caso pode ser exemplificado na hipótese de veiculação
de notícias fraudulentas (na definição já explicitada): são casos nos
quais os controladores do site não são conhecidos, não havendo
representantes que possam ser intimados a cumprir uma decisão
judicial. Nesses casos, restam às campanhas medidas de remoção de
161 RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. DIREITO DE RESPOSTA. ART. 58 DA LEI N. 9.504/97.
MATÉRIA VEICULADA NO BLOG IMPLICANTE.ORG E NO SEU CANAL DO YOUTUBE.COM DO
REPRESENTADO. CONTENDO VÍDEO COM DIZERES OFENSIVOS QUE EXTRAPOLAM CRÍTICAS
POLÍTICAS. PRESENTES OS ELEMENTOS QUE AUTORIZAM O DIREITO DE RESPOSTA. PROVIMENTO
PARCIAL DO RECURSO. CONCESSÃO DO DIREITO DE RESPOSTA PLEITEADO. DETERMINAÇÃO
DE RETIRADA- DO VÍDEO DO AR. CUMPRIMENTO NOS TERMOS DO ART. 58, IV, AUNES “a” e “h”
LEI N° 9.504/97. (TRE/SP, Recurso Eleitoral n. 1441-25.2016.6.26.0001, Rel. L. G. Costa Wagner,
j. em 20.09.2016)
162 Robôs, redes sociais e política no Brasil: estudo sobre interferências ilegítimas no debate público
na web, riscos à democracia e processo eleitoral de 2018. Coordenação Marco Aurélio Ruediger. –
Rio de Janeiro: FGV, DAPP, 2017.
151
relatório lançado em 2016163, que o Brasil hospeda o oitavo maior
número de bots no mundo.
Conforme comprovam os dados mencionados acima, essa estra-
tégia tem grande potencial de influenciar o debate público, podendo
manipular o processo de formação de consensos, bem como de
escolha de representantes políticos e pautas governamentais deter-
minantes para o futuro da democracia brasileira. Esse potencial de
influência ficou aparente no contexto eleitoral de outras demo-
cracias ocidentais, como na França e nos Estados Unidos, onde
surgiram evidências do uso de bots com o intuito de manipular o
debate público. Ainda que não existam métodos conclusivos para
quantificar esse tipo de influência e as formas por meio das quais
ela atua, há consenso no sentido de que desempenharam papel no
mínimo relevante em meio às eleições presidenciais nos EUA em
2016 e na campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia.
Estratégias que abarcam o uso de robôs que automatizam o
controle de perfis falsos em redes sociais empregam diferentes
técnicas para induzir acessos e ganhar seguidores, fazendo posta-
gens repetidamente ou uso de softwares de automação mais sofisti-
cados que permitem a disseminação de material publicado por uma
grande variedade de sites de notícias. Articuladas coletivamente em
botnets, essas técnicas podem resultar em um ganho significativo
de seguidores, criando amplo apoio ou oposição a determinadas
pautas e/ou candidatos. Podem, ainda, promover de maneira arti-
ficial a radicalização do debate político e, com isso, criar maiores
óbices ao diálogo entre grupos com interesses políticos diversos.
Distorcem, também, a dimensão de certos movimentos políticos,
fazendo com que sejam proeminentes, ainda que sejam, em reali-
dade, de tamanho reduzido.
Nesse cenário, cabe discutir o papel dos bots no debate democrá-
tico e meios de conter os potenciais danos de seu uso mal-intencio-
nado na rede sem inviabilizar utilizações potencialmente legítimas
de tecnologias de automatização.
163 Internet Security Threat Report, vol. 21, Abril 2016. Disponível em: <https://www.symantec.
com/content/dam/symantec/docs/reports/istr-21-2016-en.pdf>. Acesso em 26/01/2018.
164 Report: Bot traffic is up to 61.5% of all website traffic. Incapsula, 9 de dezembro de 2013.
Fonte: <https://www.incapsula.com/blog/bot-traffic-report-2013.html>. Acesso em 26/01/2018.
165 Como, por exemplo, bots do Twitter que estimulam o engajamento dos usuários em questões
importantes. Ver: How Twitter Bots Turn Tweeters into Activists. MIT Technology Review, 18 de
dezembro de 2015. Disponível em: <https://www.technologyreview.com/s/544851/how-twit-
ter-bots-turn-tweeters-into-activists/>. Acesso em 26/01/2018.
