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DIREITO ELEITORAL

NA ERA DIGITAL
Francisco Brito Cruz
Hélio Freitas de Carvalho da Silveira
Jacqueline de Souza Abreu
Marcelo Santiago de Pádua Andrade
Rafael Sonda Vieira
Thiago Dias Oliva
Copyright © 2018 by Editora Letramento

Diretor Editorial | Gustavo Abreu


Diretor Administrativo | Júnior Gaudereto
Diretor Financeiro | Cláudio Macedo
Logística | Vinícius Santiago
Assistente Editorial | Laura Brand
Revisão | LiteraturaBr Editorial
Capa | Wellinton Lenzi
Projeto Gráfico e Diagramação | Luís Otávio
Conselho Editorial | Alessandra Mara de Freitas Silva; Alexandre Morais da Rosa;
Bruno Miragem; Carlos María Cárcova; Cássio Augusto de Barros Brant; Cristian
Kiefer da Silva; Cristiane Dupret; Edson Nakata Jr; Georges Abboud; Henderson
Fürst; Henrique Garbellini Carnio; Henrique Júdice Magalhães; Leonardo Isaac
Yarochewsky; Lucas Moraes Martins; Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme;
Nuno Miguel Branco de Sá Viana Rebelo; Renata de Lima Rodrigues; Rubens
Casara; Salah H. Khaled Jr; Willis Santiago Guerra Filho.

Todos os direitos reservados.


Não é permitida a reprodução desta obra sem
aprovação do Grupo Editorial Letramento.

Referência para citação


CRUZ, Francisco Brito...[et al.].Direito eleitoral na era digital.
Belo Horizonte(MG): Letramento: Casa do Direito, 2018.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7- 5880

D598
Direito eleitoral na era digital / Autores Francisco Brito Cruz...[et al.].
-- Belo Horizonte(MG) : Letramento : Casa do Direito, 2018.
222 p. 15,5 x 22,5cm.
Outros autores: Hélio Freitas de Carvalho da Silveira, Jacqueline de Souza Abreu
Marcelo Santiago de Pádua Andrade, Rafael Sonda Vieira, Thiago Dias Oliva
ISBN: 978-85-9530-115-3
1. Direito eleitoral - Brasil.2. Eleições.3. Crime eleitoral.4. Marketing
político.5.Campanha eleitoral.I. Francisco Brito Cruz...[et. al].II. Título
CDD 342.8107

Belo Horizonte - MG
Rua Magnólia, 1086
Bairro Caiçara
CEP 30770-020
Fone 31 3327-5771
contato@editoraletramento.com.br
grupoeditorialletramento.com Casa do Direito é o selo jurídico do
casadodireito.com Grupo Editorial Letramento
7 PREFÁCIO
9 O direito eleitoral na era digital

21 CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO À JUSTIÇA ELEITORAL
24 Noções básicas sobre o processo na Justiça Eleitoral
31 Depois da eleição: os processos que discutem
abuso nas eleições após seu acontecimento

35 CAPÍTULO 2
REGRAS SOBRE PROPAGANDA ELEITORAL
37 Uma definição geral de propaganda eleitoral
38 A disputa (e a confusão) em torno do
conceito de “propaganda eleitoral”
39 A definição da Justiça Eleitoral de
“propaganda eleitoral antecipada”
42 Legitimados para fazer propaganda eleitoral
43 O que esperar da Justiça Eleitoral em situações que
envolvam uma definição de propaganda eleitoral?
45 Os princípios que regem a propaganda eleitoral
53 Limites à propaganda eleitoral
57 A propaganda eleitoral paga na internet:
impulsionamento de conteúdos
63 Limites para o impulsionamento de
conteúdos de propaganda eleitoral
72 Frentes de fiscalização do impulsionamento
de propaganda eleitoral na internet
79 CAPÍTULO 3
A REMOÇÃO DE CONTEÚDO DA INTERNET
PELA JUSTIÇA ELEITORAL
82 A extensão do conteúdo a ser removido
96 Uma decisão de remoção prevenirá que o
conteúdo apareça novamente na internet?
97 Bloqueios de aplicações pela Justiça Eleitoral

101 CAPÍTULO 4
A RESPONSABILIZAÇÃO POR DANOS GERADOS
POR CONTEÚDO PUBLICADO NA INTERNET
103 A identificação de um usuário na internet
107 Critérios para identificação de usuários:
existe um “direito de saber quem é”?
111 Problemas em casos de identificação de usuários
112 Responsabilidade das plataformas de internet
por conteúdo gerado por terceiros
113 Responsabilidade de usuários pelo compartilhamento
de conteúdo de terceiros em redes sociais

115 CAPÍTULO 5
DESINFORMAÇÃO E MANIPULAÇÃO DO
CIDADÃO: FAKE NEWS E OUTRAS TÉCNICAS
118 A polarização política nas redes e a
competição entre produtores de notícias
120 Definições de “fake news”
122 Soluções jurídicas para o enfrentamento
da desinformação na internet

143 CAPÍTULO 6
DIREITO DE RESPOSTA
149 CAPÍTULO 7
USO DE ROBÔS EM CAMPANHAS ELEITORAIS
153 Diferentes usos de bots em eleições:
o que deve ser proibido?
156 Como identificar um bot?
159 Mecanismos jurídicos para a tutela da
utilização de robôs nas eleições

163 CAPÍTULO 8
DADOS PESSOAIS: PROTEÇÃO DA AUTONOMIA
DE SE INFORMAR E DECIDIR DO ELEITOR
165 Regimes de Proteção de Dados Pessoais
166 Proteção de Dados na Lei das Eleições
170 Uso de dados pessoais para marketing eleitoral online
175 Quais os limites jurídicos aplicáveis a
tratamento de dados pessoais de eleitores
e ao microdirecionamento?
176 Promessas e ameaças do microdirecionamento
para a democracia

181 CAPÍTULO 9
TECNOLOGIA NO FINANCIAMENTO E
TRANSPARÊNCIA DE CAMPANHAS ELEITORAIS
187 Mecanismos de financiamento online
187 Aplicação da própria campanha
188 Mecanismos de financiamento coletivo de campanhas

195 CAPÍTULO 10
A AUTORREGULAÇÃO DAS PLATAFORMAS DE INTERNET

207 CONCLUSÃO

211 APÊNDICE
213 Termos técnicos
Prefácio
O DIREITO ELEITORAL
NA ERA DIGITAL
Para introduzir a intenção e o contexto desta obra, três pontos
se fazem necessários. O primeiro explicita a premissa que a mídia
digital já começa a ser o grande palco do debate político neste início
de século, o que já despertou a atenção de legisladores, em especial
em atenção à regulação da campanha eleitoral online. O segundo
ponto demonstra como esta preocupação de regulação acontece
a partir da tensão entre dois “campos” relativamente autônomos
dentro do pensamento jurídico – o direito eleitoral e o campo das
políticas de internet. O terceiro explica como esta obra se propõe
a construir pontes entre estes campos tendo em conta que esta
aproximação é chave para a garantia de direitos fundamentais em
momentos quentes de agitação política e eleitoral e, ainda, para a
arquitetura da democracia representativa e da soberania popular
representada pelo direito eleitoral.

O aumento no uso da internet ocorrido no Brasil nos últimos dez
anos não deixou a política de lado. Na última década, a disseminação
de redes sociais e outras ferramentas digitais de comunicação e de
acesso à informação alçou a internet como um palco muito relevante
nos principais processos políticos do país. Diversas variáveis são
importantes nesse processo; tanto pesquisas de uso de mídia como
sobre conectividade apontam que nas grandes cidades a internet

9
já passa a televisão como a mídia preferida de alguns segmentos.
O avanço é consistente e contínuo.1
Se campanhas eleitorais migram para onde os eleitores estão se
informando e debatendo política, com a internet não seria diferente.
A crescente preocupação com o impacto que o uso da internet
pode ter em processos político-eleitorais é uma tendência mundial.
Exemplos não faltam, sendo a mais importante referência a eleição
de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos. Somente
neste pleito, russos foram acusados de invadir servidores do Partido
Democrata e de cultivarem uma complexa rede de influência nas
redes sociais, com robôs e compra de anúncios. Garotos em uma
pequena cidade na Macedônia ganharam milhares de dólares manu-
faturando sites de notícias falsas com manchetes sensacionalistas
que foram um sucesso de audiência, alimentando a polarização,
disseminando boatos e influenciando o rumo das eleições, mesmo
sem intenção política declarada.2
Um destes exemplos ilustra uma série de relevantes transforma-
ções, o da empresa Cambridge Analytica, que foi acusada de coletar
irregularmente dados pessoais de mais de 80 milhões de usuários
do Facebook e utilizá-los para dirigir a produção de anúncios de
Trump. A partir de dados como curtidas e lista de contatos, ferra-
mentas desenvolvidas pela empresa teriam sido capazes de inferir,
com altos índices de precisão, preferências e traços da personalidade
dos usuários, que serviriam, então, de matéria prima para a custo-
mização de mensagens de propaganda política. Estamos assistindo a
migração para o marketing político do que já é praxe no marketing
comercial: a utilização de dados pessoais para a personalização de
conteúdos, que passam a atingir públicos segmentados por meio
das ferramentas de direcionamento disponibilizadas pelas plata-

1 Neste ponto é significativo acompanhar as pesquisas realizadas pelo Cetic.br (Centro Regional
de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação do Comitê Gestor da Internet no
Brasil) e pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República nos últimos anos.
2 Toda a história pode ser encontrada na reportagem de Craig Silverman e Lawrence Alexander,
“How Teens In The Balkans Are Duping Trump Supporters With Fake News”, de 3 de novembro de
2016. Disponível em: <https://www.buzzfeed.com/craigsilverman/how-macedonia-became-a-glo-
bal-hub-for-protrump-misinfo?utm_term=.rwmNxWb3DV#.vxLZjBMm5x>. Acesso em: 5 jun. 2017.

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formas de internet. Em tese, quanto maior a personalização do
anúncio, maior o seu grau de persuasão, o que torna a estratégia
extremamente valiosa.
No Brasil, o quadro de mudanças legislativas recentes evidencia
que cada vez mais haverá espaço para tais transformações na forma
de fazer campanha. Graças a uma recente mudança na Lei das
Eleições, em 2018, pela primeira vez, candidatos poderão “impul-
sionar” conteúdos nas redes sociais para fazer propaganda. Isso
possibilitará que peças de propaganda eleitoral personalizadas sejam
direcionadas a um público-alvo específico, pois o impulsionamento
permite escolher qual público deve ser atingido por cada publicação
por uma série de variáveis. Como afirmamos em análise3 sobre o
caso: “Para o marketing político, isso representa uma revolução: o
trabalho do ‘marqueteiro’, que antes era o de encontrar mensagens
genéricas capazes de convencer milhões de eleitores de uma vez,
agora passa a ser o de desenvolver mensagens diferentes e mais
eficientes, capazes de sensibilizar nichos hiper-específicos de cida-
dãos”. O jornalismo investigativo e pesquisas acadêmicas4 também
têm demonstrado a crescente presença do oferecimento de serviços
como o uso de robôs e perfis falsos para a manipulação da opinião
pública em recentes momentos políticos.
Este movimento foi nitidamente acompanhado de uma preo-
cupação regulatória no âmbito do direito eleitoral. Mesmo que
se argumente que essa preocupação esteja atrasada, em descom-
passo ou que não abarque todos os aspectos relevantes em relação
às ferramentas utilizadas, a regulação das campanhas na internet
tornou-se, desde o início dos anos 2000, um tema do direito eleitoral.
Este movimento está explícito nas sucessivas reformas em leis elei-
torais para tratar de campanhas políticas na internet em 2009 (Lei

3 In Antonialli, Dennys; Brito Cruz, Francisco; e Valente, Mariana. “Escancarados os desafios do novo
marketing político”, de 21 de março de 2018, no Link Estadão. Disponível em: http://link.estadao.
com.br/noticias/empresas,escancarados-os-desafios-do-novo-marketing-politico,70002235612.
Acesso em 10 abr. 2018.
4 Como em Arnaudo, Dan. “Computational Propaganda in Brazil: Social Bots during Elections.”
Samuel Woolley and Philip N. Howard (Eds.). Working Paper 2017.8. Oxford, UK: Project on
Computational Propaganda.

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nº 12.034), 2013 (Lei nº 12.891), 2015 (Lei nº 13.165) e 2017
(Lei nº 13.488) e em emblemáticos antagonismos entre o Judiciário
eleitoral e plataformas de internet que estamparam os jornais.5 O
quadro abaixo sintetiza esta evolução normativa, evidenciando que
este avanço regulatório contínuo fez com que o país não vivesse
até 2018 duas eleições gerais com regras idênticas envolvendo a
internet desde 2006.

QUADRO 1. REFORMAS NA LEI ELEITORAL (LEI 9.504/1997) PARA


ABARCAR QUESTÕES SOBRE CAMPANHA NA INTERNET

Lei/Ano O que trouxe de novo?


Lei 11.300/2006 • Obrigação de divulgação de prestação de contas da internet.
• Autoriza e regulamenta a propaganda eleitoral na
internet, mas veda a propaganda paga;
Lei 12.034/2009 • Regula aspectos da liberdade de expressão dos cidadãos em casos
tutelados pela Justiça Eleitoral, como limites e direito de resposta;
• Proíbe a atribuição indevida de autoria de propaganda eleitoral.
• Obrigação de divulgação de relatórios parciais de prestações de contas;
• Limita o escopo da propaganda eleitoral em casos de debates
Lei 12.891/2013 ou cobertura de eventos, inclusive pela internet;
• Institui crime de contratação de pessoas para ataques na rede, bem
como regulamenta casos de pedidos de remoção de tais ataques.
• Reduz os prazos para campanhas eleitorais e estabelece
prazo específico para campanha na internet;
Lei 13.165/2015
• Obrigações de transparência contínua de gastos eleitorais pela internet;
• Modifica prazos de remoção de conteúdo da internet.
• Autoriza e cria regras para modalidade de propaganda
paga na internet (impulsionamento de conteúdos);
Lei 13.488/2017 • Autoriza uso de mecanismos de financiamento coletivo via internet
para arrecadação de recursos em campanhas eleitorais;
• Autoriza a Justiça Eleitoral a suspender temporariamente conteúdo ilícito.

5 Em 2012, o diretor geral do Google no Brasil, Fábio Coelho, foi preso após o descumprimento de
quatro ordens judiciais de retirada de conteúdo do YouTube sobre um candidato a prefeito de Campo
Grande. Ver: <https://eleicoes.uol.com.br/2012/noticias/2012/09/26/prisao-de-diretor-do-goo-
gle-foi-precedida-por-descumprimento-de-quatro-ordens-judiciais.htm>. Acesso em 26/02/2018.

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Este cenário de crescente impacto da legislação eleitoral em
condutas de usuários de internet se reflete também na esfera
dos crimes eleitorais; seja por conta de que antigos tipos penais
começam a ganhar novas aplicações ou seja devido à inserção de
novas condutas tipificadas diretamente ligadas à campanha online.
Neste sentido, o quadro abaixo mapeia 11 crimes eleitorais com
impacto em diferentes condutas ligadas à campanha feita a partir
de tecnologias da informação e comunicação, como a internet.

QUADRO 2. CRIMES ELEITORAIS QUE IMPACTAM


CAMPANHAS NA INTERNET

Dispositivo Descrição do
Pena Impacto na campanha pela internet
legal tipo penal
A internet pode ser importante meio
de veiculação de fatos “que se sabe
Divulgação de inverídicos” na propaganda eleitoral,
fatos que se inclusive se tivemos em conta a
Art. 323 Detenção
sabe inverídicos discussão sobre notícias falsas na
do Código (2 meses a
sobre partidos ou rede. A publicação de tais informações
Eleitoral 1 ano) ou
candidatos que pode gerar consequências penais
(Lei nº 120 a 150
possam influenciar para o responsável pelo veículo
4.737/1965) dias-multa.
o eleitorado na de comunicação. Provedores de
propaganda eleitoral. hospedagem poderão ser obrigados
a retirar sites do ar e fornecer
os dados do responsável.i
Calúnia ou sua
Art. 324 propagação/
Detenção (6
do Código divulgação na
meses a 2
Eleitoral propaganda eleitoral,
anos) e 10 a
(Lei nº ou visando fins de
40 dias-multa. Como meio de comunicação, a
4.737/1965) propaganda. (falsa
internet é vista como importante
imputação de crime).
palco para condutas que tipificam
Art. 325 Difamação na discursos ilícitos. Estes três crimes
Detenção (3
do Código propaganda eleitoral, têm sua pena aumentada em um
meses a 1
Eleitoral ou visando fins de terço se forem cometidos por meio
ano) e 5 a 30
(Lei nº propaganda (ofensa da internet (“meio que facilite a
dias-multa.
4.737/1965) à reputação). divulgação da ofensa”), conforme
dispõe o art. 327, III da mesma lei.
Art. 326 Injúria na propaganda
Detenção
do Código eleitoral, ou visando
(até 6 meses)
Eleitoral fins de propaganda
ou 30 a 60
(Lei nº (ofensa à dignidade
dias-multa.ii
4.737/1965) ou o decoro).

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Dispositivo Descrição do
Pena Impacto na campanha pela internet
legal tipo penal

Se há lugar para a propaganda na


Inutilização, internet, aplica-se o tipo penal que
Art. 331
alteração ou Detenção criminaliza a inutilização, alteração
do Código
perturbação de (até 6 meses) ou perturbação da propaganda. A
Eleitoral
meio de propaganda ou 90 a 120 expectativa é que ele tenha efeito
(Lei nº
devidamente dias-multa. em relação a ações que sabotem
4.737/1965)
empregado. a propaganda realizada na internet
ou via redes sociais, paga ou não.

No mesmo sentido do tipo penal


Art. 332
Detenção descrito acima, o impedimento do
do Código Impedimento
(até 6 meses) exercício da propaganda eleitoral na
Eleitoral do exercício de
e 30 a 60 internet pode ser concretizado por
(Lei nº propaganda.
dias-multa. diversos tipos de técnicas, como
4.737/1965)
ataques a páginas de candidatos.
Detenção (6
Art. 33, § 4º
meses a 1
da Lei das Divulgação de Disseminação de estatísticas
ano) e multa
Eleições pesquisa de opinião fraudulentas da opinião pública e
no valor de
(Lei nº pública fraudulenta. intenção de voto por redes sociais.
50 mil a 100
9.504/1997)
mil UFIR.
Art. 39, §
5º, III da Lei
Divulgação de
das Eleições
qualquer espécie
(Lei nº
de propaganda de Detenção A permissão para determinadas
9.504/1997),
partidos políticos ou(6 meses a modalidades de propaganda eleitoral
incluído
de seus candidatos 1 ano) ou paga na internet (impulsionamento
pela Lei
no dia da eleição.
prestação de de conteúdos) é acompanhada
nº 12.034,
de 2009 serviços à de limites temporais específicos,
comunidade criminalizada a boca de urna
Art. 39, § Publicação de novos pelo mesmo “digital”, o que gera dúvidas sobre o
5º, IV da Lei conteúdos ou o período, e tratamento de materiais divulgados
das Eleições impulsionamento multa no valor por meio de aplicativos de mensagens
(Lei nº de conteúdos nas de 5 mil a 15 instantânea, especialmente se
9.504/1997), aplicações de internet mil UFIR. espontaneamente entre eleitores.iii - iv
incluído no dia da eleição,
pela Lei podendo ser mantidos
nº 13.488, aqueles publicados
de 2017) anteriormente.

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Dispositivo Descrição do
Pena Impacto na campanha pela internet
legal tipo penal
Art. 57-H
da Lei das Realizar propaganda
Multa de 5 mil
Eleições eleitoral na
a 30 mil reais,
(Lei nº internet, atribuindo
sem prejuízo Falsificação de material publicitário de
9.504/1997), indevidamente sua
às demais outro candidato por meio da internet.v
incluído autoria a terceiro,
sanções legais
pela Lei inclusive a candidato,
cabíveis.
nº 12.034, partido ou coligação.
de 2009
Contratação direta
Art. 57-H, ou indireta de grupo
§ 1º da Lei de pessoas com a
das Eleições finalidade específica Detenção
(Lei nº de emitir mensagens (2 a 4 anos)
9.504/1997), ou comentários e multa de
incluído na internet para 15 mil a 50 O impacto destes dispositivos é
pela Lei ofender a honra ou mil reais. múltiplo. Tem efeito no eventual uso
nº 12.034, denegrir a imagem de robôs para gerar interações falsas
de 2009 de candidato, partido com a propaganda eleitoral na internet,
ou coligação. a responsabilização de movimentos
políticos que mantém relação com
Detenção veículos de comunicação ou, ainda, de
Art. 57-H,
Ser contratado com (6 meses a empresas contratadas para produção
§ 2º da Lei
a finalidade específica 1 ano) ou de material publicitário de campanha
das Eleições
de emitir mensagens prestação de eleitoral atuando de maneira ilícita.vi
(Lei nº
ou comentários na serviços à
9.504/1997),
internet para ofender comunidade
incluído
a honra ou denegrir a pelo mesmo
pela Lei
imagem de candidato, período, e
nº 12.034,
partido ou coligação. multa de 5 mil
de 2009
a 30 mil reais.
Sendo o sistema de votação
informatizado, o crime envolvendo
Fraudar o sistema
fraudá-lo tem evidente impacto em
informatizado
questões de tecnologia, especialmente
Art. 72 da de tratamento
se consideradas questões de
Lei das automático de dados
Reclusão (5 segurança de software e código
Eleições usado pelo serviço
a 10 anos) aberto. Esta é uma questão que
(Lei nº eleitoral ou causar
não abordaremos em profundidade
9.504/1997) propositalmente dano
neste livro, mas que julgamos
físico ao equipamento
como central para a garantia da
usado para votação.
higidez do processo de exercício
da soberania popular pelo voto.

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i. É necessária a demonstração idônea do dolo específico exigido, isto é, a
comprovação de que se sabia de falsidade do fato. Ver: TRIBUNAL REGIONAL
ELEITORAL DE SÃO PAULO, Recurso Criminal nº 859-52.2016.6.26.0186,
Relatora Claudia Lúcia Fonseca Fanucchi, Julgado em 03/10/2017; e também:
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO, Recurso Criminal nº
8-39.2014.6.26.0103, Relatora Marli Ferreira, Julgado em 05/04/2016.
ii. § 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou
meio empregado, se considerem aviltantes: Detenção (3 meses a 1 ano) e 5 a 20
dias-multa, além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal.
iii. O TSE já entendeu que propaganda eleitoral por SMS no dia da eleição não configura
delito. Ver: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, RHC N° 27-97.2013.6.26.0000/
SP, Relator Ministro Henrique Neves da Silva. Julgado em 29/08/2013.
iv. Nas eleições municipais de 2016, a propaganda eleitoral pela internet no dia da
eleição ainda era permitida. Ver: TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO,
RE nº 111-38.20166.26.0277, Relatora Marli Ferreira, Julgado em 21/02/2017.
v. Deve ser reconhecida a autoria do vídeo para imputação do crime. Ver: TRIBUNAL
REGIONAL ELEITORAL DO TOCANTINS, Processo nº 937-63.2014.6.27.0000,
Acórdão n° 937-63, Relator Agenor Alexandre da Silva, Julgado em 17/10/2016.
vi. Ver, por exemplo: O ESTADO DE S. PAULO, “Site falso de Haddad foi criado em
empresa da campanha de Serra”, publicado em 26/10/2012. Disponível em:
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,site-falso-de-haddad-foi-criado-
em-empresa-da-campanha-de-serra,951371 Acesso em: 27/02/2018.

À medida que este conjunto de novos conflitos emerge (sendo cres-


cente o número de demandas que envolvem a campanha mediada
por plataformas tecnológicas), áreas da pesquisa em direito antes
distantes passam a importar para o direito eleitoral e a se importar
com ele. Nomeadamente, o grupo de pesquisadores, estudiosos e
organizações formados no contexto da discussão e da aprovação do
Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014). Concomitantemente,
nas cortes, empresas provedoras de aplicações de internet passam a
argumentar pela aplicação do Marco Civil em processos na Justiça
Eleitoral e advogados de direito eleitoral passam a discutir questões
de responsabilização de usuários de internet.
Do lado dos “direitos digitais”, a aprovação do Marco Civil da
Internet foi apenas o começo de uma agenda de tutela de direitos
humanos dos cidadãos na rede, havendo crescente preocupação com
o exercício da liberdade de expressão, a proteção da privacidade,
o acesso à informação e outros direitos à medida em que decisões
políticas privadas e públicas são tomadas no curso da marcha da

16 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


inovação. No âmbito do direito eleitoral, cresce a preocupação
com o efeito que tal marcha pode ter na preservação dos valores
que resguardam o exercício da soberania popular, como igualdade
de condições na competição eleitoral e a autonomia do eleitor. A
medida que as campanhas “digitalizam-se”, problemas específicos
de um campo ou de outro passam a ser problemas compartilhados
pelos dois. Como os instrumentos presentes no direito eleitoral
resolvem a questão se um perfil de rede social que se utiliza de um
pseudônimo para realizar crítica a candidato no período eleitoral
deve permanecer disponível na rede? Como isso seria resolvido a
partir da aplicação do Marco Civil da Internet? A tensão aumenta
à medida que se percebe que em ambos caminhos existem severas
consequências para direitos fundamentais.
A convergência entre estes “campos” já começou a aparecer
nos espaços nos quais há debate sobre regras específicas a serem
aplicadas às empresas provedoras de aplicações. Em seu processo
participativo de elaboração de resoluções, a Justiça Eleitoral já é
palco desse encontro, produzindo, nestes documentos, tentativas
de compatibilização dos direitos em jogo nas difíceis questões que
devem de ser decididas. O quadro abaixo esquematiza a aplicabi-
lidade de diferentes fontes jurídicas em relação a campanhas na
internet, sintetizando esta sobreposição de diferentes regulamentos
e diplomas.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 17


QUADRO 3. PRINCÍPIOS E REGRAS APLICÁVEIS A CASOS DE
CAMPANHA POLÍTICA E ELEITORAL NA INTERNET

O que contém de importante para casos


Fonte Hierarquia
de campanha política na internet?
• Direitos fundamentais, como liberdade
de expressão e privacidade;
• Princípio da soberania popular e a forma
Constituição de exercício dos direitos políticos;
Constitucional
Federal de 1988
• Periodicidade das eleições;
• Vedação ao uso ilegítimo do poder nas eleições;
• Organização da Justiça Eleitoral.
• Competências dos órgãos da Justiça Eleitoral;
• Prevê o Poder de Polícia da Justiça Eleitoral;
• Autoriza a Justiça Eleitoral a emitir
regulamentos e a se abrir para consultas;
Código Eleitoral • Regras de propaganda eleitoral, como
(Lei 4.737, de 15 Lei Federal o estabelecimento de crimes a ela
de julho de 1965) relacionados (crimes contra a honra e pela
divulgação de fato sabidamente inverídico
na propaganda eleitoral, arts. 323 a 326);
• Regras para reprimir o abuso de
poder nas eleições (art. 237).
• Regras gerais para propaganda
eleitoral, indicando vias processuais
que podem ser utilizadas em caso de
descumprimento de normas;
• Competências de órgãos jurisdicionais da
Justiça Eleitoral, prevendo inclusive a figura
Lei das Eleições dos juízes auxiliares da propaganda que, a fim
(Lei nº 9.504, de de racionalizar e otimizar a atuação da Justiça
30 de Setembro Eleitoral, fazem o julgamento de representações
de 1997) – sofreu Lei Federal eleitorais relacionadas com propaganda
diversas reformas, nas eleições presidenciais (perante o TSE)
veja cronologia e nas eleições gerais (perante os TREs);
no Quadro 1
• Regras específicas para propaganda
eleitoral na internet (art. 57);
• Estabelece o Poder Regulamentar do TSE para
o fiel cumprimento das disposições da lei e,
especificamente, para as questões relacionadas
à internet (art. 57-J e art. 105 da L.9.504/97).

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O que contém de importante para casos
Fonte Hierarquia
de campanha política na internet?
• Regras de responsabilização de
provedores de internet por conteúdo
postado por terceiros na rede;
• Regras sobre casos de pedidos de remoção
de conteúdo postado na internet;
Marco Civil da • Regras sobre coleta, uso e tratamento de
Internet (Lei dados pessoais de usuários de internet;
Lei Federal
12.965, de 23 de • Regras e proteções sobre casos de
abril de 2014) identificação de usuários de internet,
bem como outros que envolvam o acesso
a dados e conteúdo de comunicações;
• Regra da neutralidade da rede, que prevê
a não discriminação de tráfego por parte
de provedores de acesso de internet.
• Mecanismos para a repressão do abuso de
poder econômico, político e do uso indevido
Lei Complementar
Lei de meios de comunicação social (como a
64, de 18 de
Complementar internet) que possam contaminar a integridade
Maio de 1990
e a normalidade do processo eleitoral, como
sanções de perda de diploma e inelegibilidade.
• A Justiça eleitoral (especialmente o TSE)
posiciona-se, de forma abstrata e geral,
sobre a interpretação de norma eleitoral
Resoluções e e estabelece normas integradoras para a
instruções da Regulamento aplicação do Direito Eleitoral e demais diplomas
Justiça Eleitorali normativos nos casos que julga. Com isso,
emite resoluções e instruções com o este
objetivo, não podendo, contudo, modificar o
sistema eleitoral estruturado por Lei Federal.

i É importante notar que, para as eleições de 2018 e seguintes, as Resoluções


do TSE deixarão de ter caráter temporário, passando a reger todas as
eleições seguintes conforme indica a Resolução TSE nº 23.472/2016.


Este contexto é o ponto de partida para esta obra. Ela surgiu como
produto de um grupo de estudos organizado pela área de pesquisas
sobre Informação e Política do InternetLab, centro independente
de pesquisa em direito e tecnologia. A partir da noção de que era
importante uma aproximação entre cabeças ligadas à prática do
direito eleitoral, de um lado, e das políticas de internet, de outro,
este grupo juntou pesquisadores do InternetLab e advogados elei-

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 19


toralistas. Da parte do InternetLab, participaram deste grupo de
estudos Francisco Brito Cruz (diretor), Mariana Valente (diretora),
Thiago Dias Oliva (coordenador da área de liberdade de expressão),
Jacqueline Abreu (coordenadora da área de privacidade e vigilância)
e Pedro Lima (estagiário). Os advogados especializados em direito
eleitoral participantes foram Hélio Freitas de Carvalho de Silveira,
Marcelo Santiago de Pádua Andrade, Rafael Sonda Vieira e Ronair
Ferreira de Lima.
Nossa intenção é que esta obra sirva como ponte entre estes dois
conhecimentos especializados, estabelecendo um léxico e um mape-
amento comum dos problemas jurídicos e dos riscos a direitos
envolvidos. Em uma área que assiste contínuas inovações e na
qual ainda há pouca pesquisa empírica (sobre efeitos da regulação,
sobre a extensão das ferramentas utilizadas e sobre sua influência
na sociedade e na democracia), nem sempre julgamos prudente
apresentar respostas prontas para as questões jurídicas expostas.
Em alguns pontos deste exercício, nos quais haviam mais certezas
nesta análise dos riscos, argumentamos em favor de soluções e
interpretações, em outros, preferimos apenas indicar as variáveis
que devem ser consideradas na análise dos casos concretos.
Em um momento de enorme agitação política, entendemos que o
debate sobre o direito eleitoral precisa aproveitar o momento que as
campanhas se transformam para também se transformar, renovando
suas preocupações recorrentes frente a novos riscos e atualizando
seu olhar a partir de uma agenda de direitos fundamentais que
nasce a partir das possibilidades abertas no uso da internet e das
redes sociais. Boa leitura.

Francisco Carvalho de Brito Cruz

20 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


capítulo 1
Introdução à Justiça
Eleitoral
A Justiça Eleitoral, diferente de outros ramos do Poder Judiciário,
exerce uma série de funções incomuns. Conhecer tais funções é
essencial para entender o regime jurídico aplicável a campanhas
eleitorais na internet.
Em primeiro lugar, a Justiça Eleitoral exerce uma função admi-
nistrativa. Isto quer dizer que ela coloca em prática todas as ações
necessárias para o acontecimento das eleições. É este ramo do
Judiciário, por exemplo, o responsável por contratar toda a infra-
estrutura necessária, por nomear as mesas receptoras de votos6 e o
local em que funcionará cada mesa receptora.7
Uma outra função fundamental é a regulamentar. Mesmo que
o Congresso Nacional seja o responsável por elaborar as “regras
do jogo” que valem para as disputas eleitorais na forma de leis (ou
mesmo a partir de emendas constitucionais), tais regras são gerais e
muitas vezes precisam de maior detalhamento para serem aplicadas.
Isso faz sentido também se considerado o fato de a Justiça Eleitoral
precisar muitas vezes atuar com agilidade e previsibilidade num
cenário de inovação das campanhas.8 O Tribunal Superior Eleitoral
tem a competência para elaborar resoluções para o fiel cumprimento
das leis eleitorais, inclusive ao responder consultas.9
Por fim, há ainda a clássica função jurisdicional da Justiça
Eleitoral. Além de organizar as eleições e de detalhar as regras que

6 Art. 120 do Código Eleitoral (L.4.737/65).


7 Art. 138 do Código Eleitoral (L.4.737/65).
8 Art. 57-J da Lei das Eleições (L.9.504/97).
9 Art. 23, inciso XII do Código Eleitoral (L.4.737/65).

23
as regem, é ela que julga caso a caso, reagindo e respondendo de
acordo com a legislação e o regulamento quando recebe demandas
que apontam o descumprimento de alguma norma eleitoral ou,
ainda, agindo sem precisar ser provocada quando juízes se deparam
com situações de irregularidade perante a lei – o chamado “Poder
de Polícia”, que explicaremos a seguir.

QUADRO 4. FUNÇÕES DA JUSTIÇA ELEITORAL

Administrativa É responsável pela preparação, organização e realização das eleições.


Elabora todas as normas que regulamentam o processo eleitoral
Normativa
a partir das leis eleitorais aprovadas pelo Congresso.
É competente para julgar todas as demandas sobre questões
eleitorais levadas ao Poder Judiciário (ou encontradas por ele,
Jurisdicional
por conta de seu especial Poder de Polícia), controlando a lisura
e a normalidade e protegendo a legitimidade do pleito.

NOÇÕES BÁSICAS
SOBRE O PROCESSO NA
JUSTIÇA ELEITORAL
Geralmente, a Justiça Eleitoral julga casos em processos gerados
a partir de representações.10 Elas são a via para demandar que
juízes eleitorais apliquem sanções pelo descumprimento das regras
eleitorais ou para garantir direito de resposta11 em campanhas, por
exemplo. A partir de representações (que seguem o rito do art. 22
da LC 64/90) também é possível pleitear a aplicação das regras para
doação de recursos a campanhas, casos de abuso de poder político e
econômico, e uso indevido de meios de comunicação social, mesmo
que nesses casos a lei indique a necessidade de observar um rito
mais favorável à defesa. Em geral, as representações podem ser

10 Instrumentos de Direito Civil, art. 96, caput da Lei das Eleições (L.9.504/97).
11 Art. 58 da Lei das Eleições (L.9.504/97).

24 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


propostas pelos partidos, candidatos, coligações e pelo Ministério
Público Eleitoral.12
Uma outra forma de atuação da Justiça Eleitoral é nos casos que
envolvam a apuração de crimes eleitorais. Nessa situação, a Justiça
Eleitoral sai do âmbito do direito cível-administrativo e atua para
possibilitar a persecução penal em relação aos fatos que o legis-
lador entende mais graves (lembrando que o direito penal atua
como ultima ratio). Nestas hipóteses, a Justiça examinará o caso
quando o Ministério Público Eleitoral, diante da informação sobre
a existência de um ato que, em tese, possa configurar crime, inicie
um processo criminal. Quando um cidadão ou cidadã tiver conhe-
cimento da prática de um crime eleitoral, por exemplo, ele poderá
comunicar o fato ao juiz eleitoral, que, assim, enviará tal notícia
por escrito diretamente ao Ministério Público para que ele avalie
se iniciará um processo. Ainda, o andamento do processo que vai
apurar o crime e punir eventuais culpados depende unicamente do
Ministério Público: todos os crimes eleitorais13 são apurados por
ação penal pública incondicionada,14 o que significa que o processo
criminal não está subordinado à autorização por parte da vítima ou
de qualquer outra pessoa.
Mas a Justiça Eleitoral também pode agir sem ser provocada, utili-
zando seu “Poder de Polícia”.15 Este poder deriva da competência da
Justiça Eleitoral de fiscalizar as atividades ligadas às campanhas. Por
conta dele, juízes designados para cuidar da propaganda eleitoral
podem inibir qualquer tipo de propaganda irregular, inclusive a
ocorrida na internet.16 Assim, não há necessidade de abertura de um

12 Sobre isso, ver: art. 22 da Lei Complementar 64/90 (casos dos ilícitos do art. 31-A, do art.
41-A, do art. 73 e de doação acima do limite legal, além dos casos de abuso de poder político,
econômico ou uso indevido de meios de comunicação social). Ver também art. 106 da Resolução
nº 23.551/17 (caso de propaganda que viole direito autoral, autorizando que titular do direito
proponha representação).
13 Previstos no Código Eleitoral, na Lei nº 9.504/97 e em legislação extravagante.
14 Art. 355 do Código Eleitoral (L.4.737/65).
15 Previsto, por exemplo, no art. 249 do Código Eleitoral (L.4.737/65).
16 Art. 41, § 2º da Lei das Eleições (L.9.504/97).

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 25


processo para que a ordem (para que conteúdos sejam removidos,
por exemplo) emitida pelo juiz tenha de ser obedecida. Entretanto,
nesses casos de exercício do Poder de Polícia sem processo judicial,
os magistrados não poderão aplicar sanções.17

QUADRO 5. ÓRGÃOS DA JUSTIÇA ELEITORAL

Órgão Competência Composição


É o órgão mais elevado na hierarquia
da Justiça Eleitoral. É a instância
É composto por sete juízes, três
responsável pelo julgamento dos
dentre os Ministros do Supremo
Tribunal processos das eleições presidenciais
Tribunal Federal, dois dentre os
Superior e dos recursos provenientes dos
Ministros do Superior Tribunal de
Eleitoral Tribunais Regionais Eleitorais.i
Justiça e dois juristas nomeados
Suas decisões só podem ser
pelo Presidente da República.
revistas pelo STF em casos de
violação à Constituição Federal.
São compostos por sete juízes,
dois dentre os desembargadores
São os órgãos responsáveis pelo dos Tribunais de Justiça estadual,
Tribunais julgamento dos processos relativos dois escolhidos pelo Tribunal de
Regionais às eleições federais e estaduais Justiça dentre os juízes de direito,
Eleitorais (Governadores, Senadores, Deputados um do Tribunal Regional Federal
Federais e Deputados Estaduais).ii da região que abrange o Estado em
questão e dois juristas nomeados
pelo Presidente da República.
Apreciam as demandas
relativas às eleições municipais
São ocupadas por um Juiz de
Zonas e são responsáveis pelo
direito indicado pelo Tribunal
eleitorais cadastramento dos eleitores
de Justiça estadual.
e pelos serviços operacionais
decorrentes das eleições.iii
Órgão dedicado à apuração das
eleições em uma determinada
jurisdição. Após a implementação Composta de 2 ou 4 cidadãos de
Juntas
das urnas eletrônicas, tiveram notória idoneidade, nomeados
Eleitorais
suas funções esvaziadas. São pelo Tribunal Regional Eleitoral.
constituídas em caráter provisório
enquanto durarem as eleições.

17 Súmula nº 18 do Tribunal Superior Eleitoral.

26 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Órgão Competência Composição
Suas funções são desempenhadas
por membros do Ministério
Público Federal (MPF) e Estadual
Ao lado dos candidatos, partidos
(MPE). Apesar de as funções
Ministério ou coligações, detém legitimidade
eleitorais terem sido atribuídas
Público para a propositura de ações
constitucionalmente ao MPF, seu
Eleitoral visando o controle da legalidade
exercício se restringe aos Tribunais
e normalidade do pleito.iv
Superior e Regionais Eleitorais (TSE
e TREs), a instância local conta
com a colaboração do MPE.
Em razão da natureza federal da
Justiça Eleitoral, a Polícia Federal
Investigar o cometimento de está à disposição da Justiça
Polícia crimes eleitorais através de Eleitoral para o exercício prioritário
Judiciária inquérito policial e realizar prisão da função de polícia judiciária em
Eleitoral em flagrante por tais crimes, salvo matéria eleitoral, com atuação
se de menor potencial ofensivo. supletiva da Polícia do respectivo
Estado caso não exista órgão da
Polícia Federal na localidade.

i Art. 119 da Constituição Federal de 1988.


ii Art. 120 da Constituição Federal de 1988.
iii Art. 118, inciso III da Constituição Federal de 1988.
iv Art. 96-B, §1º da Lei das Eleições (L.9.504/97) e art. 3º da Lei Complementar 64/90.

Iniciado com a representação, o processo eleitoral não-criminal


é mais rápido e linear do que outros processos judiciais. Essas
duas características decorrem da necessidade de a Justiça Eleitoral
resolver os conflitos que lhes são apresentados da forma mais rápida
possível, visando evitar que comportamentos incompatíveis com a
lei comprometam a igualdade entre os candidatos que participam da
disputa eleitoral. Assim, o raciocínio parte da ideia de que o tempo
de decisão da Justiça Eleitoral pode influenciar em quem vencerá
o pleito, especialmente se uma demora significar o aproveitamento
de uma vantagem ilegal entre competidores.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 27


Competência
De uma forma geral, a competência para as ações eleitorais é
determinada em razão da eleição que certo comportamento ilícito
visa afetar. Isso define o “primeiro grau de jurisdição”, ou seja, a
primeira instância à qual os casos devem ser levados. As infrações
relacionadas às eleições presidenciais são decididas pelo TSE, as que
dizem respeito às eleições federais (deputado federal e senadores)
e estaduais (deputado estadual e governador) são processadas e
julgadas pelos TREs e, por fim, os atos relacionados às eleições
municipais são decididos pelos juízes das Zonas Eleitorais.
Nos casos que envolvem os limites da propaganda eleitoral, tanto
os TREs quanto o TSE, nas eleições em que estão responsáveis por
tutelar, designam juízes auxiliares da propaganda. Estes juízes
agem como a “primeira instância”. Caso uma das partes envolvidas
queira recorrer das suas decisões, o próprio “pleno” (o conjunto
dos juízes titulares) do tribunal (TRE ou TSE) receberá o recurso
e fará as vezes de segunda instância.

Prazos e tramitação
As representações eleitorais regulamentadas pelo artigo 96 da
Lei 9.504/97, que podem ser propostas por partido, candidato,
coligação ou pelo MP têm um rito processual extremamente célere
se comparadas com outros processos julgados pela Justiça Comum.
Os prazos são exíguos. Após a apresentação da petição inicial, o
réu é notificado para apresentar sua defesa no prazo de 48 horas
e, após a defesa ou o transcurso deste prazo sem manifestação do
réu, o Ministério Público Eleitoral tem 24 horas para emitir o seu
parecer. Cumprida essa etapa, seguem os autos para o juiz, que deve
decidir o caso também no prazo de 24 horas.18 Estes prazos são
todos contínuos e fixados em lei, correndo inclusive aos sábados,
domingos e feriados.

18 Os prazos são próprios, inclusive para os magistrados, que podem ser alvo de representação
do art. 97-A da Lei das Eleições (L.9.504/97) caso não os cumpram.

28 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


A lei indica prazos curtos para que as representações sejam ajui-
zadas e, depois, julgadas. Nos prazos para que as representações
tenham início, destacam-se as relacionadas à propaganda eleitoral
irregular, que devem estar ajuizadas até a data da eleição (exceto
as representações que discutam ilícitos relacionados à propaganda
eleitoral gratuita em rádio e televisão, que devem ser propostas em
até 48 horas a contar da veiculação do conteúdo). As representações
com pedido de direito de resposta também têm prazos curtos, que
variam entre 24 horas e 72 horas conforme a mídia em que é veicu-
lada a ofensa). Mesmo as Ações de Investigação Judicial Eleitoral
e de Impugnação de Mandato Eletivo, que permitem discutir a
campanha a posteriori, têm prazos de proposição um pouco mais
elásticos, devendo ser ajuizadas até a data da diplomação dos eleitos
ou até 15 dias depois, com algumas exceções.19
Essa celeridade aguda é também imposta à própria Justiça Eleitoral.
O prazo para que as decisões da Justiça Eleitoral em caráter defini-
tivo devem se dar até um ano após a eleição.20

Provas
Em razão da sua celeridade, os processos dessas representações
eleitorais têm a característica da concentração dos meios de prova.
Isso quer dizer que não há uma nítida fase específica na qual o
processo será instruído com provas – elas devem ser diretamente
apresentadas com a petição inicial ou a defesa, sob pena de não
serem consideradas em etapas posteriores do processo.

19 Como, por exemplo: (i) a apuração do ilícito do art. 30-A da Lei das Eleições (L.9.504/97), que
pode ser ajuizada até 15 dias a contar da diplomação e (ii) de doação acima do limite, que pode
ser manejada até o término no ano seguinte às eleições; e (iii) a impugnação, que deve ser ajuizada
nos quinze dias seguintes à diplomação dos eleitos (art. 14, § 11 da Constituição Federal de 1988).
20 Conforme parâmetros do art. 97-B da Lei das Eleições (L.9.504/97).

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 29


Liminares
Ainda que seja possível concluir um processo em aproximada-
mente quatro dias após o protocolo da petição inicial, existirão
hipóteses em que a espera é incompatível com a intenção por trás
das normas eleitorais de não deixar que competidores numa eleição
se aproveitem de vantagens indevidas. Como uma campanha começa
e termina em alguns meses, poucos dias podem ser decisivos para
que potenciais vantagens indevidas desequilibrem injustamente
um pleito. Esse é o motivo pelo qual a Justiça Eleitoral emite deci-
sões liminares com frequência, antecipando preliminarmente os
resultados da ação para evitar que um possível dano à igualdade de
condições entre os candidatos tenha um efeito irreversível.
Não faltam exemplos destas situações. São casos como os que
discutem a divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou casos
de ilícitos em propaganda eleitoral, por exemplo. Neles, a exis-
tência de uma prova do ato em questão e a argumentação de que
este ato é uma infração podem convencer o juiz eleitoral a auto-
rizar a concessão de uma liminar, ou seja, uma tutela de urgência.
Num caso de divulgação de conteúdo sabidamente inverídico, a
liminar seria para a imediata remoção do conteúdo da internet.
Um outro exemplo da concessão de liminares na Justiça Eleitoral
é nas representações que demandam que o juiz eleitoral impeça a
reapresentação de propaganda ofensiva “à honra do candidato, à
moral e aos bons costumes”.21
As liminares antes do pronunciamento da outra parte são, portanto,
comuns na atividade da Justiça Eleitoral, representando, como
veremos a seguir, um instrumento com relevantes consequências
para a defesa da igualdade de condições no pleito eleitoral, de um
lado, e risco para a liberdade de expressão dos cidadãos, do outro.

