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Aula de Sociologia: Origem da sociedade brasileira, a partir da leitura de um

resumo do livro “O povo brasileiro”, do pensador Darcy Ribeiro,


em 1996.

A invasão do Brasil: A revolução mercantil em Portugal e Espanha estimularam


à procura por novas terras, onde extraíssem matéria-prima e riquezas. Tal
expansão recebeu o apoio da Igreja Católica (1454), que via aí a oportunidade de
expandir o catolicismo, tarefa que Deus teria dado ao homem branco. Portugal e
Espanha “gastaram gente aos milhões”, “acabaram com florestas, desmontam
morros a procura de minerais (estima-se que foram levados para Europa 3
milhões de quilates de diamantes e mil toneladas de ouro), “só a classe dirigente
permanece a mesma, predisposta a manter o povo gemendo e produzindo ”, não o
que os povos colonizados querem ou precisam, mas o que eles impõem à massa
trabalhadora, que nem mesmo participa da prosperidade.
Para os índios aqueles homens brancos eram gente do Deus-Sol (o criador ou
Maíra), mas esta visão se dissipa: “como o povo predileto sofre tantas privações?”,
se referindo às doenças que os europeus lhe trouxeram –coqueluche, tuberculose
e sarampo, para as quais não tinham anticorpos. Assim, muitos índios fogem para
dentro da mata e outros passam a conviver com os seus novos senhores. Outros,
deitavam em suas redes e se deixavam morrer ali. Aos olhos dos índios, por que
aqueles oriundos do mar precisavam acumular todas as coisas? Temiam que as
florestas fossem acabar? Em troca lhes davam machados, canivetes, espelhos,
tesouras, etc. Se uma tribo tinha uma ferramenta, a tribo do lado fazia uma guerra
pra tomá-la.
No ventre das mulheres indígenas começavam a surgir seres que não eram
indígenas, meninas prenhadas pelos homens brancos – e meninos que sabiam
que não eram índios... que não eram europeus. O europeu não aceitava como
igual. O que eram? Brasilíndios, rejeitados pelo pai, europeu, filhos impuros desta
terra, e pela mãe, índia. São também chamados de “mamelucos”, nome que os
jesuítas deram aos árabes que tomavam crianças dos pais e as cuidavam em
casa. Esses filhos das índias aprendem o nome das árvores, o nome dos bichos,
dão nome a cada rio... Eles aprenderam, dominaram parcialmente uma sabedoria
que os índios tinham composto em dez mil anos. Estes mamelucos eram
caçadores de índios, para vender ou para serem seus escravos.
“A grande contribuição da cultura portuguesa aqui foi fazer o engenho de
açúcar... movido por mão-de-obra escrava. Por isso, começaram a trazer milhões
de escravos da África. Metade morria na travessia, na brutalidade da chegada, de
tristeza, mas milhões deles incorporaram-se ao Brasil”. O custo do tráfico de
escravos nos 300 anos de escravidão foi de 160 milhões de libras-ouro, cerca de
50% do lucro obtido com a venda do ouro e do açúcar . Os escravos negros
vinham para o Brasil e eram dispersados por esta terra, evitando que um mesmo
povo (ou etnia) permanecesse unido. Embora, iguais na cor, falavam línguas
diferentes, o que os força a aprender o português, o idioma do seu capataz. Em
geral, aos 15 anos eram aprisionados como escravos, trocados por tabaco,
aguardente e bugigangas, trabalhavam por 7 a 10 anos seguidos e morriam de
cansaço físico. Sofria vigilância constante e punição atroz. Havia um castigo
pedagógico preventivo, mas também mutilação de dedos, queimaduras, dentes
quebrados, 300 chicotadas para matar ou 50 por dia, para sobreviver. Se fugia,
era marcado a ferro em brasa, cortado um tendão, tinha uma bola de ferro
amarrada ao pé ou então, era queimado vivo. Eles fizeram este país, construíram
ele inteiro e sempre foram tratados como se fossem o carvão que você joga na
fornalha e quando você precisa mais compra outro”.
“Todos nós somos carne da carne daqueles pretos e índios (torturados) e a
mão possessa que os supliciou”... “A doçura mais terna e a crueldade mais atroz
aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida/ sofrida ”... Estima-se que
em 3 séculos, o Brasil importou entre 4 a 13 milhões de africanos. Um e cada
quatro, eram mulheres – “eram o luxo que se davam os senhores e o capatazes,
as mucamas, que até se incorporavam à família (ex : Chica da Silva), como ama
de leite. Chegavam a provocar ciúme nas senhoras brancas, que mandavam
arrancar seus dentes.
Em 1823, em uma revolta em Pernambuco, organizada por barbeiros,
boticários, alfaiates, artesãos, ferradores, etc, armados de trabucos, uma “multidão
de gente livre e pobre” cantava assim: “marinheiros (portugueses) e caiados
