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TV DESTINO

14/04/2008
Central Destino de Produção Cap. 19

FOGO SOBRE TERRA


Novela de
Walter de Azevedo

Inspirada no original de
Janete Clair
Colaboração de
Eduardo Secco

Direção
Claudio Boeckel e Marco Rodrigo

Direção Geral
Luiz Fernando Carvalho

Núcleo
Luiz Fernando Carvalho
Personagens deste capítulo

CHICA NARA DONANA


ZÉ MARTINS TONHO ZORAIDE
PEDRO CELESTE TIANA
DIOGO HEITOR BALBINA
NILO VINÍCIUS ZULMIRA
JULIANO RODRIGO MADALENA
ANDRÉ FLÁVIA EDUARDA
SAUL LÍVIA BÁRBARA
SALIN ADRIANO RITA
MINERVINA CAMILA
FRIDA BRENO

Atenção
“ Este texto é de propriedade intelectual exclusiva da TV DESTINO LTDA e por conter informações confidenciais, não
poderá ser copiado, cedido, vendido ou divulgado de qualquer forma e por qualquer meio, sem o prévio e expresso
consentimento da mesma.No caso de violação do sigilo, a parte infratora estará sujeita às penalidades previstas em
lei e/ou contrato.”
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 2

CENA 01. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. SALA. INTERIOR. NOITE

CONTINUAÇÃO. CHICA E ZÉ MARTINS CONVERSANDO. PEDRO, DA VARANDA,


ESCUTA. DE VEZ EM QUANDO ALGUNS CORTES SÃO FEITOS, MOSTRANDO AS
REAÇÕES DE PEDRO AO OUVIR A CONVERSA.

ZÉ MARTINS — Chica Martins, ocê num pode de tá falano sério. Ocê tá brincano com
o seu pai.

CHICA — Tô não, pai. Tô é falano muito sério.

ZÉ MARTINS — Mas por que isso agora? O que foi que lhe deu?

CHICA — Deu que eu tô é cheia! Tô cheia de Divinéia, tô cheia dessa vida! (p)
Num agüento vê Pedro acomodado desse jeito que ele tá.

ZÉ MARTINS — Mas Pedro num é acomodado. É um hóme bão! Trabalhador!

CHICA — Num tô dizeno que num é. Pedro é... É o hóme que toda mulher quer
tê do seu lado, pai. (p) Acontece que a vida que ele qué, a vida que ele
sonha, não é a mesma que eu quero pra mim. Pedro fica feliz com o
pedacinho de terra dele, em criá uns boi, em levá essa vida sem ambição.
Eu quero muito mais que isso, pai.

CHICA SE AJOELHA NA FRENTE DO PAI, QUE ESTÁ SENTADO EM UMA POLTRONA.

CHICA — Eu quero... Eu quero conhece outros lugar, outras pessoa. Quero


aprendê a falá direito e não desse jeito caipira que eu falo. Quero usa as
roupa chique. Quero tê uma vida melhor, pai. Se eu ficá com Pedro, a
gente vai se casá, vai tê nossos filho e eu vou ficá enfiada naquela
fazenda vendo a vida passá. Vô acabá meus dia como Nara, como
Donana.

ZÉ MARTINS — E o que é que as vida delas têm de errado? São duas mulher forte,
corajosa. Duas mulher que sempre enfrentaram a vida de frente. Ocê
devia se orgulhá de querê sê que nem elas.

CHICA — Pai, o senhor sabe o tanto que eu gosto e respeito Nara e Donana. (p)
Acontece que eu num quero a vida que elas levam. Será que é tão difícil
assim de ocês entendê?

CHICA SE LEVANTA E ANDA ATÉ A JANELA. PEDRO SE ESCONDE PARA QUE ELA
NÃO O VEJA. A TOMARA DEVE SER FEITA DA VARANDA, MOSTRANDO CHICA NA
JANELA E PEDRO ESCONDIDO, AO LADO. OS DOIS SÃO FOCALIZADOS E PEDRO
DEVE DEMONSTRAR SUA TRISTEZA ENQUANTO CHICA FALA.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 3

CHICA — Inté parece que o que eu tô quereno é errado. Que eu sô uma peste de
pensa assim. (p) O mundo é tão grande pai. Têm tanta coisa pra gente vê,
pra gente aprendê. E parece que... Parece que têm uma coisa dentro de
mim, que eu num sei direito o que é, mas que precisa saí! Parece que é
um bicho que tá preso e que precisa de liberdade. Que nem aqueles
passarinho que a gente pega na arapuca e depois coloca na gaiola. Eles
ficá lá, batendo as asa, louco pra ganhá o mundo de novo. E quando... E
quando eles num consegue, os pobrezinho vão ficando amuado, vão
perdendo a alegria. (p) É assim que eu tô me sentindo pai. Que nem um
passarinho desse.

CHICA PARA DE OLHAR PARA A JANELA E SE VIRA PARA O PAI.

CHICA — Pedro é o melhor hóme do mundo, mas a vida que ele qué pra nóis vai
sê que nem essa gaiola. E eu vô me senti que nem esse passarinho. Doido
pra abri as asas e voá, mas sem podê, e eu num vô agüentá isso. Eu me
acabo se me prenderem, pai. Eu me acabo.

Sonoplastia: “TOCANDO EM FRENTE” – MARIA BETHÂNIA. Chica começa a chorar. Zé


Martins, com pena da filha a abraça. Pedro, muito comovido, ouve tudo. Aos poucos ele vai se
afastando da janela.

CORTA PARA:

CENA 02. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. EXTERIOR. NOITE

A MÚSICA CONTINUA. PEDRO DESCE AS ESCADAS DA VARANDA COMPLETAMENTE


DESOLADO. ANDA ALGUNS METROS, PÁRA E OLHA NOVAMENTE PARA A CASA.
UMA LÁGRIMA ESCORRE DE SEU ROSTO E ELE A ENXUGA, DEPOIS, DE CABEÇA
BAIXA, SEGUE CAMINHANDO EM DIREÇÃO À PORTEIRA.

CORTA PARA:

CENA 03. BEIRA DO RIO. EXTERIOR. NOITE

DIOGO E NILO SAEM DO MEIO DO MATO E CHEGAM À BEIRA DO RIO.

DIOGO — É por aqui mesmo?

NILO — É sim, seu Diogo. Esse beato num mora, se esconde.

