6 Política
Fotos: Juliana Frandalozo
Pinochet, venerado e odiado pelo Chile
Mortes são ignoradas e 19 anos após fim de seu governo, ditador é lembrado como herói por parte da população
A caneca com o rosto estampado do
general Pinochet está na vitrine de uma
loja para turistas da Estação Central,
em Santiago, com os dizeres: Gracias
General Pinochet. $1500 chilenos - seis
reais - pela cara sorridente de Pinochet
na sua mesa. Augusto Pinochet Ugarte,
o general que governou o Chile de 1973
a 1990, foi senador até 1998 e morreu
em 2006, é uma figura controversa na
história e marcada pelo amor ou pelo
ódio no coração do povo chileno.
Durante seu funeral, os admirado-
res de Pinochet tomaram as ruas perto
do Palácio La Moneda, sede do governo
chileno, para homenagear o general.
Do outro lado da cidade,
perto da Universidade Melhorias na
do Chile, ponto histó-
rico de manifestações área econômica
populares, muita gente durante os anos
comemorava a morte
do ditador com cham- da ditadura
pagne e carreata. são apontadas
O outro lado de la como legado do
moneda
O golpe de estado co-
general Pinochet
mandado por Pinochet
em 11 de setembro de 1973 pôs fim ao
governo de esquerda do presidente Sal-
vador Allende. Uma junta militar assu-
miu, e logo depois foi substituída pelo
governo único do general, que ficou 17
anos no poder.
Como presidente, Pinochet criou
um modelo de aniquilamento de toda a
classe política que ameaçava os pilares
de seu regime. Durante a Operação
Condor, os militares perseguiam e
matavam opositores políticos em
qualquer lugar do mundo com ajuda
da Agência de Inteligência do Estados
Unidos, a CIA.
Os “inimigos internos” eram caça-
dos e mortos. Outros, simplesmente de-
sapareciam. Numa dessas caçadas, ain-
da em 1973, a chamada Caravana da
Morte percorreu o país de helicóptero
fuzilando opositores. No livro A Cara-
vana da Morte a jornalista chilena Pa-
tricia Verdugo conta sobre o sequestro,
desaparecimento e assassinato de pelo
menos 72 chilenos.
Em entrevista ao jornal Folha de S.
Paulo, a autora disse que a investiga-
ção conseguiu provar os assassinatos
a partir de depoimentos dos militares
que foram os executores. “Muitos di-
ziam que os excessos do regime foram
cometidos pelo aparato de repressão e
inteligência, por subordinados. O chefe
estaria ocupado governando o país. A
Caravana da Morte foi o único caso em
que foi possível comprovar a participa-
ção de Pinochet. Aqui, ele colocou sua
marca”, conclui Patricia.
Em 2001, devido a pressões inter-
nacionais, um relatório contendo in-
formações sobre presos políticos do go-
verno militar, foi entregue pelas Forças
Armadas ao então presidente chileno
Ricardo Lagos. A conclusão era de que
pelo menos 800 presos mortos foram
lançados ao mar, de helicópteros. “Foi
uma notícia brutal,
algo difícil de assimi-
lar”, disse a vice-pre-
sidenta da Agrupa-
ción de Familiares
de Detenidos Desa-
parecidos - AFDD -,
Mireya Garcia.
A AFDD foi criada
em 1975 para exigir
que a verdade sobre
cada preso desapa-
recido fosse revelada.
Quando se constatou que boa parte dos
desaparecidos foi executada, foi criada
a AFEP, Agrupación de Familiares de
Ejecutados Político.
Os números oficiais dão conta de
1.198 desaparecidos que estão nas lis-
tas entregues aos tribunais. Estima-se
que pelo menos 60% deles nunca serão
encontrados.
Memórias do golpe
Com o golpe de 1973 em andamen-
to, a Universidade de Santiago do Chile,
assim como muitos prédios públicos,
foi tomada pelos militares. Cerca de
600 estudantes, professores e trabalha-
dores foram presos no Estádio Chile,
perto dali.
Entre eles estava Victor Jara, cantor
e compositor chileno. O advogado Boris
Navia, que esteve preso com o artista e
sobreviveu, foi testemunha das torturas
a que Jara foi submetido até ser morto
pelos militares. Antes de ser levado para
a execução, Jara escreveu seu último
poema, chamado Estadio Chile, que es-
capou das mãos dos militares e serviu
de inspiração para a resistência.
