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revisão

O MÉTODO MÉZIÈRES OU A REVOLUÇÃO NA GINÁSTICA ORTOPÉDICA:


O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO OU A NOVA METODOLOGIA DE TREINO

INTRODUÇÃO documento deriva de todos os


métodos que se iniciaram com a
Em termos ditos ‘músculo-esque- revolução introduzida por Françoise
léticos’, pode considerar-se que Mézières (1909-1991), portanto,
o conhecimento dos métodos de métodos de origem e ambiente
fisioterapia que consubstanciam francófono (que iremos caracterizar
AUTOR
Luís Coelho1
teorética e pragmaticamente a “in- pormenorizadamente à frente no
1
Fisioterapeuta mézièrista,
tervenção postural” constitui uma artigo), cuja história remonta à
professor de Pilates e investigador base de sapiência fundamental segunda metade do século XX.
na área das raquialgias para a boa prestação do profissio- Estes métodos serão designados
nal de “educação física” e o profis- por mézièristas, sendo que têm em
sional de saúde especializado. comum o facto de se basearem to-
O MÉTODO MÉZIÈRES
OU A REVOLUÇÃO NA GINÁSTICA
Dentro das abordagens de nature- dos naquela que podemos denominar
ORTOPÉDICA: O MANIFESTO za fisioterapêutica, diversos méto- de teoria das Cadeias musculares.
ANTI-DESPORTIVO OU A NOVA dos de tratamento podem ser utili- Uma explanação dos conceitos ini-
METODOLOGIA DE TREINO zados, sendo que os mesmos podem ciará o percurso teorético a que se
4(2): 21-39 ser divididos em duas grandes ca- cinge o artigo. De seguida, iremos
tegorias: tratamentos analíticos analisar resumidamente aquilo que
PALAVRAS-CHAVE
(centrados fundamentalmente nos entendemos por métodos clássicos
treinamento;
sintomas do doente e realizados de intervenção postural, sendo que
testosterona; cortisol.
sobretudo a nível local) e trata- só depois de desenvolvermos estes
KEYWORDS mentos holísticos (centrados na pré-requisitos teóricos é que iremos
training; testosterone; cortisol. causa dos sintomas do doente e percorrer todo um percurso his-
realizados a nível global). tórico relativo ao método Mézières
Os tratamentos holísticos apare- e outros de natureza “mézièrista”.
data de submissão
Abril 2007 cem substanciados na forma de No fim do nosso texto, iremos expor
métodos mais ou menos globais o conjunto das conclusões devidas,
data de aceitação que tendem a ver a pessoa como
Junho 2007 relacionadas com o percurso teó-
um todo inextricável. No contexto rico coadjuvado, sendo de sublinhar
do presente artigo, são considera- o agrupado de “implicações” que
dos tratamentos ditos holísticos o campo teorético e pragmático
todos aqueles que centram a sua dos métodos de intervenção “mé-
acção num ponto de análise da zièrista” possui sobre a prática des-
estrutura corporal do sujeito, vista portiva em geral.
como um todo. Falamos, nomeada-
mente, na postura corporal e, por-
tanto, nos métodos de intervenção Explanando os conceitos básicos
postural (e mais precisamente de Diversos investigadores têm dado
Reeducação postural). luz a múltiplos métodos de “inter-
Neste contexto, surgem as dificul- venção postural” sem que uma
dades de definição operacional do definição conceptual de “postura”
conceito de Postura e de Reedu- tenha sido aprioristicamente rele-
cação Postural que tentaremos vada; daí que muitas das confusões
ultrapassar num primeiro momento metodológicas e pragmáticas dos
do texto. Compreenderemos muito vários métodos de “correcção pos-
precisamente que o conceito de tural” nunca tenham sido adequada-
Reeducação Postural adoptado no mente resolvidas. Por exemplo,
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tanto no método Pilates quanto no mecanismos de controlo postural Diferentes métodos de “intervenção
Stretching fala-se de “postura”, mas com os mecanismos de controlo do postural” agem sobre uma ou mais
em ambos os métodos realizam-se movimento (a postura pode ser, partes dos referidos níveis de con-
conjuntos de metodologias físicas inclusive, definida como um conjun- trolo postural. Daí que um proces-
dissemelhantes, sendo que uma se to incomensurável de múltiplos e so de “reeducação postural” nunca
centra mais na força do centro do microscópicos movimentos - defi- possa limitar-se só à dimensão
corpo e a outra se centra mais na nindo-se esta como uma perspec- neurológica ou só à dimensão
flexibilidade. Iremos tentar ordenar tiva ‘dinâmica’ da postura). Temos, muscular per si. Por outro lado, os
todos estes diversos campos se- portanto, o plano anatómico, relati- diferentes níveis de controlo pos-
mânticos e idiomáticos. vo à organização racional da activi- tural, pelo facto de estarem inti-
Comecemos pela caracterização dade perceptivo-motora, alcançada mamente relacionados, influenciam-
do termo “postura”. Este possui a partir de movimentos, e com a -se mutuamente, sendo de esperar
um significado original de “posição, normalização do conjunto das ca- que a intervenção num nível acar-
atitude ou hábitos posturais”1. Por deias cinéticas, actuando na ree- rete mudanças na totalidade dos
“postura” podemos entender, em quilibração das tensões miofasciais níveis de controlo.
termos práticos, “a posição optimi- e das cadeias articulares; o plano Por exemplo, o paradigma de Bricot2
zada, mantida com característica neuromotor, relativo às sensações refere-se sobretudo ao nível neuro-
automática e expontânea, de um proprioceptivas e às variáveis afe- lógico, sendo que a sua intervenção
organismo em perfeita harmonia rentes de controlo postural; e o (postural) acarreta modificações a
com a força gravitacional e predis- plano psicomotor, relativo à orga- nível proprioceptivo, regendo-se esta
posto a passar do estado de re- nização do esquema corporal, al- pela administração de palmilhas
pouso ao estado de movimento”; cançada a partir da percepção de reprogramação postural, pela
funcionalmente, pode ser conside- consciente e do conhecimento do modulação do receptor ocular e/ou
rada como “o conjunto de relações próprio corpo, das suas modali- pela intervenção ao nível do recep-
existentes entre o organismo como dades de funcionamento e da sua tor dento-oclusal. Apesar de um
um todo, as várias partes do corpo organização espacio-temporal. tanto ultrapassado, o modelo de
e o ambiente que o cerca”; substan- No respeitante aos mecanismos Bricot constitui ainda plataforma
cialmente, porém, vai de acordo de regulação da postura, estamos obrigatória do estudo da posturolo-
com “um complexo sistema de mui- a entrar num terreno essencial- gia (esta entendida num sentido lato).
tos moldes, no qual intervém, além mente “neurológico” que é composto Neste artigo, iremos reger-nos
do carácter biomecânico, um con- por um conjunto de quatro níveis1: sempre pelo seguinte conjunto de
junto de variáveis”. 1) centros superiores, que com- dimensões posturais: neurológica
Enquanto “posição corpórea”, “pos- preendem o cérebro, o cerebelo e o (já referida), funcional e estrutural.
tura” pode referir-se tanto à posi- tronco cerebral; a esses chegam as A relação entre as dimensões fun-
ção relativa a um tempo deter- informações provenientes princi- cional e estrutural da “postura”
minado, tendo como exemplo o palmente dos fusos neuromuscu- pode ser considerada como comple-
conjunto das curvaturas vertebrais lares, dos mecano-receptores arti- xa, sendo que, para o paradigma
funcionais, como à posição relativa culares, dos órgãos tendinosos de das “cadeias musculares” não há
a uma estrutura determinada, ad- Golgi, e também da retina, da pele e algo referente a verdadeira estru-
mitindo agora como exemplo o do vestíbulo; 2) interneurónios, tura, pois esta é, virtualmente,
conjunto estruturado (ou, como motoneurónios alfa e gama, conti- modificável pelos diversos métodos
veremos mais tarde, virtualmente dos na espinal medula; 3) músculo e de reeducação postural.
estruturado) das curvaturas verte- todos os factores que influenciam a Neste artigo, iremos tratar de dife-
brais (ditas anatómicas). resposta contráctil (referimo-nos rentes maneiras os conceitos de
Efectivamente, quando falamos de principalmente a músculos postu- “ginástica correctiva postural” e de
“postura” podemos estar a referir- rais, ou seja, músculos de controlo “reeducação postural”. A história
-nos a um “fenómeno” consubstan- essencialmente inconsciente); e 4) da primeira é bastante mais longa
ciado por diferentes perspectivas/ fusos neuromusculares, órgãos do que a história da segunda. A
/dimensões e níveis. Tribastone1 tendinosos de Golgi, vestíbulo e primeira rege-se sobretudo pela
refere-se a planos, comparando os receptores sensoriais. dimensão funcional da “postura”,
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enquanto que a segunda “mexe” Já que pretendemos referenciar o rações são temporárias e rever-
supostamente com as estruturas. paradigma Mézières, vamos referir síveis, e a dismorfismos, se as alte-
A primeira, em conjunto com a o que é a postura perfeita para rações se consideram fundamen-
dimensão neurológica de “postura”, o método com o mesmo nome. A talmente irreversíveis1 (claro que
passa por diferentes métodos de Madame Mézières costumava refe- esta classificação não preenche os
“ginástica”, desde o método clássico rir-se às formas das obras de arte quesitos conceptuais do método
sueco de Per Henrik Ling (1766- renascentista enquanto “formas de Mézières, já que para o mesmo a
-1839), centrado em princípios tra- dimensões perfeitas”. O trabalho linha teórica que separa as tais
dicionais de movimento e alonga- em Mézières constitui um esforço “dismorfias” dos referidos “para-
mento céleres, até ao moderno de retorno à “morfologia perfeita”, morfismos” é assaz espúria).
método Pilates, centrado nos con- conhecida como a bela forma. As Para Bricot2, mais de 90% dos
temporâneos estudos referentes proporções da bela forma corres- indivíduos apresentam um desequi-
à estabilidade lombo-pélvica3, pas- pondem ao número de ouro (em líbrio postural. Para o autor, os de-
sando pela cinesiterapia vertebral, relação a √5 +/- 1/2 ) para o qual sequilíbrios posturais comportam
pela “ginástica respiratória”1, por todos deveríamos tender. planos: o plano de alinhamento es-
diferentes abordagens físicas de capular e das nádegas, com aumen-
A “bela forma” de Mézières carac-
tratamento da escoliose (consultar to das curvaturas; o plano esca-
teriza-se por: vendo de face, as
Tribastone1), a psicomotricidade4 e
clavículas, os ombros, os mamilos, pular posterior; o plano escapular
o relaxamento5. A segunda rege-
os espaços braquiotorácicos devem anterior com dorso plano; e os
-se pela aquela que designamos
ser simétricos e estar ao mesmo planos alinhados com diminuição
de “teoria das cadeias musculares”,
nível; os contornos laterais do tórax das curvaturas.
a qual é desenvolvida iniciaticamen-
te pelo paradigma mézièrista. devem ser rectilíneos e divergir É de reter também a classificação
desde as cristas ilíacas até à prega postural de Kendall, dentro das quais
Importa aqui referir que para mui-
da axila; de costas, a nuca deve ser são paradigmáticas as kyphosis-
tos profissionais de saúde o método
longa e cheia, os ombros, as ancas -lordosis posture, sway back posture
Pilates constitui um verdadeiro
e as omoplatas devem ser simé- e flat back posture.
método de “reeducação postural”.
Não o consideramos neste artigo, tricas e não devem apresentar A avaliação postural pode ser mera-
pois, não obstante o conjunto inex- qualquer relevo, o feixe inferior mente observacional, mas pode
primível dos resultados na dor do trapézio deve aparecer (numa também fazer uso de instrumentos
lombar obtidos com o treino de pessoa não obesa) até à décima e metodologias complexas1. A mais
estabilidade dinâmica do tronco segunda vértebra dorsal; em posi- utilizada pelos clínicos é indubita-
(para mais pormenores, consultar ção de flexão do tronco à frente, velmente sustida pela observação
Richardson et al3), o método Pilates com a cabeça pendente, a coluna naturalística em real time. É a
não ultrapassa as dimensões neuro- dorsal deve apresentar-se na linha partir dessa observação, e não
lógica e funcional mais efémeras das cabeças do astrágalo e não esquecendo nunca a “imagem”,
de “postura”. Somente os métodos recuar para trás dos calcanhares algo quimérica, fornecida pela bela
que designamos como “reeducação (recurvatum), e a coluna deve ser forma, que o terapeuta mézièrista
postural”, centrados na “metodolo- visível naquele que muitos denomi- irá conduzir a sua acção, sempre
gia das cadeias musculares” influen- nam de “sinal da roda da bicicleta”; com vista à aquisição da morfologia
ciam certos aspectos mais “perma- de perfil, a ponta do mamilo deve “perfeita”.
nentes” da postura, aqueles rela- ser o ponto mais avançado, abaixo Sem desprimor das definições apre-
tivos à “estrutura” ou morfologia. do qual o contorno anterior do tó- sentadas, diria que tanto as classi-
Tentemos, agora, definir o conceito rax e do abdómen deve ser recti- ficações existentes de ‘postura’
de postura “normal”. líneo até ao púbis, o contorno das como as enunciações definidoras
Para Bricot2, a postura normal costas deve ser visível, o braço da sua “normalidade” vs. “anormali-
significa a ausência de forças con- separa o 1/3 posterior do tórax dade” caem no erro de considerar
trárias e a presença de relações dos 2/3 anteriores. a “postura” como um arquétipo con-
harmoniosas entre as diferentes Todas as alterações relativas à creto, objectivo e bem definido. A
componentes esqueléticas. O resul- postura dita “correcta” correspon- meu ver, a “postura” está para o
tado será a inexistência de dor. dem a paramorfismos, se as alte- corpo como a “personalidade” está
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para a mente. Assim como é difícil que a nossa profissão e o destino cervical, a lei é que o alongamento
definir a normalidade/anormalidade de toda uma legião de doenças de um qualquer músculo posterior
do funcionamento personalístico, iam ser mudadas. Tratava-se de um leva ao encurtamento do conjunto
segundo um ponto de vista psico- sujeito longilíneo, muito alto e de toda a musculatura posterior”6.
logista, também é difícil definir os magro. Um colete de couro e ferro É o que costumamos chamar de
critérios de normalidade da “pos- não havia conseguido parar, como compensação.
tura corporal”. A “postura” é, tal esperado, a progressão da doença”6. “Então, para esta paciente, nenhum
como a personalidade, essencial- Nesta época, a ginástica postural músculo posterior era demasiada-
mente uma idiossincrasia, um “cor- clássica era realizada com base mente fraco ou longo, nem mesmo
pus” definidor de um conjunto nas leis fisiológicas que aceiram o os da região cifosada; pelo contrá-
intrincado de factores psiconeuro- papel do fortalecimento muscular. rio, todos estavam curtos, rígidos e
lógicos, psico-emocionais, músculo- E foi esse mesmo tipo de traba- fortes demais. O sujeito não era de
-esqueléticos e neuromusculares, lho que foi feito inicialmente com a forma alguma esmagado pela acção
variáveis, muitas vezes radicalmen- doente. Mézières refere: “Nós ten- da gravidade (noção clássica), mas
te, de sujeito para sujeito. Portanto, támos, naturalmente, os exercícios sim achatado pela sua própria for-
a tentativa de classificar a postura de ‘endireitamento’ e o trabalho ça, a dos seus músculos dorsais.
“normal” vs. “anormal” é, apesar dos músculos dorsais com vista a Era preciso, ao invés de fortalecer
de útil no ponto de vista nosológico, fortalecer os extensores do tronco, esta musculatura, descontraí-la,
dispensável segundo o ponto de mas a rigidez era tal que nada era alongando de uma ponta à outra
vista dinâmico e “morfoanalítico”. possível realizar. Deitando, então, da coluna vertebral, como se se
a nossa doente, no chão, em decú- tratasse de uma lordose”6.
bito dorsal, nós realizámos a flexão Actualmente sabemos que a “cadeia
O método Mézières e a revolução dos ombros e vimos, para nosso posterior”, identificada pela primei-
na ginástica ortopédica espanto, produzir-se uma enorme ra vez por meio das observações
A compreensão dos princípios do lordose lombar. Para não acres- de Mézières, inclui um comporta-
método Mézières implica o entendi- centar um mal à cifose já presente, mento dinâmico, o qual integra um
mento da postura sobretudo como nós realizámos a báscula posterior conjunto muito avultado de estrutu-
o resultado funcional do equilíbrio da bacia e, para nosso novo espan- ras musculares, como o diafragma e,
“estático” entre as cadeias muscu- to, vimos a hiperlordose lombar até mesmo, a musculatura anterior.
lares. Mas o que são as cadeias esquivar-se e deslocar-se para a Esse comportamento dinâmico in-
musculares? E de que maneira as nuca”6 (figura 2). tegra um conjunto de inúmeras
mesmas contribuem para desenhar Depois de repetida várias vezes a compensações, geradas por meca-
a forma do corpo, para moldar a experiência, Mézières e os colegas nismos protectores, sendo que
sua estrutura? Vamos tentar res- acabaram por admitir uma ver- estes são devidos ao denominado
ponder a estas questões no con- dade que viria a ser anunciada reflexo anti-álgico à priori. Veremos,
texto da explicação da história do como uma nova lei: que “todo o igualmente, mais à frente que a
método Mézières. encurtamento parcial da muscula- noção de “cadeia muscular” (e tam-
A história do método em questão tura posterior leva a um encur- bém dos seus constituintes) dife-
releva de determinados aconteci- tamento de todo o conjunto desta renciou-se um tanto com a prosse-
mentos e observações que são do musculatura”, o que corresponde cução teorética dos diversos méto-
bom conhecimento do terapeuta à noção de cadeia muscular, onde dos de linha “mézièrista”.
mézièrista. “toda a modificação de comprimen- Entrámos, efectivamente, num con-
A própria Mézières (figura 1) conta to no sentido do alongamento ou no junto de noções variadas que ini-
na sua obra “L’homéopathie fran- sentido do encurtamento de parte cialmente Mézières não dominava
çaise”6 (traduzindo): “Quando numa da musculatura tem repercussão completamente. A fisioterapeuta
magnífica manhã de primavera de sobre todo o conjunto”. resumia, efectivamente, as suas
1947, nós vimos entrar no nosso Françoise Mézières acrescenta: observações em duas partes: (1) a
consultório uma paciente apresen- “Tanto que como o alongamento da musculatura posterior comporta-
tando uma soberba ‘cifose’, nós es- musculatura lombar se traduzia -se como um só músculo e (2) ela é
távamos bem longe de pressentir pelo encurtamento da curvatura sempre forte de mais, curta de
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mais, potente de mais. E, para os de observação”), Mézières tira di-


