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br
Cana transgênica
desenvolvida
no país
agosto de 2017 | Ano 18, n. 258 combate praga
Técnica de edição
de genes
corrige mutação
em embriões
humanos
Vida pode
ter surgido
em terra firme
há 4 bilhões
de anos
Videoativistas da
periferia mostram
sua própria visão
Automóveis movidos a eletricidade deverão de São Paulo
representar 16% da frota mundial até 2030.
Entrevista
No Brasil, a difusão ainda é pequena por causa
O antropólogo
do preço e da ausência de rede de recarga Eduardo Brondizio
destaca a
vulnerabilidade da
carros
Amazônia urbana
létricos
> Biossensor faz diagnóstico de dengue em 20 minutos
PROFESSORES E ESTUDANTES DE TODO O BRASIL
30 dede 2017
outubro
através do site:
www.febrace.org.br
13,14 e 15 de março
de 2018
ORGANIZAÇÃO / REALIZAÇÃO
fotolab A beleza do conhecimento
Movimento rastreado
Mais de 2 mil robalos que nadam pela bacia do rio Ribeira, que
inclui o estuário de Cananéia, no sul do litoral paulista, têm um
curioso pino amarelo no dorso. Trata-se de uma marcação feita pelo
grupo do biólogo Domingos Garrone Neto, que permite o
reconhecimento dos peixes quando são recapturados. Por meio
de expedições de coleta e da colaboração de pescadores, a equipe já
verificou deslocamentos entre São Paulo e Paraná, estados com
legislação distinta para a pesca dos robalos, e investiga o uso das
águas dos rios e do mar por esses animais.
p. 58
www.revistapesquisa.fapesp.br
No site de Pesquisa Fapesp estão disponíveis
gratuitamente todos os textos da revista em português,
inglês e espanhol, além de conteúdo exclusivo
SEÇÕES vídeos
youtube.com/user/pesquisafapesp
3 Fotolab
6 Comentários
7 Carta da editora
8 Boas práticas
Levantamento aponta
frequência e gravidade
de 60 condutas
antiéticas ou duvidosas
12 Notas
Medicina
Exercícios podem 90 Memória
deter a caquexia, Etnógrafa Wanda Hanke
inflamação que induz viajou sozinha pela
à perda de peso e América do Sul nos anos
agrava o câncer 1930 para estudar
p. 44 indígenas
92 Resenha
Vida caipira, de Pedro
Ribeiro. Por Neusa de
Fátima Mariano Softwares colaboram nas inspeções de árvores
Audiovisual das cidades bit.ly/vArvores
Videoativistas da 94 Carreiras
periferia de São Paulo Saber coordenar grupos
mostram como de pesquisa ajuda a criar
veem a metrópole uma agenda de trabalho
p. 82 sustentável rádio bit.ly/PesquisaBr
Foto da capa
Léo Ramos Chaves
Conteúdo a que a
comentários cartas@fapesp.br
mensagem se refere:
Revista impressa
cartas@fapesp.br Ciência sem Fronteiras Qual o status atual da saúde das árvores de
R. Joaquim Antunes, 727 Custo alto com retorno perto do zero (“Ex São Paulo? As entrevistas foram genéricas
10º andar
periência encerrada”, edição 256). Mais e só se falou de projetos em andamento. Faltou
CEP 05415-012
São Paulo, SP
uma ação populista sem nenhum controle. mostrar resultados dos estudos dos grupos.
Fabrício Vilas Boas Thais Mauad
Assinaturas, renovação
e mudança de endereço R$ 13,2 bilhões? Com esse dinheiro dá para Muito importante a discussão do vídeo
Envie um e-mail para trazer quantos professores de fora do país “Vale quanto pesa”. A indústria farma
assinaturaspesquisa@
para darem aula aqui? E financiar quantos cêutica, por exemplo, depende desse padrão.
fapesp.br
ou ligue para projetos? Luzianderson Ramos
(11) 3087-4237, Matheus Grossi
de segunda a sexta,
das 9h às 19h O programa foi ótimo. O maior erro foi na Correção
execução. Mas ainda assim acredito que Na reportagem “Na selva de pedra” (edição 255),
Para anunciar
Contate: Paula Iliadis
quem teve essa oportunidade poderá fazer a a araponga é uma ave típica da Mata Atlântica,
Por e-mail: diferença. Eu fui bolsista do Ciência sem Fron e não do Cerrado, como foi publicado.
publicidade@fapesp.br teiras. Estou iniciando o doutorado em agosto
Por telefone: e espero poder dar retorno de alguma forma
(11) 3087-4212 à sociedade pelo investimento que recebi. Sua opinião é bem-vinda. As mensagens poderão ser resumidas
Gustavo Anndré por motivo de espaço e clareza.
Edições anteriores
Preço atual de capa
acrescido do custo de
postagem.
Peça pelo e-mail: A mais lida de julho no Facebook
clair@fapesp.br
POLÍTICA
Licenciamento Experiência encerrada bit.ly/2toriUH
de conteúdo
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de reprodução de 54.387 pessoas alcançadas
textos e imagens
411 reações
ilustração fabio otubo
de Pesquisa FAPESP.
Por e-mail:
mpiliadis@fapesp.br 133 compartilhamentos
Por telefone:
(11) 3087-4212 128 comentários
6 | agosto DE 2017
fundação de amparo à pesquisa do
carta da editora
estado de são Paulo
José Goldemberg
Presidente
Conselho Superior
Conselho Técnico-Administrativo
A
Carlos Henrique de Brito Cruz
Diretor Científico busca por alternativas aos com- conta o ciclo completo: a matéria-prima,
fernando menezes de almeida
Diretor administrativo bustíveis fósseis ganhou ímpeto o dispêndio energético e a emissão de
nos anos 1970, quando o mun- poluentes na sua fabricação, sua efi-
do sofreu os efeitos de dois choques no ciência e os impactos de seu descarte,
mercado de petróleo. No Brasil, país de entre outros pontos. Devem, também,
issn 1519-8774 matriz energética maciçamente de ori- ser pensados em termos mais amplos,
gem hidráulica, o principal resultado no contexto de políticas públicas, dos
Conselho editorial
Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa,
desses esforços foi o desenvolvimento incentivos ao transporte individual,
Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger,
Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Maria Hermínia Tavares de de veículos movidos a um biocombus- como defendem alguns grupos, ou de
Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira
tível que se tornaria um diferencial bra- prioridade ao transporte público, como
comitê científico
Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), sileiro – o etanol. Nas últimas décadas, pedem outros.
Anamaria Aranha Camargo, Ana Maria Fonseca Almeida,
Carlos Américo Pacheco, Carlos Eduardo Negrão, Fabio Kon,
Francisco Antônio Bezerra Coutinho, Francisco Rafael Martins
o interesse por outras fontes tem sido Essas questões vão ao encontro do
Laurindo, José Goldemberg, José Roberto de França Arruda,
José Roberto Postali Parra, Lucio Angnes, Luiz Nunes de
impulsionado por uma preocupação tema de uma entrevista desta edição.
Oliveira, Marie-Anne Van Sluys, Maria Julia Manso Alves,
Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio crescente: o aquecimento global. O antropólogo brasileiro radicado nos
Robles Reis Queiroz, Wagner Caradori do Amaral, Walter Colli
Carros elétricos são apresentados Estados Unidos Eduardo Brondizio é
como uma alternativa amigável ao am- um dos coordenadores de um painel da
Coordenador científico
Luiz Henrique Lopes dos Santos
diretora de redação
Alexandra Ozorio de Almeida
biente, mesmo quando alimentados ONU que trabalham em uma avaliação
editor-chefe
com eletricidade gerada por termelé- sobre biodiversidade e suas contribui-
Neldson Marcolin
tricas poluentes, por serem muito efi- ções para a sociedade (página 28). O
Editores Fabrício Marques (Política de C&T),
Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência), cientes. O alto custo associado às bate- grupo estuda questões que aliam proble-
rias, cuja eficiência está ainda aquém do mas ambientais e sociais, como a con-
Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta (Editores especiais),
Bruno de Pierro (Editor-assistente)
revisão Alexandre Oliveira e Margô Negro desejável, é um problema, assim como ciliação de políticas contra a pobreza
arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos
(Editora de infografia), Júlia Cherem Rodrigues
a necessidade de uma infraestrutura com políticas de conservação. Um dos
e Maria Cecilia Felli (Assistentes)
de abastecimento para que essa opção objetivos é ampliar a discussão sobre
fotógrafos Eduardo Cesar e Léo Ramos Chaves
seja de fato viável. mudanças climáticas de forma que seu
Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador)
A reportagem de capa desta edição combate não seja visto como um fim
em si mesmo, mas como parte de um
Internet Pesquisa FAPESP on-line
Maria Guimarães (Editora) (página 18) oferece um panorama atual
Rodrigo de Oliveira Andrade (Repórter)
Jayne Oliveira (Redatora)
Renata Oliveira do Prado (Mídias sociais)
dos carros elétricos: os desafios tecnoló- processo de mudança.
banco de imagens Valter Rodrigues
gicos, os diferentes tipos, o cenário in- A edição também traz uma presença
Colaboradores Alexandre Affonso, Christina Queiroz, ternacional e as perspectivas no Brasil. feminina de peso, algumas como reco-
Daniel Almeida, Diego Freire, Domingos Zaparolli, Evanildo
da Silveira, Haroldo Ceravolo Sereza, Igor Zolnerkevic, No caso brasileiro, uma possibilidade nhecimento póstumo por sua atuação
seria o desenvolvimento de uma versão na ciência, como a matemática iraniana
Maurício Pierro, Neusa de Fátima Mariano, Pedro Hamdan,
Reinaldo José Lopes, Renato Pedrosa, Sandro Castelli,
Yuri Vasconcelos, Zansky
híbrida que aproveite as vantagens dos Maryam Mirzakhani, primeira mulher
É proibida a reprodução total ou parcial de
textos, fotos, ilustrações e infográficos elétricos sem, contudo, descartar o eta- a receber a Medalha Fields (página 42),
sem prévia autorização
nol e a sua importância para a indústria a psicóloga Ecléa Bosi, que se dedicou a
estudar a coletividade e a memória (pá-
Tiragem 25.400 exemplares
IMPRESSão Plural Indústria Gráfica automobilística e a economia. Para isso,
será necessário um extensivo trabalho gina 88), e a etnógrafa austríaca Wanda
distribuição Dinap
Pesquisadores e instituições se mobilizam para pelo levantamento, os que medem a percepção sobre
prevenir as formas mais graves de má conduta os impactos da má conduta na validade da pesquisa e
científica, como fraudes e manipulação de dados, mas na confiança que ela inspira, o problema campeão em
não combatem com tanto vigor comportamentos respostas foi a fabricação de dados – que na lista dos
duvidosos ou negligentes que, embora não produzam mais frequentes aparece em penúltimo lugar. Em
escândalos, comprometem a integridade da pesquisa segundo lugar, aparece o expediente de modificar,
pela elevada frequência com que ocorrem. Para fabricar ou remover dados depois que eles já foram
avaliar se essa premissa é verdadeira, um grupo analisados pela primeira vez e, em terceiro, a
coordenado pelo psiquiatra Joeri Tijdink, da manipulação de conclusões por pressão do
Universidade Livre de Amsterdã, Holanda, ouviu patrocinador do estudo. O plágio foi considerado
227 especialistas de vários países que participaram comum (ficou em 12º lugar entre os mais frequentes),
das quatro primeiras conferências mundiais de mas com impacto limitado (42º na lista dos que mais
integridade científica, realizadas entre 2007 e 2015. causam impacto na validade da pesquisa). “Práticas
Os entrevistados responderam a um questionário questionáveis ou indesejadas, que às vezes nem são
eletrônico que os convidava a opinar sobre uma intencionais, podem ter um impacto acumulado
lista de 60 tipos diferentes de condutas antiéticas maior do que os casos de fraude”, disse Tijdink
ou controversas. Eles atribuíram pontos a certas ao site da publicação Nature Index.
características de cada um dos itens, como a Alguns dos problemas corriqueiros, observa Tijdink,
gravidade e a regularidade com que ocorrem, e são muito difíceis de eliminar. Ele cita como exemplo
isso resultou em vários rankings. No ranking dos o terceiro tipo mais frequente de problema apontado
problemas mais frequentes, o primeiro da lista foi no levantamento: não divulgar pesquisas cujo
um viés que não necessariamente compromete a resultado foi negativo. Dar publicidade a eventuais
consistência de um artigo científico, que é citar dados resultados negativos obtidos ao longo do processo
selecionados a fim de realçar descobertas ou de investigação é importante para compreender
convicções do autor. Em segundo lugar, foi o quanto são representativos os resultados positivos
mencionada a falta de supervisão e orientação registrados. “Mas resultados negativos não rendem
adequadas para estudantes e pesquisadores artigos em revista de alto impacto nem ajudam a
em início de carreira, deslize que pode ser obter financiamento para pesquisa. É
produto de negligência ou de excesso de difícil superar esse círculo vicioso”,
tarefas de um líder de pesquisa. diz o psiquiatra.
Já em outros dois O levantamento foi
rankings produzidos publicado na revista
8 | agosto DE 2017
Comportamentos antiéticos ou negligentes
Levantamento com 227 especialistas em integridade científica apontou os tipos
de má conduta mais frequentes e os que causam mais impacto na validade das pesquisas
Research Integrity and Peer Review no Nas ciências naturais, o problema que especialistas foi a forma que
final de 2016 e apresentado em maio mais compromete a validade da encontrou de avaliar a amplitude do
na 5ª Conferência Mundial de pesquisa seria, segundo entrevistados fenômeno. Esse recurso também foi
Integridade Científica, realizada em da área, o arredondamento incorreto utilizado por uma pesquisa que
Amsterdã – o autor principal do artigo de resultados estatísticos, enquanto comparou as percepções sobre
é o epidemiologista Lex Bouter, reitor na área de ciências biomédicas seria a integridade científica entre 1.200
da Universidade Livre entre 2006 e fabricação de dados e, nas ciências pesquisadores da área biomédica na
2013 e um dos organizadores da sociais, a possibilidade de revisar os China em 2015 com as obtidas
conferência. “Fica claro, na nossa próprios papers. em um levantamento feito em 2010.
avaliação, que devemos transferir a Durante o processo de revisão do O paper, publicado em abril na
atenção dos casos de fabricação e artigo de Tijdink e Bouter feito pela revista Science and Engineering Ethics,
falsificação de dados, que são Research Integrity and Peer Review, sugere que 40% da produção científica
ocasionais, para os casos menores de o trabalho recebeu críticas pelas chinesa nessa área do conhecimento
má conduta, como arredondamentos características da amostra de está associada a alguma forma de má
estatísticos e seleção de dados, que são entrevistados. Dos 1.131 que receberam conduta, mas reforça a ideia de que
muito mais frequentes”, disse Bouter, o questionário, apenas 227 tipos mais brandos são os mais
que é professor de metodologia e responderam – e nesse grupo havia disseminados. Os mais prevalentes,
integridade científica, ao apresentar o uma prevalência de professores e segundo os entrevistados chineses, são
levantamento na conferência. pesquisadores seniores, o que poderia o plágio e a atribuição imprópria de
Um quarto ranking foi produzido a levar a conclusões enviesadas. O autoria a pesquisadores que não
partir da opinião dos entrevistados caráter subjetivo dos resultados – deram uma contribuição efetiva à
sobre quais problemas de má conduta baseados em opiniões pessoais dos pesquisa publicada – bem à frente das
seriam mais fáceis de prevenir. Em pesquisadores balizadas por um fraudes e da fabricação de dados.
primeiro, despontou a atitude de conjunto de 60 comportamentos
ignorar riscos impostos a participantes predeterminados – também foi
do estudo e, em segundo, os truques apontado como uma limitação, Artigos científicos
ilustrações maurício pierro
que permitiram a alguns reconhecida pelos autores. Tijdink BOUTER, L. et al. Ranking major and minor research mis-
behaviors: Results from a survey among participants of
pesquisadores terem controle sobre o argumentou, contudo, que é muito four World Conferences on Research Integrity. Research
processo de revisão de seus próprios difícil mensurar objetivamente o Integrity and Peer Review. 21 nov. 2016.
papers. O trabalho também apontou impacto dos casos mais brandos de LIAO, Q.-J. et al. Perceptions of chinese biomedical re-
searchers towards academic misconduct: A comparison
nuanças sobre a percepção em má conduta científica e explicou que between 2015 and 2010. Science and Engineering Ethics.
diferentes campos do conhecimento. o levantamento das opiniões de 10 abr. 2017.
conduta abordasse o assunto. Estados Unidos e Reino Unido. analisados, em oposição a apenas
Essa investigação não revelou “Nesses países, há uma ênfase no 7% dos autores de países
evidências de má conduta.” desenvolvimento pessoal, o que apontados como “coletivistas”.
10 | agosto DE 2017
Dados Dispêndios em P&D
6.357 n SP 39%
5.497 n Brasil
5.018 1.137
993 667
1.014 4.072
732
837 3.072
2.748 1.650
1.357 1.039
3.167 3.772 4.553
1.481
1.354 1.177
361 531 941
1 Valores constantes em R$ de 2016 (deflacionados pelo IGP-DI). 2 A média da participação de empresas (como fonte) de países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em
2015, foi de 61% do total de dispêndios em P&D. 3 Valores para 2014, último ano com dados disponíveis (MCTIc). Fontes Indicadores de CT&I da Fapesp (SP), Indicadores de CT&I do MCTic (Brasil), Main
Science and Technology Indicators, OCDE (OCDE).
Brasil
Tamanho do maior tambaqui já
pescado nas comunidades (kg)
li m õ es Rio P
u
18,1 a 19
Rio
ru
So
s
li m
õ 19,1 a 24
es
1
nético com a massa de um núcleo de carbono 12, for- e a armadilha imagens de um homem tentando desenvolver
Penning, usada
mado por seis prótons e seis nêutrons e usado como galopando, feitas em um gravador molecular
para aprisionar
padrão de massa atômica. Com uma precisão de 32 prótons (acima) 1878 pelo fotógrafo que possa ser inserido
Berkeley 3 instituto max planck de física nuclear 4 seth shipman / universidade harvard
partes por trilhão, o novo valor da massa do próton é inglês Eadweard nas células para
1,007276466583 unidade de massa atômica, um pou- Muybridge (1830-1904). coletar informação
co menor do que a medida anteriormente (Physical Depois, implantaram ao longo do tempo”,
Review Letters, 18 de julho). A segunda notícia é que um esses trechos no DNA disse o geneticista
grupo de 50 físicos de 17 instituições de pesquisa co- de bactérias usando a Seth Shipman, autor
municou ter feito a primeira observação detalhada das técnica de edição de do estudo, ao jornal
linhas espectrais finas de um átomo de antimatéria, o genes CRISPR-Cas britânico The Guardian.
anti-hidrogênio – ele tem as mesmas características (ver Pesquisa FAPESP Assim, talvez se torne
que o hidrogênio, mas é formado por partículas com no 240). Ao se possível programar
carga elétrica oposta –, em um dos equipamentos da reproduzirem, as neurônios para registrar
Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), bactérias transmitiram a informação do cérebro
na fronteira da Suíça com a França. Os pesquisadores informação para seus em desenvolvimento.
irradiaram átomos de anti-hidrogênio com micro-ondas.
