Você está na página 1de 64

REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA FACULDADE CÁSPER LÍBERO

#47 – 1º SEMESTRE DE 2010

a nova era do
SEXO
A mudança do comportamento sexual de jovens
e adultos. E os apelos do mercado pornográfico
EDITORIAL

tabu
Revista-laboratório do curso de Jornalismo
da Faculdade Cásper Líbero

Fundação Cásper Líbero


Presidente
Paulo Camarda
Superintendente Geral
Sérgio Felipe dos Santos
um
Faculdade Cásper Líbero
Diretora
Tereza Cristina Vitali
Vice-Diretor
Welington Andrade
Coordenador de Jornalismo
Carlos Costa

Professor responsável
Heitor Ferraz Mello

Monitoria
Editora

a menos
Fernanda Patrocínio
Assistentes editoriais
Lidia Zuin e Thiago Tanji

Editor de Arte e Fotografia


Danilo Braga
Assistente de Arte e Fotografia
Celeste Mayumi

Diagramação
Celeste Mayumi, Danilo Braga, Fernanda HEITOR FERRAZ MELLO
Patrocínio, Henrique Koller, Lidia Zuin,
Petrus Lee
Depois de falar de dinheiro e mente, resol- com violência, toda sua hostilidade).
Revisão vemos entrar em outro assunto sempre atual: Para esta edição, procuramos, então, ma-
Ana Júlia Castilho, Ana Lucia Silva, Ayana sexo. Ou melhor, um assunto atemporal, já pear os assuntos mais interessantes em torno
Trad, Lidia Zuin, Lucílio Correia e Thiago Tanji
que desde sempre o sexo existe. No entanto, do sexo: sua fatal relação com o dinheiro na
Participaram desta edição nos últimos anos, o universo do comporta- nossa sociedade, como o mercado e o turis-
Adriano Garrett, Alessandro Jodar, Alexandre
mento sexual vem passando por uma série de mo sexual; o novo comportamento sexual dos
Aragão, Aline Magalhães, Ana Carolina Neira, Ana
Gabriela Maciel, Ana Júlia Castilho, Ana Lucia Silva, transformações. Velhos tabus não são mais jovens (dos casais gays assumidos à preserva-
Ana Luísa Vieira, André Gonçalves, André problemas cabeludos. Já passamos pela revo- ção de virgindade); o perigo da Aids; o reflexo
Oliveira, André Sollitto, Anna Beatriz Pouza,
lução dos costumes dos anos 1960, mas seu do sexo na cultura (literatura, cinema, artes
Bárbara Ferreira, Bárbara Nór, Bruna Stuppiello,
Bruno Podolski, Caio Canavieira, Camila Baos, legado ainda é bastante confuso – e muitos plásticas e quadrinhos) e na vida cotidiana
Camila Lara, Camilla Ginesi, Carolina Rodrigues, não sabem direito o que fazer com ele. Neste número, feito na atribulação do se-
Caroline Rezende, Cínthia Zagatto, Danylo
No mundo dos jovens, um novo compor- mestre, a equipe da Esquinas – que também
Martins, Felipe Elias, Fernanda Gonçalves,
Fernando Antonialli, Gabriel Medeiros, Gabriela tamento já se afirmou há algum tempo, e não participou na confecção de outras revistas da
Capo, Giórgia Cavicchioli, Giovana Nunes, Giulia é preciso mais esconder uma opção sexual Cásper Líbero – se desdobrou para bolar as
Afiune, Guilherme Aleixo, Guilherme Profeta,
dos amigos e familiares. Na avenida Paulista, pautas e para fechar todas as matérias. Como
Gustavo Nárlir, Isabella Lubrano, Ítalo Fassín,
Ivan Oliveira, Jaqueline Gutierres, Jessica Fiorelli, centro financeiro da cidade, os casais gays são professor responsável, agradeço aos alunos
Jéssica Guimarães, Jessica Orsini, Juliana Ruiz, comuns, andando de mãos dadas, namorando que participaram deste número, apurando as
Julieta Mussi, Kaluan Bernardo, Laura Hauser,
tranquilamente (quer dizer, dentro da tran- matérias e ao Núcleo Editorial, em especial Fer-
Laura Salerno, Lays Ushirobira, Lidyanne Aquino,
Louise Solla, Luan de Sousa, Luana Fagundes, quilidade possível, pois os truculentos ainda nanda Araújo Patrocínio, Danilo Braga, Thiago
Lucas Menegale, Luíza Giovancarli, Luma existem e continuam dispostos a demonstrar, Tanji, Lidia Zuin e Petrus Lee.
Pereira, Maíra Roman, Maria Giulia Pinheiro,
Maria Zelada, Mariana Auresco, Mariana Ferrari,
Mariana Kindle, Marília Diniz, Matias Lovro, Mayara
Moraes, Michelle Rodrigues, Natália Cacioli,
Nathália Henrique, Nathalie Ayres, Patricia Alves,
Patrícia Homsi, Paulo Lutero II, Paulo Pacheco,
Pedro Samora, Rafael Rojas, Raquel Beer, Renata
Zanquetta, Rhaissa Bittar, Roberta Vilela, Rodrigo
Faber, Soraya Chantre, Suellen Fontoura, Thaís
Freire, Thaís Lima, Thais Sawada, Tomas Rosolino,
Vanessa Lorenzini, Vinícius de Melo, Vitor Valencio, No número 47, a
Viviam Kamfler, Viviane Laubé e Yolanda Moretto revista Esquinas
aborda o novo
Foto de capa: Guilherme Burgos
comportamento
Agradecimentos sexual presente
Celso Unzelte, Daniela Osvald Ramos, nos grandes
Igor Fuser, José Eugênio Menezes, Jorge
Paulino, Renato Essenfelder, Ricardo Muniz centros urbanos.
As doenças, o
Núcleo de Redação mercado e os
Avenida Paulista, 900 — 5º andar
01310-940 — São Paulo — SP novos fetiches
Tel.: (11) 3170-5874 adquiridos são
GUILHERME BURGOS

E-mail: revistaesquinas@gmail.com aqui apresentados


www.casperlibero.edu.br
como parte do
nosso cotidiano

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 3


SUMÁRIO

06 14 32

06 MUDANÇAS NA VELHA PRÁTICA 22 A PÍLULA DA DISCÓRIDA


Um novo jeito de encarar a sexualidade Quando o Viagra mais atrapalha do que ajuda

12 HOSTILIDADE DEPOIS DO ARMÁRIO 24 PRAZER QUE VEM DE DENTRO


Os constrangimentos que ainda assombram homossexuais Elixir da vida contemporânea, as pessoas buscam o orgasmo

14 DISCUTINDO A RELAÇÃO COM FÁTIMA MOURAH 26 O LIMITE É A PRIVACIDADE


O trabalho de uma personal sex trainer O que realmente acontece em uma casa de swing

16 SOBREMESA REFINADA 30 INOCÊNCIA INTERROMPIDA


Transar ou não transar? Eis a questão A pedofilia é um problema que está crescendo no Brasil

18 QUE AIDS É ESSA? 32 PASSAPORTE PARA O PRAZER


Portadores e especialistas falam sobre a doença e ensinam como se prevenir Como funciona o turismo sexual em São Paulo

21 A COMPULSÃO DO DESEJO 40 VALE DO PORNÔ


Será que você é um viciado em sexo? O mercado ligado ao sexo move bilhões de dólares por ano

4 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


43 45 51

43 PORNOGRAFIA UNDERGROUND
Uma câmera na mão e rock n’ roll na cabeça: conheça o altporn SEÇÕES
29 SEX SHOP
44 IMPÉRIO DA PORNOCHANCHADA 34 ENSAIO
Um gênero quente do cinema nacional
53 ESPORTES
57 COMIDA
45 DO TRAÇO AO DESEJO
Anime, mangás e cosplay: um jeito diferente de realizar fantasias 59 CURIOSIDADES
61 CRÔNICA
48 ORGASMO NA PALAVRA 62 ALI NA ESQUINA
O escritor Marcelino Freire ensina como se faz um conto erótico

51 EU, SÁDICO?
O marquês de Sade e sua obra inquietante

55 NOS EMBALOS DA VOLÚPIA


Diferentes estilos e danças esbanjam sensualidade

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 5


SEXUALIDADE

Longe dos rótulos, muitos


jovens não se privam de novas
experiências sexuais

Mudanças
na velha prática
6 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010
Entre pílulas, preferências diversas, prazer e
relacionamentos fugazes: a cara da nova sexualidade
REPORTAGEM ANA GABRIELA MACIEL, VIVIAM KAMFLER, CAROLINE REZENDE e MICHELLE RODRIGUES (1º ano de Jornalismo)
CAMILLA GINESI, RAQUEL BEER, IVAN OLIVEIRA, JAQUELINE GUTIERRES e VANESSA LORENZINI (2º ano de Jornalismo)
IMAGENS PETRUS LEE (1º ano de Jornalismo), THIAGO TANJI (2º ano de Jornalismo) e DANILO BRAGA (3º ano de Jornalismo)

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 7


PETRUS LEE
UM CASAL DE PRÉ-ADOLESCENTES se agarra
no cinema; dois homens jantam em clima ro-
mântico à luz de velas; na micareta, uma me-
nina “fica” com o décimo quinto garoto do dia;
um beijo triplo acontece na balada; aos quinze
anos, uma jovem toma sua primeira pílula do
dia seguinte.
Já não é mais preciso recorrer ao tradicio-
nal “escurinho do cinema”. A maior conquista
do novo comportamento sexual é a invasão
dos espaços públicos. A alteração na estrutura
da sociedade foi sendo pautada por aconteci-
mentos históricos, como o movimento hippie,
a ascensão do feminismo, o surgimento da
pílula anticoncepcional e até mesmo a disse-
minação da Aids. Assim, para entender essas
transformações, o primeiro passo é saber que
a sexualidade vai além do ato sexual.
De acordo com o doutor em Psicologia
pela USP, Marcelo Tonietti, “a sexualidade é
expressa em pensamentos, fantasias, desejos,
crenças, atitudes, valores, atividades, práticas,
regras e relacionamentos. Cada cultura lida de
um jeito”. A sexualidade está ligada à busca
pelo prazer e bem-estar, à valorização do auto-
conhecimento, sendo este um fator essencial
na qualidade de vida.

ONTEM E HOJE Quando se trata de sexualida-


de, as transformações da sociedade influen-
ciam os meios de comunicação e vice-versa. A
cobertura da guerra do Vietnã, quase livre de
censura, foi responsável pela difusão em âm-
bito internacional da ideia de efemeridade da
vida. Tal fato colaborou para o fortalecimento
do movimento hippie e da liberação sexual.
No Brasil, o fim da ditadura propiciou a liber-
dade de expressão da mídia, que se transferiu
para a vida íntima. Os relacionamentos se ex-
plicitaram, as discussões sobre sexo encon-
traram mais espaço e os jovens sentiram-se
livres para encarar novas experiências.
A crescente erotização da imprensa, que “Hoje há uma evolução quanto à iniciação mais
ocorreu nos anos 1960, somada à ascensão rápida da vida sexual. É preciso levar em conta que
do feminismo, só se retraiu quase trinta anos os pais desses jovens viveram a época de maior
depois, com a elevação do número de infec- florescer da sexualida de”, explica Claudio Picazio
tados com o vírus HIV. Tornou-se uma pedra
no caminho da liberação sexual. Ícones como
Freddie Mercury e Cazuza morreram em de-
corrência da Aids – doença, então, pouco co-
nhecida. A proliferação do HIV pressionou a sobre sexo do que as gerações anteriores tive- Os meios de comunicação contribuem
sociedade a colocar de lado velhos tabus e pre- ram quando adolescentes. “Na nossa época, os para a formação da consciência sexual dos
conceitos, para falar abertamente sobre sexo. pais eram muito mais conservadores. Hoje as adolescentes. Contudo, o papel da mídia é se-
A palavra diálogo passou a ser fundamental. oportunidades de se informar são maiores, in- cundário, já que a família é a estrutura sobre
Assim, surgiram publicações para instruir os clusive para nós”, comenta a empresária Lucia a qual a consciência se constrói. “A mídia
jovens, como revistas destinadas ao público Costa, de 43 anos, que tem dois filhos de 15 e estimula precocemente a erotização, mas
adolescente feminino, minisséries em gran- 16 anos. “Minha mãe não conversava comigo. quanto mais saudável for a pessoa, menos
des emissoras, filmes e programas de TV. Sobre menstruação, fui saber na rua. Imagina impacto isso terá sobre ela. Já se a família
O desenvolvimento tecnológico dos últi- sobre sexo!”, conta Maria do Carmo Santana, realizar a mesma função, a criança fica com
mos vinte anos facilitou a divulgação de infor- mãe da adolescente de 15 anos, Aline. dificuldades”, ressalta Heloísa.
mações mais instantâneas e acessíveis, para o Os adultos da geração de Maria do Carmo
bem e para o mal. “O anonimato gerado pelo eram os adolescentes das décadas de 1970/80. NA ESCOLA A necessidade de conscientizar
cibersexo e por sites pornográficos facilita a “Hoje há uma evolução quanto à iniciação o jovem sobre o sexo e tudo que ele implica
expressão sexual de quem se sente socialmen- mais rápida da vida sexual. É preciso levar aumenta progressivamente, a medida que os
te reprimido”, afirma a psicoterapeuta Heloísa em conta que os pais desses jovens viveram a indivíduos são mais expostos aos apelos se-
Fleury, supervisora do ProSex – Projeto Sexua- época de maior florescer da sexualidade”, ex- xuais. Prova disso são as meninas que usam
lidade da Faculdade de Medicina da USP. plica Claudio Picazio, psicólogo especializado roupas justas e curtas para se divertirem à
A familiaridade dos jovens com as novas em sexualidade humana e autor dos livros noite e os relacionamentos-relâmpago que
mídias possibilita maior acesso a informações Diferentes Desejos e Sexo Secreto. acontecem na balada.

8 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


THIAGO TANJI
“A mídia estimula precocemente a
erotização, mas quanto mais saudável for a
pessoa, menos impacto isso terá sobre ela”,
aponta Heloísa Fleury

A demanda pela conscientização não é A mobilização dos pais, apenas, não é su-
em todo atingida, já que se faz notável a inex- ficiente. É necessário também ressaltar a im-
periência da educação brasileira quanto à se- portância da participação dos orientadores.
xualidade. “O despreparo dos professores se Fazer da sala de aula um local de discussão
deve à falha do poder público em não pautar de valores e atitudes, favorecendo a forma-
o que cada faixa etária precisa aprender em ção crítica dos adolescentes. “O fundamento
relação ao sexo. Assim como as cartilhas que da educação formal é respeitar e ser respei-
trazem orientações sobre trânsito, é necessá- tado. Assim, tentamos guiar as crianças em
rio material sobre educação sexual”, ressalta direção à maturidade, no sentido de levá-las
Soraia Paro, de 43 anos, diretora do colégio a compreender a sexualidade e aceitar as di-
IV Centenário, no extremo sul paulistano. As ferenças”, acrescenta a educadora.
instituições de ensino tratam o tema de forma
superficial, só ensinando os aspectos biológi- DISCUTINDO AS RELAÇÕES No século XXI,
cos e deixando de lado o âmbito informativo, relacionamentos sem compromisso, sexo e
as discussões e até possíveis reformulações homossexualidade são realidades recorren-
de valores. “A instrução que a escola dá sobre tes no cotidiano. A grande oferta de informa-
comportamento sexual acaba sendo pautada ções, com o advento da internet, possibilita
pelos instintos do corpo docente. Se temos ao jovem buscar respostas para suas dúvi-
“A sexualidade é expressa uma aluna grávida, por exemplo, damos pa- das a respeito de relacionamentos. Por outro
lestras sobre o tema e abrimos debate com os lado, pais, filhos e diálogos sobre sexo pode
em pensamentos, alunos”, afirma Soraia. ser uma combinação assustadora. “No meu
fantasias, desejos, A família não costuma participar do pro-
cesso de educação sexual, devido ao cons-
caso, houve diálogo, porém, muitas vezes, os
pais têm uma rotina corrida e perdem etapas
crenças, atitudes, valores, trangimento que envolve o tema e a falta de do crescimento do filho, inclusive no desen-
naturalidade ao encará-lo. “Temos várias volvimento sexual”, comenta o estudante
atividades, práticas, regras influências, como a religiosa e os pudores. Philipe Biazzi, de 19 anos.
e relacionamentos. Cada Ainda somos fruto da educação de uma época A geração atual, além de buscar infor-
política de proibição total. Estamos agora ca- mações fora de casa, tende a confiar aos pais
cultura lida de um jeito” vando uma liberdade e devemos isso à Aids, suas curiosidades e dividir com eles as expe-
infelizmente e felizmente. O planeta todo riências. “Minha filha conversa abertamente
foi obrigado a falar de sexualidade, quebrar comigo, conta o que aconteceu na balada e
Marcelo Tonietti, doutor em Psicologia tabus e conversar”, explica Claudio Picazio. se ficou ou não ficou com alguém”, diz Maria

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 9


DANILO BRAGA
CHAPÉU

Relacionamentos liberais são do Carmo Santana. Já na família de Antônio


comuns entre adolescentes, Costa, pai de Guilherme e Felipe, 15 e 16 anos,
que fazem da discussão sobre sexualidade não é um assunto tão recorrente.
sexualidade um livro aberto “Eles falam muito pouco, fogem da conversa.
Já falei que além de pai, sou amigo, mas eles
têm vergonha de falar sobre sexo”, reclama.
Em tempos de relações fugazes, muitos
são adeptos das atitudes liberais e dos relacio-
namentos que surgem na balada. Ficar com
mais de uma pessoa em uma noite é comum
para certos adolescentes que fazem dessa prá-
tica uma diversão. “Vou à balada para ficar”,
assume Bárbara Rodrigues, estudante de 13
anos. Esse comportamento, no entanto, não é
uma regra. Há adolescentes que valorizam re-
lacionamentos sérios. “Não acho normal ficar
com várias meninas na mesma balada. Não
gosto. Sempre namorei”, declara o estudante
Luiz Guilherme Barella, de 15 anos.
Alguns se mostram mais conservadores.
“A pessoa tem que se sentir preparada, en-
contrar alguém em quem confie e a respeite.
E isso pode levar algum tempo”, diz Marcela
Campos, de 15 anos, sobre a primeira transa.
Já os meninos apresentam-se mais liberais. A
maioria entre 15 e 17 anos não é mais virgem,
uma vez que existe uma pressão social a ser
ultrapassada por eles, para afirmar a mas-
culinidade. “Rola uma cobrança, às vezes.
Se você tem 18 anos, por exemplo, e ainda é
virgem, pode ser zoado”, conta o estudante
Rafael Nunes, de 16 anos.
Apesar das divergências, muitos dos ado-
lescentes concordam que sexo é coisa séria
e deve ser feito com responsabilidade. “Eu
acho que tem que ser feito com consciência e
pelo menos um pouco de sentimento. A pes-
soa tem que querer e não agir por impulso ou
pressão”, acrescenta Rafael.
A homossexualidade é outro tema em
alta. O assunto é polêmico e traz disparidade
nas opiniões. “Não sou homofóbica, convivo
com gays e acho que se a pessoa tem tendên-
cia de estar com outra do mesmo sexo, deve-
mos respeitar. É uma opção de cada um”, diz
a dona de casa Lúcia Costa, de 43 anos. Já a
universitária, Jéssica Pellegrini, de 18 anos,
que é homossexual assumida, adverte que “é
comum que as pessoas mais velhas em geral

Marcos da sexualidade

Pré-História (2 milhões Idade Antiga (4000 a.C


a.C. a 4000 a.C) ao século 5 d.C)
O sexo não era mais visto Assim como a prostituição,
como instinto biológico. casais gays eram
Prova disso é que o erotismo socialmente aceitos na
já estava presente na arte. Grécia. Com o nascimento Idade Média (476 d.C a 1453 d.C)
Imagens pré-históricas do pensamento cristão O poder da Igreja Católica atinge o seu
retratam o sexo oral, a e o fortalecimento da apogeu, controlando a ideologia da época.
masturbação e mulheres Igreja Católica, o adultério, O sexo é visto como uma manifestação de
nuas, como a Vênus de a homossexualidade e o devassidão e a mulher era caracterizada como
Willendorf, idealização da incesto passam a ser vistos portadora do pecado. Surgem cintos de
figura feminina. como crimes castidade, que impediam as relações sexuais

10 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


tenham uma postura mais preconceituosa, conceito errôneo de que a homossexualidade
já que o casal gay quebra com os padrões da é uma opção”, comenta Claudio Picazio.
sociedade da sua época, em que uma mulher
deveria casar com um homem e ter filhos”. AMOR É UM, SEXO É DOIS Há tempos a fa-
mosa tríade rege os relacionamentos: amor,
MENINOS E MENINAS “Aos 15 anos, beijei casamento e sexo. Na Idade Média, as relações
uma garota”, conta Claudia Brocco, pedagoga sexuais eram consequência do matrimônio,
de 31 anos, lésbica assumida. Foi sua primei- já o amor poderia nunca existir. Com a ascen-
ra experiência homossexual, apesar de sem- são da burguesia, o afeto tornou-se ponto de
pre ter notado a predileção por meninas. Ela partida para a união conjugal e o sexo, fruto
conta que tinha um “namoradinho”, mas não da ligação emocional entre o casal. “Muita
perdeu o contato com a tal garota. Mantendo gente antigamente casava para transar. Ven-
ambas as relações, certo dia acabou conhe- dia-se o sexo em nome do amor quando as
cendo uma terceira pessoa, sua primeira pai- mulheres estabeleciam que só depois do ca-
xão: uma amiga de escola. Desde então, não samento transariam para que o homem, em
conseguiu mais disfarçar olhares e vontades troca, provesse a casa”, afirma Picazio.
e assumiu a homossexualidade aos 16 anos. Porém, a revolução sexual, que surgiu com
No Brasil, 4,9% das mulheres e 7,8% dos a pílula contraceptiva e o fortalecimento do
homens declaram-se homossexuais, segundo feminismo, trouxe a possibilidade do sexo vir
a pesquisa de 2008, organizada por Carmita primeiro, sem acarretar laços afetivos ou com-
Abdo, professora da USP. A psicoterapeuta He- promisso civil. “Sexo antes do casamento é
loisa Fleury explica que “hoje a homossexua- normal, mas sem exageros. Diferentemente de
lidade tem um grau de aceitação muito maior casais que namoram, transar com alguém por
na sociedade. Já é comum ver, num restauran- uma noite ou duas dá a impressão de que as
te, casais gays. Ficou mais evidente e natural”. pessoas são descartáveis”, afirma o estudante
A ONG Grupo de Pais de Homossexuais Vinícius Bento, de 19 anos.
(GPH), fundada por Edith Modesto, realiza As consequências da quebra de paradigmas
reuniões com pais de filhos gays e prova que não incluem somente a conquista de liberdades
é possível conversar a respeito. A intenção é sexuais. A dissolução dos elos entre amor, sexo
ajudar tanto os pais como os homossexuais. e casamento gera diferentes comportamentos,
Trabalhando há mais de 20 anos na ONG, algumas vezes moralistas, outras libertinos.
Edith percebe que a sociedade vem se alte- O promoter de baladas e micaretas, Guilher-
rando. “O quadro de valores muda, então a me Temperani, de 22 anos, acredita que sexo e
diversidade é cada vez mais respeitada”. amor quase não têm ligação. “Namoro é arroz e
Para explicar o novo comportamento, feijão. Tem que ter o dia da pizza, da picanha,
o doutor em psicologia pela USP, Marcelo do macarrão”, brinca, e ainda completa fazendo
Tonietti, ressalta que “hoje as formas de uma previsão: “Daqui a uns anos o povo estará
expressão da sexualidade são tão multifa- transando como hoje beija na boca”.
cetadas que emerge o questionamento de Heloísa Fleury, contudo, aponta que “a
modelos fixos”. Um exemplo é a construção
da orientação do desejo sexual, ou seja, do
tendência daqui para frente é o sexo ter mais
significado em si mesmo, ser mais espontâ- No Brasil, 4,9% das
vínculo emocional entre duas pessoas que
podem ser hétero, homo ou bissexuais.
neo. A sexualidade da atual geração vai variar
entre algo natural, para quem estiver mais
mulheres e 7,8% dos
É preciso observar, porém, que a aceita-
ção está longe de ser unânime. No contexto
preparado, e válvula de escape, para os que
têm problemas de relacionamento, culminan-
homens declaram-
escolar, por exemplo, os gays ainda enfren-
tam discriminação. “Podemos ver que o índi-
do em um ato descompromissado”.
A linha tênue entre o que faz parte dos valores
se homossexuais,
ce de rejeição ao colega é imenso; alguns pro- aceitos pela sociedade e o que é subversão oscila segundo uma
fessores acham absurdo. A maioria tem esse cada vez que são quebrados os paradigmas. Sobre
o futuro da sexualidade, façam suas apostas! pesquisa de 2008

Idade Contemporânea
(1789 até a atualidade)
Idade Moderna (1453 a 1789) A partir da segunda metade
Com o movimento renascentista, a Igreja do século XX, há a explosão
perde parte do poder. O sexo volta a ganhar da liberdade sexual. Marilyn
destaque, inclusive nas manifestações artísticas, Monroe se consagra como
através de pinturas e literatura erótica. símbolo de seu tempo.
Avanços científicos, como a descoberta das Nos anos 60, surge a pílula
doenças venéreas e a invenção da camisinha, anticoncepcional. Ao
revolucionam o conhecimento sobre sexo. mesmo tempo em que
Cresce o número de bordéis, inclusive para o Madonna surge na década
público homossexual. de 80 com músicas cheias
As discussões sobre a sexualidade são trazidas de insinuações sexuais, os
a público, sendo tema de debates nas escolas, primeiros casos de Aids são
nos hospitais e na política confirmados

