O desenvolvimento e a rápida expansão das novas tecnologias de Informação e de Comunicação e a passagem para uma sociedade de informação, digital ou de rede, em que a Internet e a World Wide web assumem uma especial importância, têm levantado diversas questões sobre a natureza e funções do do livro tal como tradicionalmente o temos conhecido e mesmo sobre o seu eventual desaparecimento. Neste quadro, Roger Chartier tem vindo a insistir em que, muito embora situações aparentemente semelhantes sejam recorrentes na história do livro e dos meios de comunicação, o momento em que nos encontramos configura uma “revolução” mais radical do que todas as anteriores por abranger, pela primeira vez em simultâneo, um conjunto de mutações que até agora tinham ocorrido em separado. Na verdade, argumenta Chartier, muitas das categorias através das quais nos temos relacionado com a cultura escrita estão a alterar-se, pois assistimos a mudanças nas técnicas de reprodução do texto, na forma ou suporte do texto e ainda nas práticas de leitura. Ora, no passado, isso nunca sucedeu: “a invenção do códice no Ocidente não modificou os meios de reprodução dos textos ou dos manuscritos. A invenção de Gutenberg não modificou a forma do livro. As revoluções nas práticas de leitura ocorreram no contexto de uma certa estabilidade quer nas técnicas de reprodução dos textos quer na forma e materialidade do objecto. Mas hoje estas três revoluções - técnica, morfológica e material – estão perfeitamente interligadas.” Essa singularidade leva a que enfrentemos uma crise nas categorias que têm permitido a nossa ligação com o livro e com a sua cultura. Por exemplo, acrescenta Chartier, as que dizem respeito à propriedade e ao copyright, que se cristalizaram durante o século XVIII, encontram agora diversas dificuldades face às características do texto electrónico. Mas o mesmo se passa com a noção da identidade do livro, identidade que é simultaneamente textual e material. Até agora, os géneros textuais podiam distinguir-se imediatamente pela sua materialidade específica. “Todos sabemos que um livro não é um jornal, que por sua vez também não é uma carta... Mas no mundo dos textos electrónicos esta diferença tende a desaparecer.”(1) Patrick Bazin refere então que a “ordem do livro” que tem sido a nossa e que conformava um campo simultaneamente cognitivo, cultural e político “em torno do qual o objecto livro ocupava a posição central”, se encontra já em plena reconfiguração. Mais ainda, essa “«cultura do livro», ou seja, uma certa maneira de produzir saber, sentido e sociabilidade vai pouco a pouco desvanecendo-se.” (2) Muito embora, como lembra George Steiner, noções como as do “Livro da Vida” ou da “Revelação”, sejam basicamente de origem greco-judaica e nunca tenham sido familiares ou imediatas para a maior parte da humanidade, quaisquer “mudanças fundamentais no estatuto do textual, do livro concebido como idioma da mente ou como fonte da vitalidade do espírito (...) tocam a substância da filosofia, da lei, das doutrinas políticas, da história e da literatura ocidentais. (...) E, acrescenta, também “a nossa experiência do passado, as nossas práticas de memória, são livrescas em todo o sentido do termo”. (...) De um modo quase impensado, entendemos, imaginamos livros quando reflectimos sobre a criação e a invenção, sobre as relações do pensamento e da imaginação com o tempo, sobre o arquivo dos erros e do conhecimento”. (3) Na verdade, da palavra de Deus à palavra do homem, o livro tornou-se a garantia da memória, da existência da ordem e da lei, parecendo ter recolhido da Bíblia uma suplemento do sagrado que lhe confere um claro privilégio de autoridade. Por outro lado, Yvonne Johannot refere que “o recurso aos textos antigos” (...), “a transmissão do conhecimento através das gerações, assegura simbolicamente uma coerência e homogeneidade a todo o género humano...” Desse modo, para Petrarca, a Antiguidade são os livros que leu, os manuscritos que procurou pacientemente e que estudou e explicou graças as seus conhecimentos filológicos. Petrarca que chegará a afirmar que a destruição de um livro é como que uma “segunda morte” para o seu autor, pois só a sua obra se encontra por excelência investida da autoridade para o representar. (4) Esta concepção do livro, diz ainda Johannot, “privilegia a actividade intelectual, elide o corpo do autor em benefício da sua obra, confunde o passado com as ideias transmitidas pelos textos que chegaram até nós e torna o livro o objecto incomparavelmente valorizado de uma cultura elitista. É a concepção dos humanistas e foi ela que viemos a herdar.” (5) Sendo inegável que o livro, a leitura e as suas práticas ou os modos de apropriação dos textos, bem como a nossa relação com a escrita, se encontram num momento de rápida transformação, impõe-se reflectir sobre como se traduzem essas mudanças na “ordem do livro” que referimos. Na verdade, encontramo-nos num campo de turbulência, em que se assiste cada vez mais a experiências no âmbito da edição electrónica e ao aparecimento de obras para leitura em écrã, de dispositivos portáteis de leitura de textos digitalizados, à multiplicação de publicações em diversos formatos e linguagens mark-up e ao desenvolvimento de software para potenciar condições dessa “nova” leitura. Mas, para Clifford Lynch, o que está realmente a acontecer é ainda mais complexo do que a emergência de novos canais de comercialização de livros ou de um novo tipo de dispositivo electrónico de consumo. “O que está em jogo é muito mais fundamental: como vamos pensar os livros no mundo digital e como irão estes comportar-se? De que modo vamos usá-los, partilhá-lhos e em que termos nos vamos referir a eles? Em particular, quais são as nossas expectativas sobre a persistência e permanência da comunicação humana com base nos livros, à medida em que entramos no «brave new digital world»? Continuará o nosso pensamento a ser dominado pelas convenções e modelos de negócio da edição impressa (...) e pelas nossas práticas culturais, expectativas de consumidor, quadros legais e normas sociais ligadas aos livros ou irão essas tradições desaparecer, talvez a favor de práticas em desenvolvimento em indústrias como a música?” Salientam-se então três temas cruciais na transição para o mundo digital e que a agitação em torno dos e-books pode ocultar: a natureza do livro no mundo digital como forma de comunicação; o controlo dos livros nesse mesmo mundo, incluindo as relações entre autores, consumidores/leitores e editores e, por extensão, o modo como viremos a gerir a nossa herança cultural e o nosso passado intelectual; e a reestruturação das economias da autoria e edição.” (6) Nesta perspectiva, convém antes do mais esclarecer o sentido de alguns termos pois, na verdade, encontramo-nos perante uma grande instabilidade semântica, provavelmente inevitável face a uma realidade em constante mudança. A edição electrónica apresenta então características específicas que vão desde a sua enorme capacidade de armazenamento de dados até à rapidez da sua produção e disseminação, facilidade de actualização e correcção ou potencialidades colaborativas e interactivas. Nessa medida, os produtos por ela gerados apresentam óbvias vantagens em relação à edição tradicional no que se refere à disponibilidade do conteúdo (tempo e local de entrega e dimensão da informação), à transparência e interactividade do conteúdo (interactividade, possibilidade de integração de conteúdos e serviços e instrumentos de pesquisa), e ao formato do conteúdo (hipertexto e multimédia). No corpus em construção da edição electrónica encontramos basicamente dois géneros de textos: por um lado, representações derivadas ou secundárias de livros impressos e publicados ou de textos pensados primariamente para publicação impressa (a que Geoffrey Nunberg chama “versões electrónicas”); por outro, publicação de textos electrónicos pensados e concebidos para se moverem em suportes electrónicos desde o seu início, que exploram as capacidades específicas do universo digital, ligados à vulgarização de ambientes hipertextuais e que questionam algumas das noções tradicionalmente atribuíveis aos textos da cultura do impresso. Acontece que, neste momento, todos estes desenvolvimentos coexistem, o que confirma que, no interior das próprias inovações tecnológicas, os movimentos não são uniformes nem síncronos e que a mesma invenção pode conter diversas evoluções e potenciais utilizações. Deve pois evitar-se a tendência redutora de atribuir as mudanças emergentes, designadamente nos meios e nas formas de comunicação, exclusivamente aos recentes desenvolvimentos tecnológicos. Os efeitos das tecnologias nunca são intrínsecos a um média em particular, são sempre mediados pelos usos que lhe são atribuídos e variam com o contexto em que são utilizadas. Por isso, Mark Bide chama a atenção