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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO


DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA ECONÔMICA

Protocolado: 08012.002474/2008-24
Natureza: Procedimento Administrativo
Representantes: Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil
(AFREBRAS), Cervejaria Imperial, Associação Brasileira
de Bebidas (ABRABE) e Cervejaria Kaiser Brasil S/A.
Representada: Companhia de Bebidas das Américas - AmBev

Senhora Diretora,

I. RELATÓRIO

I. 1 Das Representações

1. Trata-se de Procedimento Administrativo originário de representações protocoladas


na Secretaria de Direito Econômico em 03.04.2008 pela Associação dos Fabricantes de
Refrigerantes do Brasil (AFREBRAS), em conjunto com a Indústria e Comércio de Bebidas
Imperial S/A (Cervejaria Imperial) (fls. 01/74), e pela Associação Brasileira de Bebidas
(ABRABE) (fls. 152/182) em desfavor da Companhia de Bebidas da América (AmBev).
Em 16.04.2008, a Cervejaria Kaiser Brasil S.A (Kaiser) ingressou com representação contra
a AmBev em razão dos mesmos fatos, descritos abaixo (fls. 425/455).

2. Em suma, as representações insurgem-se contra a conduta da Representada


consistente na introdução no mercado de cervejas de uma garrafa de vidro retornável
diferenciada 630 ml de cor âmbar, com a inscrição em alto-relevo “AmBev” na parte
superior da garrafa e “Qualidade AmBev” na parte inferior, além de ter impresso também
em alto-relevo um padrão ornamental na parte superior da garrafa (doravante “Garrafa
AmBev 630”). A nova garrafa foi introduzida primeiramente no Rio Grande do Sul com a
marca Bohemia em fins de 2007 (encarte publicitário da Bohemia às fls. 901/904) e depois
no Rio de Janeiro com a marca Skol, em março de 2008 (encarte publicitário da Skol às fls.
467, reproduzido abaixo).

REPRODUÇÃO DAS INSTRUÇÕES DA AMBEV AOS PONTOS DE VENDA PARA A TROCA DE


GARRAFAS, CF. ENCARTE PUBLICITÁRIO SKOL
Regras Gerais A partir de 12/3, você só receberá Skol em garrafas
de 630 ml. A AmBev trocará as garrafas de 600 ml por
garrafas novas de 630 ml sem mudança de preço.
Assim, não há necessidade de repasse de preço ao
consumidor.
Período 1 - Troca das Garrafas: Você poderá retornar a garrafa atual de 600 ml e a
garrafa nova de 630 ml nos engradados de Skol. Os
12.03.2008 a 27.03.2008 (duas semanas)
engradados de Antarctica e Brahma podem receber
apenas as garrafas atuais de 600 ml. Essa separação é
essencial para garantir que o processo de compra e
venda continue ocorrendo normalmente. Trocaremos

Esplanada dos Ministérios – Bloco T – Sala 538 – Brasília – DF


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REPRODUÇÃO DAS INSTRUÇÕES DA AMBEV AOS PONTOS DE VENDA PARA A TROCA DE


GARRAFAS, CF. ENCARTE PUBLICITÁRIO SKOL
apenas seu volume habitual de Skol, pois você
precisará de garrafas de 600 ml para cobrir seu giro de
outras marcas.
Período de Reajuste: (uma semana) Se você quiser, poderá trocar garrafas de 630 ml em
excesso por garrafas de 600 ml.
Período 2 - Regime Normal de Operação O engradado de Skol não poderá receber mais
garrafas de 600 ml. Serão recebidas apenas garrafas de
630 ml. Os engradados de Antarctica e Brahma
continuarão recebendo apenas garrafas de 600 ml.
Continuaremos a ter dias determinados nos quais você
poderá trocar as garrafas de 630 ml por garrafas de 600
ml.
Fonte: Encarte publicitário da Skol (grifos nossos) (fls. 467). Em reunião realizada na SDE em 25.04.2008, a ABRABE
forneceu cópia de material publicitário da cerveja Skol, que informa sobre a extensão do período de troca da garrafa de 600
ml pela de 630 ml até o dia 05.04.2008 (fls. 549).

3. Segundo as Representantes, as garrafas retornáveis de uso comum são utilizadas há


mais de cem anos pelos sistemas de distribuição de cerveja e pressupõem a troca de garrafas
vazias por garrafas cheias, independentemente da sua marca. Ao ver das Representantes,
esse sistema, além de ser pró-competitivo, é a forma mais eficiente de escoamento da
produção, por possibilitar maior agilidade e menores custos aos agentes econômicos.

4. A introdução por parte da Representada, que detém aproximadamente 70% do


mercado nacional de cerveja, de uma garrafa retornável personalizada, em detrimento do
atual sistema de compartilhamento dos vasilhames, implicaria um aumento nos custos dos
concorrentes e inviabilizaria a continuidade do sistema de fruição conjunta. A prática seria
especialmente danosa uma vez que as embalagens de vidro retornáveis são as mais
utilizadas nos canais de consumo “bar” e “tradicional”, responsáveis por 75% das vendas de
cerveja no país.

5. Segundo as Representantes, o lançamento da Garrafa AmBev 630 no Rio Grande do


Sul para a venda de Bohemia em fins de 2007 já havia provocado receio dos concorrentes
sobre o impacto da nova garrafa no mercado de cerveja. Como reação, a AmBev declarou,
em entrevista ao Valor Econômico de 29.02.2008, que as novas garrafas seriam utilizadas
unicamente pela marca Bohemia e restritas ao Rio Grande do Sul. Segundo as
Representantes, o descumprimento do antes declarado demonstra o animus da Representada
de estender a utilização da Garrafa AmBev 630 para outras marcas, acelerando a introdução
dos novos vasilhames nos pontos de venda, o que culminaria com o fechamento do mercado
de distribuição de cervejas por meio das embalagens retornáveis.

6. Ademais, as Representantes sustentam que a AmBev hoje pode continuar utilizando-


se tanto das garrafas comuns quanto das personalizadas para comercializar o seu produto, ao
passo que os seus concorrentes só podem utilizar as garrafas de uso comum. Por esse
motivo, a prática da Representada imporia um aumento nos custos de produção e
distribuição de cervejas apenas aos seus concorrentes.

7. Às fls 164/167, são listados os seguintes custos impostos pela Representada aos seus
concorrentes: (i) necessidade de reposição das garrafas drenadas; (ii) custos de separação
dos vasilhames; (iii) custo de devolução dos vasilhames da AmBev eventualmente
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recolhidos; e (iv) incremento do tempo médio necessário para a completude do ciclo de


produção/distribuição devido ao aumento do tempo de escoamento da produção e dos gastos
com logística.

8. Quanto à necessidade de reposição das garrafas drenadas, as Representantes alertam


que a estratégia de simples reposição das garrafas de 600ml nos pontos de venda, além de
representar um custo adicional para os rivais, poderá ser inócua. Isso porque a Representada
pode continuar a prática de retirada dos vasilhames de uso comum do mercado pelo tempo
que achar necessário, neutralizando os esforços de reposição dos concorrentes.

9. Às fls 514, a Kaiser acrescenta que a prática dificulta a expansão das vendas dos
rivais no curto prazo. Na medida em que um varejista não poderá mais intercambiar garrafas
entre diferentes produtores, não será possível atender de imediato eventual aumento da
demanda por uma cerveja em particular, uma vez que para tanto será necessário adquirir
novos vasilhames. As cervejarias rivais deverão manter estoques extras de garrafas para
atender prontamente eventuais aumentos de sua participação de mercado, implicando
aumento de custos. Haveria, assim, um engessamento da participação de mercado da
AmBev, na medida em que (i) o ponto de venda não possuiria vasilhames de uso comum
para imediatamente aumentar suas compras de outras cervejas; e (ii) o consumidor, em
posse da Garrafa AmBev 630, estaria subordinado à aquisição de marcas da AmBev.

10. Segundo a Kaiser, a Representada buscaria com a atual conduta alcançar os mesmos
objetivos intentados com a implantação do Programa de Fidelização de Pontos de Venda
“Tô Contigo”, cujos efeitos anticoncorrenciais foram analisados no Processo Administrativo
nº 08012.003805/2004-10, tendo recebido parecer pela condenação da SDE.