21 Art. 52, § 2º da Lei das Eleições (L.9.504/97).

30 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


DEPOIS DA ELEIÇÃO:
OS PROCESSOS QUE DISCUTEM
ABUSO NAS ELEIÇÕES APÓS
SEU ACONTECIMENTO
Como vimos, o direito eleitoral funciona para resguardar a
isonomia entre os candidatos e a integridade dos processos eleito-
rais, que devem se desenvolver livres do abuso de poder econômico
e político.22 Assim, a Lei Eleitoral estabelece uma série de condutas
que devem ser seguidas por aqueles que decidem participar das
eleições e, em muitos casos, o descumprimento de tais preceitos
conduzem à imposição de multas e de obrigações.
É importante reconhecer, entretanto, que fatos extremos e de
inquestionável gravidade podem comprometer irremediavelmente
a normalidade e a isonomia de uma eleição. Mesmo que o ideal fosse
que tais questões fossem resolvidas no próprio período da eleição – já
que essas ações podem ser propostas e julgadas durante o pleito –, a
lei também reconhece que nem sempre isso é possível e abre a possi-
bilidade de que os pleitos sejam também analisados a posteriori.23
Por ter efeitos importantes para o princípio da soberania popular
(pois está sendo questionado o exercício dos direitos políticos dos
cidadãos) essa possibilidade deve ser o último recurso utilizado24 no

22 Conforme estabelece o art. 14, § 9º da Constituição Federal de 1988.


23 É para esses casos que o próprio art. 14, § 9º da Constituição previu que lei complementar iria
prever casos de inelegibilidade e seus prazos de cessação, sempre considerando a normalidade
das eleições.
24 Explicitada no artigo art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90: Art. 22. Qualquer partido polí-
tico, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral,
diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e
circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso
do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de
comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte
rito: […] XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos,
o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a
prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8
(oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma
do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 31


direito eleitoral, devendo incidir somente quando todos os outros
meios de controle do processo eleitoral falharam ou foram insu-
ficientes. O raciocínio é de que quando se afasta do cenário elei-
toral determinado candidato, os efeitos da medida não se limitam
só a ele. De fato, tal restrição atinge toda a coletividade, que terá
diminuído seu poder de escolha entre todos os que se apresentam
como candidatos a cargos eletivos. Assim, quando se trata de ação
proposta e julgada após as eleições, a restrição afeta ainda o próprio
valor dos votos atribuídos ao candidato em questão.
Estes riscos indicam que a análise de condutas e sua interpretação
enquanto abuso de poder (em todas as suas modalidades) em tais
casos devem ser muito cautelosas. O abuso não se confunde com
mera ilegalidade, com simples atuação ilícita. Este abuso deve ser
uma ilegalidade seria o suficiente para colocar em xeque a expressão
da soberania popular, percebendo-a como capturada por uma dinâ-
mica de poder político ou econômico.
Os abusos, em todas as suas modalidades, são apurados pelas
Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), cujo propósito é
cassar o registro do candidato ou o diploma do candidato eleito,
bem como impor a pena de inelegibilidade a todos os respon-
sáveis pelo abuso.25 No TSE e nos TREs, o juiz que deve analisar
estas ações será o Corregedor, um magistrado específico dentre os
membros dos tribunais. Nas eleições municipais, a competência
para a AIJE será do juiz que detém competência para apreciar os
pedidos de registro de candidatura. Serão réus da ação os benefi-
ciários do suposto abuso e todos que, de alguma forma, tenham
responsabilidade pela trama dos atos considerados abusivos.
A AIJE também tem um rito processual célere e prevê a possibili-
dade da concessão de liminar para, por exemplo, remover conteúdo
ilícito da internet, se estivermos diante de fatos muito graves.26

abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos
ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação
penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar.
25 Art. 22, inciso XIV da Lei Complementar 64/90.
26 Art. 22, inciso I, alínea “a” da Lei Complementar 64/90.

32 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Neste tipo de ação, o seu autor e os réus têm o dever de formular
expressamente os pedidos de provas que pretendem produzir e
apresentar, desde logo, a prova documental apta a comprovar suas
alegações. Isso deve ser feito, respectivamente, na petição inicial e
na defesa, sob pena de inviabilizar este tipo de pedido (preclusão).
Com a apresentação da petição inicial que dá início à ação, os
réus devem ser notificados para a apresentação de defesa no prazo
de cinco dias. Apresentada a defesa e os documentos que a baseiam
pelos réus, o autor será chamado a se manifestar sobre eles. Em
seguida, a audiência de instrução deverá acontecer em até cinco dias
a contar da apresentação da defesa, onde se poderá ouvir até seis
testemunhas designadas por cada parte. Mais uma vez em virtude da
celeridade que marca o processo eleitoral, as partes são responsáveis
por levar suas testemunhas à audiência. Nos três dias seguintes à
audiência, o juiz ainda pode determinar diligências, como ouvir
terceiros referidos pelas testemunhas que possam contribuir para
a elucidação dos fatos ou requerer documentos que estejam em
poder de terceiros e em repartições públicas. Encerrada a instrução
do processo com tais provas testemunhais e documentais, será
concedido prazo comum de 2 dias às partes para a apresentação
de alegações. O juiz terá o prazo de 3 dias para decidir.

É possível que ocorram abusos de poder e uso


indevido de meio de comunicação social praticados
pela internet que devem ser julgados desta forma?
O exemplo das eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos
não deve ser subestimado. No dia 15 de fevereiro de 2018, o Federal
Bureau of Investigation (FBI) denunciou treze indivíduos russos e
três organizações russas por uma gigantesca operação montada para
influenciar este pleito. A diversidade e a dimensão das ferramentas
utilizadas ilustram um arsenal de técnicas que podem ser colocadas
em prática para confundir eleitores ou influenciar o resultado de
uma eleição. De fato, a evolução tecnológica das últimas décadas
vem alterando substancialmente a forma de se fazer propaganda
eleitoral. A propaganda, cada vez mais, deixa as praças e vai para

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 33


as redes sociais. Isso abre espaço para uma atualização da ideia do
que pode representar um “abuso” ou um “uso indevido de meio de
comunicação” neste cenário de convergência digital.
Muitos destes casos de abuso podem não ser de fácil visualização
porque se desenvolvem às escondidas e demandam investigação e
trabalho de inteligência para serem descobertos. O uso de poder
econômico e político ou o acesso a meios de comunicação podem
abrir espaço para significativas operações tecnológicas que podem
desequilibrar o pleito e ser enquadradas como abuso. Tais opera-
ções podem aparecer como condutas isoladas e descoordenadas
de usuários autênticos, escondendo uma organização para coorde-
nação e disseminação para produzir um resultado deformador da
normalidade e da integridade da disputa eleitoral. Ainda, abusos
podem decorrer do acesso indevido a bancos de dados pessoais
relevantes para campanhas direcionarem propaganda a eleitores.
Por estes e outros casos possíveis é importante ter em mente que o
controle judicial sobre a matéria poderia se dar pela via do abuso,
posteriormente à eleição, pela via da Ação de Investigação Judicial
Eleitoral ou pela Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

34 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


capítulo2
Regras sobre
propaganda eleitoral
UMA DEFINIÇÃO GERAL DE
PROPAGANDA ELEITORAL
Em termos gerais, propaganda é o conjunto de técnicas utilizadas
para influenciar uma pessoa em seus processos de tomada de decisão
por agentes interessados no resultado de tais decisões.27 Assim,
propaganda é um exercício de comunicação de ideias ou percep-
ções a uma pessoa a partir de determinados objetivos estratégicos.
Esses objetivos podem garantir que o indivíduo-alvo compre algo
ou vote em alguém.
É importante notar como o agente emissor da propaganda não
está disposto a mudar de ideia, de objetivo estratégico. Ele não
está engajado em um diálogo ou formando sua própria opinião,
o que nos leva a uma característica importante da propaganda:
ela não necessariamente se projeta para convencer “racional-
mente” alguém a algo. Segundo um entendimento comum no
direito eleitoral, a propaganda “despreza a argumentação racional”
e “prescinde de esforço persuasivo” para demonstrar logicamente
porque algo é certo ou errado, bom ou mau.28 Assim, são procedi-
mentos de comunicação em massa pelos quais se difundem ideias,
informações e crenças com vistas a obter do destinatário adesão a
determinado propósito.29

27 Ribeiro, Fávila. Direito Eleitoral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 445.
28 Ribeiro, Fávila. Direito Eleitoral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 447-449.
29 Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 377.

37
Esta definição não encerra o debate e pode deixar para fora práticas
que ainda podem ser consideradas propaganda (ou incluir outras
que não necessariamente devem ser assim rotuladas). Como a
comunicação de massa comporta inúmeros tipos diferentes de
conteúdos, de formas de transmiti-lo e de recebê-lo, este termo
pode acabar comportando vários significados e interpretações. A
multiplicidade de técnicas e possibilidades tornam difícil a tarefa da
Justiça Eleitoral, que precisa traçar linhas e utilizar conceituações
abstratas para garantir a segurança jurídica e a previsibilidade nos
casos que vai julgar – casos que se relacionam intimamente com
direitos fundamentais como a liberdade de expressão e de crítica
política, garantidos pela Constituição Federal.

A DISPUTA (E A CONFUSÃO)
EM TORNO DO CONCEITO DE
“PROPAGANDA ELEITORAL”
As leis que compõem o panorama normativo do direito eleitoral
brasileiro não definem o que é propaganda eleitoral, mas esta-
belecem limites importantes, especialmente ligados à discussão
sobre “propaganda eleitoral antecipada”. Ao limitar candidaturas
que querem “fazer campanha irregular antes da hora para se forta-
lecer”, a estratégia do Congresso Nacional foi elencar hipóteses nas
quais estaria ou não configurada a propaganda na prática. Nada de
definições, mas sim limites construídos a partir de exemplos do
que não se pode fazer.
Essa estratégia ficou marcada em uma reforma da Lei Eleitoral em
2015, quando entrou em vigor um novo dispositivo30 que elenca
uma série de condutas que não caracterizam propaganda eleitoral
antecipada, a fim de favorecer a livre circulação de ideias, a liberdade
de expressão e de crítica política. Esta regra exclui da definição de
propaganda eleitoral antecipada “a menção à pretensa candidatura,
a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos” e a parti-

30 Art. 36-A da Lei das Eleições (L.9.504/97).

38 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


cipação em debates e eventos, mesmo que transmitidos nos meios
de comunicação (como a internet) “desde que [estes atos] não
envolvam pedido explícito de voto”.
A mesma reforma de 2015 também trouxe, ainda, ao menos um
caso em que foi tipificada uma hipótese de propaganda eleitoral
antecipada, nos casos de convocação de redes de TV e rádio para
pronunciamentos que sirvam para divulgar atos “que denotem
propaganda política” ou para atacar “partidos políticos, seus filiados
ou instituições”.31
Assim, a lei brasileira estabeleceu que o elemento central para que
uma comunicação (especialmente no ambiente da internet) possa
ser considerada propaganda eleitoral – com todas as consequências
que isso possa vir a ter – seria o pedido expresso de voto.32

A DEFINIÇÃO DA JUSTIÇA
ELEITORAL DE “PROPAGANDA
ELEITORAL ANTECIPADA”
Este enquadramento do “pedido expresso de voto” trazido pela
reforma da Lei Eleitoral repercutiu seriamente na Justiça Eleitoral,
fazendo com que o entendimento já tenha sido adotado pelo

31 Art. 36-B. […] Parágrafo único. Nos casos permitidos de convocação das redes de radiodifusão,
é vedada a utilização de símbolos ou imagens, exceto aqueles previstos no § 1o do art. 13 da
Constituição Federal.
32 No julgamento, em agosto de 2017, do AgR-REspe nº 9365, de relatoria do Min. Admar
Gonzaga, o TSE considerou que postagem em página no Facebook com imagem de evento no
qual participantes apresentavam adesivos confeccionados com o número que seria utilizado em
campanha eleitoral futura não configura pedido expresso de voto. De forma similar, o TSE adotou
interpretação restritiva do pedido expresso de voto no julgamento do REspe nº2949, avaliando
que a divulgação de diversos atos e ações da prefeitura na conta pessoal de prefeito candidato
à reeleição – bem como a menção a aliança política influente – não deve ser interpretada dessa
maneira. Ver: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, REspe nº 2949, Relator Min. Henrique Neves da
Silva. Julgado em: 05/08/2014.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 39


TSE por maioria de votos, em demandas referentes às Eleições
Presidenciais de 2018, em ao menos duas oportunidades.33
Porém, mesmo antes de tal reforma na lei, a Justiça Eleitoral já
delineava outros elementos úteis para identificar uma propaganda
eleitoral (ainda dentro da discussão sobre propaganda eleitoral
antecipada)34 para além do pedido expresso de voto. Em 2014, o
TSE reafirmou o seguinte, em um de seus julgamentos:
[Propaganda eleitoral é] “(…) aquela que leva ao conhecimento geral,
ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas
postulada, a ação política que pretende desenvolver ou as razões que
induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da
função pública.”35
Esta definição não está livre de críticas. Ao admitir que pode ser
propaganda a ação política dissimulada que leva a conhecimento
geral a candidatura, o Tribunal abriu espaço para uma indesejada
insegurança jurídica. O que seria uma “ação política dissimulada”?
O termo acaba por tornar a definição possivelmente abrangente
demais, abrindo espaço para algum subjetivismo. Por outro lado,
o engessamento do conceito sem qualquer exceção poderia deixar
regras eleitorais inócuas. Como ficaria a norma que impede o início
prematuro de campanhas eleitorais36 se a definição de propaganda

33 A questão já foi enfrentada pelo TSE no julgamento da Representação nº 060116194, concluído


em 05.12.2017. Apesar de ainda não estar publicado o acórdão, a notícia do julgamento veiculada
no site do TSE indica que o Exmo. Min. Relator Admar Gonzaga, para decretar a improcedência (no
que foi acompanhado pela maioria da Corte), consignou que “No caso nem há menção à suposta
candidatura, o que, por si só, é insuficiente para afastar a extemporaneidade da propaganda’. E indo
além, assinalou o Relator que “Na verdade, a mensagem trata de mera especulação, o que não se
configura propaganda eleitoral extemporânea quando desacompanhada de pedido explícito de voto…”.
Na mesma sessão de 05.12.2017, também houve a conclusão do julgamento de Representação
nº 0601104373, tendo o Exmo. Min. Admar Gonzaga exarado voto vista que, acompanhando o
Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, destacou que seria hipótese de se reconhecer a
improcedência da demanda porque “a mensagem veiculada não contém pedido de voto conforme
a gente observa, tampouco há menção à candidatura”.
34 Art. 36, caput e § 3º da Lei das Eleições (L.9.504/97).
35 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, AgR-REspe nº 16734, Relatora Min. Laurita Vaz. Julgado
em: 20/03/2014.
36 Art. 36, caput e § 3º da Lei das Eleições (L.9.504/97).

40 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


eleitoral não abarca casos nos quais não há uma ação política explí-
cita, mas de fato uma disseminação da candidatura a ponto de
influenciar no futuro pleito, por exemplo? Às candidaturas de facto
bastaria a divulgação do conteúdo manifestamente eleitoral sem
uma indicação clara, por exemplo, do cargo pretendido, ou sem
o pedido de voto.
Entretanto, esse debate realizado na Justiça Eleitoral consolidou
alguns pontos relevantes. O TSE assentou que para ser caracterizada
a propaganda eleitoral são necessários alguns critérios objetivos,37
não sendo suficientes considerações sobre as eventuais intenções
ocultas de quem a promove.38 É exigido que ao menos apareçam na
comunicação em questão alusões palpáveis a candidaturas, eleições,
votos ou projetos.
Esta preocupação da Justiça Eleitoral com a definição sobre o
que é propaganda eleitoral antecipada (que impacta a definição
geral) surge pelo alto risco que causaria uma conceituação ampla
demais à liberdade de expressão de candidatos e eleitores. Se
está proibida a propaganda antes do início do período no qual a
campanha está autorizada e se a definição de propaganda é muito
ampla, abre-se a possibilidade de serem caladas importantes expres-
sões do debate público democrático que não deve estar apenas
circunscrito ao período eleitoral.
Nesta linha, o TSE indicou reiteradas vezes que a liberdade de
expressão precisa de uma proteção reforçada por ser um requisito
de funcionamento do Estado Democrático de Direito e que a liber-
dade de comunicação deve ter uma posição de destaque frente às
demais liberdades e valores constitucionais. Para que esta proteção
se reflita na decisão dos casos que chegam à Justiça Eleitoral, o
TSE recorrentemente utiliza um argumento de um jurista estadu-
nidense, Cass Sunstein.39 Em argumento adotado em decisões do

37 Ac. TSE no AI nº 2230-60, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 01.03.2011.


38 Conferir: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, AgR-REspe nº 19752, Relator Min. Sepúlveda
Pertence. ou ainda TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, R-RP nº 98951, Relator Min. Henrique
Neves. DJ de 23.08.2010.
39 Ver: <https://chicagounbound.uchicago.edu/law_and_economics/85/>. Acesso em 23/02/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 41


TSE, Sunstein sustenta que as decisões judiciais devem ser estritas
(em inglês, narrow, de forma a decidir apenas o caso em si, sem
generalizações) e superficiais (shallow, no sentido de evitar discus-
sões ou teorizações sobre questões de princípio muito abstratas)
sob pena de se violar direitos fundamentais, como a liberdade de
expressão,40 nestes casos.

LEGITIMADOS PARA FAZER


PROPAGANDA ELEITORAL
A atividade política no Brasil é livre, o que, somado à garantia da
liberdade de expressão, assegura a todos o direito de externar
suas preferências políticas e realizar propaganda eleitoral.
Este quadro é reforçado nos casos de propaganda eleitoral na
internet. As resoluções mais recentes do TSE41 sobre o assunto
apontam para ampla possibilidade de atuação do eleitor, não apenas
garantindo a liberdade de expressão na rede, mas também indicando
que a propaganda eleitoral poderá ser feita – de forma geral na
internet – por qualquer pessoa natural.

40 São exemplos de decisões do TSE que partem dessas premissas os seguintes julgados: TRIBUNAL
SUPERIOR ELEITORAL, AgR no REspe nº 0000222-17.2014.6.02.0000, Relator Min. Luiz Fux.
Julgado em: 21/05/2015. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, REspe nº 0001868-19.2014.6.00.0000,
Relator Min. Henrique Neves da Silva. Julgado em: 06/10/2015. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL,
AI nº 0000142-48.2013.6.25.0000, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em: 10/12/2015. TRIBUNAL
SUPERIOR ELEITORAL, AI nº 0004483-51.2014.6.19.0000, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em:
25/02/2016. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, REspe nº 0002145-51.2014.6.03.0000, Relator
Min. Luiz Fux. Julgado em: 18/08/2016. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, AgR no REspe nº
685-79.2012.6.26.0090, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em: 06/09/2016. TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL, AI nº 0000198-46.2015.6.13.0000, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em: 06/10/2016.
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, REspe nº 0000051-24.2016.6.17.0016, Relator Min. Luciana
Christina Guimarães Lóssio. Julgado em: 13/12/2016. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, AI nº
0000983-35.2012.6.11.0043, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em: 21/02/2017. TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL, REspe nº 0001987-93.2014.6.03.0000, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em: 15/08/2017;
bem como TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
ELEITORAL Nº 110-93.2016.6.26.0296, Relator Min. Luiz Fux. Julgado em 28/11/2017.
41 Arts. 22 e 23 da Res. TSE nº 23.551.

42 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Isso não quer dizer que não haja limites para a atuação do eleitor
fazendo propaganda eleitoral. O §1º do art. 22 da Res. TSE nº
23.551 destaca, nesse sentido, que a liberdade de expressão do
eleitor é passível de limitação quando ocorrer ofensa à honra de
terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos. A recente
legislação sobre propaganda paga na internet42 veda, ainda, que
eleitores contratem impulsionamento de conteúdo de propaganda
eleitoral. Desta forma, está protegida a liberdade de expressão, mas
não deverá haver investimento para tornar esta expressão “mais
vista” nas plataformas de internet.

O QUE ESPERAR DA JUSTIÇA


ELEITORAL EM SITUAÇÕES QUE
ENVOLVAM UMA DEFINIÇÃO
DE PROPAGANDA ELEITORAL?
Esta contínua disputa acerca do que deve ser considerado propa-
ganda eleitoral gera uma série de consequências para uma série de
temas tratados nesta obra. Tendo em vista as competências institu-
cionais da Justiça Eleitoral, as leis aplicáveis, a jurisprudência e a
experiência prática na matéria, acreditamos ser possível articular as
seguintes proposições referentes à definição de propaganda eleitoral,
que conferem melhor sentido ao que hoje é prática na matéria e a
como atores desse processo devem agir. Este é um dos pontos desta
obra nos quais arriscamos um posicionamento para além da descrição
dos problemas jurídicos e dos riscos envolvidos nas suas soluções.
a) As mensagens divulgadas pelos atores do processo eleitoral
(partidos políticos, coligações e candidatos) no período de
campanha eleitoral e de permissão de propaganda (chamado
“microprocesso eleitoral”) devem ser consideradas, via de
regra, propaganda eleitoral sempre que tiverem uma
conexão clara com as eleições, ainda que não exista pedido
expresso de voto. Aqui considera-se propaganda eleitoral como

42 Art. 57-B, inciso IV, alínea “b” e § 2º, 4º e Art. 57-C da Lei das Eleições (L.9.504/97).

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 43


qualquer técnica de divulgação de conteúdo que procure
convencer o eleitor a votar em alguém ou a não votar em
determinado candidato. A crítica ao adversário cabe na propa-
ganda eleitoral, como se infere do Acórdão TSE no Recurso na
Representação nº 2977-10, Rel. Min. Joelson Dias, PSESS em
29.09.2010. E isso demonstra que pode existir propaganda
eleitoral oficial sem pedido de votos.
b) Fora do período eleitoral, o que difere a propaganda eleitoral
da liberdade de expressão e de crítica política é, via de regra,
o pedido expresso de voto. Isso é válido para manifestações
realizadas por quaisquer atores.
c) Não há definição por parte da Justiça Eleitoral sobre quais
os critérios que devem ser levados em conta para que
manifestações realizadas por cidadãos que não sejam
atores do processo eleitoral devam ser consideradas
“propaganda eleitoral”. Em princípio, o Judiciário eleitoral
poderia aplicar o mesmo critério de propaganda eleitoral ante-
cipada (“pedido expresso de voto”) para identificar propaganda
eleitoral nas manifestações de cidadãos na internet durante o
“microprocesso eleitoral”. Segundo este critério, a inexistência
do pedido expresso de voto diferencia a livre manifestação do
pensamento da propaganda eleitoral (que poderá ser ilícita ou
limitada em determinadas circunstâncias). Entretanto, esta
definição encontrará cada vez problemas no contexto das
redes sociais, conceitual e praticamente. No plano concei-
tual, esta linha entre campanha organizada e livre expressão
torna-se menos clara a partir do momento que se combinam
a espontaneidade dos eleitores com a dinâmica das redes
sociais. No plano prático, o número exponencial de usuários
de redes sociais no Brasil tornaria a tutela desta propaganda
“espontânea” de difícil realização sem o uso de generalizações
ou controles prévios que projetam riscos a direitos indivi-
duais. Neste ponto, se faz necessária a sofisticação da definição
de propaganda eleitoral aplicável a cidadãos, possivelmente
a partir de uma lógica de verificação de coordenação com
candidatos e campanhas a ser provada durante o curso do
microprocesso eleitoral ou em sede de AIJE.

44 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


d) A Justiça Eleitoral tem o poder de “regular” todo o tipo
de conteúdo ou discurso que potencialmente influencie a
campanha eleitoral. Isso quer dizer que, mesmo que um
conteúdo não seja entendido como propaganda eleitoral, ele
pode ferir a honra de alguém ou ser inverídico e estar sujeito a
remoção. No caso de a postagem deste conteúdo ferir a honra
de candidato, partido ou coligação, pode caracterizar, inclusive,
crime contra a honra e gerar o início de uma persecução penal.

OS PRINCÍPIOS QUE REGEM A


PROPAGANDA ELEITORAL
Se um conteúdo passa a ser considerado propaganda eleitoral,
isso acarretará uma série de consequências jurídicas. Conteúdos de
propaganda política (gênero da qual é espécie a propaganda eleitoral)
são regulados por princípios e regras específicos por conta de sua
finalidade e impacto no debate democrático e no princípio consti-
tucional da soberania popular. A ideia é que se a propaganda visa
influenciar estrategicamente o exercício de direitos políticos
ela deve ter uma regulamentação específica, diferenciando-se
dos casos de livre expressão dos cidadãos em um debate demo-
crático. O sentido desta regulamentação é explorado no debate
doutrinário sobre os princípios da propaganda, debate este que
aqui buscamos sintetizar e relacionar com julgados relevantes nos
quais estes mesmos princípios são discutidos. Assim, segundo um
destes autores, José Jairo Gomes,43 os principais princípios que
regem a propaganda política são os seguintes:44

43 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
44 É importante frisar que outros autores também tratam dos princípios da propaganda eleitoral,
de forma mais ou menos homogênea. Apenas para ilustrar, destaca-se que Joel J. Cândido, nas
páginas 154-155 da 13ª Edição de sua obra Direito Eleitoral Brasileiro, indica a existência do princípio
da legalidade, princípio da liberdade, princípio da responsabilidade, princípio igualitário, princípio
da disponibilidade e princípio do controle judicial da propaganda. Alceu Penteado Navarro, em sua
obra Anotações sobre propaganda política e as condutas vedadas aos agentes públicos, nas páginas
40-48, igualmente trata dos princípios informadores da propaganda para destacar o princípio da
liberdade, o princípio da disponibilidade, o princípio da legalidade; o princípio do controle judicial
da propaganda, o princípio da veracidade e o princípio da responsabilidade.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 45


a) Princípio da legalidade, que estabelece que a propaganda será
sempre regulada pela lei, somente podendo existir restrições
previstas em lei, devendo ser considerada ainda a competência
legislativa da União para tratar da matéria (art. 22, I, CF/88).
Sobre a incidência desse princípio, conferir o Acórdão TSE
na PP nº 16-91, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22.10.2013;
b) Princípio da liberdade, que afirma a liberdade de criação da
propaganda eleitoral, desde que respeitada a legalidade. São
expressão do princípio da liberdade na propaganda normas
como o art. 248 do Código Eleitoral, que considera ilícita
a conduta de impedir, inutilizar, alterar ou perturbar meio
lícito de propaganda eleitoral; os arts. 331 e 332 do Código
Eleitoral, que criminalizam as condutas que inutilizam,
alteram, perturbam ou impedem a propaganda lícita. Também
é inspirado no princípio o art. 245 do Código Eleitoral e o art.
39 da Lei nº 9.504/97, que prescrevem que não depende de
autorização da polícia o ato de campanha que se realize em
recinto aberto ou fechado, bastando a comunicação de tais atos
à autoridade policial para que sejam tomadas as providências
a fim de garantir a realização do evento. Igualmente decor-
rente do princípio da liberdade é a vedação à censura prévia
na propaganda eleitoral (art. 41, § 2º da Lei nº 9.504/97).
Na Resolução TRE/ES nº 844, Rel. Juiz Paulo Bizzotto Pessoa
de Mendonça, de 27.09.2006, invocou-se o princípio da
liberdade para reconhecer não incidir a proibição do art.
39, § 6º da Lei nº 9.504/97 no fornecimento de camisetas a
equipe de campanha (como fica claro em voto do Juiz Flavio
Cheim Jorge), tendo constado da ementa do julgado que “1.
Um dos princípios informadores da propaganda eleitoral é o
da liberdade que preconiza ser livre a publicidade na forma
disposta na legislação”.
c) Princípio da informação, que estabelece que o cidadão-eleitor
tem direito de receber todas as informações sobre os candi-
datos, sejam positivas ou negativas, o que faz com que o
direito à privacidade e intimidade daquele que opte pela vida
pública seja diminuído em favor do interesse público.

46 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Este princípio foi aplicado, por exemplo, no Acórdão TRE/
AM nº 060019523, Rel. Ana Paula Serizawa Podedworny,
julgado em 02.08.2017, oportunidade em que se indicou que,
em razão da inexistência de vedação à propaganda eleitoral
negativa, seria totalmente admissível a formulação de críticas
duras relacionadas à administração pública feitas em horário
eleitoral gratuito. Na ementa do acórdão foi dito que “1. A
propaganda rege-se pelo princípio da informação, nesse sentido,
é admissível a propaganda negativa, desde que relacionada
com propostas, programas de governo e política pública. 2.
Vedação à ofensa, ridicularizão ou degradação pessoal, o que
não se configura no presente caso”.
Nas razões do acórdão foi anotado que “A propaganda elei-
toral rege-se pelo princípio da informação. Os cidadãos têm
direito a obter informações relacionadas aos candidatos,
a fim de votarem com consciência e responsabilidade. Do
direito de informação do eleitor exsurge o direito do candidato
informar seja mediante propaganda positiva, seja mediante
propaganda negativa”.
O princípio da informação, quando invocado para permitir
a divulgação de críticas e conceitos negativos de candidatos
opositores, contribui para o adequado funcionamento da
democracia e da livre circulação de ideias que deve ser sua
marca. Realmente, caso fosse vedada a veiculação de críticas,
de apontamentos negativos da vida pública de um candidato
e de propaganda negativa em geral, o eleitor chegaria às urnas,
no mais das vezes, de posse de apenas metade das informações
necessárias para a tomada de sua decisão, já que é sabido
que nenhum candidato expõe todas suas falhas e deficiências
ao eleitor.
d) Princípio da veracidade, que garante que os fatos e informa-
ções divulgados na propaganda política devem corresponder
à verdade.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 47


Alceu Penteado Navarro,45 ao tratar desse princípio, registra
que ele quer significar que não se pode faltar com a verdade
na propaganda eleitoral, fraudar uma informação, prestá-la
de forma incorreta ou omitir de forma dolosa algum aspecto
relevante do fato divulgado. Pode-se extrair tal princípio
da interpretação de normas como a do art. 323 do Código
Eleitoral, que considera crime a divulgação de fato sabida-
mente inverídico no contexto da propaganda eleitoral; o art.
58 da Lei nº 9.504/97, que assegura o direito de resposta no
cenário eleitoral em face da divulgação de fato sabidamente
inverídico; bem como o art. 5º, XIV da CF/88, que reconhece
como direito fundamental o livre acesso à informação.
O princípio da veracidade foi invocado como razão de decidir
no Acórdão TRE/DF nº 5339, Rel. Maria de Fátima Rafael de
Aguiar, para se reconhecer que a indevida apropriação de
autoria de produção legislativa da qual o representado não
participou diretamente violaria o referido princípio. A ementa
deste julgado expressou que “1. Configura propaganda elei-
toral antecipada a veiculação de folder no qual há a utilização
de fotografia do beneficiário, logomarca e slogan, mas essas
mensagens, evidentemente, não caracterizam prestação de
contas de atuação parlamentar, mas divulgação tipicamente
de campanha eleitoral, além do que o material traz também
indevida apropriação da autoria da produção legislativa da
qual o Representado não participou diretamente, o que viola
o princípio da veracidade das mensagens”.
Também do TRE/DF é o Acórdão nº 4202, Rel. Teófilo
Rodrigues Caetano Neto, julgado em 22.09.2010, que reco-
nheceu que a distorção a fala de um Ministro do Supremo
para desqualificar uma decisão monocrática e induzir o eleitor
a imaginar que a decisão colegiada do Tribunal sobre um
registro de candidatura será favorável ao candidato é apta
a criar estados mentais e emocionais no eleitorado a partir
da distorção de fatos, o que faz incidir o art. 242 do Código

45 NAVARRO, Alceu Penteado. Anotações Sobre a Propaganda Política e as Condutas Vedadas aos
Agentes Públicos. São Paulo: GZ Editora, 2016.

48 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Eleitoral. E nessa quadra anota o acórdão que “3. A propa-
ganda eleitoral, conquanto palco de livre manifestação do
pensamento político, não sendo passível de censura prévia,
é pautada pelos parâmetros estabelecidos pelo legislador e
por princípios, dentre os quais sobressaem os princípios da
veracidade e da liberdade, resultando que, conquanto sejam
assegurados ao candidato, partido e coligação o direito de
modularem sua propaganda da forma como se lhes afigure mais
conveniente e conforme seus interesses, o veiculado deve ser
pautado pela veracidade, que não compactua com a criação de
artifícios destinados a ensejarem a germinação de apreensão
distorcida da realidade”.
Também são casos em que se aplicou o princípio da vera-
cidade os seguintes julgados: Acórdão TRE/MG no RE nº
6641, Rel. Paulo Rogério de Souza Abrantes, julgado em
30.09.2016; Acórdão TRE/RJ na Representação nº 362996,
Rel. Luiz Roberto Ayoub, julgado em 30.09.2010 e Acórdão
TRE/RN na Representação nº 361175, Rel. Luiz Roberto
Ayoub, julgado em 28.09.2010.
Na nossa compreensão, o princípio da veracidade deve assumir
grande protagonismo nesse momento em que se discute formas
de se combater a disseminação de fake news na seara eleitoral,
desde que a Justiça Eleitoral, ao interpretar as regras das quais
se extrai o princípio, dê uma interpretação mais ampla ao que
seria propaganda eleitoral e, ainda, se afaste da orientação preto-
riana que exige que a mentira da propaganda seja evidente e
conhecida de seu autor para se revestir de caráter ilícito.46

46 O Acórdão TSE na Rp nº 139448, Rel. Min. Admar Gonzaga, julgado em 02.10.2014, entende
que “fato sabidamente inverídico a que se refere o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de concessão
de direito de resposta, é aquele que não demanda investigação, ou seja, deve ser perceptível de
plano”. Também do TSE é o Acórdão na Rp nº 121177, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto,
julgado em 23.09.2014, que deixou registrado que “O fato sabidamente inverídico, a que se refere o
art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de concessão de direito de resposta, é aquele que não demanda
investigação, ou seja, deve ser perceptível de plano, a ‘olhos desarmados’. Além disso, deve denotar
ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação”. Ainda sobre o conceito de fato sabida-
mente inverídico, pode ser mencionado o Acórdão TSE na Rp nº 367516, Rel. Min. Henrique Neves,
julgado em 26.10.2010, em que se indicou que “A mensagem, para ser qualificada como sabidamente
inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 49


e) Princípio da responsabilidade, que indica que a responsa-
bilidade pela propaganda eleitoral deve ser sempre atribuída
a alguém, sendo um desdobramento direito da liberdade de
expressão e, ainda, da vedação constitucional ao anonimato.
Todo aquele que concorre para a prática de um ilícito na
propaganda eleitoral deve responder pelo seu ato, podendo
ser alvo das sanções previstas em lei para a hipótese de
descumprimento dos preceitos primários. Para que haja a
imposição da pena, é necessária, via de regra, a demons-
tração não só da materialidade da infração, mas também de
sua autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário (art.
40-B da Lei nº 9.504/97), de sorte que hoje prevalece a orien-
tação tranquila da jurisprudência no sentido de ser vedada a
responsabilização objetiva ou derivada de presunção. Indica
esse entendimento o Acórdão TSE no Respe nº 5872591, Rel.
Min. José Antônio Dias Toffoli, DJe de 17.05.2013, que em
sua ementa reconhece que “4. Nos termos da jurisprudência
desta Corte, somente é possível impor a sanção por infração
ao art. 36 da Lei 9.504/97 ao beneficiário de propaganda
antecipada quando comprovado o seu prévio conhecimento,
o qual não pode ser presumido”.
O art. 241 do Código Eleitoral, por sua vez, normatiza que
“Toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabili-
dade dos partidos e por eles paga, imputando-lhes solidarie-
dade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos”.
Isso quer dizer que os partidos políticos e coligações, também
como uma regra geral, respondem solidariamente pelos atos
ilícitos na propaganda eleitoral praticados por seus candidatos,
desde que chamados a compor o polo passivo dos processos
de conhecimento. Confirmando a regra do Código Eleitoral
há o Acórdão TSE no AI nº 231417, Rel. Min. Gilmar Mendes,
DJ de 09.09.2014, que indica que “1. A imposição da multa
aplicada se justifica em razão do disposto no art. 241 do Código
Eleitoral, de modo que as coligações também são responsáveis
pela propaganda eleitoral irregular veiculada e nome de seus
candidatos”, ou ainda o Acórdão TSE no AI nº 385447, Rel.

50 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Min. Arnaldo Versiani, DJe de 10.05.2011, que também é claro
ao indicar que “4. Nos termos do art. 241 do Código Eleitoral,
os partidos políticos respondem solidariamente pelos excessos
praticados por seus candidatos e adeptos no que tange à propa-
ganda eleitoral, regra que objetiva assegurar o cumprimento
da legislação eleitoral, obrigando as agremiações a fiscalizar
seus candidatos”.
f) Princípio do controle judicial, que estabelece que toda
propaganda político-eleitoral deve estar submetida ao controle
da Justiça Eleitoral, não apenas quando atua na decisão de
casos concretos, mas também pelo exercício do Poder de
Polícia destinado a retirar a propaganda eleitoral irregular.
O princípio do controle judicial é invocado em precedentes
para se justificar a determinação de retirada ou suspensão
de propaganda eleitoral que seja qualificada como ilícita.
Nesse sentido, cita-se o Acórdão TRE/TO no RE nº 653, Rel.
Antônio Felix Gonçalves, DJe de 26.11.2008, que em sua
ementa informa que “2. Cabe à Justiça Eleitoral determinar a
retirada ou suspensão de qualquer propaganda eleitoral que não
mencione a sigla/legenda partidária do respectivo candidato,
o que se explica em razão do princípio do controle judicial da
propaganda, que confere à Justiça Eleitoral competência para
aplicação das regras jurídicas sobre propaganda, utilizando,
inclusive, o exercício do poder de polícia”. No mesmo sentido,
há ainda o Acórdão TRE/TO no RE nº 635, Rel. Gil de Araújo
Correa, DJe de 21.11.2008.
Estes princípios formam um retrato de como a discussão em
torno do Direito Eleitoral se preocupa com a regulação da
propaganda político-eleitoral. Partindo do raciocínio de que a
propaganda política é um tipo especial de comunicação, eles
criam o terreno para um controle estrito destes atos e discursos
por meio de diversas regras presentes na lei ou elaboradas
pela Justiça Eleitoral. Estas regras definem minuciosamente as
condutas admitidas e as que devem ser afastadas da disputa
eleitoral no processo de convencimento do eleitor.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 51


Um exemplo típico das regras que fazem parte desse arranjo
regulatório são aquelas destinadas, por exemplo, a proibir o
uso de outdoors, showmícios, circulação de trios elétricos e
distribuição de brindes em geral ao eleitor. Também existem
normas para regular a utilização de carros de som (indi-
cando horários para tráfego e o nível de ruído admitido) e,
ainda, a realização de propaganda eleitoral em áreas públicas
ou privadas (neste caso inclusive proibindo de toda forma
inscrições à tinta e limitando a publicidade a adesivos de
até 0,5 m2).

Uma preocupação importante que surge a partir da síntese deste
conjunto de princípios enunciados pela doutrina do direito eleitoral
diz respeito à sua atualização para circunstâncias envolvendo redes
sociais ou outras ferramentas tecnológicas. Quais as repercussões
de diferentes interpretações sobre o princípio da responsabilidade
em um contexto no qual todos os cidadãos são potenciais cabos
eleitorais nas redes sociais? E do princípio do controle judicial se
todas as manifestações destes cidadãos puderem ser consideradas
“propaganda eleitoral”? Neste ponto, é importante marcar que este
processo de atualização deve ter em alta conta o conhecimento
sobre o funcionamento técnico da internet, das redes sociais ou de
quaisquer plataformas tecnológicas envolvidas e, ainda, sobre as
apropriações e usos dos cidadãos construídos a partir delas. Estes
conhecimentos fornecerão o mapa necessário para que a aplicação
deste conjunto de princípios não coloque em risco o exercício de
direitos fundamentais a partir de novas plataformas tecnológicas
e não submeta novas formas da cultura democrática ao jugo de
concepções criadas para uma realidade pré-digital.

52 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


LIMITES À PROPAGANDA
ELEITORAL

Restrições ao conteúdo
No caso da campanha eleitoral feita na internet, um dos tipos
mais relevantes de regras que incidem sobre a propaganda eleitoral
são aquelas que estabelecem limites ao seu conteúdo, ou seja, ao
conteúdo da comunicação que se encaixa na definição de propa-
ganda. Estas regras são especialmente sensíveis por representarem
limites ao discurso.
Segundo o Código Eleitoral, a propaganda eleitoral deve sempre
ser feita em português e não deve empregar meios publicitários
destinados a criar, artificialmente na opinião pública, estados
mentais, emocionais ou passionais.47
Um amplo debate pode ser realizado sobre esta proibição do
emprego de “meios publicitários”. Quais seriam tais meios? Não
seria esta uma regra em desuso ou datada se considerados inúmeros
exemplos de propagandas que “apelam” e acabam por criar estados
mentais ou passionais? O que dizer da peça publicitária do candidato
Lula em 2002 que mostrava um batalhão de mulheres grávidas?
Ela não despertaria uma enorme compaixão nos eleitores?48 Como
enquadrar a peça publicitária da campanha de José Serra, adversário
de Lula no mesmo pleito de 2002, que trazia a atriz Regina Duarte
afirmando que tinha “medo” (um evidente “estado emocional”) do
que poderia acontecer se seu apoiado perdesse a eleição?49
Este último caso chegou ao TSE em 2002. Nele, a campanha de
Lula argumentava justamente que o depoimento da artista estava
em conflito com esta regra. No entanto, o Tribunal considerou a

47 Art. 242 do Código Eleitoral (L.4.737/65) e art. 6º da Res. TSE nº 23.551.


48 Ver: <https://www.youtube.com/watch?v=-LeBGN7-TgM>.
49 Ver: <https://www.youtube.com/watch?v=DEeNSkXn5mY>.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 53


peça publicitária de José Serra lícita50 e deu importante interpretação
desta norma, extraindo dela um contexto histórico que devia ser
colocado em perspectiva.
Em seu voto, o Ministro Geraldo Grossi resgatou a história do
artigo 242 do Código Eleitoral e argumentou a necessidade de
interpretá-lo cautelosamente, sob pena de eventual incompatibi-
lidade com o funcionamento típico das instituições democráticas
representativas. Esta história remonta a aprovação desta redação,
em 1965,51 já no período da ditadura civil-militar. Neste contexto,
Grossi aponta como não há como não perceber também a seme-
lhança na redação deste artigo (citando a criação artificial de estados
mentais ou emocionais) com a de um dispositivo recorrentemente
presente nas leis de segurança nacional de 1967,52 196953 e 1978,54
que diz o seguinte:
“Art. 3º A segurança nacional compreende, essencialmente, medidas
destinadas à preservação da segurança externa e interna, inclusive
a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra
revolucionária ou subversiva.
(…)
§ 2º A guerra psicológica adversa é o emprêgo da propaganda, da
contrapropaganda e de ações nos campos político, econômico, psicos-
social e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões,
emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros, inimigos,
neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais.”
Grossi foi acompanhado pelos demais juízes do TSE em julga-
mento unânime, selando o entendimento de que esta regra teria uma
raiz “autoritária”, uma espécie de resquício do controle de discurso
político feito no período da ditadura civil-militar, razão pela qual
esta vedação do “emprego de meios para criação de estados mentais”

50 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, RP 587/DF, Relator Min. Gerardo Grossi. Julgado em


21/10/2002. Disponível em: Revista de Jurisprudência do TSE, vol. 15, nº 01, janeiro-março/2004.
51 A Lei 7.476/1986 só inseriu a necessidade da inserção da legenda partidária, enquanto a
vedação ao emprego de meios publicitários já constava no texto de 1965.
52 Ver: Decreto-Lei nº 314/67.
53 Ver: Decreto-Lei nº 898/69.
54 Ver: Lei 6.620/78.

54 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


não deve ser como uma proibição ao marketing político praticado
comumente nas eleições brasileiras no período da redemocratização.
A esta regra se somam outras, também presentes no Código
Eleitoral.55 Esta lei estabelece que está proibida propaganda polí-
tica (a) “de guerra, de processos violentos para subverter o regime,
a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe”,
tendo o TSE incluído na Resolução 23.551 a vedação a “quaisquer
outras formas de discriminação (Constituição Federal, art. 3º, IV)”;56
(b) “que provoque animosidade entre as Forças Armadas ou contra
elas, ou delas contra as classes e as instituições civis”; (c) “de inci-
tamento de atentado contra pessoa ou bens”; (d) “de instigação à
desobediência coletiva ao cumprimento da lei de ordem pública”; (e)
“que implique oferecimento, promessa ou solicitação de dinheiro,
dádiva, rifa, sorteio ou vantagem de qualquer natureza”; (f) “que
perturbe o sossego público, com algazarra ou abuso de instrumento
sonoros ou sinais acústicos”; (g) “por meio de impressos ou de objeto
que pessoa inexperiente ou rústica possa confundir com moeda”;
(h) “que prejudique a higiene e estética urbana”, (i) “que caluniar ou
injuriar pessoa, bem como atingir órgãos ou entidades que exerçam
autoridade pública” ou que (j) desrespeite os símbolos nacionais.
Como visto no caso da vedação ao “emprego de meios para criar
artificialmente estados mentais e emocionais”, estas normas devem
ser interpretadas a partir de um contexto democrático, mesmo
tendo sido criadas em outros contextos. Neste cenário, deve haver
garantia de ampla liberdade à circulação de ideias, pontos de vista e
críticas que, ainda que sejam ácidas e mordazes, são admissíveis no
debate democrático. Porém, a presença de tais regras de conteúdo
não pode ser desprezada. É recorrente a aplicação destas regras para
considerar ilícito, nas propagandas eleitorais, conteúdos de ofensa
moral, agressão à honra de qualquer pessoa que saia dos limites
da crítica natural e admissível no embate eleitoral e, ainda, como
a divulgação de fatos “sabidamente inverídicos”.

55 O conteúdo do art. 243, incisos I a IX do Código Eleitoral (reafirmado pelo art. 17 da Res. TSE
nº 23.551).
56 A sugestão de alteração foi apresentada pelo coletivo #MeRepresenta visando à compatibili-
zação da Legislação Eleitoral com o ordenamento constitucional.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 55


Restrições temporais
O marco inicial que deve ser considerado como início do período
no qual a propaganda eleitoral é permitida é o dia 16 de agosto do
ano das eleições.57 Dessa data em diante, os partidos políticos, coli-
gações e candidatos estão autorizados a divulgar abertamente suas
candidaturas por meio de propaganda eleitoral, com a indicação do
pedido de votos. Como vimos acima, a realização de propaganda
eleitoral antecipada é ilícita e poderá resultar na aplicação de multa.58
No final da campanha, a propaganda eleitoral na internet poderá
ser publicada até a véspera do pleito. Como a natureza de muitas
plataformas de internet permite que conteúdos postados fiquem
disponíveis para acesso por tempo indeterminado (diferente da
televisão e do rádio, que transmitem conteúdos continuamente) a
lei eleitoral permite que continue no ar aquilo que já foi postado até
a véspera das eleições, vedando a publicação de novos conteúdos
e o impulsionamento no dia do pleito.
Além de a Justiça Eleitoral poder ordenar a remoção de conteúdo,
estes atos podem ter consequências ainda mais graves, como a
caracterização do crime de propaganda de boca de urna,59 que
resguarda a tranquilidade do eleitor nas horas anteriores à eleição.
Isto não impediria o já esperado e contínuo debate político-elei-
toral entre eleitores nas redes sociais às vésperas das eleições? Isto vai
depender da extensão da interpretação da definição de propaganda
eleitoral. Se nestes casos a Justiça Eleitoral escolher um conceito
abrangente, abre-se um risco para que inúmeras postagens de elei-
tores incautos caiam na ilegalidade, com um enorme potencial de
dano à liberdade de expressão.