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 11


REPRODUÇÃO
PRECONCEITO

A parada GLSBT, que serviria como


um protesto, acabou se tornando
apenas uma grande festa

Hostilidade depois do
armário
Mesmo em tempo de liberdade sexual,
a homofobia ainda faz parte do presente
REPORTAGEM ÍTALO FASSÍN (1o ano de Jornalismo) e PAULO LUTERO II (3o ano de Jornalismo)
COLABORAÇÃO FERNANDA PATROCÍNIO e LIDIA ZUIN (3o ano de Jornalismo)

ALGUMAS CRIANÇAS NUTREM uma estra- mado de “menininha”. Ou Maiara, também


nha tara por quebrar o braço e pedir que os universitária, que não se preocupa em andar
amigos na escola assinem o gesso. Não foi o de mãos dadas ou beijar sua namorada na
caso de Pierre Freitas. Afinal de contas, foram rua e acaba sendo alvo de ofensas machistas.
os colegas de sala que quebraram seu braço. Pierre Freitas, 22 anos, estudante e ati-
Já João – que não quis revelar o sobrenome – vista da Associação da Parada do Orgulho
não aguentava mais as brincadeiras com sua GLBT de São Paulo (APOGLBT), foi agredido
sexualidade, trocou de escola várias vezes. por colegas no colegial. Tudo começou com
Queria um pouco de paz e foi fazer intercâm- xingamentos, que se tornaram frequentes e
bio. Terminou na casa de um pastor e ganhou terminaram em um braço quebrado. Com a
mais um ano de silêncio. Se estivéssemos na desordem, a diretora convocou uma reunião
Idade Média, tudo isso poderia acontecer se de pais. O veredito? Pierre era o culpado. Os
eles fossem canhotos. No século XVIII, se fos- agressores não foram punidos. “Não movi
sem negros. Mas está acontecendo agora. E é um processo judicial porque não conhecia
porque eles são gays. Atendendo ao pedido os meus direitos”, conclui Pierre.
dos entrevistados, alguns sobrenomes estão O produtor teatral Sandro dos Santos, 47
em sigilo, para manter a privacidade das fon- anos, foi abordado por um policial enquanto
tes. Nenhum nome ou dado foi modificado. passeava no Largo do Arouche. “Ele pergun-
Se a homossexualidade ainda é um tabu, tou se eu estava procurando macho. Res-
a responsável tem nome: homofobia. Formado pondi que não precisava esperar nenhum
por dois radicais, “homo” e “fobia”, o termo macho porque o meu já estava em casa me
significa literalmente “medo do igual”, mas esperando”. Foi o suficiente para que o poli-
passou a ser utilizado para designar a aversão cial o agredisse com o cassetete.
por pessoas que sentem atração por outras do Já o dramaturgo Ricardo Aguieiras cos-
mesmo sexo e qualquer forma de preconcei- tuma ver vizinhos cuspindo por onde ele
to contra elas. “As bases do comportamento passa nas ruas de seu bairro, reduto tradi-
homofóbico são emocionais e irracionais”, cional de judeus na cidade. Ricardo se tor-
afirma o psicólogo Júlio Nascimento, expli- nou militante, em 1978, do extinto Grupo de
cando que o preconceito pode surgir ainda na Afirmação Homossexual SOMOS, fundado na-
infância, caso haja contato com um conceito quele mesmo ano pelo escritor e jornalista José
degenerado do que seria um homossexual. Silvério Trevisan. Um dos problemas hoje, se-
gundo Ricardo, é a perda total de autonomia do
O PRECONCEITO Homofobia não é sinôni- Movimento GLBT, cooptado por partidos polí-
mo de apanhar: é a omissão do Estado na ticos. “É um movimento ávido por aceitação e,
garantia de direitos a homossexuais, a repre- nessa busca ansiosa, faz pactos com quem não
sentação pejorativa da mídia, as insinuações devia”, observa. O outro, é a falta de comuni-
escutadas nas ruas e o bullying nas escolas. cação do movimento com a grande maioria da
“Sempre me irritou o silêncio dos profes- população gay do país.
sores, como se o errado fosse eu”, comenta Entre os próprios gays existe preconcei-
João, universitário, que no ginásio era cha- to. É o que se pode chamar de “homofobia

12 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


YOLANDA MORETTO
Sandro dos Santos, 47, foi vítima de
agressão e ofensas por parte de policiais
no Largo do Arouche, no centro da cidade

praticada por homossexuais”, seja por o E OS DIREITOS? Ainda hoje, os gays estão tomado por um fundamentalismo religioso.
outro ser mais afeminado, masculinizado longe de terem os direitos à adoção e à união Os membros do nosso Poder Legislativo têm
ou de outra classe social. “Já fiquei com me- atendidos. A Constituição Federal do Brasil medo de ser rotulados de homossexuais e de
ninas mais masculinas, como já fiquei com não menciona os direitos de homossexuais. comprometer a sua reeleição”, aponta.
meninas mais femininas”, diz Maiara, que O que existe são avanços nos âmbitos esta-
concorda com João sobre a frequência do duais e municipais ou batalhas individuais SER HOMOSSEXUAL HOJE O modo de vida
preconceito entre gays e lésbicas. travadas com a Justiça. Sandro dos Santos contemporâneo, fruto da urbanização e do
passou pela experiência durante a adoção de fluxo de informações, faz com que as pessoas
UM MONSTRO “Não sou homofóbico, sou Vitor, em 1992. Sandro, que tem um namora- convivam com a diversidade em cidades cada
higiênico”, logo dispara o universitário, de do, não revelou sua homossexualidade à Jus- vez mais populosas. “Hoje está mais aberta à
19 anos, que prefere se identificar por T. Ele tiça e nem à assistente social. Não direta- questão da homossexualidade no convívio so-
considera natural a agressão física e verbal mente. “Foram à minha casa e viram a cama cial, o que acaba trazendo a violência à tona”,
aos homossexuais e diz que é livre para tal de casal. Perguntaram com quem eu morava diz Pierre.. Ele acredita que a mídia trabalha
violência. “Se falamos algo contra eles, já é e há quanto tempo nós morávamos juntos. no sentido oposto à diminuição do preconcei-
considerado um crime. Mais uma vez a liber- No fim, disseram: ‘Por nós, tudo bem, mas to, apresentando personagens gays caricatos.
dade de expressão, que é garantida pela de- você pode trocar a cama de casal por duas de A APOGLBT encaminha as vítimas de vio-
mocracia, vai para o lixo. Eu já bati em gays. solteiro?’”. Mudança essa para que os outros lência homofóbica aos advogados e órgãos pú-
Eles dizem que nós, que somos contra, temos assistentes sociais não implicassem com o blicos. Com menor frequência para o último,
algo de gay enrustido, preservado e guarda- fato de Sandro ser gay. “Posso até trocar, mas pois os agredidos costumam sofrer discrimi-
do. Não aceitam que não podemos simples- ninguém vai usar”, respondeu. nação dos próprios funcionários. Em caso de
mente não gostar”, explica. “Você é filho de bicha” é só uma das fra- humilhação, é aconselhado fazer um boletim
O estudante afirma ainda que sente asco ses com que Vitor convive no seu dia-a-dia. E de ocorrência direto na Delegacia de Crimes
em relação aos gays. “Acho que nojo e despre- como Sandro vai orientar seu filho sexual- Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).
zo são as palavras que mais definem isso. E mente? “Não vou”, ele afirma. “Se algum dia De acordo com a pesquisa feita pelo
ódio. É simples: existe o homem e a mulher ele quiser ser gay, eu vou adorar. Se ele for Grupo Gay da Bahia, no país, um homosse-
para procriar e carregar o nome da família. hétero, a culpa é dele, não é minha”, brinca. xual é morto a cada dois dias. Um projeto
O que os homossexuais fazem? Eles se dro- Algumas leis abrangem superficialmente de lei de união civil homoafetiva, da então
gam, espalham doenças – afinal, a maioria direitos homoafetivos. São elas: a Lei Maria da deputada Marta Suplicy, está no Congresso
tem HIV e outras doenças escrotas. E são tra- Penha e a lei do direito à pensão previdenci- há quinze anos. Mais recentemente, o Proje-
tados como especiais. Melhores que os héte- ária. A primeira trata do combate à violência to de Lei 122 tem gerado polêmica ao tentar
ros. Eles trazem vergonha e dor às famílias. doméstica e não se refere especificamente à criminalizar a homofobia, tramitando no Se-
E ainda há leis para protegê-los”, argumenta. homossexualidade, mas conceitua a família nado há quatro anos. “Uma experiência emo-
A homofobia é uma violência silenciosa, como uma unidade de afeto independente da cionalmente intensa e positiva com o objeto
ainda presente na sociedade contemporânea. orientação sexual. A outra permite a extensão do seu preconceito” – esta é a dica de Júlio
Gestos, comentários e piadas em relação à do direito de pensão previdenciária ao com- Nascimento para o fim da homofobia. A vio-
sexualidade alheia são exemplos da latência panheiro do mesmo sexo. “O pontapé inicial lência e a omissão provam que a intolerância
do preconceito. Quem comete tais atos está está sendo dado pelo Judiciário”, conta a ad- é a principal barreira a ser contornada para
passível de processo penal por humilhação vogada Maria Berenice Dias, especializada em que o Brasil deixe de ser o país que mais mata
pública, calúnia e difamação. Direito Homoafetivo. “Nosso Legislativo está homossexuais no mundo.

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 13


PERFIL

LAYS USHIROBIRA

Fátima, na barra onde


ensina pole dance

14 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


Discutindo a relação com
Fátima Mourah
Aos 49 anos, a personal sex trainer Fátima Mourah
fala sobre sexualidade, orgasmo e a profissão
REPORTAGEM ALINE MAGALHÃES (3o ano de Jornalismo)

NÃO EXISTE FÓRMULA para o amor, certo? Há ainda quem procure as aulas em virtu- namorávamos há oito anos. Com todo esse
Errado! Ao menos para Fátima Mourah, a má- de do modismo lançado pelas novelas. Fátima tempo, se não fizermos nada de diferente,
xima está longe de ser verdadeira, tanto que conta que a televisão tem um potencial muito cairemos na rotina”, revela Giselle.
se profissionalizou em desmistificar a arte grande no imaginário sexual das pessoas. As Fátima é categórica: “a mente é o maior
de seduzir. Há mais de uma década, ela tra- aulas de pole dance, por exemplo, estouraram órgão sexual”. Ela diz que a falta de orgas-
balha como personal sex trainer. Sua tarefa é graças à novela global “Duas Caras”, na qual mo entre as mulheres está mais relacionada
fornecer um verdadeiro treinamento sexual e a personagem Alzira, interpretada por Flávia ao quadro psicológico que com mau desem-
sentimental para os clientes. Alessandra, praticava a dança. penho do parceiro. “Quem tem esse tipo de
Sorridente e bem maquiada, Fátima ensi- Em média, as aulas mensais custam entre problema deve, antes de tudo, procurar um
na movimentos de pole dance às alunas, num cem e duzentos reais. Entretanto, o preço médico. Se não for nada clínico, trabalho o
sex shop localizado em Santo André, no ABC pode variar e há até quem faça verdadeiras lado emocional. A mulher precisa estar fami-
Paulista. Os passos são impecáveis e segu- extravagâncias por uma consulta. Ela lembra liarizada com o corpo, saber o que gosta, o
ros, frutos de 30 anos trabalhando como co- que uma cliente de Santos, no litoral paulista, que a incomoda e o que está sendo feito para
reógrafa. Ela fica atenta aos movimentos das fez questão de que Fátima estivesse presen- melhorar”, aconselha. Ela ainda frisa a impor-
aprendizes. “Meninas, sintam a música. É pre- te na despedida de solteira de uma amiga. A tância do diálogo na relação. “O casal tem de
ciso colocar além da técnica, a alma”. agenda estava apertada e disse que só pode- conversar para saber o que cada um gosta”.
Na década de 1990, a mãe de uma aluna ria atendê-la na madrugada. “Sem problemas.
pediu que montasse uma coreografia para Vou mandar um helicóptero para te buscar”, PESSOAL Fátima sofre da Síndrome de Bur-
strip tease, a fim de comemorar o aniversário disse a cliente. “Pensei que ela estava brin- nout, ou Síndrome do Esgotamento Profis-
de casamento. O sucesso foi tão grande que cando, mas mandou mesmo. Eu não aceitei sional, que se caracteriza por fadiga física
logo ela passou a lecionar, na própria acade- porque o tempo estava horrível para voar. Fui e mental, cuja origem está relacionada ao
mia, o curso “Strip tease, a arte da sedução”. com motorista, em um carro luxuoso, com trabalho. Ainda assim, ela tem energia para
Foi nesta época que começou a carreira como toda assistência que você imaginar”, revela. manter o casamento com o empresário Ar-
personal sex trainer. thur Oliveira. Quando está muito cansada
Desde então, a moradora da Vila Olímpia DESCOMPLICANDO A RELAÇÃO Seduzir, para uma relação sexual convencional, ela dá
tem estudado a sexualidade e comportamen- para a sex trainer é tarefa simples e natural. prazer ao marido, masturbando-o.
to humano. Escreveu os livros Sexo para mu- Mas adverte que é preciso ter alguns cuidados O casal se conheceu na academia. Fátima
lheres casadas e Sexo, amor e sedução; apre- na hora H. “A mulher que nunca fez nada para é dez anos mais velha que Arthur, caracte-
sentou o A gente precisa conversar na rádio o marido não pode chegar vestida de enfer- rística atraente para o empresário, que nutre
Nativa FM; foi colaboradora do “Boa de Cama”, meira, fazendo caras e bocas, em pleno final atração por mulheres mais velhas. Ele, por
exibido pelo canal a cabo Sexy Hot e partici- de campeonato de futebol. Aí ele vai cair na sua vez, ostentava um corpo malhado, para
pa de programas populares como Superpop e risada mesmo. Tem de haver uma mudança a alegria da personal. Arthur estava suado e
Ratinho. Ela ainda dá aulas de striptease, pole gradual”, recomenda. “Aliás, a sensualidade Fátima segurava uma toalha. “Me enxuga?”,
dance, ministra workshops e presta consulto- que eu ensino não tem nada a ver com botar o perguntou ele. Do convite, surgiu um sólido
ria personalizada. dedinho na boca. Sensual é trocar aquela lin- relacionamento de doze anos.
gerie bege horrorosa por algo mais atraente, Além de dançarina, Fátima foi também
SENSUALIDADE “Meu objetivo é fazer com é sentir-se à vontade e feliz com seu corpo”. modelo. “Sempre fui muito cortejada, sem-
que as mulheres despertem a energia femi- “Fá, vou completar dois anos de casada pre me senti um mulherão”, revela. Ela diz
nina que existe nelas. E isso não tem nada hoje e ainda não bolei nada. Me ajuda?”, per- nunca ter sofrido preconceito por ser per-
a ver com vulgaridade”, explica. As clientes gunta Giselle Muller, aluna da sex trainer. De sonal sex trainer. “A mídia sempre mostrou
a procuram por diferentes motivos. “Muitas imediato, Fátima resolve o problema. “Já ten- meu trabalho de uma maneira muita séria.
desejam melhorar o relacionamento com o tou usar a cadeira? [em referência a um passo Recebo convites e cantadas, mas qual mulher
parceiro, mas também há aquelas que que- de pole dance que faz uso do objeto] Você pode não recebe? Nunca aconteceu nada de desres-
rem resgatar a feminilidade que acaba sendo fazer dessa maneira”, exemplifica. A gerente peitoso”, destaca.
deixada de lado por conta do cotidiano da de recursos humanos, de 28 anos, procurou Fátima está tentando amenizar a jornada
mulher moderna”, conta. “A auto valorização os serviços da personal para apimentar a lua de trabalho, que não é fixa e inclui viagens
é ótima, porque a mulher deve se amar, sen- de mel. “Não parei mais, desde então. Faço por todo o Brasil. Prestes a completar 50 anos
tir que ela também pode ser sexy dentro de todos os cursos e hoje, inclusive, é meu ma- e mãe de um casal de filhos de 22 e 17 anos, se
um terninho. É algo que ela não leva só para a rido quem patrocina. A nossa relação melho- aposentar está fora de cogitação por enquan-
cama, é algo para a vida”, defende. rou muito, até porque antes de nos casarmos, to. “Me encontrei nesse trabalho”, conclui.

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 15


VIRGINDADE

sobremesa
REFINADA
Ainda um tabu entre os jovens, a virgindade pode ser motivo de orgulho ou
vergonha. Mas uma coisa é certa: a conversa nunca esteve tão quente na sociedade
REPORTAGEM CAMILA BAOS, GABRIELA CAPO e RAFAEL ROJAS (1o ano de Jornalismo) BRUNO PODOLSKI e LUANA FAGUNDES (2o ano de Jornalismo) THAÍS LIMA (3o ano de Jornalismo)
IMAGENS GABRIELA CAPO (1o ano de Jornalismo)

“TODO MUNDO ACHA a primeira vez mais anos, como líder. Ele convive diariamente do as filhas menstruaram, coincidentemen-
preciosa. Tudo é diferente: novo. Mas depois com jovens cheios de dúvidas sobre família, te, no mesmo ano. A ginecologista Albertina
você acostuma, ‘desencana’ desse assunto”, religião, profissão – e, claro, sexo. Segundo afirma que a maioria das mães escolhe essa
resume Lívia da Silva, de 16 anos. A primeira a doutrina da igreja, a pessoa deve esperar fase para falar sobre sexo porque a mens-
relação sexual ainda é idealizada por garo- por um companheiro estável para estabele- truação simboliza a passagem da infância
tos e garotas. Mas, com os sonhos, também cer uma relação íntima. para a adolescência.
vêm dúvidas e contradições sobre o assunto. A ginecologista Albertina Takiuti afir- Na Igreja Batista da Água Branca,
Para Albertina Takiuti, ginecologista ma que não há evidências científicas que há quem já tenha transado. Apesar da visão
e coordenadora do Programa de Saúde do comprovem problemas físicos ou psicológi- conservadora sobre o assunto, a IBAB não
Adolescente do Estado de São Paulo, a nova cos para quem opta por se manter virgem condena os que já fizeram sexo e nem deixa
mentalidade da sociedade reflete nas mu- ou interromper a vida sexual por algum de acolhê-los, mas destaca a escolha de um
danças de concepção a respeito da virgin- tempo. Mas reconhece que seguir tal “estilo único parceiro. “Se você é maduro para es-
dade. “Se no passado sabíamos que a virgin- de vida” é uma tarefa difícil. “Vivemos uma colher com quem transar, é maduro para
dade era, para as mulheres, uma moeda de situação de fiscalização: o virgem por opção escolher que quer passar a vida toda com
troca, de valorização, sabemos que o ques- passa a ser fora do esperado”, comenta. aquela pessoa”, afirma Fabrício.
tionamento, hoje, ocorre num momento em As irmãs Lívia e Heloísa pensam que é
que a atividade sexual está fazendo parte do DISCUSSÃO Na Igreja Batista são passadas preciso amor para que ocorra o sexo, mas
início dos relacionamentos”, destaca. recomendações e não doutrinas aos jovens. não acham que deve ser feito somente de-
Porém, há grupos que defendem a casti- Júlia, de 25 anos, frequenta a igreja há 10 pois do casamento. “Você tem que aprovei-
dade. “Sexo é igual nitroglicerina. Ele pode e afirma: “Nenhum adolescente gosta de tar antes de casar, porque depois, tem mais
impulsionar um relacionamento, mas, se ouvir ‘não’ e nem de deixar algo que lhe responsabilidades com o marido. Você é
não lidarmos corretamente com isso, pode dá prazer. Para muitos, não há sentido em dele, digamos. Se você é solteira, normal,
‘explodir’ na mão de quem o pratica, geran- não fazer sexo nesse momento da vida”. Ela tem que aproveitar”, comenta Heloísa.
do consequências negativas” afirma Reinal- nota certa timidez das garotas quando se
do Júnior, 25 anos, estudante de Teologia. trata de sexo. “Hoje não há tanta diferença MÍDIA E SEXO Uma das maneiras de Sandra
Vindo de uma família evangélica, ele assim, mas os homens brincam e falam do orientar as filhas é pelo conteúdo de seria-
frequenta a Igreja Batista da Água Branca assunto com amigos desde cedo. O que não dos e novelas. Quando aparece algo com
(IBAB) há 3 anos. O estudante recorda uma ocorre tão naturalmente com as meninas”. conteúdo sexual, ela puxa assunto e inicia
metáfora que o pastor titular da IBAB, Ed Na casa de Lívia, entretanto, a discussão uma discussão. “Quando mostram muita
René Kivitz, cita: o sexo é como um pudim sobre sexualidade sempre esteve presente. coisa ou até mesmo fazem a gravidez na
de leite condensado. “Como toda boa sobre- Ela e a irmã, a estudante Heloísa da Silva, de adolescência ser algo bonitinho não acho
mesa, deve ser deixado para depois do almo- 13 anos, tiram as dúvidas com a mãe Sandra legal” e completa dizendo que “a mídia tem
ço. E o almoço é o casamento – com tudo o da Silva, de 48 anos, assistente social. “Elas que ter cuidado para tratar do assunto. Se
que ele acarreta”, enfatiza Reinaldo. se sentem à vontade para perguntar e me for educativo, ótimo. Mas se ela trata de
Ironicamente próxima a motéis, a igreja coloco à vontade também”, afirma. Sandra uma outra forma...”.
possui o pastor Fabrício dos Santos, de 32 relata que começou a tocar no assunto quan- O pastor Fabrício concorda que a mídia

16 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


GABRIELA CAPO
influencia as pessoas, ditando padrões de com Deus, na pureza e santidade do corpo. Reinaldo Júnior compara o sexo à
beleza e comportamento – inclusive, pa- “O uso da aliança faz parte do 434. É a uti- nitroglicerina: deve-se ter muito cuidado
drões sexuais, como a virgindade. Isso cria lização de algo material para reforçar sua para lidar. Já o pastor Fabrício pensa
conflitos entre o que se aprende na Bíblia finalidade religiosa e evitar a fragilização que as relações sexuais precisam ser
e o que se vê na televisão. Por isso, é tão do pensamento.”, afirma Paulo de Castro, acompanhadas pela maturidade do casal
comum encontrar jovens com dilemas se- organizador do grupo de adolescentes na
xuais na igreja. “É habitual casais adolescen- Igreja Batista do Curuçá, em Santo André.
tes, frequentadores da IBAB, me procurarem Membro do grupo, Filipe Simas confes-
com dúvidas sobre sexo. Será que devem sa que há um grande esforço para manter a
transar? Eu digo que não. Se eles estão me castidade, mas crê que Deus o recompen-
perguntando, significa que não estão total- sará. “A influência do mundo e da própria
mente seguros dessa decisão”, afirma ele. Igreja existe; todos são humanos e sentem
vontade de ter relações, mas a ideia há de
NOSSO ANEL DE CASTIDADE “A vontade de ser mais forte”, acredita.
Deus é que vivam consagrados a Ele, que se Poucos são os que namoram pessoas
afastem da libertinagem, que cada um saiba externas à Igreja, pois entre os conhecidos
usar o próprio corpo na santidade e no res- do grupo há maior similaridade de ideias.
peito”. A citação da Primeira Carta aos Tessa- “Dificilmente tenho contato com garotos
lonicenses da Bíblia dá base ao movimento que não seguem a filosofia de abstinência
Atitude 434. Original do Ceará, a manifesta- e virgindade, por ser mais complicado”, diz “Sexo é como um
pudim de leite
ção se espalhou pelo Nordeste e influencia Larissa, de 15 anos.
jovens de igrejas na Grande São Paulo. Para Albertina Takiuti, os jovens procu-
Eles seguem a filosofia do projeto Silver
Ring Thing, criada nos EUA em 1996 pelos
ram essas doutrinas pois necessitam trocar
as figuras em que se espelham. Se na infân- condensado. Como
pastores Denny e Amy Pattyn, como uma
resposta ao alto número de adolescentes
cia quem assumia tal função eram os pais,
agora são as celebridades ou até mesmo o
toda boa sobremesa,
grávidas no Estado do Arizona. Ao redor
do mundo, eles já organizaram 700 conven-
amigo mais próximo. “Costumo dizer que
quanto mais ampla for a rede de amigos,
deve ser deixado para
ções, atingindo mais de 440.000 jovens. Os
membros mais famosos do Silver Ring são
maior é a teia que ele constrói. Acho perigo-
so quando há apenas um modelo. A chance
depois do almoço. E o
os integrantes da banda pop Jonas Brothers. de se decepcionar é maior”, afirma. almoço é o casamento”
Assim como o movimento norte-ameri- Sobre o símbolo do anel, Albertina tam-
cano, o Atitude 434 tem sua maior represen- bém é categórica. “Eu diria aos pais que não
tação no uso de uma aliança por parte dos
seguidores, a qual faz referência ao matri-
fiquem tão tranquilos, pois não é um anel
que vai substituir o pensamento. O anel não
Reinaldo Júnior, 25 anos,
mônio, representando um relacionamento basta, tem de ser uma atitude”, reforça. estudante de Teologia

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 17


?
SEXO SEGURO

Que

AIDS é essa
A banalização do sexo sem preservativo, as histórias dos portadores que enfrentam
o preconceito. E os avanços do tratamento de uma doença sem cura
REPORTAGEM SUELLEN FONTOURA (1º ano de Jornalismo) e CAIO CANAVIEIRA (2º ano de Jornalismo)

“ELES QUERIAM QUE eu fosse um HIVzi- do, vai ficando vivo”. Vinte anos passaram
nho tacanho, que não se impõe. Nunca me desde o diagnóstico e a esperança no futu-
viram magro e até perguntavam: ‘Que Aids ro passou a fazer parte de sua rotina. Ele
é essa?’”. Os amigos e familiares de Fabia- planeja adquirir independência financeira
no Gomes, 46, mostravam-se surpresos e encontrar uma parceira “Eu me considero
diante de sua condição. Soropositivo há 20 feliz, tenho sonhos”, diz Gomes. Hoje, ele
anos, ele próprio não imaginava que viveria não tem problema nenhum em divulgar o
tanto. Logo no início da entrevista, na Casa nome e mostrar o rosto. Seu objetivo é ali-
de Apoio Brenda Lee, o cearense sorri e diz: mentar uma nova visão sobre a Aids. “As
“Já sei, vocês querem saber como eu con- pessoas têm ainda a ideia de que uma pes-
traío HIV?”. Ele conta que três meses após soa com HIV está acabada, decrépita, com o
conhecer sua parceira, foram morar juntos. pé na cova. Um soropositivo pode ter pele,
Em uma tarde, ela ligou desesperada e o in- membros e corpo perfeitos”, explica.
formou que seu ex-marido tinha morrido
de Aids. Os dois fizeram o exame, e o resul- DROGAS E HIV O uso de drogas pode es-
tado, HIV positivo, transformou a vida do tar relacionado com a infecção pelo HIV,
ex-vendedor de enciclopédias. “Meu mundo em virtude do uso de seringas e dos efei- “As pessoas têm ainda
caiu. Ficamos um ano sem fazer sexo, com tos colaterais dos entorpecentes. “A pessoa
medo. A gente se achava sujo”, confessa. quando se alcooliza ou se droga perde a a ideia de que uma
pessoa com HIV está
Mesmo de maneira sutil, alguns familia- noção de segurança e não se previne”, ex-
res e amigos tinham reações preconceituo- plica Carmem Kobayashi, assistente social
sas. Os irmãos dele não queriam aceitar a
doença e até hoje não entendem. Na última
do ambulatório do Centro de Referência e
Treinamento sobre DST e Aids há dez anos. acabada, decrépita,
visita à Fortaleza, em março, Fabiano perce-
beu o medo que os irmãos ainda sentiam.
A dona de casa Deise Aparecida, 41
anos, aprendeu a enfrentar a droga e a
com o pé na cova. Um
“Depois que saía do banheiro, eles pegavam
um litro de cândida e limpavam tudo. Sepa-
doença. Em 1997, na época com 28 anos,
Deise tinha um emprego no setor jurídico
soropositivo pode ter
ravam talheres, pratos e copos”, revela. Sua
luta diária é contra a intolerância. “O pre-
das Casas Bahia, estava noiva, com a casa
comprada e mobiliada. No final do mesmo
pele, membros e corpo
conceito mata mais do que a doença e para ano, ela avistou um rapaz em um ônibus e perfeitos.”
enfrentá-lo você tem que ter humor, inteli- imediatamente se apaixonou. Desistiu do
gência e foco”, enumera. noivado para casar-se com o desconhecido
A previsão de um ano de vida, feita pelo
próprio Fabiano, não se cumpriu: “O tempo
e por influência dele passou a usar drogas.
“Não conhecia nada de droga. Entrei direto
Fabiano Gomes, portador do
passa e você percebe que não vai morren- na cocaína, depois me envolvi com o crack. vírus há 20 anos

18 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


“Eu pensei: ‘como que uma pessoa sozinha,
SAIBA MAIS SOBRE ALGUNS
viciada, drogada, doente poderia criar um filho?’” TIPOS DE DST

Veja nos folhetos abaixo quais são os hábitos


Deise, portadora do vírus há 12 anos que podem te proteger ou expor ao HIV.

