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VIEIRA, Alberto (2003):

Autonomia e a Historia da Madeira,


in Autonomia e História das Ilhas. Seminário
Internacional, Funchal, CEHA, 143-176,

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:


VIEIRA, Alberto (2003): Autonomia e a Historia da Madeira, in Autonomia e História das Ilhas.
Seminário Internacional, Funchal, CEHA, 143-176, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em:
http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/2001-autonomiahistoriamadeira.pdf, data da
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AUTONOMIA E H I S T ~ R I A
DAS ILHAS

R E G I Ã O A U T Ó N O M A D A M A D E I R A
A AUTONOMIA NA HISTÓRIA DA MADEIRA
QUEST~ESE EQUÍVOCOS

O d i s c m histórico é a ossatura fundamental que alicerça a autonomia


politic~dministrativa.Tudo isto porque a história local faz apelo 21 valorização do
passado hist6rico regional e permite refoqar a unidade defmida pelo espaço
geográfico. Uma região sem Histbria dificilmente poderá h r valer as suas
legítimas asphç&s autonómicas. TSio pouco uma classe política, alheada ou
desconhdora do passado histórico terá possibilidades de fazer passar e vingar o
seu discurso político.
A História faz parte da es&n~iado discurso político autonómico e 6 com ela
onde mais se espelhsi a identidade local. Conhecer e valorizar a História regional é
uma atitude necessária ao nascimento e fortaiecimento da autonomia. O apelo à
História faz-se, não sii pela busca das condit@es ancestrais que conduziram A
rnaterialização do processo autonómico, mas também pelos combates que o mesmo
propiciou. Para os actuais desafios do processo auton6mico o conhecimento das
diversas wnjuntms de combate, as o e s e justificações que geram são
imprescindíveis. Por outro lado a História deve ser entendida também como a
homenagem aos que nos precederam neste combate e onde se encontram motivos e
alento para novos embates.
A Hist6ria da Autonomia, tal como hoje a entendemos, é recente mas rica
em motivos e situações que fortalecem o actual combate político. Todavia, o
sentimento de auto-governo parece ser a n d e nascido à chegada dos primeiros
povoadores. A barreiira geográfica, as dificuldades e f o m tardia da resposta das
autoridades centrais contribuíram para aliceqar o sentimento auton6mico. E certo
que ele só ganhou a verdadeira dimensão política com a revolução liberal, mas será
injusto ignorar o combate dos que o precederam nas centhias anteriores. A partir de
então a leitura do discurso histórico da autonomia, expresso em jornais e panfletos,
confunde-se muitas vezes com a questão financeira, do relacionamento entre a
metrópole e a região, da gestão e aplicaflo da riqueza.
Qumtão I: o Regionalismo

No contexto do debate sobre a questão da autonomia, de formas de auto-


-governo ou de estruturas administrativas próximas do cidadão, tivemos a partir
de finais do século XIX o debate sob o epígrafe de Regionalismo. O conceito
surgiu em Franqa a partir de 1874, mas rapidamente se vulgarizou no debate
politico francês a partir de 1892, alargando-se depois a toda a Europa ('1.
O regionalismo identifica uma realidade local, marcada mais pela História do que
pela Geografia que se a f m a pela sua cultura, tradição e pela descentralização
politico-administrativa. Daí certamente a adesão a este movimento de diversos
sectores da sociedade,
Estes ideais irradiaram rapidamente por toda a Europa e ficaram a marcar o
debate político das diversas regiões continentais ou insulares. Em Espanha
afmou-se em oposição ao nacionalismo. A título de exemplo referimos o debate
na Catalunha em que se destacam os contributos de Miguel Dels Sants Olivier
(1864-1920) e Lluis Durem I Ventosa (1 870-1954) c).
O primeiro, desde
Maiorca, aproveitou a conjuntura de 1898, marcada pelo desastre colonial, para
afirmar o regionalismo insular em "La questib regional" (1 899). O debate em Bar-
celona conduzir6 ao aparecimento de um movimento político, a Liga Regiona-
lista(]898- l 904). Tarn&m na Madeira existiu um projecto de uma Liga Regio-
nalista (4). r:sj$&@:t.
A partir de finais do século XIX regionalismo e a expressão chave do
debate político sobre a descentralizaqão governamental. Este combate em torno da
questão regional manteve-se vivo ate aos anos trinta do século XX,congregando
no seu seio políticos e intelectuais. No campo político ficou marcado por uma
insistente reclamaçgo contra. o centralismo e o desafio da descentralização como a
resposta às insistentes reclamaqões. Este combate teve por palco as Cortes, o
Parlamento, mas acima de tudo foi nas páginas da imprensa local e, por vezes,
nacional que ele ganhou maior folgo. Aquilo que mais sobressai é o carácter
repetitivo das intervenções e uma insistência obsessiva em chavões, como orfan-
dade, abandono, sangria financeira.
Na verdade esta produção literária que corporiza o debate regionalista, dis-
persa em jornais ou nas actas parlamentares, evidencia muitas vezes a falta de
originalidade. E para quem tiver a oportunidade de acompanha-lo na Madeira e
Açores e confrontá-lo com o que sucede noutras regiões como as Canárias,
Maiorca ou Catalunha, rapidamente se apercebe desta realidade. Tudo isto porque

( I ) . Cf. Carlos Cordeiro, Nacionalismo, Regionalismo e autoritarísmo nos Açores durante a

I República, Lisboa, 1999, p.2 1 7 e segs.


(2) . nomeadamente nos textos Lu questid Regioml(ld ediç8o em 1899.
(') Regionalismo i Federalismo, Barcelona, 1993(1° ediçgo de 1905)
(4) Cf. Texto de Emanuel Janes neste volume.
o regionalismo foi uma corrente do debate político que varreu toda a Europa e
que o dominou entre finais do século XIX e princípios da centúria seguinte.
Na Madeira o movimento colheu inúmeros adeptos e foi h sua sombra que a
ilha viveu em princípios do seculo um momento de grande fulgor cultural e de
combate políticoa Foi sob o epígrafe "Regionalismo" que Manuel Pestana Reis
apresentou em Dezembro de 1922 aquele que é considerado o primeiro projecto
de autonomia para a Madeira. Foi ainda sob a égide deste espirito que se apostou
na divulgação e estudo da História, através da publicação do Elucidário
Madeireme e outros mais estudos que ainda hoje continuam a merecer a atenqão
dos interessados. Nestes anos vinte surgiu também a ideia de um partido regional.
Mas cedo todos estes ideais perderam vigor face ao deslumbramento do golpe
militar de 1926.
A Madeira não se afastou do debate europeu em torno do regionalismo.
Aliás, este movimento foi o élan necessário para juntar madeirenses de diversos
quadrantes políticos na luta em favor dos interesses da sua ilha e de prornoqão da
cultura e acima de tudo da História, porque afinal o regionalismo não foi palavra
vã para os madeirenses. O fenomeno da autonomia da Madeira não pode ser reti-
rado deste enquadramento europeu. Falta-nos e saber qual a relaqão possivel entre
estas formas de anhlise e combate político.

Q u d oI -
Z as abas Províncias ou Colónias
O debate sobre a autonomia está ligado à definiçâio do sistema de relaqões
estabelecido desde os inícios do povoamento entre a ilha e a metrópole. Aqui a ideia
de colónia nunca é entendida de acordo com o sentido m ~ p o l o g i c omas
, sim pelas
questões de ordem política e financeira. Na definição da ideia do colonialismo a
dominar as r e l a w com o continente está a espolia@o financeira, com o envio para
Lisboa de toda a riqueza gerada, sem que se aplique na valorização local. Os poucos
investimentos acontecem nos sectores capazes de gerar mais benefícios ao Estado e
não no bem estar das populações. Isto resultam no consequente prmsso de
subdesenvolvimentoe pobreza.
A economia colonial foi motivo & estudo mais acentuado a partir de Adam
Smith, mas foi com Marx que ganhou maior evidência. Aliás, para a escola marxista
a valorização da teia de relações entre a metrópole e as colbnias foi e continua a ser
um dos motivos mais destamdos de interesse.Este tipo de relações tem expressão na
pilhagem da riqueza coloniaI em favor do desenvolvimento da metrópole. A isto
junta-se a dependência mercantil e a política financeira com o estabelecimento da
moeda f i x a nas colónias e forte na metrópole. Qualquer das situações não se afasta
do percurso económico madeirense nos últimos cinco séculos. A definição de uma
economia colonial assenta na sangria quase total das despesas e num reduzido ou
quase nulo investimento que não seja vocacionado para apoiar a extracção da
riqueza.
A ideia de colonialismo adcluiriu vários significados ao longo do processo
histórico, ficando todavia a expressar uma relação de dependência e expIoração de
uma determinada região ou colónia com o centrolmetr6pole. Ora isso n3o implica
a clássica visão de um espaqo já ocupado que é alvo da usurpaqão europeia. É
neste quadro que devemos encarar a situação da Madeira.
E um facto indesmentivel que a Madeira se enquadra no processo de
expansão colonial portuguesa, sendo o primeiro passo desta estratégia e como tal
irá manter-se por muito tempo. A sua separação em termos politicos e admi-
nistrativos foi apenas resultado da revolução liberal. E deste modo aquilo que a
atd então era colónia, adquire num lapso de tempo o titulo de ilha adjacentes, sem
que se tenha alterado o relacionamento típico.
O debate político cola-se por vezes a História na busca das razões que fun-
damentem tal relacionamento institucional. E neste caso mantém actualidade o
relacionamento da ilha com o continente europeu, uma relação colonial que só
poder dos liberais viu acabar em completa ruptura com o passado. Na verdade, até
então a Madeira merecia um tratamento idêntico ao demais espaço colonial. Aliás,
estava sob a mesma alçada do Conselho Ulrtrornarino (1643-1 833). Note-se que
nas páginas do Patriota Funcblense, o bastião da liberdade de opinião, recla-
mava-se contra o tratamento de colónia feito pelos "mandões de Lisboa". Desde
I832 a ilha deixou de ser uma colónia, passando a província administrativa, igual
às demais do continente. A reforma administrativa de Mouzinho da Silveira foi o
corte radical com o passado pelo menos em termos jurídicos, o que não implica
que no plano real esse tipo de relacionamento se tenha mantido até 1974.
O estatuto de colónia não resulta do facto de um espaço estar habitado a
chegada do europeu, pois se isso fosse condição Cabo Verde nunca teria mantido
esse estatuto, pois como quase todas as ilhas Atlânticas estava deserta h chegada
dos Portugueses, excepção apenas para as Canárias. A sua definição resulta fun-
damentalmente do relacionamento que se estabelece entre a metrópole e a região.
Ao nível político o estatuto colonial caracteriza-se por uma profunda distância em
relação aos centros de poder. São os governadores e capitães generais que se
comportam de forma altiva do interior da fortaleza do poder, As ordens despóti-
cas, a subserviência dos ilhéus, que reclamam em Lisboa através dos seus pro-
curadores e políticos à mesa da coroa e do orçamento umas magras migaihas da
riqueza que remetem anualmente. E o sentimento de orfandade perante uma auto-
ridade paternalista e despótica. O regionalismo como constatqão dos desequili-
brios regionais e do esbanjamento dos seus recursos por um poder estranho e dis-
tante, 6 revelador deste estatuto. Desta forma podemos afirmar que o despontar do
movimento autonomista resulta desta constatação do colonialismo que define as
relações institucionais.
Ao nivel económico e financeiro esta relação revelava-se na entrega de toda
a riqueza. As culturas são impostas para servir os caprichos da metrópole e todo o
lucro situa-se no sector da circulação fora da ilha. Sucedeu assim com a cana de
açúcar que se transformou na galinha dos ovos de ouro para a Coroa portuguesa
entre finais do século XV e princípios do seguinte. Alihs, toda a riqueza resultante
desta exploração económica, impostos incluídos, era orientada para fora do
espaço que a criava. Tão pouco sucede um investimento na valorização do seu
interesse. O pouco que retomava surge sob a forma de caridade da própria Coroa,
sob a forma de oferta.
O Rei D. Manuel foi de todos o mais caridoso para com os madeirenses
mas tambkm o que mais feriu das riquezas da ilha. Distribuiu benesses e obras de
arte aos madeirenses. Mas a dívida da dádiva madeirense era maior e ao que
parece ainda esíA por saldar (5). A situaçao da Madeira, desde o século XV, não se
diferencia das demais possessões portuguesas no espaço atlântico. A ilha estabe-
lecia vínculos de subordinação institucional idênticos aos de Angola, Cabo Verde
ou Brasil, estando a partir de 1642 sob a alçada do conselho ultramarino. Esta
situação perdurou até 1736, altura em que foi criada a Secretaria de Estado da
Marinha e Ultramar. Em 1808 com a saída da coroa para o Brasil estabelecem-se
algumas alterações na administraçgo da justipa, passando a Madeira a depender da
Casa da Suplicaqão do Brasil.
A ideia de colónia estava entranhada nas relações institucionais como na
linguagem dos funcionários do reino que assiduamente visitavam a ilha em mis-
são, Em I8 15 o inspector geral de Agricultura, José Maria de Fonseca, refere a
ilha como colónia. Por outro lado a forma de intervenção do reino é de cariz colo-
nial entregando as missões referentes ao arquipélago a agentes estranhos. Em
1810 foi criada a Junta de Melhoramentos da Agricultura das ilhas com o objec-
tivo de estudar as soIuções para a crise. Estes no parecer de Paulo Dias de