57 O art. 240 do Código Eleitoral (L.9.504/65); o art. 36, caput e o art. 57-A da Lei das Eleições
(L.9.504/97), bem como o art. 22, caput da Res. TSE nº 23.551, indicam como.
58 Art. 36, § 3º da Lei das Eleições (L.9.504/97).
59 Art. 81, inciso IV da Res. TSE nº 23.551.

56 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Havendo segundo turno, o reinício da propaganda eleitoral na internet
ocorrerá após 24 horas do encerramento da votação,60 com encerra-
mento da possibilidade de inserção de conteúdo novo na véspera do
segundo turno, continuando a existir a possibilidade de manutenção
do conteúdo já publicado na internet durante o dia da eleição.

A PROPAGANDA ELEITORAL
PAGA NA INTERNET:
IMPULSIONAMENTO
DE CONTEÚDOS
Dentre as mudanças realizadas pela última reforma eleitoral em
2017,61 a autorização da propaganda eleitoral paga na internet
feita por mecanismos de impulsionamento de conteúdo é a
mais significativa de todas. A alteração, que abre espaço para a
utilização de mecanismos de publicidade digital disponibilizados
pelas plataformas de internet e conhecidos pela publicidade comer-
cial – conjugada com o alto custo de campanhas para televisão e
a dificuldade das campanhas no acesso aos recursos eleitorais –,
tem a capacidade de alterar o formato de comunicação eleitoral
no país e fazer das Eleições 2018 (e as seguintes) mais digitais do
que nunca.62 Com tal mudança passam a ser considerados gastos
eleitorais lícitos os custos com “o impulsionamento de conteúdos
contratados diretamente com provedor de aplicação de internet
com sede e foro no país”.63 Esta passa ser uma exceção à proibição
de “propaganda eleitoral paga” na internet, que continua em vigor
na nova redação do artigo 57-C da Lei das Eleições.

60 Art. 240, parágrafo único c.c. o art. 39, §§ 3º e 4º da Lei das Eleições (L.9.504/97)
61 Lei 13.488/2017.
62 Brito Cruz, Francisco. “Cenários para 2018: como ficarão nossos direitos na eleição mais
digital da história?”. Nexo Jornal, 30.12.2017. Ver: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/
Cenários-para-2018-como-ficarão-nossos-direitos-na-eleição-mais-digital-da-história>. Acesso
em 27/01/2018.
63 Art. 26, inciso XV da Lei das Eleições (L.9.504/97)

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 57


Mas quais serão os mecanismos que serão considerados
“impulsionamento” perante a Justiça Eleitoral? Simultaneamente,
quais modalidades de propaganda serão consideradas “propaganda
paga” diferente de “impulsionamento de conteúdos”, portanto ainda
proibida pela Lei das Eleições? A resolução do TSE válida para
2018 define “impulsionamento de conteúdo” como “mecanismo ou
serviço que, mediante contratação com os provedores de aplicação
de internet, potencializem o alcance e a divulgação da informação
para atingir usuários que, normalmente, não teriam acesso ao seu
conteúdo”.64 O que isso quer dizer? A internet permitiu um sem
número de diferentes plataformas e, ainda, de técnicas de publici-
dade que potencializam alcance e divulgação de informações. Quais
serviços dentre a multiplicidade de mecanismos de publicidade
“que potencializam o alcance e a divulgação da informação” para
usuários “que, normalmente, não teriam acesso ao seu conteúdo”
poderão ser contratados por campanhas eleitorais?
Esta multiplicidade de serviços não surgiu por acaso. Como
demonstram os estudos que se debruçam sobre o seu desenvolvi-
mento, a internet da maneira como ela é conhecida e utilizada teve na
publicidade um dos seus mais importantes motores de crescimento:
“De projetos que estavam originalmente adstritos ao ambiente univer-
sitário nasceram verdadeiros gigantes da Internet, como as empresas
Yahoo! e Google, ambas fundadas por estudantes da Universidade de
Stanford, na Califórnia. Na verdade, a Califórnia – e, mais especifica-
mente, o Vale do Silício – concentrou muitos desses primeiros empre-
endimentos. Isso não aconteceu por acaso: a presença de investidores
com experiência no setor de tecnologia alimentava as esperanças e o
bolso de estudantes e desenvolvedores aventureiros, que encontravam
ali capital para colocar as suas ideias em prática.
O desafio da monetização desses serviços veio logo, em parte pela
pressão gerada pelos próprios investidores. Para não aplacar o cresci-
mento da Internet entre os usuários recém-chegados com a cobrança de
valores pela utilização das aplicações na rede, a indústria da publici-
dade foi uma boa alternativa. A venda de espaços publicitários virtuais
subsidiava o oferecimento gratuito de produtos e serviços na Internet,
o que parecia satisfazer os interesses de usuários e empresários.

64 Art. 31, inciso XIII da Res. TSE n. 23.551.

58 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Em pouco tempo, a Internet revolucionou a indústria da publicidade,
que passou a contar com inúmeras novas capacidades de segmentação
e direcionamento de anúncios, viabilizadas pela utilização de tecno-
logias de monitoramento, coleta e tratamento de dados pessoais. Em
pouco tempo, o ecossistema de publicidade digital se transformou,
dando origem a uma complexa cadeia de intermediários e de plata-
formas para a compra e venda de espaços publicitários virtuais.”65
Destrinchar esta complexa cadeia de intermediários merece um
trabalho à parte, mas é importante ter em mente que o modelo
de negócio das maiores empresas do setor ou, segundo o Marco
Civil da Internet, provedores de aplicação de internet, é baseado em
receita gerada por publicidade. Encaixam-se nesta categoria plata-
formas controladas por companhias como a Alphabet (dona das
plataformas Google e YouTube), Facebook (que além da rede social
também controla o Instagram), Twitter e Microsoft (que detém a
rede profissional Linkedin), por exemplo. Ao se estruturarem para
permitir a massiva postagem de conteúdo por seus usuários, tais
“plataformas” concentram a atenção de bilhões de usuários em todo
o mundo e, contando com esta atenção, vendem espaço publicitário
para anunciantes que querem comunicar suas mensagens para uma
audiência segmentada por interesses. Com muitas possibilidades de
conteúdos e serviços que podem atrair a atenção de usuários, não só
as companhias maiores se aproveitam deste modelo: várias empresas
menores também vendem espaço publicitário ou, ainda, serviços
para “otimização” da publicidade adquirida em plataformas maiores.
Dentro da lógica da publicidade digital, este “espaço” vendido
pode significar diversas coisas. Existem anúncios em vídeo que
podem aparecer (ou durante) um vídeo visto no YouTube, outros
que aparecem como banners publicitários em sites e, ainda, links
patrocinados em mecanismos de busca. É possível pagar por anún-
cios que aparecerão no feed de notícias do Facebook e do Twitter
ou, ainda, por publicidade em aplicativos populares de celular,
como o Tinder.

65 ANTONIALLI, Dennys Marcelo. A arquitetura da Internet e o desafio da tutela do direito à privacidade


pelos Estados nacionais. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2017.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 59


Ao cotejar este conjunto de exemplos e a definição trazida na
resolução do TSE surge um cenário de indefinição. Mesmo que
haja uma vedação à “propaganda paga na internet”, um exercício de
interpretação poderia encaixar todos estes exemplos como “meca-
nismo ou serviço que, mediante contratação com os provedores
de aplicação de internet, potencializem o alcance e a divulgação
da informação para atingir usuários que, normalmente, não teriam
acesso ao seu conteúdo”. A proibição que permaneceu na redação
da Lei das Eleições seria exatamente para que tipo de publicidade
digital? Quais parâmetros podem ser utilizados pela jurisprudência
para verificar quais das técnicas disponíveis devem ser consideradas
“impulsionamento de conteúdos”?
Alguns parâmetros podem ser buscados na utilização corrente
do termo “impulsionamento”. No jargão da publicidade digital,
este termo está associado ao mecanismo de criação de anúncios no
Facebook, que usa a mesma terminologia. Segundo as políticas do
próprio Facebook,66 impulsionar uma publicação significa criar um
anúncio a partir de uma publicação na rede social, que poderá ser
exibido em diversos lugares da plataforma, como o feed de notícias
(na forma de “publicação sugerida” ou “patrocinada”) ou em outros
espaços reservados para publicidade (como as laterais da tela) em
uma quantidade de vezes proporcional ao investimento feito pelo
anunciante. Neste jargão, “impulsionar” significa tanto aumentar
a divulgação de uma publicação que já seria espontaneamente
veiculada nas ferramentas de consumo de conteúdo da plataforma
como, ainda, divulgá-la de outras formas em outros espaços primor-
dialmente destinados a anúncios, como a lateral da tela do usuário.
Significa, ainda, que essa publicação também poderá ser mostrada
no feed de notícias de pessoas que não são seguidoras da página que
a publicou, e que esta distribuição seguirá critérios de audiência
escolhidos por quem contrata o serviço.
Essa definição utilizada pelo Facebook pode causar alguma
confusão por juntar duas modalidades significativamente diferentes
de propaganda em uma só. Isso ilustra como produtos de publici-
dade digital oferecidos por empresas de internet podem implicar

66 Ver: <https://www.facebook.com/business/help/240208966080581>.

60 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


em veiculações diferentes do conteúdo para o usuário final. Ainda,
outras empresas utilizam outros nomes que podem cumprir funções
parecidas ou sobrepostas. Assim, não necessariamente os nomes
utilizados por cada uma das empresas de internet devem ser o
critério para identificar o que é um impulsionamento e o que
é uma propaganda paga feita em outra modalidade.
Desta forma, é necessário pensar em critérios que delimitem
mecanismos de “impulsionamento de conteúdos” que sejam mais
descritivos e que tenham em conta (i) coerência com as regras apro-
vadas na Lei das Eleições e nas resoluções do TSE; (ii) que sejam
informados pelas práticas correntes do setor da publicidade digital
e; (iii) que tenham atenção a uma versão atualizada dos princípios
da legalidade e da liberdade na propaganda eleitoral.
A forma como a permissão foi inserida na Lei das Eleições marca
alguns preceitos básicos. Em primeiro lugar, a lei marca esta
distinção entre “propaganda paga” como gênero e “impulsiona-
mento” como espécie, delimitando que nem todos os mecanismos
de publicidade digital estão permitidos. Em segundo lugar, a lei
indica hipóteses possíveis do chamado “impulsionamento”, que
devem ser observados. Além da resolução recente do TSE definir
impulsionamento como mecanismo que “potencialize o alcance
e a divulgação da informação para atingir usuários que, normal-
mente, não teriam acesso ao seu conteúdo”, a lei inclui dentro desta
modalidade de propaganda paga a “priorização paga de conteúdos
resultantes de aplicações de busca na internet”.67 Estabelece, assim,
que a priorização de resultados de busca deve ser entendida como
uma espécie específica de impulsionamento disponibilizado por
um mecanismo de busca.
Dentro de tais preceitos, é possível identificar como “impulsio-
namentos” as situações que apresentem três elementos: (i) que o
conteúdo em questão esteja disponível e acessível na plataforma
a qualquer usuário do serviço, mesmo que apenas num perfil em
rede social, no final de uma lista de resultados de busca ou em um
canal de vídeos; e (ii) que o mecanismo faça com que o conteúdo

67 Art. 26, § 2o da Lei das Eleições (L.9.504/97).

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 61


ganhe, a partir de injeção de receita, mais visibilidade apenas dentro
dessa mesma plataforma, e não em outros espaços na internet; e
(iii) que o formato pelo qual o conteúdo é veiculado e ganha visi-
bilidade é também o formato pelo qual outros conteúdos que não
necessariamente foram objeto de contratação de publicidade digital
são consumidos,68 como feeds de notícias, listas de resultados de
busca, listas de trending topics, listas de vídeos recomendados etc.
A partir destes elementos, impulsionamento de conteúdos confi-
gura-se como uma espécie de propaganda paga na internet na
qual um conteúdo universalmente acessível e disponível tem a
sua visibilidade aumentada por injeção de receita na plataforma
na qual ele está inserido. Esta visibilidade ocorre a partir da
veiculação desse conteúdo em um formato que suporta também
conteúdos publicados espontaneamente.
Se este for o entendimento adotado pela Justiça Eleitoral, fica
autorizada apenas a contratação de resultados patrocinados nos
mecanismos de busca, como o Google, ou o impulsionamento de
conteúdos nas redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram,
LinkedIn ou YouTube.
Por outro lado, continuaria vedada a utilização de mecanismos de
publicidade direta em sites, como através de serviços de terceirização
de venda de espaços publicitários, como o Google AdSense69 e, ainda,
a inserção de banner de publicidade pelos próprios responsáveis

68 Neste ponto está a importante atração que tais ferramentas exercem sobre candidatos (pois
a sua propaganda será mesclada ao conteúdo que chega ao usuário a partir de suas próprias
preferências). Reside, ainda, efeito que tais plataformas possuem como mediadoras do espaço
público – é sabido que no Facebook a tração de discursos de forma espontânea é significativa-
mente menor daquela encontrada por conteúdos impulsionados, em especial àqueles publicados
por páginas, e não por perfis pessoais.
69 O Google AdSense é um serviço que intermedia a venda de espaços publicitários em websites
oferecido pela Alphabet/Google. Ele permite que o website reserve um espaço na tela visível ao
usuário para lhe mostrar um banner publicitário direcionado ao público-alvo de que ele faz parte,
audiência esta que é segmentada a partir dos bancos de dados do Google. Os anúncios do AdSense
e de serviços correlatos aparecem ao usuário comum como meros banners publicitários, havendo
geralmente pequenos ícones que permitem ao usuário conhecer qual intermediário administra
aquele espaço.

62 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


pela página Web70. Seria possível argumentar que também ficariam
irregulares anúncios disponibilizados por plataformas de internet
que não estejam visíveis a todos os usuários, não sendo, portanto,
publicações regulares, mas conteúdos promocionais com audiência
restrita e escolhida por anunciantes. Este é o caso dos chamados
dark posts do Facebook, tema que será retomado mais adiante.
Em todas estas hipóteses esta propaganda eleitoral irregular na
internet geraria a obrigação do pagamento de uma multa no valor
de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$30.000,00 (trinta mil reais)
ao responsável pela divulgação.

Tais ferramentas de impulsionamento na internet em geral permi-
tiram que a campanha contratante realize uma segmentação de
audiência com base em informações sobre os usuários controladas
pelo provedor de aplicações de internet fornecedor de impulsiona-
mento. Torna-se possível impulsionar apenas para aqueles usuários
do gênero masculino, de uma determinada idade e que tenham inte-
resse em um seriado de TV específico, por exemplo. Discutiremos as
consequências jurídicas de tal segmentação por informações pessoais
coletadas sobre a audiência no capítulo 9, destinado a apresentar as
questões sobre privacidade e dados pessoais de eleitores.

LIMITES PARA O
IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDOS
DE PROPAGANDA ELEITORAL

Destinatários das regras sobre


impulsionamento de conteúdos
A lei eleitoral e as resoluções mais recentes do TSE enunciam
uma série de limites para esta modalidade de propaganda elei-
toral. Esta limitação ocorre sem que haja uma definição sobre o

70 O termo “web” está definido no apêndice, sendo seu significado diferente de “internet”.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 63


papel que as empresas provedoras de aplicações de internet – as
plataformas – devem exercer. Quem seria o destinatário de todas
estas obrigações, somente os atores do processo eleitoral? Seria
possível multar as redes sociais por episódios de propaganda elei-
toral irregular?
Este silêncio da norma pode abrir espaço para diferentes interpre-
tações sobre as responsabilidades destes intermediários na contra-
tação de impulsionamentos que possam vir a ser considerados
de propaganda eleitoral. Discussões sobre responsabilidade de
intermediários na internet por conteúdos gerados por terceiros
apresentam dois polos recorrentes. De um lado, arranjos que pesam
nas responsabilidades incutidas aos intermediários os obrigam a
realizar um controle mais estrito de conteúdo, como o que afirma
que plataformas de internet assumem o risco do dano que pode ser
causado pelo uso de seu serviço por terceiros, devendo, portanto,
ser responsabilizadas objetivamente. Isso cria o incentivo de que tais
intermediários tomem precauções e controlem ativamente conteúdo
gerado por terceiros. Do outro, existem modelos de responsabili-
zação de intermediários que buscam afastar tais plataformas do
controle de conteúdo, lhes garantindo salvaguardas no formato de
responsabilidade subjetiva, sendo elas apenas responsabilizáveis a
partir do momento que sejam notificadas de que o conteúdo pode
causar dano a direito alheio.
Como será discutido mais adiante, no capítulo 4, o Marco Civil
da Internet adotou o segundo modelo, estabelecendo a possi-
bilidade de responsabilização da plataforma de internet apenas
após uma ordem judicial para retirada do conteúdo infringente a
direito. A adoção deste modelo regulatório geral e a combinação
entre o princípio da liberdade na propaganda eleitoral e a incerteza
sobre possíveis entendimentos jurisprudenciais sobre a matéria
pressionam a perspectiva da Justiça Eleitoral, fazendo com que as
empresas de internet aguardem provocação judicial para tomarem
medidas de controle em relação à contratação de impulsionamento
de conteúdos.

64 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Financiamento e os legitimados para realizar
impulsionamento de propaganda eleitoral
Os conteúdos impulsionados devem seguir uma série de normas
estabelecidas na Lei Eleitoral e pelos regulamentos editados pelo
TSE. O primeiro deles é que o seu financiamento deverá ser feito
apenas por partidos políticos, candidatos e coligações, estando
expressamente vedado que pessoas naturais ou pessoas jurídicas
que não sejam partidos ou coligações contratem o impulsionamento
de propaganda eleitoral.71
Esta limitação tem relação com o objetivo da Justiça Eleitoral de
reduzir a influência do poder econômico nas eleições. Ao estabelecer
esta proibição, a lei pretendeu evitar a utilização de recursos para a
promoção de propaganda eleitoral que não seja auditável em pres-
tação de contas de campanha, o que preserva a isonomia na disputa
entre os candidatos por dar condições de controle e fiscalização à
Justiça Eleitoral. Desta forma, estabelece a Lei Eleitoral72 que
“o uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais
que não provenham da conta específica de que trata o caput deste
artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido
ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado
o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido
outorgado.”
Esta limitação torna então possível questionamento de tal desequi-
líbrio de poder econômico e, mesmo depois da eleição, a utilização
de ações que visem apurar o abuso do poder econômico no pleito.
Isso não significa dizer, contudo, que o eleitor está desautorizado
a realizar impulsionamento de publicações em suas redes sociais
durante o período eleitoral, mas que há limitação clara no impulsio-
namento que possa ser considerado propaganda eleitoral, ficando
reservada à Justiça Eleitoral a definição de propaganda que deve
ser utilizada na aplicação desta regra.

71 Art. 57-C da Lei das Eleições (L.9.504/97).


72 Art. 22, § 3º da Lei das Eleições (L.9.504/97).

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 65


Essa dependência de uma definição de propaganda eleitoral gera
efeitos significativos para os instrumentos desenhados para garantir
a tutela do processo eleitoral. A já indicada escassez de critérios
de delimitação aos quais a Justiça Eleitoral recorre para identi-
ficar propaganda eleitoral impõe um ambiente de incerteza sobre
conteúdos pertinentes ao processo eleitoral, mas impulsionados por
terceiros alheios aos seus atores. É propaganda eleitoral irregular
uma publicação impulsionada espontaneamente que enaltece um
dos candidatos durante o microprocesso eleitoral? E se a publicação
vier no formato de um artigo de um veículo de imprensa?
Este cenário de incerteza abre espaço para duas situações proble-
máticas. A primeira é de que vultuosos impulsionamentos voltados
para influenciar o processo eleitoral não sejam tutelados pela Justiça,
o que representaria uma subversão às suas regras desenhadas para
o exercício da soberania popular protegida da influência do poder
econômico. A segunda é de que a incerteza e o receio da primeira
situação empurrem a Justiça Eleitoral a considerar irregulares impul-
sionamentos legítimos, fruto da expressão espontânea de eleitores ou
da liberdade de imprensa. Ambas as situações poderiam ser evitadas
caso a jurisprudência desenvolvesse, a partir dos casos que forem
propostos, parâmetros de diferenciação entre todas estas situações.
Ainda, ao discutir a tutela que a Justiça Eleitoral exerce sobre
propaganda realizada por outros atores alheios ao processo eleitoral,
o caso Empiricus é julgado de referência.

QUADRO 6. PROPAGANDA COMERCIAL COM


IMPACTO ELEITORAL: O CASO EMPIRICUS

Julgado em agosto de 2014 pelo Tribunal Superior Eleitoral, o caso envolveu


representação apresentada por coligação composta de série de partidos (PT,
PMDB, PSD, PP, PR, PDT, PROS, PC do B e PRB) e a então presidente Dilma
Rousseff contra a Empiricus, empresa de consultoria especializada na publicação
de informações sobre finanças e investimentos, Aécio Neves, então candidato
à presidência, coligação formada por PSDB, DEM, SD, PTB, PMN, PTC, PEN, PT
do B e PTN, e Google.

66 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


A representação envolvia a alegação de que a Empiricus teria veiculado anúncios
pagos na internet, com referências ao pleito presidencial, utilizando-se de
serviço do Google, para a divulgação de mensagens publicitárias de caráter
negativo à então presidente, Dilma Rousseff, e positivo a Aécio Neves.
Os anúncios constantes da representação apresentavam o seguinte conteúdo:

Imagem: Pragmatismo Político/Reprodução


Além da liminar que determinasse a remoção do conteúdo, as representantes
pediram a condenação das representadas com base no art. 57-C do Código
Eleitoral (L.9.504/97), que à época, proibia a veiculação de propaganda eleitoral
paga na internet.i
O Ministro Admar Gonzaga, relator do caso no TSE, entendeu que os anúncios
violavam referido artigo e concedeu a liminar para remoção dos anúncios pa-
trocinados. No julgamento em plenário, contudo, ao votar pela procedência da
representação em relação à Empiricus com aplicação de multa, foi voto vencido.
O voto vencedor foi do Ministro Gilmar Mendes, que citou outras análises de
cenários econômicos para fundamentar seu entendimento de que uma eventual
interferência da Justiça Eleitoral em um caso como este estaria em risco de
“tentar tutelar o mercado de ideias”, motivo pelo qual votou pela improcedência
da representação, cujo placar final foi 5 a 2.ii

i Antiga redação do art. 57-C do Código Eleitoral: “Art. 57-C. Na internet,


é vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga.
§ 1º – É vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação
de propaganda eleitoral na internet, em sítios:
I – de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos;
II – oficiais ou hospedados por órgãos ou entidades da administração pública
direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 2º – A violação do disposto neste artigo sujeita o responsável pela divulgação
da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à
multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais)”.
ii TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, Representação n° 849-75.2014.6.00.0000,
Relator Min. Admar Gonzaga. Julgado em 19/08/2014.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 67


Por fim, o TSE regulamentou quem está autorizado a contratar
impulsionamento dentro de cada campanha.73 Nas suas mais
recentes resoluções, estão autorizados a contratar o impulsionamento
apenas o candidato e o administrador financeiro de sua campanha,
e partido e coligação por meio de seus representantes. Além disso,
uma leitura integrada da legislação autoriza a interpretação de que
a obrigação74 das campanhas comunicarem os endereços eletrô-
nicos utilizados para realizar propaganda eleitoral se estende às
contas em redes sociais que serão utilizadas para impulsionamento
de conteúdo. Esta interpretação de uma regra que anteriormente
era destinada exclusivamente aos endereços de e-mail e sites dos
candidatos é relevante, assim, à fiscalização eficaz e o controle dos
instrumentos de propaganda.

Conteúdo
Em segundo lugar, os posts impulsionados se submetem a todos
os limites de conteúdo aplicáveis à propaganda eleitoral em geral.
É, por exemplo, proibido o impulsionamento de conteúdos de
propaganda eleitoral em língua que não seja o português.
E, além das demais restrições, o legislador desautorizou a reali-
zação de propaganda eleitoral exclusivamente negativa por meio
do impulsionamento. Segundo a lei:75
“o impulsionamento (…) deverá ser contratado diretamente com
provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua
filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente
estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar
candidatos ou suas agremiações.”
Dessa forma, a legislação eleitoral parece ter estabelecido que o
mecanismo de impulsionamento não deve ser instrumento para
ataque entre adversários. Esta interpretação literal do dispositivo
significaria que o impulsionamento só deve ser utilizado para propa-

73 Art. 24, § 4°, da Res. TSE nº 23.551.


74 Art. 57-B, § 1º da Lei das Eleições (L.9.504/97).
75 Art. 57-C da Lei das Eleições (L.9.504/97).

68 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


gandas construtivas. Contudo, uma interpretação radical de tal
dispositivo – no sentido de que não estaria autorizada qualquer
espécie de crítica em conteúdo impulsionado – pode trazer graves
riscos à liberdade de expressão e conflitar com a Constituição.
Criticar politicamente um adversário não pode ser sinônimo de
promover a própria candidatura? A interpretação desta regra terá
de encontrar o equilíbrio entre a proibição de uma propaganda
exclusivamente destrutiva, de um lado, e a crítica política e elei-
toral, elemento essencial para o bom debate democrático e para a
formulação da convicção do eleitorado.
Outra regra relativa a conteúdo é a identificação obrigatória do
conteúdo como da publicidade patrocinada. Em recente resolução,76
o TSE incluiu como elemento obrigatório no conteúdo impulsionado
a inscrição do termo “Propaganda Eleitoral” seguida do CNPJ ou
CPF do responsável pela contratação.
A identificação obrigatória da publicidade eleitoral na internet é
elemento essencial para facilitar a fiscalização da propaganda na rede
e, ainda, para fazer valer o princípio da informação, que garante o
acesso à informação por parte dos eleitores. Com a inscrição dos
dados obrigatórios, permite-se identificar o responsável pela publi-
cação e a adequação da publicação aos dispositivos já apontados. É
somente a identificação obrigatória que permitirá a fiscalização da
licitude do financiamento, já que o dispêndio com a contratação
do impulsionamento poderá ser verificado nas prestações de contas
de campanha e em eventuais ações debatendo o abuso de poder
econômico77 ou financiamento irregular de propaganda eleitoral.78

Tempo
Em terceiro lugar, aplicam-se regras temporais, que proíbem o
impulsionamento de conteúdo no dia das eleições.79

76 Art. 24, §5º da Res. TSE 23.551.


77 Art. 22 da Lei Complementar 64/90.
78 Art. 30-A da Lei das Eleições (L.9.504/97).
79 Art. 39, § 5º, inciso IV da Lei das Eleições (L.9.504/97).

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 69


Esta proibição não gera apenas uma situação de propaganda elei-
toral, o que abriria espaço para remoção do conteúdo e multas. A lei
criminaliza,80 no dia da eleição, “a publicação de novos conteúdos
ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet
(…) podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os
conteúdos publicados anteriormente”.
Afastou-se, assim, entendimento instituído nas resoluções do
TSE até 2016 (que autorizava a publicação de novos conteúdos)81
limitando a atuação das campanhas na internet no dia das eleições.
Fica, segundo esta regra, autorizada apenas a manutenção de conte-
údos publicados até a data das eleições, vedando-se a publicação de
novos conteúdos e a realização de impulsionamento de qualquer
tipo de publicação (ainda que de datas passadas).
Como já dito, proibições de propaganda eleitoral na internet
como a que é estabelecida por este tipo penal (o que seria “boca
de urna digital”) podem gerar problemas para a manifestação polí-
tica corriqueira nas redes sociais por parte dos eleitores, especial-
mente se adotada uma interpretação abrangente do que pode ser
propaganda eleitoral. Para minorar este risco, o Ministério Público
Eleitoral (titular da ação penal) pode interpretar esta norma de
maneira restritiva. Isto protegeria manifestação política pessoal
do eleitor nas redes e voltaria a atuação da persecução penal por
parte do Ministério Público contra a utilização dolosa (e possivel-
mente coordenada). Ainda, o referido dispositivo deve ser lido em
conjunto com a autorização, presente na mesma lei,82 aos eleitores
de “no dia das eleições” estarem livres para realizar uma “manifes-
tação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido
político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso
de bandeiras, broches, dísticos e adesivos”.

80 Art. 39, § 5º, inciso IV da Lei das Eleições (L.9.504/97).


81 Nas eleições municipais de 2016, a propaganda eleitoral pela internet no dia da eleição ainda
era permitida, conforme art. 4º, parágrafo único da Res. TSE nº 23.457/2015.
82 Art. 39-A da Lei das Eleições (L.9.504/97).

70 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Fornecedor
A lei restringe os fornecedores possíveis do serviço de impulsio-
namento de conteúdo àqueles provedores de aplicações de internet
que tenham sede e foro no Brasil.83 Neste ponto, a Lei Eleitoral
remete a uma classificação presente no Marco Civil da Internet,84
que assinala que provedores de aplicação de internet são aqueles
que oferecem “o conjunto de funcionalidades que podem ser aces-
sadas por meio de um terminal conectado à internet”. Esta definição
exclui empresas que oferecem o serviço de provimento de acesso
à internet ou outros ligados à infraestrutura de rede, endossando
que impulsionamento de conteúdo é serviço oferecido apenas por
empresas que detém aplicações de internet. A obrigação da sede e
foro no Brasil, por sua vez, está endereçada para enfrentar a natureza
global da internet, impondo às campanhas um limite de atuação
que dá conforto à aplicação irrestrita da jurisdição e da lei brasileira
em matéria sensível ao princípio da soberania nacional.
A Lei das Eleições85 também estabelece a proibição “de utili-
zação de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais
não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda
que gratuitas, para alterar o teor ou a repercussão de propaganda
eleitoral, tanto próprios quanto de terceiros”. A inclusão deste
dispositivo levantou alguma polêmica, em especial por deixar mais
distante a possibilidade de que empresas que não sejam as próprias
plataformas de internet ofereçam suas próprias ferramentas de
publicidade. Segundo ativistas:86 “[s]e um candidato com apoio
de amigos da computação, hackers, geeks e makers fizerem uma
ferramenta de distribuição de conteúdos estarão violando a lei. Você
só pode usar ferramentas oferecidas pelo ‘provedor de aplicação da

83 Art. 26, inciso XV da Lei das Eleições (L.9.504/97).


84 Art. 4, VII do Marco Civil da Internet (L.12.965/2014).
85 Art. 57-B, § 3º da Lei das Eleições (L.9.504/97).
86 Amadeu, Sergio. Nas eleições de 2018 Facebook e Google levaram a melhor! Revista Fórum,
06.02.2018. Ver: <https://www.revistaforum.com.br/sergio-amadeu-nas-eleicoes-de-2018-face-
book-e-google-levaram-melhor/>. Acesso em 02/04/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 71


internet’, ou seja, pelas empresas que vendem impulsionamento”,
o que faria com que fosse recrudescido o poder destas grandes
empresas em detrimento de possibilidades de publicidade digital
feitas à sua revelia.
Mesmo sob críticas em termos da escolha política por abrir
espaço apenas para um tipo de propaganda paga na internet,
privilegiando atores que oferecem primordialmente essa moda-
lidade, a proibição de que o impulsionamento seja contratado
perante terceiros faz sentido na medida em que limita possíveis
fraudes ou práticas questionáveis. Uma maneira de “potencializar
o alcance e a divulgação da informação” sem esta vedação poderia
ser a compra de curtidas, seguidores ou de compartilhamentos
de empresas especializadas (que mantém perfis – automatizados
ou não, falsos ou não – em redes sociais), conduta proibida
perante as políticas das maiores empresas de internet (que vendem
visibilidade, não engajamento de usuários), mas que até então
não era vedada por lei. No limite, se “impulsionamentos” estão
permitidos, esta proibição protege a percepção do eleitor de
que no mínimo o engajamento dos outros usuários com aquela
publicação em uma rede social (como curtidas, comentários ou
compartilhamentos) sejam autênticos, e não fruto de uma tran-
sação invisível ao cidadão.

FRENTES DE FISCALIZAÇÃO
DO IMPULSIONAMENTO DE
PROPAGANDA ELEITORAL
NA INTERNET
Existem três frentes para a fiscalização do conteúdo impulsionado
na rede: (i) instantânea; (ii) a investigação de abusos e irregulari-
dades a posteriori; (iii) as prestações; e (iv) a circularização.
Na fiscalização instantânea, candidatos, partidos, coligações (na
chamada “fiscalização trocada” entre as campanhas adversárias) ou
o Ministério Público podem propor representações eleitorais para
remover publicações impulsionadas que desrespeitem os limites

72 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


expostos no item anterior.87 A Justiça Eleitoral poderá inclusive
emitir uma liminar para a remoção do conteúdo julgado como
ilícito. Nos casos em que se trate de uma suspeita de violação da
regra que limita o financiamento ou o fornecedor, a Justiça também
poderá ordenar a identificação do responsável pela publicação.
Com relação à fiscalização a posteriori, as leis eleitorais também
preveem instrumentos para a impugnação e, assim, controle da
legitimidade, legalidade e integridade do processo eleitoral. É a já
citada discussão sobre abuso, realizada inclusive após a eleição.
A fiscalização da utilização abusiva dos mecanismos de impulsio-
namento poderá assim ser feita pela Justiça Eleitoral por meio da
citada Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE).
Uma segunda possibilidade aberta na legislação eleitoral é a
investigação sobre financiamento irregular de impulsionamento
de propaganda eleitoral. Como diz a lei:88
“[Q]ualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça
Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos
e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para
apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à
arrecadação e gastos de recursos.”
Neste ponto, a Constituição Federal também prevê um terceiro
mecanismo de controle a posteriori,89 estabelecendo que “o mandato
eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de
quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas
de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.
Todos esses mecanismos são amplamente utilizados pelos agentes
em disputa eleitoral em todos os pleitos, existindo amplo conjunto
de julgados que oferece uma série de referências para a interpretação
dos casos que surgirão. Ainda que diante de pedidos circunstan-
cialmente distintos, a intenção de todas as demandas é o impedi-
mento de que o candidato ganhador das eleições de forma ilícita

87 Art. 96 da Lei das Eleições (L.9.504/97).


88 Pode ser apreciado através do acionamento do art. 30-A da Lei das Eleições (L.9.504/97).
89 Art. 14, § 10° da Constituição Federal de 1988.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 73


assuma ou continue o mandato sem legitimidade. Esta discussão
deve continuar nos casos de campanha paga na internet, abrindo
possibilidades de novas conformações de abuso, uso irregular de
impulsionamento e investigação que serão oportunamente avaliados
pela Justiça eleitoral.
Outra importante frente de fiscalização na propaganda paga na
internet está nos mecanismos de prestações de contas. Instituídos
para minimizar a interferência do poder econômico, as presta-
ções de contas de campanha foram uma forma desenvolvida pela
Justiça Eleitoral para o controle de toda a movimentação finan-
ceira da campanha, protegendo o direito constitucional de acesso
à informação dos cidadãos sobre a campanha eleitoral. Em um
cenário eleitoral com maior presença de verbas públicas pela utili-
zação do Fundo Partidário e dos recursos do Fundo Especial de
Financiamento de Campanha,90 a comprovação adequada pelas
campanhas das despesas realizadas na internet é ainda mais impor-
tante: o dinheiro garantido aos candidatos, partidos e coligações
para impulsionamento virá dos recursos garantidos pelo contribuinte
(além de doações de pessoas naturais).
As prestações de contas surgem da obrigação dos candidatos,
partidos e coligações apresentarem todas as informações finan-
ceiras e contábeis de suas campanhas. 91 Devendo sempre ser
apreciado pela Justiça Eleitoral, o processo de prestação de contas
exige dos candidatos, partidos e coligações o envio ao juiz elei-
toral de todos os extratos bancários da movimentação financeira,
além de documentação comprobatória da regularidade dos gastos
eleitorais e da licitude do financiamento de campanha. Com a
previsão de um amplo sistema de fiscalização, a Justiça Eleitoral
exige a apresentação de “documentos fiscais e outros legalmente
admitidos que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais”,

90 Criado pela reforma da Lei Eleitoral de 2017 (Lei 13.487/2017) como mecanismo adicional
para o financiamento público das campanhas eleitorais, o FEFC garantiu recursos extra para os
candidatos, partidos e coligações após o Supremo Tribunal Federal ter julgado inconstitucional o
financiamento privado das campanhas na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4560.
91 Art. 28 da Lei das Eleições (L.9.504/97).

74 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


assim como “outros elementos que comprovem a movimentação
realizada na campanha eleitoral, inclusive a proveniente de bens
ou serviços estimáveis”.92
Segundo a legislação, é essencial para a demonstração da regulari-
dade dos gastos eleitorais a emissão do documento fiscal adequado
pela lei brasileira. No caso dos impulsionamentos de conteúdo, a
natureza de tais documentos dependerá do regime fiscal aplicável
aos serviços oferecidos pelas plataformas de internet. Como obser-
va-se na venda de impulsionamento para anunciantes comerciais,
algumas plataformas não emitem notas fiscais,93 interpretando que
basta a emissão de um recibo para que suas responsabilidades sejam
cumpridas. Nessas hipóteses, a lei determina que:
“[Q]uando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da
legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser feita por meio
de recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da
operação ou prestação, a identificação do destinatário e do emitente
pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura do
prestador de serviços.”
Entretanto, mais do que o controle da Justiça Eleitoral por meio
dos recibos emitidos pelas plataformas de rede social, um mecanismo
central para efetivar a transparência nas prestações de contas – que
pode ser diferencial para o controle do financiamento irregular das
campanhas – é o procedimento de circularização.94 Nela, a área
técnica da Justiça Eleitoral responsável por prestações de contas
pode ordenar o recebimento de informações adicionais de todos

92 Doações estimáveis em dinheiro são os recursos não financeiros recebidos pelas campanhas
eleitorais. Pode ser objeto de doação eleitoral um serviço prestado, que deve constituir produto das
atividades econômicas do doador, ou um bem, desde que este integre o patrimônio do doador. Assim,
para fins de contabilidade, é feita uma estimativa do valor do serviço prestado/bem disponibilizado,
registrando-se na prestação de contas como uma doação estimável em dinheiro.
93 O Facebook, por exemplo, passou a fornecer notas fiscais apenas a partir de março de 2018.
Ver: <https://www.facebook.com/business/help/670014399736449>.
94 O mecanismo está previsto na Res. TSE 23.553/2017: Art. 72. Havendo indício de irregularidade
na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente ou por delegação informações
adicionais, bem como determinar diligências específicas […] § 2º – Na fase de exame técnico, inclu-
sive de contas parciais, a unidade ou o responsável pela análise técnica das contas pode promover
circularizações, fixando o prazo máximo de 3 (três) dias para cumprimento.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 75


os prestadores de serviços que foram fornecedores para campa-
nhas eleitorais. Estas informações subsidiarão as análises (e, assim,
aprovações e reprovações) das prestações de contas parciais e finais
dos disputantes do pleito eleitoral. A circularização impõe que os
fornecedores de campanha cooperem com a Justiça Eleitoral para
proporcionar transparência.
Nesse ponto, é relevante a discussão sobre casos de impulsiona-
mentos feitos por pessoas distintas das autorizadas pela lei eleitoral
(agindo sob o CNPJ da campanha). Na prática, é possível que apoia-
dores de determinadas campanhas decidam, coordenadamente ou
por si só, investir recursos em impulsionamentos em favor de suas
preferências. Neste contexto, para que a Justiça Eleitoral promova
circularizações relativas a estes impulsionamentos, ela necessitará
ter em conta o escopo existente para este tipo de requisição, que
já ocorre com outros tipos de fornecedores de campanhas, como
gráficas, por exemplo.
Percebe-se que uma tensão fica evidente na discussão sobre esse
escopo, primordialmente ocasionada pela dificuldade de delimitação
do conceito de propaganda eleitoral. De um lado, há uma necessi-
dade de produção de transparência e de fiscalização do impulsio-
namento do conteúdo por terceiros, para que não se configure uma
rede paralela de financiamento de propaganda eleitoral na internet.
Do outro lado, como as circularizações funcionam para municiar a
análise das prestações de contas, a inclusão de impulsionamentos
de terceiros nesse exame poderia impor a candidatos a responsabi-
lidade sobre uma conduta que lhe pode ser alheia (como no caso
de um cidadão fazer o download de uma imagem da campanha e a
impulsionar sem o conhecimento do candidato). Por fim, retorna
a questão sobre a responsabilidade das plataformas de internet
que oferecem serviços de impulsionamento como fornecedores de
campanha: a falta de conceito claro de propaganda eleitoral torna
ainda mais sensível a direitos que elas tomem sozinhas decisões
sobre o que é ou não propaganda eleitoral ou sobre o que devem
ou não informar à Justiça.

76 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Todos esses elementos compõe o quadro de riscos enfrentados
pela Justiça Eleitoral. De fato, no caso das plataformas de internet,
este juízo de que se trata de propaganda eleitoral deve ser feito com
cautela, sob pena de ampliar demasiadamente o controle realizado
a conteúdo impulsionado na internet que não necessariamente é
destinado apenas a influenciar o resultado das eleições ou, ainda, é
apenas fruto da expressão dos eleitores ou da liberdade de imprensa.
Faz sentido que esta delimitação parta do Judiciário a partir do
quadro legislativo e dos princípios da propaganda eleitoral e seja
posteriormente assimilada pelos atores privados, em nome da
proteção da liberdade de expressão.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 77


capítulo 3
A remoção de conteúdo
da internet pela
Justiça Eleitoral
A tarefa da Justiça Eleitoral em garantir as regras do jogo polí-
tico-eleitoral, materializadas na ideia da igualdade de condições
entre os participantes da disputa eleitoral, abre espaço para que ela,
provocada pelas representações, controle conteúdo postado na
internet, ordenando sua retirada em uma série de casos. A ideia
é de que mesmo que o conteúdo não seja a rigor uma propaganda
eleitoral, pode ser ilícito e causar dano à igualdade de condições
necessária à proteção da soberania popular (como no caso de
ofensa a honra de candidato feita por eleitor).
Este poder está expresso no artigo 57-D, § 3º da Lei Eleitoral:
“Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável,
a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido,
a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a
candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais.”
Essa competência abrangente deve ser exercida com cautela. A
Lei Eleitoral95 e recente resolução do TSE96 afirmam que “a atuação
da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet
deve ser realizada com a menor interferência possível no debate
democrático”, expondo preocupações com “o intuito de assegurar
a liberdade de expressão e impedir a censura”.97 Esta contenção
também está de acordo com o Marco Civil da Internet, lei que rege
todos os casos de remoção de conteúdo da internet e que precisa
ser compatibilizada com a legislação eleitoral. Nesta linha, o Marco
Civil estabelece que pedidos de remoção de conteúdos só geram

95 Art. 57-J da Lei das Eleições (L.9.504/97).


96 Art. 33 da Resolução TSE 23.551/2017.
97 Art. 33, § 1º da Resolução TSE 23.551/2017.

81
obrigação legal às plataformas após a emissão de uma ordem judicial
que obedeça a uma série de parâmetros.98
Estes parâmetros conjuntos (leis eleitorais e Marco Civil) devem
ser observados com atenção. A remoção de conteúdo publicado na
internet, nesse contexto de proteção da liberdade de expressão e
valorização do debate democrático, está limitada “às hipóteses em
que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações
às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam
do processo eleitoral”.

A EXTENSÃO DO CONTEÚDO
A SER REMOVIDO
Considerando que a intervenção da Justiça Eleitoral no processo
democrático deve ser mínima, a precisão da remoção do conteúdo
determinado por decisão judicial deve ser cirúrgica, retirando-se
do acesso público apenas o exato conteúdo entendido como ilícito
pelo Poder Judiciário.

URL: o endereço do conteúdo na rede


Uma das garantias para que esta intervenção seja cirúrgica é que
as decisões judiciais sejam precisas ao indicarem o conteúdo enten-
dido como ilícito. Esta precisão deve, portanto, estar presente nas
representações. Recente resolução do TSE99 foi estrita nesse sentido,
apontando que a ordem judicial que determinar a remoção de
conteúdo divulgado na internet deverá conter, sob pena de nuli-
dade, a URL do conteúdo específico. Conforme mencionaremos
no glossário, o endereço URL (uniform resource locator) funciona

98 Art. 19 do Marco Civil da Internet (L.12.965/2014).


99 Art. 33, §3º, da Resolução TSE 23.551. A resolução TSE 23.457/2017, tratando dos requisitos
da petição inicial que demanda direito de resposta, dispôs que “a inicial deverá ser instruída com
cópia eletrônica da página em que foi divulgada a ofensa e com a perfeita identificação de seu
endereço na internet (URL)”.

82 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


para individualizar a localização de qualquer conteúdo acessível na
Web a partir de um navegador.
A obtenção do URL nem sempre é evidente. As dificuldades podem
surgir, pois é possível que um conteúdo que possa ser localizado
individualmente em um URL específico também seja acessível a
partir de um URL mais genérico. Tomemos como exemplo um
comentário ilícito feito em uma publicação lícita em uma rede
social. É o caso de um comentário com fatos sabidamente inverídicos
(conteúdo proibido segundo a lei) ou ofensas em uma publicação
que apenas reproduz uma notícia normal, publicada licitamente
por um órgão de imprensa e compartilhada em uma plataforma de
internet. A necessidade de precisão cirúrgica da Justiça Eleitoral
faz com que ela individualize a sua ordem de remoção a fim de não
censurar publicações que são legítimas, mas apenas as frações do
conteúdo que contenham um discurso ilegítimo. A petição inicial
e a decisão judicial deverão indicar o endereço individualizado
deste conteúdo.
Mesmo em casos nos quais endereços URL não sejam utilizados
(como posts realizados em aplicativos) a ordem judicial deverá conter
a identificação exata do conteúdo tido como ilegítimo de alguma
forma, indicando os elementos textuais e visuais compreendidos
como ilícitos.

Remoção em mecanismos de busca:


direito ao esquecimento
Muitas vezes, candidatos, partidos ou coligações demandam que
mecanismos de busca como o Google sejam obrigados a alterar os
seus resultados de busca. A retirada de um URL desse resultado
apresentado ao usuário não impossibilita que o conteúdo em questão
seja acessado por outras maneiras, como por um link em um e-mail,
por exemplo. Mecanismos de busca são apenas uma forma ágil de
encontrar páginas na web, não tendo ingerência sobre os sites que
aparecem em seus resultados.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 83


Esta discussão sobre remover páginas de resultados de busca é
globalmente discutida sob o rótulo de “direito ao esquecimento”100
após importante decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia101
(“TJUE”), que garantiu a um cidadão espanhol o direito de ter
“desindexada” página dos resultados de busca a partir de uma
pesquisa em seu nome. A mesma decisão submeteu o Google à
obrigação de receber diretamente solicitações similares de remoção
de cidadãos europeus e ter de emitir juízo sobre sua pertinência
a partir de alguns parâmetros elaborados pelo Tribunal, como o
interesse público.
A presença desse novo tipo de demanda por “esquecimento” que
impacta o acesso à informação de cidadãos pode ter importantes
repercussões na esfera político-eleitoral. Um cidadão pode recorrer
antes do “microprocesso eleitoral” que resultados de busca sobre si
não sejam demonstrados e, depois, apresentar-se como candidato
ao público, por exemplo. Para entender os argumentos e os riscos
associados esse tipo de demanda, se faz necessário reconstruir
brevemente o debate jurisprudencial europeu e o cenário brasileiro.