Em resposta, os antiátomos revelaram sua identidade A imagem
emitindo ou absorvendo energia em frequências espe- original
(à esq.) e a
cíficas – são as linhas espectrais, características para
reconstituída
cada átomo, como as impressões digitais das pessoas. com dados
Como se esperava, as linhas espectrais do anti-hidro- recuperados do
gênio corresponderam muito bem às do hidrogênio, já DNA das
bactérias (à dir.)
bem conhecidas (Nature, 3 de agosto). 4
julho em Paris. Outro a uma pessoa a cada descreve o objeto celeste, no material de divulgação do
teste conduzido pelos 17 segundos. Um dado estudo. “Se essa estrela tivesse se formado com um pou-
NIH indicou que o uso preocupante do relatório co menos de massa, as reações de fusão do hidrogênio
de um anel vaginal é que 10% das pessoas em seu núcleo não poderiam se sustentar, e ela teria se
renovado mensalmente que hoje começam o transformado em uma anã-marrom.” Opaca e fria, uma
ou de um comprimido tratamento antirretroviral anã-marrom é um objeto astronômico com massa inter-
diário, ambos contendo na África, na Ásia e na mediária entre a de um planeta e a de uma estrela. A EBLM
antirretrovirais, são América Latina estão J0555-57Ab foi classificada como anã-superfria, como a
estratégias seguras e infectadas com uma Trappist-1. Ela foi encontrada pelo projeto Wide Angle
eficazes para prevenir cepa do HIV resistente Search for Planets (Wasp), que procura exoplanetas em
a transmissão do vírus a algum dos remédios nossa galáxia e é coordenado pelas universidades britâ-
entre adolescentes. mais usados. nicas de Keele, Warwick, Leicester e Saint Andrews.
14 | agosto DE 2017
Elsevier já aconteceu em 2013,
avança em quando a editora
comprou a Mendeley,
repositórios uma popular rede social
em que pesquisadores
A holandesa Elsevier, a compartilham artigos.
maior editora científica No ano passado, adquiriu
do mundo, torna-se a Social Science
dominante também no Research Network
segmento dos (SSRN), repositório de
repositórios em acesso preprints na área de
aberto. No mês passado, ciências humanas e
ela anunciou a compra sociais, e a empresa de
da bepress, empresa indicadores de pesquisa
com sede em Berkeley, Plum Analytics. “A
na Califórnia, cujo bepress tem contribuído
portfólio inclui o Digital para que instituições de
Commons, uma pesquisa divulguem sua
plataforma utilizada produção. Estamos
por mais de 500 ansiosos para trabalhar
universidades e juntos”, afirmou em um
institutos de pesquisa comunicado Oliver
para gerenciar Dumon, diretor-geral de
seus repositórios Produtos de Pesquisa
institucionais, da Elsevier.
que reúnem mais de
2,3 milhões de
documentos
armazenados em nuvem.
O valor do negócio não
foi divulgado. Com a O silenciamento
temporário de um
aquisição, a Elsevier
gene gera sementes
busca reforçar sua residuais na
presença digital e variedade Sultanina 2
ampliar o número de
clientes de seus serviços
de análise de
informações de ciência e O segredo das uvas sem semente
tecnologia, como a base
de dados de periódicos Conhecidas nos Estados Unidos e no Brasil gene estivesse envolvido na formação de se-
Scopus e o Elsevier's pelo nome de Thompson Seedless, as uvas- mentes, mas a hipótese ainda não havia sido
Research Intelligence, -brancas da variedade Sultanina são resultado demonstrada. Revers e seus colaboradores
que serão interligados ao de uma mutação natural que as deixou sem constataram que, na Chardonnay, o VviAGL11
Digital Commons e sementes. Originárias provavelmente da região é expresso em momentos cruciais para a for-
disponibilizados a seus Logomarca entre a Turquia e a Grécia, são consumidas mação da casca que reveste as sementes. Na
usuários. Essa integração da Elsevier, preferencialmente in natura ou como passas Sultanina, o gene simplesmente não é ativado
fundada
e seu vinho não é visto como de qualidade. nessa fase e isso resulta em sementes residuais
em 1880
Pesquisadores brasileiros liderados pelo bió- – na prática, em uvas sem semente. A deter-
logo molecular Luís Fernando Revers, da Em- minação do papel desse gene pode ser útil
brapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves, no para manipular a formação de sementes nas
Rio Grande do Sul, comprovou o mecanismo variedades plantadas. “A expectativa é de
molecular que leva essas uvas a não terem transformar esse conhecimento em uma fer-
sementes (Journal of Experimental Botany, 28 ramenta para, antes mesmo de produzir o
de março). Eles compararam o padrão de ati- fruto, saber, por meio de testes de DNA, se a
vação do gene VviAGL11 durante o desenvol- uva irá ou não ter sementes”, diz o biólogo
vimento de frutos de uma uva com sementes, molecular. Segundo o pesquisador, essa seria
a branca Chardonnay, usada para fazer vinho, uma forma de acelerar o desenvolvimento de
e da Sultanina. Há anos, suspeita-se que esse novos cultivares.
Cabeça de
Chegando mais cedo à Austrália machado (à esq.)
encontrada em
escavação no sítio
arqueológico de
A descoberta de cerca de 11 mil artefatos, como pe- trália. O coordenador do estudo, Chris Clarkson, Madjedbebe
dras de moagem e cabeças de machados, escavados professor da Universidade de Queensland, Austrália, (à dir.), no Parque
Nacional Kakadu,
a uma profundidade de 2,6 metros no Parque Na- encontrou os artefatos em 2015, escavando uma
na Austrália
cional de Kakadu, norte da Austrália, indica que a área já explorada do sítio arqueológico de Madjed-
ocupação do continente pelos aborígenes vindos da bebe. Segundo ele, os resíduos de rochas e restos de
África pode ter começado há pelo menos 65 mil anos. fósseis sugerem a exploração da madeira como com-
Datados por meio de uma técnica chamada lumines- bustível e o consumo de sementes e raízes. Esse
cência opticamente estimulada, usada para deter- trabalho também indica que os primeiros seres hu-
minar a data da última vez em que um objeto foi manos a chegarem à Austrália teriam convivido com
exposto à luz do sol antes de ser coberto pela terra, animais como os marsupiais gigantes, do porte de
alguns artefatos poderiam ter 80 mil anos. Essa um pequeno urso, durante cerca de 25 mil anos,
descoberta antecipa em cerca de 20 mil anos a es- antes de gradativamente causarem a extinção da
timativa da chegada dos primeiros habitantes à Aus- megafauna (Nature, 20 de julho).
Fertilidade Não houve declínio na 25 de julho). Onde mililitro (ml), em 1973, sugerem que as baixas
masculina cai América do Sul, na África houve redução, para 47 milhões por ml, contagens estariam
e na Ásia. A conclusão a concentração de em 2011 – uma queda de associadas a um estilo
à metade suscita preocupação espermatozoides 52,4%. Embora não se de vida pouco saudável
em 40 anos sobre a capacidade despencou, em média, saiba a causa dessa e à exposição a
reprodutiva masculina. de 99 milhões por redução, os autores produtos químicos.
O número de Sob a coordenação
espermatozoides do epidemiologista
produzidos pelos homens Hagai Levine, da
Concentração de espermatozoides (milhões /ml)
100
16 | agosto DE 2017
3
Unicamp, a
primeira da
América Latina
A Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp)
foi classificada como a
melhor da América
Latina na edição de 2017
do ranking da revista
britânica Times Higher
Education. A instituição
recebeu um total de
87,9 pontos, ante 87,5
da Universidade de São
Paulo (USP). A Pontifícia
Universidade Católica do
fotos 1 Chris Clarkson / Copyright Gundjeihmi Aboriginal Corporation 2015 2 Dominic O'Brien / Copyright Gundjeihmi Aboriginal Corporation 2015 3 Hervé Sauquet e Jürg Schönenberger
pesquisa de reputação
feita com cientistas de A mãe de todas as flores
mais de 100 países
atualizada anualmente,
os números da produção A
ancestral das angiospermas (plantas com e de fósseis e em dados filogenéticos mole-
científica e a proporção flores) atuais provavelmente tinha flores culares de 792 espécies de angiospermas
de staff acadêmico. bissexuais e de simetria radial, com pelo me- (Nature Communications, 1º de agosto). Ape-
A segunda categoria, nos 10 sépalas (estruturas semelhantes a sar das incertezas remanescentes sobre
com peso de 2,5%, folhas, externas às pétalas) e cinco carpelos alguns aspectos da reconstrução da flor
é a de transferência de (folhas modificadas que abrigam os óvulos primordial, esse estudo sugere as possíveis
conhecimento, que da flor) arranjados em forma de espiral. As transformações das estruturas das flores ao
avalia a capacidade cores, formas e tamanhos da flor primordial, longo da evolução com base em uma amos-
de uma instituição obter no centro da imagem acima, são criações tragem ampla e métodos de análise refinados.
recursos para pesquisa artísticas, mas as informações sobre sua O ancestral comum mais recente das espécies
com o setor empresarial. provável estrutura resultam de um estudo atuais de angiospermas deve ter vivido entre
Nela, a Unicamp obteve sobre evolução floral de angiospermas que 250 milhões e 140 milhões de anos atrás. Já
17 pontos a mais do reuniu botânicos da França, Áustria, Estados o ancestral das plantas com sementes, que
que a USP – em 2016, Unidos e Brasil (Juliana El Ottra, da Univer- inclui as angiospermas e as gimnospermas
a diferença foi de sidade de São Paulo). O estudo se baseou na (sem flores), deve ter vivido entre 350 mi-
11 pontos. Nas demais análise da estrutura floral de espécies atuais lhões e 310 milhões de anos atrás.
categorias, a pontuação
flutuou pouco.
divulgação nissan
A ascensão dos
elétricos
Automóveis movidos a
eletricidade deverão representar
16% da frota mundial até 2030
Yuri Vasconcelos
18 | agosto DE 2017
Modelos da Nissan
são recarregados
no centro
de pesquisa da
montadora
na Inglaterra
A
produção de carros A onda global chega lentamente ao Brasil, que pre-
movidos a energia cisa superar vários obstáculos para fazer a transição
elétrica acelera pelo do carro a combustão interna para o elétrico. “A falta
mundo, já provoca de política pública e de uma infraestrutura de recarga
mudanças na indústria auto- são os principais entraves à massificação desses carros
mobilística e promete transfor- no país”, relata Ricardo Guggisberg, presidente-exe-
mações na mobilidade urbana. cutivo da Associação Brasileira do Veículo Elétrico
A frota global de automóveis (ABVE). Segundo ele, assim como ocorreu em outras
elétricos e híbridos, denomi- nações, a mobilidade elétrica precisa de incentivos do
nação dada aos modelos que governo para se estabelecer (ver mais sobre os desafios
utilizam um motor elétrico em conjunto com um do carro elétrico no Brasil na página 22).
de combustão interna, superou 2 milhões de uni- Atualmente, circulam nas ruas do planeta por vol-
dades em 2016, um aumento de 60% em relação ta de 50 diferentes modelos de automóveis elétricos,
ao ano anterior. China, Japão, Estados Unidos e número que deve saltar para 120 nos próximos três
Europa são os principais mercados e concentram anos. Esses veículos podem ser classificados em três
os maiores fabricantes. O estoque de automóveis grupos, segundo a forma de suprimento de energia.
elétricos no mundo poderá chegar a 70 milhões O primeiro reúne os chamados elétricos puros ou a
de unidades em 2025, de acordo com o relatório bateria (VEB). Tracionados por um ou mais moto-
Global EV Outlook 2017, da Agência Internacional res elétricos, eles empregam apenas baterias como
de Energia (AIE). Outra projeção, da consultoria fonte de energia. “A bateria deve ser recarregada na
Morgan Stanley, indica que em 2030 cerca de 16% rede elétrica, mas também pode aproveitar a energia
da frota global de veículos de passeio será movida a regenerada pelo carro durante as desacelerações e
baterias. Hoje, eles representam 0,2% do mercado, frenagens”, explica o engenheiro eletricista Raul
que totaliza 947 milhões de automóveis. Fernando Beck, responsável pela Área de Sistemas
O avanço dos elétricos, um fenômeno por enquanto
mais presente em nações ricas em razão do elevado
custo dessa tecnologia, é motivado por preocupações
ambientais e pela perspectiva de esgotamento de
petróleo. A fumaça liberada pelo escapamento dos
veículos movidos a combustíveis fósseis é a princi-
pal causa da poluição nos grandes centros urbanos e
responde por um quinto de toda a emissão de dióxido
de carbono (CO2) do planeta, o principal gás de efeito
estufa (GEE). Para lidar com essa situação, governos
de diversos países têm proposto limites à circulação
desses veículos e estimulado o uso dos elétricos, em
tese menos agressivos ao ambiente.
Recentemente, autoridades francesas e britâni-
cas anunciaram a intenção de proibir a venda de
modelos a gasolina ou diesel a partir de 2040. Na
Noruega, onde 37% dos carros novos vendidos em
janeiro deste ano eram movidos a eletricidade, e na
Holanda, a proibição da comercialização deve ocor-
rer ainda mais cedo, em 2025, enquanto na Alemanha
léo ramos chaves
o banimento está previsto para 2030. Do lado da in- Conector para recarga
de carros elétricos: a
dústria, as maiores fabricantes já oferecem modelos principal vantagem é
elétricos e híbridos. A Volvo anunciou que a partir a emissão nula ou muito
de 2019 todos os seus carros terão motores elétricos. reduzida de poluentes
de Energia da Fundação Centro de Pesquisa e baixo –, a energia que alimenta suas baterias foi
Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), produzida por uma fonte “suja”. Com isso, a pe-
de Campinas (SP), e coordenador da Comissão gada de carbono deles aumenta. Pegada de car-
Técnica de Veículos Elétricos e Híbridos da Socie- bono é um índice que mede o impacto de certa
dade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil). atividade humana ou tecnologia sobre o ambiente
São ideais para uso urbano, pois têm autonomia a partir da quantificação do CO2 emitido.
limitada. “As baterias atuais permitem que os A questão é polêmica e divide os especialistas.
carros rodem em média 250 quilômetros (km) Se, no cálculo da pegada de carbono, considerar-
sem necessidade de recarregamento”, diz Beck. mos também a energia gasta na fabricação do car-
O segundo conjunto é dos veículos elétricos ro e seus componentes, a vantagem dos elétricos
híbridos (VEH), que têm pelo menos um motor diminui mais ainda. “Gasta-se muita energia na
elétrico e um motor a combustão interna. Nesse fabricação das baterias. Se essa energia é gerada
caso, não é preciso recarregar a bateria em um ele- por combustíveis fósseis, as emissões de CO2 são
troposto, nome dado ao ponto de recarga, pois ela consideráveis e a pegada global do carro elétrico se
é alimentada exclusivamente por um gerador acio- eleva”, explica o engenheiro mecânico Francisco
nado pelo motor a combustão, também usado para Emílio Baccaro Nigro, professor da Escola Politéc-
mover o carro. O veículo, portanto, é abastecido em nica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e
postos de combustível. A vantagem dos híbridos é assessor da Secretaria de Energia e Mineração do
a maior autonomia. Por outro lado, não são total- Estado de São Paulo. Ainda assim, destaca Nigro,
mente isentos de emissões. O terceiro grupo é dos entre queimar combustíveis fósseis em motores
híbridos plug-in (VEHP), uma combinação entre a combustão ou para gerar energia elétrica que
os elétricos puros e os híbridos. Esses modelos alimentará veículos elétricos, a segunda opção é
também têm dois motores distintos (a combus- mais ambientalmente amigável, pois esses carros
tão e elétrico) e podem ser alimentados tanto com são mais eficientes no uso de energia do que os
combustíveis tradicionais, como gasolina e diesel automóveis com motores a combustíveis fósseis.
(ainda não existem plug-ins a álcool), como a par- Mas há quem ache o contrário. Para o físico José
tir da rede elétrica (ver gráfico na página ao lado). Goldemberg, especialista em energia, a fabricação
de carro elétrico só vale a pena para o país que for
matriz energética fabricá-lo se a maior parte da matriz energética for
O maior diferencial dos veículos elétricos é a renovável, como no Brasil. “Para os Estados Uni-
emissão nula ou reduzida de poluentes e de gases dos, que têm a maior parte da produção elétrica
de efeito estufa no seu funcionamento. Essa van- originária do combustível fóssil, não vejo vantagem
tagem, entretanto, pode ser diluída dependendo em substituir o motor a combustão. Aqui, haveria
da matriz energética do país em que a frota circu- benefícios”, diz Goldemberg, que é presidente da
la. Em muitas nações europeias, a maior parte da FAPESP. A matriz energética brasileira é baseada
eletricidade é gerada por fontes não renováveis na fonte hidráulica, considerada limpa e renovável
e poluentes, como o carvão queimado em usinas e que responde por 64% da eletricidade gerada.
termelétricas. Assim, mesmo que os elétricos não Por isso, os carros elétricos tendem a se manter
contribuam diretamente para o aumento da po- vantajosos do ponto de vista ambiental quando
luição atmosférica e o aquecimento do planeta comparados aos movidos a gasolina ou diesel. Essa
– já que seu nível de emissões é nulo ou muito vantagem permanece mesmo quando a compara-
20 | agosto DE 2017
DIFERENTES
Crescimento acelerado TECNOLOGIAS
Os carros elétricos são
Frota aumenta no mundo movida por preocupações ambientais classificados conforme o
suprimento de energia
silencioso e eficiente
A reduzida emissão de ruídos – já que no carro uma fábrica de baterias no estado de Nevada, a
elétrico não há queima de combustível, a princi- Gigafactory, que começou a operar este ano. A
pal causa do ruído dos motores a combustão – e expectativa de Elon Musk, dono da companhia, é
o baixo custo para rodar são outras vantagens dos de que a fábrica provoque uma redução no custo ELÉTRICO HÍBRIDO
elétricos. Um estudo da CPFL Energia mostrou de produção das baterias superior a 30% quando PLUG-IN (VEHP)
que o custo por quilômetro rodado de um carro a estiver operando em plena carga, no ano que vem. Versátil, é um híbrido no
Para os especialistas, a vantagem ambiental ofe- qual a bateria do motor
combustão é de R$ 0,31, enquanto o de um veícu-
elétrico pode ser
lo elétrico é de R$ 0,11, ou seja, três vezes menor. recida pelos elétricos ao lado das preocupações recarregada tanto pela
O elevado rendimento energético também é um com o esgotamento dos combustíveis fósseis faz rede elétrica quanto pelo
diferencial desses modelos. “Enquanto a eficiên- da mobilidade elétrica uma forte promessa para o motor a combustão.
futuro. “O mundo ruma na direção dos elétricos”, Assim como o híbrido,
cia energética dos carros a combustão interna é
tem maior autonomia do
de cerca de 25%, nos carros elétricos ela começa diz Nigro. Mas essa tecnologia ainda precisa su- que o elétrico puro
em 85%, a depender do modelo”, destaca o espe- perar desafios – como a limitada autonomia ofe-
Modelos BMW i8,
cialista da ABVE. O consumo energético de um recida pelas baterias e o seu preço, ainda elevado Mitsubishi Outlander,
veículo é a quantidade de energia fornecida pela demais para a maioria dos consumidores – para Volvo V60
fonte (bateria, gasolina, diesel, álcool etc.) efetiva- que seja difundida em larga escala no mundo. n
no Brasil
Ricardo Guggisberg, presidente-executivo da
ABVE. “Os elétricos e os híbridos são mais caros
do que um veículo comum por causa da tecnologia
empregada, mas a alta carga tributária contribui
para que os valores finais sejam maiores.”