REPRODUÇÃO
Eu tinha curiosidade, fui e provei”, recorda. Para Kobayashi, a primeira relação se-
O marido sabia que era HIV positivo e xual feminina e o sexo anal, sem preserva-
mesmo assim não contou a ela. Deise desco- tivo, tem maiores chances de adquirir HIV,
briu que estava contaminada três anos de- pois há maiores riscos de entrar em contato
pois. “Foi chocante quando descobri. Me en- com o sangue contaminado. Os casos em
volvi mais ainda com as drogas e tentei me idosos tem aumentado. “Nesta faixa etária
matar. Você para, esquece a família. Perdi as pessoas não tem o hábito de usar preser-
tudo: respeito, confiança, dignidade. Vendi vativo”, esclareceu a infectologista Renata
duas casas para comprar droga, cheguei a Dell’Agnolo.
ficar quinze dias acordada, sem comer, só Um fator positivo foi a diminuição da
me drogando”, confessa. Em 2004 o casal se contaminação vertical (de mãe para filho).
separou e, seis meses depois, Deise soube “Com todos os cuidados na gestação, existe
que o ex-marido havia morrido. “Morreu na uma chance menor que 2% da criança adqui-
rua, no chão, tuberculoso”, conta. rir o HIV”, ressalta a assistente social.
Ela tinha receio de contaminar outras
pessoas. “Se eu cortava o dedo, não fazia COMPORTAMENTO Apesar da educação
mais comida. Tinha o meu copo, meus ta- sexual e preventiva, muitos parceiros não
lheres, meu prato. Usava só aqueles. Eu utilizam o preservativo ou o usam apenas
tinha preconceito comigo mesma. Hoje, não nos primeiros meses. Kobayashi diz que
tenho vergonha da doença, mas tenho medo as pessoas são preconceituosas, mas que
da discriminação e do preconceito”. elas mesmas não se cuidam. “O HIV não
Em janeiro de 2005 sua vida se transfor- tem cara, às vezes nem a própria pessoa
mou novamente. “Descobri que estava grávi- sabe que é portadora”. E completa: “inclusi-
da. Pesava menos de 40 quilos com o filho na ve casais em que ambos são portadores de
barriga. Na época, eu vivia só para a droga”. O HIV devem usar preservativo, pois existem
pai da criança, mais jovem que ela e também vírus diferentes e a mistura de dois tipos
soropositivo, não quis assumir o bebê. “Eu pode fazer com que o paciente que antes
pensei: ‘como uma pessoa sozinha, viciada reagia ao tratamento passe a não reagir. É
e doente poderia criar um filho?’”, indagou. a dupla contaminação”. Segundo a infecto-
“Foi um milagre que fez com que eu desistis- logista, para cada caso diagnosticado, exis-
se da possibilidade de suicídio ou aborto. Fiz tem aproximadamente outros dois que não
o pré-natal e parei de usar drogas”, relata a sabem seu estado sorológico.

REPRODUÇÃO
dona de casa. O filho, hoje com quatro anos, Dados de 2009, divulgados pelo Minis-
é HIV negativo. tério da Saúde apontam um aumento de jo-
Deise também falou sobre os efeitos co- vens portadores, com uma proporção de 10
laterais que a medicação provoca no organis- mulheres para cada 8 homens. A explicação
mo. “Os remédios são fortes. Você fica com para a taxa elevada se deve principalmente
estômago pesado e mal-estar. Há oito meses às relações sexuais sem compromisso. R.M.,
eu tinha abandonado tudo, mas peguei os re- 21 anos, universitário, explicou por que se
médios de volta e recomecei. Tenho que viver relaciona sem preservativo. “Na hora a gen-
pelo meu filho, ele precisa de mim; é nele que te nem pensa: já pegou várias e chega um
busco força todo o dia.” Hoje, ela mora com momento que você quer transar e, se apare-
o filho e o atual esposo, que é HIV negativo. ce a oportunidade, vai como dá. Sem contar
“Eu me considero uma pessoa feliz, porque que é menos incômodo”, declara.
Deus me deu um milagre: meu filho”, afirma. B.P., de 19, anos também analisa suas
relações sem preservativo “Foi pelo calor
DEFINIÇÃO/DADOS A Aids é o estágio do momento. Mas se pudesse teria feito com
avançado do vírus HIV, sigla em inglês que, camisinha, porque não dava pra saber se ele
significa Vírus da Imunodeficiência Huma- tinha alguma doença. E logo, veio o medo de
na. Caracteriza-se por atacar as células de engravidar”, desabafa.
defesa do organismo e enfraquecer o in-
divíduo, tornando-o suscetível às doenças TRATAMENTO Segundo o relatório da
oportunistas, como a tuberculose e a pneu- UNAIDS, órgão das Nações Unidas de com-
monia, que levam o paciente à morte. bate à doença, a terapia com antirretroviral
Uma pessoa pode ter o HIV e não mani- aumentou de 7%, em 2003, para 42%, em
festar sintomas: o chamado soropositivo. No 2008. A Secretaria da Saúde oferece um
Brasil, a doença chegou em 1982 e segundo serviço de aconselhamento: o Disque DST e
o Ministério da Saúde, até junho de 2009, AIDS. “Quem liga são aquelas pessoas que
houve cerca de 545.000 casos de HIV com estão com a carga do dia anterior, às vezes,
217.091 mortes. até do mesmo dia. Transaram e a camisinha

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 19


SUELLEM FONTOURA

Deise Aparecida e Fabiano Gomes:


apesar dos avanços, o retrato da
doença no país ainda é crítico

estourou ou nem usaram o preservativo”, por homossexuais e travestis, o que gerava


afirma a enfermeira responsável pelo aten- um enorme preconceito. E esse foi o convi-
dimento do Disque, Evanil Marques. te para o engajamento da atual presidente,
Os antirretrovirais dificultam a multi- membro do conselho administrativo e vo-
plicação do HIV. Junto de um diagnóstico luntária, Maria Luisa Martins. “A maioria
precoce, reduzem as chances de transmis- não tem documentos, nem o apoio de famí-
são, pois células de defesa do corpo são pre- lia nem de amigos e convive com a depen-
servadas e o início dos sintomas é adiado. dência química, que é o maior problema nas
Contudo, o tratamento deve ser mantido casas de apoio”, explica.
por toda a vida. A Aids hoje é considerada A presidente comenta: “Infelizmente
uma doença crônica, ou seja, os remédios você ainda ouve este tipo de coisa: ‘eu pe-
não eliminam o vírus, mas o controlam. “A guei e agora vou passar pra muita gente’ ou
melhora do tratamento faz com que as pes- ‘eu peguei HIV, mas foi por amor. Ele que-
soas diminuam o cuidado com a prevenção”, ria uma prova do meu sentimento e eu fiz
opina a infectologista. A lipodistrofia – má lo- isso não usando camisinha’”. Ela enfatiza:
calização de gordura no corpo –, diarréia, al- “O apoio aos portadores é uma luta diária”.
terações emocionais e até necrose de quadril Mais de trinta anos se passaram desde o
são alguns dos efeitos que tornam a questão primeiro caso de Aids descoberto, e o com-
social do paciente mais complexa. “Eu não portamento de risco continua com o pensa-
falo que eu tenho HIV, mas meu corpo fala”, mento de prazer instantâneo e com a pres-
simula a assistente social Kobayashi. são e satisfação do sexo sem preservativo.
Segundo a UNAIDS o vírus HIV, mesmo com
CASAS DE APOIO Instituições sociais tam- todos os tratamentos, ainda mata, por ano,
bém podem ajudar com roupas, alimentos aproximadamente, 2 milhões de pessoas
e medicamentos. Como a casa Brenda Lee, no mundo. A assistente social Carmen Ko-
que ajuda portadores há 26 anos. No come- bayashi resume: “É uma questão de escolha:
ço da epidemia, o público era caracterizado assumir riscos ou não”.

SAIBA MAIS SOBRE ALGUNS TIPOS DE DST

Hepatite B HPV (Papiloma Virus Humano) Sífilis


Hepatite significa inflamação do fígado, o vírus do tipo A doença caracteriza-se pelo surgimento de verrugas Entre a segunda e terceira semana após a infecção, surgem
HBV é o causador da chamada hepatite B. Esta pode parecidas com uma couve-flor, nos órgãos genitais. feridas e caroços que não coçam, não ardem, não doem nem
evoluir e adquirir um perfil crônico, nesses casos com- Pode ou não provocar o aparecimento de câncer, prin- apresentam pus, e que depois de um tempo desaparecem
plicações podem ocorrer como cirrose e câncer de cipalmente no colo do útero. A contaminação pelo sozinhos. Na segunda fase, até seis meses após a contamina-
fígado. Os sintomas na maioria das vezes não apare- HPV é comum. O vírus é transmitido pelo contato com ção, podem surgir manchas por todo corpo. Após meses ou
cem, quando presentes podem ser semelhantes a uma a pele contaminada, mesmo que esta não apresente anos estacionada, passa a causar complicações como paralisia,
gripe forte (cansaço, tontura, enjôo, febre), dor na re- lesões visíveis, pelo compartilhamento de objetos de doença cerebral, cegueira, problemas cardíacos e, em caso de
gião do fígado, olhos amarelados, urina escura e fezes uso pessoal e pelo sexo sem preservativo. O homem gravidez, aborto, deficiências físicas ou mentais no bebê. No
brancas. Existe vacina, administrada em três doses e normalmente não manifesta a doença, porém é capaz estágio final é impossível reverter os danos causados ao orga-
disponibilizada, para menores de 20 anos, gratuita- de transmiti-la. Existe vacina para os tipos mais comuns nismo, podendo inclusive levar à morte. Não existe vacina, a
mente pelo SUS. e também para os tipos mais perigosos do vírus. prevenção está relacionada ao uso do preservativo.

20 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


MEDICINA

a compulsão do desejo
Descubra quais são os sintomas que caracterizam a dependência REPORTAGEM NATHÁLIA HENRIQUE e
sexual, uma doença crônica e pouca conhecida VITOR VALENCIO (2o ano de Jornalismo)

O GOLFISTA TIGER WOODS, os atores Mi- tamento sexual. Tal excerto serviu de base
chael Douglas e Pamela Anderson, além dos para Sigmund Freud desenvolver hipóteses
personagens Austin Powers e Samantha sobre sexualidade infantil, bissexualismo
Jones do seriado americano Sex and the City. e o complexo de Édipo. Ainda hoje há dúvi-
Estes são alguns nomes famosos da nossa das sobre o enquadramento ou não da com-
cultura que são viciados em sexo. O que soa pulsão sexual como doença. “A visão mais
como diversão para uns, pode ser, na ver- aceita entre os especialistas é a de que este
dade, um transtorno silencioso e fatal. “A é um transtorno do controle dos impulsos”,
compulsão se manifesta de acordo com o esclarece Scanavino. Um método desenvolvi- Os sete critérios utilizados para
passado do indivíduo e é desencadeada por do pelo psiquiatra americano Aviel Goldman diagnosticar a dependência
recorrência de abuso ou exposição a situa- avalia o comportamento dos pacientes afim
ções eróticas na infância”, explica o psiquia- de identificar padrões que caracterizem a O método desenvolvido pelo psiquiatra
tra Marco Scanavino. Especialista do Ambu- dependência sexual. (Veja o quadro) Aviel Goldman baseia-se no comportamento
latório de Pacientes com Compulsão Sexual Felizmente há tratamento para este de- do indivíduo nos últimos doze meses. A
do Hospital das Clínicas de São Paulo, ele sequilíbrio. O Projeto Sexualidade, conhe- ocorrência de três dos itens abaixo classifica o
ainda afirma que a adolescência ou a desco- cido por ProSex, funciona no Instituto de paciente como compulsivo sexual.
berta da sexualidade de cada indivíduo são Psiquiatria do HC. O médico Scanavino diz
os períodos mais recorrentes dos primeiros que “inicialmente, o tratamento consiste em • Tolerância ao sexo, aumentando a frequência
sinais do transtorno. consultas individuais com psicoterapeuta. e intensidade.
O diagnóstico e o reconhecimento da Após ser diagnosticado, o paciente passa
disfunção dificultam-se, pois o dependente por uma fase de implantação de medicação • Ansiedade, irritação e inquietude em períodos
não consegue discernir o limite entre o de- a fim de diminuir a libido. No nível mais curtos de abstinência.
sejo e a compulsão sexual. “Normalmente, o avançado, ele começa a participar da psi-
comportamento de pessoas com disfunção coterapia em grupo, dividida em dezesseis • Vida coletiva prejudicada devido ao gasto de
sexual é linear, ou seja, tem o mesmo tipo de sessões, que podem durar de quatro a cinco tempo excessivo com a prática sexual.
conduta baseada no extremismo”, esclarece meses”. Como não há clínicas especializa-
o médico. O constrangimento da situação e das em compulsão sexual, o tratamento em • Desistência de atividades sociais,
a crença na falha de caráter do viciado difi- grupo é visto como a alternativa mais efi- ocupacionais ou recreativas.
cultam a avaliação. “Há quem justifique a caz. O acompanhamento é constante e exige
compulsão pelo prazer e pela libertinagem”, atenção integral do paciente e do profissio- • Tentativas mal sucedidas de redução ou
diz Scanavino. nal, pois o distúrbio não tem cura. controle do desejo.
Desde a Antiguidade existem relatos de No cérebro do dependente o sistema moti-
comportamento sexual incomum. No entan- vacional e de recompensa é comprometido, o • Prejuízo na vida social, isolamento, perda de
to, somente no século XIX os desvios sexuais que prejudica a liberação de dopamina – subs- amigos e laços familiares.
tornaram-se assunto da medicina. O neurolo- tância responsável pela sensação de prazer.
gista alemão Richard von Krafft-Ebing (1840- Em momentos de medo, insegurança ou ten- • Continuidade da atividade sexual, apesar
1902), autor de Psychopathia Sexualis, desen- são, o viciado recorre ao sexo para uma des- de apresentar problemas sociais, financeiros,
volveu os conceitos de sadismo, masoquismo carga súbita de prazer. Quando o efeito passa, psicológicos ou físicos: este é o grau mais
e fetichismo em um estudo sobre compor- os medos voltam ainda mais intensos. elevado do transtorno.

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 21


IMPOTÊNCIA

REPRODUÇÃO
Conhecido como “diamante azul”, o
Viagra representa um risco para os
jovens que optam pelo consumo para
se livrar das inseguranças na cama

A pílula da discórdia
Criados para auxiliar A IMPOTÊNCIA SEXUAL ou disfunção erétil
tem transformado homens em vítimas. Pes-
sas psicológicas, orgânicas – ou ambas. No
caso de adolescentes, por exemplo, ela pode
os que sofrem de quisas revelam que 152 milhões deles en-
frentam dificuldades para obter ou manter
estar associada principalmente à inseguran-
ça com a própria sexualidade. “Eu já havia fa-

disfunção erétil, ereções adequadamente. Uma preocupação


que pode aparecer em idosos e está se tor-
lhado antes e tinha medo de que acontecesse
mais uma vez, então tomei o Viagra. Acontece

estimulantes são nando cada vez mais comum entre jovens


que, como solução, têm feito uso de remédios
que, no momento, eu não me concentrei e bro-
chei outra vez”, diz L. R, 21 anos.
de estímulo sexual. Para eles, o medicamento Usar apenas estimulante não é garan-
também utilizados é uma maneira de garantir o sucesso durante tia de um bom desempenho: é preciso que
uma relação. “Eu simplesmente queria pro- o usuário também esteja em condições de
por jovens saudáveis porcionar uma diversão a mais no aniversá- praticar o sexo. “Se um jovem toma o remé-
rio da minha namorada. Achei que o Viagra dio, ele até pode ter uma melhora, porque
seria interessante, porque eu conseguiria ele acreditou que ia ajudar. A mente faz com
transar diversas vezes”, afirma N.D., 20 anos. que ele fique com uma ereção melhor. Como
Conhecidos pela eficiência, os estimu- ele se sente confiante, acredita em si e se
lantes movimentam o mercado farmacêuti- envolve melhor”, constata o urologista.
co, apesar do alto custo (cerca de 50 reais por Para o psicólogo e terapeuta sexual do
comprimido). No Brasil estão disponíveis Instituto H. Ellis, Eduardo Yabusaki, a maior
quatro variantes: Ciális (laboratório Lilly), liberdade sexual conquistada pela mulher
Levitra (Bayer), Helleva (Cristália) e, o mais é um dos motivos para tamanho medo de
famoso, Viagra (Pfizer). “Todas essas drogas falhar. “É complicado para o homem dizer
têm mais ou menos o mesmo mecanismo de ‘não’ quando a mulher quer sexo. Ele tem
ação e são muito eficientes: cada uma com que estar sempre disposto, mesmo quando
sua característica farmacológica um pouco não há condições do dia-a-dia que permi-
diferente, o que faz o médico optar por uma tam”, aponta. Yabusaki também indica que
ou por outra”, diz João Abdo, mestre em a iniciação e a própria vida sexual de um
urologia pela Unifesp e membro titular da jovem pode ser uma questão inquietante.
Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). “Hoje, o sexo está muito sem vínculo, com-
REPORTAGEM ANNA BEATRIZ POUZA e GABRIEL promisso e nem envolvimento. Isso, lógico,
MEDEIROS (1º ano de jornalismo); PEDRO SAMORA (2º ano O QUE LEVA AO USO De acordo com Abdo, a não facilita a relação. Pelo contrário, dificul-
de jornalismo) e BRUNA STUPPIELLO (3º ano de Jornalismo) disfunção erétil pode estar relacionada a cau- ta muito”, esclarece.

22 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


REPRODUÇÃO
“É complicado para o homem dizer
‘não’ quando a mulher quer sexo.
Ele tem que estar sempre disposto,
mesmo quando não há condições do
dia a dia que permitam”
Eduardo Yabusaki, psicólogo

A compra de medicamentos sem recomendação


médica é fácil: as drogas são disponibilizadas na
internet e no mercado negro por cerca de 50 reais

Tais obstáculos levam ao chamado “uso Outro ponto é que, de acordo com as leis mente absorvido que o remédio, que, nesse
recreativo”, no qual a ingestão dos medica- brasileiras, os medicamentos de estímulo caso, não vai ter tanto efeito. Além disso, o
mentos se torna uma constante. Esta forma de sexual só podem ser adquiridos mediante álcool, em pequenas doses, é estimulante;
consumo preocupa, pois, segundo Yabusaki, prescrição médica. Contudo, são poucos os em altas doses, causa depressão. Faz per-
já existe um grau de dependência para a pes- locais que cumprem esta exigência e a venda der o apetite sexual e, consequentemente, a
soa se achar capaz de se relacionar, o que é de- costuma ser indiscriminada. “Nunca foi ne- ereção”, explica Abdo. Mesmo assim, muitos
sastroso. “Se o jovem se depara com uma situ- cessário o uso de atestado médico. Inclusive, jovens insistem no consumo. “Já usei Via-
ação em que não vai se medicar, ele vai para a os vendedores brincam na hora de vender o gra, Ciális e Levitra. Em todas essas vezes,
relação extremamente angustiado ou prefere estimulante, por verem que quem está com- inclusive, eu estava sob efeito do álcool”,
nem mais ir. O remédio acaba exercendo um prando é um jovem”, afirma E.D., 18 anos. assume E.D.
papel importantíssimo no estado emocional Arnaldo Cividanes, urologista pós-gra-
dele, ou seja, ele não está mais sozinho: é ele AS CONSEQUÊNCIAS DO USO Os efeitos duado pela Unifesp e também membro da
e o medicamento”, observa o psicólogo. colaterais associados não se mostram tão SBU, ressalta que, apesar de incomum, há
Não é comum que a parceira seja informa- nocivos. Por serem hipotensores, os esti- um problema grave que pode advir da utili-
da sobre o uso de estimulantes. Para Yaku- mulantes são capazes de provocar queda de zação de estimulantes sexuais: o priapismo,
saki, quando a mulher descobre, o primeiro pressão, o que acarreta leve tontura, dor de ereção prolongada que persiste apesar da
pensamento é de que ela não seja desejada, o cabeça e congestão nasal. Como também são ejaculação. Esse quadro, contudo, somente
que não está necessariamente de acordo com vasodilatadores, há a possibilidade de ocor- ocorre por uma complicação prévia do in-
a realidade. Para que o medicamento funcio- rer certas reações cutâneas: vermelhidão, ca- divíduo e que pode ser potencializada pelo
ne, é preciso que haja atração. “Quando con- lor nas bochechas e orelhas. Pode haver, ain- consumo. “Se a rigidez peniana se mantiver
tei para minha namorada, ela disse que não da, dores musculares e estomacais. Tudo, no por mais de quatro horas, o caso deve ser
precisávamos daquilo, porém eu tomei e não entanto, geralmente muito leve e contorná- tratado como emergência urológica”, alerta
houve reclamação”, relata N. D. vel, de acordo com Abdo. “Eu normalmente o especialista.
sinto que o Viagra deixa o corpo bem quente, Quando a discussão se concentra em
A COMPRA DOS ESTIMULANTES O preço literalmente: as orelhas, o peito, tudo”, relata julgar o desempenho do Viagra e seus seme-
médio dos estimulantes é de R$50,00 por E.D. Entretanto, os efeitos podem diferir. No lhantes, é um consenso entre os profissionais
comprimido, portanto, o próprio custo im- caso de L.R., ele perdeu a sensibilidade du- a opinião de que eles facilitam a vida dos
plica que seus consumidores possuam bom rante a relação. “Era difícil manter o pênis homens. “É importante frisar que os medi-
nível econômico. “Até mesmo o jovem que ‘em pé’, porque eu não sentia nada”, conta. camentos são ótimos e que trouxeram uma
tem condições de comprar o medicamento Já a combinação entre Viagra e álcool série de benefícios para a vivência da sexua-
terá um gasto muito alto, caso queira usá-lo não é fatal, mas negativa. “Existe uma con- lidade. A minha ressalva é que eles precisam
com frequência”, comenta Yabusaki. corrência de absorção: o álcool é mais facil- ser bem utilizados”, conclui Yabusaki.