(brancos). Todos devem se acabar, porque os pardos e o pretos, o país hão de
habitar”.
As classes sociais no Brasil lembram um funil invertido e não uma pirâmide,
como em outros países. O Patronato, o Patriciado e o Estamento gerencial são as
classes dominantes. O Patronato, empresários que exploram economicamente
empregados, O Patriciado, tem poder de mando devido a seu cargo, como
generais, deputados, bispos, líderes sindicais, O Estamento gerencial de
empresas estrangeiras, tecnocratas competentes que controlam a mídia, forma a
opinião pública, elege políticos. Abaixo desta cúpula, estão as classes
intermediárias ou os “setores mais dinâmicos”, são propensas a prestar
homenagem às classes dominantes, mantém a ordem vigente e são constituídas
de pequenos oficiais, profissionais liberais, policiais, professores, baixo-clero, etc.
A seguir, vem as classes “subalternas” ou “núcleo mais combativo”, composta por
operários de fábricas, trabalhadores especializados, assalariados rurais, pequenos
proprietários, arrendatários, etc. Preocupam-se em proteger o que conquistaram.
Depois, há uma grande massa de oprimidos, o “componente majoritário” (que
predomina), enxadeiros, bóias-frias-, empregadas domésticas, serviços de
limpeza, pequenas prostitutas, biscateiros, delinqüentes, mendigos, etc, em geral,
analfabetos. Para Darcy Ribeiro, os escravos de hoje são essas pessoas
“subassalariados”, que infundem, com sua presença, “pavor e pânico” pela
ameaça de insurreição (revolução) social e só são capazes de “explosões” de
revolta, mas, em geral, aceitam seu destino de miséria, pois são incapazes de se
organizarem politicamente, como em sindicatos.
Houve um conflito entre os jesuítas e os mercadores que escravizavam os
índios, como “gado humano”, quase um bicho: e da ameaça de extinção dos
índios, jesuítas construíram missões onde poderiam ensinar o catolicismo. Para
Darcy Ribeiro, as missões foram uma primeira experiência socialista.
Com o desemprego na Europa, no século 19, vêm para cá 7 milhões de
pessoas. Quando da chegada de outros povos imigrantes como italianos,
alemães, japoneses, etc, a população brasileira já era numericamente maciça
(quatorze milhões de brasileiros) e definida etnicamente quando absorveu a
cultura e a raça dos imigrantes, diferente dos europeus que foram para a
Argentina caíram em cima do povo argentino, paraguaio e uruguaio que haviam
feito seus países, que eram oitocentos mil, e disso saiu um povo europeizado.
Só não ocorreu secessão (fragmentação, independência dos estados) do
Brasil, porque “em cada unidade regional, havia representações locais da mesma
camada dirigente (classe social)”... “Tal é o Brasil de hoje, na etapa que
atravessamos na luta pela existência. Já não há índios ameaçando seu destino.
Também negros desafricanizados se integraram nela com um contingente
diferenciado, mas que não aspira a nenhuma autonomia étnica. O próprio branco
vai ficando cada vez mais moreno e até se orgulha disso”
Pergunta Darcy Ribeiro: “Por que alguns povos, mesmo pobres na etapa
Colonial, progrediram aceleradamente, integrando-se à revolução industrial,
enquanto outros se atrasam?”. Sua explicação: os povos transplantados, como os
norte americanos que vieram da Inglaterra, já se encontram prontos, mas, os
povos novos, que vão se construindo mais lentamente, como o Brasil, com a
mistura de índios, negros e brancos. ... Um aglomerado de índios e africanos,
reunidos contra a vontade e a administração local, sob controle dos neo-
brasileiros, filhos de europeus e índias ou negras, dependentes da metrópole
(Portugal). Os três séculos de economia agrária no Brasil “moeram e fundiram as
matrizes indígena, negra e européia em uma nova etnia” (p.261). O povo brasileiro
tem “erupções de criatividade”: no culto a Iemanjá, que se cultuava no dia 2 de
fevereiro na Bahia e 8 de março em São Paulo, no RJ, foi alterado para
31/dezembro. Temos a primeira santa que tem relações sexuais. Isso é uma coisa
fantástica! Um povo que é capaz de inventar uma coisa destas! Nunca houve
depois da Grécia! À Iemanjá não se pede a cura da Aids, mas um amante
carinhoso ou que o marido não bata tanto. O negro guardou sobretudo sua
espiritualidade, sua religiosidade, seu sentido musical. (O brasileiro é) um povo
singular, capaz de fazer coisas, por exemplo, a beleza do Carnaval carioca, que é
uma criação negra, a maior festa da Terra!.
O antropólogo identificou nas regiões do Brasil 5 tipos de mestiços ainda
existentes hoje:

1. O Brasil Crioulo: representado pelos negros e mulatos na região dos


engenhos de açúcar no nordeste brasileiro, nas terras de Massapé e no recôncavo
baiano. Depois da abolição, o ex-escravo ganhava um pedaço de terra (fica como
um agregado da fazenda, em terra dos outros) para produzir comida e comprar
sal, panos e satisfazer necessidades mais elementares. No século 19, a roda d
´água e a tração animal são substituídas pela máquina a vapor e os senhores de
engenho são substituídos por empresas bancárias. Em 1963, com a ditadura
militar, houve o retorno ao antigo poder dos senhores das fazendas (patronato),
que reagiram ao projeto de pagamento de salário mínimo, através da elevação do
preço do açúcar.

2. O Brasil Caboclo: no século 19 e últimas décadas do séc. 20, foram para a


Amazônia 500 mil nordestinos (fugindo da seca) para trabalhar com extração de
látex (borracha) das seringueiras e, por isso, mais da metade dos caboclos que já
viviam deste trabalho, foram desalojados para as cidades de Belém e Manaus,
perdendo-se a sabedoria milenar de viver nas florestas que eles herdaram dos
índios. Em cada seringal, os mestres ensinam a sangrar a árvore sem matá-la,
colher o látex e depois defumá-lo em bolas de borracha. Em cada 10-15 km
raramente se encontra 200 seringueiras. Percorre-se, ainda hoje, duas vezes por
dia uma mesma estrada: de madrugada para sangrar as árvores e ajustar as
tigelas ao tronco e na segunda vez, para vertê-las num galão que levará para o
rancho. Depois, trabalha na tarefa de coagulação do látex. Além de coletor,
dedicava-se à caça e à pesca e protegia-se das flechas dos índios.
Nos primeiros anos da presença dos portugueses na Amazônia, índios são
escravizados para buscarem na mata as “drogas da mata”, as especiarias, os
produtos que a floresta oferece, como cacau, cravo, canela, urucu, baunilha,
açafrão, salsa parrilha, sementes, casacas, tubérculos, óleos e resinas - eles
“foram o saber, o nervo e o músculo dessa sociedade parasitária”. E isto porque
nenhum colonizador sobreviveria na mata sem esses índios que eram “seus
olhos, mãos e pés”.
Há também a extração de minérios como manganês, no Amapá, e Cassiterita,
em Rondônia e na Amazônia, exploradas por uma multinacional americana – a
Bethlehem Steel, cujo custo pago por ela é apenas aquele que ela gasta para
extrair e transportar o minério. Militares alemães sugeriram a Hitler que a
conquistasse, como importante ponto para a expansão germânica. Os Estados
Unidos propuseram à ditadura militar brasileira o uso da Amazônia por 99 anos
para estudos.