proponentes de Mézières, o princí- versas conclusões (mantemos, ago-
pio preliminar de que todas as de- ra, o original francês): (1) «Il n’est
formações têm origem num encur- que des lordoses»: a cifose (e a
tamento da musculatura posterior escoliose) não é possível sem uma
manteve-se incólume até à data. acentuação das lordoses e é vista
Deve, também, ser acrescentado como a sua consequência. A lor-
que a própria Françoise Mézières dose constitui a origem de todas as
terá cedo percebido que existia uma deformações do ráquis e dos
sinergia importante entre a muscu- membros. Para além disso, ela
latura posterior e o diafragma e os ocorre em todos os movimentos
de extensão e nos movimentos de
músculos rotadores internos dos
grande amplitude dos membros.
membros (cadeia muscular ântero-
(2) «La lordose est mobile et cou-
-interna).
lisse sur le corps tel un anneau
Assim sendo, a desmontagem dos sur une tringle à rideau.» (3) «Les
princípios far-se-ia na forma de um membres sont solidaires du tronc
“tripé de intervenção”, com vista à et le creux poplité constitue, en de-
harmonização muscular na forma hors du rachis, une troisième con- FIGURA 2
da morfologia perfeita ou bela for- cavité postérieure liée aux lordoses Lógica das compensações musculares.
ma: deslordose, expiração e desro- rachidiennes.» (4) «Tout est com-
tação (figura 3 e figura 4). pensation lordotique» (5) «La lor-
Da observação iniciática de Méziè- dose s’accompagne toujours de la du système; QUARTA LEI: Toute oppo-
res6 do paciente cifótico, referida rotation interne des membres.» (6) sition à ce raccourcissement provo-
atrás (conhecida como o “princípio «La morphologie thoracique est que instantanément des latéroflé-
conditionnée par certains mouve- xions et des rotations du rachis et
ments de la tête et des membres des membres (lógica das compen-
supérieurs.» (7) «La lordose coexis- sações); QUINTA LEI: La rotation
te toujours avec le blocage du dia- des membres due à l’hypertonie
phragme en inspiration.» des chaînes s’effectue toujours en
As conclusões de Mézières levaram dedans; SEXTA LEI: Toute élongation,
a que a autora enunciasse oficial- détorsion, douleur, tout effort impli-
mente um conjunto de seis leis na que instantanément le blocage res-
sua obra “Originalité de la Méthode piratoire en inspiration.
Mézières” (1984) (7): PRIMEIRA LEI: O esquema 1, apresentado segui-
«Les nombreux muscles postérieurs damente, representa o “anel Mé-
se comportent comme un seul et zières”, o qual resume os princípios
même muscle (Une chaîne muscu- referidos anteriormente.
laire se définira comme étant un Do esquema apresentado, podemos
ensemble de muscles polyarticu- dizer que, para Mézières, todas as
laires et de même direction, qui se deformações ocorriam a partir de
succèdent en s’enjambant comme uma ou mais lordoses, sendo que
les tuiles d’u toit); SEGUNDA LEI: Les esta(s) estaria(m) associada(s) à
muscles des chaînes sont trop to- rotação dos membros (relacionada
niques et trop courts (il n’y a donc com o encurtamento do psoas e
rien qu’il faille renforcer); TERCEIRA outros músculos sinergistas) e ao
LEI: Toute action localisée, aussi bloqueio diafragmático (associado
FIGURA 1 bien élongation que raccourcisse- ao encurtamento do diafragma e
Françoise Mézières (1909-1991). ment, provoque instantanément le dos diversos músculos suspenso-
raccourcissement de l’ensemble res das vísceras, incluindo muscu-
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“bloco superior” da “cadeia poste-