O caso europeu
O caso que baseou a decisão do TJUE teve início em março de
2010, quando Mario Costeja González, cidadão espanhol residente
na Espanha, apresentou, junto à Agência Espanhola de Proteção de
Dados (AEPD), reclamação contra o La Vanguardia, jornal de grande
circulação no país, a Google Espanha e a Google Inc. A reclamação
era baseada no fato de que era possível localizar, ao pesquisar o
nome de Mario Costeja por meio do buscador do Google, duas
páginas do La Vanguardia publicadas em meados de 1998, nas

100 A expressão não é a mais adequada para referir-se ao direito reconhecido pelo TJUE, tendo
em vista que é muito mais restrito, do ponto de vista legal, do que se pode depreender da ideia de
“esquecimento”. Nos termos da decisão do TJUE, faz mais sentido referir-se a essa prerrogativa
como “direito à desindexação”, como se verá mais adiante. Cf. POWLES, Julia. The case that won’t
be forgotten. In: Loyola University Chicago Law Journal, v. 47, 2015, p. 584.
101 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Caso C-131/12, Google Spain SL v. Agencia
Española de Protección de Datos (AEPD). Acesso em 27/02/2018. Ver: <http://curia.europa.eu/
juris/document/document.jsf?text=&docid=152065&doclang=PT>.

84 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


quais constava anúncio sobre leilão de imóvel para pagamento de
dívidas com a seguridade social espanhola.102
Mario Costeja solicitava (i) ao La Vanguardia que apagasse ou
alterasse as páginas mencionadas acima para que seus dados pessoais
não fossem mais expostos; e (ii) à Google Espanha ou à Google Inc.
que removessem ou ocultassem seus dados pessoais, para que eles
não aparecessem mais entre os resultados de pesquisa no buscador.
Saldadas as dívidas, o principal argumento de Mario Costeja era o
de que, transcorrido tanto tempo, o fato mencionado pelas páginas
teria se tornado irrelevante e merecia ser “esquecido”.
Ao analisar o caso, em julho de 2010, a AEPD indeferiu o pedido
apresentado em face do La Vanguardia, destacando que as publi-
cações com informações sobre a venda de imóvel em hasta pública
estavam legalmente justificadas. Contudo, deferiu o pedido dirigido
à Google e à sua subsidiária espanhola. Isso porque buscadores estão
sujeitos à legislação relativa à proteção de dados, já que realizam
tratamento desses dados. Desta forma, determinou à empresa que
eliminasse os links para as notícias do La Vanguardia dos resultados
das buscas na internet por meio do Google. A AEPD entendeu,
ainda, que dados pessoais deveriam ser eliminados de resultados
obtidos por buscadores quando sua exposição representasse lesão ao
direito fundamental à proteção de dados. Isso valeria, também, para
situações em que a manutenção dessas informações no site “fonte”
dos dados fosse legalmente justificada, como no caso em questão.
Com a interposição de recursos por parte da Google Espanha e
da Google Inc., identificou-se a incidência da Diretiva 95/46/CE
do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à proteção das
pessoas no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à
livre circulação desses dados (“Diretiva 95/46”). O caso foi, então,
submetido ao TJUE.
Ao decidi-lo, o tribunal considerou que a atividade desenvol-
vida pelos buscadores – o levantamento das páginas web perti-

102 INTERNETLAB. [#2] [especial] Europa e esquecimento: desafios de implementação, 1º


de fevereiro de 2017. Disponível em: <http://www.internetlab.org.br/pt/opiniao/2especial-euro-
pa-e-esquecimento-desafios-de-implementacao/>. Acesso em 27/02/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 85


nentes, a indexação automática, o armazenamento temporário e
a apresentação por ordem de preferência (calculada por meio de
algoritmos) de informações – deveria ser considerada “tratamento
de dados pessoais”, nos termos do art. 2º, alínea “b”103 da Diretiva
95/46, sempre que essas informações envolverem dados pessoais.
Adicionalmente, os buscadores devem ser considerados “respon-
sáveis pelo tratamento de dados”, nos termos art. 2º, alínea “d”104
da Diretiva 95/46, visto que sua atividade pode afetar de forma
relevante o exercício dos direitos fundamentais à vida privada e à
proteção de dados pessoais.
Seguindo essa linha de argumentação, o TJUE avaliou que, por
meio de busca a partir do nome de uma pessoa na internet, pode-se
chegar a uma lista de resultados com informações sobre diversos
aspectos de sua vida privada, criando um perfil muitas vezes deta-
lhado sobre ela, o que dificilmente seria possível sem o uso de
buscadores. Em decorrência de seu potencial de interferência na
vida privada, seria necessário encontrar o equilíbrio entre o respeito
à vida privada e à proteção de dados pessoais, nos termos dos arts.
7º e 8º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,105 e
o interesse legítimo dos usuários da internet no acesso à informação.

103 ““Tratamento de dados pessoais” (“tratamento”), qualquer operação ou conjunto de operações


efectuadas sobre dados pessoais, com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, registo,
organização, conservação, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, utilização, comunicação
por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou
interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição”.
104 ““Responsável pelo tratamento”, a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou
qualquer outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outrem, determine as finalidades
e os meios de tratamento dos dados pessoais; sempre que as finalidades e os meios do tratamento
sejam determinadas por disposições legislativas ou regulamentares nacionais ou comunitárias, o
responsável pelo tratamento ou os critérios específicos para a sua nomeação podem ser indicados
pelo direito nacional ou comunitário”.
105 “Artigo 7º. Respeito pela vida privada e familiar. Todas as pessoas têm direito ao respeito
pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações. Artigo 8º Protecção
de dados pessoais. 1. Todas as pessoas têm direito à protecção dos dados de carácter pessoal que
lhes digam respeito. 2. Esses dados devem ser objecto de um tratamento leal, para fins específicos
e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei.
Todas as pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a
respectiva rectificação. 3. O cumprimento destas regras fica sujeito a fiscalização por parte de uma
autoridade independente.”

86 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Ao destacar que a atividade desenvolvida pela Google Espanha
estava integrada à atividade desenvolvida pela Google Inc. que, por
sua vez, envolvia o tratamento de dados pessoais, o TJUE ressaltou
que a empresa estadunidense, por via da sua subsidiária espanhola,
deve observar também os arts. 12, alínea “b” e 14, §1, alínea “a”
da Diretiva 95/46.106 Esses dispositivos impõem a obrigação ao
buscador de suprimir, da lista de resultados de pesquisa, links
a páginas publicadas por terceiros na internet com informações
pessoais de alguém em alguns casos, pois essa lista de resultados
tem papel decisivo na difusão de informações. Segundo o tribunal,
essa obrigação de eliminar resultados existe sempre que “essas
informações forem, tendo em conta todas as circunstâncias que carac-
terizam o caso concreto, inadequadas, não forem pertinentes ou já
não forem pertinentes ou forem excessivas […] às finalidades do
tratamento em causa”107.
O TJUE destacou que não é necessário prejuízo à pessoa cujos
dados pessoais foram expostos para que o pedido de “desindexação”
seja possível, tendo em vista que, nas situações mencionadas acima,
o direito à privacidade prevalece sobre o interesse econômico do
buscador e o interesse público em acessar a informação em questão.
O tribunal ressaltou, no entanto, que os parâmetros devem ser
outros se as informações digam respeito a pessoa pública, havendo
preponderante interesse público no acesso à informação.
Ainda que tenha sido interpretada por muitos como um avanço
na proteção à privacidade em um contexto de crescente exposição
das pessoas via internet, a decisão suscitou ampla discussão na

106 “Artigo 12. Direito de acesso. Os Estados-membros garantirão às pessoas em causa o direito de
obterem do responsável pelo tratamento: […] b) Consoante o caso, a rectificação, o apagamento ou
o bloqueio dos dados cujo tratamento não cumpra o disposto na presente directiva, nomeadamente
devido ao carácter incompleto ou inexacto desses dados”. “Artigo 14. Direito de oposição da pessoa
em causa. Os Estados-membros reconhecerão à pessoa em causa o direito de: a) Pelo menos nos
casos referidos nas alíneas e) e f) do artigo 7º, se opor em qualquer altura, por razões preponderantes
e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam
objecto de tratamento, salvo disposição em contrário do direito nacional. Em caso de oposição justi-
ficada, o tratamento efectuado pelo responsável deixa de poder incidir sobre esses dados”.
107 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Caso C-131/12. op. cit.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 87


comunidade internacional, sobretudo em razão de seu potencial de
acarretar restrições à liberdade de expressão e à garantia de acesso
à informação.108
Outra questão diz respeito às demandas para bloquear termos de
pesquisa em buscadores de internet. Por ter impacto significativo
em um conjunto incontável de páginas (e informações) legítimas
que poderiam ser compiladas como resultados de busca de uma
combinação de termos bloqueadas, tribunais brasileiros têm afastado
essa hipótese.109 Nestes casos é certo – e, conforme os julgados,
desproporcional – o dano à capacidade do cidadão usuário de
internet acessar informações.

108 A desindexação tem reflexo direto na esfera de liberdade das pessoas, pois reduz de forma
considerável a circulação de informações que, muito embora pareçam irrelevantes em abstrato,
podem ter valor para muitas delas em concreto. Em tempos em que a internet se mostra como
uma ferramenta preciosa para o empoderamento dos cidadãos em face do Estado e em benefício
da democracia, a defesa intransigente do “direito ao esquecimento” pode causar um retrocesso
significativo: afetar o direito à memória. Nessa linha de raciocínio, o direito à memória implica
a abertura às fontes de informação disponíveis aos indivíduos para que construam sua opinião
pessoal e coletiva a respeito de fatos, personagens e em última análise, de sua história. Em virtude
do papel prevalente das ferramentas de pesquisa como intermediárias de acesso a conteúdos,
ao “editar” resultados de busca, a implementação do direito ao esquecimento tem o potencial de
alterar a memória coletiva. Exatamente em virtude desses riscos, diversas entidades de defesa
da liberdade de expressão chegaram a um consenso internacional no sentido de que a remoção
de conteúdos deve sempre ser precedida de uma decisão judicial. Cf. CONSELHO DE DIREITOS
HUMANOS DA ONU. Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right
to freedom of opinion and expression, Frank La Rue (A/HRC/17/27), 16 de maio de 2011. Disponível
em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/17session/A.HRC.17.27_en.pdf>.
Acesso em 07/05/2017.
109 A jurisprudência tem reiterado que não cabe impor aos provedores de pesquisa qualquer
restrição nos resultados das buscas realizadas por seus sistemas, pois isso significaria violação ao
direito constitucional de informação. Ver: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REsp nº 1.316.921/
RJ, Relatora Min. Nancy Andrighi. Julgado em: 29/06/2012. Disponível em: <>http://dissenso.
org/casoteca/google-brasil-internet-ltda-vs-maria-da-graca-xuxa-meneghel/; Ver também: FOLHA
DE S. PAULO, “Justiça nega pedido de Aécio Neves para bloquear buscas na internet”, publicado
em 14/03/2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1425228-justi-
ca-nega-pedido-de-aecio-para-bloquear-buscas-na-internet.shtml>. Acesso em: 27/02/2018. A
orientação do Superior Tribunal de Justiça parece ter mudado, contudo, em caso julgado em
maio de 2018. Cf. DIREITO a ser esquecida: STJ manda Google retirar buscas sobre promotora.
Uol Notícias. São Paulo, 10 mai. 2018. Disponível em: <https://tecnologia.uol.com.br/noticias/
redacao/2018/05/10/stj-deve-decidir-por-direito-ao-esquecimento-na-busca-do-google-no-brasil.
htm>. Acesso em: 01/06/2018.

88 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


A última hipótese também traz riscos ao acesso à informação,
apesar de fazer sentido em alguns casos nos quais a automatização
de sugestões de termos de pesquisa oferecida por buscadores acaba
sendo alimentada por informações inverídicas ou ofensivas.110 Isso
faria com que o buscador “sugerisse” ao usuário uma pesquisa que
o fizesse entrar em contato com uma informação a partir de uma
aura de legitimidade, o que tem potencial danoso nos casos de
mentira ou ofensa. Entretanto, esta hipótese deve afastar pretensões
de indisponibilizar sugestões que levem em conta suspeitas de
malfeitos de agentes públicos e outros elementos de crítica política
admitidos no debate democrático.

O cenário brasileiro
No Brasil, muito embora tenhamos decisões judiciais esparsas
reconhecendo um “direito ao esquecimento” – pautadas, sobre-
tudo, no direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem
(art. 5º, X da Constituição) – não há entendimento consolidado
nesse sentido. Ao contrário, em 2016, a Terceira Turma do STJ já
decidiu, no caso S.M.S. vs. Google, que os buscadores “não podem
ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da
busca de determinado termo ou expressão”.
Em primeira instância, S.M.S. solicitava à empresa que removesse
os resultados de pesquisas pelo seu nome por meio do buscador,
pois poderiam levar a páginas que reproduzissem imagens suas de
nudez. O pedido foi negado pelo juízo da 30ª Vara Cível da Comarca
de São Paulo, com base no argumento de que a Google não deveria
figurar no polo passivo da demanda. Assim, o processo foi extinto
sem uma análise de mérito.

110 Em 2014, o Google tomou uma série de medidas depois de descobrir que seu mecanismo
de busca estava sugerindo termos racistas quando usuários buscavam determinadas cidades do
Reino Unido, como Bradford, Leicester e Birmingham. Em 2013, uma corte na Alemanha solicitou
ao Google que bloqueasse termos difamatórios próximo a nomes de pessoas. Em um caso de
2012, na França, o Google foi processado em decorrência de sugestões de pesquisa de caráter
antissemita. Search Engine Land, “Google in trouble again over racist search suggestions in the UK”.
Ver: <https://searchengineland.com/google-trouble-racist-autocomplete-suggestions-uk-184031>.
Acesso em 27/02/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 89


Na sequência, S.M.S. levou o caso ao Tribunal de Justiça de São
Paulo (TJSP), onde teve seu pedido atendido. A 2ª Câmara de
Direito Privado do TJSP entendeu que o conteúdo disseminado
na internet não era de interesse público, mas circunscrito à vida
privada da pessoa exposta.
Por fim, o caso foi levado ao STJ pela Google. A empresa alegou ser
impossível o bloqueio das palavras-chave que levassem às imagens
de nudez, pois o Marco Civil da Internet exige a indicação e indi-
vidualização clara e específica do conteúdo infringente, de modo a
permitir a localização inequívoca do material pelo provedor de busca.
No julgamento, em novembro de 2016, a Terceira Turma do STJ
mencionou que os provedores de pesquisa: “(i) não respondem pelo
conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários; (ii)
não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo
dos resultados das buscas feitas por cada usuário; e (iii) não podem
ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da
busca de determinado termo ou expressão”.
No entender da Terceira Turma, era relevante o fato de os meca-
nismos de busca não hospedarem a informação que se deseja ver
esquecida, tendo em vista que apenas auxiliam o usuário a encon-
trá-la por meio da indexação de links. Essas informações encon-
tram-se públicas, passíveis de acesso sem o uso do buscador. Assim,
sua responsabilidade deve ser limitada à natureza da sua atividade,
a qual não inclui a filtragem de conteúdos das pesquisas feitas por
cada usuário.
Deste modo, concluiu a Terceira Turma que o pedido de S.M.S.
deveria ter sido dirigido ao responsável pela hospedagem/disponi-
bilização das fotos íntimas na internet, já que não há “fundamento
normativo no ordenamento jurídico pátrio” apto a imputar à Google
a implementação do direito ao esquecimento. Negou, assim, o
pedido de S.M.S.
A Terceira Turma mencionou, ainda, que a solução dada pelo
Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Costeja vs. Google
Espanha não seria adequada ao contexto brasileiro, em razão de
diferenças de ordem legislativa – sobretudo a ausência de uma

90 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


lei específica voltada à proteção de dados no Brasil no momento
do julgamento111.
Em decisão de maio de 2018, no entanto, o STJ parece ter revisto
esse posicionamento. Em caso levado à corte por uma promotora
de justiça, o STJ garantiu o pedido pela desindexação de resultados
de busca. Na ação, a autora questionava a existência de resultados
de buscas na internet envolvendo seu nome relacionadas a repor-
tagens sobre suspeitas de fraude em concurso da magistratura. Na
época, a autora foi reprovada no concurso. O Conselho Nacional
de Justiça, ao analisar o caso, entendeu que não havia elementos
suficientes para confirmar a fraude, mas reconheceu problemas
em práticas adotadas pela organização do concurso, emitindo
recomendações para os exames subsequentes.
A informação foi divulgada em uma série de sites como Conjur,
Folha, dentre outros, apontando que a autora teria tido acesso a um
dos gabaritos da prova com antecedência. Diante dessa acusação,
ela alegou que a indexação dos resultados relacionados ao conteúdo
estaria causando abalos à sua honra e pediu a filtragem dos resul-
tados de busca por seu nome, desvinculando-a de quaisquer repor-
tagens relacionadas aos fatos.
O caso chegou ao STJ no ano passado depois de o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro condenar os buscadores a instalarem filtros
de conteúdo que desvinculassem o nome da autora das notícias
sobre a suposta fraude, sob pena de multa diária. No fim, em
julgamento apertado (3x2), o STJ concedeu o pedido da autora,
modificando o posicionamento que prevalecia na corte até então.
Outro precedente de grande relevância nesse contexto é o caso
Aída Curi que, muito embora não diga respeito a um “direito à
desindexação”, pode influenciar a forma como o Judiciário entende
a tutela do “esquecimento” na internet.

111 O PLC 53/2018, que regulamenta o tratamento e a proteção de dados pessoais no Brasil, foi
aprovado pelo Senado no dia 10 de julho de 2018. AGÊNCIA BRASIL, “Senado aprova projeto de lei
sobre proteção de dados pessoais”, publicado em 10/07/2018. Disponível em: <http://agenciabrasil.
ebc.com.br/geral/noticia/2018-07/senado-aprova-projeto-de-lei-de-protecao-de-dados-pessoais>.
Acesso em: 12/07/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 91


Em 2008, o programa de televisão “Linha Direta – Justiça”, da
Rede Globo, exibiu um documentário tratando do homicídio de
Aída Curi, ocorrido em 1958. Os familiares da vítima propuseram
ação de indenização por danos morais, alegando que a exibição
do documentário os fazia reviver dores do passado. Pleitearam,
adicionalmente, indenização por danos materiais e à imagem, em
razão da exploração da imagem da vítima com objetivo econômico.
O juízo da 47ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro julgou
improcedentes os pedidos dos familiares de Aída, argumentando
que os fatos expostos no programa eram de conhecimento público
e, no passado, foram amplamente divulgados pela imprensa. A Rede
Globo cumprira com a sua função de informar e proporcionar o
debate sobre o caso. Entendeu, ainda, que não havia comprovação
de ganhos econômicos decorrentes do uso da imagem da vítima
por parte da Rede Globo. A sentença foi mantida pela 15ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
No STJ, os familiares de Aída alegaram um “direito ao esquecimento”
da tragédia pela qual passaram há mais de cinquenta anos, direito
esse que fora violado pela Rede Globo por meio da exibição do docu-
mentário não autorizado pelos familiares. No julgamento, em maio
de 2013, a Quarta Turma do STJ negou provimento aos pedidos dos
familiares de Aída ao ponderar entre o “direito ao esquecimento” e a
historicidade do fato, sustentando que a reportagem foi ao ar cinquenta
anos depois da morte de Aída, logo, incapaz de causar abalo moral
apto a gerar responsabilidade civil. Mencionou, ainda, a liberdade
de imprensa como fundamento para o indeferimento dos pedidos.
Os familiares de Aída levaram o caso ao STF por meio do Recurso
Extraordinário com Agravo Nº 833.248. No momento, o Tribunal já
reconheceu a existência de repercussão geral no caso, o qual segue
pendente de julgamento.
Apesar do caso Aída Curi não envolver diretamente a divulgação
de informações na internet, a expressão “direito ao esquecimento”
foi criada para embasar pedidos que visam remover ou dificultar
a busca por informações disponíveis online, de modo que a futura
decisão do STF pode vir a definir a tutela do esquecimento – ou a
ausência dela – também no ambiente digital.

92 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Remoção em mecanismos de busca:
bloqueio a termos de busca
Outras demandas que já foram apresentadas em face de mecanismos
de busca como o Google envolvem o bloqueio a termos de pesquisa
possíveis (impedindo que determinadas palavras sejam pesquisadas)
e a modificação de seus mecanismos de autocompletar pesquisas.
No Brasil, o primeiro caso desse tipo enfrentado pelo Superior
Tribunal de Justiça teve origem em pedido apresentado por Xuxa
Meneghel em face da Google. A apresentadora visava desvincular seu
nome do filme “Amor Estranho Amor”, no qual, em sua juventude,
figurava em cenas eróticas com um menino.
Inicialmente, a apresentadora solicitou ao juízo da 1ª Vara Cível
Regional da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, a remoção de todos
os resultados relativos à busca pela expressão “Xuxa pedófila” ou
qualquer outra busca associando o nome dela, escrito parcial ou
integralmente, e independentemente da grafia, a alguma prática
criminosa. Ao acatar o pedido em sede de tutela antecipada, o juízo
determinou que a Google não disponibilizasse aos usuários, em seu
buscador, quaisquer resultados relativos à busca pelas expressões
“Xuxa”, “pedófila”, “Xuxa Meneghel”, com essas ou outras grafias,
isolada ou conjuntamente, com ou sem aspas, pelo período de 48
horas a contar da intimação.
Com o recurso de agravo interposto pela Google, a 19ª Câmara
Cível do TJRJ deparou-se com o caso, impondo à empresa a obri-
gação de excluir determinadas imagens dos resultados do seu
site de buscas com base na proteção constitucional ao direito de
imagem (art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal). No entanto,
dispensou a indicação dos URLs das páginas onde essas imagens
estariam inseridas.
O caso foi levado, na sequência, ao Superior Tribunal de Justiça
(Recurso Especial Nº 1.316.921). No julgamento, em junho de
2012, a Relatora (Ministra Nancy Andrighi) entendeu que a deter-
minação do TJRJ era tecnicamente impossível de ser cumprida.
Mesmo que se quisesse adequar os termos da decisão para torná-la
exequível – exigindo a indicação dos URLs – ela permaneceria

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 93


errada. Isso porque a apresentadora deveria ter demandado o
responsável pela violação à sua imagem – e não aquele que apenas
facilitou o acesso ao conteúdo. A conclusão a que a Terceira Turma
do STJ chegou foi a de que não cabe impor aos buscadores qual-
quer restrição nos resultados das buscas realizadas por meio de
seus sistemas, pois isso significaria uma violação ao direito cons-
titucional à informação. Em razão disso, concedeu provimento ao
recurso especial interposto pela Google, cassando a decisão do TJRJ
e negando à Xuxa seu direito ao esquecimento.
Pedido semelhante foi apresentado à Justiça pelo então candidato
à Presidência da República, senador Aécio Neves, durante as eleições
de 2014. Na época, o senador ajuizou ação112 em São Paulo solici-
tando que sites de busca fossem impedidos de exibir resultados que
associassem o seu nome ao uso de entorpecentes e a suspeitas de
desvios de dinheiro público durante a sua gestão como governador
do estado de Minas Gerais. Demandava, mais especificamente, a
retirada de 19 termos detectados automaticamente em sugestões
de pesquisa pelo seu nome em ferramentas de busca na internet.
A ideia por trás das ações era impedir que fosse possível relacionar
seu nome com determinados termos para pesquisa nos buscadores.

Como ficam e-mail e serviços de mensagem instantânea?


Não se aplica para as mensagens de propaganda enviadas através
de e-mail e serviços de mensagem instantânea a obrigatoriedade
de indicação de URL específica do conteúdo publicado. O URL é
endereço de identificação exclusivamente aplicável na Web, não
sendo possível sua utilização para estes serviços.
Aliás, para tais dispositivos, a ordem de remoção de conteúdo
não funciona, tendo em vista a impossibilidade de interceptar e
interromper a comunicação durante sua transmissão. Assim como
não é possível reverter o envio de uma carta já postada e entregue,

112 FOLHA DE S. PAULO, “Aécio perde ação contra sites de busca”, publicado em 27/05/2015.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1634169-aecio-perde-acao-con-
tra-sites-de-buscas.shtml>. Acesso em: 27/02/2018.

94 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


não é tecnicamente possível reverter o envio de um e-mail ou uma
mensagem em aplicativo que já tenha sido gravado no dispositivo
do seu destinatário – com exceção de novos serviços de e-mail que
permitem prescrever tempo para que a mensagem seja apagada.
Uma possibilidade para obter controle sobre o conteúdo que é
compartilhado por candidatos, partidos ou coligações por mensa-
gens privadas é o dever de descadastramento estabelecido na
Lei Eleitoral.113 Este controle não “remove” mensagens passadas,
mas previne o envio de mensagens futuras que se utilizem do
mesmo cadastro de endereços eletrônicos. As mensagens enviadas
devem disponibilizar ao eleitor um mecanismo “que permita seu
descadastramento”, que deve ser realizado no prazo de quarenta e
oito horas. Caso o pedido de descadastramento seja realizado, as
mensagens enviadas após o prazo sujeitarão a campanha a multa
por mensagem enviada.
Esta regulação não atinge, porém, mensagens privadas enviadas
consensualmente por pessoas naturais114 diretamente ou em
grupos em aplicativos como o WhatsApp. A delimitação do termo
“consensualmente” e como distinguir “pessoas naturais” de efetivos
canais de comunicação das campanhas são desafios a serem enfren-
tados pela Justiça Eleitoral. No primeiro caso, parece ser inviável
a busca por um consentimento individual do recipiente de cada
mensagem, indicando que a expressão busca ou um contexto implí-
cito de troca ou recebimento de mensagens por parte de eleitor
ou que ele tenha disponibilizado seu contato voluntariamente a
alguém para receber a mensagem em questão. No segundo caso,
a dificuldade ronda em delimitar quais os representantes de uma
campanha que agem em seu nome ou, ainda, seus canais de repre-
sentação. Parece razoável incluir nessa categoria mensagens nas
quais o remetente da mensagem a assina em seu próprio nome.

113 Art. 57-G da Lei das Eleições (L.9.504/97).


114 Cf. artigo 28, § 2º da Resolução do TSE nº 23.551/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 95


UMA DECISÃO DE REMOÇÃO
PREVENIRÁ QUE O CONTEÚDO
APAREÇA NOVAMENTE
NA INTERNET?
Não, pois não existem mecanismos completamente eficazes para
realizar um controle de tudo que é publicado na web (ou, ainda,
em outros aplicativos de internet) a priori. A internet é uma infra-
estrutura global e descentralizada de comunicação e mesmo na
Web – a parte da internet acessível para “navegação” via endereços
URL – não existem mecanismos centralizados de governança que
permitam esse tipo de controle.115 Ainda, um mecanismo deste
tipo tem consequências enormes para a liberdade de expressão,
funcionando como uma poderosa forma de realizar censura prévia.
Isso não quer dizer que não existam formas de reconhecer auto-
maticamente conteúdo na Web ou, ainda, dentro de determinadas
redes sociais. A tecnologia que permite isso chama-se hash, e
está descrita em nosso glossário. Existem exemplos de seu uso
em programas de computador que buscam conteúdo acessível ou
reconhecem determinados padrões tendo em vista um conjunto
de publicações previamente delimitadas. Um desses mecanismos
já funciona atualmente para prevenir a publicação de imagens que
comprovadamente contenham conteúdo de exploração sexual de
crianças e adolescentes em uma série de plataformas de internet.
Outro foi criado para reconhecer obras protegidas por direitos
autorais que tenham sido postadas em vídeos no YouTube, tornando
possível que seus titulares exerçam o direito, sendo remunerados
ou desautorizando o uso da obra.
A implementação deste tipo de tecnologia não pode ser imediata e
gera uma série de custos e decisões sensíveis por parte dos controladores

115 Este tipo de ferramenta técnico-institucional teria de ser global e combinar um número
gigantesco de articulações políticas, econômicas e técnicas entre entidades públicas, privadas e
multissetoriais, sua consequência seria um mecanismo global de censura prévia que desfiguraria
completamente a maneira como usamos a rede hoje, sem sofrer nenhum tipo de filtro no momento
que criamos um site ou uma conta em rede social e lá compartilhamos conteúdos.

96 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


das plataformas na qual ela funcionaria. Um exemplo destas decisões
é necessidade de compatibilização do funcionamento desta tecnologia
com diferentes jurisdições nas quais as plataformas atuam ou, ainda,
a definição de padrões de que tipos de conteúdo seriam atingidos.
Neste sentido, não há como a Justiça Eleitoral impor o controle
prévio de conteúdo por meio da utilização deste tipo de tecnologia
sem esbarrar em uma série de argumentos, da impossibilidade
técnica imediata à restrição significativa da liberdade de iniciativa
e a imposição de custos pesados ao setor privado. Não há acordo,
precedente ou mandado legislativo específico para tanto.
Isso não faz com que a Justiça Eleitoral desconsidere que deve
ser ágil na retirada de conteúdos que já foram considerados ilegais
em decisões judiciais já realizadas. Isso pode ocorrer a partir de
pedido no próprio processo que já decidiu sobre o conteúdo ou,
ainda, a partir de nova representação, dependendo do juiz da causa
existente entender que o novo requerimento pode ser abarcado
dentro do processo que já se encontra em andamento. Candidatos,
partidos e coligações podem utilizar mecanismos de monitoramento
de redes fornecidos por agências de marketing digital para facilitar
sua busca por novas postagens de conteúdo e existem regras nas
leis eleitorais que podem ser utilizadas para constranger aqueles
que reincidem em ilícitos.

BLOQUEIOS DE APLICAÇÕES
PELA JUSTIÇA ELEITORAL
Eventuais resistências oferecidas pelas empresas de tecnologia a
demandas judiciais em geral (especialmente envolvendo pedidos de
dados de usuários e de remoção de conteúdo da internet) também
tem implicado em antagonismos mais marcados entre elas e o
Judiciário brasileiro, sendo as questões que envolvem direito eleitoral
apenas um capítulo numa narrativa mais ampla de conflitos.116 Foi

116 A questão da constitucionalidade desse tipo de medida está sendo avaliada no âmbito do
Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5527 e da Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental 403. Os argumentos de todos os lados foram

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 97


nesse contexto que ocorreu a prisão do dirigente do Google117 por
desobediência à decisão da Justiça Eleitoral, em 2012. A prisão de
dirigentes não tem sido a única estratégia extrema adotada. Em pelo
menos dois casos envolvendo o Facebook, relatados pela plataforma
Bloqueios.info,118 a rede social foi ameaçada de ser retirada do ar
em razão da demora no cumprimento de decisões determinando a
retirada de conteúdo considerado ilegal na plataforma.
Em 2012, o caso envolveu o candidato a vereador Dalmo Menezes
e a página “Reage Praia Mole”, que alegadamente veiculava material
depreciativo contra o vereador em época de campanha eleitoral.119
Em 2016, envolveu o candidato a prefeito Udo Döhler e a página
“Hudo Caduco”, que continha postagens humorísticas com refe-
rências indiretas a ele.120 Nos dois casos, juízes deferiram pedido
de retirada do conteúdo, sob a fundamentação de que as páginas
afetavam a honra e a imagem dos candidatos e eram mantidas sob
anonimato. Como elas não foram imediatamente tiradas do ar,
juízes ameaçaram bloquear todo o Facebook, caso o descumpri-
mento persistisse.
A sustentação da sanção de “suspensão temporária’” da plataforma
foi embasada, nos dois casos, no art. 57-I da Lei 9.504/97, cuja
antiga redação dizia que “[a] requerimento de candidato, partido ou
coligação, observado o rito previsto no art. 96, a Justiça Eleitoral
poderá determinar a suspensão, por vinte e quatro horas, do acesso

organizados por Jacqueline Abreu no artigo “Bloqueios do WhatsApp têm base legal? As disputas
interpretativas e seus defensores”, publicado no Bloqueios.info. Disponível em: <http://bloqueios.
info/pt/bloqueios-do-whatsapp-tem-base-legal-as-disputas-interpretativas-e-seus-defensores/>.
Acesso em 28/03/2018.
117 Cf. O ESTADO DE S. PAULO. Diretor-geral do Google é preso pela Polícia Federal. 26/09/2012.
Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,diretor-geral-do-google-no-brasil-e-pre-
so-pela-policia-federal,936220>. Acesso em 27/03/2018.
118 Os bloqueios judiciais de aplicações no Brasil estão mapeados pelo InternetLab no projeto
Bloqueios.info, que conta com uma linha do tempo desses processos e fichas dos casos. Disponível
em: <http://bloqueios.info/pt/linha-do-tempo/>.
119 Disponível em: <http://bloqueios.info/pt/casos/descumprimento-de-ordem-judicial-
de-retirada-de-conteudo/>.
120 Disponível em: <http://bloqueios.info/pt/casos/bloqueio-por-descumprimento-de-ordem-
judicial-de-retirada-de-conteudo/>.

98 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


a todo conteúdo informativo dos sítios da internet que deixarem de
cumprir as disposições desta Lei”.
As perguntas que se colocavam, principalmente diante dos casos
citados, é se esse artigo realmente autorizaria a sanção de bloqueio a
sites inteiros e se o juiz eleitoral está mesmo autorizado a recorrer a
tal recurso para fazer cumprir sua decisão de remoção de conteúdo.
Sobre a primeira questão, é provável que a racionalidade subja-
cente ao dispositivo estivesse, quando elaborado, relacionada a
sites, principalmente de candidatos, partidos e coligações, que
desrespeitem as normas estritas contidas na legislação eleitoral sobre
como deve ser veiculada propaganda eleitoral na internet e por isso
se tornam, em si, ilegais. Para plataformas de usuários, principal-
mente aquelas que são facilitadoras da liberdade de expressão, e por
isso são constantemente abastecidas por conteúdo de terceiros, e
qualquer medida ativa de plataformas de vigiar o conteúdo postado
importaria em censura prévia, é difícil dizer que eram alvo inicial
dessa previsão.
De qualquer forma, elas se tornaram esse alvo, pelo menos nos
casos citados, na medida que cresceu o papel da internet nas elei-
ções. Em 2017, o art. 57-I ganhou nova redação, refletindo isso:
A requerimento de candidato, partido ou coligação, observado o rito
previsto no art. 96 desta Lei, a Justiça Eleitoral poderá determinar,
no âmbito e nos limites técnicos de cada aplicação de internet, a
suspensão do acesso a todo conteúdo veiculado que deixar de cumprir
as disposições desta Lei, devendo o número de horas de suspensão
ser definida proporcionalmente à gravidade da infração cometida
em cada caso, observado o limite máximo de vinte e quatro horas.
Fala-se abrangentemente de ‘aplicação de internet’ e retirou-se a
referência a ‘sítios de internet’.
A questão que permanece é se, como tentou se fazer no passado,
o descumprimento de ordem judicial de remoção de um conteúdo
específico autorizaria tal sanção a plataformas inteiras. Sobre isso,
vale lembrar que a medida de bloqueio de redes sociais é contro-
versa, pois importa na restrição da liberdade de expressão de usuá-
rios e na liberdade de acessar informações, ultrapassando os limites
da proporcionalidade. Além disso, quando afetam a camada de

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 99


infraestrutura da internet (ou seja, são implementadas por meio
de intermediários como provedores de acesso à internet, como
operadoras de telecomunicações, que, por sua vez, cortam acesso de
seus usuários a um site ou aplicativo), ordens de bloqueio se opõem
a um dos princípios a partir dos quais a internet foi concebida: a
neutralidade de ponta-a-ponta, que se refere à ideia de que ela é
fundamentalmente uma rede onde as pontas de uma comunicação
conversam sem interferência, e que os seus protocolos de funcio-
namento são agnósticos, ou seja, neutros em relação ao conteúdo
dos pacotes de dados que nela trafegam. Por fim, principalmente
em se tratando de grandes sites que agregam enormes montantes de
usuários e em se considerando que muitos destes usuários dependem
de plataformas de internet em suas atividades profissionais e empre-
sariais, há forte impacto para a própria economia se uma sanção
como essa é levada a cabo.
Ademais, a nova redação do dispositivo parece ter alterado a
amplitude da sanção. Se a versão anterior previa a suspensão de
acesso “a todo conteúdo informativo”, o novo texto aponta que
poderá ser determinada a suspensão do acesso apenas para o
“conteúdo veiculado que deixar de cumprir as disposições desta
Lei”. Com fundamento na Constituição Federal e no Marco Civil
da Internet, o TSE alterou dispositivo da resolução (§2º do art. 31
da Res. TSE 23.551) “para prever a possibilidade de suspensão do
conteúdo, e não do serviço, como constava antes”.121
Por fim, vale ressaltar que, no Judiciário, muitas plataformas
exercem o papel de primeiro guardião do contraditório e do direito
da defesa do usuário afetado por um pedido de remoção de conteúdo
que publicou exercendo sua liberdade de expressão. É importante,
portanto, que possam articular e tenham tempo hábil para defender a
legalidade do conteúdo postado. Ao mesmo tempo, de fato, durante
as eleições, é imprescindível que os grandes atores mantenham
equipes preparadas para lidar com tais pedidos e decisões judiciais.

121 Ver voto do Exmo. Min Luiz Fux na aprovação da Res. TSE 23.551.

100 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


capítulo4
A responsabilização por
danos gerados por conteúdo
publicado na internet
A proteção da igualdade de condições entre participantes de
uma eleição ou de seus direitos individuais (como a imagem ou
honra) na comunicação estabelecida na internet não se esgota com
as possibilidades de remoção de conteúdo. Diversas leis estabelecem
sanções aos que publicarem determinadas informações, fazendo
com que candidatos, partidos, coligações ou o Ministério Público
busquem a sua responsabilização civil ou penal. Isso nem sempre
é imediato porque na internet não é sempre evidente a identidade
de quem realizou esta ou aquela atividade.

A IDENTIFICAÇÃO DE UM
USUÁRIO NA INTERNET
Identificar um usuário responsável por qualquer atividade na
rede requer uma cadeia de ações específica. Esta cadeia de ações
consegue localizar a partir de qual terminal a atividade foi reali-
zada, o que muitas vezes tornará evidente quem dela se utilizou e
é, portanto, o seu autor.
Duas peças de informação serão necessárias. Em primeiro lugar,
é necessário analisar a situação para entender qual provedor de
aplicações de internet forneceu o serviço utilizado para realizar a
atividade em questão. Se se quer identificar o autor de uma postagem
no Facebook, o provedor de aplicações em questão foi o Facebook;
se a atividade em questão foi o envio de um e-mail a partir de um
endereço Gmail, ele será o Google.
Entre os provedores de aplicações de internet estão, portanto, as
plataformas de internet. Eles detêm a primeira peça de informação

103
necessária para a identificação da conexão da qual partiu a atividade
em questão: os registros de acesso à aplicação de internet. Este
registro conterá o endereço IP (veja no glossário) e a data e horário
relativos àquela atividade. Se o pedido foi relativo a uma série de
atividades, o que se está buscando é uma série de registros de acesso
a aplicação como estes.
Em seguida, é necessário buscar a segunda peça de informação.
De posse deste endereço IP e destes horários, é necessário verificar
qual provedor de conexão à internet administra este IP em questão.
Isto pode ser realizado a partir da consulta do número IP em um
serviço WHOIS,122 disponível na rede. Neste serviço gratuito é
possível obter gratuita e diretamente o administrador deste IP, que
será, via de regra, a operadora de internet contratada para fornecer
conexão a quem realizou tal atividade em questão.
A segunda peça de informação que deve ser buscada junto aos
provedores de acesso é o registro de conexão à internet, que
consiste na informação de que aquele endereço IP em questão se
conectou à internet a partir da infraestrutura deste provedor numa
determinada faixa de horário. Ao certificar-se que forneceu aquela
conexão específica ao usuário que desempenhou a atividade que
se visa identificar, o provedor de conexão então poderá dizer qual
de seus clientes realizou este acesso. Este caminho de identificação
termina com um endereço ou chip de celular no qual foi instalada
uma conexão de internet, bem como dados pessoais do cliente titular
da conta.123 Este caminho permite que se chegue a uma conexão,
sendo que a pessoa que dela exatamente se utilizou para realizar
a atividade investigada somente será relevada contextualmente a
partir de outras informações (como, por exemplo, quem estava na
casa aquele momento?).

122 Para domínios terminados em .br. Disponível em: <https://registro.br/2/whois, demais: https://
whois.icann.org/en>.
123 É importante ressaltar que nem sempre o endereço do titular da conta é suficiente para iden-
tificar imediatamente quem foi o responsável pela postagem de determinado conteúdo, sobretudo
se o acesso ocorreu em uma lan house, café, biblioteca ou outro estabelecimento onde há ponto
de acesso à internet aberto a visitantes/clientes.

104 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Existem outras possibilidades que podem permitir a identifi-
cação de usuários, mas a precisão dessas outras técnicas demanda
evidência adicional, contexto e, muitas vezes, sorte. É o caso dos
“dados cadastrais”, informações que podem ser coletadas por plata-
formas de internet, mas que muitas vezes são fruto de formulários
digitais nos quais não há nenhuma obrigatoriedade no preenchi-
mento de quase todos os campos ou mesmo verificação posterior
de veracidade dos dados. Assim, apesar de poderem ser fornecidos,
não há qualquer garantia de que se possa identificar o usuário de
aplicação na rede a partir dos dados cadastrais. Por vezes, uma
informação pode significar uma evidência, mas se o usuário buscar
ativamente ocultar sua identidade, tais dados não devem ajudar.

A eficácia da identificação via registros


de aplicação de internet
Nem sempre essas técnicas serão cem por cento eficazes. Em
primeiro lugar, para ter efeito, todas as peças de informação neces-
sárias devem ter sido guardadas pelos intermediários em questão.
As empresas precisam ter destinado servidores e equipe técnica
para que registros de acesso à aplicação e os registros de conexão
estejam disponíveis. O Marco Civil da Internet estabelece perí-
odos e critérios de guarda obrigatória desses registros para garantir
que atividades realizadas dentro de um determinado intervalo de
tempo possam ser identificáveis a partir do procedimento descrito.
É possível demandar que este intervalo de tempo seja estendido,
mas isso depende de pedido do Ministério Público ou autoridade
policial ou administrativa.124 Findo o prazo obrigatório de guarda, os
provedores não podem ser responsabilizados por ilícitos praticados
por usuários que não consigam ser identificados. Abaixo vemos
estes períodos estabelecidos pela lei.

124 Art. 13, § 2º e art. 15, § 2º do Marco Civil da Internet (L.12.965/2014).

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 105


QUADRO 7. A GUARDA DE REGISTROS DE CONEXÃO E DE
ACESSO A APLICAÇÃO NO MARCO CIVIL DA INTERNET

Quanto
Quem? Quais dados? Vedações
tempo?
Data e hora do início e Não podem
Provedores de conexão
1 ano término de uma conexão, guardar registros
(operadoras)
duração, IP utilizado. de aplicações
Provedores de
Data e hora de uso de uma
aplicações (serviços de 6 meses Não há
aplicação, IP utilizado.
internet) – Empresas
Provedores de
aplicações (serviços de Retenção facultativa
internet) – indivíduos

Elaboração: Francisco Brito Cruz, 2014.


Além da hipótese de os provedores não terem sob sua guarda os
ditos registros, outras situações podem dificultar a identificação
de usuários. O uso de aplicações sem sede no Brasil, por exemplo,
exigirá que se busque a difícil tutela desse provedor que responde
a outras jurisdições. O usuário em questão pode também buscar o
uso de tecnologias criadas para a ocultação de sua identidade, como
mecanismos para que o seu endereço IP que apareça ao provedor
de aplicações não seja de onde está originalmente partindo sua
conexão, mas de um intermediário (veja proxy em nosso glossário).

Porta lógica
Uma outra dificuldade pode surgir quando provedores de conexão
utilizam técnicas de compartilhamento de endereço IP entre seus
usuários. Isso tem ocorrido em razão da escassez de endereços IP
disponíveis às provedoras de internet. Este problema tem solução
projetada (que é a atualização da tecnologia utilizada para gerar
IPs), mas que ainda não foi totalmente implantada no Brasil. Para
identificar as múltiplas conexões que compartilham um endereço
IP, provedores de conexão utilizam um identificador adicional,
chamado comumente de “porta lógica”.

106 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


O uso de “portas lógicas” tem levado a uma situação controversa.
O Marco Civil, ao regrar a guarda obrigatória de registros, descreve
minuciosamente cada informação que deverá estar neles contida e,
como tal situação não foi imaginada a priori, nessa descrição não
consta a “porta lógica”. Esta lacuna legal faz com que plataformas
de internet muitas vezes guardem informações insuficientes para
identificar determinados usuários, o que tem implicado conflitos.
Existem pressões de autoridades e advogados para que estas plata-
formas guardem e entreguem tais dados adicionais.
O debate já chegou aos tribunais e as decisões têm sido ambí-
guas.125 Por um lado, parece razoável requerer informações adicio-
nais não tipificadas no Marco Civil utilizando o mesmo mecanismo
de identificação e parâmetros por ele regrado. Por outro lado, é
atípica a imposição de mais uma obrigação de guarda para além
do que a lei estabelece nomeadamente, o que levanta preocupações
em termos da privacidade dos usuários (que terão massivamente
registros guardados antes mesmo de considerada qualquer atividade
suspeita) e de liberdade de iniciativa (pois decorrerão custos na
guarda de tais dados adicionais).

CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAÇÃO


DE USUÁRIOS: EXISTE UM
“DIREITO DE SABER QUEM É”?
Qualquer um pode pedir tais peças de informação aos provedores
e identificar alguém por atividade feita na rede? Não. O Marco Civil
da Internet estabelece que dados relativos a atividades realizadas
na internet, inclusive os registros que devem ser obrigatoriamente
guardados pelos provedores de aplicação e conexão, só serão forne-
cidos por meio de ordem judicial.

125 A controvérsia pode ser encontrada inclusive no interior de determinados tribunais. No Tribunal
de Justiça de São Paulo, por exemplo, é possível encontrar julgados que desobrigam os provedores de
aplicações a fornecerem essas informações adicionais (ex.: processo nº 2012094-24.2015.8.26.0000,
Rel. Des. Egidio Giacoia, 3ª Câmara de Direito Privado) e no sentido contrário (ex.: processo nº
2206954-25.2015.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Alcides, 8ª Câmara de Direito Privado).

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 107


Esta restrição é flexibilizada se consideradas outras modalidades
de dados controlados por provedores de internet. No relatório
sobre “Vigilância sobre as comunicações no Brasil”, publicado em
2017, Dennys Antonialli e Jacqueline Abreu126 elencam essas possi-
bilidades, destacando-se os poderes de delegados de polícia e do
Ministério Público de requererem dados cadastrais estabelecidos
na Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro (Lei n. 9.613/1998,
artigo 17-B), na Lei de Combate a Organizações Criminosas (Lei
n. 12.850/2013, artigo 15) e no Código de Processo Penal (artigos
13-A e 13-B).

