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O DISCURSO

DO
ADAMASTOR
Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida
ELOGIO
41
• 41 O Adamastor disse aos
«E disse: – «Ó gente ousada, mais que portugueses que eram um povo
quantas empreendedor que nunca
No mundo cometeram grandes cousas, repousava das guerras e que
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, estava a desvendar os mares que
E por trabalhos vãos nunca repousas,
ele guardava há muito tempo e
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar meus longos mares ousas, que nunca tinham sido
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, navegados.
Nunca arados d' estranho ou próprio lenho;

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


ELOGIO
• 42 42
«Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do húmido elemento, Acrescentou que os navegadores
A nenhum grande humano concedidos iam descobrir os segredos da
De nobre ou de imortal merecimento, natureza e do mar que estavam
Ouve os danos de mi que apercebidos escondidos dos homens e que
Estão a teu sobejo atrevimento, iam ouvir os castigos que ele lhes
Por todo o largo mar e pola terra
Que inda hás-de sojugar com dura guerra. preparava por tão grande
atrevimento.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


43 – AMEAÇA À ARMADA DE
PEDRO ÁLVARES CABRAL
• 43
«Sabe que quantas naus esta viagem Ameaçou que ventos e
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas, tempestades perseguiriam todos
Inimiga terão esta paragem, os barcos que lá passassem e
Com ventos e tormentas desmedidas; que a próxima armada que por
E da primeira armada que passagem
ali navegasse sofreria um desastre
Fizer por estas ondas insofridas,
Eu farei de improviso tal castigo tão repentino que provocaria
Que seja mor o dano que o perigo! imensos danos.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


44- AMEAÇA A BARTOLOMEU DIAS
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«Aqui espero tomar, se não me engano, Referiu que se vingaria de quem o
De quem me descobriu suma vingança; descobriu e que não ficaria por ali
E não se acabará só nisto o dano o castigo da sua grande teimosia,
De vossa pertinace confiança: pois em todos os anos haveria
Antes, em vossas naus vereis, cada ano,
tantos naufrágios e perdições que
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte, o menor mal seria a morte.
Que o menor mal de todos seja a morte!

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


45- MORTE DE D. FRANCISCO DE
ALMEIDA
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«E do primeiro Ilustre, que a ventura Anunciou que o Primeiro Vice-Rei
Com fama alta fizer tocar os Céus, da Índia morreria naquela costa,
Serei eterna e nova sepultura, derrotado depois de ter vencido a
Por juízos incógnitos de Deus. armada turca, como vingança da
Aqui porá da Turca armada dura
destruição de Quíloa e de
Os soberbos e prósperos troféus;
Comigo de seus danos o ameaça Mombaça.
A destruída Quíloa com Mombaça.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


46 – NAUFRÁGIO DA FAMÍLIA
SEPÚLVEDA
• 46
«Outro também virá, de honrada fama, Também informou que viria um
Liberal, cavaleiro, enamorado, honrado cavaleiro apaixonado
E consigo trará a fermosa dama com a sua bela dama e que
Que Amor por grão mercê lhe terá dado. escapariam com vida de um
Triste ventura e negro fado os chama
cruel naufrágio para sofrerem
Neste terreno meu, que, duro e irado,
Os deixará dum cru naufrágio vivos, ainda mais.
Pera verem trabalhos excessivos.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


47- A MORTE DOS FILHOS DO
CASAL SEPÚLVEDA
• 47
«Verão morrer com fome os filhos caros, Acrescentou que o casal veria os
Em tanto amor gerados e nacidos; queridos filhos morrerem de fome
Verão os Cafres, ásperos e avaros, e os Cafres despirem os vestidos
Tirar à linda dama seus vestidos; da linda dama, depois de ter
Os cristalinos membros e perclaros
caminhado descalça pela areia
À calma, ao frio, ao ar, verão despidos,
Despois de ter pisada, longamente, escaldante.
Cos delicados pés a areia ardente.