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 23


ORGASMO

Prazer
que vem de dentro
Sangue correndo pelo corpo, sensação de euforia crescente, respiração
ofegante, batimentos cardíacos acelerados. Saiba mais sobre o orgasmo

REPORTAGEM DANYLO MARTINS (1o ano de Jornalismo), LUIZA GIOVANCARLI e RHAISSA BITTAR (2º ano de Jornalismo);
MARIA GIULIA PINHEIRO (3o ano de Jornalismo)

“É MENOS COMPLICADO do que nós ima- corpo. Sinto todo o meu corpo contrair bem
ginamos, mas é preciso tirar todas as mi- rápido. Dura pouco, mas é uma sensação que
nhocas da cabeça. Eu já tinha gozado com não tem como descrever. Não tem igual, é bom
o toque de um parceiro, mas nunca havia demais”, relata a radialista G., 22.
conseguido sentir prazer na penetração. E Na mulher, o processo é mais lento e gra-
com ele eu senti. Percebi que estávamos ali dual. “Entra-se no estado de perda de con-
pra dar prazer um pro outro. Consegui re- trole muscular voluntário e as mãos, pés e
laxar e me entregar. Gozei.” A professora C. rosto podem se mexer sozinhos. A região
B., 32, conta entusiasmada sobre a primeira perineal (canal vaginal) também apresen-
vez que teve um orgasmo com o publicitário ta contrações involuntárias e os mamilos
D. B., 31, seu marido há oito anos. ficam enrijecidos”, define a ginecologista e
O orgasmo é um processo sensitivo ca- obstetra Maria Silvia Coronado. “Lembro-
racterizado por intenso prazer físico e con- me bem da primeira vez que eu senti. Uma
trolado pelo sistema nervoso autônomo. Os sensação que foi crescendo aos poucos.
órgãos sexuais possuem diversos nervos Imagens de paisagens iam surgindo na
que enviam informações ao cérebro sobre minha cabeça até que um prazer absurdo
o que está sendo sentido. As sensações va- me domou e foi como se eu tivesse me unido
riam dependendo do local em que a pessoa a algo maior, ao mundo todo”, suspira L. S.,
está sendo tocada e duram, geralmente, 26, dentista.
poucos segundos. Ainda há certo tabu sobre o orgasmo
No corpo masculino, o orgasmo está re- feminino, mas os avanços contra o precon-
lacionado diretamente ao processo de eja- ceito sobre o tema são notáveis. O casal de
culação. Para o urologista João Afif Abdo, aposentados R.P., 76, e I.P., 82, encontraram
membro titular da Sociedade Brasileira de
Urologia (SBU), são dois fenômenos diferen-
um ao outro após 30 anos viúvos e perce-
bem nitidamente a mudança na liberdade
“Sinto todo o meu
tes, mas que se ligam intimamente. “A ejacu-
lação é de natureza física no qual você emite
da busca pelo prazer. “Foi no meu segun-
do casamento que me dei conta do que
corpo contrair bem
uma substância, o esperma, para o exterior. era aquele amor escrito por Jorge Amado. rápido. Dura pouco,
Já o orgasmo, por sua vez, é sensitivo, no Antes, não acreditava que o amor podia ser
qual você tem o prazer máximo”, completa. daquele jeito, aquela paixão que chega a dar mas é uma sensação
O orgasmo no homem ocorre simulta- febre e aquela entrega ao companheiro.”, de-
neamente ao processo ejaculatório – con- clara R.P. Ela faz questão de passar adiante que não tem como
trações sucessivas e rápidas da vesícula se-
minal, liberando o esperma. Abdo explica
o que aprendeu. “Eu falo para a minha neta,
‘quando a gente ama, faz do ato uma coisa descrever. Não tem
que essa é a fase mais intensa do ciclo de
resposta sexual masculino.
sublime’. Temos que ter liberdade pra sentir
esse prazer e não, ‘ah, isso é pecado’”.
igual, é bom demais”
“É o ponto máximo do clímax, na ativida- Para ser alcançado, o orgasmo tem al-
de sexual do homem”, afirma. “É uma sensa- gumas exigências: calma, entrega e concen-
ção que vem de ‘lá’ e se espalha para o resto do tração. Varia muito de pessoa para pessoa, G., 22 anos

24 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


GUILHERME BURGOS
“Entra-se no estado de perda de
controle muscular voluntário e as mãos,
pés e rosto podem se mexer sozinhos”

de casal para casal. “O mais complicado é


relaxar e se permitir sentir prazer. Se você
começa a pensar no silêncio, nas gorduri-
nhas que estão sobrando, nas caretas que
está fazendo... xiii! Já era!”, desabafa C.B.

DIFICULDADES Nem todos conseguem sen-


tir plenamente o orgasmo. Além das dificul-
dades circunstanciais para atingi-lo, existem
alguns bloqueios fisiológicos que retardam
ou até mesmo impedem o processo. É o caso
da anorgasmia e também da dispareunia,
como define Abdo. “Os distúrbios do orgas-
mo são dois. Primeiramente, temos a ausên-
cia do orgasmo, que é chamada de anorgas-
mia. Ocorre quando o indivíduo não ejacula
e, consequentemente, não tem o orgasmo.
E temos também a dispareunia, que é a dor
sentida durante o ato sexual”, completa.
No homem, há problemas relacionados
aos fenômenos ejaculatórios. A chamada
ejaculação precoce caracteriza-se pela falta
de controle. “Cerca de 25% dos homens no
mundo sofrem com o problema, o que deixa
o indivíduo mais retraído e com medo de ter
uma relação, porque ele não vai conseguir
satisfazer a parceira. Em casos extremos,
isso pode inibir o orgasmo”, ressalta Abdo.
A ejaculação retardada, outro distúrbio
masculino, ocorre quando há demora para
ejacular, fazendo com que o indivíduo não
sinta orgasmo. O homem tem a ereção, mas REPRODUÇÃO
não a ejaculação.
Quanto aos distúrbios que atingem às
mulheres, o mais comum é o hímen imper- ZONAS ERÓGENAS
furado. “Ocorre quando a membrana [do
hímen] é toda perfurada e não se rompe, A excitação sexual não provem apenas dos
causando dor durante a relação sexual. É órgãos genitais. Outras partes do corpo são
facilmente resolvido com cirurgia”, explica também bastante sensíveis ao toque e devem
Maria Silvia Garcia. ser exploradas
Outro incômodo sentido pela mulher é
o vaginismo. Neste caso, ocorre uma con- Na mulher: No Homem:
tração involuntária da musculatura vaginal Orelhas Olhos
que impede ou dificulta a penetração. Geral- Língua Canto da boca
mente, os motivos do problema não são fi- Nuca Pescoço
siológicos e sim psicológicos, como relações Costas Dedos das mãos
afetivas conturbadas, problemas profissio- Palma da mão Mamilos
nais ou qualquer preocupação. Auréola Abdome
O conselho do publicitário D.B. para atin- Barriga Virilha
gir o orgasmo é “muito carinho e muita entre- Parte interna da coxa Glande
ga”. Não existe uma fórmula para chegar “lá”, Dedos dos pés Glúteos
mas o importante é procurar o prazer, sem Clitóris Pés
medo. E, claro, tentar provocá-lo a alguém.

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 25


SWING

O limite é a
privacidade
Tudo pode acontecer numa casa de swing, desde que fique por lá

REPORTAGEM ROBERTA VILELA (1o ano de Jornalismo); ISABELLA LUBRANO e VITOR VALENCIO (2o ano de Jornalismo)
ALESSANDRO JODAR (3o ano de Jornalismo)

VITOR VALENCIO
VULGARIDADE, DIVERSÃO OU PRAZER.
Muitas são as opiniões sobre as casas de
swing. Famosas por promoverem trocas de
casais e permitirem o envolvimento sexu-
al casual e descompromissado, estes locais
ainda aguçam a curiosidade das pessoas. No
banheiro de uma dessas casas, sob o nome
fictício de Diego, o funcionário de 25 anos
logo avisa que o estabelecimento é o lugar
certo para quem quer “ver muita mulher pe-
lada”. Para preservar a identidade dos entre-
vistados, todos os nomes que aparecem ao
longo da reportagem são de cunho ficcional.
As casas de swing muitas vezes ficam
conhecidas como “baladas liberais”. Em
São Paulo, esses estabelecimentos adotam
o termo como um eufemismo contra o in-
cômodo do rótulo. “Escolhemos esse nome,
mas vocês podem chamar de casa de swing
sem problema nenhum”, declara Denise, ge-
rente da Vogue Club, localizada em Moema.
Na verdade, os dois nomes funcionam como
marketing: de “suingueiros” os fregueses são
elevados à condição de “liberais” – são pou-
cos os que assumem frequentar tais clubes.
Edson, que mora em Guarulhos, prefere
ir às casas de swing paulistanas. “Vai que eu
encontro algum conhecido... Quero preser-
var a imagem da minha esposa”, preocupa-
se. Ele, inclusive, conta que já chegou a en-
contrar um colega de trabalho durante uma
noite. O constrangimento de ambos só se
resolveu quando ele chegou a conclusão de
que era melhor relaxar, afinal “se ele está me
vendo aqui, eu também estou vendo ele”. Pois
é, pouca coisa está mais cercada por um ar de
clandestinidade do que o swing. Mas, pen-
Discreta, a balada protege a intimidade dos frequentadores sando bem, isto também faz parte do fetiche.

26 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


PELAS MADRUGADAS Existem muitas op- vizinhos. A quem prefere sexo grupal, são
ções nas noites da capital. No site www.por- oferecidas salas maiores com sofás de couro
taldoswing.com.br, são listadas pelo menos e camas redondas.
15 casas, a maioria situada no Brooklin e Apesar de tantos atrativos, o principal
Moema. As programações variam de acordo ambiente procurado pelos suingueiros são
com o dia da semana, dando direito a te- as salas onde apenas casais podem entrar.
mas como “noite do bi-feminino”, em que as São elas que fazem jus às casas de swing,
relações triplas envolvendo duas mulheres já que é onde acontece a troca de casais.
e um homem são estimuladas e “noite da Na Vogue Club, os cômodos são escuros – a
cigana”, que conta com a decoração e fanta- única iluminação vem do teto e da TV de
sias do tema. O ponto em comum entre es- plasma que exibe filmes eróticos. No centro,
ses clubes é que todos permitem a fantasia há uma cama redonda com pouco mais de
de trocar de parceiro sexual, sem que isso três metros de diâmetro. Nas paredes, está
implique em adultério. anexado um sofá onde se sentam os mais
O público-alvo das casas de swing são tímidos, que se limitam a assistir ao desem-
casais entre 25 e 50 anos, os quais fazem penho sexual dos outros.
questão de estacionamento local, discrição Fora dali, garçons servem os clientes.
e elegância. As roupas masculinas variam Há três anos trabalhando na Vogue, Fernan-
da calça jeans aos blazeres, enquanto as do, 25 anos, conta que foi parar na casa por
mulheres preferem saias e vestidos. Quem indicação de um primo que fazia parte do
imagina figuras femininas voluptuosas, clube. “Na primeira noite, fiquei meio cho-
de lábios vermelhos e perfume inebriante, cado, mas logo me acostumei e estou aqui
acaba decepcionado. As frequentadoras pre- até hoje. É sempre uma loucura. A gente vê
ferem não chamar atenção. de tudo”, relata.
Logo na entrada, os clientes encontram Mesmo depois que a casa fecha, por volta
uma pista de dança. Na Vogue Club, havia das seis ou sete horas da manhã, ainda é
três pole dancings (canos de apoio para perfor- possível se surpreender. “Uma vez, as faxi-
mances e coreografias diversas) espalhados neiras encontraram uma dentadura no chão
entre um palco maior e outros dois menores de uma das cabines”, contou Denise. Mas
e circulares. As personagens variam em ob- este não é o problema: para a proprietária do
jetivo e gênero: homens e mulheres, strippers Vogue Club, as baladas liberais são lugares
e go-go boys escorregam ao ritmo da música. “onde tudo é permitido, mas nada obrigató-
É neste cenário que, conforme a madru- rio, desde que haja respeito e cumplicidade”.
gada avança, os recatados fregueses se trans- As regras são poucas: é proibida a entrada
formam em suingueiros. As clientes mais de celulares, câmeras fotográficas e garotas
animadas, vez ou outra, sobem nos poles e de programa.
despem-se irreverentemente. Os espectado-
res não se limitam à visão, mas experimen- SOB O DISFARCE DE UM HOTEL Outra
tam o toque e insistem aos gritos: “gostosa!”, casa, o Clube GA10, fica numa rua sem saí-
“linda”, “tira, tira!”. Diego se sente orgulhoso da, deserta e sem iluminação, no bairro do
com a agitação. “Mais tarde, aqui na pista, Bom Retiro, no centro de São Paulo. Frente
o pessoal vai ficando mais louco e aí, meu ao sobrado vermelho, em cuja fachada ve-
amigo, rola o diabo”, comenta. lha está escrito “HOTEL”, dorme o porteiro
O estudante Roberto, de 19 anos, ga- sentado num banquinho. Ali, casal entra
rante que já presenciou grandes momentos por 70 reais, preço considerado baixo ten-
em casas de swing. Em 2009, ele ganhou de do em vista a média paulistana. Através de
presente dos amigos um convite para en- uma porta, onde se lê “diretoria”, há um cor-
trar na Code Club, balada liberal que fica no redor que leva os clientes à festa.
Brooklin. “Foi muito engraçado. Em cima do Cheia, a casa apresenta um perfil diferen-
bar, tinha uma ‘mina’ dançando com os pei- te dos suingueiros da Vogue Club: a maioria
tos de fora. Depois me disseram que ela não das pessoas tinha mais de 40 anos e alguns
era uma stripper contratada, era uma estu- aparentam passar dos 60. Os casais se reve-
dante”, conta divertindo-se. A festa em ques- zavam entre uma área destinada à sociali-
tão foi organizada por alunos de uma tradi- zação e o labirinto, onde realmente o swing
cional faculdade de economia de São Paulo. acontecia. O ambiente de convivência reser-
Homens de farda policial, bombeiros vava uma minissauna, piscina, churrasquei-
e oficiais da SWAT entre outras fantasias ra, máquina de chope e um pequeno bufê “Olha, faz 23 anos que
também fazem parte de uma balada liberal. com petiscos – azeitonas, pão francês, sala-
Os dançarinos puxam as mulheres para si, me e maionese. Ali é o primeiro lugar com eu conheço o Jaime e
tiram as próprias roupas e também ofere-
cem ajuda, caso a cliente deseje o mesmo.
que os clientes têm contato. “Viu só, gente?
É só um barzinho comum, nada demais”, nunca comi a mulher
Na pista, os frequentadores se sentem li-
vres para o sexo, mas há outros ambientes
disse Jaime, gerente e anfitrião do estabele-
cimento. Ele indica que “o passo mais difícil
dele, nem ele comeu a
a serem desvendados. O chamado “labirin-
to”, que é um complexo de corredores es-
é entrar na casa, depois é tudo mais natural”.
Afirmando que o lugar é uma “reunião de
minha. Quem disse que
curos, convidam os “liberais” a realizarem
suas fantasias. Neles, encontram-se cabines
amigos”, o gerente aborda um homem: “Olha,
faz 23 anos que eu o conheço e nunca comi a
casa de swing é só para
privativas, para sexo a dois, e também cabi- mulher dele, nem ele comeu a minha. Quem ficar se comendo? É
nes de toque, em que buracos nas paredes disse que casa de swing é só para ficar se comen-
permitem o tocar o corpo dos “hóspedes” do? É lugar de fazer amizade!”. A aproximação lugar de fazer amizade!”
ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 27
PETRUS LEE
OS LOCAIS
Vogue Club
(sábados) – Av. dos Carinás, 562, Moema.
Casais: 69,90 (até 0h) / Mulheres: Grátis
Homens: 220,00 (Consumo incluso)

Clube Ga10
(sábados) – Rua Francisco Borges, 126, Bom
Retiro.
Casais: 70,00 / Mulheres: 20,00 / Homens: 150,00
(Consumo incluso)

Nefertiti
(sextas) – Rua Texas, 235, Brooklin.
Casais: 90,00 / Mulheres: 30,00 / Homens: 300,00
(Não incluso consumo)

Marrakesh
(sábado) – Al. dos Arapanés, 1.237, Moema.
Casais: 80,00 / Mulheres: 40,00 / Homens: 200,00
(Não incluso consumo)

Regras básicas das casas de swing

É proibida a entrada de menores de 18 anos


É proibida a entrada de qualquer tipo de
profissional do sexo
Clientes estão sujeitos a expulsão se tiverem
conduta considerada inconveniente
Há dias específicos para a entrada de pessoas
desacompanhadas
Portal do Swing: lista de casas e outras diversões para esquentar a noite A maioria das casas exige traje esporte fino

é simples: uma piada ou um comentário sobre A sala mais disputada nessa casa tam- pouco antes de contar o caso de um senhor
si, muita conversa, para só depois, quem sabe, bém é a da troca de casais. Ao som baixo de baixinho que, acompanhado da esposa, dei-
ver se não “rola um swing”. “Jesus Cristo”, de Roberto Carlos, um casal xava a casa lá pelas duas horas da manhã.
Luciana e Sandro, namorados há nove de cerca de sessenta anos de idade protago- Era a primeira vez do casal e, por isso,
anos e frequentadores assíduos de casas de niza uma cena de exibição sexual. Ela, uma marido e mulher preferiram não participar
swing, consideram outros clubes mais pesa- distinta senhora de cabelos brancos e blusa do swing – o que não quer dizer que eles
dos. “Na Marrakesh, você entra no quarto de florida, faz sexo oral num senhor, que man- não aproveitaram a experiência. “Não fize-
swing e seu pé nem encosta no chão. A galera tém pendurado no pescoço o par de óculos mos nada, mas a gente viu cada coisa que já
já vai te pegando”, comenta Sandro. para vista cansada. Enquanto isso, outras fica em pé [excitado]! Aí quando chega em
No labirinto, por outro lado, a conversa pessoas assistem à cena, parando de vez em casa, até quebra a cama!”, disse o senhor.
não é o mais importante. Quem se aventura quando para se masturbar ou também fazer Encabulada, a senhora deu-lhe um tapinha
por ali pode encontrar partes do corpo de sexo oral no companheiro. na nuca e sorriu.
anônimos dispostas em orifícios nas pare- Naquela mesma noite, um pouco antes
des, os chamados glory holes – braços, mãos ORGASMOS A RODO “KY e vaselina você e não muito longe dali, um casal subia as
e o que mais couber. “Aqui sempre entra al- encontra a rodo no fim das festas”, comenta escadas rumo aos quartos privativos do se-
guma coisa pelo buraco”, brinca Jaime. As uma das responsáveis pela higiene do local, gundo andar. “Calma, que eu estou com a
pessoas não se olham muito nos olhos, mas, que admite não gostar de limpar a casa aos perna bamba!”, reclamou a mulher obesa
ainda assim, a sensação permanente é de domingos, quando há um grande churrasco para o parceiro. Diante da insistência do
estar sendo avaliado. Tanto é que, momen- à luz do dia. A empolgação da festa acaba companheiro em apressá-la, ela se explicou:
tos depois, vem uma apalpada nas nádegas, “esquentando” a piscina os cômodos do clu- “Você pensa que é fácil, é? Pensa que é fácil
dada por sabe lá quem – a penumbra do la- be. “Cada quarto esbaforido, com um monte ficar de quatro?”. Não havia mesmo dúvidas
birinto dificulta a identificação e auxilia a de homem e mulher em cima da cama, que de que, naquela casa de swing, os casais se
extroversão dos mais tímidos. a gente entra. Deus me livre!”, riu a mulher sentiam à vontade.

28 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


DIVULGAÇÃO

SEX SHOP
TEXTO MARIA ZELADA LIDYANNE AQUINO (2º ano de Jornalismo)
ANA JÚLIA CASTILHO e MARIANA FERRARI (3º ano de Jornalismo)

A curiosidade é a principal motivação para a


chegada de novos clientes. Comerciantes abusam
da criatividade para montar suas vitrines Caetano do Sul, a maioria dos frequentadores é composta por mulheres

Fantasia
de 20 a 40 anos, que vêm acompanhadas de amigas. “A primeira vez que
eu entrei em um sex shop foi por curiosidade e vi uns brinquedinhos”,
conta a estudante Melissa Rodrigues, de 22 anos, que acabou voltando
para buscar as bolinhas de óleo que, ao serem colocadas na vagina,
explodem. “Nossa, são muito boas”, completa.

à venda
O receio de ser descoberto comprando num sex shop faz com que
muitos clientes paguem suas compras à vista, para que não fique
nenhum rastro de sua passagem por este tipo de lojinha. Assim, uma
tendência em algumas empresas é a entrega dos produtos a domicí+lio,
de forma a adaptar o sex shop ao cliente. “Nós queremos ser uma
loja diferente. Como a maioria destes estabelecimentos tem cabine,
vamos construir um café dentro da boutique”, relata Elisandra Grana,
vendedora da Erotika Sex Shop, na Consolação. A loja já foi palco
Entre 10 e 850 reais: criatividade e de histórias inusitadas. “Uma vez, um senhor de 86 anos levou um
masturbador. Pensei: ‘Nossa, tá subindo ainda?’. Mas, na segunda visita,
erotismo para todos os bolsos ele queria uma massagem erótica. Falei que era uma vendedora e não
fazia”, comenta.

Vibradores, bonecas infláveis, algemas e chicotes. Um universo de Ainda segundo vendedores do Emporium Sex, preço não parece ser
desejos condensados entre quatro paredes. Apesar de existirem desde a problema. Um vibrador pode variar de 70 a 850 reais, dependendo da
década de 1960, os sex shops ainda são vistos como lojas que vendem marca e da textura. Aliás, é o produto mais vendido na loja tanto para
apenas artigos pornográficos ou direcionados para prostitutas – o que é homens, quanto para mulheres. Há ainda uma novidade no mercado
puro preconceito. O intuito dos objetos oferecidos é promover prazer de que vem atraindo muitos compradores: um vibrador que funciona com
uma forma divertida – como o sexo deve ser. controle remoto e que custa 400 reais. Os famosos bonecos infláveis
também não saem baratinho: com entrada de boca e ânus e um pênis
Em geral vendem-se os itens mais conhecidos: camisinhas de diferentes de borracha acoplado, o boneco inflável masculino Big John pode ser
tipos, sabores e tamanhos a preços acessíveis (dificilmente um pacote levado para casa por 500 reais.
com três itens sai por mais de 10 reais), DVDs, fantasias e lingeries
eróticas, acessórios e jogos para mais de uma pessoa, como os famosos No entanto, a grande novidade no mercado do sexo é o curso de
dadinhos com ações e posições sexuais. Alguns sex shops também pole dance. Febre recente em vários motéis, a dança no pilar atiça a
comercializam livros ficcionais e de auto-ajuda envolvendo temas da curiosidade de muitas pessoas. A partir desta tendência, alguns sex
sexualidade, óleos comestíveis com sabor de caipirinha, canudos em shops promovem aulas aos seus clientes. No Emporium Sex, ela é única
formato de pênis ou cartões eróticos. e semestral, com duração de três horas, para homens e mulheres e custa
300 reais. “Precisa ter certo cuidado, um equilíbrio, mas ao mesmo tempo
Há quem use a boa e velha desculpa da curiosidade para entrar numa mexer com a criatividade do cliente”, comenta Valéria Chagas, vendedora
dessas lojas. Segundo representantes do Emporium Sex Shop, de São da seção de sex shop da Loja Gall Moda Íntima. E haja criatividade!

