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Ano III

A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

A Textura desse Abismo chamado Consciência

Ano III

www.texturadoabismo.blogspot.com.br

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Introdução: A Consciência desse Abismo de Texturas

“A imaginação não é um estado:


é a própria Existência Humana”
William Blake

A textura desse abismo chamado consciência é uma busca, um exercício, um esforço em


alcançar a tessitura da própria realidade que se espelha na criação poética emanada do âmago
do poeta.

A força por detrás desses três conceitos é mais do que energia, é uma pulsão motriz:

TEXTURA ABISMO CONSCIÊNCIA

Textura - tecer - tear - tecido - trama - texto...

Abismo - abertura - precipício - principio - possibilidade - liberdade...

Consciência - conhecer - conceber - auto-reflexão...

A textura é o tecido urdido à partir da roca de nada e precipícios inauditos ao a consciência


destemida se lança em sua continua busca pela liberdade, pelas possibilidades de expressão,
pela sua instalação enquanto algo palpável, e quiçá perpétuo, no mundo, em forma de fenômeno
textual, em forma de idéia, em forma de uma beleza que expresse à consciência pessoal.

O abismo pode conter tudo, nele o vão se arroga como aberto do mundo, devorador de
horizontes, profundeza composta por paredões que ao invés de reprimir dá o sentido de
inescrutabilidade maior, dá o sentido de grandeza que abarca, o abismo é pois como um Titã
que em constante ação para realizar sua impassiva intenção, como si revelando-se igual à
consciência desvela também a grandiosidade do espírito do artista e o pacto que este tem com a
própria poesia.

O poeta então, este pactuado com o a língua, este sedutor que usa como arma o imagético
condensado, o qual extrai de dentro de si (pois dentro de si há o enorme aberto onde pode
passar, abrigar e conter tudo).

A consciência seria a memória, seria o relicário repositório da existência, o ser-aí, o espírito


em constante convulsão enquanto queda até o fundo do abismo ou sobre este paira, emanando a
trama de sua essência e existencialidade: realização & imaginação!

Fia a consciência/abismo o tecido dos sentimentos, a enorme fazenda multicolorida que há de


ir cobrindo, agasalhando, servindo de véu e bandagem para todos os desdobramentos do poeta
enquanto ‘porta voz’ de si mesmo e da tempestade aberta sobre o mundo: ele mesmo, o poeta, a
consciência no fundo desse abismo de textura...

Desde tudo isso... para mim, o poeta, muitas coisas estão se revelando e velando, emanando
do abismo e para ele refluindo, em forma de sincronias, distonias e amor!

Esse fluir & refluir surge muitas vezes através de pistas no caminho que a atenção é
essencial para pegar as dicas, mas mais ainda, o deixar-se levar se mostra valioso quando se
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decide então pular no abismo, saltar dentro da noite escura, lançar-me na intermedialidade,
com a gratificação e as dádivas do abismo e da consciência que vai se auto-revelando com o
passar do tempo e do espaço cobrado.

O abismo se mostra como destino, mas como ponto de partida também, abismo-universo, e a
consciência diminui na medida de que essas amplidões se insinuam.

Quanto à textura, eis que ela esta aqui.

Nesse jogo de permutações da importância destas forças, revela-se a mutação que


acompanha a consciência em seu desdobramento na experienciação.

emt.

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Ano III
2010 e.v.

dois mil & dez

"...Vou abrir todas as janelas


pra deixar o Sol sair..."
(Biquini Cavadão)

-Porque o mais importante é invisível aos olhos!-

- Citações no abismo:

"A inconsciência é uma pátria; a consciência, um exílio”


(E. M. Cioran)

"Pegue-me, sou a droga; pegue-me, sou alucinógeno."


(S. Dali)

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Série Poemas Imaginados & Imagens Poetizadas

Todas as Nuvens

Fotografando nuvens
Um passatempo niilista
que fala de azul & branco
vento, água & sol

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Querem elas dizer adeus


Quero eu ir nas asas desses ventos
Agora paradas
Congeladas no tempo que se perdeu
no espaço que se esqueceu
onde os pés no chão capturaram
esse momento nunca mais repetido...