Difusão dos modelos elétricos Algumas das reivindicações da ABVE já foram
atendidas. Em 2015, o governo reduziu o imposto
no país depende da superação de importação para carros elétricos e híbridos de
35% para uma alíquota máxima de 7%. Vários es-
de diversos obstáculos tados, entre eles Ceará, Rio de Janeiro, Rio Gran-
O
de do Sul e São Paulo, isentaram ou reduziram a
s carros movidos a bateria já são uma alíquota de IPVA, o Imposto sobre a Proprieda-
realidade nas ruas de cidades euro- de de Veículos Automotores, desses veículos, e
peias, americanas, chinesas e japonesas, a prefeitura de São Paulo dispensa do rodízio os
mas no Brasil pouco se vê esses veícu- automóveis movidos a eletricidade.
los. Entre 2011 e 2016, cerca de 4 mil automóveis Especialistas, no entanto, questionam a efetivi-
elétricos ou híbridos foram licenciados – no ano dade de conferir incentivos para uma indústria que
passado, apenas 1.091 unidades, um número insig- sempre teve ajuda do governo. Um estudo do Ins-
nificante diante do 1,68 milhão de carros vendidos tituto Econômico de Montreal (MEI), do Canadá,
ao todo no Brasil. Como as montadoras instaladas mostrou que o estímulo aos veículos elétricos nem
no país não fabricam veículos de passeio com sempre é eficiente. Lá, o governo da província de
essa tecnologia, todas as vendas são de impor- Ontário oferece ao consumidor até 14 mil dólares
tados, bem mais caros do que os automóveis a canadenses (R$ 34,9 mil) para a compra de um
O motor dos
combustão. O Toyota Prius, um dos mais baratos automóveis híbrido ou elétrico, enquanto em Quebec a quan-
comercializados no país, custa a partir de R$ 120 elétricos é mais tia chega a 8 mil dólares canadenses (R$ 20 mil).
mil. Além dele, cerca de uma dezena de modelos simples e tem bem O pesquisador Germain Belzile, do MEI, e o con-
menos peças do
estão à disposição do consumidor brasileiro. sultor independente Mark Milke fizeram as contas
que os de modelos
“Redução de impostos, incentivos para a com- a combustão e concluíram que o incentivo em Ontário custa 523
pra, liberação do rodízio e do uso da faixa exclu- interna dólares canadenses (R$ 1.320) por tonelada de CO2
22 | agosto DE 2017
não emitido – equivalente ao total de gás de efeito
estufa (GEE) –, enquanto em Quebec esse valor cai
para 288 dólares canadenses (R$ 730). Para chegar
a esses valores, eles consideraram que os modelos
elétricos emitem 30 toneladas de CO2 a menos do
que os veículos a combustível fóssil, em uma década.
Como o preço no mercado de crédito de carbono
de cada tonelada de GEE eliminada é de 18 dólares
canadenses, ao subsidiar a compra do carro elétri-
co, os governos de Ontário e de Quebec gastam,
respectivamente, até 29 vezes e 16 vezes mais. No
mercado de carbono, empresas e países negociam
certificados que equivalem a cada tonelada de GEE
não emitida ou retirada da atmosfera.
malha de recarga
Outro desafio a ser vencido pela mobilidade elétri-
ca é a criação de uma infraestrutura para recarga Laboratório
das baterias, com a implantação de eletropostos de Mobilidade em eletropostos públicos, pois só concessionárias
Elétrica do CPqD
em centros urbanos e estradas. “Em um país com registradas na Agência Nacional de Energia Elétri-
e da CPFL Energia,
dimensões continentais como o Brasil, esse é um em Campinas: ca (Aneel) podem comercializar energia. “A Aneel
grande desafio. Já pensou se uma pessoa quiser avaliação de abriu este ano uma audiência pública para discutir o
fazer uma viagem de São Paulo a Belém com um pontos de recarga tema, já que o marco regulatório impõe restrições à
carro elétrico? Ele vai precisar encontrar muitos execução de recarga pública de veículos elétricos por
eletropostos ao longo do caminho”, pontua o en- órgãos e empresas que não sejam os distribuidores
genheiro mecânico Marcelo Alves, do CEA/USP. de energia”, destaca o engenheiro eletricista Danilo
Não existem dados oficiais, mas estima-se que do Nascimento Leite, coordenador do Programa de
a rede nacional de recarga não chegue hoje a 100 Mobilidade Elétrica – Emotive, da CPFL Energia.
unidades. Para solucionar esse problema, uma Um dos modelos em debate é aquele em que os
proposta em tramitação no Senado obriga a insta- quilowatts consumidos na recarga são cobrados na
lação de eletropostos em estacionamentos públi- conta de luz do dono do carro. “O motorista passa-
cos e garagens de prédios. A medida, entretanto, ria um cartão para liberar o abastecimento e o valor
é questionada até pelos defensores dos veículos iria para sua conta de energia”, sugere Takahira.
elétricos. “Será que é certo exigirmos a instala-
ção de eletropostos sem termos ainda uma frota velocidade de abastecimento
consolidada? O importante é fazer com que o au- A indústria também trabalha para acelerar o tempo
mento do número de elétricos seja natural, e que de recarga. Enquanto os veículos a gasolina e álcool
essa evolução seja acompanhada de eletropostos são abastecidos em minutos, os elétricos precisam
onde for necessário”, defende o engenheiro ele- Diferentes de pelo menos uma hora. Existem três sistemas de
tricista Ricardo Takahira, da ABVE. padrões de plugs alimentação. Os de recarga rápida recarregam 80%
e conectores em
A regulamentação da venda da energia para re- da bateria em 30 minutos e precisam de mais 30
eletroposto de
carregar as baterias é outro assunto em discussão. recarga rápida de para completar os 20% restantes; os semirrápidos
A legislação proíbe a cobrança de reabastecimento veículos elétricos levam até três horas; e os normais demoram de 6 a
22 horas para deixar a bateria carregada.
“A lógica do sistema é que eletropostos de re-
carga rápida e semirrápida sejam instalados em
locais públicos, como shopping centers, para que o
usuário reabasteça o carro enquanto faz compras.
Já os pontos de recarga normal devem ficar em
residências, para recarregar as baterias de ma-
drugada”, explica o engenheiro eletricista Vitor
Torquato Arioli, pesquisador da Área de Sistemas
de Energia da Fundação Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD).
fotos léo ramos chaves
Estudo da CPFL
Energia indica
que veículos a
bateria causam
baixo impacto
na rede elétrica
2
Técnico do centro
de P&D da Itaipu
Binacional trabalha no
desenvolvimento de
uma bateria para
carros a eletricidade
(acima). Mais de 80 2
protótipos elétricos já
foram montados pela
usina (à dir.)
fotos 1 Alexandre Marchetti / Itaipu Binacional 2 eletric dreams 3 Caio Coronel / Itaipu Binacional
dência internacional desse equipamento”, opina tipos elétricos já foram montados no Centro de
Arioli. Há uma discussão no mundo sobre padro- Pesquisa, Desenvolvimento e Montagem de Veí-
nizar os conectores para simplificar o processo culos Elétricos (CPDM-VE) da usina. “No início,
de recarga das baterias dos diversos modelos de obtivemos know-how por meio da parceria com
carros existentes, de modo a evitar a necessidade a suíça Kraftwerke Oberhasli AG, controladora
de duplicar a infraestrutura necessária. de hidrelétricas na região dos Alpes, para reali-
O Laboratório de Mobilidade Elétrica também zar a transformação de veículos a combustão em
pesquisa o impacto dos veículos a bateria sobre a elétricos. Na época, boa parte dos componentes
rede elétrica. Há dois anos, a CPFL Energia fez um era de importados. Hoje, cerca de 60% são pro-
estudo para verificar os reflexos do uso em massa de duzidos no Brasil”, conta Novais.
veículos elétricos no consumo de energia no país. Em 2014, a Itaipu iniciou a montagem do com-
“Estimamos que a expansão dos modelos elétricos pacto elétrico Renault Twizy, fruto de um acordo
teria impacto limitado na demanda de energia”, afir- com a montadora francesa. O carro chega parcial-
ma Danilo Leite. “Nossas projeções iniciais apontam mente desmontado e os técnicos fazem a integra-
que o uso dessa tecnologia ampliaria o consumo ção do sistema de tração, baterias e motor elétrico,
de energia entre 0,6% e 1,7% no Sistema Interliga- somando cerca de 90 itens. O objetivo da iniciati-
do Nacional (SIN) em 2030, quando as previsões va é aprofundar os estudos de nacionalização dos
indicam que a frota de elétricos no país poderá al- componentes e preparar fornecedores de autope-
cançar entre 5 milhões e 13 milhões de unidades.” ças para o mercado. “Não temos a intenção de nos
Segundo especialistas, além de causar baixo tornarmos uma fábrica de veículos elétricos – este
impacto na rede elétrica, os carros a bateria pode- é o papel das montadoras de automóveis –, mas
riam ser usados para equalizar o sistema elétrico queremos dominar essa tecnologia”, relata Novais.
24 | agosto DE 2017
“Quando houver demanda, a indústria local pode-
rá produzir os principais sistemas, como motores
elétricos e inversores.” O programa de Itaipu tem
como parceiros fabricantes de componentes au-
tomotivos, como a Weg, que produz motores elé-
tricos, e a Moura, indústria de baterias, além de
institutos de pesquisa e concessionárias de energia.
modelo nacional
Nos últimos anos, houve no país várias iniciati-
vas visando à construção de um veículo elétrico
nacional em larga escala, mas nenhuma vingou.
Uma pequena empresa de São José dos Campos
(SP), a Electric Dreams, persegue essa meta. Ela
investe há seis anos no projeto de um superes-
portivo capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em
apenas 2,7 segundos. Com quatro motores, um
para cada roda, o modelo foi desenvolvido com
3 base em simulações computacionais e ensaios em
túneis de vento usados pela indústria aeronáutica.
“Desenvolvemos o carro do zero. Criamos todos
os sistemas, algoritmos de controle e softwares
3 embarcados, e já temos um modelo em escala re-
duzida. Nossa intenção é que nosso superespor-
tivo sirva de laboratório para gerar carros elétri-
cos mais simples, ônibus e caminhões”, declara o
Por dentro de um elétrico engenheiro aeronáutico Fábio Zilse Guillaumon,
ex-funcionário da Embraer que deixou a fabri-
Sem ruídos da combustão e do cano de escape, condução cante de aviões para montar a Electric Dreams.
dos modelos movidos a bateria é suave e silenciosa O projeto tem recursos do programa Pesquisa
Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FA-
PESP e do Fundo Tecnológico (Funtec) do Banco
1 BATERIA Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
O conjunto de baterias armazena a energia usada no (BNDES). O CPqD colaborou no desenvolvimen-
funcionamento do motor elétrico. Pesa a partir de 250 quilos
to da bateria. “O sistema de armazenamento de
e em alguns veículos fica alojado no assoalho
energia é o coração e um dos grandes desafios
técnicos do carro”, avalia Guillaumon. “A solução
proposta foi uma bateria com dois tipos de célu-
Ponto de las de lítio, que fornece energia para os motores
carregamento
e proporciona autonomia de 400 km, similar à
dos carros a combustão”, conta. A previsão é de
que um protótipo seja finalizado no próximo ano.
Apesar dos esforços de pesquisa, ainda deve
levar algum tempo para o Brasil se inserir na ca-
1
2 deia produtiva mundial dos veículos elétricos, se-
infográfico ana paula campos ilustração alexandre affonso
eficientes
elétricos
C
de Sistema de Energia do CPqD. “Além disso, tem
onsórcios de pesquisa da Ásia, Europa e um elevado eletropotencial, isto é, a capacidade
Estados Unidos, formados por fabricantes de ganhar ou perder elétrons, que é o princípio
de baterias, montadoras de automóveis, básico da geração de corrente elétrica”, pontua.
universidades e centros de inovação, travam As baterias são constituídas por uma ou várias
uma corrida na busca de uma bateria que apresente células de lítio-íon interligadas num mesmo con-
maior densidade de energia (quantidade de energia junto. Os tipos mais comuns são as cilíndricas, pa-
armazenada por seu volume), tenha vida útil mais recidas a pilhas pequenas, medindo 18 milímetros
extensa, possua menor custo e seja mais segura. (mm) de diâmetro por 65 mm de altura. O segun-
Hoje, o valor da bateria corresponde a até 50% do do modelo, conhecido como pouch, tem formato
preço do automóvel, mas seu custo vem caindo de plano e achatado. Há, por fim, as prismáticas, que
forma consistente. O preço da bateria, em termos lembram uma caixa retangular do tamanho de um
de sua capacidade de armazenamento, está próximo livro. Como a célula tem uma tensão média de 3,6
de US$ 300 por quilowatt-hora (kWh) – cerca de volts (V) e um carro elétrico precisa de 300 a 600 V
R$ 960 por kWh. Há sete anos era três vezes maior. para funcionar, centenas ou milhares de células de
Paralelamente, ela tem se tornado mais eficien- lítio são usadas na bateria para gerar energia . Os
te do ponto de vista energético, proporcionando modelos da Tesla, por exemplo, têm 7,4 mil células
maior autonomia aos veículos – quanto mais ener- cilíndricas, empacotadas em módulos menores e
gia a bateria acumula, maior quilometragem o veí- acomodadas no assoalho do veículo.
culo pode rodar. Sua densidade energética mais O problema do lítio é sua segurança de operação.
do que triplicou nos últimos sete anos, atingindo “As baterias trabalham bem numa temperatura de
cerca de 350 watts-hora por litro (ver infográfico até 25 graus Celsius. Acima disso, é preciso mantê-
na página 27). Um watt-hora (Wh) corresponde -las refrigeradas. O superaquecimento pode causar
à potência de 1 watt por uma hora e é a unidade sua explosão”, afirma o engenheiro eletricista Cel-
26 | agosto DE 2017
O segredo das baterias de lítio 1 sustenta Maria de Fátima. “Como não contêm me-
Por serem feitas com um metal leve, elas conseguem CARGA E DESCARGA tais pesados, podem ser recicladas.” Quando as
armazenar mais energia em menos espaço Os íons de lítio se baterias se esgotam, os donos de carros elétricos
deslocam do ânodo precisam repô-las ou trocar de veículo, dado que
para o cátodo, gerando
uma corrente elétrica,
a bateria representa metade de seu valor. Este é
descarga
infográfico ana paula campos ilustração alexandre affonso
800 400
densidade energética (Wh/L)
500
Projeção
400 200 de Itaipu teve início em 2012. “Agora, estamos traba-
300 150 lhando com empresas suíças e alemãs em uma ver-
são avançada do modelo. Caracterizada por células
200 100
planas e compactas, poderá ser dividida em módu-
100 50
los menores. Nossa expectativa é de que seja mais
0 0 competitiva do que as baterias à base de lítio e que
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2022
comece a ser produzida em 2019”, declara Novais. n
A Amazônia
urbana é invisível
Antropólogo propõe diálogo para aproximar
o debate ambiental e a discussão
sobre o desenvolvimento socioeconômico
O
antropólogo paulista Eduardo S. Bron- criminalidade. Tais questões, ele observa, são rele-
dizio vive desde o início dos anos 1990 gadas nas discussões sobre o futuro da Amazônia,
nos Estados Unidos, onde fez carreira que é valorizada internacionalmente como grande
como professor da Universidade de In- estoque de carbono e santuário da biodiversidade.
diana, em Bloomington. Seus interesses Nascido em São José dos Campos há 54 anos,
de pesquisa, porém, jamais deixaram o Brasil. Per- Brondizio estudou agronomia na Universidade de
maneceram ancorados em áreas da Amazônia como Taubaté, onde se interessou pela mudança no padrão
nos municípios da região da Ilha de Marajó, no Pa- de uso da terra de comunidades rurais. Passou pelo
rá, ou nas franjas das rodovias Cuiabá-Santarém e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
Transamazônica, que ele visita periodicamente. Ali, e coordenou pela Fundação SOS Mata Atlântica o
Brondizio e seus alunos, muitos deles brasileiros, primeiro atlas do domínio da Mata Atlântica, de-
comparam dados estatísticos e de sensoriamento e senvolvido em colaboração com o Inpe. Em 1991,
entrevistam famílias de ribeirinhos e de imigrantes foi fazer doutorado em antropologia ambiental na
recém-chegados, para compreender como elas tomam Universidade de Indiana, orientado pelo antropólo-
decisões sobre migração e uso da terra com impac- go Emilio Moran, mas não conseguiu voltar para o
to na transformação social e na paisagem regional. Brasil como planejara: sua formação interdisciplinar
O acompanhamento de parte das famílias é feito de agrônomo, especialista em sensoriamento remoto
há quase 30 anos. Várias delas não vivem mais em e antropólogo não se encaixava em programas dis-
áreas rurais. São encontradas nas periferias das ciplinares das universidades. Depois de um ano na
cidades, para onde se transferiram em busca de Universidade do Arizona, foi contratado em 1998 pela
oportunidades, num processo de transformação própria Universidade de Indiana, onde é professor
da Amazônia que se acelerou de forma exponen- titular e foi chefe do Departamento de Antropolo-
cial desde os anos 1970. Perto de 80% da população gia, um dos mais tradicionais do país, por sete anos.
da região habita cidades e padece de problemas Desde 2015 é diretor do interdisciplinar Centro de
clássicos como falta de saneamento, desemprego e Análise de Paisagens Socioecológicas (Casel).