para o facto de, “se olharmos apenas para o lado tecnológico, a mudança no sentido da distribuição de conteúdos em rede parece imparável. (...) No entanto, a existência de uma infra-estrutura tecnológica não garante por si só uma utilização neste ou naquele sentido nem define deterministicamente o tipo de impacte sobre o sector da edição. É pois necessário olhar para além dos factores tecnológicos de mudança e reconhecer que são as dimensões culturais, sociais e económicas e o modo como elas interagem com as novas tecnologias que vão, na realidade, afectar a edição do futuro” (7). É compreensível que esse acento tónico na “distribuição” tenha contribuído para que, nos anos mais recentes, o termo “livro electrónico” ou “e-book” se tenha visto apropriado pelas empresas que vendem dispositivos electrónicos para apresentação de textos digitais. Mas, na realidade, o e-book tanto tem vindo a ser entendido como o conteúdo que se lê (uma versão digital paperless de um livro, artigo ou outro documento) como acaba por se confundir com o dispositivo computacional onde se lê, que pode por sua vez ser dotado de maior ou menor grau de portabilidade. É certo que, antes do mais, se deve sublinhar que, em relação ao livro impresso, os produtos da edição electrónica exigem um suporte hardware e um software sem o qual não é possível o acesso à informação. Por isso nos parece que uma definição operativa deve passar por utilizar o termo e- book no sentido de um conteúdo digital ou digitalizado destinado a ser publicado e acedido electronicamente, o que implica o recurso a equipamentos electrónicos e a software. Frank Romano, por exemplo, define-o como “a apresentação de ficheiros electrónicos em monitores digitais. Embora o termo «e-book» implique informação direccionada para o livro, outros conteúdos podem também ser disponibilizados nesses dispositivos. Para além de texto e imagens estáticas, que são os casos típicos, é ainda possível apresentar som e imagens em movimento. Os ficheiros e-book podem ser fornecidos como unidades gravadas (discos) ou descarregadas a partir de repositórios digitais (incluindo Web sites) para computadores desktop, para laptops, para assistentes digitais portáteis, telefones celulares, ou para dispositivos digitais de leitura dedicados (também eles vulgarmente chamados «e-books»).(8) Contudo, acrescentamos nós, a estes últimos será mais correcto chamar e-book readers. Lynch chama ainda a atenção para que se não deve conceber um e-book apenas como o substituto de um livro que pode também estar disponível sob forma impressa já que, se tivermos em conta a trajectória do preço-performance do armazenamento, dentro em pouco alguns produtos de ponta estarão em condições de hospedar centenas ou mesmo milhares de obras simultaneamente. O que implica que se pense não apenas em livros electrónicos mas em bibliotecas pessoais digitais, o que confere uma dimensão bem diferente ao que no processo de mudança pode estar em jogo. (9) Se, a partir daqui, seguirmos a metodologia proposta por Brunella Longo, podemos distinguir basicamente três macro-categorias que, embora determinando no seu interior uma grande variedade de fórmulas, podem ajudar a identificar as diversas funções exercidas no mercado do livro e da edição electrónica pelas componentes hardware, software e de serviço (10). Em primeiro lugar, a categoria de livros electrónicos que requerem equipamentos de leitura específicos e dotados de software proprietário para a leitura em écrã. Uma segunda categoria é constituída por livros e documentos electrónicos que se descarregam a partir da Internet para máquinas convencionais e que são acessíveis através de um adequado software de leitura. Por último, encontramos uma gama crescente de serviços Web baseados na criação e desenvolvimento de bancos de dados de texto integral. O conjunto destes três pontos configura o sector que tem mobilizado nos anos mais recentes investimentos assaz significativos por parte dos grandes grupos editoriais e de companhias operando tradicionalmente no sector da informática, que rapidamente ocuparam o espaço onde durante algum tempo se movimentaram livremente pequenas start-up companies. No entanto, apesar de diversas previsões entusiásticas quanto ao sucesso dos livros electrónicos, o estado da questão é bem menos risonho, pois a edição electrónica é um segmento em rápida mas diferenciada evolução, pouco sedimentado, onde coabitam iniciativas que em geral remetem para acções de auto-publicação a par de outras mais consistentes e que propõem produtos de elevada qualificação profissional. Mas, no essencial, o sector foi em geral incapaz de dar origem a um mercado com a massa crítica indispensável para a sua sustentabilidade. Uma das razões para esse insucesso encontra-se certamente na ausência de uma clara concepção do produto. Refiro-me aqui não apenas à multiplicidade de fórmulas em presença, como à indefinição em relação a uma filosofia de replicação electrónica ou de edição digital, a uma perspectiva monofunção ou multifunção e ainda à simbiose produto/tecnologia/público alvo. No entanto, para alguns críticos mais radicais, o que acontece é que o livro electrónico, tal como o descrevemos, é ainda um avatar do livro impresso. Como escreve Jean Clément, “longe de constituir uma passo em direcção ao futuro, não é mais do que o derradeiro sinal da nossa ligação nostálgica a um objecto à beira do desaparecimento.” (11) E se a autonomia em relação ao computador, um menor custo e progressos nas condições de legibilidade são, a seu ver, trunfos importantes para o livro electrónico, eles acabam por o aproximar ainda mais do livro impresso e são completamente ineficazes para o destronar. Verifica-se assim que, “depois de ter sido separado do seu suporte (o livro papel), o texto se encontra de novo sujeito a um dispositivo material. Está relocalizado, identificado, cadeado e volta a apresentar as propriedades de um objecto comercial clássico.” Neste cenário, para Clément, a tradicional cadeia do livro encontrou uma vez mais o modo de se perpetuar, pois “as grandes manobras em curso no domínio da edição têm um objectivo bem simples - como continuar a conseguir lucros na cadeia do livro na hora do electrónico? – e não são mais do que uma resposta às ameaças levantadas pela disseminação dos textos na Internet.” Mas esta resposta “não se encontra à altura das questões culturais e intelectuais que a digitalização das obras do espírito coloca.” (12) Na verdade, prossegue, “este novo objecto (...) oferece poucas vantagens em relação ao livro tradicional. Tentando imitá-lo, empobrece-o.” Deste ponto de vista, “trata-se de uma regressão em relação às promessas do electrónico.” Essas promessas eram as de uma biblioteca universal tal como Ted Nelson a imaginava em 1965 no seu projecto Xanadu ou as do “expanded book”, termo lançado pelos promotores das edições Voyager em 1984, aproveitando as “vantagens conjugadas do suporte digital (primeiro o disco laser e depois o CD-ROM) e do software Hypercard, o primeiro software hipertexto destinado ao grande público.” Face a essas promessas, o e-book é um livro fechado, “fechamento que é acompanhado pela sua estruturação hierárquica. Todas as tecnologias elaboradas para os e-books tendem a tornar fixa a estrutura do texto ao reproduzir a do papel.” (13) Por fim, do lado da criação, “vira as costas a novas formas por vezes bastante afastadas da nossa cultura do livro e, designadamente, a uma nova escrita que se caracteriza por três aspectos essenciais: por ser hipertextual, distribuída, e dinâmica e multimédia. Concluindo, para Clément, “assegurar a sucessão do livro na hora electrónica, não é apenas procurar reproduzi-lo do modo mais fiel possível, é também explorar as novas potencialidades oferecidas pelo digital, é ter em consideração a ruptura fundamental que ocorreu entre o texto e o seu suporte. É passar do livro-objecto ao livro-biblioteca, ao livro interactivo, ao livro em rede, ao livro multimédia.” (14) Deste modo se declinam alguns dos pontos que levam a desencontros teóricos profundos no campo da edição electrónica: na realidade, a geração de publicações que exploram as capacidades específicas do universo digital, o crescimento exponencial da Web, a vulgarização do trabalho em rede e de ambientes hipertextuais questionam algumas noções atribuíveis aos textos da cultura do impresso, como a fixidez, linearidade, sequencialidade, autoridade ou finitude, provocando transformações nas clássicas definições de autor, leitor e suas relações mútuas. Estes pontos integram já a agenda teórica do hipertexto e, nela, do aparecimento de diversos e novos géneros textuais. Campo em que é exigível uma atitude prudente face a algumas posições relativamente generalizadas. Entre elas, a de que a acelerada evolução no campo das tecnologias digitais terá provocado