166 Arnaudo, D. Computational propaganda in Brazil: social bots during elections. University of
Oxford Working Paper, n.8, 2017.
167 SORJ, Bernardo et al. Sobrevivendo nas Redes: guia do cidadão. São Paulo: Moderna, 2018, p. 55.
168 BBC BRASIL, “Exclusivo: investigação releva exército de perfis falsos usados para influenciar
eleições no Brasil”, publicado em 08/12/2017. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/
brasil-42172146>. Acesso em 26/01/2018.
169 NEXO JORNAL, “Como frear fake news sem censurar o debate, segundo este movimento”,
publicado em 02/02/2018. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2018/02/02/
Como-frear-fake-news-sem-censurar-o-debate-segundo-este-movimento>. Acesso em 27/02/2018.
170 AOS FATOS.ORG, “Aos Fatos e Facebook unem-se para desenvolver robô checadora”,
publicado em 04/01/2018. Disponível em: <https://aosfatos.org/noticias/aos-fatos-e-face-
book-unem-se-para-desenvolver-robo-checadora/>. Acesso em 27/02/2018.
171 EL PAÍS. “Rosie, a robô que detecta quando deputados usam mal o dinheiro público”,
publicado em 24/01/2017. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/23/poli-
tica/1485199109_260961.html>. Acesso em 27/02/2018.
174 ARNAUDO, D. Computational propaganda in Brazil: social bots during elections. University of
Oxford Working Paper, n. 8, 2017, p. 19.
“Faznendas” de curtidas
Outra prática que pode ser empregada para direcionar fluxos de
informação e distorcer o tamanho de determinados movimentos no
ambiente digital é compra de likes. Consiste, basicamente, em um
grande número de smartphones conectados à internet empregados de
maneira sistemática na geração de curtidas e compartilhamentos em
páginas e perfis de contratantes do serviço. A atividade pode enganar
175 BBC BRASIL, “Exclusivo: investigação revela exército de perfis falsos usados para influenciar
eleições no Brasil”, publicado em 08/12/2017. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/
brasil-42172146>. Acesso em 26/01/2018.
REGIMES DE PROTEÇÃO
DE DADOS PESSOAIS
Regimes de proteção de dados pessoais servem para proteger
o direito à personalidade de cidadãos contra riscos advindos de
operações de tratamento de dados pessoais e garantir a eles uma
esfera de controle sobre a circulação desses dados.
Entre os problemas de privacidade intrínsecos às atividades envol-
vendo dados pessoais na sociedade da informação estão a coleta
indevida de dados (como em um monitoramento ilegal, não-auto-
rizado), o processamento indevido (como no uso inesperado de
informações pessoais, fora da finalidade original declarada ao titular),
e a divulgação indevida (como em vazamento de dados em razão
de falhas de segurança de bases de dados, que podem dar lugar a
furto de informações pessoais e fraudes).
Some-se a isso o fato de que grandes volumes de informações
(Big Data) podem ser explorados e analisados de forma a deles se
extraírem inferências sobre cidadãos e segmentá-los em padrões de
comportamento. Isso vai desde as suas preferências materiais até
suas inclinações políticas. Tais inferências e classificações podem
182 Termo técnico utilizado para se referir a qualquer atividade que envolva processamento de
dados como, por exemplo, coleta, armazenamento, transmissão, análise, classificação, segmen-
tação, organização e exclusão de dados.
165
nortear decisões que são feitas sobre elas – como suas chances de
honrar um empréstimo ou de ser chamado para uma entrevista
de emprego.
Nesse contexto, em diversos países surgiram leis gerais de proteção
de dados pessoais, com o objetivo fundamental de assegurar direitos
do titular de dados pessoais, criar deveres a entidades públicas e
privadas que manejam esses dados e garantir efetivos mecanismos de
“aplicação” (enforcement) desses direitos e deveres. Tais legislações
buscam concretizar determinados princípios, que pretendem dirimir
os riscos inerentes ao tratamento de dados pessoais: como o da
transparência sobre coleta e uso de dados, o da obtenção de consen-
timento do titular, o da especificação do propósito do tratamento,
o da limitação do uso, o da segurança e o da responsabilização.