28 | agosto DE 2017
idade 54 anos
especialidade
Antropologia ambiental
formação
Graduação em
agronomia (1987) pela
Universidade
de Taubaté; doutorado
em antropologia
ambiental (1996)
pela Universidade
de Indiana
instituição
Universidade
de Indiana
produção
científica
190 artigos e capítulos
de livros, 7 livros e
periódicos especiais;
12 orientações ou
co-orientações de
doutorado e
4 de mestrado,
7 supervisões de
pós-doutorado
30 | agosto DE 2017
A economia do açaí, que o senhor estu-
arquivo Pessoal
arquivo Pessoal
casa”, entrevistando as famílias e enten-
dendo o processo de baixo para cima, e
com uma visão regional, trabalhando com
informações mais agregadas, como dados
censitários de setores e municípios, e de
sensoriamento remoto. Nosso trabalho
hoje se estende a estudos sobre a inte-
ração entre áreas indígenas, expansão
agropastoril e as redes interurbanas que
se expandem na região.
32 | agosto DE 2017
Vincent e Lin Ostrom criaram o work- laboro com colegas do Inpe, da Embrapa,
shop com a intenção de trabalhar com da Fiocruz, da USP, das universidades
ideias de forma colaborativa, como em federais do Pará, Maranhão, Brasília e ou-
uma oficina onde há mestres e apren- tras. Também tem sido produtiva a cola-
dizes que lapidam ideias conjuntamen- Grandes áreas boração com colegas da Universidade do
te. As questões principais do workshop Vale do Paraíba, junto ao laboratório da
são em torno de compreender dilemas de cidades geógrafa Sandra Costa, que com apoio da
de ação coletiva e da governança de re- FAPESP tem permitido continuar nossos
cursos comuns e bens públicos. Um dos
esforços da Lin foi criar arcabouços con-
como Manaus levantamentos de populações ribeirinhas
e entender a transformação das pequenas
ceituais, como o Institutional Analysis
and Development (IAD) e o de Sistemas e Belém, assim cidades da região estuarina.
Poderia dar exemplos dessas arenas? nomia familiar e na saúde de mulheres e Como foi o doutorado em Indiana?
Por exemplo, a governança de um rio que crianças no oeste amazônico, e a outra, a Desenvolvi um doutorado com con-
atravessa propriedades agroindustriais vulnerabilidade de populações urbanas à centração em antropologia ambiental
e áreas indígenas. Ou as decisões da po- inundação nas cidades do estuário-delta e ciências do ambiente, trabalhando em
pulação sobre os danos e benefícios da do Amazonas. Temos estudantes traba- uma tese sobre a globalização do açaí e
construção de um empreendimento. To- lhando sobre globalização de quinoa, ma- as dimensões humanas do uso da terra.
dos esses problemas lidam com recursos nejo e governança de recursos comuns em Passamos, eu e Andrea, boa parte desse
comuns sobre os quais a apropriação de diferentes países, a atitude ambiental de período morando na Amazônia, princi-
uns limita o benefício de outros, onde se pequenos e grandes produtores, o impac- palmente no Marajó. Estávamos pron-
pode ver tanto cooperação como confli- to de hidrelétricas, conservação e áreas tos para voltar, mas não encontramos
tos, dependendo dos atores, suas visões, indígenas, etnobotânica. A lista é longa. oportunidades interessantes em con-
poderes e o contexto no qual operam. cursos. Acabei indo para a Universida-
Como vai o trabalho com o Núcleo de de do Arizona. Voltamos para Indiana
O senhor tem orientandos de vários Estudos e Pesquisas Ambientais da para trabalhar com a Elinor Ostrom e o
países. Que problemas eles estudam? Universidade Estadual de Campinas Emilio Moran em um novo centro de ex-
Meus estudantes trabalham com diversos (Nepam-Unicamp), onde o senhor é pro- celência interdisciplinar financiado pela
problemas sobre interação socioambien- fessor colaborador? National Science Foundation. A Univer-
tal, uso da terra, instituições e governança, Temos um fluxo constante, em parte sidade de Indiana deu em contrapartida
relações rural-urbano, a globalização de graças à FAPESP, de estudantes entre a cinco posições de professores para os
produtos locais, o impacto de políticas Unicamp e Indiana. Construímos parce- departamentos disputarem, uma delas
públicas, identidade cultural de popu- rias muito produtivas, por exemplo, com na minha especialidade. Foi supercon-
lações rurais, assim como as dimensões a equipe da socióloga Lucia da Costa Fer- corrido e minhas chances eram pequenas
sociais das mudanças climáticas. Tenho reira, que trabalha com uma perspectiva porque nos Estados Unidos raramente se
a oportunidade de trabalhar com alunos de arenas e conflitos que tem ajudado a contrata acadêmico formado na própria
e pós-doutores em diferentes partes da expandir nossas ferramentas analíticas. universidade. Ganhei a posição no De-
Amazônia e Brasil, nos Andes, na África, E também com a equipe da antropóloga partamento de Antropologia, o que me
na Europa e na Ásia. Minhas duas últimas Celia Futemma, com a qual estamos es- permitiu conciliar ensino e pesquisa dis-
doutorandas, Ana de Lima e Andressa tudando a cooperação entre pequenos ciplinar e interdisciplinar. Um caminho
Mansur, ambas brasileiras, estudaram, produtores rurais e o papel da ação co- na época desafiante, mas que hoje está
uma, o impacto do Bolsa Família na eco- letiva para conservação. Além disso, co- se tornando mais regra que exceção. n
Para
aproveitar
o Sol
A
Estudo indica áreas favoráveis para produção de energia elétrica por meio
de tecnologia solar fotovoltaica no Bra-
explorar a energia solar no Brasil sil está crescendo em ritmo acelera-
do, embora ainda represente menos de
Bruno de Pierro 0,02% da matriz de energia elétrica do
país. Segundo dados da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), a potência instalada no território
nacional no primeiro trimestre deste ano atingiu
107,6 megawatts (MW), 15 vezes mais do que a re-
gistrada no mesmo período em 2015. Para orientar
a expansão da exploração desse tipo de energia no
país, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) lançou a segunda edição do Atlas brasileiro
de energia solar, que reúne um conjunto de infor-
mações acumuladas nos últimos 17 anos sobre a
incidência de radiação e os locais mais propícios
para a instalação de módulos fotovoltaicos. O docu-
mento substitui a primeira versão do Atlas, lançada
em 2006, que reunia um espectro de informações
menor, referentes à década anterior.
Produzido em colaboração com instituições como
as universidades federais de São Paulo e de Santa Ca-
tarina, a Tecnológica Federal do Paraná e o Instituto
<600 800 1.000 1.200 1.400 1.600 1.800 2.000 >2.200 Federal de Santa Catarina, o Atlas identificou um
potencial de geração de energia solar no Brasil que
kWh/m2/ano chega a 2.281 quilowatts-hora por metro quadrado
O continente europeu apresenta uma por ano (kWh/m²/ano), o suficiente para produzir
grande gama de valores e ampla variabilidade o equivalente a três vezes o consumo residencial
dos índices de irradiação ao longo do ano,
anual nos estados da Bahia e de Pernambuco. O es-
ao contrário do que ocorre no Brasil
tudo reafirma que os maiores valores de irradiação
solar ocorrem no chamado Cinturão Solar, faixa que
fonte enio pereira/inpe vai do Nordeste ao Pantanal (ver mapa), em espe-
O potencial brasileiro
Conheça algumas conclusões do Atlas feito pelo Inpe com base em 17 anos
de observação do território nacional
Escala dos níveis de irradiação solar em quilowatts-hora O sudoeste de Minas Gerais, o noroeste de
por metro quadrado por ano São Paulo e o norte do Paraná são áreas
1.277 1.368 1.460 1.551 1.642 1.733 1.825 1.916 2.007 2.098 2.190 2.281 kWh/m2 / ano
prioritárias para investimentos, em razão da
maior facilidade de conexão ao sistema
nacional de transmissão de energia, embora
fonte atlas brasileiro de energia solar, com valores convertidos por enio pereira não tenham os níveis de irradiação mais altos
i ê n c i a
Resil
na crise
apesar da conjuntura econômica adversa, estão sínteses anuais sobre as atividades
da FAPESP desde 1962, ano em que co-
Fapesp manteve ritmo de investimentos, meçou a operar. O documento de 2016 é
estampado com obras dos artistas de rua
mostra Relatório de atividades 2016 Gustavo e Otávio Pandolfo, conhecidos
como OSGEMEOS – algumas delas tam-
Fabrício Marques bém ilustram esta reportagem.
O crescimento da cooperação com o
setor empresarial é um dos destaques
A
positivos do relatório. O programa Pes-
FAPESP investiu em 2016 sendo 5.491 bolsas no Brasil, 1.162 bolsas quisa Inovativa em Pequenas Empresas
um total de R$ 1.137.355.628 no exterior e 3.827 auxílios à pesquisa. (Pipe) teve o melhor ano desde a sua
em 24.685 projetos de pes- “A Fundação foi capaz de manter seus criação, em 1997: foram 228 novas pro-
quisa. O valor foi um pouco compromissos e seu ritmo de atuação postas contratadas, ou mais de quatro
inferior ao desembolso de no financiamento da pesquisa, apesar por semana – quase uma por dia útil –,
2015, de R$ 1.188.693.702 para 26.445 dos problemas econômicos que o Brasil e investimentos de R$ 55,5 milhões (ver
projetos então em andamento. Apesar enfrentou em 2016”, afirma o presidente Pesquisa FAPESP nº 257). Em 2015, 159
da conjuntura adversa, fruto da dimi- da FAPESP, o físico José Goldemberg. projetos foram contratados e o desem-
nuição das receitas tributárias estaduais O desempenho da Fundação no ano bolso total do programa foi de R$ 29,9
FOTO OsGeMeOs
resultante da crise econômica do país, passado compõe o Relatório de ativida- milhões. O Pipe foi a primeira iniciativa
foram contratados no ano 10.480 novos des 2016, lançado em agosto e disponível de uma agência brasileira a oferecer re-
projetos – 4% mais do que em 2015 –, em fapesp.br/publicacoes, onde também cursos não reembolsáveis para pequenas
38 z AGOSTO DE 2017
e médias empresas desenvolverem ino-
Como os recursos foram investidos vações em fases iniciais. “É um programa
que tem dado uma enorme contribuição
Desembolso da Fapesp em 2016 segundo quatro classificações ao desenvolvimento científico, tecnoló-
gico e econômico do estado de São Paulo,
estimulando a criação de empresas que
prosperam e geram empregos e rique-
R$ 1.137.355.628 za”, avalia o físico Carlos Henrique de
Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.
Desembolso da FAPESP em apoio A criação de centros de pesquisa em
a projetos de pesquisa engenharia em cooperação com empre-
sas também recebeu impulso em 2016
Segundo a natureza da aplicação
com a implantação do Centro de Pes-
53% 39% 8% quisa Aplicada em Bem-Estar e Com-
Apoio à pesquisa com Apoio ao avanço Apoio à portamento Humano, parceria da FA-
vistas a aplicações do conhecimento infraestrutura PESP com a Natura e as universidades
de pesquisa
de São Paulo (USP), Federal de São Paulo
segundo a área do conhecimento
(Unifesp) e Mackenzie. Sediado na USP,
40,5% 37% 11,5% 11% o centro se dedica a estudos multidis-
Ciências da vida Ciências exatas e da Interdisciplinar Ciências ciplinares sobre comportamento hu-
Terra e engenharias humanas mano, em um investimento conjunto de
segundo o vínculo institucional do pesquisador e sociais
R$ 40 milhões em 10 anos. A proposta
47% 13% 13% 12% 5% 5% 4% é reunir conhecimento, metodologias e
USP Unesp Unicamp Instituições Instituições tecnologias em áreas como psicologia
federais particulares experimental e neurociência que criem
Instituições Empresas indicadores de bem-estar da população
estaduais particulares brasileira e ajudem a criar produtos ino-
segundo os programas da fundação
vadores. Andrea Álvares, vice-presidente
39,5% 34,1% 14,3% 12,1% de marketing e inovação da Natura, afir-
Bolsas regulares no Auxílios regulares Programas Programas de mou que o modelo está na vanguarda da
país e no exterior especiais pesquisa para inovação aberta. “Quanto maior a diver-
inovação
sidade dos pesquisadores envolvidos,
tecnológica
mais ricos serão os resultados”, disse
ela no evento de lançamento do centro.
o crescimento do pipe 2011 49 A parceria com a Natura se somou a
Evolução do número de projetos contratados no outros quatro centros criados em anos
2012 54
programa pesquisa inovativa em pequenas anteriores, dois deles com a farmacêutica
empresas* 2013 130 GSK, um com a montadora Peugeot-Ci-
troën e outro com a empresa de petróleo
2014 124
e gás BG. Nesse modelo, cada R$ 1 inves-
4 projetos 2015 159 tido pela FAPESP terá mobilizado mais
por semana R$ 1 da empresa e R$ 2 da universidade
em 2016 2016 228
ou instituto de pesquisa que sedia o cen-
* Não inclui bolsas tro. Juntos, esses cinco centros recebe-
rão R$ 259 milhões em investimentos.
Outro destaque do relatório foi o cres-
cimento do apoio à pesquisa interdis-
a evolução dos ciplinar, campo responsável por 11,5%
recursos investidos nos
projetos temáticos projetos e em auxílios e bolsas do desembolso da Fundação em 2016,
a eles vinculados (em R$) atrás das Ciências da Vida (40,5%) e das
Ciências Exatas e da Terra e Engenharias
número de projetos contratados 2016 256.266.138 (37%), e à frente das Ciências Humanas e
2015 250.586.553 Sociais (11%). O desempenho é superior
2016 88
ao de 2015, quando 10,4% do desembolso
2015 82 2014 219.410.613
da Fundação foi para projetos interdisci-
2014 83 2013 194.588.658 plinares, e muito à frente do registrado
2013 75 em 2006 (7,78%) ou em 2013 (3,08%).
2012 181.623.404
2012 84 A FAPESP também manteve inves-
2011 149.329.075
2011 77 timentos consistentes em modalidades
40 z AGOSTO DE 2017
Outra forma de analisar o investimen-
to da Fundação distingue os objetivos do
o investimento em bolsas apoio à pesquisa. Por esse critério, vê-se
contratações de bolsas no país pela FAPESP que 53% dos recursos foram destinados
a pesquisas de caráter aplicado. Essa ru-
brica inclui o investimento em auxílios
e bolsas em áreas como agronomia e ve-
Iniciação científica
terinária, engenharia e saúde, que quase
2.287 sempre resultam em aplicações, além de
2.036 programas que estimulam a inovação nas
universidades e empresas e de alguns
Mestrado
programas especiais da Fundação. Ou-
731 tros 39% foram investidos em apoio ao
728 avanço do conhecimento, por meio de
n 2016 programas que formam recursos huma-
Doutorado n 2015
nos e estimulam a pesquisa acadêmica, o
697 que inclui bolsas e auxílios. Por fim, 8%
644 apoiaram a infraestrutura de pesquisa,
permitindo recuperar, modernizar e ad-
Doutorado direto
quirir equipamentos para laboratórios,
1 136 ampliar o acervo de bibliotecas de insti-
112 tuições de ensino e pesquisa e garantir a
O desembolso com bolsas foi de R$ pesquisadores acesso rápido à internet.
Pós-doutorado
448,9 milhões, 6% menor em valores Os investimentos no programa de
nominais que o de 2015. Mesmo assim, 634 Equipamentos Multiusuários (EMU),
houve aumento de 4% no número de 684 voltados para a compra de equipamentos
novas bolsas contratadas e as vigentes de alto valor e que se tornam disponíveis
tiveram reajustes de 11%. O principal para um amplo número de pesquisado-
destaque entre as bolsas no país foi em res, foram de R$ 37,5 milhões em 2016,
iniciação científica: foram contratadas incluindo os 134 projetos concedidos
2.287 bolsas, 12% mais do que as 2.036 números da inovação em 2016 como vinculados a auxílios regulares,
no ano anterior. O número de bolsas de Temáticos e ao programa Jovens Pes-
mestrado, doutorado e doutorado dire- quisadores. Esse montante também con-
to cresceu, respectivamente, 0,4%, 8% e templa os quatro projetos específicos do
21%. No pós-doutorado, houve redução 1.599 EMU, que custaram R$ 1,3 milhão.
de 684 bolsas em 2015 para 634 em 2016. patentes de invenção Ao longo de 2016, estavam vigentes
A contratação de bolsas no exterior caiu foram solicitadas ao inpi acordos de cooperação entre a FAPESP
7%: foram 1.162 no ano passado, ante por residentes do estado e 94 organizações, 28 deles firmados no
1.244 em 2015. A redução se concentrou (31% do total) ano. Entre os novos acordos com agências
nas bolsas para estágios no exterior, com de fomento e instituições acadêmicas,
até um ano de duração, dependendo da apenas um foi celebrado com uma insti-
modalidade. Já a contratação de bolsas tuição brasileira – o Instituto Nacional de
de pesquisa no exterior subiu de 254 em cidades com 654 são paulo Pesquisas Espaciais (Inpe). Os outros 24
2015 para 258 em 2016. maior número
142 campinas foram acordos internacionais firmados
de patentes
O número de pesquisadores do exte- com 7 organizações dos Estados Uni-
44 são carlos
rior que obtiveram bolsas de pós-douto- dos, 3 do Reino Unido, 3 da Austrália, 2
rado no Brasil financiadas pela FAPESP 37 S. J. dos campos do Canadá, 2 da França, 2 da China, 1 da
caiu de 123 em 2015 para 93 em 2016. 36 sorocaba Holanda, 1 da Itália, 1 da Noruega, 1 do
Mas a proporção de bolsas concedidas a Chile, e um com 1 agência multinacional.
pesquisadores que vieram de fora ficou Foram assinados acordos com três em-
estável: elas representaram 19% do total presas: a Statoil, de origem norueguesa, a
de bolsas de pós-doutorado no país, pou- entidades com 62 unicamp holandesa Koppert e a norte-americana
co abaixo dos 21% de 2015, mas acima maior número
60 usp IBM. Dois simpósios científicos da série
de patentes
do nível dos cinco anos anteriores, que FAPESP Week, que buscam estimular
31 whirlpool
oscilou de 13% a 18%. Os bolsistas, em colaborações científicas entre pesqui-
geral estrangeiros, estavam vinculados às 30 unesp sadores de São Paulo e de outros países,
áreas de ciências exatas e da Terra (36%), 24 natura
foram realizados em 2016: um deles nos
engenharias (26%), ciências humanas Estados Unidos, em março, e outro no
19 fundação cpqd
(26%) e ciências sociais aplicadas (25%). Uruguai, em novembro. n
Exploradora dos
espaços curvos
A matemática iraniana
Maryam Mirzakhani, primeira
mulher a ganhar a Medalha
Fields, morre aos 40 anos
e deixa legado original
E
ntregue a cada quatro anos, a Me- telefone, precisou expor um problema teoremas surpreendentes sobre esses
dalha Fields reconhece até qua- particular. Vítima de câncer de mama, caminhos mais curtos em superfícies
tro matemáticos com no máximo ela convalescia de um ciclo de sessões curvas, chamados geodésicas”, explicou
40 anos de idade que produzi- de quimioterapia. Não tinha certeza de ele à revista The New Yorker.