alterações críticas nos modos de escrever e de ler; mas também, como refere Espen Aarseth, “a tendência para descrever os novos média textuais como absolutamente diferentes dos anteriores, com atributos determinados pela tecnologia material do medium.” Em ambos os casos, “a inovação técnica surge como causa de progresso social e político e de libertação intelectual face aos média anteriores.” No âmbito dos géneros literários, esta posição levou à convicção de que “as tecnologias digitais e os seus recursos possibilitam que os leitores se transformem em autores ou, pelo menos, de que a distinção entre ambos seja cada vez menos nítida, já que o leitor poderia criar a sua própria «estória» «interagindo» com o computador. As forças ideológicas que rodeiam as novas tecnologias produzem uma retórica de novidade, diferenciação e liberdade que contribui para obscurecer as relações estruturais mais profundas entre média superficialmente heterogéneos.” Por fim, o mesmo Aarseth refere-se ainda a um outro problema que passa por uma aplicação algo descuidada das teorias da crítica literária a um novo campo empírico, sem qualquer reavaliação dos termos e conceitos nele envolvidos. (15) Isso não tem impedido que nestes anos mais recentes alguns desses novos géneros textuais tenham encontrado boa fortuna, particularmente os ligados aos conceitos de hipertexto e, mais concretamente, as chamadas narrativas hipertextuais ou hiperficção. Comecemos então por enfrentar esta noção, o hipertexto, e o que nela se vem jogando, até porque a primeira utilização explícita do termo já tem praticamente quarenta anos e o artigo seminal de Vannevar Bush mais de cinquenta. Luciano Floridi considera que, passado este tempo, os hipertextos adquiriram tantos atributos e desenvolveram-se em tipologias tão diferentes que uma definição englobante se arrisca a ser ou muito genérica ou muito controversa. Mas que vale a pena assumir esse risco, até pelo que isso poderá ajudar a clarificar alguns conceitos equívocos referentes à natureza do hipertexto. Então, na sua definição abrangente, “um texto é um hipertexto se, e só se, for constituído por: 1. Um conjunto discreto de unidades semânticas (nós) que, nos melhores casos, têm um baixo peso cognitivo, como parágrafos ou secções, mais do que páginas ou capítulos. Estas unidades, definidas por Roland Barthes como lexia (…) podem ser: a) documentos alfanuméricos (hipertexto puro); b) documentos multimédia (hipermédia); c) unidades funcionais (isto é, agentes, serviços ou applets…), caso em que temos o hipertexto ou o hipermédia multifuncional. 2. Um conjunto de associações - links ou hiperlinks incrustados em nós por intermédio de áreas formatadas especiais, conhecidas como âncoras (anchors) de origem e de destino – conectando os nós. Estas são referências cruzadas activas e estáveis que permitem ao leitor mover-se imediatamente para outras partes de um hipertexto. 3. Um interface dinâmico e interactivo. Isto possibilita ao leitor identificar (...) e operar com as âncoras (...) com a finalidade de consultar um nó a partir de outro (...). Os interfaces também podem apresentar mais facilidades de navegação, como uma representação espacial, a priori, de toda a estrutura da rede – quando o sistema é fechado e suficientemente limitado para ser totalmente apresentado num mapa (o chamado sistema sky-view) -, ou um sistema a posteriori do registo cronológico da ‘história’ dos links seguidos (…)”. (16) Floridi refere ainda alguns equívocos recorrentes sobre o hipertexto, a que chama falácias, interesssando-nos aqui particularmente duas delas: em primeiro lugar, a falácia electrónica, segundo a qual o hipertexto seria unicamente um conceito computer-based. Ora, na verdade, essa posição é incorrecta e deve-se à confusão entre o nível físico e nível conceptual. Como o «Memex» mostra, “um hipertexto é uma estrutura conceptual que foi originalmente concebido em termos completamente mecânicos. (…) É certo que nós e links só podem ser implementados eficientemente e em larga escala por um sistema de informação que possa, em primeiro lugar, unificar todos os documentos, formatos e funções que usam o mesmo medium físico e, em segundo lugar, proporcionar um interface interactivo que possa responder aos inputs externos quase em tempo real. E é igualmente óbvio que os computadores se ajustam de um modo preciso a esse papel. Mas o memex ou Xanadu são, como a máquina de Turing, modelos teóricos. A electrónica digital, embora praticamente vital para o seu desenvolvimento, é em geral conceptualmente irrelevante para o seu entendimento”. Em segundo lugar, a falácia literária, segundo a qual o hipertexto teria começado primariamente como uma técnica narrativa, sendo pois essencialmente uma nova forma de género literário. Também esta noção é incorrecta. Na verdade, “os hipertextos foram encarados em primeiro lugar e permanecem antes do mais, como sistemas de recuperação de informação, usados para recolher, ordenar, agrupar, actualizar, pesquisar e recuperar informação de um modo mais fácil, rápido e eficiente”. E, na realidade, o hipertexto fornece meios potentes e efectivos para integrar e organizar documentos em colecções coerentes com referências cruzadas extensas, estáveis e imediatamente disponíveis. Em consequência disso, “o formato hipertexto tornou-se o formato standard para software educativo interactivo, obras de referência, livros de texto e documentação técnica, ou para a própria Web...” (17) Por outro lado, para Floridi, o hipertexto, como princípio organizacional da estrutura tipológica do nosso espaço intelectual (...) abre a infoesfera para um crescimento sem limites. Parece então razoável descrever o hipertexto como “o princípio logicamente constitutivo de organização do hiperespaço representado pela infoesfera. (…) E, em vez de tentar impor uma linha de divisão entre diferentes tipos de documentos, é mais útil reconhecer que o hipertexto, como organização relacional de documentos digitais, ajuda a unificar, a tornar mais fina e eventualmente mais acessível a estrutura intertextual e infratextual da infoesfera.” (18) Recorde-se que, para Floridi, a infoesfera é “todo o sistema de serviços e documentos, codificados em qualquer média semiótico e físico, cujos conteúdos incluem qualquer espécie de dados, informações e conhecimentos, sem limitações de dimensão, tipologia ou estrutura lógica. No que se refere à infoesfera, o poder simbólico-computacional dos instrumentos das TIC é empregue para fins que vão para além da solução de problemas numéricos complexos, do controlo de um mundo mecânico ou da criação de modelos virtuais. A ciência dos computadores e as TIC fornecem os novos meios para gerar, fabricar e controlar o fluxo de dados e informações digitais (...), gerindo assim o seu ciclo de vida (criação, input, integração, correção, estruturação e organização, actualizações, armazenamento, pesquisa, interrogação, recuperação, disseminação, transmissão, uploading, downloading, linking, etc.)” (19). Este ponto é decisivo para entendermos que, independentemente de o hipertexto, como ferramenta técnica, se poder considerar como programa, como software ou como diferentes tipos de «hypermedia system designs» e portanto dos documentos ou web sites a que dá forma e dá estrutura, nos encontramos cada vez mais envolvidos num ambiente hipertextual pois o hipertexto é também o princípio organizacional da estrutura do nosso espaço intelectual. Questão da maior importância para abordar o problema das competências culturais nas sociedades contemporâneas, como adiante veremos. Alguns autores têm procurado encontrar pontos de referência nesta realidade de múltiplos registos. Assim, Alberto Cadioli distingue entre hipertextos de tipo ensaístico (que, por sua vez, Maria Augusta Babo refere como relevando da “reconfiguração do livro-representação”) e hipertextos literário-criativos, dotado de uma elevada função estética. (20) Os primeiros são utilizados para conectar informações de documentos já existentes (com afinidades que o justifiquem), com vantagens no campo da investigação ao facilitar a consulta de documentos e livros, “não implicando que esses livros abdiquem da sua integridade e existência física”, e que encontram enormes mais-valias ao serem digitalizados e sobrecodificados em linguagens e protocolos hipertextuais. Basta pensarmos em hipertextos como o projecto Perseus, as várias Webs de George Landow ou o Rossetti Archive, para verificarmos como se tratam de trabalhos com aspectos de absoluta inovação face aos textos impressos. Jerome McGann, responsável pelo Rossetti Archive (21), escreve que os “hipertextos nos permitem navegar através de grandes massas de documentos e ligar esses documentos, ou partes deles, de modos complexos. As relações podem ser definidas previamente (como nas várias «webs» de Landow) ou podem ser