11. Por sua vez, a AFREBRAS e a Cervejaria Imperial observam que, até então, o setor
de refrigerantes regionais utilizava a garrafa âmbar de 600 ml de uso comum como principal
insumo para colocação de seus produtos nos pontos de distribuição a frio, em razão de sua
rentabilidade e grande aceitabilidade no mercado regional. Alegam que sua substituição pela
Garrafa AmBev 630 impactaria negativamente sua posição no mercado, em razão da
dificuldade de acesso a outros tipos de embalagens (lata e pet).

12. A AFREBRAS, Cervejaria Imperial e Kaiser destacam que a conduta da


Representada é incompatível com sua postura adotada em países como Peru, Costa Rica e
Equador, onde, por ser entrante no mercado, pleiteia a utilização do sistema de
compartilhamento de vasilhames comuns.

13. As Representantes concluem que a conduta da AmBev constitui abuso de posição


dominante, passível de punição à luz da Lei n. 8.884/94, uma vez que tem o condão de
alterar a dinâmica do mercado de forma a diminuir sensivelmente a possibilidade de que
seus concorrentes ganhem participação de mercado, fidelizar o ponto de venda, aumentar os
custos dos concorrentes e causar, a longo prazo, prejuízo aos consumidores.

14. Em vista do alegado fumus boni iuris e do periculum in mora, requerem a concessão
de medida preventiva com base no art. 52 da Lei n. 8.884/94 para que:

i. “A AmBev abstenha-se imediatamente de produzir, por si ou por terceiros,


colocar no mercado ou se valer de garrafas que não sejam passíveis de
utilização pelas demais cervejarias; e

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ii. A AmBev retire de circulação todas as Garrafas AmBev 630 que já estejam nos
pontos de venda ou em posse dos consumidores, substituindo-as por garrafas
comuns, lisas, passíveis de utilização pelas demais cervejarias”.

15. As representações vieram acompanhadas de documentos, dentre os quais se


destacam: (i) análise econômica sobre os impactos da conduta da AmBev no mercado de
refrigerantes regionais (AFREBRAS, fls. 97/113); (ii) fotos dos vasilhames de vidro nos
tipos liso, cerveja (com essa palavra em alto-relevo) e personalizado AmBev (AFREBRAS,
fls. 114/120); (iii) filme em DVD demonstrando a rapidez com que opera a linha de
produção e a impossibilidade de separação das garrafas por tipo (ABRABE, fls. 393); (iv)
reportagem do Valor Econômico de 29.02.2008, no qual consta declaração da AmBev de
que utilizaria a garrafa diferenciada apenas no Estado do Rio Grande do Sul (ABRABE, fls.
395/396); (v) folder da campanha da AmBev (ABRABE, fls. 403); (vi) reclamações dos
pontos de venda sobre a imposição de troca da garrafa padrão pela Garrafa AmBev 630
(ABRABE, fls. 405/411); e fotos que comprovariam a utilização da Garrafa AmBev 630 em
outras marcas da AmBev e não apenas na Skol (ABRABE, fls. 413/414).

I.2 Da Manifestação da Representada

16. Em 28.04.2008 a Representada apresentou manifestação alegando a improcedência


das representações, requerendo o arquivamento do procedimento administrativo (fls.
550/614). A manifestação é estruturada em torno de três pontos:

i. Legitimidade e racionalidade da conduta: a Garrafa AmBev 630 seria um ato


de inovação empresarial, pró-competitivo, capaz de beneficiar tanto a empresa
quanto os consumidores, sem alterar a atual mecânica de compra e venda no
ponto de venda. Os objetivos do lançamento da nova garrafa foram:

a. Combater a onda de falsificações de cervejas da Skol no Rio de Janeiro, que


teria sido responsável por perda significativa de participação de mercado na
região. A Representada apresentou pesquisa do Instituto Ipsos, indicando
que o principal mecanismo de falsificação do produto seria a compra de
cervejas mais baratas, que teriam seu rótulo original arrancado e substituído
por um rótulo Skol. Dessa forma, o lançamento da Garrafa AmBev 630 teria
como efeito impedir a falsificação por meio da troca do rótulo da garrafa e
restaurar a credibilidade da marca perante o consumidor;

b. Atribuir maior diferenciação ao produto, beneficiando ao consumidor ao lhe


proporcionar 30 ml adicionais de cerveja sem incremento no preço; e

c. Garantir maior segurança ao consumidor: a nova embalagem tiraria da linha


de produção da Skol a garrafa comum do tipo A, mais sensível e vulnerável a
pressão, choques e impactos do que a Garrafa AmBev 630. A Representada
alega, inclusive, que, não obstante tais garrafas terem sido objeto de Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC) no qual foi prevista sua retirada do
mercado, a AmBev ainda recebe em suas linhas de produção cerca de 20 a
30% das garrafas comuns do tipo A.

ii. Impossibilidade de enxugamento das garrafas de 600 ml do mercado: a


Representada alega que tomou os devidos cuidados para não avançar no parque
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de garrafas dos concorrentes e manter a liberdade de escolha dos pontos de


venda. Isso seria garantido pelo direito que o ponto de venda teria de solicitar à
AmBev a troca de garrafas de 630 ml por 600 ml, de acordo com as suas vendas.

iii. Inexistência de prática anticoncorrencial: o lançamento da Garrafa AmBev


630 não poderia ser enquadrado como uma conduta anticoncorrencial porque:

a. O vasilhame de cerveja não seria uma essential facility: A Representada


alega que sua participação no sistema compartilhado de vasilhames não seria
indispensável à existência de concorrência nesse mercado, na medida em que
há possibilidade de aquisição de vasilhames de 600 ml por meio de comodato
ou doação pelos fornecedores, compra e venda das vidrarias que operam com
capacidade ociosa e ainda compra no mercado secundário. Alega ainda que
mesmo que parasse de utilizar as garrafas padrão de 600ml, o sistema de
intercâmbio de garrafas continuaria a funcionar normalmente no país, apenas
com um número de garrafas compatível com o volume de seus participantes.
Por fim, ressalta que o custo de aquisição de vasilhames é relativamente baixo,
em razão da possibilidade de reutilização de 72 a 90 vezes da mesma garrafa.

b. Não haveria aumento no custo ou criação de dificuldades para os


concorrentes: A Representada alega que a introdução da nova garrafa no
mercado não afetaria a rotina de distribuição de cerveja e não implicaria
nenhum aumento de complexidade. Para tanto, ressalta que o mercado opera
com a utilização de engradados logo-marcados (garrafeiras proprietárias) e
não-intercambiáveis entre si, e que, em função disso, o ponto de venda já
estaria familiarizado com a rotina de separação de vasilhames por marca.

17. Quanto à medida preventiva pleiteada, a Representada alega inexistirem os


requisitos autorizadores de sua concessão. O fumus boni iuris não estaria presente em
função da existência de racionalidade econômica para o lançamento da Garrafa AmBev 630
e da inexistência de prejuízos à concorrência daí decorrentes. Quanto ao periculum in mora,
a Representada alega que a mera suposição de futuras condutas não é suficiente para
caracterizar o perigo na demora. Ressalta, contudo, estar presente o periculum in mora
inverso, uma vez que a concessão de medida preventiva imporia à AmBev o ônus de
recolher, estocar e manter as garrafas privativas, e a perpetuação da pirataria e dos prejuízos
à marca dela decorrentes.

I.3 Da Instrução Realizada pela SDE e Demais Informações Constantes dos Autos

18. Em 04.04.2008, a SDE oficiou a AmBev para que se manifestasse sobre as


representações da AFREBRAS, Cervejaria Imperial e ABRABE em 15 (quinze) dias. Com
o posterior protocolo da representação da Kaiser, a Representada foi oficiada em 17.04.2008
para apresentar manifestação sobre os fatos aí contidos (fls. 490/491). Nesse ofício, a SDE
também requisitou à AmBev que apresentasse os seguintes dados de mercado: (i)
participação de mercado das marcas de cerveja por canal de consumo (auto-serviço,
tradicional e bar) no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro em 2007; (ii) freqüência média de
visita do distribuidor AmBev aos pontos de venda no Estado do Rio de Janeiro; e (iii)
quantidade produzida da Garrafa AmBev 630 na fábrica própria de embalagens de vidro da
empresa, por mês, desde o início da produção (fls. 708/716).