Requisitos para o fornecimento de dados


O Marco Civil da Internet exige que os requerimentos de forne-
cimento de registros por parte de provedores apreciados pelo
Judiciário contenham informações específicas, sob pena de serem
inadmitidos. Os demandantes devem apresentar “fundados indícios
da ocorrência do ilícito”, “justificativa motivada da utilidade dos
registros para investigação” e o período a que eles se referem.127
Esta necessária presença de elementos indicada pela lei encontra
eco no regulamento eleitoral. Em recente resolução128 incluiu-se
a determinação de que não é motivo suficiente para o pedido de
quebra de sigilo de dados a mera pretensão de identificação do

126 ABREU, Jacqueline de Souza; ANTONIALLI, Dennys. Vigilância sobre as comunicações no


Brasil: interceptações, quebras de sigilo, infiltrações e seus limites constitucionais. São Paulo:
InternetLab, 2017.
127 Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em
processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene
ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a
aplicações de internet.
Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob
pena de inadmissibilidade:
I – fundados indícios da ocorrência do ilícito;
II – justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou
instrução probatória; e
III – período ao qual se referem os registros.
128 Art. 35, §2°, Res. TSE 23.551/2017

108 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


responsável pela publicação do conteúdo. Assim, este conteúdo
no qual o autor não seja evidente que seja considerado lícito deve
ser lido como legítimo, não devendo ser objeto de requerimento
judicial de fornecimento de dados.

O conceito de anonimato na internet


Isso remete ao extenso debate sobre o conceito de anonimato
na internet – debate que deve ser enfrentado em razão da mani-
festação anônima do pensamento ser vedada pela Constituição e
pela Lei Eleitoral durante a campanha.129 Como essa vedação deve
ser compreendida? Por um lado, aparece o entendimento de que o
anonimato é caracterizado pela ausência de elementos externos que
indiquem a autoria do conteúdo publicado – assim, todo conteúdo
sem autor evidente deveria ser considerado “anônimo”. Por outro, há
quem defenda a inexistência de verdadeiro anonimato na internet,
já que as atividades realizadas pelos usuários podem ser rastreadas
a partir do endereço IP da conexão utilizada. Segundo essa linha de
pensamento, não cabe falar em anonimato diante da mera ausência
de assinatura ou identificação externa da responsabilidade pela
publicação.
As resoluções emitidas pela Justiça Eleitoral130 acolheram este
último entendimento, estabelecendo que:
“[A] ausência de identificação imediata do usuário responsável pela
divulgação do conteúdo não constitui circunstância suficiente para o
deferimento do pedido de remoção de conteúdo da internet e somente
será considerada anônima caso não seja possível a identificação dos
usuários após a adoção das providências previstas nos arts. 10 e 22
da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet)”.
Nessa esteira, para que o conteúdo de propaganda eleitoral
sem identificação externa ao usuário seja compreendido como
“anônimo”, devem ser intentados anteriormente os mecanismos de

129 Dado pelo art. 5°, IV da Constituição Federal e pelo art. 57-D da Lei das Eleições (L.9.504/97)
ao anonimato.
130 Art. 33, § 2º da Res. TSE nº 23.551/2017.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 109


identificação previstos no Marco Civil da Internet. Vale ressaltar,
também, que o anonimato não é, em si, razão suficiente para retirar
conteúdo da internet. O conteúdo precisa ser ilícito para que haja
pretensão de retirada, identificação e responsabilização.
Esse tema é povoado por casos difíceis, como os de perfis de sátira
política, por exemplo. Em conflito envolvendo um perfil no Twitter
chamado “@LulaInflado” (em alusão aos bonecos que caricaturam
o ex-presidente), o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que
não havia pretensão legítima em demanda para fornecer dados
para identificar quem estaria por trás do perfil por conta de não
existirem “fundados indícios da ocorrência do ilícito”. É possível
situar o caso como um exemplo dentro de um quadro mais amplo
de situações que se tornaram comum na arena pública:
@HumansofPT, @AeciodePapelão, @LulaInflado e @BolsonaroOpressor
são alguns dos muitos casos de contas do Twitter criadas para verba-
lizar críticas e comentários a respeito da política e dos políticos no
Brasil. Os tuítes são ousados, provocadores, polêmicos, em alguns
casos utilizando-se primordialmente do humor.
Especialmente neste contexto de polarização política e de ânimos exal-
tados, vale a pena questionar se esses tuítes estariam sendo publicados
se os autores detrás dessas contas fossem obrigados a usar seus nomes
verdadeiros. Será que eles teriam medo de sofrer retaliação pública
ou perseguição? Será que, utilizando-se de seus nomes, sentiriam a
mesma liberdade, ou ousariam da mesma forma questionar as atitudes
de políticos tão poderosos e influentes?
É verdade que existe, na Constituição Federal, uma vedação à mani-
festação do pensamento feita de forma anônima. Isso não quer dizer
que as pessoas não possam se utilizar de “nomes fictícios” (pseudô-
nimos), como é o caso de artistas e escritores, que escolhem outras
denominações ora por motivos mercadológicos, ora por não quererem
se identificar. As contas com nomes fictícios no Twitter são mais
próximas disso que parecem à primeira vista.
O fato de uma manifestação na Internet ser feita por meio de uma
conta que não identifica o nome real de quem está postando não signi-
fica que a identidade da pessoa em questão não possa ser descoberta.131

131 Antonialli, Dennys; Brito Cruz, Francisco; Valente, Mariana. A internet no banco dos réus. São
Paulo: AASP, 2017.

110 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


PROBLEMAS EM CASOS DE
IDENTIFICAÇÃO DE USUÁRIOS
Uma série de complicações pode surgir da adoção de tais enten-
dimentos pela Justiça Eleitoral. Em primeiro lugar porque o tempo
necessário para que o mecanismo estabelecido pelo Marco Civil da
Internet funcione pode ser incompatível com a celeridade exigida
pelo processo eleitoral. A duração do trâmite de requerimentos de
informação aos provedores de aplicação e, posteriormente, para os
provedores de conexão muitas vezes “não cabe” no exíguo prazo
de campanha. Isto exigirá das campanhas, da Justiça Eleitoral e das
plataformas que receberão pedidos atenção e sensibilidade, sob
pena de que processos que visem a responsabilização de agentes por
conteúdos exibidos durante a campanha percam o objeto, perdendo
o timing para ter o efeito visado sobre a disputa. Ao mesmo tempo, é
fato que as preocupações com potenciais efeitos inibidores (chilling
effects) para a liberdade de expressão, decorrentes de pedidos de
remoção e identificação utilizados para intimidar e suprimir mani-
festações legítimas, devem permear também o processo eleitoral,
como nos casos de sátira referidos acima.
Em segundo lugar, processos de identificação na Justiça Eleitoral
podem sofrer dos mesmos problemas que demais procedimentos
judiciais, como, por exemplo, a ausência de guarda das informa-
ções das portas lógicas utilizadas para o acesso à internet.132 Isto
evidencia questões sem resposta, lacunas jurídicas e conflitos postos
tanto à Justiça Comum quanto à Justiça Eleitoral, desafiando seus
operadores a repensar instrumentos normativos e interpretações
que deem conta de problemas que surgirão a partir do uso de
tecnologias dinâmicas e sempre em transformação.

132 O ESTADO DE S. PAULO, “O anonimato na internet e o debate que se anuncia na Justiça Eleitoral”,
Publicado em 10/01/2018. Acesso em 23/02/2018. Disponível em: <http://politica.estadao.com.
br/blogs/fausto-macedo/o-anonimato-na-internet-e-o-debate-que-se-anuncia-na-justica-eleitoral/>

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 111


RESPONSABILIDADE DAS
PLATAFORMAS DE INTERNET POR
CONTEÚDO GERADO POR TERCEIROS
Com relação à responsabilidade dos provedores de aplicação de
internet, as resoluções mais recentes emitidas pelo TSE adotaram
linha de entendimento no sentido de que a responsabilidade do
provedor surge após o descumprimento de decisão judicial ante-
rior para a remoção de conteúdo ilícito dentro “do prazo razoável
assinalado”. Este entendimento é fundamentado no modelo de
responsabilização adotado pelo Marco Civil da Internet que, como
vimos, visa proteger o direito à livre manifestação do pensamento
dos cidadãos, afastando modelos que gerariam maior controle de
conteúdo por parte das plataformas.
Isto quer dizer que provedores apenas serão responsabilizados
caso tenham prévio conhecimento da existência de um conteúdo
considerado ilícito pela Justiça Eleitoral. A resolução que trata do
assunto indica expressamente133 que:
“[A]plicam-se ao provedor de conteúdo e de serviços multimídia que
hospeda a divulgação da propaganda eleitoral de candidato, de partido
ou de coligação as penalidades previstas nesta resolução se, no prazo
determinado pela Justiça Eleitoral, contado a partir da notificação de
decisão judicial específica sobre a existência de propaganda irregular,
não tomar providências para a cessação dessa divulgação”
Esta regra afasta um argumento prévio de que o “prévio conhe-
cimento” exigido para os provedores de aplicação seria similar ao
estabelecido aos beneficiários por propaganda eleitoral irregular na
Lei Eleitoral.134 Neste raciocínio, a responsabilidade de tais empresas
deveria ser aplicada prescindindo de uma ordem judicial que indique
a irregularidade do conteúdo, assumindo que elas deveriam exercer
um controle do conteúdo que é postado antes de receberem qualquer
ordem judicial de retirada (assim como candidatos beneficiários de
propaganda eleitoral em relação a seus correligionários e apoiadores).

133 Art. 57-F, caput da Lei das Eleições (L.9.504/97) c.c. art. 19 do Marco Civil da Internet
(L.12.965/2014).
134 Art. 40-B e §2° do art. 57-Cda Lei das Eleições (L.9.504/97).

112 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


RESPONSABILIDADE DE USUÁRIOS
PELO COMPARTILHAMENTO
DE CONTEÚDO DE TERCEIROS
EM REDES SOCIAIS
A internet, e especialmente as redes sociais, são espaços naturais
de compartilhamento de conteúdo. Os usuários são atores chave
na disseminação de informações. Este compartilhamento pode ser
consciente ou incauto, levando a que pessoas que fazem parte da
rede daquele usuário (seus seguidores ou amigos) possam vir a ter
contato com um conteúdo por sua causa. E se esse conteúdo for
ilícito? O compartilhamento de conteúdo ilícito por um eleitor pode
ser capaz de levar à sua punição pela Justiça Eleitoral?
Apesar de existirem precedentes regionais em sentido contrário,135
o entendimento recentemente consolidado do Tribunal Superior
Eleitoral, é que sim, quem compartilha conteúdo é também responsável

135 RECURSO – PESQUISA ELEITORAL – DIVULGAÇÃO DE PESQUISA SEM REGISTRO NA JUSTIÇA


ELEITORAL – COMPARTILHAMENTO NO FACEBOOK – PESQUISA ORIGINALMENTE PUBLICADA NO
PERFIL DE UM DOS CONTATOS VIRTUAIS DA RECORRENTE – COMPARTILHAMENTO RESTRITO
AOS SEGUIDORES NA REDE SOCIAL – MULTA AFASTADA – PROVIMENTO DO RECURSO.” (TRE-SC,
Recurso contra Decisões de Juízes Eleitorais n. 35695, Acórdão n. 28277, de 26.06.2013, da relatoria
do juiz Marcelo Krás Borges), EMENTA: ELEIÇÕES 2016. PROPAGANDA. DIREITO DE RESPOSTA.
FACEBOOK. COMPARTILHAMENTO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA SEM ADIÇÃO DE CONTEÚDO. LIVRE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. Para o cidadão comum, as matérias
apresentadas nos noticiários são presumidamente verdadeiras, não sendo razoável imaginar que,
ao compartilhá-las em seus perfis nas redes sociais sem adição de conteúdo, o faça com intuito
perverso. 2. Atribuir ao eleitor que compartilha matéria veiculada em noticiário de rede de televisão
a responsabilidade pelo seu conteúdo desborda de qualquer limite do razoável, implicando censura
inadmissível no ambiente de liberdade que caracteriza o Estado Democrático de Direito, em especial
quando o interessado se conforma com decisão parcialmente desfavorável em representação
manejada contra a real responsável pelo conteúdo. 3. Recurso provido. Ação cautelar prejudicada.
(RECURSO ELEITORAL n 65783, ACÓRDÃO n 51799 de 04/10/2016, Relator(a) ADALBERTO JORGE
XISTO PEREIRA, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 04/10/2016)

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 113


por eventual ilícito.136 Assim, o compartilhamento de conteúdo
ilícito, ainda que originalmente publicado por terceiro, está sujeito
às sanções cíveis decorrentes da ilicitude.
Essa interpretação, contudo, pode limitar a liberdade de
expressão, devendo ser ponderada com a análise de circunstân-
cias fáticas sobre eventual conhecimento da ilicitude por quem
compartilhou o conteúdo. Se o compartilhamento foi de uma ofensa
ou mentira flagrantes, há clara responsabilidade. Se o comparti-
lhamento foi de uma pesquisa eleitoral irregular – a não ser que as
circunstâncias fáticas demonstrem o conhecimento do ilícito – não
pode o cidadão ser sancionado por ter sido induzido a erro por
um material irregular.

136 PESQUISA ELEITORAL. FACEBOOK. DIVULGAÇÃO SEM PRÉVIO REGISTRO. APLICAÇÃO DE MULTA
(ART. 33, § 3o. DA LEI 9.504/97). O acórdão regional está em consonância com a jurisprudência do
TSE, no sentido de que todos aqueles que divulgam pesquisa eleitoral sem prévio registro na Justiça
Eleitoral, inclusive aqueles que compartilham, no Facebook, pesquisa originalmente publicada por
terceiro, estão sujeitos ao pagamento de multa, nos termos do§ 3o. do art. 33 da Lei 9.504/97. Incidência
do verbete sumular 30 do TSE. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgR-Al 1074-40/MG,
ReI. Min. ADMAR GONZAGA, DJe 6.10.2017)

114 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


5
capítulo
Desinformação e
manipulação do cidadão:
fake news e outras técnicas
O uso massivo da internet (em especial de redes sociais) e recentes
episódios que escancararam usos de tecnologia para gerar desinfor-
mação com a finalidade de influenciar processos eleitorais provo-
caram intenso debate sobre regulação no Brasil e no exterior. Em
que medida isto representa um novo problema? Devem existir
instrumentos jurídicos para lidar com tais técnicas? Quais?

Boatos e mentiras: um problema antigo


em campanhas eleitorais
Boatos e mentiras são artifícios usados por campanhas eleitorais
desde muito tempo. Exemplos não faltam na história das eleições
brasileiras: panfletos apócrifos e o “boca a boca” fizeram parte de
campanhas desde antes mesmo delas chegarem à televisão. Com o
desenvolvimento da radiodifusão, surgem preocupações e regulações
ligadas à prevenção de que tais tecnologias fossem utilizadas para
difundir massivamente informação enviesada, influenciando grandes
partes do eleitorado. Neste contexto começam a surgir instrumentos
legais que tutelam a mídia durante períodos eleitorais.137
O que há de novo com a internet é que ela trouxe novos instrumentos
midiáticos para a disseminação de quaisquer informações, inclusive
as enviesadas e as mentirosas. Duas são as suas características. Em
primeiro lugar, a transmissão passou a ser instantânea, o que reduziu
intervalos de tempo reservados à verificação de fatos em contextos
nos quais iria se publicar aquela informação na edição seguinte do

137 Essa evolução foi descrita meticulosamente por Karina Bertani em “A Política Entra no
ar: Evolução e Características do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral” (Ciências Sociais em
Perspectiva (5) 8: 1 0 3 – 1 1 5 1º sem. 2006).

117
jornal – seja ele impresso ou transmitido no rádio ou televisão. Em
segundo lugar, aplicações de internet tornaram possível a democra-
tização de ferramentas de publicação – qualquer cidadão passou a
poder publicar informações acessíveis em todo o mundo e com poucos
recursos é possível montar uma página Web que disponibilize notícias.
Informações falsas ou simplesmente não verificadas que circulavam
na forma de boatos, no boca a boca, puderam ser transpostas sem
grande custo para um simulacro de notícia emitida por um simulacro
de veículo de mídia: uma verdadeira “notícia fraudulenta”.138
Estas características estão na raiz da chamada discussão sobre
“fake news” na era digital. Quando percentual considerável da popu-
lação passa a se informar por meio de publicações na internet, em
especial veiculadas em redes sociais, o modelo até então praticado
para fornecer à população informação política com um mínimo
de veracidade acaba em xeque. Este modelo foi construído pelo
jornalismo profissional.

A POLARIZAÇÃO POLÍTICA NAS


REDES E A COMPETIÇÃO ENTRE
PRODUTORES DE NOTÍCIAS139
O jornalismo profissional nos mostrou que tão importante quanto
saber quem disse o quê (o que muitas vezes em si é notícia) é saber o
não-dito e entender porquês. Por ser fruto de investigação, checagem
e análise, a informação política de qualidade é um insumo produ-
zido a muito custo por comunicadores. Nesta história já datada de
antes da internet, aprendemos inclusive que grandes conglomerados
de mídia podem não ser o único lar possível do jornalismo ético
e profissional: iniciativas independentes por vezes revelam o que
tais conglomerados não têm interesse em mostrar.

138 O termo foi sugerido por Carlos Eduardo Lins e Silva, professor da Universidade de São Paulo,
que buscou precisão em uma tradução da expressão “fake news” para o português.
139 Nexo Jornal, “Cenários para 2018: como ficarão nossos direitos na eleição mais digital da
história?”. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/Cenários-para-2018-como-fi
carão-nossos-direitos-na-eleição-mais-digital-da-história>. Acesso em 27/01/2018.

118 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


A chegada de novas plataformas de internet, como o Facebook,
mudou radicalmente a circulação dessa informação. Seja competindo
pelos mesmos anunciantes, ou seja, por serem estruturados por
algoritmos (confira definição em nosso apêndice de termos técnicos)
difíceis de entender, esses intermediários colocaram em xeque
pequenos e grandes produtores de conteúdo ao fazê-los competir
em busca de cliques. No que clicamos primeiro? No conteúdo viral
ou na longa matéria analítica? Cada curtida e compartilhamento
alimenta o algoritmo que, assim como um editor lutando por mais
e mais atenção de seus leitores, calibra-se. Este é um processo
automatizado que tem por objetivo atrair a atenção de usuários de
internet para que eles passem tempo navegando nas plataformas,
despendendo uma atenção que, como já explicamos, será utilizada
para lhes enviar anúncios. A venda de tais anúncios gera a receita de
tais plataformas assim como a publicidade gera a receita de jornais
e redes de rádio e televisão.
Desde a eleição de 2014, passamos por um processo social e
político que calibrou tais algoritmos para a polarização política.
Dizer que o Facebook é o responsável por isso é um confortável
autoengano. Como já esteve antes (e como muitos outros países
estão ou já estiveram), o Brasil está politicamente dividido, seja pela
eleição mais concorrida da história, pela maior operação anticor-
rupção ou, ainda, pelo conturbado processo de impedimento de
sua presidenta. Neste cenário, estamos expostos àquilo com que
tendemos a concordar ou ao que vemos com desconfiança?
Dados do Monitor do Debate Político no Meio Digital,140 da
Universidade de São Paulo, demonstram que a polarização tornou
refém o consumo de informação: “aquela notícia vira uma arma
de combate”.141 Como numa guerra, a ética nem sempre prevalece
e os produtores de “armas” lucram. Concorrendo lado a lado com
custosas checagens e reportagens investigativas estão sites que

140 Disponível: <https://www.facebook.com/monitordodebatepolitico/>.


141 O ESTADO DE S. PAULO, “‘É necessário que cada boato seja desmentido’, diz professor da USP”,
publicado em 05/02/2018. Acesso em 23/02/2018. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/
noticias/geral,e-necessario-que-cada-boato-seja-desmentido-diz-professor-da-usp,70001653443>.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 119


publicam teorias da conspiração ou manchetes sensacionalistas que
jogam o jogo da polarização. Produzindo tais “matérias” estão organi-
zações híbridas, algo entre veículos de mídia e agências de marketing
digital – e, por vezes, partidos ou movimentos políticos. Exemplos
não faltam: competindo de igual para igual em cliques e comparti-
lhamentos com a Folha de S. Paulo e o Globo, o Jornalivre142 têm,
dentre seus administradores de conteúdo, membros do Movimento
Brasil Livre.143 Do outro lado da polarização, veículos de esquerda
não escondem que se articulam com movimentos sociais e partidos
políticos.
Este é o cenário do setor de mídia brasileiro que começa a receber
discussões sobre o controle de fake news, muito influenciadas pela
atenção recebida por este tema a partir dos contextos políticos
estadunidense e europeu. Este quadro destaca como os problemas
de desinformação estão intimamente ligados a dinâmicas políticas
e econômicas que não necessariamente serão resolvidas na raiz a
partir de arranjos de controle de conteúdo, como veremos abaixo.

DEFINIÇÕES DE “FAKE NEWS”


Antes, é necessário entender do que se trata o debate sobre
“fake news”. Existem definições que podem ajudar a entender
estes processos de desinformação. Pesquisas sobre o assunto têm
deixado claro que existe uma série de diferentes problemas que
envolvem circulação de notícias que podem aparecer sob essa mesma
discussão. Alguns desses problemas são dificuldades típicas da
atividade jornalística ou da propaganda política antes da internet,
outros são expedientes que apenas se tornaram relevantes a partir
do uso da internet e das redes sociais de forma mais abrangente
pela população.

142 Disponível em: <https://www.jornalivre.com/>.


143 VICE, “Pelo jeito a relação entre o MBL e o site Jornalivre é um pouco mais do que “amigável””,
publicado em: 23/10/2017. Acesso em: 23/02/2018. Disponível em: <https://www.vice.com/pt_br/
article/bj7x4z/pelo-jeito-a-relacao-entre-o-mbl-e-o-site-jornalivre-e-um-pouco-mais-do-que-amigavel>.

120 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Mapear estes problemas e classificá-los é útil para quaisquer tenta-
tivas de melhorar o acesso à informação política de qualidade por
parte dos cidadãos, bem como o de mitigar os efeitos que problemas
neste acesso podem ocasionar à normalidade e à integridade de uma
eleição. Pesquisadores do Centro Shorenstein de Mídia, Política e
Políticas Públicas na Universidade de Harvard144 buscaram abordar
a questão de maneira analítica, diferenciando três tipos de infor-
mações de má-qualidade. Adaptado ao contexto brasileiro pelo
InternetLab, este esforço pode ser sintetizado em três “famílias” de
problemas com a informação consumida.

QUADRO 8. FAMÍLIAS DE PROBLEMAS NA


DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES

Publicação de informação incorreta (mis-Information) – A informação está


incorreta, mas não há intenção dolosa de causar dano à sociedade. É o caso
de um jornalista que não verifica os fatos que chegaram a seu conhecimento e
acaba por publicar algo errado em sua matéria, o que pode ou não acabar sendo
corrigido depois.
Publicação de informação enviesada (mal-Information) – Quando informações
verdadeiras são publicadas com o intuito de prejudicar uma pessoa, organização,
partido político etc. Isso pode acontecer inclusive a partir da disseminação de
informações que eram privadas fora de contexto. Não necessariamente a publi-
cação de informações de maneira enviesada é ilegítima, especialmente porque
pode haver interesse público para que os fatos em questão sejam conhecidos
pela população.
Desinformação (dis-Information) – Ocorre a partir da publicação de informações
incorretas de maneira enviesada. Entram nessa hipótese os casos de adulteração
de informações e fontes e de manipulação de conteúdo.

Além de estabelecer estes diferentes tipos, o estudo também se


preocupa em analisar os elementos (agente, mensagem e interlo-
cutor) e as fases (criação, produção e distribuição) que podem ter
sido chave na publicação de informações incorretas, enviesadas ou

144 WARDLE, Claire Wardle. DERAKHSHAN, Hossein. “Information Disorder: Toward an interdisci-
plinary framework for research and policymaking”. Disponível em: <https://shorensteincenter.org/
information-disorder-framework-for-research-and-policymaking/>.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 121


de desinformação. Nem sempre o componente “desinformador” está
na notícia em si – ele pode até mesmo estar no uso de informações
antigas que leve à confusão sobre a data de um fato. O engano pode
estar em diversos elementos da comunicação, muitos deles difíceis
de se regular ou acessar.
Considerar estes fatores na abordagem de eventuais “notícias
falsas” é essencial para tornar efetivas e adequadas medidas que
venham a conter a sua disseminação. Nem sempre faz sentido veri-
ficar a veracidade dos fatos reportados em si, mas sim o contexto, a
forma, a linguagem e o efeito nos leitores do conteúdo em questão.145
É nestes diversos elementos que agentes que visam se aproveitar da
polarização política irão incutir seus vieses, produzindo informações
prontas para competir por curtidas.

SOLUÇÕES JURÍDICAS PARA


O ENFRENTAMENTO DA
DESINFORMAÇÃO NA INTERNET
As origens políticas e econômicas do problema e as dificuldades
de defini-lo não acanharam a propositura de uma série de inicia-
tivas para que o Estado intervenha na circulação de informações
na internet, inclusive a partir de uma perspectiva criminal, o que
pode abrir precedentes questionáveis para censura.146 Isto ocorre
ao mesmo tempo que o sistema político se encontra em grave crise,
no qual seus expoentes digladiam-se por credibilidade após a terra
arrasada da Operação Lava Jato. Este cenário pode tornar o terreno
frutífero para propostas legislativas que lhes garantam mais controle
sobre o discurso, fazendo com que o medo das “fake news” possa
se tornar algoz da livre expressão. Este impasse somente deve se

145 Public Data Lab & First Draft. “A Field Guide to “Fake News” and Other Information Disorders”.
Disponível em: <http://fakenews.publicdatalab.org>.
146 FOLHA DE S. PAULO, “Chefe da Polícia Federal defende trabalho contra 'fake news'”,
Publicado em 16/11/2017. Acesso em 23/02/2018. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.
br/poder/2017/11/1935883-chefe-da-policia-federal-defende-trabalho-contra-fake-news.shtml>.

122 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


resolver a partir da compatibilização entre diferentes preocupações
na tutela de direitos e princípios fundamentais, como a liberdade
de expressão e a soberania popular.
Como veremos em capítulo posterior, foram também tomadas
medidas pelo setor privado. Apontadas por muitos como heroínas,
novas iniciativas de “fact-checking” (checagem de fatos) têm difi-
culdade em ganhar escala e em fazer suas verificações repercutirem
tanto quanto os boatos que desmentem.147 Entre as plataformas de
internet (Google, Facebook), uma das abordagens é a de combater
o uso de perfis falsos. Outra, de minorar a circulação de boatos
caça cliques dentro de seus feeds ou resultados de busca, sufocando
financeiramente seus produtores.148 Por sua vez, cada uma das inicia-
tivas gera demandas por transparência por parte da sociedade civil.
Mas quais são os instrumentos já disponíveis para enfrentar a
disseminação de desinformação nas redes que pode causar dano à
normalidade, integridade e legitimidade das eleições ou a direitos
de candidatos, partidos ou coligações? Enquanto o debate ocorre
no Congresso Nacional (ver quadro), mecanismos já descritos neste
trabalho podem servir para endereçar uma série de conteúdos ilícitos
que podem estar sob a alcunha de “notícias falsas”.

147 Disponível em: <http://www.politize.com.br/checagem-de-fatos/>.


148 Disponível em: <https://blog.google/products/search/our-latest-quality-improvements-search/ e
https://br.newsroom.fb.com/news/2017/04/nova-ferramenta-do-facebook-contra-desinformacao/>.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 123


QUADRO 9. PROJETOS DE LEI SOBRE “FAKE NEWS”
QUE TRAMITAM NO CONGRESSO NACIONAL

Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
Propõe a criminalização da A proposta visa a criminalizar
divulgação ou compartilhamento apenas a divulgação feita
PL
de informação falsa ou pela internet, que tenha
6812/2017,
prejudicialmente incompleta, Proposta como objetivo prejudicar
proposto
em detrimento de pessoa física avulsa de pessoa física ou jurídica. No
pelo dep.
ou jurídica, estabelecendo pena responsabilização entanto, não define o que
Luiz Carlos
de detenção de 2 a 8 meses e penal de seria uma notícia “falsa ou
Hauly (PSDB/
multa. Prevê ainda que os valores indivíduos. prejudicialmente incompleta”,
PR) em
arrecadados com a multa serão deixando ampla margem para
02/02/2017.
creditados ao Fundo de Defesa interpretação, com ameaças
dos Direitos Difusos (CFDD). à liberdade de expressão.
A proposta previa a alteração
do Marco Civil da Internet
para incluir a necessidade de
certificação digital de todo
conteúdo postado na Internet,
como forma de possibilitar a
PL
conferência “de sua autenticidade,
6928/2017,
autoria e integridade”. O projeto
proposto pelo
estabelecia ainda que a veiculação
dep. Tenente
de “informações inverídicas ou
Lúcio (PSB/
de fatos verdadeiros truncados Marco Civil Projeto retirado de
MG) em
ou deturpados” seria suscetível da Internet. tramitação pelo autor.
15/02/2017.
de responsabilização por dano
Retirado de
moral e patrimonial e tornava
tramitação
os proprietários dos domínios
pelo autor em
e provedores de hospedagem
05/04/2017.
corresponsáveis pelo conteúdo
postado. Além disso, provedores
de aplicações também poderiam
ser responsabilizados por
danos decorrentes de conteúdo
gerado por terceiros.

124 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
A proposta traz termos
A proposta visa a responsabilizar
genéricos e não define o que
provedores de conteúdo, quando
são “informações falsas,
suas plataformas divulgarem
ilegais ou prejudicialmente
informações falsas, ilegais ou
incompletas”. Além disso,
prejudicialmente incompletas
PL apesar de não alterar
em detrimento de pessoa física
7604/2017, diretamente o MCI, o projeto
ou jurídica, prevendo a aplicação
proposto propõe uma nova exceção à
de multa de até R$ 50 milhões
pelo dep. Proposta regra de responsabilização
às empresas que não apagarem
Luiz Carlos avulsa de de intermediários prevista
em até 24 horas as publicações
Hauly (PSDB/ responsabilização na lei, ao tornar as
veiculadoras dessas notícias. A
PR) em civil de plataformas corresponsáveis
proposta estabelece também que
10/05/2017. plataformas. pela divulgação de
os provedores deverão criar filtros
Apensado informações, criando riscos
e ferramentas na organização de
ao PL à liberdade de expressão.
suas atividades, para impedirem
6812/2017. Ademais, a obrigação de
e restringirem a veiculação de
implementação de filtros
informações falsas, além da
e outras ferramentas
obrigação de estabelecerem
pelas plataformas pode
regras que definam o que pode
levar à censura prévia de
ser exibido nas plataformas.
conteúdos legítimos.
PL
8043/2017,
proposto
O projeto propunha a inserção de
pelo dep.
parágrafo ao art. 10 do Marco Civil
Ricardo Izar
da Internet para obrigar provedores Marco Civil Projeto retirado de
(PP/SP) em
de aplicações a exigirem o CPF de da Internet. tramitação pelo autor.
05/07/2017.
usuário que solicitar “abertura de
Retirado de
página em aplicações de internet”.
tramitação
pelo autor em
04/08/2017.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 125


Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
A proposta não define o
que é uma notícia falsa ou
Propõe inclusão de artigo no prejudicialmente incompleta
Código Penal para tipificar o crime e é muito ampla ao definir o
de divulgação de notícia falsa meio de divulgação, como
ou prejudicialmente incompleta, aquele “capaz de atingir
PL
no capítulo que trata dos crimes um número indeterminado
8592/2017,
contra a fé pública. A proposta de pessoas”. Além disso,
proposto pelo
criminaliza a divulgação ou não estabelece como será
dep. Jorge
compartilhamento “por qualquer determinado o conhecimento
Côrte Real
meio de comunicação social Código Penal. do agente quanto à falsidade
(PTB/PE) em
capaz de atingir um número ou à incompletude da
13/09/2017.
indeterminado de pessoas” informação divulgada, ao
Apensado
de informação falsa ou usar termos vagos como
ao PL
prejudicialmente incompleta, caso “sabendo ou devendo
6812/2017.
o agente saiba ou deva saber da saber”. A redação atual do
falsidade ou incompletude da dispositivo abre margem
informação, prevendo pena de para que seja usado em um
detenção de um a dois anos. leque amplo de situações,
criminalizando uma série
de condutas legítimas.
A conduta tipificada é muito
Propõe inclusão de artigo no
ampla, criminalizando a
Código Penal para tipificar o crime
divulgação, por qualquer
de divulgação de notícia falsa,
meio, de notícia relacionada
no capítulo que trata dos crimes
a um grande leque de temas,
contra a fé pública. Pela proposta,
sem definir o que será
quem divulgar notícia que sabe
entendido como potencial
ser falsa e que possa distorcer,
para “distorcer, alterar ou
PLS alterar ou corromper a verdade
corromper a verdade”, nem
473/2017, sobre informações relacionadas
o que é interesse público. A
proposto à saúde, à segurança pública, à
proposta também exige que
pelo sen. Ciro economia nacional, ao processo Código Penal.
o agente tenha ciência de
Nogueira eleitoral ou que afetem interesse
que a notícia compartilhada
(PP/PI) em público estará sujeito a penas de
é falsa, mas não especifica
13/09/2017. seis meses a dois anos e multa. A
como tal conhecimento será
pena passa a ser de reclusão, de
identificado. A amplitude
um a três anos, se a divulgação
e falta de definição dos
for feita pela internet. A proposta
temas cria riscos à liberdade
prevê ainda o aumento da pena de
de expressão, uma vez
um a dois terços se a divulgação
que muitos conteúdos
for para obter vantagem
legítimos poderiam ser
própria ou para terceiros.
enquadrados na lei.

126 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
Redação muito similar a do PLS
473/2017. Propõe inclusão de
artigo no Código Penal, no capítulo
que trata dos crimes contra a fé
pública, para tipificar divulgação
de notícia sabidamente falsa e
PL que possa modificar ou desvirtuar
9554/2018, a verdade com relação à saúde,
proposto pelo segurança pública, economia ou
dep. Pompeo processo eleitoral ou que afetem
de Mattos interesse público relevante,
Código Penal. Idem PLS 473/2017.
(PDT-RS) em prevendo pena de detenção, de um
07/02/2018. a três anos, e multa. A pena passa
Apensado a ser de reclusão, de dois a quatro
ao PL anos, e multa se a divulgação for
6812/2017. feita pela internet, redes sociais
ou outro meio que facilite a
disseminação da informação. A
proposta prevê ainda o aumento
da pena de um a dois terços
se a divulgação for para obter
vantagem própria ou para terceiros.
PL
9532/2018,
proposto Visa a alterar o Código Eleitoral
pelo dep. para definir como crime a produção
A proposta adota uma
Francisco e divulgação, com a finalidade
definição uma ampla de
Floriano de disseminar no WhatsApp,
notícias falsas, capaz de
(DEM-RJ) em Facebook e/ou nas redes sociais,
criminalizar uma série de
07/02/2018. de notícias falsas em relação a
condutas e manifestações
Apensado a partidos ou candidatos, capazes
Código Eleitoral. políticas legítimas,
conjunto de de exercerem influência perante
especialmente em período
propostas o eleitorado, prevendo pena de
eleitoral, no qual o objetivo
que visam reclusão de 4 a 8 anos e multa. A
das campanhas é justamente
a alterar proposta prevê ainda aumento de
“exercer influência
o Código pena nos crimes de propaganda
perante o eleitorado”.
Eleitoral eleitoral enganosa, caso seja
(sendo o PL cometido via redes sociais.
3453/2004
o principal).

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 127


Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
Visa a alterar a Lei 7170/1983,
que define os crimes contra a
segurança nacional, para dobrar
PL a pena do crime de propaganda A proposta não traz uma
9533/2018, criminosa (art. 22) caso a conduta definição de “notícia falsa”,
proposto seja cometida “por meio de nem tampouco do que
pelo dep. Whatsapp, Facebook e/ou redes caracterizaria “atos de
Lei 7170/1983
Francisco sociais”. Prevê ainda a inclusão hostilidade e violência
(Crimes contra
Floriano na lei de artigo que criminaliza contra o governo”. A
a Segurança
(DEM-RJ) em a “produção e divulgação de amplitude dos termos
Nacional).
07/02/2018. fake news, seja no formato de usados cria o risco de que tal
Apensado texto ou vídeo, com a finalidade dispositivo seja usado para
ao PL de disseminar no Whatsapp, criminalizar mobilizações
6812/2017. Facebook e/ou nas redes sociais políticas legítimas.
notícias falsas capazes de
provocar atos de hostilidade e
violência contra o governo”.

128 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
Visa a alterar o Código Eleitoral e
a Lei das Eleições (Lei 9504/1997)
para agravar as penas dos crimes
eleitorais praticados por meio
de veículos de comunicação.
A proposta estabelece como
A conduta que visa a
crime eleitoral a divulgação ou
combater notícias falsas
PL compartilhamento, por qualquer
é muito ampla, com
9626/2018, forma, de fato em relação a
riscos de enquadrar uma
proposto pelo partidos políticos, candidatos
série de manifestações
dep. Carlos ou pré-candidatos, que “sabe
políticas legítimas,
Sampaio ou que por suas características
afetando a liberdade de
(PSDB/ e circunstâncias deveria saber
expressão. Ademais, cria
SP) em inverídicos e capaz de exercer
novos tipos penais para
27/02/2018. influência perante o eleitorado
calúnia, difamação e injúria
Apensado a ou afetar a opinião de eleitores”, Código Eleitoral e
eleitoral, com previsão de
conjunto de prevendo pena de detenção de 1 a Lei das Eleições.
penas muito superiores
propostas 4 anos e multa de R$ 50.000,00 a
às previstas no Código
que visam R$ 1.000.000,00. Além disso, cria
Penal. A criminalização da
a alterar novos tipos penais para calúnia,
contratação de pessoas
o Código difamação e injúria na propaganda
com a finalidade específica
Eleitoral eleitoral. A proposta também altera
de emitir mensagens ou
(sendo o PL a Lei das Eleições, estabelecendo
comentários na internet
3453/2004 como crime a “contratação direta
ameaça campanhas
o principal). ou indireta de grupo de pessoas
políticas e mobilizações
com a finalidade específica de
de grupos na internet.
emitir mensagens ou comentários
na internet para ofender a honra ou
denegrir a imagem de candidato,
partido ou coligação”, com penas
de detenção 4 a 8 anos e multa de
R$ 200.000,00 a R$ 2.000.000,00.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 129


Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
Propõe alterar o Marco Civil da
Internet para estabelecer um
novo regime de responsabilização
de provedores, determinando
que provedores de conteúdo
e de conexão à internet
serão responsabilizados civil A proposta visa a alterar o
PL
e criminalmente por danos MCI, mudando o regime de
9647/2018,
decorrentes de conteúdo gerado responsabilização tanto de
proposto pelo
por terceiros, inclusive por meio provedores de aplicação
dep. Heuler
de perfis falsos e notícias falsas. quanto de provedores de
Cruvinel Marco Civil
A proposta prevê ainda que em conexão, criando incentivos
(PSD-GO) em da Internet.
casos de conteúdos que atentem para monitoramento e
28/02/2018.
contra direitos da personalidade, controle prévio de conteúdo
Apensado
o juizado especial responsável por gerado por usuários, com
ao PL
analisar o caso poderá antecipar riscos à privacidade e
6812/2017.
os efeitos da tutela. Na hipótese liberdade de expressão.
de indisponibilização de conteúdo,
o projeto prevê que o provedor
de aplicação deverá notificar o
usuário, apresentando os motivos
ou a ordem judicial que deu
fundamento à indisponibilização.
A proposta visa a tipificar a
PL Propõe alterar o Código Penal,
produção e disseminação de
9761/2018, no capítulo que trata dos crimes
notícia falsa como um crime
proposto pelo contra a honra, para tipificar
contra honra, com foco no
dep. Celso criminalmente a conduta de quem
prejuízo que podem trazer
Russomano cria, veicula, compartilha, ou deixa
Código Penal. à reputação das pessoas
(PRB/SP) em de remover, em meios eletrônicos,
por elas afetadas, o que
13/03/2018. notícias ou informações que
pode ser usado por figuras
Apensado sabe ser falsas, estabelecendo
públicas para coibir críticas,
ao PL pena de detenção, de três
com riscos especialmente
6812/2017. meses a um ano, e multa.
à liberdade de expressão.

130 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
Propõe alterar o Código Penal, A proposta também
no capítulo que trata dos crimes tipifica a conduta como
contra a honra, para tipificar a um crime contra a honra,
conduta de quem oferece, publica, trazendo os riscos acima
distribui, ou difunde notícia ou mencionados. Além da
PL
informação que sabe ser falsa em falta de definição de termos
9838/2018,
meios eletrônicos ou impressos, e do uso de expressões
proposto pelo
estabelecendo pena de detenção, genéricas, as causas de
dep. Arthur
de três meses a um ano, e multa. aumento de pena são
Oliveira Maia
A proposta prevê ainda que a pena Código Penal. especialmente preocupantes.
(PPS/BA), em
se aplica em dobro se a notícia ou A pena é aumentada
21/03/2018.
informação tiver “potencialidade caso a informação tenha
Apensado
de causar pânico, divisão, caos, potencialidade de “causar
ao PL
violência, ou se a intenção do divisão” ou “vise influir
6812/2017.
agente for atingir a reputação de no processo eleitoral”,
outrem”, e é aumentada de um a situações bastante
dois terços se o agente divulgar a corriqueiras nos debates
notícia ou informação falsa visando políticos, especialmente
influir no processo eleitoral. em períodos eleitorais.
Propõe alterar o Código Penal, no
capítulo que trata de crimes de
outras falsidades, tipificando a
conduta de quem “criar, divulgar
ou compartilhar, por qualquer
PL A proposta adota expressões
meio de comunicação social, a
9884/2018, e termos genéricos, o que
terceiros, informação ou notícia
proposto faz com que a conduta
falsa que possa modificar ou
pelo dep. tipificada seja muito ampla.
desvirtuar a verdade sobre pessoa
Fábio Trad Causa preocupação também
física e ou jurídica, que afetem Código Penal.
(PSD/MS) em o fato da pena base ser
interesse público relevante”,
27/03/2018. extremamente alta, com
prevendo pena de reclusão de
Apensado potencial de ser ainda
dois a quatro anos, e multa, que
ao PL mais elevada nos casos
pode ser dobrada caso o agente
6812/2017. de aumento de pena.
vise obtenção de vantagem para
si ou para outrem, ou faça uso da
internet, redes sociais ou outro
meio que facilite a disseminação
da informação ou notícia falsa.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 131


Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
Propõe alterar o Código Penal, no
capítulo que trata de crimes contra
a fé pública, tipificando a conduta
de quem publicar, propagar ou
divulgar notícias ou informações
falsas, com o intuito de influenciar A proposta traz termos
a opinião pública, estabelecendo genéricos e também inclui
pena de detenção de três meses o “intuito de influenciar
a um ano, e multa. Caso a notícia a opinião pública” na
envolva candidato a cargo eletivo; descrição do tipo penal,
crimes, suas vítimas ou supostos o que é problemático
autores, ou a segurança, a saúde, principalmente no contexto
ou a economia pública, a pena eleitoral. O projeto prevê
passaria a ser de reclusão de um penas maiores para figuras
a dois anos e multa. A proposta públicas, o que pode ser
prevê ainda a obrigação de usado para coibir críticas,
retratação pelo réu nos mesmos com riscos especialmente
PL
meios e com a mesma exposição à liberdade de expressão.
9931/2018,
em que foi divulgada a notícia As alterações no Código
proposto
ou informação falsa. O projeto Código Penal, de Processo Penal abrem a
pela dep.
estabelece que a conduta não será Código de possibilidade de remoção
Erika Kokay
tipificada se 1) não for possível Processo Penal de qualquer conteúdo que
(PT/DF) em
saber que a notícia era falsa e ela e Marco Civil de alguma forma possa ser
03/04/2018.
tiver sido divulgada por órgão de da Internet. tipificado penalmente, e não
Apensado
imprensa, tendo sido tomadas apenas os crimes relativos a
ao PL
as devidas diligências, ou 2) no notícias falsas, incluindo, por
6812/2017.
caso de conteúdos humorísticos. exemplo, os crimes contra a
A proposta propõe também alterar honra já previstos no Código
o Código de Processo Penal, Penal. A alteração no Marco
criando a obrigação de remoção Civil da Internet altera o
dos meios de comunicação, regime de responsabilização
inclusive da internet, de “conteúdo de provedores de aplicação,
ofensivo aos bens jurídicos criando incentivos para
tutelados pela lei penal”. Além monitoramento e controle
disso, prevê alteração no Marco prévio de conteúdo
Civil da Internet para alterar o gerado por usuários, com
regime de responsabilização riscos à privacidade e
de provedores de aplicação liberdade de expressão.
por conteúdo gerado por
terceiros (art. 21), dispensando
a necessidade de ordem judicial
para remoção de qualquer
conteúdo que infrinja lei penal.

132 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Legislação
Projeto O que propõe? Riscos
afetada
Visa a alterar o Código Eleitoral
para tipificar a divulgação, em ano
eleitoral, de “fatos sabidamente
inverídicos” em relação a
pré-candidatos, candidatos ou
partidos, capazes de exercerem
influência perante o eleitorado, A proposta adota termos
prevendo pena de reclusão de 1 a amplos e não define o que
4 anos, e multa de a R$50.000,00 seriam “fatos sabidamente
a R$500.000,00. A proposta prevê inverídicos”, além de adotar
ainda aumento de pena de um a uma pena base bastante
dois terços se o crime for cometido elevada, que pode ser ainda
pela internet e redes sociais, ou mais alta nos casos de
se a divulgação for para obter aumento de pena. Ademais,
vantagem própria ou para terceiros. o projeto explicita que a
O projeto também propõe limitação à liberdade de
alterações na Lei das Eleições (Lei expressão do eleitor pode
9504/997) para prever que a livre ocorrer mesmo em casos
manifestação do pensamento do de mensagens de apoio ou
eleitor na internet pode ser limitada crítica a partido político ou a
PL
em caso de divulgação de fatos candidato, próprias do debate
9773/2018,
sabidamente inverídicos, inclusive político e democrático.
proposto
em caso de mensagem de apoio Código Eleitoral e As regras para propaganda
pelo dep.
ou crítica a partido político ou Lei das Eleições. eleitoral na internet não
Fabio Trad
a candidato, próprias do debate são claras e criam o
(PSD/MF) em
político e democrático. A proposta risco de que conteúdos
10/04/2018.
traz ainda dispositivos que visam possam ser removidos sem
a regulamentar a propaganda ordem judicial, alterando
eleitoral na internet, prevendo também o regime de
regras para remoção de conteúdo responsabilização das
relacionado à propaganda plataformas por conteúdos
irregular ou à divulgação de gerados por terceiros.
fatos sabidamente inverídicos, e Além disso, a criminalização
hipóteses de responsabilização da contratação de pessoas
dos provedores de conteúdo. com a finalidade específica
Além disso, o projeto propõe de emitir mensagens ou
criminalizar a contratação de comentários na internet
“grupo de pessoas com a finalidade ameaça campanhas
específica de emitir mensagens políticas e mobilizações
ou comentários na internet para de grupos na internet.
ofender a honra, denegrir a imagem
de candidato, partido ou coligação,
ou de divulgar fatos sabidamente
inverídicos”, prevendo pena de
detenção de 2 a 4 anos e multa de
R$ 50.000,00 a R$ 500.000,00.

Autoria: Beatriz Kira. Última atualização em 15 de abril de 2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 133


O conjunto de propostas legislativas elencadas reflete uma
tendência bastante típica do Poder Legislativo para problemas
envolvendo a internet ou redes sociais. Mesmo que o Marco Civil
da Internet não faça parte desta toada, é notório que a sua apro-
vação se deu em resposta a esta mesma tendência: a de criminalizar
condutas de usuários de internet.149
Enquanto nenhuma destas propostas é aprovada, o arsenal de
instrumentos aos quais se pode recorrer é composto especialmente
pelas regras que permitem que a Justiça Eleitoral controle e remova
conteúdo ilegal e responsabilize indivíduos e pessoas jurídicas
por tais ilícitos. São aquelas criadas para remoção de informações
inverídicas e material ofensivo que já estão disponíveis na legislação
eleitoral, plenamente capazes de lidar com as informações que
geralmente levam o nome de “fake news”.

