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Após o Natal e até ao fim do mês de Janeiro, grupos de homens e mulheres, jovens e
crianças, com ou sem instrumentos musicais (muitas vezes apenas acompanhados por
uma gaita de beiços), iam cantar, de porta em porta, para anunciar o nascimento do
Deus-Menino:
Avante, pastores,
Corramos a Belém,
Adorar o Deus-Menino
E à Sua Mãe.»
Há quem diferencie «os Reis» d’«as Janeiras», defendendo que aqueles cantar-se-iam
até ao dia de Reis:
enquanto que as Janeiras cantar-se-iam, essencialmente, desde essa data até ao fim do
mês de Janeiro, sendo que o tema das quadras também mudariam um pouco:
No pêlo do cobertor,
No final, a porta da casa abria-se e os donos ofereciam fumeiro, nozes, castanhas, vinho,
etc.
Quando alguma porta não se abria, todos diziam em uníssono: «Esta casa cheira a unto;
morreu aqui algum defunto».
Janeiras… Janeiras!
Viva o Senhor João
Janeiras… Janeiras… As Janeiras cantadas de porta em porta pelas ruas da minha aldeia
rodeada de pinheiros, castanheiros, vinhedos e olivais; defrontando, a altiva, Serra da
Estrela, vestida de neve debaixo do luar gelado.
Ou de carne ou de chouriça.
Outro rancho se aproxima. Cantadeiras de vozes bem timbradas, que a viola segue e a
guitarra acompanha os seus trinados.
Ainda a canção ia a meio e já a porta se abria, para que a luz da casa a todos
acolhesse. E a mesa, embora já levantada da ceia, voltava a encher-se do bom e do
melhor. “Quem é o do saco?” - perguntava de dentro uma voz meiga, anunciando uma
malga de figos secos, ou uma abada de nozes, prontas a entrar para o bornal do Zé. Às
vezes, porém, em casas de maior recato, para que a porta se abrisse tínhamos de orientar
a preceito a cantoria:
A menos que houvesse luto na casa - e aí, sim, respeito absoluto -, ninguém
tinha o direito de travar a alegria da noite. Uma alegria que distribuíamos, as mais das
vezes, a troco de uma simples malga de figos. E quem é que não tinha, afinal, uma
malga de figos para dar? Por isso não havia contemplações com os desmancha-prazeres:
A porta abria-se num instante, como que movida por um acto de magia, e as
vozes dos cantadores invadiam toda a casa. O anfitrião, a derreter-se de orgulho, ordena
à mulher que encerte o fumeiro, e encarrega-se ele próprio de encher a pichorra. “Olhai
que é o melhor pingato da terra!” - vai avisando, entre duas goladas e um sugestivo
estalo da língua. Por fim, nós, os cantadores, “inspirados” pelas roscas de salpicão que
já nos namoravam os olhos sobre a toalha de linho, tratávamos de pôr termo com chave
de ouro à cantoria:
Era assim a noite de Reis, quase mística, quase divina, naquele altar da minha
infância, que foi a pequena vila de Sabrosa, no Alto Douro.