desenvolvidas «on the fly» (através de relações criadas na marcação SGML de uma obra). (…) Estas redes documentais podem ser organizadas de modo interactivo, permitindo inputs do leitor/utilizador. Podem ser distribuídas de uma forma auto-contida (por exemplo, em discos CD-ROM), ou podem ser estruturadas para transmissão através da Rede.” (22) Referindo-se à sua experiência, acrescenta que “é importante compreender que o projecto Rossetti é um arquivo e não uma edição. Quando um livro é produzido, ele fecha-se literalmente em si mesmo. Se a obra tiver continuação, têm de ser produzidas de modo similar novas edições ou outros livros com ela relacionados. Uma obra como o Rossetti Hypermedia Archive escapa a essa limitação bibliográfica. Foi construída de modo a que os seus conteúdos e a sua webwork de relações (internas ou externas) possam ser indefinidamente expandidos e desenvolvidos.” Mais ainda, ao invés das edições tradicionais, a edição computorizada permite armazenar enormes quantidades de documentação e pode ser construída de modo a organizar, a aceder e a analisar esses materiais não só mais rápida e facilmente como com uma profundidade a que nenhuma edição em papel pode aspirar.” No entanto, McGann não deixa de esclarecer dois aspectos. Antes do mais, as suas posições têm apenas a ver com corpos textuais que são instrumentos de conhecimento científico. De seguida, afirma que “os entusiastas do HyperText fazem por vezes algumas extravagantes declarações.... (...) Afirmar que um HyperText não se encontra centralmente organizado não significa (...) que a sua estrutura não tenha princípios directores (...). Essa estrutura tem claramente muitas partes e secções ordenadas e está organizada para permitir pesquisas directas e operações analíticas. Nesse sentido, o HyperText está sempre estruturado de acordo com um conjunto inicial de planos de design que se ajustam aos materiais específicos no HyperText e às necessidades previstas dos utilizadores desses materiais.”(23) Este segundo ponto pode levar a pensar em alguns teorizadores e cultores do hipertexto literário-criativo. Este tipo de hipertexto, o literário-criativo, está virado “para a produção de obras concebidas propositadamente para serem lidas no registo hipertextual”, e nele “o género ficcional parece ser o grande beneficiário” devido ao desaparecimento dos limites postos à imaginação do escritor pelo livro impresso”. Nessa perspectiva, as tecnologias digitais proporcionariam então novas possibilidades de criação literária e constituiriam a satisfação de um desejo antigo dos escritores graças às suas potencialidades de escrita não linear, à possibilidade de uma maior participação do leitor ou à inclusão, no corpo do texto, de elementos não verbais. Jean Clément chega a afirmar que “a generalização das técnicas hipertextuais é o resultado da conjugação de uma mudança epistemológica e de uma técnica, sendo que a mudança epistemológica diz respeito ao estatuto do texto na crítica contemporânea.” (24) E, na verdade, é nesta área da reflexão sobre a escrita que encontramos as perspectivas teóricas mais elaboradas, a propósito quer do hipertexto em geral quer do hipertexto como instrumento para a criação literária. Essa é a opinião de Giulio Lughi, que menciona alguns pontos de referência literária e teórica em que se fundamenta essa reflexão, desde “os grandes experimentadores do passado (de Rabelais e Sterne até Joyce e Borges) à vanguarda experimental contemporânea (Robbe-Grillet, Saporta, Pavic) e aos teóricos da centralidade do leitor (de Barthes a Iser), tudo num contexto teórico em que têm um papel decisivo os conceitos de descentramento, segmentação e rede, remetidos para o desconstrucionismo de Derrida. Nesta perspectiva, o hipertexto literário é entendido como a realização de instâncias teóricas já pré-existentes no plano filosófico e cultural, como o banco de testes em que se analisa a dissolução da centralidade do texto, a multiplicação dos pontos de vista e a livre iniciativa do leitor.” (25) Não admira assim que Clément, considere que o hipertexto traz uma resposta tecnológica à problemática deleuziana. São conhecidos os principais pontos da argumentação desenvolvida por figuras como George Landow, Jay Bolter ou Richard Lanham: a reconcepção da textualidade (que passa por aspectos como o abandono da linearidade, o texto como rede, o texto aberto, a dispersão do texto, a questão da intertextualidade, o tema dos múltiplos começos e fins e o descentramento do texto), a redefinição do autor, a redefinição do leitor, o rompimento do cânone e os novos modos de ler e de escrever. Desse modo, quando se analisa o campo literário da escrita hipertextual, convém ter em conta, para além das próprias hiperficções, estas perspectivas teóricas. Ou seja, refere Aarseth, os pressupostos normativos das teorias iniciais do hipertexto “devem ser compreendidas à luz de um projecto de âmbito mais vasto no seio da sua primitiva comunidade, projecto que tentava associar a tecno-ideologia do hipertexto aos vários paradigmas da teoria do texto.” (26) Como escreve Rune Daalgard, “a justificação para as reivindicações ideológicas feitas a partir do hipertexto assumem normalmente uma de duas formas: ou uma convicção de que o hipertexto possui um novo potencial crítico e reflexivo – para alguns, o hipertexto encontra-se mesmo explicitamente associado a uma filosofia específica ou a uma atitude crítica - ou, alternativemente, uma ideia, já presente no «Memex» de Bush, de que o hipertexto se encontra mais próximo do pensamento associativo humano do que o texto impresso.” (27) Num artigo clássico de 1992, The End of Books, Robert Coover afirmava que “o romance, como o conhecemos, chegou ao seu fim. E ninguém lamenta a sua morte. Por maior que tenha sido o seu charme, o romance tradicional, que ocupou uma posição central no mesmo momento em que surgiram as democracias industriais – e aquilo a que Hegel chamava «a epopeia do mundo da classe média» - é entendido pelos seus carrascos como o perigoso veículo dos valores patriarcais, coloniais, canónicos, hierárquicos e autoritários de um passado que já nos não acompanha”. E acrescentava que muito desse suposto poder do romance está incrustado na linha, esse movimento compulsivo determinado pelo autor, que vai do início de uma frase ao final do período, do cimo ao fundo e da primeira à última página. É claro que durante a longa história do impresso se verificaram inúmeras estratégias para reagir contra o poder da linha, desde os comentários à margem e notas de rodapé até às inovações criativas de romancistas como Lawrence Sterne, James Joyce, Raymond Queneau, Julio Cortázar e Italo Calvino (...) Mas a verdadeira libertação da tirania da linha só é percebida como realmente possível com a aparecimento do hipertexto, escrito e lido no computador, onde a linha de facto não existe a menos que alguém a invente e implante no texto”. (28) Aqui se encontram confirmados quer os temas da linearidade e do poder demiúrgico do autor ligados à tecnologia do impresso, quer uma estratégia de legitimação que passa pelas diversas tentativas de libertação dessa prisão, sempre frustradas porque incompletas, por parte de grandes figuras do cânone literário e mesmo ensaístico. Basta recordar que Landow considerou a obra “Mille Plateaux”, pela sua construção, como um “proto-hipertexto impresso” e por outro que “muitas das qualidades que Deleuze e Guattari atribuem ao rizoma requeriam o hipertexto para encontrar a sua primeira aproximação, se não a sua resposta e realização completas”. (29) A partir de 1987, com a publicação de Afternoon, de Michael Joyce, a obra marcante do campo da hiperficção, primeiro apresentada em floppy disk e depois transferida para o programa Storyspace em parte desenvolvido pelo próprio autor em 1990, começam a surgir diversas experiências de narrativa hipertextual. Para Joyce, a hyperficção “é a primeira instância do verdadeiro texto electrónico, aquilo que um dia será concebido como a forma natural de escrita multimodal e multissensitiva”. (...). Não tem um centro fixo nem margens, não tem um fim ou fronteiras. O tradicional tempo linear da narrativa desaparece numa paisagem geográfica ou num labirinto sem saída, e o começo, o meio e o fim deixam de fazer parte da sua apresentação imediata. Em vez disso, temos opções ramificadas, menus, link markers e redes mapeadas. Nestas redes não existem hierarquias, nem parágrafos, capítulos ou outras tradicionais divisões do texto, que são substituídas por janelas com blocos efémeros de texto e gráficos que, a breve trecho, serão complementados com som, animação e filme”. Esta fase, que Robert Coover veio posteriormente a chamar a “idade de ouro do hipertexto literário”, caracterizou-se por obras com múltiplos links entre écrãs de texto numa webwork não linear de elementos poéticos ou