DIOGO — É melhor você ir na frente porque conhece o caminho.

NILO — Tá certo.

NILO TOMA A DIANTEIRA E COMEÇA A CAMINHAR PELA MARGEM DO RIO, SENDO


SEGUIDO POR DIOGO. CORTA PARA ANDRÉ CARREGANDO JULIANO NO COLO COM
DIFICULDADE. OS DOIS CAEM NO CHÃO. CORTE PARA DIOGO E NILO.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 4

NILO — Acho que são eles ali!

DIOGO E NILO SAEM CORRENDO ATÉ JULIANO E ANDRÉ.

DIOGO — Como ele tá?

ANDRÉ — Não tá nada bem, Diogo. A gente precisa levar ele pro hospital.

NILO — Ocês me ajuda que nóis carrega ele inté a caminhonete.

DIOGO, ANDRÉ E NILO LEVANTAM JULIANO E COMEÇAM A CARREGÁ-LO.

CORTA PARA:

CENA 04. CASA DE SAUL. SALA. INTERIOR. NOITE

SAUL, SALIN E MINERVINA ESTÃO JANTANDO. SALIN QUASE NÃO TOCA NA


COMIDA. ESTÁ DISTANTE. SAUL E MINERVINA PERCEBEM E TROCAM OLHARES.

SAUL — Tá sem fome?

SALIN NÃO RESPONDE.

MINERVINA — Tô falando. Salin! Seu irmão tá falando com você!

SALIN — O quê? O que foi?

SAUL — Tô perguntando se você não tá com fome. Quase não tocou na


comida.

SALIN — É. Tô sem fome. A comida tá boa, mas eu tô sem fome.

MINERVINA — Que tá boa eu sei porque caprichei. Seu irmão adora picadinho.

SALIN — Tá bom. Tá muito bom. Eu tô sem apetite.

SAUL — Mas o que é que você têm? Por que anda assim, tão desanimado?

SALIN — Não é nada. Ando meio cansado.

SALIN SE LEVANTA.

SALIN — Vocês me desculpem, mas eu vou pra minha casa. Agradeço o


convite. Minervina, a comida tava ótima.

SALIN COMEÇA A SAIR.

SAUL — Espera, Salin! Vamos conversar. Senta aqui.

SALIN SAI.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 5

SAUL — Mas o que foi que deu nele? Será que o Salin tá começando a
caducar?

MINERVINA — Que caducar, o quê! Sei muito bem porque o seu irmão anda assim.

SAUL — Sabe?

MINERVINA — Sei. É por causa da alemã. A tal da dona Frida.

SAUL — A dona Frida? Mas o que foi que ela fez pro Salin?

MINERVINA — Nada. Aí é que tá o problema. Seu irmão tá doidinho pela alemã, mas
ela não quer nada com ele.

SAUL — Mas isso não é novidade. Nem me lembro mais há quanto tempo ele
arrasta asa pra dona Frida. Só não entendo porque, de uma hora pra
outra, ele ficou assim, tão desanimado.

MINERVINA — É que ele não é o único que tá interessado nela.

SAUL — Não? Quer dizer então que têm mais alguém querendo conquistar a
alemã?

MINERVINA — Zé Martins.

SAUL — Você tá brincando comigo.

MINERVINA — Tô não. Ele anda rondando o hotel. (p) Aqui entre nós, o Lino me
disse que ele inclusive já convidou a Frida pra ir com ele na quermesse.
E ela aceitou.

SAUL — Coitado do Salin. Logo o Zé Martins.

MINERVINA — Pois é. Aquele lá, quando quer alguma coisa, insiste até conseguir. Se
o seu irmão não abrir o olho, vai perder a alemã pra ele.

CORTA PARA:

CENA 05. DIVINÉIA. PRAÇA. EXTERIOR. NOITE

SALIN VÊM ANDANDO PELA PRAÇA MUITO TRISTE. ELE PARA A ALGUNS METROS
DO HOTEL E VÊ FRIDA FECHANDO AS PORTAS E ENTRANDO NO
ESTABELECIMENTO.

SALIN — Salin, você é mesmo um bocó! Não têm coragem de chegar pra uma
mulher e dizer que está interessado nela. Não consegue nem convidar pra
comer uma pipoca.

SALIN COMEÇA A DAR TAPAS NA PRÓPRIA CARA.


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 6

SALIN — Você é um paspalho, Salin! Um paspalho! É isso que você é!

SALIN VAI ANDANDO CABISBAIXO EM DIREÇÃO À SUA CASA.

CORTA PARA:

CENA 06. ESTRADA. EXTERIOR. NOITE

NARA E TONHO ESTÃO ESPERANDO AO LADO DA CAMINHONETE.A ÍNDIA ESTÁ


MUITO AFLITA.

NARA — Eles tão demorando demais.

TONHO — Carma, dona Nara. Daqui um pouco eles chega.

NARA — Tô quase indo atrás deles.

TONHO — Eu podia ir, mas seu Diogo qué que eu fique aqui lhe fazeno
companhia. Pode de sê perigoso a senhora ficá sozinha.

NARA — Já passei por muita coisa nessa vida pra tê medo de ficá sozinha no
escuro. É melhor ocê i mesmo atrás deles. Eles pode de tá precisano de
ajuda.

DIOGO, ANDRÉ E NILO SAEM DO MATO CARREGANDO JULIANO.

TONHO — Olha eles ali!

NARA — Graças a Deus!

TONHO VAI ATÉ OS RAPAZES E OS AJUDA A CARREGAR O BEATO ATÉ A


CAMINHONETE.

DIOGO — Vamos pro hospital. Ele tá muito machucado.

OS HOMENS COLOCAM JULIANO DENTRO DA CAMINHONETE, JUNTO COM NILO NA


DIREÇÃO E NARA NO BANCO DO CARONA. DIOGO E TONHO SOBEM NA CAÇAMBA.

DIOGO — Rápido, Nilo!

NILO — Pode dexá, patrão.

A CAMINHONETE SAI PELA ESTRADA EM ALTA VELOCIDADE.

CORTA PARA:

CENA 07. SÃO PAULO. EXTERIOR. NOITE


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 7

Sonoplastia: “AMARGO” – ZECA BALEIRO. TOMADAS MOSTRANDO A CIDADE À


NOITE. AS AVENIDAS CHEIAS DE CARROS, OS BARES, AS PESSOAS SE DIVERTINDO.
TERMINA COM UMA TOMADA DO PRÉDIO DE HEITOR.

