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EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR 3º VICE-PRESIDENTE DO

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE


JANEIRO.

APELAÇÃO Nº 0011015-12.2010.8.19.0001
8º Turma Recursal Criminal do Rio de Janeiro

ORIGEM : processo nº 0011015-12.2010.8.19.001 – 1ª Vara Criminal


Regional de Bangu/RJ

VANDERSON EMÍLIO MEDEIROS COSTA, já qualificado

nos autos da Ação Penal supra, vem, respeitosamente, à presença de


Vossa Excelência e deste Egrégio Tribunal, na forma dos respectivos
artigos do Código de Processo Penal, e da Lei 8038/90 , bem como com
fundamento no art. 102, III, a, da Constituição da República, interpor

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

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junto ao SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL – STF, fazendo-o amparado
nas razões que se seguem, motivo pelo qual requer seja admitida a
presente peça impugnativa, com conseqüente envio dos autos ao
Pretório Excelso, para conhecimento e decisão .

P. DEFERIMENTO,

Rio de Janeiro, 24 de NOVEMBRO de 2010.

LÉA ARRIGUI ARAUJO


Defensora Pública
Mat.179.446.0

ALDO LUDOGERIO
Estagiário DPGE
Mat.092871

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RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO

DO PROCESSO CRIMINAL

I. O RECORRENTE foi denunciado pela suposta prática do crime


previsto no art. 33 da Lei 11.343/06, tendo sido condenado no primeiro
grau de jurisdição nas penas do art. 28, § 4º, da Lei 11343/06, qual seja,
DEZ MESES DE PRESDTAÇÃO DE SERVIÇO A COMUNIDADE.

Ocorre que foi aplicada a pena Np Maximo legal, não havendo


fundamento razoável para medida tão drágica.

II. Contra a sentença, foi interposto recurso de apelação, conhecida pela


8ª Turma Recursal Criminal do Estado do Rio de Janeiro que, por
unanimidade de votos, deram provimento ao apelo ministerial para
condenar VANDERSON como incurso no artigo 33, CAPUT da lei
11.343/06, restando prejudicado o recurso defensivo .

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III. Data máxima vênia o entendimento da Conselho Recursal, entende a
defesa que o debate ainda não está encerrado eis que, a nosso ver, a
conduta prevista no art. 28 da nova Lei de Drogas não configura ilícito
penal. Mesmo que assim não fosse, a quantidade apreendida é
insuficiente para manejara Justiça Penal, razão pela qual se socorre do
presente recurso excepcional para buscar a absolvição do acusado, pelos
motivos abaixo elencados.

DO REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

V. Não há qualquer dúvida acerca do PREQUESTIONAMENTO como


requisito de admissibilidade recursal eis que, foi abordada na própria
sentença monocrática e, além de haver pedido expresso nas razões de
apelo, foi objeto manifestação inequívoca da Turma Recursal a respeito
da questão constitucional invocada.

VI. A decisão final da Turma Recursal do Estado do Rio de Janeiro,


encerra discussão do feito nas vias ordinárias, ante o disposto no artigo
102, III da Constituição Federal, não restando ao Acusado mais nada

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senão passar à esfera extraordinária do Poder Judiciário, estando, pois,
preenchido o requisito de CABIMENTO.

VII. Não há dúvidas também acerca da ADEQUAÇÃO da presente


impugnação, eis que tem como sustentáculo a infringência de princípios
constitucionais expressos, notadamente o princípios da
RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENIGNA (art. 5‫؟‬, XL) RESERVA LEGAL
(art. 5º , XXXIX ) bem como da DIGNIDADE HUMANA (art. 1º,III ) com
sérios reflexos no DIREITO GERAL DA LIBERDADE (art. 5º, caput)
INTIMIDADE (ART. 5º, X), além dos implícitos tais como o PRINCÍPIO
DA INTERVENÇÃO MINIMA, OFENSIVIDADE e da PROPORCIONALIDADE.

VIII – Mesmo que assim não fosse, a quantidade da droga aprendida, no


caso concreto (0,5 gramas de Cloridrato de Cocaína) já
justificaria a presente impugnação, eis que a conduta estaria acobertada
pelo manto do PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, o que indubitavelmente
retira sua tipicidade material e, portanto, não deve ser objeto de
dedicação do Direito Material Penal.

IX – No mesmo esteio, dúvidas não há sobre o novíssimo requisito da


REPERCUSSÃO GERAL, eis que a discussão jurídica acerca da conduta
de posse de drogas, para uso pessoal, traz efeitos incontestáveis no

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comportamento de toda a sociedade, que necessita de um
posicionamento definitivo da Corte Maior acerca da eventual ilicitude do
fato.

