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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE - PPGEDUC

ANAIS DO I COLÓQUIO
ARTIGOS EIXO I

Outubro de 2013

Salvador - Bahia – Brasil


2

I COLÓQUIO DOCÊNCIA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO BÁSICA:

A profissão docente na contemporaneidade

ANAIS DO I COLÓQUIO
ARTIGOS EIXO II

ISSN 2358-0151

Salvador - Bahia – Brasil


3

Universidade do Estado da Bahia

Lourisvaldo Valentin da Silva


Reitor

Adriana dos Santos Marmori Lima


Vice-Reitora

José Cláudio Rocha


Pró-Reitor de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação

Manuela Barreto
Pró-Reitora de Extensão

Marcelo Duarte Dantas de Ávila


Pró-Reitoria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas

Luiz Paulo Almeida Neiva


Pró-Reitoria de Planejamento

Paulo James de Oliveira


Pró-Reitor de Assistência Estudantil

Antonio Amorim
Pró-Reitor de Ensino de Graduação

Djalma Fiuza
Pró-Reitoria de Infraestrutura e Inovação – Proinfra

Benjamin Ramos Filho


Unidade de Desenvolvimento Organizacional
4

SUMÁRIO

SENTIDOS E SIGNIFICADOS DAS CLASSES MULTISSERIADAS: UMA PAUSA PARA A


HISTÓRIA ORAL DE UMA PROFESSORA ........................................................................ 06

ESCOLAS MULTISSERIADAS DO MEIO RURAL: SOBRE O DIREITO DE APRENDER


DOS EDUCANDOS ...............................................................................................................22

EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORAS RURAIS APOSENTADAS: DAS MEMÓRIAS DE SI


ÀS MEMÓRIAS DA DOCÊNCIA ............................................................................................44

A AGROECOLOGIA E A PERMACULTURA NA CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO


AMBIENTAL .........................................................................................................................p.
051

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PRÁTICA DOCENTE NAS ESCOLAS DO CAMPO: UM


RELATO DE EXPERIÊNCIA...................................................................................................72

IDENTIDADE NEGRA, UMA TEMÁTICA DISCUTIDA SUPERFICIALMENTE DENTRO DA


SALA DE AULA, NA ESCOLA MUNICIPAL Dr. ABÍLIO FARIAS, EM UMA COMUNIDADE
NEGRA RURAL: REFLEXÕES E DIFICULDADES DE UMA BOLSISTA
PIBID.......................................................................................................................................80

EXPERIÊNCIA DOCENTE EM CONTEXTO RURAL: DINAMIZAÇÃO DAS AULAS DE


QUÍMICA E BIOLOGIA DO EMITEC/BA ............................................................................88

ENSINAR E APRENDER: EXPERIÊNCIAS DE QUEM SEMEIA A EDUCAÇÃO NO CAMPO


................................................................................................................................................97

DO QUILOMBO À CIDADE: A INIVISIBILIDADE DOS ESTUDANTES CAMPESIANOS NOS


ANOS FINAIS DO ENSINO FUNTAMENTAL EM ESCOLAS URBANAS E SUAS
IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM
..............................................................................................................................................107

DO SILÊNCIO DO OBJETO PARA A PALAVRA DO SUJEITO ENTRE O CONHECIMENTO-


EMANCIPAÇÃO E O CONHECIMENTO-REGULAÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE UM
EDUCADOR DA ESCOLA DO CAMPO EM BAIXA GRANDE, BAHIA
.............................................................................................................................................119

PROPOSTA CURRICULAR DA EDUCAÇÃO NO/DO CAMPO: UMA CONSTRUÇÃO


COLETIVA NO MUNICÍPIO DE FEIRA DE
SANTANA/BAHIA..................................................................................................................130

RESÍDUOS SÓLIDOS NA CIDADE DE CAÉM CONSCIENTIZAÇÃO DOS ESTUDANTES


QUANTO AOS IMPACTOS AMBIENTAIS NEGATIVOS CAUSADOS À CIDADE E
5

IMPLEMENTAÇÃO DA COLETA SELETIVA PARA


RECICLAGEM.......................................................................................................................142

“O MUNDO, MEUS FILHOS, (NÃO) É LONGE DAQUI”: MODOS E MANEIRAS DE


EXERCER A DOCÊNCIA EM CONTEXTOS
RURAIS.................................................................................................................................160

LEITURA DE IMAGENS: “É POSSIVEL LER, SEM SABER LER?” – UM PROJETO DE


INTERAÇÃO COM CRIANÇAS RURAIS DO MUNICÍPIO DE JAGUAQUARA,
BAHIA....................................................................................................................................175
169

AS NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS DE PROFESSORAS RURAIS: APREENDENDO A


PRÁTICA PEDAGÓGICA E A FORMAÇÃO......................................................................182

FRACASSO ESCOLAR EM CLASSES MULTISSERIADAS: FATORES QUE INTERFEREM


NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA
..............................................................................................................................................196
6

SENTIDOS E SIGNIFICADOS DAS CLASSES MULTISSERIADAS:


UMA PAUSA PARA A HISTÓRIA ORAL DE UMA PROFESSORA

Aline Carvalho Nascimento


Instituto Chapada de Educação e Pesquisa

RESUMO: O objetivo desse artigo é refletir sobre o trabalho nas classes multisseriadas, com
foco nos aspectos voltados para a formação profissional dos professores e professoras e sua
prática pedagógica. Para tanto, será levado em consideração a escuta atenta da voz de uma
professora que atua em classes multisseriadas, como veículo de comunicação e
entrelaçamento com as práticas de tantos outros professores e professoras e com
fundamentação teórica que aborda essa questão. A aproximação das histórias de vida de
professores e professoras de classes multisseriadas e, com isso, de suas práticas pedagógicas,
seus saberes e processos de formação profissional possibilita um debruçar sobre uma questão
tão pouco pesquisada e focalizada no cenário nacional, muitas vezes abandonada em se
tratando de escolas rurais e multisseriamento.
Palavras-chave: Classes multisseriadas; história de vida; narrativa oral; formação
profissional; prática pedagógica

Introdução

O presente artigo tem como objetivo discutir sobre a formação profissional e prática
pedagógica nas classes multisseriadas, por meio da história oral de uma professora. Para tanto
alguns questionamentos são importantes: Como os docentes se percebem como profissionais
atuando em classes multisseriadas? Como avaliam as suas próprias práticas? Como se
sentem? Essas têm sido questões abordadas em pesquisas contemporâneas (SANTOS e
MOURA, 2012; SOUZA 2012) que buscam romper com o silenciamento dos educadores das
escolas rurais e com o apagamento das práticas pedagógicas das classes multisseriadas na
história da educação brasileira. Nesse sentido Santos e Moura (2010) afirmam que:

o abandono e o silenciamento, aliados a outros elementos, contribuíram


historicamente para a constituição de uma representação preconceituosa
acerca do multisseriamento e das classes multisseriadas, vistas como o
grande responsável pela (suposta) má qualidade da educação nas escolas do
campo. (SANTOS e MOURA, 2010, p.37)
Nossa hipótese principal é que o processo de modernização educacional,
fundado na lógica da expansão de um modelo seriado, homogeneizador, e
sustentado numa lógica positivista de conceber o currículo, que tem
7

institucionalizado uma racionalização do trabalho pedagógico, tem sido um


dos principais elementos que contribuem para a emergência dessas
representações negativas e sua persistência entre nós. (SANTOS e MOURA,
2010, p.40)
Tais estudos desvelam e criticam visões preconceituosas e desqualificadoras das
classes multisseriadas, disseminadas nos discursos oficiais da história da educação e destacam
itinerâncias da profissão e saberes dos educadores rurais.

Nesse ínterim este trabalho inscreve-se no âmbito dessas produções por compreender
que visões fabricadas da escola rural e de suas práticas pedagógicas escamoteiam o abandono
desse território pelas políticas públicas e corroboram com os ditames das políticas neoliberais
para a educação sob a lógica das linhas abissais (SANTOS, 2007). A partir delas legitima-se o
uso dos conceitos de centro e de periferia e a distribuição desigual de bens culturais e
econômicos, percebido pelo descaso no tratamento das escolas/classes multisseriadas com
arquitetura inadequada, insuficiência e/ou inadequação de recursos e mobiliário escolar e
precariedade de transporte escolar. É comum ouvirmos dizer que a nomeação do profissional
para trabalhar em classes multisseriadas, rurais, torna-se um castigo, algo temido por muitos,
seja pelas longas distâncias, seja pelas condições de trabalho precárias oferecidas.

No âmbito de ações de formação continuada de educadores realizadas em escolas


rurais da região da Chapada Diamantina 1, foi possível identificar experiências singulares em
classes multisseriadas cujos professores assumem a multisseriação como alternativa
pedagógica que favorece a aprendizagem significativa a partir da interação entre alunos de
diferentes idades e saberes. As narrativas da professora Nelma Silva Serafim 2 sobre a sua
trajetória de vida e profissão revelam tempos e movimentos dessas práticas pedagógicas
enquanto assinalam a emergência de uma memória.

Tomo como referência as narrativas da professora Nelma Silva Serafim, que através
da narrativa oral com trechos da sua trajetória de vida nos convida a refletir sobre os sentidos
e significados das escolas rurais tendo como cerne as classes multisseriadas, bem como os
desafios que precisamos enfrentar para a qualificação das práticas pedagógicas nesse âmbito.
A análise dos sentidos produzidos por meio dessa narrativa, como nos traz Rios (2011) “[...]
possibilitou o contato direto com as fontes vivas, repletas de sentidos, silêncios e saberes, uma

1
Atuação como formadora de educadores e coordenadora pedagógica regional no Instituto Chapada de Educação
e Pesquisa, que atua em 20 municípios da Chapada Diamantina, semi-árido baiano e em 3 municípios de
Pernambuco.
2
Nelma Silva Serafim é professora de classes multisseriadas há 6 anos, no município de Itaetê-Ba, na Chapada
Diamantina. A entrevista foi realizada no dia 13 de novembro de 2012.
8

vez que as histórias de vida são unidades orais de interação social que expressam o nosso
sentido de ser e de pertencimento...”.

Para tanto, a análise aqui realizada, é ancorada nas seguintes categorias: formação
profissional e prática pedagógica na classe multisseriada, já que estas podem contribuir para
uma análise em que se entrelaçam fatores relacionados aos saberes e fazeres em sala de aula,
processos de formação e história de vida, concordando com Souza e Santos quando destacam
que

Essas questões relacionadas aos saberes docentes dos professores de classes


multisseriadas construídos cotidianamente nas suas salas de aulas e
relacionados com suas histórias de vida merecem ser melhores investigadas
para que se produza e sistematize um conhecimento acadêmico capaz de
influenciar na formulação e desenvolvimento de políticas públicas (de
formação de professores, de reformulação curricular, de produção de
materiais didáticos, etc.) que acolham, incentivem e aperfeiçoem o trabalho
desenvolvido nas classes multisseriadas. (SOUZA e SANTOS, p.45)

O diálogo – segue aberto - sobre as classes multisseriadas, pela ótica de uma


professora que gosta e pretende seguir ensinando em classes multisseriadas e que acredita que
em tais classes os alunos aprendem, saindo do discurso da transformação dessas classes em
seriadas como resolução dos problemas de aprendizagem.

Sentidos e significados do trabalho numa classe multisseriada – relações de


pertencimento

Para a professora Nelma Serafim o fato de ter nascido na localidade em que atua hoje
e de ter estudado em escola multisseriada os anos iniciais do ensino fundamental, foi
importante; há nela uma concepção e tratamento da multisseriação como uma possibilidade
real e não como uma anomalia, um arremedo como muitos a veem; depois, o fato de ser da
comunidade lhe outorga uma autoridade e respeito diante das famílias e dos próprios alunos.

Um passo importante que precisamos dar, de forma geral, é o que colocam Souza e
Santos quando afirmam que acreditam e apostam na heterogeneidade e singularidade das
classes multisseriadas e que há a necessidade de políticas que, dentre outras coisas, fixem os
sujeitos “nos seus territórios de origem, com dignidade, condições de vida e potencializando-
os para a transformação dos espaços onde habitam, a partir do trabalho das escolas no
contexto rural.”
9

Com isso o fato de ter nascido na comunidade rural e lá permanecer até hoje é um
ponto que aparece, com ênfase, na fala da professora: “Comecei com 8 anos, numa classe de
multisseriada, fiz até a 4ª série, passei dos oito aos quatorze anos na classe multisseriada...
Hoje ainda moro na linha Central, a gente ainda não mudou, permaneço no meu lugar de
infância.”

Nesse aspecto aparecem duas questões que eram comuns àqueles que moravam em
localidades rurais afastadas dos povoados e da sede do município – entrada tardia na escola –
aos oito anos de idade, e muitos anos para completar o ensino fundamental - passagem para o
fundamental II com quatorze anos de idade.

Porém, o fato de permanecer morando na localidade em que estudou foi mencionado


demonstrando, de forma evidente, o orgulho em fazer parte daquela comunidade hoje como
professora, requisitada pelos pais dos alunos, os quais confere a ela respeito e confiança.

[...] aí tinha minha irmã que dava aula na classe multisseriada e sempre
quando tinha alguma coisa assim com ela eu ia sempre substituir ela, dava
aula, dava sempre aula pra ela quando ela tinha algum imprevisto ou quando
ela saía, sempre dava aula pra ela, aí quando chegou o tempo aí ela ficou
noiva, casou e tinha que ir pra São Paulo e aí ela pediu pra mim ficar né no
lugar dela causa das criança que não aceitava outro professor, eu já era
conhecida lá, os pais pediam e também uma opção assim pra ajudar minha
família no orçamento em casa. (NELMA)

Com isso, o lugar aparece como um elemento importante, há destaque na


relação desta professora com a comunidade, e isso imprime marcas em sua trajetória
profissional, chegando a impactar em decisões que tenha que tomar no curso da sua história
de vida, como podemos ver no trecho seguinte:

[...] as crianças e os pais são muito apegados comigo lá, foi assim uma
experiência boa, até que teve uma fala lá, eu fui pra São Paulo, viajei final de
ano e demorei de voltar e os pais foi lá em casa, bastante pais atrás de mim
porque (pensavam que) eu não ia ensinar mais, e que não queria outro
professor lá, se apegaram muito comigo, foi atrás de Arlete (coordenadora),
de outros lá, aí Arlete falou: “Não, Nelma tá voltando”, aí quando eu voltei
fez aquela festa. Aí esse ano eu tô indo de novo, aí eu falei: “Vou ter que
explicar direitinho pra não fazer confusão na cabeça dos meninos e nem dos
pais, que eu tô indo mas eu volto”.

Com tudo isso, é relevante pontuar sobre as relações que são travadas no contexto
educacional, nesse caso especificamente sobre as escolas multisseriadas rurais, até mesmo
porque
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[...] os novos estudos sobre as ruralidades têm possibilitado argumentar que


falar do rural não significa reportar-se apenas a um espaço geográfico, mas
às relações que são desenvolvidas ali a partir de vários elementos, como
pertencimentos, deslocamentos, posicionamentos, subjetividades. (RIOS,
2011, p.77)

Três elementos muito pertinentes colocados por Rios (2011) – “pertencimentos,


deslocamentos, subjetividades” – todos no plural, que abrange todos os sujeitos envolvidos e
suas variáveis, que se relacionam com as identidades e alteridades nesse percurso.

Elementos que se entrelaçam e são colocados por Nelma quando ela retoma o tempo
de estudante em que vem à tona a descontinuidade das aulas devido às muitas faltas dos
professores, pelos longos deslocamentos e problemas com transporte:

[...] um professor assim que faltava muito porque não tinha transporte, era
longe, ele morava em Colônia (povoado) pra vir pra zona rural, aí às vezes
ele vinha, a bicicleta furava o pneu, aí voltava pra trás. Aí quando foi outra
professora de Itaetê, que começou morar lá próximo do prédio mesmo, na
quarta série, na quarta série que eu fui me desenvolver um pouco.

Há para a professora uma associação ao fato de ela “se desenvolver” na aprendizagem


com a frequência/assiduidade do professor na escola, o que é colocado como um fator
determinante, e que as longas distâncias percorridas acaba afetando.

O fato de estar em contato próximo com a comunidade escolar, interagir com ela,
contribui para que as relações favoreçam um ponto muito discutido atualmente e requisitado
em todas as esferas educacionais – no âmbito rural ou urbano: a presença da família na escola.
No caso específico das escolas rurais em que os professores moram na localidade ou próximo
a ela a possibilidade é de que esse entrosamento traga ganhos para o trabalho e aprendizagem
dos alunos.

Minha relação com todos da comunidade, família dos alunos é ótima. Os


meninos lá [...] eles respeitam mesmo a professora, os pais deles estão lá
mesmo, vão lá, conversam comigo, [...] procuram saber como é que tá o
aluno, como é que não tá, e falam: “Ó professora, qualquer coisa que eles
fizer aí pode mandar o recado que eu resolvo”, então eu sento, converso com
eles, não é meninos de eu tá falando e eles tá conversando não, por isso lá o
trabalho flui porque o silêncio é total, você chega lá na roda de leitura, você
fala assim essa sala não tem ninguém. Outro dia o diretor chegou lá de moto,
ele bateu na porta e falou: “Eu já ia embora, achei que não tinha ninguém.”
(NELMA)

Essa relação de pertencimento, por estar tão próximos uns dos outros, morarem na
mesma localidade, a família ter no professor uma autoridade, pode também demarcar uma via
11

perigosa, em que, como coloca Rios (2011, p.14) “A política do silêncio lá prevalecia,
silêncio total, marcado pela ideologia do discurso escolar, a qual se baseava em tudo dizer
para nada ouvir...” Isso traz os dois lados da moeda, o fato de o pertencimento ser um fator
que agregue valor à escola, ao estreitamento das relações entre a professora e comunidade
escolar, e ao mesmo tempo gerar situações em que impere a imposição e cobrança.

Porém, quando bem cuidada essa relação de pertencimento pode contribuir muito com
o aprendizado, como podemos ver no trecho da fala da professora Nelma, em que considera a
interação muito importante:

Na hora do intervalo eu brinco com eles, no pátio, a gente brinca de roda, de


amarelinha, de boleado [...] na sala a gente coloca o menino pra tá lendo na
frente, na minha turma (quando estudante) eu nunca li, eu nunca fiz uma
leitura, e hoje não, hoje os meninos vai lá, você fala assim: “Ó dá show
mesmo”, eles chega lá e lê sem vergonha mesmo, assim, e antes a gente não
tinha essa oportunidade de chegar a ler lá pra classe toda. (NELMA)

Formação profissional – tematização da prática como eixo central do trabalho

É importante que os professores tenham tempos e espaços destinados para refletir


sobre a sua prática e planejar as situações didáticas. Assim, como bem coloca Chiené “[...] a
formação enraíza-se na articulação do espaço pessoal com o espaço socializado; progride com
o sentido que a pessoa lhe dá, tanto no campo da sua experiência de aprendizagem com o
formador, como no quadro da totalidade da sua experiência pessoal (CHIENÉ apud NOVOA
e FINGER, 2010, p.131)

Esse sentido é percebido pela professora Nelma quando ela defende que “As
formações [...] contribuem muito para o crescimento profissional dos professores, que ali é
um momento em que reúne vários professores, é um tirando a dúvida do outro com a
formadora.”

E em se tratando do trabalho nas classes multisseriadas é extremamente relevante


priorizar as formações internas, que haja uma interação com outros profissionais dessas
classes para trocar experiência e seguir nos planejamentos, como bem coloca a professora
Nelma, significando esses espaços coletivos, tanto com a figura do coordenador pedagógico
como com os colegas:

No planejamento com a coordenadora (semanal) ela ajuda bastante, nas


formações. [...] No planejamento, no caso tem mais dois professores de
multisseriada, a gente se junta na quinta-feira à tarde pra planejar, a gente
planeja junto com Arlete (coordenadora), lá tem momento pra tudo né, tem o
12

momento pra produzir sequência junto com Arlete, tirar as dúvidas, falar
sobre os avanços dos meninos, pedir ajuda: “Ah, fulano não tá avançando, ô
Arlete o que é que eu tenho que fazer pra ajudar?”, pedir ajuda pra ela
mesmo. Ó, o planejamento é de duas horas, mas a gente chega duas horas da
tarde e quando tem muita coisa pra fazer a gente fica até sete horas da noite.

Há, para a professora, uma significação do papel do coordenador pedagógico, como


um parceiro mais experiente, bem como do espaço destinado para planejamento, chamado de
AC, e a situação colaborativa desencadeada na interação com outros professores que atuam
em classes multisseriadas.

As formações (com a coordenadora, além das ACs) acontecem todos os


meses, é por mês, e na formação ajuda muito, a gente tira as nossas dúvidas
sobre os assuntos que estão sendo trabalhados,até mesmo as práticas de
leitura, de escrita. Na formação, no caso as práticas de leitura, a gente
aprofunda mais né nesses conteúdos.

Em se tratando de formação externa, essa deve ser uma aliada da formação interna,
contribuir para que essa se fortaleça e siga contribuindo para qualificação das práticas
profissionais dos coordenadores pedagógicos e professores. Por isso os programas de
formação continuada não podem se ater apenas aos conteúdos, a uma concepção
essencialmente intelectual, que se preocupa mais com o produto do que com o processo, haja
vista que é no percurso formativo, no caminho trilhado pelos professores que as
aprendizagens vão se configurando. Mas quando isso não é uma premissa do programa d e
formação continuada o que acontece é que até consegue-se avanços no campo conceitual, no
campo de domínio dos conteúdos, mas pouco se muda na prática da sala de aula, haja vista
que as mudanças de concepção são complexas e precisam partir de um panorama que integre
o professor na sua inteireza, na sua “complexidade do ser/existir humano” (SCOZ, 2011,
p.48).

Esse é um desafio que deve ser encarado à medida que o professor reflita sobre suas
ações, tome decisões, e torne a refletir sobre as ações, o que favorece a qualificação da sua
prática. E nesse sentido tem lugar o diálogo e trabalho colaborativo, um lugar de destaque
para os processos de comunicação, sendo que

Descartar o interativo como elemento da construção conjunta do


conhecimento na aula, significa desconhecer a significação do interativo fora
do marco atual da relação, como fonte de enriquecimento do sujeito que,
além do contato comunicativo, estimula a atividade criativa e reflexiva.
(REY, 1995, p. 12-13).
13

E essa relação entre identidade e alteridade que é dinâmica, fluida, também é trazida
por Rios (2008, p.54) quando focaliza que nesse caso “o centro não está no ‘eu’, nem no ‘tu’,
mas no espaço discursivo, criado entre ambos. O sujeito-professor só se completará na
interação com o outro”.

Essa percepção de sentido em construção que Rios (2008) dá ênfase contribui para que
olhemos para o estar em formação como processo de estabelecimento de relações contínuas
em que a mobilidade do saber no contato com o outro favorece que se descubra como um ser-
sendo na construção dos processos identitários.

E nesse processo formativo o professor da classe multisseriada precisa se sentir


ajudado no movimento de pensar a escola, e a sua sala de aula – currículo, conteúdos,
intervenções docentes.

Então, numa formação que teve lá de leitura de capa de livros né, com os
meninos que tão iniciando, que foi muito bom pros meninos do grupo cinco.
A formadora apresentou três livros com figuras quase iguais e que o aluno
tinha que descobrir onde tava escrito o nome Floresta Amazônica, em todas
tinha animais, mas aí pro menino mostrar onde tava escrito Floresta
Amazônica, o nome, aí ele poderia indicar qualquer um, mas aí a professora
ia intervir: “Por que esse?”, aí depois informar “Então, Floresta começa com
F”, “Esse título desse livro começa com F?” Pros meninos que tavam
iniciando, foi marcante assim mesmo que eu gostei e que ajudou muito na
sala de aula, que eu tava com sete meninos de grupo cinco e saíram todos
alfabéticos. Os outros que já lia com fluência, como a gente tava trabalhando
uma sequência de anfíbios, eu dava a consigna pra eles, um texto pra eles
conhecer primeiro o texto, eles tinham dez minutos pra ler o texto aí depois
que lia o texto que era pra localizar informação e também preencher uma
tabela, enquanto eles iam fazer esse trabalho eu ia fazendo com os outros cá.
(NELMA)

Nesse processo de formação permanente dos professores, Freire (1996) dá um lugar de


destaque ao momento da reflexão crítica sobre a prática, abordado por ele como fundamental
para melhoria da própria prática em que o aporte teórico faz-se necessário nessa reflexão
crítica, mas de modo concreto.

Toda essa significação da formação também é defendida por Nóvoa (2009) com a
argumentação de que a formação docente precisa ser construída dentro da profissão, e isso
significa que a prática da sala de aula, da escola precisa ser e ocupar a centralidade da
formação, haja vista que é na discussão sobre os problemas da sala de aula, escola, análise
sobre sua prática compartilhada com o colega, estudo, avaliação e discussão que o professor, a
professora vai se percebendo, aprendendo a profissão, aperfeiçoando e inovando, pois “Só
14

através de uma reelaboração permanente de uma identidade profissional, os professores


poderão definir estratégias de ação que não podem mudar tudo, mas que podem mudar
alguma coisa. E esta alguma coisa não é coisa pouca.” (NÓVOA, 2009, p. 35).

Isso é observado na fala da professora Nelma, quando ela dá ênfase a como a


formação possibilita um olhar para a sua própria sala de aula e como esse movimento cíclico
favorece com que ela aprenda a cada dia sobre como qualificar suas práticas profissionais.

Na própria escola mesmo você vai aprendendo cada dia mais, cada dia você
descobre coisas novas, diferentes, você vai ter que lidar com aquilo, vai
procurar em outros meios pra se informar. No caso quando eu entrei eu
aprendi várias coisas com os meninos mesmo, é, negócio de compreensão
leitora que a gente vai ajudando os meninos a gente vai tendo mais
conhecimento, projetos que eu não tinha conhecimentos de projeto,
seminários. Eu aprendi muito na sala de aula e na formação.

Esses são conhecimentos importantes para qualquer professor, mas em se tratando de


professor de classe multisseriada há que se ter atenção às especificidades dessas classes, até
porque “a multisseriação tem a diferença como o único modelo de existência” (PINHO apud
RIOS, 2011, p. 106), e considerar essas diversas identidades, essa heterogeneidade composta
por diferentes idades e séries é um grande desafio das classes multisseridas, coloco esses dois
fatores – idade e série – porque nas turmas ditas seriadas também há heterogeneidade marcada
por gênero, saberes, aspectos culturais e outros.

Dessa forma, vejo que o processo de formação continuada precisa contribuir, de forma
mais efetiva, para a atuação docente em classes multisseriadas, contribuindo com a premissa
colocada por Nóvoa (2009, p.30) de que “É na escola e no diálogo com os outros professores
que se aprende a profissão. O registro das práticas, a reflexão sobre o trabalho e o exercício da
avaliação são elementos centrais para o aperfeiçoamento e a inovação.” e nesse sentido a
reflexão permanente sobre a prática é um momento fundamental.

Isso sem perder de vista, ainda, que há que se ter aprofundamento teórico-
metodológico, considero que temos dado passos importantes no sentido da tematização da
prática, que como coloca Weisz (2002) significa retirar algo do cotidiano, fazer um recorte da
realidade, para transformá-lo em objeto de reflexão. É teorizar. Esse é um importante
princípio: contribuir para que a prática da sala de aula seja um objeto sobre o qual se discute,
se pensa, reflete.
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Há que se considerar os aspectos legais com relação às políticas e práticas


educacionais, tais como A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96
(LDBEN), que em seus Art. 23º e 28º, estabelece que os sistemas de ensino devem promover
as adaptações necessárias para que a educação básica seja ofertada adequadamente, indicando
a possibilidade de definirmos o currículo, a organização da escola, o calendário escolar e
metodologias considerando as necessidades dos estudantes face às especificidades do ciclo
agrícola, das condições climáticas; e do trabalho no campo. Mais especificamente há as
“Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo” que oportunizam a
elaboração de políticas públicas que afirmem a diversidade cultural, política, econômica, de
gênero, geração e etnia presente no campo.

Considero a institucionalização desses marcos legais como um avanço e contribuição à


escola em meio rural como “portadoras de futuro” (AMIGUINHO, 2008). Porém, há uma
distância entre a existência da lei, discussão/entendimento e utilização prática. Digo isso
porque muitos professores que atuam com classes multisseriadas desconhecem tal legislação.
É evidente que não basta que os professores a conheçam, há que se ter políticas públicas nas
diversas instâncias, seja no cuidado à estrutura física, proposta pedagógica, formação
continuada, e outras; mas ter contato com esses marcos legais é fundamental para pensar
ações mais focadas nas práticas de sala de aula.

A formação continuada de professores e professoras precisa incluir a dimensão do


trabalho nas classes multisseriadas, dimensão esta que não pode ser vista como um problema,
muito pelo contrário, como uma importante possibilidade de perceber o quanto a
heterogeneidade ensina. Porém, é algo desafiador, até porque ao mesmo tempo em que busca
romper com a barreira da série, as escolas multisseriadas são marcadas pela seriação e
classificação dos alunos e alunas.

A optimização do potencial formativo dos contextos de trabalho passa, em


termos de formação, pela criação de dispositivos e dinâmicas formativas que
facilitem a transformação das experiências vividas no quotidiano
profissional, em aprendizagens a partir de um processo autoformativo,
marcado pela reflexão e a pesquisa, a nível individual e colectivo. É esta
articulação entre novos modos de organizar o trabalho e novos modos de
organizar a formação (centrada no contexto organizacional) que facilita e
torna possível a produção simultânea de mudanças individuais e colectivas.
Os indivíduos mudam, mudando o próprio contexto em que trabalham.
(CANÁRIO, 2006.)
16

Prática pedagógica na classe multisseriada centrada na interação para aprendizagem

Ao abordar sobre prática pedagógica, a professora Nelma Serafim faz um resgate


histórico, relembrando da prática pedagógica dos seus professores, quando aluna de classe
multisseriada. Para tanto ela aborda fatores como alfabetização tardia por falta de clareza dos
seus professores sobre como alfabetizar em uma turma tão heterogênea – com crianças e
jovens misturados, muitas vezes essa tarefa de ensinar a ler e escrever era assumida pela
família, no caso dela – escrita do nome próprio - pelos irmãos mais velhos já alfabetizados, já
que os pais eram analfabetos.

Na escola com oito anos não lia nem escrevia não, aprendi meu nome
mesmo em casa com as minhas irmãs, no caso sou a mais nova, as minhas
irmãs são mais velhas, aí me ensinou em casa. Aí eu fui aprender a ler
mesmo na quarta série, a ler mesmo e escrever na quarta série já indo pra
Colônia (povoado próximo). Ele (professor) ensinava mais a quarta série,
então a gente via a quarta série lá lendo, mas lendo, não lia na frente não, lia
na carteira assim aquela lição né, tinha que dar a lição, aí levava pra casa,
sempre na lição. Marcante foi na minha quarta série né quando eu aprendi
com a professora que chegou lá, que eu aprendi a armar a continha e efetuar
que eu não sabia de jeito nenhum.

Essa prática era contraposta com exemplos, relatos que a professora ia trazendo sobre
a sua prática atual, em que coloca em ação o que aprende nas formações – externas e internas,
por meio da articulação com o contexto de trabalho, tendo como eixo principal a sala de aula.

Hoje mesmo, agora nesse período, a gente tá fazendo um seminário dos


animas peçonhentos. E eu coloco os meninos pequenininhos pra tá ensaiando
e eles falam tão bem. É um projeto pra comunidade, pros pais e com outras
escolas também, como todos moram na zona rural os pais conhecem bastante
esses animais que são né cobras peçonhentas, os escorpiões, todos aqueles
que onde a gente mora tem bastante. Então aí Arlete (coordenadora) falou:
“Por que a gente não trabalha com animais peçonhentos que já é do
conhecimento dos meninos?”, e foi um projeto que eles aprenderam
bastante, foi bem legal. Porque tinha muitos mitos né e agora nesse
seminário a gente vai tratar sobre os mitos, a gente vai falar pra eles que o
que os pais aprenderam são mitos, aí eles vão mostrar, falar o que é verdade
e o que são mitos, vão mostrar também que pra os pais todos os animais são
peçonhentos, e não, é uma diferença entre animais peçonhentos e não
peçonhentas, serpentes peçonhentas e não peçonhentas, aí a gente vai fazer
essa diferença também e como se livrar da aproximação desses animais da
casa sem ter que matá-los né, através da cadeia alimentar. Tá marcado pra o
dia 30 de novembro. (NELMA)

Aparece, então, uma preocupação com as práticas sociais, em como a escola


aproximar os alunos do que eles precisam saber para interagir na sociedade, colocando-os no
17

papel de leitores desde cedo. E como fazer para que os mais novos e os mais velhos
aprendam, sem forçar demais para uns ou simplificar demais para outros? Essa é uma questão
presente no dia-a-dia dos professores de classes multisseriadas, e que a professora Nelma vai
procurando respondê-las de forma tão empenhada e preocupada em favorecer com que todos
aprendam, trazendo um ponto bem importante: trabalho com agrupamentos produtivos.

Eu tenho de grupo cinco (Educação Infantil) ao quinto ano. Eu não acho


difícil, eu já acostumei, quatro anos na sala, eu já sei assim tudo certinho,
divido os meninos assim por hipótese de leitura e de escrita, que nem, eu não
coloco assim no caso segundo ano com segundo ano não, eu faço quem sabe
ler com fluência, quem não sabe, quem tá começando, aí fica fácil pra mim
trabalhar na sala, pra mim não é difícil não.
No caso um menino alfabético senta com um silábico alfabético pra tá
ajudando, delimitando o espaço onde vai procurar a palavra numa leitura
exploratória; que também já passou dessa fase, lá não tem mais alunos
assim, os alunos já sabem ler, tem alunos que já lê com fluência e esses
pequenininhos que tá lendo assim tipo assim por pedacinho e agora no
finalzinho ela já lê a palavra, essa de grupo cinco, que nem a palavra coruja
ela lia CO RU JA aí eu falei assim: “Ó você faz assim, você para, pensa um
pouquinho, lê só com o pensamento depois você fala”, agora ela tá
conseguindo falar a palavra, não lê mais silabando. Eu recebi um menino
mesmo da sede de Colônia, ele é terceiro ano, e não conhecia nem as letras e
eu tenho essa mesma de grupo cinco que ela já fazia as palavrinhas; eu
colocava ela pra ajudar ele, tem outros também lá do segundo ano,
pequenininho que também já ajudou bastante ele. E hoje ele já tá lendo, tanto
é que ele falou assim: “Ó Nelma, fala com Arlete que eu vou ler em Colônia
pra minha turma que eu estudava lá”.

Observa-se que a preocupação da professora no momento de pensar nos agrupamentos


não está centrado na série que cada um está, até porque numa classe multisseriada há a
possibilidade de intercâmbio entre todas as séries. A preocupação da professora está em
mapear o que cada aluno sabe – no caso específico de leitura – aqueles que ainda não fazem
relações quantitativas, qualitativas, aqueles leitores iniciantes e os que já leem fluentemente; a
partir daí planeja-se as duplas para que juntos possam ir avançando em suas aprendizagens,
independente da série e da idade.

Eu dou um conteúdo só pra todos, mas com a consigna diferente. No caso


quando a menina de grupo cinco ela não sabia ler ainda, eu tava trabalhando
com a sequência sobre alimentação, eu pedia pra ela destacar no texto o
nome dos alimentos e fazer uma lista no caderno, pros outros do 2º ano pra
ele ler e encontrar uma informação que tava explícita, pros outros pedia pra
ler e fazer, tomar notas, aí eu passava orientando nos grupos. (NELMA)

Apesar de avanços significativos demonstrados pela prática da professora, é possível


observar como o aspecto “série” ainda é forte numa sala multisseriada, até porque no nosso
18

modelo vigente isso ainda impera, seja no momento da avaliação, seja no momento de
emissão de transferência.

[...] exemplo de falas muito recorrentes entre professores, apontam,


primeiramente, que as categorias tempo e série são estruturantes do fazer
pedagógico dos professores e professoras de classes multisseriadas,
revelando, assim, uma forte influência do paradigma seriado
urbanocêntrico... (SANTOS e MOURA, 2010, p. 38)

Outro fator preponderante colocado pela professora e que precisamos destacar é com
relação ao tempo didático numa classe multisseriada, pois temos claro que

[...] uma classe multisseriada não é uma soma de séries justapostas. Para
entendê-la na sua especificidade, é fundamental assumi-la como uma
totalidade una e diversa ao mesmo tempo, a fim de não dicotomizá-la [...] as
classes multisseriadas, ao mesmo tempo em que podem ser vistas como algo
fragmentado, são também coesas na sua forma particular de existir, pois esta
coesão é uma característica das sociedades contemporâneas. (PINHO e
SOUZA, 2012 p.262)

Assim, em qualquer classe, mesmo as “seriadas” precisam considerar a pluralidade


dos tempos e ritmos de cada um, mas em se tratando de classes multisseriadas esses aspectos
estão ainda mais sobressalentes.

Todo esse envolvimento da professora, o fato de gostar de ensinar em uma sala


multisseriada faz com que a professora se encha de orgulho ao dizer: “Tenho 16 alunos (da
Educação Infantil ao 5º ano) e tão todos alfabéticos”.

Considerações Finais

Urge contribuir para que os fatores relacionados à diferença e mudança povoem o


cenário educacional, e especificamente as classes multisseriadas, como importantes para
discussões análises e sistematizações de conhecimento aconteçam. O que faz com que tenha
sentido toda essa discussão em torno dos processos de formação e prática pedagógica nas
classes multisseriadas, que deve contribuir para que haja, cada vez mais, estudos voltados
para a formação de professores das classes multisseriadas em localidades rurais, sem perder
de vista a grande quantidade de escolas com esta configuração existente no Brasil, o que
dissipa a ideia amplamente difundida acerca do fim das classes multisseriadas, como algo
“residual”, mas pelo contrário, nos remete a pensar em caminhos para qualificação das
práticas de ensino nessas classes.
19

Dessa forma, a aproximação dos professores e professoras que atuam em classes


multisseriadas, através de entrevistas orais, é um passo bem importante, pois revela um
interesse em conhecer mais sobre a história de vida desse sujeito/professor, seus saberes
docentes, o que pode produzir importantes insumos para pesquisas, produção e sistematização
de conhecimento e materiais que possibilite influenciar políticas públicas frente a formação de
professores de classes multisseriadas, que impactem na qualificação das práticas pedagógicas.

Pode-se observar que já há práticas pedagógicas preocupadas com a aprendizagem de


todos os alunos em uma classe multisseriada, favorecendo o intercâmbio entre as diferentes
faixas etárias, a interação grupal, se constituam como uma rica fonte de aprendizagem. E por
meio dessas práticas pode-se observar aprendizagens significativas tanto por parte da
professora aqui mencionada nesse texto – que a cada dia aprende sobre como ensinar numa
classe em que a heterogeneidade e diversidade são as causas da sua existência – e por parte
dos alunos. Tudo isso é percebido pelo compromisso da professora em participar de todos os
espaços de formação interna e externa, estar sempre atenta aos saberes e dificuldades de cada
aluno, investimento em sua auto-formação; e também compromisso da comunidade escolar.

Porém os desafios ainda são muitos a serem enfrentados, destacarei alguns, retirados
do intercâmbio com a história de vida da professora Nelma Serafim, tais como escassez de
recursos pedagógicos, acervo literário, saber sobre como gerir uma classe multisseriada,
organizar o currículo em todas as áreas do conhecimento. Esses são alguns dos desafios que
precisam, cada vez mais, ser encarados pelos governos nas esferas federais, estaduais e
municipais, mas também os programas de formação inicial e continuada no sentido de não
ignorarem o multisseriamento, mas tocarem, efetivamente, nessa temática favorecendo um
olhar para o currículo, para os projetos político-pedagógicos das escolas e possibilitando aos
professores refletirem sobre suas práticas e tomarem decisões sobre elas tendo em vista a
aprendizagem significativa de todos os alunos.

Referências

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20

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WEISZ, Telma. O Diálogo entre o Ensino e a Aprendizagem. São Paulo: Ática, 2002.

ESCOLAS MULTISSERIADAS DO MEIO RURAL: SOBRE O DIREITO


DE APRENDER DOS EDUCANDOS
Dayane Santos / UNEB XV
Eunice Santana / UNEB XV
JozileneAssis / UNEB XV
21

RESUMO: Este artigo discute sobre as classes multisseriadas em seu contexto histórico,
socioeconômico, cultural e organização pedagógica, retratando o silenciamento, abandono e
preconceito nessas classes. Para tanto, procuramos fundamentar nossas reflexões e discussões
através das experiências relatadas pelos alunos do meio rural em seu contexto específico. O
texto traz discussões sobre os impactos políticos que envolvem essa modalidade de ensino,
considerando que mesmo neste contexto desfavorável onde pesam as políticas
compensatórias, as classes multisseriadas resistem. Tratamos ainda nesta tessitura sobre o
processo de aprendizagem nas classes multisseriadas, provocando reflexões, apresentando
questionamentos a partir da visão de um novo currículo, de uma formação específica para o
professor dessas classes, a adequação de tempos e ritmos de acordo com a especificidade do
meio rural, por meio da criação e reformulação de novas políticas que promovam mudanças
nas escolas em seu contexto social. O estudo foi desenvolvido a partir de uma abordagem
qualitativa optando pela pesquisa de campo.

Palavras-Chave: Educação do campo; Educação Rural; Classe Multisseriada; Políticas Públicas.

Introdução
O presente artigo surge a partir das nossas inquietações sobre as dificuldades de
aprendizagem encontradas pelos alunos egressos de classes multisseriadas quando adentram
nos anos finais do ensino fundamental, nas classes seriadas. A partir desta perspectiva este
trabalho tem como objetivo analisar o contexto da classe multisseriada do meio rural a partir
da visão do aluno, refletindo sobre esta organização pedagógica que busca assegurar o direito
de aprender dos educandos.
Destacamos também a falta de interesse do Estado em promover uma política
educacional adequada à população do meio rural. As condições que os sujeitos do meio rural
vivenciam para garantir o acesso e a qualidade da educação nas escolas multisseriadas, em
grande medida, estão diretamente relacionadas à ausência e/ou à ineficiência de políticas
públicas.
A reflexão apresentada acima reafirma a necessidade de aprofundamento dos estudos
das classes multisseriadas no meio rural, visto que essa situação é fruto de um processo
histórico e que permanece até os dias atuais, em uma visão baseada no silenciamento,
abandono e preconceito. Sendo assim, mesmo precarizada, a escola multisseriada vem
persistindo e contribuído com a educação nas comunidades rurais, oportunizando então a
escola para os sujeitos rurais. A partir disto, como encarar a real situação das escolas
multisseriadas assegurando o direito de aprender dos educandos do meio rural?
22

Baseado nesse contexto, pretendemos também trazer discussões que sinalizem


possíveis caminhos para repensar a realidade das classes multisseriadas.
Cabe destacar que o presente estudo foi desenvolvido a partir de uma abordagem
qualitativa, optando pela pesquisa de campo, visto que procede à observação de fatos e
fenômenos exatamente como ocorrem no real, à coleta de dados referentes aos mesmos e,
finalmente, à análise e interpretação desses dados, com base numa fundamentação teórica
consistente, objetivando compreender e explicar o problema pesquisado. E como suporte
teórico, este trabalho dialoga com as ideias de Leite (1999); Caldart (2002); Hage (2005;
2006; 2011; 2013); Souza (2006); Arroyo (2005; 2007; 2010); Molinari (2010); Santos &
Moura (2010; 2012), dentre outros que discutem sobre a educação do campo.
Para uma melhor estruturação deste trabalho optamos por dividir o desenvolvimento
em três partes, a saber: 1. A Educação rural no contexto prático: dilemas e dificuldades, 2.
Classes Multisseriadas: o que são? e 3.Classes multisseriadas: construindo outros olhares.
O primeiro tópico, A Educação rural no contexto prático: dilemas e dificuldades,
centra-se nas discussões sobre o contexto da educação rural, ao destacar a historicidade sobre
esta educação e reflexões atuais sobre a educação do campo. Aprofundando também os
paradigmas que abrangem a educação rural, e a educação do campo onde é evidente o
contexto no qual se manifesta, analisando a realidade do campo através de uma composição
sociocultural e econômica e as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo, que foi instituída pelo governo brasileiro.
Em seguida, apresentamos em Classes Multisseriadas: o que são? A definição com
base em Hage (2006) e nos relatos pessoais dos educandos.
Por fim, o terceiro tópico, Escola Multisseriada: construindo outros olhares, traz
algumas propostas sobre o processo de aprendizagem nas classes multisseriadas, provocando
reflexões, apresentando questionamentos a partir da visão de um novo currículo para essas
classes, bem como uma formação específica para os professores que lecionam nessa
modalidade, apontando ainda como trabalhar de acordo com os tempos e ritmos nas escolas
do meio rural, e mostrando que a criação e reformulação de novas políticas pode ser um
caminho para o processo de transformação das classes multisseriadas.

A educação rural no contexto prático, dilemas e dificuldades.


A Educação Rural é distinguida como as políticas advindas do Estado por meio da
história da educação brasileira. O ensino para a população rural foi se crescendo
23

gradativamente, e de acordo com seu desenvolvimento, nasciam programas e projetos


educacionais para atender a realidade da população do campo (LEITE, 1999).

Ao utilizarmos o termo “rural”, nos remetemos ao que é relativo ao campo, ao sistema


agrícola. Quando discutimos sobre educação rural, vemos um sistema composto por
fragmentos da educação urbana introduzida no meio rural, na maioria das vezes precário na
sua estrutura e funcionamento. Vemos uma instituição escolar que passa valores de uma
ideologia urbana que subordina a vida e o homem do campo.

A abordagem principal que é direcionada a educação rural concentra-se no contexto no


qual ela se apresenta, analisando a realidade do campo a partir de aspectos socioculturais
distantes de outra parte da sociedade. Com isso as práticas existentes no meio rural esboçaram
comportamentos específicos que em nível educacional de transferência e de aperfeiçoamento
de experiências, reclamam tipo de atendimento diferenciado.

Segundo Leite (1999, p. 14), “pensar a escola rural é pensar o homem rural, seu
contexto, sua dimensão como cidadão, sua ligação com o processo produtivo”, sendo assim, é
necessário a adequação de uma pedagogia própria para essa realidade. Uma educação rural
adaptada à cultura e ao "homem do campo". Contudo sabemos que a educação rural não
contempla as necessidades básicas de uma educação de qualidade, pois ela se configura
dentro de uma lógica capitalista e hegemônica, apenas visando o homem do campo para a
produção, como um ser mercadológico, fortalecendo as políticas de controle.

Dentro desse contexto surge o “ruralismo pedagógico” tendo como objetivo a fixação
do homem no campo, através de uma educação restringida e pragmática, que atenda todas as
necessidades do meio rural, qualificando a sua mão de obra, fazendo com que o homem do
campo acredite que não é preciso sair do campo para a cidade para ter condições de
crescimento econômico, mas essa ideia negava-lhe o desenvolvimento intelectual.

Leite (1999, p. 29), em sua obra “Escola Rural: urbanização e política educacionais”,
expõe que o ruralismo no ensino durou até a década de 30, uma vez que a escolaridade estava
ligada à tradição colonial e distante das exigências da época. Discussões acontecidas na
década de 1930 sobre a educação anteciparam as teorias que iniciaram na metade da década
de 40, visto que a partir daí foram realizados conferências, debates e palestras, com intuito de
problematizar as condições básicas de vida das populações do meio rural.
24

A educação rural de acordo com Leite (1999, p. 55) enfrentou diversos problemas
dentre os quais podem ser destacados:

1. Quanto aos aspectos sociopolíticos: a baixa qualidade de vida na zona


rural; a desvalorização da cultura rural; a forte infiltração da cultura urbana
no meio rural; a consequente alteração nos valores socioculturais campesinos
em detrimento aos valores urbanos;
2. Quanto à situação do professor: presença do professor leigo; formação
essencialmente urbana do professor, questões relativas e transporte e
moradia; clientelismo político na convocação dos docentes; baixo índice
salarial; função tríplice: professora/merendeira/faxineira;
3. Quanto à clientela da escola rural: a condição do aluno como
trabalhador rural; distâncias entre locais de moradia/trabalho/escola;
heterogeneidade de idade e grau de intelectualidade; baixas condições
aquisitivas do alunado; acesso precário a informações gerais;
4. Quanto à participação da comunidade no processo escolar: um certo
distanciamento dos pais em relação à escola, embora as famílias tenham a
escolaridade como valor sócio-moral;
5. Quanto à ação didático-pedagógica: currículo inadequado, geralmente
estipulado por resoluções governamentais, com vistas à realidade urbana;
estruturação didático-metodológica deficiente; salas multisseriadas;
calendário escolar em dissonância com a sazonalidade da produção; ausência
de orientação técnica e acompanhamento pedagógico; ausência de material
de apoio escolar tanto para professores quanto para alunos;
6. Quanto às instalações físicas da unidade escolar: instalações precárias e
na maioria das vezes sem condições para o trabalho pedagógico;
7. Quanto à política educacional rural: são raros os municípios que se
dispõem a um trabalho mais aprofundado e eficiente, devido à ausência de
recursos financeiros, humanos e materiais.

Estas problemáticas foram apontadas pelo autor na década de 90, mas, infelizmente,
ainda identificamos atualmente esse quadro de descaso na educação do campo, o abandono, a
falta de investimento em políticas públicas, nega a proposta da educação do campo construída
pelos movimentos sociais, que aponta melhorias na educação.

A legislação educacional vigente atenta para estes aspectos, como a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) e o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001),
onde mostra que os diagnósticos da educação do campo têm apontado como principais
questões:

1. a insuficiência e a precariedade das instalações físicas da maioria das


escolas;
2. as dificuldades de acesso dos professores e alunos às escolas, em razão da
falta de um sistema adequado de transporte escolar;
3. a falta de professores habilitados e efetivados, o que provoca constante
rotatividade;
4. currículo escolar que privilegia uma visão urbana de educação e
desenvolvimento;
25

5. a ausência de assistência pedagógica e supervisão escolar nas escolas


rurais;
6. o predomínio de classes multisseriadas com educação de baixa qualidade;
7. a falta de atualização das propostas pedagógicas das escolas rurais;
8. baixo desempenho escolar dos alunos e elevadas taxas de distorção idade-
série;
9. baixos salários e sobrecarga de trabalho dos professores, quando
comparados com os dos que atuam na zona urbana;
10.a necessidade de reavaliação das políticas de nucleação das escolas;
11.a implementação de calendário escolar adequado às necessidades do meio
rural, que se adapte à característica da clientela, em função dos períodos de
safra. (BRASIL, 2007, p.05)

Falar sobre esse modelo de educação nos remete a questionamentos: Até onde a falta
de vontade política do poder público, interfere na qualidade de ensino? Por que não valorizar
a educação rural como a educação urbana? Como as políticas públicas poderão se definir da
mesma forma, na educação do meio rural?

Os questionamentos nos levam a reflexões, acerca de toda essa estrutura política que
tenta silenciar a luta e conquistas que foram instituídas pelos movimentos sociais. Para
garantir um novo modelo educacional, permitindo que o homem do campo, tenha acesso ao
conhecimento e direito à escolarização.

Mesmo com a criação de documentos direcionados à educação do campo, a população


ainda se encontra submissa a grupos políticos influentes, desta maneira ocasionando uma
grande migração da parte desta população para a zona urbana. Um dos motivos se deve ao
fato do descaso das autoridades por não qualificar o ensino do campo, deixando sempre em
segundo plano o processo de ensino. Por isso, pensar na escola do meio rural é valorizar o
homem do campo, respeitando seu contexto social, sua relação com o espaço que vive, a
partir de políticas que atendam as especificidades que são inerentes a essa população.

O fortalecimento e reivindicações na luta pela qualificação da educação surgem das


articulações e mobilizações populares históricas dos movimentos sociais, que frente ao
processo político excludente, constrói uma identidade própria do sujeito rural, e aprofunda na
reflexão sobre o papel das políticas públicas no campo.

O movimento inicial da Educação do Campo foi o de uma articulação política de


organizações e entidades para denúncia e luta por políticas públicas de educação no e do
campo. A 1ª Conferência Nacional “Por Uma Educação Básica do Campo”, realizada em
1998, que foi o momento de batismo coletivo de um novo jeito de lutar e de pensar a
educação para o povo brasileiro que trabalha e vive no e do campo. Através do processo de
26

construção desta conferência pelos Movimentos Sociais do Campo, foi inaugurada uma nova
referência para o debate e a mobilização popular: Educação do Campo e não mais educação
rural ou educação para o meio rural.

Um dos pontos essenciais que enfatiza a identidade do movimento Por Uma Educação
do Campo é a luta da população do campo por políticas públicas que garantam o direito à
educação e a uma educação que seja no e do campo. Neste debate, Caldart (2002) diz, “No: o
povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação
pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas
necessidades humanas e sociais”.

As características que se adéquam com o ensino rural são demonstradas no Art. 28 da


LDB (lei 9394/96) que leva em conta medidas de adequação da escola à vida do campo,
definindo que:

Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino


promoverão as adaptações necessárias a sua adequação às peculiaridades da
vida rural e de cada região, especialmente nos conteúdos curriculares e
metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da
zona rural, organização escolar própria, incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas e adequação à
natureza do trabalho na zona rural.

Entretanto, apesar da constituição propor orientações a serem seguidas, a real tradição


do ensino rural tem sido apenas reproduzir a escola urbana, de maneira precarizada. Dentre
essas preocupações com o ensino rural, podemos evidenciar ainda a criação das Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo, aprovadas em 2001 pelo
Conselho Nacional de Educação, que refletem um conjunto de preocupações conceituais e
estruturais presentes historicamente nas reivindicações dos movimentos sociais.

Neste sentido, é importante analisar a observação feita por Palmeiras; Guimarães


(2002, p. 339), quando afirmam que:

[...] uma educação para o desenvolvimento local e sustentável requer


processos educacionais que possibilitem a formação de cidadãos autônomos
e críticos, a base para o avanço individual e o consequentemente
desenvolvimento social. Cidadãos com capacidade de enfrentar um mundo
em mudanças e conflitos, que contribuam para soluções e transformações da
realidade, porém não só sob o aspecto econômico e material como também
levando em conta os sentimentos e emoções, para um viver solidário e feliz,
pessoal e social.
27

Deste modo, é indispensável construir uma educação para o campo numa dimensão
que trabalhe a diversidade cultural do cidadão rural, que discuta propostas de educação para o
cidadão do campo que envolva suas especificidades culturais, sociais e econômicas.