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Série Poemas Imaginados & Imagens Poetizadas

Três Árvores

Troncos que se contorcem


como corpos em paixão
de ser dois & ser um
compenetração

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Árvore
Como gente de pernas para o ar
Doando ao céu
Suas genitálias expostas

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E longe, nos recantos do descanso


A grande árvore sábia
Com sua armadura de cipó
Como a predizer de lonjuras
O encontro de um dia
Onde as máscaras caem.

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Véspera de Carnaval

Tal noite
passei em horas já escuras
colhendo o lixo dos canteiros das ruas
terrenos baldios, esquinas abandonadas, muros sem porquês
E reguei com lágrimas & suor
os espinhos acesos & eretos
das plantas soturnas
para podar dos passeios
intempéries de afinco & embriaguez

Por entre cães & gatos


que reviram o lixo
passei como igual limo
Fera obsoleta
Na noite vespertuna
por entre o sono dos pardais
& a vigília dos seios abandonados

Pelas ruas
através das trilhas dos bares abarrotados
no caminho que cala a vontade imensa
Com o álcool das ilusões
eu posso sentir
o silêncio para além dos medos

Silencio o som das casas de família


que esperam mudas o dia chegar
& a véspera de carnaval passar

Porém... então... todavia... pois...


irrevogavelmente
lá vem o Carnaval
Varrendo o lixo das ruas
levando consigo
para debaixo de luxuoso tapete
os pobres, as putas, os nus, a lei policial, as drogas
a moda, delírio, gozo, choro, rancor

Alienação ou libertação?
Vespertina espera libertina
Chegou...

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A Estratégia de Rosana

Rosa
...riso

Ana
...água

Intensa

Ainda amo o seu jeito de amar

Rosa
...lua nova

Ana
...angélica

Intensa

Ainda lembro o seu jeito de amar

Está na minha carne

espinho ameno

Sede sedação

Tua contagiante

imensa fome

de sentir

compartilhar

Amor.

(para Rosana A.)

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Série Poemas Imaginados & Imagens Poetizadas

Sombras de Árvores

Fotografando sombras
Rasgando caminho por mais essa ausência

Sombra de árvores
Sombra de gente
Prédios em sombra
Sobras de alinhamentos & interposições
Quase ausência de luz & querências de visões

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Nas sombras
um repouso de silêncio não solicitado
e o esforço dos olhos por mais um significado.

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Wabi-Sabi

na boca, no canto

riso, ruga, ranhura

o olho, dissidentes

vergo, visgo, vesgo

em pele

cicatriz, tatuagem, arranhado

feridas na alma

trincados na parede

limo fresco na sombra dos muros

uma flor morta e seca

por entre as páginas de nosso livro predileto

e essa sua discreta imperfeição

que tem minha afeição

tua linda forma não exposta

na flor da pele lacrimal

sinopse sudorosa sonora

sincera rosa humana

discreta ranhura

que leva a mente ao cerne da tua coisa qualquer

desse seu jeito impermanente

de permanecer em esplendor vivo

quase incomodo

em minha memória.

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Consciência

Consciência

garimpo, refino, procurando sempre sua pedra rara

volta sempre sua presença sobre o aqui & agora:

Espaço/Tempo Universal;

Consciência

redemoinho, rodamoinho, unidade & dispersão

nos sentidos gerais espalha sua visão:

Distância/Duração Local;

Consciência

estranheza, fantasmagoria nas fantasmagorias

emerge da escuridão essa incansável anomalia da matéria:

Flor-da-Pele Abismal;

...sentir

ser/estar

ir...

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Naquele velho lugar...

Naquele velho lugar que não existe mais


repousa a cobrança de meus sonhos recorrentes
sempre presentes
& atuais como agora...

Naquele velho lugar


dorme o passado que não me sonha mais
Os velhos senhores pais dos meus pais
& amigos que se foram...

Naquele velho lugar que não existe mais


a não ser no reino indestrutível do „um dia memória’
Me chamam os sons daquilo
do que me diz „quem sou’,
pois sou feito em essência do que ali fomos todos...