X – Por fim, preenchido também a questão da TEMPESTIVIDADE, uma


vez que o Defensor Público que adiante assina teve “vista” dos autos em

25/11/2010 (vide fls. 247-verso ), tendo a prerrogativa da

ciência pessoal e da contagem em dobro dos prazos, conforme


assegurado pelo disposto no inciso I do art.128 da Lei Complementar
nº80/94.

DO MÉRITO DO RECURSO EXCEPCIONAL

DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL.


- DA ABOLITIO CRIMINIS-

Inicialmente, sustenta o recorrente que a conduta de porte de drogas


para uso pessoal foi descriminalizada pelo tratamento jurídico contido na
Lei 11343/06.

Com efeito, a referida conduta não mais se adeqüe a categoria de crime


ou contravenção, sendo, pois, atípica, nos exatos termos do artigo 28 na

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novel lei, nos termos abaixo.

A Lei de Introdução do Código Penal (Decreto-Lei 3914/41), no seu


artigo 1º, oferece o conceito legal do que seriam as infrações penais,
dispondo :

“ art. 1º - Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou
detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de
multa; contravenção, a infração penal a que e lei comina, isoladamente, pena de
prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. “

Por outro lado, o artigo 28 da Lei 11.343/2006, dispõe :

“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou


trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às
seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo.”

Como se observa, a novel lei só faz previsão de SANÇÕES MERAMENTE


ADMINISTRATIVAS, de cunho educativo, destituído de qualquer
conteúdo penal.

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Assim, conclui-se que a nova legislação das drogas, de forma inexorável,
descriminalizou a conduta em exame, para dar-lhe tratamento não penal,
deixando de configurar ilícito penal.

Pedimos vênia para trazer a colação o ensinamento do mestre LUIZ


FLAVIO GOMES, que de sua cátedra nos ensina:“ ... a nova lei de
tóxicos, no art. 28, descriminalizou a conduta de posse de droga para
consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de “infração penal” porque de
modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se
pode admitir a existência de infração “penal” no nosso país ... “ ( in
“Nova lei de Tóxicos não prevê prisão para usuário“ , publicado no sítio
www.lgf.com.br" .

Em obediência ao artigo 2º da Lei Material Penal, necessariamente


deverá o acusado ser ABSOLVIDO, ante a flagrante ABOLITIO CRIMINIS
da conduta imputada.

Além desses argumentos, observa-se que a conduta flagrantemente


abandonou o campo penal por outros motivos, apesar de inserido no
capítulo denominado “dos crimes e das penas “, em vários dispositivos
atinentes ao tratamento do usuário – art. 28 da Lei 11343/06 - fazem
referência as expressões “medidas ou medidas educativas”, v. g. , inciso

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III , parágrafo 1º e 6º , bem como no art. 29, o que nos leva a confirmar
a impossibilidade da aplicação das sanções de caráter aflitivas.

Na definição de DAMÁSIO DE JESUS, “a pena é uma sanção aflitiva


imposta pelo Estado, mediante ação penal ao autor de um fato delituoso,
visando diminuir um bem jurídico, tendo por finalidade principal, evitar a
prática de novo fato transgressor, e tem como característica fundamental
ser retributiva e ter finalidade preventiva, conforme disposto no art.59 da
Lei Material Penal. “ (in Direito Penal, Volume I, Saraiva – 22 ª Ed. -
1999).

Como se vê, nem o caráter retributivo isolado, nem o caráter preventivo,


de forma estanque, faz com que se justifique a aplicação da pena, não se
conseguindo depreender, das normas previstas no art. 28 da Lei
11343/06, qualquer CARATER AFLITIVO caracterizador da essência do
Direito Penal.

As medidas previstas, no preceito secundário da norma, estão direta e


unicamente voltadas a prevenção (advertência sobre os efeitos das
drogas; impositivas de comparecimento a programa ou curso educativo e
prestação de serviços à comunidade) .

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Mesmo essa última, que, em última ratio, poderia ser vista sob o ângulo
aflitivo, será cumprida em programas comunitários, entidades
educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres,
públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem,
preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de
usuários e dependentes de drogas, o que se significa método indireto de
aprendizagem.

