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Fernanda dos Santos Paulo

FORMAÇÃO DE EDUCADORES SOCIAIS:


EDUCAÇÃO POPULAR, EDUCAÇÃO NÃO
ESCOLAR INSTITUCIONALIZADA E PRÁTICAS
EDUCATIVAS
Fernanda dos Santos Paulo*
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
https://orcid.org/0000-0002-8022-9379

Resumo
O artigo versa sobre a Educação Não Escolar, Educação Popular, prática educativa
e formação de educadores sociais. Busco apresentar elementos que permitam
reflexões e diálogos sobre concepções de educações e o lugar que ocupa a
Educação Popular freiriana no trabalho pedagógico não escolar formal. Tenho
a hipótese de que a Educação Popular não é visível na educação social, mesmo
com a presença de Paulo Freire, pela falta de formação, bem como pela existência
de disputas conceituais. Este estudo poderá contribuir para a formulação de
políticas de formação para educadores sociais e para ampliar os estudos acerca
da Educação Não Escolar.
Palavras-chave: Educadores Sociais. Educação Não Escolar. Educação Popular.
Formação universitária.

Abstract
FORMATION OF SOCIAL EDUCATORS:
POPULAR EDUCATION, INSTITUTIONALIZED NON-SCHOOL EDUCATION
AND EDUCATIONAL PRACTICES
The article deals with Non-School Education, Popular Education, educational
practice and training of social educators. I seek to present elements that allow
reflections and dialogues on conceptions of education and the place that Freirean
Popular Education occupies in formal non-school pedagogical work. I have the
hypothesis that Popular Education is not visible in social education, even with
the presence of Paulo Freire, due to the lack of training, as well as the existence
of conceptual disputes. This study may contribute to the formulation of training
policies for social educators and to expand studies on Non-School Education.
Keywords: Social Educators. Non-School Education. Popular Education.
University education.

* Pós-Doutora e Doutora em Educação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestra em educação
pelo Programa de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Educadora popular. E-mail:
fernanda.paulo@unoesc.edu.br

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Formação de educadores sociais: Educação Popular, educação não escolar institucionalizada e práticas educativas

Resumen
FORMACIÓN DE EDUCADORES SOCIALES:EDUCACIÓN POPULAR,
EDUCACIÓN NO ESCOLARIZADA INSTITUCIONALIZADA Y PRÁCTICAS
EDUCATIVAS
El artículo trata sobre la Educación No Escolar, la Educación Popular, la práctica
educativa y la formación de educadores sociales. Busco presentar elementos
que permitan reflexiones y diálogos sobre concepciones de educación y el lugar
que ocupa la Educación Popular Freireana en el quehacer pedagógico formal no
escolarizado. Tengo la hipótesis de que la Educación Popular no es visible en la
educación social, incluso con la presencia de Paulo Freire, debido a la falta de
formación, así como a la existencia de disputas conceptuales. Este estudio puede
contribuir a la formulación de políticas de formación de educadores sociales ya
ampliar los estudios sobre Educación No Escolar.
Palabras-clave: Educadores Sociales. Educación No Escolar. Educación Popular.
Formación universitaria.

Diálogos Iniciais
Este texto1 discute a compreensão de educa- tensão, em conjunto com instituições públicas
ção, de Educação Não Escolar, de Educação de educação superior.
Não Escolar Institucionalizada e de práticas Em 2021, no mundo, em especial no Brasil,
pedagógicas em espaços não escolares, em várias atividades educativas foram realizadas,
especial no contexto do trabalho do educador de modo virtual, em comemoração do cente-
social. Além disso, apresenta as contribuições nário do nascimento de Paulo Freire. Dos inú-
da Educação Popular com base em Paulo Frei- meros temas abordados, alguns movimentos
re no processo de formação acadêmico-pro- populares, pesquisadores e instituições edu-
fissional de educadores sociais. Baseia-se em cativas retomaram a relevância da vida e obra
algumas das obras de Freire, em pesquisas de Paulo Freire, apresentando uma ampliação
documental e bibliográfica que abordam o de temáticas, dentre elas a dos educadores
tema. Também, nas pesquisas que realizo sociais. Neste tema, a AEPPA realizou dois cur-
desde minha inserção na Associação de Edu- sos virtuais (primeiro e segundo semestre de
cadores Populares de Porto Alegre (AEPPA), 2021) para educadores sociais na perspectiva
no Movimento de Educação Popular (MEP), da Educação Popular freiriana. Os cursos tive-
no Fórum Nacional dos Educadores Sociais e ram o apoio de outros movimentos populares,
no Fórum Municipal dos Educadores Sociais de pesquisadores e instituições de Educação
de Porto Alegre (RS) enquanto educadora Superior.
popular, bem como nas experiências de in- A demanda por formação dos educadores
vestigação enquanto docente pesquisadora. sociais ganha força no fim dos anos de 1990,
Temos um Grupo de Estudos e Pesquisas com a AEPPA, no Rio Grande do Sul (PAULO,
denominado Paulo Freire e Educação Popular, 2013; 2020). Todavia, da década de 1990 até
no qual, também, realizamos práticas de ex- agora, muitas mudanças ocorreram, tanto
1 Parte do conteúdo deste artigo vem sendo discutido no tocante as legislações, como no uso de
em outros textos (capítulos de livros e artigos) e, no termos utilizados para nomear o contexto de
entanto, a novidade neste artigo é as reflexões de es- trabalho do educador social e a nomenclatura
tudos de mais de uma década melhor organizada e a
classificação do que compreendemos ( grupo da AE- utilizada para a sua ocupação. No primeiro
PPA) por Educação Não Escolar Institucionalizada. caso encontramos, inicialmente, as seguintes