Ao analisar a Lei no 5.692/1971, Leite (1999) afirma que a educação rural não foi
focalizada ou enfatizada e, sim, destituída de sua identidade. Segundo o autor, desde 1960, a
educação rural vem seguindo programas educacionais determinados pelo Ministério e
Conselhos de Educação, sem, contudo, estabelecer uma filosofia e/ou uma política específica
para a escolaridade nas regiões rurais.

De acordo com Arroyo (2007), há uma idealização da cidade como espaço


civilizatório por excelência, como uma expressão da dinâmica política, cultural e educativa,

[...] a essa idealização da cidade corresponde uma visão negativa do campo


como lugar do atraso, do tradicionalismo cultural. Essas imagens que se
complementam inspiram as políticas públicas, educativas e escolares e
inspiram a maior parte dos textos legais. O paradigma urbano é a inspiração
do direito à educação. A palavra adaptação, utilizada repetidas vezes nas
políticas e nos ordenamentos legais, reflete que o campo é lembrado como o
outro lugar, que são lembrados os povos do campo como outros cidadãos,
que é lembrada a escola e seus educadores (as) como a outra e os outros
(ARROYO, 2007, p. 159).

Por isso, a Educação do Campo, uma conquista que surge a partir da luta dos
movimentos sociais, que teve como protagonistas desta emancipação política os trabalhadores
rurais, uma luta que se revela pela superação do sistema capitalista, ao contrário da Educação
rural que atrelada ao poder hegemônico, reforça o silenciamento, abandono e preconceito,
limitado muito no interesse da proposta capitalista, que privilegiou os grandes latifundiários,
sem garantir a formação para o homem do campo. Contradizendo esses fatores, a Educação
do Campo vem legitimar o saber do homem do campo, configurando os sujeitos rurais como
produtores de direitos, entendendo que os professores têm seus saberes construídos, busca
oportunizar a ligação da formação escolar à formação para uma postura na vida, na
comunidade, compreendido este como espaço de vida dos sujeitos do campo, sendo
importante lembrar que a partir da Educação do campo se produziu muitas conquistas como a
abertura para Universidades, as Diretrizes Operacionais, a garantia em espaços que se
discutam os direitos para a melhoria na condição de vida do homem do campo, entre outros.
28

Saviani (1980, p. 197), nos indica que as escolas rurais não foram criadas para atender
aos interesses do homem do campo, mas “a escolarização do campo se revela um fenômeno
decorrente da expansão das relações capitalistas no campo”. Desta forma, a educação é um
direito do coletivo, ou seja, social, por isso, partimos da compreensão de que a educação
urbana não é superior à rural, onde se faz necessário à distinção entre essas duas realidades,
respeitando a diversidade de cada espaço. No que trata o quesito diversidade no contexto da
educação no meio rural é necessário colocar em relevo a existência da classe multisseriada.
As classes multisseriadas são um tipo específico de educação.

E quando falamos sobre a Educação do Campo é importante discutir sobre as classes


multisseriadas, pois as mesmas ainda são consideradas a maior problemática da Educação do
Campo, entretanto os autores abaixo citam alguns fatores favoráveis às classes multisseriadas:

A grande vantagem das turmas multisseriadas é que o educador pode mediar


a inter-relação entre diferentes faixas-etárias e de conhecimentos, tornando o
fazer pedagógico mais dialógico, com isso fortalece-se o respeito pelo outro
a valorização das diversidades e o entendimento de que é preciso partir a
unidade para o todo, sabendo-se que cada um deles é parte importante de um
“sistema” que só será melhor se tiverem, conhecimento da realidade e
se apropriarem desses conhecimentos para, então, buscarem possíveis
soluções para os problemas impostos pela sociedade. (ROCHA e HAGE,
2010, p.136).

Sendo assim, para manter as classes multisseriadas é necessário dar condições, por
meio de políticas educacionais específicas que garantam a efetividade do processo de ensino
aprendizagem, atendendo os educandos do meio rural, no intuito de oferecer uma educação de
qualidade em diferentes contextos sociais e culturais.

Classes multisseriadas: o que são?

Sabemos que a história da classe Multisseriada das escolas do campo sempre foi
negligenciada por políticas públicas e atendida apenas por políticas compensatórias. As
escolas multisseriadas consideradas como fragmento de um período em extinção decorrente
do processo acelerado de urbanização, sendo necessário unir em uma única sala alunos com
distintos níveis de aprendizagens, seriação e faixa etárias diferentes, pois a baixa densidade
populacional nesses espaços e com número mínimo de alunos impossibilita a forma ção de
turmas voltadas ao atendimento de classes seriadas.
29

As classes multisseriadas são turmas formadas por alunos de diversas séries, ao


encargo de um único professor, e o perfil desses professores, é geralmente sem formação
política e pedagógica para trabalhar nessas classes, e a ausência de políticas públicas nesta
conjuntura, torna pior ainda esta realidade. Concordando com essa análise, Santos & Moura
(2010, p. 269), afirmam que “tais elementos têm contribuído para gerar discursos e
representações negativas em torno do trabalho pedagógico em classes multisseriadas, fazendo
emergir o preconceito em torno desta realidade”.

Para Hage (2006), as escolas multisseriadas possuem uma identidade diferenciada pela
“precarização do modelo urbano seriado de ensino”. Por isso, torna-se necessária uma
educação que contemple a diversidade e heterogeneidade de sujeitos, ou seja, uma educação
escolar multicultural e inclusiva. Educação que oportunize o diálogo e a convivência entre os
diferentes sujeitos e culturas, visando superar a realidade de exclusão social e educacional que
grupos sociais sofrem por fatores de etnia, gênero, classe, idade, entre outras.

Buscamos fundamentar nosso artigo ouvindo relatos de alunos oriundos de classes


multisseriadas no processo de transição para classe seriada, a fim de constatarmos o processo
de organização dessas classes em seu contexto geral, desde a infraestrutura às praticas
pedagógicas. Onde ficou evidente na fala dos alunos a questão do silenciamento sobre as
classes multisseriadas, quando questionamos o que seria essa modalidade de ensino. Apesar
de fazer parte dessas turmas, os mesmos não souberam o seu significado, “O que é isso
professora?” (Aluno W), “Sei não!” (Aluno P), “Nunca ouvir dizer.” (Aluno B).

A reflexão apresentada acima reafirma a necessidade de aprofundamento dos estudos


das classes multisseriadas no meio rural, visto que essa situação é fruto de um processo
histórico e que permanece até os dias atuais, em uma visão baseada no silenciamento,
abandono e preconceito.

É importante evidenciar que algumas escolas de classes multisseriadas localizadas no


meio rural são precárias em sua estrutura física, pois, muitas delas não possuem prédios
próprios, funcionando em casa do morador da região, ou mesmo em espaços como igrejas.
Assim, essas características intensificam a abordagem de que as escolas rurais recebem um
ensino de má qualidade, acarretando numa formação deficiente, na evasão escolar,
consequentemente reforçando o abandono das autoridades públicas. Hage (2005, p.48)
ressalta,
30

De fato, estudar nessas condições desfavoráveis, não estimula os professores


e os estudantes a permanecerem na escola, ou sentir orgulho de estudar em
sua própria comunidade, fortalecendo ainda mais o estigma da escolarização
empobrecida que tem sido ofertada no meio rural, e incentivando as
populações do campo a buscar alternativas de estudar na cidade, como
solução dos problemas enfrentados.

Deste modo, é importante analisar a resposta de um aluno do 6º ano oriundo de uma


classe multisseriada, onde destaca o pensamento de Hage.

O espaço da escola era pequeno, não tinha lugar para brincar, a sala era
cheia, fazia muito barulho, não aprendia quase nada. As cadeiras também
eram quebradas. Gostava mais ou menos de estudar lá. (Aluno D).

São perceptíveis as dificuldades existentes no ato de ensinar e aprender numa classe


multisseriada, e Molinari (2010) afirma que o principal problema no trabalho do multisseriado
está na organização do tempo didático. E, reforçando a ideia da autora supracitada, na análise
dos resultados na Escola Municipal José Andrade Soares, no qual os alunos estudaram em
classes multisseriadas expõem a dificuldade de se aprender nesta modalidade de ensino.

Era muito (sic) bagunça, a gente conversava muito, fazia muito barulho. Ela
(professora) passava o mesmo dever que passava pra uma série passava pra
outra. A mesma atividade que passava para 3ª passava pra 4ª. (Aluno A).

Ela (professora) não mudava os assuntos, mudava só a atividade de casa. A


atividade de classe era a mesma para todas as turmas. (Aluno B).

Outra problemática das classes multisseriadas são os planejamentos. Planejar aulas


com áreas de conhecimentos separadamente para cada série nunca foi uma estratégia bem
utilizada pelos professores dessa modalidade de ensino, pois desempenhando planos distintos
os educadores não conseguiriam acompanhar o desenvolvimento de cada aluno. Nesse
sentido, alunos da escola JAS confirmaram essa prática que era utilizada nas escolas
multisseriadas em que estudaram o 5º ano.

Cada um dia era uma matéria, para todas as séries, e era um professor só, era
melhor. Tinha mais tempo pra entender. (Aluno C).

Antes (classe multisseriada) era melhor pra aprender, em um dia a professora


ensina a mesma matéria para todos nós, exemplo: no dia de matemática todo
mundo aprendia matemática, no dia de geografia, todo mundo aprendia
geografia, e era assim com todas as matérias. Agora (classe seriada) quando
a gente começa a entender aquele assunto aí o sinal bate e já começa outra
aula, aí entra outro professor de outra matéria. (Aluno E).
31

Minha escola era muito boa para mim, cabia todos os alunos da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª
série, era essas turmas todas que um professor só ensinava, ele primeiro
explicava a uma série para depois ele ensinar a outras séries (Aluno X).

Nas classes multisseriadas todas as turmas são colocados em uma mesma sala e o
professor precisa dividir o tempo escolar com todos os educandos. Assim, a “diversidade” é a
principal realidade das classes multisseriadas, seja a partir da seriação ou faixa etária, e os
professores também encontram barreiras para praticar o processo de ensino e aprendizagem,
pois suas formações não os permitem avançar no sentido multiculturalista, desta maneira,
acabam utilizando sua prática etnocêntrica, deixando de trabalhar as diferenças dos aspectos
de cada grupo.
Seguindo esse pensamento, educandos da escola Municipal JAS relataram sobre suas
vivências nas classes multisseriadas em que estudaram.

Era uma professora pra todo mundo de várias séries, tinha uma sala só para
todas as séries, na sala que eu estudava tinha 30 alunos, e ela (professora)
passava de cadeira em cadeira e ensinava. Mesmo indo de cadeira em
cadeira dava pra aprender às vezes. (Aluno C).

gente estudava a matéria de matemática, de ciência, de geografia, de


português, de história, de artes, tudo com um professor só, era muito ruim
porque a gente só ficava parado porque o professor tinha que ensinar o outro
aluno, por isso que era muito ruim. (Aluno F).

Soma-se a esse fato também, a falta de formação docente para os professores lidar
com esse universo e as estratégias didático-pedagógicas que não atendem e não respeitam a
realidade da formação multisseriada no meio rural. Além disso, a alta rotatividade dos
professores e os contratos temporários por meio de perseguição política faz com que o
professor não se identifique com a realidade ali encontrada, causando uma resistência para
atuar nessa modalidade de ensino pedindo transferência para outro campo de atuação,
resistência essa que faz com que o professor crie no aluno um bloqueio na sua capacidade de
aprendizagem. Geralmente são destinados para lecionar nessas turmas professores que são
considerados “inaptos” para atuar nas turmas das escolas da zona urbana ou muitas vezes por
“vingança” e/ou perseguição “política”. (SANTOS & MOURA, 2012, p. 268). Neste sentido,
o aluno explicitou essa realidade que é vivenciada no âmbito das escolas rurais.
Antes quando a gente estudava na classe multisseriada todo dia trocava de
professor, quando a gente tava se acostumando com um, de uma hora pra
outra entrava outro, aí mudava tudo de novo, ai confundia tudo na mente da
gente. (Aluno F).
32

A professora avisou pra gente que quando passasse para 5ª série ia ser mais
difícil. (Aluno G).

É importante falar do programa do governo que existia nas escolas multisseriadas de


alguns dos alunos entrevistados, “A Escola Ativa”, onde segundo o documento Projeto Base –
Escola Ativa (2010), o referido programa é uma estratégia metodológica implantada para ser
desenvolvida especificamente nas classes multisseriadas a fim de auxiliar a melhoria da
qualidade da educação no meio rural, estimulando o desenvolvimento da aprendizagem nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, inserindo nas escolas recursos pedagógicos que
incentivem a construção do conhecimento dos alunos e capacitação dos professores, como
módulos e livros didáticos especiais, cantinhos de aprendizagens, entre outros.
Com base nesses aspectos, um aluno trouxe o cantinho de aprendizagem como um
método positivo na compreensão dos assuntos trabalhados em sala na classe multisseriada em
que estudava.
Na escola que eu estudava era uma sala só para todas as séries, e eu fazia
muita leitura. Lá tinha também o cantinho da matemática e a professora
trabalhava com jogos, brincadeiras. Quando ela ensinava com os jogos a
gente gostava mais e tinha mais vontade de fazer as tarefas. (Aluno I).

O documento intitulado “Escola Ativa – Aspectos Legais” (2001) apresenta a Proposta


Pedagógica da Escola Ativa como o ensino centrado no aluno e em sua realidade social, o
professor como facilitador, a gestão participativa da escola e avanço automático para etapas
posteriores.
Seguindo o enunciado acima, os relatos de alunos destacam bem a diferença do
método de avaliação utilizado na Escola Ativa para a escola tradicional que os mesmos
estudam atualmente.

Só fazia duas provas, português e matemática. Nas outras matérias a


professora passava atividade na sala, dava visto e a gente passava, agora
tem muita prova de todas as matérias. (Aluno J).

A professora avaliava as atividades, mesmo sem corrigir a professora dava


ponto, mesmo se tivesse errado a professora dava a nota. Era só fazer as
atividades que passava. (Aluno K).

Levava atividade para casa e fazia também na escola, aí a professora dava


nota. A gente não fazia prova. (Aluno M).
33

Só tinha uma professora para várias séries, a professora era um pouco


calma, e tinha vezes que me dava pontos de graça, quando saí de lá tive
muitas dificuldades. (Aluno N).

Entretanto, Hage (2010, p.01) aponta algumas observações sobre o Programa Escola
Ativa - PEA, pois enquanto o Escola Ativa recomenda propostas pedagógicas e princípios
políticos pedagógicos diretamente aplicados às especificidades do campo, o material didático
pedagógico que o MEC desenvolve induz a ampliação de uma só proposta pedagógica,
curricular e metodológica para todo o país, visto que todas as escolas que assentirem ao
programa adquire o mesmo apoio pedagógico, não considerando assim a heterogeneidade e o
aspecto multicultural, características estas especificas da população do meio rural. Isso,
quando essa inserção no programa acontece da maneira correta, pois como expressou uma
professora de classe multisseriada,

De um dia pra noite a escola já estava no Programa Escola Ativa. Não tive
nenhuma preparação, nenhuma formação. A direção chegou lá com os livros
e um manual e disse que tinha que aderir ao programa. Porém, não chegou
nenhum material, só uns livros que nem deram pra todos os alunos. Não
posso esquecer também dos cantinhos que obrigaram a gente a fazer. Na
escola que eu lecionava não tinha nem parede direito, como eu ia fazer
cantinho? (Professora A).

No documento Projeto Base – Escola Ativa (2010) o Programa Escola Ativa tem como
objetivo melhorar a qualidade do desempenho escolar em classes multisseriadas do campo.
Mas esse objetivo não foi obtido nas escolas rurais da cidade de Valença, pois esse programa
foi jogado como um pacote pronto na mão do professor, que teve que aderi-lo do dia para
noite, sem que ele tivesse nenhuma formação voltada para o PEA. “Por um lado, o professor
não é convidado a sistematizar o conhecimento que produz [...] e passa a desenvolver uma
relação de maior alheamento com ele; por outro, corre o risco de que o Programa não receba
contribuições que o atualizem.” (GONÇALVES, 2009, p.146). O professor dessa modalidade
necessita de uma formação específica, pois não encontra apoio e ainda se sente obrigado a
fazer o que não está preparado para desenvolver, como relata uma professora,

Graças a Deus que acabou. Eles jogam as coisas de qualquer jeito e nós
temos que nos virar em material, em estratégias que não nos foram passadas.
E nada que fazemos sem ter um preparo vai acontecer da maneira que tem
que ser. (Professor B).
34

Fica visível que é necessário repensar questões sobre a formação docente para
professores de escolas multisseriadas. É imprescindível valorizar os conhecimentos
adquiridos na própria atuação do professor e motivar discussões que gerem a troca de
experiências conjuntas, como Nóvoa (2009) mostra sobre a questão da formação docente em
um contexto específico.
É preocupante quando ouvimos de alunos e professores que as escolas rurais
multisseriadas são uma barreira para o aprendizado, um problema que deve ser excluído da
educação, pois nos remete ao pensamento de (SANTOS & MOURA, 2012, p. 35) quando
expõe que “tratada nas últimas décadas como uma “anomalia” do sistema, “uma praga que
deveria ser exterminada” para dar lugar às classes seriadas tal qual o modelo urbano, este
modelo de organização escolar/curricular tem resistido”.
Partindo dessa visão, Santos (2011), entende que o abandono do Estado e seu
silenciamento são fatores que estão ligados à forma preconceituosa presente atualmente em
torno da multissérie e educação do campo. De acordo com o autor, o silenciamento se
apresenta pela resistência do estado em reconhecer a realidade específica da educação do
campo e classes multisseriadas, não investindo na mesma, evidenciando o abandono.

Escola multisseriada: construindo outros olhares

Os caminhos percorridos para as discussões sobre as classes multisseriadas se


discorrem em muitas reflexões.
A incredulidade que acontece em relação às classes multisseriadas procede, muitas
vezes, do desconhecimento da qualidade que essas escolas podem apresentar, assim como se
desconhece a importância dessas escolas na cultura e na vida social das comunidades rurais.
As condições existenciais das escolas multisseriadas intervêm no trabalho dos
professores e no desempenho dos estudantes, pois fatores como a estrutura precária das
escolas, problemas em relação ao transporte e à oferta irregular da merenda escolar induzem
professores a buscarem outras escolas para lecionar, aumentando o rodízio de professores
nestas escolas, fazendo com que não se criem vínculos e identidades destes para com a
comunidade na qual atuam. Do mesmo modo, a precariedade também faz com que alguns pais
busquem outras opções para educação de seus filhos, tais como matriculá-los em escolas da
zona urbana, acarretando um esvaziamento nas escolas da zona rural.
35

É necessário, reconhecer que a escola com turmas multisseriadas não se restringe a um


ambiente formado por salas de aula recolhidas no meio rural e sim considerar uma realidade
existente e que faz parte da educação do campo e que merece uma escola capaz de promover
uma educação adequada, pois o ensino que ali está inserido aparentemente voltado para a
educação rural, de fato tende a defender as conjeturas de uma educação urbana numa visão de
homogeneização acerca do espaço rural-urbano, evidenciados pelos discursos que causam a
perspectiva de que a escola implantada no meio rural deva ser a característica escola urbana
tradicional, com finalidades alheias ao desenvolvimento da educação, principalmente humana,
no meio rural. É indispensável não mais se deixar influenciar pelas políticas e discursos
silenciadores da realidade escolar multisseriada, visto que essa escola, apesar das entrelaças
que cegam a sua vivência no transcorrer da sua história e apesar dos vazios intencionais
cultivados nesse caminho, é uma realidade viva que sobrevive ao tempo. Sendo assim não
deve ser negada, mas sim contar com as dignas condições físicas infraestruturais e de
formação de seus professores, para o seu pleno funcionamento.
Para Arroyo (2010, p.10), “as escolas multisseriadas merecem outros olhares”.
Predominam imaginários extremamente negativos a ser desconstruídos:

A escola multisseriada pensada na pré-história de nosso sistema escolar;


vista como distante do paradigma curricular moderno, urbano, seriado; vista
como distante do padrão de qualidade pelos resultados nas avaliações, pela
baixa qualificação dos professores, pela falta de condições materiais e
didáticas, pela complexidade do exercício da docência em classe
multisseriadas, pelo atraso da formação escolar do sujeito do campo em
comparação com aquele da cidade.

É preciso ter outra visão sobre a realidade que se tem do campo, para que assim se
mude a visão sobre a educação e as escolas existentes nesse espaço. Sendo uma delas, a visão
de compreender as concepções de tempos e ritmos das classes multisseriadas do meio rural,
analisando desta forma que o tempo dos alunos e professores dessas classes está inserido num
contexto escolar com diversas particularidades. Dialogando com essa visão, Pinho & Souza
(2012, p. 251):
Se considerarmos que os acontecimentos humanos ocorrem no tempo em
que as formas manifestadas em torno desse conceito variam de pessoa para
pessoa e de cultura para cultura, podemos dizer que a noção de tempo, além
de estar relacionada e ser uma característica da cultura, é a própria cultura.
Assim, compreender as diferenças concepções de tempos e ritmos nas
classes multisseriadas do meio rural pressupõe considerar as diferenças
culturais e individuais que dão vida a esses espaços educativos.
36

Nesta compreensão, é necessário analisar que o tempo é um conceito presente nas


ações rotineiras dos sujeitos. Considerando que o tempo escolar do meio rural apresenta suas
especificidades, o calendário escolar não respeita as características que influenciam tanto o
aspecto pedagógico quanto o sócio econômico, como, o período de colheita, festas religiosas,
questões climáticas, onde, por exemplo, regiões que no período chuvoso ficam com seu
acesso intransitável pelas más condições das estradas. Deste modo, o silenciamento, abandono
e preconceito são evidenciados por parte da escola quando apenas um grupo de alunos é
beneficiado com o planejamento pedagógico, enquanto os outros são isentos dos
conhecimentos trabalhados nestes períodos.
Outra visão a ser considerada, é a questão do currículo, onde nas classes
multisseriadas ele não está conectado com as especificidades do meio rural, pois os modelos
de currículos inseridos nesses espaços são urbanocêntricos, por isso os professores das escolas
rurais são obrigados a aceitar as propostas curriculares pensadas para escolas urbanas,
menosprezando os valores e culturas regionais presentes nos meios rurais, que não são
implantados nas ações pedagógicas. Por isso, o currículo deve contemplar as propostas
trazidas no Art. 28 da LDB 9.394/96 que visa atender as adaptações básicas para a população
rural, principalmente na organização pedagógica através do calendário escolar adequado e
metodologias apropriadas. Nessa situação, Hage (2011, p. 101) destaca que:
Os professores acabam sendo pressionados a utilizar os livros didáticos que
circulam nessas escolas, muitas vezes antigos e ultrapassados, como a única
fonte para a seleção e organização dos conhecimentos utilizados na
formação dos estudantes, sem atentar para as implicações curriculares
resultantes dessa atitude, uma vez que esses manuais pedagógicos impõem a
definição de um currículo deslocado da realidade, da vida e da cultura das
populações do campo.

Partindo desse pressuposto, porque não pensar em um currículo voltado para as classes
multisseriadas do meio rural?
É importante construir um currículo baseado nas falas e experiências da população do
meio rural, pois os conhecimentos vivenciados por eles é que vão revelar a necessidade de
valorização de seu contexto sócio cultural, onde esta construção deve surgir de “dentro pra
fora” e não utilizar saberes distantes de sua realidade.
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (2007) a respeito da realidade das escolas multisseriadas no Brasil, um dos fatores
que podem estar ligados à baixa qualidade educacional das classes multisseriadas seria a
ausência de uma capacitação específica dos professores que atuam nestas condições. Com
37

isso, são necessárias políticas públicas de formação docente que permita um diálogo e uma
prática dentro das particularidades nas classes multisseriadas.
Desde o ruralismo se pensava em uma formação especifica para os professores do
meio rural. Arroyo (2005, p. 361) debate sobre essa situação:

Na história do ruralismo pedagógico dos anos 1940, houve tentativas de


formar professores para a especificidade das escolas rurais; porém, venceu a
proposta generalista de que todo professor deverá estar capacitado para
desenvolver os mesmos saberes e competências do ensino fundamental,
independentemente da diversidade de coletivos humanos.

A formação desse professor tem que estar ligada a um currículo inovador e


transformador, que provoque mudanças nesse processo educacional historicamente posto pelo
sistema. O professor precisa ter o olhar de que a escola serve como instituição que inclua o
sujeito, sem deixar o aluno do meio rural à margem do que acontece na sociedade.
Analisando esses aspectos, deve-se valorizar a identidade cultural de cada grupo
social, a quebra com os paradigmas de educação que tendem a homogeneização dos contextos
sociais, uma política educacional da pluralidade, que acolha aos anseios socioculturais e
econômicos, oferecendo condições para que o aluno possa se desempenhar no espaço no qual
está inserido. Com a legitimação de uma formação específica para o professor de classe
multisseriada do meio rural, surgem novos paradigmas que venham atender, a partir das
práticas pedagógicas as particularidades que são próprias de cada local.
Fica evidente que a educação precisa ser reconstruída para atender as verdadeiras
necessidades dos alunos das classes multisseriadas. É preciso urgentemente se pensar em
novos métodos, novas políticas e novas pedagogias. É preciso pensar em uma pedagogia
própria para as classes multisseriadas. Diante desta configuração que apontam possibilidades
de melhoria nessas classes, faz-se necessário citar a “Pedagogia da Alternância” como uma
das propostas que possa vislumbrar novos caminhos que busquem reinventar o papel das
classes multisseriadas no processo educacional.
Sendo assim discutir a Pedagogia da Alternância seria uma opção para a Educação do
campo, visto que o ensino nesse contexto não considera as especificidades e as necessida des
do homem que habita no meio rural, pois a mesma se desenvolve a partir da experiência real
do aluno, por meio de seu conhecimento empírico e a troca de conhecimento com todos os
integrantes envolvidos no processo educacional, bem como a participação da família e da
comunidade onde o aluno vive, sendo que estes possam oferecer conhecimentos sobre aquela
38

realidade. Adquirido desta forma as experiências e a assimilação dos conteúdos ensinados se


misturam, auxiliando assim a enraizar o entendimento do que acontece no dia-a-dia, na
família e escola e onde o conhecimento surge, se expande e se materializa, promovendo ao
aluno alternar e dar valor aquilo que ele conhece e pratica. Silva (2003, p.90) diz que a
especificidade da formação na Escola-Família é vista como uma formação que, partindo da
valorização do meio rural, estimula o jovem não apenas para a sua permanência no campo,
mas também para que ele contribua para a sua melhoria das condições de vida e de trabalho
do seu meio de vida, além da formação de um indivíduo crítico, capaz de lutar por seus
direitos.
O desempenho da educação no meio rural norteada a partir de uma visão
transformadora aponta o ensinar como meio de integração onde se pode relacionar as partes
entre si e com o todo. Assim, a pedagogia da alternância firma-se com um ensino
comprometido com a realidade, onde mostra que o sujeito tende a crescer criticamente e
pessoalmente, estimulando-o a participar ativamente da comunidade.
Vale ressaltar que a pedagogia da alternância é pensada numa visão seriada. Porém, se
ela atua como meio de interação e de valorização do sujeito que vive no meio rural, é
interessante que se pense na adaptação dessa pedagogia para as classes multisseriadas, pois
ela apresenta uma metodologia de organização do ensino escolar adequando distintos
conhecimentos formais disseminados em tempos e espaços característicos, realidade existente
nas classes multisseriadas.
Assim, de acordo com Hage (2011, p.108),

Construir e implementar as proposições, as políticas e as ações com os


sujeitos do campo envolvidos com as escolas e turmas multisseriadas, e não
para eles, parecem-nos um caminho apropriado para a materialização das
mudanças que estamos perseguindo nesse cenário. Isso implica ouvir os
sujeitos do campo e aprender com suas experiências de vida, trabalho,
convivência e educação e permitir-lhes o acesso à informação, à ciência e às
tecnologias, sem hierarquizar os conhecimentos, os valores e os ritmos de
aprendizagem.

Repensar e criar políticas com os participantes do campo, das escolas e classes


multisseriadas, e não somente para eles, é um dos caminhos adequados para a concretização
das transformações tanto almejadas.

Considerações finais
39

Apesar das classes multisseriadas serem uma realidade nas escolas do meio rural, e
que não podem ser eliminadas por conta da baixa densidade demográfica, visto que a
distância e a localização da população das áreas rurais, não favorecem a formação de turmas
seriadas, ainda existem poucos estudos desenvolvidos sobre essa modalidade de ensino. Essas
classes favorecem os sujeitos ao acesso à escolarização em sua própria localidade, o que
colaboraria de maneira significativa para continuação dos sujeitos no meio rural, e a
afirmação de suas identidades socioculturais, porém existem as problemáticas que interferem
em seu processo educativo.

Efetivar um trabalho significativo nas classes multisseriadas, consiste em analisar as


questões de dificuldades que abrangem desde a infraestrutura, a organização e o currículo até
a formação pedagógica dos professores. O professor necessita de conhecimentos específicos
para trabalhar com as diferentes realidades, conhecer seus alunos e a comunidade em que
trabalha, possibilitando assim uma contribuição mais ampla do processo de ensinar e
aprender, visto que essas dificuldades se evidenciam quando o aluno ingressa numa classe
multisseriada, onde se depara com uma realidade totalmente adversa do seu contexto.

A partir da nossa pesquisa de campo, constatamos que os problemas relatados pelos


alunos afetam de forma significativa em seu processo de ensino e aprendizagem, pois nesta
transição há um estranhamento por parte desses alunos, onde tudo é novo, tanto a questão da
infraestrutura, número de professores, métodos avaliativos, procedimentos metodológicos,
fazendo com que não aconteça uma adaptação ao ritmo de uma turma seriada.

Assim, a inserção de políticas públicas que promovam melhorias nas escolas e práticas
pedagógicas dos professores, e também uma preocupação com o currículo aproximado da
realidade local, para que os conhecimentos adquiridos na escola tenham relação com os
processos sociais que o meio rural carrega, são fatores que devem ser pensados pelo poder
público como forma inicial de avanços para as classes multisseriadas.

É preciso que se tenha um olhar e ações mais humanizadas, comprometidas com a


legitimação das classes multisseriadas, valorizando suas peculiaridades e respeitando os
tempos e ritmos dos sujeitos inseridos nessas classes, na luta pela transformação de uma
pedagogia que esteja intimamente ligada às propostas educacionais voltadas para o sujeito do
meio rural.

Com base neste estudo asseveramos a necessidade da classe multisseriada sair do


anonimato e fazer parte dos planejamentos das instituições públicas, promovendo a
40

reformulação na proposta educativa do projeto político pedagógico, como forma de superar as


condições que se apresentam de forma negativa, insistindo assim numa visão confiante de que
escolas multisseriadas venham ser observadas diante de outras alusões e com outras
esperanças, podendo ser valorizadas e acolhidas em suas peculiaridades, perdendo
representação de anormalidade, irregularidade e vergonha, mas sim, como uma educação
diferenciada existente, com perspectivas distintas e importantes e que merecem e precisam de
assistência, apoio e atenções dignas e essências.

Cabe destacar que não somos de acordo com os métodos, visões e políticas que
reforçam a realidade das escolas rurais multisseriadas composta por condições precárias de
infraestrutura, distorção idade-série, fracasso escolar, currículos não adequados à realidade do
campo, sobrecarga de trabalho dos professores, também a falta de apoio das secretarias
estaduais e municipais de educação. Não somos a favor dessa falta de respeito, desse ataque à
dignidade dos sujeitos do campo. Não somos a favor da inserção do “modelo seriado urbano”
nas escolas do meio rural. O ato de anunciar, ao passo que denunciamos, esta realidade está
ancorado na convicção de que é possível mudar o que está imposto historicamente.

Somos, contudo, de acordo com a existência da multisseriação como modalidade de


ensino, somos a favor da reinvenção das classes multisseriadas. A reinvenção da classe
multisseriada passa pela mudança de olhar, pela ruptura da visão urbanocêntrica; passa pela
criação de políticas públicas que atendam as demandas do meio rural; passa pela luta em prol
do fim do abandono, do silenciamento e do preconceito. Sendo assim, é necessário construir
um paradigma para as escolas multisseriadas, pensar dentro do conjunto, não algo desfacelado
da realidade rural, ou seja, pensar na parte, que não o distancie do todo.

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43

EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORAS RURAIS APOSENTADAS: DAS


MEMÓRIAS DE SI ÀS MEMÓRIAS DA DOCÊNCIA

Edilange Borges de Souza-UNEB3


Áurea da Silva Pereira-UNEB4

RESUMO: O presente trabalho discute as práticas pedagógicas narradas por três professoras
aposentadas da comunidade rural de Quizambu no município de Alagoinhas BA. A proposta da
elaboração do trabalho surgiu a partir da pesquisa de Iniciação Cientifica (PICIN –UNEB) intitulada
“Narrativas de professores rurais: modos de leitura e suas implicações no fazer pedagógico”. A
pesquisa utilizou-se da abordagem autobiográfica para análise do corpus e usou como instrumento
para coleta de dados, a entrevista narrativa. O presente ensaio discute a importância da pesquisa
autobiográfica no tocante à investigação sobre formação e profissão docente, pois a autobiografia
permite o sujeito professor a pensar em si revisando o que compreende sobre seus saberes e sua prática
pedagógica. As histórias de vida narradas pelas professoras oportuniza ao conhecimento de si sobre as
práticas pedagógicas realizadas nas escolas rurais na referida comunidade nas décadas de 70 a 90. Ao
estudar processos educativos através de memórias de professoras aposentadas é possível encontrar
questões pertinentes para se entender os modos rural de educação atual com base nos modos de
educação de décadas passadas.
Palavras Chave: Pesquisa autobiográfica. Professoras aposentadas. Trabalho docente.

Considerações preliminares: o contexto da pesquisa

Narrar a própria história implica avaliar ou ao menos tornar familiares fatos e


sentimentos que confrontam e se interligam com a vida e as experiências cotidianas. As
histórias narradas remetem novas idéias até mesmo novas expectativas. Partindo desta
premissa, os sujeitos narram-se e se aproximam dos acontecimentos que experimentaram e
daí pensam no tempo, lugar, motivos, estratégias e habilidades que fizeram parte dessa
experimentação. Nessa perspectiva Delory-Momberger (2008, p.37) afirma: “É a narrativa
que faz de nós o próprio personagem da nossa vida; é ela enfim que dá uma história a nossa
vida porque temos uma história; temos uma história porque fazemos a narrativa da nossa
vida”.
A narrativa de si é uma atividade formadora, pois organizando as experiências vividas
ocorre um processo de formação, assim como também ocorre um processo de conhecimento,
pois estas experiências carregam marcas que foram construídas ao lado das mudanças de
outras ordens. Nessa concepção, Josso (2004) destaca que esse processo de formação e

3
Gradulada em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas. Licenciada em Pedagogia pela
Faculdade Santíssimo Sacramento. E-mail: langeborgess@hotmail.com
4
Prof. Assistente do Departamento de Educação- Campus II-UNEB. Doutoranda em educação pelo programa de
Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade- PPGEDUC-UNEB. E-mail: aureauneb@gmail.com
44

conhecimento acontece porque falar sobre si e sua história estabelece sentido ao que foi e é
vivido através dos significados particulares e coletivos.
No que tange as pesquisas com histórias de vida, é válido considerar que estas se
configuram como um campo sensível, subjetivo e que por assim ser causa medo e cuidado,
pois estamos adentrando e compartilhando do eu do outro. Nesta perspectiva vale salientar
que o campo educacional é por natureza um campo de formação de identidades, da
aprendizagem, da troca de experiência, é um rico espaço de memórias. Assim, é possível
considerar que as narrativas transmitem conhecimentos através de experiências vivenciadas,
por isso se pensa na abordagem autobiográfica como meio de observar os processos de
formação e as aprendizagens que as representam como ressalta Josso (2004):

Se a abordagem biográfica é um meio para observar um aspecto central das


situações educativas, é porque ela permite uma interrogação das
representações do saber-fazer e dos referenciais que servem para descrever e
compreender a si mesmo no seu ambiente natural. Para perceber como essa
formação se processa, é necessário aprender, pela experiência direta, a
observar essas experiências das quais podemos dizer, com mais ou menos
rigor, em que elas foram formadoras.(JOSSO 2004, p. 39)

Partindo das ideias de Josso, é válido considerar que a abordagem autobiográfica se


constitui como campo de investigação que adentra principalmente na subjetividade do
indivíduo, fazendo-o perceber quem ele é e como constitui sua identidade a partir das suas
experiências.
Desse modo o presente texto apresenta uma pesquisa que se originou do subprojeto de
Iniciação Científica intitulado Narrativas de formação: Construção do percurso das
professoras rurais da comunidade rural de Quizambu distrito de Riacho da Guia, que fez
parte do projeto de pesquisa de pesquisa Narrativas de professores rurais: modos de leitura e
suas implicações no fazer pedagógico. A investigação da pesquisa surge da seguinte questão:
Que saberes docentes são ressignificados pelas professoras aposentadas, da comunidade rural
de Quizambu e que imagens elas construíram de si nas narrativas autobiográficas. Nesta
perspectiva, destacamos neste ensaio as trajetórias de vida de professoras rurais aposentadas
da comunidade rural de Quizambu, no município de Alagoinhas, BA, bem como os saberes
docentes construídos na trajetória profissional e as imagens elaboradas durante a vida pessoal
e profissional das professoras.
Assim sendo, é importante apresentar a base teórica selecionada para fundamentar este
trabalho: no tocante das historias de vida a base teórica foi constituída pelos seguintes autores
45

e suas respectivas obras como: Marie-Christine Josso (2004) Experiências de vida e


formação; Christine Delory-momberger (2008). Biografia e educação; Denice Barbara Catani
et.al.(2003) Vida e ofício de professores. Elizeu Clementino de Souza (2007) História de vida
e práticas de formação: escrita de si e cotidiano escolar. Além destes autores citados, outros
foram essências no que se refere a formação e práticas docentes, já que a nossa pesquisa está
entrecruzada com as memórias de formação e práticas docentes, assim sendo buscamos
embasamento teórico em: Fávero e Tonieto (2010) Educar o educador: reflexões sobre a
formação docente; Pimenta (2005). Saberes pedagógicos e atividades docentes, Tardif
(2002), Os professores enquanto sujeitos do conhecimento: subjetividade, prática e sabres no
magistério, Freire (1996), Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
Nesta perspectiva de levantamentos bibliográficos estes também colaboraram com os estudos:
Joel Candau, Memória e Identidade (2011), Daniel Bertaux (2010) Narrativas de vida: a
pesquisa e seus métodos. Sergio Celani Leite. Escola rural: urbanização e políticas
educacionais. (1999), O que é educação Carlos Rodrigues Brandão (1981), Fábio Josué Souza
Santos (2003), Por uma escola da roça. Vale salientar que outras bases teóricas surgirão ao
longo do trabalho, embora não tenham sido citadas neste momento, mas contribuíram
significativamente para o desenvolvimento deste.
A pesquisa sobre narrativas de professores rurais tornou-se um desafio á medida que
propiciou conhecer as trajetórias de vida de professoras rurais aposentadas, possibilitando o
autoconhecimento de si e de seus modos de criar práticas pedagógicas perante os desafios
numa comunidade rural. O estudo das narrativas de professoras aposentadas possibilitou a
pensar nos modos de vida dos professores rurais. A investigação pôde apontar dados
significativos sobre os processos iniciais de escolarização, assim como o exercício de trazer as
memórias para a atualidade a fim de analisá-las e ressignificá-las.
Esta pesquisa teve como base a pesquisa qualitativa, utilizando o método da pesquisa
autobiográfica, usou como instrumento para coleta de dados, a entrevista narrativa. Ao
estudar processos educativos através de memórias de professoras aposentadas é possível
encontrar questões pertinentes para se entender os modos de educação nos tempos de hoje,
tendo como base os modelos de educação de décadas passadas.

Para Souza (2007), na área de educação, adota-se o método autobiográfico e as


narrativas de formação como possibilidades do conhecimento do ser, pois, as narrativas
podem se configurar de diferentes modos criando possibilidades de demarcar o espaço onde o
sujeito seleciona suas ideias, possibilitando a reconstrução de experiências de vida e em uma
46

visão reflexiva em busca de compreender a trajetória de si e dos outros, não perdendo de vista
o próprio processo de formação.

As pesquisas com histórias de vida de professores buscam recuperar o papel do


professor quando este pensa sua formação e identidade docente, pois a história de vida é uma
abordagem apta a se embrenhar de modo significativo nos processos de formação das
identidades profissionais. Desse modo, Fávero e Tonieto (2010, p.28) afirmam que, “os
processos formativos pessoais e os processos formativos profissionais constroem-se
mutuamente, pois a formação profissional também é a formação de um sujeito.
É válido considerar que ao pesquisar as histórias de vida das professoras não foi
possível analisar apenas o percurso profissional, mas sim analisar também aspectos que
perpassaram pelo desenvolvimento deste, tais como o pessoal, o formativo/profissional e o
social. Segundo (JOSSO, 2004, p. 31). “[...] as histórias de vida abarcam a globalidade em
todos os seus aspectos, em todas as suas dimensões passadas, presentes e futuras e na sua
dinâmica própria”. Assim sendo, é comungando das ideias da autora apresentada que
considero as histórias de vida como uma importante fonte de informação principalmente sobre
a prática profissional docente e assim ressalto que o objetivo deste trabalho pautou -se
essencialmente em analisar a história de vida de três professoras aposentadas que atuaram em
classes multesseriada na comunidade rural de Quizambu, Alagoinhas- BA.
Acreditamos também ser importante destacar como a narrativa se torna um importante
meio para proporcionar visibilidade ao vivido enquanto experiência de vida, e aprendizagem.
Weller e Pfaff (2011) afirmam:

A narrativa autobiográfica produz dados textuais que reproduzem de forma


completa o entrelaçamento dos acontecimentos e a sedimentação da
experiência da história de vida do portador da biografia de modo que só é
possível no contexto de uma pesquisa sociológica sistemática. (WELLER E
PFAFF, 2011 p.213).

Paralelo a concepção apresentada, salientamos que esse fato que ora citamos poderá
ser observado com as narrativas autobiográficas das colaboradoras aposentadas, pois colocar
as narrativas das colaboradoras em evidência se faz necessário para assim entendermos que
cada uma delas possui a sua história, única e singular, mas ao mesmo poderemos visualizar
pontos fortes, comungados, sobretudo, quando estas histórias se entrecruzam umas com as
outras. Pereira, (2008, p.39) afirma que: “As histórias de vida textualizadas constituem-se em
47

um conjunto de documentos que congregam memórias individuais representativas de uma


memória coletiva”. Desse modo, autobiografias ou falar de si, se entrecruzam principalmente
com as representações e ressignificações da formação e do fazer docente experimentado no
âmbito educacional.
Nesta perspectiva, Josso (2004, p. 34) caracteriza a “[...] experiência formadora” como
um conceito em construção, porque consiste na narração dos “[...] processos de formação, de
conhecimento e de aprendizagem do ponto de vista dos adultos e a partir das suas
experiências formadoras” porque nasce da capacidade e investimento do ator falar e escrever
sobre si e sua história, estabelecendo sentido ao que foi e é vivido através dos significados
particulares e coletivos.
Nessa perspectiva, vale salientar que a história de vida de professores produz
conhecimentos que geram reflexão sobre a prática docente, como destaca Josso (2004) que
essa produção de conhecimento, formação e reflexão se constitui na “biografia educativa” e é
dessa forma que a narrativa vai ganhando seu lugar de privilegio, pois traz ao cenário de
discussões questões sobre a formação docente este que é um ponto crucial e complexo da
profissão.
Mediante as ideias expostas e como já fora mencionado apresento este trabalho de
pesquisa baseado nas memórias narradas pelas professoras aposentadas Menta, Zuzu e Lili 5
da comunidade rural de Quizambu município de Alagoinhas-BA. Assim, considero
significativo destacar que analisamos dados trazidos pelas memórias das professoras para
refleti-los com os processos de formação e saberes docentes estes que são significativos para
o aprofundamento da discussão sobre formação, saberes e práticas na perspectiva da educação
escolar na zona rural. Sobre esta questão Bertaux (2010) evidencia que o estudo de trajetórias
de formação permite compreender com clareza o que se passa no interior desse processo,
trazendo dados que são inacessíveis por outras técnicas de investigação como no caso dados
ligados a subjetividade, pois estudar subjetividades é, sobretudo, adentrar no eu do outro.
Vale ressaltar que os pontos buscados nas memórias da colaboradora perpassam desde
a infância até a fase da vida atual, dando maior enfoque às vivências de formação referentes
ao fazer docente retido nas imagens dessas mulheres que ajudaram (e ajudam) a recuperar a
historiografia da educação no meio rural da região baiana e, por conseguinte na região
Nordeste e no Brasil.

5
Para as professoras foram atribuídos nomes fictícios, vale salientar que Menta é o nome de uma flor qlue
significa memória em homenagem a pesquisa.
48

Escrevendo imagens: traçando o perfil das colaboradoras

O desenvolvimento de uma pesquisa envolve uma série de significativos aspectos,


entre eles destacamos a determinação do pesquisador e o seu envolvimento com a pesquisa,
além da sensibilidade e cuidado antes, durante e depois da coleta do material a ser pesquisado.
Assim sendo, aproveitamos este espaço para declarar que as histórias de vida aqui
sintetizadas em curtas biografias se constituiu no precioso material que deu origem a este
objeto de estudo. Desse modo apresentamos as vozes da pesquisa narradas por Menta, Zuzu e
Lili, histórias repletas de ensinamentos, que nos mostra, sobretudo, que cada sujeito traz na
essência do seu eu, uma história fascinante, como estas que enriqueceram a pesquisa.

Menta: espelhando e formando uma decência com autonomia

Apresentamos de inicio a colaboradora Menta de 69 anos. Ela narra a história da sua


vida com propriedade. Nos seus primeiros relatos, ela afirma que não teve uma infância feliz,
e assim dizia não se lembrar desta fase de sua vida a não ser apenas que passou muita
necessidade e sofreu bastante. Na infância experimentou dificuldades em Inhambupe, cidade
do interior baiano, até os cinco de idade quando sua família se mudou para Ilhéus onde
moraram no período de quinze anos. Afirma que também não foi fácil essa fase no sul da
Bahia, mas que melhorou em relação ao período anterior. As lembranças da fome e
necessidades diversas que Menta passava marcam sua infância e ela ressalta que só o fato de
está em uma “cidade” – e não mais na roça – trouxe melhorias para sua vida. De Ilhéus tem
lembranças agradáveis mesmo ainda sofrendo com a mãe e os irmãos, fato que ela ressalta
várias vezes em suas narrativas. O pai de Menta comercializava fumo em Ilhéus e vinha
comprar no Riacho da Guia e a compra da matéria-prima era feita com o futuro sogro da sua
filha. E assim Menta conheceu seu futuro marido. Como foi relatado sofreu muito e casou
para se livrar da sua família nuclear. Casou em 1963 e moraram oito meses entre Riacho da
Guia e Inhambupe, retornando depois, com seu marido, a Ilhéus onde residiram por um
tempo. Passado um tempo morando em Ilhéus recebeu uma carta do sogro pedindo para que
voltassem, pois no Quizambu precisava de uma professora. Menta de início não queria, pois
dizia não ter estudado o suficiente para ser professora. A partir desse retorno Menta começou
a vida de professora primária fazendo um teste proposto pela então Secretária de Educação do
Município de Alagoinhas. Para a colaboradora o teste foi uma “besteira. Ela passou no teste e
49

assim, em 1965, Menta estava empregada como professora e começou a exercer a docência
nomeando a escola. A colaboradora relata que o nome escolhido dentre muitos que ela
sugeriu foi o nome de uma escola que ela havia estudado em Ilhéus: General Osório. Menta
afirma que esse emprego foi lhe concedido por questões políticas, pois seu sogro tinha muita
influencia com os chefes políticos da época.
A colaboradora enfatiza que depois de oito anos começaram a surgir problemas no
trabalho por conta de novas amizades que Menta fez com outros políticos daí aqueles que
antes a tinham nomeado começaram a exigir sua formação e ela só tinha o Terceiro Ano do
atual Ensino Fundamental I. Foi preciso estudar, fazer concurso, daí se matriculou em um
curso à distância. Era um curso por correspondência, a professora estudava em casa e fazia as
atividades avaliativas numa escola em Alagoinhas, essas atividades correspondiam a testes
para avaliar as competências de ingresso ao Ensino Médio. Assim, Menta foi cursar o Ensino
Médio em catorze meses independente do desejo do seu marido/esposo (companheiro). A
professora relata que sofreu bastante, pois no decorrer do curso ficou doente tratando-se de
reumatismo. As lideranças do governo na época, como por exemplo, a Secretaria de Educação
informou que era preciso desistir, recebeu a proposta de se encostar, mas tinha um propósito:
pegar seu diploma. Menta conseguiu concluir seu curso com sacrifício e força de vontade.

Zuzu: educando além da escola

A colaboradora Zuzu com 96 anos traz em suas narrativas suas experiências. Ela
nasceu e se criou em Inhambupe e foi uma das primeiras moradoras do Quizambu, ela afirma
que ajudou no desenvolvimento da comunidade. Diz também que as pessoas da comunidade
de Quizambu sempre desejaram que ela casasse com alguém de Quizambu para ser
professora. E assim foi a colaboradora casou-se e foi morar no Quizambu ela conta que
ficava procurando meninos para ensinar e uma certa vez apareceram uns políticos e a
nomearam professora ela destaca que hoje é contrato e antes era nomeação. A aposentada
resgata nas suas memórias dados muito importantes para as futuras discussões que não foram
possíveis ser tratadas nesse trabalho, como exemplo velhice algo que a colaboradora
enfatizava ao narrar sua história de vida. Vale ressaltar que as memórias da colaboradora
deixa algumas lacunas, pois a memória é seletiva e lacunar e é no exercício da rememoração
que essas lacunas são preenchidas. Talvez pela idade ou pela falta do exercício de rememorar
aconteça esse processo de seleção e “lacunagem” na memória da colaboradora Zuzu.
50

Zuzu evidencia que além de ser professora foi parteira. E destaca por várias vezes que
gostava mais da sua profissão de parteira. Ela destaca que ajudou muita criança a vir ao
mundo e que por conta disso quase todos no Quizambu são seus afilhados e afilhadas. A
colaboradora traz criticas, ao governo ao sistema educacional e o modos de educar da
sociedade moderna e assim tece comparações a educação do seu tempo de professora com a
educação atual.

Lili e o valor a educação

A colaboradora Lili tem 68 anos. Começou a estudar com sete anos, afirma que nessa idade
já ajudava seus pais na roça. Ela diz que sua carreira de professora começou aos dezessete
anos e que trabalhava um turno na roça e outro na sala de aula.

Lili enfatiza por várias vezes a importância da família e de uma boa educação. Ela
afirma que com educação adiquerri-se a moral que está esquecida na sociedade.
Como Zuzu ela também compra e faz criticas a educação atual. Lili casou teve oito
filhos e ela ressalta que todos fizeram as primeiras séries iniciais com ela. A colaboradora
afirma que tudo que teve vontade de fazer como professora fez e que não se arrepende de
nada. Lili enfatiza em muitos momentos que o reconhecimento
ao profissional da educação é insuficiente ao papel que ele desenvolve, e que hoje qualquer
um pode ser profissional da educação , fato este que a deixa intrigada, pois a educação é o
meio de se buscar valores e para isso precisa de profissionais competentes e compromissados.
Assim, a partir das biografias apresentadas das colaboradoras, vai ser possível
adentrarmos no campo de discussão que se constitui no foco do trabalho: a trajetória de
formação e as práticas docentes de três professoras aposentadas da comunidade rural de
Quizambú.
Vamos perceber como essas professoras desenvolviam o papel docente na
comunidade, como contribuíram com a formação de inúmeros sujeitos, vamos poder ver nas
suas falas, denúncias, críticas, reflexões e sobretudo suas imagens, a partir das suas
experiências na sala de aula.

Memórias de professoras – entre as narrativas e o diálogo teórico


51

Neste trabalho de pesquisa, apresento três professoras aposentadas Menta, Zuzu, e Lili
três histórias de vida com algumas semelhanças e muitas singularidades. Conceituo essas
colaboradoras metaforicamente como bibliotecas humanas. Muito saber, muita experiência
que muitas vezes caem no esquecimento e são deixados de lado sem serem expostos.
Portanto, é importante destacar:

As histórias de vida e os estudos autobiográficos como metodologias de


investigação científica na área de Educação ganharam visível impulso no
Brasil nos últimos quinze anos. Em comparação com o período anterior, a
década de 1990 traz grandes mudanças, apresentando um crescimento
vertiginoso dos estudos que fazem uso dessas metodologias, genericamente
denominadas de autobiográficas. (BUENO et. al. 2006, p. 387).