3. O Brasil Sertanejo: No sertão encontra-se uma vegetação rara confinada


de um lado pela floresta da costa do atlântico, pela Amazônia e ao sul pela zona
da mata. Nas faixas de florestas, há palmeiras de buriti, carnaúba, babaçu, pastos
raros e arbustos com troncos tortuosos devido a irregularidade das chuvas. A
criação de gado nesta região fornece carne, couro e bois para serviço e
transporte, animais trazidos de Cabo Verde, pelos portugueses, pertencendo
inicialmente aos engenhos e depois a criadores especializados. Os vaqueiros
naquela época davam conta do rebanho e como pagamento separavam 1 cabeça
de gado para ele e três para o dono.
O trabalho de pastoreio moldou o homem e o gado da região: ambos
diminuíram de tamanho, tornando-se ossudos e secos de carne. Hoje, enquanto o
gado cresce, alcançando ossatura mais ampla e recebe tratamento, o vaqueiro e
sua família, não. Apesar das enormes somas de dinheiro que vem do governo
federal, para ajudar os flagelados pela seca, são os “coronéis” (fazendeiros que
monopolizam a terra) que se apropriam dos recursos, “mais comovido pela perda
dos eu gado... do que pelo trabalhador sertanejo”. Estas somas de dinheiro vão
para a construção de estradas e para açudes para o gado passar e beber água.
Os sertanejos permanecem itinerantes, pois vivendo por dez anos em uma
propriedade, eles teriam direito a ela, mas dependeriam de um registro no cartório,
que fica distante e caro. Em contraste, políticos estaduais concedem facilmente
milhões de terras a donos que nunca as viram e que um dia desalojam sertanejos
que viviam nelas (isto chama-se “grilhagem”).
Diante de tanta miséria, o sertanejo que vive isolado no interior (diferente do
que vive no litoral), tem uma visão fatalista e conservadora sobre sua
vidaPeriodicamente, anunciavam a vinda do messias –diziam “o sertão vai virar
mar e o mar vai virar sertão”. Um dos acontecimentos mais trágicos ocorreu em
Canudos, sob a liderança de Antônio Conselheiro, um profeta e reformador social,
era visto pelos fazendeiros como subversivo, que poderia estimular a mão-de-obra
a abandonar as fazendas e reivindicar a divisão das terras. Lá chegaram a 1000
casas. Outro fenômeno que surge no sertão é o cangaço: uma forma de
banditismo, formado por jagunços, que surgiu nas fazendas.

