Você está na página 1de 12

1

BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS


ESPELEOTURÍSTICAS

Heros Augusto Santos Lobo*

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Curso de turismo com ênfase em


ambientes naturais. Laboratório de Planejamento e Organização do Turismo em
Ambientes Naturais – LabPOTAN. 0xx67 3411-9139/9140

Eixo temático: A Trilha

Sub-eixo: Implantação e Manejo de Trilhas em Cavernas

Resumo

As trilhas são equipamentos imprescindíveis para a execução do turismo em áreas


naturais, servindo como estrutura de acesso e como oportunidade de desenvolvimento de
diversas atividades e modalidades turísticas. As trilhas espeleoturísticas são concebidas
sob a mesma lógica, mas com restrições em sua concepção, implantação e manejo,
determinadas em função da conservação do ambiente cavernícola. Tais aspectos foram,
a princípio, analisados em sua base teórica, considerando os impactos causados pela
instalação das estruturas de visitação, o confinamento espacial e as respectivas restrições
ao percurso de visitação e a fragilidade do ambiente cavernícola. Posteriormente, foram
feitas observações de campo em trilhas nos roteiros de visitação de cinco cavidades
naturais, no Vale do Ribeira, SP e na Serra da Bodoquena, MS. Conclui-se que nenhuma
das trilhas espeleoturísticas analisadas atende integralmente os preceitos apontados, que
são primordiais para a ampliação da sustentabilidade turística e conseqüente
conservação do patrimônio espeleológico.

Palavras-chave: Espeleoturismo; Implantação e Manejo de Trilhas; Planejamento


Turístico.

1 Introdução

O turismo é um fenômeno que requer estruturas e elementos para sua existência e


manutenção, que vão dos fatores de atratividade, passando pela infra-estrutura básica do
núcleo receptor e culminando na infra-estrutura de atendimento ao turista. Além dos
aspectos mercadológicos, sobretudo potencialidade e infra-estrutura, o turismo também
possui outras esferas de análise, que nas palavras de Beni (2002), são o conjunto das
relações ambientais. Tal perspectiva deriva do entendimento do turismo como um sistema
*
Bacharel em Turismo pela Universidade Anhembi Morumbi – UAM. Especialista em Gestão e
Manejo Ambiental em Sistemas Florestais pela Universidade Federal de Lavras – UFLA.
Mestrando em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Professor,
pesquisador e atual coordenador do curso de Turismo com ênfase em ambientes naturais da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS/Dourados, MS. Atual presidente do
Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Espeleologia – SBE. Filiado à Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo – ANPTUR. heros@uems.br
2

onde o ambiente social, ecológico, cultural, econômico e político, entre muitos outros,
interagem entre si e com seu meio externo.
No caso das áreas naturais, a complexidade e a fragilidade do meio devem ser à
base das limitações e possibilidades para o planejamento, a implantação e o manejo do
turismo, de forma a minimizar a alteração das características e parâmetros ambientais
(LOBO, 2006). As especificidades dessas áreas precisam ser levadas em conta no
processo de turistificação, como ocorre com as cavidades naturais.
Partindo dos pontos apresentados, o presente trabalho visa apontar e brevemente
analisar e discutir, as características mínimas para a implantação e manejo de trilhas em
cavidades naturais. Com isso, pretende-se apontar as principais diferenças existentes
entre as trilhas em ambientes amplos e no confinado espaço subterrâneo, de forma a
fornecer alguns subsídios para os planejadores e gestores de atividades turísticas. O foco
da discussão está centrado na atividade espeleoturística, segmento da atividade turística
carente de estudos no Brasil, sobretudo no que diz respeito às técnicas, procedimentos e
métodos de planejamento e gestão. Tal abordagem justifica o presente estudo ao admitir
para este trabalho a trilha como a base para o desenvolvimento da atividade turística em
áreas naturais, concentrando a análise nas trilhas espeleoturísticas – aquelas que se
localizam dentro das cavidades naturais.
Para a consecução dos objetivos propostos, foram a princípio executadas
pesquisas bibliográficas, considerando a escassez de material específico sobre o tema na
literatura disponível. Foram também realizadas observações diretas individuais de campo1
em duas áreas onde o espeleoturismo se desenvolve: Vale do Ribeira, nas Cavernas de
Santana e Morro Preto em Iporanga, SP e do Diabo, em Eldorado, SP; e na Serra da
Bodoquena, nas Grutas do Lago Azul e de São Miguel, em Bonito, MS. As pesquisas
bibliográficas forneceram os subsídios teóricos para as discussões apresentadas. Em
campo, buscou-se identificar as semelhanças e disparidades entre as bases teóricas e os
atuais processos de planejamento e gestão das trilhas espeleoturísticas nas cavidades
naturais observadas. O período de desenvolvimento das pesquisas se deu entre janeiro
de 2003 e março de 2006, com a organização do artigo ocorrendo entre os meses de
fevereiro a agosto de 2006.