(7 A tarefa de reconstituir o movimento das finanps da região não t &il. As infomaç8es


estatistias s6 permitm seriaçiíes a partir do século XIX e mesmo nesta centúria os dados s8o muiias
vezes escassos. Para os skmlos anteriores os dados são avulsos e não o permitem. Faltam os livros dos
contdms da Provedoria da Fazenda, os registos completos da alfândega No caso da despesa t de
significativa importancia a existhcia dos oqamentos do Estado a partir de 1836. A quase total
disponibilidade destes livros, pois falta-nos apenas encontrar os dos anos de 1839-40,1849-50, permite
urna leitura correcta da despesa da Estado a partir de 1836. Já no que se refere a receita para estas duas
centúrias os dados são muito lacunares. O carácter avulso das estatlçticas oficiais revela o pouco cuidado
na arrecadação nos impostos, pois parem que o desleixo em muitas ocasiaes era total. A ideia foi já
testemunhada em 1871 por Ferreira L o h , mas tão pouco dgo de novo se fez nos anos seguintes e para
um investigador que se dedica ao estudo da História financeira e orçamental o panorama e identico.
Nos últimos dois anos, o pouco tempo disponivel, foi utilizado para proceder a recolha
incidindo-a nos séculos XXX e XX, momentos em que as exigencias da Estatística facilitam a nossa
tarefa. Os dados agora disponibilizados são o primeiro resultado desta árdua tarefa e contemplam
apenas uma ínfima parte dos anos em estudo. O quadro que se segue d revelador do actual estádio de
desenvolvimento dos nossos trabalhos e, diga-se, tudo o que depois se afirma tem por base isto.
Mais uma vez recorda-se que o texto que aqui se apresenta não é um trabalho acabado mas sim a
primeira etapa de um projecto que esperamos a seu tempo concluir. A tentativa & reconstituir até a
exaustão ser4 a cruz que acompanhará o nosso actual e próximo percurso na investigação histórica
Almeida (6) {{ são inteiramente alheios do conhecimento do local da ilha » pelo
que nada terá resuItado da sua acção acabando extinta em 182 1.
O século XIX é um marco na plena afirmação do debate político que para
muitos madeirenses foi alicerçado nos combates pela defesa do torr5o natal.
A 2 de Julho de 1821 publicou-se no Funchal o primeiro jornal, o Patriota
Funchaletzse, que foi a principal tribuna de debate. E aqui que encontrámos as
primeiras e mais evidentes expressões do estatuto colonial e do sentimento de
orfandade política. Assim, em 17 de Novembro o director do nove1 jornal,
Nicolau Caetano Pitta constata que "ficiunos elevados a categoria de província no
nome, mas que de facto somos tratados como colónia", para se concluir em 1 de
Dezembro que "a sorte da infeliz Madeira he a de enteados". Esta rela~ãoé
melhor evidenciada em outra opini50 do ano seguinte: "A escravidão consiste em
viver algum sujeito absolutamente a vontade de outrem; uma provincia, que deve
' sujeitar seus interesses aos da metrdpole, que a seu termo a não interessa, deixa de
ser provincia, 6 de facto colónia e vive escrava."
As mudanças políticas tão pouco solucionaram as ancestrais questões pelo
que em 1847 o então governador José Silvestre Ribeiro ao debater-se com uma
grave crise económica vê-se impotente para a solucionar, pois "he mister ponderar
que este governo civil he um governo subalterno a quem falta aquela latitude de
resoluqão que compete ao governo da nação." A crise económica de 1882 levou
alguém a reclamar da atitude colonial do governo: "Quem sabe se o governo
central ainda continuará a olhar para a Madeira como se fora o Congo ou qualquer
possessão africana...".
O combate político de finais do século XUI e princípios do seguinte avivou os
ideais rtutonórnicos e conduziu a uma mudança com a atribuição da autonomia
adrninishtiva por carta de lei de 12 de Junho de 190 1. Mas esta evolugão do quadro
político não fez esmorecer o debate político. A 1 de Novembro de 1921 escrevia-se
no Dilaio de Notkim que "a nossa completa e absoluta autonomia devendo a
bandeira ser a única ligação com a mãe pátria" e em 20 de Setembro de 1924
voltava-se a afirmar no mesmo diário que "é preciso que os madeirenses unidos
pelo mesmo pensamento, façam ver de um modo irrecusável aos governos de
Lisboa, que são mais alguma coisa de que matéria colectável. (...) O povo da
Madeira é um povo livre, (...)não é escravo, nem burro de carga".
Por lei de 9 de Março de 1821 a Madeira deixou de estar dependente da
repartição das colónias, passando a ser considerada uma província do continente.
Nicolau Caetano Pitta continuava a considerar que a situação real da ilha era de
uma colónia: « ficámos elevados à categoria de província no nome, mas que de
facto somos tratados como colónia ». A verdadeira mudança ocorre a partir dos
, anos trinta com a reforma de Mouzinho da Silveira, iniciada nos Açores e que se

(6j Rui Carita, Paulo Dias de Aimeida e a Descrição da Ilh da Madeira, Funchai, 1982,
pp.54-5s.
estendeu A Madeira em 1834. A partir desta data os governadores deixam de
corresponder-se directamente com a correspondente repartição colonial para
passarem a depender das diversas repartições governamentais. O chamado
arquivo da Marinha e Ultramar é disso exemplo deixando de existir documen-
tação madeirense a partir de 1833.
O debate das questões da autonomia, manifestamente partidarizado, tem
conduzido a alguns equivocos e conduzido a que muitas das questTies pertinentes
do debate seja tabu. É, na verdade, a primeira vez que tal sucede, pois no período
que decorre desde a Revolução Liberal (1 820) até ao golpe militar de 28 de Maio
de 1926, eram comuns entre os diversos sectores politicos da sociedade madei-
rense. Hoje parece que « não é politicamente coir~cto»,falar de colonialismo,
colónias, sangria ou espoliaçgo financeira. Será que o discurso da auton*
mia perdeu autonomia ?
A palavra colonialismo parece ser um dos tabus mais bem geridos ao qual
se pretende apresentar apenas o significado antropológico restrito, ignorandese as
componentes económica e politica Sem pretende polemizar os entendidos na maté-
ria apenas deixamos aqui alguns dados soltos, h t o paciente leitura da documen-
tação e da valorização das mensagens que a mesma tem para nos transmitir,
Esta ideia da ilha como colónia está presente de igual forma no debate que
ocorreu logo após o vinte e cinco de Abril. Assim o MAIA, grupo anterior ao 25
de Abril, chefiado por Carlos Lklis, José Maria da silva, entre outros, em
comunicado publicado na imprensa a 5 de Janeiro afirma a pretensão de "liquida-
ção imediata da situação de colónia(eshtuto de colónia) existente nas mlaqões
entre Portugal continental e as ilhas da Madeira e Porto Santo", definido o colo-
nialismo como a "exploração de uma comunidade de homens por outra comuni-
dade". O RUMA, um outro movimento de esquerda defendia em comunicado de
22 de Outubro de 1974 que "as ilhas adjacentes não podiam ser excluídas do
processo de descolonização.". ao mesmo tempo a UPM (União do Povo da
Madeira), donde surgiu a actual UDP-Madeira, afirmava na convocatória para o
Comício que realizou no Pavilhão Girnndesportivo do Funchal a 29 de Junho de
1974, que a Madeira '?em sido, desde sempre, uma colónia dos interesses capita-
listas continentais e estrangeiros.".
Os diversos grupos, que no período do 'Verão Quente" arvoraram a ban-
deira da independência, apresentaram no seu discurso de reivindicação da inde-
pendência a ideia de col6nia para o sistema de relações estabelecidas pelo
Governo na Madeira. O RUMA (Movimento de Trabalhadores Rurais e Maríti-
mos, um movimento esquerdista reclamava em comunicado de 22 de Outubro de
1974 que "as ilhas adjacentes não paiiam ser excluídas do prmesso de descoloni-
zaçh". A 18 de Novembro, um grupo que se auto intitula "um grupo de madei-
renses que não é dos caseiros nem dos senhorios", em manifesto reclama a des-
colonização e, a propósito da manifestação do dia 17 do mesmo mês, refere "o
novo colonialismo intelectual e dialéctico".
Para além desta exposição da realidade, e da forma com ela dominou o
discurso politico autonomista até a década de setenta do seculo XX, poderá
avançar-se com um confronto teorico e do evoluir do ocidente europeu a partir do
século XV. Mas nada disso merece agora a nossa atenção. Com ou sem tabus, o
tipo de relações entre a Madeira e a metrópole está evidenciado, através do debate
político que provocou, que não era tão linear como uma primeira leitura o possa
revelar. Na verdade, a Histbria, o sistema de relações que o seu devir provoca, não
resulta daquilo que hoje seja possivel pensar-se ou querer-se induzir aos demais.
Entre aquilo que na realidade queremos que tenha acontecido, o que realmente
aconteceu existe por norma uma grande distância.