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48 – A MORTE DO CASAL
• 48
«E verão mais os olhos que escaparem Acrescentou que os que
De tanto mal, de tanta desventura, escaparem desse desastre verão
Os dous amantes míseros ficarem o infeliz casal morrer abraçado no
Na férvida, implacábil espessura. ardente areal, depois de muito
Ali, despois que as pedras abrandarem
chorar.
Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
Abraçados, as almas soltarão
Da fermosa e misérrima prisão.»

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


49 – INTERVENÇÃO DE VASCO
DA GAMA
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Assim falava o monstro horrível,
«Mais ia por diante o monstro horrendo,
contando o destino dos
Dizendo nossos Fados, quando, alçado,
portugueses, quando Vasco da
Lhe disse eu: – «Quem és tu? Que esse Gama, levantando-se, lhe
estupendo
perguntou quem era ele com
Corpo, certo me tem maravilhado! »
aquele corpo. Ele, retorcendo a
A boca e os olhos negros retorcendo
boca e os olhos, deu um grande
E dando um espantoso e grande brado,
grito, afetado com a pergunta.
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


2.ª PARTE DO DISCURSO DO
ADAMASTOR
50 – AUTOCARACTERIZAÇÃO DO
ADAMASTOR
50
O gigante disse que era o grande
– «Eu sou aquele oculto e grande Cabo Cabo das Tormentas,
A quem chamais vós outros Tormentório, desconhecido dos geógrafos da
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo, Antiguidade, que terminava a
Plínio e quantos passaram fui notório. costa africana, virado para o
Aqui toda a Africana costa acabo Antártico.
Neste meu nunca visto Promontório,
Que pera o Pólo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


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• 51
«Fui dos filhos aspérrimos da Terra, Acrescentou que se chamou
Qual Encélado, Egeu e o Centimano; Adamastor, um dos gigantes que
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra enfrentou Júpiter, e tinha a tarefa
Contra o que vibra os raios de Vulcano; de comandar uma armada para
Não que pusesse serra sobre serra,
conquistar o mar.
Mas, conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava.

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52 – HISTÓRIA DE AMOR

• 52
«Amores da alta esposa de Peleu Metera-se na guerra por amor de
Me fizeram tomar tamanha empresa; Tétis, esposa de Peleu e por quem
Todas as Deusas desprezei do Céu, desprezou todas as outras deusas,
Só por amar das águas a Princesa. porque um dia a viu nua na praia
Um dia a vi, co as filhas de Nereu,
com as Nereidas e a sua paixão
Sair nua na praia e logo presa
A vontade senti de tal maneira foi tão forte que ainda não
Que inda não sinto cousa que mais queira. deseja mais nada.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


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• 53
«Como fosse impossíbil alcançá-la, Confessou que, como era
Pola grandeza feia de meu gesto, impossível seduzi-la, por causa do
Determinei por armas de tomá-la seu tamanho e do seu aspeto,
E a Dóris este caso manifesto. resolveu conquistá-la à força, e
De medo a Deusa então por mi lhe fala;
comunicou-o a Dóris, mãe de
Mas ela, cum fermoso riso honesto,
Respondeu: – «Qual será o amor bastante Tétis, que contou à sua filha, que
De Ninfa, que sustente o dum Gigante? lhe respondeu, perguntado como
seria possível o amor de uma
ninfa satisfazer o de um gigante.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


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• 54
«Contudo, por livrarmos o Oceano Contudo, a ninfa contou à sua
De tanta guerra, eu buscarei maneira mãe que encontraria uma
Com que, com minha honra, escuse o dano.» solução para evitar a sua
Tal resposta me torna a mensageira. desonra e a guerra. O
Eu, que cair não pude neste engano
Adamastor disse que Dóris lhe
(Que é grande dos amantes a cegueira),
Encheram-me, com grandes abondanças, deu essa mensagem e ele ficou
O peito de desejos e esperanças. iludido e cheio de esperança.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