ram contribuições excepcionais para que poderia ir à cerimônia nem se se sen- Bhargava e Maryam nunca foram par-
a disciplina. Nas primeiras 17 edições tiria disposta para enfrentar o assédio ceiros de pesquisa, mas, em uma situa-
do prêmio, entre 1936 e 2010, a União da imprensa. Mas ela compareceu. Um ção engraçada, resolveram juntos um
Internacional de Matemática (IMU) cordão de proteção formado por amigas problema combinatório simples. Depois
distribuiu 51 medalhas – todas elas para poupou-a de assédio na solenidade reali- de receberem as medalhas em Seul, per-
homens, numa evidência de que a pre- zada em Seul, na Coreia do Sul, no dia 13 ceberam que a organização ignorara o
dominância masculina nessa área do de agosto de 2014. Trinta e cinco meses fato de o nome de cada vencedor ter sido
conhecimento pode ser avassaladora em depois, Maryam Mirzakhani morreu em gravado na honraria. Bhargava ganhara
estratos mais competitivos da carreira. um hospital nos Estados Unidos, no dia 14 a medalha que pertencia ao britânico
A escrita se quebrou pela primeira vez de julho, em consequência de uma recidi- Martin Hairer, que por sua vez recebe-
em 2014, quando Maryam Mirzakhani, va do câncer, agora instalado na medula ra a de Maryam, que levara a de Artur
iraniana radicada nos Estados Unidos e óssea. Tinha 40 anos de idade. Ávila, primeiro brasileiro a conquistar a
professora da Universidade de Stanford, A iraniana foi definida como a “mes- honraria (ver Pesquisa FAPESP nº 223).
tornou-se a primeira mulher agraciada tre dos espaços curvos” pelo canadense Ávila ostentava a medalha de Bhargava.
com a honraria. Manjul Bhargava, da Universidade Prin- O ambiente festivo dificultava a tarefa de
Responsável por contribuições origi- ceton, que também ganhou a Medalha reunir os quatro em um mesmo lugar.
nais sobre a dinâmica e a geometria de Fields em 2014. “Todo mundo sabe que Entre risadas, Bhargava e Maryam dis-
foto universidade de stanford
superfícies complexas e descrita como a menor distância entre dois pontos de cutiram qual seria a forma mais rápida
uma figura serena e de enorme ambição uma superfície plana é uma reta, mas para que cada dupla se encontrasse e
intelectual, Maryam foi surpreendida pe- se a superfície for curva – por exemplo, destrocasse as medalhas.
la premiação. Ignorou o primeiro aviso a de uma bola ou de uma rosquinha – a Graduada em Matemática na Univer-
da IMU de que receberia a medalha – distância mais curta será o percurso de sidade Tecnológica de Sharif, em Teerã,
achou que o e-mail fosse uma brincadeira. um caminho curvo, o que pode se tor- Maryam Mirzakhani transferiu-se para
Quando foi comunicada oficialmente por nar complicado. Maryam provou muitos os Estados Unidos para fazer doutorado
42 | agosto DE 2017
Maryam Mirzakhani
produziu contribuições
sobre a dinâmica e a
pertencer a um livro-texto”, disse à re- Rio de Janeiro. A disparidade de gêne-
geometria de superfícies
complexas. Ao lado, vista Quanta Alex Eskin, matemático da ro na matemática, um problema que o
anotações da pesquisadora Universidade de Chicago. Eskin, Maryam exemplo de Maryam buscava combater,
e o matemático Amir Mohammadi, da também foi uma preocupação do evento,
Universidade da Califórnia, San Diego, que premiou pela primeira vez com um
em Harvard e trabalhava em Stanford trabalharam juntos em um projeto sobre troféu as cinco garotas que mais contri-
desde 2009. Na casa em que vivia com o a dinâmica de superfícies abstratas co- buíram para o sucesso de suas equipes.
marido, o cientista da computação checo nectadas a mesas de bilhar que culminou Dos 623 alunos do ensino médio de 112
Jan Vondrák, e a filha, Anahyta, hoje com com a solução do chamado “teorema da países que participaram da olimpíada,
6 anos, ela costumava usar o chão para varinha mágica”, sobre espaços inteiros apenas 65 eram garotas. Entre os repre-
escrever em enormes telas de papel, nas compostos por superfícies hiperbólicas. sentantes do Brasil, só havia homens.
quais esboçava ideias, fórmulas e diagra- De acordo com Marcelo Viana, di-
mas de superfícies hiperbólicas – super- talentos excepcionais retor do Instituto de Matemática Pura
fícies abstratas com formas semelhantes Maryam nasceu e cresceu no Irã. No en- e Aplicada (Impa), a pressão cultural
a rosquinhas, com um ou mais buracos, sino fundamental, um dos professores contrária às mulheres da matemática é
nas quais distâncias e ângulos são me- desencorajou-a a se tornar matemática, resistente e se alimenta da falsa ideia de
didos de acordo com um certo conjunto dizendo que ela não tinha um talento que elas teriam uma propensão natural
de equações. Em algumas superfícies particular para a disciplina. Mas ela fez por algumas áreas do conhecimento,
hiperbólicas, o caminho mais curto en- o ensino médio numa escola para garotas como as ciências humanas, mas não por
tre dois pontos pode ser uma geodésica em Teerã administrada pela Organiza- áreas mais duras ou abstratas do conhe-
longa, enquanto em outras pode ser um ção Nacional para o Desenvolvimento cimento. “Essa é uma besteira que se
laço curto, como o círculo de uma esfera. de Talentos Excepcionais do país. Em perpetua. Temos que atuar e acreditar
Sua tese de doutorado, justamente so- 1995, aos 18 anos, ganhou uma medalha que seja possível reverter o quadro em
bre essas voltas em superfícies de geo- de ouro na 36a Olimpíada Internacional médio e longo prazos”, afirma. “Se são
metria hiperbólica, foi definida como de Matemática, em Toronto, no Canadá. poucos os exemplos de inspiração, as
uma contribuição altamente original. Três dias depois de sua morte, Maryam garotas acabam achando que a mate-
“É o tipo de matemática que você reco- Mirzakhani foi lembrada na abertura da mática não é para elas, alimentando um
nhece imediatamente como algo que vai 58ª edição da Olimpíada, realizada no círculo vicioso.” n Fabrício Marques
Magreza
reversível H á cinco anos, o cirurgião
Paulo Alcântara ficou in-
trigado ao ver que dois
pacientes que atendera na
mesma semana no Hospital Universitário
da Universidade de São Paulo (HU-USP),
com a mesma idade e o mesmo tipo de
câncer avançado de intestino, reagiam
de modo diferente ao tratamento. Um era
obeso e o outro, muito magro. A magreza
Exercício físico pode deter a era uma expressão da caquexia, síndro-
me caracterizada pela perda contínua de
caquexia, inflamação que massa muscular e de apetite que pode
acompanhar – e agravar – não apenas o
induz à perda de peso e agrava câncer, mas também a Aids, a insuficiência
o câncer e outras doenças cardíaca e a doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC). Verificada em 40% das
pessoas com câncer e em 80% das hospita-
lizadas com tumores malignos, a caquexia
Carlos Fioravanti dificulta o tratamento e responde por 20%
das mortes causadas por essa doença. O pa-
ciente magro morreu um ano e meio depois
em consequência do câncer e da caquexia,
enquanto o outro viveu mais quatro anos.
Intrigado com essa situação, Alcântara
procurou a bióloga Marília Seelander, que
trabalha com exercício físico, inflamação e
câncer há 25 anos no Instituto de Ciências
Biomédicas (ICB) da USP (ver Pesquisa
FAPESP no 89). Com base nos resultados
de experimentos em modelos animais, os
dois pesquisadores planejaram um estudo
para avaliar os possíveis efeitos da atividade
física em pessoas com câncer e caquexia.
Os resultados preliminares dos testes no
HU indicam que um programa de exercí-
cios físicos – andar ou correr em uma es-
teira durante uma hora por dia, durante
seis semanas, no próprio hospital – pode
reduzir os processos inflamatórios que re-
sultam em perda de peso. Os participantes
Trois hommes qui com câncer e caquexia recuperaram massa
marchent, Alberto muscular e apetite e apresentaram uma
Giacometti, bronze
com pátina
melhor recuperação pós-operatória, em
marrom, 1948 comparação com os sem caquexia. Notou-
-se também uma mudança do perfil de ci-
2 A produção da
proteína colágeno
(em vermelho) se
intensifica nas
pessoas com câncer
e com caquexia,
resultando na
formação de fibras
que prejudicam o
funcionamento das
células de gordura
(à esq.). Pacientes
com câncer e sem
caquexia têm menos
colágeno (à dir.)
origem consequências
Em resposta a um tumor, O hipotálamo reduz a
as células de defesa produção de hormônios
produzem proteínas que ativam o apetite
inflamatórias, como a
interleucina-6 (IL-6), que
entram na circulação O fígado aumenta a produção
Tumor de proteínas que intensificam
a inflamação
primeiras reações
O tecido adiposo subcutâneo O tecido muscular começa
acumula IL-6 e células de defesa, a se atrofiar
que causam inflamação local
O médico paraense Alfredo Leal Pimenta Bue- esteira diariamente, durante 15 dias, começando
no (1886-?) a apresentou como um dos sinais do no dia seguinte à injeção das células tumorais.
período final do câncer, cuja origem analisou em Os animais que fizeram exercício apresentaram
uma série de artigos publicados na revista Brasil uma sobrevida 31% maior que os do outro gru-
Médico de 1926 a 1928. po, embora sem redução no ritmo da progressão
“A caquexia favorece o crescimento dos tumo- desse tipo de tumor, bastante agressivo.
fotos 1 léo ramos chaves 2 Miguel Luis Batista Jr. /UMC infográfico ana paula campos ilustraçãO Zansky
res e pode avançar a ponto de se tornar irrever- Patrícia encontrou indicações de que o exer-
sível”, observou o oncologista Gilberto de Castro cício aeróbico pode melhorar o funcionamento
Jr., do Icesp. Nem sempre tratar o tumor resolve a das células musculares em animais com tumor
caquexia. “O exercício físico, de alguma maneira, de Walker 256. “O treinamento físico pode não
pode bloqueá-la e ser uma terapia de suporte”, diz atuar diretamente sobre o tumor, mas deixa os
ele. “Ainda temos de definir a intensidade, a fre- Fonte USP e UMC músculos mais funcionais”, diz ela. Seu grupo
quência e a duração do exercício mais adequadas, também verificou que a atividade física prévia
mas precisamos fazer os pacientes com câncer se pode retardar o início do tumor de pele e de ma-
movimentarem mais.” Vários estudos já indicaram ma em camundongos. No laboratório de Marília
os benefícios do exercício físico na luta contra o no ICB os resultados foram mais expressivos:
câncer (ver quadro na página 48). nos animais que tiveram de fazer esteira ou na-
dar em um programa mais longo de exercícios,
Em laboratório o tamanho do tumor de Walker apresentou uma
“O treinamento físico minimiza a caquexia”, cor- redução da ordem de 50%.
robora a professora de educação física Patrícia A perda de massa muscular, embora seja a ex-
Chakur Brum, com base em seus experimentos pressão mais visível, não é a causa, mas uma das
com modelos animais na Escola de Educação consequências do processo que leva o organismo a
Física e Esporte da USP. Com sua equipe, ela consumir-se. “Ainda não sabemos como e quando
usou dois grupos de ratos com tumor de Walker a caquexia começa”, reconhece o educador físico
256, utilizado em estudos experimentais porque Miguel Luiz Batista Júnior, professor da Univer-
cresce com rapidez e induz a atrofia muscular sidade de Mogi das Cruzes. O início deve ser uma
característica da caquexia. Um era de animais se- inflamação ativada por uma produção intensa
dentários e outro teve de fazer exercícios em uma de citocinas pró-inflamatórias, principalmente
c-reativa gere que a pioglitazona poderia ser câncer: Mecanismos e estratégias terapêuticas, uma abordagem
em medicina translacional (nº 12/50079-0); Modalidade Projeto
usada nos estágios iniciais e finais da
poderiam indicar
Temático; Pesquisadora responsável Marília Cerqueira Leite Seelander
caquexia, por reduzir a resistência (USP); Investimento R$ 2.246.952,23.
à insulina e facilitar a absorção de 2. Bases moleculares da caquexia: Adipogênese e remodelagem da
o início da glicose pelas células, embora possa
matriz extracelular do tecido adiposo branco de pacientes com câncer
gastrointestinal (nº 10/51078-1); Modalidade Jovem Pesquisador;
causar danos ao coração. Estudos
caquexia clínicos em andamento nos Estados
Pesquisador responsável Miguel Luiz Batista Jr. (UMC); Investimento
R$ 910.407,63.
A senhora
dos cristais
Física homenageada em congresso mundial de
química começou na década de 1960 a estudar
estruturas moleculares por meio de difração de raios X
Y
vonne Primerano Mascarenhas colocou os refere ao empacotamento das moléculas no cristal. Por
pés pela primeira vez em São Carlos em feve- meio dessa técnica, um feixe de raios X incide sobre o
reiro de 1956, com o primeiro filho no colo e cristal e gera outros feixes; os valores dos desvios des-
a segunda filha na barriga. Para quem vinha ses feixes indicam as posições dos átomos da molécula.
do Rio de Janeiro com a família, era uma Aos 86 anos, com quatro filhos, 10 netos e sete bis-
aventura chegar à pequena cidade do interior paulista. netos, ela continua publicando artigos científicos. Um
Gastavam-se 24 horas a bordo de dois trens diferentes – a dos recentes trata de uma substância extraída das fo-
estrada asfaltada terminava em Rio Claro, a 65 quilôme- lhas do jaborandi com ação contra o verme causador
tros de São Carlos. Paulista de Pederneiras, Yvonne tinha da esquistossomose. Outro trata da caracterização de
concluído duas graduações, uma em química e outra em uma proteína isolada da bactéria Bacillus thurigiensis
física, poucos anos antes na Universidade do Brasil, atual que poderia ser usada como inseticida.
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela e o então marido, Em julho, Yvonne foi uma das 12 cientistas a receber
o físico carioca Sérgio Mascarenhas de Oliveira, tinham o prêmio oferecido pela União Internacional de Quími-
sido contratados como professores do nascente campus ca Pura e Aplicada (Iupac) a mulheres com realizações
da Universidade de São Paulo (USP) na cidade, que na de impacto na pesquisa em química ou engenharia quí-
época tinha apenas uma escola de engenharia. mica. Ela recebeu Pesquisa FAPESP em seu laboratório
Ao longo das décadas seguintes, Yvonne e o marido da USP em São Carlos poucos dias antes de viajar para
teriam um papel crucial na criação do Instituto de Fí- São Paulo para receber o prêmio na abertura do 46º
sica de São Carlos (IFSC-USP) e na transformação do Congresso Mundial de Química da Iupac.
campus da cidade em um dos mais importantes polos
de pesquisa da América Latina. Combinando seus in- Qual o significado desse seu primeiro prêmio inter-
teresses em química e física, ela se tornou a matriarca nacional?
da cristalografia no país, ensinando gerações de alunos Foi interessante porque, embora eu trabalhe num ins-
a investigar a estrutura dos mais variados tipos de mo- tituto de física, minha atividade é interdisciplinar. Lido
Léo Ramos Chaves
léculas. A cristalografia consiste no uso da difração de muito com os químicos e a química foi a minha primeira
raios X para determinar tanto a estrutura molecular de graduação. Minha relação com a química começou quan-
uma substância quanto sua estrutura cristalina, que se do eu estava com 14 ou 15 anos e fazia o curso clássico
A era da
edição gênica
Pesquisadores corrigem
em embriões humanos mutação
associada a uma doença cardíaca
Ricardo Zorzetto
P
esquisadores liderados pelo ge- fita dupla de DNA e ativa nos embriões os
neticista Shoukhrat Mitalipov, da mecanismos de reparo que produziram
Universidade de Saúde e Ciência uma cópia íntegra do MYBPC3 – as célu- Embriões nos estágios
de Oregon, nos Estados Unidos, las humanas têm duas, mas uma mutada iniciais de multiplicação
após reparo de gene
usaram uma técnica de edição de genes já causa problemas. Antes das equipes feito com CRISPR-Cas9
para corrigir em embriões humanos uma de Mitalipov e de Liu, outros grupos na
mutação responsável pelo desenvolvi- China haviam tentado usar a técnica para
mento tardio de uma doença cardíaca. editar embriões humanos, sem sucesso. na Suécia, na Nature. E levanta questões
Essa é a primeira demonstração feita nos Mitalipov e seu grupo conseguiram éticas. Teme-se, por exemplo, que a edi-
Estados Unidos de que é possível eliminar aumentar a eficiência e a segurança da ção de genes possa ser usada para gerar
uma cópia defeituosa de um gene e subs- técnica ao identificar o momento e o mo- pessoas mais fortes ou inteligentes.
tituí-la por uma versão íntegra nas células do mais adequados de adotá-la. Eles in- “A CRISPR-Cas9 é uma técnica pode-
do embrião sem, aparentemente, preju- jetaram a Cas9 no óvulo com o esperma- rosa, que pode corrigir uma mutação”,
dicar o seu desenvolvimento. Valendo-se tozoide na fecundação – mesmo assim, afirma a bióloga Ângela Saito, pesquisa-
da mesma técnica, em março deste ano, a ela só funcionou em metade dos casos. dora do Laboratório de Modificação do
equipe de Jianqiao Liu, da Universidade Quando foi inserida após a fecundação, Genoma (LMG) no Laboratório Nacio-
Médica de Guangzhou, na China, já havia os embriões apresentaram um problema nal de Biociências (LNBio), em Cam-
restaurado em embriões humanos dois chamado mosaicismo: metade de suas pinas. “Como há o risco de alterações
genes ligados a duas formas de anemia, células tinha o gene corrigido e metade, inespecíficas e resultados indesejáveis,
mas com um índice menor de sucesso. a versão defeituosa. mais estudos precisam ser feitos antes
No estudo publicado em 2 de agosto na Inicialmente, os pesquisadores sus- que possa ser usada para tratar doenças
revista Nature, Mitalipov e outros 30 pes- peitaram que, mesmo quando corrigiu hereditárias humanas.” Para o embrio-
quisadores dos Estados Unidos, da Coreia o problema do embrião, a Cas9 tivesse logista José Xavier Neto, coordenador
do Sul e da China usaram uma técnica atuado sobre 15 regiões diferentes da do LMG do LNBio, “por ora, a edição
de edição de genes chamada CRISPR- originalmente prevista. Uma análise pos- de genes apresenta uma solução para
Versão atualizada em 29/08/2017
-Cas9 para eliminar a cópia alterada do terior não encontrou defeitos nessas re- um problema que pode ser resolvido de
gene MYBPC3, que codifica uma proteína giões, sugerindo que o problema estava modo mais seguro com a seleção de em-
descoberta nos anos 1980 pelo biólogo na técnica de verificação usada. Nenhum briões obtidos por fertilização in vitro
brasileiro Fernando Reinach. Esses sis- embrião foi implantado em mulheres, antes da implantação no útero”. n
tema de edição é formado por uma pro- algo não permitido nos Estados Unidos.
teína (Cas9) ligada a uma molécula que a O trabalho prepara o caminho para o
direciona a uma região de repetições do uso clínico de terapias baseadas nessa Artigo científico
DNA conhecida pela sigla CRISPR (ver ferramenta, escreveram Nerges Winblad MA, H. et al. Correction of a pathogenic gene mutation
ohsu
Pesquisa FAPESP nº 240). A Cas9 corta a e Fredrik Lanner, do Instituto Karolinska, in human embryos. Nature. 2 ago. 2017.