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19. Desde o protocolo das Representações até a presente nota técnica, foram realizadas
oito reuniões, que serviram não só para esclarecer fatos apresentados e contraditados, como
motivaram a emissão de outros ofícios para instruir o feito:

REQUERENTE DIA DA REUNIÃO


AFREBRAS 03.04.2008
Kaiser 16.04.2008
ABRABE 25.04.2008
AmBev 30.04.2008
Kaiser 06.05.2008
ABRABE, Schincariol e Petrópolis 09.05.2008
AmBev 19.05.2008
Kaiser 20.05.2008

20. Em 17.04.2008, a SDE requisitou a fabricantes de garrafas de vidro (Owens Illinois,


Saint Gobain e CIV) informações sobre a produção de Garrafas AmBev 630 (fls. 655/666).
As respectivas respostas foram juntadas em apartado confidencial.

21. Em 17 e 18.04.2008, a SDE requisitou à Kaiser e ABRABE informações sobre a


freqüência de visita dos pontos de venda de cervejas por seus distribuidores (fls. 531/538).
As respectivas respostas foram juntadas às fls. 526/530 e 643/649. A Kaiser informou que
faz 1,61 visitas ao ponto de venda no Rio de Janeiro por semana, em razão de sua baixa
participação de mercado. A Schincariol também informou que visita o ponto de venda uma
vez por semana em média. Já a Cervejaria Petrópolis informou que visita os pontos de
venda, em média, duas vezes por semana.

22. Em 09.05.2008, a SDE requisitou da Representada o número de fábricas de cerveja


da empresa e a área de abastecimento de cada fábrica. A resposta foi autuada em apartado
confidencial.

23. Em 15.05.2008, a Cervejaria Petrópolis S.A. apresentou petição em que expõe os


custos decorrentes da introdução da Garrafa AmBev 630 no mercado. A cervejaria
apresentou as restrições técnicas relacionadas à separação das garrafas por meio de um leitor
ótico instalado na linha de produção capaz de separar as Garrafas AmBev 630 ml daquelas
padrão do mercado. Se o índice de rejeição superar 10%, haverá considerável perda de
produtividade na linha de produção. Além disso, mencionou os custos relativos à
armazenagem e devolução dessas Garrafas AmBev 630 ao mercado. Estima-se que os
custos de logística de cada garrafa de cerveja, descontados os impostos, sejam da ordem de
15 a 20%. Foi alegado que esse custo, quando se trata da Garrafa Ambev 630 levada até a
fábrica da Petrópolis, atinge o patamar de 30%. Foi ressaltado que os distribuidores
Petrópolis foram orientados a separar as garrafas quando de sua visita ao ponto de venda, o
que aumentou a duração de suas visitas em 50%, reduzindo a produtividade, e não evitando
totalmente a chegada de Garrafas AmBev 630 nas fábricas da Petrópolis. Para comprovar o
alegado, a Petrópolis sugeriu à SDE que, sem aviso prévio, um de seus técnicos dirija-se à
fábrica da Petrópolis (fls. 733/741).

24. Em 16.05.2008, servidores da SDE visitaram a fábrica da Cervejaria Petrópolis, no


Estado do Rio de Janeiro, com vistas a verificar as alegações de que a introdução da
Garrafa AmBev 630 traria custos adicionais na linha de produção e na rede de distribuição
das cervejarias concorrentes (relatório da visita às fls. 864/867). Em suma, constatou-se que
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a despeito do esforço por parte dos pontos de venda, distribuidores e cervejarias


concorrentes para separar a garrafa padrão da Garrafa AmBev 630, Garrafas AmBev 630
ingressam na linha de produção dos concorrentes, reduzindo a produtividade. Foi também
constatado que a Garrafa AmBev 630, por sua grande semelhança com a garrafa padrão
SINDICERV, dificulta a identificação visual das garrafas, o que explica porque, mesmo
com a tentativa de separação nos pontos de venda, Garrafas AmBev 630 chegam a fábricas
dos concorrentes. Foi constatado também que a presença de Garrafas AmBev 630 na fábrica
da Petrópolis, além de diminuir o ritmo de produção da linha, representa um passivo para a
empresa, que não pode utilizar ou destruir a garrafa. A Garrafa AmBev 630 separada na
linha de produção é armazenada e passou a ser transportada vazia em caminhões saídos da
fábrica junto com garrafas cheias Petrópolis para desfazer a troca nos pontos de venda.

25. Nesse mesmo dia, servidores da SDE visitaram 32 pontos de venda de cervejas na
cidade do Rio de Janeiro (entre bares, restaurantes e adega), questionando-os sobre a
mudança na dinâmica de troca de vasilhames e nas suas vendas em decorrência da
introdução da Garrafa AmBev 630 (relatório da diligência às fls. 930/937). Em suma, 78%
dos pontos de venda entrevistados informaram que a operação diária de troca de vasilhames
de cerveja passou a demandar mais tempo e/ou trabalho em função da necessidade de
separação das garrafas. A pesquisa constatou uma alteração significativa na rotina do ponto
de venda, visto que anteriormente os varejistas não precisavam separar a garrafa de uso
comum para realizar suas compras de cerveja. Segundo 97% dos pontos de venda
entrevistados, a Garrafa AmBev 630 deve ser separada da garrafa retornável 600 ml de uso
comum no próprio ponto de venda, sendo que 81% respondeu que eles são os responsáveis
pela separação. Perguntados sobre “O que aconteceria se todas as outras marcas de cerveja
da AmBev passassem a ser vendidas na nova garrafa AmBev 630 ml”, 28,1% respondeu que
teria menos trabalho na separação das garrafas, 9,3% afirmou que o PDV só compraria
AmBev para ter menos trabalho, não precisando separar as garrafas, 22% afirmou que
faltaria vasilhames para os concorrentes da AmBev, 37,5% disse que a situação não mudaria
para o ponto de venda e 3% não soube responder.

26. Em 19.05.2008, em reunião na SDE, a AmBev apresentou parecer do Professor


Einer Elhauge intitulado “Analysis of AmBev’s Adoption of a Proprietary Reusable Glass
Bottle and Antitrust Economics of Duty to Deal and Essential Facilities Doctrines”, que
conclui que, à luz da doutrina antitruste norte-americana e européia, a adoção de garrafas
retornáveis próprias pela AmBev não pode ser considerada, por si só, prática
anticompetitiva (fls. 802/850).

27. Em 20.05.2008, a Kaiser apresentou cópia de decisão judicial que deferiu a tutela
antecipada por ela pleiteada para suspender os efeitos dos registros de desenho industrial
relativos à Garrafa AmBev 630 concedidos à AmBev pelo Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI). Em síntese, argumentou que as diferenças entre a nova garrafa da AmBev
e a garrafa padrão são muito sutis e que “... todas as concorrentes da AmBev, em razão da
dificuldade de distinção entre as garrafas nas máquinas inspetoras, estarão reiteradamente
sujeitas à prática de crime de contrafação de desenho industrial...”. De acordo com a
decisão proferida pelo Exmo. Juiz Federal Victorio Giuzio Neto (fls. 875/877):

“O exame dos elementos informativos constantes nos autos, notadamente os desenhos


industriais, objeto de registro, revelam, como não poderia deixar de ser, uma
extraordinária semelhança entre as garrafas adotadas pelo mercado (...).