1
Executadas durante os projetos de pesquisa: “A Percepção dos Impactos Ambientais do Ecoturismo no
Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira e nas Comunidades de Entorno”, Especialização em Gestão e
Manejo Ambiental em Sistemas Florestais, UFLA, 2002-2003; e “Apropriação do Patrimônio Natural:
Espeleoturismo na Serra da Bodoquena”, Mestrado em Geografia, UFMS, 2005-2006.
3

2 As especificidades do espeleoturismo

As cavidades naturais possuem determinadas características que precisam ser


prioritariamente consideradas para o manejo turístico, indo além das fragilidades
normalmente encontradas em áreas naturais. Lobo (2006) ressalta que a presença de
zonas afóticas e o confinamento espacial – aqui acrescido de outras particularidades de
cunho geológico, geomorfológico, biológico, ecológico, meteorológico, arqueológico,
paleontológico e cultural – estão entre os pontos críticos do ambiente subterrâneo face à
atividade turística.
A análise destes fatores necessita de um cuidado especial. Ao mesmo tempo em
que um belo conjunto de espeleotemas proporciona beleza cênica – característica
fundamental para o turismo de contemplação – pode também ser composto de minerais
raros e/ou frágeis, o que, por vezes, torna-se incompatível com a presença humana. Do
ponto de vista meteorológico, os parâmetros de temperatura, umidade relativa do ar e
taxas de gás carbônico, podem variar de forma a prejudicar não só a biota, mas também a
composição mineral de alguns espeleotemas. Isto ocorre, sobretudo, em áreas com baixa
circulação de energia (HEATON, 1986), onde se observa uma situação paradoxal:
apresentam maior beleza cênica, mas são mais frágeis e de recuperação ambiental mais
lenta ou, por vezes, irreversível. Situações como estas demonstram a necessidade de
encarar os diversos aspectos do patrimônio espeleológico2 sob a dualidade da fragilidade
ambiental e da potencialidade turística (LOBO et al, 2006).
Em função do nível de detalhamento necessário e das características dos
ambientes subterrâneos, cria-se um nicho de estudos diferenciado dentro do turismo.
Apesar de os preceitos de sustentabilidade e conservação serem os mesmos, os
procedimentos, técnicas e métodos utilizados precisam ser adaptados, revistos ou até
mesmo desenvolvidos.
Em diversos lugares do mundo as cavidades naturais são tratadas como qualquer
outro ambiente, sendo por vezes modificadas ao extremo. Exemplo digno de nota desse
processo de espetacularização e artificialização da natureza são as “show caves”, modelo
de visitação espalhado por diversos países do mundo. Nestas cavidades naturais, as
estruturas e procedimentos de visitação são transformados em verdadeiros espetáculos,

2
A Resolução CONAMA 347/2004, artigo 2°, parágrafo III, define-o como “o conjunto de elementos bióticos
e abióticos, socioeconômicos e histórico-culturais, subterrâneos ou superficiais, representados pelas cavidades
naturais subterrâneas ou a estas associadas” (CONAMA, 2004, s.p.).
4

com luzes coloridas, música ambiente, passarelas de concreto e estruturas metálicas,


visando a massificação do uso do ambiente. Não raro, são feitas intervenções estruturais
nas cavidades naturais, como a abertura de novos acessos na rocha matriz, fechamento
das entradas originais e conseqüente modificação das condições meteorológicas internas.
Entretanto, o que se propõe como norteador da presente discussão é a redução
dos impactos ambientais negativos e a estruturação física ambientalmente harmoniosa.
Tal postura vai ao encontro de uma perspectiva de uso que seja mais responsável e que
busca conciliar o uso turístico com a conservação ambiental.

