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"O véu integral representa de uma forma

extraordinária tudo o que a França rejeita"


Por Sofia Lorena

http://jornal.publico.clix.pt/noticia/27-01-2010/o-veu-integral-representa-de-uma-
forma-extraordinaria-tudo-o-que-a-franca-rejeita-18670960.htm

O debate demorou seis meses, mas está longe de ter terminado. O partido de
Sarkozy vai mesmo avançar com uma proposta para a proibição total de cobrir
o rosto em público

A Assembleia Nacional francesa deve "pronunciar-se solenemente" contra o uso do véu


islâmico integral e deverá proibi-lo pelo menos nos serviços públicos, hospitais e transportes
públicos, conclui o relatório da comissão parlamentar que, nos últimos seis meses e ao longo
de 200 audições, debateu o uso do véu em França, e que os deputados ontem aprovaram.
Os membros da comissão gostariam de ter podido propor uma proibição total: só não o fizeram
porque alguns temem que seja inconstitucional. A questão da proibição do véu integral no
espaço público alimentou o debate durante o dia na Assembleia.
O relatório, redigido por Eric Raoult, da UMP (União para a Maioria Presidencial, direita), do
Presidente Nicolas Sarkozy, foi aprovado à justa, com vários membros deste partido a
denunciarem o que consideram ser uma "meia lei". O líder parlamentar da UMP, Jean-François
Copé, repetiu a defesa da interdição no espaço público, confirmando que nos próximos dias vai
apresentar uma proposta de lei nesse sentido. Mas o debate só deverá acontecer depois das
eleições regionais, entre 14 e 21 de Março.
Segundo uma sondagem recente, 57 por cento dos franceses deseja a proibição do uso
da burqa.
Para os membros da comissão, o véu integral, que cobre o rosto, é um "sinal pervertido de uma
busca de identidade" e simboliza um "desafio aos valores da República". "O véu integral
representa de uma forma extraordinária tudo o que a França espontaneamente rejeita",
afirmou, por seu turno, Bernard Accoyer, presidente da Assembleia Nacional. "É um símbolo da
subjugação da mulher e a bandeira do extremismo fundamentalista", defendeu ainda o
deputado da UMP.
O debate divide os partidos. Segundo o porta-voz dos deputados comunistas, Roland Muzeau,
"uma lei não vai contribuir para fazer progredir os direitos das mulheres". Os socialistas, que
boicotaram a votação, como tinham anunciado, declaram-se contra "uma lei de circunstância".
O partido tem denunciado um debate "poluído pelo da identidade nacional".
"O que é ser francês?" Foi assim que o ministro da Imigração e da Identidade Nacional, Eric
Besson, lançou o debate nacional da identidade, em Novembro. Membros da oposição e
intelectuais perguntaram de volta: "É preciso definir o que é ser francês?". Para muitos, o
Governo só quer cortar na imigração. Para alguns, o debate sobre o véu integral - que se
convencionou chamar debate da burqa, apesar de apenas 367 mulheres usarem burqa em
França, para além de mais umas 1500 que usam niqab - não tem objectivos assim tão
diferentes.
Uma das propostas do documento ontem votado preconiza que "a insistência em usar o véu
integral" seja "tida em conta nos pedidos de asilo".
Os líderes muçulmanos franceses não defendem nem o uso da burqa (que cobre o corpo e o
rosto totalmente, com uma pequena rede diante dos olhos) nem do niqab(conjunto de três véus
que cobre cabeça e rosto, com o terceiro, negro mas transparente, sobre os olhos) mas
rejeitam uma lei que o proíba. O mesmo acontece com os líderes das outras comunidades
religiosas. Uma das excepções é o imã Hassem Chalghoumi, da mesquita de Drancy, na
região de Paris, que se tem pronunciado a favor da proibição - na noite de segunda-feira, 80
pessoas ameaçaram-no dentro da mesquita.
Ameaça à ordem pública?
Os membros da comissão defendem que a proibição de cobrir o rosto nos serviços e
transportes públicos obrigaria "as pessoas não só a mostrarem o rosto à entrada de um serviço
mas também a conservarem o rosto descoberto ao longo de toda a sua presença". A
"consequência desta violação", sugere-se, "não será de natureza penal mas vai consistir numa
recusa de conceder o serviço solicitado".
Para uma proibição total, os legisladores vão percorrer um caminho delicado. Qualquer medida
que limite o exercício de uma liberdade fundamental pode acabar censurada no Conselho
Constitucional francês ou no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. "Nada seria pior do que
proclamar algo e vê-lo anulado pelo Conselho Constitucional", disse Eric Raoult, vice-
presidente da comissão.
O relatório deixa uma pista legislativa "menos arriscada", sugerindo uma lei que proíba
qualquer peça de roupa que tape o rosto em nome da ameaça à ordem pública. Uma opção
que corresponde à proposta da UMP.
Este debate decorre em vários países europeus, a par de discussões sobre outros símbolos do
islão no espaço público, como os minaretes, proibidos há dois meses por referendo na Suíça.
Para além de França, que já proíbe qualquer véu (e símbolo religioso) nas escolas públicas
desde 2004, metade das regiões alemãs adoptou leis a banir "peças de roupa controversas das
escolas públicas", qualquer município belga pode proibir o véu integral no espaço público,
enquanto na Holanda se debate a interdição nas escolas. Londres fez saber que "não partilha a
posição da França".
Entre as propostas discutidas e rejeitadas pela comissão está a criação de uma "Escola
Nacional de Estudos sobre o Islão" e "lançar um debate parlamentar sobre a islamofobia".

A comunidade
6 milhões são os muçulmanos de França
1900 são as mulheres que usam véu integral; destas, dois terços serão francesas, um quarto
delas convertidas; metade tem menos de 40 anos
367 usam burqa
12.000 em França seguirão a interpretação salafista do islão, uma corrente ortodoxa e próxima
da wahhabita
1900 são as mesquitas do país, incluindo umas 50 salafistas

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