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Fosse a embalagem original, a permitir ictu oculi a sua diferenciação, ou ainda, que
exibisse dimensões tais que viessem a impedir seu trânsito pelos mecanismos
automáticos das esteiras de abastecimento, não se relutaria em afirmar como
improcedentes as alegações da KAISER (...)
Nas circunstâncias, são as sutilezas da diferenciação da embalagem, combinadas com a
concreta ameaça constante no item 7 da notificação encaminhada pela AmBev à
Cervejaria Kaiser que recomenda a suspensão dos efeitos dos registros dos desenhos
industriais (...)
Fosse, nas circunstâncias, um desenho que se apresentasse com características
inovadoras, como as que se observam em determinados frascos de perfumes (para
permanecermos no campo das embalagens) que graças à forma, cor e dimensões
revelam-se como verdadeiras obras de arte a distinguir-se dos demais, a solução
poderia ser outra.
Da mesma forma se o emprego da embalagem fosse para uso promocional, sem
retorno”. (Processo n. 2008.61.00.010461-9, Justiça Federal, Seção Judiciária do Estado
de São Paulo, decisão de 08.05.2008)

28. Em petição de fls. 890/929, a Kaiser informou que a necessidade dos distribuidores
de conferir se não foi incluída nenhuma Garrafa AmBev 630 em suas garrafeiras aumentou
em 50% o tempo médio da visita dos distribuidores Kaiser, sem impedir de forma total a
chegada das Garrafas AmBev 630 na fábrica da Kaiser. Além disso, em reunião em
20.05.2008, a Kaiser foi questionada acerca do lançamento da garrafa 600 ml retornável da
Heineken (integrante do Grupo Femsa), de cor verde e formato próprio. A pedido da SDE, a
o novo vasilhame da Heineken foi apresentada à SDE em 21.05.2008, acompanhada da
Garrafa AmBev 630, da garrafa comum Sindicerv e da garrafa comum tipo A.

29. Este é o relatório.

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II. ANÁLISE

30. A conduta em questão refere-se à introdução no mercado da Garrafa AmBev 630. Antes
de analisar a conduta sob a ótica antitruste, será feita breve definição dos mercados afetados pela
conduta da Representada. A prática sob investigação pode ter efeitos horizontais (afetando
diretamente os concorrentes) e verticais (afetando diretamente os pontos de venda e,
indiretamente, os concorrentes). Assim, deverá ser definido o mercado relevante sob a ótica
horizontal e vertical (a jusante) e verificada a existência de poder de mercado. Em seguida, será
feita breve introdução ao sistema de compartilhamento de vasilhames.

II.1 Mercados Relevantes e suas Características

31. Mercados regionais de cerveja. Sob a ótica horizontal, o mercado relevante do


produto será preliminarmente definido como o de cerveja, em linha com a jurisprudência do
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Do ponto de vista geográfico, adota-se a
definição regional, nos termos do parecer da SDE do PA nº 08012.003805/2004-10.1

32. Mercados a jusante. Para a definição do mercado a jusante, adota-se a definição do


PA nº 08012.003805/2004-10: (i) cerveja nos canais de consumo “bar” e “tradicional”; e (ii)
cerveja no canal auto-serviço.2 Esses canais de consumo apresentam diferenças quanto à
estrutura da oferta e da demanda de cerveja, preço e barreiras à entrada. O canal auto-
serviço (supermercados) caracteriza-se por uma variedade maior de marcas de cervejas
ofertadas em um único estabelecimento comercial e pela predominância de latas
(embalagem não retornável). Por sua vez, os pontos de venda dos canais bar e boa parte do
tradicional (adegas) comercializam predominantemente embalagens de vidro retornáveis
(garrafas de 600 ml) e oferecem um menor número de marcas de cerveja, em função de
restrições de espaço físico para armazenamento dos produtos, dentre outras razões. Quanto
ao mercado relevante geográfico, há que se considerar as restrições de locomoção dos
consumidores finais nos canais de consumo “bar” e “tradicional”, devendo o mercado ser
definido como local (entendido como os bairros de entorno dos pontos de venda). Para os
fins da presente investigação, é importante destacar que os canais “bar” e “tradicional”
respondem por 90% do total de cervejas comercializadas em garrafas de 600 ml no país e
foram o alvo da campanha de substituição de garrafas da AmBev. Por esse motivo, a análise
aqui realizada se concentrará nos efeitos da conduta sobre as vendas de cervejas nesses dois
canais de consumo, considerados conjuntamente.

33. Definidos, em caráter preliminar, os mercados relevantes, passa-se a analisar suas


características para entender o padrão de competição vigente no mercado.

34. Elevadas barreiras à entrada constituídas principalmente pelo binômio marca-


distribuição. Há expressivos gastos relativos à propaganda, com vistas à fixação da
preferência do consumidor por uma marca, fazendo com que determinadas marcas possam
1
Mercado 1: RS, SC e PR; Mercado 2: SP, RJ, MG, ES, GO e DF; Mercado 3: MT e MS; Mercado 4: BA, SE,
AL, PE, PB, RN, CE, PI, MA, AC, PA, TO e AP; Mercado 5: AM, AC, RO e RR.
2
A cerveja é comercializada em três canais de consumo: auto-serviço, tradicional e bar: O canal “auto-
serviço” caracteriza-se pela presença de caixas registradoras (check outs) e pelo fato de que o consumidor “se
serve” sem a presença de revendedores. Os supermercados são o exemplo típico de estabelecimento comercial
pertencente ao canal auto-serviço. O canal “bar” caracteriza-se pelo consumo no estabelecimento comercial e
em geral “a frio”. Compõem esse canal: bares, lanchonetes, restaurantes, casas noturnas. Por sua vez, o canal
“tradicional” é um híbrido que se caracteriza pela possibilidade do consumo local e a presença do vendedor
para auxiliar na compra. Os exemplos típicos são as padarias e mercearias, mas há também adegas e depósitos.
9
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ser comercializadas a preços mais elevados. Some-se a isso a necessidade de haver uma
ampla e eficiente rede de distribuição, notadamente nos canais “bar” e “tradicional”, pois de
nada adianta a fixação da marca se o produto não estiver disponível nos canais de consumo.
Há hoje cerca de um milhão de pontos de venda de cerveja no Brasil.3
35. Em geral, as fabricantes de cervejas fazem vendas diretas para o canal auto-serviço e
contratam distribuidores para abastecer os canais “bar” e “tradicional”. Isso ocorre em
função das diferenças de dinâmica desses canais de consumo. Um estabelecimento
comercial do canal auto-serviço adquire, em média, grandes quantidades de cervejas. Por
sua vez, os canais “bar” e “tradicional” são bastante pulverizados com pontos de vendas que
adquirem pequenas quantidades do produto. De fato, esses dois canais apresentam uma série
de características que os fazem depender da presença quase que diária de distribuidores em
seus recintos: baixa capacidade de estoque; reduzido capital de giro; compras periódicas em
pequenos volumes; necessidade de prestação de serviços por parte dos distribuidores
(comodato de “freezers”, mesas, letreiros etc); dominância das embalagens retornáveis, o
que aumenta de sobremaneira a complexidade da distribuição. Em vista da logística e
custos envolvidos, nos canais bar e parte do tradicional há um incentivo à concentração das
compras em um único fornecedor (muitas vezes, esse fornecedor único é a AmBev, por sua
posição de mercado, cf.explicado abaixo).
36. Posição Dominante detida pela AmBev. No mercado relevante de cervejas, a
Representada possui liderança de vendas em volume e receita em todos os mercados
geográficos, conforme concluído no parecer da SDE do PA nº 08012.003805/2004-10. Suas
marcas, entre as quais se destacam Skol, Brahma e Antarctica (além de Bohemia, Original,
Stella Artois), são as marcas de melhor percepção e colocação no mercado, com alta fidelização
pelo consumidor.4 Além disso, as marcas detidas pela AmBev contam com um sofisticado
sistema de distribuição, gozando dos benefícios de distribuição conjunta das marcas5.
37. Essa combinação de fortes marcas e sofisticado sistema de distribuição faz com que
a AmBev responda por 67% do total de volume de vendas de cerveja no país6, com reflexo
dessa posição nos mercados regionais e nos mercados a jusante (canais bar e tradicional,
foco da presente análise). Os gráficos abaixo servem como proxy para indicar a forte
posição detida pela AmBev juntos aos pontos de venda: cerca de 70% das vendas no Brasil,
em volume e em valor, são relativas a marcas da AmBev.7

3
Vide AmBev, Relatório Anual 2007, Form 20-F, disponível em
http://www.mzweb.com.br/ambev/web/arquivos/Ambev_Form20F2007_eng.pdf (acesso em 21.05.2008).
4
Pesquisa do Instituto Datafolha de 2006, intitulada Top of Mind, mostra que a Skol é a marca de cerveja mais
lembrada pelos consumidores entrevistados (39% de recall), seguida pelas marcas Brahma (20%) e Antarctica
(14%), totalizando um recall de 73% para as marcas AmBev. Vide parecer da SDE do PA nº
08012.003805/2004-10.
5
Vide AmBev, Relatório Anual 2007, Form 20-F.
6
Dados da Nielsen referentes a março de 2008 e disponíveis em AmBev, Form 20-F, p. 33.
7
A participação de mercado detida pela AmBev é ainda maior, tendo em vista as outras marcas de cerveja
detidas pela empresa (Bohemia, Original, entre outras).
10
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38. Além disso, há que se dizer que, conforme o IBOPE, cerca de 30% dos canais bar e
tradicional comercializam exclusivamente marcas de cerveja AmBev. Conclui-se, portanto,
que a Representada detém poder de mercado nos mercados relevantes afetados pela conduta.