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terminologias: educação não formal, edu- 2015, 2017, 2019), Paulo (2010, 2013, 2020,
cação comunitária, educação extraescolar, 2021), Paulo e Silva (2021).
educação social, socioeducação e pedagogia Deste modo, o tópico a seguir apresentará
social. Referindo-se aos educadores sociais a compreensões de educações e tipologias de
encontramos as seguintes denominações: Educação Não Escolar, abordando o que com-
educadores sociais, ora contratados como preendo por prática pedagógica no contexto
orientadores sociais, cuidadores, oficineiros, da Educação Não Escolar Institucionalizada.
monitores, assistente de desenvolvimento so- Posteriormente, a Educação Popular e Paulo
cial, socioeducador, outras vezes, como agente Freire em contextos plurais de Educação e
socioeducativo, mobilizador social, cuidador contribuição para a formação acadêmico-pro-
social, instrutor social, educador comunitário, fissional para educadores sociais.
educador sociocomunitário, empreendedor
social e agente comunitário.
Compreensões de Educações
Somente em 2009, com o Projeto de Lei
nº 5346 de 2009, de autoria do Deputado Para Brandão (1993) há muitas formas e mo-
Federal Prof. Chico Lopes (PC do B) do Esta- delos de educação. A escola não é o único lugar
do do Ceará, buscou-se regulamentar a pro- que a educação acontece e o professor não é o
fissão de educador social, a caracterizando único profissional da educação. E, conforme
como pedagógica e social. No mesmo ano, já Gadotti (1987), a história da educação está
citado neste Projeto de Lei, foi inserido na atrelada ao desenvolvimento social, articulada,
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) na maioria das vezes, em benefício do sistema
a atividade ocupacional do educador social econômico vigente. Na mesma consonância,
(5153-05). Importante salientar que no Brasil segundo Nóvoa (2005), a história da educação
ainda não temos, na Classificação Brasileira de carrega um sentido social, seja ele tradicional
Ocupações, o pedagogo social. E, a profissão ou libertador.
de pedagogia, assim como do educador social Em um parágrafo, com reflexões de três
não são regulamentadas ainda. autores, temos apontamentos importantes, a
Atualmente está em processo de votação e saber: a) temos educações e não uma educa-
aprovação final o Projeto de Lei 2.941, de 2019, ção no singular; b) a educação é um projeto de
que visa regulamentar a profissão de educador sociedade e tem intencionalidades; e, c) todo
social. Ele vai passar pela Comissão de Consti- sentido da educação, tradicional ou não, é so-
tuição Justiça e Cidadania, provavelmente neste cial; portanto, toda educação é social.
ano (2023); esse documento traz o tema da Então, a Educação em seu sentindo amplo
formação profissional, colocando que os edu- é uma prática social e cultural. É intencional
cadores sociais serão formados em cursos de e possui uma natureza formativa de sujeitos
graduação específicos. Cabe sublinhar que este individuais e coletivos. Ela acontece em vários
projeto, mesmo sem utilizar a nomenclatura de contextos, é plural, é social e não é neutra, as-
Educação Não Escolar, nos oferece elementos sim como possui concepções teórico-práticas,
que comprovam a formalidade do trabalho e sejam tradicionais ou crítica.
das práticas educativas destes profissionais. Aqui, neste texto, nosso foco é a Educação
Com o propósito de contextualizar a temáti- Não Escolar Institucionalizada (PAULO, 2020)
ca a ser apresentada trouxe algumas questões no contexto do trabalho do educador social, a
sobre o percurso da identidade profissional do qual também é plural, social, política e formal.
educador social, o qual pode ser localizado com Por Educação Não escolar (fora da escola)
maior detalhamento com os estudos de Zuc- temos vários autores que trabalharam o tema,
chetti (2010), Ferreira (2016), Pereira (2013, e talvez os principais são: Valla (1977), Trilla