Distanciamento do tratamento penal também se observa na hipótese de


aplicação da TRANSAÇÃO PENAL, que , não gera reincidência ou
antecedentes ou outra qualquer conseqüência relacionada ao direito
penal ( art. 48 § 5º ), nem impede novo benefício no período inferior a 5
anos (art. 28 § 4º), podendo o usuário valer-se do benefício por
incontáveis vezes, bem como, na hipótese de descumprimento, somente
ensejará a admoestação verbal ou multa (art. 28 § 6), refugindo
completamente da sistemática penal até hoje adotada, o que vem a
reforçar o caráter unicamente educativo e ressocializador dessas
medidas.

ALICE BIANCHINI, também citada pelo mesmo autor in “Lei de Drogas


Comentadas” – RT – 2ª ed. Pág. 135, afirma que,” mesmo sendo o fato
de ser decidido por JUIZ CRIMINAL não aproxima os institutos da lei ao
direito penal,” v.g., na recente lei de Violência Doméstica, as decisões

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de natureza cível não estão relacionadas com o direito repressivo,
somente podendo-se admitir um “DIREITO JUDICIAL SANCIONADOR”.
Da mesma forma, as decisões proferidas no âmbito do julgamento das
Ações por Improbidade Administrativas, que, apesar de condenatórias,
“não se trata de sentença condenatória que produza efeitos penais „ (fls.
134).

DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL.


- DA ATIPICIDADE FORMAL DA CONDUTA –

Mesmo para alguns que não esposam desse entendimento, se a posse de


droga, como vimos, dentro de nosso sistema legal deixou de ser “crime”
em que pese tenha mantido seu caráter de ilicitude, constitui, nas
palavras do mestre LUIZ FLAVIO GOMES, verdadeira INFRAÇÃO
PENAL SUI GENERIS , que, agora passa a caminhar ao lado do crime e
da contravenção, eis que a Constituição Federal não proibiu a criação
de novas modalidades de infrações penais .

De sua cátedra: “ Para nós, ao contrário, houve descriminalização formal


(acabou o caráter criminoso do fato) e, ao mesmo tempo,

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despenalização (evitou-se a pena de prisão para o usuário de droga). O
fato (posse de droga para consumo pessoal) deixou de ser crime
(formalmente) porque já não é punido com reclusão ou detenção (art. 1º
da LICP). Tampouco é uma infração administrativa (porque as sanções
cominadas devem ser aplicadas pelo juiz dos juizados criminais). Se não
se trata de um crime nem de uma contravenção penal (mesmo porque
não há cominação de qualquer pena de prisão), se não se pode admitir
tampouco uma infração administrativa, só resta concluir que estamos
diante de infração penal sui generis. “ (in Posse de drogas para
consumo pessoal: crime,infração penal "sui generis" ou infração
administrativa?

Para esse respeitável autor, houve DESCRIMINALIZAÇÃO PENAL sem


que, contudo, houvesse legalização, ou seja, uma descriminalização
plena ou total. Havendo descriminalização somente para o âmbito penal,
há sanção, seja administrativa, seja de outra natureza, mesmo que
aplicado pelo Juizado Especial Criminal, havendo , portanto, verdadeira
“DESCRIMINALIZAÇÃO FORMAL” da conduta. (obra citada fls. 120) , que
da mesma forma conduz a absolvição do acusado.

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Apesar de termos ciência de que a tese já foi debatida no julgamento do
Recurso Extraordinário nº 430105/RJ, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence,
entendemos que a questão não foi julgada de forma definitiva, eis que
decidida em Questão de Ordem, bem como acreditamos que os
argumentos jurídicos que ora se esboçam, possam acalorar a discussão e
ajudar na mudança do entendimento deste Colendo Tribunal.

DA VIOLAÇÃO DE INÚMEROS PRECEITOS FUNDAMENTAIS (QUE

NÃO FORAM OBJETO DE APRECIAÇÃO NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO MENCIONADO)

Como bem asseverou diversas vezes o culto magistrado do Rio de


Janeiro – Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho – o legislador
ordinário ao criar uma norma “concretiza uma ponderação entre vários e
possíveis direitos fundamentais que podem estar em choque. “

Essa análise “ pode ser obtida mediante a constatação de uma hierarquia


interna entre essas normas de caráter essencial, ou por meio de um juízo

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de ponderação de valores fundamentais, dando-se ênfase ao princípio da
unidade da Constituição.” (Christine Oliveira Peter da Silva, in
Hermenêutica de Direitos Fundamentais. Brasília Jurídica, 2005, p. 112-
113.

