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KOFES, Suely. Categorias Analítica e Empírica, Gênero e Mulher - Disjunção, Conjunção, e Mediações
KOFES, Suely. Categorias Analítica e Empírica, Gênero e Mulher - Disjunção, Conjunção, e Mediações
Suely Kofes
Abstract
Gender and Women - equivalent or substitutable
term?
With this question, this text examines two lheoretical
tendencies - Joan Scott and Marily Strathern - some
anthropological contributions and a literary parallel,
to suggest lhe disjunctions and conjunctions betweenn gender and women. The mediation proposed is that gender - which maps a specific field of
differences - and women - a substantive category,
formulated by gender differences - are neither in opposition nor substitutable.
I. Disjunes
Na recente literatura sobre gnero encontramos, muitas
vezes, uma crtica aos estudos sobre mulheres que, pelo seu
carter identitrio, culminariam na constituio de uma teo1
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ria parcial; por outro lado, uma das crticas aos estudos de
gnero, afirma a sua incapacidade de compreenso dos sujeitos
concretos. Alguns centros de estudos, acadmicos, oscilam em
se nomear apenas centros de estudos de gnero, chamandose de centros de estudos de gnero e de mulheres. E h um
dado, aparentemente anedtico, que a pergunta ou a
observao, no to raras, dirigidas aos membros do Pagu
(Centro de Estudos de Gnero, IFCH, Unicamp) sobre como
possvel um centro de estudos de gnero ter entre seus membros apenas mulheres, e ter pesquisas que recortam (em seu
primeiro projeto coletivo) apenas trajetrias femininas. Aparentemente anedtico, porque expressa alguns impasses srios:
a categoria de gnero permitiria uma substituio, isto , no
se fala mais em mulheres, e substitui-se esta categoria por
gnero? Ao se propor pesquisar gnero h que necessariamente ter como pesquisadores homens e mulheres e recortar
necessariamente objetos masculinos e femininos? Se se reconhece que, teoricamente, mulher uma categoria de gnero
(gendered), seriam equivalentes e, portanto, substituveis,
ou h distines que pedem a manuteno do uso distinto?
No segundo caso, qual a disjuno, e qual a conjuno possvel?
Em sntese, por onde compreender, e o que indicaria, a
resistncia das categorias substantivas (e que nem sempre so
acionadas sob argumentos essencialistas) aos conceitos de
outra ordem? Creio que preciso comear a formular esta
questo, o que apenas , aqui, a minha inteno.
Para uma das tericas sobre estudos de gnero - referindome aos anos 80 - Johan Scott, gnero uma catego-
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Durkheim, E. e Mauss, M.: de quelques formes primitives de classification, Mauss, M.: Oeuvres, vol. 11, Minuit, Paris.
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Malinowski, B.: Argonautas do Pacfico Ocidental, Coleo Os Pensadores, XLIII, Abril Cultural, SP.
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de parentesco j se notar que seus smbolos operam, fundamentalmente, com esta oposio. Franoise Hritier, mesmo
afirmando estar fazendo um reconhecimento banal, diz que
todo sistema de parentesco levado a tratar conceitualmente
alguns dados de base que so universais e que exprimiriam a
diferena. Entre estes dados, ao lado da sucesso de geraes
e da ordem de nascimento, estaria a diferena sexual. Estes
trs constituiriam relaes naturais universais, sobre os quais,
em todo o tempo e lugar, operaria o trabalho simblico do
parentesco.6
Tambm na produo, a antropologia mostrou a importncia desta distino e seria esgotante lembrar todas as etnografias que remetem s atividades consideradas masculinas ou
femininas. Tambm os rituais expressariam tal distino e,
neste caso, lembremos apenas Victor Turner7 como exemplo
sobre o simbolismo ritual e ao ritual, onde masculino e feminino e homens e mulheres estariam sendo jogados, e
jogam, predominantemente.