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(2003) e Gohn (2010). No caso de Valla, ele tações (BDTD) realizada em 2022, identifiquei
associa as práticas de alfabetização de adultos várias nomenclaturas, confirmando os estudos
como educação não formal. O mesmo ocorre anteriores (PAULO; TREVISAN, 2022). Diante
com algumas interpretações de Paulo Freire da lista de adjetivos dado a educação para
com suas experiências de alfabetização de adul- apresentar o contexto do Educador Social fui
tos juntamente com o Movimento de Cultura organizando um quadro que chamei de tipo-
Popular e com os círculos de cultura. O que logias da Educação (ZOPPEI, 2015, PAULO;
ocorre é que não havia uma política nacional de TREVISAN, 2022).
educação de jovens e Adultos e muitos proces- Para organizar as tipologias realizei um
sos davam-se em parceria com Movimentos Po- exercício didático de descrição e busca de
pulares e Instituições Não Governamentais. Em compreensão das possíveis características da
muitos casos, os espaços educativos eram não Educação Não Escolar que podem contribuir
escolares, mas o programa era governamental para estudos futuros. O quadro 1 não é, neces-
(municipal2, estadual e teríamos um nacional3); sariamente, o que eu considero como tipologias
em outros casos, eram práticas educativas da Educação Não Escolar, mas estou sendo fiel
realizadas pelo Movimento de Cultura Popular. aos estudos realizados na BDTD. Depois, vou
Nos estudos de Zoppei (2015), ele iden- apresentar o que considero como tipologias
tificou várias denominações para educação da Educação Não Escolar.
fora da escola, a saber: educação extraescolar, A construção de uma Tipologia da Educa-
educação não formal, educação não escolar, ção Não Escolar iniciou-se com os estudos
educação social, educação sociocomunitária e realizados a partir da minha experiência de
educação informal. O termo mais usado é edu- educadora popular na AEPPA, depois como
cação não formal, segundo suas pesquisas. Não estudante e pesquisadora. Iniciei com um de-
localizamos no seu quadro de sistematização o senho construído a partir destas experiências.
descritor “Educação Popular”, e isso - talvez- se Logo depois, como estudante e pesquisadora
deva ao fato de que “circulavam, no Brasil, arti- iniciei pesquisas sobre o tema em livros, arti-
gos de educação de adultos e educação popular gos, teses e dissertações. Conheci o primeiro
associando-os à educação não formal, durante inventário das formas de Educação Não Escolar
os anos 1970 e 1980” (ZOPPEI, 2015, p. 79). na pesquisa de Zoppei (2015). A partir dela cru-
Segundo os meus estudos, algumas compreen- zei com o que vinha estudando, pesquisando
sões de Educação Popular eram sinônimas a de e vivenciando. Fiz um levantamento na AEPPA
educação não formal e educação de adultos. de tipologias mais usadas e confirmei o que
Em outras a Educação Popular aparece como dizia Graciani (2005), Gohn (2010) e Zoppei
concepção teórico-prática que pode acontecer (2015). Em um segundo momento, realizamos
em contextos escolares e não escolares. Além pesquisas nos cursos promovidos pela AEPPA
do mais, nem todo sentido de Educação Popular para educadores sociais. Depois, iniciamos
é crítico-emancipador (PAULO, 2018). atualização das pesquisas.
Em uma revisão de literatura, na Base de A análise do quadro tipológico da Educação
Dados da Biblioteca Digital de Teses e Disser- Não Escolar deu-se a partir da interpretação
crítica das dissertações e teses analisadas
2 A primeira experiência com o Sistema Paulo Freire
(PAULO; TREVISAN, 2022). A análise teórico-
foi em 1962 que se iniciava com a educação infantil
e alfabetização (PAULO, 2018). conceitual, procurando caracterizar a Educação
3 Década de 1960 antes do Golpe Civil-militar. O Mi- Não Escolar, a partir do lugar de trabalho do
nistro da Educação Paulo de Tarso Santos, do gover- Educador Social.
no Goulart, convidou Paulo Freire para realizar uma
campanha nacional de alfabetização. O Projeto An- A Educação Popular, segundo Paulo (2018)
gicos, no Rio Grande do Norte foi o mais conhecido. não seria uma tipologia da Educação Não Esco-

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lar, pois ela pode realizar-se, também, em con- teórico-metodológica (PAULO, 2013; 2018;
textos escolares (educação básica e superior). 2020), assim como Freire e Nogueira (1993) a
Considera a Educação Popular como concepção conceituaram e Vale (2011).

Quadro 1- Organização das tipologias da Educação Não Escolar.

EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR

Tipologias Principais compreensões

Educação Popular libertadora, progressista e crítica. Pedago-


gia crítica. Educação libertadora.
Educação Popular
Educação Progressista.
Pedagogia/educação crítica.

Educação preventiva.
Educação não-formal.
Socioeducação
Recuperação e ressocialização.
Medidas socioeducativas.

Educação extraescolar.
Educação Não Formal Educação preventiva.
Educação nos Movimentos Sociais.

A educação social como campo ou área de atuação do educa-


Educação Social dor social. Em alguns casos associa a educação não-formal.
Aborda a prática educativa com ênfase para as metodologias.

Adolescentes em conflito com a lei.


Educação de Rua Pessoas em situação de rua-moradia.
Atividades na cidade.

Educação que acontece na comunidade, nas ONGs e institui-


Educação Comunitária ções religiosas.
Educação sociocomunitária e temas não escolares.

Pedagogia Social da Rua - ambiente socioassistencial.


Pedagogia Social Pedagogia social como teoria da Educação Social.
Pedagogia Social como curso de formação.

Fonte: A partir de Paulo e Trevisan (2022) e da revisão de literatura atualizada.

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Formação de educadores sociais: Educação Popular, educação não escolar institucionalizada e práticas educativas

A Educação de Rua (PAIVA, 2012), em emergente, a qual surgiu para reverter a si-
meu entendimento, é uma especificidade da tuação de risco pessoal e social de milhares
Educação Não Escolar formal/instituciona- de crianças brasileiras de rua. Entendo que
lizada, assim como a Socioeducação (quadro Graciani (2005) apresenta uma ciência da
1). Contudo, pode acontecer Educação de Rua educação que se realiza fora da escola, cuja
em contextos não formais (OLIVEIRA, 2004) e perspectiva é da Educação Popular freiriana.
informais (PAULO, 2020), a depender do con- Logo, a pedagogia não seria uma tipologia da
texto. Já a Socioeducação é uma política que educação como apareceu em estudos locali-
consta no Estatuto da Criança e do Adolescente zados na BDTD. Neste caso, Paulo e Trevisan
(BRASIL, 1990). (2022), manifestam-se a favor da Pedagogia
No que se refere a pedagogia social, os Social enquanto curso de formação de educa-
estudos de Graciani (2005) apresentam dores sociais e não como campo de atuação
pressupostos pedagógicos e metodológicos ou tipologia de educação.
da Pedagogia Social de Rua baseados na Edu- Diante dessa exposição, organizei as carac-
cação Popular. Expõe a Pedagogia Social de terizações de Educação Não Escolar a partir do
Rua mediante sistematização de uma expe- que eu entendo ser sua classificação, levando
riência educativa, vivida na década de 1980, em consideração estudos publicados por al-
na cidade de São Paulo. Revela que é possível guns dos pesquisadores com reconhecimento
educar na rua, colocando a Pedagogia Social na temática, a revisão de literatura e pesquisa
de Rua como a única ação educativa inovadora documental (BRASIL, 1990; 2009a; 2014).