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• 55
«Já néscio, já da guerra desistindo, O gigante confidenciou que
Ũa noite, de Dóris prometida, ingenuamente desistiu da guerra
Me aparece de longe o gesto lindo e, na noite do encontro marcado
Da branca Tétis, única, despida. por Dóris, lhe apareceu ao longe a
Como doudo corri de longe, abrindo
imagem da bela Tétis só e
Os braços pera aquela que era vida
Deste corpo, e começo os olhos belos despida, tendo corrido para ela
A lhe beijar, as faces e os cabelos. de braços abertos, começou a
beijar-lhe as faces e os cabelos.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


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• 56
«Oh que não sei de nojo como o conte! O Adamastor revelou que com o
Que, crendo ter nos braços quem amava, desgosto nem sabe como contar
Abraçado me achei cum duro monte o que aconteceu, pois
De áspero mato e de espessura brava. acreditando estar abraçado a
Estando cum penedo fronte a fronte,
quem amava, estava abraçado a
Qu' eu polo rosto angélico apertava,
Não fiquei homem, não; mas mudo e quedo um monte, cujo o rosto era um
E, junto dum penedo, outro penedo! penedo, o que o deixou mudo e
quieto como outro penedo.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


56

• 57
«Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano, O gigante perguntou à ninfa por
Já que minha presença não te agrada, que motivo não lhe continuou a
Que te custava ter-me neste engano, dar esperança, mesmo que não
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada? gostasse da sua presença e disse
Daqui me parto, irado e quási insano
que partiu dali louco de raiva
Da mágoa e da desonra ali passada,
A buscar outro mundo, onde não visse para se esconder onde ninguém
Quem de meu pranto e de meu mal se risse. se risse do seu mal.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


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• 57
«Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano, O gigante perguntou à ninfa por
Já que minha presença não te agrada, que motivo não lhe continuou a
Que te custava ter-me neste engano, dar esperança, mesmo que não
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada? gostasse da sua presença e disse
Daqui me parto, irado e quási insano
que partiu dali louco de raiva
Da mágoa e da desonra ali passada,
A buscar outro mundo, onde não visse para se esconder onde ninguém
Quem de meu pranto e de meu mal se risse. se risse da sua infelicidade.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


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• 58
«Eram já neste tempo meus Irmãos O Adamastor referiu que, naquela
Vencidos e em miséria extrema postos, altura, os seus irmãos já tinham
E, por mais segurar-se os Deuses vãos, sido vencidos e para maior
Alguns a vários montes sotopostos. segurança dos deuses foram
E, como contra o Céu não valem mãos,
sepultados debaixo dos montes,
Eu, que chorando andava meus desgostos,
Comecei a sentir do Fado imigo, provando que nada se pode fazer
Por meus atrevimentos, o castigo: contra a vontade do Céu e que
ele começou a sentir o castigo
pelo seu atrevimento.

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59 – METAMORFOSE DO
ADAMASTOR

• 59
«Converte-se-me a carne em terra dura; O Adamastor revelou que a sua
Em penedos os ossos se fizeram; carne se transformou em terra e os
Estes membros que vês, e esta figura, ossos em pedras, o seu grande
Por estas longas águas se estenderam. corpo estendeu-se pelo mar,
Enfim, minha grandíssima estatura
transformando-se num cabo, e
Neste remoto Cabo converteram
Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas, para aumentar o seu sofrimento
Me anda Tétis cercando destas águas.» Tétis cerca-o com as suas águas.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


60 – DESAPARECIMENTO DO
GIGANTE
• 60
«Assi contava; e, cum medonho choro, Repentinamente, o gigante
Súbito d' ante os olhos se apartou; desapareceu, a nuvem desfez-se
Desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro e o mar bramiu ao longe. Vasco
Bramido muito longe o mar soou. da Gama levantou as mãos a
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Deus e pediu-lhe que evitasse os
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros desastres previstos pelo
Casos, que Adamastor contou futuros. Adamastor.

Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida


Discurso do Adamastor - Elaborado pelo professor Jorge Almeida

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