CORTA PARA:

CENA 08. APARTAMENTO DE HEITOR. SALA DE JANTAR. INT. NOITE

CELESTE E HEITOR ESTÃO JANTANDO.

CELESTE — Eu não acredito que a Jane foi até o seu escritório pra pedir uma coisa
dessas.

HEITOR — Mas pode acreditar. Foi exatamente o que aconteceu.

CELESTE — Acho que ela deve estar enlouquecendo. Finalmente nós descobrimos
a quem a Christiane puxou.

HEITOR — Não seja cruel, Celeste.

CELESTE — Não estou sendo cruel, meu querido. Você quer que eu pense o que de
uma criatura que toma uma atitude dessas?

HEITOR — No fundo eu até entendo. Ela está tentando ajudar a filha. É


compreensível.

CELESTE — Se ela quisesse mesmo ajudar a Christiane, não ficava ajudando a


alimentar essas fantasias ridículas. Imagina. Pedir pra você afastar o
Diogo de um trabalho só porque a filha têm medo de voltar pro Brasil.
Isso não é ajudar.

HEITOR — Eu não disse que ela está certa. Só falei que é compreensível.

CELESTE — E afinal de contas, o que foi que você respondeu pra ela?

HEITOR — Enrolei.

CELESTE — Nisso você é mestre.

HEITOR — Disse que ainda não havia nada certo, que só queria que ele fizesse
um levantamento preliminar da região, essas coisas.

CELESTE — Só quero ver o show que a Christiane vai armar se o Diogo aceitar o
seu convite.

HEITOR — Pois esse é um show que eu não quero ver. Falando nisso, na segunda
feira eu talvez precise ir até Brasília.

CELESTE — Por causa da hidrelétrica?


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 8

HEITOR — Isso. Agora que saiu o relatório de impacto ambiental, eu preciso ficar
em cima. Logo deve ser publicado o edital da concorrência.

CELESTE — Como se você não soubesse quem vai ganhar.

HEITOR — Celeste, quando existe política envolvida, nós nunca podemos ter
certeza de nada. Têm sempre alguém que pode pagar mais.

CELESTE — Têm razão. (p) Têm um outro assunto que eu quero falar com você.

HEITOR — Qual?

CELESTE — Bárbara.

HEITOR — Não vá me dizer que ela já aprontou alguma coisa em Divinéia?

CELESTE — Não. Não que eu saiba. Heitor, eu acho que você deve fazer alguma
coisa pra... Pra colocar a vida da Bárbara nos trilhos. Ela não pode
continuar levando essa vida desregrada.

HEITOR — Do jeito que você fala até parece que é a coisa mais simples do
mundo. Você é testemunha do tanto que eu já fiz pra tentar... Controlar a
Bárbara. A emenda sempre ficou pior do que o soneto.

CELESTE — Mas eu tava pensando, talvez você não tenha agido da forma certa.

HEITOR — Como assim?

CELESTE — É. Você sempre bateu de frente com a Bárbara. Ela não suporta isso.
Sempre que você for tentar impor alguma coisa, ela não vai aceitar.
Talvez você possa fazer de outro jeito.

HEITOR — Fala, Celeste. O que tá passando aí pela sua cabeça?

CELESTE — Eu andei conversando com o Gustavo. Você sabe que ele é


completamente apaixonado pela Bárbara.

HEITOR — E?

CELESTE — E eu pensei que talvez, com o Gustavo, ela pudesse sossegar. Quem
sabe até namorar sério, casar.

HEITOR — E você ainda vêm me falar que a Jane é louca? Tá indo pelo mesmo
caminho. Bárbara foge do Gustavo que nem o diabo da cruz.

CELESTE — Eu sei, mas talvez isso possa mudar. Talvez o Gustavo possa mudar.

HEITOR — Aquele lá? Duvido.


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 9

CELESTE — Eu não. Acho que com um empurrãozinho nosso, as coisas podem se


ajeitar. Claro que a Bárbara não pode saber de nada. Óbvio.

HEITOR — Celeste, você tá aí falando, falando e até agora não me disse nada. De
concreto, o que você tá querendo fazer?

CELESTE — Tá. Eu vou falar. Só que ainda não tá tudo certo na minha cabeça.
Talvez você possa me ajudar.

CELESTE COMEÇA A CONTAR SEU PLANO PARA HEITOR, FORA DO AÚDIO.

CORTA PARA:

CENA 09. FAZENDA DE RODRIGO. EXTERIOR. NOITE

VINÍCIUS, RODRIGO, FLÁVIA, LÍVIA, ADRIANO E ALGUNS PEÕES ESTÃO SENTADOS


EM VOLTA DE UMA FOGUEIRA OUVINDO UM DELES TOCAR VIOLÃO ENQUANTO
COMEM CHURRASCO.

RODRIGO — Já sei o que a gente vai fazer amanhã.

LÍVIA — Eu quero andar a cavalo.

FLÁVIA — Eu também.

ADRIANO — Parece que vocês nunca viram um cavalo na vida.

FLÁVIA — Já vi, mas não é a toda hora que eu posso andar.

RODRIGO — De tarde vocês andam à cavalo. De manhã eu tenho uma coisa muito
melhor.

VINÍCIUS — O que é?

RODRIGO — Cachoeira!

TODOS FICAM ANIMADOS.

ADRIANO — Eu não sabia que tinha cachoeira aqui, não.

RODRIGO — Mas têm.

FLÁVIA — Delícia.

RODRIGO — Todo mundo topa?

VINÍCIUS — Tô dentro.

ADRIANO — Demorou.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 10

LÍVIA — Claro que eu topo.

RODRIGO — Então todo mundo acordando cedo que amanhã a gente vai causar
naquela cachoeira.

OS AMIGOS FICAM RINDO E CONVERSANDO FORA DO ÁUDIO.

CORTA PARA:

CENA 10. HOSPITAL DE DIVINÉIA. SAGUÃO. INTERIOR. NOITE

O HOSPITAL ESTÁ CHEIO APESAR DO HORÁRIO. MUITOS DOENTES ESPERAM EM


MACAS PARA SEREM ATENDIDOS. DIOGO, NILO, ANDRÉ E TONHO ENTRAM
CARREGANDO JULIANO. NARA ESTÁ COM ELES.