Daquele velho lugar


me fala a saga que só fala a nós,
Família no familiar remanso de nossas origens,
Que nos perdoe os intrusos dessas citações
mas isso „fomos nós’, um dia
& agora somos & seremos, ainda...

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Serenos & conscientes dessas lembranças


que nos contam filhos do „locus’
muito mais do que do „tempus’;
Pois aquele tempo nos abandonou – foi como tinha que ir,
Mas o local ainda reside em um lugar da carne imemorial
que convida o corpo a ali sempre retornar,
nos sonhos escusos da noite escura
que parecem nos convidar também
para que ao morrer, nos juntar
ali aos que também já se foram;
Naquele velho & eterno lugar...

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Série Poemas Imaginados & Imagens Poetizadas

Dois Caminhos

Caminhos retos
de quente negro asfalto
que conduz a riqueza alheia
Caminho reto
construído para chegar mais perto, mais rápido
toda a ganância ereta

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Caminho de ferro
de antiga passagem
e duro segmento
Na suas orlas me contaminou uma doença
que um dia tive que esquecer
Caminho de ferro
aguda reta
passando por toda lugar
onde pés não vão
Só ferro & Fogo & Cães.

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22 de Julho de 2010

... dormi... & acordei em um Sonho...

Eu dormi um sono tarde;


cedo na Madrugada
que sempre me dizia, com urgência: “-Lá vêm o Sol”...

Eu dormi em uma noite


& acordei & era dia...
um Dia diferente!

Eu sonhei depois de Despertar


& era um sonho de „romaezapzulluzpazeamor‟...
sonhei & era ouro & sol & coração...

... andei... & voei em um sonho...

Andei sob o Sol,


& Ele verteu-se em minhas lágrimas,
enxugando-me em alegria!

Andando meus pés me levaram


ao Jardim onde colhi flores brancas,
doei um presente de Paz para todos que amo...

Ando junto ao Sol, em Sua órbita galáctica,


viajo em Luz & Amor pelas Imensidões de Deus!
mas estou sempre no lugar mais importante: Aqui & Agora!

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Meu Vegetal

Minha Janela
Meu Plural
Minha Ayahuasca
Meu Mestre
Minha Irmã

Abra minha mente


Reduza meu ego
Mate minha sede de me conhecer
Mate essa minha fome de morrer...
de morrer...

Sincera Dissolução
Do Meu Mal
Do Meu Bem
Lembranças & Esquecimento
De Mim
De Tudo
Das Sendas do Universo
Entre Vidas
Nossas Vidas
De Todas as Dores
De Todo Amor.

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Buddhas Vegetais

O Cipó ensina:

"Prefiro estar em Paz


do que estar certo!"

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O luto dos gatos

...
não igual às outras noites
nesta a gata Kalkii dormiu
quieta & silente,
do meu lado.

...
& de manhã se agitou
externando um sentimento profundo dela
quando do asfalto de frente de casa
tirei esfolado outro gato.

...
& em seu luto-felino
ela chorou, com sua dor & seu medo,
uma forma de oração
para não mais cheirar a morte por ali.

...
morte que os ventos do último dia de agosto
não conseguiram levar daqui,
& ela, noite adentro,
em seu sono de luto & desalento...

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Dia de Eleição

Sonhei
que um boi pastava grama rala em meio à areia de um deserto;
e ele defecava por ali seu esterco verde que ia adubando o deserto;
e no esterco havia um grande verme.
E havia também um cão que ficava em cima de um monte de areia
vigiando o boi,
e o cão descia e rolava no esterco e dele comia
e comia o verme também,
mas o verme não morria e vivia dentro do boi e do cão.

Sonhei então
que nesse deserto haviam se formado três filas de pessoas;
Uma fila era enorme, uma fila era grande e uma outra fila era pequena,
e as três filas pareciam rumar cada uma à uma porta diferente.

Na fila enorme
haviam homens e mulheres
e pareciam ter eles bilhetes na mão
e iam felizes como quem está na fila para ir à um show,
a maioria eram alegres e brincalhões, alguns estavam entediados e uns poucos sérios;
mas todos eles estavam sem calças porque as haviam perdido,
fato que à alguns constrangiam, mas à maioria era motivo de brincadeiras,
ao que em suas nádegas estava escrito
como se à força de correiadas e chibatadas:
“ordem e progresso”.
E lá à frente da fila enorme ia o boi,
e o boi mugia: “diiiveeeersão!”