Rituais de limpeza
Mais frequentes no início e final do dia,
as limpezas podem durar de poucos se-
gundos a vários minutos. As sessões de
limpeza ocorrem em geral em espaços es-
pecíficos, as chamadas estações de limpe- Pomacanthus paru
za, próximas a rochas ou corais, e seguem (preto com listras do parque em que são permitidas ativi-
amarelas) limpando
rituais próprios (ver Pesquisa FAPESP no Acanthurus
dades como a pesca”, observa Ferreira.
79). Os clientes entram nas estações de Segundo ele, os peixes da área protegida
limpeza e assumem cores mais vivas ou podem nadar para a não protegida, onde
nadam de boca para baixo, indicando que são pescados.
se deixarão limpar e não atacarão. “Eles comprimento, e Stenopus hispidus, com No arquipélago de São Pedro e São Pau-
estão em uma zona de trégua, ninguém corpo malhado de branco e vermelho, lo, a mil km de Natal, já não há tubarões
vai comer ninguém”, relata Quimbayo. antenas brancas e até 10 cm de compri- e os cardumes de atum foram bastante
Ele já viu que os limpadores não devem mento. Eles responderam por apenas reduzidos por causa da pesca excessiva,
abusar da sorte para não correr o risco 3,7% e 2,7%, respectivamente, de todos segundo Ferreira. Nos últimos anos, a ilha
de serem comidos durante o serviço. “Se os episódios de limpeza registrados e en- de Trindade, a 1,2 mil km a leste de Vitó-
o limpador tirar um pedaço de pele ou traram em ação principalmente quando ria, capital do Espírito Santo, tem sofrido
muco, o cliente pode não gostar e reagir os peixes-limpadores não estavam por a ameaça da pesca submarina, “por não
com uma mordida brusca.” perto, como Quimbayo já havia observado ter nenhum status de proteção”, diz ele.
Dispersas pelas baías e ilhas do mundo, em um estudo de 2012 nas ilhas de Cabo Em agosto deste ano, na quinta expedi-
circulam 208 espécies de peixe-limpador, Verde e São Tomé, na costa da África. ção do projeto, a equipe da Sisbiota-Mar
o equivalente a cerca de 3% das 6.500 pretende voltar a Trindade para fazer o
espécies de peixe de recifes e menos de Ilhas em perigo monitoramento anual das comunidades
1% do total das 30 mil espécies de peixe, Os levantamentos da Sisbiota-Mar indi- de organismos marinhos. n
de acordo com um levantamento coor- caram que o atol das Rocas é a mais pre-
denado por David Brendan Vaughan, da servada das quatro ilhas oceânicas brasi-
Universidade James Cook, da Austrália, leiras, por ser uma reserva biológica com Artigos científicos
publicado em 2016 na revista Fish and Fi- acesso permitido somente a pesquisado-
fotos juan quimbayo
Refúgios aprazíveis em
um mundo
de
Experimentos com bactérias
sugerem que a vida
pode ter surgido em terra firme
vulcoes
Maria Guimarães
D
iversas representações artís- cios para impulsionar reações químicas resolveram ver o que bactérias e outros
ticas mostram a Terra repleta pouco triviais capazes de formar molé- seres unicelulares atuais têm a dizer
de vulcões sob um verdadeiro culas complexas autorreplicantes: a base sobre o período e chegaram a uma con-
bombardeio de meteoros du- da vida. Não há consenso sobre isso, em clusão diferente. “O surgimento da vida
rante o Hadeano, o período geológico parte porque restam poucos indícios que também em terras emersas é uma pos-
que durou de 4,6 bilhões a 4 bilhões de permitam reconstruir, tanto do ponto de sibilidade forte”, defende Souza Filho,
anos atrás. Esse seria o cenário do surgi- vista geológico como biológico, esse pe- com base em resultados publicados em
mento da vida, em formas ainda simples. ríodo da história do planeta. Em geral se junho na revista Scientific Reports.
A ideia corrente é que oceanos de magma procuram indícios sobre o Hadeano nas O trabalho é consequência de um en-
ou fontes hidrotermais, frestas na crosta rochas, mas o engenheiro geólogo Carlos contro entre geoquímica e biologia. Du-
terrestre que espirram água quentíssima Roberto de Souza Filho e sua equipe no rante um estágio de pós-doutorado no
no fundo dos mares ou na superfície do Instituto de Geociências da Universidade laboratório de Souza Filho, o geoquímico
planeta, poderiam ser ambientes propí- Estadual de Campinas (IGe-Unicamp) Alexey Novoselov fez simulações numé-
a evolução 4,56 4,4 4,1 a 3,8 2,7 2,3 0,5 0,2 bilhões de
anos atrás
Primeiros fósseis de
Aumento
do oxigênio
proterozoico fanerozoico
ricas usando informações sobre algumas tos componentes químicos inorgânicos, cristais de zircão encontrados em Jack
características químicas das bactérias e como óxido de silício (SiO2) e hidróxido Hills, na Austrália, formados há cerca de
arqueias atuais. Formadas por uma só de titânio (Ti(OH)4) e os íons de cálcio 4,4 bilhões de anos. Muito estudados, eles
célula, as bactérias e as arqueias exis- (Ca2+), de magnésio (Mg2+), de sulfato indicam que havia oxidação no manto
tentes hoje descendem de um ancestral (SO42-), entre outros. Uma corrente res- terrestre e sugerem a existência de água
comum – possivelmente o último ances- trita de pesquisadores começou a sugerir líquida naquela época. Em parceria com
tral comum universal ou Luca, na sigla nos últimos anos que essa similaridade pesquisadores do Chile, da Argentina, dos
ilustração sandro castelli
em inglês – que teria existido há cerca seria um indicador da composição quí- Estados Unidos e da Alemanha, Novose-
de 4 bilhões de anos, pouco após o sur- mica do ancestral comum, que, por sua lov, Souza Filho e outros colaboradores
gimento da vida na Terra. Mesmo ten- vez, refletiria as condições químicas do da Unicamp tentaram obter informa-
do divergido há tanto tempo, esses dois ambiente em que existiu. ções adicionais sobre essa Terra primi-
grupos de seres vivos preservam con- O pouco que se conhece do Hadea- tiva examinando a composição química
centrações muito semelhantes de cer- no vem da análise química de pequenos compartilhada por bactérias e arqueias.
Na suposição de que tenha surgido aqui, seria propícia à origem da vida. “As mo- ture and 80 °C, between minerals and artificial seawaters
resembling the present ocean composition and that of
ele tenta recriar em laboratório as condi- léculas orgânicas estão muito diluídas no 4.0 billion years ago. Origins of Life and Evolution of the
ções para que a vida surja. Não significa, mar, por isso precisam concentrar-se em Biosphere. On-line. 14 out. 2016.
Observador do
Universo distante
Um dos descobridores da expansão acelerada
do Cosmo fala sobre o desafio de encontrar
pistas sobre o que é a misteriosa energia escura
Igor Zolnerkevic
O
astrônomo norte-americano Nicho- Schimdt quanto as da equipe concorrente, co-
las Suntzeff, pesquisador da Univer- mandada pelo norte-americano Saul Perlmutter,
sidade do Texas A&M, nos Estados sugeriam o contrário: com o tempo, o espaço en-
Unidos, observa estrelas distantes tre as galáxias expandia de forma acelerada. Por
explodirem há mais de 30 anos. Em esse achado, Perlmutter, Schmidt e Adam Riess
1986, ele e colaboradores do Observatório Intera- foram laureados com o Nobel de Física de 2011.
mericano de Cerro Tololo (CTIO), no Chile, mos- Confirmado por observações posteriores, esse
traram como utilizar o brilho de um tipo especial achado transformou a cosmologia. Hoje os pes-
de explosão estelar, as supernovas do tipo Ia, quisadores dessa área só conseguem explicar a
para medir com precisão a distância de galáxias estrutura atual do Cosmo quando consideram
que se encontram quase no limite do Universo. a expansão acelerada e atribuem esse efeito à
Essas medições levaram à descoberta, em existência da energia escura.
1998, de que o Universo se encontra em expan- Caso a energia escura – que repeliria a matéria,
são acelerada. Isso significa que as galáxias estão ao contrário da força gravitacional – de fato exista
se afastando umas das outras a velocidades ca- e seja responsável pela expansão acelerada, ainda
da vez maiores. Até aquele momento, a maioria restarão perguntas a responder. Ninguém sabe o
dos astrônomos concordava com a ideia de que que ela é. Alguns modelos teóricos propõem que
esse afastamento, iniciado há pouco mais de 13 seja uma forma de energia intrínseca ao espaço
bilhões de anos, após o Big Bang, a explosão que vazio, chamada de constante cosmológica. Outros
teria gerado o Cosmo, estaria ocorrendo a velo- sugerem que seja uma quinta força fundamen-
cidades decrescentes. A causa da desaceleração tal, diferente das quatro outras conhecidas pela
seria a atração gravitacional que os aglomerados física – gravitacional, eletromagnética, nuclear
de galáxias, as maiores estruturas encontradas forte e nuclear fraca.
Léo ramos chaves
no Universo, exercem entre si. Para descobrir qual dessas propostas expli-
Tanto as observações feitas pela equipe de ca melhor o Universo, os físicos necessitam de
Suntzeff e do astrônomo australiano Brian medições mais precisas das distâncias entre as
bastante para fazer o que Sandage fazia. mas não conseguira medir a taxa de desa- O forte de Stanford eram os aceleradores
Passei muitas noites com ele no observa- celeração. Quando publicamos nossos da- de partículas, mas não gostei da cultura
tório de Las Campanas. Nas noites nu- dos, em 1998, ele começou a nos criticar e do departamento, do pessoal que achava
bladas, comecei a estudar a literatura e a a buscar furos no nosso argumento. Acho saber mais do que todo mundo. Quando
conversar com Sandage sobre cosmolo- que ele acreditava em nosso resultado, decidi fazer doutorado em astronomia, o
gia. Percebi que não era tão difícil e que mas desejava que fosse ele quem o tivesse chefe do Departamento de Física ficou
eu poderia atuar nessa área. Trabalha- obtido. Na mesma época, publiquei um horrorizado. Disse que físicos de Stan-
mos juntos quando ele começou a usar novo valor para a constante de Hubble, ford não iam para a astronomia, uma
supernovas para medir a desaceleração do qual ele também discordou. Ele me área para físicos fracassados. Era desse
do Universo. Mas não deu certo. Quando escreveu uma carta dizendo que estava ego que eu não gostava nos físicos expe-
fui para Cerro Tololo, ele disse: “Nick, desapontado, que a qualidade do meu tra- rimentais. Hoje sei que me enganei. Te-
você está indo para esse outro observató- balho tinha decaído e que eu havia cedido nho muitos amigos físicos experimentais,
rio onde desenvolverá novos detectores ao diabo. Afirmava que aquela seria nossa gente muito boa. A verdade é que não me
digitais. Você deveria usar as supernovas última conversa. Ele não falou comigo por dei bem com aquele pessoal e fui fazer
para medir a desaceleração do Univer- 10 anos, até se convencer de que estáva- doutorado em astronomia na Univer-
so”. Um amigo próximo, Mark Phillips, mos certos. Depois, escreveu outra carta, sidade da Califórnia, em Santa Cruz. n
zão dessa improbabilidade é que alguns interior, algo válido também para outras tações magnéticas. n Ricardo Zorzetto
fenômenos envolvidos na geração dos estrelas. Projetos que monitoraram a
campos magnéticos estelares parecem atividade estelar por longos períodos
seguir as regras da chamada teoria dos indicaram, no entanto, que o comporta-
Artigo científico
sistemas dinâmicos ou teoria do caos. mento dos ciclos magnéticos seria mais
STRUGAREK, A. et al. Reconciling solar and stellar mag-
Como os fenômenos descritos por essa complexo. Modelos de magneto-hidro- netic cycles with nonlinear dynamo simulations. Science.
teoria são muito sensíveis às condições dinâmica, que são mais sofisticados e 14 jul. 2017.
Biossensores
na medicina
Portáteis e precisos, dispositivos
pretendem aprimorar diagnóstico
de doenças infecciosas e genéticas
A
vanços recentes no campo infecciosas negligenciadas, associadas à
da biologia molecular estão pobreza e à falta de saneamento básico.
ampliando as possibilidades É o caso dos pesquisadores do Grupo de
de uso de biossensores no Nanomedicina e Nanotoxicologia do Ins-
diagnóstico e na prevenção de doenças. tituto de Física de São Carlos da Univer-
Desenvolvidos com base em elementos sidade de São Paulo (IFSC-USP). Desde
de reconhecimento biológico, como an- 2010 eles trabalham no desenvolvimento
tígenos e anticorpos, esses dispositivos de um conjunto de sensores capazes de
podem se tornar aparelhos portáteis e identificar sinais de doenças diversas.
baratos, semelhantes aos utilizados na Caso se mostrem eficazes nos próximos
medição das taxas de glicose no sangue. estágios de avaliação, esses aparelhos
Amplamente usados em outros países, podem se tornar uma alternativa aos
os biossensores atraem cada vez mais exames realizados em laboratórios de
a atenção de grupos de pesquisa brasi- análises clínicas e ser usados em consul-
leiros, que nos últimos anos passaram a tórios médicos ou por agentes de saúde
investir em dispositivos voltados espe- em visitas às residências de pessoas que
cificamente para a detecção de doenças vivem em regiões remotas do país.
Nos Estados Unidos, os biossensores No IFSC-USP, um dos biossensores Alessandra Figueiredo, sob coordenação
há algum tempo estão sendo usados por médicos em estágio mais avançado de do engenheiro de materiais Valtencir Zu-
médicos para acelerar os resultados de desenvolvimento é o de diagnóstico da colotto e do físico Francisco Guimarães,
exames ou no monitoramento das con- dengue, doença que acomete 390 mi- desenvolveram um sistema de diagnósti-
dições de saúde de indivíduos acometi- lhões de pessoas no mundo por ano, se- co da dengue com base na imunoglobu-
dos por doenças como Aids e hepatite C. gundo a Organização Mundial da Saú- lina IgY, anticorpo que combate a NS1.
Em outras situações, ajudam a medir os de (OMS). O dispositivo baseia-se na A IgY foi isolada de galinhas inocu-
níveis de oxigênio ou álcool no sangue, identificação elétrica da proteína NS1, ladas com NS1 e, em seguida, imobili-
como no caso de um biossensor flexível secretada pelo vírus na corrente sanguí- zada em um eletrodo de ouro acoplado
criado por pesquisadores da Universida- nea nos primeiros dias após a infecção. a um circuito, sobre o qual há um fluxo
de da Califórnia em San Diego. Também Essa proteína, um antígeno, induz uma constante de elétrons. A ideia é que o
os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) resposta imune no organismo humano exame seja feito por meio de uma gota
daquele país investem em pesquisas pa- para produzir anticorpos contra ela. O de sangue sobre o dispositivo. Se hou-
ra a concepção de biossensores médicos problema é que isso acontece somente ver infecção, ao entrar em contato com a
léo ramos chaves
baseados em sistemas diversos, seja de após o quinto dia, o que dificulta a de- NS1, a imunoglobulina IgY altera o fluxo
atração química, correntes elétricas, de- tecção precoce da doença. Para acelerar de elétrons, produzindo um sinal que é
tecção de luz, entre outros. esse processo, os físicos Nirton Cristi e registrado e processado por um softwa-
Microbalança de cristal de quartzo utilizada pelos pesquisadores da UFPR no desenvolvimento de equipamento para diagnóstico da dengue
Inovar para
se reinventar
Multinacional brasileira de serviços de TI,
Stefanini aposta em P&D para obter 85%
de seu faturamento com soluções digitais
Domingos Zaparolli
A
Stefanini, empresa brasileira de pres- “Concluímos que precisávamos mudar nosso
tação de serviços de Tecnologia da foco de atuação ou a companhia não estaria mais
Informação (TI) com faturamento ativa em um prazo entre cinco e 10 anos”, conta
anual de R$ 2,6 bilhões, está sendo Breno Barros, diretor de Inovação e Negócios
reinventada. A empresa é identifi- Digitais da empresa. A estratégia de reestrutu-
cada hoje como fornecedora de serviços de su- ração da Stefanini, iniciada no ano passado, está
porte e manutenção, o service desk, serviços de alicerçada em investimentos em pesquisa e de-
engenharia em campo denominados field servi- senvolvimento e na aquisição de startups e em-
ce e terceirização de processos que fazem uso presas com foco em inovação que possam com-
intenso de TI, o business process outsourcing plementar o portfólio da companhia.
(BPO). Em cinco anos, seus gestores querem Desde 2011, 14 empresas já foram incorporadas,
que ela seja reconhecida como uma companhia entre elas a Document Solutions, especializada
de soluções digitais para os setores financeiro, em digitalização e processamento de documen-
varejo, administração pública, além de ser capaz tos, a Orbitall, que atua no segmento de meios
de apoiar a transição das indústrias para o uni- de pagamento, a Top Systems, de soluções em
verso 4.0, no qual os processos produtivos uti- transações financeiras, a Woopi, no desenvolvi-
lizam tecnologias avançadas como inteligência mento de sistemas de autoatendimento com base
artificial, internet das coisas, computação em em inteligência artificial, e a IHM Engenharia,
nuvem e sistemas ciberfísicos, que é a interação especializada em automação industrial.
de componentes de informática e de máquinas A Diretoria de Inovação comandada por Bar-
ou equipamentos. A meta da empresa, cuja se- ros foi criada no início de 2016 com o objetivo
de fica em São Paulo, é que os negócios digitais de coordenar esse processo de reestruturação.
respondam por 85% das receitas em 2022. Em Em seu primeiro ano, contou com um orçamen-
2016, essa participação foi de 26%. to equivalente a 5% do faturamento global para
stefanini
Centro de P&D
São Paulo (SP)
Nº de pesquisadores
140 (Brasil e exterior)
Principais produtos
Plataformas de banco
digital, sistemas
de atendimento
cognitivo, soluções em
automação industrial
BANCO DIGITAL “Somos capazes de colocar em funcio- contrato já foi estabelecido com o Sis-
Os primeiros resultados do trabalho de namento um banco digital completo em tema de Crédito Cooperativo (Sicredi),
P&D da Stefanini e suas empresas de até seis meses, enquanto os concorrentes que reúne 3 milhões de associados em
base tecnológica já começam a aparecer. vendem soluções digitais específicas para 20 estados brasileiros.