Quadro 2 - Reorganização das tipologias da Educação Não Escolar.

EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR

Tipologias Principais compreensões

Educação que se realiza a partir das políticas sociais. Tem


Educação formal/institucionalizada
conteúdo não escolarizado, tem planejamento pedagógi-
Brasil (2014).
co, tem atividades educativas sob orientação e mediação
Ferreira (2016).
do educador social. O educador deve conhecer as políticas
Paulo (2020).
sociais e ter atuação interdisciplinar.

Os espaços educativos localizam-se em territórios que


Educação Não Formal
acompanham as trajetórias de vida dos grupos e sujeitos,
Gohn (2010).
fora das escolas. Possui intencionalidade. Educação nos
Paulo (2013).
Movimentos Sociais.

É um campo de conhecimento com práticas educativas,


Educação Social
voltadas para a ressocialização de indivíduos e grupos his-
Pereira (2015).
tórica e socialmente excluídos. É uma educação que tem
Silva (2011).
como ciência a pedagogia social.

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Educação que acontece na comunidade, nas ONGs e insti-


tuições religiosas buscando o desenvolvimento social ter-
ritorial. As atividades educativas são promovidas na e pala
Educação Comunitária
comunidade, sem necessariamente exigir formação de
Paulo (2020).
quem programa e ou executa a ação educativa. A educação
Gadotti (1999).
comunitária como desenvolvimento comunitário, contri-
bui com a organização e o fortalecimento entre populações
empobrecidas ou discriminadas.

Tem seus espaços educativos demarcados por referências


de nacionalidade, localidade, idade, sexo, religião, etnia etc.
Educação Informal
A casa onde se mora, a rua, o bairro, o condomínio, o clube
Gohn (2010).
que se frequenta, a igreja ou o local de culto a que se vincu-
la sua crença religiosa, o local onde se nasceu etc.

Socioeducação Surgiu com o Estatuto da Criança e do Adolescente quando


Brasil (1990). foi implementado as medidas socioeducativas.

Fonte: Organizado pela autora.

Quadro 3 - Síntese reorganizada das tipologias da Educação Não Escolar

EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR

Tipologias Educador Social nestes contextos educativos

Atua como profissão, recebe salário e a profissão exige saberes


específicos da área e do campo de atuação.
Educação formal.
Brasil (2014).
Ferreira (2016).
Paulo (2020). Educação de rua como proposta de governo, com atividades edu-
cativas. Educação social de rua como sistema pedagógico, surgido
Educação de Rua/Educação na América Latina ao final da década de 1970. Pedagogia Social de
Social de Rua/Pedagogia So- rua é um campo da Educação e se destina a um público que vivem
cial de Rua em abandono e nos perigos da rua.
Oliveira (2004).
Graciani (2005).
Paiva (2012).

Socioeducação.
Brasil (1990). Atua como profissão, recebe salário e a profissão exige saberes
específicos da área e do campo de atuação.

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Educação Não Formal.


Gohn (2010). Pode ter militância em Movimentos Sociais, participar ou promo-
Paulo (2013). ver práticas educativas em espaços comunitários, destinados a
formação política e sociocultural, mas não é um espaço de trabalho
assalariado. E não, necessariamente, deva ser um educador social
ou ter uma formação mínima exigida para participar de ações edu-
Educação Comunitária. cativas em contextos de educação não formal e comunitária. São
Paulo (2020). atividades e processos educativos planejados de ações coletivas.
Gadotti (1999).

Como sujeito individual participamos de práticas cotidianas de


Educação Informal.
educação. Na educação informal, os educadores são a nossa famí-
Gohn (2010).
lia, os vizinhos, os amigos, os colegas de escol e trabalho etc.

Fonte: Organizado pela autora.