Na fila grande
haviam homens e mulheres
e eram como palhaços, estavam fantasiados e coloridos,
uns eram mímicos, outros agiam como marionetes,
uns eram irônicos, alguns cômicos, outros estúpidos...
e eles estavam todos sem camisas
porque as tiraram para poder trocar,
e tinham no corpo escrito como com tinta de propaganda:
no peito escrito “promessa”, e nas costas escrito “interesse”.
E lá na frente dessa fila grande ia o cão,
e o cão latia: “sufrágio! sufrágio! sufrágio!”

Na fila pequena
haviam homens e mulheres
e eram como se fosse pessoas importantes e sérias,
todos vestiam roupas caras e faziam poses de enorme dignidade,
mas não mostravam o rosto, coberto que estavam por véus negros
onde se podia ler escrito em letras douradas:
“Poder e Respeito”.
E na frente dessa fila pequena estava o verme.

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e o verme secretava com ajuda de um microfone: “deeeeemocraciaaaaaa!”

E sonhei
que as três filas seguiam para três portas:
A fila enorme rumava para a porta de um abatedouro disfarçado de curral.
A fila grande rumava para a porta de um tribunal disfarçado de circo.
A fila pequena não rumava, mas já havia atravessado a porta de um luxuoso palácio.
E na porta dos primeiros estava inscrito: “trabalho, família, pão”;
E na porta dos segundos estava inscrito: “teatro, força, propriedade”;
E na porta dos terceiros estava inscrito: “tradição, fartura, poder”.

E no sonho
eu me aproximei de uma praça no meio daquele deserto,
e lá havia uma urna funerária
e de dentro dela suas cinzas falava com uma voz digital, dizendo:
“Tudo na normalidade...
Estes são os caminhos da república...
Estas filas representam democracia...
Festa do povo...
A política é o espelho da sociedade...
A palavra de hoje é „pragmatia‟...”

E ao lado da urna havia uma pessoa estranha,


e ela me parecia estranha e me parecia conhecida,
ao que eu a chamei de profeta-professor.
E o estranho me falou, assim que a voz digital da urna cessou,
disse-me então como estranho profeta:
“Se no esterco se sujar, gostarão de ti...
Se do verme não se enojar, gostarão de ti...
Mas é possível não se corromper, e então eles te amaldiçoarão em silêncio,
e em público será chamado de tolo e hipócrita...
Porque eles, os cães e os vermes criaram outra forma de pensar,
confundiram por má-fé pragmatia e hipocrisia,
e hoje os hipócritas são pragmáticos e os pragmáticos hipócritas
e o esclarecimento é tolice
e a tolice celebrada como informação;
Pois eles falaram pelas bocas dos religiosos e dos intelectuais,
eles falaram pelas bocas dos jornalistas e dos comediantes...”

E lá no deserto a fila enorme andava rápido, e o boi pastava;


E a fila grande andava lenta, e o cão rolava;
E a fila pequena não era fila, mas uma ciranda de roda, e o verme se contorcia
e se deleitava em prazer no seu próprio visgo.

Então disse-me o estranho como professor:


“O que não deixa sujar,
O que não deixa adoecer,
Imuniza o boi, purga o cão e mata o verme:
Educação & Amizade & Prosperidade...”

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E lá no deserto os da fila enorme gargalharam dementemente, e o boi se assustou;


E os da fila grande riram nervosamente com escárnio, e o cão rosnou e latiu alto;
E os da fila pequena estavam sérios, e o verme se contorceu de raiva!

E no sonho então
o boi com seus chifres atacou o estranho
e mugiu: “subversivo, rebelde, satânico...”,
o cão com suas presas defendeu a urna atacando o estranho
e latiu: “anarquista, desordeiro, irreverente...”,
o verme com sua astúcia penetrou no corpo estraçalhado do estranho
e verbalizou: “ridículo, desinformado, rancoroso...”