3 A trilha: base para os roteiros espeleoturísticos

A implantação do espeleoturismo permeia diversos aspectos, que vão da


identificação do potencial de uso face as possíveis modalidades turísticas, passando
pelas fragilidades ambientais e culminando na formatação do roteiro de visitação. Os
roteiros, por sua vez, têm nas trilhas a sua base físico-estrutural, componente essencial
para o desenvolvimento da experiência turística.
Determinar um roteiro espeleoturístico apresenta algumas facilidades e, por outro
lado, diversas complicações. Um dos aspectos facilitadores está ligado às condições
geomorfológicas e estruturais das cavidades naturais.
Por se tratarem de feições subterrâneas de um relevo, as cavidades naturais
possuem grandes zonas desprovidas de iluminação, e nem sempre apresentam uma
considerável camada de solo em seu interior – muitas delas têm seu piso direto na rocha
matriz. Tais aspectos acarretam na diminuição e/ou eliminação de diversos impactos que,
para Soldatelli (2005), são comuns em trilhas, como a compactação do solo, a exposição
de raízes de plantas e os demais impactos na flora.
Por outro lado, os determinantes estruturais das cavidades naturais podem
apresentar limitações severas ao uso turístico. A começar pela restrição espacial, que
pode representar um dual componente psicológico: limitante para os turistas
convencionais e pessoas com problemas de claustrofobia; e instigante, mas por vezes
perigoso, para os aventureiros. Além disso, conforme apontam Boggiani et al. (2002), o
confinamento espacial se apresenta como um limitador para algumas alternativas de
manejo do ambiente, o que pode implicar na redução de métodos aplicáveis ao
espeleoturismo. Outros agravantes, também causados pelas limitações espaciais, são as
áreas que Heaton (1986) classifica como sendo de baixa circulação de energia. Em tais
5

zonas das cavidades naturais, em função da baixa circulação do ar, da água e de outros
elementos que permitem a ciclagem energética do ambiente, a renovação ambiental é
muito lenta. Além disso, a presença de fauna endêmica e de vestígios arqueológicos e
paleontológicos, também pode vir a ser um fator que limite o uso turístico.

4 Implantação de trilhas espeleoturísticas

Consideradas as restrições impostas pelo ambiente e as potencialidades de uso,


tem-se a base para a implantação da trilha espeleoturística. Para sua estruturação, os
aspectos considerados levam em conta, sobretudo, a sua forma, materiais utilizados em
sua confecção, finalidade da trilha e a interpretação ambiental.
O primeiro aspecto a ser abordado é o uso do espaço subterrâneo. Andrade
(2003) aponta basicamente três formatos para as trilhas: lineares, circulares e em forma
de oito. O autor ressalta que as trilhas circulares e em forma de oito são mais
interessantes para uso turístico, pois auxiliam na dispersão dos impactos ambientais – o
turista não volta pelo mesmo caminho – e ampliam as oportunidades de visitação.
Ressalta ainda que as trilhas em formato de oito são mais interessantes para áreas
pequenas, de forma a aproveitar melhor o espaço. Para o espeleoturismo, ambas as
possibilidades ressaltadas como ideais possuem poucas oportunidades de uso. Isso
porque o espaço confinado das cavidades naturais normalmente condiciona um caminho
único de visitação. Isso pode ser observado na íntegra na Caverna do Diabo, em
Eldorado, SP, onde não existem caminhos alternativos; e parcialmente na Caverna de
Santana, Iporanga, SP, com parte do circuito de visitação, um total de 160,95 metros,
servindo tanto para entrada quanto para saída da cavidade. Em cavidades com mais de
um acesso, como é o caso da Gruta de São Miguel, em Bonito, MS e da Caverna
Alambari de Baixo, em Iporanga, SP, o trajeto linear se torna um atrativo a mais para o
turismo, sendo a travessia mais um componente do imaginário que contribui para a
experiência de visitação. Outras cavidades, como a Gruta do Lago Azul, em Bonito, MS e
a Caverna Laje Branca, em Iporanga, SP, permitem, por sua estrutura física, a formatação
de trilhas circulares – com trajetos que saem e retornam ao mesmo ponto de origem, mas
por caminhos distintos. Entretanto, até o presente, por questões ligadas à sua gestão,
ambas ainda possuem trilhas lineares, com os turistas indo e voltando pelo mesmo
caminho.
6