Quatão IIk as Finanças da Madeira


Durante largos anos a Madeira foi despojada de quase totalidade
dos seus re~ldimeatosenviando milhres de contos, e não recebendo o mais
insignoficante melhoramento. Aquele povo bondoso e trabalhador foi
objecto da mais mrpe exploração.Assim, privado de escolas, sem estradas,
sem águas de irrigação, sem a menor comodidade, tem caprassado uma vida
miserável de trabalho e sacrificio. Sem orientaçiio, sem plano, sem a
menor provisão a economia da Madeira foi abandonada aos acasos da
sorte c..) e não há solo mais produtivo nem produtos mais preciosos, nem
terra mais linda, nem clima mais benigno; tudo quanto dependia da
natureza ali está na s u a expressão mais sublime; r& o mal que ali existe 6
só obra de homens. [Visconde da Ribeira Bruvcr, in O Liberol, 5 de Junho
de 1913].
O debate político-institucional da autonomia ao longo do século XX está em
relaflo directa com os problemas financeiros. As primeiras vozes na luta pela
autonomia politica insular partiram da wnstatação da realidade financeira pautada
pela sangria da riqueza arrecadada. O subdesenvolvimento regional, em contiaste
com as cada vez maiores receitas conduzidas à metrópole, está na origem do debate
e fervor autonomista. A ideia de sangria financeira e patente no debate qpe teve lugar
nas páginas dos jornais e repercutiu-se na voz dos deputados da Madeira à
Assembleia Nacional.
O problema financeiro pesou de forma clara no debate político sobre a
autonomia. E, para a maioria dos intervenientes é evidente o contraste entre uma
ilha que alimentava permanentemente os cofres de Lisboa e o abandono a que
estava votada. Em plena crise dos anos quarenta do século XiX a Associaqão
Comercial do Funchal reclamava medidas para esta "ilha da Madeira, sem dúvida
a mais importante e rica das possessões portuguesas fora do continente." (') Esta

(3Defensor, n0.8 1, p. 1-4.


voz ecoa com frequência nos jornais e levou alguém a erguer o dedo acusatd-
rio: "Fostes a Madeira e retirastes de lá o dinheiro que havia em cofre." (8) Em
1883, Manuel Jost Vieira, era contumaz: "fazemos parte do reino de Portugal
única e exclusivamente para quinhoar-nos nos encargos que se renovam ou
baptizam com nomes diferentes, mas que sempre se acrescentam" enquanto são
"exíguas verbas que anualmente nos concedem por esmola." c)
E em 1887 dizia-
se no Diúrio de Notícias que: "Os governos, e não nos referimos s6 ao actual, n b
ligam a Madeira a consideraç30 que ela merece,não obstante ser uma das províncias
portuguesas que mais contribui para as despesas do Estado."
Entretanto Quirino de Jesus, aquele que foi a eminência parda de Salazar,
considerava que o problema da autonomia era em primeiro lugar de "carácter
financeiro e económico,antes de poder apresentar-se com força pelos fins superiores
de ordem social e política," Também Manuel Pestana Reis no projezto de autonomia
que apresentou em 1922 atribui espia1 atengão a questao fmanceira, estabelecendo
que o Estado terá direito apenas a uma percentagem fica das receitas,pois "o produto
do nosso trabalho, das nossas riquezas, deve ser aplicado em nosso proveito", não
fazendo sentido que a Madeira esteja "a contribuir para as obras do porto de Leixões,
para o sorvedoiro dos bairros sociaes e de todas as Revoluções que a irrequieta gente
da Capital queira fazer e alimentar." (I0) E por fim o veredicto de que a ilha é capaz
de suprir a sua despesa: A Madeira nada tem custado ao Tesouro da Metrópole, nem
mesmo nas mais extraordinárias ocasiões de calamidades, como em 1803, (...) Ella
paga todos os seus empregados públicos; tem sustentado mais mpa do que é precisa
para a sua defesa, e policia interna". (' ')
E, não ser8 por acaso que uma das questões mais usuais na voz dos
detwtores das autonomias insulares seja o dedo acusador aquilo que consideram
uma inversão de marcha do processo. Afirma-se de forma despicienda que as
despesas foram alimentadas pelas receitas do continente português, ignorando-se a
receita quilo que a região deu, dispõe e continuará a gerar.
Ao debate da actual conjuntura deverá juntar-se, sob pena de falsear a verdade
do relacionamento financeiro da região com a metrópole, a perspectiva histhrica.
O passado hist6rico reafirma que ao longo dos iiltimos cinco séculos os madeirenses
deram todo o esforço de trabalho e riqueza para a valorização do espaqo nacional.
Isto demonstra que o arquipélago foi compulsivamente soliditrio. Uma visão
histórica do deve e haver das contas e relacionamento financeiro entre a Madeira e o
reino evidência que o passado foi pautado por uma forte participqão financeira da
iha nas finanças do Estado.
Foram os nossos avós que financiaram as exorbitâncias da Coroa, as viagens a
hdia e as elevadas despesas de manuten@o e defesa das praias africanas. A grande

(R) A Ordem. N.' 160, pp- 1-2.


