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Traduzido do original inglês

The Nature of Truth


By Gordon H. Clark

Via: gordonhclark.reformed.info

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Tradução e Capa por Igor Paz


Revisão por Dione Cândido Jr.
“A Natureza da Verdade” é um artigo não
publicado dos artigos do Dr. Gordon H. Clark.

** Os itens deste artigo não publicado do Dr.


Gordon H. Clark não deveriam ser
considerados sua palavra final ou definitiva
sobre um tópico particular. Estes artigos estão
sendo providos por um valor educacional.
Para a posição oficial do Dr. Gordon H. Clark
consulte suas obras publicadas. **
A Natureza da Verdade

Embora pareça haver pouco proveito em


especular sobre o grau de profundidade
filosófica de Pilatos quando ele perguntou “O
que é a verdade?” (João 18:28), um cristão faz
bem em considerar previamente a declaração
de Cristo, “Eu sou a verdade” (João 14:6), em
conjunto com outras passagens das Escrituras
que podem esclarecer a natureza da verdade.
Uma vez que os protestantes, em contraposição
aos romanistas, rejeitam um literatismo nas
palavras “Isso é o meu corpo” (Mateus 26:26),
e uma vez que outras frases de Cristo, como por
exemplo “Eu sou a porta” (João 10:9), são
figurativas, obviamente, não se deve
imediatamente assumir que “Eu sou a
verdade” seja literalmente verdade ou que a
natureza da verdade seja ‘pessoal’ e, portanto,
não-proposicional e não-lógica. Pelo menos
outras visões devem ser consideradas; e aqui
três teorias serão brevemente examinadas.

A primeira destas três visões, na falta de


um nome melhor, será chamada de a visão
empírica da verdade. Que a visão a ser descrita
seja empírica, ninguém pode negar; embora
possa haver empiristas que não aceitam todas
as descrições. Se é possível ter um empirismo
consistente sem um ou outro destes elementos,
todo mundo deve considerar por si mesmo.

Esse empirismo professa descobrir a


verdade na experiência sensorial. As duas
ideias a serem notadas são descoberta e
experiência. A verdade é dita ser descoberta ou
concedida, não é construída ou reconstituída
com o auxílio de formas a priori da mente. A
confiança é colocada nos dados sensoriais. A
ideia de uma árvore é um dado sensorial, não
uma obra da imaginação produtiva, e o mesmo
se dá com uma nuvem e uma montanha. Assim,
as coisas são encontradas na ou pela sensação
somente.
Este ponto de vista não implica
necessariamente na análise de Locke, da
experiência nas ideias simples de branco,
amargo, macio, e assim por diante; mas mesmo
que os dados sejam completos, à maneira da
psicologia da Gestalt, é essencial que eles sejam
fornecidos em sua totalidade em uma única
experiência de receptividade, e que a verdade
consista nestas percepções com as suas
legítimas combinações.

Os cristãos proponentes desse


empirismo veem nesta última três vantagens.
Primeiro, ela está em acordo com o senso
comum. Uma pessoa sem instrução jamais iria
suspeitar que a ideia de árvore ou montanha
seja outra além daquele dado sensorial. Para a
consciência ordinária, não parece haver
qualquer operação intelectual envolvida ali.
Segundo, um cristão em particular pode
facilmente crer que essa visão seja
extremamente favorável, para não dizer
necessário, para uso apropriado das evidências
cristãs. Os argumentos a partir dos milagres, do
cumprimento de profecia e, especialmente, da
ressurreição de Cristo, não demandam uma
epistemologia empírica? E terceiro, já que a
história da filosofia fornece exemplos de
pontos de vista dos quais se implica em
onisciência para evitar o ceticismo e ceticismo
para evitar a onisciência, o empirismo
parece precisamente orientar entre esta Cila e
Caríbdis.

No entanto, visto que problemas


epistemológicos são extremamente complexos,
de modo que uma certa adesão à uma visão
detalhada faça fronteira com a temeridade, não
seria surpreendente que o empirismo tivesse
que enfrentar graves dificuldades. A história do
empirismo britânico, de Locke à Hume, é a
prima facie das suas implicações céticas. Não
que a ligação entre empirismo e ceticismo
dependa da enumeração das ideias simples de
Locke. Não só os empiristas mais tardios e
radicais como James, Schiller e Dewey tendiam
para o ceticismo, mas o próprio Hume fez
pouco uso da análise de Locke. Uma segunda
dificuldade, talvez não tão evidente assim, diz
respeito à existência dos dados sensoriais.
Mesmo com todo esforço de Kant para evitar o
ceticismo de Hume, ele ainda insistiu em dados
sensoriais e o desenvolvimento de Kant à Hegel
foi tido como a sua fase mais importante nessa
busca por esses dados. A busca foi um fracasso.
Um hegeliano contemporâneo, Brand
Blanshard, na sua obra The Nature of Trought,
ainda foi incomodado com o mesmo problema.
E se supormos que essa não é a lição que o
cristão deve tomar do hegelianismo, pode-se
lembrar que Santo Agostinho também foi
incapaz de encontrar um dado sensorial
existindo aparte de uma operação intelectual.