E depois de ter feito isso os três alegres de seu jeito comemoraram, em festa,
e o verme com seriedade contou ao boi em forma de noticiário:
que o verme é servo do boi e o nutre e preserva;
e o cão com carinho contou ao boi em forma de novela:
que o cão é quem defende o boi dos perigos do deserto e lida com seus dejetos;
e então o boi com canções grotescas e piadas agradeceu à eles
e pediu ao cão e ao verme em forma de oração:
que lhe desse a educação para trabalhar e ganhar dinheiro,
e a amizade para com aqueles que estavam próximos dele,
e a prosperidade do saneamento das fomes...

E assim o verme e o cão


lhe deram a competição, o patriotismo e os venenos,
o emprego, o futebol e o álcool...
E o boi se sentiu como o rei do deserto
e pensou consigo que dali não queria sair mesmo,
pois pastava grama magra com areia suja e água poluída
mas tinha a lei, a segurança e a diversão,
e tinha no cão e no verme amigos dedicados que o protegiam de outros bois,
e assim foi, crescendo e multiplicando, em corpo e miséria...

E no fim do sonho já
me vi só na praça deserta com o cadáver despedaçado e corroído do estranho,
enquanto uma enorme tempestade de poeira e lixo se levantava no céu;
Então o cadáver ainda murmurou para mm:
“É certo estar errado? É errado estar certo?”
E ainda em um último suspiro indagou:
“É justo ser injusto?...”
E era um dia triste, feio e onde não havia respostas para nada...

Então eu acordei! E era Dia de Eleição!

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“A textura desse abismo”*

-Se mil platôs não formam um montanha, então porque todos meus órgãos & meus
pensamentos deveriam formar alguém? Sei de algumas coisas dispersas, que tento
ajuntar e fazer uma síntese, um suco de húmus:

-...lá onde mora o perigo, também cresce o que salva;


-...tudo fala da renúncia que conduz ao mesmo;
-...o mundo é tudo que é o caso;
-...você é a noite, lilah;
-...lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa;
-...faze o que tu queres;
-...o que não te mata te fortalece;
-...não é pela inteligência que seremos salvos;
-...caos & vazio;
-...tudo que é feito com amor está além do bem e do mal;
-...laranjas são azuis;
-...i'm not a number...;
-...666, 23, 1464, 11, 16, 0, 3.1412;
-...a verdade está lá fora;
-...a essência da felicidade é não ter medo;
-...conhece a ti mesmo;
-...wake up, neo!;
-...eu sou o mágico chinês...;
-...meu nome é Ismael;
-...forma é vazio e vazio é forma;
-...se quiser mudar o mundo, mude a si mesmo;
-...não esqueço aqueles olhos verdes;
-...jardim das flores, jardim das flores;
-...do samsara-cama ao leito do nirvana;
-...peso, logo existo;
-...possui esse caminho um coração?;
-...nonada;
-...a vida é um mau gosto da matéria;
-...sorte/morte;
-...mas, já que cuidado formou primeiro esta criatura, a possuirá enquanto viva;
-...penso, pena que seja pouco...;
-...evite antes de defender;
-...minha vida inteira... é Agora!

* Este texto é a apresentação de perfil do autor no Orkut.

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O Foco da Dor ou ...Do Espinho

Deus entra no mundo


pela fresta aberta de todas as nefralgias
Ele torna tudo tão real
na roda que gira e atropela
como toda essa orgia de dor
na carne intumescida de uma certa indignação
de um certo refugo e assombro
quando na dor
toda delicadeza acaba
e o sentido da beleza e da vida
se perde no susto constante
do doer e doer e doer...