Em julho de 2018, finalmente foi aprovada no Brasil uma lei dessa
natureza, que entrará em vigor 18 meses após sua publicação. Até
então, fora as proteções gerais da Constituição Federal, havia apenas
leis de aplicação setorial, que garantem alguns direitos a titulares
de dados e estabelecem certos deveres àquelas que manejam dados
pessoais. É o caso do Código Civil (arts. 11 a 21), do Código de
Defesa do Consumidor (art. 43), do Marco Civil da Internet, da Lei
das Telecomunicações, da Lei de Acesso à Informação (art. 31), da
Lei do Cadastro Positivo e da Lei do Sigilo das Operações Bancárias.
Na próxima seção, serão apresentadas as proteções existentes na
legislação eleitoral.
PROTEÇÃO DE DADOS NA
LEI DAS ELEIÇÕES
Em 2009, a Lei das Eleições (n. 9.504 de 1997) passou por uma
minirreforma que levou, entre outras alterações, à inclusão do
art. 57-E:
Art. 57-E. São vedadas às pessoas relacionadas no art. 24 a utilização,
doação ou cessão de cadastro eletrônico de seus clientes, em favor de
candidatos, partidos ou coligações.
§ 1o É proibida a venda de cadastro de endereços eletrônicos.
183 Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou
estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: I – entidade
ou governo estrangeiro; II – órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com
recursos provenientes do Poder Público; III – concessionário ou permissionário de serviço público;
IV – entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória
em virtude de disposição legal; V – entidade de utilidade pública; VI – entidade de classe ou sindical;
VII – pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior; VIII – entidades beneficentes
e religiosas; IX – entidades esportivas; X – organizações não-governamentais que recebam recursos
públicos; XI – organizações da sociedade civil de interesse público.
184 Art. 57-G. As mensagens eletrônicas enviadas por candidato, partido ou coligação, por qualquer
meio, deverão dispor de mecanismo que permita seu descadastramento pelo destinatário, obrigado
o remetente a providenciá-lo no prazo de quarenta e oito horas.
Parágrafo único. Mensagens eletrônicas enviadas após o término do prazo previsto no caput sujeitam
os responsáveis ao pagamento de multa no valor de R$ 100,00 (cem reais), por mensagem.
192 Ver, sobre isso Bodó, B. & Helberger, N. & de Vreese, C. Political micro-targeting: a Manchurian
candidate or just a dark horse? Internet Policy Review, 6(4), 2017. DOI: 10.14763/2017.4.776.
193 Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na Internet,
excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e
contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.
194 Em entrevista, André Torretta da Ponte Estratégia afirmou que seu serviço reúne mais de 700
“pontos” de informação sobre cada brasileiro. Ver “O marqueteiro brasileiro que importou o método
da campanha de Trump para usar em 2018”, El País, 15 out. 2017. Disponível em: <https://brasil.
elpais.com/brasil/2017/10/11/politica/1507723607_646140.html>.
195 Por exemplo, “Nós conhecemos do Brasil” é lema da Ponte Estratégica (a Cambridge Analytica
do Brasil). Disponível em: <http://www.ponteestrategia.com.br>. Acesso: 25/01/2018.
196 Facebook Business, About Custom Audiences for Customer Lists. Disponível em: <https://www.
facebook.com/business/help/341425252616329?helpref=uf_permalink>.
197 Facebook Business, About Lookalike Audiences. Disponível em: <https://www.facebook.com/
business/help/164749007013531?helpref=uf_permalink>.
198 Ver CHESTER, Jeff; MONTGOMERY, Kathryn. The role of digital marketing in political campaigns.
Internet Policy Review, 6(4), 2017. DOI: 10.14763/2017.4.773.
PROMESSAS E AMEAÇAS DO
MICRODIRECIONAMENTO
PARA A DEMOCRACIA
Os riscos associados ao microdirecionamento de propaganda polí-
tica vão, entretanto, além daqueles que já existiam decorrentes da
coleta, análise e uso de grandes volumes de dados para finalidades
comerciais e que tentam ser controlados por leis de proteção de
dados. A tabela abaixo chama atenção para ameaças relacionadas à
técnica, em contraposição às suas potenciais promessas.