Cf. CALISTO, Luis, Achas na Autonomia, Funchal, 1995, p. 101.
("7 Quinto Ce~odenuriodo Descobrimento da Madeira, FunchaPal, 1922.
(I1) Fumkaleme Liberal, n.' 9.
aventura das deswbertas dos séculos XV e XVI seria possível sem a existência de
espaps, como a Madeira, geradores de elevados excedentes? E perante esta posição
solidária da Madeira do passado legítimo seria de esperar por idêntica atitude da
mãe-p4tria no presente para a recupera+ do subdesenvolvimento a que nos
sujeitaram. Em certa medida poderemos afirmar que hoje, somos nós que recorremos
ao velho continente a reivindicar a cobrança dos "empréstimos", mas no passado a
coroa recorria as receitas madeirenses para colrnatar o incessante de$cif das finanças
públicas.
As finanças do reino foram demarcadas por um permanente dejcit pelo que a
coroa teve necessidade de se socorrer a diversas meios para saldar a difmnça. Desde
o século XTV que a forma mais usual de o solucionar era o recurso a pedidos e
ernpdstimos. Era com estas formas de financiamento que a coroa cobria o deJcir e
cobria as despesas bélicas, a boda dos príncipes. Ficou célebw o empréstimo de ses-
senta milhões lançado em 1478 para as despesas da guerra com Castela. Destes, um
milhão e duzentos mil reais foram lanpados sobre os madeirenses, isto k, 2% do
valor (valor altamente significativo se tivermos em conta a capitação media e o facto
de a ocupação da iha ter-se iniciado a pouco mais de cinquenta anos), mas os madei-
renses moaaram-se renitentes acr pagamento do imposto, argumentando a dificil
situação em termos do abastecimento de cereais e o facto de terem já feito um
empréstimo a coroa de 400 arrobaç. O desfecho final da questão saldou-se numa
redução do referido empréstimo para metade. Assim os madeirenses manifestavam o
repúdio face 5is exorbitantes despesas do reino e faziam valer os seus interesses e as
franquias que corpofizaram o inicial processo de ocupagão.
Este episódio revela o vigor demonstrado pelos madeirenses na defesa dos
seus interesses tem e pode ser reafírmado no papel do senado da câmara do
Funchal. Na verdade, a Madeira era desde 1433 um espaqo fora do controle da
coroa, dependendo do Mestrado da Ordem de Cristo e tendo o Infante D. Henrique
como senhor. O infante D. Henrique, como senhor da ilha recebia um tributo de
1.500.000 reais, isto e 40,54% do total dos réúitos da sua casa senhorial. João de
Barros refere que o mesb.ado da Ordem de Cristo auferia da ilha anualmente mais de
sessenta mil arrobas de aqúcar. Todavia, esta riqueza estava na mira da coroa pelo
que D. Manuel, que também foi senhor da ilha, deu a machadada final no processo
de auto governo dos madeirenses ao proceder em 1497 a 'Lnacionalização"da
Madeira. A carta régia que faz a ilha realenga, revertendo toda a riqueza para a
coroa, é clara quanto ao peço económico nas finanças do reino: "he huma das
principaes e proveitozas couzas que noz, e real coroa de nosso reynos temos para
ajudar, e soportamento de estado real, e encargos de nossos reynos". Esta ideia da
ilha perdurou por muito tempo de modo que em 1836 ainda continuava a dmnar-se
"que é uma das mais preciosas jóias da coma de Vossa Majestade".
A partir de finais do século XV toda a riqueza gerada na ilha deixou de
pertencer ao senhorio e passou para o usufruto da coma, indo a tempo de financiar as
grandes viagens oceânicas e a d e s p a excessiva da Casa Real. Também, a partir
daqui é evidente que a Madeira perdeu a capacidade reivindicativa perante a coroa.
O centralismo régio está patente na submiss30 e pronto acatamento pela vereação de
todos os regimentos e decretos régios. O arquipélago foi uma fonte importante de
receita para travar o endividarnento do reino e manter a opulência da casa senhorial e
real. Nos séculos XV e XVI o principal sorvedouro de dinheiro dos novos espaqos
r e c h descobertos e ocupados era a Casa Real, a carreira da índia e as praças
marroquinas. Apenas entre 1445 e 1481 os gastos da coroa em dotes e casamentos
suplantaram as 812.500 dobras, enquanto que nas guerras com Castela se
despenderarn 334.000 e na defesa das prqas marroquinas o valor atingiu as 378.000
dobras. Entretanto, no período de 1522 a 1551, as despesas com a perda das naus da
carreira da Índia, por naufiagio ou corso, atingiram 352.150 dobras. Este elevado
encargo só poderia ser coberto com as receitas arrecadadas nas ilhas e novos espaços
coloniais.
E evidente que durante o século XV e primeiro quartel do seguinte a
principal fonte de receita do mundo português estava no açúcar madeirense. As
receitas advinham dos direitos lançados, como o quarto e o quinto, e do comércio
do açricar apurado. No entanto os dados financeiros disponíveis não evidenciam
de forma clara esta situação. Perderam-se os livros de contas, mas os poucos
disponíveis não nos atraiçoam quanto ao volume de negócios em favor da coroa.
Primeiro, o senhorio e depois orei oneraram o produto com diversas tributações
que conduziram a que amealhassem elevadas quantias que usavam em beneficio
próprio, no pagamento de tenças, esmolas, empréstimos e dívidas.
No primeiro registo das receitas do reino e possessões, datado de 1506, a
Madeira surgia com o valor mais elevado das comparticipações dos novos
espaços insulares. Esta situação manteve-se até 1518 mas em 1588 era já evidente
a valorização do mercado aqoriano.
Até a década de trinta do século XVI os reditos fiscais resultantes da produção
e comercio do qucar asseguravam parte importante das fontes de financiamento do
reino e projectos expansionistas. Este rendimento em finais do século XV e
principias da centiiria seguinte era superior a cem mil arrobas, atingindo em 15 12 as
144.065 arrobas, o que corresponde a 45.380.475reais. Este qúcar, depois de
retirada a redizima, isto é, a décima parte que era propriedade do capitão do
donatário, era utilizado pela coroa de formas diversas, como meio de pagamentos
dos salários, esmolas aos conventos (Santa Maria de Guadalupe, Jesus de Aveiro,
Conceição de Braga) e misericórdias (Funchal, Lisboa, Ponta Delgada), benesses a
príncipes e infantes da Casa Real e despesa aduaneira da ilha, enquanto a parte
sobmte era vendida, directamente em Flandres pelos feitores do rei, ou por
mercadores, por vezes, a troco de pimenta. A sua aplicação na ilha era eventual,
resumindo-se As despesas eventuais como a constni@o da Sé e alfândega do
Funchal, que receberam, respectivamente, 1.000 e 3.000 arrobas de aqucar. Neste
p p o , mas com um carácter quase permanente, poder-se-&incluir o pagamento dos
inúmeros pedidos de socorro e abastecimento das praqas marroquinas, o provimento
das armaalas da índia, por n o m , em vinho. Sobre as assíduas despesas com o
socorro k praças africanas podemos citar, a titulo de exemplo, o concedido entre
1508 e 15 14 a Safm. Neste período gastaram-se mil arrobas de ayucar e 83.8 15
reais, enquanto em 1531 o provimento de vinhos as armadas da Índia orçou em
124.490 reais.
Em 1 529 com o Tratado de Saragoqa foi encontrada uma solução provisória
que a curto prazo parecia agradar a ambas as partes. D. João I11 viu-se forçado a
pagar 350.000 ducados para assegurar a posse das Molucas que afinal se encon-
travam dentro da área de influência de Portugal, Mais uma vez é possível assina-
lar uma ligavão à Madeira, pois terh sido, segundo alguns, o rnadeirense António
de Abreu o primeiro explorador. Por outro lado os rnadeirenses contribuíram com
avultada quantia de empréstimo para o pagamento do referido contrato. Manuel
de Noronha ficou com o encargo de arrecadar a contribuição madeirense, João
Rodrigues Casteihano é referenciado também como recebsdor do referido
empréstimo, tendo desembolsado da sua fazenda 300.000 reais. A este juntaram-
-se Fernão Teixeira com 150.000 reais e Gonçalo Fernandes com 200.000 reais.
O pagamento fez-se nos anos de 1530-3 1 h custa dos proventos resultantes dos
direitos da wroa sobre o qúcar.
Os dados fiscais de 1531 permitem uma ideia da evolução da receita e despesa
da ilha. Os réditos sobre as rendas do açúcar foram de 6.990.573 reais de que se
gastaram 10% nos vencimentos do clero da capitania do Funchal e 7% no
pagamento do empréstimo que João Rodrigues Castelhano a Coroa para pagar o
contrato das Molucas. Mais de cinquenta por cento das receitas iam directamente
para o reino a enpossar os cofres da Fazenda Real. A pariir desta informação, ainda
que avulsa, conclui-se que os madeirenses foram activos protagonistas da expansão
lusiada dos séculos XV e XVi emprestando a própria vi& e reditos, arrecadados
com a safra do qúcar, no financiamento deste projecto e das e x o r b i ~ c i a se
caprichos quotidianos da Casa Real.
O primeiro monarca a definir as regras rudimentares do orçamento foi
D. Manuel, pelo que o primeiro e mais rudimentar oymento que se conhece data de
1526. De acordo com os dados disponíveis as receitas fiscais orçaram em
166.347.611 reais, sendo 12.000.000 (= 7,2%) referentes apenas a Madeira, que
conjuntamente com as demais possessk fora da Europa totalizavam 37.630.000
(= 23%)).A cidade de Lisboa, que apenas arrecadava 5% das receitas, absorvia 17%
das despesas, o que implicava o financiamento externo com o recurso aos réditos
arrecadados noutras provincias nomeadamente na Madeira, Açores e Costa da
Guine.
Evoluç2ío Receitas. 1506-1588 (em milhares de Reais)

A Madeira, na primeira metade do século XVII, enfrentou dificuldades


económicas que se reflectiram nas fianpas públicas. Deste modo a fonte de
receitas transferiu-se para as demais possessões e mesmo os Açores atingem
valores mais elevados que a Madeira. A situação vinha evoluído neste sentido
desde o ano de 1588. O quadro financeiro do ano de 1607 revela a precária
situvão das finanças madeirenses conduzindo a que a despesa representasse 94%
da receita, o que correspondeu ao valor mais elevado. Mesmo assim a despesa não
suplanta 1,5% do total. Já em 1619 é evidente a recuperação económica da ilha
subindo o saldo para os cofres do reino a 5,9%.
Um dado abonador desta nova situação está no facto de Francisco
Rodrigues Vitória ter contratado em 1602 a arrecadação da receita da ilha por
21.400$ reis, 1072 arrobas de açúcar e 2 arrobas de cera. No quadro das ilhas a
Madeira continuava a apresentar uma posição destacada mas os Açores assumem
a posição cimeira no quadro das ilhas. Por outro lado nas terras ultramarinas
afirmam-se em definitivo como a principal fonte de receita. Aqui, a índia assume
uma posição cimeira. Assinala-se de novo que, em qualquer dos casos, a des-
pesa 6 muito diminuta, porque tambtm a estrutura administrativa não era muito
pesada.
Se atendermos apenas i participaçb madeirense na receita da coroa no
decurso dos séculos XVI e XW somos confrontados com uma forte intervenqão,
tendo em conta a superfície, que se articula de forma directa com as condições
económicas da ilha. Assim, o wúcm foi o principal gerador de um forte excedente de
riqueza que diminuiu de forma espectacular com a crise do século XVII.
Evoluçao das receitas nas Ilhas. 1607-1681 (em milhares de Reis)

O Madeira H Açores H C. Verde

RECEITA DA MADEiRA: percentagem em reloiflo ao total do reino

Perante este quadro somos forçados a afirmar que a partir do século XVI os
dados estatísticos revelam-nos que Portugal tinha a principal fonte de riqueza nas
ilhas e possessões ultramarinas. Apenas a conjuntura resultante da união dinástica na
década de oitenta conduziu a uma quebra acentuada da receita das colónias. Em
qualquer das circunstâncias os novos espaços gerados com os descobrimentos
revelam-se em todos os momentos dos séculos XVI e XVII como a mais valia e
principal fonte de financiamento.
EvoluçBo percentual da receita do Reino e Possessóes

colonias

A Madeira, como centro gerador da riqueza do reino e a forma colonial da


administração, não passou despercebida aos l w i s e visitantes. No skculo XVIII a
promoqão do comércio do vinho veio a gerar de novo elevada riqueza e a ilha
parecia querer regressar aos velhos tempos da opulência açucareira. É dentro desta
mbiência que James Cook refere em 1768 que a coroa arrecadava na ilha 20.000
libras por ano, mas poderia dar o dobro se estivesse nas mãos de outro povo. Outro
súbdito inglês em 1827 apontava o destino desta receita: "o rei pagava todas as
despesas das legações no e w g e i r o [isto antes de 18201 com o excedente dos seus
rendimentos da Madeira. Todos os anos era transferida para Londres com esse fim
uma quantia de 50 a 80.000 Libras." (I2) O contraste entre esta crescente riqueza que
todos os anos enchia os cofres do reino e as condições cada vez mais precários da
populqão madeirense é evidente. Paulo Dias de Almeida, enviado a ilha para
proceder ao estudo da defesa e rede viiria, foi confrontado com esta triste realidade e
não hesitou em exclamar: "Esta colónia, que já em quatro sécuios, e tanto avulta nos
reais cofres (quem o diria ?) ...". (I3)
A revolução liberal condicionou a transformação das firianças públicas.
Aboliram-se os encargos senhoriais e em contrapartida criaram-se novos impostos.
De acordo com o texto constitucional de 1822 foi estabelecido um novo sistema