Deus entra no mundo


pelo dente infeccionado
pelo rasgo do anzol
pelo corte do vidro
pelo câncer em remissão
pelo furo do espinho
pela fratura exposta
pela angústia do suicida

Deus entra no mundo


na humilhação dos corpos
na fraqueza da carne
na vergonha das formas
na insatisfação das fomes
na ofensa das palavras
na degradação das paixões
na opressiva vigilância dos pudores

Deus entra no mundo


desfazendo todos os nossos sonhos de tranquilidade
matando tudo que um dia se curou e superou
apequenando todo prazer mendigado no escuro
preocupando toda felicidade com o instante seguinte
findando toda abundância de juventude ou velhice
degradando toda saúde e força em febre que ferve
tornando tudo mais real e nu e cru e frio e quente

Deus entra no mundo


nas dores dos partos
nas dores dos prepúcios
nas dores dos virgens
nas dores dos úteros
nas dores de estômagos
nas dores dos cus
nas dores das almas

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Deus entra no mundo


na dor incompreensível para os animais
na dor incompreensível para as árvores
na dor incompreensível para as estrelas
na dor incompreensível de todos os inocentes
na dor incompreensível da desproporcionalidade
na dor incompreensível para o torturado
na dor incompreensível para o torturador

Deus entra no mundo


nos estupros coletivos
nos atos de ódio racial
nas ações das tropas de choque
nas fileiras de tanques de guerra
nas praças sitiadas por soldados
nas câmaras de gás e campos de refugiados
nos sacrifícios de seres vivos

Deus entra no mundo


como o coma induzido
como o incêndio criminoso
como a cirurgia invasiva
como a defenestração progenitora
como a garganta em grito rouco
como a emasculação religiosa
como o olho do furacão

Deus entra no mundo pela dor,


Deus vêm por aí:
como matador
como anestésico
como esquecimento
como água
como alívio
como desforra
como fôlego
como consolo

Deus vêm por aí


como choro que cansa e finalmente faz dormir
como desespero convertido em coragem repentina
como desistência expressa em pura oração
como desapego contido na entrega final
como perdão latente à todo ato imperdoável
como ar que arrebata o afogado
como resignação feita paciência ampla
como sabedoria que ensina que tudo há de passar
tudo há de, enfim, acabar! Findar!

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Em toda dor há de dizer:


que isso passará também!
Tudo há de passar!
E passará!
Paz que há de nos sarar!

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"Na Noite de Goya"

Para se amar como um deus


tem que se perder a noção do Amor.
Só como Loucura o Amor se torna
Infinito.

Intoxicado pelo excesso de Noite


agora na fuga alucino
vendo cupins & formigueiros
decorando toda a paisagem,
E me permito cogitar um sonho lúcido inútil
onde matagais baixos
crescem nos campos lunares...

...Reflexos áridos & dissonantes de Noite...


Dos campos claustrofóbicos de euforia triste
Com sua safra abundante de corrupção divina
...

Baco me guia pela cidade noturna


Acordado noite adentro,
Baco me leva ao lado escuro da Lua
Despertando noite adentro,
Tentando desvendar nossos Mistérios...

E quando a noite clarear em dia


dormiremos em um leito móvel;
Rodando antes no esteio rastro da Lua na noite de Goiás,
Onde se clareará para mim & para a Ninfa de negro
toda a sua volúpia...

Belos deuses encarnados


brincam de carne jovem,
Penetram sua divindade
no cadáver da luz da Lua;
Belas & deliciosas feridas abertas
como um rasgo de faca cega em negra seda;
Estuprando a madrugada...

E até a noite clarear em dia


que já então não será possível nem para o Sol
engolir toda nossa Vontade,
Porque para ele será impossível
iluminar toda essa volúpia...

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Baco me guia à Noite


Tudo me é mostrado & negado
E agora o brilho desse Sol
me parece mesmo pequeno,
Ele é um brilho menor
dentro de toda essa intoxicante & sedutora
Escuridão.

Para se amar deuses


tenho que perder o que não é meu:
Alma!
Só no vazio deixado por ela
se pode instalar esse Amor;
Esse é o preço de se ter o Amor do Infinito,
& eu não quero mais pagar!
Dos deuses não quero o Amor.
Para mim eles são só uma lição:
que os deuses também sofrem!
Igual à mim...

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Saudades no tempo fugido...

Vai virar-se mais um ano


vira-se um década,
e devemos nós
decadentes,
volver também a cabeça,
os olhos
o espírito
e agora olhar outros horizontes,

Abandonando os horizontes passados


pois tudo que precisamos mesmo
levamos agora e desde sempre
dentro de nós
o relicário de saudades
prazeres & desgostos
que há de um dia formar nossa
futura vida,

Onde os desgastes dessa vida


do real e da matéria

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

não serão mais do que ranhuras finas


falhas sob o manto das existências
só mais um longo dia que passou...