Indubitavelmente a exposição dos saberes docentes trazidos à tona pela memória


autobiográfica contribuem muito no que tange ao âmbito educacional, pois englobam aspectos
desde o ambiente físicos, aos aspectos sociais, intelectuais, e, sobretudo, dos processos
formativos que perpassam pelas vidas dos sujeitos que fazem o mundo tão complexo e
diversificado da educação.
É válido considerar que a abordagem autobiográfica se constitui como campo de
investigação que adentra principalmente na subjetividade do indivíduo, fazendo-o perceber
quem ele é e como constitui sua identidade a partir das suas experiências.
Segundo Moraes (2010, p.113), “As narrativas de vida são essenciais no sentido de dar
visibilidade ás subjetividades que permeiam os comportamentos comunicativos, ou seja,
como o sujeito reflete sobre o seu desempenho nas esferas privadas e publicas do seu
cotidiano”.
As memórias são partes importantes e essenciais para a formação e construção das
identidades dos sujeitos, pois contam sobre a vida familiar, escolar e social enquanto fases
significativas ou não da existência das experiências. É com o excerto textual da colaboradora
Menta que iniciamos a apresentação da trajetória e dos saberes docentes construídos e
aplicados nas salas de aula de Quizambu pelas professoras. Nesse momento destacamos que
também é possível perceber como o Magistério é desvalorizado nas falas das professoras fato
que é visível até os dias atuais:

[...] eu morava em Ilhéus trabalhava por lá, quando tava lá recebi uma carta
do meu sogro me pedindo para voltar para trabalhar como professora,
precisava de uma professora aqui [...] ai eu disse : como posso ser professora
Eu não estudei pra ser professora, ai meu sogro disse que podia que pra ser
professora não precisava de estudo que quem sabia ler podia ser professora
[...]
52

A partir das narrativas das professoras foi possível perceber nos seus processos
formativos que elas não tinham a formação do magistério e como podemos observar não só na
fala de Menta, mas também nos excertos textuais a seguir de Zuzu e Lili

[...] me casei e vir embora pra cá [...] As pessoas daqui sempre desejaram
que eu casasse com alguém daqui para que eu fosse professora aqui. Fui uma
das primeiras moradoras daqui. [...].Eu procurava menino aqui acolá para
ensinar... Depois apareceram uns homens, uns políticos no Riacho e me
nomearam hoje é contrato, mas eu fui nomeação[...]Comecei a ensinar aqui
numa casa que era de religião [...] eu aqui e outra professora com mais
estudo no Riacho [...](Zuzu).
Com 17 anos comecei a ensinar, ainda assim ensinava um turno e o outro
continuava trabalhando na roça. Montaram uma escola aqui em casa pra
mim aqui tinha de tudo de uma escola mesa carteira, quadro... Eu fui a
segunda professora daqui [...]Ensinei 30 anos e três dias me aposentei com
47 anos. Hoje tenho 68 anos. (Lili).

Vale salientar que não basta apenas saber ler, pois o professor é o trabalhador do
conhecimento, cuja dinâmica faz, com que a educação assuma caráter de permanente
recomeço e renovação. (MARQUES, 2000 apud RIBEIRO, 2004).
Na época de atuação das colaboradoras elas tinham a penas que sem muita formação
alfabetizar “mecanicamente” os alunos para assim atingir os interesses políticos da época,
como afirma Zuzu: “Naquele tempo ensinou os meninos a assinar já era, o governo só queria
isso para o sujeito acertar votar a maioria dos meninos só tinham o primeiro ano e ali mesmo
ficavam.”
No tocante da formação continuada as colaboradoras destacam como se davam os
processos de formação e como este contribuía tanto para a vida pessoal quanto profissional:

Tomei vários cursos em Alagoinhas, tomava o curso e trabalhava. De três


em três meses a gente ia para os planejamentos para as reuniões para saber o
que ia fazer [...] Tinha planejamento [...] A gente ficava a semana toda em
planejamento tinha vezes que era quinze dias... A gente escrevia no nosso
caderno o que elas passavam no quadro eram uns questionários e quando
chegava em casa a gente via o que ia fazer [...].(Lili)

Seguindo a mesma concepção de Lili, a Colaboradora Zuzu destaca como era a sua
formação:
53

Eu ia para Alagoinhas eu tinha esse tempo não era trabalhando era tomando
uma experiência de educação graças a Deus eu me dei bem[...]essas
experiências era para passar instruções de como ensinar os meninos, como
ensinar a resolver as palavras, como ensinar a soletrar como exemplo tinha
casa era c-acá-z- a-zá- casa!Outra coisa tornava a dizer e assim aprendiam...
todos aprendiam. Fui tomar experiência para fazer as coisas direitinhas [...]
(Zuzu)

Podemos perceber que Zuzu e Lili nas suas narrativas apresentam semelhanças na sua
formação, enquanto Menta apresenta uma diferença entre elas, pois a formação continuada
para o aperfeiçoamento profissional obedecia a uma seleção pública e muitas não tinham as
competências de aprendizagem exigida para conquistar a vaga e, posteriormente, realizar o
curso de magistério, o qual Menta realizou.

[...] ai apareceu um concurso [...] Fiquei estudando em casa por


correspondência [...] era em São Paulo esse negocio, [...] ganhei a bolsa para
estudar em Cipó um ano e dois meses pra fazer todo período do segundo
grau [...] eu só tinha o 3º ano eu só tinha o terceiro ano e prestei um teste de
oitava no caso [...] prá fazer o Magistério não precisa de três anos a mais
Duas mil e tantas horas[...] resultado [...] voltei como formada se eu já fazia
tudo aí dobrei [...]

A partir do depoimento Menta reafirma a concepção de Pimenta (2000) quando


destaca que a teoria é fundamental na formação docente, pois dotam os sujeitos de variados
pontos de vista para uma ação contextualizada para os professores.
A partir das experiências narradas pelas professoras é interessante apresentar o que
Tardif (2002, p. 113) ressalta, ao enfatizar que os saberes pedagógicos são adquiridos com a
experiência e que se integram ao “[...] científico da formação profissional. Os professores de
profissão possuem saberes específicos que são mobilizados, utilizados e produzidos por eles
no âmbito de suas tarefas cotidianas”.
Comungando com a concepção acima Freire (1996, p. 12) ressalta que: “Não há
docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os
conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro”, como podemos observar nos
excertos extraídos das vivências da professora Menta.
[...] eu tive um professor particular e ele ensinava ginásio ele me dava tudo
[...] acho que foi isso que me ajudou, acho não com certeza foi o que me
ajudou.Eu aplicava didática sem saber e no curso vi que era certo[...] eu me
espelhava nos professores que eu tive [...] meus professores faziam assim e
eu fazia com meus alunos... tudo que meus professores faziam como eu fazia
também com meus alunos... eu fazia minhas provas como eu fazia em Ilhéus
aqui antes de mim não tinha... minhas provas foi
54

o retrato que me inspirei. (Menta)

E assim podemos perceber como se construía a pedagogia na comunidade de Quizambu,


como as experiências vividas por estas professoras são fundamentais para uma possível
compreensão dos processos educativos/ formativos na nossa sociedade.

Considerações finais
A partir do exposto vale considerar que a profissão docente é impregnada de valores e
de ideais muito exigentes do ponto de vista do empenhamento e da relação humana, é nesta
perspectiva que se vem acreditando na importância que as histórias de vida vem adquirindo
nos estudos sobre a profissão docente por intermédio dos professores e das suas práticas de
ensino. Nesse tocante, Nóvoa (1995) aborda que a vida dos professores constituiu -se por um
longo tempo em um paradigma “perdido” da pesquisa em educação. Todavia Fávero e
Tonieto (2010) vêm salientar que as histórias de vida possuem um grande
potencial para que se construam propostas significativas e de entendimento para a formação e
profissão docente.
A partir da história de vida das professoras que atuaram em escolas da zona rural de
classes multisseriadas, pode-se compreender como é importante discutir sobre a formação de
professores e como esta discussão é antiga e que ainda persiste na historiografia brasileira,
pois as condições das escolas e, muitas vezes, a formação docente mostra-se “frágil”,
dificultando a situação educacional na nossa sociedade.
Realizando a pesquisa com as professoras aposentadas da comunidade rural de
Quizambu, município de Alagoinhas, BA, consideramos que esta nos conduziu a pensar a
formação docente como algo imprescindível, levando-nos a perceber que o falar de si permite
refletir sobre o papel exercido na sociedade. Também é importante destacar a contribuição
destas mulheres/professoras/cidadãs para o desenvolvimento de Quizambu que com seus
sabres elas se tornaram professoras, além de já exercerem outros papéis na comunidade, como
lavradora, mãe, esposas, domésticas, parteira, numa época em que a acessibilidade para o bom
desempenho destes papéis era muito difícil.
Assim sendo, consideramos que as experiências/aprendizagens formadoras em uma
abordagem autobiográfica geram possibilidades aos sujeitos de adquirirem novas
aprendizagens ao passo que refletem o processo de construção e desenvolvimento destas. Por
isso, é que a docência reside no trabalho dos professores que não se resume unicamente a
55

tarefa de ministrar aulas. A prática docente exige constantemente uma efetiva e segura
formação e reflexão além de está diretamente ligada ao papel de formadora de sujeitos

REFERÊNCIAS:
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Trad. de Maria da Conceição Passegi, João Gomes da Silva Neto e Luis Passegi. Natal, RN:
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Educação: Teoria e Prática. ed 2 Petrópoles, RJ: Vozes, 2011.

A AGROECOLOGIA E A PERMACULTURA NA CONSTRUÇÃO DA


EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Emílio Marques Neto / UFRB


Bruna Gaudêncio dos Santos / UFRB
56

Pedro Nascimento Melo / UFRB

.
Resumo: As ações humanas, direta ou indiretamente, afetam a natureza. Paradoxalmente,
nenhum outro animal tem tamanha capacidade de destruição e conhecimento sobre a vida. Os
efeitos globais do modelo de desenvolvimento econômico praticado no mundo estão,
comprovadamente, desencadeando profundas transformações na atmosfera e na superfície
terrestre. Portanto, se faz cada vez mais necessário e urgente, uma educação ambiental crítica,
contextualizada com a realidade social, cultural e econômica. Objetivou-se então a construção
do conhecimento sobre o ecossistema escolar, tomando a escola como centro referencial dos
processos ecológicos, para dar base à aprendizagem das questões ambientais, sociais e
culturais. A partir de uma metodologia participativa e interdisciplinar, que transite por várias
outras linguagens como a agroecologia, permacultura, arte, música, brincadeiras, entre outras.
Buscou-se entender melhor as relações interpessoais, homem-natureza, universidade-
sociedade, visando à cooperação com os processos de transformação da sociedade.

Palavras-chave: Ecossistema Escolar. Agriculturas de Base Ecológica. Educação Ambiental Crítica.

Introdução
O surgimento de novas necessidades no contexto da evolução das sociedades humanas
conduziu ao desenvolvimento de novas tecnologias, culminando também em um modelo de
produção baseado na industrialização que, por um lado, proporcionou a disponibilização de
novos itens de conforto e serviços e por outro gerou situações e condições de degradação das
formas de vida do planeta Terra. O panorama global contemporâneo, marcado por graves
problemas socioambientais e também pelo desenvolvimento científico e tecnológico, exerce
sobre as sociedades humanas uma grande pressão de demanda de conhecimento, capacidade
de planejamento e postura crítica para tomada de decisões.

A ordem social capitalista, com as suas estruturas e modelos institucionalizados de


cultura normativa, só legitimam relações sociais hierárquicas e de dominação que se
identificam com as funções de produção e de consumo de bens e serviços e, logicamente, com
o consequente agravamento da crise ambiental (FERREIRA, 2007p. 54). Contudo, faz-se
urgente que superemos a percepção fragmentária de mundo que, historicamente, tem
orientado nossa relação com o ambiente, do qual somos componentes e sujeitos, e que
avancemos no sentido de novos paradigmas que nos possibilitem perceber a complexidade de
conexões que constituem os fenômenos sociais e naturais. Neste intuito, este trabalho surge a
partir das reflexões sobre a necessidade de transformação da sociedade, onde a educação se
mostra como um princípio fundamental para isto.
57

De acordo com Capra (1996) os principais problemas de nossa época não podem ser
entendidos isoladamente. São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e
são interdependentes, remetendo assim a uma série de reflexões sobre qual deve ser a
contribuição das instituições sociais e de cada cidadão na prevenção, minimização e resolução
dos problemas ambientais6 que nos afligem.

A partir da concepção de mundo como sistemas interconectados, busca-se perceber


ligações que, mesmo existindo, se mostram muitas vezes divergentes, como é o caso da
ecologia e da economia, que apresentam a mesma raiz etimológica (eco, que vem de oikos e
significa casa) e as terminações, logia e nomia, que significam respectivamente estudo e
manejo como nos traz Odum (1988). Com isso, se faz necessária a superação dessa visão
fragmentária do conhecimento, para que se torne possível perceber o mundo de uma forma
mais holística, abrangente e interdisciplinar. Capra (1996) esclarece que em um sistema os
objetos são redes de relacionamentos, embutidas em redes maiores e que o entendimento do
todo requer o entendimento de como as partes se relacionam. Assim, a mudança de enfoque
das partes para o todo também se constitui em uma mudança de objetos para relacionamentos.
Estes princípios nos remetem a uma visão de mundo biocêntrica, em contraponto à
ultrapassada visão antropocêntrica.

Enquanto instituição social, a escola apresenta-se não apenas como espaço de


produção e reprodução de conhecimentos, práticas e valores, mas como espaço possível de
desconstruções destes e de superação de paradigmas, na medida em que possibilita situações
pedagógicas baseadas no diálogo entre os sujeitos que nela atuam direta ou indiretamente, tais
como estudantes, professores, gestores, técnicos, funcionários, pais e mães de alunos e outros
sujeitos sociais. A ampla gama de conhecimentos construídos no ambiente escolar ganha
sentido quando há interação contínua e permanente entre o saber escolar e os demais saberes,
entre o que o aluno aprende na escola e o que ele traz para a escola (PCN, 1998). Sendo
assim, a escola torna-se um espaço privilegiado para experimentação de novas formas de
relação do ser humano com o mundo, fundamentadas em paradigmas sistêmicos e no
princípio da sustentabilidade. A própria Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) no seu artigo
225, nos remete a tais princípios, afirmando que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso


comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

6
O termo decorre do conceito de ambiente definido como o conjunto de elementos naturais, sociais,
econômicos, políticos, culturais e suas interações.
58

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as


presentes e futuras gerações.

Essa ideia é reforçada, no parágrafo 1º, inciso VI, onde afirma-se que cabe ao Poder Público
a incumbência de efetividade desse direito, promovendo a educação ambiental em todos os
níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.
Nesse contexto, situa-se a eco-alfabetização ou alfabetização ecológica vista aqui
como uma possibilidade epistemológica e metodológica mediadora de ações pedagógicas
escolares que concorram para a construção de uma forma mais harmoniosa de relação do
homem com a natureza. De acordo com Legan (2004), a eco-alfabetização é a compreensão
dos princípios básicos da sustentabilidade sendo capaz de refleti-los na vida diária das
comunidades humanas. Os seis pontos principais relevantes para uma educação de uma
cultura sustentável são: segurança e soberania alimentar, economia local, espécies e
ecossistemas, interação humana, energia, tecnologia e água. Portanto, é importante trabalhar
educação ambiental na prática, dentro das escolas, a partir da contextualização e relação entre
os múltiplos conhecimentos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
A mesma autora (LEGAN, 2004) diz ainda que a área da escola oferece um recurso
educativo perfeito. E que o desenvolvimento do terreno da escola como uma sala de aula ao ar
livre permite a experiência em primeira mão com a natureza, trabalhando para um futuro
sustentável. A realização de tal trabalho exige uma atitude de investigação atenta, curiosa,
aberta às observações das múltiplas inter-relações e dimensões da realidade, muita
disponibilidade e capacidade para o trabalho em equipe, características necessárias ao
educador ambiental, como nos lembra Carvalho (2008).
A partir destes contextos, e do conceito básico de ecossistema, como um conjunto de
organismos, seus ambientes físico-químicos, o fluxo de energia e o ciclo dos elementos
químicos que caracterizam um sistema ecológico complexo de interligações, como nos traz
Ricklefs (1996), percebe-se que o ambiente escolar também apresenta um conjunto de
elementos interconectados e interdependentes, tendo um enorme potencial para o
desenvolvimento de atividades teórico-práticas e interdisciplinares. Sendo assim, define-se o
ecossistema escolar como o conjunto de elementos que compõem o ambiente escolar como
um todo, considerando suas interações e relações de interdependência, tendo, dessa forma, a
contextualização dos conceitos básicos da ecologia como base norteadora.
59

Com este trabalho, objetiva-se contribuir para a formação de sujeitos sociais críticos,
através de ações educacionais fundamentadas em uma concepção sistêmica da relação
homem-ambiente e nos princípios da alfabetização ecológica e da sustentabilidade ambiental,
utilizando o ecossistema escolar como referencial. Buscando entender melhor as relações
interpessoais, homem-natureza, universidade-sociedade, visando à cooperação com os
processos de transformação da sociedade.

Desenvolvimento

A realização deste trabalho percorreu algumas etapas, que correspondem a dois


projetos de extensão do PIBEX – UFRB intitulados Construindo ao Ar Livre: reflexões sobre
uma proposta da eco-alfabetização (2009) e Construindo o Ecossistema Escolar: uma
proposta de abordagem sistêmica dos conteúdos (2011) e aos projetos dos estágios
supervisionados I, II, III e IV intitulados, respectivamente, Estudo das relações entre teoria e
prática nas aulas de ecologia no ensino superior; Estudo da Importância Pedagógica de uma
Horta Comunitária Escolar; Utilização de Ferramentas da Agroecologia e Permacultura
na Construção de Ecossistema Escolar e Construindo o Ecossistema Escola: U ma
Proposta de Abordagem Sistêmica dos Conteúdos.

Campos de Atuação

As etapas deste trabalho foram realizadas no município de Cruz das Almas - BA,
distante 150 km da capital Salvador, no território do Recôncavo Baiano. Utilizaram -se
quatro campos de trabalho:

 A Escola Municipal Joaquim de Medeiros, localizada no campus da UFRB, onde


o projeto foi trabalhado junto à turma do 5° ano do Ensino Fundamental, com 19
estudantes que apresentavam uma faixa etária entre 9 a 11 anos, em 2009.

 O Colégio Estadual Dr. Lauro Passos, localizado no bairro da COPLAN, onde a


realização do projeto se deu com a turma do 2° ano do Ensino Médio, com 33
estudantes de faixa etária entre 15 e 16 anos, em 2011.

 O Colégio Municipal Lourival José dos Santos, situado na zona rural, na


localidade da Pumba, sendo realizado com a turma do 7° ano do Ensino
Fundamental, com 20 estudantes de faixa etária entre 11 a 13 anos, em 2013.
60

 A Horta Mandala, que se encontra no quintal da casa dos diretórios e centros


acadêmicos na UFRB, construída a partir de outubro de 2010, com a participação
de estudantes desta instituição.

O papel da escola na contemporaneidade

Diante do panorama global contemporâneo, das problemáticas socioambientais que


estão postas e da necessidade de uma nova concepção de mundo, como é representado em
Loureiro (2012):

A crescente degradação dos ecossistemas, a perda da biodiversidade, a


reprodução das desigualdades de classe e a destruição de culturas
tradicionais levaram ao repensar da "questão ambiental" por grupos
ambientalistas mais críticos, ou chamados de socioambientalistas, que
denunciaram as causas sociais dos problemas ambientais.
A escola e os processos educativos de forma geral mostram-se como um campo
estratégico na luta por transformações sociais, através de uma reflexão sobre as problemáticas
geradas pelo paradigma hegemônico do sistema capitalista e das ferramentas que podem ser
usadas nesse processo de transformação da sociedade. Segundo Santos (2001 apud VILELA,
2007, p. 244):

A escola tem que ser uma escola de cidadania crítica, que deve ensinar e
instruir coletivamente para a rebeldia, quando ela se justifique, obviamente, e
para o conformismo, quando o conformismo for a concordância com ideias
que nós criticamente consideramos como progressistas e nossas, e não porque
o são oficialmente ou porque somos objeto de doutrinação. O que é preciso é
retirar da escola todo princípio de doutrinação, e ele existe não só na maneira
como nós ensinamos, mas, na forma como nós avaliamos.

Em Lipiansky (2007) e Pey (2000) são encontrados alguns princípios básicos sobre a
Pedagogia Libertária que orientam este trabalho, tais como as ideias contrárias ao
autoritarismo e a hierarquização presentes nas escolas convencionais, além da noção de um
sistema educativo a partir da autogestão.

A Educação Ambiental Crítica pode contribuir efetivamente para tornar possível o


projeto de escola acima descrito. Por sua vez, o processo educacional nela veiculado deve ter
como finalidade primeira a liberdade interior, ou a libertação do indivíduo pelo conhecimento
e pela sabedoria (GALVÃO, 1996, p. 248). A educação ambiental, segundo Loureiro (2007),
pode promover a emancipação como finalidade primeira e última de todo o processo
educativo que visa à transformação de nosso modo de vida; a superação das relações de
expropriação, dominação e preconceitos; a liberdade para conhecer e gerar cultura, tornando-
61

nos autônomos em nossas escolhas. O ambiente escolar e os processos educativos se mostram


como importantes ferramentas no processo de transformação da sociedade

A interdisciplinaridade e a abordagem sistêmica mostram-se como elementos


essenciais para a superação do modelo reducionista e fragmentário que imperam na maioria
das escolas. Essa temática é bem trabalhada em Morin (2010) e Capra (1996), como já foi
visto neste texto. Além deles, Enrique Leff (2007) traz uma importante contribuição sobre o
tema, afirmando que:

A construção de uma racionalidade ambiental demanda a transformação dos


paradigmas científicos tradicionais e a produção de novos conhecimentos, o
diálogo, hibridação e integração de saberes, bem como a colaboração de
diferentes especialidades, propondo a organização interdisciplinar do
conhecimento para o desenvolvimento sustentável. Isso gera novas
perspectivas epistemológicas e métodos para a produção de conhecimento,
bem como para a integração de diversos saberes no tratamento de problemas
socioambientais.

Em Tozzoni-Reis (2001) a Educação Ambiental é vista como uma dimensão da


educação, é atividade intencional da prática social, que imprime ao desenvolvimento
individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos,
com o objetivo de potencializar essa atividade humana, tornando-a mais plena de prática
social e de ética ambiental. Esse argumento é reforçado em Freire (1983), quando diz que em
qualquer esforço de educação popular, através da problematização do homem-no-mundo ou
das suas relações com o mundo e com os homens, estes mesmos sujeitos devem ter a
oportunidade para que aprofundem o nível de consciência da realidade na qual e com a qual
estão inseridos.

Em geral, as áreas escolares apresentam espaços ociosos e subutilizados. Algumas


alterações possíveis neste cenário, feitas de forma coletiva com a comunidade escolar,
mostram-se como ferramentas didático-pedagógicas de fundamental importância. O ambiente
externo à sala de aula, por exemplo, pode se transformar em um espaço estimulante e
agradável, sendo uma alternativa para os estudantes desenvolverem habilidades e
conhecimentos aplicáveis no dia-a-dia, preparando-se para a vida adulta. Possibilita uma
relação mais próxima entre teoria e prática, muito importante no processo de ensino-
aprendizagem, como foi dito por Rays (2008) teoria e prática são, portanto, partes integrantes
de um todo único e unilateral, e constituem-se na correta dinâmica histórica da atividade
humana na sociedade. A unilateralidade da teoria e da prática é que propicia ao homem
conhecer corretamente a essência do mundo da cultura e do mundo da natureza. Essa
62

unilateralidade oferece-lhe, também, as condições de buscar o conjunto de elementos


inerentes às relações entre as partes e o todo de uma realidade concreta. A partir disso, se faz
necessário possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a
curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, vá tornando-se crítica (FREIRE, 1996).

Agriculturas de Base Ecológica

As iniciativas do desenvolvimento da agricultura de base ecológica no Brasil


ocorreram na década de 1970, conhecidas inicialmente pela denominação de agricultura
alternativa, este momento foi marcado pela contestação ao modelo tecnológico e a degradação
ambiental, e também por uma crítica a crescente exclusão social que começa a atingir
principalmente os pequenos agricultores (ABREU et al, 2008). Estas surgem em contraponto
à agricultura convencional e ao pacote tecnológico da revolução verde. De acordo com
Gliessman (2001) a agricultura convencional está construída em torno de dois objetivos que
se relacionam: a maximização da produção e do lucro; na busca dessas metas, foram
desenvolvidas algumas técnicas que não consideram a dinâmica ecológica dos
agroecossistemas, tais como o cultivo intensivo do solo, monuculturas, uso de mecanização
pesada, fertilizantes inorgânicos, agrotóxicos e a manipulação genética de plantas cultivadas.
Caporal e Costabeber (2007) reforçam esta ideia demonstrando que as tecnologias da
revolução verde surgem a partir da segunda guerra mundial, com o discurso de aumentar a
produtividade e solucionar o problema da fome no mundo, mas na verdade não passam de
estratégias desenvolvimentistas do capitalismo para explorar a natureza e gerar lucros.

Agriculturas de Base Ecológica é um termo que engloba a Agroecologia,


Permacultura, Agricultura Natural, Agricultura Biodinâmica, Agricultura Orgânica, entre
outras. Este trabalho buscou inspiração na Agroecologia e Permacultura por apresentarem um
viés didático-pedagógico, podendo ser caracterizadas como ótimas ferramentas na construção
da Educação Ambiental.

2.4 Agroecologia

Ao longo da sua história a agroecologia teve diversas contribuições, de distintas


origens, que constituem sua base teórica e conceitual. O movimento ambientalista é tido como
o maior incentivador intelectual da agroecologia, pelas críticas ao modelo convencional de
agricultura e pelas reflexões sobre a degradação ambiental gerada pelas ações do agronegócio,
segundo Theodoro et al. (2009, pag. 24). Se por um lado, o movimento ambientalista pode
63

receber o título de maior incentivador intelectual, por outro, os movimentos sociais populares
que lutam por reforma agrária e soberania alimentar, tais como o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Via Campesina, constroem a agroecologia na
prática, através de suas lutas cotidianas e do diálogo com as comunidades tradicionais.

Em Gliessman (2001, pag. 54) a agroecologia é definida como a aplicação de


conceitos e princípios ecológicos no desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis. Esta
proporciona o conhecimento e a metodologia necessários para desenvolver uma agricultura
que é ambientalmente consistente, altamente produtiva e economicamente viável, valorizando
o conhecimento local e empírico dos agricultores, a socialização desse conhecimento e sua
aplicação ao objetivo comum da sustentabilidade. Essa ideia é reforçada em Altieri (2004,
pag. 23) quando diz que:

A agroecologia fornece uma estrutura metodológica de trabalho para a


compreensão mais profunda tanto da natureza dos agroecossistemas como
dos princípios segundo os quais eles funcionam. Trata-se de uma nova
abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e
socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre
os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo.

Caporal e Costabebeer (2002) embasados nas reflexões de vários estudiosos e


pesquisadores nesta área (Altieri, Gliessman, Noorgard, Sevilla Guzmán, Toledo, Leff),
demonstram que a agroecologia tem sido reafirmada como uma ciência ou disciplina
científica, ou seja, um campo de conhecimento de caráter multidisciplinar que apresenta uma
série de princípios, conceitos e metodologias que nos permitem estudar, analisar, dirigir,
desenhar e avaliar agroecossistemas. Isso demonstra o caráter interdisciplinar, holístico e
inovador da agroecologia, reforçado em Guzmán (2002) quando diz que a agroecologia se
propõe não só a modificar a parcelização disciplinar, senão também a epistemologia da
ciência, ao trabalhar mediante a orquestração de distintas disciplinas e "formas de
conhecimento" que compõem seu pluralismo dual: metodológico e epistemológico, onde a
perspectiva sociológica tem um papel central.
2.5 Permacultura
O conceito de Permacultura foi primeiramente desenvolvido na Austrália, no começo
dos anos 70, pela junção dos termos permanente e agricultura, que com o tempo passaram a
englobar outros aspectos mais abrangentes, passando a designar uma cultura permanente. Os
estudos iniciais foram realizados pelo ecologista Bill Mollison e o seu orientando, naquela
época, David Holmgren, de acordo com Legan (2004) e Jacintho (2007).
64

Em Mollison (1981) encontra-se uma série de 15 panfletos, baseados no Curso de


Design em Permacultura ministrado neste mesmo ano por Bill Mollison no Centro
Educacional Rural, New Hampshire, Estados Unidos. Esse material apresenta várias reflexões
e técnicas sobre a Permacultura, e foi de fundamental importância para a realização deste
trabalho.

A partir de uma reflexão sobre o conceito encontrado na obra inaugural, Permaculture


One (MOLLISON e HOLMGREN, 1978) o próprio Holmgren (2007) traz uma definição
mais atualizada, onde a permacultura é tida como “paisagens conscientemente desenhadas que
reproduzem padrões e relações encontradas na natureza e que, ao mesmo tempo, produzem
alimentos, fibras e energia em abundância e suficiente para prover as necessidades locais”.
Gotsch (1997) demonstra isso de forma sucinta, quando fala sobre a importância de observar
a natureza, para entender os processos de interação que acontecem entre os seres vivos, e
tentar imitá-la na construção dos agroecossistemas, através do policultivo e da valorização das
espécies nativas de cada região.

De maneira geral, pode-se dizer que a Permacultura é uma corrente de ação e reflexão
ambiental que parte de uma filosofia de cooperação com a natureza, de cuidado com a terra e
com as pessoas, onde os indivíduos sentem-se encorajados a tornarem-se partes conscientes e
atuantes da solução para diversos problemas com que deparamos local e globalmente
(EVANGELISTA, 2010).

Resultados

Dentre as especificidades que ocorreram para cada escola, destaca-se uma maior
facilidade em realizar o trabalho fora da sala de aula, com os estudantes mais novos,
principalmente os do 5° ano do Ensino Fundamental, que demonstraram mais interesse e
espontaneidade para a prática ao ar livre, além de apresentarem maior empenho na
participação de dinâmicas e outras atividades em grupo. Análogo a essa reflexão, em Arruda
(2007. In: Corrêa e Preve, 2007, p. 223) encontra-se a ideia em que:

A possibilidade de trabalhar aspectos intelectuais junto com emocionais


tornou-se realidade a partir da educação ambiental infantil, sobretudo porque
as crianças expressam mais facilmente suas emoções e constroem
conhecimentos em brincadeiras e atividades artísticas.
65

A autora ressalta ainda a importância das brincadeiras, que além de serem uma
linguagem da criança e uma forma de conhecimento do mundo físico e social, permitem a ela
interagir com outros, viver emoções e aprender a lidar melhor com seus sentimentos.

A horta escolar e as demais atividades realizadas mostram-se como importantes


ferramentas educativas, fundamentais para o processo de construção de uma educação
emancipatória. Estando de acordo com Loureiro (2010), quando diz que as hortas escolares
são utilizadas como instrumento educativo, auxiliando na busca de uma visão crítica dos
modos de produção que envolvem a relação sociedade-natureza, além de promover o uso de
temas motivadores que permitem discutir e vivenciar valores e questões práticas como
cooperação, participação, responsabilidade socioambiental, segurança alimentar, inclusão
social, geração de renda e recuperação de áreas degradadas. Ferreira (2008) aponta que a
Horta Escolar pode ser um laboratório vivo para diferentes atividades didáticas. Possibilita a
relação entre diferentes conteúdos, além de colocar em prática a interdisciplinaridade e
estimular uma alimentação saudável.

A transformação de espaços ociosos do ambiente escolar em um instrumento didático


agradou a toda comunidade escolar, em todas as escolas participantes, que direta ou
indiretamente contribuiu com essa ação. Neste ponto, há uma semelhança com o trabalho de
Stumpf (2012) que também aposta na transformação do espaço escolar como estratégia de
mudança da estrutura educativa, em uma visão de trazer o ensino mais para fora da sala de
aula, com a criação de salas de aula ao ar livre e a realização de atividades mais práticas e
dialógicas, com conteúdos mais significativos para o aluno, proporcionando o aumento do seu
interesse. O mesmo autor ressalta ainda a importância da Permacultura para a realização de
um trabalho como este, pelo fato de possibilitar a prática da integração entre uma visão
sistêmica de mundo, aprendida no funcionamento dos ecossistemas naturais, e a cultura dos
povos (incluindo resgates da ancestralidade), o engajamento político, a participação, a
conquista da autonomia.

“A Permacultura na sala de aula é o programa de educação ambiental em ação” afirma


Legan (2004). Jacintho (2007) traz uma reflexão semelhante, demonstrado que “a
Agroecologia e os sistemas permaculturais são propriamente a inserção ecológica nos
sistemas produtivos humanos”. Agroecologia e Permacultura caracterizam-se como
importantes ferramentas para a construção de uma Educação Ambiental Crítica e ao mesmo
tempo Naturalista, por estimular o diálogo sobre as problemáticas socioambientais, propondo
66

mudanças no modelo de sociedade, e valorizando a aprendizagem a partir da prática cotidiana


de observação da natureza. Como é visto em Peneireiro (2002) a partir da compreensão de
como funciona uma floresta, podemos identificar alguns mecanismos que devem ser
considerados para idealizarmos sistemas de produção mais sustentáveis e produtivos.

Através do diálogo com a literatura existente sobre a utilização da Agroecologia e


Permacultura como ferramentas educativas, observou-se uma intensa semelhança entre os
princípios metodológicos adotados entre estes trabalhos, onde em geral foram utilizados os
fundamentos da etnografia e da pesquisa-ação (JACINTHO 2007; DEEGAN e OLIVEIRA,
2009; EVANGELISTA, 2010; SALGADO, 2011; STUMPF, 2012).

Durante os encontros realizados com a turma, pôde-se observar um forte entusiasmo


para a participação das atividades, principalmente em relação à proposta de visita à UFRB no
Dia de Campo. A direção e o corpo docente se mostraram muito interessados em colaborar
com o projeto. Foram encontradas algumas dificuldades, semelhantes àquelas encontradas por
Stumpf (2012) em que a falta de financiamento e de recursos materiais, a ausência ou
escassez de informação sobre a Permacultura e outros temas trabalhados, por parte dos
professores e estudantes, são apontadas como algumas limitações encontradas.

Em nível de estratégia, buscou-se a aproximação com outras experiências educativas,


que não abrangem apenas o espaço escolar, a partir de estudos sobre escolas urbanas, escolas
do campo, e outros espaços onde ocorram iniciativas de trabalhos comunitários com
princípios semelhantes aos propostos pelo projeto. Essa busca propiciou novas leituras,
resultando na ampliação do conhecimento.

A Horta Mandala, localizada na área dos Diretórios e Centros Acadêmicos na UFRB


em Cruz das Almas, construída a partir de mutirões organizados com estudantes desta
instituição, vem se consolidando como uma importante ferramenta para o amadurecimento da
proposta deste projeto, contribuindo com o fortalecimento das iniciativas de extensão
universitária. A realização do trabalho de forma coletiva, através de mutirões, além facilitar e
tornar mais prazerosa essa prática, mostra-se como um importante elemento cultural, utilizado
por várias populações tradicionais ao logo da história da agricultura e da construção social,
como é destacado em Silva (2008).

Conclusões
67

A comunidade escolar, como parte integrante da sociedade, se apresenta como uma


unidade amostral desta, onde são reproduzidas as problemáticas sociais, ambientais,
econômicas e culturais. O estudo e a caracterização do Ecossistema Escolar auxiliaram no
processo de construção do conhecimento de forma interdisciplinar e prática, corroborando
com um melhor entendimento das problemáticas socioambientais de forma contextualizada à
realidade do ambiente escolar.

Uma horta comunitária escolar e as demais atividades complementares a esta, como


espiral de ervas, compostagem, entre outras, caracterizam-se como ferramentas didáticas de
fundamental importância, podendo ser utilizada como um laboratório vivo para aulas práticas
de diversas disciplinas, principalmente das ciências naturais. Estas oferecem uma
possibilidade de abordagem sistêmica dos conteúdos, facilitam o processo de construção do
conhecimento vinculando cultura popular com o conhecimento científico, auxiliando numa
formação integrada, totipotente e multireferenciada, que estimula a utilização das várias
linguagens incorporadas pela comunidade. Instigam a reflexão e o debate sobre temas
importantes como a segurança e soberania alimentar, reciclagem, relação homem-natureza,
entre outros. Proporciona um local tranquilo e agradável para a comunidade escolar, onde
antes, geralmente, existiam espaços ociosos e mal utilizados. Além de estimularem uma
melhor relação entre estudantes, funcionários e professores, que compõem a comunidade
escolar.

Nas últimas duas décadas a Permacultura e a Agroecologia vêm ganhando força no


cenário nacional, principalmente a partir das lutas dos movimentos sociais populares e grupos
autônomos que se reúnem para construir de forma coletiva um novo modo de se pensar e
viver no mundo. A Permacultura até então é pouco conhecida pela população em geral, porém
a Agroecologia vem conquistando importantes espaços nas escolas e universidades. O caráter
educativo e revolucionário presentes nestas “ferramentas” tornam possível um processo
emancipatório da educação, capaz de colaborar com a construção de um caminho em busca da
transformação da sociedade.

Referências
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Brasil e no Estado de São Paulo, 2008. Disponível em: <
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70
71

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PRÁTICA DOCENTE NAS ESCOLAS DO


CAMPO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Fabiana Correia Moura, Pedagoga - (UESB) Especialista em Gestão e Educação Ambiental –


( UNIBAHIA), Pós – Graduando em Direitos Humanos e Democracia / UESB.

Resumo: O presente trabalho trata-se de um breve relato de experiências docentes em


Educação Ambiental em escolas do campo da Rede Municipal de Poções – Bahia como
proposta pedagógica do Programa Despertar convênio SENAR ∕ FAEB. As ações aqui
apresentadas foram fruto de um projeto intitulado como Projeto Plante Vida: Construindo
Conceitos e Práticas Sustentáveis na Comunidade Rural do Jabute. Dentre as diversas
atividades que integraram o projeto as principais foram: Aulas de campo, Intercâmbios,
oficinas de reciclagem, rodas de leitura, leitura de imagens, palestras, passeios, encontros
culturais e produções artísticas e cursos de aprendizagem rural. Em suma, as possibilidades de
trabalho em educação ambiental em escolas do campo são múltiplas e necessárias, porém
requer formação docente, compromisso político e ideológico e condições de trabalho, um dos
grandes desafios da atual conjuntura.

Palavras – chave: Educação do Campo; sustentabilidade, cidadania; justiça social.

Introdução

A Educação Ambiental emerge no contexto contemporâneo, como caminho para a


construção de um novo paradigma cultural, social, econômico e educacional. Segundo
Guimarães (2004) A Educação Ambiental é a resposta a uma demanda gerada pela crise
ambiental, atualmente já reconhecida por uma parcela significativa da população mundial.
O olhar naturalista para a questão socioambiental acaba limitando as ações
pedagógicas numa perspectiva minimalista, transgredir este olhar é imprescindível para a
construção de um entendimento que meio ambiente e sustentabilidade implica em justiça
distributiva, respeito à diversidade cultural, direitos humanos assegurados e cidadania ativa.
Sustentabilidade se constrói na preservação não apenas dos recursos naturais, mas dos sociais,
culturais e humanos.
A situação de vulnerabilidade da vida no semiárido, especificamente na caatinga é
gritante, seca, pobreza, exclusão, marginalidade atravessam o seio de diversas comunidades
72

rurais como, por exemplo, a comunidade rural do Jabute no município de Poções


(Assentamento da Coelba).
O projeto Plante Vida, executado nesta comunidade no ano letivo (2011) pode não ter
provocado plenamente todas as mudanças necessárias, mas com certeza, foi um dos meios
para fortalecimento do associativismo, de mudanças de atitudes da comunidade no tocante a
preservação ambiental, promoção da igualdade e lutas políticas.
A Educação ambiental, especialmente nas sereis inicias do Ensino Fundamental, foca -
se prioritariamente na construção de valores, atitudes e hábitos, não se resumindo neste caso a
mera decodificação de conceitos. Este princípio estende-se as demais faixas etárias, tendo em
vista que a compreensão da importância da biodiversidade deve partir do próprio contexto.
Contudo, também é necessário que se perceba a degradação ambiental como uma questão
planetária e global, ou seja, é preciso pensar do solo onde se pisa para a conexão com o
mundo em sua totalidade, pois a biodiversidade representa a vida em sua plenitude e inteireza.
Entende-se por diversidade biológica a variedade de organismos as mais diversas
origens e ecossistemas. Perceber e reconhecer o conceito de biodiversidade é fundamental
para a compreensão da problemática ambiental de forma ampla e sistêmica. Recuperar a
harmonia entre o homem e a biodiversidade tornou-se urgente diante da condição de
degradação ambiental e da perda das mais diversas espécies que se acelera a cada dia.
Como afirma Guattari (1990, p. 9) não haverá verdadeira resposta à crise ecológica
não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução
política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais.
Portanto, sustentabilidade e desenvolvimento local se consolidam com participação, políticas
públicas efetivadas, escolas estruturadas e profissionais qualificados e valorizados.
Não se pode manter a discussão sobre a sustentabilidade ambiental num viés
naturalista simplesmente, não se trata apenas de discursos pontuais e ações minimalistas, é um
processo que requer envolvimento, troca, é pensar no povo, com o povo e para estes. E reside
aí o grande desafio, como afirma Boff (1986), “que é o de deixar de lado as ideologias para
adotar valores humanitários e universais”.
Nesta perspectiva que o presente projeto foi de extrema relevância uma vez que,
possibilitou o debate, a troca de saberes e práticas de forma dinâmica e interativa, onde na
coletividade buscaram-se caminhos para a melhoria da qualidade ambiental local que
certamente reflete-se na qualidade de vida no semiárido, especificamente, numa região da
caatinga no município de Poções.
73

A caatinga é o único bioma inteiramente brasileiro, localiza-se nos estados do


Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia
e norte de Minas – Gerais. É uma vegetação característica do clima semiárido, apresentando
chuvas escassas e irregulares temperaturas média e elevada, a vegetação é representada por
cactáceas, arbustos e pequenas árvores. Os arbustos normalmente possuem espinhos, as mais
comuns são o mandacaru, o xiquexique e o facheiro. (SENAR, 2006, p. 36)
Com base neste breve panorama sobre a biodiversidade da caatinga, percebe-se que as
condições climáticas e vegetais do bioma, acarretam dificuldades de sobrevivência e
consequentemente a vulnerabilidade das comunidades locais. Portanto, a execução desta
proposta partiu necessariamente das condições locais de sobrevivência e qualidade de vida,
onde a Educação Ambiental surge como ferramenta de orientação e implementação de
atitudes de promoção da sustentabilidade para que a luta pela recuperação e manutenção da
biodiversidade local e global torne-se prioridade no cotidiano da comunidade. Este trabalho
teve como objetivo geral compreender a problemática socioambiental e seus múltiplos
aspectos visando através de práticas educativas e da organização político-associativa a
promoção do desenvolvimento local sustentável para qualidade de vida no campo,
especialmente no semiárido. Em linhas específicas este trabalho objetivou:
 Reconhecer o meio ambiente como o espaço em que vive e o cerca;
 Construir conceitos e práticas de preservação da biodiversidade local e global;
 Assumir novas posturas na escola, em casa e na comunidade pautando-se numa
cultura sustentável;
 Cultivar a organização política e a prática do associativismo;
 Valorizar desde cedo à diversidade natural e sociocultural.

Justificativa

As questões socioambientais tornaram-se tão necessária e urgente que atravessa hoje

os diversos espaços e seguimentos da sociedade, uma vez que é evidente e lógico que o

direito a vida está intrinsecamente ligada às condições ambientais, não basta um discurso

regulador ou minimalista sobre saúde, educação e meio ambiente.

A trajetória humana dentro do processo de povoamento da Terra fez uso de recursos

naturais renováveis e não renováveis. Com o surgimento e o crescimento dos centros urbanos
74

os mecanismos de consumo e exploração da biodiversidade tomaram proporções e dimensões

preocupantes (SENAR, 2009). Neste sentido a luta pela manutenção da biodiversidade deve

ser compreendida como uma luta de dimensão social, política, econômica e cultural.

O respeito a vida e a “biodiversidade” é uma questão de sobrevivência, pois o planeta

vivo, nada mais é que uma cadeia de vidas interdependentes. A realização dos diversos

processos ecológicos que ocorrem na natureza depende, direta ou indiretamente, dos seres

vivos e de sua relação de interdependência, a interação entre os seres é que vai possibilitar a

adaptação das variadas formas de vida as mais diversas condições ambientais (SENAR, 2006,

p. 39).

A utilização dos recursos naturais fornecidos pela biodiversidade ocupa lugar de

destaque na sociedade por ser importante fonte renda e sustento. Na Amazônia e no Nordeste,

a empregabilidade é bastante movimentada baseada em atividades extrativistas (SENAR,

2006, p. 43).

Partindo destes pressupostos é evidente que a manutenção da vida e da biodiversidade

é o grande desfio do século. Consequentemente a promoção da sustentabilidade ambiental em

sua efetividade é a resposta para tal problemática. Trata-se de mais falácias ou discursos, mas,

de um processo que implica em transformação de estilo de vida, padrões de consumo e

distribuição de renda. A Educação Ambiental emerge neste contexto como uma ferramenta

indispensável na construção da cultura para a sustentabilidade.

A execução deste projeto justificou-se no atendimento da proposta de Educação

Ambiental fomentada pelo Programa Despertar, com a temática Biodiversidade e com base no

diagnóstico inicial sobre a comunidade rural do Jabute, que permitiu avaliar as demandas da

escola e da comunidade, principalmente por tratar-se de uma região da caatinga onde escassez

de água, pobreza e dificuldades de aprendizagem atravessam o cenário local.


75

Com apenas uma breve observação na região do Jabute já foi possível perceber as

condições de vulnerabilidade e de perda da biodiversidade. Está claro que a biodiversidade é

uma das propriedades fundamentais da natureza, além de ser grande manancial em potencial

de uso econômico, é a fonte para as atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais.

Portanto, vale ressaltar que a transformação social é um processo contínuo, ou seja,

implica em dizer que a mudança não ocorre da noite para o dia, mas isso requer continuidade

e consciência de que semear é fundamental. O homem é a síntese de múltiplas determinações

e a educação como instrumento de transformação social, propondo instrumentalizar os

sujeitos sociais para uma prática social transformadora. Nesta perspectiva, o ensino e as

práticas pedagógicas devem proporcionar o acesso aos conhecimentos acumulados

historicamente e formar o aluno cidadão crítico e consciente (SAVIANI, 1995).

CONTEUDOS TRABALHADOS

 Programa Despertar: Apresentação da proposta


 Ecologia: noções básicas
 Biodiversidade e Biomas: Mata e Caatinga
 Educação ambiental e o lugar onde vivo.
 Água: ciclo, a escassez e suas conseqüências.
 Higiene e Saúde: Hábitos de higiene
 A natureza e seus recursos;
 Solo: conceitos e manejo adequado
 As queimadas;
 O Lixo: Uso descarte reaproveitamento
 Os animais;
 Associativismo, Cidadania e Produtividade.
 Diversidade Cultura.
76

Resultados alcançados

Como todo projeto de caráter pedagógico, a execução desta proposta ocorreu em


etapas tendo em vista atender as especificidades curriculares e locais e a temática orientadora,
ou seja, Biodiversidade, visando à promoção da Educação Ambiental numa perspectiva
interdisciplinar, considerando a grande importância dos aspectos naturais e culturais
construídos socialmente na luta pela efetivação da sustentabilidade como um processo
contínuo e como instrumento de valorização da comunidade e do sentimento de pertença.
De acordo com Freire (1980, p. 37) cada relação de um homem com a realidade é,
deste modo, um desafio ao qual deve responder de maneira original. Não há um modelo típico
de resposta, senão tantas respostas diferentes quantos são os desafios. Para que se compreenda
a multiplicidade de respostas e conceitos construídos durante o processo, a avaliação assume
três momentos, o diagnóstico, o acompanhamento das ações e por fim se traça um produto do
que foi construído até determinado ponto e este vai indicar os desafios futuros. Partindo deste
princípio a avaliação final foi executada através da apresentação de um diário digitalizado
com fotografias de algumas das ações desenvolvidas, neste momento foi importante colher
depoimentos da comunidade sobre o programa e as atividades, percebe-se um forte sinal de
transformação na fala de Eziana Santos, Presidente da Associação dos Moradores do Jabuti “
Este projeto deveria ser constante, espero que permaneça na comunidade, a parceria entre a
escola e a comunidade além de nos fortalecer politicamente abriu a nossa mente para coisas
que não conhecíamos ou não compreendíamos.”

Considerações finais

Os desafios e vontades com certeza não se encerram, este projeto foi pensado com
base no diagnóstico sobre os desafios e limites locais na promoção do desenvolvimento local
sustentável, logo não se pretende apontar um caminho de conclusão ou finalização, pois se
espera que este trabalho resulte sempre num recomeço, na redescoberta.
Transformar culturas é o objetivo maior que se assume como educador ambiental e
isso ultrapassam os limites conteudista e as grades curriculares rígidas e fechadas. Perceber a
sustentabilidade como grande tarefa necessária e urgente para a sociedade é o primeiro passo
para assumir o legado de enfrentamento de apresentar ao mundo outras respostas e
77

possibilidades de uso dos recursos naturais e da produção, consumo e distribuição dos bens,
materiais e imateriais.
O importante é advertir que as respostas que o homem dá a um desafio não
muda só a realidade com o qual se confronta: a resposta muda o próprio
homem, cada vez um pouco mais, de uma forma diferente. Pelo jogo
constante destas respostas o homem se transforma no ato mesmo de
responder (FREIRE, 1980, p. 37).

Por fim, é preciso está inserido e vivenciar os anseios e as problemáticas da


comunidade, o que para muitos pode soar como demagogia, mas é preciso caminhar junto,
entender as angustias discutir soluções e apontar novos rumos. Evidentemente esta não é
tarefa fácil, custa muito menos executar uma série de planos e atividades didático-
pedagógicas absolutamente técnicas, mas esta é uma escolha que parte do projeto político
pedagógico de vida e de existência de cada ser humano, de cada profissional.
Em suma, educar para a cidadania planetária implica muito mais do que uma filosofia
educacional, do que o enunciado de seus princípios. , clama-se por uma revisão dos
currículos, uma reorientação de visão de mundo da educação como espaço de inserção do
indivíduo não numa comunidade local, mas numa comunidade que é local e global ao mesmo
tempo. O importante não é de que lado se está, mas de que lado se luta. O que conta não é a
origem de classe, e nem a situação de classe, mas a posição, a opção e prática de classe. Trata-
se de passar para o povo de situar-se do lado na luta por uma nova sociedade (BOFF, 1986, p.
17). Esta nova sociedade deve necessariamente estar alicerçada em quatro pilares básicos:
educação, trabalho, democracia e sustentabilidade.

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SENAR – AR/ BA. Coleção Vida e Meio Ambiente: Manuais do Professor:
Biodiversidade. Salvador, 2009.
79

IDENTIDADE NEGRA, UMA TEMÁTICA DISCUTIDA


SUPERFICIALMENTE DENTRO DA SALA DE AULA, NA ESCOLA
MUNICIPAL Dr. ABÍLIO FARIAS, EM UMA COMUNIDADE NEGRA
RURAL: REFLEXÕES E DIFICULDADES DE UMA BOLSISTA PIBID.
Fabricia Vieira dos Santos (UNEB)

RELATO DE EXPERIÊNCIAS

RESUMO: O presente artigo nasceu das observações e das atividades realizadas na Escola
Municipal Dr. Abílio Farias, localizado no povoado do Mucambo em uma comunidade negra
rural. As atividades iniciaram-se no período de Julho do ano de 2012, e ainda se encontra em
andamento. A metodologia utilizada foi à abordagem qualitativa do tipo pesquisa de campo.
As observações e atividades, e a coleta de dados na escola, tiveram suas origens, no
Programa Institucional de Iniciação à Docência, o (PIBID). O programa (PIBID) tem como
objetivo, nortear a importância da relação entre Universidade - Comunidade, como espaços de
construção da identidade do pedagogo. Através da temática central, que é as questões étnicas-
raciais, podemos salientar as dificuldades e aflições que circulam as mentes das crianças, e
dos adultos ali inseridos. Podemos também observar as dificuldades de se trabalhar a historia
do povo negro, uma vez que a comunidade em questão é uma comunidade que possui quase
em sua totalidade pessoas negra, porem não se vê como tal. Com cautela, o referente artigo
veem infelizmente fragilizado, por falta de mais fontes, e da colaboração tímida de
professores e alunos no ambiente escolar, em desdobrar a dificuldade de se trabalhar a
identidade racial, e o papel dos discentes nesse processo, que vai além dos anseios atuais, são
acima de tudo aspirações antigos, porem, com sede de estabelecer uma discussão e uma
reflexão sobre a temática, dentro da sala de aula, traremos relatos do que foi constatado,
através de observações e questionários. Os autores ajudarão a salientar e aprofundar está
discussão, são eles: O’DWYER, (2002), RIBEIRO (2006), MOREIRA (2008), FREIRE,
2010, SANTANA, (2011).

Palavras-chave: PIBID; Identidade negra; Educação; reflexão, História.

Introdução

O referente artigo nasceu da observação e das atividades realizados na Escola


Municipal Dr. Abílio Farias, nos parâmetros do povoado do Mucambo, em uma comunidade
negra rural. Observações e atividades tiveram como percussor o Programa Institucional de
Iniciação à Docência- o PIBID. A comunidade já citada tiveram suas atividades iniciadas no
período de Julho do ano de 2012, que ainda se encontra em andamento. A metodologia
utilizada foi à abordagem qualitativa do tipo pesquisa de campo.

Tendo em vista que, os Subprojetos desenvolvidos pelo PIBID na Escola Municipal


Dr. Abílio Farias, foca em aspectos da Educação Étnico-racial, e como os docentes contempla
tal temática em suas metodologias, partindo da Lei 10.639/2003 e a Lei 11.645/2008, que
80

determinou a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” no


currículo oficial da rede de ensino fundamental e médio nas escolas públicas e particulares do
Brasil, esse artigo, vem com a intenção de abordar os dados já coletados, problematizá -los e
provocar nas pessoas lá inseridas, e fora da comunidade uma reflexão acerca das questões
étnicos- raciais, e entre as bolsistas ID, uma reflexão da própria pratica docente, e a tarefa
árdua que essa trajetória acarreta .

Diante das observações, atividades, do questionário e principalmente diante das


conversas informais, constataram-se que a identidade negra, é trabalhada superficialmente
dentro da sala de aula, e que essa temática é pouco discutida dentro da própria comunidade,
algo surreal, já que a comunidade em questão é, quase em sua totalidade, NEGRA.

Para a compreensão desta realidade, retrocederemos a alguns séculos. Ancoraremos,


portanto, no quadro escravocrata à que nossa sociedade brasileira estava submetido, e
portando na parte da história em que nós, os negros, começamos a traçar a nossa historia, que
ainda hoje ainda se encontra em construção. Sucinta reflexão vale ressaltar, perante a
histórica, relatada aqui nesse artigo, pois requer maiores dados, e especificidades.