Promessas Ameaças
199 Ver PITA, Marina. Quantas Caras Tem um Político no Mundo Digital? Carta Capital, 20 out. 2017,
disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/quantas-caras-tem-um-politi-
co-no-mundo-digital>; e SAKAMOTO, Leonardo. Como Seu Smartphone Deve Ajudar a Manipular
as Eleições em 2018? Blog do Sakamoto, 11 dez. 2017, disponível em: <https://blogdosakamoto.
blogosfera.uol.com.br/2017/12/11/como-o-seu-smartphone-deve-ajudar-a-manipular-as-eleico-
es-de-2018/>. O termo está definido com maior detalhamento no Glossário.
200 Ver CHESTER, Jeff; MONTGOMERY, Kathryn. The role of digital marketing in political campaigns.
Internet Policy Review, 6(4), 2017. DOI: 10.14763/2017.4.773.
201 GOLDMAN, Rob. Update on Our Advertising Transparency and Authenticity Efforts,
Facebook Newsroom, 27 out. 2017, disponível em: <https://newsroom.fb.com/news/2017/10/
update-on-our-advertising-transparency-and-authenticity-efforts/>.
202 Ver BORGESIUS, F.J.Z; MÖLLER, J.; KRUIKEMEIER, S.; FATHAIGH, R.; IRION, K.; DOBBER, T.;
BODO, B.; VREESE, C. Online Political Microtargeting: Promises and Threats for Democracy. Utrecht
Law Review, v. 14, 2018, p. 82-96.
183
que tenham recebido para financiamento da campanha eleitoral e
os gastos que realizarem, em sítio criado pela Justiça Eleitoral para
esse fim”. Apesar da novidade que autorizava acesso à movimen-
tação durante o período eleitoral – e, portanto, durante o período
de formação de convicção do eleitor – até as Eleições de 2010 o
mecanismo jurídico permitia “a indicação dos nomes dos doadores
e os respectivos valores doados somente na prestação de contas
final”, delegando à prestação de contas parciais apenas a indicação
geral de valores gastos e recebidos.
Para as Eleições de 2012, por meio de decisão da então Presidente
Ministra Carmen Lúcia, o Tribunal Superior Eleitoral sob o funda-
mento de atenção à Lei de Acesso à Informação (12.527/2011)
determinou que a relação de identificação de todos os doadores
e fornecedores passasse a ser pública ainda durante o curso da
campanha. Naquela ocasião, com a entrega das prestações de contas
parciais, o Tribunal Superior Eleitoral passou a divulgar planilha
com as informações de movimentação financeira de cada campanha
eleitoral,205 indicando a identificação de cada doador/fornecedor
durante o pleito.
Ainda caminhando em favor da transparência, para as Eleições
de 2014, o Tribunal Superior Eleitoral incluiu na Resolução TSE
n° 23.406/2013 a determinação de identificação do doador origi-
nário206 nas prestações de contas. Novamente fundamentado na Lei
de Acesso à Informação (12.527/2011), e potencializando o acesso
do eleitor às informações financeiras de campanha, o TSE passou a
exigir que as doações financeiras realizadas entre candidatos e/ou
partidos tivessem como informação obrigatória no recibo eleitoral
a indicação do doador originário da quantia repassada. Assim,
na análise de uma doação realizada, por exemplo, entre a conta
bancária do diretório nacional de um partido e a conta de campanha
de um candidato presidencial, passou a ser exigida a informação
207 Sobre isso, ver: REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, “Doação oculta por pessoas físicas para
partidos é suspensa pelo Supremo”, publicado em 12/11/2015. Disponível em: <https://www.conjur.
com.br/2015-nov-12/doacoes-ocultas-pessoas-fisicas-inconstitucional-decide-stf>, Acesso em:
27/02/2018; e O ESTADO DE S. PAULO, “Reforma política oficializa doação oculta”, publicado em
14/09/2015. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,reforma-politica-oficia-
liza-doacao-oculta,1761561>, Acesso em: 27/02/2018.
208 Sistema SPCE: “O Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), previsto na Resolução-TSE
nº 23.406/2014, é um programa desenvolvido pela Justiça Eleitoral para auxiliar na elaboração
da prestação de contas de campanhas eleitorais dos candidatos, comitês financeiros e partidos
políticos. De acordo com a resolução, a prestação de contas tem de ser elaborada por meio do
SPCE, que deverá ser instalado no computador do usuário para preenchimento das informações.