ANDRÉ — Alguém ajuda aqui, por favor!

DIOGO — Rápido!

UMA ENFERMEIRA SE APROXIMA.

NARA — Pelo amor de Deus, moça. Ele tá morreno!

ENDERMEIRA — Coloquem ele aqui na maca. Eu vou chamar o médico.

ENQUANTO A MOÇA SAI, ELES COLOCAM JULIANO EM UMA MACA. DIOGO OLHA
EM VOLTA E PERCEBE O NÚMERO DE PESSOAS QUE PRECISAM SER ATENDIDAS.

DIOGO — Por que tem tanta gente aqui?

NILO — É que tá teno uma epidemia na cidade.

DIOGO — Epidemia? Epidemia de quê?

NILO — Não sei direito. Eles chama de virose.

DIOGO FICA OBSERVANDO AS PESSOAS, UM POUCO CHOCADO COM A SITUAÇÃO


DELAS. O MÉDICO CHEGA E VÊ JULIANO.

MÉDICO — Meu Deus! O que fizeram com ele?

NARA — Parece que foi uma surra!

MÉDICO — Vou levar ele lá pra dentro e examinar melhor. Vocês esperem aqui.

O MÉDICO E A ENFERMEIRA SAEM, LEVANDO A MACA COM JULIANO.

NARA — Minha Nossa Senhora, protege o Juliano.

DIOGO — Calma, Nara. Ele está nas mãos do médico.


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 11

ANDRÉ — Quem será que fez uma maldade dessas com ele? Meu pai não faz mal
a ninguém!

NARA — Acontece que têm muita gente nessa cidade que faz mal pros outros!

NARA OLHA PARA NILO, QUE FINGE NÃO ENTENDER.

ANDRÉ — Será que não é bom avisar a minha avó?

NARA — É sim. Ela há de querê tá do lado do filho.

ANDRÉ — É melhor eu ir.

DIOGO — André, eles podem precisar de você aqui.

TONHO — Deixa que eu vou.

NARA — Ocê sabe onde Donana mora?

TONHO — Sei, dona Nara.

NILO — É melhor ocê levá a caminhonete.

NILO JOGA A CHAVE PARA TONHO, QUE A APANHA NO AR. NARA OLHA PARA ELE
COM DESCONFIANÇA.

NILO — Se ocês num precisa mais de mim, eu tô indo.

DIOGO — Pode ir, Nilo. E muito obrigado por tudo.

NILO — De nada.

NILO TIRA O CHAPÉU CUMPRIMENTANDO TODOS, MAS DÁ UM SORRISO IRÔNICO


PARA NARA. SÓ ELA PERCEBE. O RAPAZ SAI.

NARA — Peste!

TONHO — Acho melhor eu ir buscá Donana. Ocês me dá licença.

TONHO SAI.

DIOGO — Agora a gente só pode esperar pra ver o que o médico diz.

NARA VAI ATÉ UMA IMAGEM DE NOSSA SENHORA E COMEÇA A REZAR. DIOGO SE
SENTA AO LADO DE ANDRÉ.

CORTA PARA:

CENA 11. CASA DE BRENO. QUARTO DE CAMILA. INTERIOR. NOITE


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 12

CAMILA ESTÁ DEITADA NA CAMA LENDO. BRENO BATE NA PORTA E ENTRA.

BRENO — Posso entrar?

CAMILA — Entra, pai.

BRENO ENTRA E SE SENTA NA CAMA, AO LADO DA FILHA.

BRENO — Não foi jantar por quê?

CAMILA — Tô sem fome nenhuma.

BRENO — Saco vazio não pára de pé.

CAMILA — Eu sei. Depois, se me der fome, eu como alguma coisa. Vou dormir
um pouco. Tô começando a ficar com dor de cabeça.

BRENO — Também, não pára de ler.

CAMILA SORRI, FECHA O LIVRO QUE ESTÁ LENDO E COLOCA EM CIMA DO CRIADO
MUDO.

CAMILA — Pronto. Parei.

BRENO — E também não é pra ficar no computador. Aquilo ali deve fazer mal
pra vista.

CAMILA — Sim senhor. Mais alguma recomendação?

BRENO SORRI PARA A FILHA.

BRENO — Não. Só isso.

BRENO DÁ UM BEIJO NA FILHA.

BRENO — Boa noite, meu anjo. Durma bem.

CAMILA — O senhor também, papai.

BRENO SE LEVANTA, APAGA A LUZ E FECHA A PORTA. CAMILA DEITA A CABEÇA


NO TRAVESSEIRO PARA DORMIR.

CORTA PARA:

CENA 12. CASA DE DONANA. SALA. INTERIOR. NOITE

A SALA ESTÁ VAZIA. BATEM NA PORTA COM ALGUMA INSISTÊNCIA. DONANA VÊM
DO QUARTO, COLOCANDO UM XALE SOBRE OS OMBROS.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 13

DONANA — Já vai! Já tô ino! Uai. Num têm nenhuma mulhé que deve pari por
esses dia.

DONANA ABRE A PORTA. É TONHO.

TONHO — Donana?

DONANA — Sou eu.

TONHO — Boa noite. Meu nome é Tonho. Eu trabalho na fazenda do Heitor


Gonzaga.

DONANA — Boa noite. O senhor precisa de arguma coisa?

TONHO — Quem me mandô aqui foi dona Nara.

DONANA — Nara? Mas por quê? Aconteceu arguma coisa com ela?

TONHO — Não. Ela tá bem.

DONANA — Então porque ela mandô ocê aqui?

TONHO — É que... Bão, é o beato Juliano.

DONANA FICA COM UMA EXPRESSÃO SÉRIA. PREOCUPADA

DONANA — O que é que têm o meu filho? O que foi que aconteceu com Juliano?

TONHO — A senhora se acarme. A gente ainda num sabe direito, mas parece que
deram uma surra no beato.

DONANA FICA TONTA. TONHO A AMPARA E FAZ COM QUE ELA SE SENTE EM UMA
CADEIRA.

TONHO — Vô apanhá um copo de água pra senhora.

TONHO PEGA A ÁGUA E A ENTREGA A DONANA, QUE BEBE.

TONHO — Tá melhor?

DONANA — Meu filho. Como é que ele tá? Num precisa me escondê a verdade.
Ele... Ele tá muito ruim?

TONHO — Olhe, eu num sô médico, mas seu filho tá muito machucado.