O período escravocrata desconsiderou velozmente a cultura negra, suas crenças,


ideologias, idiomas, e principalmente o negro como ser humano. Seres estes, submetidos ao
trabalho escravos entre os engenhos e as minas.

Nos dois casos, os negros se viram incorporados compulsoriamente à


comunidade atípica, porque não estavam destinados a atender às
necessidades de sua população, mas sim aos desígnios venais do senhor”.
(RIBEIRO, 2006.p.103).

Assim, os negros concentravam-se nas atividades puramente mercantil,


desempenhando importante papel no desenvolvimento da formação da sociedade, e com
excelência, nas questões econômicas. Sendo assim:

A empresa escravista, fundada na apropriação de seres humanos através dos


castigos mais crua e da coerção permanente, exercida através dos castigos
mais atrozes, atua como uma mó desumanizadora e deculturadora de eficácia
incompatível’. (RIBEIRO, 2006.p.106).

Diante dessa realidade, atua-se um ser meramente oprimido, e impedido de exercer


qualquer atividade prazerosa, tendo como função, única e exclusiva de servir, e com máxima
excelência, os senhores. Estes por sua vez, davam-lhes a “sorte”, de andar maltrapilho, a
81

negação aos estudos, sofrer castigos diários, como, chicotadas ou ainda, um dos piores males,
serem marcado com ferro em brasa, em decorrência, nas inúmeras tentativas de fugas, já que a
morte, já era realidade, em decorrência do desgaste físico, das condições subumanas há que
estavam submetidos. E ainda por saber que suas crenças e tradições estavam sendo destruída,
para eles a morte pareciam um dos menores males, pois sabiam que ‘ nenhum povo que
passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado
indelevelmente’ (RIBEIRO, 2006, p.108).

Assim, chegamos a tão sonhada forma de “liberdade” que os negros, outrora,


idealizavam, e colocaram em pratica, ainda que, em muitas vezes, que está liberdade, custasse
à vida de irmãos. Essas zonas de segurança eram designadas pelo nome de Quilombos7.

Os surgimentos dos Quilombos brasileiros, segundo Santana, (2011, p. 27)


constituíram não apenas como espaços de resistência, mas também de construção e
organizações sociais alternativas que pudesse ter a capacidade de promover a liberdade e a
igualdade. Um dos Quilombos mais famosos, sem sombra de duvida foi o Quilombo de
Palmares, que conseguiu de forma organizada, efetivar uma militância, e pressionar o fim da
escravidão. Infelizmente tal competência, não foram o suficiente para que este Quilombo
fosse em pouco tempo destruído e seus lideres dizimados. Reconhecendo a importância deste
acontecimento, e a morte de seu líder, Zumbi dos Palmares, comemora-se no Brasil o dia 20
de novembro, o dia da consciência negra.

Para não alongar muito, e correr o risco de acabar me tornando, copiosamente


repetitiva, entrarei no foco central desse artigo, não que a discussão acima, não fosse de
relevância, pelo contrario, se torna fundamentos mais que indispensável nas minhas criticas e
reflexões.

Nessa linha de raciocínio, e que chegamos ao Mucambo. Pela falta de documentos,


tentarei de forma zelosa, desdobrar o surgimento desse povoado, com o que tenho em mãos, e
o que foram observados nas falas, em conversas informais e nos questionários, e pelo texto de
dissertação do professor Mestre, Edson Carvalho Souza Santana.

Segundo Santana (2011, p.40), o povoado é divido entre o Mucambo de baixo, e


Mucambo de cima. Para alguns, a povoação ocorreu devido o agrupamento de ex-escravos

7
SANTANA, ( Apud, Munaga ,2009,p.92-93) “ De origem da língua umbundu de Angola, “ quilombo” é uma
aportuguesamento da palavra Kilombo, cujo conteúdo remete a uma instituição sociopolítica e militar que
resulta de longa historia [...]”
82

oriundos das lavras de diamante da Chapada Diamantina, em busca de dinheiro e condições


melhores de vida. Já para outros, a sua formação se deu em decorrência da doação de terras,
realizadas pelos fazendeiros, aos seus “ex-serviçais” com o fim do período escravocrata.

Aparentemente a relação entre o Mucambo de baixo onde ficam os negros, e o


Mucambo de cima, pertencente ao povo branco, é harmoniosa, porem, os anseios que ali se
aglomeram, vai além de olhares rápidos, e observações meramente de um “estrangeiro”, que
nada sabem, das dificuldades diárias de seus moradores, e o que ali acontece entre eles. E é
tentando tirar esse véu que, inconscientemente produzimos, tentaremos aprofundar a
discussão.

Infelizmente, apesar das inúmeras mazelas que o povo negro foram submetidos
antigamente, ainda sofrem cruelmente as conseqüências nos dias de hoje. Falta de
oportunidade, preconceito, racismo. Resultado invariavelmente de uma disseminação de uma
“democracia racial”, que tornar alguns negros, passíveis, e acomodados diante das injustiças,
e principalmente das lutas enfrentados por alguns civis, e consolidada por alguns movimentos
sociais, como o próprio movimento negro. Prova disso, foi a vitoria, diante das cotas, que
ainda hoje é motivo de muitas discussões. Principalmente diante as incertezas que assolam as
mentes de alguns indivíduos, que infelizmente, não os fazem olhar além. Além do sistema, e
muito menos das dificuldades encontradas pelo o povo negro, devido às injustiças históricas a
que esse grupo estava submetido, e especialmente da discrepância entre as oportunidades
entre os brancos e os negros. Como por exemplo, se as cotas, são apenas mais uma forma de
racismo, um apartheid escolar, ou um direito, diante de um povo, que ajudou a construir com
suor e sangue a sociedade brasileira, e que outrora, só recebiam em troca, humilhação,
chibatadas, dor.

Entrando nas questões cruciais que compõe este artigo, desdobraremos através de
observações, atividades e questionários, realizadas pela equipe do PIBID, a relação entre
escolas- comunidade, papel docente, e experiência de uma bolsista ID, em relação às questões
étnicos- raciais que circulam entre as crianças e adultos da Escola Municipal Dr. Abílio
Farias.

Dados, observações, atividades e reflexões:


83

As observações e atividades e questionários, realizadas no Mucambo, na Escola


Municipal Dr. Abílio Farias, constataram-se que as crianças ali inseridas, recebiam
superficialmente conteúdos relacionados às questões étnicos- raciais, e que pior, não se viam
como indivíduos de uma comunidade negra.

Infelizmente, atitudes racistas, e de autonegação da identidade negra, foram


observadas tanto entre as crianças, quanto entre os adultos. As crianças utilizavam de
humilhação diante da aparência de algumas crianças, usando constantemente estereótipos.
Observo, ainda que, ao serem chamados de negros, tendem primeiramente a disseminar falas
racistas e preconceituosas. Sempre se referem ao negro, como coitados, como povos
azarentos, mas em nenhum momento, se colocam dentro desse grupo, e o mais incrível é que
ainda, em algumas crianças a que tive contato, se denomina como marrons, cor de chocolate,
mas em nenhum momento, como negros.

Por outro lado, nos, as bolsistas ID, estávamos timidamente, em meio a discussões
existente na comunidade, se ela é ou não é uma comunidade quilombola. Percebemos que as
pessoas em que estávamos em contato, não concordavam com o termo, e ainda, comentavam
que ali, não existiam nenhum descendente de escravos. Medo este, aflorado pelo temor de
perder suas terras, de serem jogadas em terras longínquas de suas casas já construídas, e
principalmente por acreditarem que uma vez, reconhecida como comunidade quilombola, as
pessoas ali inseridas, serão afetadas pelo preconceito, piadas, falta de oportunidade, que os
livros didáticos e a mídia exploram. Assim, nasce a reflexão:

(...) quem é que se julga autorizado a dizer o que o “outro” é? Quem é que
define a identidade do outro e, ao fazê-lo, chama a si o poder de permitir ou
de vetar? É nesse quadro da ampliação que sobressai como “legítimo” o
dispositivo autoritário que traça os novos limites das identidades e dos
territórios tidos agora como “étnicos”. (O’DWYER, 2002, p. 76).

E ao fazê-lo, quem assume os riscos, de uma geração preconceituosa, passiva e


alienada?. São reflexões que particularmente me atormentaram ao tomar conta da realidade
dessa comunidade. Como poderia eu, uma jovem negra, estudante de pedagogia, que nunca
teve contato com uma sala de aula, e muito menos de uma realidade étnica conflituosa,
poderia emergir nesses indivíduos uma consciência da sua identidade?. Então, através dos
textos, que o coordenador do PIBID, Edson Carvalho,disponibilizou para o grupo,
conseguimos desenvolver atividades que valorizasse a identidade negra, e conseguisse através
da educação, passar valores e conceitos primordiais a convivência social, como o respeito,
84

amor, humildade e honestidade. Já que inegavelmente o Brasil, tornou-se um agente ativo na


“prática da discriminação e do racismo oficial, uma vez que durante longo período, proibiu a
população negra de frequentar a escola formal” (SANTANA, 2011. p28).

Acreditando que a educação é uma ferramenta de superação das desigualdades e


possibilidade de ascensão social de um individua, além de promover a “sensibilidade para o
reconhecimento das diferenças (de gênero, étnico-raciais, religiosas, de orientação sexual.
Etc.” (MOREIRA, p. 8), é que o referente artigo, constitui-se com atividades que estimulam a
valorização da identidade negra, apropriação da cultura e da historia do povo negro, além de
despertar nos docentes e nos próprios alunos a auto-afirmação, e a reflexão e da pratica
docente. Pratica esta, que vai além do ato de ensinar, e principalmente vêem mutuados de
questões históricas, econômicas e culturais. E é através dessas reflexões que percebemos que
você apenas se move como educador, porque, primeiro, se move como gente. (Freire,
2010,p.95).

Assim, analisou-se que infelizmente, as crianças da Escola Dr. Abílio Farias, já estão
infectados pelos os termos preconceituosos, ao se referirem a seus colegas de turma, por
macacos, marrons, neguinho, urubu, o que me deixou, em alguns casos com aparência e
sentimentos perplexos.

Com a ajuda de historias, como da Menina Bonita do Laço de Fita, conseguimos


aflorar a consciência dessas crianças, e de seus professores para a identidade étnica. E
esperamos, como futuras educadoras, que esses esforços não se tornassem em vão, depois do
término do programa, e dos subprojetos na escola.

Diante disso, o PIBID, tornou-se uma possibilidade enriquecedora para a minha


trajetória profissional como educadora. Sabendo que a realidade das escolas, principalmente
as públicas requer atitudes, que extrapolam as teorias adquiridas em uma universidade,
demanda um ser com olhar critico, politizado, e especialmente um ser mais humanizado.

Assim, concluímos este artigo, ressaltando a importância do PIBID, como um


programa que atua como instrumento relevante para a formação profissional dos estudantes.
A educação como ferramenta de mudança social, que configura-se como uma educação não
de anjos, mas sim de mulheres e de homens (FREIRE,p.36), e primordialmente os indivíduos
como sujeitos históricos, pertencentes a grupos e situações com particularidades próprias.
85

Constatamos também entre as crianças que o “racismo brasileiro é que ele não incide
sobre a origem racial das pessoas, mas sobre a cor de sua pele”. (RIBEIRO, 2006, p.206).
Quanto mais escura for à cor da pele do individuo, mais apelidos pejorativos ele recebi. Mas,
também percebemos que durante as atividades, despertamos atos consciente em alguns
alunos, que salientaram que, o preconceito é algo errado, e “ machuca e traz sofrimento”. Fala
de uma criança y, da II serie, da Escola Municipal Abílio Farias.

Os anseios aqui salientados a qual me submeti a problematizá-los, tentar solucioná-las,


e que ainda se encontra em andamento, vão além dos indivíduos, e suas “certezas”, esbarram
sempre nas questões históricas, e um povo ao qual não se reconhecem como quilombola, não
pode ser tratada como tal, ou ter sua historia discutida e reduzida apenas a meras
manifestações, e suposições. Debates, discussão acerca do tema, propõem que “ um grupo
étnico, só pode se afirmar sua identidade, “ a partir de seu atual nível de consciência e
organização política que o grupo reelabora sua identidade étnica, passando assim a
reivindicara identidade de quilombo e a definir-se como tal.” (O’DWYER, 2002, p. 157).

Assim, o Mucambo, segue construindo sua historia, e que hoje, conscientemente, nós,
do PIBID, fazemos parte. Relatar os problemas de um grupo não é fácil, e muito menos se
colocar como um dos agentes de transformação, mas espero que os resultados satisfatórios
cheguem visivelmente, mesmo que em longo prazo. Trabalho árduo, mais interessante, que
espero que todos os granduandas (os) em licenciatura tenham a oportunidade de ter.

Afazeres intermináveis, preocupações, compromissos, alegrias, tristezas satisfações,


êxitos, falta de matérias, questões sociais, enfim, educar sobrepõe todas as expectativas de um
aprendiz. Expectativa está, que nos coloca frente a frente com paradigmas que algumas vezes
precisam ser revistos e desmitificados. Ensinar é isso, amor incondicional perante a pratica
docente, e de seus espectadores que serão, ao seu modo de agir e as suas metodologia, alunos
ativos ou passiveis, acomodados, ou politizados. Essa tarefa, a partir de hoje, espero exercer
com a máxima de excelência possível.

REFERENCIAS

RIBEIRO, DARCY. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil- São Paulo:


Companhia das Letras, 2006.
FREIRE, PAULO. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro Paz e Terra. 2010.
86

MOREIRA, ANTONIO FLAVIO BARBOSA. Currículo: Questões contemporâneas: Sobre


a qualidade na educação básica; Salto para o Futuro. 2008.
O’DWYER, ELIANE CANTARINO. Quilombo: Identidade étnica e territorialidade/ Rio de
Janeiro; Editora FGV, 2002. 296p. Co-edição : Associação Brasileira de Antropologia.
SANTANA, EDSON CARVALHO SOUZA. ESCOLARIZAÇÃO, FESTEJOS E
RELIGIOSIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE UM QUILOMBO CONTEMPORÂNEO
NO OESTE DA BAHIA. Salvador-BA. 2011.
87

EXPERIÊNCIA DOCENTE EM CONTEXTO RURAL: DINAMIZAÇÃO


DAS AULAS DE QUÍMICA E BIOLOGIA DO EMITEC/BA

Graça Regina Armond Matias Ferreira - EMITEC/SEC/BA - ginamatias@hotmail.com


Sandra Lúcia Pita de Oliveira Pereira – EMITEC/SEC/BA – sandrapita@uol.com.br

RESUMO: A contextualização é um ícone direcionador para elaboração e direcionamento das aulas


do programa Ensino Médio com intermediação Tecnológica – EMITEC, pela Secretaria de Educação
do Estado da Bahia. Além desta característica, as atividades realizadas por intermédio da educação à
distância têm como foco os saberes locais, pautado na interdisciplinaridade, envolvendo
principalmente as diferentes áreas do saber enquadradas no Ensino Médio Regular. As disciplinas de
Química e Biologia, juntamente com Física, contemplam a Área de Ciências da Natureza e suas
tecnologias, com foco no Ensino Médio, que atua de forma conjunta elaborando atividades e
avaliações visando o conhecimento global da área. Neste sentido, este trabalho tem como objetivo
principal socializar algumas experiências realizadas nas disciplinas de Biologia e Química, durante as
aulas do EMITEC/BA; bem como o de relacionar a utilização de algumas ferramentas tecnológicas,
que tem servido como mediação para a realização das atividades e elaboração da dinamização na
produção das aulas com foco da contextualização e aprendizagem dos alunos do Ensino Médio
participantes do programa, podendo ser adaptado para outros programas EaD e até mesmo adaptadas
para serem utilizadas na modalidade presencial.

Palavras chave: Contextualização; Química; Biologia; Contexto rural.

Introdução

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9.394/96[i], em seu


artigo 3º, inciso I, um dos princípios do ensino é garantir a igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola. Portanto, garantir formas de aprendizado que motivem o
aluno e que facilitem a aquisição de conhecimentos é também uma maneira de garantir a
permanência desse aluno na escola.
O grande desafio do educador é tornar o ensino de Química e Biologia prazeroso e
instigante sendo capaz de desenvolver no aluno o saber científico. Segundo Krasilchik [ii],
verifica-se que é unânime entre os educadores a consciência de que o ensino exclusivamente
informativo, centrado no professor, está fadado ao fracasso, estabelecendo-se um clima de
apatia e desinteresse, que impede a interação necessária ao verdadeiro aprendizado.
88

Outro princípio importante presente na LDB em seu artigo 35º, inciso II, é oferecer
aos jovens, ao final de sua educação básica, uma bagagem cultural e de compreensão das
ciências, capaz de permitir a sua adaptação às mudanças e exigências do mercado de trabalho,
bem como lhes garantir a opção de um posterior aperfeiçoamento. Por isso, tona-se
importante à compreensão dos conteúdos de Biologia e Química, bem como a articulação
desses saberes com as experiências cotidianas.
Como afirma Bazzo [iii], não há o método ideal para ensinar nossos alunos a
enfrentar a complexidade dos assuntos trabalhados, mas que haverá alguns métodos
potencialmente mais favoráveis do que outros. Adequar o material didático às especificações
e às necessidades do aluno é uma forma de valorizar as experiências que ele trás de sua vida
extraescolar, viabilizando uma metodologia que estimule sua criatividade. Contudo, as
Orientações Curriculares para o Ensino Médio [iv] afirmam que é importante que o professor
perceba que a contextualização não deve servir somente para tornar o assunto mais atraente
ou mais fácil de ser assimilado. Mais do que isso, deve permitir que o aluno possa
compreender a importância daquele conhecimento para a sua vida, e seja capaz de analisar sua
realidade, imediata ou mais distante, o que pode tornar-se uma fonte inesgotável de
aprendizado.
Neste trabalho buscamos relatar uma experiência pedagógica nas disciplinas de
Biologia e Química atreladas à uma aprendizagem pautada na experimentação e ludicidade,
em apoio às Tecnologias de Informação e Comunicação aplicadas à Educação a Distância, por
Intermédio das aulas contextualizadas.

Educação a distância e ensino médio com intermediação tecnológica.

O Programa Ensino Médio com Intermediação Tecnológica (EMITEC), está em vigor


pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia, lançado em 2011, em substituição ao
Programa Ensino Médio no Campo com Intermediação Tecnológica (EMC@MPO), que
iniciou suas aulas com mediação tecnológica efetivamente em 2008. O EMITEC faz parte dos
programas estruturantes da SEC/BA e tem como objetivo principal oportunizar jovens e
adultos que, se encontram prioritariamente em localidades de difícil acesso, zona rural e
regiões mais longínquas dos centros de aprendizagens tradicionais de oferta de Ensino Médio
em suas proximidades, na Bahia.
A matriz curricular bem como os conteúdos transmitidos está pautada nos documentos
oficiais do Ministério da Educação (MEC) entre eles os Parâmetros Curriculares Nacionais
89

(PCN’s) [v]. As aulas ao vivo ocorrem geralmente em escolas-polo municipais, na presença


de um mediador, de maneira presencial, mediadas pela tecnologia à distância por meio de
plataformas modernas de telecomunicações, que inclui possibilidades de videoconferência e
acesso simultâneo à comunicação interativa entre usuários empregando IP (Internet Protocol)
por satélite VSAT (Very Small Aperture Terminal), através do software IPTV (Internet
Protocol Television).
O EMITEC se constitui em uma alternativa pedagógica para atender a três vertentes
desafiadoras da educação baiana: a extensão territorial do Estado da Bahia, constituído por
417 municípios, a carência de docentes habilitados em diferentes componentes curriculares,
sobretudo em localidades da zona rural, e a necessidade de articular o que acontece no mundo
com os acontecimentos regionais e locais desses espaços. Acreditamos que tais desafios
podem ter, na educação com intermediação tecnológica, um meio auxiliar de indiscutível
eficácia [vi]. Em relação a números, segundos dados da PRODEB [vii], atualmente o
EMITEC conta com salas instaladas em 210 localidades em 93 municípios da Bahia.
Em termos de estratégias pedagógicas, além das aulas que são realizadas ao vivo,
existe como apoio pedagógico, a inclusão digital de professores e profissionais que atuam no
programa, através de acesso a plataforma virtual pelo ambiente Moodle (Figura 01),
disponível em <http://emitec.educacao.ba.gov.br>. O ambiente é fechado aos participantes do
Programa EMITEC.

Figura 01. Tela de acesso ao ambiente virtual do EMITEC.

Através desse ambiente é realizado o contato com os mediadores atuantes, acesso às


aulas gravadas, material de apoio pedagógico, construído pelos professores de cada disciplina,
90

bem como lista de exercícios, atividades, avaliações e outros suportes pedagógicos. Nele
também é feito o contato dos mediadores com toda a equipe pedagógica e docente do
programa.
O ambiente é dividido em espaços pedagógicos por áreas de concentração relacionada
ao Ensino Médio, dentre elas, na qual se objetiva este trabalho está relacionado ao ensino de
Ciências da Natureza e suas tecnologias. Em 2013, o EMITEC inovou, já em conformidade
com as novas diretrizes, tratando a disciplina Matemática, como uma área de conhecimento a
parte, mas sempre que possível fazendo associações com as outras áreas de concentração, e
não somente com as Ciências Naturais como é comumente realizado.
As aulas, em cada disciplina, são geralmente geminadas e divididas em tempos
pedagógicos que consiste em: exposição, produção e interação. No espaço de exposição é
onde é transmitido o conteúdo propriamente dito [100’]; a produção é onde os alunos
desenvolvem a atividade, constroem, e aplicam aquele conhecimento trabalhado na aula [25’]
e por último, a interação é onde os alunos podem divulgar o que produziram, mostrando em
tempo real, o produto oriundo da atividade realizada em sal [15’]. Perfazendo um total de 140
minutos de aula por disciplina; sobre o que é trabalhado nestes últimos tempos, é que esse
trabalho pretende focar.

A contextualização em ciências da natureza e suas tecnologias.

Como sabemos, no ensino médio, o que está envolvido é o aprofundamento dos


saberes das disciplinas que compõem a Área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias,
compostas pelas disciplinas: Biologia, Química e Física. Para tanto, trabalhamos neste
programa utilizando Unidades Temáticas em cada unidade de ensino, onde os conteúdos de
cada disciplina são sempre atrelados à temática envolvida naquela unidade. Os exercícios, as
avaliações e atividades, além da elaboração coletiva de aulas interdisciplinares, que acontece
antes da realização da Atividade Dirigida – atividade na qual o aluno congrega todas as
disciplinas a cerca de uma temática -, estão relacionados ao tema em questão.
A interdisciplinaridade garante a construção de um conhecimento global e rompe com
os limites das disciplinas. Isso não corre se apenas realizarmos a integração dos conteúdos, é
necessário mais que isso. É preciso que os professores assumam uma postura interdisciplinar
que só ocorre se tomarmos a atitude de buscar, se envolver, demonstrar compromisso e
mostrar reciprocidade diante do conhecimento.
91

As aulas de ciências da natureza devem levar ao aluno à investigação científica,


fazendo com que ele tente responder às perguntas, fornecendo o mínimo necessário para que
ele desenvolva o raciocínio e traga a resposta. O que ocorre é as atividades escolares, na
maioria das vezes, acontece dissociado do cotidiano do aluno e se apresenta ineficiente no
objetivo de promover uma educação científica. A experiência docente tem mostrado que
apesar dos constantes avanços da ciência e das tecnologias educacionais observa-se que o
ensino de Biologia e Química permanecem ainda, na maioria dos casos, restrito às aulas
expositivas com mínima participação dos alunos.
Este exercício faz do professor um mediador do conhecimento, atraindo mais as aulas
de ciências para a investigação, passando pelos passos do método científico até encontrar uma
resposta ao seu questionamento. É dessa maneira que os conteúdos deveriam ser ensinados, e
que a equipe pedagógica do EMITEC se baseia, justificado com o conceito de “pedagogia da
pergunta” de Paulo Freire [ viii]: (...) todo conhecimento começa pela pergunta e pela
curiosidade, que é uma pergunta. É na pergunta que está o interesse, ou a fome pelo
conhecimento necessário para nutrir o pensamento na busca de significados.
Compartilhamos esse pressuposto, de que a educação seja ela em qualquer modalidade
de ensino, não pode acontecer sem esse princípio. A pergunta desperta e conserva a
curiosidade e a crítica e, nesse percurso, acaba melhorando consideravelmente a maneira de
pensar, imaginar e criar como resultado do exercício de diferentes habilidades e
competências. Pedagogia da pergunta: processo de aprendizagem mediado por perguntas que
permitem investigar um problema, visando o desenvolvimento do pensamento inquiridor,
crítico e criativo.
É com base neste princípio norteador, que as aulas de química e biologia traçam as
suas estratégias pedagógicas, utilizando de sequencias didáticas que induzem o aluno a refletir
sobre o seu espaço, buscando uma autonomia reflexiva e produção de atividades que
valorizem não somente o conhecimento do conteúdo trabalhado, mas valorizando o espaço e
envolvendo a criação bem como a ludicidade na construção da aprendizagem.
Os conteúdos agora são aprimorados envolvendo basicamente as competências,
relacionados no intuito de, segundo os PCN’s+[ ix] “entender a natureza, planejar, executar,
avaliar e apresentar ações de intervenção da realidade”, conforme a articulação dos saberes
envoltos no aspecto tecnológico e prática de cada disciplina de maneira contextualizada em
cada realidade, sem deixar de lado, as especificidades dos conteúdos mais gerais para o
92

desenvolvimento dos saberes que demonstrem a importância da finalidade das ciências


naturais em diferentes níveis de ensino.
Como temos diferentes localidades e, portanto realidades bem distintas, a
contextualização é um ícone, na qual buscamos trabalhar na área, levando o aluno a refletir
sobre o que o cerca, fazendo fruto de seu conhecimento e buscando a riqueza dentro da sua
própria localidade. Muitas atividades foram desenvolvidas durante esses anos e a proposta
deste trabalho e de relatar algumas atividades elaboradas e aplicadas através da Educação a
Distância, dentro das disciplinas de Química e Biologia, e que tiveram êxito e destaque em
seu resultado final. Vale ressaltar que as atividades aqui descritas podem ser reestruturadas e
aplicadas em outros programas envolvendo a EaD ou mesmo, adaptadas e serem aplicadas na
modalidade presencial.

Relatos de estratégias pedagógicas: química e biologia.

As estratégias aqui descritas visam a criação de atividades que atendam os aportes


teóricos citados nos tópicos anteriores, e que estimulem os alunos, proporcionando aulas mais
motivadoras e interessantes para a educação básica, e neste caso, em especial através da EaD,
para o ensino médio com intermediação da tecnologia.
A metodologia utilizada para realização deste trabalho foi a pesquisa ação e
bibliográfica, tendo como pressupostos teóricos Cabrera [x], Kosma [xi], Moran [xii], Pozo
[xiii], entre outras referências no campo da EaD e em Ciências Naturais, já citados no
decorrer do trabalho.
Além as atividades realizadas pela área, podemos destacar: atividades de
experimentação, resolução de exercícios, história em quadrinhos, júri simulado, construção de
modelos atômicos e anatômicos com material reciclado, confecção de cartazes, pesquisa de
campo, entrevistas, estudo oral, análise fílmica, dentre outras estratégias realizados em
diferentes contextos ao longo do ano letivo. Vamos aqui neste trabalho destacar 04 atividades
que geraram produtos importantes para o programa.
Dentre as estratégias de ensino e aprendizagem que podemos citar como bem sucedida
foi a de Construção de Paródias [xiv] relacionadas à temática “Bahia: um olhar sobre nós
mesmos”, dentro da qual, fazemos referência aos impactos positivos e negativos, que a área
trouxe para o desenvolvimento da região. A escolha do uso da paródia deve-se ao fato de ser
93

um recurso lúdico e de boa aceitação pelos estudantes, podendo ser trabalhados de forma
dinâmica e bem contextualizada, relacionando princípios de autonomia, participação, bem
como de autoria para a realização da mesma. O lúdico é uma importante ferramenta didática
como força motivadora para que o aluno construa um conhecimento. Vale ressaltar que foi
preciso desenvolver um intenso trabalho de pesquisa, para culminar em atividades que
relacione a sua localidade com os avanços na pesquisa, meio ambiente, alimentação saudável,
medicina e saúde.
Outra estratégia muito comum utilizada é a Construção de Bingo intercalando
diferentes saberes, voltados aos conhecimentos de Ciências, Método Científico, conceitos
básicos de química e biologia. Utilizamos neste ano de 2013, como revisão dos conteúdos,
retomando os principais conceitos trabalhados no ensino fundamental II, para iniciarmos o
estudo das disciplinas de Química e Biologia. Esta estratégia é bem fácil, requer poucos
recursos e é excelente de trabalhar de forma interdisciplinar os conteúdos que envolvem a
temática em questão. Esse procedimento pode despertar maior interesse por parte dos alunos
no estudo da química e da biologia que muitas vezes é trabalhado, pelos professores de forma
memorística. Portanto, essa forma de ensinar poderá proporcionar uma real aprendizagem
levando a modificação de condutas importantes.
A elaboração e confecção de vídeos educativos mostrando a realidade local, dentro da
temática “Tecnologia em Minha Vida”, buscou proporcionar um espaço em que o aluno pode
refletir e inovar, integrando as mídias no seu cotidiano. Além deste trabalho, a Construção e
Alimentação do BLOG Comunitário, é um trabalho que ocorre sempre, onde os alunos
expõem as atividades desenvolvidas durante as aulas, não somente da área de naturezas, mas
das outras áreas de conhecimento.
Vale ressaltar que toda a atividade parte de um pressuposto teórico, baseada na
construção coletiva e a Ambiente Virtual estão todas as orientações destinadas a realização
deste trabalho, sempre orientado de forma contínua pela equipe técnica, gestora e pedagógica.
Os resultados das atividades apresentadas, bem como de outras atividades, podem ser
acessadas e comentadas através do site: http://bit.ly/13rrJvn. No site é possível interagir com
as comunidades e visualizar todas as estratégias aqui apresentadas.

Considerações finais
Diante dos resultados apresentados, em turmas do ensino médio com intermediação
tecnológica, demonstra-se que uma solução possível para despertar o interesse dos alunos,
94

está na inovação e diversificação das práticas escolares. Estas deixariam de ser centradas em
ações rotineiras e conteudistas, e utilizariam estratégias motivadoras e lúdicas que valorizem o
saber científico, convidando o estudante a buscar mais informações além daquelas
apresentadas em sala de aula.
Sendo assim, os relatos aqui apresentados são relevantes como mecanismo de
promoção do conhecimento, como também de desenvolver práticas para educação na área de
Ciências Naturais e suas Tecnologias. Sabendo-se da importância da aprendizagem
significativa para a educação básica, percebe-se a relevância do trabalho descrito, não apenas
como estratégia de diversificação das aulas, mas como uma ferramenta de educação para,
atingindo os alunos, levando-o a atuar como agente multiplicador dessa ação dentro da sua
comunidade, propiciando um aprendizado significativo, revelando mais uma ação eficaz para
a garantia do exercício pleno para a efetiva cidadania.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília:MEC, 1996.
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São Paulo, 2005.
BAZZO, V. L. Para onde vão as licenciaturas?: a formação de professores e as políticas
públicas. Educação. Santa Maria, RS, v. 25, n. 1, p. 53-65, 2000.
BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio: Secretaria de Educação Básica.
Brasília: MEC. v. 2. , 2006.
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1998.
SANTOS, Letícia Machado dos (Org.) Educação Básica com Intermediação Tecnológica:
tendências e práticas. Volume 01. Prefácio. 2012.
PRODEB. Companhia de Desenvolvimento de Dados do Estado da Bahia. Reportagem:
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http://www.prodeb.ba.gov.br/modules/news/article.php?storyid=1860>. Acesso em:
10/06/2013.
FREIRE, PAULO. Pedagogia da Liberdade. São Paulo: paz e Terra. 1985.
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. PCN+
Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasilía, DF: MEC, 2002.
CABRERA, W.B. A Ludicidade para o Ensino Médio na disciplina de Biologia: Contribuição
ao processo de aprendizagem em conformidade com os pressupostos teóricos da
95

aprendizagem significativa. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação


Matemática). Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 159p, 2006.
KOZMA, Robert. Roleat Kozma’s Counterpoint Theory of "Learning with media", em
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MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos; BEHRENS, Marilda. Novas Tecnologias e
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no Ensino e Aprendizagem em Biologia. [51 -63] Capítulo de Livro. In: SANTOS, Letícia
Machado dos (Org.) Educação Básica com Intermediação Tecnológica: tendências e práticas.
Volume 01. Prefácio. 2012.
96

ENSINAR E APRENDER: EXPERIÊNCIAS DE QUEM SEMEIA A


EDUCAÇÃO NO CAMPO

Hiasmin Rodrigues / DCHIV/UNEB


Maiane Borges / (DCHIV/UNEB

RESUMO: Este artigo tem como objetivo compartilhar nossa experiência docente dentro do
subprojeto “Histórias de leitura no Ensino Médio: espaços e tempos da/na formação do(a) leitor(a)”,
do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência -PIBID, desenvolvido pelo Departamento
de Ciências Humanas – Campus IV, Jacobina-BA. As vivências fez-nos entender as histórias de
leitura dos alunos que vivem no territorial rural. Este texto buscou aportes teóricos em Demo (2006),
Morin (2005), Rios (2012), entres outros. Ao encontro dos objetivos propostos, relataremos nossas
experiências docentes em contextuais rurais, refletindo sobre as práticas leitoras e estratégias
vivenciadas pelas histórias de leitura dos nossos alunos. Este trabalho foi inicialmente desenvolvido na
Escola Família Agrícola de Jaboticaba, situada no município de Quixabeira – BA e hoje está sendo
realizado no Colégio Normal Arnaldo de Oliveira (Extensão), localizada no povoado de Caém, interior
da Bahia. A nossa prática dentro do subprojeto do PIBID assumiu um papel fundamental para a
formação do leitor, formação esta que não se limita apenas ao contexto escolar, mas que se constroem
para além dos muros da escola, entrelaçados nas diversidades culturais e sociais, construindo leitores
capazes de resignificar sua leitura a partir da realidade, de sua atuação social.
Palavras - chave: Experiências; Formação do Leitor; Prática docente no campo; PIBID.

Introdução
Acreditando na importância da troca de experiências entre docentes e discentes do
território rural, percebemos a necessidade de tecer uma prática que contemple os alunos em
atividades que envolvem a cultura da roça, e que na medida do possível busca reforçá-las,
qualificá-las a partir dos conhecimentos que estão a construir dentro da escola. Neste sentido,
o objetivo deste trabalho foi elaborado a partir das nossas experiências docentes na zona rural,
através do subprojeto “Histórias de Leitura no Ensino Médio: Espaços e Tempos da/na
Formação do(a) Leitor(a)” do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência,
coordenado pela Prof.ª Dr.ª Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios.
O PIBID é criado pelo MEC no propósito de inserir os alunos de licenciatura junto à
docência, fazendo uma relação de aprendizagem e troca de conhecimentos adquiridos no
curso. O subprojeto é desenvolvido por bolsistas, alunas do curso de Licenciatura Plena em
Letras Vernáculas do Departamento de Ciências Humanas, da Universidade do Estado da
Bahia - UNEB, com campus localizado em Jacobina-Ba. Este visa inserir estudantes de
universidades, futuros professores, no ambiente da educação básica, criando um vínculo entre
o ensino básico e o ensino superior.
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Dessa forma, faz com que nós, graduandos, tenhamos noções de como se dá a
docência, aprendendo a relacionar prática e teoria na busca da formação leitores proficientes,
reflexivos e capazes de tomarem suas próprias decisões. É válido mencionar que, este
subprojeto busca também, através das histórias de leitura, ressignificar os valores da cultura
do campo com foco nas práticas culturais dos jovens do Ensino Médio. Para isto, são
desenvolvidas oficinas e atividades que visam mediar à aprendizagem e a construção do
conhecimento.
No intuito de vivenciarmos essas experiências docentes no território rural, o
subprojeto foi realizado em dois momentos: De início, as atividades foram desenvolvidas na
Escola família Agrícola de jaboticaba. Vivemos uma experiência da Pedagogia da
Alternância, uma educação voltada para a valorização da vida e trabalho do/no campo. Um
processo educativo que parte, segundo Calvó (2002, p. 22) da “formação escolar, formação
profissional, formação social, educação, cidadania, projeto de vida, economia, família,
meio...todos os meios que se referem ou que interferem de uma maneira ou de outra na
formação das pessoas”. Em um período de dois anos, tivemos que conclui as atividades na
escola por sua organização que estava programa só para esse período. Em agosto de 2012
começamos uma nova etapa no Colégio Estadual Normal de Arnaldo de Oliveira (Extensão),
localizada no município de Caém – BA, onde estamos atualmente.
Assim, são diferentes experiências vivenciadas no subprojeto para
formação/experiência docente na Educação do Campo. São vivências construídas ao longo do
processo de vida. Nas atividades realizadas nas oficinas, procuramos relacionar as práticas
educativas com a realidade os alunos, buscando aproximar seus saberes sociais da
comunidade escola, para assim, proporcionar a participação daqueles alunos que demonstram
muitas vezes aversão às leituras tanto daqueles que gostam de ler, buscando que eles retornem
às lembranças analisando as relações vivenciadas com a leitura no período escolar para que ao
final cada um construa o seu Memorial de Leitura.
Ao entendermos sobre a Educação do Campo, devemos refletir sobre sua função
social, contextos e dinâmicas realizadas entre os educandos, trata-se de um trabalho realizado
com jovens do campo que trazem consigo práticas que envolvem a cultura da roça,
relacionando ao conhecimento construído dentro da escola.

O subprojeto histórias de leitura no ensino médio: espaços e tempos da/na formação do (a)
leitor (a): Pibid e o reflexo dessa prática de ensino
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Ao longo dos anos, a educação preocupa-se em contribuir para a formação de um


indivíduo crítico, responsável e atuante na sociedade. Isso porque vivemos em uma sociedade
onde as trocas sociais acontecem rapidamente, seja através da leitura, da escola, da linguagem
oral ou visual. Assim, pode-se observar que a capacidade para aprender está ligada ao
contexto pessoal do indivíduo. Desta forma, Lajolo (2002) afirma que cada leitor, entrelaça o
significado pessoal de suas leituras de mundo, com os vários significados que ele encontrou
ao longo da história de um livro, por exemplo.
No que refere à leitura e, se tratando de alunos que moram no território rural, é
imprescindível que se discuta sobre não apenas a leitura dos textos escritos, orais, imagéticos,
mas também da própria leitura da terra baseada na realidade que dela fazem parte. No intuito
de abordar mais amplamente sobre a educação no campo, percebemos a contribuição do
subprojeto PIBID “Histórias de leitura no Ensino Médio: espaços e tempos da/na formação
do leitor(a)” na tentativa de resgatar as histórias de leitura dos alunos do Ensino Médio, na
escola que atuamos hoje em dia, procurando estimular neles à percepção de que o ato de ler
está profundamente vinculado às experiências vivenciadas em nossa existência.
Dessa forma, nosso trabalho é guiado através de eixos temáticos – Leitura, família e
infância; Leitura e escola; Leitura e trabalho; Leitura e comunidade e Leitura leitores e
leituras; onde o subprojeto se desenvolve em intervenções pedagógicas voltadas para
constituição em espaços e tempos de múltiplas leituras na escola através de ações como
oficinas, ateliê bibliográfico de leitura, cine leitura, cirandando, roda de leitura e
comunidade@leitora. Assim, com o desenvolvimento das atividades, os alunos promovem um
Memorial de Leitura orientado pelas bolsistas, os quais apresentarão os resultados finais do
nosso trabalho referente às oficinas.
O Memorial se caracteriza em uma produção de foco narrativo, em que os alunos
contam seus escritos suas experiências de leitura vivenciadas ao longo de sua vida, pontuando
os diversos momentos da vida: infância, alfabetização, escola primária, a adolescência, o
ensino médio. Assim como, abordam os diferentes espaços formadores de leitura: escola,
igreja, família, internet, trabalho, comunidade, PIBID etc.
Assim, a cada nova narrativa, a história é ressignificada, buscando a relação de “viver e
narrar, ação e reflexão, narrativa, linguagem, refletividade autobiográfica e consciência
histórica” (PASSEGGI, 2011, pg. 148).
Nesse sentido, trabalhamos com os alunos a partir de texto que relatam experiências de
leitura, mediadores, práticas culturais de leitura, livros e/ou textos lidos durante sua vida, as
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experiências oriundas das leituras, as sensações, lembranças etc, relacionando as experiências


de leitura com os processos de formação vivenciados ao longo da vida.
O primeiro eixo Leitura, família e infância trabalho nas oficinas, em tal temática, é
levando em consideração, principalmente, o papel da família na formação dos leitores desde a
fase inicial de vida. Vale ressaltar que a pré-leitura desenvolvida no seio familiar se constitui
fator fundamental no sucesso escolar das crianças, sobretudo porque se torna uma atividade
comum e simultaneamente parte do seu cotidiano, algo natural e prazeroso.
Não obstante, as atividades são efetuadas com o propósito de regaste para concepção
de leitura trazida por nossos alunos. Uma dessas atividades que podemos citar o “Baú de
Leitura” e “Mítica de leitura”, onde diversos objetos são colocados no meio de um círculo,
por exemplo: livros, papéis, bolsas, flores, galhos de árvore, entre outros objetos, no qual cada
participante da dinâmica vai ao meio escolher um objeto que mais o faz lembrar-se do seu
processo de formação leitora, falar sobre ele, contando um pouco de sua história relacionando
com a Leitura_família_infância. Ao final da atividade, todos socializam para os demais
colegas um pouco sobre seus itinerários de leitura bem como relembrando alguns momentos
que talvez tenham ficado esquecidos na memória.
No segundo eixo Leitura e escola, é o momento que trazemos em cheque a escola
como um espaço formador, um lugar onde o sujeito constitui o ser crítico. Essa fase é onde os
alunos vão resgatar as memórias de leitura desenvolvida no ambiente escolar consideração à
dinâmica que ela exerce sobre a formação do sujeito enquanto ser social.
As atividades desenvolvidas nas oficinas que merecem destaques o “cirandando” que
são levados para sala de aula diversos gêneros textuais para que sejam dialogados com os
alunos e o “cine leitura” que tem o intuito de trazer reflexões a partir de filmes como o Mr.
Holland Adorável Professor, Mãos Talentosas, Um mestre em minha vida, entre outros
relacionados à temática ao qual estamos trabalhando. Ao término do filme é aberta a
discussão sobre o enredo e qual a relação que o mesmo tem com os assuntos que foram
abordados em sala de aula. É o momento em que os alunos precisam observar imagens, às
vezes legendas, ouvir as falas e prestar a atenção a todo o enredo do que está sendo
apresentado.
No que se refere aos eixos leitura e trabalho e leitura e comunidade, são temáticas que
refletimos juntamente com os alunos sobre as diversas situações vividas. É o momento que
estabelecemos discussões através da relação mais significativa entre o leitor e o espaço ao
qual está inserido: a comunidade;
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Uma das atividades desenvolvidas é nossa participação na Semana de Cultura


realizada pela escola de Gonçalo. É um evento cultural que reúne alunos de todas as séries no
pátio da escola, junto com diretor e professores. Cada ano tem um tema e cada turma tem que
fazer atividades criativas em cima desse tema, seja a partir de paródias, dramatização, recital
de poemas enfim, cada turma fica livre para dar asas à imaginação. Nós bolsistas também
participamos, auxiliando os alunos que estão participando do projeto na execução de uma
ideia para ser apresentada no dia da semana de cultura. No ano de 2012 a semana de cultura
teve como tema: “O sertanejo é antes de tudo um forte”, adequamos o nosso planejamento
todo trazendo como suporte teórico textos, canções e entrevistas que tratassem a fortaleza do
sertanejo. Um dos textos que mais se destacou entre os alunos foi a entrevista da estudante de
Direito, paulista, que publicou em sua página da internet, “Nordestino não é gente”. Em cima
dessa entrevista os alunos criaram uma dramatização contando o tanto que os Nordestinos
influenciaram no crescimento do nosso País, desde a música, literatura, cinema, jornais e etc.
No eixo Leitura, leitores e leituras é quando auxiliamos nossos alunos na construção
leitora, fazendo com que estes tenham um maior contato com as diversas leituras à sua volta.
Concede-se, em uma etapa desenvolvida para resgatar as histórias dos alunos a respeito das
principais leituras que fizeram ao longo de suas vidas, sendo procedimento essencial para que
possam retomar suas memórias e assim, compreender como se dá o processo de formação do
indivíduo.
Assim, é um eixo que trabalhamos com diversas atividades como: biblioteca
itinerante, varal de leitura, campanha doe um livro, Comunidade @ Leitora e a gincana de
leitura que tinha como tema, “É brincando que se lê”, esta constituída de tarefas a serem
realizadas e apresentadas pelos grupos. São tarefas como paródias, dramatização, história em
quadrinhos, jure simulado, entre outras. A importância da gincana é o contato dos alunos com
o mais diferenciados livros para realização das atividades, sendo este um processo que se
aprende de forma lúdica e prazerosa.

A leitura e a formação do leitor

A leitura oferece possibilidades na construção de leitores críticos, pois “a leitura é um


ato individual de construção de significados num contexto que se configura mediante a
interação entre autor e leitor e que, portanto, será diferente, para cada leitor, dependendo de
seus conhecimentos, interesses e objetivos do momento.” (KLEIMAN, 1998, p. 49). Nota-se
101

que cada vez mais vem se tornando um elemento indispensável para inserção social do sujeito
e, consequentemente, proporciona o acesso à informação e novos conhecimentos que são
indispensáveis para interação do indivíduo na sociedade. Segundo Silva (1948), a leitura é um
ato de conhecimento, pois ler significa perceber e compreender as relações existentes no
mundo.
Por isso, acreditamos que a leitura é um caminho necessário para formação do
cidadão, propiciando entendimento para relação sujeito-sociedade. Morin (2005) traz
discussões que levam a sociedade a refletir sobre os novos modos de articular os saberes em
favor de uma sociedade mais humana. Assim,

A compreensão humana nos chega quando sentimos e concebemos os


humanos como sujeitos; ela nos torna abertos a seus sofrimentos e alegrias.
[...] Enfrentar a dificuldade da compreensão humana exigiria o recurso não a
ensinamentos separados, mas uma pedagogia conjunta que agrupasse
filósofo, psicólogo, sociólogo, historiador, escritor [...] (MORIN, 2005, p.
51).

Neste sentido, ao Ler, o sujeito adquiri a capacidade de atribuir sentido ao texto,


relacionando-o com o contexto e com as experiências prévias que possui. É a partir da leitura
que ele vai descobrindo o mundo, refletindo e criando significados. Para Kleiman (2002), a
leitura é um processo que se evidencia através da interação entre os diversos níveis de
conhecimento do leitor: o conhecimento linguístico; o conhecimento textual e o conhecimento
de mundo. Sendo assim, o ato de ler caracteriza-se como um processo interativo.
A escola tem grande participação neste contexto de aprendizagem. Ela tem como
proposta garantir ao aluno a capacidade de criar, pensar, argumentar a criticidade de um texto
lido. Deste modo, diversifica e interpreta a visão do mundo e das coisas que o cerca, sendo a
escola juntamente com os educadores deve refletir sobre seus papéis na formação destes
sujeitos. O professor tem a responsabilidade de buscar estratégias de leitura como forma de
atender a necessidade do aluno e, assim, propiciar diversas práticas leitoras, como afirma
Demo (2006),

[...] ler pode ser um ato banal, sobretudo hoje ao tornar-se mero pressuposto
para viver de maneira minimamente adequada nesta sociedade, mas pode
abrigar intensa potencialidade política, se abarcar a habilidade de confrontar-
se com a realidade, desconstruindo-a e reconstruindo-a, sob o signo do saber
pensar [...].O sentido maior da leitura é fazer-se autor (DEMO, 2006, p. 46,
49).
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Para tanto, a escola atual impõe limites ao ensino com restrições de habilidades básica
de leitura e escrita em regras estruturais de português, mantendo sempre um diálogo com
alunos com o saber decorrente da cultura corporificada em obras escritas – o livro sendo o
principal veículo neste processo de formação. Assim, na sociedade brasileira, o ambiente
“escola” não estimula a leitura na formação dos sujeitos, não cria leitores críticos de cultura.
Desta forma, os alunos não veem a necessidade de ler um livro, pois, grande parte dos
professores se enquadra nesta classe de não leitores, como nos assegura Demo (2006, p.51),

Saber ler e escrever, já entre os gregos e romanos, significava possuir as bases


de uma educação adequada para a vida [...] visava não só ao desenvolvimento
das capacidades intelectuais e espirituais, como das aptidões físicas,
possibilitando ao cidadão integrar-se efetivamente à sociedade (DEMO, 2006,
p. 51).

Com o intuito de favorecer a prática leitora dos alunos do campo trabalhamos os


diversos gêneros durante as oficinas aplicadas nesse subprojeto, observando que estas práticas
refletiam no ensino dentro do território rural e, a partir, dessas observações, achamos válido
traçar uma reflexão sobre essa experiência que temos vivido como afirma Benjamin (1994,
apud RIOS, 2012, p.90): [...] de “sabedorias” tecidas na substância viva da existência do fazer
pedagógico desenvolvido nas escolas da roça”. Diante disso, percebe-se que as práticas e
estratégias de trabalho com a leitura, utilizadas pelos professores, não mobilizam os alunos a
desenvolver o gosto pela leitura, serve apenas para cumprir um ritual técnico e instrumental
de ler por obrigação, não despertando o prazer e a sedução da leitura no sujeito.
Assim ressaltamos aqui a importância da escola aderir a esse fator fundamental na
aquisição do hábito da leitura e formação do leitor, pois ela é o espaço destinado ao
aprendizado da leitura. Mesmo com suas limitações, é lá que a criança aprende a ler e,
também onde se acredita que deva acontecer o incentivo da prática e superação das
dificuldades.

As experiências de leitura no campo

O diálogo entre textos em sala de aula, sem dúvida contribui para que o conhecimento
se construa com maior facilidade e sentido. E se tratando de um trabalho que envolve tanto a
leitura como a produção de textos, procuramos levar para os nossos alunos que vivem na zona
rural textos que se aproximem realidade deles, pois acreditamos que as práticas educativas
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ocorrem também da relação que o sujeito estabelece com sua realidade, “não apenas por estar
no mundo, mas com o mundo” (FREIRE, 1987, p. 97).
A educação no campo é o resultado de um complicado método de construção realizado
através das atividades práticas que os alunos desenvolvem na realidade concreta, numa
interação permanente e intensa com a natureza material, com os outros sujeitos e consigo
mesmos. Quando tratamos sobre a “Educação do Campo”, Brasil (2001), afirma que,

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às


questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros,
na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos
sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas
questões à qualidade social da vida coletiva no país. (BRASIL, p. 23, 2001)

Neste propósito, são evidentes que a educação do campo e urbana deve ser tratada
uniformemente. Trabalhar com base na realidade dos alunos, no contexto a qual estão
inseridos.
Em linhas gerais, dentro as experiências vivenciadas no subprojeto voltadas para as
práticas nas escolas da Educação do Campo, podemos mencionar os círculos de leitura,
momentos que trazemos textos para discussões voltadas para a cultural local dos alunos,
resgatando suas vivências e contextos em que vivem.
Assim, nas escolas muitos trabalhos foram desenvolvidos pela necessidade de resgatar
as histórias de leitura de nossos alunos. Partindo das leituras para as escritas e sendo mais
específicas ao memorial de leitura, pudemos lidar com essa intertextualidade dentro das
produções, pois, ao fazerem referências às leituras realizadas na infância, pela família,
comunidade, trabalhos e outros espaços formativos interagiram nesse processo de formação
leitora como nos afirma Moraes (2001):

Quando conta a sua história, o sujeito narra o seu percurso de vida e passa a
retomar alguns sentidos dados ao longo dessa trajetória, mas não só isso,
passa também a redefini-los, reorienta-los e, principalmente, a construir
novos sentidos para essa história. A narrativa não é um simples narrar de
acontecimentos; ela permite uma tomada reflexiva, identificando fatos que
foram, realmente, constitutivos da própria formação (MORAES, 2001,
p.183):

Percebemos que lidar com o processo de reescrita sem dúvida também foi essencial,
uma vez que dentro das atividades de produção há sempre algo para construir, refletir, dizer
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de forma mais clara, complementar e é justamente nessas “idas e vindas” que o sujeito pode
ressignificar seus conhecimentos, reorganizar o seu discurso e percorrer pelas diferentes
estratégias dentro do campo das linguagens, não se auxiliando simplesmente em algo técnico,
mais sim aproveitando cada oportunidade para o aluno expor o que sabe.
Para além do processo de intertextualidade e reescrita em sala de aula, chegamos a um
ponto culminante que foi a confecção dos memoriais de leitura dos alunos de todas as séries
do ensino médio. Após um longo processo de revisão, podendo assim juntar os alunos e
professores da escola no intuito de mostrar os resultados das oficinas e proporcionar um
contato com as histórias de leitura que sem dúvida também serão úteis em nosso itinerário de
leitura, principalmente quando a ideia é refletir e perceber-nos outros um pouco da nossa
história e através dessas narrativas também ressignificar o que chamamos de nossas memórias
de leitura.