Representações realizadas por candidatos,


partidos, coligações e o Ministério Público
Como já vimos, o procedimento para partidos políticos, candi-
datos e coligações denunciarem conteúdo é a representação perante
a Justiça Eleitoral. Diversas regras podem ser mobilizadas para
garantir a remoção do conteúdo e a responsabilização de pessoas,
mas isso dependerá do tipo de informação que está em questão.

Poder de polícia da Justiça Eleitoral


O já descrito Poder de Polícia da Justiça Eleitoral pode também
fazer valer regras eleitorais aplicáveis a conteúdos de desinformação.
São as mesmas regras que podem ser objeto de representação, mas,
no caso do Poder de Polícia, a competência é exercida espontane-
amente pelos juízes eleitorais visando impedir ou fazer cessar um

149 Mais sobre esta mesma tendência em Brito Cruz, Francisco. “Direito, democracia e cultura
digital: a experiência de elaboração do Marco Civil da Internet”. Dissertação de Mestrado:
Universidade de São Paulo, 2015.

134 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


ato praticado em contrariedade às normas eleitorais, principalmente
no que diz respeito à propaganda eleitoral.150

Possíveis processos criminais em casos de desinformação


Os crimes eleitorais são processados por meio de ação penal
pública incondicionada (art. 355, do Código Eleitoral), a ser promo-
vida pelo Ministério Público Eleitoral (art. 129, I, da CR/88) através
de denúncia. É possível também passar a aplicar tipos penais para
processar criminalmente eventuais divulgadores de “notícias falsas”.
Entre os tipos possíveis está a “divulgação de fatos sabidamente
inverídicos” por propaganda eleitoral.151
A interpretação deste tipo penal tem sido limitada por dois
motivos. Em primeiro lugar pelo fato de que esta divulgação, para
ser ilícita, deve ocorrer na própria propaganda eleitoral. Não é o
caso de um conteúdo com a roupagem de uma notícia divulgado por
um blog ou site, por exemplo. Em segundo lugar, a interpretação
sobre o que é “fato sabidamente inverídico” não abrange qualquer
informação não checada. É necessário que seja uma informação
que é evidentemente mentirosa, o que torna difícil enquadrar neste
tipo penal ilações que só a partir de uma verificação mais detalhada
poderiam ser descobertas.

150 ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Processo eleitoral: sistematização das ações eleitorais.
1.ed. Leme: J.H.Mizuno, 2011, p. 75.
151 Art. 323 do Código Eleitoral.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 135


Também os tipos penais constantes dos artigos 324,152 325153 e
326154 do Código Eleitoral podem ser empregados para combater
a disseminação de notícias falsas. Este último pautou, inclusive,
recente denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República
contra Francisco Lopes da Silva, deputado pelo PCdoB/CE, por
seu possível envolvimento com a criação de perfil no Facebook
para difamar Paulo Alexandre Barbosa, então prefeito da cidade
de Santos.155 A denúncia menciona a publicação, ao longo de
2016, de mensagens na página “Caiçara Revoltado”, imputando
ao então prefeito e candidato à reeleição fatos ofensivos à sua repu-
tação – como um envolvimento amoroso com o ator Alexandre
Frota. Nos termos da denúncia, a intenção por trás da campanha
difamatória teria sido beneficiar a então candidata Carina Vitral,
do PCdoB, que ficou em segundo lugar no pleito.156

152 Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, impu-
tando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção de seis meses a dois anos,
e pagamento de 10 a 40 dias-multa. § 1° Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a
imputação, a propala ou divulga. § 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas
não é admitida: I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi
condenado por sentença irrecorrível; II – se o fato é imputado ao Presidente da República ou
chefe de governo estrangeiro; III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi
absolvido por sentença irrecorrível.
153 Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, impu-
tando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção de três meses a um ano, e pagamento
de 5 a 30 dias-multa. Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se ofendido é
funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
154 Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofen-
dendo-lhe a dignidade ou o decôro: Pena – detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a
60 dias-multa. § 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena: I – se o ofendido, de forma reprovável,
provocou diretamente a injúria; II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. §
2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou meio empregado, se
considerem aviltantes: Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 20 dias-multa,
além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal.
155 JOTA, “PGR denuncia ao STF deputado por ‘fake news’ a partir de computador da Câmara”,
publicado em 02/04/2018. Disponível em: <https://www.jota.info/stf/do-supremo/pgr-denun-
cia-ao-stf-deputado-por-fake-news-partir-de-computador-da-camara-02042018>. Acesso em
03/04/2018.
156 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, Denúncia no Inquérito 4657/DF, disponível em: <http://www.
mpf.mp.br/pgr/documentos/DennciaFranciscoLopes_V2.pdf>. Acesso em 03/04/2018.

136 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


QUADRO 10. A DEFINIÇÃO DE “FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO”

O que seriam “fatos sabidamente inverídicos”? A Justiça Eleitoral não é unânime


a respeito de uma mesma definição. Diferentes julgados apresentam explicações
sensivelmente diferentes, conforme abaixo:
• “Fato sabidamente inverídico a que se refere o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de
concessão de direito de resposta, é aquele que não demanda investigação, ou seja,
deve ser perceptível de plano” (Acórdão TSE na Rp nº 139448, Rel. Min. Admar Gonzaga,
julgado em 02.10.2014);
• “O fato sabidamente inverídico, a que se refere o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins
de concessão de direito de resposta, é aquele que não demanda investigação, ou seja,
deve ser perceptível de plano, a ‘olhos desarmados’. Além disso, deve denotar ofensa
de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação” (Acórdão na Rp nº 121177, Rel.
Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 23.09.2014);
• “A mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade
flagrante que não apresente controvérsias.” Acórdão TSE na Rp nº 367516, Rel. Min.
Henrique Neves, julgado em 26.10.2010);
• “Afirmar que o candidato adversário não cumpre promessas eleitorais, consoante diversos
julgados deste Tribunal, não constitui motivo para a concessão de direito de resposta.”
(Acórdão TSE na Rp nº 343879, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação:
PSESS – Publicado em Sessão, Data 13/10/2010);
• “É sabidamente inverídica a afirmação que atribui a candidato adversário o comando de
privatização de empresa, ocorrida durante governo do qual não participou. Mensagem
que, no caso específico dos autos, falseia a verdade, relativamente a fatos e números
facilmente apuráveis, e configura, portanto, afirmação sabidamente inverídica para
os fins do disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/97”. (Acórdão na Rp nº 347691, Relator(a)
Min. Joelson Costa Dias, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 19/10/2010)
• “Trata-se, na verdade, de divergência de interpretação e opinião sobre ações políticas
do governo da candidata Representante, de tema manifestamente controvertido e
passível de ser politicamente explorado e questionado em debate político eleitoral.”
(Acórdão na RP nº 143175, Relator(a) Min. Admar Gonzaga Neto, Publicação: PSESS –
Publicado em Sessão, Data 02/10/2014);
• “Em prol da liberdade de expressão, não enseja o direito de resposta, a que se refere
o art. 58 da Lei nº 9.504/97, crítica genérica, inespecífica, despida de alusão clara a
determinado governo, candidato, partido ou coligação. (…) As Representantes, diante
de falta de explicitação da fala impugnada (de que “no meu governo os recursos do
pré-sal vão ser usados para a saúde e a educação, não para a corrupção”), não são
atingidas, ainda que de forma indireta, por afirmação caluniosa, injuriosa ou inverídica.
(…) A concessão de direito de resposta pressupõe inverdades manifestas e/ou ofensas
objetivas, não sendo dado à Justiça Eleitoral complementar falas, adicionar novos
elementos, preencher lacunas e edificar ilações de todo subjetivas.” (Acórdão TSE na
Rp nº 119271, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: PSESS –
Publicado em Sessão, Data 23/09/2014);

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 137


• “Destaco ter sido o episódio da Petrobrás amplamente divulgado pela mídia. Isso
é fato público e notório, e não inverídico. Também não parece ter havido ofensa à
honra ou imagem da candidata Representante, pois o representado apenas utilizou
informação divulgada em toda a imprensa.” (Acórdão TSE na Rp nº 126713, Relator(a)
Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Publicação: PSESS – Publicado em
Sessão, Data 30/09/2014);
Destaca-se entre tais julgados, um debate sobre a aplicação de um parâmetro
relevante de que para identificar a divulgação de fatos “sabidamente inverídicos”
a sua inveracidade seja significativamente “incontroversa”. Esse parâmetro res-
tringe significativamente a aplicação da lei eleitoral dado que fatos discutidos no
jogo eleitoral muitas vezes podem apresentar múltiplas versões e controvérsias.

Outros crimes podem ser mobilizados pelo Ministério Público


Eleitoral (inclusive a partir de provocação por parte das campa-
nhas). As ofensas como calúnia, injúria e difamação,157 também
presentes na Justiça Comum, são um instrumento para buscar a
responsabilização penal dos agentes responsáveis pela publicação
na internet de ataques aos candidatos que passam do limite a partir
do uso da mentira ou de boatos infundados na propaganda elei-
toral. Se a informação não foi veiculada em propaganda eleitoral, o
ofendido poderá buscar a Justiça Comum, formulando uma queixa
crime à Justiça após a elaboração do boletim de ocorrência (na
Justiça Comum são crimes que dependem da queixa da vítima para
serem processados). Nestes casos, entretanto, é necessária enorme
cautela para evitar a possível criminalização do discurso crítico
legítimo – cautela alinhada com a ideia de mínima interferência
da Justiça Eleitoral na expressão dos eleitores e na cobertura da
imprensa a respeito dos possíveis futuros representantes do povo.
Os tipos penais da calúnia e da difamação foram mobilizados
para combater a desinformação, por exemplo, em processo contra o
blogueiro Miguel Baia Bargas, editor do blog Limpinho & Cheiroso.
No caso, o blogueiro foi condenado por atribuir ao juiz federal Sergio
Moro suposto vínculo com o PSDB e envolvimento em desvios
financeiros da ordem de R$ 500 milhões, em postagem do blog
no ano de 2015.158

157 Arts. 324 a 326 do Código Eleitoral.

138 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Existem outras abordagens sendo discutidas para combater a desinformação
no período da campanha eleitoral?
Por Beatriz Kira
Diferentes instituições, reunindo representantes dos três Poderes, da academia e
da sociedade civil, têm se dedicado a pensar e discutir estratégias para enfrentar
o problema.
Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Em dezembro de 2017, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizou o I Seminário
do Fórum Internet e Eleições, em parceria com o MCTIC e com o CGI.br. O evento
teve como objetivo discutir as novas regras eleitorais e a influência da internet
nas Eleições de 2018, em especial o risco das notícias falsa (fake news) e o uso
de robôs (bots) na disseminação das informações.
Também em dezembro de 2017, o então presidente da Corte, ministro Gilmar
Mendes, instituiu o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, por meio da
Portaria-TSE no 949/2017. O Conselho atualmente é formado por 11 integran-
tes, sendo representantes da Justiça Eleitoral, do governo federal, do Exército
Brasileiro, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), entre outras entidades.
Em declarações recentes, o ministro Luiz Fux, novo presidente do TSE, sinalizou
a intenção de incluir também representantes do Ministério Público e Polícia
Federal no Conselho Consultivo.
Entre as atribuições do órgão estão: desenvolver pesquisas e estudos sobre as
regras eleitorais e a influência da Internet nas eleições, em especial o risco das
fake news e o uso de robôs na disseminação das informações. O colegiado será
também responsável por propor ações e metas voltadas para o aperfeiçoamento
das normas sobre o assunto e ainda opinar sobre as reportagens que lhe sejam
submetidas pela Presidência do TSE.
De acordo com o secretário-geral do Tribunal, o foco do Conselho Consultivo não
está na punição, mas em medidas preventivas, com foco nas Eleições Gerais
2018. Nas reuniões realizadas pelo grupo, foram discutidas legislações sobre
o tema adotadas em outros países do mundo; a elaboração de cartilhas de
conscientização e manuais de procedimentos; a criação de ambiente virtual para
recebimento de denúncias e sugestões, entre outros assuntos.

158 O título da postagem era “Paraná: quando Moro trabalhou para o PSDB, ajudou a desviar
R$ 500 milhões da prefeitura de Maringá”. O caso foi julgado pela 5ª Turma do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região em março de 2018. Ver: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO,
Julgamento da Apelação Criminal Nº0013800-35.2015.4.03.6181/SP, publicada em 26/03/2018;
UOL NOTÍCIAS, “Tribunal condena blogueiro por publicar fake news sobre Moro”, publicado em
03. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2018/04/03/
tribunal-condena-blogueiro-por-publicar-fake-news-sobre-moro.htm>. Acesso em 04/04/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 139


Polícia Federal
Também sob a direção de Fux, a Polícia Federal estabeleceu recentemente uma
força-tarefa que está desenvolvendo estratégias para impedir a produção de
notícias falsas e limitar seu alcance quando algum conteúdo enganoso começar
a se espalhar online. O grupo, formado por um delegado, um agente e um perito
criminal federal, deverá trabalhar com técnicos do TSE e da PGR. Autoridades
judiciárias dizem que a iniciativa está estudando as táticas usadas por grupos que
vêm atuando na divulgação de notícias falsas e avaliando sob quais leis atuais
eles poderiam ser acusados. A PF pretende apresentar a ideia de elaboração
de uma nova legislação específica sobre o assunto, a ser debatida no grupo de
trabalho conjunto. A proposta veio acompanhada de críticas, especialmente
ligadas a preocupações com a proteção de direitos individuais, em especial da
liberdade de expressão.
Congresso Nacional
O Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS), órgão con-
sultivo composto por membros da sociedade civil, representantes de empresas
e profissionais da área de comunicação, é um dos espaços no qual o tema tem
sido debatido. Entre as atribuições do CCS está a elaboração de estudos, pare-
ceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo
Congresso Nacional, incluindo opinar sobre projetos de lei, a pedido de senadores
ou deputados. Em dezembro de 2017, o Conselho realizou o seminário “Fake
news e Democracia”, com o objetivo de discutir o risco que as notícias falsas
criam para a liberdade de informação, as consequências para a democracia e
formas de abordar o fenômeno. O CCS buscou reunir opiniões para embasar
recomendações e um posicionamento oficial sobre as propostas em tramitação
no Congresso que abordam esse fenômeno.
Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)
O CGI.br é outro órgão que tem se dedicado ao tema. Em janeiro de 2018, o
Comitê organizou encontro que reuniu ministros do TSE, representantes da
Polícia Federal, do Exército, do MCTIC, do Ministério da Justiça, do Ministério
Público Eleitoral, do STF, além de representantes de empresas de tecnologia, de
organizações da sociedade civil e da academia. Na ocasião, foram discutidas
medidas implementadas pelas empresas para combater as notícias falsas em suas
plataformas. Também foi debatida a criação de um canal direto de comunicação
entre a Justiça Eleitoral e os departamentos jurídicos das empresas de tecnologia,
além da elaboração de um manual sobre o tema para auxiliar juízes eleitorais, e
a criação de uma cartilha para eleitores, temas esses que haviam sido também
levantados na reunião do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do TSE.

140 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Questões em aberto
Até os primeiros meses de 2018, em todas estas movimentações, não se viu
clareza se alguma destas instituições se responsabilizará por algum tipo de
checagem de fatos ou se irá trabalhar com alguma definição específica de “fake
news”. Também não foi aventada a participação da sociedade civil fora do âmbito
do CGI.br.
Em relação aos órgãos ligados à persecução penal ou à esfera militar, também
não há clareza sobre em que casos estes agirão de ofício ou, ainda, sobre uma
eventual distribuição de papéis entre as diferentes agências.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 141


capítulo6
Direito de resposta
O direito de resposta permite que partidos políticos, coligações
ou candidatos, a partir das convenções partidárias, defendam-se de
ofensas ou de fatos sabidamente inverídicos veiculados em propa-
ganda eleitoral ou pela imprensa em geral, reparando sua honra
ou retificando informações. No Brasil, este direito é regulado por
meio da Lei 13.188/2015, que no âmbito eleitoral está contido no
art. 58 da Lei das Eleições:
Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é asse-
gurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação
atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou
afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inve-
rídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.
§ 1º O ofendido, ou seu representante legal, poderá pedir o exercício
do direito de resposta à Justiça Eleitoral nos seguintes prazos,
contados a partir da veiculação da ofensa:
(…)
IV – a qualquer tempo, quando se tratar de conteúdo que esteja
sendo divulgado na internet, ou em 72 (setenta e duas) horas,
após a sua retirada.
§ 2º Recebido o pedido, a Justiça Eleitoral notificará imediata-
mente o ofensor para que se defenda em vinte e quatro horas,
devendo a decisão ser prolatada no prazo máximo de setenta e duas
horas da data da formulação do pedido.
Depreende-se, portanto, que num exemplo de conteúdo disse-
minado por meio de rede social que veicule conceito, imagem ou
afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverí-
dica, tem o candidato, partido ou coligação o direito de resposta,
pedido que deverá ser direcionado à Justiça Eleitoral. Relevante
destacar parte da alínea “a”, do inciso IV de referido artigo, que
trata de propaganda eleitoral veiculada na internet:

145
a) deferido o pedido, o usuário ofensor deverá divulgar a resposta
do ofendido em até quarenta e oito horas após sua entrega em
mídia física, e deverá empregar nessa divulgação o mesmo
impulsionamento de conteúdo eventualmente contratado
nos termos referidos no art. 57-C desta Lei e o mesmo veículo,
espaço, local, horário, página eletrônica, tamanho, caracteres
e outros elementos de realce usados na ofensa;
Ou seja, visto que a Reforma Eleitoral de 2017 autorizou a propa-
ganda eleitoral na internet com impulsionamento de conteúdos,
esse dispositivo pretende garantir o direito ao mesmo alcance que
uma eventual publicação ofensiva impulsionada com recursos finan-
ceiros tenha obtido. As alíneas seguintes determinam ainda que a
publicação com a resposta deverá ficar disponível pelo dobro do
tempo que aquela considerada ofensiva, além de eximir o ofendido
dos custos referentes ao impulsionamento, que ficam a cargo do
autor da publicação que ensejou a ofensa.
Assim, uma relevante questão que surge é de quais critérios devem
estar presentes para que alguém que se sentir ofendido possa exercer
direito de resposta. Essa questão tem evidente impacto na liberdade
de expressão e de imprensa, preceitos que devem ser respeitados
para que seja protegida a publicação de informações sobre uma
pessoa pública em face de eventuais interesses que essa tenha de
que não se tornem notórias para evitar qualquer dano político ou
reputacional. Caso fosse possível publicar apenas o que não cause
incômodo, não haveria qualquer sentido para o termo “liberdade”.
Ademais, o tema ainda reserva outros tipos desafios para além
dos critérios jurisprudenciais que configuram o legítimo direito
de resposta por parte de um ofendido. O primeiro está ligado a
dificuldades na aplicação do direito de resposta frente às entidades
que fogem à aplicação da lei eleitoral, o segundo, a adaptação da
ideia de resposta em um ambiente de redes sociais.
O primeiro caso pode ser exemplificado na hipótese de veiculação
de notícias fraudulentas (na definição já explicitada): são casos nos
quais os controladores do site não são conhecidos, não havendo
representantes que possam ser intimados a cumprir uma decisão
judicial. Nesses casos, restam às campanhas medidas de remoção de

146 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


conteúdo ou, ainda, estratégias que foquem nos “disseminadores”
de tais conteúdos, intermediários que publicaram a informação em
questão em seus perfis que podem ser encontrados e compelidos
à alguma ação.
Em segundo lugar, tratando-se de redes sociais, é necessário
entender como podem existir opções diversas à mão de candidatos
que já os possibilitam exercer algum tipo de resposta ou controle
do discurso. Nada impede que um candidato vá e comente na
postagem de outro, por exemplo. Nada impede também que o
candidato vá e delete o comentário do outro caso isso se dê dentro
de uma página controlada por ele. Pessoas que ocupam cargos
eletivos já realizam uma moderação rigorosa em suas páginas em
redes sociais, removendo comentários e publicações de cidadãos
que manifestam opiniões contrárias ou perguntam sobre questões
indesejadas.159
A primeira vez em que o TSE reconheceu o direito de resposta a
um candidato por meio de rede social foi o emblemático caso da
Coligação O Brasil Pode Mais (José Serra, PSDB) contra o então
coordenador de campanha do PT, Rui Falcão, em 2010. Ele havia
publicado as seguintes mensagens em seu perfil do Twitter:
“Cuidado com os telefonemas da turma do Serra. No meio das ligações,
pode ter gente capturando seu nome para usar criminosamente…” “…
podem clonar seu número, pode ser ligação de dentro dos presídios,
trote, ameaça de sequestro e assim por diante. Identifiquem quem liga!”
O voto do relator, acolhido por unanimidade pelos demais minis-
tros, foi pela procedência da representação, determinando que Rui
Falcão, exercendo o controle de conteúdo que detém sobre a sua
página no Twitter, publicasse as respostas apresentadas pela coli-
gação de José Serra.160

159 Disponível em: <https://noticias.r7.com/brasil/facebook-da-prefeitura-de-sp-veta-criticas-


a-doria-e-bloqueia-usuario-06022018>.
160 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, RP 3618-95.2010.6.00.0000, Relatoria do Min. Ministro
Henrique Neves. Julgamento em 29/10/2010.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 147


Precedente relevante para esse debate na internet foi o deferi-
mento de direito de resposta requerido por Fernando Haddad, em
2016, contra o blog de notícias implicante.org. Apesar de reafirmar
a liberdade de expressão e jornalística, entendeu o TRE/SP pela
existência de limitações à atividade, compreendendo que o material
publicado na internet extrapolava a crítica política e determinando
a publicação de direito de resposta ao candidato ofendido.161

161 RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. DIREITO DE RESPOSTA. ART. 58 DA LEI N. 9.504/97.
MATÉRIA VEICULADA NO BLOG IMPLICANTE.ORG E NO SEU CANAL DO YOUTUBE.COM DO
REPRESENTADO. CONTENDO VÍDEO COM DIZERES OFENSIVOS QUE EXTRAPOLAM CRÍTICAS
POLÍTICAS. PRESENTES OS ELEMENTOS QUE AUTORIZAM O DIREITO DE RESPOSTA. PROVIMENTO
PARCIAL DO RECURSO. CONCESSÃO DO DIREITO DE RESPOSTA PLEITEADO. DETERMINAÇÃO
DE RETIRADA- DO VÍDEO DO AR. CUMPRIMENTO NOS TERMOS DO ART. 58, IV, AUNES “a” e “h”
LEI N° 9.504/97. (TRE/SP, Recurso Eleitoral n. 1441-25.2016.6.26.0001, Rel. L. G. Costa Wagner,
j. em 20.09.2016)

148 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


capítulo7
Uso de robôs em
campanhas eleitorais
Outra questão que se coloca no debate contemporâneo sobre
democracia em tempos de internet diz respeito ao uso de “robôs” – ou
“bots”, do inglês “robot” – na rede, em processos de desinformação
e de influência na percepção do público sobre o ambiente político.
No ambiente digital, bots podem ser definidos, basicamente,
como softwares que automatizam reações e comportamentos a
partir de instruções dadas por seus programadores, passando-se
por seres humanos. Eles podem ativar a si mesmos a partir da
percepção de um determinado contexto ou provocação alheios a
comandos de usuários. Podem interagir com humanos, mas apenas
quando percebem o contexto a partir do qual foram instruídos a
funcionar. Apesar disso, possuem certa autonomia, podendo, a
depender de seu nível de complexidade, priorizar tarefas, tomar
decisões pré-instruídas ou reconhecer mudanças no contexto. Por
fim, os bots podem ser desenvolvidos com “habilidades sociais”,
sendo capazes de imitar comportamentos humanos ou mesmo de
intervir quando identificarem certos tipos de ações ou postagens.
Segundo estudo desenvolvido pela FGV-SP em 2017,162 bots
foram responsáveis por mais de 10% das interações no Twitter
durante as eleições presidenciais de 2014, 20% do debate entre
usuários favoráveis a Dilma no contexto do impeachment e quase
20% das interações no debate entre os apoiadores de Aécio Neves
no segundo turno das eleições de 2014. A Symantec, empresa
multinacional que atua no setor de cibersegurança, destacou, em

162 Robôs, redes sociais e política no Brasil: estudo sobre interferências ilegítimas no debate público
na web, riscos à democracia e processo eleitoral de 2018. Coordenação Marco Aurélio Ruediger. –
Rio de Janeiro: FGV, DAPP, 2017.

151
relatório lançado em 2016163, que o Brasil hospeda o oitavo maior
número de bots no mundo.
Conforme comprovam os dados mencionados acima, essa estra-
tégia tem grande potencial de influenciar o debate público, podendo
manipular o processo de formação de consensos, bem como de
escolha de representantes políticos e pautas governamentais deter-
minantes para o futuro da democracia brasileira. Esse potencial de
influência ficou aparente no contexto eleitoral de outras demo-
cracias ocidentais, como na França e nos Estados Unidos, onde
surgiram evidências do uso de bots com o intuito de manipular o
debate público. Ainda que não existam métodos conclusivos para
quantificar esse tipo de influência e as formas por meio das quais
ela atua, há consenso no sentido de que desempenharam papel no
mínimo relevante em meio às eleições presidenciais nos EUA em
2016 e na campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia.
Estratégias que abarcam o uso de robôs que automatizam o
controle de perfis falsos em redes sociais empregam diferentes
técnicas para induzir acessos e ganhar seguidores, fazendo posta-
gens repetidamente ou uso de softwares de automação mais sofisti-
cados que permitem a disseminação de material publicado por uma
grande variedade de sites de notícias. Articuladas coletivamente em
botnets, essas técnicas podem resultar em um ganho significativo
de seguidores, criando amplo apoio ou oposição a determinadas
pautas e/ou candidatos. Podem, ainda, promover de maneira arti-
ficial a radicalização do debate político e, com isso, criar maiores
óbices ao diálogo entre grupos com interesses políticos diversos.
Distorcem, também, a dimensão de certos movimentos políticos,
fazendo com que sejam proeminentes, ainda que sejam, em reali-
dade, de tamanho reduzido.
Nesse cenário, cabe discutir o papel dos bots no debate democrá-
tico e meios de conter os potenciais danos de seu uso mal-intencio-
nado na rede sem inviabilizar utilizações potencialmente legítimas
de tecnologias de automatização.

163 Internet Security Threat Report, vol. 21, Abril 2016. Disponível em: <https://www.symantec.
com/content/dam/symantec/docs/reports/istr-21-2016-en.pdf>. Acesso em 26/01/2018.

152 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


DIFERENTES USOS DE
BOTS EM ELEIÇÕES: O QUE
DEVE SER PROIBIDO?
Existem diferentes tipos de bots. Os chatbots – robôs que podem
“conversar” com usuários, provendo-lhes informações ou desempe-
nhando tarefas de atendimento ao cliente, por exemplo – aceleram
o atendimento de empresas, processam pedidos de visto, dentre
outras funções. Já os social bots – “robôs sociais” – são perfis em
redes sociais controlados por softwares que fazem postagens de
maneira automatizada, estabelecendo interações com seres humanos.
Assim, o uso de bots é relativamente comum e disseminado: eles já
desempenham uma série de tarefas básicas para nossa navegação na
internet. A operação de mecanismos de busca – como o Google – é
baseada em grande parte no funcionamento de bots que processam
e organizam a informação que é objeto de pesquisa. Em verdade,
61,5% de todo o tráfego na internet é realizado por programas
automatizados164, fato que também ocorre nas redes sociais.
Como operam por meio de instruções preparadas por seus progra-
madores, bots também podem servir para pautar debates nas redes
sociais. De um lado, podem estar programados para cumprir tarefas
que promovam o engajamento cívico165, como estimular usuários a
se envolver em causas políticas relevantes. Por outro, podem atuar
para subverter o debate público.
No contexto político, podem ser utilizados por candidatos ou
partidos para conquistar eleitores, mas também para articular
ataques a opositores e engendrar discussões artificiais. Quando
presentes em grande número, os bots conseguem direcionar elevado
volume de informações em redes sociais, tendo em vista a prioridade

164 Report: Bot traffic is up to 61.5% of all website traffic. Incapsula, 9 de dezembro de 2013.
Fonte: <https://www.incapsula.com/blog/bot-traffic-report-2013.html>. Acesso em 26/01/2018.
165 Como, por exemplo, bots do Twitter que estimulam o engajamento dos usuários em questões
importantes. Ver: How Twitter Bots Turn Tweeters into Activists. MIT Technology Review, 18 de
dezembro de 2015. Disponível em: <https://www.technologyreview.com/s/544851/how-twit-
ter-bots-turn-tweeters-into-activists/>. Acesso em 26/01/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 153


que os algoritmos das plataformas dão ao elemento quantitativo,
sem fazer distinção entre conteúdos publicados por humanos e
aqueles publicados por máquinas. Quando empregados de maneira
orquestrada, conformando uma rede – as “botnets” – conseguem
eventualmente influenciar a distribuição e a circulação de infor-
mações em plataformas, modificando quais são os trending topics
e pautando debates, por exemplo.166
Nesse processo, os bots podem servir como ferramentas para que
agentes humanos criem e disseminem boatos com potencial de
influenciar a opinião pública ao postar e replicar mensagens em larga
escala. Considerando que muitas pessoas formam suas convicções a
partir das direções que suas redes sociais estão tomando, elas podem
acabar sendo influenciadas por esse conteúdo. A massificação de
postagens de maneira automatizada é, inclusive, uma estratégia
empregada com a finalidade de sufocar o debate espontâneo sobre
determinados temas, fazendo com que certa opinião ou notícia
aparente ter mais suporte do que de fato tem.167
Uma série de reportagens da BBC Brasil, “Democracia Ciborgue”,168
publicada em dezembro de 2017, confirmou a existência de um
mercado de bots e perfis falsos no Brasil, destinados majoritaria-
mente a influenciar discussões envolvendo pautas políticas na rede,
ainda que não haja evidências de que os políticos soubessem do
uso dessas ferramentas quando contrataram serviços de consultoria
em redes sociais.
Apesar dos possíveis riscos advindos do uso de bots para finali-
dades eleitorais, uma eventual regulação deve ser pensada com muito
cuidado a fim de evitar prejuízos a usos legítimos da ferramenta.
Ela deve ser elaborada tendo em vista os bots claramente nocivos,
que não se identificam enquanto tal, simulando comportamentos

166 Arnaudo, D. Computational propaganda in Brazil: social bots during elections. University of
Oxford Working Paper, n.8, 2017.
167 SORJ, Bernardo et al. Sobrevivendo nas Redes: guia do cidadão. São Paulo: Moderna, 2018, p. 55.
168 BBC BRASIL, “Exclusivo: investigação releva exército de perfis falsos usados para influenciar
eleições no Brasil”, publicado em 08/12/2017. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/
brasil-42172146>. Acesso em 26/01/2018.

154 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


pretensamente autênticos com fins de confundir, manipular e desin-
formar o eleitor. É importante ter em mente que um eventual excesso
de regulação nesse sentido pode cercear de maneira relevante a
atividade econômica e o exercício da liberdade de expressão no
ambiente digital.
Restringir a utilização de instrumentos de inteligência artificial
significa proibir a exploração da tecnologia a ser utilizada potencial-
mente para conferir transparência à campanha eleitoral ou colaborar
na checagem de fatos.169 Além de experiências relevantes como o
bot Fátima (elaborado pela agência Aos Fatos que atuará na disse-
minação de checagem de fatos no Facebook)170 ou a Operação
Serenata de Amor171 (que utiliza inteligência artificial para controle
social da Administração Pública), essa tecnologia pode ser empre-
gada pelas campanhas de diversas formas em benefício do debate
político eleitoral e sem atentar contra a isonomia, a legalidade ou
a legitimidade do pleito.
A maior preocupação deve ser a transparência na utilização dos
bots, o que se traduz na necessidade de informar às pessoas que estão
interagindo ou observando uma máquina, e não outro ser humano.
É também importante informar quem é o responsável “humano”
pelo bot, como um candidato, partido, coligação, ou quem quer
que seja. Além disso, a ferramenta deve permanecer igualmente
acessível a todos potenciais candidatos e partidos. Para tanto, o seu
uso em campanhas eleitorais deve, além de transparente, envolver
cuidadosa prestação de contas.

169 NEXO JORNAL, “Como frear fake news sem censurar o debate, segundo este movimento”,
publicado em 02/02/2018. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2018/02/02/
Como-frear-fake-news-sem-censurar-o-debate-segundo-este-movimento>. Acesso em 27/02/2018.
170 AOS FATOS.ORG, “Aos Fatos e Facebook unem-se para desenvolver robô checadora”,
publicado em 04/01/2018. Disponível em: <https://aosfatos.org/noticias/aos-fatos-e-face-
book-unem-se-para-desenvolver-robo-checadora/>. Acesso em 27/02/2018.
171 EL PAÍS. “Rosie, a robô que detecta quando deputados usam mal o dinheiro público”,
publicado em 24/01/2017. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/23/poli-
tica/1485199109_260961.html>. Acesso em 27/02/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 155


COMO IDENTIFICAR UM BOT?
A prova da automação de postagens em redes sociais é relativa-
mente difícil, sendo ainda mais complicado conseguir estabelecer a
relação direta entre a atuação de determinados bots e as atividades
de campanhas eleitorais específicas.
No momento, já existem programas desenvolvidos com a finalidade
de detectar atividade de bots na rede. A aplicação “Botometer”,172
por exemplo, foi desenvolvida pela Universidade de Indiana para
identificar esse tipo atividade no Twitter, permitindo ao usuário
consultar a probabilidade de determinada conta ser controlada
por um robô.
De uma forma geral, os bots adicionam muitas pessoas simultane-
amente, além de seguir páginas de pessoas famosas. Acabam sendo
seguidos por parte das pessoas que adicionam, além de outros bots,
o que faz com que integrem comunidades mistas, com perfis reais
e falsos. Assim, um dos critérios de identificação é a quantidade
de amigos (as pessoas reais têm, em média, entre 100 e 1.000
seguidores) e a proporção entre perfis seguidos e seguidores. Outro
critério envolve a análise das interações dos usuários entre si, os
horários das interações e padrões relacionados à linguagem.173
Como desenvolvem atividades de maneira programada, seguindo
rotina pré-estabelecida por seu programador, os bots têm maior
dificuldade de reproduzir a falta de padrão temporal e de conteúdo
característica da atividade dos seres humanos nas redes sociais.
Logo, desenvolvem uma menor variedade de ações quando conec-
tados à rede, diferentemente das pessoas reais. Empregam, também,
hashtags menos variadas e integram rede mais ampla de retuítes,
por exemplo.

172 Acesse aqui: <https://botometer.iuni.iu.edu/#!/>. É importante ressaltar que o Botometer,


tal qual outras ferramentas do tipo, apresenta alto índice de “falsos positivos” em suas análises,
apontando grande probabilidade de determinadas contas de pessoas ou instituições reais figurarem
como bots, sobretudo quando fazem postagens programadas.
173 FGV, DAPP, 2017.

156 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Critérios de identificação mais objetivos são o uso de imagens
comprovadamente falsas, modificadas ou roubadas, bem como a
publicação de postagens por meio de ferramenta externa às redes
sociais, o desenvolvimento de atividades apenas durante certos
períodos do dia e a postagem de constantes mensagens de apoio
ou de ataque a candidatos específicos em contexto eleitoral, além
de datas coincidentes de criação e desativação dos perfis.

Ciborgues e perfis falsos


Mais difíceis de identificar são as contas ciborgue, perfis autên-
ticos ou não que são parcialmente automatizados, mas também
manipulados por pessoas reais, que postam conteúdo produzido
por humanos para introduzir elemento de imprevisibilidade e alea-
toriedade nas atividades da conta. Justamente por combinarem
aspectos de bots com ações de pessoas reais, tendo comportamento
mais parecido com o de humanos, os ciborgues são mais difíceis
de serem detectados por softwares.
Tal qual os bots, os ciborgues pautam discussões sobre determi-
nados temas, articulando ataques contra alvos pré-determinados e
criando rumores de modo a explorar o “comportamento de manada”
de usuários nas redes sociais.
O uso desse tipo de tática já é explorado em contextos políticos.
A campanha “doe um like”,174 por exemplo, envolvia a criação de
redes de ciborgues em defesa de candidatos a cargos políticos.
Consiste em um mecanismo por meio do qual a campanha oficial
de candidatos pede a seus apoiadores que “doem” sua capacidade
de curtir e compartilhar conteúdo de seus respectivos perfis no
Facebook pelo período de alguns meses. Quando o apoiador clica
em um link e concorda em fazer essa “doação”, a ferramenta utiliza
a identificação e a senha do perfil do “doador”. Dessa forma, cria-se
um exército de contas que combinam a atividade automatizada
pré-estabelecida pelo candidato com a atividade regular dos usuá-
rios reais da rede social.

174 ARNAUDO, D. Computational propaganda in Brazil: social bots during elections. University of
Oxford Working Paper, n. 8, 2017, p. 19.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 157


A discussão sobre esse tipo de ferramenta de mobilização pela qual
alguém pode “terceirizar” o controle de seu perfil em rede social em
nome de alguma causa política não se encaminha necessariamente a
um consenso negativo. Mesmo que hajam argumentos sobre como
isso pode vir a iludir cidadãos sobre um comportamento espontâneo
que não existe, esse tipo de tática é diferente do uso coordenado de
perfis falsos, com nomes e identidades inexistentes ou não autorizadas.
No primeiro caso, existem questões a serem exploradas a partir
do significado do consentimento de cidadãos para a “terceirização”
de seus perfis em redes sociais e da transparência dessa escolha
para os demais usuários.
Na segunda situação, resta o desafio de como coibir um mercado
de ciborgues que envolva a criação de perfis falsos, com o uso
de fotos de banco de imagens ou retiradas de perfis reais, muitas
vezes modificadas digitalmente para dificultar o rastreamento da
sua origem. Vale dizer que tais perfis podem ser alimentados por
pessoas reais através de ferramentas como o Hootsuite, que permite
a administração simultânea de até 20 perfis em redes sociais. Em
meio às postagens contratadas, os administradores desses perfis
fazem posts sobre a rotina do personagem construído no perfil para
aproximar-se de perfis autênticos. Uma das preocupações dos admi-
nistradores de ciborgues é, inclusive, interagir com perfis autênticos
para dar maior legitimidade às postagens do perfil controlado175.

“Faznendas” de curtidas
Outra prática que pode ser empregada para direcionar fluxos de
informação e distorcer o tamanho de determinados movimentos no
ambiente digital é compra de likes. Consiste, basicamente, em um
grande número de smartphones conectados à internet empregados de
maneira sistemática na geração de curtidas e compartilhamentos em
páginas e perfis de contratantes do serviço. A atividade pode enganar

175 BBC BRASIL, “Exclusivo: investigação revela exército de perfis falsos usados para influenciar
eleições no Brasil”, publicado em 08/12/2017. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/
brasil-42172146>. Acesso em 26/01/2018.

158 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


sistemas de publicidade que cobram por clique, mas pode ser empre-
gada, também, no contexto eleitoral para gerar uma falsa impressão
de engajamento em torno de determinadas postagens de teor político.

Em decorrência do perigo que representam para o próprio modelo
de negócio de plataformas como o Facebook e o Twitter – centra-
lizado em torno da publicidade veiculada nas redes sociais – as
práticas descritas acima são duramente combatidas, sobretudo
porque minam a confiança dos anunciantes nas plataformas.
O Facebook adota, nesse sentido, a política de nome real,
impondo aos seus usuários que criem contas utilizando seu nome
real e exigindo, com frequência, a apresentação de documentos que
confirmem a informação.176

MECANISMOS JURÍDICOS PARA


A TUTELA DA UTILIZAÇÃO
DE ROBÔS NAS ELEIÇÕES
Como vimos no capítulo sobre a responsabilização de usuários
por condutas na rede, elaborar um perfil claramente falso sem
intenção de manipular outras pessoas pode não ser considerada
uma prática ilegal, mas exercício do pseudonimato. Postar algo sem
uma “assinatura” na rede não é conduta que deva ser ilícita per se.
No entanto, existem situações que podem decorrer do uso de perfis
que não correspondam à identidade da pessoa que os controla que
estão sujeitas à tutela jurídica.
Em primeiro lugar, no âmbito do direito penal, dois tipos podem
ser mobilizados. Caso haja na conduta uma intenção de enganar, de
induzir o interlocutor ao erro, a situação aproxima-se do crime de
falsa identidade.177 Havendo algum ganho econômico decorrente

176 Quais nomes são permitidos no Facebook? Disponível em <https://www.facebook.com/


help/112146705538576/>. Acesso em 26/01/2018.
177 Cf. art. 307 do Código Penal.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 159


do uso malicioso (de induzir ou se aproveitar do engano alheio)
desse tipo de prática, é possível enquadrar a conduta no crime de
estelionato.178 Como vimos anteriormente, ainda estão disponíveis
aos ofendidos por crimes contra a honra praticados a partir de tais
perfis os tipos de injúria, calúnia e difamação.
No âmbito do direito civil situações podem ser enquadradas como
violações a direitos de personalidade. É possível argumentar, por
exemplo, que o uso de imagens ou informações de pessoas reais
em perfis sobre os quais elas não têm controle configura violação
a seus direitos de personalidade; isso se configuraria especialmente
quando observa-se a intenção de fazer enganar que aquela pessoa
titular da imagem ou das informações estaria controlando o tal
perfil. Quando as postagens do perfil ferirem imagem e reputação, o
direito civil também abre espaço para indenização por difamação.179
Um quadro de limitação por condutas, e não pelo uso de bots em
si, também se reproduz na legislação eleitoral. A Lei das Eleições
prevê dois dispositivos distintos180 que restringem condutas que
podem envolver automatização no controle de perfis em redes sociais
para realização de propaganda eleitoral: (i) estabelece que “não é
admitida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante
cadastro de usuário de aplicação de internet com a intenção de
falsear identidade”; (ii) prevendo sanção pecuniária, a mesma lei
prevê que “será punido, com multa de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), quem realizar propaganda
eleitoral na internet atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro,
inclusive candidato, partido ou coligação”.
Desta forma, não existe vedação específica para a utilização de
bots na legislação eleitoral, apesar dos contornos jurídicos que
precisam ser respeitados para o seu emprego pelas campanhas. Ao
ser provocada com casos que envolvam esse tipo de tecnologia, a
Justiça Eleitoral deverá, portanto, fazer uma análise sobre a aplicação
de tais regras e dos princípios que regem a propaganda eleitoral.

178 Cf. art. 171 do Código Penal.


179 Cf. art. 139 do Código Penal.
180 São eles o §2° do art. 57-B e o artigo 57-H da Lei 9.504/97.

160 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Para a proteção da soberania popular e da igualdade de condições
no pleito, faz sentido que magistrados busquem que no mínimo
seja concedida a melhor informação possível ao eleitor em seus
julgados. Nesse raciocínio, não se admitiria a utilização de perfis
falsos (automatizados ou não) que se passem por humanos que
não os controlam e para os quais não haja nenhum argumento
compatível com a liberdade de expressão (como sátira e paródia, por
exemplo). Esse expediente falseia a identidade do real responsável
pelo perfil e, ao mesmo tempo, atribui indevidamente a autoria das
publicações a terceiros. Ou seja, a realização de propaganda eleitoral
via perfil criado com a intenção de enganar eleitores é passível de
multa. Por fim, outro dispositivo aplicável é o que criminaliza a
contratação e realização de propaganda negativa que ofenda a honra
ou viole a imagem de candidatos, partidos ou coligações. De uma
forma geral, aplicam-se à utilização não transparente de robôs, os
mesmos dispositivos que vedam perfis falsos.
Um último mecanismo da legislação eleitoral que pode ser mobili-
zado é o que proíbe a utilização de programa de computador para a
alteração do teor ou repercussão da propaganda eleitoral.181 Segundo
esse instituto, vedou-se “a utilização de impulsionamento de conte-
údos e ferramentas digitais não disponibilizadas pelo provedor da
aplicação de internet, ainda que gratuitas, para alterar o teor ou
a repercussão de propaganda eleitoral, tanto próprios quanto de
terceiros”. Esse seria o caso da venda de seguidores, fãs ou curtidas
em redes sociais, por exemplo, prática que é realizada à revelia das
plataformas de internet por representarem fraudes aos seus modelos
de negócio – como as realizadas por “fazendas de curtidas”. Que
anunciante estaria confortável em saber que parte de sua audiência
não é composta por usuários autênticos, mas por perfis controlados
por empresas que vendem “engajamento”? Por conta desse tipo de
“venda” poder ser realizado a partir da automatização de perfis em
redes sociais por bots esse dispositivo estabelece mais um limite a
esta tecnologia, especialmente porque ela pode ser utilizada para
potencializar a disseminação de conteúdos de propaganda eleitoral
ou, ainda, influenciar processos políticos.

181 Cf. art. 57-B, §3°, da Lei 9.504/97

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 161


capítulo8
Dados pessoais: proteção da
autonomia de se informar
e decidir do eleitor
Este capítulo discute o “tratamento”182 de dados pessoais no
contexto eleitoral.

REGIMES DE PROTEÇÃO
DE DADOS PESSOAIS
Regimes de proteção de dados pessoais servem para proteger
o direito à personalidade de cidadãos contra riscos advindos de
operações de tratamento de dados pessoais e garantir a eles uma
esfera de controle sobre a circulação desses dados.
Entre os problemas de privacidade intrínsecos às atividades envol-
vendo dados pessoais na sociedade da informação estão a coleta
indevida de dados (como em um monitoramento ilegal, não-auto-
rizado), o processamento indevido (como no uso inesperado de
informações pessoais, fora da finalidade original declarada ao titular),
e a divulgação indevida (como em vazamento de dados em razão
de falhas de segurança de bases de dados, que podem dar lugar a
furto de informações pessoais e fraudes).
Some-se a isso o fato de que grandes volumes de informações
(Big Data) podem ser explorados e analisados de forma a deles se
extraírem inferências sobre cidadãos e segmentá-los em padrões de
comportamento. Isso vai desde as suas preferências materiais até
suas inclinações políticas. Tais inferências e classificações podem

182 Termo técnico utilizado para se referir a qualquer atividade que envolva processamento de
dados como, por exemplo, coleta, armazenamento, transmissão, análise, classificação, segmen-
tação, organização e exclusão de dados.

165
nortear decisões que são feitas sobre elas – como suas chances de
honrar um empréstimo ou de ser chamado para uma entrevista
de emprego.
Nesse contexto, em diversos países surgiram leis gerais de proteção
de dados pessoais, com o objetivo fundamental de assegurar direitos
do titular de dados pessoais, criar deveres a entidades públicas e
privadas que manejam esses dados e garantir efetivos mecanismos de
“aplicação” (enforcement) desses direitos e deveres. Tais legislações
buscam concretizar determinados princípios, que pretendem dirimir
os riscos inerentes ao tratamento de dados pessoais: como o da
transparência sobre coleta e uso de dados, o da obtenção de consen-
timento do titular, o da especificação do propósito do tratamento,
o da limitação do uso, o da segurança e o da responsabilização.
Em julho de 2018, finalmente foi aprovada no Brasil uma lei dessa
natureza, que entrará em vigor 18 meses após sua publicação. Até
então, fora as proteções gerais da Constituição Federal, havia apenas
leis de aplicação setorial, que garantem alguns direitos a titulares
de dados e estabelecem certos deveres àquelas que manejam dados
pessoais. É o caso do Código Civil (arts. 11 a 21), do Código de
Defesa do Consumidor (art. 43), do Marco Civil da Internet, da Lei
das Telecomunicações, da Lei de Acesso à Informação (art. 31), da
Lei do Cadastro Positivo e da Lei do Sigilo das Operações Bancárias.
Na próxima seção, serão apresentadas as proteções existentes na
legislação eleitoral.