De uma forma geral, a restrição das possibilidades de implantação de trilhas


circulares, em oito ou travessias, deve ser considerada como agravante para a visitação
turística, pois restringe as oportunidades de visitação e amplia os impactos ambientais
numa única área da cavidade.
As estruturas de acesso utilizadas em trilhas espeleoturísticas não diferem muito
das demais trilhas de uso turístico. Normalmente as adaptações feitas a título de facilitar o
acesso aos turistas e promover sua segurança são as pontes, parapeitos, corrimãos,
escadas e deques. O que deve ser diferente nesses casos são os materiais utilizados
para a confecção de tais estruturas, embora isso de fato ainda não aconteça em larga
escala nas áreas pesquisadas.
Autores como Andrade (2003) e Ceballos-Lascurain (1998) apontam direta e
indiretamente a madeira como sendo um dos melhores materiais para a confecção de
estruturas em trilhas. A madeira apresenta um aspecto natural e harmonioso com o
ambiente, de forma a não descaracterizar em demasia as trilhas em relação ao seu
entorno. Nas cavidades naturais, o uso de madeira, apesar de não ser raro, não pode ser
apontado como o mais apropriado. Isso porque a madeira entra em decomposição,
propiciando a proliferação de colônias de bactérias e fungos, que podem alterar a
ciclagem de nutrientes do ecossistema cavernícola além das possibilidades de
contaminação. Recomenda-se então que as escadas, pontes, parapeitos e demais
estruturas, quando não puderem ser confeccionadas por meio de blocos rochosos
rejuntados por argamassa ou similares (ANDRADE, 2003; MITRAUD, 2001), o sejam
feitos em materiais menos sujeitos à decomposição, com o aço cortem (BOGGIANI et al.
2002) ou o aço inoxidável (LOBO, 2006). O uso de concreto e alvenaria também deve ser
considerado, desde que com parcimônia e prudência. Estruturas que destoem totalmente
do ambiente, como é o caso das passarelas da Caverna do Diabo, devem ser evitadas a
todo custo, pois o impacto visual pode ir muito além dos benefícios obtidos.
Quanto ao substrato das trilhas, alguns exemplos em trilhas ao ar livre apresentam
sucesso na diminuição dos impactos físicos diretos e indiretos do turismo, como a
compactação do solo, exposição de raízes, formação de poças d’água e ravinamento,
entre outros. Na região da Serra da Bodoquena, alguns substratos utilizados em trilhas de
conhecidos atrativos têm demonstrado eficiência nesse sentido. Como exemplos, a
aplicação de pedriscos no Recanto Ecológico Rio da Prata, em Jardim, MS, bolachas de
madeira de reaproveitamento no Rio Sucuri, em Bonito, MS e passarelas de madeira
7

suspensas, em áreas lodosas, sujeitas a alagamentos e margens de rios e proximidades


de cachoeiras, na Estância Mimosa, Bonito, MS.
No caso das cavidades naturais, não foram encontrados exemplos de utilização de
substratos nas trilhas internas, com exceção aos locais de transposição de desníveis,
onde se podem ver blocos rochosos fixados por meio de argamassa ou travados com
madeira. Como já dito anteriormente, dado que o substrato das cavidades naturais
normalmente é composto pela própria matriz rochosa, diminuem-se as possibilidades de
impactos pela visitação e, portanto, as necessidades de intervenção. Todavia, caso se
faça necessário o uso de substratos em áreas específicas da cavidade, como em bancos
de sedimentos e/ou areia, por exemplo, sugere-se tomar ao menos dois cuidados iniciais:
verificar se o local não é resultado da calcificação gerada pela espeleogênese, o que
implicaria no mínimo em análises de cunho paleontológico e arqueológico; e usar
substratos mais inertes, como pedriscos. Não se recomenda o uso de madeira, pelos
motivos já explicitados.
A estruturação das trilhas espeleoturísticas deve também levar em conta as
características do tipo de turista que pretende atingir e as oportunidades de interpretação
ambiental. O perfil dos turistas de aventura exige menos estrutura física construída do que
o dos turistas de contemplação. Isso porque a sensação de risco é componente básico da
aventura (SPINK et al., 2004), enquanto a segurança percebida é ponto primordial para
que a contemplação do ambiente possa se dar de forma satisfatória.
Outro estudo, realizado por El-Dash; Scaleante (2005), explica que existem três
grupos de visitantes de cavidades naturais: os detalhistas, os aventureiros e os místicos.
Destes, destacam-se os detalhistas, para os quais as informações sobre as curiosidades
do ambiente subterrâneo são componentes fundamentais para o melhor aproveitamento
da experiência turística. Ressalta-se daí a importância da interpretação ambiental quando
do planejamento das trilhas, de forma a oportunizar, por meio de um planejamento do
roteiro de visitação que contemple características distintas da cavidade, o aprendizado em
conjunto com o lazer.