rior” (constituído pela cabeça, co-
luna cervical, cintura escapular e
membros superiores, e coluna dor-
sal até T7) e, logo de seguida, ao
tratamento do “bloco inferior” da
“cadeia posterior” (coluna de T7 até
ao cóccix, cintura pélvica e mem-
bros inferiores) (figura 5).
A cadeia muscular posterior era
FIGURA 3 vista como a estrutura principal a FIGURA 4
Françoise Mézières tratando uma doente. É trabalhar. O conceito de “cadeia Françoise Mézières deslordosando
visível a aplicação do princípio da deslordose. muscular” não aparece inicialmente e desrodando uma doente.
na obra de Mézières. As “cadeias
musculares” vão sendo “formu-
latura sinergista com inserção su- ladas” ao longo da obra da autora: son seuil d’acceptabilité.» O princí-
perior na coluna cervical). O trata- a cadeia braquial, a grande cadeia pio terapêutico da Globalidade é
mento segundo Mézières correspon- posterior e a cadeia ântero-interna proposto bastante cedo pela au-
são postas em evidência por Méziè- tora e consistia no já referido “tripé
deria precisamente a toda a acção
res, enquanto que a cadeia anterior
de alongamento muscular global e de tratamento”. As posturas de
do pescoço é posta em evidência
prolongado com vista à deslordose, alongamento deveriam ser reali-
por Nisand (futuro criador da “Re-
desrotação e desbloqueio diafrag- zadas com “alongamento global
construção Postural”) e aceite, mais
mático (os princípios fundamentais tarde, por Mézières (ver figuras 6 de todas as cadeias musculares
de trabalho de Mézières, assim e 7 com imagens clássicas, respec- envolvidas”, através de “contracção
como os princípios da “revolução tivamente das cadeias musculares isométrica excêntrica”.
na ginástica ortopédica” viriam a posterior e anterior). Veremos, de seguida, que diversos
ser formulados iniciaticamente na A obra e método de trabalho de foram os métodos desenvolvidos
sua obra “Révolution en Gymnastique Mézières parte de um postulado a partir do original de Mézières,
Orthopédique”8). O tratamento mé- patogénico: «La forme conditionne sendo que tanto a noção de “cadeia
zièrista consiste precisamente num la fonction et la douleur est à en- muscular” como os princípios de tra-
conjunto de posturas que possibi- visager comme un signal d’alarme tamento sofreram grandes altera-
litam o tratamento iniciático de um d’une déformation qui aurait atteint ções, por parte de diversos autores.

A musculatura
posterior é demasiado
forte e demasiado curta
- Deformações congénitas Em lordose
ou primitivas Compensações
- Patologias Devido ao reflexo Deformações Rotação dos
- Trauma anti-álgico à priori membros
- Dores
Bloqueio
Porque a musculatura
posterior se comporta diafragmático
como um só músculo

ESQUEMA 1
“Anel Mézières”.
Revista de Desporto e Saúde
da Fundação Técnica e Científica do Desporto r