PROTEÇÃO DE DADOS NA
LEI DAS ELEIÇÕES
Em 2009, a Lei das Eleições (n. 9.504 de 1997) passou por uma
minirreforma que levou, entre outras alterações, à inclusão do
art. 57-E:
Art. 57-E. São vedadas às pessoas relacionadas no art. 24 a utilização,
doação ou cessão de cadastro eletrônico de seus clientes, em favor de
candidatos, partidos ou coligações.
§ 1o É proibida a venda de cadastro de endereços eletrônicos.

166 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


§ 2o A violação do disposto neste artigo sujeita o responsável pela
divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhe-
cimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Sendo assim, ficou vedada a determinadas pessoas jurídicas183
desde a utilização de “cadastro eletrônico de seus clientes” em favor
de candidatos, partidos ou coligações até a própria doação ou cessão
a favor deles. A venda de “cadastro de endereços eletrônicos” para
fins eleitorais tornou-se igualmente proibida, de forma abrangente.
Ao lado do art. 57-G,184 esses são os únicos dispositivos da lei
eleitoral que procuram resguardar alguma esfera de controle do
indivíduo sobre informações que lhe dizem respeito, demonstrando
certo compromisso com o princípio fundamental da proteção de
dados pessoais: a autodeterminação informativa. Tal noção está na
base de regimes de proteção de dados pessoais.
Assim, pessoas jurídicas que coletaram dados que compõem o
“cadastro eletrônico de seus clientes” não podem desvirtuar tal
coleta, explorando os dados para finalidades estranhas e secundárias
(no caso, eleitorais) ou mesmo cedendo ou vendendo-as a terceiros
(como candidatos, partidos ou coligações), de forma não-consensual
e inusitada aos eleitores titulares das informações.
Nos tribunais, há diversos julgados que sustentam essa proteção,
com entendimentos que a reforçam. No mais alto tribunal eleitoral

183 Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou
estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: I – entidade
ou governo estrangeiro; II – órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com
recursos provenientes do Poder Público; III – concessionário ou permissionário de serviço público;
IV – entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória
em virtude de disposição legal; V – entidade de utilidade pública; VI – entidade de classe ou sindical;
VII – pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior; VIII – entidades beneficentes
e religiosas; IX – entidades esportivas; X – organizações não-governamentais que recebam recursos
públicos; XI – organizações da sociedade civil de interesse público.
184 Art. 57-G. As mensagens eletrônicas enviadas por candidato, partido ou coligação, por qualquer
meio, deverão dispor de mecanismo que permita seu descadastramento pelo destinatário, obrigado
o remetente a providenciá-lo no prazo de quarenta e oito horas.
Parágrafo único. Mensagens eletrônicas enviadas após o término do prazo previsto no caput sujeitam
os responsáveis ao pagamento de multa no valor de R$ 100,00 (cem reais), por mensagem.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 167


(TSE), em 3 de outubro de 2014, foi decidido que “[o] Conselho
Regional de Medicina do Estado de Goiás, que utilizou seu cadastro
de associados para, via mensagem eletrônica, manifestar posição
política contrária à candidata Dilma Vana Rousseff, está sujeita às
vedações da Lei nº 9.504/1997, na parte que impede o uso ou a
cessão de seus cadastros eletrônicos em favor de candidatos, partidos
ou coligações”.185
Antes disso, diversos julgados importantes foram prolatados por
tribunais regionais. Em 14 de dezembro de 2010, o TRE-PR consi-
derou que o “acesso livre ao cadastro de e-mails por membros de
entidade religiosa não autoriza a utilização daquele meio virtual
para realização de propaganda eleitoral”. Provado o prévio conhe-
cimento do candidato beneficiário, foi condenado ao pagamento
de multa.186 Com isso, afirmou-se que a disponibilidade pública de
cadastro de uma pessoa jurídica não afeta a proibição de utilização
do cadastro para fins eleitorais.
Em certos julgados, entretanto, é notável a dificuldade da demons-
tração de que a origem dos “cadastros eletrônicos” é ilegal. Em 13
de abril de 2011, por exemplo, o TRE-MT manteve condenação de
recorrente que “se utilizou da lista de endereços de mais de 36 mil
alunos do SENAI-MT para mandar correspondência de seu próprio
interesse, enquanto candidato a governador de Mato Grosso”, a partir
do teor das cartas enviadas e do contrato de envio dos materiais.187
Por outro lado, em 9 de abril de 2015, o TRE-SP julgou que “não
ficou demonstrado que o SEBRAE tenha disponibilizado qualquer
informação ao candidato e que a alegação de uso de banco de dados
próprio, tendo em vista que o candidato ocupava cargo junto ao
SEBRAE-SP desde 2011, é razoável”.188

185 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Recurso na Representação n. 1157-14.2014.6.00.0000 – Classe


42, Brasília – DF. Min Rel. Herman Benjamin. Julgado em: 03/102014.
186 TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARANÁ. Representação n. 229948. Des. Rel. Luciano
Carrasco Falavinha Souza. Julgado em: 14/12/2010.
187 TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO MATO GROSSO. Recurso em Representação. Processo
n. 403627/2010. Des. Rui Ramos Ribeiro. Julgado em: 13/04/2011.
188 TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO. Representação n. 7951-28.2014.6.26.0000.
Des. Rel. Silmar Fernandes. Julgado em: 01/04/2015.

168 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Em 29 de novembro de 2012, invocando uma interpretação restri-
tiva e estranha aos dois casos anteriores, o TRE-SP considerou que a
vedação do art. 57-E se aplica apenas a manipulações de cadastros que
impliquem o uso da internet. Segundo o acórdão, a Lei 12.034/2009
“introduziu os artigos 57-A a 57-I na Lei nº 9.504/97 com o intuito
de normatizar o uso da web nas eleições”. Como “no caso sub judice,
o candidato valeu-se de envio de correspondência, via correios, à resi-
dência de fiéis da citada congregação para veicular propaganda elei-
toral”, o “fato não se enquadra no dispositivo legal”. No mais, também
considerou não haver provas suficientes de que o candidato realmente
se utilizou do cadastro de igreja para veicular a propaganda.189
Em outros dois julgados, condutas foram descaracterizadas do art.
57-E. Em 7 de fevereiro de 2017, o TRE-CE considerou que o enca-
minhamento de mensagem de áudio (contendo propaganda eleitoral
negativa) a contatos de grupo privado do WhatsApp não incorre na
vedação de uso de cadastro eletrônico.190 De maneira semelhante,
em 15 de dezembro de 2016, o TRE-SP julgou que propaganda
veiculada por e-mail corporativo para destinatários cadastrados na
lista de contatos pessoais de funcionária não afronta o art. 57-E.191
Há uma infinidade de controvérsias ao redor do art. 57-E que
poderão surgir nas próximas eleições, dentre as quais duas serão
destacadas.
Primeiro, a utilização, doação e cessão de “cadastros eletrônicos
de clientes” por parte de empresas do setor privado em favor de
candidatos, partidos e coligações. Apesar de não explicitamente
listadas no art. 24 (ao qual o art. 57-E faz referência), desde o
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4650 em
setembro de 2015 pelo Supremo Tribunal Federal, que proibiu a
doação de empresas a campanhas políticas, o art. 24 é interpretado

189 TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO. Recurso Eleitoral n. 173-33.2012.6.26.0305.


Des. Rel. Mathias Coltro. Julgado em: 29/11/2012.
190 TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO CEARÁ. Recurso Eleitoral n. 463-88.2016.6.06.0006.
Juiz Rel. Francisco Mauro Ferreira Liberato. Julgado em: 07/02/2017.
191 TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO. Recurso Eleitoral n. 51-35.2016.6.26.0384.
Juiz Rel. Marcelo Coutinho Gordo. Julgado em: 15/12/2016.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 169


de forma também a incluí-las no que diz respeito às vedações apli-
cáveis. Isso significa que elas também não podem utilizar, doar e
ceder cadastros de clientes em favor de candidatos? A questão está
em aberto e esta será, entretanto, a primeira eleição que o art. 57-E
será interpretado à luz dessa decisão do STF.
Uma segunda questão controversa será a doação e cessão de
cadastros eletrônicos por parte de pessoas físicas a favor de campa-
nhas: cadastros eletrônicos (como a lista de contatos de e-mail e
WhatsApp) podem ser vistos como recursos, os quais podem em
geral ser doados a campanhas por pessoas físicas. Ao contrário de
dinheiro, entretanto, no caso, tais ‘recursos’ consistem em dados
pessoais de terceiros. Seguindo princípios que respeitam a autonomia
do titular das informações (já presentes em leis brasileiras como no
art. 7 do Marco Civil da Internet e o art. 43 do Código de Defesa do
Consumidor), qualquer utilização, doação, cessão ou venda dessas
informações só poderia ocorrer nos limites do consentimento do
titular; restará saber como a Justiça Eleitoral vai tratar esse ‘ativo’.
É importante também notar que tais previsões são bastante limi-
tadas no quesito proteção de dados pessoais. Caso mais gritante
é o fato de que, considerando a redação da lei, estaria proibida a
venda de “endereços eletrônicos”, como e-mails, mas a venda de
uma infinidade de outras informações pessoais supostamente não
estaria proibida, em uma leitura restritiva e pouco teleológica da
norma. A mesma indefinição aparece quanto ao conceito de “cadas-
tros eletrônicos”: qual o escopo desse termo? Não há previsão legal.

USO DE DADOS PESSOAIS PARA


MARKETING ELEITORAL ONLINE
Para compreender o que a internet trouxe de complexidade ao tema
do marketing eleitoral online, é preciso ter clareza sobre que não é
novidade que: (i) estratégias de marketing eleitoral são desenhadas
para influenciar eleitores; (ii) para potencializar a influência, campa-
nhas buscam conhecer seus eleitores; e que (iii) candidatos selecionam
o que falar em seus discursos, que palavras utilizar, como se vestir,
como se portar, sempre conforme o público que querem atingir.

170 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


A grande novidade do atual cenário eleitoral em matéria de
propaganda é a possibilidade de microdirecionar publicidade (o
que se torna especialmente possível a partir de ferramentas de
impulsionamento disponibilizadas pelas plataformas de internet),
detalhar e alargar a segmentação do eleitorado, de forma a quase
individualizar a mensagem de um político a um potencial eleitor,
com base no seu perfil, por meio da exploração e análise de dados
pessoais. Tais técnicas de microdirecionamento já são usadas para
finalidades comerciais: trazidas para o campo político e eleitoral,
as promessas são que ajudem campanhas a entregar mensagens a
potenciais eleitores de forma mais eficiente e relevante, assim como
fazem empresas aos seus clientes. Isso pode significar, por exemplo,
um aumento de chances de candidatos menores que, mesmo com
recursos limitados, podem alcançar justamente os eleitores com
mais chances de se tornarem apoiadores.192
Isso se dá porque há mais informações e serviços disponíveis a
marqueteiros e, com a última reforma eleitoral, em 2017, também
se expandiram seus campos de atuação com a permissão de impul-
sionamento de propaganda eleitoral na internet (Art. 57-C da Lei
das Eleições).193
O microdirecionamento embutido nas estratégias de impulsio-
namento de conteúdo é feito com auxílio de dois grandes players:
(i) consultorias e agências de marketing digital; (ii) grandes plata-
formas de usuários.
Consultorias e agências de marketing digital centralizam diversos
bancos de dados antes esparsos, agregam grandes conjuntos de
dados pessoais de eleitores das mais diversas origens (agora também
incluindo rastros digitais e registros de navegação deixados por
eleitores na utilização da internet), formam perfis detalhados sobre
eles, extraem padrões e correlações, “advinham” preferências, incli-

192 Ver, sobre isso Bodó, B. & Helberger, N. & de Vreese, C. Political micro-targeting: a Manchurian
candidate or just a dark horse? Internet Policy Review, 6(4), 2017. DOI: 10.14763/2017.4.776.
193 Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na Internet,
excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e
contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 171


nações e preocupações.194 Conhecem bem o eleitorado.195 Com
isso, são capazes de vender um serviço que promete ser bastante
influente – e que tem mais chance de virar voto na urna, já que
baseado em perfis psíquicos e mensagens emotivas.
Peça fundamental nessa nova era do marketing eleitoral são as
grandes plataformas de internet, redes sociais como Facebook,
Twitter e YouTube, as quais igualmente reúnem informações sobre
interesses e hábitos de seus usuários. Como mencionamos no capí-
tulo 2, sobre propaganda eleitoral, o impulsionamento de conteúdo
de candidatos, partidos e coligações nessas plataformas ocorre justa-
mente por meio da seleção do público-alvo. A partir das análises das
consultorias de marketing digital, conhecendo eleitores e sabendo
o que cada um quer ouvir, é possível direcionar a campanha a um
nível de exatidão sem precedentes, capitalizando no viés de confir-
mação: nossa tendência de aceitar informações que confirmam
nossas crenças pré-existentes.
Essa afinidade entre os dois atores é demonstrável por duas
ferramentas de publicidade do Facebook: a ferramenta ‘Customize
Públicos Personalizados’196 permite que marqueteiros ‘subam’ seu
próprio banco de dados à plataforma e assim seja feita a associação
entre “eleitores reais” e seus perfis na rede social. Já a ‘Encontre
Públicos Semelhantes’197 direciona publicidade a pessoas com inte-
resses e hábitos semelhantes aos de um público ou grupo com perfil
previamente conhecido e identificado.198

194 Em entrevista, André Torretta da Ponte Estratégia afirmou que seu serviço reúne mais de 700
“pontos” de informação sobre cada brasileiro. Ver “O marqueteiro brasileiro que importou o método
da campanha de Trump para usar em 2018”, El País, 15 out. 2017. Disponível em: <https://brasil.
elpais.com/brasil/2017/10/11/politica/1507723607_646140.html>.
195 Por exemplo, “Nós conhecemos do Brasil” é lema da Ponte Estratégica (a Cambridge Analytica
do Brasil). Disponível em: <http://www.ponteestrategia.com.br>. Acesso: 25/01/2018.
196 Facebook Business, About Custom Audiences for Customer Lists. Disponível em: <https://www.
facebook.com/business/help/341425252616329?helpref=uf_permalink>.
197 Facebook Business, About Lookalike Audiences. Disponível em: <https://www.facebook.com/
business/help/164749007013531?helpref=uf_permalink>.
198 Ver CHESTER, Jeff; MONTGOMERY, Kathryn. The role of digital marketing in political campaigns.
Internet Policy Review, 6(4), 2017. DOI: 10.14763/2017.4.773.

172 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


QUADRO 11. O CASO CAMBRIDGE ANALYTICA-FACEBOOK

Em março de 2018, foi revelado que a consultoria britânica de marketing digital e


análise de dados Cambridge Analytica obteve ilegalmente dados de 50 milhões de
usuários do Facebook, os quais foram utilizados para criar o modelo de segmenta-
ção psicométrica utilizado para direcionar anúncios políticos, prever e influenciar
votos que teria ajudado Donald Trump a se eleger presidente dos Estados Unidos
e a campanha pelo Brexit a sair vitoriosa em referendo no Reino Unido.
A história tem início, em 2013, quando o pesquisador da Universidade de
Cambridge Alexandr Kogan obteve autorização do Facebook para utilizar a funcio-
nalidade ‘Facebook Login’ no seu aplicativo thisisyourdigitallife e, assim, a coletar
dados de usuários da plataforma que usassem o aplicativo, o qual funcionava
como teste de personalidade. A finalidade declarada para a coleta de dados,
tanto ao Facebook quanto aos usuários que fizeram download do aplicativo, era
pesquisa acadêmica. No total, cerca de 270 mil pessoas participaram.
Como, à época, a plataforma de desenvolvedores do Facebook permitia a coleta
de dados não só do usuário que consentidamente participava do teste, mas de
todos os seus amigos, Kogan foi capaz de extrair dados de 50 milhões de perfis
do Facebook. Isso já não é mais possível, em razão de mudança da política da
plataforma em 2014.
Tais informações foram compartilhadas com a Cambridge Analytica (que faz
parte do grupo Strategic Communication Laboratories), em violação aos termos
de uso do Facebook e, evidentemente, sem autorização dos usuários afetados.
Em 2015, jornalistas do The Guardian comunicaram à plataforma o esquema.
Como resultado, o Facebook removeu o aplicativo thisisyourdigitallife e exigiu que
a Cambridge Analytica deletasse os dados do Facebook que obteve ilegalmente,
o que foi certificado por meio de um documento assinado pela consultoria.
Em março de 2018, Christopher Wylie, ex-diretor de pesquisa da Cambridge
Analytica, revelou ao New York Times i e ao The Observer ii todo o ocorrido e,
também, que a consultoria ainda possuía todos os dados. As matérias desen-
cadearam uma série de discussões sobre as práticas da Cambridge Analytica,
a atuação do Facebook, o modelo de negócios que alimentou o esquema e a
necessidade de regulação robusta e fiscalização eficiente no que diz respeito à
proteção de dados pessoais.
A Cambridge Analytica nega as acusações de fazer parte de um esquema ilegal;
afirma que quando o Facebook lhes informou que Kogan violou seus termos,
apagou todos os dados recebidos.iii Ao tempo que esse texto foi finalizado, a

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 173


autoridade de proteção de dados do Reino Unido havia iniciado uma investigação
contra a empresa, o que incluía uma busca em sua sede. O CEO da empresa
Alexander Nix também foi suspenso, depois que o Channel 4 News secretamente
o gravou discutindo estratégias políticas envolvendo uso de subornos e golpes.iv
Já o Facebook, inicialmente, baniu a Cambridge Analytica, a Strategic
Communication Laboratories, Kogan e Wylie, de todos os serviços da plata-
forma.v Dias depois, reconheceu que cometeu erros e anunciou uma série de
mudanças, que incluem notificar usuários afetados pelo caso, investigar aplica-
tivos que tiveram acesso a grandes volumes de dados da plataforma, restringir
dados acessíveis por meio do ‘Facebook Login’, expandir o bug bounty program
(de denúncias de vulnerabilidades), além de encorajar usuários a manejar mais
adequadamente suas configurações de privacidade.vi
No Brasil, André Torreta, presidente da consultoria Ponte Estratégia, que havia
se tornado ‘CA Ponte’ ao se tornar parceira da Cambridge Analytica em 2017,
anunciou que não vai renovar o contrato com a empresa.vii

i Rosenberg, M.; Confessore, N.; Cadwalldr, C., ‘How Trump Consultants


Exploited Facebook Data of Millions’, New York Times, 17 março
2018. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/03/17/
us/politics/cambridge-analytica-trump-campaign.html>.
ii Cadwalldr, C.; Graham-Harrison, E. ‘Revealed: 50 million Facebook Profiles
harvested for Cambridge Analytica in major data breach’, The Guardian, 17
março 2018. Disponível em: <https://www.theguardian.com/news/2018/
mar/17/cambridge-analytica-facebook-influence-us-election>.
iii Cambridge Analytica responds to false allegations in the media, Cambridge
Analytica, 19 março 2018. Disponível em: <https://ca-commercial.com/
news/cambridge-analytica-responds-false-allegations-media>.
iv ‘A Statement from Board of Directors’, Cambridge Analytica, 20 março 2018.
Disponível em: <https://ca-commercial.com/news/statement-board-directors>.
v Grewal, P. ‘Suspending Cambridge Analytica and SCL Group from
Facebook’, FB Newsroom, 16 Março 2018. Disponível em: <https://
newsroom.fb.com/news/2018/03/suspending-cambridge-analytica/>.
vi ‘Cracking Down on Platform Abuse’, FB Newsroom, 21 Março 2018. Disponível em:
<https://newsroom.fb.com/news/2018/03/cracking-down-on-platform-abuse/>.
vii Sá, N. “Tomei um susto’, afirma empresário que suspendeu acordo com
consultoria no Brasil, Folha de S. Paulo, 20 março 2018. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/03/tomei-um-susto-afirma-
empresario-que-suspendeu-acordo-com-consultoria-no-brasil.shtml>.

174 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


QUAIS OS LIMITES JURÍDICOS
APLICÁVEIS A TRATAMENTO DE
DADOS PESSOAIS DE ELEITORES
E AO MICRODIRECIONAMENTO?
Como muitas outras questões jurídicas, os limites legais do micro-
direcionamento não estão bem definidos. Como visto, está vedado
a candidatos, partidos e coligações aproveitarem-se de “cadastros
eletrônicos de clientes” de pessoas jurídicas listadas no art. 24, em
razão do art. 57-E.
Pelo que vimos acima, no entanto, quando pensamos na utili-
zação de dados pessoais por parte de empresas de consultoria e
redes sociais, o que vemos não é o tratamento de dados de clientes
dessas empresas: os eleitores são o próprio produto que está à venda
para serem usados em favor de candidatos, partidos e coligações.
Nesse contexto, surgem diversas perguntas: (i) como o art. 57-E
será aplicado a consultorias de marketing digital que afirmam
possuir bancos detalhados de dados sobre brasileiros? O quanto
essa previsão legal se traduzirá em alguma limitação à sua atuação?
(ii) Como se realizará o controle da legalidade da obtenção dessas
informações? (iii) A que grau de responsabilização campanhas
estarão submetidas pela manipulação de “cadastros eletrônicos” e
a bancos de dados pessoais em geral?
Parte dos potenciais abusos e riscos decorrentes do uso de dados
pessoais é mitigado pela existência de uma lei geral de proteção de
dados pessoais, que assegura direitos do titular de dados pessoais,
cria deveres a entidades públicas e privadas que manejam esses
dados e garante efetivos mecanismos de “aplicação” (enforcement)
desses direitos e deveres. Tais leis estabelecem limites sobre a
coleta, agregamento e uso de dados pessoais – como ao impor o
consentimento do titular ou de outra base legítima para autorizar a
operação –, o que impacta a atuação de consultorias de marketing
e plataformas. Também sujeitam tais atores a fiscalização e sanções
em caso de descumprimento.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 175


Na falta de uma lei dessa natureza, eleitores brasileiros estavam
mais expostos a uso seletivo, inesperado e manipulador de suas
informações. Com a entrada em vigor da lei de proteção de dados
recém-aprovada no Brasil, quaisquer operações de tratamentos de
dados que deixem de observar os requisitos, limites e princípios da
lei poderão ser questionadas juridicamente, para além dos termos
da Lei das Eleições. Assim, espera-se que mecanismos de tutela para
cidadãos aumentem e que fiscalização sobre agentes que tratam
dados pessoais, inclusive para fins eleitorais, passe a existir, de
forma a mitigar potenciais riscos e a punir irregularidades.

PROMESSAS E AMEAÇAS DO
MICRODIRECIONAMENTO
PARA A DEMOCRACIA
Os riscos associados ao microdirecionamento de propaganda polí-
tica vão, entretanto, além daqueles que já existiam decorrentes da
coleta, análise e uso de grandes volumes de dados para finalidades
comerciais e que tentam ser controlados por leis de proteção de
dados. A tabela abaixo chama atenção para ameaças relacionadas à
técnica, em contraposição às suas potenciais promessas.

176 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


QUADRO 12. PROMESSAS E AMEAÇAS DO
MICRODIRECIONAMENTO PARA A DEMOCRACIA

Promessas Ameaças

• Propaganda mais relevante para • Invasão da privacidade.


interesses individuais de eleitores. • Manipulação de eleitores.
Para Cidadãos • Acesso a grupos antes mais • Exclusão de certos grupos
difíceis de alcançar pela do direcionamento de
propaganda em massa. mensagens políticas.
• Custo baixo (de algumas formas • Custo alto (de algumas formas
de microdirecionamento). de microdirecionamento).
Para Partidos • Eficiência na disseminação de • Mais poder para intermediários
Políticos mensagens políticas relevantes. comerciais (agências e
• Eficácia no convencimento consultorias de marketing
do eleitor. digital e plataformas).

• Diversificação das campanhas. • Falta de transparência sobre


Para a Opinião • Mais conhecimento de eleitores as prioridades de políticos.
Pública sobre pontos específicos • Fragmentação do
de programas políticos. mercado de ideias.

Fonte: BORGESIUS, F.J.Z; MÖLLER, J.; KRUIKEMEIER, S.;


FATHAIGH, R.; IRION, K.; DOBBER, T.; BODO, B.; VREESE,
C. Online Political Microtargeting: Promises and Threats for
Democracy. Utrecht Law Review, v. 14, 2018, p. 82-96.
A tabela chama atenção para o fato de que, para conter abusos
decorrentes do microdirecionamento de propaganda política online, é
necessário, além de uma lei de proteção de dados robusta, uma regu-
lação que garanta a transparência sobre a contratação de consultorias
de marketing digital, agregamento e análise de bancos de dados, e
anúncios veiculados – seus alvos, seu conteúdo, seu pagamento – e
a responsabilização por abusos (como discriminação, falsidades e
contradições, impulsionamento por ator não-autorizado), para que
as próprias instituições democráticas não sejam comprometidas.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 177


Nesse contexto, especialmente controversos são os já citados
“dark posts” impulsionados a um determinado público, mas que
não ficariam publicamente registrados na página do candidato.199
Essa funcionalidade permitiria que candidatos “falem” a eleitores de
modo particularizado, otimizando a geração de empatia e, assim,
de votos. Nos Estados Unidos, onde o voto é voluntário e não há
lei geral de proteção de dados, a campanha de Donald Trump,
em 2016, utilizou-se dessa técnica, por exemplo, para direcionar
mensagens emotivas a “liberais brancos idealistas, jovens mulheres,
e afro americanos” que os desencorajava a ir votar.200
Como isso não acontece de forma transparente a todos, fragili-
za-se o debate público sobre as mensagens recebidas e dificultam-se
mecanismos de responsabilização por abusos. Tendo isso em vista,
o Facebook anunciou em outubro de 2017 que todas as páginas
da plataforma passariam a ter um mecanismo de visualização de
todos os anúncios que estão sendo divulgados, bem como o número
de impressões (alcance), informações demográficas sobre o público
atingido, e detalhes do valor gasto.201
Apesar de representar um ganho em termos de transparência, a
provável e esperada ausência de dark posts nas eleições brasileiras
não mitiga um dos principais riscos associados ao microdireciona-
mento: como a técnica fragmenta o endereçamento e a veiculação
de ideias e mensagens políticas, aumentam-se os custos para que
eleitores sejam e mantenham-se informados de diferentes propostas,
refletindo no agravamento de polarização e tensões políticas.

199 Ver PITA, Marina. Quantas Caras Tem um Político no Mundo Digital? Carta Capital, 20 out. 2017,
disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/quantas-caras-tem-um-politi-
co-no-mundo-digital>; e SAKAMOTO, Leonardo. Como Seu Smartphone Deve Ajudar a Manipular
as Eleições em 2018? Blog do Sakamoto, 11 dez. 2017, disponível em: <https://blogdosakamoto.
blogosfera.uol.com.br/2017/12/11/como-o-seu-smartphone-deve-ajudar-a-manipular-as-eleico-
es-de-2018/>. O termo está definido com maior detalhamento no Glossário.
200 Ver CHESTER, Jeff; MONTGOMERY, Kathryn. The role of digital marketing in political campaigns.
Internet Policy Review, 6(4), 2017. DOI: 10.14763/2017.4.773.
201 GOLDMAN, Rob. Update on Our Advertising Transparency and Authenticity Efforts,
Facebook Newsroom, 27 out. 2017, disponível em: <https://newsroom.fb.com/news/2017/10/
update-on-our-advertising-transparency-and-authenticity-efforts/>.

178 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


O quanto esses riscos vão se materializar nas eleições brasileiras
é preciso esperar para ver. A principal ameaça talvez seja mesmo
as invasões de privacidade relacionadas à exploração de dados
pessoais sem o consentimento do titular. No mais, pode ser que os
custos relacionados à implementação da técnica sejam uma barreira
concreta para sua adoção no Brasil. Além disso, é de se lembrar que
os riscos de fragmentação e seletividade decorrentes do microdire-
cionamento podem ser mitigados se e quando brasileiros buscarem
informações de fontes offline – como TV, jornais e conversas com
outras pessoas.202

202 Ver BORGESIUS, F.J.Z; MÖLLER, J.; KRUIKEMEIER, S.; FATHAIGH, R.; IRION, K.; DOBBER, T.;
BODO, B.; VREESE, C. Online Political Microtargeting: Promises and Threats for Democracy. Utrecht
Law Review, v. 14, 2018, p. 82-96.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 179


capítulo 9
Tecnologia no
financiamento e
transparência de
campanhas eleitorais
Se há algum tempo o sistema de prestação de contas de campanha
era visto como questão exclusivamente protocolar, o cenário atual
é absolutamente diverso. Para a efetivação dos direitos políticos,
para além de desejar conhecer as propostas e os debates públicos
dos candidatos, é assegurado ao eleitor o conhecimento de quem
constrói a campanha eleitoral, quem são os financiadores e os forne-
cedores do pretenso representante público e quais são os interesses
colocados na agenda da campanha.203 De fato, o direito à informação
é elemento central do processo democrático.204
A legislação eleitoral e a própria Justiça Eleitoral têm promovido
uma série de ferramentas para aperfeiçoamento dos sistemas de
controle das campanhas eleitorais, desenvolvendo instrumentos
de transparência para a arrecadação e novos mecanismos para a
fiscalização dos gastos eleitorais.
O processo de incremento da transparência no pleito se poten-
cializou na década passada como resposta do legislador às crises de
credibilidade no processo de movimentação financeira das campa-
nhas. Por meio da Lei 11.300/2006, o legislador passou a exigir
dos candidatos a apresentação de uma prestação de contas parcial.
Além da obrigação de declarar ao final da campanha a totalização
da arrecadação e despesas realizadas durante o pleito, a inclusão
do §4º ao art. 28 da Lei 9.504/97 impôs a obrigatoriedade de
divulgação de, “nos dias 8 de agosto e 8 de setembro, relatório
discriminando os recursos em dinheiro ou estimáveis em dinheiro

203 Disponível em: <http://apps.tre-rn.jus.br/intra_inter/pdoc/get_documento.php?doc=docu-


mentos/artigos/artigos-20100013-201009271638490.pdf>.
204 Disponível em: <https://www.tre-sc.jus.br/site/fileadmin/arquivos/ejesc/documentos/
Artigo_Varela_Abreu.pdf>.

183
que tenham recebido para financiamento da campanha eleitoral e
os gastos que realizarem, em sítio criado pela Justiça Eleitoral para
esse fim”. Apesar da novidade que autorizava acesso à movimen-
tação durante o período eleitoral – e, portanto, durante o período
de formação de convicção do eleitor – até as Eleições de 2010 o
mecanismo jurídico permitia “a indicação dos nomes dos doadores
e os respectivos valores doados somente na prestação de contas
final”, delegando à prestação de contas parciais apenas a indicação
geral de valores gastos e recebidos.
Para as Eleições de 2012, por meio de decisão da então Presidente
Ministra Carmen Lúcia, o Tribunal Superior Eleitoral sob o funda-
mento de atenção à Lei de Acesso à Informação (12.527/2011)
determinou que a relação de identificação de todos os doadores
e fornecedores passasse a ser pública ainda durante o curso da
campanha. Naquela ocasião, com a entrega das prestações de contas
parciais, o Tribunal Superior Eleitoral passou a divulgar planilha
com as informações de movimentação financeira de cada campanha
eleitoral,205 indicando a identificação de cada doador/fornecedor
durante o pleito.
Ainda caminhando em favor da transparência, para as Eleições
de 2014, o Tribunal Superior Eleitoral incluiu na Resolução TSE
n° 23.406/2013 a determinação de identificação do doador origi-
nário206 nas prestações de contas. Novamente fundamentado na Lei
de Acesso à Informação (12.527/2011), e potencializando o acesso
do eleitor às informações financeiras de campanha, o TSE passou a
exigir que as doações financeiras realizadas entre candidatos e/ou
partidos tivessem como informação obrigatória no recibo eleitoral
a indicação do doador originário da quantia repassada. Assim,
na análise de uma doação realizada, por exemplo, entre a conta
bancária do diretório nacional de um partido e a conta de campanha
de um candidato presidencial, passou a ser exigida a informação

205 Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2012/Agosto/pela-primei-


ra-vez-eleitores-podem-consultar-lista-de-doadores-antes-das-eleicoes>. Acesso em 21/01/2018.
206 Aquele que faz a doação originariamente a um partido ou candidato e depois essa doação é
transferida pelo donatário a outro candidato. Na prestação de contas deste último constará que
ele recebeu a doação de um partido ou candidato, que por seu turno recebeu de determinado
doador originário.

184 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


da origem do valor depositado na conta do diretório nacional do
partido, disponibilizando-se ao público o acesso integral à origem
das verbas aplicadas em campanha.
Para as Eleições de 2016, por um lado, a Lei 13.165/2015 trouxe
mudanças com a inclusão de dispositivo de transparência que
proporciona controle quase instantâneo das doações eleitorais,
determinando o registro de cada doação financeira no prazo de
até setenta e duas (72) horas do seu recebimento (art. 28, §4, I, da
Lei 9.504/97). Também incorporou dispositivo que já integrava
o quadro de resoluções do TSE ao determinar expressamente no
§4 do art. 24 da Lei 9.504/97 o dever de não utilizar recursos de
“origem não identificada”.
Por outro, previu dispositivo que desobrigava o lançamento das
informações da origem de doação feita a Partido Político e poste-
riormente repassada a campanha. Em termos práticos, permitiu-se
que as campanhas indicassem o próprio Partido como a fonte origi-
nária do valor recebido, dando ensejo às “doações ocultas”,207 como
denominado pela imprensa.
Para as Eleições 2018, há a consolidação desses mecanismos
de transparência de forma a impulsionar a fiscalização e análise
da movimentação financeira das campanhas durante a realização
da campanha: (i) obrigatoriedade de divulgação em até setenta e
duas horas dos dados relativos aos recursos financeiros recebidos,
com a descrição de todos os gastos já realizados e anteriormente
declarados no sistema SPCE (art. 50, I, da Res. TSE 23.553); (ii) no
dia 15 de setembro do ano eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral
divulgará, na sua página na internet, a prestação de contas parcial
de campanha de candidatos e partidos políticos com a indicação
dos nomes, do CPF ou CNPJ dos doadores e dos respectivos valores
doados (art. 50, §5º, da Res. TSE 23.553); (iii) obrigatoriedade de

207 Sobre isso, ver: REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, “Doação oculta por pessoas físicas para
partidos é suspensa pelo Supremo”, publicado em 12/11/2015. Disponível em: <https://www.conjur.
com.br/2015-nov-12/doacoes-ocultas-pessoas-fisicas-inconstitucional-decide-stf>, Acesso em:
27/02/2018; e O ESTADO DE S. PAULO, “Reforma política oficializa doação oculta”, publicado em
14/09/2015. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,reforma-politica-oficia-
liza-doacao-oculta,1761561>, Acesso em: 27/02/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 185


identificação do doador originário dos valores recebidos em doação
pelo partido e posteriormente repassados para a campanha (art. 31,
§3°, da Res. TSE 23.553).
Todos esses instrumentos jurídicos são bem regulamentados pela
Justiça Eleitoral. Ao longo dos anos, as ferramentas de prestação de
contas foram incrementadas com o avanço tecnológico. O SPCE
(Sistema de Prestação de Contas Eleitorais),208 desenvolvido pela
Justiça Eleitoral, funciona como estrutura para o lançamento de
todas as informações da movimentação eleitoral e de comunicação
com a Justiça Eleitoral, que torna pública as informações alimen-
tadas pelas candidaturas.
Sua interface interna permite uma variedade de cruzamento de
dados em todas as transações de campanha e a conferência das
informações integradas com os mecanismos de notas fiscais eletrô-
nicas e com a própria Receita Federal, potencializando a capacidade
de fiscalização no curto espaço de tempo destinado pela legislação
para a apreciação das contas de campanha.209
Em suma, o panorama normativo para as Eleições 2018 prevê uma
série de mecanismos jurídicos com o objetivo de assegurar à socie-
dade o conhecimento e o acompanhamento das receitas e despesas
declaradas pelas campanhas eleitorais. O Tribunal Superior Eleitoral,
por sua vez, disponibiliza eletronicamente – e em formato aces-
sível ao público em geral – os dados detalhados da movimentação
financeira das campanhas. Esse cenário, sem dúvidas, impulsiona
o controle social da gestão financeira eleitoral e dá ferramentas para
o controle da influência ilegítima do poder econômico nas eleições.

208 Sistema SPCE: “O Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), previsto na Resolução-TSE
nº 23.406/2014, é um programa desenvolvido pela Justiça Eleitoral para auxiliar na elaboração
da prestação de contas de campanhas eleitorais dos candidatos, comitês financeiros e partidos
políticos. De acordo com a resolução, a prestação de contas tem de ser elaborada por meio do
SPCE, que deverá ser instalado no computador do usuário para preenchimento das informações.
Os dados inseridos no sistema devem ser gravados em arquivo gerado pelo SPCE e encaminhados
à Justiça Eleitoral, pelo módulo de envio do próprio SPCE”. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/
eleitor-e-eleicoes/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2014/prestacao-de-contas-eleicoes-2014/
sistema-de-prestacao-de-contas-eleitorais-spce>. Acesso em 20/02/2018
209 Segundo o art. 81 da Res. TSE 23.553, as contas dos eleitos devem estar julgadas até três
dias antes da diplomação.

186 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


MECANISMOS DE
FINANCIAMENTO ONLINE
Com a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da
ADI 4650 determinando o fim das doações de pessoas jurídicas a
campanhas e partidos políticos, exclui-se do sistema político o prin-
cipal meio de financiamento das eleições até então. Independente
do acerto ou equívoco da decisão, o fato é que as eleições têm
custo210 e os operadores políticos precisam reinventar a lógica de
financiamento de suas campanhas em uma sociedade cada vez
mais insatisfeita com a classe e com a desconfiança das operações
financeiras eleitorais.
Dentro desse cenário, olhando com a perspectiva da inovação
tecnológica no processo eleitoral, é necessário destacar que o art.
23 da Lei 9.504/97 prevê dois instrumentos de arrecadação que
utilizam diretamente das plataformas digitais para o seu funciona-
mento, estabelecendo em seus incisos III e IV a possibilidade de
arrecadação pelos seguintes dispositivos: (i) mecanismo disponível
em sítio do candidato, partido ou coligação na internet, permitindo
inclusive o uso de cartão de crédito; (ii) instituições que promovam
técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios na
internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

APLICAÇÃO DA PRÓPRIA
CAMPANHA
A Lei 12.034/2009 inseriu no art. 23 da Lei 9.504/97 novo dispo-
sitivo relativo a financiamento, autorizando, a partir das Eleições de
2010, a utilização de “mecanismo disponível em sítio do candidato,
partido ou coligação na internet, permitindo inclusive o uso de
cartão de crédito” para a arrecadação de campanha.

210 SANTANO, Ana Cláudia. Como sobreviver na selva: fontes alternativas de financiamento de
campanhas eleitorais. In: PEREIRA, Rodolfo Vieira; SANTANO, Ana Cláudia (Org.). Conexões elei-
toralistas. Brasília: Abradep, 2016. p. 35-62. Disponível em: <http://www.abradep.org/wp-content/
uploads/2016/10/abradep_conexoes_anaclaudia.pdf>. Acesso em 21/01/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 187


Apesar de ter encontrado resistência do eleitorado211 – especial-
mente diante da ausência de cultura de doação eleitoral por pessoa
física e da crise de legitimidade da classe política212 – os mecanismos
para arrecadação online no site de candidato, partido ou coligação
já foram implementados nas últimas eleições.
Para as eleições de 2018, o mecanismo continua autorizado, repe-
tindo-se a fórmula jurídica das eleições anteriores. Para a arrecadação
é obrigatória a identificação do doador pelo nome e CPF, a emissão
de recibo eleitoral para cada doação realizada e a utilização de um
terminal de pagamento que autorize o recebimento via cartões de
crédito e débito. Nessa modalidade, as doações são debitadas dire-
tamente na conta de campanha, ficando a operação do sistema sob
a responsabilidade da candidatura e recaindo sobre ela o dever de
atender a todos os comandos de transparência e fiscalização acima
mencionados.

MECANISMOS DE
FINANCIAMENTO COLETIVO
DE CAMPANHAS
A principal novidade para as campanhas em 2018 é inclusão
da possibilidade de arrecadação por meio de “instituições que
promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio
de sítios de internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos simi-
lares”.213 Incluiu-se novo mecanismo de arrecadação para campanha
na tentativa de encontrar novas formas de financiamento diante da
vedação de doação por pessoas jurídicas, chamado popularmente
de “vaquinha virtual”.

211 Ver: VALOR ECONÔMICO, “Dilma e Marina conseguem só 0,3% das doações pela internet”,
publicado em 18/09/2014. Disponível em: <http://www.valor.com.br/eleicoes2014/3701768/
dilma-e-marina-conseguem-so-03-das-doacoes-pela-internet>. Acesso em: 27/02/2018.
212 Ver: O GLOBO, “Doações on-line para campanhas não chegam a 1%”, publicado em
05/10/2015. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/doacoes-on-line-para-campa-
nhas-nao-chegam-1-17690529>. Acesso em: 27/02/2018.
213 Cf. art. 23, IV, da Lei 9.504/97, incluído em 2017.

188 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Propondo um novo formato de comunicação, a alteração proposta
pelo legislador tem como ponto principal a antecipação do momento
de arrecadação. A partir de 15.05.2018, os pré-candidatos poderão
lançar campanha de arrecadação em uma das plataformas cadas-
tradas na Justiça Eleitoral, podendo retirar os valores depositados
pelos doadores quando do pedido de registro de candidatura e
preenchimento dos requisitos normativos.214 A realização de despesas
de campanha nesse período está vedada215 (§3º, art. 22-A, da Lei
9.504/97) e caso o pré-candidato não requeira sua candidatura, a
plataforma de financiamento coletivo deverá devolver os valores
arrecadados aos doadores na forma das condições estabelecidas
entre a entidade e o pré-candidato.

214 O requerimento do registro de candidatura, inscrição no cadastro nacional de pessoa jurídica,


abertura de conta bancária específica (art. 3°, Res. TSE Prestação de Contas);
215 Com exceção: Res. TSE 23.553, Art. 37 […] § 2º Os gastos destinados à preparação da campanha
e à instalação física ou de página de internet de comitês de campanha de candidatos e de partidos
políticos poderão ser contratados a partir da data efetiva da realização da respectiva convenção
partidária, desde que, cumulativamente: I – sejam devidamente formalizados; e II – o desembolso
financeiro ocorra apenas após a obtenção do número de inscrição no CNPJ, a abertura de conta
bancária específica para a movimentação financeira de campanha e a emissão de recibos eleitorais,
na forma do art. 9º desta Resolução.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 189


QUADRO 13. REQUISITOS PARA INSTITUIÇÕES ATUAREM NO
FINANCIAMENTO COLETIVO DE CAMPANHAS EM 2018.

1. Realizem cadastro prévio na Justiça Eleitoral, com a fiscalização instantânea


das doações e repasses, observado o atendimento, nos termos da lei e da
regulamentação expedida pelo Banco Central, dos critérios para operar
arranjos de pagamento;
2. Identificação obrigatória com o nome completo e o número de inscrição
no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) de cada um dos doadores e das
quantias doadas, forma do pagamento e a data das respectivas doações;
3. Disponibilizem em sítio eletrônico, a ser informado à Justiça Eleitoral, lista
com identificação dos doadores e das respectivas quantias doadas, a ser
atualizada instantaneamente a cada nova doação;
4. Emissão obrigatória de recibo para o doador, relativo a cada doação
realizada, sob a responsabilidade da entidade arrecadadora;
A. Envio imediato para a Justiça Eleitoral e para o candidato de todas as
informações relativas à doação;
5. Ampla ciência a candidatos e eleitores acerca das taxas administrativas a
serem cobradas pela realização do serviço;
6. Vedação às fontes de doação mencionadas pelo art. 24 da Lei 9.504/97,
além de proibição às pessoas jurídicas;
7. Observância do calendário eleitoral, especialmente no que diz respeito ao
início do período de arrecadação financeira (a partir de 15 de maio);
8. Transferência e movimentação dos recursos captados para a conta
bancária do candidato intitulada “Doações para Campanha”;
9. Observância dos dispositivos da lei relacionados à propaganda na internet.

Elemento central para o funcionamento desse tipo de meca-


nismo – e o que torna o instrumento ainda mais atraente para
as campanhas em um cenário de curto período de campanha e
extensas restrições à propaganda – é a autorização para a propa-
ganda da campanha de arrecadação prévia sem incorrer em ilícito
de propaganda eleitoral antecipada. A Lei 13.488/2017, assim,
inclui novo inciso (VII) no art. 36-A da Lei 9.504/97, ressalvando
que não configura propaganda eleitoral antecipada a “campanha
de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso
IV do § 4o do art. 23 desta Lei”.

190 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Os limites dessa modalidade de propaganda são, no que aplicável,
os mesmos impostos ao período eleitoral propriamente dito. Quanto
aos custos inerentes à publicidade, a interpretação mais segura é
aquela que coloca os partidos políticos como os responsáveis pela
despesa,216 mas é importante registrar que há normas de caráter
constitucional que asseguram o exercício dos direitos políticos
pelas pessoas físicas, sendo absolutamente legítimo que o cidadão
invista seus próprios recursos na sua promoção pessoal e política,
desde que não incorra na utilização abusiva do poder em todas as
suas vertentes.
Essas mesmas regras também são aplicáveis às próprias instituições
de arrecadação, que podem ser exigidas a dar tratamento isonô-
mico às candidaturas cadastradas em sua plataforma e, assim, não
podem intervir de maneira abusiva no processo de publicidade da
campanha. De qualquer maneira, diante da novidade do tema e do
silêncio da legislação sobre o assunto, é a aplicação da norma pela
Justiça Eleitoral que melhor delineará as fronteiras dessa propaganda
com base nos pressupostos de isonomia, legalidade e integridade
do pleito (art. 14, § 9º, da CF/88).
Além da inclusão de um novo mecanismo digital de doação que
reduz a burocracia e facilita o processo de arrecadação, o legis-
lador incorporou ferramenta de economia colaborativa ao pleito
eleitoral. A autorização de arrecadação por meio de financiamento
coletivo – especialmente com a antecipação do prazo para arreca-
dação – possibilita a construção de candidatura sem intermediários
e financiadas mediante a pulverização de doações na comunidade,
potencializando o caráter democrático da campanha.