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 29


VIOLÊNCIA

30 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


ADAM JONES

Inocência
interrompida
O abuso sexual infantil é um dos crimes mais recorrentes no país.
Instituições diversas lutam para amenizar o problema

REPORTAGEM LUCAS MENEGALE e RENATA ZANQUETTA (1o ano de Jornalismo)


LAURA HAUSER e MAÍRA ROMAN (2o ano de Jornalismo)

NO BRASIL, A CADA 15 segundos uma comum em cidades do litoral, e principal- alguém, diz ter sido abusada sem que isso
criança é abusada sexualmente. Este dado mente na época de festas como o Carnaval, necessariamente tenha acontecido. A linha
levantado pela Associação de Jovens Maka- por conta da permissividade que é prega- que separa o fato da possibilidade do ato é
nudos de Javeh, entidade que combate esse da pela sociedade nesse período”, conta. tênue e cabe ao Conselho apurar a veracida-
crime no país, revela uma violência que cres- Segundo ela, o pedófilo pode ser descrito de da denúncia. Caso confirmada, o menor
ce cada vez mais. “Quanto mais gente der a como sendo uma pessoa que faz parte do é encaminhado à justiça e, se apresentar in-
‘cara a tapa’, mais rápido a gente acaba com círculo doméstico da criança. “É alguém que dícios físicos de abuso, é levado a hospitais
esta história”, afirma Tiago Torres, presi- gosta de frequentar festas infantis, clubes, que trabalham especificamente com estes
dente e fundador da instituição paulistana. e, ocasionalmente, levá-las em casa. São ge- casos, como o Pérola Byington.
Dentre os 65 milhões de menores de ralmente introvertidos, muito compreensi- “A criança fica com vergonha. Ela acha
idade brasileiros, cerca de 975 mil sofreram vos e imersos no universo infantil”, destaca. que o problema é ela. Sente-se culpada”,
este tipo de violência. Os números foram No entanto, completa, há alguns pedófilos afirma Gonçalves. Aceitar a sexualidade na
divulgados pela ONG liderada por Torres e ocasionais, que encaram o ato como uma es- criança é muito complexo já que até o sécu-
pela Operação Blessing Brasil, e baseados em pécie de “aventura sexual”. Nesse caso, não lo XIX os jovens eram considerados anjos e
pesquisas feitas pela UNICEF (United Nations há como traçar um perfil detalhado. retratados como tal. Com Freud e a psicaná-
Children’s Fund), além de informações ofi- lise esses mitos começaram a se dissolver.
ciais do Ministério da Justiça. Os dados não TABUS E PRECONCEITOS “É um tema que Mas ainda assim chegamos ao século XXI
são absolutos e a falta de denúncias faz com não é de hoje. Era muito comum ter relatos na cheios de tabus e preconceitos. Cabe, então,
que o conhecimento dos casos seja parcial. própria família, em que a avó, bisavó casou ao homem contemporâneo debater tal pro-
“Há muitos focos em que este tipo de com 14 anos”, diz o líder da Childhood. Gon- blema e erradicá-lo.
abuso pode estar infiltrado. No turismo, por çalves ainda destaca que existe algo de bastan-
exemplo, nas vias rodoviárias, nas obras em te cultural na violência sexual infantil. Em al-
municípios e nas escolas”, lista Itamar Ba- gumas comunidades é considerado plausível
tista Gonçalves, coordenador sênior da ONG que a filha tenha a primeira relação sexual
Childhood, que foi fundada no Brasil pela com o pai. Segundo ele, a frase comum nesses
rainha Sílvia, da Suécia. Ele enfatiza que é casos é: “A filha é minha e eu que vou iniciar”.
preciso trabalhar de forma coletiva para As crianças costumavam ser tratadas
combater tal violência. como objetos: eram de alguém, normalmente
dos pais. É muito difícil mudar essa mentali-
FOCO Os grandes focos do abuso infantil dade para que as pessoas enxerguem jovens
concentram-se nas regiões norte e nordes- e adolescentes como cidadãos de direito. Se-
te do Brasil. Contudo, a violência se alas- gundo o Conselho Tutelar da Sub-prefeitura
tra por todo o país. “A gente não precisa ir de Pinheiros, em São Paulo, a maioria dos
para o norte do país. Aqui em São José dos casos de abuso são intra-familiares. “Os vi-
Campos [município do interior paulista], vão zinhos, a escola e os próprios membros da
chegar 7 mil operários...”, conta Gonçalves, família denunciam a violência”. Para a psica- SERVIÇO - Denúncias e Contato
deixando a frase no ar. Segundo ele, quando nalista, isto fez com que as crianças ficassem
um município recebe tantos funcionários, a mais espertas. “Não houve evolução no con- Disque 100: Tem a tarefa de atender,
localidade pode virar um foco de abuso in- ceito, houve uma mudança de visão da socie- encaminhar e acompanhar as denúncias de
fantil. Assim, é essencial o cuidado e a pre- dade”, atenta Fani Hisgail. Com a atenção que abuso sexual.
venção dentro das empresas contratantes. o assunto levanta atualmente, sobretudo na Blog: www.estaacontecendoagora.com
A psicanalista Fani Hisgail, autora do mídia, a partir do momento em que há um ONG Childhood: www.wcf.org.br
livro Pedofilia: um estudo psicanalítico, lem- suposto caso de pedofilia, segundo a autora, Conselho Tutelar: na cidade de São Paulo
bra que, pela extensão do Brasil, é difícil “todo adulto é culpado”. existem vários conselhos tutelares que podem
formar uma operação efetiva para conter o De acordo com o Conselho Tutelar, há in- ser indicados pelo Disque 100 ou pelo site
crime. “A ocorrência desta violência é mais clusive casos em que a criança, induzida por www.prefeitura.sp.gov.br

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 31


TURISMO SEXUAL

Passaporte
para o prazer
A prática do turismo sexual. Entre jantares, compromissos profissionais e
negócios, há tempo para algo a mais

REPORTAGEM CAMILA LARA, FELIPE ELIAS, JULIETA MUSSI e MATIAS LOVRO (2o ano de Jornalismo)
IMAGENS MATIAS LOVRO (2o ano de Jornalismo)

DIZEM QUE A PROSTITUIÇÃO é a profissão da indústria do sexo está voltada a essas pes- Num país onde o salário mínimo vale 510
mais antiga do mundo. Há séculos, o turismo soas. Trazidos por questões profissionais à ci- reais, a profissão pode ser tentadora para algu-
sexual já era conhecido pelos viajantes que dade, alguns executivos, após comparecerem mas garotas. Mayara veio do Pará para traba-
usavam tal prática. Seja em países europeus aos seus compromissos e assinarem contra- lhar como babá em casa de família. Hoje, não
– a Holanda possui um distrito dedicado a tos, preferem ser recebidos nos hotéis em que ganha menos que 6000 reais por mês; paga o
essa atividade na capital, Amsterdam –, em estão hospedados por algo além de um jantar flat em que mora, outra casa na capital, onde
nações do sudeste asiático, como a Tailândia na conta do chefe. Esses empresários vêm a deixa seu cachorro, e ainda envia dinheiro à
e a Indonésia, ou em terras latino-america- São Paulo e pensam “Não vou passar batido. família, que não tem conhecimento de seu tra-
nas, onde a prostituição voltada aos viajantes Por que não aproveitar?”, conta a garota de balho. “Meus pais nem desconfiam da minha
move milhares de dólares todos os anos. programa Mayara Costa, de 30 anos. profissão”, diz. De acordo com ela, contratar
O turismo sexual está fortemente pre- Hoje, a forma mais rentável de divulgar acompanhantes durante viagens de negócio
sente também no Brasil. Por aqui, não há leis serviços sexuais é através de anúncios em não é uma atividade sempre mal-vista dentro
que incriminem a prostituição em si. Quem sites especializados. O M.Class, que está no das empresas. “Muitos clientes chegam até
fornece ou utiliza os serviços não vai para a ar há 10 anos, é considerado o melhor nesse mim indicados pelos próprios chefes”.
cadeia. Mas a atividade se torna ilegal a par- mercado específico. “As meninas que você O turismo sexual não necessariamente
tir do momento em que alguém contrata e encontra lá são bonitas e educadas. Você se limita ao sexo. Há meninas contratadas
agencia pessoas para atuar nesse campo. O pode facilmente levá-las a um restaurante e para acompanhar os executivos em eventos
artigo 229 do Código Penal brasileiro con- ninguém dirá que são garotas de programa”, empresariais, passando-se por namoradas ou
dena quem mantém estabelecimentos onde conta um empresário da cidade de Santos, amigas. Por vezes, são levadas até em viagens.
ocorra exploração sexual – os velhos prostí- que acessa frequentemente o site e sobe a “Costumo ser contratada para ir ao teatro ou a
bulos – levando a pena de dois a cinco anos serra somente para se divertir com as “ami- jantares, e já passei até virada de ano na praia
na prisão, além de multa. Já o artigo 231, de- guinhas”, como as define. com a família do cliente”, conta Mayara, que
termina que é ilegal – promover ou facilitar No ramo há três anos, Mayara gasta cerca mantém contato com muitos deles, o que lhe
a entrada, no território nacional, de alguém de 800 a 1500 reais mensais com esse tipo garante freguesia e até amizades.
que nele venha a exercer a prostituição ou de propaganda na internet. É procurada e Mas como tais viajantes chegam até essas
outra forma de exploração sexual, ou a saída contratada para atender clientes em hotéis meninas? Em países como Alemanha e Itália,
de alguém que vá exercê-la no estrangeiro”. ou no flat que mantém no Jardins, bairro de existem agências de turismo que já pensam
Não coincidentemente, o turismo sexual classe média alta paulistano. Com preços que no cliente antes mesmo da compra das pas-
na cidade de São Paulo acompanha o perfil da variam de 200 a 400 reais (o táxi incluso na sagens. Os pacotes são oferecidos aos estran-
metrópole. Na capital mais rica e desenvolvida conta), ela satisfaz quem pode pagar por uma geiros com “opcionais” a gosto de cada um.
da América Latina, onde negócios milionários companhia diferente. “Atendo muito gringo e Esses turistas vão para cidades como Forta-
são fechados e executivos de alto escalão fre- executivo”, garante. “Aliás, são os melhores: leza, Natal e Recife, onde achar uma garota
quentam reuniões importantes, grande parte não reclamam do preço e te respeitam muito”. de programa é tão fácil quanto se refrescar

32 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


CHAPÉU

com uma água de coco. Nesses polos sexuais, diz ter, atualmente, uma grande e fiel fre-
até mesmo donos de hotéis, pousadas e taxis- guesia. Frisa, ainda, que é amiga de pessoas
tas participam dos esquemas de prostituição, influentes na sociedade paulistana. Os car-
que por vezes envolvem menores de idade. No ros de luxo estacionados em frente ao local
sul do país, por exemplo, a Casa de Massagem só reforçam o perfil dos clientes. Entretanto,
da Inês, em Blumenau (SC), disponibiliza em a empresária nega comercializar qualquer
seu site preços e ainda promete: “Se preferir tipo de serviço sexual. “A casa não vende
duas meninas, vai rolar de tudo entre elas e nem facilita sexo. Vende massagem sensual
você por 210 reais, durante uma hora.” e sensualidade. Isso aqui não é um puteiro”,
Em São Paulo, muitas casas de prostituição enfatiza, e completa dizendo que “se quises-
rodeiam os aeroportos de Guarulhos e Congo- se, poderia negociar com a prefeitura e com
nhas. Assim, garante-se o conforto do viajan- a polícia e lucrar muito mais, como cafetina”.
te tão logo ele desembarca. Um ex-empregado Contraditoriamente, por telefone, um
de hotel em Guarulhos, que preferiu não se atendente passa os preços das salas, que va-
identificar, confidencia que já foi designado riam entre 140 e 200 reais, e os valores pelos
a contratar prostitutas para hóspedes, que quais se contrata as garotas para “massagens
as escolhem em uma revista publicada para e o algo mais”, nas palavras dele. Logo que
redes hoteleiras. Os funcionários ganham chegam, os clientes são recepcionados e têm
cerca de 50 reais por agendamento. A própria acesso a um catálogo de profissionais. Nas
Mayara começou trabalhando em uma casa fotos, muitas estão nuas e em poses provo-
de massagem próxima a Congonhas. Conse- cantes, como se medidas de busto e quadril
guiu o emprego através de um anúncio e ga- fossem fatores determinantes para uma boa
rante ter trabalhado com fins sexuais. “Eles massagem. Assim que escolhida a menina,
colocam no jornal ‘recepcionista’, mas eu já o cliente é levado a uma sala reservada. Lá,
tinha uma noção. Os clientes que ligam ge- de acordo com a empresária, massagens de
ralmente sabem que a casa oferece sexo, mas diversos tipos são oferecidas – entre elas a
já cheguei a fazer só massagem”, conta. Lá, tailandesa, em que o cliente e a massagista
reuniu sua primeira cartela de clientes. ficam nus durante a sessão. “O cliente fica à
vontade para ter ereções, mas não oferece-
TRATAMENTO ESPECIAL A reportagem pro- mos sexo. Se acontece, é sem conhecimento
curou conhecer um desses “spas” e ouvir o da casa”, insiste a dona.
que os responsáveis teriam a dizer. Locali- Semanalmente, às quartas-feiras, eventos
zado em uma casa no bairro do Campo Belo, reservados são promovidos para os melhores
em rua residencial e bem cuidada, com uma clientes. “É um esquenta para o futebol, eles
fachada discreta, pintada em cores claras, adoram”, conta a empresária. Nesses happy
onde quase não se consegue ver o nome do hours, suas meninas estão sempre presentes.
local. A simplicidade contrasta com o segu- Ao descrevê-las, reforça que há funcionárias
rança de quase dois metros de altura parado bonitas e “um pouco mais disponíveis”. Em
em frente à porta principal. Ao entrar, no contrapartida, é enfática ao dizer que dispen-
entanto, a sala de espera dá espaço a um am- saria a menina caso descobrisse que o cliente
biente mais exótico, com cores fortes, luzes tenha saído satisfeito demais. Para ela, não há
baixas e velas acesas por todos os cantos. fundamentos nessa crença de que as sessões
Decepcionada com o fato de Esquinas tratar- de massagem em sua clínica envolvam sexo,
se de uma publicação laboratorial universi- uma vez que isso pode ocorrer em qualquer
tária, a “empresária do ramo estético”, dona lugar e situação. “É algo que pode acontecer
do estabelecimento, deixou de lado o modo até mesmo em um consultório dentário”.
desbocado com o qual recebeu os repórte- Não é à toa que São Paulo é considerado
res a princípio e assumiu um tom maternal. um dos mais completos centros urbanos do
“Quando se formarem, venham fazer uma mundo e que os principais conglomerados
reportagem séria aqui, para eu ganhar muito empresariais – e uma ou outra casa de mas-
dinheiro”, falou, rindo. sagem – se estabeleçam na cidade. Por aqui,
Ela abriu as portas da clínica de “cuida- pode-se encontrar de tudo e mais um pouco.
dos masculinos” há quatro anos – embora Bons teatros, bons restaurantes, bons hotéis.
conste no site oficial que a casa tenha mais Mas, falando em business, o que importa são A garota de programa Mayara Costa
de 15 anos de experiência no mercado – e ótimos dentistas e excelentes massagistas. ganha pelo menos seis mil reais por mês

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 33


ENSAIO

Sexshoot

34 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


Nos centros e na privacidade dos prédios, o sexo se faz presente. Clubes, motéis, prostíbulos e lares
abrigam o calor dos corpos. Pelos caminhos da Rua Augusta, no centro paulistano, o apetite sexual
pode ser encontrado nos estabelecimentos e nos transeuntes. O neon dos bares e bordéis misturados
ao cinza característico da cidade reforçam o fetiche urbano pela procura de serviços que saciem as
vontades da carne. Pode-se ainda encontrar aqueles que procuram por aventuras casuais, não se
privando de possíveis parceiros e ambientes exóticos. O presente ensaio convida você, leitor, a ser o
nosso voyeur pelas próximas páginas. Começa aqui a parte porn do Esquinas, edição 47.

Thiago Tanji usou uma Nikon D80


f/5 – 38mm – ISO800 – 1/60s – Flash disparado

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 35


Thiago Tanji usou uma Nikon D80
f/5.6 – 70mm – ISO800 – 1/60s – Flash disparado

Thiago Tanji usou uma Nikon D80


f/5.6 – 80mm – ISO800 – 1/60s – Flash disparado

36 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


Guilherme Burgos usou uma Sony Alpha A200
f/2.8 – 100mm – ISO800 – 1/125s – Iluminação natural

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 37


Petrus Lee usou uma Canon EOS 50D
f/4.5 – 56mm – ISO1000 – 1/160s – Quartz Light Mako com barndoor

38 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


Petrus Lee usou uma Canon EOS 50D
f/4 – 41mm – ISO1000 – 1/160s – Quartz Light Mako com barndoor

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 39


MERCADO

Vale do

Pornô
Fatos, números e curiosidades de uma indústria que fatura 12 bilhões de
dólares nos Estados Unidos e um bilhão de reais no Brasil

REPORTAGEM ALEXANDRE ARAGÃO (3o ano de Jornalismo)


IMAGENS PETRUS LEE (1o ano de Jornalismo)

FAMOSA POR SER um centro de pes- econômica de 2008, empresas do ramo se INTERNET Você já acessou um site pornô? A
quisas tecnológicas desde o início do juntaram para pedir ajuda ao Congresso dos probabilidade é maior se quem está seguran-
século XX, a área do Vale do Silício, Estados Unidos. Lideradas por Larry Flint, do esta revista é homem, já que eles somam
nos Estados Unidos, viu o surgimen- dono da revista Hustler — primeira publica- cerca de 77% dos visitantes. A maioria, po-
to das principais empresas de internet ção a estampar pornografia hardcore —, as rém, ainda tem vergonha de admitir.
nos anos 1980 e 1990. Mas o que Google, produtoras e editoras clamaram que “em Segundo estudo publicado por Benjamin
Yahoo! e companhia não esperavam é que a tempos difíceis, os americanos procuram en- Edelman, economista da Universidade de
indústria de tecnologia digital seria crucial tretenimento para relaxar”. O anúncio oficial Harvard, os politicamente conservadores são
para o desenvolvimento de outro importan- acrescentava que “cada vez mais, o tipo de en- os que mais consomem pornografia online.
te polo econômico americano: o “Vale do tretenimento que procuram é pornográfico. “Através de uma das maiores distribuidoras
Silicone”, trocadilho com o nome da região A indústria pornô foi ferida pela crise como de entretenimento adulto, obtive uma lista
(Silicon Valley). todo mundo”. Por fim, diziam eles, “quere- de CEPs associados a assinaturas de cartões
Seis cidades compõem a área, responsá- mos uma ajuda de cinco bilhões de dólares”. de crédito”, conta o pesquisador, explicando
vel por cerca de 80% da produção de filmes Antes que os adeptos mais conservadores do como obteve o perfil desses compradores.
pornográficos norte-americanos: Burbank, Partido Republicano tivessem um infarto, o Mesmo com o crescimento das vendas
Calabasas, Glendale, Hidden Hills, Los An- Congresso rejeitou a proposta. pela internet, o carro-chefe da pornografia
geles e San Fernando, todas do Estado da O tenente-coronel aposentado Dave continua sendo o DVD. De acordo com os
Califórnia. A indústria pornô é tão forte na Cummings, do exército americano, é a dados mais recentes publicados pela AVN,
região que cerca de 30 milhões de dólares são prova de que não há preconceitos no mer- em 2008, a internet respondeu por 2,8 bi-
arrecadados anualmente através de impostos cado pornográfico. Nascido em 13 de março lhões de dólares, enquanto aluguéis e vendas
ligados às produções eróticas. de 1940, ele é considerado o ator mais velho representaram 3,6 bilhões.
Durante os anos 90, os lucros com vendas em atividade pela Adult Video News (AVN) Para a especialista em internet, Zabet Pat-
e aluguéis de filmes subiram de 1,6 bilhão de — instituição que reúne informações sobre terson, existe um motivo para que os homens
dólares para 4,2 bilhões. Na última década, a a indústria. Segundo Cummings, trabalhar consumam mais pornografia que as mulhe-
indústria pornô norte-americana movimen- em frente às câmeras não é uma questão de res. No texto “Consumindo pornografia na
tou em média 12 bilhões de dólares anuais beleza nem de músculos, apenas de eficiên- era digital” (“Going On-line: Consuming
— incluindo filmes, brinquedos e publica- cia. Ele desenvolve esse ponto de vista no pornography on the digital era”, capítulo
ções eróticas. O desempenho se equipara, texto Como se tornar um astro pornô. Fora a publicado no livro Porn Studies, lançado pela
por exemplo, ao da indústria de videogames. aposentadoria de 50 mil dólares anuais, ele Duke University Press, 2004) , ela revela que
A produção pornográfica atingiu um ganha aproximadamente 140 mil dólares o homem falha mais em encontrar a “mulher
nível tão profissional que, durante a crise com seus filmes. ideal”, azssim, recorre não apenas à porno-

40 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


PETRUS LEE

grafia na web, como a todo tipo de material logos Donn Byrne e Kathryn Kelley, no texto
Nos sex shops, o carro-chefe dos produtos
pornográficos continua sendo os DVDs
erótico. “O panorama mostra um pânico só- “Pornografia e pesquisa sexual” (“Pornogra-
cio-cultural sobre o que podemos chamar de phy and sex research” – capítulo publicado
objeto de escolha correto”, afirma. no livro Pornography and sexual aggression,
lançado pela editora Academic Press, 1984).
RAÍZES E RESTRIÇÕES Em 1968, o então pre- Andy Warhol, precursor do movimento
sidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson pop art, foi um dos primeiros a gravar em
instituiu a Comissão sobre Obscenidade e vídeo um ato sexual que ganhou notoriedade.
Pornografia. O objetivo era estudar os efeitos A obra Blow job, de 1964, mostra o rosto de
desses dois elementos “no público e, particu- um jovem, DeVeren Brookwalter, enquanto
larmente, nos menores de idade, e as relações recebe sexo oral. No filme, gravado em preto
com crimes e outros comportamentos an- e branco, não é possível saber se o parceiro
tissociais”. Na mesma década, a Dinamarca é homem ou mulher. A exposição Mr. Ameri-
se tornou pioneira ao eliminar todas as leis ca, que ficou em cartaz de 20 de março a 23
restritivas no que dizia respeito à produção e de maio de 2010 na Pinacoteca de São Paulo,
distribuição de materiais eróticos. expôs Blow job pela primeira vez no Brasil.
Livros também já foram proibidos. Só em
1933 – Ulisses, de James Joyce, pode ser co- MADE IN BRAZIL Mesmo com expressivo
mercializado nos Estados Unidos – 19 anos mercado consumidor e aumento de vendas,
após ser escrito. Outro exemplo é O Amante a indústria pornô no Brasil está em crise. No
de Lady Chatterley, do inglês David Lawrence. auge da produção, entre 2005 e 2006, quase
Lançado em 1928, o romance só começou a 30 produtoras lançavam mensalmente seus
ser produzido na Inglaterra em 1960. filmes. Atualmente, o número é significativa-
Aos poucos, praticamente todas as res- mente menor. De acordo com Evaldo Shiroma,
trições foram removidas em lugares como presidente da Associação Brasileira de Em-
Europa, Estados Unidos e Brasil. “Talvez um presas do Mercado Erótico (Abeme), há entre
mecanismo melhor seja o mesmo de leis fe- oito e dez empresas dominando o mercado.
derais que protegem consumidores contra a “É impossível concorrer”, diz João An-
ingestão de substâncias potencialmente pe- drade, dono da extinta produtora Pleno Pra-
rigosas, alertando sobre os riscos atribuídos zer. “No meu caso, havia um gargalo no meio
a um produto específico”, escrevem os psicó- da produção. O DVD chegava às banquinhas

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 41


REPRODUÇÃO

A indústria do cinema
pornô se sustenta sem
incentivos fiscais no país

piratas ao mesmo tempo em que era lança- não há como afirmar que o consumo de por- corpos mais incríveis e incomuns”. O objetivo
do nas locadoras”. Segundo Andrade, a Pleno nografia aumentou, no mundo ou no Brasil”. é “não apenas causar excitação no espectador,
Prazer teve sobrevida com as bancas de jor- O diretor José Gaspar, que levou “celebrida- mas também medo, fascínio, nojo, riso e dese-
nal com o seguinte esquema: após dois anos des” como Alexandre Frota e Rita Cadillac ao jo. Tudo ao mesmo tempo”, conclui.
de vendas em locadoras, era feita uma nova mundo dos filmes pornôs, acredita ser um dos A indústria pornô brasileira arrecada cerca
capa para o filme ser comercializado ao lado responsáveis pela profissionalização do ramo. de um bilhão de reais por ano, sem incentivos
das revistas, pois pelos pubianos e mamilos Conhecido como J. Gaspar, dirigiu filmes da fiscais, de acordo com a Abeme. Gaspar acre-
são proibidos de ser exibidos em bancas. produtora Brasileirinhas. Seu primeiro trabalho dita que esse dinheiro foi suficiente para sin-
No documentário Pornô S/A, apresentado foi Sonhos, de 1997. Com Gothic, 2004, recebeu gularizar o cinema pornô. A pornografia, diz o
como trabalho de conclusão de curso na Facul- o AVN Awards, em Las Vegas, - considerado o diretor, “é uma das poucas indústrias audiovi-
dade Cásper Líbero em 2009, os entrevistados Oscar no cinema pornográfico. suais que se auto-sustenta”. Para ele não deve-
são unânimes em confirmar o declínio da indús- ria haver incentivos fiscais para nenhuma obra
tria pornográfica brasileira. Entre eles, está o ator PECULIAR “Uma vez a gente entrou na onda de audiovisual, “apesar de ser o único jeito de se
Rogê Ferro, que “nos tempos áureos” afirma ter fazer filmes com gordinhas”, conta o jornalis- fazer cinema no Brasil”.
ganho “mais de 300 mil reais só com pornô”. ta João Andrade. Ele explica que a experiência Mesmo que o horizonte apocalíptico que
Para Evaldo Shiroma, o panorama de mu- não deu certo. A atriz gordinha tinha asma e se desenha seja confirmado e a indústria por-
dança não é favorável. “Creio que qualquer precisava pausar a gravação sempre que as cri- nográfica desapareça completamente — o que,
tentativa de reversão do quadro depende de ses atacavam. “A solução foi começar a escon- convenhamos, é improvável —, sempre haverá
pesquisa e investimento”. Porém, o pesquisa- der a bombinha dela embaixo do travesseiro, pessoas ávidas por encontrar vídeos e fotos de
dor Jorge Leite Júnior, da UFSCar (Universida- pra agilizar o processo”, recorda. outras pessoas nuas ou em atos sexuais. Essa
de Federal de São Carlos), acredita que “houve Estudioso da pornografia auto-intitulada vontade, aliada à internet, confirma a tese de
um aumento de produções em formato digital bizarra, Jorge Leite Júnior, afirma que ela “é a que “uma câmera na mão e uma ideia na cabe-
e uma maior facilidade de acesso via internet”. versão pornô dos freak shows, onde eram apre- ça” são mais que suficientes para saciar todo
Contudo, ele ressalta, “sem dados confiáveis, sentadas pessoas com as capacidades ou os um mercado consumidor.