Sobre a importncia desta distino, diz Mary Douglas:
Em culturas primitivas, quase por definio, a distino entre os sexos a distino social primria. Isto quer dizer que
algumas instituies importantes sempre se assentam na diferena entre os sexos.8 E Sahlins, na anlise do sistema de
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mem e mulher.. Uma das concluses de Mead a complementaridade desta distino: Isto parte da argumentao
geral do livro: que as mulheres vem o mundo de maneira diversa do homem e, assim fazendo, ajudam a raa humana a
se ver de maneira mais completa.12
O segundo sexo defini-se, no primeiro pargrafo, como
um livro sobre a mulher: Durante muito tempo eu hesitei
em escrever um livro sobre a mulher a frase com que
Simone de Beauvoir inicia o livro e, em seguida, pergunta:
Mas h mesmo mulheres? Em um encadeamento
argumentativo vai afirmar que nem todo ser humano fmea
necessariamente mulher, de que mulher um ser humano,
como o homem, mas todo ser humano singularmente
situado, e que recusar as noes do eterno feminino, da alma
negra, do car ter judeu, no nega que existam judeus, negros
e mulheres.
Para Beauvoir: Se a funo da fmea no suficiente
para definir a mulher, se recusarmos tambm a explic-la
pelo eterno feminino e, se admitirmos, pelo menos provisoriamente, que h mulheres na terra, ns temos ento que nos
colocar a questo, o que uma mulher?13
O impacto desta obra, para o feminismo e para os estudos sobre a mulher, bem conhecido. Maria Luiza Heilborn,
em um ensaio que analisa os projetos do Concurso de Bolsas
Pesquisas sobre a Mulher, aberto em 1979, pela Fundao
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III. Mediaes
No seria um tanto bvio, quando se fala em gnero, considerar que mulher uma categoria, entre outras, que a distino de gnero formula? Quando se fala em gnero h um
alargamento do campo categrico e de sentidos. As categorias
mulher ou homem recobrem, no meu entender, um campo
de referncias mais restrito que as categorias masculino e feminino, e as primeiras poderiam ser consideradas como partes
das segundas. Desta forma, no haveria oposio, excluso ou
substituio (mulher e/ou gnero, gnero por mulher) mas
gnero seria um instrumento que mapeia um campo especfico
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de distines, aquele cujos referentes falam da distino sexual. Quer onde esto sujeitos concretos, substantivos, homens e mulheres, quer onde nem mesmo encontramos estes
sujeitos. Mas, claro, esta relao ainda instiga, do meu ponto
de vista, interrogaes e pesquisas.
Sobre esta relao, e sem entrar no mrito se ou no satisfatria, seria importante considerar melhor, alm das contribuies contemporneas, a contribuio que a antropologia
acumulou em sua tradio sobre categorias de gnero, sobre
as experincias concretas dos sujeitos, homens e mulheres.
Embora - ou talvez porque? - estes temas, na antropologia,
tendem a ser pensados atravs de totalidades ou sistemas. No
primeiro caso, em sociedades, culturas; no segundo caso, de
classificao, de parentesco, mtico. E ainda, fundamentalmente, porque nesta disciplina as discusses sobre os estudos de gnero e sobre mulher podem tambm contribuir para
as questes epistemolgicas que a discusso contempornea
tem colocado em primeiro plano. Refiro-me relao entre
universalidade e particularidade, entre descrio e explicao,
entre categorias micas e ticas, entre significao, normas e
ao social, e a importncia estrutural da diferena. Alm do
reconhecimento, e do enfrentamento, de alguns enigmas,
como aquele sintetizado em uma afirmao de Lvi-Strauss,
nos Tristes trpicos16: a de que s se vence a natureza reconhecendo seu imprio e concedendo a parte correspondente a
suas fatalidades.
16
Lvi-Strauss, C.: Tristes trpicos, Ed. Universitrio de Buenos Aires, BA, 1970, p. 236.
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Evidentemente, esta afirmao, trazida para esta discusso, ardilosa. Mas ainda no seria um desafio enfrentar este
enigma?
Mas h outro desafio: talvez Orlando no subsuma Madame Bovary.