Considerações finais

Na nossa trajetória como mediadoras no processo de leitura dos alunos do Ensino


Médio em territórios rurais, foi possível observar que os estudantes que participavam das
oficinas tinham atitudes de aversão e de recusa a algumas leituras, contudo, a partir das novas
propostas de trabalho mais que necessitamos ainda que as leituras sejam construídas na
produção e recepção de significados partilhados na interlocução, afinando-se com as
expectativas daqueles que são convocados a ler/escrever – professores e alunos – e
conduzindo à criação de vínculos com a experiência de leitura e escrita.
Assim, o objetivo de despertar o hábito da leitura, bem como desenvolver
competências para realizá-la dentro e fora dos espaços escolares vem sendo alcançado.
Benjamin (1975) nos lembra que, o narrador é o mestre, é aquele que detém o conhecimento,
é “uma espécie de conselheiro do seu ouvinte”. Neste sentido, continuaremos buscando
métodos que levem a prática leitora de forma mais prazerosa, contextualizada, utilizando
diferentes estratégias que possibilitem ao ensino do/no campo uma maior dinamicidade e
diálogo com as diferentes expressões de linguagens dos jovens.
Aproveitamos também para ressaltar a relevância do Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação à Docência (PIBID) pela possibilidade dos graduandos experimentarem à
docência de forma mais fecunda, , além disso, aproximando universidade-escola. E é a partir
destas ações que esperamos que a experiência esteja a prática, para que no futuro nossos
alunos sejam narradores de suas próprias histórias.
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Referências

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HABERMAS, J. Textos escolhidos. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1975. vol. 48.
BRASIL. MEC/CNE. Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do
Campo. Parecer CNE/CEB nº 36/2001, aprovado em 4 de dezembro de 2001
CALVÓ, Pedro Puig. Formação pessoal e desenvolvimento local. In: PEDAGOGIA da
Alternância: formação em alternância e desenvolvimento sustentável. Brasília, DF. União
das Escolas Família Agrícola do Brasil (UNEFAB), 2002.
DEMO, P. Leitores para sempre. Porto Alegre: Editora Mediação.2006.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 8ª Ed. Campinas, SP:
Pontes, 2002.
KLEIMAN, A. Oficina de Leitura: Teoria & Prática. 6. ed. Campinas, SP: Artmed, 1998.
MORAES, Ana Alcídia de A. Histórias de leitura em narrativas de professoras: uma
alternativa de formação. In: SILVA, Lílian Lopes Martin da (Org.). Entre leitores: alunos,
professores. Campinas, São Paulo: Komedi: Arte Escrita, 2001.
LAJOLO, M.; ZILBERMAN, R. Literatura Infantil Brasileira – História e Histórias. 2 ed.
São Paulo: Ática, 1985, 2002.
MORIN, E. A cabeça bem-feita:repensar a reforma e reformar o pensamento. Trad. Eloá
Jacobina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2005.
PASSEGGI, Maria da Conceição. A experiência em formação. Revista Educação. Porto
Alegre, v. 34, n. 2, p. 147-156. Maio/ago. 2011. [Disponível em:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/8697/6351. Acesso em
AGOSTO/2013]
RIOS, Jane Adriana Vasconcelos Pacheco. Coleção. Identidades docentes na roça:
narrativas de formação. IN: ANTUNES, Helenise Sangoi e OLIVEIRA, Valeska, Fortes de
(Org.). Diversidades: culturas, ruralidades, emigração, formação e integração social. Porto
Alegre: EDIPUCRS; Natal: EDUFRN; Salvador: EDUNEB, 2012 (Coleção Pesquisa
(auto)biográfica: temas transversais).
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. 3ª ed. Papirus, São Paulo:
1948.

DO QUILOMBO À CIDADE: A INIVISIBILIDADE DOS ESTUDANTES


CAMPESIANOS NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNTAMENTAL EM
106

ESCOLAS URBANAS E SUAS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DE


ENSINO APRENDIZAGEM

Jaqueline Santana¹ / Universidade do Estado da Bahia


Josivelto Cardoso2 / Secretária de Educação de Tanque Novo

RESUMO: Este trabalho discute o tratamento dado pela instituição educativa urbana de
séries finais de ensino fundamental aos estudantes oriundos de comunidades quilombolas
rurais e como o currículo de língua portuguesa atende às demandas de tais sujeitos, em
conformidade com o que está proposto na Lei 10639/03 e nas Diretrizes Curriculares para a
Educação das Relações Étnicorraciais. Pretende-se, assim, contribuir para a reflexão acerca da
prática pedagógica em realidades similares, bem como fornecer instrumentos para aproximar
escola e comunidade. Para tanto, utiliza-se como método o estudo de caso, e como campo,
uma escola que oferta as séries finais do ensino fundamental na zona urbana do município de
Tanque Novo, Bahia. Os sujeitos desta investigação foram os discentes oriundos das
comunidades quilombolas desse município. Como pressupostos teóricos, além da teoria que
trata da educação quilombola e da educação étnicorracial, aparecem os estudos de Paulo
Freire, que falam do papel da leitura de mundo para a formação do sujeito. Do mesmo modo,
estudos de teóricos do currículo são fundamentais na discussão acerca da implementação de
políticas afirmativas educacionais direcionadas a quilombolas.

Palavras-chave: Educação do Campo; Educação Quilombola; Currículo; Didática.

INTRODUÇÃO
[...]antes de me tornar cidadão do mundo, fui e sou um cidadão do Recife, a que
cheguei a partir de meu quintal, no bairro de Casa Amarela. Quanto mais enraizado
na minha localidade, tanto mais possibilidades tenho de espraiar, me mundializar.
Ninguém se torna local a partir do universal. O caminho existencial é o inverso. Eu
não sou antes brasileiro para depois ser recifense. Sou primeiro recifense,
pernambucano, nordestino. Depois, brasileiro, latino-americano, gente do mundo.
(FREIRE, 1995, p.25).

____________
1
Pedagoga, Especialista em Gestão Governamental e Mestre em Administração Estratégica. Docente auxiliar na
Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e convidada na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
E-mail: jaquelinechrystal@yahoo.com.br.
1
Licenciado em Letras Vernáculas. Professor e coordenador pedagógico das séries finais do ensino
fundamental de Tanque Novo, Bahia. E-mail: jhoucardoso@hotmail.com.
107

Segundo a Constituição Brasileira, a educação é dever do Estado e direito de todo


cidadão, conforme disposto no Art, 205, onde dispõe também que ela “será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988,
Art. 205).

Dessa forma, todo cidadão e toda cidadã, seja ele ou ela criança, jovem, adulto ou idoso,
tem direito a esse serviço, sendo, de preferência, uma educação pública e de qualidade. No
entanto, em se tratando da educação oferecida aos alunos das zonas rurais, essa realidade está
muito distante de ser alcançada, uma vez que essa modalidade, no Brasil, sempre foi relegada,
por motivos ideológicos fundamentados no ideário da elite oligárquica e latifundiária, que
sempre cultivou e difundiu a ideia que o estudo não é necessário à gente do campo (LEITE,
2002).

As comunidades remanescentes de quilombos, localizadas, em sua grande maioria, em


zonas rurais com maior dificuldade de acesso aos moradores de zona urbana e, portanto, mais
excluídas dos serviços essenciais, são caracterizadas pela forte tradição cultural de origem
africana, o que as torna especialmente segregadas, por consequência do racismo instaurado e
praticado em nosso país, desde o período de colonização.

Nesse sentido, e pensando no processo de aprendizagem de língua portuguesa, os


estudantes rurais de origem quilombola tem mais probabilidade de apresentar uma maior
dificuldade nas habilidades de escrita, leitura e compreensão textual, pois, de acordo Nunes
(2006, p.151), nessas localidades, “a oralidade, secularmente, constitui a forma de estar no
mundo para um grupo étnico que tão pouco acesso teve às chamadas ‘letras’, à educação
formal”. Com o passar do tempo, essas dificuldades vão se ampliando, já que o ensino de
leitura e de interpretação de texto se dá, muitas vezes, pela leitura de textos mutilados,
contidos nos livros didáticos e desvinculados da realidade socioeconômica e cultural destes
educandos, submetidos à ação de um currículo escolar urbanocêntrico e que desconsidera a
zona rural como espaço de vida e de constituição de cidadania.

É importante ressaltar que, nessa perspectiva,o material didático-pedagógico constitui


importante instrumento de reprodução de desigualdades, pois apresenta-se totalmente
descontextualizado da cultura do campo, ainda mais nas comunidades negras, nas quais o
racismo acaba por ser reforçado, pois nos textos e figuras
108

estereótipos e preconceitos são encontrados; e um dos mais evidente, é


aquele que eles denominam de animalização do negro, que é exposta de
várias maneiras, sendo a mais comum a associação da cor preta a animais (o
porco preto, a cabra preta, o macaco preto) ou seres sobrenaturais
animalizados (mula-sem-cabeça, lobisomem, saci-pererê). (SANT’ANA,
2008, p.53).

A educação quilombola concebida aqui como á efetivação da consideração das


especificidades dos quilombolas no tocante “à região, à cultura, à religião que os diferenciam
entre si e que precisam ser consideradas na formulação das propostas educacionais(SILVA,
s.d), constitui-se numa tentativa de resgate e valorização da cultura e da história dessas
comunidades, no âmbito das escolas que localizam-se em seu seio ou daquelas que atendem
os seus moradores.

A escola, seu currículo e o material didático disponível acabam por excluir os alunos
oriundos das comunidades tradicionais do campo, pois não valorizam nem aceitam sua cultura
e seus saberes. Do mesmo modo, a discriminação e o racismo acabam por serem germinados,
por meio da inclusão de mensagens subliminares, veiculadas em termos e imagens pejorativos
e depreciativos.

Percebe-se, então, a necessidade de um trabalho escolar contextualizado e voltado para


o atendimento a estes alunos, assim como a imperatividade de elaboração de material
suplementar, inerente à sua realidade, considerando, assim, as características próprias do
estudante rural e quilombola.

Discutir uma concepção de conhecimento para quilombolas significa pensar


em uma formação curricular onde o saber instituído e o saber vivido estejam
contemplando, provocando uma ruptura em um fazer pedagógico em que o
currículo é visto enquanto grade, hierarquicamente organizado com
conteúdos que perpetuam o poder (NUNES, 2006, p.150).

A finalidade deste estudo é entender como a instituição educativa urbana trata


estudantes oriundos de comunidades quilombolas rurais e como o currículo atende às suas
demandas, conforme proposto na Lei 10639/03 e nas Diretrizes Curriculares para a Educação
das Relações Étnicorraciais, no tocante às Língua Portuguesa e Literatura.

Tendo como campo uma escola localizada na zona urbana cidade de Tanque Novo,
Alto Sertão da Bahia, foi realizado um Estudo de Caso, cujos sujeitos foram dez estudantes
matriculados nas séries da segunda etapa do ensino fundamental, todos oriundos de
comunidades tradicionais. Como técnica, foi aplicado um questionário junto aos sujeitos.
109

A escola como espaço de leitura de mundo para estudantes quilombolas

A leitura é uma atividade imprescindível na constituição da cidadania.Em virtude disso,


muitas discussões têm surgido em torno de sua importância e da sua prática na vida do
educando, sobretudo no que tange ao papel dessa habilidade na atuação cidadã. Para Freire
(1988, p. 15),o ato de ler

(...) não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem


escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura
do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior desta não possa
prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se
prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua
leitura critica implica na percepção entre o texto e contexto. (FREIRE, 1988,
p. 15)

Nesse sentido, percebe-se que ler é uma atividade essencial para qualquer área do
conhecimento, pois pode possibilitar maior ao sucesso do ser humano que dela se utiliza, pela
ampliação de seu universo cultural e intelectual. Do mesmo modo, permite ao homem situar-
se consigo e com o outro, possibilitando a aquisição de diferentes pontos de vista e o
alargamento de sua experiência. Assim, a leitura torna-se um possível meio de transmissão e
transformação da cultura, sobretudo quando tratada de forma consciente no âmbito do
currículo escolar, pois é o patrimônio cultural de um povo que “talha a vida e a mente
humana, dá significado à ação, situando seus estados intencionais subjacentes em um sistema
interpretativo de aprendizagem (MACEDO, 2007, p.142).
Para alcançar tais finalidades socioculturais, sua conexão com as demandas da
sociedade é fundamental, seja tanto pela possibilidade de transformação da realidade, quanto
pela necessidade de promoção da aprendizagem significativa. De acordo com Ausubel (et. al.,
1978, p. 159), esse tipo de aprendizagem ocorre “quando uma informação nova é adquirida
mediante um esforço deliberado por parte do aprendiz em ligar a informação nova com
conceitos ou proposições relevantes preexistentes em sua estrutura cognitiva”.
Assim, a escola, sendo uma instituição formadora, para cumprir seu papel, precisa
assumir o compromisso de formar leitores. Do mesmo modo, nessa ação, deve buscar
contemplar os interesses e necessidades dos educandos, independente da sua origem étnica,
geográfica ou econômica, utilizando diversas modalidades textuais e diversificando seus
procedimentos, de forma a tornar a ação leitora significativa e que instrumentalize os
beneficiados com novas perspectivas de mundo.
110

O saber escolar cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo


liberta de toda magia ou bruxaria, e fornece o ponto de partida para o
posterior desenvolvimento de uma concepção histórico-dialética do mundo,
para a compreensão do movimento e do devenir, para a valorização da soma
de esforços e de sacrifícios que o presentecustou ao passado e que o futuro
custa ao presente, para a concepção da atualidade como síntese do passado,
de todas as gerações passadas , que se projeta no futuro. É este o fundamento
da escola elementar. (GRAMSCI, 1968, p. 130-131apud SAVIANI, 2003).

É importante salientar que no Brasil, país formado por culturas distintas, o educador
deve estar atento para os sujeitos que integram a população atendida, para que possa
contemplar, nas suas abordagens, a história de seus antepassados. O que se indica, nesse caso,

é o respeito às matrizes culturais a partir das quais se constrói a identidade


dos alunos, com, atenção voltada para tudo aquilo que vá resgatar sua
origem e sua história (o que também significa respeitar os seus direitos
humanos!), como condição de afirmação de sua dignidade enquanto pessoa,
e da especificidade da herança cultural que ele carrega, como parte da
infinita diversidade que constitui a riqueza do ser humano (MOURA, 2005,
p. 76).

Para tanto, para alcançar com êxito suas finalidades, o professor deve cuidar,
atenciosamente, do planejamento de suas atividades. Nessa perspectiva, deverá considerar o
contexto sócio-histórico em que o aluno está inserido, associado ao domínio dos
conhecimentos clássicos, para a ampliação dos seus horizontes, a partir das discussões
realizadas no âmbito escolar (SAVIANI, 2003).
Em se pensando numa educação de qualidade voltada para os alunos oriundos da zona
rural quilombola, é imprescindível compreender esses sujeitos e seu espaço de vida, do
mesmo modo que libertar o currículo da escola da concepção urbanocêntrica e exclusora, na
qual o homem do campo não é visto como produtor de conhecimento, tampouco apto a
receber uma educação básica, consequência da ideologia e da prática elitista do Estado
Brasileiro, em relação a esses povos. Nesse sentido, a política educacional instaurada no país
acaba por corroborar com o cenário de descaso em relação a essas populações, pois, as

políticas educacionais no Brasil padecem de uma indefinição de rumos. E as


políticas para o campo ainda mais. A escola no meio rural passou a ser
tratada como resíduo do sistema educacional brasileiro e, consequentemente,
à população do campo foi negado o acesso aos avanços havidos nas duas
últimas décadas no reconhecimento e garantia do direito à educação básica.
(ARROYO, CALDART E MOLINA, 2004, p. 10).

Nesse sentido, percebe-se que o currículo construído para tais escolas, normalmente,
não atendeàs demandas atuais dos povos do campo, uma vez que estão sobrecarregadas de
111

conteúdos fragmentados e desvinculados dos problemas enfrentados por estes estudantes.


Para Saviani (2003, p. 18), o conceito abrangente de currículo trata da “organização do
conjunto das atividades nucleares distribuídas no espaço e tempo escolares. Um currículo é,
pois, uma escola funcionando, quer dizer, uma escola desempenhando a função que lhe é
própria”.
Nessa perspectiva, sua conexão com as demandas da sociedade é fundamental, seja
tanto pela possibilidade de transformação da realidade, quanto pela necessidade de promoção
da aprendizagem significativa. Também significa despir os conteúdos dos estereótipos
tradicionalmente reproduzidos nos bancos escolares, que reproduzem a hegemonia de um
currículo eurocêntrico, machista, racista, urbanocêntrico e capitalista.
A função primordial da escola é ensinar, transmitir valores e traços da
história e da cultura de uma sociedade. A função da escola é permitir que o
aluno tenha visões diferenciadas de mundo e de vida, de trabalho e de
produção, de novas interpretações de realidade, sem, contudo, perder aquilo
que lhe é próprio, aquilo que lhe é identificador. (LEITE, 2002, p. 99).

Desse modo, torna-se extremamente pertinente, como passo principal para a efetivação
dessa política, uma total reformulação de conhecimentos, ideias e posturas de docentes e
demais atores da educação, por meio da adoção da estratégia interdisciplinar no currículo das
escolas que atendem a estudantes oriundos de comunidades tradicionais negras, discutindo os
problemas sociais contemporâneos e mediando a aquisição de conhecimentos clássicos
universais das diversas áreas do conhecimento pela via da resistência e da ampliação das
possibilidades de ação política.

Não se pode pensar em uma educação que contemple a cidadania se


partirmos do pressuposto de que as questões colocadas pela população negra,
pelas mulheres, pelos portadores de necessidades especiais devem ser
tratadas pela escola, simplesmente, para atender à reivindicação desses
sujeitos. Mais do que isso, é preciso garantir a equidade social. Discutir
direitos civis. (GOMES, 2001, p. 93).

Segundo Fazenda (1993) introduzir e praticar a interdisciplinaridade no currículo


consiste na atitude ousada da busca por intermináveis perguntas. Para ela, “no projeto
interdisciplinar não se ensina, nem se aprende: vive- se, exerce-se” (FAZENDA, 1993,
p.17).No âmbito das escolas que atendem alunos campesinos e quilombolas, a adoção dessa
postura metodológica, para além de possibilitar todos os aspectos apontados, facilita a
comunicação entre educadores e educandos.
112

Esse é uma importante questão a ser considerada, pois a singularidade da proposta,


associada ao perfil da juventude atual, demanda práticas inovadoras e significativas.
A chave de qualquer estratégia está em quatro pontos fundamentais, que são
também pontos fundamentais em qualquer situação na qual se coloca a
reforma do currículo: a) a formação de professores, b) o planejamento dos
currículos, c) o desenvolvimento de materiais apropriados, d) a análise e a
revisão crítica das práticas vigentes, a partir de avaliações de experiências ou
da realidade mais ampla, da pesquisa-ação com professores, etc., tudo isso
sem se descuidar da conexão entre a escola e o meio social, pois já dissemos
que, nesse sentido, a cultura escolar pode ser uma frente de atuação a mais.
(SACRISTÁN, 1995, p. 107).

Nesse caso, há inúmeras lacunas no que se refere à educação do campo, em especial, a


direcionada a estudantes oriundos de comunidades quilombolas. Dentre as principais, está a
falta de preparo dos docentes para lidar com tal realidade, associada à falta de material
didático e às práticas docentes ainda baseadas na perspectiva disciplinar e conteudista do
currículo .Por conseguinte, a implementação da Lei 10639/03 e das Diretrizes Curriculares
Nacionais nos currículos dessas escolas torna-se, assim, uma tarefa mais difícil, pois,
associados a esses fatores, ainda estão o preconceito e o mito da democracia racial.
Os projetos interdisciplinares propostos podem partir da análise de diversos
acontecimentos, hábitos, instituições, dentre outros. Do mesmo modo, fatos importantes para
a história das comunidades negras rurais nosso país e em outras sociedades podem ser pontos
de partida para a proposição de discussões na escola.
Espera-se, com isso, aproximar o discurso das instituições escolares dos seus usuários,
de modo que estes últimos sejam capazes de enxergar a si e a sua cultura no processo
educativo formal, do mesmo modo que esse processo se torne parte da sua constituição de ser
humano.

A invisibilidade dos estudantes quilombolas no processo educativo de escola urbana de


ensino fundamental

Participaram dessa pesquisa dez estudantes, com idades entre 12 e 14


anos,matriculados no sétimo ano do ensino fundamental de uma mesma escola urbana e
oriundos de três comunidades remanescentes de quilombos, localizadas na zona rural do
município de Tanque Novo, Alto Sertão da Bahia. Desses, três são nativos da comunidade
Gaspar, três daquela denominada Caldeirão e quatro da localidade Pé do Morro.
113

Quando indagados acerca do quesito raça/cor, nove dos pesquisados autodeclararam-


se pretos, enquanto que somente um afirmou pertencer ao grupo classificado como
branco.Todos os estudantes pertencem a famílias que percebem, como renda total, no
máximo, um salário mínimo. Essa renda é obtida, em todos os casos, pelo trabalho realizado
na agricultura por dois membros: o pai e a mãe. Os demais membros dessas famílias só
estudam.
As famílias são compostas por um número variado de membros, sendo que em duas
moradias, residem três pessoas, em três moradias, residem quatro pessoas, em quatro
moradias, residem cinco pessoas e em somente uma residem sete pessoas.
As comunidades das quais os sujeitos desse estudo são oriundos são de pequeno porte,
sendo que, em Gaspar, há, aproximadamente, 70 moradores, em Pé do Morro, 100 moradores
e, em Caldeirão, 80. Nessas comunidades, as tradições culturais concentram-se nas festas
religiosas católicas, sendo o São João a principal delas.
Quanto aos serviços essenciais, em todas as comunidades há água encanada e
iluminação pública para todos. No entanto, em relação à escola, somente em duas, Gaspar e
Caldeirão, existem escolas municipais que ofertam educação infantil e séries iniciais do
ensino fundamental. Na comunidade Pé do Morro, as crianças precisam deslocar-se para
distritos vizinhos para estudar.
Para prosseguirem nos estudos, todas as crianças, jovens e adultos necessitam
frequentar as escolas estaduais e municipais localizadas na zona urbana da cidade e isso, na
maioria dos casos, configura-se em mais um obstáculo a vencer, por conta de diversos fatores,
sendo o maior deles a distância enfrentada para deslocar-se da residência até a escola,
apontado por sete dos estudantes aqui entrevistados.Esse é um dos complicadores previstos
por Leite (2002), em seus estudos sobre educação do campo.
Nesse caso, assim como em outros nos quais tais dificuldades se apresentam, a maior
consequência é a repetência. De fato, dentre os dez sujeitos dessa pesquisa,seis declararam já
terem repetido alguma série em sua vida acadêmica.
A falta de propostas pedagógicas específicas para atender às demandas da comunidade
tradicional (SANTANA, 2013) é um dos fatores que corroboram para o fracasso escolar
desses estudantes quando saem de suas localidades e buscam estudos posteriores nas zonas
urbanas. Nesse contexto, o ensino de Língua Portuguesa aparece como o grande responsável
por tais dados, já que, na pesquisa realizada, nove dos sujeitos afirmam ser essa disciplina a
sua maior dificuldade, por ser “muito difícil”. Leite (2002, p. 55) atribui essa dificuldade a
114

muitos fatores, e salienta o “currículo inadequado, geralmente, estipulado por resoluções


governamentais, com vistas à realidade urbana; estruturação didático-metodológica
deficiente”.

FIGURA 1: Disciplinas nas quais os estudantes apresentam mais dificuldades

Fonte: Questionários, 2013.

De fato, a metodologia utilizada pelo professor para lecionar tais componentes


curriculares aparece como fator preponderante nesse cenário, pois, quando indagados como
eles gostariam que fosse a escola, em relação ao trabalho do professor, sete dos estudantes
responderam que gostariam que os professores fossem mais dinâmicos ao explicar os
assuntos, mais pacientes com alunos e diminuíssem o número de atividades para casa.
As respostas mais recorrentes estão apresentadas no gráfico abaixo:

FIGURA 2: Desejos em relação ao trabalho do professor

Fonte: Questionários, 2013.


115

No entanto, três deles, talvez por medo de alguma represália, ou por terem somente
conhecimento da forma tradicional e disciplinar de abordagem do conhecimento, responderam
que estavam satisfeitos com as aulas.
Assim, percebe-se claramente, que as escolas urbanas que recebem estudantes
oriundos de quilombos apresentam grande necessidade de adequação curricular para atender
às determinações contidas nos dispositivos legais que regulamentam a educação das relações
étnicorraciais e da educação do campo.
Do mesmo modo, o descaso dos governantes e agentes públicos em relação às
politicas que determinam o tratamento educativo diferenciado a essas comunidades e seus
habitantes demanda uma urgência de mobilizações por parte desses grupos e de seus pares,
em busca de novas conquistas, pela via da participação na gestão pedagógica da escola.

Considerações finais

A falta de políticas voltadas para a educação no meio rural quilombola é um problema


imprescindível que precisa a ser enfrentado pelos educadores e comunidades. A invisibilidade
e a segregação a que essas populações têm sido relegadas tem contribuído para a perpetuação
do cenário de exclusão e racismo vivenciado no Brasil há mais de quatrocentos anos.
A oralidade, patrimônio imaterial e mais valoroso nas comunidades tradicionais,
geralmente relegado a segundo plano na escola formal, quando se trata de escolas que
atendem estudantes oriundos das zonas rurais e, ademais, quilombolas, praticamente
desaparece, principalmente naquelas unidades onde os estudantes são “separados” dos
originários da zona urbana, seja por turno ou turmas.
Na escola estudada, por exemplo, os estudantes melhores são agrupados em turmas
específicas, no turno matutino, turno esse no qual não há nenhum estudante oriundo do campo
matriculado.
A diversidade de diálogos, portanto, fica relegada e as possibilidades de trocas de
experiência propostas pelas abordagens inter e transdisciplinares do currículo são totalmente
fracassadas. Do mesmo modo, os docentes, por não considerar tais estudantes como sujeitos
dignos de especial atenção, não incluem no seu planejamento atividades e ações que medem
seu aprendizado de forma significativa.
Os aspectos étnicorraciais, nesse sentido, são mais esquecidos ainda, pois a condição de
campesino negro, descendente de escravos e morador de comunidade tradicionalafastada do
116

centro urbano faz com que a invisibilidade cresça e o racismo apareça de forma tênue e
violenta.
Assim, por meio dos dados obtidos nesse estudo, pode-se perceber claramente que o
tipo deensino oferecido a estes estudantes está totalmente desvinculado da sua realidade rural
e quilombola, do mesmo modo que está longe de promover qualquer condição de
instrumentalização para conquista de seu protagonismo e o exercício da cidadania.

Referências

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BRASIL. Lei 10639. Brasília, MEC: 2003.
_____. _____. PARECER 003. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. Conselho Nacional de Educação. Brasília, MEC: 2004.
FAZENDA, Ivani (org.). Práticas Interdisciplinares na Escola. 2. ed. São Paulo: Cortez,
1993.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. Coleção
Polêmicas do Nosso Tempo, v 4. São Paulo: Cortez Editora & Autores Associados, 1991.
____________. À sombra desta mangueira. 2ª edição. São Paulo: Ed. Olho D'água, 1995.
GOMES, Nilma Lino. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico da diversidade.
CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e antirracismo na educação: repensando nossa escola.
São Paulo: Selo Negro Editora, 2001.
LEITE, Sérgio Celani. Escola rural: urbanização e políticas educacionais. São Paulo: Cortez,
2002.
MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo, diversidade e equidade: luzes para uma educação
intercrítica. Salvador: EDUFBA, 2007.
MOURA,Clóvis. De bom escravo a mau cidadão? Rio de Janeiro: Conquista, 2005.
NUNES, Georgina. Educação quilombola. BRASIL. Orientações e ações para a educação
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professores. In: NÓVOA, A. Profissão professor. Portugal: Porto, 1995.
SANTANA, Jaqueline.Políticas públicas e currículona educação infantil rural no município
de Seabra-Ba: instrumentos de desconstrução da identidade das crianças quilombolas. In: II
Encontro de Pesquisa e Práticas em Educação do Campo da Paraíba (Anais). João
Pessoa: UFPB, 2013.
SANT’ANA, Antonio Olímpio. História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados.
MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o Racismo na Escola. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, 2008.
117

SAVIANI, Dermeval.Pedagogia Histórico-crítica. São Paulo: Autores Associados, 2003.


SILVA, Delma Josefa da.Educação Quilombola: um direito a ser efetivado. Olinda-PE:
Centro de Cultura Luiz Freire e Instituto Sumaúma, s.d.
118

DO SILÊNCIO DO OBJETO PARA A PALAVRA DO SUJEITO ENTRE


O CONHECIMENTO-EMANCIPAÇÃO E O CONHECIMENTO-
REGULAÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE UM EDUCADOR DA ESCOLA
DO CAMPO EM BAIXA GRANDE, BAHIA

Joselito Manoel de Jesus / UNEB

RESUMO: Este artigo é fruto de minha experiência como professor da disciplina Educação do
Campo, no município de Baixa Grande, estado da Bahia, pelo Curso de Formação de Professores,
PARFOR, UNEB, Campus IV. Descreve e analisa a experiência docente que nasce a partir da
participação das professoras-alunas e professores-alunos na arena discursiva aberta para partilhar seus
sabores e experiências em sala de aula. Analisa a experiência exitosa do professor de Educação do
Campo, Genival Rios da Silva, preocupado com o comportamento taciturno de um dos seus educandos
em sala de aula, sendo surpreendido pela participação ativa desse educando a partir de uma aula de
campo em que o mesmo foi colocado em contato direto com a plantação de mamona, cultura com a
qual tinha experiência suficiente para ocupar, naquele momento, o lugar de educador, transitado do
silêncio para a palavra. Esta experiência é analisada, neste artigo, utilizando os conceitos de
conhecimento-regulação e conhecimento-emancipação, oferecidos por Boaventura de Sousa Santos,
aliando aos mesmos as contribuições de Paulo Freire sobre a relação entre saberes na escola e a
metodologia que privilegia uma transição da curiosidade ingênua, espontânea, para a curiosidade
epistemológica do educando, sem causar uma ruptura entre tais curiosidades. Conclui com algumas
considerações sobre as implicações o conhecimento-emancipação do conhecimento-regulação para
atender o educando respeitando os seus saberes e a consequente construção de sua subjetividade nesse
processo.
Palavras-chave: Silêncio; Conhecimento; Emancipação

Nenhuma produção legítima de conhecimento acontece sem uma metodologia que


privilegie os sujeitos sociohistóricos a partir do contexto onde produzem, significam e
pronunciam suas existências e de onde suas identidades são tecidas nesse processo. Todo
conhecimento que faz sentido para o (s) sujeito (s) que o produz (em) advém de problemas e
situações locais que desafiam esse (s) sujeito (s), não enquanto sujeitos universais e abstratos,
mas enquanto sujeitos históricos que constroem suas identidades encarnadas na cultura local.
Na disciplina de Educação do Campo, que ministrei no município baiano de Baixa
Grande, percebi ainda mais o quanto é importante adotar uma metodologia em que os
educandos participem ativamente da mesma, como interlocutores privilegiados da construção
do conhecimento. Na emergência da palavra dos educandos, num processo dialógico, o
educador vai-se educando também, percebendo a riqueza dos valores que emergem dos
discursos partilhados em sala de aula e enredados significativamente na rede de relações
interativas tecidas por todos os sujeitos que se identificam com os sentidos que emergem da
racionalidade coletiva encarnada num contexto específico do mundo.
119

Percebi que estava muito no palco da sala de aula, o que, para um leonino, não é algo
desagradável. Contudo, ao aparecer demais no brilho ofuscante da palavra docente que não
cala, porque, mesmo negando, ainda acha que a verdade está em si, obstruindo o diálogo e
produzindo silenciamento, os educandos desapareciam enquanto sujeitos que desejam e
necessitam partilhar também a sua palavra e tecer sentidos outros para o discurso,
redirecionando, assim, seu traçado político e ideológico para o caminho da dialogicidade que
conduz à construção solidária do saber partilhado na humildade, na curiosidade, no desejo e
na necessidade de transformação da realidade rebelde que nos desafia à pronúncia e à
plenitude concreta do fazer cotidiano. Foi isso que aconteceu em uma das aulas de Educação
no Campo e que passo a relatar abaixo.

Do silêncio para a palavra: compromisso com a emancipação do educando

Na turma em que ministro a disciplina Educação no Campo, tem alguns licenciandos


que já são professores e professoras de escolas do campo e que têm uma rica experiência tanto
de ensino quanto de formação, seja através dos cursos oferecidos e mediados pelo Movimento
de Organização Comunitária (MOC) quanto por outras instituições afins. Na aula do dia
26/10/2012, aproveitei a mesma para solicitar a participação dos (as) licenciandos (as). Um
deles, Genival Rios da Silva, relatou sua experiência como professor de uma escola do
campo, além de outras participações, que teceram a aula de forma bastante significativa,
compartilhando saberes na solidariedade intelectual que fomentou a rede interativa de
relações. A palavra, assim, começou a transitar na sala de aula e fazer sentido para todos e
todas, porque os interlocutores, outrora predominantemente ouvintes, começaram a inserir-se
na trama discursiva que constrói e desloca o sentido de tudo, inclusive da práxis educativa,
que, nesse sentido, pode ser emancipatória.
Segundo o educador Genival Rios da Silva, ele foi gratamente surpreendido pela
participação inesperada de um educando muito calado em sala de aula, que vivia,
aparentemente, escondido em seu silêncio e na suposta ignorância que provocava esse
silenciamento. Segundo o educador, uma angústia lhe tomava diante daquele comportamento
taciturno do educando. E um dado interessante já aparece no cenário de seu discurso: o afeto
do educador. Sua preocupação com aquele que não interage, que não reage, que esconde no
silêncio uma negação de si mesmo e que não floresce como alguém que deve ser mais é um
indício de verdadeiro educador.
120

Ao fazer atividades empíricas que levavam a investigar plantações nas roças, Genival
Rios da Silva foi a um roça de mamona, onde o educando silencioso demonstrou
conhecimento prático bastante relevante sobre a planta, ensinando, por exemplo que, ao cortar
o “olho da mamona”, o “pé” carrega muito mais os cachos, entre outros exemplos e
informações acerca daquele plantio. Conhecimento que fora ensinado pelo seu pai e que, por
sua vez, tornava o educador educando e, por isso mesmo, ainda mais educador.
Esse educador-educando aproveitou a revelação surpreendente da subjetividade
encarnada no fruto do contexto local e continuou o processo na sala de aula, onde, segundo o
seu relato, o educando foi redescobrindo suas potencialidades intelectuais e transformando a
si mesmo nesse processo, transitando do lugar do educando mudo para o educando que educa
quando o mundo faz sentido para si na escola. Do mesmo modo, o educador revelou-se, nesse
momento, educador em sua inteireza, tanto no aspecto afetivo, do mais experiente que acolhe
e preocupa-se com a situação de negação de seu educando, quanto no aspecto técnico e
político, na medida em que não causou uma ruptura entre a curiosidade espontânea e a
curiosidade que vai se fazendo epistemológica num processo de transição entre os saberes da
experiência e os saberes sistematizados no currículo escolar.
Esse relato da experiência de “Val”, como é conhecido entre os colegas de profissão, o
professor Genival Rios da Silva, permitiu-me perceber importantes nuances de
desdobramentos epistemológicos, políticos e culturais, de extrema relevância para o processo
de ensino e de aprendizagem, na metodologia implementada por este educador, que, se
refletidos, sistematizados e bem aproveitados, podem desencadear importantes
desdobramentos para a prática educativa na escola. Portanto, essa experiência docente
compartilhada em sala de aula, reveste-se de importante momento de reflexão sobre a vontade
do educador da escola do campo em ensinar numa perspectiva que o educando seja o autor de
sua palavra num processo de construção de conhecimento contextualizado, o que exige um
posicionamento teórico claro, que sustente a reflexão e a direcione às ações rumo aos
objetivos emancipatórios na escola e fora dela.

Epistemologia, Conhecimento e emancipação

Segundo Boaventura de Sousa Santos (2001), todo ato de conhecimento é uma


trajetória de um ponto A, que designamos por ignorância, para um ponto B, que designamos
121

por conhecimento. A partir das categorias emancipação/regulação ele compreende o


conhecimento, conforme abaixo ilustrado:

CONHECIMENTO EMANCIPAÇÃO

A (Outro como objeto) B (Outro como sujeito)

Ponto de ignorância ponto de saber

COLONIALISMO SOLIDARIEDADE

CONHECIMENTO REGULAÇÃO

A (CAOS) B (ORDEM)

Ponto de ignorância ponto de saber

(Outro como objeto) (Outro como objeto)

Santos afirma que

[...] Estamos tão habituados a conceber o conhecimento como um princípio


de ordem sobre as coisas e sobre os outros que é difícil imaginar uma forma
de conhecimento que funcione como princípio de solidariedade. (SANTOS,
2001, p. 30).

O conhecimento-regulação gera silenciamento, mudez tecida desde o planejamento até


a avaliação final. A ordem se impõe na escola a serviço de concepções hegemônicas de poder
que pretendem silenciar a diferença, excluir a diversidade ou, no mínimo, mantê-la refém da
autoridade competente de quem depende a legitimação do saber e do trajeto ordenado
autoritariamente até o ponto de saber. Na “vontade de verdade”, para utilizar uma expressão
foucaultiana (1999), o outro continua como objeto e sua palavra, seu discurso, só encontra
respaldo na legitimação de cima para baixo e de fora para dentro, dada pelo representante
principal da ordem vigente na escola, o professor, que, nesse caso, torna-se autoridade
suprema que legitima o conhecimento, o conhecimento-regulação, porque o educando
continua como objeto.
122

De outro modo, o educador Genival Rios da Silva não percebia o ponto de ignorância
como caos, mas como colonialismo. Ele não queria seu educando como objeto, emudecido
por forças que se opunham à sua assunção humana, por isso sua preocupação e seu desejo de
conduzi-lo à condição de sujeito, construindo o saber na comunhão discursiva dos seres
humanos. Quando a oportunidade apareceu, ele, movido pela sua vontade docente, exerceu
sua docência no sentido de florescer “o broto que saia da terra em busca de luz”. Do
colonialismo para a solidariedade ele exerceu a escuta sensível e acolheu os sentidos que
emanavam daquele homem novo que pronunciava o seu saber, a sua herança que seu pai
havia lhe deixado como preciosidade cultural que a escola não deve negar, porque, ao fazer
isso, destrói a subjetividade na marginalização de um conhecimento legítimo que brota do seu
contexto familiar e social, conhecimento tecido no afeto, na esperança, naquilo que tornam os
pais senhores de saberes que devem ser valorizados como ponto de partida e de chegada, não
num ciclo vicioso, que roda, roda e chega no mesmo lugar da partida, num não lugar, lugar do
outro e, por isso mesmo, lugar nenhum, mas numa espiral que tem suas raízes no lugar em
que florescem como cultura, como semente de conhecimento entrelaçado na história pessoal
de cada um e de todos.
A forma de conceber o trajeto até o conhecimento e do próprio conhecimento, é
crucial, seja para processos emancipatórios, seja para processos regulatórios da formação
humana na escola. Sendo dado, como algo pronto a ser apreendido passivamente pelos
educandos, o conhecimento distancia-se da emancipação dos mesmos, porque não faz sentido
para a racionalidade encarnada numa dada cultura local. A centralidade do livro didático,
tanto no ensino, quanto na aprendizagem, vem como um sintoma claro desse movimento
regulatório e coibidor do exercício da criticidade no processo educativo, que torna-se contra
educativo. Na educação do campo, segundo relatos dos próprios professores da mesma, o
livro didático é relativizado no processo. Tal recurso didático é mais um apoio ao esforço
cognitivo empreendido pela inteligência criativa do educando. O traçado epistemológico do
educando inclui o livro, mas este recurso só adquire sentido enquanto mais um elemento, e
não o principal, que subsidia as duas passagens – uma política e uma epistemológica –
propostas por Freire (2002), como resultado de uma intervenção educativa emancipatória: A
passagem da curiosidade ingênua para a curiosidade epistemológica e a passagem da
heteronomia dependente para a autonomia responsável.
123

[A curiosidade] Muda de qualidade mas não de essência. Não há para mim,


na diferença e na “distância” entre a ingenuidade e a criticidade, entre saber
de pura experiência feito e o que resulta dos procedimentos metodicamente
rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a ruptura se
dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade,
pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se,
tornando-se então, permito-me repetir, curiosidade epistemológica,
metodicamente “rigorizando-se” na sua aproximação ao objeto, conota seus
achados de maior exatidão. [...] A curiosidade de camponeses com quem
tenho dialogado ao longo de minha experiência político-pedagógica,
fatalistas ou já rebeldes diante da violência das injustiças, é a mesma
curiosidade, enquanto abertura mais ou menos espantada diante de “não-
eus”, com que cientistas ou filósofos acadêmicos “admiram” o mundo.
(FREIRE, 2002, p.34-35)

Nesse caso, um ponto cognitivo de partida para o conhecimento é a curiosidade


ingênua, mas tendo o outro como sujeito desde seu ponto de ignorância até seu ponto de
saber. Na geografia, o local seria o ponto de partida. É no local onde se articula a experiência
do educando, os saberes da comunidade e as festas, os encontros, os acontecimentos locais, ou
globais, que adquiriram um significado e um sentido próprio. No local o ser humano pode
encontrar elementos de transcendência de si próprio e fazer do mundo o ventre dinâmico do
seu nascimento/renascimento permanente.
A escola se torna, nessa perspectiva, uma instituição educativa viva, plural, construída
cotidianamente pelos sujeitos singulares. Desse ponto de vista, a escola tem que deixar de ser
do diretor “fulano” ou da diretora “sicrana”, deixar de ter um dono, uma dona, e passar a ser
de todos e todas, ou seja: de sujeitos singulares convergindo na pluralidade, criando a
necessidade concreta de reconfiguração das relações interpessoais autoritárias,
preconceituosas e discriminatórias, obrigando os (as) educadores (as) a se reeducarem, ou
seja, a também renascerem de si, juntos aos educandos, num processo educativo
emancipatório que pode ser desencadeado por uma nova/velha Pedagogia que começou faz
muito tempo, mas ainda não pode ser concretizada em espaços institucionais e políticos mais
amplos.
E aqui, neste ponto do texto, a necessidade de discutir a educação escolar e sua
concepção de conhecimento e seu significado se faz imprescindível. O que é conhecimento?
Conhecimento pode ter o significado de emancipação? Sim! Conhecemos porque somos
curiosos e queremos saber. Tal como Gilberto Gil (1998)
124

Queremos saber,
o que vão fazer
com as novas invenções.
Queremos notícia mais séria
sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
na emancipação do homem,
das grandes populações,
homens pobres das cidades
das estepes dos sertões

Pois é: “todos queremos saber.” E do que sabemos, não queremos deixar de saber para
saber um saber que nada sabe sobre o nosso viver. Portanto, conhecimento pode ser
desconhecimento na alienação que produz em seu processo de conhecer. Esse saber eu não
quero. Porque eu sou e porque penso. Mas não como Descartes brilhantemente e genialmente
pensou. Nós pensamos porque vivemos a nossa existência encarnada num local específico do
mundo. Pensamos porque sem o outro não somos nada. Sem o outro eu não consigo ser eu.
Sem nossa terra, sem nosso sofrimento e sem nossa esperança nós não seguimos o nosso
destino, e não conseguimos escrever um palmo do nosso caminho comum. E, assim como
nós, nossos educandos também pensam. E querem pensar seus pensamentos, sem serem
negados por uma ordem regulatória escolar ou universitária que lhe nega seu direito mais
legítimo de pensar, porque o concebe apenas como objeto, em seu ponto de ignorância e em
seu ponto de saber.
Queremos saber não somente o saber sem sabor, que é o saber em sua dimensão
puramente técnica, insossa. Por isso queremos saber das implicações de todo conhecimento
para “a emancipação do homem, das grandes populações, homens pobres das cidades, das
estepes dos sertões”. Queremos aprender a dimensão política do conhecimento e participar
ativamente e criativamente de sua construção, a fim de exercer um controle democrático sobre
suas implicações para nossas existências.
Para que tanto saber? Para que essa vontade avassaladora de saber tudo e a tudo
controlar? Perguntava Nietzsche e, depois, Foucault (1999). Esse saber que me nega, que me
cega, que relega o meu jeito, o meu leito, o meu peito, o meu sabor e a minha ira? Prefiro,
pode pensar certamente assim o educando, a minha sina que não me recrimina. E esse jeito
regulatório da escola prepotente esvazia, porque sua função enfastia o educando curioso,
125

reduzindo-o a objeto, retirando do saber seu sabor. Essa escola que quer regular, transformar
em objeto o sujeito curioso, desejoso de conhecer o conhecimento de sua gente, que lhe traga
emancipação, júbilo, felicidade. É da mamona que o educando de Genival Rios da Silva
aciona o seu saber e é daí que elege o seu conhecer. E assim, como da mamona, vem saber do
abacaxi, vem saber da Feira dos Caxixis e saber da Feira de São Joaquim, vem saber da maré
e da maresia, vem saber em forma de medo, de desejo, de segredo e de poesia. E esse saber,
não controla, ele apenas desenrola e sistematiza a vida que segue sua lida na alegria e na
tristeza, na feiura e na beleza que a existência no mundo proporciona a todos e a todas.
Quais as “implicações na emancipação do homem” desse saber que a escola sanciona?
Pela via do conhecimento-emancipação as implicações atingem, entre outros aspectos, o
fortalecimento de sua identidade sócio cultural. Quando um educando se apropria do
conhecimento tendo como instância desencadeadora o local, com seus objetos manifestando
significados históricos que compartilham memórias de eventos que marcaram a sua
existência, esse conhecimento potencializa todo o caminho, o método, em seu processo de
construção porque ele envolve o educando na aventura do conhecimento como
autoconhecimento, como nos canta Ivan Lins:

Daquilo que eu sei


nem tudo foi proibido
nem tudo me foi possível
nem tudo foi concebido...

Não fechei os olhos


não tapei os ouvidos
cheirei, toquei, provei
Ah Eu!
Usei todos os sentidos
Só não lavei as mãos
e é por isso que eu me sinto
cada vez mais limpo!
(LINS; MARTINS, 2009)

O conhecer no conhecimento-emancipação, então, não se distancia do saber que o


constitui enquanto sujeito epistemológico autêntico. O ato de aprender não diz respeito
somente a um objeto de estudo frio e desprovido de provocação política e ideológica. Ao
aprender e ensinar o educando e o educador se envolvem, inevitavelmente em escolhas que o
exigem, tanto do ponto de vista da metodologia aproximando-se do objeto em sua
rigorosidade, tocando (manipulando), olhando/ouvindo (observando), provando
126

(experimentando). Ao mesmo tempo exigindo que atitudes, posicionamentos políticos e


ideológicos, dirigindo o conhecimento pela trilha da ética a fim de que se sintam “cada vez
mais limpos.” E, como aconteceu com o educando de Genival Rios da Silva, ao se constituir
assim ele sai da zona excludente do silenciamento e fala. Pronuncia o mundo numa dialogia
que o desloca do destino de ser objeto no campo do conhecimento-regulação para o destino de
sujeito, no campo do conhecimento-emancipação. Ele não fechou os olhos, nem tapou os
ouvidos. Ao contrário: cheirou, tocou, provou da mamona e do seu significado cultural,
afetivo, social e econômico, e, no momento em que estava em um de seus lugares de
construção simbólica, pronunciou o mundo tendo como objeto a mamona que ali estava
empiricamente ao seu redor, fazendo todo o sentido do mundo.

E quais as implicações disso tudo para a nossa forma de conceber e acionar o


conhecimento-emancipação e sua aprendizagem nas escolas do campo, da cidade, do
hospital, da aldeia, do quilombo de todo lugar?

Creio que, em primeiro lugar, o educando não pode ser visto como um objeto
esquecido num canto da sala de aula. Emudecido, deslocado, escondendo-se dos processos
didáticos que desejam regular a sua existência pautados em princípios de negação de sua
subjetividade. É preciso vê-lo com os olhos do educador Genival Rios da Silva. Seu relato
revelava o educando como um sujeito aprisionado, obrigado a encarcerar-se por uma
concepção regulatória de educação, perseguido pela ameaça das avaliações classificatórias e
excludentes, limitado por objetos de conhecimentos mediados por metodologias que criam
distâncias cognitivas cansativas, irracionais, além de rupturas e brechas epistemológicas com
a sua realidade que não se constituem como desafios, mas como trama perversa da dimensão
política que a escola, dirigida por concepções pedagógicas regulatória de conhecimento,
aciona, legitima e sanciona, naturalizando a exclusão em forma de repetência, evasão,
fracasso escolar.
De outro modo, numa concepção emancipatória de conhecimento, o educando é
seduzido por uma didática encarnada em sua existência histórica, recolhendo seus saberes por
uma epistemologia ouvinte, atenta à trama dos sentidos que a cultura local vai gestando e
parindo incessantemente. Num processo assim a avaliação é vista cuidadosamente, como
momento sistemático de desafio para a aprendizagem, que também deve ser engendrada de
maneira engenhosa, paciente e criativa pelo educador preocupado, não em classificar seu
127

educando com uma nota fria, como uma tatuagem que o marcará permanentemente por todo o
ano escolar ou, em casos mais graves de aguda sensibilidade, pelo resto dos seus dias, mas em
identificar as potencialidades e os limites sobre determinado assunto, tema, objeto de estudo.
A implicação mais imediata de uma avaliação assim concebida é que a ela tem dois sentidos:
identifica os limites e potencialidades não apenas de quem aprende, mas também de quem
ensina. O educador também vai identificar, reconhecer e decidir sobre seus limites, o que
errou em sua intervenção, nos instrumentos, métodos, recursos e atividades em relação à
turma e àquele (a) educando (a) que não conseguiu aprender satisfatoriamente.
Na perspectiva do conhecimento-regulação O educador não é o senhor soberano do
conhecimento, o dono do saber, mas um mediador que não deixa a sua curiosidade fenecer,
porque não transforma em rotina o seu fazer pedagógico. A rotina não acontece, se torna
muito difícil, pois sua preocupação com seus educandos, sua engenhosidade em pensar
desafios cognitivos que atuem na zona de desenvolvimento proximal, passando, como diria a
professora Socorro da Universidade Católica do Salvador, uma “rasteira pedagógica” no
educando, a fim de provocar-lhe o desequilíbrio cognitivo necessário para que ele avance de
um patamar a outro de conhecimento, numa passagem permanente da curiosidade que,
“criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto
cognoscível, se torna curiosidade epistemológica.” (FREIRE, 2002, p. 35).
O conhecimento-emancipação é este convite permanente a aprender ensinando, a
educar sendo educando, a perceber o (a) educando (a) como subjetividade possível de
plenitude humana. É convite ativo para criar possibilidades a fim de que ele (a) manifeste suas
potencialidades e usufrua da escola, da educação, do conhecimento e da tecnologia todo o
saber e todo o sabor que emana da aventura em aprender de forma contextualizada, encarnada
na história, a partir do lugar que significa o mundo e, desse processo, retira,
permanentemente, os sentidos para sua existência que adentram a escola, o currículo, a
avaliação e todos os processos pedagógicos que se destinam ao outro na solidariedade de
seres humanos que desejam realizar-se plenamente em comunhão com a natureza, o outro, o
mundo e, nele, também com a mamona.

REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de A. Sampaio. 5. ed.
São Paulo, SP: Edições Loyola, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24. ed.
São Paulo/SP: Paz e Terra, 2002.
128

GIL, Gilberto. Queremos saber. Álbum O Viramundo. Rio de Janeiro: Universal de 1998.
Música 17.
LINS, Ivan; MARTINS Vitor. Daquilo que eu sei. Álbum The Metropole Orchestra
Biscoito Fino. 2009.
SANTOS, Boaventura de S. A crítica da razão indolente: Contra o desperdício da
experiência. Para um novo senso comum. A ciência, o direito e a política na transição
paradigmática. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

PROPOSTA CURRICULAR DA EDUCAÇÃO NO/DO CAMPO:


UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA NO MUNICÍPIO DE FEIRA
DE SANTANA/BAHIA
Magnólia Pereira dos Santos8
UFRB9

8
Aluna especial de Mestrado da UFRB, Licenciada em Pedagogia, Coordenadora da Educação do Campo no
município de Feira de Santana
9
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
129

Resumo: Este texto tem por intenção relatar o processo de elaboração da proposta curricular da
Educação do Campo, para o Ensino Fundamental, da Rede Pública Municipal de Ensino de Feira de
Santana/Bahia. A Educação do Campo enquanto política de educação, diz respeito à luta popular pela
ampliação, acesso, permanência e direito à escola pública de qualidade. Nesta proposta, elaborada de
forma coletiva, busca-se assegurar que a escola do campo pensada como parte de um projeto maior
de educação da classe trabalhadora, oportunize a construção a partir da organização do trabalho
pedagógico de uma prática educativa que assegure aos sujeitos do campo uma educação que
possibilite o reconhecimento e autorreconhecimento desses sujeitos.

Palavras-chave: Educação do Campo; Escola do Campo; Organização do Trabalho Pedagógico.

Introdução

A Educação do Campo inaugura uma nova maneira de enfrentamento a realidade que a


produz, na luta por Políticas Públicas que asseguram aos trabalhadores e trabalhadoras do campo os
seus direitos, quanto a escola no e do campo. Nesse sentido, a Educação do Campo deve estar
vinculada a um projeto de desenvolvimento peculiar aos sujeitos que a concernem. Uma educação
construída a partir de seus sujeitos, os trabalhadores e trabalhadoras do campo, e suas
especificidades; nas trajetórias de lutas de suas organizações; vinculada aos interesses sociais,
políticos e culturais dos camponeses. (CALDART, 2004).
Uma educação que surge como forma de resistência dos camponeses e das camponesas que
vivem no e do seu trabalho no campo e também na luta pelo direito à educação. Portanto, toma
posição em relação aos projetos de campo em disputa na sociedade, gerados no campo, a partir da
sua historicidade e das contradições de classe.
Um campo que acolhe uma diversidade de sujeitos que diferenciam-se em relação a outros
coletivos de sujeitos por suas especificidades e forma de produzir/reproduzir no campo. Desta forma,
segundo o Art. 5º das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do Campo (2002),
as Propostas Pedagógicas das escolas do campo devem,
respeitadas as diferenças e o direito à igualdade e cumprindo imediata e
plenamente o estabelecido nos artigos 23, 26 e 28 da Lei 9.394, de 1996,
contemplarão a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais,
culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia.