("1 . Maria Lamas, Arquipélago dn Madeira Maravilho Atlânficq Funchal, 1956, p.353.
(I') . Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Mdeira, Funchal,
1982, p.101.
orçamental em que o onpmento de estado era aprovado pelo Parlamento (I4)).
A partir de 1831 os orçamentos gerais do estado (OGE) revelam se o esforço
finánceiro do estado na região apenas se resumiu hs despesas correntes ou se foi
pautado por uma política de investimento ('3. Durante este largo período de cerca de
um século o sistema bibutário foi alvo de várias reformas que deram continuidade ao
processo iniciado com Mouzinho da Silveira. As mais importantes aconteceram em
1870 e 1881. A Ekpública, em 1910, foi o início de um segundo momento de
mudança do sistema tributário, assente na constituipto de 191 1 e nas reformas de
1922. O processo ganhou novo folgo com o golpe de estado de 1926, sendo o
principal obreiro das mudanças SaIamr, quando Ministro das Finanças. O regime do
Estado Novo apostou na década & sessenta na reforma do sistema que só foi voltou
a ser alterada passados vinte anos.
Os impostos computados na receita global da ilha para o período de 1876 a
1974 compreendem os seguintes impostos: contribuição bancária, sumptuária, de
renda de casa, décima de juros, imposto de rendimento, do real da água, de selo,
rendimento aduaneiro, contribuiflo predial e industrial, d k i m a de juros e direitos de
mercê (...). De uma forma global o .movimento das receitas evidência que a carga
fiscal foi onerada no período do Estado Novo no momento de consolidação na
década de trinta. É também neste período que a participação madeimnse na receita
nacional 4 reforçada. A mais elevada percentagem, isto é 17%, acontece na década
de trinta, o período de maior dificuldade para a Madeira. A situaqão perdurou nas
décadas seguintes, sendo apenas contrariado na década de quarenta com a guerra.
Algo semelhante só voltou a acontecer na primeira década do século XX, sendo nos
demais períodos os valores inferiores, mas nunca desceram além da barreira do 1%.
Quanto A despesa do Estado na região a situação não é idéntica. Assim, o valor
mais elevado da intervenção é reduzido sendo superior a 1% apenas em três
décadas, quando, ao invés a receita atingiu sempre foi vaIores muito superiores.
Note-se que em qualquer dos casos onde a despesa suplantava 1% temos também os
valores mais elevados para a receita.
Se esquecemos a década de 60, definida por algum investimento piiblico, como
foi o caso do aeroporto, podemos afirmar que a República iniciou um periodo de
forte sangria financeira. A República jacobina foi marcadamente centralista. O
movimento autonomista das primeiras décadas do século XX, apoiado nos
sectores politicos mais conservadores da sociedade madeirense, fez desta
orfandade e sangria financeira o cavalo de batalha para a luta autonómica. E

(I4) Em 1839 esclarece-se a foma como se preparava o orçamento nas diversas repartições
ministeriais existentes no Funchal. Em Juiho o Tesouro PUblico recomendava ao Administrador Geral
do Distrito deveria organizar o mapa da despesa de acordo com as instmç8es e enviá-lo atk 15 de
Outubro. A primeira reforma da lei orçamental ocorreu em 1849, seguindo-se outras em 1928 e 1960
( I 5 ) A informaçb completa sobre a &ação dos diversos impostos esth disponivel nos
boletins estatísticos a partir de 1876. Os dados reunidos abarcam todo o periodo até 1974, havendo
apenas um hiato entre 195 1-55,
foram redobradas as razões para tal uma vez que o esforço de investimento
financeiro do estado na região não suplantava 0,2%, quando o contributo
financeiro da ilha para o todo nacional chegava aos 12,5%. Note-se que no caso
das províncias ultramarinas o panorama da despesa é distinto, atingindo-se em
1914-15 os 16%. O contraste é evidente e por isso mobilizador de alguns sectores
políticos da sociedade madeirense.

Evoluçio da receita e despesa. 1871-1974

FONTE,Dados Estatísticos e Orçamento do Estado.

Salazar, primeiro Ministro das Finanças e depois Presidente do Conselho,


foi o exemplo mais evidente de uma intervengão "forreta" do Estado para a
regib. Em 1935 manifestou-se contra as vozes que apontavam a ilha como filha
enjeitada do Estado e dirigia o dedo acusador aos seus apaniguados que
defendiam a autonomia administrativa e financeira dizendo que "A autonomia
não 6 a autonomia de gastar mas a de administrar um património ou uma receita,
tirando de um ou da outra o maior rendimento" (I6). Estas palavras iam directas a
alguns sectores politicos madeirenses que anos antes haviam sido envolvidos no
fervor do combate autonómico e que agora estavam do seu Iado. Mesmo assim, ao
contrário do que fazia crer o então Ministro das Finanqas, as despesas resultantes
das revoltas de 1931 e 1936 não se fizeram sentir de forma evidente na despesa do
Estado no arquipélago houve mesmo uma reduçb em relação i década anterior.
Deste modo não se justificava o adicional às contribuições industriais e prediais
estabelecido para o ano económico de 1937 com o fim de colmatar a despesa de
manutenção da ordem pública, face à revolta do leite.
Os dados dos orçamentos do estado, enquanto Salazar foi Ministro das
Finanças (1 926-30, 1932-33, 1933-34, 1934-36, 1936-40) revelam que o mesmo
não via com bons olhos a aplicação da despesa na ilha. Aliás, todo o tempo em
que ele esteve no governo, como Ministro (1926-1932) e Presidente do Conselho
(1932-68). Tudo isto com um única excepção, o ano económico de 1929-30. Já
Marcelo Caetano (1 968-74) parece ter actuado de forma diferente,

('3 Carta resposta ao Dr.João Abel de Freitas de 23 de Maio de 1935, edição digital em
Doc. Publicado em VIEIRA, Alberto(coordenação), A AUTONOMIA: História e documentos,
Funchal, CEHA, 2001(Cdmm).
Percentagem da despesa da Madeira no OGE
('4

FONTE. Dados Estaüstims e Orpmento do Estado.

Se o período de Sal- como Ministro das Finanças foi mau para os


madeirenses o mesmo já não deverá ser dito quanto i intervenção de outros
ministros. Estão nestes caso os tão conhecidos miniskos do Interior Antonio
Manuel Gonçalves Rapazote (1 968-73) e Cesar Henrique Moreira Baptista (1973-
19741, uma vez que os ministérios durante a sua chefia apresenta a percentagem
mais elevada da despesa em favor da Madeira dos orçamentos do século XX.Os
governantes da histbria recente merecedores do apreço dos madeirenses sZio os
Duques de Saldanha ( 185 1-56) e Terceira ( 1 85960), Antonio Maria Fontes
Pereira de Melo (1871-77 e 1878-79) e o Marquês de Ávila (1877-78) em cujos
governos se atingiram valores mais elevados com os Ministerios da Guerra e
Justi*
MADEIRA

FONTE. Dados Estatistiwç e Orçamento do Estado.

O gráfico da despesa orpnentada revela que o estado não foi pródigo nas
transferências financeiras para a Região e revelou uma posição marcadamente
colonial, sonegando à iha a aplicação local da riqueza gerada, uma vez que a quase
totalidade das verbas foram utilizadas como despesas correntes. As despesas de
investimento surgem de forma precária com os Ministkrios do Reino (1843-53),
Obras Públicas (1 853-19 1 1, 1947-74), Fomento (1 9 12- 1S), Comércio e Cornu-
nicqões (191 8-1974). Este investimento está orientado para a área das cornu-
nicaqões (66,70%), sendo menor no domínio nas áreas da educação e agricultura.
O resultado disto está no elevado analfabetismo e na permanente sangria do mundo
rural. com a emigrafio.
Os valores referentes ao século XIX demonstram que o investimento do
Estado na região foi b, pois quase todo o dinheiro era canalizado para rubrica de
despesas correntes. A situa@o invertsse no século XX, mas deve ser apenas
resultado da evolução do sistema administrativo resultante da autonomia
administrativa a partir de 1901, Deste modo, a Junta Geral ficou com o encargo de
importantes ónus financeiros que compreendia a despesa corrente de funcionamento
de parte significativa das estruturas do Estado na região, faltando-lhe para
desenvolver infra-estruturas. Neste pesado fardo incluiam-se os encargos com os
salários dos funcionários e professores, pois só em 1971 estes passaram para a
algada do Estado. A reforma de 1928 fez aumentar o pesado encargo das despesas
correntes da Junta, uma vez que esta passou a superintender os serviços dos
ministérios do Comércio e Comunicações, Agricultura e h s t r u ~ do
, Governo
Civil, polícia cívica, saúde pública, assistência e previdhcia, que estiveram
dependentes dos ministérios do Interior e Finanças.
InveSOmmtos e despesas correntes. OGE 1831-1974
Stculo XIX Século M
S$
Aeroportos
EslIadas
Portas
Escolas
Hidm-agrída e d W i c a
Ou
mo h
TOTAL!nvdmentos
DESPESAS Correntes
TOTAL

FONTE.Dados EsMsticos c Orçmmto do M o .


.. 7 : -
' ,

A relaqão entre a receita e a despesa revela, em qualquer das duas últimas


centúrias, uma situaç4o desfavorhvel p m a Madeira fazendo jus ao
subdesenvolvimento a que a região foi votada pelo Estado.O esforço contributivo
da região no período do Estado Novo niio foi devidamente recompensado com o
investimento. Mesmo assim é neste período que tivemos a maior incidência e
preocupação do Estado no investimento reprodutivo, com alguns empreen-
dimentos vultuosos, como o porto, o aeroporto e os aproveitamentos hidroeléc-
tricos e hidro-agrícolas,
O saldo da relaqão e n k a receita e a despesa é também abonador do facto de
que a Madeira foi nos i i b o s cinco séculos um destacado contribuirrte dos cofres
nacionais. A situaç5o assumiu maior evidência nos dois séculos iniciais, mas
manteve-sepor todo o período. Os dados estatísticos disponíveis evidenciam-se que
a rela@o é mais evidente nos dois últimos séculos porque 6 também nestes que o
desenvolvimento da Estatística permitiu uma mais €&i1 recolha das séries. Para as
duas primeiras centúrias os dados isolados confirmam isto com maior evidência.
Aqui os dados referenks ao século XVI não o expressam porque se reportam apenas
6 d k d a de oitenta, o momento de crise da economia rnadeirense. Também não
podemos fiar-nos nos dados até agora disponíveis para o século XVIII, que
evidenciam a mais reduzida despesa do estado na Madeira, cifrando-se em 8% da
receita. Apenas merecem fiabtbilidade os dados dos &uIos XIX e XX (ati 1974), em
que o esfoqo financeiro do estado na região foi respectivamente 55% e 44% da
receita arrecadada localmente. No conjunto o total dos dados at& ao momento
disponiveis referem que o esforço fmanceiro do estado foi inferior a metade da
receita arrecada.
A excepç30 a esta situação ancestral de verdadeira sangria financeira do
arquipélago é quase inexgressiva e resume-se apenas a alguns anos para o período
entre 1888-1967. Os valores são pouco significativos e s6 assumem visibilidade
nos anos económicos de 1922-23, 1924-25 e 1967. Apenas nos anos econórnicos
de 1922-23, 1963 e 1967 sTio evidente uma quebra acentuada das receitas, o que
poderá reflectir-se nesta relqão. Mas os valores nlo alteram o curso normal da
situação favorável aos cofres do Estado. Acresce ainda que estes dados não
resultam da nossa recolha, mas sim dos publicados no Elucidhio Madeirense (").