II.2 Sistema de Compartilhamento de Vasilhames

II.2.1 Garrafa Padrão

39. No Brasil, a cerveja é vendida predominantemente em bares em garrafas


padronizadas, retornáveis, de 600 ml.8 Originalmente, a garrafa padrão no mercado de
cerveja era a “Garrafa Tipo ‘A’”, conforme definição da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT). Nos termos da NBR n. 7842/1983, que padronizou os formatos,
dimensões e cores que devem ser aplicados na fabricação de garrafas retornáveis de uso
comum para cervejas e outras bebidas9, a “Garrafa Tipo ‘A’” é um vasilhame de vidro na
cor âmbar com capacidade de 600 ml com conteúdo para 600 ml, com o formato, peso e
espessura das paredes definidos na figura 2 e tabela 2 anexas à norma. Segundo a NBR
7842, a “Garrafa Tipo ‘A’” pode ser utilizada para engarrafar cerveja, refrigerantes e
aguardentes. O Comitê Brasileiro de Embalagem e Acondicionamento (ABNT/CB-23)
discute atualmente revisão de tal norma para incrementar a segurança do consumidor.10

40. Em 1997, foi editada a Portaria n. 01/97, do Ministério Público Federal que tornou
público compromisso firmado entre o Poder Público e fabricantes de vasilhames de vidro e
fabricantes de cerveja, entre outros, denominado “Código de Auto-Regulamentação para a
produção, engarrafamento, circulação, estocagem e comercialização de bebidas
carbonatadas (cervejas e refrigerantes) em vasilhames de vidro.”11

41. Em 28.05.2001, foi firmado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) n. 34 entre


o Ministério Público do Estado de São Paulo, o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja

8
Conforme reconhecido pela Representada, “Beer is predominantly sold in bars for on-premise consumption,
in standardized, returnable 600 milliliter glass bottles.” Em tradução livre: “Cerveja é vendida
predominantemente em bares para consumo no local em garrafas padronizadas, retornáveis, de 600 ml. Vide
AmBev, Relatório Anual 2007, Form 20-F, p. 33.
9
NBR 7842: “Garrafas Retornáveis de Uso Comum para Cervejas, Refrigerantes, Aguardentes, Sodas e
Águas Gaseificadas - Formatos, dimensões e cores – Padronização”, em vigor. Referida norma foi aprovada
pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (CONMETRO), por meio da
Resolução n. 02/83, posteriormente revogada pela Resolução CONMETRO n. 01/1997, atualmente em vigor.
10
Ata de Reunião n. 02/97, de 14.05.2007, disponível em http://www.abre.org.br/cb23_atas/vidro.pdf.
11
Diário Oficial da União, 09.10.1997, Seção 1, 22797.
11
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(SINDICERV), a AmBev e a Cervejaria Kaiser. Segundo o termo, “o SINDICERV obriga-


se a orientar as suas filiadas a proceder à substituição das garrafas comuns, do tipo “A”,
que cada uma delas distribuiu no mercado de consumo no prazo de sete anos, contados a
partir de sua respectiva colocação”. Por sua vez, a AmBev e a Kaiser “obrigam-se a
proceder à substituição das garrafas comuns, do tipo “A”, que colocaram no mercado de
consumo no prazo de sete anos, contados a partir da sua respectiva colocação”. Referido
TAC possibilitou que as garrafas tipo “A” fossem substituídas por garrafas (i) mais seguras,
com menor risco de explosão e quebra; e (ii) de uso exclusivo das cervejarias, uma vez que
contêm a expressão “Cerveja” em alto-relevo, na parte superior.

42. As novas garrafas, que passaram a ser o padrão do mercado de cerveja, são
conhecidas como “Garrafa Sindicerv” ou “Garrafa ‘635’”.12 Não apenas as associadas ao
Sindicerv (AmBev e Kaiser) adquirem das vidrarias apenas a nova garrafa, como as demais
fabricantes de cerveja (como Schincariol e Petrópolis) passaram a fazer o mesmo,
devidamente autorizadas a tanto.13 Estima-se que a Garrafa Sindicerv responda por cerca de
80% do total das garrafas de 600 ml retornáveis comercializadas no mercado de cerveja.

43. A seguir, fotos das garrafas “Tipo A” e “Sindicerv / 635”.

Garrafa Tipo “A” Garrafa “Sindicerv” ou Garrafa “635”

Lisa, “Cerveja”
capacidade em alto-
600 ml relevo,
capacidade
total
635 ml,
capacidade
útil 600 ml

II.2.2 Sistema de Troca nos Pontos de Venda

44. Há aproximadamente um milhão de pontos de venda no país e 90% das vendas nos
canal bar e tradicional se dão via garrafas retornáveis, exigindo, portanto, um sistema de
troca ágil e eficiente. Estima-se que os distribuidores ficam em média de 7 a 10 minutos em
cada ponto de venda para fazer a entrega.

45. Ao fazer a entrega, o distribuidor entrega uma quantidade de garrafas cheias de


determinada marca de cerveja (cf. pedido feito anteriormente) mediante a devolução da
mesma quantidade de garrafas padrão vazias, independente da marca. Cada embalagem
pode ser reutilizada de 19 a 25 vezes, conforme dados das Representantes e do Sindicerv, ou
mesmo 72 a 90 vezes, conforme alega a Representada.

12
“635” faz referência à capacidade total da garrafa, que é de 635 ml, sendo que a capacidade útil é de 600 ml.
13
Para garantir o padrão da nova garrafa, o Sindicerv homologa as vidrarias aptas a fabricá-la. Exemplos de
vidrarias homologadas são a Owens Ilinois, Saint Gobain e Vidroporto.
12
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46. Por todos utilizarem a mesma garrafa, elas são totalmente intercambiáveis e não há
separação das garrafas por marcas feita pelos pontos de venda. Assim, cada ponto de venda
tem o cuidado de devolver para cada distribuidor seu engradado próprio (“garrafeira”
logomarcada), sem, contudo, fazer a separação das garrafas vazias por rótulo (uma vez que
o rótulo será retirado assim que a garrafa chegar à fábrica para reutilização).

47. O fato de as garrafas não serem usualmente separadas nos pontos de venda é
constatado inclusive no próprio vídeo apresentado pela AmBev no bojo desse processo para
explicar a dinâmica de entrega nos pontos de venda, em que se pode facilmente observar
que o distribuidor AmBev entrega garrafas cheias de Skol e, em troca, recolhe garrafas
vazias de diversas marcas, entre as quais é possível ver Brahma, Bohemia, Original e Skol.
Todas essas diferentes marcas são levadas misturadas pelo distribuidor na garrafeira Skol.
Além disso, em visita à fábrica da Cervejaria Petrópolis foi constatado que em todos os
engradados Petrópolis vistos havia cervejas de outras marcas (Antártica, Skol, Bohemia,
Crystal e inclusive marcas de refrigerantes). No mesmo sentido, na linha de produção foi
possível constatar a atual falta de atual separação das garrafas. Por fim, diligência em campo
junto a pontos de venda trouxe elementos no mesmo sentido.