4. O Brasil Caipira: São os homens que dirigiam as bandeiras (exploração


que adentrava ao interior do Brasil), e a população paulista (mamelucos). Cada
um deles possuía uma indiada cativa para o cultivo da mandioca, feijão, milho,
abóbora, tubérculos, tabaco, urucu, pimenta, caçadas e pesca. Lá só se falava a
língua tupi. Dormiam em redes, usavam gamelas, porongos, peneiras como as
que os índios usavam, além de armas, candeias de óleo. Consumiam rapadura e
pinga. Cada família fiava e tecia algodão para as roupas de uso diário e para os
camisolões e ceroulas, para os homens e blusas largas e saias compridas, para
as mulheres. Andavam descalços, de chinelas ou de alpargatas. Não queriam
apenas existir, como os índios, mas estabelecer vínculos mercantis externos e
aspirar a se tornar uma camada dominante, adquirindo artigos de luxo e poder de
influência e mando. Por um século e meio venderam mais de 300 mil índios para
os engenhos de açúcar.
As bandeiras serviam, também, mas para explorar ouro e diamantes. O padre
Calógeras avalia que 1400 toneladas de ouro e 3 milhões de quilates de
diamantes foram levados do Brasil-Colônia. Do ouro extraído por Portugal quase
todo foi para a Inglaterra, para pagar as suas importações, ouro que financiou a
indústria inglesa. Um novo tipo social surgia: o garimpeiro, que explorava
clandestinamente o diamante, monopólio de Portugal.
Quando Monteiro Lobato (além do sítio do pica-pau amarelo) criou o
personagem Jeca Tatu , o fez como um “piolho da terra”, uma praga incendiária
que atiçava fogo à mata, destruindo as riquezas florestais para plantar roçados,
uma caricatura do caipira, destacando a preguiça, a verminose e o desalento que
o faz responder sempre: “não paga a pena” a qualquer proposta de trabalho que
lhe faziam (ou entregava 50% da produção ao patrão ou trabalhava por conta
própria, pagando pelo uso da terra, com 1/3 da colheita. Outra saída: ir para as
cidades, marginalizando-se lá). O que Lobato fez foi descrever o caipira sob o
ponto de vista de um intelectual e fazendeiro, diante da experiência amarga de
encaixar os caipiras no seu “sistema”. O que Monteiro Lobato não viu foi o
traumatismo cultural, o caipira marginalizado pelo despojo de suas terras, como
um produto residual natural do latifúndio agro-exportador. Somente mais tarde é
que o escritor compreendeu e defendeu a reforma agrária.
Outro tipo humano surgido foi o dos bóias-frias que vivem em condições piores
do que as que vivem os caipiras, cerca de 5 milhões de pessoas à espera da
posse de terras em que possam trabalhar. Eles estão presentes mais nos
canaviais do que nas fazendas de café, isto porque os cafezais precisam de muita
gente apenas na derrubada da mata e nos 4 primeiros anos. Depois, só nas
colheitas.