A partir dos estudos realizados via Nóvoa dos usuários nos cursos por meio de regis-
(2005) e de Ribeiro (2006), reconhecidos tros periódicos;” (BRASIL, 2015, p.68). Paulo
por Paulo, Nachtigall e Gões (2019) e Paulo e (2020) declara que a Educação Não Escolar
Tessaro (2020) não existe nenhuma educação Institucionalizada é o espaço de atuação do
que não seja social. Sendo assim, a educação educador social.
social não entraria como um tipo de educação,
Além disso, compreendemos que a educação
mas poderia entrar como área da Educação não escolar institucionalizada é uma prática
Não Escolar, como tem sido usada em algumas educativa com proposta pedagógica situada em
experiências. Contudo, Ribeiro (2006) e Paulo, espaços de execução de políticas sociais. Ou seja,
Nachtigall e Gões (2019) acreditam existir dis- ela é uma educação formalizada, com intencio-
putas de projeto e de conceitos entre educação nalidades e projetos educativos institucionais.
social e Educação Popular. Dito isso, reafirmo Executar essa proposta demanda metodologia e
pedagogia diferentes das aplicadas na educação
que a educação social não entraria em tipolo-
escolar. (PAULO, 2020, p. 10).
gias da Educação Não Escolar já que não existe
educação que não seja escolar. Sendo assim, a Educação Não Escolar Ins-
Paulo e Trevisan (2022) colocam a área do titucionalizada tem seus programas socioas-
educador social como multidisciplinar devido sistenciais, a quais tem suas modalidades
ao contexto concreto de trabalho, como situa (BRASIL, 2014). Na política da Assistência
Ferreira (2016) apresentando as áreas que fa- Social teremos duas classificações: Proteção
zem parte da categoria profissional, educador Social Básica e a Proteção Social Especial
social, as quais são: educação, saúde, direito, (média e alta complexidade). Em cada uma
assistência social, entre outras. delas temos o detalhamento do conjunto dos
Nesse sentido, ficamos com quatro tipos de serviços conectados em rede socioassistencial
Educação Não escolar, sendo que uma delas (espaço, prioritário de trabalho do educador
é o contexto de trabalho do educador social. social). Cada Serviço Socioassistencial, nor-
Sendo assim, chamamos este espaço de atuação malmente, tem suas modalidades. (BRASIL,
como Educação Não Escolar Institucionalizada, 2014). Por modalidade, entendemos um modo
os quais tem suas especificidades. As práticas específico, particular da Educação Não Esco-
educativas dão-se em um sistema socio-edu- lar Institucionalizada. A Socioeducação e a
cacional institucionalizado, estruturado, com Educação Social de Rua, nesse sentido, é um
currículo não escolar e planejamento educa- modo de fazer educação dentro do conjunto
tivo orientado por normas e pedagogias, além de especificidades de Educação Não Escolar
de registrar a “frequência e o desempenho Institucionalizada.

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Figura 1 – Educação Não Escolar Formal

Fonte: da autora.

Na Educação Não Escolar Institucionalizada A compreensão da Educação Popular freiriana


temos práticas educativas planejadas e orien- tem origens filosóficas cristã (teologia da li-
tadas com “atividades socioeducativas e de bertação), existencial e personalista (Mounier,
Sartre, Gabriel Marciel e Heidegger), além de
convivência e socialização visando à atenção, origem fenomenológica (Edmundo Husssel
defesa e garantia de direitos e proteção aos e Merleau-Ponty) e marxista (Marx, Gramsci,
indivíduos e famílias em situações de vulnera- Marcuse, Kosik e Fromm). (PAULO, 2023, p. 3).
bilidade social e pessoal” (BRASIL, 2015, p.67).
Ter o conhecimento das raízes da Educação
Nestas atividades há concepções de educação
Popular freiriana é importante para distin-
na execução e planejamento de atividades,
guir os sentidos e significados da Educação
mesmo que implicitamente.
Popular no mundo (PAULO, 2018) e fazer a
escolha política de qual concepção embasa
Educação Popular e Paulo o nosso trabalho de educador, seja ele do
Freire em contextos plurais de contexto da educação escolar ou da educação
não escolar.
Educação
Por Educação Popular utilizo a acepção crí-
A concepção de Educação Popular freiriana tica-libertadora de Paulo Freire, reenfatizando
pode ser base de educação escolar e educação que existem plurais concepções com sentidos e
não escolar. Sendo assim, a Educação Não Es- significados diversos (PAULO, 2018). Para fins
colar Institucionalizada pode estar (ou não) ba- de definição vou utilizar alguns usos de Edu-
seada pela Educação Popular. Segundo Paulo: cação Popular, segundo Paulo Freire, a saber:

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Formação de educadores sociais: Educação Popular, educação não escolar institucionalizada e práticas educativas

Quadro 4 – Publicações selecionadas de Paulo Freire

Título do livro Citação Direta de Paulo Freire

“Significa lutar pela educação popular, pela participação crescen-


A Educação na Cidade te das classes populares nos conselhos de comunidade, de bairro,
de escola.” (FREIRE, 1991, p.50).

“Através da Educação Popular as pessoas do bairro ou da fave-


Que fazer: teoria e prática em edu-
la aprendem a transformar suas dificuldades em melhor viver.”
cação popular
(FREIRE, 1989, p.66).

“O conceito de Educação de Adultos vai se movendo na direção


do de educação popular na medida em que a realidade começa a
fazer algumas exigências à sensibilidade e à competência cien-
Política e educação tífica dos educadores e das educadoras. Uma destas exigências
tem que ver com a compreensão crítica dos educadores do que
vem ocorrendo na cotidianidade do meio popular.” (FREIRE,
1993, p.16).

Fonte: Da autora.