Os dados inseridos no sistema devem ser gravados em arquivo gerado pelo SPCE e encaminhados
à Justiça Eleitoral, pelo módulo de envio do próprio SPCE”. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/
eleitor-e-eleicoes/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2014/prestacao-de-contas-eleicoes-2014/
sistema-de-prestacao-de-contas-eleitorais-spce>. Acesso em 20/02/2018
209 Segundo o art. 81 da Res. TSE 23.553, as contas dos eleitos devem estar julgadas até três
dias antes da diplomação.
APLICAÇÃO DA PRÓPRIA
CAMPANHA
A Lei 12.034/2009 inseriu no art. 23 da Lei 9.504/97 novo dispo-
sitivo relativo a financiamento, autorizando, a partir das Eleições de
2010, a utilização de “mecanismo disponível em sítio do candidato,
partido ou coligação na internet, permitindo inclusive o uso de
cartão de crédito” para a arrecadação de campanha.
210 SANTANO, Ana Cláudia. Como sobreviver na selva: fontes alternativas de financiamento de
campanhas eleitorais. In: PEREIRA, Rodolfo Vieira; SANTANO, Ana Cláudia (Org.). Conexões elei-
toralistas. Brasília: Abradep, 2016. p. 35-62. Disponível em: <http://www.abradep.org/wp-content/
uploads/2016/10/abradep_conexoes_anaclaudia.pdf>. Acesso em 21/01/2018.
MECANISMOS DE
FINANCIAMENTO COLETIVO
DE CAMPANHAS
A principal novidade para as campanhas em 2018 é inclusão
da possibilidade de arrecadação por meio de “instituições que
promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio
de sítios de internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos simi-
lares”.213 Incluiu-se novo mecanismo de arrecadação para campanha
na tentativa de encontrar novas formas de financiamento diante da
vedação de doação por pessoas jurídicas, chamado popularmente
de “vaquinha virtual”.
211 Ver: VALOR ECONÔMICO, “Dilma e Marina conseguem só 0,3% das doações pela internet”,
publicado em 18/09/2014. Disponível em: <http://www.valor.com.br/eleicoes2014/3701768/
dilma-e-marina-conseguem-so-03-das-doacoes-pela-internet>. Acesso em: 27/02/2018.
212 Ver: O GLOBO, “Doações on-line para campanhas não chegam a 1%”, publicado em
05/10/2015. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/doacoes-on-line-para-campa-
nhas-nao-chegam-1-17690529>. Acesso em: 27/02/2018.
213 Cf. art. 23, IV, da Lei 9.504/97, incluído em 2017.
216 Por analogia ao art. 36-A, II, da Lei das Eleições e a necessidade de que tais gastos fiquem
registrados em prestação de contas.
197
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros apenas quando, “após
decisão judicial específica, não tomar[em] as providências para […]
tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”.217
Esse contexto de relativa imunidade refletiu-se por muito tempo na
postura dos grandes provedores de aplicação em relação a problemas
associados à circulação de conteúdos em suas plataformas, de modo
que permaneceram por vários anos ao largo de discussões relativas
à regulação do discurso no ambiente digital.
Esse cenário começou a mudar durante a crise política entre Rússia
e Ucrânia em 2014, quando forças russas realizaram incursões
militares em território ucraniano. Na época, os Estados Unidos
mobilizaram a comunidade internacional no sentido de condenar
os movimentos da Rússia, dando início a uma série de sanções
internacionais ao país. Em resposta, a Rússia iniciou campanha
com o intuito de impactar a opinião da comunidade internacional
em torno do assunto por meio do recrutamento e o treinamento de
trolls utilizados na transmissão de mensagens na seção “comentários”
dos sites norte-americanos de notícias mais acessados. Ao lado do
uso de trolls, a guerra informacional pela verdade envolveu também
o uso de bots, tendo em vista que os veículos da mídia nos EUA
teriam grandes dificuldades em ignorar campanhas pró-Rússia caso
figurassem em larga escala nos espaços destinados às suas audi-
ências.218 Nesse contexto, o potencial de manipulação da opinião
pública por meio de ferramentas disponíveis na internet começou
a ficar mais aparente.
Paralelamente à percepção dos riscos decorrentes do uso coor-
denado de ferramentas online em campanhas de desinformação,
outra questão relativa à comunicação na internet começou a ganhar
217 A exceção à regra se dá para conteúdo que viole a intimidade de terceiro ao conter cenas
de nudez ou de atos sexuais de caráter privado divulgadas sem a sua autorização. Nesse caso, a
plataforma será responsabilizada subsidiariamente se, notificada pelo participante das imagens
ou por seu representante legal, não indisponibilizar o conteúdo (art. 21). É importante ressaltar,
ainda, que o regime geral de responsabilização dos provedores de aplicação também não se aplica
a violações de direito autoral (art. 19, §2º).