narrativos. Os primeiros escritores experimentais trabalhavam quase exclusivamente em texto, tal como os estudantes dos primeiros workshops sobre hipertexto na Brown University, em parte por opção (eram escritores do impresso a tentar movimentar-se em direcção a este domínio radicalmente novo e trazendo consigo o que melhor conheciam), mas em grande medida porque tal era exigido pelas limitadas capacidades dos computadores e diskettes de então. (…) Estes primeiros hipertextos eram na sua maior parte objectos discretos, tal como livros, passados para floppy disks de baixa densidade e distribuídos por pequenas empresas em arranque como Eastgate Systems e Voyager”. (30) É o tempo de obras paradigmáticas como Its Name Was Penelope de Judy Malloy, Victory Garden de Stuart Moulthrop ou da famosa Patchwork Girl de Shelley Jackson. Mas desde então algumas mutações ocorreram. Antes de mais, o aparecimento e desenvolvimento da World Wide Web e de alguns aspectos com ela relacionados: interfaces gráficos tipo WIMP (Windows, Icon, Menu, Pointer), a invenção do Netscape e outros browsers, a criação de linguagens HTML, de aplicações Java e VRML e uma rápida expansão do hipermédia. Com a possibilidade de se “publicarem” hiperficções directamente na Web veio a verificar-se uma progressiva diminuição da importância da palavra, cada vez mais reduzida, diz Coover, a um ícone ou a uma legenda. Também Christian Vandendorpe assinala que, na realidade, “a componente verbal (...) já não representa praticamente nada nos hipermédias ficcionais... É hoje possível empenharmo-nos numa ficção complexa sem que a linguagem esteja presente senão no estado de epifenómeno. Este movimento de «desverbalização» tornou-se possível devido a uma modificação radical do ponto de vista da narração.” (31) Coover chama ainda a atenção para um outro aspecto. Diz ele que também as “noções de arquitectura, de organização ou de design desapareceram. O mesmo aconteceu com a genuína interactividade; o leitor é agora frequentemente obrigado a entrar num fluxo media-rich mas inescapável, direccionado pelo autor ou autores: num certo sentido, equivale ao back to the movies again, a mais passiva e dominadora das formas.” (32) Vejamos o caso da hiperficção Hegirascope publicada em 1995 por Stuart Moulthrop (33).Nesta obra, os fragmentos textuais passam como num ininterrupto slide show, as páginas encadeiam-se de modo automático após ter decorrido um certo período de tempo (normalmente de 20 a 30 segundos), para além de os nós de texto conterem os habituais links. Assim, o que muda entre Afternoon e Hegirascope é que, enquanto aquela obra colocava, segundo Bolter, um problema geométrico em que o leitor “tinha de adquirir uma intuição da estrutura espacial” (34), em Hegirascope se adiciona uma figura temporal que pode ser vista, na opinião de Aarseth, como “uma alegoria da ausência de influência do leitor sobre o texto”. Enquanto as anteriores hiperficções podiam ser contempladas segundo o ritmo do leitor, no fundo como qualquer outra obra ficcional, esta obra de Moulthrop não permite essa leitura contemplativa. O efeito acrescentado do ritmo temporal transforma Hegirascope numa paródia do hipertexto, numa excessiva fragmentação que sobreaquece o medium, para usar os termos de McLuhan. (35) Hegirascope obriga a reflectir sobre alguns pontos. Por um lado, a actividade que obras como esta propõem aproxima-se mais do visionamento de um espectáculo que da leitura de um livro, em virtude não tanto da importância concedida ao visual mas da falta de controlo do leitor sobre o passar da página. Por outro lado,Aarseth chama a atenção para a diferença ontológica entre os textos da Web como Hegirascope e os textos dos média modernos que o precedem. Antes da Internet “a publicação significava produção em massa, fosse em papel, CD- ROM ou diskette. Isso implicava, no codex ou no hipertexto, a cópia, para que objectos físicos idênticos pudessem ser largamente distribuídos. Um documento da Web, ao invés, existe inteiramente num sítio: no servidor em que o autor ou o possuidor do documento o colocou. A obra de arte volta assim a ganhar de novo um sentido do lugar.” (36) Mas há ainda motivo para questionar um dos mais caros pressupostos dos teóricos do hipertexto, a redefinição do estatuto do autor, do estatuto do leitor e a reconcepção da sua mútua relação. O autor de Hegirascope, por exemplo, retém o controlo total sobre o conteúdo da obra mesmo após a publicação do texto. Pode em qualquer ponto mudar ou acrescentar partes ao texto sem o conhecimento do leitor e é o único a ter a todo o momento uma compreensão integral da composição do texto. Hegirascope, sendo uma experiência radical, levanta afinal uma questão que muito provavelmente deve ser posta em relação a qualquer outro hipertexto. Já Coover referia que “o autor não desaparecera, como uns receavam e outros ansiavam” e Vandendorpe afirmava que “com o hipertexto, a parte do visual no texto e a dimensão icónica estão em vias de expansão pelo facto de o autor poder agora reapropriar-se da totalidade dos instrumentos de edição de que tinha sido desapossado com a invenção da imprensa. Graças ao computador pode encarregar-se da formatação tipográfica e icónica do seu texto e, no caso de um hipertexto, determinar com precisão o grau de interactividade que deseja conceder ao leitor”. Mais ainda, “graças à tecnologia informática o autor pode agora retomar um certo controlo sobre o leitor, controlo que tinha perdido na passagem da oralidade para a escrita”. Daí que Vandendorpe considere que“invocar «o espírito de descoberta» inerente à tecnologia do hipertexto para justificar o facto de se deixar o utilizador no negrume mais total, equivale a infantilizar o leitor, negando-lhe o acesso a informações esssenciais para poder gerir a sua leitura e o tempo que deseja dedicar-lhe.” Por isso propõe que “é antes necessário procurar os meios de dar ao leitor, graças à máquina, um domínio ainda maior sobre a sua actividade. A leitura em écrã só poderá seduzir duradouramente os utilizadores se se apoiar naquilo que a cultura impressa conquistou, embora libertando-se dos limites inerentes a um suporte material.” Talvez seja pois legítimo pensar que o aumento do poder do leitor é apenas “uma representação idílica, que suporia que o autor de um hipertexto teria, na realidade, renunciado a manipular o contexto de recepção do leitor”, ou que “a liberdade aparente dada ao leitor mais não faz do que reforçar a posição soberana do autor, que surge como o senhor de todos os desenvolvimentos possíveis”. (37) E o facto de “os hipertextos electrónicos possibilitarem marcações e anotações a uma meta-nível, só mostra que o hipertexto em si mesmo, como objecto-nível, se encontra frequentemente “trancado”, como uma colecção de ficheiros ‘read-only’. O grau de interacção criativa que os hipertextos oferecem ao leitor continua a ser, na prática, limitado”, como escreve Floridi. Do mesmo modo, não nos devemos deixar iludir na Web pelas oportunidades oferecidas pelas ilimitadas possibilidades de ligação. Existe uma enorme diferença entre um hipertexto totalmente marcado, que é uma totalidade de nós e links, e a simples conexão com outro hipertexto que não está directamente sob o controlo do autor”. E,muitas vezes, “os hipertextos são tão finitos, autoritários e imutáveis como um livro e apresentam um percurso igualmente claro em que o leitor é convidado a mover-se, no fundo uma narrativa axial.” (38) Talvez por isso Aarseth afirme que com as actuais diferenças entre sistemas hipertextuais, nomeadamente os utilizados para fins poéticos, é perigoso elaborar teorias gerais sobre hiperliteratura e que, ao invés, devemos olhar para cada sistema como um medium técnico potencialmente diferente, com consequências estéticas distintas. Para ele, “o hipertexto é tanto uma categoria técnica como ideológica, construída com base na sua pressuposta diferença de, e superioridade sobre, os média impressos e devemos ter o cuidado de não permitir que este mito influencie subconscientemente as nossas leituras de textos individuais.” (39) Mark Bernstein, citado por José Augusto Mourão, a propósito da narrativa na rede, escreve: “A Rede está permanentemente dilacerada por duas forças poderosas, aparentemente irresistíveis e irreconciliáveis. Por em lado, a utilização e a engenharia de interface favorecem a simplicidade, a consistência e a clareza, um minimalismo meramente funcional. Por outro lado, os padrões e as tecnologias da rede que estão a surgir alimentam uma eflorescência permanente de novas abordagens ao design da rede. Por um lado, trata-se de uma estrutura hierarquicamente rígida cunhada como Arquitectura da Informação que promete claridade e coerência; por outro lado, essa mesma rigidez parece proporcionar esterilidade e enfado.” E comenta Mourão: “Aí estamos. Entre um