As técnicas ditas “mézièristas” Honra”, e passou a ser ouvida na


As técnicas ditas “mézièristas” cons- rádio e vista na televisão. A sua
tituem todas aquelas que advêm fama aumentou de forma descon-
directa ou indirectamente do tra- trolada, algo que a própria Mézières
balho de Françoise Mézières. não pretendia. Tanto ela como os
Mézières ensinou a sua arte desde fisioterapeutas mézièristas preten-
os finais dos anos 50 até à sua diam manter o método dentro das
morte em 1991. Perto do fim da lides clínicas e académicas, sendo
sua vida, ela estimou o número de que não gostaram que o método
terapeutas com o seu curso como passasse a fazer parte da “opinião
sendo de cerca de mil e quinhen- pública” (aliás, ainda muitos tera-
tos. Esta cifra é meramente aproxi- peutas mantêm esta tendência FIGURA 5 Postura de trabalho
mativa e não pode deixar de ser para manter determinada “arte com o método Mézières.
moderada pelo facto de os seus de intervenção” no “segredo dos
cursos não possuírem programa, Deuses”, dificultando, muitas vezes,
avaliação de conhecimentos ou re- a assunção de um conjunto muito
gisto das presenças dos forman- avultado de vantagens relativamen-
te ao conhecimento de “novos” cam-
dos. Ou seja, não eram necessárias
pos de conhecimento e terapêutica).
muitas “condições” e/ou critérios
para que um terapeuta fosse con- Quanto às obras de Bertherat, estas
siderado “mézièrista”. foram feitas para o grande público,
A proliferação de escolas paralelas possuindo o erro da simplificação
tornou-se inevitável, isto desde os abusiva. Porém, é de realçar a ca-
anos 60. Em 1990, Mézières de- pacidade que Bertherat teve para
clarou: «Je m’indigne en voyant une explicar o método a todos os que
multitude de kinésithérapeutes pré- não possuíam formação especiali-
tendre améliorer, voir enseigner zada. Para além disso, a autora
ma méthode, alors qu’il y a fort peu teve, mais do que qualquer outro,
de praticiens qui l’aient réellement a capacidade para compreender
assimilée»9. O fenómeno da prolife- as verdadeiras implicações que o
ração de escolas (e do método em método Mézières possui para o
si) amplificou-se consideravelmen- mundo do desporto em geral. Em FIGURA 6 E FIGURA 7 Imagens clássicas
todas as suas obras, e principal- dos conteúdos principais das cadeias
te após a publicação do livro de
mente em “Le repaire du tigre”13, musculares anterior e posterior.
Thérèse Bertherat10 “Le corps a
ses raisons” (1976), traduzido para Thérèse Bertherat conseguiu tradu-
português para o desapropriado zir, com grande engenho, o conjunto
título “Dê saúde ao seu corpo: a dos erros e “deformações” que os Regressando à questão da prolife-
saúde pela antiginástica” (Europa- métodos gímnicos modernos – e a
ração de escolas, o que aconteceu
-América). A obra de Bertherat (ver maioria dos desportos de carácter
inicialmente, e fortemente após a
fotografia em figura 8) era toda ela assimétrico – alimentam. Aquilo que
publicação da obra de Bertherat10,
de “inspiração” mézièrista, sendo para Bertherat foi apelidado de
“antiginástica”, e que, na actuali- é que, visto que o nome “Mézières”
que incluía um capítulo inteiro
dade, poderia ser apelidado de anti- estava fortemente inflaccionado,
dedicado ao método de Mézières.
-fitness, consiste precisamente no todos os autores que introduziram
Foi esta mesma obra que permitiu
a criação da fama relativa ao mé- acalentar da ideia – contra-intuitiva ideias interessantes no método
todo, aliás um tipo de “(re)conhe- mas científica – de que o treino de recusavam-se a abandonar a apeli-
cimento” que a própria Mézières força muscular, apanágio das prá- dação “Mézières”. Tudo isto levou
não pretendia. Depois da obra de ticas desportivas contemporâneas a que Mézières7 acusasse os di-
Bertherat ter conhecido um suces- – poderá resultar num excesso mio- versos autores de adulterarem o
so mundial de vendas, Mézières -fascial com consequências reuma- seu método e de utilizarem o seu
recebeu o prémio da “Legião de tológicas deletérias no longo prazo. nome como um viático.
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Por volta dos anos 80, Françoise holísticas), métodos mais ligados à
Mézières fez proteger o seu nome dança, artes marciais (como o Tai-
através do Institut National de la -chi) e à expressão corporal/psi-
Propriété Industrielle, o que obrigou codrama/psicomotricidade, assim
os autores referidos a utilizarem como métodos clássicos de trata-
outras denominações para apelida- mento da escoliose (método Schroth,
rem os seus “métodos”. método de Rudolf Klapp, método
No final, alguns anos depois de Mé- do Instituto Ortopédico Pini, método
zières ter registado o seu método, em cifose, método do psoas, mé-
muitos outros métodos do tipo “mé- todo Gimnasium, o estruturalismo
zièrista” surgiram: (a) vários méto- psicomotor, a reeducação proprio-
dos que se reclamam como sendo ceptiva neuromuscular, a ginástica
independentes do método Mézières, proprioceptiva e as técnicas de de-
apesar da evidência demonstrar sequilíbrio) e os métodos da linha
que são métodos dependentes de Bernard Bricot (estes últimos
de Mézières e pouco diferentes – já citados no início deste artigo),
teorética e pragmaticamente – do levam-nos a apelidar os métodos
original. É o caso do método de Ph-E do “nosso artigo” como métodos
Souchard (um antigo assistente FIGURA 8 de Reeducação Postural do tipo
de Mézières, que, inclusive, ensinou Thérèse Bertherat. mézièrista. Todos estes partilham
e escreveu sobre o método), a Ree- de dados conceptuais e práticos
ducação Postural Global (RPG); (b) comuns ao método de Françoise
as técnicas de antigos alunos de Mézières.
Mézières, ditas “método Mézières”, zières), o método das “Cadeias mus-
Não se pretende, no entanto, dei-
mas que, no fundo, apresentam culares” de Leopold Busquet e a
xar de realçar a importância de
diferenças significativas relativa- “Reconstrução Postural” de Nisand.
todos os métodos anteriormente
mente ao método original. É o caso Digam o que disserem certos au-
citados. Muitos deles partem de
dos métodos ensinados pela Asso- tores, todas estas escolas de fi- princípios parecidos com certas
ciation des mézièristes d’Europe, sioterapia possuem um “tronco co- “evoluções” relativas aos métodos
pela Association Mézièriste Interna- mum”, nomeadamente no método mézièristas. Por exemplo, o rolfing
tionale de Kinésithérapie (AMIK) ou Mézières. Todas estas escolas podem, trabalha o alongamento da massa-
pela Association des Mézièristes num sentido de “senso comum”, gem mio-fascial e é também esse
du Nord. O método ensinado por ser apelidadas de “Reeducação
estas associações já não é comple- o sentido do trabalho básico de
Postural”. Mas, devemos ter em Mézières, mas as metodologias
tamente congruente com o método atenção que o facto de existirem
original, como é advogado pelas práticas são completamente dife-
tantos outros métodos ligados à rentes. A abordagem dos “Trilhos
mesmas. É o resultado de uma –
“reeducação da postura”, como o anatómicos” refere a existência de
provavelmente lógica – evolução
método de Ida Rolf (rolfing) e asso- diversos “trilhos miofasciais”, estes
relativamente ao original; (c) téc-
ciados (ex. “Trilhos anatómicos” muito parecidos com as “cadeias
nicas que se reclamam como sendo
de origem “mézièrista”, mas que de Myers), a técnica de Alexander, musculares” de Busquet. E podía-
não escondem o facto de apresen- diversos métodos de relaxamento mos também comparar os diversos
tarem “evoluções” relativamente (como o “relaxamento muscular métodos de tratamento “proprio-
ao original – tanto no plano teórico progressivo” de Jacobson e a téc- ceptivo” da escoliose com os prin-
como no plano prático – evoluções nica de Gerda Alexander), o treino de cípios de tratamento segundo a
que justificam a mudança de ape- alongamento/stretching analítico Reconstrução Postural de Nisand.
lidação do método. É o caso do (desde os princípios mais básicos E todos estes princípios de “inibição
método das “Cadeias musculares de Per Henrik Ling), métodos como tónica” fazem lembrar os princípios
e articulares” de Godelieve Denys- o Yoga e o Pilates (para além de neurofisiológicos de métodos de
-Struyf (uma importante retratista muitas outras “invenções de mar- fisioterapia de “reabilitação neuro-
e escritora sobre o método Mé- keting” mais modernas e menos lógica” como o conceito de Bobath.
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E podíamos continuar eternamente Em termos teoréticos, Souchard o método de Busquet tentam dar
a referir as parecenças entre os vai dar mais atenção à(s) cadeia(s) uma ênfase de maior globalidade
métodos, as quais podem, pelo me- anterior(s) do que Mézières; por aos tais “blocos”, trabalhando os
nos em parte, ser explicadas pelas exemplo, se para Mézières não há dois “blocos” ao mesmo tempo, na
diferentes epistemis (M. Foucault) cifose sem lordose, para Souchard medida do possível. Aliás, enquanto
ou paradigmas (T. Kuhn) envolvidos a cifose poderá constituir-se como o tratamento segundo Mézières é
numa lógica de similitude metodo- uma entidade autónoma relativa- feito num colchão, o tratamento
lógica muitas vezes não assumida. mente à lordose, com cadeias ante- segundo Souchard acaba por ser
Voltando aos métodos do tipo mé- riores envolvidas em independência feito – individualmente – numa mesa
zièrista, já falámos da “antiginás- da cadeia muscular posterior. Para própria, a qual permite colocar em
tica” de Bertherat. Mais do que um Souchard, há dois grandes conjuntos tensão todas as cadeias muscu-
método (de trabalho grupal), é so- de “retracções” globais: posterior e lares simultaneamente (principal-
bretudo um conceito. Um conceito anterior. As posturas de trabalho mente quando utilizado o sistema
relacionado com as implicações – variam segundo as alterações exis- de polias).
pouco percebidas – que os princí- tentes. Se analisarmos bem essas Resta dizer que, sendo o método
pios mézièristas possuem para “posturas” veremos que algumas mais conhecido, é a obra de Sou-
toda a “ginástica ortopédica”. são iguais às posturas de Méziè- chard que tem permitido expor mui-
Referimos também a Reeducação res, mas esteticamente mais belas tas bases da “teoria mézièrista”
Postural Global de Ph-E Souchard. e “politicamente” mais correctas; ou “teoria das cadeias musculares”.
Este é provavelmente o método por exemplo, na postura “sentada” O autor publicou cerca de duas de-
mais conhecido de todos. Muita é mantida a curvatura lombar zenas de obras, muitas delas com
coisa pode ser dita sobre o mesmo. neutra, enquanto que essa curva- mais imagens que texto, e todas
E é claro que não é minha intenção tura tende a ser “deslordosada” elas com uma certa tendência para
constituir um resumo dos princí- no método Mézières (ver exemplos ser recalcitrantes. Algumas são
pios do método; muito pela razão nas figuras 10 a 15). Talvez Sou- fundamentais, como a já citada “Le
de que a maioria desses princípios, chard tivesse em conta as novas champs clos” e também a recente
supostamente “descobertos” por linhas de estudos “funcionais” que obra “Les scolioses – Traitement
Souchard, são princípios do método privilegiam a “utilização da coluna kinésithérapique et orthopédique”15.
Mézières. Convido qualquer um a neutra”. Aí, o autor talvez tivesse Outras advêm da necessidade de
ler a obra de Souchard “Le champs esquecido a máxima de Mézières “a criar um método mais adaptado
clos – Bases de la Rééducation saúde é o resultado da forma à realidade desportiva como o “Le
Posturale Globale”14 e a comparar perfeita”, pois, segundo a filosofia stretching global actif”16 (o Stret-
os princípios do RPG com os prin- dos métodos vigentes, a forma ching Global Activo constitui um
cípios preliminares do método Méziè- prevalece sobre a função. método grupal baseado igualmen-
res. É de lamentar que Souchard Para além do que fica dito, Sou- te em posturas de alongamento e
raramente refira a “mãe intelec- chard vai ter em conta a existência princípios ditos “mézièristas”; foi
tual” do seu método, ainda mais de cadeias musculares um pouco feito a pensar sobretudo nas neces-
porque o mesmo ensinou o método diferentes das do método original. sidades dos desportistas). As suas
durante dez anos e escreveu sobre Mas aí, ele não inova tanto quanto obras foram traduzidas para o
o mesmo. Não é criticável que Sou- outros autores. português do Brasil e podem ser
chard tenha criado o seu próprio Aliás, a maioria dos autores “neo- encontradas nas livrarias especia-
método. Ainda mais porque as suas -mézièristas” (designação – nova – lizadas. Em certos países, como o
posturas de trabalho (o seu méto- que me ocorre neste momento), Brasil, o método de Souchard é
do inclui oito posturas de alonga- vai possuir uma noção de “bloco” e considerado muitas vezes como
mento) são claramente inovadoras. de “cadeia muscular” muito dife- original, sendo que é este que
Portanto, apesar de as posturas rente da original. Dissemos, anterior- acaba por ser vítima de plágios e
do RPG não acrescentarem nada mente, que o tratamento segundo de tantos e tantos “formadores” a
em termos metodológicos ao mé- Mézières incluía primariamente o ensiná-lo. Neste mesmo país em
todo Mézières, são bastante ima- bloco superior da cadeia posterior particular, o ensino do método de
ginativas, inovadoras e eficazes e só depois o bloco inferior. Ora, Souchard atingiu proporções de
(ver posturas em figura 9). tanto o método de Souchard como merchandising avassaladoras.
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“Só as posturas de estiramento alongamento permanente seja me-