Portanto, uma Proposta Curricular com a intenção de atender a esses sujeitos de direitos e
suas especificidades requer reflexões críticas sobre: como se formam os sujeitos do campo
considerando o grau de desenvolvimento histórico da sociedade? como se forma a juventude,
a infância, os adultos do campo? Quais seus valores? Memórias? identidades, cultura? O que
130

estão privilegiando nos diferentes espaços formativos? o que é indispensável para que os
sujeitos do campo não apenas conheçam a sua comunidade e o mundo, mas, sobretudo,
saibam nele atuar e transformá-lo?. Diante de tais considerações, que teoria ou teorias
pedagógicas e do conhecimento deve fundamentar esta elaboração? quais os elementos que
devem compor essa Proposta no sentido de garantir a qualidade das escolas do campo diante
da sua diversidade de sujeitos e complexidade de contextos? quais os conteúdos construídos
historicamente pela humanidade e socialmente necessários são relevantes de serem
apropriados pelos sujeitos do campo? Como assegurar a compreensão da proposta e sua
efetivação no “chão da sala de aula” de uma escola do campo?. É importante reconhecer que
não são questões simples de serem respondidas, principalmente se a intenção é construir um
currículo voltado para as escolas do campo que apresentam uma diversidade de sujeitos com
especificidades culturais, sociais, políticas entre outras de produzir/reproduzir a vida no
campo.
Na tentativa de responder a essas questões e tantas outras que foram tomando forma
durante o percurso de elaboração da proposta e aos anseios dos professores e professoras que
durante anos apontaram a necessidade de um documento de referência curricular para as
escolas do campo, do Ensino Fundamental (seriadas e multisseriadas), a Secretaria
Municipal de Educação de Feira de Santana, propõe a formação de um grupo para a
elaboração do Currículo do Ensino Fundamental para a Rede Municipal de Educação
(GCEF). O referido grupo foi composto por professores da rede, das diferentes modalidades
e áreas do conhecimento. A partir do GCEF foram formados subgrupos referentes as
modalidades de ensino, entre eles o Grupo de Educação do Campo.
O município de Feira de Santana conforme IBGE (2012) é uma unidade territorial de
1.362,88 km² com 556.756 habitantes. Destes, 510.736 estão na zona urbana e 46.020 na
zona rural. O município é representado por nove distritos, sendo um distrito sede localizado
na zona urbana e oito distritos localizados no espaço rural, entre eles estão: Mª Quitéria,
Matinha, Governador João Durval Carneiro, Jaíba, Bomfim de Feira, Tiquaruçu, Humildes e
Jaguara. Cada distrito possui inúmeros povoados que o constituem. Nestes distritos, a Rede
Pública Municipal de Feira de Santana conta hoje com 96 escolas do campo (seriadas e
multisseriadas) e atende a 15.266 alunos nas diferentes modalidades de ensino (Educação
Infantil; Ensino Fundamental I e II; e Educação de Jovens e Adultos).
Para melhor evidenciar os processos de construção da elaboração da Proposta
Curricular ainda em curso, este relato será apresentado em três momentos: I – Os primeiros
131

passos - da mobilização dos sujeitos aos primeiros escritos; II – A produção no percurso -


Pressupostos Teóricos; III – Os próximos passos...caminhos a serem trilhados e
considerações.

Os primeiros passos - da mobilização dos sujeitos aos primeiros escritos

A formação do grupo responsável pela elaboração da proposta curricular das escolas


do campo, aconteceu no ano de 2010 após mobilização dos professores, gestores e
coordenadores para sua composição, denominado pelos seus integrantes do GEDOC - Grupo
de Educação do Campo. A coordenação do referido grupo ficou sob a responsabilidade das
Coordenadoras da Educação do Campo da Secretaria Municipal de Educação.
Ainda no ano de 2010, o GEDOC desenvolve várias atividades que subsidiarão a
elaboração da Proposta Curricular para as Escolas do Campo. Inicialmente o grupo elabora
um plano de estudo com ênfase na tríade Educação do Campo, Campo e Políticas Públicas e
nas Teorias de currículo com o objetivo de estudo, discussão e sistematização e produção de
textos. Em seguida foram selecionadas e analisadas algumas Proposta e Diretrizes Estaduais
da Educação do Campo, entre elas a da Bahia, do Paraná e do Espírito Santo que
contribuíram para as reflexões e estudo do grupo. Paralelo aos estudos do grupo duas ações
foram desenvolvidas pelo GEDOC, a primeira foi a Formação Continuada envolvendo
professores, coordenadores e gestores das escolas do campo que continham representantes
de todos os Distritos rurais de Feira de Santana, o objetivo dessa formação era dialogar sobre
as teorias de currículo e a Educação do Campo contrastando com a prática educativa dos
sujeitos que constituíam o processo formativo, no sentido de indicação da sua relevância
para a Proposta Curricular. A síntese desses estudos e discussões serviram de base na
elaboração da versão pré-liminar da Proposta. A segunda atividade diz respeito a escuta
formativa das Comunidades Rurais10, sendo no total de três distritos rurais do município, o
objetivo da escuta foi refletir sobre a Educação no/do Campo e os saberes e/ou conteúdos a
serem trabalhados nas Escolas do Campo.
No ano de 2011 elaboramos e realizamos o I Encontro de Educação do/no Campo,
pela manhã foi realizada a palestra com a presença da Professora Doutora Celi Taffarel que
abordou o tema “Educação do Campo enquanto Direito no Contexto da Política de
Desenvolvimento Humano e Social”, o encontro contou com a presença de 350 professores,

10
Representantes de associações, cooperativas, representantes da comunidade local.
132

gestores e coordenadores das Escolas do Campo do município de Feira de Santana e


Técnicos e Coordenadores da SME. A tarde foi realizado um momento de escuta formativa
sobre Educação do Campo, envolvendo 280 professores das escolas do campo os quais após
discussão do tema responderam a um questionário que suscitava sobre as concepções sobre:
educação do campo, campo, currículo, conteúdos/metodologias, avaliação e o que deveria
constar em uma proposta curricular.
A proposta que se encontra em processo de elaboração teve no ano de 2012 a escrita
da sua versão pré-liminar que se encontra em fase de análise pelo grupo responsável pela
elaboração da Proposta Curricular do Ensino Fundamental que será o num outro momento
analisado pelo coletivo de sujeitos que constituem as escolas do campo.
Diante dessas considerações, a opção pela elaboração de uma Proposta Curricular de
forma coletiva envolvendo principalmente os professores e a comunidade local tem como
intenção maior constituir uma unidade de orientação ao trabalho pedagógico desenvolvido
na Rede Municipal de Ensino e dessa maneira contribuir para que a prática educativa seja
planejada e intencional, evitando o improviso que não assegura a construção/reconstrução do
conhecimento no espaço escolar.

A produção no percurso - Pressupostos Teóricos11

Escola do Campo

A concepção de escola do campo nasce e se desenvolve no bojo do movimento da


Educação do Campo. Em seus respectivos tempos e espaços, o conceito de Educação do
campo foi sendo constituído e se expandiu em suas derivações que contém princípios de seus
significados: o direito de pensar o mundo a partir de seu próprio lugar. Assim, Educação do
Campo e escola do campo são palavras que encerram em si a história de luta e de trabalho
dos sujeitos do campo que começa a dar frutos, com a aprovação das Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas do Campo de 2002, 2008 e o Decreto de nº 7352/2010.
A escola do campo pensada como parte de um projeto maior de educação da classe
trabalhadora, se propõe a construir uma prática educativa que efetivamente fortaleça os
camponeses para as lutas principais, no bojo da constituição histórica dos movimentos de
resistência à expansão capitalista em seus territórios.
11
Parte do texto apresentado na versão preliminar da Proposta Curricular do Município de Feira de Santana-
Bahia em dezembro de 2012.
133

O reconhecimento e utilização do termo escola do campo como figura jurídica


legalmente reconhecida aparece pela primeira vez nas “Diretrizes Operacionais para
educação básica das escolas do campo”, de abril de 2002, expedida pelo Conselho Nacional
de Educação (CNE). Esse reconhecimento representa um avanço para todos aqueles que
reafirmam a relevância do campo na construção de um novo modelo de desenvolvimento
para o país.
Quanto a sua identidade, o Art. 2º das Diretrizes Operacionais para educação básica
das escolas do campo de abril de 2002, indica que:

[...] a identidade das escolas do campo é definida pela sua vinculação às


questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes
próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede
de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais
em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões
à qualidade social da vida coletiva no País. (BRASIL, 2002).

Esta concepção ancorada em diferentes processos educativos e práticas pedagógicas,


escolares e não escolares, envolvendo saberes, métodos, tempos e espaços físicos
diferenciados vinculados às identidades sociais e culturais, implica em um alargamento da
função social da escola que tem nas práticas sociais o principal ambiente de suas
aprendizagens. Para observância do estabelecido neste artigo, e da política de respeito do
direito à igualdade, as escolas básicas do campo terão como função especifica:

I. promover o acesso sistematizado do conhecimento acumulado pela


humanidade vinculado às raízes e tradições culturais da comunidade de
modo que a educação escolar produza e fortaleça um saber que favoreça a
melhoria das condições de vida das populações campesinas;
II. mobilizar os sujeitos para dialogarem com as questões da realidade
em que vivem, ampliando suas capacidades de maior compreensão e
intervenção nos processos em que estão inseridos, fortalecendo os laços
identitários dos sujeitos com o lugar;
III. ampliar aprendizagens de convívio, sensibilidades, memória e
identidades pertencentes aos diferentes ciclos/tempos de vida da
comunidade (infância, adolescência, jovens e adultos);
IV. produzir conhecimentos radicalmente críticos para a superação de
currículos pobres, assépticos, sem vida social, cultural, política;
V. trabalhar por um projeto de formação humana plena dos educandos e
educandas. (texto extraído das Diretrizes Complementares para as escolas
do campo da Bahia, 2009, p.20-21).
134

Compreender o lugar da escola na educação do campo é ter claro que ser humano ela
precisa formar, e como pode contribuir com a formação dos novos sujeitos que se constituem
no campo, na atualidade. A escola precisa assumir a sua vocação universal de ajudar no
processo de humanização, com as tarefas especificas que pode assumir nesta perspectiva. Ao
mesmo tempo é chamada a estar atenta à particularidade dos processos sociais do seu tempo
histórico e ajudar na formação das novas gerações de trabalhadores e militantes sociais
(CALDART, 2005, p.30). Nesse sentido considera-se Escola do Campo:

Entende-se por escola do campo aquela situada em área rural, conforme


definida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE, ou aquela situada em área urbana, desde que atenda
predominantemente a populações do campo; (Decreto nº 7.352, de 4 de
Novembro de 2010).

A escola do campo é então uma escola vinculada à luta dos movimentos sociais do
campo, e que nessa luta tem papéis a desempenhar: manter viva sua memória e origem,
vivenciar a organicidade e a formação humana, garantir a apropriação dos conhecimentos
mais avançados e comprometidos com a transformação social, trabalhar a mística da vida e a
pertença classe trabalhadora.
A concepção de escola do campo exige muito mais de nós educadores do campo e
das políticas públicas para conduzir o fazê-la por dentro, o que implica perceber e
compreender, o que significa fazer a formação humana nessa complexidade em que se dá a
educação do campo, levando em consideração todas as contradições existentes no campo, é
preciso considerar que a escola do campo pode estar na escola infantil, fundamental e média.
Ela pode estar nas escolas isoladas, nas escolas nucleadas. Entretanto, mais do que estar no
campo a escola do campo precisa ser intencionada para estar e ser do campo, por quem a faz.
Significa pensar e fazer a escola desde o projeto educativo dos sujeitos do campo,
tendo o cuidado de não projetar para ela o que sua materialidade própria não permite. Trazer
para dentro da escola as matrizes pedagógicas ligadas às práticas sociais, combinar estudo
com trabalho, com cultura, com organização coletiva, com postura de transformar o mundo
prestando atenção nas tarefas de formação específicas do tempo e do espaço escolar e pensar
a escola desde o seu lugar e os seus sujeitos, dialogando sempre com a realidade mais ampla
e com as grandes questões da educação e da humanidade, é uma tarefa que a educação do
campo se propõe a realizar (KOLLING; CERIOL; CALDART, 2002).
135

Fomos aos poucos descobrindo que não existe um modelo ou um tipo de escola que
seja próprio para um grupo ou outro, ou que seja revolucionário em si mesmo. Trata -se de
alterar a postura dos educadores e o jeito de ser da escola como um todo; trata-se de cultivar
uma disposição e uma sensibilidade pedagógica de entrar em movimento da história, porque
é isto que permite a escola acolher sujeitos como os Sem terra, as crianças, sem-terrinha. E
ao acolhê-los. Eles aos poucos a vão transformando, e ela a eles. Um mexe com o outro, num
movimento pedagógico que mistura identidade, sonhos, pedagogias (CALDART, 2005,
p.94).
A escola do campo, na organização do trabalho pedagógico, precisa construir ações
intencionais que considerem a temporalidade humana, o contexto, as vivências
socioculturais dos sujeitos. Isso implica no acompanhamento político, organizativo e
pedagógico das escolas do campo; na construção de relações sociais formadoras dos sujeitos;
na superação de uma escola seriada; no planejamento de vivências geradoras, emergidas do
contexto e promotoras de formação humana do campesinato. A participação da comunidade
é elemento central de sua constituição, não envolve apenas os educadores, ela é
coletivamente dirigida.
Nesse sentido, cabe à escola do campo o enfrentamento da hegemonia
epistemológica do conhecimento inoculado pela ciência capitalista. Partindo do pressuposto
de que,
O conhecimento acumulado pela humanidade não pode ser usado com
neutralidade; ele deve dialogar com as contradições vividas na realidade
destes sujeitos, o que envolve a busca de alternativas para as condições
materiais e ideológicas do trabalho alienado e para as dificuldades de
reprodução social da classe trabalhadora do campo, todas elas condições
inerentes ao antagonismo intrínseco à lógica do capital. (MOLINA, 2012,
P.327).

A escola deve atuar numa perspectiva contra-hegemônica , no intuito de ser


protagonista na criação de condições que contribuam para a promoção do desenvolvimento
das comunidades camponesas. Nesse sentido, não se pode pensar em transformação da
escola sem pensar na questão da transformação das finalidades educativas e na revisão do
projeto de formação do ser humano que fundamenta estas finalidades. Qualquer prática
educativa se fundamenta numa concepção de ser humano, numa visão de mundo e num
136

modo de pensar os processos de humanização e formação do ser humano. (CALDART,


2010).
Nesse sentido, as relações sociais vividas na escola precisam ser dirigidas: 1)
cultivar formas e estratégias de trabalho que sejam capazes de reunir a comunidade em
torno da escola para seu interior, enxergando nela uma aliada para enfrentar os seus
problemas e construir soluções; 2) promover a superação da prioridade dada aos indivíduos
isoladamente, tanto no próprio percurso formativo relacionado à construção de
conhecimentos quanto nos valores e estratégias de trabalho, cultivando, no lugar do
individualismo, a experiência e a vivência da realização de práticas e estudos coletivos, bem
como, instituindo a experiência de gestão coletiva da escola; 3) superar a separação entre
trabalho intelectual e manual, entre teoria e prática, buscando construir concretamente nos
processos formativos vivenciados na escola (CALDART, 2010).
Para transformar a escola e para colocá-la a serviço da transformação social, não
basta alterar os conteúdos nela ensinados. É preciso mudar o jeito da escola, suas práticas e
sua estrutura de organização e funcionamento, tornando-a coerente com os novos objetivos
da formação de cidadãos, capazes de participar ativamente do processo de construção da
nova sociedade.
Para Kuenzer (1992, p.26) O saber não é produzido na escola, mas no interior das
relações sociais em seu conjunto/ é uma produção coletiva dos homens em sua atividade
real, enquanto produzem as condições necessárias à sua existência através das relações que
estabelecem com outros homens e consigo mesmo.
Em síntese, para que a escola do campo contribua no fortalecimento das lutas de
resistência dos camponeses, é imprescindível garantir a articulação político-pedagógica entre
a escola e a comunidade por meio da democratização do acesso ao conhecimento científico.
As estratégias adequadas ao cultivo desta participação devem promover a construção de
espaços coletivos de decisão sobre os trabalhos a serem executados e sobre as prioridades da
comunidade nas quais a escola pode vir a ter contribuições. Ensinar os alunos e a própria
escola a trabalhar a partir de coletivos é um relevante mecanismo de formação e
aproximação das funções que a escola pode vir a ter nos processos de transformação social.
Na construção de referências comuns às escolas vinculadas a um projeto de educação
dos camponeses, se faz necessário pensar alguns aspectos principais do que é o trabalho
específico da escola, ou quais as funções sociais que assume ou deve assumir, já dialogando
com a intencionalidade política e pedagógica do projeto da Educação do Campo. Entre esses
137

aspectos, merecem destaque: Socialização; Construção de uma visão de mundo; Cultivo de


identidades (CALDART, 2004, p. 23-26).
No que diz respeito à intencionalidade política e pedagógica da Educação do Campo,
há pelo menos três aspectos que precisam ser desenvolvidos pela escola no cultivo de
identidades: Auto-estima; .Memória e resistência cultural; Militância social. (CALDART,
2004, p.26-28).
A Educação do Campo precisa aprofundar a reflexão sobre como a escola pode
ajudar a cultivar utopias e a formar militantes, respeitando a cultura camponesa e a própria
fase da vida em que se encontram os diferentes educandos. É preciso refletir
permanentemente sobre a intencionalidade educativa da escola nesta perspectiva, e olhar
para os detalhes do seu ambiente educativo tendo presente que grande parte das pedagogias e
das didáticas que conhecemos se movimentam no sentido inverso, que é o do individualismo
e da alienação social, ainda que seus discursos às vezes se manifestem pela transformação e
pelo humanismo.

Organização do Trabalho Pedagógico

A organização do trabalho pedagógico para a escola do campo vem sendo construída


desde os educadores dessas escolas, dos movimentos sociais, das universidades, e por
diferentes instituições e organizações, a partir de um conjunto de reflexões, teorias e
diferentes práticas, que pouco a pouco vão constituindo a materialidade da Escola do
Campo, embasado num projeto de sociedade e de Educação do Campo, pautado nos
interesses da classe trabalhadora e com o protagonismo dos movimentos sociais do campo.
Para Arroyo (2012, p.234) O projeto de campo e de Educação do Campo traz a marca
histórica da participação da diversidade de coletivos e de movimentos, diversidade que o
enriquece e lhe confere maior radicalidade político-pedagógica.
Para Freitas (2009) a Organização do Trabalho Pedagógico no espaço escolar deve
ter como finalidade principal a produção de conhecimento, podendo este ser original ou
resultante do trabalho com valor social. Ainda segundo o autor, o Trabalho Pedagógico é
expressão da Teoria Pedagógica que parte da Teoria Educacional. Contudo, isso supõe uma
interação com as práticas metodológicas e não se limita ao que conhecemos como didática
geral.
138

A Teoria Educacional formula uma concepção de educação apoiada em um Projeto


histórico e discute as relações entre educação e sociedade em seu desenvolvimento. A
expressão Projeto histórico aqui compreendida segundo Freitas (2009) como a “delimitação
do tipo de sociedade que se quer criar (já que todos defendemos a transformação social) e as
formas de luta para a concretização desta concepção, a partir das condições presentes”.
A construção de uma teoria educacional para a educação do campo passa a exigir por
parte da escola do campo e dos sujeitos que a constituem, reflexões críticas, quanto: ao
projeto de sociedade e de campo que defende? Ao tipo de homem que se quer formar? Aos
fins e princípios da educação em geral e do campo em particular?
Com a intenção de ampliar essa reflexão, com base nas Diretrizes Complementares
do estado da Bahia (2009), acredita-se ser interessante refletir sobre: Como se formam os
sujeitos do campo considerando o grau de desenvolvimento histórico da sociedade? Como se
forma a juventude, a infância, os adultos do campo? Quais seus valores? Memórias?
Identidades? Cultura? O que estão privilegiando nos diferentes espaços formativos? Em
síntese, o que é indispensável para que os sujeitos do campo não apenas conheçam o mundo,
mas, sobretudo, saibam nele atuar e transformá-lo? Entre outras questões.
Essas reflexões correspondam às condições para a realização de possibilidades
concretas à formação de sujeitos capazes “de produzir conhecimentos socialmente
relevantes, críticos, socializadores, capazes de dar direção à cultura” e de propostas
curriculares que possam vincular à vida escolar, e não apenas ao seu discurso, com um
processo de transformação social, fazendo dela um lugar de educação do povo, para que se
assuma como sujeito da construção de uma nova sociedade. ( PISTRAK apud CALDART,
2000).
No debate da educação do campo, coloca-se o grande desafio de produzir a teoria
pedagógica, compreendendo que dentro dela teremos a organização do trabalho pedagógico.
Sabe-se que esse é um longo trajeto a ser percorrido e que envolve diferentes atores como nos
fala Freitas (2009, p.92). Uma teoria pedagógica, por oposição, trata do “trabalho
pedagógico”, formulando princípios norteadores. (FREITAS, 2009, p.93)
No interior da teoria pedagógica, a área que denominamos de Organização
do Trabalho Pedagógico se organiza em dois níveis:

a) Como trabalho pedagógico que, no presente momento histórico


costuma desenvolver-se em sala de aula;
b) Como organismo global do trabalho pedagógico da escola, como
projeto político pedagógico da escola. (FREITAS, 2009, p.94).
139

O trabalho pedagógico em sala de aula pode ser pensado a partir de algumas categorias
consideradas contraditórias: os objetivos gerais/avaliação da escola; e o conteúdo/forma geral
do trabalho pedagógico da escola. A sala de aula é aqui compreendida enquanto,

“espaço específico de sistematização, análise e de síntese das


aprendizagens, se constituindo assim, num local de encontro das diferenças,
pois, é nela que se produzem novas formas de ver, estar e se relacionar com
o mundo, mas é também o espaço de contestação do instituído e das
possibilidades de formação e transformação humana.” (ROCHA et al,
2004).

Contudo, é preciso ter clareza de que para alterar a organização do trabalho


pedagógico nas escolas do campo se faz necessário que as condições concretas sejam
asseguradas, para apreender o conhecimento à teoria educacional com base em um projeto
histórico, que explique de forma radical as contradições da sociedade e da escola capitalista.
Como traçar e afirmar caminhos a serem percorridos pelos sujeitos do campo na
produção da escola do campo, onde todas e todos desempenhem papel fundamental,
garantindo sempre o vínculo necessário entre o projeto de desenvolvimento do campo, a
educação e a escola, que se materialize no fazer pedagógico da escola que sempre atuará
com os projetos de vida dos educandos e das educandas e a escolarização.

Os próximos passos ... caminhos a serem trilhados e considerações

A versão pré-liminar da Proposta Curricular da Educação do Campo pensada a partir


da tríade: campo - política pública – educação está organizada da seguinte forma:
pressupostos teóricos - concepção de Educação do Campo em constante diálogo com a
pedagogia socialista, a pedagogia do oprimido e a pedagogia do movimento; O Campo da
Educação do Campo no município de Feira de Santana; Escola do Campo: conceitos, função
e proposições; Organização do Trabalho Pedagógico: Teoria Educacional (concepções);
Teoria Pedagógica e Teoria do Conhecimento; Organização da escola: seriação e
multisseriação; Cultura e cultura Camponesa numa perspectiva intercultural; Trabalho como
Princípio Educativo e Políticas Públicas. Os textos da versão pré-liminar foram submetidos a
análise crítica inicialmente pelo grupo do GCEF juntamente com o Grupo de Educação do
Campo, posteriormente o texto será apresentado para análise dos educadores, gestores e
coordenadores para que possam sugerir as modificações que julgarem pertinentes.
140

A elaboração do texto da versão pré-liminar foi realizada pelo GEDOC sujeitos


coletivos com implicações na educação do campo que se dispuseram a estudar, debater e
sistematizar o texto com base na escuta formativa através de encontros, entrevistas e
aplicação de questionários junto aos professores, gestores e coordenadores das escolas do
campo e comunidades locais. Sendo uma produção coletiva traz em seu bojo a prática
educativa desenvolvida pelos professores das escolas do campo e os saberes do campo
pontuados pelos sujeitos o constitui.

Considerações Finais

Compreendemos que uma proposta “é construída no caminho, no caminhar. Toda


proposta tem uma história que necessita ser contada pois qualquer que seja ela ainda é uma
aposta. (KRAMER, 1999). No que se refere a essa proposta buscamos um caminho que
oportunize as escolas do campo as orientações necessárias na elaboração de uma proposta
curricular que atenda a um outro projeto de sociedade. Para tanto, acreditamos que é preciso
refletir permanentemente sobre a intencionalidade educativa da escola nesta perspectiva, e
olhar para os detalhes do seu ambiente educativo tendo presente que uma educação que
atenda as especificidades do campo, deve considerar as condições concretas da produção e
reprodução social da vida no campo, e que grande parte das pedagogias e das didáticas que
conhecemos se movimentam no sentido inverso, ainda que seus discursos às vezes se
manifestem pela transformação e pelo humanismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARROYO, Miguel González; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna
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(coordenadores). Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, nov. de 2008.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Básica (CEB).
Resolução CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de 2002.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Básica (CEB).
Resolução CNE/CEB nº 2, de 28 de abril de 2008.
BRASIL. Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política de
educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária –
PRONERA. Diário Oficial da União, Brasília, Sessão1, 5 nov. 2010.
141

_____Lei 9.394, de 20.12.1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.


DOU 23.12.1996.
CALDART, Roseli Salete, PALUDO, Conceição, DOLL, Johannes. Como se formam os
sujeitos do campo? Idosos, adultos, jovens, crianças e educadores. Brasília: PRONERA :
NEAD, 2006
CALDART, R. S., PEREIRA, I. B. ALENTEJANO, P., FRIGOTTO, G. Dicionário da
Educação do Campo, Rio de Janeiro, São Paulo: Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio,
Expressão Popular, 2012.
CALDART, R. S. Elementos para Construção do Projeto Político e Pedagógico da
Educação do Campo in: Contribuições para a construção de um projeto de Educação do
Campo / Mônica Castagna Molina e Sônia Meire Santos Azevedo de Jesus (organizadoras).
Brasília, DF: Articulação Nacional - Por Uma Educação do Campo, 2004.
CALDART, R. S. Sobre Educação do Campo: reflexões a partir da tríade Produção -
Cidadania - Pesquisa. In: SANTOS, Clarice Aparecida dos (Org.); Por uma Educação do o
Campo: Campo - Políticas Públicas – Educação. Brasília: INCRA; MDA, 2008. Coleção Por
uma Educação do Campo nº 7.
ROCHA, Eliene Novaes. PASSOS, Joana Célia dos. CARVALHO, Raquel Alves de. Texto
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Campo. Luziania- GO, 2004.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Os campos de pesquisa em educação do campo:
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PESQUISA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2005, Brasília. Anais do I Encontro Brasília,
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FERNANDES. B. M. Diretrizes de uma caminhada. In: Kolling Edgar J. Paulo Ricardo
Cerioli . Por uma educação básica do campo: Educação do campo e Políticas Públicas. V.4.
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FREITAS, Luís Carlos. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática.
Campinas: SP, Papirus, 1995.
FRIGOTTO, G. Educação Omnilateral. Dicionário da Educação do Campo, Rio de
Janeiro, São Paulo: Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012
ONÇAY, Solange Von. O tema gerador na relação com a constituição de políticas
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Acesso em 27 de janeiro de 2012.

SANTOS, Claudio Eduardo Félix dos; PALUDO, Conceição; OLIVEIRA, Rafael Bastos
Costa de. Concepção de educação do campo. In: UFBA. Universidade Federal da Bahia.
Cadernos didáticos sobre educação no campo/Universidade Federal da Bahia. Salvador:
EDITORA, 2010.
142

RESÍDUOS SÓLIDOS NA CIDADE DE CAÉM

CONSCIENTIZAÇÃO DOS ESTUDANTES QUANTO AOS IMPACTOS AMBIENTAIS


NEGATIVOS CAUSADOS À CIDADE E IMPLEMENTAÇÃO DA COLETA SELETIVA
PARA RECICLAGEM

Márcia Santos Oliveira / FACCEBA


Yara da Paixão Ferreira / FACCEBA

RESUMO: Os resíduos sólidos urbanos têm se tornado um dos maiores desafios da atualidade, entre
os diversos problemas ambientais, e é apontado como o segundo maior problema das cidades urbanas.
O aumento da quantidade de lixo por habitante produzido na cidade é fruto do modelo de alto
consumo da sociedade capitalista. Caém é uma cidade do interior da Bahia, que não possui nenhum
programa efetivo de gerenciamento dos resíduos sólidos, como na maioria das cidades brasileiras. O
lixo ao coletado através de caçamba é despejado em um lixão a céu aberto nas proximidades da
cidade. O lixo além de comprometer a preservação do meio ambiente pela poluição do solo, do ar e da
água, representa também sérios problemas para a saúde humana. Faz-se necessário realizar um
diagnóstico da consciência ambiental dos estudantes, quanto aos impactos ambientais negativos
causados a cidade, devido à disposição inadequada dos resíduos sólidos, investigando também o
interesse e motivação em ser implantado um programa de coleta seletiva para reciclagem, estruturado
pelos próprios estudantes através de orientação, para minimização destes impactos negativos. Visto
que o sucesso da implantação do projeto da coleta seletiva está na adesão dos estudantes e população
local, tornando-se necessário um trabalho de Educação Ambiental, que além de informar, deva formar
novos hábitos e condutas no cotidiano dos estudantes e familiares.

Palavras-chave: Resíduos Sólidos; Impactos Ambientais; Coleta seletiva

Introdução

Os resíduos sólidos urbanos têm se tornado um dos maiores desafios da atualidade,


entre os diversos problemas ambientais. Com o crescimento da população, houve aumento na
produção de bens e serviços, que à medida que são produzidos e consumidos, geram cada vez
mais, uma quantidade maior de resíduos, os quais coletados ou dispostos inadequadamente,
trazem significativos impactos à saúde pública e ao meio ambiente (DEUS; LUCA;
CLARKE, 2004).
O lixo tem seu destino estruturado por cada município. Legalmente são as prefeituras
as responsáveis pela limpeza pública, incluindo a coleta, transporte e disposição dos resíduos.
Segundo Grippi citado por Smaniotto (2005), o lixo domiciliar, o comercial e o público são de
responsabilidade das prefeituras; já o hospitalar, o especial, o industrial e o agrícola são de
responsabilidade do próprio gerador.
143

O município de Caém, localizado no Estado da Bahia, Brasil, teve a população


estimada em 2006 de 9210 habitantes (BRASIL, 2006). O município apresenta deficiência de
infra-estrutura, especialmente na área de saneamento. Os resíduos sólidos urbanos produzidos
diariamente, não dispõem de um programa efetivo de gerenciamento. Possui um serviço de
coleta regular dos resíduos nos domicílios, comércio e hospital, e de transporte desses
resíduos para o lixão a céu aberto.
Os PCNs foram elaborados com o a intenção de ampliar e aprofundar um debate
educacional que envolva escolas, pais governos e sociedade e dê origem a uma transformação
positiva no sistema educativo brasileiro. O papel fundamental da educação no
desenvolvimento das pessoas e das sociedades, apontam para a necessidade de se construir
uma escola voltada para a formação de cidadãos, com formação de valores, aptos a decidir e
atuar na realidade socioambiental de modo comprometido com a vida, com o bem-estar de
cada um e da sociedade, local e global (PCN, 1998).
A Lei Federal nº 9795/99, em seu artigo 1º destaca que “a educação ambiental são
processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade” (BRASIL, 1999).
Interessa saber o que os estudantes da cidade de Caém pensam sobre os principais
problemas ambientais existentes no local, provocados pela destinação inadequada dos
resíduos sólidos e da implementação de um programa de coleta seletiva para reciclagem do
lixo. E assim traçar um perfil do grupo pesquisado através da aplicação de um questionário,
identificando as questões pertinentes aos objetivos deste trabalho e analisando as sugestões
feitas por eles.

Metodologia

“ A metodologia tem um papel fundamental na pesquisa, pois é nela que se define


como serão buscadas os dados para responder ao problema em estudo” segundo Perin (2003,
p.16). A classificação da presente pesquisa, tomou como base a taxionomia apresentada por
Vergara (2000) que a qualifica segundo dois critérios de classificação: quanto aos seus fins e
aos seus meios. Quanto aos seus fins esta pesquisa tem finalidade descritiva, pois visa
descrever as percepções das pessoas envolvidas. Quanto aos seus meios é uma pesquisa de
campo e bibliográfica. Pesquisa de campo, porque a coleta de dados primários ocorreu nas
144

escolas, abaixo citadas, através da aplicação de um questionário. Bibliográfica, pela realização


de uma investigação teórica do assunto em material publicado em livros, teses, revistas,
jornais e redes eletrônicas, servindo de embasamento para confrontar com a realidade em
estudo. A pesquisa foi realizada no município de Caem, no Estado da Bahia. Foram
selecionados, aleatoriamente, duas escolas públicas localizadas no centro da cidade, sendo
uma Municipal, a Escola Reunidas Otávio Mangabeira, e uma Estadual, o Colégio Estadual
Normal Arnaldo de Oliveira, com um total de 118 alunos do Ensino Fundamental e Médio

Resultados

ANÁLISE DAS QUESTÕES DE PESQUISA

Dentre os alunos pesquisados, os do Ensino Fundamental, em sua grande maioria,


concordam que o tema meio ambiente é trabalhado na disciplina de ciências. De um total de
setenta e um alunos, sessenta e três (88,73%) fizeram essa afirmação. Em seguida, aparecem
as disciplinas português, geografia e história com 55%, 49,29% e 33,8% respectivamente
(Gráfico 1).

Disciplinas em que o professor trabalha o assunto


Meio Ambiente
100 Português

Ciências/Biologia
80
% Geografia
60
Educação Física

40 Matemática

História
20
Educação Artística
0 Educação Religiosa
Ensino Fundamental Ensino Médio

GRÁFICO 1 - Disciplinas em que o professor trabalha o assunto Meio Ambiente

No Ensino Médio as disciplinas mais apontadas foram biologia (76,6%), geografia


(72,34%) e educação artística (25,53%), esta última com um percentual menos expressivo. .
Esses dados são semelhantes aos da última pesquisa do Ministério do Meio Ambiente citado
por Fonseca, Costa, M. F e Costa, M. A. (2005) em que os professores da área de biologia
lideram os trabalhos de educação ambiental, seguidos pelos pedagogos e geógrafos.
145

Esses resultados, tanto do Ensino Fundamental como no médio, pode ser explicado
pela afinidade do tema com essas disciplinas. Viana e Oliveira (2006) falam que a “atuação
do docente no processo educacional é fundamental para o rompimento de práticas defasadas
que ainda se encontram no contexto escolar”, diz ainda que “cada professor pode contribuir
para que haja a interação da sua disciplina com as questões ambientais, levando-se em
consideração a realidade atual e a urgência de formação de uma consciência sensível à
garantia da sobrevivência da humanidade”. Nesse sentido reforça Guimarães (1995) citado
por Lorenzi (2003) que a educação ambiental deve ser eminentemente interdisciplinar
orientada para a resolução de problemas locais, participativa, comunitária, criativa, crítica,
transformadora de valores e atitudes, criadora de nova ética e que valorize a ação, buscando a
melhoria da qualidade de todos os níveis de vida.
A formação de professores é importante para que se consiga uma aprendizagem
escolar de melhor qualidade. A lei 9.975 dispõe no seu artigo 11 e parágrafo único que “a
dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os
níveis e em todas as disciplinas”. E que “os professores em atividade devem receber formação
complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao
cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental”. Dispõe
também que a educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada,
contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal.

Atividades utilizadas pelo professor para tratar do


assunto
Leituras
Meio Ambiente
100
Questionários
80
Palestras
60
Pesquisas
% 40
Filmes
20
0 Dramatizações
Ensino Fundamental Ensino Médio Outras

GRÁFICO 2 - Atividades utilizadas pelo professor para tratar do assunto Meio Ambiente

Quando questionados aos alunos quanto à forma de como os professores tratam do


assunto meio ambiente, as atividades mais aplicadas de acordo com os dados do gráfico 2,
segundo a percepção dos alunos do Ensino Fundamental foram leitura 76,1%, pesquisa
64,85% e filmes 38%. Já no Ensino Médio, pesquisas 78,7%, leitura 59,6% e questionário
146

34% . A principal função do trabalho com o tema meio ambiente de acordo com a proposta
dos PCNs, é contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos para decidirem e
atuarem na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar
de cada um e da sociedade, local e global. Para isso é necessário que, mais do que
informações e conceitos, a escola se proponha a trabalhar com atitudes, com formação de
valores, com o ensino e a aprendizagem de habilidades e procedimentos (PCN,1998).

A escola promove algum tipo de evento


ecológico?
80
60 Sim
% 40 Não
20
Sem resposta
0
Ensino Ensino Médio
Fundamental

GRÁFICO 3 - A escola promove algum tipo de evento ecológico?

Quanto ao questionamento se a escola promove algum tipo de evento ecológico além das
atividades em sala de aula, 70,42% do Ensino Fundamental responderam positivamente. Já no
Ensino Médio 61,7% dos alunos afirmaram que a escola não promove eventos desse tipo
(Gráfico 3).
Dentre os eventos citados destacam-se, para todos os ciclos do ensino fundamental, o
plantio de árvores, com 50% e mutirão de limpeza das ruas com (16%). Essas atividades
foram mais evidenciadas pelos alunos do 2° e 3° ciclos (Apêndice B). Também forma citados
a realização de jogos e caminhada ecológica, porém com uma representatividade menor.
No ensino médio, o evento mais apontado foi a caminhada ecológica com 27,78%, o
que não foi um resultado tão expressivo. Nesta análise, apesar de os resultados terem sido
superiores ao da caminhada, não foram consideradas as respostas palestra e dramatização porque foi
abordada na questão anterior, mas os dados estão expressos na tabela 3.1 do apêndice B.
147

Eventos promovidos pela escola


Plantio de árvores

40 Caminhada ecológica
35
Feira
30
25 Jogos

20 Festa
%
15
Mutirão de limpeza das ruas
10
Desfile da primavera
5
0 Palestra
Ensino Fundamental Ensino Médio
Dramatização

S em resposta

GRÁFICO 3.1 - Eventos promovidos pela escola

A educação ambiental como assinala Guimarães (2000) não deve ficar limitada ao
ensino de biologia/ciências ou descrevendo problemas, ou realizando campanhas para
recolher latas, vidros e garrafas de plástico. O importante é que também seja feita uma
reflexão sobre o porquê de tais atitudes. As atividades de educação ambiental, conforme a Lei
9.795/99 devem ser orientadas para que os alunos adquiram uma compreensão integrada do
meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, estimulando e fortalecendo uma
consciência critica sobre a problemática ambiental e social (BRASIL, 1999).
Complementando com Tristão (2005, pg. 256) “em vez da conscientização dentro de uma
abordagem comportamentalista da educação, a Educação Ambiental precisa pensar em
promover a autoconsciência para uma reflexão-ação de um saber solidário”.

Quais os principais problemas ecológicos de Caém?


80
70 Saneamento Básico

60 Desmatamento

50 Lixo
% Poluição do rio
40
30 Poluição do ar

20 Queimadas

10 Outros

0 Sem resposta
Ensino Fundamental Ensino Médio

GRÁFICO 4 - Problemas ecológicos do município de Caém, segundo os alunos


148

O maior problema ambiental na cidade de Caém, segundo 78,9% dos alunos do Ensino
Fundamental e 59,6% do Ensino Médio foi especificamente a poluição do rio Caém. Em
seguida destaca-se com 29,6% e 25,53%, respectivamente, a falta de saneamento básico que é
compreendido na visão de Neves e Azevedo (1997) como os serviços de abastecimento de
água, esgotamento sanitário, limpeza pública e coleta de lixo. O lixo foi citado
especificamente por 26,76 % dos alunos do ensino fundamental e 40,42% dos alunos do
Ensino Médio (Gráfico 4). Os problemas ambientais apontados pelos alunos realmente
refletem a realidade do município. Caém, até os dias atuais, não é servida por um sistema de
saneamento básico. A empresa do Estado responsável (EMBASA) não atende a cidade
deixando-a carente desse serviço. Em conseqüência, os efluentes domiciliares, comerciais e
também hospitalar, como citado por um aluno, são despejados diretamente no rio, sem
nenhum tipo de tratamento. O principal desafio do município de Caém, de acordo com as
respostas obtidas, consiste em viabilizar recursos para a implantação de sistemas de
tratamento de esgotos, coleta e disposição do lixo, assegurar o pleno abastecimento de água
potável à sua população, para a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente.

Como o aluno define Lixo ou Resíduo?


40
30
% 20
10
0
Ensino Fundamental Ensino Médio
Lixo é todo e qualquer resíduo proveniente das atividades humanas ou gerado pela natureza em
aglomerações urbanas.
Comumente, é definido como aquilo que ninguém quer.

Os restos das atividades humanas, considerados pelos geradores como inúteis, indesejáveis ou
descartáveis.
É qualquer material considerado inútil, supérfluo, repugnante ou sem valor, gerado pela atividade
humana, e a qual precisa ser eliminada.
Sem resposta

GRÁFICO 5 - Como o aluno define lixo ou resíduo?

Para Oliveira e Carvalho (2004, p.89), “o lixo pode ser definido como todos os tipos de
resíduos sólidos resultantes das diversas atividades humanas ou de material considerado
imprestável ou irrecuperável pelo usuário”.
149

Podemos perceber as diversas compreensões sobre o lixo destacadas na pesquisa para


os alunos (Gráfico 5). Dentre as alternativas estabelecidas, as mais assinaladas pelos alunos
do Ensino Fundamental e Médio, sempre nessa sequência foram:

 qualquer material considerado inútil, supérfluo, repugnante ou sem valor, gerado pela
atividade humana, e a qual precisa ser eliminada, com 33,8% e 36,17%;
 todo e qualquer resíduo proveniente das atividades humanas ou gerado pela natureza
em aglomerações urbanas com 29,6% e 36,17%;
 restos das atividades humanas, considerados pelos geradores como inúteis,
indesejáveis ou descartáveis com 16,9% e 8,51%;
 comumente, é definido como aquilo que ninguém quer com 2,81% e 23,4%.
Na tabela encontram-se os resultados distribuídos por séries.

O aluno se mpre joga os re síduos que ge ra e m lixe iras?

90
80 Sim
70
60 Não
% 50 As vezes
40
30 Sem
20 resposta
10
0
Ensino Fundamental Ensino Médio

GRÁFICO 6 - O aluno joga os resíduos que gera em lixeiras?

Ao serem questionados se sempre joga os resíduos que gera em lixeiras, 84,5% dos
alunos do Ensino Fundamental responderam que sim. Os percentuais por ciclo estão
distribuídos na tabela 6 do apêndice B. No Ensino Médio esse percentual foi menor, 48,94%
alunos fizeram essa afirmação (Gráfico 6). Aqui se questiona quanto a diferença nesses
percentuais, pois se o tema em questão fosse trabalhado desde as séries iniciais, como
preconiza os PCNs, o alunos do ensino médio, deveriam, nesse nível de ensino, ter uma maior
compreensão dos impactos negativos causados pelo lixo mal acondicionado e
consequentemente comportar-se de forma mais adequada frente ao meio ambiente.

Atualmente, segundo Guimarães (2000) “o aumento da demanda pelas questões


ambientais, a veiculação pela mídia e até certo modismo, vem gerando algum ativismo, mas
150

ainda insuficiente para propiciar uma discussão mais aprofundada da Educação Ambiental,
como seria necessário”.

Quando não há lixeira próxima o que faz?


70 Guarda consigo até
60 achar uma lixeira
50 Descarta na rua
40
Joga no quintal
% 30
20 Queimam
10
0 Coloca numa sacola
Ensino Fundamental Ensino Médio
joga num canto

Sem resposta

GRÁFICO 6.1 - Quando o aluno não encontra lixeira próxima o que faz?

Em relação a atitude tomada por eles quando não há uma lixeira próxima para
descartar o lixo, 59,2% dos alunos do Ensino Fundamental e 48,94% do Ensino Médio
afirmaram que guardam o lixo consigo até achar uma lixeira. Nesta mesma ordem, 14,1% e
27,66% declaram que descarta na rua (Gráfico 6.1).
Vale ressaltar que alguns alunos não interpretaram a pergunta, em análise, da maneira
esperada pelas pesquisadoras. Estes relataram o que fazem com o lixo dentro de suas
residências, como: jogam no quintal, queimam e colocam numa sacola ou bacia até “o carro
do lixo pegar”.

O aluno se preocupa com os resíduos deixados fora das


lixeiras por outras pessoas?
100
80
60 Sim
%
40 Não
20 Sem resposta
0
Ensino Fundamental Ensino Médio

GRÁFICO 7 - O aluno se preocupa com os resíduos deixados fora das lixeiras por outras pessoas?

Sobre a preocupação deles com os resíduos deixados fora da lixeira por outras pessoas,
a maioria disseram se preocupar (Gráfico 7). O Ensino Fundamental representando 94,36%
151

das respostas e o Ensino Médio 76,6%. No entanto esses resultados, referindo-se


principalmente ao Ensino Médio, não condiz com os resultados expressos no gráfico 6, no
qual cerca de 40,42% desses alunos afirmaram que não jogam o lixo na lixeira ou somente “as
vezes”. Então surge um questionamento: como uma pessoa pode se preocupar pelo lixo mal
disposto por outrem, enquanto não tem a preocupação pelo que gera?

O aluno sabe o que significa reciclagem?


120

100
80
Sim
% 60
Não
40
Sem resposta
20
0
Ensino Fundamental Ensino Médio

GRÁFICO 8 - O aluno sabe o que significa reciclagem?

Sabe como funciona a coleta seletiva para reciclagem?


100
80
Sim
% 60 Não
40 Sem resposta
20
0
Ensino Fundamental Ensino Médio

GRÁFICO 9 - Sabe como funciona a coleta seletiva para reciclagem?

Enfocando a questão da reciclagem, sessenta e nove alunos (97,18%) do Ensino


Fundamental e quarenta e dois (89,36%) do Médio declaram saber o que significa reciclagem
(Gráfico 8). E quanto ao conhecimento sobre o funcionamento da coleta seletiva esse
resultado foi um pouco mais baixo para o Ensino Fundamental, sessenta e dois alunos
(87,32%) assinalaram positivamente (Gráfico 9).
152

Os alunos tanto do Ensino Fundamental quanto do Médio mostraram-se interessados


em participar de um programa de coleta seletiva para reciclagem, correspondendo a 78,9% e
80,85% respectivamente (Gráfico 10). Apenas 19,71 % e 8,51 %, na mesma seqüência, não
demonstraram interesse em participar deste desafio. Devendo estes, serem sensibilizados
quanto à importância da separação dos resíduos sólidos para reciclagem e assim poderem
contribuir para minimização dos impactos ambientais que o lixo provoca no ambiente e na
saúde humana. O número de alunos dispostos em participar de um programa de coleta seletiva
por série pode ser observado no apêndice B.

O aluno separaria as embalagens reciclaveis em casa para


participar do programa de coleta seletiva?
100
80
60 Sim
%
40 Não
20 Sem resposta
0
Ensino Fundamental Ensino Médio

GRÁFICO 10 - O aluno separaria as embalagens recicláveis em casa para participar do programa


de coleta seletiva?

Podemos perceber através dos dados coletados, que 70,4% dos alunos do Ensino
Fundamental e 53,19% do Ensino Médio demontraram estar conscientes do problema que
estão gerando ao se descartar os resíduos sólidos inadequadamente, quando poderiam ser
reaproveitados (Gráfico 11). No entanto 26,8% e 36,17 % nesta mesma ordem responderam
não estarem conscientes do problema que estão gerando.

Descarta os resíduos consciente do problema que está


gerando?

80
60 Sim
% Não
40
20 Sem resposta
0
Ensino Fundamental Ensino Médio

GRÁFICO 11 - Descarta os resíduos conscientes do problema que está gerando?


153

Conforme Berna (2001) citado por Perin (2003) desde que os seres humanos passaram
a se organizar em tribos, vilas e comunidades, problemas com o manejo dos resíduos
passaram a existir e tornou-se uma conseqüência da vida. O lixo é considerado por muitas
pessoas, como uma coisa suja e que deve ser colocada no lugar mais longe possível, num
canto qualquer, distante de tudo. Por outro lado, a população não colabora com a limpeza da
cidade, pois costuma achar que as ruas e praças são terras de ninguém, e portanto pode-se
jogar papel de bala, de sorvete, no chão sem nenhum problema. Jogar o lixo na rua, ou em
qualquer lugar que não seja a lixeira, são gestos que mostra o quanto se precisa caminhar
quando se fala em educação ambiental. A maioria das pessoas que agem dessa forma, o faz
por não ter consciência dos males que isso poderá causar.

Quem o aluno acha que é responsável pelos resíduos que


gera em casa?
70
Prefeitura
60
Você
50
Mãe
40
% 30 Todos

Outro
20
10 Sem resposta

0
Ensino Fundamental Ensino Médio

GRÁFICO 12 - Quem o aluno acha que é responsável pelos resíduos que gera em casa?

Em relação à questão: quem o aluno acha que é responsável pelos resíduos gerados em
casa?, pode-se observar no gráfico 12 que para 50,7% dos alunos do Ensino Fundamental
todos são responsáveis pelos resíduos gerados em casa. Já no Ensino Médio 65,96%
afirmaram serem eles próprios os responsáveis.
Sabe-se segundo a Constituição Brasileira que é de competência do poder público, a
coleta de lixo nos centros urbanos, mas a geração e o acondicionamento é responsabilidade
individual. Segundo Monteiro et al (2001, p. 45) “acondicionar os resíduos sólidos
domiciliares significa prepará-los para a coleta de forma sanitariamente adequada, como ainda
compatível com o tipo e a quantidade de resíduos”. Para eles a qualidade da operação de
coleta e transporte de lixo depende da forma adequada do seu acondicionamento,
154

armazenamento e da disposição dos recipientes no local, dia e horários estabelecidos pelo


órgão de limpeza urbana para a coleta, portanto a população tem participação decisiva nesta
operação.
Ainda de acordo com esses autores a importância do acondicionamento adequado está
em: evitar acidentes e a proliferação de vetores; minimizar o impacto visual e olfativo; reduzir
a heterogeneidade dos resíduos (no caso de haver coleta seletiva) e facilitar a realização da
etapa da coleta.
Infelizmente, o que se verifica em muitas cidades é o surgimento espontâneo de pontos
de acumulação de lixo domiciliar a céu aberto, expostos indevidamente ou espalhados nos
logradouros, prejudicando o ambiente e arriscando a saúde pública
Quanto ao destino final do lixo, 81,7 % dos alunos do Ensino Fundamental e 65,96 %
do Ensino Médio informaram conhecer a destinação deste no seu município.

O aluno sabe qual o destino do lixo da sua casa ?


90
80
70
60
% 50 Sim
40
Não
30
20 Sem resposta
10
0
Ensino Fundamental Ensino Médio

GRÁFICO 13 - O aluno sabe qual o destino final do lixo da sua casa?

Do total de 118 alunos, cerca de 43 especificaram a destinação do lixo, independente


da pergunta exigir tal resposta. Constatou-se que 74,42%, o que corresponde 32 alunos,
responderam indicando o lixão, que é a destinação final utilizada pelo município. Em menor
proporção foram citados que é queimado, reciclado, enterrado ou colocado em um lugar
seguro. Vale aqui chamar a atenção para esta última resposta. O aluno, apesar de não saber
especificamente o destino final do lixo, demonstrou ter noção dos problemas ocasionados pela
má disposição destes, por isso acredita que deve ser depositado em um lugar seguro.
Sabe-se que o processo recomendado para a disposição adequada do lixo domiciliar é
o aterro, que pode ser de dois tipos: os aterros sanitários e os aterros controlados. A diferença
155

básica entre um aterro sanitário e um aterro controlado é que este último prescinde da coleta e
tratamento do chorume, assim como da drenagem e queima do biogás. Sendo portanto o
aterro sanitário a solução tecnicamente mais indicada para a disposição final dos resíduos
sólidos (MONTEIRO et al, 2001).

Conclusão
O estudo sobre a inclusão dos temas meio ambiente e resíduos sólidos nas escolas e o
conhecimento e percepções dos alunos acerca destes é de fundamental importância para que
se possa avaliar o processo ensino-aprendizagem e contribuir para que seja abordada práticas
pedagógicas mais adequadas. Faz-se necessário relembrar que as atividades de educação
ambiental devem ser consideradas como um processo contínuo e contextualizado, permitindo
desta maneira a relação entre o conhecimento sistematizado e a realidade cotidiana dos
indivíduos envolvidos, levando os indivíduos a se posicionarem como cidadãos críticos e
reflexivos diante das questões ambientais. Segundo os PCNs (1998, p.187) “cabe à escola
também garantir situações em que os alunos possam por em prática sua capacidade de
atuação”. Foi demonstrado que a maioria dos alunos, tanto do Ensino fundamental quanto do
Ensino médio, possuem uma percepção dos principais problemas ambientais da cidade de
Caém e as causas desses problemas. O lixo que corresponde o alvo desta pesquisa, foi citado
como um dos problema. Reconhecem, junto com a família, a responsabilidade pelos resíduos
que gera e sabem a forma de disposição final do lixo em sua cidade.
Em relação aos resíduos gerados por eles, constatou-se que os alunos do Ensino
Fundamental adotam uma postura mais adequada frente ao meio ambiente do que os alunos
do Ensino Médio. Esse fato leva a refletir sobre as práticas pedagógicas utilizadas e o
currículo do curso deste nível de ensino. Observa-se que a cada ano que passa, os exames
vestibulares cobram uma quantidade maior de conteúdos específicos de cada disciplina,
deixando o professor com pouca possibilidade de criar espaço para trabalhar a educação
ambiental no dia-a-dia do ensino médio (FONSECA; COSTA, M. F.; COSTA, M. A., 2005).
Verificou-se que a maioria dos alunos pesquisados conhece como funciona a coleta
seletiva e reciclagem, e demonstraram interesse em participar de um programa de coleta
seletiva para minimização dos impactos negativos causados pelo lixo à cidade. Muitos se
apresentaram como voluntários na divulgação do mesmo. Sendo este um ponto positivo para
alcançar um dos objetivos específicos desta pesquisa que é justamente a implementação da
156

coleta seletiva na cidade. Portanto faz-se necessário a continuação e a difusão para a


comunidade das atividades de sensibilização.