DONANA — Então... Então eu preciso i até lá. O senhor... O senhor me leva?

TONHO — Vim inté aqui pra isso.

DONANA SE LEVANTA.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 14

DONANA — Eu... Eu vô só colocá uma outra roupa e a gente já vai. Só um


minutinho.

TONHO — Vô ficá aqui lhe esperano.

DONANA VAI PARA O QUARTO.

CORTA PARA:

CENA 13. HOSPITAL. SAGUÃO. INTERIOR. NOITE

NARA CONTINUA REZANDO E ANDRÉ E DIOGO CONVERSAM. OUTRAS PESSOAS


AINDA ESPERAM ATENDIMENTO. TONHO E DONANA CHEGAM.

ANDRÉ — Olha a minha avó.

ANDRÉ E DIOGO ANDAM ATÉ ELA.

ANDRÉ — Oi vó.

DONANA — André? É... É ocê memo, meu filho?

ANDRÉ — Sou eu sim.

DONANA ABRAÇA O NETO. NARA SE APROXIMA DELES.

DONANA — Quanto tempo que eu não lhe vejo. Mas o que é que ocê tá fazendo
aqui?

ANDRÉ — Eu vim com o Diogo.

DONANA OLHA PARA DIOGO.

DONANA — Diogo? Diogo Azulão?

DIOGO — O próprio, Donana. Ainda lembra de mim?

DONANA — E como é que eu num vô lembrá?

DONANA TAMBÉM ABRAÇA DIOGO.

DONANA — Ocês... Ocês tão aqui por causa de Juliano?

ANDRÉ — Estamos.

DONANA — Então... Então ele deve de tá muito ruim. Procês vire de São Paulo...

ANDRÉ — Não, vó. Nós não viemos por isso. Foi coincidência. Eu estava indo
na casa dele e encontrei Nara vindo de lá.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 15

NARA — Foi Deus que mandou André hoje na casa de Juliano.

DONANA — E como ele tá? Como tá o meu filho?

NARA — A gente num sabe ainda. O médico levô ele lá pra dentro, mas ainda
num disse nada.

O MÉDICO ENTRA.

ANDRÉ — Olha o médico!

TODOS VÃO ATÉ O MÉDICO.

ANDRÉ — E então, doutor? Como ele está? Como está o meu pai?

CORTA PARA:

CENA 14. CLUBE RECREATIVO. SALÃO. INTERIOR. NOITE

O MOVIMENTO NÃO É MUITO GRANDE. ALGUNS HOMENS BEBEM ENQUANTO


ZORAIDE E TIANA DANÇAM COM OUTROS. BALBINA OBSERVA TUDO DO BAR. NILO
ENTRA.

BALBINA — Eu num acredito! Num acredito que esse peste teve o descaramento de
ainda aparecê aqui dispois de tudo o que aconteceu!

NILO SE SENTA EM UMA MESA E FICA OLHANDO O MOVIMENTO. ZORAIDE O VÊ E


PARECE UM POUCO APREENSIVA. TIANA, DANÇANDO, DÁ UM JEITO DE SE
APROXIMAR DA AMIGA.

TIANA — Nilo tá doido é? Aparecê aqui depois do que ele fez?

ZORAIDE — Eu acho que sim. Madrinha num vai gostá nem um pouco disso.

BALBINA SAI DO BAR E VAI ATÉ A MESA.

BALBINA — O que ocê tá fazeno aqui, Nilo Gato?

NILO — O que eu faço todo dia.

BALBINA — Mas ocê num tem mesmo vergonha nessa cara!

NILO — Olha como fala comigo, Balbina.

BALBINA — Falo do jeito que eu quero! Ocê vai fazê o quê? Vai me bate,
também?

NILO — O que aconteceu foi um acidente. Eu tinha bebido demais.

BALBINA — É melhor ocê i embora. Ocê num é bem vindo aqui!


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 16

NILO — Num vô embora não. Isso aqui num é um estabelecimento comercial?


Ocês têm a obrigação de me atendê. Sô um cliente que nem outro
qualqué.

BALBINA FICA OLHANDO PRA NILO.

NILO — Pára de ficá me olhando e me traz logo arguma coisa pra bebe.

BALBINA OLHA PARA ELE COM RAIVA E SAI, INDO PARA OS QUARTOS. ZORAIDE
PARA DE DANÇAR E SE SENTA COM NILO.

ZORAIDE — Ocê bebeu?

NILO — Ainda não, mas já pedi.

ZORAIDE — Ocê num se faça de besta! Num devia de tê aparecido aqui depois de
tudo que fez.

NILO — Ocês tão dando importância demais pra uma carraspana. Bebi,
aprontei, mas já passou.

ZORAIDE — Ocê bateu na madrinha!

NILO — Tá bom. Bati. E qual é o pobrema? Vai me dizê que uma velha
daquela, com a vida que sempre déve de tê levado, vivendo nos castelo
de mulher dama, nunca tomou uns cachação?

ZORAIDE — Ocê é doido!

NILO SORRI PARA ZORAIDE.

CORTA PARA:

CENA 15. CLUBE RECREATIVO. QUARTO DE ZULMIRA. INT. NOITE

BALBINA E MADALENA ESTÃO DE PÉ E ZULMIRA SENTADA NA CAMA. ESTÁ


SURPRESA.

ZULMIRA — Você está me dizendo... Que o canalha do Nilo Gato está aí?

BALBINA — Em carne, osso e sem-vergonhice.

MADALENA — Eu não acredito nisso.

BALBINA — Só tô acreditano porque vi com esses ólho

ZULMIRA — Mas eu acredito! O que vocês esperam de um pilantra como aquele?


Mas isso não vai ficar assim não.

ZULMIRA SE LEVANTA.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 17

MADALENA — Onde a senhora vai?

ZULMIRA — Botar ele daqui pra fora.

MADALENA E BALBINA SE OLHAM, SURPRESAS.

MADALENA — Madrinha, a senhora só pode estar brincando.

ZULMIRA — E eu lá sou mulher de brincar com coisa séria?

ZULMIRA COMEÇA A MEXER NO ARMÁRIO, PROCURANDO UMA ROUPA.

BALBINA — Ocê ainda tá machucada, mulher!

ZULMIRA — Uma machucadinho de nada.

MADALENA — Madrinha, deixa que eu vou lá e resolvo isso. A senhora ainda tá


fraca.