5 Métodos e técnicas de manejo de trilhas espeleoturísticas

Os procedimentos de manejo de trilhas espeleoturísticas também sofrem


restrições ao uso, a exemplo do que ocorre quando de sua concepção e construção. Os
maiores limitantes aos métodos e técnicas conhecidos estão ligados ao confinamento
8

espacial. A falta de alternativas de uso, em função de muitas vezes existir uma única
possibilidade de caminho, termina por anular alguns dos métodos consagrados ao manejo
de áreas naturais, como o Limite de Aceitação de Câmbio – LAC e o Visitors Impact
Management – VIM. Por outro lado, o cálculo da capacidade de carga pelo método
proposto por Cifuentes pode ser executado nas trilhas espeleoturísticas. Exemplos disso
são as propostas de Boggiani et al. (2002) para a Gruta do Lago Azul e de Lobo (2005)
para a Caverna Santana – esta última, em caráter preliminar.
O método de Cifuentes se divide em três fases: o cálculo da capacidade de carga
física, que propõe a relação entre o espaço disponível e ocupado pelos turistas e o tempo
de visitação; a capacidade de carga real, que leva em conta os fatores ambientais –
bióticos e abióticos – que podem limitar a visitação; e a capacidade de carga efetiva, que
submete ao cálculo a capacidade de manejo do órgão gestor da área. A identificação dos
fatores de correção é um das fases mais importantes do processo em termos
conservacionistas, e leva em conta situações-problema como: chuva, alagamentos
temporários, horas de exposição ao sol, declividade, grau de dificuldade e compactação
do solo (ARIAS et al., 1999).
Todavia, o método de Cifuentes é utilizado e criticado em escala praticamente
igual, principalmente em função de sua proposição altamente quantitativa de análise.
Muitos fatores, de ordem comportamental e cognitiva não são facilmente adaptáveis aos
procedimentos propostos, pois raramente podem ser quantificados. No caso das trilhas
espeleoturísticas, outras questões precisam também ser consideradas:

a. A falta de parâmetros cientificamente comprovados para a composição da fase de


cálculo da capacidade de carga real. O ambiente subterrâneo não permite que
fatores como a chuva, o sol e a compactação do solo sejam amplamente
utilizados. Por outro lado, fatores específicos raramente são considerados, em
função da falta de estudos que comprovem as relações de interferência entre o
turismo e o ambiente cavernícola. Alguns poucos exemplos são citados por
Boggiani et al. (2002), que sugere considerar a emissão de Radônio como fator de
correção; e por Lobo (2005), que aponta para os níveis de circulação de energia
como outra possibilidade. Em ambos os casos, a validação dos fatores apontados
fica prejudicada pela falta de estudos mais aprofundados;
b. O fato de algumas cavidades naturais permitirem apenas um caminho de visitação
pode vir a ser problemático, dado que a Capacidade de Carga foi desenvolvida a
9

princípio para trilhas aonde o caminho de ida e de volta não venham a coincidir. A
adaptação da metodologia para trilhas onde o turista retorna pelo mesmo caminho
ainda não foi posta à prova.