5. O Brasil Sulino: Foi a expansão dos paulistas ocupando a região sul do


Brasil, antes dominada pelos espanhóis, a causa que anexou esta região ao
Brasil. No começo do século 18, paulistas e curitibanos vêm para cá, instalarem-
se como criadores de cavalos e muares e recrutam os gaúchos para o trato do
gado. Sobre os gaúchos (população de mestiços), estes surgem, segundo Darcy
Ribeiro, dos filhos e filhas entre espanhóis e portugueses com as índias guaranis.
Havia um dito popular: “esta indiada é toda gaúcha”. Dedicavam-se ao gado que
se multiplicava naturalmente nas duas margens do rio da prata e que foram
trazidos pelos jesuítas. Com o esgotamento das minas de ouro e diamante e a
pouca procura por gado do Sul, foi introduzida aqui a técnica do charque, trazida
pelos cearenses. Já a imagem do gaúcho montado em cavalo brioso, com
bombacha, botas, sombreiro, pala vistosa, revolver, adaga, dinheiro na guaiaca,
boleadeiras, lenço no pescoço, faixa na cintura e esporas chilenas, diz Darcy
Ribeiro, ou é a imagem do patrão, fantasiado de homem do campo, ou é de
alguém que integra algum clube urbano (centro nativista) e não passa de folclore.
Já o “gaúcho novo”, será o peão empregado que cuida do gado, agora, mal pago,
come menos e vive maltrapilho. Apesar disso, o peão de estância é um
privilegiado em comparação com os biscateiros, os que vivem em terrenos
baldios, os subocupados, que arranjam trabalhos esporadicamente, em tosquias
ou esticar os arames, todos eles chamados de “gaúchos-a-pé”. Já os que vivem
como autônomos rurais, lavram o terreno dos outros, pelo regime de “parceria”.
Mas, não se pode dizer que o povo do Sul tivesse origem apenas paulista.
Havia, também lavradores vindos das ilhas dos Açores em Portugal, que
ocuparam a região litorânea, com lavoura: milho, mandioca, feijões, abóboras, etc,
enquanto outros fugiram desta “caipirização” cultivando trigo, os gaúchos, nos
campos da fronteira, com o pastoreio e os gringos, descendentes dos imigrantes
europeus, viviam isolados do resto da sociedade, o que fez com que o governo
brasileiro exigisse o ensino do idioma e os recrutasse os gringos para o exército.
Com a distribuição legal de terras (sesmarias), em Rio grande, Pelotas, Viamão e
missões, as invernadas se tornam estâncias e o estancieiro se faz “caudilho”,
contra ataque dos castelhanos, acrescentando gado de outras bandas. Mais tarde,
o estancieiro se tornará patrão, dono de matadouros e frigoríficos. Os imensos
campos livres do passado, agora, são retângulos, todos com donos. Entre as
instâncias há imensos corredores de aramados divisórios.
As dores do parto:
Nosso destino é nos unificarmos com todos os latino-americanos por nossa
oposição comum ao mesmo antagonista, a América anglo-saxônica, para
fundarmos, tal como ocorre na comunidade européia, a nação latino-americana
sonhada por Bolívar. Hoje somos quinhentos milhões, amanhã seremos um bilhão,
contingente suficiente para encarar a latinidade em face dos blocos chineses,
eslavos, árabes e neobritânicos.
Somos povos novos ainda na luta para fazermos a nós mesmos como um
gênero humano novo que nunca existiu antes. O Brasil é já a maior das nações
neolatinas, com magnitude populacional e começa a sê-lo também por sua
criatividade artística e cultural. Precisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da
futura civilização, para se fazer potência econômica, de progresso auto-
sustentado. Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma
nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma, mais alegre, porque
mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidade, mais generosa,
porque aberta à convivência com todas as nações e todas as culturas e porque
está assentada na mais bela e luminosa província da terra.

Tabelas extraídas da obra “O povo brasileiro”, escrita por Darcy Ribeiro


(1996)

Tabela 1 1500 1600 1700 1800


Brancos,
neo- - 50 mil 150 mil 2 milhões
brasileiros
ou pardos
escravos - 30 mil 150 mil 1,5 milhões
Índios - 120 mil 200 mil 500 mil
integrados
Índios 5 milhões 4 milhões 2 milhões 1 milhão
isolados
totais 5 milhões 4,2 milhões 2,5 milhões 5 milhões

Tabela 4 (crescimento população segundo a cor)


1872 % 1890 % 1940 % 1950 % 1990 %
Bran 3.854 38 6.302 44 26.206 63 32.027 62 81.407 55
co
Preto 1.976 20 2.098 15 6.644 15 5.692 11 7.264 5
Pardo 4.262 42 5.934 41 8.760 21 13.786 26 57.822 39
s
Totais 9.930 10 14.33 100 41.236 100 51.922 100 147.306 10
0 3 0

Ano População População Rural


Urbana
1940 12,8 milhões 28,3 milhões
1980 80,5 milhões 38,6 milhões
1995 110,9 milhões 35,8 milhões

Tabela 5 (imigrantes europeus) :


Períodos portugue italianos espanhóis Japoneses Alemães Total
ses
1851- 237 128 17 - 59 441
1885
1886- 278 911 187 - 23 1.398
1900
1901- 462 323 258 14 39 1.096
1915
1916- 365 128 118 85 81 777
1930
1931- 105 19 10 88 25 247
1945
1946- 285 110 104 42 23 564
1990
1.732 1.619 694 229 250 4.523

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