42 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


DIVULGAÇÃO

ALTPORN

Pornografia Underground
O diferencial do estilo altporn está na fuga dos REPORTAGEM JESSICA FIORELLI, LOUISE SOLLA e VINÍCIUS

estereótipos dos filmes pornôs convencionais DE MELO (2o ano de Jornalismo)

CORPOS TATUADOS, ROUPAS escuras, muito gar seu nome verdadeiro. Segundo pesquisa A stripper Chris Lima é um exemplo da
couro e cintos de rebites. Tudo isso aliado aos do Ibope de 2008, 28% das pessoas que conso- interação. Foi em uma festa que o produtor
cabelos coloridos, em homens e mulheres. mem pornografia na internet são mulheres. a conheceu e decidiu convidá-la para par-
Piercings nos lábios, na língua, no septo e em Apesar da popularidade do altporn nos ticipar de um dos vídeos. Chris não topou
outros lugares inusitados. Esta é a imagem de Estados Unidos, o Brasil possui poucos sites fazer pornô, mas produziu um making off
um ensaio fotográfico altporn. O termo em in- focados no gênero. Rufião explica que a idéia de um ensaio fotográfico com os garotos da
glês é a abreviação de pornografia alternativa e de produzir para este mercado surgiu devido Xplastic. “Para mim, foi apenas um trabalho
surgiu nos Estados Unidos na década de 1990. ao interesse comum entre ele e mais dois ami- erótico, mas para os homens, tudo é consi-
A primeira publicação totalmente voltada para gos – Tatão, 34 anos, e Barbellax, 32 anos. “Em derado pornografia”, conta ela.
este estilo foi a revista Blue Blood, lançada em 1998, tínhamos uma banda e costumávamos Histórias relacionadas às subculturas ro-
1992, que contava com imagens eróticas de falar de pornografia durante os ensaios. Mais teirizam as produções altporn. Encontram-
modelos que possuíam visual ligado ao estilo até do que música”, comenta. O trio percebeu se fetiches como relações entre lésbicas, ma-
musical gótico e punk. Este tipo de pornogra- que o interesse em pornô poderia gerar um soquismo e cultura nerd. No caso do Xplastic,
fia, porém, apenas se popularizou com a difu- filme. Com uma câmera emprestada, eles as ideias para os vídeos surgem a partir de
são do conteúdo pela internet. compraram algumas bonecas Stacy – simila- conversas, desejos e de situações considera-
Além da ligação com o mundo do rock, o res à Barbie – e fizeram o primeiro vídeo do das apenas interessantes de serem filmadas.
estilo foge de estereótipos encontrados em fil- grupo, chamado Plastic Lesbians. A música underground é notável na pro-
mes pornôs convencionais. O altporn explora A princípio, pensavam em criar uma re- dução deste segmento erótico. Em um dos
diferentes artes corporais, como tatuagens e vista, pois ter um site não era tão simples na vídeos, a trilha sonora é composta por uma
piercings, além de mostrar a beleza desta es- época. Começaram a divulgar o material que música de Al J. Heid, cantor americano de
tética. Tal subcultura erótica procura escapar produziam em blogs gratuitos, sem muita pre- blues e indie rock. A canção era “Red Head
do conceito de belo instaurado pela mídia. tensão. Hoje, o Xplastic se hospeda nos portais Devil”. “A música funciona para dar o clima
Contudo, há vários consumidores que de- UOL e Vírgula. O investimento em manuten- que queremos para a cena e para divulgar o
fendem que a diferença da produção vai além ção e em produção sai do bolso dos próprios trabalho das bandas”, explica Rufião.
do caráter estético. Para eles, há uma ideolo- produtores. Porém, nenhum deles sabe dizer No entanto, a maior parte da propaganda
gia por trás do vídeo que valoriza a figura fe- quanto gastam com o site. Discretos, eles não é feita pelos próprios usuários. Driley Moura,
minina. “A mulher não é vista apenas como revelam os lucros, mas garantem que pos- 24 anos, é um exemplo. “Fiquei sabendo do
objeto, nos filmes altporn”, afirma Carla suem outros empregos para manter a renda. estilo e do Xplastic por causa de alguns ami-
Cunha, de 31 anos, frequentadora do site bra- gos. Gostei da estética e hoje frequento o
sileiro Xplastic, o mais popular do segmento. O PROCESSO Produzir por conta própria site”, comenta a fotógrafa. Além da indicação
Este talvez seja o principal motivo para que o deixa os donos livres para escolherem os boca a boca, redes sociais como Twitter são
site tenha mais acessos de meninas do que a atores. “Muitas pessoas entram em contato também utilizadas para divulgação.
indústria pornográfica habitual. “Nosso por- com a gente para participar de um filme, mas O altporn é uma dica para quem procura
tal possui 30% de compras de vídeos por mu- existem casos que nós convidamos”, explica fugir do óbvio, por mostrar uma estética não
lheres”, comenta Rufião, de 34 anos, um dos Rufião. “Nosso contato com o público do site, popular ainda considerada diferente. Prova
fundadores e diretores do portal que, como através da internet e das redes sociais, per- que há espaço para todos os gostos no mundo
os outros criadores do site, prefere não divul- mite esse tipo de aproximação”, completa. da pornografia.

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 43


CINEMA

Império da
pornochanchada
Entre a nudez e a ousadia gênero cinematográfico se
mostra como o espelho social de uma época
REPORTAGEM FERNANDA GONÇALVES (1o ano de Jornalismo) e ADRIANO GARRETT (2o ano de Jornalismo)

DESDE OS ANOS 70, existe o senso-comum sificar as pornochanchadas como alienantes. 40 e 50, que se utilizavam de um humor po-
de desqualificação da pornochanchada, “A postura do Cinema Novo era correta pelo pular e ingênuo. Faziam parte dessa verten-
gênero do cinema brasileiro. Vistos como ponto de vista político. A maioria desses fil- te estrelas como Oscarito e Grande Otelo.
pornográficos, os filmes dessa vertente mes era muito reacionário e machista”, expli- O acréscimo do “porno”, então, serviu para
não apresentavam cenas de sexo explícito: ca André Gatti, professor de cinema. “A por- vulgarizar a denominação. “Chanchada
a principal característica dessas produções nochanchada possui leitura simples, alegre também já era, de certa forma, um termo
estava no foco erótico das narrativas. e festiva, com a única pretensão de divertir o chulo”, diz Reichenbach.
Para Ênio Gonçalves, que atuou em oito fil- público, sem aprofundamentos psicológicos Apesar das críticas, o gênero tinha o que
mes do gênero, como As Intimidades de Analu e existenciais que caracterizam outros gêne- mais precisava para sobreviver: a adesão de
e Fernanda (1980) e A Noite das Bacanais (1981), ros do cinema”, complementa Carlos Mossy, um público fiel. A partir de Os Paqueras
“a nudez parcial e simulação de sexo eram um dos ícones da pornochanchada, que tam- (1969), filme considerado início da porno-
apresentadas de maneira tão ingênua que não bém trabalhou no Cinema Novo. chanchada, sucessos foram se consolidan-
causariam grande escândalo atualmente”. O O regime militar, contudo, acabou colabo- do e isso incentivou o nascimento de uma
diretor Carlos Reichenbach, que trabalhou em rando com a produção desses filmes. Enquan- indústria voltada para o gênero. “Com o
dois filmes do segmento e foi responsável pela to o Instituto Nacional do Cinema,(que mais tempo, os exibidores passaram a exigir que
direção de fotografia de outras 25 pornochan- tarde se tornou Embrafilme) incentivava a determinados filmes tivessem insinuações
chadas, afirma que, “conforme a censura di- produção interna, havia também censura por de sexo e mulheres nuas”, lembra o diretor
minuía, o humor ficava cada vez mais pesado, parte da Polícia Federal. Mas a censura política de fotografia Virgilio Roveda.
mas o que existe agora é muito mais agressivo foi mais dura que a censura moral. “Era mais Ao ter como público-alvo principal as clas-
do que havia na época”. importante proteger o Estado que proteger a ses C e D, a pornochanchada se limitava aos
A segunda metade do século XX foi mar- moral das senhoras de família e de suas filhas cinemas do centro de São Paulo. “Esses filmes
cada pela chamada revolução sexual, que virgens e recatadas”, comenta Flavia. As cotas passavam em salas dos grandes centros urba-
demandou um mercado de produtos mais fixas do INC para exibição de filmes nacionais nos e eram consumidos por pessoas de baixa
ousados quando o assunto era sexo. Para (cerca de 56 dias por ano em 1967 e 112 dias renda e desempregados, de um modo geral”,
Flávia Seligman, autora da tese inédita O em 1975) impulsionou novos investimentos afirma Gatti. Flavia faz analogia ao contar que
Brasil é feito de pornôs: o ciclo da pornochan- na pornochanchada, que alcançou grande pú- o preço da entrada, na época, corresponde a
chada no país dos governos militares, “esses blico. Mossy relembra que, na época, o gênero menos de quatro reais. “A pornochanchada
filmes surgiram naturalmente pela tradição tomava 50% do mercado cinematográfico, en- não era feita para uma elite intelectualmen-
da comédia popular (chanchada) na cultura quanto hoje nem se aproxima dos 10%. te comprometida. Ela não é nada mais que o
brasileira, associada à mudança comporta- espelho antropológico do cidadão brasileiro”,
mental que a revolução sexual imprimia”. AS ORIGENS O próprio nome pornochan- reforça Mossy. Reichenbach explica que os
Cineastas como Glauber Rocha e Nelson chada é um termo pejorativo que a crítica admiradores chegavam a se identificar com
Pereira dos Santos, que acreditavam no cine- atribui aos filmes, fazendo alusão às chan- os personagens e, com isso, “perdiam seus
ma como expressão política, chegaram a clas- chadas, comédias urbanas das décadas de próprios preconceitos”.

44 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


LIDIA ZUIN

QUADRINHOS

Do traço ao
desejo Do Japão para o mundo, animes
e mangás hentai surpreendem o
público com suas peculiaridades

REPORTAGEM ANDRÉ GONÇALVES e YOLANDA MORETTO( 1o ano de Jornalismo) BÁRBARA FERREIRA, CAROLINA RODRIGUES,
THAIS SAWADA e PAULO PACHECO (2o ano de Jornalismo); LIDIA ZUIN e VIVIANE LAUBÉ (3o ano de Jornalismo)

NUMA PÁGINA, A GAROTA de uniforme comenta. Ela afirma que a linha que separa consumidores. “É como ir a uma seção de fil-
escolar está esperando chegar a próxima es- o hentai das publicações sexualmente menos mes pornográficos em uma videoteca. Filmes
tação de metrô. Na outra, esta mesma garota impactantes são os desvios e as taras que há de lésbicas seriam, em tese, para o segmento
está sendo masturbada por um passageiro. Os nos mangás pornográficos. de lésbicas, mas não: a maioria dos interessa-
mangás são quadrinhos japoneses que podem Quem explica com mais detalhes é Cris- dos é homem. A mesma coisa acontece com
trazer histórias infantis e toda uma gama de tiane Sato, presidente da Abrademi (Asso- os mangás hentai”, explica a autora.
narrativas sexuais. A este segmento dá-se o ciação Brasileira de Desenhistas de Mangá A sociedade japonesa, conta Luyten, pos-
nome hentai, que significa “pervertido”, em e Ilustrações). “O mangá pornô mostra de sui um lado reprimido. Para ela, o ser humano
japonês. Além de carregar estereótipos, como maneira gráfica as práticas sexuais social- pode exteriorizar a repressão – chorando ou
o da mulher com seios grandes, os mangás mente aceitáveis. Já o hentai exibe tais ativi- gritando – ou interiorizá-la. “O que mais ex-
podem ilustrar relações homossexuais entre dades com cenas de violência, algo que não cita, muitas vezes, em um anime ou em um
homens (yaoi) e entre mulheres (yuri). pode ser considerado mentalmente saudá- mangá, é ver um homem que adora transar ou
Autora do livro Mangá: o poder dos quadri- vel. Há muitas cenas de estupro e pedofilia, estuprar uma menina com aqueles uniformes
nhos japoneses, a professora e pesquisadora por exemplo”, esclarece Sato. do secundário japonês. Ele está estuprando,
em HQ, Sonia Luyten, afirma que o porno- No Japão, os títulos são classificados por na verdade, o sistema educacional. Ou ho-
gráfico começa quando o erótico termina e é idade, gênero e opção sexual. As publicações mens que têm o maior tesão de que a mulher
essa a condição que vale para outras manifes- não eróticas voltadas para o público masculi- o coloque no peito. Ele mama, põe o chapeuzi-
tações artísticas, como o cinema e a literatura. no são chamadas shounen, enquanto as shou- nho de bebê, e ele sente muito prazer na suc-
“Mino Manara é um desenhista italiano que jo são destinadas às mulheres. Nos mangás ção do seio da mulher. É a figura da mãe. Isso
tem as mulheres mais lindas do universo eró- eróticos e pornôs, também há segmentação, é uma repressão, um prazer, repúdio ao pai. É
tico, mas não é pornográfico, não é explícito”, ainda que isso não defina os verdadeiros uma imagem muito complexa”, diz.

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 45


YOLANDA MORETTO
Mangás eróticos fazem sucesso nas No Brasil, o gênero de história em qua- publicadas são escolhidas pelos frequenta-
livrarias especializadas no Brasil drinho e animação é ainda pouco explorado dores, a maioria homens. No entanto, até
pelas editoras. Apesar disso, alguns títulos mesmo na web há restrições. “Alguns ani-
de anime podem ser encontrados em lojas mes com cenas muito fortes são descarta-
especializadas, no bairro da Liberdade. “Mui- dos. Já tive reclamações e sempre procuro
tos compram por curiosidade; não são com- filtrar o conteúdo”, conta Cassiano Miranda,
pradores fixos que querem completar uma administrador do site.
série. Os japoneses são ótimos em criar his- Bruno Vieira, de 21 anos, é um dos que
tórias e elaborar backgrounds incríveis que primeiro pesquisam na internet para depois
os fazem levar a série inteira e é lógico que assistir, mas prefere baixar a comprar. Fun-
no hentai também tem isso. Você percebe que cionário de uma empresa de massagens, ele
eles compram por causa da história, do enre- se considera um “pervertido”: já leu mangás
do, e não da sacanagem”, conta, rindo, Fábio e assistiu a animes hentai, yaoi e yuri. “Nunca
Martinuci, um dos funcionários mais antigos me importei de achar homens bonitos. No
da Dream Anime Club, que existe há 15 anos. caso do yaoi, convenhamos, todos os perso-
Na loja, os DVDs hentai não ficam expostos, nagens se parecem mais com garotas”, afirma
apesar de serem vendidos no site oficial Vieira, que se declara heterossexual.
(http://www.dreamanimeclub.com.br). A androgenia é retratada com intensidade
Em alguns estabelecimentos, títulos em mangás e animes, inclusive nos tradicio-
“O que mais excita, hentai ocupam os mesmos espaços dos ani- nais, como Saint Seiya e Yu Yu Hakusho. Cris-
mes tradicionais. Na Tilt’s Games, o funcio- tiane Sato explica que este é um padrão de
em um mangá é ver nário J. M., cujo nome optou por não revelar, beleza no Japão. “Há uma expressão no país

um homem que adora


confessa que vende DVDs de conteúdo eró- que é ‘aquele rapaz é tão bonito quanto uma
tico para menores de idade. “Abaixo dos 18, menina’. Para o japonês, nem sempre a apa-

transar com uma eu já falo logo: ‘Se o pai ou a mãe não enche-
rem meu saco, eu vendo’. De vez em quando
rência determina a sexualidade da pessoa e
vice-versa. No caso do yaoi, isto é o que mais

menina com uniforme tem algumas reclamações ‘Ah, o meu me-


nino comprou não sei o quê’, mas o filho
pesa”, esclarece a presidente da Abrademi.
Sato conta que os leitores descobrem os
colegial. Ele está tem 20 anos! Não tem essa”, redime-se. J. M.
relata que os compradores têm o costume de
mangás pornôs pela rede de contatos. Um
exemplo é o estudante de informática M. P.,
estuprando o sistema assistir a trechos de animações na internet
para depois irem à loja. “Assisto para ver o
de 17 anos, que diz não mais ler hentai, mas
lembra de quando conheceu os títulos porno-
educacional” estilo do desenho. Não posso divulgar muita gráficos, aos 12 anos. Assim como Bruno Viei-
coisa, senão o cliente não compra”, afirma.. ra, M. P. costumava fazer downloads ou os lia
Um exemplo de site em que é possível online. “Cheguei a comprar uma vez, porque

Sonia Luyten, professora e conferir animes hentai é o Hentai Project.


Desde 2005, o portal compartilha animes,
apostei com um amigo. O jornaleiro vendeu
‘numa boa’, mesmo que na época tivéssemos
pesquisadora games e imagens do gênero. As animações 13 anos”, recorda.

46 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


Apesar disso, achar um anime ou mangá com um garoto, comenta que hoje se vê como zar um romance heterossexual.
hentai para comprar não é tão fácil assim. Em bissexual, apesar de nunca ter se envolvido Sobre fazer cosplay de personagens
uma revistaria exclusiva para títulos japone- com uma garota. “Eu dei selinho nas meni- masculinos, a estudante Clarice Curi, de 16
ses, os funcionários foram enfáticos: “Não nas, só que isso não me faz lésbica. Foi para anos, diz que prefere os homens por não se
trabalhamos mais com mangás hentai”. Al- tirar uma foto e a coisa parou por ali. É meio identificar com as personagens femininas.
guns exemplares acabam sendo encontrados profissional”, diz Clarissa ao se referir ao en- “A minha mãe olha para mim, vestida de Es-
apenas na Comix Book Shop, referência em co- saio de fanservice (incitação sexual) que são tados Unidos, com aquela calça larga, e cha-
mércio de quadrinhos. Mesmo com os mangás feitas pelo grupo por diversão. coalha a cabeça dizendo ‘foi para isso que eu
hentai em baixa, há na loja alguns exemplares Há quem pense que garotas que acompa- criei minha filhinha? Para andar de homem
eróticos, mais suaves. “Acho que ainda tem nham romances entre homens possam vir na rua?’”, conta. Já no caso de Luciana, sua
muito espaço, porque, pelo que tem no Japão, a ter interesse por alguém do mesmo sexo. mãe parece gostar dos cosplays masculinos,
aqui não foi lançado nem a pontinha do ice- Porém, tanto Sonia Luyten quanto as inte- apesar de preferir os femininos. Clarissa
berg. Se as editoras lançassem mais mangás grantes do ONU SP afirmam que isso não faz confessa que já sofreu represália da irmã
eróticos, eu teria mais na loja”, reclama Diogo sentido. “O fato de uma pessoa fazer uma que, ao ver fotos no Orkut, questionou suas
Rodrigues, um dos sócios do estabelecimen- opção não tem a ver com o mangá que ela lê. atitudes. “As meninas do ONU SP são minhas
to. “O que acontece é um preconceito ainda Isso, por exemplo, já poderia fazer parte dela. amigas. Se eu me envolvesse com alguma,
vigente no Brasil, no sentido de que histórias O mangá só auxiliaria a pessoa a se ver”, des- provavelmente meus pais não ficariam sa-
em quadrinhos ou desenho animado são algo taca a especialista em quadrinhos. bendo, porque eles não iriam gostar e isso
para o público infantil. Mas existe um mercado A pesquisadora explica que o yaoi seria me inibe a falar com eles”, confessa.
adulto que gosta”, explica Sonia. uma forma de idealização da mulher seguin- Mais do que contar histórias que abordam
Algumas editoras brasileiras chegaram a do sua semelhança. “Os estereótipos dos a sexualidade, os animes e mangás fazem
publicar mensalmente revistas hentai, como casais são muito fortes, dá para reconhecer parte do imaginário otaku, os fãs da cultu-
a Minuano, Playpress e Xanadu, que produz a quem é a ‘mulher’ e o ‘homem’”, afirma Ju- ra pop japonesa. Os produtos são variados,
Hentai X. A maioria custava menos de R$4,00 e liana, cosplayer do Suécia. Clarissa confessa indo do estímulo ao distúrbio sexual. Sonia
era desenhada por brasileiros. Atualmente, a que prefere traços femininos nas persona- assume que, mesmo no Japão, o hentai é con-
editora JBC, especializada em revistas e man- gens masculinas: “Tem yaoi que é feito com siderado “lixo cultural”, apesar de acreditar
gás japoneses, arrisca lançar títulos eróticos, homens musculosos. Prefiro aquele com me- que essas histórias são mais um reflexo que
com pornografia moderada. “Consideramos o ninos bonitinhos, que parecem menina, só a sociedade tem vergonha de encarar. Com
hentai uma coisa vum pouco mais pesada: vai que têm um pênis”. Juliana opina que esses fantasias e quadrinhos, a vontade sexual se
além do erotismo e tem um pouco de cruel- relacionamentos yaoi são tentativas de ideali- expressa das mais diferentes maneiras.
dade. Monstro pegando menininha não está

THAIS SAWADA
de acordo com o que a JBC quer trazer para
o Brasil. Trazemos comédias leves com uma
pegada de erotismo, que são as ero comedy”,
declara o editor-chefe Marcelo Del Greco.

MENINO E MENINA Há mais de três anos


Luciana Pires e Juliana Pavanello já se encon-
travam em reuniões organizadas pelo Potter-
Sampa, grupo de fãs de Harry Potter, mas só
se conheceram melhor em 2009. Ainda sem
oficializar o ONU SP (Organização das Nações
Unidas de São Paulo), fã-clube paulistano do
anime e mangá Hetalia, as duas começaram
a fazer cosplay – costume de se vestir como
um personagem e incorporá-lo – desta série
junto de outros integrantes do PotterSampa.
Atualmente namoradas, conheceram-
se num evento de anime em 2006, quando
Luciana estava tomando conta de uma sala
de yaoi. “Eu cuidei da sala na Anime Dreams
de 2006 e continuei, até março de 2009, em
todos os eventos de anime organizados pelo
Grupo Yamato.”, conta a cosplayer do perso-
nagem Finlândia, de Hetalia.
Hetalia: Axis Power é uma ficção desen-
volvida em animação e em quadrinhos. Ori-
ginalmente publicada na internet, a série de
Hidekaz Himaruya é uma alegoria de fatos po-
líticos e históricos relacionados à Primeira e à
Segunda Guerra Mundial. Cerca de 40 países
são personificados em personagens que se re-
ferem pelo nome da nação que representam.
Atualmente, o ONU SP possui 20 inte-
grantes, que variam de 15 a 28 anos de idade,
sendo que apenas três deles são homens e
um é homossexual assumido. Sobre as garo-
Os hentai também agradam os
tas, a estudante de Multimeios, Clarissa No-
fãs por seus traços delicados e
vaes, afirma que a maioria é bissexual. Ela,
enredos bem desenvolvidos
que há pouco terminou um relacionamento

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 47


CONTOS

palavra
orgasmo na

Soltar o verbo, mas manter o clima. Marcelino Freire


ensina como deve ser feito o conto erótico

REPORTAGEM ANA CAROLINA NEIRA, NATÁLIA CACIOLI e PATRÍCIA HOMSI (1o ano de Jornalismo)
MAYARA MORAES (2o ano de Jornalismo) GUILHERME PROFETA, LUMA PEREIRA e NATHALIE AYRES (3o ano de Jornalismo)
IMAGEM MAYARA MORAES (2o ano de Jornalismo) e LUMA PEREIRA (3o ano de Jornalismo)

COM UM SIMPLES anúncio de garota pro- foi o aspecto que a motivou a participar do
grama, na página de classificados do jornal, Soltando a Língua, pois “realmente queria
pode se fazer um bom conto. E um conto fazer um curso que envolvesse literatura e
bastante apimentado. A sugestão partiu escrita”. O administrador Sérgio Augusto
do escritor Marcelino Freire aos 30 partici- Alves, de 46 anos, decidiu se matricular na
pantes da oficina literária Encontro de Lite- oficina porque achou interessante “a idéia
ratura e Erotismo, que aconteceu no SESC de escrever e falar de coisas eróticas em um
Pinheiro, no começo deste ano. O objetivo grupo”. Já Vivian chamou atenção durante
do projeto era fazer com que os participan- curso, pois a motivação para se inscrever foi
tes refletissem sobre o corpo, as sutilezas e diferente da dos outros alunos. “Ela queria
transformações que o envolvem, e como ele saber, conhecer um pouco mais da literatu-
tem sido retratado na literatura. ra erótica, para vender melhor os seus pro-
A oficina de escrita literária Soltando a dutos”, conta Freire.
Língua ficou a cargo do escritor Marcelino
Freire. “Já no nome a gente brincou com a HÍMEN LITERÁRIO A criação do Soltando a
temática erótica. É muito comum as pessoas Língua e a participação de diversos tipos de
terem bloqueio para escrever sobre o assun- pessoas representou a quebra da primeira
to”, esclarece o escritor. Uma das propostas barreira para conversar sobre sexo e explo-
foi possibilitar que o aluno rompesse bar- rar uma de suas manifestações. O próximo
reiras, de maneira a elaborar textos eróticos obstáculo seria transpor o bloqueio da es-
de qualidade. “É muito normal que o pessoal crita, mas o conhecimento da técnica nem
use chavões, frases feitas. Eu até brinco que sempre é o suficiente para produzir um
todo conto erótico sempre tem a frase ‘des-
ceu a mão pelas coxas’”, brinca Freire.
texto erótico. Marcelino Freire, mesmo com
vasta experiência, nunca escreveu um conto
“É muito normal que o
O gênero e a gratuidade do curso pos-
sibilitaram a participação de um público
desta temática. “Tem umas cenas explícitas
que eu coloco em algum momento de amor,
pessoal use chavões,
variado, “pessoas que se interessam mesmo porque a personagem está pedindo. Mas eu frases feitas. Eu até
pela literatura; que não escrevem conteúdos não conseguiria fazer um conto todo eró-
eróticos, mas querem saber; estudantes e tico por uma questão de não ter um clima. brinco que todo conto
professores”, explica o contista. Entre tantos Não consigo trabalhar”, admite.
alunos, “o mais curioso foi uma vendedora Para os alunos da oficina, o trato com erótico sempre tem a
de produtos eróticos”, Freire recorda. Era
Vivian Pereira da Silva Vieira, 29 anos, que
as palavras não foi o único problema. O
receio de falar sobre sexo também foi con- frase ‘desceu a mão
ingressou no curso principalmente por ele
ser gratuito. “Eu não tinha capital para isso
siderado na hora de escrever. Vivian conta
que, antes do curso, criava obstáculos para
pelas coxas’”
e queria muito fazer”, relata a vendedora. compor narrativas de conteúdo sexual.
Sandra Regina Santos, jornalista de 42 “Esse bloqueio é aquele que Marcelino fala
anos, explica que a literatura erótica não em que temos que ‘soltar o verbo’, usar as Marcelino Freire, escritor