Estas duas dificuldades dizem respeito à


função da mente humana em sua obtenção da
verdade e podem, portanto, serem chamadas
de subjetivas. Deve-se também distinguir certas
considerações objetivas para as duas
perguntas “o que é a verdade?” e “como
conhecemos?”, pois embora estejam
relacionadas, elas não são idênticas. O uso
posterior desta distinção será feito mais tarde.
No que diz respeito ao empirismo, a dificuldade
objetiva se reduz à questão de se a unidade da
verdade pode ser
preservada sistematicamente ou se os dados,
precisamente porque são dados, devem ser
desconectados ou não sistematicamente. A
mera menção desta dificuldade objetiva deve
ser suficiente neste ponto de vista da
controvérsia de que as dificuldades subjetivas
com o empirismo parecem ser insuperáveis.
Se alguns empiristas, o que quer que
pensem das objeções, se recusarem a aceitar
todos os elementos das descrições acima, uma
segunda teoria da verdade, ou grupo de teorias,
é ainda mais difícil de ser caracterizado ou
mesmo de receber um nome. Talvez o termo
misticismo seja o mais apropriado para o anti-
intelectualismo de vários contemporâneos
nossos, tais como Barth, Brunner e alguns
escritores de origem holandesa que, de algum
modo, nos trazem à lembrança os místicos
medievais mais atrasados. Negativamente,
pode-se dizer que eles concordam na sua
rejeição do empirismo, mas uma declaração
positiva sem muitas qualificações pode ser algo
impossível de se formular. No entanto, não se
distorce muito a história afirmando que todos
eles sublinharam uma unidade da verdade e
reagiram contra o atomismo epistemológico.
Eles enfatizaram também a contribuição da
mente humana para o conhecimento
resultante; contudo, não como fez Kant ao usar
de categorias para a formação de julgamentos,
mas sim pela introdução de fatores não-lógicos.
Eles podem estar mais incluídos na afirmação
de Cristo “Eu sou a Verdade”, literalmente, e
eles podem dizer que a verdade não é
proposicional, mas ‘pessoal’. O mais recente
destes escritores na sua tensão sobre
pessoa enfatizou os efeitos noéticos do pecado;
pois se o pecado contamina o homem todo
como uma pessoa unitária e desse modo vicia
os seus processos intelectuais, segue-se que a
verdade que ela constrói ou reconstrói por
meio das suas operações intelectuais não pode
ser pura ou sem contaminação.

Inclinados como eles estão ao misticismo


com suas dependências sobre analogias,
poderiam descrever sua situação
epistemológica pela visão dessa janela. Hoje,
aqui em Luzern, pode-se ver lá embaixo
a Vierwaldstättersee e até o Mount Pilatus. Mas
está chuvoso e muito nublado. Em vez de ver
uma árvore ou uma montanha distintamente, o
turista místico vê o todo confusamente. As
árvores, as montanhas e as nuvem se fundem.
Isso quer dizer que nenhum ser humano pode
ver ou conhecer qualquer verdade única, pura
e distinta, mas apenas ter uma visão turva de
toda a verdade como um todo. Essa visão é
supostamente consistente não só com os
efeitos noéticos do pecado como também com
a infinita glória de Deus. Em torno de Deus
estão nuvens e densas trevas que os olhos
humanos não conseguem perfurar.
Bonaventura nos diz que temos uma
representação global para a qual a intuição está
ausente. E se Deus é a verdade, literalmente e
sem qualificação, obviamente o homem não
pode ter a verdade.

Emil Brunner afirma explicitamente e


aceita uma implicação dessa posição, na qual
outros tem se perdido, ou não têm visto
claramente, ou mesmo tentado repudiar. Na
visão mística intelectual as distinções são
inadequadas e a lógica não pode lidar com a
vida, então segue-se que se Deus pode falar ao
homem, a revelação pode consistir em falsas
proposições. As sentenças na Bíblia podem ser
tanto revelatórias como falsas. De fato, Brunner
poderia ter concluído que toda revelação
proposicional deve ser falsa, pois em todo
Encontro Divino-Humano ele diz que não
apenas palavras, mas o conteúdo intelectual
em si é meramente um quadro ou receptáculo,
e não a coisa real. E há cristãos professos que
disseram publicamente que a mente humana
simplesmente não pode compreender a
verdade em tudo.

Sobre o lado subjetivo do problema


epistemológico, essas objeções são claras.
Quando a unidade da verdade e da
personalidade é tão enfatizada ao ponto que se
deve ser onisciente para saber qualquer coisa,
a teoria de toda a sua piedade superficial é tão
cética quando a de Hume. Mas talvez a
dificuldade sobre o lado subjetivo não é tão
óbvia, e requer uma maior explanação. É que
essa visão não fornece uma definição da
verdade. Naturalmente, se nada é claro e tudo
está nublado, o significado da verdade é
igualmente obscuro. Não só é impossível
distinguir entre uma montanha e uma nuvem,
pois só em virtude das percepções claras e
distintas em um dia ensolarado pode-se crer
que há uma montanha entre aquelas nuvens
obscuras, mas o que é pior, a mente humana
não sabe o significado
de ‘montanha’ e ‘nuvem’, ‘verdade’ e ‘falsidade
’. Esses significados também devem ser itens
claros e distintos do conhecimento puro que a
teoria torna impossível. Isso pode explicar o
apelo aos paradoxos ininteligíveis, vestígios
silenciosos ou analogias voláteis.