Nesse sentido, a Educação Popular freiriana No caso de Paulo Freire, ele criticou a educa-
é crítica-libertadora, aspirando uma formação ção bancária, tradicional, tecnicista e tecnicista
conscientizadora e transformadora. Para Tor- renovada – corrente pedagógica hegemônica
res (2019), essa Educação Popular faz parte de que não trabalha com metodologias da Edu-
uma corrente de pensamento crítico e emanci- cação Popular (PAULO, 2020).
pador. A Educação Popular libertadora-crítica
tem origem na América Latina na década de
1960, segundo Brandão em entrevista conce- Prática Pedagógica no contexto
dida para Paulo (2018). Por ele, é considerada da Educação Não Escolar
como um dos acontecimentos mais importan- Institucionalizada
tes no tocante a educação contra-hegemônica.
A Educação Popular nem sempre está pre- Saviani (2007) apresenta que o trabalho peda-
sente em contextos de Educação Não Escolar gógico do educador perpassa por concepções
e muitas vezes, é compreendida apenas na sua pedagógicas, podendo ser hegemônica ou con-
dimensão metodológica – o que seria um erro tra-hegemônica. De modo aqui resumido, pelo
epistêmico-conceitual se a referência é Paulo menos duas concepções de educação: acríticas
Freire (PAULO, 2018). (tradicional, tecnicista, bancária) e críticas
Por sua vez, nem todo trabalho do educador (libertadora, crítico-social dos conteúdos e
social está embasado na Educação Popular libertária). Muitas vezes, deixamos de perce-
crítica. Neste sentido, é necessário ter a ciência ber que toda educação tem intencionalidades,
de que o trabalho pedagógico no contexto da inclusive a Educação Não Escolar. Ou seja, toda
Educação Não Escolar Institucionalizada tem educação está a serviço de algo, ainda que nem
concepções pedagógicas que podem ser hege- sempre o educador saiba, conscientemente, a
mônicas e contra-hegemônica. quem ele está servindo (PAULO, 2020). Isto é,

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todo tipo de educação é um ato político (FREI- (2019) e Paulo e Tessaro (2020) revelaram que
RE, 1987). O trabalho educativo do educador paulo Freire está presente na maioria dos arti-
social no contexto da Educação Não Escolar gos, teses, dissertações e projetos institucionais
Institucionalizada também é atravessado por em que educadores sociais trabalham. E, Paulo
concepções pedagógicas. Aqui retomamos ao Freire (PAULO, 2018) apresentou a Educação
Nóvoa (2005), que profere o sentido social da Popular como concepção teórico-prática. Posto
educação, seja ela tradicional ou libertador. isto, parece que a Educação Popular freiriana
Logo, não existe educação que não seja social. é uma concepção conhecida na Educação Não
Então, toda educação é social e tem suas pers- Escolar Institucionalizada, mas pouco explora-
pectivas teóricas e metodológicas. Em Freire, da teoricamente.
retomamos o que demanda a prática educativa
de um educador: Formação acadêmico-
Toda prática educativa demanda a existência profissional para educadores
de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro
que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gno- sociais e a Educação Popular
siológico; a existência de objetos, conteúdo a freiriana
serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de
métodos, de técnicas, de materiais; implica, em O campo de atuação do educador social, vincu-
função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, lado as políticas públicas sociais, é a Educação
utopias, ideais. Daí a sua politicidade, qualidade Não Escolar Institucionalizada, cujo campo
que tem a prática educativa de ser política, de teórico-prático é multidisciplinar e interse-
não poder ser neutra”. (FREIRE, 2011, p.48).
torial. Nesse sentido, a interdisciplinaridade
No caso do educador social, o seu trabalho na prática educativa do educador social exige
pedagógico no contexto da Educação Não uma formação intersetorial e multidisciplinar
Escolar Institucionalizada, igualmente, tem (PAULO; TREVISAN, 2020).
planejamento, métodos, técnicas e materiais. Em conformidade com Paulo e Trevisan
Outrossim, tem concepções pedagógicas na sua (2022), a formação de educadores sociais de-
prática educativa. Freire 9 2011) afirma que a veria dar-se de modo intersetorial (áreas da
natureza da prática educativa é a prática forma- educação, saúde, assistência social, trabalho,
dora e ela pode ser conservadora ou progres- cultura, esportes, tecnologia, meio ambiente
sista. As práticas educativas são embasadas por etc.) e que a Educação Popular poderia ser
teorias e métodos e cabe realizarmos estudos uma concepção significativa para a formação
investigativos acerca do trabalho pedagógico de educadores sociais no contexto brasileiro.
do educador social no contexto da Educação Duas das maiores contribuições de Paulo
Não Escolar Institucionalizada. Paulo e Tre- Freire (1987) foram o trabalho com educação
visan (2022) dizem que as epistemologias na conscientizadora e dialógica. Dois exemplos
Educação Não Escolar Institucionalizada são são: o Tema Gerador construído via Pesquisas
construídas pelos saberes da experiência, no Participativas e os Círculos de Cultura enquan-
contexto educativo (no cotidiano do trabalho) to prática dialógica interdisciplinar.
e merecem aprofundamento. Os temas geradores e os círculos de cultura
Voltando ao quadro 1 que a Educação Popu- são experiências concretas e que podem nos
lar apareceu como um tipo de educação no con- inspirar a outras metodologias participativas
texto de trabalho do educador social, acredito na construção coletiva de projetos formativos
que ela é uma concepção teórico-metodológica para o desenvolvimento de cursos para edu-
que tem como base as pedagogias contra-he- cadores sociais.
gemônicas. Os estudos realizados por Paulo O educador social (profissão que até agora
e Trevisan (2022), Paulo, Nachtigall e Gões é do campo da Educação Não Escolar) não é