minimalismo funcional; entre estruturas rígidas que prometem ao mesmo tempo claridade e coerência, mas também esterilidade e aborrecimento. Enquanto as novas tecnologias para o hipertexto e gráficos animados baseados na rede prometem trazer à rede experiências narrativas poderosas, a realidade não é assim tão cor- de-rosa: continua a ser difícil encontrar narrativas na rede atraentes e os gráficos comerciais animados têm sobretudo que aliar a interacção sofisticada com uma narracão sedutora. É verdade que as velhas ideias de design se tornaram caducas com esta arremetida; é verdade que os antigos erros parecem ridículos; é verdade que as abordagens anteriores ficam muito ultrapassadas. Mas esta corrida tumultuosa, com claques de ambas as partes, ignora uma terceira força: o poder da narrativa. Objecto perdido?” E mais adiante: “Aquilo que a escrita electrónica «conta» não é senão a linguagem das bifurcações, das descontinuidades e das descontextualizações: organizar a estabilidade das relações mais do que a invenção das palavras, ir até à raiz das diferenças imateriais que fundam a linguagem. Que linguagem – a do vazio?” (40) Talvez por isso, a insuspeita Jane Yellowlees Douglas quase reduza agora as características do hipertexto a “uma tecnologia que existe em grande medida como reflexo do que pode ser entendido como crucial para criar, armazenar, pesquisar e manipular informação.” E acrescente que o “o hipertexto se torna um aparato pelo qual diferentes grupos fixam as qualidades que consideram centrais para a comunicação através de palavras. Na maior parte da literatura sobre os aspectos do design do interface e da engenharia do software do hipertexto, os investigadores assinalam que existem praticamente tantos tipos diferentes de sistemas hipertexto quanto utilizações óbvias para a tecnologia, e que o próprio design do software tende a reflectir os tipos de actividades para cujo suporte foi criado. Essas actividades são ler, escrever e aprender, elas mesmos processos que se transformam de um contexto social para outro, de umas tarefas, géneros e textos para outros.” (41) Parece assim de aceitar a ideia de Floridi para quem “o hipertexto literário entendido como um novo estilo de narrativa «aberta» permanece um fenómeno apenas marginal.” (42) E, entre outros, talvez para isso concorra um ponto sublinhado por João Arriscado Nunes ao afirmar que “apesar das frequentes tentativas de assimilar o texto em suporte impresso ao texto em suporte electrónico, a qualidade de «literário» de um dado texto parece estar estreitamente vinculada ao suporte impresso. O livro, enquanto objecto impresso, aparece como a forma quase «natural» de existência dos textos que são classificados, pelos especialistas, como «literários». As formas electrónicas de existência dos textos literários são vistas, nesta perspectiva, seja como um recurso para alargar a difusão de um texto que, no essencial, foi definido e fixados na(s) sua(s) versões impressas (ou para facilitar o trabalho dos especialistas de teoria, crítica e história literária sobre o próprio texto), seja como uma ameaça à existência e à integridade de obras que encontram no suporte impresso a sua forma «natural» de existência física.” (43) Também por isso Steiner pode afirmar que “é claro que os livros tal como os conhecemos desde Gutenberg vão continuar a ser escritos, publicados, comercializados e lidos.” E que “muito provalmente o número de títulos em formatos tradicionais vai aumentar nos tempos mais próximos” (...) As “Belles lettres, a literatura destinada ao prazer e à consolação irão continuar, num futuro previsível, a aparecer no seu modo tradicional.” (44) Apesar disso, não nos devemos deixar iludir, pois tal não impede que o livro tenha perdido, no oceano textual, a sua hegemonia e a sua centralidade simbólica e que a leitura e as suas práticas, bem como a nossa relação com a escrita, se encontrem igualmente num processo de clara transformação. Na verdade, tem-se previsto amiúde quer “a morte do livro” quer “a morte do leitor”, referindo-se argumentos estatísticos sobre o declínio dos hábitos de leitura, os crescentes problemas que a edição tradicional enfrenta ou ainda o inevitável triunfo da «cultura do écrã»”. Os dados resultantes de diversos estudos e inquéritos apontam para tendências dificilmente questionáveis, como a explosão do universo do audiovisual e do multimédia, a generalização da diversificação das práticas culturais (favorecida pelo uso do telecomando e do “rato”), a diminuição do número dos «grandes leitores» ou a transferência dos jovens leitores para o segmento das revistas, livros práticos ou profissionais. Assiste-se ainda a uma clara revalorização do modelo a que os franceses chamam «lecture ordinaire» que se estende agora a todas as categorias de leitores e que, como refere Christine Détrez, “revela a rejeição dos cânones tradicionais e dos valores que fundavam a legitimidade da leitura «clássica».” Mais ainda, “a evolução não se situa tanto nos próprios modos de leitura que, recorde-se, sempre coexistiram, como na sua reivindicação aberta por os que as cultivam: se Comme un roman, de Daniel Pennac, alcançou um tal sucesso isso deve-se sem dúvida ao facto de proclamar alto e bom som a legitimidade de um modelo de leitura até então estigmatizado.” (45) Acresce que a leitura de livros, agora enquadrada no mercado dos lazeres, é cada vez menos relevante no conjunto das práticas culturais, superada pelo desporto, cinema e música, pelas actividades viradas para os outros e para o exterior e, sobretudo, relacionadas com fenómenos de sociabilização. No nosso caso, ainda recentemente João Teixeira Lopes e Lina Antunes confirmaram estes traços, salientando algumas tendências consistentes no universo dos jovens, designadamente em relação à organização dos tempos livres: “É avassalador, embora nada surpreendente, o peso ocupado pelo audiovisual. Ver televisão e ouvir música são as práticas hegemónicas, apenas acompanhadas pela cultura de diversão convivial, isto é, pela importância atribuída a estar com os amigos, sinal que confirma algo amplamente constatado pelos diversos estudos efectuados à(s) juventude(s) portuguesa(s): a predominância de um ethos e de uma hexis assentes no modelo do individualismo relacional, ou, se preferirem, no viver o quotidiano de forma lúdica mas sócio-centrada. (...) ... O investimento dos jovens na conjugação do paradigma audiovisual com a “cultura diversão” da sociabilidade dos grupos de pares insere-se numa profunda modificação dos “mundos da cultura”, em particular nas suas instâncias de legitimação e na propriedade do monopólio de classificação de “quem é ou não culto”. (...) Paulatinamente, consagra-se um novo paradigma de “ser-se culto” que já não é sinónimo de “ser-se cultivado” ou de acumular referências próprias à cultura clássica, escolar e patrimonial. Aliás, quanto mais se progride no percurso escolar menos se lê, em particular por fruição. (...) Parece também consistente afirmar que a leitura de revistas e de jornais suplanta, regra geral, a leitura de livros, não só porque permitem, principalmente nas revistas uma aproximação ao paradigma audiovisual (textos curtos, profusão de imagens), em particular nas que se dirigem aos vários segmentos juvenis, mas também porque facilitam o zapping, a selecção rápida e eficaz daquilo que interessa ser lido.”(46) Como refere Armando Petrucci, pela primeira vez o livro e os outros produtos impressos se encontram “confrontados com um público, real e potencial, que se serve de outras técnicas de informação e que adquiriu outros métodos de aculturação, os dos meios audiovisuais, que se habituou a ler mensagens em movimento, que, em numerosos casos, escreve e lê mensagens por meios electrónicos (…) e que, mais ainda, se habitua a aculturar-se através de intrumentos e métodos não só sofisticados mas onerosos, e que os domina, os utiliza, de um modo absolutamente diferente daquele que o processo normal de leitura requeria.” (47) Estas perspectivas não são muito distante das conclusões de Christian Baudelot: “o lugar e o estatuto do livro no espaço social, as condições da sua produção, da sua transmissão e do seu consumo, o papel da leitura na construção de si e a elaboração de uma cultura comum modificaram-se profundamente no decurso dos últimos decénios, em particular entre os jovens”. E não se trata de uma ocorrência circunstancial, “mas de uma tendência de fundo, cujas causas, longe de serem conjunturais, devem ser procuradas no âmago de vários registos de mutações que afectaram as nossas sociedades: tecnologias dos média e dos suportes materiais dos textos, nova configuração das diferentes componentes da vida cultural, perturbações da instituição escolar, transformação da figura do intelectual de referência, instauração de novos ritmos sociais impostos à vida quotidiana pelas mutações económicas e sociais.”