Em setembro de 2016, a companhia cada atividade bancária”, afirma Barros. A implementação da plataforma digi-
lançou uma das primeiras plataformas Em 2016, a internet e o mobile banking tal do Sicredi está sendo realizada pelo
Conheça alguns profissionais da equipe de P&D da Stefanini e saiba quais instituições FOCO NA AUTOMAÇÃO
foram responsáveis por sua formação Automação industrial é outro segmento
de negócio em que a Stefanini investe
Breno Barros, cientista da computação, diretor de Universidade Federal do Pará (UFPA): graduação para expandir suas atividades em solu-
Inovação e Negócios Digitais
ções digitais. Em 2015 a companhia ad-
quiriu o controle da IHM Engenharia,
Byron Leite Dantas Bezerra, engenheiro da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE):
computação, cientista-chefe da Document Solutions graduação, mestrado e doutorado empresa com sede em Belo Horizon-
te criada em 1994 e que já desenvolveu
Cleber Zanchettin, engenheiro da computação, Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc): mais de 800 projetos de automação em
pesquisador da Document Solutions graduação diversos segmentos industriais. A IHM
UFPE: mestrado e doutorado
tem uma equipe de P&D composta por
Augusto dos Santos Moura Junior, engenheiro Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): 15 pesquisadores em automação e inte-
eletricista, presidente da IHM Engenharia graduação, mestrado e doutorado
ligência artificial que agora se dedica
Fabio Caversan, engenheiro da computação, Faculdade de Engenharia de Sorocaba: graduação principalmente a desenvolver soluções
diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Woopi Universidade de São Paulo (USP): mestrado
voltadas para a indústria 4.0.
Paulo André Perez, engenheiro eletricista, líder da área USP: graduação, mestrado e doutorado A IHM Engenharia foi a responsável
de Intelligence Solutions
por desenvolver um sistema para mitigar
beneficiamento
do mineroduto
Minas-Rio, que
conta com uma
solução de
automação da IHM
Engenharia,
empresa do grupo.
O sistema foi
projetado para
tornar mais segura
a operação nos
529 km de duto
Elevada
produtividade
O
Laboratório de Pesquisas da IBM no Brasil,
Com 250 solicitações criado em 2011, acumula 250 solicitações de
patentes submetidas ao Escritório de Patentes
de patentes e 412 e Marcas dos Estados Unidos (USPTO), sendo
40 já concedidas, e 412 artigos publicados em revistas
artigos publicados, científicas. As patentes são relacionadas às áreas de
unidade de P&D da nanotecnologia, computação em nuvem, computação
cognitiva e internet das coisas, com aplicações princi-
IBM é um dos mais palmente na indústria de óleo e gás, mineração, agro-
negócio, finanças e saúde. O desempenho estabelece
profícuos centros de a multinacional norte-americana como um dos mais
produtivos centros de inovação empresarial do Brasil.
inovação do país A área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da em-
presa conta com duas estruturas laboratoriais no país,
em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde trabalham 140
pessoas dedicadas à inovação. Segundo Ulisses Mello,
diretor de pesquisas da IBM Brasil, o país é líder global
Nos laboratórios em
São Paulo e no Rio de janeiro, inovação
trabalham 140 pessoas
dedicadas à inovação
em abril deste ano atividade de P&D com um investimento de US$ globais e tem 50 mil patentes ativas.
4 milhões em um novo laboratório experimental em 2016, a companhia investiu
em nanotecnologia, o NanoLab, sediado no Rio. US$ 6 bilhões em p&D no mundo
A IBM brasileira já realizava havia quatro anos
pesquisas na área de nanotecnologia e o país é
referência na multinacional em investigação de
microfluidos, o estudo dos fluidos em microesca-
la, e no desenvolvimento de microdispositivos,
similares a chips de computadores, para análi-
ses químicas. O novo laboratório oferecerá aos
pesquisadores uma estrutura de equipamentos
para caracterização, manipulação e teste de na-
nopartículas, como microscópios ópticos e de
força atômica de alta precisão, impressoras 3D
e ferramentas de testes de hardware e software.
As pesquisas em nanotecnologia e microflui-
dos são voltadas principalmente para os setores
de saúde, agronegócio e petrolífero e resultaram 7
gia está no seu início e contar com um gás. “Vamos unir essas duas tecnologias sileiras em computação cognitiva moti-
laboratório como o NanoLab no Brasil para procurar na escala nanométrica vou a IBM a estabelecer um acordo de
gera numerosas oportunidades para a possíveis soluções para a melhoria do cooperação com a FAPESP na modalida-
pesquisa no país. O Laboratório de Na- custo energético da extração de petróleo de Pesquisa em Parceria para Inovação
noespectroscopia (LabNS) da UFMG e para o desenvolvimento de grãos para Tecnológica (Pite). IBM e FAPESP irão
possui um convênio de pesquisa com a agronomia”, conta. custear, meio a meio, um investimento
o NanoLab. de US$ 500 mil em 10 anos para o finan-
Segundo Jorio, há uma complementa- TECNOLOGIA CONVERSACIONAL ciamento de pesquisas conjuntas entre
ridade entre os dois centros de pesquisa. A IBM, que celebra seu centenário no universidades paulistas e o centro de
O LabNS tem desenvolvido equipamen- Brasil, obteve em 2016 uma receita glo- P&D da IBM no país.
tos de medida para nanoespectroscopia bal de US$ 79,9 bilhões e investiu US$ 6 Uma primeira chamada pública já foi
óptica que ainda não são comerciais e bilhões em P&D – a empresa não divulga realizada e sete projetos foram aprova-
Imagens em 3D
(à esq.) e de tomografia
computadorizada
(abaixo) para análise de
fluidos em microescala
O Watson também está sendo empre- autenticidade –, para desenvolver no Os sete projetos do acordo IBM-FAPESP estão listados
gado na área da saúde. Uma iniciativa em país soluções locais com potencial de na versão on-line desta reportagem.
Canaviais mais
resistentes
Variedade de cana-de-açúcar transgênica
desenvolvida por empresa de
Piracicaba é aprovada para plantio
Evanildo da Silveira
O
Brasil é líder mundial na pro- modificadas no mercado, os produtores o engenheiro-agrônomo William Lee
dução de cana-de-açúcar, com terão canaviais mais rentáveis e resisten- Burnquist, diretor de Melhoramento Ge-
8,9 milhões de hectares plan- tes a doenças e pragas”, informou a Unica nético do CTC.
tados e uma safra estimada por meio de nota. O ciclo da broca se inicia quando a ma-
de 647 milhões de toneladas este ano. Com a aprovação pela CTNBio, a ca- riposa põe seus ovos nas folhas da cana.
Esse número só não é maior por causa da na transgênica será introduzida de for- Ao eclodirem, as larvas passam a comer
broca-da-cana, a fase larval da mariposa ma gradual com o acompanhamento das a polpa do colmo (caule). Os furos fei-
Diatraea saccharalis, a principal praga áreas plantadas. Ela será inicialmente tos por elas fragilizam a planta, que fica
dos canaviais. As perdas provocadas no vendida para produtores selecionados, sujeita a ser derrubada pelo vento. Além
país pelo inseto geram um prejuízo anual principalmente do Centro-Sul, onde a disso, permitem o ataque de fungos, co-
de quase R$ 5 bilhões, incluindo o gasto variedade se adapta melhor, que se com- mo Colletotrichum falcatum e Fusarium
com medidas de controle, e comprome- prometerem a seguir padrões de con- moniliforme, causadores da podridão
tem uma área de 521 mil hectares. Para trole e multiplicação, sem a industria- vermelha, doença que reduz a pureza
tentar reverter esse quadro, o Centro de lização. Durante dois a três anos, toda a do caldo e a qualidade do açúcar e do
Tecnologia Canavieira (CTC), uma em- cana produzida será usada como muda. álcool produzidos.
presa nacional localizada em Piracicaba “Vamos desenvolver também variedades A cana transgênica foi desenvolvida
(SP), desenvolveu uma cana transgênica geneticamente modificadas para outras para enfrentar esses problemas. “Intro-
resistente à praga. Batizada de CTC 20 regiões e diferentes tipos de solo”, diz duzimos no genoma da planta o gene
Bt, a variedade foi aprovada em junho
deste ano pela Comissão Técnica Nacio-
nal de Biossegurança (CTNBio), órgão O processo
responsável pela análise da avaliação
de biossegurança de organismos gene- de transgenia
ticamente modificados (OGM) no Brasil.
Para Antonio de Padua Rodrigues, di- Como os Gene
Bacillus Cry1Ab
retor técnico da União da Indústria de pesquisadores thuringiensis
Cana-de-Açúcar (Unica), entidade cujos brasileiros criaram
associados respondem por mais da me- a variedade
tade da produção nacional, o desenvol- CTC 20 Bt
vimento da cana transgênica do CTC re- 1 2
O gene Cry1Ab da bactéria
flete os avanços tecnológicos do setor su- Em seguida,
Bacillus thuringiensis é micropartículas de
croenergético brasileiro. “Com a entrada clonado em laboratório. ouro são recobertas
definitiva dessas versões geneticamente Fonte ctc Várias cópias são produzidas com cópias do gene
– pequenas vespas da espécie Cotesia fla- lou na CTNBio o pedido de liberação imune a pragas é feita na Escola Supe-
vipes são soltas no campo para parasitar comercial. A biossegurança da planta rior de Agricultura Luiz de Queiroz da
as lagartas (ver Pesquisa FAPESP nº 195). geneticamente modificada foi analisada Universidade de São Paulo (Esalq-USP),
As pesquisas do centro começaram por várias subcomissões do órgão, que em Piracicaba. Lá, o engenheiro-agrôno-
em 1994 e posteriormente receberam consideraram a nova variedade segura mo Márcio de Castro Silva Filho se de-
o impacto da capacitação profissional sob os aspectos ambiental, vegetal, de dica desde a década de 1990 a entender
promovida pelo Projeto Genoma Cana, saúde humana e animal. Os estudos do como a cana reage ao ataque de insetos
entre 1998 e 2004, realizado por vários CTC mostraram que o gene Cry1Ab é eli- (ver Pesquisa FAPESP nº 125).
grupos em universidades e institutos de minado dos derivados da cana, durante O pesquisador descobriu há alguns
pesquisa e financiado pela FAPESP e a fabricação do açúcar e do etanol, e não anos um gene na própria cana com ação
pelo CTC. “Nesse período, a capacitação causa danos ao solo. antifúngica. Batizado de sugarina, ele
profissional em biotecnologia canavieira O CTC já solicitou a autoridades dos estimula a produção de substâncias tó-
foi muito grande. Aqui no CTC, muitos Estados Unidos, Canadá e outros países xicas que matam os fungos causadores
dos profissionais colaboraram no Pro- a liberação da venda de açúcar produ- da podridão vermelha. “Notamos que os
jeto Genoma Cana, na Alellyx [empre- zido a partir da cana transgênica, o que genes que expressam proteínas contra
sa spin-out do projeto genoma, depois só deve ocorrer em alguns anos. Das 150 a Diatraea saccharalis quando ela ataca
comprada pela Monsanto] ou tiveram nações para as quais o Brasil exporta o a planta o fazem de forma sistêmica, ou
seja, todos os tecidos do vegetal produ-
zem essas proteínas”, explica Silva Filho.
“No caso do sugarina é diferente, ele só
se expressa no ponto que a broca atacou.”
A descoberta levou o pesquisador a
estudar o fenômeno. “Vimos que a pro-
teína expressa pelo sugarina não tem
efeito sobre a lagarta, mas contra os fun-
gos C. falcatum e F. Moniliforme”, conta.
4 5
“Recentemente, verificamos que varie-
As células O gene promove
bombardeadas são a produção de dades de cana com maior expressão dos
3 cultivadas em meio uma proteína que sugarinas apresentam menores níveis de
de cultura. Os destrói o sistema
Com um canhão biobalístico, as infestação de fungos. Essa descoberta
micropartículas são bombardeadas embriões resultantes digestivo da
contra células do calo embriogênico, darão origem à cana broca, causando poderá auxiliar o desenvolvimento de
um tecido do caule da cana transgênica sua morte variedades mais tolerantes.” n
Integrante do coletivo
Cinescadão grava imagens
de prédio ocupado em
2007 na rua Mauá, no
centro da capital paulista
Christina Queiroz
N
a década de 2000, vídeos produzidos por mora-
dores de áreas periféricas da cidade de São Pau-
lo chamaram a atenção de pesquisadores para
uma nova expressão do videoativismo. Tratava-
-se do trabalho de grupos que questionavam as
representações da periferia e de seus moradores. A redução
nos preços e a fácil portabilidade dos equipamentos audiovi-
suais, aliadas à ampliação do acesso a cursos de formação e
a linhas de financiamento para produção, motivaram jovens
a se unir e criar coletivos dedicados a mostrar uma nova vi-
são da metrópole paulistana. Diferentemente dos chamados
vídeos populares dos anos 1970 e 1980, que tinham um di-
recionamento político afinado com as lutas operárias e os
fotos Guilhermo Aderaldo
A
deraldo analisou a condição ambivalente de situação foi um dos fatores que levou vários
de alguns desses programas de formação jovens, principalmente os mais escolarizados ou
criados por ONGs, uma vez que, por um com histórico de participação em movimentos
lado, essas instituições oferecem capacitação Rappers do grupo sociais, a se organizarem em torno dos coletivos
CaGeBe durante
técnica para a realização de vídeos e, por outro, “ocupação
voltados à produção audiovisual independente,
costumam empregar uma linguagem institucio- audiovisual” em como forma de utilizar os conhecimentos apreen-
nal baseada na lógica da responsabilidade social. prédio no centro didos para além do escopo das organizações do
Segundo ele, essa linguagem, em vez de pensar de São Paulo terceiro setor.
A pesquisa dialoga com trabalhos de etnógrafos
urbanos como o norte-americano William Foo-
te-White (1914-2000) e o francês Michel Agier
(1953), além de teóricos dos estudos culturais que
propõem análises interdisciplinares de aspectos
da cultura, entre eles o jamaicano Stuart Hall
(1932-2014) e o indiano Homi Bhabha (1949).
Aderaldo chegou às constatações a partir de uma
pesquisa centrada na observação das experiências
cotidianas dos jovens que participavam de cole-
tivos. Um dos grupos estudados foi o Cinescadão,
formado por moradores da região norte de São
Paulo e que promoviam intervenções culturais
na favela Peri, onde reside a maior parte dos seus
integrantes. Entre essas intervenções estavam a
criação e a projeção de vídeos, apresentações de
grupos de rap e a pintura de grafite em diferentes
áreas da cidade. Um dos filmes produzidos pelo
coletivo foi Imagens Peri Féricas, que mostra uma
série de ações praticadas pelo coletivo, sobretudo
2 as intervenções culturais realizadas na mencio-
nada favela. Esse vídeo foi depois assistido por com registros, discussões e manifestações do
parte da comunidade da favela Peri. cotidiano das reivindicações no campo”, conta
Aderaldo acompanhou, ainda, a atuação da Sotomaior, que mantém o site Cinemovimento
rede Coletivo de Vídeo Popular (CVP), que reu com trabalhos sobre audiovisual e lutas sociais
nia diferentes grupos interessados na produção (cinemovimento.wordpress.com).
audiovisual e da qual também faziam parte nú- A partir da construção dessas “pontes comuni-
cleos de mídia vinculados a movimentos sociais. cativas” entre coletivos e movimentos sociais de
“A rede integrou o trabalho audiovisual e a reali- diferentes regiões da cidade, Aderaldo defende
dade social de populações que, mesmo distantes que emergiu um novo tipo de interpretação da
geograficamente, possuíam proximidade simbó- paisagem e das desigualdades da metrópole. “O
lica”, relata o pesquisador. Esse era o caso, por conceito de periferia, que nas mídias corporati-
exemplo, de uma ocupação mobilizada pela luta vas costuma ser representado como sinônimo de
por moradia na área central da cidade e uma fa- áreas fixas marcadas por uma situação de carên-
vela no extremo norte da capital paulista. cia, cedeu lugar a novas representações”, conta.