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Formação de educadores sociais: Educação Popular, educação não escolar institucionalizada e práticas educativas

um professor, não é um voluntário e não é um educador é solipsista. A proposta de educação


oficineiro. Nem sempre o educador social se de Paulo Freire, a Educação Popular, articula a
considera, igualmente, um educador popular, dimensão epistemológica, filosófica, política,
até porque educador popular não é profissão ética, antropológica e sociológica no processo
é uma opção político-pedagógica de militância. formativo. O conhecimento engloba, desta
São sentidos e significados diferentes. forma, a totalidade da experiência humana.
Constatamos, juntamente com o Grupo de Dessa maneira, desenvolver atividades de de-
Estudos e Pesquisa Paulo Freire e Educação fesa de direitos sociais requer uma formação
Popular da AEPPA, que existem saberes e co- técnica-profissional, e se na perspectiva da
nhecimentos necessários à prática educativa criticidade, visando a “construção da autono-
do educador social e que eles são intersetoriais mia, autoestima, convívio e participação social
(PAULO, TREVISAN, 2022). O educador social dos usuários, a partir de diferentes formas e
atua com o Sistema de Garantia de Direitos, metodologia” (BRASIL, 2015, p. 67), podemos
necessitando transitar por diferentes áreas so- utilizar Paulo Freire como um dos referenciais
ciais. Suas ações pedagógicas são de educação para a formação acadêmico-profissional para
e mediação que envolvem os direitos humanos, educadores sociais.
a justiça social e o exercício da cidadania (BRA- O ponto de partida na proposta de paulo
SIL, 2019; PAULO, PALOSCHI, VIEIRA, 2021). Freire (1987) é o diálogo problematizador e
Assim, compreendemos que os educadores a experiência concreta dos educandos. Esta
sociais trabalham com saberes educativos es- experiência se expressa através do universo
pecíficos, diferentes daqueles da escola. temático dos sujeitos do ato educativo. As
Os temas geradores e os Círculo de Cultura palavras e os temas mais significativos deste
se constituem em metodologias críticas im- universo temático são escolhidos como mate-
portantes no desenvolvimento do trabalho rial de pesquisa e estudos para as atividades
interdisciplinar nos pressupostos da Educa- educativas; e, podem ser utilizadas no proces-
ção Popular. A proposta do Tema Gerador e so de construção dos currículos dos cursos
dos Círculos de Cultura possibilitam construir para a formação acadêmico-profissional para
conhecimento crítico-emancipador no pro- educadores sociais. Freire (1987) exibe uma
cesso de formação humana que deve articular proposta de Educação Popular para a elabo-
experiência da vida prática com os saberes ração de conhecimento crítico, significativo
sistematizados historicamente, de modo rigo- e emancipador, partindo da problematização
roso e crítico. Paulo (2021) apresenta as Cartas da realidade vivida, mediante a investigação
Pedagógicas como procedimento didático e temática participativa.
metodológico no trabalho de e com educadores Nesta perspectiva, Freire (2011) afirma
sociais, sob a perspectiva da Educação Popular. que pesquisa e ensino caminham juntos. En-
Em seu estudo, Paulo Freire é um referente tão, eu só ensino e pesquiso se sei ensinar e
valoroso nesta proposta já utilizada em cursos pesquisar; logo, aprendemos na prática com
de extensão para educadores sociais (PAULO, estudos individuais e coletivo, acompanhado
2021). Neste caso, as Cartas Pedagógicas são de pesquisas reflexivas e participativas. Esta é
escritas a partir de um Tema Gerador e o diá- uma das tarefas de um curso de formação para
logo freiriano acontece via registro escrito, po- educadores sociais que não vai ensinar o cur-
dendo ser individual ou coletivo e socializado rículo escolar, mas terão o papel fundamental
em Círculos de Culturas. de ensinar a pedagogia dos direitos humanos.
Paulo Freire (1987, 2011) nos ajuda a al- Dessa forma, ensinar exige aprender a pesqui-
cançar, via práxis educativa, a superação da sar e a pesquisa requer um processo contínuo
ideia de que o conhecimento e a prática do de estudos teóricos e práticos.