progressivo cada vez mais globais nor, o que nos leva a afirmar que
permitem alongar todos os múscu- todo o alongamento deverá ser
2
los rígidos, assim como reencontrar realizado a frio, antes da realização
1 a retracção de origem”. Françoise de qualquer exercício. (4) “Os nos-
Mézières não valorizava tanto a sos alongamentos serão sempre
3 activos, ou seja, o alongamento em
questão do “fortalecimento dos
músculos fásicos” (aliás, tanto ela SGA deverá ser realizado por meio
4 quanto Bertherat argumentavam do trabalho activo e excêntrico da
que a força da musculatura fásica/ musculatura a alongar”. (5) “A res-
/anterior fluiria após ter sido inibido piração é fundamental”. Importa
o tónus da musculatura tónica/ afirmar que o diafragma, em con-
/posterior). junto com outros músculos aces-
5 sórios da inspiração, constitui uma
6 Sublinhemos, igualmente, os princí-
cadeia muscular lordosante, sinér-
pios de alongamento do Stretching
gica de todas as outras cadeias
Global Activo, os quais, segundo
de músculos estáticos e posturais.
Souchard16, distinguem o alonga-
7 Como tal, o alongamento só é glo-
mento global do alongamento ana-
balmente possível se for acom-
lítico: (1) “Os músculos existem na
8 panhado do relaxamento/alonga-
forma de cadeias musculares, prin-
mento do diafragma. Por isso, to-
cípio que irá implicar que o alon- dos os alongamentos devem ser
FIGURA 9 Posturas do RPG. gamento realizado seja tão global
1. rã no chão com fechamento dos braços; realizados em expiração máxima.
quanto a natureza da cadeia a
2. rã no ar com fechamento dos braços; Mais uma vez é notória a parecen-
3. postura sentada; 4. rã no chão com aber-
alongar”. (2) “Cada músculo tem
ça dos “princípios do SGA” com os
tura dos braços; 5. postura de pé contra a diversas fisiologias, ou seja, cada
princípios básicos de Mézières.
parede; 6. rã no ar com abertura dos braços; músculo realiza diversas acções
7. postura “bailarina”; 8. postura de pé.
Importa, contudo, dar ênfase à
musculares, o que implica que seja
questão do “quando” do alonga-
necessário alongar um músculo em mento. Para os diversos métodos
todas as suas acções simultanea- mézièristas – e não só o RPG/SGA
Importa, ainda, dizer que a noção de mente”. (3) “O alongamento dos – o alongamento deve ser tão
“cadeia muscular” para Souchard músculos obedece à mesma fór- global quanto possível. E deve ser
acrescenta um pouco a Mézières, mula física que os materiais visco- feito “a frio”; ou seja, ao contrário
sos e elásticos, ou seja, a fluagem de tudo o que vem sendo dito e
no sentido em que Souchard valo-
muscular (que é a capacidade de redito pelos “académicos” da “edu-
riza a diferenciação entre muscula-
alongamento permanente de um cação física” e do “fitness”, o alon-
tura fásica (cadeias musculares
músculo) está dependente do pro- gamento muscular deverá ser rea-
dinâmicas) e musculatura tónica
duto da força de alongamento pelo lizado antes do exercício e só nessa
(cadeias musculares estáticas). E é
tempo de alongamento, divididos ao altura ele poderá ser verdadeira-
o próprio Souchard que expõe em coeficiente de elasticidade”. Ora, mente eficaz. A partir destes princí-
várias das suas obras os objectivos/ visto que quanto maior a força mais pios, eu próprio tenho desmistifi-
/princípios da Reeducação Postural doloroso é o alongamento, o alonga- cado a ideia de que o alongamento
(Global): (1º) “Só as posturas ac- mento deve depender portanto de a frio é mais perigoso que o alonga-
tivas em alongamento podem de- um tempo mínimo, que é, no caso mento a quente, e que o mesmo
volver aos músculos hipertónicos, do alongamento global, muito supe- deve ser feito de manhã e o mais
rígidos e dolorosos, a sua força, o rior ao que classicamente tem sido global e progressivamente possível.
seu comprimento e a sua flexibili- utilizado. Para além disso, como o Portanto, o alongamento deve ser
dade”; (2º) “É necessário alongar aquecimento (seja na forma de a frio, global, mantido por longos
os músculos da estática e os mús- exercício, seja na forma de calor períodos de tempo e levado progres-
culos suspensores, encurtando-se local) aumenta o coeficiente de sivamente ao longo da amplitude
os músculos da dinâmica”; e (3º) elasticidade, este fará com que o articular.
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Em matéria de métodos “neo-mé-


zièristas”, é preciso entender que
o método Mézières propriamente
dito é, provavelmente, o mais pas-
sivo de todos. Todos os outros
tendem para as posturas “activas”.
Voltando à questão das “cadeias
musculares”, importa referir que,
se Souchard refere a existência de
cadeias dinâmicas, então Busquet
vai dizer que somente existe uma
cadeia estática: a grande cadeia
estática posterior. Todas as outras FIGURA 10 E FIGURA 11 Postura de Mézières (à esquerda) e a “correspondente” ‘rã no
cadeias musculares são sobretudo chão’ do RPG de Souchard (à direita).
de natureza dinâmica.
A obra de Busquet é bastante pro-
lixa. Inicialmente, a sua única obra
traduzida para português, nomeada-
mente a “A pubalgia”17, constitui
uma importante referência dentro
da linha de Mézières. Mas é estra-
nho que Busquet praticamente
nem sequer refira o nome de
Mézières em praticamente toda a
sua obra17,18.
De espantar está a linha de cadeias
“neuromeníngeas” e “viscerais” em
que Busquet vai colocar realce. A
sua obra possui uma grandeza de
conhecimento anatómico que qual-
quer outro mézièrista não possui. FIGURA 12 E FIGURA 13 Postura de Mézières e a “correspondente” ‘rã no ar’ do RPG de
Souchard.
Num ponto de vista dos métodos
“neo-mézièristas” é aquele que,
segundo uma linha “orto-reumato-
lógica” possui a maior completude.
Neste ponto, é preciso referir que,
se utilizássemos um critério de ca-
tegorização dos métodos “neo-
mézièristas” diferente do utilizado
atrás, poderia dizer que há, sobre-
tudo, métodos de linha mézièrista
de natureza ortopédica (RPG e “Ca-
deias Musculares”), de natureza
psicossomática (“Cadeias muscu-
lares e articulares” de Godelieve
Denys-Struyf e “morfoanálise” de
Peyrot) e métodos de natureza neu-
rológica (“Reconstrução Postural”).
Apresento, agora, esta nova cate- FIGURA 14 E FIGURA 15 Postura de Mézières e a “correspondente” ‘rã sentada’ do RPG
de Souchard.
gorização, pois os métodos de Go-
delieve Denys-Struyf19 e de Peyrot
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(impossível encontrar qualquer re- necessária cientificidade; é também ficabilidade temporária do tónus.
ferência sobre este método) são de o método com os princípios mais (c) O método da Reconstrução Pos-
tal forma “diferentes” que só com inteligentes, pois foi o único que – tural propõe uma outra forma de
muito esforço podemos considerá- finalmente – compreendeu a “pos- interpretar o aparecimento de dor.
-los como métodos da linha da pos- tura” enquanto entidade primacial- A dor não tem origem na própria
tura e/ou da motricidade humana. mente neurológica. Ora, era preciso deformidade, mas sim na incapa-
Esses métodos dão importância ter surgido este método em 1992 cidade que a estrutura hipertónica
ao ser humano na sua totalidade para finalmente percebermos – os (rígida) tem de se deformar. A par-
psíquica e somática, e relacionam, poucos que sabem sequer da exis- tir destas diferenças, o método de
de forma ímpar, a postura com os tência dele – que a postura não é tratamento por Mézières por meio
estados psicológicos (e vice-versa). talvez tanto o resultado de uma do estiramento em “contracção
Por exemplo, Godelieve Denys-Struyf, maior ou menor flexibilidade mio-
isométrica excêntrica” transforma-
grande retratista de posturas, de- -fascial; se calhar, a postura depen-
lineou a existência de cinco tipos -se num meio de tratamento por
de, mais do que da elasticidade dos
de posturas, as quais se refeririam “solicitação activa induzida”, ou seja,
músculos, do seu tónus (e jamais
a cinco tipos diferentes de persona- da postura trabalhada passiva-
podemos esquecer que é através
lidade. É dela a frase “a estrutura das variações de tónus que o mente passa-se para um trabalho
governa a função e submete o sistema nervoso comunica com o de carácter mais activo, mediante
psiquismo”. A sua concepção de sistema muscular). a facilitação de padrões de postura
postura enquanto entidade psicos- por meio de “pontos-chave” (à se-
A Reconstrução Postural difere
somática holística é fundamental do método Mézières em diversos melhança do papel dos mesmos
à compreensão integral do ser aspectos, nomeadamente: (a) En- “pontos-chave de controlo” do mé-
humano. A sua “visão” releva de quanto Mézières se referia à exis- todo Bobath de tratamento das
uma orientação mais psicologista disfunções neurológicas), partes
tência de três cadeias musculares
do método Mézières; e leva-nos a do corpo que são sujeitas a movi-
posturais (a grande cadeia pos-
entender até que ponto o conceito mentos de grande amplitude com o
terior, a cadeia ântero-interna –
de Mézières (talvez seja mais cor- objectivo de induzir ou solicitar
diafragma e psoas – e a cadeia
recto começar a utilizar este termo determinado padrão postural. As
ao invés de “método Mézières”) é braquial), Nisand acrescenta e
descreve pormenorizadamente uma posturas em Reconstrução Postu-
abrangente e tende para uma visão ral são obtidas, portanto, a partir
globalista do ser humano, visão – nova cadeia muscular – a cadeia
anterior do pescoço. (b) Nisand de pontos periféricos precisos, e
aliás, também posta em evidência
propõe uma nova interpretação são mantidas não por tempos
por Thérèse Bertherat – mais pró-
da lógica das compensações cor- necessariamente muito prolonga-
xima das abordagens psico-corpo-
porais, salientando a importância dos (Mézières), mas até ao ponto
rais e psicomotricistas do que da
actividade desportiva tida no seu de um conjunto de respostas neu- em que se verifique a normalização
frio “fisicalismo” quase anti-humano. rológicas aquando do movimento tónica. O agravamento da dismorfia
(respostas evocadas) e o contributo é, ao contrário do que ocorre com
Em matéria de métodos neo-mé-
zièristas, o mais desconhecido de dos centros neurológicos centrais o método Mézières, uma condição
todos é, indubitavelmente, a Re- para o surgimento das deformi- obrigatória para se obter a postura
construção Postural20,28, o que é dades. Assim sendo, o tratamento normal, é um ponto de passagem
bastante injusto, pois este é simul- passa não só pelo alongamento para a obtenção de um padrão pos-
taneamente o mais fiel e o mais global das cadeias musculares (Mé- tural “correcto”. Diferenças metodo-
evoluído dos métodos pós-Méziè- zières), mas também pelo trabalho lógicas levam a diferentes técnicas,
res. É, como já dissemos, o mais de consciencialização corporal com sendo que muitas das manobras
fiel dos métodos, pois é aquele que base na estimulação neuro-sensorial mézièristas foram modificadas ou
mais respeita as bases teoréticas (ou seja, na modificação do padrão suprimidas: o mézièrista tende a
do método original; é, também, o de excitabilidade muscular das evitar as compensações, enquanto
mais científico dos métodos, pois, cadeias posturais), de modo a que que o “reconstrutor” tende a lidar
estando ligado à Universidade Louis os alongamentos possuam um efei- com todas as posturas que possam
Pasteur – Strasbourg, é aquele que to de neuroplasticidade adaptativa ser efectivas no sentido de se obter
mais respeita os critérios de uma eficaz e não só um efeito de modi- uma inibição do padrão; o mézièris-
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ta identifica a dismorfia como algo As implicações da Reeducação pragmática, relativamente ao mais