Nessas novas interpretações, a periferia passou a
G
abriel de Barcelos Sotomaior, jornalis- designar processos móveis em que pessoas e lu-
ta com doutorado em multimeios pe- gares se conectam por causa do acesso desigual
la Universidade Estadual de Campinas a direitos. Para o pesquisador, as experiências
(Unicamp) e estudioso da cinematografia pro- audiovisuais permitiram a esses jovens redefinir
duzida por movimentos sociais, conta que o vi- o sentido da paisagem urbana, na medida em que
deoativismo está presente também entre orga- eles romperam com a linguagem institucional
nizações rurais. Um exemplo é o trabalho do que os concebe somente como sujeitos tutela-
núcleo Brigada de Audiovisual da Via Campesi- dos. Aderaldo lembra que o sentido das palavras
na, que também participava do CVP. Criado na “periferia” e “favela” muda conforme o contexto
primeira metade dos anos 2000, o grupo reunia em que são utilizadas. “Enquanto alguns agentes
fotos 1 e 2 Guilhermo Aderaldo 3 Erick Diniz
organizações como o Movimento dos Trabalha- institucionais podem falar da ‘periferia’ como
dores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento equivalente a lugares carentes e violentos, um
dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Pasto- rapper utiliza o termo para designar noções co-
ral da Terra. A proposta era mostrar uma nova mo luta, honra ou resistência”, analisa.
perspectiva de representação da luta pelo solo. O sociólogo Noel dos Santos Carvalho, coorde-
“O coletivo se originou a partir de um curso em nador do curso de Comunicação Social – Midia-
que os participantes se mostraram insatisfeitos logia do Instituto de Artes da Universidade Esta-
com a abordagem dos temas no audiovisual do- dual de Campinas (IA-Unicamp), contextualiza
minante, criando uma série de documentários em um movimento mais amplo o argumento dos
N
zação em rede. O surgimento do documentário é o Brasil, o documentarista Denis Porto
associado aos filmes do norte-americano Robert Renó, professor no Departamento de Co-
Flaherty (1884-1951), em especial Nanook of the municação Social da Universidade Esta-
North e Moana, produzidos nos anos 1920 (ver dual Paulista (Unesp), campus de Bauru, aloca
Pesquisa FAPESP nº 255). os primórdios do videoativismo entre os anos
Torres lembra que o lançamento da câmera 1970 e 1980, quando a prática era chamada de ví-
Portapak nos anos 1960, mais leve e barata do deo popular. Na linha de frente desse movimento
que suas antecessoras, proporcionou uma sé- estava a Associação Brasileira de Vídeo Popular
rie de experiências por parte dos primeiros vi- (ABVP), que teve como um de seus fundadores
deoartistas, entre eles o norte-americano Andy Luiz Fernando Santoro, professor na Escola de Co-
Warhol (1928-1987) e o sul-coreano Nam June municação e Artes (ECA) da USP. Nos anos 1980,
O passado vivo
Ecléa Bosi trabalhou
para mostrar
que a memória é usada
também para
reconstruir e repensar
o presente
P
rofessora do Instituto de Psicologia da marrado das ideologias, pode levar o passado a A pesquisadora e
Universidade de São Paulo (IP-USP), falar mais do que pôde falar aos grupos.” seus livros (à dir.):
prosa científica
Ecléa Bosi, morta em julho aos 80 anos, No artigo “Memória e sociedade: Ciência poé- marcada por
deu um novo relevo para sua disciplina no tica e referência de humanismo”, Paulo de Sal- referências literárias
panorama intelectual brasileiro ao desenvolver les, do Departamento de Psicologia Social e do e mitológicas
pesquisas sobre a coletividade e a memória. Nes- Trabalho do IP, registra alguns dos nomes que
sa trajetória, Memória e sociedade – Lembrança levaram a obra de Ecléa para além das fronteiras
de velhos (1973) se tornaria referência obrigatória da psicologia. “Octavio Ianni [1926-2004], da so-
ao articular a entrevista de idosos com a obra de ciologia, encontrou no livro ‘uma linda lição de
sociólogos como Maurice Halbwachs (1877-1945) vida’. Paulo Sérgio Pinheiro, cientista político,
e filósofos como Henri Bergson (1859-1941). apontou que ‘a história social de São Paulo sal-
“Em diálogo com Halbwachs, Ecléa traz o pas- tou léguas com este mergulho magistral’.” O livro
sado tal como foi vivido e sentido pelos grupos, repercutiu fora do Brasil, continua Salles: Pierre
descoberto e também filtrado pela memória cole- Bourdieu (1930-2002) “propunha capítulos de
tiva”, explica José Moura Gonçalves Filho, colega Memória e sociedade para leitura e debate com
da psicóloga no IP. “Com Bergson, ela mostrou a seus alunos de pós-graduação, nos seminários
memória como reaparição do passado profundo que organizava”, e o psicólogo Karl Scheibe, da
e não domado, quase livre dos filtros e só ouvido Universidade Wesleyan, Connecticutt, nos Es-
por pessoas”, diz. “A memória, que é originalmen- tados Unidos, em Self studies (1995), “saúda em
te um trabalho coletivo, quando se desenvolve Memória e sociedade o encontro milagroso entre
como um trabalho pessoal mais ou menos desa- idosos solitários, à espera da doença ou da hora
Coletora autônoma
Etnógrafa austríaca Wanda Hanke viajou sozinha pelo interior da América do Sul
nos anos 1930 para estudar grupos indígenas | Rodrigo de Oliveira Andrade
A
etnógrafa austríaca Wanda Hanke ia registros sobre sua vida na Europa sugerem que
pelos seus 40 anos quando embarcou tenha se graduado em medicina na Alemanha
para a América do Sul para estudar e, mais tarde, cursado direito e filosofia. Sabe-se
populações indígenas. Sem apoio que trabalhou como médica por alguns anos
institucional, ela passou os últimos 25 anos de antes de se interessar pela etnologia, então uma
sua vida embrenhando-se sozinha em florestas no ciência incipiente. “A falta de perspectiva de
interior da Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai, trabalho como etnógrafa na Europa a levou a se
reunindo, fotografando e registrando artefatos e aventurar em expedições pela América Latina,
povos ainda não estudados. Suas expedições em uma época em que as mulheres que
resultaram em uma profusão de estudos excursionavam pelo Brasil o faziam com seus
linguísticos, objetos da cultura material e registros maridos ou corriam o risco de serem malvistas
iconográficos de várias etnias. Pouco conhecidos, pelos locais”, explica a historiadora Mariana
os trabalhos de Wanda constituem um registro Moraes de Oliveira Sombrio, do Programa de
histórico sobre a diversidade indígena Pós-graduação Interunidades em Museologia Fotos feitas pela
sul-americana, tendo também contribuído da Universidade de São Paulo (USP). pesquisadora
à época em que
para a consolidação da etnologia na região. Mariana estuda a trajetória de mulheres que viveu entre os
Wanda Hanke (1893-1958) nasceu em Opava, incursionaram pelo Brasil na primeira metade do índios Bororo,
cidade da atual República Tcheca. Os raros século XX. Com base na análise de documentos em Mato Grosso
90 | agosto DE 2017
do Conselho de Fiscalização 1934 para documentar os 2
Simples e pleno
Neusa de Fátima Mariano
C
omo a própria cultura caipira, o título do
livro assim se revela, simples e pleno: Vi-
da caipira, de Pedro Ribeiro. Resultado
de sua tese de doutorado, defendida na Facul-
dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP),
neste livro são encontradas não só palavras que
Vida caipira expressam o dia a dia de uma família caipira, a
Pedro Ribeiro da dona Dita, “seu” Maurílio e seus filhos, mas
Edusp
152 páginas
também imagens fotográficas que revelam a ple-
R$ 59,90 nitude da vida no campo.
Mas o que há de diferente das demais famí-
lias? O autor surpreende ao elucidar que o con-
ceito de família aqui apresentado envolve lar e
patrimônio. Isso significa dizer que há, no in-
terior dessa forma, conteúdos que tomam a di-
mensão totalizadora da vida. Assim está inserido
o seu cotidiano, em diálogo direto com a natu-
reza, não apenas no sentido do conhecimento,
do saber fazer, do aproveitamento sustentável
dos recursos e respeito a eles, mas de uma cons-
ciência de pertencimento e de identidade com
a própria natureza: seus ciclos temporais, suas Dona Dita e “seu” Maurílio, em 1998
condições físico-espaciais, suas características
singulares e ao mesmo tempo simples.
Diante da narrativa de processos históricos so- No que concerne ao masculino, o trabalho espa-
bre a região de Cunha, no Vale do Paraíba, onde cializado para além do terreiro da casa, ainda que
está localizado o sítio da família de “seu” Mau- solitário, muitas vezes se confunde com o ócio.
rílio, e de conceitos acadêmicos, a comunidade, Mas, sobretudo em situações de coletividade co-
o sítio, a família, o caipira e o caboclo vão sendo mo é o mutirão, o trabalho pode ser interpretado
desvendados pelo autor. Mas também o são por pelo leitor desavisado como atividade de pouca
meio das fotografias que, apesar de serem cenas dedicação e muita festa. Nesse sentido, nas pe-
estáticas, trazem o movimento do cotidiano per- gadas do pensamento de Monteiro Lobato, o cai-
fazendo ou complementando, ou melhor dizendo, pira é visto como preguiçoso e ignorante. Pedro
reafirmando tais conceitos científicos. Ribeiro depõe a favor do modo de ser, pensar e
Desta forma, à luz das panelas areadas, as len- agir da família caipira ao narrar o seu cotidiano
tes do fotógrafo e etnógrafo captam o olhar longe no sítio e seus afazeres, desde o cantar do galo
da mãe, da mulher Benedita, debruçada sobre a até o pôr do sol: roçar, carpir, arar, plantar e co-
janela quadrada que filtra seus pensamentos, em- lher, tratar do pouco gado para o queijo e para a
reprodução da capa eduardo cesar
balados pela sonoridade do quintal. O feminino distribuição do leite à comunidade. Nos dias de
retratado como a fonte da vida, a manutenção da descanso, “seu” Maurílio dedica-se à manutenção
família, o guardião da reprodução, tal qual sim- do sítio ora tecendo jacás, ora fazendo pequenos
bolismo trazido pelo milho colhido, a abundância reparos nos cercados e nas ferramentas, no pou-
do alimento. A prosperidade torna-se mais prós- co discernimento entre trabalho e diversão. Na
pera quando a colheita é misturada às crianças entressafra, trabalha por empreitada para outros.
de futuro ainda incerto quanto à permanência Há que enaltecer também o encontro, a socia-
ou não no sítio, na vida caipira. bilidade caipira que propicia as trocas (informa-
92 | agosto DE 2017
Francislene, Pricila e André em meio às espigas de milho no sítio de Ditinho Teixeira, em 1997
ções, favores, olhares, compromissos e alegrias). do modo de ser, pensar e agir da família caipira,
A religiosidade revestida de catolicismo popu- mas que a colocam no mundo.
lar, tão bem retratada no livro, convida o leitor a Ainda que alguns jovens se vão na aventura
entrar no ritmo do moçambique, dançado sob o urbana, outros tantos ( já não mais tão jovens)
comando dos mestres, ao som dos bastões e dos retornam, talvez como vencedores deste urbano,
chocalhos. E assim as famílias se estendem para mas com o coração apertado na busca de suas
fora da casa, do sítio, misturam-se, enriquecem- origens, para revivificar a cumplicidade orgânica
-se e se confundem sob a regência da fé, da devo- com a natureza, naquilo que é simples e pleno.
ção e da comunhão: as Festas do Divino, de São
José da Boa Vista, do Milho; o tapete de Corpus Neusa de Fátima Mariano é geógrafa e professora do Centro de
Christi; a romaria, a missa, e a novena semanal; Ciências Humanas e Biológicas da UFSCar, campus de Sorocaba.
É especializada nos temas que envolvem a cultura caipira, a
o aniversário infantil. No ritmo do calendário religiosidade popular e a geografia cultural.
agrícola-religioso, a “naçãozinha”, como diria
Antonio Candido, espalha-se e se reúne na cen-
tralidade do bairro rural, na quase vila, na quase
ponte para o urbano.
O autor chama a atenção para a interpretação
equivocadamente linear sobre o desenvolvimento
da cultura caipira, como se esta estivesse cami-
nhando para o seu fim a partir do processo de ur-
banização. Há formas diferenciadas de viver, ver
e sentir o mundo, sendo que o universo caipira se
encontra em constante diálogo com os processos
Fotos Pedro Ribeiro / Vida caipira
Liderança científica
Gestão de laboratório
Saber coordenar grupos de pesquisa é importante para criar uma agenda de trabalho
sustentável envolvendo grandes projetos
94 | agosto DE 2017
redução da pobreza em grandes o conhecimento é transmitido em pesquisa”, ressalta. Por isso,
centros urbanos. Para a cadeia”, conta Euripedes Miguel, também é recomendável que os
pesquisadora, é importante que o destacando que, nos projetos que líderes incentivem os pós-doutores
coordenador identifique as lidera, os pesquisadores mais a participarem de cursos de gestão
características de cada integrante graduados são direcionados a e liderança, para que aprendam
da equipe, avalie suas capacidades e atividades que agregam maior a distribuir os trabalhos no
limitações e distribua as atividades valor à pesquisa, como a realização laboratório, a motivar colegas e
de pesquisa de acordo com o nível dos experimentos e análise e dissolver tensões, a manter as
de formação de cada um. “Isso interpretação dos resultados. atividades dentro do orçamento
ajudará a manter o grupo motivado É o que acontece também no e cronograma estipulados e a
e comprometido com os trabalhos Laboratório de Genética Molecular assegurar que todos trabalhem em
em desenvolvimento”, ela destaca. do Instituto de Biociências (IB) da prol do mesmo objetivo.
Um dos desafios dos líderes é a USP, chefiado pela geneticista Lygia
articulação entre os processos de da Veiga Pereira. Como em muitos Reuniões de acompanhamento
ensino e pesquisa e as exigências laboratórios norte-americanos e Para que as atividades sejam
de produtividade e apresentação europeus, os pós-doutores são um desenvolvidas adequadamente,
de resultados. A publicação de elemento-chave em sua equipe. aconselha-se que os coordenadores
artigos científicos, sobretudo em Além de coordenar tarefas, escrever realizem reuniões periódicas com
revistas de qualidade, tende a ser artigos científicos e ajudar a os membros de sua equipe para
um objetivo comum à maioria dos conceber e executar novas discussão das metas estabelecidas
projetos. Mas, para chegar lá, há linhas de pesquisa, eles também e identificação de problemas e
um longo processo. Exige-se uma coorientam alunos de iniciação soluções. “Esses encontros são
atividade consistente e contínua de científica, mestrado e doutorado. essenciais para o sucesso dos
revisão da literatura, a formulação Para Renata Bichir, o projetos e, por isso, precisam ser
de perguntas científicas relevantes coordenador do grupo deve realizados regularmente”, explica
e o estabelecimento de propostas enfatizar aos pós-doutorandos a Lygia, do IB-USP. Ela sugere que
metodológicas adequadas para que importância de auxiliar os alunos durante essas reuniões todos os
as hipóteses sejam testadas e os em início de formação. “Essa pesquisadores façam apresentações
resultados, apresentados e experiência os ajuda a aprimorar sobre as atividades que
discutidos em artigo ou livro. “Para suas habilidades científicas, desenvolveram na semana anterior,
manter a produtividade do grupo, fazendo com que adquiram ressaltando sua importância
tocamos vários projetos ao mesmo experiência que mais tarde será para o andamento do projeto
tempo, todos interconectados, importante para dar autonomia no principal, independentemente se se
o que implica cooperação entre os estabelecimento e gerenciamento trata de uma pesquisa de iniciação
membros da equipe”, diz o de seus próprios grupos de científica ou doutorado.
psiquiatra Euripedes Constantino
Miguel, do Departamento
de Psiquiatria da Faculdade de
Medicina (FM) da USP.
Euripedes Miguel é responsável
pela coordenação de vários projetos
no Instituto Nacional de Psiquiatria
do Desenvolvimento para Crianças
e Adolescentes (INPD). Segundo
ele, para que as atividades sejam
desempenhadas de modo integrado
e alinhadas aos objetivos de cada
projeto, o coordenador precisa criar
um ambiente de cooperação, para
que todos possam se desenvolver
em conjunto. “O processo de
ensino não envolve apenas aspectos
técnicos, mas o aprimoramento
ilustrações daniel almeida
de habilidades sociais”,
comenta. Para isso, ele envolve
alunos em início de formação
acadêmica com estudantes de
pós-graduação. “Assim, os mais
preparados instruem os iniciantes e
96 | agosto DE 2017
perfil Foi o que fez. Graduou-se em 2004,
mas não voltou imediatamente ao
Do verbo às máquinas Texas. Entrou no mestrado no
Departamento de Psicologia da
Formado em letras, cientista cognitivo André Souza transitou pela UFMG e estudou como crianças na
psicologia, estatística e hoje trabalha com novas tecnologias nos EUA primeira infância aprendem a falar,
flexionando os verbos. O trabalho
ampliou seu horizonte de pesquisa
para o doutorado. Souza elaborou
então um projeto para comparar o
mesmo processo em crianças
brasileiras e norte-americanas, que
foi aceito pela Universidade do Texas.
Ele embarcou em 2007 para fazer
o doutorado. Durante o curso,
envolveu-se em vários projetos,
deu aula, orientou alunos e
publicou artigos. Também mudou
de orientador e tema de pesquisa.
“Estudei como certos sotaques
influenciam as decisões que tomamos
no dia a dia”, explica. Em seguida, fez
dois pós-doutorados, no Canadá e no
No Google, Souza trabalha no desenvolvimento de produtos que mimetizam a cognição humana Texas, onde começou a trabalhar
com eye tracking, técnica usada para
avaliar o comportamento de
Quando adolescente, o cientista cognitiva. “Entrei em contato para indivíduos a partir do monitoramento
cognitivo André Souza, hoje com 36 saber se tinha algum projeto com o de seus movimentos oculares.
anos, tinha apenas um objetivo: qual poderia colaborar”, ele conta. Em 2014, foi para a Universidade
morar nos Estados Unidos. À época, Meier, por sua vez, indicou-lhe do Alabama, também nos Estados
disseram-lhe que precisaria primeiro outra pesquisadora, Catharine Unidos, trabalhar como professor de
ter um diploma universitário e Echols, do Departamento de estatística avançada. Criou uma linha
aprender inglês. Sem condições de Psicologia da mesma universidade, de pesquisa para estudar como
arcar com os custos de um curso de que estudava psicologia da linguagem alteramos nossas habilidades
idioma ou de uma universidade e orientava uma doutoranda cognitivas à medida que interagimos
privada, tentou a sorte no vestibular brasileira chamada Débora Souza. com novas tecnologias. Para viabilizar
de letras na Universidade Federal de “Catharine aceitou que eu trabalhasse suas pesquisas, submeteu, com
Minas Gerais (UFMG). A ideia era, como voluntário em seu laboratório”, sucesso, um pedido de financiamento
gratuitamente, graduar-se em um relembra Souza. “No fim do a um fundo do Google para pesquisas
curso superior e aprender inglês. intercâmbio, sugeriu que eu tecnológicas em universidades.
A estratégia deu certo. voltasse ao Brasil e ajudasse sua Ainda no Alabama, Souza foi
A oportunidade de ir aos Estados orientanda na coleta de dados. Desse convidado para apresentar os
Unidos surgiu na graduação, modo, criaria uma oportunidade resultados de sua pesquisa na sede do
a partir de um intercâmbio de para retornar aos Estados Unidos.” Google, na Califórnia. Ficou
alguns meses na Universidade encantado com a dinâmica de
do Texas. À época, Souza trabalho da empresa e resolveu tentar
estava interessado por algo novo. Mandou currículos para
linguística cognitiva, segundo Google, Twitter, Facebook, entre
a qual o contexto orienta ou outras empresas de tecnologia. “Em
influencia a construção fins de 2016, o Google me convidou
semântica das palavras. Ao para participar de um processo
pesquisar sobre o tema, seletivo para pesquisador”, conta.
descobriu que Richard Meier, Foram várias entrevistas até que,
do Departamento de semanas depois, recebeu a notícia de
fotos arquivo pessoal
98 | agosto DE 2017
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NICOLAUSEVCENKO
NICOLAU SEVCENKO
EDUARDOVIVEIROS
EDUARDO VIVEIROSDE DECASTRO
CASTRO
MANOEL
MANOELDE DEBARROS
BARROS
MARILENACHAUI
MARILENA CHAUI
JUDITHBUTLER
JUDITH BUTLER
VLADIMIRSAFATLE
VLADIMIR SAFATLE
ANTONIONEGRI
ANTONIO NEGRI
MANOBROWN
MANO BROWN
JACQUESRANCIÈRE
JACQUES RANCIÈRE
FREIBETTO
FREI BETTO
CELSOLAFER
CELSO LAFER
MARIARITA
MARIA RITAKEHL
KEHL
PAULOMENDES
PAULO MENDESDA DAROCHA
ROCHA
A N OASN O S