Exemplo de Garrafeiras / Engradados usados no Imagem do Vídeo AmBev em que é possível constatar
sistema de distribuição de retornáveis que não há separação por marcas nas garrafeiras
(Brahma e Bohemia são colocadas em garrafeiras
Skol recolhidas pelo distribuidor AmBev)

Garrafeira da Itaipava (Petrópolis) , em que se Linha de Produção da Petrópolis, em que se


constata que as garrafas são intercambiáveis constata que as garrafas são intercambiáveis

13
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II.3 Conduta Denunciada: Introdução da Garrafa AmBev 630

48. A conduta em questão refere-se à introdução no mercado da Garrafa AmBev 630,


i.e., de uma garrafa personalizada retornável de vidro de cor âmbar, com a silhueta um
pouco diferenciada, com a inscrição em alto-relevo “AmBev” na parte superior e
“Qualidade AmBev” na parte inferior, e com capacidade útil de 630 ml. A garrafa foi
introduzida primeiramente para a marca Bohemia no sul do país e mais recentemente para a
marca Skol no Estado do Rio de Janeiro. A nova garrafa foi registrada perante o INPI, sendo
que os registros de desenho industrial encontram-se suspensos devido à decisão judicial.
Segue foto da nova garrafa (foto de publicidade da Skol; a garrafa usada para a Bohemia é a
mesma):

Padrão ornamental e
inscrição “AmBev” em
alto-relevo

Inscrição “Qualidade
AmBev” em alto-
relevo

49. Por suas características, a introdução da Garrafa AmBev 630 poderá prejudicar a
concorrência14 ao aumentar o custo dos rivais em função da dificuldade de diferenciação e
separação das garrafas nos pontos de vendas, distribuidores e linha de produção, gerando
perda da eficiência do sistema de distribuição. Outro possível efeito é o fechamento de
mercado junto aos pontos de venda decorrente dos custos impostos aos pontos de venda na
separação. Passa-se a analisar cada um desses possíveis efeitos resultantes da conduta da
Representada, com vistas a verificar se existem indícios suficientes de infração à ordem
econômica a autorizar a abertura de processo administrativo.

14
Note-se aqui que a ótica de análise será em relação ao impacto da Garrafa AmBev 630 com relação às
cervejarias concorrentes e não com relação aos fabricantes de refrigerantes regionais. Isso porque,
independentemente do lançamento da Garrafa AmBev 630, fabricantes de refrigerantes regionais já não podem
utilizar as garrafas de uso comum Sindicerv, padrão no mercado e de uso exclusivo por cervejarias. Assim, o
fato de serem introduzidas Garrafas AmBev 630 no mercado não deveria afetar a situação dos fabricantes de
refrigerantes regionais.

14
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II.3.1 Aumento dos custos dos concorrentes e perda de eficiência do sistema de


distribuição

50. Há fortes indícios no sentido de que a Garrafa AmBev 630 aumenta os custos dos
concorrentes em vista da dificuldade de se separar a Garrafa AmBev 630 da garrafa de uso
comum Sindicerv nos pontos de venda, distribuidores e linhas de produção.

51. Segundo a Representada, não haveria aumento ou imposição de custos aos


concorrentes porque os pontos de venda já estariam familiarizados com a separação dos
vasilhames, tendo que separá-los nos engradados de cada marca de cerveja. No entanto,
como visto, as garrafas de uso comum Sindicerv são perfeitamente intercambiáveis e são
colocadas em qualquer engradado de cerveja, independente da marca (vide item II.2.2).

52. A separação das garrafas nos pontos de venda se tornou necessária justamente pela
introdução da Garrafa AmBev 630, sendo um ônus do ponto de venda conforme o próprio
encarte da AmBev. Essa regra é confirmada pela pesquisa de campo realizada pela SDE
junto a pontos de venda de cerveja na cidade do Rio de Janeiro. Dos entrevistados, 78%
afirmaram que a introdução da Garrafa AmBev 630 alterou a rotina do seu estabelecimento,
na forma de aumento do tempo e/ou de trabalho para realizar a separação das garrafas.

53. A necessidade de separação das garrafas aumenta também o tempo gasto pelo
distribuidor na visita em cada ponto de venda conforme reconhecido pela própria
Representada. Considerando a semelhança das garrafas e o grande número de pontos de
venda de cerveja que precisam ser abastecidos semanalmente pelos distribuidores15, tem-se
que um aumento no tempo de permanência do distribuidor no ponto de venda gera perda da
eficiência de todo o sistema de distribuição. Nesse sentido, a Cervejaria Petrópolis informou
que o tempo médio gasto com cada visita ao ponto de venda aumentou em cerca de 50%
devido à dificuldade de separar as garrafas e, por esse motivo, para manter o mesmo número
de entregas por dia, os seus distribuidores estão retornando à empresa com duas horas de
atraso (fls. 851/859). A Kaiser também reportou aumento do tempo da visita dos
distribuidores aos pontos de venda em 50% (fls. 890/929).

54. Contudo, por maior que seja o esforço dos pontos de venda e dos distribuidores para
separar a Garrafa AmBev 630 da garrafa de uso comum Sindicerv, Garrafas AmBev 630
têm chegado às fábricas de cervejarias concorrentes devido à sua grande semelhança física,
especialmente se colocadas no contexto do giro diário de milhares de garrafas. A Garrafa
AmBev 630 e a garrafa de uso comum Sindicerv têm a mesma cor (cor âmbar), formato
parecido, base de diâmetro que permite a colocação da garrafa nas garrafeiras dos
concorrentes e diferença de altura de apenas 0,8 cm, o que não impede seu trânsito nas
linhas de produção das concorrentes.

55. As fotos a seguri, constantes do relatório de visita à fábrica da Petrópolis,


evidenciam a dificuldade de identificar a Garrafa AmBev 630 quando ela está misturada
junto às garrafas de uso comum do mercado.

15
A AmBev informou que visita seus pontos de venda de uma a três vezes por semana. A Cervejaria
Petrópolis informou que visita os pontos de venda duas vezes por semana.
15
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Engradados contendo duas Garrafas AmBev 630 em meio a garrafas de uso comum Sindicerv

Garrafas AmBev 630 encontradas no meio da linha de produção da Petrópolis

56. No mesmo sentido, a decisão de 08.05.2008 proferida no bojo do Processo n.


2008.61.00.010461-9, Justiça Federal, Seção Judiciária do Estado de São Paulo, reconhece a
semelhança e conseqüente dificuldade de diferenciação das garrafas:

O exame dos elementos informativos constantes nos autos, notadamente os desenhos


industriais, objeto de registro, revelam, como não poderia deixar de ser, uma
extraordinária semelhança entre as garrafas adotadas pelo mercado (...).
Fosse a embalagem original, a permitir ictu oculi a sua diferenciação, ou ainda, que
exibisse dimensões tais que viessem a impedir seu trânsito pelos mecanismos

16
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automáticos das esteiras de abastecimento, não se relutaria em afirmar como


improcedentes as alegações da KAISER (...)
Nas circunstâncias, são as sutilezas da diferenciação da embalagem (...)
Fosse, nas circunstâncias, um desenho que se apresentasse com características
inovadoras, como as que se observam em determinados frascos de perfumes (para
permanecermos no campo das embalagens) que graças à forma, cor e dimensões
revelam-se como verdadeiras obras de arte a distinguir-se dos demais, a solução
poderia ser outra. (g.n.)
57. Depois que a Garrafa AmBev 630 chega à fábrica de concorrente, há que ser considerados
os seguintes custos (i) custos de separação das garrafas na fábrica; (ii) perda de produtividade; (iii)
custos de armazenagem e devolução das Garrafas AmBev 630; e (iv) exposição jurídica por
potencial configuração de crime contra o consumo e crime de contrafação.