Referências

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Caém – BA: informações estatísticas.


Disponível em: <http://www.ibge.gob.br>. Acesso em: 20 maio 2006.
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Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/população/condiçaovida /pnsb.pdf>.
Acessoem: 05 jan. 2006.
BRASIL. Lei n° 9795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política
Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da República do Brasil,
Poder Legislativo, Brasília, p. 1.
BRASIL. Lei Nº 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial
da União. Poder Legislativo, Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.
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.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/carta_terra.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2006.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente,
saúde/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: 1997. 128 p.
DEUS, A. B. S.; DE LUCA, S. J.; CLARKE, R. T. Índice de impacto dos resíduos sólidos
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9, n. 4, 2004. Disponível em: <http://www .scielo.br/ scielo.php ?script= sci_arttex t&pid =
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157

PERIN, A. Geração de Renda a Partir de Resíduos Recicláveis: Análise de Duas Associações de


Florianópolis. 2003. 129 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis.
SMANIOTTO, S. Estudos sobre a separação de lixo para a coleta seletiva de resíduos sólidos no
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TRISTÃO, M. Tecendo os fios da educação ambiental: o subjetivo e o coletivo, o pensado e o vivido.
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VERGARA, S. C. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas, 2000.
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VIANA, P. A. M. O.; OLIVIERA, J. E. A inclusão do Tema Meio Ambiente nos currículos Escolares.
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http://www.remea.furg.br/edicoes/vol16/art01v16.pdf>. Acesso em: jul. 2006.
158

“O MUNDO, MEUS FILHOS, (NÃO) É LONGE DAQUI”12:


modos e maneiras de exercer a docência em contextos rurais 13

Mariana Martins de Meireles / UNEB/SEC-Tucano

Resumo: O texto apresenta narrativas de professoras de Geografia que moram na cidade e exercem a
docência na roça, buscando através de suas narrativas, compreender os modos e as maneiras de fazer
docência nesse contexto específico. A intenção foi mapear práticas, estratégias e táticas materializadas
na operacionalização do trabalho docente em contextos rurais. Metodologicamente o trabalho ancora-
se em princípios epistemológicos da abordagem qualitativa de pesquisa, na perspectiva da pesquisa
(auto)biográfica, com ênfase nas histórias de vida e na vertente da entrevista narrativa. Foram
utilizados como instrumentos de recolha de dados: as entrevistas narrativas e as observações,
analisados a partir de princípios da hermenêutica (RICOUER, 1976), na perspectiva interpretativa-
compreensiva, além das contribuições de Schütze (1987), sobre a análise das narrativas. As narrativas
docentes, recolhidas mediante a realização de entrevistas narrativas, ao destacar a complexidade das
experiências vivencias em escolas rurais, sinalizam representações, sentidos e significados sobre a
docência, apontando questões importantes para problematizar o ensino de Geografia em contextos
rurais. Ao propor essa discussão, intentamos deslocar olhares para este tipo de escola/educação,
buscando com esse movimento de rotatividade dar atenção para questões em torno da problemática da
escola rural, dos processos de aprendizagem de seus sujeitos-alunos e das singularidades encontradas
pelas professoras no processo de ensinar Geografia em espaços rurais. Desse modo, ao revelar modos
de aproximar os conteúdos escolares dos contextos vivenciados pelos seus sujeitos-alunos, essas
professoras anunciam maneiras particulares de exercer a docência em escolas rurais.

Palavras-chave: Docência; Escolas rurais; Narrativas; Pesquisa (auto)biográfica; Professoras de


Geografia

Introdução

O texto apresenta narrativas de professoras de Geografia que moram na cidade e


exercem a docência na roça em escolas rurais do sertão baiano. Através de narrativas
docentes, busca compreender como as mesmas, elaboram/constroem e operacionalizam
modos e maneiras de exercer a docência em contextos rurais. Metodologicamente o trabalho
ancora-se em princípios epistemológicos da abordagem qualitativa de pesquisa, no âmbito da
pesquisa (auto)biográfica, com ênfase nas histórias de vida e na vertente da entrevista
narrativa. . Desse modo, foram utilizados como instrumentos de recolha de dados: as entrevistas
narrativas e as observações, analisados a partir de princípios da hermenêutica (RICOUER, 1976), na
perspectiva interpretativa-compreensiva, além das contribuições de Schütze (1987), sobre a análise das
narrativas. As narrativas docentes, recolhidas mediante a realização de entrevistas narrativas, ao

12
O título é inspirado nos escritos de Guimarães Rosa (1986), com adaptações para esse texto.
13
O texto é parte integrante da dissertação de Mestrado: Macabéas às avessas: trajetórias de professoras de
Geografia da cidade na roça – narrativas sobre docência e escolas rurais, defendida em abril de 2013, na
Universidade do Estado da Bahia, no programa de Educação e Contemporaneidade – PPGEDUC-UNEB.
159

destacar a complexidade das experiências vivencias em escolas rurais, sinalizam representações,


sentidos e significados sobre a docência, apontando questões importantes para problematizar o ensino
de Geografia em contextos rurais, tão diversos e tão singulares.
No âmbito da pesquisa (auto)biográfica, cada professora possui destaque, sua pessoa,
sua fala, interpretação do vivido, suas representações, seu olhar, a dimensão de suas
necessidades e expectativas, possibilitando um panorama de sua vida pessoal e profissional.
Isto é, a contemplação do “professor como pessoa, como profissional, como construtor de
inteligibilidade que pensa, decide e se angustia” (GHEDIN e FRANCO 2008, p. 60). Tal
metodologia integra uma diversidade de pesquisas ou de projetos de formação, a partir das
vozes dos sujeitos sobre uma vida singular, histórias plurais ou profissionais, através da
tomada da palavra como estatuto da singularidade, da subjetividade e dos contextos dos
sujeitos, uma vez que “[...] todas as narrações autobiográficas relatam, segundo um corte
horizontal e vertical, uma práxis humana” (FERRAROTTI, 1979, p. 26) e social.
Nessa investigação, as narrativas docentes são vistas como possibilidades de dar
visibilidade às professoras, a fim de compreender/apreender os sentidos que estas atribuem à
profissão em escolas rurais. Nessa perspectiva, a compreensão dos itinerários profissionais
permite a constituição de um inventário de experiências profissionais vivenciadas, ao tempo
em que, permite, também, uma compreensão mais global da pessoa. Esse “caminhar para si”
(JOSSO, 2010), que entrelaça histórias e trajetórias em diferentes espaços e tempos da vida
pessoal e profissional possibilitou, a cada professora o exercício de falar de si, do que lhes
passa e acontece, fazendo ressoar vozes silenciadas (GOODSON, 2000) e destacando
contextos historicamente invisibilizados.
As entrevistas foram realizadas individualmente, em local e horário acertados em
comum acordo com as professoras, cada uma das entrevistas teve aproximadamente uma hora
e meia/ duas horas de duração, depois disso, foram transcritas e devolvidas a cada uma delas,
que ao lerem suas narrativas autorizaram, mediante um termo de consentimento, o uso e
publicação das mesmas. A análise das narrativas encontra-se ancorada nas teorizações de
Schutze (2010) e decorre do esforço mútuo, que por um lado escuta e por outro interpreta as
experiências narradas, como uma espécie de ‘giro hermenêutico’ (RICOUER, 1976), ao
buscar os sentidos que saltam das experiências docentes narradas, transversalizadas nesse
texto, com a busca de aproximar conteúdos escolares da Geografia e o contexto rural, onde
estão inseridos os sujeitos-alunos.
160

Nesse movimento, muitas coisas foram contadas, muitos caminhos foram


entrecruzados, revelando que “o cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não
autorizada” (CERTEAU, 2001, p. 38) e se personaliza nos fatos narrados por cada uma das
professoras. Este entrelaçamento de percursos, embora situe trajetórias das professoras do
sertão baiano, não se constitui como uma singularidade que nega uma coletividade. Penso que
suas histórias se aproximam, de alguma maneira, da “realidade” de muitas professoras de
Geografia que são da cidade e trabalham em escolas rurais, espalhadas pela Bahia/Brasil.
Neste contexto, tanto para as professoras no exercício da docência, quanto para alunos
envolvidos no processo de aprendizagem, o espaço rural se constitui como um “lugar
aprendente” que favorece pelo seu feixe de ações e singularidades a aprendizagem dos
sujeitos. É “aprendente, porque permite produzir marcas do conjunto de relações que nele se
estabelecem e, sobretudo, dos processos de passagem recíprocos entre saberes formalizados e
saberes da experiência” (SOUZA, 2010, p. 26-27). Portanto, concebo o espaço rural, as
escolas e suas distintas ruralidades, como expressão de identidades sociais abertas e múltiplas
e ainda como “lugar aprendente” (SCHALLER, 2007), um lugar de vida e de pertencimento
para os sujeitos, constituindo-se como um facilitador de aprendizagens nos processos de
ensinar e aprender Geografia.
Nesta investigação, o recorte de análise prioriza questões em torno do território rural, que
neste caso, constitui-se como um espaço específico, com modos de vidas singulares. Não se
trata de conceber o rural como uma periferia espacial precária e subordinada ao urbano, mas,
neste contexto, apreende-se um rural contemporâneo, marcado pela diversidade, pelas
particularidades, pelo estilo de vida, pelas referências identitárias de seus habitantes e pelas
diversas relações que este espaço estabelece com o urbano, que ultrapassa o sentido de
dependência.
Com estes deslocamentos epistemológicos é possível falar de um rural que se cruza
com o urbano e cuja dinâmica possibilita sentimentos de pertencimento e subjetividades, que
vão além da delimitação espacial rural-urbano, ou ainda urbano-rural. O rural é, então,
compreendido como espaço físico (materializado na roça), como lugar onde se vive e produz
a vida (especificidades socioespacias e simbólicas) e, ainda, como lugar de onde o sujeito vê e
apreende o mundo (subjetividades ampliadas). É nesse contexto que se pode falar também de
ruralidades contemporâneas14. Assim, tomando como referência essas novas configurações

14
Compreendida como manifestação de identidades sociais associadas ao mundo rural. Refere-se à natureza e
aos processos de produção e reprodução da vida (MOREIRA, 2005).
161

socioespacias, reconhece-se, aqui, que o rural é portador de estilos de vida e de jeitos


peculiares de ser e existir.
Essa perspectiva analítica, que supera a ideia de um rural exclusivamente agrário e
menor que o urbano, permite visualizar a complexidade desse contexto, o qual não se limita
apenas a dimensão socioespacial, mas alcança a dimensão da vida. Tais questões, embora
sejam importantes e tenham implicações no exercício docente das professoras que atuam em
escolas rurais, muitas vezes, têm sido invisibilizadas e desconsideradas nos processos de
ensinar e aprender em contextos rurais. A intenção, portanto, com estes escritos é
problematizar e sugerir modos e maneiras de ensinar Geografia em contextos rurais que não
reforcem para os sujeitos-alunos a ideia inspiradora desse texto e empreendida por Rosa
(1986) de que: “o mundo, meus filhos, é longe daqui” (p. 391).

O mundo não é longe daqui: Modos e maneiras de ser professora da roça

Tomando o emblemático contexto, situado no inicio dessa escrita, esta seção do texto
tenciona compreender o ensino de Geografia ministrado em escolas rurais, ao desvelar modos
e maneiras de ensinar nesse contexto específico. As professoras dessa investigação revelam,
em suas narrativas e nas práticas pedagógicas cotidianas desenvolvidas em escolas rurais, que
há uma necessidade de considerar em suas aulas a realidade dos sujeitos desse espaço,
fomentando o ensino de uma Geografia viva, vivida, que parte da nascença da terra, dos
alpendres das casas e ganha o mundo. Esta nova concepção possibilita o enfrentamento de
imposições de um ensino e de uma Geografia urbana, evidenciando as questões do lugar e as
especificidades do rural em seus processos de ensinar e aprender em escolas rurais.

Eu procuro sempre, no meu trabalho, trazer experiências da vida deles. Se eu


vou falar de algo, eu pego justamente a realidade da zona rural, não começo
de lá, de coisas distantes para chegar até eles, eu busco começar da realidade
deles aqui mesmo pegar as raízes deles. Isso é possível porque já tem muito
tempo que eu trabalho com os meninos da zona rural. [...] No início, eu
achava estranho a linguagem deles, porque tem palavras que eu não sabia o
que significava. Hoje não, hoje eu procuro adequar meu trabalho,
minhas aulas, o conteúdo mesmo, com a realidade deles. [...] Não é cem
por cento, mas... hoje já é mais tranquilo, devido a experiência, já tem mais
de quinze anos, e eu sempre trabalhei em zona rural, então eu já tenho
experiência em relação a isso, mas no início não foi fácil não (professora
Eliciana15, Entrevista Narrativa, 2012, grifos meus).

15
Os nomes das professoras colaboradoras foram mantidos, conforme autorização e carta de cessão das mesmas.
162

Eu começo sempre da experiência com o lugar dos meus alunos, para


depois partir para uma coisa maior. Também tem a questão de não
subestimá-los porque, assim, não é que eles não conheçam o que é rua, bairro,
o que é cidade grande, até um semáforo que você fala eles dizem que já foram
em Serrinha e já viram, não é isso, é tentar deixar a questão uma coisa mais
significativa, e também de muitos valorizar o lugar, porque quando você só
traz exemplos de outros lugares você não valoriza aquele lugar que ele vive.
Isso é uma questão de valorização porque o espaço rural é muito
desvalorizado, ele a todo o momento é visto como o inferior e os alunos
crescem, os adolescentes têm na cabeça que estão num lugar inferior e que
precisam ir embora para outro lugar para poder ser feliz que ali não dá. Então,
ao ensinar Geografia busco valorizar essas questões do lugar e do rural
(professora Mirian, Entrevista Narrativa, 2012, grifos meus).

[...] Ao ensinar Geografia em escolas rurais, a gente tem que pensar a nossa
realidade, aquilo ali que a gente vive, a gente tem que cuidar de onde a gente
vive para depois sair, a gente tem que conhecer o lugar que a gente vive para a
partir daí conhecer os outros lugares, [...] O local, eu acho que é essencial que
a gente conheça, porque se a gente não conhecer o local como é que a gente
vai conhecer os outros, então primeiro o nosso lugar, a nossa realidade,
nosso dia-a-dia, para depois as outras (professora Maria de Lourdes,
Entrevista Narrativa, 2012, grifos meus).

[...] Eu tento trazer para aluno sempre os conhecimentos de forma prática.


Então quando eu dou o conteúdo eu procuro partir da realidade deles,
para que a partir daí eles vejam sentido no que estão estudando e
percebam que a Geografia faz parte da realidade deles [...] Eu gosto
mesmo de tornar as coisas com mais sentidos para os alunos [...] Eu até brinco
com os alunos, gente ensinar Geografia eu ensino como se estivesse contando
a novela de ontem, eu tenho prazer em ensinar Geografia, eu acho uma ciência
fantástica. [...] A gente sempre procura fazer algumas vezes com ele trabalho
de campo na comunidade e em comunidades próximas, tentava fazer maquetes
envolvendo o conteúdo, fazer vídeos, sempre coisas nesse sentido para colocar
em prática os conteúdos de maneira prazerosa buscando aproximar os
conteúdos geográficos e a vida dos alunos (professora, Adriana, Entrevista
Narrativa, 2012, grifos meus).

As narrativas das professoras Eliciana, Mirian, Maria de Lourdes e Adriana demarcam


a necessidade de contemplar o cotidiano do aluno em suas aulas. Assim, ao tomar o lugar e a
experiência como mecanismo importante para aprender e ensinar em contextos rurais, essas
professoras buscam, em suas práticas de ensino, não reforçar “uma Geografia escolar
desnecessariamente submersa em programas engessantes, burocráticos e que afastam o aluno
do interesse da disciplina” (SCHÃFFER & KAERCHER, 2008, p. 150). Ao contrário,
acreditam que é possível ensinar Geografia de modo prazeroso e articulado com os mundos
vividos pelos sujeitos-alunos rurais, sem, necessariamente, desconsiderar os conteúdos
clássicos da Geografia.
163

Essa perspectiva de ensino de Geografia que valoriza o lugar e as experiências dos


alunos é possível de ser materializada a partir do momento que, durante as aulas, ao ensinar
Geografia, os professores e alunos sejam capazes de apreender temas da vida e transformá-los
em meios para compreender o mundo. Para tanto, é preciso considerar que “os espaços
cotidianos vividos (o pátio, a escola, os lugares, a urbanidade ou a ruralidade) são espaços
plenos de perguntas a serem feitas, problemas a serem discutidos, de soluções a serem
pensadas” (REGO, et al, 2007, p.9), aproximando, assim, de modo problematizador a
Geografia da vida e a vida da Geografia.
Embora se observe um esforço das professoras em conduzir práticas de valorização ao
rural e ao lugar, como se desvela em suas narrativas e como presenciei na observação das
aulas de Geografia, nem sempre isso foi possível, às vezes, por descuido ou por reproduzirem
lógicas urbanas impressas nos livros didáticos, desconsideraram o contexto local ao tempo em
que supervalorizaram o contexto urbano, isso porque, de certo modo, muitos conceitos
adquiriram ideologicamente, no ensino de Geografia, um caráter urbano.
Diante de tal realidade, é importante romper, independentemente do contexto sócio-
histórico-geográfico onde estejamos inseridos, com um ensino de Geografia distante da
realidade dos alunos, sobretudo para alunos-sujeitos rurais, que convivem diretamente com
uma lógica urbana. Essa idealização do urbano, que também inspira, em sua maioria, os textos
e documentos legais sobre a educação em espaços rurais, tem encontrado na palavra
“adaptação”, empregada repetidas vezes, a indicação de tornar acessível ou de ajustar a
educação escolar às condições de vida rural.
Contudo, mesmo com essa assertiva e metanarrativa que atesta uma supremacia
urbana, é possível desenvolver um trabalho no ensino de Geografia que apreende o lugar
como principal categoria de análise espacial para minimizar e, quiçá, romper com esse
distanciamento entre a Geografia que se ensina na escola e a Geografia que se aprende no
contexto da vida. Assim, entre as potencialidades do lugar, a valorização das identidades
locais e a aproximação com o espaço vivido, tem sido possível significar o ensino da
Geografia em escolas rurais.
Nessa perspectiva, o conceito de lugar está arraigado nas matrizes da Geografia
humanística que denota ao lugar à noção de espaço vivido. Com essa compreensão, o lugar
(rural) pode ser privilegiado no ensino de Geografia, à medida que se compreende o mesmo
como um produto das relações histórico-sociais concretas e subjetivas, o qual tem em si e em
sua existência um movimento de vida muito particular, mas que também se liga a um mundo
164

urbano e a um espaço global. A pretensão não é valorizar o lugar – o rural – em detrimento de


excluir os demais espaços e lugares, o que se propõe é uma horizontalidade no tratamento e
na concepção desses espaços, de seus sujeitos e modos de vida. Isso porque os lugares e os
espaços carregam em si histórias, vidas que circulam atravessadas por subjetividades. É
preciso, portanto, considerar estas questões para tornar significativos os processos de ensinar
e aprender Geografia.
Considerando esses aspectos, a Geografia escolar tem procurado pensar o seu papel
nessa sociedade em mudança, indicando novos conteúdos, reafirmando outros, questionando
os métodos convencionais e postulando novos. Desse modo, o ensino de Geografia precisa
contemplar o lugar de vivência do aluno, bem como a vivência desse lugar no processo de
ensino-aprendizagem. A força do lugar precisa ser considerada mediante as significações das
pessoas desse lugar, assim sendo, “sujeitos que se reconhecem com a capacidade de intervir
na dinâmica de suas vidas são agentes importantes nas definições e encaminhamentos do
conjunto de condições de vida” (CALLAI, 2010, p. 31).
Essas considerações, em certa medida, reforçam a ideia de que não é possível entender
nossa realidade sem entender nosso mundo, ou ainda, é impossível entender nosso mundo
sem entender nossa própria realidade. Para tanto, é preciso estudar o lugar para compreender
o mundo (CALLAI, 1996) e estudar o mundo para compreender o lugar, tomando
posicionamento frente ao que acontece. Essa questão foi sinalizada pela professora Maria de
Lourdes: “Eu começo sempre da experiência com o lugar dos meus alunos, para depois partir
para uma coisa maior”. Assim sendo, propor um ensino de Geografia partindo da valorização
desse lugar – o rural – do qual o aluno faz parte com sua história de vida, as professoras
podem “propiciar a construção, pelo aluno, de um quadro de referências mais gerais que lhe
permita fazer análises mais críticas desse lugar” (CAVALCANTI, 2006, p. 32), buscando
entender o espaço que seu lugar ocupa no mundo.
Desse modo, o ensino de Geografia tem como pretensão desenvolver um pensamento
espacial que se traduza em: “olhar o mundo para compreender a nossa história e para
interpretar o mundo da vida” (CALLAI, 2010, p. 22). Dizendo de outro modo, é interessante
que ao aprender Geografia se conheça o mundo interligando os problemas do lugar com as
demandas globais. Entretanto, aqui cabe uma ressalva, não se trata de partir sempre do lugar e
avançar a espaços mais amplos e complexos de forma linear, com a ideia de começar pelas
partes para se alcançar o todo simplesmente. A perspectiva é trabalhar cada fenômeno em um
165

movimento dialético que abarca a singularidade do lugar e a complexidade do espaço/mundo


e vice-versa.
Estas questões estão implícitas na narrativa da professora Marta, ao destacar práticas
que articulam o lugar ao mundo e o mundo ao lugar, esta professora busca significar a
geografia na vida dos sujeitos-alunos rurais.

Gosto de práticas que envolvam paradidáticos, vídeos de Geografia, debates,


e, sobretudo, os debates sobre o mundo. Teve uma aula que a gente estava
pensando lá no Japão, nos Estados Unidos, e a influência que isso tinha no
lugar que nós estávamos. Então, toda vez que eu consigo fazer essa
relação, essa reflexão entre o mundo e o lugar, acontecem boas aulas.
Acho, por exemplo, importante fazer com que eles se percebessem dentro do
processo de globalização, sendo estudante e morador da roça. Toda vez que
eu consigo atrelar, fazer essa reflexão junto com os alunos para que eles
percebam de que forma eles estão inseridos no mundo e de que forma o
mundo está neles e de que forma eles podem ser mais cidadãos a partir
daquela aula, eu percebo que dar muito certo, porque eles fazem a
reflexão: bem, eu estou aqui, eu estou na zona rural, mas eu sou assim, eu
quero isso, eu desejo isso para minha comunidade. Então vejo na geografia
a possibilidade dos alunos refletirem sobre seus mundos sem
desconsiderar outros. Procuro, nas aulas, falar de uma Geografia que mexe
com as nossas vidas, que mexia com a comunidade, a ponto deles
perceberem as influências que tinham do mundo e também as influências
que eles podiam ter enquanto localidade rural no mundo. Eu acho que essa
questão de envolver vários instrumentos, de usar música, por exemplo, para
discutir desigualdade social, o uso do vídeo, do filme, para discutir todas as
questões ligadas à geografia, o uso de imagens geram aulas que eles se
envolviam muito, a leitura de mundo mesmo pela geografia. Então eu fui
vendo que isso dava muito certo, e provocava nele essa reflexão do ser
cidadão, tentava trazer nas aulas justamente isso, os jovens como
protagonistas, dentro do espaço rural, mas também fora dele, dentro da
escola ou em qualquer outro espaço. Na verdade, eles têm que ser
protagonistas de suas próprias vidas e de suas escolhas (professora Marta,
Entrevista Narrativa 2012, grifos meus).
.

O excerto da narrativa da professora Marta desvela concepções e práticas no âmbito


do ensino de Geografia, reafirmando a importância da articulação entre as aprendizagens do
lugar, sem desconsiderar o contexto mundo e vice-versa. Por isso, ao utilizar em suas práticas
pedagógicas diferentes linguagens (vídeos, musicas, leitura imagética etc.) no ensino de
Geografia, esta professora mobiliza, por meios de suas metodologias, questões importantes do
ponto vista teórico e epistemológico, fomentando o papel da Geografia na formação dos
sujeitos, problematizando suas presenças-mundos na apropriação/compreensão do espaço e
166

dos conteúdos geográficos, incitando, assim, protagonismo dos sujeitos-alunos rurais, no que
concerne às suas escolhas pessoais e no desenvolvimento de suas comunidades locais.
Assim sendo, Marta ver “na geografia a possibilidade dos alunos refletirem sobre seus
mundos sem desconsiderar outros”. Tal perspectiva sugere que as fronteiras se misturem,
atingindo, também, os processos pedagógicos, rompendo com a aparente homogeneização
que historicamente tem marcado o ensino de Geografia. Esse entendimento perpassa pela
escuta e pela compreensão da experiência dos alunos, sujeitos rurais que, em sua relação com
o lugar, podem apreender importantes elementos de entendimento da realidade, reunindo,
nesse movimento de aprendizagem, subsídios para melhor lidar com o mundo que
cotidianamente se apresenta.
Desse modo, o lugar é compreendido como “o habitual da vida cotidiana, mas, por
outro lado, também é por onde se concretizam relações globais” (CALLAI, 2010, p. 36).
Aqui, o local e global, o rural e o urbano, o sujeito e o lugar possuem uma ação implicada, de
unidade e complementariedade e não simplesmente de dependência, como comumente tem se
perpetuado. Nesse sentido, portanto, o ensino de Geografia pode fazer a diferença em escolas
rurais. Entendendo que as práticas cotidianas são espaciais, o conhecimento geográfico torna -
se importante para a vida cotidiana, de modo que, compreender o mundo e ser sujeito de sua
vida são condições que possibilitarão aos sujeitos, rurais ou urbanos, viverem com dignidade,
como protagonistas do mundo.
O ensino de Geografia, portanto, deve situar o sujeito nesse mundo, mediante a
compreensão da espacialidade dos fenômenos, possibilitando-o apreender o porquê isso
acontece aqui e não ali. E nesse mesmo sentido, deve possibilitar que os sujeitos entendam
que os espaços são resultados da história dos homens, os quais vivem nos lugares e que por
isso são construídos a partir dos interesses dos que ali vivem e produzem suas vidas. Isso
porque “o sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do lugar liga -se
indissociavelmente à produção da vida” (CARLOS, 1996, p. 29).
É no lugar que aflora a vida, os sentimentos, as tensões, as alegrais, as saudades, os
pertencimentos. É no lugar que se fala do mundo, que se escondem os segredos, é nele que a
vida acontece no ápice de sua autenticidade. É! “Pobre dos que não tem esse sentimento de
pertencimento, que não tem lugares seus” (KAERCHER, 2004 p. 317). Tomando o espaço
rural como esse lugar, marcado pelo plano do vivido, o qual dá sentido e significado às
histórias dos sujeitos rurais, ao ponto de produzir uma identidade que lhes é peculiar e uma
Geografia que lhe é particular, estes sujeitos se reconhecem nesse espaço porque é este o seu
167

lugar de vida. É considerando esse lugar rural, espaço geográfico de vida onde se concretizam
todas as dimensões da existência humana, que se aposta no desenvolvimento de um ensino de
Geografia que contemple por um lado, a diversidade do mundo e, por outro, a singularidade
do lugar.
Nesse sentido, escutar os sujeitos-alunos rurais tem sido uma possibilidade de
aproximar os conteúdos da Geografia e de suas vidas-mundos. Assim, ouvir os alunos tem se
configurando como uma ação pedagógica importante no trabalho da professora Marta, como
se pode ver na narrativa a seguir:

Então acredito muito numa prática onde a gente possa abrir espaço
para que o aluno diga de si, diga o que pensa. Eu digo que a escola hoje ela
não seja tão boa porque a gente pára muito pouco para escutar o aluno como
deveria, eu acho que é o aluno que nos dar pistas de como melhorar
nossa prática e assim fazer dessa escola um espaço de conhecimento
mas, também de vida. [...] Então eu fui um pouco nessa perspectiva de
perceber a realidade e dar vida a essa Geografia, deixando que a vida deles
aflorasse. A intenção é propor uma Geografia que os envolvesse, que tivesse
sentido para eles, porque acho difícil você não querer se envolver em algo
que você se sente parte. Mas é sempre um desafio, na verdade eu aprendi a
ser professora de Geografia da roça com os meus próprios alunos, muito
mais do que as teorias [...] Tudo eu busquei para subsidiar a minha prática,
mas muito mais eu aprendi a ser professora de Geografia com meus próprios
alunos, eles foram sempre o ponto chave para pensar, para refletir de que
forma eu poderia ser melhor. [...] A cada aula que eu vejo que eu consegui
realmente mexer com a vida deles, isso me faz cada vez mais sentir o desejo
de continuar sendo professora de Geografia, porque na verdade eu aprendi
por meio da Geografia, essa possibilidade de mexer com o aluno, com a vida
dele implicada com o seu lugar, sua escola, sua comunidade (professora
marta, Entrevista Narrativa 2012, grifos meus).

Ao revelar seus modos de ensinar Geografia em escolas rurais, a professora Marta


disponibiliza formas que encorajam uma aprendizagem significativa por parte dos alunos,
através do movimento de escutá-los, uma proposta pedagogicamente coerente para envolvê-
los nos processo de ensinar e aprender Geografia. Desse modo, escutar os alunos permitiu, a
esta professora, por meio das trocas cotidianas, aprender a arte do oficio de mestre. Esse ato,
configura-se, portanto, em um gesto construtor de sua identidade de professora de Geografia
da roça, como assim reitera: “eu aprendi a ser professora de Geografia com meus próprios
alunos, eles foram sempre o ponto chave para pensar, para refletir de que forma eu poderia ser
melhor”. A intenção sempre foi a de propor modos de ensinar Geografia que tivessem
articulados com a vivência dos sujeitos-alunos rurais.
168

Ao tecer “posições avaliativas” (SCHÜTZE 1987) sobre sua trajetória e sobre sua
constituição docente, esta professora evidencia, em diversos momentos da narrativa, por meio
de “teorias explicativas”, reflexões pertinentes sobre suas concepções e práticas docentes.
Desse modo, mediante um “sistema de orientação atual”16, apresenta resultados positivos no
processo de ensinar Geografia, conseguidos ao longo de sua experiência docente em contexto
rural. “[...] Claro, que durante a trajetória não foi sempre assim, mas hoje eu já posso dizer
que é dessa forma, e isso me deixa muito feliz, porque eu fui aos poucos me constituindo mais
e mais professora da roça”.
O ato de escutar os sujeitos-alunos rurais e valorizar suas falas no processo de ensinar
Geografia nos faz reconhecer que o aluno do espaço rural, quando chega à escola, já traz uma
bagagem de conhecimento valorativo, criado a partir das relações anteriormente estabelecidas.
Entretanto, a escola, muitas vezes, ao desconsiderar a voz desses sujeitos rurais em suas
práticas docentes, reforça a negação do meio rural, realçando as diferenças culturais e
propondo um ensino distante de seus contextos e perspectivas, deixando o aluno à margem,
entediado, uma vez que não se reconhece enquanto sujeito no contexto da aprendizagem
geográfica. Trata-se, portanto, da necessidade de escutar esses sujeitos e, de maneira crítica,
valorizar os saberes espaciais, políticos, culturais e experienciais.
Diante de tal realidade, é importante romper, independentemente do contexto sócio-
histórico-geográfico onde estejamos inseridos, com um ensino de Geografia distante da
realidade dos alunos, sobretudo para alunos-sujeitos rurais, que convivem diretamente com
uma lógica urbana. Essa idealização do urbano, que também inspira, em sua maioria, os textos
e documentos legais sobre a educação em espaços rurais, tem encontrado na palavra
“adaptação”, empregada repetidas vezes, a indicação de tornar acessível ou de ajustar a
educação escolar às condições de vida rural. Os dispositivos legais, dentre eles o currículo, as
propostas pedagógicas e o livro didático, encontram-se amparados, de algum modo, no
paradigma moderno, que supervalorizou o modo de vida urbano, influenciando, também, um
ensino de Geografia urbanocêntrico, fomentando um currículo e uma prática docente urbana,
neutralizadora e silenciadora do outro, do subordinado, neste caso, o rural e o modo de vida
dos seus sujeitos.
Outras questões são narradas pelas professoras, no que se referem aos dilemas e às
tensões da profissão:

16
Nesse caso, a avaliação do percurso nasce de sua posição atual, que é a referência temporal norteadora da
analise da trajetória/experiência (SCHÜTZE 1987, trd. DW, 2003).
169

O que mais me desagrada é a falta de um olhar diferenciado dos


políticos, do poder público na verdade para a escola rural. É como se as
escolas rurais fossem jogadas assim, não tivessem um sentido, não
contribuíssem tanto para educação, nem para vida dos alunos da roça. A
verdade é essa, como se a escola rural não fosse praticamente nada. Na
verdade, estão ali porque é obrigatório, porque precisa ter números de
alfabetizados, eu queria muito que eles olhassem de um jeito diferenciado
porque daqui, existem muitas coisas boas que deveriam ser exploradas e
valorizadas. Por isso eu queria suplicar a eles que olhassem para a escola
rural de maneira diferente, que tentassem uma proposta diferente,
porque assim, até hoje a gente vê que as propostas que fazem visam à zona
urbana, e cabe à zona rural se adaptar àquele trabalho. Mas penso assim, se
eles fizessem uma proposta diferenciada, com um olhar diferenciado
seria bem mais fácil para gente trabalhar Geografia em escolas rurais e
com os sujeitos rurais. (professora Kaína, Entrevista Narrativa 2012, grifos
meus).

Os excertos das professoras Kaína e Mirian marcam o descontentamento na profissão,


sobretudo pelo trabalho solitário que desenvolvem. A primeira narrativa revela a solidão do
trabalho docente em escolas rurais, materializada pela indiferença, tratamento inferior e/ou
insuficiente por parte das políticas públicas e do poder político ao uniformizar as propostas de
ensino com uma lógica urbanocêntrica. Isso faz com que faz a professora Kaína apele por um
olhar diferenciado e mais específico para o trabalho a ser desenvolvido, contemplando, assim,
as especificidades do ensino de Geografia que considerem as experiências/vivências de seus
sujeitos-alunos.
As “posições avaliativas” tomadas pela professora Kaína, ao longo da narrativa,
destacam que o descaso político no que se refere à operacionalização de propostas
diferenciadas para o espaço rural, estão atreladas ao descaso, pelo qual atravessa,
historicamente, a escola rural. Desse modo, ela afirma: “é como se as escolas rurais fossem
jogadas assim, não tivessem um sentido, não contribuíssem tanto para educação, nem para
vida dos alunos da roça”. Esse tratamento inferior dado à escola da roça só reforça o
distanciamento e falta de propostas que valorizem este espaço e os sujeitos que estão inseridos
no mesmo. Há portanto, impresso na narrativa de Kaína uma vontade que mudanças
aconteçam nesse cenário, para que assim seja possível, sem tantas tensões e dificuldades,
garantir uma escola, bem como um ensino de Geografia que considere e respeite as
experiências/vivência dos sujeitos-alunos rurais, principais atores desse processo.
170

Ademais, as narrativas das professoras validam, nesse sentido, que a profissão docente
é uma profissão marcada por interações humanas (TARDIF; LESSARD, 2012), fonte de
prazer e valorização, cujos resultados estão sempre voltados, por um lado, pela individulidade
de quem pleita o trabalho, nesse caso o professor, e, por outro, pela coletividade onde se
inserem suas práticas materializadas sempre no encontro com outro, neste caso, os alunos-
sujeitos rurais.

(In)conclusões

Através das narrativas das professoras, muitas questões emergiram no campo da vida e
da profissão, todas elas atravessadas por constantes subjetividades. Por isso, nesse texto,
nossas análises buscaram apreender, a partir de uma perspectiva “hemenêutica compreensiva”
RICOUER (1976), modos e maneiras de exercer a docência em contextos rurais. Assim, em
um movimento de ida e vinda, foi possível evidenciar/publicizar práticas de professoras de
Geofragia em contextos rurais, que através de “gestos cotidianos” (CERTEAU, 2001, p. 47)
reiventam a vida e a profissão docente.
Desse modo, ao tomar suas vivências e relatar experiências inseridas nesses
atravessamentos diários, as professoras falaram de modo simples, deixando escapar a
complexidade e as dinâmicas implícitas no trabalho docente, onde o elemento humano (a
pessoa do professor) transita nas interações personalizadas pelos sujeitos-alunos rurais,
interações imersas em subjetividades. Foi possivel perceber, ainda, que tais interações
acontecem dentro de um espaço-tempo/mundo de vivências, onde as professoras e os alunos
partilham suas certezas e incertezas nos processos de ensinar e aprender em contextos rurais.
O trabalho envidenciou ainda, que tem sido por meio da compreensão e do
conhecimento do lugar que as professoras das escolas rurais buscam compor suas práticas
educativas, de forma a respeitar os saberes socioculturais dos alunos, os quais são construídos
mediante suas interações com o lugar. O lugar é então um espaço vivido, concebido e
percebido, local onde as relações do cotidiano acontecem constantemente, sofrendo suas
mudanças. Ele é, pois, um produto da experiência humana. Nesse sentido, a referida categoria
significa mais que o sentido geográfico de localização, o “lugar é o centro de significados
construídos pelas experiências” (TUAN, 1983, p. 43) de quem vive o lugar, de quem
compreende sua dinâmica e respeita suas singularidades.
171

Nesse sentido, o trabalho das professoras, encontra-se ancorado nesse mundo vivencial
donde extraem seus sentidos e significados, seus modos e maneiras de ensinar Geografia em
escolas rurais. Contudo, nessse movimento de olhar atentamente as práticas das professoras,
muitas coisas, sobretudo no que concerne às bases de uma Geografia crítica precisariam ser
consideradas e problematizadas nesse trabalho. No entanto, a intenção não foi tecer críticas e
pôr em cheque as fragilidades e as inconformidades expressas nos discursos e práticas
cotidianas das professoras. Desse modo, entender as limitações das professoras não significa
justificar as fragilidades e incorências de suas práticas, mas pecerber que cada uma das
professoras materiliza suas práticas nessa humana docência.
Assim sendo, parafraseando Guimarães Rosa (2001), posso afirmar: “docenciar é um
negócio muito perigoso”, isso porque nem sempre operacionalizamos o que acreditamos e
nem sempre acreditamos no que operacionalizamos. Nessa corda de equilibrista, ainda que
reconheçamos outros modos significativos de “docenciar” em escolas rurais, não há, portanto,
como negar que existe uma linha tênue entre desejo e prática, realidade e ficção, conteúdo e
realidade, Geografia e vida que atravessa os cotidianos das professoras colaboradoras dessa
investigação, mas isso não pode nos imbolizar. Por ora, é tempo de validar elementos
positivos operacionalizados pelas professoras, que em suas práticas docentes, com modos e
maneiras singulares, buscam anunciar aos sujeitos-alunos rurais que o mundo não é longe
daqui!

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TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. Tradução: Lívia de Oliveira.
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173

LEITURA DE IMAGENS: “É POSSIVEL LER, SEM SABER


LER?” – UM PROJETO DE INTERAÇÃO COM CRIANÇAS RURAIS
DO MUNICÍPIO DE JAGUAQUARA, BAHIA.
Relato de experiência

Naara G. S. Humildes / UESB

RESUMO: Esse trabalho é resultado de uma experiência vivenciada no município de Jaguaquara-


Ba, na Escola Rural Taylor Egídio – ERTE, com alunos de diferentes idades, sexos, e níveis de
alfabetização (incluindo analfabetos). Essas crianças têm como realidade sócio-histórico-cultural a
zona rural e por esse motivo são acometidos por diferentes formas de preconceito e discriminação que
perpassam as questões linguísticas atingindo até as socioeconômicas. Porém, a realidade educativa
progressista que vivenciam na ERTE, possibilita a esses uma inserção nessa “educação” opressora
dominante que vem entrando em decadência com o passar do tempo. Essa experiência de projeto de
leitura possibilitou a averiguação das diferentes capacidades dos alunos rurais no âmbito interpretativo
e imaginético, assim como também, serviu de subsídio para a demonstração de que essa classe de
estudantes – apesar de possuírem uma cultura diferente – não possuem limitações quando a leitura de
mundo.
Palavra-chave: Leitura de Imagens; Interação; Crianças Rurais

Introdução

Para vivenciar literalmente o sentido de ser alfabetizada, a criança precisa apresentar


domínio sobre duas habilidades principais, consideradas básicas, tanto pela sociedade, quanto
para qualquer educador: a capacidade de leitura e escrita. Essas possuem intensa relação de
dependência uma com a outra e desenvolvem-se em período progressivo e gradual.
A competência da leitura, ou seja, a aptidão de interpretar e atribuir significado ao
código da língua – é o enfoque maior desse projeto. No entanto, essa temática foi delimitada,
a partir da escolha de um subtema, que é também o título que o nomeia – Leitura de Imagens:
“É possível ler, sem saber ler?”. Partindo da consciência de que não só as palavras, mas
também as imagens possuem significação, aqui será visualizada toda a possibilidade de
interpretação do leitor para com gravuras comuns, livros formados apenas por imagens,
charges sem palavras, e figuras ambíguas.
A expressão leitura de imagens começou a circular na área de comunicação e artes no
final da década de 1970, com a explosão dos sistemas audiovisuais. Essa tendência foi
influenciada pelo formalismo e pela semiótica. Para tais, a imagem constituía percepção, já
que toda experiência estética, seja de produção ou recepção, supõe um processo perceptivo. A
percepção é entendida aqui como uma elaboração ativa, uma complexa experiência que
transforma a informação recebida.
174

Vale ressaltar que todas as imagens que serão utilizadas nessa oficina aqui proposta são
constituintes do universo de comunicação não verbal da língua e que esse “leitor” para o qual
se designa essa atividade pode ou não ter domínio completo da habilidade de leitura. Portanto,
ao final dessa oficina de leitura objetivamos responder positivamente a problemática que
norteia toda essa atividade: “É possível ler, sem saber ler?”, ou em outras palavras, “Qual
seria a capacidade de interpretação e significação para alguém que não sabe ler?”.
Para aplicação dessa oficina foram escolhidas como participantes, algumas crianças das
mais variadas faixas etárias, nos mais variados níveis de escolaridade (incluindo também as
que não são alfabetizadas). Essas crianças compõem uma instituição rural de ensino – Escola
Estadual Rural Taylor-Egídio (ERTE) na cidade de Jaguaquara. Lá elas recebem educação
básica, além de auxílio na alimentação, saúde, entre outras necessidades básicas de toda
criança. Esta escola foi escolhida para a aplicação da oficina por apresentar uma realidade
diferenciada de contato com a língua, devido à origem rural.
Por meio das interpretações que as crianças fizeram das imagens observadas tornou -se
evidente a demonstração de que é possível ler sem saber ler. Neste contexto, o universo de
significação e a habilidade cognitiva de percepção propiciaram uma capacidade de leitura
diferenciada que certamente contribui com a constituição do ser de cada criança, assim como,
com o seu desenvolvimento da leitura de mundo.

Objetivos

 Objetivo Geral

Desenvolver a oficina de leitura, para despertar a importância dessa ação e conscientizar a


criança que mesmo com pouco ou nenhum domínio linguístico, seu universo interpretativo e
perceptivo não é limitado.

 Objetivos específicos
 Aplicar oficina de leitura utilizando imagens para demonstrar que mesmo sem o
domínio da escrita existe a possibilidade de ler.
 Estimular o processo de leitura despertando na criança a perspectiva futura de sua
formação como sujeito e cidadão.
175

 Oportunizar as crianças e adolescentes da zona rural, o contato com gêneros textuais


que circulam em ambiente urbano.
 Proporcionar aos aplicadores a oportunidade de vivenciar outras realidades além do
universo acadêmico.

Justificativa

A escolha dessa temática partiu da preocupação em considerar a habilidade cognitiva da


percepção como instrumento primordial na experiência de contato com o mundo e com as
outras pessoas. É notável a dificuldade que muitos têm em produzir significados a partir da
leitura; Justamente por esta dificuldade, e também pela presença de um grande numero de
imagens no mundo, que essa temática foi suscitada a fim de utilizar a imagem como suporte
facilitador da leitura.

Referencial

A leitura em seu significado mais simplório é a compreensão das palavras desencadeada


pelo processo de alfabetização. No entanto, para Paulo Freire (2003) leitura é bem mais que
decodificar palavras: é ler o mundo. E, neste mundo moderno, repleto de mensagens
imagéticas, a leitura também envolve ler imagens.
Os PCN’s propõem a leitura na perspectiva do modelo interativo, no qual a informação
flui tanto do texto para o leitor quanto do leitor para o texto. Observa-se uma interação entre
autor/texto/leitor; Assim, o sujeito leitor não permanece na passividade de decodificação de
palavras, frases ou imagens. Todo o seu conhecimento de mundo pode ser ativado para
elaborar e verificar hipóteses de leitura sobre o assunto do texto; negociar ou inferir
significados; hierarquizar o texto, separando idéias principais e secundárias; estabelecer
objetivos de leitura e definir seu nível de acesso; associar imagens e texto verbal na
construção de sentidos, entre outros procedimentos (Brasil, 1997; Kleiman, 1996; Moita
Lopes, 1996).
O estudo pós-modernista que concebe a leitura de imagens como cultura visual, vem
desenvolvendo-se nos mais diferentes âmbitos do conhecimento. Manguel (2001) afirma que
nossas experiências diárias são permeadas de imagens de todos os tipos e que as lemos
constantemente – códigos textuais e gráficos, expressões fisionômicas, elementos da natureza.
176

Portanto, o conceito de leitura é muito mais vasto do que o usualmente empregado no senso
comum. Essa afirmação está refletida também na seguinte citação: “As imagens, assim como
as palavras, são a matéria de que somos feitos” (Manguel, 2001).
A par dessa perspectiva, observa-se quanto a noção de leitura é restringida a textos
escritos na esfera escolar. As imagens são concebidas como instrumentos ilustradores do texto
verbal, mero ornamento para quebrar o ritmo cansativo da leitura. Porém, não é dessa maneira
que a leitura visual deve ser tratada e é isso que os estudiosos como Manguel e Freire
defendem em seus discursos.
O interesse por essa temática, só tem aumentado e isso faz com que vários
pesquisadores, de diferentes áreas, discutam cada vez mais a necessidade de uma
alfabetização visual.
Com a ampliação da noção de leitura para uma perspectiva que transforma o conceito
da mesma, outrora ligado apenas à interpretação de textos e trabalhos letrados, “(...) aprender
a ler significa também aprender a ler o mundo, dar sentido a ele e a nós próprios, o que, mal
ou bem, fazemos mesmo sem ser ensinados” (MARTINS, 1984).
Fica implícito aqui nesta declaração de Martins que ao contrário da leitura
convencional, a leitura de mundo é anterior ao ensino, ou seja, é subjetiva, é perceptiva,
podendo até ser num simbolismo mais exagerado, concebida inata.
A postura diferenciada do professor que oferece ao aluno uma "alfabetização visual"
dará a esse, condições de conhecer melhor a sociedade em que vive e interpretar a cultura de
sua época. E mais, ele vai descobrir as próprias concepções e emoções ao apreciar uma
imagem. "O professor tem de despertar o olhar curioso, para o aluno desvendar, interrogar e
produzir alternativas frente às representações do universo visual", afirma Fernando Hernández
(2000).
Por fim, utilizando as palavras de Charlot (2000), a leitura de imagens é composta por
um dos movimentos de ir e vir, presentes nas relações que o sujeito estabelece com ele
mesmo, com os outros e com o mundo. É, portanto, um movimento de leitura positiva do
universo realístico que possui um caráter epistemológico e metodológico. Em síntese, no
contexto deste projeto, a leitura é uma das ações humanas mais significativas na mediação das
relações entre os sujeitos e tudo aquilo que os circundam no seu mundo.
177

Metodologia

A oficina de leitura foi realizada na Escola Estadual Rural Taylor-Egídio (ERTE) na


cidade de Jaguaquara – BA, com aproximadamente 20 crianças, escolhidas de forma aleatória,
sendo essas alfabetizadas e não alfabetizadas. Para a realização dessa atividade foi destinado o
período de 4 horas.

A oficina ocorreu através de duas etapas:

1. Leitura Coletiva
1.1 Temática: Leitura de imagens diversas
1.2 Objetivos: Incentivar a integração, e desenvolver a leitura de forma coletiva.
1.3 Material: Revistas, livros, pinturas, fotografias, desenhos, charges, etc.
1.4 Passo a passo:
Foram oferecidas as crianças várias imagens, desde fotografias, pinturas, charges,
imagens ambíguas, entre outras. Esse primeiro momento de visualização e
interpretação aconteceu de maneira coletiva. Sendo que, a interpretação de uma
criança, consequentemente, influenciou a de outra, como também a de todo o grupo.
Por isso, a priori, a subjetividade de cada uma não foi totalmente considerada. Nessa
etapa o relato do visual ocorreu oralmente. As crianças observaram e descreveram o
que estavam visualizando.

2. Leitura individual direcionada


2.1 Temática: Leitura direcionada de imagens específicas.
2.2 Objetivos: perceber como a criança realiza a interação individual com a figura e
como ocorre sua interpretação fora do coletivo.
2.3 Material: Cópias de figuras para cada criança, papel para escrever a interpretação.
2.4 Passo a passo:
Cada criança recebeu uma imagem para realizar uma interpretação individual, e uma
folha de papel para escrever o relato de sua observação. Houve orientação para as que
não sabiam escrever. Nessa etapa foi necessária uma maior concentração por parte de
cada criança, e maior exploração do potencial interpretativo e perceptivo.
178

As interpretações nesse momento mostraram-se mais pessoais e subjetivas já que as


leituras foram individuais. Após escrever as impressões pessoais da imagem, todas
essas foram partilhadas com as outras crianças.

AVALIAÇÃO

Após as duas etapas foi suscitado um momento dialogado entre aplicador e crianças.
Nesse, elas descreveram o que acharam da atividade e o que pensam sobre leitura.

Alguns questionamentos realizados:

 O que você acabou de fazer foi uma leitura?


 Foi difícil ler uma imagem? Por quê?
 É diferente de ler um texto (palavras)? Por quê?
 Se fosse permitido escolher entre uma imagem e um texto qual você preferiria? Por
quê?
 Você acha que quando um texto vem acompanhado de uma imagem, essa ajuda na sua
interpretação?
 Qual foi a sensação de ler (uma imagem) mesmo sem saber ler (palavras)?
 Você gostaria realizar esse tipo de leitura mais vezes?

Ao final do dialogo, e da observância de divergentes opiniões a respeito da temática


leitura, a oficina foi finalizada com a distribuição de livros educativos (com maior presença de
imagens) para cada criança. Essa ação serviu de lembrete sobre a importância da leitura no
dia-a-dia.
Após a aplicação dessa oficina de leitura foi necessário um período intenso de reflexão
sobre a validade de tal prática na vida do aplicador, e quão qualitativa (ou não) foi a aplicação
deste projeto. Para tanto, com intuito de avaliar se os objetivos foram devidamente
alcançados, foi necessária a produção de um relato de experiência, a fim de identificar quais
foram os aprendizados, e qual a contribuição da oficina para a formação profissional do
educador.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

No dia 08 de novembro do ano de 2012, quinta-feira, foi aplicada na Escola Rural


Taylor Egídio (ERTE) no município de Jaguaquara, uma oficina de leitura com o tema
179

“Leitura de Imagens – É possível ler, sem saber ler?”. Para a realização dessa prática foram
selecionadas de forma aleatória 26 crianças, sendo essas alfabetizadas e não alfabetizadas, e
também solicitada à direção da escola a disponibilidade dessas para a atividade que teve
duração de aproximadamente 4 horas. A oficina iniciou-se às 14:00 h em uma das salas da
própria instituição. Logo de início foi falado ás crianças sobre a importância da leitura e
apresentada a abordagem “Leitura de imagens”. Houve total integração com as crianças na
etapa da leitura coletiva, na qual cada criança pode socializar sua percepção das imagens
observadas. Toda essa etapa ocorreu de forma bastante descontraída e agradável, pois houve
verdadeira interação com as crianças: maior parte das leituras foi feita em uma grande roda
formada por aplicador e crianças sentados no chão. Nessa etapa de leitura coletiva, foram
observadas e interpretadas algumas placas contendo imagens diversas; a partir delas as
crianças conheceram um pouco da tipologia textual, e elas mesmas, construíram textos
narrativos e descritivos. Também foram lidos ainda nessa etapa três livros: “Na roça!” e
“Pinote o fracote e Janjão o fortão!” – livros de predominância não verbal; e “Verde Vivo” –
livro totalmente composto de imagens (não verbal). As participações foram espetaculares, as
crianças desenvolveram muito bem cada leitura, mostrando serem possuidores de uma enorme
capacidade perceptiva. Na segunda fase da oficina, a da leitura individual direcionada, cada
criança recebeu uma folha de papel contendo uma imagem da qual deveriam desenvolver uma
história, ou seja, uma leitura. O resultado foi bastante significativo; mesmo não sendo tão
habilidosos com a escrita, cada criança, com a ajuda do aplicador, escreveu seu próprio texto
interpretativo. Eles se mostraram encantados por conseguirem ler as imagens e escrever sobre
elas. Após esse momento, foi feito o encerramento da oficina com um diálogo com as
crianças e alguns questionamentos sobre quão qualitativa havia sido a atividade. As crianças
afirmaram que a leitura de imagens é muito fácil e divertida, que gostaram de praticá -la, e
gostariam de realizá-la mais vezes. Mais uma vez, eles foram conscientizados sobre a
importância da leitura, seja verbal ou não, e como incentivo desta, cada criança recebeu um
livro de atividades com imagens, para marcar a significação daquela oficina em suas vidas. A
atividade foi muito benéfica não só para os alunos da ERTE, mas também para o aplicador
envolvido no projeto. Em fim, é muito gratificante saber que é possível realizar leituras de
mundo, sem possuir completa dominação das habilidades linguísticas.
180

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Minas Gerais: Delegacia do MEC,
1997.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. In: A importância do ato de ler em três artigos
que se completam. 45ªed. São Paulo: Cortez, 2003.
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
KLEIMAN, Ângela. Leitura: ensino e pesquisa. 2ª ed. Campinas: Pontes, 1996.
MANGUEL, Alberto. In. MADALENA, Antônio. Se deixarmos de ler, iremos morrer.
Entrevista para o jornal O Globo, 2001.
MARTINS, Maria Helena. O que é Leitura. São Paulo: Brasiliense, 1984.
MOITA LOPES, L.P. Um modelo interacional de leitura. In: Oficina de linguística aplicada –
a natureza social e educacional dos processos de ensino-aprendizagem. Campinas: Mercado
das Letras, 1996.