218 BuzzFeed, “Documents Show How Russia’s Troll Army Hit America”. Disponível em: <https://
www.buzzfeed.com/maxseddon/documents-show-how-russias-troll-army-hit-america?utm_term=.
pxk6Jpn3N#.laxvVwr2j>. Acesso em 26/02/2018.
221 “How we fought bad ads, sites and scammers in 2016”. Disponível em: <https://www.blog.
google/topics/ads/how-we-fought-bad-ads-sites-and-scammers-2016/>. Acesso em 26/02/2018.
222 Bloomberg Businessweek, “The Tech Giant’s Secret War against Fake News is too Secret”.
Disponível em: <https://www.bloomberg.com/news/articles/2017-11-22/the-tech-giants-secret-war-a-
gainst-fake-news-is-too-secret>. Acessado em 26/02/2018.
223 “Our latest quality improvements for Search”. Disponível em: <https://blog.google/products/
search/our-latest-quality-improvements-search/>. Acesso em 26/02/2018.
224 “News Feed FYI: Addressing Hoaxes and Fake News”. Disponível em: <https://newsroom.
fb.com/news/2016/12/news-feed-fyi-addressing-hoaxes-and-fake-news/>. Acesso em 26/02/2018.
225 Ibid.
230 § 3 Umgang mit Beschwerden über rechtswidrige Inhalte. […] (2) der Anbieter des sozialen
Netzwerks […] 2. einen offensichtlich rechtswidrigen Inhalt innerhalb von 24 Stunden nach Eingang
der Beschwerde entfernt oder den Zugang zu ihm sperrt; dies gilt nicht, wenn das soziale Netzwerk
mit der zuständigen Strafverfolgungsbehörde einen längeren Zeitraum für die Löschung oder Sperrung
des offensichtlich rechtswidrigen Inhalts vereinbart hat, 3. jeden rechtswidrigen Inhalt innerhalb von
sieben Tagen nach Eingang der Beschwerde entfernt oder den Zugang zu ihm sperrt.
231 “Bundestag beschließt Gesetz gegen strafbare Inhalte im Internet”. Disponível em: <https://
www.bundestag.de/dokumente/textarchiv/2017/kw26-de-netzwerkdurchsetzungsgesetz/513398>.
Acesso em 26/02/2018.
232 “Hard Questions: Hate Speech”. Disponível em: <https://newsroom.fb.com/news/2017/06/
hard-questions-hate-speech/>. Acesso em 26/02/2018.
233 The Verge, “Twitter CEO: ‘We suck at dealing with abuse”. Disponível em: <https://www.
theverge.com/2015/2/4/7982099/twitter-ceo-sent-memo-taking-personal-responsibility-for-the>.
Acesso: 26/02/2018.
234 Google, “Our commitment to fighting illegal hate speech online”. Disponível em: <https://
www.blog.google/topics/google-europe/our-commitment-to-fighting-illegal-hate_39/>. Acesso
em: 26/02/2018.
235 Exame, “Jornal Folha de S.Paulo deixa de publicar conteúdo no Facebook”. Disponível em:
<https://exame.abril.com.br/negocios/jornal-folha-de-s-paulo-deixa-de-publicar-conteudo-do-face-
book/>. Acesso em 26/02/2018.
236 “Hard Questions: Is Spending Time on Social Media Bad for Us?”. Disponível em: <https://
newsroom.fb.com/news/2017/12/hard-questions-is-spending-time-on-social-media-bad-for-us/>.
Acesso em 26/02/2018.
239 The Verge, “Twitter bans bulk tweeting and duplicate accounts in bot crackdown”. Disponível
em: <https://www.theverge.com/platform/amp/2018/2/21/17036708/twitter-automation-rule-chan-
ges-ban-bulk-tweeting-bot-crackdown-election>. Acesso em 26/02/2018.
240 Nesse contexto, o Facebook anunciou também o fim da parceria com a Serasa Experian,
que permitia o cruzamento de bancos de dados de ambas empresas com o objetivo de viabilizar
a entrega de publicidade segmentada na plataforma de acordo com a renda dos usuários. MEIO
& MENSAGEM, “Facebook encerra parceria com Serasa Experian”, publicado em 28/03/2018.