“anormal”, enquanto que o recons- Postural do tipo “mézièrista” puro método original. A evolução
trutor identifica a dismorfia como para a prática desportiva constitui um caracter especifica-
um ponto de passagem para a Pretende servir este capítulo do mente humano, e de tal forma o é,
obtenção de um padrão postural nosso artigo de veículo de tomada que é raro um método não brotar
vantajoso; o mézièrista tende a de conclusões, para além das ne- numa nova linha mais ou menos
encontrar uma postura correctiva cessárias e intransponíveis refle- independente, mais ou menos autó-
e a mantê-la o máximo de tempo xões relativas às implicações teo- noma, de métodos-filhos e/ou novas
possível, enquanto que o recons- réticas e/ou pragmáticas (para o metodologias.
trutor tende a manter a “postura” mundo do desporto) dos métodos Direi, contudo, que o conceito de
só até que exista exaustão e extin- anteriormente tratados. trabalho postural com base no
ção da resposta evocada (normali- Começaria por dizer que, dentro do alongamento global das estruturas
zação tónica); as autoposturas são conjunto dos métodos neo-méziè- miofasciais (organizadas em cadeias)
impensáveis na Reconstrução Pos- ristas, há aqueles que seguem uma com vista à reestruturação mor-
tural (o que levanta uma série de linha mais comercial de divulgação fológica caracteriza a totalidade
questões relativamente ao tra- e aqueles que seguem uma linha dos métodos de linha mézièrista,
balho de Reeducação postural em mais conservadora de desenvolvi- pelo menos aqueles que se relacio-
grupo), pois o próprio sujeito não mento. Em particular, métodos co- nam mais com a nossa profissão.
consegue educar as suas próprias mo a “antiginástica” de Bertherat e É, igualmente, preciso entender que
reacções tónicas correctivas; os a “Reeducação Postural Global” a base científica dos métodos em
proponentes da Reconstrução Pos- auferem de uma fama a nível mun- análise é real, sendo que os es-
tural não falam de “correcção mor- dial, a qual tem permitido criar um tudos que envolvem a electromio-
fológica” como os mézièristas, mas número incomensurável de cursos grafia de Jacobson não deixam
sim de “restauração morfológica”, e formações com preços simples- margem para dúvidas de que a
a qual tem por base não o alonga- mente indescritíveis. Para além actividade tónica dos músculos de
mento mio-fascial correctivo mas disso, tanto a “antiginástica” quanto natureza postural é mais persis-
sim o alongamento com vista à nor- o “Stretching Global Activo”, filho tente e menos “moldável” que a
malização de padrões de activação do RPG, tornaram-se métodos actividade tónica dos músculos
tónica das cadeias musculares. de utilização grupal e massificada, de natureza fásica. O mesmo será
Com todas estas inovações, o mo- a qual, não querendo diminuir a sua dizer que a diferenciação teorética
delo de Nisand (porque é de um importância, não possui o mesmo da musculatura humana em dois
“modelo” que efectivamente se grau de eficácia que os métodos grandes tipos – músculos tónicos/
trata) constitui o mais inovador de verdadeiramente individuais. /posturais e músculos fásicos/
todos os métodos de Reeducação Diria que todos os métodos neo- /dinâmicos – essencial para a pres-
Postural. É, provavelmente, o mais -mézièristas possuem a robustez e crição metodológica dos métodos
neurológico dos métodos e também a vitalidade de uma metodologia da linha de Mézières, é já consi-
o mais contra-intuitivo dos mesmos. inovadora, que não deixou de possuir, derada mais “facto” que “teoria”, o
Infelizmente, de todos os métodos, principalmente no mundo francó- que releva de uma grande impor-
este é o único que carece de uma fono, a capacidade de criar uma tância para a consubstanciação
atitude de “comercialização” e de verdadeira “revolução na ginástica conceptual dos métodos de traba-
exploração para além da Univer- ortopédica”. Por motivos de coe- lho em Mézières. Claro que não é
sidade Louis Pasteur. Ou seja, é rência histórica, de parcimónia despiciendo o argumento – utilizado
um método condenado à reclusão científica e de pureza metodoló- por tantos – de que o facto de
teorética. O que não pode deixar gica, diria que é devido ao método existirem músculos de natureza
de se considerar como antitético. Mézières o seu necessário e ina- postural não obriga à utilização de
As implicações que este – e todos lienável reconhecimento enquanto uma ginástica do tipo “estática”.
os outros métodos – possuem para método fundador de um conceito Ora, penso que esta questão co-
a “dinâmica desportiva” e do axioma também ele fundador. Não critico, meça a ganhar novos contornos
“exercício é saúde” são muitas e contudo, todos os esforços de científicos na actualidade, sendo
carecem de uma análise. inovação, tanto teorética quanto que tem sido inalienavelmente de-
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monstrado que os músculos de na- dinâmico, de um qualquer músculo forma de isolar completamente o
tureza “tónica” são mais “sensíveis” e/ou grupo muscular jamais poderá trabalho da musculatura dinâmica
a um trabalho também ele tónico, permitir o trabalho de “correcção” relativamente à musculatura postu-
enquanto que os músculos de natu- de uma deformidade, mesmo que ral), tem por resultado o aumento
reza “fásica” são mais “sensíveis” a seja funcional. O autor associa isso do tónus da musculatura de natu-
um trabalho dinâmico (que os dife- ao facto de não existir, no nosso reza postural. Ora, é esse mesmo
rentes desportos de resistência e corpo, um sistema muscular de exagero tónico que se pretende
força/potência muscular tão bem “antagonismo puro”, ou seja, a inibir com o trabalho de “reeduca-
demonstram). Aliás, o conceito de acção de determinados músculos ção postural”. Portanto, por exem-
ginástica “estática” e/ou “postural” não poderá contrariar completa- plo, o trabalho de fortalecimento
é anterior à revolução de Mézières, mente a acção de outros conjuntos dos extensores do tronco, com
sendo que ganhou importantes musculares. Eu acrescentaria que, vista à correcção de uma hiper-
contornos científicos com a intro- sendo o músculo transverso abdo- cifose dorsal, é cem por cento
dução e desenvolvimento do método minal um músculo de inserção pos- irracional. E isto por várias razões.
Pilates. Não devemos esquecer, terior lombar e anterior abdominal, Primeiro que tudo, como se pode
igualmente, que a primeira obra ele jamais poderia ter o efeito de fortalecer músculos essencialmente
de Françoise Mézières – “La gym- “deslordosar” a coluna (aliás, os tónicos (músculos extensores do
nastique statique” (1947) – é an- mézièristas mais clássicos até tronco e musculatura adutora das
terior ao princípio de observação acreditam que o trabalho do trans- omoplatas) com exercícios de for-
que levaria à criação do seu método. verso abdominal tem um efeito talecimento dinâmico? Não é muito
Tudo isto demonstra que o con- lordosante e que, como tal, deve lógico, pelas razões já apresenta-
ceito de “ginástica estática” não é ser evitado). Quanto aos músculos das. Mas, ainda assim, visto que
derivado de Mézières e da sua flexores dinâmicos do tronco, sendo dissemos que o trabalho dos mús-
revolução. O que realmente deriva dinâmicos nunca poderiam contra- culos fásicos comportaria o tra-
da “revolução mézièrista” é a nova riar a acção de uma musculatura balho co-sinérgico dos músculos
metodologia de “ginástica estática”, estática (posterior). Este é um bom posturais, ainda podemos pensar
a qual, até ali se centrava especial- argumento para tantos e tantos na possibilidade de exercícios de
mente no treino de força muscular, desportistas e terapeutas que acre- fortalecimento abdominal e de for-
e a partir dali, viria a centrar-se no ditam que o treino dos músculos talecimento dos extensores do
trabalho de alongamento muscular anteriores dinâmicos do tronco tronco poder ter como resultado
global. poderá fazer com que aumente a o encurtamento dos músculos ex-
Importante será também dizer cifose dorsal. Como poderá aumen- tensores. A experiência tem de-
que a ideia de que a postura e/ou tar a cifose dorsal por esse meca- monstrado que, geralmente, esse
morfologia estaria relacionada com nismo, ou seja, como poderá cons- trabalho de força irá somente levar
o estado de comprimento-tensão tituir-se determinado design postu- à criação de uma nova deformida-
dos grupos musculares também ral se estamos a falar de músculos de. Ou seja, a correcção da cifose,
não é apanágio criador de Mézières, de natureza dinâmica e não está- ou não é simplesmente conseguida,
pois, no mundo anglo-saxónico, a tica/postural?... Portanto, até aqui ou então, é conseguida à custa
dita ideia já vigorava nas ginásticas já citei uma série de mitos e as con- do encurtamento da musculatura
mais clássicas. Aliás, durante dé- tradições existentes nos mesmos. extensora, ou seja, à custa de uma
cadas, acreditou-se que o trabalho Mas não fiquemos por aqui. Vamos nova deformidade (com todas as
do transverso abdominal ou dos analisar a ideia – clássica e hege- consequências sintomáticas que
rectos abdominais levaria à dimi- mónica – de que o trabalho de “cor- tal acarretará). O trabalho de força
nuição da hiperlordose lombar (já, recção postural” carece de “forta- muscular, pura e simplesmente,
naqueles tempos pré-Mézières, lecimento muscular”. Ora, o que a não é correctivo, pois tem sempre
considerada como “malade postu- experiência dos mézièristas tem como consequência a criação de
ral”). Só mais tarde, Souchard14 demonstrado é que o fortalecimento tensão numa musculatura de na-
viria a deixar bem claro – melhor muscular, mesmo que somente tureza já por si hipertónica. Aqui
que a própria Françoise Mézières – dirigido à musculatura fásica (o que surgem muitas questões. Uma de-
que o treino, seja estático, seja é, aliás, impossível, pois não há las consiste no facto de a maioria
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dos atletas possuir um semblante é que a ideia de que devemos man- que, a longo prazo irá traduzir-se
de “endireitamento” do tronco, belo ter uma “postura direita” e de que na fadiga e consequente “encurva-
e atractivo. Ora, esse mesmo “endi- toda a nossa higiene postural se mento”. Ou seja, o trabalho de força
reitamento” do tronco constitui, a relaciona com o “estar direito” cons- da musculatura extensora irá, pela
meu ver, algo comparável ao açúcar titui um mero e estulto mito. Tendo natureza de trabalho neuromuscular
da alimentação: é belo, sabe bem, em conta a natureza funcional da desta musculatura, criar um nível
tem bom aspecto (pois já foi útil cadeia muscular posterior, a postu- de fadiga tal, que a pessoa irá,
em tempos passados), mas faz mal ra “correcta” consiste, na realida- lentamente tender para a cifose.
(pois já não se adequa às necessi- de, em toda a postura que permita Quer isto dizer que, ao contrário do
dades do Homem presente). Os o alongamento muscular posterior que a intuição nos poderia fazer
atletas, pelo facto de possuírem e o trabalho de inibição tónica das pensar, o trabalho dos extensores
intensa actividade física, desenvol- hegemonias musculares prevale- do tronco ainda vai aumentar mais
vem muita tensão nos extensores centes. Assim sendo, é bastante a cifose (a não ser claro que, como
do tronco. Isto acontece, claro comum os mézièristas recomen- acontece com os desportistas, se
está, porque todo o trabalho de darem aos seus doentes que estes crie a retracção hegemónica da
força muscular – no qual é exímio se sentem com a lombar bem musculatura entre as omoplatas, o
o conjunto de desportos contempo- apoiada, se não cifosada. Mais que levaria a um “endireitamento
râneos – irá criar a hegemonia de tarde, Souchard, temendo o nível patológico”). É preciso entender que
tensão da musculatura postural, de contra-intuição presente nesta a capacidade de “endireitamento
ou seja, o trabalho desportivo irá ideia, viria a trair os princípios postural” está dependente do bom
super-solicitar o trabalho postural. de higiene postural mézièrista, pre- funcionamento tónico da muscu-
Isto leva a que os extensores do ferindo, muitas vezes, a colocação latura extensora postural, o que,
tronco da maioria dos atletas fi- da coluna lombar neutra. Sugiro a tendo em conta o que sabemos do
quem demasiadamente encurta- observação das figuras anterior- funcionamento deste tipo de mús-
dos, dando-lhes uma aparência de mente demonstradas (compare-se culos, significa a capacidade de
“direitos”. Ou seja, a grande maioria a posição da coluna lombar nas manter a contracção por períodos
dos atletas possui o tal aspecto diversas posturas Mézières vs. prolongados de tempo sem criar
hegemonicamente belo, à custa de Souchard). Diria que o treino de fadiga. Ou seja, o “endireitamento
uma deformidade (de retracção correcção de uma hiperlordose postural” será tanto maior quanto
muscular) em rectificação ou lor- somente poderá ser conseguido mais flexíveis forem os músculos
dose dorsal. Talvez isto explique com o trabalho de ablação total da posturais; a capacidade para manter
que estes mesmos atletas “direiti- curvatura, o que corresponde não a contracção está fortemente de-
nhos” sejam altamente vulneráveis propriamente à inversão da curva- pendente da capacidade elástica
a dorsalgias e cervicalgias, assim tura (como muitos críticos de Mé- da musculatura. Significa, então,
como ao aparecimento de hérnias zières têm sugerido), mas sim à que, quanto mais flexível for a
discais. eliminação de qualquer nível de musculatura postural, mais capaci-
Por tudo o que fica dito, e por mui- lordose, mesmo a funcional (ou dade tem a mesma de gerar uma
to mais, posso e devo dizer que o seja, consiste, mais uma vez, no contracção anti-gravítica persis-
“endireitamento postural” consti- princípio mais genuinamente méziè- tente. Aliás, as minhas observa-
tui uma ideia supramente mitifi- rista, a deslordose). Mas voltando ções têm-me dado a entender que
cada. Não só a “bela forma” ou às questões da “higiene postural”, a facilidade para nos mantermos
“postura correcta” não consiste talvez seja pertinente dizer que, “direitos” advém do comprimento
numa “postura direita” (ao contrá- para os mézièristas, a postura da cadeia muscular posterior, ou