ZULMIRA — De jeito nenhum. Vocês podem falar o que quiserem que não vão me
fazer mudar de idéia. Me ajuda a escolher uma roupa.

BALBINA E MADALENA SE OLHAM.

BALBINA — Eu num falo mais nada.

CORTA PARA:

CENA 16. HOSPITAL. SAGUÃO. INTERIOR. NOITE

CONTINUAÇÃO DA CENA 13. O MÉDICO ESTÁ OLHANDO PARA DONANA, ANDRÉ,


DIOGO, NARA E TONHO.

ANDRÉ — E então, doutor? Como ele está?

DONANA — O senhor pode falá. Nóis qué a verdade. Qué sabe como ele tá.

MÉDICO — Bem machucado. Bateram muito nele e parece que seu Juliano ficou
muito tempo lá sem receber ajuda. Ele perdeu muito sangue.

NARA — Misericórdia.

DIOGO — Mas como ele está agora?

MÉDICO — Dentro do possível, está bem. Parece que não há nenhuma hemorragia
interna. Nós cuidamos dos ferimentos e ele está em observação, tomando
soro.

ANDRÉ — Ele corre algum risco?


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 18

MÉDICO — Corre. Não é um grande risco, mas ele existe.

DIOGO — E o que vai ser feito agora?

MÉDICO — Nós vamos acompanhar o progresso do quadro. Por enquanto nós


fizemos tudo o que poderia ser feito. Só podemos esperar. Mas eu
acredito que tudo vai correr bem.

DONANA — Muito obrigado, doutor.

MÉDICO — Agora, se vocês me derem licença, eu vou cuidar dos outros


pacientes.

O MÉDICO SE AFASTA E VAI FALAR COM OUTRAS PESSOAS.

ANDRÉ — Bom, agora não têm muito o que fazer. O jeito é esperar mesmo.

DONANA — Eu vô passá a noite aqui.

NARA — Num carece, Donana. Deixa que eu fico.

ANDRÉ — Vocês duas vão pra casa. Eu fico aqui. Quero que vocês duas
descansem. Principalmente você, Nara. Correu aquilo tudo tentando
encontrar ajuda.

DIOGO — André tá certo. Eu vou levar vocês duas pra casa. Tenho que ligar pra
fazenda também. Eduarda e Bárbara devem estar preocupadas.

NARA OLHA ESPANTADA PARA DIOGO.

NARA — Bárbara?

DIOGO — É. A filha do tio Heitor. Você lembra dela, não lembra?

NARA FICA COM O OLHAR PERDIDO, CHOCADA. DONANA PERCEBE.

NARA — Lembro. Lembro sim.

DIOGO — Eu vou telefonar e a gente já vai.

DIOGO SE AFASTA PRA FALAR AO TELEFONE. NARA COMEÇA A ANDAR EM


DIREÇÃO À PORTA. DONANA VAI ATÉ ELA.

DONANA — Nara.

NARA — Ela tá aqui, Donana. Bárbara tá em Divinéia.

DONANA — Ocê precisa de sê forte.

NARA — Eu... Eu preciso saí daqui, Donana.


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 19

DONANA — Vai pra onde?

NARA — Num sei. Eu... Eu preciso ficá sozinha.

DONANA — Mas Diogo vai querê sabê onde ocê foi.

NARA — A senhora diga quarqué coisa. Diga que eu fui pra casa de arguém.
Eu... Eu preciso ir.

NARA SAI. ANDRÉ VAI ATÉ DONANA.

ANDRÉ — Aonde Nara foi?

DONANA — Deixa ela, meu filho. Ela tá quereno ficá sozinha.

CORTA PARA:

CENA 17. DIVINÉIA. PRAÇA. EXTERIOR. NOITE

Sonoplastia: “AI QUEM ME DERA” – CLARA NUNES. NARA SAI DO HOSPITAL E VAI
ANDANDO EM DIREÇÃO Á PRAÇA. É UM ANDAR PERDIDO, DESNORTEADO. ELA
CAMINHA ATÉ UM BANCO NA FRENTE DA IGREJA E SE SENTA. CONTINUA COM O
OLHAR VAZIO. AS LÁGRIMAS COMEÇAM A ESCORRER.

NARA — Ela tá aqui em Divinéia. Bárbara tá aqui. A minha filha Bárbara.

A CAM VAI SE AFASTANDO, MOSTRANDO O PRANTO DE NARA.

CORTA PARA:

CENA 18. FAZENDA DE HEITOR. SALA. INTERIOR. NOITE

EDUARDA ESTÁ SENTADA ENQUANTO BÁRBARA FALA AO TELEFONE.

BÁRBARA — Mas como o André tá? (p) Tá bom então. A gente espera você. Um
beijo.

BÁRBARA DESLIGA O TELEFONE.

EDUARDA — E aí?

BÁRBARA — Menina, o maior bafão. Tô falando que essa cidade não é mais
tranqüila como era. Acredita que deram uma surra no velho?

EDUARDA — No pai do André?

BÁRBARA — O próprio.

BÁRBARA SE SENTA.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 20

EDUARDA — Mas ele não é um religioso? Um beato?

BÁRBARA — É. Olha só que horror.

EDUARDA — Quem faria uma coisa dessas?

BÁRBARA — Sei lá. Aqui só têm gente maluca. Você não tá acostumada, mas por
essas bandas aqui, é assim que o povo resolve as coisas. Na peixeira, na
bala. Tudo gente civilizada. O melhor, rosna.

EDUARDA RI.

BÁRBARA — Sabe que às vezes nem eu acredito que sou daqui? Imagina se meus
amigos descobrem que eu nasci praticamente numa óca. Sim, porque em
Divinéia as casas se dividem assim. Casas de fazendas, ócas e taperas.

EDUARDA — Com certeza você nasceu numa casa de fazenda.

BÁRBARA — Pelo menos isso, né? Ser filha de Divinéia já é castigo o suficiente.

EDUARDA — E...O Diogo?

BÁRBARA — O que têm o Diogo?

EDUARDA — Ele já tá vindo?

BÁRBARA — Tá. Vai levar duas coitadas pra casa e depois vêm pra cá.

BÁRBARA FICA OLHANDO PARA EDUARDA.

EDUARDA — O que foi?

BÁRBARA — Eu sei que a gente não se conhece, mas eu posso me meter um


pouquinho na sua vida?