Anos com saldo negativo

FONTE. Dados Estatísticos e Orçamento do Estado.

A título de curiosidade podemos apresentar a relação dos valores referentes


aos primeiros anos da década de setenta que antecederam a revolução de Abril, onde
se evidência mais uma vez o ancestral abandono a que foi votada a Madeira, pois
apenas 27% da receita teve aplicação local. Isto demonstra mais uma vez que em
qualquer das circunstân~iasas relaqões da coroa e estado para com o arquipélago,
pelo menos ao nível financeiro, foram de tipo colonial. Estas ganham forma quando
a despesa 6 inferior a metade da receita, o que foi o caso da Madeira como acabámos
de ver. A ideia sai reforçada quando analisamos a forma como o Estado aplicava os
dinheiros através das diversas repartições e ministérios, uma vez que iam maiori-
tariamente para cobrir as despesas com o pessoal, muito dele destacado na ilha.
Um exemplo mais a provar o tratamento de tipo colonial nas aplicações
financeiras do estado na regi50 está na forma como se procedia ao lançamento de
infra-estruturas imprescindíveis para o desenvolvimento da ilha. Estão neste caso
as obras do porto do Funchal e no sentido da valorização dos aproveitamentos
hidro-agrícolas e eiéctricos. Para o primeiro foi criada em 191 3 a Junta Autónoma
das Obras do Porto Funchal com o objectivo e coordenar as referidas obras e

('3 Dicionririo Corográf?co do Arguipdago da Madeira, Funchal, 1934, p. 12 1 ; IDEM,


<heidárioMadeipense, vol. 1, p.103, vol. III(1%6), p.166.
conseguir os meios financeiros ne=cessirios. Um das fontes de receita estava no
direito de arrecadação do imposto sobre o tabaco. As obras entre 193 1 e 1933
custaram 5.353.000 escudos, enquanto as receitas do imposto entre 1923 e 1932
foi de 25.123.841 escudos, isto e, os gastos foram de apenas de 21%. Por outro
lado as obras contribuiram para um incremento do movimento do porto com
repercussão directa nas receitas da alhdega que a partir de 1927 quadruplicaram.
A promoção do sistema de regadio e de electrificação foi o encargo da Comissão
de Aproveitamentos Hidr&ukus criada em 1944. O investimento desta comissão
entre 1944 e 1968 foi de 340.1 52 contos em que a comparticipaçiío do Estado foi
de apenas 29%, sendo 45% de auto-financiamento.
Uma das formas para avaliar a posiç4o desfavorecida como a Madeira era
batada t compararmos com aquilo que sucedeu nos Aqores e províncias de
Angola e Moçambique. O balanço da situação, pelo menos para os anos de 1904 a
1914, revela de forma evidente que a Madeira foi o espaço nacional mais
prejudicado nos primeiros anos do século XX, o que demonstra que o rei
D. Carlos e os primeiros governos republicanos abandonaram a ilha e tão pouco
foram reconhecedores do acolhimento madeirense. Note-se, ainda, que o déficit
do orçamento ultramarino era coberto pela metrópole com financiamentos pagos
pelo estado, o que levou &indo Monteim (I8) a afirmar que as relaqões ao nível
orçamental não eram de tipo colonial.

Saldos das ilhas e colbnias 1904-1914

Saldo nn mudos % em relaçso h receita

Madeira
Aqores
Angola
Mofambique

Estas evidencias da situaçh financeira do arquipélago interveio de forma


directa no debate política reivindicaiivo da autonomia e ainda hoje alimenta
um diferendo com o Governo Centrai, Após o vinte e cinco de Abril o MALA
(Movimento de Autononaia das Ilhas Atiânficm-Madeira e Porto Santo) dedicou
um panfleto aos dados financeiros da região entre 197 1 e 1973, situação que se
pretendia contrariar. De acordo com este documento.
Anos

('3Do orçamenfoPortuguês, Lisha, 1921, e vols.


A mesma linha de pensamento está presente no discurso da APAM
(Associação Polifica do Arquipélago da Mdeira) que em comunicado de 7 de
Maio de 1976 em comunicado apresenta algumas evidências das relações
comerciais reveladores de uma troca vantajosa a favor do continente.
A argumentação financeira sobre a forma de panfletos com dados
financeiros pretendia mostrar a forma de relacionamento existente e ao mesmo
tempo tentar combater a ideia vigente de que a Madeira necessitaria sempre de
Lisboa, Todavia em qualquer dos casos nunca foi possível conhecer os números
exactos da discórdia.
O estudo das finanças públicas no arquipélago para além de demonstrar a
situação atrás descrita, corroborando as reclamaqões dos autonomistas, 6 também
revelador da definição de uma política tributária opressiva. Esta situação revela-se
a partir do confronto das imposições estabelecidas para o açúcar e vinho nos
arquipélagos da Madeira e Canárias. (Iy)

Questão IV: Autonomia e /ou Independencia

Uma das questões de ontem e de hoje é de saber quais os limites da


autonomia. A reivindicagão de mais e melhor autonomia é entendida no
continente como uma via disfarçada para a autonomia. Podemos assinalar três
momentos em que o tema da independência se confundiu com o da autonomia:
em finais do skulo XIX, nos anos trinta com a Revolta da Madeira e no período
conturbado e 1975, conhecido como "Verão Quente".
O debate dos anos oitenta do século XIX levou a que se colocasse a
hipótese da independência da Madeira em ligação a uma qualquer potência em
ascensgo pelo domínio do Atlântico, a exemplo do que sucedia nos Açores.
A ideia surgiu pela voz do republicano Manuel de Arriaga: "O povo madeirense
quer a sua emancipação sob o protectorado da América: pois nos Açores acontece
o mesmo. Sii esperámos pelo casamento ibérico para levantarmos o pavilhão da
liberdade ao grito de : Viva a independência dos Açores!" p).Mais tarde em
1923 diz-nos Quirino de Jesus: "Nos Ultimos anos tomou vulto a ideia
autonómica dos açoreanos e dos madeirense. Não está ainda suficientemente
defrnida no espírito deles, embora as aspirações estejam completas no ardor e
unanimidade. Isto concorre para que na metrópole haja suspeitas e oposições
apenas fundadas no descontentamento. Supõe-se que a autonomia insular
envolveria o perigo ou até a separação. Subentende-se talvez o receio de que os

(I9) Numa mhlise sumhria chega-se h conclusão que nas Canárias as imposições oneravam
apenas em 15% o preço do açúcar e vinho, enquanto na Madeira o açiicar era sobrecarregado com
25S e no vinho em 1830 chegava a 66%.
(20) Eccko Mickaelense, 30 de Junho de 1883, publ. N. Verissimo, O deputado do Povo

Manuel de Arriaga(l882- 1 8841, in Islenlna, 4, 1 989.


madeirenses queiram juntar-se a Inglaterra e os açoreanos aos Estados Unidos.
Ilusões infinitamente distantes da realidade !(...I." c')
Todavia, nesta época parece
que a ideia de independência é apenas uma ameaça capaz de chamar a atenqão dos
políticos e autoridades da metrópole.
Nos anos Vinte do século XX,Manuel Pestana Reis afirmava o patriotismo
dos portugueses residentes no arquipélago, pois "os madeirenses não podem
renegar a Pátria pela razão natural de não poderem negar a Raça." Quanto
aventadas possibilidades de união aos ingleses ou americanos não encontra
possibilidade de sucesso, concluindo que "é tão impossivel o separatismo ou
independência como uma substitui@o ou troca de bandeira nacional." p2)A chave
deste travão a independência está no patriotismo dos madeirenses: Na verdade
teria já gritado a sua independência, emancipando-se de uma tutela dura, e, muitas
vezes injusta, se não fosse a seiva de um patriotismo potente que transcende o
espaço e o tempo, fortalecendo os lqos duma solidariedade nacional na cega
obediência a voz do sangue dos povoadores de quinhentos." (23)
O Visconde do Porto da Cruz em 1928 apostou na publicaqão de um
semanário que se destacou pela defesa dos interesses da Madeira, optando-se pelo
título significativo de "Independência" r).
Este é, sem dúvida, uma provocação
ao governo da ditadura que começava a desiludir os entusiastas autonomista
como o Visconde do Porto da CW, que pensavam ser a revolta de 28 de Maio a
via para a concretização das aspiraçdes de mais e melhor autonomia.
No período da Revolta da Madeira (4 de Abril a 2 de Maio de 1931) os
ideais autonomistas extremaram-se sendo a revolta confundida com a autonomia.
O Governo, a título de provocaça0 acenava com a ideia de independência, mas
todos reclamavam apenas o espirito regionalista e procuravam desfazer o
equivoco dizendo que aquilo que reclamavam era apenas autonomia e n3o
"independência política". A 17 de Abril lia-se no Notícias da Madeira um artigo
n&oassinado sob o título "independência?" em que desfaz a acusação do governo:
"( ...) A Madeira pugna, e tem pugnado, sem desfalecimento, para que os poderes
públicos lhe dêem aquela necessária autonomia administrativa que permita
desenvolver as suas estupendas fontes de riqueza, as suas extraordinárias
possibilidades económicas; 6 certo também que o povo madeirense possui um
vibrante sentimento regionalista, um grande amor por este sagrado torrão, que é
uma maravilha bendita da Natureza. E absolutamente verdade! Mas, autonomia
política, mas independência política, não a desejamos, não a queremos.