rio do que quase toda a gente “ideal” consiste na postura do “co- seja, advém da flexibilidade da mus-
acredita, incluindo especialistas cheiro” (estou a referir-me verda- culatura posterior. E isto não é
da área), como essa tal “postura deiramente ao “curvado” cocheiro). novidade alguma, pois, qualquer
direita” constitui um erro postural Todo o trabalho de “endireitamen- bom observador poderá facilmente
inacreditavelmente dominante. Se to” somente irá criar uma hiper- ver a diferença na forma como uma
há coisa que os mézièristas demons- -solicitação do trabalho muscular pessoa flexível se senta, relativa-
traram, sem margem para dúvidas, da cadeia muscular posterior, o mente a uma pessoa menos flexível.
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Compare-se, por exemplo, as se- Importante será acrescentar que, nação neuromotora, poderão ter
nhoras com os senhores. Quem na actualidade, principalmente no mais eco no trabalho de “reedu-
tem, geralmente, maior capacidade campo teorético da “Reconstrução cação postural”. Portanto, para
para manter uma postura sentada Postural”, parece que tudo o que além das metodologias mais fisica-
direita (com pernas esticadas)? As dissemos sobre excessos muscu- listas, todas as outras mais psico-
senhoras, que são mais flexíveis? lares está relacionado mais com o neurológicas possuem uma impor-
Ou os senhores, que são mais “for- “tónus em si mesmo” do que com o tância provavelmente fulcral.
tes”?... O princípio mais primacial “comprimento muscular”. Assim Portanto, temos que uma interven-
de observação leva-nos a verificar sendo, as deformidades e dores ção a nível reumatológico, na pre-
que são as senhoras as que pos- ósteo-musculares advêm sobretudo sença da “deformidade postural” e
suem mais facilidade em obter de- da incapacidade que as estruturas ou de sintomas raquidianos, passa
terminadas posturas, o que advém musculares têm para criar “pontos” por um trabalho necessariamente
da sua maior flexibilidade mio-fascial. de modificabilidade tónica. ecléctico, centrado fundamental-
A ideia de que as lombalgias estão Ora, neste ponto, importa referen- mente no paradigma Mézières, o
associadas à falta de um “reforço ciar novamente o paradigma de que inclui também a sua compo-
muscular” é, portanto, falaciosa. Bricot. Ou seja, se vamos passar a nente psicofísica e de integração
E a todos aqueles que poderão valorizar mais o campo “neuroló- neuro-sensorial.
apresentar linhas de estudos que gico” do trabalho postural, não Como vimos, para o paradigma em
demonstram essa relação, eu apre- podemos deixar de sublinhar a análise, todas as deformidades
sento linhas de estudos que contra- importância do trabalho terapêu- posturais possuem origem em “ex-
dizem essa mesma relação, assim tico com base no treino propriocep- cessos” da musculatura essencial-
como muitas outras linhas de es- tivo e de equilíbrio e no relaxamento mente posterior. As lordoses são
tudos que relacionam flexibilidade, psicofísico. Aliás, se a “postura” a origem. As escolioses estão
morfologia, mobilidade, e muitos depende fortemente de uma capa- sempre correlacionadas com um
outros factores, com a presença/ cidade de “controlo neurológico excesso muscular da musculatura
/ausência de dor. Diria que ainda central”, que, sendo essencial- lordosante (os mesmos músculos
estamos muito longe de atingir mente subcortical, é de natureza paravertebrais que estão envolvi-
uma plena maturidade metodoló- fundamentalmente inconsciente, dos na flexão lateral, e eventual-
gica que permita atribuir credibili- então devemos, tal como o fez mente, na rotação dos corpos
dade suficiente às diversas linhas Bernard Bricot valorizar o papel vertebrais da coluna, são também
de estudos existentes. O mesmo do trabalho “neurológico”, perce- os músculos mais poderosamente
será dizer que, atendendo ao que bendo, de uma vez por todas, que a envolvidos na “lordose”). E as cifo-
tenho visto em tantos e tantos ordem “consciente” e “voluntária” ses resultam também de uma
artigos, pouco se sabe verdadeira- para “endireitar” as costas de nada compensação lordótica, seja devido
mente, em termos científicos, sobre serve. Ora, se o mecanismo de à acção de contrariação “directa”
a relação entre os diversos facto- controlo postural é inconsciente da lordose, seja devido à acção do
res biomorfológicos e a raquialgia. de que serve mandar alguém “en- diafragma, seja devido à acção dos
Prefiro, pessoalmente, mergulhar direitar-se”?... A experiência tem músculos rotadores internos, ou da
na natureza apodíctica das bases demonstrado que as metodolo- acção mais “indirecta” das cadeias
conceptuais de um método revolu- gias que fazem uso de estratégias musculares anteriores (sempre re-
cionário como o método Mézières. de controlo consciente da posição lacionadas com a “posterior”, rela-
E é no seio dessa mesma natureza corporal são ineficazes. Diria que ção mediada pelo diafragma).
que o princípio revolucionário de certas metodologias de “actividade Vimos, também, já bastante atrás,
que as deformidades posturais e física” que privilegiam o “global” ao que a o conceito de postura “nor-
as raquialgias são devidas aos invés do “analítico”, e o “motor” ao mal” e de postura “anormal” não é
excessos musculares e/ou tónicos invés do “físico”, como a dança, a correcto, visto que ninguém possui
e não à fraqueza toma aspecto de psicomotricidade, o relaxamento, uma postura perfeita. Portanto, no
uma verdadeira “lei” de estudo etio- as artes marciais e todas as activi- campo “postural”, raramente al-
patogénico e de intervenção tera- dades que façam uso das capaci- guém é isento de hegemonias mus-
pêutica. dades de equilibração e de coorde- culares, raramente alguém possui
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uma postura dita “normal”, e rara- alinhamento articular, é pouco pro- E isto é tanto mais verdade quanto
mente alguém possui caracterís- vável que venha a sofrer de qual- maior a tendência que o indivíduo
ticas “perfeitas” de flexibilidade quer tipo de condição degenera- possui para a tensão muscular e a
muscular. Ora, o que tudo isto vai tiva. Acrescentaria que estas mes- retracção mio-fascial.
implicar é que a linha teorética mas pessoas também são aquelas Em particular, certos desportos,
que divide “saúde” de “deformidade” que podem praticar actividades como a musculação, constituem,
é extremamente espúria, se é que como “andar”, “correr” ou “saltar” provavelmente, um factor impor-
chega a existir. Ou seja, todos nós com a menor probabilidade de vi- tante de criação de desequilíbrios
somos “doentes posturais” em po- rem a criar problemas articulares musculares relevantes. Analisem-
tência e, portanto, tudo o que fica decorrentes de deformidades (a -se as “posturas” dos culturistas
dito para as pessoas com deformi- não ser que o excesso de prática e retirem-se as necessárias con-
dades posturais relevantes, mantêm- desportiva modifique o panorama clusões...
-se oportuno para a totalidade das tónico-muscular presente). Por ou- Já Françoise Mézières, no seu “Ori-
pessoas, pois todos nós possuímos tro lado, o que dizer da “saúde” de ginalité de la Méthode Mézières”7,
algum grau de “deformidade pos- alguém que possua um certo nível dizia que «a la différence de toutes
tural”. O mesmo será dizer que, em de desalinhamento e/ou deformi- les autres méthodes, ma méthode:
termos analíticos, todos nós pos- dade (mesmo que não notória)?... 1º ne s’adresse qu’à élasticité mus-
suímos determinada idiossincra- Será que as pessoas com um nível culaire; 2º ne fait jamais de muscu-
sia, e somos tanto mais saudáveis mínimo de deformidade poderão lation; 3º tient compte de la mor-
quanto melhores as condições de praticar actividades físicas com o phologie normale; 4º n’exerce ja-
bom alinhamento e a proximidade mesmo à-vontade que as pessoas mais l’inspiration; 5º ne fait jamais
à “bela forma”. E todos devemos que possuem grande nível de “bela d’exercice analytique; 6º ne fait ja-
tender para a “bela forma”. E tudo forma”?... mais d’exercice perpendiculaire à
deveríamos fazer para criar tal Aquilo que tenho defendido é que l’axe rachidien; 7º ne s’adresse qu’au
tendência, a qual não deixa de se não. Ou seja, deverá haver, para a physique.» E quem a conheceu, diz
aproximar do conceito kantiano maioria das pessoas, uma dimi- que Mézières não simpatizava se-
de “perfectibilidade” humana. nuição cabal da tendência para a quer com o Yoga. O que é perfeita-
Por exemplo, o mecanismo pato- prática de desportos como os de mente compreensível, pois, estando
lógico da artrose está intimamente carácter assimétrico e as activi- repleto de posturas em (hiper)lor-
relacionado com a “postura”. Os dades de fitness, pois, estando dose, e de fortalecimento dos ex-
médicos tendem a relacionar a “ar- estas actividades grosseiramente tensores do tronco, torna-se extre-
trose”, ou qualquer outro processo centradas no trabalho da “força mamente anti-mézièrista. Portanto,
degenerativo, com a osteoporose muscular”, acabarão por funcionar depois de percebermos que tanto o
e outros factores de desgaste como uma porta de entrada para método Mézières como os métodos
articular. Mas, eu diria que, se a a criação de tensão muscular e neo-mézièristas não gostam do tra-
postura fosse perfeita, se o alinha- consequente deformidade. Atenção: balho de força, aqui está este autor
mento fosse perfeito, nunca teriam não pretendo negar a evidência que a generalizar o conceito à totali-
estado presentes factores relevan- tantos estudos (ditos funcionais) dade dos praticantes de actividade
tes de desgaste articular. Ou seja, têm lançado sobre determinadas física. A actividade física, principal-
a “perfectibilidade” é condição do vantagens que advêm da prática mente a actividade intensa e/ou
bom funcionamento articular. E desportiva. Falo só em termos “pos- com fins competitivos, constitui uma
essa “perfectibilidade” está depen- turais”, “estruturais”, “morfológi- porta de entrada para a “deformi-
dente da “forma” e, portanto, dos cos”, ou, mais globalmente, “mús- dade”. E o atleta inteligente é, indis-
factores miofasciais e neuromus- culo-esqueléticos”. E o que defendo cutivelmente, aquele que treina a
culares que com ela se relacionam. é que, ao contrário do que muitos sua flexibilidade!...
Se a pessoa possuir algo perto preconizam, a actividade despor- Ora, a solução não passa, portanto,
da “bela forma”, e não vier a ter tiva, principalmente as novas mo- pela evicção da actividade despor-
alguma condição reumatológica dalidades do fitness, potenciam o tiva, apesar de em muitos casos tal
e/ou orto-traumatológica relevante exacerbar de hegemonias mus- ser recomendável. Passa, sobre-
que modifique as condições de culares que se queriam refreadas. tudo, pela realização de actividades
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ligeiras, suaves, com carácter essen- das extremidades, 5º alongamento implicaria o erradicar do mito do
cialmente cardiovascular. E essas global e 6º relaxamento. Portanto, “endireitamento postural”, já ante-
actividades deverão ser acondicio- inicialmente, têm de ser criadas riormente aludido.
nadas a toda uma nova metodologia condições de relaxamento das es- O método Mézières e os métodos
de trabalho físico. truturas miofasciais, através dos neo-mézièristas lançam-nos uma
Ou seja, pretendo dizer que acti- métodos de relaxamento. Somente série de pistas relativamente a um
vidades que fazem uso “directo” da este relaxamento inicial irá facilitar novo conceito de “cultura física”,
força da cadeia muscular posterior, o alongamento. Só depois deverá menos centrada na performance
como a natação, a musculação e o ser realizado o alongamento. Este e na robustez muscular e mais
Yoga, deveriam ser proibidas aos deve, tal como já foi dito (anterior- centrada na função com base na
padecedores de raquialgias. Jamais mente), ser feito a frio, global e “bela forma”.
deveriam ser recomendadas, que é progressivamente por períodos
o que uma miríade de profissionais prolongados de tempo. O relaxa-
de saúde ainda faz. E essas mes- mento e o alongamento libertam as
mas actividades são, a meu ver, estruturas articulares. Só nesta
desaconselhadas a qualquer pessoa, altura deverão ser realizadas as REFERÊNCIAS
a não ser àquelas que possuam actividades de mobilidade (activida-
1. Tribastone, 2001 - livro principal.
condições de flexibilidade excelentes. des cardiovasculares, ginásticas de
Outras actividades, como a maioria mobilidade), as quais deverão ser 2. Bricot.
dos desportos de carácter assimé- suaves. E só no fim de todas as 3. Richardson et al - livro da esta-
trico, e a quase totalidade de prá- estruturas estarem adequada- bilização.
ticas do fitness, possuem igual- mente “libertas” de tensão, é que 4. Psicomotricidade
mente uma incomensurável irracio- se pode pensar na realização do
5. Relaxamento.
nalidade, pelos mesmos motivos treino de força. Este deve privile-
6. Mézières F. L’homéopathie fran-
que já apresentei. giar o trabalho do “centro do corpo”,
como no Pilates, e o trabalho “faci- çaise. Ed. G. DOIN. 1972; 4 - 195.
Por outro lado, certas actividades
litado” das estruturas à periferia. 7. Mézières F. Mézières F. Origina-
cardiovasculares, como o simples
De modo a não se acabar o traba- lité de la méthode mézières. Paris:
“andar” podem ser muito benéficas
para a saúde, mas mesmo estas lho físico em posição de encurta- Maloine, 1984.
deverão ser inseridas num novo mento, deve-se voltar a alongar 8. Mézières F. Révolution en gymnas-
plano de treino físico. Pois, até globalmente (com os cuidados ne- tique orthopédique.
mesmo esse “andar” poderá apre- cessários ao alongamento a quente) 9. Turlin P. Françoise Mézières sort
sentar malefícios num indivíduo e acabar com o relaxamento. du silence. Kiné Actualité 1990
que apresente deformidade. Não Ora, é indubitável que este novo (332): 6-7.
será assim tão estranho pensar “esquema” de trabalho físico impli-
10.Bertherat T. Le corps a ses raisons.
no que acontece a um joelho exces- caria uma série de mudanças. Neste
11. Bertherat.
sivamente valgo ou excessivamente novo esquema, a saúde passaria
varo, após horas de marcha ou para primeiro plano, enquanto que 12. Bertherat.