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Os nativos das terras de Vera Cruz

Eu não consigo viver


desconfiando de tudo
Eu não posso viver assim
crendo que todos querem me enganar,
Renego isso
mesmo que a pecha de idiota me dêem
E no país dos vantajeiros
eu me recuso
a seguir a sina do sangue deste povo;

Busco uma forma


de exorcizar de mim
esse espírito safado
esse espírito ressentido
esse espírito demente
esse espírito de aproveitador
esse espírito alienado
que quer passar a perna e enganar todos;

Pais, padres, pastores, políticos, policiais, parentes, prostitutas e prostitutos, pedintes,


patrões, paladinos, profissionais liberais da decadência secular brasileira...

E saio por aí
nesse curral mal asfaltado
e cimentado com a falácia da má-fé geral
que está na cidade
que é o país
que é o mundo inteiro,
E ouço o ensurdecedor ruído
dos urros bestiais
de todo este povo brasileiro
dos seres humanos em geral
Agonizando em involução;

O „p‟ que nos pede engajamento nessa indigência é o „p‟ da „perversidade‟...

Eu não consigo viver em paz


tendo que reagir à isso,
Eu não tenho paz
convivendo com todos esses selvagens...

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

RetroEspectativas

Retro 2010 expectativas 2011

2010
Um ano para se lembrar e agradecer,
promessas de novidades para a próxima década.

20
10
11
...
Diversos „adeuses‟,

Muitos „olás‟!

Aparei grossas arestas,

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

com a Força da Serena Luz!

Que possamos todos


preparar uma década de Felicidade
com a energia de Amigos antigos e novos
que vieram acrescentar Beleza ao caminho...

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

Nascer & renascer sempre,


Ser...

Neste sereno recanto com seus cantos cheios de encantos,


que é onde sempre estou,
e onde o dia sempre renasce!

Para todos desejo feliz Ano Novo!


Um Excelente 2011!

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

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A Textura desse Abismo chamado Consciência – Ano III e.m.tronconi

-Fundo Memorial do Abismo:

* “dois mil e dez” postado em 02/01/2010.


* “Todas as Nuvens” postado em 09/01/2010.
* “Três Árvores” postado em 01/02/2010.
* “Véspera de Carnaval” postado em 15/02/2010.
* “A Estratégia de Rosana” postado em 01/03/2010.
* “Sombra de Árvores” postado em 01/04/2010.
* “Wabi Sabi” postado em 13/04/2010.
* “Consciência” postado em 01/05/2010.
* “Naquele velho lugar” postado em 01/06/2010.
* “Dois Caminhos” postado em 09/07/2010.
* “22 de Julho de 2010” postado em 24/07/2010.
* “Meu Vegetal” postado em 02/08/2010.
* “Buddhas Vegetais” postado em 10/08/2010.
* “O luto dos gatos” postado em 01/09/2010.
* “Dia de Eleição” postado em 27/09/2010.
* “A textura desse abismo” postado em 04/10/2010.
* “O Foco da dor ou ...do espinho” postado em 12/10/2010.
* “Na Noite de Goya” postado em 18/10/2010.
* “Saudades no tempo fugido...” postado em 08/11/2010.
* “Os Nativos da terra de Vera-Cruz” postado em 06/12/2010.
* “Retro2010espectatica2011” postado em 01/01/2011.

(Obs.: No dia 17 de Junho de 2010 foi postado no blog o panfleto-poético ‘Um Vento Bom que Sopra’,
essa micro-obra será disponibilizada em separado, como obra individual. Para acesso à esse material vide
link no Index Texturial do blog. )

A Textura desse Abismo chamado Consciência ©2010

Todos os textos, fotografias e arte são de autoria de Eduardo Moura Tronconi


Registrado na Fundação Biblioteca Nacional sob Certificado nº 507.040, livro 961, folha 165

Contato:

emtronconi@hotmail.com

Uberlândia - Minas Gerais - Brasil

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