Acesso em 29.03.2018. Disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/ultimas-noti-
cias/2018/03/28/facebook-encerra-parceria-com-serasa.html>.
241 Disponível em: <https://www.facebook.com/zuck/posts/10104712037900071>.
209
Apêndice
TERMOS TÉCNICOS242
Nessa seção, apresentamos definições não exaustivas de alguns
dos termos usados repetidamente durante a obra, com as quais
o leitor pode não estar familiarizado, mas que são cruciais para a
compreensão dos argumentos desenvolvidos ao longo dos capítulos.
Algoritmo – No sentido matemático, um algoritmo é um conjunto
de regras para resolver um problema em um número finito
de etapas; no contexto da internet, algoritmos são usados por
aplicações e plataformas para diversas funcionalidades de seus
serviços, tais quais determinar a composição do feed de notícias
em uma rede social, sugerir anúncios publicitários com base em
registros de navegação, sugerir amigos para adicionar, músicas
para ouvir e páginas para acompanhar e até mesmo analisar se
uma postagem manifesta sentimento positivo ou negativo em
relação ao seu conteúdo.
Aplicações de internet – Conjunto de serviços e funcionalidades
diversas oferecidas em forma eletrônica para, por exemplo,
a comunicação, produtividade e armazenamento de dados,
tipicamente acessíveis por meio de um site e/ou aplicativo por
meio do qual o usuário pode usufruir dela, além de possuir uma
interface de programação que permite a interação com outras
aplicações. Esta definição está no Marco Civil da Internet, Lei
12.965/2014, artigo 5º, inciso VII.
242 O glossário foi elaborado pela equipe do InternetLab: Pedro J. A. Lima, Thiago Dias Oliva,
Francisco Brito Cruz e Jacqueline de Souza Abreu.
213
Bots – Softwares que automatizam reações e comportamentos a
partir de instruções dadas por seus programadores, podendo
passar-se por seres humanos em redes sociais ou meramente
realizar tarefas específicas de maneira automatizada, como por
exemplo, coletar informações de sites da internet, avisar sobre
determinada ocorrência, dentre outras.
Botnets – São grupos de computadores controlados por um software
central que passa instruções ao grupo, como o emprego de
bots de maneira orquestrada, conformando uma rede, com a
finalidade de manipular algoritmos, modificar trending topics
e pautar discussões em redes sociais ou realizar ataques de
negação de serviço para tornar um site ou aplicação inacessível
devido à sobrecarga de demanda de acesso.
Cadastro eletrônico – Conjunto de dados de pessoas físicas tais
quais o nome, e-mail, CPF, telefone e outras informações
fornecidas no preenchimento de registro para utilização de
um produto ou serviço, assinatura de boletim informativo,
associação a uma entidade, dentre outros.
Cookies – Pequenos arquivos armazenados por um navegador de
internet (browser) que guardam metadados de navegação,
ou seja, informações como a data de última visita, o estado
do login, isto é, se a opção de “lembrar minha conta” estiver
ativada, além de outras informações que permitem a prática
de microtargeting.
Criptomoeda – Moeda virtual que utiliza que utiliza protocolos
baseados em criptografia, como o blockchain e outras tecnologias
de ledgers distribuídos para assegurar a validade das transações
e regular a emissão de novas unidades da moeda. Elas não são
emitidas por uma autoridade central, não possuem represen-
tação física tangível e circulam entre redes de computadores
que processam as transações. O bitcoin, primeira criptomoeda
a ser criada, foi concebido pelo pseudônimo Satoshi Nakamoto
em 2009, com a pretensão de criar um sistema para transações
eletrônicas que não dependesse da confiança em terceiros – como
243 NAKAMOTO, Satoshi. “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”. Disponível em: <https://
bitcoin.org/bitcoin.pdf>. Acesso em 01/02/2018.
244 Tradução livre de “false stories that appear to be news, spread on the internet or using other
media, usually created to influence political views or as a joke”. Disponível em: <https://dictionary.
cambridge.org/dictionary/english/fake-news>. Acesso em 30/01/2018.
245 SORJ, Bernardo. BRITO CRUZ, Francisco. RTELLADO, Pablo. Sobrevivendo nas Redes: Guia do
Cidadão, São Paulo: Moderna, 2018.