48 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


LUMA PEREIRA
“Eu gosto de contos porque eles mexem com a
imaginação. Não é uma imagem que é jogada,
como no caso das fotos e vídeos, e sim a
experiência de alguém”

A.P., aluno da oficina


palavras certas para deixar o pessoal mais tavam todos “bagunçando e brincando com
à vontade”, explica a vendedora de produ- aquela situação”.
tos eróticos. “Vivemos momentos cheios Foi um dos momentos mais marcantes
de sensualidade e sexualidade”, e, devido a para Sérgio, o administrador. Ele ainda citou
esta realidade, Vivian se sentiu motivada a outro instante do qual não vai esquecer.
escrever sobre o tema. “Ouvi o texto de uma moça de uns 20 anos
Alves acredita que, a partir do exercício com aparência doce e frágil. Ela expressou
em grupo, é possível perceber como a es- um erotismo profundo, sem amarras, sem
crita se desenvolveu. “Quando você escreve, pieguices. De entrega plena e consciente”,
você faz sozinho e não tem muita referência descreve o administrador.
do quanto está progredindo. Numa oficina,
você tem com quem trocar e, aí, você avan- PINTANDO UM CLIMA O que inspira Sér-
ça”, observa. Sandra acredita que o curso gio a escrever é “a vida, a angústia, a dor,
sempre priorizou mais a escrita do que a te- o tesão, a raiva, a ignorância, o desamparo,
mática. “Mesmo a oficina tendo como tema o uma boa trepada”. Já no caso da jornalista
erotismo, o que se discutia ali, após a leitura Sandra “é a possibilidade de defender ou
de cada texto, era o estilo e a maneira de es- não uma idéia”. Vivian, por sua vez, elabora
crever”, conta a jornalista. Com o Soltando a os textos a partir de “contos de outras pes-
Língua, ela aprendeu mais do que driblar os soas”, incrementando essas histórias com
obstáculos da escrita do conto erótico, des- fantasias. Porém, com ou sem dificuldade,
cobriu a “maneira de combinar as palavras, “as pessoas que forem fazer uma oficina de
fugir dos clichês e principalmente dar voz literatura, mesmo a erótica, partem, naque-
ao personagem”. le momento, do mesmo desejo que é escre-
Já Vivian opina que o leitor desse tipo de ver”, ressalta Freire.
literatura nem sempre é tão intelectualiza- O conto é apenas um dos acessos ao ero-
do. “A pessoa quer uma aventura, um prazer tismo atualmente, apesar de nem sempre
a mais, e não achar palavras bonitas para ser valorizado. O estudante de informática
procurar no dicionário”, esclarece. Para a B.A.F, de 21 anos, por exemplo, já consumiu
vendedora, “o público erótico é uma coisa esse tipo de texto, e hoje diz não gostar
e o da poesia é outra”, então, enfatiza que é mais. “Achei que ficou mais do mesmo”, ad-
preciso “usar o verbo mais popular”. Mas a mite o rapaz. Já A.P. vê nessas leituras um
sutileza também é importante. A.P., desig- diferencial, desde que estejam bem escritas.
ner gráfico de 24 anos, é leitor de contos eró- “Eu gosto de contos porque eles mexem com
ticos e afirma que eles “são a experiência de a imaginação. Não é uma imagem que é jo-
alguém contada de forma excitante”. gada, como no caso das fotos e vídeos, e sim
Como forma de transpor os obstáculos, a experiência de alguém”, conta.
Freire sugere aos alunos que “se apresentem São depoimentos que confirmam a ideia
como se fossem personagens daqueles clas- de Freire, em que “o que interessa para o
sificados do jornal. Por exemplo: eu sou Pené- leitor é a história que está na entrelinhas,
lope, 23 anos, dominadora, homens e mulhe- as intenções que estão por trás daquilo que
res me liguem”. Em seguida, “eles fazem um estamos lendo”. É isso que ele tenta passar
conto com aquele personagem, aquele alter no curso. Para se expressar melhor, o escri-
ego que eles inventaram para si”, destaca o tor utiliza a metáfora de um quarto claro
escritor. Porém, enquanto todos inventaram em que a luz é depois apagada. “O conteúdo
apelidos, Vivian se recusou a fazer o mesmo. deste quarto aceso é o quarto escuro, o que
“Eu não consegui mentir por causa da cone- interessa quando estou lendo um livro: o
xão que tenho com o meu nome”, explica. que está por de trás”, reflete.
Para quebrar o tabu do sexo, houve no Para Freire, um conto erótico precisa
último encontro, apresentação dos produ- de “sombra, queda, tristeza, dúvida...”. Sem
tos do sex shop de Vivian. “Tínhamos uma eles, “tudo é explícito, tudo é superficial e
pessoa que entendia tudo desse mercado. não há nada que você possa tirar de huma-
Abri meia hora para que ela fizesse uma no, de existencial”. Ele acredita que é o clima
demonstração e falasse sobre os itens, a ex- de desejo que cria o erotismo e é possível
periência dela, e foi ótimo”, conta Freire. A enxergar isso em obras nem sempre consi-
vendedora comenta que passou “de mão em deradas assim. O conto “Missa do Galo”, de
mão cada produto para que pudessem ter o Machado de Assis, é um exemplo para ele. “É
toque”, e acrescenta que “no começo estava erótico porque trabalha com a sensualida-
todo mundo constrangido”, mas depois es- de, com o desejo, e com algumas coisas que

Marcelino Freire: o escritor ensina


como se faz um conto erótico ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 49
MAYARA MORAES

“A pessoa quer uma aventura, um prazer


a mais, e não achar palavras bonitas para
procurar no dicionário”

Vivian Pereira, vendedora

estão ali na sombra: aquele silêncio, aquele

A literatura crítica
escondido”, diz. Além disso, Freire conside-
ra que “escrever é, sobretudo, linguagem, o
cuidado com a palavra”.
Karen Stolz, que leciona Escrita Criativa
na Pittsburg State University, concorda, e
Apesar dos tabus que permeiam o sexo, o ser fortalecimento da Inquisição, iniciada em 1231, a assinala o cuidado que um escritor deve ter
humano sempre tentou expressar o desejo nudez e o sexo foram duramente repreendidos com as descrições. “Não é bom usar termos
libidinoso. Há relatos de objetos que remetem entre os clérigos. Giovanni Boccaccio, um dos românticos demais para partes do corpo,
ao erotismo desde 30000 a.C. Na Grécia Antiga, maiores autores da época, foi perseguido por mas também não abuse de palavras cientí-
cenas eróticas eram citadas na mitologia, como heresia pela produção de seu livro, Decamerão, ficas”, aconselha a professora. “Usar frases
as peripécias do deus olímpico Zeus, que amou que continha sátiras envolvendo a Igreja. Ainda feitas para anatomia, principalmente as vul-
diversas mortais e imortais e era conhecido assim, a produção continuou, passando pela gares, é outro jeito de tornar o conto mais
por seus disfarces de sedução. Os gregos Inquisição e pela França revolucionária, com pornográfico”, alerta.
encaravam com naturalidade representações os iluministas. No século XVIII, destaca-se a Ela, que já escreveu contos eróticos para
de sexo e nudez. Os romanos, por sua vez, eram literatura erótica do Marquês de Sade, cuja a revista americana Playgirl, uma versão fe-
habituados com esculturas eróticas. produção literária mostrou mais um viés para minina da Playboy, destaca que é preciso se
No Império Romano a literatura erótica se retratar a sexualidade. certificar se a trama é completa e “não exis-
desenvolve com Ovídio e seu Ars Amatoria, Hoje o tema é ainda um tabu. Mesmo com as te apenas devido às cenas de sexo. Mostre
um manual sobre sexo. Contemporãneo e idas e vindas, há avanços nessa área da literatura também como a vida sexual dos persona-
semelhante à este, há o mais famoso livro sobre que só os tempos atuais poderiam trazer, como gens interfere em outros aspectos de suas
sexo, o Kama Sutra. Escrito na Índia, no século a participação feminina. De acordo com a vidas”, ensina.
2 d.C, por Mallanaga Vatsyayana , a obra possui poetisa Alice Ruiz, a produção erótica feita por O limite entre a pornografia e o erotis-
ilustrações e detalhes de mais de 500 posições mulheres “faz com que se comece a conhecer a mo é tênue. “O que existe é a boa e a má li-
sexuais. Ele faz parte do livro Kama Shasta, que libido feminina. Antes disso, tudo que se sabia teratura”, enfatiza Freire. É nas entrelinhas
versa sobre a busca do prazer em geral. a respeito, (com raras exceções) era escrito por que residem os atrativos de uma história
Durante a Idade Média, porém, o catolicismo homens. Portanto, nada se sabia”. sexual bem contada, sem sobrar nem faltar.
reprimiu severamente qualquer sensualidade. Proibido ou banal, implícito ou explícito, o erotismo A necessidade de transpor os desejos em
Só na Idade Moderna o tema voltou a ser ainda se baseia naquilo que não é dito, mas texto sempre esteve presente no ser huma-
abordado, mas com grande represália. Com o sugerido. Naquilo que está por debaixo dos lençóis. no. Sendo assim, o sexo é feito de várias for-
mas: de tato, prazer, beijos e palavras.

50 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


LITERATURA

Eu, sádico?
Polêmico, o marquês de Sade se destaca na história da literatura ocidental
devido à desinibição e variações com que retratava o sexo em sua ficção

REPORTAGEM ANA LUÍSA VIEIRA, JULIANA RUIZ, GIOVANA NUNES, GIULIA AFIUNE, MARÍLIA DINIZ (1o ano de Jornalismo)
e BÁRBARA NÓR (2o ano de Jornalismo) COLABORAÇÃO THIAGO TANJI (2º ano de Jornalismo)

“Falastes-lhe [...] de Jesus Cristo, como se esse diversas vezes com um canivete e despejou
velhaco fosse alguma coisa senão um farsan- cera quente nos cortes. Considerado um do-
te e um celerado, dissestes a ela que foder era ente mental, passou os últimos anos de sua
pecado, ao passo que foder é a ação mais de- vida no sanatório de Charenton.
liciosa do mundo [...]”. Sade também foi perseguido por suas
A Filosofia na Alcova – Marquês de Sade ideias políticas. Durante a Revolução Fran-
cesa, foi detido por criticar a violência e a
MESMO PASSADOS QUASE duzentos anos pena de morte instaurada pelos rebeldes. Já
de sua morte, que ocorreu em 1814, as ideias no Império, a razão foi uma suposta ofensa
do francês Donatien Alphonse François de pessoal a Napoleão, cujo governo, na opi-
Sade, o marquês de Sade, continuam cho- nião de Sade, era corrupto. “Prefiro que você
cando o público. Considerado um escritor acredite que sou libertino do que um crimi-
“maldito”, seus livros só começaram a ser noso”, escreveu certa vez em uma carta à
publicados durante o século XX. Transgres-
sor e explícito, o sexo para Sade representa-
sua primeira esposa, Renée-Pélagie.
O sádico contraria as
va a libertação do homem. Acima de qual-
quer valor, moral ou religioso.
O SADISMO O marquês viveu e produziu sua
obra em um período marcado pelas instabi-
visões tradicionais
Criava-se a figura do libertino, que bus-
cava o prazer na crueldade e na dor. Mesmo
lidades políticas e ideológicas na Europa. Na
França, sua terra natal, tais contradições eram
do sexo e do amor e a
sendo membro da nobreza da França, o
escritor passou um terço de sua vida em
evidentes. Enquanto camponeses e burgueses
– o chamado Terceiro Estado – trabalhavam e
concepção católica que
prisões devido as suas práticas libertinas. pagavam impostos, a nobreza, improdutiva, encara o sexo como
A mais grave delas foi o estupro de Rosa detinha todos os privilégios sociais. O di-
Keller, a quem açoitou com um galho, feriu nheiro público era gasto em privilégios para pecado
ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 51
“Não vos espanteis com
REPRODUÇÃO

as blasfêmias: um dos
seus maiores prazeres é
injuriar a Deus quando
fico de pau duro”

Trecho de Filosofia na Alcova

Sade foi preso durante a Revolução Francesa devido às duas ideias trangressoras

a aristocracia e para o rei. Insatisfeitos com limites, em que tanto o prazer de quem ‘hu- em que a mais famosa obra do marquês foi
essa situação, os membros do Terceiro Estado milha’ quanto o de quem é ‘humilhado’ tem escrita. “Vale lembrar que a alcova – espaço
pegaram em armas e instauraram a Revolu- que estar presentes”, explica. privilegiado da experiência libertina – é um
ção Francesa, que depôs o monarca e seus No romance Filosofia na Alcova, publi- aposento localizado estrategicamente entre
princípios absolutistas. cado clandestinamente em 1795, a persona- o salão, onde reina a conversação, e o quar-
Sade analisou, como poucos, as peculia- gem Eugénie é levada a um castelo para ser to, destinado ao amor”, frisa. Com base no
ridades de seu tempo, formulando um sis- iniciada à educação libertina. Cenas de sexo filósofo metafísico francês, Yvon Belaval, a
tema de ideias alternativo às duas correntes se misturam aos discursos que criticam os autora afirma estar na alcova o encontro en-
vigentes na época, a cristã e a iluminista, costumes da época e sustentam a filosofia tre a filosofia e o erotismo.
se livrando das convenções éticas e morais. do prazer absoluto. A pesquisadora destaca ainda no deslo-
Para o escritor, a real condição humana era A linguagem, além de explícita, era mui- camento dos sentidos: as idéias corrompi-
baseada na hipocrisia, no preconceito, na tas vezes herética, profanando o nome do das por intermédio do corpo e o corpo que
corrupção, no egoísmo e aa crueldade. Deus católico: “Não vos espanteis com as se corrompe por meio das idéias. Tal carac-
Assim, em suas obras, o escritor descre- blasfêmias: um dos seus maiores prazeres é terística evidencia-se na própria construção
via práticas condenadas, como a sodomia e injuriar a Deus quando fico de pau duro. Pa- textual de Sade, oscilando entre a discussão
a associação entre crueldade e prazer, tão rece que meu espírito, então mil vezes mais filosófica e as cenas lúbricas. Para a unidade
importante em sua obra que o nome do exaltado, execra e despreza muito mais que entre pensamento e corpo, Eliane dá o nome
marquês deu origem ao termo “sadismo”. O essa quimera nojenta”. de “filosofia lúbrica”.
sádico contraria veementemente as visões Para a sexóloga, Sade não foi o principal No texto “O efeito do obsceno”, Eliane
tradicionais, tanto a do sexo como fator ine- precursor da liberdade sexual. Na obra do afirma que a ficção de Sade e de seus contem-
xoravelmente ligado ao amor, como a con- marquês, a mulher usufrui uma pseudo-liber- pornaeos é “marcada pela diversidade formal,
cepção católica que encara o sexo como pe- dade, que existe apenas enquanto não preju- só veio perturbar uma possível definição li-
cado, aceitável apenas quando possui fins dica ou interfere no prazer masculino. “Sua terária da pornografia”. Assim, dificulta-se a
reprodutivos. Além disso, é individualista: central contribuição foi dizimar o mito de que distinção de uma literatura erótica ou pornô
mais do que não se importar com o prazer sexo precisa ser delicado e angelical, ele pode na obra do marquês.
do parceiro, ele deseja o seu sofrimento acontecer com agressividade”, esclarece. Entre pensamento e atos sexuais e liberti-
para alcançar o próprio gozo. nos, compõe-se a obra do marquês que ainda
No entanto, a sexóloga Ana Maria Fon- NA ALCOVA Na obra Lições de Sade – en- hoje escandaliza aos mais pudicos. Sexo
seca Zampieri diz que hoje em dia, esta de- saios sobre a imaginação libertina (Editora grupal, uma pitada de dor e escândalos para
finição de sadismo é limitada. “As práticas Iliminuras, 2006), a pesquisadora Eliane sociedade européia do século XVIII, Sade fez
sádicas atuais envolvem muitas normas e Robert Moraes atenta a importância do local uma literatura, na verdade, libertária.

52 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


ESPORTES

dilemas da
TEXTO LUAN DE SOUSA, RODRIGO FABER, THIAGO TANJI e TOMAS ROSOLINO (2º ano de Jornalismo)

concentração
Sexo nem sempre é bem vindo nas vésperas de uma competição.
As opiniões divergem: precisa de tanto foco assim?
FOTO DE GIULIANO GOMES - GAZETA PRESS
FOTO DE MARCO FERRELI - GAZETA PRESS

SÓCRATES
Um dos atletas que mais defendeu a liberdade dos jogadores
foi Sócrates, mentor da “Democracia Corintiana” na década de
1980. Nesse movimento, a equipe podia escolher se iria para RONALDO
a concentração ou não. As festas e relações sexuais estavam
liberadas. A tática rendeu dois títulos paulistas ao clube Em 2004, Ronaldo, que hoje é centroavante do Corinthians, revelou o motivo de suas
alvinegro. Mesmo após deixar o futebol, o jogador continuou a exibições futebolísticas, que lhe renderam o apelido de “Fenômeno”. Em entrevista à
fazer severas críticas à reclusão dos jogadores. revista QG, o jogador, na época no Real Madrid, disse que fazer sexo antes das partidas
o motivava a jogar melhor.
FOTO DE DJALMA VASSÃO - GAZETA PRESS

VAGNER LOVE
Em 1986, o ex-atacante e hoje treinador, Renato Gaúcho vivia um bom
momento em sua carreira. Selecionado para a Copa do Mundo daquele
ano, que seria disputada no México, o jogador tinha totais condições de
ser o titular da equipe. Contudo, o técnico Telê Santana, conhecido por
sua rigidez, acabou cortando-o do grupo. O motivo: havia chegado à
concentração depois do horário combinando. Junto com Gaúcho estava
o lateral-direito Leandro, que sofreu a mesma punição.
Quem teve um destino menos duro foi Vagner “Love”. O atual
centroavante do Flamengo recebeu o apelido quando ainda estava nas
categorias de base do Palmeiras, em 2003. Durante a preparação para
a Copa São Paulo de Futebol Júnior, Love foi pego com uma mulher
dentro do quarto da concentração, em um hotel na cidade paulista de
São José dos Campos. Foi suspenso por alguns jogos, mas logo retornou
a equipe. E ganhou a alcunha de “artilheiro do amor”.

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 53


conservadores vs. liberais
JOSÉ LUIZ BITTAR E DJALMA VASSÃO - GAZETA PRESS

REPRODUÇÃO
PARREIRA e FELIPÃO DUNGA e MARADONA
Em 2002, Luís Felipe Scolari apoiou o regime de concentração para o Mundial “Nem todo mundo gosta de sexo, de tomar vinho ou de sorvete”. A frase dita
no Japão. O treinador proibiu a seleção de sair durante a noite e barrou a entrada pelo técnico da seleção brasileira, Dunga, não só apimentou as discussões a
de mulheres, mesmo namoradas ou esposas, no hotel. Coincidência ou não, respeito da concentração como serviu de provocação aos nossos eternos rivais
o Brasil foi campeão invicto. Vampeta, ex-volante do Corinthians e da seleção no futebol. Isso porque, dias antes, o técnico da Argentina, Diego Armando
pentacampeã, afirma que “na cultura da bola, no esporte em geral, o contato Maradona, havia liberado churrasco, vinho, doces e mulheres durante a
com mulheres na concentração nunca foi permitido. Essa disciplina não é só do preparação dos jogadores para a Copa do Mundo da África do Sul. Só fez uma
Felipão, mas dos técnicos em geral”, garante. Já na Copa da Alemanha em 2006, ressalva: os atletas só poderiam se relacionar com suas parceiras fixas.
o técnico da seleção, Carlos Alberto Parreira, deu liberdade aos atletas para se Ao contrário de Don Diego, Dunga adotou uma postura menos liberal em
divertirem na noite européia. Naquele ano, o Brasil fez uma má campanha e foi relação aos seus comandados, proibindo relações sexuais na concentração.
eliminado nas quartas de final pela França. A mídia e os torcedores apontaram a Contudo, já afirmou que, durante as folgas, poderiam ter liberdade para fazer o
conduta liberal como um dos motivos para o fracasso. que quiserem. Mas, preferencialmente, com moderação.

Não só no futebol...
FOTO DE PUPO - GAZETA PRESS

JEFFERSON SABINO
O atleta brasileiro de salto triplo, que disputou juvenil do São Caetano. “No vôlei, a gente treina
as Olimpíadas de 2008 e os Jogos Pan- horas antes dos jogos. Então, se fizéssemos um
americanos do Rio de Janeiro, não acredita que regime muito rigoroso, levaríamos os jogadores Durante os jogos de Pequim,
o sexo prejudique o desempenho esportivo. a um desgaste tanto físico quanto emocional.
“Na Vila Olímpica, tem muita gente que curte Períodos muito prolongados de convivência que ocorreram em 2008, 80 mil
se divertir, fazer sexo, isso é normal, já que prejudicam os relacionamentos”, afirma. Sobre preservativos foram cedidos
todos somos seres humanos. Meu treinador as relações sexuais, ele também tem uma
só recomendava cuidado com a bebida e o opinião positiva: “O sexo é uma atividade física para os esportistas que estavam
cigarro. O sexo era liberado até momentos como qualquer outra e não irá prejudicar seu na Vila. Após o fim do torneio, o
antes da competição”, recorda. desempenho. Ao contrário, esse é um ótimo
Quem também sustenta essa opinião é Flávio mecanismo para o atleta aliviar suas tensões
estoque já estava esgotado
Rebustini, mestre em Educação Física pela Mas tudo tem limites, não tem como passar a
Unesp e que já foi treinador da equipe de vôlei noite inteira na gandaia”.

54 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


MÚSICA
REPRODUÇÃO

volúpia
nos embalos da

Entre danças e músicas de diferentes culturas flutua a sexualidade.


Conheça a história dos ritmos sensuais e das letras eróticas
REPORTAGEM CÍNTHIA ZAGATTO, LAURA SALERNO e SORAYA CHANTRE (1o ano de Jornalismo)

AO SOM DO TANGO, o casal se encontra no titutas da cidade de Nova Orleans, onde os


meio do salão. Com gestos suaves se cumpri- pioneiros do ritmo conseguiam emprego. O
mentam. Ele segura a mão dela e passa a mão nome sofreu mutação conforme os músicos
firmemente pela cintura; ela com delicadeza sulistas migraram para o norte dos Estados
apoia a mão no ombro dele. Num movimento Unidos, já que nos cartazes de Nova Iorque,
breve os corpos se encontram. As pernas se a primeira letra era rasurada para causar
roçam e entrecruzam. Seguindo o ritmo, eles constrangimento – quando suprimida a letra
se afastam e aproximam, os passos são pre- “j” do início da palavra original, ela se resu-
cisos, leves e sensuais. O clímax paira entre
os dançantes. A música pode ser usada como
me a ass, “bunda” em inglês.
O rock’n’roll, inclusive, foi influenciado Os compositores
uma arma de sedução. Seja no rock, no samba
ou no funk. Entre ritmos e desempenhos va-
pelo jazz e também pelo blues. O novo ritmo,
no início dos anos 50, incomodou o conser-
utilizavam recursos
riados, o sexo se assemelha à dança: corpos
colados e a confiança nos movimentos do
vadorismo pela imensa repercussão de sua
dança e das letras com duplo sentido. A pri-
poéticos, como
parceiro são praticamente um ritual erótico. meira aparição do termo foi dada em 1922,
com Trixie’s Smith e “My Man Rocks Me With
metáforas, para
O CENÁRIO INTERNACIONAL Originalmen- a Steady Roll”. Paulo Chacon, em O que é rock enfatizar a intenção
te, o termo jazz vem de jass, gíria relaciona- (Ed. Brasiliense, 1983), analisa que o estilo
da a jasmim, perfume popular entre as pros- “precisa de liberdade física, o que ficou claro erótica nas letras
ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 55
de Elvis a Freddie Mercury, assim como das mídia e considerados de valor artístico tra-
pinturas multicoloridas dos hippies dos anos tavam, basicamente, da melancolia amoro- DO ERÓTICO AO SENSUAL
60 às cores agressivas do punk dos 70”. sa. Foi na década de 70, após a bossa nova,
Com Chuck Berry, Little Richard e Rolling o rock internacional e o movimento hippie,
Stones, o rock esteve munido de sexualida- que o sexo passou a ser diretamente retra- Surra de bunda
de. Nos anos 70, o manifesto pela liberdade tado pelos músicos populares. As Tequileiras do Funk trazem para o palco o
sexual foi substituído, em parte, por letras A novidade estava no teor estético. Os escolhido a, literalmente, levar uma surra de
de apologia à virilidade – Kiss e Aerosmith compositores utilizavam recursos poéticos, bunda ao som de: “Deixa ele experimentar a
dificilmente lançavam álbuns sem alguma como metáforas, para enfatizar a intenção nossa surra de bunda! Bate com a bunda...”
faixa com conotação sexual. Bon Scott, ex- erótica nas letras. “Nunca houve tantas can-
vocalista do AC/DC, em “Whole Lotta Rosie”, ções sensuais, alegres e amorosas como Reggaeton
contava a experiência sexual com uma mu- nessa fase”, afirma Rodrigo Faour, em entre- O estilo, que já foi ameaçado de proibição,
lher de “grande porte”, a Grande Rosie. vista concedida ao programa Altas Horas, da mostra-se vivo no Brasil, com Motirô e Leilah
Rede Globo. “Eles já escancaravam porque Moreno. A dança, chamada perreo, imita a
ZIRIGUIDUM No Brasil colonial, o mulato houve uma abertura, inclusive política, que posição sexual de um cachorro. Daddy Yankee,
brasileiro Domingos Caudas Barbosa impres- refletiu na música”, complementa. Wisin e Yandel e Pitbull são exemplos de artistas
sionava os salões da corte portuguesa com Hoje, o axé music, o funk carioca e algu- polêmicos por suas letras de teor pornográfico:
músicas de cunho erótico. Os principais esti- mas vertentes do forró cuidam da sexualida- “Abre suas pernas, quero ver você agir como um
los da época eram a modinha e o lundu, que de. “A MPB dita mais culta e de bom gosto anda animal” (letra de “Toma,” de Pitbull).
traziam temáticas maliciosas sobre a relação muito careta. Quem transgride ainda são os
entre a casa-grande e a senzala. que sempre transgrediram”, comenta Faour. Axé
O maxixe, considerado o primeiro ritmo Segundo ele, a produção “burguesa” continua No candomblé e na umbanda, uma saudação
urbano genuinamente brasileiro, foi criado produzindo “dramalhões inacreditáveis”. religiosa de energia positiva; na música, fusão de
no fim do século XX. Condenado pela so- ritmos nordestinos, caribenhos e africanos com
ciedade devido à dança e ao ritmo, o estilo SEDUZINDO OS PALCOS Na junção teatro, embalagem de pop-rock. O estilo decolou em
era bem representado pela criticada “Corta- dança e música, o erótico mostra-se presente 1992, com Daniela Mercury e É o Tchan. Hoje, as
Jaca”, de Chiquinha Gonzaga. A música, que em musicais como Chicago, de 1975. A peça micaretas (carnaval fora de época) traduzem o
traz uma expressão popular da época para traz figurinos provocantes, personagens fe- refrão “quero mais é beijar na boca”, como diz a
sexo, inspira uma comparação feita pelo pes- mininas em roupas pretas e justas, além da letra de Beijar na boca da cantora Claudia Leitte.
quisador Rodrigo Faour, em seu livro Histó- coreografia sensual dirigida por Bob Fosse.
ria Sexual da MPB – A Evolução do Amor e do Em 1968, Hair abordava a cultura hippie e Kuduru
Sexo na Canção Brasileira (Ed. Record, 2006). a revolução sexual. Dentre as características O grupo Os mulekez, em “Kuduru”, descreve o
Para ele, a pianista se aproxima da cantora inovadoras, a mais chocante para a época foi ritmo: “Vixe Maria, é coisa nova. Isso não é rap,
de funk Tati Quebra-Barraco. Como relação, o uma cena de nudez em que se protestava a isso não é samba, essa mania vem de Luanda”.
autor apresenta a represália e o rótulo vulgar repressão sexual e a falta de liberdade. Quase Mais uma contribuição africana, de um estilo
empregado tanto no maxixe quanto no funk, trinta anos depois, Rent (1996) foi muito bem que em português significa bumbum duro.
assim como o preconceito sofrido pelas ar- recebido pelo público ao abordar as conse-
tistas ao atuarem em um cenário machista. qüências de uma vida sexual descuidada e ao Funk
Já as marchinhas de Carnaval e as sen- expor a Aids. Mais recentemente, em 2006, “My Pussy é o Poder”, de Gaiola das Popozudas,
suais trilhas sonoras do Teatro de Revista o musical Spring Awakening expôs a relação traz a vulgaridade “Na cama faço de tudo, sou eu
figuravam apenas num cenário paralelo ao com a sexualidade de jovens alemães do sécu- que te dou prazer. Sou profissional do sexo e vou
da MPB. Isso se deve ao fato de que, até os lo XIX – a masturbação, sexo, suicídio, alusão te mostrar por que”. Na dança, os movimentos
anos 60, os estilos musicais veiculados na ao aborto e ao abuso infantil. de quadril, entre descidas, subidas e balanços
voluptuosos: o ritmo é o retrato do erotismo.

