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Gênero: uma categoria útil de

análise histórica (parte 1)


Joan Scott
Sobre a autora

• Joan Wallach Scott é uma historiadora Norte-


americana, nascida em 18 dezembro de 1941
no Brooklyn, cujo trabalho, inicialmente dedicado
à história francesa (movimento operário e história
intelectual) foi direcionado na década de 1980 para
a história das mulheres a partir da perspectiva
de gênero.
Pontos discutidos para aula:

• a. apresentação histórica do conceito de


gênero inserido nas principais correntes da
Psicanálise, Antropologia Feminista; História e
Movimentos Sociais;
• b. Definição de conceitos.
• A autora aponta que as feministas norte-
americanas, rejeitando palavras que poderiam
trazer a noção de determinismo biológico e
realçando o caráter relacional das definições
de feminino-masculino, importaram o sentido
de gênero da gramática e passaram a utilizá-lo
para referirem-se à organização social das
relações entre os sexos, realçando o caráter
cultural das distinções baseadas no sexo.
• Scott passa a discutir o sentido e o uso dado ao gênero em
trabalhos acadêmicos, destacando que o emprego desta
categoria deveria levar à passagem de análises descritivas
para analíticas, mas constata que estas só seriam possíveis
com a adoção de novos paradigmas teóricos.
• Assim, ela critica os trabalhos que utilizam o termo gênero
para abarcar as mulheres sem referenciá-las
explicitamente. Essa tentativa de despolitizar a inclusão
das mulheres na história seria fruto de uma tentativa de
legitimação acadêmica.
• Scott chega à interseção de seu conceito com as noções de
classe e raça, afirmando que as desigualdades de poder
social são constituídas com base em pelo menos essas três
dimensões.
• Também critica as pesquisas que apesar de analisarem as relações
sociais entre homens e mulheres atém-se somente ao estudo de
certos setores da organização social, como a família, a reprodução,
as ideologias de gênero. Estas pesquisas realçam o mero uso do
termo gênero, sem uma mudança de perspectiva teórica, o que faz
com que estes trabalhos continuem a estudar “as coisas relativas às
mulheres”, de forma descritiva, sem que se questione porque as
relações entre homens e mulheres estão construídas como estão,
como funcionam e como se transformam.
• Nesse caso, apesar de se incluir novos objetos de análise histórica,
como as relações subjetivas, o corpo, a família, e etc, não há
alteração dos paradigmas existentes, mantendo-se o modo de se
analisar temas como a guerra, a alta política, a diplomacia, ou seja,
àqueles que de acordo com a historiografia tradicional, foram
protagonizados sem sofrer qualquer influência das relações de
gênero.
Três posições teóricas na análise do gênero: as teóricas do
patriarcado, as marxistas, e as de base psicanalítica. Vejamos:

• 1) As teóricas do patriarcado defendem uma adaptação da teoria


hegeliana, focando a teoria em suposta necessidade dos homens em
subordinar as mulheres para fins de controlar os meios de reprodução da
espécie (Mary O’Brien). Em outras palavras, garantir que seus herdeiros
sejam de fato seus. Para essa corrente, revoluções tecnológicas que
eliminem a necessidade do corpo feminino para a reprodução seria o
caminho da libertação feminina (Sulamith Firestone).
• Ainda na “abordagem patriarcal”, há aquelas que defendem ser o controle
da sexualidade escopo do patriarcalismo. A sexualidade feminina seria
reificada na mesma proporção que o trabalho masculino. A consciência
dessa experiência de reificação, dessa vivência comum, levaria as
mulheres à ação política. (Catherine Mackinnon).
• Crítica de Scott: A teoria de patriarcado desenvolve-se em cima das
distinções físicas entre os sexos. Ao analisar essa única variante como
fonte de toda desigualdade de gênero, “a história se torna um
epifenômeno que oferece variações intermináveis sobre o tema imutável
de uma desigualdade de gênero fixa”.
• 2) As teóricas marxistas seguem a diretriz
de Engels em “Origem da Família, da
Propriedade Privada e do Estado” que
conforma a desigualdade de gêneros em
função dos modos de produção. O capitalismo
e o patriarcado seriam dois sistemas distintos,
mas em constante interação, o segundo se
desenvolvendo e adaptando em função do
primeiro. (Heidi Hartman);
• Discussões entre as feministas marxistas levaram a problematização
das formas de interação entre os sistemas econômicos e as relações
de gênero, a partir do reconhecimento de que a divisão sexual do
trabalho já existia antes do capitalismo e manteve-se no
“socialismo”. Há uma ruptura de paradigma na afirmação de que os
sistemas de gênero tem uma existência independente dos sistemas
socioeconômicos, mas ao explicar as formas de interação entre
esses sistemas, há uma tendência em sobrevalorizar o econômico
sobre o social e o sexual (Joan Kelly).
• Adentrando o viés da sexualidade e da psicologia, o volume de
ensaios “ Powers of Desire”, 1983, foi uma tentativa, norteada pelos
escritos de Foucault e pelo contexto da “revolução sexual”, de se
entender as relações de gênero como interação entre “a sociedade
e as estruturas psíquicas”. Segundo Scott, o único ensaio que
aborda seriamente as questões teóricas propostas é o de Jéssica
Benjamin.
• Crítica de Scott: As dificuldades de desenvolvimento teórico
encontram-se nas próprias limitações da matriz marxista, que acaba
sempre subordinando o conceito de gênero ao de uma estrutura
econômica.
• 3) As teóricas psicanalíticas seguem duas escolas: a anglo-saxônica, que
trabalha com a teoria das relações objetais, e a francesa, que se
desenvolve a partir do pós-estruturalismo de Freud, nos termos da teoria
da linguagem lacaniana. As escolas têm em comum o enfoque nas etapas
de formação do indivíduo, sob perspectivas distintas:
• A teoria das relações objetais defende que a identidade de gênero é
formada a partir de experiências concretas, principalmente as vivenciadas
domesticamente, como a divisão de trabalho familiar, a atribuição de
tarefas entre os pais (Nancy Chodorrow/Carol Gilligan).
• A teoria pós-estruturalista da linguagem se prende aos sistemas de
significação, o que abarca não só as palavras, mas todo um sistema
simbólico que se referenda no gênero.
Crítica de Scott: A teoria anglo-saxônica reduz a formação de
identidade do sujeito a um círculo muito restrito, como se
não houvesse, além da família, outros sistemas sociais que
façam parte dessa construção.
A escola francesa, ao entender o sujeito sexuado como
unidade instável, em permanente construção a partir da
oposição entre as significações masculino/feminino, articula
castração com as relações sociais, mas tende a universalizar
as categorias masculino-feminino, desconsiderando a
especificidade e contexto histórico na construção da
subjetividade e reforçando o caráter de oposição binária do
gênero.
O que significa, portanto, realizar
uma análise de gênero
• Em primeiro lugar, significa descartar a noção de
que existam referenciais fixos ou determinados a
priori sobre os termos “homens” e “mulheres” e a
relação entre eles. Se eu digo que a escola é
feminina e o Exército é masculino, sem contextualizar
o porquê de estar adjetivando-os dessa forma, é
porque estou pressupondo que a feminilidade e a
masculinidades são diferentes em tais e tais
características. Crio, logo, uma essência do feminino
e do masculino. Isso é um erro!
• Segundo ponto: devemos ter em mente que
“homens” e “mulheres” são ideais estabelecidos
que regulam e direcionam ações humanas, e não
descrições empíricas das pessoas. Ainda, sempre se
está aquém do ideal. Quero dizer que não existe
um homem verdadeiro ou uma mulher legítima,
porque todos/as são arquétipos mais ou menos
próximos de um modelo flutuante que não encontra
correspondência na prática. “Que ideal é esse?” é
uma boa pergunta para iniciar a conversa.
• Por último, e igualmente importante, devemos
reconhecer que há sempre contradições nas normas
e regras que articulam os dois sexos. Os sentidos
sobre o masculino e feminino são altamente
dinâmicos e históricos, confundindo noções fixadas
no tempo e no espaço. Gênero é uma estrutura
contraditória por natureza, como nos
lembra Raewyn Connell (1995), e são exatamente
essas contradições que permitem as mudanças e
ruptura.

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