Dessa forma, ao criar a novel lei de drogas, deveria o legislador


infraconstitucional cotejar o DIREITO GERAL DA LIBERDADE,
destacando-se principalmente o DIREITO À INTIMIDADE , com o
DIREITO À SAÚDE PÚBLICA , “que supostamente seria o bem jurídico
tutelado pela norma penal “ (Grandinetti).

Além de expressamente proteger o direito a liberdade, como preceito


fundamental que ocupa lugar de destaque no caput do dispositivo , a
Constituição avançou para proteger a intimidade e a vida privada com a
garantia da inviolabilidade absoluta, no Inciso X do art. 5º do Pacto
Federativo :

"Art.5º X – são invioláveis a intimidade, a vida


privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação;

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Assim, deve ser repensado se o Estado realmente tem o direito de, sob o
argumento de estar protegendo a saúde, invadir o direito à intimidade e
à vida privada, sem atropelar essas garantias fundamentais
constitucionalmente asseguradas.

Neste aspecto, nos diz Luiz Régis Prado: "O PRINCÍPIO DA


INTERVENÇÃO MÍNIMA OU DA SUBSIDIARIEDADE estabelece que o
Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis
à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente
protegidos de forma menos gravosa. Desse modo, a lei penal só deverá
intervir quando for absolutamente necessário para a sobrevivência da
comunidade, como ultima ratio" (LUIZ RÉGIS PRADO, Curso de Direito
Penal Brasileiro - vol. I. 2ª Ed. RT. São Paulo/SP. 2001.)

A questão ainda mais se complica quando opta o legislador ordinário pela


invasão somente para lhe aplicar ADVERTÊNCIA DOS MALEFICIOS
DO USO DE DROGAS, e, em caso de descumprimento, as astreintes da
ADMOESTAÇÃO E A MULTA ( §6º do art. 28) .

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O PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE, corolário do princípio
constitucional da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, consagrado no
artigo 1 º, III da Constituição Federal, impede a criação de condutas
penais que não ofendam seriamente algum bem jurídico.

O Mestre DAMÁSIO DE JESUS, novamente nos esclarece ,“ O


fundamento se encontra no princípio constitucional da ofensividade,
segundo o qual não há crime quando a ofensa ao bem jurídico é tão
ínfima que o fato merece permanecer fora do campo do Direito Penal.
Isso ocorre nas hipóteses em que o dano ao objeto material é
insignificante, ensejando a aplicação da teoria da insignificância do
resultado jurídico e da pequena lesividade causada ao objeto material
(in Direito Penal, Volume I, Saraiva – 22 ª Ed. - 1999).

Se a resposta penal pode consistir em ADVERTÊNCIA, e, em caso de


descumprimento, somente a ADMOESTAÇÃO E MULTA, o próprio
legislador reconheceu a falta de ofensividade jurídico-penal, sendo a
norma pois, de forma reflexa, contrária aos alicerces constitucionais.

Mesmo que assim não fosse, também estaria violado o PRINCÍPIO DA


PROPORCIONALIDADE, com abrigo indireto em sede constitucional.

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A diferenciação entre o conceito de crime e de contravenção não assenta
simplesmente numa questão puramente formal. A impossibilidade de
aplicação de pena privativa de liberdade induz ser ainda a conduta de
usar drogas de categoria inferior ou de menos expressão, no âmbito
penal, não se podendo admitir que conduta menos valorada pelo
preceito secundário da norma, possa ter efeitos maiores que as
contravenções penais que, em tese, admite prisão simples.

Se admitirmos constituir a conduta prevista no artigo 28 como criminosa,


na hipótese de haver a prática de outro crime, haverá a REINCIDÊNCIA.
Enquanto que, a prática de contravenção, seguida de um crime, não tem
o condão de configurar esse instituto que tantos efeitos provocam no
mundo jurídico penal e processual, principalmente na DOSIMETRIA DA
PENA (ART 59 do CP), AFERIÇÃO DE REQUISITOS DE LIBERDADE
PROVISÓRIA (art. 312 do CPP), CONCESSÃO SURSIS (art. 77 e segs. Do
CP), SUSPENSÃO DO PROCESSO (art. 89 da Lei 9099/95) entre outros.

Como se vê, não se mostra PROPORCIONAL a concepção do uso de


drogas como crime, já que, na prática, trará efeitos mais gravosos que as
contravenções, mesmo que se consideradas em tese.