EDUARDA — Pode.

BÁRBARA — É que, desde o aeroporto eu reparei nos olhares que você deu pro
Diogo. No jeito que você fala com ele. Você tá interessada no meu
irmão?

EDUARDA SORRI.

EDUARDA — Você é muito observadora, Bárbara.

BÁRBARA — Sou. Eu posso parecer doidinha, avoada, mas tô sempre de olho em


tudo. Tá interessada ou não tá?

EDUARDA — E seu eu estiver? Você acha que têm algum problema?


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 21

BÁRBARA — Por mim, nenhum. Acho até que uma mulher como você faria bem
pra ele.

EDUARDA — Mas...

BÁRBARA SORRI.

BÁRBARA — Mas, ele é casado.

EDUARDA — Eu sei.

BÁRBARA — Eduarda, eu não sei qual é o seu interesse no Diogo. Se é só diversão,


enfim. Acontece que ele tá metido numa relação muito complicada.

EDUARDA — Complicada?

BÁRBARA — A mulher dele é uma doida. E não é modo de dizer. É doida mesmo.
Barraqueira, ciumenta. Capaz de qualquer coisa por ele. Eu não sei o que
o Diogo ainda tá fazendo com ela, mas isso não é problema meu. Tô
falando isso pra você saber o terreno onde tá pisando. Você parece ser
uma garota legal. Procura não se machucar nesse jogo... E nem machucar
o meu irmão.

EDUARDA — Pode ficar tranqüila, Bárbara. Eu sei jogar muito bem. E acho que o
seu irmão só têm a ganhar.

BÁRBARA — Tomara. (p) Eu vou beber alguma coisa. Tô com um frio danado.
Quer?

EDUARDA — Quero sim.

BÁRBARA SE LEVANTA PARA PEGAR AS BEBIDAS E EDUARDA A OBSERVA.

CORTA PARA:

CENA 19. CLUBE RECREATIVO. SALÃO. INTERIOR. NOITE

NILO CONTINUA SENTADO EM SUA MESA ENQUANTO ZORAIDE E TIANA DANÇAM


COM OS CLIENTES. AS DUAS PARECEM ESTAR TENSAS. BALBINA OLHA TUDO DO
BAR. ZULMIRA ENTRA NO SALÃO, ACOMPANHADA DE MADALENA.

ZULMIRA — Cadê o pilantra?

BALBINA — Ali naquela mesa.

ZULMIRA — Eu vou lá.

MADALENA — Eu vou com a senhora.


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 22

ZULMIRA — Você não vai a lugar nenhum! Vai ficar aqui e esperar.

MADALENA — Mas madrinha...

ZULMIRA — Eu estou mandando!

MADALENA FICA QUIETA. ZULMIRA VAI ATÉ A MESA DE NILO. ZORAIDE E TIANA
FICAM OLHANDO, APREENSIVAS.

ZULMIRA — Fora!

NILO SORRI.

NILO — Boa noite pra você também, Zulmira. Pelo jeito ocê já tá melhor.

ZULMIRA — Você gaste as suas ironias com quem quer ouvir. Não é o meu caso.
Fora! Eu quero que você saia daqui agora!

NILO — Vai ficar querendo, porque eu não vou sair. Vou ficar e aproveitar a
noite,

ZULMIRA — Nilo Gato, eu não estou brincando. Se você não sair daqui eu vou...

NILO SE LEVANTA DE FORMA AMEAÇADORA. A MÚSICA PÁRA E TODOS FICAM


OLHANDO. MADALENA AMEAÇA IR ATÉ LÁ, MAS BALBINA A SEGURA.

NILO — Se eu não sair você vai fazer o quê? Vai me bater? Se enxerga, velha!
Eu vou ficar até a hora que eu quiser! E vou vir sempre!

ZULMIRA — Ah, mas não vai mesmo! Eu lhe dou cinco minutos pra você sair
daqui por bem.

NILO RI.

NILO — E se eu não sair por bem?

ZULMIRA TIRA UM REVÓLVER DE TRÁS DA CALÇA E APONTA PARA O ROSTO DE


NILO.

ZULMIRA — Se não sair por bem, eu meto um tiro nessa sua cara safada e você sai
por mal!

NILO OLHA ASSUSTADO PARA ZULMIRA. TIANA IMPEDE ZORAIDE DE IR ATÉ LÁ.

NILO — Baixa essa arma, Zulmira. Isso aí num é brinquedo não.

ZULMIRA — Eu sei muito bem que isso não é brinquedo. A “velha” aqui já usou
uma dessas muitas vezes. Lhe garanto que sei usar muito bem.

NILO NÃO SABE O QUE FAZER.


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 23

NILO — Tô vendo que ocê tá nervosa. Vô relevá. (p) Outro dia eu vorto pra
gente conversá melhor. Pra acertá as nossas diferença.

ZULMIRA — Não volte. Se você aparecer aqui de novo, eu não vou mais conversar,
vou atirar.

NILO OLHA PARA ZULMIRA COM RAIVA, DEPOIS SORRI COM IRONIA E SAI. TODOS
ESTÃO CHOCADOS. ZULMIRA GUARDA A ARMA NA CINTURA DA CALÇA.

ZULMIRA — Pronto, gente! Já acabou. Quero todo mundo dançando e se divertindo


porque é disso que eu gosto na minha casa.

A MÚSICA VOLTA A TOCAR. TIANA E ZORAIDE DANÇAM, MAS AINDA SURPRESAS


COM O QUE ACONTECEU. ZULMIRA VAI ATÉ BALBINA E MADALENA.

MADALENA — Madrinha, a senhora enlouqueceu de vez? Nilo é perigoso. A senhora


não devia ter apontado uma arma pra ele.

ZULMIRA — E você acha mesmo que eu vou ter medo de um borra botas que nem
Nilo Gato? Madalena, nessa vida que eu levo já encontrei com muito
homem pior do que ele. Nilo é fichinha.

MADALENA — Mesmo assim. Eu tenho muito medo do que ele possa fazer.

ZULMIRA — Eu não. Balbina, me vê uma cerveja.

BALBINA — Ocê num têm juízo nenhum.

ZULMIRA — Isso faz tempo.

ZULMIRA RI. ZORAIDE VAI ATÉ ELA.

ZORAIDE — Madrinha.

ZULMIRA — O que foi, Zoraide?