( I ' ) Avelino Quirino de Jesus, "A Autonomia da Madeira e dos Açores", in A Pbtria, n0.960,
Lisboa 7 de Julho de 1923
(22) Quinto Centenário do Descobrime~nioda Madeira, Farnchal, 1922.
(=) Correio dn Madeira, 23.03.1922
IU) O semmario publicou-se de 10 de Junho de 1928 a 26 de Março de 1929, retomou a I de
Novembro. O titulo foi vendido em 1933 e iniciou a 2" strie de publicação a 3 de Julho, mas só
saíram 3 nhmeros.
Orgulhamo-nos tanto de ser portugueses, que só uma Hist6ria nos serve - a de
Portugal". Carlos Frazão Sardinha, um dos intervenientes, em testemunho de
1979, reafirma o que atrás ficou dito: 'Nunca em nenhuma circunstância, se falou
ou tratou da chamada 'independência' de Madeira".
Foi no periodo conhecido como "Verão Quente" que mais se colocou esta
ideia de independência com projectos concretos no sentido da sua realização. De
diversos quadrantes políticos surgiram grupos cuja expressão política se fazia
quase sempre por comunicados, inscriçks nas paredes e atentados bombistas.
A partir desta forma de expressão é possível assinalar a forma com o discurso da
independência entrou de forma pacifica ou violenta no debate politico.
A UPM (União do Povo da Madeira), um grupo de extrema esquerda
criado no seio da publicação "O Comércio do Funchal surge em 19 de Setembro
de 1975 contra este discurso através de uma manifestação que contou com
diversos sindicatos, cooperativas e comissões de moradores que lhe eram
próximos. A convocatória é clara: uma "manifestação anti-fascista contra a
independência da Madeira."
t Durante- o período surgiram diversos grupos que se afirmaram quase só por
1 comunicados distribuídos na cidade do Funchal. De entre estes podemos salientar:
Frente Popular e Democráticca & Mdeira, Movimento Popular de Libertação do
Arquipélago da Madeira,Movimento de Libertação do Arquipélago da Mudeira,
Libertação e Autonomia Intemcional da Mdeira, fiircito de Libei-bação do
ArquipéEago da Madeira, Movimento para a Independência da Mudeira, dimça
Revolxionária da Mudeira, Independncia Democráfica da Mdeira, J w a
Revolucionária & Mdeira, Associe& Política do Arquipélago da Madeira e a
Frente de Libertaçgo do A~quipélaguda Madeira.
A FLAMA foi, de entre todos os agrupamentos politicos, o que teve maior
consistência no discurso político, sendo responsabilizado, airavés do BRTMA, o seu
braço mado, dos diversos atentados bombistas ocorridos nos anos de 1975 e 1976.
Da sua política de defesa da independência criou uma bandeira, divulgou a sua
moeda, o Zarco, e criou um "Governo Clandestino" na Flórida (25).
Hoje, passados mais de vinte e cinco anos parece que ainda é cedo para
conhecer-se com exactidão os contornos do debate político da Madeira nos anos de
1974 a 1976. Deste perícdo conturbado ficaram os documentos, recoihidos por
particulares ou depositados no Arquivo Regional da Madeira, que apenas expressam
os princípios e orientações destes grupos, impedindo-nos de ter inform@o segura
sobre a sua implantação social c6).
(=3.Sobre este movimento veja-se Luis Calisto, A c h na Autonomia, Funcha1,1995. edipão
digital em Doc. Publicado em VTEIRA, Alberto(wordenaç&o),A AUTONOMIA: Histdria e
documentos, Funchal, CEHA, 2001 (Cdrom).
( 1 6 ) DOSarquivos Particulares merece a nossa atenção o do Dr. Greg6rio Gouveia, que vem
publicando no sernanirio "Tribuna da Madeira", testemunhos eiucidativos da importância do seu
QuestBo V: Os Projectos de Autonomia

Na Madeira, ao contrário do que sucedeu nos Açores, o debate da


autonomia situou-se quase sempre no domínio do afrontamento ao governo
central e na reclamação, na reclamação contra a espoliação financeira e do
consequente abandono. Tardou muito tempo até que se passasse para a definição
de um projecto de autonomia r).
O primeiro projecto de autonomia foi apresentado em 1900 pelo deputado
pela Madeira João Augusto Pereira. A queda do Governo levou a que o projecto
não fosse votado perdendo-se-lhe o rasto (Z8).
Os anos vinte do século XX foram o momento de ouro do debate da
autonomia. Aqui destacaram-se diversas personalidades, merecendo a nossa
atenção Manuel Pestana Reis(1894-1966), um destacado advogado com a
participação activa na vida política regional. Foi ele quem em 1922, quando se
comemorava o quinto centenário do descobrimento da Madeira, apresentou um
dos mais completos projectos de autonomia para a Madeira r).
Esta autonomia
era entendida pelo próprio Manuel Pestana Reis como uma forma de "descon-
centraqão política e administrativa" e ia ao encontro de anteriores propostas
surgidas nos Açores da autoria de Aristides da Mota (1 892) e Francisco de Ataide
Manuel de Faria e Maia (1 921).
O projecto assenta em dois conselhos: o legislativo e executivo. A com-
posição destes órgãos resultava da eleição indirecta de acordo com os princípios
corporativistãs. Assim o primeiro era eleito pelas câmaras e associaç8es de classe,
sendo as suas EunçBes legislativas "restritas aos interesses puramente regionais",
enquanto o segundo, eleito entre os membros do primeiro 6rgã0, tinham funções
governativas: "recolhe e administra as receitas, orçarnenta e fiscalisa as despesas."
A representação do Governo Central continuaria a ser feita pelo
Governado Civil, com a diferença que a sua nomeaçgo deveria ser feita mediante
consulta prévia ao conselho Executivo do Distrito. O autor atribui um ênfase

arquivo. Os textos s&o publicados sob o titulo "Período Revolucionário da Autonomia", Tribuna da
Madeira, 8 de Dezembro de 2000 a 24 de Agosto de 2001.
('3 O primeira projecto de autonomia foi apresentado em 1900 na Cimara dos Deputados
por João Augusto Pereirq mas não se sabe do seu paradeiro, Cf. F. "Silva, "Pereira(Jo30 Augusto)",
in Elucidririo Madeirense, Funchal, 1984, vol. 111, p. 66.
r) Referido por Fernando Augusto da Silva, Eluciddrio Madeirense, vol. 111, p.66
Fereira(João Augusto)]
( l ~ ~Pestanae l Reis, "Regionalismo. A autonomia da Madeira", in Quinto Centertário
do Descobrime~toda Mdeira, Publicação comemorativa, Funchal, Dezembro 1922. Cf ainda
estudo de VERISSIMO, Nelson, O Alargamento da Autonomia dos distritos Insulares. O Debate na
Madeira (1922-19231, in Actas do I1 Coldquio Internacionai de História da Madeira, Funchal,
1990. Também publ. em Doc. Publicado em VIEIRA, Alberto(coordena@io), A AUTONOMIA:
História e documentos, Funchd, C E M , 200 I (Cdrom).
especial ao conselho Legislativo afirmando que a situaçb do distrito obriga a
legisla@o específica que só os madeirenses são capazes de definir por sua
cabeça.
O madeirense Quirino de Jesus, ainda que muito pr6ximo de Salazar na
,
:
definiçb da política económica e financeira, não conseguiu demovê-lo quanto a
sua visão da autonomia. Ele que defendera que a autonomia insular era definida
i pelo carãcter financeiro e económico, s6 se podendo afirmar com reformas
I
i financeiras. Na sua ideia de divisão administrativa o Distrito cederia lugar à
I Província, que teria ao comando um Governador Geral, residente, de nomeação
i governamental, que representava o Governo Central. A ele juntava-se a Junta
i Gerai de Província e o Conselho de Governo. O primeiro era composto de

i
procuradores eleitos pelas Câmaras Municipais, associaqks, professores e chefes
de serviço das repartiçries públicas, enquanto o segundo seria presidido pelo
governador, integrando vogais eleitos entre as procuradores e chefes dos servi-
ços cO): O facto de ter sido advogado da família Hinton levou a que os
autonomistas madeirenses não valorizassem o seu projecto e que tivesse reper-
cussb favorável na ilha.
Foi em 1928 que as ilhas tiveram novo estatuto. Os poderes das juntas
foram ampliados mas estavam ainda longe das propostas avançadas em 1922. Isto
marca o início da solução política que tomará corpo com o Estado Novo. O fervor
autonomista foi abafado pela rettirica do discurso do Governo da Ditadura. Os
autonomistas de 1922, como Manuel Pestana Reis, acomodaram-se a um estatuto
de fiéis seguidores do novo regime,
A mudança de regime a partir de 1926, considerada uma esperança para
muitos dos autonornistas, não contribuiu para qualquer mudança na evolução do
processo autonómico. A crise dos anos trinta conduziu a que a Madeira tivesse em
1931, durante cerca de um mês, um governa próprio, que atendeu as suas
legítimas reclamqbes. Mas isto foi um acto que se reverteu contra os
madeirenses.
No período a seguir ao 25 de Abril de 1974 o discurso reivindicativo da
autonomia continua no campo do afrontamento político-partidhrio. Apenas o
MAiA(Movimenbo de Autonomia das Rhm Atldnticas), saída do debate de um
p p o composto por Crisóstoma de Aguiar, Carlos Lélis, José Maria da Silva,

(w) "(...) um governador geral, nomeado pelo governa, uma Junta Geral de Provincia, eleita
gelas C&naras municipais, petas associaçfies de classe, pelo professorado e pelos chefes de serviços
piiblicos: um conselho de governo constituído por parte dos hltimos, e por vogais que a Junta eleja
Mtre os seus membros e presidido pelo Governador(...) ficariam reservados ao poder central todos
os assuntos de direito constitucional e civil; as relaçoes com m potsncias estrangeiras; os serviços de
@erra, marinha e capitania dos portos; os regimes de instniçb e os seus programas; os do fisco e da
'md;t; os da produção, importação e exportação(...)"[ A Pdiria, Lisboa 7 de Julho de 1923, Correio
Açores, 26 de Julho de 19231 Cf. VERISSIMO, Nelson, A Autonomia InsuIar. As Ideias de
I p W o de Jesus, in Islenka, 7, 1N O .
José António Camacho, viria a divulgar a 5 de Janeiro de 1975 na imprensa
regional a sua proposta de autonomia. Os Órgãos de soberania que davam corpo à
autonomia eram o Governador, que deveria ser eleito por sufrágio directo, os
secretários do governo, escolhidos pelo governador, e uma Câmara Legislativa.
Quanto ao processo de transferência de poderes pretendia-se a total transferência
dos sectores, incluindo o Exército e a Justiça.
Muitos dos elementos deste gmpo estiveram ligados aos inícios do Partido
Popular Democrático na Madeira. Deste modo não será por acaso que o projecto
mais amplo de autonomia para as ilhas Atlânticas apresentando na Assembleia
Constituinte fosse o do PSD r').
Questão V: Duas visões distintas da mesma realidade

O século XX pode ser considerado como uma das épocas mais fulgurantes da
Histliria da Madeira pelas mudanças políticas que envolveu os rnadeirenses.
A política e a crise económi~sociaidominaram a centúria. A instabilidade
internacional e nacional reflectiram-se de forma directa no quotidiano rnadeirense.