LUIZ FLAVIO GOMES, mais uma vez ao falar da atipicidade formal, nos
leciona: “ O conteúdo da sanção (prisão) , por força do PRINCÍPIO DA

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PROPORCIONALIDADE, nos conduz obrigatoriamente a sustentar
mais exigências para configuração de um crime. Hoje isso se resolve
pela tipicidade material que, como novo requisito do fato típico, requer
reprovação da conduta (Roxin-Frish) resultado jurídico desvalioso
(Zaffaroni L. F. Gomes etc.) e imputação objetiva do resultado (Roxin)...
Em outras palavras, a gradualidade do injusto penal (Palero) tem
total correspondência com a gradualidade da sanção penal.”
(g.n.- obra citada, pág. 133 e 134)

DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Mesmo para aqueles que, em tese, entendem continuar a conduta de


posse/uso de entorpecentes ocupando espaço no direito penal, forçoso é
reconhecer que, no caso concreto, a droga apreendida não justifica a
dedicação da Justiça Criminal ante o PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA.

A ínfima quantidade da droga na hipótese não fere ao bem jurídico


tutelado pela norma, nem oferece qualquer capacidade ofensiva, não
havendo, pois, que se e falar em infração penal já que, in casu, não há
conduta penalmente relevante.

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Nunca é demais as palavras do Ministro Celso de Mello que, de sua
cátedra nos ensina: “O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima
circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do
indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à
própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos
que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os
valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial,
impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve
ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não
importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não
represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem
jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (ao relatar o
HC 84.412/SP perante o STF)

Aliás, a tese vem sendo largamente admitida pelo Egrégio Supremo


Tribunal Federal, que em recentíssimos acórdãos, adotaram-na na
hipótese de apreensão de droga estabelecimento militar (art. 290 do
Código Penal Militar), não havendo motivos que exclua a aplicação do
princípio para os fatos ocorridos fora da caserna, ante a nova dicção da
Lei 11343/06.

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Pedimos vênia para citar :

“HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA


ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO
ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Paciente,
militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um
cigarro de maconha e tinha consigo outros três. 2. Condenação por posse e
uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da
saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima ofensividade da conduta, a
ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade
do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os
requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da
insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 --- nova Lei de Drogas --- veda a prisão
do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado.
Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos
usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos
traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas
sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior Tribunal Militar não
cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte
fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal
militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade
humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo,
vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem
antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal
militar quando há lei que, em vez de apenar --- Lei n. 11.343/2006 ---
possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta. 8. Exclusão
das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a
disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de
qualquer instituição militar. 9. A aplicação do princípio da insignificância no

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caso se impõe, a uma, porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva;
a duas, em virtude da dignidade da pessoa humana. Ordem concedida. ( STF -
Segunda Turma - HC 92961/ SP - Relator(a): Min. EROS GRAU -
DJ 22-02-2008 - EMENT VOL-02308-05 PP-00925)

No mesmo sentido, a Suprema Corte também assim se posicionou na


apreciação do HC 93822/ SP, bem como nas decisão monocráticas
proferidas nas Medidas Cautelares em Habeas Corpus números 94085-
4/SP e 94808/RS, todos relatados pelo Ministro Celso de Mello e ainda
HC 87478/PA, da relatoria do Min. Eros Grau e HC 92634/PE e RHC
89624/RS relatados pela Ministra Carmem Lucia.

Mesmo antes da novel lei, a jurisprudência, ainda que de forma tímida já


vinha reconhecendo a atipicidade da conduta do uso, na hipótese de
pequena quantidade. Pedimos vênia para citar os julgados da 5ª TURMA
DO STJ (RHC 7205/RJ – Relator Ministro José Dantas – j. em
07/04/1998), 6ª Turma do STJ (RESP nº 164.861/SP – DJ de 17.12.99,
pág. 171 e RESP 154.840/PR, DJ de 06.04.98, pág. 175 , ambos
relatados pelos Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro ) , a SETIMA CAMARA
CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO (- APELACAO
CRIMINAL nº 2003.050.00129 DES. CARMINE A SAVINO FILHO -
Julgamento: 12/08/2003), entre muitos outros.

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DO PEDIDO

Sendo inconteste o direito do RECORRENTE e tendo a decisão


contrariado a Constituição Federal requer que seja conhecido e provido
integralmente o presente Recurso Extraordinário para reconhecer-se a
atipicidade da conduta atribuída ao recorrente (seja em tese ou ante a
quantidade), absolvendo-o da acusação formuladas pelo órgão
ministerial, por ser medida de JUSTIÇA !!!!

Termos que

Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2010.

LÉA ARRIGUI ARAUJO


Defensora Pública
Mat.179.446.0

ALDO LUDOGERIO
Estagiário DPGE
Mat.092871

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