Dança do ventre
A dança oriental, também contemplada em
cerimônias religiosas, prova que o sensual e o
vulgar não precisam caminhar juntos. Desperta
a libido e deixa a mulher ainda mais feminina,
sedutora e misteriosa. Os movimentos exigem
concentração, flexibilidade e leveza.

Latinas (salsa, rumba, samba, merengue)


Peculiar pela malemolência, as danças exigem a
espontaneidade da malandragem para conferir
alegria e sensualidade. Os passos, são executados
em casais, expressam desejo e conquista.

Zouk/Lambada
O primeiro, caribenho, é considerado a nova
lambada, mas com passos mais lentos. A dança
é marcada pelo envolvimento. Atrativo entre
casais que desejam “apimentar” a relação.

Tango
Desejo e corpos entrelaçados: o baile é
exibicionista e o casal troca carícias enquanto
expectadores tornam-se voyeurs da sensualidade.
O ritmo é essencialmente apaixonado.

56 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


TEXTO GUSTAVO NÁRLIR e LAYS USHIROBIRA (2º ano de Jornalismo)
FOTO LAYS USHIROBIRA (2o ano de Jornalismo)
COMIDA

REPRODUÇÃO
Longan: fruta com o

chef
princípio ativo do Viagra

Libido à moda do
Da mesa à cama, alimentos intensificam a forma de sentir prazer
“Eu quero um ovo de codorna pra comer/O espumas do mar depois que Chronos cor- concentram vitaminas que podem ajudar
meu problema ele tem que resolver/Eu tô tou e jogou os genitais de Urano, seu pai, no no metabolismo. Temperos como cravo, noz
madurão/Passei da flor da idade/Mas ainda mar. A partir de então, surgiu a crença de moscada, canela, coentro e anis também
tenho alguma mocidade,/Vou cuidar de que todo alimento vindo do mar pode incre- podem estimular o apetite sexual, assim
mim/Pra não acontecer” mentar a relação. Algumas frutas, legumes, como outras funções do organismo.
(Trecho da música “Ovo de Codorna”, de Luiz especiarias e até mesmo bebidas alcoólicas O dionisíaco vinho também entra na
Gonzaga) também podem se encaixar nesta categoria. lista dos afrodisíacos. Além de eliminar ini-
As comidas consideradas afrodisíacas bições como toda bebida alcoólica, contém
O amor se conquista pela boca. Pelo não são exclusivamente estimulantes sexu- polifenóis. Essas substâncias aumentam o
menos é isso o que a cultura popular vem ais. Na verdade, a maioria possui substân- fluxo sangüíneo nos vasos periféricos e,
transmitindo há gerações. Se essa for a regra, cias que podem ativar todo o sistema neuro- consequentemente, melhoraram o funcio-
preparar um prato estimulante pode ser boa lógico e físico das pessoas. “Estes alimentos namento dos órgãos reprodutores. Contudo,
ideia. Foi exatamente por causa disso que as existem na prática, pois não são reconheci- não adianta exagerar. Aquilo que podia ser
comidas afrodisíacas ganharam força com dos pela FDA (Administração Americana de romântico pode se tornar constrangimento
o passar do tempo. Diversos restaurantes Comidas e Drogas)”, conta o nutricionista na hora H. “O álcool é um depressor, por isso
apostam no sucesso desses alimentos no Froébio da Silva, que trabalha na Compa- quando é consumido demais pode causar
cardápio e aproveitam para criar um clima nhia Athletica de Ribeirão Preto e é especia- impotência sexual”, orienta o nutricionista
durante as refeições. Pode ser que os clien- lista em nutrição esportiva. Froébio da Silva.
tes não saiam de lá prontos para ir para a Silva ainda esclarece que há diversas ex- A lista ainda traz ovo de codorna – que,
cama, mas já pode ser o primeiro passo. plicações para a associação dessas comidas segundo a crendice popular, como a ave
O termo “afrodisíaco” é derivado da à estimulação sexual. Geralmente, o motivo copula diversas vezes em curto espaço de
mitologia grega. Mais precisamente, do é que algumas frutas e carnes são ricas em tempo, ela transmite este vigor aos ovos pro-
nome de Afrodite, também conhecida como zinco, elemento precursor do hormônio se- duzidos – e os tradicionais amendoim, catu-
Vênus. A história conta que ela nasceu das xual testosterona. Bananas, pêras e ameixas aba, guaraná e chocolate. Este dois últimos

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 57


LAYS USHIROBIRA
são alimentos ricos em cafeína, enquanto os outros tra-
zem proteína em abundância.
Vale ressaltar que os alimentos afrodisíacos não têm
estímulo instantâneo e nem sempre podem funcionar.
Mesmo assim, a ingestão pode aumentar sensações que
basicamente nascem de fatores emocionais. Abaixo
segue uma lista de frutas, temperos e pratos que podem
estimular a vida sexual. Além de saborosos, eles podem
ser eficientes. Não custa nada experimentar.

CURRY
Este é um dos pratos mais pedidos no restaurante Tele-
Thai e custa R$30. O curry é um ensopado quente com
especiarias típicas trituradas. O sabor picante, como o
da pimenta, colabora com o aumento da frequência car-
díaca. À base de leite de coco, pode ter variações, como
o keng massaman (cebola, cenoura, batata e castanha de
caju), o keng ped (que tem como complementos abacaxi,
uvas, beringela e limão kaffir), o keng kiaw waan (be-
rinjela lião kaffir e manjericão tailandês) e o keng pa-
nang (maçã e cenoura, considerado picante).
 
LONGAN
A fruta de origem asiática contém alto teor de fósforo,
substância que estimula o sistema neurotransmissor e
físico e vitamina E, que tem a função de antiesterilidade e
melhora na circulação do sangue. Além disso, há o ferro e
cálcio, que propiciam uma alimentação rica e nutritiva. É
utilizada também na medicina chinesa para o tratamen-
to de anemia, cólicas estomacais e atua como regulador
da temperatura corporal. No Mercado Municipal de São
Paulo, o quilo pode ser comprado por R$ 90,00.

MANGOSTIM
Também originário da Ásia, é chamado de “fruta da rai-
nha” pois, segundo a lenda, foi considerada a fruta mais
gostosa do mundo pela rainha inglesa Victoria. O sabor
é doce e levemente ácido e a textura é semelhante à da
lichia. Possui grande concentração de zinco, mineral uti-
lizado na produção do Viagra, e ajuda na produção de tes-
tosterona no organismo. O preço do quilo pode variar de
acordo com a época do ano, mas se aproxima de R$ 80,00.
 
PEQUI
Drink de longan com vodka Endereços de lugares É rico em vitaminas C, que fortalece as paredes dos
    vasos sanguíneos e garante a boa circulação dos gló-
Coloque cerca de 10 longans sem Amazon Frutas Exóticas bulos vermelhos. Além disso, o pequi fornece doses de
as sementes no liquidificador Mercado Municipal de São Paulo – Rua K, Loja 18 potássio, vitamina E, cálcio e magnésio, podendo ser in-
Rua Cantareira, 306 gerido cozida com frango, em licores e doces. O quilo da
Adicione 3 ou 4 gotas de limão e Telefone: (11) 3228-2524 polpa do pequi chega a custar R$ 150,00.
cubra com bastante gelo picado  
G. Frederico e Cia. Ltda PITAIA
Adicione 2 doses de vodka de boa Mercado Municipal de São Paulo – Rua F, Loja 21 Este fruto tem origem brasileira e seu nome quer dizer
qualidade e açúcar à gosto Rua Cantareira, 306 “fruta escamosa”, devido à viscosidade da casca. Há três
Telefone: (11) 3208-1854 tipos de pitaia: com casca amarela, com a coloração in-
Bata no modo pulsar deixando   terna branca ou vermelha. Famoso no Mercadão de São
em pedacinhos bem pequenos Tele-Thai Culinária Tailandesa Paulo pela barraca de frutas exóticas, Roberto Pereira
e despeje em uma taça deixando Rua Caiubi, 1442, Perdizes afirma que o efeito afrodisíaco é eficaz por causa das
derramar parte da espuma Telefone: (11) 3676-1774 substâncias que a fruta possui. “Todos os tipos de pi-
  taia contém o zinco, que realmente estimula as células
Raspe a espuma com a espátula e Thaï Gardens e é essencial ao corpo humano, além de restabelecer o
sirva com uma longan fresca na Av. Nove de Julho, 5871, Jardim Paulista organismo”, explica. O quilo da pitaia amarela custa R$
borda do copo Telefone: (11) 3073-1507 120,00; já o da branca e da vermelha custam R$70,00.

58 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


TEXTO JÉSSICA ORSINI, KALUAN BERNARDO E PATRICIA ALVES (1º ano de Jornalismo)
CURIOSIDADES

REPRODUÇÃO
REPRODUÇÃO

Uma arte
ERÓTICA
Casado com Cicciolina, o artista Jeff Koons faz exposição com teor sexual

Entre 1989 e 1991, o artista plástico e escultor Jeff Koons desenvolveu o


projeto Made in Heaven (Feito no Céu), que explora a temática sexual na
arte. Munido de gesso, vidro, plástico e madeira, ele teve como modelo
sua esposa na época: a atriz pornográfica Ilona Staller, mais conhecida
como Cicciolina.
O choque da proposta artística de Koons e a representação da modelo
que fez polêmica na Itália da década de 1970 podem ser vistos no
conjunto destas obras. As peças mais ousadas mostram o próprio casal
fazendo sexo explicitamente. Para o artista as imagens “representam
beleza e sentimentos” e justifica dizendo que ali havia “amor, por isso não
era pornográfico”.
No livro Jeff Koons, da editora Taschen,a historiadora de arte Katy
Siegel afirma que “Made in Heaven representa um espantoso gesto de
autocriação a partir dos materiais culturais e ideologias da época”. O
próprio Koons explica que sua intenção nas obras não era excitar as
pessoas sexualmente, mas sim o intelecto das mesmas. “Tentei extrair a
sexualidade das imagens e coloca-las nos objetos, nas peças com flores e
animais”, afirma.
Hoje, Made in Heaven é avaliado em 20 milhões de dólares e seu criador
reforça que a intenção foi apenas “testar a validade da pornografia como
arte”, longe de querer incitar o desejo público. No conjuntos da obra de
Koons é possível notar a abordagem de fatores pós-modernos, aliados ao
Romantismo e ao Barroco, em que elementos cotidianos são colocados
em questão. O imaginário e a reflexão são aguçadas, deixando em voga
na arte um assunto da essência humana: o sexo.

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 59


TEXTO MARIANA AURESCO (1º ano de Jornalismo), ANA LUCIA SILVA
CURIOSIDADES e THAÍS FREIRE (3º ano de Jornalismo)
IMAGEM ANDRÉ SOLLITTO e THAÍS FREIRE (3º ano de Jornalismo)

Feira livre
Erótika Fair: onde sexo, negócios e diversão se encontram

Em seis dias, duas vezes por ano, o Mart Center na Vila Guilherme (SP)
consegue reunir 20 mil visitantes para falar sobre o mercado erótico. Este é a
Erotika Fair, cuja 16ª edição aconteceu em abril, sob o lema “Erotismo também
é cultura”. Lá é possível conferir mostras de arte, shows, palestras e produtos
ligados ao universo do sexo.
A feira foi criada por Evaldo Shiroma, presidente da Associação Brasileira das
Empresas do Mercado Erótico (Abeme). Segundo ele, hoje, o público é formado
por 55% de homens e 45% de mulheres, sendo os casais responsáveis por
metade das visitas. Mas nem sempre foi assim: em 1997, na primeira edição, 95%
do público era masculino. “Isso é reflexo do consumidor erótico atual. O público
feminino é responsável por 75% da demanda no Brasil”, explica.
A ideia para a feira surgiu após a constatação de Shiroma da ausência de um
evento que representasse tal mercado. Em uma entrevista informal ele percebeu
que 95% das pessoas eram curiosas a respeito de sex shops, mas nunca tinham
ido a um. Segundo ele, “o Brasil movimenta cerca de R$ 1 bilhão por ano e não foi
afetado pela crise mundial. O mercado nacional ainda tem muito que crescer. Os
EUA, por exemplo, gera em torno de R$ 12 bilhões ao ano”.

ATRATIVOS A área gratuita da feira é chamada de “Business”, onde há stands de


distribuidores, fabricantes, sex shops e personagens curiosos. São mais de trinta
lojas, com vitrines repletas de vaginas de silicone, chicotes de couro, algemas de
pelúcia, cosméticos de uso sexual, lingeries, fantasias, bonecas e até itens excêntri-
cos como porquinhas infláveis. Os pênis de plástico, conhecidos como consolos,
são os líderes de procura e variedade. Seus preços oscilam de 35 a 64 reais, en-
quanto os cosméticos são mais baratos, variando de 6 a15 reais.
O setor Hot é o maior atrativo da feira. É preciso desembolsar R$50,00
para conferir as atrações: shows de strip-tease, pole dance, cenas de
sadomasoquismo, labirintos de swing, voyerismo e baladas.
A feira estimula o mercado pornô trazendo novidades aos clientes e um novo
espaço aos empresários do ramo. A próxima edição do Erótika Fair, segundo
Shiroma, contará com representantes internacionais. Uma área que não sofreu
prejuízo nem com a crise só tende a provar uma coisa: sexo nunca sai de moda.

60 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


CRÔNICA
TEXTO E IMAGEM LIDIA ZUIN (3o ano de Jornalismo)

Cousa mui misteriosa


Lá pelo começo dessa década, eu ainda morava numa cidadezinha brincadeira, as meninas se reuniam e tentavam entrar num consenso de
chamada Porto Feliz, no interior de São Paulo. Imaginem um lugar em quem iria beijar quem. O mais legal é que eu era a única sem nenhum
que não existe cinema, shopping, livraria, McDonald’s – perceba o tempo par formado, então tive que tomar atitude e escolher a minha vítima: um
verbal e conclua que não há até hoje. menino mais novo que eu e o mais quieto da festa.
Os assuntos variavam entre o que passou na TV e quem você tinha Enquanto elas “faziam charminho”, eu preparava minhas perguntas para
encontrado na missa de domingo, obrigatória para os “catequizandos”. o tal de Fernando. Já naquela época, eu era a esquisita, então, não tinha
Embora a criançada fosse lá querendo ganhar bíblias e terços sorteados chance com quem já me conhecia. Eu não estava conseguindo dar
pelo padre, os mais crescidinhos preferiam ir de sábado à noite para minhas investidas, então a pressão popular fez com que o Desafio dos
ver quem estaria na praça da Matriz depois da cerimônia. Ou seja, uma outros se voltasse para nós dois: beijo no rosto, murmúrio na orelha...
estratégia de sedução, de “xaveco”, como ainda dizem. Entediados, eles desligaram a luz do quarto, fecharam as janelas e
O meu círculo de amizade se fechava no colégio católico em que estudei mantiveram apenas um abajur aceso. Música lenta, no computador. Os
por oito anos. Éramos todas da mesma idade, mas algumas já pensavam casaizinhos pré-formados dançam. O Fernando acabou me convidando
em meninos, enquanto eu ainda me preocupava com a “Casa Romântica e, de repente, pediu para que eu olhasse para ele, sem dizer nada. Fiquei
da Barbie”. Mas será que aqueles garotos iriam notar aquelas baranguinhas esperando ele me convidasse para jogar Mario Kart, mas ele pôs os
despeitadas e ainda arredondadas pela infância? Ninguém tinha recebido a lábios dele sobre os meus e pediu para que eu abrisse a boca. Ora, pra
visita do “Chico” e todo mundo tinha medo de que isso acontecesse. quê? “Mexe a língua”, ele dizia enquanto eu morria de nojo. “Espera um
Um dia, uma das meninas estava de sutiã. Outro dia, tocaram no assunto pouquinho, já volto”.
menstruação. Era incrível como o pavor obscurecia os olhos daquelas Saí correndo do quarto e me tranquei no banheiro. Enxagüei a boca
garotas de 12 anos. Todas se entreolhavam, recriminando-se, tentando umas três vezes e fiquei uns minutos refletindo. “Que nojo, que nojo”. Pelo
descobrir quem já havia sido vítima. Ninguém confessava. Até que resto da festa, fiquei sem falar com o Fernando. Por uma semana, fiquei
chegou a minha vez. pensando nele. Quinze dias depois, ele estava afim de outra.
Minha mãe precisou sair do trabalho para me levar para casa, porque Agora, eu me pergunto se isso tudo foi infantil da minha parte.
aconteceu na escola. Foi preciso que ela me contasse que eu havia Certamente! Mas também não conheço quase ninguém que se deu bem
menstruado – eu não queria acreditar. Enquanto eu chorava muito, meu nas “primeiras vezes”. O tabu da menstruação e de ficar com alguém já
pai dava risada, em outro cômodo. “Sabia que tem culturas que fazem havia sido superado na oitava série, último ano em que fiquei naquela
festa para isso?”. Nossa, que legal. Quem comemora por começar a escola. Já o sexo ficava muito nas entrelinhas, “cousa mui misteriosa”
sangrar todo mês, sentir cólica e ficar uma semana (ou mais) tendo seus que se contava aos sussurros, na beira das calçadas, apoiando os pés no
argumentos invalidados pela TPM? patinete de roda gel. Era coisa que não fazia sentido, que só aparecia nos
Superado esse problema, a próxima etapa era perder o “BV” (boca virgem). filmes como um “esfrega-esfrega”.
Para começar, ninguém era atraente: uma tinha “monocelha”, as outras, Engraçado pensar numa infância assim, cheia de curiosidade mas
incluindo eu, eram gordinhas. O jeito era abusar da estratégia. Como uma preenchida por uma quase ignorância aos assuntos “adultos”. Na aula
delas tinha um irmão mais velho e havia uma festa no fim de semana, de ciências, pôr camisinha na banana era tão desinteressante quanto
todas compareceram e aceitaram a proposta de Verdade ou Desafio. estudar o ciclo da água. Acontece que recentemente, já morando na
Num quarto de porta fechada, ouvindo Raimundos, os casaizinhos capital, fiquei sabendo que uma dessas minhas amigas engravidou. Com
começaram a se formar por trocas de indiretas. Nos intervalos da 18 anos, a minha amiga que tinha medo de menstruar, era mãe.

ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010 61


ALI NA ESQUINA
TEXTO ANDRÉ OLIVEIRA e FERNANDO ANTONIALLI (1o ano de Jornalismo)
FOTO ANDRÉ OLIVEIRA (1º ano de Jornalismo)

No escurinho do cinema
Cine Paris: do glamour à extravagância sexual no centro de São Paulo
A UMA QUADRA do cruzamento das avenidas com o mesmo tema. Nestes compartimentos, os Dono da comunidade do orkut “Cinemões
Ipiranga e São João, um painel chama a atenção: chamados glory holes, orifícios feitos nas paredes, de São Paulo”, Glamm destaca que “há públicos
“Cine Paris – o mais completo cine privê. Som e permitem que os usuários exponham a genitália a específicos para algumas salas, mas isso não é
projeção digital, ar condicionado”. Ali, na Praça da quem oferecer sexo oral. regra”. Existem as seguintes divisões: os cinemas
República, está uma das mais de vinte salas de O que até 30 anos atrás era um reduto de de “pegação”, frequentados por gays; os de “travas”,
cinema pornôs do centro. glamour, hoje é marcado pela degradação. por travestis; e os de “racha” – por prostitutas. Os
No local, por 19 anos, funcionou o Cine Arcades, Tráfico de drogas, prostituição e mendicância são públicos geralmente não se misturam, deixando
que mudou de nome no início da década de 1990. comuns nos arredores dos cinemas do centro. evidente a classificação de cada cinema.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Ocymar Obrigadas a trocar os filmes convencionais pelos E de tudo acontece nas salas. “Já vi um homem
dos Santos, responsável pelo estabelecimento, pornôs estas salas passaram a atender o novo sem as pernas se arrastando entre as fileiras do
tomou a atitude para cortar gastos. “A intenção público da região: gays, travestis e prostitutas. cinema para fazer sexo oral; um senhor de uns
era continuar com o convencional, mas o cinema 90 anos andando de calcinha e coturnos; idosas
estava totalmente no vermelho. Aí resolvemos CINEMA LIBERTINO Os cinemas que exibem fazendo sexo; homens acima de qualquer suspeita
colocar o erótico”, disse. A mudança para o filmes pornôs possuem um público fiel. Juninho usando calcinha, salto alto, batom...”, relata Glamm.
serviço oferecido hoje aconteceu somente em Glamm frequenta as salas há dezoito anos em A única sala do Cine Paris possui 188 poltronas,
2006, quando a programação exclusivamente busca de sexo descompromissado e aponta que e as paredes pretas dão um ar misterioso. Ali
pornográfica foi adotada. o preconceito contra os homossexuais é a prin- a promiscuidade na tela e na platéia cria uma
As projeções são contínuas, dia e noite, sete cipal causa da popularidade dos ditos cinemões. atmosfera densa, adorada por muitos. “Tesão” é a
dias por semana. Os filmes em cartaz não têm “Você não vê o cinema hétero, a boate hétero, o palavra que Glamm usa para definir os cinemões.
horário definido: quando um termina, começa o bar hétero; mas o cinema gay, a boate gay, o bar
próximo e o espectador pode permanecer ali o gay existem, por conta da dificuldade do homos- CINE PARIS
tempo que quiser. O Paris, como outros cinemas sexual em interagir com outros sem ser posto para Av. Ipiranga, nº 808, República
do gênero, oferece um dark-room aos clientes - sala fora, ou ser visto com olhar de desaprovação pelos São Paulo – SP
sem iluminação, onde é possível praticar o sexo heterossexuais. Os cinemas cumprem essa função, (11) 32239805
anônimo. Atrás da bilheteria, há cabines privativas de aproximar homens que não precisam se repri- Todos os dias, 24h por dia
e individuais com outras opções de filmes, porém mir para fazer sexo com outros homens”, explica. Entrada R$8,00

62 ESQUINAS 1º SEMESTRE 2010


“Ainda somos fruto da educação de uma
época política de proibição total. Estamos
agora cavando uma liberdade e devemos
isso à Aids, infelizmente e felizmente.
O planeta todo foi obrigado a falar de
sexualidade, quebrar tabus e conversar”

Página 9

Você também pode gostar