(48) Essa mudança também não deriva de um determinismo do hardware e do software, pelo que teremos muito provavelmente que aceitar que a palavra impressa faz parte de uma ordemde que nos estamos irremediavelmente a afastar. E isto porque, como refere Zygmunt Bauman, “o destino do livro no nosso mundo globalizante não depende, e não pode ser explicado apenas pelas tecnologias (...) Os livros partilham a sorte das sociedades de que fazem parte e quando nos preocupamos com o destino dos livros e da leitura, devemos olhar mais de perto para a sociedade e para as suas tendências”. (49) Se o fizermos, vemos que o que estamos a abandonar é essa ordem em que «a leitura constituía uma espécie de facto cultural total, com a obrigação de cumprir simultaneamente todas as funções possíveis e imagináveis relacionadas com a formação e com a informação de uma pessoa(...)”. (50) Leitura integrada num consenso aparentemente natural, em que ler e escrever eram actos individuais destinados a proporcionar uma compreensão sempre mais profunda de nós próprios e de tudo o que nos rodeava, num gesto que só a intensidade de uma relação pessoal com o texto pode permitir, como ainda a criar novos modos de organizar a experiência e de participar e contribuir para o progresso material e espiritual do mundo. Mas esta literacia depende tanto da sedimentação da cultura do «impresso» como, por exemplo, daquilo que Steiner refere como uma tríade vital constituída pelo “espaço, pela privacidade e pelo silêncio, iconizada por S. Jerónimo no seu estúdio ou por Montaigne na sua torre.” E essa congruência privilegiada está relacionada inevitavelmente com as camadas emancipadas do ponto de vista educativo e económico nas sociedades ocidentais. “Ler privadamente e em silêncio, possuir os meios para essa leitura, o livro e a biblioteca privada, é beneficiar, em sentido lato, das relações de poder de um ancien régime.” (51) Estamos pois a viver a crise das estruturas institucionais e ideológicas que tinham até agora mantido a antiga “ordem da leitura” e encontramo-nos no dealbar de uma outra era a que por agora corresponde, na expressão de Petrucci, uma “desordem” na leitura. Teixeira Lopes e Antunes referem que aquela expressão de Baudelot, “o fim da leitura como facto cultural total”, pretende salientar a crescente indiferença das populações juvenis face às “normas culturais dominantes”. De qualquer modo não se trata da “crise” ou da “morte” da leitura como prática em si mas, simplesmente, de uma metamorfose num modelo outrora tido como único e universal.” (52) Como afirma Luca Ferrieri, “nos próximos anos ler será cada vez menos uma «obrigação» imposta pelo comércio social, por força do sucesso escolar ou profissional. Em muitos destes âmbitos, a leitura de livros será substituída por outras formas de comunicação: vídeo, tv, computador e outras telemáticas massmediológicas vão tornar supérflua, para certo tipo de informação, a consulta de obras impressas ou de livros.” (53) Emerge assim uma nova multiliteracia dos textos electrónicos num momento intersticial entre a leitura e a hiperleitura. Nessa passagem do livro impresso para o livro electrónico não é possível ignorar aqueles fenómenos da interactividade, do multimédia ou da hipertextualidade, dotados de uma força cognitiva que não sabemos ainda quantificar ou qualificar por completo. É claro que ler num écrã não é o mesmo que ler um livro; as pragmáticas da leitura (para usar uma expressão de Nicholas Burbules (54)), isto é, a velocidade da leitura, o momento das pausas, a duração da concentração, a frequência com que saltamos texto ou voltamos atrás para reler, etc. – vão ser diferentes, e essas diferenças vão ter efeitos no modo como compreendemos e recordamos o que lemos. É então necessário reflectir sobre algumas das tendências dessas novas práticas de leitura. Brigitte Juanals refere que, interiorizada no decurso de vários séculos, “a espacialidade da escrita na página do livro constituiu-se progressivamente como sistema semiótico abstracto. A mudança de suporte necessitou de uma redefinição das relações entre pensamento e espaço e o interface representa esse novo espaço semiótico em construção. O objecto-livro desapareceu e a espacialidade da página no suporte livro encontra-se transposta para o interface gráfico no espaço do écrã do computador. Esta mutação decisiva coloca o leitor face a (ou nos) ambientes virtuais que são novos espaços de lecto-escrita.” E acrescenta que “no espaço informacional global, aberto e em rede da Internet apresentam-se imensos depósitos de informações dispersas sob uma forma fragmentada, muito heterogénea nos planos da sua forma, da sua qualidade, da sua classificação e do seu acesso, instáveis a vários níveis, pouco estruturadas e em renovação permanente, pois a lógica de rede é uma lógica de fluxos. Os dados apresentam-se sob uma forma modular e parcelar; suportes, documentos e dados encontram-se doravante dissociados. A dimensão das mutações operadas na selecção, organização, apresentação e acesso a um corpus de informações, transformado pela lógica de fluxo, assim como os meios agora necessários para lhe aceder é especialmente significativa. Classificações temáticas, topológicas, cronológicas, por tipos de documentos, etc., juxtapostas ou combinadas, permitem rearranjos permanentes, calculados em tempo real em função das necessidades do leitor. A escolha de um ou vários modos de classificação depende do próprio leitor, em função de um objecto de pesquisa que deve definir previamente. A multiplicidade, flexibilidade e diversidade das escolhas de estruturação adaptáveis dos dados, assim como modos de organização e de classificação, são característicos dos dispositivos hipermédia. O espaço tornou-se agora movediço e semanticamente estruturante e nele sobrepõem-se recombinações dinâmicas e diversas.”(55) O leitor tem assim de construir o seu próprio percurso para encontrar a informação de que necessita e é-lhe exigida a capacidade de agir, criando, alterando ou aproveitando encontros no corpo de conhecimento que se está a desenvolver. O que significa que tem de saber optar por percursos no metatexto, servir-se de textos já disponíveis e ser capaz de criar ligações entre documentos multimodais. Mas essa atitude vai mais fundo pois, no contexto de uma economia da atenção, é-se levado a escrutinar a informação de modo muito veloz, a fazer juízos rápidos, processando em paralelo outros materiais, de modo a captar e utilizar sem demora o que nos interessa, e em que a contrapartida é uma crescente fragmentação do conteúdo. Não é pois de estranhar que a leitura hipertextual confira especial relevo a capacidades individuais como a economia, a intuição e a destreza técnica, bem como um sentido da conectividade intertextual, do conhecimento relacional e do pensamento lateral através de associações. Por outro lado, como lembra Ferrieri, qualquer mutação cultural é antes de mais uma reclassificação da temporalidade, e “a temporalidade linear e sequencial (mas em certos casos também circular) do livro” parece ceder agora o passo à “temporalidade ziguezagueante da simultaneidade multimédia; o «tempo real» dos computadores, o eterno presente da TV, cancelam aquele reenvio constante entre passado e futuro que é uma das características típicas da cultura do livro.” E acrescenta que “simultaneidade quer também dizer fazer muitas coisas ao mesmo tempo: os novos média estão programados para isso. A fruição desatenta que Benjamin indicava como característica do cinema e que Adorno detestava, é agora o protocolo típico da utilização dos média...” (56) Na verdade, a temporalidade dos novos média é baseada numa paroxística aceleração da velocidade. Luc Bonneville refere-se a que, para os utilizadores da Internet,o tempo é percebido antes do mais no quadro de um “momento presente" constantemente actualizado. De facto, “a velocidade necessária para a realização de uma actividade em linha assenta num tempo quantitavamente diferente do tempo moderno, baseado nos intervalos perceptíveis entre momentos.” Ora, “este tempo subjectivizado, vivido, implica (...) uma valorização excessiva do momento presente, doravante concebido independentemente do momento passado e do futuro.” E interroga-se sobre se, no plano psicológico, essa representação da temporalidade não podererá configurar uma patologia, tendo em conta que “o utilizador se encontra mergulhado num tempo que é instantâneo pois sempre presentificado.” Essa patologia poderia derivar da “valorização ou mesmo da obsessão da produtividade individual como norma de conduta. A possibilidade de efectuar várias actividades de modo cada vez mais rápido e ao mesmo tempo, isto é no mesmo momento, leva de facto a uma representação da temporalidade que se baseia simultaneamente na obsessão da velocidade, da rapidez de execução, e na profunda aspiração de nos tornarmos senhores do nosso tempo, desalienando-nos de um tempo objectivo constrangedor.” (57) Umberto Eco, aAo ser interrogado recentemente sobre oque hoje distingue ainda um livro de uma outra qualquer forma de comunicação, afirmava: “antes de tudo, os mecanismos psicológicos da atenção. A espécie humana habituou-se a um certo tipo de atenção que implica folhear as páginas e de nelas se deter intencionalmente. A leitura em écrã é fatalmente diferente, mais rápida e a velocidade com que nos deslocamos é muito maior.” (58) A leitura é de facto uma actividade lenta, destilada, concentrada, o que significa também, ou significa sobretudo, a possibilidade de voltar atrás, de reler. A releitura, momento dissipativo e antieconómico por excelência, leva ao extremo aquilo a que Luca Ferrieri chama a tendência cronófaga da leitura: ou seja, submete-a a um conflito inevitável com a ordem temporal de uma sociedade dominada pela pressa, pelo controlo rígido do tempo, pelas diversas formas de taylorismo social.