Embora alguns métodos de controle de visitação não sejam totalmente aplicáveis


ao manejo das trilhas espeleoturísticas, algumas de suas premissas podem ser
consideradas. Destacam-se os fechamentos temporários e a educação ao turista.
Os fechamentos temporários podem ser adotados de forma a mitigar os impactos
de visitação em determinadas épocas do ano, sobretudo quando existirem dificuldades de
recuperação das condições meteorológicas. Duas possibilidades podem ser consideradas
nesse sentido. Na forma mais simples, propõe-se, por exemplo, o fechamento regular do
circuito de visitação, ou parte dele, em um dia da semana, dando um maior espaço de
tempo para a recomposição ambiental. Por outro lado, admite-se o fechamento em
determinada temporada do ano. Embora tal proposta seja mercadologicamente menos
interessante, pode apresentar melhores resultados na conservação do ambiente,
sobretudo se forem consideradas as mudanças na circulação do ar dentro das cavidades
naturais em função das estações do ano, apontadas em Llopis-Lladó (1970).
A educação ao turista complementa o manejo das trilhas espeleoturísticas. Muitos
dos impactos gerados pela visitação derivam do comportamento por vezes inadequado
dos turistas. Estabelecer limites comportamentais pode vir a ser uma estratégia de
mitigação dos impactos negativos decorrentes de suas atitudes. Deve-se ter o cuidado
para que as limitações não soem como proibições, o que poderia ser assimilado de forma
negativa. Nesse sentido, recomenda-se o uso de técnicas de interpretação ambiental, que
ampliem as oportunidades de visitação e que conduzam a experiência do turista de forma
agradável e proveitosa. Conhecer e compreender os motivos dos limites de visitação pode
transformar as sensações dos turistas, indo da frustração por não poder fazer algo, ao
comprometimento com o ambiente visitado.
Por fim, a Tabela 1 apresenta um resumo das cavidades analisadas,
demonstrando até que ponto atendem aos preceitos e métodos abordados no presente
artigo.
10

Tabela 1 – Situação geral das trilhas espeleoturísticas pesquisadas


Perspectiva Aspecto Caverna de Caverna Morro Caverna do Diabo Gruta de São Gruta do Lago
sustentável para o Analisado Santana Preto (Eldorado, SP) Miguel Azul (Bonito, MS)
espeleoturismo (Iporanga, SP) (Iporanga, SP) (Bonito, MS)
Conciliar o uso das Demarcação Trilha demarcada, Não existe uma Trilha demarcada. Trilha demarcada, Trilha demarcada,
potencialidades da trilha total 486,34 definição da trilha. Concilia o uso atravessa a com retorno pelo
ambientais e a metros. A visitação Sua estrutura física turístico com áreas cavidade, mesmo percurso,
mitigação dos impactos passa por áreas de possibilitaria a de alta circulação aproveitando as apesar da
negativos. baixa circulação de implantação de de energia. áreas de alta possibilidade de
energia. trilhas circulares. circulação de implantação de
energia. uma trilha circular.
Construir as feitorias Pontes ou As pontes e Duas escadas, em A trilha é composta Possui escadas Escadas em blocos
em materiais menos passarelas; escadas são em madeira. por passarelas, desmontáveis para rejuntados com
impactantes (aços escadas; madeira, com escadas, substrato manutenção fora argamassa.
cortem ou inoxidável, corrimãos; suportes e e demais da cavidade, em
blocos de rochas e parapeitos; passarelas em estruturas em metal e madeira.
alvenaria). deques. blocos rejuntados concreto. Cobre
com argamassa e quase todo o
corrimãos em percurso de
taquara. visitação.
Evitar a compactação Substrato da - - Corrimãos em - -
do solo. trilha metal.
Estabelecer limites e Métodos e/ou A maior parte da Os limites de Estruturada para o Dotada de Plano Dotada de Estudos
critérios para a técnicas de cavidade é restrita visitação nem turismo de massa, de Manejo, que de Impactos
visitação turística. manejo ao turismo. Não sempre são contando inclusive estipula limites de Ambientas (EIA-
existem limites respeitados. Não com iluminação visitação. O RIMA), embora
estipulados para o existem limites artificial. Não número de este não seja
número de turistas estipulados para o existem limites visitantes tem por respeitado na
no circuito de número de turistas estipulados para o base a capacidade íntegra. Visitação
visitação. Permite no circuito de número de turistas de atendimento do limitada pela
o uso de visitação. Permite no circuito de empreendimento. Capacidade de
carbureteiras3. o uso de visitação. Carga (método de
carbureteiras. Cifuentes).