mesmo meia hora de corrida... Por a “estética”, a “moda” e toda a 13. Bertherat.
outro lado, o jogo de forças arti- efemeridade patente no fitness 14. Souchard Ph-E Le champs clos
culares deletérias poderá ser be- passariam para segundo plano. - Bases de la Rééducation Postu-
neficiado de um trabalho preliminar Este tipo de metodologia também rale Globale
de alongamento. Esse mesmo pla- obrigaria a que os treinadores e 15. Souchard Ph-E Les scolioses -
no ou metodologia é diferente da professores passassem a dispor de Traitement kinésithérapique et
tradicional e consiste na realização, um conhecimento mais alargado da orthopédique.
pela ordem que vou apresentar, “teoria das cadeias musculares”,
16. Souchard Ph-E Le stretching glo-
do seguinte leque de actividades: das novas formas de alongamento,
1º relaxamento; 2º alongamento e das necessárias implicações meto- bal actif
global; 3º mobilidade articular; 4º dológicas do mesmo baseadas no 17. Busquet.
força do core e trabalho facilitado conceito de Mézières. E também 18. Busquet.
Revista de Desporto e Saúde
da Fundação Técnica e Científica do Desporto r

19. Godelieve Denys-Struyf. cervicalgies communes selon la mé-


20. NisandM. Le traitement des al- thode de reconstruction posturale:
gies vertébrales par la Recons- concept et aspect technique. Kiné-
truction Posturale. La lettre du sithérapie Scientifique 2001; 417.
médecin rééducateur 1997. 26. Nisand M, Callens C, Jesel M. À
propos de certains dysmorphismes
21.Publication périodique de l’ANMSR
du pied: identification et correction
(Association Nationale des Méde-
par la Reconstruction Posturale®.
cins spécialistes en Rééducation).
KINÉSITHÉRAPIE, les annales 2002;
22. Nisand M. Formation continue: 10: 37-42.
Premier stage de Reconstruction 27. Callens C. Entre le tout renforce-
Posturale à Genève. Le Magazine ment et le tout étirement, existe-t-il
1997; 97. une autre voie?. 11ème Symposium
23. Nisand M. La Reconstruction Roman de Physiothérapie les 5 et
Posturale: une physiothérapie nor- 6 novembre 2004: “Les Chaînes
mative de la forme. Mains Libres, Déchaînées” Lausanne-Suisse. Mains
la revue Romande de physiothé- Libres, la revue Romande de Phy-
rapie 1997. siothérapie novembre 2004.
28. Nisand M. La Reconstruction
24.Jesel M. Reconstruction Pos-
Posturale®, déviance ou évolution?
turale. Concept; traitement des
11ème Symposium Roman de Phy-
dysmorphismes et des algies du
siothérapie les 5 et 6 novembre
tronc et des membres. Kinésithé- 2004: “Les Chaînes Déchaînées”
rapie Scientifique 1999; 387. Lausanne-Suisse. Mains Libres, la
25.Jesel M, Callens C, Nisand M. revue Romande de Physiothérapie
Rééducation fonctionnelle dans les novembre 2004.

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