ANEXO I

Figura 1: FACHADA DA ERTE


181

Figura 2: MOMENTO DE LEITURA COLETIVA

Figura 3: MOMENTO DE LEITURA INDIVIDUAL


182

AS NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS DE PROFESSORAS RURAIS:


APREENDENDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA E A FORMAÇÃO

Natalina Assis de Carvalho / UNEB

RESUMO: O presente artigo objetivou discutir questões relacionadas a profissão docente,


apreendendo a prática pedagógica e a formação inicial e continuada de professoras que atuam em
espaços rurais. O corpus da pesquisa foi construído por quatro professoras que exercem a docência em
escolas rurais no município de Baixa Grande Bahia. O trabalho trata de apreender questões vinculadas
a formação de professoras rurais, a partir das narrativas sobre o trabalho docente. Tomo as narrativas
escritas de professoras como perspectiva metodológica, mediante a abordagem autobiográfica, por
configurar-se como metodologia de investigação e do conhecimento de si sobre o trabalho,
possibilitando as professoras refletirem sobre suas práticas e a profissão num processo constante de
formação e autoformação. É com o olhar voltado para o professor e sua inserção no fazer docente que
serão tecidas as construções entorno da prática pedagógica e da formação do professor levando em
consideração o contexto rural.

Palavras-chave: Profissão docente; A prática de professoras rurais; Formação inicial e continuada

Introdução

O presente trabalho levantou questões sobre a formação e o trabalho docente de


professoras em espaços rurais no município de Baixa Grande Bahia, analisando assim, a
formação, a partir das dificuldades apresentadas na prática pedagógica, em função da
fragilidade na formação inicial e continuada. Esta proposta de investigação se constitui como
um desdobramento de estudos realizados a partir do projeto Ruralidades diversas - diversas
ruralidades: sujeitos, instituições e práticas pedagógicas nas escolas do campo Bahia-
Brasil17. A metodologia que ancorou a referida pesquisa foi a abordagem autobiográfica uma
metodologia e método de conhecimento, ancorada nas narrativas escritas de quatro
professoras. Tratou-se da escrita autobiográfica, para entender, questões sobre o trabalho
docente e a formação de professoras rurais. Assim, o professor, a partir do momento que
começa a escrita da narrativa, passa por um processo de rememoração da sua profissão, o que
inclui suas experiências e aprendizagens adquiridas. É nesse momento que o docente reflete e
17
Projeto coordenado pelo Prof. Dr. Elizeu Clementino de Souza – UNEB. Em regime de colaboração com a
Uneb/Ufrb/ Paris 13/Nord-Paris8/Vincennes-Saint Denis. O Projeto busca investigar como se configuram os
lugares, espaços de aprendizagens, as escolas rurais/do campo e suas diferentes significações.
183

passa a conhecer melhor seu processo de formação. Refletir pode ajudar o docente a entender
sua formação e um pouco sobre suas experiências, suas aprendizagens para melhor rever a sua
prática na sala de aula. Souza (2006) destaca bem a importância dessa reflexão quando afirma
que:

O entendimento construído sobre a formação me faz caminhar, no sentido


de aprender as implicações sobre a formação inicial, o estágio como
iniciação e as narrativas como potencialmente férteis para a
transformação das identidades e subjetividades, a partir das experiências
que nos constituem pessoas e profissionais, na tentativa de apreender
dimensões autoformativas no pensamento e na ação do sujeito em
formação. (p,139).

Entender como se processa a formação, remete os professores a voltarem a pensar a


sua formação inicial, podendo compreender e pensar durante o estágio da sua prática que, às
vezes, reflete no que realmente são. Dessa forma, as aprendizagens e as experiências são
elementos essenciais na constituição e auto-formação desses profissionais.
Além disso, a escolha por trabalhar com o contexto rural foi mediante a aproximações
de vivências com o meio, e decorrente de frequentes visitas à locais desta natureza. Optou-se
por valorizar tais conhecimentos, por levar em consideração o expresso por Josso (2004),
quando afirma que a experiência é uma aprendizagem que ajuda o sujeito no momento de
praticar, decorrente da constituição da significação, assim, o espaço oferece oportunidades
para viver situações, a partir dos conhecimentos já adquiridos. Observou-se que a professora
formada nas grandes cidades e designado para o meio rural nem sempre tem subsídios
necessários para lidar com uma determinada realidade regional, a qual muitas vezes é bastante
distante daquela que corresponde à sua vivência.
Diante disso, as ações educativas desenvolvidas por esses profissionais oriundos do
meio urbano em um meio rural mostram-se como fragilizadas, por não estar adaptada a essa
nova realidade. A relevância desse trabalho promoveu um estudo que contemplou a realidade
de quatro professoras de espaço rural do município de Baixa Grande Bahia, no que diz
respeito à formação e às práticas pedagógicas dos mesmos. O trabalho com as professoras foi
uma importante contribuição às pesquisas relacionadas à formação de professores e ao estudo
dos docentes rurais para a produção de conhecimentos, além de possibilitar a reconstituição
de uma história que permitirá o conhecimento de si mesmo enquanto profissional.
184

Profissão docente

A profissão docente no bojo de alguns problemas atuais deve ser discutida, para tentar
entender o trabalho que os professores rurais vêm desenvolvendo no seu dia-a-dia. Segundo
Nóvoa (1999, p, 15) “a função docente desenvolveu-se de forma subsidiária não
especializada, constituindo uma ocupação secundária de religiosos ou leigos das mais diversas
origens”. Ainda, segundo o autor durante anos imputou-se a profissão docente a ação dos
sistemas estatais do ensino.
Ser professor é uma tarefa que requer, em geral, dedicação, gostar do que faz, conhecer
a si mesmo e o lugar que atua. Na sala de aula, o docente vai articulando sua vida pessoal e
profissional, as quais vão se transformando e originando subsídios importantes para a reflexão
de como ser professor. Cada docente tem sua história de vida e uma trajetória. Assim, é
importante conhecer como os docentes percebem suas vivências e como elaboram os
acontecimentos, fatos, experiências que se entrelaçam e lhes permitem iterpretar o mundo.
Tratando-se de professoras rurais, vê-se de maneira clara uma atuação profissional que
brota de uma educação vagarosa, e que surge e continua até hoje a partir de um modelo de
educação do meio urbano. O docente formado na área urbana, e que vai atuar no meio rural,
necessita ter uma formação adequada e continuada para trabalhar com o meio. Neste sentido,
Caldart (2005), tem mostrado a importância destacada do professor no processo de progressão
e aprendizado dos alunos. Apesar dessa constatação, a condição de trabalho desses
profissionais tem se deteriorado cada vez mais. No caso específico de territórios rurais, os
docentes têm-se a baixa qualificação e salários inferiores ao meio urbano, enfrenta entre
outras coisas, a sobrecarga de trabalho, dificuldades de acesso à escola, em função das
condições das estradas entre outros. Ser professora rural implica em refletir uma identidade
em construção, refletir sua prática e compreender as demandas da sala de aula.
É preciso que o educador entenda que o ser humano é produto da sua história e que
estes diferentes grupos humanos que vivem nos espaços rurais têm história, cultura,
identidade, lutas comuns e específicas. Conforme Caldart (2005) a finalidade de uma ação
educativa é ajudar o indivíduo no desenvolvimento como ser humano. Sendo assim, a história
do sujeito e sua constituição mantêm-se, mas pode passar por mudanças, e é por conta destas
questões que o professor deve estar atento a demanda dos sujeitos rurais. Ao falar sobre a
profissão docente, é preciso pensar no lugar que se trabalha, ter um olhar voltado para o povo
185

rural com o intuito de direcionar sua prática, perceber que os alunos de espaços rurais são
pessoas que têm uma história de vida e estão em momentos diferentes de seu
desenvolvimento humano.
O docente pode pensar em não só atuar na educação, mas lutar pelas transformações
do meio rural e na sociedade inteira. O professor tem um papel importante no que diz respeito
a guiar o educando no processo de aprendizagem e mudanças. Para Zabala o docente
potencializa as capacidades que propiciem ao discente compreender o sistema social e
cultural. “É preciso insistir que tudo quando fazemos em aula, por menos que seja, incide em
maior ou menor grau na formação de nossos alunos” (1998, p.28). Ou seja, a formação não é
só vista como do professor, mas do aluno, pois o trabalho realizado pelo docente é válido para
estes sujeitos.
O professor rural lida com muitas questões na sua profissão, pois, “A profissão é uma
palavra de construção social. É uma realidade dinâmica e contingente calcada em ações
coletivas” (VEIGA, 2008, p.14). A docência envolve uma construção do lugar, das pessoas e
das ações. Assim, realização desse trabalho pode ser individual ou coletiva. As professoras
que estão no meio rural durante a sua profissão modificam a sua prática no seu exercício em
sala de aula, visto que estão sempre encontrando questões diversas para resolver. A prática no
contexto rural é determinada pela formação que este docente possui e que se configura na
realização de sua profissão. É possível entrever certo desconforto, certa dificuldade que
atrapalham muitos docentes que vão ensinar nas escolas rurais, que é a falta de um projeto
político pedagógico adequado à vivência do sujeito rural.
Caldart (2005) afirma que particularmente sobre os profissionais em educação das
escolas rurais, em comparação aos profissionais urbanos, que estes recebem menos formação
acadêmica e informação cotidiana, recebem menor remuneração e materiais didáticos e,
consequentemente, concentram maiores índices de doenças de trabalho. São muitas as
questões a serem resolvidas e que interferem diretamente na profissão docente, é preciso,
então, que o professor busque subsídios. Além disso, novamente nos deparamos com a ideia
de que o professor rural precisa saber manusear as questões do meio em que faz sua prática
acontecer, é muito mais do que apenas conteúdos, é uma realidade totalmente heterogênea.
Por isso o professor necessita estar em constante processo de formação, para atuar com
qualidade no ensino dos sujeitos que moram em espaços rurais.

A prática de professoras rurais


186

A pesquisa desenvolvida no município de Baixa Grande Bahia foi realizada com o


intuito de entender qual o trabalho docente e a formação do professor de espaço rural, através
das narrativas escritas, buscando questões da prática pedagógica e da formação de
professores. Para compreender estas professoras buscou-se o experesso por Souza (2006)
quando diz que as narrativas permitem entender o processo do sujeito, pois, através das
experiências construídas e das aprendizagens, adquirem-se os mais diversos conhecimentos
da sua vida e do que se faz. Realizando assim reflexões sobre a formação inicial e continuada
como elementos para auxiliar o professor em sua profissão docente.
A seleção de professoras18 da zona rural ocorreu em espaços diferentes, cada uma
trabalhava em escolas distantes da cidade. No primeiro contato com as professoras de meio
rural, informou-se como seria realizada a pesquisa e os objetivos. Destacou-se também a
importância que os dados fornecidos tinham para enriquecer o processo de formação do
pesquisador que trabalhava com as narrativas. E, por fim, elucidou-se, superficialmente, a
importância do processo da pesquisa como formação, das narrativas que iriam desenvolver,
apontando-as como um momento de reflexão e formação.
O início da graduação no município de Baixa Grande, território da Bacia do Jacuipe
começa com cursos oferecidos por instituições particulares, mas, efetiva-se com uma parceria
entre a prefeitura e a Rede UNEB 2000. Essa resultou na implantação de cursos Intensivos de
Graduação para docentes que já atuavam em séries iniciais, da rede pública de ensino. Assim,
o objetivo é graduar aqueles que têm apenas a formação em Magistério, e, assim, oferecer aos
professores cursos de formação inicial para um melhor desempenho de sua profissão. Pois,
com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96, que surgem
novas exigências para a formação do professor, e aponta no artigo 62 que a formação de
docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura,
de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras
séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Em resultado disso, a formação universitária passa a ser uma prioridade para o
exercício profissional, uma motivação para dar continuidade à sua formação inicial. O curso
de graduação da Rede UNEB, por ser intensivo, tem a duração máxima de três anos, dentro
dos currículos não são contempladas disciplinas específicas a respeito da educação do campo,

18
Fiz a opção pelo feminino por se tratar de professoras que atuam em povoados diferentes
187

situação distante do que se esperava de um curso oferecido a professores que trabalham em


espaço rural. O contexto rural deve ser de identificação de muitas professoras, pois se espera
que estes possam contribuir no momento de educar. Entretanto, não se pode afirmar que todos
os docentes se identificam com o contexto rural. Na presente pesquisa, constatou-se, que as
quatro professoras se identificam com o contexto rural, mas muitas sentem dificuldades com a
prática docente na sala de aula. Durante a pesquisa algumas professoras preferiram que o
pesquisador não utilizasse seus nomes originais, pois afirmavam querer manter o sigilo.
Algumas narrativas escritas que respondem à pergunta Como acontece a prática pedagógica
nas escolas rurais? 19:

O meu trabalho é algo que agradeço a Deus todos os dias. Mas, a


minha prática pedagógica na escola rural, esta se complica por muitos
anos de profissão. O problema das minhas aulas por exemplo são as
precariedades do espaço, não acho giz, as vezes falta folhas de ofício.
Muitas vezes tenho que ligar do meu celular para a secretaria de
educação para pedir papel e giz, como é longe da cidade nem dá
tempo para que levem o material. Mesmo assim, dou a minha aula,
claro com dificuldade, mas fazer o que esse é o meu trabalho e gosto
da roça dos meus meninos. (N1)

Gosto muito de trabalhar com alunos que residem no espaço rural,


tenho um diferencial das minhas colegas de trabalho, pois saio todos
os dias da cidade para a escola na roça. É satisfatório quando vejo
meus alunos cheio de vida para estudar, mas as vezes não sei como
faço na minha prática, tem assuntos que esqueci, tem outros que
quando os meninos não gostam eles conversam muito. As vezes penso
que a minha prática para ser melhorada preciso voltar a estudar ou
fazer algo voltado a educação do campo que os meninos gostem. (N2).

Apesar da identificação com o meio rural, mesmo que esta seja parcial, a professora
N1 mostra na sua narrativa o esforço para lecionar no espaço rural. Aponta a dificuldade esta
relacionada com a precariedade de material algo dificultor durante a prática pedagógica em
sala de aula. Compreender dilemas dentro da sala de aula é perceber os ritmos e tempos que
as situções vão conduzindo o fazer docente. A narrativa da professora N2 que diz se
identificar com o contexto rural, tem um itinerário de idas e vindas da cidade e da roça, onde

19
Os trechos aqui apresentados foram extraídos das narrativas, conforme pelos professores, mantendo-se a
fidelidade à escrita original.
188

leciona e diz que sente dificuldade na prática pedagógica durante os conteúdos expostos a
alunos do meio rural.
A professora N2 marca muito fortemente durante a sua narrativa a necessidade de uma
formação continuada para dá conta dos conteúdos e que seria necessário uma formação
voltada a educação do campo. A formação continuada é necessária a muitos professores que
tem o seu fazer docente constante.
Partindo do pressuposto sobre o trabalho docente em escolas rurais foram colhidas
as narrativas das quatro professoras. Estes puderam fazer uma reflexão sobre o seu processo
na vida e na profissão, expressando assim suas dificuldades e subjetividades e formação.
Além disso, foi possível perceber nas falas das professoras N3 e N4:

Trabalhar no contexto rural é do jeito que imaginava, as condições são


poucas. As vezes desistimula pois, vários problemas são enfrentados
diariamente, porém é bom e muitas aprendizagens surgem no decorrer
da prática pedagógica. Muitas experiências no relacionamento com
alunos da roça que vou me desprendendo dos modos tradicionais. Sei
que devo fazer inovação, caso não faça eles vão embora da escola.
(N3)

A prática nos vamos adquirindo no dia a dia, todo dia é tempo de


reiventar. Eu sempre sigo o tempo deles. Percebo durante o meu
trabalho em sala que cada um dos meninos tem um tempo de avanço.
Daí faço do jeito que eles dizem. Durante a minha prática descubro o
que eles querem. (N4)

Percebe-se conceitos formados com relação a educação rural, um lugar atrasado, com
dificuldades e de poucas condições de trabalho. Em algumas narrativas percebe-se a passagem
da categoria “roça”. Segundo Rios (2011), as discussões feitas sobre as novas ruralidades e as
possibilidades de ressignificação do rural e dos discursos que o constituem como um espaço
de sentidos e significados, a roça poderá surgir pelo fato de carregar uma construção
histórico-epistemológica que marca os espaços e tempos no cotidiano de alunos e alunas. A
roça, que é um rural específico, um rural das pequenas e mesmo minúsculas propriedades; da
agricultura de subsistência; de homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras que lavram a
terra para dela tirar seu “pão”, que não lhes rende riqueza, mas, quando muito, apenas o
sustento necessário à sobrevivência (SANTOS, 2006, p 43).
189

A narrativa da professora N3 trás os saberes adquiridos na sala de aula enquanto


processos de aprendizagens, a prática pedagógica como descoberta de novidades e questões
para inovação de conhecimentos. A inovação é o sair do tradicional, como algo lúdico e
prazeroso para o aluno do meio rural. Na narrativa da professora N4 a prática também é
ressaltada como um elemento de descobertas e construção de saberes. A questão do tempo é
algo que o professor da narrativa N4 deixa marcado em sua fala, o tempo como um fator para
avançar em seus conteúdos. Pode-se perceber fortemente nas narrativas a fragilidade na
formação inicial e continuada que as professoras rurais possuem, e a prática pedagógica
como uma dificuldade por falta de suporte na formação.

Formação inicial e continuada

Tratar da formação de professores que lecionam em contextos rurais é de suma


importância para muitos docentes, os quais possuem uma formação continuada fragilizada e
que realizam sua prática em sala de aula de maneira, muitas vezes mais complexa, do que os
professores do meio urbano. É importante lembrar que

A formação assume uma posição de “inacabamento” vinculada à história de


vida dos sujeitos em permanente processo de formação, que proporciona a
preparação profissional. O processo de formação é multifacetado, plural, tem
início e nunca tem fim. É inconcluso e autoformativo. (VEIGA, 2008, p.15).

O professor em sua formação está sempre buscando mais aprendizados seja na vida
pessoal ou profissional. Na sua profissão o docente passa por um processo contínuo de
descobertas e/ou redescobertas. Muitas mudanças acontecem no decorrer dos processos
vividos, assim, há uma incompletude, o docente encontra-se em um processo de permanente
busca.
Para entender a formação de professoras Veiga (2008) diz que a formação docente é o
ato de formar, educar o profissional. Esta vem ao longo do tempo, se desenvolve em
momentos individuais ou coletivos, no sentido de construir saberes adquiridos pela
experiência ou pelas aprendizagens acontece de forma gradativa, na qual muitos elementos
podem estar envolvidos. Pensar em uma escola de qualidade para os sujeitos de espaços
rurais é repensar a formação inicial e continuada de professoras.
Essa formação ajuda transformar muitos aspectos dentro da sala de aula, como a
melhoria da prática, a busca de elementos novos para serem aplicadas na escola, e a
190

competência para resolver demandas que poderão sempre surgir. A prática diária é um
elemento de formação, não apenas as teorias e a experiência adquirida. A formação pode
ajudar o docente a encontrar respostas às dificuldades encontradas do dia-a-dia e é um
processo inicial e contínuo. Para Mizukami (2002), a formação inicial sozinha não dá conta de
toda a tarefa de formar professores, como querem os adeptos da racionalidade técnica,
também é verdade que ocupa um lugar muito importante no conjunto do processo total dessa
formação, se encarada na direção da racionalidade prática. Nota-se assim que a formação
inicial é um ponto de partida para o professor e esta não será suficiente para resolver todos os
assuntos que enfrentará no decorrer de sua atuação, por isso, a formação continuada é o que
dará suporte ao professor.
Ao longo dos anos, vem se questionando os cursos de formação continuada
fragmentados e de pouca duração, como um meio efetivo para alteração da prática
pedagógica. Mizukami (2002, p.71) diz a esse respeito: “Esses cursos, quando muito,
fornecem informações que, algumas vezes, alteram apenas o discurso dos professores e pouco
contribuem para uma mudança efetiva”. Essa é uma perspectiva clássica da formação
continuada de professores, que é vista como um processo de reciclagem, uma atualização.
Contrária a essa visão clássica, pesquisas sobre uma nova concepção de formação continuada
foram desenvolvidas. Para Candau (1996) todo processo de formação continuada deve ter
como fundamental a valorização do saber docente e a experiência que este possui na escola.
Sendo assim, o professor deve apropriar-se de seu processo de formação e fazer um processo
de reflexão sobre a sua história de vida seja numa dimensão pessoal ou profissional.
A reflexão sobre saberes que estão se configurando na docência é importante para uma
construção da identidade profissional do professor. Segundo Mizukami (2002) com o novo
perfil do professor, o conceito de formação docente é relacionado ao de aprendizagem
permanente, onde se consideram os saberes, as competências docentes, como decorrência da
formação profissional, das aprendizagens ao longo da vida. O processo de construção do
professor se desenvolve a partir da prática pedagógica, pelo compromisso com o seu trabalho,
através de uma formação contínua e mediadora de conhecimentos. O que acrescenta, também,
nesse processo de construção de identidade são as experiências vividas, as relações dos
professores entre si e com outras pessoas.
A formação do professor rural deve ser pensada de forma mais atenciosa, pois estes
lidam com muitas dificuldades no campo e sua grande maioria tem formação inicial, mas não
pensam em dar continuidade. Consta nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das
191

Escolas do Campo (2002) que é dever do sistema de ensino municipal ou estadual assegurar a
formação do professor, seja ela no magistério ou em nível superior. As Diretrizes dizem
também que os cursos oferecidos aos professores deverão ter conteúdos da zona rural, os
conhecimentos devem ser voltados ao campo, às questões enfrentadas pelo educador rural.
Formar docentes para a atuação na educação rural é um desafio para as universidades e
são poucas as instituições de ensino superior que estão tomando a iniciativa de incluir no seu
currículo disciplinas para o professor rural ou até mesmo oferecer cursos. No entanto, já
existem programas de apoio à formação superior em curso de licenciatura em educação do
campo em algumas universidades federais, tais como a Universidade Federal da Bahia, a
Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Brasília. A oferta das licenciaturas
em educação do campo é oferecida a professoras que não têm formação superior e que atuam
no meio rural. Essas licenciaturas oferecem formação inicial específica, sendo esta uma
iniciativa viável aos educadores rurais. Para Rocha e Martins (2009) a experiência da
licenciatura em educação do campo está sendo construída, mas sucedem muitos desafios e
possibilidades.
Cita-se ainda o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em
Educação do Campo (PROCAMPO) que é uma iniciativa do Ministério da Educação, por
intermédio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), em
cumprimento às suas atribuições de responder pela formulação de políticas públicas para
combater os problemas educacionais sofridos pelas populações rurais e a valorização da
diversidade nas políticas educacionais. O objetivo do Programa é apoiar a implementação de
cursos regulares de Licenciatura em Educação do Campo nas Instituições Públicas de Ensino
Superior de todo o país, voltados especificamente para formar educadores que lecionarão nos
anos finais do ensino fundamental e no ensino médio nas escolas rurais. A falta de interesse
das políticas públicas ainda interfere fortemente quando se trata de trabalhar a educação rural
e essas propostas ainda precisam se expandir a ponto de chegar a todos os professores rurais.

Considerações finais
O estudo realizado, a partir das narrativas autobiográficas de professoras de espaço
rural evidenciou, dentre outras coisas, que antes de se estudar o trabalho docente e a formação
de professores rurais, faz-se necessário entender as relações existentes no espaço rural, assim
192

como a constituição do trabalho docente dentro deste espaço, compreendendo relações da


profissão professor.
A formação é um suporte para o professor que vai se construindo ao longo do tempo e
segundo Mizukami (2002), a formação de professores é entendida como um processo
contínuo, um processo de desenvolvimento para a vida. Para a autora, concentram-se neste
processo da formação inicial, profissional e continuada elementos para entender a prática
profissional deste docente. Um subsídio que pode ajudar o professor a entender sua formação
é refletir um pouco sobre suas experiências, suas aprendizagens para melhor rever a sua
prática na sala de aula. Entender como se processa a formação, remete as professoras a
voltarem a pensar a sua formação inicial, podendo compreender e pensar durante o estágio da
sua prática que, às vezes, reflete no que realmente são. Dessa forma, as aprendizagens e as
experiências são elementos essenciais na constituição e auto-formação desses profissionais.
Constatou-se a importância de se trabalhar com a abordagem autobiográfica e as
narrativas no processo de investigação e formação de professoras. Através das narrativas foi
possível obter o conhecimento sobre a história das professoras, sobre o que é ser professor da
zona rural. Desta forma, apresentaram-se, mediante este estudo, reflexões acerca da formação
de professoras da zona rural de ensino fundamental, e verificou-se, as dificuldades existentes
na prática pedagógica de professoras rurais, ligadas diretamente à fragilidade na formação
inicial e continuada.
A partir dessa análise, pode-se constatar que o professor durante sua formação precisa
estar refletindo sobre a sua vida, sobre o seu processo de formação e suas práticas
pedagógicas. A reflexão sobre os conhecimentos adquiridos e as aprendizagens dos
professores pode ser um elemento para melhorar a sua prática ou qualquer ação desenvolvida
na escola. Assim, reconhece-se que ser professor rural e, concomitantemente a isto, cursar
uma universidade ainda é um grande desafio nos dias de hoje, no entanto, não impossível de
se fazer. A importância da formação continuada, com conteúdos específicos da área rural, é
fundamental para que o educador possa resolver as diversas questões que surgem dentro da
sala de aula e oferecer um ensino de qualidade aos seus alunos.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Resolução 01/2002 do CNE/CEB, que Institui as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica do Campo. Brasília: CNE/CEB, 2002.
193

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Nacional. Brasília, 1996. p, 63.
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escola da cidade – um estudo sobre escola, cultura e identidade. 2006. Dissertação (Mestrado
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ZABALA, Antoni. A Prática Educativa Como ensinar. Tradução de Ernadi F. da F. Rosa.
Porto Alegre: Artemed,1998.

FRACASSO ESCOLAR EM CLASSES MULTISSERIADAS: FATORES


QUE INTERFEREM NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LEITURA E
ESCRITA
194

Patrícia dos Santos / UNEB/SEC- Valença


Maria do Rosário S. Souza / UNEB/SEC- Valença

RESUMO: O presente artigo procura analisar os problemas que contribuem para o fracasso escolar
nas classes multisseriadas enfocando o processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita nos anos
iniciais do Ensino Fundamental. Dessa forma, buscou-se refletir acerca do fracasso escolar em classes
multisseriadas, dos problemas que interferem na qualidade do ensino e as dificuldades apresentadas
pelos professores no processo de alfabetização no contexto múltisserie. Para tanto, a pesquisa foi feita
através de uma metodologia de base empírica em que foram utilizados como instrumentos de coleta de
dados entrevistas semi-estruturadas e observação da prática pedagógica dos educadores, bem como do
cotidiano dos alunos das escolas pesquisadas. Para esse estudo, realizamos uma pesquisa bibliográfica
com base em autores que discutem educação do campo e o processo de alfabetização. Assim sendo,
constatou-se a ausência de políticas públicas que garantam o acesso e permanência do corpo docente
das escolas, bem como as dificuldades dos educadores no processo de alfabetização que está
relacionado a falta de experiência em classes multisseriadas e uma formação específica que lhes
possibilite elementos teóricos e práticos que possam ser confrontados com sua prática pedagógica.

Palavras-chave: Fracasso Escolar. Classes Multisseriadas. Leitura e Escrita.

Introdução
Historicamente, percebe-se que o fracasso escolar em grande parte das escolas do
campo tem sido decorrentes aos problemas de acesso e permanência na escola que é composta
de classes multisseriadas, fato esse que, de certa forma, está relacionado ao processo de
ensino e aprendizagem da leitura e escrita nos primeiros anos do ensino Fundamental. Diante
disso, foi realizada uma pesquisa de base empírica em 03 (três) escolas multisseriadas que
atendem da Educação Infantil ao 5º do Ensino Fundamental de nove anos, que compõem um
núcleo denominado Subsistema Educacional, todas localizadas em comunidades agrícolas de
um Município do Baixo Sul da Bahia.
Nesse sentido, o estudo analisa os problemas que interferem no fracasso escolar nas
classes multisseriadas, especificamente no que tange as dificuldades apresentadas pelos
professores no processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita. Dessa forma, o
presente artigo traz reflexões acerca do fracasso escolar em classes multisseriadas, dos
problemas que intervêm na qualidade do ensino, bem como as dificuldades dos professores no
processo de alfabetização no contexto multissérie.
Considerando tais questões, foram utilizados na pesquisa os referenciais teóricos que
discutem sobre Educação do Campo, como Arroyo, Caldart, Molina (2009), Arroyo (2011),
Caldart, Pereira, Alentejano e Frigotto (2012), acerca de Classes multisseriadas, fundadas nas
195

ideias de Antunes-Rocha e Hage (2010), além de um texto que trata de fracasso escolar,
baseado em Patto (1999), e outros que se referem ao processo de alfabetização,
fundamentando-se em Ferreiro (2011), Moll (2009), Soares (1998).
Assim sendo, busca-se através da referida pesquisa interferir de forma cientifica no
contexto escolar, tendo em vista estabelecer um movimento dialógico que pode fomentar um
processo reflexivo sobre as questões inerentes ao processo de ensino e aprendizagem nas
classes multisseriadas do campo.

Reflexões sobre o fracasso escolar nas classes multisseriadas

No Brasil, a educação escolar é historicamente marcada pela desigualdade social,


expressa na promoção do conhecimento formal, mantido nas mãos da classe mais favorecida.
Nesse sentido, existe uma perspectiva hegemônica, desde a época da colonização, de formar a
elite para assumir as funções privilegiadas e ensinar a classe popular para a servidão.
Nesse contexto, a educação escolar da classe popular sempre foi relegada a planos
inferiores, mantendo a classe dominante em padrões mais elevados de conhecimento
provocando a exclusão dos educandos desfavorecidos, demonstrados nos altos índices de
evasão e repetência logo nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental I, período
determinado para que o aluno seja alfabetizado na idade certa. Como defende Ferreiro (2011,
p. 12): “As maiores taxas de repetência se situam nas três primeiras séries do 1º grau; o filtro
mais severo está na passagem do primeiro para o segundo ano da escola primária, alcançando
em alguns países cifras excessivas (no Brasil, por exemplo)”.
Vale ressaltar que os problemas presentes na escola pública se intensificam nas áreas
rurais, onde a população enfrenta diversos problemas de acesso e permanência nas escolas,
devido às questões estruturais e pedagógicas como precariedade das estradas e das unidades
escolares, calendário e currículo inadequados à realidade dos campesinos. No espaço rural,
principalmente na região, Norte e Nordeste, geralmente as escolas possuem apenas uma sala
de aula, submetida apenas à responsabilidade do professor, em grande parte são organizadas
em classes multisseriadas, isto é, turmas compostas por alunos de diferentes faixas etárias e
série, por conta da baixa densidade populacional, sendo a possibilidade de essas crianças
estudarem em sua própria comunidade (ANTUNES-ROCHA; HAGE, 2010).
Dessa forma, as Classes Multisseriadas representam um grande desafio da Educação
do Campo, por conta da falta de uma estrutura física e pedagógica adequada que atenda a tal
196

realidade. Nesse contexto, observa-se, levando em consideração o processo de ensino e


aprendizagem em que na maioria das vezes, os alunos destas escolas apresentam dificuldades
na aquisição da linguagem oral e escrita.

Nas escolas multisseriadas, os estudantes têm pouco aproveitamento nos


estudos e a repetência é motivada em grande medida pela dificuldade de
apropriação da leitura e da escrita por parte dos estudantes. Os professores,
por sua vez, em face do acúmulo de funções e tarefas, como também pela
dificuldade para alfabetizar, têm pouca oportunidade de realizar o
atendimento aos estudantes que não sabem ler e escrever e, ao mesmo tempo
se sentem pressionados pelas secretarias de educação a aprová-los no final
do ano letivo, como forma de relativizar as alarmantes taxas de repetência.
(ANTUNES-ROCHA E HAGE 2010, p.29),

Partindo desse pressuposto, percebe-se que os professores que atuam em Classes


Multisseriadas enfrentam muitas dificuldades no processo de ensino e aprendizagem da
leitura e escrita, essa situação tem influenciado em grande parte, o fracasso escolar dessas
crianças, explícitos nos índices de repetência e distorção idade-série. No entanto, quando a
escola diurna não dá conta destes problemas, muitos educandos são empurrados para escola
noturna já adolescentes, tendo que conciliar tempo para o trabalho e a escola, sentindo-se
muitas vezes, desestimulados em dar continuidade aos estudos. Sabemos que tais implicações
têm contribuído para a forte presença do analfabetismo no campo.

Os dados do IBGE de 1995 apontam que 32,7% da população do meio rural,


que tem acima de 15 anos é analfabeta. Ainda existem milhões de pessoas
(em algumas áreas rurais chegam a 90%) que não chegaram nem mesmo a
este direito elementar de acesso à leitura e escrita. (ARROYO; CALDART;
MOLINA, 2009, p. 35)

Nessa conjuntura, é notório enfatizar que apesar da expansão da leitura e da escrita


através da produção de jornais, revistas, livros, site na internet, mensagens eletrônicas, blogs,
comunidades de interesse e mais uma infinidade de gêneros textuais, tem permitido aos
indivíduos comunicar-se com o mundo através de diferentes tipos de linguagem. Entretanto, a
muitos educandos tem sido negado o direito em adquirir certo domínio das habilidades e
competências referentes à leitura e escrita, que possibilite a construção de conhecimentos e o
acesso à cidadania.
197

Atualmente, percebe-se que a escola tem formado um grande número de analfabetos


funcionais - termo disseminado pela UNESCO, ou seja, ‘‘são pessoas que têm um nível
rudimentar de conhecimentos da linguagem escrita, não suficiente para enfrentar as
exigências impostas por seu contexto de vivência” (MASAGÃO, 2005, p. 47). Para tanto, faz-
se necessário que os professores revejam suas práticas pedagógicas no processo de
alfabetização, no sentido de assegurar a permanência e o êxito dos alunos das classes
populares, garantindo não apenas a simples habilidade de codificação e decodificação, mas a
competência de utilizar a leitura e escrita nas novas e complexas demandas sociais, o que
pode ser referenciado como letramento – capacidade de uso de diferentes tipos de material
escrito. O letramento não vem ocupar a função da alfabetização e sim, associar-se a ela, como
afirma Soares:
Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao
contrário: O ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no
contexto das práticas sociais da leitura e da escrita de modo que o indivíduo se
tornasse ao mesmo tempo alfabetizado e letrado. (SOARES, 1998, p.47)

Dessa forma se faz necessário, que as práticas de leitura e escrita trabalhadas nas
escolas do campo, valorizem os conhecimentos presentes nas vivências dos campesinos,
através da exploração de textos que estejam dentro da realidade dos alunos. Sem a interação
entre texto e leitor, a leitura perde o significado e os alunos acabam perdendo o interesse em
praticar a leitura e escrita, pois conforme Freire se expõe na citação seguinte:

Por isso pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, a escola, o
dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das
classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática
comunitária- mas também como há mais de trinta anos venho sugerindo,
discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação
com o ensino dos conteúdos. (FREIRE, 1996, p. 30).

No que diz respeito às políticas educacionais voltadas para alfabetização das crianças
do Ensino Fundamental, estamos imersos aos princípios de avaliações externas, que tem
introduzido no trabalho dos professores, práticas pedagógicas que atendam aos modelos
gerencialistas de avaliação, no intuito de tornar submisso o sistema educativo ao mercado.
198

O que frequentemente se observa é que o trabalho do educador, assim


como da maioria dos trabalhadores está marcado pela alienação, o que
significa dizer que o educador não domina nem o processo, nem o
produto de seu trabalho, já que está excluído das grandes decisões e
portanto do próprio sentido de sua atividade. (VASCONCELLOS,
2005, p. 20).

Nesse sentido, são aplicadas a Provinha Brasil para o 2º ano e a Prova Brasil para o 5º
ano do Ensino Fundamental de 09 anos, com o objetivo de medir o desempenho dos
educandos nas diferentes modalidades de ensino com relação à prática da leitura, escrita e
conhecimentos matemáticos. Além disso, a propagação dos resultados dessas avaliações pela
mídia, tem reforçado a triste situação de exclusão já vivenciada pelos educandos da classe
popular, como define Arroyo (2011, p. 175),

Os resultados das provas “cientificamente” tratados fecham o círculo: não há


dúvida, os coletivos populares chegam à escola, aos currículos com baixo
capital intelectual e moral, desqualificados para a aprendizagem da nobre
herança cultural, intelectual e científica. A cada prova, a mídia, estatísticos e
analistas sérios, MEC e secretarias, pesquisadores vão subindo o sinal de
alerta, como diante da gripe suína: cuidado, cor vermelha, a escola pública
está sendo contaminada com a desqualificação dos pobres.

Diante disso, fica explicito que o baixo desempenho dos alunos está fortemente
relacionado às características do seu grupo social, como se os fatores econômicos estivessem
relacionados à capacidade cognitiva. No entanto, fica camuflado a distribuição desigual de
oportunidades educacionais, “acostumando-nos à existência de um contingente crônico de
repetentes e excluídos na rede pública de ensino fundamental”. (PATTO, 1999, p. 22).
Assim sendo, a escola do campo, precisa se ocupar em criar possibilidades ao
educando, para o desenvolvimento de suas potencialidades, o domínio da leitura e escrita de
forma efetiva, permitindo o acesso às informações necessárias para sua formação omnilateral.

Os problemas que interferem na qualidade do ensino em escolas multisseriadas

A importância do estudo deste tema justifica-se pelo fato de existir no município


pesquisado um grande número de escolas multisseriadas, que tem resistido as inúmeras
199

críticas e resistências de muitos educadores que defendem a política de nucleação, e por conta
de existir poucas pesquisas que tratem desta realidade.

Silenciamento, esquecimento e até o desinteresse sobre o rural nas pesquisas


é um dado histórico que se torna preocupante [...] um dado que se exige
explicação: somente 2% das pesquisas dizem respeito às questões do campo
não chegando, a 1% as que tratam especificamente da Educação escolar no
meio rural. O que é para muitos um dado preocupante. (ARROYO;
CALDART; MOLINA, 2004, p. 8).

Nesse sentido, foi utilizada a pesquisa empírica envolvendo 03 (três) escolas


multisseriadas que atendem da Educação Infantil ao 5º ano, especificadas como 1, 2 e 3, que
compõem um núcleo, denominado Subsistema Educacional, localizado em um município do
Sul da Bahia, com aproximadamente 88.729 mil habitantes, dentre esses, cerca de 24328
residem em áreas rurais, segundo dados do Censo Demográfico 2010 do IBGE.
Dessa forma, a angústia da equipe gestora e dos professores das escolas 1,2 e 3, diante
do histórico de fracasso escolar, revelados nos altos índices de repetência e distorção idade-
série, decorrentes da deficiência no processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita,
instigou a realização deste estudo, com o objetivo de interferir nesta triste realidade.
Durante a pesquisa, observou-se que os problemas referentes ao transporte escolar,
rotatividade, contrato de professores e ausência de uma política de formação para os
professores do campo, vem contribuindo em grande parte com o fracasso escolar dos alunos
do referido Subsistema.
Além disso, percebe-se que o quadro de professores atuantes no campo é de origem
urbana, e que esse fato muitas vezes tem interferindo na qualidade no processo de ensino e
aprendizagem.

As consequências mais graves são a instabilidade desse corpo de professores


urbanos que vão as escolas do campo, e a não conformação de um corpo de
profissionais identificados e formados para a garantia do direito à educação
básica dos povos do campo. Assim um sistema específico de escolas do
campo não se consolida. (ARROYO, 2012, p. 359).

Neste sentido observou-se que nestas escolas pequena parte dos professores, são
concursados, aceitam trabalhar no campo, por questões referentes aos concursos públicos que
oferecem maior número de vagas na área rural e para garantir sua estabilidade como
funcionária do município. Geralmente, depois de 02 anos, passagem do estágio probatório,
200

pedem transferência para cidade, por conta das más condições de trabalho existentes no
campo. Esses educadores enfrentam em média de 12 horas diárias, devido à distância do
trabalho até a sua residência, e as precárias condições do transporte e das estradas.

Em consequência dessa situação, o início do ano letivo e cumprimento dos 200 dias
letivos, ficaram comprometidos devido ao processo de contratação de professores para suprir
as vagas dos transferidos. Além disso, o salário dos professores que são contratados é inferior
aos professores efetivos, e estes também sofrem com os fatores relacionados também a falta
de pagamento, em razão destes contratos, serem realizados sem seguir os requisitos
necessários. Por conta, desse problema, no ano de 2012, nas escolas, 1 e 2, as aulas iniciaram
no mês de abril, e pela falta de pagamento dos professores contratados, o ano letivo foi
interrompido no mês de junho. Os educadores que iniciaram as aulas nesta unidade foram
substituídos em meados de julho, por outros professores que passaram pela seleção do REDA
– modalidade de triagem que contrata pessoas para prestar serviço por um determinado
tempo. Sabemos que estas questões podem interferir diretamente na qualidade do trabalho
destes profissionais.

A inconstância dos educadores tem consequências não só sobre a qualidade


do trabalho pedagógico propriamente dito, mas também sobre a dinâmica do
grupo de profissionais que atuam numa determinada escola. As
consequências pedagógicas preocupam mais, pois repercutem sobre os
índices de aprovação. (PATTO, 1999, p. 235).

Isso implica dizer que, quando se objetiva oferecer uma escola de qualidade no e do
campo, é preciso possibilitar a atuação de profissionais, principalmente de professores que
tenham relação constante com a escola, com a comunidade e com os alunos. Nesse sentido, a
estabilidade torna-se necessária, pois permite conhecer as vivências do aluno, a comunidade
onde a escola se localiza, suas culturas e tradições e assim desenvolver um currículo que
promova a aprendizagem significativa.
Além dos motivos já citados, os problemas com o transporte escolar e precariedade
das estradas, também influenciou muito o andamento das aulas nestas escolas. Neste mesmo
ano, houve problemas com o pagamento dos proprietários do transporte dos professores e
alunos que prestam serviço nestas unidades. As aulas foram interrompidas nos meses de
agosto e outubro, sem contar com os dias sem aula nos outros meses, por conta do
201

impedimento das estradas. A equipe gestora junto com a equipe de professores encerrou o ano
letivo, sem cumprir de fato os 200 dias.
Vale salientar também, que a formação dos professores tem forte influência na
qualidade da escola oferecida no Campo. As professoras que atuam na escola 1, tem apenas o
curso de magistério, as das outras escolas já concluíram o curso de Pedagogia.
Sabemos que os cursos de Pedagogia pouco têm preparado educadores para trabalhar
nas escolas do campo, incluíram em sua grade a disciplina Educação do Campo, mas falta
profissional especializado na área para assumir esta disciplina, geralmente disponibilizam
um professor, que pouco conhece a realidade da Educação do Campo. Tais problemas
refletem nas dificuldades dos professores ao atuar nas escolas do campo.

A formação continuada de professores é um ponto que merece destaque face


as dificuldades que os professores encontram em seu processo de formação
inicial relacionada à discussão da Educação do Campo. O fato de os cursos
deformação inicial não terem em seus currículos essa discussão contribui
para que muitos professores, ao se depararem com as peculiares da Educação
do Campo, não saibam como agir e acabam na maioria das vezes desistindo
ou reproduzindo metodologias que não são condizentes com as experiências
sociais e culturais dos sujeitos que vivem no/do campo. (ANTUNES-
ROCHA; HAGE 2010, p.117-118):

Neste sentido, os professores se sentem despreparados ao se deparar com uma série de


dificuldades presentes nas classes multisseriadas e demonstram muitas insatisfações quanto a
falta de subsídios para enfrentar essa realidade. A única formação específica destinada aos
educadores, aconteceu através do Programa Escola Ativa implantado no município de 2009 a
2012, que contribui na experiência dos professores concursados da escola 1, os demais não
conseguirem participar dos encontros, por motivo da rotatividade e contratação, iniciaram
seu trabalho nestas unidades no ano corrente. A equipe gestora pouco visita essas escolas, por
conta do excesso de trabalho do Subsistema Educacional composto por 14 escolas, que são
submetidas à responsabilidade de apenas um diretor e um coordenador, e não é
disponibilizado um transporte específico para visitar escolas.
Infelizmente, muitos alunos das escolas 1,2 e 3, evadiram no Ensino Fundamental I, e
quando estes educandos conseguem concluí o 5º ano, precisam se deslocar para outra
localidade, necessitando de mais recursos, para dar continuidade aos seus estudos. Percebe-se
202

que é insuficiente, as condições oferecidas a esses alunos, quanto ao deslocamento por conta
do difícil acesso, condições insuficientes das estradas, e o precário atendimento do transporte
escolar como já foi comentado.
Em 2002, são instituídas as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo
e em, 2008 as Diretrizes Complementares, Normas e princípios para o desenvolvimento de
Políticas Públicas de atendimento a Educação Básica do campo, que foram elaboradas através
de seminários e conferências no intuito de garantir os direitos dos sujeitos do campo.

Uma das tensões que hoje vivemos na defesa dos direitos é serem defendidos
apenas como direitos abstratos e serem negados como direitos concretos,
direitos tão universais que não vemos gente, não vemos seres humanos neles.
Temos que defender o direito à educação como direito universal, mas como
direito concreto, histórico, datado, situado num lugar, numa forma de
produção, neste caso da produção familiar do campo. (ARROYO, 2006, p.
128).

Assim, tantos anos se passaram e as intenções de mudança na educação rural se


tornam a cada dia uma luta constante. Os direitos atribuídos a estes na realidade, como afirma
Arroyo, são abstratos, quando observamos a continuidade das precárias condições oferecidas
nas escolas do campo, e nas pobres políticas em favor da Educação do Campo. Todos esses
fatores têm contribuído para o fracasso escolar de nossos alunos. Poucos conseguem chegar
lá. E muitos guardam sonhos de uma vida melhor negados pela própria desestrutura social.

Dificuldades dos professores de escolas multisseriadas no processo de ensino e


aprendizagem da leitura e escrita.

Durante a pesquisa e nos anos de experiência como profissionais de escolas


multisseriadas, observou-se que umas das maiores dificuldades enfrentadas pelos professores
que lecionaram e atuam em escolas multisseriadas estão voltadas para a alfabetização.
Entretanto, o fracasso escolar das crianças nos primeiros anos do Ensino Fundamental está
relacionado com a aquisição da leitura e escrita, como defende MOLL (2009, p. 35). “A saída
extemporânea da escola, já no 2º ano de ensino, é o momento mais forte da seletividade
escolar. Alfabetizar-se é condição “sine qua non” para permanência no processo de
escolarização.” Os professores apresentam relatos insatisfeitos com relação aos problemas
203

enfrentados no processo de ensino e aprendizagem em classes multisseriadas, por não terem


adquirido nenhuma experiência em sua formação para lecionar nestas classes, enfocam que os
alunos apresentam muitas deficiências na pratica da linguagem oral e escrita.

No turno vespertino trabalho com 30 alunos, da Educação Infantil, 1º, 2º e 3º


ano. Preciso dar atenção a Educação Infantil, mas meus alunos do 2º e 3 º
ano tem muita dificuldade na leitura e escrita. Me desespero, pois o tempo é
muito curto e nunca trabalhei em uma classe multisseriada. Toda minha
experiência foi adquirida em escola particular da cidade. (Professora da
escola 3).

Fico confusa! Quando estou com os alunos do 2º ano que ainda não sabem
ler e escrever e vejo que outros grupos de alunos, já terminaram a atividade e
estão parados. Sinto falta da Pedagogia ao me deparar com esses conflitos,
vejo que o curso de letras não dá subsídio para realização do meu trabalho.
(Professora da escola 1, turno vespertino)

Minha maior dificuldade é definir um método que pudesse realmente


alfabetizar os alunos repetentes da 2ª série/ 3º ano, fico sem saber por onde
devo caminhar. Reconheço também, que meus alunos da 2ª série/ 3º ano
foram reprovados por conta da minha preocupação ter sido mais voltada para
os alunos do 5º ano , pois meu medo é que estes alunos chegassem ao 6º ano
com dificuldades na leitura e escrita e ser criticada pelos outros professores.
(Professora da escola 1, turno matutino)

Preciso conciliar o ensino para as diferentes séries, e dar atenção especial aos
alunos que ainda não conseguem ler e escrever. Nem sempre o que planejo
para atender as dificuldades dos alunos surte efeito. (Professora da escola 2)

A organização do tempo e do espaço tem sido um dos problemas que mais tem
dificultado o trabalho dos professores em classes multisseriadas, por conta da
sobrevalorização do modelo de escola urbanocêntrica, os alunos são organizados em grupos
por série e nível de desempenho na prática da leitura e escrita. “Na verdade, sabemos que esta
divisão dos alunos em busca da homogeneidade é ilusória e perigosa, pois é estigmatizante e
mais impeditiva do que benéfica à progressão escolar.” (PATTO, 1999, p. 258). Dessa forma,
a utilização do padrão de escola seriada tem desconsiderado a importância de se trabalhar com
a pedagogia da diferença, que muito tem contribuído na aprendizagem significativa em
classes multisseriadas.
204

A busca de um método que possa alfabetizar os alunos em classes multisseriadas foi


revelado pelos professores como uma de suas maiores preocupações. Reconhecem que a
utilização do método sintético (que partem de elementos menores que a palavra), e práticas
retiradas de cartilhas não tem surtido efeito na alfabetização das crianças. Como defende
Ferreiro (2011, p. 35);

Nesses manuais apresentam-se orações estereotipadas, impossíveis de


encontrar em textos com função comunicativa, informativa ou puramente
estética: “Minha mãe me ama”, “o boi baba”, “O dedo de Dudu dói” são
pseudoenunciados que só existem nos manuais escolares que não
comunicam nada, que não informam acerca de nada e que as crianças devem
aceitar sem perguntar “que quer dizer”.

Neste sentido, a linguagem oral e escrita é trabalhada nestas escolas, sem nenhuma
relação com o contexto vivenciado pelo aluno, ocasionando muitas vezes a chegada destes
educandos no 5º ano / 4ª série com poucas habilidades de produção e interpretação de textos.
Em consequência dessa situação, muitos professores centram sua atenção nestes educandos,
devido às inúmeras criticas constrangedoras dos professores da escola nucleada de 6º ao 9º
ano que recebem estes alunos.
Os professores participam do curso do PACTO, projeto que deu certo no estado do
Ceará, implantado pelo Governo do Estado da Bahia no município desde o ano de 2012. Foi
relatado que o curso não atende a realidade das classes multisseriadas, uma vez que enfoca
apenas os alunos do 1º ano e o material não discute o contexto do campo.

Tenho dificuldade em trabalhar as práticas orientadas no curso do Pacto


Estadual, pois é determinado um período para utilizar em alguns dias da
semana, o material que só é disponibilizado para os alunos do 1º ano.
(Professora do turno vespertino da escola 1)

Nesse contexto, percebe-se a necessidade de formação continuada para esses


professores que contemple o processo de alfabetização, considerando as diversas implicações
presentes no contexto das classes multisseriadas, que, segundo Freire, na “formação
permanente dos professores, o momento fundamental é o de reflexão crítica sobre a prática. E
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”
(FREIRE, 1996, p. 39).
205

Portanto, há necessidade de ações práticas que contribuam para ampliar as


possibilidades de trabalho nas classes multisseriadas, no que tange a estrutura física,
reestruturação do currículo, organização do trabalho pedagógico, re(elaboração) de projeto
político pedagógico. Assim, tratando de forma mais específica, a questão da leitura e escrita, é
preciso criar espaços de formação continuada que deem conta da realidade multissérie,
fazendo com que os professores sejam ativos e reflexivos diante de sua prática pedagógica .

Considerações finais

Portanto, diante das dificuldades encontradas no processo de ensino e aprendizagem


da leitura e escrita nas escolas rurais 1, 2, e 3 de um Município do Baixo Sul, percebe-se a
partir da pesquisa a necessidade de que sejam implementadas de forma efetiva medidas que
contribuam para melhorar as condições de trabalho dos professores que atuam em classes
multisseriadas de escolas do campo. Nesse sentido, faz-se necessário criar espaços de diálogo
entre equipe gestora, professores, família e comunidade no sentido de fortalecer a escola,
buscando alternativas para amenizar tal situação, além de estabelecer parcerias para
responsabilizar os órgãos competentes, exigindo que se cumpra seu papel nas instituições
como um todo.
No entanto, no que tange de forma especial, a ação educativa, é notório enfatizar que
haja investimentos em formação continuada para os professores que atuam em classes
multisseriadas, a fim de possibilitar-lhes elementos teóricos e práticos que possam ser
confrontados com sua prática pedagógica. Dessa forma, pode-se gerar a formação de novas
propostas educacionais de acordo com a realidade em que o educador está inserido.
Infelizmente, nas salas de aulas das escolas do campo, ainda nos deparamos com situações
adversas em que o processo de alfabetização necessita ser revisto, uma vez que, no contexto
mencionado na pesquisa não tem tido resultados exitosos no desenvolvimento de habilidades
e competências relacionadas à leitura e escrita.
Assim sendo, faz-se necessário rever as práticas de alfabetização utilizadas em sala de
aula, buscando métodos que desenvolvam a leitura e escrita, relacionando-as com as práticas
sociais, no sentido de contribuir para formação de leitores e escritores que reflitam sobre a
realidade em que estão inseridos. O universo campesino apresenta uma infinidade de
instrumentos que podem servir de recursos metodológicos para desenvolver a criticidade na
leitura e escrita do educando, no entanto, é preciso instigar o potencial pesquisador e reflexivo
206

do educador, com intuito de fomentar esse movimento criativo e inovador nas salas de aula
das comunidades do campo.

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reinventando a escola multisseriada. Belo Horizonte, Autêntica, 2010.
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