58. Segundo a Representada, a separação dos vasilhames da fábrica pode ser feita
manualmente ou pela introdução de um inspetor eletrônico na linha de produção. A
separação manual das garrafas não é uma solução eficiente em razão do enorme volume de
vasilhames transportados na fábrica diariamente (as linhas fabris de cerveja são de 40 a 62
mil garrafas / hora, com produção que supera as 20 mil caixas de cerveja por dia). Ademais,
como visto, a Garrafa AmBev 630, quando misturada às garrafas de uso comum, é pouco
diferenciada, o que torna a tarefa de separação manual penosa e sujeita a erros.

59. A separação por meio de inspetor eletrônico, embora viável economicamente (o


custo de um inspetor em uma linha de produção varia de R$150 mil a R$250 mil), não
soluciona o problema de queda da produtividade da fábrica decorrente do aumento dos
índices de rejeição de garrafas na linha de produção. Segundo a Cervejaria Petrópolis, sua
linha de produção comporta um índice de rejeição máximo de 10% dos vasilhames,
incluídos os sujos e os danificados. Ultrapassado esse percentual, o sistema passa a não
funcionar adequadamente, gerando perdas de produtividade, eficiência e qualidade de
inspeção, bem como o aumento dos custos de manutenção. Preocupação no mesmo sentido
foi apresentada pela ABRABE.
60. A presença das Garrafas AmBev 630 na fábrica de seus concorrentes, além de
diminuir o ritmo de produção da linha, representa um passivo para a empresa, que não pode
utilizar ou destruir a garrafa. Assim, a Garrafa AmBev 630 separada na linha de produção
deverá ser armazenada e depois devolvida ao mercado, devendo os concorrentes suportarem
esses custos de “logística reversa”. Há relatos de concorrentes que passaram a levar em seus
caminhões saídos da fábrica Garrafas AmBev 630 vazias junto com suas garrafas cheias
para desfazer a troca nos pontos de venda. O transporte de cada Garrafa AmBev 630 vazia
significa perda de eficiência e redução no volume de vendas pelo concorrente.

61. Mesmo com todos os esforços, ainda há o risco de que a cerveja dos concorrentes
seja engarrafada na Garrafa AmBev 630, como aliás já ocorreu. Por exemplo, a AmBev
chegou a notificar a Kaiser por ter encontrado no mercado a cerveja da Kaiser envasada na
Garrafa AmBev 630 (fls. 429). Nesse ponto, há que se dizer que foram trazidas aos autos
fotos de cervejas Brahma e Antarctica engarrafadas na Garrafa AmBev 630 (fls. 413/414), o
que evidencia que a separação das garrafas não é tarefa fácil nem mesmo para a
Representada. Contudo, se para a AmBev não há ônus em se engarrafar qualquer de suas
marcas no vasilhame Garrafa AmBev 630 (uma vez que ele é identificado com a marca
“AmBev” e não “Skol”), se o concorrente fizer isso ele poderá estar sujeito aos seguintes
ônus:
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i. Responsabilização por crime contra o consumo, por vender produto em


embalagem que não corresponda ao conteúdo;

ii. Responsabilização por crime de contrafação de desenho industrial, por se utilizar


de embalagem de outrem protegida por desenho industrial;

iii. Responsabilização por crime contra a marca, por comercializar produto em


vasilhame que contém a marca da AmBev;

iv. Prejuízo à imagem e consolidação da marca: não é de interesse do concorrente


vender seu produto na Garrafa AmBev 630, em um mercado em que a
concorrência se dá essencialmente pela construção da imagem e diferenciação da
marca. As concorrentes da AmBev fazem pesados investimentos em publicidade
para tornar suas marcas de conhecimento no mercado, sendo que a
comercialização de seu produto no vasilhame da AmBev causaria confusão na
percepção do consumidor e possível rejeição da marca, distorcendo um dos
principais vetores da concorrência nesse mercado.

II.3.2 Fechamento do Mercado

62. Considerando que a AmBev não afasta a possibilidade de extensão da Garrafa


AmBev 630 para as suas outras marcas de cerveja, entende-se que há indícios de que a
conduta em análise poderia levar ao fechamento de mercado junto aos pontos de venda.

63. Isso porque em vista da semelhança da Garrafa AmBev 630 com a garrafa de uso
comum Sindicerv, há custos significativos na separação das garrafas. Esses custos, de acordo
com as próprias instruções da AmBev aos pontos de venda, recaem sobre os pontos de venda,
resultando em um desestímulo para que este comercialize as marcas de cervejas concorrentes.

64. Uma vez considerados esses custos e em vista da possibilidade de eliminação da


necessidade de separação de vasilhames se o ponto de venda optar por receber apenas um
padrão de garrafa, ele tenderá a escolher a garrafa da agente dominante do mercado (i.e.,
AmBev). Ressalte-se que, como visto, a AmBev possui mais de 70% de participação de
mercado no canal bar e tradicional, que é o mais afetado pela conduta denunciada, por
comercializar cerveja predominantemente em garrafas retornáveis. Aliás, hoje
aproximadamente 30% dos pontos de venda vendem apenas cervejas da marca AmBev,
sendo que a conduta em análise pode vir a aumentar esse percentual.

65. Nesse sentido, alguns pontos de venda visitados pela equipe da SDE manifestaram
que deixariam de adquirir cervejas de outras marcas se a AmBev estendesse o uso da
Garrafa AmBev 630 para todas as suas marcas (fls. 935). Transcrevem-se abaixo alguns dos
comentários feitos pelos pontos de venda:

“Se todas fossem iguais seria melhor, como não são, por enquanto venderia Itaipava, mas
essa deve sair do mercado porque dá muito trabalho ficar separando garrafas.”

“pra quem trabalha com outras marcas pioraria a situação, pois aumentaria o trabalho de
troca de garrafas”

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II.3.3 Instauração de Processo Administrativo

66. Em vista do exposto acima, há fortes indícios de que a conduta em análise pode se
configurar um abuso de poder econômico, apto a ser punido nos termos da Lei n. 8.884/94,
em vista do aumento não razoável dos custos dos rivais e do potencial fechamento de
mercado junto aos pontos de venda, sugerindo-se a instauração de processo administrativo
para investigar a prática.

III. MEDIDA PREVENTIVA

67. O artigo 52 da Lei Brasileira de Defesa da Concorrência prevê, in verbis:

“Art. 52. Em qualquer fase do processo administrativo poderá o Secretário da


SDE ou o Conselheiro-Relator, por iniciativa própria ou mediante provocação do
Procurador-Geral do CADE, adotar medida preventiva, quando houver indício
ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa
causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação ou torne ineficaz o
resultado final do processo.”

68. Como o próprio nome do instituto indica, a medida preventiva destina-se a prevenir
danos ao mercado causados por práticas que ferem a concorrência e que, por sua natureza e
gravidade, não podem esperar a demora natural do processo para serem cessadas. Cada caso
específico demandará intervenção diferente. A intervenção precisa ser incisiva o suficiente
para fazer cessar os efeitos da prática, sem, obviamente, impor aos representados do
processo gravames desnecessários. Além disso, a concessão da medida preventiva não visa
a proteger diretamente um concorrente e sim o bem-estar coletivo, ou seja, o interesse
público. Dois são os requisitos autorizadores da medida preventiva em sede antitruste:

i. Fumus boni iuris: aparência do bom direito ou o fundamento relevante que


indique a necessidade de intervenção, in limine, dos órgãos de defesa da
concorrência, em razão de uma atuação no mercado que esteja causando ou
possa vir a causar os efeitos anticompetitivos previstos na Lei Brasileira de
Defesa da Concorrência. Em outras palavras, a partir de uma constatação
preliminar16 de que determinadas condutas no mercado revelem possível
prejuízo à livre concorrência e à livre iniciativa ou exercício abusivo de posição
dominante, surge o fumus boni iuris, consistente no direito da coletividade à
intervenção estatal com o fim de protegê-la de tais práticas no mercado.

ii. Periculum in mora: eminência da produção de lesão irreparável ou de difícil


reparação ao mercado em virtude da possível infração identificada, de forma a
demandar uma ação estatal imediata.