3
Equipamentos utilizados para a iluminação, funcionam a base de Carbureto de Cálcio, produto que gera o gás Acetileno, o qual por sua vez permite o fogo em
um bico acoplado ao capacete. As pesquisas de Scaleante (2003) apontaram que são danosas ao ambiente.
11

6 Considerações Finais

De um modo geral, considerando-se as técnicas e materiais de construção,


bem como os métodos de manejo, pode-se dizer que a Gruta de São Miguel, em
Bonito, MS, é a única que melhor se aproxima dos ideais ora apontados. Todas as
demais carecem de substanciais adaptações, para que possam vir a apresentar
aspectos menos danosos ao ambiente cavernícola. Os maiores extremos nesse
sentido são a Caverna de Santana, em Iporanga, SP, e a Caverna do Diabo, em
Eldorado, SP.
Além disso, destaca-se que em sua concepção teórico-prática, a trilha tem sido
normalmente entendida tão somente como o acesso até a cavidade natural. A
implantação e manejo de trilhas para a composição de roteiros espeleoturísticos ainda
é um campo novo dentro dos estudos e pesquisas do turismo. As bases e
procedimentos até o presente utilizadas, em sua maioria, não foram desenvolvidas em
função das especificidades do ambiente cavernícola. Novos métodos e materiais
precisam ser desenvolvidos, testados e validados de forma a contribuir com a
ampliação da sustentabilidade das trilhas e demais componentes do espeleoturismo.

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Waldir Joel de. Implantação e manejo de trilhas. In: MITRAUD, Sylvia
(org.) Manual de ecoturismo de base comunitária. Brasília: WWF, 2003. 470 p.

ARIAS, Miguel Cifuentes. et al. Capacidad de carga turística de las áreas de uso
público del Monumento Nacional Guayabo, Costa Rica. Turrialba: CATIE/WWF,
1999. 75 p.

BENI, Mário Carlos. Análise estrutural do turismo. 7.ed. São Paulo: SENAC, 2002.
516 p.

BOGGIANI, Paulo César. et al. Estudo de impacto ambiental da visitação turística


do Monumento Natural Gruta do Lago Azul – Bonito, MS. Campo Grande: UFMS,
2002. Versão digital.

CEBALLOS-LASCURAIN, Hector. Ecoturismo, naturaleza y desarrollo sostenible.


Cidade do México: Diana, 1998. 185 p.

EL-DASH, Linda Gentry; SCALEANTE, Oscarlina Aparecida Furquim. Atitudes de


freqüentadores de cavernas: um estudo usando metodologia “Q”. In: Congresso
12

Brasileiro de Espeleologia, 28, 2005, Campinas, SP. Anais. Campinas: SBE, 2005.
CD-ROM.

HEATON, Timothy. Caves: a tremendous range in energy environments on earth.


National Speleological Society News, Huntsville, v. 08, n. 44, p. 301-4. 1986.

LLOPIS-LLADÓ, Noel. Fundamentos de hidrogeología Cárstica: introducción a la


geoespeleologia. Madrid: Blume, 1970. 269 p.

LOBO, Heros Augusto Santos. Considerações preliminares para a reestruturação


turística da Caverna de Santana – PETAR, Iporanga, SP. In: Congresso Brasileiro de
Espeleologia, 28, 2005, Campinas. Anais. Campinas: SBE, 2005. CD-ROM.

______. Fundamentos básicos do espeleoturismo. Dourados: UEMS, 2006. No


prelo.

______. et al. Relatório final de pesquisa: Levantamento do potencial


espeleoturístico do Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Dourados: UEMS, 2006.
p.i.

MITRAUD, Sylvia F. (coord.) Uso recreativo no Parque Nacional Marinho de


Fernando de Noronha: um exemplo de planejamento e implantação. Brasília: WWF
Brasil, 2001. 97 p.

SCALEANTE, José Antonio Basso. Avaliação do impacto de atividades turísticas


em cavernas. Campinas: UNICAMP, 2003. Dissertação (Mestrado em Geociências),
Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas. 2003.

SOLDATELI, Márcio. Impactos ambientais negativos no contexto do turismo de


natureza. In: TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi. et al. (eds.) Análises Regionais e globais
do turismo brasileiro. São Paulo: Roca, 2005. 934 p.

SPINK, Mary Jane P. et al. Onde está o risco? Os seguros no contexto do turismo de
aventura. Psicologia & sociedade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 81-9, maio-ago. 2004.

Você também pode gostar