216 Por analogia ao art. 36-A, II, da Lei das Eleições e a necessidade de que tais gastos fiquem
registrados em prestação de contas.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 191


Financiamento de campanhas e criptomoedas
Por Pedro J. A. Lima
De acordo com a Resolução 23.553 do TSE, “é vedado o uso de moedas virtuais
para o recebimento de doações financeiras” (art. 22, § 5º) e “para o pagamento
de gastos eleitorais” (art. 40, § 2º). Assim, partidos políticos não poderão aceitar
doações por meio de qualquer criptomoeda para as campanhas eleitorais de
2018. Segundo o TSE, foram levados em conta os comunicados publicados so-
bre o tema pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), que “apontaram para os riscos de transação com esse tipo de ativo, que
não oferece garantia de qualquer país”.i
Nos Estados Unidos, políticos têm aceitado doações em bitcoin desde 2014,
quando a Federal Election Commission (FEC), órgão federal estadunidense que
supervisiona o funcionamento de campanhas eleitorais, em resposta à solicitação
de uma organização que intermedeia doações eleitorais, publicou diretrizes sobre
o assunto, entendendo que:ii
A criptomoeda se encaixa na definição de “contribuição” usada pela legislação
estadunidense,iii que fala em “dinheiro ou qualquer item de valor”;
São permitidas doações individuais em bitcoin de até 100 dólares por ano, na
cotação do momento da contribuição;
Os bitcoins devem ser liquidados e o valor em dólar depositado na conta-corrente
da campanha antes da utilização dos fundos, sendo vedada a utilização da
criptomoeda para adquirir bens e serviços;
As organizações estão autorizadas a investir seus fundos provenientes de doações
eleitorais em criptomoedas e utilizar os lucros provenientes para financiamento
de campanha.
Para garantir a legalidade da contribuição, doadores devem informar alguns
dados pessoais (nome, endereço físico e empregador), declarar que os bitcoins
são de sua propriedade e que não é pessoa estrangeira. Doações em desacordo
com os requisitos legais devem ser retornadas às carteiras de origem.
Na internet, o protocolo TCP/IP funciona de tal modo que cada computadoriv
conectado à rede possui um endereço de IP (“Internet Protocol”) que o identifica
na rede; este endereço, por sua vez, é atribuído por um provedor de conexão, que
sabe informar a pessoa que contratou o serviço, permitindo associar, se neces-
sário, uma pessoa a um endereço de IP. Apesar do protocolo usado pelo bitcoin e
demais criptomoedas permitir que um indivíduo tenha infinitas carteiras virtuais,
geradas pelo próprio usuário sem depender de terceiros, elas não providenciam
completo anonimato; quase todas operam com uma forma de pseudonimato
através do endereço das carteiras.v

192 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


No caso do bitcoin, trata-se de uma criptomoeda cuja blockchain é pública, isto é,
qualquer um pode ter acesso ao histórico de todas as transações já realizadas por
meio do sistema.vi Usando qualquer um dos diversos exploradores de blocos que
existem, é possível visualizar todas as informações – como o saldo e o histórico
de transações – de qualquer carteira virtual, dado que se tenha seu endereço.
Sendo assim, seria possível inferir informações sobre quem é o dono da carteira
a partir do histórico de transações realizadas na rede.
Uma das maneiras mais comuns, atualmente, de se adquirir bitcoins e outras
criptomoedas é usando uma corretora (exchange) que faz o intermédio entre pes-
soas que querem comprá-las e pessoas que querem vendê-las. Estas corretoras,
apesar de ainda não reguladas na maior parte dos países, costumam pedir dados
pessoais (nome, endereço, CPF, passaporte, foto etc.) de seus clientes para ofere-
cer o serviço e realizar a custódia das criptomoedas em suas carteiras digitais.vii
No caso de uma pessoa que adquiriu suas criptomoedas em uma corretora e
então as movimentou para uma carteira própria ou alheia, seria possível que
uma ordem judicial obrigasse a empresa a identificar qual de seus clientes
movimentou suas moedas para uma determinada carteira, quebrando o pseu-
donimato do sistema. Este é apenas um exemplo de como a análise de dados
que são públicos na blockchain permitiria revelar todo o histórico financeiro de
uma carteira e assim, a identidade de seu dono.
Ainda que se trate de uma tecnologia emergente que carece de regulamentação
específica pelas instituições do Estado, a decisão do Tribunal Superior Eleitoral
em vedar a utilização de criptomoedas para doações de campanha representa
a perda de uma oportunidade de estudar mais a fundo como o uso de ledgers
públicos criptografados poderiam resolver em parte os problemas de caixa dois e
lavagem de dinheiro que o Brasil enfrenta em períodos eleitorais. A mera proibição
com base em um comunicado pouco técnico, que não contempla os aspectos
positivos e inovadores da tecnologia, demonstra o quanto as instituições ainda
não compreenderam seu potencial.
Um partido político ou candidato que recebesse doações por meio de uma cripto-
moeda de blockchain pública poderia divulgar o endereço de sua carteira virtual
para ser publicamente auditada, onde constaria permanentemente todo o histórico
de transações já realizadas, a fonte dos recursos doados, o saldo movimentado
etc. A prestação de contas e os processos envolvidos na verificação da legalidade
do uso dos recursos eleitorais é um processo dispendioso que envolve muitos
atores. Com o desenvolvimento de softwares que integrem os dados fornecidos
pela blockchain e a prestação de contas do partido, este processo poderia ser
muito mais ágil e extremamente difícil de ser fraudado.
Uma implementação bastante inovadora dessa tecnologia para financiamento
eleitoral envolveria o uso de contratos inteligentes, uma forma de controlar os

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 193


ativos digitais a partir de um código pré-programado que funciona como uma
espécie de “caixa” criptográfica, que armazena unidades de uma criptomoeda e só
“abre” quando determinadas condições são atendidas.viii Um contrato inteligente
pode ser programado de acordo com a regras de arrecadação eleitoral do TSE,
para automaticamente parar de receber fundos quando o limite de arrecadação
for atingido, impedir partidos de movimentar fundos para adquirir bens e serviços
fantasmas ou de empresas irregulares perante o TSE, aceitar ou não transações
de determinadas carteiras – como aquelas associadas a pessoas jurídicas, por
exemplo –, limitando o valor individual de cada doação e outros processos que
hoje dependem de fiscalização e prestação de contas adequadas. Um contrato
inteligente, uma vez registrado no blockchain, torna-se imutável e público na
plataforma, razão pela qual deve ser testado e auditado exaustivamente para
garantir que uma vez que seja ativado, comporte-se da maneira pretendida,
especialmente no âmbito de uma organização autônoma descentralizada.ix - x

i Os comunicados estão disponíveis aqui: <http://www.internetlab.org.br/


pt/?s=informativos+moedas+virtuais&post_type=itens_semanario>. Disponível
em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Dezembro/tse-aprova-10-
resolucoes-sobre-regras-das-eleicoes-gerais-de-2018>. Acesso em 01/02/2018.
ii Advisory Opinion 2014-02, Federal Election Commission, de 08/05/2014. Disponível
em: <http://saos.fec.gov/aodocs/2014-02.pdf>. Acesso em 01/02/2018.
iii Federal Election Campaign Act of 1971, 52 U.S.C. § 30101(8)(A)(i)
iv No caso de conexões compartilhadas, como numa residência ou escritório, é
possível que mais de um computador seja identificado por um mesmo endereço IP.
v O Zcash é uma criptomoeda que implementou uma tecnologia de criptografia
de conhecimento-zero (zk-SNARKs), com a qual é possível alcançar maior grau
de privacidade utilizando os “endereços blindados” para realizar transações.
Disponível em: <https://z.cash/support/faq.html>.
vi Disponível em: <https://live.blockcypher.com/>.
vii O principal motivo é a observância de regras internacionais de compliance
(KYC/AML) para fins de autorregulação. Disponível em: <https://foxbit.com.br/
compliance>. Acesso em 05.02.2018.
viii O Ethereum é uma plataforma de blockchain descentralizada na qual é baseada a
criptomoeda ether. Atualmente, é muito usada para a implementação de contratos
inteligentes, principalmente para um tipo de financiamento coletivo, as Initial Coin
Offerings (ICOs). Disponível em: <https://github.com/ethereum/wiki/wiki/White-
Paper>.
ix Para uma análise mais aprofundada das possíveis implicações jurídicas da
tecnologia de ledgers distribuídos e das organizações autônomas descentralizadas,
ver: DE FILIPPI, Primavera; WRIGHT, Aaron. Decentralized Blockchain Technology and
the Rise of Lex Cryptographia. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2580664>.
x Em novembro de 2017, um bug no código de um contrato inteligente fez com que 500
mil ethers fossem perdidos permanentemente. Disponível em: <https://paritytech.io/
security-alert-2/> e <https://mashable.com/2017/11/08/ethereum-parity-bug/>.

194 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


10
capítulo
A autorregulação das
plataformas de internet
Apesar do foco desse trabalho ter sido a aplicação do direito
eleitoral em relação às campanhas na internet, decisões tomadas
no âmbito privado por empresas de internet podem promover
mudanças significativas no cenário ocupado por candidatos,
partidos e coligações. Isso porque as políticas de tais plataformas
de internet são capazes de moldar os comportamentos de seus
usuários, processo mediado por decisões de design e programação
de sistemas que automatizam tarefas, sendo consubstanciado em
termos de uso aderidos pelos usuários – sejam eles eleitores ou
candidatos. A presença de tais intermediários privados e o seu
poder de decisão levanta uma série de preocupações em relação a
transparência e sobre o impacto no que diz respeito ao exercício de
direitos. Exemplos recentes corroboram a necessidade de ampliação
do olhar regulatório para contemplar o papel das plataformas de
internet. Nesse cenário, a pressão regulatória entra em conflito com
arranjos de responsabilidade por conteúdo gerado por terceiros que
afastavam a ideia de que tais empresas deveriam tomar qualquer
tipo de atitude em nome do interesse público.
Esse tipo de arranjo remonta à década de 1990. Nos EUA, o artigo
230 do Communications Decency Act (1996) estabelece que nenhum
usuário ou provedor de serviço online será responsabilizado por
conteúdo publicado por terceiro, o que permitiu a plataformas como
YouTube, Facebook e Twitter – cujo modelo de negócio é estruturado
em torno da publicação de conteúdos gerados por terceiros – crescer
e consolidar sua presença no ambiente virtual como espaço para o
exercício da liberdade de expressão de usuários na rede.
Isso chegou ao Brasil dez anos depois. O Marco Civil da Internet
estabelece, em seu artigo 19, a possibilidade de responsabilização
das plataformas de internet (“provedores de aplicação”) por danos

197
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros apenas quando, “após
decisão judicial específica, não tomar[em] as providências para […]
tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”.217
Esse contexto de relativa imunidade refletiu-se por muito tempo na
postura dos grandes provedores de aplicação em relação a problemas
associados à circulação de conteúdos em suas plataformas, de modo
que permaneceram por vários anos ao largo de discussões relativas
à regulação do discurso no ambiente digital.
Esse cenário começou a mudar durante a crise política entre Rússia
e Ucrânia em 2014, quando forças russas realizaram incursões
militares em território ucraniano. Na época, os Estados Unidos
mobilizaram a comunidade internacional no sentido de condenar
os movimentos da Rússia, dando início a uma série de sanções
internacionais ao país. Em resposta, a Rússia iniciou campanha
com o intuito de impactar a opinião da comunidade internacional
em torno do assunto por meio do recrutamento e o treinamento de
trolls utilizados na transmissão de mensagens na seção “comentários”
dos sites norte-americanos de notícias mais acessados. Ao lado do
uso de trolls, a guerra informacional pela verdade envolveu também
o uso de bots, tendo em vista que os veículos da mídia nos EUA
teriam grandes dificuldades em ignorar campanhas pró-Rússia caso
figurassem em larga escala nos espaços destinados às suas audi-
ências.218 Nesse contexto, o potencial de manipulação da opinião
pública por meio de ferramentas disponíveis na internet começou
a ficar mais aparente.
Paralelamente à percepção dos riscos decorrentes do uso coor-
denado de ferramentas online em campanhas de desinformação,
outra questão relativa à comunicação na internet começou a ganhar

217 A exceção à regra se dá para conteúdo que viole a intimidade de terceiro ao conter cenas
de nudez ou de atos sexuais de caráter privado divulgadas sem a sua autorização. Nesse caso, a
plataforma será responsabilizada subsidiariamente se, notificada pelo participante das imagens
ou por seu representante legal, não indisponibilizar o conteúdo (art. 21). É importante ressaltar,
ainda, que o regime geral de responsabilização dos provedores de aplicação também não se aplica
a violações de direito autoral (art. 19, §2º).
218 BuzzFeed, “Documents Show How Russia’s Troll Army Hit America”. Disponível em: <https://
www.buzzfeed.com/maxseddon/documents-show-how-russias-troll-army-hit-america?utm_term=.
pxk6Jpn3N#.laxvVwr2j>. Acesso em 26/02/2018.

198 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


destaque na mídia: a disseminação do ódio. Já no contexto da conso-
lidação de redes sociais como espaço de interação das pessoas no
ambiente digital, a incidência cada vez maior desse tipo de conteúdo
passou a chamar a atenção não apenas de usuários, mas também
de atores governamentais em diversos países.
Em maio de 2016, a Comissão Europeia, em conjunto com o
Facebook, a Microsoft, o Twitter e o YouTube, subscreveu um código
de conduta para combater o discurso de ódio.219 Dentre as diversas
disposições do documento, as plataformas assumiram o compro-
misso de remover conteúdo tido por “discurso de ódio ilegal” em
até 24 horas contadas de notificação solicitando essa remoção.
Além disso, deveriam tornar mais claro aos seus usuários quais
tipos de conteúdo não são permitidos e promover iniciativas de
contradiscurso. A iniciativa sinalizou uma modificação na postura
das plataformas no sentido de se envolver ativamente na busca por
formas de endereçar problemas do gênero.
Passado um ano da divulgação do código de conduta, a Comissão
Europeia soltou nota220 comemorando o aniversário da iniciativa e
números que comprovariam uma postura mais proativa das plata-
formas para lidar com o problema do discurso de ódio: em média,
em 59% dos casos as empresas teriam respondido às notificações
relatando a existência de discurso de ódio por meio da remoção do
conteúdo indicado (o dobro em relação aos seis meses que antece-
deram o código, quando o índice era de apenas 28%). Teria havido
também melhora nos índices de processamento das notificações em
24 horas: de 40% para 51%.
Os números atestariam, deste modo, um visível progresso das
plataformas na análise das notificações, na implementação de parce-
rias com a sociedade civil para esse fim, bem como na prestação
sistemática de informações sobre processos internos de remoção

219 Disponível em: <http://www.statewatch.org/news/2017/sep/eu-com-illegal-con-


tent-online-code-of-conduct.pdf>.
220 COMISSÃO EUROPEIA. Countering online hate speech – Comission initiative with social media
platforms and civil society shows progress. Bruxelas, 1º de junho de 2017. Disponível em: <http://
europa.eu/rapid/press-release_IP-17-1471_en.htm>. Acesso em 10/08/2017.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 199


de conteúdo – ainda que a qualidade dessas informações e o índice
de resposta às notificações variasse consideravelmente entre as
empresas de tecnologia.
A mobilização das plataformas para o combate ao discurso de
ódio estendeu-se, também, às fake news – termo que começou a
despontar em matérias produzidas por veículos internacionais da
mídia para fazer referência, sobretudo, à disseminação de infor-
mações falsas ou imprecisas relacionadas aos então candidatos à
Presidência dos EUA, Donald Trump e Hillary Clinton. A inter-
ferência de operações de desinformação também no contexto do
referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia
(junho de 2016), na eleição presidencial na França (maio de 2017)
e nas eleições federais na Alemanha (setembro de 2017) resultaram
em um maior engajamento das plataformas no sentido de minimizar
os efeitos dessas operações.
Nesse contexto, o Google fez pronunciamento,221 em dezembro
de 2016, reconhecendo a existência de esquemas que, explorando
as funcionalidades do buscador, fazem uso de conteúdos que se
passam por notícias reais como clickbaits para atrair acessos e, com
isso, dinheiro de anunciantes. Em resposta a esses esquemas, o
Google anunciou análise cuidadosa de mais de 500 sites suspeitos
de enganar usuários em relação ao seu conteúdo, incluindo alguns
que se passavam por veículos da mídia, o que resultou na desinde-
xação de um grande número de sites.
O fato de o primeiro resultado da busca “Did the Holocaust
happen?” (“O Holocausto aconteceu?”) ser uma página de conteúdo
neonazista oferecendo “os 10 maiores motivos para o Holocausto
não ter acontecido” chocou a opinião pública e levou o Google a
desenvolver projeto para atualizar os algoritmos do buscador.222
Meses depois, a empresa anunciou que implementaria as atuali-

221 “How we fought bad ads, sites and scammers in 2016”. Disponível em: <https://www.blog.
google/topics/ads/how-we-fought-bad-ads-sites-and-scammers-2016/>. Acesso em 26/02/2018.
222 Bloomberg Businessweek, “The Tech Giant’s Secret War against Fake News is too Secret”.
Disponível em: <https://www.bloomberg.com/news/articles/2017-11-22/the-tech-giants-secret-war-a-
gainst-fake-news-is-too-secret>. Acessado em 26/02/2018.

200 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


zações com o objetivo de reduzir a disseminação de conteúdos
“ofensivos” ou “claramente enganosos”, dando maior proeminência
a conteúdos mais confiáveis e colocando em segundo plano aqueles
de qualidade mais baixa.223
Após receber muitas críticas pelo seu papel na disseminação
das fake news, durante as últimas eleições presidenciais nos EUA,
o Facebook, de maneira similar, reconheceu a disseminação de
“notícias falsas e boatos” como um problema, comprometendo-se
a tomar medidas para minimizá-lo. Deixou claro, no entanto, que
não é “árbitro da verdade”, focando seus esforços nos casos em que a
desinformação era mais clara e intencional e chamando os próprios
usuários da plataforma e organizações a participar do processo.224
Como maneira de implementar essa participação, a plataforma
introduziu novas ferramentas para que os usuários reportem deter-
minados conteúdos como duvidoso, o que teria feito com que os
mesmos conteúdos aparecessem para outras pessoas com pequeno
aviso nesse sentido. Anunciaram, também, parcerias com agên-
cias de checagem para que reportem, da mesma forma, conteúdos
como duvidosos e mudanças nos algoritmos da plataforma para
que esses conteúdos apareçam com menos proeminência no feed
dos usuários.225
Ainda nesse contexto, o Facebook publicou o relatório “Operações
Informacionais” em que apresenta o quadro conceitual desenvolvido
pela plataforma para conceber e implementar uma série de medidas
anunciadas como maneira de combater formas mais sutis e insidiosas
de abuso, “incluindo tentativas de manipular o discurso cívico e
enganar pessoas”. O documento define “Operações Informacionais”
como aquelas desenvolvidas por atores organizados (governamen-
tais ou não) para inflamar atmosfera política interna ou estrangeira
e, com isso, atingir algum desfecho estratégico do ponto de vista

223 “Our latest quality improvements for Search”. Disponível em: <https://blog.google/products/
search/our-latest-quality-improvements-search/>. Acesso em 26/02/2018.
224 “News Feed FYI: Addressing Hoaxes and Fake News”. Disponível em: <https://newsroom.
fb.com/news/2016/12/news-feed-fyi-addressing-hoaxes-and-fake-news/>. Acesso em 26/02/2018.
225 Ibid.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 201


geopolítico. Além disso, destaca as estratégias empregadas por
aqueles que estão por trás dessas operações e anuncia uma série
de medidas para combatê-las na plataforma.226
O Twitter também logo posicionou-se sobre o assunto, destacando
que as mesmas ferramentas utilizadas para disseminar “histórias
forjadas, informações incorretas e propaganda financiada pelo
Estado” podem ser empregadas para combatê-las. Nesse sentido,
a plataforma seria o espaço ideal para que “jornalistas, especialistas
e cidadãos engajados” disputem narrativas e discursos na esfera
pública. Ao mesmo tempo, o Twitter ressaltou que proíbe o uso de
bots e redes de manipulação destinadas a distorcer as funcionali-
dades do serviço oferecido pela plataforma.227
Entretanto, as iniciativas das plataformas pareceram não agradar
a todos. O Governo Federal da Alemanha, por exemplo, aprovou,
em junho do ano passado, lei mais agressiva no combate ao discurso
de ódio e às fake news na internet.228 Ela fixa multas milionárias em
caso de descumprimento229 por parte das plataformas, que deverão
remover conteúdos “claramente ilícitos” em até 24 horas.
O projeto de lei que culminou na nova legislação aponta como
justificativa o desenvolvimento de uma cultura do debate mais
“agressiva, danosa e odiosa”, guiada por mudanças maciças no debate
público travado nas redes sociais. Essa situação teria aberto espaço
para a disseminação de conteúdos criminosos como o discurso de
ódio e as fake news, o que colocaria em risco a “coexistência pací-
fica [das pessoas] em uma sociedade livre, aberta e democrática”.

226 “Information Operations and Facebook”. Disponível em: <https://fbnewsroomus.files.wordpress.


com/2017/04/facebook-and-information-operations-v1.pdf>. Acesso em 26/02/2018.
227 Ver: https://blog.twitter.com/official/en_us/topics/company/2017/Our-Approach-Bots-
Misinformation.html
228 “Gesetzentwurf der Fraktionen der CDU/CSU und SPD – Drucksache 18/12356”. Disponível
em: <http://dip21.bundestag.de/dip21/btd/18/123/1812356.pdf>. Acesso em 26/02/2018.
229 Wired, “Facebook and Twitter face 50€m fines of they don’t tackle hate speech”. Disponível
em: <http://www.wired.co.uk/article/facebook-twitter-hate-speech-germany-fine>. Acesso em
26/02/2018.

202 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Com o objetivo de fazer com que as redes sociais honrem o
compromisso assumido ao assinar o código de conduta com a
Comissão Europeia em 2016, a lei tornou obrigatória a remoção
de conteúdos “claramente” ilícitos em até 24 horas do recebimento
de pedido nesse sentido – ou dentro de sete dias, no caso de conte-
údos cuja ilicitude é menos evidente.230 Ela impõe, ainda, dever de
transparência, caracterizado pela elaboração trimestral de relatórios,
na língua alemã, que descrevam com riqueza de detalhes e dados o
tratamento dispensado ao controle do discurso de ódio e de outros
conteúdos criminosos.
Segundo o Governo Federal Alemão,231 a importância da lei decorre
da insuficiência das iniciativas tomadas de forma autônoma pelas
plataformas e dos problemas de implementação das normas já exis-
tentes, o que tornou necessária a introdução de regras de compliance.
Em resposta,232 o Facebook reconheceu dificuldades em tornar
a plataforma uma “zona livre” de discurso de ódio. Destacou que
vai aumentar de 4,5 para 7,5 mil o número de moderadores de
conteúdo, pessoas contratadas e treinadas especificamente para
analisar postagens, imagens, vídeos e comentários, decidindo se
devem continuar na plataforma. Além do Facebook, também o
Twitter233 e YouTube234 anunciaram estar articulando regras globais

230 § 3 Umgang mit Beschwerden über rechtswidrige Inhalte. […] (2) der Anbieter des sozialen
Netzwerks […] 2. einen offensichtlich rechtswidrigen Inhalt innerhalb von 24 Stunden nach Eingang
der Beschwerde entfernt oder den Zugang zu ihm sperrt; dies gilt nicht, wenn das soziale Netzwerk
mit der zuständigen Strafverfolgungsbehörde einen längeren Zeitraum für die Löschung oder Sperrung
des offensichtlich rechtswidrigen Inhalts vereinbart hat, 3. jeden rechtswidrigen Inhalt innerhalb von
sieben Tagen nach Eingang der Beschwerde entfernt oder den Zugang zu ihm sperrt.
231 “Bundestag beschließt Gesetz gegen strafbare Inhalte im Internet”. Disponível em: <https://
www.bundestag.de/dokumente/textarchiv/2017/kw26-de-netzwerkdurchsetzungsgesetz/513398>.
Acesso em 26/02/2018.
232 “Hard Questions: Hate Speech”. Disponível em: <https://newsroom.fb.com/news/2017/06/
hard-questions-hate-speech/>. Acesso em 26/02/2018.
233 The Verge, “Twitter CEO: ‘We suck at dealing with abuse”. Disponível em: <https://www.
theverge.com/2015/2/4/7982099/twitter-ceo-sent-memo-taking-personal-responsibility-for-the>.
Acesso: 26/02/2018.
234 Google, “Our commitment to fighting illegal hate speech online”. Disponível em: <https://
www.blog.google/topics/google-europe/our-commitment-to-fighting-illegal-hate_39/>. Acesso
em: 26/02/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 203


e ferramentas para a minimizar o efeito não apenas das fake news,
mas também do discurso de ódio nas plataformas para torná-las
espaços mais seguros.
Em dezembro de 2017, o Facebook anunciou nova modificação
nos algoritmos que determinam as postagens que aparecem no feed
dos usuários. Nas palavras de Zuckerberg, a empresa deseja que
“o tempo gasto no Facebook encoraja interações sociais significa-
tivas”. A mudança, que resultou inclusive no protesto de veículos
da mídia235, tentou reduzir o consumo passivo de conteúdos de
baixa qualidade, tais como manchetes clickbait e fake news, dando
proeminência a postagens de amigos mais próximos e a conteúdos
informativos do ponto de vista pessoal do usuário.236
É nesse contexto de crescente autorregulação do discurso nas
plataformas de internet que estão inseridas as eleições de 2018 no
Brasil. As grandes plataformas estão desenvolvendo mecanismos
aptos a endereçar as exigências da nova legislação eleitoral, ante-
cipando o uso maciço de ferramentas online para promoção de
propagandas políticas neste ano.
Uma das grandes mudanças na legislação eleitoral brasileira é a
possibilidade de impulsionamento de propagandas de conteúdo
eleitoral, o que exigirá a implementação de medidas de transparência
por parte das plataformas.
O Facebook já declarou estar testando, globalmente, medidas nesse
sentido, até pelo desenrolar dos acontecimentos no contexto das
últimas eleições dos EUA. As medidas de transparência também são
esperadas para o contexto brasileiro, devendo envolver mudanças
dentro do plano de contratação do impulsionamento de conteúdo.
Isso porque a lei restringiu quem pode fazer campanha ao próprio
candidato, seu partido e coligação, sendo necessário assinalar posta-

235 Exame, “Jornal Folha de S.Paulo deixa de publicar conteúdo no Facebook”. Disponível em:
<https://exame.abril.com.br/negocios/jornal-folha-de-s-paulo-deixa-de-publicar-conteudo-do-face-
book/>. Acesso em 26/02/2018.
236 “Hard Questions: Is Spending Time on Social Media Bad for Us?”. Disponível em: <https://
newsroom.fb.com/news/2017/12/hard-questions-is-spending-time-on-social-media-bad-for-us/>.
Acesso em 26/02/2018.

204 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


gens de conteúdo eleitoral como tal, acompanhadas do número de
CPF do candidato e/ou CNPJ da sua campanha.
Nesse sentido, o Facebook anunciou recentemente que anunciantes
que desejarem veicular anúncios de caráter político precisarão ter
a sua conta verificada na plataforma, confirmando sua identidade e
localização. Aqueles que não passarem pelo procedimento de verifi-
cação serão proibidos de veicular anúncios, enquanto que os demais
deverão revelar o indivíduo e/ou a instituição que está financiando os
anúncios. Como medida para incrementar ainda mais a transparência
na veiculação de propaganda na plataforma, o Facebook anunciou
também o desenvolvimento de ferramenta que permitirá a qualquer
interessado ver todos os anúncios veiculados por uma determinada
página, bem como de um arquivo com todos anúncios de caráter
político veiculados na plataforma para consulta.237
Não há garantias de que as plataformas vão implementar formas de
fiscalização privada do impulsionamento irregular. Assim, o combate
a ilícitos ligados à propaganda eleitoral é esperado pela via judicial,
a não ser que outros mecanismos ou políticas sejam anunciados
pela plataforma nos próximos meses. Neste formato, restará ao
Judiciário determinar que tipo de conteúdo configura propaganda
eleitoral paga, propaganda antecipada, propaganda negativa, além
de suprir outras eventuais lacunas da legislação eleitoral.
O combate às tentativas de uso fraudulento das plataformas
também deverá se intensificar neste ano eleitoral. Nesse sentido,
as plataformas seguem desenvolvendo tecnologias para identificar
mais rapidamente determinados padrões de postagem e compor-
tamentos considerados nocivos. O perfil falso, por exemplo, vem
sendo combatido pela “política do nome autêntico” no Facebook.
Na França, durante o último período eleitoral, a plataforma fez um
esforço especial de segurança, derrubando perfis falsos associados
a operações de desinformação.238

237 Disponível em: <https://www.facebook.com/zuck/posts/10104784125525891>.


238 REUTERS, “Facebook cracks down on 30,000 fake accounts in France”, publicado em 13/04/2017.
Acesso em 28/02/2017. Disponível em: <https://www.reuters.com/article/us-france-security-facebook/
facebook-cracks-down-on-30000-fake-accounts-in-france-idUSKBN17F25G>.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 205


No Twitter, a questão central é o combate ao uso de bots em campa-
nhas de desinformação. Como forma de lidar com o problema, a
plataforma anunciou recentemente que vai implementar limites nas
formas por meio das quais usuários e aplicativos poderão automatizar
a publicação de tuítes. A medida decorre de levantamento da plata-
forma que identificou mais de 50.000 contas relacionadas a tentativas
externas de influenciar as últimas eleições presidenciais dos EUA.239
Também a preocupação com a proteção dos dados pessoais dos usuá-
rios deve retornar ao centro das atenções das plataformas após a reve-
lação dos fatos envolvendo a quebra dos termos de uso do Facebook por
parte de Alexandr Kogan e o compartilhamento de dados de milhões
de perfis com a Cambridge Analytica – com finalidades eleitorais.
Os acontecimentos desencadearam uma série de discussões sobre as
práticas de consultorias como a Cambridge Analytica, a atuação do
Facebook e de outras plataformas, o modelo de negócios que viabilizou
o ocorrido, e a necessidade de regulação e fiscalização eficiente para
assegurar a proteção de dados pessoais de usuários dessas plataformas.
Em resposta a esses acontecimentos, o Facebook informou que
investigará todos os aplicativos que tiveram acesso a uma grande
quantidade de dados na plataforma, fazendo auditoria daqueles
que desenvolverem atividades “suspeitas” e banindo desenvolve-
dores que não concordarem com as auditorias. Além disso, tomará
medidas para restringir ainda mais o acesso de desenvolvedores
a dados240 – removendo o acesso quando o usuário ficar mais de
3 meses sem usar o aplicativo, por exemplo – e para manter os
usuários da plataforma informados a respeito dos aplicativos que
têm acesso aos seus dados pessoais.241

239 The Verge, “Twitter bans bulk tweeting and duplicate accounts in bot crackdown”. Disponível
em: <https://www.theverge.com/platform/amp/2018/2/21/17036708/twitter-automation-rule-chan-
ges-ban-bulk-tweeting-bot-crackdown-election>. Acesso em 26/02/2018.
240 Nesse contexto, o Facebook anunciou também o fim da parceria com a Serasa Experian,
que permitia o cruzamento de bancos de dados de ambas empresas com o objetivo de viabilizar
a entrega de publicidade segmentada na plataforma de acordo com a renda dos usuários. MEIO
& MENSAGEM, “Facebook encerra parceria com Serasa Experian”, publicado em 28/03/2018.
Acesso em 29.03.2018. Disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/ultimas-noti-
cias/2018/03/28/facebook-encerra-parceria-com-serasa.html>.
241 Disponível em: <https://www.facebook.com/zuck/posts/10104712037900071>.

206 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Conclusão
O que está mapeado no presente trabalho é um retrato do que
temos hoje, o que está longe de ser definitivo ou imutável. O
processo político e o avanço tecnológico na área da informação e
da comunicação são fenômenos não se esgotam ou findam, estão
sempre em constante movimento. Se trilhavam seus caminhos em
separado, passaram, em determinado momento, a interferir mais
visivelmente um no outro.
Como vimos, isso impõe muitos desafios ao sistema jurídico que
exprime as regras do jogo democrático-eleitoral, o direito eleitoral.
É nesse contexto que vemos como respostas legislativas (através de
inúmeras e sucessivas reformas políticas) mirando a convivência
entre os dois universos buscam a tradução jurídica desses conflitos
e códigos políticos e técnicos. Essa resposta caminha em um fio
de navalha: buscando mitigar manipulações e vulnerabilidades na
igualdade de condições, trepida para não minorar direitos funda-
mentais e novos potenciais abertos por inovações tecnológicas.
Novos desenvolvimentos podem não tomar muito tempo e ampliar
o incerto estado de coisas e o extenso quadro de riscos e potenciais
democráticos. Não há distanciamento histórico em relação ao avanço
de plataformas de internet como intermediárias no exercício da cida-
dania e da livre expressão política. Passos como sistemas de votação
popular online em candidatos ou medidas legislativas (como em
plebiscitos e referendos) estarão à mão de gerações nem-tão-futuras.
O encontro entre o direito eleitoral e político com a era digital
está apenas começando. Pensá-los de uma forma democrática e
inclusiva, garantindo valores democráticos e a proteção de direitos
dos cidadãos é o compromisso que se apresenta para o futuro.

209
Apêndice
TERMOS TÉCNICOS242
Nessa seção, apresentamos definições não exaustivas de alguns
dos termos usados repetidamente durante a obra, com as quais
o leitor pode não estar familiarizado, mas que são cruciais para a
compreensão dos argumentos desenvolvidos ao longo dos capítulos.
Algoritmo – No sentido matemático, um algoritmo é um conjunto
de regras para resolver um problema em um número finito
de etapas; no contexto da internet, algoritmos são usados por
aplicações e plataformas para diversas funcionalidades de seus
serviços, tais quais determinar a composição do feed de notícias
em uma rede social, sugerir anúncios publicitários com base em
registros de navegação, sugerir amigos para adicionar, músicas
para ouvir e páginas para acompanhar e até mesmo analisar se
uma postagem manifesta sentimento positivo ou negativo em
relação ao seu conteúdo.
Aplicações de internet – Conjunto de serviços e funcionalidades
diversas oferecidas em forma eletrônica para, por exemplo,
a comunicação, produtividade e armazenamento de dados,
tipicamente acessíveis por meio de um site e/ou aplicativo por
meio do qual o usuário pode usufruir dela, além de possuir uma
interface de programação que permite a interação com outras
aplicações. Esta definição está no Marco Civil da Internet, Lei
12.965/2014, artigo 5º, inciso VII.

242 O glossário foi elaborado pela equipe do InternetLab: Pedro J. A. Lima, Thiago Dias Oliva,
Francisco Brito Cruz e Jacqueline de Souza Abreu.

213
Bots – Softwares que automatizam reações e comportamentos a
partir de instruções dadas por seus programadores, podendo
passar-se por seres humanos em redes sociais ou meramente
realizar tarefas específicas de maneira automatizada, como por
exemplo, coletar informações de sites da internet, avisar sobre
determinada ocorrência, dentre outras.
Botnets – São grupos de computadores controlados por um software
central que passa instruções ao grupo, como o emprego de
bots de maneira orquestrada, conformando uma rede, com a
finalidade de manipular algoritmos, modificar trending topics
e pautar discussões em redes sociais ou realizar ataques de
negação de serviço para tornar um site ou aplicação inacessível
devido à sobrecarga de demanda de acesso.
Cadastro eletrônico – Conjunto de dados de pessoas físicas tais
quais o nome, e-mail, CPF, telefone e outras informações
fornecidas no preenchimento de registro para utilização de
um produto ou serviço, assinatura de boletim informativo,
associação a uma entidade, dentre outros.
Cookies – Pequenos arquivos armazenados por um navegador de
internet (browser) que guardam metadados de navegação,
ou seja, informações como a data de última visita, o estado
do login, isto é, se a opção de “lembrar minha conta” estiver
ativada, além de outras informações que permitem a prática
de microtargeting.
Criptomoeda – Moeda virtual que utiliza que utiliza protocolos
baseados em criptografia, como o blockchain e outras tecnologias
de ledgers distribuídos para assegurar a validade das transações
e regular a emissão de novas unidades da moeda. Elas não são
emitidas por uma autoridade central, não possuem represen-
tação física tangível e circulam entre redes de computadores
que processam as transações. O bitcoin, primeira criptomoeda
a ser criada, foi concebido pelo pseudônimo Satoshi Nakamoto
em 2009, com a pretensão de criar um sistema para transações
eletrônicas que não dependesse da confiança em terceiros – como

214 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


um banco ou país – para atestar sua validade.243 Hoje já existem
mais de 1500 criptomoedas diferentes em circulação, cada uma
com seu próprio software e especificidades variadas, mas na
maioria delas a emissão de novas unidades ocorre durante um
processo chamado de mineração. Os computadores das pessoas
que operam a rede são recompensados proporcionalmente ao
seu trabalho, recebendo unidades das moedas pela validação
das cópias do banco de dados no blockchain. Tudo isso pode,
ou não, ter taxas embutidas em todas as transações.
Crowdfunding (Financiamento coletivo) – Maneira de arrecadar
fundos a partir de um grande número de pessoas, tipicamente
por meio de um site onde o projeto ou empreendimento é
apresentado, no qual pessoas interessadas na concretização dele
podem doar dinheiro ou adquirir o produto em pré-venda para
viabilizar seu desenvolvimento.
Dark post – Nome popularmente atribuído a uma publicação em
rede social patrocinada e segmentada para um grupo específico
de pessoas que não aparece na linha do tempo da página que
publicou, ou seja, uma postagem oculta para quem acessa a
página, disponibilizada apenas no feed de notícias de pessoas
que tem um determinado perfil (idade, gênero, localização,
interesses, etc.) escolhido pelo autor.
(Nome de) Domínio – Conjunto de nomes que forma um ende-
reço eletrônico (URL) usado para identificar e acessar um
determinado site na internet, como por exemplo, www.inter-
netlab.org.br, onde “internetlab” é o nome de domínio, “.org” o
domínio genérico para organizações sem fins lucrativos e o .br
é o domínio de primeiro nível. No Brasil, o Comitê Gestor da
Internet (CGI.br) é o órgão responsável por administrar todos
os nomes de domínio que terminam com o “.br”.

243 NAKAMOTO, Satoshi. “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”. Disponível em: <https://
bitcoin.org/bitcoin.pdf>. Acesso em 01/02/2018.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 215


Fact checking (Checagem de fatos) – Atividade desempenhada por
veículos de mídia, organizações do terceiro setor e outras insti-
tuições para checar fatos publicados em matérias jornalísticas,
reportagens e artigos ou usados para fundamentar argumentos
políticos em geral, visando combater a disseminação de notícias
falsas, boatos e a demagogia.
Fake news (Notícias falsas) – A disseminação de informação inve-
rídica, distorcida e contendo interpretações tendenciosas da
realidade não é uma prática nova. O termo fake news, contudo,
se popularizou nos últimos anos devido ao crescente número
de pessoas que usam mídias sociais quase que exclusivamente
para consumir notícias e acaba sendo usado para se referir a
conteúdos diversos em sua natureza e intenção. Isso ocorre
especialmente porque: (i) a internet permite a qualquer pessoa
ter um site onde pode publicar o que quiser; (ii) é relativamente
simples torná-lo esteticamente semelhante ao de um veículo de
mídia confiável; e (iii) é comum que pessoas aceitem manchetes
como verdadeiras sem verificar a fonte e o conteúdo de textos
publicados nas mídias sociais. A prática, que se intensifica em
períodos eleitorais, causa impacto direto na democracia, sendo o
exemplo mais recente as últimas eleições presidenciais dos EUA.
O Dicionário da Universidade de Cambridge define o termo
como “histórias falsas que parecem ser notícias, espalhadas pela
internet ou por outro tipo de mídia, geralmente criadas para
influenciar visões políticas ou como piada”.244 É relevante a
diferenciação245 entre boatos e notícias falsas: boatos são infor-
mações que não foram verificadas, tem origem desconhecida
e mesmo assim circulam como se fossem verdadeiras. Notícias
falsas, no sentido político, são textos noticiosos que assumem
a forma de matérias jornalísticas e são geralmente produzidos
para se propagar num contexto de disputa política – seja com

244 Tradução livre de “false stories that appear to be news, spread on the internet or using other
media, usually created to influence political views or as a joke”. Disponível em: <https://dictionary.
cambridge.org/dictionary/english/fake-news>. Acesso em 30/01/2018.
245 SORJ, Bernardo. BRITO CRUZ, Francisco. RTELLADO, Pablo. Sobrevivendo nas Redes: Guia do
Cidadão, São Paulo: Moderna, 2018.

216 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


objetivos políticos, seja para se beneficiar economicamente desse
contexto. Ainda que o termo “falso” pareça abarcar todos fatos
trazidos pela notícia falsa, a “falsidade” pode ter gradações: pode
ser uma falsificação simples, mas pode ser também um exagero,
uma especulação, uma simples opinião ou uma distorção de
um fato que em si é verdadeiro, ainda que sempre apresentada
como se fosse um fato jornalístico apurado, de maneira a parecer
uma matéria jornalística profissional.
Hash – Um hash permite validar a integridade de um arquivo
copiado de maneira muito eficiente, pois este conjunto de
caracteres é único para cada arquivo e sempre terá o mesmo
tamanho (o mais comum tem 16 bytes) independentemente
do arquivo original, além de ser unidirecional, ou seja, não é
possível descobrir o conteúdo do arquivo original a partir de seu
hash. Ele é um conjunto único de caracteres alfanuméricos que
resulta da aplicação de uma função matemática a um arquivo
digital. Plataformas que hospedam vídeos enviados por usuá-
rios os disponibilizam por streaming, por exemplo, utilizam
esta ferramenta para identificar arquivos que potencialmente
infringem direitos autorais e impedir usuários de hospedá-los
em seus servidores.
Hospedagem (de site) – A atividade, comercial ou não, de fornecer
os serviços, equipamentos e programas de computador neces-
sários para armazenar e manter os arquivos que compõe um
site em um servidor, que disponibiliza o acesso aos clientes pela
internet, para onde um nome de domínio aponta.
Impulsionamento – Serviço pago oferecido por redes sociais e
mecanismos de busca para aumentar o alcance de determinado
conteúdo já publicado, de maneira que mais pessoas, que não
necessariamente estejam seguindo a página ou que estejam
buscando por palavras-chave relacionadas, vejam o conteúdo
impulsionado enquanto utilizam a plataforma.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 217


Mecanismos de busca (ou plataformas de busca) – aplicações
de internet que indexam as páginas web utilizando programas
de computador, criando uma espécie de sumário dos sites, seu
conteúdo e URL a partir de informações coletadas por “robôs”
(crawlers) e organizadas por algoritmos para oferecer o serviço
de busca por palavras-chave. Apesar de alguns mecanismos
de busca oferecerem aplicações que permitem ao usuário
hospedar seu conteúdo na própria plataforma, a maior parte
do conteúdo indexado por eles não é hospedado por ela, mas
sim um provedor próprio escolhido pelo administrador do site.
Mensagem eletrônica – Comunicação em texto feita através de um
meio eletrônico como e-mail e aplicações de mensagem instan-
tânea (WhatsApp, Messenger, Skype, Telegram, dentre outros).
Metadados – São um tipo de dado que acompanha um “dado
principal”, ou seja, são informações úteis para identificar, loca-
lizar, compreender e gerenciar os dados. Num envelope, por
exemplo, o “dado principal” é a carta que está contida nele; os
metadados, por sua vez, são o nome e endereço do remetente e
do destinatário e também o selo que comprova o pagamento dos
custos de envio. Da mesma forma, sempre que uma fotografia
é capturada num celular, por exemplo, o dispositivo guarda,
além da imagem, uma série de metadados, isto é, informações
sobre as circunstâncias nas quais ocorreu a captura, como a
data, hora, exposição, e dados de localização obtidos pelo GPS.
Microdirecionamento – O uso de técnicas que agregam dados
como hábitos de consumo e navegação, filiação partidária,
contribuições de campanha, localização geográfica e outras
atividades para dividir a população em subgrupos, de modo a
identificar as pautas e interesses mais relevantes para cada um.
Assim, é possível criar propagandas com impulsionamento
direcionadas aos grupos de pessoas com orientações políti-
co-ideológicas e interesses semelhantes, visando alcançar grupos
sociais específicos, eleitores ou apoiadores em potencial com
uma mensagem mais precisa. A técnica funciona tanto para fins
comerciais quanto políticos e eleitorais.

218 | DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL


Persona / ciborgue – Perfil falso em rede social composto por publi-
cações feitas por pessoas reais e por publicações e interações
automatizadas através de um bot, deixando rastros de atividade
mais difíceis de serem detectados como tal devido ao compor-
tamento ambíguo, evitando a rápida identificação por traços
comuns a um simples bot. Geralmente, além das interações
automatizadas por um programa de computador, também são
alimentados por pessoas reais que publicam conteúdos sobre
seu dia-a-dia, seguindo um tipo de ficha técnica que contém
informações detalhadas para construir uma narrativa.
Plataforma – Jargão popular usado para se referir a conjuntos de
diferentes tipos de aplicações de internet, tipicamente aquelas
administradas por um mesmo provedor de aplicação, tais
quais Google (Gmail, Drive, Play etc.), Facebook (Rede social,
Messenger, Instagram e WhatsApp), Apple (iCloud, Music, iTunes
Store etc.), Microsoft (Office365, OneDrive, Outlook etc.)
Ponto (de informação) – O perfil de um indivíduo usado para fins
de segmentação de propaganda é construído a partir de dife-
rentes dados obtidos de diversas fontes, como órgãos de proteção
ao crédito, redes sociais, smartphones e outras, que permitem
cruzar, por exemplo, informações demográficas com perfil de
consumo e hábitos na internet, a partir de dados públicos ou
privados. Nesse contexto, cada ponto de informação representa
um tipo de dado diferente usado na construção do perfil psico-
gráfico de cada indivíduo.
Proxy – No contexto da internet, a palavra proxy se refere a um
serviço que permite redirecionar o tráfego de rede através de
um servidor ou aplicação que funciona como intermediário
para filtrar conteúdo, providenciar anonimato, mascarar a
localização, dentre outros usos.
Registros de navegação (Logs) – Informações guardadas por um
navegador de internet (browser) ou coletadas por websites sobre
os hábitos de navegação de um usuário, como o histórico de
páginas acessadas, cookies e arquivos temporários (cache).
Hoje em dia, muitos websites utilizam estes dados para adaptar
a experiência do usuário de acordo com seu comportamento
e/ou utilização de grandes plataformas.

DIREITO ELEITORAL NA ERA DIGITAL | 219


URL – Sigla que significa Uniform Resource Locator (Localizador
Uniforme de Recursos) e se refere ao endereço onde determi-
nado recurso informático – como um arquivo – está localizado
numa rede de computadores. As URLs mais comuns ao nosso
dia-a-dia, como por exemplo, http://www.internetlab.org.br/
semanario/ têm em sua composição o protocolo usado para
acessar o recurso (geralmente http), o nome de domínio e o
caminho usado para acessar o arquivo hospedado no servidor.
Web - sistema de documentos interligados em “hipermídia” que
são acessados através da internet, criado pelo físico britânico
Tim Berners-Lee, do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares
(CERN). Assim, a web é uma aplicação de internet. Esses
documentos são páginas acessíveis pelo usuário doméstico e
sem maiores conhecimentos de informática. As informações e
recursos acessíveis pela Web estão em formato multimídia, a
depender da linguagem da programação utilizada para a sua
construção. Quando se diz que os documentos são interligados
em “hipermídia”, refere-se a mecanismos de “hipertexto”, ou
seja, à presença de ligações entre páginas, os “hyperlinks”. Ao
passar por hyperlinks, o usuário passa a “surfar” (ou “navegar”)
na web, indo de uma página para a outra. Para isso é necessário
um navegador (ou webbrowser). Os navegadores mais populares
atualmente são o Google Chrome, o Mozilla Firefox, o Apple
Safari, o Internet Explorer e o Opera, dentre outros. Sinônimos
comuns são “WWW” ou “World Wide Web”.

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