Desse período de horror os chilenos
herdaram a revolta. Depois de tanto
Florianópolis, novembro de 2009
tempo sem poder se expressar, cada
manifestação popular nas ruas ganha
contornos de guerra civil, com direito
a tanques e barricadas. No último 11
de setembro, os confrontos entre pino-
chetistas, que comemoravam 36 anos
do golpe, e manifestantes de esquerda,
renderam duas mortes e vários feridos.
Desenvolvimento X Repressão
Segundo dados da Cepal, Comissão
Econômica para a América Latina e
Caribe, durante o governo de Pino-
chet o Chile cresceu, em média, 2,9%.
Nos governos democráticos que vieram
em seguida esse crescimento passou a
5,9%. O governo de Allende começou,
em 1970, com 9% de crescimento eco- Simpatizantes estimam que metade do país seja grata a Pinochet; não há nu´meros oficiais
nômico e terminou com índice negati-
vo de 4,3%. book, onde os partidários do general os que odeiam Pinochet evidencia uma
Com uma estratégia econômica neo- se manifestam com liberdade e sem gás realidade no Chile. Ao contrário do que
liberal, o regime militar chileno permi- lacrimogêneo, mais de 35 mil usuá- ocorreu no Brasil, os militares chilenos
tiu o livre ingresso de capital estrangei- rios declaram o apoio a Pinochet. Há entregaram o governo com a economia
ro, o que proporcionou um equilíbrio também no mesmo site, 85.500 pessoas equilibrada e pronta para crescer de
maior na economia, com forte apoio contrárias ao ditador. forma sustentada nos anos seguintes.
dos EUA. Essa medida reduziu as dívi- Ignacio López diz que essas dife- Mas também é verdade que o go-
das do Estado, equilibrando as contas renças de opinião fazem parte da de- verno de Salvador Allende foi sabotado
públicas.Ignacio Javier González López, mocracia. “Apoiar um governo não numa conspiração entre o governo dos
líder estudantil de mani- democrático que foi necessário e a Estados Unidos e os militares chilenos,
festações pinochetis- única solução para nosso país na- inclusive, com apoio do governo brasi-
tas, considera essa quele período não significa ser leiro, conforme documentos registrados
a herança mais antidemocrata”. no Departamento de Estado dos EUA e
importante do O diretor executivo acessíveis pelo site history.state.gov.
governo mili- da Fundação Presi- Para Rampinelli, Allende cometeu
tar: “Sem dú- dente Pinochet, seus erros, mas as sanções econômicas
vida, seu legado Luis Cortés contra seu governo foram fundamen-
[de Pinochet] Villa, lembra o tais para enfraquecê-lo. “Os EUA jogou
é esse país muito lado populis- mais dinheiro para derrubar Allende
perto do desenvolvi- ta do general. que para as eleições internas. A estra-
mento que temos hoje, um “O presidente tégia era fazer a economia gritar”.
país próspero e respeitado, seguro Pinochet teve Luis Cortés Villa acredita que se
e estável”. preocupação com não fosse essa intervenção, o Chile se-
O estudante de direito é responsá- os pobres. Recebeu ria “a imagem e semelhança de Cuba,
vel por um manifesto a favor da cons- um país destruído, social, com duas guerras perdidas, famintos
trução de um monumento para o ge- financeira e politicamente destruído. que vivem da caridade internacional
neral Pinochet na praça Constitución, Trabalhou 17 anos para que fôssemos e com ameaça permanente de guerra
em Santiago, onde figuram estátuas um país livre, soberano e acreditado. O civil”. Ele ainda afirma que “o gover-
de outros presidentes chilenos. “Mais bom momento da economia se deve ao no de Pinochet é uma historia que nos
de 40% da população apoia a obra do que os chilenos fizeram sob o comando enche de orgulho. O tempo nos dará
general Pinochet e não existe um só de meu general”. razão”.
lugar onde se possa deixar uma flor ou De acordo com o professor de His- Ignacio González López é mais re-
rezar por ele”. tória da Universidade Federal de Santa alista que Villa. “Não posso pedir que
Não há um número exato ou ofi- Catarina, Waldir Rampinelli, há uma as famílias dos mortos durante o go-
cial dos apoiadores do general. Gonza- contradição no desenvolvimento chile- verno militar recordem dele com cari-
lo Pinochet, sobrinho do general e seu no. “A economia chilena vai bem, mas nho. Entretanto a situação é dividida,
assessor por 24 anos, acredita que os não necessariamente o povo vai bem. metade do país lembra do general com
pinochetistas leais ao general seriam Quem mais se beneficiou da ditadura agradecimento, a outra metade não”.
ao menos 12% da população. foram os ricos”.
No site de relacionamentos Face- Essa divisão entre os que amam e Juliana Frandalozo