16
Segundo HUMBERTO THEODORO JR., o fumus boni iuris trata de uma constatação perfunctória da
plausibilidade do direito material em risco, dispensando-se, em um momento inicial, prova cabal de sua
existência. Basta, portanto, para a concessão da medida, a presença de indícios suficientes de que a conduta
deflagrada esteja causando ou possa vir a causar efeitos prejudiciais à livre concorrência e à livre iniciativa, de
forma a demandar uma imediata intervenção das autoridades antitruste. Vide THEODORO Jr., Humberto,
“Curso de Direito Processual Civil”, 26ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 371.

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III.1 Análise do caso concreto: Presença dos requisitos autorizadores

69. Como visto no item II.3 acima, há fortes indícios de que a conduta em análise pode
configurar abuso de poder econômico, apto a ser punido nos termos da Lei n. 8.884/94, em vista
do aumento não razoável dos custos dos rivais e do potencial fechamento de mercado junto aos
pontos de venda decorrente da introdução da Garrafa AmBev 630, que pouco se diferencia da
garrafa de uso comum Sindicerv, ficando caracterizada a presença do fumus boni iuris.

70. Igualmente, o periculum in mora está bastante claro, uma vez que os concorrentes já
arcam com os custos das dificuldades na separação dos vasilhames AmBev 630 ml em sua
linha de produção, nos distribuidores e nos pontos de vendas, sendo que a cada dia que
passa mais Garrafas AmBev 630 vão parar nas fábricas de concorrentes, impondo os
seguintes custos: (i) custos de separação das garrafas na fábrica; (ii) perda de
produtividade; (iii) custos de armazenagem e devolução das Garrafas AmBev 630; (iv)
exposição jurídica por potencial configuração de crime contra o consumo, crime de
contrafação de desenho industrial e crime contra a marca; e (v) prejuízos à imagem e à
competitividade.

71. Assim, a adoção de medida preventiva mostra-se essencial para assegurar a


permanência de concorrência no mercado de cerveja e junto aos pontos de venda. Presentes
os requisitos autorizadores da concessão de uma medida preventiva, é importante avaliar
qual é a mínima medida necessária para restaurar as condições concorrenciais do mercado.

III.2 Escopo da Medida Preventiva

72. Pelo exposto, entende-se pela pertinência e necessidade de adoção de medida


preventiva para preservar as condições de concorrência no mercado de cerveja e restaurar a
liberdade de iniciativa dos demais agentes do mercado, devendo ser determinado à
Representada que:

i) Abstenha-se de envasar cerveja na “Garrafa AmBev 630 ml” em um prazo de 10


(dez) dias a partir da notificação desta decisão;

ii) Recolha as “Garrafas AmBev 630 ml” introduzidas no mercado no prazo de três
meses contados da notificação desta decisão. O prazo de 3 (três) meses para a
retirada das Garrafas AmBev 630 ml do mercado mostra-se razoável uma vez que a
AmBev logrou completar a troca das garrafas de 600 ml para a nova garrafa nos
mercados afetados em cerca de um mês;

iii) Até que todas as “Garrafas AmBev 630 ml” sejam recolhidas do mercado,
disponibilize um número de fax para que todas as vezes que os concorrentes
acumularem, individualmente, 6 (seis) pallets de “Garrafas AmBev 630 ml” em sua
fábrica, possam solicitar a troca dessas garrafas por garrafas de vidro retornável de
uso comum Sindicerv, o que deverá ser atendido pela Representada em um prazo
máximo de 48 (quarenta e oito) horas do recebimento do fax pela Representada, a
não ser que acertado de outra forma pelo concorrente interessado na troca. O
número de fax para esse objetivo deverá ser informado à Secretaria de Direito
Econômico e às cervejarias concorrentes em até 5 (cinco) dias da notificação desta
decisão.

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73. Note-se que este momento mostra-se especialmente adequado para a adoção da
medida, tendo em vista que a prática da Representada iniciou-se há poucos meses e está
restrita a dois Estados do país e a certas marcas (Skol no Rio de Janeiro e Bohemia no Rio
Grande do Sul), o que implica menores custos associados à retirada da Garrafa AmBev 630
do mercado.

74. Com relação ao pedido das Representantes no sentido de que “A AmBev abstenha-se
imediatamente de produzir, por si ou por terceiros, colocar no mercado ou se valer de
garrafas que não sejam passíveis de utilização pelas demais cervejarias”, entende-se que a
princípio é uma prerrogativa de cada agente econômico decidir se vai participar de um
sistema compartilhado de vasilhames ou não. Não há dúvidas de que o fato de o agente com
maior participação de mercado integrar um sistema compartilhado beneficia os seus
concorrentes, uma vez que diminui custos e possibilita a existência de um grande número de
garrafas de uso comum. Porém, pode bem ser que um agente decida deixar de comercializar
seus produtos em embalagens retornáveis, o que geraria sua saída do sistema compartilhado
e a conseqüente redução do número de garrafas de uso comum disponíveis e nem por isso
haveria, por si só, indícios de prática anticompetitiva. Além disso, pode ser que o agente
queira continuar fazendo uso de garrafas retornáveis, mas queira diferenciar seu produto.
Aliás, essa foi a estratégia adotada recentemente pela Heineken (Grupo Femsa), que lançou
uma garrafa retornável de cor verde, capacidade de 600 ml, formato diferenciado, com o
rótulo impresso no próprio vidro. Assim, apesar da garrafa ser retornável, ela não integra o
sistema compartilhado e nem por isso há indícios de prática anticompetitiva.

75. Estratégias de diferenciação do produto, aí incluindo a criação de uma nova


embalagem, são em princípio pró-competitivas e podem servir para proteger interesses
legítimos. No caso em concreto, o que gera indícios de prática anticompetitiva é o fato de
que a Garrafa AmBev 630 é pouco diferenciada da garrafa de uso comum Sindicerv (tem
formato parecido, mesma cor, e é somente 0,8 cm mais alta), o que dificulta sua separação,
gerando significativos custos aos concorrentes.

IV. CONCLUSÃO

76. Portanto, diante dos fortes indícios de infração à ordem econômica decorrentes da
introdução da Garrafa AmBev 630, recomenda-se a abertura de Processo Administrativo em
desfavor da Representada, nos termos do art. 20, incisos I, II e IV, c/c o art. 21, incisos IV,
V e VI, ambos da Lei nº 8.884/94.

77. Por fim, nos termos do art. 52 da Lei 8.884/94, diante da presença dos requisitos
legais do fumus boni iuris e do periculum in mora, recomenda-se a imediata adoção de
Medida Preventiva, com o objetivo de restabelecer as condições de concorrência no
mercado de cerveja, determinando à Representada que (i) Abstenha-se de envasar cerveja na
“Garrafa AmBev 630 ml” em um prazo de 10 (dez) dias a partir da notificação desta
decisão; (ii) Recolha as “Garrafas AmBev 630 ml” introduzidas no mercado no prazo de 3
(três) meses contados da notificação desta decisão; (iii) Até que todas as “Garrafas AmBev
630 ml” sejam recolhidas do mercado, disponibilize um número de fax para que todas as
vezes que os concorrentes acumularem, individualmente, 6 (seis) pallets de “Garrafas
AmBev 630 ml” em sua fábrica, possam solicitar a troca dessas garrafas por garrafas de
vidro retornável de uso comum Sindicerv, o que deverá ser atendido pela Representada em
um prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas do recebimento do fax pela Representada, a
não ser que acertado de outra forma pelo concorrente interessado na troca. O número de fax
para esse objetivo deverá ser informado à Secretaria de Direito Econômico e às cervejarias
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concorrentes em até 5 (cinco) dias da notificação desta decisão. Tendo em vista a gravidade
dos fatos verificados e a capacidade econômica da Representada, recomenda-se, ainda, a fixação
de multa diária, em caso de descumprimento da medida preventiva, no valor de R$ 100.000,00
(cem mil reais), até a decisão final do presente processo administrativo.

À consideração superior.
Brasília, de maio de 2008.

NOEMY CABELEIRA DE ARAUJO M. DE C. MELO


Chefe de Divisão

ALESSANDRA VIANA REIS


Coordenadora Geral da CGSI

De acordo.
À consideração da Sra. Secretária de Direito Econômico.
Brasília, de maio de 2008.

ANA PAULA MARTINEZ


Diretora do DPDE

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