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Fernanda dos Santos Paulo

Cabe salientar que a maioria dos educadores Considerações e desafios


sociais não possui formação inicial (graduação,
curso técnico, extensão etc.) para a sua ocu- Ao longo deste texto busquei apresentar
pação, que exige saberes específicos. Mesmo compreensões de educação, especialmente
que muitos educadores sociais conheçam de Educação Não Escolar Institucionalizada.
Paulo Freire por nome ou por algum estudo, Apresentei o lugar das práticas pedagógicas
ainda é necessário conhecer a sua proposta de em Espaços Não Escolares Institucionalizados
educação e contribuições para a formação do no contexto do trabalho do educador social. O
educador social. desafio relacionado a estes dois temas é o de
Ainda não existe política nacional de forma- aprofundamento de estudos e pesquisas acer-
ca das identidades da Educação Não Escolar,
ção inicial e continuada para tratar do trabalho
sobretudo desbravando o campo da Educação
do educador social. Observamos que a maioria
Não Escolar Institucionalizada e o lugar que o
das universidades desconhece o contexto de
educador social ocupa nele. Da mesma forma,
atuação do educador social (PAULO, 2020). E
se faz necessário investigações sobre práticas
o curso de licenciatura de pedagogia não tra-
educativas e suas concepções pedagógicas,
balha com a formação desse profissional; às
cujo desafio maior é que educadores sociais
vezes, há uma disciplina e/ou seminário sobre
sejam pesquisadores e ou participantes de
educação em diferentes contextos educativos,
pesquisas que versam sobre o seu trabalho
porém não estuda este tema específico. Enten-
político-pedagógico.
do que a formação intersetorial não deva estar
A presença de Paulo Freire em trabalhos
restrita à formação do educador social, mas
acadêmicos e documentos sobre Educação
nesse caso, é indispensável e urgente. Não escolar e acerca do educador social foi
Dentre várias possibilidades de formação constatado como característica dos estudos
(PAULO, 2020), o curso de Pedagogia Social na realizados no Brasil. Porém, observamos pou-
perspectiva da Educação Popular para forma- cas referências da Educação Popular como con-
ção de educadores sociais (PAULO, 2010, 2013) cepção teórico-prática da educação realizada
parece ser coerente com o campo de atuação e por educadores sociais.
área do conhecimento que se insere o educa- Ainda existe a compreensão de que a Edu-
dor social. Recentemente constou no Catálogo cação Popular é apenas metodologia, muito
Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia a utilizado neste sentido- mas que nosso grupo
possibilidade do Curso em Educação Social, po- de estudos e pesquisas discorda, pois com-
dendo ser oferecido pelos Institutos Federais. A preendemos que a Educação Popular é muito
AEPPA, em julho de 2022, entregou ofícios de mais que metodologia; é uma concepção teó-
demanda deste curso a alguns Institutos Fede- rico-prática emancipadora.
rais situados no Rio Grande do Sul (Restinga, Autores como Paulo Freire e Carlos Rodri-
Viamão e Alvorada e Sapucaia) enfatizando a gues Brandão são reconhecidos internacio-
ênfase para a perspectiva da Educação Popular nalmente como referências para Educação
(PAULO, TREVISAN, 2022). Então, como po- Popular, mas pouco reconhecidos na universi-
demos observar a educação social parece ter dade e nos lugares de ocupação do educador
ganhado destaque na nomenclatura do curso, social como referencial para a Educação Não
sendo, talvez, considerada como área da educa- escolar Institucionalizada. Estes entre outros
ção. Nos cabe investigar mais sobre a trajetória autores (PAULO, 2018) são fontes teóricas ins-
da escolha do nome desta graduação e refletir piradora de práticas de educação alternativa
sobre as tipologias da educação, campo e área em toda a América Latina; Paradoxalmente, a
educacional do educador social. Educação Popular em nosso meio acadêmico é

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Formação de educadores sociais: Educação Popular, educação não escolar institucionalizada e práticas educativas

praticamente desconhecida, senão desprezada Popular (PAULO; SPEROTTO, 2018; PAULO;


por sua origem latino-americana. Por outro SILVA, 2021) e vem discutindo, com institui-
lado, existem espaços de mobilização e de Edu- ções educacionais públicas, propostas curri-
cação Popular não acadêmicos (movimentos culares para cursos de graduação. Os desafios
populares) que trabalham com estes autores nesta questão são grandes: carecemos de
e com os temas da Educação Popular, dos edu- professores-pesquisadores nas instituições
cadores sociais e educadores populares, como educacionais públicas de educação superior
é o caso da AEPPA e dos fóruns de educadores que trabalham com os temas da Educação Não
sociais. Alguns desses movimentos populares Escolar e educadores sociais. Ainda não temos
formaram redes territoriais presenciais e a Educação Não Escolar como área de estudos
virtuais, bem como redes temáticas, objeti- em todas as universidades. Ainda não existe
vando a potencialização de ações coletivas de a exigência de formação superior específica
autoformação e formação político-pedagógica para educadores sociais, o que não obriga as
continuada. Porém, o nosso desafio é ocupar universidades e Institutos Federais ofertarem
a universidade, adentrando com os temas que o curso. O educador social continua sendo uma
versam o contexto do trabalho e identidade do profissão pouco estudada na universidade e
educador social e das tipologias das educações, conhecida na sociedade, e este é um limite na
dando visibilidade para a história da Educação luta a favor da formação inicial e continuada
Popular. destes profissionais.
Testemunhamos, nesse sentido, a urgência Pensar a construção de cursos de formação
de estudos sobre concepções de educação no acadêmico-profissional de educadores sociais,
processo formativo de educadores sociais e tendo como base Educação Popular freiria-
da universidade ocupar um espaço central no na, é fundamental para que o seu trabalho
processo de formação acadêmico-profissional. pedagógico não esteja marcado por práticas
As obras utilizadas de Freire (1987, 1989, assistencialistas e acríticas de Educação Não
1991, 1993, 2011), neste artigo, contribuíram Escolar; e, que sendo conhecedor, enquanto
para dois importantes apontamentos, a saber: educador social, de que as práticas educativas
1) compreensão do conceito de Educação na Educação Não Escolar Institucionalizada
Popular freiriana que exige um projeto de são plurais, políticas, e sociais, assim como tem
formação crítico, dialético, participativo e fundamentos em teorias sociais e educacionais
emancipador; e, 2) Paulo Freire pode ser uma multidisciplinares, possam usar, em sua ação
das importantes referências para construção socioeducativa, o conhecimento construído na
de cursos de formação acadêmico-profissio- universidade de modo interdisciplinar, proble-
nal de educadores sociais, pois já contamos matizador e emancipador.
com experiências (PAULO, 2010, 2013, 2019,
2020; PAULO; SPEROTTO, 2018; PAULO; SILVA, Referências
2021 ) e trabalhos que reconhece a pedagogia
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? .
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Porto Alegre tem realizado cursos para edu- 2014. Ratifica e reconhece as ocupações e as áreas
cadores sociais na perspectiva da Educação de ocupações profissionais de ensino médio e fun-

78 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 05, n.10, p. 65-80, jul./dez. 2022
Fernanda dos Santos Paulo

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