(59) Como já referimos, Vandendorpe sublinha uma tendência para a «desverbalização» dos textos electrónicos e Coover, por seu lado, refere que esse facto tem como contraponto que a palavra, “a própria matéria da literatura e de todo o pensamento humano, cede progressivamente o terreno ao image- surfing, ao hipermédia, ao ícone linkado”. O que parece equivaler ao aparente do triunfo da cultura dos média centrados na imagem e da comunicação electrónica sobre a palavra impressa. Essa perspectiva tinha sido já detectada por Vilém Flusser no início dos anos oitenta. Escrevia ele então, referindo-se aos problemas relacionados com o futuro da escrita perante a crescente importância das mensagens não escritas na nossa vida: “proponho-me analisar uma tendência que está na base destes problemas, designadamente a tendência para um afastamento dos códigos lineares, como a escrita, e para uma aproximação a códigos bidimensionais como fotografias, filmes ou a televisão, tendência que pode ser observada se prestarmos atenção, mesmo que superficialmente, ao mundo codificado que nos rodeia. O futuro da escrita, desse gesto que alinha símbolos para produzir textos, deve ser encarado no quadro dessa tendência.” (60) Esta questão vai a par com uma outra a que se refere Chartier e que passa, no fundo, pela própria noção tradicional de «livro», que a textualidade electrónica põe em questão. Na verdade, no mundo digital “todos os textos, sejam eles quais forem, são dados a ler num mesmo suporte (o écrã de um computador) e nas mesmas formas. Cria-se assim um continuum que já não diferencia os diversos géneros ou repertórios textuais, doravante semelhantes na sua aparência e equivalentes na sua autoridade. Daí a inquietação do nosso tempo confrontado com o desaparecimento dos critérios antigos que permitiam distinguir, classificar e hierarquizar os discursos.” (61) É possível que estes aspectos sejam já fruto do desvanecimento do paradigma da literacia clássica do impresso, bem como é provável que estejamos a assistir à passagem do livro objecto ao livro em extensão, do livro monumento ao livro fluxo, no fundo, ao que Steiner chamou “the end of bookishness”... Ainda Vandendorpe, reflectindo sobre a questão da convergência, afirma que “o computador, ao disponibilizar através de um único écrã livros, música e vídeos, tende a homogeneizar o estatuto das diferentes artes pois tudo se encontra afinal submetido às mesmas manipulações. Os efeitos desta convergência sobre o estatuto da actividade de leitura são já evidentes. Esta, tal como a conhecemos no mundo físico do impresso, é por excelência uma actividade privada, com ritmos inconstantes e incertos, tanto rápida como lenta e meditativa. Ao invés, quando se exerce sobre um texto digital, ela é quase obrigatoriamente definida pelo clicar do rato sobre as ligações hipertextuais, e a estrutura fragmentada do texto e a posição rígida de leitura imposta pelo medium convidam a saltar rapidamente de um ponto para outro. Estes constrangimentos podem ser perfeitamente convenientes para uma leitura orientada para uma acção ou para a pesquisa; mas são completamente desadequados para uma leitura de fundo, que consiste em acolher em si um pensamento novo e complexo ou em mergulhar num universo romanesco. Se a isto acrescentarmos que, procurando seduzir o leitor, o texto se torna cintilante, recorrendo a cores, ícones e imagens, podemos compreender como a leitura tende a ser deportada para a ordem do espectáculo.” (62) Essa «deportação» pode ser ainda mais complexa pois, como refere Emmanuelle Jéhanno, pode tornar o modelo económico do livro digital dependente dos modelos aplicados nas práticas culturais de massa, como na música e no cinema. Jéhanno que salienta ainda que, no universo do digital, as fronteiras entre livros, filmes ou discos tendem a abolir-se, fundindo-se num oceano binário de zeros e uns, originando uma mistura de conteúdos que “deixa pouca margem de manobra a produtores de conteúdos culturais como os editores de livros, mesmo que digitais.” (63) Livros que assim acabarão por se integrar no universo da indústria do entretenimento, podendo vir a encontrar-se submetidos aos interesses de Hollywood ou dos grandes grupos multimédia. Se é certo que o surto da edição electrónica tem potencialidades para introduzir novas modalidades para o enquadramento e comunicação do conhecimento, para a sua construção colectiva através do intercâmbio do saber, da especialização e da compreensão (…), por outro lado a revolução electrónica pode agravar, e não diminuir, as desigualdades. É perfeitamente possível que nos deparemos com um novo tipo de literacia, que já não se caracteriza pelas competências de ler e escrever, mas pela facilidade de acesso e capacidade de manipulação dos média digitais pelos quais a escrita é agora também transmitida. (64) Como escreve, a este propósito, Juanals, “naturalmente que as vantagens das bases de dados hipermédia em termos de modos de armazenamento, de organização e de acesso ao corpus, em comparação com as versões impressas são inegáveis: multiplicação dos pontos de acesso, automatização das ligações, utilização de filtros semânticos, cruzamento de critérios (opções de pesquisa avançadas), utilização de operadores booleanos para pesquisas multicritérios, imediatez e possibilidades de refinamento dos resultados. (...) Mas se as potencialidades de automatização das ligações calculadas e geradas pelo software torna possível o acesso em todos os pontos a imensas bases de dados, isso acontece, no entanto, “em detrimento de um ambiente semântico que o leitor se vai ver forçado a reconstruir. Mais ainda, estas técnicas estavam até agora reservadas a utilizações e a públicos profissionais e a sua disponibilização em obras destinadas ao grande público levanta sérias questões referentes à sua utilização adequada e eficaz.” (65) As novas materialidades que suportam a escrita não anunciam o fim do livro ou a morte do leitor. Existirá como sempre, escreve Derrida, “coexistência e sobrevivência estrutural de modelos passados no momento em que a génese faz surgir novas possibilidades.” (66) Mas essas novas materialidades pressupõem que os papéis vão ser redistribuídos, implicando uma competição mas também certamente uma persistente complementaridade entre os vários suportes do discurso, levando ao aparecimento de novas relações (tanto físicas como estéticas e cognitivas) com o universo textual, à convivência de todas as modalidades de produção, reprodução e distribuição do livro e a complexas configurações entre diferentes hierarquias e tipologias de leitura e entre diversas formas de literacia. Para concluir, trata-se de reconhecer com Derrida que é uma nova economia que se estabelece. Uma nova economia que “faz coexistir de um modo dinâmico uma multiplicidade de modelos, de modos de arquivo e de acumulação. E que isso é, desde sempre, a história do livro.” (67) José Afonso Furtado (15/11/2002) NOTAS 1.CHARTIER, Roger - Before and After Gutenberg. A Conversation with Roger Chartier,in The Book & The Computer, April 30, 2002. Disponível na Web em http://www.honco.net/os/chartier.html. Acedido a 30 de Outubro de 2002. 2.BAZIN, Patrick – Vers une Métalecture, in Buletin des Bibliothèques de France, Paris, T.41, nº1, 1996, p.8. 3.STEINER, George – The Grammars of Creation. London: Faber and Faber, 2001, pp.235-6. 4.JOHANNOT, Yvonne – Tourner la page. Livre, rites et symboles. Jerome Millon, 1992, p.105. 5. JOHANNOT, Yvonne, cit. 4, pp.112-113. 6. LYNCH, Clifford - The Battle to Define the Future of the Book in the Digital World, in First Monday, volume 6, number 6 (June 2001). Disponível na Web em http://firstmonday.org/issues/issue6_6/lynch/index.html. Acedido em 18 de Junho de 2001. 7. 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