Há uma terceira visão sobre a verdade


que tenta escapar destas dificuldades. Ela
poderia ser chamada de apriorismo,
pressuposicionalismo, ou intelectualismo, se
esses termos não estiverem tão
definitivamente ligados à antigos sistemas
específicos. O aspecto subjetivo dessa teoria
requer um corpo de formas a priori ou
verdades como uma garantia contra o
ceticismo. No empirismo a mente começa como
uma folha de papel em branco, e para usar a
frase de Aristóteles, na verdade, não é nada
antes de pensar. Então a sensação fornece os
dados. Mas os aprioristas encontram-se
incapazes de compreender como a verdade
universal e imutável pode ser construída fora
de constantes mudanças particulares. Como
podem as leis da lógica, as quais não são dados
sensoriais, podem ser construídas a partir de
pedaços da experiência quando esses pedaços
devem primeiramente estarem ligados pelas
leis da lógica? Como os supostos dados podem
ter algum significado além das formas lógicas
pressupostas? A classificação de dados, ou até
mesmo de um único dado, pode ser feita
legitimamente apenas através do uso de
princípios universais não contidos em detalhes
momentâneos.

Um cristão que adota essa visão não


descobre que carece de apoio bíblico. A
doutrina reformada da ‘imagem de Deus’ no
homem atribui à mente ou alma humana
características oriundas diretamente do ato da
criação e não da experiência sensorial. A
dotação original do homem continha
conhecimento e justiça. As Escrituras não
descrevem a alma, antes ou depois da queda,
como sendo branca ou efetivamente nada. Este
conhecimento original é tão erradicável que
até mesmo quando um pecador depravado
deseja expulsar Deus da sua mente ele não
pode fazê-lo, mas mantém algum
reconhecimento da sua majestade divina e da
lei moral escrita em seu coração.
É assim que o apriorismo evita o dilema
da onisciência ou do ceticismo. Em vez de
começar com o nada ou falhar em chegar a
proposições universais através das sensações,
e em vez de começar com qualquer coisa e
falhar em explicar nossa presente e extensiva
ignorância, o apriorismo segue um corpo de
princípios primários sobre o qual o
conhecimento pode ser construído.

No lado objetivo do problema também, o


apriorismo ou intelectualismo parece oferecer
menos dificuldades do que as visões
concorrentes. A unidade da verdade é
preservada sem sacrificar a clareza e a
distinção de várias verdades porque a verdade
é concebida como um sistema de verdades.
Enquanto uma pessoa pode saber essa ou
aquela proposição sem conhecer seu lugar no
sistema, a proposição em si é objetivamente
parte de uma lógica inteira. Deriva seu significa
do sistema, embora a pessoa em questão possa
não saber a derivação. Nesse ponto uma
pequena exposição encontra um obstáculo
formidável. Pode-se apressadamente assumir
que quando duas pessoas escrevem ou falam
sobra as mesmas palavras elas expressam as
mesmas proposições. Isso nem sempre é assim,
e depois de um longo e confuso intercâmbio
filosófico parece nunca ser assim. De qualquer
maneira, certos termos e sentenças que são
verbalmente idênticos, na geometria
riemanniana e euclidiana por exemplo, não
expressam a mesma verdade. Sua mensagem
depende dos sistemas dos quais eles são
tomados. O resultado pode ser uma confusão
subjetiva, mas objetivamente a unidade e a
diversidade da verdade são mantidas.

A distinção entre o aspecto subjetivo e


objetivo da questão também permite ao cristão
apriorista fazer justiça aos efeitos noéticos do
pecado. Na filosofia do paradoxo o
conhecimento é tão condicionado pela mente
humana que o resultado nunca pode ser puro
ou verdadeiro. Se Deus fala a nós, o que nós
ouvimos deve ser falso. Nessa terceira visão, a
verdade objetiva de uma proposição não é
afetada pelo pecado. O pecado e a sua culpa se
atribuídos às pessoas, não às proposições. O
poder e o resultado do pecado é encontrado na
confusão subjetiva da discussão filosófica, em
alguns pensamentos, não em todas as
instancias de ignorância, em todos os erros de
lógica, e no uso moral e prático comum no qual
as proposições são colocadas. Parece que essas
esferas são suficientes para os efeitos noéticos
do pecado; mas se alguma coisa foi omitida, não
pode ser a verdade das próprias proposições –
sob a pena de negar a verdade clara e distinta
de que o pecado tem efeitos noéticos.

Em conclusão, a visão empírica do


conhecimento parece envolver o ceticismo. O
misticismo tenta combinar onisciência,
ignorância, paradoxo e uma falsa revelação. E o
Intelectualismo, embora requeira mais
elaboração antes que possa desfrutar de uma
segurança, espera escapar destas armadilhas.

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