(3') Diário da Assembleia Constituinte, n0.13: PPD: «O arquiptlagos dos Açores e da


Madeira constituem regi&es autbnomas dotadas de estatutos político-administrativos adequados hs
suas condiçijes geogrhficas, económicas e sociais.
A autonomia regional não afmtará a integridade da soberania do Estado, nem a
A República assegurará a integração
soIidariedade entre as várias parcelas do territbrio porh~gu&s.
das regides no processo de desenvolvimento económico-social do Pais.
A soberania do estado é especialmente representada, em cada uma destas regiões, por um
comiss4rio da República, nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Prirneiro-
Ministro, ouvida a assembleia regional competente. O cornissbio, assistido pelo conselho regional
superintende nas funçries administrativas exercidas na região pelo Estado e coordena-as com as
exercidas pela própria região. Cabe-lhe ainda a coordenação da actividade dos serviços centrais do
Estado no tocante aos interesses da região, dispondo para isso de compet&nciaministerial e tendo
assento no Conselho de Ministros.
A autonomia regional compreende:
-
a) A existência de uma membleia regional, eleita por sufrhgio universal, directo e
secreto, e de um conselho regional perante ela respons4vel;
-
b) O poder de legislar, com respeito pelas normas constitucionais e pelas leis de alcance
geral emanadas dos brgãos de Soberania, sobre as matkrias de interesse exclusivo da respectiva
região;
-
c) Poder executivo próprio;
d) - O poder de dispor das receitas nelas cobradas e de as afectar ks despesas piíblicas, cle
acordo com a autorização votada pelas assernbleias regionais, e de administrar o seu património;
e) - O poder de tutela sobre as autarquias locais e os institutos piiblicos com actividades
exclusivns na região,
f ) - O direito de serem consultadas pelos Orgãos de Soberania relativamente ~ISquestaes da
compet&nciadestes respeitantes As regides.
A elaboração dos e m t o s politico-administrativos prbprios compete h Chara dos
deputados, sob proposta das respectivas assembleias regionais".
Vários são os testemunhos desta realidade, mas de certeza dois dominam pelo
impacto que tiveram no panorama politico. Em 1935, João Abel de Freitas, recém-
-eleito Presidente da Junta Geral do Funchal, serve-se da amizade pessoal com
Sdazar, surgida quando & visita em 1926, para implorar em nome dos
madeirenses, medidas que possam conduzir a Madeira a ultrapassar este beco sem
saida. A situação não era fácil e causava um certo alarmismo ao presidente da Junta,
pois, segundo a f i a , 'W6s vivemos actualmente na Madeira sobre um vulcão." Mas
I pior do que isso, "A grande maioria do povo da Madeira esth convencido de que o
Governo Central nos tem abandonado como castigo da revolução da Madeim, de
bem triste memória." C')
Quem fala é um Presidente da Junta Geral que se sente incapaz e sem
poderes para solucionar as questões dos vinhos, turismo, bordados, assistência e
as obra adiadas do Liceu, Bairro Económico, Casino, sucursal do Banco de

I
Portugal, e sanatório para Tuberculoses. Ao mesmo tempo sente-se manietado
pela política financeiro do governo. Aqui reclama-se soluções e verbas do
governo central.
A resposta de Salazar a 23 de Maio, fundada também em relatório oficial
da Junta e no conhecimento directo que o mesmo diz possuir sobre a Madeira C3),
levou-o a estabelecer um memorandum resposta em que s$ío definidas as linhas de
intervenção do Governo. Em primeiro lugar ameap que da próxima vez que os
madeirenses reclamem não esperem "a doçura da repressão usada da oub-a vez."
Ao mesmo tempo expressa a sua visão contrária h autonomia, lançando um aviso:
"A autonomia não é a autonomia de gastar mas a de administrar um património
ou uma receita, tirando de um ou da outra o maior rendimento." A todas as
questões Salazar responde, dando a entender a necessidade de contenção
financeira que deve presidir a todas estas medidas, que obriga a repensar alguns
i dos projectos que a Madeira reclama soiuçgo imediata. As ameaças de Salazar
cumpriram-se no ano imediato com a chamada revolta do leite, mas as medidas
i reclamadas pelas rnadeirenses foram adiadas por força da segunda Guerra
Mundial, concretizando-se s6 nos anos cinquenta.
Passados pouco mais de trinta anos, em plena "primavera Marcelista", um
grupo de cidadãos aceita o repto do Governador civil, António Braamcamp
Sobral, para a "colaboragio franca e leal de todas as pessoas interessadas no
desenvolvimento econiimico e social da Madeira", apresentando sugestões sobre
os diversos domínios da sociedade. Todavia faziam depender a solugão de um
estatuto de autonomia, elaborado "em moldes de participação democrática das
populações da ilha nas decisões de que depende o seu futuro", "a autonomia é

(-) Doc. Publicado em V I E I W Alberto(wordenaçb), A AUTONOMIA: História e


documntus, Funchal, CEHA, 200 1(Cdrom).
('3 Salazar visitou a ilha em 1926 acompanhado da Mário Fígueiredo, veja-se, F. A . Silva,
Salazar na Madeira. Uma nohila Históriq in Das Artes e da História da Madeira, 1048-49, p.26.
quase meramente nominal", uma vez que era "altamente condicionada e fiscali-
zada, totalmente sujeita à política do governo central" e com "um deficientíssimo
uso das atribuições dessa mesma adrninistraqão." ('7

Qualquer um que se atreva a estudar a conkrnporaneidade depara-se com


inúmeras dificuldades. Não é a pmximidade aos acontecimentos que se torna um
óbice ou a nossa participaqão activa ou passiva que condiciona a nossa isenção,
mas sim a dificuldade em encontrar documentos oficiais ou não capazes de
assegurarem a reconstituição das .fwtos, Quase sempre esbarramos com a
informação veiculada pela imprema; que por si só é já uma interpretaqão dos
factos, e raras vezes dispomos da mais informação de origem não intencional.
Estas evidentes dificuldades rmb da pouca atenção que temos dado a memória
da conteporaneidade. No caso das ilhas, ao que concerne ao processo de Iuta e
vivência da autonomia. A -&ia da autonomia n30 está assegurada
dispersando-se em diversas fontes.
A afirrnaqão do processo autmómico passa obrigatoriamente para esta
valorizaçb deste património dosutnontal. Expresso em testemunhos vivos dos
protagonistas, nos panfletos, cartazes e propaganda partidária das campanhas
eleitorais. A história da Autonomia passa também por aqui caso seja nossa
preocupaçfio que o presente não seja um registo fugaz da nossa memória e que se
afirme de forma perene, sob formato tradicional ou digital, para conhecimento dos
vindouros35.
A autonomia só entrou em IJlmo no discurso político nas décadas finais do
século XUC, mas foi no primeiro c p t c t ~ 1da centúria seguinte que ela encontrou
espaço de afírmaqão e debate. De uma forma genérica a autonomia é uma opção
de todos, ou quase todos, os politicos madeirenses, mas varia o vigor reivin-
dicativo consoante o grupo a que pertence os seus promotores esteja no governo
ou na oposiqão. O discurso de combate pela autonomia é de oposição. Até 1910 a
defesa da autonomia foi a palavra de ordem dos republicanos e implantada a
República passou para a trincheira conservadora e monárquica.
O governo da ditadura a partir de 1926 acabou com este fervor político da
década de vinte, As comemorações do quinto centenhio do descobrimento da

(M) Doc. Publicado em VIEIRA, Alberto(wordenação), A AUTONOMIA: História e


documentos, Funchal, CEHA, 200 1(Cdrom).
(") O processo de recolha da informação para o cdrom, A AUTONOMIA: Histária e
documentos, Funchal, C E W 2001(Cdrom), revelou esta s i t u w o . A informação não oficina1 dos
primeiros vinte e cinco anos do processo da autonomia n%o está completa e encontra-se dispersa em
arquivos oficiais e particulares. O objectivo deste Cdrorn é reunir o máximo possív~ldesta,
permitindo a sua preservação e divulgação.
Madeira foram o mote para o último grande debate e combate pela autonomia.
Desde os anos trinta apagaram-se as questões autonómicas do brevikio político e
jornalistico e até a sua plena concretização na década de setenta, houve dois
momentos de esperança. O primeiro em 1931 com a Revolta da Madeira e em
1969 com a esperança da abertura do regime anunciada por Marcelo Caetano.
O discurso autonomista dos madeirenses enquadra-se no movimento
regionaIista europeu e iricide em domínios quase sempre controversos. A cons-
tataqão da necessidade de autonomia partiu de situações fundamentais que
alicerçaram o discurso. O tratamento colonial a que o arquipélago foi sujeito ao
longo da Histdria, materializado no abandono e na espoliação dos recursos
financeiros é quase sempre o mote desta reivindicação.
Raras vezes surgiram projectos em que ficasse claro aquilo que se pensava
pudesse ser a forma de expressão institucional da autonomia de que o arquipélago
necessitava. Também não foi consensual a forma de expressIo, que passou por
uma autonomia meramente administrativa, política e no extremo a ligaqão a um
qualquer país e a independência. A questgo da independência não surgiu apenas
no "Verão Quente" de 1975, sendo muito evidente no discurso político durante a
República.
Os autonomistas insulares tiveram dificuldade em entender-se quanto a
forma de reivindicação dos seus anseios. Em finais do século XIX foi dado um
tratamento preferencial aos Açores, que tiveram direito antecipado a autonomia
em 1895. No primeiro quartel do século XX foram várias as tentativas no sentido
de uma conjugação de esforços entre os políticos autonomistas dos dois arqui-
pélagos, sem nunca se conseguir definir uma estratégia de consenso para os dois
arquipéIagos. Deste modo, rnadeirenses e açorianos estavam condenados a lutar
isoladamente a indiferenqa do poder central às suas reivindicações autonomistas.
O discurso autonomista insular teve grande dificuldade de implantação na
metrópole. As intervenções na Parlamento ou os textos publicados em jornais de
expansão nacional n50 foram suficientes para desfazer os equívocos e a suspeita
que existia quanto à autonomia das ilhas. Salazar apontou o dedo acusador aos
autonomistas, apelindado-os de gastadores e, por isso, o Estado Novo foi um
momento negro da autonomia das ilhas que nem Marcelo Caetano foi capaz de
alterar-lhe o rumo no papel e na prhtica. A autonomia de 1976 assume-se como
uma conquista insular que ainda hoje continua a não ser entendida e a gerar
alguns equívocos,
MATERIAIS DE CONSULTA E TESTEMUNHOS MATERIAIS

1. Documentos e Testemunhos:

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