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Literatura

(...) “A literatura, como


toda a arte, é uma
Equipe confissão de que a vida

Dhennifer Freire
não basta.”
José Jesus
Rainara de Oliveira Pessoa. 2000, p.28
Gabriel Bentes

O Negro na Literatura
A expressão chamada de Literatura Negra (Afro-Brasileira) está presente em
diversos países e está ligada a movimentos surgidos no Caribe e Estados Unidos, onde
foi incentivado um tipo literário que valorizou as questões da identidade e cultura
africana. Esse termo tem a tendência reconhecer os valores de um segmento outrora
rejeitado e reprimido pela sociedade. Os conceitos sobre a literatura afro-brasileira
são analisados e discutidos em nosso país há vários anos, no entanto, eles são
considerados ainda como conceitos e noções que encontram-se em construção e
desenvolvimento.
A literatura afro-brasileira se constitui em materiais que apresentam temas,
linguagem, autores nas mais diversas áreas, abordando temas que realçam e buscam um
ponto de vista ligado a afro-descendência visando o resgate de ideais, costumes e
história da influência africana nas diversas áreas da cultura afro-brasileira.

Da visão depreciativa e estigmatizada à Literatura de


Resistência
A literatura muitas vezes conta histórias reais, retratando fatos ou ficções, mas
qual será os interesses que refletem essas histórias? O que acontece se apenas uma
visão de mundo for retratada? Aqui iremos mostrar como a história e os personagens
negros foram usados pela literatura ao longo dos anos para fortalecer a desigualdade e
como contadores de histórias estão trabalhando

para reparar o erro e as perdas quando se


conhece uma história única.
Podemos observar que na literatura
brasileira, os negros são retratados como
inferior as demais grupos étnicos, temos como
exemplo a famosa Tia Nastácia, do Sitio do Pica-Pau Amarelo de Monteiro Lobato, uma
mulher negra, idosa, que surge como uma empregada, conhecendo mais sobre o folclore,
que é inferiorizada por Dona Benta, uma mulher Branca, também idosa, detentora do
conhecimento empírico, das ciências exatas. De forma implícita, vemos o preconceito, a

humilhação e as depreciações da cultura popular, das crenças, mitos e tradições de um


povo.
No início do século XIX a temática negra passa a ser vista mais frequentemente

na literatura, porém muitos autores descrevem o africano, como um ser indefeso,


melancólico e saudoso de sua pátria, Gonçalves de Magalhães retrata este arquétipo, o
qual se repetirá em diversos outros poetas, conforme o trecho a abaixo do poema

Invocação à saudade:

Ó terra do Brasil, terra da Pátria, Ó suspirada, ó cara Liberdade


Quantas vezes do mísero africano Descende asinha do africano á choça,
Te regaram as lágrimas saudosas? Seu pranto enxuga, quebra-lhe as cadeias,
Magoados acentos E a saudade de Pátria lhe mitiga (1836:
Do cântico do escravo 301-302)
Ao som de duros golpes de machado...
Não apenas encontramos o negro, escravo melancólico, encontramos

também uma poesia em que o escravo é tratado como satisfeito com sua vida em

razão de ter alguns “privilégios”, como vemos no poema A mucama.

“Eu gosto bem desta vida, Por que não hei de gostar?
Por que não hei de gostar? Já nem tenho mais saudade
A minha branca querida. Da minha terra gentil!
Não hei de nunca deixar. Sou escrava da amizade,
Eu gosto bem desta vida, Quero morrer no Brasil. (1860: 141-148)

Em grande medida essa poesia retrata a visão da classe dominante brasileira, que

forjou uma visão positiva da relação senhor/escravo, e uma “amizade” entre esses

sujeitos. Vale destacar que um membro da elite branca coloca-se como porta-voz

dos anseios e desejos de um escravo, no caso, a mucama.

Vozes negras na Literatura Brasileira


Não pretendemos fazer um histórico da produção literária afro-brasileira,

e sim indicar como a literatura foi utilizada como uma estratégia de luta e arma de

resistência diante da perpetuação de visões negativizadas, preconceituosas e

apáticas sobre a população negra no Brasil. “A poesia nas vozes negras é, portanto,

a da resistência e que como uma possibilidade histórica, constrói um olhar que não

é mais o de subserviência ou de introjeção de valores. São vozes que rompem

definitivamente com o jogo de opressões em que estão inseridas”(SARTESCH).

A literatura – seja na poesia, nos contos, nos romances, nos dramas, nas

cartas – passa a retratar aspectos da vida e da luta do movimento negro, um dos

expoentes dessa literatura de resistência atende pelo pseudônimo de Éli Semog,

suas palavras reforçam as produções da literatura contemporânea e representam

a voz de movimentos negros, vejamos o poema:

“Razões”
“Em cada verso, sou as marcas dessa História.
Do mel, sei apenas, as ferroadas das abelhas,
Das flores, o perfume que acorda na memória
multidões de defuntos do meu povo. (Semog, 1997)
Esse poema nos faz refletir sobre as contradições e a violência vivida pela

população negra em relação às condições de trabalho versus a apropriação da

riqueza, reflete a experiência negra e, ao fazer isso, torna-se parte ativa da

transformação que pretende.

A chave da cor brasileira que sou pleno porque sou negro,


Todos os dias, a vida inteira, que sou feliz porque sou negro.
uma razão interior, harmoniosa, Em toda a minha volta,
que herdei de gente da minha gente, na versão dos outros,
e veio por séculos a fio da meada, na exclusão, no sofrimento,

me conduz e anuncia, no preconceito esplendido


sem ser oráculo ou magia, nada de mim pode Ser
que sou vida porque sou negro, além do branco, o possível.

De modo direto a poesia transmite a mensagem de crítica à política de


branqueamento e a harmonia forjada pela visão de “democracia racial”, critica
também a visão da miscigenação que tende a fortalecer ideologicamente a cultura
do segmento racial dominador em uma sociedade que tem como meta o ideal de
branqueamento, “nada de mim pode Ser além do branco”.
Assim, a poesia prossegue, o paulista Luís Silva, mais conhecido por Cuti,
também está presente na contraposição entre branco e negro segue no âmbito da
escrita literária, quando “arma e palavra se embaralham em um jogo sinestésico de
contraposições eloquentes. Se a escrita literária é o campo da dominação também
é o da libertação: pelas brechas dos incontáveis “poesídios” é essencial vislumbrar
os caminhos que conduzem à emancipação’”(SARTESCH)
Conclusão
A partir do exposto, acreditamos ser imprescindível a inserção da literatura Afro-
Brasileira e Africana nos currículos escolares uma vez que trará contribuições
como a desconstrução do imaginário preconceituoso, estabelecendo a importância
do povo africano e a sua cultura na construção da história brasileira, contribuindo,
dessa forma para a construção de uma sociedade mais justa."

Bibliografia
PESSOA, Fernando. Heróstrato e a busca da imortalidade. São Paulo: Assírio & Alvim, 2000.
SARTESCH. Rosangela Caminhos da Resistência Literária em Seis Poetas Negros Contemporâneos Brasileiros.
VIA ATLÂNTICA, SÃO PAULO, N. 27, 383-397, Jun/2015
SEMOG, Éle. A cor da demanda. Rio de Janeiro: Letra Capital, 1997.
CUTI. Negroesia, Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007

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