ZORAIDE — Eu sei... Eu sei que a senhora tá com raiva de Nilo, mas... Apontá
uma arma pra ele?

ZULMIRA — Apontei e aponto de novo. Algum problema?

ZORAIDE — Eu... Eu acho que num tá certo. Nilo num merece isso.

ZULMIRA — Ah não? No mínimo você acha o Nilo um santo. (p) Escuta aqui
menina. Na minha casa, mando eu. As coisas aqui são do jeito que eu
quero. Se você não tá satisfeita, vai lá no seu quarto, arruma as malas e
rua! Vai atrás da maravilha que é o Nilo Gato! Quem sabe ele não lhe
arranja um lugar pra ficar? Quer ir?
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 24

ZORAIDE — Não. Não senhora.

ZULMIRA — Então volta pro trabalho e pára de me encher por causa de Nilo. Não
quero mais ouvir o nome dessa praga aqui.

ZORAIDE VOLTA PARA DANÇAR COM O CLIENTE.

MADALENA — Coitada, Madrinha. Ela gosta dele.

ZULMIRA — Não tenha pena dela, Madalena. Zoraide é uma cobra. Na primeira
oportunidade, ela lhe dá o bote.

MADALENA FICA OLHANDO ZORAIDE DANÇANDO.

CORTA PARA:

CENA 20. CAMPO. EXTERIOR. MANHÃ

Sonoplastia: “ACONTECÊNCIAS” – CLÁUDIO NUCCI. AMANHECER NO CAMPO.


TOMADA MOSTRANDO O GADO CORRENDO. ALGUÉM TIRANDO O LEITE DA VACA,
AS PESSOAS SAINDO PARA TRABALHAR NO CAMPO.

CORTA PARA:

CENA 21. FAZENDA DE HEITOR. COZINHA. INTERIOR. MANHÃ

RITA ESTÁ PASSANDO O CAFÉ. DIOGO ENTRA.

DIOGO — Bom dia, Rita.

RITA — Bom dia, seu Diogo. Acordô cedo.

DIOGO — É. Ainda tá todo mundo dormindo.

RITA — O café já tá saino.

DIOGO — Esse cheirinho tá bom demais.

RITA — E o pão é feito aqui mesmo.

DIOGO SE SENTA.

DIOGO — Sabe que parece que eu voltei a ser criança. Esse cheio de pão feito na
hora, de bolo. Isso é cheiro de infância pra mim.

RITA SORRI.

DIOGO — Eu vou tomar café e depois vou dar uma volta por aí. Têm um monte
de coisa que eu quero rever.
FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 25

RITA — Se o senhor quisé eu peço pra Sandoval lhe prepará um cavalo.

DIOGO — Quero sim.

RITA COMEÇA A SERVIR O CAFÉ PARA DIOGO.

CORTA PARA:

CENA 22. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. EXTERIOR. MANHÃ

Sonoplastia: “MULHER NOVA, BONITA E CARINHOSA” – ZÉ RAMALHO. CHICA VÊM


ANDANDO E TRAZENDO SEU CAVALO MENELAU. ZÉ MARTINS APARECE NA
VARANDA.

ZÉ MARTINS — Vai sair, Chica?

CHICA — Vô dá umas vorta, tomá um banho no Jurapori. Tô precisano ficá


sozinha pra pensá um pouco. Até depois, pai.

CHICA SOBE NO CAVALO E SAI GALOPANDO PELA ESTRADA DE TERRA.

ZÉ MARTINS — Inté, minha filha. Que Deus lhe ilumine.

CORTA PARA:

CENA 23. CAMPO. EXTERIOR. MANHÃ

A MÚSICA DA CENA ANTERIOR CONTINUA. CHICA GALOPA MENELAU PELO PASTO.


O GADO VAI ABRINDO CAMINHO PARA SUA PASSAGEM. SEUS CABELOS
BALANÇAM AO VENTO. CHICA DESFRUTA DA LIBERDADE DE QUE TANTO GOSTA.

CORTA PARA:

CENA 24. CAMPO. EXTERIOR. MANHÃ

CHICA CHEGA COM MENELAU NUMA PARTE ESCONDIDA DO RIO JURAPORI. A


MOÇA DESCE E AMARRA O CAVALO NUMA ÁRVORE.

CHICA — Ocê me espera aqui que eu já vorto. Vô nada.

CHICA ANDA EM DIREÇÃO AO RIO. CORTE PARA A BEIRA DO JURAPORI. A CAM


MOSTRA APENAS OS PÉS DE CHICA. O VESTIDO CAI E ELA SAI CAMINHANDO EM
DIREÇÃO AO RIO. ESTÁ NUA, MAS A IMAGEM DEVE SER UM POUCO DESFOCADA.
CHICA ENTRA NO RIO. CORTE PARA CHICA NADANDO. JOGA A ÁGUA PARA CIMA,
MOLHA OS CABELOS, MERGULHA.

CORTA PARA:

CENA 25. CAMPO. EXTERIOR. MANHÃ


FOGO SOBRE TERRA Capítulo 19 Pag.: 26

DIOGO VÊM ANDANDO À CAVALO.

DIOGO — O Jurapori é por aqui.

DIOGO FAZ COM QUE O CAVALO VIRE E TOME O MESMO CAMINHO QUE CHICA
TOMOU.

CORTA PARA:

CENA 26. CAMPO. EXTERIOR. MANHÃ

CHICA ESTÁ NADANDO DE COSTAS PARA A MARGEM DO RIO. DIOGO APARECE


ANDANDO A PÉ E TRAZENDO O CAVALO PELA MÃO. ELE FICA SURPRESO AO VER
CHICA SE BANHANDO NO RIO. Sonoplastia: “SOLIDÃO DE AMIGO” – JESSÉ.
ENCANTADO, ELE SE APROXIMA UM POUCO E FICA OLHANDO. SORRI ENQUANTO
ADMIRA AQUELA MULHER TÃO BONITA. EM CÃMERA LENTA, CHICA NADA. CORTE
PARA CHICA, QUE SE VIRA E VÊ DIOGO. ELA FICA OLHANDO ASSUSTADA PARA
ELE. A IMAGEM CONGELA E UMA BARRAGEM DE HIDRELÉTRICA SE FECHA SOBRE
ELA. A BARRAGEM SE ROMPE E UMA INUNDAÇÃO TOMA CONTA DA TELA.

FIM DO CAPÍTULO

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